Terapia Pressão Negativa

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MESA DO COLÉGIO DA

ESPECIALIDADE EM ENFERMAGEM
MÉDICO-CIRÚRGICA

PARECER N.º 03 / 2016


ASSUNTO: A TERAPIA COM PRESSÃO NEGATIVA É UMA INTERVENÇÃO AUTÓNOMA DE ENFERMAGEM?

1. A QUESTÃO COLOCADA

“…A terapia com pressão negativa é uma intervenção autónoma de enfermagem?”

2. FUNDAMENTAÇÃO

O tratamento de feridas desde sempre se mostrou um desafio para os profissionais de saúde e para o
próprio sistema de saúde. Actualmente, as feridas apresentam elevada prevalência mundial e são
responsáveis por internamentos prolongados, pela diminuição da qualidade de vida dos doentes e da
família, e pelo consequente aumento dos custos na saúde. O tratamento de feridas é um assunto
importante no quotidiano da enfermagem, e em constante evolução.
A definição de ferida é muito abrangente e é possível defini-la de acordo com a visão de cada autor.
Ao longo deste parecer definimos ferida como uma interrupção na integridade cutânea, membranas ou
nos tecidos.
As feridas são consideradas actualmente uma epidemia escondida, que afectam milhões de pessoas em
todo o mundo (estima-se que atinjam cerca de 14 a 22,8% da população mundial) e têm um elevado
impacto tanto a nível individual como económico. É crucial, portanto, saber identificar e tratar
correctamente as feridas, a fim de aumentar a qualidade de vida do doente e economizar recursos
(Santos, 2014).
A terapia por pressão negativa aplicada ao tratamento de feridas tem vindo a ganhar relevância nos
dias de hoje. A sua aplicação remonta a mil anos atrás, sendo utilizada pela primeira vez como
adjuvante em técnicas de acupunctura na medicina chinesa, quando verificado o seu efeito hiperémico
com vantagens a nível da estimulação da circulação. (Santos, 2014).
Actualmente a terapia de pressão negativa pode ser definida como um sistema de tratamento activo
com recurso a tecnologia, embora não invasiva no tratamento de feridas complexas (Bollero et. al,
2010; Marques, Oliveira, Mourão & Luz, 2013). O mecanismo de acção ainda não é totalmente
compreendido, mas acredita-se que em resposta à força mecânica instituída há uma estimulação da
angiogénese, garantindo um adequado aporte sanguíneo que promove a formação de tecido de
granulação, redução de edema local e limitação da infecção. Gustafsson; Sjogren & Ingemansson
(2007) definem o uso de pressão negativa como um material de penso sofisticado, estéril e fechado que
fazem com que o leito da ferida se mantenha húmido, estimulando assim a cicatrização.
Este tipo de terapia está indicado para o tratamento de feridas crónicas, feridas agudas, feridas
traumáticas, deiscências, úlceras de pressão, feridas associada à diabetes e preparação do leito de
feridas numa condição propícia à cicatrização (Marques, Oliveira, Mourão & Luz, 2013). Tem como
vantagens o aumento das taxas de cicatrização, permitindo a preparação do leito da ferida num curto
intervalo de tempo, a diminuição do tempo de hospitalização e consequentemente diminuição da taxa
de infecção e mortalidade (Moffatt & Ágreda, 2007). Proporciona, também, uma melhoria da
qualidade de vida da pessoa com ferida uma vez que, esta pode continuar a terapia em regime de
ambulatório, com todas as vantagens de permanecer no seu meio familiar e social.
Numa revisão sistemática da literatura, Marques, Oliveira, Mourão e Luz (2013) confirmam que a
terapia por pressão negativa proporciona condições para que o organismo abreviasse o processo

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inflamatório, contribuindo significativamente para a evolução da cicatrização e preparou em tempo


hábil, a área lesionada a receber outra opção terapêutica. O mesmo estudo documenta que o uso desta
terapia com pressão negativa em feridas de origem cirúrgica (isolada ou em combinação) também se
mostrou eficiente, diminuindo o tempo de cicatrização.
O uso da pressão negativa não se trata apenas do uso de material de pensos, mas de uma técnica que
exige uma avaliação cuidadosa da ferida e da pessoa, tendo-se presente as contra-indicações desta
técnica, a saber: tecido necrótico com presença de escaras, órgãos ou vasos expostos, fístulas não
exploradas, feridas malignas, problemas de coagulação, osteomielite não tratada e alergia a qualquer
material usado (Bollero et. al, 2010; Henderson et.al, 2010).
Quando se está a planificar usar a pressão negativa para o tratamento de feridas, temos que ter em
conta critérios como o custo benefício, e os objectivos a atingir, realizando-se avaliações periódicas.

3. PROCESSO DE DECISÃO:

A clarificação do espaço de intervenção de Enfermagem, no âmbito dos cuidados de saúde, tem sido
uma preocupação constante da Ordem dos Enfermeiros e que tem conduzido à construção de pareceres
similares e de quadros de referência orientadores do exercício profissional dos Enfermeiros nos
diferentes domínios de acção: Regulamento do Exercício Profissional dos Enfermeiros (REPE) o Código
Deontológico do Enfermeiro; Padrões de Qualidade dos Cuidados de Enfermagem Gerais e
Especializados, e as Competências do Enfermeiro de Cuidados Gerais e do Enfermeiro Especialista nas
diferentes áreas de especialidade.
O exercício profissional dos enfermeiros insere-se num contexto de actuação multiprofissional e
pluridisciplinar onde se enquadram dois tipos de intervenções: i) iniciadas por outros técnicos de saúde,
intervenções interdependentes, realizadas pelos Enfermeiros de acordo com as respectivas qualificações
profissionais, em conjunto com outros técnicos, para atingir um objectivo comum, decorrentes de planos
de acção previamente definidos pelas equipas multidisciplinares em que estão integrados e das
prescrições ou orientações previamente formuladas; e ii) iniciadas pela prescrição do Enfermeiro,
intervenções autónomas, onde o Enfermeiro tem a responsabilidade pela prescrição da intervenção e
sua implementação.
Em ambas os Enfermeiros têm autonomia para decidir sobre a sua implementação, tendo por base os
conhecimentos técnicos e científicos que detêm, a identificação da problemática do beneficiário de
cuidados, os benefícios, os riscos e problemas potenciais que da implementação podem advir, actuando
no melhor interesse da pessoa assistida.
A sociedade não espera que os Enfermeiros tomem decisões sobre o diagnóstico e tratamento da
doença. O foco de atenção do Enfermeiro no exercício da sua profissão é o diagnóstico das respostas
humanas à doença e aos processos de vida, a partir do qual se viabiliza a produção de um processo de
cuidados em parceria com os beneficiários de cuidados, sendo o processo de intervenção baseado na
relação interpessoal. Os Enfermeiros substituem, ajudam e complementam as competências funcionais das
pessoas em situação de dependência na realização das actividades de vida. Nesta perspectiva os
Enfermeiros orientam a sua intervenção para a satisfação das necessidades humanas fundamentais, a
máxima independência na realização das actividades da vida, os processos de readaptação e
adaptação funcional aos défices, ajudando o beneficiário de cuidados a construir o seu projecto de
saúde.
No tratamento de feridas, tal como em qualquer outra actividade implementada pelos Enfermeiros,
estes têm o dever de exercer a profissão com os adequados conhecimentos científicos e técnicos,
adoptando todas as medidas que visem melhorar a qualidade dos cuidados observando os princípios
inerentes à boa práctica, devendo para isso possuir a formação necessária à excelência do exercício
profissional. Salienta-se que as intervenções de Enfermagem não podem ser unicamente circunscritas aos

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conteúdos abordados na formação inicial, sendo a formação contínua um recurso a mobilizar. Neste
sentido, para manter a actualização contínua dos seus conhecimentos, devem, os Enfermeiros, recorrer
não só a estratégias de aprendizagem autodirigida como também fazer uso de outras estratégias
formativas para actualização e aperfeiçoamento profissional.
Compete, igualmente, às organizações e serviços de saúde proporcionar estratégias formativas que
promovam o desenvolvimento profissional dos Enfermeiros e a qualidade dos cuidados de Enfermagem
a prestar à população.
Os Enfermeiros actuam responsavelmente na sua área de competência e reconhecem a especificidade
das outras profissões de saúde, respeitando os limites impostos pela área de competência de cada uma,
trabalhando em articulação e complementaridade com os restantes profissionais.
Entende-se que trabalhar em articulação e complementaridade não significa que os Enfermeiros
substituam cuidados de outros profissionais, devendo actuar no melhor interesse e benefício dos
cidadãos, respeitando o seu direito a cuidados de saúde efectivos, seguros e de qualidade. Devem
ainda os Enfermeiros, sempre que exigível por força das condições do beneficiário de cuidados,
efectuar a referenciação para outros profissionais de Saúde.
Importa salientar que os limites das competências dos profissionais são, em determinadas circunstâncias,
ténues, havendo territórios cinzentos em que não está assim tão claro a quem compete fazer o quê,
porém, os Enfermeiros, no seu exercício, devem garantir a continuidade de cuidados, registando
fielmente as observações e intervenções realizadas, sendo responsáveis pelas decisões que tomam e
pelos actos que praticam e delegam.
Na prestação de cuidados à pessoa com lesões cutâneas o Enfermeiro tem competências para avaliar o
estado de saúde do beneficiário de cuidados e as características das lesões considerando os factores: i)
relacionados com o beneficiário - estado nutricional, patologia prévia, controlo da dor; ii) relacionados
com as lesões – etiologia, tamanho, profundidade, localização anatómica, presença de exsudado, risco
ou presença de sinais de infecção, características da região peri-lesional; e iii) relacionados com a
continuidade do tratamento – indicação, contra-indicação, vantagens e desvantagens.
Neste âmbito, os dados produzidos nas mais diversas instituições de saúde demonstram que, com
elevada frequência, a população recorre ao Enfermeiro para a prestação deste tipo de cuidados e, na
maioria das instituições esta é reconhecida como uma intervenção autónoma. Todavia, a autonomia dos
Enfermeiros não pode, nem deve depender da flutuação de entendimentos e opiniões individuais, em
cada momento e em cada organização.
O REPE clarifica que os Enfermeiros: i) decidem sobre técnicas e meios a utilizar na prestação de
cuidados de enfermagem, potenciando e rentabilizando os recursos existentes, criando a confiança e a
participação activa do indivíduo e família; ii) utilizam técnicas próprias da profissão de enfermagem
com vista à manutenção das funções vitais, nomeadamente (…) a integridade cutânea; iii) emitem
parecer técnico acerca de materiais utilizados na prestação de cuidados de enfermagem; e iv)
participam na elaboração e concretização de protocolos referentes a normas e critérios para
administração de tratamentos e medicamentos.
A existência de um número crescente de Enfermeiros com formação diferenciada, e até pós-graduada
no tratamento de feridas e viabilidade tecidular permite o reconhecimento e a certificação de
competências que conduz a que sejam os profissionais melhor colocados para a avaliação da ferida e a
implementação do tratamento adequado, no entanto, a prestação de cuidados à pessoa com lesões
cutâneas não deve ser vista como um acto isolado, mas sim decorrente de um plano terapêutico, cuja
responsabilidade será compartilhada por uma equipa e não por um único profissional. Decorrente da
situação individual do beneficiário de cuidados, pode haver necessidade da intervenção Médica,
Cirúrgica, de Enfermagem, de Dietistas, ou de outros profissionais identificados na equipa de saúde
para uma melhor referenciação.

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4. CONCLUSÃO

No âmbito das intervenções de Enfermagem, não se pretende definir detalhadamente o que fazer e o
que não fazer, reduzindo a acção dos Enfermeiros a um conjunto de actividades e tarefas, antes sim,
considerar uma intervenção assente numa aplicação efectiva do conhecimento, evidências científicas e
capacidades, indispensáveis no processo de tomada de decisão em Enfermagem.
Os cuidados às pessoas com lesões cutâneas (sejam de que tipo forem) são uma área de actividade
multiprofissional, que nos últimos anos teve um grande desenvolvimento, seja na forma de avaliação das
mesmas, seja nos diferentes produtos a utilizar. As evidências científicas produzidas permitem, numa
leitura “flutuante” dos diferentes periódicos de distribuição nacional/internacional, das actas dos eventos
científicos realizados e das normas de orientação clínica produzidas das modalidades de formações que
são realizadas nos mais diversos contextos (sejam em serviço, em oficinas de formação, em cursos, em
jornadas, em seminários, em congressos, seja até em formação avançada), verifica-se que é uma área
de interesse e de procura de conhecimento por parte dos profissionais de Enfermagem.
Tal como acima explanado a prestação de cuidados à pessoa com lesões cutâneas não deve ser vista
como um acto isolado, mas sim decorrente de um plano terapêutico, cuja responsabilidade será
compartilhada por uma equipa dependendo esta da situação individual do beneficiário de cuidados e
dos objectivos que se pretendem alcançar. Se a decisão do tratamento envolver outros profissionais,
cabendo ao Enfermeiro a implementação do referido tratamento, estaremos perante uma intervenção
interdependente, tal como foi referido anteriormente. Se a decisão do tratamento decorrer de um
processo de avaliação e de tomada de decisão por parte do Enfermeiro, sustentado nos conhecimentos
e experiência, bem como da avaliação do beneficiário de cuidados, estaremos perante uma área de
intervenção autónoma.
Em ambas as situações, há necessidade de uma avaliação adequada, planeamento, execução,
avaliação e documentação, em que o Enfermeiro com formação na área e integrado numa equipa
multidisciplinar, é no nosso entender, o profissional melhor posicionado para dar resposta às
necessidades individuais de quem cuida, sendo sempre e em última análise, autónomo na decisão de dar
continuidade ao tratamento, ou de propor alterações que impliquem a utilização de novas tecnologias
de cuidados, especialmente quando as evidências internacionais demonstram as mais-valias da sua
utilização.
Reiteramos que as questões discutidas no seio da equipa multidisciplinar não devem reduzir-se à
delimitação do que cada um pode realizar; o respeito pela área de competência de cada profissional
envolvido no processo de cuidados demonstra-se, constroi-se e conquista-se no quotidiano da práctica
clínica baseada nas melhores evidências. Não obstante, no caso da prestação de cuidados à pessoa
com lesões cutâneas, a cicatrização é um processo complexo, comum a todas as feridas,
independentemente do agente que a causou, é sistémico e dinâmico e está directamente relacionado às
condições gerais do organismo.
Uma das estratégias a ser utilizada para a gestão de áreas conflituantes é a construção de Guias
Orientadores de Boa Práctica, por grupo pluridisciplinar e fundamentados em evidências científicas. O
trabalho conjunto nesta construção já permite informalmente a complementaridade, a clarificação e o
respeito pela área de competência de cada um.
Não entendemos contudo, que a resolução passe por estabelecer uma hierarquia assente no poder
formal, mas sim na competência, complementaridade, trabalho de equipa e respeito pelo contributo
profissional de cada um dos intervenientes no processo de cuidados, onde a tomada de decisão
considera o melhor interesse e benefício do cidadão; tal significa aquele que, em determinado momento,
é o mais competente para intervir.

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BIBLIOGRAFIA:

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Wound Therap in the Spectrum of Wound Healing - A Guidelines Document. Wounds (suplplement), 1-18.
Ferreira, M. C., Carvalho, V. F., Kamamoto, F., Junior, P. T., & Paggiaro, A. O. (2009). Negative pressure therapy (vacuum) for
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Gustafsson, R., Sjogren, J., & Ingemansson, R. (2007). Visión general del tratamiento con presión tópica negativa. Em E. W.
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Henderson, V., Timmons, J., Hurd, T., Derro, K., Maloney, S., & Sabo, S. (2010). NPWT in everyday practise Made Easy.
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Marques, A. D., Oliveira, L. B., Mourão, L. F., & Luz, M. H. (2013). A Terapia por pressão negativa no tratamento de feridas: uma
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Moffat, C., & Ágreda, J. S. (2007). La presión tópica negativa en el tratamiento de heridas. Em D. d. tratamiento, European
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Santos, J. A. (2014). A Pressão Negativa no tratamento de feridas de Estado de Arte. Universidade da Beira Interior, Ciências da
Saúde. Covilhã: Dissertação para obtenção do grau de mestre em Medicina.

Nos termos do n.º 5 do Artigo 42º do Estatuto da Ordem dos Enfermeiros, alterado e republicado em
Anexo à Lei nº 156/2015, de 16 de Setembro, este parecer é vinculativo.

Relatores(as): MCEEMC
Aprovado em reunião ordinária do dia 05.09.2016
A Presidente da MCEE Médico-Cirúrgica
Enfª Catarina Alexandra Lobão

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