Direitos Humanos Especiais e Violência

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RESUMO DA UNIDADE

Esta unidade analisará os pontos basilares dos Direitos Humanos no que se refere
ao objetivo de combate à violência e ao abuso de poder. A proteção do ser humano
em todos os aspectos inerentes à sua dignidade física, moral e psíquica deve se
estender mesmo às situações em que ele se coloca em confronto com a lei. A
unidade parte do estudo da proteção da pessoa humana em situações de abuso de
poder, detalhando as regras que devem ser seguidas pelos policiais e outros
responsáveis pela aplicação da lei nas situações em que se mostre necessário o uso
da força. Adiante, a unidade aborda a proteção contra a tortura e o desaparecimento
forçado, práticas graves que infelizmente são cometidas por agentes públicos em
certos contextos. Por fim, estudam-se as regras sobre o tratamento de homens e
mulheres reclusas e os meios alternativos à pena privativa de liberdade. O objetivo
desta unidade é propiciar ao acadêmico o conhecimento sobre as normas de direitos
humanos que regulam os limites da atuação do Estado enquanto único legitimado
para uso da força, permitindo que invoque na prática a necessidade de respeito aos
direitos humanos de pessoas em conflito com a lei.
DIREITOS HUMANOS E VIOLÊNCIA
Palavras-chave: Direitos Humanos. Uso da Força. Abuso de Poder. Tortura.
Desaparecimento Forçado. Tratamento de Reclusos.

Todos os direitos são reservados ao Grupo Prominas, de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma
parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada, seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou
gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
SUMÁRIO
RESUMO DA UNIDADE.........................................................................................................1
APRESENTAÇÃO DO MÓDULO .........................................................................................4
CAPÍTULO 1 – POLÍCIA, DIREITOS HUMANOS E ABUSO DE PODER....................6
1.1 POLÍCIA, DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA ................................................6
1.2 CÓDIGO DE CONDUTA PARA OS FUNCIONÁRIOS RESPONSÁVEIS
PELA APLICAÇÃO DA LEI ................................................................................................. 11
1.3 PRINCÍPIOS BÁSICOS SOBRE O USO DA FORÇA E ARMAS DE FOGO
PELOS FUNCIONÁRIOS RESPONSÁVEIS PELA APLICAÇÃO DA LEI................... 16
CAPÍTULO 2 – PROTEÇÃO CONTRA A TORTURA E O DESAPARECIMENTO
FORÇADO ............................................................................................................................. 22
2.1 PROTEÇÃO CONTRA A TORTURA .................................................................. 23
2.1.1 Declaração Internacional sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra a
Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes......... 23
2.1.2 Convenção Internacional contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas
Cruéis, Desumanos ou Degradantes................................................................................. 26
2.1.3 Protocolo Facultativo à Convenção Internacional contra a Tortura e Outros
Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes ....................................... 31
2.1.4 Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura .......................... 33
2.2 PROTEÇÃO CONTRA O DESAPARECIMENTO FORÇADO ....................... 35
2.2.1 Declaração Internacional sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra os
Desaparecimentos Forçados .............................................................................................. 36
2.2.2 Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra os
Desaparecimentos Forçados .............................................................................................. 39
2.2.3 Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas ...
................................................................................................................................... 45
CAPÍTULO 3 – REGRAS PARA TRATAMENTO DE RECLUSOS E
ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA CRIMINAL.................................................................. 49
3.1 REGRAS DE MANDELA....................................................................................... 49
3.1.1 Observações Preliminares.................................................................................... 50
3.1.2 Regras de Aplicação Geral ................................................................................... 51
3.1.3 Regras Aplicáveis a Categorias Especiais......................................................... 67
3.2 REGRAS DE BANGKOK ...................................................................................... 75

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gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
3.2.1 Regras de Aplicação Geral ................................................................................... 76
3.2.2 Regras Aplicáveis a Categorias Especiais......................................................... 80
3.2.3 Medidas não Restritivas de Liberdade ............................................................... 82
3.2.4 Pesquisa, Planejamento, Avaliação e Sensibilização Pública........................ 84
3.3 REGRAS DE TÓQUIO .......................................................................................... 84
3.3.1 Princípios Gerais .................................................................................................... 84
3.3.2 Estágio Anterior ao Julgamento ........................................................................... 86
3.3.3 Estágio de Processo e Condenação ................................................................... 86
3.3.4 Estágio de Aplicação das Penas ......................................................................... 87
3.3.5 Execução das Medidas Não Privativas de Liberdade ...................................... 88
3.3.6 Pessoal .................................................................................................................... 89
3.3.7 Voluntários e Outros Recursos da Comunidade ............................................... 90
3.3.8 Pesquisa, Planejamento, Elaboração e Avaliação das Políticas ................... 90
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 91
REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 93

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APRESENTAÇÃO DO MÓDULO

Uma das bases do sistema jurídico vigente consiste na vedação à autotutela,


de forma que todos os conflitos que surjam no seio da sociedade devem ser
resolvidos por intermédio do Estado. Neste sentido, o Estado é o único legitimado
para utilizar a força para impor determinado comportamento ao indivíduo e também
é o responsável por restringir a liberdade deste indivíduo nas situações mais graves
em que sua conduta exija uma repreensão mais rigorosa.
Tamanho poder que se concentra no Estado é exercido pelos agentes de
segurança pública e, evidentemente, pode ser objeto de abusos. Considerando que
o abuso de poder decorrente do excesso da força e de outras situações é
recorrente, vale estudar esta temática sob o foco dos direitos humanos. Este é o
propósito deste módulo, o qual se intitula “Direitos Humanos e Violência”.
O primeiro ponto desta unidade traz uma teoria geral acerca da relação entre
direitos humanos e força policial, detalhando o papel do agente de segurança
pública de respeito aos direitos humanos da população. Adiante, estudam-se
documentos firmados no âmbito da Organização das Nações Unidas relevantes à
temática do uso da força e de armas de fogo, notadamente: o Código de Conduta
para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei e os Princípios Básicos
sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela
Aplicação da Lei.
O segundo ponto da unidade se volta às situações mais graves em que
agentes do Estado se transmutam em violadores de direitos humanos, quais sejam:
a tortura e o desaparecimento forçado. Neste sentido, o Estado não pode, sob
qualquer justificativa, se transmutar na figura do agressor de direitos.
No terceiro e último ponto a abordagem se volta à postura do Estado quando
um indivíduo comete uma infração que justifique o exercício do Jus Puniendi,
podendo sofrer restrição à liberdade de locomoção. Aborda-se não apenas a
condição da pessoa reclusa, homem ou mulher, mas também o contexto da
substituição das penas privativas de liberdade.
A premissa que se estabelece é a de que a proteção do ser humano em todos
os aspectos inerentes à sua dignidade física, moral e psíquica deve se estender

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mesmo às situações em que ele se coloca em confronto com a lei. Assim, espera-se
do acadêmico derrubar preconceitos que cercam a temática dos direitos humanos e
sua relação com a força policial, impactando na forma como exerce o direito.

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6

CAPÍTULO 1 – POLÍCIA, DIREITOS HUMANOS E ABUSO DE PODER

A força policial se mantém em contato direto com a população para assegurar


a ordem pública e garantir o respeito de direitos humanos em meio à interação entre
indivíduos. Em outras palavras, a vedação à autotutela conduz o Estado como único
legitimado para impor a força, sendo que a polícia tem a atribuição de exercer este
poder. Neste contexto, podem surgir situações de abuso de poder, decorrendo do
excesso no uso da força ou da utilização indevida de armamentos letais.

O poder de polícia deposita em questão a dicotomia: o cidadão com a


vontade de desempenhar seus direitos e a Administração com o múnus de
realizar o exercício desses direitos, utilizando-se de seu poder de polícia.
Infere-se que a Administração se combina em caráter de supremacia frente
aos administrados, haja vista que tal poder a ela conferido fundamenta-se
na predominância do interesse público. De um lado um conjugado de
direitos garantidos aos administrados catalogados com o uso, gozo e
disposição da propriedade e com o exercício da liberdade, do outro, a
precisão da Administração de diminuir tais direitos – pois estes não são sem
1
fim – para se alcançar o bem-estar social e o próprio interesse público .

O poder de polícia não é apenas instrumento para limitar a conduta individual,


mas verdadeira forma de se garantir os direitos de outrem. É dever de o Estado
exercê-lo, mas tal exercício deve se dar de forma proporcional e em respeito aos
direitos humanos, mesmo os da pessoa que busca infringir a lei. Não obstante, a
polícia deve ser referência para os demais membros da sociedade, servindo de
exemplo como garantidora e executora de direitos humanos.

1.1 POLÍCIA, DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA

Cumprir direitos humanos no exercício do poder de polícia é dever dos agentes


policiais, o qual tem uma dimensão cidadã. Sobre tal afirmação, Ricardo Balestreri 2,
com base em sua experiência de quase uma década de parceria no campo da
educação para os direitos humanos junto a policiais e em demais aspectos de sua

1
SIQUEIRA, FABIANA BARBOSA. PODER DE POLÍCIA: PROPORCIONALIDADE E ABUSO DE
PODER. CONTEÚDO JURÍDICO, FEV. 2019.
2
BALESTERI, Ricardo. Direitos humanos: coisa de polícia. Disponível em:
<http://www.mpba.mp.br/atuacao/ceosp/artigos/Balestreri_Direitos_Humanos_Coisa_policia.pdf>.
Acesso em: 03 out. 2013.

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experiência prática, criou uma espécie de guia da atuação da polícia em relação aos
direitos humanos, no texto “Direitos Humanos: coisa de polícia”.
Balestreri 3 considera, desde o início, que o policial é um cidadão e que na
cidadania deve nutrir sua razão de ser, sendo que um cidadão não é diferente do
outro, todos têm a mesma importância e papel social. Destaca-se que o autor utiliza
uma perspectiva ampla de cidadania, não apenas se referindo às pessoas que
possuem formalmente um vínculo jurídico-político de nacionalidade com o Estado e,
em razão dele, exercem direitos políticos. Cidadania pode ser considerada de forma
ampla, como um direito e dever de todos de inserção e contribuição com a
comunidade em que se está inserido, independente do exercício de direitos políticos.
O policial é equiparado a todos os membros da comunidade em direitos e
deveres. Sua condição de cidadania é, portanto, condição primeira, tornando-se
absurda qualquer reflexão fundada sobre suposta dualidade ou antagonismo entre
uma sociedade civil e outra sociedade policial, isto é, a sociedade é uma só,
composta por todos os cidadãos brasileiros e a polícia não forma uma sociedade
paralela. A lógica da Guerra Fria (socialismo/capitalismo) e o período de ditadura
militar brasileiro foram responsáveis por solidificar equívocos que criaram a imagem
da polícia como um inimigo interno. Mesmo após o encerramento desses anos de
paranoia, sequelas ideológicas persistem indevidamente, obstaculizando a prática
dos direitos humanos na seara da atividade policial4.
Embora seja um cidadão equiparado aos demais, não se nega que o policial é
um cidadão qualificado, uma vez que representa o Estado no contato direto com a
população5. Todo cidadão que é designado para desempenho de uma função
pública passa a exteriorizar a imagem que o Estado pretende passar, imagem esta
que tem a ela associado um valor ético. Contudo, não é o Estado que é ético ou não,
mas as pessoas que compõem o seu aparato, entre as quais se destaca o policial,
uma das figuras representativas do Estado que mais ficam aos olhos da população.
A proximidade do policial com a comunidade se deve ao fato dele ser a
autoridade mais comumente encontrada, funcionando assim como uma espécie de
porta voz popular do conjunto de autoridades das diversas áreas do poder. Não

3
Ibid.
4
Ibid.
5
Ibid.

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obstante, o fato de possuir uma rara permissão legal para o uso da força e das
armas confere-lhe natural e destacada autoridade para a construção social ou para
sua devastação para o bem ou para o mal da sociedade 6.
A partir desta perspectiva, Balestreri 7 afirma que o policial é um pedagogo da
cidadania, ressaltando a dimensão pedagógica no agir policial, no sentido de que o
policial é também um formador de opinião, enquadrando-se num conceito mais
amplo de educador. Essa dimensão não pode ser abdicada e reveste de profunda
nobreza a função policial, conferindo o papel de espelho de comportamento para a
sociedade.
Com isso, é possível que os policiais desenvolvam uma autoestima pessoal e
institucional. Em nível pessoal, é fundamental que o cidadão policial se sinta
motivado e orgulhoso de sua profissão, o que só é alcançável a partir de um
patamar de sentido existencial. Se a função policial for esvaziada desse sentido,
transformando quem a exerce em mero cumpridor de ordens sem um significado
pessoalmente assumido como ideário, o resultado será uma autoimagem denegrida
e uma baixa autoestima, gerando perda de qualidade na prestação de serviços
consubstanciada no abuso de poder e no desrespeito aos direitos humanos8.
A dimensão pedagógica da polícia não se confunde com dimensão
demagógica e, em razão disso, não cabe eximir a polícia de sua função técnica de
intervir preventivamente no cotidiano e repressivamente em momentos de crise, uma
vez que democracia nenhuma se sustenta sem a contenção do crime. A atuação
policial é indispensável para as culturas urbanas, complexas e de interesses
conflitantes. Zelar diligentemente, pela segurança pública, pelo direito do cidadão de
ir e vir, de não ser molestado, de não ser saqueado, de ter respeitada sua
integridade física e moral, é dever da polícia 9.
Sem demagogia, a função policial exige a força para ser desempenhada de
forma efetiva. Contudo, o uso legítimo da força não deve se confundir com
truculência. A fronteira entre a força e a violência é delimitada, na seara formal, pela
lei, no âmbito racional pela necessidade técnica e, no campo moral, pelo
antagonismo que deve reger a metodologia de policiais e criminosos. A lei delimita
6
Ibid.
7
Ibid.
8
Ibid.
9
Ibid.

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juridicamente a atuação do policial, mas a moralidade incute no policial o bom senso


que limita suas ações10.
Os limites no uso da força se mostram essenciais para que a visão da
população da polícia seja positiva. Para o inconsciente coletivo, o policial deve ser o
mocinho, adotando procedimentos e atitudes coerentes com a firmeza moralmente
reta, oposta radicalmente aos desvios perversos do outro arquétipo que se lhe
contrapõe o do bandido. Quando a sociedade enxerga o policial como o bandido,
entra numa crise de moralidade decorrente da confusão de arquétipos,
intensificando o processo de violência. O cidadão pensa: se o policial, que deveria
evitar a delinquência, comete crimes, por que seria errado praticar ilícitos? 11
Noutras palavras, a função policial tem uma visibilidade moral da qual se extrai
a importância do exemplo. Uma intervenção policial incorreta gera marcas
traumáticas por anos ou até pela vida inteira, assim como a ação do bom policial
será sempre lembrada positivamente. Zelar pela ordem pública é, acima de tudo, dar
exemplo de conduta ética, para com qualquer pessoa. Ao acreditar que
determinadas pessoas, por terem infringido a lei, merecem um tratamento menos
digno, o policial passa a relativizar seus princípios éticos e de civilidade, rebaixando-
se à posição do criminoso e tendendo a cometer infrações da mesma natureza 12.
A consciência da importância de seu papel obriga o policial a abdicar de
qualquer lógica corporativista, que busque reforçar a distinção da Polícia como uma
corporação alheia à sociedade, autônoma. Ter identidade com a Polícia e amar a
corporação são coisas desejáveis, mas estes sentimentos não podem se prestar a
acobertar práticas abomináveis. A verdadeira identidade policial exige do sujeito um
permanente zelo pela limpeza da instituição da qual participa, não concordando com
práticas desonestas ou ilícitas. Neste ponto, denota-se a oposição entre a ética da
corporação – que na verdade é a negação de qualquer possibilidade ética – com a
ética da cidadania – aquela voltada à missão da polícia junto ao cidadão 13.
Infelizmente, as funções policiais costumam atrair psicopatas em busca do
exercício livre e sem culpas de seu poder sobre outrem. Por isso, os processos de

10
Ibid.
11
Ibid.
12
Ibid.
13
Ibid.

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parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada, seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou
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seleção de policiais devem tornar-se cada vez mais rígidos. Igualmente, é preciso
proporcionar um maior acompanhamento psicológico aos policiais na ativa 14.
O equilíbrio psicológico, tão indispensável na ação da Polícia, passa também
pela saúde emocional da própria instituição. Mesmo que isso não se justifique, é
evidente que policiais maltratados internamente, submetidos a treinamentos
indignos, tendem a descontar sua agressividade sobre o cidadão. Evidentemente,
polícia não funciona sem hierarquia, mas é preciso distinguir hierarquia de
humilhação. Em muitas Academias de Polícia é claro que não em todas, os policiais
parecem ainda ser adestrados, sendo submetidos a toda ordem de maus-tratos. Por
uma contaminação da ideologia militar, os futuros policiais são, muitas vezes,
submetidos a violento estresse psicológico, a fim de lhes conectar com a raiva
contra o inimigo, como é visto muitas vezes o próprio cidadão 15.
Por outro lado, a debilidade hierárquica é também um mal, podendo passar
uma imagem de descaso e desordem no serviço público. Neste sentido, é criticável
a falta de legislações uniformes aplicáveis às instituições policiais. Enquanto um
melhor direcionamento não ocorre em plano nacional, é fundamental que os Estados
e instituições da Polícia Civil direcionem de maneira estratégica o processo de
maneira a unificar sob-regras claras a conduta do conjunto de seus agentes16.
A superação desses desvios poderia dar-se, ao menos parcialmente, pelo
estabelecimento de conteúdos e metodologias padrão na formação de todas as
polícias, privilegiando a formação do juízo moral, as ciências humanísticas e a
tecnologia como contraponto de eficácia à incompetência da força bruta. Um bom
currículo e professores habilitados não somente nos conhecimentos técnicos, mas
também nas artes didáticas e no relacionamento interpessoal, são essenciais para a
geração de policiais que atuem de acordo com a lei e a ordem hierárquica, assim
como conforme a autonomia moral e intelectual17.

14
Ibid.
15
Ibid.
16
Ibid.
17
Ibid.

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parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada, seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou
gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
11

SAIBA MAIS
Filme sobre o assunto: Tropa de Elite (2007, drama/policial, 120 m., direção por
José Padilha).
Acesse o link:
http://dhnet.org.br/dados/livros/edh/a_pdf/livro_balestreri_dh_coisa_policia.pdf

1.2 CÓDIGO DE CONDUTA PARA OS FUNCIONÁRIOS RESPONSÁVEIS PELA


APLICAÇÃO DA LEI

No campo dos direitos humanos internacionalizados, merece destaque o


Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei,
adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua Resolução n.º 34/169, de
17 de dezembro de 1979, o qual é aplicável a Delegados, Policiais e outras
autoridades que de alguma forma apliquem a lei.
Em se tratando de uma resolução da ONU, não se configura como um tratado
internacional, de forma que não cria instrumentos e mecanismos específicos para
impor seu cumprimento. Por seu turno, não depende de assinatura e ratificação dos
Estados para se colocar ao menos como um referencial para todos os países das
Nações Unidas. Dele se extraem valores e diretrizes gerais a serem adotados por
forças policiais de todo mundo.
Desde logo, o Código fixa em seu artigo 1 o: “Os funcionários responsáveis pela
aplicação da lei devem sempre cumprir o dever que a lei lhes impõe, servindo a
comunidade e protegendo todas as pessoas contra atos ilegais, em conformidade
com o elevado grau de responsabilidade que a sua profissão requer”18.

A todos os funcionários responsáveis por aplicar a lei, isto é, os que


exerçam poderes policiais, especialmente de detenção ou prisão, aplica-se
o dever de respeitar a lei no exercício de suas funções e de desempenhar
suas atividades em benefício do interesse público. Trata-se de
responsabilidade relevante, razão pela qual se cobra uma postura ética
19
exemplar .

18
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Código de Conduta para os Funcionários
Responsáveis pela Aplicação da Lei. Resolução AG-ONU n. 34/169, de 17 de dezembro de 1979.
19
OLIVEIRA, Bruna Pinotti Garcia; LAZARI, Rafael de. Manual de Direitos Humanos. 5. ed. Salvador:
Juspodivm, 2019, p. 512.

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12

O artigo 2º traz uma fórmula genérica, com o seguinte teor: “No cumprimento
do dever, os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem respeitar e
proteger a dignidade humana, manter e apoiar os direitos humanos de todas as
pessoas”20. Além de cumprirem a lei, estes funcionários policiais devem proteger a
dignidade da pessoa humana, assegurando os direitos humanos.
Adiante, no artigo 3º se estabelecem os limites para o uso da força: “Os
funcionários responsáveis pela aplicação da lei só podem empregar a força quando
estritamente necessária e na medida exigida para o cumprimento do seu dever”21.

O emprego da força por parte dos funcionários responsáveis pela aplicação


da lei deve ser excepcional. Embora se admita que estes funcionários, de
acordo com as circunstâncias, possam empregar uma força razoável, de
nenhuma maneira ela poderá ser utilizada de forma desproporcional ao
legítimo objetivo a ser atingido. O emprego de armas de fogo é considerado
uma medida extrema; devem-se fazer todos os esforços no sentido de
restringir seu uso, especialmente contra crianças. Em geral, armas de fogo
só deveriam ser utilizadas quando um suspeito oferece resistência armada
ou, de algum outro modo, põe em risco vidas alheias e medidas menos
drásticas são insuficientes para dominá-lo. Toda vez que uma arma de fogo
for disparada, deve-se fazer imediatamente um relatório às autoridades
22
competentes .

Neste sentido, o emprego da força, inclusive no que se refere ao uso de armas


de fogo, mas não apenas, deve ser proporcional e necessário. A necessidade
decorre de não existir outra forma que não o uso da força para conter a situação em
específico, ao passo que a proporcionalidade demanda que o bem jurídico ofendido
no contexto seja relevante a ponto de justificar o uso da violência para fazer cessar
sua agressão.
No artigo 4o, por seu turno, destaca-se a necessidade de manutenção do sigilo
dos assuntos de natureza confidencial. Adiante, no artigo 5º evidencia-se a
correlação entre a prática da tortura e o abuso de autoridade:

Nenhum funcionário responsável pela aplicação da lei pode infligir, instigar


ou tolerar qualquer ato de tortura ou qualquer outro tratamento ou pena
cruel, desumano ou degradante, nem nenhum destes funcionários pode
invocar ordens superiores ou circunstâncias excepcionais, tais como o
estado de guerra ou uma ameaça de guerra, ameaça à segurança nacional,

20
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Código de Conduta para os Funcionários
Responsáveis pela Aplicação da Lei... Op. Cit.
21
Ibid.
22
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Coordenação de Estudos Legislativos –
CEDI. Comentários à Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei. Disponível
em: < http://www.mpsp.mp.br>. Acesso em: 01 nov. 2019.

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parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada, seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou
gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
13

instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública, como


justificativa para torturas ou outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos
23
ou degradantes .

O artigo 6º frisa o direito à saúde de todas as pessoas sob a guarda dos


agentes de segurança pública, adotando medidas imediatas para assegurar a elas
cuidados médicos imediatos sempre que necessário.
Retomando a lógica do artigo 5o, obsta-se no artigo 7º a prática de atos de
corrupção, cabendo ao funcionário não somente deixar de praticá-los, mas também
opor-se a eles e combatê-los. Em verdade, a corrupção e o abuso de autoridade são
práticas que geram efeitos semelhantes e, às vezes, se configuram
simultaneamente.

Qualquer ato de corrupção, tal como qualquer outro abuso de autoridade, é


incompatível com a profissão dos funcionários responsáveis pela aplicação
da lei. A lei deve ser aplicada com rigor a qualquer funcionário que cometa
um ato de corrupção. Os governos não podem esperar que os cidadãos
respeitem as leis se estas também não foram aplicadas contra os próprios
24
agentes do Estado e dentro dos seus próprios organismos .

Finaliza-se, no artigo 8º, com o dever de respeito ao Código e o dever de


oposição a práticas de violação presenciadas, em especial pelo exercício de
comunicação à autoridade competente.

As disposições contidas neste Código serão observadas sempre que


tenham sido incorporadas à legislação nacional ou à sua prática; caso a
legislação ou a prática contiverem disposições mais limitativas do que as
deste Código, devem observar-se essas disposições mais limitativas.
Subentende-se que os funcionários responsáveis pela aplicação da lei não
devem sofrer sanções administrativas ou de qualquer outra natureza pelo
fato de terem comunicado que houve, ou que está prestes a haver, uma
violação deste Código; como em alguns países os meios de comunicação
social desempenham o papel de examinar denúncias, os funcionários
responsáveis pela aplicação da lei podem levar ao conhecimento da opinião
pública, através dos referidos meios, como último recurso, as violações a
este Código. Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei que
cumpram as disposições deste Código merecem o respeito, o total apoio e a
colaboração da sociedade, do organismo de aplicação da lei no qual servem
25
e da comunidade policial .

23
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Código de Conduta para os Funcionários
Responsáveis pela Aplicação da Lei... Op. Cit.
24
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO... Op. Cit.
25
Ibid.

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parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada, seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou
gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
14

Em complemento ao Código, surgiram os Princípios orientadores para a


Aplicação Efetiva do Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela
Aplicação da Lei, adotados pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas
na sua Resolução nº 1.989/61, de 24 de maio de 1989, dividindo-se em duas partes:
a primeira, sobre a aplicação do Código, conta com princípios gerais e questões
específicas; a segunda, sobre a implementação do Código, aborda tal perspectiva
no âmbito nacional e no âmbito internacional26.
Quanto à aplicação do Código, os princípios gerais descrevem a necessidade
de incorporação dos princípios consagrados no Código de Conduta às legislações
dos países. Além disso, destaca-se que a expressão “funcionários responsáveis pela
aplicação da lei” deve ser interpretada da forma mais ampla possível, aplicando-se o
Código em todos os domínios de competência para a atuação destes funcionários.
Destaca-se, ainda, o quarto parágrafo dos princípios gerais de aplicação:

4. Os Governos devem adotar as medidas necessárias para que os


funcionários responsáveis pela aplicação da lei recebam instrução, no
âmbito da formação de base e de todos os cursos posteriores de formação
e de aperfeiçoamento, sobre as disposições da legislação nacional relativas
ao Código assim como outros textos básicos sobre a questão dos direitos
27
do homem .

Ao abordar questões específicas, num primeiro ponto se destaca o dever dos


Estados de promover adequada seleção, educação e formação dos funcionários
responsáveis pela aplicação da lei. Após, coloca-se a necessidade de conferir
remuneração e conduções de trabalho compatíveis com a importância do papel
destes funcionários na sociedade. Ainda, destaca-se que é preciso assegurar a
disciplina interna e a supervisão mediante controle externo destes funcionários. Por
fim, fixa-se que devem ser abertos canais para a apresentação de queixas por
particulares.

II. Implementação do Código:


A. Em âmbito nacional:
1. O Código deve estar à disposição de todos os funcionários responsáveis
pela aplicação da lei e das autoridades competentes na sua própria língua.

26
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Princípios Orientadores para a aplicação do
Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei. Resolução do
Conselho Econômico e Social da ONU n. 34/169, de 24 de maio de 1989.
27
Ibid.

Todos os direitos são reservados ao Grupo Prominas, de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma
parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada, seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou
gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
15

2. Os Governos devem difundir o Código e todas as leis internas que


estabeleçam a sua aplicação de forma a assegurar que o público em geral
tome conhecimento dos princípios e direitos aí contidos.
3. No âmbito do estudo de medidas destinadas a promover a aplicação do
Código, os Governos devem organizar simpósios sobre o papel e as
funções dos funcionários responsáveis pela aplicação da lei na proteção
28
dos direitos do homem e na prevenção do crime .

Para a implementação do Código, devem ser tomadas medidas no âmbito de


cada país, disponibilizando e difundindo o Código, bem como tomando medidas para
que seja efetivamente aplicado. A atuação nacional não exclui a internacional, sobre
a qual os Princípios Orientadores abordam:

II. Implementação do Código


B. Em âmbito internacional:
1. Os Governos devem informar o Secretário-Geral, em intervalos
apropriados de, pelo menos, cinco anos, sobre os progressos na
implementação do Código.
2. O Secretário-Geral deve preparar relatórios periódicos sobre o progresso
conseguido na implementação do Código, baseando-se igualmente nas
observações e na cooperação de agências especializadas e de
organizações intergovernamentais e não governamentais competentes,
dotadas de estatuto consultivo junto do Conselho Econômico e Social.
3. Como parte dos relatórios acima mencionados, os Governos devem
fornecer ao Secretário-Geral cópias de resumos de leis, regulamentos e
medidas administrativas relacionadas com a aplicação do Código, qualquer
outra informação pertinente sobre a sua implementação, assim como
informação sobre eventuais dificuldades com que se tiverem deparado na
sua aplicação.
4. O Secretário-Geral deve submeter os acima mencionados relatórios ao
Comitê para a Prevenção do Crime e a Luta contra a Delinquência para que
este os examine e tome as medidas que se afigurem apropriadas.
5. O Secretário-Geral deve comunicar o texto do Código e dos presentes
princípios orientador a todos os Estados e organizações
intergovernamentais e não governamentais interessadas, em todas as
línguas oficiais da Organização das Nações Unidas.
6. A Organização das Nações Unidas, no âmbito dos seus serviços
consultivos e dos seus programas de cooperação técnica e de
desenvolvimento, deve:
a) Pôr à disposição dos Governos que os solicitem, os serviços de peritos e
consultores regionais e inter-regionais para ajudá-los a implementar as
disposições do Código;
b) Promover a organização de seminários nacionais e regionais de
formação e de outras reuniões sobre o Código e sobre o papel e funções
dos funcionários responsáveis pela aplicação da lei, na proteção dos
direitos do homem e na prevenção do crime.
7. Os institutos regionais da Organização das Nações Unidas serão
encorajados a organizar seminários e cursos práticos de formação sobre o
Código e a estudar em que medida o Código se encontra implementados
29
nos países da região e quais são as dificuldades encontradas .

28
Ibid.
29
Ibid.

Todos os direitos são reservados ao Grupo Prominas, de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma
parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada, seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou
gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
16

Assim, cria-se uma espécie de sistema de relatórios, o que não é usual em


documentos de soft law como resoluções da ONU. Tais relatórios possuem um
caráter puramente informativo, mantendo a ONU a par da situação concreta de cada
Estado-membro no que tange à aplicação da lei pela força policial. Sem prejuízo,
apontam-se outras medidas de controle e aperfeiçoamento, inclusive por meio do
estudo.

FIQUE ATENTO
A Observação Geral n.º 35 do Comitê de Direitos Humanos da ONU destaca que os
Estados devem prevenir o uso injustificado da força nas atividades de manutenção
da ordem pública e oferecer uma reparação se ele ocorrer, tal como proteger a
população contra abusos das forças de segurança privadas e contra os riscos
gerados pela disponibilidade excessiva de armas de fogo.
Para saber mais sobre o assunto, acesse:
https://tbinternet.ohchr.org/_layouts/15/treatybodyexternal/Download.aspx?symbolno
=CCPR%2fC%2fGC%2f35&Lang=en

1.3 PRINCÍPIOS BÁSICOS SOBRE O USO DA FORÇA E ARMAS DE FOGO


PELOS FUNCIONÁRIOS RESPONSÁVEIS PELA APLICAÇÃO DA LEI

Os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos


Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei foram adotados pelo Oitavo
Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos
Delinquentes, realizado em Havana, Cuba, de 27 de agosto a 7 de setembro de
1999. Trata-se de documento correlato ao Código de Conduta estudado no ponto
anterior, tanto que faz expressa referência em seu preâmbulo ao artigo 10 deste.
Dentre outros pontos, frisa-se o dever do Estado de promover estrutura para o
desenvolvimento de armas não letais e para o fornecimento de equipamentos de
defesa aos funcionários.

Sempre que a arma de fogo for utilizada gerando lesão ou morte, deve ser
elaborado relatório (princípio 6, com aspectos procedimentais trazidos dos
princípios 22 a 26), o que serve para coibir o abuso de autoridade. Por sua
vez, o abuso de autoridade deve ser punido como crime nos termos da lei
(princípio 7). Para evitar tais práticas, dos princípios 18 a 21 dispõe-se

Todos os direitos são reservados ao Grupo Prominas, de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma
parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada, seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou
gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
17

acerca das habilitações, formação e aconselhamento que devem ser


prestadas aos funcionários para que respeitem a lei e os direitos humanos
30
no exercício de suas funções .

O princípio 1 fixa desde logo o dever dos Estados e governos de adoção e


aplicação de regras sobre a utilização da força e de armas de fogo contra as
pessoas por parte de funcionários responsáveis pela aplicação da lei. Já o princípio
2 aborda:

Os Governos e os organismos de aplicação da lei devem desenvolver um


leque de meio tão amplo quanto possível e habilitar os funcionários
responsáveis pela aplicação da lei com diversos tipos de armas e de
munições, que permitam uma utilização diferenciada da força e das armas
de fogo. Para o efeito, deveriam ser desenvolvidas armas neutralizadoras
não letais, para uso nas situações apropriadas, tendo em vista limitar de
modo crescente o recurso a meios que possam causar a morte ou lesões
corporais. Para o mesmo efeito, deveria também ser possível dotar os
funcionários responsáveis pela aplicação da lei de equipamentos
defensivos, tais como escudos, viseiras, coletes antibalas e veículos
blindados, a fim de se reduzir a necessidade de utilização de qualquer tipo
31
de armas .

O policial pode recorrer menos ao uso da força se sentir que sua segurança
está protegida, motivo pelo qual são essenciais os adequados meios de defesa. Por
seu turno, a importância do desenvolvimento de armas não letais está em possibilitar
que o policial utilize a força do armamento quando necessário, obstando a
continuidade da ação delitiva, sem que isso gere o resultado morte do suposto
agressor. Ressalta-se que o uso de armamentos não letais também sofre restrições
no que tange à necessidade e à proporcionalidade princípio 3.
Merecem destaque os princípios 4 e 5, delimitando o uso de armas de fogo:

4. Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei, no exercício das suas


funções, devem, na medida do possível, recorrer a meios não violentos
antes de utilizarem a força ou armas de fogo. Só poderão recorrer à força
ou a armas de fogo se outros meios se mostrarem ineficazes ou não
permitirem alcançar o resultado desejado.
5. Sempre que o uso legítimo da força ou de armas de fogo seja
indispensável, os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem: a)
utilizá-las com moderação e a sua ação deve ser proporcional à gravidade
da infração e ao objetivo legítimo a alcançar; b) esforçar-se por reduzirem
ao mínimo os danos e lesões e respeitarem e preservarem a vida humana;
c) assegurar a prestação de assistência e socorros médicos às pessoas

30
OLIVEIRA, Bruna Pinotti Garcia; LAZARI, Rafael de... Op. Cit. , p. 513.
31
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas
de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei. Oitavo Congresso das Nações
Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, 7 de setembro de 1990.

Todos os direitos são reservados ao Grupo Prominas, de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma
parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada, seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou
gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
18

feridas ou afetadas, tão rapidamente quanto possível; d) assegurar a


comunicação da ocorrência à família ou pessoas próximas da pessoa ferida
32
ou afetada, tão rapidamente quanto possível .

Caso resulte em lesão ou morte o uso de armas de fogo, deve ser elaborado
relatório às autoridades competentes princípio 6. O uso abusivo de tais armas
também deve ser punido, cabendo aos Estados considerá-lo criminoso princípio 7.
Estes princípios básicos 1 a 7 nunca podem ser derrogados, nem sob a justificativa
de instabilidade política interna ou estado de emergência princípio 8.
Já nas disposições especiais, os princípios 9 e 10 complementam os princípios
4 e 5:

9. Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei não devem fazer uso


de armas de fogo contra pessoas, salvo em caso de legítima defesa, defesa
de terceiros contra perigo iminente de morte ou lesão grave, para prevenir
um crime particularmente grave que ameace vidas humanas, para proceder
à detenção de pessoa que represente essa ameaça e que resista à
autoridade, ou impedir a sua fuga, e somente quando medidas menos
extremas se mostrem insuficientes para alcançarem aqueles objetivos. Em
qualquer caso, só devem recorrer intencionalmente à utilização letal de
armas de fogo quando isso seja estritamente indispensável para proteger
vidas humanas.
10. Nas circunstâncias referidas no princípio 9, os funcionários responsáveis
pela aplicação da lei devem identificar-se como tal e fazer uma advertência
clara da sua intenção de utilizarem armas de fogo, deixando um prazo
suficiente para que o aviso possa ser respeitado, exceto se esse modo de
proceder colocar indevidamente em risco a segurança daqueles
responsáveis, implicar um perigo de morte ou lesão grave para outras
pessoas ou se se mostrar manifestamente inadequado ou inútil, tendo em
33
conta as circunstâncias do caso .

Finalizando as disposições especiais, o princípio 11 fixa que as normas dos


Estados que regulem a utilização de armas de fogo devem conter disposições sobre:
circunstâncias nas quais os funcionários responsáveis pela aplicação da lei são
autorizados a transportar armas de fogo; tipos de armas de fogo e munições
autorizados; uso de armas de fogo apenas nas circunstâncias adequadas,
reduzindo-se o risco de danos inúteis; proibição de armas e munições que causem
lesões desnecessárias ou representem um risco injustificado; controle,
armazenamento e distribuição de armas de fogo e outros procedimentos de
prestação de contas; advertências aplicáveis; e sistema de relatório de ocorrências.

32
Ibid.
33
Ibid.

Todos os direitos são reservados ao Grupo Prominas, de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma
parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada, seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou
gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
19

Sobre a manutenção da ordem em caso de reuniões ilegais, o princípio 12


lembra que é direito de todos a liberdade de associação pacífica, de forma que os
princípios 13 e 14 fixam os limites para o uso da força em situações nas quais tal
direito esteja sendo exercido:

13. Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem esforçar-se


por dispersar as reuniões ilegais, mas não violentas, sem recurso à força e,
quando isso não for possível, limitar a utilização da força ao estritamente
necessário.
14. Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei só podem utilizar
armas de fogo para dispersarem reuniões violentas se não for possível
recorrer a meios menos perigosos, e somente nos limites do estritamente
necessário. Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei não devem
utilizar armas de fogo nesses casos, salvo nas condições estipuladas no
34
princípio 9 .

A observância destes princípios básicos na contenção de manifestações tem


se mostrado difícil na prática, sendo usuais os relatos de abuso de força.
Dos princípios 15 a 17 trata-se da manutenção da ordem entre pessoas detidas
ou presas, que deve se dar sem uso da força, salvo situações excepcionais, logo,
não se aplica violência contra quem já está detido, pois não é necessária. Não
obstante, devem ser respeitadas as Regras Mínimas para o Tratamento de Presos.
Entre os princípios 18 e 21 aborda-se a temática das habilitações, formação e
aconselhamento. Neste sentido, a seleção dos funcionários responsáveis pela
aplicação da lei deve ser adequada, dentre pessoas que possuam qualidades
morais e aptidões psicológicas e físicas exigidas para o bom desempenho das suas
funções e que recebam uma formação profissional contínua e completa princípio 18.
Estes funcionários devem receber formação especial e serem submetidos a testes
de acordo com normas de avaliação adequadas sobre a utilização da força princípio
19. Sobre tal formação, prevê o princípio 20:

Na formação dos funcionários responsáveis pela aplicação da lei, os


Governos e os organismos de aplicação da lei devem conceder uma
atenção particular às questões de ética policial e de direitos do homem, em
particular no âmbito da investigação, aos meios de evitar a utilização da
força ou de armas de fogo, incluindo a resolução pacífica de conflitos, ao
conhecimento do comportamento de multidões e aos métodos de
persuasão, de negociação e mediação, bem como aos meios técnicos,
tendo em vista limitar a utilização da força ou de armas de fogo. Os

34
Ibid.

Todos os direitos são reservados ao Grupo Prominas, de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma
parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada, seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou
gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
20

organismos de aplicação da lei deveriam rever o seu programa de formação


35
e procedimentos operacionais, em função de incidentes concretos .

Adiante, finalizando a seção, no princípio 21 fixa-se que deve ser garantido aos
funcionários responsáveis pela aplicação da lei aconselhamento psicológicos.
A última parte dos princípios aborda os procedimentos de comunicação
hierárquica e de inquérito, nos termos dos princípios 22 a 26. De início, coloca-se
que devem ser estabelecidos procedimentos adequados de comunicação
hierárquica e de inquérito para situações de uso de armas de fogo gere lesão ou
morte princípio 22.
Garante-se o direito das pessoas contra as quais seja utilizada a força ou
armas de fogo e de seus representantes autorizados de ter acesso a um processo
independente, em particular um processo judicial princípio 23; tal como a
responsabilização dos funcionários superiores nos casos em que o uso ilícito ou
abusivo da força por seus funcionários foi autorizado por eles, era de conhecimento
deles ou não foi objeto de intervenção da parte deles princípio 24; além da não
punição criminal ou disciplinar de funcionários que recusem cumprir uma ordem de
utilização da força ou armas de fogo ou denunciem essa utilização por outros
funcionários princípio 25. Por fim, entabula o princípio 26:

A obediência a ordens superiores não pode ser invocada como meio de


defesa se os responsáveis pela aplicação da lei sabiam que a ordem de
utilização da força ou de armas de fogo de que resultaram a morte ou
lesões graves era manifestamente ilegal e se tinham uma possibilidade
razoável de recusar cumpri-la. Em qualquer caso, também existe
36
responsabilidade da parte do superior que proferiu a ordem ilegal .

O dever de obedecer a estes princípios no que se refere ao uso da força e de


armas de fogo não se exclui sob o argumento da obediência hierárquica, nem se
justifica qualquer tipo de abuso com base na excepcionalidade da situação.

FIQUE ATENTO
A Observação Geral nº 36 do Comitê de Direitos Humanos da ONU destaca é dever
dos Estados monitorar o impacto no direito à vida de armas menos letais, entre eles

35
Ibid.
36
Ibid.

Todos os direitos são reservados ao Grupo Prominas, de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma
parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada, seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou
gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
21

dispositivos que causam contrações nos músculos por meio de choques elétricos
(taser), balas metálicas revestidas de borracha e projéteis de energia atenuada,
frisando a necessidade de treinamento para o uso destes armamentos de menor
letalidade. Adiante, a observação destaca que o uso de força letal por pessoa que
esteja agindo em legítima defesa própria ou de terceiro deve ser razoável e
necessário, como último recurso após a consideração de alternativas menos letais.
Assim, a quantidade de força aplicada não deve exceder o estritamente necessário
para responder à ameaça; a força aplicada deve ser cuidadosamente direcionada
somente contra o agressor; e a ameaça a que responde deve ser extrema, havendo
perigo de morte iminente ou de ferimentos graves, não bastando que o crime em
relação ao qual se pretende defender recaia sob patrimônio e nem que o agressor
esteja empreendendo fuga se esta não gerar risco à vida ou à integridade de
terceiros.
Para saber mais sobre o assunto, acesse:
https://tbinternet.ohchr.org/Treaties/CCPR/Shared%20Documents/1_Global/CCPR_
C_GC_36_8785_E.pdf

Todos os direitos são reservados ao Grupo Prominas, de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma
parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada, seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou
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22

CAPÍTULO 2 – PROTEÇÃO CONTRA A TORTURA E O DESAPARECIMENTO


FORÇADO

No campo do direito internacional dos direitos humanos existem duas práticas


de especial gravidade que podem ser perpetradas por agentes do Estado ou por
pessoas ou grupos de pessoas agindo com a autorização, apoio ou aquiescência do
Estado: a tortura e o desaparecimento forçado.
Tanto a tortura quanto o desaparecimento forçado são práticas que violam
múltiplos direitos humanos. Embora a tortura viole predominantemente o direito à
vida no que se refere ao direito à integridade física e moral, também afeta a
liberdade e, de forma ampla, a dignidade humana. Já o desaparecimento forçado
pode ser apontado como uma prática que atenta contra a liberdade de locomoção,
mas também contra a vida, a integridade física e psíquica tanto da vítima quanto de
seus familiares, além da dignidade da pessoa humana. No mais, ambas as práticas
representam violação do princípio da legalidade e configuram práticas de abuso do
poder estatal.
Em verdade, tais práticas se relacionam, uma vez que a tortura implica na
submissão de uma pessoa a sofrimento extremo físico ou mental e o
desaparecimento forçado gera um sofrimento com tal característica, conforme
entendeu a Alta Comissária da ONU para Direitos Humanos ao tempo da entrada
em vigor da Convenção Internacional para Proteção de Todas as Pessoas Contra o
Desaparecimento Forçado, Navi Pillay37:

Uma importante lacuna legal na legislação internacional dos direitos


humanos foi preenchida na luta contra o desaparecimento forçado, um dos
crimes mais graves e angustiantes em nível internacional. Essa inovadora
convenção fornece um quadro internacional sólido para acabar com a
impunidade e lutar pela justiça e, como resultado, esperamos que tenha um
significativo efeito impeditivo. Ela deverá fornecer aos amigos e aos
familiares das vítimas impulso significativo em seus esforços para descobrir
o que aconteceu a seus amados. A dor de não saber, às vezes por
décadas, se alguém está saudável ou sofrendo, ou mesmo se está vivo ou
morto, é aflitiva – quase uma forma de tortura.

37
DESAPARECIMENTOS FORÇADOS: Convenção internacional entra em vigor. UNIC Rio, 24 nov.
2010. Disponível em: <http://unicrio.org.br/desaparecimentos-forcados-convencao-internacional-entra-
em-vigor/>. Acesso em: 03 nov. 2019.

Todos os direitos são reservados ao Grupo Prominas, de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma
parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada, seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou
gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
23

Devido à peculiar gravidade das circunstâncias envoltas em tais práticas e da


configuração de violência extrema contra a pessoa humana, o direito internacional
dos direitos humanos se preocupa em abordá-las em declarações e tratados
internacionais específicos, sendo que esta atenção se estende aos âmbitos
interamericano e nacional, com alguns caracteres distintivos.

2.1 PROTEÇÃO CONTRA A TORTURA

O artigo V da Declaração Universal dos Direitos Humanos dispõe que:


“Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou
degradante”38. No mesmo sentido, o artigo 7º do Pacto Internacional de Direitos
Civis e Políticos: “Ninguém poderá ser submetido à tortura, nem a penas ou
tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Será proibido, sobretudo, submeter
uma pessoa, sem seu livre consentimento, a experiências médicas ou científicas”39.
Verifica-se que o artigo 7o, PIDCP especifica uma forma de tortura, que é a
submissão a experiências médicas e científicas, que foram comuns no período do
holocausto – o que se proíbe não é a realização de experiências em si, mas que
estas ocorram sem consentimento.
A partir da normatização genérica da vedação à tortura, tanto na Declaração
Universal quanto num dos tratados internacionais dela decorrente, as Nações
Unidas se preocupam em especificar as nuances de tal proibição.

2.1.1 Declaração Internacional sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra a


Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes
O primeiro documento a surgir sobre a temática da vedação à tortura foi a
Declaração sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra a Tortura e Outras Penas
ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adotada pela Assembleia
Geral da ONU em 9 de dezembro de 1975. Na qualidade de resolução das Nações
Unidas, trata-se de um documento de soft law, sem caráter coativo. Entretanto,

38
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Resolução AG-ONU nº 217-A-III/1948. Disponível em:
<http://www.dhnet.org.br/direitos/deconu/textos/integra.htm>. Acesso em: 03 nov. 2019.
39
Id. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos , de 16 de dezembro de 1966. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm>. Acesso em: 03 nov. 2019.

Todos os direitos são reservados ao Grupo Prominas, de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma
parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada, seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou
gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
24

lançou as bases para o tratado internacional que se firmou pouco mais de uma
década depois.
A Declaração, em seu artigo 1º, no qual se considera a tortura como uma forma
agravada e deliberada de tratamento ou de pena cruel, desumana ou degradante,
conceitua:

Sob os efeitos da presente declaração, será entendido por tortura todo ato
pelo qual um funcionário público, ou outra pessoa a seu poder, inflija
intencionalmente a uma pessoa penas ou sofrimentos graves, sendo eles
físicos ou mentais, com o fim de obter dela ou de um terceiro informação ou
uma confissão, de castigá-la por um ato que tenha cometido ou seja
suspeita de que tenha cometido, ou de intimidar a essa pessoa ou a outras.
Não serão consideradas torturas as penas ou sofrimentos que sejam
consequência única da privação legítima da liberdade, ou seja, inerentes ou
incidentais a esta, na medida em que estejam em acordo com as Regras
40
Mínimas para o Tratamento dos Reclusos .

Na Declaração o conceito de tortura é subdividido em uma série de aspectos:


quanto ao sujeito ativo, apenas pode ser perpetrada por funcionário público ou outra
pessoa sob seu poder; quanto ao sujeito passivo, tem que ser direcionada contra
pessoa; quanto ao dolo específico, ou seja, a finalidade para a qual o dolo é
direcionado pode servir para obtenção de informação ou confissão, castigo ou
intimidação; quanto à natureza do sofrimento imposto, pode ser físico ou mental.
Pelo mesmo dispositivo, a pena privativa de liberdade que seja aplicada em
obediência à lei, ou seja, sem arbitrariedade, em respeito aos direitos humanos
consagrados nas Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos, não é tortura.
Adiante, o artigo 2o ressalta que todo ato de tortura deve ser considerado uma
ofensa à dignidade da pessoa humana e uma violação aos princípios consagrados
pelas Nações Unidas, de onde se extrai sua vedação absoluta, reforçada no artigo
3o:
Nenhum Estado poderá tolerar a tortura ou tratos ou penas cruéis,
desumanos ou degradantes. Não poderão ser invocadas circunstâncias
excepcionais tais como estado de guerra ou ameaça de guerra,
instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública como
justificativa da tortura ou outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou
41
degradantes .

40
Id. Declaração Internacional sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra a Tortura e Outras
Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes. Resolução AG-ONU nº 3.452, de 09 de
dezembro de 1975. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/comite-brasileiro-de-direitos-humanos-e-politica-
externa/DeclProtTortTrasCru.html>. Acesso em: 03 nov. 2019.
41
Ibid.

Todos os direitos são reservados ao Grupo Prominas, de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma
parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada, seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou
gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
25

A tortura é uma ofensa tamanha à dignidade da pessoa humana que em


nenhuma hipótese pode ser praticada, não se justificando nem mesmo diante de
circunstâncias excepcionais, por mais grave que seja. Nem mesmo a probabilidade
de atos terroristas justificaria a prática da tortura contra um suspeito.

FIQUE ATENTO
Depois dos atentados de 11 de setembro, foi aprovada nos Estados Unidos a lei
conhecida como USA Patriot Act – o ato patriota norte-americano. Seus
dispositivos relativizam direitos humanos fundamentais no contexto do combate ao
terrorismo, inclusive permitindo que em circunstâncias extremas sejam conduzidos
métodos de interrogatório severos, abrindo margem para a tortura. A legislação
tem sido criticada em todo mundo, considerada uma afronta a direitos humanos
fixados no sistema internacional de proteção, como privacidade, vida, integridade
física e psíquica, devido processo legal e, de forma ampla, dignidade.
Para saber mais sobre o assunto, acesse:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-64452004000100007

O artigo 4o da Declaração fixa o dever dos Estados de adotar medidas efetivas


para impedir a prática de torturas e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas
ou degradantes dentro de sua jurisdição. Neste sentido, o artigo 5 o ressalta a
necessidade de que a proibição contra a tortura seja objeto do treinamento da
polícia e dos funcionários responsáveis pela aplicação da lei; o artigo 6 o determina o
exame periódico de métodos de interrogatório e disposições para a custódia e
tratamento das pessoas privadas de liberdade no âmbito de cada Estado; o artigo 7o
obriga a criminalização dos atos de tortura pela legislação penal de cada país; o
artigo 11 coloca o dever do Estado de indenizar por atos de tortura praticados por
seus funcionários ou a mando deles.
Quanto ao processo e à investigação, o artigo 8o fixa o direito de toda pessoa
que alegue ter sido vítima de tortura ao exame imparcial do caso por autoridades
competentes e o artigo 9o coloca o dever das autoridades públicas de procederem
de ofício e com presteza a investigação de atos de tortura. Se tais investigações

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26

concluírem por indícios de materialidade e autoria deverão ser iniciados os


procedimentos penais, de disciplina ou outros procedimentos adequados (artigo 10).
Por fim, coloca-se que nenhuma declaração que tenha sido dada sob tortura ou
outro tratamento cruel, desumano ou degradante pode ser invocado como prova
contra a vítima submetida a tal tratamento (artigo 12).

2.1.2 Convenção Internacional contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas


Cruéis, Desumanos ou Degradantes
Com base nos valores e diretrizes entabulados na Declaração das Nações
Unidas de 1975, foi estabelecida a Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou
Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes. Esta Convenção foi adotada pela
Assembleia Geral em 10 de dezembro de 1984 e ratificada pelo Brasil em 28 de
setembro de 1989, sendo promulgado pelo Decreto n.º 40/1991. De forma geral, a
Convenção apenas amplia as questões protetivas tratadas na Declaração.
O artigo 1o da Convenção assim conceitua:

1. Para os fins da presente Convenção, o termo “tortura” designa qualquer


ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos
intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de uma terceira
pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou uma
terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de
intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo
baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou
sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no
exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu
consentimento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores
ou sofrimentos que sejam consequência unicamente de sanções legít imas,
ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram.
2. O presente Artigo não será interpretado de maneira a restringir qualquer
instrumento internacional ou legislação nacional que contenha ou possa
42
conter dispositivos de alcance mais amplo .

O artigo 1º, diferente do primeiro artigo da Declaração, traz uma fórmula


adicional para a finalidade da tortura consistente em qualquer motivo baseado em
discriminação de qualquer natureza. Além disso, lembra que se a lei nacional ou
internacional trouxer conceito mais amplo este prevalecerá.

42
Id. Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou
Degradantes, de 10 de dezembro de 1984. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0040.htm>. Acesso em: 03 nov. 2019.

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27

IMPORTANTE
A legislação brasileira – Lei n.º 9.455/1997 – considera a tortura um crime comum,
que pode ser praticado por qualquer pessoa, não um crime próprio, que poderia
ser praticado apenas por funcionário público ou pessoa à sua ordem. Neste
sentido, adota um conceito mais amplo que as normativas internacionais, que
colocam a tortura como um crime próprio funcional. Na legislação brasileira, o que
distingue a tortura de outras práticas semelhantes, como maus-tratos, é a
intensidade do sofrimento causado. Considerando o disposto no artigo 1 o da
Convenção, a lei brasileira dá uma proteção mais ampla à tortura, o que é
permitido.

Adiante, o artigo 2o da Convenção determina que todo Estado-parte deverá


adotar medidas eficazes de caráter legislativo, administrativo, judicial ou de outra
natureza, a fim de impedir a prática de atos de tortura em qualquer território sob sua
jurisdição; destacando-se ainda que a tortura não pode se justificar em hipótese
alguma, nem em estado de guerra, emergência pública ou obediência à ordem de
superior hierárquico.
Por seu turno, o artigo 3 o destaca que nenhum Estado pode expulsar devolver
ou extraditar uma pessoa se houver razões substanciais para crer que será
submetida à tortura país de destino.
O dever de criminalização, com penas proporcionais, da tortura, de sua
tentativa ou de condutas de cumplicidade ou participação é determinado no artigo 4 o.
Já o artigo 5º da Convenção traz interessantes aspectos sobre o exercício da
jurisdição, tornando-o o mais amplo possível visando à efetividade da punição dos
crimes de tortura, normas estas que não excluem as de direito interno:

1. Cada Estado-parte tomará as medidas necessárias para estabelecer sua


jurisdição sobre os crimes previstos no artigo 4º, nos seguintes casos: a)
quando os crimes tenham sido cometidos em qualquer território sob sua
jurisdição ou a bordo de navio ou aeronave registrada no Estado em
questão; b) quando o suposto autor for nacional do Estado em questão: c)
quando a vítima for nacional do Estado em questão e este o considerar
apropriado;
2. Cada Estado-parte tomará também as medidas necessárias para
estabelecer sua jurisdição sobre tais crimes, nos casos em que o suposto
autor se encontre em qualquer território sob sua jurisdição e o Estado não o
extradite, de acordo com o artigo 8º, para qualquer dos Estados
mencionados no parágrafo 1º do presente artigo.

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28

3. Esta Convenção não exclui qualquer jurisdição criminal exercida de


43
acordo com o direito interno .

Em complemento, o artigo 6o fixa que os Estados devem deter pessoas ou


tomar medidas que assegurem o comparecimento em juízo destas se forem
suspeitas de terem praticado tortura e se encontrarem em sua jurisdição. Os fatos
deverão ser preliminarmente investigados e deve se permitir o contato com
representantes diplomáticos. Assim, o artigo 6 o acaba por instrumentalizar o disposto
no artigo 4o.
Não extraditando o suspeito, o Estado deverá apurar o fato com o mesmo rigor
como apuraria qualquer crime com tal gravidade, não significando que não deva dar
tratamento justo e compatível com as garantias constitucionais ao suspeito em
questão artigo 7º.

Considerando que a tortura é um crime que viola o Direito Internacional, a


Convenção estabelece a jurisdição compulsória e universal para os
indivíduos suspeitos de sua prática (artigos 5º a 8º). Compulsória porque
obriga os Estados-partes a punir os torturadores, independentemente do
território onde a violação tenha ocorrido e da nacionalidade do violador e da
vítima. Universal porque o Estado-parte onde se encontre o suspeito deverá
processá-lo ou extraditá-lo para outro Estado-parte que solicite e tenha o
direito de fazê-lo, independentemente de acordo prévio bilateral sobre
44
extradição .

O artigo 8o reforça que pessoas que tenham praticado tortura e se encontrem


em outro país podem ser extraditadas para o local onde praticaram o crime, isto é,
que a tortura e os tratamentos ou penas cruéis, desumanos e degradantes são
crimes extraditáveis. Inclusive, destaca-se que a própria Convenção pode servir
enquanto tratado de extradição entre os Estados que a tenham ratificado.
O dever de assistência entre os Estados quanto aos procedimentos criminais
adotados em relação ao crime de tortura e aos delitos correlatos é determinado no
artigo 9o.
Já o artigo 10 coloca o dever de incorporação do ensino e da informação sobre
a proibição da tortura ao treinamento de pessoal civil ou militar encarregado da
aplicação da lei, do pessoal médico, dos funcionários públicos e de quaisquer outras

43
Ibid.
44
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 9. ed. São Paulo:
Saraiva, 2008, p. 204-205.

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29

pessoas que possam participar da custódia, interrogatório ou tratamento de qualquer


pessoa submetida a qualquer forma de prisão, detenção ou reclusão.
Por seu turno, o artigo 11 coloca o dever dos Estados de manutenção de
sistemas para exame as normas, instruções, métodos e práticas de interrogatório,
bem como disposições sobre a custódia e o tratamento das pessoas detidas.
Sem prejuízo, o artigo 12 determina o dever de investigação imparcial quando
houver indícios de prática de tortura no território do Estado.
No aspecto processual, o artigo 13 coloca o direito de toda pessoa apresentar
queixa diante de autoridades competentes e de ter o exame imediato e imparcial de
seu caso por elas, sem prejuízo do direito de proteção de si e de familiares.
O direito à reparação e à indenização justa e adequada para vítimas de tortura
são direitos colocados no artigo 14 da Convenção.
A impossibilidade de que qualquer declaração tomada sob tortura ou outro
tratamento cruel, desumano e degradante sejam considerados para fins de prova é
fixada no artigo 15.
Finalizando a parte I da Convenção, o artigo 16 dispõe sobre o compromisso
dos Estados de proibir que em seus territórios práticas de tratamento ou penas
cruéis, desumanos ou degradantes possam configurar crime diverso da tortura.
Nada impede, contudo, que um país considere que a tortura possa ser praticada por
outros sujeitos que não sejam funcionários públicos ou pessoas sob seu comando.
Na parte II da Convenção se instrumentaliza o aparato de proteção contra a
tortura pela criação do Comitê contra a Tortura no âmbito das Nações Unidas. O
órgão é composto por dez peritos de elevada reputação moral e reconhecida
competência em matéria de direitos humanos, que exercerão suas funções a título
pessoal, ou seja, de forma indelegável. Eles serão indicados pelos Estados-partes e
por eles eleitos em votação secreta, respeitada a distribuição geográfica equitativa e
a utilidade da participação de algumas pessoas com experiência jurídica artigo 17.
O quórum para instalação da reunião de eleição é de 2/3 dos Estados-partes e
o quórum para votação é o de maioria absoluta dos votos presentes e votantes,
restando eleito quem obtiver o maior número de votos. O mandato é de 4 anos,
aceita uma reeleição, prevendo-se regra de transição nos anos iniciais para a
constante alternância. Se um dos membros falecer, o Estado-parte ao qual ele

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30

pertencia indicará o candidato, que deverá ser aprovado pela maioria dos Estados-
partes artigo 17.
A Mesa será eleita pelo próprio Comitê para um período de 2 anos, aceita a
reeleição. O Comitê também estabelecerá suas regras de procedimento, respeitando
minimamente o quórum de 6 membros para instalação e a tomada de decisões por
maioria dos votos dos presentes. O Secretário Geral da ONU deve colocar à
disposição pessoal e serviços necessários ao funcionamento do Comitê. Já o
custeio de todas as despesas do Comitê será feito pelos Estados-partes artigo 18.
O Comitê examina e pode manifestar opinião sobre os relatórios encaminhados
pelos Estados-partes, sendo o primeiro relatório o mais completo, a cada 4 anos
apresentando-se um complementar. O relatório deve conter as medidas adotadas no
cumprimento das obrigações assumidas, em virtude da Convenção, podendo tais
relatórios serem acessados pelos demais Estados-partes artigo 19.
O artigo 20 traz o procedimento de investigação de denúncias de prática de
tortura por parte de Estados-parte, que será confidencial, podendo o Comitê incluir
no relatório anual um resumo do caso, consultado o Estado-parte. O Comitê deve
avaliar se as informações são fidedignas e bem fundamentadas e, então, convidar o
Estado-parte em questão para cooperar na investigação, sendo possível a
realização de investigação in loco. Examinadas as conclusões, serão transmitidas ao
Estado-parte interessado, junto com as observações ou sugestões pertinentes à
situação.
Nos termos do artigo 21, mostra-se necessário que o Estado-parte declare, a
qualquer momento, que reconhece a competência do Comitê para receber e
examinar as comunicações em que um Estado-parte alegue que outro não vem
cumprindo as obrigações que lhe impõe a Convenção (comunicações interestatais).
O artigo 22 determina que também seja necessário o reconhecimento de
competência para o processamento de comunicações apresentadas por pessoas
sob sua jurisdição, ou em nome delas petições individuais, que aleguem serem
vítimas de violação, por parte do Estado-parte, das disposições da Convenção.
Outros requisitos para o exame da comunicação por particular são: não estar à
questão sendo examinada por outro órgão internacional e esgotamento dos recursos

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31

internos salvo prolongamento injustificado ou impossibilidade de os recursos


bastarem.
O Comitê apresentará, por causa da Convenção, um relatório anual sobre as
suas atividades aos Estados-partes e à Assembleia Geral da ONU artigo 24.

2.1.3 Protocolo Facultativo à Convenção Internacional contra a Tortura e


Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes
O Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou
Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adotado em 18 de dezembro de 2002
foi promulgado no Brasil pelo Decreto nº 6.085, de 19 de abril de 2007. Referido
protocolo visa, nos termos do artigo 1o, estabelecer um sistema de visitas regulares
por órgãos nacionais e internacionais independentes a lugares onde pessoas são
privadas de sua liberdade, para prevenir a tortura e outros tratamentos ou penas
cruéis, desumanos ou degradantes.

O Protocolo prevê a criação de um Subcomitê de Prevenção (artigo 2º,


artigos 5º a 16) e o estabelecimento de órgãos domésticos para exercerem
a tarefa de forma complementar (artigo 3º, artigos 17 a 23). O Subcomitê de
Prevenção deve ser guiado pelos princípios da confidencialidade,
imparcialidade, não seletividade, universalidade e objetividade, tendo
o
sempre em vista as normas de direitos humanos da ONU (artigo 2 ).
Originalmente, constituiu-se por 10 membros, passando a 25 após a
formalização de 50 ratificações (o que ocorreu em setembro de 2009), os
quais devem ser escolhidos, respeitados os critérios de distribuição
geográfica equitativa, de equilíbrio de gênero e de não participação de mais
de um membro do mesmo Estado, entre pessoas de elevado caráter moral,
de comprovada experiência profissional no campo da administração da
justiça, em particular o direito penal e a administração penitenciária ou
policial, ou nos vários campos relevantes para o tratamento de pessoas
o
privadas de liberdade (artigo 5 ). Os Estados-partes indicam e elegem os
o o
componentes (artigos 6 e 7 ), que terão mandato de 4 anos, aceita uma
o 45
reeleição (artigo 9 ) .

Nota-se que o Subcomitê de Prevenção é parte do Comitê contra a Tortura,


tendo o papel específico de monitorar as práticas de tortura e correlatas nos
sistemas penitenciários. Neste sentido, o artigo 11 fixa a sua competência:

O Subcomitê de Prevenção deverá:


o
a) Visitar os lugares referidos no artigo 4 e fazer recomendações para os
Estados-partes a respeito da proteção de pessoas privadas de liberdade
contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou
degradantes;

45
OLIVEIRA, Bruna Pinotti Garcia; LAZARI, Rafael de... Op. Cit., p. 249.

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gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
32

b) No que concerne aos mecanismos preventivos nacionais:


(I) Aconselhar e assistir os Estados-partes, quando necessário, no
estabelecimento desses mecanismos;
(II) Manter diretamente, e se necessário de forma confidencial, contatos
com os mecanismos preventivos nacionais e oferecer treinamento e
assistência técnica com vistas a fortalecer sua capacidade;
(III) Aconselhar e assisti-los na avaliação de suas necessidades e no que for
preciso para fortalecer a proteção das pessoas privadas de liberdade contra
a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes;
(IV) Fazer recomendações e observações aos Estados-Partes com vistas a
fortalecer a capacidade e o mandato dos mecanismos preventivos nacionais
para a prevenção da tortura e outros tratamentos ou penas cruéis,
desumanos ou degradantes;
c) Cooperar para a prevenção da tortura em geral com os órgãos e
mecanismos relevantes das Nações Unidas, bem como com organizações
ou organismos internacionais, regionais ou nacionais que trabalhem para
fortalecer a proteção de todas as pessoas contra a tortura e outros
46
tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes .

Além das visitas in loco, o Subcomitê prestará assistência aos Estados para
constituir os mecanismos preventivos nacionais. A respeito deles, o artigo 17 prevê:

Cada Estado-parte deverá manter designar ou estabelecer, dentro de um


ano da entrada em vigor do presente Protocolo ou de sua ratificação ou
adesão, um ou mais mecanismos preventivos nacionais independentes para
a prevenção da tortura em nível doméstico. Mecanismos estabelecidos
através de unidades descentralizadas poderão ser designados como
mecanismos preventivos nacionais para os fins do presente Protocolo se
47
estiverem em conformidade com suas disposições .

No Brasil, o papel é desempenhado pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e


Combate à Tortura, que faz parte do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à
Tortura, ambos regulados pela Lei n.º 12.847/2013.
O Protocolo Facultativo aqui em estudo frisa que estes mecanismos nacionais
devem possuir independência funcional, ser composto por peritos que tenham as
habilidades e o conhecimento profissional necessário e terem atribuído o caráter de
instituição nacional de promoção e proteção de direitos humanos artigo 18.
Sobre a competência destes órgãos nacionais, prevê o artigo 19:

Os mecanismos preventivos nacionais deverão ser revestidos no mínimo de


competências para:

46
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Protocolo Facultativo à Convenção contra a
Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 18 de dezembro de
2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6085.htm>.
Acesso em: 03 nov. 2019.
47
Ibid.

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parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada, seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou
gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
33

a) examinar regularmente o tratamento de pessoas privadas de sua


o
liberdade, em centro de detenção conforme a definição do artigo 4 , com
vistas a fortalecer, se necessário, sua proteção contra a tortura e outros
tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes;
b) fazer recomendações às autoridades relevantes com o objetivo de
melhorar o tratamento e as condições das pessoas privadas de liberdade e
o de prevenir a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou
degradantes, levando-se em consideração as normas relevantes das
Nações Unidas;
c) submeter propostas e observações a respeito da legislação existente ou
48
em projeto .

Com efeito, o artigo 20 assegura que estes mecanismos recebam o aparato


para bem desempenharem suas funções, inclusive no que se refere ao acesso à
informação. O artigo 21 garante o direito ao sigilo das denúncias e comunicações
apresentadas. Já o artigo 22 coloca um dever de engajamento por parte dos
Estados em atender às recomendações dos mecanismos internacional e nacional.

2.1.4 Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura


A Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura foi adotada pela
Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos em 9 de dezembro de
1985 e ratificada pelo Brasil em 20 de julho de 1989, nos termos do Decreto nº
98.386/1989. Assim, disciplina a vedação geral colocada no artigo 5 o, 2, Convenção
Americana sobre Direitos Humanos: “Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a
penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de
liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser
humano”49.
Após o artigo 1o fixar o compromisso que os Estados firmam no sentido de
prevenir e punir a tortura, o artigo 2 o conceitua tortura de uma maneira um pouco
diferente dos documentos anteriormente estudados:

Para os efeitos desta Convenção, entender-se-á por tortura todo ato pelo
qual são infligidos intencionalmente a uma pessoa penas ou sofrimentos
físicos ou mentais, com fins de investigação criminal, como meio de
intimidação, como castigo pessoal, como medida preventiva, como pena ou
qualquer outro fim. Entender-se-á também como tortura a aplicação, sobre
uma pessoa, de métodos tendentes a anular a personalidade da vítima, ou
a diminuir sua capacidade física ou mental, embora não causem dor física

48
Ibid.
49
ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS – OEA. Convenção Americana sobre Direitos
Humanos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm>. Acesso em: 17
nov. 2019.

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parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada, seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou
gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
34

ou angústia psíquica. Não estarão compreendidas no conceito de tortura as


penas ou sofrimentos físicos ou mentais que sejam unicamente
consequência de medidas legais ou inerentes a elas, contanto que não
incluam a realização dos atos ou a aplicação dos métodos a que se refere
50
este artigo .

O artigo 3º da Convenção traz como responsáveis pela prática de tortura não


só os funcionários públicos que ajam por ação ou omissão, mas também os que
ordenem, instiguem ou induzam sua prática, ou mesmo funcionem como cúmplices.
Já o artigo 4º frisa a impossibilidade de exclusão da responsabilidade por
obediência a ordens de superiores.
Adiante, o artigo 5º traz a impossibilidade de se praticar tortura mesmo em
circunstâncias excepcionais, como o estado de guerra, a ameaça de guerra, o
estado de sítio ou emergência, a comoção ou conflito interno, a suspensão das
garantias constitucionais, a instabilidade política interna, ou outras calamidades
públicas.
Os artigos 6º, 7º, 8º e 9º reforçam o compromisso de punição, prevenção,
conscientização, imparcialidade, penalização, exercício de jurisdição e reparação
por parte dos Estados-partes. Não obstante, o artigo 10 exclui a possibilidade de
aproveitamento de declarações obtidas sob tortura.
O artigo 11 fixo que deve ser assegurado à extradição de toda pessoa acusada
de delito de tortura ou condenada por esse delito; ao passo que o artigo 13
determina que a tortura deva ser considerada crime passível de extradição nos
tratados firmados entre Estados-partes, sendo que esta Convenção tem papel
supletivo na ausência de tratado específico de extradição, e veda a extradição de
pessoa caso exista suspeita de submissão à tortura no país de destino. Assim,
existe o dever de extraditar quem pratica tortura, mas também o de proteger toda
pessoa extraditada de sofrer tortura no país que solicitou sua extradição.
Por sua vez, o artigo 12 coloca as amplas regras sobre exercício jurisdicional:

Todo Estado Parte tomará as medidas necessárias para estabelecer sua


jurisdição sobre o delito nesta Convenção, nos seguintes casos:
a) quando a tortura houver sido cometida no âmbito de sua jurisdição;
b) quando o suspeito for nacional do Estado Parte de que se trate;
c) quando a vítima for nacional do Estado Parte de que se trate e este o
considerar apropriado.

50
Id. Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1980-1989/D98386.htm>. Acesso em: 17 nov. 2019.

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gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
35

Todo Estado Parte tomará também as medidas necessárias para


estabelecer sua jurisdição sobre o delito descrito nesta Convenção, quando
o suspeito se encontrar no âmbito de sua jurisdição e o Estado não o
51
extraditar, de conformidade com o Artigo 11 .

Se um Estado não extraditar pessoa acusada de tortura, tem o dever de


submeter o caso às suas autoridades para investigação e, eventualmente, punição,
conforme o artigo 14. Trata-se de decorrência da amplitude jurisdicional.
De outro lado, a Convenção não pode ser interpretada como uma limitação ao
direito de asilo, nos termos do artigo 15.
Finalizando estes aspectos materiais, a Convenção preconiza no artigo 16 que
os demais documentos que abordam o delito de tortura permanecem aplicáveis.
Em destaque, o artigo 17 traz o papel fiscalizatório da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, cabendo aos Estados informar o órgão sobre
as medidas adotadas para a aplicação desta Convenção. Entre os artigos 18 e 24
são abordadas questões técnicas sobre a aplicação e vigência da Convenção.

2.2 PROTEÇÃO CONTRA O DESAPARECIMENTO FORÇADO

Embora não existam menções específicas ao desaparecimento forçado nos


documentos que compõem a base do sistema geral de proteção aos direitos
humanos, surgem Declarações e Tratados específicos nesta matéria enquanto uma
decorrência lógica da proteção de toda pessoa contra a prisão e a detenção
arbitrárias e do direito à liberdade de opinião e de expressão.

O desaparecimento forçado é uma prática que resulta de uma reação de


autoridades governamentais arbitrárias às atitudes de procurar, receber e
transmitir informações por parte da vítima. Sendo assim, com a intenção de
silenciá-la, praticam contra ela detenção arbitrária e ilegal, não registrada
nos arquivos públicos, e nos casos mais graves assassinato e ocultação de
cadáver, deixando os familiares à mercê quanto ao conhecimento de estar à
vítima viva ou morta e das reais causas que levaram ao falecimento. Estas
práticas, obviamente, são atentatórias a diversos direitos humanos: ao
direito à integridade física, psíquica e moral; ao direito à vida; à vedação da
tortura e de práticas semelhantes; aos deveres de conduta das autoridades
52
públicas, que não podem incidir em abuso de autoridade; entre outros .

51
Ibid.
52
OLIVEIRA, Bruna Pinotti Garcia; LAZARI, Rafael de... Op. Cit., p. 271.

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36

As práticas de desaparecimento forçado são comuns em regimes ditatoriais,


especialmente no contexto de conflitos entre o Estado e a população civil. Trata-se
de delito que ofende múltiplos aspectos de proteção da pessoa humana. Em razão
disso, justifica-se o vasto arcabouço de normas internacionais que o abordam.

2.2.1 Declaração Internacional sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra os


Desaparecimentos Forçados

A Organização das Nações Unidas manifesta preocupação com relação às


práticas de desaparecimento forçado, a começar pela Declaração sobre a Proteção
de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados, adotada pela
Assembleia Geral em 18 de dezembro de 1992.
O artigo 1º da Declaração reconhece que todo ato de desaparecimento forçado
é uma grave violação de direitos humanos e ofensivos à dignidade da pessoa
humana, notadamente por subtrair a vítima da proteção da lei e causar a ela e à sua
família grande sofrimento.
O artigo 2º entabula o dever dos Estados de atuarem em nível nacional,
regional e internacional, de maneira cooperativa, para coibir e erradicar o
desaparecimento forçado, não o cometendo, autorizando ou tolerando.
Nos moldes do artigo 3º da Declaração, medidas legislativas, administrativas,
judiciais e outras medidas eficazes deverão ser tomadas para prevenir ou erradicar
os atos de desaparecimentos forçados.
Entre as medidas legislativas, o artigo 4o determina o dever de criminalização
do desaparecimento forçado na legislação pátria. Além disso, o artigo 5 o obriga a
responsabilização civil dos que cometam o ilícito e do Estado ou das autoridades
estatais que tenham organizado consentido ou tolerado tais desaparecimentos, sem
prejuízo da responsabilização internacional desse Estado.
Por seu turno, o artigo 6 o destaca que a obediência hierárquica não é um
argumento para que uma autoridade justifique a prática de desaparecimento
forçado, devendo ser punida mesmo que tenha agido cumprindo ordens de um
superior. Também não cabe invocar qualquer circunstância que justifique o
desaparecimento forçado, por mais excepcional que seja nos termos do artigo 7º.

Todos os direitos são reservados ao Grupo Prominas, de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma
parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada, seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou
gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
37

No mais, coloca-se no artigo 8o que os Estados devem proteger as pessoas


que possam ser vítimas de desaparecimento forçado, razão pela qual não podem
extraditar pessoa que corra o risco de ser vítima de desaparecimento forçado.
O artigo 9o prevê medidas judiciais a serem adotadas pelos Estados:

1. O direito a um recurso judicial rápido e eficaz como meio de se


determinar o paradeiro das pessoas privadas de liberdade ou o seu estado
de saúde, ou de se individualizar a autoridade que ordenou a privação da
liberdade ou a tornou efetiva, é necessário, em qualquer circunstância,
incluindo as referidas no artigo 7, para a prevenção dos desaparecimentos
forçados.
2. No marco desse recurso, as autoridades nacionais competentes terão
acesso a todos os lugares onde se encontrem pessoas privadas de
liberdade, assim como a qualquer outro lugar onde haja motivos para se
crer possam estar pessoas desaparecidas.
3. Também poderão ter acesso a esses lugares qualquer outra autoridade
competente facultada pela legislação do Estado ou por qualquer outro
53
instrumento jurídico internacional do qual o Estado seja parte .

Adiante, o artigo 10 aborda os locais de detenção onde serão mantidas as


pessoas privadas de liberdade e os requisitos para que tal privação não ocorra de
forma arbitrária: deve se dar em um estabelecimento oficialmente reconhecido; a
pessoa detida deve ser conduzida à autoridade judicial logo após sua detenção
audiência de custódia; devem ser fornecidas informações exatas e expeditas às
pessoas da família, aos advogados e a outras pessoas com interesse legítimo, salvo
se as pessoas detidas se opuserem; deve ser mantido registro oficial de todas as
pessoas privadas de liberdade, tal como registros centralizados disponibilizados às
autoridades judiciais e administrativas competentes.
O artigo 11 prevê que todas as pessoas privadas de liberdade deverão ser
libertadas de forma a permitir verificar que foram de fato colocadas em liberdade,
com integridade física preservada e capacidade de exercício de direitos.
Já o artigo 12 determina que a legislação nacional seja criteriosa na fixação de
normas que designem os agentes que podem ordenar a privação de liberdade,
prevendo penas para aqueles que abusarem de sua autoridade.

53
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Declaração Internacional sobre a Proteção de
Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados. Resolução AG-ONU nº 47/133, de 18 de
dezembro de 1992. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/comite-brasileiro-de-direitos-humanos-e-politica-
externa/DecProtTodPesDesFor.html>. Acesso em: 03 nov. 2019.

Todos os direitos são reservados ao Grupo Prominas, de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma
parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada, seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou
gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
38

Garante-se no artigo 13 o direito de denunciar os fatos perante uma autoridade


do Estado e a que essa denúncia seja pronta, exaustiva e imparcialmente
investigada, sendo dispensada denúncia formal. Tais investigações deverão ser
promovidas por autoridades com competência e recursos suficientes para sua
eficácia. Medidas devem ser tomadas para a proteção de advogados, testemunhas,
familiares e autoridades. A investigação será mantida enquanto não houver
esclarecimento do desaparecimento forçado, não podendo se encerrar inconclusiva.
Com efeito, o artigo 14 fixa que os Estados deverão adotar todas as medidas
lícitas e apropriadas para levar à justiça todos os presumíveis autores de atos
conducentes a desaparecimentos forçados.
Caso uma pessoa postule asilo diante de um Estado e existirem motivos para
acreditar que ela se envolveu em crime de desaparecimento forçado no país de
origem, tal contexto deverá ser considerado em eventual decisão, conforme artigo
15.
A Declaração adota o mesmo raciocínio de ampliação jurisdicional vigente no
tratamento da tortura nos direitos humanos, como se extrai do artigo 16:

1. Os supostos autores de qualquer dos atos previstos no parágrafo 1 do


artigo 4 serão suspensos de toda função oficial durante a investigação
mencionada no artigo 13.
2. Essas pessoas somente poderão ser julgadas pelas jurisdições de direito
comum competentes em cada Estado, com exclusão de qualquer outra
jurisdição especial, em particular a militar.
3. Não serão admitidos privilégios, imunidades ou dispensas especiais em
tais processos, sem prejuízo das disposições que figuram na Convenção de
Viena sobre Relações Diplomáticas.
4. Será garantido aos supostos autores de tais atos um tratamento
equitativo, conforme as disposições pertinentes da Declaração Universal
dos Direitos Humanos e de outros instrumentos internacionais vigentes
sobre a matéria, em todas as etapas da investigação, assim como no
54
processo e na sentença que possam alcançá-los .

Vale destacar que o desaparecimento forçado é considerado crime continuado,


de modo que persiste a prática criminosa até que se esclareça o paradeiro da
pessoa desaparecida, devendo ser suspensa ou ampliada à prescrição, nos termos
do artigo 17. Caso o Estado tenha praticado o ato antes do tratado e ele persista
após a ratificação e/ou eventual reconhecimento de competência de órgão
internacional para julgamento, não haverá óbice à competência.

54
Ibid.

Todos os direitos são reservados ao Grupo Prominas, de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma
parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada, seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou
gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
39

Não cabe a anistia e é preciso considerar a gravidade do ato para o indulto,


conforme prevê o artigo 18 da Declaração.
A indenização pelo dano decorrente do desaparecimento forçado será paga
aos familiares da vítima e, se possível, à vítima, como prevê o artigo 19.
Por fim, no artigo 20 determina-se que os Estados devem prevenir e erradicar o
rapto de crianças filhas de pais vítimas de desaparecimentos forçados e de crianças
nascidas durante o período de desaparecimento forçado das suas mães,
promovendo esforços para identificar estas crianças e fazê-las voltar ao seio de sua
família, inclusive por meio de revisão de processos de adoção. Além do dever de
prevenção, surge também o de criminalização.

2.2.2 Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra os


Desaparecimentos Forçados
A Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra os
Desaparecimentos Forçados foi adotada em 20 de dezembro de 2006 pela
Assembleia Geral, promulgada no Brasil nos termos do Decreto n.º 8.767/2016.
No artigo 1o coloca-se a proibição do desaparecimento forçado, não se
justificando em qualquer circunstância excepcional.
O artigo 2º da Convenção conceitua o desaparecimento forçado:

Para efeitos da presente Convenção, entende-se por desaparecimento


forçado a prisão, a detenção, o sequestro ou qualquer outra forma de
privação de liberdade por agentes do Estado ou por pessoas ou grupos de
pessoas agindo com a autorização, o apoio ou o consentimento do Estado,
seguido da recusa em reconhecer a privação de liberdade, ou do
encobrimento do destino ou do paradeiro da pessoa desaparecida,
55
colocando-a assim fora do âmbito de proteção da lei .

O dever de investigação dos atos de desaparecimento forçado pelos Estados é


colocado no artigo 3o, já o dever de criminalização se fixa no artigo 4 o. O artigo 5o,
por sua vez, dispõe que: “A prática generalizada ou sistemática de desaparecimento
forçado constitui crime contra a humanidade, tal como define o direito internacional
aplicável, e estará sujeito às consequências previstas no direito internacional
aplicável”. Neste sentido, tanto internamente quanto internacionalmente se impõe a

55
Id. Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento
Forçado, de 20 de dezembro de 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2016/decreto/D8767.htm>. Acesso em: 03 nov. 2019.

Todos os direitos são reservados ao Grupo Prominas, de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma
parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada, seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou
gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
40

consideração do desaparecimento forçado como crime grave, punível de forma


severa. A responsabilização por tal crime deve atingir não apenas a pessoa que
cometeu, ordenou, solicitou ou induziu a prática, como também o superior que tenha
sido omisso ou falhado em seu dever de controlar as atividades de seus
subordinados – ambos serão responsabilizados, posto que não caiba invocar o
respeito à hierarquia como justificativa do ato, assim determinando o artigo 7 o.
Sobre o regime de prescrição do desaparecimento forçado, impõe o artigo 8o:

1. Um Estado-parte que aplique um regime de prescrição para o


desaparecimento forçado adotará as medidas necessárias para assegurar
que o prazo de prescrição do procedimento penal:
a) É de longa duração e proporcional à extrema gravidade deste crime;
b) Começa a contar a partir do momento em que cessa o crime de
desaparecimento forçado, tendo em conta a sua natureza continuada;
2. Cada Estado Parte garantirá às vítimas de desaparecimento forçado o
56
direito a um recurso eficaz durante o prazo de prescrição .

Os aprofundamentos sobre a questão da ampliação jurisdicional feitos no artigo


9º da Convenção também merecem destaque:

1. Cada Estado Parte adotará as medidas necessárias para estabelecer a


sua competência jurisdicional em relação ao crime de desaparecimento
forçado:
a) Quando o crime é cometido em qualquer território sob a sua jurisdição ou
a bordo de um navio ou de uma aeronave registados no seu Estado;
b) Quando o presumível autor é nacional desse Estado;
c) Quando a pessoa desaparecida é nacional desse Estado Parte e este o
considere adequado.
2. Cada Estado Parte também adotará as medidas necessárias para
estabelecer a sua competência jurisdicional em relação ao crime de
desaparecimento forçado nos casos em que o presumível autor se encontra
em qualquer território sob a sua jurisdição, a menos que o extradite ou o
entregue a outro Estado, em conformidade com as suas obrigações
internacionais, ou o entregue a um tribunal penal internacional cuja
competência ele tenha reconhecido.
3. A presente Convenção não exclui nenhuma jurisdição penal adicional
57
exercida em conformidade com o direito nacional .

Os artigos 10 e 11 aprofundam a questão, prevendo direitos ao acusado de


prática de desaparecimento forçado que devem ser respeitados no contexto das
investigações do Estado e durante eventual detenção, entre eles o de comunicação
com representante diplomático e o de tratamento justo em todas as fases do

56
Ibid.
57
Ibid.

Todos os direitos são reservados ao Grupo Prominas, de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma
parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada, seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou
gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
41

processo; tal como impedindo situações de impunidade ao obrigar que os Estados


exerçam sua jurisdição em relação a suspeitos que não sejam extraditados por ele.
No artigo 12 se colocam os direitos de denúncia às práticas de
desaparecimento forçado e de proteção aos familiares, às autoridades, às
testemunhas e aos advogados; tal como o direito de investigação independente de
denúncia formal, eficaz, com pleno acesso a informações e a possíveis locais em
que se encontre a pessoa desaparecida, sem qualquer tipo de obstrução.
Adiante, o artigo 13 ressalta que o crime de desaparecimento forçado não pode
ser jamais considerado um crime político ou conexo com político, sendo proibida a
negativa de extradição com este fundamento. Assim, o crime deve ser considerado
passível de extradição pelos Estados-partes.
Os artigos 14 e 15 trazem o dever de auxílio mútuo e cooperação entre os
Estados tanto quanto à punição do crime como em relação à reparação do dano.
Também a proibição de que se extradite pessoa se houver probabilidade de
que seja vítima de desaparecimento forçado é colocada no artigo 16.
O artigo 17 é um dos mais relevantes da Convenção porque regulamenta
garantias que devem ser asseguradas quando da privação de liberdade:

1. Nenhuma pessoa será detida em segredo.


2. Sem prejuízo de outras obrigações internacionais do Estado Parte em
matéria de privação de liberdade, cada Estado Parte, em sua legislação:
a) Estabelecerá as condições sob as quais será emitida autorização para a
privação de liberdade;
b) Indicará as autoridades facultadas a ordenar a privação de liberdade;
c) Garantirá que toda pessoa privada de liberdade seja mantida unicamente
em locais de detenção oficialmente reconhecidos e supervisionados;
d) Garantirá que toda pessoa privada de liberdade seja autorizada a
comunicar-se com seus familiares, advogados ou qualquer outra pessoa de
sua escolha e a receber sua visita, de acordo com as condições
estabelecidas em lei, ou, no caso de um estrangeiro, de comunicar-se com
suas autoridades consulares, de acordo com o direito internacional
aplicável;
e) Garantirá o acesso de autoridades e instituições competentes e
legalmente autorizadas aos locais onde houver pessoas privadas de
liberdade, se necessário mediante autorização prévia de uma autoridade
judicial;
f) Garantirá que toda pessoa privada de liberdade ou, em caso de suspeita
de crime de desaparecimento forçado, por encontrar-se a pessoa privada de
liberdade incapaz de exercer esses direito, quaisquer outras pessoas
legitimamente interessadas, tais como seus familiares, representantes ou
advogado, possam, em quaisquer circunstâncias, iniciar processo perante
uma corte, para que esta decida sem demora quanto à legalidade da
privação de liberdade e ordene a soltura da pessoa, no caso de tal privação
de liberdade ser ilegal.

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gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
42

3. O Estado Parte assegurará a compilação e a manutenção de um ou mais


registros oficiais e/ou prontuários atualizados de pessoas privadas de
liberdade, os quais serão prontamente postos à disposição, mediante
solicitação, de qualquer autoridade judicial ou de qualquer outra autoridade
ou instituição competente, ao amparo do direito interno ou de qualquer
instrumento jurídico internacional relevante de que o Estado Parte seja
parte. Essa informação conterá, ao menos:
a) A identidade da pessoa privada de liberdade;
b) A data, a hora e o local onde a pessoa foi privada de liberdade e a
identidade da autoridade que procedeu à privação de liberdade;
c) A autoridade que ordenou a privação de liberdade e os motivos por ela
invocados;
d) A autoridade que controla a privação de liberdade;
e) O local de privação de liberdade, data e hora de admissão e autoridade
responsável por este local;
f) Dados relativos à integridade física da pessoa privada de liberdade;
g) Em caso de falecimento durante a privação de liberdade, as
circunstâncias e a causa do falecimento e o destino dado aos restos
mortais;
h) A data e o local de soltura ou transferência para outro local de detenção,
58
o destino e a autoridade responsável pela transferência .

Já o artigo 18 assegura o direito à informação, sem qualquer tipo de pressão


ou intimidação, aos familiares da pessoa privada de liberdade e aos seus
representantes ou advogados, dentre elas: autoridade que ordenou a detenção;
data, hora e local da privação da liberdade e de eventual libertação; autoridade
responsável pela supervisão da privação; paradeiro da pessoa privada de liberdade;
elementos sobre o estado de saúde e, em caso de morte, circunstâncias e causa da
morte, além de local dos restos mortais.
Por seu turno, o artigo 20 prevê que o direito à informação pode sofrer restrição
em casos excepcionais, assegurado direito de recurso para questionar eventual
decisão denegatória, sendo eles: caso de estrita necessidade previsto por lei e, de
maneira excepcional, quando a pessoa estiver sob proteção da lei e a privação de
liberdade estiver sujeita a controle judicial; se a transmissão da informação puder
afetar de maneira adversa a privacidade ou a segurança da pessoa; se puder
ocorrer obstrução de uma investigação criminal; ou por motivos equivalentes.
O artigo 19 aprofunda a questão da privacidade e da proteção dos dados
pessoais, inclusive genético, impedindo que as informações sejam utilizadas para
fim diverso que o da prevenção do desaparecimento forçado.

58
Ibid.

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parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada, seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou
gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
43

Adiante, o artigo 21 assegura que sejam tomadas medidas para que seja
possível verificar que uma pessoa foi realmente colocada em liberdade, com
integridade física e condições de exercício de sua capacidade.
O Estado não pode obstruir recursos ou negar pedidos de informação previstos
na Convenção, nem deixar de registrar a privação da liberdade de uma pessoa e o
agente por ela responsável, consoante ao artigo 22. Para atuar de forma compatível
com tais deveres, o Estado deve capacitar os agentes responsáveis pela aplicação
da lei, nos termos do artigo 23.
Sobre os direitos da vítima de desaparecimento forçado, o artigo 24 fixa:

1. Para efeitos da presente Convenção, entende-se por vítima a pessoa


desaparecida e qualquer indivíduo que tenha sido lesado em consequência
direta de um desaparecimento forçado.
2. Qualquer vítima tem o direito de conhecer a verdade sobre as
circunstâncias do desaparecimento forçado, o andamento e os resultados
da investigação, bem como sobre o destino da pessoa desaparecida. Cada
Estado Parte adotará as medidas adequadas para o efeito.
3. Cada Estado Parte adotará todas as medidas adequadas para procurar,
localizar e libertar pessoas desaparecidas e, em caso de morte, localizar,
respeitar e restituir os seus restos mortais.
4. Cada Estado Parte assegurará que o seu sistema jurídico confere às
vítimas de um desaparecimento forçado o direito à reparação e a uma
indemnização imediata, justa e adequada.
5. O direito à reparação referida no nº 4 deste artigo abrange os danos
materiais e morais e, se for caso disso, outras formas de reparação, tais
como a:
a) Restituição;
b) Reabilitação;
c) Satisfação, incluindo o restabelecimento da dignidade e da reputação;
d) Garantia de não repetição.
6. Sem prejuízo do respeito pela obrigação de prosseguir a investigação até
ao conhecimento do destino da pessoa desaparecida, cada Estado Parte
adotará as medidas necessárias quanto à situação jurídica das pessoas
desaparecidas, cujo destino permaneça desconhecido e à dos seus
familiares, nomeadamente no domínio da proteção social, dos assuntos
financeiros, do direito da família e dos direitos de propriedade.
7. Cada Estado Parte assegurará o direito de constituir e participar
livremente em organizações e associações que têm como objetivo contribuir
para a determinação das circunstâncias em que ocorrem os
desaparecimentos forçados, a descoberta do destino de pessoas
59
desaparecidas e a assistência às vítimas de desaparecimentos forçados .

Finalizando a parte material da Convenção, o artigo 25 coloca medidas para


prevenir e punir penalmente a apropriação ilegal de crianças submetidas a
desaparecimento forçado.

59
Ibid.

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44

Na parte II, de viés formal, a Convenção cria um órgão específico de proteção,


o Comitê contra Desaparecimentos Forçados.
O Comitê será composto por 10 peritos de elevado caráter moral e com
reconhecida competência na área dos direitos humanos, que exercerão as suas
funções a título pessoal, com independência e imparcialidade. O mandato é de 4
anos, aceita uma única reeleição. Serão eleitos em votação secreta, a partir de uma
lista de candidatos apresentada por cada Estado-parte, presentes 2/3 dos membros
e obtida a maioria dos votos artigo 26.
O Comitê cooperará com todos os órgãos, repartições, agências e fundos
especializados da ONU e com as organizações ou órgãos intergovernamentais
regionais, além de instituições, agências ou repartições governamentais relevantes,
nos moldes do artigo 28.
O Comitê conta com sistema de relatoria para acompanhar o cumprimento da
Convenção pelos Estados-partes. Neste sentido, o artigo 29 dispõe que após 2 anos
da entrada em vigor da Convenção caberá a apresentação de um relatório sobre
medidas adotadas pela efetivação, a ser analisado pelo Comitê para fazer os
comentários, as observações ou recomendações que entenda apropriados, que
serão comunicados ao Estado Parte que tem a faculdade de respondê-los. Sem
prejuízo, o Comitê pode solicitar informações complementares. Não somente os
Estados Partes apresentarão relatórios, posto que o artigo 36 regulamenta a
apresentação de relatório anual das atividades do Comitê.
Cria-se, ainda, procedimento especial de pedido de busca e paradeiro,
regulado no artigo 30, que pode ser apresentado em caráter de urgência ao Comitê
pelos familiares da vítima ou por seus representantes legais ou mandatários ou
ainda por quem tenha interesse legítimo. Nele, o Comitê solicitará ao Estado
informações sobre a pessoa procurada, a partir das quais poderá transmitir
recomendações e fazer um pedido de adoção de todas as medidas necessárias,
incluindo as cautelares.
O Comitê atua, ainda, no recebimento de comunicações, desde que o Estado-
parte reconheça a competência do órgão para tanto. A comunicação pode ser
apresentada por indivíduos, desde que não seja anônima nem constitua abuso do
direito ou exista incompatibilidade com as disposições da Convenção, que não

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45

esteja sendo analisada no âmbito de outro processo internacional de investigação ou


de regulação da mesma natureza, desde que tenham se esgotado todos os recursos
internos disponíveis salvo excesso quanto aos prazos razoáveis, nos termos do
artigo 31. Já a competência para recebimento de comunicações por parte de outro
Estado-parte está regulada no artigo 32.
Sem prejuízo, confere-se capacidade investigativa ao Comitê, notadamente
pela possibilidade de realização de visitas in loco para apurar denúncias, nos termos
do artigo 33. Se o Estado-parte concordar com a visita, o Comitê e o Estado Parte
visado trabalharão em conjunto para definir as modalidades da visita. Ao fim, serão
enviadas pelo Comitê observações e recomendações.
Adiante, o artigo 34 prevê a possibilidade de se levar a conhecimento da
Assembleia Geral das Nações Unidas, através do Secretário-Geral das Nações
Unidas, em caráter de urgência, informações com fundados indícios de prática
generalizada e sistemática de desaparecimento forçado num Estado-parte.
Quanto à competência do Comitê, o artigo 35 prevê que somente é competente
em relação a desaparecimentos forçados que se tenham iniciado após a entrada em
vigor da Convenção.

IMPORTANTE
A Observação Geral n.º 36 do Comitê de Direitos Humanos da ONU reforça que o
desaparecimento forçado deve ser considerado como uma violação ao direito à
vida, cabendo aos Estados prevenir tais práticas e investigar tais fatos quando
ocorra, tal como garantir que o desaparecimento forçado de pessoas seja punido
com sanções penais, introduzindo procedimentos rápidos e eficazes para
submeter os casos de desaparecimento a uma investigação completa por parte de
órgãos independentes e imparciais.

2.2.3 Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas


No âmbito interamericano, o desaparecimento forçado está regulamentado na
Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas, adotada
em Belém do Pará em 9 de junho de 1994, promulgada no Brasil pelo Decreto n.º
8.766/2016. No geral, o conteúdo se assemelha ao da disciplina internacional.

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gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
46

O artigo 1o destaca os compromissos que os Estados assumem ao firmar a


Convenção: não praticar, permitir ou tolerar o desaparecimento forçado de pessoas,
em nenhuma circunstância; punir os autores, cúmplices e encobridores do delito do
desaparecimento forçado de pessoas; cooperar entre si a fim de contribuir para a
prevenção, punição e erradicação do desaparecimento forçado de pessoas; e tomar
medidas de caráter legislativo, administrativo, judicial ou de qualquer outra natureza
necessárias para cumprir estes compromissos.
Conceitua-se no artigo 2º da Convenção, o desaparecimento forçado:

Para os efeitos desta Convenção, entende-se por desaparecimento forçado


a privação de liberdade de uma pessoa ou mais pessoas, seja de que forma
for, praticadas por agentes do Estado ou por pessoas ou grupos de pessoas
que atuem com autorização, apoio ou consentimento do Estado, seguidas
de falta de informação ou da recusa a reconhecer a privação de liberdade
ou a informar sobre o paradeiro da pessoa, impedindo assim o exercício dos
60
recursos legais e das garantias processuais pertinentes .

As medidas a serem adotadas pelos Estados são de criminalização, de amplo


exercício de jurisdição, de dever de extradição de suspeito servindo a Convenção
como documento autorizador da extradição, independente de tratado entre as partes
e de julgamento de suspeito que negue a extradição artigos 3 o a 6o.
A regra da imprescritibilidade do crime de desaparecimento forçado se
encontra no artigo 7o, sendo que países que não puderem aplicá-la deverão
considerar para prescrição do delito a aplicável a seu crime mais grave.
Já o artigo 8o destaca a importância da capacitação de funcionários
responsáveis pela aplicação da lei e veda a obediência hierárquica como argumento
para a prática de desaparecimento forçado.
Inova-se no artigo 9º ao prever o afastamento da jurisdição especial para
julgamento dos delitos:

Os suspeitos dos atos constitutivos do delito do desaparecimento forçado


de pessoas só poderão ser julgados pelas jurisdições de direito comum
competentes, em cada Estado, com exclusão de qualquer outra jurisdição
especial, particularmente a militar. Os atos constitutivos do
desaparecimento forçado não poderão ser considerados como cometidos
no exercício das funções militares. Não serão admitidos privilégios,

60
ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS – OEA. Convenção Interamericana sobre o
Desaparecimento Forçado de Pessoas. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/D8766.htm>. Acesso em: 17 nov.
2019.

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47

imunidades nem dispensas especiais nesses processos, sem prejuízo das


disposições que figuram na Convenção de Viena sobre Relações
61
Diplomáticas .

O artigo 10 prevê a impossibilidade de invocação de circunstâncias


excepcionais para a prática do desaparecimento forçado e a obrigação de
manutenção de procedimentos judiciais rápidos e eficazes para a determinação do
paradeiro de pessoas em situações de estado de guerra ou ameaça de guerra,
instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública.
Já o artigo 11 determina que: “Toda pessoa privada de liberdade deve ser
mantida em lugares de detenção oficialmente reconhecidos e apresentada, sem
demora e de acordo com a legislação interna respectiva, à autoridade judiciária
competente [...]”, sem prejuízo do dever de manutenção de registros oficiais
atualizados sobre pessoas detidas à disposição de autoridades e de interessados62.
Com efeito, no artigo 12 se impõe a cooperação recíproca entre os Estados-
partes para buscar, identificar, localizar e restituir menores transportados ou retidos
em decorrência do desaparecimento forçado de seus pais, tutores ou guardiães.
No âmbito interamericano, eventuais controvérsias serão resolvidas perante
a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, nos termos dos artigos 13 e 14.
As petições e comunicações serão apresentadas ao órgão nos termos da
Convenção Americana sobre Direitos Humanos e dos regulamentos da Comissão e
da Corte. Recebida a comunicação, a Comissão diligenciará perante o Estado-parte
em que a pessoa se encontre desaparecida requerendo informações sobre seu
paradeiro e outras que se mostrem pertinentes.

FIQUE ATENTO
O Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos pela
prática de desaparecimento forçado no caso Gomes Lund, que apurou o sumiço
de pessoas durante a Guerrilha do Araguaia. O centro do caso foi o direito à
informação dos familiares das vítimas, ressaltando-se o dever do Estado de
prestar o acesso à informação. Afastou-se a aplicação da Lei de Anistia (Lei nº
6.683/1979), ressaltando o caráter continuado do delito de desaparecimento

61
Ibid.
62
Ibid.

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parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada, seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou
gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
48

forçado.
A Corte já havia emitido anteriormente condenações responsabilizando Estados
pela prática de desaparecimento forçado, sendo as primeiras em julho de 1989,
nos casos Godínez Cruz vs. Honduras e Velásquez Rodríguez vs. Honduras.
Para saber mais sobre o assunto, acesse:
http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_por.pdf

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49

CAPÍTULO 3 – REGRAS PARA TRATAMENTO DE RECLUSOS E


ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA CRIMINAL

3.1 REGRAS DE MANDELA

As Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos,


também conhecidas como Regras de Mandela, foram originalmente adotadas pelo
Primeiro Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento
dos Delinquentes, realizado em Genebra em 1955. Em 2015, as Regras Mínimas
passaram por uma revisão profunda, quando passaram a ser também denominadas
Regras de Mandela, nos termos da Resolução nº 70/175 da Assembleia Geral da
ONU, adotada em 17 de dezembro de 2015. Para o Conselho Nacional de Justiça,

A atualização das Regras Mínimas fornece-nos orientações atualizadas e


muito mais precisas, com instruções exatas para enfrentar a negligência
estatal, prestigiando a dignidade daqueles em situação de privação de
liberdade para devolver-lhes a essência de seres humanos que são e, bem
por isso, obrigam sejam respeitados, proteção contra qualquer espécie de
tratamento ou castigo degradante ou desumano, acomodações razoáveis
63
para pessoas com deficiências físicas e mentais, entre outras orientações .

Com efeito, por mais de 40 anos as Regras Mínimas para Tratamento de


Presos vinham orientando as posturas dos Estados em relação aos seus sistemas
penitenciários. Neste período, houve evolução das práticas de execução penal e
mostrou-se necessária uma revisão das Regras, o que se deu no ano de 2015.
Atualmente, são enumeradas 122 regras para o tratamento de reclusos,
divididas em duas partes, a primeira voltada a todas as categorias de reclusos, a
segunda voltada a categorias específicas de reclusos. As regras se apresentam
após observações preliminares que expõem o objetivo e o âmbito de aplicação das
regras.

63
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Regras de Mandela: Regras Mínimas das Nações
Unidas para o Tratamento de Reclusos. Resolução AG-ONU nº 70/175, de 17 de dezembro de 2015.
Disponível em:
<http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/05/39ae8bd2085fdbc4a1b02fa6e3944ba2.pdf>.
Acesso em: 03 nov. 2019.

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50

3.1.1 Observações Preliminares


São quatro as observações preliminares que se apresentam antes das Regras
Mínimas das Nações Unidas para Tratamento dos Reclusos.
A primeira delas esclarece que com estas Regras não se busca fornecer um
modelo fechado de sistema prisional, mas apenas padrões extraídos do consenso
geral do pensamento contemporâneo, com elementos que se mostram os mais
adequados atualmente, fixando bons princípios e práticas.
A segunda observação destaca que o âmbito de abrangência das Regras –
global, devido à natureza da ONU – implica numa variedade de condições jurídicas,
sociais, econômicas e geográficas, de forma que nem todas as regras podem ser
aplicadas em todos os lugares. Isso, contudo, não exclui o dever dos Estados de
superar as dificuldades práticas de implementação delas e assegurar condições
mínimas aceitáveis em seus sistemas prisionais.
Não obstante, a segunda observação destaca o constante desenvolvimento do
pensamento na área da execução penal, de forma que a administração prisional
poderá autorizar exceções à regra em busca de melhores soluções práticas.
A terceira observação preliminar explica o conteúdo das regras e as quais
categorias de presos elas se referem, inclusive a divisão em duas partes: uma
voltada a todas as categorias de presos e outra a categorias específicas.
Por fim, a quarta observação destaca que as Regras de Mandela não objetivam
tratar dos jovens em conflito com a lei, embora possam se aplicar de modo geral, no
que as normativas específicas forem omissas. Dentre as normativas que abordam a
situação do jovem em conflito com a lei estão: as Regras Mínimas das Nações
Unidas para a Administração da Justiça, da Infância e da Juventude (Regras de
Beijing), as Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinquência Juvenil
(Diretrizes de Riad) e as Regras das Nações Unidas para a Proteção de Jovens
Privados de Liberdade. Nesta perspectiva, os presos sujeitos à jurisdição de cortes
juvenis não podem ser condenados a penas de reclusão.

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51

3.1.2 Regras de Aplicação Geral


As regras de aplicação geral abrangem todos os momentos da privação de
liberdade, desde o ingresso com o registro e o alojamento, até a saída do recluso,
inclusive todos os eventos que possam acontecer neste meio tempo.
Princípios básicos (Regras 1 a 5):
 A primeira regra deixa claro que a tortura e os outros tratamentos cruéis,
desumanos ou degradantes são absolutamente vedados, afinal, deve ser
preservada a dignidade dos detentos. Desta forma, é direito do preso o
tratamento com respeito e dignidade, bem como a preservação de sua
segurança pessoal.
 Já a Regra 2 fixa que todos os reclusos devem ser tratados igualmente,
respeitadas diferenças quanto às necessidades individuais, tanto morais
quanto religiosas, e inclusive dos reclusos com deficiência. Sendo assim,
o tratamento imparcial e não discriminatório não implica em desprezo às
necessidades individuais.
 A Regra 3 considera que o simples fato da pessoa estar sujeita à pena
privativa de liberdade já é aflitivo o suficiente, não havendo porque
agravar tal situação no sistema prisional, em especial afastando-a do
convívio com o mundo externo.
 Adiante, a Regra 4 aborda as funções da pena, que são de prevenção
geral, atingindo toda a sociedade no sentido de fazê-la acreditar que os
crimes serão punidos, desestimulando-a a delinquir; prevenção especial,
desestimulando o criminoso a reincidir; e ressocializadora, reintegrando o
recluso à sociedade:

Regra 4:
1. Os objetivos de uma sentença de encarceramento ou de medida similar
restritiva de liberdade são, prioritariamente, de proteger a sociedade contra
a criminalidade e de reduzir a reincidência. Tais propósitos só podem ser
alcançados se o período de encarceramento for utilizado para assegurar, na
medida do possível, a reintegração de tais indivíduos à sociedade após sua
soltura, para que possam levar uma vida autossuficiente, com respeito às
leis.
2. Para esse fim, as administrações prisionais e demais autoridades
competentes devem oferecer educação, formação profissional e trabalho,
bem como outras formas de assistência apropriadas e disponíveis, inclusive
aquelas de natureza reparadora, moral, espiritual, social, esportiva e de

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52

saúde. Tais programas, atividades e serviços devem ser oferecidos em


64
consonância com as necessidades individuais de tratamento dos presos .

 Finalizando os princípios básicos, a Regra 5 aponta que no sistema


prisional deve ocorrer uma aproximação, na medida do possível, entre a
vida em cárcere e a vida em liberdade, assegurando ao preso alguma
autonomia e instituindo-se um sistema de responsabilidades.

Registros (Regras 6 a 10):


 A manutenção de sistemas de informação atualizados é medida
preventiva de práticas abusivas, como o desaparecimento forçado. É
essencial que ocorra a alimentação dos registros com informações sobre
o recluso, tomadas em todos os momentos do cumprimento da pena.
Aponta a Regra 6:

Regra 6:
Deverá existir um sistema padronizado de gerenciamento dos registros dos
presos em todos os locais de encarceramento. Tal sistema pode ser um
banco de dados ou um livro de registro, com páginas numeradas e
assinadas. Devem existir procedimentos que garantam um sistema seguro
de trilhas de auditoria e que impeçam o acesso não autorizado ou a
65
modificação de qualquer informação contida no sistema .

 A Regra 7 determina que ninguém pode ser admitido em estabelecimento


prisional sem ordem de detenção válida. Já na entrada, devem ser
coletadas informações do preso sobre identidade, respeitadas
autoatribuição de gênero; motivos e autoridade responsável pela
detenção; data, hora e local da prisão; data e hora da entrada e soltura do
estabelecimento; ferimentos visíveis e reclamações de maus-tratos;
inventário de bens; familiares e residência deles; contato de emergência.
 Além destas informações, também devem ser adicionadas, se for o caso,
as que se refiram ao processo judicial em andamento, inclusive datas de
audiências e representação legal; avaliações iniciais e relatórios de
classificação; comportamento e disciplina; solicitações e reclamações;

64
Ibid.
65
Ibid.

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53

sanções disciplinares; circunstâncias e causas de ferimentos ou morte,


além do destino do corpo no último caso (Regra 8).
 O registro e as informações que nele constem são sigilosas, acessíveis
apenas a quem tenha responsabilidades inerentes ao caso ou à função,
mas isso não impede o uso de informações para fins de estatísticas, nos
termos das Regras 9 e 10.
Separação de categorias (Regra 11):
 A separação de categorias impede que a prisão se torne uma faculdade
para o crime, que um presumivelmente inocente tenha que conviver com
um culpado, que um jovem seja contaminado pela criminalidade dos mais
velhos, que a prisão passe a ser um antro de relacionamentos, que
situações de violência pelos mais fortes e agressivos se estabeleçam.
Neste sentido, prevê a Regra 11:

Regra 11:
As diferentes categorias de presos devem ser mantidas em
estabelecimentos prisionais separados ou em diferentes setores de um
mesmo estabelecimento prisional, levando em consideração seu sexo,
idade, antecedentes criminais, razões da detenção e necessidades de
tratamento. Assim:
(a) Homens e mulheres devem, sempre que possível, permanecer detidos
em unidades separadas. Nos estabelecimentos que recebam homens e
mulheres, todos os recintos destinados às mulheres devem ser totalmente
separados;
(b) Presos preventivos devem ser mantidos separados daqueles
condenados;
(c) Indivíduos presos por dívidas, ou outros presos civis, devem ser
mantidos separados dos indivíduos presos por infrações criminais;
66
(d) Jovens presos devem ser mantidos separados dos adultos .

Acomodações (Regras 12 a 17)


 A Regra 12 aborda o descanso noturno, que deve se dar em cela ou
quarto individual, aceitando-se em casos excepcionais e temporários de
superlotação que dois reclusos ocupem a mesma cela ou quarto. O
descanso noturno em dormitórios apenas é possível se houver seleção
cuidadosa de presos, com perfil não violento, garantindo-se a vigilância
noturna constante.

66
Ibid.

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54

 Adiante, a Regra 13 destaca que todos os ambientes utilizados pelos


presos devem satisfazer condições de higiene e saúde, inclusive de clima,
volume de ar, espaço, iluminação, aquecimento e ventilação. Neste
sentido, todos os locais devem conter janelas amplas para entrada de luz
natural e ar fresco, bem como luz artificial suficiente para leitura e trabalho
sem prejuízo à visão (Regra 14). Também as instalações sanitárias e de
banho devem ser adequadas, permitindo ao preso fazer suas
necessidades fisiológicas com higiene e decência (Regra 15), bem como
banhar-se pelo menos uma vez por semana em locais de clima
temperado (Regra 16). Em suma, todos locais do estabelecimento devem
ser mantidos e conservados limpos, em consonância com a Regra 17.
Esta forma de alojamento de presos está muito distante da realidade brasileira.
No entanto, bem se sabe que o adequado seria evitar situações de superlotação,
bem como assegurar o bem-estar dos presos nos locais por ele frequentados dentro
do estabelecimento.

Higiene pessoal (Regra 18):


 Fixa-se o direito e dever do preso se manter em condições adequadas de
higiene pessoal e aparência, conforme a Regra 18:

Regra 18:
1. Deve ser exigido que o preso mantenha sua limpeza pessoal e, para esse
fim, deve ter acesso à água e artigos de higiene, conforme necessário para
sua saúde e limpeza.
2. A fim de que os prisioneiros possam manter uma boa aparência,
compatível com seu autorrespeito deve ter à disposição meios para o
cuidado adequado do cabelo e da barba, e homens devem poder
67
barbear‑se regularmente .

Vestuário próprio e roupas de cama (Regras 19 a 21):


 O vestuário do preso deve ser confortável e limpo, apropriado para o
clima, não o submetendo a situação humilhante ou degradante. Quando o
preso tem permissão para sair do presídio, pode vestir-se com suas
próprias roupas, que deverão lhe ser entregues em condições de uso
(Regra 19). Caso o preso tenha permissão para usar roupas próprias no

67
Ibid.

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55

presídio, estas devem estar disponíveis limpas e próprias para uso (Regra
20). A roupa de cama individual também deve ser limpa e adequada
(Regra 21).

Alimentação (Regra 22):


 O recluso não pode comer na hora em que bem entender, mas apenas
quando lhe for fornecida comida nas horas habituais, mas a comida
fornecida deve ter valor nutricional adequado. Já a água própria ao
consumo deve estar disponível sempre.

Exercício e esporte (Regra 23):


 A Regra 23 sobre o exercício e o esporte visa propiciar o lazer e a própria
saúde do recluso e do jovem detido:

Regra 23:
1. Todo preso que não trabalhar a céu aberto deve ter pelo menos uma hora
diária de exercícios ao ar livre, se o clima permitir.
2. Jovens presos, e outros com idade e condições físicas adequadas,
devem receber treinamento físico e de lazer durante o período de exercício.
Para este fim, espaço, instalações e equipamentos devem ser
68
providenciados .

Serviços de saúde (Regras 24 a 35):


 Fornecer serviços médicos ao recluso é uma responsabilidade do Estado,
que o fará nos mesmos padrões ofertados à comunidade, pelo sistema
público de saúde. Deve ser garantida a continuidade do tratamento e
assistência médica para agravos em geral, inclusive dependência química
(Regra 24).

Regra 25:
1. Toda unidade prisional deve contar com um serviço de saúde incumbido
de avaliar, promover, proteger e melhorar a saúde física e mental dos
presos, prestando particular atenção aos presos com necessidades
especiais ou problemas de saúde que dificultam sua reabilitação.
2. Os serviços de saúde devem ser compostos por equipe interdisciplinar,
com pessoal qualificado suficiente, atuando com total independência clínica,
e deve abranger a experiência necessária de psicologia e psiquiatria.
69
Serviço odontológico qualificado deve ser disponibilizado a todo preso .

68
Ibid.
69
Ibid.

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56

 Devem ser mantidos registros médicos precisos, os quais são em regra


confidenciais (Regra 26).
 A Regra 27 aborda a obrigatoriedade de estabelecimentos penais terem
estrutura para prestar o atendimento de emergência, encaminhando-se o
recluso sempre que for necessário tratamento especializado:

Regra 27:
1. Todos os estabelecimentos prisionais devem assegurar o pronto acesso
a atenção médica em casos urgentes. Os presos que necessitem de
tratamento especializado ou de cirurgia devem ser transferidos para
instituições especializadas ou hospitais civis. Se as unidades prisionais
possuírem instalações hospitalares, devem contar com pessoal e
equipamento apropriados para prestar tratamento e atenção adequados aos
presos a eles encaminhados.
2. As decisões clínicas só podem ser tomadas pelos profissionais de saúde
responsáveis, e não podem ser modificadas ou ignoradas pela equipe
70
prisional não médica .

 No caso de reclusa gestante, é garantido o atendimento pré e pós-natal


no próprio estabelecimento. Já o nascimento, deve ocorrer fora do
estabelecimento e, se isso não for possível, a informação do nascimento
na prisão não deve constar na certidão de nascimento da criança (Regra
28).
 Quanto à permanência da criança após o nascimento, deve ser
observado o seu melhor interesse, nos termos da Regra 29:

Regra 29:
1. A decisão de permitir uma criança de ficar com seu pai ou com sua mãe
na unidade prisional deve se basear no melhor interesse da criança. Nas
unidades prisionais que abrigam filhos de detentos, providências devem ser
tomadas para garantir:
(a) creches internas ou externas dotadas de pessoal qualificado, onde as
crianças poderão ser deixadas quando não estiverem sob o cuidado de seu
pai ou sua mãe.
(b) Serviços de saúde pediátricos, incluindo triagem médica, no ingresso e
monitoramento constante de seu desenvolvimento por especialistas.
2. As crianças nas unidades prisionais com seu pai ou sua mãe nunca
71
devem ser tratadas como presos .

 O médico é mais que o responsável pelo atendimento do recluso em caso


de doenças. Cabe a ele o papel preventivo, evitando que o recluso
adoeça, notadamente ao alertar o diretor do estabelecimento pelo
70
Ibid.
71
Ibid.

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57

desrespeito às condições básicas necessárias à sua saúde. Para tanto,


deverá conversar e examinar os reclusos quando admitidos na unidade
prisional e sempre que necessário, apontando necessidades de
tratamento, inclusive para doenças infectocontagiosas; identificando
maus-tratos, estresse psicológico, risco de suicídio e abstinência química;
determinando a capacidade do preso para o trabalho (Regra 30). Não
obstante, é garantido o acesso diário do médico aos presos doentes
(Regra 31).
 Os profissionais de saúde devem respeitar os padrões éticos e
profissionais de conduta, em particular: protegendo a saúde física e
mental dos reclusos, prevenindo e tratando doenças; aderindo à
autonomia do preso, respeitando a tomada de decisões de acordo com o
livre e informado consentimento inclusive para experimentos lícitos e
regularmente promovidos; mantendo a confidencialidade da informação
médica, salvo tal sigilo gere ameaça real e iminente ao paciente ou aos
demais; não participando de atos de tortura e outros ou tratamentos ou
sanções cruéis, desumanos ou degradantes (Regra 32).
 O médico deve relatar ao diretor quando considerar que a saúde física ou
mental do recluso está prejudicada pelo cárcere ou suas condições
(Regra 33). Também deve reportar sinais de tortura ou tratamentos cruéis,
desumanos ou degradantes à autoridade médica, administrativa ou
judicial competente (Regra 34).
 Mais que responsável pelos cuidados médicos dos reclusos, o médico ou
profissional competente da saúde deve inspecionar o estabelecimento e
aconselhar o diretor sobre suas condições de limpeza e higiene (Regra
35).

Restrições, disciplina e sanções (Regras 36 a 46):


 Ordem e disciplina não significa restrição desnecessária ou
desproporcional. Cabe manter a ordem e a disciplina em prol da custódia
segura, da segurança da unidade prisional e de uma vida comunitária
bem organizada (Regra 36).

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 A autorização por lei ou a previsão em regulamento são exigidas para a


tipificação de infração disciplinar e a fixação de sanções e da autoridade
competente para aplicá-las (Regra 37), sem prejuízo do uso de
mecanismos alternativos de solução de litígios para a resolução de
conflitos (Regra 38). Veda-se o bis in idem, tal como a
desproporcionalidade na aplicação de sanções, devendo ainda ser levada
em conta a existência de doença mental ou incapacidade intelectual
(Regra 39).
 O preso pode ter responsabilidades sociais, educativas ou desportivas no
estabelecimento prisional, mas jamais pode trabalhar aplicando sanções
disciplinares aos demais reclusos (Regra 40).
 Reportada uma infração disciplinar, deverá ser investigada e o preso deve
ter assegurado direito de defesa, pessoalmente ou por advogado (sendo
que o advogado somente é obrigatório se a infração também for
considerada um crime), bem como a revisão judicial de decisão
administrativa (Regra 41).
 Na aplicação da infração disciplinar não podem ser desobedecidas as
regras inerentes às condições gerais de vida do recluso, como
alimentação, higiene, ambiente adequado em luz e ar, entre outras (Regra
42).
 Não cabe a aplicação de sanções que ofendam a dignidade da pessoa
humana ou coloquem em risco a vida e a saúde do preso, sendo
determinadas sanções proibidas expressamente, nos termos da Regra
43:
Regra 43:
1. Em nenhuma hipótese devem as restrições ou sanções disciplinares
implicar em tortura ou outra forma de tratamento ou sanções cruéis,
desumanos ou degradantes. As seguintes práticas, em particular, devem
ser proibidas:
(a) Confinamento solitário indefinido;
(b) Confinamento solitário prolongado;
(c) Encarceramento em cela escura ou constantemente iluminada;
(d) Castigos corporais ou redução da dieta ou água potável do preso;
(e) Castigos coletivos.
2. Instrumentos de imobilização jamais devem ser utilizados como sanção a
infrações disciplinares.
3. Sanções disciplinares ou medidas restritivas não devem incluir a
proibição de contato com a família. O contato familiar só pode ser

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estringido por um prazo limitado e quando for estritamente necessário para


72
a manutenção da segurança e da ordem .

 Um dia de confinamento solitário é o período de 22 horas sem contato


humano significativo, vedando-se o confinamento solitário indefinido sem
prazo final e o prolongado que exceder o período de 15 dias (Regra 44).
O confinamento solitário deve ser imposto apenas em casos
excepcionais, pelo menor prazo possível e mediante revisão
independente. Proíbe-se a aplicação a preso portador de deficiência
quando essas condições possam ser agravadas pela medida (Regra 45).
 Os profissionais de saúde não devem ter papel na aplicação de sanções e
poderão se manifestar sobre sanções que estejam gerando efeitos
severos aos reclusos, reportando ao diretor e prestando aconselhamento,
inclusive no sentido de recomendar e revisar as sanções de separação
involuntária (Regra 46).

Instrumentos de restrição (Regras 47 a 49):


 Nem todos instrumentos de restrição são permitidos e, mesmo os
permitidos, não podem ser usados em qualquer circunstância, conforme
as Regras 47 e 48:

Regra 47:
1. O uso de correntes, de imobilizadores de ferro ou outros instrumentos
restritivos que são inerentemente degradantes ou dolorosos devem ser
proibidos.
2. Outros instrumentos restritivos devem ser utilizados apenas quando
previstos em lei e nas seguintes circunstâncias:
(a) Como precaução contra a fuga durante uma transferência, desde que
sejam removidos quando o preso estiver diante de autoridade judicial ou
administrativa;
(b) Por ordem do diretor da unidade prisional, se outros métodos de controle
falhar, a fim de evitar que um preso machuque a si mesmo ou a outrem ou
que danifique propriedade; em tais circunstâncias, o diretor deve
imediatamente alertar o médico ou outro profissional de saúde qualificado e
reportar à autoridade administrativa superior.

Regra 48:
1. Quando a utilização de instrumentos restritivos for autorizada, de acordo
com o parágrafo 2 da regra 47, os seguintes princípios serão aplicados:

72
Ibid.

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(a) Os instrumentos restritivos serão utilizados apenas quando outras


formas menos severas de controle não forem efetivas para enfrentar os
riscos representados pelo movimento sem a restrição;
(b) O método de restrição será o menos invasivo necessário, e razoável
para controlar a movimentação do preso, baseado no nível e natureza do
risco apresentado;
(c) Os instrumentos de restrição devem ser utilizados apenas durante o
período exigido e devem ser retirados, assim que possível, depois que o
risco que motivou a restrição não esteja mais presente.
2. Os instrumentos de restrição não devem ser utilizados em mulheres em
73
trabalho de parto, nem durante e imediatamente após o parto .

 Os instrumentos de restrição dos movimentos servem a situações


excepcionais (prevenção de fuga no transporte ou esgotamento de outros
mecanismos) e não podem ser mais desconfortáveis que o necessário
(daí se proibirem correntes e ferros). Com efeito, os profissionais da
administração prisional devem ser treinados para utilizar estes
instrumentos adequadamente (Regra 49).

Revistas íntimas e inspeção em celas (Regras 50 a 53):


 As revistas íntimas e as inspeções de celas devem seguir padrões e
normas internacionais para garantir a segurança das unidades prisionais.
Devem ser conduzidas com respeito à dignidade humana e à privacidade
do indivíduo, de acordo com os princípios da proporcionalidade,
legalidade e necessidade (Regra 50). Assim, não podem ser usadas para
assediar, intimidas ou invadir a privacidade do preso, devendo ser
mantidos registros apropriados da revista ou inspeção (Regra 51).
 Sobre as revistas íntimas, prevê a Regra 52:
Regra 52:
1. Revistas íntimas invasivas, incluindo o ato de despir e de inspecionar
partes íntimas do corpo, devem ser empreendidas apenas quando forem
absolutamente necessárias. As administrações prisionais devem ser
encorajadas a desenvolver e utilizar alternativas apropriadas ao invés de
revistas íntimas invasivas. As revistas íntimas invasivas serão conduzidas
de forma privada e por pessoal treinado do mesmo gênero do indivíduo
inspecionado.
2. As revistas das partes íntimas serão conduzidas apenas por profissionais
de saúde qualificados, que não sejam os principais responsáveis pela
atenção à saúde do preso, ou, no mínimo, por pessoal apropriadamente
treinado por profissionais da área médica nos padrões de higiene, saúde e
74
segurança .

73
Ibid.
74
Ibid.

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parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada, seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou
gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
61

 Se na inspeção de cela for encontrado documento relacionado a processo


judicial, não poderá ser acessado pela administração prisional e o preso
terá direito de mantê-los consigo (Regra 53).

Informações e direito à queixa dos presos (Regras 54 a 57):


 Ao ingressar no estabelecimento prisional, o preso deverá receber
informação escrita sobre o regime disciplinar da unidade e do sistema
prisional leis e regulamentos, os seus direitos, os procedimentos para
solicitações e reclamações, as suas obrigações, as sanções disciplinares
e outros assuntos importantes (Regra 54). Estas informações devem estar
disponíveis nos idiomas mais utilizados pela população carcerária e, se
indisponível no idioma do detento, será fornecido intérprete. No caso de
preso analfabeto, caberá informação oral (Regra 55).
 Além disso, o preso pode apresentar suas queixas e reclamações às
autoridades competentes e elas devem ser analisadas, salvo se
evidentemente sem fundamentos ou comprovação, conforme as Regras
56 e 57:

Regra 56:
1. Todo preso deve ter a oportunidade, em qualquer dia, de fazer
solicitações ou reclamações ao diretor da unidade prisional ou ao servidor
prisional autorizado a representa-lo.
2. Deve ser viabilizada a possibilidade de os presos fazerem solicitações ou
reclamações, durante as inspeções da unidade prisional, ao inspetor
prisional. O preso deve ter a oportunidade de conversar com o inspetor ou
com qualquer outro oficial de inspeção, livremente e em total
confidencialidade, sem a presença do diretor ou de outros membros da
equipe.
3. Todo preso deve ter o direito de fazer uma solicitação ou reclamação
sobre seu tratamento, sem censura quanto ao conteúdo, à administração
prisional central, à autoridade judiciária ou a outras autoridades
competentes, inclusive àqueles com poderes de revisão e de remediação.
4. Os direitos previstos nos parágrafos 1 a 3 desta Regra serão estendidos
ao seu advogado. Nos casos em que nem o preso, nem o seu advogado
tenham a possibilidade de exercer tais direitos, um membro da família do
preso ou qualquer outra pessoa que tenha conhecimento do caso poderá
exercê‑los.

Regra 57:
1. Toda solicitação ou reclamação deve ser prontamente apreciada e
respondida sem demora. Se a solicitação ou reclamação for rejeitada, ou no
caso de atraso indevido, o reclamante terá o direito de leva-la à autoridade
judicial ou outra autoridade.

Todos os direitos são reservados ao Grupo Prominas, de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma
parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada, seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou
gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
62

2. Mecanismos de salvaguardas devem ser criados para assegurar que os


presos possam fazer solicitações e reclamações de forma segura e, se
requisitado pelo reclamante, confidencialmente. O preso, ou qualquer outra
pessoa mencionada no parágrafo 4 da Regra 56, não deve ser exposto a
qualquer risco de retaliação, intimidação ou outras consequências negativas
como resultados de uma solicitação ou reclamação.
3. Alegações de tortura ou tratamentos ou sanções cruéis, desumanos ou
degradantes deverão ser apreciadas imediatamente e devem resultar em
uma pronta e imparcial investigação, conduzida por autoridade nacional
independente, de acordo com os parágrafos 1 e 2 da Regra 71.

Contato com o mundo exterior (Regras 58 a 63):


 A comunicação com o mundo exterior envolve contato com parentes e
amigos por correspondência e visitas, garantido igualmente a homens e
mulheres (Regra 58). Para facilitar este contato, o preso deverá ser
alocado, na medida do possível, em unidade próxima de sua casa ou do
local de reabilitação (Regra 59). Sobre a entrada de visitantes, disciplina a
Regra 60:

Regra 60:
1. A entrada de visitantes nas unidades prisionais depende do
consentimento do visitante de se submeter à revista. O visitante pode
revogar seu consentimento a qualquer tempo; nesse caso, a administração
prisional poderá vedar seu acesso.
2. Os procedimentos de entrada e revista para visitantes não devem ser
degradantes e devem ser governados por princípios não menos protetivos
que aqueles delineados nas Regras 50 a 52. Revistas em partes íntimas do
75
corpo devem ser evitadas e não devem ser utilizadas em crianças .

 O recluso deve ter oportunidade de ser visitado e se comunicar com um


advogado particular ou com um defensor público, sem demora,
interceptação ou censura, em total confidencialidade, sobre qualquer
assunto legal, às vistas – mas sem oitiva – dos agentes prisionais. Se
necessário, o preso terá acesso a um intérprete. Deve se garantir a
assistência jurídica efetiva (Regra 61).
 O preso também terá acesso a representante diplomático e consular se
não for nacional do país (Regra 62).
 Por fim, o contato com o mundo exterior se dará pela transmissão das
principais notícias: jornais, periódicos, palestra, rádio, TV, conforme meios
autorizados e controlados pela administração prisional (Regra 63).

75
Ibid.

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gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
63

Livros (Regra 64):


 É obrigação de a unidade prisional ter uma biblioteca para uso de todas
as categorias de presos, com livros de lazer e de instrução, incentivando-
se os presos a utilizarem-na (Regra 64). Espera-se que com isso o
recluso aperfeiçoe seu intelecto e adquira novas capacitações.

Religião (Regras 65 e 66):


 A liberdade religiosa pode e deve ser exercida livremente pelo recluso,
garantindo-se que manifeste sua crença dentro do estabelecimento,
inclusive de não ter crença alguma. Havendo número razoável de adeptos
da religião, um representante concentrará a organização da assistência
religiosa, realizando celebrações e fazendo visitas pastorais privadas
(Regra 65). O preso tem direito de satisfazer plenamente as necessidades
de sua vida religiosa, participando de celebrações realizadas nas
unidades prisionais e mantendo consigo livros de prática e de ensino de
sua confissão (Regra 66).

Retenção de pertences dos presos (Regra 67):


 O recluso não pode ter posse de qualquer objeto ou bem não autorizado
no estabelecimento. Estes deverão ser restituídos quando dele sair, salvo
se ilícitos, consumidos, enviados para fora ou destruídos por motivo de
higiene. Obviamente, se ele levar medicamentos de que precise, sendo
isto reconhecido pelo médico, poderá utilizá-los no estabelecimento
(Regra 67).

Notificações (Regras 68 a 70):


 O recluso não é separado de sua família no mundo exterior, a qual deve
ter conhecimento de suas condições de saúde, de eventual transferência
ou em caso de falecimento, mediante notificação. No caso de doença ou
ferimento, o preso poderá solicitar que não haja notificação (Regras 68 e
69).

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64

 Vice-versa, o recluso deve ser informado sobre condições de saúde ou


morte de seus familiares e, se possível, ser autorizado a visitar parentes
hospitalizados ou comparecer a funeral destes, sob escolta ou sozinho
(Regra 70).

Investigações (Regras 71 e 72):


 Deve ser promovida investigação interna e externa, mediante
comunicação do diretor da unidade, nos casos de morte,
desaparecimento, ferimento grave ou suspeita de ato de tortura ou
tratamento ou sanção cruéis, desumanos ou degradantes de recluso. A
administração prisional deve cooperar com as investigações promovidas
pelas autoridades competentes (Regra 71).
 No caso de morte, o corpo do preso falecido deve ser tratado com
dignidade e devolvido, o quanto antes, ao parente mais próximo. Se não
houver pessoa disposta ou capaz de promover um funeral adequado, a
administração prisional irá providenciar, mantendo registro do fato (Regra
72).

Remoção de presos (Regra 73):


 No caso de transferência, deve se dar em respeito às condições dignas
do preso, sem exposição ao público deve ocorrer pelo mínimo de tempo
possível, protegendo o preso de insultos, curiosidade e publicidade ou
uso de transporte sem condições de luz e ar adequados. Caberá à
administração custear (Regra 73).

Funcionários da unidade prisional (regras 74 a 82):


 É essencial que os funcionários da unidade prisional sejam capacitados e
cuidadosamente selecionados para bem desempenhar suas funções,
possuindo integridade, humanidade, capacidade profissionais, adequação
para o trabalho, boa conduta, eficiência e aptidão física. Nos funcionários
e na opinião pública deve se fazer presente à convicção de que o serviço
social prestado é de grande relevância. Os funcionários trabalharão em

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65

regime integral e devem ser servidores públicos, com estabilidade e


salário compatível com as exigências do cargo (Regra 74).
 Os funcionários devem ter um padrão adequado de educação, além das
condições e meios para o exercício das funções profissional, recebendo
treinamento teórico e prático, com avaliação ao final, após o qual poderão
desempenhar as funções. Continuamente, deve ser promovida a
capacitação destes funcionários, mantendo e aperfeiçoando suas
habilidades (Regra 75).
 Existem conteúdos obrigatórios do treinamento a que será submetido o
funcionário, notadamente: Legislação, regulamentos, instrumentos e
políticas nacionais e internacionais; direitos e deveres dos funcionários no
exercício de suas funções; segurança dinâmica, uso da força e
instrumentos de restrição e gerenciamento de infratores violentos (Regra
76).
 Além disso, conforme a Regra 77: “Todos os membros da equipe devem,
a todo o momento, portar-se e executar suas atividades de maneira que o
seu exemplo seja uma boa influência sobre os presos e mereçam seu
respeito”76.
 A equipe prisional deve contar com número suficiente de especialistas de
diversas áreas, como psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais,
professores e instrutores técnicos (Regra 78).
 O diretor da unidade prisional deve contar com qualificação adequada,
com personalidade, capacidade administrativa e treinamento e
experiência apropriados, trabalhando em tempo integral e residindo na
unidade prisional ou nas imediações. Se mais de uma unidade estiver sob
sua administração, deverá visitar ambos regularmente (Regra 79).
 O diretor e a maioria dos funcionários da unidade devem falar o idioma da
maior parte dos presos ou o entendido pela maior parte deles (Regra 80).

76
Ibid.

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66

A respeito dos presídios femininos, prevê a Regra 81:

Regra 81
1. Em uma unidade prisional para homens e mulheres, a parte da unidade
destinada a mulheres deve estar sob a supervisão de um oficial feminina
responsável que tenha a custódia das chaves de toda aquela parte da
unidade.
2. Nenhum funcionário do sexo masculino deve entrar na parte feminina da
unidade prisional a menos que esteja acompanhado de uma agente.
3. As presas devem ser atendidas e supervisionadas somente por agentes
femininas. Entretanto, isso não impede que membros homens da equipe,
especialmente médicos e professores, desempenhem suas atividades
77
profissionais em unidades prisionais ou nas áreas destinadas a mulheres .

 Sendo assim, é possível que homens trabalhem em unidades prisionais


femininas, mas o atendimento, a supervisão e a custódia de chaves
devem estar sob responsabilidade de oficial do sexo feminino. Homens
devem estar acompanhados de agentes femininas para o contato direto
com reclusas.
 Quanto ao modo de atuação, os agentes não estarão armados e não
utilizarão da força física para fazer cumprir suas ordens, salvo exceções,
conforme Regra 82:

Regra 82:
1. Os funcionários das unidades prisionais não devem em seu
relacionamento com os presos, usar de força, exceto em caso de
autodefesa, tentativa de fuga, ou resistência ativa ou passiva a uma ordem
fundada em leis ou regulamentos. Agentes que recorram ao uso da força
não devem fazê‑lo além do estritamente necessário e devem relatar o
incidente imediatamente ao diretor da unidade prisional.
2. Os agentes prisionais devem receber treinamento físico para capacitá‑los
a controlar presos agressivos.
3. Exceto em circunstâncias especiais, no cumprimento das tarefas que
exigem contato direto com os presos, os funcionários prisionais não devem
estar armados. Além disso, a equipe não deve, em circunstância alguma,
78
portar armas, a menos que seja treinada para fazer uso delas .

Inspeções internas e externas (Regras 83 a 85):


 Os estabelecimentos prisionais devem passar por constante vigilância,
tanto interno quanto externo, assegurando que estão sendo respeitadas
as condições adequadas fixadas nestas regras (Regra 83).

77
Ibid.
78
Ibid.

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gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
67

 Os inspetores, que devem ser qualificados e experientes, poderão:


acessar informações sobre número de presos e locais de
encarceramento, além de toda informação relevante para o tratamento
dos presos; escolher livremente o estabelecimento que será
inspecionado, fazendo visitas sem aviso prévio; conduzir entrevistas com
presos e funcionários prisionais, em confidencialidade; fazer
recomendações à administração prisional (Regra 84). A inspeção será
seguida de relatório escrito, submetido à autoridade competente (Regra
85).

3.1.3 Regras Aplicáveis a Categorias Especiais


As Regras Mínimas para Tratamento dos Reclusos abordam na segunda parte
as regras aplicáveis às categorias especiais, assim enumeradas: presos
sentenciados, presos com transtornos mentais e/ou com problemas de saúde,
presos sob custódia ou aguardando julgamento, presos civis e pessoas presas ou
detidas sem acusação.

3.1.3.1 Presos Sentenciados


Os presos sentenciados são aqueles que estão cumprindo pena após
condenação definitiva, sobre eles não mais recaindo a presunção de inocência.
Princípios orientadores (Regras 86 a 90):
 Ao trazer princípios orientadores aplicados aos presos sentenciados, as
Regras pretendem mostrar o espírito sob o qual os estabelecimentos
prisionais devem ser administrados e os fins que devem almejar (Regra
86).
 Com efeito, se estabelece na Regra 87 que devem ser tomadas
providências para que após o cumprimento da pena o preso consiga
retornar progressivamente à sociedade, o que pode ser feito com a
adoção de um regime de pré-soltura, que pode ser de liberdade
condicional ou outro.
 Durante o cumprimento da pena, os presos não podem ser excluídos da
comunidade e devem receber assistência para manter e aperfeiçoar

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68

relações desejáveis com sua família e com agências sociais reconhecidas


(Regra 88).
 A Regra 89 é importante para determinar como se dará a individualização
do tratamento do preso no cumprimento da pena:

Regra 89:
1. O cumprimento destes princípios requer a individualização do tratamento
e, para tal, é necessário um sistema flexível de classificação dos presos em
grupos. Deve‑se, portanto, distribuir tais grupos em unidades prisionais
separadas adequadas ao tratamento de cada um.
2. Essas unidades prisionais não precisam proporcionar o mesmo grau de
segurança para todos os grupos. É recomendável que vários graus de
segurança sejam disponibilizados, de acordo com as necessidades de
diferentes grupos. As unidades abertas, exatamente pelo fato de não
proporcionarem segurança física contra fuga, mas confiarem na
autodisciplina dos detentos proporcionam as condições mais favoráveis
para a reabilitação de presos cuidadosamente selecionados.
3. O número de detentos em unidades prisionais fechadas não deve ser
grande demais a ponto de coibir o tratamento individualizado. Em alguns
países, entende‑se que a população de tais unidades não deve passar de
quinhentos detentos. Em unidades abertas, a população deve s er a menor
possível.
4. Por outro lado, não é recomendável manter unidades prisionais que
sejam pequenas demais ao ponto de impedirem o provimento de
79
instalações adequadas .

 Assim, quanto mais divididos os grupos de reclusos, maiores as chances


de que aquele que cometeu um crime menos grave não se deixe
contaminar pelo que cometeu o crime mais grave. Da mesma forma, o
número adequado de presos permite que eles sejam vistos como
pessoas, não como um número. Todo o processo de individualização visa
preparar o preso para o retorno à sociedade, até mesmo porque,
conforme a Regra 90, a tarefa da sociedade não termina com a liberação
de um preso, cabendo assegurar o acompanhamento da pós-soltura do
recluso para permitir que ele seja reinserido na sociedade.

Tratamento (Regras 91 e 92):


 O tratamento dos presos sentenciados deve ter o propósito de criar nos
presos à vontade de levar uma vida de acordo com a lei e autossuficiente

79
Ibid.

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gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
69

após sua soltura e capacitá-los a isso, desenvolvendo o senso de


responsabilidade e respeito próprio, nos termos da Regra 91.

Regra 92:
1. Para esses fins, todos os meios apropriados devem ser usados, inclusive
cuidados religiosos em países onde isso é possível, educação, orientação e
capacitação vocacionais, assistência social direcionada, aconselhamento
profissional, desenvolvimento físico e fortalecimento de seu caráter moral.
Tudo isso deve ser feito de acordo com as necessidades individuais de
cada preso, levando em consideração sua história social e criminal, suas
capacidades e aptidões mentais, seu temperamento pessoal, o tempo da
sentença e suas perspectivas para depois da liberação.
2. Para cada preso com uma sentença de extensão adequada, o diretor
prisional deve receber, no mais breve possível após sua entrada, relatórios
sobre todos os assuntos referentes a ele mencionados no parágrafo 1 desta
Regra. Esses relatórios devem sempre incluir relatório do médico ou do
profissional de saúde qualificado sobre a condição física e mental do preso.
3. Os relatórios e demais documentos relevantes devem ser postos em um
arquivo individual. Esse arquivo deve ser mantido atualizado e classificado
de maneira a possibilitar a consulta pelo pessoal responsável, sempre que
80
houver necessidade .

O preso deve ser tratado individualmente, considerado suas


circunstâncias pessoais tanto no que se refere à sua personalidade
quanto em relação à pena pela qual foi condenado. O acompanhamento
individual permite que melhor se direcione a sua reabilitação e
reintegração na sociedade.

Classificação e individualização (Regras 93 e 94):


 Os reclusos serão classificados conforme suas necessidades de
tratamento e separados dos que possam ser uma má influência (ex.:
líderes de facções), sendo colocados em locais distintos, assim prevendo
a Regra 93:

Regra 93:
1. As finalidades da classificação devem ser:
(a) Separar dos demais presos àqueles que, por motivo de seu histórico
criminal ou pela sua personalidade, possam vir a exercer uma influência
negativa sobre os demais presos;
(b) Dividir os presos em classes, a fim de facilitar o tratamento, visando à
sua reinserção social.
2. Na medida do possível, as unidades prisionais, ou setores separados de
uma unidade, devem ser usados para o tratamento de diferentes classes de
81
presos .

80
Ibid.
81
Ibid.

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parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada, seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou
gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
70

 Levantadas informações sobre sua condição, quando a pena assim


justificar, será elaborado um programa para o seu tratamento, a partir de
um estudo de sua personalidade (Regra 94).

Privilégios (Regra 95):


 Em toda unidade prisional deve ser instituído um sistema de privilégios
para incentivar a boa conduta do recluso, desenvolver seu senso de
responsabilidade e assegurar o interesse e a cooperação dos presos
(Regra 95). São inúmeros os privilégios possíveis, por exemplo, utilizar
televisão, desempenhar atividades recreativas, regime de visitas
diferenciado, entre outros.

Trabalho (Regras 96 a 103):


 Os presos sentenciados devem ter a oportunidade de trabalhar,
participando ativamente de sua reabilitação, conforme sua aptidão física e
mental atestada por profissional de saúde. Este trabalho deve ter
natureza útil (Regra 96), não deve ser de natureza estressante, nem
funcionar em regime de escravidão ou servidão e nem ser voltado a
beneficiar qualquer membro da equipe profissional (Regra 97).
 Além disso, o trabalho deve manter ou aumentar a habilidade dos presos,
sendo devido o treinamento vocacional e assegurado o direito de escolher
o trabalho a ser realizado, na medida do possível (Regra 98).
 O trabalho adotará organização e métodos os mais parecidos possíveis
com os adotados fora da unidade prisional, de forma a preparar os presos
para uma vida profissional normal. Entretanto, o trabalho não pode se
subordinar à obtenção de lucro financeiro (Regra 99).
 No caso de indústrias e explorações agrícolas devem ser operadas,
preferencialmente, pela administração prisional e não pelo setor privado.
Caso se autorize a exploração por setor privado, deverá haver supervisão
dos agentes prisionais, cabendo o pagamento devido à administração
prisional para o repasse, salvo se o receptor do serviço for a própria
administração pública (Regra 100).

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gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
71

 Deverão ser tomadas precauções para proteger a segurança e a saúde


dos trabalhadores livres, cabendo a indenização por acidentes de trabalho
(Regra 101).
 Quanto ao horário de trabalho e o tempo de descanso, fixa a Regra 102:

Regra 102:
1. O número máximo de horas trabalhadas, por dia e por semana, pelos
presos deve ser fixado em lei pelo regulamento administrativo, levando em
consideração as normas e os costumes locais em relação ao emprego de
trabalhadores livres.
2. As horas fixadas devem permitir um dia de descanso por semana e
tempo suficiente para o estudo e para outras atividades exigidas como parte
82
do tratamento e reinserção dos presos .

 Até mesmo porque deve se aproximar da realidade do mundo externo,


será remunerado, instituindo-se um sistema de remuneração igualitária.
Os presos poderão gastar parte do que ganharem em artigos aprovados
para uso próprio e enviar outra parte dos ganhos para familiares. Outra
parte da remuneração será reservada pela administração para constituir
um fundo de poupança destinado ao momento da liberação do preso
(Regra 103).

Educação e lazer (Regras 104 e 105):


 A educação é o único caminho para aquele que entra na vida do crime
por acreditar não possuir aptidão para nada mais, às vezes por não saber
nem ao menos ler e escrever. Em razão disso, disciplina a Regra 104:

Regra 104:
1. Instrumentos devem ser criados para promover a educação de todos os
presos que possam se beneficiar disso, incluindo instrução religiosa, em
países onde isso é possível. A educação de analfabetos e jovens presos
deve ser compulsória, e a administração prisional deve destinar atenção
especial a isso.
2. Na medida do possível, a educação dos presos deve ser integrada ao
sistema educacional do país, para que após sua liberação eles possam
83
continuar seus estudos sem maiores dificuldades .

 Além disso, todas as unidades prisionais devem fornecer atividades


recreativas e culturais aos presos (Regra 105).

82
Ibid.
83
Ibid.

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parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada, seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou
gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
72

Relações sociais e assistência pós‑prisional (Regras 106 a 108):


 As relações entre o preso e sua família devem ser mantidas e
aperfeiçoadas (Regra 106). Desde o começo do cumprimento da pena, o
preso deve ser incentivado e auxiliado a manter relações com indivíduos
ou entidades fora da unidade prisional (Regra 107). Ainda, disciplina a
Regra 108:

Regra 108:
1. Os serviços e as agências sejam governamentais ou não, que ajudam
presos libertos a se restabelecerem na sociedade deve assegurar, na
medida do possível e do necessário, que eles possuam os documentos e
papéis de identificação apropriados, que tenham casa e trabalho
adequados, que estejam adequadamente vestidos, levando em
consideração o clima e a estação do ano, e que tenham meios suficientes
para alcançar seu destino e para se sustentarem no período imediatamente
posterior a sua liberação.
2. Os representantes autorizados de tais agências devem ter todo o acesso
necessário à unidade prisional e aos presos e devem ser consultados sobre
o futuro do preso desde o início de sua sentença.
3. As atividades de tais agências devem ser centralizadas ou coordenadas ,
84
na medida do possível, para garantir o melhor uso de seus esforços .

Assim, desde o início deve-se pensar no futuro do recluso quando for libertado,
evitando que ele reincida na prática de crimes assim que sair da prisão por não ter
para onde ir ou como se manter.

3.1.3.2 Presos com Transtornos Mentais e/ou com Problemas de Saúde


No caso de indivíduos que apresentem deficiência mental e/ou problemas de
saúde severos, não devem ser detidos em unidades prisionais, sendo removidos
para instituições especializadas. Isso não prejudica o dever dos estabelecimentos de
prover tratamento psiquiátrico a todos os detentos (Regra 109).
Medidas devem ser tomadas para assegurar a continuidade do tratamento
psiquiátrico e para prestar acompanhamento após a liberação do recluso (Regra
110).

84
Ibid.

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parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada, seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou
gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
73

3.1.3.3 Presos Sob Custódia ou Aguardando Julgamento


Devido ao princípio da presunção da inocência, o preso preventivo não pode
ser tratado como o condenado. Estes presos não julgados serão beneficiados com
um regime especial (Regra 111), nos termos descritos entre as Regras 112 e 120:
 Separação dos presos condenados (Regra 112);
 Separação dos presos jovens não julgados dos presos adultos (Regra
112);
 Dormitório isolado e individual (Regra 113);
 Aquisição de alimentação de meio externo, às suas expensas ou de
familiares e amigos, por intermédio da administração (Regra 114);
 Permissão para usar sua própria roupa ou uma roupa do estabelecimento
diversa da dos presos condenados (Regra 115);
 Oportunidade de trabalhar – trabalho facultativo (Regra 116);
 Permissão de obter, a suas expensas ou de terceiros, livros, jornais,
artigos de papelaria e de outros meios de ocupação, respeitados os
interesses da administração de boa ordem e segurança da unidade
prisional (Regra 117);
 Acesso a tratamento médico e odontológico particular, desde que pague
por isso e subsistam razões para tanto (Regra 118);
 Informação imediata sobre detenções ou acusações a ele imputadas
(regra 119);
 Assistência por defensor de sua escolha ou designado pela autoridade
judicial, nos casos em que não puder arcar com tais custos (Regra 119);
 Acesso ao advogado sem intervenção/oitiva dos funcionários, embora às
vistas deles, em frequência necessária para elaboração de sua defesa
(Regra 120);
 Disponibilização de material para escrever, preparando documentos
relacionados à sua defesa e passando instruções confidenciais ao
defensor (Regra 120).

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74

3.1.3.4 Presos Civis


Presos civis são aqueles que não cometeram infrações penais, mas não
adimpliram obrigação. A prisão civil é exceção, sendo admitida nos direitos humanos
apenas em relação ao devedor de alimentos.
Com efeito, os presos sujeitos à prisão civil terão o mesmo tratamento do preso
preventivo, mas haverá obrigação, não faculdade, de trabalhar, nos termos da Regra
121:

Regra 121:
Em países onde a lei permite o encarceramento por dívida ou por ordem de
uma corte sob qualquer outro processo não criminal, os indivíduos presos
por estes motivos não devem ser submetidos a maior restrição ou
severidade do que o necessário para garantir uma custódia segura e a boa
ordem. Seu tratamento não será menos favorável do que aquele oferecido a
85
presos não julgados, exceto para aqueles obrigados a trabalhar .

3.1.3.5 Pessoas Presas ou Detidas sem Acusação


Embora a Regra 122 garanta que pessoas presas ou detidas sem acusação
devam receber tratamento nos termos das Regras Mínimas para Tratamento de
Reclusos, assegurado o respeito à presunção de inocência pela não persecução de
reeducação ou reabilitação de indivíduos não condenados por qualquer crime,
também reforça a aplicação do artigo 9 o do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e
Políticos, do qual se depreendem: não aceitação da prisão ou detenção arbitrária,
não privação da liberdade sem respeitos aos motivos e procedimentos previstos em
lei, informação dos motivos da detenção sem demora, audiência de custódia,
excepcionalidade da prisão preventiva, duplo grau de jurisdição, indenização em
caso de encarceramento ilegal.

SAIBA MAIS
Filme sobre o assunto: Carcereiros (2019, drama/mistério, 110 m., direção por
José Eduardo Belmonte).
Acesse o link:
https://outraspalavras.net/desigualdades-mundo/prisoes-brasileiras-relato-de-
dentro-do-inferno/

85
Ibid.

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parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada, seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou
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75

3.2 REGRAS DE BANGKOK

As Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos asseguram a separação


entre homens e mulheres em situações de detenção (regra n.º 8) e a presença
constante de oficial feminina no controle das chaves de estabelecimento ou setor
prisional feminino e nas atividades de inspeção (regra n.º 53), sem prejuízo das
disposições acerca da saúde da mulher gestante (regra n.º 28), inclusive proibindo-
se o uso de instrumentos de restrição antes, durante e logo após o parto (regra n.º
48, 2).
As mulheres ocupam posição peculiar no sistema prisional, devendo as regras
que o regulam estar atentas a esta especificidade.

As mulheres em situação de prisão têm demandas e necessidades muito


específicas, o que não raro é agravado por históricos de violência familiar e
condições como a maternidade, a nacionalidade estrangeira, a perda
financeira ou o uso de drogas. Não é possível desprezar, nesse cenário, a
distinção dos vínculos e relações familiares estabelecidos pelas mulheres,
bem como sua forma de envolvimento com o crime, quando comparados
com a população masculina, o que repercute de forma direta as condições
de encarceramento a que estão submetidas. Historic amente, a ótica
masculina tem sido tomada como regra para o contexto prisional, com
prevalência de serviços e políticas penais direcionados para homens,
deixando em segundo plano as diversidades que compreendem a realidade
prisional feminina, que se relacionam com sua raça e etnia, idade,
deficiência, orientação sexual, identidade de gênero, nacionalidade,
situação de gestação e maternidade, entre tantas outras nuanças. Há
grande deficiência de dados e indicadores sobre o perfil de mulheres em
privação de liberdade nos bancos de dados oficiais governamentais, o que
86
contribui para a invisibilidade das necessidades dessas pessoas .

Em complemento às Regras de Mandela, considerando esta preocupação


específica com a situação da mulher reclusa, surgem as Regras das Nações Unidas
para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para
mulheres infratoras, também conhecidas como Regras de Bangkok, expedidas em
julho de 2010 pelo Conselho Econômico e Social e aprovadas pela Assembleia
Geral.
Já nas observações preliminares das Regras de Bangkok se destaca que as
Regras Mínimas para Tratamento de Reclusos, originadas em 1955, não conferiam
atenção específica às necessidades das mulheres presas e infratoras. Embora com

86
LEWANDOWSKI, Ricardo. Apresentação à Série Tratado Internacionais de Direitos Humanos:
Regras de Bangkok. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2016, p. 11.

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76

a reedição das Regras Mínimas para Tratamento dos Reclusos em 2015, incluindo
dispositivos com este foco, permanecem outras necessidades especiais da mulher
reclusa que demandam previsão específica.
Sem o propósito de substituir, mas de complementar, as Regras de Mandela e
as Regras de Tóquio, as Regras de Bangkok se dividem em três seções: a primeira
delas trata da administração geral das instituições e é aplicável a todas as
categorias de mulheres privadas de liberdade; a segunda delas se volta às
categorias especiais, tratadas em cada subseção, mas apesar disso, as regras da
subseção A, que se aplicam a presas condenadas, aplicam-se igualmente à
categoria de presas relacionadas na subseção B sempre que não se contraponham
às normas relativas a essa categoria; a terceira delas contempla a aplicação de
sanções não privativas de liberdade e medidas para mulheres adultas infratoras e
adolescentes em conflito com a lei, incluindo no momento da prisão e nos estágios
de pré-julgamento, e após a sentença do processo criminal; a última contém regras
sobre pesquisa, planejamento, avaliação, sensibilização pública e compartilhamento
de informações.

3.2.1 Regras de Aplicação Geral


Princípio básico (Regra 1):
 As necessidades femininas devem ser respeitadas para atingir a
igualdade material entre os gêneros.

Ingresso (Regra 2):


 Considerando a situação de vulnerabilidade das mulheres devem ser
tomadas medidas especiais no momento de ingresso. Devem ser
asseguradas para as recém-ingressas condições de contatar parentes,
acesso à assistência judiciária, informação em geral no idioma de
domínio, contato com representante consular (para a presa estrangeira).
Além disso, manifesta-se uma clara preocupação no que se refere à
necessidade da presença da mulher no seio familiar ao se estabelecer o
direito da mulher de tomar providências referentes à guarda dos seus

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77

filhos antes de ingressar no estabelecimento ou mesmo adiar o


cumprimento da pena para cuidar da prole.

Registro (Regra 3):


 Devem ser providenciadas informações sobre os filhos menores da
mulher no seu registro de prisão.

Alocação (Regra 4):


 As mulheres têm direito que o encarceramento ocorra em local próximo
ao da residência da família ou ao de onde ocorrerá sua reabilitação social.

Higiene pessoal (Regra 5):


 Quanto à higiene da mulher, reforça-se a importância do cuidado especial
no período menstrual, garantindo-se absorvente e adequada circulação
de água.

Serviços de cuidados à saúde (Regras 6 a 18):


 Em relação à saúde, o exame de ingresso deve determinar o histórico
reprodutivo, de doenças sexualmente transmissíveis, de abusos sexuais,
de dependência química e de traumas psicológicos respeitados a
confidencialidade deste exame e conferida informação a respeito do
direito de representar às autoridades competentes em caso de abusos
(Regras 6 a 8). Se acompanhada de criança, esta também passará por
exame (Regra 9).
 Serão oferecidos às presas serviços de atendimento médico voltados
especificamente para mulheres. Fixa-se, ainda, o direito de ser tratada por
mulher, caso solicite, na medida do possível (Regra 10). Durante os
exames, estarão presentes apenas funcionários da equipe médica (Regra
11).
 Deve ser conferido tratamento especializado para a saúde mental (Regras
12 e 13), tal como para a prevenção, o tratamento e o cuidado de
transmissão à prole de HIV (Regra 14). Cabe a realização de programas

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78

de tratamento do consumo de drogas (Regra 15). No mais, devem ser


tomadas medidas para a prevenção do suicídio e de lesões autoinfligidas
(Regra 16), além de outras formas de saúde preventiva feminina, como
exame de câncer de mama, Papanicolau e ginecológico (Regras 17 e 18).

Segurança e vigilância (Regras 19 a 25):


 A revista no estabelecimento prisional deve ser conduzida com
competência, profissionalismo e sensibilidade, utilizando recursos que
consigam substituir a necessidade de contato físico e de exposição da
mulher, evitando todo tipo de revista íntima ou invasiva (Regras 19 a 21).
 As sanções disciplinares não devem ocasionar o isolamento familiar, além
do que são proibidas sanções de isolamento ou segregação disciplinar a
mulheres gestantes ou com filhos ou em período de amamentação
(Regras 22 e 23).
 No trabalho de parto, antes ou depois dele, jamais podem ser usados
instrumentos de contenção (Regra 24).
 A respeito do direito de informação da reclusa, aponta a Regra 25:

Regra 25:
1. Mulheres presas que relatarem abusos deverão receber imediatamente
proteção, apoio e aconselhamento, e suas alegações deverão ser
investigadas por autoridades competentes e independentes, com pleno
respeito ao princípio de confidencialidade. Medidas de proteção deverão
considerar especificamente os riscos de retaliações.
2. Mulheres presas que tenham sido submetidas a abuso sexual,
especialmente aquelas que engravidaram em decorrência desse abuso,
deverão receber orientações e aconselhamento médicos apropriados e
deverão contar com os atendimentos médicos e psicológicos adequados,
apoio e assistência jurídica.
3. Com o intuito de monitorar as condições de prisão e de tratamento das
mulheres presas, os mecanismos de inspeção, grupos visitantes ou de
monitoramento ou os órgãos supervisores deverão ter mulheres entre seus
87
membros .

87
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Regras de Bangk ok : Regras Mínimas das Nações
Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas Não Privativas de Liberdade para Mulheres
Infratoras. Resolução AG-ONU nº 65/229, de 06 de outubro de 2010. Disponível em:
<https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2019/09/cd8bc11ffdcbc397c32eecdc40afbb74.pdf>.
Acesso em: 28 nov. 2019.

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79

Contato com o mundo exterior (Regras 26 a 28):


 As mulheres reclusas deverão ser incentivadas a manter o contato com
seus familiares, inclusive com os detentores da guarda de seus filhos e
com estes, tendo acesso a visitas (Regra 26) (inclusive íntimas, nos
estabelecimentos que os homens tenham acesso a elas, nos termos da
Regra 27). A criança, nas situações de visitas, deve ser recebida em
ambiente propício, sendo incentivadas as visitas prolongadas (Regra 28).

Funcionários/as penitenciários e sua capacitação (Regras 29 a 35):


 Os profissionais devem ser capacitados sobre questões de gênero e para
atender as necessidades das presas de reintegração social (Regra 29).
Regramentos e políticas serão elaborados para prover a máxima proteção
às mulheres presas contra todo tipo de violência física ou verbal motivada
por razões de gênero, assim como abuso e assédio sexual (Regra 31).
 Deverão ser tomadas medidas para evitar e abordar discriminações de
gênero contra funcionárias (Regra 30), as quais devem ter acesso
igualitário à capacitação profissional em relação aos homens (Regra 32).
 Disciplina, ainda, a Regra 33:

Regra 33:
1. Todo funcionário/a designado para trabalhar com mulheres presas deverá
receber treinamento sobre as necessidades específicas das mulheres e os
direitos humanos das presas.
2. Deverá ser oferecido treinamento básico aos/as funcionários/as das
prisões sobre as principais questões relacionadas à saúde da mulher, além
de medicina básica e primeiros-socorros.
3. Onde crianças puderem acompanhar suas mães na prisão, os/as
funcionários/as também serão sensibilizados sobre as necessidades de
desenvolvimento das crianças e será oferecido treinamento básico sobre
atenção à saúde da criança para que respondam com prontidão a
88
emergências .

 Os programas de capacitação devem abranger questões sobre gênero,


direitos humanos, estigmatização do HIV e prevenção ao suicídio (Regras
34 e 35).

88
Ibid.

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80

Unidades de internação para adolescentes do sexo feminino em conflito com a


lei (Regras 36 a 39):
 Autoridades prisionais deverão colocar em prática medidas para atender
às necessidades de proteção das adolescentes privadas de liberdade,
incluindo acesso à educação e à orientação vocacional, além de inserção
em serviços e programas compatíveis com suas condições pessoais, sem
prejuízo do devido suporte médico especializado.

3.2.2 Regras Aplicáveis a Categorias Especiais


Presas condenadas (Regras 40 a 55):
 Quanto às presas condenadas, primeiramente devem ser desenvolvidos e
implementados métodos de classificação que contemplem as
necessidades específicas de gênero e a situação das mulheres presas,
considerando questões como a menor periculosidade, as situações de
vida pregressas, as peculiaridades que devem ter os programas de
reabilitação e o adequado tratamento de reclusas com doença mental
(Regras 40 e 41).
 A Regra 42 aborda o regime prisional das reclusas sentenciadas:

Regra 42:
1. Mulheres presas deverão ter acesso a um programa amplo e equilibrado
de atividades que considerem as necessidades específicas de gênero.
2. O regime prisional deverá ser flexível o suficiente para atender às
necessidades de mulheres gestantes, lactantes e mulheres com filhos/as.
Nas prisões serão oferecidos serviços e instalações para o cuidado das
crianças a fim de possibilitar às presas a participação em atividades
prisionais.
3. Haverá especial empenho na elaboração de programas apropriados para
mulheres gestantes, lactantes e com filhos/as na prisão.
4. Haverá especial empenho na prestação de serviços adequados para
presas que necessitem de apoio psicológico, especialmente aquelas que
89
tenham sido submetidas a abusos físicos, mentais ou sexuais .

 Quanto às relações sociais e assistência posterior ao encarceramento, as


Regras 43 a 47 destacam: a importância das visitas para assegurar o
bem-estar mental e a reintegração social, sendo devida a consulta a
respeito dos visitantes familiares que serão aceitos dada a alta

89
Ibid.

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gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
81

probabilidade de que tenha sofrido violência doméstica; o dever de


facilitar a transição da privação para a vida em liberdade por meio de
saídas temporárias, regime prisional aberto, albergues de transição e
programas e serviços comunitários; programas amplos de reinserção para
o período anterior e posterior à saída da prisão adequada às mulheres; e
apoio psicológico, médico, jurídico e ajuda prática para assegurar a
reintegração social.
 As mulheres gestantes, com filhos/as e lactantes na prisão deverão ter
acesso a dieta e a tratamento de saúde apropriados, a um ambiente
saudável e a oportunidades regulares de exercícios físicos para si e para
a criança (Regra 48). As decisões sobre a permanência da criança na
prisão deverão se basear no melhor interesse dela (Regra 49). As mães
presas com seus filhos deverão ter o máximo de oportunidades para
passarem tempo junto deles (Regra 50). Estas crianças terão acesso a
serviços permanentes de saúde e receberão tratamento o mais próximo
possível do conferido às crianças fora da prisão (Regra 51). A decisão do
momento de separação da mãe de seu filho deverá ser feita caso a caso
e fundada no melhor interesse da criança, nos termos da legislação
nacional, devendo ser conduzida tal separação com delicadeza e apenas
depois de já determinadas às alternativas de cuidado da criança,
assegurada a permanência das visitas (Regra 52).
 As reclusas estrangeiras, por seu turno, têm direito à realização o mais
breve possível de transferência ao país de origem, se houver amparo em
tratados vigentes, e de ser consultada a respeito do envio de seus filhos
ao país de origem (Regra 53).
 No que se refere às minorias e aos povos indígenas, são assegurados às
reclusas, além dos serviços de atenção anteriores e posteriores à soltura,
o atendimento de suas necessidades distintas e a atenção às múltiplas
formas de discriminação que podem afetá-las (Regras 54 e 55).

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82

Presas cautelarmente ou esperando julgamento (Regra 56):


 “As autoridades competentes reconhecerão o risco específico de abuso
que enfrentam as mulheres em prisão cautelar e adotarão medidas
adequadas, de caráter normativo e prático, para garantir sua segurança
nessa situação”90.

3.2.3 Medidas não Restritivas de Liberdade


A Seção III contém regras que contemplam a aplicação de medidas não
restritivas de liberdade para mulheres adultas infratoras e adolescentes em conflito
com a lei, incluindo no momento da prisão e nos estágios de pré-julgamento e
posteriores à sentença do processo criminal.
 Desde logo, remete-se às Regras de Tóquio, fixando o dever de opções
específicas para mulheres de medidas despenalizadoras e alternativas à
prisão e à prisão cautelar, considerando o histórico de vitimização de
diversas mulheres infratoras e suas responsabilidades de cuidado (Regra
57).
 Além disso, reforça-se que não deve ocorrer a separação das mulheres
de suas famílias e comunidades (Regra 58).
 Por sua vez, determina a Regra 59:

Regra 59:
Em geral, serão utilizadas medidas protetivas não privativas de liberdade,
como albergues administrados por órgãos independentes, organizações não
governamentais ou outros serviços comunitários, para assegurar proteção
às mulheres que necessitem. Serão aplicadas medidas temporárias de
privação da liberdade para proteger uma mulher unicamente quando seja
necessário e expressamente solicitado pela mulher interessada, sempre sob
controle judicial ou de outras autoridades competentes. Tais medidas de
91
proteção não deverão persistir contra a vontade da mulher interessada .

 Determina-se o dever de oferta de opções satisfatórias às mulheres


infratoras com o intuito de combinar medidas não privativas de liberdade
com intervenções que visem responder aos problemas mais comuns que
levam as mulheres à justiça criminal, como violência doméstica, abuso
sexual e transtorno mental (Regra 60).

90
Ibid.
91
Ibid.

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parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada, seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou
gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
83

 Os juízes também poderão levar em conta fatores atenuantes, como os


antecedentes criminais, a natureza e a não gravidade da conduta criminal
(Regra 61).
 Adiante, a Regra 62 endereça especificamente o consumo de drogas e o
direito de mulheres dependentes receberem tratamento adequado ao
gênero.

Disposições pós-condenação (Regra 63):


 Decisões acerca do livramento condicional deverão considerar
favoravelmente as responsabilidades de cuidado das mulheres presas,
assim como suas necessidades específicas de reintegração social92.

Mulheres gestantes e com filhos/as dependentes (Regra 64):


 Se a mulher tiver filhos, a pena de prisão deve ser considerada apenas
quando o crime for grave ou violento ou a mulher representar ameaça
contínua, assegurando-se desta forma o melhor interesse da criança.

Adolescentes do sexo feminino em conflito com a lei (Regra 65):


 A institucionalização de adolescentes em conflito com a lei deverá ser
evitada tanto quanto possível. A vulnerabilidade de gênero das
adolescentes do sexo feminino será tomada em consideração nas
decisões93.

Estrangeiras (Regra 66):


 É reforçado o intuito de oferecer máxima proteção às vítimas de tráfico de
mulheres e evitar a revitimização de mulheres estrangeiras.

92
Ibid.
93
Ibid.

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parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada, seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou
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84

3.2.4 Pesquisa, Planejamento, Avaliação e Sensibilização Pública


A Seção IV contém regras sobre pesquisa, planejamento, avaliação,
sensibilização pública e compartilhamento de informações, sendo aplicável a todas
as categorias de mulheres infratoras (Regras 67 a 70).

3.3 REGRAS DE TÓQUIO

As Regras Mínimas das Nações Unidas para a Elaboração de Medidas Não


Privativas de Liberdade foram aprovadas em 14 de dezembro de 1990, pela
Assembleia Geral das Nações Unidas, integrando a Resolução n.º 45/110, sendo
também conhecidas como Regras de Tóquio.
No Brasil, a temática merece especial atenção, considerando o péssimo estado
dos estabelecimentos carcerários e o predominante encarceramento de populações
de baixa renda. Assim, a prisão acaba por ser mais um aspecto que reforça a
desigualdade social no país. Por isso, a adoção de medidas alternativas à privação
de liberdade é uma importante etapa na redução dos efeitos deste quadro.

3.3.1 Princípios Gerais


Objetivos fundamentais (Regra 1):
 O objetivo fundamental das Regras de Tóquio consiste em trazer: “Uma
série de princípios básicos que visam promover o uso de medidas não
privativas de liberdade, assim como garantias mínimas para os indivíduos
submetidos a medidas substitutivas ao aprisionamento”94 (item 1.1). A
comunidade em geral deve ser incluída e participar do processo da justiça
criminal, colaborando para desenvolver o senso de responsabilidade dos
infratores (item 1.2). A situação política, econômica, social e cultural de
cada país deve ser considerada na aplicação das regras (item 1.3). Ao
aplicar estas Regras, os Estados devem “assegurar o equilíbrio adequado
entre os direitos dos infratores, os direitos das vítimas e a preocupação da

94
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Regras de Tóquio: Regras Mínimas Padrão das
Nações Unidas para a Elaboração de Medidas Não Privativas de Liberdade. Resolução AG-ONU nº
45/110, de 14 de dezembro de 1990. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-
content/uploads/2019/09/6ab7922434499259ffca0729122b2d38 -2.pdf>. Acesso em: 28 nov. 2019.

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gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
85

sociedade com a segurança pública e a prevenção do crime”95 (item 1.4),


bem como reduzir a utilização do encarceramento e racionalizar as
políticas de justiça criminal (item 1.5).

Abrangência das medidas não privativas de liberdade (Regra 2):


 As medidas não privativas de liberdade devem ser ofertadas em todas as
fases do processo, para infratores suspeitos, acusados ou condenados
(item 2.1), aplicando-se de forma não discriminatória (item 2.2). No mais,
“O sistema de justiça criminal deverá oferecer uma grande variedade de
medidas não privativas de liberdade, desde medidas tomadas na fase
pré-julgamento até as da fase pós-sentença”96 (item 2.3). O
desenvolvimento de tais medidas deve ser encorajado e monitorado (item
2.4). Deve ser evitado o máximo possível iniciar procedimentos ou
julgamentos formais em um tribunal (item 2.5). Em geral, regem-se estas
medidas pelo princípio da intervenção mínima (item 2.6). São focos a
serem considerados pelas medidas não privativas a isenção de pena e a
descriminalização (item 2.7).

Garantias jurídicas (Regra 3):


 A lei deve prever a adoção, a aplicação e a definição das medidas não
privativas de liberdade (item 3.1). Cabe assegurar discricionariedade à
autoridade judiciária na aplicação da pena para que escolha medida
adequada ao caso concreto, decisão esta que deve ser fundada em
fatores como natureza e gravidade da infração, além de personalidade e
antecedentes do infrator, o objeto da condenação e os direitos das vítimas
(itens 3.2 e 3.3).
 No mais, a aplicação de medidas exige o consentimento do infrator, bem
como a sua oitiva antes e durante a aplicação (item 3.4). Mantém-se o
direito do infrator de apresentar petições e reclamações sobre as medidas
aplicadas a ele, recorrendo à autoridade judiciária competente (itens 3.5 e

95
Ibid.
96
Ibid.

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parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada, seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou
gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
86

3.6), bem como respeitados seus direitos humanos fundamentais em


geral (item 3.7).
 A dignidade do infrator deve ser protegida (item 3.9) e “as medidas não
privativas de liberdade não devem envolver experimentações médicas ou
psicológicas no infrator, nem podem comportar risco indevido de dano
físico ou mental para este”97 (item 3.8). As limitações das medidas
privativas de liberdade sofrerem mais restrições que as legalmente
previstas (item 3.10), o respeito à privacidade de informações (3.11) e a
confidencialidade de registros (item 3.12).

Cláusula de proteção (Regra 4):


 As Regras de Tóquio devem ser interpretadas considerando as Regras de
Mandela, as Regras de Pequim e outras normas internacionais protetivas
de direitos humanos de pessoas em situação de privação de liberdade.

3.3.2 Estágio Anterior ao Julgamento


Medidas que podem ser tomadas antes do processo (Regra 5):
 Sempre que adequado e possível, a polícia, o Ministério Público ou outros
serviços encarregados da justiça criminal podem retirar os procedimentos
contra o infrator, não recorrendo a um processo judicial e aplicando uma
medida não privativa de liberdade.

A prisão preventiva como medida de último recurso (Regra 6):


 A prisão preventiva deve ser considerada um último recurso, cabendo o
uso de medidas alternativas o quanto antes, assegurado o direito de
recorrer à autoridade competente.

3.3.3 Estágio de Processo e Condenação


Relatórios de inquéritos sociais (Regra 7):
 Quando for possível obter relatórios de inquéritos sociais, a autoridade
judiciária pode utilizar um relatório preparado por um agente ou

97
Ibid.

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gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
87

organismo competente e autorizado, com informações sobre o meio social


do infrator que possam explicar os padrões de infração e infrações atuais,
para fixação da medida restritiva.

Disposições de julgamento (Regra 8):


 A necessidade de reabilitação do infrator, a proteção da sociedade e o
interesse da vítima, que deve ser consultada sempre que possível, serão
considerados para a fixação das medidas não privativas de liberdade
(item 8.1), que podem ser qualquer das enumeradas no item 8.2:

a) Sanções verbais, como a censura, a repreensão e a advertência; b)


Acompanhamento em liberdade antes da decisão do tribunal; c) Penas
privativas de direitos; d) Sanções econômicas e pecuniárias, como multas e
multas diárias; e) Ordem de confisco ou apreensão; f) Ordem de restituição
à vítima ou indenização desta; g) Condenação suspensa ou suspensão da
pena; h) Regime de experiência e vigilância judiciária; i) Imposição de
prestação de serviços à comunidade; j) Envio a um estabelecimento aberto;
k) Prisão domiciliar; l) Qualquer outra forma de tratamento não institucional;
98
m) Uma combinação destas medidas .

3.3.4 Estágio de Aplicação das Penas


Disposições sobre a aplicação das penas (Regra 9):
 Devem ser adotadas amplas medidas alternativas à privação de
liberdade, ajudando o infrator a reintegrar-se na sociedade (item 9.1). Tais
medidas incluem, entre outras: a) Autorizações de saída e processo de
reinserção; b) Libertação para trabalho ou educação; c) Libertação
condicional, de diversas formas; d) Remissão da pena; e) Indulto” 99 (item
9.2). As decisões sobre tais medidas serão de atribuição da autoridade
judiciária ou outra competente (item 9.3). A libertação do estabelecimento
prisional substituída por pena alternativa deve ocorrer o quanto antes
(item 9.4).
Finaliza-se abordando a necessidade de que profissionais e voluntários
recebam qualificação profissional e treinamento adequado para lidar com medidas
alternativas à prisão, sempre propiciando e favorecendo a plena reabilitação do
infrator.

98
Ibid.
99
Ibid.

Todos os direitos são reservados ao Grupo Prominas, de acordo com a convenção internacional de direitos autorais. Nenhuma
parte deste material pode ser reproduzida ou utilizada, seja por meios eletrônicos ou mecânicos, inclusive fotocópias ou
gravações, ou, por sistemas de armazenagem e recuperação de dados – sem o consentimento por escrito do Grupo Prominas.
88

3.3.5 Execução das Medidas Não Privativas de Liberdade


Supervisão (Regra 10):
 A supervisão visa diminuir os casos de reincidência e facilitar a
reintegração do infrator (item 10.1), sendo exercida por autoridade
competente (item 10.2). O regime de supervisão e tratamento deve ser
revisto e periodicamente examinado (item 10.3). Os infratores deverão
receber assistência psicológica, social e material e oportunidades para
fortalecer os vínculos com a sociedade (item 10.4).

Duração das medidas não privativas de liberdade (Regra 11):


 A duração das medidas não privativas de liberdade não deve ultrapassar
o período estabelecido pela autoridade competente, nos termos da lei
(item 11.1). Cabe, ainda, decidir pelo encerramento antecipado da medida
(item 11.2).

Condições para a utilização de medidas não privativas de liberdade (Regra 12)


 As necessidades da sociedade e as necessidades e os direitos do infrator
e da vítima devem ser consideradas para a fixação de condições das
medidas não privativas de liberdade (item 12.1), que deverão ser práticas,
precisas, em menor número possível, evitando a reincidência e
potencializando a reintegração do infrator (item 12.2). O infrator deve
receber informações verbais e por escrito a respeito destas condições
(item 12.3). Estas condições podem ser modificadas pelas autoridades
competentes (item 12.4).

Processo de tratamento (Regra 13):


 É devido o desenvolvimento de projetos, como estudos de caso, terapia
de grupo, programas de alojamento e tratamento especializado voltado
aos infratores (item 13.1). O tratamento deve ser feito por especialistas
com formação e experiência (item 13.2). O histórico, a personalidade, as
aptidões, a inteligência e os valores do infrator e, especialmente, as
circunstâncias que o conduziram à infração serão considerados em

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eventual tratamento (item 13.3). A coletividade e os sistemas especiais de


apoio devem ser envolvidos (item 13.4). Cada agente deve receber um
número de casos razoável para que possa dedicar tempo a todos eles
(item 13.5). Deverá ser aberto um registro para cada infrator (item 13.6).

Disciplina e desrespeito às condições do tratamento (Regra 14):


 “O desrespeito às condições garantidas aos infratores pode levar à
modificação ou à revogação da medida não privativa de liberdade”100
(item 14.1). Os fatos relatados que configurem tal desrespeito devem ser
examinados de forma pormenorizada (item 14.2). O fracasso de uma
medida restritiva não deve conduzir necessariamente à pena de prisão
(item 14.3), devendo ser buscada uma solução alternativa adequada (item
14.4). A lei deve prever o poder de prender e de deter o infrator sob
supervisão que não respeite as condições enunciadas (item 14.5). Se a
medida for modificada ou revogada, assegura-se o direito de recorrer a
uma autoridade judicial ou outra autoridade competente (item 14.6).

3.3.6 Pessoal
Recrutamento (Regra 15):
 Os agentes que trabalhem no campo destas medidas alternativas devem
ser recrutados de forma não discriminatória, possuir qualificação e
formação especializada, com direito a remuneração e a benefícios
adequados.

Treinamento de pessoal (Regra 16):


 O treinamento deve esclarecer não apenas sobre as medidas alternativas
à privação de liberdade em si, mas também sobre a responsabilidade do
agente na ressocialização do infrator e a necessidade de
desenvolvimento de um trabalho em cooperação com outros órgãos e
instituições. O agente deve se aperfeiçoar em treinamento e em cursos de
atualização.

100
Ibid.

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3.3.7 Voluntários e Outros Recursos da Comunidade


Participação da coletividade (Regra 17):
 Deve ser encorajada e tida como oportunidade de colaboração com a
comunidade a participação da coletividade na aplicação das medidas.

Compreensão e cooperação por parte do público (Regra 18):


 O setor público e o privado devem dar apoio às organizações voluntárias
que participam na aplicação das medidas não privativas de liberdade. Os
meios de comunicação, por sua vez, devem ser utilizados para criar uma
atitude pública construtiva em relação a estas medidas.

Voluntários (Regra 19):


 Os voluntários devem ser selecionados com rigor e recrutados segundo
as aptidões exigidas e o interesse para os trabalhos considerados,
recebendo treinamento e reembolso de despesas. Cabe a eles o incentivo
aos infratores de manutenção dos vínculos sociais e familiares.

3.3.8 Pesquisa, Planejamento, Elaboração e Avaliação das Políticas


Providências devem ser tomadas para a realização de pesquisas no campo de
interesse, bem como para a formulação de políticas e o desenvolvimento de
programas. A cooperação entre governos e entre os setores público e privado
também deve ser buscada, inclusive internacionalmente.

IMPORTANTE
As Regras de Mandela, de Bangkok e de Tóquio se voltam à aplicação de penas a
infratores que se sujeitam ao sistema penal comum, não se voltando a menores
infratores que se submetem a justiça especial. As Regras de Mandela e de
Bangkok podem ser aplicadas no que couberem aos estabelecimentos de
internação de menores infratores. Sobre a situação específica destes menores
infratores, destacam-se as Regras de Pequim, as Diretrizes de Riad e as Regras
de Havana.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Um estudo de direitos humanos que não promova um olhar atento sobre a


questão do uso da força por parte do Estado será sempre incompleto. Assim, o
respeito aos direitos humanos pelos funcionários responsáveis pela aplicação da lei
é um dos principais termômetros no que se refere à postura de um país frente aos
direitos humanos – afinal, respeitar os direitos daqueles que romperam com os
compromissos do pacto social e afrontaram direitos alheios, não cedendo aos
clamores de aplicação da finalidade meramente retributiva do direito penal,
representa um compromisso firme do Estado com os direitos humanos universais e
atemporais.
A Organização das Nações Unidas (ONU) tem nas temáticas relacionadas ao
abuso de poder e aos direitos humanos um de seus focos. Neste sentido, o Código
de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei e os
Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários
Responsáveis pela Aplicação da Lei são dois documentos que manifestam a
necessidade de controle do uso da força pelo Estado e seus agentes em prol dos
direitos humanos. Destarte, o uso de armas de fogo e da força física devem se dar
de forma proporcional e nos casos estritamentes necessários, quando outros meios
falharem.
Quanto às práticas do Estado que configuram graves violações de direitos
humanos, despontam as temáticas da tortura e do desaparecimento forçado, as
quais muitas vezes são configuradas em conjunto. No contexto de regimes
ditatoriais, infelizmente são muitos os relatos de práticas de tortura e
desaparecimento forçado contra membros de grupos opositores. Os tratados e
outros documentos internacionais que tratam da proibição e do dever de punição
destas práticas são marcos na construção do Estado Democrático de Direito.
Com efeito, há que se ressaltar que se existe o direito do Estado de punir as
infrações penais mediante aplicação de penas privativas de liberdade, surge
também o dever de garantir estrutura para que as punições ocorram com respeito
aos direitos humanos da pessoa reclusa. Documentos como as Regras de Mandela
e as Regras de Bangkok deixam claro que condições mínimas devem ser

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respeitadas nos estabelecimentos penitenciários. Por seu turno, as dificuldades em


implementar tais condições e a própria evolução da ciência penal impulsionam uma
constante revisão das penas privativas de liberdade, incentivando-se a adoção de
medidas restritivas de direito nos termos das Regras de Tóquio.

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REFERÊNCIAS

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UNIC Rio, 24 nov. 2010. Disponível em: <http://unicrio.org.br/desaparecimentos-
forcados-convencao-internacional-entra-em-vigor/>. Acesso em: 03 nov. 2019.

LEWANDOWSKI, Ricardo. Apresentação à Série Tratados Internacionais de


Direitos Humanos: Regras de Bangkok. Brasília: Conselho Nacional de Justiça,
2016, p. 11.

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Coordenação de Estudos


Legislativos – CEDI. Comentários ao Conduta para os Funcionários
Responsáveis pela Aplicação da Lei. Disponível em: < http://www.mpsp.mp.br>.
Acesso em: 01 nov. 2019.

OLIVEIRA, Bruna Pinotti Garcia; LAZARI, Rafael de. Manual de Direitos Humanos.
5. ed. Salvador: Juspodivm, 2019.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Código de Conduta para os


Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei. Resolução AG-ONU n.
34/169, de 17 de dezembro de 1979.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Princípios Orientadores para a


aplicação do Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela
Aplicação da Lei. Resolução do Conselho Econômico e Social da ONU n. 34/169,
de 24 de maio de 1989.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Princípios Básicos sobre o Uso


da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da
Lei. Oitavo Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o
Tratamento dos Delinquentes, 7 de setembro de 1990.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Declaração Universal dos


Direitos Humanos. Resolução AG-ONU nº 217-A-III/1948. Disponível em:
<http://www.dhnet.org.br/direitos/deconu/textos/integra.htm>. Acesso em: 03 nov.
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ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Pacto Internacional sobre


Direitos Civis e Políticos, de 16 de dezembro de 1966. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm>. Acesso em: 03
nov. 2019.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Declaração Internacional sobre


a Proteção de Todas as Pessoas contra a Tortura e Outras Penas ou
Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes. Resolução AG-ONU nº 3.452,

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Desumanos ou Degradantes, de 18 de dezembro de 2002. Disponível em:
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Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas Não
Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras. Resolução AG-ONU nº 65/229, de
06 de outubro de 2010. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-
content/uploads/2019/09/cd8bc11ffdcbc397c32eecdc40afbb74.pdf>. Acesso em: 28
nov. 2019.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Regras de Tóquio: Regras


Mínimas Padrão das Nações Unidas para a Elaboração de Medidas Não Privativas
de Liberdade. Resolução AG-ONU nº 45/110, de 14 de dezembro de 1990.
Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-
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ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS – OEA. Convenção


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ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 204-205.

SIQUEIRA, Fabiana Barbosa. Poder de polícia: proporcionalidade e abuso de


poder. Conteúdo jurídico, fev. 2019.

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