Rocket Elements Handout

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Gabriel Barbosa Paganini

João Otávio Tanaka de Oliveira


Lucas Souza Vieira
Luís Felipe Biancardi Palharini
Patrick Sampaio dos Santos Brandão
Vinícius Bueno Bernardes

Fundamentos de propulsão sólida de foguetes

Universidade de São Paulo


Projeto Jupiter

São Paulo, Brasil


2020
Lista de ilustrações

Figura 1 – Curva de empuxo do motor Jiboia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3


Figura 2 – Relação entre a curva de empuxo e a geometria do grão . . . . . . . . . 4
Figura 3 – Força de sustentação (do inglês, lift) em um aleta . . . . . . . . . . . . 4
Figura 4 – Simplificação da câmara de combustão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
Figura 5 – Bocal do Rocketdyne F-1. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
Figura 6 – Desenho esquemático de um nozzle . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
Figura 7 – Relação ente proporção de áreas e M . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
Figura 8 – Variação de parâmetros do bocal em função da pressão neste . . . . . . 17
Figura 9 – Comportamento de bocais de diferentes estágios a diferentes pressões
externas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
Figura 10 – Gráfico da área de queima para um grão em formato estrela . . . . . . 22
Figura 11 – Gráfico experimental da taxa de queima de propelente KNDX . . . . . 24
Figura 12 – Grão na configuração BATES com inibidor destacado . . . . . . . . . . 25
Figura 13 – Motor Keron . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
Figura 14 – Molde dos grãos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
Figura 15 – Nitrato cristalizado no balde . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
Figura 16 – Utilização do macaco hidráulico para desmolde do grão . . . . . . . . . 30
Figura 17 – Inibição de um grão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
Figura 18 – Grãos nas barras roscadas para que a resina cure . . . . . . . . . . . . 31
Figura 19 – Grãos prontos para serem embarcados . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
Figura 20 – Regressão da superfície de queima . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
Figura 21 – Curvas de r(P0 ) para alguns valores de n . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
Figura 22 – Efeito da temperatura inicial na pressão de câmara . . . . . . . . . . . 35
Figura 23 – Processo de transferência de calor que influencia a taxa de queima . . . 36
Figura 24 – Influência da queima erosiva na pressão de câmara . . . . . . . . . . . 37
Figura 25 – Representação esquemática de vista em corte do motor, com indicação
das massas do sistema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
Sumário

1 INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1

2 FUNDAMENTOS DA MECÂNICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2
2.1 Impulso Total . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2
2.1.1 Impacto do propelente no impulso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
2.1.2 Início da queima . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
2.2 Impulso Específico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
2.3 Empuxo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
2.4 Velocidade dos gases . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
2.5 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

3 NOZZLE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
3.1 Definição e hipóteses de escoamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
3.2 Análise do Escoamento no Bocal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
3.2.1 Relações Termodinâmicas Úteis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
3.2.2 Análise da Área . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
3.2.3 Propriedades de estagnação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
3.2.4 Velocidade de exaustão dos gases . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
3.2.5 Razão de pressão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
3.2.6 Coeficiente de empuxo, velocidade efetiva de exaustão e velocidade carcterística 18
3.2.7 Bocais sub-expandidos e sobre-expandidos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

4 PROPELENTE SÓLIDO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
4.1 Comportamento do grão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
4.1.1 Taxa de queima . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
4.1.2 Grãos BATES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
4.2 Propelente KNSB . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
4.3 Fabricação do grão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
4.3.1 Molde dos Grãos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
4.3.2 Purificação do Nitrato . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
4.3.3 Fabricação do Grão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
4.3.4 Desmolde e Inibição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
4.3.5 Armazenamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

5 FUNCIONAMENTO DO MOTOR SÓLIDO . . . . . . . . . . . . . 32


5.1 Panorama geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
5.2 Taxa de queima . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
5.2.1 Equacionamentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
5.2.2 Fatores que influenciam a taxa de queima . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
5.3 Pressão de câmara . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
5.3.1 Expressão geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
5.3.2 Expressão para regime permanente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43

REFERÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
1

1 Introdução

Esta apostila tem como objetivo introduzir membros novos a conceitos de pro-
pulsão de foguetes, assim como servir de guia para que membros antigos organizem
aulas e passem conhecimento aos membros novos. Desta forma, esta apostíla não será
fonte de consulta com conteúdo muito específico, e sim um resumo de termos e conceitos
fundamentais para discussões que ocorrem na área.
De antemão, podemos citas algumas caracteristicas do motor como:

• Tempo de queima: é o tempo entre a ignição do motor e a queima de todo o


propelente.

• Massa total de propelente [mp ]: Massa de propelente do foguete (combustível +


oxidante) antes do lançamento.

• Velocidade de exaustão das partículas [c]: Velocidade em que as partículas de


gases provenientes da combustão são expelidas. É medida em relação ao foguete.

• Empuxo [F ]: Valor momentâneo da força do motor em um dado instante de tempo.

• Empuxo máximo [Fmax ]: Força máxima exercida pelo motor durante toda a
queima (no gráfico F × t, este valor é dado pelo pico da curva). O empuxo máximo é
o valor fundamental para projetar a estrutura não somente do motor, mas também
de todo o foguete.

• Impulso total [It ]: Definido como a integral do empuxo no tempo. Pode ser
interpretado como a energia total do motor disponível para acelerar o foguete.

Exemplo destes dados do motor Jiboia, produzido pela equipe.


1 Motor D e t a i l s
2 T o t a l Burning Time : 5 . 2 7 4 s
3 T o t a l P r o p e l l a n t Mass : 1 . 3 3 5 kg
4 P r o p e l l a n t Exhaust V e l o c i t y : 1 0 6 0 . 3 9 6 m/ s
5 Average Thrust : 2 6 8 . 3 2 6 N
6 Maximum Thrust : 1 0 6 8 . 3 6 N a t 1 . 5 0 8 s a f t e r i g n i t i o n .
7 T o t a l Impulse : 1 4 1 5 . 1 5 1 Ns
2

2 Fundamentos da mecânica

O funcionamento de um motor de foguete consiste, basicamente, em expelir gases


a altas velocidades no sentido contrário ao que se deseja movimentar, de sorte que, pela
3o Lei de Newton, o foguete sofrerá uma força contrária e de módulo equivalente.

2.1 Impulso Total


Uma das informações mais importantes de um motor, é a quantidade de empuxo
ou impulso gerado pelo mesmo. A importância desta grandeza é refletida no método de
classificação dos motores:

Classe Impulso Total(N)


J 640.01–1,280
K 1,280.01–2,560
L 2,560.01–5,120
M 10,240.01–20,480

Todavia, como é que eu calculo esse tal impulso total?

Z t
It = F dt (2.1)
0

O Impulso total é calculado como a somatória da Força instantânea que o motor


gera, multiplicado pelo infinitesimal de tempo em que ocorre, durante todo o período de
queima dele. Pode-se visualizar tal grandeza também como a área da curva de empuxo na
Figura 1.
Capítulo 2. Fundamentos da mecânica 3

Figura 1 – Curva de empuxo do motor Jiboia

Curva de empuxo gerada pelo motor Jiboia, projetado e produzido pela equipe de propulsão
do Projeto Jupiter.

De forma mais concreta, o impulso total pode ser calculade de duas formas:

• Somatória da Força Instantânea da força de cada segundo gerada pelo motor

• Área da curva de empuxo, ou integral da curva

2.1.1 Impacto do propelente no impulso


Existem alguns fatores relativos ao motor e propelente que podem impactar a
queima e, consequentemente, alterar a curva de empuxo. Um destes fatores é a geometria
do grão. Como pode ser visto na Figura 12, um grão que possua formato circular apresenta
a curva de empuxo diferente de um grão com formato de estrela. Um dos fatores por de
trás de tal comportamento é que diferentes geometrias propiciam diferentes áreas de queim.
Desta forma, a geometria afeta diretamente a taxa com que a câmara irá pressurizar. A
pressurização de câmara será explicada posteriormente.
Capítulo 2. Fundamentos da mecânica 4

Figura 2 – Relação entre a curva de empuxo e a geometria do grão

Alguns outros fatores impactantes na queima são composição do propelente, sepa-


ração entre os grãos, inibição de cada grão, e a ignição. É trabalho da equipe de propulsão
manipular tais fatores para gerar uma curva de empuxo ideal para o projeto.

2.1.2 Início da queima


Quando projetamos um motor para um foguete, existem algumas exigências es-
truturais e aerodinâmicas que exigem certos comportamentos da curva de empuxo. O
fator mais relevante dentro deste aspecto está relacionado com a velocidade de saída
de trilho. Este termo, mais comumente usado na área de Aerodinâmica, é referente à
velocidade com que o foguete deixa o trilho e começa a voar sem a orientação do mesmo.
A partir deste ponto, a aerodinâmica do foguete é responsável por manter uma trajetória
estável. As aletas de um foguete tem como função promover forças de sustentação a partir
do escoamento do ar sob sua superfície, conforme demonstrado nas figuras 3

Figura 3 – Força de sustentação (do inglês, lift) em um aleta


Capítulo 2. Fundamentos da mecânica 5

Percebe-se que a força de sustentação está diretamente relacionada com a velocidade


do escoamento (do inglês, flow). Como o ar tem velocidade absoluta nula (desconsideram-se
os ventos), podemos assumir que a velocidade relativa entre o ar e o foguete é igual à
velocidade absoluta do foguete. Portanto, para garantir o bom funcionamento das aletas,
o sistema de propulsão deve garantir uma velocidade de saída de trilho suficientemente
alta. Por isso, no Projeto Jupiter, a curva de empuxo do motor deve ter um pico de força
próximo ao início da queima, o que garante uma aceleração alta e um início de voo estável
para o foguete.

2.2 Impulso Específico


Se você ja conversou com algum membro da Propulsão sobre o projeto do motor
híbrido, provavelmente ele ja deve ter falado que um dos motivos deste motor ser tão
interessante é que ele possui maior eficiência que o motor sólido. Mas voce ja se questionou
qual grandeza mede essa eficiência? Como é possível ele afirmar que esse motor é mais
eficiênte que o sólido?
Para isso introduziremos o conceito de Impulso específico (Is ), que na prática
mede a eficiência do subsistema de propulsão num dado instante (tanto do mecanismo de
queima como do propelente). Seu equacionamento é apresentado na eq. (2.2).

Rt
F dt
0
Is = Rt (2.2)
g0 0 ṁdt

Onde g0 é o valor da aceleração da gravidade no nível do mar e o termo ṁ indica a


vazão mássica (em kg/s) do propelente, i.e. sua derivada temporal, conforme a (eq. 2.3).

dm
ṁ = (2.3)
dt
Este equacionamento irá retornar o valor instantâneo do impulso específico. Todavia
para parâmetro de projeto, i.e para comparar rendimento entre sistemas de propulsão,
utiliza-se o Impulso Específico médio:

F It
Is = = (2.4)
g0 ṁ g0 mp

Onde mp é a massa de propelente queimada durante o voo, F é a força de empuxo


(aqui considerada média) e ṁ é a vazão mássica (aqui considerada constante).
Capítulo 2. Fundamentos da mecânica 6

2.3 Empuxo
Até agora, falamos de maneira abstrata sobre a força instânea F~ que o motor gera.
Todavia, no projeto do motor, é muito importante o entendimento da maneira com que
essa força é gerada e calculada. Para isso, serão importante algumas características da
câmara de combustão.

Figura 4 – Simplificação da câmara de combustão.

Os indices Ai , pi , Ti , vi , representam respectivamente, Área, pressão, temperatura e veloci-


dade em locais específicos (1, 2, 3, t)

A Figura 4 é uma simplificação de uma câmara de combustão de um foguete.


Uma das suas características importantes é a simetria. Esta simplificação permite assumir
que a pressão interna é igualmente distribuida nas paredes da câmara. Desta forma,
trabalharemos com a hipótese de escoamento axial, ou seja, as componentes que não
são no sentido das setas grossas serão canceladas pelo critério de simetria.
Com isso, equacionaremos a força instantânea como:

F = ṁv2 + (p2 − p3 )A2 (2.5)

A dedução da equação 2.5 advém de matérias mais avançadas da engenharia


(Mecânica dos flúidos e Termodinâmica) e estará melhor descrita no Capítulo 3

2.4 Velocidade dos gases


Como visto no início do Capítulo 2, o que faz o foguete se mover é a ejeção de
gases a altíssimas velocidades pelo nozzle. Portanto, um parâmetro importante será
Capítulo 2. Fundamentos da mecânica 7

a velocidade com que esses gases serão ejetados. Esta é denominada velocidade de
exaustão (denotada na Figura 4 como v2 ).
É razoável assumir que diferenças de pressão no interior da câmara provocam
variações na velocidade de exaustão (verificar na equação 2.5 que a pressão na saída do
nozzle p2 é importante para o cálculo do empuxo instantâneo F ). Assim, adota-se também
o conceito de velocidade efetiva de exaustão, denotada como c:

F
c = Is g0 = (2.6)

(p2 − p3 )A2
c = v2 + (2.7)

A variável c pode se interpretada como a velocidade das partículas que acabaram
de ser expelídas pelo foguete. Em design, consideramos p3 = p2 , consequentemente c = v2 ,
visto que o nozzle é projetado para tal equivalência de pressão.
Por fim, a ultima propriedade importante relacionada à velocidade é c∗ , chamada
de velocidade característica ("cê estrela"), cuja definição é:

p1 At
c∗ = (2.8)

Esta propreidade é importante para determinar a eficiencia da queima e do prope-
lente.

2.5 Exercícios
Ambos os exercícios foram traduzidos de Rocket Propulsion Elements - Oscar
Biblarz e George Paul Sutton.
P. 33 Example 2-1, adaptado.
Um foguete apresenta as seguintes características:

• Massa inicial: 200 kg

• Massa após a operação do foguete: 130 kg

• Payload e estruturas não propulsivas: 110 kg

• Duração da operação do foguete: 3.0 s

• Impulso específico médio do propelente: 240 s


Capítulo 2. Fundamentos da mecânica 8

Determine a velocidade de exaustão efetiva e o impulso total. Além disso, a carga


paga apresenta aparelhos eletrônicos sensíveis, cujo limite máximo de aceleração é 35g.
Isso é excedido durante o voo? Assuma empuxo constante e tempos nulos de ignição e
parada do motor e aceleração da gravidade g = 9,81m/s.s
P. 37 Example 2-2, adaptado.
As seguintes medidas foram feitas a nível do mar, para um motor de teste de
propelente sólido:

• Tempo de queima: 40 s

• Massa inicial do sistema de propulsão: 1210 kg

• Massa do motor após o teste: 215 kg

• Empuxo a nível do mar: 62250 N

• Pressão de câmara: 7,00 MPa

• Pressão na saída do bocal: 70,0 kPa

• Diâmetro na garganta do bocal: 8,55 cm

• Diâmetro na saída do bocal: 27,03 cm

Determine a vazão mássica, a velocidade exaustão na saída do nozzle, a velocidade


característica e a velocidade efetiva de exaustão. Além disso, determine o empuxo de
pressão e o impulso específico a nível do mar, 1000 m e 25000 m de altitude. Assuma
empuxo constante e tempos nulos de ignição e para do motor.
Note que: empuxo de pressão é o segundo termo da equação 2.5.
A pressão atmosférica a nivel do mar é 101,32 kPa, a 1000 m é 89,88 kPa e a
25000m 2,55 kPa.
Assuma a aceleração da gravidade igual a 9,81 m/s.s
Item Extra: Descubra a altura de operação para qual esse motor foi projetado.
9

3 Nozzle

3.1 Definição e hipóteses de escoamento


O nozzle, que em português é traduzido como bocal ou tubeira, é uma das principais
partes de um motor. Ao mesmo tempo que é muito simples (basicamente um canal entre
a câmara de combustão e a atmosfera) carrega uma larga teoria e um complexo projeto
de engenharia. Sua função é canalizar e acelerar os produtos da combustão produzidos
pela queima do propelente, de modo a maximizar a velocidade de exaustão a velocidades
super sônicas. O bocal mais comum, conhecido como convergente-divergente, ou bocal de
de Laval, consegue isso por geometria simples, basicamente com a variação do diâmetro da
secção transversal do nozzle.

Figura 5 – Bocal do Rocketdyne F-1.

Para a análise do bocal do foguete, assumiremos algumas hipóteses de foguete ideal


(SUTTON; BIBLARZ, 2010).
Hipóteses:
1. Nossa substância de trabalho (ou os produtos da reação de combustão do
propelente) é homogênea, isto é, sua composição é uniforme.
2. Vamos considerar que as massas das fases sólida e líquida são desprezíveis face à
massa total. Em outras palavras, vamos considerar a fase gasosa da substância.
3. A substância de trabalho pode ser modelada como um gás perfeito.
Capítulo 3. Nozzle 10

4. Consideraremos a capacidade calorífica da estrutura do foguete desprezível, isto é,


não há transferência de calor através das paredes internas. Este escoamento é denominado
adiabático.
5. Não há atrito considerável nas paredes internas do foguete, de modo que os
efeitos da camada limite são desprezados.
6. Não há ondas de choque ou discontinuidades no fluxo pelo nozzle.
7. O escoamento do propelente é permanente e constante. Em geral, os parâmetros
de um escoamento dependem do tempo e das coordenadas espaciais e, dessa forma, podem
sofrer mudanças temporais (efeitos transitórios) e espaciais (efeitos convectivos). Os
parâmetros do escoamento (velocidade, temperatura, pressão, etc.) não variam com o
tempo quando esse é permanente e então os efeitos transitórios são nulos. Note que estes
parâmetros ainda podem variar de ponto para ponto no espaço quando há gradiente no
campo de escoamento (efeitos convectivos não nulos).
8. Os gases de exaustão saindo pelo nozzle possuem direção axial paralela ao eixo
do mesmo.
9. Os parâmetros velocidade, pressão, temperatura e massa específica são uniformes
ao longo de qualquer seção transversal perpendicular ao eixo do nozzle.
10. O equilíbrio químico estabelecido na câmara de combustão e a composição do
gás não mudam no bocal.
11. Propelentes comuns estão a temperatura ambiente e propelentes criogênicos
estão em sua temperatura de ebulição.

3.2 Análise do Escoamento no Bocal


Como já citado, o objetivo do nozzle , de maneira simplificada, é converter o calor
dos gases em velocidade da maneira mais eficiente possível. Isso é atingido através de um
design de bocal que tem como objetivo a obtenção de um escoamento isentrópico. Neste
escoamento, suas características são dependentes apenas da área da secção transversal.
Para isso é necessário que as hipóteses 4, 5 e 6 sejam verdadeiras. Logo, é possível mudar
as propriedades do escoamento, tais como velocidade, densidade, pressão e temperatura,
apenas pela mudança da secção transversal do nozzle.
As secções transversais de interesse de um bocal são as seguintes:
Capítulo 3. Nozzle 11

Figura 6 – Desenho esquemático de um nozzle

Na Figura 6, inlet area é por onde os gases entram da câmara de combustão (índice
1); a throat area é a chamada garganta do nozzle, região de menor diâmetro do nozzle
(índice t); e a exit area (índice 2) é por onde os gases saem do motor para a atmosfera
(índice 3).

3.2.1 Relações Termodinâmicas Úteis


A análise do escoamento no bocal envolve quatro equações relacionadas à termodi-
nâmica e à mecânica dos fluidos, que serão mostradas no tempo oportuno. As equações são
indicadas de eq. (3.6) a (3.12). Os subscritos x e y indicam seções transversais diferentes
no bocal. O subscrito 0 indica que a propriedade está relacionada ao estado de estagnação,
i.e. estado que supõe velocidade nula do fluido (desacelerado isentropicamente).
Vale ainda mencionar que, em Termodinâmica, é frequente o uso de grandezas
intensivas, ou seja, que dependem da massa. Propriedades extensivas são as que estamos
acostumados a usar, independentes de massa: volume (∀), energia interna (U ), entalpia
(H), energia (E), entropia (S), entre outros. As recíprocas intensivas das propriedades
apresentadas correspondem a seus "valores extensivos"dividos pela massa do volume
analisado, e serão denominadas conforme seu "nome extensivo"acompanhado da palavra

"específico(a)". Como exemplo, tomemos o volume específico, definida como v = m . Repare
que o volume específico é o inverso da densidade.

1. Energia
Aplicando a primeira lei Termodinâmica para o volume de controle do bocal, podemos
fazer um balanço das propriedades energéticas do escoamento. Assumindo as hipóteses
já discutidas, concluímos que a soma dos termos de energia cinética e entalpia a
cada seção transversal do bocal assume valor constante, conforme a eq. (3.1).

V2
h0 = h + = cte (3.1)
2
A eq. (3.1) nos pemite uma reflexão interessante. A diminuição da entalpia tem como
resultado o aumento da energia cinética. Em outras palavras, o calor oriundo da
combustão é utilizado para a aceleração dos gases expelidos pelo bocal. Considerando
nosso modelo isentrópico, esse processo pode ser considerado como reversível. Tendo
Capítulo 3. Nozzle 12

em vista essa reversibilidade, reflita sobre o efeito de qualquer tipo de obstrução


para o escoamento do bocal, cujo resultado imediato seria uma drástica redução na
velocidade do escoamento.
Definimos entalpia como a soma da energia interna e o produto entre pressão e
volume de um dado sistema, conforme a eq (3.2). Dividindo pela massa em (3.3),
temos a mesma relação para as propriedades específicas.

H = U + p∀ (3.2)

h = u + pv (3.3)

Para gases, definimos os calores específicos a volume constante (cv ) e a pressão


constante (cp ). Esses parâmetros serão considerados aproximadamente constantes
para os produtos da combustão de cada tipo de propelente, e são equacionados
conforme (3.4) e (3.5). Para um gás ideal, vale que cp − cv = R.

" #
∂h ∆h
cp = ≈ (3.4)
∂T p
∆T
" #
∂u ∆u
cv = ≈ (3.5)
∂T v
∆T

Finalmente podemos utilizar as equações (3.1) e (3.4) para escrever (3.6).

1
hx − hy = (Vy2 − Vx2 ) = cp (Tx − Ty ) (3.6)
2
É com essa última equação que podemos relacionar entalpia, velocidade e temperatura
do escoamento no bocal para diferentes seções transversais x e y.

2. Continuidade
A equação da continuidade permite-nos analisar a vazão mássica (kg/s) em diferentes
seções. Usando a hipóteses de regime uniforme, podemos demonstrar que valem as
equações (3.7) e (3.8).
ṁx = ṁy = ṁ (3.7)

Vx Ax
ṁ = = ρx Vx Ax (3.8)
vx
Veja que o resultado é razoavelmente intuitivo: a taxa com que entra massa em uma
seção x no tempo, por continuidade, é igual à mesma taxa para qualquer outra seção
y.
Capítulo 3. Nozzle 13

3. Escoamento isentrópico
O modelo de escoamento isentrópico nos permite relacionar P , v e T algebricamente.
Antes, definimos a razão entre calores específicos k (você pode encontrar γ por aí
também) conforme a eq. (3.9). Definida a grandeza k, equacionamos as relações para
escoamento isentrópico em (3.10).

cp
k= (3.9)
cv

! k−1 k−1
Tx px k
vy

= = (3.10)
Ty py vx

Para escoamento isentrópico, demonstra-se ainda, pela segunda lei da Termodinâmica,


que:

pv k = cte (3.11)

4. Equação de estado (gás ideal)


A equação de estado para gás ideal é uma velha conhecida do ensino médio. Dado
o modelo de gás ideal adotado, a equação será válida para cada seção transversal,
conforme a eq. (3.12). Repare que o termo vx na equação é o volume específico
e que R é definido de acordo com (3.13), onde R̄ é a constante universal dos gases
e MM é a massa molecular média dos produtos de combustão. Para gás ideal, vale
ainda a relação entre cp e cv indicada em (3.13).

px vx = RTx (3.12)


R= = cp − cV (3.13)
MM

3.2.2 Análise da Área


A geometria convergente-divergente do bocal (de Laval nozzle) é projetada para
aproveitar ao máximo a aceleração dos gases. Como já vimos, a energia de entalpia no
bocal vai se transformando em energia cinética de exaustão dos gases. Conforme será
apresentado algebricamente e graficamente nesta seção, o escoamento apresenta velocidade
crescente, sendo subsônico nas seções convergentes, sônico na garganta, e super-sônico
na região divergente. Note que, no regime sub-sônico, a velocidadde aumenta conforme a
redução de diâmetro, mas no regime super-sônico o contrário acontece.
A velocidade do som de um dado fluido pode ser calculada utilizando as propriedades
do próprio fluido. Assim, o número de Mach pode ser calculada pela equação pela razão
Capítulo 3. Nozzle 14

entre a velocidade de escoamento do fluido v e a velocidade sônica a, conforme e equação


3.14.

v v
M= =√ (3.14)
a kRT
Nesta seção, teremos como foco a região da garganta (do inglês, throat), local onde
o regime de escoamento passa de sub-sônico para super-sônico. A área da garganta At
deve ser calculada utilizando a 2a lei da Termodinâmica (equação 3.11) e as propriedades
dos gases de combustão, sendo elas o expoente isentrópico k (equação 3.9) e a velocidade
do som local a (equação 3.14). Por fim, tem-se como resultado a relação exposta pela
equação 3.15 e pelo gráfico da figura 7

k+1
1 + k−1 M2
!
2(k−1)
A 1 2
= (3.15)
At M 1 + k−1
2

Figura 7 – Relação ente proporção de áreas e M

Na curva da Figura 7, nota-se que além de M = 1, só é possível obter velocidades


maiores com aumento de diâmetro da seção transversal. Para a análise de duas seções
transversais quaisquer, podemos usar a eq. (3.16). Note que, para Ax = At , teremos
Capítulo 3. Nozzle 15

Mx = 1.0 e a equação torna-se idêntica a eq. (3.15).

k+1
k−1 2 2(k−1)
!
Ay Mx 1+ 2
My
= k−1 (3.16)
Ax My 1+ 2
Mx2

3.2.3 Propriedades de estagnação


Propriedades de estagnação são obtidas quando zeramos (isentropicamente) o termo
de energia cinética do escoamento. Esses valores das propriedades são interessantes pois,
na entrada do nozzle, a velocidade do escoamento é consideravelmente menor do que a
velocidade super-sônica em sua saída. Neste caso, dada uma propriedade genérica f do
escoamento, podemos fazer a aproximação de que f0 ≈ f1 , i.e. a propriedade no estado de
estagnação é aproximadamente igual à mesma propriedade na câmara.
Vamos apresentar as equações sem nos preocuparmos com as deduções, que podem
ser conferidas em (SUTTON; BIBLARZ, 2010). Observe as similaridades das equações
apresentadas com as relações P , v, T para escoamento isentrópico. Verifique que, assim
como para a razão de áreas (area ratio), poderíamos traçar as curvas das razões de P , v e
T para diferentes números de Mach.

• Temperatura de estagnação
T0 k−1 2
=1+ M (3.17)
T 2

• Pressão de estagnação
! k
p0 k−1 2 k−1
= 1+ M (3.18)
p 2

• Volume específico de estagnação


! 1
v k−1 2 k−1
= 1+ M (3.19)
v0 2

3.2.4 Velocidade de exaustão dos gases


Apresentados os equacionamentos anteriores, podemos calcular a velocidade de
exaustão dos gases na saída do nozzle v2 (não confunda com a velocidade efetiva c). Da
equação da energia:

q
V2 = 2(h1 − h2 ) + v12 (3.20)
Capítulo 3. Nozzle 16

Utilizando os equacionamentos obtidos das considerações de escoamento isentrópico,


pode-se demonstrar que:

v
u  ! k−1 
u
2k p2 k
+V2
V2 = RT1 1 − (3.21)
u
1
t
k−1 p1

Como a velocidade na entrada do bocal é consideravelmente menor que a velocidade


de exaustão na saída, podemos desprezar o termo V1 e considerá-lo próximo da velocidade
de estagnação, i.e. nula. Adotando o estado na entrada como aproximadamente igual ao
estado de estagnação, temos T0 ≈ T1 , e podemos escrever a equação simplificada:

v
u  ! k−1 
u
2k p2 k
V2 = RT0 1 − (3.22)
u
t 
k−1 p1

3.2.5 Razão de pressão


Definimos razão de pressão (pressure ratio) como a relação entre as pressões de
uma seção qualque com a pressão de câmara (em nosso modelo, aproximada pela pressão
de estagnação) ppx1 . Na garganta, temos a razão de pressão crítica pp1t . A razão de pressão é
interessante pois nos permite reescrever algumas das equações apresentadas até o momento
como funções dessa relação.
Essa mudança de variáveis nos equacionamentos pode auxiliar no entendimento
de como se comportam as grandezas ao longo das seções do bocal. É muito interessante
fornecer essa intuição qualitativa de como "funcionam"as variações dos parâmetros que
nos interessam. Seguem as equações (3.23) e (3.24).

v
! 1 !1 u  ! k−1 
At k+1 k−1
px k u
uk +1 px k
= t 1−  (3.23)
Ax 2 p1 k−1 p1
v
u  ! k−1 
Vx uk
u
+1 px k
= t 1−  (3.24)
Vt k−1 p1

Sabemos que o escoamento perde pressão conforme atravessa as seções transversais


do bocal. Podemos constatar esse fato tendo em vista a diminuição da entalpia ao longo da
direção do escoamento (lembre-se: h = u + pv) ou analisando a equação 3.18. Isso significa
que a razão de pressão tende a diminuir quando seguimos em direção à saída do bocal.
Apresentadas as equações e adquiridas as noções intuitivas do comportamento dos
parâmetros no bocal, podemos plottar a relação de algumas grandezas interessantes versus
pressão no bocal. Essas relações são apresentadas na Figura 8.
Capítulo 3. Nozzle 17

Figura 8 – Variação de parâmetros do bocal em função da pressão neste

Fonte: (SUTTON; BIBLARZ, 2010)

EXERCÍCIO: Demonstre que as seguintes relações termodinâmicas na gargantas


dependem apenas das propriedades de estagnação e da razão entre calores específicos k.
Dica: Utilize as equações 3.17 a 3.19 e utilize o número de Mach compatível com a garganta.
Essas relações são importantes e servem para demonstrar as equações apresentadas nesas
seção. Dado: T0 ≈ T1

• pt /p1

• vt /v1

• Tt /T1
Capítulo 3. Nozzle 18

3.2.6 Coeficiente de empuxo, velocidade efetiva de exaustão e velocidade


carcterística
O objetivo dessa seção é introduzir o conceito de coeficiente de empuxo e relacioná-
lo com as já apresentadas velocidades efetiva de exaustão e característica. Recorde-se da
expressão para o empuxo da eq. (2.5), reescrita a seguir:

F = ṁV2 + (p2 − p3 )A2 (3.25)

Lembrando da equação da continuidade, a vazão mássica é constante para qualquer


seção transversal do bocal. Neste caso, podemos escolher convenientemente as relações
de ṁ na garganta, apresentadas na eq. (3.26), para reescrever a expressão da força de
empuxo. Fazemos isso na eq. (3.27).

At Vt
ṁ = (3.26)
vt

At Vt
F = V2 + (p2 − p3 )A2 (3.27)
vt
Aproveitando as relações das propriedades termodinâmicas no bocal, pode-se
demonstrar que:

v
u
 k+1
 ! k−1 
2k 2 2 p2 k
u 
k−1
F = At p1 t 1 −  + (p2 − p3 )A2 (3.28)
u
k−1 k+1 p1

Define-se o adimensional coeficiente de empuxo (Cf ) como a razão entre a força de


empuxo e produto da pressão na entrada do nozzle e a área na garganta. Indicamos sua
expressão nas eqs. (3.29) e (3.30).

F
Cf = ⇔ F = Cf A1 p1 (3.29)
p1 At
v
u
 k+1
 ! k−1 
2k 2 2 p2 k
p − p3 A 2
u 
k−1
Cf = 1 − + 2 (3.30)
u
t
k−1 k+1 p1 p1 A t

Como dissemos no início da seção, o coeficiente de empuxo Cf guarda algumas


relações com c e c∗ . Lembre-se que c = Is g0 e c∗ = p1 At /ṁ. Dividindo a segunda igualdade
da eq. (3.29) por ṁ, obtemos:

Is g0 = Cf c∗ (3.31)
Capítulo 3. Nozzle 19

c
c∗ = (3.32)
Cf

Substituindo as expressões de c e Cf com as suas expressões advindas das conside-


rações de escoamento isentrópico apresentadas anteriormente, demonstra-se que:


∗ kRT1
c = q (3.33)
k [2/(k + 1)](k+1)/(k−1)

Repare que, na dedução das expressões obtidas de Cf e c∗ nas eqs. (3.30) e (3.33),
utilizamos fortemente as hipóteses e aproximações de escoamento isentrópico, propriedades
na entrada próximas da estagnação, k constante, entre outras já mencionadas. Nosso
modelo se adequa de modo relativamente satisfatório com a realidade, mas é evidente que
não é 100% preciso. Haverá um rendimento associado a essas grandezas.
Vale ainda mencionar que as equações apresentadas são válidas considerando que
o nozzle está totalmente preenchido pelo escoamento, i.e. não há separação deste com
as paredes do bocal. O Cf também é útil para avaliar a condição de sub-expansão ou
sobre-expansão, discutidos na próxima sessão.

3.2.7 Bocais sub-expandidos e sobre-expandidos


Conforme já dito anteriormente, o projeto ideal de um nozzle deve ter a relação
p2 = p3 entre pressões na saída do nozzle (p2 ) e atmosférica (p3 ). Entretanto, durante o vôo,
a mudança de altitude acompanha uma mudança da pressão atmosférica. Assim, na maior
parte do vôo, o nozzle será subbetido à situações não ideais. Nesta seção, analisaremos
quais os efeitos da mudança da pressão externa e como projetar o nozzle de acordo com
esta peculiaridade.
Basicamente, existem três situações possíveis: p2 < p3 , p2 = p3 e p2 > p3 . No
primeiro caso, quando a pressão externa é superior à de saída, tem-se um

• p2 > p3 : Bocal sub-expandido, que libera os produtos de combustão a uma pressão


de saída (p2 ) superior à pressão externa (p3 ), uma vez que a área de saída (A2 ) é
muito pequena para uma razão de áreas ideal. Neste caso, a expansão dos gases no
nozzle é incompleta e haverá expansão após a saída do bocal.

• p2 = p3 : Bocal com expansão ideal que libera os produtos de combustão a uma


pressão de saída (p2 ) igual à pressão externa (p3 ) pois a área de saída (A2 ) é ideal.

• p2 < p3 : Bocal super-expandido que libera os produtos de combustão a um pressão


de saída (p2 ) inferior à pressão atmosférica (p3 ), já que tem uma área de saída (A2 )
Capítulo 3. Nozzle 20

muito grande para o escoameno ser ótimo. Logo, a pluma será menor que o diâmetro
de saída do bocal.

Quando um bocal apresenta comportamento não ideal, há formação de ondas de


compressão e ondas de choque no interior da secção divergenter do bocal, que são presentes
apenas em escoamentos supersônicos. As condições possíveis de escoamento não ideal em
bocais supersônicos são as seguintes:

1. Quando a pressão externa p3 é menor que a pressão de saída no nozzle p2 , os gases


fluirão por toda a secção transversal do bocal, mas haverá ondas de expansão na
saída. Logo, a expansão dos gases no interior do nozzle é incompleta e os valores de
Cf e Is serão menores que na expansão ótima.

2. Para pressões externas p3 levemente maiores que a pressão de saída do nozzle p2 ,


ainda haverá escoamento completo pela secção transversal do bocal. Isso ocorre até
que p2 atinja um valor entre 10 e 40% de p3 . Essa expansão é ligeiramente ineficiente
e haverão ondas de choque fora da saída do nozzle.

3. Para pressões externas mais altas, separação do escoamento ocorrerá dentro da


porção divergente do bocal. O diâmetro da pluma supersônica será menor que o
diâmetro de saída do bocal. Com fluxo constante, a separação é axialmente simétrica.
O ponto de separação do escoamento é cada vez mais próximo da garganta quanto
maior for a diferença p2 - p3 . No centro da secção transversal após o descolamento
do fluxo, o escoamento permanece supersônico, mas é rodeado por um anel de
escoamento subssônico. Há uma redução considerável de empuxo e ondas de choque
existem no interior da pluma no exterior do nozzle.

4. Em nozzles cuja pressão da garganta é menor que a pressão crítica (razão de pressão
inferior à de pressão crítica, conforme descrita na equação 3.18), o escoamento não
atinge o regime super-sônico, mas sim se mantêm sub-sônico. Neste caso, a expansão
do cone divergente não resulta em aumento de velocidade dos gases e nem em queda
de pressão. É natural que este caso ocorra no início e fim da queima (quando a
pressão de câmara é baixa).

Para vôos longos e foguetes com diversos estágios, é ideal ter nozzles projetados
para as altitudes em que atuarão. Assim, conforme demosntrado na Figura 9, cada estágio
deve ter um nozzle próprio. Na mesma figura, nota-se a diferença de comportamento do
mesmo nozzle à pressões diferentes (de atuação e de teste). Percebe-se que, para estágios
de altitudes elevadas, devemos ter um nozzle sobre-expandido em situação a nível do mar.
Capítulo 3. Nozzle 21

Figura 9 – Comportamento de bocais de diferentes estágios a diferentes pressões externas

Fonte: (SUTTON; BIBLARZ, 2010)


22

4 Propelente sólido

Em foguetemodeslimo, diversos tipos de combustíveis ja foram testados ao longo da


história, principalmente combustíveis sólidos. Industrialmente, não veremos combustíveis
utilizados aqui no Jupiter como padrão, pois o nosso combustível sólido é ineficiente.
Todavia, ele também é muito seguro, o que é essencial a um grupo de extensão de faculdade,
onde não há profissionais lidando com procedimentos que podem ser perigosos.
Desta forma, podemos elencar alguns critérios para a escolha de um propelente:

• Fabricação: Antes de tudo, o propelente escolhido deve ser passível de ser fabricado
por nossos membros nas diversas situações em que nos encontramos (tanto na oficina
quanto no deserto, caso preciso) e com materiais e ferramentas à nossa disposição.

• Toxicidade/Segurança: Para termos permissão de operar na USP e em competições,


temos que comprovar que a nossa operação é segura1 . Dessa forma, o nosso propelente
não pode ter em sua composição componentes tóxicos (descrito por regras da
competição), além de que precisamos conseguir lidar com a sua inflamabilidade.

• Custo: Fator mais intuitivo, dado os diversos lançamentos e testes estáticos progra-
mados para o ano, a área tem que ser capaz de pagar pelo propelente sem consumir
a maioria do seu orçamento, assim o custo é um fator crítico para a escolha.

4.1 Comportamento do grão


A primeira coisa a se considerar para analisar o comportamento do grão durante
o processo de queima é a geometria do grão. Por trás desse conceito tem-se que as
diferentes geometrias de grãos geram diferentes áreas de queima, as quais são responsáveis
pelo comportamento diferente de empuxo.

Figura 10 – Gráfico da área de queima para um grão em formato estrela


1
Para mais detalhes procure um membro da Comissão de Segurança do Projeto Jupiter
Capítulo 4. Propelente sólido 23

Durante a escolha da geometria, é importante levar em consideração a própria


fabricação dos grãos. Grãos de geometria interna circular são relativamente fáceis de serem
confeccionados, enquanto um grão com geometria similar à exposta na figura 10 apresenta
maiores desafios na fabricação e pode resultar em assimetria ou assimilaridades entre grãos,
não garantindo a replicabilidade do método. Além do processo de confecção, a geometria
influencia não apenas na curva de empuxo que será gerada, mas também na complexidade
da sua progressão durante a queima. Uma geometria não circular pode ser mais complexa
de ser simulada, visto que a superfície de queima tem sua geometria variando com o
decorrer da queima. Conforme aumentamos a área de queima, mais "massa"está sendo
queimada. Podemos equacionar este comportamento como:

ṁ = Ab ρb r (4.1)

Onde:

• Ab é a area instantânea de queima

• ρb : Densidade do grão utilizado

• r: taxa de queima do propelente (mm/s) - usa-se também a notação Br

A propriedade r, chamada de taxa de queima, não é fixa ao longo do tempo. A taxa


de queima varia conforme o propelente usado e a pressão. Dessa forma, é possível descobrir
uma curva de queima para cada tipo de propelente em relação à pressão, conforme descrito
na seção 4.1.1.

4.1.1 Taxa de queima


A taxa de queima é uma das propriedades necessárias para determinar a variação
de massa do propelente em um dado instante. Essa taxa de queima, para complicar ainda
mais o sistema, não é constante, assim como Ab não é constante.
Capítulo 4. Propelente sólido 24

Figura 11 – Gráfico experimental da taxa de queima de propelente KNDX

Fonte: Nakka Rocketry

Esse comportamento da taxa de queima pode ser equacionado pela lei de Saint
Robert que afirma que

r = r0 + aP n (4.2)

Onde:

• r0 usualmente é igual a 0

• a: propriedade obtida experimentalmente referida como "coeficiente de pressão"

• n: propriedade obtida experimentalmente referida como "exponente de pressão"

• P: pressão de câmara

Range de Pressão (Mpa) a n


0.103 a 0.807 10.71 0.625
0.807 a 1.50 8.763 -0.314
1.50 a 3.79 7.852 -0.013
3.79 a 7.03 3.907 0.535
7.03 a 10.67 9.653 0.064

Fonte: Nakka Rocketry


Essa tabela foi feita com base em experimentos realizados pelo Nakka. Todavia,
como temos uma processo de fabricação próprio e diferentes componentes no propelente,
é interessante que a equipe de propulsão tenha uma tabela com esses valores referente
especificamente ao seu propelente. Porém como se trata do mesmo tipo de propelente
(KNSB), por hora, podemos utilizar esses valores para simulações e cálculos.
Capítulo 4. Propelente sólido 25

4.1.2 Grãos BATES


Outro fator que altera a área de queima, além da geometria, é a presença ou não de
inibidores nos graos. Inibidores são materiais termicamente resistentes que são adicionados
à superfície externa do grão para impedir a queima desta região.

Figura 12 – Grão na configuração BATES com inibidor destacado

Fonte: Nakka Rocketry

Na Figura 12 vemos um grão de geometria cilíndrica cuja superfície externa é


inibida. Nesta configuração haverá apenas queima na lateral interior do cilindro (região que
chamamos de "port") e nas suas superfícies superior e inferior. Os grãos BATES promovem
uma área de queima Ab constante ao longo do tempo, mantendo assim uma pressão interna
da câmera também constante. No Projeto Jupiter, priorizamos o uso desta configuração
de grão não apenas por sua facilidade de confecção, mas também por seu comportamento
previsível, de modo a facilitar cálculos e simulações referentes à queima.

4.2 Propelente KNSB


Os principais componentes químicos desse propelente são o (1) nitrato de po-
tássio (KN), que age como o oxidante da queima, e o (2) sorbitol (SB), combustível
de alto peso molecular. Aqui podemos ver alguns dados do sorbitol para exemplificação:

Propriedades Sorbitol
Fórmula Química C6 H14 O6
Peso molecular (g/mol) 182.2
Temperatura de fusão (C) 110-1122
Densidade 1.489
Entalpia de formação (KJ/mol) -1353.7
Aparencia pó branco

Fonte: Nakka Rocketry


O uso de Sorbitol, em detrimento de outros combustíveis (como Sucurose no
propelente KNSU, por exemplo), é explicado pelo formato da cadeia carbônica: enquanto o
Capítulo 4. Propelente sólido 26

Sorbitol tem cadeia aberta (facilmente quebrável, logo requer menos energia para ignitar),
a Sucurose é de cadeia fechada (requer mais energia para a ignição).
O propelente utilizado pela propulsão no Projeto Jupiter consiste na mistura de
65% em massa de nitrato de potássio e 35% de sorbitol. Por isso, é frequentemente descrito
em documentos técnicos como "KNSB 65-35".

4.3 Fabricação do grão


A fabricação do grão de propelente consiste de uma série de etapas que vão desde
a preparação dos moldes até a finalização do grão. Neste documento, trataremos da
fabricação de grãos para os chamados minimotores do Projeto Jupiter: Jiboia e Keron.
Para motores sólidos maiores, como o Mandioca, o processo é análogo, guardando-se as
devidas peculiaridades, que consistem basicamente de um molde maior e uma quantidade
maior de propelente.

Figura 13 – Motor Keron

4.3.1 Molde dos Grãos


Os moldes de propelente são constituídos por diversas peças, a começar pelos discos
de MDF, os quais são cortados à laser segundo especificações próprias para a fixação dos
tubos e a passagem do furador.
Capítulo 4. Propelente sólido 27

A extrutura externa é composta por um tubo de CPVC e um tubo de PVC com


borracha alocado por dentro do primeiro. No centro da estrutura, passa uma barra redonda
metálica (chamada de "furador"), a qual é centralizada com os discos de MDF. O conjunto
de CPVC e discos de MDF é estabilizado por barras roscadas no exterior.
As borrachas são utilizadas para facilitar o desmolde suave do grão e são cortadas
na cortadora a laser do Inovalab no prédio da Engenharia de Produção. Em seguida, as
borrachas devem ser devidamente coladas no MDF com cola de sapateiro "Amazonas". O
procedimento de montagem dos moldes é feito com base em um CAD já existente para a
os grãos do motor em questão, de modo a verificar a ordem das peças de MDF.
Detalhes práticos
A partir disso, é possível fazer a montagem adequada das peças, com barras roscadas
e parafusos apropriados. Deve-se cortar os tubos de CPVC e PVC no tamanho desejado
para os moldes, assim como a borracha a ser colada no PVC. O tubo de PVC deve ser
cortado longitudinalmente, retirando um pedaço de forma a encaixá-lo dentro do de CPVC.
A borracha deve ser colada, também com cola de sapateiro, na parte interior para facilitar
o desmolde dos grãos. A cola deve secar por 24 horas.
Uma tira de fita isolante é colocada no corte longitudinal do tubo, por dentro e
por fora, para ser cortada no desmolde. Tendo isto feito, o molde deve ser montado, de
forma que fique o mais reto possível sobre uma superfície.

Figura 14 – Molde dos grãos

4.3.2 Purificação do Nitrato


Para a purificação, o nitrato, que inicialmente é comprado em forma de fertilizante,
deve ser colocado em água, a fim de retirar impurezas do produto. Deve ser solubilizado
em aquecimento até dissolver o sal (usando fogão e panela de alumínio).
A panela usada tem uma saída em uma torneira, na qual deve ser colocada uma
“trouxinha” de pano (presa com enforca-gato de forma apropriada para não vazar) para
filtrar a água. Depois da total solubilização, a torneira deve ser aberta para passar o
Capítulo 4. Propelente sólido 28

material pelo pano, deixando a água com nitrato cair em um balde e retendo as impurezas,
que são descartadas. Essa água deve “descansar” por um dia para cristalizar o nitrato com
a diminuição de temperatura.
A água restante pode ser colocada no freezer por mais um dia para maior cristali-
zação. Depois de finalizado o processo, os cristais devem ser secos. O nitrato deve ser seco
em um fogão, com a intenção de vaporizar toda a água. O processo consiste em botar o
nitrato na panela com a temperatura máxima e mexer bastante durante todo o processo
para evitar que ele grude no fundo. Após alguns minutos a pasta de nitrato vai espirrar
para fora da panela e, depois, a temperatura diminui. Quando ele apresentar o aspecto de
uma farinha, com alguns torrões, já está bom para ser retirado e armazenado.

Figura 15 – Nitrato cristalizado no balde

4.3.3 Fabricação do Grão


A proporção inicial prevista para os grãos do Jibóia foi de 260 gramas de nitrato de
potássio para 140 gramas de sorbitol. Foi observado o desperdício de material e optou-se
por diminuir as medidas. É suficiente usar 130 g e 70 g, respectivamente. Usa-se o fogão
por indução com a panela de aço inox.
Partindo disso, deve-se usar os moldes montados e o nitrato purificado com sorbitol.
O nitrato é então solubilizado em água, com a posterior adição de sorbitol, mexendo
constantemente para não grudar no fundo e evitar ignição (usa-se a espátula de cabo
metálico e a “pá” de borracha).
O aquecimento é feito até 140◦ C ou até a mistura ficar mais viscosa visualmente(a
água vai evaporando e é importante mexer rápido no final para garantir uma mistura
homogênea). O grão é moldado, dentro do tubo , batendo o molde na mesa durante todo o
processo para não deixar bolhas de ar no grão. Depois de tampar o molde, deve-se passar
WD40 no furador e passá-lo por dentro do grão, girando, para evitar aderência e facilitar o
desmolde. O ideal é que ele escorregue pelo grão, porém deve-se ter atenção na temperatura
do óleo que pode causar danos. Passa-se o furador até o outro lado e retira-se a tampa
inferior, presa por duas arruelas em barras roscadas opostas para agilizar o processo. As
Capítulo 4. Propelente sólido 29

barras roscadas podem ser usadas para facilitar na centralização do furadores, verificando
o seu alinhamento e verticalidade.
Tendo isso feito, preferencialmente de forma rápida, a cura deve ser feita até o dia
seguinte. O ideal é que seja fabricado pelo menos um grão a mais do que será utilizado no
motor, já que bolhas e trincas ou fragilidade do material impossibilitam seu uso, podendo
alterar a taxa de queima e torná-la imprevisível.

4.3.4 Desmolde e Inibição


Para desmoldar os grãos, deve-se tirar os apoios de MDF e as barras.
A retirada do CPVC e do furador costumam ser mais difíceis. Podem ser feitas
com marteladas de leve para não trincar o grão (não martelar diretamente no grão! Usar o
próprio furador para retirar o grão do CPVC, caso necessário). Caso o furador ou o CPVC
não saia com marteladas leves, recomenda-se o uso do macaco hidráulico, que garante
mais segurança para a integridade do grão.
Para tirar o PVC do grão, deve-se cortar a fita isolante do tubo e abrí-lo. A
borracha ajuda a desgrudar o propelente e o ideal é descolar um lado e ir girando até soltar
totalmente. É um processo a ser feito com duas pessoas: um segura o grão por dentro
enquanto outro gira a casca de PVC para retirá-la.
Capítulo 4. Propelente sólido 30

Figura 16 – Utilização do macaco hidráulico para desmolde do grão

Depois deve ser feita a inibição do grão, usando tela de pintura com dimensões da
altura do grão (com uma folga de 1 a 2 centímetros) e duas vezes o comprimento da base,
para que ele dê duas voltas. Deve-se usar resina com a proporção certa de endurecedor
(100 de resina para 48 de endirecedor, em massa), passando-a no lado interno da tela,
enrolando o grão e passando resina na tela pelo lado de fora.
É importante que haja resina em toda a tela e que esta esteja o mais esticada
possível. Não podem haver regiões do grão mal inibidas, logo, é de suma importância que
esta etapa seja cumprida com atenção e, posteriormente, validada.

Figura 17 – Inibição de um grão


Capítulo 4. Propelente sólido 31

A cura da resina deve ser feita em algumas horas e depois deve-se cortar o excesso
de tela nas extremidades do grão. O tempo de cura ideal depende da resina, mas é bom
que o grão “seque” por 24 horas. Colocamos os grãos para secar sobre nossa mesa de
usinagem, apoiados em arruelas presas a barras roscadas, como na Figura 18.

Figura 18 – Grãos nas barras roscadas para que a resina cure

4.3.5 Armazenamento
Aconselha-se que os grãos sejam fabricados o mais próximo da data de lançamento
a fim de garantir a qualidade dos grãos, já que o propelente KNSB é altamente higroscópico
(capacidade de absorver umidade do ar). Em média, inicia-se a fabricação 7 a 10 dias antes
do lançamento e o processo demora de 3 a 4 dias para o cozimento de 6 grãos do motor
Keron. Em casos de emergência, é possível fazer todo o processo em 2 dias, mas isso não é
recomendado (embora já feito... mais de uma vez).
Depois de prontos, os grãos devem ser guardados em sacos plásticos com zip lock,
jogando cristais de sílica no interior do saco para evitar que a umidade do ar seja absorvida
pelo grão. Os grãos embalados devem ser alocados em um local seco, acima do chão e
longe de qualquer fonte de eletricidade, umidade ou calor por determinações de segurança.

Figura 19 – Grãos prontos para serem embarcados


32

5 Funcionamento do motor sólido

5.1 Panorama geral


Com os conceitos fundamentais de propulsão sólida bem consolidados, debruçamo-
nos sobre o estudo do funcionamento do motor. Dedicaremos nossa atenção especialmente
sobre a taxa de queima e a pressão de câmara. As demais relações termodinâmicas e
conceitos já foram abordados nos capítulos anteriores, e se relacionam intimamente com
as apresentadas neste capítulo.
Iniciada a combustão, teremos a transformação da mistura combustível e oxidante
em seus produtos de combustão. A geração desses gases - acelerados pelo bocal e responsá-
veis pelo empuxo, como já vimos - é responsável pela pressurização da câmara. A queima
do propelente sólido ocorrerá nas áreas de queima, isto é, superfícies "expostas"do grão
que não foram inibidas. Teremos a progressão da queima nas direções perpendiculares à
superfície de queima, caracterizando a já mencionada taxa de queima do propelente, até o
esgotamento de propelente. Ambos os fatores, pressão e taxa de queima, se relacionam
quantitativamente como veremos posteriormente.
Tendo posse das equações governantes do funcionamento do motor sólido, podere-
mos então simular seu regime e conhecer seus parâmetros operacionais. Essas informações
são extremamente valiosas nas iterações de projeto com outras áreas do Projeto Jupi-
ter, especialmente com a Aerodinâmica. Projetar o funcionamento do motor também é
extremamente valioso para o dimensionamento estrutural de seus componentes.

5.2 Taxa de queima


5.2.1 Equacionamentos
Retomamos o conceito de taxa de queima, apresentado na seção 4.1.1. Ele é crucial
para a determinação de parâmetros de propulsão ao longo da atuação do motor. Conforme
já dissemos, modelamos a queima como simétrica nas respectivas superfícies de queima e
atuando perpendicularmente a elas. A figura 20 ilustra bem o sentido de propagação da
frente de chama.
Verifique que a área de queima Ab é variável ao longo do tempo, conforme a
superfície de queima regride. Conforme apresentaremos mais tarde, a produção de gases na
câmara e sua exaustão no bocal estão relacionadas com a regressão nas regiões de queima.
Compreender e estudar a taxa de queima e suas relações com regressão no grão, pressão
Capítulo 5. Funcionamento do motor sólido 33

de câmara e vazão mássica são fundamentais para bem prever e projetar o funcionamento
do motor.

Figura 20 – Regressão da superfície de queima

Fonte: Nakka Rocketry

Definimos o adimensional Kn como a razão entre a área de queima e a área da


garganta, como apresentado na eq. (5.1). Veja que temos At constante ao longo da queima
de propelente, sendo a variação de Kn unicamente responsabilidade do termo referente à
superfície de queima. Definindo s = s(t) como o deslocamento da superfície de queima, veja
que a área de queima será uma função desse deslocamento, i.e. Ab = Ab (s(t)). Usualmente,
utilizamos as grandezas de área expressas em mm2 .

Ab
Kn = (5.1)
At
Definimos a taxa de queima r como a velocidade de regressão da área de queima.
Usualmente esta grandeza é medida em mm/s. Podemos calculá-la pela lei de Saint Robert
(já apresentada e retomada na seção 5.3) ou, alternativamente, pela eq. (5.2). Esta última
expressão é bastante útil na simulação da evolução temporal da superfície de queima ao
longo da combustão do propelente.

∆s
r= (5.2)
∆t

1h 2
 i 
Ab = πN D − (d0 + 2s)2 + (L0 − 2s)(d0 + 2s) (5.3)
2
Finalmente apresentamos ainda a expressão para a área de queima Ab do grão
BATES, usualmente utilizado nos motores da equipe de Propulsão. Esse tipo de grão
Capítulo 5. Funcionamento do motor sólido 34

apresenta porta circular e superfície externa inibida. Isso significa que teremos regressão
da superfície de queima apenas em direções perpendiculares à superfície cilíndrica da
porta e aos anéis circulares na base e no topo do grão. A eq. (5.3) indica a expressão para
cálculo da área de queima em função do deslocamento da frente de chama s, do diâmetro
interno inicial d0 , diâmetro externo D (constante pois a superfície externa está inibida),
comprimento inicial L0 e número de grãos N . Tente deduzi-la você mesmo. Veja que, dada
uma geometria de grão e um número de grãos, como já dissemos, teremos que a área de
queima é função da regressão da superfície de queima, Ab = Ab (s(t)).

5.2.2 Fatores que influenciam a taxa de queima


Alguns fatores são responsáveis por interferir na taxa de queima, variando sua
intensidade. Nesta subseção, pretende-se identificar os mais significantes e passar uma
noção geral de como se dá esta influência. Listamos esses elementos a seguir.

• Pressão da câmara
A taxa de queima é fortemente influenciada pela pressão de câmara e vice-versa. A
equação empírica que relaciona ambos é a equação de Saint Robert: r = aP0 n . Os
valores de a e n são obtidos experimentalmente. Veja que o expoente n influenciará
diretamente na relação entre r e P0 .

Figura 21 – Curvas de r(P0 ) para alguns valores de n

Fonte: Nakka Rocketry

Na Figura 21, verificamos o comportamendo de r como função de P0 . Verifique que


o valor de n é bastante interessante para indica o quão difícil é para iniciarmos o
motor. Valores altos de n podem não ser interessantes também por fornecerem altas
variações de taxa de queima para pequenas variações de pressão, com consequências
potencialmente catastróficas.
Capítulo 5. Funcionamento do motor sólido 35

• Temperatura inicial do grão de propelente


A temperatura inicial pode afetar de modo sensível a taxa de queima, uma vez
que afetará a cinética das reações químicas. É preciso ter atenção à temperatura
ambiente inicial na câmara e no propelente, que pode variar bastante na exposição
prolongada ao sol, por exemplo. A Figura 22 apresenta a evolução da pressão de um
certo motor para condições iniciais distintas de temperatura. Como r e P0 guardam
uma relação apresentada no item anterior, podemos extender o comportamento de r
para a temperatura inicial como semelhante

Figura 22 – Efeito da temperatura inicial na pressão de câmara

Fonte: (SUTTON; BIBLARZ, 2010)

Podemos expressar algebricamente a sensitividade de taxa de queima e pressão à


temperatura como os coeficientes πKn e σp , respectivamente, medidos em ◦ C −1 ou
K −1 . O coeficiente πKn é medido para um dado valor de Kn e σp , para um dado
valor de pressão. Suas definições e relações algébricas são fornecidas a seguir:

! !
δln(r) 1 δr
σp = = (5.4)
δT P
r δT P

! !
δln(P ) 1 δP
πK n = = (5.5)
δT Kn
P0 δT Kn

1
πKn = σp (5.6)
1−n
Valores de σp ficam tipicamente em um intervalo de 0.001 a 0.009 K −1 e valores de
πKn , em torno de 0.067 a 0.278% ◦ C −1 (SUTTON; BIBLARZ, 2010).

• Velocidade do escoamento dos gases de combustão paralelamente à superfície de


queima
Capítulo 5. Funcionamento do motor sólido 36

Para a maioria dos propelentes, certos níveis de velocidade dos gases de combustão
fluindo paralelamente para a superfície de queima leva uma taxa de queima elevada.
Esse aumento é referido como queima erosiva, com a intensidade do efeito variando
para cada propelente e pressão de câmara. O mecanismo de maior tranferência de
calor por convecção para a superfície do propelente é a maior responsável por esse
aumento. Para muitos propelentes, existe uma velocidade mínima de fluxo. Abaixo
desse nível, ou não ocorre aumento, ou há uma diminuição da taxa de queima, que é
chamada de queima erosiva negativa.

Figura 23 – Processo de transferência de calor que influencia a taxa de queima

Como pode-se perceber pela imagem, abaixo da velocidade mínima há uma pre-
dominância da transferência de massa na taxa de queima, enquanto que acima
há predominância da transferência convectiva de calor. Curiosamente, abaixo da
velocidade mínima, a taxa de queima é inferior do que quando há zero fluxo de
massa, isso se deve provavelmente à mudança dos mecanismos de transferência de
calor que controlam a taxa de queima. O propelente KNSB em específico é suscetível
à queima erosiva negativa.
Os efeitos da queima erosiva podem ser minimizados projetando um motor com uma
razão entre port e garganta suficientemente grande. Uma regra aceita é que a razão
deve ser no mínimo 2, pra um típico grão com razão entre comprimento e diâmetro
de 6, para maiores razões comprimento-diâmetro, uma maior razão port-garganta
dever ser usada.
Para relacionar a taxa de queima erosiva com o fluxo de gás pela câmara, é usada a
seguinte lei empírica, onde k é a constante, G é o fluxo mássico específico e G∗ é o
fluxo mássico mínimo.

r = aPcn [1 + k(G − G∗ )] (5.7)


Capítulo 5. Funcionamento do motor sólido 37

Figura 24 – Influência da queima erosiva na pressão de câmara

• Pressão estática local

Como já vimos, a pressão dos gases de combustão apresenta um comportamento


decrescente ao longo do motor, justamente para que possa ocorrer sua exaustão no
bocal. Dessa forma, teremos pressões mais elevadas no início da câmara de combustão,
i.e. no bulkhead. Como a taxa de queima está relacionada com a pressão, a primeira
será máxima onde também é máxima a segunda. Esse efeito, contudo, é minorado
pelos outros já mencionados.

• Aceleração e spin do motor

A taxa de queima é aumentada pela aceleração do motor. Não importa se essa


aceleração seja fruto de uma força longitudinal ou por rotação do motor. Superfícies
de queima que formam um ângulo de 60-90o com o vetor de aceleração apresentam
aumento da taxa de queima. Como a maior parte da superfície de queima do grão
é perpendicular ao eixo do motor, spin tem um efeito muito maior que aceleração
longitudinal.

1. Rotação reduz o fluxo mássico na garganta.


2. Padrões de fluxo viscoso são criados no motor, aumentando transferência de
calor e área de propelente
3. A aceleração radial acumula os produtos de combustão próximos à superfície
de propelente
Capítulo 5. Funcionamento do motor sólido 38

5.3 Pressão de câmara


Compreender o comportamento da pressão de câmara ao longo do funcionamento
do foguete é fundamental para seu processo. Primeiro, porque vários parâmetros de projeto
do motor estão intrinsecamente ligados à pressão na câmara de combustão. Em segundo
lugar, mas de modo algum menos importante, a pressão na câmara representará um esforço
sob o qual a estrutura física do motor estará submetida. É imprescindível lançar mão
destes dados para termos um motor que resista aos esforços de pressão e seja seguro para
lançamento. Discussões sobre estruturas, fator de segurança e mecânica dos sólidos para
essa etapa de projeto serão discutidos em material a parte e fazem parte do cotidiano da
Propulsão.
Gostaríamos de obter um expressão que nos fornecesse a pressão de câmara em
função de parâmetros conhecidos ou calculados do motor. Em um primeiro momento,
vamos obter sua expressão geral com todo o desenvolvimento algébrico. Em seguida,
simplificaremos esta expressão para regime permanente e discutiremos alguns resultados
obtidos.

5.3.1 Expressão geral


O primeiro passo para obtermos a expressão geral da pressão na câmara de combus-
tão é fazermos um balanço de massa. Entender essa etapa do desenvolvimento algébrico é
a parte mais fundamental. A regressão da superfície de queima está reduzindo a massa
de propelente, ao mesmo tempo em que está gerando gases que preenchem a câmara de
combustão e escapam acelerados pelo bocal. Em outras palavras, toda a massa consumida
de propelente está "se tornando"massa de produtos de combustão na câmara, mais a massa
que escapou do motor e está na atmosfera. Em Termodinâmica, diríamos estar analisando
esse problema sobre o ponto de vista de sistema. A Figura 25 ilustra as massas identificadas
do sistema.
Capítulo 5. Funcionamento do motor sólido 39

Figura 25 – Representação esquemática de vista em corte do motor, com indicação das


massas do sistema

A eq. (5.8) nos indica o referido balanço, onde mgrain é a massa consumida no
grão, mcam é a massa de gás preenchendo o volume livre da câmara, i.e. sem propelente, e
mnozzle indica a massa rejeitada após o bocal. A validade dessa equação se deve à simples
conservação de massa do sistema, velho conhecido da lei de Lavoisier.

mgrain = mcam + mnozzle (5.8)

Veja, contudo, que a maneira como está equacionado o problema nos trará dificulda-
des. Teríamos que conhecer a massa que já saiu pelo bocal e está na atmosfera, que já nem
nos interessa mais. Uma maneira inteligente de resolver o problema, então, será pensarmos
em taxas de variação das massas. Essas grandezas de fato nos interessam e possibilitam o
equacionamento com expressões que já conhecemos ou que podemos facilmente obter.
Olhando exclusivamente para taxas de variação de massa e "fixando"as fronteiras do
problema, estamos analisando-o sob a perspectiva do que chamamos, em Termodinâmica,
de volume de controle. Derivamos a eq. (5.8) no tempo e obtemos a eq. (5.9), que nada
mais é que a aplicação da equação da continuidade para nosso volume de controle. Repare
que, lidando com a câmara, teremos, nela, aproximações das grandezas de estagnação, que
já discutimos. Por isso substituiremos o subscrito cam por 0. Por simplicidade, trocamos
Capítulo 5. Funcionamento do motor sólido 40

os demais subscritos por sua letra inicial.

ṁg = ṁ0 + ṁn (5.9)

Devemos agora encontrar a expressão correspondente para cada termo da eq. (5.9).
Começamos pela vazão mássica ṁg , representativa da variação de massa no tempo do grão
de propelente. Conforme já foi apresentado na seção 4.1, teremos:

ṁg = Ab ρg r (5.10)

Partimos para a obtenção do segundo termo de eq. (5.9). Veja que a massa de
produtos de combustão na câmara é igual ao produto entre a densidade instantânea
destes e o volume livre de câmara, i.e. m0 = ρ0 ∀0 . Derivamos os dois lados da igualdade,
respeitando a regra da cadeia, e obtemos:

dm0 d(ρ0 ∀0 ) d∀0 dρ0


= = ρ0 + ∀0 (5.11)
dt dt dt dt
A variação de volume livre de câmara é igual ao produto entre área de queima e
taxa de regressão, conforme eq. (5.12). Verfique que a expressão está dimensionalmente
correta, medida em mm3 /s. Em seguida, precisamos obter o termo de variação de pressão.
Para tanto, vamos usar a lei dos gases ideais, apresentada novamente na eq. (5.13), e
derivá-la no tempo, como feito em eq. (5.14). Veja que estamos assumindo uma temperatura
de combustão relativamente constante no tempo. Verifique ainda que cumprimos nosso
objetivo ao expressarmos ṁ0 em função de parâmetros conhecidos e da pressão, de que
queremos obter a expressão geral. Reapresentamos o resultado na eq. (5.15).

d∀0
= Ab r (5.12)
dt

P0 = ρ0 RT0 (5.13)

dρ0 1 dP0
= (5.14)
dt RT0 dt

∀0 dP0
ṁ0 = ρ0 Ab r + (5.15)
RT0 dt
Partimos finalmente para o terceiro e último termo de vazão mássica que queremos
substituir em eq.(5.9), o termo de taxa de variação no bocal. Já sabemos deduzi-lo
utilizando usando os conceitos e expressões indicados ao longo deste documento. Por isso,
vamos obtê-lo juntos, na forma de exercício resolvido.
Capítulo 5. Funcionamento do motor sólido 41

Exercício: Determine a vazão mássica ṁn pelo bocal em função dos parâmetros
da pressão de estagnação (ou de câmara) P0 , assumindo conhecidas a geometria do bocal,
a temperatura de combustão T0 e a razão de calores específicos k.
Solução
Conhecida a geometria do bocal, escolhemos uma seção transversal na qual conhe-
cemos facilmente os parâmetros de escoamento. Lembre-se que assumimos, pela equação
da continuidade, que a vazão mássica no bocal era constante para qualquer seção. Uma
boa escolha é a garganta, pois sabemos que nela M = 1 e, tendo posse dessa informação,
podemos equacionar as propriedades do escoamento. Calculamos ṁn como:

Vt At
ṁn = (5.16)
vt
Da definição de M :

V
M=√ (5.17)
kRT
Como já vimos, a temperatura em uma seção qualquer guarda a seguinte relação
com a temperatura de câmara:

T0 k−1 2
=1+ M (5.18)
T 2
Tomamos M = 1 para ambas as equações e obtemos:

 √
Vt

= kRT
M =1⇔  −1 (5.19)
k−1
T = T0 1 +

2

Resolvendo o sistema para Vt :

s 1 q
2k 2

2
Vt = RT0 = kRT0 (5.20)
k+1 k+1
Devemos ainda obter vt . Pela relação com as propriedades de estagnação em seção
qualquer para volume específico, temos:

! 1
k−1 2 k−1
v/v0 = 1 + M (5.21)
2
Tomando M = 1 e, portanto, volume específico na garganta:

! 1
k+1 k−1
vt = v0 (5.22)
2
Capítulo 5. Funcionamento do motor sólido 42

Da lei dos gases ideais:

RT0
v0 = (5.23)
P0
Substituindo eq. (5.23) em eq. (5.22) combinando esta última com eq. (5.20) em
(5.16):

1 1 q
P0 2 2
  
k−1 2
ṁn = kRT0 At (5.24)
RT0 k+1 k+1
Simplificando na forma final:

s k+1
k 2
 
2(k−1)
ṁn = P0 At (5.25)
RT0 k+1

Obtidas as expressões para as vazões mássicas, retornamos à eq. (5.9) - das vazões
mássicas de grão, câmara e bocal - e substituimos cada um dos termos que obtivemos até
aqui. Obtemos:

s k+1
∀0 dP0 k 2
 
2(k−1)
Ab ρg r = ρ0 Ab r + + P0 At (5.26)
RT0 dt RT0 k+1
Lembrando que a taxa de queima pode ser expressa segundo a lei de Saint Robert
e substituindo sua expressão, obteremos a expressão final indicada na eq. (5.28):

r = aP0 n (5.27)

s k+1
∀0 dP0 k 2
 
2(k−1)
= Ab aP0 n (ρg − ρ0 ) − P0 At (5.28)
RT0 dt RT0 k+1
A solução desta equação diferencial nos permite descrever a curva de pressão em
função do tempo para nosso motor. Veja que ela não é de simples resolução analítica, mas
é de extrema utilidade para descrever o comportamento da pressão no regime transiente
de pressurização, i.e. com dP
dt
0
> 0. De maneira geral, essa expressão rege a pressão de
câmara enquanto ainda temos propelente sendo queimado. Por mais que a equação assuste
em um primeiro momento, é possível resolvê-la com o auxílio de métodos numéricos, que
nos permitem aproximar com boa precisão a solução do problema.
Podemos modelar o funcionamento do motor em três etapas: pressurização transi-
ente, regime permanente e despressurização (tail-off ). A primeira já foi apresentada; a
Capítulo 5. Funcionamento do motor sólido 43

segunda será amplamente na abordada na próxima subseção. Resta-nos ainda a etapa


final, de despressurização, que ocorrerá após esgotamento de propelente no motor, ou seja
Ab = 0 e queda gradual da pressão. Reescrevemos a expressão geral tomando área de
queima nula.

s k+1
∀0 dP0 k 2 P0 A t
 
2(k−1)
= −P0 At =− (5.29)
RT0 dt RT0 k+1 c∗

RT0 At
− ∀0 c∗
t
P0 = Pb0 e (5.30)

A equação diferencial (5.29) é de resolução analítica relativamente simples e nos


fornece a solução expressa na eq. (5.30). O termo Pb0 é a condição de pressão inicial no
tail off, que vai decaindo exponencialmente com o instante de tempo t.

5.3.2 Expressão para regime permanente


Podemos simplificar a expressão geral quando consideramos regime permanente.
Assumindo esse regime, o termo de variação de pressão no tempo é nulo, i.e. dP
dt
0
= 0. Além
disso, verificamos que ρ0 << ρg e podemos desprezar
q
o termo de densidade dos produtos de

combustão. Lembrando que Kn = Ab /At e c = RT0 / {k[2/(k + 1)](k+1)/(k−1) }, podemos
reescrever 5.28 de modo muito mais simples:

P0 = Kn ρg rc∗ (5.31)

Essa expressão, embora simples, é bastante valiosa, pois nos permite obter dados
importantíssimos no dimensionamento do motor. Veja que a pressão não é mais uma função
do tempo, mas uma função da área de queima definida por Kn e que a taxa de queima
r é constante para uma dada P0 . Isso nos permite extrair a pressão média e máxima de
operação, definidas pelos Kn médio e máximo:


P¯0

= K̄n ρg rc∗
(5.32)
Pmax = (Kn )max ρg rc∗

Já pensando em uma simulação de funcionamento em regime permanente, podemos


utilizar as equações de Kn = Ab /At e de r = ∆s/∆t para reescrever a eq. (5.31):

Ab ∆s ∗ At P0
P0 = ρg c ⇔ ∆s = ∆t (5.33)
At ∆t Ab ρg c∗
Podemos então traçar a curva de pressão no regime permanente, via simulação
numérica.
44

Referências

SUTTON, G.; BIBLARZ, O. Rocket Propulsion Elements. John Wiley & Sons, 2010. ISBN
9780470080245. Disponível em: <https://books.google.com.br/books?id=1Sf6eV6CgtEC>.
Cited 5 times on the pages 9, 15, 17, 21 e 35.

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