Faça Fortuna Com Ações
Faça Fortuna Com Ações
Faça Fortuna Com Ações
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À querida esposa Dilma,
Dileta companheira durante 35 anos
Às nossas filhas
Maria Cristina e Maria Lúcia
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LEMBRETES
• Preços não sobem nem descem na Bolsa de Valores;
são puxados ou derrubados.
• Na Bolsa, como no amor, é melhor esquecer os maus
momentos.
• Ter dinheiro e perdê-lo é pior do que nunca tê-lo tido.
• Há duas coisas que incomodam na Bolsa: os prejuízos
da gente e os lucros dos outros.
• O futuro recompensa os que têm paciência com ele.
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O CAMINHO DAS PEDRAS, SEM
FALAÇÃO
KLAUS KLEBER
Editor da GAZETA MERCANTIL
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do trabalho, desde que se saiba como agir.
Bazin tem dúvidas sobre quanto tempo perdurará o Mercado nos
moldes como o conhecemos, e honestamente recomenda aos leitores que
aproveitem antes que seja tarde.
As Bolsas ainda comportam os pequenos e a estes Bazin quer mostrar o
caminho das pedras.
Somente sob esse aspecto este livro já seria dificilmente comparável a
outras obras sobre aplicações em Bolsas.
Sem jamais assumir postura professoral, Bazin transmite
conhecimentos práticos que adquiriu e apanhou muito para adquirir. E
evita deitar falação sobre modelos abstratos.
O estilo obedece à intenção. Em certo sentido, ele escreveu quase um
romance, povoado de personagens, espécimes de vasto jardim zoológico,
que ganham o spotlight tanto para instruir como para divertir os leitores.
Os tipos e as cores são reconhecíveis por aqueles que operam e
operaram em Bolsas, frequentam corretoras ou se postam atrás dos vidros
do “aquário” – como fez e ainda faz hoje, se bem que com menos
assiduidade, o próprio Bazin.
Ele, que há mais de 30 anos aplica no mercado de ações, pode se
considerar realizado como investidor. Prefere dizer que não tem teorias,
sabendo como elas são falíveis. Sem se perder em generalidades, opta por
condensar em alguns princípios básicos a sua experiência. Ao expô-los,
ele se revela (para os que não o conhecem) ferrenho inimigo dos
sofismas.
Tudo o que quer demonstrar, demonstra com números e fatos que ele
próprio recolheu ou extraiu de publicações nacionais e internacionais,
entre as quais se destacam a GAZETA MERCANTIL e a revista BALANÇO
FINANCEIRO, a cujas redações deu seu empenho e talento durante anos.
Como verá o leitor, Bazin não tem medo de fórmulas, como a
explicitação de seus princípios às vezes exige. Algumas delas são de sua
própria criação. Não lhe agradam, contudo, as equações, os quebra-
cabeças que tornam tão soporíferos, e não raro ilegíveis, textos ditos
técnicos.
As receitas para investir encontradas neste livro são simples e podem
ser entendidas por qualquer pessoa que conheça as quatro operações
aritméticas.
Deus lhe poupou também o medo de criticar. Bazin não só vergasta o
governo e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) como também
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contesta decisões e práticas das Bolsas de Valores e das corretoras, e não
se detém nem mesmo diante de encastelados analistas, de cujas opiniões
quase sempre discorda, ou de publicações que veiculam informações que
lhe parecem perfumarias.
E, é lógico, não perderia essa oportunidade para contar histórias do
Mercado que muita gente preferiria esquecer.
O que este livro contém, afinal, é um grande trabalho de reportagem,
bem ao estilo do novo jornalismo, tão badalado e tão pouco praticado.
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PRESTE ATENÇÃO
(Prefácio original à 1º edição, de 1992, atualizado em 1994) Os valores expressos neste livro são em
dólar. Não por subserviência ao capital estrangeiro, mas porque nestes tempos inflacionários o dólar é
a única moeda cujo valor a mente brasileira consegue entender.
Nossa moeda nacional mudou três vezes nos últimos nove anos. Era
cruzeiro até 1986, quando passou para cruzado; depois foi cruzado novo
em 1989; novamente cruzeiro em 1990; e real em 1994.
A mesma mercadoria que em janeiro de 1981 se comprasse por 1 milhão
de cruzeiros custaria 91,4 milhões de cruzeiros em janeiro de 1986 e 150,8
mil cruzados em dezembro desse ano. Estaria custando 8,8 milhões de
cruzados em janeiro de 1989 e 159,2 mil cruzados novos em dezembro de
1989. Em maio de 1992, o preço seria de 28,6 milhões de cruzeiros; e 10,4
mil reais em julho de 1994.
Pior confusão prevaleceria se fosse usada a moeda local para indicar o
valor de carteiras de ações. Como se sabe, ações desdobram-se com o
passar dos anos, com o consequente aumento da quantidade inicial
adquirida; mas em 1986 foram cortados três zeros da quantidade de ações
existentes; em 1989 foram cortados três zeros das cotações na Bolsa; em
1994, o número foi dividido por 1.000.
Acredito já estar entendido o motivo da conversão em dólar dos valores
que aqui aparecem. O dólar também se desvaloriza, mas o ritmo de sua
depreciação é lento demais para causar distorções na compreensão do
texto.
Acho necessário dizer ainda por que em determinados momentos, no
decorrer deste livro, menciono com destaque o jornal econômico-financeiro
GAZETA MERCANTIL.
Durante a década de 80, este livro foi praticamente gestado no ambiente
da GAZETA MERCANTIL. Tanto no jornal como na revista BALANÇO
FINANCEIRO, editada pelo mesmo grupo, desempenhei as funções de
redator e articulista sobre assuntos da Bolsa.
Para reunir material, sempre utilizei à vontade os amplos arquivos da
GAZETA MERCANTIL e também as minutas de entrevistas feitas na
preparação de incontáveis matérias que, enfeixadas aqui, presumo terem
dado força e vivacidade ao conjunto da obra.
Grande parte do material aqui contido está impregnado de relatos,
observações e ideias que saíram publicados sob a minha assinatura na
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GAZETA MERCANTIL e na BALANÇO FINANCEIRO. Cumpre observar,
todavia, que diversos desses textos, aqui inseridos sob a rubrica de
LEITURA COMPLEMENTAR, nem sempre são exatamente iguais à
publicação original, por terem sido atualizados ou adaptados.
Grupos numerosos de participantes do mercado acionário sempre me
disseram que a GAZETA MERCANTIL apresenta no dia a dia a mais
coerente e a menos incompleta seção de matérias e comentários sobre as
Bolsas de Valores. É um elogio, partindo de quem parte. Menos incompleta
porque seu noticiário chega ao ponto em que é possível chegar, uma vez
que a Bolsa tem uma região impenetrável onde são guardados segredos
fundamentais. E quando o assunto é Bolsa, ninguém faz matéria completa.
Para o leitor que não estiver familiarizado com termos técnicos e do
jargão específico – que não foi possível evitar – fiz incluir nas últimas
páginas deste livro um glossário sucinto.
Pela colaboração que prestaram na elaboração desta obra, desejo
expressar agradecimentos aos amigos Antonio Manghachian, Arley Vianna,
Carlos Kayatt Neto, Hércules Bianchi e Sebastião Bernardino Rodrigues.
Também agradeço aos jornalistas Elpídio Marinho de Mattos, Klaus Kleber
e Roberto Müller Filho, sem os quais este livro não teria sido escrito.
Décio Bazin
Outubro/1994
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ÍNDICE
LIVRO I
PARTE I – INTRODUÇÃO
Certa manhã, no outono de 1992
CAPÍTULO I – Eu, operador sem malícia
CAPÍTULO II – Crises e crashes
LIVRO II
PARTE I – O MERCADO
CAPÍTULO I – Mercado e Bolsa
CAPÍTULO II – Estágio para o manicômio
CAPÍTULO III – Balaio de escorpiões
CAPÍTULO IV – Tecnomania, essa praga
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PARTE III – OS QUE ATRAPALHAM O MERCADO
CAPÍTULO I – Um território neutro
CAPÍTULO II – As culpas da Imprensa
CAPÍTULO III – As culpas do Governo
CAPÍTULO IV – As culpas da CVM
CAPÍTULO V – As culpas da Bolsa
PARTE IV – APÊNDICE
CAPÍTULO I – Mercado de Opções. O que é. Como é
CAPÍTULO II – Lucros com opções
A) Mentalidade Especulativa (I). Compra e venda. Day-trades
B) Mentalidade Especulativa (II). Venda de opções a descoberto
C) Mentalidade Investidora. Compra de opções para exercer
D) Mentalidade Financiadora. Hedge perfeito. Venda coberta de opções
E) Mentalidade Neutra. Fechamento de contratos sem emprego de capital.
Trava. Superhedge
GLOSSÁRIO
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LIVRO I
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PARTE I
INTRODUÇÃO
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Certa manhã, no outono de 1992
09h29
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introdução do Sistema Cats, em 1990, pelo qual operações são fechadas
eletronicamente, o salão ficava congestionado de operadores, comprando
ou vendendo, nos postos designados para cada papel, as ações que fossem
apregoadas.
Neste momento só podem ser apregoados de viva voz dezenove nomes de
empresas; uma vez que há 569, os restantes 550 só são negociados através
do Cats.
Por causa da concentração dos negócios, as corretoras não mais
precisaram manter tantos operadores nos pregões; dispensaram alguns e
reaproveitaram outros em atividades internas.
Os operadores remanescentes ficaram sem iniciativa e agora são tratados
nas corretoras como simples cumpridores de ordens.
Agora são dezenove as ações apregoadas; há seis meses eram vinte e
três, e cinquenta há dois anos. O número vai se estreitando, provavelmente
até a hora em que teremos não mais do que cinco, justamente os papéis
especulados. Outros operadores terão de mudar de atividade, uma vez que
seu espaço terá sido ocupado por computadores.
Fervilham boatos, todos otimistas. A inflação está contida. Presume-se
queda substancial nas taxas de juros assim que se abrir o mercado
financeiro. Os estrangeiros deverão continuar comprando Telebrás a
qualquer preço. Telebrás é o papel do momento.
09h30
Soa a campainha. O diretor do pregão declara abertos os trabalhos. Um
“laranja” grita: – Pago 12 pela OTC1 Telebrás!
Não mencionou quantidade, o que pode significar que ele compra tudo o
que aparecer.
– Fechado para 20 “quilos”! –, responde uma voz. O fechamento do dia
anterior tinha sido de 11. A puxada inicial era o sinal que o pregão queria
para imprimir dinamismo aos negócios. Um alarido ergue-se no recinto.
Magotes de operadores atropelam-se para chegar primeiro ao “laranja”.
Querem vender 10, 15, 30 “quilos” de opções da Telebrás. O “laranja”
aponta com a caneta para o felizardo que gritou primeiro, que é puxador, e
que lhe entrega o boleto para que o rubrique. O vendedor sai da roda para
levar o papel ao balcão dos computadores.
Imediatamente, os terminais de vídeo de todo o País, ligados ao pregão
de São Paulo, indicam Telebrás OTC1 e índice em alta: +0,4.
Naquela hora, que é o despertar da Bolsa, centenas de Especuladores e
Investidores estão discando para as corretoras, começando a congestionar
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suas linhas telefônicas.
Como o índice está em alta, predominam as ordens de compra. Nos
postos negociam-se ativamente opções de Telebrás, Paranapanema, Vale do
Rio Doce, Petrobrás e Usiminas. Marcão não tem dificuldades para
executar diversas ordens. São ações que têm compradores quase cativos:
Brahma, White Martins, Banespa, Itaubanco, Cemig, Unipar...
Tudo a preços de mercado. Moleza.
Mas nenhuma oferta para Belgo. Esse papel é um dos dezenove
privilegiados que podem ser negociados no pregão de viva voz. Mas Belgo
está sem liquidez, e o cliente não deseja quebrar o lote.
A voz do chefe está no telefone sem fio, perguntando ansioso a situação
do mercado para Belgo.
– Não abriu ainda –, responde Marcão secamente.
Nem bem começaram os trabalhos e já está irritado com o sem fio, esse
instrumento de tortura inventado para castigar os nervos dos operadores.
Não bastasse a canseira do pregão, os operadores têm de andar de um lado
para outro com o sem fio na mão ou grudado ao ouvido.
De repente, Marcão dá-se conta de que esse aparelhinho é indispensável
instrumento de trabalho. Poucos operadores se deslocam atualmente para as
cabinas nas comunicações com as corretoras.
O chefe volta a insistir. Lembra que a venda de Belgo, até às 13 horas de
hoje, é ponto de honra. O cliente precisa ser conquistado.
– A primeira operação que ele faz conosco não pode falhar em hipótese
nenhuma –, acentua o chefe.
10h09
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desde janeiro do ano passado não deixara de cumprir uma única ordem.
Essa sequência está para ser quebrada, com a missão impossível de vender
hoje 2 milhões de Belgo a 850.
Um sentimento de mau agouro vislumbra-se em sua mente quando ele vê
surgirem no vídeo negócios pequenos de Belgo a 840 e depois a 820. A
corretora Omega, que há algumas semanas vinha dando liquidez ao papel,
está silenciosa.
Cautelosamente, Marcão fala com um dos operadores de Omega,
tomando cuidado para não dar a impressão de que quer vender.
– Qual é a sua disposição de hoje para Belgo?
– Não sei dizer. Ainda não recebi nenhuma ordem de venda desse papel.
– Nem de compra?
– Nem de compra.
Não é muita informação. O colega pode estar mentindo, blefando como
todos os outros. No jogo de ações não é proibido blefar antes de dizer
“fechado”, que é a palavra definitiva.
O chefe comunica estar tentando entendimento com Investidores
Institucionais, para ver se há interesse no lote da Belgo. Implorar negócios
é hoje quase rotina.
– Só Institucionais é que têm capacidade para engolir tanta Belgo de uma
só vez –, explica o chefe. – As corretoras que consultei não disseram nem
sim nem não. Somente me pediram para aguardar. Suspenda por enquanto as
vendas de Belgo e se concentre nos outros negócios.
Bem, ordem suspensa é ordem inexistente. Marcão está aliviado, porque
agora sua longa sequência de ordens executadas não será mais interrompida
– se o chefe não lhe devolver a bola.
Ele ouve no meio de uma roda: – Pago 22 por 500 mil Ceval PN.
– A 22 eu vendo 500 mil –, declara Marcão.
– Fechado.
Marcão preenche o boleto, com o sem fio preso entre a orelha e o ombro
todo entortado; pega a rubrica da parte compradora e leva o boleto para o
computador.
10h38
Como se fossem latas mal colocadas numa prateleira, algumas blue-chips
que estavam inabaladas dão um tranco e começam a desmoronar. O índice
agora é -1.0.
Mais boatos pessimistas continuam a circular. Os estrangeiros
continuam despejando Telebrás. Eram falsas as notícias sobre a queda da
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inflação. Os bancos abriram pagando juros muito mais altos do que
ontem. A Vale não consegue fechar um negócio importante de venda de
minério de ferro.
– Agora, adeus –, suspira Marcão, olhando para o último negócio de
Belgo a 820.
Ignorando os avisos de NÃO FUME, um Especulador calvo de jaqueta
vermelha, que do “aquário” tinha expedido ordem para compra de OTC1
Telebrás, está fumando em estado de quase desespero. Pagou 12 por um
papel que está agora a 9.
Mais ordens continuam chegando a Marcão pelo sem fio, a maioria de
venda. Uma voz clama seu nome. É o chefe: – E Belgo?
– Está a 820, chefe. Vender a 850 nem em sonhos.
No meio do alarido, ouve uma voz sussurrante: – Vendo 50 mil Brahma
PN por 480.
– Fechado! –, replica Marcão, à distância.
No pregão, durante todo o tempo você precisa estar “ligado” no que se
fala. Tudo nele objetiva transformar-se em negócio. O que se diz dentro do
pregão é oficial: essa é uma das primeiras lições que os novatos aprendem
quando começam a trabalhar na Bolsa. E ninguém tem o monopólio das
conversas nem dos apregoamentos; a qualquer momento você pode entrar
atropelando e falar por cima dos que conversam numa roda. Se disser
“fechado”, nada mais pode impedir a concretização do negócio. A ninguém
é permitido retirar o que falou.
Marcão apõe sua rubrica no boleto que o vendedor lhe estende.
Os ares agora começam a mudar; sopra um vento renovador. Circulam
boatos otimistas e agradáveis. Os estrangeiros estão voltando com
ímpeto, recomprando Telebrás a preços mais atrativos. O ministro da
Economia declarou que a inflação do próximo mês se estabilizará. O
presidente do Banco Central garantiu que a alta dos juros de hoje foi
apenas um reajuste.
O índice ensaia uma reação que logo se acelera: -1.0, -0.4, 0.0, +1.0,
+1.80. Marcão ouve o operador da Baluarte apregoar que compra 15 mil
Belgo por 830. Uma voz grita 840 e outra 850.
Marcão fala com o chefe: – Belgo está dando sinal de vida. Há oferta de
15 mil por 850. Posso entrar nessa?
– Não, não! –, grita o chefe. – A bola é minha. Não se meta em negócios
de gente grande. Acho que vamos conseguir enfiar tudo de uma só vez.
Notei algum interesse por Belgo, mas ninguém abre o jogo. Dizem que o
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rádio está dando notícias favoráveis à empresa.
11h32
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avisou? Estão “chovendo” aqui telefonemas de clientes furiosos. Eles
acham que nós os estamos passando para trás.
Não adianta discutir com chefes. Marcão vê reforçada a opinião de que
seu chefe é amador ingênuo. A Baluarte comprava “caminhões” e do outro
lado vendia “navios”, operando nas duas pontas. Marcão está convencido
de que a história da Petrobrás é uma farsa.
12h00
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e o diabo. Tudo fracassou. Marcão, Marcãozinho, você precisa vender 2
milhões de Belgo a 850. Você não vai querer perder o seu recorde, vai? Eu
agora coloco outra vez o lote na sua mão de ouro. Você foi designado para
essa tarefa porque tem experiência, tem perspicácia, tem um talento imenso.
Daqui para a frente você só vai trabalhar com Belgo. Hoje eu não o
perturbo mais. Só fico aqui no meu canto aguardando o seu telefonema
salvador.
12h27
Não foram criados novos boatos. Os retardatários de day-trades, que
sempre esperam a última meia hora do primeiro turno para zerar as suas
posições, agora têm pressa.
Índice em declínio, mas ainda positivo: +1.2.
Marcão não se comove com os apelos do chefe, esse aprendiz que ainda
precisa ser desasnado, ou seja, precisa perder as orelhas, o rabo, as patas e
os hábitos de burro jovem.
Não, por causa dele não mudará seu estilo, que consiste em operar
vagarosamente e com segurança. Sente o peso da responsabilidade, mas de
que adiantará sair gritando que precisa vender Belgo? Vender e comprar
não depende da vontade de só um. Não se pode querer vender se não há
ninguém querendo comprar.
O chefe pensara que seria fácil enfiar o papel na goela de alguém.
Encontrou indiferença, e agora, faltando poucos minutos para o
encerramento do pregão, devolve-lhe a bola como se fosse batata quente.
Se estivesse com o papel desde o início, e ininterruptamente, talvez
conseguisse vender alguma coisa, no máximo umas 50 mil ações, mas
jamais os 2 milhões que compõem todo o lote.
De qualquer modo, nos últimos minutos empenhar-se-á com toda a alma
em favor da “causa” do chefe, mais pela disposição de cumprir
corretamente a missão do que pelo desejo de agradar ao genro do dono.
Discretamente, passa a circular entre as rodas, oferecendo com calma e
em tom monocórdio: – Tenho lote de Belgo por 850.
É um anzol. Quem sabe alguém morderá a isca. O operador da Souza
Barros paga 850, mas só quer 5 mil. Marcão explica que o lote mínimo é
100 mil.
As ordens destinadas a zerar posições aceleram a queda nos preços, mas
o índice é ainda positivo, em +0.5. O fim da feira está se aproximando.
Chega ordem da mesa para Marcão concentrar-se na venda de Belgo.
Parece que todos na corretora estão fazendo “corrente pra-frente” para que
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tudo dê certo.
– Agora nem se o anjo Gabriel descer à terra –, diz Marcão para o
auxiliar. Fala sem emoção, mas está atento. É que ele sabe por experiência
que todo jogo só acaba com o apito final do juiz.
Ainda há grande atividade, mas agora só para zeramento de posições de
day-trades.
12h59
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do pregão encerra os trabalhos com um toque na campainha e algumas
palavras ao microfone.
Marcão vai à cabina para falar com o chefe. Uma voz informa-o de que o
chefe saiu há 15 minutos para almoçar com o gerente da Indusval, com
quem tinha sido fechado “um grande negócio com Belgo”.
A voz tem um recado do chefe para Marcão: – Boas amizades valem
mais do que experiência. Hoje em dia, os melhores negócios são feitos nos
bastidores.
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Capítulo I
25
de escritório. Todos fazíamos “bicos” em outros tipos de trabalho para
sobreviver. Eu mesmo completava meus magros ganhos trabalhando como
repórter do jornal O ESTADO DE S. PAULO.
Não éramos como alguns operadores de hoje, que agem como os crupiês
dos cassinos e que muitas vezes ganham fortunas no meio de estonteantes
prestidigitações. Não tínhamos nenhuma chance de manipular.
Recentemente, eu soube que certo operador, “laranja” de Manipuladores,
é dono de fazendas de gado em Minas Gerais, compradas com o dinheiro
ganho em intermediação de manipulações.
Então me ocorreu uma intrigante questão: por que corretores e
operadores não investem na própria Bolsa o dinheiro que ganham ali?
Não conheço nenhum profissional do setor que compre ações para deixar
numa carteira de longo prazo. Pelo que sei, todos eles compram ações só
para tentar obter lucros a curtíssimo prazo. Na alta, eles as soltam, como se
os papéis lhes queimassem as mãos. Quando conseguem bons lucros,
imobilizam-nos em terras.
Suponho que instintivamente eles não acreditem na perenidade do
Mercado.
Nos meus tempos de operador, a única modalidade de negócios existente
na Bolsa era à vista, mas em quantidades muito pequenas por causa da
estreiteza dos volumes e da liquidez.
As corretoras conseguiam a maior parte das suas receitas negociando
com câmbio ou repassando para o público títulos de renda fixa emitidos
pelo governo ou por empresas particulares. Não tinham departamento de
ações como hoje o conhecemos.
O único modo de manipular colocado em prática era o mais grosseiro e
visível. De repente, surgiram no meio do pregão três ou quatro senhores
desconhecidos e com ares despachados que começavam a comprar e vender
a preços cada vez mais altos, negociando entre si.
Os demais operadores se afastavam e deixavam espaço em branco no
meio do recinto, como se faz nos bailes quando dançarinos mais hábeis
começam uma exibição.
– O governo está comprando –, sussurrávamos uns para os outros.
Por que o governo estava comprando ninguém sabia. Poderia ser
tentativa de reanimar o Mercado, mas na maior parte das vezes essas altas
artificiais acabavam depois de alguns pregões.
Poderia ser também que algum alto burocrata estivesse repassando para
o governo ações que tinha comprado dias antes em seu nome pessoal.
26
A poeira se agitava um pouco, mas depois se assentava. E voltava a
calmaria de sempre.
Em nossa corretora, tínhamos um colega da parte administrativa que
vivia cercando pessoas para explicar-lhes suas teorias sobre os negócios
da Bolsa. Ele exibia balanços do Banco do Brasil e apontava,
entusiasmado, para os níveis das reservas sobre o capital social.
– Compre BB –, aconselhava ele, gesticulando e chegando até a
incomodar as pessoas que ainda tinham a paciência de ouvi-lo. – Quando
esta empresa começar a bonificar, o Mercado estoura e você fica rico.
Havia um pouco de fanatismo no tom da voz, mas as palavras tinham a
aura da profecia. Encontrei-o recentemente, aposentado e alquebrado.
Confessou-me que por falta de dinheiro nunca participou da Bolsa. Garantiu
que, se na época pudesse dispor de qualquer sobra para aplicar, seria hoje
grande Investidor e não precisaria viver da miséria que a previdência
oficial lhe pagava.
Exatamente como ele achava que ia acontecer, o Banco do Brasil, a partir
de 1966, começou a fazer seguidas emissões de papéis gratuitos em
percentuais elevados.
Um conhecido meu comprou mil ações do BB em janeiro de 1967 por um
custo que era igual à metade do preço de um automóvel Volkswagen. Ao
receber a cautela de mil ações, pequena e azul, e estalando de nova, ele a
exibia sem esconder o orgulho.
Durante três anos, esse Investidor recebeu benefícios e subscreveu
emissões ao preço mínimo. Na ocasião em que o Banco do Brasil,
contribuindo para as comemorações da conquista da Copa do Mundo de
1970, triplicou seu capital, ele ficou dono de 30 mil ações do BB.
Oito meses depois, no meio do grande boom, esses papéis valiam uma
soma que na época permitiria ao investidor comprar dez apartamentos de
luxo, cada qual valendo hoje 400 mil dólares.
A fortuna teórica operou nele estranha transformação, fazendo-o perder
todo senso de perspectiva. Lamentava-se por não ter investido mais
dinheiro na época em que era possível comprar ações a preços baratos. Em
tom místico, dizia ter desprezado um aviso de Deus.
Por não ter nenhuma flexibilidade, esse cidadão manteve-se firme
segurando as ações do BB, que hoje, trinta anos depois, valem a metade de
um apartamento.
A primeira lição severa que tive como investidor do mercado acionário
foi quando adquiri no balcão, para mim próprio, lotes de ações da empresa
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comercial Cássio Muniz, concorrente do Mappin, que funcionava em ampla
sede na Praça da República.
O corretor que me vendeu esses lotes segredou-me que, quando as ações
entrassem na Bolsa, seu preço triplicaria por força do “esquema” que já
estava montado.
Assegurou-me também que a Cássio Muniz tinha acabado de publicar um
balanço “notável”, e que a companhia era proprietária de numerosos
imóveis na capital e no interior que por si sós valiam mais que dez vezes o
valor da subscrição.
Era pura fantasia. A empresa faliu logo depois de receber o dinheiro dos
incautos, quando então se apurou que não só não possuía nenhum imóvel
como também estava há meses sem pagar o aluguel do prédio onde se havia
instalado.
A venda das ações da Cássio Muniz ao público foi uma patifaria, que fez
desaparecerem minhas economias de seis meses de trabalho árduo e
sacrificado. Decidi que daí por diante jamais voltaria a comprar qualquer
ação com base em suposições ou fatos não comprovados.
No tempo em que trabalhei como operador de pregão, participei de três
booms: 1) o de 1966, quando o governo obrigou as empresas a reavaliar
seus ativos; 2) o de 1969, quando o governo quadruplicou o capital do
Banco do Brasil e desencadeou um processo em que muitas empresas
resolveram entrar para a Bolsa; 3) o de 1971, quando o governo, para
iniciar uma campanha de aumento de produção de aço, manipulou o preço
das ações das siderúrgicas estatais que já estavam na Bolsa.
Desses três booms, somente o de 1971 terminou no crash que marcou a
Bolsa como um mercado perigoso manejado por depenadores profissionais.
28
CAPÍTULO II
29
para mim próprio, como qualquer novato desavisado.
Como o Mercado se achava em alta ininterrupta, a alavancagem era tão
forte que, tendo começado com muito pouco dinheiro, em cinco meses (de
janeiro a maio) eu já era dono do equivalente a 300 mil dólares.
Porém, o dinheiro fácil deteriora a mente das pessoas. Eu dava uma
“tacada” jurando que seria a última, mas logo em seguida voltava a comprar
em valor mais alto, levado pelo impulso do jogo.
Como os jogadores inveterados, eu voltava sempre a jogar. Por fim,
entrei numa tacada que foi realmente a definitiva.
Menos de uma semana depois de uma compra cuja lembrança hoje me faz
correr um frio pela espinha, os preços de todos os papéis começaram a cair
como pedaços de chumbo.
Os papéis que caíram mais depressa foram os que, no ponto mais alto do
boom, eram vendidos a preços muitas vezes acima do seu valor
patrimonial. Eram os meus papéis.
No auge do boom, os preços pagos com naturalidade pelos participantes
excederiam toda capacidade de compreensão – se analisados agora. Para
exemplificar a irracionalidade vigorante, mencionarei o que acontecia com
os quatro principais papéis da época: Banco do Brasil, Vale do Rio Doce,
Petrobrás e Belgo Mineira (ver Tabela).
30
abaixo da taxa básica que é 6. É por isso que a ação BB estava
superavaliada: para um preço justo de 4, a cotação atingia 52, ou 13
vezes mais do que seu valor real.
31
reforçar margens.
O indivíduo, já naturalmente tenso com a desvalorização continuada do
seu patrimônio, e com inúmeras noites sem dormir, não tinha mais nervos
nem para atender o telefone. Podia ser seu corretor avisando com voz
rouquenha e impessoal que era preciso depositar mais margem para
reforçar a garantia.
Nessa hora, o Especulador sentia que o chão estava frágil e que não era
possível firmar os pés no soalho.
Num Mercado que estava implodindo, havia um momento em que todas
as operações de termo exigiam reforço de margem. Dos Especuladores
eram exigidas somas que não mais tinham disponíveis e que não
conseguiam tomar emprestadas.
Para a maioria, só restava liquidar suas carteiras a preços aviltados e
que mais se aviltavam à medida que os compradores se retraíam. Tinha
chegado a hora do salve-se-quem-puder, a mais terrível de todas as horas
da Bolsa.
Foi um clima assim que uma queda de 20% no mercado à vista levou
para o ralo o meu capital, que estava totalmente aplicado em margens de
garantia.
Se eu soubesse na ocasião o que vim a saber mais tarde sobre o preço
justo das ações, teria encerrado minha posição logo que as cotações
atingiram valores que distorciam qualquer comparação.
Os meus 300 mil dólares ganhos em teoria, que na época me
permitiriam comprar à vista quatro apartamentos de três dormitórios
num bairro de primeira classe de São Paulo, na verdade eram miragem.
Por uma dessas fantasias próprias do mercado acionário, esse dinheiro
nunca existiu de fato a não ser na minha mente.
Entrei no Mercado sem nada, e saí sem nada. Eu e a Bolsa estávamos
quites, um sem nada dever ao outro.
Mais tarde, porém, eu voltaria.
O crash de 1971 representou o fim da minha experiência como operador
da Bolsa. Fiquei reduzido a quase nada, sem dinheiro e mal empregado. E
com uma dor na consciência que me acompanhou por muitos anos como uma
farpa espetada n’alma.
Mas não perdi o humor. Até fiz piadas sobre a minha situação, que afinal
era semelhante à de muitas outras pessoas. Escrevi na época, para um
jornalzinho de empresa, pequeno conto que sintetiza o drama dos que
perderam o que tinham.
32
O FUNDO DO POÇO
Não me lembro de tudo, “sêo” Delegado. Mas parece que o caso foi
mais ou menos assim: Há meses que todo mundo só falava em Bolsa de
Valores, cotações, riquezas, bancários que tinham investido o 13° salário
em ações e agora eram banqueiros. Eu fui dos últimos a entrar: queria
antes ter a certeza de que a coisa funcionava. Minha mulher era dona de
umas economias em letras de câmbio, eu sempre gostei de economizar; e,
além disso, o meu fusca já estava pago.
Um colega apresentou-me ao corretor. Bons tempos. Belgo Mineira de
14 caiu para 12, por causa de umas ações falsas que surgiram no
Mercado.
– Belgo a 12 é o fundo do poço –, segredou-me o corretor. – Vai fácil
para 28 em menos de três meses.
Empreguei primeiro as minhas economias. Três dias e Belgo disparou
para 18. Arrependi-me de não ter resgatado as letras de câmbio da minha
mulher e enterrado tudo em Belgo. Mas ainda tinha o fusca, que vendi
por dez “milhas” à vista. Então, houve um recuo de Belgo para 15.
– É uma queda técnica –, inventou o corretor. – Belgo a 15 é moleza, é
até covardia.
Assim, eu enfiei o dinheiro do fusca na Belgo para aproveitar a “queda
técnica” a 15. Belgo depois caiu para 13, 12, 11...
– Belgo a 11 é o piso –, explicou o corretor, com toda a sua sabedoria
técnica. – Não pode cair mais. Nossos analistas fizeram um estudo e
chegaram à conclusão de que esse papel está...
– ... no fundo do poço –, completei.
Parecia que estava mesmo. O papel batia em 11, depois subia para 13.
Resgatei as letras de câmbio da minha mulher e entrei na Belgo a 10
numa repentina “queda técnica”. Eu pensei que estava começando a
entender o jogo. Só que logo as coisas começaram a ficar meio
esquisitas. Belgo caiu para 8, depois subiu para 10. Quando caiu para 7,
o corretor telefonou-me excitado: – Belgo a 7 é inacreditável. Quer
entrar numa tacada grande, mas grande pra valer? Você faz uma
operação a termo, nós entramos com a garantia. Esse papel vale no
mínimo 15. Na próxima virada do Mercado você faz um faturamento alto.
E a alta está iminente.
E eu entrei no mercado a termo, cheio de esperanças. Só que um mês
depois fui chamado para liquidar o termo. Belgo estava a 4. Fui ao
33
escritório do corretor, para fazermos o acerto de contas final.
– É, infelizmente não deu certo –, falou ele, com toda a segurança dos
profissionais consumados. – São coisas do Mercado. Mas na Bolsa a
gente se refaz depressa. É hora de comprar ma-ci-ça-men-te. Neste
momento, nós já estamos abaixo do fundo do poço.
O acerto final foi assim: fiquei a zero, sem nada. Minhas economias, o
fusca, as letras de câmbio da minha mulher... Tudo perdido. Fui saindo,
meio zonzo.
O corretor fez questão de acompanhar-me até o elevador. Chegamos.
Devido a algum defeito, a porta estava escancarada para o vazio, para os
dez andares do poço de elevador. E o corretor falando, falando... Tive
uma privação de sentidos, ou coisa semelhante.
Dizem, “sêo” Delegado, que empurrei o homem. Não sei. Não me
lembro. A única coisa de que tenho certeza é que, afinal, o corretor
conseguiu achar o fundo do poço.
34
época do boom, quando as pessoas não queriam saber de outro negócio que
não fosse a Bolsa.
Como os recursos eram escassos, a construção arrastou-se por sete
longos anos e somente foi terminada em fins de 1979.
Nessa ocasião as empresas já se estavam adaptando à Lei das S.A., de
dezembro de 1976, que as obrigava a repartir pelo menos 25% dos seus
lucros líquidos com os acionistas.
Por coincidência, na época fui avisado oficialmente de que não mais
haveria desapropriação e assim fiquei com uma casa sobrando. Recebi boa
proposta para vender a casa nova; vendi-a, e com o dinheiro obtido voltei
ao mercado de ações.
Meus parentes ficaram decepcionados, passando a considerar-me um
caso perdido. Eu ouvia insinuações de que “os ursos perdem os pelos mas
não perdem os vícios”, com sombrias previsões sobre o futuro da minha
mulher e dos nossos dependentes.
Mas ninguém sabia que eu era agora outro homem, já amadurecido pelos
reveses, e que conhecia o terreno em que pisava e sabia o que queria e
aonde podia chegar.
35
Nos meus arquivos, encontro pastas contendo correspondência de
leitores que, estimulados por um ou outro tópico em meus artigos que lhes
faziam lembrar experiências próprias, me contavam também os seus
tropeços. Veja por exemplo esta narrativa: – Jamais esquecerei aqueles
dias de 1971. Na época estava ainda cursando o grupo escolar, e morava
com meus pais numa fazenda da família, propriedade com 200 alqueires,
no Paraná, produtora de soja e outras culturas, terra de primeiríssima
qualidade. Certo dia, depois de conversar com capitalistas da cidade,
meu pai trouxe a ideia estranha de vender a fazenda para aplicar
dinheiro no mercado de ações.
É que todo mundo estava fazendo exatamente isso. Ninguém mais
queria trabalhar e produzir, quando se afirmava que em dois meses se
triplicava dinheiro somente dando ordens por telefone para um corretor
da capital.
A propriedade foi vendida e nós nos mudamos para a cidade.
Tudo foi muito bem no começo, mas depois a Bolsa caiu.
Meu pai ainda salvou pequeno capital, que, todavia, só foi suficiente
para comprar uma chácara de cinco alqueires. Você já ouviu a história
do orgulhoso exportador de soja que virou chacareiro de ovos? Pois esse
homem foi meu pai. Minha mãe passou a fazer doces para vender. Depois
do horário escolar eu ia para as ruas engraxar sapatos e entregar
jornais.
No dia da morte de papai, mamãe obrigou-me a jurar para jamais fazer
duas coisas: participar de jogos de azar e jogar na Bolsa.
Trata-se de dolorosa tragédia familiar, que mudou o destino de várias
pessoas inocentes.
Releio também este depoimento: – A primeira vez que entrei na Bolsa
foi em 1971, o ano do boom. Comprei ações porque era moda comprar;
todo mundo comprava.
Não havia como evitar conversas sobre ações – em casa, no local de
trabalho e até nas filas.
Colegas de serviço diziam com arrogância que estavam enriquecendo e
já se consideravam capitalistas consumados, prontos para o dia em que
não mais precisassem trabalhar para ganhar a vida.
Muitos deixaram o emprego para poder acompanhar na Bolsa o
desenvolvimento dos negócios.
Primeiro coloquei alguns “trocados” e tive grande sucesso. Qualquer
papel que eu comprava subia e eu parecia mágico: era escolher no
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boletim e mandar bala. Eu enriquecia em estado de graça.
Foram dois ou três meses de fantasias loucas, mas um dia a festa
acabou.
Tive um prejuízo que até hoje evito calcular. Fiquei um ano inteiro
mergulhado na fossa. Não tinha coragem de encarar ninguém de frente.
Pensei várias vezes em suicídio. Minha mulher não aguentou o meu
azedume e separou-se de mim. Minha vida deu uma guinada de 180
graus; para trás.
Quinze anos depois eu já estava recuperado, mas para vergonha minha
voltei à Bolsa novamente. Foi em 1986, quando o governo decretou a
inflação zero.
A Bolsa disparou de imediato como um foguete. Meu ex-cunhado,
sujeito que nunca tinha dado um passo certo na vida, apareceu em casa
engravatado e perfumado, garantindo que tinha feito fortuna com ações
da Paranapanema.
A Bolsa estava subindo a 200% por mês. Entrei com tudo o que tinha
conseguido economizar a duras penas desde 1971.
Foi comprar e ver o Mercado desmoronar. Mas com a experiência da
desgraça anterior tive o bom senso de cair fora e salvar o que pudesse.
Hoje percebo o grau da minha ignorância. Quando somos atraídos
para a Bolsa, ninguém nos explica o que é aquilo lá.
De modo geral, os jogadores do boom suportaram o crash com relativa
dignidade. A maioria dos que perderam afastou-se para curar as feridas em
outro lugar. Poucos voltaram.
Eu somente soube de um caso comprovado de suicídio. Foi de um judeu
sem dinheiro chamado Moshe. Esse cidadão ouvira uma “dica”, das muitas
que circulavam pelo mercado, e pôs fé cega num papel que estava
“estacionado” há várias semanas, numa fase em que o Mercado disparava
na direção das estrelas. Tomou emprestado todo o dinheiro da cunhada
viúva – que precisava da quantia para viver – e o aplicou numa operação a
termo.
Na primeira chamada para reforço de margem ele se matou debaixo de
um relógio que na época existia na Praça da Sé, local de encontro de
namorados. Sei do suicídio porque Moshe era meu cliente. Fui eu que fiz
para ela a operação fatídica.
Veteranos da Bolsa asseguram que houve inúmeros suicídios, afirmação
que, todavia, é difícil de comprovar. A censura militar da época impedia
que os jornais publicassem notícias que fossem desabonadoras para o
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regime.
As próprias famílias cercavam o fato de sigilo, para não se arriscarem a
perder a indenização por seguros de vida, que, como se sabe, não cobrem
suicídios comprovados.
Afirma-se também que médicos eram bem pagos para atestar enfartes
como causa mortis, mesmo quando o falecido tinha visível buraco de bala
na cabeça.
Tive um amigo de infância que por pouco escapou do suicídio. No
começo do boom de 1971, em janeiro, ele entrou na Bolsa com 100 mil
dólares, passando a alavancá-los com operações sucessivas no mercado a
termo. Em junho, tinha em giro cerca de 2 milhões de dólares.
Quando a Bolsa quebrou, liquidou suas posições, muito contrafeito, e o
máximo que conseguiu apurar foi 108 mil dólares. Um dia, notando que ele
estava particularmente perturbado, acompanhei-o durante a tarde inteira
pelo Centro de São Paulo, tentando demovê-lo de alguma ideia sinistra.
Fiz-lhe ver que, afinal, se tinha entrado no negócio com 100 mil e agora
estava com 108 mil, sua situação não era tão desesperadora como a de
muitas pessoas que tinham perdido tudo o que possuíam.
Mas percebi que nada do que eu dissesse poderia consolá-lo. Era um
caso para internação rápida num hospital psiquiátrico ou numa casa de
repouso para desequilibrados mentais.
Antes, porém, que eu pudesse tomar alguma providência, ele entrou num
táxi e desapareceu. Completamente fora de si, foi para casa, deu um abraço
na esposa e dirigiu-se para o quarto a fim de cumprir o último ritual com um
tiro de garrucha no crânio.
Nesse momento, sua filhinha entrou para o beijo do sono. Poderia ter
sido o beijo da morte, mas a visão daquela criança de olhinhos inocentes
fez voltar nele um último resquício de humanidade.
Foi o que o salvou. No dia seguinte, levantou-se cantando, dirigiu-se
para a Joalheria H. Stern e comprou com 8 mil dólares um presente para a
esposa. Ficou com os 100 mil dólares originais, a mesma quantia que
possuía quando iniciou sua aventura na Bolsa, que passou a considerar
como um pesadelo que precisava ser esquecido.
Eu sei de todos esses detalhes porque ele mesmo me contou, como
amigos de infância que somos, para os quais não há segredos.
Chegou a desembargador do Estado. Aparentemente superou todos os
traumas. Nunca mais voltou à Bolsa.
Tenho também nos meus arquivos lamúrias tristíssimas do crash do
38
Encilhamento no Rio, em 1892, de famílias cariocas outrora abastadas que
caíram na miséria depois que seus chefes se arruinaram na compra e venda
de títulos.
Noto que em todos os quadrantes do globo e em todas as épocas os
detalhes são semelhantes. Até parece que os atores dessa tragédia
continuamente se revezam em diferentes papéis.
Um desses personagens é o humorista Groucho Marx, que em sua
autobiografia GROUCHO AND ME conta como se arruinou a Bolsa em
1929. Primeiro ele explica como se deixou envolver pela ganância e depois
descreve o pânico que desencadeou o crash.
E relata (em tradução livre):
– Alguns dos meus conhecidos perderam milhões. Tive mais sorte, pois
só perdi 250 mil dólares, que representavam 125 semanas de trabalho a 2
mil dólares por semana. Tivesse mais dinheiro para aplicar mais teria
perdido. Mas o que perdi era todo o dinheiro que eu tinha. (Os 250 mil
dólares em 1929 equivalem hoje a 5 milhões de dólares).
Assim Groucho comenta o final da sua desventura: – Creio que o único
motivo que me animou a continuar vivendo foi a circunstância de que
todos os meus amigos se achavam na mesma situação que a minha. Os
que sofrem uma desdita financeira ou qualquer outro tipo de desdita
consolam-se com a companhia de pessoas tornadas infelizes pelo mesmo
motivo.
Um dos arruinados pelo crash, o humorista Eddie Kautor, fez sucesso
contando na Broadway que os porteiros dos hotéis, ao registrarem hóspedes
solitários, perguntavam-lhes se queriam o quarto para hospedagem ou para
se atirarem pela janela. Para cada caso, um preço.
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comprador louco se dispuser a comprar um repolho pelo preço de um
automóvel, não poderá fazê-lo na Bolsa num só momento. Todavia, se o
fizer aos poucos até atingir o seu objetivo, essa atitude será até aplaudida,
uma vez que, no entender de todos os outros que estão no recinto, ele estará
contribuindo “para elevar o nível dos negócios dentro das regras do jogo”.
A maior parte dos que lá se encontram não pretende utilizar os bens
adquiridos, mas compra-os unicamente para vendê-los mais caro com lucro,
que é a sua única motivação.
Preste atenção leitor, porque isto é fundamental: mais de 95% das ações
apregoadas nas Bolsas de Valores de todo o mundo são negociadas não
pelo que valem, mas por preços escandalosamente falsos e sem nenhuma
correspondência com valores intrínsecos.
Para culminar, valor intrínseco ninguém explica o que é. E ninguém se
detém para duvidar se o preço das ações negociadas pode estar muito
acima do valor real da coisa negociada, como geralmente está.
Aqueles 95% não dão renda compatível com o preço. Mas, mesmo
assim, as ações continuam sendo negociadas por valores altos, porque
sempre aparecem para comprá-las pessoas que esperam vendê-las por
preços mais altos ainda.
Quanto mais altos esses preços, menos intrinsecamente valem os papéis,
porém mais compradores aparecem para eles.
Fora as poucas e espaçadas vezes em que recolhe capital na Bolsa, uma
empresa não ganha nada com a circulação das suas ações pelo Mercado.
Empresta seu nome para operações nebulosas, das quais não é informada e
sobre as quais não tem o menor controle.
Em grande parte das vezes, seus próprios administradores atuam
veladamente em jogadas manipuladoras e especulativas, usando testas-de-
ferro que são profissionais do Mercado.
Mas o dinheiro ganho desse modo não vai para os cofres da empresa.
Os problemas da supervalorização dos preços seriam muito menores se
as operações fossem feitas exclusivamente à vista, como eram no começo
da Bolsa.
O comprador escolheria a Mercadoria e a levaria para casa depois de
pagar o preço. Salvo erro de avaliação na hora da decisão de comprar, em
princípio ele não se interessaria por vendê-la. Primeiro desejaria desfrutar
dos rendimentos, tirando o proveito esperado da aquisição.
Mas um modo de atuar como esse traria limitações demais para o
tamanho das ambições da Bolsa e das corretoras. Para compensar o
40
aumento crescente das suas despesas e obter espaço para progredir, elas
precisam elevar os volumes e as receitas.
Por esse motivo é que para a Bolsa e as corretoras é vital que as ações
tenham giro rapidíssimo. Daí o encorajamento que se dá à manipulação e à
especulação.
É por isso também que inovações que possam atrair mais pessoas para o
Mercado são sempre muito bem-vindas.
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LEITURA COMPLEMENTAR
NA BOLSA, NINGUÉM MERECE NOTA DEZ
(Transcrito de BALANÇO FINANCEIRO, abril de 1987) A Bolsa de Valores tem mais
gênios que o Prêmio Nobel e mais profetas que o Velho Testamento. Alguns dos
profetas da Bolsa falam por inspiração divina, outros só abrem a boca depois de
queimar pestanas em cima de montanhas de papel.
Dias atrás, encontrei um Especulador que se mortificava por não ter dado
atenção a um analista de gráficos que tinha prognosticado a queda de determinado
papel.
Fui conferir e notei que o que o grafista tinha afirmado era o seguinte: “O preço
vem oscilando entre a linha de resistência a 16 e a linha de suporte a 14. No
momento, está testando a resistência a 17, e, se rompê-la, a meta será 23. Mas se
recuar e o suporte for ultrapassado a 14 poderá chegar a 11”.
Por essa interpretação, o que quer que acontecesse – alta, baixa ou estabilidade
– estaria sempre dentro do oráculo.
Um mês depois, o investidor só se lembrou da insinuação de baixa para 11, que
ocorreu de fato, e saiu por aí dizendo que o analista era gênio e profeta.
E é sempre assim. A Análise Gráfica é tão conclusiva quanto as profecias de
Nostradamus. Só depois que os fatos acontecem é que os experts conseguem
localizar o texto que os tinha vaticinado.
As coleções de jornais estão cheias de predições da Bolsa que jamais se
confirmaram, mas mesmo assim os profetas não tomam juízo e continuam
profetizando.
No JORNAL DA TARDE de 12 de novembro de 1986, por exemplo, há a seguinte
declaração textual de alto dirigente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM): “O
mercado de ações chegou a um ponto de que não pode cair mais e visivelmente
atingiu o limite de queda”.
Era um novembro infeliz para a Bolsa; mas depois tivemos um dezembro
desesperançado, um janeiro calamitoso e um fevereiro catastrófico, com baixas de
10% ao dia.
Já se afirmou que a Bolsa não dá nota dez a ninguém, que lá não há mestres, mas
só alunos, e que os alunos mais brilhantes devem ser humildes de modo espontâneo
porque se não a Bolsa os tornará humildes à força.
Especuladores famosos já precisaram simular enfartes na hora do cobrir
prejuízos com as opções e os futuros. Pensaram ser mestres. E entidades poderosas
já perderam bilhões devido a erros de previsão.
Antes, pois, de enunciar oráculo sobre altas ou baixas, os profetas da Bolsa
deveriam ser lembrados daquele sábio provérbio segundo o qual em boca fechada
não entra mosca.
Mas há, naturalmente, os que sabem o que falam. Em meados de abril de 1986,
conversei sobre a Bolsa com Luiz Antônio Vaz das Neves, que é sócio da KNA
Consultores e que em 1971 era analista e ficou desempregado quando a corretora
em que ele trabalhava fechou seu Departamento de Análises.
Com tenacidade e coragem, ele fundou seu próprio negócio e se consolidou na
difícil arte da consultoria financeira.
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O assunto inicial da conversa foi uma matéria que BALANÇO FINANCEIRO
estava preparando sobre a então promissora profissão de analista. Jovens recém-
formados tinham sido ouvidos e todos se confessaram deslumbrados com a
descoberta do maravilhoso mundo da Bolsa e seus intrépidos participantes.
Estávamos no boom e Luiz Antônio comentou: – Eles pensam que mercados não
caem. Ainda não viram baixas nem ouviram falar de suicídios. Ninguém lhes disse
que nas baixas prolongadas as corretoras põem na rua quase todo o seu pessoal e
que os analistas sempre fazem parte da primeira lista de dispensas.
Era apenas abril, e o governo começava a ficar inquieto com as altas. Algo
semelhante tinha acontecido em 1971.
Alinhamos então as similaridades entre 1971 e 1986: as caudalosas emissões
para subscrição, a entrada na Bolsa de papéis inqualificáveis, as queixas de que
recursos de setores produtivos estavam sendo desviados para a Bolsa, as histórias
individuais de enriquecimento da noite para o dia, os preços incompatíveis com a
rentabilidade das empresas, o desprezo dos corretores pelos clientes menores. Tudo
igual. Voltava o cassino.
Chegamos à conclusão de que os pressupostos de um crash já estavam presentes.
As fundações de seguridade, que são o sustentáculo da Bolsa, remanejavam ativos
por verem seus portfólios carregados de ações em um nível que atentava contra a
prudência.
O Índice Bovespa pairava em 18 mil pontos. As fundações de seguridade,
riquíssimas, recebiam dinheiro de todo lado, e o que quer que tocassem
transformava-se em ouro. Com o olhar cheio de cobiça, o governo falido preparava
um assalto contra elas.
– Quer ver o índice cair de 18 para 12 mil pontos? –, ousou Luiz Antônio. – Basta
o governo mexer no dinheiro das fundações e deixar as taxas de juros subir.
Os juros estavam acomodados em 40% ao ano, e ninguém em seu juízo perfeito
admitiria recuo do índice de 18 para 12 mil.
Aos sensatos cabe sempre a última palavra. Logo depois o governo confiscou 3
bilhões de dólares – 25% do déficit público da época – das fundações estatais para
colocar no “buraco negro” que é o Fundo Nacional de Desenvolvimento (FND).
E anunciou que daí por diante o Tesouro se apoderaria de 30% de todo o dinheiro
novo que entrasse para aquelas entidades.
O Banco Central puxou as taxas de juros para 1.200% ao ano e o Índice Bovespa
não caiu para 12, mas para 5 mil pontos, depois de um massacre na Bolsa que durou
seis meses, até fevereiro.
A Bolsa em queda fez os profissionais do mercado baixarem a crista, mas uma
semana de altas na última semana de fevereiro foi suficiente para que eles a
erguessem de novo. Foi sempre assim e assim sempre será.
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se o seu dinheiro poderia ficar bem abrigado em títulos de renda fixa?
Segundo a teoria, os booms começam quando malucos irresponsáveis, que nunca
passaram sequer pelo calçadão da Bolsa de Valores, e que em determinado momento
possuem mais dinheiro do que merecem e do que têm capacidade de administrar,
desembestam ao mesmo tempo no mercado acionário, atraídos por boatos de que lá
muita gente está fazendo ou aumentando fortunas.
Boom é prenúncio de crash. A massa de dinheiro irresponsável que entra no
mercado é tão grande que as cotações sobem a níveis incontroláveis e atingem
patamares que os profissionais logo reconhecem como sendo irreais.
Para os verdadeiros profissionais, é tempo de colheita. Eles embolsam os seus
lucros e se retiram para uma distância prudente, deixando o campo aberto para a
turba predatória. E a Bolsa vira pandemônio.
Estabelecido o caos, a autoridade intervém e a algazarra termina, com grande
frustração dos participantes. Eles então caem na realidade, recolhem o que podem
salvar e vão para casa envergonhados.
O normal é ficarem tão traumatizados que durante muito tempo não quererão nem
ouvir falar de Bolsa nem de qualquer outra modalidade de jogatina.
Mas a vida passa, e eis que um dia, quinze anos depois, muitas dessas pessoas
estão com as vidas e as fortunas refeitas.
Quinze anos também é tempo suficiente para surgir nova geração de indivíduos
mais refinados e mais capacitados para ganhar dinheiro do que os da geração
anterior. E mais ousados e ambiciosos.
A massa de dinheiro que esse pessoal acumulou está pronta para desembocar na
Bolsa de uma só vez, e causar mais um boom, que naturalmente traz o germe de novo
crash. Tão previsível como as fases da lua.
Embora a teoria tivesse lógica, a marcação da data parecia pura adivinhação,
por isso não levei o assunto a sério. Mas, por coincidência ou por qualquer outro
motivo, a teoria funcionou com a exatidão prevista.
Quinze anos depois da previsão – em junho de 1986 –, quando a Bolsa despencou
após dois meses de altas estapafúrdias provocadas pelo Plano Cruzado, aquele
mesmo especulador telefonou-me para dizer: – Eu não falei?
Ele estava tão eufórico quanto o cientista que vê sua teoria comprovada pelos
fatos. Atuando ativamente no mercado de opções, arriscou toda a sua fortuna e
multiplicou-a por dez.
Ele saiu do mercado bem antes de quebra. Nunca vi ninguém com tanta confiança
no taco.
44
PARTE II
A AÇÃO E O PREÇO
45
CAPÍTULO I
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Ao crescer, precisará de mais capital.
Novas subscrições são requeridas dos sócios. Se continuar o
crescimento, há uma hora em que se esgota a capacidade de os sócios
originais aportarem mais capital.
Desse modo, pela primeira vez eles decidem admitir na sociedade
pessoas de fora. Ações são oferecidas ao público, ficando assim prontas
para negociação nos pregões da Bolsa de Valores.
Qualquer pessoa, por pequeno que seja o seu capital, desde que
suficiente para comprar uma só ação, pode tornar-se acionista de
empresa com ações na Bolsa. Como acionista, participará dos seus
lucros.
A parcela dos lucros que é distribuída chama-se DIVIDENDOS.
A parte que vem a seguir está assinalada no caderno com tinta vermelha:
Quando a empresa se torna pública, suas responsabilidades assumem
outra dimensão. Os novos investidores só esperam que a companhia
produza lucros e os distribua entre os sócios, para que seus capitais
sejam remunerados. Não pretendem ser donos da empresa. Basta-lhes que
esta gere lucros e distribua o mínimo legal. Os sócios só querem que esse
compromisso seja respeitado.
Distribuir lucros regulamente é maneira de reter acionistas. Se a
empresa não gera e, portanto, não distribui lucros, os acionistas se
decepcionam e vendem suas ações a terceiros.
Para a empresa é ruim perder acionistas, porque então ficará difícil
chamar novas subscrições e recolher o capital que lhe permitiria
prosseguir com seus planos de expansão. Por isso é de toda conveniência
que a companhia agrade aos sócios e lhes dê o mínimo que eles desejam
para permanecerem na sociedade.
Os sócios precisam ser informados de tudo o que acontece com a
companhia. Eles não querem ser vítimas de mentiras, omissões e
deslealdades; não gostam de ser enganados.
Se a empresa for mentirosa, omissa e desleal, os sócios retiram-se. Têm
obrigação moral de fazê-lo, para prioritariamente defender seu
patrimônio.
Além do mais, dar as costas a administradores ruins, que façam
negócios obscuros e não zelem pelos interesses da empresa mais do que
pelos interesses próprios, fará com que outros administradores sejam
compelidos a respeitar o Mercado e os Investidores. É medida de
47
profilaxia.
Relendo agora essas anotações de um caderno esquecido, convenço-me
de como eram capazes e competentes os professores de outrora. Mesmo não
tendo como tomar modelos num Mercado que na época ainda engatinhava,
traçaram para seus alunos um quadro que até hoje tem validade.
Lembro-me de que como Investidor da Bolsa não foram muitas as
ocasiões em que tive de vender apressadamente minha participação em
empresas, ao menor indício de trapaças.
Mas, se devido a alguma decepção tive de vender, vendi sem hesitar.
Decisões desse tipo livraram-me de muitos dissabores.
48
CAPÍTULO II
49
investimento, não especular – podem ser divididas em dois grupos: as que
têm utilidade prática, por produzirem dinheiro; e as que são guardadas no
cofre, como reserva de valor, para que atinjam preço ainda mais alto, a fim
de que possam ser vendidas mais tarde por uma fortuna, mas que no
momento não produzem rendimento proporcional ao preço.
No primeiro caso, o valor é objetivo; no segundo, subjetivo, sem
quantificação matemática possível.
Quando se levanta a questão do preço justo da ação, impõe-se primeiro a
pergunta “Qual é o preço justo da empresa?”
Aqui muitas variáveis influem, como a qualidade da companhia e da sua
administração, seus bens patrimoniais, sua capacidade de gerar lucros, a
aceitação dos seus produtos, sua posição no mercado, o conceito de que
desfruta junto ao público, a bancos e a fornecedores…
Se a empresa estiver sendo cogitada para venda, há que também
considerar a motivação do proprietário para vendê-la e também o grau de
interesse de quem deseja comprá-la.
Há diversas razões que levam um empresário a vender sua firma: ele
quer retirar-se do negócio, a empresa está perdendo mercado ou não
consegue mais competir, ou está estrangulada por dívidas…
Por sua vez, o comprador poderá querer comprar porque pretende
diversificar ou expandir suas atividades, aproveitar-se de um momento
favorável, prevalecer-se das aperturas do vendedor… O comprador nunca
deseja pagar o preço justo e está sempre ansioso para apoderar-se de uma
“galinha morta”.
50
EMPRESÁRIO – Teremos ainda de avaliar nossa participação no
mercado. Demoramos quinze anos para chegar à participação que temos
hoje.
CONSULTOR – Sim, mas vamos deduzir as dívidas para com
instituições financeiras.
EMPRESÁRIO – Nossas dívidas financeiras de longo prazo são a
perder de vista e não dão motivo para preocupação. As de curto prazo
estão escalonadas para serem pagas pelo próprio faturamento no
decorrer das operações sociais. Nossos balanços estão enxutos.
CONSULTOR – Faremos um balanço extra para ver como está a
situação patrimonial hoje.
Na hora de determinar o preço final, o proprietário argumentou que
quinze anos seriam necessários para fazer funcionar uma empresa igual à
que estava vendendo. Tantos meses para localização, negociação e compra
do terreno; tantos meses para feitura e aprovação do projeto, construção do
prédio, aquisição e instalação da maquinaria; tantos meses para
aliciamento, instrução e treinamento dos empregados…
Por último, a parte fundamental: o tempo necessário para conquista do
mercado. Dever-se-ia ainda considerar que da compra do terreno até o
início do funcionamento da fábrica não haveria faturamento. Ou seja, não
haveria ingresso de capital, só dispêndios.
O grupo estrangeiro pensava em seduzir o proprietário com uma oferta de
cinco ou seis milhões de dólares. Mas a empresa valia 50 milhões de
dólares. Os “gringos” não esperavam encontrar um negociador duro, homem
racional que sabia exatamente onde estava e o que queria. Suspenderam as
tratativas e mandaram o consultor procurar outro negócio. Mas não
conseguiram comprar aquela empresa rentável e bem estruturada.
Explicando depois por que o negócio tinha falhado, o empresário me
disse que, se vendesse por seis milhões de dólares, os estrangeiros
recuperariam o capital em menos de um ano, só com os lucros.
– Eles queriam moleza demais –, concluiu.
Nem sempre um proprietário está em condições de enfrentar o comprador
em posição de igualdade para discutir o preço. Tomemos como exemplo a
venda, em 1988, da CICA (Companhia Industrial de Conservas
Alimentícias), para o grupo italiano Ferruzzi, por um valor extremamente
baixo.
A CICA pertencia ao grupo do Banco Auxiliar, que foi fechado pelo
governo devido a irregularidades em sua administração. Curiosamente
51
estava em situação financeira tão boa na ocasião que era credora e
avalizadora dos negócios do próprio banco a que estava ligada. Falindo
este, restou-lhe uma dívida a pagar de 50 milhões de dólares no mercado
financeiro nacional.
Para evitar a alienação da indústria, bastaria um acerto com os bancos
credores, que poderiam assumir o seu controle acionário, sanear as suas
finanças e começar a participar dos seus lucros.
Mas os credores não se interessaram por essa solução e exigiram o
pagamento, sob pena de levar à bancarrota a empresa.
Num ano em que estava previsto o faturamento de 200 milhões de
dólares, a CICA foi vendida por 150 milhões: 50 milhões como primeira
parcela, exatamente para saldar as dívidas bancárias, e os restantes 100
milhões para pagamento em seis prestações anuais.
Em dois anos, só os lucros que a CICA gerou dariam ao grupo Ferruzzi a
possibilidade de liquidar a dívida com os antigos proprietários.
Na época, auditores levaram em conta todos os valores que entram na
avaliação normal das empresas e opinaram que a CICA valia à vista 400
milhões de dólares.
Atraídos pelos baixos preços das nossas empresas, outros grupos
internacionais também andaram fazendo incursões por aqui. Em 1987, os
grupos Malzoni e Vendex tentaram comprar o controle da rede de farmácias
Drogasil.
A extrema pulverização do capital da Drogasil, empresa que tinha 1.200
acionistas, nenhum com mais de 10% das ações, levou os interessados a
imaginar que poderiam atingir seu objetivo utilizando um mecanismo muito
empregado nos Estados Unidos – o take-over bid –, que consiste na
aquisição gradativa de ações no mercado de valores, se possível em sigilo.
Mas acontece que no Brasil aquisições desse tipo só podem ser feitas
com pleno conhecimento do Mercado, como determina a Lei das S.A.
As intenções dos grupos ficaram claras, o que despertou os brios dos
acionistas da Drogasil, que se recusaram a vender os seus papéis.
No estado de deterioração a que chegou nossa moeda, a Drogasil poderia
mudar de dono por irrisória soma em moeda forte. A compra dos papéis de
controle custaria não mais que 2 milhões de dólares, quantia que era na
época cem vezes menor que o valor real da organização.
A Drogasil tem uma rede nacional de armazenamento, distribuição e
comercialização, tudo funcionando em imóveis próprios e avaliados em
200 milhões de dólares.
52
A garra com que particulares defendem seu patrimônio não tem tido
correspondência entre os administradores do governo, que se mostram
estranhamente apressados quando se trata de alienar bens públicos a preços
ridículos.
Em 1988, por exemplo, eles decidiram vender 26,2% das ações que o
governo detinha na Aracruz Celulose, empresa fundada em 1972 numa
joint-venture entre a União e a iniciativa particular.
Até começar a funcionar, oito anos após sua instalação, a Aracruz gozou
de isenções fiscais de todos os tipos.
Somas incalculáveis foram colocadas no projeto, que começou com a
compra de área fantasticamente grande no Estado do Espírito Santo, para
plantação de uma floresta de eucaliptos, de onde seria extraída a matéria-
prima para fabricação de celulose.
Os próprios técnicos da Aracruz plantaram essa floresta, em obediência
à tecnologia mais avançada. O método de plantação que adotaram foi o da
clonagem, do qual resultam plantas mais resistentes a doenças e pragas e
que produzem madeiras uniformes e de primeiríssima qualidade.
A fase de maturação final do investimento durou de 1979 a 1984.
Concebida para suprir o mercado externo de celulose de eucalipto, a
empresa vendeu, no primeiro ano de operações, em 1979, 273 mil
toneladas, quantidade que se elevou gradativamente para 482 mil toneladas
em 1985, quando o nível se estabilizou, correspondendo à capacidade
máxima de produção.
Impunha-se aumento da capacidade produtiva, que só poderia ser
alcançado se a fábrica fosse ampliada. A Aracruz logo anunciou que estava
em andamento grande projeto para duplicar, em três anos, a capacidade
produtiva do complexo industrial, para um milhão de toneladas por ano. O
orçamento das obras era de 1,1 bilhão de dólares.
Neste ponto, é bom prestar atenção, leitor: a construção de uma fábrica
igual à primeira, para começar a produzir daí a três anos, numa
infraestrutura já construída e consolidada, custaria mais que o dobro do
patrimônio líquido da empresa, contabilizado por 500 milhões de dólares,
quando o seu valor real era de 3 bilhões de dólares num cálculo
conservador.
Proporcionalmente, os 26,2% deveriam ser vendidos por 780 milhões de
dólares, Todavia, o preço arrematado no leilão foi de 134 milhões,
pagáveis em seis parcelas anuais, arranjo que burocratas acharam
satisfatório por ter como base exatamente o valor patrimonial, que, como se
53
viu, estava claramente depreciado.
54
atividades produtivas, mas graças aos altíssimos juros que o governo paga
pelos empréstimos que toma da rede financeira em geral.
O Banco do Brasil dos tempos modernos foi instalado em 1905 e desde
aquela época acumulou patrimônio. Por quanto se cogitaria de vendê-lo?
Pelos critérios dos que pretendem desestatizar empresas nacionais a
qualquer preço, o Mercado não estará disposto a pagar mais do que o
valor patrimonial das ações. Acima desse valor, não haveria interessados.
Uma vez que 54% das ações são ordinárias e portanto com direito a
voto, metade desse percentual (mais uma ação) é suficiente para obtenção
automática do controle acionário. Conclui-se que quem detiver 27%
(mais uma ação) das ações ordinárias ficará com o controle do BB se
pagar o preço dos papéis na Bolsa.
Atualmente seu valor de Bolsa é 332 milhões de dólares.
Pense bem, leitor: por 332 milhões de dólares pode-se adquirir o
controle de uma empresa cujo valor patrimonial contábil é de 3,5 bilhões
de dólares.
Mas não é só isso. Deve-se acrescentar que o ativo do BB nunca foi
reavaliado, e que apenas tem sofrido correção monetária para atualização
de seu valor desde 1965, uma vez que a lei do mesmo ano, que obrigou as
empresas a reavaliar seus ativos, isentou o BB e outras estatais de cumprir
essa exigência.
Calcula-se, muito por baixo, que os bens imobilizados do Banco valham
dez vezes mais do que seu valor de contabilização, que no balanço de 1991
era de 3,5 bilhões de dólares.
O preço de controle do BB – 332 milhões de dólares – é igual ao lucro
que o banco obtém em um só semestre.
Por essa soma, quem comprasse o controle ficaria dono de 3 mil
agências instaladas em todo o País, a maioria ocupando prédios próprios e
valendo mais de 23 bilhões de dólares.
Ficaria dono ainda de outros bens imobiliários, contabilizados no Ativo
Permanente, que consistem na participação acionária em dezenas de
empresas, incluída a Acesita, da qual o BB detém 90%, além das suas
controladas e todo o seu patrimônio em terras.
E, por último, teria também o controle da Caixa de Previdência dos
Funcionários do Banco do Brasil (Previ), a organização de previdência
complementar mais opulenta do País, a que aufere maiores receitas e a que
detém o mais fabuloso patrimônio em ações, títulos de renda fixa e imóveis.
Tudo somado apressadamente dá um total que se situa acima de 35
55
bilhões de dólares. O controle de uma riqueza tão vasta pode ser alienado
por apenas 332 milhões de dólares, caso prevaleçam os critérios
tecnocráticos.
56
LEITURA COMPLEMENTAR
NÃO, O BRASIL AINDA NÃO É MASSA FALIDA (Transcrito de
BALANÇO FINANCEIRO, abril de 1988) Narrei anteriormente a história
de um cliente meu, aristocrata português, que no começo de 1986 tinha uma
carteira de ações avaliada em 20 milhões de dólares à cotação do black.
Na época, aos leitores que questionavam a possibilidade de se ganhar tanto
dinheiro na Bolsa, eu respondia que a informação estava correta: eu mesmo tinha
feito e refeito os cálculos.
Na verdade, há mais milionários na Bolsa do que se possa imaginar. É que eles
estão enrustidos; não gostam de aparecer. Alguns aplicaram dinheiro próprio,
outros usaram capital alheio, mas saíram-se bem.
Entre os que aplicaram capital alheio, conheço um que é agricultor no Nordeste e
que, nessa qualidade, vem há anos conseguindo dinheiro fácil no Banco do Brasil, a
juros subsidiados, e desviando-o da aplicação natural, que seria a lavoura, para vir
comprar ações de empresas no Sul.
Certa vez, estranhei que sua variadíssima carteira, de causar inveja a muitos
Investidores Institucionais, não incluísse ações do Banco do Brasil.
– Jamais comprarei ações de um banco que me empresta dinheiro a juros
subsidiados –, ironizou, com cinismo, numa versão pessoal da piada de Groucho
Marx (“Jamais aceitarei ser sócio de um clube que me aceitasse como sócio”).
(Já escrevi várias vezes sobre os parasitas que, como esse fazendeiro, se
locupletam à custa dos bancos oficiais, dos quais são sócios sem ações. Colecionei
dezenas de histórias sobre eles, mas quem desejaria ouvi-las num País que não mais
se sensibiliza com coisas vergonhosas?) Outro dia meu amigo português convidou-
me para saborearmos novamente, no mesmo restaurante dos Jardins, aquele prato
refinadíssimo que é o linguado ao molho de alcaparras regado a vinho.
Na hora de pagar a conta, ele observou que, com os preços de agora, comparados
com os de dois anos atrás, nós todos empobrecemos.
Essa observação soou estranha naquele ambiente luxuoso, mas o caso é que, a
rigor, meu amigo empobreceu nestes dois anos. Sua carteira de ações, que antes
valia 20 milhões de dólares, agora não vale mais que 7 milhões. Neste meio tempo,
13 milhões de dólares esvaíram-se como fumaça.
Mas não vamos ter pena desse perdedor. Só em dividendos ele recebe por ano o
equivalente a 500 mil dólares – o salário dos presidentes de muitas empresas
multinacionais. E, afinal, ele ainda tem 7 milhões de dólares.
Outros empobreceram muito mais.
Pelos padrões internacionais, as nossas empresas em geral estão no fundo do
poço. Conforme a tabela mostra, o controle acionário dos cinco bancos comerciais
mais ricos do país – Banco do Brasil, Bradesco, Itaú, Banespa e Unibanco – que
detêm mais de 50% dos créditos do sistema financeiro, está sendo avaliado pelo
mercado acionário por menos de 500 milhões de dólares (avaliação de 1988).
Qualquer multinacional estaria em condições de adquirir o controle desses cinco
bancos usando seu lucro de um só semestre, se a tomada de controle via Bolsa fosse
possível no Brasil.
Pela mesma base de cálculos, todas as empresas rentáveis brasileiras poderiam
ser arrematadas na Bolsa por 10 bilhões de dólares, ou seja, um décimo de nossa
dívida externa.
Esses preços baratíssimos, de fim-de-feira, deveriam atrair os estrangeiros a
investir no Brasil, país que, pelas suas imensas potencialidades, já deveria estar
57
concentrando investimentos de todo o mundo, como o grande eldorado do século XX.
Se eles não vêm, provavelmente é porque estão considerando nosso país um caso
perdido. Eles acham que somos menos que massa falida. Há no mundo todo
empresas especializadas em adquirir massas falidas para recuperá-las. Mas – como
diria Groucho Marx – parece que para o Brasil ser considerado massa falida ainda
terá de progredir muito.
(1) Conversão ao câmbio de 31/12/87 (Cr$ 72,25) (2) Ações nominativas (50% mais
uma) (3) Cotação BVSP de 31/12/87
Fonte: Balanços e Boletins BVSP
58
CAPÍTULO III
59
em relação às outras. Elas são recomendadas. Os clientes aceitam nossos
conselhos e não pedem mais nada.
60
4° ANALISTA – Quando os preços dos papéis principais se
movimentam para cima ou para baixo, todos os outros necessariamente
seguem na mesma onda. O segredo para ganhar na Bolsa é saber
acompanhar os movimentos da onda e antecipar-se. Preços justos ou
intrínsecos não têm nada a ver com esse movimento, que é coletivo.
5° ANALISTA – Negociar com ações é um jogo em que cada qual
procura ser mais esperto. Mas todo jogo tem uma técnica ou várias
técnicas entrelaçadas. Nós, analistas, ganhamos a vida ensinando as
pessoas a jogar com técnica.
Uma pista sobre o preço justo, tive-a quando li o livro intitulado AÇÕES
& PRECAUÇÕES, de Gerard Haentzschel (Edições Arquimedes, Rio). Se
não tivesse outros méritos, a obra valeria por dois conceitos preciosos que
enuncia, e que são simples, lógicos e fundamentais: • Para investir no
mercado acionário ninguém precisa conhecer mais do que as quatro
operações aritméticas.
• Um investimento vale pelo rendimento que proporciona.
61
62
CAPÍTULO IV
Por essa lógica, o preço da ação deverá ser no máximo 16,67 vezes
maior do que os dividendos, que constituem a sua remuneração.
Todo aquele que compra ação para ser remunerado pelos dividendos não
deverá pagar mais do que 16,67 vezes o valor dos dividendos. Acima dessa
proporção, obterá resultado financeiro melhor se aplicar em títulos de
renda fixa.
Há, porém, outros objetivos para comprar ações que não seja pelos
dividendos. Esses objetivos são quatro: • Especular, comprando e
vendendo para tentar ganhar em prazo curto.
• Adquirir uma reserva de valor como garantia contra a
desvalorização da moeda.
• Melhorar a posição na companhia, para quem já é acionista.
• Comprar o controle da empresa.
63
referencial. Se a empresa não existisse, mas se seu nome figurasse no
boletim da Bolsa, não faria diferença nenhuma; continuaria negociando
enquanto houvesse interessados em comprar e vender.
Quem compra ações para conservar o valor do seu capital também não
pensa em preço justo.
Aquele que, já sendo acionista, compra ações para reforçar sua posição
na empresa, orienta-se pelo valor patrimonial da ação, que pelo menos
contabilmente reflete o valor de cada ação da companhia.
Todo aquele que visa o controle da organização cuida para que o custo
da compra não seja muito maior do que a despesa em que incorreria se
fosse instalar uma companhia igual à que ele quer adquirir.
Ele também usa o valor patrimonial como referência. Esse Investidor não
pensa em remuneração presente, mas futura. Quando for dono da empresa,
poderá tirar dela o proveito que quiser. Mas no momento seria preferível
até que a companhia não pagasse dividendo nenhum e que o preço dos seus
papéis não subisse na Bolsa.
Como já sabemos o modo de calcular o preço básico da ação pelos seus
dividendos, vamos propor a seguinte questão: Convém comprar a ação de
uma empresa cujo patrimônio líquido seja de 600 bilhões, que tenha o
capital dividido em 50 milhões de ações, que pague dividendos anuais de
480 por ação e cuja cotação na Bolsa seja de 10.000?
Pelo critério do Investidor que deseja ter seu capital remunerado, o
preço justo é no máximo 16,67 vezes o valor do dividendo. No caso, 480 x
16,67 = 8.000
Mas para o investidor que quer comprar ação a fim de reforçar sua
posição ou assumir o controle da empresa, o preço justo é o valor
patrimonial do papel: 600.000.000.000/ 50.000.000 = 12.000
64
sobem muito. Nessas épocas, os participantes perdem a noção da relativa
proporcionalidade das coisas e aceitam que o Infinito seja o limite para os
preços.
Mas todas as vezes que as Bolsas desmoronaram, os participantes
ficaram desesperados e procuraram encontrar um ponto que pudesse servir
de apoio para não se afogarem. Como tábua de salvação, voltaram-se para
o velho e eficiente referencial dos dividendos.
A proporção de 16,67 vezes os dividendos passa então a ser lembrada
como o piso abaixo do qual o Mercado tecnicamente não poderá cair mais e
como ponto gráfico que indicará nova reação na Bolsa.
Se comprar ações que estão remunerando por 6% ao ano, você receberá
esse rendimento já a partir do primeiro ano.
Mas poderá também ser remunerado a 6% se comprar uma ação que
pague 5%. Para isso, terá de esperar a maturação do investimento. Veja a
tabela de cash-yields e seu tempo de maturação. A base do investimento é
de 100.
65
tempo longo demais para Investidores pessoas físicas.
Deduz-se, portanto, que qualquer taxa de cash-yield entre 5% e 6%
poderá ser considerada viável para o investimento.
A taxa de 5% eleva o preço justo para vinte vezes o valor do cash-yield:
100 ÷ 5 = 20
66
LEITURA COMPLEMENTAR
RENDIMENTOS DEVEM SER PERPÉTUOS
(Transcrito de BALANÇO FINANCEIRO, março de 1988)
67
agruras da fase ruim. Para eles o futuro nunca chegou.
68
PARTE III
69
CAPÍTULO I
70
que para a Bolsa não custaria nada incluir nos seus boletins, mas que são
fundamentais para o Mercado?
O dirigente da Bolsa descartou a solicitação com o argumento definitivo
dos prepotentes:
– Isso é bobagem. Ninguém na Bolsa quer saber de dividendos.
Essa resposta, eu a ouvi também de diversos Especuladores. Investidores
deram de ombros. Eles próprios fazem seus cálculos e há muito tempo
desistiram de esperar da Bolsa qualquer facilidade.
71
Um dia, porém, entram novos capitais, a Bolsa floresce como na
primavera, e o sol começa a brilhar de novo. Os Especuladores retornam à
casa antiga em que falavam mais alto e alardeiam que a escuridão acabou e
que todos podem jogar fora suas lanternas ou lampiões.
É como se dissessem para os Investidores: – Vocês cumpriram a sua
função, agora calem a boca porque ninguém mais os está ouvindo.
De fato, quando a Bolsa entra em alta não há necessidade de luz.
72
aplicação de pequenos capitais ao longo do tempo. Compram ações como
poderão aplicar em títulos de renda fixa se estes derem rendimentos melhor.
Esses Investidores são vítimas do escárnio dos profissionais do
Mercado, pois não lhe pagam corretagem. São pessoas que não especulam,
apenas exercem o legítimo direito de aspirar a viver dos rendimentos das
ações, que são os dividendos.
Uma vez que deseja rendimento, o Investidor norte-americano olha
somente para duas alternativas.
1) Títulos de renda fixa, para juros.
2) Ações, para dividendos.
73
Transcrevo-a como saiu.
O texto começava em negrito, transcrevendo um ditado famoso no século
XIX, nos Estados Unidos, mencionado num dos capítulos do livro THE
STOCK EXCHANGE – A HISTORY OF THE WALL STREET MARKET, de
Robert Sobel: “Um homem pode ter muitas qualidades morais, cívicas ou
intelectuais, mas o que o tornará para sempre lembrado serão os
dividendos que legar aos seus descendentes.”
74
gênero, mas ainda pouco difundido no Brasil. Seu cálculo resume-se
basicamente na divisão do valor do dividendo anual pela cotação atual
da ação. Esse coeficiente, multiplicado por 100, indicará o percentual de
retorno do investimento.
Identificados os papéis que apresentam retorno igual ou superior a 6%
ao ano, a providência seguinte é elaborar uma tabela de preços justos,
que indicará o valor máximo que poderá ser pago pelas ações para se
obter esse percentual de retorno, considerado satisfatório pelos
especialistas nos mercados financeiros de todo o mundo.
Usa-se uma regra de três simples: multiplica-se o dividendo da ação
por 100 e divide-se o produto por 6, se dividendo anual, ou por 3, se
semestral. Comprar título por um valor abaixo do resultado encontrado –
o preço justo em função do dividendo, na concepção de Bazin – é bom
negócio.
Selecionadas as ações capazes de apresentar melhor retorno, o
Investidor deve acompanhar a situação das empresas, principalmente a
solidez e o crescimento das receitas, e certificar-se de que pagam bons
dividendos habitualmente, e não apenas no período analisado.
75
antigo colega meu de faculdade tinha o hábito de comprar dólares, o único
investimento em que confiava.
Depois de 15 anos, julgando que tinha reunido o suficiente para comprar
bom apartamento, levou-os a um “doleiro” para converter sua fortuna.
Soube então que 80% dos dólares eram falsos.
Ouro é investimento? Ouro é um bem que não pode ser guardado para
preservar o capital. Como acontece com o dólar, se ao fim de algum tempo
você for buscá-lo, verá que existe a mesma quantidade que havia quando
você o guardou. Se precisar de dinheiro, terá de vender o ouro – e lá se vai
o seu patrimônio.
Aplicar dinheiro em joias, obras de artes ou automóveis, seria ato
sensato? Não, não. Objetos ou instrumentos de uso pessoal não são
investimento, porque, como o dólar ou ouro, não produzem dinheiro.
Um cidadão que conheço, que aplicou uma fortuna na compra de
telefones para alugar, tem hoje em seu nome duzentas linhas de telefone, que
lhe proporcionam rendimento suficiente para as suas necessidades. É
investimento. Mas você tem ideia do que seja administrar um patrimônio
desses?
Além de dificuldades de administração, controle e recebimentos dos
aluguéis, deve-se considerar a situação peculiar de serviço telefônico no
País. O usuário na verdade não é dono da linha que comprou, mas apenas o
financiador. Ele só é dono das ações que a empresa lhe entrega, mas o uso
do aparelho é “concessão” da companhia.
Haverá um tempo futuro em que os telefones serão privatizados e
instalados de um dia para o outro pela empresa que estiver explorando o
serviço, sem que seja imposta ao usuário a compra de ações da companhia
telefônica. Quem irá alugar então o telefone de um terceiro, se pode ter o
aparelho sem precisar pagar nada a intermediários?
E que tal investir em propriedades para alugar? Esse é investimento. Mas
conheço casos dolorosos de famílias que herdaram fortunas em imóveis
valiosos, que entretanto não podiam ser vendidos por estarem ocupados por
inquilinos e que não produziam nem o suficiente para pagar os impostos
incidentes sobre as propriedades. O patrimônio alto, portanto, era apenas
teórico.
O imóvel comprado como investimento poderá gerar dinheiro se for
alugado, mas dará retorno pífio e trabalhoso.
E o dinheiro que você deposita na poupança, pensando em usá-lo mais
tarde, está bem aplicado? Não. Esse dinheiro não é bom, por três motivos:
76
1) Depois que o governo federal confiscou as poupanças populares em
março de 1990, com o apoio do Congresso, não há mais nenhuma certeza ou
garantia de que outros governos não farão a mesma coisa, num futuro
próximo ou remoto.
2) Na verdade, há décadas que o poupador vem sendo imperceptível e
sistematicamente confiscado pelo governo, que todo mês escamoteia
pequenos percentuais de correção monetária, os quais, acumulados no final
de cada ano, atingem índices superiores a 10% anuais de escamoteação.
3) Mesmo que o governo cobrisse integralmente as perdas sofridas pela
desvalorização da moeda, no momento em que o poupador começasse a
usar o dinheiro acumulado durante anos e anos de sacrifício veria que esse
capital se acabaria rapidamente, até desaparecer de vez.
77
variável, seja em aplicações no mercado imobiliário ou em qualquer outro
mercado capaz de produzir renda.
O cash-yield fornece resposta imediata à pergunta: por que aplicar em
ações? As pessoas que têm o juízo no lugar compram ações para obter
rendimento, que as empresas pagam depois de produzirem lucro, que é a
movimentação única de qualquer negócio. Perto do cash-yield, qualquer
outro índice vai para segundo lugar em importância.
Em outras palavras, o sistema de cash-yield considera que a ação tem
valor proporcional ao rendimento que der ao aplicador. Se a empresa não
dá rendimentos, ou seja, se não paga um dividendo do qual se extraia cash-
yield satisfatório, não se recomenda a compra do papel; pelo contrário, a
que já o tem se aconselha a vendê-lo.
Para mim, ação sem dividendo é como se não existisse. Só passará a
existir quando a empresa pagar dividendos com bom cash-yield, não uma
vez, mas sempre e de forma sólida e crescente, compatível com o preço de
venda.
A situação ideal no Mercado seria aquela em que um papel só se
valorizasse quando a empresa pagasse dividendo melhor.
78
LEITURA COMPLEMENTAR
OLHO NOS DIVIDENDOS AO COMPRAR AÇÕES
(Transcrito de BALANÇO FINANCEIRO, setembro de 1985) Duas ou três vezes por
ano, Gerard Haentzschel aparecia na redação da GAZETA MERCANTIL para
entregar um artigo. Escrevia sobre mercado de capitais, situação dos minoritários,
aspectos da Lei das S.A.
Deu-me de presente um livro de sua autoria, AÇÕES & PRECAUÇÕES.
A obra tinha um subtítulo atroz: “O cruzeiro do cifronauta Todo Mundo no mar
proceloso da sagacidade”.
O livro, porém, não era ruim como o subtítulo e continha duas verdades que
provaram ser fundamentais. Ensinava que, em assuntos de investimentos, não é
necessário ir-se além das quatro operações e que o valor de um investimento é
medido pelo rendimento que ele pode proporcionar.
Na época, eu estava tentando inventar, para minhas operações na Bolsa de
Valores, uma fórmula matemática de uso compulsório, que tornasse impessoais as
aplicações e evitasse o desgaste emocional que sempre ocorre quando há incerteza
numa tomada de decisão.
O máximo que tinha conseguido era uma equação complicadíssima.
Eu estava também atormentado por um problema de natureza afetiva. Um amigo
de infância tinha vendido um imóvel e queria investir o dinheiro em nome do netinho
que acabara de nascer deficiente físico.
Dispunha-se a aplicar 25 mil dólares totalmente em ações, desde que eu lhe
provasse que era esta a melhor alternativa.
Qualquer margem de risco era impensável: não poderia haver erro.
Eu militava na Bolsa desde 1960 e não tinha dúvida de que ações eram o negócio
mais seguro e rentável do mundo capitalista.
Tratava-se, porém, de mais uma dessas convicções enraizadas que se julgam
prescindir de prova.
Algo muito subjetivo, embora óbvio. Porém, como explicar o óbvio subjetivo a um
vovô assustado com a perspectiva de morrer e deixar o netinho desamparado?
Foi quando li o livro de Haentzschel e tomei o conhecimento das verdades do
cifronauta. Se o valor do investimento – raciocinei – é medido pelo seu rendimento e
se o dividendo em dinheiro é o rendimento da ação, então é possível calcular o preço
justo de um papel em função do dividendo.
A questão seguinte era saber qual a relação percentual aceitável entre o
dividendo e o preço em Bolsa, de modo que o papel adquirido até esse preço pudesse
produzir rentabilidade real.
Um prédio alugado rendia, na época, não mais que 6% anuais de seu valor de
mercado. A caderneta de poupança rendia de juros 6% ao ano. Aluguéis e juros são
rendimentos reais, pois teoricamente podem ser gastos sem comprometer a fonte.
Comparada, portanto, com outras alternativas de investimento direcionadas para
renda, a ação deveria oferecer o rendimento em dinheiro de 6% ao ano, no mínimo,
para poder ser considerada opção válida.
Em busca de apoio à tese dos dividendos, pus-me a consultar as cotações da
Bolsa de Nova York e verifiquei que nos EUA os dividendos anuais pagos pela
maioria das empresas equivaliam a cerca de 6% do preço de seus papéis.
No Brasil, eram muito altos os índices de subavaliação de papéis como Banco do
Brasil, Banco Itaú, Bradesco, Ericsson, Metal Leve e Vidraria Santa Marina, para só
citar algumas empresas que tinham revelado disposição para remunerar
condignamente seus acionistas.
79
Colocada a questão nestes termos, meu amigo ficou convencido e investiu seus 25
mil dólares. Resultado: neste setembro de 1985, o netinho festeja 4 anos de idade
ganhando mais do que seu pai ganha no trabalho. Seu patrimônio é cinco vezes
maior do que se o dinheiro tivesse sido aplicado em caderneta de poupança.
80
é que sabem distinguir a moeda falsa da moeda verdadeira e a cotação real da
cotação fabricada.
Se os Manipuladores fossem indiscretos, teríamos a chave da fortuna rápida. Mas
eles não falam, porque silenciar também faz parte do jogo. Então aos Especuladores
miúdos, esses que têm um dinheiro pequeno demais para o tamanho das suas
esperanças, só resta sair procurando a chave nos cantos em que pensam que ela
está.
A única realidade concreta do Mercado são as ações de empresas sólidas que o
Investidor genuíno mantém em carteira para delas usufruir benefícios no futuro.
Muito Especuladores demoram anos para compreender essa verdade tão simples.
Felizes daqueles que a compreendem a tempo de ter força e disposição para
recomeçar no caminho certo.
81
CAPÍTULO II
82
criticavam desmandos administrativos. O personagem que ocupava a
tribuna era um conselheiro muito bem remunerado, que fora colocado no
cargo por ter influência política e se mostrava bajulador servil.
– O banco, senhores, não tem um real de dívida. Examinei os livros com
o maior cuidado, pois a minha responsabilidade é enorme. Haja qualquer
dúvida e demito-me já.
– Não, não –, protestaram vários.
– Nenhum real –, continuava o conselheiro. – Tudo esmerilhei; gabo-
me de ter prática bastante longa desses estudos e exames.
– Mas por que nunca deu um vintém de dividendos? –, perguntou irado
um dos oposicionistas.
– Sim, por quê? –, secundaram muitas vozes.
Santo Deus! Quase teve o orador um ataque apoplético, ali mesmo. E
que olhar! Se fosse possível, varava de lado a lado todos aqueles
imprudentes, espetando-os uns depois dos outros.
Afinal, com um gesto de profunda indignação: – Ora, também este
pedido de dividendo… é demais...!
E sentou-se no meio dos aplausos e palmas da diretoria e da sua roda.
83
– Se vocês ainda não estão presos é porque a polícia anda muito
tolerante.
Um terceiro vociferou:
– Se a Nomura tem dinheiro sobrando para dar a bandidos, por que
não nos paga dividendos melhores?
A assembleia durou 90 minutos, três vezes mais do que o normal. Mas
as dúvidas sobre irregularidades nos negócios da Nomura não foram
esclarecidas.
84
necessidades prementes, que não têm outros meios de obter dinheiro e que
precisam dos dividendos para melhorar os seus ganhos ou simplesmente
para sobreviver.
A revista FORTUNE não demonstra nem respeito nem simpatia para com
os pequenos acionistas, ao discutir a questão da necessidade que eles têm
de receber dividendos. A certa altura, sugere-se que, “se precisarem de
dinheiro, (os acionistas) poderão converter os papéis em moeda”, ou seja,
vendê-los.
É insinuação velhaca. Para quem comprou ações a fim de obter
rendimento, se possível perpétuo, com a intenção de mantê-las em seu
poder durante o tempo em que delas receberem remuneração, esse conselho
é inaceitável, beirando o insulto.
No que concerne ao Brasil, a aversão por remunerar condignamente os
acionistas minoritários parece estar profundamente entranhada no espírito
ganancioso de certos empresários.
85
“desprezível” gente estranha que tinha levado seu capital suado para a sua
empresa, num momento particularmente difícil. Esse aporte de capital, em
ultima análise, salvou a companhia da ruína e a fez renascer.
É essa mentalidade que predomina entre certos empresários que, não
tendo a menor noção de solidariedade humana, querem tudo para si e
procuram espertamente socializar os prejuízos e privatizar os lucros em
proveito pessoal.
86
ações pagadoras de bons dividendos, até completar o prazo de quinze anos.
Ao receber regularmente os dividendos, o Investidor compraria mais ações,
até o fim do 15° ano.
Esperávamos que o investimento se transformasse numa bola de neve. E
foi exatamente o que aconteceu. A reaplicação dos dividendos, o
crescimento das empresas e os desdobramentos das ações, fizeram com que
o valor do patrimônio crescesse oito vezes acima do que seria se a
aplicação fosse em poupança, que durante todo aquele período era
alardeada pelos órgãos de comunicação e por funcionários do governo
como sendo o investimento imbatível.
Após quinze anos, a carteira de ações valeria 299 mil dólares,
produzindo o rendimento semestral de 30 mil dólares, ou seja, 5 mil por
mês.
Atente, leitor, para este pormenor: os dividendos são perpétuos e
transmissíveis para os descendentes do Investidor. Não são como os
benefícios da previdência, que, além de baixos, cessam com a morte do
contribuinte.
Se, em vez de entrar para um plano de previdência complementar, você
investir a mesma quantia em ações, terá um rendimento crescente, que não
acabará nunca. Mas se seguir o conselho do jornalista que escreveu aquela
matéria, e aplicar em poupança, terá rendimentos mensais de 1.175 dólares
após quinze anos, se durante esse tempo aplicar todo mês 200 dólares. Se
quiser transformar sua aplicação num saldo perpétuo, você só poderá sacar
miseráveis 292 dólares por mês, quantia que em qualquer parte do mundo o
colocará abaixo do nível de subsistência.
Basta comparar esses míseros 292 dólares com os opulentos 5 mil
dólares mensais que você receberia em dividendos, para concluir o quanto
são irresponsáveis os conselheiros que não entendem do assunto sobre o
qual dão conselhos.
O estudo que realizamos teve um final característico. A instituição pagou
caro pelo trabalho, mas jamais o utilizou no objetivo a que se propunha,
qual seja a publicidade.
Não era para menos. Nós concluímos o estudo deixando claro que a
previdência social – oficial ou particular – é mau negócio para o associado.
A pessoa contribui durante largo período da sua vida de adulto e depois
se aposenta com a esperança de passar a receber uma quantia mensal que
mantenha seu padrão de vida. Mas logo em seguida percebe com amargura
que a pensão que lhe pagam está longe de lhe assegurar o padrão de que
87
desfrutava no tempo em que estava na ativa.
Os índices de correção das pensões são fixados pelo governo, que,
desonestamente, manda pagar menos que a taxa de corrosão da moeda. Essa
política cruel, mas sistemática, faz com que as pensões decresçam de
maneira gradual, quase imperceptível, o que só é constatado depois de
alguns anos, quando a vítima não tem mais possibilidade de reagir.
88
CAPÍTULO III
89
Num quadro como esse, pode afirmar-se que a Bolsa jamais terá outro
crash igual ao de 1971. Isto porque as fundações estarão sempre a postos
para comprar as ações oferecidas, o que segurará os preços.
Se os preços caem, elas terão de comprar, porque cai também o valor da
carteira abaixo do mínimo exigido, ficando em desproporção com o
montante do portfólio de investimentos obrigatórios.
Um crash que provoque desastre social não poderá acontecer novamente,
embora muitos Especuladores individuais ainda venham a arruinar-se
quando negociarem mal.
Os institucionais só não precisarão comprar ações para adequar-se à lei
se as suas reservas se reduzirem, o que é matematicamente impossível,
exceto em caso de confisco de ativos pelo governo federal. Em 1987, por
exemplo, o governo tomou às brutas 30% das reservas das fundações
oficiais, o que fez com que elas parassem de comprar ações durante mais de
um ano. A queda nas Bolsas foi superior a 60%.
Deduz-se daí que, em condições normais, tanto as altas como as baixas
obrigam os institucionais a colocar dinheiro novo no Mercado, para
continuamente adequar suas carteiras, como num moto contínuo.
Fora os recursos institucionais, dinheiro bom também é o dos
Investidores individuais e o dinheiro que muitas empresas levam para a
Bolsa a fim de comprar ações de outras companhias.
Outro dinheiro metálico, sólido e sonante, é o dos Especuladores
internacionais, que, todavia, causa mais mal do que bem. É dinheiro que
entra e sai.
Uma parte do dinheiro que Manipuladores e Especuladores locais
ganham nas Bolsas fica girando no próprio Mercado.
Outra parte sai e vai para o consumo, contribuindo assim para
movimentar a economia.
Outra parte que sai destina-se às diversas modalidades do mercado
financeiro.
Grandes Manipuladores e Especuladores, que retêm a parte de leão dos
lucros – o dinheiro grosso –, separam uma parcela desses ganhos e a
remetam para o exterior, a fim de usá-la em suas viagens, em investimentos
ou como reserva para o caso de haver problemas aqui e eles terem de
buscar refúgio mais seguro lá fora.
De todo o capital movimentado, sobra alguma coisa para as próprias
empresas, cujas ações dão tanto lucro a terceiros. É natural que lhes caiba
algum quinhão. As companhias chamam subscrições com as quais se
90
capitalizam e dão andamento a planos de investimento.
Todavia, em sua primeira etapa, a abertura de capital de uma empresa só
favorece os seus sócios fundadores.
Um amigo meu, diretor de empresa que entrou há alguns anos na Bolsa,
contou-me que durante muito tempo o presidente proprietário da companhia
foi repetidamente assediado por profissionais do mercado acionário. Eles
tentavam convencê-lo a abrir o capital da organização e expunham-lhe as
inúmeras vantagens que favorecem as empresas de capital aberto.
Entre essas vantagens, disseram-lhe, estava a propaganda gratuita de que
desfrutam as empresas da Bolsa, que passam a ter seu nome veiculado
diariamente nos jornais e adquirem uma aura de respeitabilidade junto a
bancos e fornecedores, além de poderem obter dinheiro mais barato no
mercado acionário por via de subscrições.
O que realmente o fez decidir foi o argumento de que o dinheiro
proveniente de venda de ações ao público seria totalmente seu, já que lhe
pertenciam os papéis.
Mas não seriam vendidas ações ordinárias, que dão direitos a voto e ao
controle. Seria usada uma invenção ardilosa chamada de “ações
preferenciais”, que não dão direito a voto nem ao comparecimento às
assembleias gerais.
A empresa desdobrou suas ações em 3 x 1. Os sócios-fundadores que
tinham uma ação ficaram com quatro, uma das quais emitida na forma
preferencial.
Foi assinado contrato de underwriting, pelo qual bancos de investimento
seriam responsáveis pelo lançamento das ações preferenciais junto ao
público, com garantia de compra se não fosse adquirida toda a quantidade
colocada à venda. Desse modo, a absorção já estaria antecipadamente
assegurada.
Até então, para os cofres da empresa não tinha entrado nem um centavo.
Posteriormente, os homens do mercado acionário passaram a assediar o
presidente da empresa com propostas para manipulação de preços. Ele
concordou quando lhe disseram que a manipulação poderia ser chamariz
para subscrição a preços altos.
Daí para frente, a companhia nunca mais deixou de chamar subscrições
em períodos regulares, mas seu controle permanece na mão do fundador sob
rédea firme. A parte que cabe a este subscrever é muito pequena em relação
à de outros sócios que vieram depois. Mas isso não fez diferença. Se
precisa de dinheiro para subscrever, tira-o da própria empresa que
91
controla.
Ele controla a empresa, mas não o papel, que está em grande parte nos
portfólios dos Investidores Institucionais, que determinam os preços. As
subscrições são agora cumpridas sem demora e sem alarde. Em menos de
cinco anos a companhia teve expansão geométrica, que a transformou em
poderoso grupo econômico.
Essa empresa, como outras que seguiram a sua trilha, exalta o
capitalismo e trata cordialmente os acionistas minoritários.
92
CAPÍTULO IV
Dessa carteira, em 1992 quatro ações não estão mais na Bolsa: Ultragaz,
Elevadores Atlas, Cia. Brasileira de Roupas e Dunlop do Brasil.
De um grupo de quinze empresas, nota-se que quatro desapareceram.
Em princípio, com base nesses dados poderíamos dizer que 26,7% é a
taxa de risco de uma carteira de ações de um fundo de investimentos.
Acontece, porém, que quando as quatro empresas saíram, cada uma por sua
vez, o Fundo Deltec não tinha delas mais nenhuma ação. Literalmente
nenhuma. Não foram revelados os preços de venda, mas não houve perda de
todo o dinheiro investido nesses papéis. O fundo pode também não ter
perdido nada; pode até ter tido lucro ao vendê-los.
Acresce ainda que grande parte da carteira do Fundo Deltec estava
solidamente fundamentada em papéis indiscutivelmente bons, tão bons que
ainda hoje figuram nos boletins de negócios da Bolsa, quase quarenta anos
depois.
Pode-se concluir desse episódio que a possibilidade de vender as ações
93
antes que empresas quebrem ou fechem o capital reduz consideravelmente
os riscos e até mesmo anula-os completamente, dependendo da agilidade do
Investidor e da sua capacidade de adaptar-se aos acontecimentos.
Outra dedução é a de que no mercado de ações não existe o investimento
perpétuo, como os casamentos católicos.
Para qualquer atividade que se desenvolva, é necessário estabelecer
relação entre risco e retorno. Nas escolas de Administração e Economia, os
professores ensinam que quanto maior o retorno maior será necessariamente
o risco. Para eles, retorno baixo não justifica alto risco, ao passo que
retorno alto com baixo risco constitui o ideal de todo Investidor.
Não há como fugir dessa lógica, que pode aplicar-se a qualquer
atividade. Mas acontece que os tecnômanos da Bolsa dela se apoderaram
para introduzi-la no mercado de ações, distorcendo-a. Arrumaram até
fórmulas para expressá-la em termos quantitativos.
No entender deles, ações são mercado de risco, em que qualquer
participante entra para ganhar mais do que seria normal, mesmo que para
isso tenha de jogar todo o dinheiro e se arriscar a perdê-lo.
Os tecnômanos querem fazer-nos crer que ações sejam somente mercado
de risco e que devemos consultá-los se quisermos evitar os riscos ou
reduzi-los, pois eles detêm a fórmula matemática infalível.
Para os tecnômanos, todo investimento em ações é um jogo em que
predominam os mais espertos e os que estão mais bem aparelhados para
jogá-lo.
De antemão, admite-se que o perdedor desse jogo será devorado pelas
aves de rapina.
O índice beta de risco, inventado por eles, e que é utilizado para medir o
risco dos papéis negociados de acordo com o seu grau de volatilidade (ou
melhor, as oscilações dos seus preços), é complicado redutor que poderá
quando muito servir para alertar as pessoas que especulam de que elas
estão se transviando.
No crash de outubro de 1987 em Wall Street, ações às quais os teóricos
norte-americanos atribuíam índices beta zero de risco também caíram de
modo fragoroso, como edifícios implodidos. Não importa se ações “que
não podiam cair” caíram em percentuais menores do que as ações de risco
máximo. O fato é que caíram, levando à ruína milhares de Especuladores.
Risco zero pressupõe absoluta invulnerabilidade. Se não podem garanti-
la, os índices de riscos valem tanto quanto uma opção que virou pó.
94
O leitor já entendeu que índices de risco não têm utilidade para os
Investidores que compram para guardar o papel na carteira a fim de receber
os dividendos a que fazem jus. Para eles, a taxa de risco é determinada de
outra forma.
Tomemos exemplo o setor bancário, considerado o de maiores riscos
dentro do sistema econômico e representado na Bolsa por 25 instituições.
Quantos bancos faliram nos últimos dez anos?
Seis.
Entre os que faliram, quantos são os que, por sinais captados pelo
noticiário da imprensa ou detectados nos próprios balanços, emitiram
indícios antecipados de que estavam caminhando para o abismo?
Cinco. Ou seja, um, somente um, conseguiu escapar de toda e qualquer
detecção da parte do Mercado.
Consideramos que, entre seis empresas, essa uma enganou o Mercado,
indo à falência inesperadamente. Como ela faz parte de um grupo de 25, o
índice de risco de falência nesse conjunto é de apenas 4%.
E agora, a última questão. Qual a possibilidade que têm os Investidores –
depois de respeitar o princípio fundamental do Mercado, que é diversificar
a carteira – de perder todo o seu capital se comprarem ações do setor
bancário?
Nenhuma.
Por que nenhuma? Porque o Investidor consciente nunca põe de fato todo
o seu capital numa só ação. Se houver dez empresas que lhe deem
dividendos satisfatórios, ele aplica um décimo em cada uma delas. Se uma
falir, o Investidor perde 10% do seu capital, jamais 100%.
A taxa de 10% é muito pequena para um setor que o Mercado considera
de alta vulnerabilidade, como é o das instituições bancárias.
Ainda assim porque, em dez anos, só um banco que tinha ações na Bolsa
faliu sem emitir sinais antecipados e sem dar tempo aos Investidores para
se prevenirem.
Com os controles que existem atualmente, provavelmente chegará um
tempo em que não haverá falhas nessa detecção. Então o risco do setor
bancário, já por si diminuto, será igual a zero.
Aplicar em ações, portanto, oferece um risco que pode ser menor do que
o de qualquer outra aplicação no mercado financeiro.
95
tomar atitudes sozinho e também para nunca repartir responsabilidades nem
vantagens.
Quando eu era adolescente, tive um vizinho que muitas vezes me
aconselhou a jamais confiar a terceiros a administração de bens
patrimoniais. Certa vez ele incumbiu seu filho mais velho de administrar-
lhe a fazenda de café, com poderes para comercializar as safras como bem
entendesse. Pouco mais tarde percebeu que o filho o lesava na prestação de
contas.
Essa história encerra uma lição. Se não se pode confiar nem no próprio
filho, em quem confiar? A resposta é: em ninguém. O ser humano é
fundamentalmente desonesto em assuntos de dinheiro. Os poucos que se
imagina honestos precisariam ser experimentados, mas experimentações
costumam sair caro nesse campo. Dinheiro é preciso ganhar sozinho. E
empregar sozinho.
Certa vez, publiquei num jornal um artigo em que incidentalmente eu
aconselhava as pessoas a jamais entregar suas ações para administração de
terceiros. Eu soube depois que diversos administradores de carteiras de
ações se queixaram à direção do jornal, dizendo-se moralmente atingidos
sem provas. Certamente vestiam alguma carapuça.
Um deles era diretor do departamento de um grande banco que antes do
boom de 1971 administrava um Fundo “157”.
Na época, o governo federal, pretendendo incentivar o mercado
acionário, permitia que os contribuintes do imposto de renda destinassem
parcela do tributo à aplicação na Bolsa por intermédio de bancos de
investimento.
Esse dinheiro serviu para desencadear um boom inoportuno e desastroso,
não incentivou verdadeiramente o mercado de ações e acabou quase
totalmente retido nos cofres dos bancos de investimento.
Ainda hoje eu tenho um comprovante de depósito feito em 1970 para
aplicações no “157” e cujo valor, vinte anos depois, é zero. Eu e milhares
de pessoas fomos literalmente roubados.
Por volta de 1970, um administrador do Fundo “157” dizia em alto e bom
som para quem quisesse ouvir: – Todo dia eu mando comprar. Se a cotação
sobe, eu me apodero dos papéis; se desce, jogo-os no “157”. Mensalmente
eu faço uma verificação do portfólio. As ações que se valorizaram são
minhas; as que se desvalorizaram ficam no Fundo.
Só não detalhava sua maneira de agir.
96
97
PARTE IV
98
CAPÍTULO I
Um clube fechado
No final da década de 70, eu e três amigos aposentados, todos
experientes no Mercado e com sólida situação patrimonial, montamos um
escritório isolado, longe do centro da cidade, onde pudéssemos estudar
com tranquilidade a Bolsa e as suas evoluções.
Os dados que conseguíssemos apurar se destinariam ao nosso uso
exclusivo.
Reunindo todo o material que já possuíamos, constituímos no escritório
um arquivo que compreendia leis, regulamentos, resoluções e portarias
sobre a Bolsa, cotações das ações desde 1960 e balanços de todas as
empresas que tinham ações negociadas.
Com o tempo, o isolamento que buscávamos acabou sendo perturbado
por amigos que nenhum interesse tinham no Mercado.
Por isso, fizemos uma seleção dos participantes. Estabelecemos
princípios básicos de ética e convivência social, para que as atividades no
escritório se processassem de forma organizada.
Quem quisesse entrar precisava ter integridade de caráter. No meu modo
de ver, um homem íntegro mantém honestidade de propósitos em todos os
atos que pratica.
Operávamos com três corretoras diferentes. Numa fomos atrás de
clientes, nem nunca pedimos a ninguém para compartilhar as nossas ideias.
Os clientes se aproximavam de nós por causa do interesse único e comum
de ganhar dinheiro.
Hoje só temos cinquenta clientes, e não pretendemos mais. É inútil tentar
procurar-nos; somos um clube fechado. Mas em 1980 os pretendentes
tinham de preencher um formulário para cada grupo de idade; dos 25 aos 35
anos, dos 35 aos 50, e dos 50 em diante.
Quem aparecesse recebia o formulário apropriado à sua idade para
99
preenchimento. Mais tarde, fazíamos com a pessoa uma entrevista a portas
fechadas; era quando avaliávamos a possibilidade do seu ingresso.
Por que três formulários diferentes? Por que não ficha única? É que,
conforme constatamos, os objetivos de cada um dos três grupos etários não
são iguais.
1) Dos 25 aos 35 anos, as pessoas ainda estão se firmando na profissão.
É a faixa de idade mais perigosa, em que elas são mais suscetíveis a ideias
falaciosas de enriquecimento rápido. Nessa época, elas mostram interesse
em especular, na tentativa de ascender mais depressa na escala social.
2) Dos 35 aos 50 anos, já experientes, as pessoas tornam-se mais
racionais, cogitando de consolidar aquilo que conseguiram. Essas criaturas
não pensam mais em si mesmas. É quando assumem posições
conservadoras e cautelosas.
3) Dos 50 anos em diante, o cidadão já precisa estar com o patrimônio
formado e consolidado. Ele só luta para garantir o futuro dos seus
descendentes, uma vez que sente estar começando a descer a colina.
Para cada grupo etário, dispensava-se uma atenção diferente.
O máximo que dávamos de graça eram conselhos. Lembro-me da
conversa que tive com um jovem de muito bom caráter que morava em
apartamento alugado e pretendia casar-se e continuar a investir no
Mercado. Eu lhe disse:
– No mundo dos investimentos, ninguém é vencedor se não tiver casa
própria. A primeira prioridade é ser dono do recanto em que você mora.
Só depois disso é que pode entrar com firmeza na Bolsa.
Casa própria é a base da vida. Ter casa própria livra a pessoa de
inumeráveis dissabores, o menor dos quais é ter de periodicamente
procurar moradia e submeter-se às humilhações que são impostas pelas
administradoras de imóveis.
Como você não tem casa própria, digo-lhe com toda a lealdade que
procure comprar uma, custe o que custar em sofrimento e privações. Só
então terá o espírito livre para investir.
O jovem agradeceu o conselho, saiu e só voltou dois anos depois. Entrou
sorrindo, cumprimentou-me e disse que agora estava qualificado para
investir. Mais não disse, nem era preciso.
100
LEITURA COMPLEMENTAR
PEGAR NO PESADO COM UM MILHÃO NO BOLSO?
(Transcrito de BALANÇO FINANCEIRO, janeiro de 1990)
101
“dorme” na pontaria. Quando atira, não erra.
102
CAPÍTULO II
103
sistema, toma-se a parcela pelo todo, ou o fruto pela árvore. O fruto, no
caso, é o produto final, que é o cash-yield.
Partimos do principio econômico de que nenhuma empresa paga
sistematicamente bom cash-yield se tiver desempenho sistematicamente
ruim. O trabalho inicial consiste em descobrir empresas que paguem
consistentemente dividendos anuais equivalentes a pelo menos 6% do preço
de Bolsa.
Por que 6%? A taxa teria sido fixada arbitrariamente? Nada disso,
leitor. Já foi dito anteriormente neste livro que no mundo todo
convencionou-se que qualquer ativo financeiro deve render no mínimo
6% anuais para ser considerado investimento remunerativo.
Atualmente, como veremos adiante, só pouquíssimas ações pagam
dividendos acima de 6% ao ano. Ainda sobra algum espaço para investir,
mas no dia em que nenhuma ação do Mercado estiver pagando taxa maior
do que 6%, então deveremos todos sair da Bolsa e procurar outro tipo de
investimento, como fizeram os Investidores norte-americanos em 1905. Eles
não se importaram com o crash que sobreveio, e que serviu para acomodar
as cotações aos seus números justos e reais.
Se as ações da carteira pagarem menos que 6% anuais, não estarão
sendo remunerativas. É melhor livrar-se delas. Se não existirem outras
que as substituam, o mercado de ações deixa de ser alternativa
interessante. Títulos de renda fixa estarão sendo então melhor escolha
do que investimentos de renda variável.
Imitando o que se diz em outros países, os profissionais da Bolsa
afirmam em tom zombeteiro que o esquema de cash-yield promove as
“ações de órfãos e viúvas”, porque muita gente humilde sobrevive graças
aos dividendos que recebe e desconsidera a valorização do papel.
Embora proporcionem rendimentos firmes e constantes, são ações que
não oferecem grande margem para especulações. Também não dão prejuízos
irreparáveis. Não atraem os Especuladores porque não excitam nem saem
da rotina. Mas são papéis que levam a caminho seguro.
Para escolher as ações remunerativas, observamos uma série de
procedimentos.
104
Fizemos tabelas conforme o quadro II-1 e fomos preenchendo os dados
um a um e individualmente por empresa.
O preço médio do papel copiamos do movimento do pregão.
O último dividendo tiramos do Suplemento de Orientação, onde as
empresas figuravam em ordem alfabética.
A data de pagamento do último dividendo ficava no mesmo quadrilátero
em que estava o último dividendo.
105
investimento (em dólar), para cálculo do y2 do ano.
Transcrevemos o y2 do último tópico da tabela.
Cada vez que o dividendo era recebido, de janeiro a outubro,
convertemo-lo e o copiamos nesse espaço.
Em outubro, somamos os dividendos em dólar, que passaram a constituir
o y2 do ano.
Os dividendos recebidos depois de outubro eram contabilizados no ano
seguinte.
Igualmente em outubro, apuramos o Valor do Investimento, multiplicando
as ações adquiridas (mais bonificações ou desdobramentos) pelo preço, e
dividindo o resultado pela taxa de dólar do dia.
Exemplo: Na compra de ações da Ericsson foram aplicados 10 mil
dólares em abril de 1981. Ano a ano, fomos constituindo uma tabela com os
dividendos e o valor do investimento (ambos em dólar), assim como com o
y2, todos calculados no mês de outubro (ver Quadro II-2).
106
Terceira fase – acompanhamento Abrimos uma pasta para
cada empresa.
Guardamos nela as fichas e todo o noticiário que era publicado sobre a
empresa. Se houvesse notícias negativas, que podiam afetar o lucro da
empresa e a remuneração das suas ações, vendíamos imediatamente os
papéis.
Convertíamos em dólar o dividendo, à taxa que vigorava no dia do seu
pagamento, para acompanhar a remuneração (y2) (O destino a ser dado ao
dividendo dependia da vontade do cliente, que poderia recebê-lo ou
reinvesti-lo).
Em abril e em outubro, meses em que a maioria das empresas já encerrou
o pagamento dos dividendos do ano, examinávamos a evolução dos papéis
que estiveram compondo a carteira.
A ação é para ser vendida quando o índice de remuneração (y2) ficar
abaixo de 6 em dois períodos consecutivos.
Consideramos sempre que o y2 é calculado sobre o valor inicial do
investimento.
A conversão para valores em dólar é providência tomada para evitar
confusão de valores inflacionados, o que só é possível quando se usa
moeda de valor constante e real.
Exemplo de seleção:
A ação Banco do Brasil foi selecionada em abril de 1981 por causa da
sua ampla liquidez e porque seus últimos três y1 estavam acima de 6 (ver
Quadro II-3)
107
b) Porque seus balanços eram insatisfatórios: Auxiliar, Banerj, Banespa,
Comind, Nacional, Olvebra e Paranapanema.
c) Porque as empresas estavam com tarifas arrochadas: Cesp, Paulista de
Força e Luz e Telesp.
d) Porque eram empresas pertencentes a um mesmo grupo e a um mesmo
ramo de negócios: Bradesco Investimentos (do grupo Bradesco), Banco
Real, Real Investimento-BRI, Real Participações, Real Consórcio (do
grupo Real). Optamos pela empresa do grupo cujas ações indicassem
melhores perspectivas de remuneração, embora todas individualmente
merecessem entrar para a carteira.
Poderá causar estranheza que, de um total de 429 companhias listadas na
Bolsa em 1981, apenas 50 (11,7%) pagassem na época dividendos anuais
iguais ou acima de 6% ao ano, e que, dessas 50, apenas 20 pudessem
qualificar-se para compra.
(*)Dividendo anual
108
Mas é assim mesmo, em qualquer parte do mundo. Por exemplo, a edição
da revista norte-americana BUSINESS WEEK do final de cada ano traz um
quadro das empresas mais importantes dos Estados Unidos, o qual contém,
entre outros dados, os cash-yields da remuneração paga aos acionistas.
Pelo último número de 1991, verifica-se que, entre as 854 companhias
mais importantes dos EUA, apenas 46, ou seja 5,4%, pagavam cash-yield
igual ou acima de 6.
No Japão, cash-yields superiores a 2% são raridade. Aos Investidores,
só resta comprar e vender ações em prazos curtos para aproveitar sua
valorização. É um mercado abusivamente especulativo.
Apenas em mercados emergentes é que o principal atrativo da Bolsa
ainda são os dividendos. Na Bolsa de Santiago do Chile, por exemplo,
grande parte das empresas paga cash-yield acima de 20.
Examinemos agora um trecho do registro fonográfico da última reunião
que tivemos com o cliente, antes de darmos início ao investimento que ele
nos confiou. Participaram o Autor, o Cliente e nosso Analista. O Cliente era
um advogado de inteligência aguda.
109
CLIENTE (completando) – Há outro provérbio. Vinte irmãos, morando
juntos, juntos não viverão vinte anos (risadas).
Estávamos falando de ações e de empresa como se fossem seres
humanos. De fato, os papéis da Bolsa têm personalidades distintas, como as
pessoas.
O cliente concordou em reinvestir os dividendos em mais ações das
próprias empresas pagadoras.
Terminada a reunião, combinamos as bases da remuneração do nosso
trabalho e o Cliente deixou-nos 300 mil dólares para investirmos. Depois
disso, de seis em seis meses nós lhe dávamos a sua posição. Uma ou outra
vez ele telefonava para saber “se as coisas estavam indo de acordo com os
planos”. Estavam.
Em meados de abril de 1981, começamos com a carteira que consta no
Quadro II-5, aplicando 10 mil dólares em cada papel. Restaram 100 mil
dólares, que foram aplicados a juros no mercado financeiro internacional,
aguardando oportunidade para também serem investidos na Bolsa, mas
cujos rendimentos líquidos eram entregues diretamente ao filho do
aplicador.
110
O investimento em Bolsa não pode ser considerado um pomar em que
você planta a árvore para usufruir de frutos e de sombra para o resto da
vida. Você pode ter escolhido a semente errada ou não ser apropriado o
solo em que plantou a árvore e, no final, depois de muitos anos, poderá não
haver nem frutos nem sombra.
Na Bolsa não há compras definitivas. Se você compra uma ação que não
deu certo, será vital para sua sobrevivência que mude para outra ação.
O nosso sistema é monitorar o investimento a intervalos de seis meses,
mais precisamente em abril e outubro. São os meses em que os dividendos
já estão pagos, o que torna mais fácil avaliar o investimento.
Faz parte também do sistema não acompanhar dia a dia a valorização da
carteira. Só faz isso quem é Especulador de negócios diários ou quem
deseja emoções fortes. Não sendo Especuladores, não estamos interessados
em saber se as nossas ações estão subindo ou descendo.
No acompanhamento dos dividendos, observamos dois princípios de
lógica elementar: • Se o dividendo cresce, o papel tende a valorizar-se.
111
• Se o dividendo cai, o papel tende a desvalorizar-se.
Mas na Bolsa as coisas não são assim tão simples e lógicas.
Frequentemente ocorrem desvios de conduta a curto e médio prazos, que é
preciso observar e corrigir. Evitando sermos obrigados a tomar medidas
subjetivas que não dão segurança, passamos a adotar algumas poucas regras
práticas de monitoração.
Já expliquei como se escolhem ações com base no cash-yield. Como as
compras não podem ser definitivas, é indispensável acompanhar o
investimento a intervalos regulares, para saber se o portfólio está no
caminho lógico ou se dele está se desviando.
Como já foi dito, acompanhar o investimento não significa acompanhar
os preços no dia a dia.
Para acompanhar o investimento, usamos o y2, que é calculado de seis
em seis meses, em dólar, com base no capital aplicado inicialmente. O
cálculo dos dividendos é feito também em dólar no dia do recebimento do
benefício.
Depois de completada a carteira com a compra dos 20 papéis
selecionados, passamos a monitorar o investimento, usando o y2. Ao
mesmo tempo, continuamos a “garimpar” o Mercado, em busca de cash-
yields atrativos (y1).
Desse trabalho, resultaram diversas compras e vendas, de outubro de
1982 a outubro de 1991. As compras estão no Quadro II-6.
112
a evolução do investimento pelo único valor que realmente interessa, que é
o valor real, e esse valor é em dólares. O valor do investimento é calculado
pela multiplicação da quantidade das ações compradas pelo seu mais
recente valor, e depois transformado em dólar.
Se um papel, comprado por 10 mil dólares, produz 600 dólares em
dividendos, ou 6%, está dentro dos requisitos para permanência em
carteira. Mas se se reduz o valor dos dividendos, não mais será conveniente
mantê-lo em carteira, pois aí seu y2 será inferior a 6%, taxa que não mais
estará remunerando o capital inicial.
Com base nesse critério, o primeiro papel que saiu da carteira foi
Mecânica Pesada (abril de 1984). Sua evolução consta no Quadro II-7.
1. A empresa pagava dividendos uma vez por ano. Conversão à taxa do dia do
recebimento 2. Dividendos (em moeda local) ÷ Preço x 100.
3. Dividendos (em dólar) ÷ US$ 10.000 x 100
4. Valores calculados em outubro de cada ano. São iguais à quantidade de ações
atualizada pela reinversão dos dividendos e pelo acréscimo de desdobramentos ou
bonificações x preço do papel + cotação do dólar comercial em outubro.
113
Se o y2 não tivesse caído abaixo de 6, isto é, se os dividendos
continuassem a remunerar o capital inicial em percentual igual ou acima de
6%, teríamos mantido o papel na carteira (ver Quadro II-8).
Na análise de uma carteira, uma vez ou outra desponta um papel que está
remunerando satisfatoriamente o capital inicial mas não pode entrar na
constituição de carteira nova porque, aos preços atuais, seu cash-yield (y1)
é inferior a 6.
Daí o seguinte corolário, enunciado por brincadeira pelo nosso analista,
mas que tem razão de ser: Se um papel não esta qualificado para compra,
nem sempre sua venda é recomendada.
De fato, a técnica manda não comprar uma ação que já se tem em carteira
e cujo cash-yield (y1) esteja abaixo de 6, mas não recomenda vendê-la,
uma vez que o capital inicial aplicado ainda está sendo remunerado acima
de 6 (y2).
Essa ação teria permanência eterna no portfólio, se eternidade não fosse
tempo longo demais em termos da Bolsa. Ela permanecerá em carteira
enquanto estiver remunerando o capital inicial em pelo menos 6%.
114
Um exemplo típico é Vidraria Santa Marina, na qual aplicamos 10 mil
dólares quando a ação tinha cash-yield semestral de 5 (y1), em abril de
1981. Nos dez anos seguintes, o papel remunerou o capital aplicado com
ótimos dividendos, mas sua valorização percentual na Bolsa foi ainda
maior que o crescimento dos dividendos.
Esse fato provocou a seguinte disparidade: o cash-yield de escolha (y1)
caiu abaixo de 6 a partir de 1986, embora a ação continuasse a remunerar o
capital inicial de 10 mil dólares com mais de 6%, sem nunca reduzir esse
percentual, mesmo nas fases mais críticas da economia.
Vidraria apresenta o paradoxo de não dever ser comprada nem vendida.
Quem já a tem não pode vendê-la, mas quem não a tem não deve comprá-la
porque seu capital não será remunerado (ver Quadro II-9) Nunca tivemos
Paranapanema em carteira, papel que registrou a mais espetacular
valorização de 1981 a 1989. É que em toda revisão semestral a ação nunca
foi julgada qualificável, por apresentar cash-yield (y1) sempre abaixo de 6,
o que significa que a ação sempre esteve muito cara pelos nossos critérios.
Paranapanema, o papel mais especulado das nossas Bolsas, tinha himalaias
de alta e abismos oceânicos de baixa, e por isso deu fortunas aos
Manipuladores e arrastou pequenos Especuladores à ruína.
O papel esteve inteiramente na mão de Manipuladores sagazes, o que era
razão suficiente para não o comprarmos.
115
1. Dividendos pagos de outubro a outubro, convertidos à taxa do dólar comercial do dia
do pagamento e somados.
2. Dividendos (em moeda local) ÷ Preço x 100. Os números entre parênteses referem-
se ao y1 de abril. Os outros, de outubro.
3. Dividendos em dólares ÷ US$ 10.000 x 100. Em todos os anos, o cálculo é sempre
feito pelo valor do investimento inicial de US$ 10.000, que é uma constante.
4. Valores calculados em outubro, quando os dividendos pagos já estão reaplicados. A
fórmula é: Quantidade de ações atualizada pela reinversão dos dividendos mais
bonificações ou desdobramentos x Preço do papel ÷ Cotação do dólar em outubro.
5. Dividendos pagos até abril de 1992, faltando, portanto, os do restante do período.
116
qualidade de majoritário. Eram valores astronômicos, que nunca foram
pagos, e que pesavam significativamente nos balanços da instituição
bancária.
Essa situação, porém, nunca impediu o banco de expandir-se, de gerar
lucros e de pagar robustos dividendos aos acionistas. Trata-se, portanto, de
tiro certo.
Veja no Quadro II-10 como evoluíram os dividendos e o Valor do
Investimento, a partir da aquisição do papel, em abril de 1985.
Observe que apenas nos primeiros quatro períodos a empresa pagou
19.840 dólares em dividendos, cobrindo o Valor do Investimento inicial; e
que só no ano de 1990 os dividendos somaram 9.480 dólares.
Banespa nunca reduziu seu elevado padrão de cash-yield (y1 e y2).
Nosso investimento em Banespa foi iniciado em abril de 1985, quando o
cash-yield semestral (y1) era 11,8 (ver Quadro II-10).
117
1 Fator A – Dividendos reinvestidos
2. Fator B – Bonificações ou splits acumulados A partir de abr/86, o cálculo é feito por
lotes de mil Banco do Brasil foi o único papel vendido por motivo não técnico.
Vendemos essas ações em abril de 1986, num momento em que eram das mais rentáveis
da Bolsa.
Na época, o governo federal, controlador do Banco, tirou-lhe formidável
fonte de recursos, a Conta Movimento, pelo qual o BB sacava diretamente
da Casa da Moeda para atender às despesas da União.
Sabíamos que sem esses recursos o estabelecimento ficaria inviabilizado
como empresa por longo período de tempo.
Foi a única vez que a venda de um papel causou-nos mal-estar, porque
até então os dividendos do BB eram sólidos e seus papéis valorizavam-se
constantemente, o que o tornava uma das melhores alternativas do mercado
acionário.
Em abril de 1992, onze anos depois de iniciado o investimento, o cliente
veio encerrá-lo. Agora diretor de empresa multinacional, tinha sido
promovido para trabalhar nos Estados Unidos.
O cliente pretendia aplicar em Wall Street o dinheiro que levaria daqui;
iria procurar um agente financeiro que usasse exatamente o nosso método de
aplicação pelo cash-yield.
Como se recorda, em abril de 1981 ele tinha deixado conosco 300 mil
dólares. Agora, abril de 1992, sairia com 3.789.600 dólares, num momento
em que seus dividendos somavam 240 mil dólares anuais, ou 20 mil dólares
por mês.
Sua posição foi liquidada conforme o Quadro II-12.
No Quadro II-13 vê-se o movimento financeiro das operações, de abril
118
de 1981 a abril de 1992.
119
Vamos agora comparar os resultados, após as devidas adaptações dos
números. No final do mesmo período, o primeiro Investidor saiu com
3.789.600 dólares, e o segundo tinha 1.455.200 dólares.
O desempenho da carteira do primeiro foi superior, uma vez que seus
dividendos eram reaplicados. Quanto ao segundo Investidor, cuja carteira
também teve bom desempenho, mas inferior à do primeiro, devemos
considerar que durante onze anos ele viveu exclusivamente dos dividendos
recebidos. E ainda vive.
Lembramos que, depois da maturação de onze anos, o primeiro
Investidor tinha dividendos anuais de 240 mil dólares, ou 20 mil por mês. O
segundo recebeu até abril de 1992 o dividendo anual de 96.000, ou 8.000
dólares por mês.
Podemos deduzir que reaplicar dividendos, para esperar a maturação do
investimento, ou usá-los à medida que forem sendo recebidos, depende das
necessidades de cada um.
Reaplicar ou gastar são, em suma, dois objetivos divergentes e
inconciliáveis.
Parece lógico admitir que, se não se precisar de dinheiro, é melhor
deixar que o investimento amadureça para só depois passar-se a usufruir
dos seus rendimentos.
120
– É mais fácil olhar para o passado do que para o futuro – diz ele.
Portanto, se a maioria dos dirigentes tem em vista ganhos futuros como
orientação, Feldsman usa dividendo passados.
Tais dividendos são 6% ou mais dos preços das ações.
Feldsman vende as ações quando os dividendos atingem 4% do preço.
Isso assegura um lucro de 50%, no mínimo.
(Transcrito de Business Week, agosto/93)
121
LEITURA COMPLEMENTAR
A CLASSE MÉDIA VAI AO PARAÍSO (VIA BOLSA) (Transcrito de BALANÇO
FINANCEIRO, outubro de 1989) Se fosse homem de visão, Karl Marx teria escrito
DAS KAPITAL para exaltar o Capitalismo e não para destruí-lo. Esse conceito é de
um tal de Benjamin F. Fairless, que na década de 50 influenciava os meios
empresariais dos Estados Unidos. Era presidente da poderosa holding siderúrgica
US Steel Corporation.
Numa festa de fim de ano, Fairless disse que os 300 mil empregados da US Steel
tinham a possibilidade de dirigir a empresa sem esperar que a classe operária
tomasse o poder no país por via de resolução sangrenta.
Segundo ele, se todos os trabalhadores destinassem mensalmente pequenas
parcelas de seus salários à compra de ações da US Steel, em breve estariam em
condições de assumir seu controle.
– Se Karl Marx soubesse que as coisas iriam acontecer dessa maneira, teria
apoiado o único sistema econômico capaz de transformar trabalhadores em patrões
–, acentuou Fairless.
Mas ser patrão não é fácil. Fairless advertiu os operários de que, se algum dia
chegassem à direção das fábricas, ver-se-iam obrigados a curvar-se diante do
patrão mais exigente de todos – o Consumidor.
Se não estiver satisfeito, o Consumidor deixará de comprar os produtos e a
empresa será esmagada por esses inimigos implacáveis da ineficiência que são os
Concorrentes.
Uma vez na direção da empresa – salientou Fairless – , os operários entenderiam
os motivos pelos quais aumentos de salários não podem ser concedidos sem
obediência a princípios matemáticos. Perceberiam que o patrão não deve se
apropriar dos lucros em proveito pessoal. E, por último, achariam acertado
provisionar parte dos lucros para executar projetos de expansão, repor máquinas e
pagar dívidas.
Fairless terminou o discurso – que foi reproduzido pelo Rotary Club em todo o
mundo – fazendo calorosa apologia das Bolsas de Valores, esses templos do
Capitalismo materialista.
A noção de que as Bolsas podem constituir a solução para muitos problemas vem
do começo deste século, quando corretores astutos tentaram difundir nos Estados
Unidos a ideia do “Capitalismo do Povo”.
Não deu certo. Não que os operários não estivessem dispostos a adorar o bezerro
de ouro. Estavam. A questão é que mal ganhavam para comer e não sobrava nada
para investir. Ainda hoje é assim.
Os operários da US Steel não ficaram donos da indústria. Mesmo que tivessem
ficado, disso não resultariam benefícios para a classe operária em geral. É que
milhões de empresas do mundo capitalista não têm ações nas Bolsas. Seus atuais
proprietários seguram-nas com mão de ferro.
Isso não é um mal – dizem os ideólogos do Capitalismo. O que importa é que os
capitalistas modernos não retêm lucros só para si. Pagam impostos, criam empregos
e lançam novos produtos que irão preencher as necessidades materiais do ser
humano.
No desenvolvimento desse processo, novos capitalistas irão surgindo, muitos até
provenientes das camadas menos favorecidas da sociedade.
Os ideólogos do Capitalismo afirmam também que ninguém vence na vida se não
economizar e não investir com prudência as suas economias.
Em meus trinta anos de Bolsa, convenci-me de que ações são o melhor caminho.
122
Conheço famílias que, ao término de um programa de investimento sistemático,
passaram a viver dos dividendos que recebem das empresas.
Elas investiam na Bolsa sem dizer nada para ninguém, com medo de caírem no
ridículo num país em que prevalecem os conceitos simplórios de que imóvel é o
investimento certo e de que é possível viver de juros.
O artigo acima foi escrito por volta de 1978, numa época em que ninguém queria
nem ouvir falar em ações. Muitas pessoas ainda estavam traumatizadas pelo crash
de 1971 e pelas histórias de horror que se contavam a respeito da quebra das
Bolsas. Poucos perceberam que a Lei das S.A., aprovada pelo Congresso no final de
1976, criava pressupostos para que o investimento em ações no Brasil fosse tão
seguro como em qualquer outra parte do mundo capitalista.
Eu estava convencido de que os que entrassem naquela hora apanhariam um
Mercado que estava praticamente nascendo e receberiam fantásticas recompensas
pelo pioneirismo.
Na ocasião, eu escrevia matérias para a GAZETA MERCANTIL sobre Bolsas de
Valores. Assumi com naturalidade o papel de doutrinador. A todas as pessoas que me
pediam argumentos que as convencessem a aplicar suas economias em ações, eu
remetia uma cópia do artigo, que, afinal, ressalvadas as tolices entusiásticas do
presidente da US Steel, tinha alguma qualidade didática.
Centenas de cópias foram distribuídas por este Brasil, juntamente com
recomendações básicas que eu dava gratuitamente.
Como na parábola bíblica, eu queria deixar a candeia bem no alto para que
todos se orientassem pela sua luz.
Há algumas dias, um leitor veio de Campinas só para me agradecer os conselhos
que, segundo ele, foram fundamentais em sua vida. Mostrou-me então o artigo, do
qual eu já nem mais me lembrava.
Esse cidadão não tem assento na diretoria de nenhuma das empresas nas quais
investiu. Mas os dividendos que delas recebe garantem o sossego da sua família.
Fiquei contente por vê-lo feliz.
Dentro das regras do Sistema, o proletariado jamais chegará ao Paraíso. Mas a
classe média pode chegar lá, se mudar seus hábitos de consumismo inútil e aplicar
corretamente suas sobras de capital.
123
CAPÍTULO III
Especulações Modernas
Day-trades e opções são os mais modernos sistemas de emprego de
capital a curto prazo na Bolsa de Valores. Eram desconhecidos nos
mercados do mundo há duas décadas.
Day-trades são modalidade puramente especulativa, constituindo jogo e
nada mais do que isso.
Opções são um sistema misto, em que tanto se pode jogar com
perspectivas de lucrar ou perder como aplicar dinheiro com total
segurança, dependendo do tipo de operação que se escolher. Uma ou outra
hipótese leva inevitavelmente ao desgaste físico e mental,
independentemente do dinheiro que se ganha ou se perde.
Nosso escritório muitas vezes negociou com opções, mas descartando
suas variantes especulativas e escolhendo fórmulas pelas quais pudéssemos
aplicar com total segurança.
Em certo momento, paramos de negociar com opções, ao verificarmos
que nesse mercado os grandes Manipuladores e Especuladores abusam do
privilégio de criar condições para ganharem de modo consistente.
Foi por isso que nos concentramos no mercado à vista, que nos
proporcionava rendimentos satisfatórios sem nos desviar da nossa linha de
tranquilidade.
Vislumbrando a hipótese de o leitor interessar-se por conhecer os
métodos operacionais das opções, o Autor escreveu um capítulo que, por
encerrar conteúdo mais técnico e exigir estudos e reflexões, está colocado
no final desta obra, como apêndice (PARTE IV – Livro II).
Se o leitor quiser aventurar-se nesse campo, considero meu dever
aconselhá-lo a familiarizar-se com todos os aspectos das operações e usar
de extrema cautela em cada atitude que tomar.
Entrar desprovido de requisitos básicos operacionais num Mercado
124
cheio de armadilhas, como é esse, equivale a andar no escuro, em caminho
estreito, em que um passo em falso leva ao abismo.
125
PARTE V
126
CAPÍTULO I
A invasão estrangeira
Procurei deixar bem claro até agora que atuar no Mercado exige prática e
experiência, nada mais, e que também a Bolsa não deve ser encarada como
hobby, ou como jogo eletrônico em que se exibe raciocínio rápido.
Bolsa, do ponto de vista do Investidor consciente, é um local onde se
aplicam economias, dinheiro poupado com sacrifício do consumo de coisas
muitas vezes necessárias, depois de ter sido ganho com extrema
dificuldade.
Se você é do tipo de pessoa para qual foi escrito este livro, não pode
sequer pensar em perder esse dinheiro valorizado pelo trabalho.
Você precisa ir à Bolsa para ganhar; não deverá entrar quando nela
houver a menor possibilidade de perder.
Este livro foi escrito como um alerta, para que você, leitor, evite perigos
em épocas de boom, quando as ações perdem a capacidade de remuneração
por causa das altas cotações.
Sem remuneração adequada, que guarde proporção com os preços,
não tem nenhum sentido comprar ações.
Mas mesmo quando os preços sobem muito, há papéis que ficam
esquecidos. Você foi instruído para procurá-los.
Você deve ter sempre em mente que:
• Um papel nunca é caro nem inviável quando subiu demais, se apesar
de grandes altas continua pagando dividendos compatíveis com os
novos preços.
• O papel só é caro e inviável quando deixa de remunerar os acionistas
com dividendos compatíveis com o preço.
Você ficou também avisado de que não deve guiar-se por falsos profetas
do Mercado.
Nem deve deixar a terceiros a administração dos seus bens. Ao
127
contrário, foi estimulado a procurar o seu próprio caminho. Se errar, deve
responsabilizar-se a si próprio pelo erro.
Você não deve entrar no Mercado só porque todo mundo está entrando. O
ideal seria que você entrasse quando o Mercado estivesse normal, sem
gente demais nem de menos.
Você sempre deve investir o dinheiro que tiver disponível e que não faça
falta. E deixar o barco correr.
Com o passar do tempo, você verá muitas baixas e muitas altas. Verá
também booms estonteantes e crashes arrasadores. Para o Investidor, um
crash é esperança de novo dia; para o Especulador, pode ser a sentença
final.
É preciso que você se conscientize de que booms e crashes se revezam
continuamente, para ficar alerta e evitar as armadilhas que em ambos
ocorrem.
Há gritante falta de papéis nas Bolsas, dos quais os melhores foram em
grande parte absorvidos pelos Investidores Institucionais.
A situação está agora agravada pela vinda do capital estrangeiro
arrivista, predador como é notório, e que não considera valores intrínsecos.
Os estrangeiros promovem a alta dos papéis que já são populares, que
têm, portanto, liquidez e cujos preços possam ser puxados sem dificuldade.
Até as próprias fundações norte-americana estão trazendo hot money para
cá.
Como são portadores de milhões de dólares, são recebidos com afagos e
festas.
Já vi isso anteriormente, na época do falso milagre econômico de 1971,
quando eles provocaram um boom especulativo que envolveu toda a nossa
sociedade e paralisou o País durante dois anos, fora os seis meses em que
vivemos como num manicômio.
Os dólares do capitalismo amoral não estão vindo para criar
empresas e aumentar a produção, e, portanto, para ajudar o nosso
desenvolvimento. Depois de feita sua incursão, os capitalistas externos
costumam ir embora sem olhar para trás.
128
siderúrgicas. Sua remessa de agora foi de cinco milhões de dólares, para
comprar de ações de empresas de telecomunicações e semelhantes.
Encarregou-nos de informá-lo, toda sexta-feira, após o fechamento da
Bolsa, do andamento dos negócios da semana. Sabe para quê? Ele queria
montar a sua estratégia para saber a hora de sair.
Esse Especulador é veterano em aplicações no exterior. Na década de
60, aplicou no Canadá, participando da onda que se fazia nos EUA em favor
do Mercado canadense, onde as ações estavam “baratíssimas”, a menos de
1 dólar. Na década seguinte, levou seu capital para o Japão. No começo da
década de 80, já estava na Austrália, aproveitando nova onda, a de ações
de mineradoras.
Em todo os investimentos que fez no exterior, nunca deixou de triplicar o
capital investido.
Há centenas de Investidores estrangeiros como esse – não importa a raça,
a religião ou a situação geográfica –, que só fazem incursões predatórias.
Normalmente, eles se mancomunam com o capital local – na verdade,
também apátrida. Os japoneses, por exemplo, aliaram-se a corretoras norte-
americanas para devastar o Mercado dos Estados Unidos. Entraram lá em
1984, em três anos elevaram os preços em altas contínuas, ganharam
fortunas incalculáveis, depenaram os Investidores norte-americanos e
depois se retiraram em 1987, quando o poço estava seco e dele não havia
mais nada que tirar.
Se o capital apátrida internacional arrasou o centenário Mercado norte-
americano, alguém duvida de que eles farão a mesma coisa conosco? Para o
tamanho das garras deles, seremos presa fácil.
No momento em que escrevo (maio de 1992), estão operando no País
diversas grandes corretoras japonesas e norte-americanas, dessas que
atuam em todas as partes do mundo e que contam com a cumplicidade de
grandes banqueiros locais. Até o final de 1991, não havia nenhuma.
Para o governo, parece ótimo negócio que elas tragam dólares num
momento em que as divisas cambiais escasseiam. Não há, porém, ninguém
no governo que seja capaz de imaginar o que irá acontecer conosco quando
esses dólares baterem asas na alegre viagem de volta, depois que os
capitalistas estiverem satisfeitos com as fortunas que terão sugado de nós.
Um amigo meu, dono de conceituada empresa de consultoria, foi
contratado por um grupo estrangeiro para passar-lhe informações completas
sobre as 50 empresas mais importantes e populares da nossa Bolsa. É ele
que diz: – Pela maneira como eles fizeram a solicitação, percebi que
129
nenhuma das ações das empresas pretendidas para compra justificava,
pelo desempenho em suas atividades sociais, o interesse internacional.
Mas eram ações que ofereciam alto potencial para manipulações na
Bolsa. Pois é para isso que os estrangeiros estão vindo.
Vi anúncio publicado recentemente em Nova York, em que a corretora
Salomon Brothers, radicada nos Estados Unidos, mas apátrida, conclamava
os aplicadores norte-americanos a aplicar nas Bolsas brasileiras.
O anuncio alegava, entre outras coisas, que a economia brasileira estava
se recuperando e que aqui as ações estão muito baratas, oferecendo amplas
oportunidades de rápido e fácil enriquecimento.
Com alegações mentirosas, eles estão repetindo o mesmo esquema que
dá sempre certo.
Há duas mentiras nesse anúncio. Nossa economia enfrenta problemas
insuperáveis e está a anos-luz da recuperação. Por sua vez, as ações já
estão caras demais, se comparados os preços com os rendimentos.
É verdade que a maioria das nossas ações está abaixo de 10 centavos de
dólar. São ações cujas similares no exterior alcançam dezenas de dólares.
Mas não é pelos preços que vamos compará-las. A comparação pelos
preços é desonesta.
A inflação brasileira obrigou as empresas a fazer grandes
desdobramentos dos seus papéis, de modo que, enquanto no exterior se
negociam ações de uma companhia por pequenos múltiplos de mil, aqui as
vendas chegam à casa de milhões.
Pulverizados os papéis, é natural que também se pulverizassem as
cotações na mesma proporção.
Os preços são efetivamente baixos se examinados à luz de sua expressão
numérica, mas o fato indiscutível é que nossas empresas não pagam
remuneração que os justifique. Ou, dizendo com maior clareza, mesmo
baixos, os preços estão excessivamente altos, se comparados com a miséria
dos dividendos que a grande maioria das empresas brasileiras paga aos
seus acionistas.
É, portanto, deslealdade exibir números de fora para pautar os nossos
preços aqui. São mundos e valores diferentes.
Você, leitor, está lembrado da minha informação de que, em abril de
1981, entre 429 empresas registradas na Bolsa para negociação dos seus
papéis, pré-qualificamos 50 ações.
As 50 ações pré-qualificadas apresentavam cash-yield igual ou superior
a 6% da sua cotação na Bolsa, índice básico de remuneração que é
130
aceitável para qualquer ativo financeiro em todo o mundo.
Em abril de 1992, onze anos depois, estavam listadas na Bolsa 569
companhias, das quais não mais que 23 desfrutavam de liquidez diária.
Dessas, só três restariam, com recomendação de compra para colocação em
carteira.
O que está acontecendo? É que as ações que se possam considerar
Investimento estão minguando no Mercado. Por falta de variedades que
facilitem a escolha, a única alternativa que resta é jogar, como fazem quase
todos os que comparecem à Bolsa no dia a dia.
Falta muito pouco para a Bolsa transformar-se naquele cassino que
todo mundo pensava que fosse e que os profissionais esperam que seja.
O investimento em Bolsa está se tornando inviável pelos seguintes
motivos: 1) A maior parte das poucas empresas que se registraram na
última década não respeita os acionistas minoritários, juntando-se às outras
mais antigas que também nunca os respeitaram.
2) O sistema Cats marginalizou 97% das empresas da Bolsa.
3) Não há renovação de empresas na Bolsa. Todavia, há em todo o País
mais de 5 mil empresas com altíssimo potencial de rentabilidade que
estão fora da Bolsa.
4) Os bons papéis estão caros demais em relação à remuneração que
pagam.
5) Dinheiro em quantidade cada vez mais crescente, dos institucionais e
dos Manipuladores do País e de fora, eleva os preços a níveis tão altos que
tornam impossível a remuneração.
6) Uma vez que foi desviada dos aplicadores a noção de remuneração, as
empresas não se empenham em pagar aos seus acionistas melhores
dividendos, porque sabem que os portadores dos seus papéis têm o
julgamento obscurecido pela valorização na Bolsa.
131
CAPÍTULO II
132
esses benefícios. Terão, portanto, de gerar dinheiro em outros
investimentos.
Como é indiscutível, as aplicações compulsórias que as fundações fazem
na Bolsa prejudicam o Mercado, embora, à primeira vista, possam parecer
benéficas pelo volume que trazem.
Quando criou a Lei da Previdência Complementar, em 1976, o governo
instalou uma válvula que era representada por índices mínimos de
aplicações compulsórias em ações. Esses índices têm sido aumentados ou
diminuídos pelo governo, obedecendo ao critério único da necessidade de
aumentar ou diminuir os negócios da Bolsa.
Ao longo do tempo, esses mínimos foram sendo fixados em faixas que
oscilavam arbitrariamente de 20 a 35%. Cada novo mínimo estabelecido
causava o efeito pretendido, com reflexo imediato na Bolsa.
Agora parece ter chegado o momento de usar o índice mínimo para fazer
recuar os preços das ações a nível aceitável. Por que, por exemplo, não
rebaixá-lo para 10%? Ou, melhor ainda, por que não tirar das fundações a
obrigação de aplicar na Bolsa?
Num primeiro momento, os institucionais desonerados se retrairiam do
Mercado, livres para aplicar dinheiro onde julgassem mais conveniente.
Como a experiência já ensinou inúmeras vezes, quando o principal
comprador para de comprar, as ações caem como folhas no outono. Todos
os papéis caros também despencariam até atingirem preços remunerativos.
Seria um ajustamento de preços formidável, mas extremamente salutar,
como são todos os crashes.
Em palavras mais claras, a Bolsa precisa cair muito para poder voltar a
ser alternativa razoável de investimentos. Paradoxalmente, só novas
desgraças no Mercado evitariam a sua destruição. Só um raio salvará a
Bolsa da ruína.
Como leitura complementar, encaixam-se neste capítulo os comentários
feitos em artigo escrito por mim e publicado na revista BALANÇO
FINANCEIRO em novembro de 1989, intitulado: UM RALO NO
CAMINHO DO CAPITAL ESPECULATIVO.
Eu sempre desconfiei de que algum dia os lucros e os dividendos
deixariam de ter qualquer importância no mercado de ações. Agora
aconteceu. A revista BUSINESS WEEK, de 17 de julho último, traz uma
listagem das mil maiores organizações do mundo com ações na Bolsa de
Valores, pela qual, comparativamente com os dados de anos anteriores, se
verifica que lucros e dividendos passaram definitivamente para plano
133
secundário.
Das ações americanas listadas, menos de 7% apresentam índice de
cash-yield igual ou superior a 6%. (o índice yield, ou simplesmente Y, é
apurado pela comparação entre o dividendo e a cotação.) Em outros
tempos, 25% das ações das empresas americanas atingiam esse nível de
6% ou mais. Mais grave ainda, desta vez a grande maioria das empresas
paga cash-yield inferior a 3%. Em 1984, era fácil encontrar em Wall
Street ações com índices Y de 12%.
Um investimento de 500 mil dólares produzia o dividendo anual de 60
mil dólares, nada mau para rendimento perpétuo.
Atualmente, o Investidor americano precisa procurar com uma lupa se
quiser conseguir o mínimo razoável de 6%, que produziria 30 mil dólares
por ano, com emprego do mesmo capital.
No Japão, nem isso. A taxa de yield considerada normal na Bolsa de
Tóquio é inferior a 1%, enquanto os índices de P/L pairam na
estratosfera, não sendo raros casos acima de 1.000, quando o normal é
10. Até agora não houve crash porque o mercado japonês é muito
disciplinado: quando a Bolsa ameaça cair, o governo ergue a batuta e a
queda estanca na hora.
A supervalorização das ações está generalizada no mundo – inclusive
no Brasil. Há aqui papéis tão supervalorizados que estão fora das
cogitações do Investidor comum, esse que investe pensando em formar
pecúlio a longo prazo. Há ações, de empresas riquíssimas, que repousam
nas carteiras dos grandes conglomerados e do fundos de pensão e outros
institucionais, e apenas figuram nos pregões para marcar presença. Como
seus preços não caem, por causa da excessiva concentração em poucos
portfólios, podem ser consideradas hoje nada mais do que investimentos
em reserva de valor, como uma joia que se guarda no cofre.
Quando se chega a esse ponto, lá se vai o ideal de “Capitalismo do
Povo”, que teoricamente permite a qualquer pessoa fazer sua
independência financeira no mercado de ações, se souber cultivar as
virtudes budistas da paciência e da perseverança.
Com as ações equiparadas ao dólar e ao ouro, para objetivos de
investimento, destrói-se o principio de que o investimento vale pelo
rendimento que proporciona, princípio basilar que até agora tem servido
de bússola para o Investidor consciente.
Eu sempre achei que aplicar em ouro e dólar era típico de quem não
tem raízes, um atavismo dos que vivem obcecados pela eventualidade de
134
terem de levantar acampamento às pressas na calada da noite.
Ao investir em ações, eu aconselhava meus amigos a seguirem os meus
passos, com base num raciocínio lógico. Investimento inteligente é aquele
que produz rendimentos. Ninguém compra uma fazenda ou instala uma
fábrica só para esperar a valorização do empreendimento.
Ouro ou dólar não se multiplicam. Se você precisar de dinheiro, terá de
vendê-los – e lá se vai seu investimento. Ouro e dólar, só como reserva de
valor, para tentar acompanhar a desvalorização da moeda e para uso
futuro. Ações, por sua vez, são um ativo produtor de rendimentos, que
podem ser gastos ou replicados.
Se tudo o mais faltar neste mundo incerto, sempre restarão os
dividendos que as empresas pagam em função dos lucros que geram em
suas atividades. O Investidor consciente não sofre abalos com eventuais
quedas na Bolsa.
Apesar das minhas desconfianças, parecia-me que essa mesma lógica,
que sempre orientou os negócios no centenário Mercado de Nova York,
fosse prevalecer, permanentemente, em qualquer parte do mundo. Se a
renda fixa paga 6% de juros reais, para competir com ela as ações teriam
de pagar dividendos em percentual pelo menos igual a 6%. Este seria o
ponto de equilíbrio, o parâmetro para determinar o preço justo.
Essa regra clássica funcionou durante grande parte do século XX. Por
que não mais está sendo obedecida? Onde está o erro? É que os tempos
estão mudados.
O excesso de liquidez em todas as economias do mundo capitalista fez
com que se exacerbasse a procura por ativos reais. Como os países estão
estritamente ligados entre si, numa era de comunicação imediata, a
liquidez se internacionalizou.
O Japão, a nação mais rica, uma vez esgotadas as possibilidades de
seu mercado de ações, voltou-se para o exterior e tem despejado desde
1984 uma avalanche de dólares em Wall Street, inflacionando os seus
preços.
Enquanto isso ocorria, os Investidores Institucionais abocanhavam
parcelas cada vez maiores de participação nas empresas mais opulentas e
rentáveis dos Estados Unidos. Segundo a já citada BUSINESS WEEK,
gigantes como IBM, General Electric, Ford, Goodyear, Monsanto,
Citicorp e Chase Manhattan, para citar só alguns nomes mais conhecidos
do público brasileiro, estão totalmente sob controle dos Investidores
Institucionais.
135
A economia mundial nunca teve tanto capital ocioso, que é desviado
para especulação e evita sua direção natural, que seria a criação de
novas empresas.
O dinheiro do mundo está resvalando para um rumo perigoso – que
pode ser o ralo.
Veja como, pouco menos de três anos depois desse artigo, o ralo
começou a drenar o capital especulativo mundial, quando o boom cedeu
lugar ao seu inevitável sucessor, que é o crash.
Em 9 de abril de 1992, o jornal O ESTADO DE S.PAULO noticiou um
crash na Bolsa de Tóquio que atingiu a cotação das ações das maiores
empresas japonesas. A queda levou o Mercado ao pânico e desencadeou
uma espécie de efeito dominó nas principais praças internacionais.
As Bolsas de Valores de todo o mundo ensaiaram a repetição dos
trágicos acontecimentos que em 1987 culminaram num grande crash, em 17
de outubro, no qual 500 bilhões de dólares aplicados nos mercados de
ações evaporaram-se ao estalar dos dedos.
Em Wall Street, a Bolsa desabou desde o primeiro minuto de
negociações do primeiro dia da quebra.
– Não fosse a atuação dos circuit-breakers (que interrompem
automaticamente as ordens de compra e venda feitas por computador), a
queda atingiria proporções catastróficas –, explicou um operador da Bolsa
nova-iorquina.
O ministro das Finanças japonês mostrou-se alarmado, mas declarou,
num comunicado divulgado pela TV, que não havia nenhum remédio rápido
para curar o mercado de ações do país. Depois de afirmar que não via
motivo para pânico, o ministro disse acreditar que “o próprio Mercado
encontrará um modo de acomodar-se”.
Mas os grandes Especuladores estão pedindo atitudes mais positivas do
governo, como, por exemplo, a liberação do bilhões de dólares acumulados
nos fundos de pensão e na poupança popular, para reviver o mercado de
ações.
Para o governo, contudo, em primeiro lugar vem a recuperação da
economia do país e não o mercado de ações. Uma fonte governamental
declarou: – Não esperam de nós medidas para levantar o preço das ações.
Os detalhes dos dramas individuais criados por essa quebra não
chegaram até nós. Com certeza são iguais aos que vivemos em crashes
anteriores, mencionados na parte inicial desta obra.
136
Crashes ocorrem quando as pessoas mais acreditam na invulnerabilidade
do Mercado.
É ilusão. Neste mundo não há nada invulnerável.
137
LIVRO II
138
PARTE I
O MERCADO
139
CAPÍTULO I
Mercado e Bolsa
140
quiser.
Para estimular os frequentadores, são oferecidas gratuitamente previsões
de numerologia, tarologia, quiromancia, cartomancia e adivinhações por
zodíacos.
Entrar para comprar e levar a mercadoria ou simplesmente para
satisfazer os vícios depende da intenção e dos gostos de quem entra. O
recinto foi preparado para satisfazer a qualquer finalidade, para o bem ou
para o mal.
As opções, os índices e o futuro de índices são verdadeiras abstrações
em torno de números, pendendo mais para loteria do que para investimento.
Essas modalidades desvirtuam as finalidades do mercado de ações.
Também são distorções do Mercado os negócios de day-trade, em que os
Especuladores negociam e zeram posições num mesmo pregão, jogando
exclusivamente com palpites e contando com a ação dos Manipuladores
para a levantada e a derrubada dos preços. São feitos day-trades no
mercado à vista, nas opções e nos índices.
São todos jogos de azar e considerados como tal. Mas são os únicos que,
em épocas de depressão, dão sustentação aos negócios.
Acompanhando a evolução dos tempos, há ainda operações que são
praticamente preparadas por computadores, nas quais o fator humano só
intervém para tomar decisões e dar a palavra final. Falta apenas uma
ligação simples com o Sistema Cats para que as negociações sejam
discutidas e fechadas diretamente entre computadores, eliminando o fator
humano.
Uma vez que máquinas não precisam de descanso, vislumbra-se para o
futuro um Mercado funcionando ininterruptamente durante as 24 horas de
cada dia. O corretor colocará no computador o boleto com as ordens e os
preços e ficará aguardando o resultado.
Computadores individuais já indicam a hora de comprar e vender para
obtenção de melhores ganhos. Indicam também o momento de vender para
reduzir prejuízos, no que é chamado de mecanismo de stop-loss.
O stop-loss é faca de dois gumes. Em outubro de 1987, nos Estados
Unidos, ocorreu um pânico de vendas quando os computadores começaram
a assinalar com insistência que era o momento de limpar as carteiras. Esse
conselho fez em poucas horas com que o índice da Bolsa caísse 50%, queda
comparável à do crash de 1929.
141
142
CAPÍTULO II
143
por meio de sinais convencionados com os operadores, ou também com a
ajuda de auxiliares de corretoras que andam por ali esperando ordens
diretas.
É por causa do vidro que o recinto é chamado de “aquário”.
Minhas ordens são dadas por telefone, de modo que pouquíssimas vezes
eu desço para a Bolsa. Mas certa vez um amigo veio de outra capital para
conhecer a famosa Álvares Penteado, a Wall Street dos subdesenvolvidos, e
pediu-me para acompanhá-lo.
Bolsa não tem nada de interessante para ver e mostrar, mas mesmo assim
eu o levei até lá.
Encontramos no “aquário” a fauna costumeira de desocupados, que
constitui a arraia miúda do mercado de capitais. Esse pessoal fala, come,
bebe e dorme números vinte e quatro horas por dia.
Ninguém ali conversa amenidades; a única motivação de todos é o jogo.
Eles se sentem tão bem nesse ambiente como se sentiriam se estivesse num
hipódromo.
Num canto, há pequeno grupo de asiáticos, gente fechada com jeito de
esfinge que não conversa com outras gangs por ter dificuldades de
expressão em nosso idioma.
No meio do falatório do recinto, erguem-se de vez em quando algumas
palavras em árabe ou inglês. Judeus convivem com árabes, esquecidos das
suas divergências milenares.
Passa por nós o José Lagarto, corretor que de vez em quando recolhe
ordens dos clientes e as leva para o pregão. Conheci esse camarada ainda
antes do boom de 1971, quando ele me veio oferecer ações de uma
siderúrgica (que, conforme se verificou mais tarde, nunca existiu),
assegurando que essa companhia tinha fantásticas “reservas técnicas” para
distribuir aos acionistas.
Como contabilista que sou, observei-lhe que seguradoras tinham reservas
técnicas, mas não as siderúrgicas, e aconselhei-o a não sair por aí
espalhando bobagens.
Sua pasta de underwriter era das mais cabeludas, contendo propostas
para subscrição de ações de empresas como Kelson’s, LTB, Dulcora,
Dreher, Belli-Pardini…
Essas ações sumiram da Bolsa como fumaça e não deixaram saudades.
Todos os clientes para os quais ele vendeu tais papéis ficaram seus
inimigos permanentemente.
Mais adiante, vejo o José Cascudo, sozinho e calado, que sequer abre a
144
boca para pronunciar o grunhindo de um cumprimento. Seus mínimos gestos
revelam ódio entranhado. Está na Bolsa há mais de 30 anos, desde quando
começou a aplicar as comissões extras que recebia como comprador de
uma empresa estatal.
Já Especulador quando o conheci, arrastava como homem sozinho uma
existência subumana. Seus parentes torciam para que ele morresse, a fim de
apoderar-se do que eles julgavam ser uma fortuna.
Vi-o certa vez num restaurante e, por mera cortesia, pedi autorização
para sentar-me à sua mesa. Disse-me abruptamente que eu não devia
esperar que ele fosse pagar a minha conta, e que quem quisesse almoçar em
sua companhia teria que pagar o próprio consumo.
Eu pedi os pratos normais do dia e ele escolheu a comida mais barata,
que era para se comer com os olhos fechados.
Como a comida veio para mim em quantidade demasiada, sugeri-lhe que
se servisse à vontade, o que ele recusou.
– Não, isso é pretexto para você dizer depois que precisamos dividir a
conta –, disse ele. – Conheço esse truque.
No fim, ele pagou a sua parte e foi-se embora, sem se despedir e sem
deixar gorjeta para o garçom. Eu, que tinha ido sentar-me à sua mesa apenas
para obedecer ao meu impulso natural de cortesia, tive um almoço
constrangedor.
Cascudo é exemplo de como a especulação e o jogo tornam certas
pessoas mesquinhas e desagradáveis.
Está consultando um terminal o José Ganso, que vi certa noite na calçada
do Ministério da Fazenda, na avenida Prestes Maia, carregando pesada
mala ao ombro, na direção da Estação da Luz. Acolhi-os, ele e mala, no
meu carro, e os levei ao seu destino. Durante o trajeto, ele me disse que não
tinha o costume de tomar táxis porque não podia ouvir o clique da mudança
dos números do taxímetro sem sentir um aperto no coração.
Vislumbro no outro extremo, olhando fixamente para o posto de opções, o
José Tralha, que é peculiarmente sensível ao movimento das cotações.
Quando compra, sofre se o papel sobe – poderia ter comprado mais –, e
sofre se o papel cai – poderia ter esperado. Quando vende, é o mesmo
raciocínio ao contrário. Nunca tem paz de espírito. A Bolsa é para ele uma
fonte de sofrimento.
Cumprimento de longe o José Raçudo, famoso porque certa vez, quando
estava quase agonizando na UTI de um hospital, chamou seu irmão para que
fosse correndo comprar opções de Petrobrás, da qual tinha ouvido “umas
145
dicas quentes”.
Aparece-me de relance o José Tranqueira, ruivo com cara de sapo que
em outros tempos ganhou fortunas no mercado futuro, que depois perdeu por
não conseguir cobrir uma chamada de margem que montava a 650 mil
dólares. Teve a carteira leiloada por 20% do valor.
Nos seus tempos de glória, Tranqueira alardeava que a vida de um
homem resume-se a mulheres e uísque. Agora, sem uísque e sem mulheres, é
um dos proscritos da Bolsa. Mas está sempre lá.
Vejo no meio de uma roda, tagarelando como sempre, o extrovertido José
Xaropo, que conheço de vinte anos atrás. Toda vez que tem sucesso numa
operação, ele faz estardalhaço capaz de sacudir os vidros das janelas.
Um dia, quando me viu, abriu os braços e gritou na sala da corretora: –
Cumprimente-me! Acabo de ganhar mil dólares!
Eu lhe disse para moderar-se, uma vez que provavelmente, naquela hora,
muitos ganharam muito mais e não estavam fazendo piruetas.
– Profissional não sai cacarejando como galinha quando bota um ovo –,
observei.
Faltava no pregão, mas era como se estivesse presente, o José Polaco,
que se fixou em São Paulo depois de libertado de um campo de
concentração na Alemanha ao término da 2ª Guerra Mundial, e que foi aqui
dono do grande tecelagem. Vendeu metade dos bens da empresa no boom de
1971 para pagar débitos no mercado a termo.
Seus filhos davam-lhe pequena mesada para satisfazer seu vício de jogar.
Mas impediam-no de entrar na empresa.
Eu tinha pena de vê-lo operar comprando e vendendo pequeníssimos
lotes de ações como se estivesse movimentando verdadeira fortuna. Mas
era grande figura humana, muito afável e capaz de contar sem repetição
episódios engraçados da guerra.
Depois que morreu, em 1984, um guarda que fazia a ronda interna da
Bolsa à noite afirmava que o via todas as madrugadas, andando pelo
“aquário” com ar inquieto.
O guarda, que fora admitido no serviço da Bolsa depois da sua morte,
não o conhecera anteriormente. Tive um calafrio quando o vi descrever o
espectro: paletó xadrez, camisa marrom, calça cinza e sobrancelhas brancas
sobre olhos azulíssimos e bigodes encanecidos, num rosto redondo e
vermelho. Era o Polaco tal e qual.
Vejo logo adiante o José Nariz, que há três anos foi internado numa casa
de repouso para doentes mentais, depois de ter levado prejuízos no
146
mercado de opções. Quando recebeu alta após duas semanas de internação,
saiu direto do hospital para a Bolsa, a fim de acompanhar os últimos
minutos do pregão.
Ele está perto do José Cansado, que um dia ficou tão lelé devido a uma
operação errada com opções que seus familiares chamaram um psiquiatra
para vê-lo em casa. Coincidiu que, na primeira tomada de pulsação, o rádio
anunciava que a Bolsa estava em baixa e os batimentos cardíacos caíram
abruptamente. Meia hora depois, na segunda tomada de pulsação, o locutor
anunciava forte recuperação do mercado, e os batimentos subiram muito.
O médico chamou uma ambulância para levá-lo ao hospital psiquiátrico,
mas José Cansado conseguiu escapar pela porta lateral. E, naturalmente,
dirigiu-se à Bolsa para fazer seu day-trade.
Ouvindo-me descrever esses caracteres, meu amigo comentou que, pelo
visto, o “aquário” era um local de encontro de psicopatas ou de pessoas
que vivem atormentadas por ideias fixas. Eu lhe fiz uma paráfrase: – Nem
todo maníaco-depressivo é Especulador da Bolsa mas todo Especulador da
Bolsa é maníaco-depressivo.
O caso é que, seja de modo mais brando, seja de modo mais agitado,
cada uma daquelas pessoas constitui um problema para seus familiares,
quando os têm. Elas alteram períodos de euforia com períodos de baixo
astral, o que as torna intoleráveis como indivíduos.
Suas atitudes em relação ao dinheiro são bem típicas. Quando ganham,
por muito que seja, apegam-se aos centavos; quando perdem, por pouco que
seja, adquirem o terror de que estão ficando pobres a caminho da sarjeta.
Todos os Especuladores que conheço estão no limiar do manicômio.
O “aquário” estava movimentado, mas chegavam mais pessoas. Meu
amigo engrolou alguma coisa como “o ambiente está difícil” e saímos para
tomar ar fresco no “calçadão” da Álvares Penteado.
Mais tarde, depois de um almoço refinado nos Jardins, ele foi mais
explícito ao descrever as suas impressões. Disse que, como espiritualista
que era, sentia miasmas no ar.
– O ar pesava como numa taberna –, falou. – Parecia que todos os
espíritos de maus instintos estavam reunidos ali. Eu me vi num pântano,
com visões de morcegos, chacais, porcos-espinhos e urubus, todos bichos
muito feios.
Disse em seguida que iria acender um incenso.
A Bolsa mudou-se para seu novo edifício em novembro de 1992.
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CAPÍTULO III
149
1° LARANJA – Também não adianta. Ele dirá que foi engano. Mas
continuará vendendo.
2° LARANJA – Então eu estou fora. Vou passar a vendedor. Esse
salafrário não entra mais num esquema em que eu estiver. Eu sou do
tempo em que a palavra do homem valia.
1° LARANJA – Eu também. Sou-lhe grato por ter-me avisado que vai
sair. Vou consultar outros colegas e talvez saia também.
O que ele vai fazer é ir correndo ao telefone sem fio para despejar
grande ordem de venda. Mas pode acontecer também que não precise
vender, porque já descarregou tudo. Ontem.
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1° ESPECULADOR – Putz, é o mesmo que a polícia dizer à vítima
para entrar num acordo com ladrão.
3° ESPECULADOR – Uma vez dei queixa à CVM, que abriu processo
e tudo o mais. Um ano depois alguém da CVM telefonou-me para
perguntar como estava o caso. Ué, disse eu, se vocês não sabem, como é
que eu vou saber? Não, CVM nunca mais.
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amadores. No dia seguinte, a vida recomeça e os preços do pregão são
muito diferentes dos anteriores, absorvendo a atenção de todos e fazendo-
os esquecer o passado. Ninguém jamais se declarou lesado.
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boletins da Bolsa e ver que ninguém vendeu nada. Nem há uma misera
oferta. Cliente ansioso e papel sem liquidez são o martírio dos pobres
corretores...
153
outro, mais outro... quando cinco perus ainda estavam debaixo da
arapuca, ele passou a desejar que apenas um voltasse, a fim de completar
meia dúzia, o que o deixaria plenamente satisfeito. Mas os outros foram
saindo... Por fim, não havia mais peru nenhum.
154
fora daqui um corretor safado. Fui dando tapas nas orelhas dele até a
calçada (risos).
Até há alguns anos, quando não havia ações escriturais e eram manejadas
cautelas físicas, empregados subalternos de corretoras encarregados do
serviço de custódia interna costumavam negociar em seu próprio nome
títulos pertencentes a terceiros.
Depois de alguns dias ou semanas, recompravam-nos e os repunham no
lugar. Se nesse meio tempo um cliente viesse retirar os papéis, os
empregados desonestos os retiravam da carteira de outros clientes e os
entregavam.
Esses empregados faziam a custódia render dinheiro em benefício
próprio. Praticavam o mais perigoso tipo de especulação, aquele que
envolve bens pertencentes a terceiros.
Usar títulos de clientes foi prática iniciada durante o boom de 1971,
quando operadores e corretores faziam operações a termo para si próprios
dando como garantia ações que estavam em custódia.
Quando sobreveio o crash, a Bolsa exigiu reforço de margem em
dinheiro, que os funcionários não possuíam. Uma vez que tinham aplicado
todo o dinheiro em papéis especulados que de uma hora para outra
perderam quase todo o valor, não puderam fazer cash para recomprar os
papéis que tinham retirado.
Alguns Investidores que foram vítimas dessa armadilha disseram-me que
tentaram reclamar nas corretoras, mas não tiveram acesso à sua diretoria.
Foram atendidos por funcionários subalternos truculentos que os
expulsavam do recinto.
Poderiam ter recorrido à Justiça, mas poucos o fizeram, simplesmente
porque, algum tempo depois do crash, a desvalorização dos seus papéis foi
tão grande que não valia mais a pena ter despesas com uma ação judicial
que seria demorada.
Só sei de um caso em que patifaria grossa foi praticada com o
conhecimento, a conivência e a cumplicidade dos dirigentes de uma
corretora.
Um cidadão faleceu depois de investir consistentemente durante duas
décadas na compra de ações por intermédio de uma só corretora, onde as
deixava custodiadas.
Na hora de levantar os bens do falecido, o advogado inventariante
descobriu os recibos da custódia e foi conversar diretamente com o
155
presidente da corretora, que, com descaramento, declarou ser desconhecido
na firma o nome daquele Investidor.
Eu guardo uma cópia do processo em que o advogado reclamava os bens,
e no qual se nota a corretora debater-se inútil e pateticamente contra todas
as evidências, para reter os papéis. Foi um trabalho de parto a fórceps. A
carteira do falecido montava a 2 milhões de dólares.
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CAPÍTULO IV
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nenhuma teoria para aperfeiçoar os negócios. As teorias que eles
engendram, em número espantoso, são de todos os tipos, e regularmente
fazem estágio no Mercado, que as aceita ou rejeita.
São coisas como fórmulas matemáticas dos riscos, lei dos declínios e
avanços, médias móveis de 10, 52 e 200 dias, lei dos contrários, programas
de computador para determinar pontos exatos de compra e venda, índices
de força relativa...
Primeiro nas corretoras, depois no Mercado em geral, os tecnômanos
foram se insinuando aos poucos, como as ervas daninhas que penetram num
jardim até fazerem parte da paisagem local.
Hoje em dia todos aceitam a presença dos tecnômanos sem ter noção do
mal que algumas vezes eles fazem. Há pessoas que não se aventuram a
tomar decisões sem consultar especialistas em gráficos. Em Nova York e
Londres a paranoia vai mais longe: há gurus que dão conselhos sobre ações
até com base nos horóscopos pessoais de cada cliente.
Algumas pessoas aparentemente equilibradas afirmam não confiar nos
gráficos para previsão de preços, mas os utilizam assim mesmo como uma
“ferramenta a mais” de apoio.
Enquanto isso, os analistas da Análise Técnica, chamados grafistas,
fazem escola e ganham dinheiro vendendo gráficos por assinatura.
Numerosos assinantes põem neles absoluta fé e aguardam, todo fim de
semana, a sua entrega por mensageiro, com a ansiedade daqueles
candidatos de exames vestibulares que esperam o resultado da prova.
O sucesso da indústria de gráficos não é um mal em si, já que em todos
os ramos de atividade há pessoas que enriquecem apanhando as sobras dos
outros. O caso é que criações como a Análise Técnica não trazem nenhum
proveito para os participantes nem contribuições positivas para o Mercado.
Nas fases de alta, vi dezenas de analistas sendo muito requisitados,
pulando de empregos e impondo os próprios salários. Quando a alta acaba,
eles são os primeiros que as instituições desempregam.
O esforço mental dos analistas estimula muitos Especuladores a também
realizar tentativas de criação. É sua contribuição à tecnomania.
Há os que metodicamente compram ações antes dos desdobramentos e as
vendem três semanas depois; há os que colocam os papéis na carteira e os
protegem com futuros; há os que negociam somente as ações que descem; há
os que vendem quando as notícias são boas e compram quando as notícias
são ruins; há os que compram só “azarões” e ações de empresas
concordatárias; há os que adotam estratégias que envolvem combinações no
159
mercado à vista, no mercado de opções e no mercado de índices futuros...
É tudo inútil, leitor. No acerto final de contas, o resultado não será pior
nem melhor do que se o Especulador tivesse escolhido ações atirando um
dardo à distância num boletim da Bolsa colado na parede.
Certa vez, numa fase de alta na Bolsa, eu estava no Rio quando um amigo
que mantinha programa de TV sobre o Mercado convidou-me para
participar de mesa-redonda à qual estariam presentes analistas e técnicos
respeitados em sua área.
Uma hora antes de iniciar-se o programa, estávamos todos reunidos numa
sala de espera, trocando ideias para quebrar o gelo e esquentar os
neurônios. Era um grupo de jovens palradores, cordiais e amáveis, mas
também um tanto pedantes, autoconfiantes e pernósticos. Eles desciam a
profundezas do Mercado que eu, veterano de três décadas na Bolsa, não
imaginava existirem. Parecia um congresso de sábios.
1º PARTICIPANTE – Acho que a alta está nos estertores. Eu já tinha
essa opinião na semana passada, que agora vejo confirmada por
formações paralelas de dois ombros e duas cabeças.
2º PARTICIPANTE – Mas essas formações já ocorreram quatro vezes
seguidas e não houve definição. Quando chegamos a este ponto o
Mercado tanto pode cair como subir.
3º PARTICIPANTE – De fato, temos um triângulo simétrico que é a
formação preferida pelos indecisos. Mas para mim a tendência continua
sendo de alta.
4º PARTICIPANTE – É bom não confundir cunhas e flâmulas. O lado
menos inclinado da cunha levou você a pensar que o corte viria deste
lado. Aí o seu erro.
5º PARTICIPANTE – Parece que aqui ninguém conhece a Teoria
Ondulatória de Elliot. Estamos agora na quinta onda ascendente, que é a
final. Sem dúvida nenhuma a reversão da tendência de alta está próxima.
6º PARTICIPANTE – Não importa o que diz Elliot. No meu entender,
ainda não é a reversão. Você viu a série de flutuações laterais de uma
mesma amplitude enquadradas entre as duas paralelas? Esse é um caso
clássico de continuação de tendência de alta.
Havia ali um sujeito que eles chamavam de Carlítuix.
1º PARTICIPANTE – Ó Carlítuix, o que você tem comprado
ultimamente?
CARLITOS – Não muito. Só empresas exportadoras.
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2º PARTICIPANTE – Eu comprei hoje o último lote que me faltava
para completar 2% da minha participação na Belgo Mineira.
Quem os ouve falando dessa maneira pensa tratar-se de um grupo de
magnatas que negociam empresas. Mas não é nada disso. Quando dizem eu
compro, eles querem dizer que a fundação, a seguradora ou banco de
investimento dos quais são empregados está comprando...
Desconfiado de que aparecer num programa de televisão com esse
pessoal poderia arruinar a minha reputação, fui perguntando a cada um
deles, em particular, se aplicava na Bolsa dinheiro próprio. Eu sempre
desconfio de falastrões que não têm vivência dos conselhos que dão.
Nenhum era Investidor constante, nenhum tinha deixado na Bolsa o seu
dinheiro suado.
Eram todos funcionários subalternos de empresas. Não tinham dinheiro
para investir, mas se consideravam conselheiros ou consultores, isto é,
aconselhavam os outros a comprar. Por associação de ideias, lembrei-me
daqueles padres que tentam resolver conflitos dos casais, tarefa para a qual
não estão habilitados, uma vez que lhes falta conhecimento prático da
matéria.
Pensei comigo:
– Que é que estou fazendo aqui? Não tenho nenhuma identificação com
esses rapazes alegres e bem intencionados mas assalariados e pobres. Vou
cair fora.
Esgueirei-me por uma porta lateral e fui para o hotel, aonde cheguei a
tempo de assistir aos últimos quinze minutos do programa. Eles deram um
show de conhecimentos teóricos. A certa altura, no encerramento, o
apresentador perguntou: – Senhores, uma última pergunta, para cada um
responder rapidamente: que ações comprar agora?
Cada um por sua vez, todos disseram que os Investidores deveriam
comprar ações de empresas de informática, o ramo do futuro.
A lógica deles era que, com o recente plano governamental de proibir a
entrada no País de computadores estrangeiros, as empresas brasileiras do
setor estariam sozinhas no mercado, sem concorrentes, e que os
Investidores pioneiros ganhariam fortunas.
Mais de cinquenta empresas de Informática foram constituídas na
ocasião, algumas das quais entraram na Bolsa com grande estardalhaço.
Três anos depois, quase todas estavam com as portas fechadas, por falta de
mercado ou de infraestrutura. As poucas que sobreviveram funcionavam de
um modo lamentável, e algum tempo depois tiveram de aliar-se a grupos
161
estrangeiros para não falir.
Milhares de pequenos Investidores foram lesados nessa aventura. Mas
não aqueles que me ouviram. Um dos meus princípios é recomendar que
não sejam compradas ações de empresas que ainda não estão consagradas.
Não vamos cometer o exagero de condenar os tecnômanos só porque há
tantas publicações querendo divulgar e promover as suas elucubrações. A
imprensa, que ajudou a criar essas figuras, promove-as de graça. Não é,
portanto, culpa deles.
A paranoia tecnomaníaca, aliás, está aí permeando a Bolsa em todos os
nichos. Na época em que eu atuava como jornalista, recebia cartas em que
aplicadores pediam orientações, a maioria portadores de diplomas de curso
superior. Todos se decepcionavam quando eu lhes dizia que para se ter
sucesso na Bolsa as teorias não valem nada.
Certa vez, um Especulador escreveu-me de Salvador (BA), dizendo que
tinha questões que precisavam ser respondidas com urgência e que em todo
o Estado da Bahia não havia ninguém com formação técnica para orientá-lo.
Ele quase me pressionava para responder a questões como estas: qual o
cálculo mais exato para obtenção do índice beta (que mede o grau de risco
de cada papel) e qual a diferença entre índice beta e capital assets pricing
model.
Respondi-lhe que eu não sabia.
Outro Especulador saiu de Bauru (SP), cidade que fica a quatro horas da
capital paulista em viagem de automóvel, para pedir indicação de
bibliografia especializada, em inglês ou qualquer outro idioma, sobre: a
maneira de determinar os pontos ótimos de compra e venda de ações e
fórmulas matemáticas que indicassem com precisão e antecedência quais as
ações que iriam subir, para ele ter tempo de escolher.
Ele queria também que eu lhe fornecesse um software, compatível com
seu computador, capaz de dar-lhe respostas automáticas que lhe
permitissem mudar de posição rapidamente e sem a menor possibilidade de
erros.
Esse aí queria pouco. Só pedia de graça a pedra filosofal, instrumento de
transformar areia em ouro que os alquimistas da Idade Média gastavam a
vida toda procurando e que nunca encontraram, porque não existe.
162
convite porque imaginava que seriam abordadas práticas do Mercado e, de
quebra, algumas coisas de uso imediato.
Teria sido preferível ser vasectomizado sem anestesia a assistir à
palestra. O catedrático disse que iria fazer um resumo das descobertas do
mercado acionário mundial nos últimos vinte anos.
Usando quadros e gráficos, desandou a falar sobre a Análise Técnica, a
Teoria dos Movimentos ao Acaso, a Opinião dos Contrários e a Análise
Marcoviana (de Markov, quem quer que seja ele).
Revelou que nos Estados Unidos existia uma torrente de dissertações,
relatórios, livros e estudos sobre previsões de preços na Bolsa, e que
exercera verdadeiro tour de force para analisar “montanhas” de papéis e
selecionar as teses mais interessantes.
A menção à palavra tese já me fez torcer o nariz, uma vez que detesto
teorias e teóricos.
A Análise Técnica era a já conhecida abominável criação que tinha
chegado ao País e dera origem aqui à praga tecnômana.
A Teoria dos Movimentos ao Acaso derivava de outra teoria, a do
Mercado Eficiente. Pressupõe que num “mercado eficiente” atuam
numerosos indivíduos racionais, que fazem refletir imediatamente nos
preços todas as informações que circulam.
Segundo a Teoria dos Movimentos ao Acaso, o preço que estiver
vigorando agora, o preço que todos estiverem aceitando, qualquer que seja,
é o preço justo, que pode variar para cima ou para baixo ou seguir em linha
reta, obedecendo a um percurso que ele mesmo se traça aleatoriamente, e
que nada tem a ver com o valor intrínseco do papel, que os homens
“eficientes” já tomaram em devida consideração.
A Teoria da Opinião dos Contrários prima pela lógica, só que a partir de
uma premissa irreal. A premissa é a de que o consenso das multidões está
sempre e inevitavelmente errado, logo, também errado é o consenso da
maioria dos que atuam na Bolsa. Desse modo, para ganhar basta apostar no
contrário daquilo em que a maioria da Bolsa está apostando.
Fiz simulação certa vez com números reais da Bolsa para testar essa
teoria, e verifiquei que o consenso é que estava sempre certo e que se
encaminharia à insolvência todo aquele que decidisse apostar contra a
maioria.
A Análise Marcoviana era a mais mentecapta de todas. Pelo que entendi
do seu emaranhado de ideias confusas, essa teoria destina-se a desempatar
ou a conciliar as várias conclusões obtidas por sistemas conflitantes.
163
O catedrático discorreu brilhantemente sobre as quatro teorias. Mas
terminou a palestra com esta estranha advertência: – É claro que este
assunto não interessa ao Investidor comum que só vai à Bolsa para tentar
ganhar dinheiro e não tem queda para matemática superior. Eu sei
exatamente o que esse Investidor desejaria: que eu lhe dissesse quais as
ações que irão subir amanhã. Não posso fazer isso, porque não é
possível. Os métodos científicos de previsão ainda não são eficazes a
ponto de antecipar preços futuros. Mas esses métodos que selecionei e
expus aqui são extremamente notáveis do ponto de vista da contribuição
teórica às atividades na Bolsa de Valores.
Num mercado prático como é o das ações, quem quer saber de
contribuições teóricas?
164
LEITURA COMPLEMENTAR
QUEM FAZ A TENDÊNCIA DOS PREÇOS?
(Transcrito de BALANÇO FINANCEIRO, março de 1985) Para o leigo um gráfico não
passa de um agrupamento de linhas que sobem ou descem, aparentemente sem
nenhuma lógica. Mas um especialista em Análise Técnica, como se estivesse munido
de óculos especiais, examinará o desenho e distinguirá figuras como leques,
flâmulas, bandeiras, triângulos, cabeças, ombros e, ocasionalmente, poderá ver até
mesmo um diamante multifacetado.
Nenhum técnico olharia para certas formações sem se alvoroçar, pois estaria
detectando baixa vertical iminente nas cotações.
De umas linhas que não despertariam nos mortais comuns o menor interesse, o
técnico extrairá esta conclusão alarmante: – A reta suporte de longo prazo não foi
superada, e abaixo da reta do pescoço teremos uma queda que fará o preço parar na
mesma distância que vai da linha do pescoço ao topo da cabeça.
O mesmo analista irá então telefonar para seus clientes, e, se todos acreditarem
nele, os preços realmente cairão de forma vertical.
Pode imaginar que, se um exército de analistas agir de acordo com a teoria, os
preços comportar-se-ão exatamente como foi estabelecido. Não se deve, portanto,
menosprezar o poderio de uma horda de analistas que tenham aprendido pela
mesma cartilha.
Os defensores da análise gráfica garantem que esse receio não tem fundamento,
porque os analistas não têm a capacidade de criar as tendências, mas de detectá-las.
Essa é prerrogativa da massa de Investidores, ou seja, a multidão irracional,
explicam.
De fato, a psicologia ensina que a multidão age como se fosse uma só pessoa,
nivelando-se por baixo.
Seguindo esse princípio, dizem os grafistas que, uma vez que é a multidão que faz
os preços, será perda de tempo procurar saber por que um papel se comportou de tal
ou qual modo, ou por que atingiu determinada cotação. Segundo eles, tudo o que
existe a respeito de uma ação já está refletido no preço de negociação, que é a média
das opiniões de todos os participantes no Mercado.
Ao Investidor que entra no jogo não compete questionar se um papel está caro ou
barato. A decisão quanto ao preço já foi tomada pelo Mercado; nada pode modificá-
la, a não ser que o Mercado decida o contrário.
Se o Mercado, isto é, se a média de todos os participantes não achar que o papel
está barato, então o papel não sairá do lugar, por maior que seja seu valor
intrínseco, por melhores que sejam as perspectivas da empresa e por maior que seja
sua rentabilidade.
Diz ainda a tese que o comportamento dos preços no mercado acionário é um
reflexo do comportamento das pessoas. E as pessoas, como qualquer ser vivente da
mesma espécie na natureza, comportam-se de acordo com padrões que quase não
variam de indivíduo para indivíduo, a não ser por exceção. A função dos gráficos,
pois, é captar esses padrões.
O registro das cotações numa folha de papel, para determinar tendências, só
existe oficialmente há algumas décadas, mas a noção de que o passado influencia o
presente sempre existiu nas mentes das pessoas. Aquele comerciante romano que
especulava com trigo tinha gravado na memória o fato de que em determinada
época do ano era melhor reter a mercadoria para vendê-la mais caro quando
houvesse escassez.
O mercado também sabia que os preços variavam de acordo com determinados
165
padrões, de modo que ele sempre sabia definir com razoável grau de precisão as
próximas perspectivas do mercado.
Sem ter nenhuma noção teórica de matemática, o comerciante romano praticava
empiricamente as leis da Estatística, a Lei das Probabilidades e a Psicologia da
Multidão. Tudo isso fervilhava na sua cabeça, sem jamais ter sido registrado no
papel. Eram gráficos mentais.
Agora, 2 mil anos depois, há ainda quem faça gráficos mentais, de forma também
inconsciente. Aquele pequeno Especulador que usa o “filtro de 10%” certamente
sorrirá com desdém se lhe dissermos que ele fez um gráfico mental.
A teoria do filtro é a seguinte: – Se uma ação sobe 10% depois de uma parada,
compre-a e espere até que ela suba mais; se depois de uma grande esticada cair
10%, venda-a e comece tudo de novo.
Certamente há um gráfico mental envolvido nessa estratégia.
O esquema de interpretação dos gráficos modernos baseia-se no rompimento de
linhas de tendência de alta ou de baixa. Esse rompimento é anunciado com
antecedência por certas formações peculiares que um olho experimentado reconhece
de imediato. São, todavia, apenas sinais, que não devem ser tomados como previsão
infalível.
Milhares de observações comprovaram que, quando ocorrem esses sinais, na
maior parte das vezes, estatisticamente, há uma alteração nos preços para baixo ou
para cima. Ou seja, com determinados padrões – na maioria das vezes.
166
PARTE II
CINCO PERSONAGENS
167
CAPÍTULO I
Os personagens do Mercado
No Mercado há hierarquia entre os cinco personagens que lá atuam –
Manipulador, Especulador, Especulador Novato, Investidor Institucional
(fundos de pensão e seguradoras) e Investidor Pessoa Física. Não nessa
ordem.
O Manipulador é quem comanda. Pelo tamanho do seu dinheiro, ele pode
também assumir as atitudes de Especulador e Investidor.
O Especulador pode ser Investidor, mas não Manipulador, por
insuficiência de capital.
O Especulador Novato é zero à esquerda.
O Investidor Institucional é aquele que fornece a lenha para esquentar as
caldeiras e movimentar a máquina.
O Investidor Pessoa Física não manipula nem especula, por questão de
princípio. Ele fica à margem dos acontecimentos, preocupado apenas com o
crescimento dos seus dividendos.
168
CAPÍTULO II
Manipulador, o maestro
Os Manipuladores, os maestros do Mercado, são poucos e inacessíveis.
Mas certa vez consegui que um deles se dignasse dar-me alguns minutos de
seu tempo.
Estávamos na plateia do Teatro Cultura Artística, para ouvirmos o
Concerto para Piano em Ré Menor de Mendelssohn, sentados lado a lado
por coincidência.
No intervalo, fiz um comentário que pareceu ter-lhe agradado, e ele
mostrou-se eloquente ao descrever episódios esquecidos da juventude do
compositor.
Reconheceu-me por causa do desenho do meu rosto, a bico-de-pena, que
a revista BALANÇO FINANCEIRO publicava no alto dos meus artigos
sobre o mercado acionário. Ele era meu leitor, e disse-o.
Intencionalmente, elogiei-o pelo seu trabalho no domínio do Mercado, o
que o deixou receptivo. Provavelmente tivesse pensado que, num local de
cultura avançada como aquele, eu não ousaria pedir-lhe “dicas” das ações
que ele estava “trabalhando” para fazer subir ou descer. Eu não queria,
porque já as tinha, mas de fato dou tanta atenção às “dicas” como aos
postes de rua.
AUTOR – Gostaria de conhecer um pouco de seu modus operandi.
MANIPULADOR – “Laranjas”.
AUTOR – Como disse?
MANIPULADOR – Agentes de manipulação. É uma técnica que existe
há mais de duzentos anos. Aprendi-a lendo a biografia do manipulador
Russell Sage, que operava com opções no século passado, nos Estados
Unidos, na época em que Lincoln ainda era vivo. Quando nos ocorre que
as opções entraram aqui somente em 1981, percebemos o quanto estamos
atrasados.
169
Como atuava? Primeiro se estocava o mais que podia. Provocava
depois aumento da procura por meio de diversos capangas...
AUTOR – Capangas?
MANIPULADOR – Desculpe, agentes “laranja”. Aumentada a
procura, ele vendia contratos de opção a preço mais alto, quando já tinha
o lucro garantido pela alta. Às vezes manipulava para derrubar os preços
depois de ter vendido a descoberto. Ganhava na alta e na baixa. Simples,
não é? Vou explicar.
Suponhamos que eu julgue estar na hora de realizar meu lucro depois
de acumular um papel durante várias semanas. Chamo os meus
“laranjas” e combinamos a estratégia, que é específica para cada tipo de
papel.
Puxar ou derrubar não tem muitas variantes em relação ao que se fazia
no passado. Por uma questão de prudência, não se pode levantar um
preço de 5 para 10 em algumas horas. Eu aumento primeiro os volumes,
com pequenas oscilações nos preços. Faço isso para despertar atenção.
Meus “laranjas” compram e vendem entre si de modo intenso, mas meu
único dispêndio de capital são as corretagens. Depois dessa fase, os
preços vão sendo levantados devagar, como num elevador de carga.
AUTOR – A essa altura outros entraram, não?
MANIPULADOR – Outros entraram e outros ainda estão entrando.
AUTOR – Para isso não há uma combinação prévia entre as
corretoras?
MANIPULADOR – Nem sempre. Discretamente meus “peões”
espalham que há um esquema. Não é preciso subornar ninguém nem
implorar para que outros se aproximem. Eles vêm loucos para beliscar a
sua parte, como as piranhas no Rio das Mortes.
Os jornais e a TV também colaboram candidamente, divulgando
notícias de alta com grande volume, o que para os leigos é promissor. As
pessoas vêm espontaneamente como os jovens vão para concertos de
rock.
AUTOR – O que vem depois?
MANIPULADOR – Depois da fase de chamariz, passo a negociar para
valer e o jogo fica profissional. Compro mil ações e vendo quinhentas no
mesmo patamar de preços. Estando a 5 a cotação do mercado, também
faço ofertas de compra a 4,90, para uma quantidade razoavelmente
grande. Há um efeito psicológico nisso. Os Especuladores deduzem que,
se há oferta firme, é porque o papel “engrenou”; não vendem, só
170
compram. Quando percebo que muitos outros estão comprando, vou
reduzindo minha proporção de compra, até chegar à venda de mil ações
para cada lote de cem que comprar.
AUTOR – E assim até acabar com o estoque?
MANIPULADOR – Só paro quando chego ao limite da quantidade que
quero vender. Aí eu saio. Às vezes o Mercado se comporta como uma
pombinha que a gente liberta. Ela vai voando, voando, até sumir da vista
ou não ter mais fôlego.
Nem fico observando o seu voo, porque a essa altura eu posso estar
noutra. Posso até estar fora do País, desfrutando de umas férias.
AUTOR – Você explicou como se fabrica uma alta. Agora me diz
alguma coisa sobre baixa fabricada.
MANIPULADOR – É fácil derrubar preços quando o Mercado está
fraco ou indefinido. Momentos assim são muito propícios ao pessimismo.
Começo vendendo a preços cada vez mais baixos para mim mesmo, em
grandes quantidades, de modo a alarmar os que estão negociando o
papel. Eles nem param para perguntar o que está havendo. E despejam.
Faz parte da técnica concentrar os negócios num período de tempo
curto, para apanhar desprevenidos os participantes que não estão muito
convictos do papel. Eles se assustam e continuam descarregando,
colaborando como bons cabritos e entregando os seus pescoços.
Alguns dias depois estou vendendo mil ações para mim mesmo e
comprando quinhentas de terceiros. Quando a cotação bate o piso, já
estou comprando mil e vendendo cem. Logo a seguir só compro e não
vendo mais nada, maduro para a nova puxada, que geralmente provocarei
a curto prazo.
AUTOR – Você, como Manipulador confesso, não atua também como
Especulador e Investidor? Você não se considera um jogador?
MANIPULADOR – (evasivo) – Tudo faz parte do mesmo mundo. É uma
coisa só. Lembre-se de que todo jogo é investimento e todo investimento é
jogo. Talvez possamos parafrasear Napoleão, que disse não haver
circunstâncias para ele. “Eu crio as circunstâncias”, disse o Corso.
AUTOR – Presumo que uma vez ou outra você tenha conflito com
algum “grande”, por exemplo, que esteja “vendido” na hora do
encerramento de uma rodada de opções em que você tenha puxado os
preços.
MANIPULADOR – (sorri) – Nada que não seja confortável.
Conversando a gente resolve “divergências”. O preço que puxei, posso
171
derrubar. Eu aviso para o pessoal que está em dificuldade: olhem,
amanhã eu paro de puxar; amanhã é “dia de graça”; vocês têm amanhã
para ajustar suas posições, nem um dia mais. Afinal, não convém deixar
que um parceiro quebre.
AUTOR – E não é só um que quebraria. Um “grande” que quebre leva
junto a corretora.
MANIPULADOR – E outros parceiros e outras corretoras. É o elo de
uma cadeia muito comprida...
AUTOR – Você não fica armando esquemas o tempo todo, não?
MANIPULADOR – Eu tenho minhas empresas e meus cavalos. E tenho
também Paris, para dissipar o tédio.
172
JORNALISTA (engasgando) – Mas no final parece a sociedade não foi
tão bem como no início, não?
MANIPULADOR – Um dia alavancamos demais o nosso capital; foi
um erro; deveríamos ter ido mais devagar. A Bolsa interveio e o resto
você já sabe. Devo ter pedido uns 100 milhões de dólares, quando, pelos
meus cálculos, se o jogo continuasse e fosse até o fim eu teria ganho 150
milhões de dólares numa só rodada.
Eu tinha a carteira estourando com tanto papel supervalorizado
graças às puxadas que demos no Mercado desde quando começamos a
trabalhar juntos, em 1985. Grande parte da carteira vendi para cobrir o
rombo. Eram “filhos” diletos como Vale, Itaú, Vidraria, Ericsson... Se não
tivesse uma carteira tão forte eu teria ido à falência. Hoje está tudo bem,
ainda sobraram alguns trocados (risota).
JORNALISTA (rindo também) – Alguns trocados?
MANIPULADOR – Coisa de uns 120 milhões de dólares.
JORNALISTA – O senhor espera recuperar o prejuízo?
MANIPULADOR – Você quer dizer: se eu espero que os meus
devedores venham aqui e me paguem as dívidas que têm para comigo?
Não, não, espero. Também não vou cobrar. Já esqueci que me devem...
173
lhe liquidez. A “dica” a ser espalhada era a de que a companhia já tinha
decidido desdobrar seu papel na base de 100 x 1. A ação, que estava a 5,
foi puxada gradativamente até 250.
Lembro-me de que, na primeira “dobrada” do papel, foi difícil fazer
com que nossos clientes que são Especuladores segurassem o papel.
Alguns venderam para realizar lucros.
Aqui entre nós, confesso a minha incapacidade para entender a
mentalidade do pessoal do Mercado. Quando o preço era 5, tínhamos
muito trabalho para convencer as pessoas a comprar papel. Mas a 100 os
compradores apareciam aos enxames, como as mariposas em noites de
calor.
O desdobramento em si não é motivo que justifique uma alta. O que é
desdobramento? Apenas números no papel, que são acrescentados de
graça porque sai de graça imprimi-los.
Mas a ação continuou subindo e a 250 ninguém queria vendê-la.
A companhia desdobrou e os acionistas correram para lá a fim de
entregar-lhe o dinheiro da subscrição simultânea ao desdobramento. Foi
um sucesso.
Só que agora não sei quanto tempo a empresa demorará para começar
a remunerar os seus sócios, devido à avalanche de ações suas que está
circulando; pelos meus cálculos, levará dez anos. Mas isso é um detalhe
que não interessa. Ganhamos altas comissões que aumentaram nossas
receitas.
Nesse dia, os jornais noticiavam que, como estávamos nas proximidades
do encerramento de mais uma rodada de opções, havia formidável queda-
de-braço entre dois Manipuladores pesos-pesados.
O combate, segundo os jornais, prenunciava feitos homéricos de intensa
luta corporal. Um dos Manipuladores, que estava comprado, forçaria a alta,
enquanto o outro forçaria a baixa. Seria duelo mortal entre gigantes.
Meu amigo riu e abanou a cabeça:
– Isso não existe. É pura ficção. Quem é grande não tem interesse em
esmagar outro grande, ainda mais por causa do vil metal. Mas, só para
argumentar, suponhamos que um poderoso desses fique maluco de repente
e decida, num momento de delírio, levantar os preços de uma ação como
Telebrás.
A única maneira de levantar preços é pagar cada vez mais caro pelo
papel. Quando percebe que há um louco adquirindo mais caro tudo o que
aparece, e que os preços, portanto, estão sendo aberrantemente
174
artificiais, o Mercado passará a vender maciçamente, que ninguém está
dormindo.
Até mesmo o suposto oponente do Manipulador maluco venderá para
aproveitar a tresloucada oportunidade. Assim, na luta, que teria
começado apenas entre dois, entrariam outros e veríamos um batalhando
contra o Mercado inteiro. Seria um massacre.
Nenhum Manipulador individual tem cacife para enfrentar uma
situação dessas. O próprio governo fracassou ao tentar segurar o preço
de uma ação estatal que estava desmoronando. Não se lembra? Foi em
1972. As ações da Vale do Rio Doce vieram descendo numa rampa, de um
pico de 50, desde o boom de 1971.
O governo interveio e manteve o preço de 13,77 durante vários dias.
Altos funcionários tentaram vender as suas posições, mas só o
conseguiram em parte.
Outros vendedores correram para aproveitar o preço artificial e
“melaram” o negócio todo. Alguns anos mais e a Vale caía para 1
cruzeiro.
Agora eu pergunto: se o governo, que tem a máquina de fabricar
dinheiro, não consegue segurar, quem conseguiria levantar?
Não, não há luta-livre no pregão. E queda-de-braço é fantasia de
jornal.
175
No início da década de 80, um milionário de nome Mofarrej moveu
processo contra Naji Nahas, considerando-se lesado em 4 milhões de
dólares numa operação especulativa em que ambos participaram como
sócios. Nahas perdeu, sorrindo como todo jogador que sabe perder. (Mas
não se sabe se pagou).
Os Manipuladores condescendem em afirmar a utilidade de analises
técnicas e gráficas em suas atividades, mas na verdade não precisam de
teorias. Pois é com base no que eles fazem que os teóricos elaboram as
teorias Para a mentalidade dos Manipuladores, tanto faz se uma
empresa dá lucro ou prejuízo e se está sendo bem ou mal administrada.
Na verdade, para eles uma empresa não passa de ficção, e a única
realidade concreta é o papel que está sendo negociado na Bolsa.
176
LEITURA COMPLEMENTAR
O MEGAESTOURO DO MEGAMANIPULADOR
(Transcrito de BALANÇO FINANCEIRO, julho de 1989) Na primeira quinzena de
junho último, logo após a quebra de Naji Robert Nahas – o Megamanipulador, assim
chamado por causa das quantias astronômicas que movimentava nas Bolsas de
Valores –, fiscais da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) espantaram-se por
encontrar nas listagens dos pregões da Bolsa do Rio numerosas operações em que
Nahas aparecia como comprador e vendedor para si próprio.
Essa é a mais primária de todas as técnicas de manipulação em Bolsa, por ser a
mais facilmente detectável. É mero detalhe, mas dos mais significativos, para
demonstrar a absoluta falta de fiscalização nos pregões e o modo descuidado como
atuavam os Manipuladores, que nunca foram incomodados em sua atuação.
Não foi por deixar identificação nas manipulações que Nahas foi apanhado. No
Brasil, manipulação não dá cadeia como em todos os outros países do mundo
capitalista. Nahas foi apanhado em sua própria armadilha, porque suas
manipulações causaram aos que com ele participavam do jogo do dinheiro prejuízos
avaliados em 350 milhões de dólares, sem contar as perdas sofridas por outros
figurantes de menor expressão que ficavam com as sobras, os grandes, médios e
pequenos Especuladores, que constituem o grupo dos que a gíria do Mercado
chamou de “caídos do trem”.
O trem da locomotiva de Nahas vinha correndo desde 1979, quando esse egípcio
naturalizado brasileiro, que vinte anos atrás veio para cá com 2 milhões de dólares,
passou a fazer incursões em nosso Mercado então incipiente.
Suas operações, só com papéis de alta liquidez, eram favorecidos pelo recém-
criado mercado futuro, onde se podiam comprar ações em valor cinco vezes maior do
que o capital aplicado.
Nahas multiplicava essa alavancagem a cada dois meses de vencimento dos
contratos, que eram sucessivamente prorrogados em valores maiores. O patrimônio
aumentava na mesma proporção das dívidas.
Seus passos foram seguidos por outros aplicadores, que em breve formavam uma
legião. A concentração dos negócios preocupou a direção da Bolsa e a da CVM, que
em várias ocasiões aumentaram inesperadamente as margens de garantia para frear
a ação especulativa. Para cobrir os reforços de margens, Nahas e seus associados
despejavam ações para venda e provocavam baixas desastrosas. Punham então a
culpa nas autoridades por mudarem as regras do jogo e por tomarem atitudes “que
revelavam ódio ao Mercado”.
Com rolagens seguidas no mercado futuro, Nahas ficou devendo às Bolsas, em
três anos, o equivalente a 50 milhões de dólares. Para prevenir uma catástrofe, as
Bolsas ameaçaram liquidar compulsoriamente todas as posições de Nahas, o que lhe
causaria perdas totais e o afastaria do Mercado.
Nahas negaceou várias vezes, até que por fim, na undécima hora, quando todos já
davam como certa a sua falência, entregou um cheque no valor dos seus débitos.
Salvou-o um empréstimo obtido no exterior junto ao Sociéte Générale, banco
francês do qual era sócio. O cheque foi fotografado e virou notícia de jornal; a cifra
era tão alta que no cheque mal cabiam os algarismos.
Nahas voltou-se, em 1982, para o recém-criado mercado de opções, onde é maior
177
a possibilidade de alavancagem. No futuro, os contratos podem ser negociados no
todo ou em parte, mas terão obrigatoriamente de ser exercidos no dia do
vencimento. Já nas opções o que é negociado é o contrato, cujo valor é arbitrado
livremente entre as partes. Não há juros, e os “comprados” não são obrigados a
deixar margens de garantia. Pode-se comprar e vender opções, e vice-versa, no
mesmo dia (day-trade), com acerto pela diferença em dinheiro.
Num Mercado tão ágil e flexível, a possibilidade de lucros é ilimitada para o
comprador; era nele que Nahas carregava suas posições. Os boletins diários das
Bolsas registravam ganhos históricos de 200% num dia só.
Com os lucros obtidos com hábeis combinações de negócios nas opções e no
futuro, Nahas adquiria papéis no mercado à vista e os guardava. No encerramento
da série de opções, ficava numa posição de compra em que os “vendidos” a
descoberto precisavam comprar dele os papéis que a ele seriam entregues. Aí
arbitrava os preços.
As Bolsas intervieram várias vezes para encerramento compulsório das posições,
impedindo que o Mercado entrasse num beco sem saída. As Bolsas podem fazer
encerramentos compulsórios liquidando as posições por diferenças. O comprador
não pode exercer o contrato, devendo contentar-se com o lucro em dinheiro.
Nahas não queria dinheiro; preferia ações, para enxugar o Mercado. Por isso,
reclamava com alarde toda vez que a Bolsa impunha liquidações compulsórias.
178
Todos estavam envolvidos na orgia especulativa. Dinheiro era emprestado e casas
eram vendidas para comprar zebu.
Ninguém parava para perguntar qual o parâmetro de avaliação de um boi. Seria
pela carne aos preços do mercado ou pela capacidade do bicho de emprenhar as
vacas? Nessa hipótese, quantos novilhos ele teria de gerar em sua existência
previsível para pagar seu custo? E não deveria ser levado em conta o risco de morte,
roubo ou peste?
Por qualquer parâmetro, em certo momento o boi zebu alcançou cotação absurda.
Mas ninguém queria saber disso, porque quem comprava esperava encontrar outro
otário que pagasse um preço mais alto ainda.
Um dia os pecuaristas acordaram como de um sonho e perceberam que não havia
mais otário nenhum. A especulação acabou. Muito boi zebu acabou em churrasco, e
muita gente ficou sem nada.
O estouro das Bolsas em junho de 1989 foi também como que um chamamento à
realidade. Quando as nuvens passaram, as pessoas reconheceram que os preços da
Vale do Rio Doce, Petrobrás e Paranapanema tinham atingido cotações francamente
abusivas. Todos sabiam que os preços eram artificiais, mas achavam que nunca
faltariam compradores à cotação que fosse.
Manipuladores de preços de zebus ou de ações são como aqueles espertalhões
que procuram otários a quem possam vender máquinas de fabricar dinheiro,
conhecidas como “guitarras”. Reconhecem que isso é crime, mas sabem também que
tão mal-intencionados quanto eles são os que compram as máquinas.
179
proclamei não haver inocentes no mercado de ações. Mas entendi de uma vez por
todas o motivo pelo qual os profissionais do Mercado não tinham o menor respeito
pela CVM.
Esse órgão parecia um xerife cego contratado para pôr ordem numa cidade de
desordeiros: na hora do tiroteio, ele nunca encontrava o caminho do saloon que era
o foco das brigas.
Muita coisa aconteceu depois dessa conversa reveladora. E a CVM, para
desespero dos que ainda sonham com mercados competitivos mas honestos, continua
na mesma covardia que desde o início caracterizou sua atuação. Inerte e
apalermada diante dos atos de licenciosidade que os Manipuladores praticam nos
pregões das Bolsas, a CVM só se preocupa com o que os pequenos transgressores
estão fazendo.
É por causa de tanta palermice e incompetência que tipos como Nahas (na
verdade ele é o protótipo, pois são diversos os Nahas da Bolsa) continuam
praticando o seu ioiô, e cada vez mais desabusados, certos de que gozarão para
sempre de imunidade institucional.
No Brasil, ele foi punido recentemente com pequenas multas pecuniárias, por ter
sido considerado culpado num processo de manipulação com papéis do Banco
Noroeste.
Quanto às manipulações com a Petrobrás, a CVM declara com muita seriedade
que nada apurou de irregular até hoje.
A recente controvérsia entre Nahas e a Bolsa de Valores de São Paulo, que fez
uma parte da imprensa brasileira pender a favor de Nahas, mostra o perigo a que se
está expondo nosso mercado de capitais ao permitir que os Manipuladores ganhem
força.
Se as coisas continuarem nesse ritmo, dentro em breve os Manipuladores estarão
escrevendo os regulamentos. E salve-se quem puder.
Foram eles que recentemente fizeram as cotações da Petrobrás atingirem preços
absolutamente incompatíveis com a situação da empresa revelada em seu último
balanço.
Com base em peças contábeis que provocaram grande constrangimento pelas
suas deficiências, os Manipuladores montaram uma arapuca no mercado de opções,
alavancando os prêmios e deixando em apuros os vendedores a descoberto. Na
tentativa de minorar as consequências do seu erro inicial, de permitir concentrações
individuais muito pesadas no Mercado, a Bolsa interveio e pretendeu encerrar as
séries de opções.
Não satisfeito com um lucro que já ascendia a 18 milhões de dólares, Nahas
recorreu à Justiça e obteve medida liminar. O presidente da Bolsa, Eduardo da
Rocha Azevedo, passou a ser considerado por órgãos de comunicação o “inimigo
número 1” do mercado acionário e a ser responsabilizado antecipadamente se os
Investidores estrangeiros mudarem de rumo e não mais trouxerem para cá os
prometidos caminhões de dólares.
180
apelar da sentença em liberdade.
Em nota à imprensa, Nahas diz que os verdadeiros criminosos são “o ex-
presidente da Bolsa de São Paulo, Eduardo da Rocha Azevedo, e seus apaniguados
Manipuladores”, repetindo acusação feita em 1989, quando entregou um cheque sem
fundos de 31 milhões de dólares para pagar dívidas no mercado acionário. Por esse
motivo, foi preso preventivamente, e cumpriu prisão domiciliar até que foi revogada
a medida.
A Justiça Federal em São Paulo começou agora a executar a sentença de um
tribunal distrital dos EUA, de agosto de 1986, que condenara Nahas a pagar 6,6
milhões de dólares num processo de manipulação do preço da prata no fim da
década de 70.
Para garantir a execução dessa medida, foram penhoradas as ações de Nahas na
sua holding Selecta e em um empreendimento agropecuário, além de diversos imóveis
em regiões nobres da cidade de São Paulo.
Todos os bens de Nahas estão bloqueados, pelo fato de que há dois anos foi
decretada a liquidação extrajudicial da seguradora que lhe pertencia, a
Internacional de Seguros. Grande parte dos ativos dessa empresa existia somente na
escrituração do balanço patrimonial.
O mesmo juiz federal condenou também o corretor Fernando de Carvalho,
envolvido no caso Nahas. Carvalho era dono da centenária corretora Ney Carvalho,
a mais antiga do País, e que foi liquidada pelo Banco Central. Poderá cumprir a
pena em liberdade, mas está impedido de deixar o País sem autorização judicial.
Seu advogado interpretou de modo sui generis a sentença, ao dizer: – Ele não foi
condenado. Apenas recebeu decisão judicial desfavorável.
Dois anos depois, Nahas foi absolvido pelo Supremo.
181
CAPÍTULO III
182
AUTOR – Mas você também perde.
ESPECULADOR – Faz parte do jogo, pô. Quando perco, tenho
vontade de colocar o rosto na privada e apertar o botão de descarga.
Você vê que eu vivo de um extremo a outro. É uma gangorra.
AUTOR – Você já teve medo?
ESPECULADOR – Certa vez eu estava vendido e o Mercado começou
a subir na última meia hora. O operador não conseguiu encerrar minha
posição. Era uma sexta-feira e segunda seria feriado. Você já esteve
vendido num Mercado em alta? Passei os três dias mais miseráveis da
minha vida. Não comia nem dormia. Lia jornal e não entendia. Pessoas
falavam comigo e eu não respondia. Eu estava tenso, meio sonâmbulo.
Todas as ideias negras circulavam na minha cabeça.
183
interessando por participar dos seus benefícios.
Mas, entre os Especulares de importância, a maioria não segue essa
única mão de direção. A maioria aproveita os lucros na compra de ações à
vista para conservar por tempo mais longo. Nisso, eles se comportam como
Investidores.
Os grandes Especuladores que também são Manipuladores jamais são
vistos no Mercado ou em suas proximidades. Eles manobram à distância,
mantendo-se ocultos. E fingem indignação quando são chamados de
predadores do Mercado, o que realmente são.
Conheço alguns peixes miúdos do “aquário” que pomposamente se
declaram Especuladores profissionais. Mas na realidade não passam de
pessoas pequenas que se alvoroçam quando conseguem beliscar algumas
migalhas.
Eles procuram adivinhar o que os “grandes” invisíveis estão fazendo,
para então tentar imitá-los. Seguem atrás dos leões em busca de sobras,
como as hienas. Quando a Bolsa cai, eles ficam ansiosamente esperando
que os Manipuladores levantem os preços, o que os salvará de prejuízos.
Não está comprovada a noção de que são os Especuladores que dão
liquidez aos negócios do Mercado. Os Especuladores só compram e
vendem os poucos papéis que já têm liquidez. Se essa liquidez não
existisse, não seria possível negociar os papéis, e os Especuladores, que
não têm residência permanente em qualquer setor do mercado financeiro,
estariam levando seu capital para outro destino.
A meu modo de ver, portanto, os Especuladores operam com ações que já
têm liquidez por sua própria natureza e que representam apenas pequena
parcela do Mercado.
Os Especuladores não contribuem significativamente para os pregões
com dinheiro novo. Eles negociam sem parar na modalidade de day-trade,
e ao encerrar-se o pregão estão com suas posições zeradas. Aproveitando a
gíria do Mercado, eles levantam quantidade infernal de espuma, mas com
pouca água.
No final do pregão, os computadores somam todas as operações como se
fossem reais e concretas. Desse modo, os milhões negociados somam
quantia muito maior do que o dinheiro que efetivamente entrou. São reais
apenas as corretagens que as corretoras recebem e os lucros eventuais dos
participantes.
Como os computadores da Bolsa não foram programados para separar o
dinheiro falso – o dinheiro da “espuma” – da moeda verdadeira, que é o
184
capital novo, o pessoal que está de fora fica com a impressão de que o
volume contabilizado é realmente aquilo que aparenta ser, quando, na
verdade, não existe. É dinheiro eletrônico.
Leitor, quando você ouvir ou ler que o volume da Bolsa está subindo e
que os preços estão acompanhando essa ascensão, acautele-se. O dinheiro
pode não estar lá, como na maior parte das vezes não está, embora figure no
Boletim como se estivesse. Mas quem entrar terá de pagar o preço com
dinheiro real.
Os Especuladores que têm experiência dos azares do Mercado
geralmente fazem girar na Bolsa não mais que 10% do capital que possuem.
Eles mesmos não confiam no Mercado, que consideram terreno
movediço.
O fato curioso é que, sejam grandes ou pequenos, os Especuladores não
precisam especular para viver. Fazem-no por compulsão, ou, diríamos
melhor, por vício.
Certa vez, durante o boom de 1971, o então presidente da Bolsa de São
Paulo, Pires Germano, foi convocado pela Assembleia Legislativa do
Estado para explicar o que estava acontecendo com o Mercado. Os
deputados, esbravejando, entraram de sola, acusando a Bolsa de estar
drenando a riqueza nacional. Um deles vociferou.
– É um absurdo. Todo mundo está comprando ações.
O presidente da Bolsa replicou calmamente:
– Não há nada de absurdo. Se todo mundo está comprando é porque
todo mundo está vendendo.
Aparentemente, seu argumento era irrespondível, porque parece lógico
que sem comprador não há vendedor, já que todo negócio é bilateral. Isso
ocorre, por exemplo, quando está sendo negociado um apartamento.
Mas não é bem assim na Bolsa. No mercado de ações, pode haver um
único vendedor para milhares de compradores, como no caso daquele
espertalhão que vendeu como souvenirs para turistas pedaços do Muro de
Berlim quando este estava sendo derrubado. Às vezes é só um que tem a
mercadoria, e quem quiser comprá-la terá de sujeitar-se aos preços que ele
impõe.
Quando a Bolsa despencou depois do boom, se fosse convocado outra
vez o presidente da Bolsa certamente ouviria acusações como: – É uma
coisa horrível. Todo mundo está perdendo dinheiro com ações.
Ao que ele responderia, com o mesmo teor anterior de sofisma: – Ora, se
185
todo mundo está perdendo é porque todo mundo está ganhando. Isso é
ótimo. É o verdadeiro capitalismo.
Poderia até explicar que o que estava ocorrendo era conhecido em
economia como “transferência de renda”, que é muito salutar.
Seria outro sofisma. Na verdade, nos boom não são muitos os que
ganham muito, a não ser aqueles poucos que, por um motivo que fugiu do
seu controle, venderam suas posições antes da quebra. Nem são muitos os
que perdem muito nos crashes, a não ser aqueles poucos que tomaram
dinheiro emprestado para alavancar seus negócios.
Também não tem fundamento a tese de que com a queda na Bolsa esvai-
se a riqueza nacional.
Para deixar bem claro o assunto, imaginemos que o Mercado seja uma
brincadeira infantil em que as ações se façam representar por fichas que
cada participante compra ao entrar no salão.
Todos ficam negociando a fichas entre si, em grande algazarra, fazendo
com que os preços se elevem. Cada jogador novo que aparece terá de
comprar as fichas aos preços que naquele momento estiverem sendo
aceitos.
Essa cotação certamente não é o valor intrínseco de cada ficha, que só
vale mesmo o preço do metal em que foi cunhada.
Depois de horas e horas, as crianças se cansam de brincar e algumas
começam a vender as fichas para ir embora. As que vendem primeiro vão-
se contentes por terem embolsado lucros reais.
Mas, conforme os participantes vão-se retirando, as fichas perdem
aquele valor alto que atingiram e voltam a ser oferecidas pelo preço do
início da brincadeira.
Como preço de agora não é mais de fantasia, verifica-se que a fortuna
que se dizia estar sendo movimentada não passava de pura ilusão.
É esse tipo de riqueza fantástica que se esvai quando há um crash na
Bolsa. Essa riqueza nunca existiu de fato, a não ser na imaginação das
pessoas que se envolveram no negócio.
186
2º ESPECULADOR – Nas altas loucas, as ações de baixo preço sabem
em proporção maior do que as ações de conteúdo técnico. Quando o lixo
sobe é porque os carneirinhos estão entrando. O carneirinho não sabe
que se um papel está barato é porque não vale quase nada. O público
gosta de comprar em liquidações, atraído por preços baixos, sem
considerar a qualidade das mercadorias. Esses otários é que dão a maior
parte dos meus lucros.
3º ESPECULADOR – Não sou desses que fazem day-trade com muita
frequência. Mas estou sempre pronto para mudar de posições. É como se
eu tivesse passeando de trem e pulasse para outro em sentido contrário.
Adoro saltar para uma ação que está subindo, esperar que pare de subir e
em seguida saltar para outra que começa a escalada. É como voltar aos
tempos de menino.
4º ESPECULADOR – Eu me oriento pelos volumes. Compro quando a
ação está caindo com volume pequeno e vendo quando começa a subir
com volume grande.
5º ESPECULADOR – Eu também observo os volumes, mas com estilo
diferente. Compro quando a ação está caindo com volume mais alto do
que o normal e vendo quando o volume fraqueja. Se depois que eu compro
a ação estaciona, fico firme na posição, numa postura positiva,
acreditando que logo haverá definição.
6º ESPECULADOR – Meu princípio é vender hoje com pequeno
prejuízo para não ter de vender amanhã com prejuízo grande. Por isso eu
opero de minuto em minuto com day-trade.
7º ESPECULADOR – Sou Especulador de curto prazo porque o
amanhã é uma incógnita. Se o Mercado sobe muito em prazo curto, vendo
rápido. Não sei de onde vêm todas aquelas pessoas que entram quando os
preços já subiram demais. Mais e mais dinheiro é sempre necessário para
manter o nível alto dos preços, mas a fonte desse dinheiro não é
inesgotável. Se o volume cai, é porque o dinheiro da farra acabou, e os
preços vão cair inevitavelmente.
8º ESPECULADOR – Eu negocio como quem está numa corda bamba
em cima do abismo. É meu hobby. Faço girar no Mercado apenas 10% do
meu capital. Se desses 10% eu perder 10%, está bem, porque estão só
perdi 1% do capital. É o máximo de prejuízo que posso aguentar por mês.
Sou viciado em jogo e acho a Bolsa um lugar mais elegante para perder
dinheiro do que o hipódromo.
9º ESPECULADOR – Prefiro fazer média pelo alto, por isso compro só
187
quando os papéis sobem. Quanto mais sobem, mais eu os compro. É na
alta que aparecem os vendedores. Mas quando o papel cai mais de 10%,
eu vendo tudo de uma só vez.
10º ESPECULADOR – Eu só compro na baixa, de olho firme nos
índices e nas blue-chips. O melhor momento para comprar é quando o
Mercado caiu forte durante três pregões consecutivos.
11º ESPECULADOR – Eu só trabalho com PLs acima da média. Esses
PLs indicam que a ação é popular. Essas ações são as mais negociadas e
sobem mais depressa. Os riscos são mínimos.
188
circunstância anormal.
AUTOR – Sim, mas quando o paralelo 80 foi furado, o papel não só se
manteve no alto como também continuou subindo até beirar o ponto
máximo da escala, que é 100. Isso quer dizer que quem vendeu
obedecendo à lógica do Índice Relativo de Força “perdeu o bonde” e
deixou de ganhar bom dinheiro.
ANALISTA – Mas isso tem uma explicação. É porque entrou dinheiro
do exterior. Os estrangeiros vieram “com tudo”, pagando qualquer preço.
Eles não olham nenhum índice. Esse fator novo desorganizou todo o
sistema.
Esse diálogo confirma aquilo que sempre se disse a respeito de índices e
gráficos. Eles precisam da credulidade das pessoas para funcionar. Se
todos os aplicadores da Bolsa obedecessem às regras estabelecidas, o
Mercado teria comportamento ideal para os formuladores dos índices e dos
gráficos.
189
AUTOR – E o seu trabalho aqui? Fale sobre ele.
ANALISTA – Somos especializados em lidar com ações
negligenciadas. Obtemos informações pouco usuais, para municiar os
nossos corretores, que por sua vez vão influenciar os clientes, todos
Especuladores.
AUTOR – Mas vocês já não têm departamento de análises?
ANALISTA – Temos, mas este é um tipo diferente de análise. Os outros
analistas trabalham em cima de dados disponíveis e conhecidos do
Mercado. Nosso trabalho é criador; é feito não só dentro da corretora
mas no ambiente do Mercado e às vezes até fora dele. Eu passo o tempo
todo conversando, ouvindo, aprendendo e colhendo dados. O objetivo é
conseguir uma informação aqui, outra ali, e juntar as peças até que seja
possível fundi-las num conjunto coerente.
AUTOR – Explique melhor.
ANALISTA (empolgado, com a “corda” toda) – Suponhamos que, após
o estudo de um papel, cheguemos à conclusão de que a empresa precisará
chamar subscrição. A questão é saber quando e em que condições. Como
nenhuma empresa chama subscrição sem amenizá-la com desdobramento,
que é o que mais nos interessa, o assunto se torna transcendental.
Ficamos “cutucando” as pessoas ligadas à empresa para saber detalhes
e obter confirmação.
AUTOR – Para isso vocês precisam ser bem relacionados.
ANALISTA – E somos. Sou sócio de muitos clubes. Comprei um título
do Pinheiros só para fazer amizade com um frequentador que é contador-
chefe de uma empresa que nos interessava. Ele agora é meu amigo. Estou
até namorando a sua filha. Ajuda muito a amizade com pessoas certas.
Alguns amigos meus são diretores de fundos de pensão e encarregados
das carteiras de ações. No Clube Harmonia quase diariamente eu me
encontro com pessoas que estão inside. As informações fluem
naturalmente no meio de uma conversa ou de um carteado. Ninguém se
compromete. Às vezes recebo uma informação relevante que o informante
finge não perceber que deu. Eu sei que ele me usa, mas eu também o uso.
É uma recíproca.
AUTOR – Você tira proveito dessas informações?
ANALISTA – Pessoalmente não, mas os clientes da firma são muito
favorecidos. Eu passo as informações aos corretores que as repassam aos
clientes. Há três meses fiquei sabendo que o Bradesco estava interessado
na Metal Leve. Compramos tudo o que apareceu do papel. Por fim o
190
Bradesco comprou um block-trade e entramos vendendo. Foi uma
“cacetada”. Enchemos o baú.
AUTOR – Pelo que vejo o seu trabalho é estratégico.
ANALISTA – É isso. Temos históricos de todos os papéis da Bolsa.
AUTOR – Há mais alguma coisa?
ANALISTA – Sim, há. Vivemos farejando pechinchas. Na Bolsa há
ações tão largadas quanto mulheres velhas repudiadas pelos maridos.
Agora mesmo estamos fazendo uma relação das ações que não se movem
há mais de trinta dias. Elas ficaram esquecidas devido as coisas
“ligeiramente” anormais, como prejuízos. Os gráficos estão em dia.
AUTOR – Pensei que vocês não trabalhassem com gráficos.
ANALISTA – De fato, não usamos os gráficos da maneira como outros
usam. Acontece que os gráficos são bons para a visualização do
comportamento do papel. Veja aqui este gráfico da Cofap. Se você
descontar a inflação, não sobra nada. Está visível que o papel foi deixado
às traças. Mandaremos comprar a ação quando ela der sinal de vida.
191
AUTOR – Mas eu sempre soube que os gráficos devem ser feitos depois
do pregão, quando já estão conhecidos os preços de abertura, o máximo,
o mínimo, o médio e o do fechamento, para o analista raciocinar com
frieza.
TROMBUDO (com ar de superioridade) – Não, não. Os prêmios
saltitam muito. Opções é mercado moderno, da Era da Computação.
Gráficos de opções são para pessoas dinâmicas, que precisam de um
instrumento exato para poderem agir com a rapidez do relâmpago. Sou da
nova geração de Especuladores, pô. Minhas decisões são tomadas em
questão de segundos.
AUTOR – Presumo então que você esteja ganhando muito dinheiro com
essas especulações.
TROMBUDO (dando um sorriso superior) – Ainda não. Tenho muito o
que aprender. Deixe-me explicar. Hoje comprei neste ponto...
AUTOR – Comprou por 50, a cotação agora é 30. Você está perdendo.
TROMBUDO – Perder faz parte do jogo. Ainda estou me
“calibrando”. Hoje perdi menos do que ontem e menos ainda do que
anteontem.
AUTOR – Mas está perdendo, de qualquer modo. Se perde tanto, você
poderá ficar descapitalizado.
TROMBUDO – Aí você se engana. Minhas operações são todas de day-
trade. Não ponho dinheiro, e só acerto pelas diferenças. Estou esperando
o dia em que possa levar dinheiro para casa sempre. Aí me considerarei
um profissional.
AUTOR (com ironia disfarçada) – O corretor deve tratar você muito,
bem, não?
TROMBUDO – Temos bom relacionamento. Hoje vou almoçar com ele
no intervalo do pregão.
192
ESPECULADOR (não responde, dá meia-volta excitado e manda o
corretor vender a 9 e em dobro. E volta, alegre) – Fique olhando o vídeo.
Todo mundo passou a vendedor. E o índice está caindo para o nível de
suporte. Êpa! Está furando... Furou! Agora tenho a certeza de que não
haverá exercício e que tudo vai para o ralo.
De fato, tudo despenca, uma ação atrás da outra, como as mercadorias de
uma prateleira: os prêmios e as principais ações do mercado à vista. Eu e
ele saímos para tomar café num bar. O Especulador está muito confiante em
que suas previsões vão dar certo. Ninguém ousará levantar novamente os
preços, uma vez que os gráficos o proíbem.
Depois voltamos e ficamos no salão da corretora. De repente vejo que
ele fica alvoroçado. Surpresa! Tudo volta a subir. O Mercado parece um
foguete. Será que se confirmou o boato dos bons lucros da Telebrás?
A operação de opções vendida a descoberto por 9 está agora em 12. Meu
amigo vai trêmulo para a mesa do corretor e manda “torrar” tudo.
Por agir depressa, ele se considera Especulador mais rápido que o
gatilho. Seu prejuízo nesse dia foi de 12 milhões. Usando o mesmo método,
no dia anterior tinha ganho 16 milhões.
193
LEITURA COMPLEMENTAR
DIA DE LEÃO E DIA DE CERVO
(Transcrito de BALANÇO FINANCEIRO, agosto de 1989) Recente trabalho publicado
pela Bolsa de Valores de Nova York revelou que 72% dos Especuladores pessoas
físicas perdem dinheiro em Wall Street.
Essa notícia faz-me lembrar de pesquisa que realizei há alguns anos, em busca de
dados para a GAZETA MERCANTIL. Ao consultar os fichários da corretora de um
amigo meu, notei que 70% dos clientes operavam às cegas, como quem atira no
escuro. Ao longo do tempo, perdiam feio.
Eu já tinha visto algo semelhante no livro THE STOCK EXCHANGE – A SHORT
STUDY OF INVESTMENT AND SPECULATION, edição de 1948, da Oxford
University Press (London, New York, Toronto), de autoria de Francis W. Hirst.
Especuladores aparecem ali como indivíduos desequilibrados, que, por terem
monstruosos números fictícios girando na cabeça, acabam perdendo todo contato
com a realidade e toda noção do valor do dinheiro na vida prática.
A obra menciona pesquisa feita nas contas de 4 mil Especuladores, movimentadas
no período de dez anos, e deduz que a especulação com ações tem quatro aspectos.
• É jogatina pura.
• O sucesso leva ao excesso e depois ao desastre.
• A tendência geral é comprar a preços altos e vender a preços baixos.
• Cerca de 80% das contas terminam em prejuízos.
Minha própria experiência ensina que nas operações especulativas ninguém sai
incólume, pequenos ou grandes. Especificamente, os grandes Especuladores podem
não perder com muita frequência, mas a eles se aplica aquela doutrina de que
“quanto maior, maior o tombo”.
Eu acreditava que os grandes Especuladores fossem ganhadores perpétuos até o
dia em que, há cinco anos, entrevistei Ricardo Thompson, dono da Corretora
Progresso – a mesma que em junho deste ano foi à falência por excesso de
especulação com número reduzido de clientes. O principal cliente era Naji Nahas, o
megaespeculador que agora deu um megaestouro na praça.
Naquele dia, a jornada tinha sido ruim. As operações de day-trade deram com os
burros n’água. Thompson fez um trocadilho engraçado com as palavras day e gay,
mencionando o leão que teve o seu dia de cervo, e depois mostrou-me as cifras dos
prejuízos que seriam rateados entre os perdedores.
Eram cifras altas, de deixar em pé os cabelos dos homens comuns como eu. Eles,
os superendinheirados, não se importavam e até faziam piadas.
194
baixavam e se elevavam, nada mais.
Mas alguns conceitos básicos aprendidos com Darvas calaram-me fundo e
tiveram certa utilidade prática quando mais tarde comecei a investir em ações todas
as minhas economias.
Antes de encerrar-se a década de 50, tantas pessoas tinham lido o livro de
Darvas, nos Estados Unidos, que o dinheiro que elas levavam a Wall Street chegou a
provocar um boom. A “darvasmania” deu origem a matéria na revista TIME, serviu
de base para um musical, encenado na Broadway, e, naturalmente, provocou
investigação da Securities & Exchange Commission (SEC), a CVM de lá.
A investigação chegou a uma conclusão não convincente: a de que Darvas tinha
realmente ganho 2 milhões de dólares em Wall Street, mas como resultado de sorte
fenomenal e não como consequência de algum método infalível.
O processo criminal por impostura, intentado na ocasião, não foi levado avante,
mas a SEC criou normas para neutralizar o movimento dos discípulos de Darvas,
que já constituíam uma multidão e, portanto, eram capazes de criar tendências de
alta ou de baixa.
O método de Darvas fala ao senso comum. As cotações dos papéis movimentam-se
para cima e para baixo, dentro de uma faixa de valores que o autor chama de box.
Enquanto a cotação não fura o teto você não faz nada, mas quando fura, deve
observar se há formação de novo box imediatamente superior. Se isso ocorrer,
comece a comprar a ação usando uma parcela do seu capital. Só utilize as parcelas
restantes se o preço continuar subindo, isto é, se a cotação entrar em novos boxes. Aí
você aumenta seu patrimônio comprando na alta.
Mas e se o papel cair abaixo do piso do box? Para evitar prejuízo maior, você
determina de antemão um preço de venda por valor mais baixo, situado no box
inferior. Fazendo isso, ou seja, vendendo um papel que está caindo, você está nada
mais do que pondo em prática o mecanismo chamado stop-loss (interrupção do
prejuízo), que os profissionais utilizam sem hesitação sempre que seu investimento
ameaça “azedar”.
Outros conselhos de Darvas:
• Jamais entregue a terceiros a administração da sua carteira.
• Não acompanhe os lances do pregão, para não ficar nervoso.
• Não ouça boatos, para não se deixar influenciar por fatores extras.
• Aprenda a ler relatórios de administração e também a interpretar números de
balanços.
A regra de ouro que se pode extrair da teoria dos boxes é a seguinte: “Para
ganhar na Bolsa, venda quando a ação está caindo e compre quando está subindo”.
Justamente o contrário do dogma famoso.
Para tornar mais pitoresca sua teoria, Darvas comparou os preços a um pássaro
preso dentro de um compartimento debatendo-se para sair. Mas, quaisquer que
sejam as imagens utilizadas, o esquema a rigor é o mesmo da Análise Técnica, como
praticada nos dias de hoje.
O livro contém ainda alguns lances muito sugestivos, mas o que permaneceu na
minha memória foi aquele em que Darvas descreve o revigoramento dos negócios na
Bolsa, depois de um longo período de baixa e de desânimo, ao notar que algumas
ações “começavam a despontar de maneira quase imperceptível como botões de
primavera germinando num dia de inverno”.
Poesia e Bolsa não combinam, mas nos anos subsequentes, em varias ocasiões, vi
o Mercado chegar ao fundo do poço. E é exatamente do modo descrito por Darvas
195
que a Bolsa reage após a depressão. Tudo no mais rigoroso esquema da Análise
Gráfica. E afinal de contas verifica-se que todos os esquemas são iguais e que as
margens de erros e de acertos dependem apenas do feeling de cada um.
196
provavelmente sempre existirão enquanto durar a Bolsa.
Um de seus grandes cuidados operacionais é jamais tentar comprar no ponto
mais baixo nem vender no pico da alta. Isso seria um atentado ao bom senso e à sua
técnica de trabalho. Para explicar seu ponto de vista ele usa imagem muito
sugestiva: – Você não come nem a cabeça nem a cauda de um peixe.
O sentido é óbvio. Se o papel está no fundo ninguém está certo se vai cair mais
ainda. A compra só deve ser feita quando há certeza de que o Mercado reverteu. Mas
esta certeza só ocorre quando você já perdeu pequeno percentual, ou seja, a cauda
do peixe. Da mesma forma, só deve vender o papel quando a alta está forte. Você
vende; se o papel sobe mais, você perdeu a cabeça do peixe, mas ganhou o filé, a
parte melhor, a que lhe deu certeza de ganhar. Tanto na alta quanto na baixa, a
parte do filé é que teve liquidez.
Como todo ser humano, Yamashi também está sujeito a erros. Um dia seus
gráficos e todos os demais apetrechos indicaram compra, mas houve reversão
inesperada. Saiu uma notícia ruim, o Mercado “azedou”. Yamashi liquidou sua
posição quando o prejuízo atingia 10%, e foi para casa: – Era preciso limpar a
cabeça –, explica.
Isto é, era preciso esquecer. Esquecer negócio malfeito é a melhor maneira de ter
paz de espírito e de reagrupar as energias para começar tudo de novo.
197
CAPÍTULO IV
198
amanhã é dia de compra.
2º NOVATO – Ele é bom analista. Na semana passada disse que
Merbarata iria furar a linha de resistência e disparar de 30 para 40.
Acertou em cheio; foi exatamente o que aconteceu.
1º NOVATO – É, eu vi. Eu ia colocar todo o meu 13º salário nesse
papel, mas a repartição atrasou o pagamento.
Logo eles mudam de assunto para falar de outro novato que até há pouco
tempo especulava na Bolsa.
1º NOVATO – Você viu o que aconteceu com José Raposo?
2º NOVATO – O que eu soube é que ele fez um day-trade com opções e
se deu mal. Perdeu uma fortuna.
1º NOVATO – Eu o encontrei outro dia no Metrô. De cabeça baixa,
muito arredio, não é mais aquele sujeito alegre que conhecemos. Só diz
que a Bolsa não é lugar para gente honesta.
2º NOVATO – Não é para tanto. Mas o caso é que ele perdeu 600
dólares.
1º NOVATO – Eu não sabia que seu prejuízo tinha sido tão grande.
Vê-se que ambos são novatos porque jogam na Bolsa até o dinheiro do
táxi. Eles têm todo o seu tempo e todos os seus interesses absorvidos pelo
Mercado.
Como os grandes Especuladores, os novatos operam com fervor e
paixão. A diferença é que, quando os negócios lhes saem errado, eles
retiram-se vencidos da arena, sem recursos materiais e mentais para
prosseguir.
199
triplica o seu capital. Pela assessoria eu lhe cobro apenas 10% do seu
lucro...
Os novatos deslumbrados são figuras das mais lamentáveis. Mas
felizmente para eles e para todos os participantes, têm curta permanência na
Bolsa. Pululam aos magotes nas épocas de boom; são ruidosos e
malcriados.
Geralmente não têm muito caráter nem muito dinheiro. São pessoas sem
idade, sem ideologia e sem profissão específica. Como sua vida é
relativamente estável, sentem-se independentes por terem conseguido juntar
algum patrimônio e procuram na Bolsa o método mais fácil possível de
multiplicá-lo.
200
Deslumbrados, dentro ou fora da Bolsa e em qualquer ramo de atividade.
Muitas vezes fizemos coisas de que nos envergonhamos por nos terem feito
cair no ridículo. Mas é preciso corrigir-se a tempo.
Como reconhecer o Novato Deslumbrado? Eles têm características
comuns que os igualam. Costumam, por exemplo, ficar aborrecidíssimos
quando os preços continuam subindo depois que venderam seu papel com
lucro; mortificam-se fazendo cálculos de quanto deixaram de ganhar e
sofrem quando olham para cotações; confundem dinheiro não ganho com
dinheiro perdido e choram por terem vendido sua posição prematuramente.
Não tendo sido educados para ver todos os ângulos das coisas,
convencem-se desde o início de que a Bolsa é um jogo entre pessoas
velhacas, no qual só tem vez o mais rápido, o mais esperto e o mais desleal.
No fundo, o Novato Deslumbrado queria também ser perito em todas as
artimanhas, um velhaco integral. Quando está ganhando, ele conserva um
sentimento místico de que o destino guia a suas decisões e que tem a
cumprir grandioso futuro; passa a ser governado por ideias fixas.
De pessoa inofensiva que era antes de entrar no Mercado, transforma-se
em fera autossuficiente e prepotente, como os indivíduos sem formação
moral que dirigem o seu primeiro carro.
Depois que perdas irrecuperáveis o alijam do mercado, o Novato
Deslumbrado passa a ser o maior detrator da Bolsa e dos seus personagens.
Ele espalha por todos os cantos que a Bolsa é um antro de marginais.
Outrora propagandista fervoroso do Mercado, é agora seu difamador mais
feroz.
201
LEITURA COMPLEMENTAR
A “GROSSURA” DOS NOVATOS DESLUMBRADOS
(Transcrito de BALANÇO FINANCEIRO, março de 1986)
202
CAPÍTULO V
203
investimento inútil, desativamo-lo. Despedimos os empregados e
passamos a utilizar os serviços dos analistas que fazem trabalhos por
encomenda ou os vendem para particulares. Sai muito mais barato e com
a mesma eficiência. É tolice querer exclusividade num local em que tudo
se sabe.
Ele mostrou-me também uma espécie de declaração de princípios, pela
qual sua fundação se orientava para fazer as compras de ações. Todos os
itens tinham caráter fundamentalista: • Observar os fundamentos
econômicos, como juros, inflação e lucros.
• Dar atenção a empresas de alimentos, cigarros e bebidas, que
vendem mesmo em tempo de crise.
• Descartar empresas que fabricam roupas, pois enfrentam demasiada
concorrência e têm negócios instáveis.
• Olhar para fundamentos como: endividamento financeiro do
patrimônio líquido não superior a 35%; lucros anuais não inferiores
a 28% do patrimônio líquido; crescimento firme dos lucros, do
capital de giro, dos recursos gerados nas operações sociais...
• Considerar empresas que não dependem de uma só atividade
principal e que tenham mais de uma fonte de renda, com ativos fortes
de preferência a lucros altos.
• Não comprar papéis que estejam sendo “trabalhados” sem antes
comprovar sua boa qualidade intrínseca.
A fundação que ele dirige é dessas que produzem quase tanto dinheiro
quanto a Casa de Moeda.
Ouçamos seu modus operandi: – Somos um conselho de seis técnicos,
todos especialistas numa área do mercado financeiro. Reunimo-nos uma
vez por semana para definir as próximas aplicações. O trabalho de
escolha das ações é consciencioso.
As fundações, como você sabe, manobram com um fluxo de dinheiro
que não tem fim. Os segurados só irão pleitear os seus direitos de
complementação de aposentadoria daqui a duas décadas ou mais. Esse
fato dá aos administradores de fundações tranquilidade para escolher as
aplicações sem pressa nem atropelo. Tenho tempo de sobra para não
precisar tomar decisões precipitadas. Aqui um parênteses: se eu errar na
compra de um papel, o erro não terá consequências; só será descoberto
numa ocasião remota, quando possivelmente não estarei mais aqui. Talvez
eu esteja até debaixo da terra, onde ninguém mais poderá me pegar
(risota).
204
Devido a essa tranquilidade, nunca errei. Semanas podem passar-se
entre a escolha das ações e a decisão de comprá-las. Eu investigo o
histórico da empresa, além da distribuição dos lucros aos acionistas nos
últimos cincos anos, o ritmo de expansão das suas atividades, sua
posição no mercado, riqueza patrimonial, enfim essas coisas
fundamentais.
Também visito, a empresas das quais sou ou quero tornar-me acionista.
Olho até o refeitório e os banheiros da companhia, e examino a
fisionomia dos funcionários para deduzir se eles trabalham satisfeitos.
Isso não é decisivo, porque decisivos mesmo são o porte da empresa e
seus lucros, mas faz parte da avaliação.
Nesse ponto, o administrador da fundação fez uma declaração que seria
perigoso entender como bravata: – Quando compro, enxugo o Mercado.
Quando paro de comprar, a Bolsa cai. Eu tenho o poder de provocar
euforia ou depressão, como as drogas alucinógenas. Tenho uma força que
nem você nem ninguém imagina.
Nessa conversa, ele enunciou um princípio que serve para abrir os olhos
das pessoas que participam da Bolsa.
– O Mercado sobe em proporção com o dinheiro das fundações que
entra. Se as fundações não compram, a Bolsa cai. Sem dinheiro novo,
toda alta é uma farsa.
Em seguida, ele fez para mim uma exibição do seu sistema de trabalho.
Pegou o telefone e ligou para um corretor. Suas ordens foram deste gênero;
– Vá comprando tudo o que aparecer de Ericsson. Mesmo que demore 60
dias, precisamos ficar com 2% do capital da empresa. Queremos ser os
únicos compradores nesse período de tempo, OK? Preços? Quem liga
para preços? Bem, então compre a partir do fechamento de ontem. A
ordem já está dada, e nós dois só voltaremos a conversar quando tivemos
completado 2%, OK? Ora meu amigo, vocês já têm o controle da
quantidade que possuímos.
205
que individualmente estejam despertos para descobrir fatos novos. No
Mercado não há donos da verdade, nem alguém que saiba alguma coisa com
exclusividade por muito tempo.
Conversei certa vez com diversos consultores para fundações, todos
fundamentalistas, para conhecer os seus métodos. Aparentemente são
pessoas que pisam firme, seguras e equilibradas.
1º CONSULTOR – Confesso que não vou muito a fundo nas pesquisas.
Eu simplesmente olho para as carteiras das fundações e escolho vinte
ações que são o seu xodó. Geralmente cinco dessas ações sobem muito e
nas outras obtenho valorização razoável e dividendos compatíveis.
2º CONSULTOR – Aconselho meus clientes a comprar na base do
meio-a-meio: 50% em todas as ações do índice e 50% nas ações mais
negociadas e especuladas.
3º CONSULTOR – Nesta fase de inflação e juros altos só estou
aconselhando ações de alguns bancos selecionados. Como os bancos são
credores da economia, estamos na fonte do dinheiro. Mas com uma
ressalva: só compramos ações de bancos que não emprestam para
governos.
4º CONSULTOR – Eu nunca diversifico em outros segmentos como
renda fixa, ouro e dólar. Só trabalho com ações. Meus clientes sempre
ficam investidos 120% em ações. Isso significa que 20% é dinheiro
tomado de empréstimos; é todo o patrimônio e mais alguma coisa
investido em ações. Eu acredito mais em ações do que em qualquer outro
tipo de investimento. Tenho plena confiança no taco.
5º CONSULTOR – Bolsa para nós é investimento e matemática. Antes
de comprar, olhamos os balanços dos últimos cinco anos, o crescimento
das receitas e dos lucros, o aumento dos investimentos e a expansão das
fábricas. Não usamos nenhuma intuição. Frieza e profissionalismo são os
requisitos principais do nosso trabalho.
6º CONSULTOR – Se o papel que pretendemos comprar subiu muito,
não saímos correndo; simplesmente procuramos outro. Ainda há diversas
“galinhas mortas” no Mercado, todas já detectadas e marcadas para
compra.
7º CONSULTOR – Interesso-me pelas ações baratas, de empresas que
têm problemas, mas com grande potencial futuro. Consideramos que se
empresas assim não tivessem problemas suas ações não estariam baratas.
Na maior parte das vezes são problemas temporários e rapidamente
contornáveis.
206
207
LEITURA COMPLEMENTAR
EFEITOS DA ATUAÇÃO DOS INVESTIDORES INSTITUCIONAIS
(Transcrito de BALANÇO FINANCEIRO, fevereiro de 1986)
208
controle acionário das companhias. Mas coletivamente estão em condições de fazer-
se representar nas diretorias das empresas.
Esse processo de crescimento não tem retorno. A indústria da previdência privada
potencializa os seus avanços no mercado de capitais em escala geométrica. As
fundações precisam investir caudais de dinheiro que recebem em receitas de
contribuições, juros, dividendos e aluguéis, e inevitavelmente dirigem polpuda
parcela desse fabuloso capital para as Bolsas de Valores.
Algumas empresas, percebendo a inconveniência de ter suas ações concentradas
nas mãos de poucos e poderosos Investidores, desdobram seguidamente os seus
papéis, atraindo novos acionistas, num esforço de democratização.
Mas não adianta espernear. Quando as fundações “marcam” um papel,
perseguem-no até retirá-lo de circulação, custe o que custar e demore o tempo que
demorar.
209
CAPÍTULO VI
210
O pior é que houve um problema de liquidação e só tive o papel
disponível para venda um mês depois. Sofri muito. Nesse meio tempo a
ação subiu de modo considerável, e assim pude sair com lucro. Depois
disso, porém, afastei-me dos amigos que ostentam o vício da especulação
e não têm outro assunto para conversar. Percebi que decididamente não
tínhamos nada em comum.
211
igual para igual, sem formalidades desnecessárias e também sem
familiaridades abusivas.
É um ser sincero e o que diz é exatamente aquilo que pensa. Como se
ouvisse a recomendação do Evangelho, o que diz sim é sim, e o que diz não
é não. Não tem ansiedade nem se mortifica. É indivíduo sério e maduro.
Para ele, a família está acima de todas as coisas.
Os Investidores genuínos da Bolsa vivem num plano especial, quase
olímpico. Não precisam mostrar que são melhores. Não querendo enganar,
não se enganam e não podem ser enganados.
Eles sabem que vão caminhando para um destino que de antemão
estabeleceram para si próprios. Para eles, as altas e as baixas da Bolsa não
passam de meros acidentes de percurso, como numa estrada.
Certa vez, numa época de queda na Bolsa, um Investidor típico mostrou-
me recorte de entrevista em que o diretor de uma empresa administradora
de fortunas declarava que, “devido às últimas grandes baixas, estava difícil
escolher ações para colocar nas carteiras dos clientes”.
O Investidor olhava-me espantado. Espantara-se por ainda haver pessoas
que deixam suas bens nas mãos de terceiros, no clima de desonestidade
generalizada que existe por aí. E, ainda mais, nas mãos de terceiros
incompetentes, como se releva aquele que não sabia comprar num Mercado
em baixa e desnudava em público a sua incompetência.
Nos seus muitos anos de vivência na Bolsa, esse Investidor tinha
aprendido que a época melhor para investir é quando o Mercado cai, e
quanto mais cai melhor é.
Digamos, para argumentar, que a pertença à classe média todo individuo
que, qualquer que seja sua posição profissional, subordinado ou patrão,
ganhe o suficiente para sustentar a família e dar-lhe conforto sem luxo
desnecessário. E que ainda no fim do mês lhe reste algum dinheiro para
poupar.
O homem prudente não gastará com inutilidades esse excesso de
dinheiro, porque tem a intuição de que seus filhos precisarão dele mais
tarde, quando tiverem de seguir curso superior.
Esse homem sabe o valor do dinheiro e quanto custa ganhá-lo. Não pode
desperdiçá-lo. É do seu interesse, portanto, aprender a investi-lo, para que
esse capital – ou semente – germine, cresça e produza frutos e sombras.
Esse homem deve acautelar-se contra os conselhos dados por pessoas
travestidas de entendedores. As modalidades de investimento que se
proclamam nas edições de segunda-feira dos jornais, dia em que não há
212
assunto de maior relevância, não servem para ele.
Certa vez, um encanador perguntou-me se eu poderia ensiná-lo a investir
na Bolsa. Ele tinha o legítimo desejo de deixar para os seus filhos um
investimento que lhes assegurasse o futuro. O que deveria fazer para entrar
nesse ramo?
Ouvi-o com simpatia. Mas o caso é que, mal ganhando para comer, ele
não dispunha de nenhum capital para investir. Eu não tive resposta para dar-
lhe, como não teria agora, por mais que isso me deixe aborrecido. Sem
dinheiro para fazer um pouco mais de dinheiro, para depois fazer um
dinheiro maior, nada é possível.
Alguns dias depois recebi nova proposição, mais vinda de outro extremo.
Um jovem estudante, futuro herdeiro de indústrias e fazendas, queria
começar a investir em ações, para, segundo ele, garantir sua “independência
pessoal”.
Depois de examinar seus portfólios de bens e rendimentos, eu lhe disse
com franqueza que minhas recomendações não lhe serviriam, uma vez que
sua independência pessoal já estava assegurada.
Aconselhei-o aprender a administrar corretamente o patrimônio que
algum dia ficaria sob a sua responsabilidade e que se empenhasse em
mantê-lo e ampliá-lo. Disselhe para concentrar-se em aprender nos
mínimos detalhes a difícil arte de gerenciamento e que investir em ações o
desviaria desse objetivo.
A menção desses dois casos extremos foi para o leitor entender que não
está ao alcance de nenhum conselheiro fazer nada em favor dos muitos
pobres nem dos muitos ricos.
Os que ficam na posição do meio, os homens da sofrida classe média, a
esses talvez se possa orientar, se forem receptivos.
Estou convencido de que ninguém precisa de palpites alheios para
decidir onde empregar o próprio dinheiro – esse dinheiro que é tão difícil
de ganhar. Entendo que, se precisar depender de um especialista para
administrar os seus bens, você não merece o dinheiro que tem.
Qualquer um precisa realmente não mais do que uma orientação. E
depois de obtê-la deve partir sozinho para seu voo, como fazem as
borboletas quando saem das crisálidas. Só uma orientação, nada mais.
213
LEITURA COMPLEMENTAR
DO APEGO A PRINCÍPIOS À COMPULSÃO DE LUCRAR
(Transcrito de BALANÇO FINANCEIRO, novembro de 1983) A expansão do mercado
acionário põe em relevo as diferenças de estilo das corretoras. Umas simplesmente
abominam a especulação e outras fazem da especulação a razão de sua existência.
A Codesbra Corretora (pertencente ao Bradesco) declara incisivamente que
nunca fez um só negócio com termo, futuro, opções e day-trade. Seu presidente lembra
que essa postura é fiel à filosofia do Grupo Bradesco de não participar de
empreendimentos que envolvam riscos.
– Se alguém aparece aqui com intenções especulativas nós lhe damos o endereço
de uma corretora que admita Especuladores, comenta ele, e ressalta: – Não temos
prevenção contra mercados especulativos; simplesmente não queremos ver o nome
do Bradesco envolvido em especulação.
A Itaú corretora é outra que não encoraja especulação aos seus clientes. Ela
entende que o mercado de opções ainda não se livrou de uma série de distorções,
como excesso de day-trades, falta de maior quantidade de papéis do mesmo nível de
liquidez e presença de poucos mas poderosos Manipuladores capazes influir nos
preços.
Por sua vez, a Baluarte Corretora tem pesada presença com day-trades e opções
que abrangem mais de 60% dos seus negócios. A firma dá tratamento especial a
Especuladores de elevado cacife, que são mais sofisticados e mais inteligentes, são
donos de numerosos investimentos, conhecem o Mercado e confiam nos critérios da
corretora.
Com esse Especulador, que enfrenta altos riscos, é mantido contato ininterrupto.
Os funcionários da corretora entusiasmam-se quando um cliente ganha dinheiro.
– Quando o cliente está ganhando é sinal de que virão mais operações para nós
–, afirmam.
Outro peso-pesado no mercado especulativo e que agora opera quase
exclusivamente em day-trades e opções é a Aceite Corretora. Para seu diretor,
Ricardo Thompson, o objetivo da Aceite é o lucro. Lucrar é compulsão, diz ele.
Thompson assegura que a Aceite está na linha de frente e que não mais se
preocupa com o que os outros estão fazendo.
– Atualmente são os outros que precisam preocupar-se com o que nós estamos
fazendo –, declara.
(Thompson saiu da sociedade que detinha na Aceite, em 1984, quando comprou
para si próprio outra corretora, a Progresso, onde continuou operando em larga
escala para Naji Nahas até julho de 1989, quando Naji Nahas quebrou e a Progresso
foi fechada pelo Banco Central por inadimplência) FAZER FORTUNA, ESSA
OCUPAÇÃO ABOMINÁVEL
(Transcrito de BALANÇO FINANCEIRO, janeiro de 1986) Se você tem necessidade de
fazer amigos, não os procure na Bolsa. Lá ninguém é amigo de ninguém; é cada um
por si. A Bolsa é o lugar onde dois cidadãos conversam durante horas e depois se
despedem sem que um fique sabendo o nome do outro.
O frequentador do “aquário” da Bolsa, ou da sala de uma corretora de valores,
pode até mesmo tornar-se popular entre os demais participantes do jogo; mas, se um
dia desaparece, por causa de viagem ou de enfarte, ninguém dá pela sua ausência.
Não deixa vestígio; é como se nunca tivesse existido.
Todo aquele que entra na Bolsa, e não é contido a tempo, acaba perdendo
qualquer resquício de calor humano, se é que tinha algum.
214
A Bolsa é o templo dos interesses materialistas; é o microcosmo em que todos se
dedicam, de forma exclusiva e em tempo integral, à abominável, porém inofensiva,
ocupação de fazer fortuna.
Detalhes da vida pessoal de cada um – nome, nacionalidade, idade e outras
coisas triviais – não interessam a ninguém.
Foi por isso que tive dificuldade de me lembrar, dias atrás, do nome daquele
antigo frequentador de corretoras (o prenome era francês, mas havia um sobrenome
árabe ou judeu), que eu não via há dois anos, e que me chamou quando eu passava
pelo calçadão da Barão de Itapetininga. Apresentou-me a um amigo nos seguintes
termos: – O Bazin foi meu aluno em assuntos de Bolsa.
Achei graça, mas fiquei procurando na memória se havia realmente alguma coisa
que ele me houvesse ensinado. Afinal, todo dia todo mundo aprende alguma coisa
com alguma pessoa.
Quando o conheci, por volta de 1977, ele fazia negócios pesados na Bolsa. Mas
só comprava, nunca vendia. Vivia distribuindo palpites que ninguém pedia nem
seguia. Entremeava na conversação palavras francesas, de modo que o que dizia
nem sempre fazia sentido muito claro. O pessoal o considerava um chato.
Certa vez, em 1979, alguém apareceu na corretora para vender maços de cautelas
do Banco do Brasil, ao preço do dia, que era 1,60 cruzeiro. Monsieur Gustave
passou-lhe uma descompostura.
– Qu’est-ce qui se passe dans votre tête? O senhor perdeu o juízo? Este papel não é
para vender, é para guardar.
Como o auditório estava lotado de Especuladores, gente que só se preocupa com
o dia a dia, monsieur foi alvo de ridículo quando declarou, alto e bom som, que as
ações do Banco do Brasil ainda chegariam a 10 cruzeiros e que quem vendesse teria
amargo arrependimento no futuro.
Alguns anos depois, num dia particularmente agitado, quando os participantes
estavam ferozmente empenhados na compra e na venda de opções da
Paranapanema, nisso envolvendo verdadeiras fortunas, monsieur foi tomado de
santa indignação e passou a acusá-los de estarem transformando Bolsa num antro
de jogatina e de iniquidade.
Parecia um daqueles profetas do Velho Testamento que anunciavam terríveis
castigos para os que persistissem no caminho da abominação. Como já fazia muito
tempo que ele não operava, o corretor entendeu que tinha o direito de ser grosseiro
e lhe disse para calar a boca ou cair fora.
Com a dignidade ferida, monsieur abandonou aquele recinto maldito e bateu os
pés na soleira da porta, como faziam os apóstolos de Evangelho quando saíam de
uma cidade que se tivesse recusado a ouvir as suas pregações. E nunca mais voltou.
Não existe o chato absoluto, aquele que é chato em tudo o que faz ou que fala.
Quem diz isso é um personagem de Salinger, em O APANHADOR NO CAMPO DE
CENTEIO. Num dos capítulos desse livro, estudantes caçoavam de um garoto que era
considerado chato consumado. Mas o personagem principal do livro descobriu que
esse chato assobiava como virtuose, e depois disso passou a tratá-lo com todo o
respeito. Antes de julgar se um sujeito é chato ou não é preciso verificar se ele não
teria uma qualidade que outros não possuem.
Fora da Bolsa, monsieur mostrava-se homem culto e sensível. Brindou-me com
uma aula sobre vinhos e conhaques franceses, no que se revelou refinado
connaisseur. E casualmente contou-me que, quando menino, tinha trabalhado para
um corretor da Bolsa de Paris que odiava Especuladores e considerava insulto
pessoal se qualquer dos seus clientes vendesse um papel que ele tinha recomendado.
Eu não especulo, mas um dia entrei numa jogada imperdível e tive sucesso. Eis
215
que toca o telefone e não é outro senão monsieur, já me “espinafrando” porque eu
tinha especulado. Não adiantou explicar-lhe que se tratou apenas de jogada casual.
Monsieur falou como o padre do confessionário: – Mas você cometeu uma
especulação. Toda especulação cria vício até que o Especulador se deixa levar pela
ambição e acaba entrando pelo cano. Au revoir.
Só faltou a penitência para remissão do meu pecado.
216
estudos e obtém hoje renda equivalente ao salário de um presidente de empresa. Já
Sérgio Nicolaz vai ao “aquário” todo dia para acompanhar o pregão e fazer
negócios mais rápido.
Pode ser difícil traçar um perfil exato do Investidor em ações. Há desde aqueles
que pretendem formar um patrimônio aos que pensam tão-somente em especular e
ganhar muito em questão de minutos. Mas é fácil encontrar um pouco de um ou de
outro tipo, exceção feita aos “grandes” do Mercado, no conhecido “aquário”, o
local cercado de vidros acima do pregão. Ali, diariamente, 30 a 40 Investidores
acompanham de perto o sobe-e-desce das cotações.
Os mais antigos chegam logo na abertura, às 9h30, e ficam até à uma da tarde. Os
curiosos, como são chamados os novatos, vão ao meio-dia, horário de almoço.
O “aquário” é, também, o termômetro dos negócios: quando a Bolsa está em
baixa, o número de frequentadores diminui bastante.
Sérgio Nicolaz, 52 anos, vai ao “aquário” há cinco anos, duas ou três vezes por
semana. Aposentado desde 1987, gosta do lugar porque lá pode fazer ou desfazer
negócios mais rapidamente. Vez por outra, interrompe a conversa, gesticula e lá
embaixo, no pregão, alguém parece ter entendido. Pronto. Basta esperar a
confirmação do negócio.
– A maior parte dos Investidores, aqui, prefere ações de primeira linha –, diz
Nicolaz. – Mas quase todos mexem também com papéis nobres de segunda linha.
Boato, segundo Nicolaz, é coisa que não falta nos pregões.
– O Mercado é muito estreito, por isso muita notícia é forjada –, explica. Nicolaz,
contudo, já aprendeu a nunca vender quando a Bolsa está em baixa.
– A baixa acentuada é para comprar –, diz ele, citando regra aparentemente
óbvia, mas constantemente violada.
Existem também os Investidores distantes do “aquário”, não tão preocupados com
a rapidez das decisões mas com a análise de cada papel. A ligação com os pregões,
nesse caso, quando necessária, costuma ser feita exclusivamente pela corretora.
– Ação é investimento de médio e longo prazo –, afirma o administrador de
empresas Antônio Fernando Cestari, há 20 anos Investidor em ações. – Raramente
mudo de aplicação. Gosto da Bolsa porque é uma forma de investir em atividades
produtivas.
Outros Investidores fiéis ao mercado de ações acabaram por se tornar
verdadeiros experts no assunto, caso do jornalista Décio Bazin, 60 anos, da GAZETA
MERCANTIL. Ele prefere sempre tomar decisões com base em estudos de longo prazo
da empresa e do setor em que ela atua. São ensinamentos obtidos depois de muita
experiência e de algum sofrimento.
Bazin viveu um período de 1960 a 1971 em que só aplicava em ações para
especular, e outro do final de 1979 até hoje, em que passou a agir de maneira
racional.
– Em 1971, por excesso de ambição quis dar uma tacada grande demais e perdi
cerca de US$ 300 mil –, lembra Bazin.
Era a época do boom, a grande crise das Bolsas no início dos anos 70, em que
grandes fortunas viraram pó.
– Tenho amigos que perderam mais de US$ 1 milhão –, lembra Bazin. – Alguns
maus negócios até levaram pessoas ao suicídio.
Com nova estratégia na cabeça, Bazin retornou aos negócios com ações em 1979.
Em 1986 só possuía papéis da área financeira, os que pagavam os melhores
dividendos, afirma.
Com bastante vagar, trocou o perfil da carteira e hoje tem metade de ações de
empresas do mercado financeiro e o resto em papéis de empresas bem administradas,
217
com tradição de pagar bons dividendos, como Ericsson, Vidraria Santa Maria e
Suzano.
– É perfeitamente possível viver de dividendos –, destaca. – Os dividendos que
recebo garantem retirada equivalente ao salário de um presidente de empresa.
Mas os maiores aplicadores do mercado acionário são os Investidores
Institucionais (seguradoras, fundos de previdência privada). Só os fundos de pensão
detinham, em 30 de junho, US$ 2,81 bilhões em ações.
– Buscamos investir em ações de empresas com perspectivas de crescimento, que
possibilitem bons dividendos e valorização no longo prazo –, enfatiza Mizael Matos
Vaz, presidente das Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência
Privada (ABRAPP).
Além de comprar ações que garantam rendimentos no longo prazo, os fundos de
pensão procuram diluir suas aplicações, não concentrando investimentos em uma
única empresa ou em um grupo de companhias do mesmo setor.
– A Fundação Cesp, informa Laerte Martins, diretor financeiro, tem por regra não
destinar mais que 4% a 5% de sua carteira para uma única empresa.
218
PARTE III
219
CAPÍTULO I
Um território neutro
Já vimos até agora que o Mercado está infestado de lunáticos que atiram
no escuro e outros que seguem orientações mirabolantes, todos se vendo na
maioria das vezes em becos sem saídas. Os Especuladores são vítimas de
si próprios.
Mas no Mercado atuam também indivíduos altamente racionais, que só
querem trabalhar com sossego num canto isolado.
Esses são vítimas de entidades que rondam o Mercado como fantasmas,
ameaçando a boa paz dos negócios.
Como pode ter detratores um recito quadrangular, em cujo território
neutro pessoas reúnem-se pacificamente, para negociar e ganhar dinheiro?
Pois o mercado os tem. As atividades que nele se desenvolvem são
atrapalhadas pela Imprensa, pelo Governo, pela CVM, e, paradoxalmente,
pela própria Bolsa, cada um com um grau de culpa.
220
CAPÍTULO II
221
a um único pregão do “aquário” da Bolsa.
Mas como escrevia num mesmo dia várias matérias de teores diferentes,
sempre deixava para o fim o noticiário do Mercado, que elaborava às
pressas. Sempre tinha ao alcance da mão uma lista de explicações
aceitáveis para altas e baixas.
A Bolsa subiu? Foi devido à entrada de dinheiro institucional; à solução
iminente do problema da dívida externa; à reação técnica às baixas
anteriores; a notícias otimistas sobre o fim da recessão; à solução dos
conflitos entre árabes e judeus; à vitória dos “comprados”...
A Bolsa caiu? Foi por causa da realização de lucros; do aumento dos
pedidos de falências e concordatas; da ausência no pregão dos Investidores
Institucionais; de dificuldades inesperadas na negociação da dívida externa;
de reação técnica às altas anteriores; da recessão no País; da recessão no
exterior; da vitória dos “vendidos”.
E por aí afora. Tudo era escrito num estilo seguro mas que, na maior
parte das vezes, não tinha nada a ver com o que se passava na Bolsa. Esse
jornalista tinha fama de expert do Mercado.
Até hoje, todo comentarista de pregão acha que seu trabalho não estará
completo se não contiver “explicações.” Eles ainda usam os mesmos
argumentos e chavões que meu colega usava há vinte anos. Até parece que o
caderninho passou de mão em mão.
A experiência de trinta anos de atividades na Bolsa ensinou-me que as
altas e as baixas não têm outra explicação que não seja a entrada ou a saída
de dinheiro novo e sonante e a esperteza de alguns em manipulá-lo.
Não sabendo, porém, que isto é fundamental, todos se embaralham num
palavrório inútil, mas com aparência de seriedade.
Esse vício vem estimulado desde as escolas de comunicação, que
formam os jornalistas do futuro, e cujos professores imaginam, em teoria,
que a Bolsa seja uma espécie de termômetro instantâneo de tudo o que se
passa na vida econômica e política do País. O que é falso.
Em outubro de 1987, pouco depois do crash de Nova York, fui
procurado em meu escritório por uma jovem estudante que tinha sido
designada para fazer trabalho escolar em que seria analisada aquela quebra.
A menina estendeu o microfone do gravador diante da minha boca e
perguntou.
– Por que Wall Street caiu?
Há meses eu vinha notando que publicações norte-americanas
estampavam com insistência matérias sob títulos como “Dinheiro japonês
222
inunda Wall Street”, “Japoneses compram tudo”, “Essas ações já estão
caras”, e, finalmente, duas semanas antes crash, “Até onde vai esta alta?”
Nenhuma das publicações que eu lia divagava sobre déficit público,
enfraquecimento do dólar ou esmorecimento da atividade econômica. Todas
iam direto ao assunto, deixando evidente que Wall Street subira por uma
razão única e forte: dinheiro japonês em larga escala.
Eu ponderava cuidadosamente o conteúdo de cada matéria e a guardava
em meus arquivos. Achava-me, portanto, bem informado para discorrer
sobre o tema de modo isento e pragmático.
A invasão japonesa nos EUA tinha começado no final de 1984. Em três
anos, o índice Dow Jones subiu 200%, o que, em termos de moeda sólida, é
fantástico percentual de lucratividade.
Fundamentos como cash-yield, índices de PL, valor patrimonial e
perspectivas de lucros e de expansão das empresas estavam sendo
desprezados pelos participantes.
Em 1984, o índice médio do cash-yield, que mede a relação
Dividendo/Preço, era menos que 1% em Tóquio e mais que 8% em Nova
York.
Alguma coisa, portanto, estava errada num dos dois lados: ou o mercado
de Tóquio estava caro demais ou o de Nova York estava barato demais. Os
japoneses não tiveram dúvida e passaram a operar no mercado americano,
que obviamente oferecia melhores oportunidades para valorização.
O clima de ganância histérica que passou a prevalecer em Nova York era
exacerbado por tecnomanias como as análises gráficas e as negociações
orientadas por computação – técnicas que, como se sabe, deixam de lado
todos os fundamentos que são utilizados como parâmetros para os preços.
Para os cultores dessas práticas enganadoras, as empresas não passam de
abstrações. Tudo o que eles precisam para trabalhar são nomes e códigos.
Qualquer pessoa de juízo seria capaz de prever que algum dia sobreviria
novo crash, como é natural depois dos booms. Quando os japoneses
resolvessem tirar o seu dinheiro, por saturação da capacidade de Wall
Street de oferecer lucros, seria um salve-se-quem-puder.
Concluí a entrevista respondendo que Wall Street caiu porque tinha
subido demais.
Eu soube depois que essa opinião tão sucinta decepcionou o professor da
menina, que esperava mais. Ele esperava que explicasse o crash com
digressões macro e microeconômicas, taxas de desemprego, níveis de
oferta monetária, índices de inflação e outros motivos que todos os teóricos
223
costumam despejar com desenvoltura quando discorrem sobre o mercado
acionário.
Essa verborragia é o que nas escolas se ensina quando a matéria é Bolsa
de Valores. Também é essa verborragia que se vê nas análises de Mercado,
nas quais se nota mais o esforço de certos autores de deitar sabedoria do
que o desejo de transmitir verdades práticas. São pessoas que nunca
aplicaram dinheiro seu na Bolsa a não ser em operações especulativas
pequenas e malsucedidas.
Para não entrar em discussões estéreis, sempre afirmo não ter preparo
intelectual para discutir com acadêmicos as teorias que eles criaram. A
questão é que acadêmicos não ganham dinheiro com suas teorias, e meu
objetivo, assim como o de outros Investidores, é apenas ganhá-lo sem que
precisemos dar qualquer contribuição teórica à tecnomania.
Ganhar dinheiro é objetivo ingênuo, simplório e despretensioso. Não há
entre nós, Investidores, nenhuma aspiração a intelectualismos e tecnicismos
que não levam a resultados práticos. Teorias são para teóricos, no sentido
pejorativo que essa palavra possa ter num contexto. Não para quem tem os
pés no chão e só pretende cumprir o ato prosaico de ganhar dinheiro.
Desconfiamos quando os técnicos e teóricos “explicam” a Bolsa e fazem
previsões de movimentos futuros. Eles protagonizam uma farsa que se
destina a satisfazer vaidades ou simplesmente garantir empregos.
Há muito tempo que os Investidores da velha cepa aceitaram a verdade
cristalina de que, para ganhar dinheiro na Bolsa, ninguém precisa conhecer
mais do que as quatro operações aritméticas, como já dizia o escritor
Gerard Haentzschel.
Por essas razões, se o leitor estiver começando agora a interessar-se
pelo mercado acionário, sugiro-lhe que nunca preste atenção ao que dizem
os especialistas e os técnicos; que não leia sequer o comentário diário que
alguns jornais publicam sobre o Mercado; e que grave na memória que os
que têm grande patrimônio em ações só leem o noticiário da Bolsa quando
querem dar risadas.
Você já notou como é minúscula a parte dedicada pelos jornais ao
mercado acionário em condições rotineiras? Nelas você nunca encontrará
nenhuma explicação racional sobre algum sistema ou ideia para escolha de
ações. Sempre que se referem à Bolsa, os redatores ressalvam com
insistência que se trata de assunto sofisticado que se deve deixar a cargo de
especialistas. E sempre insistem na possibilidade de perdas.
Falam tanto sobre as armadilhas que existiriam na selva do mercado
224
acionário que, no fundo, estão mesmo é dizendo aos leigos para se
afastarem do perigo enquanto há tempo.
Quando dão conselhos sobre os percentuais que o Investidor deve
diversificar em suas aplicações, recomendam que não destine mais que
10% das suas posses ao Mercado, e assim mesmo não diretamente, mas na
compra de quotas de fundos de investimento. E sempre ressaltam que, como
as próprias carteiras desses fundos estão o mais amplamente possível
diversificadas, serão mínimas as possibilidades de perdas.
Como esses conselhos, eles acham que podem ficar com a consciência
tranquila, uma vez que o Investidor estará com seu capital protegido.
225
CAPÍTULO III
As culpas do Governo
Depois do boom de 1971, em que foi acusado de omissão por permitir
que bandidos agissem à solta nas Bolsas de Valores, nunca o governo parou
de interferir no mercado. E também nunca fez segredo dessa disposição.
Após a quebra de 1986, um funcionário do governo foi entrevistado na
televisão sobre a Bolsa:
ENTREVISTADOR – Os ouvintes se lembram de que quando o
governo decretou o Plano de Estabilização e a Inflação Zero, no começo
de 1986, o Mercado subiu demais. Só no primeiro dia, a alta foi a 22%.
Depois o Mercado teve pequenos declínios, e já estava se recuperando
quando o governo criou o Fundo Nacional de Desenvolvimento, que
abrigou as fundações oficiais de seguridade, as mais atuantes do
Mercado, a entregar-lhe 30% das suas reservas técnicas. A Bolsa
despencou e agora, começo de 1987, as quedas são de 10% ao dia. Isso
não preocupa o governo?
FUNCIONÁRIO – Não. A Bolsa não é nossa prioridade principal.
Estamos é preocupados com o déficit público, que é colossal. Para tentar
tapar esse rombo, tomamos dinheiro emprestado das fundações.
Há no País mais de uma centena de empresas de previdência
complementar. Algumas são riquíssimas. A fundação dos funcionários do
Banco do Brasil, por exemplo, que é a mais rica de todas, movimenta
“zilhões” no mercado financeiro. Seu patrimônio em títulos, ações e
imóveis é igual ao de grandes bancos privados.
Achamos que essa entidade trilionária deveria dar sua contribuição
para salvar o País da bancarrota. É uma questão de patriotismo.
Ninguém se pode furtar ao dever de oferecer sua quota de sacrifício. O
País não pode se dar ao luxo de, sendo pobre, abrigar instituições como
essa, que parece estar instalada num país desenvolvido.
226
ENTREVISTADOR – Os funcionários do BB alegam que o patrimônio
da sua fundação foi feito com suas próprias contribuições e que o
governo ofereceu muito pouco para a constituição dessa riqueza, que, ao
longo do tempo, foi sendo corretamente aplicada. O confisco que o
governo acaba de fazer acabará prejudicando esses contribuintes, que há
anos vêm pagando os planos de complementação com a esperança de
usufruir de benefícios no futuro.
FUNCIONÁRIO – Não concordo com o uso da palavra confisco.
Absolutamente não há nenhum confisco. O governo devolverá o dinheiro
integralmente após dez anos, com correção e juros de 8% ao ano, o
mesmo juro real que é praticado atualmente no mercado financeiro. É até
um ótimo negócio aplicar no Fundão.
ENTREVISTADOR – O fato é que as fundações pararam de aplicar na
Bolsa, enquanto se adaptam às novas regras. Ausentaram-se, o que
provocou essas baixas horrorosas.
FUNCIONÁRIO – Sim, mas não devemos nos esquecer de que as
Bolsas estavam subindo demais. As pessoas vinham tirando dinheiro da
poupança para jogar na Bolsa. Havia um desequilíbrio na aplicação de
ativos. O governo está sempre atento para impedir excessos. Assim como
causamos a baixa, qualquer dia tomaremos medidas para provocar uma
alta. O governo dispõe de vasto arsenal que pode ser usado a qualquer
momento para regular.
227
228
LEITURA COMPLEMENTAR
O ARBÍTRIO AUMENTA E A BOLSA DESPENCA
(Transcrito de BALANÇO FINANCEIRO, novembro de 1988)
229
impunemente. Essas pessoas pensam que os cargos públicos são funções cartoriais
doadas aos amigos acima de métodos e de regras.
Um estranho naquele ninho de autocratas que é o segundo escalão do governo,
Victório Bhering Cabral não podia ficar muito mais tempo no cargo. Como de fato
não ficou, e não é consolo para nós que tenha saído de cabeça erguida.
Depois que ele saiu, constatamos como estão rareando neste país os homens
capazes de verberar atitudes de arbítrio e renunciar a possíveis vantagens pessoais.
Victório Bhering Cabral supunha que aquelas coisas eram inaceitáveis para o
governo Sarney, e só não disse neste governo os vícios não só não acabaram como
também se estão agigantando e se consolidando.
Este governo civil “democrata” acaba de perpetrar o confisco de 30% do
dinheiro das fundações de seguridade, que são o sustentáculo das Bolsas, em favor
do Fundo Nacional de Desenvolvimento (FND), eufemismo inventado para designar
o saco sem fundo que criou para cobrir parte do déficit público. Nessa voragem vão
cair mais de 3 bilhões de dólares por ano, e o papel pintado que as fundações
receberão já está sendo considerado ativo intangível a materializar-se num dia que
nunca haverá de chegar.
Os dirigentes das fundações não são ingênuos. Eles sabem que no Brasil as altas
começam e terminam por atos do governo, e que, quando terminam, a recuperação
do Mercado é longa e penosa. O governo não pode sustentar cotações com dinheiro
do contribuinte, já fez isso antes, em 1972 e 1973, e foi desmoralizado.
A síndrome de 1971 está apavorando as consciências. É bom lembrar que, quando
as Bolsas desmoronaram, em 1971, poucas pessoas perceberam que o crash iria
atrasar em dez anos o Mercado.
230
CAPÍTULO IV
As culpas da CVM
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sempre foi omissa em
relação às Bolsas. Esse monstrengo burocrático foi criado na época do
regime militar para teoricamente impedir práticas escusas e abusivas no
Mercado.
A CVM foi modelada nos figurinos da Securities & Exchange
Commission (SEC), dos Estados Unidos, órgão que tem naquele país o
poder de mandar para o xadrez os delinquentes da Bolsa, e usa-o em
momentos oportunos e sem contemplação.
Mas a nossa CVM revelou-se, logo após a sua instalação, apenas um
órgão apoiador no Mercado de atitudes ditatoriais do governo, fechando os
olhos quando negócios escusos eram praticados pelos altos funcionários
burocráticos.
Em vez de ganhar independência, a CVM nasceu subordinada ao ministro
da Fazenda, que tem o poder de nomear o seu presidente, e, naturalmente,
de demiti-lo. A partir desse detalhe, ocorreu um sem-número de mazelas na
atuação da entidade.
Nunca se viu a CVM empreender qualquer campanha eficiente de
convencimento das empresas a democratizarem o capital. A abertura de
mais empresas para a Bolsa em quantidade crescente é vital para a
expansão e até mesmo para a sobrevivência do mercado acionário;
teoricamente, atende aos interesses das próprias companhias.
Para que mais empresas se interessassem, seria necessário, numa
campanha de longo prazo – não de afogadilho e só nas épocas de booms –,
mudar a mentalidade de muitos dos nossos empresários, viciados de longa
data em ganhar dinheiro graças à obtenção de favores governamentais, e
conhecidos pela aversão que têm em dividir o lucro com outros sócios.
Convencê-los a abrir mão dos seus lucros não seria, porém, tarefa difícil,
231
embora fosse demorada. Demandaria tempo inculcar neles o princípio de
que o lucro tem finalidade social e não pertence a poucos, já que não
estamos mais na Idade Média.
Alguém poderá objetar que convencer empresários não é função da
CVM. Se não é incumbência da CVM, que pertence ao governo, e tem todos
os recursos para encetar fortes movimentos em favor do Mercado e educar
os seus participantes, de quem é então?
Foi a inoperância da CVM nesse particular que fez com que se reduzisse
a quantidade de empresas que tinham capital aberto. Em tempos melhores,
elas entraram para a Bolsa com a intenção de usufruir de algumas magras
vantagens que favorecem as empresas de capital aberto.
– Por que vocês desistiram? –, perguntei certa vez, no decorrer de
entrevista, a um grupo de empresários, sócios de uma empresa que acabava
de fechar o capital.
O porta-voz deles adiantou-se para declarar que foi por causa das taxas
excessivas que dela eram cobradas e também devido à regulamentação
coercitiva que o órgão lhe impunha. Alegou também maus tratos a que a
empresa era submetida pela burocracia da Bolsa e da CVM.
Durante seus primeiros dez anos de existência, a CVM cometeu tantas
infantilidades e omissões que caiu no descrédito geral.
Sobre a sua atuação escrevi ao longo dos últimos anos inúmeros artigos,
dos quais selecionei alguns, para transcrição aqui, sob a epígrafe de
LEITURA COMPLEMENTAR.
Os textos, autoexplicativos, mostram por que, preocupada com
subserviência e servilismo ao seu patrão, o governo, a CVM não conseguiu
impor-se no Mercado.
232
LEITURA COMPLEMENTAR
A CVM E SEUS ENSAIOS DE INTERPRETAÇÃO DA LEI
(Transcrito de GAZETA MERCANTIL, setembro de 1978) Ainda não é possível
comparar as realizações da Comissão de Valores Mobiliários CVM com as da
Securities and Exchange Commission (SEC), sua congênere. A SEC foi criada por
Roosevelt em 1934 para coibir práticas fraudulentas no mercado de ações norte-
americano, que na época já era centenário e já tinha conhecido vários cracks
ruidosos, sem contar o de 1929. A CVM nasceu há menos de dois anos, para
disciplinar um Mercado que ainda se encontra em seu primeiro estágio.
Entre outras incumbências, cabia à SEC realizar investigações em empresas e
corretoras e até mesmo na própria Bolsa de Valores, mandar processar
criminalmente aqueles que fossem acusados de atos de banditismo (na expressão dos
colunistas da época) e suspender negociações à menor suspeita de manobras
escusas.
– A SEC tem tão amplos poderes – afirmou um jornal especializado, em 1934 –
que dificilmente se encontra um aspecto qualquer das modalidades de Bolsa que
escape ao seu controle.
A SEC teve de enfrentar grandes hostilidades em seus cinco primeiros anos de
existência, porque os veteranos de Wall Street, independentes e orgulhosos, tinham
ideias próprias sobre o assunto e recusavam-se a prestar à entidade qualquer tipo
de colaboração.
Mas, pela firmeza e sobriedade de atitudes, e também por sempre agir no
momento adequado, a SEC conquistou o respeito geral, restabeleceu a dignidade do
mercado acionário, abalada pelos desmandos da década de 20, e hoje é instituição
modelar em seu gênero.
A Commission presta atualmente outros serviços, além de ficar de olho nos
transgressores e expulsá-los do recinto quando se comportam de maneira
inconveniente.
Uma das suas rotinas é compilar normas e regulamentos, ou mesmo textos legais
que regem o mercado acionário, e editá-los sob a forma de livretos, mandando-os
pelo correio aos solicitantes a preço de custo.
Também fornece a empresas, e até mesmo a órgãos governamentais,
interpretações das leis.
A SEC interpreta as leis numa linguagem limpa que vai direto ao assunto, sem
rodeios retóricos e sem a preocupação de mostrar sabedoria jurídica ou filosófica.
A Comissão de Valores Mobiliários (versão brasileira da SEC) não precisou
enfrentar nenhuma espécie de resistência, num Mercado sem tradição e onde não há
os delinquentes da definição bolsística norte-americana, mas onde também não há
ingênuos, porque ninguém é ingênuo no mercado de valores.
A CVM foi dotada de amplos poderes para agir no Mercado. Mas, nem bem tinha
completado um ano de existência, não soube como enfrentar seu primeiro desafio.
No meio de boatos e desmentidos acerca da descoberta de petróleo na Bacia de
Santos, no final de 1977, as ações da Petrobrás dispararam na Bolsa.
A “onda” prosseguiu 1978 adentro, mas só depois de 30 dias de silêncio é que a
CVM veio a público para dizer que, sendo uma entidade muito jovem e inexperiente,
não estava aparelhado para policiar os pregões.
A “nota explicativa” da CVM equivalia a um pedido de desculpas e a linguagem
empregada era de uma humildade que contrastava com o tom de outros documentos
do gênero, neste reinado de tecnocratas. Mas o assunto não se encerrou aí e o
público investidor está esperando que a CVM divulgue os fatos conforme o que foi
233
apurado nas investigações.
Enquanto o público espera, a CVM desenvolve os seus trabalhos de rotina. Neste
ano já editou instruções, atos declaratórios e notas explicativas. O texto da
instrução n°1, sobre avaliações de investimentos relevantes, faz uso de uma
linguagem direta que só se vê nos melhores compêndios didáticos. Com inteira
justiça, não fica nada a dever, em clareza, às instruções da SEC.
Mas a CVM também parte para o campo da interpretação da lei. É o que ocorre
com seu “parecer na orientação nº 1”, que comenta o parágrafo 1 do artigo 170 da
Lei das S.A. (aumento de capital por subscrição). Esse parágrafo está assim
redigido: – O preço de emissão deve ser fixado tendo em vista a cotação das ações
no Mercado, o valor de patrimônio líquido e as perspectivas de rentabilidade da
companhia, sem diluição injustificada da participação dos antigos acionistas, ainda
que tenham direito de preferência para subscrevê-las.
O parágrafo da lei não diz que o preço da emissão tem de ser igual à cotação de
Mercado. Portanto, o preço pode ser menor, igual ou maior que a cotação.
Se uma questão dessas tivesse sido proposta à Commission (SEC), o assunto teria
sido liquidado em três linhas. Mas a Comissão (CVM) entendeu de “interpretar” o
texto legal e o fez em 120 linhas. O “parecer” contrapõe “diluição injustificada” a
“diluição justificada” extraída por ilação e descobre “intenções do legislador”
ocultas nas entrelinhas.
Esperava-se que, no final, a CVM declararia alguma coisa mais objetiva. Mas
não. O “parecer” termina aconselhando as companhias abertas a não ficarem
indiferentes ao mercado de valores e a contribuírem para o surgimento de um
mercado real para suas ações, e diz ainda que exigirá que “o preço de emissão de
novas ações seja sempre justificado de maneira clara e precisa, por ocasião da
assembleia de deliberação do aumento de capital.”
Em resumo:
– Tome a decisão que quiser, mas arranje uma boa desculpa.
Da maneira como foi redigido, o “parecer” fica sendo nada mais que um exercício
de redação, uma paráfrase em 120 linhas de um texto de 5, e consegue ser tão
impreciso quanto o texto parafraseado.
A Comissão de Valores Mobiliários precisa agir mais e teorizar menos.
234
Bolsas – os três grupos possíveis de pretender manipular o Mercado –, como o
governo em geral, tiveram uma conduta absolutamente normal, não havendo
qualquer indício de que tenha realmente existido manipulação –, disse o ministro.
Afirmou também Simonsen que o relatório é muito interessante, “pois detalha
todo o processo de como foi feita a investigação”, e que sua divulgação interessa ao
público em geral, “ao fazer uma série de recomendações gerais às empresas de
capital aberto e à Imprensa”.
Como a conclusão do inquérito – não há culpados a punir – já ficou sendo do
conhecimento público, por intermédio do ministro, não vemos em que a divulgação
do documento na íntegra tenha interesse real. Na verdade, são irrelevantes os
detalhes de uma investigação que não conduziu a nada. E não nos parece que
alguém esteja disposto a perder tempo com a leitura de um calhamaço de 130
páginas.
E que tal a Imprensa receber do ministro o solene conselho de “só publicar
notícias quando forem concretas” e de tomar consciência de que “é preciso ter muita
responsabilidade, especialmente quando se trata da prospecção de petróleo?”
O movimento com as ações da Petrobrás esboçou-se muito antes de terem
ocorridos os fatos que levaram ao inquérito da CVM. Na última semana de agosto de
1977, as cotações daqueles papéis sofreram forte depressão, na manobra conhecida
como “derrubada” de preço, em sua variante caracterizada por ausência de
compradores de vulto.
Os preços logo “reagiram” e, durante 15 dias, Petrobrás bateu recordes na Bolsa
do Rio, enquanto os Investidores paulistas olhavam estupefatos para as transações,
sem ter coragem de entrar na “corrida” porque não havia nada que a justificasse.
As negociações logo se normalizaram, mas em fins de 1977 voltou a ocorrer nova
agitação com os mesmos papéis, desta vez com muito maior amplitude e duração,
para só acabar em março de 1978.
Nesse meio tempo a imprensa noticiou que o ministro das Minas e Energia, que
integrava a comitiva do presidente Geisel, havia declarado na Alemanha ter sido
descoberta na Bacia de Santos uma reserva de petróleo que se comparava às do
Golfo Pérsico.
Mais ou menos na mesma época, correu a notícia de que o governador do Estado
de São Paulo estava de posse de um vidrinho contendo amostra do petróleo retirado
do fundo da Bacia de Santos durante a prospecção da British Petroleum.
Ao fazer suas “recomendações” à Imprensa, a CVM parece ignorar que qualquer
coisa que uma autoridade diga a jornalistas é notícia de interesse geral,
principalmente quando se trata de assunto de vital importância para a economia do
País. Quando a informação não é prestada off-the-records, o jornalista pode achar,
intimamente, que não passa de tolice, mas sua profissão exige que a reproduza.
Em assuntos desse tipo, não se pode assegurar que é a autoridade que está
usando a Imprensa para dar seu recado, ou se é a Imprensa que está usando a
autoridade para preencher seu noticiário de cada dia. E quando os fatos desmentem
a autoridade que deu a informação, a Imprensa não pode ser inculpada,
unilateralmente.
E, afinal, a afirmação categórica de um ministro de Estado é ou não informação
concreta?
Quando passou a “onda” com as ações da Petrobrás, já em abril, a CVM
anunciou que iria proceder a inquérito para descobrir os “culpados”, se houvesse
algum. Sua “nota de esclarecimento” ocupava página inteira de jornal, na maior
parte tomada por explicações sobre o que é insider, especulação e manipulação, e
outras coisas que o Mercado está cansado de saber.
235
–Traduzido literalmente e no jargão popular – explica a nota em tom professoral
– insider – seria aquele que está por dentro.
Além das coisas óbvias, a CVM forneceu também em sua nota um roteiro dos
passos que havia tomado para acompanhamento do Mercado desde o começo da
onda especulativa, e informou que o seu trabalho de verificação dos dados colhidos
no curso da investigação seria verdadeiro tour de force, pois teria de ser analisada a
massa de nada menos que 60.000 Investidores.
Depois dessas explicações, que já prenunciavam o resultado final do inquérito, e
depois do recente anúncio ministerial de que não houve manipulações a punir, o
relatório da CVM já nascerá morto.
236
Isto o Mercado entendia como medida lógica, para resguardar o cumprimento do
contrato. Mas não passava pela cabeça de ninguém que a CVM iria arrogar-se o
direito de investir nas bases de um contrato já sacramentado, subvertendo assim as
condições iniciais. Seria este um fato inédito nas Bolsas do País: nunca, nem mesmo
no boom de 1971, as margens no mercado a termo foram aumentadas com efeito
retroativo.
Como as condições lhe interessavam, o aplicador deu a ordem de compra, e assim
ingressou no mercado futuro, que é outra modalidade do mercado a termo. Dotado
de senso comum, esse aplicador, que não é nenhum ingênuo no mundo dos negócios,
sabia que os contratos firmados não podem ser alterados, a não ser com a
concordância das partes envolvidas; e que nenhuma lei, portaria ou regulamento
pode ter mais força do que a Constituição Federal. E a Constituição afirma que “a
lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
Atente-se ainda para a seguinte circunstância. O negócio tinha sido fechado
porque as condições, como expostas pelo corretor, interessavam ao aplicador. Se
outras fossem as condições, ele teria buscado outra aplicação para seu dinheiro,
como ocorre em qualquer transação comercial.
Uma semana depois de sacramentado o negócio, o aplicador é notificado de que
os termos originais de seu contrato foram alterados pela CVM, e que ele precisa
depositar mais 5% em dinheiro para complementar a garantia em dinheiro. E,
alguns dias depois, lá vem nova exigência: a garantia em dinheiro subiu para 25%.
Ora, o aplicador, cujo contrato só vence em abril, não tem em mãos a diferença, de
imediato. E, como não a tem, precisa vender os títulos dados em garantia, ou então
vender o contrato.
Acontece que, como consequência direta da intervenção da CVM, as ações
compradas a 3,20 caíram para 2,60. O prejuízo é de 0,60 por ação.
O contrato é um ato jurídico perfeito, cujas condições não podem ser alteradas a
não ser com a concordância das partes. A CVM, obviamente, confundiu os fatos.
Existe o direito, que ninguém nega às Bolsas, de exigir a reposição do valor da
garantia se os títulos se desvalorizam, como já foi explicado, mas não existe o
alegado direito de intervir no ato jurídico perfeito.
Agora nos chega a informação de que a AIMEC – Associação dos Investidores do
Mercado de Capitais, com sede no Rio, pôs seu advogado à disposição dos
prejudicados para que impetrem ação de perdas e danos contra a CVM,
responsabilizando-a pelos astronômicos prejuízos causados aos aplicadores.
O presidente da CVM declarou a este jornal que sua entidade agiu no interesse
público, e que os aplicadores só estão pensando nos seus interesses particulares.
Acrescentou ele que, se os tribunais derem ganho de causa aos aplicadores, não
poderá mais haver mercado futuro no Brasil, “uma vez que é operacionalmente
impossível fazer alteração de margem sem afetar também os contratos já fechados”.
Nenhum desses argumentos tem substância. Não compete ao aplicador, sofrido e
calejado na selva capitalista, pensar no interesse público. E sete anos antes da
criação da CVM, já vinha funcionando, e muito bem, o mercado a termo, da qual o
mercado futuro é apenas uma variante, e as alterações feitas em suas margens
jamais causaram quaisquer traumas, exatamente por não terem tido efeito
retroativo.
237
em 1981, e que o editor de um jornal de São Paulo se recusou a publicar com medo
não sei de quê.
O assunto do artigo era a ofensiva que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM)
estava movendo contra pequenos Investidores, num momento em que os verdadeiros
Manipuladores, que eram amigos ou comensais de ministros de Estado, vinham
atuando com desenvoltura e impunidade nos pregões das Bolsas.
Mencionei, para ilustrar, o caso de Sérgio Schmidt Neves, então presidente da
Servix Engenharia, que tinha tido o azar de vender um milhão de ações da empresa
alguns dias antes de queda vertical na cotação desse papel, causada pelo
cancelamento de um contrato.
Naquela mesma semana, tinham sido negociados mais de 20 milhões de ações da
Servix, e a quantia apurada por Schmidt não daria nem para comprar um fusca
usado e sem pneus, mas a CVM aplicou-lhe pesada multa “por tirar proveito pessoal
de informação privilegiada”.
O prejudicado recorreu à justiça e obteve anulação da multa , diante da evidente
fragilidade da acusação. Indignado com a decisão do juiz, o então presidente da
CVM disse aos jornais que esse fato vinha demonstrar a necessidade de
entrosamento do Judiciário com a entidade. Para ele, o juiz, antes de lavrar a
sentença, deveria ter-se aconselhado com a CVM, considerando-a o amicus curiae
capaz de esclarecer-lhe as complexidades da legislação societária. A CVM,
esquecida de que era ré no processo, queria por toda força guiar a mão do juiz.
Eram reflexos da tirania. No dia em que juízes aceitarem que réus privilegiados
ditem os termos da sentença, o Direito regredirá trezentos anos, à época em que os
amici curiae prosperavam.
A entidade achava que só ela estava em condições de “explicar os autos”,
alegado seu “amplo conhecimento” do Mercado.
Demonstrei que esse “amplo conhecimento” não passava de ficção. Citei diversos
casos em que, diante de fatos inéditos, os dirigentes da CVM se viram perdidos, e,
sem saber com agir, acabaram agindo errado.
Em novembro de 1977, por exemplo, a CVM assistiu atarantada a uma frenética
especulação com ações da Petrobrás, e somente dois meses mais tarde, quando o
movimento acabou por si próprio, é que iniciou um inquérito, interrogando dezenas
de profissionais e examinando toneladas de listagem de computação, para no final
concluir, num relatório de 130 páginas, que nada tinha apurado, com isso
provocando gargalhadas de norte a sul.
Citei também no meu artigo diversos episódios em que a CVM interveio de modo
desastrado nos pregões. Em janeiro de 1980, por exemplo, depois de abandonar as
Bolsas a um laissez-faire que as deixou num pandemônio durante quatro longos
meses, a CVM quis fazer valer sua autoridade e abruptamente impôs ao mercado
futuro um aumento de margens com efeito retroativo para contratos já firmados. Com
essa medida, levou à ruína os Especuladores que estavam com posições compradas e
propiciou fantásticos lucros aos que tinham posições vendidas a descoberto e que,
por coincidência, eram os Manipuladores mais velhacos da Bolsa.
Um ano depois, tivemos aquele tenebroso dumping de ações da Vale do Rio Doce
pertencentes ao governo. É incrível, mas a CVM achou normal que se despejassem
100 milhões de ações da Vale a qualquer preço, de uma só vez e sem aviso prévio,
numa época em que costumeiramente não se negociavam mais que dois milhões por
dia. Em dez minutos de pregão a cotação do papel caiu 50%, recorde histórico. Os
vendedores descobertos, que estavam em apuros, foram salvos pelo dumping
praticado por ordem do então ministro da Fazenda, como ele próprio confessou.
Relendo agora meu impublicado artigo, percebo que há assuntos que nunca
238
perdem a atualidade e que devem ser lembrados para propósitos construtivos.
Afinal, todos precisamos colaborar para que a CVM se redima de erros e omissões
do passado. Essas falhas certamente não teriam ocorrido se a CVM não estivesse
submetida à vontade discricionária do ministro da Fazenda, que tem o poder de
destituir seu presidente na hora que quiser.
Para atingir a maioridade, a CVM precisa desvincular-se do Ministério da
Fazenda. Enquanto seu presidente for demissível ad nutum, será tolice imaginar que
possa agir com independência e imparcialidade. Mas no dia em que seu presidente
ficar acima da ira de um deus qualquer, e fechar as portas da Bolsa às estapafúrdias
intervenções do governo, então a CVM terá conquistado legítimo status e estará em
condições de reformular toda a sua maneira de ser, começando por eliminar dois
vícios de origem: a perseguição aos pequenos e a verborragia de suas comunicações
ao Mercado.
E já que a entidade tem gosto por expressões latinas, como a do amicus curiae já
citada, permito-me dar-lhe dois conselhos no idioma de Cícero: multa paucis e non
multa sed multum, ou seja, dizer muito em poucas palavras e fazer poucas coisas,
mas o que fizer, fazer bem feio.
Porque ninguém ganha o respeito de profissionais se não souber falar e agir
como profissional.
239
do Executivo.
Quando for autônoma, não mais precisará ser subserviente, e terá moral para
moralizar. E que processe então os grandes, antes de investir truculentamente sobre
os pequenos.
Há dias, o presidente da CVM, Luiz Octávio da Motta Veiga, convidou um
profissional de São Paulo para ir ao Rio explicar por que ele disse aos jornais que
havia manipulação no Mercado. Como o profissional relutava em ir, Motta Veiga
ameaçou-o com intimação para depor num inquérito policial.
Vejamos o que Motta Veiga disse a O ESTADO DE S.PAULO: – Os discípulos do
Romeu Tuma (chefe de Polícia Federal) farão com que ele compareça.
Essa linguagem fascista apavorou o profissional, que foi sozinho e sem escolta,
manso como um carneiro. Eis a que este povo foi reduzido após vinte anos de
ditadura.
Manipulação, pois, é novidade para a CVM. Que manipulação foi mais
escandalosa do que a das ações da Perdigão? No dia em que as ações da Perdigão
começaram a ser “puxadas” de 4 para 18 cruzeiros para que a Corretora Banespa
as adquirisse, eu estava no “aquário” da Bolsa e perguntei a um chinês míope o que
achava que estava ocorrendo, e ele respondeu sem hesitar: – Manipulation.
Há algo errado quando uma comissão criada para fiscalizar não vê o que está
evidente para um chinês velho que usa lentes da grossura de um fundo de garrafa.
240
cederam a espertalhões seu papéis a preços que variaram de 20 a 30 cruzeiros, que
dentro em breve já ascendiam a 300 cruzeiros e mais tarde a 500 cruzeiros.
O inquérito da CVM foi iniciado sob descrença geral, uma vez que os acusados
eram pessoas com ligações nas altas esferas políticas e sociais do País. Mas,
contrariando todas as expectativas, o escalão inferior da CVM compenetrou-se da
importância da sua missão e acabou chegando à verdade após exaustivo trabalho
que durou vários meses.
Os dados que reuniu serviram de base para a construção de uma peça acusatória
serena, imparcial e implacável – o parecer da Superintendência Jurídica n° CVM
SJU/20/86m, redigido pelo advogado Renato Paulino Filho.
Se não tivesse outros méritos, o livro de José Abreu mereceria um lugar de
destaque nas estantes só por transcrever esse parecer exemplar, que não foi
divulgado pela CVM.
É mais que um parecer. É um libelo. Nele, o advogado relata o delito, desmonta
um a um argumentos da defesa dos acusados, prova a materialidade e a autoria e
sugere punição nos termos da lei para os responsáveis.
Juízes que atuassem isentos de pressões jamais poderiam deixar de acatar uma
peça acusatória tão bem fundamentada e tão demolidora.
Mas, agindo como se estivesse num tribunal de exceção, no qual as provas
contidas nos autos não têm valor quando os juízes recebem instruções “de cima”
para absolver ou condenar, o colegiado da CVM desconsiderou tanto as provas
como o parecer e absolveu os acusados, alegando que não havia crime a punir.
Essa decisão marcou com um ferrete indelével – e infamante – os dez anos de
existência da CVM, ocorridos em dezembro de 1986.
E, como se verificou muitas vezes nos anos negros da ditadura, o único punido foi
a vítima e denunciante, que amargou e está amargando irreparáveis prejuízos
morais e materiais. Ele se considera o último imbecil a acreditar na verdade e na
justiça.
O caso terminou com os dois réus comemorando com demonstrações de
boçalidade a sua vitória imoral, ao mesmo tempo em que a vítima caminhava pela
rua da amargura.
Para quem teve a vida quase arruinada pelo processo, José Abreu surpreende
pela serenidade e pelo estoicismo com que narra os acontecimentos.
Em nenhum momento da obra ele desce a apelos sentimentais ou faz perorações
para agitar ou comover. Apenas narra os fatos com palavras sóbrias, e os fatos são
eloquentes por si.
O leitor, porém, não larga o livro sem um travo na garganta, depois de extrair
suas próprias conclusões quanto aos rumos que este sofrido país pode tomar, por
culpa daqueles que, detendo alguma parcela de poder, não a utilizam para
enobrecer e honrar as instituições a que servem.
241
CAPÍTULO V
As culpas da Bolsa
A Bolsa é a entidade que congrega os interesses de corretoras que
mantêm o Mercado, que, como se sabe, serve de ponto de encontro para que
os negócios com títulos se processem de forma legal e organizada e com
garantias totais para os participantes.
O caso é que os homens que dirigem a Bolsa, e por extensão os
funcionários que nela trabalham, colocam-se numa posição superior e
fogem de todo contato com o público, como se os Investidores fossem
répteis.
Eles tornam a Bolsa uma entidade tão fechada quanto os órgãos públicos
mais burocráticos. Embora seja a Bolsa empresa privada, os que nela
trabalham mantêm a mesma prepotência e os mesmos vícios que pessoas em
postos de mando, mas sem educação e sem formação, adquiriram na época
da ditadura militar.
Nem existe na Bolsa a figura de um ouvidor, capaz de atender de modo
civilizado a reclamações de pessoas que tivessem queixas legítimas a
apresentar.
Pelo fato de pertencer a todas as corretoras, a Bolsa evita desgostar
qualquer uma delas. Seu próprio presidente é também corretor de títulos;
mesmo que queira, nunca se coloca contra os seus pares, a não ser que
ultrapassem determinados limites de tolerância.
Mesmo contra a vontade, os dirigentes da Bolsa defendem interesses
corporativistas. Se, por exemplo, uma corretora começa a movimentar
dinheiro escuso em quantidade excessiva, a Bolsa nada faz para esclarecer
de onde vêm esses recursos. Se o fizesse, provocaria a ira dos outros
membros, que são favorecidos pelas corretagens trazidas pelos novos
clientes.
Somente quando as operações se tornam extravagantemente escandalosas,
242
ameaçando a estabilidade dos negócios, é que a Bolsa intervém.
A Bolsa permitiu que por largo período figuras suspeitas predominassem
nos pregões atuando neles como se fossem reis.
Vou citar só três exemplos, os mais notórios, de delinquentes que fizeram
tudo o que quiseram no Mercado durante um tempo longo demais para que a
Bolsa alegasse não ter percebido a sua presença.
Em 1972, um ano depois do crash, surgiu no Mercado uma figura
excêntrica, Nagib Audi, pequeno industrial e dono de uma fábrica de
thinner com ações na Bolsa, e que logo adquiriu a corretora, com a qual
passou a operar em larga escala, manipulando escandalosamente os
papéis da sua empresa.
Essa empresa era a Audi, que Nagib chamava de holding por englobar
várias outras organizações, algumas fantasmas. A Audi desdobrava
seguidamente as suas ações em grande percentuais, lançando mão de
reservas de capital inexistente.
As oscilações que o papel experimentava eram estonteantes. Tanto
podiam ser negociados hoje por 80 centavos como por 8 cruzeiros
amanhã, voltando depois em rapidíssimos movimentos de gangorra.
A direção da Bolsa assistiu calada a tais despropósitos, deixando que
milhares de pequenos aplicadores perdessem dinheiro nessa jogatina. E
até mesmo permitiu que Audi pusesse em prática a ideia esdrúxula de
celebrar com outras empresas contratos de sustentação de preços de seus
papéis no Mercado.
Tratava-se de manipulação claramente criminosa, mas os contratos
eram até registrados em cartório, o que lhes dava aparência de
seriedade.
Depois de dois anos em que atuou com desembaraço cada vez maior,
Audi e sua empresa foram por fim banidos para sempre da Bolsa. Os
minoritários, na maioria pequenos comerciantes libaneses, perderam
fortunas.
No auge da sua megalomania, Audi chegou a comprar o prédio do
Conde Matarazzo na Praça do Patriarca – que não pagou, por isso
perdeu-o para o Banco de Estado de São Paulo (Banespa), que lá instalou
uma agência.
Mais tarde, por volta de 1977, surgiu outra figura excêntrica, Jayme
Chalam, dono de pequeno banco em São Paulo, que operava em larga
escala negociando com ações da “segunda linha”, assim chamadas por
serem papéis nobres que ficavam logo abaixo das blue-chips em
243
negociabilidade e rentabilidade.
As operações de Chalam avolumaram-se a tal ponto que ele em certos
momentos chegou a açambarcar sozinho 70% do movimento diário dos
pregões da Bolsa paulista.
Depois de atuar três anos com total liberdade, finalmente ele foi
impedido de continuar operando.
Mais isto só aconteceu depois que o Banco Central fiscalizou o banco
de Chalam e verificou que havia um “rombo” nos depósitos. Chalam
usava saldos das contas-correntes dos seus clientes para aplicá-los na
Bolsa em seu próprio nome.
Chalam foi apanhado no meio de vultosos negócios inconclusos, de
operações a termo, num momento em que todos os papéis da sua carteira
estavam custodiados na Bolsa servindo como lastro das operações.
Fazendo prevalecer os regulamentos, a Bolsa liquidou as posições de
Chalam, apoderando-se da sua carteira e vendendo-a a preços
humilhantes. Em verdade, nem foi leilão: equivaleu a uma liquidação a
qualquer preço de produtos salvados de incêndio.
Papéis da mais alta nobreza foram vendidos a preços quatro vezes
abaixo das cotações do dia anterior.
Os prejuízos que Chalam sofreu com essa aventura elevaram-se a mais
de 200 milhões de dólares. Além disso, ele perdeu o banco, que foi
fechado pelo governo federal.
Os nomes de Audi e Chalam, que nas épocas de fastígio eram
aplaudidos como heróis, e mencionados com reverência na alta
sociedade, resvalaram silenciosamente para o limbo do esquecimento.
A chegada do manipulador Naji Robert Nahas ao Mercado, no final da
década de 70, colocou em plano secundário as proezas de Audi e Chalam.
Até ser banido em 1989, Nahas dominou tudo o que existe no Mercado e
sua periferia, incluindo parte da Imprensa, o governo, a CVM e as
Bolsas. Tudo isso foi seu feudo durante dez anos.
Esse período foi tão relevante que mereceu análises com mais detalhes
na LEITURA COMPLEMENTAR do Capítulo II (Manipulador, o maestro)
da Parte II (CINCO PERSONAGENS) do Livro II.
Os estragos que esses e outros malfeitores deixaram no Mercado ao
longo do tempo teriam sido evitados se a Bolsa tivesse podido agir desde
o início para conter a sua atuação. Quando agiu, fê-lo de modo
desastrado, deixando que fossem lançadas muitas suspeitas não
explicadas sobre a lisura do Mercado como um todo.
244
Vendo essas coisas, o público fica pensando ser a Bolsa um reduto de
marginais onde prevalecem os mais ousados, sob os olhares complacentes
das autoridades, que têm poder para contê-los mas cruzam os braços.
A Bolsa também permite que se perpetrem no Mercado fraudes como
irrealismo na quantidade de ações negociadas.
Há hoje 569 empresas listadas para negociação. Se, porém, examinarmos
detidamente o boletim diário dos pregões, veremos que apenas 150 papéis,
ou 23% do total, têm negócios diários. Outro exame mais minucioso revela
que 50 dessas 150 figuram lá devido ao artifício que consiste em realizar
um negócio fantasma – tipo “zé-com-zé” ou seja, o Investidor usa um testa-
de-ferro e vende-lhe a ação que mais tarde voltará à sua carteira, com
recompra – apenas para que o nome da empresa não saia do boletim.
Em termos concretos, temos apenas uma centena de papéis negociados,
num conjunto de 569.
Seria ainda assim razoável quantidade, se houvesse distribuição
equitativa no volume dos negócios. Não há. Desses 100 papéis, não mais
que cinco concentram 80% do movimento total.
Como resolver esse problema de escandalosa concentração, que não
existe em nenhum outro mercado importante? A solução para este problema
deveria ter sido iniciada há trinta anos, com a educação do povo para o
mercado acionário e com estímulos às empresas para abrirem seu capital e
remunerarem condignamente os sócios minoritários.
Todavia, o que se fez nos últimos trinta anos serviu para afastar os
empresários e para desmoralizar o Mercado junto ao público investidor
para o resto do século, com a edição de escândalos repetidos.
Os dirigentes da Bolsa parecem ter uma viseira nos olhos, que os impede
de evitar as manipulações abertas ou ocultas no Mercado. Por exemplo: um
ou dois meses antes de uma empresa divulgar seu balanço, suas ações
começam a subir ou cair, refletindo antecipadamente aquilo que o Mercado
só saberá mais tarde, quando as ações já subiram ou caíram a um ponto em
que não resta a menor chance para o Investidor que não agiu antes por não
ter sido informado. Este é um caso típico de inside information. Na
verdade, o que se passa dentro da empresa é do conhecimento só da sua
diretoria, os que estão inside. Mas alguém usa essa informação dentro do
Mercado.
Nunca vimos a Bolsa suspender as ações de uma empresa que tivesse
registrado oscilações pequenas, porém sistemáticas, que o Mercado como
um todo não soubesse explicar. Nas vezes em que a Bolsa toma essa
245
medida, seus motivos não objetivam conter manipulações, mas referem-se a
erros em balanços e outras coisas de menor importância.
A rigor, uma operação de inside information não é manipulação de
preço, mas sim compras ou vendas maciças por parte dos “laranjas” que
agem como testas-de-ferro dos diretores das empresas, que não querem agir
às claras para não ficarem expostos aos regulamentos do Mercado.
A divulgação que a Bolsa faz dos assuntos do mercado acionário é
precária e amadorística. As cartilhas que publica são de um primarismo de
fazer dó. Elas induzem o Investidor a comprar ações apenas com intenções
especulativas. Não há estímulo à compra de ações para guardá-las por
longo período, se possível para toda a vida.
E muito menos ensina como fazer isso. Os Investidores sequer são
alertados para o fato de que, no monte de lixo que lá é negociado, poucas
ações merecem de fato ser compradas.
A indução que a Bolsa faz ao Investidor para vender os papéis quando
sobem, para realizar lucros, é atitude capciosa e desleal. Destina-se tão
somente a beneficiar as corretoras, que são favorecidas por corretagens
quando Especuladores tresloucados compram e vendem sem parar.
O Investidor consciente, esse que vai poucas vezes a uma corretora, e
que se preocupa somente com a formação da sua carteira e jamais com a
obtenção de lucros a curto prazo, é malvisto e marginalizado pelos
corretores. Ele é também alvo de chacotas e desconfiança no ambiente da
Bolsa. É considerado um estranho no ninho; se fosse possível, seria
expulso.
A Bolsa deixou-se infestar por tecnomaníacos e intelectualoides. O
grande mal que estes fizeram ao Mercado jamais será reparado: a criação
do índice da Bolsa. O índice é necessário para se ver a evolução dos
negócios, mas deveria ser elaborado em obediência a um sistema objetivo,
simples e racional, que é o da elementar média aritmética. Das ações de
maior liquidez, seria tirada a média aritmética dos preços; o índice apurado
pelo mesmo sistema, no dia seguinte, seria comparado com o do pregão
anterior.
É linear, não? Mas os tecnômanos acham que isso é simples demais,
coisa de curso primário. As pessoas de mente complicada, que desejam
fazer valer os seus conhecimentos de matemática superior, não se sujeitam a
executar tarefas simples em que não podem deitar cátedra.
Eles foram buscar inspiração em experiência de outros povos. Nos
mercados mais adiantados, os índices existentes foram criados há mais de
246
80 anos, por técnicos que partiram do pressuposto errôneo de que, uma vez
que alguns papéis têm muito maior liquidez do que os outros, era preciso
atribuir-lhes maior representatividade.
Eles achavam que o índice representaria melhor o Mercado se a
participação de cada papel fosse estabelecida de acordo com seu grau de
liquidez, ou seja, pelo volume de dinheiro que cada um movimenta. A esse
volume, decidiram atribuir um peso, que entrou numa fórmula complicada e
de trabalhosa execução.
No começo do século XX, as distorções causadas por esse sistema eram
insignificantes, mas com o passar do tempo começaram a incomodar. Num
certo momento, a imprensa especializada desses países passou a dizer que,
com a bobagem da ponderação, o índice não representava o Mercado como
um todo mas apenas os negócios com algumas blue-chips amplamente
negociadas e que açambarcavam os pregões.
Essas publicações, todavia, reconheciam que, passado tanto tempo, não
era mais possível voltar atrás.
É sempre assim, com os tecnômanos: eles aplicam uma teoria que, com o
passar do tempo, se torna nociva, mas que está irreversível porque não se
pode anulá-la apesar dos estragos que está causando.
Os tecnômanos dos países sem tradição de Bolsa aprenderam como se
faz o índice, mas não acompanharam ao longo das décadas o mal que esse
sistema causou e está causando às Bolsas.
No momento em que escrevo, apenas cinco empresas fazem quase todo o
movimento da Bolsa – Telebrás, Eletrobrás, Petrobrás, Vale do Rio Doce e
Paranapanema. O índice é feito quase que em função dessas cinco, por
causa do enorme peso que exercem nos negócios.
São suas cotações que servem de baliza para o Mercado. São elas que
determinam se o Mercado está em alta ou em baixa, mesmo que a grande
maioria dos outros papéis importantes aponte para o sentido contrário. É,
portanto, o ritmo de negócios com cinco papéis que determina o pulso do
Mercado em geral.
Os Especuladores habituaram-se a perguntar ao corretor qual a situação
do Mercado. O corretor olha no vídeo e diz que o índice, digamos, está em
baixa, e que a ação do Especulador está parada. Imaginando que seu papel
logo despencará, por estar contra a tendência, o cliente manda vendê-lo. À
tarde, vê com surpresa que o índice realmente caiu, mas que seu papel subiu
com firmeza.
Esse tipo de engano tem como causa o modo como o índice da Bolsa foi
247
concebido, em que ficam debaixo das luzes somente os papéis que
comandam o show e muitas vezes caminham na contramão.
O índice da Bolsa é enganador. Convenhamos que cinco empresas não
são o Mercado. O aspecto grave dessa história é que as ações de maior
liquidez são justamente as especuladas, que ficam à mercê de jogadas
manipulativas.
Num pregão típico, o Mercado não toma nenhuma iniciativa de compra
ou venda enquanto um dos papéis manipulados ou meramente especulados
não entra no vídeo e começa a dar o tom dos negócios.
A tropa acompanha quem vai na frente. Os papéis especulados, como se
sabe, normalmente não têm valor intrínseco. São sempre alvo fácil de
boatarias que raramente se confirmam, mas que quase sempre causam
estrondosa balbúrdia.
Às vezes o boato é ruim, afetando uma única empresa e um único papel.
Mas contamina o Mercado como um todo.
A lógica se recusa a admitir que os preços do estanho no mercado
internacional tenham a ver qualquer coisa remota com o aumento dos juros
aqui. Mas, no entanto, se caem as ações da Paranapanema, despencam junto
as ações de instituições financeiras e, de quebra, as de indústrias de
alimentos em conserva, de tecelagens, de bens de capital...
Os participantes, convencidos de que o Mercado está despencando, pois
assim diz o índice que muitos consideram infalível, passam a despejar
papéis no pregão a qualquer preço, jogando na fogueira mais gasolina e
contribuindo ainda mais para a derrocada geral. Assim, os defuntos bons e
os defuntos ruins são atirados na vala comum.
As Bolsas não promovem campanhas permanentes de educação para
ensinar ao público os fundamentos do mercado acionário.
A Bolsa do Rio é especialmente conhecida por promoção de retumbantes
fiascos publicitários. Em 1972, numa hora em que os preços das ações
mergulhavam de cabeça, logo depois do crash do ano anterior, a Bolsa
carioca tentou levantar o moral dos participantes fazendo veicular pela
televisão uma campanha incrivelmente ridícula e inábil.
A população brasileira estava olhando a Bolsa como uma casa de
horrores, por causa dos prejuízos do crash recente, mas um comercial da
Bolsa carioca dizia que “investir em ações equivale a rodar por uma
estrada arborizada e tranquila, embora ainda sem asfalto”. E mostrava
árvores à beira de uma estrada, tendo como fundo musical a Sinfonia
Inacabada de Schubert.
248
Há uns dez anos, mais ou menos, a Bolsa do Rio anunciou que faria
campanha educativa, em colaboração com o jornal O GLOBO, para ensinar
aos estudantes como se aplica dinheiro na Bolsa.
Imaginava-se que fosse um curso de caráter permanente, no qual seriam
ministrados fundamentos como lucros e noções de análises de balanços e
outras coisas básicas.
Não era nada disso. Tratava-se não de curso, mas de concurso, que
prometia um prêmio para quem, hipoteticamente comprando e vendendo a
curto prazo, obtivesse o maior número de pontos.
O jornal, que fazia a apuração, classificava os concorrentes e publicava
os seus nomes. A farsa funcionou durante algum tempo, enquanto o Mercado
esteve em alta, mas logo as ações despencaram e ninguém mais fez ponto
nenhum. O fim do concurso foi melancólico, com a Bolsa tendo de encerrá-
lo para não se ver obrigada a premiar o concorrente que tivesse perdido
menos.
A campanha confirmou para os estudantes o que eles sempre ouviram
desde criancinhas: que as ações são uma espécie de jogo que depende do
acaso para dar certo.
A Bolsa não conseguiu nem realizar o seu objetivo de preparar os
Especuladores do futuro e continuou tão desmoralizada quanto antes.
Esse episódio demonstra como os dirigentes da Bolsa não passam de
indivíduos caolhos e primários, sem visão de longo prazo e imediatistas.
Eles querem é lucrar hoje e lucrar amanhã. Mas não pensam em lançar as
bases para lucrar depois de amanhã e sempre.
Não há entrosamento entre as Bolsas e a CVM para melhorar o Mercado;
mas, curiosamente, eles se unem quando se trata de piorá-lo. Parece que foi
esse o objetivo quando a CVM autorizou a Bolsa a criar o sistema de
telepregão, pelo qual os negócios são feitos por terminais de computador,
fora do pregão de viva voz.
A ideia do telepregão – o chamado Sistema Cats, inventados há alguns
anos no Canadá e aplicado em outras partes do mundo – até que tem
aspectos interessantes. O terminal indica as ofertas de compra e venda,
assim como as quantidades oferecidas, e o corretor fecha a operação de
modo rápido, limpo e eficiente.
Afirma-se que o Cats evoluirá para outro sistema que permitirá a
realização de negócios durante as 24 horas do dia, em que os Investidores
darão as ordens e deixarão que o computador consume a operação.
Nada há a objetar quando à operacionalidade e às intenções do sistema,
249
que são modernizantes. O Cats está bem de acordo com os tempos
modernos, em que todas as coisas caminham para que os computadores
sejam encarregados de executar nossas atividades práticas.
Mas é bom não ir com muita sede ao pote. Certa vez, eu e meu corretor
fizemos um teste para verificar as possibilidades de manipulação no Cats.
A cotação à vista de determinado papel era de 1 cruzeiro, mas havia ofertas
de venda a 1,05 e 1,10. Fomos fechando compras até 1,10, quando então
apareceram ofertas de venda a 1,20 e 1,25; fechamos também essas
operações. Com pouquíssimo dinheiro, provocamos uma alta de 25% entre
a cotação inicial e a final, durante o tempo que se leva para comer um
sanduíche.
Não houve manifestação contrária dos fiscais do pregão, se é que essa
figura existe. Como o Mercado estava forte, Especuladores retomaram o
trabalho que iniciamos, de modo que, uma semana depois, o papel atingia 2,
com aumento, portanto de 100%.
Puxar cotações no telepregão é coisa que qualquer criança alfabetizada
pode fazer com aplicação de capital ridiculamente pequeno. Mas dirá o
cético leitor que também se puxam cotações no pregão de viva voz. Sim,
está correto, mas no pregão de viva voz há muitos operadores
acompanhando os trabalhos. São profissionais experimentados que
detectam manipulações no momento exato em que ocorrem.
Para puxar preços no pregão de viva voz é necessário usar somas
fantásticas de dinheiro, depois de confabular antecipadamente com outros
participantes malandros.
É preciso, portanto, contar com a conivência de muitos interessados.
Quem tentar puxar sem estar bem calçado em apoios combinados de
antemão certamente passará por frustrações e constrangimentos.
No telepregão, porém, a detecção de manipulações é mais difícil, porque
ninguém pode acompanhar todos os negócios simultaneamente num
panorama geral de grande amplitude. É que cada empresa aparece
individualmente no vídeo; demanda tempo localizá-la. Seria necessária uma
equipagem completa, com muitos terminais e um batalhão de operadores,
para monitorar passo a passo apenas alguns dos papéis mais importantes.
No Cats, as falcatruas se conduzem discreta e silenciosamente, sem
testemunha e fiscalização. A CVM permitiu que fosse instalado o Cats na
Bolsa provavelmente sem perceber os interesses financeiros ocultos
envolvidos na instalação do sistema, e sem levar em conta que o Cats
ameaça inviabilizar o pregão de viva voz, sistema tradicional que funciona
250
corretamente em todo o mundo na forma simples de leilão e oferece total
transparência para os participantes.
As corretoras foram levadas compulsoriamente a ingressar no Cats
pagando fortunas pelo direito de usar os terminais.
Se não aderirem ao sistema, poderão perder clientes e até serem alijadas
do mercado pelos concorrentes.
Para forçar as corretoras a aderir, a Bolsa só permite que sejam
apregoadas a viva voz as ações que são por ela escolhidas.
Como resultado desse disparate, 550 ações de um conjunto de 569
registradas, ou seja, quase 97%, estão impedidas de participar do pregão
normal. Como seus nomes não são apregoados, muitas empresas ficam
esquecidas pelo público investidor e suas ações acabam sem liquidez e
desaparecem do mapa.
O que se verifica é que o Sistema Cats foi implantado aqui muito antes da
hora. Pode ser bom para os centros financeiros adiantados, mas tende a
destruir os mercados que estão em fase inicial.
A Bolsa também estimula os Investidores que estão com as carteiras
paradas a movimentá-las, com o objetivo de fazê-las render dinheiro no
financiamento de opções.
Essa é a maior deslealdade que se pode cometer para com Investidores
incautos. O leitor deve ficar ciente de que as únicas fontes de renda
permanente que existem no mercado financeiro são juros e dividendos – os
juros como rendimento de capital aplicado em renda fixa e os dividendos
como parte do lucro que as empresas geram e distribuem aos acionistas.
Devo mencionar o caso concreto de um amigo Investidor que, atendendo
a insinuações de maus corretores, vendeu em opções grande parte de sua
carteira de Vale e Petrobrás para receber os prêmios e fazer deles fonte
permanente de renda.
Na segunda rodada das opções, os preços à vista triplicaram e meu
amigo viu-se na dolorosa contingência de ter de entregar dois terços de sua
carteira a preços muito inferiores aos que estavam então vigentes.
Sua carteira reduziu-se a um terço. Ele nunca mais conseguiu
recuperar a parte perdida.
251
O processo por injúria teve por base a Lei de Imprensa – um diploma
legal da época da Ditadura.
O autor e seu advogado, prof. Nelson Abrão, “tiraram de letra” tais
acusações. Quanto mais eles atacavam, mais caíam no ridículo.
O Titular da 29ª Vara Civil, Dr. Dacio Tadeu V. Nicolau; o Procurador de
Justiça Roberto Gomes dos Reis Ramalho e os juízes Fernandes de
Oliveira, Renato Nalini e Xavier de Aquino, da 11ª Comarca do Tribunal
de Alçada, pulverizaram a argumentação dos acusadores, afirmando a
ausência de justa causa para ação penal.
Não obstante, os recalcitrantes acusadores recorreram das decisões.
252
PARTE IV
APÊNDICE
253
CAPÍTULO I
Mercado de Opções.
O que é. Como é Relatos históricos falam de
contratos de opção para compra de
mercadorias desde os tempos dos gregos e
romanos. Não há, porém, notícias de quem
fossem vendidos a terceiros, na época, os
direitos desses contratos.
254
direito de exercer o contrato e obrigar o comprador a pagar-lhe o preço
convencionado, no momento que quisesse, antes ou no dia do vencimento do
contrato.
Outro livro, THE STOCK EXCHANGE – A SHORT STUDY OF
INVESTMENT AND SPECULATION, do inglês Francis W. Hirst, mostra
como no começo do século XX eram negociadas nas Bolsas europeias tanto
as opções de compra como as de venda de ações. Mas nenhuma referência
faz às negociações de contratos de opções, o que leva a supor que não
existissem.
A Bolsa de Chicago introduziu essa modalidade em 1973, numa ocasião
em que as Bolsas norte-americanas atravessaram um período de
paralisação e marasmo. A possibilidade de negociar as opções adquiridas
revitalizou os negócios em Chicago e elas foram instantaneamente adotadas
por todas as Bolsas dos Estados Unidos e do mundo.
No Brasil, foram introduzidas somente em 1981, inicialmente as de
compra, depois as de venda. Estas últimas, todavia, não vingaram, por
serem de difícil assimilação pelo nosso público.
Com a introdução das opções, surgiram tipos novos de Especuladores,
que vieram povoar o folclore da Bolsa, utilizando as estratégias mais
sofisticadas e extravagantes.
A maioria dos Especuladores de opções, porém, opera sem nenhum plano
ou estratégia, comprando a esmo, sem cálculo nem critério, como se
procurasse bater num alvo com os olhos vendados.
A especulação com opção é preferida à especulação no mercado à vista
porque demanda pequeno capital. A possibilidade de altos ganhos torna
essa aplicação extremamente atrativa para pessoas que preocupam emoções
fortes, que anseiam por fazer fortuna rápida e que desdenham o risco. Na
maioria são jovens que perdem ou ganham com notável espírito de fair
play.
Quer esteja vendendo ou comprando, o Especulador sujeita-se, mesmo
sem saber, a um esquema de preços possíveis a partir do fechamento da
operação. Os preços possíveis condicionam a mente do aplicador daí por
diante.
Suponhamos que um prêmio esteja sendo negociado a 50. A partir daí, há
dois rumos que tal cifra pode tomar: ir para cima ou para baixo. Mas
poderá também não tomar rumo nenhum e permanecer estável.
O Quadro AP-1 mostra hipótese de preços possíveis após o fechamento
do negócio, pelas quais o aplicador terá de se orientar.
255
Vamos preencher agora com números aleatórios essa tabela de hipótese
possível. Como se vê, há duas hipóteses extremas: os prêmios poderão
subir até o Infinito ou cair até Zero (ver Quadro AP-2).
*pagou o prêmio ao reverter a posição vendedora Agora, a mesma operação, mas do lado
do comprador. Ele comprou por 50 e vendeu por 80 (ver quadro AP-4).
256
*recebeu o prêmio ao reverter a posição compradora Esses dois esquemas, que
envolvem as operações de dois Especuladores de OPC, são os mais simples de todos,
mas básicos.
Ressalte-se que nem todos os que operam com opções, seja na compra,
seja na venda, usam tabelas de hipóteses. Seu uso, porém, é recomendável
por três motivos: • Disciplinam a mente.
• Permitem ficar sabendo de antemão exatamente o que esperar.
• Ao eliminar qualquer incerteza, dão tranquilidade ao Especulador.
Na prática, não haverá limitação nem para lucro nem para prejuízo, uma
vez que os Especuladores entram e saem rapidamente de suas posições e
não as levam até o final da rodada de opções. Só vão até o fim os
financiadores e os Investidores que pretendem exercer os contratos, como
veremos adiante.
Vejamos como fica a situação do lado do comprador: • Se o prêmio
sobe, o lucro será ilimitado.
• Se o prêmio cai, o prejuízo limitar-se-á ao prêmio pago.
257
No último tópico desde Apêndice mostro como se torna possível esse
milagre no mercado de opções.
258
LEITURA COMPLEMENTAR
TENTAÇÕES DO DEMÔNIO
(Transcrito de BALANÇO FINANCEIRO, maio de 1988) Faz parte do folclore da
Bolsa a história daquele office-boy de corretora que deu grande tocada no mercado
de opções e trocou sua bicicleta por uma moto.
A história começou quando o menino ouviu por trás da porta uma conversa entre
“laranjas” de que as cotações da Petrobrás iriam ser puxadas no mercado à vista
para possibilitar o exercício das opções.
Ele conseguiu o máximo de dinheiro que pode conseguir um boy de corretora e
comprou opções de prêmio mais barato e que estavam quase virando pó.
O prêmio custava 1 centavo, cotação de fim de feira que acontece toda vez que
uma opção se aproxima do vencimento e quando o preço de exercício da opção está
muito acima do preço à vista.
Para alegria do menino, realmente o preço à vista subiu muito, levantado por um
furacão especulativo que de repente entrou pelo pregão e acabou tornando viável o
exercício de todas as séries de opção.
Disso resultou que o boy vendeu a opção por 73 centavos, multiplicando seu
capital por 73 e obtendo o lucro de 7.200% em três dias.
Ele, que viu outras pessoas fazendo grandes fortunas, lamentou-se dizendo que
tinha perdido a grande oportunidade da sua vida para ficar milionário. Pensara até
em vender a casa de sua mãe para colocar o dinheiro nas opções.
Essa história dá uma noção de como se ganha dinheiro especulando no mercado
de opções. Mas naturalmente há o reverso.
Outra pequena história mostra também como se perde dinheiro em opções. Um
jovem auxiliar de operador, que trabalhava numa corretora com presença marcante
no mercado de opções, acreditou ter descoberto o filão de ouro quando resolveu
seguir os passos de grandes Manipuladores.
Sua tarefa era levar ao operador as ordens de compra e venda recebidas da mesa
e isso o deixava numa posição-chave para saber o que os “grandes” estavam
aprontando.
Como não tinha dinheiro próprio, convenceu os membros da sua igreja
(protestante), inclusive o pastor, a lhe entregarem considerável quantia, que ele
aplicou em opções de acordo com sua estratégia.
Obteve de início bons resultados, que animaram os protestantes a aplicar cada
vez mais. Até que um dia ele seguiu a pista falsa deixada por um Manipulador que
tinha vendido grandes quantidades de opções a descoberto.
Ele não percebeu que se tratava da manobra de despistamento que consiste em
vender numa ponta e comprar na outra em quantidade maior (ou vice versa).
Muitos Especuladores experimentados costumam cair nessa armadilha e não
poderia ser diferente com o jovem neófito. Ele ficou a zero.
Entrevistado por diversos jornais, o pastor da igreja perdoou o ato do jovem
pecador e afirmou que sua congregação aceitava os prejuízos como castigo de Deus
por terem todos sucumbido às tentações do demônio.
259
você poderá encontrar-se em um meio poliglota. É que toda corretora tem sua quota
de libaneses, japoneses, judeus, chineses e coreanos, e até mesmo alguns brasileiros
natos, todos convivendo animadamente durante o tempo de duração do pregão da
Bolsa.
Na mesma hora você fica sabendo que o prêmio de uma opção de compra
Petrobrás, ao preço de exercício de 200, está sendo negociado a 10. Para não dar a
impressão de amadorismo, você assume o seu melhor ar profissional e dá ordem de
compra pela quantidade mínima fixada para o mercado, que é 100 mil ações. Você
comprometeu, portanto, 1 milhão.
É pouco, mas é só um teste.
Ao adquirir o prêmio, você passou à condição de titular de uma opção de compra.
O indivíduo que lhe vendeu a opção, que vai embolsar seu prêmio de 1 milhão, e que
você desconhece inteiramente, é chamado de lançador. Ele lançou a opção que você
adquiriu.
Tecnicamente, você é dono do direito de comprar 100 mil ações de Petrobrás ao
preço de exercício de 200 cada uma, até a data do vencimento fixada pela Bolsa.
Mas você não está pensando em adquirir as ações-objeto; está apenas testando.
A única coisa lhe interessa no momento é ver como evolui o prêmio.
O valor do prêmio oscila e de repente cai para 9,50. Aquele chinês de Taiwan de
aspecto reservado, e que também tinha comprado a 10, manda vender a 9,50. Não
consegue esse preço, cancela a ordem e emite outra: vender a mercado, o preço livre
que o Mercado está pagando. A mercado saiu a 9.
O chinês perdeu 1 por ação, mas ele deve saber o que está fazendo.
Você igualmente manda vender seu prêmio a mercado, mas a cotação vai a 8 e é a
esse preço que você consegue vender.
Seu prejuízo foi de 2 por ação, ou 200 mil, mas você já pode orgulhar-se de ter
feito aquilo que só os profissionais experimentados têm sangue-frio para fazer –
realizar prejuízos numa operação de day-trade, ou seja, compra e venda ou vice-
versa no mesmo pregão, por reversão de posições.
Mal você acaba de vender a 8, e o chinês entra vendendo a descoberto, ou seja,
sem ser dono das ações. Consegue 8. Ele não é dono do papel que está vendendo,
não é acionista da Petrobrás, mas não está preocupado, porque não pretende
realmente ficar muito tempo nessa posição.
Cada vez mais entrosado, você também expede ordem de venda a descoberto, mas,
como o Mercado está em queda, você só vende a 6, justamente na hora em que o
chinês, num golpe ousado, recompra a 6 e fecha sua posição, com um lucro de 2
(Tinha vendido a 8).
O papel reage e volta a 8. Seu prejuízo teórico chega a 2 na venda que você fez a
descoberto a 6, e aumentará se o papel continuar subindo. Você manda comprar
rápido e consegue 8, perdendo 2, e agiu na hora certa, porque daí para a frente a
cotação vai aos pulos: 9, 10, 11, 12.
Se tivesse esperado para reverter a posição a 12, você teria perdido mais 6 por
ação, ou 600 mil.
Em duas operações de day-trade você perdeu 400 mil, mais as corretagens e taxas.
Então ocorre-lhe que, se tivesse segurando a posição inicial, de compra a 10,
poderia vender agora a 12, ganhando 200 mil, com lucro de 20% em vez do prejuízo
de 40%.
O pregão termina sem você perceber. Foram quatro horas eletrizantes, em que
você muito aprendeu, teve um convívio agradável com pessoas ágeis e corajosas e
descobriu enfim um mundo novo, de cuja existência não suspeitava.
O mercado de opções não tem mais segredos. Num só dia, você desempenhou os
260
papéis de titular e lançador, comprou e vendeu prêmios, reverteu posições,
participou de um day-trade e, surpreendentemente, foi tratado de igual para igual.
Você vai para seu escritório com a cabeça cheia de ideias novas e de certo modo
impressionado com a frieza e a segurança daquele chinês de Taiwan, que segundo
dizem já operou em Hong Kong e Tóquio.
No dia seguinte, a opção abre a 12, e você compra 100 mil. O mercado oscila e,
enquanto o chinês reverte posições e vende a descoberto, para recomprar em
seguida, você fica firme, certo de que a melhor tática é esperar até os últimos
minutos do pregão, para fechar seu day-trade. Mas não vai além de 10, e você perde
200 mil.
No terceiro dia da sua saga, você está mais cauteloso e não faz nada. Vê o chinês
vendendo a descoberto a 12, mas de repente o prêmio dispara e sobe para 20. O
chinês reverte a posição e suporta um prejuízo de 8 por ação, levanta-se da cadeira
e vai-se embora, cheio de dignidade.
Aí você percebe que toda essa luta é inútil. Em sua primeira compra, há três dias,
tinha pago 10. A melhor tática não teria sido esperar, sem fazer nada, e vender tudo
hoje a 20, levando para casa um lucro de 100%, ou 1 milhão?
Em três dias, você perdeu 600 mil, ou 60% de seu capital, mas já entendeu que
não existe a menor lógica na loucura do day-trade, e que mesmo aqueles que vivem
debruçados sobre papéis quadriculados, analisando gráficos de barras e com ares
científicos, na verdade dependem de grande dose de sorte para ganhar alguma
coisa.
Na saga de três dias, você viu o preço mais baixo, de 6, e o mais alto, de 20. Mais
tarde irá encontrar pessoas que garantirão ter comprado a 6 e vendido a 20.
Não acredite; isso é coisa de neófitos empolgados. Aquele grande empresário que
na parte da manhã não atende ninguém e se fecha em seu gabinete, onde há um
terminal de vídeo só para ele e telefones ligados diretamente com várias corretoras,
e que se irrita quando o chamam de Manipulador, jamais comete a infantilidade de
contar suas proezas por aí.
Você continua frequentando o pregão da corretora e um dia percebe que aquela
OPC despenca para 4. Como pode? É apenas um fato do Mercado. A ação-objeto
(Petrobrás) foi abandonada pelos “grandes” no mercado à vista.
Pressentindo a oportunidade de sua vida, você compra 100 mil a 4, sem ter
percebido que a rodada de opções está se acabando – ou melhor, está se
aproximando da data de vencimento fixada pela Bolsa.
E acontece que, ao encerrar-se a rodada, a cotação de Petrobrás à vista está
muito abaixo do preço de exercício. Seu prêmio “micou”, virou pó, não vale mais
nada. Na véspera do vencimento, havia negócio a 1 centavo, mas você não quis
passar por burro.
E lá se foram os últimos 400 mil. Console-se, porque você só perdeu 1 milhão e,
afinal, só estava testando o Mercado. Muito precavido, aplicou só aquilo que podia
perder.
A mesma prudência não teve o chinês de Taiwan, que jogou todo o seu dinheiro
numa tacada definitiva. Dizem que ele está se “refazendo”; tão cedo não voltará à
Bolsa.
Você então está sabendo que as coisas não são o que parecem ser, que há muitos
mitos circulando pelo Mercado, e então resolve agir com mais dinheiro, mas com
risco menor. Compra à vista, vende opções. Se a OPC vira pó, você, como lançador,
beneficia-se do prêmio e retém as ações. Se foi exercido, recebe o preço do exercício,
e às vezes consegue ganhar, com segurança, mais de 25% ao mês. As opções
passaram a ser um processo eficiente de renda fixa.
261
Um dia você resolve comprar ações e organizar sua carteira. Estará então mais
do que convencido de que o melhor lugar para formar patrimônio é no mercado à
vista.
A essa altura, suas amizades mudaram, e você raramente conversa com
Especuladores baratos, desse que perdem noites em claro por causa de um pequeno
negócio malfeito.
Agora você já sabe de fato o que é o mercado de opções.
262
preço diferente.
Com a operação assim travada, ele não se preocupa com as oscilações do pregão.
Nem a Bolsa se preocupa com ele.
A Bolsa preocupa-se mesmo é com o grande Manipulador que só compra e não
vende, e geralmente em todas as séries. Sua preocupação é maior quando ela
percebe que o Manipulador vai exercer todos os contratos.
Se isso ocorrer, dependendo do cacife do Manipulador e do seu grau de
concentração nos papéis da empresa, poderá configurar-se a tão temida situação de
corner, em que os Especuladores vendidos a descoberto não têm de quem comprar os
papéis a não ser daquele mesmo Manipulador e ao preço que ele arbitrar.
Quando se chega a esse impasse, a direção da Bolsa intervém, mandando
encerrar compulsoriamente as posições, com pagamento pela diferença de preços.
Quem vendeu arca com o prejuízo. Quem comprou embolsa os lucros, que
geralmente são muito altos, e parte para outras empreitadas.
263
CAPÍTULO II
264
A) Mentalidade Especulativa (I). Compra e
venda. Day-trades
Ele decide comprar (talvez por imaginar que, se o índice está em alta,
provavelmente continuará subindo e aumentará o prêmio para nível mais
265
elevado). Compra então a OPC 1.
Daí para a frente, tudo o que poderá acontecer está contido no Quadro A-
2.
266
O mesmo Especulador tem também as seguintes regras, que são
conceituais: • Quando for para reverter com prejuízo, faça-o depressa.
• Seja na compra, seja na venda, a operação deverá acompanhar o
ritmo da agilidade do Mercado.
• A operação encerra-se mesmo e para todos os efeitos no momento
em que foi liquidada. Depois de liquidá-la, parta para outra. Não
leve problemas para casa.
267
Esses preços evoluíram da forma como está no Quadro A-5
268
número teórico, porque o dinheiro continuou sendo aplicado em opções.
Em 1986 a Bolsa desmoronou; em 1987 o cliente não fez nada, e só
voltou em 1988.
Em junho de 1989, com o crash causado pela queda de Nahas, o
patrimônio do cliente ficou reduzido a 2,7 mil dólares.
O Quadro A-6 mostra como são erráticos os lucros especulativos. O
resultado final não deixa dúvidas de que se trata de solo movediço que a
qualquer momento poderá ceder a fazer sumir o dinheiro do Especulador.
O fato é que no mercado especulativo todo lucro não realizado é ilusão.
O leitor estranhará que o cliente não tivesse embolsado seus lucros
quando o patrimônio se elevava a 413,4 mil dólares. É que o Especulador
acaba perdendo o domínio dos seus atos.
Todo aquele que julga poder controlar-se para colher os lucros, e afastar-
se do Mercado, com certeza nunca participou de jogadas especulativas em
que ganhou consistentemente. Os que sentem o gosto da vitória não param.
O jogador simplesmente engolfa-se nos trâmites do jogo e sua mente não se
interessa por nada mais.
Ele não sai não porque não queira, mas porque alguma força acima da
sua vontade o segura.
Nosso cliente perdeu soma considerável, mas mereceu elogios por não
ter vendido todos os seus outros bens para jogar na voragem, como teria
feito qualquer indivíduo que ganhasse como ele estava ganhando em 1985.
(1) Apurados no final de cada exercício e convertidos em dólares (2) Aplicação inicial
de 100 mil dólares em janeiro (3) Derrocada após o Plano Cruzado (4) O Mercado
estava tão ruim que não animou o aplicador a operar (5) Derrocada após a queda de
Nahas.
269
270
B) Mentalidade Especulativa (II). Venda de
opções a descoberto
271
Como explicado anteriormente, as hipóteses de preços crescem para a
esquerda e diminuem para direita do leitor, a partir dos preços vigorantes
no pregão que tenham servido de base para o fechamento da venda. Os
números são os do Quadro B-1.
(*) Não comprado, porque a OPC não é exercida (**) Não recebido, pelo mesmo
motivo Ponderações: • Se o preço à vista (AV) subir, o prejuízo do vendedor poderá
ser ilimitado.
• Se o preço à vista (AV) cair ou permanecer o mesmo, o lucro máximo
será o valor do prêmio recebido.
• O retorno é claramente menor do que o risco.
• Esse tipo de operação é só para aqueles que gostam de viver no fio
da navalha.
Dizem que as épocas de depressão, em que as quedas predominam, são
propícias ao aparecimento desse tipo de Especulador. Ele prospera em
ambientes de desolação e desespero, justificando a descrição de que se
portam como urubus em cima da carniça.
Todavia, em épocas de estabilidade ou de altas, essa figura simplesmente
não pode existir. Se existir, é aberração. Seria insanidade vender, a preço
272
imprevisível, num Mercado em alta, algo que não se possui.
Diga-se de passagem que a Bolsa é o único mercado em todo o mundo
em que teoricamente podemos vender legalmente aquilo que não possuímos;
fora da Bolsa, seria estelionato.
O que parece mais sensato admitir é que os vendedores a descoberto na
verdade já possuam o papel, só que não o deixam custodiado em seu nome
na Bolsa para cobertura da OPC vendida. Preferem entregá-lo quando e se
o comprador exercer o contrato, mesmo que sejam obrigados a depositar
pesada margem de garantia, que, afinal, é remunerada pela Bolsa a taxas do
mercado financeiro. Como não se fez cobertura formal, a venda é
considerada a descoberto.
Todavia, um velho e experiente Especulador garantiu-me que essa
hipótese é verdadeira só em parte. Às vezes um papel é puxado a um nível
aparentemente além do razoável.
O que é além do razoável? É, por exemplo, quando um papel que só tem
a especulação como motivo da alta cresce 50% em dez dias numa época em
que os juros dos títulos de renda fixa não vão além de 10%.
Há Especuladores com ares de sabidos que acham não ser possível puxar
mais, que a alta atingiu o limite e que os preços vão cair inevitavelmente.
Eles então vendem enormes quantidades de opções a descoberto, pensando
em recomprar as ações mais barato na época da entrega.
Mas contra as expectativas deles o papel continua sendo puxado (ou sobe
naturalmente pelo embalo), ameaçando os “vendidos” com exercício em
massa, o que os obrigará a pagar muito mais caro pelos papéis.
Para a Bolsa, que acompanha diariamente os acontecimentos pelas
listagens dos pregões, este seria um cenário péssimo.
Ela sabe que as corretoras que financiam as margens não terão cacife
para financiar as compras. E que, na hora de liquidar as operações, há
possibilidades concretas de quebras de Especuladores, o que faria com que
também quebrassem as corretoras.
É devido a alguns “acertos” que de repente o Mercado tem quedas
abruptas; é para permitir aos “vendidos” que zerem suas posições a preços
mais honrosos a fim de que sua ignomínia seja menor.
Outra situação desagradável a que podem levar as vendas a descoberto é
a de que, na hora de fechar a rodada de opções, não apareçam no Mercado
ações suficientes para que os vendidos as comprem para entregá-las. É o
temido corner, que no passado conduziu à ruína incontáveis Especuladores
norte-americanos.
273
Para evitar o corner, a Bolsa tem o poder de encerrar compulsoriamente
as posições compradas e vendidas. Os acertos são feitos não pela aquisição
física das ações, mas pelo pagamento das diferenças. A Bolsa nem discute:
debita as corretoras.
A Bolsa fez prevalecer esse recurso no começo da implantação das
opções. Mas essa solução, quando demorou para ser aplicada, foi tão
traumática quanto teria sido permitir que os vendidos fossem abandonados
à própria sorte, para que se arranjassem como pudessem ou se
arrebentassem de um vez por todas. Liquidados ou não compulsoriamente
os contratos, os Especuladores pagaram caro demais e prejuízos foram
inevitáveis. Mas evitaram-se corners.
274
C) Mentalidade Investidora. Compra de
opções para exercer
275
O comprador decidirá qual escolha atenderá melhor às suas
conveniências. Se decidir, por exemplo, pela OPC1, pagará o prêmio mais
alto, mas ao exercê-la pagará menos pelo papel (preço final).
Dependendo do montante de dinheiro que o comprador pensa que terá à
sua disposição no momento do exercício, e do dinheiro que tiver no início
do contrato, poderá ser mais interessante gastar menos no início e pagar
mais depois, ou vice-versa.
A decisão, porém, é assunto estritamente pessoal.
Os números do Quadro C-2 desdobram-se no Quadro C-3.
276
compra de OPC é feita nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro,
época em que se intensificam as expectativas com relação aos
balanços das empresas.
277
D) Mentalidade Financiadora. Hedge
Perfeito. Venda coberta de opções
278
O lançador de OPC escolheu a OPC1 para vender, mas suponhamos que
pretenda obter taxa melhor, digamos 24%, para obter prêmio maior do que
o que está vigorando. Mas será mais difícil fechar negócio nessa base.
Comunicará ao corretor o prêmio que deseja e ficará aguardando.
279
com menor probabilidade de exercício, mas oferecendo percentual de lucro
mais alto, se chegar a haver exercício.
(1) Se exercida a OPC, o papel sai da carteira; portanto, o sinal é -. Se não exercida a
OPC, o papel permanece na carteira; portanto, o sinal é +
(2) É o preço à vista (AV) menos o prêmio recebido (PR) (3) Recebido se houver
exercício (*) OPC não exercida (**) O percentual é calculado comparando o resultado
com o custo Ponderações: • Na alta, o lançador ganha sempre 80, mesmo se o preço
à vista se dirigir para as estrelas e atingir número infinito. Ele receberá 450 por um
papel que lhe custou 370, com lucro de 21,6%, o que estava previsto.
• Se no vencimento o papel ficar abaixo do preço de exercício (450), o
comprador não exercerá o contrato, abandonando-o nas mãos do
lançador, que o terá ao custo de 370 (420 - 50).
• Se o preço à vista cair abaixo de 370, teoricamente o lançador
estará perdendo. Mas, como é indivíduo racional e dinâmico que não
cessa nunca de operar, lança nova opção para o vencimento
280
seguinte.
• Com o prêmio recebido nessa segunda operação com o mesmo papel,
o lançador será favorecido por nova redução no custo.
Se o preço à vista continuar caindo por mais de duas rodadas (ou quatro
meses) como já aconteceu algumas ocasiões em condições excepcionais do
Mercado, o lançador, por receber sucessivos prêmios, ficará com o custo
do papel consideravelmente reduzido, o que aumentará suas chances de
obter grandes ganhos se houver forte reversão do Mercado.
Mas não se deve esperar que essa dádiva apareça como regra. O
lançador sabe que tal fato só ocorre de longe em longe. Cada série de OPC
dura no máximo dois meses; têm sido difíceis quedas que perdurem mais de
quatro meses – ou duas rodadas de opções – sem que se verifique alguma
reação nos preços.
Aplicar para financiar OPC é a modalidade mais racional do mercado
acionário entre as que têm liquidez. O vendedor está sempre coberto.
Se for exercido, seu lucro corresponde à expectativa inicial.
Se não for exercido, seu custo vai sendo rebaixado pelos novos prêmios,
enquanto aumentam suas possibilidades de lucro, que se definirão na
primeira virada de preços.
É como colocar uma vara de pescar na beira do rio e esperar que o peixe
apareça.
Pode-se chamar de Hedge Perfeito este tipo de operação, na qual
eventual perda será apenas temporária e não significa nada mais que
desvantagem contábil que está adiando a realização da vantagem real.
Para o lançador coberto, a alta e a baixa são indiferentes. Uma ou outra é
sempre lucrativa.
Tomemos como exemplo concreto diversas operações em sequência,
causadas por falta de exercício. Essas operações constituem obra-prima de
paciência e lógica. Os pressupostos eram os do Quadro D-5.
281
lançamento da OPC, o custo do papel reduziu-se a 4,43, devido ao
recebimento do prêmio de 1,69.
A operação não foi consumada no vencimento, ou melhor, o comprador
não exerceu o contrato, uma vez que o preço de exercício (PE) ficou mais
alto do que aquele que estava vigorando no pregão à vista no dia do
vencimento da opção.
O lançador recebeu de volta os papéis e lançou outra opção para a
rodada seguinte, num momento em que os pressupostos eram os do Quadro
D-6.
282
custo naquele momento estava em 0,38. O lucro, de 2.268,4%, seria digno
de figurar nos anais do Mercado, se os houvesse. A inflação dos cinco
períodos (dez meses) que demoraram para que o lançador tivesse a opção
exercida não ultrapassou 200%.
283
LEITURA COMPLEMENTAR
O HEDGE PERFEITO
(Transcrito de BALANÇO FINANCEIRO, abril de 1990)
284
285
E) Mentalidade Neutra. Fechamento de
contratos sem emprego de capital. Trava.
Superhedge
286
reservam para si, pessoalmente, ou para amigos.
Conheço uma corretora que designa para os pregões um operador que só
faz ou tenta fazer esse tipo de operação. É trabalho muito compensador.
Para exemplificar a operação, vamos aproveitar os mesmos números que
têm sido utilizados até agora (Quadro E-1).
287
No dia do fechamento das séries, se houver exercício, uma liquidação
anula a outra, competindo ao contratante pagar a diferença dos preços de
exercício, ou seja, 50. Seu lucro é o que sobra.
Veja o esquema da operação de trava no Quadro E-3.
(*) NR = não receberá, por não haver exercício (**) NP = não pagará, por não haver
exercício (***) NC = não comprará a ação no mercado à vista, por não ser necessário
entregá-la Ponderações: • O aplicador é simultaneamente lançador (na venda) e
comprador (na compra). Ele faz, portanto, dois negócios (venda e compra).
• Se no vencimento da OPC o preço à vista (AV) estiver abaixo de 450,
ele não é exercido como lançador nem exerce como comprador. Seu
lucro como lançador será igual a 65 (PR de 55 + rendimento, por
estimativa).
• Se no vencimento o preço à vista (AV) estiver entre 450 e 500
(exclusive), só a parte contrária exerce, o que obrigará o lançador a
comprar a ação no mercado à vista, para entregá-la ao comprador
quando este exercer a opção. Lembre-se de que o lançador já
recebeu o prêmio no início do contrato, aplicou-o e recebeu
rendimentos. Comprará e entregará o papel e receberá o prêmio. Seu
lucro irá de 15 a 65, dependendo do preço pelo qual terá de comprar
o papel no mercado à vista para entrega.
• Se no vencimento o preço à vista (AV) estiver igual a ou acima de
288
500, o lançador exerce juntamente com o comprador. Seu lucro
nunca passará de 15.
289
290
GLOSSÁRIO
A
À vista. Preço à vista: cotação do papel para transferência imediata do nome do titular.
Compra à vista: aquisição para transferência imediata. Venda à vista: venda para
transferência imediata. Mercado à vista: mercado onde os negócios são feitos com
transferência imediata do nome do titular.
Abrir capital (empresa): providenciar para que ações da empresa possam ser
compradas pelo público. Igual a Tornar-se pública. Abertura de capital: ato que permite a
venda ao público de ações de empresa que até então era fechada Ação-objeto: ação que
é negociada em opções.
Ação ordinária: ação que dá direito a voto nas assembleias da empresa.
Ação preferencial: ação que tem todos os direitos atribuídos à ação ordinária, exceto
direito a voto.
Acionista: sócio de empresa Alavancar (dinheiro, lucros, operação): fazer crescer.
(der.) Alavancagem.
Análise: técnica de interpretação do Mercado. Análise Gráfica, igual a Análise Técnica.
(der.) Analista gráfico. (der.) Analista de valores.
Aplicador: Todo aquele que aplica dinheiro na Bolsa, comprando ou vendendo,
manipulando ou especulando.
Aporte de capital: entrada ou remessa de dinheiro.
Apregoar: gritar no pregão para tentar fazer negócio. (der.) Apregoamento.
Assembleia geral: reunião de acionistas para discutir assuntos de interesse da
companhia.
Atividades sociais: ver Operações sociais.
Ativo financeiro: aplicações que a empresa faz, fora das suas operações sociais, para
produzir receitas.
Ativo permanente: bens imobilizados da empresa, como prédios, maquinaria, veículos
e participações em outras empresas.
Ativos: tudo o que a empresa possui. Igual a Ativo total.
Ativos reais: bens que pessoas físicas ou empresas possuem, destinados a preservar o
patrimônio da desvalorização da moeda, como ouro, moedas estrangeiras, joias, objetos
291
de arte etc. Ver Reservas de valor.
Avalizador: que garante, com sua assinatura. Igual a Avalista.
Azarão (gíria de corridas de cavalos): ação sem perspectivas, mas que poderá despontar.
B
Balanço consistente: balanço que tem coerência com os anteriores, da mesma
empresa.
Balanço patrimonial: descrição dos bens e das dívidas da empresa, representados no
Ativo e no Passivo.
Balcão: compra ou venda de ações fora da Bolsa.
Barbada (gíria de corridas de cavalos): palpite que pretende assegurar sucesso.
Barra: traço vertical no qual estão representados preços de abertura, médios e de
fechamento. (der.) Gráfico de barras.
Bater (num preço): atingir cotações mais altas e recuar.
Block-trade: grande quantidade de ações oferecida para venda de uma só vez,
geralmente negociada antecipadamente entre corretoras.
Blue-chips (gíria de cassinos, que designa as fichas azuis, de valor mais alto): as ações
mais negociadas.
Boletim da Bolsa: publicação que a Bolsa faz diariamente dos resultados do pregão.
Boleto: papeleta que os operadores de pregão usam para registrar e sacramentar os
negócios.
Bonificação: quantidade de ações que a empresa distribui gratuitamente aos seus
acionistas, proporcionalmente às que já possuem. Igual a Desdobramento.
Boom: aceleração dos negócios da Bolsa com grande euforia.
292
paga por ação e o preço da ação na Bolsa. (der.) Cash-yield de Escolha (y1): índice
calculado em moeda local. (der.) Cash-yield de Remuneração (y2): índice que mede a
relação entre valor total do dividendo recebido pelo Investidor e a quantia que ele
efetivamente aplicou, tudo convertido em dólar.
Cats: Ver sistema Cats.
Cautela: folha de papel que representa ações, muito usada antes da criação, em meados
da década de 80, das ações escriturais, que não são representadas por títulos. A cautela
está ficando em desuso. (der.) Cautela física: a própria cautela. (der.) Entrega física da
cautela: entrega da cautela.
Chamada de margem: débito que a Bolsa faz às corretoras, e que estas cobram do
cliente, para reforçar garantia em dinheiro dada em operações especulativas.
Chamada de subscrição: convocação que a empresa faz aos seus acionistas para que
adquiram novas ações de sua emissão.
Circuit-breakers: sistema eletrônico que interrompe negócios automática e
instantaneamente, usado em Wall Street.
Coberto (vendedor): vendedor de opção que deixa custodiada na Bolsa a ação que
vendeu. (der.) Cobrir. (der.) Venda coberta de opção.
Companhia: igual a Empresa, Sociedade.
Comprado: o aplicador que ficou na posição de comprador.
Conglomerado: conjunto de empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico.
Consistência (termo contábil): procedimento uniforme ao longo do tempo. Ver
Balanço consistente.
Conta: registro de crédito ou débito e de receita e despensa.
Contábil: valor do registro nos livros de contabilidade. (der.) Contabilizar: contar; fazer
registro de contas. (der.) Valor de contabilização: valor que consta nos registros.
Contratos de opção: registro de negociação de opção.
Controle. Ações de controle: ações que dão direito ao controle da administração da
empresa. Controle acionário: comando da empresa obtido com maioria das ações
ordinárias. (der.) Controlada: companhia subordinada à principal do mesmo grupo.
Corner: situação em que se vê o Especulador que tenha vendido ações sem possuí-las,
quando é obrigado a entregá-las no prazo fixado.
Corretor: profissional da Bolsa que angaria clientes.
Corrosão (da moeda): desgaste no valor da moeda causado pela inflação.
Cotação: preço da ação em determinado momento.
Crash: grande desvalorização nos preços da maioria das ações; derrocada; quebra.
Custódia: departamento da Bolsa ou da corretora, que guarda títulos para os clientes.
(der.) Títulos em custódia. (der.) Custodiar. (der.) Custodiado.
293
Data-limite: data do vencimento da opção.
Day-trade: operação que só dura um dia, pois é revertida no mesmo pregão.
Debênture: título de crédito, com prazo e rendimento determinados, emitido por
empresas.
Derrubar: atuar para forçar alta ou baixa artificiais. (der.) Derrubada de preços.
Descoberto. Vendedor descoberto: aplicador que vende título sem tê-lo,
comprometendo-se a entregá-lo em prazo determinado. (der.) Venda a descoberto.
Desdobrar: emitir (a empresa) ações para dá-las de graça aos acionistas em proporção
com a quantidade que já possuam. (der.) Desdobrar-se. (der.) Desdobramento, igual a
Bonificação.
Desempenho (da carteira): resultado financeiro obtido pelos títulos que o aplicador
possui.
Desestatizar: tirar o poder do Estado sobre empresas que lhe pertencem (estatais). Ver
Privatização.
Dica: palpite, informação fingidamente sigilosa. Dica furada: informação que não deu
certo.
Direito. Direito a dividendo: o dividendo pertence ao titular da ação. Direito a
subscrição: percentual que compete ao titular subscrever. Direito a bonificação (ou
desdobramento): bonificação (ou desdobramento) que pertence ao titular. Direitos de
opção: direito que titular de opção tem de exercer contrato.
Dividendo: benefício pago aos acionistas e que, de acordo com a Lei das S/A, não pode
ser inferior a 25% do lucro líquido obtido pela empresa em suas operações sociais.
Emissões: ações novas que a empresa emite para vender ou dar de graça aos seus
acionistas. (der.) Subscrever emissões.
Empresa: Igual a Companhia, Sociedade. (der.) Empresa aberta. Ver Capital aberto.
Encerramento (de rodada de opção): último dia para liquidação das séries de opção,
que normalmente recai em meados dos meses pares.
Encerramento compulsório (de opção): liquidação que a própria Bolsa pode fazer da
opção, se houver iminência de impasse.
Encilhamento: febre especulativa com ações ocorrida no Rio de Janeiro no século
XIX, após a Proclamação da República. O nome deriva de encilhar cavalos, com
conotação, portanto, de aposta e jogo.
Entesourar: guardar nos cofres, como se fosse tesouro. (der.) Entesouramento.
Especular: comprara ações com vistas a lucrar a curto prazo. (der.) Especulador: aquele
que especula. É um dos cinco personagens principais do Mercado descritos neste livro.
Espuma: movimentação ruidosa e artificial de volumes e negócios.
Esquema: combinação entre Manipuladores para levantar ou derrubar preço de ações.
294
Ex: ações compradas sem direitos: ex-bonificação, ex-desdobramento, ex-dividendo,
ex-subscrição.
Executar (ordem): cumprir ordem de compra e venda, no pregão, no telepregão e no
balcão.
Exercer. Exercer contrato de opção: consumar operação de opção com o pagamento do
preço de exercício (PE) das ações adquiridas. (der.) Exercício. Exercício da opção:
pagamento da operação de opção. Dia do exercício: data do vencimento da opção. Preço
de exercício (PE): preço estipulado no início da operação de opção.
Fechar. Fechar capital: retirar-se (empresa) da Bolsa. Fechar operação, fechar contrato,
fechar compra, fechar venda: consumar. (der.) Fechamento de capital. (der.) Preço de
fechamento: última cotação do dia.
Fundação. Fundação de seguridade: entidade que faz complementação de aposentadoria
para seus associados. Fundação estatal: entidade pertencente ou ligada a empresa estatal
e que foi organizada para fins de complementação de aposentadorias. Fundação privada:
entidade criada para fins de complementação de aposentadoria.
Fundamentalista. Análise fundamentalista: estudo do Mercado e das ações com base
em fatos concretos ligados aos fundamentos da empresa, como situação patrimonial,
rentabilidade, investimentos, administração etc.
Fundo de investimento: entidade que arrecada dinheiro junto ao público para
aplicação.
Fundo de Pensão: igual a Fundação de seguridade.
Fundo do poço: o ponto mais baixo que, hipoteticamente, o Mercado ou o preço de
uma ação pode atingir.
Furar: Ver Resistência, furar a.
Futuro: modalidade de negócio para pagamento em prazo determinado. (der.) Mercado
futuro; mercado futuro de índices; índice futuro.
Galinha morta (gíria): bens de preço muito abaixo de seu valor intrínseco.
Garimpar (o Mercado): pesquisar para encontrar boas alternativas.
Giro. Ter dinheiro em giro: ter dinheiro em movimento. Capital de giro: recursos para
movimentação.
Gráfico: figura esquemática que representa preços e indica tendências. (der.) Grafista:
profissional que trabalha com base na Análise Gráfica. (der.) Análise Gráfica.
Hedge (inglês): sistema de ordem matemática que protege operação ou títulos contra
295
incertezas. (der.) Super-hedge.
Hot Money (inglês): dinheiro que vem do Exterior para aplicação em mercados
financeiros e em operações especulativas de curtíssimo prazo.
Investir: aplicar capital em ativo gerador de renda. (der.) Investidor: aquele que investe.
É um dos cinco principais personagens do Mercado mencionados neste livro. (der.)
Investidor Institucional, ver Institucionais, igualmente um dos cinco principais
personagens do Mercado.
Lançador: o que vende a opção (ao titular). Lançador coberto: o que vende a opção e
imediatamente entrega as ações. Lançador descoberto: o que vende a opção sem
entregar o papel, para só entregá-lo quando e se o contrato for exercido.
Laranja (gíria): indivíduo que age para pessoa que não quer aparecer.
Levantar (preços): atuar para elevar as cotações. (der.) Levantada.
Liquidação compulsória (de contratos de opção): liquidação que a Bolsa faz sem
participação dos contratantes (Não há transferência de titularidade das ações e os
pagamentos são feitos por diferença).
Liquidar (operação): consumar. Liquidar a posição: vender todas as ações que possui.
Liquidar a operação: pagar o débito resultante da execução do negócio.
Liquidez: 1. Dinheiro; 2. Capacidade que tem a ação de ser negociada nos pregões.
Baixa liquidez: 1. Pouco dinheiro; 2. Pequena capacidade de negociação da ação. Alta
liquidez: 1. Muito dinheiro; 2. Ampla capacidade de negociação da ação. Sem liquidez:
1. Sem dinheiro; 2. Papel sem liquidez: ação que não tem negócios. Excesso de liquidez:
dinheiro sobrando. Dar liquidez a ação: facilitar a negociação da ação. Perder liquidez:
chegar a um ponto em que (a ação) não é negociada.
Lote (de ação): grande quantidade de ações, da mesma empresa e do mesmo tipo,
geralmente em números redondos. Lote mínimo: a menor quantidade fixada para
negócio. Lote redondo: quantidade em múltiplos de milhão. Quebrar o lote: vender em
quantidade menor do que a que foi estipulada em números redondos. Comprador de lote:
o que compra grande quantidade, geralmente em números redondos. Vendedor de lote: o
que só vende em grande quantidade, geralmente em números redondos.
296
Manipular: forçar alta ou baixa nas cotações. (der.) Manipulação. (der.) Manipulador:
pessoa dotada de grande poder aquisitivo, capaz de causar altas ou baixas artificiais. É
um dos cinco principais personagens do Mercado, mencionados neste livro.
Margem, ou Margem de garantia: quantia em dinheiro deixada em garantia de
operação especulativa. Reforço de margem: quantia suplementar para aumentar garantia.
Maturação (de investimento): ato de deixar que investimento produza resultados.
Mercado: local onde se fazem negócios com ações. Mercado de risco: negócios com
bens de valor variável. Mercado à vista: negócios com bens para pagamento imediato.
Mercado futuro: negócios com ações para pagamento em data pré-fixada (os contratos
podem ser negociados antes do vencimento, mas não é permitido ao tomador final
desistir da compra). Mercado a termo: negócios com ações para pagamento em data pré-
fixada (os contratos não podem ser renegociados e não é permitido ao tomador final
desistir da compra). Mercado de opções: negócios com contratos de opções (podem ser
negociados em day-trades e o comprador pode deixar de exercer o contrato). Compra
(ou venda) a mercado: compra (ou venda) ao preço que estiver vigorando. Preços de
mercado: preços que estiverem vigorando.
Merposa: empresa que não tem qualificação nenhuma. Contração de “merda em pó
sociedade anônima”. Palavra criada durante o boom de 1971, quando os Especuladores
novatos compravam qualquer ação que fosse apregoada. (der.) Mercara, contração de
“merda cara”. (der.) Merbarata, contração de “merda barata”. (der.) Mergraça, contração
de “merda de graça”.
Mesa, mesa operadora ou mesa de operações: instalação nas corretoras de onde são
transmitidas ordens ao pregão.
Minoritários: acionistas comuns, sem ingerência na administração da empresa.
Monitorar: acompanhar a evolução do investimento. (der.) Regras de monitoração.
Movimento financeiro (da operação): contabilização das vendas e compras e da
entrada e saída de dinheiro.
O
Off-the-records, ou apenas off (inglês): informação fora de registro, prestada a
jornalista que poderá publicá-la mas sem indicar a fonte.
ON: abreviatura de Ação ordinária.
OPC: abreviatura de Opções, também OTC.
Opção: modalidade em que são negociados direitos de opção de compra.
Operação: negócio. Operação à vista: negócio com pagamento imediato. Operações
sociais: trabalho da empresa visando obter receitas e lucros na atividade para a qual foi
constituída.
297
Operador: funcionário de corretora que executa operação. Operador de mesa:
funcionário de corretora que trabalha na mesa. Operador de pregão: funcionário de
corretora que trabalha no pregão da Bolsa.
Ordem: incumbência do aplicador ao corretor para que este providencie a compra ou a
venda de determinada quantidade de ações ou títulos.
P
Papel. Igual a Ação. Papel nobre: ação de categoria superior.
Participação. Participação acionária ou societária: percentual que os acionistas detêm
de ações ordinárias. (der.) Participar de sociedade.
Patrimônio líquido: conta passiva do Balanço Patrimonial que registra os bens
líquidos da empresa. Patrimônio Líquido Contábil: bens registrados na Contabilidade;
nomenclatura para ressalvar que os valores concretos são maiores que os de
contabilização. (der.) Contas patrimoniais ou Contas de patrimônio.
Pesado. O papel ficou pesado: ficou difícil manter artificialmente o preço da ação, por
estar muito alto.
Picado. Quantidades picadas: quantidades pequenas.
PL. Igual a P/L: índice Preço/Lucro, usado no Mercado como parâmetro de preços. É a
cotação do papel na Bolsa dividida pelo lucro por ação obtido pela empresa.
PN: abreviatura de Ação Preferencial Nominativa.
Pó. Virar pó: reduzir-se (o valor) a zero. Opção virou pó: prêmio de opção perdeu todo
o valor.
Portfólio: ações pertencentes ao aplicador. (der.) Portfólio de ações. (der.) Portfólio
de investimento: aplicações em ações e outros títulos, e em outros bens.
Posição: quantidade de ações pertencente ao aplicador. Liquidar posição: vender todas
as ações da carteira. Mudar de posição: trocar, por outras, algumas ou todas as ações da
carteira. Posição zerada: reduzir a zero a posição. Manter-se na posição: não vender (o
aplicador) as ações que tem e também não comprar outras.
Posto. Postos de negociação: locais no recinto do pregão da Bolsa onde são negociadas
especificamente determinadas ações.
Preço: valor fixado para negociação. Preço de exercício (PE): quantia que o comprador
de opções terá de pagar para exercer o contrato e ficar dono das ações compradas no
mercado de opções. Preço à vista (AV): o preço que estiver vigorando no pregão. Preço
de abertura: cotação por ação no início dos negócios do dia. Preço de fechamento:
cotação por ação no encerramento dos negócios do dia. Preço médio: cotação por ação
apurada pela média após a realização dos negócios do dia.
Preferencial. Ação preferencial. Tipo de ação que dá ao seu possuidor todos os direitos
distribuídos pela companhia, exceto os de comparecer e votar nas assembleias gerais.
Pregão: recinto onde se executam ordens. Pregão de viva voz: aquele em que
operadores negociam abertamente. (der.) Telepregão: o pregão em que negócios são
fechados através de terminais de computação.
298
Prêmio (de opção): pagamento em dinheiro para abertura de negócio de opção.
Pressionar (preço): atuar para que cotações subam ou desçam.
Previdência complementar, ou Previdência privada: conjunto de entidades que
promovem complementação de aposentadorias com recursos voluntários provenientes
de associados e de rendimentos das aplicações desses recursos.
Previdência Social: entidade governamental que promove aposentadorias de
associados compulsórios.
Privatização: entrega a particulares, a preço baixo, de empresas pertencentes ao
governo. Igual a Desestatização.
Provisão: recursos reservados, para fins específicos. (der.) Provisionar. Provisões
técnicas: nomenclatura da conta de recursos reservados para uso futuro em
complementações de aposentadorias, pelas seguradoras e fundos de pensão, e que são
necessariamente aplicados em ativos geradores de renda (der.) Provisionar lucros: não
distribuí-los, mas reservá-los para fins específicos.
Puxada: manipulação para forçar alta artificial. Puxar: manipular. (der.) Puxador: o que
puxa.
Queda técnica: baixa nas cotações causadas por motivos lógicos e fundamentados.
299
reserva de valor.
Reservas: recursos guardados para eventualidades ou para finalidades específicas;
conjunto de contas patrimoniais referentes a valores que estão aguardando destinação.
(der.) Nível de reservas. (der.) Reservas sobre o capital: índice que se calcula dividindo
as reservas pelo capital social (são contas do Patrimônio Líquido).
Resistência: ponto mais alto atingido por uma cotação. Testar a resistência: levar a
cotação a um preço mais alto para ver se o Mercado o aceita. Furar a resistência:
ultrapassar o ponto de resistência.
Retorno (do investimento): rentabilidade do capital aplicado.
Reversão (de opção): anulação de negócio já feito com opção, por compra ou venda na
mesma quantidade.
Reversão de tendência: mudança do rumo dos negócios e dos preços.
Risco. Mercado de risco: tipo de negócio em que há probabilidade de prejuízos. Índice
de risco: índice que mede probabilidade de prejuízo.
Rodada (de opções): conjunto de séries com data pré-fixada de encerramento. Ver
Séries. Encerramento de rodada: fechamento das séries de opção no prazo determinado.
S
S.A. ou S/A: abreviatura de Sociedade Anônima.
Seguridade social, empresa de: entidade constituída para garantir aposentadorias ou
suplementação destas.
Série (de opções): conjunto de opções com prêmios e preços de exercício diferentes,
mas com mesmo vencimento.
Sistema Cats: sistema de computação que presta informações sobre o Mercado e
permite realizar negócios fora do pregão de viva voz. Igual a telepregão.
Situação (patrimonial): bens pertencentes a pessoa física ou jurídica.
Sociedade. Companhia, empresa. Sociedade anônima: sociedade por ações cujos sócios
só respondem pelo valor das ações que possuírem. (der.) Sociedade por ações:
sociedade cujo capital é todo dividido em ações.
Stop-loss: mecanismo usado em Wall Street que expede automaticamente ordens de
venda quando o preço cai a determinado ponto.
Subscrição: venda de ações diretamente pela empresa, com preferência aos seus
acionistas .(der.) Chamada de subscrição: convocação aos acionistas para subscreverem
ações. (der.) Subscrever aumento de capital.
Sustentar (preços): atuação para manter artificialmente o nível dos preços. (der.)
Sustentador: o que atua para sustentar preços.
Tacada (temo de gíria adaptado da sinuca): jogada bem sucedida. (der.) Dar uma tacada.
300
Take-over bid (inglês): esquema usado nos EUA para designar a tomada de controle de
empresa pela aquisição de suas ações ordinárias na Bolsa.
Tecnomania: mania de usar técnicas e teorias em vez da prática. (der.) Tecnômano: o
que tem essa mania.
Telepregão: sistema em que se fecham negócios na Bolsa através de terminais de
computação. Ver Sistema Cats.
Tendência (de preços): rumo que os preços podem tomar, atendendo a observações de
ordem lógica.
Termo: prazo. Operação a termo: negócio para pagamento a prazo. Mercado a termo:
tipo de negócio para pagamento a prazo. (der.) Comprar (vender) a termo.
Testar (resistência): Ver Resistência.
Titular: o dono; o que fez a compra de opção.
Título: documento de propriedade. Título de renda fixa: título que produz rendimento
previsível, como certificados bancários, letras de câmbio e cadernetas de poupança.
Título de renda variável: título que produz rendimento imprevisível, podendo até mesmo
dar prejuízo, como ações.
Tomar (controle): aquisição via Bolsa do direito de assumir administração de empresa.
(der.) Tomada de controle.
Tornar-se pública: abrir o capital (empresa), para que o público possa comprar suas
ações.
Trabalhar (uma ação): atuar para elevar preço e volume. (der). Papel trabalhado: papel
manipulado.
Trava: modalidade de negócio com opções que permite ganhar sem colocar capital.
Valor. Valor intangível: valor que não se pode determinar ou definir. Valor intrínseco:
valor que as ações possuem em função dos rendimentos que pagam. Valor patrimonial
(da ação): índice que se apura dividindo o valor do Patrimônio Líquido pela quantidade
de ações que compõem o capital social. (der.) Valorização: elevação do preço na Bolsa.
Vencimento (de opção): data fixada para liquidação da opção.
Vendido: situação em que se encontra o Especulador que vendeu a ação sem tê-la.
Vendido coberto: aquele que vendeu opção e entregou as ações. Vendido descoberto:
aquele que vendeu opção e só entregará as ações quando e se o contrato for exercido.
Virada (do Mercado): Igual a Reversão de tendência.
Virar pó: perder todo o valor (o prêmio) no dia do vencimento da opção.
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Viva voz: Ver pregão de viva voz.
Volatilidade: oscilação de preços. (der.) Grau de volatilidade.
Volume: quantidade de dinheiro movimentada no pregão.
Wall Street: rua em que está instalada a Bolsa de Valores de Nova York. Por extensão,
aquela Bolsa.
Zerar: anular, com operação contrária. (der.) Zerar a posição, Posição zerada e
Zeramento de posição.
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