Andre Final Outubro
Andre Final Outubro
Andre Final Outubro
CURITIBA
2008
ANDRÉ LUIZ NUNES DA SILVA
CURITIBA
2008
TERMO DE APROVAÇÃO
Curitiba, de de 2008.
À minha filha Gabrielle, pela força, carinho e
amizade de sempre; e para minha esposa
Ana Lucia, pelo sacrifício e dedicação, meu
amor e respeito na esperança de que dias
melhores ainda virão.
AGRADECIMENTOS
Como todo trabalho de pesquisa, este também não foi executado com o
empenho de uma só pessoa. Ao contrário, desde os primeiros estudos, elaborações
e projetos, contei com o apoio de muitas pessoas que possibilitaram essa
realização. Por isso, quero agradecer a todos que me auxiliaram de algum modo,
ainda que não seja possível nomeá-los. Minha gratidão a todos que olharam
esse trabalho de forma presente e reconheceram nesse esforço um estímulo
para essa causa. Que a luta de todos os negros e negras deste país seja pela
incansável batalha contra a opressão e contra as desigualdades que tanto nos
assolaram no passado e vivem nos rondando até hoje.
O presente trabalho trata do fenômeno das ações afirmativas como a reserva de cotas
sociais e raciais adotadas em algumas instituições de ensino superior do Brasil, universidades
públicas e gratuitas, em especial das medidas estabelecidas na Universidade Federal do
Paraná. O que se pretende é avaliar se essas políticas públicas constituem uma promoção
da igualdade material e se sua aplicação contribui para a redução das desigualdades e do
racismo perpetrado contra os afro-descendentes (negros e pardos) na sociedade brasileira.
Procura-se entender o processo histórico de adoção do regime escravagista, examinando as
relações impostas pela Coroa portuguesa, com fulcro no ordenamento jurídico da época,
que controlava e reprimia qualquer forma de libertação ou expressão vinda dos cativos e no
qual se sustentavam as práticas e medidas aplicadas pelos colonizadores e senhores de
escravos, que tratavam os negros como mercadorias ou "coisas". Sempre tendo em vista
identificar a origem do racismo e da discriminação estabelecida na sociedade brasileira e
sua perpetuação até nossos dias. Analisa-se também a isonomia numa perspectiva
histórica, de modo a estabelecer a sua inserção no Direito Constitucional como princípio, a
sua aplicabilidade, seja no aspecto formal, seja no aspecto material, bem como sua eficácia
para combater a discriminação racial, tendo como parâmetro a adoção das ações afirmativas.
Na continuidade discorre-se sobre sua implantação das ações afirmativas nos Estados
Unidos descrevendo-se sua origem no poder Executivo a sua implantação pelos poderes
Legislativo e Judiciário, com proposições que alteraram os destinos dos grupos minoritários
americanos de modo a incluí-los na sociedade. Trata-se igualmente do surgimento das
idéias de ações afirmativas na sociedade brasileira, demonstrando dispositivos constitucionais e
leis ordinárias que efetivaram práticas decisivas para a inserção de minorias como mulheres,
portadores de necessidades especiais, negros e índios no âmbito dos Estados e da União
Federal. Procura-se apresentar a necessidade de legitimação das Ações Afirmativas de
modo que tais práticas se tornem eficazes na construção de uma sociedade igualitária e
justa. Ao final, analisa-se a adoção das cotas raciais como instrumento de ações afirmativas,
tendo como exemplo a implantação desses mecanismos na UnB (Universidade de Brasília),
UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e UFPR (Universidade Federal do Paraná),
bem como o debate jurídico surgido após a adoção das políticas nas universidades, que
almejam a redução das desigualdades praticadas contra os negros. A reflexão pretendida
parte da idéia de que a aplicação das ações afirmativas no ordenamento jurídico nacional
deve estar alinhada aos instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos,
como a Convenção sobre Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial. Essas
medidas no Brasil tomaram impulso após a sua participação na Conferência Mundial de
combate ao racismo, promovida pela ONU, na África do Sul, em 2001, que recomendou a
sua adoção nas sociedades que têm práticas e rotinas de discriminação e racismo.
The present work aims at analyzing the affirmative action phenomenon, such as the social
and racial quota reservation adopted by some public and unpaid universities in Brazil. It
mainly focuses on the measures taken by Universidade Federal do Paraná (Paraná Federal
University) concerning this subject. Our objective is to assess the extent to which those
public policies foster material equality and whether they contribute to reduce inequalities and
racism towards the afro-descendents (black and brown) in the Brazilian society. We seek to
understand the slavery regimen history through examining the relations, based on that period
legal order, imposed by the Portuguese Crown to control and prevent the slaves from having
any form of freedom or expression. Such relations were based on practices and measures
taken by colonizers and slave owners who used to consider black people as being goods or
"things". Our analysis seeks to identify the origin of racism and discrimination against black
people found within the Brazilian society and perpetuated until nowadays. The present work
also analyses equality from a historical perspective in order to determine its insertion as a
principle in the Constitutional Rights. In addition, using affirmative actions as parameter it
analyses its formal or material applicability and efficacy to fight racial discrimination. Then,
we describe affirmative actions originated in the Executive and implemented by the
Legislative and Legal powers in the United States, which proposed measures that changed
the minorities' destiny providing them with social inclusion. The work also shows how de idea
of affirmative actions arose in the Brazilian society, as well as the constitutional tools and
ordinary laws that provided the effectiveness of decisive practices in order to include
minorities, such as women, disabled people, black people and indians at the state and
federal levels. We seek to show the need of legitimizing such actions so that they become
efficient enough to build an equalitarian and just society. Finally, we analyze the use of racial
quotas as affirmative action tools on the basis of racial quota implantation at Universidade de
Brasília-UnB (Brasília University), Universidade Estadual do Rio de Janeiro-UERJ (Rio de
Janeiro University) and Universidade Federal do Paraná-UFPR (Paraná Federal University),
as well as on the legal discussion arisen after Universities stated they look for reducing
inequalities, mainly concerning black people. We took into consideration that affirmative
action application within the national legal order should be aligned with international tools
addressed to human rights' protection, such as the Convention on the elimination of all
Racial Discrimination forms. Brazil improved the aforementioned measures after its
participation in the ONU World Conference to fight racism, which took place in South Africa
in 2001, and that recommended those measures to countries experiencing discrimination
and racism practices and routine.
INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 9
ESCRAVAGISTA ................................................................................................. 27
BRASIL................................................................................................................ 39
CAPÍTULO 4 - COTA RACIAL COMO AÇÃO AFIRMATIVA NAS UNIVERSIDADES ....... 122
4.2 CRIAÇÃO E ADOÇÃO DAS AÇÕES AFIRMATIVAS NA UnB, UERJ E UFPR ....... 140
4.3 DEBATE JURÍDICO DAS AÇÕES AFIRMATIVAS (COTAS) NA UNIVERSIDADE ..... 151
INTRODUÇÃO
Poder Legislativo, que procedeu a uma alteração constitucional, a Emenda n.o 14, e
elaborou o Estatuto dos Direitos Civis, o Poder Judiciário, por intermédio das Cortes
1960 em diante trouxeram uma nova visão e perspectiva para essas minorias, com a
como negar que houve, nesse transcorrer de quase meio século, um avanço
1 Segundo o Ministro Joaquim Barbosa: "Atos ou decretos normativos editados pelo Presidente da
República, na qualidade de chefe do Poder Executivo". (GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa
e princípio constitucional da igualdade: o direito como Instrumento de transformação social.
A experiência dos EUA. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p.50).
10
sejamos fruto de uma sociedade escravocrata, entre nós o debate sobre as ações
2 "Um dos mais nefastos efeitos da discriminação é claramente perceptível no campo da educação,
especialmente em se tratando de discriminação em razão de raça. Nesse campo, a discriminação
se traduz na outorga, explicita ou dissimulada, de preferência no acesso a educação de qualidade
a um grupo social em detrimento de outro grupo social. Prejudicados em um aspecto de
fundamental importância para o ulterior desenrolar de suas vidas, os membros do grupo vitimizado
se vê, assim, desprovido dos 'meios' indispensáveis à sua inserção, em pé de igualdade com os
beneficiários da injustiça perpetrada, na competição pela obtenção de empregos e posições
escassos do mercado de trabalho. Noutras palavras, a discriminação, entendida sob essa ótica
como provação de 'meios' ou de instrumentos de competição, resulta igualmente em privação de
oportunidades. Conseqüentemente, reduzem-se as perspectivas de bem-estar e de sucesso
daqueles que dela são vitimas". (GOMES, J. B. B., Ação afirmativa..., p.63).
11
3 O termo afro-descendente não significa aquele que descende de africanos, pois, como demonstram
as teses mais aceitas sobre a origem do homem, a humanidade é afro-descendente. Tampouco é
um apego ao critério da ascendência para definição racial, pois ele implica um paradoxo absurdo
que não permite fazer a distinção entre que é afro-descendente e quem não é. O paradoxo da
ascendência pode ser exposto da seguinte forma: negro é filho de negro, que é filho de negro,
que é filho de negro... Logo todos são afro-descendentes. Ao contrário, neste texto, afro-
descendente é termo empregado para aqueles que são socialmente reconhecidos como negros,
ou seja, que podem ser marcados racialmente e são vítimas potenciais de práticas discriminatórias,
sofrendo, ainda que indiretamente, os efeitos negativos que atingem o grupo racial negro com o
qual são identificados. De fato a expressão tornou-se usual no Brasil nos círculos acadêmicos,
apenas recentemente, pois em línguas estrangeiras a utilização da palavra negro não foi aceita,
por ser considerada discriminatória, para figurar em documentos internacionais. No âmbito
jurídico e na formulação de políticas públicas, a única tradução possível dessa expressão é negro.
(DUARTE, Evandro C. Piza; GUELFI, Wanirley Pedroso. Cotas raciais, políticas identitárias e
reivindicação de direitos. In: DUARTE, Evandro C. Piza; BERTÚLIO, Dora Lúcia de Lima; SILVA,
Paulo Vinícius Baptista (Coords.). Cotas raciais no ensino superior: entre o jurídico e o político.
Curitiba: Juruá, 2008. p.122).
12
como Otavio Lanni, Florestan Fernandes, Antonio Sergio Guimarães, Hédio Silva Jr. e
Sergio Martins.
sua aplicabilidade, seja no aspecto formal, seja no aspecto material, bem como sua
eficácia para combater a discriminação racial, tendo como parâmetro a adoção das
formal são aquelas onde se verificam os mais gritantes índices de injustiça social" 4.
A idéia de construir uma justiça voltada para a prática da igualdade material com
base nos dispositivos constitucionais vigentes encontra seu alicerce nos ensinamentos
dos seguintes autores: Joaquim Barbosa Gomes, Cármen Lúcia Antunes Rocha,
Flavia Piovesan, José Joaquim Gomes Canotilho, Paulo Bonavides e Luiz Roberto
Barroso.
existentes.
das ações afirmativas no Poder Executivo e sua ampliação pelos poderes Legislativo
legitimação das Ações Afirmativas de modo que tais práticas se tornem eficazes na
(Universidade Federal do Paraná), bem como o debate jurídico surgido após a adoção
das políticas públicas nas universidades, que almejavam a redução das desigualdades
praticadas contra os negros.
de discriminação e racismo.
14
das relações raciais e dos Direitos Humanos no meio jurídico, de modo a aprimorar a
CAPÍTULO 1
5 Nome genérico para uma grande região da Ásia de onde a Europa importava especiarias (temperos),
tecidos e outros produtos tropicais. (BENJAMIN, Roberto Emerson Cãmara. A África está em
nós: história e cultura afro-brasileira. João Pessoa: Grafset, 2006. p.112).
6 Regimes escravistas ou escravismo são os sistemas econômicos nos quais as áreas mais dinâmicas
são movidas pelo trabalho forçado, realizados por escravos. A utilização do trabalho escravo de
forma secundária, como acontecia em muitas sociedades africanas da época do tráfico atlântico
de escravos, não faz que tal sociedade seja considerada escravista.
16
de 1533, uma carta de Pero de Góis requerendo ao Rei "17 peças de escravos".
tendo início com as Ordenações Afonsinas até 1512, seguida das Manuelinas até 1569,
mouros, que eram identificados por "servos".11 Nas Ordenações Filipinas, as regras
que mencionavam os escravos negros passaram a fazer parte do Livro IV, que dizia
respeito ao direito civil substantivo, e ao Livro V, que tratava do direito criminal e suas
7 O Brasil assinalou recorde americano no tráfico de escravos, importando perto de 40% do total de
nove milhões e quinhentos mil negros transportados para o novo mundo: nove vezes mais que os
Estados Unidos (6%) e bem mais que o dobro da América hispânica (18%), do Caribe Inglês
(17%) e do Caribe Francês (17%) o Brasil foi o último país independente a abolir legalmente o
trafico. (FREITAS, Decio. O escravismo brasileiro. 2.ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982. p.11).
8 Portugal tornou-se nação, com o nome de condado Portucalense, no século XII, quando, em 1139,
D. Afonso Henriques foi proclamado rei. Esse lance histórico, porém, apenas criou o novo Estado;
os que se seguiram, especialmente as lutas contra os espanhóis e os mouros, é que garantiram a
realidade e solidificaram a permanência dessa nação. Ainda assim, os mouros só foram
definitivamente vencidos no século XIII e os espanhóis restabeleceram seu domínio em 1580,
sendo que a restauração da soberania portuguesa só ocorreu sessenta anos depois, Isto é, em
1640. (MAIA, Newton Freire. Brasil: laboratório racial. 7.ed. Petrópolis: Vozes, 1985. p.20).
9 Um dos aspectos da relação entre os portugueses e os negros é que, ao descobrir o Brasil, Portugal
tinha razoável experiência com a escravidão. Tanto que os primeiros negros desembarcados no
Brasil não vinham da África e sim de Portugal, já como escravos treinados. (CHIAVENATO, Julio
Jose. O negro no Brasil: da senzala à abolição. São Paulo: Moderna, 1999. p.29).
10 Leis Portuguesas codificadas inicialmente por D. João I, receberam o nome dos reis que as
promulgaram. Assim houve – nessa ordem – as Ordenações Afonsinas, as Manuelinas e as Filipinas,
que continham matéria de Direito Judiciário, Administrativo, Penal e Civil. (QUEIROZ, Suely Robles
Reis de. Escravidão negra no Brasil. São Paulo: Ática, 1990. p.81).
11 RIBEIRO, Silvia Lara. Do mouro cativo ao escravo negro: continuidade ou ruptura. In: Anais do
Museu Paulista, 1980/1981, p.375-398.
17
A adaptação das normas legais rígidas para com os escravos foi a solução que
pode esquecer que a Ordem de Cristo, ligada aos reis de Portugal, recebia comissões
de 5% sobre cada transação, pagos pela casa dos escravos"13 e que por suas
modo que os padres afirmavam ser difícil colonizar o Brasil com os índios que não
12 Em razão da intensa atividade dos traficantes de escravos o Continente Africano sofreu uma das
maiores sangrias populacionais da sua história. Há estimativas de que, entre os séculos XVI e
XIX, somente para a América vieram aproximadamente vinte milhões de escravos. Cerca de um
quinto desses escravos vieram para o Brasil. Ou, mais precisamente, o trafico negreiro desembarcou
no Brasil 4.009.400 escravos. O transporte dos escravos saídos da África era realizado pelos
navios negreiros. O negros eram colocados nos porões desses navios, onde o espaço era pouco,
o ambiente, escuro e o calor, insuportável. Além disso, a água era suja e o alimento, insuficiente
para todos. Durante essas horríveis viagens, morriam cerca de vinte a quarenta por cento dos
negros, em razão dos maus tratos recebidos e das péssimas condições do transporte. Por isso,
em Angola, esse navios sinistros eram chamados de Tumbeiros, palavra relativa a tumbas ou
sepulturas. (CONTRIN, Gilberto. História e consciência do Brasil. 7.ed. São Paulo: Saraiva,
1999. p.71).
clero a partir do século XVII obteve privilégios para importar escravos, e defendia a
fornecimento regular de negros, com altos investimentos, produzia lucro que alimentava
o mercantilismo português.
função dos maus tratos de toda ordem. Chegando ao Brasil, eram colocados nos
mercados e galpões onde eram expostos à venda. Segundo Marina de Mello e Souza,
dentes, pelo sexo, pela saúde, pelo aspecto geral. Por isso, o padrão de
"peça" podia variar de 1,85 a 1,60 metro, dependendo do estado do lote. Na
prática as coisas se tornavam-se mais simples. era comum dois negros
mais idosos ou duas crianças de 4 a 8 anos valerem uma peça. Três negros
de 9 a 18 anos (os molecões) valiam duas peças.15
Foi com base nessa atividade que a economia colonial se desenvolveu. A mão-
para essas regiões. Em 1559, o tráfico passou a ser legal devido à iniciativa do rei
para o trabalho em território brasileiro. Esse ciclo, cujo epicentro foi o Nordeste,
consolidou um modelo rural de sociedade liderada pelos senhores de engenho e
elevada de cativos.
15 SOUZA, Marina de Mello. África e Brasil Africano. São Paulo: Ática, 2006. p.88.
16 "Em Cartagena, o mesmo podia acontecer numa colônia inglesa, portuguesa, ou francesa, tirava-
se a roupa dos africanos, homens e mulheres, e eram colocados em locais visíveis no mercado.
Os compradores apalpavam seus corpos para constatar sua constituição, apalpavam seus órgãos
sexuais para observar o estado de saúde de mulheres e homens; observavam seus dentes para
ver se estavam em boas condições, e, segundo o seu tamanho, idade e força, pagavam em
moedas de ouro o valor de sua pessoas, de suas vidas. Depois eram marcados com ferro em
brasa. Nunca na história humana, em tal número e tal maneira coisificados como mercadorias,
foram tratados membros de nenhuma raça". (DUSSEL Henrique. O encobrimento do outro: a
origem do mito da modernidade. Trad. Jaime A. Classen. Petrópolis: Vozes, 1993. p.163).
17 A colonização do Brasil não teria sido possível sem a contribuição africana em técnicas e em mão-
de-obra. A população de Portugal no começo do século XVI era escassa e seus trabalhadores não
tinham experiência na prática da agricultura tropical, nem tampouco na mineração intensiva. Logo
no início do estabelecimento das primeiras feitorias no Brasil, os colonizadores haviam concluído
que não seria possível obter rendimento apenas com produtos adquiridos aos aborígenes, como,
principalmente, o Pau Brasil (madeira extraída da árvore nativa também denominada "pau-Brasil"-
saesalpinia echinata Lin – para o fim de obtenção de corante vermelho). (BENJAMIN, op. cit., p.104).
20
obteve lucros elevados com a produção de açúcar, alcançando no início do século XVII
a produção de 9 (nove) mil toneladas. O produto era exportado para boa parte do
quitar suas despesas e retomar a produção. Após a chegada dos holandeses, estes
foram expulsos.
América colonial.
1718, concedendo depois licença para terceiros que muito lucraram. Países como
Holanda, França e Espanha concorriam com o comércio brasileiro.
As intermináveis jornadas, por vezes lhes rendiam acidentes de trabalho, pois pouco
ouro19 transformou por completo as cidades mineiras. Ouro Preto, antiga Vila Rica,
tornou-se referência em prosperidade e riqueza, graças à mineração. Quase mil
toneladas de ouro foram retirados das terras brasileiras, que serviram a Coroa para
nas conquistas e no imperialismo devido aos lucros obtidos como o comércio efetuado
com os portugueses – em função dos tratados assinados com os ingleses, em troca,
vida na colônia. Surge, então, uma sociedade urbana, bastante heterogênea em que
19 O governo português viu no ouro a possibilidade de recuperar a decadente economia lusitana. Por
isso, logo tratou de montar um amplo esquema administrativo para exercer o controle da região.
Como parte desse esquema, criou, em 1702, a Intendência das Minas, órgão diretamente vinculado ao
rei, comas seguintes funções básicas: distribuir terras para a exploração do ouro; cobrar tributos; e
fiscalizar, de um modo geral, o trabalho dos mineradores. O imposto cobrado pela exploração das
minas correspondia a um quinto de qualquer quantidade do metal que fosse extraído. Garantir a
cobrança desse imposto para a Fazenda Real era o dever fundamental do Intendente das Minas.
Em pó ou em pepitas, o ouro circulava livremente pela capitania, o que dificultava o seu controle
para a cobrança dos impostos. Para tornar mais eficiente esse controle, o governo português
proibiu a circulação do ouro em pó e criou as casas de fundição, onde todo o ouro deveria ser
obrigatoriamente levado para ser transformado em barras. Ao receber o ouro, as casas de
fundição retiravam a parte correspondente ao imposto da Fazenda real e devolviam o restante à
circulação, com um selo que se comprovava o pagamento do tributo. (CONTRIN, op. cit., p.119).
22
variados se deslocaram para essa região do Brasil. Diante dessa enorme procura, foi
colônia produziu mais ouro que toda as Américas, aproximadamente 50% do ouro
extraído no mundo, nos XVII e XVIII. Outra mudança significativa foi a alteração da
capital de Salvador para o Rio de Janeiro, que "tornou-se a porta de entrada e saída
das Gerais e uma das fontes de abastecimento dessa região mineira", como a
para a época.
exigiam maior força motriz, os escravos estavam também nas atividades domésticas,
nos comércios, no artesanato, enfim, executavam qualquer tipo de serviço para o seu
a despontar como uma nova fonte de riqueza para o Brasil. O negócio parecia
promissor tendo em vista o interesse do mercado europeu pelo produto e o preço
Família Real para o Brasil. Entretanto, a nova cultura agrícola não alterou a forma de
20 AUSTREGESILO, Myriam Ellis. Estudo sobre alguns tipos de transporte no Brasil colonial. Revista
de História. São Paulo, v.1, n.4, p.505, out./ dez. 1950.
23
meio rural nas senzalas, sem qualquer higiene, saúde e nenhum tipo de instrução.
O controle social junto aos escravos, era exercido por meio de castigos
físicos e maus tratos, meios cruéis de violência amparada pelo poder público vigente
O castigo mais usual, era o açoite, extinto em 1886, somente dois anos
antes da abolição do cativeiro. O Código Criminal do Império assim punia os
crimes menos graves, mas deixava a critério do juiz a fixação do número
total de chibatadas. Ressalvava-se apenas que a quantidade diária aplicada
não deveria ser superior a cinqüenta [...]. Dessa maneira foram comuns
sentenças de duzentas, trezentos e até quinhentos acoites [...]. A forma de
execução também era repressiva. Principalmente nas cidades, o proprietário
às vezes preferia não se envolver na punição, delegando a tarefa as
autoridades. Os castigos eram então ministrados em locais públicos para
servirem de exemplo.21
cometia. Muitas negras, sabendo do triste destino das suas "crias", abortavam
antes de serem descobertas. Introduziam ervas e raízes na vagina para
expelir o feto. As que passavam desapercebidas e davam à luz, se não
conseguissem esconder as crianças – o que era difícil –, preferiam sacrificá-las
elas próprias em vez de oferecê-las aos seus algozes que executavam
os bebês.22
que afetava desde a administração colonial até aos senhores de escravos, com seus
outros agregados que amparavam essa estrutura, além da rede de informações para
controlar os fugitivos.
BourdouKan:
23 Em razão da intensa atividade dos traficantes de escravos, o Continente Africano sofreu uma das
maiores sangrias populacionais da sua história. Há estimativas de que, entre os séculos XVI e
XIX, somente para a America vieram aproximadamente vinte milhões de escravos. Cerca de um
quinto desses escravos vieram para o Brasil. Ou, mais precisamente, o trafico negreiro desembarcou
no Brasil 4.009.400 escravos. O transporte dos escravos saídos da África era realizado pelos
navios negreiros. O negros eram colocados nos porões desses navios, onde o espaço era pouco,
o ambiente, escuro e o calor, insuportável. Além disso, a água era suja e o alimento, insuficiente
para todos. Durante essas horríveis viagens, morriam cerca de vinte a quarenta por cento dos
negros, em razão dos maus tratos recebidos e das péssimas condições do transporte. Por isso,
em Angola, esse navios sinistros eram chamados de Tumbeiros, palavra relativa a tumbas ou
sepulturas. (CONTRIN, op. cit., p.71).
25
- Vocês vão ver o que acontece com aquele que tenta fugir ou desrespeita
o seu senhor. A um sinal seu trouxeram um escravo com as mãos
acorrentadas para trás. Estava com a letra F gravada na testa e sem uma
das orelhas.
- O que significa a letra F ? – perguntou Saifudim.
- Fugitivo – respondeu Bem Suleimam. – Quando eles o recapturam,
gravam a letra F com ferro em brasa. Quando foge pela segunda vez,
cortam uma de suas orelhas.
- Loucos – comentou Saifudin.
- Você não viu nada ainda. Bem Suleiman e Saifudim observavam. De repente,
chegou um capitão-do-mato segurando dois enormes cães.
- Corre ! – ordenou o leiloeiro para o escravo.
O escravo pediu para lhe tirarem as correntes.
Deram-lhe uma paulada.
- Solte os cães ! – ordenou o leiloeiro.
O escravo saiu correndo com as mãos amarradas para trás. Em segundos,
os cães o alcançaram e começaram a lhe esfarrapar a carne. Seus gritos de
dor aumentavam a fúria dos animais. Avançou em direção da água, achando
que ali se salvaria. Os cães não o largavam. E nem quando atingiu águas
mais profundas conseguiu escapar. Os animais continuavam mordendo-o.
Desesperado por não poder usar as mãos, começou a se defender com os
dentes. Os cães o mordiam, ele também a eles. Já muito ferido, aferrou com
os dentes um dos cães por uma orelha e meteu-se com ele debaixo da
água, desaparecendo os dois. Isto a história registra.
Saifundim não acreditava no que seus olhos viam.
- São loucos.
- Humanos, apenas isso – falou Ben Suleiman.
O leiloeiro ficou algum tempo na praia na esperança de a água lhe devolvesse
o cão. Em vão.
- Gostei do que você fez com aquele sem alma.
- Obrigado, senhor mestre-de-campo. Seu elogio é um conforto. Lamento
apenas a perda do cão.
- É mesmo lamentável perder um animal daqueles. Da próxima vez, quebre
antes os dentes do negro.24
que sempre estabeleceu regras inflexíveis para coibir os escravos com todo o rigor
24 BOURDOUKAN, Georges Latif. A incrível e fascinante história do capitão Mouro. São Paulo:
Sol e Chuva, 1997. p.43-44.
26
raça e cor da pele; sendo assim, mesmo que o escravo conseguisse fugir, não lhe
era possível a reintegração social. Assim, a cor da pele foi preponderante para a
manutenção da escravidão.
Por certo que os negros se rebelaram contra esse sistema, mesmo com
desvantagens arrasadoras. Muitos cometeram suicídio, outros mataram seus
carrascos e outros resistiram e fugiram, buscando uma vida digna, nas quais criaram
que tragam maiores informações sobre eles, porém, hoje, muitas são as comunidades
25 O mais famoso e importante quilombo formado pelos negros foi o quilombo dos palmares que
recebeu este nome por ocupar uma imensa região de palmeiras, situada no Estado de Alagoas.
Apesar das inúmeras expedições organizadas pelo governo para destruir o quilombo dos Palmares,
este resistiu 65 anos. Durante esse período, chegou a abrigar mais de vinte mil fugitivos. Zumbi foi
o grande chefe dos negros de Palmares. Ele era quem comandava o povo negro nas lutas pela
defesa do quilombo. Em razão de sua coragem, inteligência e bravura, sua fama espalhava-se por
toda região. Os negros o consideravam invencível. (CONTRIN, op. cit., p.74).
27
arsenal bélico, conseguiu render Palmares. Zumbi foi capturado e após um ano
foi executado.
ESCRAVAGISTA
com melhores condições financeiras foram estudar na Europa, donde tiveram contato
gação da sua Constituição, quando se referiam aos negros como sendo "outras
26 Movimento cultural, também chamado ilustração ou Filosofia das luzes, que se desenvolveu nos
países europeus, nos séculos XVII e XVIII, fruto, em grande parte, das aspirações da burguesia.
Seus valores: racionalismo, igualdade jurídica, tolerância religiosa, liberdade de expressão. Tais
valores chocavam-se contra o absolutismo monárquico (poder centrado nas mãos do rei), o
mercantilismo e o poderio da Igreja. (CONTRIN, op. cit., p.134).
em vista uma realidade distante do que ocorria nas colônias francesas em relação
outros países com suas modificações, marcaram, porém, o "fim de uma época e o
início de outra, e, portanto indicam uma virada na história do gênero humano", como
bem observou Norberto Bobbio.29
28 ALTAVILA, Jayme. Origem dos direitos dos povos. 3.ed. São Paulo: Melhoramentos, 1963.
p.217-218.
29 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. 15.ed. Rio de Janeiro:
Campus, 1992. p.85.
29
nosso território, controlado com bastante vigor pela Coroa Portuguesa, que reprimiu
esse movimento cultural de base elitista, com a condenação de vários participantes
mineira não contou com apoio popular, não possuía armas e tampouco tropas. A
consciência de que esse sistema sustentava a economia da colônia e, por certo, não
A situação do negro escravo no Brasil está descrita por Octavio Ianni nos
seguintes termos:
30 IANNI, Octavio. As metamorfoses do escravo. 2.ed. São Paulo: Hucitec, 1988. p.122.
30
dos municípios e distritos reproduziam com rigidez essa hierarquia social que por
relação à sociedade.
No cenário nacional, algumas modificações são sentidas na estrutura da
colônia, que inaugura uma nova fase – a do Brasil Império – com a vinda da família
4 milhões de habitantes mantinham ainda uma estrutura colonial com uma elevada
31 "A Inglaterra foi a grande beneficiária da abertura dos portos, pois teria todo o mercado colonial
brasileiro como consumidor potencial dos seus produtos industrializados. Isso ocorreu
principalmente depois da assinatura do Tratado de comércio e Navegação de 1810, que fixava em
15% a taxa alfandegária (ad valorem) sobre produtos ingleses vendidos no Brasil. Esse valor era
um grande privilégio para Inglaterra, pois os demais países pagavam uma taxa de 24% e o próprio
Portugal pagava 16%. Somente em 1816 é que ocorreu a equiparação das taxas alfandegárias
inglesas e portuguesas. Mas Portugal não tinha condições de competir com o bem montado
esquema comercial e industrial da Inglaterra". (CONTRIN, op. cit., p.146).
31
festas que vinham das senzalas eram consideradas produto de uma subcultura,
portanto, não-civilizado.
Contudo, vozes já se levantavam contra a permanência do sistema escravista.
brasileiros em alto mar, para verificar se neles não estavam sendo transportados
No Brasil, essa lei causou uma comoção geral por parte dos traficantes e
Matoso34 demonstra em suas pesquisas que em 1846 vieram para o Brasil cerca
de 50 mil escravos e em 1848, 60 mil. Estima-se que até 1850, o país recebeu
no Paraná, dão conta de que alguns capitães dos navios, antes de serem
Havia protestos por parte dos brancos, pois na época, no Brasil, para
a seleta elite, a escravidão era natural, integrada à rotina e aos costumes, vista
sobreviver e a Igreja era conivente, até mesmo os sermões e discursos dos padres
legitimavam a escravidão.
que tal decisão deveria caber ao governo, para preservar a soberania nacional e
da Inglaterra e por isso não se atrevia a contrariá-la. Mais uma vez, a questão não é
34 MATTOSO, Kátia de Queiros. Ser escravo no Brasil. 2.ed. São Paulo: Brasiliense, 1988.
33
Deputados em julho de 1852; buscando mudar a opinião pública, relatou que muitos
fazendeiros do Norte enfrentavam dificuldades financeiras, sem poder pagar suas dívidas
população livre em detrimento da população escrava, o que poderia trazer perigo àquela.
No ano de 1854 foi aprovada a Lei Nabuco de Araújo, que foi Ministro da
Justiça de 1853 a 1857. A lei previa sanções para as autoridades que acobertassem
ceram em 1856.
A imigração de trabalhadores europeus para exercer outras atividades que
não eram realizadas por escravos até 1850, era fenômeno espontâneo. Entre 1850 e
1870, passou a ser promovida pelos latifundiários, devido à queda dos números de
escravos negros disponíveis, já que a média de vida dos cativos era muito baixa e
vezes enganados e com contratos que os faziam trabalhar em regime quase escravo.
brancos imigrantes.
seus direitos. Mas, se o escravo fosse Réu, então, seria considerado pessoa. Se
35
fosse vítima de lesão ou mutilado, o crime seria Dano – com base no direito de
de 1824 – vários tipos penais eram assegurados de modo a regulamentar a vida dos
escravos dentre os quais: a) a faculdade dos senhores poder castigar seus escravos
Pelo Código Criminal de 1830, havia dispositivos dos mais variados nos
312 artigos, muitos com o intuito de conter a rebeldia dos negros escravos, a
receio de voltar à condição de escravo por pressão dos seus antigos senhores,
e isso, tornou-se uma questão de extrema relevância para o governo do Segundo
Reinado.
36 SILVA JR., Hedio. Do racismo legal ao princípio da ação afirmativa: a lei como obstáculo e como
instrumento dos direitos e interesses do povo negro. In: GUIMARÃES, Antonio Sergio Alfredo;
HUNTLEY, Lynn (Orgs.). Tirando a máscara: ensaio sobre o racismo no Brasil. São Paulo: Paz e
Terra, 2000. p.360-362.
36
setembro de 1871.
Sua eficácia prática não foi relevante, mas concedia liberdade aos filhos de
escravos nascidos a partir dessa data, mesmo mantendo-os sob a tutela dos senhores
até atingirem a idade de 21 anos. Entretanto, com o conseqüente descaso com esses
filhos mais as péssimas condições de vida, o índice de mortalidade infantil disparou.
38 AGOSTINI, Ângelo. Artista gráfico, pintor e crítico de arte, viveu sua infância e adolescência em
Paris, e em 1859, se transferiu para o Brasil, fixou-se em São Paulo, iniciando suas atividades de
cartunista em O Diabo Coxo (1864), o primeiro jornal ilustrado publicado em São Paulo, que
contava com textos do poeta abolicionista Luiz Gama. Com a Revista Illustrada (de 1876 a 1891),
provavelmente a mais importante manifestação da imprensa humorística e política do século XIX
no Brasil, tornou-se amplamente conhecido: em suas ilustrações, alegorias e caricaturas, defendia
os ideais abolicionistas e republicanos, e conquistou a consagração nos círculos liberais.
Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/bios/bio_aa.htm>. Acesso em: 12 jul. 2008.
37
uma associação abolicionista, formada por ilustres da época, como Plínio de Lima,
Castro Alves, Rui Barbosa, Aristides Spínola, Regueira Costa, dentre outros.
Em São Paulo, o trabalho mais importante e expressivo foi o do ex-escravo,
opinião pública sobre o Governo Imperial, sendo assim, em 1885, o governo cedeu
mais um pouco e promulgou a Lei Saraiva – Cotegipe. Esta ficou conhecida como a
Lei dos Sexagenários, que libertou os escravos com mais de 60 anos, mediante
A lei dispunha que os escravos que estavam com idade entre 60 e 65 anos
prestariam serviços durante três anos aos seus senhores e após os 65 anos de
idade seriam libertos. Obviamente, poucos foram os escravos que chegaram a essa
era uma sociedade em que a escravidão como prática, senão como valor,
era amplamente aceita. Possuíam escravos não só os barões do açúcar e
do café. Possuíam-nos também os pequenos fazendeiros de Minas Gerais,
os pequenos comerciantes e burocratas das cidades, os padres seculares e
as ordens religiosas. Mais ainda: possuíam-nos os libertos. Negros e mulatos
que escapavam da escravidão compravam seu próprio escravo se para tal
dispusessem de recursos. A penetração do escravismo ia ainda mais fundo:
há casos registrados de escravos que possuíam escravos. O escravismo
penetrava na própria cabeça escrava. Se é certo que ninguém no Brasil queria
ser escravo, é também certo que muitos aceitavam a idéia de possuir escravo.
país democrático.
39 CARVALHO, José Murilo de. A abolição aboliu o quê?. Folha de S.Paulo. Disponível em:
<http://www.cliohistoria.hpg.ig.com.br/bco_imagens/escravos/abolicao.htm>. Acesso em: 12 jul. 2008.
com a óptica do colonialismo. As mazelas perduraram por muitos anos, nossa nação
ficou conhecida pelo longo período do escravismo e pelo racismo aqui praticado,
maior do continente.
Para tentar dimensionar essa prática racista no Brasil, segue o relato sobre
o nosso país:
escrita em 186941. Nascido na França, o conde recebeu notoriedade por ter criado
uma teoria baseada no combate à miscigenação, que, segundo ele, levaria a fiel
dos povos e raças mais fracos, em nome da pureza racial dos brancos. Especialmente
para proteção dos alemães e ingleses, que ele considerava superiores ao resto
da humanidade"42.
41 RAEDERS, George. O inimigo cordial do Brasil: o Conde de Gobineu no Brasil. Trad. Rosa Freire
Aguiar. São Paulo: Paz e Terra, 1988. p.77-8.
42 BRANDÃO, Adelino. Direito racial brasileiro: teoria e prática. São Paulo: Juarez de Oliveira,
2002. p.36.
41
apresentar reflexões a respeito da terra e da nossa gente, um povo que, para ele,
seria exterminado em poucos anos, "As melhores famílias tem cruzamentos com
a ser "O estudo cientifico das raças, o nacionalismo e uma atitude mística e
irracional em política"44.
"é o nome que se dá a conduta (ação ou omissão) que viola direitos de pessoas com
base em critérios injustificados e injustos, tais como a raça, o sexo, a idade, a opção
religiosa e outros", e racismo como sendo: "Uma ideologia que postula a existência
para a manutenção do Estado que se pretendia formar. José Maria Nunes Pereira50
46 SANT'ANA, Antônio Olímpio de. História e conceitos básicos sobre o racismo e seus derivados. In:
MUNANGA, Kabengele (Org.). Superando o racismo na escola. 2.ed. Brasília: Ministério da
Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005. p.60-63.
47 SANTOS, Joel R. A questão do negro em sala de aula. São Paulo: Ática, 1990. p.12. (Coleção
na Sala de Aula)
48 PIOVESAN, Flavia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Max
Limond, 2000.
entende que não há colonialismo sem racismo, explica, que é fundamento para manter
a dominação, subjugando a todos que estão sob esse véu. Explica o historiador que
o racismo, como uma forma de ideologia bem elaborada, é "fruto da ciência européia
momento em que a ciência explicou o racismo, seu fim seria certo; ledo engano.
contexto familiar, é ensinando aos filhos, transmitido nas escolas e está na prática
social. Alberto Memmi alerta que o racismo "está tão espontaneamente incorporado
aos gestos, às palavras, mesmo as mais banais, que parece constituir uma das mais
sólidas estruturas da personalidade colonialista".51
condições geográficas, climas, processos históricos aos quais um povo está submisso.
51 MEMMI, Alberto. Retrato do colonizado precedido pelo retrato do colonizador. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1967, apud PEREIRA, José Maria Nunes. Colonialismo, racismo, descolonização. Caderno
Cândido Mendes, Revista Estudos Afro-Asiáticos, Rio de Janeiro, ano 1, n.2, p.68, maio/ago. 1978.
que fazer com o preconceito, que durante séculos de história a eles atribuiu-se
a partir dos mais variados gêneros: da teologia pela descendência dos filhos de
de incutir uma moral e a civilidade por meio do trabalho escravo, mas, na realidade,
a finalidade maior era extrair dos capturados, o melhor de sua força trabalhadora,
com o menor custo possível.
53 GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo; HUNTLEY, Lynn (Orgs.). Tirando a máscara: ensaios
sobre o racismo no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p.25.
45
à nação brasileira.
Florestan Fernandes, é o mundo dos brancos, que assim apresentou o mundo dos
negros no Brasil:
preocupada em ter uma nação formada apenas de brancos como eles; para esses,
os negros são de uma raça primitiva e marcados pela escravidão, assim, tentavam fugir
da responsabilidade histórica.
54 FERNANDES, Florestam. Relações de raça no Brasil: realidade e mito: In. FURTADO, Celso.
(Coord.). Brasil: tempos modernos. 3.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. p.113.
46
social mediante a substituição dos negros por uma nova força de trabalho, importada, de
idéias dos período colonial e imperial, de que era a única forma de civilizar os negros e
índios.
brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo louro, traz na alma e no corpo a sombra, ou pelo
56 Tratar o negro como colonizador foi uma das maiores inspirações de Gilberto Freire em Casa
Grande e Senzala. Observação de Antônio Sérgio Alfredo Guimarães (op. cit., p.26).
57 Nagô - adj. Nome que se dá ao iorubano ou a todo negro da Costa dos Escravos que falava ou
entendia o Ioruba. Migeod (The Langs, of West Afri. II, 360) assinala que nagô é nome dado, no
Daomé, pelos franceses ao iorubano: do efé anagó. Disponível em: <http://www.melhordawiki.com.br/
wiki/Nag%C3%B4s>. Acesso em: 12 jul. 2008.
58 Bantos – povos que habitavam o noroeste do continente africano, onde atualmente são os países
Nigéria, Mali, Mauritânia e Camarões. (Disponível em: <http://www.suapesquisa.com/afric/>.
Acesso em: 12 jul. 2008).
59 FREYRE, Gilberto. Casa grande e senzala. 46.ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2002. p.395.
47
sociedade.
Nessas condições de desenvolvimento, a discriminação ao negro no Brasil
discurso quer convencer de que o preconceito não se refere a cor ou a raça, e sim,
por aqueles que não possuem o mesmo nível das classes mais abastadas, como se
tem maior probabilidade de crescer pobre, nas palavras do professor, "a pobreza no
Brasil tem cor é negra" e assegura "a intensa desigualdade racial brasileira, associada
de 6,1 anos de estudos, enquanto um branco nas mesmas condições, 8,4 anos, e isso,
mão-de-obra.
vida.
Rufino62, "a população brasileira não sabe a cor que tem. A pressão sofrida pela
da auto-estima racial; é necessário fazer uma trabalho que busque alterar o preconceito
que está enraizado na sociedade de que o negro é marginal e desqualificado, dele
63 RUFINO, Alzira. Configurações em preto e branco. In: ASHOKA Empreendimentos Sociais e Takano
Cidadania. Racismos contemporâneos. Rio de Janeiro: Takano, 2003. p.31.
49
pela sociedade.
Fica claro que existe uma dívida social do país para com a população
população negra, pode concluir que esse acesso é bastante desigual. E que a
população de negros/pardos é mais sujeita à culpabilidade, sendo mais propensa à
vigiada e abordada pelo sistema policial do que a população branca. No que tange à
pelo poder público (defensoria pública e dativa (62%) do que os réus brancos (39,5%)).
Por outro 60,5% dos réus brancos possuem defensoria constituída, enquanto apenas
dignidade humana, não é aplicada à maioria dos casos que envolvem os negros.
Os dados da pesquisa indicam que, quanto à defensoria, apenas 25,2% dos negros
utilizam a defensoria e os réus brancos são 42,3%. Os réus negros que deixam de
gozar esse direito constitucional são 74,8%, e os brancos são 57,7%.
mas que reflete uma realidade nacional, é de que há uma maior proporção de réus
37,5% de réus brancos contra 31,2% de réus negros. Assim, o pesquisador aponta
negros (62,3% de todos condenados negros) do que para réus brancos (59,2%).
57,6%.
Outro aspecto é que não há ampla defesa. "De todos os brancos que se
condenados. Entretanto, entre os réus negros que se valeram dessa garantia legal,
Com a promulgação da CF/88, está previsto no Art. 5.o que "todos são iguais
igualdade, à segurança e à propriedade, [..]". Assim, todos são iguais perante a lei,
64 ADORNO, Sergio. Violência e racismo: discriminação no acesso à justiça penal. In: SCHWARCZ, Lilia
Moritz; QUEIROZ, Renato da Silveira (Orgs.). Raça e diversidade. São Paulo: Edusp/Estação
Ciência, 1996. p.255-275.
Pré-Natal
O número de grávidas negras que não foram examinadas de maneira adequada durante o exame
do pré-natal também é maior, se comparado com as brancas.
Segundo as pesquisas, 95,9 das negras tiveram o batimento cardíaco fetal auscultado em todas
as consultas, contra 97,6 das brancas. Silvana lembra que o procedimento tem de ser feito em
todo o período que antecede o parto.
O mesmo acontece com relação à medição do tamanho do útero: 85,4 das gestantes brancas
responderam "sempre" quando perguntadas sobre a freqüência do procedimento, enquanto 81,9%
das negras disseram que foram submetidas a esse procedimento.
As dúvidas das mães e as explicações médicas durante os exames também foram diferenciadas
de acordo com a cor das mulheres. O estudo mostra que 73,1% das brancas foram informadas
sobre os sinais do parto e 83,2% receberam informações sobre alimentação adequada durante a
gravidez. Entre as negras, esses números foram inferiores: 62,5% e 73,4%, respectivamente.
Desenvolvimento
A pesquisadora alerta para a possibilidade de os filhos das mulheres negras terem problemas de
desenvolvimento, principalmente quando elas são adolescentes e de baixa escolaridade. "Um
médico pode estar prejudicando a criança quando deixa de falar sobre a importância do pré-natal,
do aleitamento materno e dos cuidados como recém-nascido" declarou Silvana.
A pesquisadora mostrou que 26,6% gestantes negras não sabiam da importância do aleitamento
materno nos primeiros seis meses de vida do bebê. Entre as brancas, o número era menor: 19,8%.
O bebê da Joice Athaide, 18 negra, pode ser uma das crianças que sofrem com o mau atendimento
dos médicos. Grávida de nove meses, ela contou que só fez dois exames de pré-natal.
"Foram dois médicos diferentes, e os dois disseram que eu não precisava me consultar todos os
meses, bastava assistir uma palestra que estava tendo no dia em que eu estava lá", afirmou Joice.
Depois de sofrer um sangramento, a mãe a fez procurar o Instituto Fernandez Figueira (Zona Sul
do Rio), especializado em gravidez de risco. Durante uma consulta, Joice foi informada sobre a má
formação de alguns órgãos do neném.
Segundo os pesquisadores, a falta de explicação sobre a necessidade do pré-natal mensal pode
resultar na diminuição deste tipo de consulta entre as mães e, por conseqüência, afetar o bebê.
Conforme dados da pesquisa 18,3% das negras não foram informadas da importância do exame e
5,1% delas não o fizeram. Entre as brancas esses índices são de 14,8% e 2,5%, respectivamente.
Preconceito
As desigualdades podem ser observadas até quando as entrevistas responderam sobre a permissão
de um acompanhante antes e depois do parto. Segundo a pesquisa, 46,2% das brancas puderam
ter ao lado o marido ou alguém da família, enquanto isso foi permitido a apenas 27% das negras.
Os responsáveis pela pesquisa não encontraram outra explicação para os dados coletados a não
ser o preconceito. "Foi uma surpresa, não sabíamos que íamos encontrar esta diferença", disse
Kátia Rato, coordenadora do setor materno-infantil da secretaria municipal da saúde, e uma das
idealizadoras do levantamento. Em sua opinião, a discriminação ainda não havia sido verificada
cientificamente porque nem os médicos têm consciência de que estão agindo com preconceito.
Não existe nenhum projeto específico para combater a discriminação nas maternidades, mas Kátia
diz acreditar que o programa de humanização do parto e nascimento do Ministério da Saúde, que
visa reciclar médicos para dar melhor atendimento e mais informações às gestantes, pode ajudar
homogeneizar o tratamento e acabar com as diferenças com o cuidado das gestantes. (PETRY,
53
racismo e suas conseqüências, mas, a luta deve persistir a fim de que seja extinta
Sabrina. Até na hora do parto negra é discriminada. Folha de S.Paulo, Caderno cotidiano, 26 de
maio 2002, p.03).
54
CAPÍTULO 2
Ações Afirmativas.
67 "[...] É a partir do período axial que o ser humano passa a ser considerado, pela primeira vez na
história, em sua igualdade essencial, como ser dotado de liberdade e razão, não obstante as
múltiplas diferenças de sexo, raça, religião, ou costumes sociais [...] Foi durante o período axial da
história, como se acaba de assinalar, que despontou a idéia de uma igualdade essencial entre
todos os homens [...] Ora, pela convicção de que todos os seres humanos têm direito a ser
igualmente respeitados pelo simples fato de a humanidade, nascer vinculada a uma instituição
social de capital importância: a lei escrita, como regra geral e uniforme, igualmente aplicável a
todos os indivíduos que vivem numa sociedade organizada." (COMPARATO, Fabio Konder.
A afirmação histórica dos direitos humanos. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p.11-12).
igualdades69 entre seres humanos, como fruto da Revolução Francesa70. Com esse
acontecimento emblemático que impulsionou os destinos da humanidade, os Estados
absolutistas tiveram uma grande limitação dos seus poderes e influências. Pouco a
pouco abriu-se espaço para a livre concorrência, a iniciativa privada e a ausência de
71 VANOSSI, Jorge Reinaldo A. Teoria constitucional: I teoria constituyente. Buenos Aires: Ediciones
de Palma, 1975. p.09.
tratamento entre Estado e indivíduo, surgindo novos direitos que deveriam ser
incorporados e promovidos pelo Estado. Os direitos de liberdades individuais já
estavam estabelecidos, porém, no que se refere à coletividade, clamava-se por mais
igualdade. Nesse sentido se manifestou Manoel Gonçalves Ferreira Filho:
liberal burguesa.
74 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direto constitucional. São Paulo: Saraiva,
2003. p.249.
60
Podemos dizer que os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais
do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou
indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam
melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar
a igualação de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se
ligam ao direito de igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos
individuais na medida em que cria condições materiais mais propícias ao
aferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais
compatível com o exercício efetivo da liberdade.75
Estado, que deve criar as condições necessárias para o seu efetivo exercício. São
75 SILVA, José Afonso. Curso de direito positivo. 24.ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p.286-287.
61
76 BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. São Paulo: Malheiros, 1999.
de privilégios.
O direito à igualdade passa a ter uma nova dimensão no âmbito dos
natureza material insere esse princípio num contexto da realidade empírica (e não
79 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2000. p.342-343.
80 Políticas Públicas são programas de ação governamental visando coordenar os meios à disposição do
Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e
politicamente determinados. Políticas públicas são metas coletivas conscientes e, como tais, um
problema de direito público, em sentido lato. (BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo
e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002. p.241).
63
[...] do ente abstrato, genérico, destituído de cor, sexo, idade, classe social,
dentre outro critérios, emerge o sujeito de direito concreto, historicamente
situado, com especificidade e particularidades. Daí, apontar-se não mais ao
indivíduo especificado, considerando-se categorizações relativas ao gênero,
idade, etnia, raça etc.81 No sentido de se ampliar esta concepção estabe-
lecendo reconhecimento a estes "novos atores" a comunidade internacional
ampliou o alcance destes direitos organizando e sistematizando seus instrumentos
internacionais, objetivando a proteção às pessoas mais vulneráveis.82
81 PIOVESAN, Flavia. Temas de direitos humanos. São Paulo: Max Limonad, 1998. p.130.
83 Verifica-se, assim, que a igualdade material determina que os poderes Públicos atuem não
apenas negativamente para combater as discriminações no seio da sociedade, mas também, e,
principalmente, de forma positiva, no sentido de implementar políticas capazes de estabelecer na
sociedade uma igualdade real e não meramente abstrata. (BELLINTANI, op. cit., p.26).
64
material. Contudo, a consagração dessa prática parece estar ainda distante, no dizer
da prof.a Carmen Lucia Antunes Rocha:
rística singular, individual e impõe limites à ação do Estado, conforme Tércio Sampaio
do Estado.
Muitos e variados são os ângulos pelos quais pode ser analisada a isonomia,
tais como as ideologias igualitárias, que sempre pregavam a maior igualdade possível
84 ROCHA, Carmen Lucia Antunes. Ação afirmativa: o conteúdo democrático do princípio da igualdade
jurídica. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, n.15, p.85, 1996.
85 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Interpretação e estudos da constituição. São Paulo: Saraiva,
1993. p.11.
65
mal completo, uma vez que postulam o fim das desigualdades, e a corrente dos
albergou nos seus 344 artigos (incluídas as disposições transitórias) os anseios dos
abstrato, ou seja, fazer a junção do programa da norma com a área da norma para
para o intérprete olhar para a realidade (para aplicar seus comandos normativos),
formal, aquele conceito tradicional do Estado de Direito Liberal tanto criticado pelo
caput do Art. 5.o ("Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
sociedade não pode legitimar leis e políticas públicas que tratam todos os cidadãos
87 MÜLLER, Friedrich. Concepções modernas e a Interpretação dos direitos humanos. In: CONFERÊNCIA
NACIONAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, 15., 1994. Foz do Iguaçu (PR). Anais...
Foz do Iguaçu (PR), 4 a 8 de setembro de 1994.
67
conduta desigual aos iguais, como afirma Celso Bastos: "a isonomia formal consiste no
direito de todo o cidadão não ser desigualado pela lei senão em consonância como os
O tema da igualdade neste aspecto remete ao fato de que todos devem ser tratados
de forma homogênea perante a lei, ou de que a proteção jurídica deve ser estendida
a todos; a questão central é que todo o sujeito de direito deve ser tratado de forma
89 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 17.ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p.166.
68
grupos de pessoas que são diferentes. Vale lembrar a previsão para cotas de pessoas
portadoras de deficiência física em concursos públicos, Art. 37,III; a proteção
aposentadoria com idades diferentes para homens e mulheres, Art. 201, § 7.o.
vigente (Art. 3.o, inciso III), convém uma atuação estatal que implemente políticas
públicas e leis que estabeleçam a inclusão dos mais necessitados de assistência na
90 o o
Nesse sentido: Raça e cor - no Artigo 3. , inciso IV; Racismo - no Artigo 4. , inciso VIII; Povos - no
o o o
Artigo 4. , parágrafo único; Racismo - no Artigo 5. , inciso XLII; Cor - no Artigo 7. , inciso XXX;
o
Culturas populares, indígenas e afro-brasileiras - Artigo 215, parágrafo 1. ; Grupos participantes
o
do processo civilizatório nacional - Artigo 215, parágrafo 1 ; Diferentes segmentos étnicos
o
nacionais - Artigo 215, parágrafo 2. ; Grupos formadores da sociedade brasileira - Artigo 216;
Remanescentes de quilombos.
91 Segundo o qual, uma regra é igualitária quando trata desigualmente os desiguais. (BOBBIO;
MATTEUCCI; PASQUINO, op. cit., p.557-605).
significam e qual a sua relevância dentro do ordenamento jurídico, como o faz Luis
Roberto Barroso:
93 BARROSO, Luis Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro.
Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional, Curitiba, v.1, n.1, p.42-44, 2001.
94 SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem constitucional: construindo uma nova dogmática jurídica.
Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1999. p.106.
Fabio Konder Comparato explica nos seguintes termos a função dos princípios:
Nesse sentido, a função explicativa dos princípios passa a ser uma técnica
observância dos princípios, ou seja, os princípios são sempre aplicáveis, a partir das
96 o
Comentário ao Art. 1. da Declaração Universal dos Direitos Humanos. (COMPARATO, Fabio
Konder. Direitos humanos: conquistas e desafios. Brasília: Letra Viva, 1999. p.16).
97 SILVA, Fernanda Duarte Lopes Lucas da. Princípio constitucional da igualdade. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2003. p.18-19.
por ele adotado, pois, como se trata de pessoas entre as quais impera a
devem ter seus direitos respeitados para que haja uma convivência pacífica em
100 A intolerância sempre teve seus artifícios para excluir das comunidades "os diferentes", os
"indesejáveis" ou mesmo qualquer outro. É neste sentido que a intolerância racial se dá no não-
reconhecimento do "outro" como ser humano. Tolerar significa portar, suportar, conviver com a
diferença. (ABREU, Sergio. Os descaminhos da tolerância: o afro-brasileiro e o princípio da
isonomia e da igualdade no direito constitucional. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1999. p.65).
72
Alemanha, não tendo o condão de diferenciar. A idéia era utilizá-lo para definir o fato de
dotá-las de privilégios ou prerrogativas por muitos e muitos anos, seja num papel político
oportunidade.
da motivação que lhe deu causa (credo no racismo, porte de preconceito, temor de
represália etc.). O sistema jurídico vigente no Brasil estabelece a sua modalidade
direta e indireta.
o racismo:
105 GOMES, Nilma Lino. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações raciais no
Brasil: uma breve discussão. In: Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal
o
n. 10639/2003. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade, 2005. p.51.
imensa gama de imigrantes europeus e asiáticos que, ao longo do século XIX e XX,
povoaram o nosso território, estabeleceu uma rara experiência de integração social,
as desigualdades.
108 "Os negros representam 45% da população brasileira, mas correspondem a cerca de 65% da
população pobre e 70% em extrema pobreza. Os brancos, por sua vez, são 54% da população
total, mas somente 35% dos pobres e 30% dos extremamente pobres. Os diversos indicadores de
renda e riqueza confirmam que nascer negro no Brasil implica maior probabilidade de crescer
pobre. A pobreza no Brasil tem cor. A pobreza no Brasil é negra. No Brasil, o processo de
modernização excludente atravessa a história e arquiteta instituições que produzem mais de 55
milhões de pobres, dos quais 24 milhões em condições de pobreza extrema. Além da vergonha
que esses valores representam, será que a pobreza está democraticamente distribuída pela raça,
é só verificarmos os números apresentados. Assim, além do inaceitável tamanho da pobreza,
constatamos a enorme sobre representação da pobreza entre os afro-descendentes,
considerando tanto a distribuição etária, como a regional e a estrutura de gênero da população. E
esse excesso de pobreza, concentrado na comunidade negra, mantém-se estável ao longo do
tempo. Pobreza diretamente relacionada à intensidade da desigualdade social que coloca o país
distante de qualquer padrão reconhecível, no cenário mundial, como razoável em termos de justiça
distributiva. E, de forma inquestionável, a desigualdade racial encontra-se no núcleo duro da
desigualdade econômica e social." (HENRIQUES, Ricardo. Silêncio: o canto da desigualdade
racial. In: ORGANIZAÇÃO ASHOKA EMPREENDEDORES SOCIAIS E TAKANO CIDADANIA.
Racismos contemporâneos. Rio de Janeiro: Takano Ed., 2003. p.13-14).
77
Art. 113, 1. "Todos são iguaes perante a lei. Não haverá privilégio, nem
distincções, por motivo de nascimento, sexo, raça, profissões próprias ou
dos Paes, classe social, riquezas, crenças religiosas ou idéias políticas."
o
Art. 121, § 6. "A entrada de immigrantes no território nacional soffrerá as
restricções necessárias à garantia da integração ethinica e capacidade
physica e civil do immigrante."
degeneração racial no início do século XX, figurou em nosso texto constitucional111, fato
110 A eugenia surgiu sob o impacto da publicação, em 1859, de um livro que mudaria para sempre o
pensamento ocidental: A origem das Espécies, de Chalés Darwin. Darwin mostrou que as espécies
não são imutáveis, mas evoluem gradualmente a partir de um antepassado à medida que os
indivíduos mais aptos vivem mais e deixam mais descendentes. Pela primeira vez, o destino do
mundo estava nas mãos da natureza, em não nas de Deus.
Darwin restringiu sua teoria ao mundo natural, mas outros pensadores a adaptaram de um jeito
meio torto as sociedades humanas. O mais destacado entre eles foi o matemático inglês Francis
Galton, primo de Darwin. Em 1865, ele postulou que a hereditariedade transmitia características
mentais ao que faz sentido. Mas algumas idéias de Galton eram bem mais esquisitas por exemplo,
ele dizia que, se os membros das melhores famílias se casassem com parceiros escolhidos,
poderiam gerar uma raça de homens mais capazes. A partir das palavras gregas para "bem e
nascer", Galton criou o termo "Eugenia" para batizar esta nova teoria.
Galton se inspirou nas obras então recém-descoberta de Gregor Mendel, um monge checo morto
doze anos antes que passaria a história como fundador da genética. Ao cruzar pés de ervilhas,
Mendel havia identificado característica que governavam a reprodução, chamando-as de dominantes
e recessivas. Quando ervilhas de casca enrugadas cruzavam com as de casca lisa, o descendente
tende a ter casca enrugada, pois esse gene dominante.
Os eugenistas viram na genética o argumento para justificar seu racismo. Eles interpretaram as
experiências de Mendel assim: casca enrugada é uma "degeneração" (hoje sabe-se que estavam
errados tratava-se apenas de uma variação genética, algo ótimo para sobrevivência). Misturar
genes bons com "degenerados", para eles, estragaria a linhagem. Para evitar isso, só mantendo a
"raça pura", e ai eles não estavam mais falando em ervilhas. O eugenista Madison Grant, do
museu americano de história natural, advertia em 1916: "O Cruzamento entre branco e um índio,
faz um índio, entre branco e um negro faz, um negro, entre um branco e um hindu faz um hindu,
entre qualquer raça Européia e um judeu faz um judeu".
As idéias eugenistas fizeram sucesso entre as elites intelectuais de boa parte do ocidente, inclusive as
brasileiras. Mas houve um país em que eles se desenvolveram primeiro, e não foi à Alemanha:
Foram os EUA, não tardou até que os eugenistas de lá começassem a querer transformar sua
78
que foi influenciado pelo trabalho do médico Baiano Raymundo Nina Rodrigues, cuja
obra, do final do século XIX, incluiu estudos de medições de crânio e largura do nariz
com a aprovação da Lei n.o 1.390/51 conhecida como "Lei Afonso Arinos", primeiro
instrumento legal brasileiro que tratou da punição aos atos de discriminação racial.
Essa Lei penal previu expressamente a incriminação de condutas relacionadas à
discriminação tendo como foco a etnia ou cor da pele. Esse diploma, apresentada
pelo Deputado Federal Afonso Arinos, foi considerado marco histórico na legislação
tendo sua aplicabilidade dificultada por conter imperfeições técnicas. Muito embora
teorias em políticas públicas. "Em suas mentes, as futuras gerações dos geneticamente
incapazes deveriam ser eliminadas", diz o jornalista americano Edwin Black, autor de A Guerra
contra os Fracos. A miscigenação deveria ser proibida. (SZKLARZ, Eduardo. Nazismo. Revista
Super Interessante, n.215, p.38-39, jun. 2005).
111 Art. 138. "Incumbe a União, aos Estados e aos municípios, nos termos das leis respectivas:
estimular a educação eugênica."
112 SILVA JR., Hedio. Anti-racismo. São Paulo: Oliveira Mendes,1998. p.75. (Coletânea de Leis
Brasileiras – Federais, Estaduais e Municipais)
79
no mundo. Flavia Piovesan faz o seguinte comentário sobre os efeitos dessa Convenção:
113 A lei de introdução ao Código Penal estabelece que a distinção entre crime e contravenção penal
se dá pelas penas cominadas. Pune-se o crime com penas de reclusão, detenção e multa, enquanto
reserva-se a prisão simples ou a multa as infrações tidas como contravenção.
ostensivas. Nesse contexto, foi organizada uma marcha para Brasília para denunciar
discriminação racial, haja vista que sua disseminação era prejudicial aos afro-
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garan-
tindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade, nos
termos seguintes:
XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades
fundamentais;
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível,
sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.
Brasil, o Artigo 3.o, inciso IV, assinala: "promover o bem de todos, sem preconceito
de origem, sexo, cor idade e quaisquer outras formas de discriminação". O Artigo 4.o
dispõe que "A República Federativa do Brasil rege-se nas sua relações internacionais
aos locais de culto e suas liturgias". Houve um avanço significativo no tocante aos
referidos temas, pois, nas Constituições anteriores esses assuntos eram tratados com
a cultura afro-brasileira é o que estabelece a Seção II, Art. 215, parágrafo 1.o e 2.o
que assim se manifesta: "O Estado protegerá as manifestações das culturas populares
No ano de 2003 passou a vigorar a Lei n.o 10.639 que altera a Lei n.o 9.394/1996,
Lei foi sancionada com muitos vetos da Presidência da República, havendo pouco
115 MARTINS, Sergio da Silva. Direito e combate à discriminação Racial no Brasil. In: GUIMARÃES,
A. S. A.; HUNTLEY, L. (Orgs.). Tirando a máscara: ensaio sobre o racismo no Brasil. São Paulo:
Paz e Terra, 2000. p.426-427.
82
demasia a sua aplicação. Nos anos seguintes, essa lei sofreu três modificações
A primeira delas foi realizada por meio da Lei n.o 8.821/90, que define como
crime "o incentivo à discriminação ou preconceito de raça, cor, religião, etnia ou
A segunda modificação foi trazida pela Lei n.o 8.882 /94, que "acrescentou a
A terceira refere-se à Lei n.o 9.459/97, que ampliou a sua extensão para
punir os crimes resultantes de discriminação ou preconceito, bem como criou um
novo tipo penal na ordem jurídica brasileiro, a chamada injúria racial, que
de suas práticas. Também desponta contra as referidas leis sua difícil aplicação, já
que não criam mecanismos que facilitam a prova de efetiva prática desse crime. Por
população afro-descendente.
isolados não têm surtido efeitos práticos de forma eficaz tornando seu caminho
116 PIOVESAN, Flavia. Ações afirmativas sob a perspectiva dos direitos humanos. In: DUARTE, Evandro C.
Piza; BERTÚLIO, Dora Lúcia de Lima; SILVA, Paulo Vinícius Baptista (Coords.). Cotas raciais no
ensino superior: entre o jurídico e o político. Curitiba: Juruá, 2008. p.21.
84
miséria por completo. E é essa a realidade sentida por todos no Brasil, conforme os
dados anteriormente apresentados que revelam a fragilidade social em que se encontra
a população negra, além da ausência de políticas públicas eficazes destinadas e reverter
o presente quadro institucional.
85
CAPÍTULO 3
AÇÕES AFIRMATIVAS
verifica sua implantação como política pública nos Estados Unidos da América e, na
seqüência, aborda sua recepção no Brasil, bem como seus reflexos nos dispositivos
étnicas.
DA AMÉRICA
117 No seu discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os homens Jean Jaques
Rousseau salienta que os homens nasceram essencialmente iguais e naturalmente bons, tendo,
no decorrer da evolução das relações humanas surgido a desigualdade, tendo em vista que em face
das circunstâncias naturais, determinados indivíduos desenvolveram-se mais que outros, iniciando-se
desta forma, as diferenciações, que com o passar do tempo se foram aprofundando e gerando o
que atualmente se conhece na sociedade como a verdadeira desigualdade. (ROUSSEU, Jean
Jaques. Discurso sobre a origem e fundamento da desigualdade entre os homens. São
Paulo: Martins Fontes, 2002. p.150-151).
118 "Discriminar nada mais é do que insistir em apontar ou inventar diferenças, valorizar e absolutizar
essas diferenças, mediante atividade intelectual voltada à legitimação de uma agressão ou de um
privilégio." (GOMES, J. B. B., Ação afirmativa..., p.18).
86
121 No dizer da pensadora Hanna Arendt: "O racismo é a principal arma ideológica da política imperialista,
ainda se crê na antiga e errada noção de que o racismo é uma espécie de exagerado nacionalismo.
Contudo, valiosos trabalhos de estudiosos, especialmente na França, provaram que o racismo
não é apenas um fenômeno a nacional, mas tende a destruir a estrutura política da nação".
(ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. Trad. Roberto Raposo. São Paulo: Companhia
das Letras, 1989. p.190-191).
essa prática nociva ao convívio social, e que inibe o desenvolvimento das nações,
naquele país ainda sob o domínio colonial inglês, num primeiro momento com o
123 VILAS-BOAS, Renata Malta. Ações afirmativas e o princípio da igualdade. Rio de Janeiro:
América Jurídica, 2003. p34.
efetivamente nos Estados Unidos da América, no ano de 1961, por força do decreto
do Poder Executivo n.o 10.925. Nesse diploma, o Presidente John Kennedy utilizou o
administrou aquele país de 1961 até 1963. Com a sua morte, o Vice-Presidente
126 O Presidente Norte Americano Lyndon B. Johnson proferiu discurso aos formandos da turma de
1965 da Howard University, ao comentar a abolição da escravidão naquele país, Johnson
acrescenta "a liberdade, per se, não é suficiente. Não se apagam de repente cicatrizes de séculos
proferindo simplesmente: agora vocês são livres para ir aonde quiserem e escolher os lideres que
lhe aprouver" Reforçando o apelo à reparação, Johnson faz uso de uma metáfora que remete aos
grilhões do passado: "Não se pode pegar um homem que ficou acorrentado por anos, libertá-los
das cadeias, conduzi-lo, logo em seguida à linha de largada de uma corrida, dizer você é livre
para competir com os outros, e assim pensar que se age com justiça." (FERES JUNIOR, João;
ZONINSEIN, Jonas (Org.). Ação afirmativa e universidade: experiências nacionais comparadas.
Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 2006. p.48-49).
127 Tal projeto instituiu a proibição de discriminação ou segregação em lugares ou alojamentos públicos; a
observância de medidas não discriminatórias na distribuição de recursos em programas monitorados
pelo governo federal; a proibição de qualquer discriminação no mercado de trabalho calcada em
raça, cor, sexo, ou origem nacional, proibição essa que deveria ser observada pelos grandes e
pequenos empregadores, incluindo-se as universidades, públicas e privadas. (MENEZES, Paulo
Lucena de. A ação afirmativa (Affirmative action) no direito norte-americano. São Paulo: RT,
2001. p.87-90).
89
juridicamente as vitimas de discriminação racial, traço até então comum das relações
sociais daquele país.129 A legitimação dessa temática na pauta política a partir
por governantes que buscavam caminhos concretos para acelerar a inclusão social
128 Antes da guerra de secessão, a educação de escravos negros era em geral proibida, sendo vista
como uma ameaça à instituição da escravidão. Foram promulgadas leis proibindo a educação de
negros livres ou escravizados. Milhares desafiaram essas leis e aprenderam a ler. Nos anos que
seguiram à Guerra da Secessão, novas instituições educacionais de negros foram criadas ou
começaram a se desenvolver a partir das academias preexistentes. lideres negros e simpatizantes
fundaram o que hoje se conhece como faculdades e universidades negras históricas, algumas
das quais serviram originalmente como escolas primarias ou profissionalizantes. (RUSSEL,
Paulette Granberry. Ação afirmativa e iniciativas de promoção da diversidade na educação superior
americana: o envolvimento das instituições na criação de ambientes inclusivos de aprendizado.
In: FERES JUNIOR, João; ZONINSEIN, Jonas (Org.). Ação afirmativa e universidade: experiências
nacionais comparadas. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 2006. p.207).
129 O Estatuto dos Direitos civis faz parte de um amplo conjunto de normas, editadas a partir do
período após a Guerra civil, conhecido por Civil Rights Law, que engloba ao mesmo dispositivos e
noções jurídicas pertencentes ao Direito Constitucional, normas infra constitucionais aprovadas
pelo Congresso (statutoy law) e incorporadas de tempos em tempos ao Estatuto dos Direitos civis
de 1964 (Civil Rights Act. 1964), bem como normas regulamentares baixadas pelas várias agências
governamentais incumbidas da implementação dessas leis e, também de atos ou decretos
normativos editados pelo Presidente da República, na qualidade de chefe do Poder Executivo
(executive orders). (GOMES, J. B. B., Ação afirmativa..., p.50).
130 a a
Em 1896 – trinta anos depois da adoção da 13. Emenda, que aboliu a escravidão, e da 14.
Emenda, estabelecendo que nenhum estado "deve negar a qualquer pessoa [...] a igual proteção
das leis" –, a Suprema Corte dos Estados Unidos tomou uma decisão que contribuiu para dar
firma à versão americana do apartheid. Naquele ano, no caso Pessy vs. Ferguson, a Suprema
Corte julgou que as acomodações públicas poderiam ser separadas por raça, contanto que elas
fossem iguais. A opinião da corte refletia a visão de que a lei não poderia ser usada para forçar
a
pessoas a interagirem se elas assim não o desejassem. Se a 14. Emenda visava garantir a
"absoluta igualdade" das duas raças diante da lei, quanto à "ordem natural das coisas" ela não
pretendia abolir distinções baseadas na cor ou garantir a igualdade social, que a corte distinguia
de igualdade política. Em 1954, porém, a decisão da Suprema corte no caso Brown vs. Boad of
Education (Conselho de Educação) levou ao desmonte do que veio a ficar conhecido como a
90
Ações Afirmativas com a edição da Executiva Ordem n.o 11.246/65, pelo Presidente
Nos anos seguintes vieram outras medidas, dentre elas o "Public Works
nível superior, que deveriam conter nos seus quadros pluralidade de gênero e de etnia:
doutrina do "separados mais iguais". No caso Brown, a Suprema Corte invalidou a segregação
legalmente sancionada na educação pública, rejeitando o argumento da decisão tomada no caso
Plessy – de que a igualdade social entre duas raças viria com um resultado de "afinidades naturais,
uma mutua apreciação dos respectivos méritos e um consentimento voluntário dos indivíduos."
(RUSSEL, op. cit., p.207).
partir das décadas de 1960 e 1970, pois o Governo Federal implementou medidas
constantes no Civil Rights Act no tocante às minorias e gênero. No final dos anos 60
o então Presidente Nixon editou a chamada "The Philadelphia Order", que obteve o
de Menezes:
importante partindo da Suprema Corte Americana, que passou a ser uma referência
duas formas de inclusão de novos alunos, uma para estudantes comuns e outra
seleção, eram reservadas 16 vagas para os alunos oriundos deste último grupo.
O aluno Allan Bakke, de origem branca, foi rejeitado por duas oportunidades e
alegou que teria sido preterido por candidatos que obtiveram notas inferiores às
dele, mas foram aprovados, tendo em vista fazerem parte dos grupos protegidos.
processo avaliativo violava o Civil Right Act e a cláusula da igualdade perante a lei,
da Suprema Corte, sob o pressuposto de que o critério raça não deveria ser o único
critério de seleção.
por vários motivos, entre eles, porque estabeleceu a compatibilidade, em tese, dos
136 A controvérsia constitucional a respeito da utilização do critério raça como elemento de discrimen
nos EUA é antiga. Originalmente versava a respeito do confronto entra a clausula de igual
a
proteção perante a lei inserida na Constituição pela emenda 14. Emenda e a manutenção de
segregação arraigadas no imaginário, nas práticas e nas leis americanas. Em plessy v. Fergusson
(163 U.S 537- 1896) a Suprema Corte não conheceu a alegação de inconstitucionalidade de uma
lei do Estado da Louisiana que determinada que as empresas ferroviárias oferecessem acomodações
separadas para passageiros negros e brancos. Surgiu à primeira decisão da Suprema corte que
sustentou a doutrina "separate but equal", que informou a orientação jurisprudencial norte americana
ate 1954. Nesta data foi julgado o caso Brown v. Board of Education (347 U.S> 483), uma das
decisões mais importantes da história da suprema corte. A partir de Bakke, o critério raça passa a
ser aceito como elemento de discriminação positiva, ou seja, com vistas à inclusão de minorias
segregadas. (GOMES, J. B. B., Ação afirmativa..., p.281).
137 Joaquim Barbosa Gomes ensina que a atuação da Suprema Corte norte americana "se faz à luz
de critérios ou (standards), ou (tests) previa e discricionariamente formulados pela corte para
cada tipo de matéria. Tais (standards) não tem assento na constituição, são técnicas jurisdicionais
criadas pela própria corte. Assim preliminarmente ao julgamento de mérito propriamente dito, os
juízes decidem qual (test) ou (standard) será aplicado no julgamento do caso". No caso dos (Civil
Rights), são utilizados três standards: o "rational basis test" – critério mais brando, o "significant
goverment interest test" – critério intermediário, e o "compelling governmeental interest", critério
mais rigoroso. A adoção de um ou de outro critério implica apenas o nível do rigor que a corte
usará na decisão de cada caso. (GOMES, J. B. B., Ação afirmativa..., p.106).
94
ser utilizado para julgamento dos programas de Ações Afirmativas ("que conferem
Harvard, de modo distinto, adotou um programa cujo critério raça se constituía apenas
estabelecido por uma empresa privada. A empresa Kaiser Aluminium & Chemical
época os negros ocupavam 1,8% dos cargos qualificados da empresa, num total de
39% da força de trabalho daquela localidade. Após a sua implantação o programa foi
contestado por Brian Weber, que se posicionou contrário, pois entendia que o
programa foi considerado ilegal, mas a Suprema Corte decidiu de forma diferente,
[...] o julgamento do caso Weber acabou definindo alguns critérios pelos quais
os programas de ação afirmativa seriam julgados nos anos subseqüentes,
especialmente no campo das relações de trabalho.
Os interesses dos indivíduos brancos poderiam ser limitados em certa extensão,
mas não em um grau desnecessário, sendo que nenhum trabalhador branco
poderia ser demitido para ceder lugar a um trabalhador negro;
O desenvolvimento profissional dos indivíduos brancos não poderia ser
cerceado por barreiras intransponíveis;
Os programas de ação afirmativa deveriam ser temporários, devendo contemplar
uma data limite ou uma meta específica a ser alcançada;
Os programas não poderiam ser usados para manter um equilíbrio racial,
mas apenas para eliminar um desequilíbrio racial evidente.
Muito se tem debatido a respeito das Ações Afirmativas nos EUA, quanto aos
seus propósitos de erradicar a discriminação e promover a inclusão. Houve muitos
julgamento perante a Suprema Corte, que analisou aspectos dos programas sem
chegar a definir com clareza seus limites. Dessa forma, ocorreram discussões e debates
para a população negra, com fulcro em metas e objetivos que deveriam ser alcançados
têm o direito de ampliar a sua participação tanto na esfera pública como na esfera
forma uniforme dos mais necessitados (negros) dando-lhes acesso irrestrito aos
se pronunciou:
Janine Ribeiro:
A Ação Afirmativa tem uma filosofia que é muito interessante, que é a idéia
paradoxal nos Estados Unidos, que são a pátria do liberalismo, de que a
livre competição não basta para você estabelecer um padrão de Justiça
entre aqueles que tiveram os privilégios e aqueles que estiveram privados
deles, por exemplo: negros e mulheres basicamente. [...] A sociedade
142 SANTOS, Helio. Igualdade de oportunidades. Folha de S.Paulo, 6 jun. 1996, p.1-3.
americana tentou lidar com isso na base da Ação Afirmativa, que traduzida
em muitos, mas aí já é um pouco também simplificada, dá um certo esquema
de cotas. Mas a cota não é a essência, a cota é decorrência disso. Do ponto
de partida, é você não colocar duas pessoas a competir pela mesma posição
sem levar em conta a história dos meios a que elas pertencem. Então, o que
há de interessante nisso é uma relação também com a história no sentido de
passá-la a limpo, no sentido de um ajuste de contas com o passado. [...]144
agirem pensando em soluções concretas para modificar esta situação adversa, nesse
– que no Brasil são expressões sinônimas. As cotas são limitadas, seletivas e voltadas
possuem um sentido mais amplo, vez que têm como o objetivo envolver maior número
144 RIBEIRO, Renato Janine. Nós sempre veremos nossa História. Folha de S.Paulo, 28 maio 1996,
p.5-12.
145 DWORKIN, Roland. Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p.443.
99
[...] A Ação Afirmativa não foi uma preferência. Foi um instrumento por meio
do qual puderam ser minimizadas as preferências antes concedidas a
outros grupos. Ela representa a oportunidade de se competir por empregos
com outros grupos demográficos, por meio do nivelamento do campo de ação.
Ela nunca representou a garantia de empregos, apenas à oportunidade de
se obtê-los. Mas os conservadores redefiniriam a ação afirmativa de modo a
significar preferências raciais (seleção baseada exclusivamente numa identidade
racial específica), cotas (um número fixo) e discriminação inversa. Mas a
ação afirmativa nunca significou cotas, conceito este que possui uma relação
histórica com o passado norte-americano e que foi aplicado pela primeira
vez as políticas imigratórias excludentes durante a década de 1920. As
pessoas que eram objeto das políticas imigratórias restritivas do governo
naquela época eram imigrantes gregos, italianos e portugueses, europeus
orientais, como católicos poloneses e judeus russos, e os irlandeses racialmente
discriminados. Durante esse período, o ingresso de alguns grupos populacionais
asiáticos nos EUA foi excluído. Assim, quando se denigre a ação afirmativa,
retratando-a como um sistema excludente de cotas quando, na realidade,
representa uma luta pela inclusão, o que se está fazendo é virar a história
de ponta-cabeça.146
a
É inconstitucional a discriminação positiva? Viola a garantia da 14. Emenda
da igual proteção das leis o fato de Universidades darem preferência aos
estudantes negros e os membros de outras minorias na feroz concorrência
pelos bancos escolares, como nossas maiores universidades fizeram durante
trinta anos?
[...]
146 GILIAM, Ângela. Um necessário sistema de inclusão. Folha de S.Paulo, 3 nov. 1996, p.5-3.
147 Tradução para o espanhol: DWORKIN, Ronald. Virtud soberana: la teoría y la práctica de la igualdad.
Barcelona: Paidós, 2003.
100
pela cabeça privilegiada de Dworkin, não permite seja por nós brasileiros, ignorada.
O Brasil é uma nação que está muito marcada pela desigualdade racial.
É o que demonstram os dados a seguir:
- São negros 64% dos pobres e 69% dos indigentes do País148;
- O Brasil ocupa a 74.o lugar no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)
da ONU. Se fosse considerada apenas a qualidade de vida dos brancos,
o país ocuparia o 46.o lugar. Considerada apenas a qualidade de vida
dos negros, seria o 101.o lugar149;
148 o
Revista Carta Capital n. 175, p.25 – dados do IPEA
149 Jornal Folha de S.Paulo, 6 nov. 2002, p. C-1 – dados de pesquisa feita por Marcelo Paixão,
Prof. da UFRJ
101
percentual é de 38%155.
150 Dados do PNAD de 1999, constantes da publicação de Ações Afirmativas – gênero e raça/ etnia,
do Ministério do Desenvolvimento Agrário, p.11.
151 Idem.
152 o
Jornal Folha de S.Paulo, 1. set. 2001, p.A-9.
154 Dados da Fundação SEADE, constantes da publicação mulher e mercado de trabalho no Estado
de São Paulo, 2000, p.19.
155 Jornal o Estado de São Paulo, 30 jan. 2002, caderno Geral – dados do IPEA.
102
156 O termo efetividade assinala a concretização do comando normativo, sua força operativa no mundo
dos fatos. (FERRARI, Regina M. M. Nery. Normas constitucionais programáticas: normatividade,
operatividade e efetividade. São Paulo: RT, 2001. p.251).
157 Canotilho defende a "morte" das normas constitucionais programáticas: "[...] Existem, é certo, normas-
fim, normas-tarefa, normas programa que impõem uma actividade e dirigem materialmente a
concretização constitucional. O sentido destas normas não é porém, o assinalado pela doutrina
tradicional: simples programas [...] Concretizando melhor, a positividade jurídico-constitucional
das normas programáticas significa fundamentalmente: (1) vinculação do legislador, de forma
permanente, à sua realização (imposição constitucional); (2) vinculação positiva de todos os órgãos
concretizadores, devendo estes tomá-las em consideração como directivas materiais permanentes,
em qualquer dos momentos da actividade concretizadora (legislação, execução, jurisdição);
3 vinculação, na qualidade de limites materiais negativos, dos poderes públicos, justificando a
atual censura, sob forma de inconstitucionalidade, em relação aos actos que as contrariam".
(CANOTILHO, op. cit., p.1103).
103
de ONGs159 voltadas para a questão racial, são alguns dos fatores que constituem a
base causal da referida ampliação da tutela normativa da igualdade racial.
Um acontecimento importante para a discussão e implementação do tema
e racismo: papel da Ação Afirmativa nos Estados contemporâneos). Esse evento foi
158 Tome-se como exemplo o seguinte dado: segundo o IPEA, a média de estudo dos brancos
adultos é de 6,6 anos, enquanto a dos negros é de 4,4 anos, praticamente a mesma, do início do
século passado. Ainda de acordo com o IPEA, os brancos devem alcançar em 13 anos a média
de 8 anos de estudo, enquanto os negros demorarão 32 anos para atingir a mesma meta. (Jornal
Folha de S.Paulo, 30 jan. 2002, p.C-5).
Por outro lado é interessante notar que, de acordo com o IBGE a educação foi à área em que se
constatou maior avanço na situação da mulher em relação ao senso de 1991. Chega a ser
curiosa a seguinte passagem de uma matéria jornalística: "A área onde a situação da mulher mais
avançou no país, na década de 90, foi à educação. Tanto que o Ministério da Educação já
começa a se preocupar em realizar Ações Afirmativas para beneficiar os jovens do sexo masculino
matriculados no ensino fundamental e médio." (Jornal Folha de S.Paulo, 08 mar. 2002, PC6).
159 Organização não-Governamental. Organização de caráter privado, mas sem fins lucrativos. Volta-se
para interesses coletivo, mas muitas vezes exercendo funções que caberiam às instituições
estatais. O que move as ONGs é a visão de solidariedade e de justiça social, emanada na ética
humanista. As ONGs podem se constituir sob forma de sociedade civil ou fundação. (LEONELLI,
Vera (Org.). ABC direitos humanos: dicionário. Salvador: UNICEF, Projeto Axé, 2000. p.79).
160 GUIMARÃES, Antonio Sergio Alfredo. Ações afirmativas para população negra nas universidades
brasileiras. In: SANTOS, R. E.; LOBATO, F. (Orgs.). Ações afirmativas: políticas públicas contra
as desigualdades raciais. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p.93-94.
104
sociedade de modo que a sua "vontade política" tomasse corpo e forma, por meio de
brasileiras.
do Ministro Marco Aurélio Mello, que, ao abordar o tema das Ações Afirmativas, escreve:
o
do Artigo 3. vem-nos luz suficiente ao agasalho de uma Ação Afirmativa, a
percepção de que o único modo de se corrigir desigualdades é colocar o peso
da lei, com a hiperatividade que ela deve ter em um mercado desequilibrado, a
favor daquele que é discriminado, que é tratado de forma desigual. [...] Posso
asseverar, sem receio de equívoco, que se passou de uma igualização estática,
meramente negativa, no que se proibia a discriminação, para uma igualização
eficaz, dinâmica, já que os verbos 'construir', 'garantir', 'erradicar' e 'promover'
implicam, em si, mudança de óptica, ao denotar 'ação'. Não basta não
discriminar. É preciso viabilizar – e encontramos, na Carta da República, base
para faze-lo – as mesmas oportunidades.163
pacificador do Direito. As normas jurídicas procuram ser substitutas das armas na defesa
163 MELLO, Marco Aurélio Mendes de Farias. Ótica constitucional: a igualdade e as ações afirmativas. In:
SEMINÁRIO DISCRIMINAÇÃO E SISTEMA LEGAL BRASILEIRO. Anais... Tribunal Superior do
Trabalho, 20 nov. 2001. p.23.
164 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 14.ed. São Paulo: Malheiros,
1997. p.205.
107
não basta afirmar na Constituição que todos são iguais perante a lei, sem
nenhuma discriminação; [...] é imprescindível consolidar uma igualdade
substancial, ou seja, que busque realizar a igualização das condições
desiguais. [...] Nesse ponto, não é preciso lançar mão de estatística ou de
outros dados do IBGE para afirmar que a pessoa negra no Brasil ainda
sofre com o preconceito e a discriminação, um dos fatores mais relevantes
que intensificam a marginalização da raça e, como subproduto, o quase nulo
acesso ao ensino superior.
165 CLÈVE, Clèmerson Merlin; RECK, Melina Breckenfeld. As ações afirmativas e a efetivação do
princípio constitucional da igualdade. A & C Revista de Direito Administrativo e Constitucional,
Belo Horizonte, Ano 3, n.11, p.35, jan./mar. 2003.
108
Canotilho:
167 CANOTILHO, op. cit., p.567-568. Consta da Constituição Portuguesa, artigo 13 – (Princípio da
Igualdade) 2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito
ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem,
religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação econômica ou condição social".
168 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Coimbra: Coimbra, 2000. Tomo IV. p.213-214.
109
do Brasil) os incisos I, III, IV, em que estão estabelecidos verbos de ação, ou seja,
forma de o país se encontrar com a sua realidade social e construir uma mudança
169 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 3.ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2006. p.52.
a ser tratadas como Ações Afirmativas, a exemplo da reserva de cotas, para que os
171 "Até o final dos anos 1990, a adoção de políticas de ação afirmativa para a população negra no
Brasil era um sonho distante. Havia já uma demanda por políticas específicas por parte de
organizações do movimento negro. O governo brasileiro mostrava-se interessado em adotar
políticas desse tipo em alguns documentos oficiais e ouvia-se falar, ocasionalmente, sobre a
preocupação de algumas empresas multinacionais em relação as suas filiais brasileiras. Entretanto,
não se pode afirmar que já existissem uma política efetiva e uma orientação explicita neste
sentido. A Conferencia Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância
correlata, realizada em Durban, África do Sul, em setembro de 2001, constituiu um marco importante
para a redefinição da agenda das relações raciais no mundo e, particularmente, no Brasil. A opor-
tunidade de interferir tanto por meio de denúncia do racismo quanto da formulação final e ao plano de
ação da conferencia motivou a participação de centenas de organizações do Movimento Negro
brasileiro, juntamente com organizações indígenas, de mulheres, de diferentes grupos religiosos,
entre outros, no processo preparatório da Conferência, impulsionando um momento de ricos debates
sobre o padrão vigente de ralações raciais no Brasil. O assunto ganhou relevância nos debates
políticos no Brasil em razão do processo preparatório para a Conferência mundial, a mobilização
do movimento negro e da visibilidade crescente das suas demandas bem como o posicionamento
público de alguns representantes do governo, especialmente do instituto de pesquisa Econômica
aplicada, vinculada ao Ministério do Planejamento (Ipea) que divulgou dados revelando a dimensão
das desigualdades raciais no Brasil. O Estado Brasileiro adotou gradativamente um discurso anti-
racista, trazendo o tema para o centro da agenda política. O governo também adotou, por intermédio
da Fundação Cultural Palmares, na promoção de debates visando a subsidiar a participação Brasileira
na III Conferência Mundial contra o Racismo. Foi organizado um ciclo de seminários temáticos –
com recorte regional – que contou com a participação de diversos especialistas e pesquisadores
das relações raciais. Ainda no plano preparatório, após ter se recusado a sediar a Conferência
regional Preparatória das Américas (Prepcon), o governo promoveu a Conferencia Nacional Preparatória
a III CMR, realizada no Rio de Janeiro, em julho de 2001. Durante a CMR, foi divulgado o relatório
oficial do governo Brasileiro, incluindo a recomendação da adoção de cotas para estudantes negros
nas Universidades Públicas. O relatório, levado pela delegação oficial brasileira a Durban, refletiu
debates ocorridos nos eventos oficiais preparatórios e também pontos consensuais resultantes do
trabalho do comitê nacional ". (HERINGER, Rosana. Políticas de promoção da igualdade racial no
Brasil: um balanço do período de 2001-2004. In: FERES JUNIOR, João; ZONINSEIN, Jonas
(Orgs.). Ação afirmativa e universidade: experiências nacionais comparadas. Brasília: Ed.
Universidade de Brasília, 2006. p.79-80).
111
172 "A participação da população negra no mercado Brasileiro continua bem mais precária do que a
da população não negra. Essa precariedade se manifesta, especialmente, nas taxas mais elevadas
de desemprego, na maior presença dos negros nos postos de trabalho menos protegidos e nos
rendimentos sempre inferiores aos da população não negra. As informações fazem parte do
boletim especial" A desigualdade racial no mercado de trabalho", elaborado pelo Dieese, em
convênio com o Seade e instituições governamentais de seis regiões do país, para marcar o dia
nacional da Consciência Negra, comemorado hoje. Em 2001, a população de cor parda representa
40,38% do total de brasileiros e a de cor preta, 5,64%, enquanto a branca correspondia a 53,37%.
Amarelos, indígenas e sem declaração representavam 0,61% do total. Entre os que trabalham, a
proporção de pretos e pardos ocupados é maior nos ramos agrícolas, construção civil e prestação
de serviços. Do total de brasileiros de cor preta inserido no mercado de trabalho, mais da metade
atua nestes três setores, sendo 17,5 no setor agrícola, 10% na construção civil e 27,2% na
prestação de serviço. Entre os pardos os percentuais são de 27,5%, 7,7% e 20,9%, respectivamente.
Já entre os brancos, a participação cai para 16,1%, 5,3% e 18,9%. A população branca é
majoritária no comércio de mercadorias (15,6% do total de branco) na indústria de transformação
(14,1%), na área social (11,5%), em serviços auxiliares da atividade econômica (5,6%) e
administração pública (5,2%). O estudo mostra ainda que a proporção de negros e partos trabalhando
em serviços domésticos chega, respectivamente, a 13,7% e 9,1%, superando a dos brancos na
mesma atividade, que é de 6,3%.
Em 2001, o rendimento médio dos trabalhadores ocupados foi estimado em 2,9 salários mínimos.
De acordo com o levantamento do Seade/Dieese, os negros e pardos receberam, em média, cerca
da metade do rendimento dos brancos." (Jornal Gazeta do Povo, Curitiba 20 nov. /2002, p.19).
173 GOMES, Joaquim B. Barbosa. O debate constitucional sobre as ações afirmativas. In: SANTOS,
Renato Emerson dos; LOBATO, Fátima (Orgs.). Ações afirmativas: políticas públicas contra as
desigualdades raciais. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p.17.
112
resultados ou material. Pode-se mencionar, como exemplo, os Art. 3.o, I e III; 7.o, XX;
37, VIII; 170, VII que assim estão estabelecidos:
o
Art. 3. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária, [...] III. Erradicar a
pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais regionais.
o
Art. 7. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que
visem à melhoria de sua condição social: [...] XX. Proteção do mercado de
trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;
Art. 37 [...] VIII. A lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos
para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua
admissão.
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e
na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme
os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...]
VII. Redução das desigualdades sociais [...] IX. Tratamento favorecido para
as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que
tenham sua sede e administração no País.
mulher, uma vez que, por séculos, a sociedade tem sua estrutura social firmada nas
bases sólidas do patriarcado. As situações examinadas eram por sua vez fruto de
um pensamento que desenhava como sendo da "natureza das coisas", fato que
culminou por muito tempo expresso em nossa legislação civil. A grande modificação
veio por meio da CF-1988, que, no seu Art. 5.o, inciso I, estabeleceu a equiparação
entre homens e mulheres. Nesse sentido, após inúmeros debates e discussões
surgiram e foram incorporadas ao nosso cotidiano as Leis n.o 9.100/95 e 9.504/97174,
que determinam cotas mínimas de mulheres candidatas para as eleições. Tais medidas
são bastante significativas na esfera política nacional, uma vez que foi ampliado o
174 o
A Lei n. 9.100/1995 instituiu o percentual mínimo de 20% de mulheres candidatas as eleições
municipais de 1996, com o objetivo de aumentar o número de mulheres nas esferas de poder. Em
o
seguida a Lei n. 9.504/1997 aumentou o percentual para 30% (ficando em 25% em 1998)
ampliando para outras entidades da federação e mais tarde foi ampliado para 50% o número das
vagas em disputa.
113
Afirmativa para remediar a questão. Tal mecanismo foi recebido pela sociedade
Lei Maria da Penha176 n.o 11.340/2006; não se criou nenhum tipo penal novo, deu-se
175 "As estatísticas não permitem disfarçar que essa diferenciação existe. A participação da mulher
no mercado de trabalho não atinge 40% do conjunto de trabalhadores da zona urbana e 30% da
zona rural, percebendo salário 40% menor no desempenho de igual atividade. Esse quadro leva a
constatar-se que ocorre uma verdadeira feminização da miséria, a justificar, por si só, como um
imperativo da democracia e da cidadania, ações que promovam discriminações positivas, única
forma para a correção de tais distorções.
Frágeis e insuficientes, no entanto, são os mecanismos de promoção da igualdade de gênero,
pois, em nome da preservação ao princípio da isonomia, acaba-se consagrando a desigualdade.
A incorporação, em textos legais, de dispositivos de proteção à mulher por meio de incentivos
específicos, funda-se na concepção, incluída em textos de convenções internacionais, de que não
seriam consideradas discriminatórias medidas ou ações afirmativas com o propósito de sanar
situações de desigualdade. Foi atendendo este compromisso de incrementar a participação da
mulher nos processos decisórios que restou assegurada a obrigatoriedade da cota mínima de
o
25% de mulheres candidatas a cargos legislativos nas últimas eleições (art. 11, § 3. , da Lei
o
n. 9.100/95) sem que se alegasse afronta ao princípio isonômico.
Indispensáveis preceitos compensatórios como única forma de superar as diferenças, sendo que
a proteção à mulher deve constituir uma das preocupações primeiras do legislador, mediante
positive discrinination, em face da necessária proteção à maternidade, reconhecimento da
importância da mulher no lar, na execução dos trabalhos domésticos e na assistência aos filhos.
O que se deve atentar não é a igualdade perante a lei, mas ao direito à igualdade mediante a
eliminação das desigualdades, o que impõe que se estabeleçam diferenciações específicas como
única forma de dar efetividade ao preceito isonômico consagrado na constituição". (DIAS, Maria
Berenice. Ações afirmativas: a solução para a desigualdade. Direito e Justiça, Jornal Estado do
Paraná, 21 mar. 1999, p.01).
176 "A criação da Lei Maria da Penha é fruto de pressão internacional por conta de um caso de
violência domestica denunciada à comissão Interamericana de Direitos Humanos, da
Organização dos Estados Americanos (OEA). Em 1983, Maria da Penha Fernandes sofreu
tentativa de homicídio que a deixou paraplégica. A agressão foi feita pelo marido. O caso se
arrastou por 15 anos na justiça, sendo denunciado a comissão por violação de Direitos Humanos
e de tolerância do Estado Brasileiro com a violência cometida contra as mulheres. Ela determinou
a solução rápida do caso e regras bem definidas para coibir situações semelhantes no país. [...]
Pelo menos 20 homens estão presos em Curitiba em razão da Lei Maria da Penha, que entrou
114
violência física se estendeu por muitos anos; diante disso, instituições e grupos
uma Lei que punisse com maior rigor os autores desses crimes bárbaros177.
Segundo o Art. 5.o da referida Lei:
brasileira segue a orientação que visa proteger os direitos das pessoas portadoras
de necessidades especiais, com fulcro a Constituição Federal no seu Art. 37, III
estabelece reserva de vagas na Administração Pública, e neste caso existe forma
(Regime Jurídico único dos servidores públicos civis da União), que estabelece no
Art. 5, § 2.o:
em vigor em setembro do ano passado e estabeleceu penas mais rígidas para quem comete
violência domésticas. Até então, homem que batia em mulher podia pagar por seu delito com
cestas básicas ou multas, agora vetadas. O efeito da nova lei agora também tem reflexo no
Juizado da Violência Doméstica e familiar de Curitiba, que abriu as portas em 23 de janeiro.
Desde então, acumulou cerca de 300 procedimentos (inquéritos medidas de proteção para evitar
riscos e processos criminais), mais que 11 por dia útil de funcionamento. [...] O ritmo de trabalho é
mesmo intenso. Esta semana ocorrerão mais de 150 audiências, inclusive em 8 de março, Dia
Internacional da mulher. O Grande volume mostra que a violência doméstica vai além das brigas
conjugais. A lei Maria da Penha não pune apenas o" machão de cozinha", mas qualquer ação ou
omissão que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral e patrimonial.
Assim é possível processar, por exemplo, a patroa que retém objetos da doméstica, o marido que
obriga a mulher a manter relações sexuais, o ex-marido que tortura psicologicamente a ex-mulher
e a homossexual que bate na companheira". (Jornal Gazeta do Povo, Curitiba, 04 mar. 2007, p.04).
177 Houve um grande avanço neste sentido a ponto de ser criada em Curitiba um Juizado de
a
Violência Doméstica e Familiar,na verdade a 13. Vara criminal de Curitiba/ PR.
115
o o
Sendo o Art. 37,VII, da CF, norma de eficácia contida, surgiu o Art. 5. § 2. ,
do novel Estatuto dos servidores Públicos Federais, a toda evidência, para
regulamentar o citado dispositivo constitucional, a fim de lhe proporcionar a
plenitude eficácia. Verifica-se, com toda a facilidade, que o dispositivo da lei
ordinária definiu os contornos do comando constitucional, assegurando o
direito aos portadores de deficiência de se inscreverem em concursos públicos,
ditando que os cargos providos tenham atribuições compatíveis com a deficiência
de que são portadores e finalmente, estabelecendo um percentual máximo
de vagas a serem a elas reservadas.
Dentro desses parâmetros, fica o administrador com plena liberdade para
regular o acesso dos deficientes aprovados no concurso para provimento de
cargos públicos, não cabendo prevalecer diante da garantia constitucional, o
alijamento do deficiente por não ter logrado classificação, muito menos por
recusar o decisum afrontado que não tenha a norma constitucional sido
regulamentada pelo dispositivo da lei ordinária, por considerar não ter ela
definido critérios suficientes. Recurso provido com concessão da segurança,
a fim de que seja oferecida à recorrente vaga, dentro do percentual que for
fixado para os deficientes, obedecida, entre os deficientes aprovados a
a
ordem de classificação se for o caso (RMS 3.113-6 / DF, 6. T., 06.12.1994,
cujo relator foi Min. Pedro Acioli) 179.
178 MELO, Mônica. O princípio da igualdade a luz das ações afirmativas: o enfoque da discriminação
positiva. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo, ano 6, n.25,
out./dez. 1998.
uma desvantagem contra si, fato que o Estado compreende e leva em consideração
tem é uma promoção da igualdade material, pela qual mais uma vez se estabelece o
preceito que se deve tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.
desigualdade real.
180 Em face da edição da Emenda Constitucional número 45, de 8 de dezembro de 2004, a qual
o o
acrescentou ao Art. 5. da Constituição Federal o parágrafo 3. , que dispõe que: "Os tratados e
convenções internacionais sobre Direitos Humanos que forem aprovados, em cada casa do
Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão
equivalentes às emendas constitucionais".
marginalizados. Já na saúde pública, por exemplo, onde o acesso universal deve ser
garantido, cabe o atendimento dos problemas que impedem a população de ter seu
Barros escreve:
182 A título de exemplo, Retrato do Brasil Segundo o IBGE, Caderno Cotidiano, edição de 25/02/2005; no
mesmo Caderno Cotidiano, edição de 03/11/2002, edição de 3 de dezembro de 2003, edição de
19/01/2004, Caderno Brasil p.A8, edição de 13 de junho de 2003, entre inúmeros outros.
183 BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade
das leis restritivas de direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 1996. p.187-188.
119
números, a exclusão social do negro no Brasil. Como disse Luiz Felipe de Alencastro
184 HASENBALG, Carlos. Entre o mito e os fatos: racismo e relações raciais no Brasil. In: MAIO, M. C.;
SANTOS, R. V. (Orgs.). Raça, ciência e sociedade. Rio de Janeiro: Fiocruz/CCBB, 1996. p.235-248.
120
em: brancos, negros (pretos e pardos) e outros. Os brancos somam (dados de 2000)
53% da população, enquanto os negros 45%. Dos 45% que formam a comunidade
anos e os negros 4,7 anos. Quanto à taxa de escolarização líquida (razão entre
crianças na idade escolar matriculadas no ciclo escolar no qual deveriam estar), os
"a evolução de anos médios de estudo para a população negra e branca de diferentes
coortes nascidas entre 1900 e 1965, representando pessoas que entraram no sistema
185 ALENCASTRO, Luiz Felipe de. As cotas e a história nacional. Revista Veja. Disponível em:
<http://veja.abril.com.br/190303/ponto de vista.html>. Acesso em: 17 mar. 2003.
econômico iriam diminuir a distância entre brancos e negros resta insustentável. Sem a
diferença entre brancos e negros não se alterará, ainda que possa haver melhora das
CAPÍTULO 4
O presente capítulo trata da adoção das cotas raciais como Ações Afirmativas
públicas ou privadas que podem ser estabelecidas de forma direta ou por meio de
legislação ou estudo, tendo por objeto a diminuição das desigualdades sociais mediante
o acesso de grupos minoritários aos bens e serviços públicos e privados.
das Ações Afirmativas com vistas à garantia de acessibilidade universal aos serviços
públicos de ensino, educação e cultura. Como se pôde verificar nos capítulos anteriores,
obra escrava, sendo o negro tratado como "coisa", sem condições de reconhecimento
como ser humano e, nesta condição, sem direito ao exercício de direitos. Desse
contexto, a sociedade herdou uma elevada carga de valores negativos que foram
188 "O racismo, entendido como ideologia, tem no Brasil, duas manifestações marcantes: o preconceito,
largamente difundido na sociedade, presente nas relações sociais de forma sistemática, como um
costume injusto; e a prática da discriminação racial, que afeta os afro-brasileiros nas relações
cotidianas e no mercado de trabalho. (MARTINS, op. cit., p.416).
123
(1) organização do Movimento Social Negro e sua mobilização; (2) em torno das
conquistas e dos avanços constitucionais e infraconstitucionais, (3) bem como das
para negros nos Serviços Públicos Federais, Ministério das Relações Exteriores (Instituto
190 "Cota fixa é uma técnica de implantação das Ações Afirmativas, onde se reserva, num processo
de competição por bens sociais, uma porcentagem das vagas para um determinado grupo social
competir somente com os membros deste grupo de pertença. Portanto, num processo seletivo,
um determinado número de vagas fica garantido antecipadamente para os membros de um
determinado grupo social que foi contemplado por esse tipo de ação afirmativa. (SANTOS, Sales
Augusto dos. Ação afirmativa e mérito individual. In: SANTOS, Renato Emerson dos; LOBATO,
Fátima (Orgs.). Ações afirmativas: políticas públicas contra as desigualdades raciais. Rio de
Janeiro: DP&A, 2003. p.89).
124
Assim, tal Conferência foi decisiva para as políticas das Ações Afirmativas
191 ZONINSEIN, Jonas. Minorias étnicas a e economia política do desenvolvimento. In: FERES JUNIOR,
João; ZONINSEIN, Jonas (Org.). Ação afirmativa e universidade: experiências nacionais comparadas.
Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 2006. p.65-66.
125
192 SILVA, Luiz Fernando Martins da. Ação afirmativa e cotas para afro-descendentes: algumas
considerações sócio jurídicas. In: SANTOS, Renato Emerson dos; LOBATO, Fátima (Orgs.).
Ações afirmativas: políticas públicas contra as desigualdades raciais. Rio de Janeiro: DP&A,
2003. p.72.
morais, nascem como devem e como podem, como denota Norberto Bobbio, "não
Universal dos Direitos Humanos de 1948, que trouxe mudanças excepcionais no que
No início do século XX, havia uma espécie geral de proteção aos indivíduos.
Após a criação da ONU, houve uma preocupação mais imediata e voltada para o
proteção dos direitos humanos, era preciso especificar o sujeito do direito, com os
face de sua fragilidade. Sendo assim, cada grupo vulnerável deve ser defendido
198 A Convenção dói adotada pela Resolução 2106 a (XX) da Assembléia Geral das Nações Unidas,
em 21 dez 1965. Sobre o tema, ver também, PIOVESAN, Direitos humanos..., p.379.
128
Internacional dos Direitos Humanos ressalta dois métodos, sendo: "a) a estratégia
a igualdade."200
que tange à busca de direito à igualdade, não é o bastante; é preciso somar ações
que contribuam para que sejam dadas condições aos grupos vulneráveis de
E acrescenta:
utilizadas para aliviar e remediar as condições que são impostas às pessoas que
discriminação.
Uma política pública que voltada para reverter as tendências históricas que
conferiram às minorias e às mulheres uma posição de desvantagem, princi-
palmente nas áreas de educação e emprego. Ela visa além da tentativa de
garantir igualdade de oportunidades individuais ao tornar crime a discriminação,
e tem como principais beneficiários os membros de grupos que enfrentam
preconceitos.
Observa, esse autor, que a reparação possui um aspecto moral, visto que
tem relação direta com a correção das injustiças que foram praticadas contra os
negros. Entretanto, esse argumento possui problemas na prática, que devem ser
considerados em relação às políticas públicas, como, por exemplo: A injúria foi o
miscigenação.
segundo João Feres, limitar as Ações Afirmativas "a um jogo em que todos ganham
204 Negritude. Formulada pela primeira vez pelo poeta e político antilhano Aimé Césaire, a negritude
teve em Léopold S. Senghor seu principal teórico. "Objetivamente, a negritude é um fato: cultura,
è o conjunto de valores – econômicos e políticos, intelectuais e morais, artísticos e sociais, não
somente dos povos da África Negra, mas, também das minorias negras da América e inclusive da
Ásia e da Oceania [...]". (MENDES, Candido. Estudos afro-asiáticos. Rio de Janeiro: Centro de
Estudos Afro-Asiáticos – CEAA do Conjunto Universitário Cândido Mendes, 1978. p.26).
Justiça social é para todos os grupos que sofrem discriminação, sem necessidade
de qualquer justificativa histórica para tal, como é o caso dos negros, e está sujeita a
inúmeras interpretações.
Além disso, os argumentos da reparação e da justiça social podem ser
soma positiva".207
"está marcado por um labirinto conceitual e pela falta de uma estratégia nacional
evolução das políticas públicas em relação às ações e reações dos "atores sociais,"
para o Estado, que se sentiu obrigado a definir uma posição sobre o racismo e a
A gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, desde o início demonstrou ser mais
significativa nos últimos anos no que se refere aos cenários mais positivos para a
Aqueles que defendem as cotas têm consciência de que o sistema não é uma
solução definitiva, entretanto, não surgiram idéias melhores para a solução do problema.
permanência e o êxito dos alunos cotistas, caso contrário, a política de cotas poderá se
transformar em mais uma estratégia assistencialista que não visa à garantia de direito.
Recorrendo à verdade descrita por Kelsen, para que essa inclusão social, que
submetidos no Brasil é bem inferior ao dos brancos, não apenas pelas condições
socialmente.
214 a
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3.ed. 12. tiragem.
São Paulo: Malheiros, 2004. p.10.
que visam ao ingresso dos negros nas Universidades Públicas, depois de exaustivas
216 o
KONKEL JUNIOR, Nicolau. Citação na decisão de Ação Ordinária, Autos n. 2007.70.00.003932-
6/PR em 27 fev. 2007.
217 BERTÚLIO, Dora Lúcia de Lima. Racismo e desigualdades raciais no Brasil. In: DUARTE,
Evandro C. Piza; BERTÚLIO, Dora Lúcia de Lima; SILVA, Paulo Vinícius Baptista (Coords.).
Cotas raciais no ensino superior: entre o jurídico e o político. Curitiba: Juruá, 2008. p.51-52.
137
4. Por certo que essas políticas não superaram o racismo nas relações inter
grupos nos diversos campi universitários. No entanto, a maior incidência
de negros naqueles espaços propícia maior vigília para se evitar
comportamentos racistas. Nos eventos, as denúncias mais sérias dos alunos
são contra professores que não somente manifestam sua contrariedade
ao sistema como, em muitos casos, humilham os estudantes e exercem
o poder de subjetividade da avaliação de forma preconceituosa. Todas
as Instituições têm ciência dessas ocorrências que por não serem
reportadas com detalhes, não são objeto de procedimento administrativo
adequado. Assim, o sistema armou com Ouvidorias e sistema de Disque-
Denúcia gratuito e anônimo, para tomar providências nesse sentido. Não
há novidade, para os estudantes negros, pois já havia comportamentos
racistas que ocorriam anteriormente a entrada na Universidade de
estudantes cotistas, nesse mister, no entanto, é importante dizer que
somente com o advento dos programas de cotas para negros é que
essas questões tomaram a importância devida pelos administradores
das Instituições Universitárias, para as providências administrativas e,
eventualmente, judiciais, quando o caso;
5. O mais importante de todos os resultados. Cresceu significativamente o
número de negros no espaço universitário nesses quase quatro anos de
programa. A Universidade Federal do Paraná incluiu no primeiro ano de
programa 513 estudantes negros espalhados nos diversos cursos de
graduação que oferece, incluso o curso de medicina e de ondotologia
que, reportado pelos funcionários do Hospital de Clínicas no Setor de
Saúde, nenhum deles tinha notícia de conhecer um estudante negro.
Hoje o curso de Medicina inclui 14 estudantes negros no primeiro ano e
13 estudantes no segundo ano de programa. No segundo ano do
programa, 2006, foram aprovados e matriculados 330 estudantes negros
em todos os cursos, o que nos dá um percentual 13,4% de estudantes
negros ingressos nos anos de 2005 e 2006, de um total de 4.160 e 4090
vagas, respectivamente, para ingresso nos cursos de Graduação, na
UFPR. Anteriormente os dados apontam um percentual médio de 3% de
estudantes negros matriculados. Nas diversas Universidades Públicas que
possuem o programa, é visível a presença de estudantes negros no
campi.218
desigualdades sociais.
Federal do Paraná:
A adoção do sistema de cotas pela UFPR é uma política afirmativa que veio
instrumentar o processo de superação das desigualdades sociais históricas
entre negros e brancos, com isso cumprindo o seu papel na consecução dos
objetivos maiores da Constituição brasileira, que como foi dito, traduzem-se
na realidade da igualdade material entre as pessoas, erradicando a margi-
nalização e o preconceito.
Significa dizer que a Universidade, com sua ação afirmativa abre espaços para
os negros no ensino superior. Espaços originalmente negados pela margi-
nalização, pobreza e discriminação social. As pessoas negras precisam saber
que agora têm espaços para ocupar. Esses espaços, uma vez ocupados,
forçam uma mudança de panorama, promovem a inclusão, conscientizam,
amadurecem. As cotas não são pra sempre. São transitórias, neste
momento histórico em que é preciso intensificar o processo de inclusão social e
intelectual do negro, visando à sua cidadania plena, à sua emancipação e à
igualdade de oportunidades. A idéia é que chegará um momento em que as
cotas não serão mais necessárias, porque se atingiu um nível ótimo de
igualização que permite ao negro disputar com os brancos, em pé de igualdade,
as chances de vida em abundância.
É evidente que esse tipo de ação afirmativa não basta por si só. Outras
políticas públicas precisam ser implementadas, especialmente em relação
ao acesso e a permanência nos ensinos fundamentais e médio. Mas isso
não infirma a validade de cotas como um dos instrumentos da política
pública de inclusão social e de igualização material. [...]219
por objetivo nivelar o que o processo histórico no Brasil deixou neste particular
em desalinho.
219 ATAIDE JUNIOR, Vicente de Paula. Decisão proferida em Mandado de Segurança contra Reitor
a o
da UFPR. 1. Vara Federal de Curitiba/PR; Autos n. 20025.70.00.001963-0.
140
220 LIMA, Ari. A legitimação do intelectual negro no meio acadêmico brasileiro: negação de inferioridade,
confronto ou assimilação intelectual. Afro-Asia, n.25-26, p281-312, 2001.
141
UnB, tendo como objetivo saber quem são étnicos racialmente e o que pensam sobre a
das cotas, no vestibular, e, para acesso e promoção de alunos negros aos cursos de
do IBGE, 58,2% dos entrevistados eram brancos; 6,0% pretos; 27,7% pardos; 4,0%
dia haverá igualdade racial no Brasil. Sim 49,2%; Não 36,9%; Não
dos negros aos cursos de graduação. Sim 38,6%; Não 55,4%; Sim, mas
somente para os negros 0,4%; Não sabe 4,0%; Não respondeu 1,6%.
para pretos 0,8%; Não 68,3%; Não sabe 4,4%; Não respondeu 0,8%.
candidato(a). 15,5%
142
14,7%.
Rio de Janeiro iniciou-se por meio das Leis Estaduais n.o 3.524/2000 e n.o 3.708/2001 e
Atualmente, as referidas leis foram revogadas pela Lei Estadual n.o 4.151/2003,
que estabeleceu novo sistema de cotas para ingressos nas universidades do Rio de
Janeiro. Antes mesmo de serem revogados, aqueles diplomas foram objeto de questio-
221 Sobre a pesquisa consultar o texto de SANTOS, S. A., op. cit., p.83-125.
143
educação nacional, Art. 22 inciso XXIV da Lei n.o 9.394/96. Em vista da revogação
das leis, o julgamento da ADIN n.o 2858-8 restou prejudicado.
144
Inconstitucionalidade perante o STF sob n.o 3197/2004, que foi distribuída à relatoria
do Ministro Sepúlveda Pertence. Até o momento, essa ADIN não foi julgada.
ensino superior, podendo ser considerado o marco inicial que convergiu para a
declarar que não colocaria a proposta em discussão, sem que antes fosse objeto de
222 Que estipula que as próprias universidades estaduais do Rio de Janeiro deverão estabelecer
cotas para ingresso nos seus cursos de graduação para os seguintes grupos considerados
vulneráveis: oriundos da rede pública de ensino, negros, pessoas com deficiência, nos termos da
legislação em vigor e integrantes de minorias étnicas. Para maiores informações vide www.uerj.br.
145
classes sociais.
Quando se depararam com informações a respeito da realidade que existe
Outra questão que surgiu com o texto do relator foi a distinção entre
distinção entre relações raciais e sociais é importante para que seja especificada a
negros, o que dissolve a aparente dicotomia realçada pelo relator entre diferença
social e racial.
Outro aspecto posto em relevo foi a questão das reservas para negros
225 BORGES NETO, Jose; BERVILAQUA, Cimea B. Parecer do Conselheiro Relator sobre proposta
de Resolução de Plano de Metas de Inclusão Racial e Social na UFPR. Curitiba, 2004.
apresentou como proposta foi algo análogo ao projeto de Lei que tramita no Congresso
sobre reserva de vagas para candidatos de escolas públicas e parte dessa reserva
entre os dois tipos de reserva. Como esclarece Oracy Nogueira, "no plano simbólico
que, "a idéia de que no Brasil, o dinheiro embranquece, deve ser vista como
adotado para os negros a partir de 10 de maio de 2004, por meio da Resolução n.º
e Social. 228
Houve um intenso debate no interior da Universidade, o objetivo principal foi
democratizar o acesso ao ensino. A UFPR foi uma das primeiras Instituições no país a
227 NOGUEIRA, Oracy. Tanto preto quanto branco: estudos de relações raciais. São Paulo: T. A.
Queiroz, 1985. p.38.
228 "Tem base na Constituição Brasileira pretendendo interferir na diminuição das desigualdades com
a finalidade de construir uma sociedade mais justa e solidaria, considerando a necessidade de
democratização o acesso ao ensino superior público do Brasil em relação aos afro-descendentes,
indígenas e alunos oriundos das escolas públicas. No mesmo sentido de democratizar ainda
mais, em todos os níveis, o acesso e permanência em seus quadros das populações em situação
de desvantagem social. Portanto, explicita a necessidade de efetivação de ações que visem a
permanência dos universitários. De acordo com a Resolução do Conselho Universitário, o programa
de apoio acadêmico psico-pedagógico e/ou de tutoria deve ser para todos os estudantes que
demonstrarem dificuldades no acompanhamento das disciplinas, independentemente de serem
alunos de cotas raciais, sociais e indígenas ou de forma tradicional de ingresso. Verifica-se que,
na estrutura da UFPR, não há nenhuma ação específica voltada para a permanência exclusiva
dos alunos de cotas raciais". (GARCIA DE SOUZA, Marcilene Lena. Permanência de negros na
Universidade Federal do Paraná: um estudo entre os anos de 2003 a 2006. In: LOPES, Maria
Auxiliadora; BRAGA, Maria Lucia Santana (Orgs.). Acesso e permanência da população negra
no ensino superior. Brasília: Ministério da Educação Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade, UNESCO, 2007. p.08).
148
das cotas. O Conselho Universitário, órgão composto por 51 membros, teve o poder de
aprovar a Resolução que adotou o Programa de cotas, cujo objetivo era corrigir as
classificados passam para a segunda fase; b) na segunda fase, existe uma nova
seleção, sendo que nesta etapa devem incidir o regime das cotas preferenciais para os
alunos negros e alunos oriundos das escolas públicas. Para muitos, não existe um
modelo ideal para a adoção de cotas para o ingresso das minorias nas Universidades.
Alguns defendem que o modelo de cotas deveria incluir critérios econômicos como no
caso da UERJ, porém no programa que foi adotado pela UFPR esse modelo não foi
comtemplado.
cotas, muitos afirmam que seriam necessários uns 100 anos para democratizar o
acesso apenas com as melhorias do ensino médio, ressaltando que houve exclusão por
décadas nas universidades públicas. Aqueles que criticam as cotas dizem que no país
seleciona o aluno pelo mérito de cada um, não existindo, assim, discriminação. Esses
críticos afirmam que o governo deveria estimular os cursinhos para pessoas carentes,
e, que as cotas seriam medidas que degradariam o nível das universidades públicas,
229 NORGIS, Guido. Prós e contras do sistema de cotas. Jornal Gazeta do Povo,
No Art. 1.o da Resolução, são reservadas 20% das vagas ofertadas a partir do vestibular
Geografia (IBGE)", 20% das vagas para estudantes vindos das escolas públicas.
Quanto aos indígenas, para as demandas intermediadas pela Funai, inicialmente
5 vagas em 2005 e 2006, com ampliação em 2008 e 2009, chegando a
10, posteriormente.230
alterações nos vestibulares. Agora este concurso compreederia duas fases e somente
na segunda fase é que se aplica o sistema de cotas. Nessa fase a Resolução prevê
seja ele cotista ou não, bem como a criação de um Programa de Avaliação, Observação
a auto-declaração.
quem “as ações sociais são concretamente realizadas pelos indivíduos, mas as
sociedade paranaense.
realizada, em 2006, por Marcilene Lena Garcia de Souza, uma pesquisa entre os
estudantes da UFPR, que contou com a aplicação de um questionário a 627
melhoria da situação profissional atual; 100% deles desejam fazer uma pós-
graduação, são mais favoráveis à cotas para negros na UFPR; afirmam em maior
explicitam em sala, muitas vezes, que são contrários a entrada de negros na UFPR
pelo programa de cotas; consideram que o tema das cotas" não tenha sido debatido
em sala na variável "muitas vezes". De modo geral, 67% dos alunos nunca
50% consideram mais justo cotas na UFPR apenas para escola pública e não para
negros (pretos e pardos) estão mais presentes nos cursos de contábeis, medicina,
pedagogia, Engenharia civil, Direito, Farmácia e com índices de evasão muito baixos
e no mesmo patamar da média que os alunos de cotas sociais; tem IRA – Índice de
Rendimento Anual próximos daqueles que ingressaram pala forma tradicional ou por
do plano.
vigentes.
Pode-se citar ainda a Lei Federal n.º 8.112/90, que prescreve, no Art.5º, §
2º, cotas de 20% para portadores de deficiência no serviço público civil da União; na
mesma esteira, existe a Lei n.º 8213/91, que prescreve, em seu Art.93, cotas para
Legislação Eleitoral Brasileira, a Lei n.º 9.504/97, que prescreve, em seu Art. 10,
destacar que em pesquisa realizada junto ao STF, pelo autor desta dissertação,
diferentes diplomas.
ensino superior.
O Estado brasileiro foi injusto e negligente em relação às condições de
constitucional todos devem ter acesso aos bens e serviços, e este acesso deve ser
234 AMORIM, Pierre Souto Maior Coutinho. Dentro da lei: sistema de cotas para beneficiar negros é
constitucional. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/static/text/57688,1>. Acesso em: 14 jul. 2008.
154
pelo IBGE, pois, poderia qualquer pessoa de pele mais escura afirmar-se negro em
raça negra que o preconceito racial afasta o risco de auto-afirmações raciais falsas,
sendo assim, o critério voluntário é o que traria a lume a identidade cultural do negro.
Uma discussão sobre a questão da reserva de cotas está na Ação
decisão do TRF da 4.a Região, que suspendeu a liminar concedida pelo juízo, Autos
n.o 2004.04.01.0546758/Pr:
Suspensa a liminar concedida, não tendo valor jurídico até ulterior decisão,
visto que o Pedido de Suspensão de Liminar protocolado no TRF-4 foi
vencedor em despacho do Excelentíssimo Senhor Presidente que deferiu o
pedido para autorizar a Universidade Federal do Paraná manter o Programa
de Plano de Metas para Inclusão Social e Racial na UFPR, entendendo que
a Universidade podia, sim, estabelecer o Plano de Metas questionado pelo
Procurador da República em Guarapuava, por certo a questão da
inconstitucionalidade fica superada para permitir a continuidade do
Processo Seletivo naqueles moldes.
critério político, que não cabe ser deduzido no campo do Poder Judiciário e,
sobretudo, sem qualquer espécie de aprofundamento anterior a respeito das
razões que levaram à instituição da referida política [grifo sublinhado no
original]
E, finalmente, com esses e outros fundamentos inscritos no documento, o
MPF do Paraná requer:
"Diante do exposto, O Ministério Público Federal, pelo Procurador da República
abaixo assinado, requer mui respeitosamente a Vossa Excelência que reconheça
a inexistência desta demanda, extinguindo o feito sem apreciação do mérito,
por ausência de pressuposto processual de existência (Art. 267, inc. V do
CPC), já que a peça inicial não foi apresentada – nem foi nem será ratificada –
por este órgão do Ministério Público Federal." [grifo da procuradora]
argumento que não compreenda a dimensão e a importância que essa política tem
traz à colação:
157
ordenamento jurídico porque, ainda que às questões das Ações Afirmativas sejam
236 BARROSO, Luiz Roberto. A interpretação e aplicação da Constituição. 6.ed. São Paulo:
Saraiva, 2004. p.177.
159
em consideração.
ser paga, e a melhor forma que se apresenta na atualidade é por meio das Ações
237 MALISKA, Marcos Augusto. Análise da constitucionalidade das cotas para negros em Universidades
Públicas. In: DUARTE, Evandro C. Piza; BERTÚLIO, Dora Lúcia de Lima; SILVA, Paulo Vinícius
Baptista (Coords.). Cotas raciais no ensino superior: entre o jurídico e o político. Curitiba:
Juruá, 2008. p.57.
161
negra não impediu que ele fosse generosamente celebrado em tese, prosa
e verso. Racionalizando as idéias de Gilberto Freyre, Darcy Ribeiro afirmou:
'No Brasil, a mestiçagem sempre se fez com muita alegria' [...] No Brasil,
permaneceu tudo igual e vieram os sustos das feias estatísticas que
desenham o quadro da desigualdade racial. [...] a USP realizou um censo
étnico entre seus 30.000 estudantes de graduação e constatou que há
apenas 1,3% de negros. Para desenhar a extensão do mal, cabe lembrar
outras estatísticas que já mencionei aqui. Nas 250 dioceses do país há
16.000 padres, dos quais 12.000 são brasileiros. Desses, menos de 1.000
são negros ou mulatos. [...] O que não dá mais é continuar no Brasil coma
política grotesca do 'deixar estar como está para ver como é que fica'.238
Outros dados são alarmantes, como, por exemplo, aqueles fornecidos pelo
IBGE: 45% da população brasileira forma a comunidade negra, desse total 18% é
Art. 3.o, inc. IV. Sobre o assunto manifestou-se o STF no caso Ellwanger (HC
argumenta que esse está ligado com o segundo grupo, pois, visa oportunizar que o
segmento seja contemplado com a identificação social digna, quer dizer, a CF/88
procura formas para que o reconhecimento seja concluído com políticas públicas
preservar o pluralismo, conforme Art. 3.o da CF/88, vale dizer, "o índio tem direito de
163
ser índio e o negro de ser negro"241. Para isso é preciso criar formas de assegurar
condições aos negros e índios para competirem com igualdade nas áreas tidas
igualdade material, "trata-se, agora, de uma igualdade através da lei, uma igualdade
que é buscada pela lei por meio da regulação diferenciada das situações desiguais".
Para ele, a "igualdade jurídica abstrata é substituída pelo inverso desta afirmação e
por diante.
tucional, sendo assim, as Ações Afirmativas de inclusão racial, mais uma vez
social e racial. Ademais, esse plano foi construído com o apoio incondicional de
marcos da adoção desse sistema foi o julgamento no TRF 4.a Região que suspendeu a
liminar concedida pelo juízo de 1.a instância, firmando assim jurisprudência, autos
n.o 2004.04.01.0546758/PR. O presidente daquela Corte entendeu [...] que a UFPR
teria autonomia administrativa, como lhe confere a Constituição Federal no Art. 207
jurisdição superior e traçar política geral da Universidade. Tal dispositivo deve ser
interpretado em conjunto com o Art. 53, "Que dispõe sobre o exercício da autonomia
E com base no Art. 22, XXXIV da Lei n.o 9394/96 (Lei de diretrizes e Bases
da Educação).
Federais.
considerar que a função das Ações Afirmativas é tratar de modo distinto pessoas
CONSIDERAÇÕES FINAIS
dessas medidas. Nesse processo, constata-se que a vontade política dos seus
determinante não apenas para a adoção do sistema de cotas, mas também para sua
legitimação como instrumento de ação universitária.
167
para que o programa se fortaleça e assuma dimensões cada vez mais amplas.
Vale notar que até o presente momento não foram estabelecidas regras para
à educação.
(negros e pardos). Mas o maniqueísmo nesses meios está sempre presente e para
citar alguns argumentos contrários temos: "O Brasil vai viver um conflito racial"; "no
vestibular o que vale são os méritos dos candidatos"; "a entrada de negros nas
inconstitucionais".
houve por parte dos governantes, uma indisfarçável preferência em prol dos
imigrantes europeus. Passadas várias décadas, as condições de miséria, abandono
novas regras e princípios foram admitidos em nosso ordenamento jurídico, bem como
discriminatórias.
uma igualdade formal positivada, deve-se almejar uma isonomia material para que
tribunais brasileiros.
para a diversidade.
medidas a serem aplicadas nas universidades não podem se utilizadas como uma
assim, a intenção foi realizar uma pesquisa no sentido de criar mecanismos atuais
políticas públicas de inclusão social e racial. De resto, tinha-se presente que o tema
Democrático de Direito.
incentivam a sua adoção por entenderam que, em todos os Estados onde são
devem vir associadas a outras medidas de cunho social, universalistas, bem como,
da Igualdade.
171
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