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Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, v. 33, n.

3, 3304 (2011)
www.sbfisica.org.br

Oscilações de relaxação e suas aplicações - I


(Relaxation oscillations and their applications - I)

R.L. Viana1
Departamento de Fı́sica, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil
Recebido em 2/7/2010; Aceito em 16/6/2011; Publicado em 5/10/2011

Oscilações de relaxação são mantidas por uma influência externa constante e apresentam duas escalas de
tempo diferentes (lenta e rápida). Elas têm propriedades diferentes das oscilações pendulares que, para peque-
nas amplitudes, reduzem-se às oscilações harmônicas. Neste primeiro trabalho apresentamos as diferenças entre
oscilações pendulares e de relaxação, mostrando exemplos ilustrativos de aplicações de oscilações de relaxação
em um sistema mecânico (vaso de Tântalo) e num circuito elétrico.
Palavras-chave: oscilações de relaxação, oscilações não-lineares, oscilações auto-sustentadas.

Relaxation oscillations are maintained by a constant external influence and present two different timescales
(fast and slow). They have properties different from the pendular oscillations which, for small amplitudes, re-
duce to harmonic oscillations. In this first paper we present the differences between relaxation and pendular
oscillations, showing illustrative examples of application of relaxation oscillations in a mechanical system (Tantal
vase) and an electric circuit.
Keywords: relaxation oscillations, nonlinear oscillations, self-sustained oscillations.

1. Introdução

Oscilações de relaxação são entretidas graças à ener-


gia fornecida continuamente de uma fonte. Elas apa-
recem em inúmeros sistemas fı́sicos e biológicos. Uma
caracterı́stica comum a todas as oscilações de relaxação 000000
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é a existência de duas escalas de tempo: uma escala 000000
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“lenta”, durante a qual pouco acontece no sistema (em
termos de variação de alguma quantidade), e uma escala Figura 1 - Figura esquemática de um monjolo.
“rápida”, durante a qual grandes mudanças são produ-
zidas. Um exemplo bastante familiar de oscilações de
O movimento da haste do pilão é uma oscilação de
relaxação é o monjolo, uma das mais antigas máquinas
relaxação essenciamente por repetir-se a intervalos de
rurais da Humanidade, e bastante comum em sı́tios e tempo constantes (ou seja, é um movimento periódico),
chácaras no Brasil. Ele consiste de uma haste de ma- mas também por exibir duas escalas de tempo: a
deira onde uma das pontas está ligada a um pilão, “lenta”, enquanto o cocho vai sendo preenchido com
enquanto a outra é trabalhada na forma de um re- água, e a “rápida”, enquanto o cocho é esvaziado e o
ceptáculo (chamado “cocho”) que recebe água de uma pilão desce. Há outras caracterı́sticas comuns às os-
calha de forma contı́nua (Fig. 1). Enquanto a água cilações de relaxação que podemos exemplificar com
vai preenchendo o cocho, a haste com o pilão na outra o monjolo. A amplitude das oscilações é fixada pelas
ponta vai lentamente se inclinando para cima devido ao próprias caracterı́sticas do monjolo, como o tamanho da
atrito sobre o eixo. Quando o cocho atinge uma certa haste e a forma com que o cocho foi cavado na haste. A
altura, a água nele contida verte rapidamente e o ou- amplitude é portanto bastante difı́cil de modificar por
tra ponta da haste com o pilão desce também de forma meio de intervenções externas. Já o perı́odo depende
rápida. O impacto do pilão pode ser usado para socar essencialmente do fluxo de água que vem da fonte, pas-
grãos como milho, arroz ou amendoim. sando pela calha. Se o fluxo de água pela calha for
1 E-mail: [email protected].

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diminuido, fechando parcialmente a entrada da calha cilações de relaxação em livros didáticos elementares
por exemplo, o cocho é preenchido mais lentamente, é que tais oscilações são intrinsecamente não-lineares,
e o perı́odo do movimento do monjolo será maior (ou ao contrário das oscilações pendulares, que podem ser
seja, ele oscila mais “lentamente”). Caso desobstrua- descritas de forma aproximada por equações lineares. O
mos a calha, permitindo a entrada de um fluxo maior objetivo principal desse artigo é dar ao leitor elemen-
de água, o perı́odo pode ser aumentado para um valor tos básicos identificar as principais caracterı́sticas de
desejado. oscilações de relaxação, assim como fornecer uma idéia
Por outro lado, os profissionais e estudantes de fı́sica da ampla gama de aplicações que estas possuem. A pre-
estão mais acostumados a trabalhar com outro tipo de paração fı́sica para compreender os argumentos teóricos
oscilação, que podemos chamar de pendular, e cujo pa- envolvidos resume-se à fı́sica básica, e a parte ma-
radigma é justamente o pêndulo sı́mples: uma massa temática é totalmente compreensı́vel a nı́vel do Cálculo
puntiforme suspensa por um fio. Fazemos um pêndulo Diferencial e Integral que é visto no segundo ano do
oscilar inclinando a massa presa ao fio em relação à sua curso de fı́sica.
posição de equilı́brio de um certo ângulo, que deter- A estrutura desse artigo é a seguinte: na Secão II nós
mina a amplitude das suas oscilações. Podemos mudar discutiremos qualitativa e quantitativamente um sis-
facilmente a amplitude das oscilações simplesmente co- tema mecânico (vaso sifonado ou vaso de Tântalo) que
locando a massa mais ou menos inclinada em relação à exibe oscilações de relaxação. Na seção III abordaremos
vertical. O perı́odo das oscilações do pêndulo, no en- um exemplo na eletricidade (circuito com lâmpada de
tanto, não é tão fácil assim de variar. Sabemos que, neônio). As similaridades entre os sistemas mecânico e
para pequenas oscilações de um pêndulo sı́mples, o elétrico e as suas diferenças com oscilações pendulares
perı́odo é proporcional à raiz quadrada do comprimento são discutidas na seção IV. Na seção V abordaremos o
do fio dividido pela aceleração da gravidade. Ou seja, papel de um forçamento periódico sobre oscilações de
o perı́odo que é determinado por parâmetros cuja mu- relaxação, comparando-as com as oscilações pendula-
dança é difı́cil, ao contrário da amplitude. Finalmente, res. A última seção é dedicada às nossas conclusões.
no movimento do pêndulo encontramos uma única es-
cala de tempo, que é determinada pela frequência de
2. O vaso de Tântalo
suas pequenas oscilações.
O termo “oscilação de relaxação” vem do fato que O vaso de Tântalo, ou vaso sifonado, é um dos ex-
seu perı́odo é essencialmente determinado dado pela es- perimentos demonstrativos mais antigos da fı́sica, en-
cala de tempo lenta (o pilão do monjolo cai muito mais contrado em diversos museus de instrumentos antigos
rapidamente do que enquanto seu cocho é preenchido (Fig. 2). Ele é baseado no princı́pio do sifão, e é um
de água, por exemplo). Em certos circuitos eletrônicos, dos sistemas fı́sicos mais simples que exibem oscilações
por exemplo, essa escala de tempo representa o car- de relaxação [12]. Vertemos continuamente água para
regamento de um capacitor, e por isso o perı́odo da dentro do vaso até que o nı́vel d’água atinja o ponto
oscilação é proporcional à constante de tempo do cir- mais alto do sifão, após o que este passa a descarregar
cuito, também chamada tempo de relaxação. O estudo a água até que o nı́vel chegue até a entrada do sifão. O
sistemático das oscilações de relaxação iniciou-se com sifão pára de funcionar e o vaso volta a ser preenchido
os trabalhos de Balthazar Van der Pol na década de até o processo repetir-se. Desta forma o nivel d’água
1920 [1], e forneceu motivação para investigações pionei- apresenta oscilações cuja amplitude é constante (deter-
ras da teoria dos sistemas dinâmicos [2–4]. Oscilações minada pela diferença entre os nı́veis mais alto e mais
de relaxação continuam sendo uma área de intensa pes- baixo do sifão) mas com um perı́odo que pode variar
quisa teórica e experimental, principalmente nas suas aumentando ou diminuindo a vazão de água que verte
múltiplas aplicações a problemas na fı́sica [5–7], enge- de uma torneira.
nharia [8], fisiologia [9], e mesmo na economia [10].
Oscilações de relaxação são, portanto, bastante dife-
rentes das oscilações pendulares, e ocorrem em diversos
problemas fı́sicos e biológicos de importância. É curioso
o fato da maioria dos livros didáticos contemporâneos
a nı́vel elementar não tratar de modo suficientemente
preciso e/ou motivante as oscilações de relaxação, em
detrimento das não menos importantes oscilações pen-
dulares (em mecânica e eletricidade). Isso não se veri-
fica, porém, em textos didáticos mais antigos, especial- Figura 2 - Ilustração antiga de um vaso de Tântalo usado em
demonstrações experimentais.
mente aqueles de autores franceses [5–7]. Além disso,
vários artigos em revistas especializadas têm abordado O termo vaso de Tântalo refere-se à incapacidade do
oscilações de relaxação há várias décadas [11–16]. Uma vaso de ser totalmente preenchido devido à sifonação, e
justificativa possı́vel para a ausência de menções a os- remete-nos à Mitologia Grega, segundo a qual Tântalo
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era um rei da Lı́dia (ou talvez da Frı́gia), filho do


próprio Zeus com a princesa Plota. Tântalo teria come-
tido um crime terrı́vel, ao testar a onisciência dos deu-
ses servindo-lhes a carne do próprio filho num banquete. 1
Como castigo, Tântalo teria sido enviado pelos deuses h
A
ao Tártaro (inferno mitológico) e preso num lugar abun-
dante em vegetação e água. No entanto, sua pena con-
h
sistia em não poder saciar sua fome e sede, visto que, ao
aproximar-se da água esta escoava e, ao erguer-se para h
B

colher os frutos das árvores, os ramos moviam-se pra 2


h=0
longe de si [17]. Deste mito surgiu também a expressão
suplı́cio de Tântalo [18]. Figura 3 - Esquema de um vaso de Tântalo.
A história do vaso de Tântalo confunde-se com a
do próprio sifão. Desenhos encontrados em tumbas ShA
egı́pcias mostram que sifões já eram empregados por ∆T ′ = . (2)
Q
volta de 1500 AC para escorvar água e outros lı́quidos
Escorvamento pelo sifão: Durante essa fase o sifão
de vasos cerâmicos [12]. Acredita-se, no entanto, que o
provoca o esvaziamento do vaso, pois o fluxo de água
sifão possa ter sido inventado muito antes disso na Me-
que sai pelo sifão, denotado por q, é maior que o fluxo
sopotâmia. Os principios fı́sicos de funcionamento do
de água fornecido pela torneira (q > Q). Nesse caso te-
sifão foram enunciados por Heron de Alexandria em sua
mos um fluxo lı́quido q − Q, já que a torneira continua
famosa obra Pneumática [19]. A relativa estabilidade
tentando encher o vaso. No entanto, o fluxo do sifão
da sua operação fez com que os vasos de Tântalo fos-
q nao é constante mas varia com a altura da água no
sem empregados como relógios d’água no Império Ro-
vaso. Isso que pode ser constatado aplicando a equação
mano. Apesar da sua simplicidade, os sifões ainda são
de Bernoulli a dois pontos na Fig. 3, denotados por
bastante usados no nosso cotidiano, principalmente em
1 e 2, um deles no nı́vel d’água do vaso e outro na
pias e descargas de vasos sanitários. Além disso, o vaso
extremidade inferior do sifão [21]
de Tântalo está no princı́pio de functionamento do ex-
trator de Soxhlet na quı́mica [20]. 1 1
p1 + ρv12 + ρgy1 = p2 + ρv22 + ρgy2 , (3)
2 2
2.1. Modelo matemático do vaso de Tântalo onde p1 = p2 = p0 é a pressão atmosférica, ρ a densi-
dade da água, g a aceleração da gravidade, e y a altura
Na Fig. 3 representamos esquematicamente um vaso
da coluna d’água em relação ao nı́vel de referência si-
de Tântalo, que consiste numa cisterna cuja área da
tuado na extremidade inferior do sifão. Denotaremos
seção reta é S, sendo alimentada por uma torneira que
por v2 = u a velocidade com que a água escorre do
verte água à uma vazão uniforme Q. A altura da coluna
sifão, e supomos que a velocidade no nı́vel d’água seja
d’água na cisterna, em relação a um nı́vel de referência,
desprezı́vel (v1 ≈ 0), o que é aceitável se o volume da
é denotada por h. No fundo do vaso temos a entrada
água contida no vaso for muito superior ao contido no
do sifão na forma de um tubo em U invertido, cuja área
tubo em U, e a água que vem da torneira chega ao
da seção reta é s, e cuja extremidade inferior projeta-se
nı́vel d’água com velocidade desprezı́vel. Como y1 = h
até o nı́vel de referência (h = 0). As distâncias verticais
e y2 = 0, devido à escolha que √ fizemos para o nı́vel de
entre a parte mais alta e a parte mais baixa do sifão,
referência, segue-se que u = 2gh, que é simplesmente
em relação à entrada do sifão (no fundo do vaso), são
a equação de Torricelli [21]. Já que o fluxo de água na
indicadas por hA e hB respectivamente. Supomos, por
extremidade inferior do sifão é dado por (área da seção
simplicidade, que a água verte da torneira de forma a
reta) × (velocidade), temos que
não transmitir uma quantidade apreciável de momen-

tum linear para a água já contida no vaso. q(h) = su = s 2gh. (4)
Preenchimento do vaso. Durante essa fase o sifão
não opera, e o nı́vel d’água no vaso sobe devido ao Como a altura h do nı́vel d’água no tubo varia com
fluxo de água da torneira. Lembrando que (vazão) = o tempo, tanto no preenchimento do vaso como na sua
(volume)/(tempo) teremos escorva pelo sifão, assim também o fluxo de saı́da varia
entre um valor máximo e um mı́nimo dados, respecti-
Q vamente, por
h(t) = hB + t, (1) √
S
qmax = q(hA + hB ) = s 2g(hA + hB ), (5)
mostrando que o nı́vel d’água cresce linearmente deste √
qmin = q(hB ) = s 2ghB . (6)
seu valor mı́nimo hmin = hB até o nı́vel máximo
hmax = hA + hB , ponto onde o sifão começa a agir. Desprezando a velocidade do nı́vel d’água em
O tempo de preenchimento é, pois, dado por relação à velocidade da água na saı́da do sifão, podemos
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considerar o fluxo lı́quido no sifão como sendo dado por contribuição do termo logarı́tmico na Eq. (12) é aproxi-
q(h) − Q [11]. Escrevendo a definição de vazão numa madamente 23 vezes menor que a contribuição do termo
forma diferencial (V é o volume de água no vaso) temos que supõe apenas o esvaziamento pelo sifão; e pode ser
desprezado sem problemas.
dV Sdh
− =− = q(h) − Q, (7) A equação que descreve a evolução do nı́vel d’água
dh dt h(t) no vaso durante seu esvaziamento pode ser obtida
onde o sinal negativo na derivada indica que o volume a partir do mesmo raciocı́nio que usamos para a de-
d’água diminui com o passar do tempo, de forma que, terminação do tempo de escorvamento. Integrando a
sendo a derivada ela mesma negativa, o fluxo lı́quido Eq. (7) entre os nı́veis máximo (hA + hB ) e h(t), e fa-
q(h) − Q continue sendo positivo. zendo a mesma substituição de variáveis anterior, che-
O tempo de escorvamento ∆T ′′ nesse caso pode ser gamos à equação
obtido integrando-se a Eq. (7) S { √ √
∫ hB t= 2 − 2gh(t) + 2g(hA + hB )−
s g
∆T ′′ = −
Sdh
, (8) [ √ ]}
hA +hB q(h) − Q Q s 2gh(t) − Q
∫ hB ln √ . (14)
dh s s 2g(hA + hB ) − Q
= −S √ , (9)
hA +hB s 2gh −Q Em vista, porém, do termo logarı́tmico ter sido mos-
onde usamos a Eq. (4). Fazendo a mudança de variável trado há pouco desprezı́vel em relação ao outro, pode-
√ mos negligenciá-lo aqui também. Fazendo isso, e iso-
x = s 2gh − Q obtemos
lando o nı́vel d’água, temos
∫ s√2g(hA +hB )−Q
′′
− 2
S 1 [√ sg ]2
∆T =
s g s√2ghB −Q
dx(x + Q) (10) h(t) ≈ 2g(hA + hB ) − t , (15)
2g S
S { √ √
= − 2 s 2ghB − s 2g(hA + hB ) (11) durante a fase de esvaziamento.
s g
[ √ ]}
s 2ghB − Q 2.2. Oscilações de relaxação no vaso de Tântalo
+ Q ln √ ,
s 2g(hA + hB ) − Q 80

que pode ser reescrita, em vista das Eqs. (5) e (6), 60


h (cm)

como
40
{ [ ]} (a)
S qmax − Q
∆T ′′ = 2 (qmax − qmin ) + Q ln . 20
s g qmin − Q 0
3,0
100 200 300 400
(12)
q (x 1000 cm /s)

2,5
3

Interpretamos fisicamente esse resultado da seguinte 2,0


forma: o termo proporcional a qmax − qmin representa 1,5
1,0
o tempo t′′ necessário para escorvar o vaso, supondo 0,5 (b)
que não esteja entrando água no mesmo. Já o termo 0
0 100 200 300 400
proporcional a Q representa o tempo necessário para t(s)
escoar a quantidade de água que a torneira acrescentou
ao vaso durante o intervalo de tempo t′′ . Figura 4 - (a) Oscilações do nı́vel d’água no vaso de Tântalo. (b)
Para estimar a importância de cada um destes Fluxo de água escorvada pelo sifão.
dois termos, vamos considerar o seguinte exemplo [11]: Na Fig. 4(a), obtida a partir dos mesmos parâ-
hA = 0, 25 m, hB = 0, 50 m, S = 5, 00 × 10−2 m2 ; metros usados para chegar na Eq. (13), mostramos a
s = 7, 07 × 10−4 m2 , Q = 1, 00 × 10−4 m3 /s, e evolução temporal do nı́vel d’água no vaso de Tântalo
g = 9,81 m/s2 . Para este conjunto de parâmetros te- para alguns ciclos de oscilação, levando em conta as
mos que o fluxo escorvado pelo sifão varia entre os li- Eqs. (1) e (15) que descrevem, respectivamente, o pren-
mites qmax = 2, 71 × 10−3 m3 /s e qmin = 2, 21 × 10−3 chimento e o escorvamento. As variações observadas do
m3 /s, da ordem de vinte vezes o fluxo de água que vem tipo “dente de serra” são caracterı́sticas das oscilações
da torneira. Para esse conjunto de parâmetros, as Eqs. de relaxação. O fluxo escorvado pelo sifão (Fig. 4(b))
(2) e (12) fornecem para os tempos de preenchimento e é nulo durante o preenchimento do vaso e varia com o
escorvamento, respectivamente, os seguintes resultados tempo durante o escorvamento da água.
As oscilações do nı́vel d’água têm amplitude (hA +
∆T ′ = 125s, ∆T ′′ = 5, 07s + 0, 22s ≈ 5, 30s, (13) hB ) − hB = hA e perı́odo
mostrando que o tempo de esvaziamento é cerca de 24 ShA S
vezes menor que o de preenchimento. Além disso, a T = ∆T ′ + ∆T ′′ ≈ + 2 (qmax − qmin ). (16)
Q s g
Oscilações de relaxação e suas aplicações - I 3304-5

Como ∆T ′′ ≪ ∆T ′ , podemos tomar o tempo de preen- uma interessante experiência demonstrativa em sala de
chimento como uma aproximação razoável do perı́odo aula, feiras de ciências, etc. [22].
das oscilações do nı́vel d’água no vaso de Tântalo. Uma
consequência importante é que as oscilações apresentam 3.1. Modelo matemático do circuito
duas escalas de tempo bem definidas: o preenchimento
do vaso ocorre lentamente, ao passo que seu escorva- O circuito com lâmpada de neônio, como oscilações de
mento ocorre rapidamente. Temos, pois, duas escalas relaxação em geral, apresenta duas escalas de tempo
de tempo: uma lenta (0 < t < ∆T ′ ) e outra rápida distintas, que podem ser tratadas separadamente: o
(∆T ′ < t < T ). carregamento “lento” do capacitor e a sua descarga
Observe que a amplitude das oscilações é definida “rápida” pela lâmpada de neônio. Denotamos a capa-
por parâmetros de construção do vaso de Tântalo, e citância, a resistência e a força eletromotriz da fonte por
cuja variação (caso necessária) seria bastante difı́cil, C, R, e E, respectivamente. As correntes no capacitor e
pois terı́amos de mudar a posição da dobra do tubo em na lâmpada são indicadas por iC e i, respectivamente,
U, ou então o ponto de entrada do sifão. Já o perı́odo, sendo V a tensão entre os terminais tanto da lâmpada
T ≈ ShA /Q, depende de um parâmetro cuja variação como do capacitor.
é mais fácil, no caso o fluxo de água fornecida pela tor- Carregameanto do capacitor. Enquanto a tensão nos
neira. terminais da lâmpada for inferior a V ′ esta não se acen-
derá e teremos um circuito RC. A evolução temporal da
carga nas placas do capacitor qC é descrita pela lei de
3. Circuito com lâmpada de neônio Kirchhoff na forma da seguinte equação diferencial

Outro sistema fı́sico interessante que apresenta os- dqC 1


R + qC = E, (17)
cilações de relaxação é um circuito elétrico composto dt C
de uma lâmpada de neônio ligada em paralelo a um ca- cuja solução é bem conhecida [23]
pacitor, o conjunto sendo ligado em série a um resistor ( )
e uma fonte de tensão DC (Fig. 5) [22]. A diferença qC (t) = CE 1 − e−t/τR , (18)
essencial desse sistema para um circuito RC convencio-
nal é o uso de um elemento resistivo não-linear, no caso quando, em t = 0, o capacitor encontra-se descarre-
a lâmpada de neônio. Pelas caracterı́sticas fı́sicas da gado, e τR = RC é a constante de tempo resistiva do
descarga elétrica no gás no interior da lâmpada, esta só circuito.
acende se a tensão entre seus pólos for superior a uma É conveniente supor que, em t = 0, a tensão entre
tensão de ignição V ′ , que é da ordem de 80 V. Além as placas do capacitor é igual a V1 , de tal modo que,
disso, a lâmpada se apaga se a tensão for menor que num instante t > 0, ela seja dada por
um valor V1 < V ′ , chamada tensão de extinção. [ ( ) ]
qC (t) V1
V (t) = =E 1− 1− e−t/τR . (19)
R C E
1111
0000
1111
0000

ic + i
ic i O tempo ∆T ′ de carregamento pode ser calculado fa-
zendo V (T ′ ) = V ′ , que é o valor para o qual a lâmpada
N
ε
C V
acende ( )
′ E − V1
∆T = τR ln ≡ k ′ τR , (20)
E −V′
Figura 5 - Esquema de um circuito elétrico com lâmpada de onde k ′ é uma constante pois depende unicamente de
neônio que exibe oscilações de relaxação. parâmetros nominais dos elementos do circuito.
Ligando-se a fonte de tensão no instante t = 0, esta Descarga do capacitor. Quando V = V ′ a lâm-
carrega o capacitor “lentamente” como num circuito pada se acende por conduzir corrente elétrica, curto-
RC convencional, desde que a tensão nos terminais da circuitando o capacitor e provocando a sua descarga.
lâmpada seja menor que a tensão de ignição (V < V ′ ), Como a resistência da lâmpada r é tipicamente muito
pois nesse caso a lâmpada não conduz corrente e está baixa comparada à do resistor (r ≪ R), podemos su-
em circuito aberto. Quando V = V ′ a lâmpada se por que a fonte de tensão permanece em circuito aberto
acende por conduzir corrente elétrica, o que faz com durante a descarga do capacitor (E ≈ 0). Nesse caso,
que esta descarregue o capacitor “rapidamente”, até como a corrente no resistor i + iC é praticamente zero,
que a tensão caia até o valor V1 para o qual a lâmpada temos que a corrente na lâmpada é aproximadamente
se apaga e o processo reinicia. O resultado é uma os- i = −iC . Aplicando novamente a lei de Kirchoff te-
cilação da tensão nos terminais da lâmpada de neônio mos, para a carga nas placas do capacitor, a seguinte
com amplitude V ′ − V1 e um perı́odo bem definido. O equação diferencial
fato da lâmpada piscar enquanto o capacitor se descar- dqC 1
rega em cada ciclo de oscilação faz este tipo de circuito r + qC = 0 (21)
dt C
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cuja solução é [23] V ′ = 80 V e V1 = 40 V, respectivamente, correspon-


dendo aos pontos A e B. A resistência da lâmpada,
qC (t) = qC (t = 0)e−t/τr , (22) sendo igual à inclinação local da curva caracterı́stica
onde τr = rC é a constante de tempo relativa ape- (ou seja, a derivada dV /di), será em geral diferente para
nas à resistência da lâmpada de neônio. Nessa dedução cada valor da corrente usada no circuito. No entanto,
supusemos implicitamente que r é constante. Essa su- nós trabalhamos apenas com o trecho da curva situado
posição, porém, embora admissı́vel para um resistor, entre os pontos A e B, para a obtenção de oscilações de
pode ser uma aproximação muito grosseira para um relaxação. A reta de carga correspondente a esse cir-
tubo de descarga elétrica. No entanto, o fizemos aqui cuito poderá ser traçada unindo a ordenada E = 90 V
com o objetivo de simplificar o tratamento matemático (fem da fonte de tensão DC) ao ponto A. A interseção
e enfatizar os princı́pios fı́sicos envolvidos. da reta de carga com a curva caracterı́stica é o ponto
A tensão entre as placas do capacitor, enquanto de operação P do circuito. A equação da reta de carga
V ′ ≤ V ≤ V1 , é dada por é
′ V (i) = E − ri, (26)
V (t) = V ′ e−(t−T )/τr
, (23)
onde r é a resistência interna média da lâmpada no
e o tempo de descarga ∆′′ pode ser estimado fazendo trecho compreendido entre os pontos A e B. Uma es-
V (T ) = V1 , que é o valor para a extinção da descarga timativa (um tanto grosseira, mas aceitável para este
na lâmpada. Obtem-se exemplo numérico) do seu valor pode ser feita tomando
( ′) o intervalo AB como um todo
′′ V
∆T = τr ln ≡ k ′′ τr , (24) ∆V V ′ − V1 40
V1 r≈ = = = 10 kΩ, (27)
′′ ∆i ∆i 4 × 10−3
onde k é uma outra constante. O perı́odo das os-
cilações do circuito é dado, pois, por o que fornece uma segunda constante de tempo capaci-
tiva de τr = rC = 0, 01 s.
T = ∆T ′ + ∆T ′′ = (k ′ R + k ′′ r)C. (25) As durações dos trechos correspondentes ao carre-
gamento do capacitor e sua descarga são dadas pelas
3.2. Oscilações de relaxação no circuito Eqs. (20) e (24) como
Vamos considerar o seguinte exemplo numérico: uma ( )
′ 90 − 40
fonte de tensão DC com força eletromotriz E = 90 V, k = ln = 1, 609, ⇒ ∆T ′ = 1, 609 s, (28)
90 − 80
uma resistor de R = 1 MΩ e um capacitor de C = 1 µF, ( )
′′ 80
o que dá uma constante de tempo capacitiva para o cir- k = ln = 1, 386, ⇒ ∆T ′′ = 0, 01386 s, (29)
cuito aberto (sem a lâmpada) de τR = RC = 1 s. A 40
especificação dos parâmetros para a lâmpada de neônio, o que identifica imediatamente as duas escalas de
por outro lado, é uma tarefa mais difı́cil, pois a mesma tempo: lenta (T ′ ) e rápida (T ′′ ≈ 0, 0086T ), de modo
é um elemento resistivo não-linear, ou seja, a relação que o perı́odo total
tensão-corrente não é linear como num resistor conven-
cional. T = ∆T ′ + ∆T ′′ = 1, 623 s, (30)
V(V)
é tão próximo de ∆T ′ , que este último pode ser tomado
ε como uma boa aproximação para o perı́odo T das os-
V’ A
1
0
0
10
1 11
00
cilações de relaxação da lâmpada de neônio, tal qual
VD 0
1 00
11
~
ponto de operaçao
fizemos no vaso de tântalo, aliás.
Os gráficos da tensão nos terminais da lâmpada e da
P
1
0
0
1 corrente pela mesma são mostrados na Fig. 7. Durante
curva o intervalo de carregamento do capacitor 0 ≤ t ≤ ∆T ′
1
0
´
caracteristica
V1 0
1
B
1
0
a tensão na lâmpada evolui desde 40 V até o ponto de
VB 0
1
ignição da lâmpada (80 V), e esta permanece apagada
reta de carga
(sem corrente). Atingido o ponto de ignição a lâmpada
i (mA) se descarrega rapidamente, provocando um pico de cor-
i i i
B ε /R i
E
rente, e fazendo a tensão nos seus terminais diminuir até
D C
o valor de extinção, após o que a lâmpada se apaga e o
Figura 6 - Figura esquemática da curva caracterı́stica e da reta processo recomeça. A duração da descarga da lâmpada
de carga para uma lâmpada de neônio, indicando seu ponto de é tão pequena que praticamente não se distingue a não-
operação e sua resistência interna média.
linearidade presente, o que também ocorre na corrente
A Fig. 6 mostra a curva caracterı́stica (tensão vs. pela lâmpada, que é nula praticamente todo o tempo,
corrente) de um tubo simples de neônio, para o qual es- com exceção dos picos (de duração ∆T ′′ ) para os quais
colhemos como tensões de ignição e extinção os valores a corrente não é zero.
Oscilações de relaxação e suas aplicações - I 3304-7

80
(a) cuito (elétrico
) é dado aproximadamente por (20) como
70 E−V1
τR ln E−V ′ , onde o termo no argumento do logaritmo

V(V)
60
50
depende de caracterı́sticas da lâmpada e não pode ser
40
facilmente alterado, como vimos. No entanto, a cons-
tante de tempo resistiva τR = RC pode ser facilmente
30
8 (b) alterada usando tanto um resistor variável (reostato)
i (10 A)

6 ou um capacitor variável (como o usado nos seletores


-5

4 de frequência dos aparelhos de rádio).


2 Além destas caracterı́sticas semelhantes, podemos
0 observar uma outra, bastante significativa: as oscilações
0 1 2 3 4 5 6 de relaxação, embora envolvam processos fı́sicos ineren-
t(s)
temente dissipativos nâo são amortecidas. No vaso de
Figura 7 - (a) Tensão nos terminais da lâmpada de neônio, e (b) Tântalo, por exemplo, o fluxo de água no sifão é influen-
corrente na lâmpada de neônio. ciado pela viscosidade da água, que corresponde a uma
perda de energia mecânica devido ao “atrito interno” do
escoamento. Entretanto, as oscilações do nı́vel de água
4. Oscilações pendulares e de relaxação em si não são amortecidas, já que há uma fonte cons-
tante de energia atuando no sistema, no caso o fluxo de
Vamos inicialmente comparar os dois exemplos de os- água que é continuamente fornecido pela torneira.
cilações de relaxação vistos nas seções anteriores: o
vaso de Tântalo (hidráulico) e o circuito com lâmpada Da mesma forma, embora haja resistências elétricas
(elétrico), para abstrair algumas das propriedades co- no circuito com a lâmpada de neônio, que levam a várias
muns a todas as oscilações de relaxação. Podemos con- formas de dissipação de energia potencial elétrica, as
siderar a pressão da água p(h(t)) no vaso de Tântalo oscilações da tensão nos terminais da lâmpada não são
como sendo o análogo na tensão V (t) nos terminais amortecidas, graças à tensão fornecida continuamente
da lâmpada de neônio, assim como o fluxo d’água pelo pela bateria. Logo, não faz sentido pensar em oscilações
sifão tem um comportamento semelhante ao da inten- de relaxação não-amortecidas ou não-forçadas: toda os-
sidade de corrente no circuito. A caracterı́stica essen- cilação de relaxação só existe pois há tanto uma fonte
cial do vaso de Tântalo é a existência de um sifão ope- de energia constante (fluxo de água da torneira, tensão
rando em duas alturas diferentes (em relação à saı́da proveniente da bateria) como um sumidouro de energia
do sifão): o nı́vel máximo hmax = hA + hB e o nı́vel (viscosidade da água, resistência elétrica). As oscilações
mı́nimo hmin = hB . Já no circuito elétrico é essen- de relaxação estacionárias, na verdade, aparecem de-
cial a existência das tensões de ignição V ′ e de extinção vido a uma espécie de equilı́brio dinâmico entre essas
V1 da lâmpada de neônio. Em ambos os casos a am- duas tendências conflitantes.
plitude das oscilações de relaxação é fixada por esses Estamos mais acostumados a ver oscilações do tipo
nı́veis máximo e mı́nimo, que são parâmetros carac- pendular, cujo protótipo mecânico é, naturalmente, o
terı́sticos do sistema e não podem ser facilmente altera- pêndulo sı́mples: uma partı́cula de massa m suspensa
dos, uma vez que referem-se a propriedades do aparato por um fio inextensı́vel e leve de comprimento ℓ. Des-
utilizado. Por exemplo, para alterarmos as tensões V ′ e prezamos tanto o atrito viscoso da partı́cula com o ar
V1 terı́amos que trocar a própria lâmpada usada no ex- como o atrito sobre o fio no ponto de suspensão. O
perimento; ao passo que no vaso sifonado terı́amos que ângulo entre o fio e a vertical é denotada por θ, e po-
mudar o tubo de lugar ou mesmo trocá-lo por outro de demos denotar a amplitude das oscilações por θ0 . Se
diferentes proporções. esta última for suficientemente pequena, sabemos que
Já o perı́odo nas oscilações de relaxação é arbitrário. o perı́odo das oscilações do pêndulo é dado, aproxima-
No vaso de Tântalo ele é dado aproximadamente por (2) damente, por
como ShA /Q, onde S é a área da seção reta do vaso, hA √
a altura máxima e Q a vazão da torneira. Enquanto as ℓ
T0 = 2π . (31)
duas primeiras são de difı́cil variação, a vazão na tor- g
neira é relativamente fácil de ser alterada. Dessa forma
o perı́odo das oscilações do nı́vel d’água pode ser ajus- Na aproximação de pequenas oscilações, o pêndulo é
tado de maneira razoavelmente arbitrária. Na verdade formalmente semelhante ao sistema massa-mola, que é
a vazão da torneira não é tão arbitrária assim: se for o paradigma de osciladores harmônicos. Nesse sistema

muito grande o sifão não é capaz de escorvar a água a frequência “natural” das oscilações é dada por k/m,
de forma rápida o suficiente para manter oscilações, e o onde m é a massa e k a constante elástica da mola. Já a
sifão operaria continuamente como uma tubulação con- amplitude das oscilações é determinada pela distensão
vencional. máxima da mola, e normalmente é uma das condições
Da mesma forma, o perı́odo das oscilações do cir- iniciais do problema.
3304-8 Viana

a b
(mais fácil) ou a indutância (mais difı́cil, implicando em
K colocar um núcleo ferromagnético no interior da bobina,
por exemplo). De modo geral, nas oscilações pendulares
C L o perı́odo é fixo, enquanto para oscilações de relaxação
ε ele é mais facilmente variado.
Outra diferença essencial consiste em que, nessa dis-
cussão que fizemos das oscilações pendulares, tivemos
Figura 8 - Um circuito LC. de deixar claras as hipóteses de que não havia per-
Um outro exemplo de oscilação pendular é o circuito das de energia (dissipação) e fontes de energia. Dito
LC, consistindo de uma bobina (indutor) e um capa- de outra forma, oscilações pendulares estacionárias só
citor associados em série com uma bateria (Fig. 8), a são possı́veis na ausência de dissipação, ou quando a
qual pode ser ligada ou desligada ao circuito por meio dissipação é compensada por uma fonte de energia.
de uma chave K. A capacitância e a indutância são Então faz sentido, para as oscilações pendulares, a clas-
denotadas, respectivamente, por C e L, enquanto E é a sificação usual entre oscilações livres, amortecidas, e
força eletromotriz fornecida pela bateria. Inicialmente forçadas; ao passo que, nas oscilações de relaxação, essa
posicionamos a chave na posição A indicada na Fig. 8 distinção deixa de ter significado.
e aguardamos até que as placas do capacitor estejam Com tantas diferenças entre oscilações pendulares e
totalmente carregadas com uma carga Q = CE. De- de relaxação, pode parecer que uma nada tem a haver
pois colocamos a chave K na posição B, desconectando com outra. No entanto, há sistemas fı́sicos que apresen-
a bateria do circuito, e monitoramos a tensão V entre tam, como situações-limite, tanto oscilações pendulares
as placas do capacitor. como de relaxação. O exemplo mais importante dessa
As placas do capacitor, em se descarregando com classe de sistemas é a famosa equação de van der Pol,
o tempo, geram uma corrente elétrica que passa pela que será o objeto da seção VI.
bobina, tal que a energia elétrica é convertida em
magnética e vice-versa, de modo que a tensão en-
tre as placas do capacitor oscila harmonicamente com
5. O efeito de uma perturbação perió-
frequência angular [23] dica
1 Além das diferenças vistas na seção anterior, outra dis-
ω=√ , (32)
LC tinção importante entre oscilações pendulares e de re-
e o perı́odo das oscilações, tanto da carga q(t) do capa- laxação diz respeito a seu comportamento ante uma
citor como da corrente i(t) na bobina, é dado por perturbação externa (ou “forçamento”) periódico no
tempo. Essa perturbação deve necessariamente atuar
2π √ sobre um dos fatores que influem sobre o perı́odo de
T = = 2π LC, (33)
ω uma oscilação de relaxação.
onde estamos desprezando as perdas de energia devido
h A2
à resistência elétrica dos fios e outras causas (como uma ∆h
A
possı́vel histerese no núcleo ferromagnético do indutor). hA0

∆h
Por que as oscilações do circuito LC são pendula- A
h
A1
res? Pois a amplitude das oscilações é determinada pela
carga inicial do capacitor q(0), a qual é facilmente va- h (t)
A

riada, pois depende essencialmente de quanto tempo


mantemos a chave K ligada: se esta ficar muito tempo
ligada, q(0) = CE, mas pode ser em princı́pio qualquer
valor menor que isto. Essa situação é análoga à liber-
dade que temos de dar uma amplitude arbitrária ao Figura 9 - Detalhe do sifão de um vaso de Tântalo onde o nı́vel
máximo d’água varia periodicamente com o tempo.
pêndulo. Em geral, nas oscilações pendulares a ampli-
tude é facilmente alterada, enquanto nas oscilações de Vamos, inicialmente, considerar esse tipo de per-
relaxação ela é praticamente fixa durante a realização turbação no vaso de Tântalo. Podemos imaginar uma
de um experimento, pela dificuldade em ser alterada. perturbação externa alterando periodicamente o nı́vel
Já o perı́odo das oscilações, tanto do pêndulo como máximo do sifão, o que é possı́vel adaptando um “trom-
do circuito LC, são funções de parâmetros difı́ceis de bone” à parte superior do sifão, que oscila tal que o nı́vel
serem alterados. No primeiro caso, terı́amos que au- máximo seja dado por hA (t) = hA0 − ∆hA sin(2πt/T0 ),
mentar ou diminuir o comprimento ℓ do fio (ou levar onde T0 é o perı́odo e ∆hA é a amplitude das oscilações
o pêndulo - e o resto do aparato - para um lugar onde do “trombone” (Fig. 9). Desta forma o nı́vel máximo
a aceleração da gravidade fosse significativamente dife- do sifão oscila entre o valor mı́nimo hA1 = hA0 − ∆hA
rente!). No circuito, terı́amos que alterar a capacitância e o máximo hA2 = hA0 + ∆hA .
Oscilações de relaxação e suas aplicações - I 3304-9

Vimos anteriormente que, para um nı́vel máximo do sistema a essa perturbação é tal que a frequência das
sifão fixo hA , o perı́odo das oscilações do nı́vel d’água é oscilações pendulares ω ajusta ao valor da frequência de
dado por ∆T ≈ ShA /Q. De forma semelhante, vamos excitação Ω ou a um dos seus harmônicos (múltiplos)
designar por ∆T1 e ∆T2 , respectivamente, os perı́odos nΩ, onde n é um inteiro positivo [7].
correspondentes aos nı́veis mı́nimo hA1 e máximo hA2 . Como a frequência é o inverso do perı́odo (ω =
Como o perı́odo depende essencialmente da altura do 2π/T ), isso significa que o perı́odo da oscilação pen-
nı́vel d’água no vaso, se este varia é natural que o dular se ajusta a um sub-múltiplo do perı́odo da força
perı́odo também se ajuste a essa variação. externa. Por exemplo, suponha que o perı́odo da os-
Como um exemplo, suponhamos que o perı́odo ∆T cilação do sistema massa-mola seja T0 = 2π/ω0 , e que
seja um pouco superior a 4T0 [7]. No instante inicial o o perı́odo da força externa seja T = T0 /n, onde n é
nı́vel máximo do sifão está na posição hA (0) = hA0 , e um inteiro positivo não-nulo. A interação da força ex-
nos instantes logo a seguir o nı́vel máximo está descendo terna periódica com o oscilador leva a um movimento
(hA (t) . hA0 ), e o sifão está escorvando o vaso. Após periódico cujo perı́odo é o do mais lento. Em geral, o
um intervalo de tempo t = 4T0 temos praticamente perı́odo do movimento resultante é o menor múltiplo co-
um perı́odo da perturbação externa: o nı́vel máximo mum dos perı́odos dos movimentos componentes, T0 /m
do sifão estará novamente em hA0 em movimento des- e T0 /n [7].
cendente, mas ainda não estará cheio. Quando estiver
cheio e se escorvar, o nı́vel máximo será um pouco infe-
rior a hA0 . Logo, para chegar a um novo preenchimento 6. Conclusões
do sifão e realizar a terceira escorvagem, o tempo ne-
cessário será um pouco menor que ∆T . Como ∆T foi Oscilações de relaxação ocorrem em vários sistemas
suposto um pouco maior que 4T0 , o tempo necessário fı́sicos e biológicos importantes, e caracterizam-se por
para a terceira escorvagem será mais próximo de 4T0 , terem uma amplitude fixa, ou difı́cil de ser alterada; ao
ou seja, o perı́odo da oscilação tende a se ajustar natu- passo que seu perı́odo é mais flexı́vel e pode ser facil-
ralmente a 4T0 . mente alterado. Nas oscilações de relaxação há sempre
duas escalas de tempo que, adicionadas, compõem o
No exemplo do circuito com a lâmpada de neônio,
perı́odo da oscilação: uma escala “lenta” e uma escala
podemos substituir a fonte de tensão contı́nua (bateria
“rápida”. Por esse motivo, as oscilações de relaxação
de fem constante E) por um gerador de tensão alter-
não podem ser caracterizadas por um único harmônico,
nada E = E0 + ∆E sin(2πt/T0 ), onde T0 é o perı́odo
ou modo de Fourier. Nas oscilações pendulares, mais
e ∆E é a amplitude das oscilações da tensão, com
familiares a estudantes e profissionais em fı́sica, a am-
um viés E0 . Vimos que o perı́odo das oscilações de
plitude é mais facilmente variável, enquanto o perı́odo é
tensão na lâmpada é dado, com boa aproximação, por
praticamente fixo, e consiste de uma escala de tempo, o
∆T = RC ln [(E − V1 )(E − V ′ )]. Logo, o perı́odo mu-
que permite sua representação por um pequeno número
dará conforme os valores instantâneos da fem do gera-
de modos, ou harmônicos.
dor, com valores extremos ∆T1 e ∆T2 correspondendo,
Devido à existência de mecanismos de injeção e dis-
respectivamente, aos nı́veis mı́nimo Emin = E0 − ∆E e
sipação de energia, que compensam-se mutuamente, as
máximo Emax = E0 + ∆E.
oscilações de relaxação não são amortecidas, no sen-
Como ilustração, seja o perı́odo da oscilação da
tido que damos habitualmente às oscilações pendulares.
tensão na lâmpada igual a um valor um pouco me-
Por outro lado, as oscilações de relaxação respondem
nor que 3T0 , onde T0 é o perı́odo da fem externa al-
de forma diversa a um forçamento externo harmônico:
ternada. Com o tempo, o perı́odo irá ajustar-se de
caso o perı́odo da oscilação de relaxação seja próximo
forma espontânea ao valor 3T0 . De forma geral, po-
(mas não igual) a um múltiplo inteiro do perı́odo do
demos dizer que, caso o perı́odo da oscilação de re-
forçamento externo, o perı́odo da oscilação ajustar-se-á
laxação seja próximo (mas não igual) a um múltiplo
a esse valor múltiplo. Por outro lado, nas oscilações
inteiro n = 1, 2, 3, . . . do perı́odo da perturbação ex-
pendulares é a frequência que se ajusta à frequência
terna, o perı́odo da oscilação ajustar-se-á espontânea
do forçamento externo (ressonância). Neste trabalho
e exatamente a nT0 .
procuramos motivar o interesse pelas oscilações de re-
A situação que descrevemos acima é radicalmente laxação, apresentando em detalhes dois exemplos fı́sicos
diferente em oscilações pendulares. Nelas, é a na mecânica (vaso de Tântalo) e na eletricidade (cir-
frequência, e não o perı́odo, das oscilações que ajusta- cuito com lâmpada de neônio).
se à frequência da perturbação externa periódica. Por
exemplo, consideremos um sistema massa-mola, √ cuja
frequência de oscilações naturais é ω0 = k/m, onde Agradecimentos
k é a constante elástica da mola e m é a massa. Vamos
considerar ainda uma força externa horizontal agindo Este trabalho foi realizado com auxı́lio financeiro do
sobre o sistema, variando periodicamente com o tempo CNPq, CAPES, e Fundação Araucária (Estado do Pa-
na forma F = F0 sin(Ωt). Sabemos que a resposta do raná).
3304-10 Viana

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