2021 - Os Nomes Da Placa - Com Andrea e Celso

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ANA CRHISTINA VANALI

ANDREA MAILA VOSS KOMINEK


CELSO FERNANDO CLARO DE OLIVEIRA
(organizadores)

1ª Edição
ANA CRHISTINA VANALI
ANDREA MAILA VOSS KOMINEK
CELSO FERNANDO CLARO DE OLIVEIRA
(organizadores)

OS NOMES DA PLACA:
A História e as histórias do monumento à
Colônia Afro-brasileira de Curitiba

CURITIBA
2021
EXPEDIENTE
SISTEMA FECOMÉRCIO SESC SENAC PR
Presidente: Darci Piana

SESC PR
Diretor Regional: Emerson Sextos
Diretora de Educação, Cultura e Ação Social: Maristela Massaro Carrara Bruneri

NÚCLEO DE COMUNICAÇÃO E MARKETING


Coordenador Geral: Cesar Luiz Gonçalves
Coordenador de Jornalismo: Ernani Buchmann
Assessora de Comunicação e Marketing do Sesc PR: Rosane Aparecida Ferreira Guarise
Revisão: Silvia Bocchese de Lima e Sônia Amaral
Projeto gráfico, capa e diagramação: Marcelo Simplicio

Impressão: Finaliza Editora e Indústria Gráfica Ltda - EPP.


Tiragem: 1500 exemplares.
“Há muitas histórias
Sobre meus avós
Que a História não faz
Questão de contar”
Carlos de Assumpção, “Meus avós” (2000)

Idoso anônimo. Curitiba, década de 1920


Fonte: acervo de Jorge Henrique Jacob

Esse trabalho homenageia a todos os negros e negras que construíram Curitiba.


Estamos às portas do centenário da abolição da escravatura
no Brasil, cem anos depois desse acontecimento pouca coisa
se alterou na situação de marginalização do negro e seus
descendentes no Brasil. É esta falsa abolição que permanece
como razão da luta para os negros e não negros, que possuam
consciência democrática e libertadora. A nossa luta é por
igualdade de oportunidades e valorização da cultura no
contexto histórico e estrutural do país.

Joaquim Luiz Cândido (APRONEGRO, 30/10/1987)

Levando-se em conta a condição atual do negro, à margem


do sistema, que lhe é imposta pelo duplo motivo de raça e de
pobreza, desta realidade é que nasce a necessidade urgente de
assegurar a própria existência do negro enquanto ser humano.
É tão relevante para o negro de hoje quanto para o de quatro
séculos atrás, no sentido de tratar de desfazer o efeito secular
da calúnia levantada contra o povo africano, e restaurar a sua
dignidade.

Joaquim Luiz Cândido (APRONEGRO, 03/05/1988)


PRESENÇA NEGRA DESDE A PRIMEIRA IMAGEM (Leo Fé)

Curitiba a cidade modelo


De cultura europeia
Ignorando que está em solo brasileiro
Construída pelas mãos escravas
De pele escura
Que não estão nas placas
Muito menos em molduras
Mas a Boca Negra não se cala
É a voz de um povo que resiste
Na capital embranquecida
Que finge que o negro não existe
Na primeira imagem da cidade
Datada em 1827
Debret pintou sua aquarela
Quem é a única pessoa que aparece
É o negro, é o negro sim senhor
Construindo a cidade que despreza seu valor

Jean-Baptiste Debret, cidade de Curitiba em 1827


PREFÁCIO
...... com orgulho, mas, sobretudo, com emoção.

O Movimento Negro Unificado (MNU) completou 40 anos de existência no ano de 2019. Enganam-se aqueles
que nos veem como instituição originária somente do contexto amplo dos anos de chumbo da ditadura militar, em
que a discriminação racial, a tortura e a morte se encontravam em confluência para o temor dos trabalhadores e das
trabalhadoras. O MNU deita as suas raízes em uma teia de acontecimentos históricos que vai muito, muito aquém do
período em que um conjunto de ativistas de várias organizações negras se reúne, em 1978, nas escadarias do teatro
municipal da cidade de São Paulo para lançar publicamente a nova face do movimento negro no Brasil.
A obra que tive a honra de conhecer ainda na fase de elaboração apresenta ao leitor mais do que o contato
com vivências alhures tatuadas em um passado aparentemente distante. Ela nos remete à reflexão sobre os elãs que
animam e tecem a nossa história social, com os significados e significantes da vida familiar nas comunidades e lares
da África, que não nos chegariam aos dias atuais não fossem as ressignificações produzidas desde a travessia do
Atlântico, como atestam Muniz Sodré, Paul Gilroy e outros pesquisadores e pesquisadoras.
Ao reconhecer aqui as memórias da gente preta que coadjuvou a construção da sociedade paranaense
a partir de meados do Século XIX, reconhecemos as nossas memórias vividas na consciência e na concretização
das nossas ações, ou “vividas por tabela”, como sugere o sociólogo austríaco Michael Pollak. As “breves narrativas
biográficas, parte das vidas dos(as) 68 homenageados(as)”, colhidas pelas autoras entre mulheres negras e homens
negros bem poderiam ser as do nosso pai, nossa mãe, dos nossos avôs, avós, bisavôs, bisavós... independentemente
do espaço geográfico definido ao sul do Brasil, ao sul da América. São fragmentos de histórias que, justapostos
conforme a conveniência de quem assume o seu protagonismo, potencializam a recriação autônoma da história
política, econômica e cultural da ocupação do Paraná. E, se assim nos determinássemos, essa possibilidade seria
replicada em todos os cantos por onde o desenvolvimento do Ocidente foi fomentado à custa do nosso sangue.
As homenageadas e homenageados neste livro, que marcarão as representações sobre a constituição da
história local, revelam trajetórias que se repetem por toda a diáspora afro-americana, traduzidas na perspectiva
de superação da violência física, psíquica e simbólica infringida pelo projeto europeu de dominação colonial
e escravista. Memórias individuais como a de Enedina Alves Marques, filha de empregada doméstica, primeira
engenheira negra do Paraná e do Brasil, certamente guardam similitudes com as nossas próprias memórias. Ou,
a partir delas, granjeia-se refletir sobre o intenso processo de resistência que caracteriza os povos que, mesmo
transformados e transformadas em cativos e cativas, foram fortes para reestruturar-se em novos experimentos de
base cultural e espiritual no contexto diaspórico.
O acervo fotográfico que guia a exploração dessas memórias e reflexões revela de barbeiros a militares de
alta patente, médicos, advogados, economistas, engenheiros (com destaque para os irmãos Rebouças), professores
da educação básica e do ensino superior... são imagens de profissionais liberais, de atletas, artistas de cinema,
televisão, teatro e música; poetas, servidores públicos de carreira, ativistas políticos, militantes do movimento negro
e de outros movimentos sociais, políticos de mandato, sacerdotes e sacerdotisas – como a Dona Jacyra, dedicada à
umbanda, ou como a Iyagunã Dalzira, autodidata cuja dissertação de mestrado discute os saberes do candomblé na
contemporaneidade.
Um dos aspectos que mais motiva a curiosidade do olhar sobre as memórias individuais e coletivas que dão
a base de sustentação de sonhos e conquistas desses paranaenses frente à infâmia do racismo, que ofuscou, mas
não impediu que prosperasse a presença negra naquele estado do Sul, é a capacidade de recriar e fortalecer os seus
laços familiares.
A despeito de uma vasta literatura, sobretudo, no campo da sociologia e da historiografia, que nos levou
a acreditar por muito tempo na inexistência de famílias negras durante o cativeiro, identifica-se na Colônia Afro-
Brasileira de Curitiba o peso da referência dos seus protagonistas aos valores herdados, por transmissão dos
antepassados e das antepassadas, de indignação e luta pela sobrevivência física, liberdade e ocupação dos espaços
sociais.
Essas lutas impulsionaram a criação de múltiplas formas de organização da resistência negra durante a
escravatura e no período pós-abolição (1888 – anos 1930), contra o mal impregnado no empreendimento colonial.
O mal que se expressava, de uma parte, na destruição de famílias no Continente Africano, pelas redes do tráfico
transatlântico instituídas para este fim, e de outra parte pelo exercício voluntário de crueldades imprimido pelas
famílias proprietárias de plantéis de escravos e escravas nas Américas, como descrito na obra de Gilberto Freyre,
entre outros autores.
Das formas de organização da resistência das famílias negras contra o mal fomentado pela mentalidade
colonial, despontam os canais políticos de comunicação à sociedade das suas dinâmicas próprias de vivência no
ambiente diaspórico. Assim surgem, na esteira das confrarias e das comunidades de terreiros, soerguidas ainda no
período escravocrata, a Casa do Engenho Velho, em Salvador, Bahia, e outras comunidades de Egbé pelo Brasil afora;
o movimento abolicionista; a imprensa negra e os clubes negros, em escopo nacional, de onde derivará a Frente
Negra Brasileira, perseguida e extinta na Era Vargas.
Mais próximo de nós estão os acontecimentos que levaram à criação das “novas” entidades negras que vêm
compor o movimento negro contemporâneo. O MNU, com as injunções políticas festejadas à época pela esquerda
concebida nos princípios da filosofia e teoria do materialismo dialético, impulsionará o surgimento de entidades
como o Grucon – Grupo União e Consciência Negra, aqui referido em depoimentos.
Em todas as experiências de resistência à ordem escravocrata e ao racismo, que atravessam dezenas de
gerações de mulheres negras e homens negros diasporizados, as “famílias negras”, como refere Oliveira (2016)
em Famílias Negras Centenárias: Memórias e Narrativas, foram decisivas para recompor o espaço de convivência
comunitária comum, onde se podia compartilhar em segurança os sonhos de se produzir uma vida livre, adjetivada
pelo cultivo da ternura, da coragem, da ousadia para o enfrentamento da violência colonial e do racismo. Parece-
me ser esta a essência contida nas falas dos personagens e dos interlocutores e interlocutoras de suas sagas,
recapituladas nas páginas que se seguem, com orgulho, mas, sobretudo, com emoção.
Deve-se considerar, enfim, que esse livro servirá de estímulo para a captura de outras tantas histórias que
devotem às gerações presentes e futuras as justas referências ao nosso passado de lutas, e não de subjugação. Uma
evidência de que o projeto eurocêntrico fracassou está aqui, na afirmação dos afro-paranaenses. Cabe-nos, então,
prosseguir no caminho que vimos trilhando, ampliando a nossa consciência até a vitória que exigem os nossos
antepassados: a restituição da ontologia afrocentrada, do nosso próprio ethos civilizatório, quiçá como anteparo a
esses tempos lúgubres que enclausuram a nossa esperança e ameaçam consumir o nosso futuro.

IÊDA LEAL 

Coordenadora Nacional do MNU


Coordenadora do Centro de Referência Negra Lélia Gonzales
Secretária de Combate ao Racismo da CNTE
Tesoureira do Sintego
Conselheira do Conselho Estadual de Educação – CEE/GO
Vice-presidenta da CUT – Goiás
Conselheira Nacional dos Direitos Humanos – CNDH
Goiânia, verão de 2019.

REFERÊNCIA

OLIVEIRA, Luís Claudio (2016). Famílias Negras Centenárias: memórias e narrativas. RJ: Editora Mar de Ideias.
PREFÁCIO
Colônia Afro-Brasileira de Curitiba é uma viagem no tempo, mas é também uma viagem de resgate a
nós mesmos, nossas heranças e riquezas. A capital paranaense, tradicionalmente associada à imagem de uma
cidade europeizada e branca, invisibilizou a contribuição negra na composição de sua população, assim como
embranqueceu importantes personalidades negras de sua história.
É importante frisar que esta ideia de cidade europeia e branca foi discursivamente construída. O
Brasil, assim como os países da América Latina, teve o discurso público dominado pelo pensamento racista
no século XIX. As ideias eram que a composição majoritariamente indígena e/ou negra seriam um empecilho
ao desenvolvimento. Por isto, o esforço e o investimento econômico em trazer imigrantes brancos, que teve
maior impacto na composição étnico-racial da população nos países que contavam com maiores recursos
para custear as viagens e a fixação de imigrantes europeus que fugiam da pobreza. Ao passo que países como
Argentina e Uruguai tiveram sua composição étnico-racial fortemente embranquecida, no Brasil o impacto foi
especialmente regional, nas Regiões Sudeste e Sul.
O Paraná, alçado à condição de província em 1853, e Curitiba, alçada então à capital, tinham a condição
do restante da região Sul de então. Cerca de metade da população paranaense era negra e, durante todo o século
XIX, a maioria era de negros e negras livres. Com o processo de imigração na segunda metade do século XIX e
início do XX o percentual diminui, mas nunca deixou de ser muito expressivo tanto no estado quanto na capital.
No entanto, a historiografia do século XX forjou a ideia de um Paraná e de uma Curitiba como europeus,
tornando invisível a presença negra. Felizmente, graças às lutas dos movimentos negros, e ao trabalho de
pesquisadores e pesquisadoras sobre as trajetórias de personalidades negras, atualmente é crescente o
interesse em resgatar histórias muitas vezes desconhecidas e ignoradas pela “história oficial”.
Neste contexto, apresentar trajetórias de vidas de personalidades negras em muito contribui para que
essas memórias sejam reconhecidas e valorizadas. O presente livro torna-se importante instrumento para
pensar as africanidades e suas contribuições para o estado do Paraná e, mais especificamente, para Curitiba.
Assim, este livro constitui importante instrumento de enfrentamento ao racismo estrutural no Brasil, uma
vez que conhecer essas raízes permite o exercício de “descolonização do olhar” e admissão das omissões da
“história oficial”.
O livro é composto por pequenas biografias de grandes personalidades negras. Trata-se do resultado
de um exercício de investigação realizado a muitas mãos. Exercício de reconstrução de trajetórias que ficaram
apagadas pelas marcas do tempo. São personalidades negras que, cada um a sua maneira e dentro de sua área
de atuação, lutaram contra o racismo, pela superação das desigualdades e construção de um futuro justo!
Cada um dos nomes do livro foi retirado da placa em homenagem ao centenário da abolição e que
atualmente está localizada na Praça Santos Andrade, em frente ao prédio histórico da Universidade Federal
do Paraná, local símbolo de luta, manifestações políticas e enfrentamento. Local apropriado para abrigar uma
placa com nomes que por si só representam luta, enfrentamento e resistência.
Que este livro e as histórias de vida que ele abriga sejam inspiração para que as novas gerações sigam
na luta, que a resistência se fortaleça, que a memória seja valorizada e que, enfim, caminhos novos em direção
a um futuro melhor sejam possíveis!
Boa leitura!

PAULO VINÍCIUS BAPTISTA DA SILVA


Pesquisador CNPQ
Superintendente da Sipad UFPR
(Superintendência de Inclusão, Políticas Afirmativas e Diversidade)
Professor do Programa de Pós-graduação em Educação da UFPR
Membro do Neab-UFPR
Curitiba, outono de 2019.
APRESENTAÇÃO
Quando os organizadores me pediram para escrever a apresentação de um livro que traz uma pequena
biografia de personalidades negras curitibanas que foram homenageadas por ocasião do centenário da abolição,
não passou por minha cabeça que me veria frente a um material tão rico sobre a trajetória do povo negro por
estas plagas curitibanas. Na verdade, o livro apresenta o embate coletivo e individual de vida e afirmação de
tantos homens e mulheres negras gritando: EU EXISTO, NÓS EXISTIMOS!
Tiveram uma vida dura, a de ter que matar um leão a cada dia. E viveram, lutaram, e muitos ainda vivem
e lutam, sob as condições mais adversas. Cada vida, cada relato é um testemunho do que disse Otávio Ianni
(1988, p. 37) em seu livro “As Metamorfoses do Escravo”:

O negro cidadão não é o negro escravo transformado em trabalhador livre.


O negro cidadão é apenas o negro que não é mais juridicamente escravo. Foi posto na condição
de trabalhador livre, mas nem é aceito plenamente ao lado de outros trabalhadores livres,
brancos, nem ainda se modificou substancialmente em seu ser social original. É o escravo que
ganhou a liberdade de não ter segurança; nem econômica, nem social, nem psíquica.

Essa era, e ainda é, a dura realidade dos descendentes da escravidão no Paraná. E quanto mais recuarmos
no tempo, veremos que mais se fazia presente esta situação.
Este livro é um manancial inesgotável de fatos e situações vividas pelo povo negro no Paraná. Aqui
encontram-se elementos inesgotáveis para pesquisas e redefinições de rumos e projetos de luta. Uns cavaram
com as mãos, com as unhas, com os dentes, a pau e à pedra, as saídas possíveis para uma nova condição, sozinhos
e isolados. Outros buscaram, na organização de seu grupo mais próximo, erguer barreiras de contenção do
racismo e erguer, ao mesmo tempo, torres de vigia de forma a ver mais longe o horizonte, e traçar o rumo da
jornada. Em ambas as alternativas, a força da sociedade escravocrata levantava todo tipo de barreira e exclusão.
Daí o valor inestimável do esforço de cada um dos apresentados neste livro. Em cada um, em cada uma, há
notáveis lições de luta, resistência e superação. O movimento negro organizado haverá de retirar deste livro
inspiração e ferramentas para consolidar um caminho de organização, resistência e triunfo da luta contra o
racismo e na educação das relações étnico-raciais em nosso estado.
Não poderia encerrar esta singela apresentação, sem transcrever as belas palavras de Joaquim Nabuco
(2012, p. 26), em seu livro memorável, O Abolicionismo, pois elas testemunham os exemplos de vida dos negros
e negras presentes neste livro.

Tudo o que significa luta do homem com a natureza, conquistas do solo para a habitação e
cultura, estradas e edifícios, canaviais e cafezais, a casa do senhor e a senzala dos escravos,
igrejas e escolas, alfândegas e correios, telégrafos e caminhos de ferro, academias e hospitais,
tudo, absolutamente tudo que existe no país, como resultado do trabalho manual, como
emprego do capital, como acumulação de riqueza, não passa de uma doação gratuita da raça
que trabalha à que faz trabalhar.
[...] a raça negra fundou, para outros, uma pátria que ela pode, com muito mais direito, chamar
sua.

Professor ROMEU GOMES DE MIRANDA


Bisneto de escravizados
Presidente da APP-Sindicato de 1996 a 2002
Presidente do Conselho Estadual de Educação de 2006 a 2011
Membro da direção da Acnap – Associação Cultural de Negritude e Ação Popular
Curitiba, verão de 2019.

REFERÊNCIAS

IANNI, Otávio [1962] (1988). As metamorfoses do escravo. 2ª edição. Curitiba: Editora da UFPR.
NABUCO, Joaquim [1883] (2012). O Abolicionismo. Petrópolis/RJ: Editora Vozes.
JUSTA HOMENAGEM
Em 1988, a Câmara Municipal de Curitiba, por ocasião das comemorações do centenário da Lei Áurea,
prestou homenagem a 68 personalidades curitibanas de ascendências africanas, aqui nascidas ou que adotaram
a cidade para viver.
Desde os primórdios da Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais os afrodescendentes foram
determinantes para o desenvolvimento da cidade. Por exemplo, a construção da Estrada de Ferro Curitiba–
Paranaguá, empreitada que se deve ao talento e à ousadia dos irmãos André e Antonio Rebouças – imortalizados
na capital ao darem nome ao bairro Rebouças e à Rua Engenheiros Rebouças –, foi bem-sucedida graças à força
da mão de obra de centenas de brasileiros de sangue africano. Muitos ficaram por aqui, enriquecendo a genética
curitibana de forma indelével.
Além dos 68 homenageados em 1988, faço questão de ressaltar outros três nomes, de grande relevância
para a nossa cultura, a começar por João Pamphilo d’Assumpção, um símbolo de seriedade. Professor de Direito,
foi um dos fundadores da Universidade do Paraná, em 1912. Fundou e presidiu por 15 anos o Instituto dos
Advogados do Paraná e, em seguida, fundou e foi o primeiro presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção
do Paraná. Também presidiu o Centro de Letras do Paraná e foi um dos fundadores da Academia Paranaense
de Letras.
Além dele, destaco dois músicos de enorme talento. Palminor Rodrigues Ferreira, o Lápis, falecido em
1978, e o maestro Waltel Branco, Doutor Honoris Causa da UFPR, coautor do tema do filme A Pantera Cor de
Rosa, que nos deixou em 2018. São ícones da musicalidade curitibana.
Este livro traz, para leitura e consulta, a rica e extensa pesquisa realizada pelos Autores e sistematizada
pelos Organizadores, no qual vamos conhecer a saga vivida entre nós pelos descendentes dos povos africanos.
Uma obra primordial, que se insere nos objetivos prioritários de integração, igualdade e justiça social
preconizados pelo Sesc Paraná.

DARCI PIANA
Presidente do Sistema Fecomércio Sesc Senac Paraná
COMO SURGIU A IDEIA DESSE LIVRO

Em 2015, durante as comemorações do Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, eu conheci o


projeto Linha Preta que foi concebido durante o II Congresso de Pesquisadores Negros da Região Sul, o Copene
Sul, organizado pelo Neab (Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros) da Universidade Federal do Paraná, realizado
em junho daquele mesmo ano na cidade de Curitiba. O trajeto, todo feito a pé, junto com um grupo de mais 20
pessoas, guiado por uma estudante do curso de Turismo da UFPR, realizado no centro da cidade, era uma opção
para quem quisesse conhecer mais sobre a presença negra e sua participação na formação de Curitiba. O roteiro
contemplava os principais pontos históricos da população negra em Curitiba. A última parada se deu na Praça
Santos Andrade, em frente ao monumento em comemoração ao centenário da abolição da escravidão no Brasil,
que homenageava 68 personalidades negras da Colônia Afro-brasileira de Curitiba.
Enquanto a guia explicava sobre o monumento, me aproximei para ler os nomes da placa. Ao final da
explicação questionei sobre quem eram aquelas pessoas. Alguns dos nomes eu tinha referência, mas a maioria
dos nomes não conhecia, eu queria saber o que fizeram de significativo para serem homenageados. Ela não
soube me responder e continuou sua fala respondendo às demais questões dos outros participantes do passeio.
Fiquei com aquela questão na minha mente, e antes da guia se despedir de todos nós, eu já havia decidido que
iria conhecer aquelas pessoas, assim que terminasse a minha tese de doutorado.
Passados dois anos, em 2017, iniciei os trabalhos de pesquisa. Convidei alguns pesquisadores e
apresentei a prosposta: escrever as narrativas biográficas dos homenageados na placa. Alguns aceitaram, outros
declinaram de imediato e outros ao longo do percurso. Com o trabalho se avolumando, precisei de ajuda e os
professores doutores Andrea e Celso se uniram a mim na organização do presente trabalho. Muitos desafios
foram colocados nesses mais de quatro anos de pesquisa, mas, ao mesmo tempo foram sentidas muitas alegrias
pelas descobertas.
Uma das histórias que me marcou durante o desenvolvimento do trabalho desse livro foi a confusão
que fiz com os Negros Pamphilo. No capítulo 5, vocês vão conhecer a vida do médico negro Antenor Pamphilo
dos Santos, que entre outras atividades importantes, assumiu como prefeito interino de Curitiba de 16 a 20
de julho de 1948, pois o prefeito Ney Leprevost tirou curta licença por motivos de enfermidade na família.
Nessa época, Pamphilo dos Santos era vereador e estava como presidente em exercício da Câmara Municipal de
Curitiba. Portanto, Curitiba já teve um prefeito negro!

Antenor Pamphilo dos Santos – prefeito interino de Curitiba de 16 a 20 de julho de 1948

Fonte: O Dia, 17/07/1948, p. 1 Fonte: O Dia, 21/07/1948, p. 1


O outro Negro Pamphilo é o advogado João Pamphilo Velloso D’Assumpção.

Pamphilo D’Assumpção. Década de 1920 Pamphilo D’Assumpção. Década de 1940

Fonte: Acervo Centro de Letras do Paraná


Foto de Ana Vanali

João Pamphilo Velloso D’Assumpção nasceu dia 7 de setembro de 1868 em Curitiba, estado do Paraná,
mais precisamente na famosa Rua das Flores.1 Foi o quinto filho de Manoel Euphrasio D’Assumpção e Germina
Velloso. O casal teve mais seis filhos: Paulo (1850), Hosanna (1857), Francisca (1864), João (1866), Josephina
(1870) e Maria Deolinda (1878)2. Filho de uma família envolvida em grandes projetos e de grandes feitos.
Seu pai foi organizador da polícia militar no Paraná nos tempos provinciais e das tropas que partiram
do Paraná para a Guerra do Paraguai (CARNEIRO, 1981). Seu irmão mais velho, Paulo Idelfonso D’Assumpção
foi desenhista, pintor e escultor. Fundador, em 1909, da Escola de Aprendizes e Artífices do Paraná, da qual foi
também o primeiro diretor (VASQUEZ, 2012). Escola que viria a se tornar, futuramente, a Escola Técnica do
Paraná, Centro Tecnológico do Paraná (Cefet) e atual Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).
Sua irmã, Maria Deolinda D’Assumpção, foi professora e uma das fundadoras do primeiro jardim de
infância público de Curitiba (RIBEIRO; VIEIRA, 2018). Ela era pianista e com o irmão João Pamphilo à flauta
costumavam promover grandes e animados saraus (BRANTES, 2008).
Em 1885, Pamphilo iniciou os estudos na Faculdade de Direito de São Paulo, diplomando-se em 1889
na turma da qual também faziam parte o poeta Emiliano Pernetta e o jurista Otávio do Amaral. Após formar-se,
permaneceu na capital paulista, dedicando-se aos estudos e à profissão de advogado. Trabalhou no escritório
do Barão de Ramalho3, onde ficou até a morte deste em 1902 (BOIA, 2001). Em 1897, obteve o raro grau de
Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais, na mesma faculdade em que se formara num concurso para catedrático

1. Disponível em http://curitibanaquelesidos.blogspot.com/2015/01/rua-xv-de-novembro-esquina-com-avenida.html
2. Disponível em https://www.myheritage.com.br/names/francisca_assumpcao. Acesso 18.setembro.2018. Diário da Tarde/PR,
28/11/1903, p. 3.
3. Conselheiro Joaquim Ignacio Ramalho (Barão de Ramalho) (1809-1902), foi jurista, professor, político, diretor da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo, de 1891 e 1902, além de fundador do Instituto dos Advogados de São Paulo. Disponível em VASCONCELLOS,
Barão de. Archivo nobiliarchico brasileiro, Lausanne/Suíça: Imprimerie La Concorde, 1918.
substituto de um grupo de cadeiras referentes à área de Economia e Administração. Durante muito tempo, foi o
único bacharel doutor de São Paulo.
Em seu retorno a Curitiba, por volta de 1908, Pamphilo foi recebido como profissional de grande
prestígio, admiração e respeito. Montou seu escritório de advocacia, um dos mais procurados à época. Não se
dedicou apenas aos assuntos forenses, ampliando suas atividades: escrevia na impressa diária (A República,
Diário da Tarde e Comércio do Paraná) comentários sobre assuntos jurídicos, política, artes, entre outros
(BRANTES, 2008).
Dentre as contribuições que fez para a imprensa da época, uma curiosa crônica escrita por Pamphilo e
publicada em jornal local, intitulada “Como conheci a Rua XV de Novembro”, conta de modo poético, a história
de denominação “Rua das Flores” para a famosa Rua XV:

(...) Outra reconstituição é a da esquina onde funciona o Club do Comércio e a Bomboniére


Mimosa. Este canto pertencia à minha família. Era fechado por muros velhos, remendados
com tábuas. Havia ali uma roseira da variedade que vulgarmente se chama ‘Mariquinha’,
roseira que cobria todo o muro e de tal modo florescia que deu à rua o nome de Rua das
Flores” (DESTEFANI, 1992).

Na mesma crônica, Pamphilo exalta as belezas da cidade e deixa claro sua paixão por sua terra natal:

O que Curitiba precisa é que seus filhos a amem com ardor, queiram-na com entusiasmo. Que
percam o todo receio de passar por jeca pelo fato de enaltecerem seu berço. Convençam-se de
que a nossa capital é das cidades mais belas, mais adiantadas e mais progressistas do Brasil.
(DESTEFANI, 1992).

Desempenhou altos cargos de gestão em importantes sociedades de classe, sendo presidente da


Associação Comercial do Paraná por seis anos (1909–1913 e 1927–1931)4. Durante sua gestão reestruturou a
instituição, que ganhou um novo status (CARNEIRO, 1981). Também foi fundador de várias entidades culturais
como do Centro de Letras do Paraná, em 1912, do qual foi presidente por duas gestões (1918–1921 e 1922–
1934)5 e da Academia de Letras do Paraná, em 19226. Foi presidente da Sociedade Thalia (1927–1928)7 e
membro da Academia Paranaense de Letras, fundada em 19368.

4. Disponível em https://acpr.com.br/institucional/diretoria/. Acesso 23.novembro.2018.


5. Disponível em https://www.centrodeletrasdoparana.org.br/galeria-dos-presidentes. Acesso 23.novembro.2018.
6. Disponível em http://academiaparanaensedeletras.com.br/. Acesso 23.novembro.2018.
7. Disponível em http://thalia.com.br/o_clube/presidencia/. Acesso 23.novembro.2018.
8. Disponível em http://academiaparanaensedeletras.com.br/historia/. Acesso 18.setembro.2018.
João Pamphilo Velloso D’Assumpção – Curitiba, 1915

Inauguração da sede própria da Associação Comercial do Paraná.


Pamphilo D’Assumpção em destaque
Fonte: Acervo da Casa da Memória / Diretoria do Patrimônio Cultural / Fundação Cultural de Curitiba

João Pamphilo Velloso D’Assumpção – Rio de Janeiro, 1909

Lunch oferecido aos membros da Colônia Paranaense por Pamphilo de Assumpção, presidente da Associação Comercial do Paraná (em
destaque), por ocasião da data comemorativa da separação do Estado do Paraná do de São Paulo. No centro do grupo (de colete branco),
está o advogado e propagandista dos produtos do Paraná, Dr. Pamphilo de Assumpção, tendo a sua direita o deputado Correa Defreitas e
a sua esquerda Arinos Pimentel e o Dr. Paulo Telles. A mocidade acadêmica paranaense e os representantes da imprensa completam essa
fotografia tirada no Bar do Ipanema expressamente para a Revista Fon-Fon.
Fonte: Acervo da Casa da Memória / Diretoria do Patrimônio Cultural / Fundação Cultural de Curitiba

Catedrático da Universidade do Paraná desde 1913, participou da sua fundação sendo o orador9.

9. A República/PR, 20/12/1912, p. 2.
Ocupava a cátedra de Direito das Obrigações, além de ministrar as disciplinas de Filosofia do Direito, Economia
Política, Direito Administrativo e Direito Internacional Público. Era um “profissional respeitado entre seus pares
e um nome largamente conhecido pela comunidade política e intelectual de Curitiba” (GRUNER, 2009, p. 79). Foi
o paraninfo da primeira turma de bacharéis em Direito da Universidade do Paraná (PARANÁ, 1922).
Em 10 de junho de 1917 foi um dos fundadores do Instituto de Advogados do Paraná, sendo eleito
seu primeiro presidente10. Permaneceu no cargo por 15 anos, até o ano de 1932, passando a ser presidente
honorário do instituto. Foi responsável pela instalação da Seção Paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB), sendo seu presidente de 1932 a 193711: “João Pamphilo D’ Assumpção liderou os advogados paranaenses
para criar aqui a seção da Ordem dos Advogados do Brasil” (GLOMB, 2012). Foi ainda fundador da primeira
Faculdade de Direito do Paraná e do Centro de Letras do Paraná, junto com seu companheiro de faculdade
Emiliano Perneta em 1912.

Homenagem a Pamphilo D’Assumpção

Fonte: A Bomba, 10/08/1913, p. 26

Pamphilo D’Assumpção era maçom. Iniciou suas atividades na Sociedade Maçônica Loja Capitular
Piratininga de São Paulo. Muito provavelmente seu padrinho foi o Barão de Ramalho visto que a “22 de março

10. Disponível em http://iappr.org.br/site/1917-1932/. Acesso 18.setembro.2018.


11. Disponível em https://www.oabpr.org.br/. Acesso 18.setembro.2018.
de 1893, dia em que era empossada a administração da Grande Loja, tendo, como Grande Venerável, o Barão de
Ramalho e, como Grande Orador, João Pamphilo de Assumpção, ambos da Loja Piratininga” (CASTELLANI, 2000,
p. 81). Mudando-se para Curitiba, passou a fazer parte da Loja Fraternidade Paranaense do qual chegou a ser
grão-mestre12.

Grão-mestre Pamphilo D’Assumpção, sem data13

Seu primeiro casamento foi com Maria Carolina Sampaio, com quem teve as filhas Yraci, Aray e Jacy. Em
1919 faleceu sua primeira esposa e no ano seguinte, em 26 de outubro de 1920, casou em segundas núpcias
com a pintora Maria Amélia de Barros com quem teve duas filhas14 (BRANTES, 2008). Sebastião Paraná (1922)

12. Disponível em http://www.museumaconicoparanaense.com/MMPRaiz/LojaPRate1973/0555_Novo_Templo-1919.htm.


Acesso 23.novembro.2018.
13. Loja América – 0189. Oriente de São Paulo. Disponível em https://america.mvu.com.br/site/decreto-no--173-de-10-de-setembro-de-
1893/v-124DbrZG-2U-3/atr.aspx. Acesso 23.novembro.2018.
14. Maria Amélia de Assumpção (1883-1955) casou-se pela primeira vez com Joaquim Ignácio Silveira da Motta. Ficou viúva sete meses
depois. Dessa união nasceu Joaquim Ignácio Silveira da Motta Neto. Entre 1906-1910 passou uma temporada no Rio de Janeiro, onde
seu pai Bento Fernandes de Barros morava. Em 1910 retornou para Curitiba e começou a estudar pintura com Alfredo Andersen.
destaca que pode ter sido essa afinidade com as artes o que aproximou Pamphilo D’Assumpção de Maria Amélia.
Ele, além de crítico de arte, também produzia aquarelas e quadros que eram muito apreciados.

Figura 5 – Curitiba de outrora: esboço de Pamphilo D’Assumpção

Fonte: Ilustração Paranaense, Nº 2, Dezembro de 1927, p. 12-17

Pamphilo D’Assumpção foi consultor jurídico do estado do Paraná e escreveu várias obras na área de
Direito entre as quais destacam-se: Praxe Brasileira, Extradição perante o Direito Criminal Moderno, Habeas

Realizou exposições individuais em 1917 no Liceu de Artes e Ofícios/RJ e em 1921 e 1925 na Associação Comercial do Paraná. Foi
a primeira mulher do Paraná a expor, individualmente, no Rio de Janeiro. Disponível em http://www.artesnaweb.com.br/index.
php?pagina=home&abrir=arte&acervo=1214. Acesso 18.setembro.2018.
Pamphilo D’Assumpção também produziu algumas telas de aquarela, mas de sua produção artística, pouca coisa se encontra (BRANTES,
2008).
Corpus, Livro dos Direitos das Mulheres, Do Testamento, Do processo sumaríssimo e Crítica jurídica. Também
colaborou em diversas revistas de jurisprudência, tais como Gazeta dos Tribunais de São Paulo, São Paulo
Judiciário, Revista de Jurisprudência entre outras (GOMES, 1959).
Foi um destacado profissional liberal de formação jurídica, porém, nos últimos anos de vida, doente e
sem poder trabalhar, recebia uma ajuda mensal da OAB para complementar sua renda15. Faleceu em Curitiba no
dia 15 de janeiro de 1945 e seu corpo está sepultado no Cemitério Municipal São Francisco de Paula.
Em 1951 foi homenageado pela Câmara Municipal de Curitiba e uma das ruas da capital paranaense, no
bairro Rebouças, passou a ser denominada Rua Doutor Pamphilo D’Assumpção16.

Pamphilo D’Assumpção. Curitiba, 1929

Fonte: Ilustração Paranaense, Ano 3, Nº 12, Dezembro de 1929, p. 42

Há muitos questionamentos quanto à negritude de João Pamphilo Velloso D’Assumpção, também


conhecido como “Negro Pamphilo”. Silva e Reinehr (2016, p. 23-24) fazem a crítica de que o primeiro presidente

15. O Dia/PR, 19/01/1945, p. 5.


16. Lei Nº 366 de 8 de outubro de 1951. Disponível em https://www.cmc.pr.gov.br/wspl/sistema/BibLegislacaoForm.jsp. Acesso
15.maio.2019.
da OAB-PR “Dr. Pamphilo D’Assumpção, um dos fundadores da Academia Paranaense de Letras e um dos
elaboradores do primeiro estatuto da Universidade do Paraná fundada em 1912, foi um afrodescendente
embranquecido na história do Paraná”.
Invisibilidade e silenciamento têm marcado as contribuições das trajetórias de negros e de negras para
a constituição da história paranaense. Apesar do para eurocentrismo hegemônico e da falta de interesse da
elite dominante da cidade em querer demonstrar essa contribuição, há muitas histórias de afrodescendentes
que estão encobertas na cidade de Curitiba e que precisam ser reveladas. Precisamos relembrar a memória
desses elementos negros para demonstrar que a capital do Paraná, tal como conhecemos hoje, nasceu a partir
da influência de diversas culturas.

 A configuração da população, por exemplo, é marcada por influências de imigrantes italianos,


alemães, poloneses, ucranianos e asiáticos. Da mesma forma, e com a mesma expressão,
os escravos também influenciaram na cultura desta população, com tradições e costumes que
apresentam-se por toda a cidade. É possível observar os traços da cultura afrodescendente
nos padrões arquitetônicos e festas que procuram resgatar a história da chegada dos negros
na cidade. No entanto, toda a riqueza vinda dos afrodescendentes ainda não ganhou pleno
destaque na cidade. A influência do eurocentrismo acaba dando destaque para o conjunto de
elementos dos costumes europeus. (BUENO, 2018, on-line).

REFERÊNCIAS

BOIA, Wilson (2001). Pamphilo D’Assumpção (fundador). IN: Bibliografia da Academia Paranaense de Letras.
Curitiba: Posigraf, p. 51.
BRANTES, Carlos Alberto (2008). Dr. Pamphilo D’Assumpção: jurista e artista. BIHGP, Vol. LIX, p. 75-79.
BUENO, Fernanda (2018). Cultura afrodescendente aparece encoberta em Curitiba (22/05/2018). Disponível
em http://www.entreverbos.com.br/single-post/2018/05/22/Cultura-afrodescendente-aparece-encoberta-
em-Curitiba. Acesso 18.abril.2019.
CARNEIRO, David (1981). Perfil histórico da Associação Comercial do Paraná e galeria dos presidentes. Curitiba:
Reproset.
CASTELLANI, José (2000). Piratininga: história da loja maçônica tradição de São Paulo. SP: OESP.
DESTEFANI, Cid (1992). De uma velha crônica, a origem do nome Rua das Flores. In: Gazeta do Povo, 07/06/1992.
Disponível em http://curitibanaquelesidos.blogspot.com/2015/01/rua-xv-de-novembro-esquina-com-
avenida.html. Acesso 15.maio.2019.
GLOMB, José Lúcio (2012). Emoção e homenagens marcaram solenidade de 80 anos da OAB Paraná (1932-
2012). Disponível em https://www.oabpr.org.br/emocao-e-homenagens-marcam-solenidade-de-80-anos-da-
oab-parana/. Acesso 18.setembro.2018.
GOMES, Oscar Martins (1959). O professor Pamphilo D’Assumpção: perfil póstumo. In: Revista da Faculdade de
Direito. Curitiba: Universidade do Paraná/Papelaria Requião, Vol. 6/7, p. 379-383.
GRUNER, Clóvis (2009). Um nome, muitas palavras: Pamphilo de Assumpção e os discursos jurídicos na Curitiba
da Belle Époque. In: Revista Regional de História 14 (1), p. 76-104.
MENDES, Antonio Celso (2013). Um século de cultura: história do Centro de Letras do Paraná (1912-2012).
Curitiba: NMC/Estúdio Texto.
PARANÁ, Sebastião (1922). Galeria Paranaense: notas biográficas. Curitiba: [s.e].
RIBEIRO, Alexandra Ferreira Martins; VIEIRA, Alboni Marisa Dudeque. Pórcia: arquivos de vida, formação e
atuação. Curitiba: Editora Appris.
SILVA, Adegmar; REINEHR, Melissa (2016). Oralidades afroparanaenses: fragmentos da presenção negra na
história do Paraná. Curitiba: Editora Humaitá.
VASQUEZ, Ana Lúcia de L.P. (2012). O Salão Paranaense e o campo artístico de Curitiba. Curitiba: Tese de
Doutorado em Sociologia da UFPR. Disponível em http://www.humanas.ufpr.br/portal/pgsocio/files/2013/07/
TeseAnaVasquez.pdf. Acesso 18.setembro.2018.

FONTES

CANDIERO; MEL (2015). Alma das Ruas: uma crônica para a alma negra curitibana. Curitiba: Editora Humaitá.
GRUNER, Clóvis (2006). Em torno à “boa ciência”: debates jurídicos e a questão penitenciária na imprensa
curitibana. In: Revista Regional de História 8 (1), p. 67-94.
PLAISANT, Dicesar (1938). Panfilo de Assumpção. In: Visões panfletárias. Curitiba: Irmãos Guimarães, p. 195-
196.
VANALI, Ana Crhistina (2018). Negros Pamphilo: personalidades negras da sociedade curitibana do século XX.
In: COQUEIRO, Edna Aparecida et al (Orgs.). Caderno pedagógico: oralidades afroparanaenses. Curitiba: Editora
Humaita/SEED, 2018, p. 160-181.

Pamphilo D’Assumpção. Curitiba, sem data

Pamphilo D’Assumpção é o primeiro da esquerda para a direita


Fonte: Acervo de Paulo José da Costa/Antigamente em Curitiba
Pamphilo D’Assumpção. Curitiba, 1911

Pamphilo D’Assumpção (em destaque) durante visita dos membros do


3º Congresso Brasileiro de Geografia à Fábrica de Presunto de Percy Withers
Fonte: Acervo da Casa da Memória / Diretoria do Patrimônio Cultural / Fundação Cultural de Curitiba

Pamphilo D’Assumpção. Curitiba, 1925

Excursão do violinista Pery Machado. Pamphilo D’Assumpção está na última fila em destaque
Fonte: Acervo de Paulo José da Costa/Antigamente em Curitiba
QUADRO CRONOLÓGICO DE JOÃO PAMPHILO D’ASSUMPÇÃO

ANO EVENTO
1868 Nascimento em Curitiba, Paraná
1885-1889 Faculdade de Direito de São Paulo
1889 Concurso para professor na Faculdade de Direito de São Paulo
1889-1902 Trabalhou como advogado no escritório do Barão de Ramalho
1897 Doutorado em Direito
1908 Retorna para Curitiba
1909-1913 Presidente da Associação Comercial do Paraná
1912 Um dos fundadores do Centro de Letras do Paraná
1912 Um dos fundadores da Universidade do Paraná
1913 Professor catedrático do curso de Direito da Universidade do Paraná
1917 Um dos fundadores do Instituto de Advogados do Paraná
1917-1932 Presidente do Instituto de Advogados do Paraná
1918-1934 Presidente do Centro de Letras do Paraná
1920 Segundas núpcias com Maria Amélia de Barros
1922 Um dos fundadores da Academia de Letras do Paraná
1927-1931 Presidente da Associação Comercial do Paraná
1927-1928 Presidente Sociedade Thalia

Responsável pela instalação da Seção Paranaense da Ordem dos Advogados do Brasil


1932
(OAB)

1932-1937 Presidente da OAB – Seção Paraná


1936 Membro da Academia Paranaense de Letras
1945 Falecimento em Curitiba, Paraná

Fonte: todas as indicações das referências e das fontes


Elaboração da autora

Ana Crhistina Vanali


Curitiba, verão de 2020.
Sumário
I PARTE - A HISTÓRIA
COLÔNIA AFRO-BRASILEIRA DE CURITIBA NO CENTENÁRIO DA ABOLIÇÃO.................................................... 31
Ana Crhistina Vanali
Andrea Maila Voss Kominek
Celso Fernando Claro de Oliveira

II PARTE - AS HISTÓRIAS
1. ACIR FERNANDES (1926–2003).................................................................................................................................................................. 62
Ana Crhistina Vanali
2. ADELINO ALVES DA SILVA (1915–2018). ............................................................................................................................................ 69
Ana Crhistina Vanali
3. AMILTON AMBROSIO RIBEIRO (1939–2007). ............................................................................................................................... 75
Ana Crhistina Vanali
4. ANTENOR ALENCAR LIMA (1901- 1954)............................................................................................................................................ 81
Ana Crhistina Vanali
5. ANTENOR PAMPHILO DOS SANTOS (1895–1967).................................................................................................................... 85
Ana Crhistina Vanali
6. ANTÔNIO CALAZANS DOS SANTOS (1912–1998). ................................................................................................................ 100
Ana Crhistina Vanali
7. ANTÔNIO DIONÍSIO FILHO (1956–2015) . ..................................................................................................................................... 105
Dulcinéia Novaes
8. ANTÔNIO PINTO REBOUÇAS (1839–1874)................................................................................................................................... 114
Alessandro Cavassin Alves
9. ANTONIO SILVA DE PAULO............................................................................................................................................................................... 119
Ana Crhistina Vanali
10. AROLDO ANTONIO DE FARIAS (1922–2010) .......................................................................................................................... 127
Ana Crhistina Vanali
Gloria Estevinho Gomes
11. ARTHUR MIRANDA JUNIOR........................................................................................................................................................................ 132
Ana Crhistina Vanali
12. CÂNDIDO ALVES DE SOUZA (1933–2014). ................................................................................................................................. 136
Ana Crhistina Vanali
13. CLOVIS AZAURY DO NASCIMENTO (1932 – 2014).............................................................................................................. 141
Ivan Luiz Monteiro
Antonio Djalma Braga Junior
14. DALZIRA MARIA APARECIDA.................................................................................................................................................................... 145
Andrea Maila Voss Kominek
15. EDGARD ANTUNES DA SILVA (TATU) (1915–1985).......................................................................................................... 152
Adriane dos Santos Tavella Ferrari
Marcia Cristina dos Santos
16. ELIDIO ALVES TEODORO (1953–2012)......................................................................................................................................... 159
Ana Crhistina Vanali
17. ENEDINA ALVES MARQUES (1913–1981). .................................................................................................................................. 161
Ana Crhistina Vanali
18. EUCLIDES DA SILVA (1917–1994)...................................................................................................................................................... 170
Adriane dos Santos Tavella Ferrari
Ana Crhistina Vanali
19. HAROLDO FERREIRA DOS SANTOS (1912-1967)............................................................................................................... 174
Ana Crhistina Vanali
20. HASIEL DA SILVA PEREIRA FILHO........................................................................................................................................................ 187
Fernando Marcelino Pereira
21. HUGO JORGE BENTO (1928–2019). ................................................................................................................................................... 193
Ana Crhistina Vanali
22. IDELCIO LUIS DE OLIVEIRA......................................................................................................................................................................... 201
Ana Crhistina Vanali
23. ISAACK OTÁVIO DA SILVA (1940–2019)........................................................................................................................................ 209
Marcelo Bordin
24. JOÃO FERREIRA DOS SANTOS (1917–1996). ........................................................................................................................... 214
Ana Crhistina Vanali
25. JOÃO FREDERICO ALVES (1944–2013). ......................................................................................................................................... 233
Ana Crhistina Vanali
26. JOÃO PEREIRA DA SILVA................................................................................................................................................................................. 240
27. JORGE DE OLIVEIRA............................................................................................................................................................................................ 241
28. JOSÉ AUGUSTO GOMES ANICETO.......................................................................................................................................................... 242
Ana Crhistina Vanali
29. JOSÉ CARLOS MOURA DOS SANTOS (1926–2010)............................................................................................................. 246
Ana Crhistina Vanali
30. JOSÉ DIONÍSIO DA SILVA................................................................................................................................................................................. 249
31. JOSÉ FERREIRA DOS SANTOS (1915–1974).............................................................................................................................. 250
Ana Crhistina Vanali
32. JOSÉ MOREIRA DE ASSIS................................................................................................................................................................................ 268
Ana Crhistina Vanali
33. JOSÉ PEREIRA FILHO......................................................................................................................................................................................... 271
34. JOSÉ PINTO REBOUÇAS (1850?–1921). ......................................................................................................................................... 273
Alessandro Cavassin Alves
35. JOSÉ RAMOS. ............................................................................................................................................................................................................... 276
36. JOSÉ SALVADOR DE SOUZA.......................................................................................................................................................................... 277
37. JOSÉ SEVERINO SILVA FELINTO.............................................................................................................................................................. 278
Luciana Podlasek
Ana Crhistina Vanali
38. JURANDIR NUNES PEREIRA........................................................................................................................................................................ 298
Celso Fernando Claro de Oliveira
39. LUIZ FERNANDO MARQUES DA LUZ (1936–2014). ........................................................................................................... 303
Ana Crhistina Vanali
40. MABEL NUNES DA SILVA................................................................................................................................................................................. 307
Ana Crhistina Vanali
41. MANOEL NUNES DA SILVA FILHO (1921–2002). .................................................................................................................. 314
Ana Crhistina Vanali
42. MARIA APARECIDA DA SILVA(1937–1995). .............................................................................................................................. 321
Ana Crhistina Vanali
43. MARIA LÚCIA DE SOUZA. ............................................................................................................................................................................... 325
Ana Crhistina Vanali
44. MARIA MERCIS GOMES ANICETO. ........................................................................................................................................................ 330
Rosalice Carriel Benetti
45. MARIA NICOLAS (1899–1988)................................................................................................................................................................ 335
Ana Crhistina Vanali
46. MARILENE DA GRAÇA RIBAS (1947–2010)............................................................................................................................... 351
Ana Crhistina Vanali
47. MARINA ANDRADE DE SOUZA................................................................................................................................................................. 353
Marcus Roberto de Oliveira
48. MARINA PEREIRA.................................................................................................................................................................................................. 360
49. MÁRIO FERREIRA (1934–1990)............................................................................................................................................................ 361
Celso Fernando Claro de Oliveira
50. MARIO PINTO VASCONCELLOS................................................................................................................................................................ 368
Lucélia Mildemberger
51. NARCISO JÚLIO DOS REIS ASSUMPÇÃO (1948–2001).................................................................................................... 371
Celso Fernando Claro de Oliveira
52. NATALÍCIO SOARES.............................................................................................................................................................................................. 385
Adriane dos Santos Tavella Ferrari
Ana Crhistina Vanali
Marcia Cristina dos Santos
53. NELSON CARLOS DA LUZ................................................................................................................................................................................ 391
Ana Crhistina Vanali
54. ODELAIR RODRIGUES DA SILVA (1935–2003)....................................................................................................................... 406
Celso Fernando Claro de Oliveira
55. OLGA MARIA DOS SANTOS FERREIRA (1917–2004)....................................................................................................... 421
Celso Fernando Claro de Oliveira
56. ORLANDO DIAS DA SILVA (1918–2001)........................................................................................................................................ 430
Andrea Maila Voss Kominek
57. OSWALDO FERREIRA DOS SANTOS (1916–1990).............................................................................................................. 432
Ana Crhistina Vanali
58 . OZEIL MOURA DOS SANTOS ..................................................................................................................................................................... 445
Ana Crhistina Vanali
59. PAULO CHAVES DA SILVA. .............................................................................................................................................................................. 493
Ana Crhistina Vanali
60. PAULO LOPES SANTOS...................................................................................................................................................................................... 499
61. PEDRO ADÃO PEREIRA.................................................................................................................................................................................... 500
Ana Crhistina Vanali
62. RAIMUNDA FERREIRA DOS SANTOS (1904 – 2008)........................................................................................................ 505
Celso Fernando Claro de Oliveira
63. RAIMUNDO NONATO SIQUEIRA. ............................................................................................................................................................ 517
Rosalice Carriel Benetti
64. SERAPHINA JACIRA GONÇALVES (1920–1989)..................................................................................................................... 522
Andrea Maila Voss Kominek
65. SYDNEI LIMA SANTOS (1925–2001). .............................................................................................................................................. 526
Celso Fernando Claro de Oliveira
66. TEREZA ERMELINO DOS SANTOS......................................................................................................................................................... 534
Rosalice Carriel Benetti
67. VALDIR IZIDORO SILVEIRA.......................................................................................................................................................................... 540
Ana Crhistina Vanali
68. ZEILA MOURA DOS SANTOS (1920–1988)................................................................................................................................ 546
Ana Crhistina Vanali
SOBRE OS AUTORES...................................................................................................................................................................................................... 549
I PARTE

A HISTÓRIA
COLÔNIA AFRO-BRASILEIRA DE CURITIBA NO
CENTENÁRIO DA ABOLIÇÃO

Ana Crhistina Vanali


Andrea Maila Voss Kominek
Celso Fernando Claro de Oliveira

33
Placa comemorativa à Colônia Afro-Brasileira de Curitiba no centenário da abolição da escravidão

Praça Santos Andrade. Curitiba, 2017


Foto: Ana Vanali

Na Praça Santos Andrade, há um monumento em homenagem à “Colônia Afro-Brasileira de Curitiba”.


Foi instalado em maio de 1988, quando do primeiro centenário da abolição da escravidão no Brasil, ocorrida
oficialmente por meio da Lei Imperial Nº 3.3531 – também conhecida como a Lei Áurea –sancionada em 13 de
maio de 1888 pela Princesa Isabel (Anexo A). A “história tradicional” brasileira comumente tratou a Lei Áurea
como o ápice de um conjunto de leis que, desde a segunda metade do século XIX, vinham impactando de forma

1. Todas as leis aqui citadas estão disponíveis no site do Planalto (http://www.planalto.gov.br) ou do Senado (http://legis.senado.gov.br).

34
direta na manutenção do regime escravocrata no Brasil. A primeira mudança se deu com a Lei Nº 581 (Lei
Eusébio de Queirós), de 4 de setembro de 1850, que definiu medidas para extinguir o tráfico negreiro. Duas
décadas mais tarde, a Lei Nº 2.040 (Lei do Ventre Livre), de 28 de setembro de 1871, determinou a liberação
de todas as crianças nascidas de pais escravos. Posteriormente, a Lei Nº 3.270 (Lei Saraiva-Cotegipe ou Lei dos
Sexagenários), de 28 de setembro de 1885, determinou “a extinção gradual do elemento servil” na sociedade
brasileira por meio da libertação dos escravos com 60 anos de idade ou mais. Desse modo, podemos assinalar
que o processo de abolição da escravatura no Brasil foi gradual, lento e feito conforme os interesses das elites
políticas e econômicas da época.
O projeto de lei que extinguia a escravidão no Brasil foi apresentado à Câmara Geral (atual Câmara dos
Deputados), pelo então ministro da Agricultura, Rodrigo Augusto da Silva, em 8 de maio de 1888. Foi votado
e aprovado nos dias 9 e 10 de maio. Posteriormente, a Lei Áurea foi apresentada ao Senado Imperial pelo
ministro em 11 de maio. As sessões dos dias 11, 12 e 13 daquele mês promoveram debates sobre o documento.
Por fim, o texto foi votado e aprovado, em primeira votação, em 12 de maio. Na manhã do dia 13 de maio de
1888, a lei foi votada e aprovada em definitivo e, no mesmo dia, levada à sanção da princesa regente do Brasil –
Dona Isabel. Assim, no domingo de 13 de maio, dia comemorativo do nascimento de D. João VI, foi assinada por
sua bisneta Princesa Isabel e Rodrigo Augusto da Silva a lei que aboliu a escravatura no Brasil (ALONSO, 2015).
Por seu ato, Isabel passou a ser denominada pela historiografia oficial como “a redentora”. O Brasil foi o último
país independente do continente americano a abolir completamente a escravatura. O último país do mundo a
abolir oficialmente a escravidão foi a Mauritânia em 9 de novembro de 1981. Somente em 2007, a prática da
escravidão passou a ser considerada um crime nesse país situado no noroeste da África (MARTINS, 2018).
Devido ao seu caráter de oficialidade, o 13 de maio foi, por muitas décadas, uma data marcada por
comemorações e atividades cívicas, nas quais se destacavam homenagens à Princesa Isabel e aos abolicionistas
(DOMINGUES, 2011). Nesse sentido, é compreensível que a data tenha sido escolhida para a realização da
homenagem à colônia afro-curitibana. A homenagem da Praça Santos Andrade é composta por um bloco de
granito e uma placa de bronze de dimensões de 60 cm de largura por 99 cm de altura. Ela se destina a dar
visibilidade a diversos negros e negras que foram destaques em suas respectivas áreas, contribuindo para o
desenvolvimento do estado do Paraná. Entre os homenageados, estão juízes, desembargadores, advogados,
médicos, engenheiros, jornalistas, jogadores de futebol, professores, atrizes, atores, cartunistas, músicos,
militares, policiais, bombeiros, radialistas, contadores, funcionários públicos de diversos níveis, militantes
do movimento negro e de outros movimentos sociais, mães de santo, barbeiros, seminaristas, representantes
comerciais, linotipistas, vereadores, deputados, repórteres, delegados e agrônomos (Anexo E). Por intermédio
de suas histórias, as personalidades escolhidas para a homenagem demonstram a riqueza contributiva de cada
cidadã e cidadão como partícipe da construção plural da sociedade curitibana. Porém, não se encerra nesse
monumento a importância da etnia negra para a construção e crescimento desta importante cidade do país, a
mais negra das cidades do sul do Brasil2. A iniciativa da homenagem, que na placa aparece como sendo da âmara
dos Vereadores de Curitiba3, foi um trabalho conjunto entre o cônsul-geral honorário do Senegal em Curitiba,

2.Segundo a classificação do IBGE, negros, negras, pardos e pardas são 19,7% da população de Curitiba. Cerca de 28,5% dos paranaenses se
autodeclaram negros, negras, pardas ou pardos. Disponível em https://cidades.ibge.gov.br/painel/populacao. Acesso 31.dezembro.2017.
Consultar também Especial 20 de novembro. Dados confirmam desigualdade entre negros e brancos no Paraná. Brasil de Fato,
03/11/2017. Disponível em https://www.brasildefato.com.br/2017/11/03/dados-mostram-a-desigualdade-entre-negros-e-brancos-
no-parana/. Acesso 31.dezembro 2017.
3. O presidente da Câmara Municipal de Curitiba na época era Horácio Rodrigues Sobrinho. Nascido na cidade do Rio de Janeiro em
29/08/1938. Faleceu em Curitiba em 22/03/2009. Foi deputado estadual na Assembleia Legislativa do Paraná e vereador da capital
paranaense, em vários mandatos (1969-1972, 1983-1988 e 1989-1992). Foi o último vereador de Curitiba a desistir de nova candidatura,
em 1996, quando assumiu a vaga de suplente na Assembleia Legislativa, onde ficou por três anos. Sua última tentativa de participação

35
Ozeil Moura dos Santos4 e da ex-vereadora Marlene Zannin5 (Anexo B). Ao final da tarde do dia 26 de maio de
1988, o presidente da Câmara Municipal, Horácio Rodrigues Sobrinho, e o cônsul Ozeil descerraram a placa em
homenagem à etnia negra na Praça Santos Andrade, no centro da capital paranaense. Segundo o jornal Correio
de Notícias, de 27 de maio de 1988, a placa “contém nomes de 68 personagens da raça, ou descendentes étnicos
que residiram ou ainda residem em Curitiba. Desses, oito já são falecidos”6. Depois da inauguração, a Câmara
promoveu, no mesmo dia, outras homenagens no Palácio de Cristal (ginásio de esportes do Círculo Militar do
Paraná)7. Seis dos homenageados, que de acordo com suas atividades, tiveram maior destaque na vida social,
cultural e profissional, receberam uma placa de prata (SILVA, 2013).

Homenagem da CMC ao cônsul-geral do Senegal Ozeil Moura dos Santos

Curitiba, 26 de maio de 1988


Fonte: acervo Ozeil Moura dos Santos

política foi barrada pelo Tribunal Regional Eleitoral. Ele seria candidato a vice-prefeito pelo PTdoB em 2004, mas o registro foi cassado
pelo juiz eleitoral D’Artagnan Serpa Sá. Em 2007, Rodrigues foi nomeado assessor da presidência da Câmara de Curitiba, na gestão do
vereador João Cláudio Derosso. Ele é pai de Lauro Rodrigues, que em 2008 foi candidato à prefeitura de Curitiba. Era empresário, com
empreendimentos em várias áreas. Fonte: Morre o ex-vereador Horácio Rodrigues. Tribuna, 23/03/2009. Disponível em http://www.
tribunapr.com.br/noticias/politica/morre-o-ex-vereador-horacio-rodrigues/. Acesso 2.janeiro.2018. Ver também MARTINS, 2017.
4. Ver capítulo 58 – Ozeil Moura dos Santos.
5. Marlene Zannin, advogada, terceira mulher a ocupar uma vaga na Câmara Municipal de Curitiba. Nascida em 11/09/1955, em Urussanga
(SC), é filha de Angelo Zannin e Corina Maria Brognoli Zannin. Tem um filho, Rodolfo, e é casada com Pedro Paulo Rocha. Formada pela
Faculdade de Direito de Curitiba (atual UniCuritiba), é especialista em Direito Processual Civil. Foi vereadora de 1983 a 1988, sendo
a fundadora e presidente do Conselho Municipal da Condição Feminina de Curitiba, em 1985, e integrante do Conselho da Mulher do
Paraná, de 2001 a 2007. É de sua iniciativa a lei que reconheceu o 20 de novembro como Dia de Zumbi dos Palmares, da consciência e da
luta do povo negro (Lei Nº 7.186/1988 – Anexo C) (CMC, 2018).
6. Dos 68 homenageados 52 são homens e 16 mulheres. Em dezembro de 2019 eram 36 homenageados falecidos, 25 vivos e 7 não foram
localizados.
7. Homenagem à etnia negra. Correio de Notícias, 27/05/1988, p. 3.

36
Inauguração do monumento à Colônia Afro-brasileira de Curitiba

Curitiba, 26 de maio de 1988


Fonte: acervo Ozeil Moura dos Santos

A escolha da Praça Santos Andrade para a colocação da placa, segundo o cônsul-geral do Senegal Ozeil
(2017), ocorreu porque o negro, para ascender socialmente, tem de investir em dois caminhos: na educação e
na cultura. Essa praça abriga o Teatro Guaíra, símbolo da cultura, e o prédio histórico da Universidade Federal
do Paraná, símbolo da educação. No canto superior direito da placa, tem-se o desenho de uma cabeça com uma
pomba que, segundo Ozeil (2017), representa a importância de o negro tomar consciência da sua condição
para lutar por reconhecimento e encontrar seu devido lugar na sociedade. Essa é a logomarca do Centro de
Integração Social, Cultural, Comercial e Turístico Afro-Brasileiro, que expressa a mensagem “A SUA LIBERDADE
ESTÁ EM SUA CONSCIÊNCIA”8.

Detalhe da placa da Praça Santos Andrade

Foto: Ana Vanali

8. Disponível em http://www.grupomourasantos.com/centrointegracao/. Acesso 07.fevereiro.2018.

37
Bahls (2001, p.73) destaca que a inauguração do monumento foi acompanhada por uma série de
festejos:

A instalação da placa, entre dois marcos históricos da cidade, o Teatro Guaíra e a Universidade
Federal do Paraná, presta homenagem aos negros que contribuíram para o desenvolvimento
do estado, nos últimos cem anos, exercendo profissões como médico, engenheiros, juízes,
políticos, atrizes e jogadores de futebol.
A inauguração do monumento, cuja iniciativa coube ao Consulado de Senegal em Curitiba, e
teve a colaboração da Câmara Municipal, começou às 18 horas do dia 26 de maio, reunindo
milhares de pessoas na Praça Santos Andrade.
À noite, depois da cerimônia, na qual compareceram autoridades e demais representantes
da comunidade, houve uma grande festa no Círculo Militar do Paraná, quando foi realizada
a sessão solene da Câmara, que entregou uma placa de prata aos dirigentes do evento, com
os nomes de pessoas da comunidade negra, que se sobressaíram, na sociedade paranaense
naquele último ano. Em seguida, o Ballet Copélia encenou uma peça teatral, sobre as lutas e as
conquistas obtidas pelo negro no Paraná9.

A peça encenada pelo Ballet Coppélia como parte das atividades de inauguração do monumento à etnia
negra na Praça Santos Andrade foi o espetáculo “Raízes: nossa origem, nossa dança”, coreografado e dirigido
por Agnalda Trinkel10. Esse espetáculo foi encenado pela primeira vez no Teatro Guaíra, em 25 de novembro
de 1983, tendo três atos sobre a evolução da dança nas Américas. Além dos alunos do grupo de balé, o grupo
de capoeira do professor Kunta Kintê participou dessa apresentação de 1983. De acordo com a companhia, a
apresentação remetia a uma aula cultural no formato de dança e narração, que evidenciava a vinda dos negros
para a América e mostrava a evolução das danças do afro ao jazz e do samba, através da demonstração de
algumas danças afro-americanas do período da colonização11 (BALLET COPPELIA, 2009).
O espetáculo Raízes, encenado no dia 26 de maio de 1988 no Círculo Militar do Paraná, foi uma
versão reduzida do programa de 1983. O espetáculo original contava com mais de 150 participantes. O do
Círculo Militar contou com 80 participantes e foi encenado em três atos, nos quais foi destacada a atuação da
civilização africana no Brasil e demonstrado que “a dança afro-brasileira originou-se das cerimônias religiosas
sociais, de acontecimento da vida tribal das selvas africanas” (BALLET COPPELIA, 1988, p. 1). Foram lidos
e encenados trechos dos poemas “Navio Negreiro” e “Vozes d’África” de Castro Alves e de “A de Ó” do álbum
Missa do Quilombo de Milton Nascimento. Também foram encenados o banzo, o frevo, a umbigada ou semba,
a capoeira, o maculelê e o samba “movimento de continuidade, afirmação e resistência de valores culturais
negros” (BALLET COPPELIA, 1988, p. 2).

9. De acordo com as entrevistas realizadas com os homenageados ainda vivos e que participaram da inauguração da placa no dia 26 de
maio de 1988, havia muitas pessoas presentes, mas não acreditam que tenham sido milhares, talvez um pouco mais de uma centena,
pois nem todos os homenageados compareceram. Alguns nos relataram que desconheciam que seus nomes estão gravados nessa placa
e que foram homenageados e não possuem lembrança de terem sido convidados para o evento da inauguração. Outros apontam que
muitos homenageados foram acompanhados de seus familiares e que mesmo assim não atingiria a casa dos “milhares de participantes”.
Não foram localizadas, nos periódicos da época consultados, notícias que retratassem a inauguração do monumento, além do publicado
no Correio de Notícias de 27 de maio de 1988 referente à homenagem à etnia negra. Dos entrevistados, apenas Ozeil Moura dos Santos
contava com registros fotográficos daquele dia.
10. Disponível em http://balletcoppeliadobrasil.blogspot.com/2009/09/historia-da-escola-ballet-coppelia-do.html.
Acesso 28.dezembro.2018.
11. O espetáculo “Raízes” foi encenado em 1983, 1988 e 2013 conforme informação obtida na secretaria da escola Ballet Coppélia em
outubro de 2018. É um espetáculo bailado baseado no folk-dance americano (Dança. Correio de Notícias, 27/06/1984, p. 12).
Ballet Coppélia do Brasil  e Pulsação Cia de Dança apresentam “Raízes”. Disponível em http://www.teatroguaira.pr.gov.br/modules/
noticias/article.php?storyid=1109. http://www.emcartaz.net/danca/pulsar-cia-de-danca-e-ballet-coppelia-do-brasil/.
Acesso 28.dezembro.2018.

38
Cartaz espetáculo Raízes de 1988

Fonte: Ballet Coppélia/Agnalda Trinkel (2018)

39
Agnalda (ao centro) com dois dançarinos do espetáculo Raízes de 1988

Fonte: Ballet Coppélia/Agnalda Trinkel (2018)

Segundo Tortato (2001, p. 131), o marco em homenagem à comunidade afro-brasileira foi o décimo-
terceiro monumento implantado na Praça Santos Andrade, na data de 26 de maio de 1988. A obra é de autoria
e execução desconhecidas. A primeira placa, instalada em 1988, encontrava-se na área leste da praça, no
canteiro da esquina da Rua XV de Novembro com a Rua Conselheiro Laurindo, em frente ao Teatro Guaíra. A
primeira placa, todavia, foi furtada, de modo que num segundo monumento foi confeccionado e instalado em
uma localização diferente – desta vez, no canteiro da Rua XV de Novembro com a Rua João Negrão, em frente à
Universidade Federal do Paraná12.
Apesar das solenidades que marcaram sua inauguração, o Monumento à Colônia Afro-Brasileira de
Curitiba parece não ter encontrado espaço na paisagem da capital paranaense. Moraes e Souza (1999, p. 8),
em seu estudo sobre o preconceito em Curitiba, citam esse monumento à etnia negra que “descobriram” na
Praça Santos Andrade e concluem que ele reforça a tese da invisibilidade do negro na cidade, pois “a obra
que lembraria a população negra passa despercebida em meio à paisagem [...] além da inscrição ser de difícil
leitura”13. É diante da importância de se realizar um resgate histórico dos homenageados e também da trajetória
da colônia afro-paranaense que pensamos esse livro.

12. Não foram localizadas informações sobre esse furto. Em pesquisa aos arquivos da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA,
2017; PMC, 2001), realizada em outubro de 2018, foi encontrado apenas o registro do ano de 1988: Marco em homenagem à Comunidade
Afro-brasileira localizado a leste da praça, no canteiro da esquina da Rua XV de Novembro com a Rua Conselheiro Laurindo. A SMMA não
possui os registros atualizados com a nova localização do pedestal em granito e a placa em bronze em frente ao prédio histórico da UFPR.
Ressaltamos aqui que o registro que se encontra na SMMA apresenta a grafia incorreta de alguns nomes dos homenageados e que a nova
placa de bronze também possui divergências com relação a alguns registros da primeira. Todas essas estão devidamente relatadas nos
capítulos dedicados aos homenageados.
Muitos dos entrevistados lembram-se da localização original do monumento em frente ao Teatro Guaíra. Alguns demonstraram surpresa
ao apresentarmos a localização atual do monumento, pois consideravam que, depois do furto, ele não havia sido recolocado. Outros
relataram que o monumento original recebeu muitas depredações e atos de vandalismo, como uma vez em que jogaram um balde de
tinta vermelha sobre a placa de bronze. De acordo com um deles, o furto e a colocação do novo monumento teria ocorrido na segunda
gestão do prefeito Cássio Taniguchi, por volta do ano de 2006 (Anexo D). Infelizmente, em março de 2019, a segunda placa desapareceu
em decorrência da onda de furtos de materiais em bronze das praças de Curitiba. No dia 25 de abril do mesmo ano, ela foi recolocada pela
CMC, que conseguiu recuperá-la.
13. Em 1999, quando do estudo dos autores, a placa ainda estava em sua localização original em frente ao Teatro Guaíra.
Outro trabalho que também menciona a existência desse monumento em homenagem à etnia negra é Santana (2015, p. 23-24). Em
seu trabalho sobre o engenheiro Adelino Alves da Silva, ele destaca que em 1988, durante as comemorações prestadas ao primeiro
centenário da abolição da escravidão no país, o mesmo passou ”a fazer parte do memorial da abolição ao ter seu nome registrado na placa
da Praça Santos Andrade em homenagem às personalidades negras paranaenses que se destacaram no desenvolvimento do Estado”.

40
O presente trabalho apresenta, sob a forma de breves narrativas biográficas, parte das vidas dos 68
homenageados. Muitos dos nomes da placa foram personagens negros ocultados pela história tradicional,
mas que deixaram suas marcas na cidade de Curitiba, demonstrando a disputa entre as diferentes memórias
coletivas diante da necessidade de se posicionar frente a um passado “comum” inventado e legitimado através
do discurso oficial do Estado. Ao lermos sobre as vidas dessas personalidades negras, podemos questionar
as interpretações construídas no passado, para na atualidade podermos entender as discriminações culturais
presentes na sociedade: como determinadas memórias se tornaram hegemônicas na construção da narrativa
sobre a formação da sociedade paranaense? Que identidade paranaense é transmitida pela historiografia
tradicional? Qual o lugar do negro nas mesmas? Qual a contribuição do negro na construção desse passado
comum?
No que se refere à história dos negros no Paraná, a sua invisibilidade é reforçada pela narrativa
fragmentada, impossibilitando uma visão mais complexa e processual da presença africana no estado,
diferentemente da história dos brancos europeus que é marcada pela coesão e continuidade. Essa invisibilidade
faz com que os negros sejam desconectados do processo histórico mais amplo, sendo vistos como novos atores
sociais. Desse modo, omite-se que a luta do presente está associada com a história do povo negro na sociedade
brasileira. A construção de novos discursos não pode esquecer as marcas desse passado, com as quais se deve
dialogar para entendermos quem somos, e quem são os outros e, sobretudo, esses debates devem ajudar no
combate às desigualdades e às diferentes formas de discriminação racial ainda bastante presentes na sociedade
brasileira (VANALI, 2018).
Esta pesquisa tem como objetivo divulgar a trajetória dessas personalidades negras que desempenharam
papéis importantes na sociedade curitibana, especialmente no período que se estende da primeira metade
do século XX até o final da década de 1980. Todas essas personalidades, por meio de diferentes formas de
atuação, demonstram que a concepção de Curitiba como uma cidade onde “quase não há negros” é não somente
infundada, como serve para apagar as importantes contribuições legadas pela população afro-brasileira à capital
paranaense. É importante ressaltar que esse discurso tem como fonte o trabalho de Wilson Martins, intitulado
“Um Brasil Diferente”, publicado no ano de 1955, no qual o autor aponta o Paraná como sendo diferente do
restante do país, por ter sido formado “sem escravidão, sem negro, sem português e sem índio, dir-se-ia que
a sua definição humana não é brasileira” (MARTINS, 1989, p. 446)14. Assim, Curitiba teria sido fundada por
colônias de imigrantes europeus, sendo puramente branca, o que desemboca na narrativa da “cidade modelo”15
justamente por sua formação étnica. Nesse discurso, que ainda hoje encontramos reproduzido na mídia
local e nas propagandas institucionais, está implícito a ligação entre qualidade de vida e o predomínio dos
descendentes de europeus na formação da cidade. Tais representações alimentam ideias que estão pautadas
em noções racistas como se uma cidade só pudesse ter qualidade de vida se tivesse em sua formação étnica uma
predominância do elemento branco europeu; ou, se todo lugar onde este elemento branco fosse dominante
tornar-se-ia, necessariamente, desenvolvido. Esquece Wilson Martins que a presença africana no Paraná
ocorreu no século XVIII durante a busca pelo ouro. Com a decadência da mineração, os escravos africanos
foram transferidos para a agricultura e a agropecuária, sobretudo no planalto, nas fazendas dos Campos Gerais.
Mesmo após a proibição do tráfico negreiro, o Porto de Paranaguá estava entre os centros de contrabando de
escravos africanos para o Brasil.

14. Wilson Martins não se diz ligado ao Movimento Paranista, mas define a identidade paranaense como sendo naturalmente constituída
por fatores como clima e raça.
15. “cidade modelo” = excelente nível de vida e poucos problemas, sobretudo, os de infraestrutura.

41
Para além do viés racista, que contrapõe uma dualidade entre brancos (polo positivo) e negros (polo
negativo), esse discurso também é responsável por conferir invisibilidade à população negra de Curitiba16. O ideal
da “cidade-modelo”, comumente, esconde as condições de marginalização enfrentadas pelos afro-brasileiros na
capital paranaense, uma vez que esse setor da população muitas vezes sofre os piores indicadores sociais. O
problema da invisibilidade social dos negros é uma questão central no entendimento da sociedade brasileira.
Faz-se necessário desenvolver uma identidade que esteja aberta às diferenças e à pluralidade cultural, o que
não pode ocorrer sem que, ao menos, se reconheça a existência de diversos grupos étnicos e culturais que, em
dado momento, se misturam e realizam trocas culturais, e em outras situações, entram em conflito.
Apesar de a ideia de que a cidade é apenas branca-europeia ainda permanecer em grande parte do
imaginário e do senso comum dos curitibanos, outros trabalhos17 vêm tratando justamente da invisibilidade
social dos negros em Curitiba, mostrando que esse discurso foi construído com a ajuda da historiografia
tradicional18. A etnia negra é parte importante da população curitibana. Quase um quinto da população
de Curitiba se declara parda (16,9%) e 2,8% são pretos, conforme os dados do Censo de 2010 do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)19.
Santos (1977) desmistificou essa velha e consagrada ideia de um “Paraná louro e diferente”. Na verdade,
isso corresponde a um sonho de branqueamento das elites paranaenses, que escamoteia a importância do
sistema escravista na formação do território paranaense. A utilização do trabalho escravo no Paraná se enquadra
na estrutura característica da formação brasileira, na relação senhor e escravo presente em todos os setores
produtivos da economia do estado: mineração, agricultura, pecuária, artesanato, ofícios rurais e urbanos. A
sociedade paranaense foi constituída na primeira metade do século XIX, marcada pelo regime de trabalho
escravo, de modo que o elemento negro participou de forma efetiva na constituição da população paranaense.
Por outro lado, é importante destacar que os 68 nomes escolhidos para a homenagem de forma
alguma esgotam as personalidades negras que ajudaram a construir a cidade de Curitiba. A relevância dos
homenageados é incontestável, porém, destacamos aqui outros nomes ligados a algumas das primeiras
associações em defesa dos negros na cidade, tais como Benedito Marques dos Santos (ex-escravo e pedreiro,
que foi liderança importante na Sociedade Protetora dos Operários); João Baptista Gomes de Sá, popularmente
conhecido por João da Fausta (também ex-escravo atuante na Sociedade Operária Beneficente 13 de Maio e
ligado a diversos movimentos religiosos) e Vicente Moreira de Freitas (um dos fundadores da Sociedade 13
de Maio). No que diz respeito aos nomes mais recentes da militância, é possível destacar Paulo Borges, Jayme
Tadeu, Vera Paixão. Podemos adicionar à lista os literatos Laura Santos e Geraldo Magela Cardoso; enquanto no
teatro emerge a figura de Dirce Thomas. No campo esportivo, podemos destacar os jogadores Amauri Fernando
dos Santos Ferreira (considerado o primeiro jogador negro do Clube Atlético Paranaense), Máximo Francisco
dos Reis (Maçã) e João Maria Barbosa (Barbosinha). Na área musical, Palminor Rodrigues Ferreira (Lápis),
Waltel Branco e a atriz e cantora Evanira dos Santos. Ainda podemos incluir um dos fundadores da UFPR e da
seção da OAB/PR, o advogado João Pamphilo D’Assumpção. Ainda poderíamos incluir Percy dos Santos, Dario
Livino Torres, Joaquim Luiz Cândido, Sueli de Jesus Monteiro, Marilene dos Santos. Trata-se de uma lista de
valor inesgotável e impossível de ser contabilizada.

16. Os indígenas também são deixados de lado nessa narrativa da “fundação europeia da cidade”, apesar da origem semântica do nome da
cidade – Curitiba – ser de origem tupi e significar “muito pinhão”.
17. Consultar Ianni (1988) e Moraes; Souza (1999).
18. Aqui nos referimos, sobretudo, a Romário Martins (1995), Ruy Wachowicz (1988) e Cecília Westphalen (1969).
19. Disponível em http://censo2010.ibge.gov.br/. Acesso 13.maio.2018.

42
Temos que refletir sobre como nos relacionamos com a cidade de Curitiba, que imagem temos dela e
de seus habitantes, o que implica na formação da nossa própria identidade, ou pelo menos parte significativa
dela. O que é “ser paranaense”, “ser curitibano”? Um dos objetivos dos textos que compõem este trabalho é
fornecer aos leitores uma carga de conhecimento para refletir sobre novos e velhos discursos, sobretudo, acerca
das identidades paranaense e curitibana, multiplicando suas perspectivas, evitando o ideal único do “Paraná
Europeu”. Nossa História mistura diversos elementos e devemos desenvolver uma consciência mais crítica a
respeito desse processo a fim de não apenas compreender o passado, mas construir o presente como cidadãos
ativos, autônomos e pensantes.

O Centenário da Abolição da Escravidão na Câmara Municipal de Curitiba

Em 4 de maio de 1988, a Comissão de Educação, Cultura, Bem-Estar Social e Turismo20 da Câmara


Municipal de Curitiba dá parecer favorável ao anteprojeto de lei de autoria da então vereadora Marlene Zannin
(Processo Nº 73/88 e Projeto de Lei Nº 63/8821) que consagrava o dia 20 de novembro como o Dia de Zumbi dos
Palmares, da consciência e da luta do povo negro22. O objetivo desse projeto de lei era reconhecer a importância
dessa parcela significativa da população, contribuindo para a interação entre as diversas etnias que constituem
o povo curitibano. A comissão considerou o tema atual e que o reconhecimento da contribuição da etnia
negra à constituição da sociedade paranaense estava restrito apenas às pessoas com “extrema sensibilidade”.
Em sua defesa do anteprojeto, Zanin destacou que essa era uma oportunidade de a Câmara prestar serviços
homenageando a resistência e a luta do povo negro, bem como reconhecendo a sua contribuição na formação
e no desenvolvimento de Curitiba. Também assinalou que essa iniciativa era uma reivindicação antiga que já
existia na comunidade negra:

Os mais importantes movimentos de representação do povo negro no Brasil, aqueles que


estão sempre na linha de frente, lutando a dura luta diária dos negros em nosso país, gritando
contra as injustiças sociais, bradando contra os preconceitos, não têm dúvida em afirmar: as
comemorações desse chamado centenário da abolição da escravatura no Brasil são uma farsa.
São uma ofensa, um insulto à inteligência das pessoas conscientes. Uma balela, um golpe, que
não respeita seus cidadãos.
Os movimentos negros acreditam, firmemente, que passados 100 anos do histórico documento
assinado pela Princesa Isabel, os negros brasileiros, que são 44% da nossa população,
continuam vítimas de ódios, discriminações e violências de todos os tipos.
É fácil observar: há todo um discurso, até mesmo uma ideologia, com o objetivo de manter
uma ilusão. A falsa ilusão de que vivemos nós, brasileiros, num país de democracia racial,
onde “os homens e mulheres são iguais para a sociedade ou ainda são iguais perante a lei”.
Mentira! Decretos governamentais com objetivos publicitários. Leis que nunca são obedecidas.
Comemorações enganosas, pré-forma. Tudo isso ajuda a esculpir um quadro de hipocrisias,
com a intenção, apenas de iludir aos cidadãos, sobretudo, o povo negro.
Pois, na prática, o que se vê é precisamente o contrário. São preconceitos os mais absurdos,
às claras, ou de forma mais ou menos velada, sutil, que se expressam no bloqueio à ascensão
social, às profissões, à cultura e à vida em grupo. De fato, os negros são todos os dias agredidos,
impedidos de viver com dignidade, isolados.
Mais que isso: são ofendidos em escolas, restaurantes, serviços. São preteridos em concursos,

20. Composta pelos vereadores Marcos Isfer, Ubirajara Binhara, Ivanir Stival e Jorge Bernardi.
21. Ata da 5ª Reunião Ordinária do 2º Período Ordinário da 6ª Sessão Legislativa da 9ª Legislatura realizada em 10 de maio de 1988, p.
3361–3362.
22. Parecer 26/88, de 4 de maio de 1988. Original disponível na biblioteca da Câmara Municipal de Curitiba.
Agradecemos as informações fornecidas pela ex-vereadora Marlene Zannin em 5 de março de 2018.

43
desprezados até mesmo pelos livros didáticos. Todos os dias, aos milhares, os negros
continuam sendo impedidos de subir pelos elevadores sociais e convidados a entrar pelas
portas dos fundos. Olhados com soberba em restaurantes. Infelizmente, transformados
apenas na redução racista, feita pelas elites, de engraxates, favelados, jogadores de futebol,
trombadinhas, delinquentes.
Senhor Presidente. Senhores Vereadores.
Não há como negar: o racismo, no Brasil, é um fato alarmante. Uma verdade, verdade dura,
concreta, que se percebe a olho nu.
É então de se perguntar: que abolição é essa que o governo pretende comemorar no Brasil
agora dia 13 de maio?
Por que essa festa, com sabor de vitória na Copa do Mundo, com a alegria e o orgulho de quem
descobriu a cura do câncer ou milhões de poços de petróleo? Que escravatura é essa, que o
governo diz que se aboliu? Ora, aboliu-se o quê?
É até possível que, tecnicamente, aquela escravatura do instrumento de posse, que vinculava o
negro à propriedade de um senhor de engenho, tenha mesmo sido extinta. De fato, não existe,
hoje, aquela situação vergonhosa dos pescoços, braços e pernas presos às correntes. Parece
que terminaram, também aquelas noites intermináveis de dores, sofrimentos e lamentações,
de chibatadas e isolamento nos pelourinhos.
O povo negro é quem indica o caminho das pedras para a compreensão sobre o que houve no
Brasil depois de tal abolição da escravatura.
A escravatura se desenvolveu, agora, até uma outra dimensão: na rejeição pessoal, na
marginalização profissional. Na forma de segregação, do isolamento nunca dito, mas
praticado, surdo, mas eloquente.
Os dados são estarrecedores.
Veja-se, por exemplo, que apenas 5 entre 100 negros brasileiros têm ocupação de nível
superior. Desses que estão empregados em atividades técnicas ou especializadas por curso
universitário, as pesquisas mostram que a grande maioria recebe apenas 70% do que é pago
aos brancos.
Mais, de cada 100 negros que trabalham, 85 estão na agricultura, em tarefas não especializadas,
que exigem apenas força física.
Do total de desempregados no Brasil, segundo informação do IBGE, os negros significam 67%.
É chocante. É uma vergonha.
Mas não é de hoje – senhor Presidente, senhores Vereadores – que o povo negro vem resistindo,
com todas as suas forças, a essa absurda ideologia da superioridade dos brancos sobre os
negros, às intermináveis tentativas e tentativas cada vez mais violentas de aculturação e até
mesmo de extinção dos negros no Brasil.
Tal situação tem que mudar. Precisa mudar – urgentemente. Podemos inspirar-nos na
grandeza pessoal e política do grande Zumbi dos Palmares, o líder símbolo que, séculos
atrás, chefiou nos quilombos a revolta dos negros contra a violência das raças dominantes.
Zumbi dos Palmares deixou, a todos, nós lições perpétuas. Lições de inconformismo contra a
acomodação, contra a injustiça e contra a propaganda cruel e mentirosa das elites.
Ao passar dos anos, não apenas nossos irmãos negros, mas todos nós, brasileiros, pudemos
perceber, no grande personagem brasileiro, traços de humanismo que revelam um ser
superior, acima das origens, raças, cores e credos.
Até hoje, a data da morte de Zumbi dos Palmares – 20 de novembro de 1695 – é festejada
pelos negros como símbolo, um marco de sua resistência. Tal data, mesmo que ainda não
oficializada, é comemorada, há muitos anos, por todos os setores conscientes da nossa
sociedade, pelo que tem de manifestação política, luta e conscientização.
Tal data é um não – uma negativa firme e em altíssimo som, de todos nós, de se participar
dessa farsa estúpida e enganadora do centenário da abolição da escravatura ou de qualquer
celebração que pretenda dar conta da libertação do povo negro.
Cumpre-se, portanto, que a morte do grande Zumbi, líder negro e de todos os cidadãos
consequentes e conscientes, seja oficializada em lei.
É nesse sentido o meu projeto senhor Presidente, senhores Vereadores. Trata-se de marcar o
reconhecimento à luta dos negros do Brasil e de todo o mundo.
Líderes dos movimentos negros e importantes artistas e intelectuais de todo o Brasil enviaram
telegramas MM e cartas a esta vereadora congratulando-se com o projeto. Celebridades como
o grande Gilberto Gil, a presidenta do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher – Jaqueline
Pitanguy, o deputado Caó, a deputada federal Benedita da Silva, secretários de Estado e
secretários municipais do Paraná e de Curitiba, como René Dotti, Belmiro Castor, Carlos Marés.

44
Eles, os senhores e eu – todos nós – enfim, temos uma posição histórica a tomar, contra a
mistificação do fim da escravatura e contra os ódios e as violências desumanas que se
cometem contra nossos irmãos.
É, sobretudo, por isso que agora peço a aprovação a este projeto que é de todos. Trata-se de
manifestar publicamente que desprezamos essa odiosa forma de exploração que é o racismo.
Trata-se de dizermos um “não” ao racismo, para o qual não há lugar na sociedade que
projetamos para nós e nossos filhos. Uma sociedade a favor de todas as liberdades individuais
e a favor dos direitos, da democracia e da integração entre todos os homens e todas as
mulheres.

Obrigado (MARLENE ZANNIN, 10/05/198823)

A vereadora ressaltou que não se poderia relegar a data de 13 de Maio a um segundo plano sem deixar
registrada a solidariedade para com o povo negro e o esforço desse pelo reconhecimento de seus direitos no
país. Com o fim da sua fala, temos os apartes de outros vereadores com relação à proposta inicial apresentada
por Zanin:
– vereador João Gorski: colocou alguns “desafios” interessantes aos vereadores de Curitiba. Ele
perguntou quantos funcionários negros existiam nos gabinetes dos vereadores e quantos funcionários da
Câmara eram da cor preta. Ressaltou que ele tinha um funcionário negro em seu gabinete. Falou que existia
discriminação quando as pessoas iam solicitar empregos aos vereadores e que, embora não pudesse confirmar,
acreditava existir grande discriminação durante as realizações de concursos públicos. Considerava que o
projeto de lei da vereadora não seria aprovado24, pois os currículos das escolas já estavam definidos para se
fazer valer o segundo artigo proposto de promover na rede municipal de ensino eventos alusivos à data de 20
de novembro visando despertar a consciência coletiva sobre a situação do negro na sociedade brasileira25.
– vereador Francisco Derosso: parabenizou o vereador Gorski por ser o único a ter um funcionário
negro e lamentou que a “própria raça negra tenha discriminação entre eles”. E descreveu o “negro jabuticaba”
que era negro por fora e branco por dentro, “que é o caso dos ‘pelés’ da vida que procuram sempre se casar com
loiras discriminando a própria raça”26.
– vereador João Queiroz Maciel: pediu que constasse em ata da presente sessão os votos especiais de
regozijo e congratulações pelos centenários da abolição da escravatura no Brasil e da Sociedade Treze de Maio
de Curitiba27.
No dia 3 de junho de 1988, o então prefeito Roberto Requião sancionou a Lei Nº 7186, que consagrou
o dia 20 de novembro como o Dia de Zumbi dos Palmares, da consciência e da luta do povo negro. Assim, todo
dia 20 de novembro, a Câmara Municipal de Curitiba realizaria uma sessão especial e a prefeitura municipal
promoveria, na rede municipal de ensino, através da Fundação Cultural de Curitiba, eventos alusivos à data,
visando despertar a consciência coletiva sobre a “situação do negro em nossa sociedade”28.

23. Ata da 5ª Reunião Ordinária do 2º Período Ordinário da 6ª Sessão Legislativa da 9ª Legislatura realizada em 10 de maio de 1988, p.
3370.
24. O projeto foi aprovado se tornando a Lei Nº 7186/1988.
25. Ata da 5ª Reunião Ordinária do 2º Período Ordinário da 6ª Sessão Legislativa da 9ª Legislatura realizada em 10 de maio de 1988, p.
3370.
26. Ata da 5ª Reunião Ordinária do 2º Período Ordinário da 6ª Sessão Legislativa da 9ª Legislatura realizada em 10 de maio de 1988, p.
3370.
27. No dia seguinte, 11 de maio de 1988 o vereador João Maciel apresentou um projeto de Lei declarando de utilidade pública a Sociedade
Operária Treze de Maio. Ata da 6ª Reunião Ordinária do 2º Período Ordinário da 6ª Sessão Legislativa da 9ª Legislatura realizada em 11
de maio de 1988, p. 3456.
28. Lei Nº 7186/86 de 3 de junho de 1988. Publicado no Diário Oficial Nº 47 de 14/06/1988. Anexo C.

45
Paralelo ao trabalho da vereadora Marlene Zannin, o vereador Luiz Carlos Betenheuser apresentou
na Câmara Municipal de Curitiba um projeto de lei sugerindo a nomeação de um logradouro público, praça ou
parque da cidade de “Zumbi dos Palmares”. Sua justificativa era de que “a história do negro no Brasil e a própria
colonização nacional calcada nas etnias afro-brasileiras merecem um registro maior e oficial em Curitiba”29. Dia
4 de novembro de 1988, o então prefeito Roberto Requião inaugurou a Praça Zumbi dos Palmares, localizada
na Rua Lothário Boutin, 374, no bairro Pinheirinho. Para participar da escolha do logradouro e da solenidade
de inauguração, o vereador convidou o cônsul do Senegal, Ozeil Moura dos Santos30. Em 25 de maio de 1991,
o prefeito Jayme Lerner inaugurou o anfiteatro ao ar livre, que abriga o mural da artista plástica Maria Luiza
Taborda, cujo objetivo é representar artisticamente a história de lutas dos negros no Brasil31. Em 22 de maio de
2010, o prefeito Luciano Ducci inaugurou o Memorial Africano32, que é formado por 54 totens que representam
todos os países do Continente Africano. Cada totem apresenta a bandeira de um país africano, sua localização
dentro do continente e placas que marcam as visitas das autoridades desses países à cidade de Curitiba.  O
projeto é do arquiteto Fernando Canalli. A praça tem aproximadamente 21.600 metros quadrados. Além das
54 colunas, outras duas, amarelas, uma simbolizando a educação e a outra a cultura, com o dobro do tamanho
e diferenciadas das demais, completam o portal. Uma delas, da educação, é de aço perfurado com iluminação
internada. A outra, da cultura, é em argamassa com desenhos africanos em baixo relevo. Um mosaico de pedras
nas cores preto, branco e vermelho forma o mapa do Continente Africano, com o desenho dos países33.

Praça Zumbi dos Palmares em Curitiba Memorial Africano

As colunas amarelas representando a cultura e a educação


Anfiteatro e aos fundos mural de Maria Luiza Taborda As colunas vermelhas representando os países africanos
Fonte: http://www.pontosturisticoscuritiba.com.br/ No centro, o mosaico com o mapa da África
Fonte: Antonio More/Gazeta do Povo, 25/11/2016

29. No centenário da abolição vereadores lembram que o negro ainda é marginalizado. Correio de Notícias, 13/05/1988, p. 3.
30. Correio de Notícias, 13/05/1988, p. 3.
Ata da 5ª Reunião Ordinária do 2º Período Ordinário da 6ª Sessão Legislativa da 9ª Legislatura realizada em 10 de maio de 1988, p. 3367.
31. Correio de Notícias, 04/09/1990, 26/09/1990, 28/09/1990, todas na página 21. Correio de Notícias, 23/05/1991, p. 5.
32. Ozeil Moura dos Santos foi quem concebeu o portal e recebeu até o momento 30 embaixadores africanos que já colocaram suas placas
em seus respectivos totens (OZEIL, 2019).
33. ÁFRICA E BRASIL: dois continentes. Uma identidade cultural preciosa. Fôlder de divulgação do Consulado Geral Honorário da República
do Senegal para os estados do Paraná e Santa Catarina.

46
A última referência nos anais da Câmara Municipal de Curitiba com relação ao primeiro centenário
da abolição da escravatura é do dia 18 de maio de 198834. Trata-se de um requerimento do vereador Luiz
Carlos Betenheuser para que conste nos anais da Câmara o artigo intitulado “O espírito da senzala continua”,
publicado no jornal “O Estado do Paraná”, no dia 2 de maio daquele ano, de autoria de José de Paiva Neto. No
referido artigo, o autor assinala que a comemoração do centenário da abolição da escravatura seria marcada
por grandes festas, porém, questiona se havia o que realmente ser comemorado uma vez que mesmo após o
advento da república ainda não se viam cidadãos negros nos altos escalões do governo e quando isso acontecia
é como se fosse um favor, como se estivessem a dizer “olhem, não somos racistas!”, sendo que o próprio alarido
provocado quando isso acontece comprova a raridade do fato. “Será que não há negros competentes no Brasil?”,
questiona Paiva Neto. O jornalista aponta ainda que a escravidão continuou sob diversos aspectos, pois o
“espírito da senzala ainda permanece na alma dos brasileiros!” e isso ajuda na ineficácia da luta pela igualdade
de raças que proporcionaria estudo, educação, trabalho, moradia e alimentação a todos do Brasil.
Nos anais da Câmara Municipal de Curitiba, não há nenhuma referência à placa colocada na Praça
Santos Andrade em homenagem à Colônia Afro-brasileira de Curitiba. O que se tem, além dos registros acima já
relatados, é a manifestação dos vereadores, em geral, que no centenário da abolição da escravatura não havia
nada a ser comemorado, pois o negro ainda era marginalizado35.
O periódico Gazeta do Povo de 12 de maio de 198836 traz a notícia sobre o projeto de lei do deputado
federal pelo Rio de Janeiro Carlos Alberto Caó37, apresentado no dia anterior à Câmara dos Deputados,
considerando o racismo como crime inafiançável, prevendo a detenção, multa e outras penas como forma de
punição. No dia seguinte, 13 de maio de 1988, Dia do Centenário da Abolição da Escravidão no Brasil, o mesmo
periódico apresenta os números do IBGE da época referentes à população negra no Brasil (segundo o censo de
1980): a população negra representava 5,9% de um total de 120 milhões de brasileiros. A maior concentração
da população negra ocorria na Bahia com 1 milhão e 54 mil negros para uma população estadual de 9 milhões
e 455 mil habitantes, ou seja, 11,1% da população baiana era negra. O Rio de Janeiro era o segundo estado com
maior contingente de negros: 10,8%, o que representava 1.028.465 negros para uma população estadual de
11.291.631 habitantes. São Paulo aparecia com uma população total em torno de 25.042.000 habitantes e com
um contingente de 1.152.000 negros, ou seja, 4,6% da sua população. O estado com o menor percentual de
negros era o Amazonas com 1,75%, ou seja, 24.432 negros para uma população estadual em torno de 1 milhão
e 430 mil habitantes.

34. Ata da 9ª Reunião Ordinária do 2º Período Ordinário da 6ª Sessão Legislativa da 9ª Legislatura realizada em 18 de maio de 1988, p.
3587–3588.
35. Correio de Notícias, 13/05/1988, p. 3.
36. Crime de racismo pode se tornar inafiançável. Gazeta do Povo, 12/05/1988, p. 18.
37. Carlos Alberto Oliveira dos Santos (1941-2018), também conhecido como Caó, foi um advogado, jornalista e político brasileiro, militante
no movimento negro, conselheiro do Conselho Estadual de Direitos do Negro (Cedine) do Rio de Janeiro e membro da Associação
Brasileira de Imprensa (ABI), em cuja carreira se destacou a luta contra o racismo, tendo sido o autor da Lei Caó. Aprovada a Constituição,
em 1988, o deputado apresentou o projeto de lei 688, que deu origem à Lei 7.716/1989, que é a lei que define os crimes em razão de
preconceito e discriminação de raça ou cor. Esta lei regulamentou o que havia sido disposto na Constituição, ela tipificou o crime de
racismo, estabelecendo pena de prisão. Até então, o racismo era considerado pela legislação brasileira apenas uma contravenção penal.
A própria tipificação do racismo como contravenção também nasceu deste militante da causa negra: a Lei nº 7.437/1985 é conhecida
como “Lei Caó”, e é o embrião da legislação dos crimes de racismo (“inclui, entre as contravenções penais a prática de atos resultantes de
preconceito de raça, de cor, de sexo ou de estado civil, dando nova redação à Lei nº 1.390, de 3 de julho de 1951 – Lei Afonso Arinos.”). Fonte:
Lei CAÓ (Carlos Alberto de Oliveira Caó). Biblioteca Virtual de Direitos Humanos da USP. Disponível em http://www.direitoshumanos.
usp.br/index.php/Documentos-Hist%C3%B3ricos-Brasileiros/lei-cao-carlos-alberto-de-oliveira-cao.html. Acesso 28.dezembro.2018.

47
Mas a polêmica maior era em torno da questão se nesse dia 13 de maio de 1988 havia motivo para
comemorações ou era um convite à reflexão sobre a situação do negro na sociedade brasileira, visto ele sofrer
sérios problemas de preconceito e discriminação. A atriz Odelair Rodrigues, importante personalidade negra
da sociedade curitibana, declarou que, em cem anos, eram poucos os privilegiados que podiam falar pelo povo
negro e observou que a defesa desse povo deveria continuar “com maior esclarecimento de todas as partes e sem
enganos ou engodos”. Pedia posições mais firmes, honestas e humanas para superar a questão da cor e sugeria
que as leis se aperfeiçoassem tanto para negros, quanto para os brancos. Falou também das oportunidades: ela
não conhecia negros generais ou dirigentes de grandes complexos, e que os negros acabavam sendo destaque
somente no futebol e na carreira artística, “salvo as exceções” (GAZETA DO POVO, 13/05/1988, p. 13)38.
Na mesma data, o jornal Nicolau reuniu depoimentos de moradores da cidade a respeito do 13 de maio.
A professora Marli Teixeira Leite declarava que o centenário da Lei Áurea era o “centenário da mentira” visto
que:

Atualmente nós, os negros, tentamos nos livrar da chamada ideologia do embranquecimento


que bloqueou a vivência de nossas raízes, e estamos aí na luta, junto ao grupo (curitibano) de
União e Consciência Negra. Até a próxima abolição39.

Nessa mesma data, o comerciante Idalto José de Almeida levantava a bandeira do “diga não ao dia 13”:

A história oficial do Brasil sempre apresentou o dia 13 de maio de 1888 como o ponto final
da escravidão negra brasileira, procurando mostrar, de um lado a Lei Áurea como fruto de
abnegados jovens do movimento abolicionista e, de outro, como uma atitude benévola da
princesa Isabel. Relegaram, por sua vez, a um papel irrelevante a participação dos próprios
negros na desestruturação do regime escravista, através de suas lutas organizadas em
quilombos, rebeliões e insurreições urbanas.
O movimento abolicionista somente se manifesta organizado politicamente quando o sistema
escravagista entra em sua crise derradeira, no final do século XIX, enquanto que as revoltas
e organizações de resistências e lutas negras já se caracterizavam como fatos históricos tão
relevantes e importantes no século XVII, como é o caso do Quilombo de Palmares, que teve
uma população acima de 35 mil habitantes, resistindo por mais de cem anos aos ataques e
investidas dos escravagistas.
Ora, a Lei Áurea, com seu caráter jurídico, será nada mais que a expressão de interesses
políticos e econômicos da elite dominante da época, não fornecendo garantias e direitos
fundamentais de existência e cidadania à população negra. Desde essa “abolição”, foram sendo
criados, pela elite dominante, modelos e mecanismos discriminatórios, como a democracia
racial, ideologia do embranquecimento, marginalizando o negro a níveis econômicos, sociais,
culturais e existenciais40.

No dia 12 de maio de 1988, a comunidade negra de Curitiba realizou um protesto, em silêncio, pelo
centenário da abolição da escravatura, pois para essa comunidade o verdadeiro dia de comemoração é o 20
de Novembro, aniversário da morte de Zumbi. O protesto foi uma passeata na Rua das Flores (Rua XV de
Novembro), com cerca de cem pessoas, que terminou na Boca Maldita. As pessoas carregaram cartazes e faixas
com dizeres que procuravam despertar a consciência da população para a verdadeira situação do negro no

38. Centenário da abolição. Gazeta do Povo, 13/05/1988, p. 13 e 35.


39. O centenário da mentira. Nicolau, Ano I, Nº 11, p. 1.
40. Diga não ao dia 13. Nicolau, Ano I, Nº 11, p. 1.

48
Brasil. “SEM ANOS DE ABOLIÇÃO. CEM ANOS DE MENTIRA”, foi o lema da passeata, que questionou a identidade
cultural do negro, a sua busca pelo avanço político-social e o sistema capitalista onde todo trabalhador é
escravo. A vereadora Marlene Zannin também participou da passeata e, em entrevista ao jornal Correio de
Notícias, destacou a luta do Conselho da Condição Feminina contra o preconceito em relação à mulher negra41.
No dia 13 de maio de 1988, alguns vereadores de Curitiba se manifestaram na imprensa local sobre o
centenário da abolição. A maioria desses vereadores tinha uma visão de que um século depois foram constatadas
mudanças que possibilitaram a integração racial e a eliminação do preconceito de cor através de um convívio
baseado nos moldes do civismo. Porém, um vereador negro da época, Hasiel Pereira, destacou como um século
depois os negros ainda eram marginalizados e que não havia motivos para a comemoração da “libertação da
raça negra”:

O processo de marginalização do negro brasileiro passa pela política injusta de distribuição


de renda imposta ao país durante toda a sua história de colonização à nova república.
Apesar dos negros se constituírem na grande força produtiva e cultural do país, o que se
verifica é uma política falsa, discriminatória no momento de passar a limpo essa questão.
As leis elaboradas não respondem de forma satisfatória a este problema da marginalização
do negro, pois sem reformas sociais que objetivem a ampliação das melhorias de vida da
população este processo de marginalização continuará cada vez mais acelerado.
A discriminação racial embora proibida em termos legais continuará a empurrar a população
negra à marginalização. O cliché de que o negro só sabe fazer samba, carnaval, jogar futebol e
tomar cachaça tem que acabar. O poder dominante – e aqui não entra nenhum conflito racial,
mas político que se utiliza deste grande canteiro cultural e por final quem ainda acaba pagando
a conta são os pobres, onde a raça negra é a maioria. (HASIEL PEREIRA, 13/05/1988)42

O Centenário da Abolição da Escravidão na Assembleia Legislativa do Paraná

No dia 12 de maio de 1988, a Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) fez uma homenagem à comunidade
negra por suas diversas contribuições ao desenvolvimento nacional. A solenidade deve início às 9 horas, com
a abertura do deputado Antônio Anibelli, que em seu discurso falou da necessidade da conscientização sobre
a questão racial que deveria continuar a ser discutida no dia a dia. A deputada Amélia de Almeida Hruschka
lembrou que “sempre que abordamos a luta dos negros pela sua emancipação devemos recordar o heroísmo
da luta de Zumbi dos Palmares que conseguiu reunificar os negros da sua época para efetivar a luta por
libertação!”43 Também participaram da solenidade o Secretário Estadual da Cultura René Dotti, o cônsul-geral
do Senegal Ozeil Moura dos Santos, os deputados Caito Quintana e Rafael Greca, e a atriz Odelair Rodrigues, que
recebeu uma homenagem especial em nome da comunidade negra paranaense44.

41. No centenário da abolição vereadores lembram que o negro ainda é marginalizado. Correio de Notícias, 13/05/1988, p. 3.
A comunidade negra anunciada na matéria era integrada pelos Agentes da Pastoral Negra, Grupo União e Consciência e Grupo Pró-Negro
que não realizaram nenhuma atividade para o dia 13 de maio, mas que estavam organizando várias atividades para o dia 20 de novembro.
42. No centenário da abolição vereadores lembram que o negro ainda é marginalizado. Correio de Notícias, 13/05/1988, p. 3.
43. Anais da Alep de 12 de maio de 1988. 2ª Sessão Legislativa da 11ª Legislatura. Disponível em http://www.alep.pr.gov.br/atividade_
parlamentar/diarios_da_assembleia/1988/5. Acesso 2.janeiro.2018.
44. Negro. Correio de Notícias, 12/05/1988, p. 3.

49
Nos trabalhos da Alep desse dia, o deputado Algaci Túlio propôs o Projeto de Lei Nº 132/88, declarando
de utilidade pública a Sociedade Operária Beneficente Treze de Maio devido a sua luta pela causa negra45. Na
mesma sessão, o deputado Ezequias Losso propõe uma reflexão sobre o centenário da abolição da escravatura:

Inicialmente quero congratular-me com o presidente desta Casa, Deputado Antônio Martins Anibelli, pela
iniciativa do ato realizado nesta Casa pela manhã, em homenagem ao negro. As manifestações foram
significativas e os pronunciamentos abalizados e oportunos. Em sequência, permitam-me, dizer que, no
momento, a nação vive o clima de slogans e da fantasia que comemora um fato histórico como a abolição
da escravatura, é preciso que nos conscientizemos de que ainda caminhamos com passos incertos
nesta empreitada. Infelizmente, o ser humano da cor negra continua tão discriminado e espezinhado
quanto antes, tendo como único benefício desta suposta liberdade, a liberação das correntes que os
identificavam como escravos. Lamento, senhores, não poder desta tribuna, em data de hoje, colorir meu
pronunciamento com elogios e frases feitas que enalteçam o que já se fez neste país pelo negro, pois é
mínimo ainda o reconhecimento da igualdade entre cidadãos.
A existência de uma Lei Afonso Arinos neste país é a maior prova desta afirmação inicial. O branco não
precisa de qualquer lei para preservar os seus direitos neste país democrático. O negro a necessita
como forma de reparação à discriminação odiosa que observamos em todos os campos de trabalho e da
sobrevivência. Disfarçamos e mascaramos com uma conveniência até certo ponto, a presença do negro
na família e na sociedade, como se diante de nós estivesse um ser humano diferente, tão diferente e
não apenas na pigmentação. E nesta odiosa discriminação que observamos nos dias de hoje, sentimos a
revolta de uma parte de nossa gente que precisa sobrepujar em todos os sentidos o ser humano da raça
branca, sob pena de minimizar sua oportunidade no trabalho, na cultura, na sociedade e, principalmente
entre as famílias.
É odioso este comportamento, principalmente para nós, que nos dizemos cristãos, quando esquecemos
o princípio divino da igualdade entre os seres humanos criados à imagem e semelhança do Senhor. Não
se especificou na Mensagem Divina se esta imagem era branca ou negra. Não se discriminou a condição
do irmão que, infelizmente, o ser humano, por sua ignorância, continua plantando até os dias de hoje.
Como membro de um partido cuja filosofia neoliberal pretende a igualdade entre todos, e na condição de
representante do PL nesta Casa, quero parabenizar, nesta oportunidade, não só os negros, como também
os brancos que já entenderam esta igualdade. Com os brancos que não discriminam. Com os brancos que
não minimizam as qualidades do seu próximo. Apenas pela cor. Com os brancos que entendem em sua
profundidade a mensagem cristã do “amai-vos uns aos outros”. Senhores, não posso me sentir animado
com o estado das coisas existentes num país que se vangloria de não discriminar o negro, que aboliu a
escravatura, mas que continua a oferecer mínimas oportunidades por causa da cor da pele. Não posso
cumprimentar os cem anos de abolição da escravatura, pois apenas tiramos a corrente, mas continuamos
a manter a escravidão pessoal através da manifestação da inteligência.
Não posso me sentir realizado quando vejo irmãos marginalizados por causa da cor. Comemoramos o
que, com estes cem anos? O fim de um comércio de escravos? Mas e a infraestrutura que a raça negra
teria que obter para sentir-se gente como todos nós, foi-lhes proporcionada? A Lei Afonso Arinos não é a
identificação de que ainda se necessitam instrumentos especiais para garantir ao negro o mesmo direito
que o branco, sem discriminação? Não senhores. A abolição da escravatura não pode ser comemorada
com estes cem anos. Ela ainda está em pleno curso. Ela ainda caminha para o saneamento da ignorância
de quem, detendo o poder não, se conscientizou de que os direitos e deveres são iguais para todos,
independentemente da cor, e que não fique tal conceito apenas na ordem constitucional, mas na realidade
de um país como o nosso.
Não tenho motivo para euforia e nem para festejar. Não, enquanto continuar a discriminação à mãe negra,
cujo filho é o mesmo tesouro da mãe branca. Não enquanto a criança negra for olhada com desdém ou
menosprezo em certas escolas. Não, enquanto a jovem negra for considerada apta apenas para serviços
insignificantes, por causa da sua cor. Não, enquanto o cidadão negro for relegado, a segundo plano, nas
fábricas, escritórios, no serviço público. Não, enquanto houver necessidade de uma Lei Afonso Arinos
para assegurar o direito de se dizer gente como todos nós. Não, senhores deputados, não há motivo para
comemorarmos os cem anos da abolição da escravatura que ora registramos. Historicamente é uma data
que deve envergonhar a todos nós, pois mostra que, passado um século, ainda não tivemos a capacidade
de entender que somos iguais perante Deus, o Supremo Criador e que esta lição deveria ser o exemplo
para a conduta terrena. Muito obrigado! (EZEQUIAS LOSSO, 12/05/1988)46

45. Anais da Alep de 12 de maio de 1988. 2ª Sessão Legislativa da 11ª Legislatura, página 7. Disponível em http://www.alep.pr.gov.br/
atividade_parlamentar/diarios_da_assembleia/1988/5. Acesso 2.janeiro.2018.
46. Anais da Alep de 12 de maio de 1988. 2ª Sessão Legislativa da 11ª Legislatura, páginas 7–8. Disponível em http://www.alep.pr.gov.br/
atividade_parlamentar/diarios_da_assembleia/1988/5. Acesso 2.janeiro.2018.

50
O discurso do deputado Losso sobre o centenário da abolição serviu para a reflexão sobre a condição do
negro na sociedade brasileira. O negro estava inserido em uma estrutura social que continuava privilegiando o
branco, mesmo sendo um contingente numeroso no país, tinha dificuldade de acesso à formação educacional e
profissional, principalmente quanto a sua representatividade nos poderes de decisão na vida da nação, além da
omissão da contribuição negra na formação cultural brasileira.
A criação da Sociedade Treze de Maio, talvez a mais importante instituição histórica dos negros
curitibanos, nunca teve por objetivo fazer a discussão da situação dos negros locais e refletir sobre os discursos
de inclusão e manifestação afro-brasileira e quase não manteve contato com o movimento negro que enfrentava
o poder instituído. Seu objetivo, uma vez que a sociedade foi fundada por um grupo de negros recém-libertos,
era agregar os recentes ex-escravos e ajudá-los fornecendo auxílio médico, hospitalar e educativo. Não foi
uma instituição restrita apenas aos negros, mas possuía um caráter inter-racial e interclassista abrigando
vários movimentos trabalhistas, visto que a busca almejada não era apenas a liberdade, mas a criação de uma
consciência de cidadania. Assim, a Sociedade Treze de Maio, como a Sociedade Beneficente Operário foram
espaços de sociabilidades dos segmentos dos excluídos da sociedade curitibana, reunindo negros e não negros
(FONSECA; GALEB, 2017).
Se o papel da Sociedade Treze de Maio era inviabilizado, foram surgindo em Curitiba novos grupos que
visavam à inclusão social e à participação política e que deram uma nova cara ao movimento negro local. Esses
novos movimentos sociais procuravam recuperar a autoestima, atuar para a (re)inserção social do elemento
negro e valorizar as manifestações culturais de matriz africana na cidade. Assim, nas décadas de 1980 e de 1990,
surgiram grupos que acentuaram a problematização do negro no Paraná e denunciaram a sua invisibilidade.
Entre esses, destacamos: o Grucon (Grupo de União e Consciência Negra), a Acnap (Associação Cultural de
Negritude e Ação Popular), o Baluarte Negro, a Arte Negra, o Utamaduni, o Instituto Cultural e de Pesquisas Ilu
Ayê Odara e o Instituto Afro-brasileiro do Paraná.
Em meio a encontros e desencontros, o movimento negro no Paraná teve um grande avanço na
conquista de espaços e resistências conquistando lugares com novas maneiras de atuações e com projetos
de visibilidade e de inclusão, além do enfrentamento ao racismo. Os trabalhos dos ativistas do movimento
negro estão, sobretudo, voltados para a valorização da identidade étnico-racial da população negra na cidade
de Curitiba. Para Nilma Gomes (2003, p. 172), “a identidade negra é entendida, como uma construção social,
histórica, cultural e plural. Implica a construção do olhar de um grupo étnico-racial ou de sujeitos que pertencem
a um mesmo grupo étnico-racial sobre si mesmos, a partir da relação com o outro”. Ainda se continua como
pauta o tema de combate ao racismo antinegro, porém agora em uma escala mais ampla: além dos ativistas
do movimento negro se tem produção acadêmica na área das relações étnicos-raciais que muito contribui no
enfrentamento ao racismo.
Cabe destacar que a luta pela superação do racismo e das desigualdades dele provenientes é um
processo contínuo, de modo que a data do 13 de maio continua a dividir opiniões. Em 2003, um artigo do site
Universia ganhou projeção ao ressaltar que, passados 116 anos da assinatura da Lei Áurea, os negros ainda
continuavam

Vítimas de preconceito, excluídos dos melhores postos de trabalho, esquecidos pela história
oficial, os negros do Paraná começam a se organizar para lutar por seus direitos. Libertados
há exatos 116 anos da escravidão formal, eles lutam em ONGs e movimentos populares para
garantir que a sua liberdade se transforme em igualdade de direitos e em qualidade de vida.
Uma luta que parece longe de acabar.
Os negros se organizam há mais de duas décadas no estado. As áreas de atuação dos
movimentos são as mais variadas: educação, recuperação da autoestima, conscientização e

51
pesquisa. O objetivo de todos os grupos, no entanto, é o mesmo: fazer com que a abolição da
escravatura, considerada uma peça de ficção, seja finalmente uma realidade47.

132 anos depois da abolição negros, ainda lutam por igualdade

Mais recentemente, em 2018, a advogada Silvana Niemczewski, presidente da Comissão de Igualdade


Racial da OAB Paraná, assinalou:

A Lei Áurea, que aboliu oficialmente a escravidão no Brasil, foi assinada em 13 de maio de 1888.
O Brasil foi o último país livre do Ocidente a abolir totalmente a escravatura. Essa data é algo a
ser reelaborado, porque houve uma abolição formal, mas os negros continuaram excluídos do
processo social. A razão é o tratamento dispensado aos libertos e seus descendentes no país.
Naquele momento, faltou criar as condições para que a população negra pudesse ter um tipo
de inserção mais digna na sociedade.
De acordo com o sociólogo Florestan Fernandes (1920–1995), em sua obra “A integração do
negro na sociedade de classes” (1964), após o fim da escravidão, as classes dominantes não
contribuíram para a inserção dos ex-escravos nos novos formatos de trabalhos.
Verifica-se que após a abolição, a vida dos negros brasileiros continuou muito difícil. Tiveram,
agora livres, que se autoadaptar numa sociedade competitiva, buscar por seus próprios meios
as condições mínimas para sua subsistência e dignidade, seja de moradia, alimentação e
educação principalmente, num meio social onde tudo lhes era hostil e adverso.
O recém-criado Estado republicano brasileiro continuou relegando os negros(as), não se
preocupou em oferecer condições para que os libertos pudessem ser integrados como cidadãos
de pleno direito, notadamente no mercado de trabalho formal e assalariado. Prova disso foi
a preferência pela mão de obra dos imigrantes recém-chegados ao Brasil, que aumentou
muito na segunda metade do século XIX, resultando numa política de embranquecimento
social, produto dos preconceitos e estigmas que caiam sobre o povo negro, potencializados
por conceitos pseudocientíficos e filosóficos, intrínsecos de uma sociedade eminentemente
racista. (NIEMCZEWSKI, 2018, on line)

No Brasil, o negro continua sendo alvo de preconceitos e marginalidade. Sobreviveu à abolição


marginalizado pelo subemprego, desemprego, miséria, doença, analfabetismo, entre outros. A luta contra o
racismo é diária. O intuito do presente trabalho é contribuir para o reconhecimento da importância do negro na
formação da sociedade paranaense, sobretudo, a curitibana, em todos os aspectos da vida social. Esse material
poderá ser utilizado nas escolas, instituições de ensino e na sociedade em geral, com o intuito de reforçar a
história dos afro-descendentes e a luta pela igualdade racial, visto que infelizmente a discriminação racial ainda
predomina em diversas camadas da sociedade brasileira. O dia Abolição da Escravatura pode servir “como um
mecanismo de conscientização e educação para ajudar a erradicar completamente qualquer tipo de preconceito
racial, trabalhar temas relacionados à inclusão e ao direito dos vulneráveis, buscando efetivamente a igualdade
entre as raças” (NIEMCZEWSKI, 2018, on line).
O dia 13 de maio é tido pela comunidade negra como oportunidade para reflexão sobre a questão da
negritude. Embora seja a data que aboliu a escravidão no Brasil, ela não é significativa para o negro brasileiro
porque não correspondeu a um momento de verdadeira libertação. Essa data pode ser aproveitada para se
reavaliar criticamente este período de 132 anos durante os quais a situação do negro liberto muito pouco se
alterou em relação ao período escravagista.
Quem obtém no Brasil os melhores empregos? Quem se forma na universidade? As atividades liberais,
quem as exerce? Quem é eleito para o Senado e para a Câmara Federal? No Brasil ainda é muito baixa a

47. 116 anos depois da abolição negros ainda lutam por igualdade. Disponível em http://noticias.universia.com.br/destaque/
noticia/2004/05/13/509279/116-anos-depois-da-abolio-negros-ainda-lutam-igualdade.html. Acesso 28.dezembro.2018.

52
percentagem de participação dos negros nas representações executivas e legislativas, nas universidades, nas
profissões liberais e na maioria das atividades que proporcionam status. Para a consolidação da cidadania plena
do negro no Brasil, ainda é necessário se ampliar seu acesso às oportunidades que lhe permitam conquistar
todo tipo de riqueza: econômica, cultural, social e política. O negro brasileiro é vítima de uma deformação da
estrutura social brasileira, que vem de longe, historicamente, e superá-la é um desafio. Essa difícil tarefa está a
cargo dos movimentos de consciência negra, dos movimentos populares – a da luta pela dignificação do negro
brasileiro como cidadão.

Charge “A barbárie do silêncio” criticando os 103 anos da Lei Áurea

Charge de Jair Mendes


Fonte: Correio de Notícias, 01/09/1991, p. B–3

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Sugestões de leituras sobre os negros no Paraná

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aulas de língua inglesa? Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-graduação em Linguagem, Identidade e
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FERREIRA, Sérgio Luiz.  “Nós não somos de origem”: Populares de ascendência açoriana e africana numa
freguesia do Sul do Brasil (1780–1960). Florianópolis: Tese de Doutorado em História da Universidade Federal
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o processo de identificação e delimitação do território da comunidade negra Invernada Paiol de Telha (Paraná,
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SANCHES, Mario Antonio.  O negro em Curitiba: a invisibilidade cultural do visível. Curitiba: Mestrado em
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WEBER, Silvio Adriano. Além do cativeiro: a Congregação de escravos e senhores na Irmandade do Glorioso São
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56
ANEXO A – Lei Áurea

Lei nº 3.353, de 13 de maio de 1888.

Declara extinta a escravidão no Brasil.

A princesa Imperial Regente em Nome de Sua Majestade o Imperador o Senhor D. Pedro II,
faz saber a todos os súditos do Império que a Assembleia Geral decretou e Ela sancionou a
Lei seguinte:

Art. 1º – É declarada extinta desde a data desta Lei a escravidão no Brasil.

Art. 2º – Revogam-se as disposições em contrário.

Manda, portanto, a todas as autoridades a quem o conhecimento e execução da referida Lei


pertencer, que a cumpram e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nela se contém.

O Secretário de Estado dos Negócios d’Agricultura, Comércio e Obras Públicas e Interino


dos Negócios Estrangeiros, Públicas e Interino dos Negócios Estrangeiros, Bacharel Rodrigo
Augusto da Silva, do Conselho de Sua Majestade o Imperador, o faça imprimir, publicar e
correr.

Dada no Palácio do Rio de Janeiro em 13 de Maio de 1888, 67º da Independência e do Império.

PRINCESA IMPERIAL REGENTE

Rodrigo A. da Silva

57
ANEXO B – Transcrição da placa da Praça Santos Andrade

CÂMARA MUNICIPAL DE CURITIBA


A COLÔNIA AFRO-BRASILEIRA 100 ANOS

As homenagens dos vereadores de Curitiba, que unindo-se às comemorações do centenário da abolição, destacam
a participação dinâmica, una e altamente relevante do negro da comunidade. Com os nomes aqui gravados, que
representam os vários segmentos da etnia negra, perpetuamos nosso carinho à Colônia Afro-brasileira.

ACIR FERNANDES LUIZ FERNANDO MARQUES


ADELINO ALVES DA SILVA MALU NUNES DA SILVA
AMILTON AMBROSIO RIBEIRO MANUEL NUNES DA SILVA
ANTONIO DIONISIO FILHO MARIA APARECIDA DA SILVA
ANTONIO SILVA DE PAULO MARIA LUCIA DE SOUZA
ANTONIO CALAZANS MARIA MERCIS G. ANICETO
ARTUR MIRANDA JUNIOR MARIA NICOLAS
AROLDO ANTONIO DE FARIAS MARILENE DA GRAÇA RIBAS
CANDIDO ALVES DE SOUZA MARINA DE ANDRADE SOUZA
CLOVIS AZAURY DO NASCIMENTO MARINA PEREIRA
DALZIRA MARIA APARECIDA MÁRIO FERREIRA
ELIDIO ALVES TEODORO MARIO VASCONCELOS
EUCLIDES DA SILVA NARCISO J.R.ASSUMPÇÃO
HASIEL PEREIRA (vereador) NATALÍCIO SOARES
HUGO JORGE BENTO NELSON CARLOS DA LUZ
IDELCIO JOSÉ DE OLIVEIRA ODELAIR RODRIGUES
ISAAC OTÁVIO OLGA MARIA S. FERREIRA
JOÃO FERREIRA DOS SANTOS ORLANDO DIAS DA SILVA
JOÃO FREDERICO ALVES OSVALDO FERREIRA DOS SANTOS
JOÃO PEREIRA DA SILVA OZEIL MOURA DOS SANTOS (cônsul Senegal)
JORGE DE OLIVEIRA PAULO CHAVES DA SILVA
JOSÉ AUGUSTO G. ANICETO PAULO LOPES SANTOS
JOSÉ CARLOS M. DOS SANTOS PEDRO ADÃO PEREIRA
JOSÉ DIONÍSIO DA SILVA RAIMUNDA FERREIRA DOS SANTOS
JOSÉ MOREIRA DE ASSIS RAIMUNDO NONATO SIQUEIRA
JOSÉ PEREIRA FILHO SERAPHINA JACIRA GONÇALVES
JOSÉ RAMOS SIDNEY LIMA SANTOS (ex-vereador)
JOSÉ SALVADOR DE SOUZA TEREZA ERMELINO DE LEÃO
JOSÉ S. SILVA FELINTO (ex-vereador) VALDIR ISIDORO SILVEIRA
JURANDIR NUNES PEREIRA ZEILA MOURA DOS SANTOS

HOMENAGENS PÓSTUMAS
ANTENOR ALENCAR LIMA ENEDINA ALVES MARQUES
ANTENOR P.DOS SANTOS (ex-vereador) HAROLDO FERREIRA DOS SANTOS
ANTONIO PINTO REBOUÇAS JOSÉ FERREIRA DOS SANTOS
EDGAR ANTUNES SILVA (TATU) JOSÉ PINTO REBOUÇAS

Curitiba, 26 de maio de 1988

Horácio Rodrigues
Presidente da Nona Legislatura
LEI Nº 3.353, DE 13 DE MAIO DE 1888 conhecida como Lei Áurea

58
ANEXO C – Lei Nº 7186/1988

59
ANEXO D – Localização do monumento na Praça Santos Andrade

60
ANEXO E – Informações sobre os homenageados
HOMENAGEADO ÁREA DE ATUAÇÃO

ACIR FERNANDES (1926–2003) Cartunista, desenhista, tipógrafo, jogador de futebol.


ADELINO ALVES DA SILVA (1915–2018) Engenheiro, professor, funcionário público.
AMILTON AMBROSIO RIBEIRO (1939–2007) Engenheiro, funcionário público, fundador do Instituto Afro-Bra-
sileiro do Paraná.
ANTENOR ALENCAR LIMA (1901–1954) Militar do Exército, engenheiro, secretário estadual da Viação e
Obras Públicas.
ANTENOR PAMPHILO DOS SANTOS (1895–1967) Médico, professor, funcionário público, vereador, secretário
estadual da Saúde, presidente da Câmara dos Vereadores de
Curitiba, prefeito interino de Curitiba.
ANTONIO CALAZANS DOS SANTOS (1912–1998) Professor, funcionário público.
ANTONIO DIONISIO FILHO (1956–2015) Jogador de futebol, técnico de futebol, comentarista esportivo
ANTONIO PINTO REBOUÇAS (1839–1874) Engenheiro.
ANTONIO SILVA DE PAULO (1942) Radialista, advogado, funcionário público
AROLDO ANTONIO DE FARIAS (1922–2010) Advogado, funcionário público, militar do Exército, membro da
Força Expedicionária Brasileira (FEB).
ARTHUR MIRANDA JUNIOR (1945) Contador, funcionário público, jogador de futebol.
CANDIDO ALVES DE SOUZA (1933–2014) Militar do Corpo de Bombeiros, diretor do Departamento da
Guarda Municipal, subchefe da Casa Civil do Paraná, esgrimista.
CLOVIS AZAURY DO NASCIMENTO (1932–2014) Linotipista, técnico em artes gráficas.
DALZIRA MARIA APARECIDA (1941) Sacerdotisa, costureira, pesquisadora.
EDGARD ANTUNES SILVA (TATU) (1915–1985) Funcionário público, presidente da Sociedade Protetora dos
Operários, jogador de futebol, agitador cultural.
ELIDIO ALVES TEODORO (1953–2012) Corretor de imóveis.
ENEDINA ALVES MARQUES (1913–1981) Engenheira, professora.
EUCLIDES DA SILVA (1917–1994) Barbeiro, presidente da Sociedade 13 de Maio.
HAROLDO FERREIRA DOS SANTOS (1912–1967) Jogador e técnico de futebol.
HASIEL DA SILVA PEREIRA FILHO (1948) Vereador, taxista, militante político.
HUGO JORGE BENTO (1928–2019) Funcionário público (Empresa Brasileira de Correios e Telégra-
fos), jogador de futebol, assessor parlamentar.
IDELCIO LUIS DE OLIVEIRA (1964) Seminarista, representante comercial, coordenador dos Agentes
da Pastoral Negra.
ISAACK OTÁVIO DA SILVA (1940–2019) Militar da Polícia do Paraná, músico.
JOÃO FERREIRA DOS SANTOS (1917–1996) Jogador e técnico de futebol, funcionário da Rede Ferroviária.
JOÃO FREDERICO ALVES (1944–2013) Militar da Polícia do Paraná, professor.
JOÃO PEREIRA DA SILVA Não localizado.
JORGE DE OLIVEIRA Não localizado.
JOSÉ AUGUSTO GOMES ANICETO (1949) Desembargador, oficial da Polícia Militar.
JOSÉ CARLOS MOURA DOS SANTOS (1926–2010) Funcionário público, jogador de futebol.
JOSÉ DIONÍSIO DA SILVA Não localizado.
JOSÉ FERREIRA DOS SANTOS (1915–1974) Jogador de futebol, técnico de futebol, funcionário da Rede Fer-
roviária e da Receita Federal.
JOSÉ MOREIRA DE ASSIS (1947) Funcionário público, bancário.
JOSÉ PEREIRA FILHO (1950) Funcionário público.
JOSÉ PINTO REBOUÇAS (1850–1921) Engenheiro.
JOSÉ RAMOS Não localizado.

61
JOSÉ SALVADOR DE SOUZA Não localizado.
JOSÉ SEVERINO SILVA FELINTO (1952) Vereador, deputado federal, presidente de associação de classe,
militar da Marinha, enfermeiro.
JURANDIR NUNES PEREIRA (1956) Ambulante, sindicalista, representante comercial.
LUIZ FERNANDO MARQUES DA LUZ (1936–2014) Funcionário público, fundador da Cooperativa Habitacional do
Paraná, jogador de futebol.
MABEL NUNES DA SILVA (1959) Funcionária pública, militante política, assessora parlamentar.
MANUEL NUNES DA SILVA (1921–2002) Militar do Exército, combatente na Segunda Guerra Mundial.
MARIA APARECIDA DA SILVA (1937–1995) Sacertodisa.
MARIA LUCIA DE SOUZA (1960) Militante da causa racial.
MARIA MERCIS GOMES ANICETO (1947) Desembargadora, professora.
MARIA NICOLAS (1899–1988) Professora, escritora, pintora, historiadora.
MARILENE DA GRAÇA RIBAS (1947–2010) Não localizada.
MARINA ANDRADEDE SOUZA (1938) Ativista de causas sociais.
MARINA PEREIRA Não localizada.
MÁRIO FERREIRA (1934–1990) Jogador de futebol, funcionário público.
MARIO VASCONCELOS (1946) Funcionário público, modelo, publicitário, assessor parlamentar.
NARCISO JÚLIO DOS REIS ASSUMPÇÃO (1948–2001) Ator, escritor, jornalista.
NATALÍCIO SOARES (1949) Professor, escritor, pesquisador.
NELSON CARLOS DA LUZ (1947) Funcionário público, advogado.
ODELAIR RODRIGUES DA SILVA (1935–2003) Atriz, cantora, humorista, apresentadora de programa de rádio
e televisão.
OLGA MARIA DOS SANTOS FERREIRA (1917–2004) Professora.
ORLANDO DIAS DA SILVA (1918–2001) Funcionário público.
OSWALDO FERREIRA DOS SANTOS (1918–1990) Jogador de futebol, médico.
OZEIL MOURA DOS SANTOS (1941) Empresário, cônsul-geral honorário do Senegal, sociólogo, joga-
dor juvenil de futebol e administrador especialista em planeja-
mento urbano.
PAULO CHAVES DA SILVA (1949) Funcionário público, assessor parlamentar, procurador da Câ-
mara Municipal de Curitiba, presidente da Sociedade Protetora
dos Operários.
PAULO LOPES SANTOS Não localizado.
PEDRO ADÃO PEREIRA (1929) Jogador de futebol, funcionário público.
RAIMUNDA FERREIRA DOS SANTOS (1904–2008) Ativista de causas sociais, vice-presidente da Associação Brasi-
leira da Raça Negra (Asbran).
RAIMUNDO NONATO SIQUEIRA (1941) Delegado.
SERAPHINA JACIRA GONÇALVES (1920–1989) Sacerdotisa, professora, militante das causas sociais.
SYDNEI LIMA SANTOS (1925–2001) Militar do Exército, empresário, professor, vereador, dirigente
esportivo.
TEREZA ERMELINO DOS SANTOS (1940) Delegada, advogada.
VALDIR ISIDORO SILVEIRA (1943) Engenheiro agrônomo, fundador do Centro de Estudos Afro-Bra-
sileiros (Ceabro), um dos fundadores do Instituto Afro-Brasileiro
do Paraná.
ZEILA MOURA DOS SANTOS (1920–1988) Ativista das causas sociais.

Elaboração dos autores (2020)

62
II PARTE

AS HISTÓRIAS

63
1
ACIR FERNANDES
Nascimento: Curitiba/PR, 3 de abril de 1926
Falecimento: Curitiba/PR, agosto de 2003

Acir Fernandes em Curitiba no ano de 1976


Fonte: Diário Popular, 04/01/1976

62
ACIR FERNANDES

(1926–2003)

Ana Crhistina Vanali

Acir ou Acyr Fernandes, conhecido como Xixo, nasceu em Curitiba em 3 de abril de 19261. Casou-se com
Rosa, chamada Rosita, e tiveram dois filhos: Cleusa e Daniel2.
Xixo Fernandes é considerado o segundo caricaturista que surgiu em Curitiba. O primeiro teria sido
Alceu Chichorro (1896–1977). Durante sua carreira publicou seus trabalhos em diversos órgãos da imprensa
curitibana e atuou como decorador comercial, ilustrador de programas e comerciais da TV Paranaense/Canal 12.
Suas charges enfocaram os mais diversos assuntos, desde futebol, política, vida social e o cotidiano curitibano3.
Foi jogador do futebol amador de Curitiba, tendo passado pelos seguintes clubes: Palestra Itália de
Curitiba (1940)4, Coritiba (1946–1947)5, Britania Esporte Club6, Vila Hauer – onde atuou como zagueiro7 e Vila
Fani8.
Paralelo a sua carreira de jogador, em 1955 iniciou seus trabalhos como desenhista de humor,
produzindo charges esportivas para os jornais o Estado do Paraná e Tribuna do Paraná. Estudou desenho com o
professor Pedro Macedo, no Ginásio Paranaense e, posteriormente, especializou-se em charge política e social,
satirizando praticamente todos os políticos paranaenses, bem como nomes de relevo na sociedade curitibana
(ARAÚJO, 2012).
Para Newton Carneiro, Xixo tinha um grafismo seguro que fixava tanto as virtudes quanto as imperfeições
dos caricaturados.

... tornou-se caricaturista consagrado, prestando sua colaboração a todos os jornais locais.
Sobretudo apreciados os retratos que elaborou por volta de 1960, das principais figuras da
política e da sociedade curitibana, nas quais fixou com sutis traços críticos tanto as virtudes
quanto as imperfeições dos caricaturados, o que só os artistas consumados alcançam

(CARNEIRO, 1975, p. 60).

1. Disponível em https://www.folhadelondrina.com.br/folha-gente/ruy-barrozo-curitiba--275534.html. Acesso 23.janeiro.2018.


2. Aniversário Daniel Fernandes. Correio do Paraná, 17/05/1964, p. 3.
3. Xixo Fernandes, suas charges e caricaturas. Diário da Tarde, 19/12/1975, p. 2.
4. Coritiba e Palestra. Diário da Tarde, 23/12/1940, p. 5.
5. Atividades do Coritiba F.C. Diário da Tarde, 07/05/1946, p. 3.
Atividades do Coritiba F.C. Diário do Paraná, 10/04/1946, p. 8.
Pelo Coritiba F.C. Diário da Tarde, 19/03/1947, p. 3.
Futebol entre colégios. Diário do Paraná, 15/05/1947, p. 8.
6. Últimas da F.P.F. Diário da Tarde, 06/06/1952, p. 8.
7. Vitória do Vila Hauer caiu o Vila Fani: 3x1. Correio da Noite/PR, 15/06/1959, p. 7.
8. Em dramática partida Beca derrotou o Tingui. Correio da Noite/PR, 21/03/1960, p. 3.

63
Sicupira, jogador do Atlético Paranaense Secretário da Agricultura Reinhold Stephanes

Fonte: Diário da Tarde, 19/12/1975, p. 1 Fonte: Diário da Tarde, 12/06/1981, p. 3

Em 1958, trabalhava no Diário do Paraná como ilustrador e fez algumas charges. Sua fase mais produtiva
como chargista desenvolve-se em 1962, no Correio do Paraná, jornal que fazia acirrada oposição ao governo
de Ney Braga. Em 1964, com o golpe militar, a direção do Correio do Paraná entendeu-se com o situacionismo
político vigente. Nessa ocasião, Xixo começou a colaborar na Gazeta do Povo. Continuou desenhando para o
Correio do Paraná, sob o pseudônimo “Rocledan” (composição das iniciais dos nomes de sua esposa Rosa, sua
filha Cleusa e seu filho Daniel), até o encerramento do jornal (ARAÚJO, 2012, p. 885).

Charges assinadas como Rocledan

Correio do Paraná, 22/05/1965, p. 1 Correio do Paraná, 10/08/1965, p. 3

Em dezembro de 1975, realizou a exposição “As charges de Xixo”, no Hotel Caravelle, em Curitiba,
abordando temas e personalidades políticas, sociais e do mundo dos negócios, como a charge representando
Ney Braga que está sentado no penúltimo degrau de uma escada, onde cada degrau representa os cargos que ele

64
exerceu faltando o último que seria o de presidente da república. Outras personalidades do ramo empresarial
e político retratadas nessa exposição foram Emílio Gomes, Affonso Camargo Netto, Mattos Leão, Saul Raiz,
Maximo Kopp, Manoel e Max Rosenmann, Rodolpho Pantigi (da Shell), deputados e secretários do Estado9.

Charge de Ney Braga

Fonte: Acervo do Museu Paranaense

O governador da época, Jayme Canet Júnior, e a Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) estavam entre
os assuntos retratados por Xixo.

Jayme Canet Jr. e a Alep

Fonte: Gazeta do Povo, 19/12/1975

9. Caricaturas na “Xixoexpô”. Gazeta do Povo, 26/11/1975.


Xixo Fernandes no Caravelle. Diário Popular, 20/12/1975.
Xixo, o milagre do santo de casa. Gazeta do Povo, 19/12/1975.
Dino Almeida informa: Caricaturas na Xixoexpo. Diário Popular, 26/11/1975.

65
Trabalhou como ilustrador do Diário da Tarde (1ª página) e na Gazeta do Povo. Colaborou no jornal O
Estado desde a sua fundação, na Tribuna do Paraná, no Correio do Paraná e no Diário dos Campos, de Ponta
Grossa, além de atuar em revistas especializadas em assuntos econômicos10.
Xixo começou com a charge esportiva e se especializou nas charges políticas. Ele mostrava em
seus desenhos as atividades de personalidades ligadas à política, homens do governo, comércio, indústria,
profissionais liberais, não faltando a caricaturização dos diversos momentos do futebol profissional.

O Cartola (Atlético) e o Decano (Coritiba)

Fonte: Diário da Tarde, 11/07/1970, p. 1

Caricaturas diversas de Xixo

Fonte: Diário da Tarde, 30/10/1981, p. 3

10. FERNANDES, Acyr (Xixo, Rocledan). Disponível em http://www.artesnaweb.com.br/index.php?pagina=home&abrir=arte&acervo=1479.


Acesso 13.janeiro.2018.

66
Garrincha

Fonte: Correio do Paraná, 20/11/1964, p. 10

Dino Almeida, colunista social11, foi seu grande companheiro na realização de diversas exposições.
Em 1979, realizaram uma exposição sobre as “100 Mulheres” que se destacaram na sociedade, filantropia,
assistência social, profissões liberais, política e artes12. Depois, em setembro de 1981, foi a vez dos homens
“da linha de frente do Paraná” serem homenageados com a exposição “100 mais destacadas personalidades
masculinas do Paraná”13. Mais tarde, em 1985, realizaram a exposição “Colunáveis da city” em que diversos
casais da sociedade paranaense foram caricaturados por Xixo, entre eles, Rosita e Cecílio Rego da Silva, Helena
e Moysés Paciornik, Carmem e Itálo Conti Júnior, Arlete e José Richa14.
Em 1989, atuou como professor a distância, ensinando técnicas de desenho aos leitores da Gazetinha –

11. Dino Almeida (1937-2001) estreou na Gazeta do Povo em 21 de junho de 1964. O colunista era bastante conhecido na cidade e “se não
saía no Dino não tinha acontecido” (FERNANDES, 2011, p. 134).
12. Diário do Paraná, 25/11/1979, p. 17.
Na verdade, acabaram sendo caricaturadas 122 mulheres. Consultar relação em Dino Almeida informa: 100 mulheres notícia – coq
Habitasul. Diário da Tarde, 03/12/1979, p. 3.
13. Caricaturas, ano 26. Diário da Tarde, 09/10/1981, p. 3.
14. Correio de Notícias, 01/03/1985, p. 15.

67
carte infantil do jornal Gazeta do Povo15, através de um programa progressivo na transmissão de conhecimentos
técnicos na área do desenho, partindo das formas geométricas mais simples até chegar aos resultados
definitivos. Nesse mesmo ano, participou com outros autores, no Solar do Barão, da exposição “Antes charge do
que nunca”. Xixo era considerado um dos veteranos da charge no Paraná, pois publicava seus trabalhos desde a
década de 1950 dominando as demandas desse estilo de ilustração que exige um ritmo intenso de criação, uma
renovação diária, justamente por ser efêmero o seu efeito: só provoca a reflexão naquele momento16.
Xixo Fernandes “fez de tudo um pouco nessa vida: foi jogador de futebol, tipógrafo, desenhista mecânico
e de arquitetura e cartunista” (ARTE no Paraná II, 1980, p. 99). Faleceu em Curitiba no ano de 2003 aos 77 anos.

REFERÊNCIAS

ARAUJO, Adalice Maria de (2012). Dicionário das artes plásticas no Paraná: Síntese da História da Arte no
Paraná (da Pré-História até 1980). Volume 2: verbetes de D a K. Curitiba: edição do autor.
ARTE no Paraná II (1980). Desenhistas de humor. In: Revista Referência em Planejamento, nº 13, v. 3. Curitiba,
abril, p. 97–100.
CARNEIRO, Newton (1975). O Paraná e a Caricatura. Curitiba: Grafipar.
FERNANDES, José Carlos e REIS, Marcio Renato (2011). Todo dia nunca é igual: notícias que a vida contou em
90 anos de circulação da Gazeta do Povo. Curitiba: Gazeta do Povo.
Museu de Arte Contemporânea do Paraná. Arquivos do Setor de Pesquisa e Documentação. Curitiba/PR.

** Agradecemos ao jornalista Luiz Geraldo Mazza pela entrevista dada por telefone a Ana Crhistina Vanali dia
27 de outubro de 2017 em Curitiba. Mazza e Xixo trabalharam juntos.

15. AGORA, estudo de desenho. Gazeta do Povo, 04/03/1989. Gazetinha, p. 6.


16. Humor. As charges da cidade. Correio de Notícias, 30/03/1989, p. 11.

68
2
ADELINO ALVES DA SILVA
Nascimento: Ponta Grossa/PR, 16 de novembro de 1915
Falecimento: Curitiba/PR, 22 de maio de 2018

Adelino Alves da Silva. Curitiba, 2001


Fonte: acervo de Enéas Gomez

69
ADELINO ALVES DA SILVA

(1915–2018)
Ana Crhistina Vanali

Todo sacrifício que eu fiz compensou, não me queixo da vida,


pois no tempo da minha mocidade a raça negra não valia nada,
era só para carregar pedra e foi isso que me fizeram fazer!

(ADELINO, 2013b)

Adelino Alves da Silva nasceu em Ponta Grossa aos 16 de novembro de 1915. Filho de Lúcio Alves
da Silva e de Maria Villela Alves da Silva1. Foi o décimo dos doze filhos biológicos que os pais tiveram. O casal
também adotou mais três crianças, totalizando quinze filhos.
O pai de Adelino, Nhô Lúcio, era muito religioso e enérgico. Um dia perguntou ao filho o que ele queria
ser e Adelino respondeu: “Quero ser um grande homem!” (ADELINO, 2013a). Lembra que achava muito bonito
os policiais em seus uniformes, os funcionários do Banco do Brasil todos bem vestidos com terno e gravata e
pensava: “Quero ser um deles!” (ADELINO, 2013a).
Então foi à luta. Iniciou o curso primário em 1924 e o finalizou em 1929. Começou a trabalhar para
ajudar em casa quando estava com 14 anos e cursava o último ano do primário. Estudava pela manhã e
trabalhava à tarde. Foi lavador de automóveis, servente de pedreiro, pintor de residências, até que “apareceu
uma oportunidade de trabalho mais limpo, saudável e mais rentável, na fabricação de prateleiras e estrados
de madeiras (que chamavam caramanchão) para lojistas do centro da cidade de Ponta Grossa” (SILVA, 2013,
p. 22). Foi com os recursos desses trabalhos que Adelino conseguiu continuar os estudos, finalizando o curso
intermediário em 1931 e ingressando na Escola Normal de Ponta Grossa em 1932. Nesse período sempre se
questionava sobre o racismo que estava vivendo na pele e se perguntava “por que meus colegas de turma
que são brancos trabalham na mesma empresa no escritório e eu tenho que lavar os automóveis? Por quê?”
(ADELINO, 2013c).
Na Escola Normal de Ponta Grossa, teve aula com professores renomados da educação paranaense
como Helena Kolody e Erasmo Pilotto. Em 18 de dezembro de 1936, formou-se professor normalista aos 21
anos de idade2.

1. A ascendência genealógica de Adelino o remete a pessoas negras escravizadas. Consultar Silva (2011) e Santana (2015b).
2. O Estado/PR, 08/12/1936, p. 10.

70
Adelino no dia da formatura da Escola Normal]

Fonte: Silva, 2013, p. 25

Os colegas que haviam se formado antes como professores normalistas foram trabalhar no Norte Velho,
nos novos municípios que estavam surgindo com a frente de colonização, tais como Jacarezinho, Tomazina,
Siqueira Campos e Ribeirão Claro. Adelino estava se preparando para se juntar aos amigos, mas acabou não
saindo de Ponta Grossa. Ele havia emprestado uns livros de educação e instrução de uns colegas. Estudou esse
material, apresentou para seus antigos professores e passou a ser considerado um especialista em educação.
Adelino lembra que os professores da Escola Normal falavam para ele: “você está por dentro de tudo! Não
vamos perder você. Você conhece todas as técnicas modernas de educação! Então fiquei na minha terra natal
e cresci profissionalmente. Era um homem desse ‘tamanhozinho’ e fiquei um homem desse tamanhão sendo
necessário para a educação da minha terra!” (ADELINO, 2013a). Assim, começou sua carreira como professor
adjunto na Escola de Aplicação anexa à Escola Normal de Ponta Grossa no dia 14 de maio de 19373. Adelino,
além de ser professor do grupo escolar público, foi proprietário de uma escola particular que funcionou na sua
própria casa (SANTANA, 2015b, p. 21).
De 1937 a 1939, frequentou o curso de Farmácia em Ponta Grossa, mas esse não foi reconhecido pelo
Ministério da Educação e Adelino ficou sem esse diploma.
Em 1938, Adelino havia entrado para o Curso de Ginásio, finalizando-o no ano de 1940. Em seguida,
começou a frequentar o curso pré-acadêmico, preparatório para quem desejava fazer o curso de Engenharia
fora de Ponta Grossa, uma vez que o curso não era ofertado na cidade. Concluiu esse curso em 1942 e prestou o
exame vestibular da Faculdade de Engenharia da Universidade do Paraná.
Para cursar engenharia, mudou-se de Ponta Grossa para Curitiba em 1943. Veio transferido como
professor para o Grupo Escolar Prieto Martinez, no bairro Bom Retiro, e foi morar numa pensão. Concluiu o
curso na turma de 1947 aos 31 anos de idade (PUPPI, 1986, p. 154). Adelino (2013e) lembra como sofreu para
se formar engenheiro: o interventor Manoel Ribas havia congelado o salário dos professores e sua situação
financeira ficou bem comprometida. Na pensão em que morava, se ele não deixava avisado que iria se atrasar
e que era para “deixar um prato pronto” ele não comia. Os dias em que se atrasava por algum motivo de última
hora, seu almoço “era pão com banana, se não tinha banana era só pão com água, se não tinha pão era só banana
com água!”

3. O Estado/PR, 15/05/1937, p. 16.

71
Adelino no dia da formatura de Engenharia

Curitiba, 26/12/1947
Fonte: Silva, 2013, p. 31

Trabalhou como professor durante onze anos, de 1937 até 1948. Concluído o curso de Engenharia Civil
na Universidade do Paraná, ingressou no Departamento de Estradas e Rodagem do Estado do Paraná (DER/PR)
e encerrou a carreira no magistério4. Adelino (2013e) relata que sofreu racismo para entrar no DER/PR: após se
formar em engenharia começou a procurar um emprego na área. Foi até um dos seus professores da faculdade,
Benjamim Mourão, que na época era o Secretário de Viação e Obras Públicas, que o encaminhou, juntamente
com mais três colegas recém-formados, ao DER/PR que estava contratando engenheiros. Os três colegas, que
eram brancos, foram contratados de imediato. Adelino não. Em suas palavras, diz que preferiu “não criar caso”
e aguardou a troca do diretor do DER (ADELINO, 2013g). O novo diretor, Oswaldo Pacheco de Lacerda, mandou
chamar Adelino.
O DER/PR foi criado em 18 de dezembro de 1946 pelo interventor Manoel Ribas5. Adelino começou a
trabalhar na instituição em 1º de junho de 1948. Iniciou como engenheiro auxiliar, passou por diversos cargos
e chefias até chegar a diretor-geral interino em 1968. Adelino construiu uma longa e diversificada carreira no
DER, percorrendo todo o estado do Paraná. Aponta que a obra mais difícil que participou na vida de engenheiro
foi a elaboração do projeto, que até hoje não foi executado e que ele gostaria de ver realizado, da ponte ligando
Guaratuba a Matinhos. Entre 1957 e 1958, todo o trabalho de sondagem foi feito e até hoje “nada da ponte!”
(ADELINO, 2013b).
Em 11 de junho com 1960, casou-se com a professora Ivonete Santos Polycarpo. Tiveram três filhos:
Glória Maria (nutricionista), Adelino Junior (engenheiro eletricista) e Marionei (administrador de empresas).
Após se aposentar do serviço público em 7 de novembro de 1966, nas vésperas de completar 51
anos, passou a atuar no setor privado em empresas como a Construtora Martini, Empresa Gava e a Planepar.
Trabalhou também na Prefeitura de Guaratuba, assessorando os prefeitos do período de 1968 a 1973, ajudando
na fundação do Departamento de Obras, Viação e Serviços Públicos (SILVA, 2013).

4. Mesmo como engenheiro, ainda teve algumas experiências como professor: durante quatro anos deu aula de matemática no Ginásio
Estadual de Araucária no período noturno. Lecionou em escolas particulares que ministravam cursos noturnos preparatórios para a
admissão ao ginásio no centro de Curitiba e foi professor nos cursos de preparação de topógrafos e laboristas do DER/PR (SILVA, 2013,
p. 36).
5. Decreto-lei Nº 547 de 18 de dezembro de 1946 cria o Departamento de Estradas e Rodagem e dá outras providências. Diário Oficial do
Estado do Paraná Nº 811 de 28 de dezembro de 1946. Disponível em http://www.der.pr.gov.br/arquivos/File/DecretoLei.pdf. Acesso
23.fevereiro.2018.

72
Foi novamente requisitado para prestar serviços ao DER: de 1968 a 1970, ocupou o cargo de diretor-
geral da instituição durante o governo de Paulo Pimentel. Entre 25 de agosto de 1970 a 15 de março de 1971,
foi diretor administrativo-financeiro (FORTESKI, 2014, p. 198). Quando Haroldo Leon Perez assumiu o governo
do Paraná, em 1971, ele exonerou todos os nomeados por Paulo Pimentel.
Adelino voltou então a trabalhar na Empresa Gava. Ficou nessa companhia por quatro anos e retornou ao
DER/PR no final do governo de Emílio Gomes (1973–1975), permaneceu durante toda a gestão do governador
Jayme Canet (1975–1979), passando pelo governo de Ney Braga (1979–1982) saindo no início da gestão do
govenador José Richa em 1983 (ADELINO, 2013a).
Em 2014, Adelino recebeu o Troféu Paraná Engenharia do Instituto de Engenharia do Paraná em
reconhecimento ao trabalho desenvolvido ao longo de sua carreira profissional.

Engenheiro do ano de 2014: Adelino Alves da Silva

Fonte: IEP, 2014, p. 4

Adelino sempre esteve envolvido em atividades filantrópicas, participando ativamente de algumas


associações de assistência social, bem como de projetos das associações de classe da sua profissão (ADELINO,
2013g).
Foi o terceiro negro formado professor normalista pela Escola Normal de Ponta Grossa6. Está entre os
primeiros engenheiros negros formados pela Universidade do Paraná7. Adelino se identifica como o primeiro
engenheiro negro funcionário do DER/PR e ressalta que houve outros engenheiros negros no DER/PR, mas que
não chegaram ao cargo de diretor-geral (ADELINO, 2013b).
Para ele a “persistência e confiança juntas, permitiram-me seguir em frente, sempre sem estancar ou
esmorecer diante dos problemas enfrentados” (SILVA, 2013, p. 77).
Faleceu em Curitiba aos 102 anos de idade no dia 22 de maio de 2018. Foi sepultado no Cemitério do
Água Verde8.

6. Os dois primeiros professores negros normalistas de Ponta Grossa foram Antônio Alves Ramalho e Raul Vianna. Pela Universidade do
Paraná, Antônio se formou em medicina, Raul em direito e Adelino em engenharia (SILVA, 2013, p. 68).
7. Os outros engenheiros pretos seriam Otávio de Alencar Lima (1918), Nelson José da Rocha (1938), Enedina Alves Marques (1945),
Adelino Alves da Silva (1947). Os primeiros pardos formados em engenharia seriam Venevérito da Cunha (1942), José Januário Montes
(1944) e Fernando Mendes Filho (1948) (SILVA, 2013, p. 68).
8. Disponível em https://www.tribunapr.com.br/noticias/falecimentos/falecimentos-do-dia-22052018/. Acesso 14.janeiro.2018.

73
REFERÊNCIAS

ADELINO (2013a). A biografia do eng Adelino Alves da Silva M2U01741. Disponível em https://www.youtube.
com/watch?v=LaqChTEBiSI. Acesso 18.fevereiro.2018.
ADELINO (2013b). Engenheiro Adelino Alves da Silva – Depoimento. Disponível em https://www.youtube.
com/watch?v=LdK0F2LGgpc. Acesso 18.fevereiro.2018.
ADELINO (2013c). O racismo e o engenheiro Adelino Alves da Silva e sua vida profissional M2U01813. Disponível
em https://www.youtube.com/watch?v=osl3Oy4RN1o. Acesso 18.janeiro.2018.
ADELINO (2013d). Vícios e o trabalho do engenheiro Adelino Alves da Silva e o DER – lembrando as estradas do
PR. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=RxMKT1nHSaE. Acesso 18.janeiro.2018.

ADELINO (2013e). Eng. Adelino Alves da Silva e sua luta para ser admitido nos quadros do DER e noutros
lugares. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=3LeexF4ltdA. Acesso 18.janeiro.2018.
ADELINO (2013f). Quem luta vence – eng Adelino Alves da Silva M2U01746. Disponível em https://www.
youtube.com/watch?v=w3mh1-u1aqA. Acesso 18.fevereiro.2018.
ADELINO (2013g). Conversando com o eng Adelino Alves da Silva na reinauguração do bar do IEP M2U01737.
Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=XSo8Sn8hALg. Acesso 18.janeiro.2018.
CARNEIRO, Célia Maria B. T. (2009). Entrevista com Adelino Alves da Silva. In: Edifício Oswaldo Pacheco de
Lacerda: o prédio na história do DER–PR. Curitiba. Ed. DER, p. 181–182.
FORTESKI, Sivaldo (2014). A infraestrutura rodoviária no Paraná: instituições, redes, famílias e atores na gestão
do governo Jaime Lerner (1995–2002). Curitiba: Dissertação de Mestrado em Sociologia da UFPR.
IEP (2013). O Presidente e o nosso decano Adelino Alves da Silva M2U01806. Disponível em https://www.
youtube.com/watch?v=Mc16NPJ5Zwk. Acesso 13.janeiro.2018.
IEP (2014). IEP-News – Boletim do Instituto de Engenharia do Paraná, ano 41, Nº 682, janeiro.
PUPPI, Ildefonso Clemente (1986). Fatos e reminiscências da faculdade: retrospecto da Escola de Engenharia
da Universidade Federal do Paraná. Curitiba: Editora da UFPR.
SANTANA, Jorge (2015a). Adelino Alves da Silva: memórias da presença negra no Paraná. Curitiba: II
COPENE SUL. Disponível em https://proceedings.galoa.com.br/copene-sul/trabalhos/adelino-alves-da-silva-
memorias-da-presenca-negra-no-parana?lang=pt-br. Acesso 13.fevereiro.2018.
SANTANA, Jorge (2015b). ADELINO ALVES DA SILVA: presença negra paranaense em espaços legítimos de
poder. Curitiba: Monografia apresentada ao curso de Especialização em Educação das Relações Étnicas Raciais
da UFPR.
SILVA, Adelino Alves da (2013). Memória de um professor e engenheiro civil: vida, luta e trabalho. Autobiografia.
Curitiba: IEP.

74
3
AMILTON AMBROSIO
RIBEIRO
Nascimento: Curitiba/PR, 3 de abril de 1939
Falecimento: Curitiba/SC, 25 de julho de 2007

Amilton Ambrósio Ribeiro. Curitiba, década 1990


Fonte: Acervo Máximo Francisco dos Reis

75
AMILTON AMBROSIO RIBEIRO

(1939–2007)

Ana Crhistina Vanali

Amilton Ambrósio Ribeiro nasceu na Maternidade Victor Ferreira do Amaral, em Curitiba, no dia 3 de
abril de 1939. Filho de Eliete da Silva Aguiar1, empregada doméstica que criou seu único filho sozinha (MAÇÃ,
2018).
Em 1960, ao entrar para o curso de engenharia civil da Universidade Federal do Paraná, foi admitido no
Departamento de Estrada e Rodagem do Paraná (DER–PR), atuando como operário da Seção de Abastecimento.
No período de 19 a 27 de maio de 1962, participou dos XIII Jogos Universitários do Paraná2. Nesse ano, o curso
de Engenharia Civil foi tricampeão do campeonato geral3. Formou-se engenheiro civil na turma de 1964 (PUPPI,
1986).
Foi promovido à categoria de engenheiro no DER–PR em março de 1965, assumindo um posto no 13º
Distrito Rodoviário/Campo Mourão, permanecendo neste até fevereiro de 19664. Em 11 de fevereiro de 1966,
assumiu a chefia do 15º Distrito Rodoviário/Irati5, hoje o Escritório Regional Centro Sul. Um dos trabalhos
de destaque de Amilton frente a esse distrito rodoviário foi a manutenção das estradas que permitiam o
escoamento dos produtos agrícolas das colônias da região de Irati6. Foi presidente da comissão encarregada de
avaliar as áreas de terras e benfeitorias atingidas pelas faixas de domínio das rodovias dentro da jurisdição do
15º Distrito Rodoviário7. Também participou da comissão encarregada da medição e recebimento dos serviços
de revestimentos primário da Rodovia BR 14, trecho Irati–Rebouças–Rio Azul–Mallet, que estava a cargo da
empreiteira Construtora Sulbras Ltda.8
Sua vida social na cidade de Irati foi marcada por inúmeras atividades: em maio de 1968, ocupava o
posto de chefe de patrimônio do Clube Atlético União Olímpico de Irati9. Esteve presente, no dia 3 de dezembro
de 1971, na sede da Câmara Municipal, onde realizou-se a reunião de Fundação da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras de Irati (IRATI, 2010) e, em 15 de julho de 1974, participou da inauguração do Kart Clube de
Irati10.

1. Nascida em 6 de agosto de 1920 e falecida


2. Protocolo Nº 7596/62 DER.
Presidente eufórico: FPDU. Última Hora, 06/04/1962, p. 10.
3. Jogos universitários. Diário do Paraná, 20/05/1962, p. 1.
XIII JUP: Engenharia é tricampeã (com justiça). Diário do Paraná, 27/05/1962, p. 11.
4. Decreto Nº 17.562/D.O Nº 22 de 27/03/1965. Autorização governamental Nº 3.253/65 DER.
5. Ofício/DER Nº 3.070/66.
6. Irati/Estradas. Diário do Paraná, 04/07/1973, p. 13.
7. Portaria/DER Nº 745 de 16/05/1966.
8. Portaria/DER Nº 1.296 de 17/08/1966.
9. Olímpico de Irati começou temporada de 68 com nova diretoria. Diário do Paraná, 20/01/1968, p. 11.
10. Mansur Kartista. Diário do Paraná, 20/01/1968, p. 11.

76
No mês de outubro de 1975, foi transferido para o 8º Distrito Rodoviário/Cascavel11 e, em março de
1977, removido para o 6º Distrito Rodoviário/Jacarezinho12. Em outubro de 1979, retorna para Curitiba com
função na Assessoria de Programação13. Aposentou-se em outubro de 198614. Já na capital paranaense, em junho
de 1980, abriu uma empresa de obras de urbanização que trabalhava com ruas, praças e calçadas. O escritório
funcionava na Rua XV de Novembro15.
Casou-se com Benedita Gonçalves16 em 29 de setembro de 1965. Tiveram dois filhos: Ademilton
(nascido em 1966) e Adelton (nascido em 1968).
Em 27 de abril de 1996, foi um dos fundadores do Instituto Afro-brasileiro do Paraná, uma entidade
sem fins lucrativos criada por alguns integrantes da Comunidade Afro-brasileira Paranaense, “com finalidade
de exercício da solidariedade entre os membros da comunidade de origem africana, e para atingir esse objetivo:
deverá no contexto histórico, cultural, social e econômico do país; promoção da conscientização a inserção
social; garantia de seus direitos; estimular e promover o aperfeiçoamento cultural da comunidade afro, com
acesso às informações e à educação; promover e apoiar realizações de estudos, pesquisas, trabalhos, publicações,
cursos e outros eventos culturais...” (Art.4º Estatuto). Amilton foi o diretor-geral da primeira gestão do instituto
(Anexo A) e, como tal, participou de eventos importantes que debatiam sobre a questão racial. Podemos citar
como exemplos sua presença no encontro racial que ocorreu na cidade de Cabo Frio, estado do Rio de Janeiro,
e as visitas realizadas a 12 embaixadas africanas em Brasília.

Momentos de Amilton com outros membros do Instituto Afro-brasileiro do Paraná

Amilton, primeiro à direita (Curitiba, 16/12/1996) Amilton, segundo à direita. Curitiba, sem data
Fonte: acervo de Máximo Francisco dos Reis (Maçã)

11. Portaria/DER Nº 1.009 de 16/10/1975.


12. Portaria/DER Nº 218 de 14/03/1977.
13. Portaria/DER Nº 524 de 03/10/1979.
14. Resolução Nº 10.429 de 31/10/1986.
15. Disponível em http://www.mapaempresas.com/endereco/cep/construcao/Rua-Xv-De-Novembro-297/80020922-construtora.
Acesso 26.dezembro.2018.
16. Benedita Gonçalves Ribeiro nasceu em 24 de dezembro de 1935 e faleceu em 7 de março de 2008. Fonte: Cemitério Jardim da Saudade/
Curitiba.

77
Visita às embaixadas africanas em Brasília

Momentos das visitas às embaixadas africanas em Brasília


Fonte: acervo de Máximo Francisco dos Reis (Maçã)

Encontro sobre a questão racial em Cabo Frio/RJ

Encontro racial que ocorreu na cidade de Cabo Frio/RJ


Da esquerda para a direita: Carmem Costa, sem identificação, Zezé Motta, Amilton Ambrósio Ribeiro, Antônio Pitanga, Máximo Francisco
dos Reis (Maçã), sem identificação
Fonte: acervo de Máximo Francisco dos Reis (Maçã)

Amilton faleceu em Curitiba aos 68 anos de idade no dia 25 de julho de 200717. Está sepultado no
Cemitério Parque Jardim da Saudade de Curitiba.

17. Disponível em http://www.bemparana.com.br/noticia/36995/mortos-em-25-de-julho. Acesso 29.janeiro.2018.

78
REFERÊNCIAS

Instituto Afro-brasileiro do Paraná. Disponível em https://www.facebook.com/Institutoafropr/. Acesso


25.janeiro.2018.
MAÇÃ (2018). Entrevista de Máximo Francisco dos Reis, o Maçã, concedida a Ana Crhistina Vanali em Curitiba
no dia 17 de maio de 2018.
IRATI (2010). A profissão do professor. Caminhos do Paraná: a Irati de todos nós (24/10/2010). Disponível
em http://radionajua.com.br/noticia/irati-de-todos-nos/materias/a-profissao-do-professor/5311/. Acesso
23.janeiro.2018.
PUPPI, Ildefonso Clemente (1986). Fatos e reminiscências da faculdade: retrospecto da Escola de Engenharia
da Universidade Federal do Paraná. Curitiba: Editora da UFPR.

* Agradecimento especial ao senhor Wilson Pereira Machado, coordenador do RH DER/PR pelo apoio dado à
pesquisa.

79
ANEXO A

Breve histórico

Aos 27 dias do mês de abril de 1996, às 9 horas da manhã, no Auditório do Fórum Cível da Comarca de
Curitiba, reuniu-se em Assembleia Geral um grupo de integrantes da Comunidade Afro-brasileira Paranaense com o
objetivo de constituir o Instituto Afro-brasileiro do Paraná.
Essa primeira sessão foi aberta pelo meritíssimo desembargador do Tribunal de Alçada Dr. José Augusto
Gomes Aniceto; na qualidade de presidente da Comissão Organizadora, o qual pronunciou sobre a necessidade da
Comunidade se organizar em busca da cidadania e do lugar merecido na história desse país, justificando a criação
dessa entidade. Outro fundador importante desse instituto foi o professor Paulo Rolando de Lima, arquiteto e
urbanista, o qual explanou sobre as finalidades dessa instituição e a necessidade de promover a solidariedade e
apoio aos negros em geral, e especialmente às crianças, estudantes e todas as pessoas que buscam reconhecimento
de seus direitos. Junto com esses dois companheiros citados; uniram-se à causa: o Sr. Walter Cezar dos Santos; após
aprovação do Estatuto foram votados para compor a diretoria: presidente: Sr. eng. agrônomo Valdir Isidoro Silveira,
vice-presidente Dr. José Augusto Gomes Aniceto; secretário geral: Walter Cezar dos Santos; 1a secretária: Mirian de
Freitas Santos; tesoureiro geral: Sidney Santos Martins; 1º tesoureiro: Paulo Rolando de Lima; diretor geral: eng.
Amilton Ambrósio Ribeiro; e o Conselho Deliberativo foi composto por: Divonzir Jose Borges; Jorge Modesto Pereira
da Silva e Máximo Francisco dos Reis; suplentes: João Natalino de Oliveira; Natanael Souza dos Santos e Dr. Nizan
Pereira de Almeida.
Nesse primeiro momento do Instituto, sua formação era de negros e negras; da comunidade afro-
paranaense nascidos ou não; mas que aqui estavam para construir suas vidas e história. Eram pessoas de diversas
áreas profissionais como: Direito; Medicina, Engenharia, Arquitetura, funcionários públicos, empresários, área
da Educação, Saúde e Segurança; mas o que os uniu foi a etnia e a vontade de reconstrução da autoestima dessa
população e desconstruir as estigmatizações negativas na sociedade. Afirmar a identidade racial como ponto positivo
na construção da nossa sociedade e dar visibilidade para nossa comunidade.
É importante salientar nesse breve histórico; que o Instituto Afro-brasileiro do Paraná é pessoa jurídica
sem fins lucrativos; “com finalidade de exercício da solidariedade entre os membros da comunidade de origem
africana, e para atingir esse objetivo: deverá buscar o reconhecimento e valorização da comunidade afro-brasileira
no contexto histórico, cultural, social e econômico do país; promoção da conscientização a inserção social; garantia
de seus direitos; estimular e promover o aperfeiçoamento cultural da comunidade afro, com acesso às informações
e à educação; promover e apoiar realizações de estudos, pesquisas, trabalhos, publicações, cursos e outros eventos
culturais...” (Art.4º Estatuto)
Para encerrar a atual direção, a Chapa Renovação e Empoderamento recebeu a incumbência de dar
continuidade ao trabalho dos antecessores; pautando suas ações na ética; compromisso com as questões da negritude
em nossa sociedade para continuar desenvolvendo a autoestima das nossas crianças e adolescentes e contribuir com
a cultura negra de forma geral, tendo por base os princípios fraternais da solidariedade.

Disponível em https://www.facebook.com/Institutoafropr/. Acesso 26.dezembro.2018.

80
4
ANTENOR ALENCAR LIMA
Nascimento: Curitiba/PR, 5 de setembro de 1901
Falecimento: Rio de Janeiro/RJ, 5 de outubro de 1954

Antenor Alencar Lima. Curitiba, 1948


Fonte: O Dia, 20/06/1948, p. 1

81
ANTENOR ALENCAR LIMA

(1901- 1954)

Ana Crhistina Vanali

Antenor Alencar Lima nasceu dia 5 de setembro de 1901 em Curitiba. Filho de Thereza Mercedes
de Lima e de Jeremias Freitas de Lima, funcionário dos Correios do Paraná1, que faleceu em um acidente
automobilístico quando retornava da Festa do Rocio em Paranaguá em 19292. Eram seus irmãos o engenheiro
civil Octávio Alencar de Lima, Raul Sylvio, Adherbal, Argemiro, Emília, Mercedes Branicia e Jacyra3.
Antenor foi aluno da Escola Normal de Curitiba, sempre aprovado plenamente e com distinção4. Entrou
no Exército em 6 de dezembro de 1917. Passou a Aspirante Oficial em 17 de janeiro de 1924; a 2º tenente em
28 de maio de 1924; a 1º tenente em 15 de julho de 19255; capitão em 28 maio de 1930; major em 3 de maio
de 1938; tenente-coronel em 25 de agosto de 1942; coronel em 25 de junho de 1946. Foi condecorado com a
Medalha Oficial da Ordem do Mérito Militar; Medalha Militar de Ouro; Medalha de Guerra; Medalha de Prata
Cinquentenário da República. Realizou os cursos de Formação de Oficiais de Engenharia, pelo Regulamento
de 1919; Aperfeiçoamento de Oficiais de Engenharia; Estado-maior (com Menção Honrosa) em 1930. Foi
promovido a general de divisão, quando de sua passagem para a Reserva em 1952. Na ativa, tinha o posto de
coronel da Arma de Engenharia6.
Em 1929, foi diretor do escritório técnico da construção da rodovia São João-Barracão, cujas obras
estavam a cargo do 5º Batalhão de Engenharia7. Dentro da área de engenharia do Exército, coronel Alencar
sempre foi destaque por sua rápida ascensão na carreira militar, pois ele “vinha conquistando no exército uma
posição invejável de destaque, digna por todos os títulos de registros, porque ela representa, numa marcha da
gradativa evolução, a vitória do próprio esforço, o justo prêmio de estudos interessantes” por ele realizados8.
Em 1943, o coronel Alencar foi nomeado subdiretor e, dois anos mais tarde, diretor interino de ensino
da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, com sede no Rio de Janeiro9. Essa escola, criada em 1905, é
um estabelecimento de ensino do Exército Brasileiro, cuja missão é preparar oficiais superiores para o exercício
de funções de Estado-Maior, comando, chefia, direção e de assessoramento, cooperando com os órgãos de
direção geral e setorial no desenvolvimento da doutrina para o preparo e o emprego da Força Terrestre.
De 10 de outubro de 1945 a 24 de setembro de 1947, o tenente-coronel Alencar foi o comandante da
unidade de engenharia do Batalhão Mauá, que tinha a missão de instrução militar e de construção. Essa unidade
fazia parte do 2º Batalhão Ferroviário da 5ª Região Militar, localizado em Rio Negro, no Paraná, e foi pioneira

1. O Estado do Paraná, 17/02/1925, p. 3. A República, 23/11/1929, p. 4.


2. A República, 22/11/1929, p. 12.
3. Correio do Paraná, 24/05/1932, p. 3.
4. A República, 22/11/1916, p. 1.
5. O Estado do Paraná, 05/11/1925, p. 7.
6. Conforme os assentamentos do general de divisão Antenor de Alencar Lima (Referência XXVII-25-597 A e B). Acervo do Arquivo do
Exército no Rio de Janeiro (AHEX). Agradecemos ao capitão Mauro da Seção de Pesquisa do AHEX pelo acesso às informações.
7. A República, 20/11/1929, p. 3.
8. O Dia/PR, 08/05/1938, p. 8.
9. O Dia/PR, 12/12/1943, p. 3. O Dia/PR, 17/03/1945, p. 8.

82
na construção de estradas do chamado Tronco Principal Sul10, como por exemplo a Estrada de Ferro Rio Negro–
Bento Gonçalves11 pela qual Antenor Alencar recebeu voto de louvor da Assembleia Constituinte de 1946 pelos
serviços prestados. Esse voto foi proposto pelo deputado Protógenes Vieira, do PSD de Santa Catarina12.

2º Batalhão Ferroviário de Rio Negro/PR, sem data

Fonte: Grupo Facebook Antigamente em Curitiba

Na primeira gestão do governador Moysés Lupion (1947–1951), o coronel Alencar assumiu a Secretaria
da Viação e Obras Públicas (SVOP). Isso foi em março de 1948, quando “ilustres militares foram convidados
para participar do governo devido a sua capacidade administrativa e por serem membros do Partido Social
Democrata (PSD)”13
Na SVOP, o coronel Alencar teve uma “árdua missão” frente ao programa extenso e importante de
grandes realizações no transporte, energia elétrica, saneamento, criação de novos municípios, entre outros. Ele
participou da construção de obras que marcaram o governo Lupion tais como o Colégio Estadual do Paraná, a
Casa do Estudante Universitário, a cidade balneária de Caiobá, o Reservatório da Vossoroca, a Usina Hidrelétrica
de Apucarana, a Usina Hidrelétrica Cachoeira-Capivari, o Pavilhão de doenças infectocontagiosas do Hospital da
Criança, a Estrada de Ferro Central do Paraná, a Estrada Praia de Leste–Matinhos, a Cadeia Pública de Matinhos,
a Casa Escolar da Colônia Maria Luiza, entre outras hidrelétricas, escolas, cadeias públicas, hospitais, rodovias,
ferrovias.
Como parte de suas atribuições, o coronel Alencar acompanhou o governador Lupion em excursões
oficiais pelo interior do estado para inspecionar as obras em andamento, lançar pedras fundamentais de novos
projetos e entregar as obras concluídas, “TUDO POR UM PARANÁ MELHOR!”14 Apesar de sua forte atuação
frente à SVOP, recebeu várias críticas com relação a sua gestão conforme veiculado nos jornais da época.

10. Diário do Paraná, 15/12/1963, p. 4.


11. Diário do Paraná, 13/01/1946, p. 2.
12. A Noite/RJ, 26/05/1947, p. 7.
13. Diário da Tarde, 04/03/1948, p. 1.
14. O Dia/PR, 05/03/1949, p. 8.

83
Anedota com o coronel Alencar

Fonte: Diário da Tarde, 27/10/1948, p. 1

Por motivos de saúde, deixou a SVOP em abril de 194915. Foi seu substituto o engenheiro civil Benjamim
de Andrada Mourão. Em 6 de janeiro de 1952, foi nomeado representante do Ministério da Guerra junto ao
Instituto Ferroviário de Pesquisas Técnico-econômicas16. Permaneceu nessa função até novembro daquele
mesmo ano, quando foi promovido a general da brigada e transferido para a Reserva Remunerada do Exército
Brasileiro17.
Faleceu na cidade do Rio de Janeiro em 5 de outubro de 1954 aos 53 anos18, deixando viúva a carioca
Esmeraldina Moura de Alencar Lima, falecida aos 86 anos em 198819.

15. O Dia/PR, 20/04/1949, p. 1.


16. Jornal do Commercio/RJ, 21/05/1952, p. 7.
17. O Jornal/RJ, 09/11/1952, p. 13.
18. O Dia/PR, 04/11/1954, p. 5.
19. Jornal do Brasil/RJ, 18/05/1988, p. 13.

84
5
ANTENOR PAMPHILO
DOS SANTOS
Nascimento: Salvador/BA, 1º de junho de 1895
Falecimento: Curitiba/PR, 9 de fevereiro de 1967

Antenor Pamphilo dos Santos. Curitiba, 1962


Fonte: Acervo da Faculdade de Medicina da UFPR
Foto: Ricardo Gullit

85
ANTENOR PAMPHILO DOS SANTOS

(1895–1967)

Ana Crhistina Vanali

Antenor Pamphilo dos Santos nasceu dia 1º de junho de 1895 em Salvador, estado da Bahia. Sua mãe
chamava-se Emília Pereira dos Santos. Na capital baiana, trabalhou como “mata mosquito”, ou seja, era agente
comunitário de saúde e de combate às endemias. Não se sabe quando chegou à capital paranaense, mas em 1917
era funcionário público do estado do Paraná, em Curitiba, trabalhando como auxiliar do serviço de vacinação
antitífica da Secretaria de Saúde Pública1. No ano de 1919, atuava como monitor de Física na Faculdade de
Medicina da Universidade do Paraná, iniciando sua carreira no magistério2.
Aos 26 anos, em 1921, formou-se em Farmácia pela Universidade do Paraná e em 1928 colou grau em
Medicina pela mesma instituição defendendo a tese “Teoria dos envenenamentos”. Foi o primeiro a receber o
prêmio Nilo Cairo da Universidade do Paraná composto por diploma e medalha concedidos ao formando em
medicina com a melhor nota (COSTA; LIMA, 1992). Durante sua trajetória acadêmica enquanto estudante foi
membro da União dos Acadêmicos de Medicina sendo seu 1º tesoureiro no ano de 19253.

Formatura em Medicina, 1928

Fonte: Correio do Paraná, 13/03/1933, p. 3

1. A República, 14/10/1920, p. 1. A República, 20/05/1922, p. 1.


2. Diário da Tarde, 05/06/1965, p. 8.
3. O Dia (PR), 18/10/1925, p. 5.

86
Medalha Prêmio Nilo Cairo – 1928

Acervo do Museu Paranaense

Em 1923, exercia o cargo de preparador de Medicina e de Farmácia. Em 1925, assumiu como professor
interino de Farmácia na Universidade do Paraná4, até prestar concurso em 1926 e assumir a cátedra de Química
Toxicológica e Bromotológica do curso de Farmácia da Universidade do Paraná. Com as teses sobre “Estrutura
dos corpos cristalizados” (escolhida pela banca) e “O hidrogênio atômico e molecular” (livre escolha), no ano de
1929, realizou concurso para a cátedra de Química Geral e Mineral da Faculdade de Medicina da Universidade do
Paraná. Em 1932, passou a lecionar Química Biológica. No ano de 1937, fez novo concurso, agora para a cadeira
de Fisiologia da Faculdade de Medicina da Universidade do Paraná, a qual ocupou até se aposentar em 1965,
após 46 anos de atuação no magistério (COSTA; LIMA, 1992). Atuou como membro do Conselho Universitário
da Universidade do Paraná de 1955 a 1961, recebendo o título de professor Emérito após sua aposentadoria,
afinal “o professor Antenor Panfilo dos Santos era nome demais conhecido em nosso meio científico”, anunciava
o jornal O Estado de 5 de fevereiro de 1937 (p. 2) (SOUZA, 2016)5.

Postal comemorativo da formatura da Turma de Farmácia de 1925

Antenor Pamphilo dos Santos é um dos professores homenageados


Acervo de Paulo José da Costa/Antigamente em Curitiba

4. O Dia (PR), 27/04/1928, p. 4.


5. O Diário do Paraná, 10/02/1967, p. 7.

87
Ato solene da federalização da Universidade do Paraná em 4 de dezembro de 1950

Antenor Pamphilo dos Santos em destaque no canto esquerdo


Acervo de Noel Samways/Antigamente em Curitiba

O doutor Pamphilo dos Santos foi eleito diretor da Faculdade de Medicina da Universidade do Paraná
(FMUP) por duas vezes, exercendo a função de 1956 a 1963 (COSTA; LIMA, 1992). Foi durante sua gestão
que o prédio do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná foi inaugurado, em 26 de março de
1960, momento no qual declarou “é uma obra, o Hospital de Clínicas de Curitiba, que vai, incontestavelmente,
solucionar uma das grandes dificuldades que tínhamos, que era a do ensino das clínicas” (ANTENOR PAMPHILO
DOS SANTOS, 26/03/1960)6. No ano de 1962, os estudantes de medicina fizeram uma greve para exigir o seu
afastamento da direção da FMUP, por ser considerado indiferente às demandas estudantis. A nova eleição para
a direção da FMUP estava próxima e os estudantes exigiam a retirada do nome de Pamphilo dos Santos da lista
tríplice, pois caso ele fosse escolhido mais uma vez passava a ocupar o cargo de forma vitalícia7.
Ele também foi membro da terceira diretoria da Associação de Professores da Universidade Federal do
Paraná (APUFPR) sendo seu vice-presidente de 1965 a 1966 (APUFPR, 2010).

Recepção do casal Lia e Clovis Machado para a inauguração do Hospital de Clínicas em 1961

Antenor Pamphilo dos Santos em destaque no lado direito


Acervo de Dado Lupion/Antigamente em Curitiba

6. Última Hora, 26/03/1960, p. 2.


7. Última Hora, 16/05/1962, p. 2.

88
Antes de ser professor da Universidade do Paraná, Pamphilo dos Santos havia lecionado Física e
Química no curso ginasial no Colégio Novo Atheneu8. Depois, mesmo sendo docente da Faculdade de Medicina,
atuava como membro da banca de exame de História Natural do Ginásio Paranaense9 e como professor no
curso preparatório do Gymnasio Brasileiro localizado na Praça Osório10. Também trabalhava como professor de
Química para o curso preparatório do exame vestibular de medicina do Colégio Iguassu, situado na Praça Rui
Barbosa11.
Realizava muitas conferências e palestras radiofônicas pela cidade de Curitiba, sempre tratando de
temas relacionados à saúde, como tuberculose, saúde da criança, lepra, febre tifoide, entre outros12. Participou
de muitos congressos a nível nacional, representando o Paraná, como na 1ª Conferência Nacional da Saúde,
realizada na capital federal de 10 a 15 de novembro de 1941. Agilizava campanhas de solidariedade para
angariar recursos para a construção de entidades como a Sociedade de Assistência aos Lázaros e defesa contra
a lepra de Curitiba, da qual veio a ser o conselheiro técnico13. Essa entidade foi fundada no Clube Curitibano no
dia 21 de maio de 1940, numa época em que se declarou guerra à lepra. Foi “brilhante para todos os títulos o
discurso do Dr. Antenor Panfilo dos Santos, pois, analisando conscienciosamente o problema da lepra em nosso
país, emitiu profundos conceitos e enalteceu a campanha de solidariedade iniciada pela esposa do interventor
Manoel Ribas” (CORREIO DO PARANÁ, 22/05/1940, p. 6).
Empenhava-se em outras ações coletivas, como a doação de um terreno da prefeitura de Curitiba para
a construção do biotério da Faculdade de Medicina14. Era membro da Legião Brasileira de Assistência (LBA)15.
Organizava e orientava cursos de educadores da saúde popular16. Também foi membro do Círculo de Estudos
Bandeirantes (FERRARINI, 2011). Em 1935, foi eleito um dos membros da Comissão de Disciplina da Associação
Médica do Paraná17 e em 1938 foi nomeado membro da Comissão de Apuração da Cruz Vermelha Brasileira no
Paraná, sendo eleito um dos membros do seu conselho diretor em 194118.
Em 1943, pediu licença como professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Paraná para
exercer exclusivamente funções públicas. Pamphilo dos Santos exerceu cargos de alta relevância na vida política
e administrativa do Paraná. Em 1930, tornou-se o médico sanitarista da Diretoria Geral da Saúde do Paraná
sendo o chefe do Laboratório de Bromotologia e Análises Clínicas19. Durante o governo do interventor Manoel
Ribas, de 1932 a 1934, assumiu como interino a Diretoria Geral da Saúde Pública20. De 1939 a 1941, assumiu
como diretor-geral o Departamento de Saúde21. Ainda no governo de Manoel Ribas foi diretor-geral de Educação
no ano de 194422 (RODRIGUES, 2013; LIMA JUNIOR, 2009). Durante sua gestão nessa última função, promovia

8. Commercio do Paraná, 11/02/1925, p. 7. O Dia, (PR) 01/03/1925, p. 5.


9. A República, 22/11/1929, p. 5.
10. O Dia (PR), 23/03/1931, p. 2.
11. O Dia (PR), 08/10/1931, p. 4.
12. O Estado, 02/12/1936, p. 2. O Estado, 09/11/1937, p. 8. Diário do Paraná, 11/10/1946, p. 7.
13. O Dia (PR), 23/05/1941, p. 7.
14. Diário do Paraná, 23/12/1956, p. 8. Biotério é o viveiro em que se conservam animais em condições adequadas à utilização em
experimentos científicos ou produção de vacinas e soros.
15. O Dia (PR), 26/02/1949, p. 4.
16. O Dia (PR), 04/01/1947, p. 5.
17. Correio do Paraná, 29/08/1935, p. 2.
18. Correio do Paraná, 21/06/1941, p. 6.
19. A República, 22/04/1930, p. 3.
20. O Dia (PR), 04/02/1933, p. 1. Lei Nº 2703 de 29/04/1929.
21. O Dia (PR), 23/05/1941, p. 7. Decreto Nº 6155 de 12/01/1938.
22. O Dia (PR), 12/03/1944, p. 8. O Dia (PR), 22/06/1944, p. 3.

89
nas escolas palestras proferidas por médicos da Diretoria Geral da Saúde23. De “caráter íntegro, espírito culto e
empreendedor, dinâmico, o novo diretor de educação conta com inúmeras amizades entre nós, motivo porque
sua nomeação, que nos encheu de jubilo, foi bem recebida em todos os circuitos da capital”, anunciava o Diário
da Tarde de 1º de fevereiro de 1944 (p. 7). Uma das medidas de maior repercussão que tomou como Diretor
da Educação do Paraná foi a portaria de 1944 em que reduziu e fixou os preços das taxas de matrículas e
mensalidades dos cursos secundários. O curso primário já era gratuito, a partir de sua portaria, os alunos do 2º
ciclo do curso secundário tiveram “um decréscimo de 40% nas mensalidades, o que significa para os estudantes
uma economia de Cr$ 20,00 por mês, pois o pagamento importava em Cr$ 50,00 mensalmente. A pequena
economia de Cr$ 20,00 representa num ano a apreciável soma de Cr$ 240,00, fato de grande significação para
as bolsas mais humildes do meio estudantil” (O Dia/PR, 11/08/1944, p. 3).
Quando Manoel Ribas se encontrava muito doente, após deixar o hospital e ir para casa, Pamphilo dos
Santos, juntamente com os médicos Alô Guimarães e Augusto Ericksen Ribas não deixavam a cabeceira do ex-
interventor, que veio a falecer em 28 de janeiro de 194624.

Almoço oferecido pelo interventor Manoel Ribas a sua equipe de Governo – Palácio São Francisco

Antenor Pamphilo dos Santos em destaque no lado esquerdo superior. Curitiba, década 1940
Acervo de Luiz Eduardo Veiga Lopes/Antigamente em Curitiba

Foi membro do conselho fiscal da Associação de Assistência à Criança do Paraná (AACP) e seu
presidente de 1946 a 195625. Em 1948, era diretor da Divisão de Proteção Social do Departamento Estadual
da Criança (DEC) ao lado de Domício Costa e do diretor-geral Pio Taborda Veiga. O DEC foi criado em 1947
como órgão da Secretaria de Saúde e Assistência Social com a finalidade de estimular e orientar a organização
de estabelecimentos municipais e particulares destinados à proteção da maternidade e da infância, além
de realizar estudos relativos à situação em que se encontrava a maternidade, a infância e a adolescência no

23. O Dia (PR), 12/03/1944, p. 8.


24. O Dia (PR), 29/01/1946, p. 1.
25. Diário do Paraná, 04/07/1946, p. 2. O Dia (PR), 18/05/1952, p. 3.

90
Paraná26. Participou da organização da 2ª Jornada Brasileira de Puericultura e Pediatria, realizada em Curitiba
em outubro de 1948, e representou o Paraná na 3ª Jornada realizada em Salvador no ano seguinte27.
Pamphilo dos Santos foi eleito, por diversas vezes, orador da Associação Paranaense de Farmacêutico,
sendo a última atuação no biênio 1957–195828.
Foi vereador de Curitiba pelo Partido Social Democrático (PSD) por duas legislaturas: 1947–1950 (com
668 votos)29 e 1956–1959 (com 859 votos)30. No dia 15 de abril de 1948 foi eleito 1º vice-presidente da Câmara
Municipal de Curitiba (CMC). Estava como presidente em exercício da CMC quando assumiu como prefeito
interino de Curitiba dia 16 de julho de 1948, pois o prefeito Ney Leprevost tirou curta licença por motivos
de enfermidade na família (MARTINS, 2017)31. Como vereador, apresentava projetos para auxiliar o esporte
amador, redução da tributação, defesa da educação e da saúde para os desamparados, ampliação da rede de
saneamento básico e macadamização das ruas, melhor orientação para a coleta de lixo, melhoria no transporte,
entre outros. Apresentava e defendia projetos que não fossem “pó de arroz em cara suja!”, como ele mesmo
declarava32.
Em 1956, chegou a ser presidente de honra do Huracan São Vicente Clube, time amador da segunda
divisão do futebol paranaense com sede na Rua Itupava.

Campanha das eleições de 1947

Fonte: O Dia (PR), 04/11/1947, p. 2

26. A Divulgação, fevereiro-março, 1945, p. 33.


27. O Dia (PR), 12/10/1948, p. 8. O Dia (PR), 04/10/1949, p. 1.
28. Diário do Paraná, 09/01/1957, p. 8.
29. Resultados de eleições municipais – Curitiba – 16/11/1947. Disponível em http://www.tre-pr.jus.br/eleicoes/resultados/resultados-
de-eleicoes-municipais-tre-pr. Acesso 23.abril.2018.
30. Resultados de eleições municipais – Curitiba – 03/10/1955. Disponível em http://www.tre-pr.jus.br/eleicoes/resultados/resultados-
de-eleicoes-municipais-tre-pr. Acesso 23.abril.2018.
31. O Dia (PR), 17/06/1948, p. 1.
32. Paraná Esportivo, 31/10/1956, p. 7.
O Huracan São Vicente, da região Hugo Lange, tinha como um dos seus líderes o comerciante Antônio Izar, um apaixonado por futebol.
Um dos seus filhos, José Lopes Izar (Juca), é proprietário do estabelecimento comercial que um dia foi dirigido por seu pai na esquina
das ruas Atílio Bório e Dr. Goulin, tendo hoje em anexo o Espetinho do Xixo, altamente frequentado. IN: Comando Da Manhã/No Mundo
da Bola, por José Domingues Borges Teixeira, 07/05/2015.

91
Campanha das eleições de 1947

Fonte: O Dia (PR), 09/11/1947, p. 1

Antenor Pamphilo era filiado ao PSD. Em 1945, era membro da comissão consultiva sobre assistência
social do partido ao lado de Hildebrando de Araújo, Francisco Acioli Rodrigues da Costa Filho, Felipe Mussi
Filho, Alarico Vieira de Alencar e Ari Florencio Guimarães. No ano de 1953, era um dos membros do diretório
municipal do PSD em Curitiba33.

Campanha das eleições de 1951

Fonte: O Dia (PR), 18/07/1951, p. 8

33. O Dia (PR), 28/09/1945, p. 4. O Dia (PR), 30/06/1953, p. 4.

92
Em 1957, pediu licença da função de vereador e substituiu Vidal Vanhoni na Secretaria de Educação
e Cultura na segunda gestão de Moysés Lupion (1956–1961), de quem era apoiador convicto34. Trabalhou na
instalação de vários comitês pró-Moysés, em diferentes bairros de Curitiba, durante as eleições de 1955. Nessa
mesma época, era um dos membros efetivos do diretório regional do PSD.
Ainda em 1957, no dia 14 de setembro, fundou com outros médicos a Sociedade de Endocrinologia e
Nutrição do Paraná, que foi incorporada como Regional do Paraná à Sociedade Brasileira de Endocrinologia e
Metabologia em 11 de agosto de 195835.
O professor Pamphilo dos Santos foi “um ilustre homem público e político experimentado, militante
nas hostes do Partido Social Democrático há longos anos, onde granjeou grande círculo de amizades e posição
firmada”. Por esse motivo foi convidado, em 1958, pelo Diretório Municipal do PSD, para concorrer à prefeitura
da cidade de Curitiba, mas declinou do convite36.
Quando José Manoel Ribeiro dos Santos deixou a Secretaria de Saúde no ano de 1959, o Diretório
Municipal do PSD indicou o professor Pamphilo dos Santos para substituí-lo. Mas, ao mesmo tempo, o bloco
de deputados do Norte paranaense indicou o deputado Nelson Rosário para a mesma função. Após um curto
período de disputa, Pamphilo dos Santos acabou desistindo da corrida pelo cargo37.
Foi um homem público de reconhecido valor, uma das “altas personalidades da política paranaense”,
sendo homenageado ainda em vida. Foi nome de turma e paraninfo de diversas turmas dos cursos da área
de saúde da Universidade do Paraná38. No ano de 1957, uma escola em Iporã foi batizada com seu nome, a
Escola Estadual Doutor Antenor Pamphilo dos Santos39. Após a sua morte, um dos logradouros de Curitiba foi
denominado Rua Vereador Antenor Pamphilo dos Santos, no bairro Vista Alegre40.
Foi candidato pelo Partido Social Democrata (PSD) a deputado estadual nos anos de 1950, 1954 e 1958,
não sendo eleito em nenhum dos pleitos41. Durante o processo das eleições de 1958, diversos acadêmicos de
Medicina se movimentaram no sentido de ampliar as bases eleitorais do diretor da Faculdade de Medicina da
Universidade do Paraná42. Nesse ano, o governo fez uma campanha para os eleitores não votarem em branco.
Aproveitando a mensagem da campanha do governo e a candidatura do professor Pamphilo dos Santos para
deputado estadual, os alunos da Faculdade de Medicina penduraram uma faixa no pátio com os dizeres: “NÃO
VOTE EM BRANCO. VOTE NO PROFESSOR PAMPHILO!” fazendo alusão à cor da pele do professor, relembra um
de seus ex-alunos43. Outra referência que encontramos sobre a cor da pele de Pamphilo dos Santos é de outro
ex-aluno que assim o descreveu: “aproximou-se o professor Antenor Pamphilo dos Santos, homem alto, preto,
avental branco, engravatado e de óculos bifocais” (grifo da autora)44.
Em todas as eleições, o governo e os partidos políticos faziam campanhas para conscientizar a população
para não anular o voto e nem votar em branco, alegando que o voto era a maior arma do cidadão, que se ele

34. Diário do Paraná, 07/11/1957, p.3.


35. Disponível em https://www.endocrino.org.br/perfil-e-historia/. Acesso 21.abril. 2018.
36. Diário da Tarde, 30/05/1958, p. 1.
37. Correio da Noite, 04/09/1959, p. 2.
38. Diário da Tarde, 16/12/1948, p. 2. Diário da Tarde, 14/12/1949, p. 1.
39. A Tarde, 10/10/1957, p. 3
40. Projeto de Lei Nº 157/67 de iniciativa do vereador Arlindo Oliveira (22 de agosto de 1967).
41. A Tarde, 24/08/1950, p. 6. A Tarde, 07/10/1954, p. 1. A Tarde, 08/10/1958, p. 3.
42. Diário da Tarde, 21/05/1959, p. 1.
43. O ex-aluno não permitiu sua identificação.
44. Henrique Packter, ex-aluno. In: Três crônicas de natal de 2017 (23/12/2017). Disponível em http://www.clicatribuna.com/colunista/
henrique-packter/david-luiz-boianovsky-primeiro-pediatra-10911. Acesso 23.abril.2018.

93
não utilizasse seu voto estaria beneficiando candidatos do governo. Encontramos nas campanhas eleitorais
dos diferentes estados brasileiros candidatos que utilizaram o duplo sentido da frase “Não vote em branco”.
No pleito de 1954, na cidade de São Paulo, Adbias Nascimento utilizou-se dessa frase e os jornais da época
noticiavam que:

Se ele vai vencer não sabemos, mas que teve uma boa ideia teve, usando uma frase de duplo
sentido. Ninguém sabe se ele recomenda aos que iam votar em branco o seu nome ou se
deseja que os eleitores se manifestem por ele que é de cor.

(O CRUZEIRO/RJ, 22/05/1954, p. 59).

Abdias Nascimento em 1954

Fonte: O Cruzeiro/RJ, 22/05/1954, p. 59

Segundo Souza (2011), Pamphilo foi membro da União Homens de Cor (UHC), antiga organização do
movimento negro que tinha uma perspectiva de atuação social buscando a integração do negro na sociedade
através da sua educação e inserção no mercado de trabalho. A UHC no Paraná combatia o racismo, sobretudo,
através da atuação de homens negros com visibilidade social e política e teria funcionado de 1948 até a década
de 1960. Essa instituição foi fundada em 1943 por João Cabral Alves, em Porto Alegre, e declarava em seu
primeiro artigo do estatuto que sua finalidade era “elevar o nível econômico e intelectual das pessoas de cor em
todo território nacional, para torná-las aptas a ingressarem na vida social e administrativa do país, em todos os
setores de suas atividades” (DOMINGUES, 2007, p. 108).

94
Jornal da UHC-Curitiba

Fonte: União, 27/03/1948, p. 5

95
Foi candidato a 2º suplente do candidato a senador pelo PSD do Paraná, Flávio Guimarães, nas eleições
de 194645. Em 1960 foi o presidente de honra do Comité Médico Pró-Plínio Costa, que funcionava no Edifício
Asa, na Praça Osório. Esse comité apoiava Plínio Franco Ferreira da Costa para o governo do estado do Paraná46.
Assumiu, no ano de 1961, como secretário da saúde do governo de Moysés Lupion, no lugar de Nelson Rosário,
permanecendo até a posse de José Justino Filgueira Alves Pereira, secretário do governo Ney Braga (FGV-
CPDOC, on-line; Sesa, on-line).
Pamphilo dos Santos foi casado com Laura Sozzi e tiveram apenas um filho, Jayme Sozzi Pamphilo dos
Santos, formado em Direito, nascido em 19 de novembro de 1926 e falecido em 10 de maio de 196347. Moravam
na antiga Rua Conselheiro Barradas, nº 1386, atual Rua Carlos Cavalcanti.

Moradia de Pamphilo dos Santos

Fonte: Correio do Paraná, 12/05/1934, p. 3

Foi membro da banca do concurso que aprovou a primeira mulher docente do curso de Medicina
Veterinária da Universidade do Paraná – a professora Clotilde de Lourdes Branco – realizado em 196348.
Teve o nome cogitado para integrar a lista tríplice, que seria encaminhada para o presidente da
república, o Marechal Castelo Branco, para a validação do nome do reitor da Universidade do Paraná no ano
de 1964. Seu nome aparecia ao lado dos professores Brasil Pinheiro Machado e David Carneiro. Porém, quem
ocupou a reitoria, no lugar de Flávio Suplicy de Lacerda, foi o professor José Nicolau dos Santos49.
Quando Pamphilo dos Santos faleceu em 9 de fevereiro de 1967, aos 72 anos, a Reitoria da Universidade
Federal do Paraná decretou luto simbólico de três dias. A Prefeitura de Curitiba e a Secretaria Estadual de
Educação decretaram luto oficial de dois dias50 em reconhecimento a todo serviço prestado nas instituições pela
qual passou o “ilustre médico e talentoso professor que conservou um vasto círculo de amizades. Intelectual,
exerceu vários cargos públicos de alta relevância na vida política administrativa do Paraná, indo sempre de

45. O Dia (PR), 04/01/1947, p. 5. Diário do Paraná, 22/01/1947, p. 1.


46. Diário do Paraná, 01/10/1960, p. 4.
47. Diário do Paraná, 10/06/1959, p. 5. Diário do Paraná, 11/05/1963, p. 10.
48. Correio do Paraná, 28/09/1963, p. 4
49. Última Hora (PR), 22/04/1964, p. 3.
50. O Diário do Paraná, 10/02/1967, p. 7.

96
encontro aos anseios dos menos favorecidos pela sorte”51. A imprensa sempre o considerava como um “eminente
homem público, uma personalidade de destaque na ciência e na política do Estado”52 que “colaborou muito para
o progresso de Curitiba”53. Foi médico, professor, homem público e destacada figura da sociedade curitibana do
século XX. Está sepultado no Cemitério Municipal São Francisco de Paula.

Antenor Pamphilo dos Santos em 1962

Pamphilo dos Santos é o primeiro sentado da esquerda para a direita


Fonte: Divulgação Paranaense, Nº166, janeiro de 1962, p. 43

Professor Pamphilo dos Santos em 1960

Fonte: A Tarde, 26/03/1960, p. 2

51. O Dia (PR), 01/06/1951, p. 3.


52. Diário da Tarde, 02/04/1954, p. 6.
53. Diário da Tarde, 07/07/1950, p. 4.

97
Anúncio do consultório médico do Dr. Antenor P. dos Santos

Fonte: Ilustração Paranaense, Ano 3, Nº 12, dezembro de 1929, p. 42

* Agradecimento especial ao acadêmico Ricardo Gullit de Medicina da UFPR pela foto do professor Pamphilo
dos Santos.

98
REFERÊNCIAS

APUFPR (2010). APUFPR S.Sind – 50 anos de História. Fascículo 1, mês de Abril.


COSTA, Iseu Affonso da; LIMA, Eduardo Correa (1992). O ensino de medicina na Universidade Federal do
Paraná. Curitiba: Editora da UFPR.
DOMINGUES, Petrônio José (2007). Movimento Negro Brasileiro: alguns apontamentos históricos. In: Tempo,
Niterói, Vol. 23, p. 100–122.
FERRARINI, Sebastião (2011). Círculo de Estudos Bandeirantes: documentado. Curitiba: Editora Champangnat.
FGV-CPDOC. Verbete José Justino Filgueira Alves Pereira. Disponível em http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/
dicionarios/verbete-biografico/jose-justino-filgueiras-alves-pereira. Acesso 18.setembro.2018.
LIMA JUNIOR, José Alberto de Andrade de (2009). História da disciplina de Música e Canto Orfeônico em das
escolas secundárias públicas de Londrina (1946–1971). Londrina: Mestrado em Educação da UEL.
MARTINS, Walkiria Braum (2017). Levantamento das legislaturas e vereadores (1947–2020). Curitiba: CMC.
MÉDICOS DE 1936 (1962). 25º Aniversário de Formatura. In: Divulgação Paranaense. Nº 166, janeiro de 1962,
p. 43.
RODRIGUES, Jaqueline dos Santos (2013). Postos de Puericultura – fundação O Dia: educação das mães e saúde
dos filhos (Curitiba, 1940–1942). Curitiba: Mestrado em Educação da UFPR.
SESA (Escola de Saúde Pública). Relação dos ex-diretores do Centro Formador de Recursos Humanos Caetano
Munhoz da Rocha. Disponível em http://www.escoladesaude.pr.gov.br/arquivos/File/LISTA_DIRETORES_
ESPP_CFRH_2016_alterado.pdf. Acesso 18.setembro.2018.
SOUZA, Eliezer Felix de (2016). Flávio Suplicy de Lacerda: relações de poder no campo acadêmico/político
paranaense e o processo de federalização e modernização da Universidade do Paraná. Ponta Grossa: Doutorado
em Educação da UEPG.
SOUZA, Marcilene Garcia de (2011). A África está em nós: história e cultura afro-brasileira/africanidades
paranaenses. João Pessoa: Editora Grafset.
VANALI, Ana Crhistina (2018). Negros Pamphilo: personalidades negras da sociedade curitibana do século
XX. IN: COQUEIRO, Edna; REINEHR; Melissa; SILVA, Adegmar J. (orgs.). Caderno Pedagógico: oralidades
afroparanaenses. Curitiba: Editora Humaita/SEED–PR, p. 160–181.

99
6
ANTONIO CALAZANS
DOS SANTOS
Nascimento: Santa Maria/RS, 27 de agosto de 1912
Falecimento: Curitiba/PR, 3 de maio de 1998

Antônio Calazans dos Santos. Curitiba, 1958


Fonte: Acervo de Valmir de Oliveira

100
ANTÔNIO CALAZANS DOS SANTOS 1

(1912–1998)

Ana Crhistina Vanali

Antônio Calazans dos Santos, ou Nego Calazans (como era conhecido), nasceu em Santa Maria, estado
do Rio Grande do Sul, no dia 27 de agosto de 1912. Era o filho caçula de Euniversina e de João Calazans dos
Santos, que já tinham um casal de filhos. Perdeu os pais muito cedo: a mãe, quando tinha 3 anos e o pai aos cinco
anos. Após o falecimento do pai, os irmãos foram separados, indo cada um morar com um tio. Reencontrar-se-
iam muitos anos mais tarde, quando o professor Calazans, já casado e com filhos, retornou a sua cidade natal
para procurar os irmãos.
O professor Calazans chegou a Curitiba sozinho, no ano de 1930, aos 18 anos de idade, para prestar
o serviço militar. Decidiu ficar por aqui visto que em Santa Maria conseguiria somente empregos no setor
ferroviário ou na construção civil. As filhas, Célia e Heloísa (2018), relatam que o pai sofreu muito no início da
vida em Curitiba, pois estava sozinho, sem família, não tinha instrução e conseguia apenas serviços “pesados”,
como de pedreiro.
Um dos seus ex-alunos nos relatou que “ele nos contava que havia sido pedreiro e que tinha participado
da construção da segunda sede do Colégio Iguassu”, fato esse confirmado pelas filhas. Heloísa (2018) lembra
que o pai tinha uma cicatriz na orelha direita em decorrência de um ferimento ocasionado por uma colher de
pedreiro que um dos colegas lhe arremessou durante a realização desse trabalho. O Colégio Iguassu funcionava
na Praça Rui Barbosa e havia sido fundado em 1917 pela família Parodi. Funcionou até o ano de 1983 e, durante
sua existência, passaram por ele gerações de curitibanos, sendo um marco no ensino particular da capital
paranaense (MILLARCH, 1985).

Sede do Colégio Iguassu na década de 1920

Fonte: O Estado, 11/01/1924, p. 5

1. Na placa atual na Praça Santos Andrade está gravado ANTONIO CALAZANS, mas seu nome completo era ANTONIO CALAZANS DOS
SANTOS.

101
Ao retomar os estudos, o professor Calazans foi aluno no Colégio Iguassu. Posteriormente, fez
Faculdade de História na Universidade do Paraná, se formando em 1946. No ano seguinte, tornou-se professor
de História, Geografia e de Organização Social e Política Brasileira (OSPB) no mesmo colégio em que estudou e
onde havia trabalhado como pedreiro na construção da segunda sede. Trabalhou nesse colégio até se aposentar
como professor no início dos anos de 1970. Seus filhos estudaram na mesma instituição. Calazans também foi
professor no antigo Colégio Padre Júlio Saavedra, hoje Colégio Pio Lantéri, na vila São Paulo. Nesse colégio, os
filhos Heloísa e Diógenes foram seus alunos.
No ano de 1940, conheceu a jovem curitibana Alair Monte Carmelo2 que trabalhava na fábrica de balas
da Todeschini. Depois de cinco anos de namoro, casaram-se em 1945 e tiveram cinco filhos: Regina, nascida em
1946 (falecida em 2007); Célia, nascida em 1947; Heloísa, nascida em 1949; Diógenes, nascido em 1950; e o
pequeno Demóstenes, que faleceu ainda criança, aos três anos de idade.

Parte da família Calazans. Curitiba, 1970

Da direita para a esquerda: Professor Calazans, o filho Diógenes, a esposa Alair e a filha Heloísa
Acervo: Heloísa Calazans dos Santos

2. Filha de Almerinda Assumpção e Martiniano Monte Carmelo. Irmã de Darcilio, Ezilda, Sebastão e Juraci. Diário do Paraná, 03/12/1959,
p. 9.

102
Célia (2018) lembra que seu pai “trabalhava muito. Ele se dividia entre as aulas no colégio e seu trabalho
na parte administrativa na Secretaria de Obras Públicas”. Calazans entrou para o serviço público no início da
década de 1950 e se aposentou como servidor estadual no final da década de 19603.
Com relação à questão racial, as filhas Célia e Heloísa falam que ele não permitia ser discriminado,
que se acontecia alguma situação desagradável “ele já cortava, não deixava a conversa se estender”. Falava que
a maior herança que podia deixar para os filhos era a educação, por isso todos eles estudaram. O professor
Calazans prezava por se ter uma profissão prática, por isso as filhas estudaram corte e costura, enfermagem e
técnico em Contabilidade. Célia (2018) relata que começou a trabalhar aos 23 anos, após finalizar a Faculdade
de Letras. Antes o pai não deixou, queria dedicação total dos filhos aos estudos.
Célia e Heloísa (2018) destacam que a grande paixão do pai era dar aula: “lecionava com gosto, com
paixão mesmo!” Fato esse que se percebe na lembrança de alguns ex-alunos sobre o professor Calazans (BOVO,
2014):

“O professor Calazans ninguém esquece. Esse professor de História, moreno, hoje denominado
afro-descendente, com a careca bem lustrada!”

“Era enérgico e de coração enorme.”

“Aula rica em detalhes, mas sabia ser bravo. Colocava os alunos de castigo de joelhos em grãos
de milho de frente para a lousa.”

“Era enérgico: um dia se irritou com um engraçadinho da turma, o pegou pelo braço e deu um
rodopio o atirando no corredor.”

“Tinha um jeito carinhoso de expor e de ensinar. Suas aulas eram ricas em detalhes. Nas
provas respondia todas as questões e pedia que deixássemos apenas a folha da prova e a
caneta e daí pedia que iniciássemos as questões.”

“No primeiro dia de aula ele se apresentou: ‘sou o professor Antônio Calazans, mas vocês
podem me chamar de Nego Calazans. Porque o negro quando vai numa transportadora
procurar emprego e tem uma vaga de motorista e uma de carregador, mesmo o negro tendo
a carteira de habilitação ele vai ser escolhido para a vaga de carregador. O negro já nasce com
o pandeiro embaixo do braço’. Ele sempre fazia umas sátiras no primeiro dia de aula. Sempre
foi uma pessoa muito legal e respeitada. Ele sofreu muito na vida e conseguiu sobrepor seus
sofrimentos e se formar como professor e trabalhar no estado como funcionário público. Eu
também sou negro, então quando comecei a estudar no Colégio Iguassu ele me chamou e
falou: ‘Você é o único negro aqui, já sabe: tem que sempre tirar nota boa!’”

Outra característica que os ex-alunos destacam do professor Calazans era sua altivez e elegância ímpar.
As filhas lembram que o pai falava num tom baixo e sempre andava muito elegante e imponente, trajando terno
e gravata e com os sapatos brilhando. Ele mandava fazer os ternos e as calças estavam sempre frisadas como se
tivessem vindo do alfaiate no mesmo dia.

3. O Diário do Paraná, 20/01/1962, p. 7.

103
Professor Calazans aos 71 anos com os netos Junior e Felipe Professor Calazans com o neto Júnior

Acervo: Heloísa Calazans dos Santos Acervo: Heloísa Calazans dos Santos

Durante muitos anos, o professor Calazans fez parte do corpo de jurados do Tribunal de Júri em
Curitiba4. Faleceu aos 86 anos, no dia 3 de maio de 1998 em Curitiba, oito anos após ter sofrido um AVC que lhe
deixou sequelas. Está sepultado no Cemitério Vertical de Curitiba.

REFERÊNCIAS

BOVO, Flávio (2014). Memórias do Colégio Iguassu. Disponível em http://www.museudapessoa.net/pt/


conteudo/historia/memorias-do-colegio-iguassu-52773. Acesso 23.janeiro.2018.
CELIA (2018). Entrevista de Celia Calazans dos Santos, filha de Antonio Calazans dos Santos, concedida a Ana
Crhistina Vanali no dia 16 de maio de 2018 em Curitiba.
HELOISA (2018). Entrevista de Heloisa Calazans dos Santos, filha de Antonio Calazans dos Santos, concedida a
Ana Crhistina Vanali no dia 16 de maio de 2018 em Curitiba.
MILLARCH, Aramis (1985). Morte da memória de nosso ensino. In: Estado do Paraná, 13/03/1985, p. 14.

4. O Diário do Paraná, 10/08/1957, p. 9.

104
7
ANTÔNIO DIONÍSIO FILHO
Nascimento: Ribeirão Preto/SP, 14 de abril de 1956
Falecimento: Curitiba/PR, 16 de fevereiro de 2015

Antônio Dionísio Filho. Curitiba, 2014


Foto: Acervo RPC

105
ANTÔNIO DIONÍSIO FILHO

(1956–2015)

Dulcinéia Novaes

Dionga, o garoto de Bronze

Aquele menino franzino, de pele escura, retinta, filho do senhor Antônio, motorista de caminhão e
Arlinda, uma tranquila dona de casa, tinha um dom especial para o futebol.
No campinho de terra batida, perto de onde a família morava, em Ribeirão Preto, interior de São Paulo,
desde a mais tenra idade, o menino Dionísio demonstrava habilidade com a bola. Aos 13 anos de idade, já fazia
parte da equipe dente de leite da Portuguesinha de Ribeirão.
Habilidade e talento que se comprovaram mais tarde, depois que passou por alguns times pequenos do
interior paulista, como o Botafogo de Ribeirão.
Lateral esquerdo de destaque, jogou em grandes times, tais como Atlético Mineiro, onde foi campeão
invicto em 1976 e no Internacional de Porto Alegre.
Em 1977, quando ainda estava no Atlético de Minas, casou-se com a mineira Sueli de Jesus Monteiro.
Em 1978, ele já estava jogando no Inter, de Porto Alegre, quando foi emprestado para o Atlético Paranaense. E
no final do campeonato voltou para a capital gaúcha. No ano seguinte, assim que nasceu em Porto Alegre seu
primogênito Cristiano, Dionga regressa a Curitiba, contratado pelo Coritiba Futebol Clube.

Dionga, ao centro quando jogava no Coritiba, em 1980. Acompanhado de Freitas (à direita) e Amir (à esquerda)

Foto: Acervo Grupo Helênicos

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Dionga, primeiro em pé à direita no Coritiba, em 1980

Foto: Acervo Grupo Helênicos

Dionga, segundo em pé a partir da direita no Coritiba, em 1988

Foto: Acervo Grupo Helênicos

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Dionga defendendo o Coritiba em 1989 contra o Atlético Paranaense

Foto: Acervo Grupo Helênicos

Dionga passou também pelo antigo Clube Pinheiros. Na capital paranaense, em junho de 1985, nasceu
Bibiana Dionísio, segunda filha do casal.
Deixou os campos jogando pelo Cascavel no Oeste do estado. Mesmo quando parou de jogar, Antônio
Dionísio Filho, seguiu nos caminhos do futebol. Foi treinador de equipes de base do Paraná Clube (1996/1997),
auxiliar técnico (1998/1999) e também atuou como técnico interino da equipe principal. Foi ainda treinador do
Tuna Luso, de Belém do Pará, Comercial de Ribeirão Preto e do Francana, em Franca, entre outros.
Em setembro de 1999, nasceu seu filho caçula, Márcio Eduardo Monteiro Dionísio que, posteriormente,
viria a sonhar com a profissão do pai, escolhendo, inclusive, a mesma posição deste.
Mais tarde, Dionísio Filho levou toda a experiência profissional para a crônica esportiva – o que
representou uma tacada de mestre. Foi comentarista, durante pouco mais de uma década, da Rádio Banda B,
onde tinha ainda um programa de entretenimento, com músicas e entrevistas intitulado Sangue Bom. Também
foi comentarista freelancer da RPC, emissora afiliada da Rede Globo; integrou a equipe de comentaristas do
programa Show de Bola, da Rede Massa, e da TV Educativa (E-Paraná), além de atuar como colunista do jornal
Gazeta do Povo por, aproximadamente, cinco anos.
Teve ainda participação em três Copas do Mundo: Alemanha em 2006, África do Sul em 2010 e
Brasil em 2014. No período em que se preparava para ir à África do Sul, em 2010, Dionísio Filho declarou,
em entrevista concedida à jornalista Dulcinéia Novaes, para uma reportagem da Revista Afirmativa Plural, da
Afrobrás, São Paulo: “Eu tenho que ir mesmo, porque me considero um analista de futebol. Não estou nesta
profissão por acaso. Vivi todas as etapas dela. Não sou um teórico. Ir à Copa do Mundo na África é uma questão
de reconhecimento pelo trabalho realizado”1

1. NOVAES, Dulcinéia. Uma família unida contra o preconceito. In: Revista Afirmativa Plural, Ano 7, Nº 34, 2010, p. 58–61.

108
Comprometido com a causa

Dionísio Filho, ou simplesmente Dionga, como ficou conhecido no meio esportivo, sempre foi um
ferrenho defensor da causa em prol da raça negra. Tanto que, por ocasião das comemorações do Primeiro
Centenário da Abolição, quando inauguraram o bloco de granito com a placa de bronze, na Praça Santos
Andrade, onde constavam os nomes de integrantes da Colônia Afro-Brasileira, entre eles, o de Dionísio, ele
ficou bastante impactado com a homenagem, a ponto de passar mal, tamanha a emoção que tomou conta dele,
conforme relata Sueli Monteiro, viúva de Dionga:

O Di se sentiu ao mesmo tempo valorizado. Considerou que foi um resgate que começava
a se manifestar, de uma causa da qual sempre foi defensor. Ele se sentiu realmente muito
orgulhoso. E foi também motivo de orgulho para toda a família, diz Sueli (2018).

Aquela primeira homenagem podia sim ser considerada o resultado de uma conquista que aos poucos
ia se consolidando, porque era gradual, lance a lance, como diriam os esportistas. Isso porque não foi nada fácil
para um negro chegar a uma sociedade notadamente branca, como a de Curitiba, sofrer aquele impacto inicial
e ir, gradativamente, sendo aceito.
Dionísio Filho via a discriminação racial, na capital paranaense, como uma coisa velada. E costumava
dizer: “Vamos lavar a cara! Vamos falar a verdade!” porque percebia que o preconceito existia, mas de uma
forma, cuidadosamente, camuflada.
Sueli (2018) conta que Dionísio sofreu muito preconceito:

Ele, Dionísio, percebia na atitude das pessoas. Sempre tinha e teve de provar tudo com a bola
de futebol à frente, senão não conquistava. O futebol abria horizontes. Foi o caminho que ele
encontrou para se impor, ser aceito. Depois, o conhecimento, a verdade, a formação de homem
de caráter. Infelizmente, em primeiro lugar, vinha o futebol para abrir portas, pois era um
tempo de silêncio cruel em que o preconceito racial não era passível de discussão. Era, “para
o bem de todos”, um tabu.

Essa tomada de consciência, do que era ser negro numa sociedade de prevalência branca, foi um
processo doloroso, que deixou marcas. Marcas que se eternizam, que o tempo não consegue diluir.

Racismo no meio esportivo

Por várias vezes, foi vítima de racismo no futebol, numa época em que não tinha como provar nada. Os
jogadores negros sempre foram muito estigmatizados, humilhados. Dionga contava que a crônica esportiva
duvidava de que eles eram xingados em campo. E dizia: “no meio esportivo, infelizmente, ainda há muito
preconceito. Espero que um dia isso acabe. Nem que seja pra geração dos meus tataranetos!”
Dionga, no entanto, de personalidade forte, nunca foi de levar desaforo para casa. E não media palavras
para impedir que falassem mal da raça negra. Ai de quem se atrevesse a falar mal de um negro na frente dele!
Era encrenca na certa! Ao mesmo tempo era considerado símbolo da alegria. Sorriso largo, gostava de dedilhar
um violão e cantar Jorge Benjor, de quem era fã incondicional.
Foi ídolo, mas também tinha as suas referências. Historicamente, foi justamente pelo esporte que os
negros começaram a se sobressair e a construir histórias de sucesso. Dionga usava o Rei Pelé como exemplo.

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Sueli (2018) lembra que ele costumava comentar que, “No caso específico do futebol, apesar de não ter levantado
explicitamente bandeiras contra o racismo, a figura de Pelé, a imagem que ele construiu, foi positiva, muito
importante, nesse sentido. Pelé servia de referência. Todo menino negro queria ser Pelé. E era uma forma de
identificação ser chamado de Pelezinho, se o menino fosse bom de bola. A projeção de Pelé elevava a autoestima
do negro”.

Encontro de craques. Com Pelé, ídolo

Foto: Acervo da família

É pertinente, no entanto, considerar que, se por um lado não levantou bandeira contra o racismo,
por outro lado, Pelé alertou para o problema da exclusão social, quando em 1969 solicitou que cuidassem
das crianças do Brasil, ao marcar o milésimo gol. Ora, era uma espécie de profecia. Na época, foi chamado de
demagogo. Não deram a menor importância por se tratar de um jogador de futebol, principalmente, negro. Sua
solicitação não surtiu efeito político, porque foi a voz de quem ainda não tinha autoridade para falar do assunto.
Ele pedia simplesmente para que cuidassem do futuro das criancinhas, porque via crianças nas ruas pedindo
esmolas. Mas tinha a visão, o discernimento da necessidade de dar educação àquelas crianças. “Não haverá
futuro se você não educar os jovens”, dizia Pelé. Aquelas criancinhas se tornaram adultos. Muitos morando nas
ruas, agindo em gangues ou assaltando. Hoje admitem que Pelé tinha razão. Tempo perdido.

Respeite minha gente!

No caso de Dionísio, a discriminação sofrida representou uma espécie de resistência. Uma desafiadora
resistência que se consolidou com a constituição de uma família negra. Um clã afro-descendente, unido contra
o racismo. Casado com uma professora universitária, que já conduzia arraigada essa consciência, ele procurou
criar os filhos com um padrão de educação acima da média, de primeira linha. Acreditava também que só por
meio da resistência, da conscientização é que haveria uma transformação.
Por isso sempre abraçou a causa e não admitia qualquer referência desrespeitosa aos afro-descendentes.
“Que ninguém ousasse desrespeitar a nobreza de sua condição de negro!”, dizia.

110
A voz forte, de trovão, a fala enérgica impositiva, um certo tom agressivo. O microfone em punho fez
dele, maioria. Esse foi o caminho que possibilitou maior representatividade. Pelas ondas do rádio, Dionísio Filho
atingia uma Curitiba sem crachá, sem rótulos, milhares de ouvintes de todas as classes sociais, principalmente,
os mais humildes.
Pela imagem na televisão, milhares de telespectadores. Carisma não lhe faltava. Era popular!
Reconhecia, sobretudo, depois de muitos anos, o acolhimento, declarando seu amor por Curitiba. Dizia
que lhe faltavam adjetivos para expressar o quanto amava a cidade. “A cidade dele era Curitiba”, diz Sueli.
Era uma voz imponente, de combate contra qualquer tipo de discriminação contra o povo negro. Certa
vez, foi convidado para participar de um debate sobre racismo na Universidade Federal do Paraná cujo tema
era “Uma análise da cobertura midiática do Racismo no Futebol”. E lá, no cartaz, estava um resumo da trajetória
dele: Dionísio. Ex–jogador do Coritiba, Atlético Paranaense, Atlético Mineiro, Internacional, Pinheiros e cronista
esportivo.
O outro participante era o Tinga: Cruzeiro (MG), Internacional (RS), Botafogo (RJ), Grêmio (RS),
Borussia Dortmund (Alemanha), Sporting (Portugal) e Futebol japonês.
Dois afro-descendentes, expoentes do futebol, na berlinda. Hora de “rasgar o verbo”. Dionga tirou de
letra. Deixou bem claro que muitas vezes dão mais destaque ao jogador branco, em detrimento do jogador
negro. Abordou, magistralmente, segundo Sueli, a questão do preconceito racial no meio esportivo.
Nos tempos em que jogava nunca permitiu que a família fosse aos estádios, porque costumava dizer
que “se alguém, algum dia, ofendesse a família, ele pularia o alambrado pra resolver a questão de perto”. Esse era
o Dionga – força bruta.

Unidos contra o preconceito

E quais os sentimentos positivo e negativo que resumiriam a história de Antônio Dionísio Filho em
relação à luta contra o preconceito racial? Do ponto de vista negativo, as marcas deixadas pela discriminação,
que não se apagam jamais. Estas permanecem além da morte, garantia ele.
Sueli Monteiro, que durante 38 anos esteve casada com Dionísio Filho, sabe mais do que ninguém o
que ficou de positivo nessa jornada: o sentimento de realização, orgulho da trajetória profissional brilhante, de
ter transposto obstáculos, vencido barreiras e conquistado a autoafirmação. Além disso, a contribuição de uma
família que o representou: uma esposa professora doutora em Literatura, um filho advogado prestes a concluir
um doutorado, uma filha jornalista, um filho caçula, atleta, apaixonado por futebol e estudante de Educação
Física.

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Dionga com a família em 2010

Foto: Dulcinéia Novaes

Dionga ganhou esse apelido porque era chamado de o Garoto de Bronze. Faleceu no dia 16 de fevereiro
de 2015 aos 58 anos. Está sepultado no Cemitério Vertical de Curitiba.
Se fosse vivo Dionísio diria às novas gerações de jovens afro-descendentes:

“Cuide-se! A única garantia que o negro tem é ele mesmo! Não espere pelo outro, como forma
de complemento, porque esse retorno dificilmente vai existir.”

ANTÔNIO DIONÍSIO FILHO

Foto: Acervo da família

112
Antônio Dionísio Filho nasceu em Ribeirão Preto em 14 de abril de 1956 (in memorian)
Pai: Antônio Dionísio (in memorian)
Mãe: Arlinda Marques Dionísio (in memorian)
Esposa: Sueli de Jesus Monteiro
Filhos: Cristiano Dionísio, Bibiana Dionísio e Márcio Eduardo Monteiro Dionísio

Aos sete anos começou a trabalhar para ajudar no orçamento familiar. Exerceu diversas funções, tais
como: auxiliar mecânico, auxiliar de pinturas automotivas, vendedor de pipoca e amendoim e ainda gandula.
Foi como gandula do Botafogo de Ribeirão Preto que ocorreu sua proximidade com o futebol, sacramentando
sua vocação esportiva.
A carreira como jogador de futebol iniciou na Portuguesinha de Ribeirão Preto e no São Paulinho de
Sertãozinho/SP, onde atuou na categoria de dente de leite.

1971–1972: atuou no juvenil do Botafogo de Ribeirão Preto.


1973–1975: Guarani de Campinas.
1976–1977: Clube Atlético Mineiro.
1977–1978: Clube Internacional.
Maio a dezembro de 1978: Clube Atlético Paranaense.
Dezembro 1978 a maio de 1979: Internacional e Coritiba (meia temporada em cada time).
Maio de 1979 a janeiro de 1981; Coritiba.
1981–1982: Clube Pinheiros.
Fevereiro a abril de 1982: Clube Atlético Paranaense.
Abril de 1982 a abril de 1983: Clube Pinheiros.
Abril de 1983 a março de 1984: Clube Operário/MT.
Março de 1984 a agosto de 1988: Clube Pinheiros. Foi convocado para a seleção olímpica.
1992: comentarista esportivo na Rádio Eldorado.
1993: comentarista esportivo na Rádio Atalaia.
1996: comentarista esportivo no Rádio Clube Paraná.
1996–1997: técnico de futebol da equipe júnior do Paraná Clube.
1999: técnico de futebol, da equipe profissional do Paraná Clube.
2001: comentarista esportivo na Rádio Banda B.
2002: vencedor do prêmio de melhor comentarista esportivo.
2003: recebeu o título de cidadão honorário de Curitiba2.

* Agradecemos a Flávio Henrique Soethe, historiador do Coritiba (Grupo Helênicos) pela concessão das fotos
utilizadas nesse capítulo.

2. Proposição Nº 006.00018.2003 da Câmara Municipal de Curitiba. Proposta do vereador José Aparecido Jotapê Alves.

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8
ANTÔNIO PINTO REBOUÇAS
Nascimento: Cachoeira/BA, 13 de junho de 1839
Falecimento: São Paulo/SP, 24 de maio de 1874

Antônio Pinto Rebouças


Fonte: Acervo Instituto Histórico e Geográfico do Paraná

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ANTÔNIO PINTO REBOUÇAS

(1839–1874)

Alessandro Cavassin Alves

Antônio foi membro da destacada família Pereira Pinto Rebouças, que tem como seu mais conhecido
membro o engenheiro e abolicionista André Pinto Rebouças, seu irmão. Foi uma família que fez parte da elite
intelectual brasileira no século XIX e que teve destacada atuação em terras paranaenses.
Os pais de Antônio eram Antônio Pereira Rebouças e Carolina Pinto Rebouças; residentes em Cachoeira,
na Bahia e depois de 1846, devido às atividades políticas do pai, mudaram-se para o Rio de Janeiro, capital
do então Império do Brasil. Ao todo eram oito irmãos, entre eles José Pinto Rebouças1. Antônio, o pai, foi
destacado advogado e político brasileiro, chegando a ser Conselheiro de D. Pedro II, que lhe rendeu o apelido
de Conselheiro Rebouças. O Antônio, pai, era o mais jovem dos nove filhos do alfaiate português Gaspar Pereira
Rebouças e da escrava liberta Rita Basília dos Santos (MATTOS & GRINBERG, 2004, p. 36).
Os irmãos Rebouças recebem e utilizam tanto o sobrenome Pereira do pai e avô, como também utilizam
o sobrenome Pinto da mãe Carolina, daí a grafia por vezes aparecer como Pereira Rebouças ou Pinto Rebouças.
André Pinto Rebouças e Antônio Pinto Rebouças, além de irmãos, foram companheiros fiéis: entraram
para a Escola Militar (embrião da Escola Politécnica do Rio de Janeiro) em 1854, formaram-se engenheiros em
1861, quando viajaram para a Europa. José Pinto Rebouças seguiu a mesma formação dos irmãos, anos mais
tarde, tornando-se engenheiro em 1874, na mesma escola. Consta que Antônio era também “tutor, orientador e
educador” de seu irmão José2, provavelmente quando trabalhava no Paraná.
Antônio e André, nesta viagem à Europa, financiada pelo pai, puderam então conhecer o que a
engenharia do período podia proporcionar de mais moderno, inclusive escrevendo relatórios sobre caminhos
de ferro e de portos de mar vistos. Regressaram ao Brasil no final de 1862 (TRINDADE, 2004, p. 52).
A vida acabou levando os jovens engenheiros a trabalharem na recém-criada Província do Paraná,
principalmente Antônio, cujas ideias e perspectivas do progresso mundial, do trabalho livre e por mérito, do
empreendedorismo, encontraram um local ideal para se concretizar dentro do imenso Brasil. Suas obras ainda
falam por si, enquanto pilares do crescimento de um dos estados promissores desse país.
Antônio Pinto Rebouças ou Antônio Pereira Rebouças Filho3, depois de voltar da Europa, apresentou
relatório dos seus estudos na Escola Militar. Foi designado, junto com o irmão André, para inspecionar as
fortificações do Sul do país, em Santos, Paranaguá e em Santa Catarina. Residiram em Desterro – atual cidade
de Florianópolis, em Santa Catarina – até serem nomeados para novas funções. Antônio foi designado, em julho
de 1864, engenheiro chefe da Estrada da Graciosa, obra que ligaria Antonina a Curitiba. Foi a partir desse ano
que Antônio passou a conhecer em detalhes a muralha da Serra do Mar, que separa o litoral da capital do Paraná
e a contribuir para o progresso dessa jovem província emancipada em 1853, viabilizando essa importante via.

1. Ver capítulo 34 desse livro – José Pinto Rebouças.


2. Jornal Getulino, Campinas, SP, 06/07/1924.
3. A biografia de Antônio Rebouças teve como referência o artigo da Revista do Instituto Polytechnico Brasileiro: Apontamentos para a
biographia do engenheiro Antônio Pereira Rebouças Filho. Escrito em 14/06/1874, por André Rebouças, seu irmão. E, também, das
inúmeras referências no jornal Dezenove de Dezembro de Curitiba, Paraná. O sobrenome de Antônio sempre aparece como “Pereira
Rebouças Filho” (para diferenciar do nome de seu pai), e não “Pinto Rebouças”, como foi homenageado.

115
Durante as obras, residiu, entre Curitiba e o litoral paranaense. André, por sua vez, partiu para o Nordeste
brasileiro.
Em dezembro de 1864, inicia-se a guerra contra o Paraguai (1864–1870) e André atua nos combates
entre os anos de 1865 e 1866, mas Antônio foi impedido pelo Governo Imperial de se alistar e teve de continuar
com seus trabalhos como engenheiro na Estrada da Graciosa. Destacou-se nessa atividade, com inúmeras
notícias no jornal Dezenove de Dezembro, de Curitiba. Uma delas assinalou a grandiosa inauguração do trecho
de “estrada de rodagem”, no dia 21 de março de 1866. O feito foi bastante comemorado pelos paranaenses e
conferiu reconhecimento ao trabalho do jovem engenheiro Antônio Pereira Rebouças Filho4. Percebe-se, pela
leitura do Jornal Dezenove de Dezembro, que o engenheiro Rebouças trabalhava muito no cais do porto de
Antonina, tendo como referência o chefe político local, comendador Antônio Alves de Araújo (daí, provavelmente,
o projeto da futura estrada de ferro iniciar em Antonina e não em Paranaguá). Enfim, era responsável pela difícil
conservação da estrada, contrato de obras, construção de pontes, alargamentos, pagamento de funcionários e
empreiteiros etc. A Estrada da Graciosa foi fundamental para o desenvolvimento do Paraná.
Nesse período, Antônio foi nomeado, junto com a “elite paranaense” (vice-presidente da província Dr.
Agostinho Ermelino de Leão, comendador José Miró de Freitas, o médico Dr. Joaquim Dias da Rocha, o médico
José Cândido da Silva Murici, e Lucas Antônio Monteiro de Barros) para participar das comissões para as
exposições nacional e internacional de produtos paranaenses. Em uma dessas exposições, realizada em Paris,
recebeu menção honrosa por sua apresentação sobre as madeiras do Paraná, no ano de 1867 (madeiras da
Serra da Graciosa: Guaraparim vermelho, Massaranduba, Araribás branco, rosa, pequeno, amarelo, Angelim,
Jacarandá, entre outras)5.
Enfim, trabalhou intensamente por três anos na Estrada da Graciosa e, em abril de 1867, foi nomeado
secretário da missão especial brasileira nos Estados Unidos da Colômbia (atual Venezuela) para estudar as
repúblicas do Pacífico, onde permaneceu até abril de 1868. Naquele mesmo período, Antônio e André deixam
o exército brasileiro.
Em 14 de junho de 1868, Antônio retorna ao Paraná, agora nomeado engenheiro chefe da comissão de
exploração de outra obra essencial para o desenvolvimento da província: a estrada de Curitiba para o interior,
chamada de Estrada de Matto Grosso6, com o objetivo de ligar, desde o litoral paranaense, chegando ao Mato
Grosso e ao Paraguai (lembrando que a Guerra ainda estava em andamento, sendo essa estrada essencial para
se ter um novo caminho ao Paraguai). Em 1869, Antônio aparece nas listas de candidatos a deputado provincial
do Paraná (eleição de 07/09/1869), mas recebe poucos votos. Ficou dois anos à frente da coordenação da
comissão dessa estrada até setembro de 1870, quando pede exoneração7, por estar morando já no Rio de
Janeiro.
No Rio de Janeiro, Antônio contraiu matrimônio com a fluminense Mathilde Augusta de Mattos, em 19
de fevereiro de 1870, filha do advogado e político fluminense Antônio Veríssimo de Mattos. Tiveram dois filhos,
André Veríssimo Rebouças e Maria Carolina. Lembrando que seu irmão André Rebouças não casou. Nesse
ano, dirigiu as obras da doca da alfândega e os estudos e as obras provisórias para o abastecimento de água

4. Jornal Dezenove de Dezembro, Curitiba, 28/03/1866.


5. Jornal Dezenove de Dezembro, Curitiba, 18/04/1866: Exposição Provincial (1ª sessão).
Jornal Dezenove de Dezembro, Curitiba, 30/01/1867: Catálogo dos “diversos produtos da exposição provincial do Paraná” organizado
pelo Dr. José Cândido da Silva Murici.
6. Jornal Dezenove de Dezembro, Curitiba, 20/10/1869: Estrada a Matto Grosso. Comissão Rebouças.
Antônio Rebouças escreveu: “Relatório da Comissão Exploradora da Estrada do Matto-Grosso, pela Província do Paraná, passando por
Guarapuava e o Baixo Ivahy, por Antônio Pereira Rebouças Filho, engenheiro chefe da mesma comissão”.
7. Jornal Dezenove de Dezembro, Curitiba, 21/09/1870.

116
da capital brasileira. Consta que, em Curitiba, também contribuiu para projetar os encanamentos de água no
centro da cidade, inclusive o chafariz na Praça Zacarias.
No início da década de 1870, os irmãos Rebouças organizaram a Companhia Florestal Paranaense,
gerindo a empresa entre 1871 e 1873, com sede em Borda do Campo, junto à Estrada da Graciosa, desempenhando
funções de engenheiros e empresários (TRINDADE, 2009).
Antônio Rebouças recebeu duas importantes concessões do Governo Imperial, tendo como referência
seus trabalhos no Paraná. A primeira foi a concessão da construção da estrada de ferro Antonina–Curitiba,
pelo Decreto nº 4.674, de 10 de janeiro de 1871, junto com os engenheiros Francisco Antônio Tourinho
e Maurício Schwartz, e na qual realizou os estudos definitivos, seu possível “traçado final”, entre os anos de
1871 e 1872, tendo, para isto, morado novamente no Paraná. Infelizmente, apenas em 1880 é que os trabalhos
foram iniciados, sendo inaugurada em 1885, sem mais a presença de Antônio Rebouças, por motivo de seu
falecimento em 1874, e com início da estrada de ferro não em Antonina, mas em Paranaguá. A outra concessão
foi pelos estudos de uma linha férrea de Curitiba a Miranda, no Mato Grosso e de uma linha de navegação nos
rios Ivahy, Ivinheima, Brilhante e Mondego, pelo Decreto nº 4.851, de 22/12/1871. Nessa última concessão,
estava envolvido seu sócio Irineu Evangelista de Sousa, o Barão de Mauá, entre outros. Enfim, num misto de
engenheiro e empresário, Antônio Rebouças estava autorizado a colocar o Paraná, definitivamente, nos “trilhos
do progresso”, e realizando seu sonho de ver um Brasil potente e desenvolvido.
Mas, talvez por não iniciarem de imediato as obras acima, acabou, em 25 de junho de 1873, indo
coordenar, junto à Companhia Paulista, a direção técnica da construção do caminho de ferro de Campinas a
Limeira e a de São João do Rio Claro, deixando assim o Paraná, depois de praticamente oito anos de serviços
prestados na província. Infelizmente, sondando e estudando a situação dessa ferrovia e da ponte de ferro do
Piracicaba, por febre tifoide, acabou falecendo muito jovem, com 34 anos, em São Paulo, no dia 24 de maio de
1874.
Antônio Pereira Rebouças Filho recebeu os seguintes títulos honoríficos: Hábito da Rosa, pelos serviços
militares prestados na província de Santa Catarina, por decreto de 20/04/1864; Hábito de Cristo, pelos seus
trabalhos na exposição brasileira, por decreto de 08/02/1868. E em 1878, o governo do Paraná funda uma
colônia para imigrantes com o seu nome, colônia Antônio Rebouças, à margem da Estrada de Mato Grosso, em
Campo Largo, Paraná.
Interessante lembrar que, em 1879, seu irmão André Rebouças foi inserido na lista de candidatos a
deputado provincial do Paraná, pelos chefes políticos liberais, Dr. Jesuíno Marcondes de Oliveira e Sá e seus
cunhados Antônio e Manoel Alves de Araújo, sendo eleito para a legislatura de 1880/81, mesmo não residindo
no Paraná. Acredita-se que o objetivo dos Liberais era convencer a Assembleia Legislativa do Paraná que a
obra da ferrovia deveria mesmo iniciar no porto de Antonina (como projetou Antônio Rebouças) e não em
Paranaguá, como queriam os chefes políticos do Partido Conservador, que eram as famílias Guimarães Correia,
de Paranaguá. Porém, devido a desentendimentos políticos, André abandona o cargo de deputado e não
comparece às sessões do ano de 1881, quando a obra da ferrovia já havia sido iniciada a partir de Paranaguá
(ALVES, 2015, p. 256–275)8.

8. Para entender as “brigas” que André Rebouças teve com a elite política e econômica paranaense, conferir, também, TRINDADE (2009).
André, ainda, escreveu muitos textos referentes ao Paraná.

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REFERÊNCIAS

ALVES, Alessandro Cavassin. (2015). A província do Paraná e sua Assembleia Legislativa (1853 a 1889). A força
política das famílias tradicionais. Curitiba: Máquina de Escrever.
Jornal Dezenove de Dezembro, Curitiba. Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/uf.aspx. Acesso em
15/01/2018.
JUCÁ, Joselice. (2001). André Rebouças. Reforma e utopia no contexto do Segundo Império: Quem possui a terra
possui o Homem. Rio de Janeiro: Odebrecht.
MATTOS, Hebe Maria & GRINBERG, Keila. (2004). Lapidário de si: Antônio Pereira Rebouças e a escrita de si. In:
GOMES, Ângela de Castro (org.). Escrita de si, escrita da história. Rio de Janeiro: Editora FGV.
MUSEU AFROPARANAENSE. Irmãos Rebouças. Primeiros engenheiros negros do Brasil. A saga dos engenheiros
Rebouças. Disponível em: https://museuafroparanaense.wordpress.com/2016/02/16/irmaos-rebolcas-
primeiros-engenheiros-negros-do-brasil/. Acesso em 15/02/2018.
NEGRÃO, Francisco. (1975). “Os Irmãos Rebouças”. In: Boletim do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico
Paranaense. Vol. XXVI.
REBOUÇAS, Carlos de Souza. (1985). Engenheiro Antônio Pereira Rebouças Filho, biografia. In: Rede Ferroviária
Federal S. A. Curitiba: Edição Comemorativa do Centenário da Estrada de Ferro do Paraná, p.195–207.
REVISTA do Instituto Polytechnico Brasileiro, Rio de Janeiro, 1867 a 1906. Apontamentos para a biographia do
engenheiro Antônio Pereira Rebouças Filho. Disponível em: http://memoria.bn.br/. Acesso em 15/01/2018.
TRINDADE, Alexandro Dantas (2004). André Rebouças: da Engenharia Civil à Engenharia Social. Tese de
Doutorado. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Campinas, SP: Universidade Estadual de Campinas –
UNICAMP.
________. Os irmãos Rebouças e as perspectivas da imigração espontânea no Paraná (1865–1875) (2009). In:
4º Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional. De 13 a 15 de maio de 2009. Curitiba. Disponível
em: http://www.escravidaoeliberdade.com.br/site/images/Textos4/alexandrodantastrindade.pdf. Acesso em
18/01/2017.

118
9
ANTONIO SILVA DE PAULO
Nascimento: Aguaí/SP, 26 de agosto de 1942

Antonio Silva de Paulo. 2014


Fonte: acervo pessoal

119
ANTONIO SILVA DE PAULO

Ana Crhistina Vanali

Antonio Silva de Paulo nasceu na cidade de Aguaí, estado de São Paulo aos 26 de agosto de 1942. Foi
o caçula dos seis filhos que Joaquim Francisco de Paulo e Benedita Francisca e Silva tiveram: José, Marcílio,
Valdemar, Milton e Nair.
Joaquim e Benedita eram trabalhadores rurais. Vieram para o Norte do Paraná em 1948, quando
Antonio tinha seis anos de idade. Como moravam em uma fazenda, Antonio sempre estudou em escolas rurais
até o 3º ano. Iniciou os estudos na cidade de Cornélio Procópio, continuou na cidade de Cambará, para onde a
família se mudou. Quando foram para Santa Amélia, Antonio já fazia o 4º ano numa escola da cidade. Depois que
terminou o primário, Antonio ficou três anos sem estudar. Então, seus pais deixaram a fazenda e se mudaram
para um bairro da cidade de Santa Amélia e ele começou a cursar o ginásio. Foi o orador da formatura da sua
turma de ginásio.
Fez o primeiro e o segundo anos da Escola de Comércio no município de Bandeirantes. Lembra que foi
um período difícil, pois todo dia tinha de percorrer cerca de 30 quilômetros em estrada de chão entre Santa
Amélia e Bandeirantes: “era muito sofrido” (ANTONIO, 2018).
No ano de 1964 fez o concurso para agente da Receita Estadual. Foi aprovado e começou a trabalhar em
Cambará. Passados seis meses, foi transferido para Andirá. Depois foi promovido e assumiu a chefia da seção
de fiscalização no município de Barra do Jacaré, para onde se mudou em 1965. Nessa cidade, realizou diversas
ações: além de trabalhar na Receita Estadual, deu aulas de História e Geografia no ginásio e foi eleito vereador
em 1968, com 66 votos, pela Arena. No ano de 1969, foi o 1º Secretário da mesa diretora da 2ª Legislatura da
Câmara Municipal de Barra do Jacaré1.
Em Barra do Jacaré, terminou o curso técnico e foi transferido para a cidade de Ribeirão Claro. Oito meses
depois, foi transferido para a cidade de Ivaiporã como chefe da Agência Regional de Rendas. Antonio tinha sob
sua jurisdição cinco municípios: “foi uma fase de trabalho muito pesado, mas valeu a pena!” (ANTONIO, 2018).
Com vontade de continuar os estudos, conseguiu uma remoção para Curitiba no ano de 1970. Em 1976,
prestou vestibular para o curso de Direito. Em 29 de junho de 1979, formou-se bacharel pela Faculdade de
Direito de Curitiba.
Terminada a faculdade, Antonio utilizou o período ocioso de suas noites para iniciar seus trabalhos
como radialista. Adotou o pseudônimo de Antonio Pascoal, quando exercia a profissão de radialista, para não
confundirem com o auditor fiscal Antonio Silva de Paulo. A escolha desse nome se deve ao fato de um dos seus
irmãos mais velhos, o José, ter nascido num domingo de Páscoa. Esse irmão foi vereador muitos anos em Santa
Amélia e a sua família acabou ficando conhecida como família Pascoal. Então Antonio falou com o irmão se
poderia adotar o pseudônimo de Antonio Pascoal como radialista e obteve o seu consentimento.
A partir de 1980, trabalhou de dia como auditor fiscal e à noite na Rádio Independência do Paraná,
apresentando um programa diário de música sertaneja chamado Minha Palhoça, que ia ao ar das 20h30 às 23h.
Durante as madrugadas, das 4h às 6h da manhã, ia ao ar o programa gravado, Sertão do meu Paraná .

1. Disponível em https://www.camarabarradojacare.pr.gov.br/. Acesso 23.junho.2018.

120
Antonio Pascoal em 1986

Fonte: acervo de Antonio Silva de Paulo

Antonio viajava para São Paulo para trazer as novidades e informações do mundo sertanejo para serem
apresentadas em seus programas. Trabalhou durante oito anos na Rádio Independência, saindo no ano de 1988.
Ficou um tempo sem trabalhar como radialista e daí foi para a Rádio Clube Paranaense-B2 onde trabalhou por
mais dois anos. Ao todo foram onze anos como radialista.
Cuidava para que seu programa na rádio fosse sertanejo e não só caipira, então mesclava as músicas
com notícias do mundo sertanejo, informações do mundo agrícola, aproveitava todo o tempo disponível, pois a
“rádio é um importante meio de comunicação e de informação. Os diretores primavam para não se usar trejeitos
na voz. Era para falar com a voz normal visto a rádio também ser uma fonte educativa. Foi um período muito
bom na B2” (ANTONIO, 2018).
Desde 1980, Antonio e o irmão José vinham pensando na possibilidade de lançar Antonio como
candidato a deputado estadual aproveitando o fato de ele ser radialista na emissora que tinha o primeiro lugar
de audiência em Curitiba devido aos grandes nomes que nela trabalhavam e do irmão ser diretor em um colégio
com mais de três mil alunos em Assis Chateaubriand. Assim que terminou seu mandato como presidente da
Associação dos Auditores Fiscais do Estado do Paraná, no ano de 1983, Antonio começou a tocar sua campanha.

121
Foi candidato a deputado estadual nas eleições de 1986 pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT)2. Obteve
cerca de quatro mil votos e não conseguiu se eleger (ANTONIO, 2018). Depois não se candidatou mais a
nenhum cargo: “eu ajudava meu irmão nas campanhas dele, mas nunca me candidatava. Foi muito trabalhosa
a campanha. Não foi uma experiência muito agradável. Então desisti da vida política e continuei me dedicando
ao trabalho como fiscal e à rádio” (ANTONIO, 2018). Hoje Antonio não está filiado a nenhum partido político.

Radialista Antonio Pascoal

Fonte: Correio de Notícias, 07/11/1985, p. 4

Antonio Pascoal também teve experiência com o cinema. No ano de 1980, foram lançados em Curitiba
dois filmes dos quais ele participou como figurante. Eram filmes de apelo popular produzidos na capital
paranaense no ano de 1979 e que continuam esquecidos do público e da crítica especializada. Com direção
de Giovanni Cesconetto e de Arlindo Ponzio, estreou no Cine São João no dia 6 de março de 1980 – “Caminhos

2. Correio de Notícias, 20/11/1986, p. 2. Correio de Notícias, 22/07/1986, p. 2. Correio de Notícias, 11/10/1986, p. 2.

122
Contrários” – que foi filmado em bairros de Curitiba, como o Sítio Cercado e o Atuba. Repleto de perseguições
de carros, é um filme de aventura3. Com a sobra do material filmado, deu para fazer mais uma fita, agora uma
comédia – “Deu a louca em Vila Velha”4 – com perseguições em todas as velocidades, desde charretes até
caminhões. Estreou em 1º de novembro do mesmo ano (BAPTISTA JUNIOR, 2013).
No ano de 1980, Antonio foi eleito presidente da Associação dos Auditores Fiscais do Estado do Paraná
(Affep)5 para um mandato de três anos. Sua gestão foi um período de grandes conquistas, uma “profícua gestão”
(PÁDUA, 2001, p. 134):

Entre outras lutas, esteve envolvido nas reivindicações pela incorporação de 2/3 ao
vencimento dos Auditores Fiscais para sanar a constante desvalorização salarial devido às
taxas de inflação na época.
Outras conquistas foram a arrecadação de fundos para a aquisição da sede própria da Affep,
o adicional noturno para os agentes dos postos fiscais e a realização de cursos de formação6.

Foi uma experiência muito boa. Viajei bastante e consegui muitas conquistas funcionais e
avanços para a classe que representava e à qual pertencia. Atuei no sindicato num período
de revolução, quando não se tinha muitas conquistas. Foi uma época de muito trabalho, pois
tinha que se ter habilidade para lidar com o assunto e não meter os pés pelas mãos (ANTONIO,
2018).

Após seu mandato como presidente na Affep, de 1980 a 1982, Antonio foi reeleito para o conselho,
mas não como presidente. Atuou ainda como conselheiro por três anos e depois continuou e continua como
membro da entidade. No ano de 2013, na festa de aniversário dos 25 anos do Sindicato dos Auditores Fiscais do
Estado do Paraná (Sindafep), Antonio foi agraciado com uma comenda pela contribuição dada à categoria e na
construção de um sindicato forte e atuante7.

Comenda recebida em 2013

Fonte: acervo de Antonio Silva de Paulo

3. Disponível em http://bases.cinemateca.gov.br/. Acesso 23.junho.2018.


4. Disponível em http://bases.cinemateca.gov.br/. Acesso 23.junho.2018.
5. Diário do Paraná, 12/08/1980, p. 3.
6. Trabalho e lazer podem andar juntos na aposentadoria. Disponível em http://www.sindafep.org.br/trabalho-e-lazer-podem-andar-
juntos-na-aposentadoria/. Acesso 23.junho.2018.
7. Sindafep comemora 25 anos e presta homenagens em jantar (27/09/2013). Disponível em http://www.sindafep.org.br/sindafep-
comemora-25-anos-e-presta-homenagens-em-jantar/. Acesso 23.junho.2018.

123
Homenageados no jantar dos 25 anos da Sindafep

Antonio é o quarto da direita para a esquerda, em pé


Fonte: http://www.sindafep.org.br/

Em 1991, foi eleito membro do conselho deliberativo e fiscal da Associação dos Servidores Públicos do
Paraná (ASPP)8. Participou dessa instituição até o ano 2000. Durante esses quase 10 anos de ASPP, viajou muito,
participando de congressos por todo o Brasil e no exterior, como na Itália, Argentina e no Uruguai. Atualmente
não é mais membro da ASPP.
Durante a sua vida profissional como agente fiscal da Receita Estadual, Antonio exerceu vários cargos
desde o de inspetor, coordenador e chefe de agência de fiscalização. Em 1991 se aposentou como auditor fiscal
e cerca de seis meses depois também saiu da Rádio B2. Abriu um escritório de advocacia e uma imobiliária.
Depois de dez anos desistiu do ramo imobiliário e passou a dedicar-se somente à advocacia.
Em 18 de fevereiro de 1965, casou-se com Maria Lúcia Silva de Paulo na cidade de Santa Amélia, logo
após ter sido aprovado no concurso para auditor fiscal. Tiveram quatro filhos: um médico, dois economistas
e uma advogada. “Conseguimos encaminhar todos eles”, fala Antonio (2018). Maria Lúcia faleceu em 2010 em
decorrência de um câncer.
Antonio destaca a importância da educação para o rompimento das barreiras de sua origem social. Um
dos seus irmãos mais velhos, o José, era marceneiro. Esse irmão foi estudar, chegou à faculdade e foi diretor do
ginásio em Santa Amélia por muito tempo. Depois, esse mesmo irmão foi diretor de um colégio de grande porte
em Assis Chateaubriand. José serviu de inspiração para Antonio estudar.
Com relação ao racismo, Antonio aponta que “sim, há preconceito racial em Curitiba e no Brasil, um
preconceito que não é público, assumido. É velado. As pessoas dizem que não têm preconceito, que é amigo de
negro, que pega na mão do negro, mas se você perguntar se uma das suas filhas poderia se casar com um negro,
daí a resposta é – Peraí! Aí não!” (ANTONIO, 2018).

8. Correio de Notícias, 07/04/1990, p. 10.

124
Quando da instalação da placa comemorativa ao centenário do fim da escravidão no Brasil, em Curitiba,
na Praça Santos Andrade, Antonio estava lendo o livro organizado por Haroldo Costa, intitulado “Fala, crioulo! O
que é ser negro no Brasil”9. Publicação de 1982 em que o autor reuniu depoimentos de nomes representativos da
etnia negra de diferentes classes sociais e culturais. O livro aborda sobre suas expectativas e desesperanças em
um país em que seus ancestrais chegaram como escravos. Esse livro mostra como o negro ainda é discriminado
e que raramente ele tem a oportunidade de estudar. Antonio aponta que hoje está sendo dada essa oportunidade
por meio das cotas raciais, mas mesmo assim nem todos estão tendo a possibilidade de estudar: “eu e meu
irmão fomos exceção entre os seis filhos de nossos pais. Meu irmão foi meu carro-chefe, ele que me puxava. A
partir da geração de nossos filhos todos se formaram” (ANTONIO, 2018).
Antonio comenta que exercia muitas atividades simultaneamente: trabalhava como auditor, tinha
família com esposa e quatro filhos, era sindicalista, trabalhava à noite como radialista, além das diferentes
viagens que tinha que realizar, o que fez com que não conseguisse atuar no movimento negro, porém considera
muito importante a atuação de militantes como foi a de Narciso Assumpção10.

Antonio com o neto Antonio Silva de Paulo Neto

Fonte: acervo de Antonio Silva de Paulo

9. COSTA, Haroldo (org). Fala crioulo! O que é ser negro no Brasil. RJ: Editora Record, 2009.
10. Ver capítulo 51 desse livro – Narcisio Julio dos Reis Assumpção.

125
Por seus serviços prestados à comunidade afro-brasileira e curitibana, Antonio recebeu a homenagem
de Zumbi dos Palmares da Câmara Municipal de Curitiba (CMC) no ano de 1997. Mais tarde, no ano de 2006,
recebeu a mesma homenagem da Assembleia Legislativa do Paraná. Em 2004 recebeu da CMC o voto de louvor
pelos relevantes serviços prestado à comunidade curitibana na área de Direito.
Atualmente Antonio continua atuando em seu escritório de advocacia, localizado no centro de Curitiba.

REFERÊNCIAS

ANTONIO (2018). Entrevista de Antonio Silva de Paulo concedida a Ana Crhistina Vanali no dia 22 de junho de
2018 em Curitiba.
BAPTISTA JUNIOR, Ayrton (2013). Deu a louca no cinema. In: Revista Helena, ano 2, Nº 4, dezembro, p. 12–15.
PÁDUA, Fabio Pimenta de (2001). A dança dos tangarás: um breve comentário da história do fisco paranaense.
Curitiba: Affep.

126
10
AROLDO ANTONIO DE FARIAS
Nascimento: Florianópolis/SC, 28 de outubro de 1922
Falecimento: Curitiba/PR, 31 de março de 2010

Aroldo Antonio de Farias. Curitiba, 1973


Foto: Acervo pessoal Loemir José de Farias

127
AROLDO ANTONIO DE FARIAS

(1922–2010)

Ana Crhistina Vanali


Gloria Estevinho Gomes

Aroldo Antonio de Farias nasceu em Florianópolis, no dia 28 de outubro de 1922. Era filho de José
Antonio de Farias e de Clarinda Fagundes. Chegou a Curitiba no final do ano de 1949. Casou-se em 27 de
fevereiro de 1953 com Floripa de Farias1, com quem teve quatro filhos: Luiz Jorge, Graça Fátima, Loemir José e
Leonício Miguel, todos nascidos em Curitiba.
Segundo Czelusniak (2010):

Talvez por ter tido de enfrentar a pobreza durante a infância, Aroldo se dedicava muito aos
estudos e ao trabalho. Fez o serviço militar em Florianópolis e saiu de lá como sargento,
quando veio para Curitiba.

Como sargento do Exército Brasileiro, embarcou para a Itália na última leva de soldados da Força
Expedicionária Brasileira (FEB) organizada pelo governo Getúlio Vargas com o apoio dos Estados Unidos para
combater as tropas do Eixo na Segunda Guerra Mundial. Contudo, não combateu, pois ao chegar à Europa o
conflito já havia terminado (LOEMIR, 2018). Ao retornar para o Brasil, dedicou-se aos estudos para poder
ingressar no serviço público, conforme explicita Czelusniak (2010):

No Paraná, prestou três concursos, para a Caixa Econômica Federal, para o Banco do Brasil
e para o Tribunal de Justiça. Passou nos três, e optou pelo Tribunal, onde trabalhou como
assessor jurídico até se aposentar, há 40 anos. Formado em Direito, ainda desempenhou 15
anos como advogado.

Assumiu como assessor jurídico no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJ/PR) dia 18 de janeiro
de 1954. Foi o funcionário de número 51. Atualmente, o número de matrícula funcional no TJ/PR ultrapassa o
dezenove mil. Aroldo aposentou-se em 1º de abril de 1969.

1. Nascida em Itajaí/SC, no dia 16 de novembro de 1922. Falecida em Curitiba aos 13 de novembro de 1999. Filha de Leoncio Leopoldo
Ramos e de Guilhermina Maria Ramos.

128
Carteira de identidade funcional do TJ/PR

Fonte: acervo de Loemir José de Farias

Após aposentar-se, continuou atuando como advogado. Tinha seu escritório no Edifício Jacob Woiski,
situado na Rua XV de Novembro, centro de Curitiba. O estabelecimento funcionou até o ano de 1980. Aroldo
também era advogado da Faculdade de Direito de Curitiba.

Carteira de identidade da OAB

Fonte: acervo de Loemir José de Farias

Em 1963, foi candidato a vereador de Curitiba pelo Partido Trabalhista Nacional (PTN). Recebeu 215
votos e não foi eleito3.
2

Juntamente com outros colegas de trabalho do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, Aroldo fundou
no ano de 1965 uma associação beneficente e recreativa para os funcionários do TJ/PR. Por sua dedicação ao
projeto, foi eleito o diretor social da diretoria provisória4.
Era um ativo representante das entidades de classe da sua categoria. Em 1989, foi criada a Associação
dos Assessores Jurídicos do Poder Judiciário (Assejur), “como resultado do esforço de um grupo de funcionários
preocupados com a consolidação da carreira. O objetivo principal da entidade consistiu na equiparação das

2. Disponível em http://www.tre-pr.jus.br/eleicoes/resultados/resultados-de-eleicoes-municipais-tre-pr. Acesso 6.abril.2018.


3. Diário do Paraná, 10/10/1963, p. 3.
4. Correio do Paraná, 29/05/1965, p. 2.

129
funções de natureza jurídica nos três Poderes. Sob o lema “companheirismo de classe”, a Assejur ampliou a sua
atuação, transformando-se em importante órgão de representação dos Assessores Jurídicos. A sua principal
bandeira de luta sempre foi a defesa das atribuições da carreira, com a preservação dos direitos de aposentados
e de servidores da ativa”5. Aroldo fez parte da diretoria da Assejur como suplente do conselho de administração
da gestão de 1993–1995. Depois, foi membro do conselho de administração nas gestões de 1995–1997 e de
1997–1999 e membro do conselho fiscal nas gestões de 1999–2001, 2001–2003 e 2003–20056.
Foi uma das principais personalidades atuantes da Associação dos Servidores Públicos do Paraná
(ASPP). Em 1971, quando foi inaugurado o prédio atual, na Rua 24 de Maio, no centro de Curitiba, Aroldo já era
um dos membros da associação. No ano de 1972, foi eleito membro efetivo da diretoria executiva da ASPP para
um mandato de três anos7. Em 1981, foi eleito membro do conselho deliberativo e fiscal para um mandato de
seis anos8. No final dos anos de 1990, se afasta como membro efetivo da diretoria da ASPP, porém permaneceu
como conselheiro honorário da associação participando das reuniões da diretoria até a sua morte no ano de
2010.

Carteirinha de conselheiro da ASPP

Fonte: acervo de Loemir José de Farias

Representou, em 1983, o Paraná na Confederação dos Servidores Públicos do Brasil, realizada em


Salvador9 e foi o membro da comissão da ASPP que acompanhou a elaboração da nova constituição estadual
em 198810.
No dia 17 de setembro de 1993, no mandato do então presidente Itamar Franco, é instituída a
Confederação Nacional dos Servidores Públicos (CNSP), em Curitiba, na sede da Associação dos Servidores
Públicos do Paraná. A história política, no começo dos anos 90, era de um cenário de profundas mudanças,
especialmente na gestão da administração pública, então os servidores públicos, de vários estados brasileiros,
se uniram para instituírem a CNSP. Aroldo fez parte da composição histórica da fundação da CNSP, tendo
sidoeleito diretor da 2ª região (Paraná e Mato Grosso do Sul) para a gestão de 1993–199611.

5. Disponível em http://www.assejurpr.com.br/. Acesso 6.abril.2018.


6. Disponível em http://www.assejurpr.com.br/. Acesso 6.abril.2018.
7. Diário do Paraná, 11/04/1972, p. 6.
8. Diário do Paraná, 03/04/1981, p. 9.
9. Diário do Paraná, 22/01/1983, p. 7.
10. Correio de Notícias, 04/10/1988, p. 18.
11. Disponível em http://www.cnsp.org.br/website/Historia.aspx. Acesso 08.abril.2018.

130
Aroldo era reconhecido por sua generosidade e prontidão em ajudar os outros. Morava no bairro
Jardim Social e chegou a ser homenageado pela loja filial dos Supermercados Parati12 que havia no bairro como
o cliente mais antigo (LOEMIR, 2018).
Em 22 de outubro de 1969, o Santos veio enfrentar o Coritiba na capital paranaense. O placar nesse dia
foi Coritiba 1 x 3 Santos. Pelé balançou duas vezes as redes do Coxa e marcou os gols 994 e 995 já na corrida
pelo milésimo. A partida era pelo Torneio Roberto Gomes Pedrosa e está registrada no filme Pelé Eterno13. Nesse
dia, Aroldo estava na arquibancada, acompanhado do filho mais velho, Luís Jorge. Tudo o que Aroldo queria era
mostrar o craque ao filho, pois ele era torcedor do Ferroviário, e depois se tornou paranista. Segundo Czelusniak
(2010) “a intenção foi muito boa, mas o arrependimento veio depois”, pois o filho saiu do jogo torcedor coxa-
branca e “não satisfeito, ainda influenciou os irmãos, fazendo com que Aroldo tivesse de conviver com a esposa
atleticana e quatro crianças fãs do alviverde”.
Aroldo sempre impôs respeito e não admitia brigas, fosse pelo futebol ou por qualquer outro motivo.
Para ele, a briga era a “ferramenta dos otários”. Ensinou aos filhos que, se tivessem qualquer desentendimento,
deveriam resolver as diferenças nos tribunais (CZELUSNIAK, 2010). Quanto à questão racial, ele sempre cobrava
da família que estudasse para “ser alguém na vida. Defendia que o racismo está na cabeça de cada um, e que era
preciso saber entrar e sair de qualquer lugar de cabeça erguida, não dando motivos para as pessoas pensarem
mal” (LOEMIR, 2018).
Após a morte da esposa Floripa, em 13 de novembro de 1999, Aroldo se transformou em pai e mãe dos
filhos:

Sempre muito forte, era quem consolava a família. Depois de oito décadas de muito trabalho,
ele queria descansar. Enquanto vivia seus últimos dias, sonhava em visitar mais uma vez o
mar de Santa Catarina, aventura que a saúde já não permitia. Como trabalhou muito durante
o crescimento dos filhos, com os netos Aroldo compensou: aproveitava todas as chances de
estar com eles (CZESLUNIAK, 2010).

Faleceu dia 31 de março de 2010, aos 87 anos, de insuficiência respiratória aguda, cardíaca grave e
renal crônica, deixando quatro filhos, dez netos e sete bisnetos. Está sepultado no Cemitério Parque Jardim da
Saudade, em Curitiba.

REFERÊNCIAS

CZELUSNIAK, Adriana (2010). Obituário de Aroldo Antonio de Farias. Curitiba, Gazeta do Povo, 10/04/2010.
LOEMIR (2018). Entrevista de Loemir José de Farias, filho de Aroldo Antonio de Farias, a Ana Crhistina Vanali e
a Gloria Estevinho Gomes, concedida dia 6 de abril de 2018 em Curitiba.
VICENTE, Marcos Xavier (2017). Após o fim do Mercadorama, relembre 10 marcas curitibanas que acabaram.
Curitiba. Gazeta do Povo, 24/10/2017.

12. A rede de Supermercados Parati pertencia ao Senff, um dos grupos empresariais mais antigos do Paraná. A história do grupo
começou com uma mercearia em 1892, que evoluiu para uma padaria e, nos anos 1960, se transformou em uma das primeiras redes de
supermercados do Brasil. O Parati foi pioneiro no lançamento de produtos com a própria marca. Em 2000, a rede Pão de Açúcar adquiriu
as lojas Parati e a família Senff passou a se dedicar ao mercado financeiro, mais especificamente o setor de cartão de crédito (VICENTE,
2017).
13. Disponível em No aniversário de Pelé, recorde as passagens do Rei pelo Paraná. Gazeta do Povo, 22/10/2014.

131
11
ARTHUR MIRANDA JUNIOR
Nascimento: Curitiba/PR, 22 de maio de 1945

Arthur Miranda Júnior. Curitiba, 19/03/2018


Foto: Ana Vanali

132
ARTHUR MIRANDA JUNIOR

Ana Crhistina Vanali

Arthur Miranda Júnior1, conhecido como Leleco, nasceu em Curitiba em 22 de maio de 1945. Filho de
Arthur Miranda (fiscal de obras do estado) e de Maria José de Souza, casal que teve ainda outras três filhas:
Roseli, Sueli e Noeli.
Seu pai, nascido em Antonina, era neto de escravos. Do lado da mãe, sua bisavó Joaquina também foi
escrava. Chegou a conviver com a bisavó paterna, dona Joana de Ribeiro, que faleceu quando ele tinha cinco
anos. Era ela quem lhe contava as histórias de como os escravos viviam. Seu avô paterno era barriqueiro e
somente com a abolição da escravidão, em 1888, é que ele passou a ter um sobrenome, que foi recebido da
família à qual pertencia sua mãe – passou a se chamar João Antônio de Miranda.
Leleco realizou o curso primário no Colégio Estadual Professor Brandão. Depois fez o exame admissional
ao ginásio do Colégio Iguassu. Leleco lembra que, na década de 1960, a “nata” da sociedade curitibana estudava
no Colégio Marista Santa Maria. A classe média tinha como opção o Colégio Estadual do Paraná, o Colégio
Novo Ateneu e o Colégio Iguassu2. Leleco fez o ginásio no Colégio Iguassu. Seu pai, que além de funcionário
público também era músico, se esforçava trabalhando como baterista para ter uma renda extra e poder pagar
os estudos dos filhos.
Leleco formou-se técnico em Contabilidade e, posteriormente, graduou-se bacharel em Ciências
Contábeis na Faculdade de Estudos Sociais do Paraná (Fesp)3.

Leleco com sua turma do Colégio Iguassu. Curitiba, década 1960

Na foto, da esquerda para a direita, sentados, dois alunos, o professor Cardoso (língua portuguesa), o professor Alfredo Parodi, Isabel
Parodi (diretora do colégio e mãe do professor Alfredo), outro professor não identificado, o professor Gosner (matemática), mais um
aluno não identificado. Leleco é o terceiro aluno em pé, à frente, em destaque na foto
Fonte: acervo pessoal de Leleco

1. Na placa da Praça Santos Andrade está gravado ARTUR MIRANDA JUNIOR, mas seu nome correto é ARTHUR MIRANDA JUNIOR.
2. O Colégio Iguassu funcionou por 66 anos na Praça Rui Barbosa. Era de propriedade da família Parodi. Foi vendido pela família para
um bilionário libanês, Hussein Hamdar. Até 1985 o prédio foi ocupado pelo Colégio Decisivo, que se transferiu para outro endereço,
liberando-o para ser demolido. Fundado pelo educador Alfredo Parodi (1901–1943) em 1917, o Colégio Iguassu (com “SS”) foi um marco
do ensino particular de Curitiba durante várias décadas – ao lado do Parthenon, Novo Ateneu, Americano, entre outros. Após a morte do
professor Alfredo, sua viúva – dona Elisabete Parodi – com auxílio de seus filhos Amazonas e Gastão assumiu sua direção administrativa
mantendo-se nela até a sua desativação em 1983. Pelo Colégio Iguassu passaram gerações de curitibanos (MILLARCH, 1985, p. 14).
3. Diário do Paraná, 16/07/1978, p. 26.

133
Com 20 anos de idade, foi indicado pelo vereador Vicente Loprete Frega para trabalhar na Prefeitura
Municipal de Curitiba, iniciando suas atividades em 5 de janeiro de 1965. Foi nessa ocasião que recebeu o
apelido de Leleco. No primeiro dia de trabalho, lhe foi perguntado se jogava futebol. Ele respondeu que sim.
Então, ao ser apresentado aos novos colegas de trabalho, já foi com o apelido Leleco – “esse é o nosso Leleco”.
Isso porque na década de 1960 havia um jogador do Bloco Esportivo Morgenau, também conhecido como
Leleco, que fazia muito sucesso na cidade (LELECO, 2018).
Trabalhou por dois anos como funcionário extranumerário. Depois, prestou o concurso público e foi
efetivado na prefeitura4. Permaneceu ali até 1973, quando foi requisitado por um vereador para ir trabalhar na
Câmara Municipal de Curitiba (CMC)5. Lá, ocupou a função de tesoureiro e se aposentou pelo setor de Diretoria
de Patrimônio e Transporte da CMC em março de 1996.
Trabalhou na política de 1973 a 1983, tendo sido eleito membro do diretório da 2ª zona do Partido
Democrático Social (PDS)6. Fez campanha para os candidatos a deputados estaduais Donato Gulin e Alfredo
Gulin7.
Em 1982, Leleco casou-se com Maria Amélia e tiveram duas filhas: Daiane e Keterine.
Foi jogador do futebol amador de Curitiba, iniciando no Operário do Ahú, classe suburbana, onde atuou
dos 15 aos 18 anos de idade. Depois passou um ano no Rio Branco Esporte Clube, da segunda divisão, e parou
de atuar no futebol. Voltou a jogar futebol no time dos funcionários da Prefeitura Municipal de Curitiba. Por
algum tempo, também foi do time de voleibol dos servidores municipais.

Time de futebol da Câmara Municipal de Curitiba em 1982. Leleco em destaque

Fonte: acervo pessoal de Pedro Adão Pereira

4. Diário do Paraná, 08/03/1967, p. 5.


5. Conforme Decreto Nº 70/78 de 16 de janeiro de 1978 assinado por Saul Raiz, prefeito municipal. Disponível em https://leismunicipais.
com.br/a/pr/c/curitiba/decreto/1978/7/70/decreto-n-70-1978-coloca-funcionarios-a-disposicao. Acesso 27.janeiro.2017.
6. Diário da Tarde, 06/10/1980, p. 2.
7. Família Gulin, uma das precursoras do transporte coletivo de Curitiba.

134
Com relação à discriminação racial em Curitiba, Leleco comenta que sempre existiu na cidade, mesmo
que disfarçadamente. Relembra algumas experiências raciais pelas quais passou ao longo da vida em função da
cor da sua pele. Relata que, certa vez, um amigo de escola, com o qual costumava sentar junto o tratou de forma
rude ao vê-lo aproximar-se durante um baile de carnaval. Leleco ouviu dele: “olha, negro aqui fica sentado, não
vem pular com a gente!” (LELECO, 2018).
Em outra lembrança, relatou que quando ainda trabalhava na prefeitura, cometeu um erro em um
documento e o cliente, ao ver que foi Leleco quem emitiu a certidão, olhou para ele e falou: “só podia ser negro
para fazer um serviço desse!” (LELECO, 2018).
Ainda com relação à questão racial declara:

Sou negro, mas num tom de pele mais claro, agora aquele negro retinto é discriminado a todo
o momento. Tanto antes, quanto hoje, o negro tem que ser o melhor. Se ele não for o melhor,
ele não consegue sobreviver, conquistar alguma coisa! Tenho vários amigos negros que estão
numa situação muito boa, então pode ter certeza que são os melhores. Se não for, não adianta
que não vai, não se cria. Tem que ser o melhor para ser respeitado. Como dizia minha avó: o
negro tem que ser duas vezes!” (LELECO, 2018)

Durante oito anos, Leleco foi da diretoria da Sociedade Operária8. Começou como 1º Secretário em
1981, quando o Tatu era presidente9. Depois do falecimento desse, em fevereiro de 1985, ficou como vice-
presidente, permanecendo no clube até os anos de 1990. Leleco lamenta que deixaram o clube fechar, afundado
em dívidas.
Hoje, aposentado, Leleco passa as manhãs ajudando na loja de confecções de um amigo no centro de
Curitiba.

REFERÊNCIAS

LELECO (2018). Entrevista de Arthur Miranda Junior concedida a Ana Crhistina Vanali no dia 19 de março de
2018 em Curitiba.
MILLARCH, Aramis (1985). Morte da memória de nosso ensino. In: Estado do Paraná, 13/03/1985, p. 14.

8. A Sociedade Beneficente Protetora dos Operários, conhecida como Clube Operário ou Sociedade Operária, foi fundada em 28 de janeiro
de 1883 pelo pedreiro Benedito Marques.
9. Disputa no Operário. Diário do Paraná, 20/12/1980, p. 13.
Edgard Antunes da Silva, o Tatu, foi presidente do Clube Operário de 1952 até 1985. Diário do Paraná, 28/01/1981, p. 6.
Ver capítulo 15 desse livro – Edgard Antunes Silva (Tatu).

135
12
CÂNDIDO ALVES DE SOUZA
Nascimento: Rio de Contas/BA, 22 de fevereiro de 1933
Falecimento: Curitiba/PR, 12 de janeiro de 2014

Cândido Alves de Souza. Curitiba, sem data


Fonte: Acervo Elza Singer

136
CÂNDIDO ALVES DE SOUZA

(1933–2014)

Ana Crhistina Vanali

Cândido Alves de Souza nasceu em Rio de Contas, estado da Bahia, em 22 de fevereiro de 1933. Filho de
Maria Cândida de Souza e de Sinfrônio de Souza, que tiveram cinco filhos.
Aos 17 anos, Cândido veio para Curitiba, sem a família em busca de emprego. Aqui trabalhou em serviços
pesados, como carregador de caminhões e de tijolos. Trabalhava duro, mas sempre motivado pelo seu sonho
em ser militar. Morou em uma pequena pensão e chegou a passar por momentos de extremas dificuldades
financeiras (SINGER, 2018).
Aos 26 anos, em 1959, iniciou o curso de Formação de Oficiais da Polícia Militar do Paraná (PMPR)1.
Em 1962, quando foi criado o Corpo de Guarda-Vida de Bombeiros de Curitiba e ocorreu a primeira Operação
Verão do estado do Paraná, Cândido foi escalado para trabalhar nessa nova corporação, onde desenvolveu toda
sua carreira militar.
Entre 1966 e 1970, foi tenente do Corpo de Bombeiros da PMPR. Ocupou ainda as posições de
comandante do Destacamento de Guarda-vidas e de chefe do Pelotão dos Homens Rãs2, que atuavam nas
temporadas de verão nos balneários do litoral paranaense3. Nesse mesmo período, Cândido também ministrou
um curso de formação de salvamento na cidade de Belém, no Pará4.
Em 1970, chegou à patente de capitão5 e tornou-se chefe do Serviço de Buscas e Salvamentos (SBS) do
Corpo de Bombeiros. O SBS era composto por uma elite de homens treinados para agir em caso de soterramentos,
recuperação de corpos, extinção de enxames de abelhas, resgates de loucos perdidos e salvamentos. Esses
homens possuíam um excelente preparo físico6. Além disso, foi suplente do Conselho Deliberativo do Iate Clube
de Guaratuba7.
Em 1973, foi campeão de florete masculino no Campeonato Paranaense de Esgrima, resultado que
lhe valeu uma convocação por parte da Confederação Brasileira de Esgrima para representar o Brasil no
campeonato mundial que foi realizado na Alemanha. À época, ocupava o 5º lugar no ranque nacional e os seis
melhores esgrimistas do Brasil foram convocados8.

1. Polícia Militar do Estado do Paraná. Estado Maior. Edital Nº 3, 3ª Seção. O Dia/PR, 05/02/1959, p. 11.
2. Homem rã é um nadador experiente, equipado com um aparelho que lhe permite respirar e trabalhar um certo tempo debaixo de água
sem estar ligado ao exterior; mergulhador profissional. In Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://
www.priberam.pt/dlpo/homem-r%C3%A3 [consultado em 21–07-2018].
3. Homens rãs voltam depois de salvar. Diário da Tarde, 16/03/1966, p. 9. Diário da Tarde, 28/12/1967, p. 4. Diário da Tarde, 02/08/1968,
p. 4. Diário do Paraná, 16/03/1966, p. 6. Diário do Paraná, 19/09/1967, p. 12. Diário do Paraná, 24/09/1968, p. 9.
4. Primeiro Memorial do Brasil dedicado exclusivamente ao serviço de guarda-vidas é inaugurado no Paraná. (16/02/2013). Disponível em
http://www.pmpr.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=6396. Acesso 23.janeiro.2018.
5. Diário da Tarde, 14/04/1971, p. 1. Diário do Paraná, 18/04/1971, p. 3.
6. Diário do Paraná, 16/05/1971, p. 16.
7. Diário do Paraná, 29/12/1970, p. 7.
8. Diário da Tarde, 19/07/1973, p. 3. Diário do Paraná, 09/06/1973, p. 1.

137
Campeão paranaense masculino de esgrima 1973

Fonte: Diário da Tarde, 19/07/1973, p. 3

Como capitão, Cândido foi chefe de segurança do governo de Jayme Canet Júnior (1975–1979), de quem
era amigo pessoal. Foi nessa época que conheceu a professora Elza Singer, em uma reunião na Secretaria de
Estado da Educação, que foi sua companheira por 35 anos até a sua morte. Cândido era divorciado e ela viúva.

Cândido (de óculos escuros) com Jayme Canet. Década 1970

Fonte: Castor et all. (2014)

138
Cândido (em destaque) com equipe da Casa Civil e Militar junto com Jayme Canet. Década 1970

Fonte: Castor et all. (2014)

Na década de 1980, por incentivo do amigo Rafael Greca de Macedo, Cândido, que já era formado em
Educação Física pela Universidade Católica do Paraná9, iniciou o curso de Direito na mesma instituição. Nessa
época, Greca já almejava ser prefeito de Curitiba e contava com ele para fazer parte da equipe da segurança
municipal. Assim, a formação em Direito facilitaria sua nomeação (SINGER, 2018). Em 1993, já como coronel,
Cândido foi nomeado Diretor do Departamento da Guarda Municipal de Curitiba10, função que exerceu durante
a gestão de Rafael Greca como prefeito da cidade de 1993 a 1996.

Cândido no dia da sua formatura em Direito

Fonte: acervo pessoal de Elza Singer

9. Diário do Paraná, 28/04/1981, p. 4.


10. Ofício nº 033/93 – Direção do Patrimônio Cultural da Fundação Cultural de Curitiba – de 16 de março de 1993.

139
Em 1984, foi elevado a major do Corpo de Bombeiros11 e, no ano seguinte, promovido a tenente-coronel.
Foi também subchefe da Casa Militar do governo José Richa (1983–1986).

Visita de três dias do embaixador da África do Sul Alexander van Zyl a Curitiba

Em destaque, Cândido Alves de Souza


Fonte: Correio de Notícias, 07/05/1985, p. 1

Cândido sempre participou ativamente das olimpíadas da PMPR. Realizou várias vezes a travessia entre
Guaratuba e Caiobá. Foi professor da Academia Militar do Guatupê (SINGER, 2018). Em 1990, se aposentou
como tenente-coronel do Corpo de Bombeiros do Paraná.
Na cidade de Guaratuba, em 15 de fevereiro de 2013, foi inaugurado o Primeiro Memorial do Brasil
dedicado exclusivamente ao serviço de guarda-vidas. Na ocasião, foram entregues medalhas comemorativas
aos primeiros guarda-vidas do Paraná, entre eles o integrante veterano tenente-coronel Cândido Alves de
Souza12, que faleceu em Curitiba, no dia 12 de janeiro de 2014, aos 80 anos. Deixou cinco filhos. Está sepultado
no Cemitério Parque Memorial da Vida em São José dos Pinhais.

REFERÊNCIAS

CASTOR, Belmiro Valverde Jobim; SÁ JÚNIOR, Adherbal Fortes de; FREITAS, Antonio Luiz de (2014). No tempo
de Canet a história do Paraná na década de 1970. Curitiba: Underwater Books.
SINGER (2018). Entrevista de Elza Singer (viúva de Candido Alves de Souza) concedida a Ana Crhistina Vanali
no dia 9 de março de 2018 em Curitiba.

11. Correio de Notícias, 19/05/1984, p.2. Correio de Notícias, 08/10/1985, p. 4.


12. Operação Verão (16/02/2013). Primeiro Memorial do Brasil dedicado exclusivamente ao serviço de guarda-vidas é inaugurado no
Paraná. Disponível em http://www.pmpr.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=6396. Acesso 13.fevereiro.2018.

140
13
CLOVIS AZAURY DO
NASCIMENTO
Nascimento: Curitiba/PR, 2 de setembro de 1932
Falecimento: Curitiba/PR, 5 de outubro de 2014

Clóvis Azauri do Nascimento. Curitiba, 2013


Fonte: Gazeta do Povo, 05/10/2014

141
CLOVIS AZAURY DO NASCIMENTO

(1932 – 2014)

Ivan Luiz Monteiro


Antonio Djalma Braga Junior

Clóvis Azaury do Nascimento: “um homem brilhante de alma e ações”1

Nascido na cidade de Curitiba, na década de 1930, Clóvis Azaury do Nascimento teve “uma infância
sadia, inesquecível e plena de verdadeiros amigos. Amigos de vida!” (NASCIMENTO, 2018). Morador do Água
Verde, Clóvis cresceu em uma Curitiba, a qual nas décadas de 30 e 40 refletia a organização e as dificuldades de
capital de um estado fundamentalmente rural (PARANÁ, 2003, p. 12).
Naquelas décadas, as regiões mais baixas da cidade (entrecortadas de córregos e rios) ainda alagavam,
não importando se fossem nos bairros periféricos ou se fossem no centro. Centro este que buscava remodelar-
se aos moldes parisienses, sobretudo, no que diz respeito à cultura do cinema (FOGGIATO & ROCHA, 2016).
Aos dezoito anos de idade, Clóvis decide trabalhar na mesma profissão e junto de seu pai, Sr. Juvenal,
que era linotipista2 e técnico em Artes Gráficas, no jornal Gazeta do Povo (NASCIMENTO, 2018). Trabalhou toda
a sua vida no jornal, que lhe permitiu o acesso à informação e contribuiu para a formação de uma consciência
crítica e de um estilo inconfundível ao marcar sua presença. As mais significativas amizades no trabalho
perduraram ao longo de toda sua vida. E os colegas de trabalho reconheciam nele a verdadeira natureza do
gentleman. “Em todos os anos de trabalho que partilhei com o Sr. Clóvis” diz José Carlos Fernandes, “ele nunca
passou por mim, sem me cumprimentar e indagar – sempre em sua elegância distinta (vestes, barba afetada e
cabelo, tudo impecável) – sobre meu pai, sua saúde e minha família” (FERNANDES, 2017).
Junto de sua Therezinha de Jesus Silva do Nascimento, a companheira de toda uma vida, Clóvis teve
duas filhas: Cristiane Silva do Nascimento e Maria Ângela Silva do Nascimento. As filhas, desde a infância e
durante a adolescência, tiveram o devido incentivo do pai e o apoio da profissão da mãe (educadora na rede
estadual de ensino) para garantir uma formação cultural além da vida escolar. “Era raro não ver a família a
frequentar a banca de jornal e revistas do bairro”, estabelecimento este que era do amigo e ex-colega de Gazeta,
o senhor José Fernandes Júnior3 (FERNANDES, 2017).
Diante da formação e cultivo familiar assumidos pela família Nascimento, quando em 1988 o Clóvis
recebeu a homenagem proposta pelo consulado senegalês, em decorrência do 1º centenário da abolição da lei
escravagista no Brasil, sua família nesse momento teve exata dimensão do que representou o ocorrido (BAHLS,
2001, p.73). Sua filha Cristiane nos relata que, primeiramente, não há como não sentir “honra de um ser humano

1. Última fala da filha Cristiane (professora de língua inglesa) ao descrever o pai, em entrevista concedida ao projeto Colônia Afro-Brasileira
de Curitiba (NASCIMENTO, 2017).
2. Linotipo é uma máquina para impressão em larga, ou ao menos em escala considerável e, no tempo de Clóvis, era a única forma disponível
que havia no país para impressão de jornais e demais edições que envolvessem qualidade e quantidade gráfica – livros e revistas, por
exemplo (ROCHA, 2013).
3. José Fernandes Júnior era o pai de José Carlos Fernandes, atual colunista da Gazeta do Povo. Clóvis trabalhou com os dois.

142
magnífico, digno, austero, generoso, único”. Ao mesmo tempo, este fato é criticamente encarado, “a libertação
dos negros, não deixa de implicar em uma acepção que nos permite constatar que o preconceito perdura até
hoje em dia” (NASCIMENTO, 2018).
A família Nascimento, sempre buscou dialogar a respeito da problemática racial no Brasil e sobre o
preconceito contra os negros, tendo em vista que o Clóvis participava das iniciativas ligadas ao movimento
negro de Curitiba. O preconceito muitas vezes explícito, mas também bastante velado em outras ocasiões,
ganha terreno de forma sutil. Por exemplo, quando percebemos que mesmo a Câmara Municipal de Curitiba
apoiando a homenagem à Colônia Afro-Brasileira, colônia esta que fora representada pelas personalidades
negras que eram destaques na sociedade paranaense no período do centenário de abolição da lei escravagista,
não há de perder de vista que a iniciativa viera de fora, isto é, do Consulado de Senegal – país da África ocidental,
composto eminentemente por negros. Assim, a Câmara apenas formalizou uma ideia que não teve sua origem
dentre as autoridades legislativas da época (BAHLS, 2001, 71).
Clóvis conhecia as falácias racistas das sociedades curitibana e brasileira como um todo. Ele sentia a
negatividade aterrorizante e o desafio que era superar “o preconceito velado, diferente do povo americano”
(NASCIMENTO, 2018). Pois, por um lado, os americanos ainda viviam os últimos tempos das Leis Jim Crow4,
sob forte ataque dos movimentos em busca dos direitos civis. Por outro, o Brasil que não tinha de maneira
transliterada leis que separavam negros e brancos, ainda assim tornava evidente que a sociedade brasileira, e
talvez de modo mais cínico a sociedade curitibana, sempre tenha legado um lugar aos negros (preconcebido
negativamente). Isto se torna evidente, no estranhamento que se causava e ainda hoje se consegue perceber,
quando um negro figura em determinadas funções ou posições que a ‘cidade modelo’ não destinou às pessoas
de pele escura.
No entanto, em uma cultura ou família com bases sólidas, como a de Clóvis, a leitura da realidade que
nos encerra, não deixa dúvidas de que “[ele e sua família] foram criados para serem duas vezes melhores” que
os demais, também que se propuseram a desmascarar e vencer este câncer social que é o preconceito racial
(NASCIMENTO, 2018).
Em sua casa, o cotidiano vivido, principalmente os almoços de domingo, servia para reunir a família que
prazerosamente desfrutava de um ambiente verdadeiramente multicultural, ou seja, para longe das polarizações
racistas. Pois, na “família sempre houve uma miscigenação”, a filha Maria Ângela conta que sua irmã Cristiane
casara com um alemão e as suas primas, uma desposara “um judeu, a outra um italiano” (NASCIMENTO, 2018). O
que permitiu à organização familiar preparar e formar, por meio do diálogo, a conscientização de sua negritude.
A homenagem na placa em bronze, na Praça Santos Andrade, prestada a Clóvis Azaury do Nascimento,
representa a realidade de quem junto dos seus vivenciou os valores e a cultura do povo negro. Tudo isto, não
apenas de modo teórico, mas dado ao sentimento de “pertença a etnia”, às questões práticas de fato o levaram a
se tornar defensor do povo negro em todos seus aspectos culturais e valorativos. O que fez dele, para além das
elegâncias das vestes como sempre gostou de se apresentar, um homem brilhante de alma e de ações.
Clovis faleceu em Curitiba, aos 82 anos, no dia 5 de outubro de 2014. Está sepultado no Cemitério
Municipal São Francisco de Paula.

4. Conjunto de leis segregacionistas que proibiam as relações inter-raciais, bem como demarcavam os locais públicos e privados, nos quais
os brancos e os negros eram impedidos de se misturarem. Por exemplo, escolas para negros e escola para brancos, também nos ônibus
acentos para negros e acentos para brancos, ou banheiros para brancos e banheiros para negros etc. (HERNÁNDEZ, 2017, p. 16).

143
REFERÊNCIAS

BAHLS, Aparecida Vaz da Silva (2001). Obras de arte em logradouros públicos II: Praça Santos Andrade. Curitiba:
Casa Erbo Etenzel, p. 72–74.
FERNANDES, José Carlos: Entrevista [nov. 2017]. Entrevistadores: Antônio Djalma Braga Junior e Ivanildo Luiz
Monteiro Rodrigues dos Santos. Curitiba: UFPR, 2017. Entrevista concedida ao Projeto Colônia Afro-Brasileira
de Curitiba.
FERNANDES, José Carlos; DOS SANTOS, Marcio Renato (2010). Todo dia nunca é igual: notícias que a vida
contou em 90 anos de circulação da Gazeta do povo. Curitiba: Gazeta do Povo.
FOGGIATO, Fernanda; ROCHA, Michelle Stival da (2016). “Curitiba Ontem e Hoje”: as histórias e as memórias
por trás das fotos. Disponível em < http://www.cmc.pr.gov.br/ass_det.php?not=26154#&panel1-1>. Acesso em
10 fev. 2018.
Gazeta do Povo, 05/10/2014. Imagem disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/servicos/
falecimentos/do-tempo-em-que-jornal-se-fazia-com-chumbo-eej677az1kzv9pwmarwznpq32. Acesso
03/09/2017
HERNÁNDEZ, Tanya Katerí (2017). Subordinação racial no Brasil e na América Latina: o papel do Estado,
o direito costumeiro e a nova resposta dos direitos civis. Trad. Arivaldo Santos de Souza; Luciana Carvalho
Fonseca. Salvador: EDUFBA.
NASCIMENTO, Cristiane Silva: Entrevista [fev. 2018]. Entrevistadores: Antônio Djalma Braga Junior e Ivanildo
Luiz Monteiro Rodrigues dos Santos. Curitiba: UFPR, 2018. Entrevista concedida ao Projeto Colônia Afro-
brasileira de Curitiba. Entrevista com Cristiane Silva do Nascimento
PARANÁ. IPARDES (2003). Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social. Diagnóstico social e
econômico. Curitiba: IPARDES.
PERES, Aline (2014). Do tempo em que jornal se fazia com chumbo. Gazeta do povo, Curitiba. 06 out. 2014. Lista
de Falecimento. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/servicos/falecimentos/do-tempo-em-que-
jornal-se-fazia-com-chumbo-eej677az1kzv9pwmarwznpq32. Acesso 03/09/2017.
ROCHA, Claudio (2013). Uma breve história da Linotipo. In. Tecnologia Gráfica: Revista técnica do setor gráfico
brasileiro. 13 mar. 2013. Disponível em http://revistatecnologiagrafica.com.br/index.php?option=com_
content&view=article&id=4231:uma-breve-historia-da-linotipo&catid=68:materias-especiais&Itemid=188.
Acesso em 12 jan. 2018.

144
14
DALZIRA MARIA
APARECIDA
Nascimento: Guaxupé/MG, 17 de julho de 1941

Iyagunã Dalzira, Curitiba, 2015


Fotografia: Socorro Araújo

145
DALZIRA MARIA APARECIDA

Andrea Maila Voss Kominek

Nascida em Guaxupé, Minas Gerais, no dia 17 de julho de 1941, Dalzira Maria Aparecida é filha de
José Perciliano dos Santos e Maria Tomazina de Jesus. De origem humilde, com nove filhos, visando superar
essa condição, a família decide, em meados de 1950, tentar a sorte em fazendas do município de Santa Maria,
interior do Paraná.
Nessa época, seus pais trabalhavam na cafeicultura como colonos1. Sua mãe trabalhava para a dona do
sítio como empregada doméstica. Seu salário era tão irrisório que ela pediu à patroa para comprar um moinho
de moer café, mas o valor não foi suficiente para pagá-lo. Envergonhada, a patroa aumentou a remuneração
acima do preço do moinho. Para sua mãe, foi uma decepção perceber que trabalhava tanto para receber tão
pouco.
Filha de pais católicos praticantes e fervorosos, o primeiro contato com uma religião foi a católica.
Portava com orgulho a fita que marcava as Filhas de Maria, tanto que chegou a sonhar em ser freira. Mas as
decepções e perseguições sofridas no interior da igreja a afastaram da religião.
Como nunca frequentou a escola, Dalzira estava cercada sempre pelas mesmas pessoas, principalmente
da família ou de outras pessoas negras, especialmente da mesma classe social. “Era quase um quilombo”, em
palavras da própria Dalzira (2016).
Não se casou nem teve filhos biológicos, mas assumiu os sete filhos da tia, que foi tragicamente
assassinada. As crianças tinham idades que iam de um ano e tr meses (o mais novo) a 13 anos (a mais velha),
sendo uma delas deficiente. Ciente da importância da educação, quase todos os seus filhos estudaram, chegando
à universidade.
A despeito das dificuldades de acesso e falta de estímulo recebido, Dalzira sempre valorizou e buscou
aprender por conta própria. Estudou, aprendeu, leu muito, mas nunca frequentou o ensino formal até os 47
anos, quando ingressou na Educação de Jovens e Adultos (EJA), que concluiu em dois anos. Depois de alguns
anos sem estudar, sua filha mais nova, Rosilda Quintilhano, a incentivou a retomar um antigo sonho: fazer
faculdade. Um sonho que tinha ficado adormecido durante anos, para cuidar da família.
Com os filhos criados, retomou o próprio estudo aos 63 anos de idade. Sempre com o incentivo da filha
mais nova, escolheu o curso de Relações Internacionais, pois tinha interesse na história da América Latina e
vislumbrou no curso a oportunidade de ampliar seus conhecimentos sobre o assunto. Apesar das repetidas
e sistemáticas demonstrações de racismo e perseguição, tanto por parte de professores como de colegas de
faculdade, formou-se em 2008. Participou da colação de grau, com direito à solenidade e ao baile, ao vestido
longo e à beca.
Concluída a graduação, decide por um novo desafio: o Mestrado! Em 2011, aos 70 anos e sob a orientação
do professor doutor Domingos Leite Lima Filho, inscreveu-se e foi selecionada para o curso de mestrado no
Programa de Pós-Graduação em Tecnologia (PPGTE) da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).
No ano de 2013, perante uma plateia repleta e orgulhosa, defendeu e aprovou sua dissertação de mestrado com
o título: Templo religioso, natureza e os avanços tecnológicos: os saberes do candomblé na contemporaneidade
(APARECIDA, 2013), na qual analisa o impacto do processo de urbanização e das tecnologias de informação

1. Colono, neste contexto, significa trabalhador rural assalariado.

146
e comunicação, em particular da internet, sobre os terreiros de Candomblé e os saberes constituídos nesses
espaços de ritos e conhecimentos tradicionais de matriz africana. Atualmente inicia mais um desafio acadêmico:
acaba de ser selecionada para o Doutorado em Educação, pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), na
turma de 2018.
Depois de muitos anos na lida da roça, seu primeiro trabalho profissional, em Curitiba, no ano de 1972,
foi como costureira. Quando a família foi do sítio para a capital paranaense, no início do ano de 1970, somente
Dalzira tinha profissão, pois havia estudado corte e costura por correspondência, pelo incentivo da mãe, que
dizia: “costureira nunca fica sem trabalho, se não tiver emprego, sempre tem um vizinho ou parente que precisa
costurar uma roupa” (DALZIRA, 2016).
Destacou-se na alta costura. Seu trabalho de costureira era reconhecido e valorizado, o que não a
impediu de sofrer racismo em seu emprego. Como era a única funcionária negra, apesar de sua alta qualificação,
algumas clientes do atelier não aceitavam ser tocadas, medidas ou atendidas por ela, algo normal e corriqueiro
no trabalho de qualquer modista que faz roupas “sob medida”!
A dona do estabelecimento, para evitar o constrangimento das freguesas, decidiu manter o salário
de Dalzira, que, afinal, era ótima funcionária, porém ela deixaria de costurar. Passaria a apenas servir café.
De modista de alta costura, ela se tornaria agora a moça do café. O argumento da chefe era de que ela não
sairia perdendo nada, afinal, trabalharia menos e continuaria recebendo o mesmo salário. Talvez não perdesse
dinheiro, mas certamente perdia em respeito e dignidade. Dalzira pediu demissão.
Outras tantas vezes em sua história foi preciso romper, demitir-se, radicalizar para preservar seus
valores, manter sua integridade moral. Talvez esta seja sua grande fortaleza e o principal motivo de ser
reverenciada e reconhecida por diversos setores da militância negra.
Muitos foram os episódios de racismo vividos ou testemunhados ao longo da vida, porém eles não a
abateram. Ao contrário: cada um deles representou uma oportunidade a mais para lutar contra esta chaga
de nossa sociedade. Como diz Dalzira, “militância é um trabalho diário, estratégico, pois sempre há uma
outra forma de exclusão ocorrendo” (DALZIRA, 2016). Justamente esta postura combativa lhe trouxe muitos
problemas, pois “se ficar quietinha no seu canto, não reivindicar seus direitos, você não sofre tanto preconceito.
Quem é fraco, não apanha, só os fortes apanham, porque assustam!” (DALZIRA, 2016). Em cada situação de
racismo ou perseguição sua atitude foi lutar e reagir; jamais abaixar a cabeça. Talvez seu pai estivesse certo
quando afirmava que “era uma rebelde!” Uma rebelde que se tornou exemplo de militância e postura combativa
dentre aqueles que a conhecem. Sua própria vida constitui movimento de resistência!
Na cidade de Centenário do Sul, aos 13 anos, Dalzira sentiu pela primeira vez o amargo sabor do racismo,
quando ao conversar com uma freira sobre seu sonho de ingressar para o convento, recebeu uma negativa
convicta: segundo a freira, “negras não podem ser freiras... e você já é bem escurinha...” (DALZIRA, 2016). Este
primeiro episódio de racismo a fez perceber-se como mulher negra e não a tornou acuada ou temerosa, mas,
ao contrário, fez nascer uma menina de olhar atento, que passou a enxergar e reagir diante do mínimo sinal de
exclusão e preconceito e buscar armas para lutar contra ele.
E assim nasceu a Dalzira militante, que passou a integrar e criar grupos e instrumentos de combate ao
racismo porque, segundo ela, “não se pode dar chance, se dermos, eles aproveitam. É preciso brigar e exigir
cada espaço. Por isto as cotas são tão importantes. Precisamos seguir correndo e passando o bastão para as
novas gerações que estão vindo, para que levem nossa ideologia para frente!” (DALZIRA, 2016).
Seu primeiro contato com pessoas que combatiam o racismo, curiosamente, foi também dentro da
Igreja Católica, na qual sofreu sua primeira situação de racismo e exclusão muitos anos antes. Em 1979, aos 38
anos, ainda uma católica praticante, foi convidada por uma ex-freira a participar de um movimento negro que

147
começava a se formar no interior da Igreja em Curitiba. Eram padres e freiras que queriam enfrentar o racismo,
numa dura época de ditadura. A Igreja era o único lugar no qual ainda podiam se reunir, pois “na ditadura a
polícia vigiava tudo e qualquer reunião de mais de cinco pessoas era considerada motim contra o governo.
Então nossas reuniões tinham sempre no máximo cinco pessoas” (DALZIRA, 2016).
Em 1982 este grupo participou, em Brasília, da primeira assembleia que congregou grupos negros
militantes do Brasil todo e nela foi definido o nome que o grupo assumiria: Grupo União e Consciência Negra
(Grucon). O grupo passou então a definir prioridades e traçar estratégias de ação. Mais uma vez seu pai viu a
participação no grupo e a militância como atos de rebeldia. Ele tinha receio devido à ditadura, achava perigoso
demais e lhe dizia com alguma frequência: “não sabia que teria uma filha que me daria tanto trabalho!”
(DALZIRA, 2016).
Atualmente, o movimento negro tem feito um grande esforço para começar a contar a história do povo
negro nas escolas. Há um silêncio retumbante: as heranças africanas e suas importantes contribuições na
construção do Brasil e do povo brasileiro são solenemente ignoradas nas salas de aula. O silêncio quanto a este
passado e, pior, as adulterações e manipulações ideológicas de uma elite branca, masculina e eurocêntrica, vêm
sistematicamente impedindo que o conhecimento constitua-se como arma efetiva de reconhecimento racial e
enfrentamento do racismo. Outra importante luta dos movimentos negros tem sido a criação de leis de proteção
e, ainda mais necessário, cobrar que elas funcionem na prática.
Quanto ao sentimento de perseguição, exclusão e racismo, Dalzira aponta uma importante diferença,
vivenciada por ela, entre o racismo no interior e na cidade grande. No interior, o racismo é falado, mostrado
e escancarado. Na cidade grande, o racismo é disfarçado, estrutural, escondido pelo politicamente correto ou
pela suposta democracia racial. Cita o exemplo das grandes mídias, que poderiam ser aliadas do movimento
negro, mas que, ao contrário, são instrumentos de manipulação, de perpetuação das desigualdades, que
preceituam: cada um deve ficar no seu lugar. Estimulam o ódio racial, estruturalmente racial e o fazem de forma
dissimulada, simpática e politicamente correta. “Imagine se conseguíssemos gastar o horário nobre para falar
da nossa gente? Para contar nossa história? Precisamos ganhar espaço e dialogar”, suspira Dona Dalzira (2016).
A aproximação com o candomblé se deu pelo convite de um amigo capoeirista. Segundo Dalzira,
o Candomblé é uma herança cultural histórica do povo negro, com a qual já se nasce. Porém, por medo de
represálias e perseguições na sociedade majoritariamente branca e católica, afastam-se do chamado pessoal e
não buscam desenvolver-se. “A religião já vem com a gente, só que o tempo todo a gente tenta fugir” (DALZIRA,
2016). Segundo Dalzira, esta fuga de algo que faz parte originalmente do próprio indivíduo traria para muitas
pessoas problemas de saúde, desajustes sociais e até um alto índice de alcoolismo, sem que esta causa inicial
seja reconhecida ou percebida.
Dalzira conta que desde criança tinha visões que não sabia explicar nem entender. Quando contava
à mãe, esta desconversava, pois tinha receio das perseguições sofridas no passado por seus praticantes.
A repressão policial e governamental sempre fora muito grande, e seus praticantes tachados de vadios,
vagabundos, participantes de seita. Tal repressão foi minimizada apenas oficialmente, pois na prática segue
existindo, apesar das leis de proteção e reconhecimento das religiões de matriz africana.
Durante muito tempo tentou fugir de seu caminho espiritual. Mas o chamado persistia. Em Curitiba, já
aos 40 anos, recebeu um convite de um amigo que fazia capoeira para assistir a uma palestra sobre religiões afro,
com Babalorixás e Yalorixás. Resolveu aceitar. Seu amigo era irmão de Paulo Roberto Michalizen, o Babalorixá
Oyá Uaci, palestrante do dia e que viria a ser seu pai de santo. Nesse dia ele exibiu um vídeo sobre candomblé.
Dalzira descreve sua sensação de surpresa ao assistir ao vídeo, pois até aquele momento, o pouco contato que
tivera com o candomblé havia sido através de contos da mãe ou da avó e sentiu-se tão familiarizada com tudo o

148
que via e ouvia, como se já tivesse visto tudo o que naquele momento testemunhava pela primeira vez através
do vídeo. Considera esse seu primeiro contato mais profundo com o candomblé. Teve a sensação de finalmente
estar no lugar certo, ter encontrado o seu lugar: “ao final do filme eu estava profundamente tocada. Foi um
chamado” (DALZIRA, 2016).
Apesar da sensação de encontro e reconhecimento, no entanto, nesta e nas próximas noites, não
conseguiu dormir. Sentia-se mexida, transformada, mas não tinha meios para lidar com os sentimentos
aflorados. Sentia-se dividida entre o chamado e os ensinamentos de sua mãe: “eu tinha medo, porque minha
mãe sempre me falava para não procurar religiões afro” (DALZIRA, 2016).
Dezessete dias mais tarde, ela procurou o pai de santo no seu ilê em São José dos Pinhais. Depois de
atendê-la, deu-lhe um amaci (banho de folhas). Ao término da conversa, seu futuro pai de santo ofereceu-
lhe carona para casa. Durante o percurso, conversaram longamente, e ele percebeu o quanto ela estava com
medo. Ao deixá-la em casa e despedir-se, o Babalorixá apenas disse: “use o banho de folhas. Hoje você irá
dormir!” (DALZIRA, 2016). E assim ocorreu. “Dali em diante passei a acreditar em uma força maior e soube qual
caminho seguir” (DALZIRA, 2016). Passou a frequentar o Candomblé, seguindo a iniciação com seu pai de santo
e dedicando-se ao seu processo iniciático durante anos, até tornar-se Iyagunã Dalzira, hoje responsável por um
importante terreiro de Candomblé no Bairro Alto, em Curitiba, o Ilê Asé Ojugbo Ogun. Além de ser a responsável
pelo terreiro, cuida também da iniciação e orientação de muitos filhos e filhas de Santo.
O Candomblé é entendido, por Dalzira, com uma dupla função: cósmica e social. As religiões de matriz
africana representam a possibilidade de manter o contato com os ancestrais e seus conhecimentos. Constitui
a possibilidade de preservar e fortalecer os aspectos positivos das heranças africanas em uma sociedade que,
como a nossa, insiste não apenas em negar estas origens, mas também em perseguir e adulterar esta história.
Sobre as dificuldades de manter o terreiro, Dalzira conta: “temos liberdade vigiada. Eu tenho o alvará aqui do
terreiro, mas sob alguns requisitos. Estamos também registrados na Receita Federal” (DALZIRA, 2016).
Além das dificuldades burocráticas, Iyagunã narra diversos casos de apedrejamento do terreiro, de
quebra de telhas, de incômodo por falta de espaço ou desconforto por não ter estacionamento. Intolerância
religiosa é uma realidade vivida por muitas religiões, mas no caso das religiões afro, possuem ainda a
intolerância racial sobreposta. Trata-se de uma dupla exclusão e perseguição: religiosa e étnico-racial. Dentre
as dificuldades em comparação às religiões socialmente aceitas, Iyagunã aponta desde o espaço físico até o
preconceito racial:

O terreiro não tem estacionamento, é fundo de quintal, divide espaço com a família da casa.
A Igreja não é desta forma, tem pátio, estacionamento. No terreiro existe o risco de os carros
serem roubados. Até pagamos um vigia para cuidar da segurança. Somos obrigados a fazer o
papel do Estado para termos um pouco de sossego. Já houve vezes em que a polícia apareceu
e chegou a atirar sem que houvesse nenhuma ocorrência ou chamado. As luzes da rua são
apagadas. Não sabemos a mando de quem! Bem na hora do ritual. Temos que recorrer às velas.
Não podemos dizer ao orixá vá embora que temos que fechar! Nunca sabemos o que vem pela
frente e o que teremos que enfrentar. Além disto, os olhares para nós são preconceituosos.
As mães falam para os filhos uma série de coisas para amedrontá-los. (DALZIRA, 2016, grifo
nosso)

Nossa sociedade branca e eurocêntrica silencia as vozes da história africana, quando não as deturpa. As
escolas não estudam, não conhecem e não ensinam a História da África. É comum que até mesmo bons alunos
pensem que a África seja um país, e não um continente composto por 54 nações, com grande diversidade de
idiomas, culturas, histórias e especificidades. A isto só se pode chamar ignorância... mas esta ignorância não

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é inocente nem inócua... é estratégica, estrutural e altamente danosa... é a causa e a fonte dos preconceitos,
perseguições e atos de terrorismo racial.
As escolas apresentam apenas a face do negro indolente, sem ambição, cordato e submisso a sua
condição de escravizado. Não se estudam as revoluções negras, os movimentos de resistência e as lutas
protagonizadas pelos negros. Ao contrário, enfatiza-se a bondade de uma princesa, branca e europeia, que
liberta voluntariamente, por pura bondade, através de uma Lei Áurea, os pobres negros que não sabiam lutar
por si mesmos. Os poucos negros que são apresentados como combativos e resistentes recebem a alcunha de
rebeldes, como o caso de Zumbi dos Palmares, que só recentemente passou a ser reconhecido e valorizado
para além dos movimentos negros, sendo a data de seu martírio o Dia Nacional da Consciência Negra (20 de
Novembro), ainda que muitos municípios, dentre eles Curitiba, ainda não atribuam à data status de feriado.
Otimista, apesar de tantas dificuldades e percalços pelo caminho, Dalzira afirma, com um belo e tranquilo
sorriso no rosto: “este tipo de preconceito acaba servindo como injeção de coragem para seguir em frente. É a
prova de que não podemos largar a luta” (DALZIRA, 2016). Assim, o candomblé torna-se mais do que religião.
Torna-se instrumento de militância. Instrumento de combate ao racismo, uma vez que não se pode contar com
a escola ou com a mídia para fazer este papel tão importante para a construção de uma sociedade melhor e
justa. Pelo contrário, como ficou claro em diversas narrativas de Dalzira, eles constituem fortes instrumentos de
perpetuação da exclusão, desigualdade, perseguição e ignorância. Enfim, em apenas uma palavra, são agentes
de fortalecimento do RACISMO!!
“Nosso povo está morrendo maciçamente. Principalmente os jovens” (DALZIRA, 2016). Além do
racismo pessoal, institucional e estrutural, Dalzira diagnostica que isso vem ocorrendo também por outro
grave problema social: a falta de cuidado com os jovens. “É uma juventude que não está sendo atendida. Suas
mães trabalham e elas passam o dia na creche. As pessoas estão perdendo as raízes. Os jovens não conseguem
trabalho e nem conseguem estudar. São chamados pejorativamente os NEM NEM” (DALZIRA, 2016). Mas
mesmo aqueles que conseguem escapar desta triste estatística e vencem o desafio de escapar da morte, não
conseguem escapar do outro fardo: o preconceito institucional que os aponta previamente como suspeitos de
qualquer problema. São perseguidos, torturados e mortos. Como consequência, costumam ser as mães negras
aquelas que mais vezes precisam fazer o reconhecimento dos corpos de seus filhos, vítimas de “balas perdidas”
ou “confronto com a polícia”.
Dalzira insiste na importância da educação para combater todos estes males. Aponta para a necessidade
de estudar, se informar, aproveitar as oportunidades e, principalmente, pensar grande! “A mídia faz o desserviço
de vender a imagem do negro bandido, ignorante, perigoso. Cria o não valor. O jovem negro precisa buscar
exemplos positivos. Espelhos positivos com os quais possa se identificar. Se eu pudesse dar um conselho, eu
diria: ‘busque alguém por perto que possa te ajudar!’” (DALZIRA, 2016).
Por este motivo, Dalzira sublinha a importância das ações afirmativas, das cotas, da visibilidade positiva
do povo negro, para desmontar os arquivos negativos da escravidão e as marcas por eles deixados. É preciso
combater as imagens negativas com imagens positivas! Salienta ainda que tudo o que fazemos ou deixamos de
fazer é para a gente mesmo. Nós usufruiremos ou pagaremos o preço pelas nossas ações.
Dona Dalzira, militante persistente da tradição religiosa e do combate ao racismo, do alto da sabedoria
e generosidade que seus 77 anos permitem, forneceu como palavras finais na entrevista que concedeu para a
produção deste texto uma fala tão inspiradora e um testemunho de vida tão emocionante revelando a otimista
e confiante Dalzira (segundo ela própria):

150
Tudo valeu a pena! Valeu a pena ter acreditado na educação dos meus filhos, e depois na
minha... Valeu a pena porque coloco a cabeça no travesseiro sabendo que fui justa no que me
propus a fazer. Tudo isso me trouxe paz. Muita gente se desespera porque está envelhecendo,
mas eu sempre procurei me preparar psicologicamente para a velhice, para não sofrer por ela.
Sinto que não houve tempo em que não aproveitei a vida. Aproveitar a vida é fazer as coisas
que você quer e gosta. E eu fiz o que desejei! Quando eu era católica, acreditava no que fazia,
mas não era meu caminho. Mas quando os caminhos mudaram e me levaram ao candomblé,
um destino traçado e finalmente reconhecido, eu encontrei a PAZ! (DALZIRA, 2016)

REFERÊNCIAS

APARECIDA, Dalzira Maria (2013). Templo religioso, natureza e os avanços tecnológicos: os saberes do
candomblé na contemporaneidade. Curitiba: Mestrado em Tecnologia da UTFPR. Disponível em: http://
repositorio.utfpr.edu.br/jspui/handle/1/711. Acesso 18.setembro.2017.
DALZIRA (2016). Entrevista de Dalzira Maria Aparecida concedida a Andrea Maila Voss Kominek, no dia 8 de
março de 2016 em Curitiba.

Consultar:

PESTANA, Mauricio (2017). Sabedoria de mestra: Dalzira Maria Aparecida. Revista Raça, 26/07/2017.
Disponível em https://revistaraca.com.br/sabedoria-de-mestra/. Acesso 20.novembro.2018.
PESTANA, Mauricio (2016). Iyagunã Dalzira conta sua luta contra o racismo. Revista Raça, 17/10/2016.
Disponível em https://revistaraca.com.br/iyaguna-dalzira-conta-sua-luta-contra-o-racismo/. Acesso
20.novembro.2018.

151
15
EDGAR ANTUNES DA
SILVA (TATU)
Nascimento: Curitiba/PR, 24 de fevereiro de 1915
Falecimento: Curitiba/PR, 16 de fevereiro de 1985

Edgar Antunes da Silva (Tatu). Curitiba, 1960


Fonte: Correio do Paraná, 16/09/1960, p. 9

152
EDGARD ANTUNES DA SILVA (TATU)

(1915–1985)

Adriane dos Santos Tavella Ferrari


Marcia Cristina dos Santos

Edgard Antunes da Silva, o Tatu, nasceu em Curitiba no dia 24 de fevereiro de 1915. Filho de Jacinto
e Francisca Antunes da Silva. O pai foi mordomo do Palácio Iguaçu. Tatu teve cinco irmãos e quatro irmãs.
Recebeu o apelido na infância dos tios maternos, que diziam que ele costumava comer terra. Foi casado com
Hilda Santos Antunes da Silva, que segundo ele, era uma mulher muito religiosa, com quem teve apenas uma
filha – Therezinha de Jesus Silva Pinheiro da Silva, falecida em 19831.
Tatu estudou até completar o ginásio. Começou a trabalhar durante a adolescência, na extinta Farmácia
Ideal, aos 15 anos, onde limpava vidros. Depois, trabalhou por alguns anos na Empresa Brasileira de Correios
e Telégrafos com a entrega de malotes. Posteriormente foi indicado para trabalhar na Estação Rodoviária,
tornando-se funcionário da prefeitura, por indicação do seu pai. Seu primeiro cargo na prefeitura era equivalente
ao de servente de serviços gerais. Permaneceu no órgão até se aposentar, 38 anos depois, na função de oficial
administrativo. Mesmo aposentado, foi contratado pela Federação da Indústria do Estado do Paraná (Fiep),
onde permaneceu por mais de 10 anos, chegando ao cargo de chefe do grupo de motoristas da instituição2.
Tatu foi uma personalidade negra de grande importância na história da cidade de Curitiba. Sua vida
está conectada à trajetória da Sociedade Protetora dos Operários, da qual foi presidente por 32 anos. Começou
a frequentar essa sociedade ainda criança, quando acompanhava o pai, que exerceu o cargo de 2º secretário da
entidade entre os anos de 1923 e 1925. O fundador da Sociedade Operária foi Benedito Marques, um homem
negro que exercia a função de pedreiro. Isso ocorreu em janeiro de 1883. A sociedade tinha como objetivo
proteger a classe operária em todos os sentidos, sendo responsável por manter funções sociais e previdenciárias
numa época que o serviço público não arcava com essa responsabilidade (NICOLAZZI JR., 2008).
Esses propósitos iniciais que motivaram a construção da sociedade foram mantidos até o ano de 1943,
quando houve alterações nas leis brasileiras e ocorreu a aprovação da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho)
pelo governo Getúlio Vargas, o que deu maior segurança aos trabalhadores. No entanto, os auxílios funeral e de
doença ainda foram mantidos pela Sociedade Operária3.
Em 1952, Tatu assumiu a presidência da Sociedade Beneficente Protetora dos Operários e permaneceu
no cargo até seu falecimento em 16 de fevereiro de 1985. Afirmava ter chegado à presidência da sociedade
por acaso. Em 1952, participava da direção como conselheiro fiscal, mas não pretendia ocupar a presidência.
No entanto, foi convencido pelos companheiros a candidatar-se. Quando chegou ao cargo, a sociedade possuía
dívidas que motivaram a organização de bailes com o intuito de arrecadar fundos para saldá-las. Acabaram
se tornando os bailes de carnaval mais famosos do Sul do Brasil, repercutindo em todo o país, o que alterou

1. Therezinha de Jesus Silva Pinheiro nasceu em 05/10/1945 e faleceu em 24/12/1983. Conforme Gazeta do Povo, 17/02/1985 e
administração do Cemitério Municipal São Francisco de Paula, onde Tatu e a filha estão sepultados.
2. Gazeta do Povo, 22/02/1985.
3. Gazeta do Povo, 28/01/1987.

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a dinâmica da cidade de Curitiba, conhecida pelo seu conservadorismo. Por ocasião da morte de Tatu, José
Cadilhe de Oliveira4, último homenageado num baile organizado por ele, fez questão de relembrar a luta do
amigo que enfrentou a “polícia federal, a sociedade e outros segmentos para manter a promoção dos bailes que
contavam com os desfiles de homossexuais e, posteriormente, tornaram-se um sucesso”5.
A história pessoal de Tatu, assim como o sentido da existência da Sociedade Operária, foram alterados
com a promoção do Baile dos Enxutos, um dos mais importantes desfiles de travestis que acontecia todas as
segundas-feiras de carnaval. Esse desfile tem como marco temporal o ano de 1957, até então, “o operário viveu
uma existência normal”6. O clube ganhou o apelido de Ópera-Rio e sempre teve a fama de ser um dos lugares
mais democráticos da cidade de Curitiba.
As festas com participação de homossexuais já aconteciam nos jardins do Clube, mas foram ocupando
cada vez mais espaço:

Mas a coisa foi pegando, esquentando, em cada festa o número de participantes gays crescia
e a Polícia Federal acabou baixando no pedaço e proibindo aquelas ousadias para a época.
Foi quando a gente decidiu botar todo mundo para dentro do clube e iniciar os carnavais dos
enxutos, coisa que pegou, agradou, e hoje faz parte do calendário turístico da cidade e do
Brasil. Vem gente de tudo o que é canto participar do baile dos enxutos na segunda-feira de
carnaval (TATU, 23/01/1983)7.

Nessa entrevista, Tatu fez questão de lembrar que não demorou muito para que pessoas de classes
sociais mais abastadas pedissem para adentrar aos salões escondidos, pela porta dos fundos, atrás de máscaras
e orgulhou-se em dizer que a Sociedade Operária sempre esteve aberta à participação de todas as pessoas,
independentemente de cor, classe, credo religioso, profissão e partido político. Segundo ele, as pessoas
participavam e retornavam no ano seguinte. O Operário se tornou o “cartão postal do carnaval curitibano”8,
atraindo visitantes de outros estados e países, principalmente da Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai, chegando
a receber mais de quatro mil pessoas. Havia um número grande de ingressos fornecidos gratuitamente a nomes
importantes da sociedade curitibana, da imprensa à polícia.
Dante Mendonça (2012) faz a descrição de como era o “Baile dos Enxutos”, da Sociedade Beneficente
Protetora dos Operários, numa segunda-feira do carnaval de 1975. Tratava-se de uma “noitada” em que:

Mais de duas mil pessoas enfrentaram o calor, os empurrões e a falta de conforto para assistir
a 33 travestis, a maioria deles ostentando uma plástica de fazer inveja a muitas mulheres
em sumárias tangas, com muitas plumas e paetês, desfilando num espetáculo entre o
folclórico e o “mondo-cane” carnavalesco, aplaudidos por muitos nomes conhecidos da alta
sociedade.  Liderando um grupo ricamente fantasiado, o famoso Ney Azambuja Souza pulou
até os últimos acordes, tendo em sua côrte maquiadores e costureiros da moda: Carlinhos
Nunes, Magôva, Lu, Fred etc. O arquiteto Abrão Aniz Assad, diretor do Centro de Criatividade
de Curitiba, democraticamente caiu no samba, enquanto um pouco desanimado, o elogiado
artista plástico Carlos Eduardo Zimmermann limitava-se a apreciar a festa, que classificou

4. José Cadilhe de Oliveira, conhecido como Zé Cadilhe, foi presidente de escolas de samba da Capital e advogado responsável por implantar
o direito desportivo no futebol paranaense.
5. Correio de Notícias, 16/05/1985.
6. Gazeta do Povo, 28/07/1987.
7. Fala de Tatu em entrevista cedida ao Jornal O Estado do Paraná em 23 de janeiro de 1983, por ocasião da comemoração do Centenário da
Sociedade Operária.
8. O Estado do Paraná, 23/01/1983.

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de “sensacional”. Dona Juril de Plácido e Silva Carnascialli, colunista social da “Gazeta do
Povo” liderava, no balcão, um familiar grupo de filha, sobrinhas e genros, inclusive o arquiteto
Sérgio Todeschini Alves, diretor do Departamento de Patrimônio Histórico e Artístico da SEC.
Aliás, o secretário Cândido Manoel Martins de Oliveira, da Educação e Cultura, também foi
assistir à festa. A certa altura da madrugada, alguns homens do numeroso contingente da
Polícia Militar que garantia a paz e o amor do baile, tiveram que organizar a fila da toilette
das senhoras, tal o número de usuários que se formou. E a fila ganhou a entrada dos salões.
Os travestis preferiram sumárias tangas mas alguns ostentavam bonitas fantasias. Foi o caso
de uma Carmem Miranda muito colorida, que quase não pôde desfilar tal a altura do adereço
de cabeça, com turbantes e plumas etc. Um desconsolado travesti loiro, em longo esvoaçante
branco, chamado ao palco três vezes aos gritos de “Já ganhou” não foi classificado no desfile
de fantasias, mas ganhou, como Prêmio de Consolação, a faixa de Rainha do Carnaval. Em tudo
isso apenas a solitária voz de dom Pedro Fedalto, vigilante arcebispo metropolitano, deu o
contra. Escrevendo na “Voz do Paraná”, domingo de Carnaval, Sua Excelência Reverendíssima
deplorou o baile e lamentou a vizinhança do Paço Episcopal, cujos floridos jardins divisam
com o alegre clube. Desde 1955, afinal de contas, os nossos arcebispos não podem fazer seus
retiros carnavalescos em casa, tal a animação do Ópera-Rio.

Tatu foi eleito presidente pela última vez da Sociedade Operária em 18 de dezembro de 1983, quando
obteve 357 votos a favor e apenas quatro contra. Para ele, a festa mais importante do clube foi a de comemoração
dos 100 anos, que aconteceu em 28 de janeiro de 1983. Costumava lembrar-se dessa festa como a primeira vez
que usou um smoking. Dela participaram políticos, jornalistas, o governador José Hosken de Novaes, o prefeito
Jaime Lerner, além de muitos outros. Na ocasião foi inaugurado um busto que os funcionários mandaram
esculpir em homenagem ao senhor Edgar9.
A importância de Tatu para a sociedade paranaense vai muito além das festas, ele manteve ativa
uma sociedade, que de acordo com José Machado Cordeiro, bisneto de Aprigio Alves de Oliveira, que foi vice-
presidente do Operário em 1896, tinha o “objetivo de proteger o operário, lhe dar força, numa sociedade em que
o poder econômico massacra a classe, em época em que não tínhamos uma lei social que desse ao trabalhador
a mínima garantia, surgiu o Operário, dando lhe todo apoio moral e financeiro, quando necessário. Mas nunca
se descuidando do lazer e da recreação”10
Além do seu amor pelo carnaval, Tatu aventurou-se na sua juventude como jogador de futebol, ocupando
a posição de meio de campo. No período em que jogou futebol, na década de 1930 fez parte das equipes básicas
dos seguintes times: Palestra Itália (1931, 1932, 1933) e Ferroviário (1935). É importante destacar que nesse
momento o futebol ainda não estava profissionalizado – os jogadores estavam acostumados a treinar apenas
duas vezes por semana (no máximo) e jogavam em domingos e feriados, de modo que poucos optavam pela
categoria de “não amadores” (MACHADO et al., 2008).
A grande façanha de Tatu nessa rápida passagem pelos campos de futebol foi em 1952, como treinador
do Palestra Itália ao conseguir o vice-campeonato paranaense daquele ano contra o Coritiba. Nesse campeonato,
o Palestra Itália teve 10 vitórias e seis empates, ficando em 2º lugar na classificação final do campeonato. Seu
envolvimento com o futebol teve continuação além dos campos. Foi dirigente da Liga Suburbana de Curitiba,
fundada em 1941. Ficou por 29 anos no comando do futebol de “várzea”11 de Curitiba, que chegou a contar com
70 clubes. Em entrevista ao Jornal Gazeta do Povo (23/01/1983) declarou que abandonou o cargo em 1970

9. O Estado do Paraná, 23/01/1983.


10. Correio de Notícias, 16/02/1985.
11. O termo “futebol de várzea” foi criado justamente no país para definir aquele futebol jogado entre amigos, no chamado “campinho”
de bairro. É praticado em campos que não possuem estrutura adequada para a prática do esporte oficial e os jogadores geralmente
não são profissionais do futebol.

155
porque certa vez o “José Milani12 que era o presidente da Federação chegou para mim e disse que o campeonato
estava muito complicado, estava andando feito caranguejo. Bastou isso e deixei o cargo”.
Foi homenageado em 1961 com a denominação de uma das séries do Campeonato da segunda Divisão
de Edgard Antunes da Silva que incluía os times Operário Pilarzinho, São José, Madureira, Bola de Ouro,
Botafogo, América e União Bigorrilho13.
Também foi candidato a vereador em Curitiba pelo Partido Republicano em 1954, mas não foi eleito14.
Futebol, carnaval, duas grandes paixões de Tatu, que era um homem além do seu tempo, inovando com
o Baile dos Enxutos, rompendo com tabus da sociedade curitibana, circulando entre políticos e operários.
No dia, 16 de fevereiro de 1985, num sábado de carnaval, Curitiba amanheceu mais triste. Após 34 dias
de internação, Tatu faleceu de complicações do aparelho gastrorenal, agravadas pela diabetes. Mas, seguindo um
pedido de Tatu, o carnaval não deveria parar. Nesse dia não houve baile no Clube Operário, mas no dia seguinte
a música e a alegria retornaram ao clube, como desejava Tatu. Faleceu com quase 70 anos. Está sepultado no
Cemitério Municipal São Francisco de Paula.

Tatu com Euclides da Silva em reunião da diretoria da Sociedade Operária

Tatu é o primeiro à esquerda. Curitiba, 1975


Fonte: acervo de Elisa Maria da Silva

12. José Milani foi presidente da Federação Paranaense de Futebol de 1960 a 1975. Disponível em http://www.federacaopr.com.br. Acesso
14.abril.2018.
13. José Domingos Borges Teixeira (Zé Domingos) da Rádio Barigui AM 1560 – www.radiobarigui.com, Comando da Manhã – No Mundo da
Bola. Acesso 23.março.2018.
14. Disponível em http://www.tre-pr.jus.br/eleicoes/resultados/resultados-de-eleicoes-municipais-tre-pr. Acesso 23.março.2013.

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Tatu e outros membros da diretoria em reunião na Sociedade Operária

Tatu em pé, ao centro. Curitiba, 1975


Fonte: acervo de Elisa Maria da Silva

Banda Guarani que tocava na Sociedade Operária

Tatu no canto direito. Curitiba, sem data


Fonte: acervo de Arthur de Miranda Júnior

Comemoração do aniversário da Sociedade Operária

Da esquerda para a direita: Arthur de Miranda Junior, o ex-vereador Kister, o ex-verereador Donato Gulin, Tatu e Jaime Lerner
Curitiba, década de 1980
Fonte: acervo de Arthur de Miranda Júnior

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Edgar Antunes da Silva (Tatu). Curitiba, sem data

Fonte: Correio de Notícias, 16/02/1985

REFERÊNCIAS

MACHADO, Heriberto Ivan e CHRESTENZEN, Levi Mulford (2005). Futebol do Paraná: 100 anos de história.
Curitiba: edição dos autores.
MENDONÇA, Dante (2012). Curitiba, além da imaginação. Disponível em https://www.tribunapr.com.br/blogs/
dante-mendonca/curitiba-alem-da-imaginacao/. Acesso 23.maio.2018.
NICOLAZZI JR., Norton Frehse (2008). Histórico da Sociedade Protetora dos Operários. Fundação Cultural de
Curitiba.

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ELIDIO ALVES TEODORO
Nascimento: Curitiba/PR, 2 de novembro de 1953
Falecimento: Curitiba/PR, 5 de fevereiro de 2012

159
ELIDIO ALVES TEODORO

(1953–2012)

Ana Crhistina Vanali

Elidio Alves Teodoro nasceu dia 2 de novembro de 1953. Filho de Elidio Teodoro e de Zilda Gama Alves
Teodoro.
Nas eleições de 1982 Elidio concorreu a uma vaga à Câmara Municipal de Curitiba como candidato
a vereador pelo Partido Democrático Social (PDS). Recebeu 297 votos e não chegou a ser eleito1. Apoiava a
candidatura de Saul Raiz para o governo do estado do Paraná2.
No ano de 1987 filiou-se ao Partido da República (PR)3.
Em 1988, pelo Partido Liberal (PL), concorreu a uma vaga de vereador em Curitiba. Obteve 402 votos,
ficando na suplência4.
Nas eleições de 2000 novamente concorreu a uma vaga para vereador da capital paranaense pelo PL,
obtendo apenas 40 votos, não sendo eleito5.
Faleceu em Curitiba no dia 5 de fevereiro de 2012, aos 58 anos. Está sepultado no Cemitério Padre
Pedro Fuss, no município de São José dos Pinhais6. Ao falecer exercia a profissão de corretor7. Não deixou
dependentes, nem filhos e nem cônjuge, ou beneficiários diretos8.

1. PDS terá 63 candidatos à Câmara de Curitiba. Diário do Paraná, 13/06/1982, p. 3.


Eleições 1982, apuração dos votos. Diário da Tarde, 22/11/1982, p. 6.
Eleições 1982, apuração dos votos. Diário da Tarde, 24/11/1982, p. 6.
Números oficiais e finais do pleito de novembro. Diário da Tarde, 26/11/1982, p. 12.
2. Os candidatos da oposição vão se perder em Curitiba. Diário do Paraná, 24/09/1982, p. 3.
3. Disponível em http://curitiba.pr.filiaweb.com/filiados/pr?page=2. Acesso 26.dezembro.2018.
4. Disponível em http://www.tre-ms.jus.br/eleicoes/eleicoes-anteriores/resultado-eleicoes-municipais-1988. Acesso 2.fevereiro.2019.
5. Disponível em https://apps.tre-pr.jus.br/files/resultados/20001001A75353.pdf. Também em http://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-
anteriores/eleicoes-2000/resultado-da-eleicao-2000. Acesso 26.dezembro.2018.
6. Conforme informações do Cemitério Padre Pedro Fuss em 26/12/2018.
7. Disponível em Lista de falecimentos. Gazeta do Povo de 07/02//2012. https://www.gazetadopovo.com.br/servicos/falecimentos/o-
pioneiro-da-cultura-82a5n4ql1lla7yhojt53cdxla/. Acesso 26.dezembro.2018.
8. Disponível em Diário do 4º TRF (29/04/2013). http://www.radaroficial.com.br/d/33064616. EXECUÇÃO FISCAL N.o 2008.70.00.006114-
2/PR. Acesso 26.dezembro.2018.

160
17
ENEDINA ALVES MARQUES
Nascimento: Curitiba/PR, 8 de janeiro de 1913
Falecimento: Curitiba/PR, 20 de agosto de 1981

Enedina Alves Marques, Curitiba, sem data


Fonte: acervo de Lizete Marques

161
ENEDINA ALVES MARQUES

(1913–1981)

Ana Crhistina Vanali

Pensando na composição da sociedade brasileira atual, mais de 25% da sua população é mulher, negra
e pobre que, além de enfrentarem diariamente as condições de pobreza, ainda têm que lutar permanentemente
contra a discriminação (MARCONDES, 2013). Carregando essa tripla discriminação (mulher, negra e pobre)
parece ser inimaginável romper essas barreiras de gênero, classe e cor, mas quando analisamos a presença
africana no Paraná, nos deparamos com uma vida que conseguiu fazer essa ultrapassagem. Enedina Alves
Marques, negra e de família pobre, foi a primeira mulher a se formar na Faculdade de Engenharia do Paraná,
tornando-se assim a primeira engenheira civil negra do Paraná e do Brasil (SANTANA, 2013).
Enedina, também conhecida como Dindinha, nasceu em Curitiba em 8 de janeiro de 1913. Filha de
Paulo Marques e de Virgínia Alves Marques (Nhá Duca)1. Os pais se separaram quando ela ainda era criança
(FISENGE, 2013). A mãe era lavadeira e durante a infância de Dindinha foi morar e trabalhar na casa da família
Nascimento. O major e delegado de polícia Domingos Nascimento Sobrinho2, patrão da mãe de Enedina, casado
com Josephina do Nascimento Teixeira3, foi o incentivador de seus estudos. Ela foi alfabetizada por volta
dos 12 anos de idade na escola particular da professora Luiza Netto Correia de Freitas4. Realizou o exame de
proficiência e concluiu o curso primário no grupo escolar anexo à Escola Normal. Entre os anos de 1926 e 1931
fez o curso da Escola Normal Secundária juntamente com Isabel, a filha do major Domingos, que lhe pagou o
bonde durante a formação como normalista para que fizesse companhia à filha. Durante toda essa fase da sua
formação trabalhou como criada de servir e de babá para a família Nascimento (SANTANA, 2011).
No ano de 1932 iniciou sua carreira como professora da rede pública de ensino. Interrompeu seu
trabalho de doméstica na casa da família Nascimento e seguiu para o interior do estado para atuar como
professora no Grupo Escolar de São Mateus do Sul5. Lecionou também no Grupo Escolar de Cerro Azul, no
Grupo Escolar Barão de Antonina em Rio Negro, na Escola Isolada do Passaúna em Campo Largo. Retornou para
Curitiba em 1935 e foi trabalhar na Escola da Linha de Tiro do Juvevê6. O seu regresso à capital ocorreu para
realizar o Curso de Madureza, exigência da nova legislação da Instrução Pública, que era um curso de capacitação
profissional de três anos de duração para o exercício de professor. Nesse mesmo ano, para complementar seu
rendimento abriu uma escola particular para crianças que não frequentavam a rede pública7. Realizou o Curso

1. Enedina era a caçula e tinha cinco irmãos: Eraclides, Erondino, Hermes, Enedino e Ernani. Sua mãe, Nhá Duca, faleceu em 5 de dezembro
de 1950 (Diário da Tarde, 08/12/1950, p. 6).
2. O major Domingos Nascimento Sobrinho faleceu em 1958 deixando Enedina como uma de suas beneficiárias em seu testamento.
Não confundir com Domingos Virgílio Nascimento (1862-1915) que foi escritor, autor do hino do Paraná e participou do movimento
republicano paranaense (Dicionário Histórico-biográfico do Paraná. Curitiba: Editora do Chain, 1991).
3. O Estado do Paraná, 17/02/1925, p. 8.
4. Para saber mais da professora Luiza Correia de Freitas ver Vanali (2016). Não confundir a professora Luiza que alfabetizou Enedina com
a professora Luiza Pereira Dorfmund que era colega de profissão de Enedina na escola em Rio Negro. Luiza Dorfmund não poderia ter
alfabetizado Enedina, pois nasceu em 1918, assim no ano de 1925, quando Enedina foi alfabetizada, Luiza Dorfmund teria por volta de
sete anos de idade. Consultar A República, 28/06/1930.
5. Correio do Paraná, 16/06/1932, p. 2.
6. O Dia, 14/07/1939, p. 5.
7. Alugou uma casa em frente ao Colégio Nossa Senhora Menina, no bairro Juvevê.

162
de Madureza no Ginásio Novo Ateneu finalizando-o no ano de 1937. Um dos seus colegas de curso, Jota Caron,
foi seu intermédio junto à família Caron com quem Enedina foi trabalhar e morar.

Nomeação de Enedina para o grupo escolar de São Mateus

Fonte: Correio do Paraná, 16/06/1932

Entre 1938 e 1939 realizou o curso de pré-engenharia para prestar os exames de ingresso na Faculdade
de Engenharia do Paraná. Nessa época, durante o dia trabalhava como professora e nos trabalhos domésticos
da residência da família Caron. À noite frequentava o curso preparatório e nas madrugadas copiava a matéria
dos livros que não tinha condições de adquirir e que emprestava dos colegas para estudar (SANTANA, 2013).
Morou com essa família até o ano de 1954 quando se mudou para um apartamento no Edifício Tijucas no centro
de Curitiba.
No ano de 1940 entrou para a Faculdade de Engenharia do Paraná. Alguns casos de perseguição,
preconceito e discriminação que sofreu durante a realização do curso são relatados por pessoas que a
conheceram e foram entrevistadas por Santana (2013). Formou-se engenheira em 1945 aos 32 anos de idade.

Enedina no dia da sua formatura em 1945

Fonte: Puppi (1986, p.123)

163
Relação dos formandos em Engenharia pela Faculdade de
Engenharia do Paraná no ano de 1945

• ENGENHEIROS CIVIS DE 1945 •

Terão início amanhã as solenidades comemorativas de formatura dos engenheiros civis de 1945, da turma Lisímaco Ferreira da Costa.
Amanhã, dia 16, às 9 horas missa em ação de graças pela conclusão do curso celebrada na Catedral Metropolitana.
Às 20h30 - cerimônia de colação de grau na Sociedade Thalia.
Dia 19, às 22 horas - baile nos salões da Sociedade Thalia (traje: rigor).

Paraninfo e homenageados
Paraninfará essa turma o professor doutor João Moreira Garcez.
Homenageados: professores doutores Durval de Araujo Ribeiro, Valdemiro Teixeira de Freitas, Algacy Munhos Maeder, Olavo Del Claro,
Ildefonso Clemente Puppi, Maximo Atiulio Asineli, Samuel Chamachi.

Engenheiros Civis de 1945


Adenis Eufrem, Alceu Moletta, Alfredo Gonevino da Costa, Armando Muniz Teixeira de Freitas, Carlos Alberto Martini Puppi, Ciro
Macedo Ribas, Edvard de Vita Godoy, Elgeon Ribeiro Geman, Enedina Alves Marques, Eulo Fruet Bettini, Ernani Batista Rosas, Flavio
Toledo Gomide, Gastão Augusto Knechtel, Heitor Dutra da Silva, Homero Ribeiro, Ismael Geraldo Veloso Leite, Joram Leprevost, José
Pitella Junior, José Theodoro Miró Guimarães, Júlio Cesar de Souza Araújo, Leão Paciornik, Nelson Macedo de Loyola, Newton da Silva
Coutinho, Orlando Eugenio Mueller, Orlando Pierri, Osmario Lopes dos Santos, Ralph Jorge Leitner, Rodolfo Hanke, Rubens Monielli
Saure, José Bartolomeu Serafim Voleschan, Wilson Johnson, José Moreira Garcez Filho (orador).

Fonte: Diário do Paraná, 15/12/1945

Segundo entrevista concedida para o jornal Diário do Paraná de 7 de maio de 19728, Enedina optou pelo
curso de engenharia por eliminação: era professora primária formada, mas “viu que não tinha vocação”. Não
podia ver sangue, portanto medicina foi eliminada da lista de opções. Não conseguia falar em público, então
também não seria Direito. Gostava de cálculo, então engenharia foi a sua opção.
No ano seguinte a sua formatura, em 1946, Enedina começou a trabalhar na Secretaria de Viação e
Obras Públicas do Paraná de onde saiu aposentada em 1962. Durante essa fase exerceu várias funções: foi
chefe da seção de hidráulica, chefe da divisão de estatística, realizou o levantamento topográfico da Usina
Capivari–Cachoeira, participou da construção da Usina Parigot de Souza, do Colégio Estadual do Paraná e da
Casa do Estudante em Curitiba. Durante um tempo exerceu o serviço de engenharia da Secretaria de Educação
e Cultura. Santana (2013) aponta que Enedina teve seu trabalho e capacidade técnica reconhecidos pelos
governadores Moysés Lupion e Ney Braga, o que lhe permitiu construir uma rede de sociabilidades e receber
uma compensação profissional através de decretos, dispositivos legais que revisaram a contagem de seu tempo
de serviço e a sua remuneração, o que parece ter lhe garantido uma aposentadoria rentável.

8. Série Engenheiras I – Enedina Alves Marques: a primeira engenheira do Paraná. Diário do Paraná, 07/05/1972, p. 21.

164
Enedina em frente da sua residência nas obras da Usina de Cotia, onde foi a engenheira fiscal

Fonte: Diário do Paraná, 07/05/1972

Depois de aposentada Enedina começou a prestar serviços na Construtora Vaticano9, mas isso não
a impedia de viajar. Os jornais da época anunciavam com frequência as suas viagens, fossem elas de férias,
como membro do Clube Soroptimista ou de cursos e congressos de engenharia. Sua vida social era agitada e
fazia parte das colunas sociais da década de 1970, pois frequentava os círculos feministas de cultura da capital
paranaense como o Centro Feminino de Cultura, a União Cívica Paranaense, o Clube Soroptimista, além do
Instituto de Engenharia do Paraná e da Associação Brasileira de Engenheiros e Arquitetos do Brasil10. No ano de
1976 recebeu homenagem como uma das mulheres paranaenses que ajudaram no progresso do estado. Nesse
ano declarou ao jornal “que a mulher tem campo aberto em todas as profissões!”11

Enedina homenageada no Dia Internacional da Mulher de 1976 como uma das construtoras do progresso paranaense

Fonte: Diário do Paraná, 07/03/1976

9. Enedina e Segismundo Macioski eram os diretores técnicos da Construtora Vaticano em 1971 (Diário da Tarde, 26/10/1971, p. 5).
10. Ver Diário do Paraná, 15/12/1945 e de 03/12/1958. Correio do Paraná, 16/06/1932, 09/01/1933, 09/10/1962, 08/11/1964,
08/12/1964, 27/12/1964. Enedina entrou para o Clube Soroptimista de Curitiba em 1961 (Diário da Tarde, 06/05/1961).
11. Gazeta do Povo, 17/03/1976.

165
Enedina em março de 1976

Fonte: Gazeta do Povo, 17/03/1976

Enedina homenageada no Dia Internacional da Mulher de 1977 como um dos destaques da área de engenharia

Fonte: Diário do Paraná, 23/03/1977

166
Em 11 de março de 1980, em parceria com outras mulheres curitibanas, Enedina fundou a ADU
(Associação de Diplomadas Universitárias), uma entidade que pretendia transformar a mulher paranaense
numa colaboradora ativa da comunidade, ajudando os necessitados. A campanha de divulgação e o angariamento
de fundos, através de doações, seriam levados às universidades com a ajuda dos diretórios acadêmicos. Além
de Enedina, as fundadoras da associação são Lindamir Pereira, Léllia Pilotto Branco, Ivone Montenegro, Angela
Xavier, Aglaer Janke, Maria de Lourdes A. Concentino, Juraci Amorim, Josélia Amorim, Zélia Melleio Pavão, Elisa
Gonçalves Martins, Regina Célia Migliari entre outras, que pretendiam realizar também ações conjuntas com
outras entidades como a LBA, Senac, Senai etc. As diplomadas universitárias planejavam realizar um intenso
trabalho em escolas, favelas e orfanatos, lutando por melhores condições de vida e pela melhoria do nível de
ensino12.

Membros da ADU

Enedina é a terceira da esquerda para a direita


Fonte: Correio de Notícias, 27/03/1980

Enedina faleceu em Curitiba, aos 68 anos, vítima de infarto no dia 20 de agosto de 1981, solteira e sem
filhos13. Está sepultada no Cemitério Municipal São Francisco de Paula, num túmulo mantido pelo Instituto de
Engenharia do Paraná (GRASSI, 2014).
Em 2006, Enedina foi homenageada com a inscrição de seu nome sob o número 237 no Livro do Mérito
do Sistema CONFEA/CREA14, dedicado a lembrar profissionais falecidos por suas contribuições para a melhoria
da qualidade de vida e progresso da sociedade15.
Em 2013, ano do centenário do seu nascimento, sua memória foi recuperada por meio da publicação
de várias reportagens dando conta da sua existência. As narrativas biográficas consultadas sobre Enedina16
procuram passar a imagem de alguém que venceu na vida pelo próprio esforço, que não se contentou com as
“migalhas” que eram reservadas ao pobre, preto e mulher, saindo da invisibilidade.
Conforme apontado por Fernandes (2013) “desconhece-se que Enedina tenha feito odes feministas
ou em prol da igualdade”. Mesmo assim, “... de súbito se tornou uma popstar. Virou bandeira flamejante no

12. Mulheres se organizam. Correio de Notícias, 27/03/1980, p. 6.


13. A morte de Enedina gerou grande comoção, pois foi capa de jornais de Curitiba que estamparam fotos ou notícias chamando a atenção
de que estava com a camisola levantada e deitada na cama como se tivera sido vítima de um assassinato passional (Engenheira morta
estava sem roupa. Diário da Tarde, 28/08/1981, p. 1). Mas seus amigos da associação de engenharia reagiram e protestaram exigindo
que Enedina fosse lembrada pela sua trajetória profissional.
14. CONFEA (Conselho Federal de Engenharia e Agronomia. CREA (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia).
15. Disponível em http://www.confea.org.br/media/Livro_M%C3%A9rito_2016_web-final.pdf. Acesso 23.janeiro.2018.
16. Bandeira e Macedo (2000), Farias (2007), Lopes (1981), Nicolas (1977), Puppi (1986) e Zaruch (2006).

167
movimento negro e objeto de estudos de gênero, mesmo que nos seus 68 anos de vida não tenha demonstrado
simpatia por nenhuma das duas causas” (FERNANDES, 2014). Hoje, Enedina empresta seu nome para uma rua
do bairro Vila Oficinas em Curitiba17, está imortalizada ao lado de outras 53 pioneiras no Memorial à Mulher
Pioneira do Paraná (inaugurado no ano 2000), batiza o Instituto de Mulheres Negras de Maringá (fundado
em 2006), um centro municipal de educação infantil em Pinhais e o Coletivo Enedina dos estudantes afro-
descendentes da UTFPR/Campus Curitiba (fundado em 2015). Tudo isso porque ela conseguiu transpor um
espaço hegemonicamente elitizado, masculino e branco ao se diplomar em engenharia sendo pobre, mulher e
negra (SCHUMAER e BRASIL, 2006).

REFERÊNCIAS

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Curitiba, N.10, p.80–81, Setembro.
FARIAS, Benedito Guilherme Falcão (2007). Gênero no mercado de trabalho: mulheres engenheiras. Curitiba:
Dissertação de Metrado em Tecnologia da UTFPR.
FERNANDES, José Carlos (2013). Negra Enedina, a engenheira (28/02/2013). Disponível em http://www.
gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/colunistas/jose-carlos-fernandes/negra-enedina-a-engenheira-
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FERNANDES, José Carlos (2014). Conheça a história da engenheira Enedina Alves Marques (11/04/2014).
Disponível em http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/conheca-a-historia-da-engenheira-
enedina-alves-marques. Acesso em 21.agosto.2016.
FISENGE (2013). Mulher, negra e pobre: a primeira engenharia do Paraná. Disponível no site da Federação
Interestadual de Sindicatos de Engenheiros http://www.fisenge.org.br/index.php/noticias/item/953-mulher-
negra-e-pobre-a-primeira-engenheira-do-parana. Acesso 21.agosto.2016.
GRASSI, Clarissa (2014). Guia de visitação ao Cemitério Municipal São Francisco de Paula: arte e memória no
espaço urbano. Curitiba: edição da autora.
LOPES, Adélia M. (1981). Enedina, a primeira engenheira do Paraná. IN: Revista Panorama, Curitiba, V. 31, N.
310, p. 6–8, novembro.
MARCONDES, Mariana Mazzini (et all) (2013). Dossiê Mulheres Negras: retrato das condições de vida das
mulheres negras no Brasil. Brasília: IPEA. Disponível em file:///C:/Users/Usuario/Downloads/dossie_
mulheres_negrasipea.pdf. Acesso 13.agosto.2016.
NICOLAS, Maria (1977). “Dra. Enedina Marques: 1ª engenheira do Paraná”. In: Pioneiras do Brasil: Estado do
Paraná. 1º volume. Curitiba: edição da autora, p.105.
PUPPI, Ildefonso (1986). Fatos e reminiscências da faculdade: retrospecto da Escola de Engenharia da
Universidade Federal do Paraná. Curitiba: FUNPAR.
SANTANA, Jorge Luiz (2013). Rompendo barreiras: Enedina, uma mulher singular. Curitiba: Monografia
Graduação História da UFPR.
SANTANA, Jorge Luiz (2011). Enedina Alves Marques: a trajetória da primeira engenheira do sul do país na
Faculdade de Engenharia do Paraná (1940–1945). In: Revista Vernáculo, nº 28, 2º sem/2011, p. 42–75.
SCHUMAER, Shuma e BRASIL, Erico Vital (2006). Mulheres negras do Brasil. SP: REDEH.

17. Lei Nº 6372 de 16/12/1982. Disponível em http://www.cmc.pr.gov.br/wspl/sistema/. Acesso 23.janeiro.2018.

168
SILVA, Maria Nilza e PANTA, Mariana (2010). O Doutor Preto: Justiniano Clímaco da Silva. Londrina: UEL.
VANALI, Ana Crhistina (2016). “Professoras Correia de Freitas: trajetórias femininas na Curitiba republicana”.
IN: OLIVEIRA, Ricardo Costa de (org). Nepotismo, parentesco e mulheres. Curitiba: RM Editores, p. 103–194.
ZARUCH, Luíz Júlio (2006). A primeira engenheira. In: Jornal do IEP (Instituto de Engenharia do Paraná).
Curitiba, N. 610, p. 16, Janeiro/Fevereiro.

Material consultado

A mulher negra do Paraná Engenheira Enedina Alves Marques. Disponível em Comunidade Afro em Ação
(http://blogs.odiario.com/comunidadeafroemacao/2012/03/08/a-mulher-negra-do-parana-engenheira-
enedina-alves-marques/). Acesso 19.dezembro.2017.
A Pobre Negra Enedina: Pioneira da  Engenharia. Disponível em Mulheres na Engenharia (https://
mulheresnaengenharia.wordpress.com/). Acesso 20.dezembro.2017.
Conheça a história de Enedina Alves Marques. Disponível em https://www.youtube.com/
watch?v=MZxW3suSKDQ. Acesso 20.dezembro.2017.
Enedina Alves Marques. Primeira engenheira negra do Brasil. Disponível em Palmares: fundação cultural
(http://www.palmares.gov.br/archives/44290). Acesso 20.dezembro. 2017.
GANZ, Ana Maria (1994). Vivências e falas: trabalho feminino em Curitiba (1925–1945). Curitiba: Dissertação
de Mestrado em História da UFPR.
IANNI, Octávio (1988). As metamorfoses do escravo. 2ª edição. Curitiba: Editora da UFPR.
Nossas Mulheres – Enedina Alves Marques (08/03/17). Disponível em https://www.youtube.com/
watch?v=OJ3GOoljFm4. Acesso 21.dezembro.2017.

Vídeos:
Enedina Alves Marques por Sandro Luis Fernandes (2017). Disponível em https://www.youtube.com/
watch?v=6cORPVXZylU. Acesso 23.janeiro.2018.
Nossas Mulheres – Enedina Alves Marques (08/03/2017). UFPR TV. Disponível em https://www.youtube.com/
watch?v=OJ3GOoljFm4. Acesso 29.janeiro.2018.
TVNBR – INTERPROGRAMAS de 18/07/2017. Conheça a história de Enedina Alves Marques. Disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=MZxW3suSKDQ. Acesso 13.janeiro.2018.
Quem foi Enedina Alves? Meus heróis negros brasileiros (03/10/2017). Disponível em https://www.youtube.
com/watch?v=v8QJlTL3urA. Acesso 29.janeiro.2018.

A CONSULTAR:
FERNANDES, Sandro Luís e MUNHOZ, Paulo (sem data). A engenheira. Documentário. Curitiba: TECNOKENA.
FERNANDES, Sandro Luis (2009). Negra Curitibana em Território de Brancos: Enedina Alves Marques.
Apresentação de Trabalho/Comunicação no Seminário de Estudos Étnico-raciais e V Semana de História.
História: espaços simbólicos – UNICENTRO (PR).

* Agradecemos a conversa que tivemos com Lizete Marques (sobrinha de Enedina, filha de seu irmão Hermes)
no dia 1º de julho de 2018 em Curitiba.

169
18
EUCLIDES DA SILVA
Nascimento: São João Batista/SC, 27 de agosto de 1917
Falecimento: Curitiba/PR, 15 de junho de 1994

Euclides da Silva. Curitiba, década 1980


Fonte: acervo de Elisa Maria da Silva

170
EUCLIDES DA SILVA

(1917–1994)

Adriane dos Santos Tavella Ferrari


Ana Crhistina Vanali

Euclides da Silva, o Quido, nasceu em São João Batista, estado de Santa Catarina, aos 27 de agosto
de 1917. Era filho de Agostinho da Silva e de Rosalina da Silva. Foi criado em Itajaí/SC, onde trabalhou como
estivador.
Chegou a Curitiba no ano de 1949, aos 32 anos de idade, acompanhado da sua segunda esposa, Lucília
Nemesia de Oliveira, que estava grávida da primeira filha do casal: Lourdes. O casal teve outros cinco filhos:
Elisa, Euclides Luiz (Quidinho), Osvaldo e Maria Helena. Euclides, que era viúvo quando conheceu Lucília, tinha
mais três filhos do primeiro casamento: Argemiro, Agostinho e Álvaro.
A segunda esposa de Euclides, dona Lucília, nasceu em São Francisco do Sul/SC. Conheceram-se
em Joinville/SC, onde morava uma tia de Euclides que ele sempre ia visitar. Na mesma cidade, residia Maria
Domingas, amiga da mãe de Lucília. Euclides tocava violão numa banda de música que um dia foi se apresentar
na casa de Maria Domingas e lá ele conheceu Lucília, que foi a única na sua família a se casar com um preto.
Elisa (2018) comenta que sua avó materna era racista, frequentava os círculos dos alemães de São Francisco
do Sul e de Joinville e que foi contra o namoro dos dois. Foi assim que o casal Euclides e Lucília decidiu vir para
Curitiba iniciar uma nova vida. Dois irmãos de Euclides o acompanharam para trabalhar na cidade: José (Deso)
e Onílio (Bidinho).
Na capital paranaense, Euclides trabalhou na Rodofiel (empresa de transportes), depois foi carregador
de sacos até fazer o curso de barbeiro no Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac). Como barbeiro,
trabalhou no Salão Sevilha, na Rua Saldanha Marinho, depois no salão do senhor Maurílio e por último no Salão
do Raul. Chegou a montar sua própria barbearia na Avenida Nossa Senhora Aparecida, onde passou a morar,
mas não durou muito tempo, pois logo em seguida voltou a residir no bairro Santo Inácio, na Rua Tobias de
Macedo Júnior, nos fundos do Parque Barigui. Trabalhou como barbeiro por mais de 50 anos (ELISA, 2018).
Euclides chegou à Sociedade Operária Beneficente 13 de Maio na década de 1950 por convite do então
presidente Demétrio da Costa (gestão de 1949 a 1969), e permaneceu na casa por mais de quatro décadas, até
o seu falecimento no ano de 1994. Essa sociedade foi fundada em 6 de junho de 1888 por Vicente Moreira de
Freitas, descendente de escravos e trabalhador da construção civil. Ficava situada em uma região conhecida
como Boulevard São Francisco, onde vivia um grande número de pessoas negras e onde ficavam os cavalos dos
senhores que vinham para a cidade. Tratava-se do lugar mais pobre da Curitiba na década de 18801. Elisa, filha
de Euclides, lembra que havia outras sociedades em Curitiba como a Rio Branco e a Thalia, mas os operários não
tinham espaço para seu lazer nesses locais. Estavam proibidos de fazer o baile de debutante de suas filhas nesses
locais, assim como não podiam participar dos bailes de primavera, e outras festividades. Então, decidiram criar
um espaço próprio, um clube familiar, um local diferente de outros existentes na cidade e frequentados pelos

1. Para saber mais consultar SANTIAGO, Fernanda Lucas (2015). Sociedade 13 de Maio: uma estratégia de sobrevivência no pós- Abolição
(1888‐1896). Curitiba: Monografia em História da UFPR.

171
operários, mas que “não tinham ambiente familiar como a Sociedade 27 de Janeiro, Associação Beneficente da
Herva-Matte e o Cabralzinho” (ELISA, 2018).

“Meu pai “puxava” para a Sociedade 13 de Maio todo trabalhador, fosse ele preto, branco,
japonês, como o Seu Maeda que trabalhava com ele na barbearia. Ele defendia a classe
trabalhadora. Se dava com todos os políticos de sua época! No cemitério municipal tem um
mausoléu da Sociedade 13 de Maio. Quantas vezes meu pai tirou dinheiro do orçamento
familiar para ajudar no velório ou na manutenção desse local tamanho seu comprometimento
com a classe operária desfavorecida. Na barbearia tinha grandes clientes como o dono da Casa
Vermelha2, os Demeterco3, o dono das Casas Buri4.” (ELISA, 2018)

Euclides da Silva em reunião na Sociedade Protetora dos Operários

Euclides está de terno branco. Curitiba, 1975


Sentado ao seu lado está o Tatu, presidente da Sociedade Operária
Fonte: acervo de Elisa Maria da Silva

2. Construída em 1891 pelo alemão Wilhelm Peters, no  Largo da Ordem, a Casa Vermelha abrigou lojas e sedes de firmas comerciais,
passando por vários donos. Nas primeiras décadas do século XX foi sede da “Burmester, Thon e Companhia” e da União Comercial.
Em 1916 passou a ser conhecida como “Casa Vermelha”, quando era propriedade de Eurico Fonseca dos Santos e seus sócios. Em sua
história, a Casa Vermelha foi tradicionalmente sede de empresas e comércios ligados ao ramo das ferragens e/ou residência. Em um dos
apartamentos do balcão, por exemplo, viveu o maestro Luis Eulógio Zilli, autor do hino a Nossa Senhora da Luz dos Pinhais. Disponível
em http://www.centrohistoricodecuritiba.com.br/casa-vermelha/. Acesso 23.setembro.2017.
3. O empresário José Luiz Demeterco fundou em 1951 a primeira loja Mercadorama, localizada na Praça Tiradentes, no centro de Curitiba,
considerada a pioneira em autoatendimento no estado do Paraná. Mercadorama tornou-se uma rede de supermercados cujo o embrião
foi um armazém de propriedade do pai de José Luiz, Pedro Demeterco, que no início do século XX tornou-se sócio de um armazém do tipo
secos & molhados. Pouco tempo depois, Pedro comprou as cotas da sociedade e transformou-se em proprietário único deste comércio.
Após o seu falecimento, em 1947, seu filho José Luiz assumiu os negócios da família. Na década de 1990, a Associação Paranaense de
Supermercados (Apras) listou o Mercadorama como a maior rede supermercadista do estado. Em 1998, a rede foi comprada pela Sonae
Distribuição Brasil, o que originou uma expansão da marca à época. No final de 2005, o Mercadorama passou a ser controlado pelo
grupo Walmart, quando este comprou as redes que eram administradas pela Sonae. Em outubro de 2017 o grupo Walmart anunciou que
transformaria a bandeira Mercadorama em Walmart Supermercados, sendo este um processo inicializado no período do anúncio com
projeção de extinção da marca Mercadorama no ano de 2020. Disponível em https://www.savarejo.com.br/detalhe/negocios/grupo-
big-antigo-walmart-brasil-vai-reorganizar-bandeiras-de-supermercado. Acesso 05.janeiro.2020.
4. As Casas Buri comercializavam roupas de cama, banho e mesa, tecidos em geral, além de televisores e eletrodomésticos. A empresa
Casas Buri S/A Comércio e Indústria foi fundada em 1942 por Mário Bussab e Paulo Ribeiro. As sílabas iniciais dos dois sobrenomes
formam o nome da organização. A área de atuação das Casas Buri era capital, interior de São Paulo, Paraná e Centro Oeste do Brasil,
onde tinham várias lojas nas cidades destas regiões. Disponível em http://www.memoriadesantos.com.br/post/casa-buri-531/. Acesso
23.março.2018.

172
Euclides foi presidente da Sociedade Operária Beneficente 13 de Maio do ano de 1971 até 1995. Com
a sua morte, o filho Álvaro deu continuidade aos trabalhos e permanece até hoje à frente da instituição (REIS,
2015).
A música sempre estava presente no lar de Euclides. Às vezes, seus amigos Libâneo e Nelsinho do
Cavaquinho se reuniam na sua casa para tocar. Foi assim que Elisa aprendeu a tocar instrumentos de corda.
Porém, depois do falecimento do pai, abandonou a música (ELISA, 2018).
A dança também fazia parte da vida de Euclides. Podia-se dançar de segunda a segunda circulando
entre os clubes 27 de Janeiro, Herva-Matte, Cabralzinho e Ópera-Rio. Euclides ajudou a fundar o bloco Foliões
da Mocidade, que mais tarde se tornou uma das escolas de samba de Curitiba (ELISA, 2018).
Trabalho, música, dança e ajuda ao trabalhador foram as constantes na vida de Euclides, que, nos
últimos anos de sua vida, morou na Vila Nossa Senhora da Luz. Faleceu em 15 de junho de 1994, aos 77 anos,
em decorrência de um acidente vascular cerebral. Está sepultado no Cemitério Municipal do Boqueirão.
Após sua morte foi homenageado pela Câmara Municipal de Curitiba que batizou uma praça do bairro
da Cidade Industrial de Curitiba com o nome de Euclides da Silva5.

Homenagem da Sociedade 13 de Maio a Euclides da Silva

Curitiba, sem data


Fonte: acervo de Elisa Maria da Silva

REFERÊNCIAS

ELISA (2018). Entrevista de Elisa Maria da Silva, filha de Euclides da Silva concedida a Ana Crhistina Vanali e
Adriane dos S.T. Ferrari no dia 18 de março de 2018 em Araucária.
REIS, Aline e SCHERNER, Maria Carolina (2015). Paraná Preto. Curitiba: Ithala.

5. Projeto de Lei de 24 de fevereiro de 1999 apresentado pelo vereador Custódio da Silva.

173
19
HAROLDO FERREIRA
DOS SANTOS
Nascimento: Curitiba/PR, 1º de agosto de 1912
Falecimento: Santos/SP, 19 de janeiro de 1967

Haroldo Ferreira dos Santos (Bananeiro). Curitiba, 1942


Fonte: Grupo Helênicos

174
HAROLDO FERREIRA DOS SANTOS

(1912-1967)

Ana Crhistina Vanali

Haroldo Ferreira dos Santos, conhecido como Bananeiro, nasceu em Curitiba, no dia 1º de agosto de
1912. Era filho de Claro Lourenço dos Santos1 e de Lucilia Ferreira dos Santos2. O casal teve nove filhos: Juracy,
Jandyra, Jacyra, Iracy, Haroldo, José, Oswaldo, João e Claro.

Nota de falecimento de Lucilia Ferreira dos Santos

Fonte: O Dia, 13/08/1943, p. 2

O pai de Bananeiro, Claro Lourenço, era um cozinheiro conhecido da capital paranaense. Em 9 de


dezembro de 1906, abriu com o sócio Joaquim Gonçalves da Motta, o Restaurante União, situado na Rua 1905,
foi o vice-presidente do clube3. Fez parte da comissão da festa da Sociedade Beneficente 28 de Setembro no
ano de 19054.

1. Claro Lourenço dos Santos, nascido em Morretes/PR aos 10 de dezembro de 1865, falecido em Curitiba/PR aos 2 de fevereiro de 1955
aos 90 anos. Era filho de Rosária dos Santos. Fonte: Felicitações. Diário da Tarde, 10/12/1907, p. 2. Falecimento. O Dia, 03/02/1955, p. 9.
Administração do Cemitério Municipal São Francisco de Paula.
2. Lucilia Ferreira dos Santos nasceu em 8 de outubro de 1875 e faleceu em Curitiba no dia 9 de agosto de 1943 aos 68 anos. Fonte:
Agradecimentos e missa. O Dia, 13/08/1943, p. 4. Administração do Cemitério São Francisco de Paula.
3. Diário da Tarde, 06/06/1905, p. 2.
4. Diário da Tarde, 26/09/2905, p. 2.

175
A mãe, Lucilia, tinha a Pensão Ferreira na Praça Tiradentes5. “A pensão Irmãos Ferreira, sito à Rua
Monsenhor Celso, nº 19 iniciou suas atividades em 1937 e tinha como fundadora e diretora financeira Jandira
Ferreira dos Santos (irmã de Bananeiro). O estabelecimento foi um dos mais famosos na época, pois ali se
hospedavam os universitários, militares e pessoas importantes que vinham a Curitiba para estudar, trabalhar e
abrir empresas. Esteve ativa por mais de vinte anos”6.

Restaurante UNIÃO de Claro Lourenço dos Santos


Fonte: Almanach do Paraná, 1908, p. 323 Fonte: Diário da Tarde, 08/12/1906, p. 4

Bananeiro fez carreira no futebol de Curitiba. Aos quinze anos, em 1927, conquistou o campeonato da
Liga Curitibana de Desportos jogando pelo Operário do Ahú7. No ano seguinte, em 1928, foi novamente campeão
pela mesma Liga, mas agora atuando no Guarany8, onde permaneceu até 19309. Em 1931 jogou algumas
partidas do campeonato catarinense pelo Caxias, time de Joinville, como amador10. Ficou nesse time catarinense
até 193311 quando voltou para Curitiba e começou a jogar no Ferroviário12 ao lado do irmão Janguinho13.

No ano de 1934, Bananeiro e Janguinho deixam o Ferroviário. Janguinho foi para o Santos, em São Paulo,
enquanto Bananeiro ficou em Curitiba, sem contrato. Pretendia seguir para o Rio de Janeiro vestir a camisa do
Bangu14, mas esse plano não se efetivou. Assim, em 1935, Bananeiro voltou para o Ferroviário15. Os anúncios dos

5. A República, 03/06/1913 e Correio do Paraná, 10/08/1942 e 02/09/1942, p. 6.


6. Proposição Nº 009.00199.2007 do vereador Zé Maria, da Câmara Municipal de Curitiba, que denomina de Jandira Ferreira dos Santos
um dos logradouros públicos de Curitiba, no bairro Fazendinha.
7. O Dia, 03/07/1927, p. 7.
8. Guarany Esporte Clube surgiu em 1928 no bairro Água Verde como clube de arrabalde. Somente em 1931 disputou o campeonato da
1ª Divisão (CARDOSO, 1978).
9. A República, 03/12/1929, p. 26. Diário da Tarde, 16/06/1930, p. 4.
10. Diário da Tarde, 25/06/1931, p. 7.
11. Diário da Tarde, 20/041933, p. 8 e de 27/04/1933, p. 6.
12. Diário da Tarde, 27/06/1933, p. 6 e de 01/08/1933, p. 6.
O Clube Atlético Ferroviário foi fundado em 30 de janeiro de 1930 por jogadores pertencentes ao Britania E.C e pelos funcionários da
Rede Ferroviária Federal. Foi o primeiro time de classe no futebol paranaense (CARDOSO, 1978).
13. Ver capítulo 24 desse livro – João Ferreira dos Santos, conhecido como Janguinho era um dos Irmãos Ferreira que atuava no futebol de
Curitiba.
14. Diário da Tarde, 28/12/1934, p. 6.
15. Diário da Tarde, 03/06/1935, p. 5.

176
jornais da época o chamam de “pivot colored”16. Outros anúncios fazem referência à cor dos irmãos Ferreira,
como o que trata dos finalistas do campeonato paranaense de 1937: o Coritiba e o Ferroviário, que tinham as
mesmas possibilidades de vitória17. Porém, o Ferroviário possuía o ESQUADRÃO DE AÇO, considerado a melhor
linha média do estado e que era composto por três irmãos: Baiano (ou Baianinho)18, Ferreira19 e Janguinho. A
matéria do Correio do Paraná de 4 de janeiro de 1938 destaca algumas qualidades dos irmãos Ferreira:

A fama dos três irmãos vai longe. Todos jovens ainda, têm pela frente um futuro esportivo dos
mais risonhos. E tudo o que se diga do “três mo ... renos”, não é exagero. Os irmãos Ferreira são
exímios praticantes do futebol. (grifo da autora)20

Os três Irmãos Ferreira do Ferroviário: Baiano, Ferreira e Janguinho

Fonte: Correio de Notícias, 04/01/1938, p. 5

Ainda em 1935, Bananeiro viajou para Santos a fim de tentar “convencer” os irmãos Janguinho e Ferreira
a voltarem para Curitiba. Nessa época, os dois irmãos Ferreira estavam jogando no Santos Futebol Clube21. Em
1936, após o fim do contrato com o Santos, Ferreira retorna para o Ferroviário, estreando na partida do dia

16. O Ferroviário Esporte Clube também era chamado de Colorado. A denominação “colored” ao mesmo tempo que fazia referência
ao pertencimento de Bananeiro ao time colorado tratava da cor da sua pele uma vez que o termo “colored peoples”, hoje em desuso,
referia-se às populações cuja cor da pele não se encaixava no padrão caucasiano estabelecido à época, ou seja, pessoas não brancas eram
chamadas de “colored”. Fonte: «Is the word ‘coloured’ offensive?». Magazine. BBC News. 09/11/2006. Disponível em http://news.bbc.
co.uk/2/hi/uk_news/magazine/6132672.stm. Acesso 04. fevereiro.2018.
17. O Ferroviário foi o campeão paranaense de 1937.
18. Ver capítulo 57 desse livro – Baiano ou Baianinho era Oswaldo Ferreira dos Santos.
19. Ver capítulo 31 desse livro – Ferreira era José Ferreira dos Santos.
20. Confrontando valores: a linha média do Ferroviário e a ofensiva do Coritiba, os pontos altos das equipes finalistas do torneio de 1937.
Correio do Paraná, 04/01/1938, p. 5.
21. Diário da Tarde, 28/09/1935, p. 6. O Dia, 17/07/1935, p. 6.

177
11de março22. Janguinho voltaria aos gramados paranaenses em junho do mesmo ano23.
Entre 1936 e 1937, Bananeiro anunciou que havia decidido não jogar mais futebol por motivos
particulares, pois se dizia “desgostoso com a direção técnica do Ferroviário”24. Porém, no segundo semestre
de 1937, Bananeiro voltou a jogar e o Ferroviário passou a contar com os quatro irmãos Ferreira: Bananeiro,
Janguinho, Ferreira e Baiano25. Em 1933, o Ferroviário havia contratado o quinto irmão Ferreira, o caçula Claro
Ferreira dos Santos, conhecido como Banana26. Desse modo, a família Ferreira dos Santos foi uma família de
desportistas em Curitiba, fornecendo figuras de prestígio no futebol paranaense originário. O primeiro irmão
que surgiu para o futebol foi Janguinho que com atuação destacada no Ferroviário chamou a atenção dos clubes
profissionais paulistas. Depois foi o Bananeiro, seguido do Ferreira, com o Baiano sendo referência no segundo
quadro. O último dos irmãos Ferreira, o Banana, parece não ter alcançado a mesma trajetória dos “manos”, pois
não se localizou mais dados sobre sua contratação e atuação no futebol paranaense27.

Irmãos Ferreira

Fonte: Correio de Notícias, 19/07/1941, p. 3

Em 1939 Bananeiro teve uma rápida passagem pelo Palestra Itália de Curitiba28.

22. Diário da Tarde, 08/01/1936, p. 6 e de 07/02/1937, p. 6.


23. Diário da Tarde, 17/06/1936, p. 6.
24. Diário da Tarde, 14/05/1936, p. 6 e de 09/05/1937, p. 6.
25. O Estado (PR), 28/08/1937, p. 5.
26. Amadores registrados. O Dia, 25/10/1933, p. 6. O apelido Banana foi dado porque Claro revendia com caminhão frutas nas cidades de
Antonina e Morretes.
27. O último dos Ferreira vai defender o Ferroviário. Diário da Tarde, 15/07/1936, p. 6.
O Estado (PR), 08/12/1936, p. 1. Correio de São Paulo, 01/12/1937, p. 4.
28. A Gazeta, 07/02/1939, p. 1. O E.C Palestra Itália foi fundado em 7 de fevereiro de 1921 e revelou vários jogadores de renome (CARDOSO,
1978).

178
Anedota com Bananeiro

Fonte: A Gazeta, 07/02/1939, p. 1

No ano de 1938, os jornais começam a noticiar o “decréscimo da produção” de Bananeiro e ele passa
a “ficar fora de cogitação para jogar”. Para um jogador que sempre foi elogiado pela imprensa, chegando a ser
considerado um “jogador de sete instrumentos”29 – isto é, um jogador que atua em qualquer posição, exceto de
goleiro – as críticas representavam um grande descrédito.

Bananeiro, o jogador dos 7 instrumentos

Fonte: Correio do Paraná, 08/06/1937, p. 5

Em 1939, ele foi operado na perna direita pelo médico João Vieira de Alencar30. Após a cirurgia, ainda
em fase de recuperação, Bananeiro foi para o Rio de Janeiro, onde se encontrava seu irmão Janguinho31. Voltou

29. Recebeu esse apelido em 1932 quando jogava no Caxias de Joinville. Correio do Paraná, 02/05/1932, p. 5.
30. Diário da Tarde, 21/06/1939, p. 3 e de 17/08/1939, p. 2.
31. Diário da Tarde, 10/01/1940, p. 2.

179
para Curitiba e renovou seu contrato com o Ferroviário32. Entre 1940 e 1941, quando era capitão do Ferroviário,
foi suspenso por indisciplina durante 60 dias, além de ter pago uma multa. Então seguiu para o Rio de Janeiro,
onde passou a treinar em alguns clubes cariocas33. Disse então ter sido convidado por Egas de Mendonça,
presidente do América, para excursionar com o time carioca pela Bahia e norte do Brasil34, porém não conseguiu
fechar contrato com o clube.
A partir de 1941, os jornais associam o mau desempenho do Ferroviário à baixa performance dos
“players amadurecidos” e declaram sobre Bananeiro, que na época estava com 29 anos de idade:

... foi bananeira que já deu cacho e de quem nada mais se espera
... os seus nervos já endureceram pelo tempo e não há massagista que os amoleça!35

Bananeiro é mesmo um cabeça-dura. Apesar de jogar cada vez pior, o mulato não quer de
maneira alguma abandonar o futebol. Não se convence que o peso dos anos, já estão se
fazendo sentir ... (grifo da autora)36.

Diante de toda essa situação, Bananeiro se ofereceu para jogar no Coritiba por 1:000$000 de luvas
e uma pequena remuneração mensal. Apesar de os jornais noticiarem que a proposta não havia agradado o
Coxa, pois o “elemento estava gasto pelos anos e era persona não grata no clube”37, ele foi contratado pelo time
do Alto da Glória em dezembro de 1941 (HELÊNICOS, 2012, p. 134). Foi campeão estadual de 1941 e 1942
pelo Coritiba junto com o irmão Janguinho38. Em 1942, tornou-se o capitão da equipe. Assim que encerrou o
contrato, o Coritiba dispensou Bananeiro e comunicou à Federação Paranaense de Futebol (FPF) o desinteresse
pelo mesmo e em seu lugar contratou Célio, do Clube Rio Branco de Paranaguá39. Durante sua passagem pelo
Coritiba, foi várias vezes substituído por Aldo, pois Bananeiro faltava a muitos compromissos com o time40.

32. Diário da Tarde, 09/05/1940, p. 5.


33. Correio do Paraná, 10/12/1940, p. 6.
34. Diário da Tarde, 18/12/1940, p.3 e 29/12/1940, p. 3.
35. Diário da Tarde, 30/06/1941, p. 6.
36. Diário da Tarde, 22/07/1941, p. 2.
37. Diário da Tarde, 02/12 1941, p. 2.
38. Correio Paulistanos, 17/05/1942, p. 2. Gran-fina (PR), 14/02/1942, p. 13.
39. Diário da Tarde, 28/01/1943, p. 3.
40. Correio do Paraná, 25/02/1942, p. 6.

180
Bananeiro como capitão do Coritiba em partida contra o Gymnasia/Argentina dia 23/02/1941

Fonte: Grupo Helênicos

Time do Coritiba – 1942

Em pé, Bananeiro ao centro e Janguinho primeiro do lado direito


Fonte: Grupo Helênicos

181
O Ferroviário também não demonstrou interesse por Bananeiro41. O Esporte Clube Brasil42 a princípio
declarou que “Bananeiro não interessa ...”43, mas depois o contratou44. Nesse mesmo ano foi novamente operado
e voltou a jogar em agosto de 194345 para demonstrar a seus inimigos gratuitos que ainda “dava no couro e
poderia manejar a bola por muitos anos”46.

Janguinho e Bananeiro. Curitiba, 1942

Fonte: Grupo Helênicos

O “player colored” fez a via crucis por diversos clubes: Operário do Ahú (1927–1928), Guarany (1929–
1930), Caxias (1931–1932), Ferroviário (1933–1941), Palestra Itália (1939), Coritiba (1941–1942) e E.C Brasil
(1943–1946) onde se aposentou como jogador47.

41. Diário da Tarde, 19/01/1942, p. 6 e 11/07/1942, p. 3.


42. E.C Brasil foi um time suburbano de Curitiba do bairro Água Verde.
43. Diário da Tarde, 27/05/1943, p. 3.
44. Diário da Tarde, 27/05/1943, p. 3.
45. Diário da Tarde, 15/06/1943, p. 3, 22/06/1943, p. 3 e de 27/08/1943, p. 3.
46. Diário da Tarde, 26/06/1943, p. 3.
47. Diário da Tarde, 20/03/1944, p. 3.
Consultar também Quem é Quem? Ferroviário (PR). Disponível em https://sumulastche.wordpress.com/2014/04/11/ca_ferroviario_
pr/. Acesso 18.janeiro.2018.

182
Bananeiro, o atacante “colored”

Fonte: Correio do Paraná, 07/08/1937, p. 9

Bananeiro, um dos azes da Seleção Paranaense de 1938

Fonte: Correio do Paraná, 21/12/1938, p. 5

183
Já considerado um “player veterano”, em 1946, aos 34 anos, Bananeiro treinava no conjunto da
Fazendinha e apresentava “ótima forma”, sendo quase contratado pelo Britania48. Nesse mesmo ano, foi
contratado como técnico do CADNC (Clube Atlético do Departamento Nacional do Café) de Paranaguá (o rubro
negro do litoral), e também jogava na linha intermediária do time parnanguara49. No ano seguinte, ocorreu a
fusão do CADNC com o Seleto e ele se tornou o diretor técnico do Clube Atlético Seleto de Paranaguá50.
Ainda em 1946, foi técnico do Selecionado da Liga Regional (Seleção Paranaense)51. Também nesse ano,
foi convidado para ser preparador técnico do Internacional de Limeira e da A.A Francana, clube de Presidente
Prudente52. Seguiu para o Norte do Paraná em 1947 para ser o preparador técnico do Operário de Londrina53. Em
1949 foi para o interior paulista jogar no Atlético Monte Azul54. Depois se tornou técnico do XV de Piracicaba55.
Não foram encontradas informações sobre a vida pessoal de Bananeiro. Ele teria se casado em 1º de
dezembro de 1938 com Nahir de Oliveira Castro56. Mais tarde, se separou e encontrou uma nova companheira
chamada Laureana Gonçalves dos Santos, que foi chefe de cozinha de Moysés Lupion no Castelo do Batel.
Bananeiro sobrevivia com uma banca de frutas e verduras localizada na Avenida Visconde de Guarapuava
esquina com Rua Angelo Sampaio, daí veio o apelido de Bananeiro57.
O interessante a ser analisado neste caso é que estamos falando de uma família de jogadores negros,
uma “família de craques” como era chamada. Coelho (1994, p. 31) destaca as palavras do major Couto Pereira,
figura importante do futebol paranaense, sobre a questão do racismo no futebol. Ele afirmava que sempre
foram poucos os negros em Curitiba e que o racismo não era um problema dos clubes de futebol, mas do Paraná
e da cidade. Para exemplificar sua ideia, apontou que na década de 1930 havia quatro irmãos negros que eram
excelentes jogadores do Ferroviário: Bananeiro, Janguinho, Ferreira e Baiano. Os dois primeiros chegaram a
atuar no Coritiba na década de 1940. O problema da pouca presença de negros nos clubes de Curitiba estava no
fato de que antes do futebol se profissionalizar, tratava-se de um esporte de elite, de modo que era muito difícil,
na primeira metade do século XX, ver um negro na universidade ou frequentando as alas fechadas da sociedade
curitibana. O imaginário sempre associou jogador negro como sendo bom de bola, assim, Raul Requião, que era
conselheiro do Atlético Paranaense, declarou após o time ter perdido umas partidas que “o Atlético anda muito
fraco. Precisamos escurecer um pouco o time!” (COELHO, 1994, p. 32)
Oliveira (2005) também destaca que muitos astros do futebol paranaense eram negros. Entre os clubes
da capital, o Ferroviário era o que possuía mais representantes negros tanto na torcida, quanto no elenco de
jogadores, pelo fato de manter ligações com a Associação dos Funcionários da Rede Ferroviária Federal. O
Ferroviário atraía bons jogadores pelo emprego na Estrada de Ferro. Os irmãos Janguinho (João) e Ferreira

48. Diário do Paraná, 05/04/1946, p. 8.


49. Diário do Paraná, 05/07/1946, p. 8, de 14/09/1946, p. 8 e de 21/09/1946, p. 8.
50. O Clube Seleto de Paranaguá foi resultado da fusão entre o CADNC (Clube Atlético do Departamento Nacional do Café) com o Seleto.
Diário do Paraná, 15/01/1947, p. 8.
51. Diário da Tarde, 27/05/1946, p. 3.
52. Diário da Tarde, 19/11/1946, p. 3 e de 26/09/1947, p. 3.
53. Diário do Paraná, 31/07/1947, p. 6.
54. Jornal de Notícias, 08/08/1949, p. 10.
55. O Dia, 11/10/1949, p. 12.
56. Proclamas. O Dia, 23/09/1938, p. 2.
No casamento religioso os padrinhos do noivo foram Flávio Lacerda e senhora e da noiva foram Raul de Carvalho e senhora. No casamento
civil, da parte do noivo foram padrinhos Carlos Dondeo e senhora, e da noiva foram coronel Julio Mouro e senhora. Fonte: Correio do
Paraná, 01/12/1938, p. 5.
57. Conforme entrevista realizada com Máximo Francisco dos Reis, o Maçã, em 23 de dezembro de 2017 em Curitiba. Maçã era cunhado de
Laureana dos Santos e também atuou no futebol amador de Curitiba na década de 1950. Foi treinado no time Internacional de Campo
Largo pelo José Ferreira dos Santos.

184
(José) trabalharam na Rede Ferroviária (CARDOSO, 1978).
Ainda sobre a questão racial em Curitiba na década de 1940, quando os irmãos Ferreira estavam no
auge de suas carreiras, José Cadilhe de Oliveira, advogado e fundador de uma das escolas de samba de Curitiba,
destaca em uma entrevista concedida em 1998 para José Wille:

José Wille – O senhor diz que, na década de 40, havia preconceito contra alguns jogadores,
como no Coritiba, por exemplo.
José Cadilhe – Não era só no Coritiba, não. Era no Brasil inteiro! O Fluminense, para contratar
o Orozimbo, o primeiro negro que jogou no time, foi um escândalo internacional. Aqui,
o Coritiba, quando contratou ... o Bananeiro e o Janguinho, que se tornaram expoentes do
futebol, também criou celeumas lá dentro, a ponto de se retirarem alguns conselheiros. ... Mas,
no início, foi difícil o preconceito, porque, se você for bem sério, bem correto, esse maldito
preconceito perdura até hoje. Não é só no esporte, não. A gente diz que o Brasil não é um país
preconceituoso, mas ele existe, infelizmente.
José Wille – Como isto foi mudando? Como foi, por exemplo, para o Coritiba começar a ter
abertura?
José Cadilhe – Esses atletas que quebraram a tradição eram grandes jogadores. E começaram
a ajudar os brancos remanescentes de cada equipe a ganhar títulos. Os brancos viram que, se
os negros não jogavam, o time decaía. Então, por serem excepcionais atletas, foi mudando a
situação. A raça negra, no mundo todo, tem um domínio extraordinário no setor de atletismo,
de basquete, de vôlei, de futebol. A própria seleção brasileira é composta de noventa e tantos
por cento de morenos, mulatos ou escurinhos. Quer dizer, eles foram crescendo. O que a raça
negra precisa é se conscientizar de que deve crescer tão bem nos demais setores de atividade
quanto cresce nos esportes58. (grifo da autora)

Família de CRAQUES

Em pé, da esquerda para a direita: Oswaldo (Baiano), José (Ferreira), João (Janguinho) e Haroldo (Bananeiro)
Fonte: Cardoso (1978)

58. José Cadilhe de Oliveira e a memória do Carnaval de Curitiba. Disponível em http://paranaportal.uol.com.br/blogs-memoria-


paranaense/jose-cadilhe-de-oliveira-e-a-memoria-do-carnaval-de-curitiba/. Acesso 04.fevereiro. 2018.

185
Time do Ferroviário – Campeão Paranaense de 1937 – com os quatro Irmãos Ferreira

Em pé, da esquerda para a direita: o segundo é Baiano, o quinto é Janguinho e o sexto é Ferreira
Agachados, da esquerda para a direita: o primeiro é o Bananeiro
Fonte: Cardoso (1978)

A última notícia localizada de Bananeiro nos jornais paranaenses é do ano de 1964, quando ele, junto
com João Silvio Amaral Gruber e Antonio Komnitski, era membro do Departamento de Futebol de Salão do
Olímpico59. Depois seguiu para Santos, onde faleceu no dia 19 de janeiro de 1967 aos 54 anos de idade60. Em
agosto de 2019 o vereador Tito Zeglin apresentou à Câmara Municipal de Curitiba um projeto de lei para
denominar um dos logradouros públicos de Curitiba com o nome de Haroldo Ferreira dos Santos61.

REFERÊNCIAS

ALMANACH DO PARANÁ (1909). Almanach do Paraná para o anno de 1909. Redator Correa Nero. Curitiba: Typ.
Da Livraria Econômica.
CARDOSO, Francisco Genaro (1978). História do futebol paranaense. Curitiba: GRAFIPAR.
COELHO, Vinicius; CARNEIRO NETO, Antônio Carlos (1994). Atletiba: a paixão das multidões. Curitiba: Fundação
Cultural de Curitiba.
HELÊNICOS (2012). Eternos campeões: Coritiba Foot Ball Club e seus atletas inesquecíveis. Curitiba: Grupos
Helênicos.
OLIVEIRA, Carlos Roberto de (2005). O negro no futebol paranaense: o caso do Coritiba Football Club (1909–
1942). Curitiba: Imprensa Paranaense.

* Agradecimento especial a Flávio Henrique Soethe do Grupo Helênicos do Coritiba Football Clube pelo acesso
ao arquivo fotográfico do clube.

* Agradecimento especial a Máximo Francisco dos Reis, o Maçã, pela entrevista concedida em 23 de dezembro
de 2017, em Curitiba.

59. Diário do Paraná, 03/03/1964, p. 11.


60. A Tribuna/Santos, 21/10/1969, p. 15.
61. Proposição Nº 009,00023,2019. Disponível em SPL II – Sistema de Proposições Legislativas II da CMC.

186
20
HASIEL DA SILVA
PEREIRA FILHO
Nascimento: Salvador/BA, 15 de junho de 1948

Hasiel Pereira em sua residência. Curitiba, 02/03/2018


Foto: Fernando Marcelino

187
HASIEL DA SILVA PEREIRA FILHO1

Fernando Marcelino Pereira

Hasiel da Silva Pereira Filho nasceu no bairro Ladeira da Barra, na cidade de Salvador, estado Bahia, em
15 de junho de 1948. Filho de Rosilda Carneiro Pereira e de Hasiel da Silva Pereira.
Seu pai, com apenas 20 anos de idade, foi voluntário na Segunda Guerra Mundial, tendo integrado o
pelotão de reconhecimento de Monte Castelo. Também participava em sindicatos, o que fez com que o pequeno
Hasiel se ambientasse ao meio político. Ele tem nos pais suas principais referências de luta. Sua família também
participou ativamente da resistência contra a ditadura, inclusive escondendo pessoas perseguidas.
Hasiel começou a militância em 1967, no movimento estudantil secundarista de Salvador. Depois se
aproximou da Ação Popular (AP)2. Em 1969, foi para São Paulo, pois se ficasse na Bahia provavelmente seria
preso. Lá trabalhou em diversas fábricas, entre elas na Sociedade Técnica de Fundições Gerais S/A (Sofunge)3,
no bairro da Lapa.
Para a organização de resistência à ditadura era conhecido como Amilton. Na militância da AP em São
Paulo conheceu Clair da Flora Martins4, com quem veio a se casar. Segundo Hasiel (2018), “foi o grande amor da
minha vida. Uma vida sem um grande amor não é vida. Fomos casados por 27 anos. Agora estou vivendo meu
segundo amor, uma mulher de Minas Gerais. Com a Dra. Clair, tive três filhos, dois advogados e um comerciante.
Temos sete netos atualmente”.
 Em 21 de novembro de 1971, por volta das 16 horas, Hasiel foi preso pelo Delegado Sérgio Paranhos
Fleury e sua equipe no Largo do Paisandu, cidade de São Paulo. Juntamente com sua então esposa, Dra. Clair, foi
5

levado para o Departamento de Ordem Política e Social (Dops). A acusação era que militavam na Ação Popular.
Hasiel ficou preso sem direito à defesa, de se comunicar com a família e foi barbaramente torturado por 32 dias
(HASIEL, 2011). Como consequência das torturas, teve o cotovelo deslocado e todas suas obturações caíram
devido aos meses de tortura no presídio Tiradentes6.

1. Na placa atual na Praça Santos Andrade está gravado HASIEL PEREIRA, mas seu nome completo é HASIEL DA SILVA PEREIRA FILHO.
2. Ação Popular foi uma organização política de âmbito nacional, fundada durante um congresso promovido pela Juventude Universitária
Católica (JUC) em Belo Horizonte, entre 31 de maio e 3 de junho de 1962. Integrada basicamente por membros da JUC e da Juventude
Estudantil Católica (JEC), seu objetivo era formar quadros que pudessem “participar de uma transformação radical da estrutura brasileira
em sua passagem do capitalismo para o socialismo” (SANTANA, 2009).
3. Consultar São Paulo, minha cidade. Disponível em http://www.saopaulominhacidade.com.br/historia/ver/2506/Sofunge%252C%2Bu
ma%2Bindustria%2Bpioneira%2B-%2BVila%2BAnastacio%252C%2BLapa. Acesso 13.março.2018.
4. Clair da Flora Martins nasceu em Porto União (SC) no dia 17 de julho de 1945, filha de Valdomiro Martins e de Paulina Martins. Formada
em Direito pela Universidade Católica do Paraná em 1969. Começou a atuar politicamente ainda nos tempos de estudante no final
da década de 1960, tendo sido presa e severamente torturada em São Paulo em novembro de 1971. Após sair da prisão, iniciou suas
atividades profissionais exercendo a advocacia no Paraná na década de 1970 e, a partir de 1979, administrando o escritório de advocacia
Clair da Flora Martins Advogados Associados. A partir da década de 1980 atuou em várias associações de classe da categoria profissional
dos advogados. No pleito de outubro de 2000 elegeu-se vereadora na cidade de Curitiba na legenda do PT com 5.807 votos. No pleito de
outubro de 2002 elegeu-se deputada federal pelo Paraná pelo PT. Obteve 59.114 votos, tendo sido a primeira mulher a ser eleita para o
cargo em toda a história do Paraná juntamente com a sua correligionária Selma Schons. Disponível em http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/
dicionarios/verbete-biografico/doutora-clair. Acesso 13.março.2018.
5. Sérgio Fernando Paranhos Fleury  (1933-1979), mais conhecido como  Delegado Fleury, foi um  policial  que atuou
como delegado do Dops de São Paulo durante a Ditadura Militar no Brasil. Fleury ficou conhecido por sua atuação violenta e foi acusado
de tortura e homicídio de inúmeras pessoas pelo Ministério Público, mas morreu antes de ser julgado. Disponível em Sérgio Paranhos
Fleury.  Instituto Vladimir Herzog. Memórias da ditadura. http://memoriasdaditadura.org.br/biografias-da-ditadura/delegado-fleury/
index.html. Acesso 13.março.2018.
6. O Presídio Tiradentes, na cidade de São Paulo, é conhecido por abrigar presos políticos na Era Vargas e no Regime Militar. Inaugurado
em 1852, foi criado como Casa de Correção e posteriormente passou a ser a Casa de Detenção de São Paulo. Sua desativação ocorreu
em 1972, pouco antes que as obras do metrô abalassem sua estrutura e ele fosse demolido. Foi conservado o seu portal, tombado pelo

188
Quando foi para ser ouvido no inquérito, o juiz José Paulo Paes7 decretou sua prisão preventiva.
Conforme Hasiel (2013), naquela época, o juiz disse: “eu criei um artigo na lei de segurança nacional. Se o
prisioneiro se arrepender e delatar seus companheiros, poderá ir para casa”. Hasiel permaneceu firme e não
entregou os amigos, saindo da prisão apenas em 1973. Seguiu para Porto Alegre, onde sua esposa Clair estava
morando na clandestinidade. Lá trabalhou numa fábrica de parafusos chamada Companhia Geral da Indústria.
Ficou cerca de um ano na capital gaúcha, até a absolvição de Clair. Depois vieram morar em Curitiba, chegando
à cidade em 1975.
Na capital paranaense, montou uma mercearia no bairro Bigorrilho, chamado Minimercado Veleiros,
onde hoje fica a padaria Requinte8. No final da década de 1970, comprou um táxi. Segundo ele, “como taxista
dava para fazer política o dia inteiro” (HASIEL, 2018). Um dos seus mais prestigiados clientes era o poeta
Paulo Leminski. Nas idas e vindas da Cruz do Pilarzinho, Hasiel não só ganhou um passageiro inspirado, como
também um companheiro de boemia, um confidente privilegiado e um eleitor declarado. Leminski chegou a
“botar a cara” na tevê para pedir votos para o amigo9. Foi taxista por oito anos com o carro 1122.
Filiou-se ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB) em 1978 junto com Roberto Requião10, de quem
passou a ser amigo. Participou ativamente das lutas democráticas do período, principalmente da luta pela
Anistia sob o comando do advogado Narciso Pires11.
Em 1982, foi eleito vereador pelo MDB com 5637 votos, ironicamente o seu número de legenda era o
563712. Foi o único taxista a ocupar uma vaga na Câmara. Exerceu o mandato na época em que José Richa era
governador do estado e Maurício Fruet, o prefeito de Curitiba. Nesse período, em suas palavras:

O governo José Richa foi muito bom do ponto de vista do povo. Ele foi o comandante da luta
pelas diretas. O primeiro comício foi feito em Curitiba. Fui ao Palácio Iguaçu levar a ideia para
ele. Com sua popularidade, ele seria o comandante da luta pela democracia no Brasil. Logo
após, marcou a data do comício. E lotou. Foi histórico, dando a largada à redemocratização
(HASIEL, 2018).

Durante seu mandato como vereador, os taxistas foram agraciados com projetos como a bandeira 2 a
partir das 20h, vínculo empregatício, ampliação dos pontos livres no anel central com a criação de 300 novas
vagas, definição da vida útil para o táxi, entre outros. Também aprovou lei que passou a proibir o vídeo-pôquer,
um tipo de carteado eletrônico.

patrimônio histórico em 1985 devido a seu interesse histórico e pelo valor simbólico que representa na luta contra o arbítrio e a violência
institucionalizadas em nosso país em passado recente. Disponível em Sesc promove passeio em pontos de São Paulo que marcaram
repressão – Catraca Livre – https://catracalivre.com.br/sp/agenda/gratis/sp-463-passeio-pe-leva-publico-lugares-historicos-do-
centro/. Acesso 13.março.2018.
7. Não confundir com o José Paulo Paes (1926-1998) que foi um poeta, tradutor, crítico literário e ensaísta brasileiro.
8. Rua Francisco Rocha, 1809.
9. O taxista do Leminski. Disponível em http://www.tribunapr.com.br/blogs/dante-mendonca/o-taxista-do-leminski/. Acesso
13.março.2018.
10. Roberto Requião de Mello e Silva é advogado. Foi deputado estadual no Paraná de 1983-1985, prefeito de Curitiba de 1986-1989,
governador do Paraná de 1991-1994, 2003-2006, 2007-2010 e senador pelo estado do Paraná de 1995-2002 e 2011-2019.
11. Narciso Pires, ex-preso político e militante na luta contra o regime militar é o presidente do Grupo Tortura Nunca Mais do Paraná.
12. Disponível em http://www.tre-pr.jus.br/eleicoes/resultados/resultados-de-eleicoes-municipais-tre-pr. Acesso 13.março.2018.

189
Quando Roberto Requião assumiu a prefeitura, de 1986 a 1989, ele criou indústrias comunitárias de tubo
de concreto para lidar com o problema das valetas a céu aberto e com a ausência de saneamento. No segundo
ano, as associações e grupos das periferias já produziam 4000 tubos por dia. Eram 25 fábricas comunitárias que
tiveram suas origens em projeto de lei de Hasiel Pereira e Wenceslau Svoboda13. Com a mudança de prefeito, a
atividade foi extinta14.
Sem se reeleger nas eleições de 198815, Hasiel deixa de disputar cargos eletivos até o ano de 2016.
Na década de 1990, dedicou-se à construção civil e à militância política. Participou de uma ação junto
com a então deputada federal Dra. Clair pela anulação do leilão que resultou na privatização da Companhia Vale
do Rio Doce e a sua retirada do Programa Nacional de Desestatização, criado durante o Governo de Fernando
Henrique Cardoso. A ação fez parte do movimento REAGE BRASIL, organizado para defender o patrimônio
público brasileiro, e que agregou diversos partidos, entidades sindicais e civis, além de personalidades. O
movimento, que teve repercussão nacional, resultou em cerca de outras cem ações propostas em vários estados
brasileiros. A ação continua em vigor até hoje16.
Nas eleições de 2002, Hasiel relata que fez uma importante articulação política no Paraná junto a Paulo
Pimentel para apoiar Lula para presidente: com o apoio de Pimentel, a TV Tarobá foi aberta para a campanha de
Lula, o que ajudou a conquistar parcelas do eleitorado, especialmente no norte do Estado. Hasiel conta que Lula
comemorou e chegou a dizer que “se tiver o apoio de Pimentel vou ganhar a eleição no Brasil” (Hasiel, 2018).
Hasiel conheceu Pimentel como taxista, quando ficaram amigos, passando a frequentar o seu jornal e escritório.
Conta que Pimentel foi o único governador que soltou todos os estudantes do Congresso de Ibiúna em 1968.
Lembra desses dois gestos de grandeza, e de que Pimentel ajudou na eleição da Dra. Clair, abrindo espaço para
propaganda em suas emissoras de rádios gratuitamente (HASIEL, 2018).
Foi assessor especial de Roberto Requião no Governo do Estado entre 2002 a 2010. Contribuiu
principalmente em duas áreas: na luta contra os transgênicos, inclusive criando programas de rádio para o
interior visando à conscientização sobre a causa. Hasiel cita pesquisas russas que chegaram à conclusão que o
uso de transgênicos favorece a expansão de câncer. Também relata que participou de reuniões no Palácio Iguaçu
com representantes do Mercado Comum Europeu, China e Japão que favoreceriam a compra de produtos do
Paraná desde que não fossem usados transgênicos na produção agrícola. Conforme Hasiel, no caso foram os
produtores e grandes fazendeiros paranaenses que foram contra, preferindo dar o patrimônio genético das
sementes para a Monsanto, demonstrando como “nossa elite é uma elite do atraso” (HASIEL, 2018).
A outra área em que atuou foi na articulação, junto com a atriz e professora Ittala Nandi, pela criação
da Escola Superior de Cinema e Televisão, em Quatro Barras. O objetivo era transformar o Paraná num polo
cinematográfico (HASIEL, 2018).

13. Wenceslau Svoboda nasceu em Araucária/PR, em 10/10/1936. Eleito em 15/11/1982. Tomou posse em 01/02/1983. Disponível em
https://www.cmc.pr.gov.br/down/NOSSA_MEMORIA/vereadores_de_curitiba.pdf. Acesso 13.março.2018.
14. Lembrando coisas do passado. Disponível em http://g23deoutubro.blogspot.com.br/2016/08/lembrando-coisas-do-passado.html.
Acesso 13.março.2018.
15. Nas eleições municipais de 1988 Hasiel obteve 2008 votos e ficou na suplência do PMDB. Disponível em http://www.tre-ms.jus.br/
eleicoes/eleicoes-anteriores/resultado-eleicoes-municipais-1988. Acesso 02.fevereiro.2019.
16. O Movimento Reage Brasil, criado informalmente em 1997, combatia as privatizações lesivas aos cofres públicos brasileiros. Nascido
das lutas populares visava defender os recursos naturais e as instituições públicas brasileiras, o movimento teve um papel importante no
debate que questionou o Leilão da Companhia Vale do Rio Doce, o sucateamento e a venda das ferrovias, a tentativa de privatização da
Copel, a alienação do Banestado, entre outras. Articulado junto aos movimentos sociais, o movimento forjou-se, local e nacionalmente,
ao longo de mais de uma década, em debates que apoiaram a iniciativa da Auditoria da Dívida Brasileira, pela distribuição da renda e a
construção de um novo modelo econômico e social para o Brasil. Disponível em http://www.institutoreagebrasil.com.br/quemsomos.
php. Acesso 13.março.2017.

190
Depois de atuar no governo de Roberto Requião, foi assessor parlamentar na Câmara Municipal de
Curitiba no gabinete do vereador Jorge Bernardi (PDT e depois REDE) entre 2013 a 2016.
Em 2016, Hasiel foi novamente candidato a vereador, conseguiu 1.061 votos17, mas não foi suficiente
para se eleger à Câmara de Vereadores.

Material campanha eleições municipais de 2016 – Curitiba

Fonte: acervo pessoal de Hasiel Pereira

Há 16 anos também é voluntário na luta contra o câncer. Segundo Hasiel

A humanidade está num dilema terrível. O câncer é a segunda causa de morte no mundo e a
única terapia apresentada é a quimioterapia que não resolve o problema de 97% dos casos.
Existem pesquisas realizadas na Austrália e nos Estados Unidos que atestam que, de 240 mil
pessoas pesquisadas, 97% tiveram óbito e apenas 3% tiveram uma sobrevida. Portanto, existe
uma necessidade de o Estado investir realmente em terapias alternativas. Não se pode deixar
isso no comando da indústria farmacêutica. Ela não tem interesse em resolver este problema.
É um negócio de 100 bilhões de dólares (HASIEL, 2018).

Hasiel critica a despolitização da sociedade: “a filosofia de não debater política serviu sempre à elite
do atraso”. Em sua casa sempre recebe amigos para debater política. Hasiel se declara comunista e defende um
projeto nacional e popular para o Brasil. Em suas palavras,

O Brasil tem dois projetos em disputa. Um ligado à “elite do atraso”, sempre vendendo as
riquezas nacionais principalmente para o imperialismo norte-americano, levando o país
atualmente para uma mexicanização, entregando nossas empresas estatais, bancos públicos,
a Amazônia e nossas riquezas. Este projeto atende apenas a 30% da população. Neste projeto
de Brasil-Colônia surge até uma nova classe dos “desempresários”, os que vão quebrar e
desaparecer já que o projeto da elite do atraso é enfraquecer o mercado interno e diminuir
salários (HASIEL, 2018).

17. Disponível em https://www.eleicoes2016.com.br/busca/?s=hasiel. Acesso 13.março.2018.

191
Hasiel se diz muito preocupado com o projeto de Brasil-Colônia em vigor e aponta para a necessidade
de combater o avanço da “elite do atraso” antes que voltemos para uma ditadura dos ricos contra os pobres
em prol dos interesses dos Estados Unidos. Para enfrentar essa situação tem-se “o projeto Brasil-Nação. Um
projeto anti-imperialista que cabe às forças populares alavancar, conscientizando o povo, ganhando as eleições
e levando a cabo o desenvolvimento do país, o fortalecimento do mercado interno, a distribuição de renda, com
o apoio da pequena e médias empresas, ampliando a democracia social” (HASIEL, 2018).
Como suas maiores referências políticas, Hasiel cita Stênio Jacó, Claudio Ribeiro, Romeu Bertol,
Walmor Marcellino, Narciso Pires, Clair da Flora Martins, Adalberto Prado, Roberto Requião, Edésio Passos,
Carlos Gilberto Pereira, Marcos Arruda Santamini, Dr. Baltista Vidal (criador do pró-alcool), Fernando Siqueira
(associação dos engenheiros da Petrobrás), Raimundo Pereira, Airton Soares, Edibal Piveta, Eládio Leme,
Marlene Socas, Valdir Izidoro, Adegmar Silva (Mestre Candieiro), Aldo Arantes, Glauco de Souza Lobo, Paulo
Leminski, Reinoldo Atem (“o poeta da cidade”), Sara Cavalcanti, Henrique Faustino e Iseni Teixeira (HASIEL,
2018).
Com relação ao movimento negro, diz que nunca foi liderança. Sempre se dedicou a “fazer uma política
mais ampla”, apesar de ter sempre apoiado e participado em várias reuniões e debates sobre a questão racial.
Para ele, “a Princesa Isabel começou o processo em 13 de maio de 1888, mas em 1943 é que se efetiva o fim da
escravidão no Brasil com a criação da CLT, pois um trabalhador sem legislação trabalhista é escravo, mas ainda
faltou a reforma agrária!” (HASIEL, 2017).
No centenário da Abolição, Hasiel (1988) lembrou que o negro ainda era marginalizado e que não
havia motivo nenhum para comemorar a “libertação” de uma raça, pois o processo de marginalização passava
pela política injusta de distribuição de renda imposta ao país durante toda a sua história desde os tempos da
colonização até os atuais tempos de república.

REFERÊNCIAS

HASIEL (1988). No centenário da abolição vereadores lembram que o negro ainda é marginalizado. In: Correio
de Notícias de 13/05/1988, p. 3.
HASIEL (2011). Depoimento de Hasiel dado na novela Amor e Revolução. Disponível em https://www.youtube.
com/watch?time_continue=138&v=GILiM1S79pw. Acesso 13.março.2018.
HASIEL (2013). Depoimento sobre memória da ditadura: http://www.dhpaz.org/dhpaz/depoimentos/
detalhe/48/o-resgate-da-memoria-e-fundamental-para-que-nao-se-repitam-as-prisoes-politicas-os-campos-
de-tortura-e-o-enfraquecimento-da-nossa-democracia. Acesso 13.março.2018.
HASIEL (2017). Entrevista de Hasiel Pereira da Silva Filho concedida a Ana Crhistina Vanali em 23 de outubro
de 2017 na cidade de Curitiba/PR.
HASIEL (2018). Entrevista de Hasiel Pereira da Silva Filho concedida a Fernando Marcelino em 2 de março de
2018 na cidade de Curitiba/PR.
SANTANA, Cristiane Soares (2009). O processo de “integração na produção” da Ação Popular: uma experiência
maoísta na Bahia (1967–1970). In: Projeto História, São Paulo, n.39, p. 321–331, jul/dez.

192
21
HUGO JORGE BENTO
Nascimento: Curitiba/PR, 22 de julho de 1928
Falecimento: Curitiba/PR, 29 de junho de 2019

Hugo Jorge nas vésperas de completar 90 anos


Fonte: acervo da família

193
HUGO JORGE BENTO

(1928–2019)

Ana Crhistina Vanali

Hugo Jorge Bento era filho de João Benedito Bento e de Madalena Jorge Bento. O casal teve sete filhos,
Hugo era o quarto e nasceu em Curitiba no dia 22 de julho de 1928.
Como Dona Madalena ficou viúva e precisava trabalhar para sustentar a família, Hugo foi para o Colégio
Interno São José, situado na Praça Rui Barbosa, de onde saiu após concluir o curso ginasial aos 14 anos de idade.
No dia 11 de abril de 1943, começou a trabalhar na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (Anexo A).
Em 1947 Hugo mudou-se com a família para o bairro Capanema e foi morar na vila da Rede Ferroviária.
Lá conheceu a vizinha Divair Marques, que tinha 15 anos na época. Depois de quatro anos de namoro, Hugo e
Divair se casaram em 27 de janeiro de 19511. União que durou mais de 60 anos. Ela era filha de José Marques
e de Lucidora Marques e neta de escravos (JUCIMARA, 2020). Divair nasceu em Curitiba no dia 2 de janeiro de
1933 e faleceu na mesma cidade em 7 de julho de 2012. Sua irmã mais velha, Maria Luz, foi casada com o Maé
da Cuíca, fundador da primeira escola de samba do Paraná, a Colorado:

Ismael Cordeiro da Silva nasceu em 1927 na cidade de Ponta Grossa. Como seu avô e seu pai
eram ferroviários, nos anos 1930 a família veio para Curitiba e foi morar na Vila Tassi, a vila
dos ferroviários, atual Jardim Botânico. No local, sambistas se reuniam embaixo das árvores e
aos poucos Ismael começou a participar das rodas de samba, primeiro tocando caxeta e logo
aprendeu a tocar a cuíca, instrumento que lhe rendeu o apelido de Maé da Cuíca.
Quando serviu ao Exército, começou a jogar futebol. Foi funcionário da Rede Ferroviária
Federal e profissionalizou-se jogando como meia de campo e lateral pelo time da estatal, o
Ferroviário.
Foi casado com Maria Luz Cordeiro, com quem teve três filhos: Roberto Robson Cordeiro,
Rosemary Cordeiro de Miranda e Rubens Rosni Cordeiro – filho que seguiu seus passos. Nos
últimos anos de vida sua companheira foi Dona Terezinha.
Maé faleceu no ano de 2012 aos 85 anos em Curitiba, deixando um legado histórico e especial
para o carnaval curitibano. (MUSEU PARANAENSE, 2017, on line)

Hugo e Divair tiveram sete filhos: Jussara (13/11/1951), Jucimara Regina (26/02/1953), Jussemar
(24/02/1955-28/04/2010)2, José Tadeu (15/08/1956), Jefferson Luis (21/02/1959), Jucimeri (18/10/1961)
e Jacques (02/03/1964). “Além dos sete filhos, meus pais criaram mais três crianças que depois de crescidas os
pais vieram buscar” (JUCIMARA, 2020). “Nosso pai foi um grande homem, nosso exemplo de vida, de fortaleza
e sabedoria” (JUCIMERI, 2020).

1. Casamentos. Diário da Tarde, 27/01/1951, p. 4.


2. Jussemar era técnico mecânico e faleceu em 28 de abril de 2010 aos 55 anos. Foi atleta do ASPENHO – Associação dos funcionários da New
Holland. Disponível em https://www.gazetadopovo.com.br/servicos/falecimentos/lista-de-falecimentos-1e7nui0hqgetipcnfqkzadbv2/.
Acesso 30.março.2019.

194
Divair e Hugo no dia do casamento em 1951

Fonte: acervo da família

Divair e Hugo Divair e Hugo com filhos e netos

Fonte: acervo da família

No final do ano de 1946 Hugo começou sua carreira de atleta como jogador de futebol do Britânia
Esporte Clube. Em 1953 jogava como “não amador”3. Permaneceu nesse clube até o ano de 19554. No ano
seguinte passou a atuar como técnico no Clube Atlético Capanema, da terceira divisão do futebol amador
paranaense5. No ano de 1958 a Federação Paranaense de Desporto, através de seu boletim Nº 76, ofício 4133
concedeu a reversão à classe de amador ao atleta Hugo6.

3. Tópicos da F.P.F. Paraná Esportivo, 03/08/1953, p. 6.


4. Registrados vários contratos na CBD. Diário do Paraná, 03/06/1955, p. 9. Ofício 2526 da Confederação Brasileira de Desportos.
5. C.A Capanema: nova diretoria. Paraná Esportivo, 03/04/1956, p. 4.
6. Notas da F.P.F. O Dia/PR, 16/07/1958, p. 12.

195
Hugo (em destaque) no time Britânia

Fonte: acervo da família

Diretor Técnico do C.A Capanema

Fonte: Paraná Esportivo, 03/04/1956, p. 4

196
Como atleta, Hugo em 1950 representou a Empresa de Correio e Telégrafos na Olimpíada dos Servidores
Públicos ficando em segundo lugar na prova de Atletismo – 1.000 metros rasos7.

Olimpíadas dos Servidores Públicos do Paraná – 1950

Fonte: O Dia/PR, 24/10/1950, p. 11

Foi o primeiro presidente da Associação Esportiva dos Mensageiros, entidade fundada em 1956 que
reunia os funcionários do Departamento de Correios e Telégrafos do Paraná e que visava à realização de disputas
desportivas com clubes esportivos da segunda divisão paranaense. A equipe da associação excursionava por
várias cidades disputando campeonatos8.

Hugo (em destaque) no time Associação Esportiva dos Mensageiros

Fonte: acervo da família

7. Primeiros resultados da Olimpíada dos Servidores Públicos. O Dia/PR, 24/10/1950, p. 11.


8. Jogarão os mensageiros em Rio Negrinho. Paraná Esportivo, 05/09/1959, p. 6.

197
1º presidente: Hugo Jorge Bento

Fonte: O Dia/PR, 13/07/1956, p. 9

No ano de 1958 prestou concurso interno da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos9, realizou o
curso interno na Escola de Aperfeiçoamento dos Correios e Telégrafos10 e em 1961 passou a exercer a função de
supervisor do setor de telégrafos11. Aposentou-se em novembro de 1977, após 34 anos de serviços, na função
de chefe-geral do setor de telégrafos.
O que Hugo mais gostava era estar rodeado pelos familiares, parentes e amigos, jogar baralho e curtir
uma praia (FAMÍLIA BENTO, 2018). Era torcedor do Botafogo de Futebol e Regatas do Rio de Janeiro (JACQUES,
2020).

Hugo com os filhos

Em pé, da esquerda para a direita: Jefferson, Jacques e José


Sentados, da esquerda para a direita: Jucimeri, Jucimara e Jussara
Fonte: acervo da família

9. A diretoria regional do Paraná aprovou a inscrição de 906 candidatos conforme a Portaria 1134 de 04/08/1958. Assumiu na função de
servente conforme Diário Oficial da União (DOU) de 16/12/1958, seção 1, página 38. Diário da Tarde, 25/06/1964, p. 6.
10. Edital 131 que aprovou a inscrição do candidato.
11. Conforme DOU de 10/08/1962, p. 57.

198
Na década de 1980, Hugo foi assessor do vereador Horácio Rodrigues. Função que exerceu durante sete
anos. Nessa época conheceu bem os políticos Maurício Fruet, José Richa e Roberto Requião. Foi Hugo o mentor
da Campanha do Leite para as Crianças (JUCIMARA, 2020). Após decepção com algumas condutas, afastou-se
da área política.
Hugo morou um tempo no litoral paranaense com a esposa Divair, quando em 6 de julho de 1987 filiou-
se ao Partido da República (PR) em Guaratuba12.
Faleceu em Curitiba no dia 29 de junho de 2019 aos 90 anos de idade. Está sepultado no Cemitério
Municipal do Água Verde.

REFERÊNCIAS

FAMÍLIA BENTO (2018). Hugo Jorge Bento: 90 anos de sabedoria e bons exemplos. Encarte produzido pela
família em comemoração ao 90º aniversário de Hugo Jorge Bento em 2018.
JACQUES (2020). Entrevista de Jacques Jorge Bento (filho de Hugo Jorge Bento) concedida a Ana Crhistina
Vanali em 5 de fevereiro de 2020 na cidade de Curitiba/PR.
JUCIMARA (2020). Entrevista de Jucimara Regina Bento (filha de Hugo Jorge Bento) concedida a Ana Crhistina
Vanali em 5 de fevereiro de 2020 na cidade de Curitiba/PR.
JUCIMERI (2020). Entrevista de Jucimeri Bento (filha de Hugo Jorge Bento) concedida a Ana Crhistina Vanali em
5 de fevereiro de 2020 na cidade de Curitiba/PR.
MUSEU PARANAENSE (2017). Mostra no Museu Paranaense homenageia Maé da Cuíca. Notícias 10/11/2017.
“Mestre Maé da Cuíca: Carnaval, Samba e Futebol”. Exposição aberta em 17/11/2017. Disponível em http://
www.museuparanaense.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=194&tit=Mostra-no-Museu-
Paranaense-homenageia-Mae-da-Cuica. Acesso 8.fevereiro.2020.

12. Disponível em http://guaratuba.pr.filiaweb.com/filiados/pr. Acesso 30.março.2019.

199
ANEXO A – Declaração de servidor em exercício de Hugo Jorge
Bento

Fonte: acervo da família

200
22
IDELCIO LUIS DE OLIVEIRA
Nascimento: Erechim/RS, 9 de setembro de 1964

Idelcio Luis de Oliveira. Curitiba, 2018


Foto: Acervo pessoal Idelcio

201
IDELCIO LUIS DE OLIVEIRA1

Ana Crhistina Vanali

Idelcio Luis de Oliveira nasceu em Erechim, no estado do Rio Grande do Sul, no dia 9 de setembro de
1964. Filho de Plotásio de Oliveira e de Teresa de Oliveira. Chegou a Curitiba no ano de 1983 para cuidar do pai,
que estava morando na cidade com uma irmã, e se encontrava doente. Após o falecimento do senhor Plotásio,
Idelcio permaneceu na capital do Paraná.
Durante nove anos, Idelcio foi seminarista dos missionários do Verbo Divino. Chegou a cursar três anos
de Filosofia na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, mas não se licenciou, pois seguiu ao final de 1988
para Miracatu, cidade próxima do litoral paulista. Ali, morou por quase um ano no noviciado2. Retornou para
Curitiba em 1989.
Foi como seminarista que colaborou na fundação e foi o primeiro coordenador dos Agentes da Pastoral
Negra (APNs) de Curitiba. A campanha da fraternidade do ano de 1988 teve como tema o negro e sua libertação
real. A igreja católica aproveitou os cem anos da Lei Áurea, que aboliu a escravidão no Brasil, para promover uma
reflexão sobre a situação da comunidade negra no país, pois essa parte da população ainda era discriminada e
lançada à miséria.
A campanha foi lançada oficialmente em Curitiba dia 17 de fevereiro de 1988 com uma missa realizada
na Catedral Metropolitana, ministrada pelo Arcebispo de Curitiba Dom Pedro Fedalto3. Em nível nacional, a
campanha foi lançada pelo Papa João Paulo II em cadeia de rádio e televisão. Era proposto fazer um momento
de reflexão sobre as injustiças cometidas contra os negros, inclusive pela própria igreja. A partir desse exercício,
o arcebispo Fedalto reconheceu que “os negros são estigmatizados para o trabalho humilde e até na instituição
católica são poucos os religiosos negros”4.

1. Na placa da Praça Santos Andrade está gravado IDELCIO JOSE DE OLIVEIRA, mas seu nome correto é IDELCIO LUIS DE OLIVEIRA.
2. Noviciado  é o período da formação de um religioso(a) que precede a emissão de seus votos. O termo designa também o prédio e a
comunidade onde se realiza esse período.
3. Antes dessa data, em 21 de novembro de 1987 foi realizada uma missa com elementos afros, na Arquidiocese Metropolitana de Curitiba,
sendo a primeira missa com elementos e Liturgia Afro, celebrada em uma catedral. Ela foi concelebrada por Dom Pedro Fedalto, Arcebispo
de Curitiba e Dom José Maria Pires, o Dom Zumbi, arcebispo de Olinda, que veio especialmente para o evento. Toda a programação foi
organizada por um grupo de seminaristas e leigos negros que atenderam à convocação nacional, e inseridos em pastorais, passaram a
fazer parte dos Agentes de Pastoral Negros, que tinha em São Paulo a sede nacional, denominada de Quilombo Central e cada estado
organizou o seu Quilombo Regional. Disponível em ACNAP. https://sites.google.com/site/acnapbr/home. Acesso 23.março.2017.
4. Correio de Notícias, 18/02/1988, p. 9.

202
Detalhe da missa de 21 de novembro de 1987 em Curitiba

Fonte: acervo pessoal Idelcio

Cartaz da Campanha da Fraternidade de 1988

Fonte: https://www.cnbb.org.br/

A campanha da fraternidade consistia basicamente em pregações sobre o tema nas igrejas, visando à
conscientização da população para a necessidade de se construir uma sociedade mais justa. Assim, o surgimento
da Pastoral Negra do Paraná tinha como objetivo o resgate da identidade negra e de seus valores. O então
seminarista Idelcio declarou na época que “o momento era de reflexão do passado e também de perdão” e o
sentido desse perdão foi explicado pelo arcebispo Dom Fedalto como o caminho para “reparar o que houve e ir
adiante. O mal é continuar insistindo no mesmo erro”5.
Com o objetivo de resgatar a identidade e os valores da cultura negra, foi criado o grupo de canto e de
dança da Pastoral Negra, que realizou várias apresentações na cidade visando fazer a população refletir sobre a
influência da cultura negra na cultura brasileira6. Dalzira Aparecida7 conduzia as crianças desse grupo de dança.

5. Correio de Notícias, 18/02/1988, p. 9.


6. Correio de Notícias, 11/05/1988, p. 21.
7. Ver capítulo 14 desse livro – Dalzira Maria Aparecida.

203
Dalzira dançando com as crianças

Curitiba, 1988
Fonte: acervo pessoal Idelcio

Também foram realizados vários encontros nacional, estadual e municipal visando à formação dos
agentes que atuavam na Pastoral Negra8. O seminarista Idelcio foi liberado pela Igreja Católica para cuidar
dessa questão. Fez várias viagens de estudo para São Paulo e Salvador a fim de se aprofundar na temática racial
e nas características da cultura negra. Retornou para Curitiba e deu continuidade às viagens pelo interior dos
estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, difundindo o que aprendeu.

Encontro de formação da Pastoral Negra em Curitiba – 1987

Da esquerda para a direita os seminaristas: Tatá, Idelcio, Ivo e Figueiredo


Fonte: acervo pessoal Idelcio

8. Correio de Notícias, 13/07/1988, p. 7.

204
Encontro de formação da Pastoral Negra em Curitiba – 1987

Paróquia Santo Estanilau na Rua Emiliano Perneta, 465


Fonte: acervo pessoal Idelcio

Encontro de formação da Pastoral Negra em Londrina – 1988

No microfone Dom Hélder Câmara


Fonte: acervo pessoal Idelcio

Idelcio relata que todo o trabalho intenso que estava sendo realizado pela Pastoral Negra perdeu
espaço quando foi “contaminado pela política”. A Mitra da Arquidiocese de Curitiba retirou seu apoio aos APNs
alegando que a pastoral havia se tornado um escritório político. Idelcio ressalta que “a questão central da
pastoral era fortalecer a identidade negra sem base em política e nem em religião para não haver discriminação,
mas infelizmente muitos colegas levaram a política para dentro da pastoral” (IDELCIO, 2018).

205
Membros da Pastoral Negra de Curitiba – 1987

Da esquerda para a direita: Padre Djalma, leigo Rodrigues e o seminarista Idelcio


Fonte: acervo pessoal Idelcio

Evento da Pastoral Negra em Curitiba na Livraria das Irmãs Paulinas – 1988

Ao centro a Irmã Preta, a homenageada do evento em 08/12/1988


Idelcio é o primeiro da direita para a esquerda
Fonte: acervo pessoal Idelcio

206
Devido a essa descaracterização do trabalho da Pastoral Negra, Idelcio deixou a coordenação e partiu
para São Paulo no final de 1989. Não se acostumou com a vida na capital paulista, com a rotina de levantar às
4 horas da manhã e retornar para casa à meia-noite para no dia seguinte levantar novamente na madrugada.
Paralelo a isso, havia a questão financeira da família, que se agravou com a morte do pai. Idelcio então decidiu
sair do seminário em fevereiro de 1990.
Fora do seminário, começou a trabalhar no comércio e ainda hoje atua como representante comercial.
Em setembro de 1990, casou-se e em 1992 nasceu seu filho Idelcio Luís de Oliveira Júnior. Divorciou-se em
2002. E em 2004 nasceu sua filha Aniele Jacoboski de Oliveira.
Mesmo não sendo mais seminarista, Idelcio continuou atuando por um longo tempo na igreja católica,
participando das comunidades eclesiais de base (CEBs), como ministro, afinal “a formação como seminarista
deixa as marcas” (IDELCIO, 2018). Atualmente é um católico não praticante.

Evento das Comunidades Eclesiais de Base em Ilhéus/Bahia – 2002

Idelcio com Dom Pedro Casaldáliga


Fonte: acervo pessoal Idelcio

Com relação à questão racial em Curitiba, relata que sempre foi difícil em todos os sentidos e que hoje
não está tão diferente do passado. Lembra que quando se casou, em 1990, com uma descendente de poloneses
da Colônia Dom Pedro II, do município de Campo Largo, seu casamento foi o primeiro inter-racial que ocorreu
na localidade e se recorda muito bem da “cara de assustados dos convidados”. Depois, percebeu que quando
saía com a esposa, que era branca, recebia um tipo de tratamento nos restaurantes, mas que quando chegava
sozinho falavam que estava lotado e não havia mais lugares. Em certos clubes em que iam para dançar era
a mesma coisa: exigiam um tipo de roupa para não deixar os negros entrarem. “A discriminação racial e o
preconceito ainda fazem parte da vida cotidiana dos negros em nossa sociedade” (IDELCIO, 2018).
Para continuar a combater o racismo se faz necessária a atuação das diferentes entidades do movimento
negro. Uma parte do coletivo que atuava na Pastoral Negra criou, em janeiro de 1990, uma instituição formal,
juridicamente registrada, a Associação Cultural de Negritude e Ação Popular (Acnap), com sede própria na Vila
Xapinhal, bairro Sítio Cercado. Nesse prédio próprio, são realizadas várias atividades, “desde festas e feijoadas
para arrecadação de verba, mesmo assim a associação não tem condições próprias para manter sua estrutura
em funcionamento e isso enfraquece o movimento negro”, relata Idelcio (2018) que procura participar dos
eventos produzidos pela Acnap.

207
REFERÊNCIA

IDELCIO (2018). Entrevista de Idelcio Luis de Oliveira concedida a Ana Crhistina Vanali no dia 23 de março de
2018 em Curitiba.

208
23
ISAACK OTÁVIO DA SILVA
Nascimento: Itajaí/SC, 11 de julho de 1940
Falecimento: Campo Largo/PR, 21 de janeiro de 2019

Isaack Otávio da Silva. Fazenda Rio Grande, 2018


Fonte: Marcelo Bordin

209
ISAACK OTÁVIO DA SILVA1

(1940–2019)

Marcelo Bordin

Isaack em 1951 aos 11 anos

Fonte: acervo pessoal Isaack

“O Racismo existe, é velado, mas existe.”


(ISAACK, 2018)

Isaack Otávio da Silva nasceu em Itajaí, estado de Santa Catarina, em 11 de julho de 1940. Filho de
Luiza Nascimento da Silva e de Octávio Pereira da Silva. É descendente de uma família de escravos. Sua avó,
Josefa Pereira da Conceição2, foi escrava em sua cidade natal, trabalhando nos afazeres domésticos da família
que detinha a sua propriedade. Após a Abolição, teve uma vida dura e sofrida obtendo algum dinheiro como
sortista.
Isaack chegou a Curitiba no ano de 1960, aos 20 anos. Em Itajaí, não havia muitos empregos e, para os
negros, sobravam os serviços mais pesados, o que forçou sua retirada para outra região junto com a família. Na
capital paranaense, começou a trabalhar na Polícia Militar do Paraná (PMPR). Na mesma cidade, casou-se e teve
três filhos: dois meninos e uma menina. A união durou 20 anos, depois se separaram.
A música sempre o acompanhou. Iniciou seus estudos musicais em uma igreja evangélica, religião que
seguia e que foi deixada de lado com o passar dos anos, porém Isaack frisa que respeita todas as demais religiões
e crenças (ISAACK, 2018). O bombardino3 é o seu instrumento do coração. Quando entrou na Polícia Militar,

1. Na placa da Praça Santos Andrade está gravado ISAAC OTÁVIO DA SILVA, mas seu nome correto é ISAACK OTÁVIO DA SILVA.
2. Dos outros avôs Isaack não se recordava os nomes, faleceram cedo e seus pais não comentavam sobre eles em virtude do pouco contato
que tiveram.
3. Bombardino é um instrumento metálico de sopro semelhante ao barítono, de tubos largos, com três ou quatro cilindros, dotado de
pistões.

210
aos 20 anos como soldado, até atingir o posto de capitão aos 40 anos, sempre atuou como músico, chegando a
ser maestro da Banda do Corpo de Bombeiros entre os anos de 1981 e 19914, o que lhe proporcionou uma ativa
participação no mundo musical de Curitiba.
Em 9 de maio de 1971, o tenente Isaack comandou a Banda da Polícia Militar do Paraná, composta por
36 músicos, que se apresentou em um palco flutuante no Passeio Público num projeto da Prefeitura Municipal
de Curitiba para aumentar os atrativos do local5.
Na abertura das comemorações oficiais do aniversário de Curitiba em 1979, o coral do Sesi (Serviço
Social da Indústria) se apresentou sob a regência do maestro Isaack6. Nesse mesmo ano, foi membro da
comissão julgadora do II Encontro Estadual de Bandas, promovido pela Secretaria da Cultura e do Esporte7. Em
1981, tornou-se mestre da banda do Sesi8. No Encontro Nacional de Corais que ocorreu em Curitiba, naquele
mesmo ano, Isaack foi o regente das 49 vozes do Coral da Academia Policial Militar do Guatupê9.
Foi em março de 1981 que o capitão Isaack assumiu a regência da Banda de Música da PMPR em
substituição ao capitão Isidoro Rissi, que foi para a reserva10. Em maio, candidatou-se a membro efetivo do
Conselho de Músicos do Estado do Paraná11.
Ainda foi membro do júri do 1º Festival de Música Popular Brasileira, promovido pela Copel em 198212.
Como Inspetor Geral das Bandas da PMPR, em 1986 o capitão Isaack era considerado uma pessoa de “boa
vontade e prestígio”13.

Recebendo homenagem na Câmara Municipal de Curitiba

Isaack é o terceiro da esquerda para a direita


Fonte: acervo pessoal Isaack

4. Histórico Banda PMPR: maestros da banda da Polícia Militar do Paraná. Disponível em http://www.pmpr.pr.gov.br/modules/conteudo/
conteudo.php?conteudo=586. Acesso 23.fevereiro.2018.
5. Bombeiros levam a banda ao passeio. Diário da Tarde, 06/05/1971, p. 5.
Desfile será na Deodoro. Diário do Paraná, 19/12/1972, p. 9.
6. Com música, Curitiba lembra 286 anos. Diário do Paraná, 22/03/1979, p. 5.
7. Encontro/Bandas. Diário do Paraná, 25/09/2979, p. 14.
8. Câmara homenageia maestro Paulo Kühn. 21/06/2012. Disponível em http://www.cmc.pr.gov.br/ass_det.php?not=18913#&panel1-1.
Acesso 23.fevereiro.2018.
9. Encontro Nacional de Corais no Teatro Guaíra. Diário do Paraná, 15/07/1981, p. 14.
10. Novos Coronéis. Diário do Paraná, 17/05/1981, p. 8.
11. Ordem dos músicos no Brasil. Conselho Regional do Paraná. Diário do Paraná, 13/05/1981, p. 5.
12. Festival de Música na Copel. Diário do Paraná, 04/09/1982, p. 18.
13. Polícia Militar na Semana da Pátria. Correio de Notícias, 27/09/1986, p. 14.
Semana da PMPR. Correio de Notícias, 08/08/1987, p. 14.

211
No ano de 2017, quando a Banda de Música da Polícia Militar do Paraná completou 160 anos, Isaack
foi um dos homenageados, aplaudido de pé durante a entrega do seu certificado. A celebração ocorreu na
Assembleia Legislativa do Paraná14.

Homenagem ao ex-maestro Isaack. Curitiba, 09/07/2017

Foto: soldado Feliphe Aires


Fonte: acervo da Polícia Militar do Paraná

Com relação à questão racial, Isaack (2018) relata que quando chegou a Curitiba não a considerava
muito profunda, ficando ela restrita a um determinado grupo e confessa que ele não era muito engajado na
militância do movimento negro15. Lembra que como Praça16 da Polícia Militar não sentiu muito racismo, mas
quando galgou o posto de Oficial observou algumas situações com relação ao tratamento diferenciado dado aos
policiais negros.

Isaack com a farda da Polícia Militar do Paraná na década de 1990

Isaack é a quarta pessoa da esquerda para a direita


Fonte: acervo pessoal Isaack

14. Banda de Música da PM comemora 160 anos de brilho e musicalidade durante homenagem na Assembleia Legislativa do Paraná.
11/07/2017. Disponível em http://www.pmpr.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=21876. Acesso 23.fevereiro.2018.
15. Segundo Bodê de Moraes e Souza (1999), a presença do negro na cidade de Curitiba é relegada ao segundo plano da história, resultado
da tentativa de embranquecimento da população.
16. Praça é a denominação das categorias de base das polícias militares e também das forças armadas no Brasil. Os Praças (graduação)
são os soldados, cabos, sargentos e subtenentes. Os oficiais (postos) são os tenentes, capitães, majores, tenentes- coronéis e coronéis.
No Exército, acima de coronel, existem os postos de general (de brigada, divisão, de exército).

212
Isaack não se posiciona a favor das políticas de ações afirmativas, como o sistema de cotas raciais, pois
para ele “o negro deve se impor socialmente e buscar seu aperfeiçoamento intelectual por meios próprios”
(ISAACK, 2018).
Faleceu em Campo Largo, aos 78 anos, no dia 21 de janeiro de 2019. Foi sepultado no Cemitério de
Fazenda Rio Grande, na Região Metropolitana de Curitiba17.

REFERÊNCIAS

ISAACK (2018). Entrevista de Isaack Otávio da Silva a Marcelo Bordin, concedida dia 18 de janeiro de 2018 em
Fazenda Rio Grande.
MORAES, Pedro Rodolfo Bodê de e SOUZA, Marcilene Garcia de (1999). Invisibilidade, preconceito e violência
racial em Curitiba.  In: Revista de Sociologia e Política, n.13, p.7–16.

17. Disponível em http://obituarios.curitiba.pr.gov.br/publico/falecimentos.aspx. Acesso 22.janeiro.2019 e em http://avmpmpr.com.br/


site/com-pesar-comunicamos-o-falecimento-do-cap-pm-rr-isaac-otavio-da-silva/. Acesso 22.janeiro.2019.

213
24
JOÃO FERREIRA DOS SANTOS
Nascimento: Curitiba/PR, 11 de dezembro de 1917
Falecimento: Curitiba/PR, 18 de agosto de 1996

João Ferreira dos Santos (Janguinho). Curitiba, 1942


Fonte: acervo do Grupo Helênicos

214
JOÃO FERREIRA DOS SANTOS

(1917–1996)

Ana Crhistina Vanali

João Ferreira dos Santos, conhecido como Janguinho, nasceu em Curitiba dia 11 de dezembro de 1917.
Era filho de Claro Lourenço dos Santos1 e de Lucilia Ferreira dos Santos2. O casal teve nove filhos: Juracy, Jandyra,
Jacyra, Iracy, Haroldo, José, Oswaldo, João e Claro.

O casal Claro e Lucilia

Fonte: Mausoléu da família Ferreira dos Santos/Cemitério Municipal São Francisco de Paula

1. Claro Lourenço dos Santos, nascido em Morretes/PR aos 10 de dezembro de 1865, falecido em Curitiba/PR aos 2 de fevereiro de 1955
aos 90 anos. Era filho de Rosária dos Santos. Fonte: Felicitações. Diário da Tarde, 10/12/1907, p. 2. Falecimento. O Dia, 03/02/1955, p. 9.
Administração do Cemitério Municipal São Francisco de Paula.
2. Lucilia Ferreira dos Santos nasceu em 8 de outubro de 1875 e faleceu em Curitiba no dia 9 de agosto de 1943 aos 68 anos. Fonte:
Agradecimentos e missa. O Dia, 13/08/1943, p. 4. Administração do Cemitério Municipal São Francisco de Paula.

215
O pai de Janguinho, Claro Lourenço, era um cozinheiro conhecido da capital paranaense. Em 9 de
dezembro de 1906, abriu com o sócio Joaquim Gonçalves da Motta, o Restaurante União, situado na Rua XV
de Novembro3. Em 1894, tornou-se membro do conselho fiscal da Sociedade Treze de Maio4 e, em 1905, foi o
vice-presidente do clube5. Participou da comissão da festa da Sociedade Beneficente 28 de Setembro no ano de
19056.
A mãe, Lucilia tinha a Pensão Ferreira na Praça Tiradentes7. “A pensão Irmãos Ferreira, sito à Rua
Monsenhor Celso, nº 19, iniciou suas atividades em 1937 e tinha como fundadora e diretora financeira Jandira
Ferreira dos Santos (irmã de Janguinho). O estabelecimento foi um dos mais famosos na época, pois ali se
hospedavam os universitários, militares e pessoas importantes que vinham a Curitiba para estudar, trabalhar e
abrir empresas. Esteve ativa por mais de vinte anos”8.

Jandira Ferreira dos Santos Claro Ferreira dos Santos (Banana)

Fonte: Mausoléu da família Ferreira dos Santos/Cemitério Municipal São Francisco de Paula

Janguinho fez carreira no futebol de Curitiba, iniciando aos 12 anos, no Santos Futebol Clube da Rua
Saldanha Marinho, junto com os irmãos José e Haroldo (Bananeiro)9. Em 1930 entrou no time de várzea10
do Clube Atlético Ferroviário (CAF) e, em 1931, foi promovido ao 2º quadro do CAF, tornando-se campeão
paranaense da categoria naquele ano. Ingressou no quadro principal do CAF com apenas 15 anos de idade,
como atleta amador em 193211. Nesse ano, foi titular do primeiro quadro da Seleção Paranaense da qual foi
jogador titular por onze campeonatos: 1932, 1933, 1934, 1938, 1941, 1942, 1943, 1944, 1946, 1947 e 1948.
Era considerado um dos melhores médios dos campos brasileiros.

3. Consultar Almanach do Paraná (1909, p. 328) e A Notícia, 06/12/1906, p. 13.


4. A República, 28/12/1894, p. 4.
5. Diário d Tarde, 06/06/1905, p. 2.
6. Diário da Tarde, 26/09/2905, p. 2.
7. A República, 03/06/1913 e Correio do Paraná, 10/08;1942 e 02/09/1942, p. 6.
8. Proposição Nº 009.00199.2007 do vereador Zé Maria, da Câmara Municipal de Curitiba, que denomina de Jandira Ferreira dos Santos um
dos logradouros públicos de Curitiba, no bairro Fazendinha.
9. Diário da Tarde, 05/07/1946, p.8.
10. Futebol de várzea é uma designação dada ao futebol amador por oposição ao futebol profissional. O nome várzea é uma referência ao
tipo de campo em que inicialmente as partidas eram disputadas, geralmente campos de terra batida.
11. Quem é quem no Ferroviário (PR)/Janguinho – João Ferreira dos Santos. Disponível em https://sumulastche.wordpress.
com/2014/04/11/ca_ferroviario_pr/. Acesso 15.maio.2018.

216
Na juventude, recebeu convites de clubes paulistas, como o São Paulo (1934) e o Santos Futebol Clube
(1935)12. Optou pela segunda equipe, pela qual disputou e venceu o campeonato paulista de 1935 – o primeiro
da história do clube13. No final desse mesmo ano, Janguinho foi convidado para jogar no Corinthians Futebol
Clube de São Paulo. Embora atraído pelo futebol profissional mais remunerado, não aceitou o convite do time
da capital paulista, pois era “embarcar em canoa furada, visto os outros jogadores serem mal pagos e às vezes
nem pagos eram”14. Durante a sua passagem pelo Santos enfrentou equipes internacionais como o Huracan,
Estudiantes de La Plata, Atlanta, Ginasio y Esgrima e Libertad15.

Seleção Paranaense de 1934: dirigentes e jogadores

Ao centro, em destaque, Janguinho


Fonte: Grupo Facebook Futebol de Antigamente em Curitiba

Em 1936 retornou para Curitiba, onde voltou a jogar no Ferroviário, tornando-se vice-campeão
paranaense16. Porém, o Santos queria reaver Janguinho, considerado o melhor “player” do ano de 193717, então
ofereceu ao médio esquerdo do Ferroviário e da Seleção Paranaense cinco contos de luva e 800 mil réis mensais

12. Correio do Paraná, 13/01/1934, p. 6.


13. O Santos conquistou seu primeiro título de campeão paulista derrotando o Corinthians por 2 a 0 no Parque São Jorge. Os jogadores
que atuaram naquele dia, 17 de novembro de 1935, foram Ciro, Neves, Raul, Araken, Agostinho, Marteletti, Janguinho, Ferreira (irmão de
Janguinho), Mário Pereira, Junqueirinha e Saci. Correio do Paraná, 11/10/1935, p. 6. Consultar também 100 anos de Santos (14/04/2012)
disponível em http://www.espn.com.br/blogs/loucosporfutebol/251548_video-veja-a-historia-e-a-evolucao-do-escudo-do-santos.
Acesso 2.janeiro.2019.
14. Diário da Tarde, 09/01/1935, p. 6.
15. Os “azes” mais indicados para formarem o selecionado. João Ferreira dos Santos, o popular Janguinho de nossas canchas, um “crack”
disciplinado, dedicado e consciente de seu dever, um “player” que parece estar com o esporte bretão na massa do seu sangue. In: Diário
da Tarde, 05/07/1946, p. 1.
16. Janguinho estava bem no Santos, mas sua posição como jogador de futebol profissional não era bem visto pelos pais que decidiram ir
buscá-lo. Assim ele regressou, retomando seu trabalho na Estrada de Ferro Paraná–Santa Catarina como datilógrafo e voltando a jogar no
Ferroviário. Janguinho: um pouco da vida do destacado médio do C.A. Ferroviário. Correio do Paraná, 18/08/1938, p. 4 e 5.
17. Correio do Paraná, 29/07/1937, p. 5.

217
para ele voltar para a Vila Belmiro18, mas ele ficou em Curitiba. Assim, Janguinho, o segundo dos irmãos Ferreira19,
era o capitão do Ferroviário quando foram bicampeões em 1938 (haviam conquistado o título paranaense no
ano anterior)20. Por motivos de saúde, em 1939 se afastou do Ferroviário para tratamento médico com o Doutor
Dante Luís, o que comprovou que “não há dúvidas de que Janguinho faz grande falta ao Esquadrão de Aço!”21.

Nascido em Curitiba, Jango iniciou sua carreira futebolística no Ferroviário–PR, ao lado de seu
irmão Ferreira. Ambos trabalhavam na Rede Ferroviária do Paraná, e a equipe era formada
pelos próprios funcionários.
Seu irmão, inclusive, foi fundamental em sua vinda para o Santos. Ferreira já atuava pelo
time santista, e a diretoria, sabendo das boas atuações de Jango no Ferroviário e na Seleção
Paranaense, liberou Ferreira para passar uns dias no Paraná, e convencer seu irmão em vir
atuar pelo Santos. A estratégia deu certo e, em maio de 1935, Jango estreou com a camisa
alvinegra, na excursão pelo Rio Grande do Sul.
Atuava tanto na função de médio-direito ou esquerdo, e possuía uma extrema calma
e produtividade dentro de campo.  Preciso nos passes, distribuía a bola com perfeição,
e fazia longos lançamentos, deixando seus companheiros em boas condições de jogo.
Jango tomou conta do meio campo santista, e foi uma das principais peças do Santos na
campanha vitoriosa do primeiro título paulista do clube. Jango e Ferreira ficaram conhecidos
como “Irmãos Ferreira”, e  tornaram-se os  primeiros irmãos a serem campeões  juntos no
Santos, seguidos por Álvaro e Ramiro Valente, e Mengálvio e Figueiró. Porém, os Irmãos
Ferreira não se limitavam apenas aos dois. Bananeiro e Baiano, os outros dois irmãos da
dupla, também eram jogadores profissionais e, por muito pouco, Bananeiro não veio atuar no
Santos. Pelo Ferroviário, Jango, Ferreira e Bananeiro chegaram a atuar juntos, e formavam o
meio de campo da equipe paranaense.
No fim de 1936, Jango retorna a sua cidade e ao seu antigo clube, o Ferroviário–PR.
Em janeiro de 1938, o Santos tentou novamente sua contratação, porém, além de atuar nos
gramados, Jango trabalhava para a Estrada de Ferro, e o acerto não foi possível (SANTOS F.C,
2016, on line).

Escudo do CAF

Fonte: Sérgio Mello, História do Futebol, Paraná


Disponível em http://cacellain.com.br

18. Correio do Paraná, 25/03/1937, p. 6.


19. A família Ferreira dos Santos foi uma família de desportistas em Curitiba, fornecendo figuras de prestígio no futebol paranaense
originário. Era chamada de “Uma família de craques”. O primeiro irmão que surgiu para o futebol foi Janguinho que com atuação
destacada no Ferroviário chamou a atenção dos clubes profissionais paulistas. Depois foi o Bananeiro (Haroldo), seguido do José Ferreira,
com o Baiano (Oswaldo) sendo referência no segundo quadro. O último dos irmãos Ferreira, o Banana (Claro) surgiu em 1933 quando
foi registrado como médio amador pelo Ferroviário no Conselho Diretor dos Médios. Parece não ter alcançado a mesma trajetória dos
“manos”, pois a partir de 1936 não se localizou mais dados sobre sua atuação no futebol paranaense.
Fonte: O que vale pelos arraiaies dos médios. O Dia /PR, 25/10/1933, p. 6.
O último dos Ferreira vai defender o Ferroviário. Diário da Tarde, 15/07/1936, p. 6.
20. Janguinho: um pouco da vida do destacado médio do C.A. Ferroviário. Correio do Paraná, 18/08/1938, p. 4 e 5.
21. Correio do Paraná, 18/03/1939, p. 6. Correio do Paraná, 13/04/1939, p. 5.

218
Seu contrato com o CAF encerrava em julho de 1940. Em janeiro desse ano andou percorrendo alguns
“clubes guanabarianos”, chegando a fazer um teste no Flamengo. Porém seu retorno aos campos ocorreu com
o Coritiba Futebol Clube que oficializou a aquisição do seu passe em novembro de 194022. Em 1941 e 1942,
sagrou-se bicampeão paranaense com o Coxa.
Quando Janguinho e o irmão José Ferreira, que eram funcionários da Rede de Viação Paraná–Santa
Catarina (RVPSC), foram jogar no Santos em 1935, ambos foram transferidos para a Companhia Estrada de Ferro
Sorocabana23. Ao assinar contrato com o Coritiba, em 1940, Janguinho recebeu no início do ano seguinte uma
carta de transferência para a cidade catarinense de Herval. Os jornais da época noticiaram que essa remoção
era reflexo do ingresso do jogador no Coxa, campeão do ano de 1939 do futebol paranaense: para os cronistas,
tratou-se de uma “vingança” do Ferroviário por Janguinho ter deixado o clube, afinal tendo sido transferido
para uma cidade tão distante ele teria dificuldades para conciliar o emprego na RVPSC com os treinos e os jogos,
e acabaria tendo que optar entre continuar com seu trabalhado como ferroviário ou como jogador. O CAF se
“defendia” alegando que não era uma retaliação, pois o jogador Alexandre – que substituiu Janguinho – estava
em “plena forma”. Porém um retorno à capital paranaense só era cogitado depois que Janguinho estivesse “livre
de seu compromisso com o Coritiba”24, anunciavam os jornais. Nessa época ocorreu um êxodo em massa dos
mais notáveis defensores do Ferroviário. Não foi apenas Janguinho que saiu, mas seu irmão Bananeiro, Ary
Carneiro, entre outros. Isso provocou uma onda de revolta nos torcedores do CAF que culpavam a diretoria
do clube de não se precaver contra tal fato e isso levou a graves acontecimentos no seio da organização25. Os
companheiros de futebol de Janguinho, como Barbosa (2018), viam sua transferência para Santa Catarina
realmente como uma forma de punição, “era o que se comentava na época”.
Uma vez transferido para Herval, em janeiro de 1941, Janguinho teve que ser afastado da equipe
principal do Coritiba e voltava para a capital paranaense para participar de alguns jogos. Em abril o “popular
médio alvi-negro, o player mais possibilitado que o Paraná possuía na posição se encontrava em Herval, mas
voltaria a Curitiba para jogar contra o Corinthians”26. Janguinho teve sua reestreia “como o scratchman, um dos
onze piratas” do Coxa, anunciada para 21 de outubro de 194127.

22. O Dia/PR, 04/01/1940, p. 4. O Dia/PR, 10/01/1940, p. 4. O Dia/PR, 27/11/1940, p. 10.


23. Adyos, Hermanos Ferreyra. O Estado do Paraná, 09/01/1938, p. 5.
24. O Dia/PR, 05/02/1941, p. 6.
25. Perderá Coritiba seu médio esquerdo? Diário da Tarde, 08/01/1945, p. 3. Ver também O Dia/PR, 03/01/1941, p. 10.
26. O Dia/PR, 05/04/1941, p. 6.
27. Diário da Tarde, 10/03/1941, p. 7. Diário da Tarde, 19/05/1941, p. 3. Diário da Tarde, 06/06/1945, p. 3. Diário da Tarde, 04/10/1941,
p. 2. Diário da Tarde, 21/10/1941, p. 8.

219
Time do Coritiba em 1942

Janguinho, em pé, é o primeiro da esquerda


Fonte: acervo do Grupo Helênicos

Coritiba, campeão de 1942

Em destaque, da esquerda para a direita, Janguinho e Bananeiro


Fonte: acervo de Luis Alberto Glaser Junior

220
Time do Coritiba em 1943

Janguinho, em pé, é o primeiro à esquerda


Fonte: acervo do Grupo Helênicos

Time do Coritiba em 1945

Janguinho, em pé, primeiro à esquerda


Fonte: acervo do Grupo Helênicos

Permaneceu no Coxa até 194528 e, durante o período em que atuou pelo clube do Alto da Glória, sofreu
forte pressão para voltar a jogar no Ferroviário sob pena de perder seu emprego na RVPSC. Como na época
o futebol não era totalmente profissional, os jogadores precisavam de outra fonte de renda para sobreviver
(HELÊNICOS, 2012). Na época de renovação do contrato com o Coxa, em 1945, Janguinho foi viajar no comboio
da Pagadoria da Rede de Viação Paraná–Santa Catarina. Isso foi apontado como uma ordem que ele seguiu do
Ferroviário para prejudicar o Coxa. No mesmo período começou a declarar para os jornais que “estava estudando
sua situação: – por que não seguir definitivamente para Herval onde me acena uma vida completamente melhor,
mais cômoda, sem as agrugas das canchas?”29, dando a impressão de que iria parar com o futebol. Acabou não
renovando seu contrato com o Coritiba e retornou para o Ferroviário.

28. O gaúcho Adão foi contratado para substituí-lo no Coritiba. O Dia/PR, 30/11/1945, p. 7.
29. Diário da Tarde, 05/07/1945, p. 3.

221
Janguinho não interessa mais ao Coritiba. O clube do Alto da Glória deu a entender não desejar
mais o concurso do mais completo médio de ala que o Paraná possui. Terminou anteontem o
contrato, estando completamente livre o famoso player. (O DIA/PR, 04/08/1945, p. 6).

Voltou para o Ferroviário em 1945 e permaneceu até 1950 quando encerrou sua carreira aos 33 anos
de idade como atleta profissional30. Ainda jogou algumas partidas pelo CAF no ano de 1951 quando o “veterano
médio era aproveitado para fazer algumas substituições”31. Antes de se aposentar como jogador profissional os
jornais declaravam que “Janguinho era o ponto alto da defesa tricolor. Sabe como ninguém apoiar e defender.
Continua sendo um grande craque!”32, e mais:

Não vamos discutir, Janguinho foi o dono do espetáculo como o Ferroviário foi o da “goleada”.
Jogou como sempre fez. Nem como velho, nem como moço. Apenas e exclusivamente como
grande jogador. Um desses que até o tempo custa vencer. Desses de quem o fã se lembra
depois da decepção das estrelas cadentes ... Janguinho ... Janguinho. (DIÁRIO DA TARDE,
25/08/1948, p. 3)

Time do Ferroviário em 1950

Janguinho, em pé, é o primeiro da esquerda


Fonte: CARDOSO, 1978

Nessa época já recebia convites para ser preparador físico de outros times, como o Vila Macedo Futebol
Clube da terceira divisão33. Logo que entrou para a reserva do Ferroviário na Vila Capanema34, Janguinho foi
jogar uma temporada no Rio Branco Futebol Clube de Paranaguá, no ano de 195035.
Depois de ter sido jogador, fez carreira como técnico de futebol. No ano de 1951 dirigiu o quadro
amador do Ferroviário, ficando em terceiro lugar no campeonato daquele ano. Findo esse campeonato seguiu

30. A Tarde, 07/07/1950, p. 4. Wilson foi seu substituto no Ferroviário (O Dia/PR, 01/08/1950, p. 12).
Após quase um ano de inatividade por problemas de contusões e distensões musculares Janguinho reapareceu no jogo do Ferroviário
contra o Atlético do dia 29 de março de 1950 (Diário da Tarde, 29/03/1950, p. 3).
31. O Dia/PR, 21/01/1951, p. 9.
32. Diário da Tarde, 26/04/1949, p. 3.
33. A Tarde, 23/05/1950, p. 2.
34. A Tarde, 05/07/1950, p. 2.
35. A Tarde, 25/05/1950, p. 2. O Dia/PR, 12/09/1956, p. 2.

222
para o clube Fanáticos, de Campo Largo36. Nesse ano houve o “duelo dos Ferreira” no torneio campo-larguense,
pois seu irmão José era técnico do Internacional e ele do Fanáticos37.
Em 1952 foi realizado o 5º Campeonato Regional, patrocinado e organizado pela Liga Campo-larguense
de Futebol. O evento contou com a participação de muitas equipes, dentre elas o Internacional E.C. que
tinha Janquinho como técnico. Ele permaneceu por dois anos nesse clube (LAURO, 2015)38. No ano de 1955,
acompanhou a seleção campo-larguense de futebol numa série de jogos no norte do estado: Londrina, Rolândia,
Cornélio Procópio, Apucarana e Arapongas39. No ano de 1958 foi membro da Comissão Técnica Provisória do
Ferroviário junto com Hipólito Arzura e Orlando Pereira40. Em 1959 era treinador do São José Futebol Clube do
município de São José dos Pinhais41. Em 1963 retornou ao Coritiba como auxiliar técnico de Departamento de
Futebol (HELÊNICOS, 2012)42.
O ex-médio também levava a vida como comerciante. Em 1956 o “antigo craque” instalou o Bar Tupiá
no centro de Curitiba, localizado na esquina das ruas Desembargador Westphalen e José Loureiro, juntamente
com o amigo Mitoca (Olívio Zanon)43. Também era proprietário do Bar do Janguinho que funcionava na Rua
Desembargador Motta nº 2771, nas “imediações do campo do Poty44 e tinha um papo agradabilíssimo, sempre
muito atencioso com todos” (DOMINGOS, 2014). Os jornais da época noticiam vários eventos e aniversários de
personalidades do mundo esportivo do Paraná que eram comemorados no Bar do Janguinho. Até quadrinha
referente a esses eventos apareciam nos noticiários:

Na festa de impedimento
Com barulho e pororoca
Os convivas vão jantar
No Janguinho e no Mitoca45

Entre os diversos eventos, famosa era a disputa entre os antigos craques casados e os solteiros, “todos
habitués do Bar do Janguinho”. O time dos solteiros era comandado por Janguinho que ainda “não havia
encontrado um rabo de saia”46. Nessa época ele morava numa pensão na Avenida Vicente Machado47.

36. Diário da Tarde, 07/02/1951, p. 3.


37. O Dia/PR, 20/01/1951, p. 12.
38. Paraná Esportivo, 04/12/1953, p. 5.
39. A Tarde, 15/01/1955, p. 4. Diário do Paraná, 18/06/1955, p. 13.
40. Paraná Esportivo, 08/11/1958, p. 6.
41. Correio da Noite, 20/08/1959, p. 7. Correio do Paraná, 23/07/1959, p. 8. Paraná Esportivo, 08/04/1959, p. 12.
42. Diário do Paraná, 21/09/1956 p. 16. Diário do Paraná, 15/11/1958, p. 12. Diário do Paraná, 20/11/1958, p. 16.
43. Diário do Paraná, 07/07/1956, p. 16.
44. O Poty Sport Club também chamado de “Tricolor da Galícia” ou “Bugre Galiciano” foi fundado em 14 de maio de 1925. A sua sede e
o Estádio Capitão Manoel Aranha ficavam localizados na Rua Padre Anchieta (atual Praça 29 de Março), no Bairro Campo da Galícia
(atual Bairro Mercês). Disponível em http://cacellain.com.br/blog/?p=109096. Acesso 7.janeiro.2019.
45. Paraná Esportivo, 18/10/1956, p. 3.
46. Paraná Esportivo, 09/04/1953, p. 6.
47. Diário da Tarde, 11/12/1952, p. 4. Diário da Tarde, 25/04/1956, p. 6. Última Hora, 04/07/1960, p. 1.

223
Bar do Janguinho

Fonte: Paraná Esportivo, 27/06/1960, p. 2

Durante sua fase mais gloriosa, Janguinho foi convidado a fazer testes no Fluminense, clube carioca. Foi
aprovado e estava prestes a assinar o contrato quando recebeu a notícia do falecimento de sua mãe em agosto
de 1943 e retornou ao Paraná48. Após o sepultamento da mãe, voltou ao Rio de Janeiro e a convite dos dirigentes
do Vasco da Gama iria realizar um teste e caso fosse aprovado ficaria na capital federal. Apesar dos pareceres
positivos nos clubes cariocas, o Coritiba não liberou o seu passe49.
Janguinho era membro da Associação de Veteranos do Paraná (AVP) que congregava os velhos craques
do futebol paranaense50. Disputou vários amistosos por essa associação junto com o irmão Ferreira e com
Tonico51. O trio formava uma das melhores linhas de médios do futebol brasileiro52. Em 1957 foi o 1º secretário
da nova diretoria AVP em seu quinto ano de existência.
Também era membro do time dos veteranos do Ferroviário e disputou vários amistosos representando
os “velhinhos colorados”, como contra o Água Verde e a União do Ahú durante o ano de 195853. Como veterano
realizou vários amistosos em benefício da Associação Paranaense de Reabilitação (APR)54.

48. Diário do Paraná, 24/07/1960, p. 26.


49. Correio do Paraná, 08/08/1943, p. 2. Correio do Paraná, 12/02/1943, p. 4. Correio do Paraná, 17/08/1943, p. 5.
50. Paraná Esportivo, 16/07/1957, p. 5.
51. Antonio Motta Espezim (1914-2010), conhecido por Tonico, jogou pelo Coritiba F.C. por 12 anos, de 1940 a 1951. Sua primeira partida
pelo Coxa ocorreu em 27 de abril de 1940 entre Palestra Itália e Coritiba, na inauguração do Estádio do Pacaembu, enquanto a última
partida foi em dia 3 de junho de 1951 diante do Esporte Clube Água Verde. Foi campeão paranaense em 1941, 1942, 1946, 1947 e 1951.
Em 1942 foi convocado para a Seleção Brasileira de Futebol. Uma das suas características era a lealdade e em 1948 recebeu o Prêmio
Belfort Duarte, sendo o primeiro jogador brasileiro a receber esta homenagem (HELÊNICOS, 2012).
52. Diário do Paraná, 05/07/1957, p. 13.
53. Paraná Esportivo, 18/01/1958, p. 4.
54. Diário do Paraná, 27/02/1960, p. 12.

224
Tonico e Janguinho

Fonte: O Dia/PR, 28/02/1941, p. 6

A questão racial apareceu em vários momentos na vida de Janguinho. Quando da sua entrada para o
Coritiba em 1940 os jornais noticiavam que o clube, ao contratá-lo,

[...] havia aberto mão de seu princípio básico de não incluir em seus quadros futebolísticos
elementos de cor. Não resta dúvida, que o Coritiba nada perderá em possuir Janguinho em
seus onze futebolísticos. Entretanto o preconceito existe. Foi porém quebrado, pois a verdade
sem outros rodeios é esta: o Coritiba contratou Janguinho”. (DIÁRIO DA TARDE, 19/11/1940,
p. 8, grifo da autora)

Durante os anos de 1947 e 1948 espalhou-se o boato de que Janguinho teria sido afastado do Coxa
em razão de sua cor, pois a sua presença e a do seu irmão Bananeiro haviam causado “mal-estar” em alguns
membros da diretoria por serem negros. O Coritiba foi acusado de racismo, “por não admitir gente de cor” em
diversas ocasiões55 e para demonstrar que essas acusações eram falsas, no ano de 1959 Janguinho foi apontado
como um jogador “colered”56, juntamente com o irmão Bananeiro, que foram contratados pelo Coxa. Ainda

55. Diário do Paraná, 12/05/1977, p. 23.


56. O Ferroviário Esporte Clube também era chamado de colorado. A denominação “colored” ao mesmo tempo que fazia referência ao
pertencimento de Janguinho ao time colorado tratava da cor da sua pele uma vez que o termo “colored peoples”, hoje em desuso, referia-
se às populações cuja cor da pele não se encaixava no padrão caucasiano estabelecido à época, ou seja, pessoas não brancas eram
chamadas de “colored”. Fonte: «Is the word ‘coloured’ offensive?». Magazine. BBC News. 09/11/2006. Disponível em http://news.bbc.
co.uk/2/hi/uk_news/magazine/6132672.stm. Acesso 4.fevereiro.2018.

225
falava que o Mário Ferreira, jogador do Água Verde, não havia entrado para o clube pois optou pela proposta
da Portuguesa que foi mais vantajosa. Esses três jogadores negros paranaenses foram citados para ilustrar
que o futebol brasileiro não conhecia a segregação racial ou de cor, pois os atletas negros como eles “eram
perfeitamente integrados no ambiente esportivo dos clubes e gozavam dos mesmos direitos que os demais. As
preferências eram somente ditadas pela capacidade física e técnica de cada um”57. Esse apontamento foi devido
ao episódio vivenciado pela Portuguesa Santista, que durante sua excursão pela Cidade do Cabo, na África do
Sul, nesse ano de 1959, foi impedida de jogar com seus atletas negros. Esses nem sequer podiam se hospedar
no hotel onde estava a delegação do clube. O presidente do Brasil na época, Juscelino Kubistchek, entrou em
contato com os dirigentes da Portuguesa, demonstrando apoio à equipe e solicitando que o quadro brasileiro
não se exibisse na cidade. Foi a primeira vez que o governo brasileiro se posicionou contra o “apartheid” sul-
africano e o jogo foi cancelado (HOFFMANN, 2017). Aproveitando a situação, vários jornais denunciaram casos
de segregação racial que ocorriam dentro de clubes de futebol brasileiros58.
Em 1963 Janguinho recebeu uma agressão no estádio Durival de Brito durante uma partida de futebol.
Ele foi até o campo tirar o jogador Oberdan que fora expulso e estava brigando no campo. Quando saía foi
chamado de “negrinho estúpido” pelo diretor do Ferroviário José Jordani que em seguida o agrediu com um
soco. A imprensa na época declarou sobre o ocorrido:

Se para Jordani, “negrinho” é um termo pejorativo e serve para diminuir um ser humano,
recomendamos que ele deixe pelo menos o futebol, onde tantos homens de cor têm dado
glórias imorredouras ao seu Ferroviário como os irmãos Ferreira, Isauldo, Juarez, e no futebol
brasileiro o Pelé! (DIÁRIO DO PARANÁ, 05/06/1963, p. 11)

Em 1973, o locutor da TV Aratu da Bahia, Antonio Sampaio, acusou o Coritiba de ser um clube racista.
Como resposta, Janguinho, na época com 55 anos, foi apontado como sendo o primeiro jogador negro contratado
pelo Coritiba no ano de 194159. Na semana seguinte o mesmo jornal retificou essa notícia e apontou que o
primeiro jogador negro contratado pelo Coxa foi Moacir Gonçalves em 193160.
Laercio Becker (2012, on-line) relata que antes da fundação do Clube Atlético Ferroviário em 1930, o
Britânia Sport Clube, fundado em 1914 era o clube que

Ao contrário de outros times da capital, historicamente, o Britânia não fazia restrições a


jogadores afro-descendentes.
Até a fundação, em 12 de janeiro de 1930, do Clube Atlético Ferroviário, o Britânia era ajudado
pela estrada de ferro, que contratava funcionários para jogarem no time. A partir de 1930,
migraram para o Ferroviário: o patrocínio informal da empresa, os jogadores-funcionários
da estrada de ferro, os negros e a torcida dos guarda-freios, graxeiros e eletricistas dos trens.
Essa migração deu ao Ferroviário o apelido discriminatório de “Boca-negra”.

57. Diário do Paraná, 12/04/1959, p. 8.


58. Diário do Paraná, 12/04/1959, p. 8.
59. Diário do Paraná de 05/04/1973, p. 13.
Coxa não admitia gente de cor. Diário do Paraná, 16/10/1975, p. 6.
60. Diário do Paraná. 13/05/1977, p. 23.
Em 1931, Moacyr Gonçalves foi contratado como técnico da equipe principal do Coritiba e por insistência do então presidente do clube,
Antônio Couto Pereira, também inscreveu-se como jogador. No jogo final entre o Coritiba e o Palestra Itália, realizado no dia 17 de janeiro
de 1932, Príncipe, como era conhecido Moacyr, escalou-se para jogar o 2° tempo da partida, pois ao final do 1° tempo, o Palestra ganhava
de 3x1. No retorno do intervalo, vestiu a camisa, colocou a braçadeira de capitão e entrou no jogo. Este fato entrou para a história do
clube, sendo o primeiro negro a vestir a camisa do Coritiba (HELÊNICOS, 2012).
Moacir Gonçalves também foi técnico do Ferroviário, do Morgenau e da Seleção Paranaense de 1962. In: Moacyr Gonçalves, primeiro
negro do Coritiba em 1931 (por Aníbal de Pádua Rocha). Diário do Paraná, 10/04/1973, p. 11.

226
Charge campeonato paranaense de 1950

Boca-negra, o mascote do CAF na esquerda e


Decano, o mascote do Coxa à direita
Fonte: O Dia/PR, 16/12/1950, p. 9

Boca-negra

O mascote do Colorado foi herança do Ferroviário,


o “time dos neguinhos da Vila Capanema”61

61. O Boca-negra da Vila Capanema. Disponível em http://globoesporte.globo.com/pr/blogs/especial-blog/boleiros-e-barangas/post/o-


boca-negra-da-vila-capanema.html. Acesso 7.janeiro.2019.
O Colorado Esporte Clube surgiu em 29 de junho de  1971 como resultado da fusão de três times: o  Britânia Sport Club  (fundado
em 1914), o Palestra Itália Futebol Clube (fundado em 1921) e o Clube Atlético Ferroviário (fundado em 1930). O clube foi extinto em 19
de dezembro de 1989, quando uniu-se ao Esporte Clube Pinheiros e deu origem ao Paraná Clube. Tinha como suas cores, o vermelho e o
branco e sua alcunha de “boca-negra” foi uma herança do Clube Atlético Ferroviário (FERNANDES, 2011).

227
Mascote do Ferroviário – Boca-negra também chamado de Neguinho

Boca-negra, o mascote do CAF na direita


Fonte: O Dia/PR, 22/10/1950, p. 9

Paralelo a sua atuação como jogador, Janguinho dirigia equipes juvenis, infantojuvenis e colegiais
como treinador, “revelando futuros valores do futebol araucariano”. Em 1936 dirigiu a agremiação juvenil do
Guimarães Futebol Clube62. Como gostava de treinar a “gurizada”, em 1937 montou em sua casa uma sede para
a reunião da “meninada da redondeza”63. Nessa época, era dirigente do Gloria Futebol Clube, um núcleo de
“rapazitos” que jogava nos “arraiais pebolísticos”64. Esse clube amador, do qual Janguinho foi fundador e técnico,
era considerado um celeiro de “verdadeiros azes do futebol de amanhã, os craques do futuro”65. Do Glória surgiram
grandes figuras do futebol paranaense, tais como Jackson Nascimento, Vasco Coelho (o Vasquito), Adolfo Kruger
(o Afinho), Ermelino de Leão Neto, Luloi Zanon e tantos outros66. Os treinos ocorriam num gramado no bairro
Seminário. Em 1955 Janguinho com Mitoca eram orientadores do Flamenguinho Futebol Clube67. Foi convidado
a ser técnico do Botafogo do Grêmio das Mercês no ano de 1957, mas por motivos particulares declinou68. Uma
vez questionado sobre a estrutura do futebol brasileiro, Janguinho sentenciou que o “futebol de ontem era
muito superior” e continuou:

62. Diário da Tarde, 04/07/1946, p. 5.


63. Correio do Paraná, 03/08/1937, p. 4.
64. Janguinho: um pouco da vida do destacado médio do C.A. Ferroviário. Correio do Paraná, 18/08/1938, p. 4 e 5.
65. Correio do Paraná, 17/06/1942, p. 2. O Dia/PR, 17/01/1942, p. 10.
66. Memória. Correio de Notícias, 17/11/1991, p. 36.
67. Diário da Tarde, 04/05/1955, p. 3.
68. Paraná Esportivo, 14/05/1957, p. 9.
Em pequena nota do jornal O Dia de 27 de março de 1943 (página 5) Janguinho teria sido treinador do juvenil do Clube Atlético Paranaense
durante esse ano. Não encontramos mais notícias, nem em outros periódicos que pudessem confirmar essa informação.

228
Precisamos de escolas de futebolistas como a Argentina o faz, onde os atletas, desde pequenos,
adquirem os conhecimentos necessários. O juvenil, como nós o encaramos, longe está de
suprir a falta de escolas. Essas equipes, além de geralmente serem orientadas por leigos, não
contam com o apoio necessário dos diretores dos clubes. (JANGUINHO, Diário do Paraná,
24/07/1960, p. 24).

Em 1945 surgiu o Grêmio de Esportes Santa Maria (GESM) com alunos do Colégio Santa Maria.
Janguinho o “popular e consagrado player, incomparável treinador do saudoso juvenil do Glória fez parte da
primeira diretoria do GESM como orientador técnico”69. O GESM abarcava todas as faixas etárias dos estudantes
e aparecia dividido em Gesminho, Gesmédio, Gesmirim e Gesmaior70. Manteve-se nessa atividade de esporte
colegial até o ano de 195671.
Assumiu como orientador técnico do time juvenil do Coritiba em 1963 e organizou um campeonato
infantojuvenil, patrocinado pelo Coxa, para garotos entre 14 e 17 anos, voltado para equipes de bairros e colégios.
Nessa época, viajava como emissário do clube para descobrir reforços para o plantel72. Muitos jogadores de
outras equipes paranaenses, como por exemplo o Bandeirantes e o Marumbi, tinham jogadores provindos da
famosa “Escolinha do Janguinho”. Chegou a substituir os técnicos Sebastian Berascochea e Ari Guimarães, do
time principal, em algumas ocasiões73. Declarava na época, como preparador técnico do juvenil e infantojuvenil
do Coritiba, que “jogo se ganha no campo e não através de entrevistas”74.
Em 1965 ele deixa de ser o técnico do time juvenil do Coritiba e vai para o Santa Mônica Clube de Campo
dirigir uma escola de futebol suíço e ministrar aulas de educação física aos associados75. Em 1974 passou a
comandar os treinos da equipe “dente de leite” do Santa Mônica76. Trabalhou durante seis anos nesse clube
programando as atividades esportivas do local. O campo de futebol suíço do clube era cognominado “Estádio
Janguinho” e o torneio interno denominado “João Ferreira dos Santos” tamanha sua atuação nesse clube77. Ainda
é possível encontrar vários ex-alunos do Janguinho que na década de 1970 treinaram com ele no Santa Mônica78.
O motivo que o fez deixar de ser o técnico do time juvenil do Coxa foi que os juvenis do clube desejavam
receber os seus ordenados, mesmo na condição de amadores. Para não pagá-los, o clube liberou boa parte do
plantel, e na mesma oportunidade, o técnico Janguinho abandonou o clube. Ele saiu e levou todo o plantel do
juvenil, às vésperas do jogo com o Morgenau, e “ainda de lambuja quase uns trinta garotos do infantojuvenil”79:

69. O Dia/PR, 25/04/1945, p. 6.


70. Diário do Paraná, 21/04/1956, p. 10.
71. Diário do Paraná, 21/04/1956, p. 10.
72. Diário do Paraná, 21/01/1963, p. 11. Diário do Paraná, 15/02/1963, p. 11. Diário do Paraná, 27/04/1963, p. 13.
73. Diário da Tarde, 23/06/1964, p. 8. Diário da Tarde, 19/02/1963, p. 11.
74. Diário da Tarde, 09/10/1963, p. 8.
75. Correio do Paraná, 22/10/1964, p. 10. Correio do Paraná, 13/08/1965, p. 2. Correio do Paraná, 19/08/1965, p. 8. Diário do Paraná,
06/05/1965, p. 11.
76. Diário da Tarde, 30/07/1974, p. 3.
77. Diário do Paraná, 08/08/1973, p. 11.
78. Agradecimento especial ao senhor Jorge Henrique Jacob, ao ex-aluno de Janguinho, que nos forneceu várias informações e material
sobre o ex-jogador paranaense. Ele foi seu aluno no Santa Mônica Clube de Campo de 1968 a 1972. Relatou-nos que nessa época ainda
não havia escolinha de futebol, mas Janguinho ficava à disposição para montar os times mesclando todas as idades. Antes de começar os
jogos ou nos intervalos, ensinava os princípios básicos de futebol.
79. Correio do Paraná, 08/05/1965, p. 2. Diário do Paraná, 27/04/1963, p. 13.

229
JUVENIL CURITIBANO DEBANDOU EM MASSA

Janguinho, ex-jogador e técnico do juvenil abandonou o clube e induziu seus comandados


juvenis a solicitarem à diretoria do Coxa seus passes: seria uma quantia X (mais ou menos 10
mil cruzeiros) a título de gratificação mensal para ajudar na condução e outros gastos.
Apesar de ser prática de outros clubes de Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo, o presidente
Reinaldo Pereira falou que o Coxa não estava em condições de atender o pedido e
oportunamente voltaria a falar do assunto.
Janguinho não esperou, saiu. Daí Gouveia foi chamado para estruturar onze juvenis para atuar
no jogo marcado com o Bloco Morgenau (DIÁRIO DA TARDE, 06/05/1965, p. 3).

Em 1968 “o sempre estimado Janguinho, ex-jogador de futebol, virou técnico de juvenis do Clube
Atlético Paranaense”80.
Foi o atleta com mais participações na Seleção Paranaense, sendo titular durante onze anos, mas nunca
foi convocado para a seleção nacional81:

Com seus 1,77m e 74 Kg, extremamente disciplinado, Janguinho era um marcador tipo
carrapato, que grudava no adversário impedindo as suas ações. Era na criação que Janguinho
demonstrava toda a sua técnica e habilidade. Preciso nos passes, distribuía a bola com
perfeição e fazia lançamentos a longa distância que colocava os companheiros em excelentes
condições de jogo.
Apesar de ser o atleta com mais participações na Seleção Paranaense em todos os tempos,
nunca foi convocado para a Seleção Nacional. Segundo o jornalista Carneiro Neto, isto deveria
ter acontecido em dezembro de 1941, para a disputa do Torneio Sul-Americano do Uruguai
no ano seguinte, mas uma manobra política do presidente do Atlético, Manoel Aranha, não
deixou isso ocorrer. Quando da convocação de Caju e Janguinho, o presidente mudou o nome
de Janguinho para Joanino do Atlético. (CARNEIRO NETO, 1996, p. 68)82

Janguinho considerava Pelé o maior jogador de futebol do mundo “dotado de recursos raramente
encontrados num só atleta. Pelé é uma fábula!”83. Estava convicto de que o futebol brasileiro, assim como Pelé,
era o maior do mundo. Cultuava o samba, o fox e o cinema e “não tinha vícios”84.
Recebeu várias homenagens ainda em vida. Com o irmão José Ferreira, Janguinho foi convidado para
entregar a faixa de campeão ao time do Santos em 1955 – vinte anos depois de terem sido campeões pelo
clube85. Participou do ‘Jantar da Saudade”, evento realizado no Restaurante Madalosso, no bairro de Santa
Felicidade, no dia 31 de maio de 1978, que congregou os atletas, árbitros, dirigentes e cronistas que marcaram o
futebol paranaense nas décadas anteriores86. Quando da inauguração das quadras do Eixo de Animação Arnaldo
Bussato, na avenida Wenceslau Brás (20 quadras de pelada e 10 de voleibol), no ano de 1981, seu nome estava
entre os trinta antigos atletas de clubes de futebol homenageados pela Prefeitura de Curitiba durante a gestão
do então prefeito Jayme Lerner87. Em 1982 foi um dos veteranos homenageados no torneio Bola Murcha88. Em

80. Diário da Tarde, 15/01/1973, p. 15. Diário da Tarde, 30/05/1968, p. 6.


81. Gran-fina, 27/12/1941, p. 14.
82. Craque Colorado: Janguinho. Disponível em http://historiadoparanaclube.blogspot.com/2015/09/. Acesso 02.janeiro.2019.
83. Diário do Paraná, 24/07/1960, p. 26.
84. Janguinho: um pouco da vida do destacado médio do C.A. Ferroviário. Correio do Paraná, 18/08/1938, p. 4 e 5.
85. Paraná Esportivo, 16/01/1956, p. 8.
86. Diário da Tarde, 31/05/1978, p. 8.
87. Diário do Paraná, 21/11/1981, p. 8.
88. Diário da Tarde, 19/02/1982, p. 7.

230
2007 o vereador Jorge Bernardi prestou uma homenagem e propôs a denominação de uma via pública em
Curitiba com o nome de Janguinho89. Pela Lei Nº 12.926 de 25 de setembro de 200890 é denominado de JOÃO
FERREIRA DOS SANTOS – JANGUINHO, um dos logradouros públicos da capital paranaense.
Janguinho, “por sua desenvoltura elevava o cartaz de qualquer obstáculo. Em Curitiba era uma segunda
versão do Leônidas. Assim como o “Diamante Negro”, entusiasmava seus fãs com a sua formidável popularidade,
o afamado ‘colored’ empolgava os seus simpáticos torcedores. Considerando-se essa vasta simpatia pelo mais
perfeito asa médio das nossas canchas, todos que acompanharam o futebol paranaense a partir de 1935 não
podiam negar de quem se trata. Teve uma trajetória gloriosa esse soccer paranaense” (O Dia/PR, 10/12/1950,
p. 11)
Faleceu no dia 19 de agosto de 1996 no Asilo Recanto do Tarumã91 em Curitiba. José Maria Barbosa
foi uma das pessoas que acompanharam seu velório e sepultamento no Cemitério Municipal São Francisco de
Paula. A pedido de Barbosa, o então presidente do Paraná Clube, Ernani Buchmann, solicitou um minuto de
silêncio pela memória de Janguinho antes do início da partida do campeonato paranaense do domingo dia 25
de agosto de 1996.

Janguinho. Curitiba, 1941

Fonte: acervo do Grupo Helênicos

89. Câmara Municipal de Curitiba. Proposição Nº 09.00137-2007. Disponível em https://www.cmc.pr.gov.br/wspl/sistema/


ProposicaoDetalhesForm.do?select_action=&popup=s&chamado_por_link&pro_id=896&PESQUISA. Acesso 1º.janeiro.2019.
90. Lei Nº 12.926/2008 disponível em https://www.cmc.pr.gov.br/wspl/sistema/BibLegVerForm.do?select_action=&popup=s&chamado_
por_link&nor_id=14156&PESQUISA. Acesso 1º.janeiro.2019.
91. Conforme Certidão de óbito Nº 22230 do Cartório Distrital do Uberaba. Nos últimos cinco anos de vida foi amparado por seus sobrinhos
Terezinha e Ozeil, filhos de seu irmão José. Está sepultado no mausoleú da família Ferreira dos Santos.

231
REFERÊNCIAS

ALMANACH DO PARANÁ (1909). Almanach do Paraná para o anno de 1909. Redator Correa Neto. Curitiba: Typ.
Da Livraria Econômica.
BARBOSA (2018). Entrevista de João Maria Barbosa, o Barbosinha, concedida a Ana Crhistina Vanali no dia 26
de julho de 2018 em Curitiba.
BECKER, Laércio (2012). História do Britânia (clube extinto). Disponível em https://www.campeoesdofutebol.
com.br/britania_pr_historia.html. Acesso 7.janeiro.2019.
CARDOSO, Francisco Genaro (1978). História do futebol paranaense. Curitiba: GRAFIPAR.
CARNEIRO NETO, Antonio Carlos (1996). O vôo certo – a história do Paraná Clube. Curitiba: edição do autor.
COELHO, Vinicius; CARNEIRO NETO, Antônio Carlos (1994). Atletiba: a paixão das multidões. Curitiba: Fundação
Cultural de Curitiba.
DOMINGOS, José (2014). Poty e o esclarecimento. Disponível em https://dompizablog.wordpress.
com/2014/05/18/poty-e-o-esclarecimento/. Acesso 7.janeiro.2019.
FERNANDES, Rodrigo (2011). Ferroviário: uma ausência de 40 anos. Disponível em Arquibancada Virtual,
Gazeta do Povo (10/8/2011). Acesso em 07.janeiro.2019.
HELÊNICOS (2012). Eternos campeões: Coritiba Foot Ball Club e seus atletas inesquecíveis. Curitiba: Grupos
Helênicos.
HOFFMANN, Bruno (2017). Contra racismo, Portuguesa Santista não entrou em  campo. Disponível em https://
almanaquebrasil.com.br/2017/11/13/contra-racismo-portuguesa-santista-nao-entrou-em-campo/. Acesso
7.janeiro.2019.
LAURO (2015). Recordar é viver: 27/02/2015. Folha de Campo Largo, 01/03/2015. Disponível em http://
www.folhadecampolargo.com.br/vernoticia.php?id=34167. Acesso 2.janeiro.2019.
MACHADO, Heriberto Ivan; CHRESTENZEN, Levi Mulford (2005). Futebol do Paraná: 100 anos de história.
Curitiba: [edição dos autores].
OLIVEIRA, Carlos Roberto de (2005). O negro no futebol paranaense: o caso do Coritiba Football Club (1909–
1942). Curitiba: Imprensa Paranaense.
SANTOS F.C (2016). Ex-atletas: Jango (1935–1936): posição médio-direito, 39 jogos, 1 gol. Disponível em http://
acervosantosfc.com/jango-1935-1936/. Acesso 2.janeiro.2019.

* Agradecimento especial a Flávio Henrique Soethe do Grupo Helênicos do Coritiba Football Clube pelo acesso
ao arquivo fotográfico do clube.

Consultar também
Janguinho, um jogador completo. Revista do Coritiba, p. 28–29.

232
25
JOÃO FREDERICO ALVES
Nascimento: Jacarezinho/PR, 3 de maio de 1944
Falecimento: Curitiba/PR, 11 de julho de 2013

João Frederico Alves. Curitiba, 1993


Fonte: Arquivo da Polícia Militar do Paraná

233
JOÃO FREDERICO ALVES

(1944–2013)

Ana Crhistina Vanali

João Frederico Alves, filho de Olívio Frederico Alves e de Maria Alexandrina de Jesus, nasceu em
Jacarezinho, interior do Paraná, no dia 3 de maio de 1944. O casal teve nove filhos e eram trabalhadores rurais.
O primeiro emprego de João Frederico foi como balconista em uma mercearia na cidade de Londrina. Depois
chegou a trabalhar como cobrador de ônibus até ingressar na Polícia Militar do Paraná (PMPR).
Sentou praça na PMPR no dia 26 de janeiro de 1964, com 19 anos de idade. Frequentou o Curso de
Formação de Oficiais de 1964 a 1968 obtendo a média final 8,5 e ficando em terceiro lugar ao final do curso.
Permaneceu na corporação por 27 anos até entrar para a reserva remunerada em 1991.
Em sua ficha funcional na PMPR, João Frederico está assim descrito: “cor morena, cabelos pretos
carapinhos, olhos castanhos escuros, estudante, solteiro, vacinado e alfabetizado, com 1,75 m de altura, barba
e bigode raspado, sem sinais particulares” (PMPR, pasta Of. 1355).

João Frederico aos 19 anos

Fonte: Pasta OF. 1355 – Setor Inativos da PMPR

234
Trajetória de João Frederico Alves na PMPR

CLASSE DATA

Soldado 28/04/1964
Cadete 06/05/1966
Aspirante oficial 31/12/1968
2º tenente 14/11/1969
1º tenente PM 1º/11/1971
1º tenente QOPM 14/01/1980
Capitão QOPM 02/07/1981
Major QOPM 15/09/1986
03/06/1991
Tenente-coronel QOPM
(passagem para a reserva remunerada)

Fonte: Pasta OF. 1355 – Setor Inativos da PMPR

Condecorações de João Frederico Alves na PMPR

CLASSE ANO

Coronel Dulcídio – Bronze 1969 (honra ao mérito escolar)

Bronze 1976 (por merecimento)

Prata 1983 (20 anos de serviço na corporação)

Ouro 1991

Fonte: Pasta OF. 1355 – Setor Inativos da PMPR

Em 1973, era 1º tenente do 6º Batalhão da Polícia Militar de Cascavel1. Formou-se em Letras-Português


na Faculdade de Palmas em 1974. No ano de 1982, era capitão e também coordenador do Curso de Formação
de Oficiais de Cascavel2.

1. Diário do Paraná, 28/11/1973, p. 13.


2. Diário do Paraná, 21/04/1982, p. 8.

235
João Frederico em 1974

Formatura em Letras/Português
Fonte: acervo de Marilutti Alves

João Frederico em curso de formação da PMPR – sem data

João Frederico está ao centro, na frente


Fonte: acervo de Marilutti Alves

No ano de 1975, João Frederico estava passando as férias com alguns amigos em Salvador, quando num
dos passeios, em frente da porta verde da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco, conheceu a professora
carioca Iracema Leandro da Silva, que também estava de férias na cidade. Trocaram endereços e durante oito
meses namoraram por correspondência até que se casaram na cidade do Rio de Janeiro no dia 27 de março de
1976.
Após o casamento, Iracema deixou o Rio de Janeiro e foi morar em Cascavel onde continuou a lecionar.
João Frederico e Iracema tiveram quatro filhas: Ana Paula, Ana Beatriz, Keila e Marilutti. Mas, o casamento
durou pouco. Em 1983 Iracema estava participando de uma formação de professores na cidade de Guarapuava.
Após o curso, saiu com as amigas para um “happy hour”. Passou mal e a levaram para o hospital. Ela teve um
AVC. Nesse dia Iracema foi vítima de racismo, pois o médico que estava na emergência falou que não iria atender
uma “preta”. Iracema faleceu por falta de atendimento. João Frederico abriu um processo contra o médico por
negligência. A ação se arrastou por 16 anos até acabar em um acordo judicial (MARILUTTI, 2019).

236
João Frederico e Iracema do dia do casamento – 1976

Fonte: acervo de Marilutti Alves

João Frederico, Iracema e as quatro filhas – Cascavel, 1982

Fonte: acervo de Marilutti Alves

No ano de 1986, João Frederico foi transferido de Cascavel para Curitiba. Chegou à capital do Paraná
viúvo e com as quatro filhas pequenas. Seu irmão José Frederico, que também era policial e árbitro de futebol3,
o ajudou muito nessa nova fase da sua vida. Por ser formado em Letras, além da função militar, em paralelo
se tornou professor de Língua Portuguesa no Colégio da Polícia Militar Coronel Felippe de Sousa Miranda, de
fevereiro de 1988 até janeiro de 1990. Adorava estudar idiomas, de modo que dominava o francês e o alemão
(MARILUTTI, 2019).

3. Diário da Tarde, 07/08/1969, p. 6.

237
A partir de 29 de julho de 1990, foi promovido ao posto de tenente-coronel do Quadro de Oficiais da
Polícia Militar do Paraná4. Em novembro de 1990, assumiu a função de Chefe da 6ª Seção do Estado Maior
(PM/6) da PMPR, ficando dispensado da de Chefe da Subseção de Operações da 3ª Seção do Estado Maior da
PMPR5.

João Frederico com outros oficiais da PMPR – sem data

João Frederico é o quarto da esquerda para a direita


Fonte: acervo de Marilutti Alves

Após se aposentar trabalhava como voluntário no Hospital de Clínicas e no Pequeno Cotolengo.


Frequentava muito o Círculo Militar do Paraná, onde se encontrava com velhos amigos. Cursou a Faculdade
de Letras/Alemão na Universidade Federal do Paraná, uma vez que desejava aprender o idioma para poder se
comunicar com os netos, nascidos e criados na Alemanha (MARILUTTI, 2019).

João Frederico na Alemanha – 2007

Fonte: acervo de Marilutti Alves

Com relação à questão racial “nunca tapou o sol com a peneira. Meu pai sempre foi bem direto em
nos alertar que o racismo existia sim, mas que era para termos muito orgulho de nossa raça e nunca nos

4. DECRETO Nº 7285 – 20/09/90. PROMOÇÃO DOS INTEGRANTES RELACIONADOS DA POLÍCIA MILITAR DO PARANÁ. Publicado no Diário
Oficial Nº 3354 de 20/09/90.
5. DECRETO Nº 7436 – 20/11/90. CLASSIFICAÇÃO DE ACORDO COM O ART.16 DA LEI Nº 1943, DE 23/06/1954, E DISPENSA DOS OFICIAIS
SUPERIORES DA POLÍCIA MILITAR DO PARANÁ RELACIONADOS. Publicado no Diário Oficial Nº 3394 de 21/11/90.

238
escondermos”, declara sua filha caçula Marilutti (2019). João Frederico, em carta enviada ao presidente da CPO
da PMPR em 1986, solicitava sua promoção ao posto de major uma vez que teria cumprido todas as exigências
necessárias para obter esse mérito, mas que estava sendo preterido, então escreveu:

Ainda, é princípio constitucional dos Direitos e Garantias Individuais e diga-se, primus inter
pares, o contido no § 1º do Artigo 153 “todos são iguais perante a lei, sem distinção de sexo,
raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas. Será punido pela lei o preconceito
de raça”. O requerente entende que está sendo vítima de discriminação, por não receber
tratamento isonômico. (JOÃO FREDERICO ALVES, 23/09/1986)

Em 2008 João Frederico Alves era membro conselheiro da Associação de Defesa dos Direitos dos
Policiais Militares6.
Faleceu em Curitiba no dia 11 de julho de 2013, aos 69 anos. Está sepultado no Cemitério Vertical de
Curitiba7.

João Frederico na década de 1970 João Frederico em 2013

Fonte: Pasta OF. 1355 – Setor Inativos da PMPR Fonte: acervo de Marilutti Alve

REFERÊNCIA

MARILUTTI (2019). Entrevista de Marilutti Alves, filha de João Frederico Alves, concedida a Ana Crhistina
Vanali no dia 12 de maio de 2019 em Curitiba.

6. Disponível em http://www.justica.pr.gov.br/arquivos/File/cedi/ata200807.pdf. Acesso 30.março.2019.


7. Lista de Falecimentos de 12/07/2013. Disponível em https://www.gazetadopovo.com.br/servicos/falecimentos/a-alegre-dona-anete-
c2kvn1lgwwnzu7fcgd2igb7m6/. Acesso 30.março.2019.

239
26
JOÃO PEREIRA DA SILVA

** Não foram encontradas informações sobre o homenageado.

240
27
JORGE DE OLIVEIRA

** Não foram encontradas informações sobre o homenageado.

241
28
JOSÉ AUGUSTO GOMES
ANICETO
Nascimento: Ourinhos/SP, 18 de janeiro de 1949

José Augusto Gomes Aniceto. Curitiba, 2017


Fonte: Acervo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná

242
JOSÉ AUGUSTO GOMES ANICETO

Ana Crhistina Vanali

José Augusto Gomes Aniceto nasceu dia 18 de janeiro de 1949, na cidade de Ourinhos, estado de São
Paulo. É o segundo filho do casal José Aniceto e Ana Gomes Aniceto, ambos professores primários que tiveram
cinco filhos: dois juízes, uma psicóloga, um engenheiro civil e um advogado. A mãe se aposentou como professora
e o pai, depois de 25 anos trabalhando como professor primário, tornou-se Oficial de Justiça da Seção Judiciária
Federal de Curitiba (JORGE, 1979).
Quando Aniceto tinha dois meses de idade, sua família se mudou para Maringá. Foi no município
limítrofe de Mandaguaçu que em 1963 finalizou o ensino fundamental no Grupo Escolar Duque de Caxias. O
ensino médio foi concluído em 1966, no Colégio Estadual Doutor Gastão Vidigal, em Maringá.
Apaixonado por esportes, chegou a atuar nas divisões de base e equipe amadora do Grêmio Esportivo
Maringá. Também integrou a equipe paranaense e brasileira de paraquedismo, tendo participado de competições
internacionais dessa modalidade. Foi vice-campeão brasileiro universitário de futebol de campo, e ainda hoje
pratica o futebol para “descontrair” (ANICETO, 2018).
Em 1969, mudou-se de Maringá para Curitiba com o objetivo de fazer o curso preparatório para o
vestibular. Ingressou na Academia do Guatupê nesse mesmo ano, tendo iniciado sua vida profissional como
oficial da Polícia Militar do Estado do Paraná.  Graduou-se no Curso de Formação de Oficiais pela Academia
Policial Militar do Guatupê em 1971, mesmo ano em que começou a cursar Direito pela Universidade Católica
do Paraná. Em 1975, foi promovido a 1º tenente (JORGE, 1979).
Bacharelou-se no ano de 1975. No ano seguinte, ingressou, no quadro dos fiscais da Superintendência
Nacional do Abastecimento (Sunab) órgão do governo federal criado em 1962 e extinto em 1997 cuja finalidade
era intervir no mercado, fixando preços e controlando estoques1. Em 1977, foi aprovado em concurso público
para o cargo de Delegado da Polícia Federal, sendo convocado para assumir, mas Aniceto optou pela magistratura,
ingressando-a após concurso público para juiz adjunto em 1978.
Foi nomeado juiz em 11 de dezembro de 19782 para a comarca de Cianorte3. Durante a cerimônia de
posse, “no grupo de novos juízes que ali se encontravam, levantou-se um jovem alto e simpático que ao iniciar
sua caminhada em direção ao presidente, lançou primeiro um olhar de imensa gratidão e que foi atingir três
pessoas dentre todas que formavam o grupo Aniceto: a mãe, o pai e a avó” (JORGE, 1979).

1. Disponível em http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/superintendencia-nacional-de-abastecimento-sunab.
Acesso 22.maio.2018.
2. Marcada a posse para os juízes e desembargadores. In: Diário da Tarde, 25/11/1978, p. 2.
Aprovados 35 novos juízes. In: Diário do Paraná, 08/11/1978, p. 9.
3. Os novos juízes e suas comarcas. In: Diário do Paraná, 07/12/1978, p. 17.

243
Aniceto na cerimônia de posse como juiz

Curitiba, 11/12/1978
Fonte: Diário do Paraná, 14/02/1979

Promovido a juiz de direito, a partir de 30 de abril de 1980 atuou nas comarcas de Ipiranga, Engenheiro
Beltrão, Ivaiporã, Cianorte e Curitiba, onde foi diretor do Fórum e trabalhou junto à 19ª Vara Cível. Desempenhou
essas funções na capital paranaense até sua promoção ao extinto Tribunal de Alçada em 12 de abril de 2002,
onde ficou até 2005. Nesse mesmo ano, foi promovido ao cargo de desembargador do Tribunal de Justiça do
Paraná, em que se encontra até hoje (MARQUES, on-line).
Em 30 de dezembro de 1978 casou-se com Terezinha Orlandini, de tradicional família de Maringá. O
casal teve dois filhos.
Em sua trajetória, o desembargador Aniceto sempre exerceu importantes funções públicas e como juiz
sempre teve intensa atuação comunitária, sendo o fundador da Guarda Mirim de Engenheiro Beltrão e um dos
fundadores do Clube da Justiça, o Cajus. Em 1998, fez especialização em Direito Processual Civil pelo Instituto
Brasileiro de Estudos Jurídicos. Foi agraciado com várias homenagens ao longo de sua carreira:

2012 – Cidadão Honorário do Paraná


2008 – Cidadão Benemérito de Cianorte
2006 – Cidadão Honorário de Curitiba
2004 – Voto de Louvor da Câmara Municipal de Curitiba
1999 – Personalidade Empreendedora da Unaecic (União das Associações de Empresas da Cidade
Industrial de Curitiba)
1988 – Cidadão Honorário de Fênix
1988 – Cidadão Honorário de Ivaiporã
1988 – Benemérito do Supremo Conselho do Grau 33 do R. E. A. A. da Maçonaria
1987 – Cidadão Honorário de Quinta do Sol
1987 – Benemérito da A. M. R. Grande Loja do Paraná
1986 – Cidadão Honorário de Engenheiro Beltrão

244
Foi eleito vice-presidente do Instituto Afro-brasileiro do Paraná, fundado em 27 de abril de 1996
na cidade de Curitiba por alguns integrantes da Comunidade Afro-brasileira Paranaense “com finalidade de
exercício da solidariedade entre os membros da comunidade de origem africana, e para atingir esse objetivo:
deverá buscar o reconhecimento e valorização da comunidade afro-brasileira no contexto histórico, cultural,
social e econômico do país; promoção da conscientização a inserção social; garantia de seus direitos; estimular
e promover o aperfeiçoamento cultural da comunidade afro, com acesso às informações e à educação; promover
e apoiar realizações de estudos, pesquisas, trabalhos, publicações, cursos e outros eventos culturais...”4 . No ano
seguinte foi seu presidente, porém, antes do fim de 1997, desligou-se do Instituto.
Em 26 de maio de 1988, veio com a família de Engenheiro Beltrão para Curitiba a fim de participar
da instalação do monumento em homenagem à Colônia Afro-Brasileira de Curitiba na Praça Santos Andrade.
Considerou muito importante esse reconhecimento de algumas das personalidades negras da cidade uma vez
“que o racismo existe, mesmo de maneira disfarçada ele está presente” (ANICETO, 2018).
Desde 31 de dezembro de 2004 ocupa o cargo de desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná.

REFERÊNCIAS

ANICETO, José Augusto Gomes (2018). Entrevista concedida a Ana Crhistina Vanali dia 22 de maio de 2018 em
Curitiba.
JORGE, Mário (1979). Galeria ADVOPAR dos magistrados: juiz José Augusto Gomes Aniceto e juíza Maria Mercis
Gomes Aniceto. Diário do Paraná, 14/02/1979, p. 17.
MARQUES, Ricardo Joaquim Desembargador José Augusto Gomes Aniceto. CEDO – Museu da Justiça. Disponível
em https://www.tjpr.jus.br/desembargadores-tjpr-museu. Acesso 29.abril.2018.

4. Disponível em disponível em https://www.facebook.com/Institutoafropr/. Acesso 22.maio.2018.

245
29
JOSÉ CARLOS MOURA
DOS SANTOS
Nascimento: Santos/SP, 22 de dezembro de 1926
Falecimento: Curitiba/PR, 15 de março de 2010

José Carlos Moura dos Santos. Curitiba, 1988


Fonte: acervo de Ozeil Moura dos Santos

246
JOSÉ CARLOS MOURA DOS SANTOS

(1926–2010)

Ana Crhistina Vanali

José Carlos Moura dos Santos1, o Zé Carlos, nasceu em Santos, litoral de São Paulo no dia 22 de dezembro
de 1926. Era o filho caçula do casal João Baptista dos Santos e de Sybila Moura dos Santos, que além dele
tiveram as meninas Zeila, Zinah e os meninos Zair e Zaeli.
Começou jogando futebol como aspirante no Santos Futebol Clube. Em 1950 mudou-se para Curitiba e
veio morar com a irmã Zeila2. Na capital paranaense jogou no Clube Atlético Ferroviário entre os anos de 1950 e
19533 e no Bloco Morgenau de 1954 a 19564. No ano de 1953 foi campeão paranaense pelo Ferroviário quando
seu cunhado José Ferreira dos Santos5 era o treinador.
Ao mesmo tempo em que atuava como jogador “não amador”, era juiz de futebol nas disputas entre os
clubes amadores da primeira e segunda divisão e dos certames juvenis do campeonato paranaense6.
A partir de 1958, quando deixou de atuar como jogador, passou exercer a função de juiz e de auxiliar de
juiz do campeonato paranaense da primeira divisão7.

Anúncio de Zé Carlos como juiz

Fonte: Paraná Esportivo, 28/09/1958, p. 6

1. Na placa da Praça Santos Andrade está gravado JOSÉ CARLOS M. DOS SANTOS. Seu nome completo é JOSÉ CARLOS MOURA DOS SANTOS.
2. Ver capítulo 68 desse livro – Zeila Moura dos Santos.
3. O Dia/PR, 18/07/1951, p. 7. Diário da Tarde, 25/06/1953, p. 3. Paraná Esportivo, 19/06/1956, p. 7.
Consultar também Quem é quem no Ferroviário. Disponível em https://sumulastche.wordpress.com/2014/04/11/ca_ferroviario_pr/.
Acesso 30.março.2019.
4. O Dia/PR, 04/09/1953, p. 2.
5. Ver capítulo 31 desse livro – José Ferreira dos Santos.
6. O Dia/PR, 19/04/1950, p. 6.
7. Paraná Esportivo, 15/05/1959, p. 12. Correio da Noite/PR, 15/06/1959, p. 7. Correio do Paraná, 18/07/1959, p. 7. Diário da Tarde,
20/02/1959, p. 3. Diário do Paraná, 21/11/1958, p. 16.

247
Zé Carlos casou-se com Thereza de Jesus Fernandes Branco dos Santos. Ela era filha de Octalvino
Rodrigues Branco e Maria do Rosário Fernandes Branco, de tradicional família parnanguara8.
Ao deixar o futebol, Zé Carlos tornou-se bancário e fez carreira no Banco do Brasil, instituição pela qual
se aposentou. Fez parte da seleção dos bancários do Paraná e jogava futebol de salão pelo time do Banco do
Brasil. Durante muitos anos, juntamente com a irmã Zeila, participou do Centro Espírita Sol do Oriente (OZEIL,
2019).
Faleceu em Curitiba no dia 15 de março de 2010, aos 83 anos. Está sepultado no Cemitério Municipal
do Água Verde9.

REFERÊNCIA

OZEIL (2019). Entrevista de Ozeil Moura dos Santos, sobrinho de José Carlos Moura dos Santos, concedida a
Ana Crhistina Vanali no dia 24 de abril de 2019 em Curitiba.

8. Thereza de Jesus Fernandes Branco dos Santos faleceu a 24 de agosto de 2017 aos 90 anos (Gazeta do Povo, 25/08/2017).
Diário do Paraná, 19/03/1966, p. 10.
9. Lista de falecimentos de 15/03/2010. Disponível em https://www.gazetadopovo.com.br/servicos/falecimentos/lista-de-falecimentos-
eu8v5q1o2pg95imm3sy5cv0b2/. Acesso 30.março.2019.

248
30
JOSÉ DIONÍSIO DA SILVA

José Dionísio da Silva foi candidato a vereador pelo Partido Liberal (PL) à Câmara Municipal de Curitiba
nas eleições de 19881. Obteve 156 votos e não foi eleito2.
Não foram encontradas mais informações sobre o homenageado.

1. PL homologa chapa à Câmara Municipal. Correio de Notícias, 22/07/1988, p. 7.


2. Resultados de eleições municipais – TRE/PR. Disponível em http://www.tre-pr.jus.br/eleicoes/resultados/resultados-de-eleicoes-
municipais-tre-pr. Acesso 31.janeiro.2018.

249
31
JOSÉ FERREIRA DOS
SANTOS
Nascimento: Curitiba/PR, 15 de março de 1915
Falecimento: Curitiba/PR, 7 de agosto de 1974

José Ferreira dos Santos. Curitiba, 1974


Fonte: acervo Ozeil Moura dos Santos

250
JOSÉ FERREIRA DOS SANTOS

(1915–1974)

Ana Crhistina Vanali

José Ferreira dos Santos, conhecido como Ferreira, nasceu em Curitiba no dia 15 de março de 19151. Era
filho de Claro Lourenço dos Santos2 e de Lucilia Ferreira dos Santos3. O casal teve nove filhos: Juracy, Jandyra,
Jacyra, Iracy, Haroldo, José, Oswaldo, João e Claro..
O pai de Ferreira, Claro Lourenço, era um cozinheiro conhecido da capital paranaense. Em 9 de dezembro
de 1906, abriu com o sócio Joaquim Gonçalves da Motta, o Restaurante União, situado na rua XV de Novembro4.
Em 1894, tornou-se membro do conselho fiscal da Sociedade Treze de Maio5 e, em 1905, foi o vice-presidente
do clube6. Participou da comissão da festa da Sociedade Beneficente 28 de Setembro no ano de 19057.
A mãe, Lucilia, tinha a Pensão Ferreira na Praça Tiradentes8. “A pensão Irmãos Ferreira, sito à Rua
Monsenhor Celso, nº 19 iniciou suas atividades em 1937 e tinha como fundadora e diretora financeira Jandira
Ferreira dos Santos (irmã de Ferreira). O estabelecimento foi um dos mais famosos na época, pois ali se
hospedavam os universitários, militares e pessoas importantes que vinham a Curitiba para estudar, trabalhar e
abrir empresas. Esteve ativa por mais de vinte anos”9.
Conheceu a esposa – Zeila – quando foi jogar futebol no Santos Esporte Clube no ano de 1935. Casaram-
se em 1937, na cidade de Santos10 e tiveram dois filhos: Ozeil, nascido em 1941, empresário e atual cônsul-geral
honorário do Senegal para os estados do Paraná e Santa Catarina11 e Terezinha, nascida em 1949, professora12.

1. Na administração do Cemitério Municipal São Francisco de Paula onde José Ferreira dos Santos está sepultado consta como data de
nascimento dia 15 de março de 1916. Indicamos no texto o ano de 1915, pois seu irmão Oswaldo Ferreira dos Santos nasceu dia 7 de
novembro de 1916. Na primeira metade do século XX era comum muitas crianças não serem registradas civilmente nos ofícios de registro
civil até os primeiros 45 dias de vida. Depois, quando os pais iam realizar o registro acabavam se confundindo na data de nascimento
entre os filhos.
2. Claro Lourenço dos Santos, nascido em Morretes no dia 10 de dezembro de 1865, faleceu em Curitiba no dia 2 de fevereiro de 1955 aos
90 anos. Era filho de Rosária dos Santos. Fonte: Felicitações. Diário da Tarde, 10/12/1907, p. 2. Falecimento. O Dia, 03/02/1955, p. 9.
Administração do Cemitério Municipal São Francisco de Paula.
3. Lucilia Ferreira dos Santos nasceu 8 de outubro de 1875 e faleceu em Curitiba no dia 9 de agosto de 1943 aos 68 anos. Fonte:
Agradecimentos e missa. O Dia, 13/08/1943, p. 4. Administração do Cemitério São Francisco de Paula.
4. Consultar Almanach do Paraná (1909, p. 328) e A Notícia, 06/12/1906, p. 13.
5. A República, 28/12/1894, p. 4.
6. Diário da Tarde, 06/06/1905, p. 2.
7. Diário da Tarde, 26/09/2905, p. 2.
8. A República, 03/06/1913 e Correio do Paraná, 10/08;1942 e 02/09/1942, p. 6.
9. Proposição Nº 009.00199.2007 do vereador Zé Maria, da Câmara Municipal de Curitiba, que denomina de Jandira Ferreira dos Santos um
dos logradouros públicos de Curitiba, no bairro Fazendinha.
10. Ver capítulo 68 desse livro – Zeila Moura dos Santos.
Ajuste de núpcias: Ferreira contratou casamento em Santos. O Estado/PR, 05/01/1937, p. 8.
11. Ver capítulo 58 desse livro – Ozeil Moura dos Santos.
Agradecimento e missa. O Dia/PR, 13/08/1943, p. 2.
12. Nascimento. Diário da Tarde, 12/11/1949, p. 4.

251
Nascimento da filha Terezinha

Fonte: Diário da Tarde, 12/11/1949, p. 4

Ferreira com a família. Curitiba, 1969

Da esquerda para a direita: Ozeil, Terezinha, dona Zeila e Ferreira


Fonte: acervo Ozeil Moura dos Santos

252
Ferreira fez carreira no futebol de Curitiba, iniciando aos 12 anos no Santos Futebol Clube da Rua
Saldanha Marinho, junto com os irmãos João (Janguinho) e Haroldo (Bananeiro)13. Quando da época em que
teve que prestar o serviço militar, jogou no Clube Atlético Catarinense de Florianópolis entre 1932 e 1933. Ainda
em 1933 jogou no Caxias de Joinville. Em 1934 ingressou no quadro do Clube Atlético Ferroviário (CAF)14. Aos
20 anos, em 1935 transferiu-se para o Santos Futebol Clube, conquistando o campeonato paulista daquele ano
– o primeiro da história do clube ao lado do irmão Janguinho15. Era considerado um “médio hábil e inteligente,
que marcava bem a ala e distribuía melhor”16. Os jornais da época anunciavam o “Adios dos hermanos Ferreira”
do futebol paranaense:

Os conhecidos craques Janguinho e Ferreira do Clube Atlético Ferroviário foram defender as


cores do Santos e o futebol do Paraná terá que lamentar o êxodo dos dois jogadores, que
de fato possuem classe. José Martins, da direção do clube santista, ficou encantado com a
pujante forma dos atuais colorados. Por isso não poupou esforços para conseguir o concurso
de Janguinho e Ferreira.
Ferreira, o Zeca, já atuou há alguns dias na turma do Santos, contra a equipe do Ipiranga,
agradando sobremaneira aos observadores do clube.
Terão as mesmas condições que aqui desfrutam. Ingressaram na Estrada de Ferro Sorocabana
e continuarão sendo funcionários ferroviários.
O Ferroviário tem uma grande perda e o Santos fez uma grande aquisição.
...
Ferreira é o centro médio mais conhecido em nosso meio pebolístico, está em grande e perfeita
forma, seu nível de experiência demonstra grande qualidade. Possui mocidade, inteligência –
é realmente um pivô excelente. (O Estado/PR, 09/01/1935, p. 8)

Santos – Campeão Paulista de 1935

Ferreira é o sétimo da esquerda para a direita e Janguinho o oitavo


Fonte: acervo de Ozeil Moura dos Santos

13. Diário da Tarde, 05/07/1946, p. 8. Ver capítulos 19 – Haroldo Ferreira dos Santos e 24 – João Ferreira dos Santos.
14. Segundo Buchmann (2019, p. 73) Ferreira teria jogado também no Palestra Itália (atual Palmeiras de São Paulo), Caxias de Joinville,
Guarani de Bagé e Internacional de Campo Largo. Porém, não foram encontrados registros que indicassem em qual época ele teria atuado
em cada um desses clubes.
15. O Santos conquistou seu primeiro título de campeão paulista derrotando o Corinthians por 2 a 0 no Parque São Jorge. Os jogadores que
atuaram naquele dia, 17 de novembro de 1935, foram Ciro, Neves, Raul, Araken, Agostinho, Marteletti, Ferreira, Janguinho, Mário Pereira,
Junqueirinha e Saci. Correio do Paraná, 11/10/1935, p. 6. Consultar também 100 anos de Santos (14/04/2012) disponível em http://
www.espn.com.br/blogs/loucosporfutebol/251548_video-veja-a-historia-e-a-evolucao-do-escudo-do-santos. Acesso 2.janeiro.2019.
16. Diário da Tarde, 23/11/1935, p. 6.

253
Atuou no Santos até o dia 1º de maio de 1936, retornando para Curitiba. Representou a Seleção
Paranaense entre os anos de 1936 e 1948. Durante os anos de 1942 e 1943 atuou no Guarani da cidade de Bagé,
no Rio Grande do Sul, e chegou a ser convocado para a Seleção Gaúcha (NETO, 1969).
Apesar do pouco tempo de atuação na equipe santista, Ferreira sempre gozou de grande prestígio entre
a diretoria do Santos (Anexos A e B). Em 1938 foi cogitado o seu retorno ao clube santista17. No ano de 1955,
ele e o irmão Janguinho foram convidados para participar da festa do Santos, que foi campeão paulista daquele
ano18. Ferreira fez várias indicações de contratações, como o Lalá (Carlos Pierin) que nasceu na Lapa e iniciou
sua carreira jogando no União Esporte Clube, time local, e em seguida no Esporte Clube Real de Campo Largo.
Depois seguiu para a cidade de Curitiba e integrou o quadro do Clube Atlético Ferroviário. No início de 1959
foi jogar no Santos por intermédio de Ferreira19, que era representante do Santos F.C e do Cruzeiro de Belo
Horizonte em Curitiba e foi responsável pela descoberta de novos talentos do futebol (NETO, 1969).

Fonte: O Estado/PR, 21/12/1936, p. 6

No ano de 1936, Ferreira retornou para Curitiba (apesar da possibilidade de ir jogar em clubes cariocas),
antes do irmão Janguinho. Os jornais na época noticiavam que os irmãos voltaram para o Paraná, onde teriam
um “ordenado como jogador profissional e uma colocação na Estrada de Ferro”, porém é apontado que “talvez o
motivo do regresso dos irmãos Ferreira foi um desentendimento com o zagueiro Agostinho”20.
Em Curitiba, Ferreira voltou a atuar no CAF e a trabalhar na Rede Ferroviária como escriturário. O
Ferroviário atraia bons jogadores pelo emprego que conseguia ofertar a eles na Estrada de Ferro. Assim,

17. O Estado/PR, 21/12/1937, p. 4.


18. Paraná Esportivo, 24/12/1953, p. 3.
19. Paraná Esportivo, 03/08/1959, p. 16.
20. O Dia/PR, 29/01/1936, p. 6.

254
esse time conseguiu formar uma “esquadra de respeito conhecida como ESQUADRÃO DE AÇO” (MACHADO;
CHRESTENZEN, 1990, p. 81). Ao lado dos irmãos Janguinho e Oswaldo (Baiano)21 formavam o trio médio do
colorado que era considerado o melhor:

O trio médio formado pelos irmãos Ferreira: Baiano–Ferreira–Janguinho atuou de forma


surpreendente, em todo o transcurso da pugna, inutilizando os mais perigosos ataques que
os visitantes tentavam levar a efeito. O trabalho dispendido pelos três Ferreiras foi deveras
insano.

FERREIRA
O valente eixo do colorado confirmou a sua alta classe frente aos são-paulinos que o tiveram
como um dos fortes obstáculos a transpor. Aliás, Ferreira em nossos campos é tido como um
dos mais completos na posição que ocupa. (O DIA/PR, 14/10/1937, p. 6)

TRIO MÉDIO COLORADO

Fonte: O DIA/PR, 14/10/1937, p. 6

No campeonato paranaense de 1937 eram quatro irmãos Ferreira jogando no Ferroviário, “todos
craques”22 e integrantes da Seleção do Paraná. A atuação do CAF de 1937 e de 1938 foi “notável no esporte-
rei paranaense, bem poucos foram os clubes que conseguiram um conjunto tão perfeito quanto o seu. A linha
média era constituída pelos Irmãos Ferreira, que se transformou de simples setor intermediário em ‘cortina
de aço’ tal a sua intransponibilidade”23. De metade da década de 1930 até metade da década de 1940 os vários
jornais da capital paranaense destacavam que os Irmãos Ferreira eram “de fato a alma dos colorados”, diziam
que “o grêmio da Estação era uma pequena possessão dos Ferreira”, que o “CAF é famoso pelo ajustamento
imperante, em suas linhas, notadamente a intermediária formada pelos célebres irmãos Ferreira, os tais que
quando querem tomam conta da bola”, “os irmãos Ferreira eram uma muralha de difícil transposição”24.

21. Ver capítulo 57 desse livro – Oswaldo Ferreira dos Santos.


22. Correio do Paraná, 14/07/1937, p. 4.
23. Gran-fina/PR, 14/02/1942, p. 12.
24. Diário da Tarde, 11/11/1937, p. 6. O Dia/PR, 18/12/1937, p. 6. O Dia/PR, 17/10/1940, p. 10. O Dia/PR, 07/12/1945, p. 7.

255
O Esquadrão de Aço em 1937: 3 Irmãos Ferreira

Em pé, da esquerda para a direita em destaque: Janguinho e Ferreira. Agachado Bananeiro


Fonte: Correio do Paraná, 15/11/1937, p. 7

Os irmãos Ferreira eram de fato a “alma dos colorados” e constituíram, indiscutivelmente, um caso
“raríssimo no ‘association’ brasileiro sendo uma linha média constituída exclusivamente por irmãos, como
sucedeu por dois anos consecutivos na equipe do Ferroviário”25. A linha intermediária formada por Ferreira,
Baiano e Janguinho ganhou prestígio não apenas no futebol paranaense. Foi em uma partida no Rio Grande
do Sul que ganharam o apelido de “cortina de aço” quando o Ferroviário por lá excursionou. Depois a “cortina
de aço” se desmantelou com o Janguinho indo jogar no Coritiba enquanto o Ferreira seguiu para Bagé, no
Rio Grande do Sul. O único que permaneceu no CAF foi Baiano, que teve propostas tentadoras, mas como era
acadêmico de medicina optou por permanecer na cidade de Curitiba.

Anedota com os Irmãos Ferreira

Fonte: Correio do Paraná, 08/08/1942, p. 3

A linha média mais conhecida do futebol paranaense era composta pelos irmãos Ferreira, Bananeiro
e Janguinho, que compunham o “esquadrão número um de Curitiba”. Tinham destaque não apenas pelo
desempenho eficiente, mas o trio, toda vez que entrava em ação, era simpático e sua conduta muito disciplinada26.
A outra composição do trio de destaque era formada por Ferreira, Baiano e Janguinho, marcado pela força

25. Diário da Tarde, 29/03/1940, p. 2.


26. O Dia/PR, 06/10/1937, p. 6.

256
técnica, extraordinária “performance”. Esse trio, em 1938, das 23 partidas disputadas perdeu uma única vez. O
“Ferroviário tem como ponto alto sua linha média composta por três irmãos que, como raramente acontece, se
entendem às mil maravilhas”27.

O Esquadrão de Aço em 1938 Os quatro Irmãos Ferreira

Fonte: O ESTADO/PR, 30/01/1938, p. 6 Fonte: Correio do Paraná, 16/07/1937, p. 4

Irmãos Ferreira – sem data

Da esquerda para a direita: Bananeiro, Ferreira e Janguinho


Fonte: acervo Ozeil Moura dos Santos

27. O Dia/PR, 26/09/1939, p. 5.

257
O Esquadrão de Aço em 1939: 4 Irmãos Ferreira

Em pé, da esquerda para a direita em destaque: Ferreira, Baiano e Janguinho. Agachado Bananeiro
Fonte: O ESTADO/PR, 30/01/1939, p. 6

Quadro Campeonato Paranaense de 1938: Irmãos Ferreira do CAF

Fonte: Correio do Paraná, 30/04/1938, p. 4

No dia 4 de janeiro de 1942 os três irmãos Ferreira: Bananeiro–Ferreira–Janguinho jogaram juntos


pelo Coritiba, campeão paranaense de 1941, contra o Sport Club Recife. O Coritiba, não podendo contar com
a atuação do seu intermediário Tonico, convidou Ferreira para ocupar o lugar de centro médio e compor o
“esquadrão do Coxa”. Nessa época, Ferreira era considerado o grande “pivot” da seleção paranaense e o melhor
do estado. Assim, o campeão de 1941 pode “jogar sossegado”28.

28. Ferreira integrará os onze do Coritiba. Correio do Paraná, 03/01/1942, p. 4.

258
Os Irmãos Ferreira compondo o Esquadrão do Coritiba em 1942

Fonte: Correio do Paraná. Curitiba, 03/01/1942, p. 6

Ferreira atuou como jogador de futebol no Ferroviário até o ano de 194829. Depois passou a ser membro
do Departamento Técnico do mesmo30. Em 1950 era técnico do Água Verde Esporte Clube31 e membro das
tomadas de contas do Internacional Esporte Clube de Campo Largo32. De 1951 a 1953 foi técnico do Ferroviário33.
Em 1954 era técnico do time Poty Sport Club, com o qual foi vice-campeão da “segundona paranaense”34. Foi
técnico do Internacional de Campo Largo nos anos de 1954 e 1955. O campeonato da Liga de Campo Largo de
1956 chamou-se Torneio José Ferreira dos Santos em sua homenagem35. Em 1956 retornou como técnico do
Ferroviário onde “já foi jogador e técnico do clube colorado. Foi convidado para dirigir a sua equipe profissional
e aceitou a incumbência”36. Em 1957 desligou-se do Departamento Técnico do CAF e solicitou reingresso no
Departamento de Árbitros da Federação Paranaense de Futebol. No seu lugar foi contratado Tim, o famoso
“El Peon” (Elba de Pádua Lima) como treinador do Ferroviário37. Das três funções que Ferreira exerceu no

29. Quem é quem no Ferroviário. Disponível em https://sumulastche.wordpress.com/2014/04/11/ca_ferroviario_pr/. Acesso


23.março.2019.
30. O Dia/PR, 17/02/1945, p. 7.
31. O Dia/PR, 07/12/1950, p. 7. A Tarde/PR, 24/05/1950, p. 2. A Tarde/PR, 07/12/1950, p. 4.
32. A Tarde/PR, 02/06/1950, p. 2.
33. Galeria Esportiva: José Ferreira dos Santos. A Tarde/PR, 23/04/1955, p. 4.
34. Zé Domingos. Poty e o esclarecimento. (18/05/2014). Disponível em https://dompizablog.wordpress.com/2014/05/18/poty-e-o-
esclarecimento/. Acesso 23.março.2019.
Poty Sport Club: vice-campeão da segundona paranaense de 1954. Disponível em http://cacellain.com.br/blog/?p=109096. Acesso
23.março.2019.
35. O Dia/PR, 19/04/1956, p. 9. Diário da Tarde, 15/03/1956, p. 3.
36. Diário da Tarde, 18/08/1956, p. 3.
37. Paraná Esportivo, 14/03/1957, p. 6. Paraná Esportivo, 02/02/1957, p. 3.

259
futebol:jogador, técnico e juiz, a de técnico é a que ele considerava como “hobby que adotava para si”38.

Técnico do Ferroviário em 1953

Fonte: Grupo Facebook Antigamente em Curitiba

No ano de 1953, Ferreira se inscreveu no curso de árbitros da Federação Paranaense de Futebol (FPF)39
e começou a atuar como juiz e auxiliar de juiz (bandeirinha) de futebol, apitando partidas na capital paranaense,
no interior do Paraná e em outros estados. Também realizou o curso de arbitragem no Rio de Janeiro. Após
dez anos de atuação, estava entre os doze juízes que compunham a classe especial da FPF. Nessa época era
funcionário do imposto de renda, pois “vivendo do apito, como árbitro morreria de fome”40. Foi considerado o
melhor árbitro paranaense do mês de maio do ano de 196041.

O ex-centro médio do CAF e também da seleção paranaense, que foi no seu tempo, sem dúvida
alguma, uma das grandes expressões do futebol paranaense, vem prestando seus serviços
à Federação Paranaense de Futebol na qualidade de árbitro. Iniciou suas atividades como
juiz dirigindo partidas de segunda e terceira divisão da capital. Aos poucos foi adquirindo
confiança dos clubes da divisão principal e dirigindo alguns prélios dessa categoria fora da
capital. (Paraná Esportivo, 14/10/1953, p. 3)

38. Paraná Esportivo, 14/01/1960, p. 7.


39. Diário da Tarde, 28/01/1953, p. 3.
40. Correio da Noite, 02/07/1959, p. 8. Correio da Noite, 28/03/1960, p. 7. Última Hora, 03/10/1963, p. 10. Última Hora, 18/04/1964, p. 8.
41. Paraná Esportivo, 08/06/1960, p. 12.

260
Juiz do mês de maio de 1960

Fonte: Paraná Esportivo, 01/06/1960, p. 12

COM FERREIRA DOS SANTOS O FERROVIÁRIO MARCHA PARA MELHORES DIAS

José Ferreira dos Santos, quem não o conhece? É aquele mesmo elemento que defendeu as
cores do próprio Ferroviário em temporadas, formando o trio célebre que reuniu Tonico,
Ferreira e Janguinho, em defesa da representação do Paraná. A sua história é simples, sem
muita complicação, porquanto Ferreira foi desses que tinham reais virtudes para galgar os
degraus da fama, tanto assim que em breve espaço de tempo despontava como uma figura de
destaque no nosso cenário esportivo.

UMA HISTÓRIA

José Ferreira dos Santos faz parte de uma geração que brilhou no futebol do estado, em
companhia de seus manos Bananeiro e Janguinho. Iniciou sua carreira no mesmo Ferroviário
e logo galgou os dias de prestígio dentro do tricolor, mercê as suas atuações corretas, pois
tudo fazia em prol de dar ao clube da Estação grande feitos. Um dia, porém o tempo, que não
espera por ninguém, achou que era tempo de Ferreira se aposentar no que tange à prática do
esporte-rei e realmente assim aconteceu. Todavia, o homenzinho não se dava por achado e
continuava a procurar um meio de continuar militando no meio esportivo. Fez provas para
ser admitido como árbitro da Federação Paranaense de Futebol e conseguiu aprovação. Nesse
meio tempo desempenhou também as funções de orientador técnico do Internacional de
Campo Largo, aliás com raro brilho. Disso soube o Ferroviário, que estava com o seu conjunto
sem entrosamento e incontinenti mandou contratar Ferreira dos Santos.
[...] José Ferreira dos Santos brilhou em defesa das três cores no tempo em que a sua fama
atravessava fronteiras. Por certo, que não poderá haver ninguém melhor de que ele, para
reconduzi-lo ao bom caminho.
Felicidades Ferroviário. Felicidades José Ferreira dos Santos!
(A Tarde/PR, 30/08/1956, p. 4)

Acumulando obrigações: trabalho, trabalho, trabalho, ..., assim se expressou José Ferreira dos
Santos que assumiu como técnico do Clube Atlético Ferroviário, e orientava o Internacional de
Campo Largo. (Paraná Esportivo, 29/08/1956, p. 3)

261
O Juiz Ferreira

Ferreira retornando para os vestiários após examinar o gramado e dando como impraticável o mesmo
Fonte: Paraná Esportivo, 28/10/1957, p. 1

O papel do árbitro é muito ingrato, leva a pessoa do céu ao inferno, pois justamente ele tem uma função
muito importante. Cabe a ele aplicar as regras e ele é a autoridade sobre tudo e todos que estão relacionados
ao jogo. Do princípio ao fim de cada partida, ele é obrigado a seguir a bola que vai e vem entre os pés dos
jogadores. É uma atividade sem descanso e tem como recompensa a sociedade futebolística exigindo sua
cabeça. Raramente um juiz toma uma decisão que coincide com a vontade de todos e ele nunca consegue provar
sua inocência. Os derrotados perdem por causa dele e os vitoriosos ganham apesar dele. O árbitro é o álibi de
todos os erros e a explicação para todas as desgraças, por isso as notícias dos jornais sobre a atuação de Ferreira
como juiz são variadas.
Tem as que criticam sua atuação, apontando que ele “teimava em marcar impedimento em lances de
tabelinhas, um erro crasso que não se admitia em quem tem obrigações de conhecer as regras e já tinha sido um
craque brilhante do futebol paranaense”42. Era acusado de “colocar panos quentes” nas confusões dos jogadores
e sua arbitragem era considerada regular, fraca, pois apitava de forma insegura e deficiente43. Outras destacam
que ele corria bastante, apitava todos os lances e tinha autoridade em campo, evitando que os jogos fossem
violentos44. Deixou de atuar como juiz de futebol em 1970.

42. Paraná Esportivo, 09/09/1960, p. 10.


43. Paraná Esportivo, 08/06/1960, p. 2. Última Hora, 03/10/1963, p. 1.
44. Diário da Tarde, 20/04/1959, p. 3.

262
O juiz Ferreira

Fonte: Paraná Esportivo, 23/10/1957, p. 1

Fazendo parte de uma família negra de craques do futebol paranaense, a questão racial apareceu
em vários momentos na vida dos Irmãos Ferreira. Correia Junior, em artigo de 193945, destaca uma prática
comum no futebol brasileiro que eram amistosos entre craques pretos e brancos. Formavam-se selecionados,
combinados, constituídos pelos melhores jogadores conforme a “epiderme alva e colored”46 e estabelecia-se o
duelo entre a os arianos (brancos) e a “turma de cor” (pretos). A realização do jogo “Preto X Branco”, partida
de futebol cuja singularidade era opor autodeclarados pretos contra brancos, costumava aparecer sob a forma
de “um desfile de craques que com sentimento de altruísmo promoviam jogos beneficentes” e costumava ser
realizado no dia 13 de maio para celebrar o dia a abolição da escravidão no Brasil47:

Em função dos ranços herdados dos 358 anos (1530–1888) em que o preto foi escravo do
branco, esses jogos, que em tese tinham a função de celebrar a data histórica da abolição dos
escravos no Brasil, poderiam trazer amarguras ou remorsos herdados do tempo em que o preto
era hierarquicamente inferior em relação ao branco. Caso fossem colocados em jogo em uma
partida de futebol, este histórico de hierarquização e a assimetria da escravidão poderiam
gerar rivalidades raciais e possibilidades de manifestações de violência física e/ou simbólica
decorrentes do embate corporal próprio do futebol, caracterizado como um jogo de combate.
(ABRAHÃO; SOARES, 2016, p. 1138)
...
A imprensa da época destacava a ausência de manifestações de violência de qualquer natureza
durante essas partidas, o que se revela importante na medida em que o discurso nacionalista
sobre a ausência de conflitos foi interpretado como prova do elevado potencial civilizatório
da nação brasileira, que soubera harmonizar as diferenças étnicas. Afinal, durante a primeira

45. Chronicas alegres. O Dia/PR, 22/04/1939, p. 3.


46. A denominação “colored” fazia referência à cor da pele. O termo “colored peoples”, hoje em desuso, referia-se às populações cuja
cor da pele não se encaixava no padrão caucasiano estabelecido à época, ou seja, pessoas não brancas eram chamadas de “colored”.
Fonte: «Is the word ‘coloured’ offensive?».  Magazine. BBC News. 09/11/2006. Disponível em http://news.bbc.co.uk/2/hi/uk_news/
magazine/6132672.stm. Acesso 4.fevereiro.2018.
47. Correio do Paraná, 11/01/1938, p. 5.

263
metade do século XX – período em que “Preto X Branco” ocorria – o Brasil cultivou com muito
sucesso uma imagem da primeira “democracia racial” do mundo, uma terra em que negros e
brancos conviviam em harmonia e em condições de igualdade formal. Cabe dizer que os jogos
com a especificidade e diferencial de opor pretos e brancos em uma partida de futebol eram
realizados neste contexto em que o Brasil era tomado como um modelo a ser seguido no que
diz respeito às relações étnico-raciais. (ABRAHÃO; SOARES, 2016, p. 1139)

Os jogos “Preto X Branco” destacavam os marcadores fenotípicos e culturais que eram determinantes
para definir o grupo ao qual os jogadores pertenciam: o time de brancos ou de pretos. Correia Júnior (1939),
em artigo já citado, por exemplo, chama os brancos de arianos e os pretos de “homens de cabelo pixain”. Não
perde a chance de fazer anedotas, trocadilhos de fundo racista, como indicando que a vitória era mais garantida
aos brancos, “uma vez que os homens de cor, os pretos, teriam inúmeras dificuldades para atingir o alvo”. Que
os pretos levariam desvantagem também com relação à torcida, pois em Curitiba “havia cinquenta brancos
ou mais para um preto amante do futebol. Ainda se fosse na Bahia ...”, aqui destacando a ideia de que a capital
paranaense era dominada pelos descendentes de europeus e seriam poucos os pretos na cidade. Outras notícias
da época procuravam denunciar o racismo no futebol paranaense e demonstravam como essa imagem de
Curitiba capital europeia era a ideologia dominante, visto que sempre se afirmava que haviam poucos negros
na cidade. Então, para acabar com o preconceito racial, seria necessário fazer a inclusão do elemento negro no
futebol paranaense, mas como era numericamente inferiores “o jeito seria, se não aparecer nenhum escurinho
para quebrar a tradição, os dirigentes darem um banho de piche em algum branquinho que esteja disponível”48.
Ainda com relação à questão racial, Correia Junior (1939) comenta que essa situação da torcida
mudaria se os mulatos pudessem fazer parte da equipe negra, assim sua torcida seria “consideravelmente
aumentada com a presença na arquibancada da laboriosa colônia portuguesa”. Esses jogos demarcavam a ideia
de pertencimento de raça. Ele continua comentando que o juiz da partida teria que ser um japonês (da raça
amarela) ou um índio (da raça vermelha), pois caso fosse um “apitador branco ou preto puxaria a sardinha para
a sua brasa [raça]”. Os bandeirinhas poderiam ser um de cada cor. Para reforçar a ideia da democracia racial, fala
que a combinação preto e branco sempre foi ótima – “que o diga as mulheres, que vestidas de branco e preto
sempre estão bem vestidas!”. O caso de um possível desentendimento entre as seleções de pretos e brancos em
campo levaria a uma possível “atmosfera cinzenta de luta”. Em Curitiba, os destaques da equipe branca eram o
Zanetti, Francisquinho e Borges e da equipe preta os Irmãos Ferreira, Duia e Rafael.
A experiência desses jogos “Pretos x Brancos” auxiliava a dar visibilidade positiva ao desempenho
tanto técnico quanto moral dos negros no espaço social do futebol, ao mesmo tempo que demonstrava que
a sociedade ainda estava marcada pelos valores herdados da ordem escravocrata. A supremacia do time dos
pretos nos jogos serviu como um meio de reforçar seus capitais para o futebol e para contestar muitas das
marcas preconceituosamente imputadas às “pessoas de cor” na época, como a violência.
José Ferreira dos Santos foi um nome de relevo e de evidência na história do futebol paranaense,
representando uma geração de craques marcada pelo “padrão de classe, de categoria e principalmente de
honestidade profissional”. Além do futebol, como jogador, técnico ou juiz, gostava de viajar com a família,
percorrer o Brasil, pois afirmava que “do mundo nada se leva a não ser a vida que a gente leva”49.

48. Paraná Esportivo, 14/01/1960, p. 5.


49. Ferreira, o globe-trotter ... Paraná Esportivo, 14/01/1960, p. 7.

264
Em 1987, o grande craque do futebol paranaense foi homenageado pela Câmara Municipal de Curitiba
e seu nome foi dado a uma praça no bairro Tarumã50.
Faleceu em Curitiba no dia 7 de agosto de 1974 e está sepultado no Cemitério Municipal São Francisco
de Paula.

REFERÊNCIAS

ABRAHÃO, Bruno Otávio de Lacerda; SOARES, Antônio Jorge Gonçalves (2016). Raça e civilidade nos jogos
“Pretos x Brancos”. In: Movimento, Porto Alegre, V. 22, Nº 4, p. 1137–1148, outubro/dezembro.
BUCHMANN, Ernani (2019). O inédito exemplo dos Irmãos Ferreira. In: Fecomércio/PR, janeiro/fevereiro
2019, p. 72–73.
CORREIA JUNIOR (1939). Chronicas alegres. O Dia/PR, 22/04/1939, p. 3.
MACHADO, Heriberto Ivan; CHRESTENZEN, Levi Mulford (1990). Futebol, Paraná, História. Curitiba: Editora
Digitus.
NETO, Machado (1969). Histórias do futebol: Ferreira, astro da família de muitos craques. In: O Estado do
Paraná, 18/06/1969.
OZEIL (2019). Entrevista de Ozeil Moura dos Santos, filho de José Ferreira dos Santos, concedida a Ana Crhistina
Vanali no dia 24 de abril de 2019 em Curitiba.

50. Lei Nº 6751/1985 e Portaria Nº 10 de 28 de janeiro de 1987 proposto pelo vereador Horácio Rodrigues.

265
Anexo A – Designado representante do Santos em Curitiba

Fonte: acervo de Ozeil Moura dos Santos

266
Anexo B – Luto oficial no Santos E.C por três dias devido ao
falecimento de Ferreira

Fonte: acervo de Ozeil Moura dos Santos

267
32
JOSÉ MOREIRA DE ASSIS
Nascimento: Abatiá/PR, 11 de dezembro de 1947

José Moreira de Assis. Curitiba, julho de 2018


Fonte: Ana Vanali

268
JOSÉ MOREIRA DE ASSIS

Ana Crhistina Vanali

José Moreira de Assis, conhecido como Moreira, nasceu no município de Abatiá, estado do Paraná, aos
11 de dezembro de 1947. Filho de Cristovam Moreira de Assis e de Ilda de Souza Moreira. Era o segundo dos
três filhos sobreviventes dos dez que os pais tiveram. Os pais eram trabalhadores rurais e, enquanto viveu em
sua cidade natal, Moreira trabalhou em várias atividades. Foi sapateiro, açougueiro, pedreiro, carroceiro, pintor,
“enfim, trabalhava no que aparecia” (MOREIRA, 2018).
Em 1967, aos 19 anos de idade, Moreira veio para Curitiba a fim de terminar os estudos. Ficou na
cidade apenas três meses e retornou para Abatiá, pois não se adaptou com o clima: “o frio era demais, chegava
a doer os ossos, rachava a alma” (MOREIRA, 2018). Durante este período em que esteve na capital paranaense,
trabalhou na montagem de um supermercado.
Três anos depois, em fevereiro de 1970, retornou para Curitiba e, dessa vez, ficou na cidade. Começou
trabalhando no “serviço pesado”, carregando caminhões com os postes de ferros que eram utilizados nas
antigas instalações das linhas telefônicas. Esse serviço “chegava a sangrar os ombros, pois os postes eram muito
pesados. Depois, adaptamos um suporte para o ombro e conseguimos amenizar o peso e a dor” (MOREIRA,
2018). Posteriormente, foi trabalhar na empresa  Aurora Segurança, Vigilância e Transporte de Valores Ltda.
como vigilante no Banco Bamerindus1. Ao final da tarde, Moreira também ajudava o pessoal do administrativo
a fazer o fechamento diário do expediente bancário. Vendo seu potencial, o ajudaram a ser efetivado como
funcionário administrativo da instituição e Moreira passou a ser bancário.
Como bancário, Moreira retomou os estudos. Em Abatiá havia estudado até o segundo ano do Ensino
Médio. Em Curitiba, no Colégio Rui Barbosa, terminou os estudos secundários. Prestou o vestibular em 19752
para Ciências Econômicas na Faculdade De Plácido e Silva e foi aprovado3. Terminou a faculdade em 1978 e,
no ano seguinte, prestou concurso público para o Instituto de Administração Financeira e Assistência Social
(Iapas), no qual foi aprovado4.

1. Banco Mercantil e Industrial do Paraná S/A (Bamerindus) foi um banco brasileiro com sede na cidade de Curitiba. Fundado por Avelino
Antônio Vieira, funcionou de 1929 até 1997.
2. Diário do Paraná, 26/02/1975, p. 13.
3. A sede da Faculdade de Ciências Econômicas do Paraná/Escola Técnica de Comércio “De Plácido e Silva” ficava entre as Ruas Carlos de
Carvalho/Voluntários da Pátria/Cândido Lopes. Durante meio século por ali passaram milhares de paranaenses, entre professores e
alunos, muitos dos quais hoje nomes famosos em vários setores. A instituição foi fundada pelo jornalista, advogado, professor, editor e
empresário Oscar Augusto De Plácido e Silva (Maceió, 1893 – Curitiba, 1963). Ele adquiriu a Academia Paranaense de Comércio que seu
irmão mais velho, João Alfredo Silva, havia instalado em 1920, a Praça Osório, E foi ali que, em 1934, construiu o prédio que abrigaria
aquela escola de comércio e, posteriormente, uma faculdade de ciências econômicas e atuariais. Muitos anos depois, após a morte do
velho De Plácido e Silva, um grupo de professores criou uma fundação, transferindo a escola para a Rua General Carneiro, 216, onde hoje
está a sede da Fundação de Estudos Sociais do Paraná (Fesp), com vários cursos superiores. Acompanhando as atividades do pai desde
a infância, Juril Carnascialli não aceitou a separação e, assim, em 1974, criou a Faculdade de Ciências Econômicas De Plácido e Silva, que
funcionou algum tempo no mesmo prédio, transferindo-se depois para um imóvel junto à Igreja Nossa Senhora Aparecida no Barigui.
Em 1982 foi vendida para o Colégio Anglo/Palotti, um grupo de Londrina, que mudou a faculdade para um prédio na Avenida Vicente
Machado. A Uniandrade é resultado da união entre as Faculdades De Plácido e Silva (Fadeps) e mais duas outras faculdades (MILLARCH,
1985).
4. Diário do Paraná, 29/05/1981, p. 8.

269
Enquanto não saía sua nomeação no concurso, foi trabalhar no Sindicato dos Auditores Fiscais do
Estado do Paraná, juntamente com Antonio Pascoal entre os anos de 1980 e 19825. Dentre as várias atividades
que realizou, cuidava da parte de sinistros. Acompanhava os familiares dos auditores fiscais do interior que
precisavam vir para a capital resolver questões burocráticas.
Em 1983, foi finalmente nomeado para o concurso o qual prestara e Moreira assumiu como fiscal do
Iapas. Aposentou-se em 2003 como auditor da previdência social.
Depois de aposentado, trabalhou cerca de três anos como corretor de imóveis na imobiliária de Antonio
Pascoal e pouco tempo com a venda de títulos de papel.
Com relação a maio de 1988, lembra que recebeu o convite para participar do evento de inauguração
da placa porque seu nome vinha se sobressaindo apesar da sua cor: “Eram poucos os negros que conseguiam
se destacar, fazer uma faculdade, ser aprovado em um concurso público federal, sobretudo os que vinham do
interior e começaram a vida “trabalhando na roça”. Ainda destaca “que preconceito, um pouquinho sempre
existe, mas tem que lutar para superar essa condição senão não saímos do lugar. É bola para frente trabalhando
e estudando” (MOREIRA, 2018).

REFERÊNCIAS

MILLARCH, Aramis (1985). Demolido o prédio De Plácido e Silva. Estado do Paraná, 27/02/1985.
MOREIRA (2018). Entrevista de José Moreira de Assis concedida a Ana Crhistina Vanali no dia 17 de julho de
2018 em Curitiba.

5. Ver capítulo 9 desse livro.

270
33
JOSÉ PEREIRA FILHO
Nascimento: Curitiba/PR, 28 de maio de 1950

José Pereira Filho. Sem data


Fonte: acervo CMC

271
José Pereira Filho, conhecido como Pereirinha, nasceu em Curitiba aos 28 de maio de 1950. Filho de
José Pereira e de Odair Bueno Pereira.
Foi funcionário da Câmara Municipal de Curitiba de 1983 a 2003 quando se aposentou. Trabalhava no
Departamento de Administração e Finanças.
Pereirinha foi candidato a vereador pelo Partido Liberal (PL) à Câmara Municipal de Curitiba nas
eleições de 19881. Obteve 212 votos e não foi eleito2.

1. PL homologa chapa à Câmara Municipal. Correio de Notícias, 22/07/1988, p. 7.


2. Resultados de eleições municipais – TRE/PR. Disponível em http://www.tre-pr.jus.br/eleicoes/resultados/resultados-de-eleicoes-
municipais-tre-pr. Acesso 31.janeiro.2018.

272
34
JOSÉ PINTO REBOUÇAS
Nascimento: Rio de Janeiro/RJ, 18 de julho de 1850
Falecimento: São Paulo/SP, 26 de junho de 1921

José Pinto Rebouças ou José Pereira Rebouças


Fonte: O Archivo Illustrado, 1903

273
JOSÉ PINTO REBOUÇAS

(1850?–1921)

Alessandro Cavassin Alves

José era irmão mais novo de Antônio e André Rebouças, membros da destacada família Pereira Pinto
Rebouças, do século XIX.
Os pais de André, Antônio e José eram Antônio Pereira Rebouças e Carolina Pinto Rebouças; residentes
em Cachoeira, na Bahia. A família se estabeleceu no Rio de Janeiro por volta de 1846 devido às atividades
políticas do pai. Ao todo eram oito irmãos. Antônio, o pai, foi destacado advogado e político brasileiro, chegando
a ser Conselheiro de D. Pedro II, que lhe rendeu o apelido de Conselheiro Rebouças; era filho caçula do alfaiate
português Gaspar Pereira Rebouças e da escrava liberta Rita Basília dos Santos, que tiveram nove filhos
(MATTOS & GRINBERG, 2004, p. 36).
Os irmãos Rebouças receberam e utilizaram tanto o sobrenome Pereira do pai e do avô, como também
utilizam o sobrenome Pinto, da mãe Carolina. Daí a grafia por vezes aparecer como Pereira Rebouças ou Pinto
Rebouças.
José Pinto Rebouças seguiu a mesma formação dos irmãos, anos mais tarde, tornando-se engenheiro
em 1874 pela Escola Militar, depois denominada Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Consta que Antônio era
“tutor, orientador e educador” de seu irmão José1, provavelmente quando trabalhava no Paraná.
José Pinto Rebouças ou José Pereira Rebouças2, como irmão mais novo, teve como referências os
trabalhos de André e Antônio, inclusive acompanhando os passos dos mesmos.
Com a morte de Antônio, em 1874, José Rebouças segue a profissão de engenheiro com trabalhos em
São Paulo. Trabalhou na Companhia Paulista de Vias Férreas e Fluviais, provavelmente indicado pelo próprio
irmão Antônio, chegando à posição de engenheiro chefe. Posteriormente, exerceu o cargo de inspetor-geral da
Companhia Sorocabana e Ituana. José Rebouças e André Rebouças publicaram, em 1878, o Ensaio de Índice
Geral das Madeiras do Brasil, do qual fazia parte já o amplo conhecimento sobre as madeiras do Paraná.
A partir de 1895, José Rebouças entra na importante Companhia Mogyana de Estradas de Ferro,
destacando-se como engenheiro chefe e inspetor geral, inclusive recuperando administrativamente essa
empresa. Entre os anos de 1892 e 1898, esteve ligado a serviços de engenharia prestados ao governo de São
Paulo. Em 1907, consta como chefe da comissão de saneamento da cidade portuária de Santos. Mas, foi na
Companhia Mogyana que o Dr. José Rebouças fez sua próspera e destacada carreira de engenheiro, inclusive,
tendo como auxiliar o seu sobrinho, o engenheiro André Veríssimo Rebouças, filho de Antônio Pereira Rebouças
Filho. José escreveu, ainda, inúmeros relatórios técnicos, principalmente na Companhia Mogyana3.

1. Jornal Getulino, Campinas, SP, 06/07/1924.


2. A biografia de José Pereira Rebouças teve como referências: O Archivo Illustrado, Anno V, n. XXXIII, São Paulo, 1903: Dr. Rebouças; Jornal
O Paiz, Rio de Janeiro, 24/07/1912; Jornal Getulino. Orgam para a defesa dos interesses dos homens pretos. Campinas, SP, 06/07/1924: Dr.
Rebouças; Jornal Correio Paulistano, São Paulo, 28/06/1921: Nota de falecimento do Dr. José Pereira Rebouças; Disponíveis em: http://
memoria.bn.br/hdb/uf.aspx. Acesso em 15/01/2018. É importante lembrar que existiu um homônimo de José Pereira Rebouças, que foi
seu tio, irmão de Antônio Pereira Rebouças, o pai do engenheiro Dr. José Pereira Rebouças. Seu tio foi músico. Disponível em: https://
pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Pereira_Rebou%C3%A7as. Acesso em 16/01/2018.
3. A Companhia Mogiana de Estradas de Ferro foi criada em 1872 com sede na cidade de Campinas. Sua construção inscreve-se na história
da expansão da cultura do café em direção ao interior da então Província de São Paulo, constituindo-se, inicialmente, por um simples

274
José foi casado e teve três filhos, o engenheiro José Rios Rebouças e duas filhas, Etelvina e Carolina. Na
nota de falecimento do Dr. José Pereira Rebouças, aparecem os nomes de suas duas filhas, bem como de sua
cunhada, Mathilde de Mattos Rebouças (esposa de Antônio Rebouças) e seus sobrinhos, filhos de Antônio e
Mathilde, André Veríssimo Rebouças e Maria Carolina, demonstrando a longa ligação entre as duas famílias.
Faleceu aos 26 de junho de 1921 na cidade de São Paulo.

Missa pela morte de José P. Rebouças

Fonte: Correio Paulistano, 28/06/1921, p. 7

REFERÊNCIAS

ALVES, Alessandro Cavassin. (2015). A província do Paraná e sua Assembleia Legislativa (1853 a 1889). A força
política das famílias tradicionais. Curitiba: Máquina de Escrever.
Jornal Dezenove de Dezembro, Curitiba. Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/uf.aspx. Acesso em
15/01/2018.
Jornal Getulino. Orgam para a defesa dos interesses dos homens pretos. Dr. Rebouças. Campinas, SP, 06/07/1924.
Disponível em: http://memoria.bn.br/hdb/uf.aspx. Acesso em 15/01/2018.
JUCÁ, Joselice. (2001). André Rebouças. Reforma e utopia no contexto do Segundo Império: Quem possui a terra
possui o Homem. Rio de Janeiro: Odebrecht.
MATTOS, Hebe Maria & GRINBERG, Keila. (2004). Lapidário de si: Antônio Pereira Rebouças e a escrita de si. In:
GOMES, Ângela de Castro (org.). Escrita de si, escrita da história. Rio de Janeiro: Editora FGV.
NEGRÃO, Francisco. (1975). “Os Irmãos Rebouças”. In: Boletim do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico
Paranaense. Vol. XXVI.
O Archivo Illustrado, Anno V, n. XXXIII, São Paulo, 1903: Dr. Rebouças. Disponível em: http://memoria.bn.br/
hdb/uf.aspx. Acesso em 15/02/2018.
REBOUÇAS, André & REBOUÇAS, José. (1878). Ensaio de Índice Geral das Madeiras do Brasil.
Publicação Official. Rio de Janeiro: Typographia Nacional. Disponível em: https://archive.org/stream/
ensaiodeindiceg00rebogoog#page/n6/mode/2up. Acesso em 15/01/2018.

prolongamento da ferrovia então existente, até Mogi-Mirim e de um ramal para Amparo, com um seguimento até às margens do Rio
Grande. A proposta original, entretanto, de estender seus trilhos até Goiás, ao norte, nunca ocorreu.

275
35
JOSÉ RAMOS

* Não foram encontradas informações sobre o homenageado.

276
36
JOSÉ SALVADOR
DE SOUZA

José Salvador de Souza foi candidato a vereador pelo Partido Liberal (PL) à Câmara Municipal de
Curitiba nas eleições de 19881. Não obteve votos suficientes para ser eleito ou ficar na suplência2.
Não foram encontradas mais informações sobre o homenageado.

1. PL homologa chapa à Câmara Municipal. Correio de Notícias, 22/07/1988, p. 7.


2. Resultados de eleições municipais – TRE/PR. Disponível em http://www.tre-pr.jus.br/eleicoes/resultados/resultados-de-eleicoes-
municipais-tre-pr. Acesso 31.janeiro.2018.

277
37
JOSÉ SEVERINO SILVA
FELINTO
Nascimento: Aracaju/SE, 12 de julho de 1952

José Severino Silva Felinto. Curitiba, 2018


Foto: acervo pessoal

278
JOSÉ SEVERINO SILVA FELINTO

Luciana Podlasek
Ana Crhistina Vanali

José Severino Silva Felinto nasceu em 12 de julho de 1952, em Aracaju, estado de Sergipe. Filho de
Raimunda Silva Felinto e Otávio Felinto. O pai era branco de olhos azuis, descendente de alemães. A mãe,
mistura de negro com indígena, e era originária de famílias da Bahia e do Ceará. O casal teve sete filhos: Maria
Luziene, José, Paulo, Carlos, Antônio, Marta e Ozeias1.
O pai, seu Otávio, era filho de fazendeiros do Sergipe. Devido a sua origem “abastada”, os tios paternos
de Felinto chegaram a fazer curso superior. O pai preferiu não cursar nenhuma faculdade e ficou trabalhando
na fazenda. O avô de Felinto permitiu, pois o filho sofria de “perturbação mental”, que afetava sua capacidade
de pensar, sentir e se comportar com clareza. Esse distúrbio viria a ser reconhecido na comunidade médica
como esquizofrenia. Mais tarde o pai de Felinto foi trabalhar no Instituto de Aposentadoria e Pensões dos
Industriários (Iapi) e depois no Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Estivadores e Transportes de Cargas
(Iapetec)2.
A mãe, Dona Raimunda era a filha mais velha da sua avó materna, que ficou viúva com onze filhos
biológicos e mais três adotivos. A mãe era operária em uma fábrica antes de se casar.
Seu Otávio gostava muito de política, mas nunca chegou a se candidatar para concorrer a algum cargo.
Devido a sua doença, ficava afastado um mês do trabalho, depois retornava e trabalhava mais uns três ou quatro
meses e voltava a se afastar para tratamento de saúde. Manteve essa rotina até que acabou sendo aposentado
por invalidez. Nos períodos em que estava afastado do trabalho, ia para Aracaju ajudar o governador Augusto
Franco, fazendo campanha na rua. Parava o trânsito e fazia discurso sobre Getúlio Vargas, isso em pleno auge de

1. Ozeias Felinto foi casado com Sandra Regina Machado Arantes do Nascimento (1964-2006) que ficou nacionalmente conhecida após
travar uma longa batalha judicial pelo reconhecimento de sua paternidade com Edson Arantes do Nascimento, o famoso ex-jogador Pelé,
reconhecimento que demorou quase trinta anos para acontecer (FELINTO, 2018; MOREIRA, 2006).
2. O  Instituto Nacional de Previdência Social  (INPS)  foi um  órgão público  previdenciário federal criado em  1966  a partir da fusão dos
Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs) existentes na época. A previdência social no Brasil deu seus primeiros passos com a Lei Elói
Chaves, de 1923, que criou as Caixas de Aposentadorias e pensões (CAPs), que eram geralmente organizadas por empresas e empregados.
As CAPs operavam em regime de capitalização, porém eram estruturalmente frágeis por possuírem um número pequeno de contribuintes
e seguirem hipóteses demográficas de parâmetros duvidosos; outro fator de fragilidade era o elevado número de fraudes na concessão de
benefícios. Em 1930, o presidente do Brasil Getúlio Vargas suspendeu as aposentadorias das CAPs durante seis meses e promoveu uma
reestruturação que acabou por substituí-las por Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), que eram autarquias de nível nacional
centralizadas no governo federal. Dessa forma, a filiação passava a se dar por categorias profissionais, diferente do modelo das CAPs, que
se organizavam por empresas. Ao longo dos anos seguintes surgiriam vários institutos: IAPM (Instituto de Aposentadoria e Pensões dos
Marítimos – 1933); IAPC (Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários – 1934); IAPB (Instituto de Aposentadoria e Pensões
dos Bancários – 1934); Iapi (Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários – 1936); Ipase (Instituto de Pensões e Assistência
dos Servidores do Estado – 1938); Iapetc (Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Empregados em Transportes e Cargas – 1938); Iapoe 
(Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Operários Estivadores – 1939); ISS  (Instituto de Serviços Sociais do Brasil – 1945), Iapetec 
(Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Estivadores e Transportes de Cargas – 1945); Capfesp (Caixa de Aposentadoria e Pensões dos
Ferroviários e Empregados em Serviços Públicos – 1953); Iapfesp (Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Ferroviários e Empregados
em Serviços Públicos – 1960). Em 1964, foi criada uma comissão para reformular o sistema previdenciário, que culminou com a fusão
de todos os IAPs no INPS (Instituto Nacional da Previdência Social), criado por Eloah Bosny em 1966. Em 1974 foi fundada a Dataprev.
Em 1977 foram fundados os hoje extintos Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (Sinpas),  Instituto de Administração
Financeira da Previdência e Assistência Social (Iapas) e o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps). Em
1990, o INPS se fundiu ao Iapas para formar o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). O Inamps, que funcionava junto ao INPS,
foi extinto e seu serviço passou a ser coberto pelo SUS. Disponível em Histórico do INSS. http://www.previdencia.gov.br/a-previdencia/
instituto-nacional-do-seguro-social-inss/. Acesso 14.janeiro.2019.

279
suas crises. Somente três pessoas conseguiam retirar ele da rua: sua esposa, sua mãe ou o governador Franco.

Enquanto meu pai estava na ativa, trabalhando, ele sempre queria viajar, morar em outros
lugares. Então ele tinha uns rompantes e decidia vender tudo, pedia transferência no emprego
e anunciava: – vamos morar em São Paulo! Por isso mudamos várias vezes. Eu e meus irmãos
nascemos em lugares diferentes; Maria Luziene e eu em Aracaju, Paulo em Marília, interior de
São Paulo, Carlos nasceu em São Paulo, capital, Antônio e Marta em Aracaju, quando minha
mãe retornava para visitar os parentes. O caçula Ozeias nasceu em Nova Iguaçu, no estado do
Rio de Janeiro.
Lembro que uma época meu pai foi tomar conta em São Paulo de uma massa falida de uma
fábrica de pentes de ossos e por isso meu irmão Carlos nasceu em Suzano, no interior de São
Paulo. (FELINTO, 2018)

José Felinto veio para Curitiba pela primeira vez em junho de 1973 para cuidar de Ozeias de Paula3, irmão
da sua namorada, o qual havia sofrido um acidente automobilístico na capital paranaense e estava internado
no Hospital Evangélico, precisando de cuidados. Como nessa época Felinto já estava cursando enfermagem na
Marinha4, ele pediu licença de quinze dias e veio acompanhar Ozeias de Paula, evitando que a sua perna fosse
amputada5:

Eu queria ser médico ou enfermeiro para curar o meu pai. Por isso decidi cursar enfermagem.
Então o Ozeias de Paula, irmão da Odila, minha namorada, sofreu um acidente em Curitiba.
Ele era cantor evangélico e veio fazer um show na cidade. Estavam em três pessoas no carro:
o Fernando Pesh (que veio a óbito no local pois fraturou o pescoço), o Daniel Filho (que ficou
desacordado, mas por ser residente de medicina no Hospital de Clínicas foi enviado para lá)
e o Ozeias de Paula (como era um negão enviaram para o Hospital Evangélico e lá queriam
amputar a sua perna). (FELINTO, 2018)

Felinto havia entrado para a Marinha no Rio de Janeiro em 1969 e, depois de um ano, se formou no
curso Aprendizes de Marinheiro como um dos primeiros colocados. Por esse motivo, foi selecionado para
fazer a especialização em Hidrografia e Navegação, um curso completo, em que se estudava disciplinas como
Geodésia, Geologia, Geofísica, mas “não era isso que eu queria fazer, então decidi mudar de curso e fui fazer
enfermagem. Eu tinha um amigo, o Hélio Viana, que estava três anos adiantado e fazia a Escola de Medicina. Ele
me levava para o Instituto Experimental e me dava aulas particulares”, confidencia Felinto (2018).
Em 1977, Felinto foi transferido pela Marinha para a cidade de Paranaguá. Já era enfermeiro formado.
Chegando à cidade portuária paranaense, foi convidado por Antonio Carlos Abud6, vereador em Paranaguá
pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), para participar de uma reunião. A partir desse dia

3. Ozeias Moura de Paula, nascido a 23 de abril de 1951 na cidade de Muriaé/MG, é um  cantor  e  compositor  brasileiro, do segmento
evangélico. Membro da Igreja Evangélica Assembleia de Deus, é reconhecido como um dos maiores intérpretes da música evangélica
no Brasil. Fonte: TAVARES, Elvis. Ozeias de Paula, intérprete maior do gospel nacional. Disponível em http://www.efratamusic.com.br/
conteudo.php?id=64&id_secao=3. Acesso 14.janeiro.2018.
4. José Felinto é formado Técnico em Enfermagem pelo Centro Médico Naval do Rio de Janeiro (1974). Fez curso de aperfeiçoamento no
Hospital Naval da Filadélfia (EUA) e curso de sub-especialização em Lisboa (Portugal) em 1976. Fonte: PORTELA, José Carlos Pereira.
Perfil dos Deputados – 11ª a 15ª Legislatura – 1987 a 2006. Disponível em http://www.alep.pr.gov.br/deputados/1987-ate-1990. Acesso
14.janeiro.2019.
5. Ozeias foi convidado por Mateus Iensen, proprietário da gravadora “Estrela da Manhã”, para gravar com ele. O resultado foi o seu mais
aclamado álbum, “Cem Ovelhas”, gravado em Curitiba. Mas antes do lançamento do disco, em  4 de junho  de  1973, Ozeias sofreu um
grave acidente automobilístico em uma viagem de Curitiba para o Rio de Janeiro. Ele teve as pernas quebradas, o crânio fraturado, além
de outros danos. Passou cerca de 9 meses em recuperação, no hospital e em casa. Depois disso então o disco Cem Ovelhas foi lançado,
atingindo altos índices de venda. Disponível em http://www.ozeiasdepaula.com.br/. Acesso 14.janeiro.2019.
6. Disponível em https://www.paranagua.pr.leg.br/temp/29012019171138AntonioCarlosAbud.pdf. Acesso 29.jameiro.2019.

280
passou a ser perseguido pelo comandante capitão dos portos. A situação piorou quando Felinto descobriu que
vendia-se gasolina azul (de avião) a 10% do custo da amarela para a Venezuela:

A perseguição consistiu no comandante afirmar que eu tinha problemas mentais. Ele sempre
verificava se eu estava barbeado, pois somente os postos de oficiais poderiam ter bigode.
Esse tipo de atitude eu enfrentava e enfrento até hoje! Questionava e achava preconceituoso.
Sempre fui contra o sistema e toda forma de injustiça. Então, diante desses atritos, decidiram
me reformar como esquizofrênico. Ser reformado era o sonho de todo mundo, pois você
era promovido duas divisas. Não concordei com isso, com essa reforma por esquizofrenia
porque eu não estava doente. Não recorri na justiça, mas procurei os almirantes médicos
que conhecia, os doutores Mario Serrat Rodrigues e Ernani Vitorino Aboim Silva, esse último
diretor-geral do Hospital Central da Marinha, que me deram parecer positivo desfazendo
minha aposentadoria. Toda essa perseguição por eu ter questionado o capitão. Daí vieram as
eleições de 1978 e os militares decidiram apoiar ou o Nelson Buffara ou o Cleverson Marinho
Teixeira para deputado. Como eu era evangélico, decidi apoiar o filho de um pastor que saiu
candidato e tinha o princípio da igreja, o Gamaliel Bueno Galvão. Começaram a falar que
meu candidato era comunista. Quando saíram os resultados das eleições e Gamaliel ganhou
como deputado federal, daí que “acabaram” comigo de vez. Me internaram, me perseguiram
politicamente e me colocaram na reserva remunerada em 1978. (FELINTO, 2018)

Felinto aos 17 anos

Foto: acervo pessoal de José Felinto

281
Na Escola de Aprendizes de Marinheiro – Vila Velha/ES, 1970

Felinto é o primeiro à esquerda.


Foto: acervo pessoal de José Felinto

Reformado da Marinha, José Felinto partiu para Curitiba em busca trabalho. Então, seu amigo que
morava no Rio de Janeiro, Expedito Gomes Isidoro, que era capitão fragata e farmacêutico, deu o telefone de um
sobrinho dele, Plínio Barroso de Castro Filho, que morava na capital paranaense para ajudá-lo. Plínio arrumou
um emprego de enfermeiro para Felinto na Santa Casa de Misericórdia. Como era bem extrovertido, em quinze
dias Felinto já conhecia todos do hospital e foi convidado para uma reunião do Sindicato dos Enfermeiros. Em
uma das primeiras reuniões já “bateu de frente” com o advogado do sindicato, pois considerava que este não
estava defendendo os interesses da categoria7. Como Felinto se expressava bem, foi escolhido como membro
da comissão de greve que estava se formando. Enquanto os enfermeiros estavam em fase de organização
da sua greve, estava ocorrendo em novembro de 1979 a “greve dos pedreiros” promovida pelo sindicato
dos trabalhadores da construção civil de Curitiba8. Durante as manifestações dos grevistas, a polícia usou
da violência contra os manifestantes e Felinto passou a recolher os feridos para atendimento na Santa Casa.
A direção foi contra e advertiu o enfermeiro, visto ali não era pronto-socorro. Felinto procurou se justificar

7. Enfermeiros acusam: os hospitais burlam o acordo. Diário do Paraná, 24/07/1980, p. 9.


8. Aumentam as falências. Correio do Paraná, 16/03/1980, p. 4.

282
relembrando o juramento de defesa da vida que fez ao se formar enfermeiro. Então, foi demitido da Santa Casa9
e “decidi organizar uma reunião com o sindicato dos enfermeiros. Chamei a imprensa e durante toda a noite
percorremos os hospitais convocando a categoria para a reunião no dia seguinte. Acabei virando líder dessa
greve de 1980”10 (FELINTO, 2018) e passou a defender causas importantes para a categoria:

O candidato a vereador pelo PMDB, José Felinto, líder da classe dos enfermeiros, está pedindo
ao governo federal a imediata implantação da taxa adicional de insalubridade para esses
profissionais.
Felinto quer saber se no entender do Ministro da Previdência Social apenas os médicos são
passivos de contração de moléstias infecto-contagiosas. Recentemente esteve em Brasília em
companhia do deputado Lúcio Cioni para a cobrança da implantação do benefício11 (DIÁRIO
DO PARANÁ, 03/12/1981, p. 4)

Com a participação na comissão de greve dos enfermeiros, Felinto acabou ganhando projeção e se
aproximou de Álvaro Dias e José Lúcio Cioni, ambos do PMDB. “Eles me ajudaram muito nas várias vezes em
que fui preso pelo DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) devido às agitações do movimento de
greve” (FELINTO, 2018). No dia 1º de maio de 1982 Felinto foi preso, juntamente com outros dois candidatos
do PMDB, quando estavam realizando um comício na Rua XV de Novembro, esquina com a Monsenhor Celso.
Foi alegado que eles não tinham autorização para a realização do comício, mas na verdade o problema foram os
panfletos distribuídos com os dizeres “O POVO VAI CONQUISTAR A DEMOCRACIA”12 em plena ditadura militar.
Em 1982 foi eleito vereador de Curitiba pelo PMDB com 4.186 votos13. Teve intensa vida política como
vereador, apresentando projetos para redução das tarifas dos ônibus urbanos, estabelecimento de benefícios
para a classe dos enfermeiros, entre tantos outros:

O vereador José Felinto, do PMDB, voa alto. Esteve em Brasília e manteve audiências com
três autoridades: Cloraldino Severo, dos Transportes; Affonso Pastores, presidente do Banco
Central; Jarbas Passarinho, da Previdência Social.
Com o primeiro cobrou a redução das tarifas de ônibus urbano. Com Pastore pediu a
instalação de uma agência bancária no bairro Centenário. Com Passarinho conversou sobre
a insalubridade, que não vem sendo paga aos trabalhadores. (Em Brasília, CORREIO DE
NOTÍCIAS, 31/10/1984, p. 2).

9. Demitido. Diário da Tarde, 15/01/1980, p. 7.


10. Enfermeiros estão dispostos à greve. Diário do Paraná, 05/02/1980, p. 1.
Judas reprimido. Correio de Notícias, 06/04/1990, p. 6.
11. Felinto quer taxa de insalubridade. Diário do Paraná, 03/12/1981, p. 4.
12. Tumulto e prisão no comício do PMDB. Diário da Tarde, 01/05/1982, p. 1.
13. Resultados eleições municipais de 1982. Disponível em http://www.tre-pr.jus.br/eleicoes/resultados/resultados-de-eleicoes-
municipais-tre-pr. Acesso 14.janeiro.2019.
Eleições 1983. Tribunal divulga o resultado de 13.582 urnas; confira os números. Diário da Tarde, 24/11/1982, p. 6

283
Felinto em Brasília com o Ministro do Trabalho Almir Pazzianotto

Fonte: Correio de Notícias, 25/04/1985, p. 2

Charge referente à redução da tarifa do transporte coletivo

Fonte: Correio de Notícias, 26/03/1986, p. 5

Como vereador, foi procurado em 1984 por um grupo de pastores liderado por Gilberto Malafaia e
Túlio Barros Ferreira, para lançarem candidatos evangélicos para as assembleias constituintes federal e
estadual nas próximas eleições que seriam realizadas em 1986. Felinto acabou participando dessa comissão
e percorreu o Brasil para o levantamento desses candidatos. Pelo PMDB do Paraná, ele concorreu ao cargo de
deputado estadual e Mateus Iensen ao cargo de deputado federal. Ambos como candidatos do grupo evangélico
Assembleia de Deus14.
Assim, em 1986, deixou o cargo de vereador para disputar uma cadeira na Assembleia Legislativa do
Paraná (Alep), sendo eleito com 29.336 votos15 e tomando posse em fevereiro de 1987. Como deputado estadual,
Felinto fez parte do grupo de legisladores que elaboraram a Constituição do Estado do Paraná, promulgada em
1989 (PARANÁ, 1989, p. 01)16.

14. Bichos do Paraná (II). Correio de Notícias, 26/01/1992, p. 2.


A rádio e o trator. Correio de Notícias, 22/06/1988, p. 4.
15. Os eleitos de 15 de novembro. Correio de Notícias, 25/11/1986, p. 2.
16. PMDB divulga número dos seus candidatos. Correio de Notícias, 30/07/1986, p. 2.

284
Felinto na Alep em 1990

Fonte: Correio de Notícias, 19/09/1990, p. 4

Charge de Felinto enquanto deputado estadual, 1990

Fonte: Correio de Notícias, 26/10/1990, p. 4

No final de seu mandato como deputado estadual, José Felinto teve destaque na imprensa nacional ao
lançar e apoiar a candidatura do apresentador e empresário Silvio Santos à Presidência da República (CPDOC/
FGV, 2009). Questionado sobre esse assunto, Felinto (2018) relembra:

Eu estava na casa do meu amigo Francisco Silva e vi na televisão que o Aureliano Chaves talvez
saísse candidato à presidência da república. Eu havia me afastado do PMDB, pois fiquei bravo
porque o Álvaro Dias não foi lançado candidato à presidência pelo partido17. O “prenderam”
como governador para manterem o emprego de muita gente. Então me afastei politicamente
do PMDB e me dediquei ao Silvio Santos, mesmo sabendo que o Roberto Marinho não iria
deixar a sua candidatura ir adiante. (FELINTO, 2018)

17. Na festa de Araucária, lança Álvaro ao senado. Correio de Notícias, 09/02/1990, p. 2.

285
Declarou Felinto ao jornal Correio de Notícias do dia 15 de novembro de 198918.

O Tribunal Superior Eleitoral cedeu às pressões de Antônio Carlos Magalhães, do Roberto


Marinho e dos empresários que puseram dinheiro na campanha de Color. Eles não queriam
um candidato descompromissado com esse tipo de gente como presidente da república,

Para sucessão de José Sarney na presidência da república, José Felinto apoiava a candidatura de Álvaro
Dias. Como o PMDB lançou Ulysses Guimarães, Felinto aderiu ao programa do Partido Municipalista Brasileiro
(PMB)19 fazendo campanha para lançamento de Álvaro Dias então por essa sigla. Para Felinto, Álvaro Dias tinha
o perfil do candidato ideal para presidente da república, pois “era um homem sério e responsável, libertador
como Moisés que tirou seu povo da escravidão; valente como Davi que venceu Golias e os filisteus; sábio
como Salomão, administrador como José do Egito que venceu a crise da fome e da miséria com planejamento,
probidade e competência” (FELINTO, 15/02/1989)20. Apesar de todos os esforços de Felinto, Álvaro Dias não
saiu candidato à presidência da república na eleição de 1989.
Então, para a eleição presidencial de 1989, Armando Corrêa, presidente do PMB, seria o candidato do
partido. Seu vice era Agostinho Linhares de Souza. Em novembro, Armando cedeu sua vaga ao apresentador
e empresário Sílvio Santos que procurava uma legenda para a disputa. Apesar de ser filiado ao Partido da
Frente Liberal (PFL), Silvio Santos teria que enfrentar a resistência de Aureliano Chaves, o candidato oficial do
PFL à presidência. Felinto convenceu Armando Corrêa, presidente do PMB, e lançou Sílvio Santos candidato
pelo PMB, tendo o senador paraibano Marcondes Gadelha como vice. Em algumas pesquisas do primeiro
turno, o apresentador figurava entre os mais votados. Em seus programas, Silvio Santos dizia que seu nome
não constava na cédula, e pedia aos eleitores para que marcassem no quadrado “26-Corrêa”. Mas o PMB tinha
irregularidades em seu registro partidário: realizou convenções em apenas cinco estados, enquanto que o
número mínimo exigido era de nove. Antes da eleição, tanto o registro, quanto a candidatura de Silvio acabaram
sendo impugnados pelo Tribunal Superior Eleitoral21. O ideólogo da candidatura de Sílvio Santos, o deputado
estadual do Paraná José Felinto considerou essa atitude “um desrespeito à vontade do povo brasileiro, uma
cassação do direito do povo de votar!” (FELINTO, 11/11/1989)22.

18. Vota no 26. Correio de Notícias, 15/11/1989, p. 4


19. O Partido Municipalista Brasileiro foi uma sigla brasileira fundada em 1985 pelo pastor evangélico Armando Correia, sob registro
provisório, utilizando o número 26. Foi dissolvido em 1989.
O que é que a gente está fazendo aqui? Correio de Notícias, 22/04/1989, p. 4.
20. Como na Bíblia. Correio de Notícias, 15/02/1989, p. 4.
21. Disponível em http://www.tse.jus.br/jurisprudencia/julgados-historicos/silvio-santos. Acesso 14.janeiro.2019.
22. Não vingou. Correio de Notícias, 27/10/1989, p. 2.
Eleições 89: SS é uma incógnita. Correio de Notícias, 02/11/1989, p. 2.
Desrespeito. Correio de Notícias, 11/11/1989, p. 2.

286
Charge referente cassação da candidatura de Silvio Santos

Fonte: Correio de Notícias, 11/11/1989, p. 2

No pleito de 1990 José Felinto concorreu a uma vaga a deputado federal pelo Paraná. Obteve 19.827
votos ficando como suplente do PMDB24. “No dia 18 de março de 1991, já filiado ao Partido Social-Trabalhista
23

(PST)25, ocupou o assento de Homero Oguido, que assumira a Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Paraná”
(CPDOC/FGV, 2009). Esteve de licença autorizada da Câmara entre 22 de setembro e 5 de outubro de 1992. Foi
efetivado no mandato em 1º de janeiro de 1993, em função da renúncia de Romero Filho, do PST, que foi eleito
prefeito de Umuarama26. Foi autor de várias comissões parlamentares de inquérito (CPI):

Em 1991, após conseguir o número suficiente de assinaturas, José Felinto entregou o


requerimento para a instalação de uma CPI para investigar a transação de privatização da
Vasp (Viação Aérea de São Paulo) feita no governo de Orestes Quércia. O líder do PMDB na
Câmara dos Deputados, Genebaldo Correia, da Bahia, não permitiu sua instalação porque
faziam pressão contra o governador Orestes Quércia o presidente Fernando Collor de Mello,
o presidente da Câmara Ibsen Pinheiro e o presidente do Senado Mauro Benevides. Então
Felinto entrou com o pedido no Supremo Tribunal Federal, que mandou fazer a instalação
imediatamente. “Não me deixaram ser presidente e nem relator, mas a CPI foi instalada e
cumpriu sua função” (FELINTO, 2018).
Ele alegava, entre outras coisas, que a transferência do controle acionário da Vasp foi precedida
de investimento do governo de São Paulo no saneamento financeiro da companhia, então com
um patrimônio líquido negativo avaliado em US$ 50 milhões. Ele estranhava a presença única
do consórcio Voe-Canhedo na licitação, que resultou na venda da estatal paulista (CORREIO
DE NOTÍCIAS, 12/04/1991, p. 6)27.

23. Felinto. Correio de Notícias, 12/10/1990, p. 4.


José Felinto denunciou possíveis fraudes eleitorais e pediu revisão da contagem dos votos, mas a recontagem não alterou os resultados
finais e ele permaneceu na suplência. Embargo. Correio de Notícias, 09/11/1990, p. 4.
24. Eleições 1990. Os candidatos à Câmara Federal. Correio de Notícias, 11/10/1990, p. 5.
Eleições. Primeiros suplentes. Correio de Notícias, 11/10/1990, p. 2.
25. PST – os filiados no Paraná. Correio de Notícias, 27/10/1991, p. 3.
26. Disponível em http://www2.camara.leg.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=105552&tipo=0.
Acesso 14.janeiro.2019.
27. CPI da Câmara vai investigar a privatização da VASP. Correio de Notícias, 12/04/1991, p. 6.

287
Em 1993, José Felinto defendeu a instalação de uma CPI para investigar a atuação de
Leopoldo Collor de Melo, irmão mais velho do ex-presidente Collor, em companhias estatais
de telecomunicações, aço e docas de São Paulo, acusando-o de ter desfalcado financeiramente
essas empresas. Nas principais votações ocorridas ao longo da legislatura, pronunciou-se a
favor da revisão do conceito de empresa nacional, do fim do voto obrigatório e da criação
do Fundo Social de Emergência (FSE). Esteve ausente da sessão que instituiu o Imposto
Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF), que, ao lado do FSE, serviu para financiar
o programa de estabilização econômica (Plano Real) do ministro da Fazenda, Fernando
Henrique Cardoso (CPDOC/FGV, 2009).

Constam como atividades parlamentares das quais José Felinto participou em seu mandato como
deputado federal pelo Paraná:

Titular, Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias;


Suplente, Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática;
Suplente, CPI sobre a Reforma Administrativa e o Fechamento de Agências e Postos de
Serviços do Banco do Brasil;
Titular, Comissão de Viação e Transportes, Desenvolvimento Urbano e Interior;
Suplente, Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização;
Titular, Comissão de Viação e Transportes;
Suplente, Comissão de Minas e Energia;
Suplente, Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática;
Titular, Comissão de Minas e Energia. (CÂMARA DOS DEPUTADOS, s/d).

Nas eleições municipais de 1992 José Felinto disputou a prefeitura de Telêmaco Borba28, o município
que detinha “o maior número de evangélicos do Paraná”29. Obteve 4.768 votos, ficando em terceiro lugar30.
Em outubro de 1994, concorreu à reeleição para deputado federal pela legenda do Partido Progressista
(PP), obtendo apenas uma suplência (CPDOC/FGV, 2009). Deixou a Câmara dos Deputados em janeiro de 1995,
no fim da legislatura.
Em 2006, se candidatou ao cargo de deputado federal pelo Partido de Reedificação da Ordem Nacional
(Prona), conseguindo 12.844 votos, mas não conseguiu ser eleito31. “O professor Enéas Carneiro, que gostava
muito de mim, me chamou e fez o convite para eu sair candidato a deputado federal pelo Prona no Paraná, mas
nessa época eu estava focado nas confederações dos usuários do transporte coletivo e não tive tempo de fazer a
campanha direito e consegui visitar apenas quatro cidades!” (FELINTO, 2018). Sua verdadeira intenção nessas
eleições era concorrer ao Senado como o primeiro candidato evangélico, assim faria uma campanha para unir
os evangélicos, mas não conseguiu entrar em um acordo com o então deputado federal e candidato à reeleição
Hidekazu Takayama e Felinto acabou não sendo liberado para a vaga (FELINTO, 2018).

28. Correio de Notícias, 08/07/1992, p. 5.


29. José Felinto. Correio do Paraná, 07/06/1992, p. 4.
30. Disponível em Resultados de eleições municipais TER–PR. https://apps.tre-pr.jus.br/files/resultados/19921003A79154.pdf. Acesso
14.janeiro.2019.
31. Disponível em https://noticias.uol.com.br/politica/politicos-brasil/2006/deputado-federal/12071952-felinto.jhtm. Acesso
14.janeiro.2019.
Resultados eleições gerais 2006. Disponível em http://www.tre-pr.jus.br/eleicoes/resultados/resultados-de-eleicoes-gerais-tre-pr
Acesso 14.janeiro.2019.

288
Felinto em 2006

Fonte: Eleições & Política (2012)

Nas eleições de 2018 saiu candidato a deputado federal pelo Partido Podemos, participando da coligação
MUDA PARANÁ, que era formada pelos partidos PSD/PSC/PR/PPS/PODE32. Obteve 3.005 votos e não foi eleito33.

Felinto em 2018

Fonte: https://www.eleicoesepolitica.net/deputadofederal2006/PR/5656

Em sua carreira política, Felinto teve o seguinte histórico de filiação partidária: Partido do Movimento
Democrático Brasileiro (PMDB/1980–1991), Partido Social Trabalhista (PST/1991–1993), Partido Progressista
(PP/1993–1998), Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB/1998–2006), Partido da Reedificação da
Ordem Nacional (PRONA/2006) e Partido Podemos (PODE/2018) (RODRIGUES, 2006; FELINTO, 2018).

32. Disponível em https://eleicoes2018candidatos.com.br/candidato-deputado-federal_PR/jose-felinto_160000619702. Acesso


14.janeiro.2019.
33. Resultados eleições gerais 2018. Disponível em http://www.tre-pr.jus.br/eleicoes/resultados/resultados-de-eleicoes-gerais-tre-pr.
Acesso 14.janeiro.2019.

289
Sem mandato desde 199534, Felinto passou a presidir a Confederação Nacional dos Usuários dos
Transportes – Conut, entidade criada em conjunto com o empresário João Simões, irmão dos ex-vereadores de
Curitiba Carlos e Iris Simões durante os anos 1990 (SANSONE, 2011).

A Conut é composta por federações estaduais, associações, sindicatos e outras entidades


similares de usuários dos sistemas de transportes terrestres, aquaviários e aéreos, com
o objetivo de representá-los e defender os seus interesses. São considerados usuários
de transportes terrestres os passageiros dos meios de transportes coletivos rodoviários,
ferroviários e metroviários; os de transportes aquaviários, os dos meios de transportes
coletivos hidroviários, lacustres, de cabotagem e de longo curso e os de transportes aéreos os
usuários das linhas aéreas regulares, viajantes dos aviões de carreira. 
A Conut é uma sociedade civil sem fins lucrativos, constituída nos termos do Código Civil
Brasileiro, com patrimônio e regime administrativo próprios, amparada por isenção tributária
nos termos da legislação vigente.
Uma das primeiras conquistas da Conut ocorreu em 1998, pela edição do Decreto nº 2521/98,
do Ministério dos Transportes, o qual, alterando a legislação até então vigente, passou a
permitir que os passageiros de ônibus que por qualquer motivo não possam viajar na data
marcada têm o direito de receber seu dinheiro de volta. Para tanto, basta dirigir-se, com seu
bilhete, ao balcão da empresa que vendeu a passagem, até 3 (três) horas antes do horário
marcado da viagem. (Conut, 2015)

No ano de 2013, o ex-deputado participou em Londres, como presidente da Conut, de uma manifestação
em defesa do transporte público de qualidade no Brasil (KER, 2013).

Manifestações em Londres, 2013

Fonte: Facebook Conut

Ainda em 2013, Felinto depôs, como presidente da Conut e da Fuspar (Federação Paranaense dos
Usuários de Transportes Coletivos, Rodoviários, Ferroviários, Metroviários, Hidroviários e Aéreos), numa CPI
criada pela Câmara Municipal de Curitiba (CMC) para investigar irregularidades no sistema de transportes da
cidade. Em sua fala enfatizou os problemas no sistema de transportes de Curitiba (como ônibus lotados, filas
e falta de planejamento no trânsito), criticou o valor da tarifa e apontou indícios de corrupção na empresa de
economia mista que controla o sistema na cidade, a Urbs (Urbanização de Curitiba S.A) e afirmou que “o povo
não aguenta mais ser transportado como sardinha em lata, pagando caro por isto” (CMC, 2013)35.

34. Em 2010, Felinto fazia parte do corpo de funcionários da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep). Mesmo após as derrotas nos pleitos
eleitorais, ele e outros candidatos que não conseguiram se eleger, permaneciam nas Casas Legislativas a serviço de partidos e de políticos
eleitos (CASTRO, 2011; KOHLBACH et al, 2010).
35. Disponível em http://www.sindimoc.com.br/index.php?area=ver_noticia&id=338. Acesso 14.janeiro.2019.

290
Felinto durante depoimento na CMC em 03/10/2013

Foto: Andressa Katriny


Fonte: Câmara Municipal de Curitiba

Mais recentemente, em 2017, como presidente da Conut36, Felinto também se posicionou sobre a criação
de um aplicativo de transportes idealizado em Minas Gerais. A plataforma chamada Buser atuava nos mesmos
moldes do Uber e tinha a intenção de iniciar roteiros estaduais e interestaduais, com tarifas até 50% menores
que a concorrência. Como se trata de concessão pública, essa proposta gerou polêmica, e o posicionamento
do ex-deputado foi de cautela, levando em conta a realidade financeira das empresas e as vantagens para os
usuários.

O presidente da Confederação Nacional dos Usuários de Transportes (Conut), José Felinto,


diz que a proposta gera desconfiança. “Empresa de fretamento não pode ter linha regular,
são coisas diferentes”, adverte. Em seu site, a Buser divulga que cobrará R$ 69,90 o trecho
Curitiba a São Paulo. Para Felinto, esse valor pode configurar concorrência predatória. “Temos
que ver a planilha de custo da empresa, mas é difícil imaginar que com esse custo a empresa
conseguirá um lucro acima de 5%”, avalia. “Se for seguro, pode ser bom para o usuário pelo
desconto e pelo conforto”, pondera Felinto (PIZARRO, 2017).

No ano de 2016, José Felinto foi citado pela imprensa nacional por declarações feitas à justiça em anos
anteriores, em que teria afirmado que políticos e empresários sofriam pressão do então presidente da Câmara,
o deputado Eduardo Cunha. O assunto veio à tona no Jornal Folha de São Paulo em matéria publicada em 10 de
janeiro de 2016, meses antes de Cunha comandar o processo que culminou na destituição da presidenta eleita
Dilma Rousseff, e pouco tempo depois, na cassação e prisão do próprio Cunha.

Um ex-deputado federal afirmou à Procuradoria Geral da República que o presidente da


Câmara Eduardo Cunha (PMBD–RJ), costumava usar aliados e requerimentos na Câmara para
“pressionar” empresários e agentes públicos. [...] O depoimento de José Felinto, deputado entre
1991 e 1995, foi usado pela Procuradoria para fundamentar o pedido de busca e apreensão
nos endereços do peemedebista realizado em dezembro. [...] O ex-deputado ainda acusa
Cunha de ser o “intelecto” do ex-deputado Nelson Bornier (PMDB-RJ) e do deputado Áureo

36. Desde 17 de julho de 2018 Felinto está afastado da presidência da Conut por motivos de saúde.

291
Lídio (SD-RJ). Felinto diz que ambos “faziam requerimentos para pressionar empresários”.
[...] Localizado pela Folha nesta sexta (8), Felinto confirmou ter dito à Procuradoria que
Cunha exercia “certo peso de autoridade” sobre deputados, mas afirmou que não tinha como
confirmar ter dito que Cunha “pressionava” parlamentares porque o depoimento “foi há
muito tempo” (TALENTO et al, 2016).

José Felinto casou-se pela primeira vez com Maria José da Costa, ainda quando morava na cidade do Rio
de Janeiro, na metade da década de 1970. Tiveram três filhos e se separaram no ano de 198237, quando Felinto
foi eleito vereador de Curitiba.
Seu segundo casamento foi com Loide Maria Eder, com quem teve mais dois filhos. A união foi celebrada
com um jantar no Restaurante Madalosso, no dia 17 de agosto de 1988, “sem cerimônia civil e nem religiosa
porque Felinto é desquitado e a igreja Assembleia de Deus não permite casamento em segundas núpcias”38.
Em pleno mandato de deputado estadual, os jornais da época não perderam a chance satirizar associando o
casamento com os dois principais oponentes políticos de Felinto na época anunciando que os “pratos servidos
no jantar do casamento do deputado José Felinto com Loide Eder fizeram muito sucesso. O cardápio era frango
à Dobrandino e risoto à Beraldin”39. Loide e Felinto ficaram juntos por mais de vinte anos:

Ela me ajudou muito. Praticamente criou meus filhos do primeiro casamento. Ela não foi
comigo para Brasília, quando fui eleito deputado federal, para se dedicar às crianças. Um dos
motivos de eu ter me mudado para São Paulo, após meu mandato como deputado federal, a
convite de Mário Covas, foi justamente para ficarmos num centro onde seria possível ela fazer
um tratamento para podermos ter nossos próprios filhos. Foi nessa época, em 11 de outubro
de 1995, que fundei a Fusp40 (Federação dos usuários de transporte coletivo, rodoviário,
ferroviário, hidroviário, metroviário e aéreo do Estado de São Paulo). Eu já havia ajudado
na campanha de Covas e não aceitei seu convite para fazer parte da equipe de secretaria de
transporte porque nessa época estava totalmente focado na atuação do Conut (FELINTO,
2018).

Em 2011 casou-se com a ex-professora de Língua Portuguesa e cantora gospel Silvia Ker. A cerimônia
foi celebrada nos salões do Hotel Bourbon, em Curitiba. Entre os padrinhos dos noivos estavam o secretário de
finanças do estado do Paraná, Luís Carlos Hauly, e o senador Álvaro Dias, com quem José Felinto sempre teve
grande proximidade e identificação política (SANSONE, 2011).

37. Diário do Paraná. 12/08/1980, p. 2.


38. Confraternização. Correio de Notícias, 12/08/1988, p. 17. Correio de Notícias, 30/06/1988, p. 4.
39. Rango. Correio de Notícias, 19/09/1988, p. 17.
40. Disponível em http://www.sociosbrasil.com/nome/jose-severino-silva-felinto. Acesso 14.janeiro.2019.

292
Silvia Ker e José Felinto. 2018

Fonte: acervo pessoal de José Felinto

Uma característica curiosa que chamava a atenção da imprensa e do eleitorado era a “habilidade” de
Felinto em sempre conseguir aparecer em fotos na companhia de políticos famosos e decisivos para o contexto
nacional (como a foto que conseguiu tirar com o presidente eleito Tancredo Neves, quando ele já estava
hospitalizado) (SANSONE, 2011):

Tudo começou quando o Álvaro Dias era candidato ao governo do Paraná no ano de 1986. Eu
era amigo muito próximo de Álvaro, então durante a sua campanha cuidava de quem podia ou
não se aproximar dele. Isso gerou uma desavença interna com o secretário de comunicação do
partido e foi ele quem começou a divulgar as fotos que me deram a fama de papagaio de pirata.
Poderia ter ido atrás, ter entrado com vários processos, mas nunca dei muita importância
para isso porque toda vez que deixei as coisas para lá Deus cuidou de mim e toda vez que
fui atrás resolver certos problemas acabei tendo mais preocupações. Então a fama pegou.
Mas eu tive outros grandes momentos que podiam ter sidos registrados e não foram, pois eu
circulava e circulo nos meios onde as coisas estão ocorrendo, eu conheço as pessoas e elas
me conhecem. Tive oportunidade com o Papa João Paulo II e com o general Ramalho Enaes,
presidente de Portugal que visitou o Corcovado em 1978. Durante toda minha atividade
frente ao Conut, que não tinha condições de pagar um assessor parlamentar, era eu quem
percorria os corredores do Congresso Nacional atrás de apoio aos nossos projetos de defesa
aos usuários do transporte coletivo, então eu acabava estando presente em alguns grandes
momentos da casa (FELINTO, 2018).

A desenvoltura do ex-deputado nos círculos do poder se faz notar em outros eventos sociais em que ele
costuma comparecer, como a festa em comemoração aos 13 anos da Rádio Cataguases (MG). O evento, realizado
em 26 de outubro de 2013 em conjunto com a prefeitura da cidade de Leopoldina (MG), contou com a presença
de diversos políticos e autoridades como Cesinha Samor (prefeito de Cataguases), Fernanda Reis (assessora do

293
Senador Clésio Andrade), Lauriete Rodrigues (deputada federal), Magno Malta (senador), e demais artistas do
cenário evangélico gospel. Felinto foi ao evento acompanhando a esposa cantora Silvia Ker (MIDIA MINEIRA,
2013).
Alguns aspectos da vida de Felinto não são conhecidos como o fato de ele ter vendido balas em trem
quando era criança, ter começado a vender fotos do Papa João Paulo II seis meses antes da visita do mesmo ao
Brasil em 1980, ter vendido livros quando da sua saída da Marinha até começar a trabalhar como enfermeiro na
Santa Casa de Curitiba, e de ter sido um grande produtor de discos evangélicos antes de ter chegado ao Paraná:

Fui dono da gravadora Shalon no Rio de Janeiro e da Taype Laser que mais tarde se transformou
na gravadora evangélica Bandeira Branca, uma das grandes gravadoras e distribuidoras de
música gospel das décadas de 1970 e 1980. Lançamos o primeiro disco de Ronaldo Reis41 e de
várias vozes evangélicas que venderam muitos discos (FELINTO, 2018).

A religião sempre esteve presente na vida de Felinto. Hoje ele é copastor42 da Assembleia de Deus de
Curitiba43. Lembra que sempre acompanhou a mãe aos cultos da igreja, durante os quais escutava os testemunhos
das pessoas que declaravam “olhem para mim: meu marido chega bêbado e bate em mim e nos meus filhos,
orem por mim!”, ainda moleque pensava “um desgraçado desse não tinha que viver” (FELINTO, 2018). Quando
já estava na Marinha, chegou a vez de Felinto ser provado em sua fé. A família morava no Rio de Janeiro e dona
Raimunda, sua mãe, teve uma visão com o filho. Ele iria ser enviado para o estrangeiro e seria pastor. Ela o
viu todo vestido de branco falando para uma multidão enorme. Na época Felinto pensou: – “mas nunca na
vida mãe, nem amarrado serei pastor!” (FELINTO, 2018). Passado mais ou menos um ano depois dessa visão,
estava visitando a mãe quando ela pediu para Felinto guardar o revólver que tinha, pois Deus iria levá-la no dia
seguinte. Lembra de a ter questionado se ela estava jejuando e estaria delirando, uma vez que ela chegava a
ficar dez dias em jejum. Decidiu não discutir. Guardou a arma e seguiu para Paracambi pegar o trem para voltar
para o quartel:

Antes de embarcar decidi tomar uma cerveja e de repente me deu uma agonia e uma vontade
enorme de voltar para casa. Voltei e assim que cheguei me falaram que papai tinha tido outro
surto e havia matado uma mulher. Estranhei, porque em suas crises ele nunca havia agredido
ninguém. Só cantava e discursava na rua. Decidi ir até a delegacia. Cheguei e fui ver meu pai
que estava todo sujo de sangue nas mãos e na boca. Ele estava olhando fixo para a parede.
Pensei – “esse não é meu pai, mais parece um demônio!” Me dei conta de que ele realmente
havia matado alguém. Saí e fui procurar meu irmão Carlos para saber quem meu pai havia
matado. Ele não soube me falar. Então fui e perguntei para uma tia. Ela me perguntou: — “você
não sabe quem seu pai matou? Então senta aí. Ele matou a sua mãe!” Respondi: —“o quê?
quem?”
Aí lembrei de tudo: da minha mãe pedindo para eu guardar a arma, que Deus iria levá-la
naquele dia. Fui atrás de um tio, o tio Pedro, que era radiologista, para juntos irmos procurar
onde estava a minha mãe.
Nessa época, havia sido instalado o Hospital Naval Marcílio Dias, que tinha uma ambulância à
disposição do presidente e do vice-presidente da república. Liguei para o Almirante Candido

41. O pastor Ronaldo Reis é um cantor nascido no Rio de Janeiro, mas residente em Curitiba há mais de 30 anos. Tem um estilo próprio com
canções bem-arranjadas e interpretadas. Há muitos anos ele comanda uma entidade beneficente em Curitiba que cuida de ex-drogados,
o Lar Hermon, ligado à Assembleia de Deus. Disponível em Raridade gospel (20/05/2016). http://hinosraros.blogspot.com/2016/05/
pastor-ronaldo-reis-e-um-cantor-nascido.html. Acesso 14.janeiro.2019.
42. Copastor é um pastor assistente, ou seja, o pastor que auxilia durante o culto ou que substitui o outro pastor quando o mesmo não pode
celebrar o culto. 
43. Em 1991, José Felinto participou em missão oficial da Conferência Evangélica em Roma, na Itália.

294
da Costa Aragão, que autorizou o uso da ambulância assim que minha mãe fosse localizada. Eu
e meu tio saímos percorrendo todos os hospitais. Era época de carnaval, então havia muitos
esfaqueados, acidentados de trânsito. Um horror. O último hospital que fomos foi o Salgado
Filho. Daí meu tio lembrou que faltava o “açougue”, como era chamado o Hospital Marechal
Hermes. Chegamos lá por volta das 18 horas. Eu estava meio ateu nessa época, mas no
caminho fui orando e pedindo a Deus que como ele havia ajudado as pessoas nos diferentes
testemunhos que ouvi na vida, como o bêbado que havia virado diácono, agora era a minha
vez e ele podia devolver a minha mãe porque eu poderia ser o pior dos homens, estar na pior
das situações, mas agora jamais deixaria de ser seu defensor, jamais deixaria a sua causa!
Chegando no “açougue” informaram que havia dois corpos no chão, na parte de cima, que
ainda não haviam sido identificados. Subimos correndo as escadas quando escutamos alguém
gritar – “Aleluia!”. Minha mãe era um desses corpos e naquele momento ela tinha voltado a
respirar. Somente lembro de ter começado a brigar com o médico de plantão, daí desmaiei.
Quando voltei, eu e minha mãe estávamos sendo atendidos no Hospital Nossa Senhora da
Glória. Ela ficou internada cerca de seis meses, pois teve 89 pontos no crânio e 368 pontos por
todo o corpo. O menor corte tinha oito pontos. Meu pai pegou um facão e foi para cima dela e
ela ao se defender foi colocando os braços e as mãos, e cada golpe pegava uma parte do corpo.
Minha mãe havia ido na igreja e meu pai, que era contra a igreja e tinha ciúmes dela, porque
minha mãe, minha avó e minhas tias iam todos os dias aos cultos. Na volta, como faziam
sempre, foram ao sítio da minha tia Bernadete, que ficava em Japeri, buscar mandioca e
bananas. Nesse sítio não morava ninguém. Meu pai e minha mãe cuidavam dele dois dias
da semana ou quando queriam. Meu pai estava cortando um cacho de banana quando, de
repente começou a atacar minha mãe com o facão e ocorreu o desastre.
Ao final dessa história fiquei muito perturbado e queria matar meu pai. Foi quando a Marinha
me transferiu para Aracaju. Fiquei lá um ano e finalizei o curso de enfermagem. Depois fui
transferido para Paranaguá.
Tempos depois lembrei da visão da minha mãe quando estava liderando a greve dos
enfermeiros em Curitiba. Eu vestido de branco, falando para uma multidão e num lugar
estranho, que não era o estrangeiro, mas era Curitiba. (FELINTO, 2018)

Com relação à questão racial, no formulário de requerimento de registro de candidatura de José Felinto,
nas eleições de 2018, junto ao Tribunal Superior Eleitoral ele se declarou de cor preta44. Felinto (2018) lembra
que quando vereador, na Câmara Municipal de Curitiba, chegou a sofrer alguns ataques de racismo quando os
outros o chamavam de “seu nego!”, de “seu não sei o que”. O preconceito também esteve presente em outros
momentos. Nas eleições de 1986 a Alep teve renovação de quase 50% com a eleição de vinte e cinco deputados
estreantes dos cinquenta e quatro que compõem a casa. Muitos desses não eram conhecidos do pessoal da
imprensa, então demandaria um tempo até que suas fisionomias fossem assimiladas. Enquanto isso, ocorriam
confusões, como a exemplo do que aconteceu com José Felinto que foi confundido com um segurança da casa45,
o que indica o quanto as pessoas são entorpecidas pela ideologia racista. Ele foi confundido porque carrega
no corpo a pele escura e no imaginário social está arraigada a ideia de que os negros devem ocupar somente
funções de baixa remuneração e que exigem pouca escolaridade: ele estaria apto para ser o segurança da casa
e não um dos deputados!
Os deputados da 11ª Legislatura da Alep (1987–1990) começaram a ser apelidados. E alguns apelidos
pegaram como “xerife” para o deputado José Domingos Scarpellini, que tinha uma atuação combativa, era
considerado um “político enérgico que combatia o que via de errado”. “Peito de pomba” era o apelido de Nilton
Barbosa que “estufava o peito na hora de falar para se mostrar forte”. “Melancia negra” era o apelido de José
Felinto. “Melancia porque é verde por fora e vermelha por dentro, pois achavam que eu era comunista” (FELINTO,

44. Disponível em https://especiais.gazetadopovo.com.br/eleicoes/2018/candidatos/pr/deputado-federal/jose-felinto-1988/. Acesso


14.janeiro.2019.
45. Segurança. Correio de Notícias, 11/02/1987, p. 2.

295
2018). E o adjetivo negra é uma referência racial à cor da pele de Felinto46. O jornal Correio de Notícias de 3 de
abril de 1987 anunciava que “os deputados aceitavam os apelidos com o maior espírito esportivo!”
Durante a inauguração de uma das estações de tratamento de água da Facelpa em agosto de 1987,
José Felinto apareceu ao lado do então governador Álvaro Dias no momento do discurso. Alguém no meio dos
convidados gritou: “Olha lá o papagaio de pirata”. Um colega da bancada corrigiu: “Não se trata de papagaio,
mas de urubu de pirata!”47. Outra referência à cor da pele do deputado. Ainda com relação a esse tema foram
noticiados:

RACISMO POLÍTICO
O prefeito Dobrandino Gustavo da Silva chamou pela rádio Cultura o deputado José Felinto
de “urubu de pirata”, tirando um sarro do parlamentar que adora uma caroninha nas fotos
do governador Álvaro Dias, ganhando por isso o apelido de “papagaio de pirata”. Felinto não
gostou e atribuiu ao prefeito a prática de racismo e manifestou-se inclinado a processá-lo
por racismo. Que não vai dar em nada, mesmo com a gravação da fita, requisitada, isso não
vai. No entanto, coincidindo com o Centenário da Abolição da Escravatura, que vai ganhar
repercussão isso vai. (Racismo político. CORREIO DE NOTICIAS, 11/05/1988, p. 11)

NA BUNDINHA
O deputado estadual José Felinto entrou com uma representação na justiça conta o prefeito
Dobrandino Gustavo da Silva, por prática de preconceito racial, ou racismo, ao tê-lo chamado
de “urubu de pirata”, parafraseando o apelido que o parlamentar ganhou de “papagaio de
pirata” ... A este respeito ouvimos dias desses no gabinete de Dobrandino “não sei por que o
Felinto ficou bravo: papagaio é um bicho gaiato que nada faz a não ser bater papo furado o
tempo todo, enquanto que o urubu elimina a carniça dos campos. Além do mais, o prefeito
jamais teve a intenção de ofender os urubus”. Pesadinha não. (Na bundinha. CORREIO DE
NOTÍCIAS, 02/06/1988, p. 10)

Em julho de 1988 José Felinto teve um desentendimento com o também deputado estadual Neivo
Beraldin e acabou por agredi-lo com um tapa em plena Boca Maldita. Para noticiar o ocorrido os jornais da época
chamaram Felinto de “Mike Tysson das araucárias” em referência ao peso-pesado e negro norte-americano.
Uma vez mais é destacada a referência à cor da sua pele48.
A bandeira racial não foi sua opção de militância. Felinto primeiro atacava as injustiças e toda agressão
baseada na desigualdade. Confidencia que talvez essa escolha seja por conta da sua opção religiosa que prega o
amor para todas as pessoas e que não se deveria fazer qualquer tipo de segregação e discriminação (FELINTO,
2018).
O extenso histórico na vida política regional e nacional faz de José Felinto um representante reconhecido.
Apesar de estar sem mandato desde 1995, o ex-deputado continua bastante atuante como representante
da Conut e da Fuspar. Além disso, tem grande presença nas atividades e eventos evangélicos, e permanece
próximo dos círculos do poder e dos representantes eleitos. Suas publicações nas redes sociais marcam
seu posicionamento político, com postagens na companhia de figuras influentes, como o ex-senador Álvaro
Dias (Pode – PR) (FELINTO, 2017), e o presidente do Senado Federal Eunício Lopes de Oliveira (PMDB – CE)
(FELINTO, 2017a).

46. Apelidos pegam. Correio de Notícias, 03/04/1987, p. 2.


47. De pirata II. Correio de Notícias, 31/08/1987, p. 3.
48.Boca aplaude Mike Tyson. Correio de Notícias, 11/07/1988, p. 8. Correio de Notícias, 12/07/1988, p. 8. Correio de Notícias, 28/07/1988,
p. 8.

296
REFERÊNCIAS
CÂMARA DOS DEPUTADOS [s/d]. “Conheça os Deputados – Biografia JOSÉ FELINTO – PP/PR”. Disponível em
http://www2.camara.leg.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=105552&tipo=0. Acesso
15.fevereiro.2018.
CASTRO, Elizabete (2011). “Lista da Assembleia tem dezenas de ex-deputados e até ex-governadores”. Disponível
em http://www.tribunapr.com.br/noticias/politica/lista-da-assembleia-tem-dezenas-de-ex-deputados-e-ate-ex-
governadores/. Acesso 22/02/2018.
CMC – CÂMARA MUNICIPAL DE CURITIBA (2013). “Representante de usuários do transporte depõe na CPI”. Disponível
em http://www.cmc.pr.gov.br/ass_det.php?not=21438#&panel1-2. Acesso 20/02/2018.
CONUT – CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS USUÁRIOS DE TRANSPORTE (2015). “Institucional Conut – Presidente José
Felinto”. Disponível em https://www.youtube.com/embed/tQJD5X2a9Rk. Acesso 22.fevereiro.2018.
CPDOC/FGV (CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL DA FUNDAÇÃO
GETÚLIO VARGAS) (2009). “JOSÉ SEVERINO SILVA FELINTO”. Disponível em http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/
dicionarios/verbete-biografico/jose-severino-silva-felinto. Acesso 15.fevereiro.2018.
ELEIÇÕES & POLÍTICA (2012). “OTÁVIO FELINTO – 12555”. Disponível em https://eleicoesepolitica.net/vereador2012/
PR/75353/12555. Acesso 26.fevereiro.2016.
FELINTO, J. (2017). “José Felinto – Senador Álvaro Dias, Lutando para ter sessão nesta segunda-feira!!”.
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FELINTO (2017 a). “José Felinto”. Disponível em https://www.facebook.com/photo.
php?fbid=1712874795397001&set=pb.100000234905919.-2207520000.1519691814.&type=3&theater. Acesso
26.fevereiro.2018.
FELINTO (2018). Entrevista de José Severino Silva Felinto concedida a Ana Crhistina Vanali em 28 de dezembro de
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sobre-pressoes-exercidas-por-cunha.shtml. Acesso 26/02/2018.

297
38
JURANDIR NUNES
PEREIRA
Nascimento: Riacho dos Machados/MG, 5 de fevereiro de 1956

Jurandir em Maringá. 2010


Foto de Lucas Romano Nunes Pereira

298
JURANDIR NUNES PEREIRA

Celso Fernando Claro de Oliveira

Em um artigo publicado em 2012, a pesquisadora Flávia Rios realizou uma ampla análise sobre
manifestações e protestos encabeçados pelo movimento negro no Brasil da segunda metade do século XX. A
autora assinalou que esse momento foi marcado por uma maior aproximação entre os militantes afro-brasileiros
e diferentes organizações civis, como os sindicatos. Tal diálogo favoreceu os debates sobre a construção de um
Brasil mais igualitário, no qual o racismo e as desigualdades sociais fossem combatidos em conjunto (RIOS,
2012). 
O movimento de vendedores ambulantes de Curitiba, ainda que não seja objeto de análise de Rios,
serve como exemplo desse processo. Capitaneado por negros de origem humilde – muitos deles, migrantes
que haviam se estabelecido na capital paranaense em busca de melhores condições de vida –, esse grupo lutou
pelo reconhecimento da categoria, buscou ser ouvido pelos órgãos públicos e denunciou a discriminação e a
violência sofrida pelos trabalhadores autônomos que atuavam nas ruas da cidade. Destacam-se nessa trajetória
nomes como Otávio Barbosa dos Santos, Florindo José de Mello e Jurandir Nunes Pereira, o qual foi escolhido
para ser homenageado no Monumento à Colônia Afro-Brasileira de Curitiba.
Nascido em 5 de fevereiro de 1956, na cidade mineira de Riacho dos Machados, Jurandir Nunes Pereira
é o primogênito dos treze filhos do casal Durvalino Pereira da Silva e Emídia Nunes Pereira1. Proveniente de
uma família humilde, formada por pequenos produtores rurais, Jurandir começou a trabalhar na lavoura por
volta dos oito anos de idade. Devido à precariedade dos serviços públicos na região, teve pouco acesso ao
estudo durante a infância, porém, deu grande valor às lições deixadas pelos pais com relação ao serviço no
campo (JURANDIR, 2019).
Ao final de 1969, Durvalino faleceu precocemente, aos 34 anos, de modo que Jurandir tomou para
si a responsabilidade de ajudar a mãe com o sustento da casa. “Sendo o filho mais velho, assumi muito cedo o
papel de chefe da família, porém, vivíamos em uma região muito pobre, o que tornava tudo mais difícil”, relata. A
convite de parentes que residiam em Curitiba, a família deixou o interior de Minas Gerais e partiu rumo à capital
paranaense em 1970, no intuito de encontrar uma vida melhor (JURANDIR, 2019).
De início, foram recebidos por uma tia, contudo, atritos familiares levaram Emídia a buscar outro lugar
para viver. Com apoio de uma igreja, ela e os filhos se estabeleceram em uma região de banhado localizada às
margens do Rio Barigui. Jurandir relembra que os primeiros anos de vida em Curitiba foram marcados por
diversas provações: “Minha mãe saía para trabalhar às 5 horas da manhã e retornava por volta da meia-noite.
Não tínhamos acesso à escola, por isso, meus irmãos e eu ajudávamos no sustento da casa. Procuramos sempre
trabalhar de forma honesta, preservando a dignidade da família” (JURANDIR, 2019).
Ao longo de sua juventude em Curitiba, Jurandir foi flanelinha, lavador de carros e auxiliar de pintor. Ele
também jogou nas equipes de base do Clube Nacional do Boqueirão e do Clube Atlético Paranaense, porém, não
conseguiu chegar ao time titular. “A maioria dos garotos comparecia aos treinos bem alimentados e após uma boa

1. Ao total, o casal teve sete filhos e seis filhas.

299
noite de sono. Eu precisava trabalhar e nem sempre tinha o que comer. Assim, não tinha forças para acompanhar
os outros jogadores durante as partidas”, explica. Posteriormente, residiu por um breve período no município de
Cerro Azul, atuando em uma fazenda de gado leiteiro (JURANDIR, 2019).
Por volta de 1976, já de volta à capital paranaense, Jurandir passou a exercer a função de vendedor
ambulante, comercializando doces pelas ruas da cidade e também vendendo sorvetes nos estádios de futebol
em dias de jogos (JURANDIR, 2019). Foi por meio dessa última profissão que ele começou a participar de forma
mais ativa de movimentos sociais e também ganhou maior consciência sobre sua negritude:

Nesse momento, conheci pessoas que foram muito importantes para minha formação, como
Otávio Barbosa dos Santos, Florindo José de Mello – chamado “Escurinho” –, César, Ademar,
Eloína, Nico, Maria Ceará e muitos outros com os quais infelizmente perdi contato. Eles tinham
grande capacidade em articular os profissionais ambulantes para exigir direitos e debatiam
também problemas como o racismo. Escurinho, que veio da Bahia, sempre nos falava sobre
as feridas deixadas pela escravidão e da necessidade de superarmos as desigualdades entre
negros e brancos para construir uma sociedade mais justa (JURANDIR, 2019).

Jurandir teve participação decisiva em episódios importantes do movimento de vendedores ambulantes


em Curitiba. Em 1979, esteve presente na fundação da Associação Profissional dos Vendedores Ambulantes do
Estado do Paraná (APVAEP), entidade que passou a trabalhar em prol da classe. Atuante junto à Prefeitura e
à Câmara Municipal, a organização defendeu pautas como a regularização da classe e a garantia de segurança
para os vendedores ambulantes. A sede do órgão situava-se na Rua Senador Alencar Guimarães (JURANDIR,
2019).
Em 1988, Jurandir apresentou a Jaime Lerner e Algaci Túlio – então candidatos a prefeito e vice-prefeito
de Curitiba – a proposta para criar um espaço para acolher os trabalhadores ambulantes e regularizar as suas
atividades. O encontro resultou em um termo de compromisso no qual os candidatos se comprometiam a
atender as demandas da categoria. O acordo foi firmado na Praça Rui Barbosa, na presença dos ambulantes
que atuavam na área central da cidade. Posteriormente, a Prefeitura realizou reformas nas antigas instalações
do Quartel do 15º Batalhão do Exército para criar o Camelódromo Municipal. “O Camelódromo contava com
banheiros, lanchonetes e espaço para as diferentes formas de produtos, além de ser um ambiente limpo e seguro.
Assim, os ambulantes ganharam uma estrutura adequada para trabalhar”, comenta Jurandir (JURANDIR, 2019).
O projeto também recebeu o apoio do então governador José Richa e do então deputado federal Maurício Fruet.
A iniciativa pioneira serviu de exemplo para outras cidades, como Florianópolis: o Camelódromo da
capital catarinense seguiu o modelo curitibano e foi instalado com o apoio de Jurandir e outros nomes ligados
à APVAEP (JURANDIR, 2019). Com a ampliação de suas ações, a organização estabeleceu uma importante rede
de associados que, em 1986, atingia aproximadamente cinco mil pessoas2. Devido à projeção alcançada pelo
órgão, muitos de seus membros procuraram ingressar na política concorrendo a cargos na Câmara Municipal
de Curitiba (CMC). Assim, nas eleições municipais de 1988, Jurandir candidatou-se ao cargo de vereador pelo
Partido Liberal (PL)3, contudo, o total de 501 votos obtidos no pleito foi insuficiente para assegurar-lhe uma
das vagas4.
Apesar de não ter conseguido ingressar na CMC, Jurandir continuou atuante em outra importante

2. E mais... Correio de Notícias, 15/01/1986, p. 4.


3. PL homologa chapa à Câmara Municipal. Correio de Notícias, 22/07/1988, p. 7.
4. Resultados de eleições municipais – TRE/PR. Disponível em http://www.tre-pr.jus.br/eleicoes/resultados/resultados-de-eleicoes-
municipais-tre-pr. Acesso 31.janeiro.2018.

300
discussão de caráter político: uma grande reestruturação na APVAEP que pretendia transformar a organização
em um sindicato. Devido a sua participação no movimento, ele foi escolhido para representar os ambulantes
paranaenses em uma audiência, realizada em Brasília ao início da década de 1990. Foi por meio desse encontro
– no qual Jurandir apresentou os projetos da APVAEP à então ministra do Trabalho, Dorothea Werneck – que
o movimento obteve a carta sindical autorizando a criação do Sindicato dos Feirantes e Ambulantes do Paraná
(JURANDIR, 2019).
Paralelamente às atividades políticas, Jurandir se dedicou a projetos sociais que buscavam levar o
esporte para jovens carentes e foi conselheiro do Clube Atlético Paranaense. O fato de ter se tornado uma figura
conhecida na cidade, porém, não iludiu Jurandir com relação ao preconceito racial. “Sofri muita discriminação
em Curitiba, quando jovem. Fui proibido de entrar em alguns locais, as pessoas me evitavam nas ruas. Nós, que
participávamos de movimentos sociais, precisávamos ter bastante cuidado”, ele revela (JURANDIR, 2019).
Foi no estado de Santa Catarina que Jurandir enfrentou um episódio marcante de preconceito racial,
enquanto ajudava um amigo a realizar um serviço em Blumenau:

Fomos até a cidade em um grupo grande, porém, eu era o único moreno e usava cabelos
compridos. Certa vez, decidi dar uma volta pelo centro e dois policiais me abordaram. Eles
exigiram meus documentos, perguntaram o que eu estava fazendo ali. Após contar minha
história, eles aceitaram me liberar desde que eu fosse até a barbearia mais próxima e
raspasse os cabelos – segundo os policiais, a população estava incomodada com o meu visual
(JURANDIR, 2019).

O preconceito e o risco das perseguições, por outro lado, não diminuíram o interesse de Jurandir pela
política, de modo que ele continuou ativo tanto no movimento de ambulantes, quanto no movimento negro.
Embora não tenha chegado a se casar, ele teve cinco filhos: Robson, Charles, Guilherme, Jurandir Júnior e Lucas
Romanno – este último, conhecido por sua carreira artística como cantor e compositor (JURANDIR, 2019).
A necessidade de garantir o sustento dos filhos levou Jurandir a deixar sua profissão e migrar para os
Estados Unidos. “Admito que nem sempre fui um pai presente, mas sempre busquei dar um exemplo de vida digna
e honesta para meus filhos. Deixei o Brasil em 1993, pois precisava encontrar uma forma de garantir a eles acesso
a escola, saúde e moradia de qualidade”, reflete Jurandir, que desejava proporcionar aos filhos as oportunidades
que ele não tivera quando criança (JURANDIR, 2019).
Mesmo com pouco conhecimento de inglês, Jurandir lutou para ser reconhecido como um bom
funcionário e chegou até mesmo a desempenhar duplas jornadas de trabalho que somavam 16 horas diárias.
Nas cidades em que viveu, exerceu diferentes funções: serviços gerais, auxiliar de cozinha, construção civil,
balconista, entre outros. Ele regressou ao Brasil em 1996, “para matar as saudades da família e tentar novamente
a vida em Curitiba” (JURANDIR, 2019).
Jurandir abriu uma empresa de representação comercial, porém, a crise econômica da época afetou
a prosperidade de seu negócio. Assim, ele retornou aos Estados Unidos em 1998, onde se dedicou a diversas
ocupações. Ele também presenciou acontecimentos marcantes: “Eu estava próximo das Torres Gêmeas do World
Trade Center no dia 11 de setembro de 2001, quando ocorreram os atentados terroristas e acompanhei de perto a
comoção da população” (JURANDIR, 2019).
Por sua dedicação, um de seus empregadores ajudou-o a conseguir o green card, documento que
autoriza estrangeiros a viver permanentemente nos Estados Unidos (JURANDIR, 2019). Todavia, o trabalho mais
marcante foi a participação na reconstrução de áreas arrasadas pelo furacão Katrina, no estado da Louisiana:

Aquela região abriga um grande contingente de população afrodescendente, que acabou sendo

301
a maior prejudicada pelas catástrofes naturais. Poder conviver com aquelas pessoas, conhecer
sua história e ajudá-los a reerguer suas casas foi uma experiência muito emocionante. Vivi
ali por aproximadamente dois anos e também presenciei a devastação deixada pelo furacão
Gustav, que atingiu a região enquanto realizávamos os trabalhos de reconstrução (JURANDIR,
2019).

Jurandir regressou a Curitiba por um curto período em 2005. Ao final do ano seguinte, casou-se com
Izabel da Silva Pereira, de quem era noivo desde março de 2001. Jurandir voltou a trabalhar nos Estados Unidos,
onde permaneceu até 2009. Ao retornar definitivamente para o Brasil, ele e a esposa decidiram se fixar na
cidade de Maringá, na região norte do Paraná – “me considero muito mais paranaense do que mineiro, pois o
Paraná é o meu estado de coração”, comenta. Izabel e Jurandir continuam casados e não têm filhos (JURANDIR,
2019).
Em Maringá, Jurandir voltou a se dedicar a duas de suas paixões: a política e ao esporte. Ao longo dos
anos 2010, ele buscou desenvolver iniciativas sociais para levar o futebol a crianças de baixa renda. Ele também
foi presidente do clube Grêmio Esportivo Maringá – Galo do Norte, posição que utilizou para resgatar a tradição
do futebol na cidade. Durante as eleições municipais de 2016, ele apoiou a chapa vitoriosa formada por Ulisses
Maia e Edson Scabora. Posteriormente, ocupou o cargo de assessor da Vila Olímpica de Maringá e coordenou o
campo de futebol do Jardim Alvorada (JURANDIR, 2019).
Mesmo com uma trajetória de vida marcada por lutas e mudanças, Jurandir ainda tem vários sonhos que
deseja realizar. Ele voltou a estudar, participa de diversos cursos e se reaproximou dos filhos e dos três netos.
Seu principal plano, atualmente, é abrir uma escolinha municipal de futebol para atender crianças carentes de
Maringá e região. Com relação ao preconceito racial, Jurandir conclui: “A humanidade evoluiu bastante nesse
quesito, mas ainda há muito a ser feito. A luta contra a discriminação se faz no dia a dia e deve visar a construção
de uma sociedade mais justa” (JURANDIR, 2019).

REFERÊNCIAS

E mais... Correio de Notícias, 15/01/1986, p. 4.


JURANDIR (2019). Entrevista de Jurandir Nunes Pereira, concedida a Celso Fernando Claro de Oliveira no dia 6
de julho de 2019, por telefone.
PL homologa chapa à Câmara Municipal. Correio de Notícias, 22/07/1988, p. 7.
Resultados de eleições municipais – TRE/PR. Disponível em http://www.tre-pr.jus.br/eleicoes/resultados/
resultados-de-eleicoes-municipais-tre-pr. Acesso 31.janeiro.2018.
RIOS, Flavia. O protesto negro no Brasil contemporâneo (1978-2010). Lua Nova [online]. 2012, n. 85, p. 41-79.

302
39
LUIZ FERNANDO
MARQUES DA LUZ
Nascimento: Curitiba/PR, 20 de julho de 1936
Falecimento: Curitiba/PR, 30 de maio de 2014

Luiz Fernando Marques, o Luizão. Curitiba, sem data


Fonte: ASPP

303
LUIZ FERNANDO MARQUES DA LUZ1

(1936–2014)

Ana Crhistina Vanali

Luiz Fernando Marques da Luz, o Luizão, nasceu em Curitiba no dia 20 de julho de 1936. Filho de
Ezequiel Marques da Luz e de Argentina Farias Marques. O pai, além de funcionário da Secretaria de Obras
Públicas, era bem relacionado no meio esportivo e chegou a trabalhar na Federação Paranaense de Futebol
(FPF)2.
Luizão foi jogador amador de futebol no Celeste Futebol Clube3. Esse clube existiu de 1943 até 1960 e a
sua sede ficava no bairro Bigorrilho. O Alvianil, como era conhecido, ficou na terceira divisão até 1954, quando
foi promovido para a primeira divisão. O Celeste foi um ótimo formador de craques4. José Domingos relata sobre
os irmãos Marques da Luz, que foram jogadores de futebol:

Ezequiel Marques da Luz outro dos grandes craques da história do futebol suburbano. Este
baixinho era mesmo muito bom de bola e surgiu no Celeste do Bigorrilho onde também
jogavam seus irmãos Calita e Ismael que depois jogaram em várias equipes profissionais.
Embora sendo um craque Ezequiel ficou no futebol amador. Calita e Ismael eram ponteiros
direitos sendo que Calita teve temporadas de destaque no Britania, Água Verde, Coritiba,
Metropol de Criciúma e outras equipes. Ismael jogou por Água Verde, Britania, Palestra Itália
e no campeonato bancário pelo Banestado, já que era funcionário do sempre lembrado Banco
do Estado do Paraná. Outro irmão Luiz Fernando Marques da Luz, o Luizão, também batia sua
bola, mas em relação aos irmãos era fraco e nunca passou do segundo quadro do Celeste, o
famoso time do Bigorrilho que também marcou época em nosso futebol suburbano revelando
grandes jogadores entre eles Altemir, lateral direito que foi para o Juventus do Batel, Atlético
Paranaense, Seleção Paranaense e durante vários anos conseguiu inúmeros títulos no Grêmio
Futebol Portoalegrense. Ezequiel era meia armador. (DOMINGOS, 2016, on-line, grifo da
autora)

1. Na placa atual na Praça Santos Andrade está gravado LUIZ FERNANDO MARQUES, mas seu nome completo era LUIZ FERNANDO
MARQUES DA LUZ.
2. Diário da Tarde, 13/04/1937, p. 6. O Estado do Paraná, 12/03/1925, p. 6.
3. Registro de amadores. Paraná Esportivo, 22/07/1957, p. 13.
4. Celeste Futebol Clube – Curitiba/PR: existiu de 1943 a 1960. Disponível em http://cacellain.com.br/blog/?p=116117. Acesso
02.junho.2018.

304
Luizão, jogador do Celeste F.C

Fonte: Paraná Esportivo, 22/07/1957, p. 13

Luizão iniciou sua vida profissional em 1958 como funcionário público estadual do Departamento de
Edificações e Obras Especiais (Deoe). De 1963 a 1967 foi chefe do Departamento de Contabilidade e de 1966 a
1967 foi chefe do Departamento Financeiro e de Recursos Humanos do Deoe.
Formou-se em Ciências Contábeis pela Faculdade de Ciências Contábeis do Paraná em 1967.
De 1967 a 1982 trabalhou como fiscal da Superintendência Nacional de Abastecimento (Sunab) órgão
do governo federal criado em 1962 e extinto em 1997 que tinha por finalidade intervir no mercado, fixando
preços e controlando estoques5.
De 1982 a 1987 foi agente fiscal da Secretaria das Finanças do Estado do Paraná. Aposentou-se em
1987 como fiscal da Coordenadoria da Receita Estadual.
Em 1987 foi um dos fundadores e o diretor administrativo da Cooperativa Habitacional do Paraná.
Nesse mesmo ano ajudou a fundar e foi diretor administrativo da Cooperativa Marumbi. Essas duas entidades
construíram mais de duas mil casas em Curitiba, sobretudo, nos bairros de Santa Quitéria, Mercês e Tarumã.
Aos 16 de setembro de 1993 foi eleito por unanimidade ao cargo de 1º tesoureiro da Confederação
Nacional dos Servidores Públicos para um mandato de três anos.
Luizão teve intensa vida social. Foi presidente, de 1963 a 1965 da Associação Beneficente e Recreativa
do Deoe (ABRDE), em cuja gestão construiu a Colônia de Férias de Guaratuba6. Nessa mesma época era
conselheiro e diretor social da Sociedade Internacional Água Verde7.
Em 1967 foi eleito conselheiro efetivo da Associação dos Servidores Públicos do Paraná (ASPP), sendo
reeleito em todas as eleições do Conselho Deliberativos e Fiscal até o ano de 19998. De 1975 a 1981 foi membro
da Comissão de Finanças e Orçamento do Conselho Deliberativo da ASPP9. Em 1990 foi eleito representante da
ASPP junto à Confederação dos Servidores Públicos do Brasil. E de 1991 a 1993 exerceu o cargo de 1º tesoureiro
da ASPP e era membro da diretoria executiva.

5. Disponível em http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/superintendencia-nacional-de-abastecimento-sunab.
Acesso 22. Maio.2018.
6. Diário do Paraná, 02/10/1979, p. 12. Diário da Tarde, 31/03/1966, p. 7.
7. Diário do Paraná, 10/06/1969, p. 11.
8. Diário do Paraná, 07/04/1972, p. 13.
9. Diário do Paraná, 03/04/1981, p. 3.

305
Nas eleições municipais de 1972 concorreu a uma vaga para a Câmara Municipal de Curitiba, pela
Aliança Renovadora Nacional (Arena), obtendo 1369 votos, ficando na suplência10. Na eleição seguinte, de 1976,
concorreu novamente ao cargo de vereador pela Arena e obteve 1115 votos, ficando na suplência11. Nas eleições
municipais de 1982 obteve 879 votos e ficou na suplência do Partido Democrático Social (PDS)12.
Faleceu em Curitiba no dia 30 de maio de 2014 aos 77 anos. Está sepultado no Cemitério Municipal São
Francisco de Paula. Era solteiro e deixou duas filhas e um filho.
Obteve o título de Vulto Emérito de Curitiba no ano de 1995 pelos relevantes serviços prestados à
comunidade curitibana13 (CMC, 1994).

REFERÊNCIAS

CMC (1994). Proposição do vereador Jairo Marcelino da Silva para receber o título de Vulto Emérito de Curitiba
o cidadão Luiz Fernando Marques. Acervo da Câmara Municipal de Curitiba.
DOMINGOS, José (2016). Iguaçu um dos grandes da suburbana tem vários títulos, lembranças de dois e de grandes craques.
Disponível em http://www.folhadetamandare.com.br/colunas/jose-domingos/iguacu-um-dos-grandes-da-
suburbana-tem-varios-titulos-lembrancas-de-dois-e-de-grandes-craques. Acesso 2.junho.2018.

10. Diário do Paraná, 27/09/1972, p. 9. Diário da Tarde, 17/11/1972, p. 3.


11. Diário da Tarde, 18/11/1976, p. 2. Diário do Paraná, 16/06/1976, p. 3.
12. Diário da Tarde, 23/11/1982, p. 6. Diário do Paraná, 13/06/1982, p. 3.
Disponível em http://www.tre-pr.jus.br/eleicoes/resultados/resultados-de-eleicoes-municipais-tre-pr. Acesso 02.junho.2018.
13. Lei Nº 8601 de 10 de abril de 1995 assinada pelo prefeito Rafael Greca de Macedo.

306
40
MABEL NUNES DA SILVA
Nascimento: Rio de Janeiro/RJ, 23 de outubro de 1959

Mabel Nunes da Silva. Curitiba, 2017


Fonte: acervo pessoal de Mabel Nunes da Silva

307
MABEL NUNES DA SILVA

Ana Crhistina Vanali

Mabel Nunes da Silva, filha do major Manoel Nunes da Silva1 e de Nilce Nunes da Silva, nasceu no Rio de
Janeiro, no dia 23 de outubro de 1959. É a filha mais velha do casal e irmã de Manoel Filho e de Lineu.
Chegou a Curitiba quando tinha por volta dos seus seis anos de idade. Aos doze anos, estudava no Colégio
Americano que ficava na Avenida Getúlio Vargas. Um dia na saída da aula, seu pai a viu jogando pedra, soltando
foguete com os outros meninos. No dia seguinte a tirou dessa escola e a matriculou no Sagrado Coração de
Jesus. Quando chegou nessa escola, a Irmã Adalgisa não quis de imediato aceitar sua matrícula, pois as “alunas
do Americano eram muito espoletas!”, mas o major Nunes garantiu que a sua filha não era e complementou:

Major: Se é a cor da minha filha que a está impedindo de estudar aqui, pode ter certeza que é
aqui que ela vai estudar. Quanto é a matrícula? Já emendou o major não dando tempo da irmã
pensar].
Freira: É que tem que pagar um mês adiantado ...
Major: Não. Eu irei fazer como todos os outros pais fazem. Irei pagar a matrícula e na data
acertada virei pagar a mensalidade do colégio.

Comecei a estudar no dia seguinte no Sagrado e lá fiquei por 18 anos entre aluna e professora.
(MABEL, 2019)

Mabel se formou como normalista no Colégio Sagrado Coração de Jesus e foi uma das três primeiras
alunas do colégio que atuaram como professoras no lugar em que estudaram. Ela trabalhou ali por quase oito
anos, sendo uma das primeiras professoras negras do Sagrado.
Finalizando a Escola Normal, fez o curso preparatório para o vestibular no Camões e foi estudar
Pedagogia na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi nessa época que Mabel se enveredou para o campo da
política através de um namorado que a levou conhecer o Leonel Brizola, na época o maior inimigo dos militares.
“Desde os meus 22 anos eu sou muito idealista. Me formei em Pedagogia, mas não cheguei atuar na área, pois
militava na política participando de cursos, congressos, convenções, viajando o Brasil inteiro como militante do
Partido Democrático Trabalhista (PDT). O Brizola sempre envolveu nas suas discussões os índios, as mulheres
e os negros e eu me identifiquei com seu discurso” (MABEL, 2019). Retornando para Curitiba após concluir a
graduação em Pedagogia no Rio de Janeiro, Mabel cursou Estudos Sociais na Faculdade Espírita. Nessa época
a União Nacional dos Estudantes (UNE) tinha uma atuante participação na vida política do país, assim Mabel
militou no movimento estudantil. Na capital paranaense ela atuou como delegada nacional do PDT, pois sempre
“fui uma grevista nata e brigava pelas causas sociais” (MABEL, 2019). Quando a política começou a perder o
encantamento, Mabel decidiu se afastar e hoje não milita mais a favor de nenhum partido político.

1. Ver capítulo 41 desse livro – Manoel Nunes da Silva.

308
Uma das paixões de Mabel é o futebol, que lhe foi apresentado pelo pai. Ela se declara flamenguista
“doente, fanática”, mas aqui no Paraná o seu time era o Colorado, conhecido como o “Boca Negra”2 Ia direto aos
jogos do time paranaense e os jornais da época anunciavam “MABEL, A GRANDE TORCEDORA!”3. Foi a primeira
diretora social de futebol do Paraná Clube, cujo papel era cuidar das esposas dos jogadores recém-contratados
e que vinham de outras cidades. Ela fazia “o campo” entre os jogadores, a família e o clube, ajudando desde a
encontrar seus lares, escolas para as crianças, até dando conselhos sentimentais e comportamentais.

Esse cargo foi criado para mim pelo Caio Júnior que faleceu no acidente aéreo que envolveu
o time da Chapecoense em novembro de 2017. Caio e a família sempre me trataram com
muita nobreza e serei eternamente grata a eles. Eu estava em uma fase bem difícil devido ao
falecimento de meu pai e eles me acolheram com muito carinho. Exerci essa função de 2006
a 2010. (MABEL, 2019)

Em 1990 Mabel foi homenageada pela Escola de Samba Colorado sendo tema do samba enredo intitulado
“Colorado e seus convidados” (Anexo A). Nesse dia seus pais e tios estavam na arquibancada. Ela convidava os
amigos para o desfile e estes falavam que eles não poderiam ir, mas era para lhe fazer uma surpresa, pois no dia
do desfile todos apareceram compondo a ala “amigos da Mabel”.

Mabel, à esquerda, no dia do desfile em 1990

Fonte: acervo pessoal de Mabel

2. O Colorado Esporte Clube surgiu em 29 de junho de 1971 como resultado da fusão de três times: o  Britânia Sport Club  (fundado
em 1914), o Palestra Itália Futebol Clube (fundado em 1921) e o Clube Atlético Ferroviário (fundado em 1930). O clube foi extinto em 19
de dezembro de 1989, quando uniu-se ao Esporte Clube Pinheiros e deu origem ao Paraná Clube (FERNANDES, 2011).
3. Diário do Paraná, 03/10/1980, p. 8.

309
Papel picado, fumaça é explosão
Entrando em campo vem Mabel que emoção
Na charanga muito samba e harmonia
Mestre Maé é quem comanda a bateria4

Mabel atuou na Câmara Municipal de Curitiba (CMC) por vários anos. Iniciou suas atividades no gabinete
do vereador Rafael Greca em 1983. Depois trabalhou com o vereador João Gorski, representante da colônia
polonesa de Curitiba. Em seguida com o vereador Ivo Leão. Quando de sua passagem pela CMC presenciou um
caso de racismo que ganhou os noticiários da época:

Causou-me profunda revolta, logo transformada em piedade, o comportamente hostil do


vereador Ivan Ribas, que, desconhecendo como legislador e como advogado (cassado pela
Ordem) os termos da Lei Afonso Arinos, e os primados da isonomia emergentes da Carta
Magna do Brasil, espargiu seu ódio contra o negro e o polonês. O fato lamentável por todos
os títulos, ocorreu após a sessão plenária do último dia 11, quando o vereador não conseguiu
unanimidade na aprovação de um projeto de sua autoria, que reconhece como de “utilidade
pública” uma entidade de criadores de curiós.
Aos brados e dirigindo-se ao vereador José Gorski, o temperamental Ivan Ribas declarou que
“negro e polaco não existem” e que “polaco é um negro às avessas”.
Essa demonstração de racismo afronta a dignidade da sociedade brasileira, que muito deve
aos braços do negro e do polonês. E mais que isso, ruboriza a consciência nacional que venera
ainda hoje José do Patrocínio, Rui Barbosa, os irmãos Rebouças, e a consciência americana
que possui paradigmas como Booker T. Washington, Luther King e tantos outros.
Será compreensível esta alfinetada, na medida em que se testemunha o despreparo desse
político que não tem longevidade aos partidos políticos.
Como mulher negra, protesto contra a discriminação racial e não cedo ante tal insulto que
parte de um homem que não sendo branco, deveria respeitar as suas origens. (MABEL, 1987)

Racismo na CMC

Fonte: Correio de Notícias, 13/08/1987, p. 6

4. Parte do samba enredo da Escola de Samba Colorado no carnaval de 1990. Ver Anexo A.

310
Em 1994 se afastou da CMC e foi trabalhar como assistente administrativa na Secretaria de Estado da
Saúde5. Ali realizava treinamentos e cursos contra doenças contagiosas, antitabagismo e ofertava palestras
sobre a forma de contágio da Aids/HIV e as possibilidade de tratamento da mesma.

Fui trabalhar com o Armando Raggio na sede da Secretaria da Saúde, agora recebendo
treinamento para trabalhar com os indígenas. Fiquei nove anos com o Raggio e daí voltei
para a CMC trabalhar com o Altair Joca. Trabalhei como cargo de comissão em vários setores
da CMC e permanecei lá até 2014 quando por último trabalhei com o Algaci Túlio. Faz quase
cinco anos que parei com tudo e estou em casa, curtindo uma fase de dona de casa que nunca
havia vivenciado antes. (MABEL, 2019)

Mabel, filha do major Nunes, nos relata que o pai foi o primeiro negro a ser transferido para o 23º
Batalhão de Infantaria de Blumenau. A cidade era uma colônia estritamente alemã e Nilce notava os olhares
diferentes dirigidos aos seus familiares. Filha de um homem preto com uma mulher branca, Mabel relata que
o pai sempre se sentiu muito à vontade para tratar da questão racial com os filhos. Já a mãe tratava da questão
de maneira mais sutil, mais com o coração do que com a razão. Nilce queria demonstrar que eram todos iguais,
independentemente da cor da pele.
Já Manuel trabalhava a negritude com Mabel e os irmãos de outra maneira, “meu pai falava que se
tivéssemos honra e dignidade nada nos faltaria” (MABEL, 2019). Ele era militar e recebia muito subsídio do
quartel, então Mabel e sua família não vivenciaram algumas situações que são tão comuns a tantas famílias
negras. Por esse motivo, Mabel uma vez questionou o pai se o racismo realmente existia. Ela passou a se
enxergar como negra apenas aos 17 anos de idade, quando seu então namorado – um rapaz loiro – levou-a para
conhecer seus pais. Quando chegaram à casa do menino a mãe dele falou: “O que? Você vai namorar essa guria?
Você está louco!” (MABEL 2019). Mabel saiu correndo e naquele dia descobriu sua negritude:

Até então eu nunca havia me visto como negra. Meu pai falava que vivíamos em um país
racista sim e que por isso eu e meus irmãos tínhamos que sempre ter um comportamento
digno porque a gente negra era sondada. Eu e meus irmãos não sabíamos o que significava ser
sondados. Meu pai não queria utilizar a palavra cuidado, pois como éramos crianças ele tinha
receio de nos agredir, então ele não falava para tomarmos cuidado, mas falava que éramos
sondados. Um dia perguntei: “mas o que é isso pai?”. Ele respondeu: “tudo o que a gente faz
eles querem saber se é bonito ou feio”.
Meu pai fazia muitas cenas com a gente. Ele chegava, abria a porta e falava: “estou entrado
por aqui, pela porta da frente, está vendo? Aqui não é a nossa casa e estou entrando por aqui.
Então irei sentar, tomar um café, conversar e vou ter um comportamento bonito, pois quando
eu for embora vão me abrir a mesma porta da frente pela qual entrei. Se não tivermos um
comportamento bonito irão nos pedir para sairmos pela cozinha.
Depois com o tempo fui entendo o que era um “comportamento bonito”, o “entrar e sair pela
porta da frente”. Eu sou testemunha do racismo porque eu o vivi, inclusive dentro da Câmara
Municipal de Curitiba quando eu era secretária do presidente da CMC. Um dia chegou o
presidente de uma grande estatal paranaense no gabinete do presidente da CMC e pediu para
falar com a secretária do mesmo. Respondi: – a secretária do presidente? Sinta-se à vontade,
pode falar. Ele me respondeu que eu não havia entendido. Ele não queria falar comigo, mas
com a secretária.
Sabe, eu sou uma pessoa que não consigo me conter com certas coisas. Na maioria das vezes
não por mim, mas eu acabo tomando as dores daqueles que não têm atitude diante de situações
de discriminação. Sempre, com inteligência, bato de frente, então mais uma vez, mostrando

5. Decreto nº 118 de 14/01/1999. Disponível em http://www.leisestaduais.com.br/pr/decreto-n-118-1999-parana-nomeacao-de-


servidores-para-exercerem-os-cargos-da-secretaria-de-estado-da-saude-sesa. Acesso 30.março.2019.

311
a maior postura de boa educação do mundo, respondi ao senhor da estatal: – então vou lhe
dizer uma coisa, o senhor vai ter que pegar e pedir através de uma proposição legislativa
para que haja uma nova eleição para presidente da CMC e que este não deve escolher uma
secretária negra. Ele só me olhou, pediu licença e saiu da sala. Umas duas horas depois recebi
um buque de flores, com uma caixa de bombom e um bilhete com os seguintes dizeres: “O
ser humano às vezes nos surpreende. Eu te surpreendi com a minha ignorância e você me
surpreendeu com a sua educação!”
Daí respondi ao bilhete: “Pois é, mas quem foi crucificado e tem que entender a ignorância do
homem é Deus”.
Cheguei em casa e contei para meu pai, que no dia seguinte foi atrás desse senhor e com
toda a classe perguntou para ele quantos funcionários negros havia naquela instituição e, se
houvesse, qual a garantia que ele dava de que iriam aplicar um plano de carreira para eles
subirem de cargo? Fez uma meia dúzia de perguntas inteligentíssimas sobre o racismo e a
negritude. No final de uma semana, chegou em nossa casa a esposa desse senhor com um
presente para mim e outro para meu pai e pedindo pelo amor de Deus para entendermos que
ela estava ali não por nada, pois ela viu que tínhamos como nos defender, mas estava ali pelo
arrependimento do marido que estava há cinco dias sem dormir e que ficava se cobrando
como pode ter feito aquilo e estava se rotulando como uma criatura das mais repugnantes.
Passado um tempo, como sempre fui envolvida com política, fui em uma recepção e encontrei
esse senhor lá que veio em minha direção mas eu não quis falar com ele, apenas o abracei e
falei: – “sigamos em frente!”.
Tudo, tudo o que vivenciei de racismo eu nunca tomei apenas para mim, mas pelo grupo de
todos os elementos negros, porque eu tinha como me defender, fui criada com essa orientação.
Eu tive acesso aos melhores colégios porque meu pai era professor de motomecanização do
exército, o que naquele tempo era escasso, então ele viajava o Brasil inteiro dando cursos,
assim o exército nos dava todo o suporte e subsídio (MABEL, 2019).

Mabel sempre atuou na questão da negritude. Ela tem primos médicos que não voltam a sua cidade
onde moravam, São João do Meriti, no estado do Rio de Janeiro. Vão para Guiné Bissau, mas não voltam para
o interior do Rio de Janeiro. Mabel sempre se perguntava por que eles não voltavam para visitar suas origens.
Hoje, com essas pessoas beirando os 60 anos ela entendeu porque seus primos não voltam, pois viveram uma
realidade desconhecida para Mabel. Eles sofreram muito por serem negros, situações que Mabel e sua família
desconheciam. Eles frequentavam o Círculo Militar do Paraná, onde apenas a família da Mabel era negra. Um
dos seus irmãos foi jogador de futebol do Clube Curitibano e viajava com o time para os jogos do campeonato
brasileiro. Tudo isso deu uma vida diferenciada para Mabel, pois apesar desses privilégios seu pai lhe dava a
vara e a mandava pescar, o que fez de Mabel uma mulher de busca, “afoita, de correr atrás”.
Com relação à questão racial desabafa que “tudo foi contado errado, a história dos negros, por exemplo,
sempre foi contata errada. Temos que ir atrás” (MABEL, 2019). Em sua casa, irmãos, sobrinhos e sobrinhas
de Mabel, todos estudam e defendem a causa negra: “meu pai sempre nos falava que éramos negros e que
chegaríamos lá, bastava querermos e estudarmos. Refletíamos sobre como seria a vida de um negro em um país
racista. Meu pai perguntava se sabíamos o que era ser negro no Brasil. Até os meus 17 anos eu respondia que
não era negra, e ele me retrucava que eu era sim. Depois que me reconheci negra carregava sempre comigo: eu
sou negra e vocês não veem” (MABEL 2019).
Hoje Mabel está casada e há 14 anos faz parte da igreja evangélica, na qual é intercessora e está
realizando o curso de libertação espiritual e a escola de líderes: “Tive uma boa criação, tive uma família
maravilhosa. Cumpri o que meu pai sempre pedia: para entrar e sair pela porta da frente nos lugares por onde
passei e amparar a família quando ele não mais estivesse aqui independentemente da situação. Sou uma mulher
realizada” (MABEL, 2019).

312
REFERÊNCIAS

FERNANDES, Rodrigo (2011). Ferroviário: uma ausência de 40 anos Arquibancada Virtual – Gazeta do Povo de
10/8/2011. Acesso 19.abril.2019.
MABEL (2019). Entrevista de Mabel Nunes da Silva concedida a Ana Crhistina Vanali no dia 2 de abril de 2019
em Curitiba.
MABEL (1987). Opinião pessoal: racismo na CMC. In: Correio de Notícia, 13/08/1987, p. 6.

ANEXO A – Escola de Samba Colorado – Samba enredo de 1990

COLORADO E SEUS CONVIDADOS

Oba!Oba! É Carnaval
Neste estádio de ilusões
Vem também comemorar
Olha aí o Colorado
Muito samba e amor para dar

Papel picado, fumaça é explosão


Entrando em campo vem Mabel que emoção
Na charanga muito samba e harmonia
Mestre Maé é quem comanda a bateria

Na garganta o grito gol oooo


Tem Zanetti nosso símbolo torcedor (por onde for ...)
Convidado a vir com a gente
Fazer uma torcida diferente

Vai meu povo (comigo vai ...)


Paratletiba ele acaba de chegar
Podem querer nos confundir (ou dividir ...)
O nosso enredo esta aí para nos unir

E dá-lhe Coxa
Oi Furacão
Paraná Clube que nasceu da união

Letra: Mauricio, Denise e Murilo Guimarães


Música: Bichiga e Claudio Medusa

313
41
MANOEL NUNES DA SILVA
Nascimento: Buriti Alegre/GO, 8 de outubro de 1921
Falecimento: Curitiba/PR, 21 de junho de 2002

Major Manuel Nunes da Silva aos 44 anos


Fonte: acervo pessoal de Mabel Nunes da Silva

314
MANOEL NUNES DA SILVA FILHO

(1921–2002)

Ana Crhistina Vanali

Manoel Nunes da Silva, o major Nunes, nasceu dia 8 de outubro de 1921 no município de Buriti Alegre,
interior de Goiás. Era filho de Maria Francisca Nunes e de João Nunes da Silva. O casal teve 18 filhos. Manoel
era o nono filho. Os irmãos mais velhos, todos faleceram de tifo1, quando atingiam a idade entre 17–18 anos. A
partir de Manoel todos os filhos chegaram à idade adulta.
Aos 18 anos, Manoel deixou a cidade de Morrinhos/GO, onde morava e seguiu para o Rio de Janeiro para
cumprir com o serviço militar. Ficou um ano e meio como soldado até que sentou praça no Exército brasileiro
em outubro de 1940 aos 20 anos (AHEX, 1966). Foi um dos membros da Força Expedicionária Brasileira (FEB)
que combateu na Segunda Guerra Mundial. A participação militar brasileira foi importante nesse conflito, pois
somou forças na luta contra os países do Eixo (Alemanha, Japão e Itália). O Brasil enviou para a Itália (ocupada
pelas forças nazistas), em julho de 1944, 25 mil militares da FEB, 42 pilotos e 400 homens de apoio da Força
Aérea Brasileira (FAB) (ALVES, 2002). 
Os militares brasileiros da FEB (também conhecidos como pracinhas) conseguiram, ao lado de soldados
aliados, importantes vitórias. Após duras batalhas, os militares brasileiros ajudaram na tomada de Monte
Castelo, Turim, Montese e outras cidades.  Apesar das vitórias, centenas de soldados brasileiros morreram
em combate. Na Batalha de Monte Castelo (a mais difícil) e da qual Manoel participou, cerca de 400 militares
brasileiros foram mortos (ALVES, 2002).
Manoel Nunes foi o pracinha brasileiro que ganhou a indulgência plena do Papa Pio XXIII após o término
da Segunda Guerra, extensiva a todos os pracinhas brasileiros (MABEL, 2019).
Ao retornar da Itália, Manoel fixou residência na cidade do Rio de Janeiro e continuou no Exército
brasileiro onde seguiu carreira militar. Entrou para a Reserva em 1966 como major R1 pertencente ao Quadro
de Oficiais Especialistas de Motomecanização.  A motomecanização no Exército Brasileiro é marcada por fases
do processo de inovação, através da inclusão dos carros de combate realizada durante as décadas de 1920 e
1930 e a padronização, a partir de 1942, quando o Brasil, após se posicionar ao lado dos aliados na Segunda
Guerra Mundial, passa a receber modernos equipamentos militares dos Estados Unidos e como este havia
padronizado os diversos tipos e modelos de veículos para equiparem seu Exército, o mesmo irá ocorrer no
Brasil, principalmente no pós-guerra. Foi um fator decisivo para a criação em 1946 do Curso de Engenharia
Mecânica e Automóveis, na então Escola Técnica do Exército, atual Instituto Militar de Engenharia (IME). Hoje
o Exército Brasileiro na área de motomecanização é bem completo, haja vista que boa parte do material é de
origem brasileira, produzido e desenvolvido por empresas brasileiras e multinacionais com filiais e fábricas no
país (LOURO, 2015).

1. Tifo é uma doença bacteriana dividida em dois tipos principais, endêmica e epidêmica. A doença acontece quando a bactéria entra em
contato com humanos, normalmente através de vetores como pulgas, piolhos ou carrapatos que as adquiriram de animais como ratos,
gatos, gambás, guaxinins e outros.

315
Dentro do Quadro de Oficiais Especialistas de Motomecanização, Manoel teve a seguinte trajetória no
exército:

Trajetória de Manoel Munes da Silva no Exército Brasileiro

DATA PATENTE
08/10/1940 Data de Praça
25/12/1954 2º tenente
28/01/1958 1º tenente
25/04/1961 Capitão
1966 Major na passagem para a Reserva
Medalha de Cruz de Combate de 2ª Classe
Medalha de Campanha
Condecorações
Medalha Militar de Prata
Medalha de Guerra

Fonte: AHEX (1966)

Major Nunes relatou para a filha Mabel uma situação de racismo pela qual passou quando voltava
da pescaria com alguns amigos. Ele estava dirigindo o carro quando cruzaram com a polícia que pediu para
pararem. Ao verem que o motorista era negro, os policiais pediram seus documentos e quando constataram que
Manoel era do exército pediram desculpas e os dispensaram, mas Manoel fez questão de que eles terminassem
de cumprir com suas obrigações, caso contrário ele os denunciaria por não estarem agindo de acordo com suas
funções – “se meu pai não fosse do exército teria levado uma multa por ser negro” (MABEL, 2019).
Dos amigos do interior de Goiás, apenas Manoel foi para uma cidade grande e isso gerava certo
encantamento entre eles. Foi Manoel quem proporcionou a muitos desses amigos conhecerem a “cidade
maravilhosa”, pois ele recebia a todos em sua casa e os levava para visitar o Rio de Janeiro. Desde os amigos
mais simples, até os mais abastados, como a família Quinta, de Goiânia, que possuía muitas posses. Dona Maria
Francisca, a mãe de Manoel, trabalhou para essa família e eles tinham muito apreço pelo “mano Manezinho”
ou “Mané Quinta”, como era carinhosamente chamado pelos membros da família. Era tanta a consideração por
Manoel que ele aparece retratado nos dois livros de crônicas da família, como uma pessoa humilde, de pequena
estatura (Manoel media 1,58 cm), mas de grande coração, “um crioulinho sem defeito” (QUINTA, 1983, p. 202).
Foi na cidade do Rio de Janeiro que Manoel conheceu a futura esposa, Nilce, a quem ele tratou a vida
inteira pelo apelido carinhoso de “Madame”. Ele foi morar na mesma rua em que ela. Aos finais de semana,
como ele ficava com o jipe do exército, Manoel pegava toda a meninada da sua rua e iam para a praia. E foi assim
que se aproximou de Nilce. Viveram uma intensa história de amor que durou 47 anos. Nilce, então com 19 anos,
já era casada quando conheceu Manoel, que estava com 26 anos. Ela era de origem espanhola e o casamento
dela com Manoel foi muito criticado por seus pais, ocorrendo uma espécie de abandono por parte dos mesmos.
A união entre Nilce e Manoel só pode ser oficializada em 1967, vinte anos após estarem juntos. Tiveram quatro
filhos: Mabel, Manoel Filho, Eliana e Lineu. Cada um nasceu em uma cidade onde o casal Manoel e Nilce morava
devido às transferências do exército: Mabel nasceu no Rio de Janeiro, Manoel Filho em Ponta Grossa, Eliana em
Blumenau e Lineu em Curitiba.

316
Os quatro filhos de Manoel e Nilce não sofreram atos de racismo no ambiente em que frequentavam
juntos por serem “filhos deles”, mas lá fora encontraram a realidade. Porém, o major Nunes soube preparar
os filhos para o enfrentamento da questão racial. Tiveram um bom embasamento em casa para poderem se
defender. Conforme nos relata sua filha Mabel (2019):

Hoje eu entendo porque meu pai nos fazia assistir filmes de negros, mas não aqueles em que
eles sofriam as agruras da escravidão ou de outras situações de preconceito e racismo. Eram
filmes em que os negros sempre se davam bem. Meu pai nunca foi fã de novela, pois nela
os negros sempre apareciam em papel menores como escravos, empregados, ladrões, nunca
eram pessoas que haviam sido bem sucedidas. Estavam sempre à margem da sociedade.
Meu pai nos levou para o caminho do futebol. Achei de início que era pelo fato dele ser
flamenguista “roxo”, mas não. Foi pelo fato de que o futebol era enegrecido, muitos negros
se davam bem ali e eram endeusados como o Pelé. Veja um negro que foi visitar o Papa sem
agendar e foi recebido, todas as portas estavam e estão abertas para o negro Pelé. E meu pai
nos encaminhou para isso e como a palavra dele era uma ordem, a seguíamos.
Meu pai era militar conosco também. Apanhávamos, ficávamos de castigo, mas tudo isso nos
tornou as pessoas dignas que somos hoje. Agradeço todos os dias à educação que meu pai me
deu.
Então, o meio que meu pai achou para tratar a negritude com a gente, seus filhos, foi através
do futebol. Passei a ver negro relacionado com sofrimento com os amigos que começamos
a fazer na escola. Lá na escola judiavam da gente pela questão da cor da pele. Éramos uma
família negra de classe média, mas ainda assim alguns não aceitavam estarmos ali no espaço
deles. Porém tivemos muito amor em casa e isso nos ajudou a enfrentar o mundo lá fora com
toda a sua hipocrisia referente à questão racial no Brasil.
Para mim hoje é bem evidente que todo esse amor que meu pai e minha mãe nos passaram era
o resultado de muito sofrimento que havia por trás.
Eles tinham que nos preparar para o mundo lá fora. A escola da vida tornou minha mãe uma
PHD, pois ela aprendeu o que era ser negro nesse país, mesmo sendo branca, porque seu
grande amor era negro e seus filhos eram negros.

Manoel chegou com a família em Curitiba na metade dos anos 1960, transferido pelo exército. Fixaram
residência no bairro Água Verde, onde o major Nunes morou por mais de 36 anos até a sua morte em 2002.
Ele era uma pessoa muito amada na comunidade em que atuava. Vários vizinhos iam se aconselhar com ele:
“Meu pai era o pai de muita gente. Moro aqui há mais de 47 anos e até hoje os vizinhos comentam comigo que
queriam tanto que o major Nunes estivesse aqui!” (MABEL, 2019).
As principais características que marcaram a vida de major Nunes, segundo sua filha Mabel foram:
1ª – era torcedor fanático do Flamengo: tanto que nos dias em que o Flamengo perdia o jogo, major
Nunes desligava o telefone, pois seus amigos do Brasil inteiro, onde ele havia morado ou ido dar o curso de
motomecanização ligavam para lhe falar: “aí Manezinho, seu time perdeu!”. Comprava todo objeto que via com
o símbolo do Flamengo: régua, bala, caixa de fósforo, carteira de cigarro, caneca, camiseta, bandeirinhas. Enfim
tudo o tivesse o símbolo do seu time do coração.
2ª – o amor nobre que possuía pela sua esposa Nilce: Manoel reconhecia que ela havia desistido, “aberto
mão” de tudo para ficar com ele. Quando do seu primeiro casamento, aos 14 anos, ela já tinha babá devido às
posses de seu pai. Com Manoel ela não podia contar com esse tipo de ajuda. Em reconhecimento a esse amor
que Nilce também devotava a ele, ele sempre a chamou de Madame. No dia em que Nilce faleceu, Manoel pegou
em sua mão, fechou os olhos e falou: “Madame, eu nunca irei te trair. Vá em paz!”
3ª – era católico, apostólico, romano: extremamente religioso e praticante. Participava ativamente da
Paróquia Imaculado Coração de Maria. Os filhos fizeram todos os rituais católicos: o batismo, a eucaristia, a
crisma etc. E em casa seguiam-se os dez mandamentos: de respeitar pai e mãe, os mais velhos e amar a Deus

317
sobre todas as coisas. Toda noite havia reza e uma vez por semana a leitura da bíblia. Havia também a passagem
mensal da capelinha e a prática da caridade: se um filho ganhava uma blusa nova, tinha que doar uma usada.
Durante 38 anos ministrou, junto com a esposa Nilce, os cursos de noivado e de batismo na Paróquia Imaculado
Coração de Maria. Ao final de cada cursilho o casal acabava “ganhando” de cinco a seis afilhados. Os cursistas
os convidavam para serem padrinhos de seus casamentos, pois “queriam que a história de amor deles fossem
igual à de Manoel e Nilce”. Foi por 29 anos tesoureiro do grupo de encontro de casais da mesma igreja, pois em
Curitiba ele graduou-se em Ciências Contábeis. Quando ele pensava em passar a função para outro membro,
ninguém deixava. Até que dois meses antes de seu falecimento, ele ajeitou tudo e comentou com a filha Mabel
que havia deixado toda a documentação em ordem para darem continuidade no seu lugar.
Major Nunes criou os filhos de uma forma muito digna: “vocês devem ter elegância, ser excelente
quando forem fazer as coisas!”, dizia a eles. Ele era major no exército e em casa também, na parte da educação
com os filhos. “Em casa era uma disciplina militar, foi o meio que ele encontrou para nos educar. No quartel
ele via os outros obedecendo, em casa tinha que ser igual. Disciplinou-nos como no quartel, mas com o amor
de pai e foi dessa maneira linda que ele nos criou. Ele nunca deixava nada pela metade, se a coisa começava a
enrolar, ele vinha e colocava o ponto final do jeito dele e aceitávamos. Sempre falava com a gente olhando nos
olhos. Uma vez perguntei por que ele falava e olhava daquele jeito com as pessoas e ele respondeu: “Porque eu
não devo nada para elas, não tenho nada a temer”! E se a pessoa vem lá de longe olhando para mim com alguma
pretensão, já olho antes para ela!” (MABEL, 2019).
Serenidade, mansidão, sabedoria e inteligência são os adjetivos para a personalidade do major Nunes
que fez dele um homem muito amado e respeitado por onde passou. Homem de poucas, mas de certeiras
palavras para atingir o íntimo, o âmago de quem teve a sorte de conhecê-lo. Lembranças do major brigando ou
chateado com alguém não fazem parte das memórias de sua filha, pois era um homem respeitado até pelos seus
superiores no exército:

O coronel Sidney era meu padrinho2, mesmo sendo superior de meu pai no exército, ele o
chamava de “Mister Dignidade” e não fumava perto dele. Os seus superiores no exército o
chamavam de “Comandante” e também não fumavam perto dele. A vivência linda que meu pai
pregou na vida, a sinto até hoje. Esses dias estava na Rua da Cidadania e um homem começou
a me perseguir. Até fiquei com medo, mas ele chegou perto de mim e falou que aquele dia era o
dia do aniversário do homem mais digno que ele conheceu: 8 de outubro, data de nascimento
de Manoel Nunes da Silva, meu superior no exército e seu pai. Outro exemplo de dignidade foi
quando um cabo estava cursando Odontologia e coincidia que no dia de prova na faculdade
ele estar de serviço no exército. Lá ia meu pai, superior dele, o substituir na guarita para ele
poder fazer a prova. Até hoje ele vem aqui em casa, olha a foto de meu pai e agradece por Deus
o ter colocado no seu caminho e me fala: não precisava mil, mas vinte majores Nunes já iriam
fazer uma diferença enorme nesse mundo!
São essas atitudes que recompensam a saudade que sinto dele! (MABEL, 2019)

Major Nunes faleceu no dia 21 de junho de 2002 aos 80 anos de idade. Está sepultado no Cemitério
Parque Jardim da Saudade I de Curitiba. Teve sua vida marcada pelo amor e pela obediência. Menino que saiu da
extrema pobreza do interior de Goiás, foi para a guerra, fez carreira militar e ajudou todos a sua volta. Procurou
demonstrar para os filhos como os seus antepassados construíram esse país e questionava por que não se podia
falar que foram os negros que construíram o Brasil sim, com seus mais de 350 anos de trabalho forçado, ou
seja, mesmo apanhando, sendo humilhados, passando fome, eles construíram essa nação. Major Nunes tinha

2. Ver capítulo 65 desse livro – Sydnei Lima Santos.

318
orgulho de ser negro. Quis mostrar aos filhos que não se devia ter medo dos negros, mas orgulho, por isso toda
essa didática aplicada com os filhos de valorização do elemento africano, afinal o que as crianças aprendem?
Que os negros vieram para cá escravizados, fugiam, batiam, matavam, ou seja, já se cria um pré-conceito que é
passado para as crianças que não nascem racistas, mas acabam se tornando. “Esquecem” de contar que muitos
negros, quando vieram para cá, eram reis de tribos, eram nobres, mas para contar isso tem que se estudar.

Meu pai estudava isso e nos passava. Minha mãe também, mas a maneira de cada um nos
transmitir seus ensinamentos era de maneira diferente. Meu pai era mais razão, por conhecer
a parte disciplinada do exército. Minha mãe era mais emoção, por exemplo, quando Martin
Luther King morreu ela teve um pico de pressão, pois ela viu algo acontecer a um negro e
pensava que estávamos sujeitos a isso também. Teve um tempo em que meus pais congelaram,
pois começaram a matar negros, homossexuais e mendigos no Largo da Ordem, local das
nossas baladinhas. Não podíamos mais sair por causa disso, mas eles não queriam mostrar
fraqueza diante da situação, apenas falavam que aquele dia não iríamos sair. (MABEL, 2019)

Continuemos a luta de major Nunes contra o preconceito, pois apesar de alguns avanços ainda existem
inúmeras barreiras a serem ultrapassadas no combate contra a discriminação, seja ela racial, social ou sexual!

Major Nunes aos 70 anos

Fonte: acervo pessoal de Mabel Nunes da Silva

319
REFERÊNCIAS

AHEX (Arquivo Histórico do Exército) (1966). Almanaque de Oficiais de 1966 – Major R1 Manoel Nunes da
Silva, Quadro de oficiais especialistas de motomecanização. RJ: Exército Brasileiro.
ALVES, Vagner Camilo (2002). O Brasil na Segunda Guerra Mundial. SP: Loyola.
LOURO, João Marcos Macedo (2015). O cavalo ou o motor: a motomecanização no Exército Brasileiro no período
entre Guerras (1921–1942). Curitiba: Prismas.
MABEL (2019). Entrevista de Mabel Nunes da Silva, filha de Manuel Nunes da Silva, concedida a Ana Crhistina
Vanali no dia 2 de abril de 2019 em Curitiba.
QUINTA, Waldyr Castro (1983). “De crioulos importantes”. In: Um galinheiro em seu terreiro. Goiânia: edição
do autor, 1983, p. 201–203.

320
42
MARIA APARECIDA
DA SILVA
Nascimento: Santo Antônio da Platina/PR, 9 de fevereiro de 1937
Falecimento: Curitiba/PR, 2 de maio de 1995

Maria Aparecida da Silva. Sem local, sem data


Fonte: acervo pessoal de João Carlos da Silva

321
MARIA APARECIDA DA SILVA

(1937–1995)

Ana Crhistina Vanali

Maria Aparecida da Silva, a Cida, nasceu em Santo Antônio da Platina, no estado do Paraná, aos 9 de
fevereiro de 1937. Filha de Geralda Lucinda da Silva e de Benedito Honorato da Silva. Casou-se com Antônio
Domingos da Silva, mineiro de Brazópolis, no ano de 1955, e tiveram dois filhos: Antônio Carlos e João Carlos.

Cida no dia do seu casamento

Santo Antônio da Platina, 1955


Fonte: acervo pessoal de João Carlos da Silva

O casal, Cida e Antônio, após passarem por várias cidades do interior do Paraná, chegaram a Curitiba
no ano de 1964, em busca de melhores condições de vida. Na capital paranaense, de início, foram morar na Vila
Fanny. Depois, Antônio conseguiu trabalho na Companhia de Água e Esgotos do Paraná (Agepar) e a família se
mudou para a vila dos funcionários da empresa, situada na Rua Engenheiros Rebouças, próximo ao Estádio
Durival de Britto. Tanto a casa da Vila Fanny, quanto à da Vila Capanema eram casas de passagens para os
parentes e conhecidos que vinham para a capital tentar uma vida melhor. Ficavam hospedados com Cida e sua
família até conseguirem “se ajeitar na cidade” (JOÃO, 2018).

322
Cida chegou a trabalhar esporadicamente como diarista em algumas casas de família, já que Antônio
não gostava que ela “trabalhasse fora”. João Carlos da Silva (2018), filho de Cida, lembra que uma das casas em
que a mãe trabalhava era da família Medeiros, uma das proprietárias da empresa de viação Princesa do Norte.
Ele e o irmão, algumas vezes acompanhavam a mãe e passavam o dia com ela no trabalho.
Com o passar do tempo, a moradia da vila dos funcionários da Agepar, que era gratuita, uma vez que
os funcionários que nela habitavam sempre estavam de plantão para a empresa, passou a ter algumas taxas
cobradas, como água e energia, até que a empresa solicitou aos funcionários a devolução das casas. A família de
Cida foi uma das últimas a deixar o local. De lá seguiram para Vila Guilhermina, onde se estabeleceram. Nessa
nova casa Cida ficou viúva e, com o valor do inventário do marido, comprou uma casa no bairro Boqueirão.
João (2018) guarda memórias de experiências com a família desse período. Relata que durante a sua
infância, Curitiba tinha poucas pessoas negras. Então quando uma família negra, um casal de negros ou uma
dupla de negros saíam à rua era uma novidade para as pessoas que ficavam olhando, e não era incomum as
crianças brancas pedirem para tocar a pele das pessoas negras para ver se era de verdade, “muitas crianças
não conheciam negros, essa era a realidade daquele tempo”. Cida e o esposo sempre orientaram os filhos para
nunca brigarem na escola e que se destacassem nos estudos, “tínhamos de tirar boas notas para representar
bem a comunidade negra. Ser o melhor, ter as melhores notas era uma espécie de instrumento de defesa, pois
em todas as relações já sofríamos preconceito. O problema é que as crianças não negras reproduziam a visão
equivocada que a sociedade tinha do diferente”, relata João (2018).

Cida e o esposo Antônio

Sem local, sem data


Fonte: acervo pessoal de João Carlos da Silva

Cida e o marido não tinham o ensino primário completo, eram pessoas simples, sem instrução
formal, mas nunca permitiram que os filhos parassem de estudar para irem trabalhar. Os filhos estudaram até
concluírem o segundo grau (atual ensino médio), depois é que foram trabalhar. O casal via a educação como o
meio dos filhos superarem a dura realidade que marcou a vida de seus pais.

323
“Uma pessoa ativa e com personalidade forte”, assim João (2018) descreve a mãe Cida. Ela era a “cabeça”
da família: todas as decisões da casa passavam por ela. Se havia algum problema, ela era chamada para resolver.
Maria Aparecida da Silva foi uma representante da cultura afro-brasileira em Curitiba. Ela era
praticante da umbanda, da linha do Exú Tiriri, entidade que trabalha em prol da caridade em nome
de Deus e dos Orixás, para auxiliar aos necessitados. Foi uma agente cultural que atuou na defesa e valorização
da cultura afro-brasileira e das religiões de matrizes africanas, isso em uma época em que as pessoas conheciam
pouco sobre o assunto, então o preconceito e a discriminação predominavam.
Sua entrada para a umbanda se deu após um período conturbado em que ela sentia vários sintomas
que a deixavam indisposta, porém os médicos a examinavam e não encontravam nenhuma doença. Já a estavam
considerando “louca”, com problemas mentais, pois Cida alegava ter visões e estava com um comportamento
diferente. Mas todos aqueles sintomas eram um “chamado” para a sua missão espírita. A fim de desenvolver
esse dom, passou a frequentar o centro de umbanda da Dona Jacira, no bairro Água Verde1. Depois que Dona
Jacira faleceu, Cida passou a ter responsabilidades de mãe de terreiro, mesmo não sendo a dona do templo. Não
conseguiu realizar seu grande sonho, que era montar seu próprio terreiro. Chegou a receber um terreno doado
pela prefeitura, mas não conseguiu viabilizar a construção do templo.
Paralelo a sua atuação como mãe de santo, Cida tinha uma preocupação com as questões sociais.
Chegou a registar uma ONG (organização não governamental) que atenderia pessoas idosas, mas o projeto foi
interrompido com a sua morte, aos 58 anos. Nos tempos de Cida, toda iniciativa de trabalhar com a coletividade
era muito individualizada e acabou faltando amparo, uma organização coletiva que integrasse e viabilizasse os
diferentes projetos por ela pensados (JOÃO, 2018).
Cida, com toda sua atuação a favor da cultura negra, incentivou os filhos a participarem de associações
em prol dessa causa. João Carlos, seu filho caçula, é um dos membros do grupo Arte Negra, criado em março de
1983 para visibilizar a população negra na construção da história do Brasil (SOUZA, 2011). Toda a família era
integrante da escola de samba curitibana Mocidade Azul. Cida fazia parte da Ala das Baianas.
“Mulher capaz, inteligente, guerreira, que enfrentou todos os obstáculos do seu tempo para procurar
melhorar a realidade a sua volta”, assim era Cida (JOÃO, 2018). Ela viveu uma época de poucos recursos e
informações, mas sabia que havia somente um caminho a seguir para a sociedade melhorar – o caminho do
amor e da dedicação, e procurou traçar esse de forma corajosa através de seu trabalho colaborativo.
Faleceu em Curitiba no dia 2 de maio de 1995 aos 58 anos de idade. Está sepultada no Cemitério Jardim
da Saudade de Pinhais.

REFERÊNCIAS

JOÃO (2018). Entrevista de João Carlos da Silva, filho de Maria Aparecida da Silva concedida a Ana Crhistina
Vanali no dia 3 de março de 2018 em Curitiba.
SOUZA, Marcilene Garcia de (2011). A África está em nós: história e cultura afro-brasileira/africanidades
paranaenses. João Pessoa: Editora Grafset.

1. Templo de Umbanda União, Humildade e Caridade do qual Dona Jacira (Seraphina Jacira Gonçalves) foi uma das fundadoras. Disponível
em http://bandeiradaamizade.com.br/2017/05/17/terreiro-uniao-humildade-e-caridade/. Acesso 3.março.2018.
Ver capítulo 64 desse livro – Seraphina Jacira Gonçalves.

324
43
MARIA LUCIA DE SOUZA
Nascimento: Mendes Pimentel/MG, 27 de fevereiro de 1960

Maria Lucia, Curitiba, 2017


Fonte: acervo pessoal de Malu

325
MARIA LÚCIA DE SOUZA

Ana Crhistina Vanali

Maria Lúcia de Souza, a Malu, nasceu em Mendes Pimentel, estado de Minas Gerais, no dia 27 de fevereiro
de 1960. É a terceira filha de Antônio Garcia de Souza e de Neusina Inácio de Souza, que tiveram treze filhos.
Vieram para o Paraná em 1968, chegando ao município de Nova Aurora quando Malu tinha oito anos
de idade. Ali, o pai começou a trabalhar na plantação de hortelã. Após três anos nesta região, seguiram para
Matelândia e, depois, para o Paraguai a fim de cultivar a planta em terras de um tio.
Ao completar 18 anos, Malu comunicou ao pai sua decisão de vir morar em Curitiba. Assim a família
inteira chegou à capital paranaense no dia 29 de junho de 1980. Na cidade, começou a trabalhar como empregada
doméstica. Foi trabalhando como babá na casa de uma professora do Colégio Estadual Dezenove de Dezembro,
que Malu teve a oportunidade de iniciar seus estudos, aos 20 anos. Depois trabalhou como cozinheira em uma
casa de família, como zeladora na empresa Ivaí (especializada em engenharia de obras) e em uma confeitaria.
Malu tomou maior consciência com relação à questão racial nos preparativos para a comemoração do
centenário de Abolição da escravatura durante os encontros preparativos realizados ao longo do ano de 1987,
para a campanha da fraternidade da Igreja Católica cujo tema foi “Fraternidade e o Negro: ouvi o clamor desse
povo”. Até então, esta não tinha sido uma questão relevante para ela. Foi devido a sua participação no grupo
de jovens da igreja do São Braz, durante um festival de música sacra que entrou em contato com o coletivo
que estava na preparação da campanha da fraternidade. Resolveu ir à reunião preparatória que ocorreu na
igreja Bom Jesus, localizada na Praça Rui Barbosa, e a partir daí envolveu-se fortemente com o movimento dos
Agentes da Pastoral do Negro (APNs).
Em abril de 1989, Malu ajudou a organizar em Curitiba o Encontro Nacional de Agentes da Pastoral do
Negro. Porém, após a campanha da fraternidade, a Igreja retirou gradualmente o apoio aos APNs. Malu mesmo
assim, não desistiu. Demitiu-se de seu trabalho para militar durante seis meses na pastoral, sem remuneração.
Sua militância nas APNs se misturava à militância no Partido dos Trabalhadores (PT). Apesar do apoio de
algumas pessoas do interior da Igreja, como o frei Davi, que garantiu a continuidade do uso do espaço da igreja
Bom Jesus pela pastoral, a estrutura institucional passou a excluir os seminaristas que atuaram como agentes,
sob a alegação de militância política. Esta situação e o desejo de ampliação da luta resultou na organização, no
ano de 1990, por parte das pessoas envolvidas com a pastoral, na criação da Associação Cultural de Negritude
e Ação Popular dos Agentes de Pastoral Negros, a Acnap (QUELUZ, 2018)1.

1. Sobre a ACNAP e um resumo de sua história ver: https://sites.google.com/site/acnapbr/. Acesso 3.janeiro.2018.

326
Equipe de coordenação da Acnap em 1996

Maria Lúcia em primeiro plano


Fonte: acervo pessoal da Malu

Para ela, este processo de inserção na luta contra o racismo é fundamental, pois “a partir do momento
que a gente bota a cara para fora a gente é discriminado, se eu tenho consciência eu vou ter que fazer alguma
coisa” (MALU, 2018). Cada pessoa que procurava a Acnap em busca de auxílio ao ser discriminada passava a
ajudar no crescimento do processo e das formas de luta. Vários grupos surgindo – como o Movimento Negro
Unificado (MNU) e o Grupo de União e Consciência Negra (Grucon) – se articulando em prol de uma mesma
causa, se unindo em torno de lutas comuns como o apoio às comunidades quilombolas e o combate contra a
discriminação aos terreiros de candomblé, afinal a “luta é uma só” (MALU, 2018).
Malu teve forte atuação junto à Acnap, sobretudo, nas atividades de arrecadação de fundos para a
construção do prédio-sede da associação no bairro Sítio Cercado2. Para este fim, foram realizadas várias feijoadas
que chegavam a reunir mais de 800 pessoas. O valor levantado nessas atividades, assomado à contribuição
pessoal dos membros e à contribuição estatal, permitiu a concretização da construção desse espaço (MALU,
2018).
A região onde foi instalada a Acnap era uma área de ocupação, bastante precária, composta
majoritariamente de barracos, com valetas a céu aberto. A associação iniciou suas atividades com um trabalho
de reforço escolar, procurando diminuir os altos índices de reprovação e elevar a autoestima das crianças. Malu
trabalhava com os estudantes de quinta a oitava séries. Nessa mesma época, passou a trabalhar como autônoma

2. A sede da Acnap se situa na Rua Francisco José Lobo, 214 – Sítio Cercado, Curitiba – PR.

327
na área de alimentação e a lecionar nos cursos de panificação e confeitaria ofertados pela associação (QUELUZ,
2018).
Afastou-se da Acnap em 2005, por problemas de saúde e por desejar que as novas gerações
continuassem o trabalho. Em 2014, junto com mais três amigas, Malu iniciou o projeto Bebê Solidário, um
trabalho voluntário que prepara enxoval básico, a partir de tecidos doados, para serem distribuídos às mães
carentes. Para identificar o público-alvo do projeto, contaram com o apoio de agentes de saúde de diferentes
regiões de Curitiba para distribuírem um enxoval mensalmente em cada bairro. O projeto rapidamente tomou
grandes dimensões e, entre 2014 até o início de 2016, mais de 300 enxovais foram doados. Novamente, por
problemas de saúde, teve que abandonar o projeto no início de 2016, apesar de continuar recebendo doações
em sua casa, as quais encaminha para as voluntárias que permanecem atuando (QUELUZ, 2018).
Para Malu (2018), com o crescimento do movimento negro, apareceram outros grupos que não
estavam diretamente ligados à militância, mas que desenvolviam importantes projetos culturais, entre os
quais o “Escolhido a Dedo” e o “Baluarte”, que realizavam desfiles visando à valorização da beleza e da estética
negra. Ela participou durante cinco anos do grupo teatral Arte Negra, que procurava destacar a sociedade a
participação da população negra na construção do Brasil (SOUZA, 2011).
A vivência religiosa de Malu é muito rica e multifacetada. Durante muito tempo, participou ativamente
de ações da Igreja Católica, organizando grupos de conversa sobre religião, auxiliando na construção de uma
igrejinha quando de sua estada no Paraguai, participando em Curitiba de grupos de jovens e da pastoral negra.
Foi no âmbito de sua religiosidade católica que se estabeleceram os primeiros contatos com as religiões de
matriz afro-brasileira. Através de um seminarista que conheceu nas reuniões dos agentes da pastoral negra
foi instigada a conhecer estas religiosidades. Este seminarista estava desenvolvendo sua monografia sobre as
religiões de matriz africana, especialmente a umbanda e o candomblé, e convidou Malu para acompanhá-lo
em suas visitas aos terreiros. Essa experiência abriu novas perspectivas para sua compreensão das tradições e
das culturas africanas e do movimento da negritude. Passou a estudar sobre as religiões de matrizes africanas,
frequentou um curso sobre candomblé e cultura africana, ministrado por Glauco de Souza Lobo1 nas quintas-
feiras em que ocorriam as reuniões dos agentes da pastoral do negro na Igreja Bom Jesus. Apesar do estudo
intensivo e do respeito desenvolvido pela cultura, pelos orixás, Maria Lúcia não se transformou em uma devota
do Candomblé (QUELUZ, 2018). Este envolvimento mais profundo se deu com o espiritismo e hoje ela se declara
espírita kardecista (MALU, 2018).
Apesar da tristeza com o potencial enfraquecimento da militância e a perda de direitos conquistados
pelos trabalhadores devido à situação atual do Brasil, a sua história de vida foi marcada pelo comprometimento
constante com as lutas da militância no movimento negro, da militância política, na responsabilidade e no amor
ao próximo expressados pelo multifacetado trabalho voluntário, no amor por aprender e ensinar, experimentado
de tantas maneiras ao longo de sua vida. Os limites entre cultura, política e militância social aparecem, assim,
sem fronteiras, compondo um todo na vida de Malu (QUELUZ, 2018).

1. Glauco de Souza Lobo (1939-2019) foi uma das lideranças do movimento umbandista de Curitiba, Foi um dos organizadores da Federação
Umbandista do Estado do Paraná (Fuep) fundada em 1968 (MILLARCH, 1986; MILLARCH, 1992).

328
REFERÊNCIAS

MALU (2018). Entrevista de Maria Lúcia de Souza a Ana Crhistina Vanali concedida dia 24 de fevereiro de 2018
em Curitiba.
MILLARCH, Aramis (1986). Lobo, com a ajuda de seus orixás ganha secretaria. Disponível em https://www.
millarch.org/artigo/lobo-com-ajuda-de-seus-orixas-ganha-secretaria. Acesso 23.fevereiro.2018.
MILLARCH, Aramis (1992). Guia negro de Glauco para nosso turismo. Disponível em https://www.millarch.
org/artigo/guia-negro-de-glauco-para-o-nosso-turismo-0. Acesso 23.fevereiro.2018.
QUELUZ, Gilson Leandro (2018). Maria Lúcia de Souza: “descobri a negritude, respiro a negritude”. In: VANALI,
Ana Crhistina; KOMINEK, Andrea M.V e QUEIROZ, Ivo P. Vidas que falam: ancestralidade africana na diáspora
paranaense. Curitiba: Editora da UTPFR, p. 155–168.
SOUZA, Marcilene Garcia de (2011). A África está em nós: história e cultura afro-brasileira/africanidades
paranaenses. João Pessoa: Editora Grafset.

329
44
MARIA MERCIS GOMES
ANICETO
Nascimento: Ourinhos/SP, 18 de agosto de 1947

Maria Mercis Gomes Aniceto. Curitiba, 2017


Fonte: acervo pessoal de Maria Mercis Gomes Aniceto

330
MARIA MERCIS GOMES ANICETO

Rosalice Carriel Benetti

Apesar de virem conquistando cada vez mais espaço nas carreiras jurídicas, a participação feminina
nesta área foi pouco expressiva no século XX. A chegada das mulheres aos tribunais brasileiros é relativamente
recente. Somente no ano 2000 o Brasil teve uma ministra na Suprema Corte1.
No estado do Paraná, uma personalidade se destaca neste ambiente pela sua atuação profissional no
Tribunal de Justiça, a desembargadora Maria Mercis Gomes Aniceto.

Quantas meninas pobres e afro-descendentes poderiam acalentar o sonho de se tornar juíza


num país tão desigual quanto o Brasil? Ela foi uma das poucas que ousou e chegou lá. [...]
Sempre teve a vocação de ajudar as pessoas e fez do Direito sua arma para isso. Consciente
dos problemas do nosso país, Maria Mercis tem feito do seu trabalho como desembargadora
no Tribunal de Justiça do Paraná sua contribuição pessoal para a reorganização da sociedade
e a construção de um mundo melhor. Em cada julgamento, em cada sentença emitida, o que
visa é sempre a plena realização da justiça. (SOUZA, 2014).

Maria Mercis é filha de José Aniceto e Ana Gomes Aniceto. Nasceu em Ourinhos, estado de São Paulo,
em 18 de agosto de 1947, e criou-se em Maringá, região Norte do estado do Paraná. As suas lembranças da
infância e da família são muito valiosas e significam a sua “base”. Recorda com muito carinho dos pais, religiosos
e “cumpridores de seus deveres”, considerando-os responsáveis pela sua formação (ANICETO, 2018).
Os pais eram professores estaduais que não tinham muitos recursos financeiros, mas preocupavam-
se com a educação dos filhos. O ambiente familiar sempre esteve repleto de amor e também de uma enérgica
cobrança com relação ao resultado dos estudos. Foi por esta razão que todos os seus irmãos cursaram uma
universidade, dois deles são da área jurídica e uma irmã é psicóloga.
Desde muito jovem, ela trabalhou como professora para auxiliar nas despesas de casa e pagar seus
estudos, lecionando aulas suplementares em escolas de Maringá. Na adolescência, seu pensamento era cursar
Medicina, no entanto as dificuldades e os custos acarretados por uma possível mudança de cidade – já que não
existia o curso onde morava – direcionaram-na para a área jurídica. Assim, ingressou na Universidade Estadual
de Maringá, onde formou-se em Filosofia e Direito em 1971. Nessa ocasião o pai sugeriu que ela fizesse um
concurso para o Ministério Público. Mas no seu contato com o Direito, sentiu-se mais atraída pela Magistratura,
acreditando que como juíza teria um “campo mais ampliado, que lhe permitiria melhorar as condições de vida
das pessoas” (ANICETO, 2018).
Após concluir o curso de Direito, em 1972 mudou-se para Curitiba com o objetivo de estudar,
matriculando-se em um curso de especialização para ingresso na Magistratura. Logo em seguida, fez concurso
no qual foi aprovada, mas que por impasses administrativos alheios a sua vontade, não ocorreu a nomeação e
o concurso perdeu a validade.

1. Ellen Gracie Northfleet foi a primeira ministra a integrar a Suprema Corte do Brasil, chegando a presidir o Supremo Tribunal Federal
(STF). Foi empossada pelo então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso em dezembro de 2000. Em junho de 2004 foi
eleita entre seus pares como vice-presidente do Supremo. Em 2006 foi eleita como presidente do STF para o biênio de 2006 a 2008.

331
Persistente e batalhadora, Maria Mercis estava decidida, manteve seu objetivo e continuou estudando.
Em 1977 habilitou-se a novo concurso. Aprovada, foi nomeada para a magistratura em 3 de junho de 1977
como juíza adjunta da comarca de São José dos Pinhais. O ingresso na magistratura foi a realização de um sonho
pessoal e familiar, um momento muito especial que mantém registrado em fotografia e na sua memória.
Maria Mercis foi juíza titular na cidade de Reserva; e trabalhou ainda em Rolândia, Araucária e Curitiba.
É com muito orgulho que ela menciona o seu trabalho como juíza em cidades do interior do estado, e em
Curitiba. Refere-se há quase trinta anos de atividade profissional tentando ser artífice de um “mundo melhor”
no qual prevaleçam o respeito às leis e ao direito.

Vivemos uma atualidade carente de paz, com o aumento da violência, da corrupção e da


impunidade. Precisamos trabalhar por uma efetiva punição aos criminosos, penas rigorosas
ao crime organizado, ao tráfico de drogas e à banalização da vida humana. (ANICETO, 2018).

Em 2004, foi nomeada Juíza do Tribunal de Alçada. E, finalmente, em 31 de dezembro de 2004 foi
promovida a Desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.

Desembargadora Maria Mercis

Fonte: acervo TJ/PR

Nem sempre foi fácil compatibilizar os papéis de profissional, mãe e esposa, já que todas essas atividades
exigem dedicação. Investir na carreira foi um desafio que requereu muito estudo, determinação e persistência.
Em uma ocasião a juíza foi presidir um júri e precisou ajustar o seu lado materno, acabou levando o seu bebê
de seis meses e colocou-o em um cesto embaixo de sua mesa. Assim, acomodou seus afazeres, presidia o júri e
simultaneamente embalava o filho.
Por volta de 2004, Maria Mercis foi diagnosticada como tendo leucemia, foi quando acreditou que seria
seu fim. “Achei que teria de desistir do trabalho, e talvez até deixaria a vida” (ANICETO, 2018). No entanto,
encontrou força interior que a ajudou continuar no caminho do que considera sua luta por uma sociedade
melhor.

332
Em 2014, a desembargadora recebeu o título de Cidadã Honorária do município de Curitiba. E, em
2016, a Câmara Municipal de Araucária aprovou a concessão do título de Cidadã Honorária do município, em
reconhecimento pelos relevantes serviços prestados à comunidade local, quando foi juíza na comarca.

Discurso da cidadã honorária de Curitiba, Maria Aniceto

Fonte: acervo da Câmara Municipal de Curitiba

O convite para participar das comemorações do Centenário da Abolição da Escravidão no Brasil deixou-a
feliz e surpresa. Feliz por estar sendo homenageada, mas surpresa pela iniciativa de ter o seu nome vinculado à
comunidade afro-descendente, um segmento tão importante da sociedade brasileira que participou de maneira
expressiva da formação e edificação do país e, no entanto, apresenta uma grande lacuna que exige reparação
histórica.
O evento surgiu como um resgate ao “merecido respeito e à dignidade do afro-descendente” (ANICETO,
2018). Foi um momento de grande emoção a cerimônia, a execução do hino nacional e a “menção aos nomes
esculpidos no granito que permanecem ali para sempre, no centro da cidade de Curitiba, capital do estado do
Paraná” (ANICETO, 2018).
Desde criança foi aprendendo o que era ser negra. Tinha uns três anos quando um tio lhe perguntou:
“você é branca ou preta?” A criança Maria Mercis não teve dúvidas e respondeu: “Eu sou ‘branca’, uai”. O tio
riu muito e tentou fazê-la compreender que não era bem assim (ANICETO, 2018). A partir daí ela procurou
conhecer mais sobre este povo, o seu povo.

Cresci fazendo questionamentos e pesquisas. Com o tempo adquiri respeito e orgulho pelo
povo africano que participou da História do Brasil e pelos afro-descendentes, cidadãos
trabalhadores, corajosos, humildes e talentosos. A convivência, o conhecimento dos costumes,
origens, ideias me conquistaram, fazendo-me admiradora das suas vitórias e superação.
(ANICETO, 2018)

333
Maria Mercis é orgulhosa de sua origem, no entanto questiona o tratamento dispensado à questão do
racismo na atualidade.

Com as devidas desculpas, penso que o ‘combate ao racismo’, como se propõe hoje no Brasil,
acarreta a separação, ou segregação, ao invés da integração. Sabemos que isso não funcionou
bem em outros países, a exemplo dos Estados Unidos e da África do Sul. Refiro-me aos
movimentos que exageram nos comentários, mas não concretizam medidas de prevenção
e comportamento adequados, divulgando a legislação e soluções legítimas para tanto.
(ANICETO, 2018)

Já vivenciou situações de desconforto nas relações pessoais no que diz respeito à discriminação pela
sua cor, mas preocupa-se com a intolerância e o radicalismo, fundamentalmente acredita na educação e, acima
de tudo, percebe-se como uma pessoa da paz que pratica o perdão.

Acredito que depende como cada um faz o enfrentamento do fato, se prefere resolver no ato,
com o uso de boa educação, altivez e compaixão ou repetir a situação reabrindo a ferida a
pretexto de reparação e intolerância. Sinceramente, é como prefiro dar solução ao caso para
esquecê-lo o mais brevemente possível. (ANICETO, 2018)

A desembargadora considera-se uma pessoa vitoriosa, realizada profissionalmente e pessoalmente,


tem uma linda família: três filhos, esposo e dois netos. Acredita que alcançou seus objetivos mediante uma luta
que “é fruto da minha determinação e coragem. Minha vitória deriva do meu esforço, estudo, fé e dedicação”
(ANICETO, 2018).
Na sua concepção o caminho para todas as pessoas, e especialmente para a juventude negra é o estudo.
Somente o estudo “faz uma pessoa melhor, com melhores chances de vencer. Permite ampliar a sua capacidade
para inúmeras atuações na sociedade em prol do bem-estar de todos, afastando a ignorância e a violência”
(ANICETO, 2018).

REFERÊNCIAS
ANICETO, Maria Mercis Gomes (2018). Entrevista concedida a Rosalice Carriel Benetti. Curitiba, 12 de março
de 2018.
ANICETO, Maria Mercis Gomes (2018). Protocolo de Entrevista concedida a Rosalice Carriel Benetti. Curitiba,
12 de março de 2018.
Câmara Municipal de Curitiba (2014). Desembargadora Maria Aniceto recebe cidadania honorária de Curitiba.
Disponível em: http://www.cmc.pr.gov.br/ass_det.php?not=23105#&panel1-1. Acesso em 04.março. 2018
SOUSA, Maria de Lourdes Beserra (2014). Câmara Municipal de Curitiba. Desembargadora Maria Aniceto recebe
cidadania honorária de Curitiba. Disponível em: http://www.cmc.pr.gov.br/ass_det.php?not=23105#&panel1-1.
Acesso em 4.março. 2018

334
45
MARIA NICOLAS
Nascimento: Curitiba/PR, 10 de setembro de 1899
Falecimento: Curitiba/PR, 3 de junho de 1988

Maria Nicolas. Curitiba, década 1970


Fonte: acervo pessoal de Antonio Carlos Zotto

335
MARIA NICOLAS

(1899–1988)

Ana Crhistina Vanali

Riso... Sorriso...
Quem não sabe sorrir,
e, muito menos rir,
deveria máscara usar
para os outros não decepcionar.
(NICOLAS, 1985)

Maria Nicolas nasceu em Curitiba, no dia 10 de setembro de 1899. Filha de Alir Leon Nicolas1, imigrante
francês que se tornou um conhecido funcionário do Teatro Guaíra, e da brasileira negra Josepha Maria Thomazia2.
Seus irmãos foram Paulo3, João e Tereza4. Maria Nicolas foi professora, escritora, pesquisadora, pintora, poetisa,
contista, teatróloga, novelista, dramaturga, biógrafa e historiadora, é “considerada uma espécie de patrimônio
cultural do Paraná” (COELHO, 2002, p. 454).

Josepha Léon

Pais de Maria Nicolas. Curitiba, sem data


Fonte: acervo pessoal de Antonio Carlos Zotto

1. Alir Leon Nicolas, filho de Augusto Nicolas, nasceu na França aos 21 de março de 1867 e faleceu em Curitiba dia 21 de outubro de 1958
aos 91 anos. Foi zelador, maquinista, eletricista, iluminador e cenógrafo do Teatro Guaíra.
Fonte: O Estado do Paraná, 11/03/1925, p. 4. Correio do Paraná, 11/04/1932, p. 3. Diário da Tarde, 25/10/1958, p. 6. Diário do Paraná,
22/10/1958, p. 8. Diário do Paraná, 14/08/1970, p. 2. A República, 05/10/1898, p. 2.
2. Josepha Maria Thomazia Nicolas era filha de Maria Thomazia da Rosa. Josepha faleceu aos 28 de novembro de 1942 (O Dia/PR,
02/12/1943, p.2 e O Dia/PR, 25/11/1958, p. 5).
Sua mãe Maria faleceu aos 90 anos em 27 de agosto de 1908 (Diário da Tarde, 28/08/1908, p. 7).
Leon Nicolas e Josepha casaram no civil dia 20 de fevereiro de 1904 (Diário da Tarde, 19/02/1904, p. 6).
3. O irmão de Maria Nicolas, Paulo Leon Nicolas, chegou a ser o primeiro vice-presidente do Club Literário Fernando Amaro criado em
Curitiba dia 25 de outubro de 1910. Paulo faleceu prematuramente em 27 de junho de 1938.
Fonte: A República, 26/10/1908, p. 1. O­Dia/PR, 24/07/1938, p. 2.
4. Diário do Paraná, 22/10/1958, p. 8. Diário da Tarde, 07/12/1908, p. 1.
Tereza Nicolas também foi professora, tinha uma escola particular e se destacou na campanha de alfabetização de adultos.
Fonte: Diário da Tarde, 20/08/1957, p. 6. Diário da Tarde, 05/09/1957, p. 2.

336
Maria Nicolas com os irmãos. Curitiba, sem data

Da esquerda para a direita: Tereza, Maria Nicolas, Paulo e João


Fonte: acervo pessoal de Antonio Carlos Zotto

Maria Nicolas casou-se com Domingos Zotto em 3 de setembro de 19215. Ele era funcionário ferroviário6,
nascido a 12 de julho de 1901 e falecido dia 26 de novembro de 19437. Tiveram três filhos: Antônio de Lourdes
Zotto, Lucy Zotto Ferreira e Cleci Josefa Honório. Antônio de Lourdes nasceu em 8 de junho de 1922 e faleceu
em 3 de julho de 2001. Casou-se com Júlia e tiveram os filhos Antônio Carlos e Luiz Alberto. Lucy nasceu dia 26
de abril de 1924 e faleceu em 20 de março de 1996. Casou-se com Orlando e não tiveram filhos. Cleci nasceu
dia 26 de abril de 1938 e faleceu em 15 de setembro de 2017. Casou-se com Plínio e tiveram três filhas: Cíntia
Maria, Cristiane Maria e Célia Maria (ZOTTO, 2018).

5. A República, 04/08/1921, p. 2. A República, 03/09/1921, p. 2.


6. Correio do Paraná, 08/05/1942, p. 2.
7. O Dia/PR, 02/12/1943, p. 2. A República, 12/07/1929, p. 4. Correio do Paraná, 13/07/1933, p. 4. O Dia/PR, 08/06/1924, p. 5. O Dia/PR,
26/04/1925, p. 5.

337
Maria Nicolas com os filhos. Curitiba, 1985

Da esquerda para a direita: Tereza, irmã de Maria Nicolas; o filho Antonio e as filhas Lucy e Cleci. Maria Nicolas está sentada
Fonte: acervo pessoal de Antonio Carlos Zotto

Aos 17 anos, em 1916, depois de estudar na Escola Republicana, terminou a Escola Normal e substituiu
a professora Júlia Wanderley, que se afastou para tratamento de saúde, no Grupo Tiradentes8. Em seguida, após
se casar, foi para São Mateus do Sul, onde em outubro de 1921 já era professora regente de uma escola local9.
Em 1924, foi novamente nomeada para o Grupo Escolar Tiradentes, em Curitiba, para substituir interinamente
a professora Virginia de Souza Fernandes10 e em 1926 foi nomeada interinamente para reger a escola mista do
Barreirinha do Ahú11. Segundo Antonio Zotto, seu neto:

Ela ensinou as primeiras letras para uma multidão de paranaenses. Alfabetizou nomes
conhecidos como o general Aristides Athayde Filho, Ivo Arzua, irmãos Teófilo e Timóteo Garcez,
Dalila Aires, Mário Stadler, entre outros. Passou por sérias dificuldades no início da carreira
do magistério, na década de 1920. Em 1929 recebia apenas através de bônus, com desconto
de 40%. Em 1930, na época da Revolução, ficou dez meses sem receber, ela comentava que
havia sido uma época difícil para o professorado, mas que ninguém abandonou seu posto.
Minha avó lecionou por mais de 45 anos, sendo exonerada por ter ingressado, em 1951, como
bibliotecária na Assembleia Legislativa do Paraná. Viu-se prejudicada porque outras colegas,
nas mesmas condições, continuaram no exercício do magistério sem quaisquer implicações.
(ZOTTO, 2018)

No ano de 1927 fazia parte do Quadro de Organizadores das Escolas de Maternidade do município de
Curitiba, que estava sob a direção da professora Annette Macedo12. Nesse mesmo ano, seguiu para o interior do
estado, trabalhando como professora em União da Vitória13. Em 1932, tornou-se professora na Colônia Papagaios

8. Diário da Tarde, 27/01/1962, p. 5.


9. A República, 19/10/1921, p. 2.
10. O Dia/PR, 03/04/1924, p. 4.
11. O Estado do Paraná, 24/02/1926, p. 7. O Estado do Paraná, 07/08/1926, p. 7.
12. O Conselho deliberativo da Sociedade Socorro aos Necessitados fala sobre a criação de uma creche em 1926. Em parceria com a
Secretaria da Fazenda do Estado do Paraná conseguem o apoio para a concretização deste projeto com o governo do Estado. A Sociedade
Socorro aos Necessitados elege por indicação do Senhor Herculano de Souza, seu fundador, a professora Annettte Macedo para organizar
e dirigir este projeto. Em 13 de agosto de 1928 a Escola Maternal Annette Macedo passa atender as crianças carentes de Curitiba. Diário
da Tarde, 14/04/1982, p. 3.
13. O Dia/PR, 23/10/1929, p. 4.

338
Novos, em Palmeira, onde foi eleita presidente do Grêmio Lírio dos Campos14. No centro de Palmeira, no ano
seguinte, lecionou na Escola Jesuíno Marcondes e nessa mesma cidade, em 1934 fundou o Clube Literário José
de Alencar15.

Maria Nicolas. Palmeira, setembro de 1934

Fonte: acervo pessoal de Antonio Carlos Zotto

Maria Nicolas. Palmeira, 14 de outubro de 1934

Dia de eleição. Primeira vez em que Maria Nicolas votou


Fonte: acervo pessoal de Antonio Carlos Zotto

14. O Dia/PR, 10/08/1932, p. 7.


15. O Dia/PR, 26/09/1934, p. 7. Diário da Tarde, 19/04/1934, p. 4.

339
Papagaios Novos/Palmeira, 1934

Fonte: acervo pessoal de Antonio Carlos Zotto

Maria Nicolas. Papagaios Novos/Palmeira, 1931

Maria Nicolas, sentada ao centro, com sua turma de alunos da Colônia Papagaios Novos
Fonte: acervo pessoal de Antonio Carlos Zotto

340
Maria Nicolas. Sem local, sem data

Maria Nicolas, à esquerda, com uma de suas turmas do interior do Estado do Paraná
Fonte: acervo pessoal de Antonio Carlos Zotto

Maria Nicolas. Sem local, sem data

Maria Nicolas, primeira à direita na segunda fila, durante sua atuação como professora no interior do Paraná
Fonte: acervo pessoal de Antonio Carlos Zotto

341
Maria Nicolas. Curitiba, 03/01/1967

Maria Nicolas, em destaque, durante missa na Catedral de Curitiba em comemoração aos 50 anos de formatura de professora normalista
Fonte: acervo pessoal de Antonio Carlos Zotto

Lecionou por outros municípios paranaenses, como Fernandes Pinheiro, Piraí do Sul, Castro, Paranaguá
e Ponta Grossa. Após 20 anos trabalhando no interior do estado, retornou para Curitiba e, mais uma vez, tornou-
se professora do Grupo Escolar Tiradentes16. Depois, no ano de 1946, foi removida para a Escola da 5ª Formação
Sanitária17. Em 1949, era professora na Escola Regimental do Centro de Preparação dos Oficiais da Reserva (do
C.P.O.R).18 Nesse mesmo ano, graduou-se em Pedagogia pela Universidade do Paraná.19.

Maria Nicolas na graduação em 1949

Fonte: https://museuafroparanaense.wordpress.com

16. Correio de Notícias, 24/06/1988, p. 14.


17. O Dia/PR, 06/06/1946, p. 2.
18. O Dia/PR, 19/07/1949, p. 2.
19. Diário da Tarde, 15/12/1949, p. 6.

342
Maria Nicolas na graduação em 06/12/1949

Maria Nicolas recebendo o capelo do professor José Loureiro Fernandes


Fonte: acervo pessoal de Antonio Carlos Zotto

No ano seguinte, em 1950, concluiu o Curso Intensivo de Teatro pelo Departamento de Cultura da
Secretaria de Educação e Cultura do Estado e também foi colocada à disposição da Polícia Militar do Paraná,
pela mesma Secretaria, para organizar a Biblioteca Comandante Moreira20.
Em 1951 pediu exoneração como professora e foi trabalhar como bibliotecária na Assembleia Legislativa
do Paraná (Alep), na gestão do então presidente da casa Guataçara Borba Carneiro21. Quando se aposentou, em
1959, deixou a biblioteca organizada com aproximadamente 1.500 volumes22. Foi como funcionária da Alep que
conseguiu aprofundar suas pesquisas sobre as biografias dos homens e mulheres que deram nomes às ruas e
praças de Curitiba (Alma das Ruas) e dos parlamentares que passaram pelo legislativo estadual (Cem anos de
vida parlamentar) (MILLARCH, 1988). Ao pesquisar sobre a trajetória das pessoas para escrever seu livro “Alma
das Ruas”, Maria Nicolas levantou que nem todos os homenageados pela Câmara dos Vereadores com um nome
de rua tinham biografias suficientes para justificar a designação e que havia muitos paranaenses esquecidos
merecendo ao “menos um becozinho”23. Apesar de serem apenas notas biográficas sobre essas personalidades
paranaenses, seu material é, até hoje, fonte de pesquisa obrigatória para se estudar o Paraná.

Maria Nicolas iniciou-se nas letras com a publicação de novelas, sendo a primeira obra “E as
Rosas Morreram”, em maio de 1934, quando distribuiu os primeiros exemplares, inclusive ao
Governador Manoel Ribas. Outras obras literárias são Amor que Redime, Loto Infantil, Porque
me orgulho de minha gente (biografias pioneiras de vultos históricos do Paraná), Ensino de
Verbos (a levou ao Centro de Letras do Paraná na gestão de Ulisses Vieira), Estórias para
Lasinha, Inverno Florido, (poesias). Nos seus 70 anos, para fazer jus à deferência do título

20. O Dia/PR, 11/06/1950, p. 10.


21. Correio de Notícias, 29/09/1988, p. 5.
22. Diário da Tarde, 14/04/1982, p. 3.
23. Correio de Notícias, 01/07/1984, p. 3.

343
de sócia do Grêmio de Trovadores escreveu Entardecer, Trovas do Bem Fazer; As pioneiras
(onde conta a vida das mulheres paranaenses que foram as primeiras a desenvolver uma
vida profissional nas diversas atividades), O Paraná no Senado, O Paraná na Câmara Federal,
Coração Infantil/Viveiro Infantil, Sertanistas do Paraná – Os esquecidos, entre muitos outros.
Suas obras mais conhecidas são Almas das Ruas (quatro volumes publicados dos anos 1960
ao início da década de 1980, cerca de 20 anos), 100 Anos de Vida Parlamentar de 1954,
atualizado em nova edição intitulada 130 anos de Vida Parlamentar Paranaense publicada em
1984 quando ela contava com 85 anos. Totalizam mais de 30.
Sobre Almas das Ruas, como pesquisadora inata sentiu a necessidade e a oportunidade de
levantar, e deixar registrado publicamente para todas as gerações, principalmente futuras, as
respostas às perguntas, que muitas vezes são feitas quando se depara com um nome de rua
ou praça: quem foi, quem foram, o que aconteceu (datas), porque foi homenageado. (ZOTTO,
2018)

Maria Nicolas escreveu a vida inteira24. Produziu até os 85 anos. Começou na adolescência, com peças
teatrais que foram representadas no Teatro Guaíra. Depois escreveu novelas, material didático e sobre a
história paranaense. Publicou mais de 40 obras (Apêndice A). Também colaborou em revistas e jornais, como
Diário da Tarde, Folha de São José dos Pinhais, Voz do Paraná, O Dia e o Estadinho do Paraná. Em muitos desses
jornais assinava com o pseudônimo de Lamaris25. Muitos dos seus contemporâneos26 destacam os esforços
desprendidos por ela na busca por dados de seus biografados, como a realização de viagens para outras cidades
e estados e o empenho em conseguir verbas para a publicação do seu material uma vez o trabalho finalizado27.
Foi membro do Centro de Letras do Paraná (sócia efetiva desde 1938), da Academia Feminina de Letras
do Paraná (membro vitalício desde 1972), da Academia de Letras José de Alencar, da Sociedade Brasileira
de Autores Teatrais, da Ala Feminina da Academia Juvenal Galeno (de Fortaleza), do Instituto Histórico,
Geográfico e Etnográfico Paranaense (desde 1968), do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, do Clube
Soroptimista Internacional de Curitiba (desde 1982), da Academia Universali Inventori Autori di Roma/Itália,
do Instituto de Cultura Americana da Argentina, foi correspondente da Associação Internacional de Imprensa de
Montevideo/Uruguai, entre outros28 (SANTOS, 1987). Como trovadora, participou das competições conhecidas
como “Jogos Florais”/concurso de poemas e foi a sócia fundadora da União Brasileira de Trovadores – seção
Curitiba em 1968. Em 1984 lhe foi concedida a medalha de mérito de “Trovadora da Infância” pela Academia
de Letras José Alencar de Curitiba29.

24. Pela Lei Nº 763 de 23 de outubro de 1953 a Câmara Municipal de Curitiba autorizou o Poder Executivo a conceder um auxílio de 3.000,00
(três mil cruzeiros) à professora Maria Nicolas para editar os livros pedagógicos de sua autoria, intitulados “Cartilha Paranaense” e”
Páginas Escolhidas”, destinados à alfabetização de adultos e já aprovados pelo Ministério de Educação e Cultura. Disponível em https://
www.cmc.pr.gov.br/wspl/sistema/BibLegislacaoForm.jsp. Acesso 20.novembro.2018.
25. Conforme Ficha bio-bibliográfica da Biblioteca Pública do Paraná.
26. Como Alberico Figueira, James Portugal de Macedo e L. Romanowski.
27. Termo de doação que faz o município de Curitiba à senhora Maria Nicolas. Prefeito Omar Sabbag. Livro de Notas nº 13 (XIII), p. 79–89.
Acervo da Casa da Memória da Fundação Cultural de Curitiba.
28. A Tarde/PR, 29/11/1950, p. 4. Correio do Paraná, 04/10/1964, p. 9. Diário da Tarde, 23/01/1950, p. 6.
29. Conforme arquivo pessoal de Antonio Carlos Zotto que gentilmente nos disponibilizou cópias desses certificados.

344
Maria Nicolas durante posse na Academia Feminina de Letras. Curitiba, 1972

Maria Nicolas em destaque


Fonte: acervo pessoal de Antonio Carlos Zotto

Após sua aposentadoria passou por várias dificuldades, até que no ano de 1987 o governo do Estado do
Paraná decidiu fazer um complemento a sua pensão30 através da Lei Nº 8.569 de 15 de outubro que concedeu à
professora Maria Nicolas uma pensão mensal equivalente a três salários mínimos.
Começou a se dedicar à pintura após a aposentadoria quando realizou o curso do Museu Alfredo
Andersen. Como pintora participou de exposições coletivas e individuais seguindo o estilo primitivista ingênuo,
retratando aspectos da vida do campo e seus estilos mais comuns como lavadeiras, brincadeiras de roda, sempre
em cores puras e claras. A sua primeira exposição ocorreu apenas em 1971 no então Teatro de Bolso da Praça
Rui Barbosa31. Depois participou de outras exposições: em 1975 do 3º Salão de Artes Plásticas e em 1984, aos
85 anos, expôs 50 quadros na Casa Romário Martins32.

Quadros pintados por Maria Nicolas

Fonte:O Estado do Paraná, 04/06/1988 Correio de Notícias, 21/06/1984

30. Gazeta do Povo, 04/08/1988.


31. Diário do Paraná, 31/01/1971, p. 8.
32. As cores da menina Maria aos 85 anos. Estado do Paraná, 20/06/1984.

345
Maria Nicolas recebeu várias homenagens. Ainda em vida, em 1978 recebeu da Câmara de Vereadores
de Curitiba o título de vulto emérito da cidade pelos relevantes serviços prestados à cultura do município de
Curitiba33. A Sala do Poeta da Biblioteca Pública do Paraná de 1981 recebeu o nome de Maria Nicolas. Em 1985
a mesma Câmara concedeu o prêmio Pinhão de Ouro pelo destaque de Maria Nicolas na área de Estudos Sociais
durante o ano de 198434. No ano de 1987, a Biblioteca Maria Nicolas foi instalada no Solar do Barão35, e depois
transferida para o bairro de Santa Felicidade onde hoje se encontra sob a denominação de Casa de Leitura Maria
Nicolas. Faleceu em Curitiba no dia 3 de junho de 1988 na Santa Casa de Curitiba e foi enterrada no Cemitério
Municipal São Francisco de Paula. Após sua morte, ainda no ano de 1988, a antiga Escola Estadual Vila Izabel
passou a se chamar Escola Estadual Professora Maria Nicolas36. Na inauguração da nova sede da escola em
março de 2018 o prefeito de Curitiba Rafael Greca lembrou aos presentes que Maria Nicolas “era grande e era
mestra, ensinava a amar Curitiba. Era negra, era livre e muito forte” e a secretária municipal de Educação, Maria
Sílvia Bacila, destacou o “grande legado na educação do estado do Paraná. Foi uma professora inspiradora, que
fazia com que cada criança, indistintamente, acreditasse no seu sonho, portanto, que cada profissional desta
escola abra caminhos para que as crianças acreditem em seus sonhos” (PMC, 2018, on-line).
Ainda foi homenageada em 1989 quando a Câmara Municipal lhe concedeu o título “in memoriam”
do Prêmio Cidade de Curitiba na área das artes. Virou nome de rua no bairro Sítio Cercado pela proposta do
vereador Waldir D’Angelis em outubro de 198837. No mês de abril de 2000 teve seu nome inserido no Memorial
à mulher: pioneiras do Paraná de 1853 a 1953, homenagem prestada pelo Clube Soroptimista Internacional de
Curitiba e pela Prefeitura Municipal de Curitiba38.
Maria Nicolas é um nome de grande projeção na história paranaense, sobretudo, pelos seus trabalhos
literários e históricos dedicados as biografias dos principais personagens que marcaram as vidas curitibana
e paranaense39. Por sua longa trajetória de vida conheceu uma Curitiba antiga que foi substituída por uma
marcada pelo progresso e para a qual deixou “seu legado de amor às crianças, à vida, à natureza, bem como as
noções, os sentimentos ou as práticas de jovialidade, humildade, sinceridade, senso do dever, busca do ideal,
instrução, conhecimento, civismo, civilidade, patriotismo” (ZOTTO, 2018).

33. O projeto de lei foi do vereador João Baptista A. Gnoato datado de 26 de julho de 1978. Depois ele se transformou na Lei nº 5911 de 1º
de dezembro de 1978. Disponível em http://www.cmc.pr.gov.br/wspl/sistema/BibLegVerForm.do?select_action=&popup=s&chamado_
por_link&nor_id=6836&pesquisa=maria%20nicolas. Acesso 13.fevereiro.2018.
34. Lei nº 6688 de 16 de julho de 1985. Disponível em http://www.cmc.pr.gov.br/wspl/sistema/BibLegVerForm.do?select_
action=&popup=s&chamado_por_link&nor_id=7613&pesquisa=maria%20nicolas. Acesso 13.fevereiro.2018.
35. Correio de Notícias, 31/03/1990, p. 15. Depois a Biblioteca Maria Nicolas foi transferida para a Casa Culpi em Santa Felicidade e desde
13 de dezembro de 1996 funciona no espaço da Rua da Cidadania de Santa Felicidade como Casa da Leitura Maria Nicolas. Disponível em
http://www.fundacaoculturaldecuritiba.com.br/espacos-culturais/casa-da-leitura-maria-nicolas/. Acesso 13.fevereiro.2018.
36. Resolução nº 1877/88 de 14/06/1988. Correio de Notícias, 24/06/1988, p. 14.
37. Correio de Notícias, 07/06/1988, p. 9.
Lei nº 7250 de 19 de outubro de 1988. Disponível em https://www.jusbrasil.com.br/topicos/22158931/lei-n-7250-de-19-de-outubro-de-
1988-do-municipio-de-curitiba. Acesso 13.fevereiro.2018.
38. Memorial à mulher pioneira no Paraná. Disponível em http://www.curitibacity.com/pt/memoriais/157-memorial-a-mulher-pioneira-
do-parana.html. Acesso 20.novembro.2018.
39. Consultar Alma das Ruas, Paraná de Antanho, Cem anos de vida parlamentar, O Paraná na Câmara dos Deputados, O Paraná no Senado
onde apresenta as biografias dos senadores e deputados pelo Paraná desde o Barão de Antonina até Francisco Leite Chaves. Disponível
em Dicionário Histórico-Biográfico do CPDOC/FGV. http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/francisco-leite-
chaves. Acesso 20.novembro.2018.

346
REFERÊNCIAS

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20010. SP: Escrituras Editora, p. 454.
MILLARCH, Aramis (1988). Dona Maria Nicolas, a alma de Curitiba. Jornal do Estado do Paraná, 04/06/1988,
p. 9.
NICOLAS, Maria e SANTOS, Pompília Lopes dos (1985). Sesquicentenário da poesia paranaense. Curitiba:
Lítero-técnica.
PMC – Prefeitura Municipal de Curitiba (2018). Escola Municipal Professora Maria Nicolas ganha nova sede
no Santa Quitéria. Disponível em http://www.curitiba.pr.gov.br/noticias/escola-municipal-professora-maria-
nicolas-ganha-nova-sede-no-santa-quiteria/45496. Acesso 20.novembro.2018.
SANTOS, Pompília Lopes dos (1987). Maria Nicolas. In: Trilha Especial: conceitos. Curitiba: Prefeitura Paranaguá,
p. 107–112.
ZOTTO, Antonio Carlos (2018). Entrevista de Antonio Carlos Zotto, neto de Maria Nicolas, concedida a Ana
Crhistina Vanali por email. Curitiba, 28 de outubro de 2018.

Material consultado

AFROCURITIBANOS. Homenagem especial à população afro-curitibana. Disponível em http://www.


curitiba.pr.gov.br/tv/afrocuritibanos-homenagem-especial-a-populacao-afrocuritibana/3962. Acesso
20.novembro.2018.
FERNANDES, José Carlos. Dona Maria Nicolas mora no Portão. Gazeta do Povo, 05/06/2014.
FERNANDES, José Carlos. Movimento Curitiba, a negra. Gazeta do Povo, 18/06/2017.
GRASSI, Clarissa. Nosso passado é negro. Gazeta do Povo, 22/11/2015.
MACEDO, James Portugal. Educação política, moral e cívica e a professora Maria Nicolas. Gazeta do Povo,
28/08/1983.
MACEDO, Rafael Greca de. Maria Nicolas: da memória e do mérito. Curitiba: FCC, 1988.
MENDONÇA, Maí Nascimento. Maria Nicolas: 100 anos. Curitiba: Catálogo da exposição Homenagem aos 100
anos de Maria Nicolas realizado na Casa do Artista Popular da SEEC, 1999.
MILLARCH, Aramis. A admirável Maria Nicolas. Jornal do Estado do Paraná, 14/10/1975, p. 4.
MILLARCH, Aramis. Maria Nicolas, mestre há 65 anos. Jornal do Estado do Paraná, 13/02/1977, p. 4.
PREFEITURA DE CURITIBA. Dez afro-descendentes que fizeram história em Curitiba – Prefeitura de Curitiba.
24/11/2017. Disponível em http://www.curitiba.pr.gov.br/noticias/dez-afrodescendentes-que-fizeram-
historia-em-curitiba/44251. Acesso 2.janeiro.2018.
SILVA, Maria Nilza e PACHECO, Jairo Queiroz (orgs.). Dona Vilma: cultura negra como expressão de luta e vida.
Londrina: UEL, 2014.
ZARUCH, Júlio. Maria Nicolas, a garimpeira de verbetes. 28/02/2018. Disponível me http://www.juliozaruch.
com.br/maria-nicolas-a-garimpeira-dos-verbetes/. Acesso 20.novembro.2018.

347
Diversos momentos de Maria Nicolas

Maria Nicolas na década de 1930 Maria Nicolas na década de 1950

Fonte: acervo pessoal de Antonio Carlos Zotto

Maria Nicolas na década de 1960 Maria Nicolas aos 87 anos

Fonte: acervo de Antonio C. Zotto Correio de Notícias, 13/03/1987, p. 1

348
Maria Nicolas. Curitiba, 1982

Fonte: Acervo da Casa da Memória/Diretoria do Patrimônio Cultural/Fundação Cultural de Curitiba


Foto de Haraton Maravalhas

349
APÊNDICE A – PRODUÇÃO BIBLIOGRÁFICA DE MARIA NICOLAS

ANO TÍTULO
1 1934 E as rosas morreram
2 1936 Amor que redime
3 1936 Por que me orgulho da minha gente
4 1936 Tornamos a viver
5 1937 Meus apontamentos: ensino de verbos
6 1938 Iara
7 1941–1951 Vultos paranaenses (4 volumes)
8 1946 Ensino de verbos: meus apontamentos
9 1949 Páginas escolhidas
10 1953 Cartilha Paranaense
11 1954 Cem anos de vida parlamentar: deputados provinciais e estaduais
12 1958 Apontamentos: ensino de moral e civilidade
13 1959 Alma das ruas de Rio Negro
14 1959 A infância da minha terra: prata de casa
15 1959 Enternecer
16 1961 Paraná em revista
17 1962 (?) Dicionário dos logradouros públicos de Curitiba
18 1962 Trovas
19 1962 Alma das ruas: cidade de Santo Antônio
20 1963 Alma das ruas: cidade de São José dos Pinhais
21 1964 Paraná de Antanho
22 1964 Alma das ruas de Paranaguá
23 1965 Estórias para Lasinha
24 1969 Alma das Ruas
25 1970 Inverno florido
26 1970 Poder Legislativo do Estado do Paraná (resumo histórico)
27 1971 Sete artigos
28 1972 Teatro Infantil
29 1973 Excursão a Manaus pelo navio “Anna Nery”
30 1973 Impressões de viagens a Manaus
31 1973 Páginas curitibanas
32 1974 Álbum histórico de Santo Antônio do Sudoeste
33 1975 Apenas ... um livro
34 1976 Entardecer
35 1977 Trovas do bem fazer
36 1977 O Paraná na Câmara dos Deputados
37 1977 Pioneiras do Estado do Paraná
38 1978 O Paraná no Senado
Homenagem ao Estado do Paraná no 125º aniversário de Emancipação
39 1978
Política (1853–1978)
40 1979 Fragmentos históricos no 90º aniversário da Proclamação da República
41 1983 Loto infantil
42 1981 Sertanistas do Paraná: os esquecidos
43 1984 130 anos de vida parlamentar
44 1984 Coração infantil. Viveiro infantil.
45 1984 Noções de moral, civismo e civilidade
Sesquicentenário da poesia paranaense
46 1985
Coautoria com Pompília Lopes dos Santos

Elaboração da autora
Fonte: Centro de documentação de literatura de autoria feminina paranaense
Disponível em http://sites.uem.br/cedoc-lafep/indice-de-escritoras/letra-m/maria-nicolas. Acesso 20.novembro.2018

350
46
MARILENE DA GRAÇA RIBAS
Nascimento: Curitiba/PR, 7 de novembro de 1947
Falecimento: Curitiba/PR, 25 de maio de 2010

351
MARILENE DA GRAÇA RIBAS

(1947–2010)

Ana Crhistina Vanali

Marilene da Graça Ribas nasceu dia 7 de novembro de 1947 em Curitiba. Filha de Pedro Amálio Ribas
Neto e de Cida Cavalcanti Ribas. Faleceu em Curitiba no dia 25 de maio de 2010, aos 62 anos. Está sepultada no
Cemitério Parque Iguaçu1. Ao falecer exercia a profissão de costureira2.
Foi a 1ª Princesa do carnaval de Curitiba no ano de 1966 onde “imitou Elis Regina com perfeição,
cativando a todos os presentes no concurso de fantasia” realizado no Círculo Militar do Paraná3.
Nas eleições de 1988, Marilene concorreu a uma vaga à Câmara Municipal de Curitiba como candidata
à vereadora pelo Partido Liberal (PL)4. Recebeu 86 votos e não chegou a ser eleita5.
Não foram localizadas mais informações sobre a homenageada.

1. Conforme informações da Administração do Cemitério Parque Iguaçu em 06/02/2019.


2. Falecimentos. Gazeta do Povo 26/05/2010. Disponível em https://www.gazetadopovo.com.br/servicos/falecimentos/lista-de-
falecimentos-0cplefcbnhwled3wamardps26/. Acesso 06.fevereiro.2019.
3. Confetes e serpentinas. Diário do Paraná, 12/02/1966, p. 7.
4. PL homologa chapa à Câmara Municipal. Correio de Notícias, 22/07/1988, p. 7.
5. Eleições municipais de 1988 – quadro estatístico de Curitiba. Disponível em https://apps.tre-pr.jus.br/files/resultados/19881115A75353.
pdf. Acesso 29.janeiro.2019.

352
47
MARINA ANDRADE
DE SOUZA
Nascimento: Cândido de Abreu/PR, 3 de agosto de 1938

Marina Andrade de Souza. Curitiba, 2018


Fonte: acervo de Marcus Roberto de Oliveira

353
MARINA ANDRADE DE SOUZA

Marcus Roberto de Oliveira

Marina Andrade de Souza tem origem indígena. Num primeiro momento cabe questionar: Por que uma
indígena foi incluída numa homenagem à colônia afro-brasileira em Curitiba–PR? Em entrevista concedida
ao final de março de 2018, Marina explicou que a causa indígena sempre foi um componente do conjunto de
reivindicações das “minorias” ao final da década de 1980, nas quais estiveram negros, artistas, homossexuais,
mulheres, camponeses e deficientes físicos (MARINA, 2018). Desse modo, sua trajetória social contempla a
escolha de seu nome, sobretudo, quando uma condecoração à etnia negra na capital paranaense diz respeito
aos cem anos da desoficialização da escravidão no Brasil1.
Nascida em 3 de agosto de 1938, Marina viveu até os cinco anos numa aldeia caingangue localizada
no município de Cândido de Abreu, interior do Paraná. Sua mãe chamava-se Maria Cândida de Morais, uma
índia guarani, e seu pai, João Batista de Andrade, um pajé caingangue que recebera o sobrenome do indigenista
Jordão Batista de Andrade, um funcionário do antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) que foi muito próximo
à família. Em 1944, Marina e sua mãe estavam prestes a iniciar uma grande trajetória. Após a morte de seu
marido João, Maria passou a almejar melhores condições de vida para a filha. Nessa expectativa, juntamente
com Jordão do SPI, deixaram a aldeia. Nesse processo, os três passaram por fazendas nos municípios da região
central do Paraná, como Prudentópolis, Tibagi e Telêmaco Borba, até chegarem a Reserva (MARINA, 2018).
No município de Reserva, Marina casou-se com o goiano João Batista de Souza, um caixeiro viajante
de possível ascendência europeia. No início da década de 1960, Marina e João trabalharam no setor industrial
de papel e celulose em Telêmaco Borba e também tiveram uma rápida passagem numa fazenda do município
de Cambé, até chegarem a Londrina, juntamente com Maria, em 1961. Marina e João Batista tiveram dez filhos
biológicos e sete filhos adotivos (DINI, 2018).
Em terras londrinenses, Marina e João Batista tiveram um primeiro contato com artistas de um circo e
acabaram integrando o elenco do mesmo. Tal episódio tem uma significativa importância, pois marca o ingresso
de Marina na resistência ao golpe militar de 1964. Nesse contexto, camponeses, estudantes, artistas, indígenas
entre outros engajados reuniam-se regularmente nos cafezais da região. Eram noites onde a situação política
do Brasil era discutida (MARINA, 2018).
Meses depois, João Batista tornou-se vigilante noturno do antigo Banco do Estado do Paraná (Banestado)
e adquiriu um terreno no bairro Ouro Verde, no limite do perímetro urbano de Londrina. Em 1969, João Batista
mudou-se para Curitiba, passando a atuar como afiador de ferramentas. Pouco tempo depois, Marina segue
com seus filhos à capital paranaense (DINI, 2018).
Em Curitiba, Marina chegou a prestar serviços domésticos para a tradicional família política Mello e Silva,
ficando subordinada a Lucy Requião de Mello e Silva, esposa do ex-prefeito Wallace Thadeu de Mello e Silva2.
Também foi a primeira mulher (e indígena) a se formar no curso de cozinheiro, oferecido gratuitamente pelo

1. CORREIO DE NOTÍCIAS, 27/05/1988, p. 3.


2. Lucy e Wallace são pais do político paranaense Roberto Requião de Mello e Silva.

354
Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial do Paraná (Senac PR) à comunidade de baixa renda, na primeira
metade da década de 1970. Com a formação adquirida, Marina foi cozinheira do restaurante universitário do
campus Reitoria, na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Na sequência, trabalhou por um curto período
no Palácio Iguaçu e, sem seguir carreira militar, ingressou no Hospital da Polícia Militar do Paraná no final dos
anos 1970, permanecendo até meados da década de 1990 (MARINA, 2018). Em 1986, Marina apareceu nas
publicações da imprensa da época como uma das fundadoras da Associação dos Funcionários da Polícia Militar
do Paraná (Acepom), exercendo o cargo de vice-presidente, na primeira gestão dessa instituição3. Porém, ela
asseverou que a Acepom nunca funcionou na prática, que os propósitos dos autênticos fundadores não eram
confiáveis e que seu nome foi usado indevidamente (MARINA, 2018).
Marina também esteve envolvida com movimentos populares de moradia na capital paranaense,
sobretudo, pela residência fixada por meio da ocupação de um terreno ocioso localizado no bairro Cajuru,
no início dos anos 1980. No ano de 1981, Marina acusou formalmente Benedito Domingos da Silva, então
presidente da associação de moradores da ocupação, de vender ilegalmente lotes da região ocupada4. A
desavença entre Marina e Benedito chegou a maiores proporções. Após a denúncia, Marina e Maria Francisca
Ferraz de Souza (esposa de Benedito) se agrediram fisicamente. Diante disso, todos os envolvidos foram prestar
esclarecimentos na delegacia5. A imprensa local destacou que a acusação de Marina também estava direcionada
ao então recém-formado advogado Roberto Requião de Mello e Silva, que supostamente dava cobertura a
Benedito no referido comércio ilegal6. No entanto, em entrevista concedida ao final de fevereiro de 2018, Dini
Miguel Andrade de Souza, filho de Marina7, refuta o envolvimento de Requião (DINI, 2018). Posteriormente
Marina confirmou a versão apresentada por Dini, acrescentando que, na ocasião da denúncia, Requião não
sabia de seu envolvimento na briga e compareceu na delegacia na condição de advogado de Benedito. Assim, ao
ver o filho de sua primeira patroa em Curitiba, Marina agarrou na camisa de Requião e disse: “É você Requião?
Que está defendendo a pessoa errada? Trate de defender a pessoa certa e passe para o nosso lado. Senão rasgue
o seu diploma, porque ele não vai prestar pra nada!” A reação de Requião foi de espanto: “Marina? Índia? É
você que está aqui?”. Curiosamente, a partir daquele momento, o advogado Requião passou a apoiar Marina
no movimento por moradias do Cajuru, sendo que sua atuação jurídica na comunidade foi fundamental para a
regularização dos lotes (MARINA, 2018).
As participações ativas de Marina Andrade de Souza nos movimentos artístico, sindical e por moradia,
a consolidaram enquanto liderança comunitária num espaço urbano. Mas Marina nunca negou as suas raízes,
pois concomitantemente às mobilizações urbanas, também atuava junto aos movimentos indígenas (DINI,
2018). Tanto que na Constituinte de 1988, Marina estava sistematicamente presente, como representante
da causa dessa etnia, juntamente com o cacique caiapó Raoni Metuketire e o deputado federal xavante Mario
Juruna (1943–2002), eleito em 1982 pela sucursal fluminense do Partido Democrático Trabalhista (PDT–RJ)
(MARINA, 2018). Ao longo da década de 1990, Marina também participou da Eco–928 como representante

3. CORREIO DE NOTÍCIAS, 24/06/1986, p. 10.


4. DIÁRIO DO PARANÁ, 28/05/1981, p. 10.
5. DIÁRIO DO PARANÁ, 01/06/1981, p. 7.
6. DIÁRIO DO PARANÁ, 28/05/1981, p. 10.
7. Dini Miguel Andrade de Souza foi técnico de laboratório do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), secretário da
associação de moradores da ocupação no início dos anos 1980, cofundador do Partido dos Trabalhadores (PT), integrante do Movimento
de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e atualmente graduando em Agronomia pela UFPR.
8. ECO-92 foi a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em junho de 1992.
Também conhecida como Cúpula da Terra, ela reuniu mais de 100 chefes de Estado para debater formas de desenvolvimento sustentável,
um conceito relativamente novo à época (MENEGHETTI, 2016).

355
do movimento indígena, viajou ao México como integrante de comitiva do mesmo movimento e ingressou no
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) (com atuação destacada no município de Cândido de
Abreu–PR), ressaltando a ação conjunta entre camponeses e indígenas (MARINA, 2018).

Marina nos debates sobre os direitos indígenas na Constituinte de 1988

Brasília, 1988
Fonte: acervo pessoal de Marina Andrade de Souza

Marina com integrantes dos movimentos de negros e de mulheres na Constituinte de 1988

Brasília, 1988
Fonte: acervo pessoal de Marina Andrade de Souza

356
Marina com o cacique caiapó Raoni Metuketire na Eco–92

Rio de Janeiro, 1992


Fonte: acervo pessoal de Marina Andrade de Souza

Inicialmente filiada ao antigo Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e entregue às causas


progressistas, após a redemocratização Marina lança-se à vida política partidária, adotando a designação “Índia”
como nome de urna. No entanto, tal empreitada não obteve sucesso (MARINA, 2018). Marina foi candidata
à vereadora de Curitiba pelo antigo Partido Liberal (PL) (do qual foi fundadora) nas eleições municipais de
1988, obtendo 144 votos (TER–PR, 1988, p. 5). Em sua participação nos trabalhos da Constituinte de 1988,
também foi fundadora do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Conforme Marina, a criação do
PSDB tinha como intuito aprovar leis que garantissem os direitos às “minorias” na Constituição de 1988. Nessa
lógica, a imagem do tucano (principal ícone do PSDB) foi uma homenagem a um grupo de indígenas tucanos
(POVOS INDÍGENAS DO BRASIL, 2002) que foi assassinado por milícias de fazendeiros na região de Brasília,
com a conivência do então presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Romero Jucá, pouco antes da
Assembleia Nacional Constituinte de 1987 (MARINA, 2018). Pelo PSDB candidatou-se à vereadora de Curitiba
nas eleições municipais de 1992, obtendo 98 votos (TER–PR, 1992, p. 20). Também pelo PSDB, Marina foi
candidata à deputada estadual em 19909 e em 1998, mas novamente não se elegeu (MARINA, 2018).

9. CORREIO DE NOTÍCIAS, 02/10/1990, p. 5

357
Material de campanha da eleição de 1998

Fonte: Marcus Roberto de Oliveira

A militância de Marina lhe proporcionou encontros com diversas personalidades partidárias. Além
de Roberto Requião, Marina também se relacionou politicamente com o falecido ex-governador José Richa,
com o senador paranaense Álvaro Dias (Podemos – Pode) e com os ex-deputados paranaenses Cleiton Quielse
Crisóstomo (MDB) e Nelton Miguel Friedrich (Partido Verde – PV). No entanto, muito decepcionada com os
caminhos ideológicos e políticos trilhados pelo PSDB, Marina pediu desfiliação do partido (a qual foi negada
sem nenhuma justificativa), passando a militar (informalmente) junto ao Partido dos Trabalhadores (PT)
por meio de seu filho Dini. Em 1999, Dini foi preso devido as suas atividades políticas junto ao Movimento
dos Trabalhadores Sem Terra (MST). Tal fato abalou Marina. No entanto, após a soltura de Dini, mãe e filho
participaram ativamente da campanha eleitoral que garantiu a vitória de Luís Inácio Lula da Silva (PT) nas
eleições presidenciais de 2002, e da ocupação da sede do Banco do Brasil em Jacupiranga–SP, que reivindicava
a implantação do Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf) na região do Vale da Ribeira em 2006.
Atualmente, Marina reside com o marido João Batista numa pequena propriedade rural localizada entre os
municípios de Cajati e Barra do Turvo, no extremo sul do Estado de São Paulo (uma chácara adquirida em
1985, vendida em 1995 e readquirida em 2000, fruto das trajetórias militantes da família). Nessa estada,
Marina tornou-se conselheira do Parque Estadual do Rio do Turvo (SISTEMA AMBIENTAL PAULISTA, 2018) e
juntamente com o filho Dini, porta-voz de importantes reivindicações acerca de preservação ambiental, energia
elétrica, estradas e linhas de ônibus para a região no em torno do parque (DINI, 2018).
Diante desse rol de experiências, Marina desabafa acerca da angustiante impossibilidade de
aposentadoria. Mesmo com tempo de serviço suficiente, inexplicavelmente seu nome aparece no Ministério do
Trabalho como funcionária regular da penitenciária estadual de Campinas–SP. O caso está sendo acompanhado
pelo departamento jurídico do sindicato de trabalhadores rurais da região de Cajati e Barra do Turvo, que segue
na busca de uma solução para o impasse. Mas apesar dessa consternação, Marina ressalta orgulhosamente:
“Estamos na ativa! E não podemos parar! Não tem como parar! Eu até queria, mas não me deixam! (risos) [...]
Sem luta, não tem conquista!” (MARINA, 2018).

358
REFERÊNCIAS

CORREIO DE NOTÍCIAS, 24 de junho de 1986. “Associação celetista”. Disponível em http://memoria.bn.br/


DocReader/DocReader.aspx?bib=325538_01&pesq=Marina%20Andrade%20de%20Souza&pasta=ano%20
198; acesso em 20/02/2018.
_________________________________, 27 de maio de 1988. “Homenagem à etnia negra”. Disponível em http://
memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=325538_01&pesq=Marina%20Andrade%20de%20
Souza&pasta=ano%20198; acesso em 20/02/2018.
_________________________________, 12 de agosto de 1988. “Homens”. Disponível em http://memoria.bn.br/
DocReader/DocReader.aspx?bib=325538_01&pesq=Marina%20Andrade%20de%20Souza&pasta=ano%20
198; acesso em 20/02/2018.
_________________________________, 2 de outubro de 1990. “A relação completa dos candidatos”. Disponível em
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=325538_02&PagFis=1774&Pesq=candidatos%20
deputado%20estadual; acesso em 20/02/2018.
DIÁRIO DO PARANÁ, 28 de maio de 1981. “Favelado elegante enriqueceu vendendo área destinada a
cemitério”. Disponível em http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=761672&pesq=Marina%20
Andrade%20de%20Souza&pasta=ano%20198; acesso em 20/02/2018.
__________________________, 1º de junho de 1981. “Na favela, mulheres apelam para navalha”. Disponível em
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=761672&pesq=Marina%20Andrade%20de%20
Souza&pasta=ano%20198; acesso em 20/02/2018.
DINI (2018). Entrevista de Dini Miguel Andrade de Souza (filho de Marina Andrade de Souza) a Marcus Roberto
de Oliveira no dia 25 de fevereiro de 2018 em Curitiba.
MARINA (2018). Entrevista de Marina Andrade de Souza concedida a Marcus Roberto de Oliveira no dia 22 de
março de 2018 em Curitiba.
MENEGHETTI, D. (2016). “O que foi a Eco-92?”. Disponível em https://mundoestranho.abril.com.br/ambiente/
o-que-foi-a-eco-92/; acesso em 22/02/2018.
POVOS INDÍGENAS DO BRASIL (2002). “Etnias do Rio Uapés – Tukano”. Disponível em https://pib.socioambiental.
org/pt/povo/tukano; acesso em 26/03/2018.
SISTEMA AMBIENTAL PAULISTA (2018). “Sobre o parque”. Disponível em http://www3.ambiente.sp.gov.br/
parque-rio-turvo/; acesso em 26/03/2018.
TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL / TER–PR (1988). “Municipal 1988”. Disponível em https://apps.tre-pr.jus.
br/files/resultados/19881115A75353.pdf; acesso em 21/02/2018.
____________________________________________________ (1992). “Eleições Municipais de 3 de outubro de 1992 Cargo
Município...”. Disponível em https://apps.tre-pr.jus.br/files/resultados/19921003A75353.pdf; acesso em
21/02/2018.

359
48
MARINA PEREIRA

* Não foram encontradas informações sobre a homenageada.

360
49
MÁRIO FERREIRA
Nascimento: Palmeira/PR, 28 de fevereiro de 1934
Falecimento: Curitiba/PR, 1º de setembro de 1990

Mário Ferreira. Curitiba, 1956


Fonte: Paraná Esportivo

361
MÁRIO FERREIRA

(1934–1990)

Celso Fernando Claro de Oliveira

Em 1947, o jornalista Mário Filho lançou um livro que se tornaria um verdadeiro clássico sobre a
questão do negro e do racismo em nossa sociedade por meio do esporte – tratava-se de “O negro no futebol
brasileiro”1. Bastante estudada até os dias atuais, a obra foi considerada pioneira por apontar as barreiras
étnicas existentes no meio futebolístico nacional e denunciar as políticas segregacionistas adotadas por
clubes de diversos estados. Por outro lado, o livro também é criticado por adotar uma análise inspirada em
Gilberto Freyre, a partir da qual enaltece o futebol como forma de celebrar uma sociedade miscigenada e, por
consequência, livre de preconceitos.
O futebol paranaense também esteve no centro desses debates. Em diversas edições dos campeonatos
estaduais – especialmente após os anos 1950 – jogadores negros passaram a ganhar maior destaque, sendo
elevados à categoria de ídolos do público. Para muitos, o futebol passou a representar uma forma de ascensão
social e superação de dificuldades em sociedades onde o preconceito ainda imperava. Entre esses nomes,
destacou-se Mário Ferreira, um dos maiores jogadores do extinto Esporte Clube Água Verde.
Mário Ferreira nasceu na cidade de Palmeira, estado do Paraná, em 28 de fevereiro de 1934. Era filho de
Antônio Candido Ferreira e Anísia Maria da Conceição Ferreira. Vindo de uma família humilde, aprendeu ainda
criança o ofício de carpinteiro, com o qual passou a ajudar no sustento da casa. Infelizmente, não encontramos
informações sobre sua chegada a Curitiba, porém, ele passou parte de sua adolescência na capital. Sua família
viveu no bairro Água Verde, que ficou conhecido por ser o berço de diversos craques – os irmãos de Mário, Zé
Maria, Pó e Adalberto também se destacaram no futebol estadual.
De acordo com o jornal Paraná Esportivo2, Mário Ferreira começou a jogar futebol aos 13 anos de idade,
pela categoria juvenil do Esporte Clube Água Verde – tradicional equipe curitibana também conhecida por
“Leão”, fundada em 1914 por imigrantes italianos. No ano de 1950, Ferreira ingressou no time de amadores,
pelo qual conquistou o título de Campeão Invicto da temporada e, no ano seguinte, entrou para o grupo de
aspirantes. A estreia entre os profissionais, por sua vez, ocorreu em uma goleada de 7x1 contra o Atlético, em
1952.
O desempenho na partida e nos jogos seguintes contribuiu para que Mário Ferreira fosse escalado
como titular da lateral direita, posição que ocupou durante a maior parte de sua carreira. Além disso, conforme
destaca o pesquisador Luiz Evaristo3, atuou como médio-volante e, nos anos finais de sua atuação, ocupou
também o papel de meia-esquerda (ponta de lança) em um pequeno número de partidas. Nos jogos seguintes,
Ferreira despontou como um jovem talento a ser reconhecido, recebendo elogios por parte dos comentaristas

1. Consultar FILHO, Mario. O negro no futebol brasileiro. 5ª edição. RJ: Mauad X, 2013.
2. Sonho que Mário Ferreira realiza: convocado para o selecionado brasileiro. Paraná Esportivo, 04/06/1956, p.2.
3. Consultar DIOGO, Julio Bovi; EVARISTO, Luiz Fernando; CHESTENXEN, Levi Mulford. De Savóia ao Água Verde: a trajetória de um clube
vencedor (1914-1971). Curitiba: edição dos autores, s.d

362
esportivos mesmo quando seu time era derrotado. Por ocasião de uma vitória do Coritiba sobre o Leão, em
dezembro de 1952, o jornalista Silveira Filho escreveu a respeito do então estreante:

O jovem médio do Água Verde, particularmente, foi toda uma agradável surpresa. Esperamos
de verdade, em que sairia bem da difícil prova. O sabíamos talentoso, valente e um lutador.
Forçoso dizer é convir, não obstante, que todas as expectativas foram superadas de muito.
Combativo, “clássico”, às vezes foi o verdadeiro condutor da equipe4.

Enquanto defendeu a camisa do Água Verde, Mário Ferreira marcou cinco gols: durante um amistoso em
10 de abril de 1955, contra o América de Santa Catarina; em uma partida contra o Ferroviário pelo Campeonato
Paranaense no dia 22 de maio de 1955; novamente contra o Ferroviário, em um amistoso realizado em 15 de
agosto de 1955; e balançou a rede duas vezes em uma disputa com o Operário de Ponta Grossa, realizada em 6
de outubro de 1956, pelo Campeonato Paranaense5. Mesmo que o Leão não tenha conquistado a taça estadual,
Ferreira foi, em grande medida, elogiado por suas atuações em campo, sendo considerado pelo jornal Paraná
Esportivo um dos raros grandes nomes do futebol paranaense da época6.
O bom desempenho nos campos não tardou a ser reconhecido para além de Curitiba. Ao final de 1953,
Ferreira integrou a delegação paranaense nas Olimpíadas Militares, sagrando-se campeão pela equipe de
futebol da Força Aérea. A participação, contudo, gerou um desfalque temporário para a equipe do Água Verde, o
qual foi bastante sentido durante as partidas realizadas na ausência do jogador7. Até o final da década de 1950,
Ferreira esteve na mira de times cariocas, como o Vasco da Gama, o Bangu, o Botafogo e o Flamengo8, tendo
treinado algum tempo com a última equipe no Rio de Janeiro9. Além disso, foi sondado por ‘olheiros’ do Bauru
e do Internacional, que chegaram a discutir a possibilidade de compra do craque, mas não concretizaram as
negociações10.
Em 1956, a Comissão Brasileira de Desportos (CBD) convocou Ferreira para integrar a equipe que
representaria o Brasil na disputa da Taça Oswaldo Cruz11. “Foi a maior satisfação de minha vida, ser convocado
para o selecionado brasileiro. Acho que isto é o máximo que se pode desejar. Agora vou lutar pela posição. Vou
fazer o possível para honrar o futebol de meu Estado”, disse ao Paraná Desportivo12. A notícia foi recebida com
entusiasmo em Curitiba, contudo, a alegria foi sucedida por momentos de tensão: as passagens para que o
jogador viajasse para o Rio de Janeiro demoraram a chegar, de modo que ele foi um dos últimos a se apresentar
para o técnico Flávio Costa13.

4. SILVEIRA FILHO. Ferreira e Pianoski – As grandes figuras da partida. Paraná Esportivo, 8 dez. 1952, p. 3.
5. Levantamento realizado pelo pesquisador Luiz Evaristo.
6. POUCOS, de fato os grandes “astros” do futebol paranaense. Paraná Esportivo, 20 jan. 1956, p. 3.
7. MÁRIO Ferreira já se encontra na capital. Paraná Esportivo, 11 nov. 1953, p. 8.
8. MÁRIO Ferreira depende de Teté. Paraná Esportivo, 11 jan. 1956, p. 1.
9. MÁRIO Ferreira treinará hoje no Flamengo. Paraná Esportivo, 21 fev. 1956, p. 5.
10. Título mutilado. Paraná Esportivo, 26 mar. 1956, p. 3; MÁRIO Ferreira quasi embarcou com o Internacional. Paraná Esportivo, 22 mai.
1956, p. 8.
11. MÁRIO Ferreira convocado oficialmente. Paraná Esportivo, 30 mai. 1956, p. 1.
12. SONHO que Mário Ferreira realiza. Paraná Esportivo, 4 jun. 1956, p. 2.
13. COM FLÁVIO Costa o médio Mário Ferreira. Paraná Esportivo, 7 jun. 1956, p. 1.

363
Mário Ferreira

Fonte: Paraná Esportivo, 24/03/1954, p. 1 Fonte: Paraná Esportivo, 04/06/1956, p. 2

Mário Ferreira em 1956

Mário Ferreira no Estádio Durival de Brito durante partida entre Água Verde 1 x 0 Britânia
Fonte: acervo de João Maria Barbosa

Após a chegada a então capital do país, uma nova decepção: Ferreira logo recebeu a notícia de que fora
dispensado pela seleção. Vale lembrar que suas chances já eram consideradas reduzidas, pois disputava a vaga
com Djalma Santos, que havia representado o Brasil na Copa do Mundo de 195414. Apesar de não ter tido a
chance de defender a camisa da seleção, o jogador retornou a Curitiba sob os bons auspícios da imprensa e dos
torcedores. Ainda em junho de 1956, renovou o contrato com seu clube de origem após uma acalorada disputa
ntre o Leão, o Coritiba e o Operário15. A seu respeito, o Paraná Esportivo escreveu: “renomado médio de ala do
Água Verde, sem favor nenhum o maior homem do futebol paranaense em sua posição”16.
Ainda em 1956, integrou a chamada “seleção paranaense”, que reuniu os principais jogadores do estado
na disputa do Campeonato Brasileiro17, enfrentando as seleções de Goiás e de Santa Catarina. Participou também

14. NADA oficial quanto a Mário Ferreira. Paraná Esportivo, 9 jun. 1956, p. 1.
15. MÁRIO Ferreira renovou por mais um ano. Paraná Esportivo, 21 jun. 1956, p. 1.
16. MÁRIO Ferreira. Paraná Esportivo, 15 set. 1956, p. 8.
17. SILVEIRA FILHO. Bom o ensaio do scratch. Paraná Esportivo, 20 nov. 1956, p. 3.

364
da “seleção da capital”, time especial formado por nomes de Curitiba que disputou duas partidas com a “seleção
do interior”, constituída por atletas de clubes de outras regiões do Paraná18. Por seu desempenho, Ferreira
recebeu elogios constantes da coluna “Termometro dos Craques” [sic], que avaliava a atuação dos jogadores
em alguns dos principais confrontos semanais, bem como nas análises escritas pelo comentarista Silveira Filho.
Na passagem para 1957, atraiu o interesse de times paulistas como o Guarani19 e o Corinthians20,
além de clubes cariocas como o Bangu e o Vasco da Gama21. Porém, Ferreira continuou no futebol paranaense.
Defendeu a seleção estadual em uma malfadada partida contra a seleção de São Paulo, como continuidade do
Campeonato Brasileiro. O time paranaense sofreu uma derrota de 8x0 no Estádio do Pacaembu – segundo o
Paraná Esportivo, foi a atuação de Ferreira, destacado como o melhor jogador de sua equipe, que impediu um
resultado pior22. O jogo de volta, em Curitiba, terminou em um empate, resultado considerado impressionante23.
A atuação de Ferreira atraiu elogios de veteranos, como Leônidas da Silva, que assinalou a possibilidade do
lateral direito brilhar em times maiores24.
A partida do futebol paranaense aconteceu ao final de janeiro de 1957, quando a Portuguesa comprou o
“passe” do jogador por Cr$ 300 mil. Sua ausência foi bastante sentida pela imprensa curitibana, que continuou a
acompanhá-lo em sua trajetória na Lusa. Ferreira formou a trinca de zagueiros do clube do Canindé, comumente
dividindo espaço com Djalma Santos e Jutz, também vindo do futebol paranaense25.
Os jogos da Portuguesa passaram a figurar com destaque nas páginas do Paraná Esportivo, assim como
notícias referentes ao ídolo da torcida paranaense. “Basta mencionar o detalhe de que Djalma Santos voltou
do ‘scratch’, mas para ser zagueiro central. Mário Ferreira é o dono inteiro, da aza média direita”, destacou
uma reportagem publicada em setembro26. Outro artigo, veiculado em novembro, trouxe trechos elogiosos de
avaliações por parte de comentaristas esportivos paulistas sobre seu desempenho27.

Mário Ferreira em 1957. Time do Água Verde

Mário Ferreira, o quarto da esquerda para a direita


Fonte: Paraná Esportivo, 02/02/1957, p. 1

18. INTERIOR e capital lutam em Ponta Grossa. Paraná Esportivo, 2 nov. 1956, p. 3.
19. JOÃO Lima visando o mercado paranaense. Paraná Esportivo, 22 nov. 1956, p. 8.
20. CRAQUES paranaenses cobiçados por clubes paulistas. Paraná Esportivo, 9 jan. 1957, p. 6.
21. NINO, Mário Ferreira e Béquinha, visados por Bangu e Vasco. Paraná Esportivo. 27 dez. 1956, p. 1.
22. SÃO Paulo 8 x Paraná 0. Paraná Esportivo, 18 jan. 1957, p. 1 e 8.
23. SÃO Paulo não venceu em “Durival de Brito”. Paraná Esportivo, 21 jan. 1957, p. 1 e 6.
24. LEONIDAS da Silva em Curitiba. Paraná Esportivo, 23 jan. 1957, p. 3.
25. ÚLTIMAS do Rio e S. Paulo. Paraná Esportivo, 23 abr. 1957, p. 8.
26. BRILHA o futebol paranaense nos grandes centros do país. Paraná Esportivo, 5 set. 1957, p. 3.
27. CRONISTAS bandeirantes opinam sobre Mário Ferreira, Ocimar e Jutz. Paraná Esportivo, 28 nov. 1957, p. 6.

365
Boa viagem, Mário Ferreira! Embarcando para São Paulo

Fonte: Paraná Esportivo, 20/02/1957, p. 1

Em fevereiro de 1958, Ferreira retornou a Curitiba para realizar jogos especiais com o Água Verde e o
Coritiba28. No mesmo ano, renovou o contrato com a Portuguesa, recebendo um aumento salarial29. O sucesso
no clube paulista levou o jogador a ser convocado pelo técnico Aymoré Moreira para o “selecionado de São
Paulo”, porém, não obteve muito destaque30. Nesse ínterim, o Leão contratou um jogador também de nome
Mário Ferreira – comumente identificado como “o outro” ou “o branco” – que ingressou no clube como zagueiro
e converteu-se, depois, em atacante31.
De acordo com o ex-jogador Barbosinha, colega de time de Mário Ferreira, o jogador manteve seu
contrato com a Portuguesa por dois anos e, então, retornou a Curitiba (BARBOSA, 2018). Contudo, um projeto
de lei apresentado pelo vereador Horácio Rodrigues salienta que Ferreira jogou também pela Ponte Preta e,
posteriormente, no Olímpico de Irati (RODRIGUES, 1991).
Após deixar os gramados, Ferreira ingressou no serviço público. Casou-se com Odette Coelho Ferreira,
com quem teve quatro filhos. A família estabeleceu-se então no bairro Vila Izabel. Em 1990, o ex-jogador foi
submetido a uma cirurgia para amputação das duas pernas em decorrência de uma trombose, vindo a falecer
no intervalo entre as operações (RODRIGUES, 1991).
Faleceu em Curitiba no dia 1º de setembro de 1990 aos 56 anos. Está sepultado no Cemitério Municipal
do Água Verde. Seu nome, atualmente, batiza uma rua localizada no bairro Cidade Industrial (RODRIGUES,
1991).

REFERÊNCIAS

BARBOSA (2018). Entrevista de João Maria Barbosa, o Barbosinha, concedida a Ana Crhistina Vanali no dia 26
de julho de 2018 em Curitiba.

28. A PORTUGUESA de Flavio Costa hoje e amanhã no “Estadio Orestes Thá”. Paraná Esportivo, 1 fev.1958, p. 1.
29. MÁRIO Ferreira vai renovar. Paraná Esportivo, 24 ago.1958, p. 6.
30. PRIMEIRAS palavras. Paraná Esportivo, 21 jan.1960, p. 2.
31. LUTA de gigantes pela liderança do certame. Paraná Esportivo, 28 mai.1960, p. 1.

366
BRILHA o futebol paranaense nos grandes centros do país. Paraná Esportivo, 5 set. 1957, p. 3.
CRAQUES paranaenses cobiçados por clubes paulistas. Paraná Esportiva, 9 jan. 1957, p. 6.
CRONISTAS bandeirantes opinam sobre Mario Ferreira, Ocimar e Jutz. Paraná Esportivo, 28 nov. 1957, p. 6.
DIOGO, Julio Bovi; EVARISTO, Luiz Fernando; CHESTENXEN, Levi Mulford. De Savóia ao Água Verde: a trajetória
de um clube vencedor (1914-1971). Curitiba: edição dos autores, s.d
FILHO, Mario. O negro no futebol brasileiro. 5ª edição. RJ: Mauad X, 2013.
INTERIOR e capital lutam em Ponta Grossa. Paraná Esportivo, 2 nov. 1956, p. 3.
JOÃO Lima visando o mercado paranaense. Paraná Esportivo, 22 nov. 1956, p. 8.
LEONIDAS da Silva em Curitiba. Paraná Esportivo, 23 jan. 1957, p. 3.
MARIO Ferreira. Paraná Esportivo, 15 set. 1956, p. 8.
MARIO Ferreira convocado oficialmente. Paraná Esportivo, 30 mai. 1956, p. 1.
MARIO Ferreira depende de Teté. Paraná Esportivo, 11 jan. 1956, p. 1.
MARIO Ferreira já se encontra na capital. Paraná Esportivo, 11 nov. 1953, p. 8.
MARIO Ferreira renovou por mais um ano. Paraná Esportivo, 21 jun. 1956, p. 1.
MARIO Ferreira treinará hoje no Flamengo. Paraná Esportivo, 21 fev. 1956, p. 5.
NADA oficial quanto a Mario Ferreira. Paraná Esportivo, 9 jun. 1956, p. 1.
NINO, Mário Ferreira e Béquinha, visados por Bangú e Vasco. Paraná Esportivo. 27 dez. 1956, p. 1.
POUCOS, de fato os grandes “astros” do futebol paranaense. Paraná Esportivo, 20 jan. 1956, p. 3.
SÃO Paulo 8 x Paraná 0. Paraná Esportivo, 18 jan. 1957, p. 1 e 8.
SÃO Paulo não venceu em “Durival de Brito”. Paraná Esportivo, 21 jan. 1957, p. 1 e 6.
SILVEIRA FILHO. Bom o ensaio do scratch. Paraná Esportivo, 20 nov. 1956, p. 3.
SILVEIRA FILHO. Ferreira e Pianoski - As grandes figuras da partida. Paraná Esportivo, 8 dez. 1952, p. 3.
SONHO que Mario Ferreira realiza. Paraná Esportivo, 04/06/1956, p.2.
Título mutilado. Paraná Esportivo, 26 mar. 1956, p. 3; MARIO Ferreira quasi embarcou com o Internacional.
Paraná Esportivo, 22 mai. 1956, p. 8.
ULTIMAS do Rio e S. Paulo. Paraná Esportivo, 23 abr. 1957, p. 8.

* Agradecimento especial a Luiz Fernando Evaristo pelas informações compartilhadas em junho de 2018.

Consultar também

BARBOSINHA, ex-meio-campo do Água Verde-PR e Ferroviário-PR. Disponível em http://www.


historiadordofutebol.com.br/antigo.php?secao=barbosinha. Acesso 23.maio. 2018.

367
50
MARIO PINTO
VASCONCELLOS
Nascimento: Ponta Grossa/PR, 31 de dezembro de 1946

Mario Pinto Vasconcellos. Curitiba, julho de 2018


Fonte: Ana Vanali

368
MARIO PINTO VASCONCELLOS1

Lucélia Mildemberger

Mario Pinto Vasconcellos nasceu no município de Ponta Grossa, estado do Paraná, aos 31 de dezembro de
1946. Segundo filho de Antônio Pinto Vasconcellos, motorista de transporte de cargas, com Maria da Conceição
Vasconcellos. O primeiro foi Antônio. Do segundo casamento de seu pai, tem mais um casal de irmãos.
Em fevereiro de 1951, aos quatro anos de idade, Mario veio para Curitiba. A família se instalou no bairro
Rebouças, onde ele foi criado. Fez o curso primário no Colégio Estadual Doutor Xavier da Silva e o ginásio no
Colégio Estadual Hildebrando de Araújo, no bairro Capanema. No Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
(Senac) cursou o segundo grau. Por gostar de movimentos políticos, no ano de 1962 fundou e tornou-se o
primeiro presidente do Grêmio Litero Esportivo Visconde do Cairú2 do Senac.
Incentivado pelo irmão mais velho, Antônio Pinto Vasconcellos Filho, que trabalhava na Prefeitura de
Curitiba, Mario foi fazer o curso de aprendiz de ofício. Depois, prestou o concurso para menores que existia na
época do prefeito Iberê de Mattos3 e foi aprovado. Assim, dia 22 de junho de 1962, aos quinze anos, começou
a trabalhar na Prefeitura de Curitiba como aprendiz de ofício realizando a limpeza de torno, preparando o café
para os mecânicos, varrendo as oficinas, entre outras atividades.
Durante os 30 anos de serviço público municipal, Mario exerceu diversas funções dentro da prefeitura:
iniciou como aprendiz de ofício, trabalhou por 23 anos na Urbs (Urbanização de Curitiba S/A) como técnico
de transporte na fiscalização do transporte coletivo, foi da divisão de compras, chefe do serviço militar da
prefeitura até se aposentar no ano de 1991, como supervisor-geral da fiscalização.
Mario casou-se com Roseli de Camargo Vasconcellos em 8 de julho de 1967, em Palmeira, cidade
próxima a Ponta Grossa, no Paraná. Tiveram dois filhos, Márcio e Marcos, ambos formados e atuantes na área do
Direito. Seus netos, filhos de Márcio, também seguiram a mesma área: Amanda já é formada, enquanto Mateus
está no sexto período do curso.
Por questões diversas, após a conclusão do segundo grau Mario ficou alguns anos sem estudar. Em
1974, retomou os estudos e iniciou o curso Técnico de Química Industrial no Instituto Politécnico Estadual
do Paraná4. O curso posteriormente veio a ser considerado como uma diplomação de graduação por ter cinco
anos de duração. Concluindo o curso no ano de 1979, já como técnico em química, Mário realizou estágio na
Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar) em Araucária. Por um período, atuou como professor de Química
nos cursinhos de Curitiba. Realizou tais atividades em paralelo ao seu trabalho na prefeitura.

Depois de aposentado pela prefeitura, Mario continuou atuando na iniciativa privada “porque é difícil

1.Na placa atual na Praça Santos Andrade está gravado MARIO VASCONCELOS, mas seu nome completo era MARIO PINTO VASCONCELLOS.
2. O nome foi por sugestão de um professor e bem aceito pelo grupo (MARIO, 2018). José da Silva Lisboa, o Visconde de Cairú (1756-1835)
foi um político, publicista e jurisconsulto, brasileiro. Foi nomeado assessor direto do príncipe D. João, para assuntos econômicos. Sua
maior preocupação era o progresso do Brasil. Foi um homem de grandes conquistas pessoais, usando-as para conseguir os objetivos
patrióticos. Sua influência pesou de modo decisivo na política, proporcionando um grande passo no desenvolvimento do país. Disponível
em https://www.ebiografia.com/visconde_cairu/. Acesso 23.julho.2018.
3. Iberê de Mattos foi prefeito de Curitiba de 1958 a 1961.
4. Desde 2001 passou a se chamar Centro Estadual de Educação Profissional de Curitiba.

369
interromper a vida profissional quando começamos a trabalhar muito jovem” (MARIO, 2018). Trabalhou na
área técnica em empresas e concessionárias como a Construtora Sul, Paviservice Engenharias e Serviços, Vepasa
Veículos S/A e Toyota. Atualmente, trabalha como free lancer, oferecendo apoio a grupos de outros centros que
vêm a Curitiba resolver questões burocráticas.
Por mais de 20 anos, atuou como jurado do Tribunal do Júri. Em 1985 foi convocado pelo então juiz
da 2ª Vara Criminal, João Chipitoski. Naquela época era feito um levantamento da vida pregressa5 do servidor
público e Mario foi escolhido para participar do Conselho de Sentença. Atuou como membro do júri até 2013
e se licenciou “pois há necessidade do quadro ir se renovando, visto ser um trabalho importante que pessoas
leigas prestam à sociedade” (MARIO, 218). Apesar de estar a cinco anos afastado dessa função, ainda gosta
de participar de algumas sessões de julgamentos como ouvinte e incentiva seus filhos e netos a ingressarem
na área do direito criminal. Animado, acrescenta “gostaria muito de ver um deles enfrentando um tribunal”
(MARIO, 2018).
Mario esteve presente na instalação da placa comemorativa aos membros da Colônia Afro-brasileira de
Curitiba, na Praça Santos Andrade, por ocasião do centenário da abolição da escravidão no Brasil. Foi considerado
uma das personalidades negras de destaque na Curitiba da década de 1980 pelos seus serviços prestados à
cidade na esfera pública municipal. Mario ocupou cargos públicos de grande responsabilidade, atuando para
o bom desempenho em todas essas funções. Sempre foi um funcionário exemplar. Nos diversos postos que
ocupou, tanto no setor público quanto no setor privado, sempre superou os empecilhos que poderiam afetar
seu crescimento profissional. Hoje, aposentado continua “tocando o barco” (MARIO, 2018).

REFERÊNCIA

MARIO (2018). Entrevista de Mario Pinto Vasconcellos concedida a Ana Crhistina Vanali e Lucélia Mildemberger
no dia 19 de julho de 2018 em Curitiba.

5. No relatório da vida pregressa de uma pessoa são levantados os antecedentes de sua vida no âmbito policial, judicial ou administrativo
para verificar se não houve nenhum crime cometido por ele durante seu exercício funcional, político e vida pregressa.

370
51
NARCISO JÚLIO DOS REIS
ASSUMPÇÃO
Nascimento: Tietê/SP, 6 de janeiro de 1948
Falecimento: Curitiba/PR, 28 de maio de 2001

Narciso Assumpção. Curitiba, década de 1970


Foto: acervo de Haybee Heloneida de Araújo Assumpção

371
NARCISO JÚLIO DOS REIS ASSUMPÇÃO1

(1948–2001)

Celso Fernando Claro de Oliveira

Olha, se existiu uma pessoa que tinha orgulho de ser negro era
Narciso. Deus que me livre chamá-lo de moreno. Na hora ele
retrucava: sou NEGRO! (INÊS, 2018)

O fortalecimento do movimento negro no Brasil atual vem fomentando um oportuno exercício de


reflexão sobre figuras históricas, como Zumbi dos Palmares e a Princesa Isabel. O líder quilombola se tornou
uma importante referência na luta por direitos em um país marcado pelo racismo e por assimetrias econômicas.
Por sua vez, a assinatura da Lei Áurea – que garantiu à herdeira do trono brasileiro a alcunha de “a redentora”
pela historiografia tradicional – passou a ser reexaminada criticamente, uma vez que a abolição da escravatura
não foi acompanhada por um projeto de inclusão da população negra na sociedade brasileira.
Embora tais reflexões tenham ganhado mais força nos últimos anos, um jornalista atuante em Curitiba
já havia adiantado esses debates em pleno período da ditadura militar. Seu nome: Narciso Júlio dos Reis
Assumpção. Por meio de suas reportagens, crônicas e poesias publicadas em periódicos da capital paranaense,
Narciso discutiu a questão da dívida histórica, ressaltou a importância do orgulho negro, enalteceu as religiões
de matriz africana e denunciou o racismo impregnado no cotidiano. Além de trabalhar no jornalismo impresso,
radiofônico e televisivo, foi também ator, diretor teatral, escritor, publicitário, modelo, professor de etiqueta e
assessor parlamentar.
Nascido a 6 de janeiro de 1948, na cidade paulista de Tietê, Narciso Assumpção veio de uma família
ligada à cultura afro-brasileira. Foi criado, juntamente com o irmão Francisco José Itamar, pelos avós maternos
até o início da adolescência, em uma casa marcada pela valorização das tradições de matriz africana. Com a
morte da avó, os dois jovens seguiram para Arapongas, município da Região Norte do Paraná, onde seus pais,
Januário e Maria Apparecida, residiam com a filha mais nova, Denise (BASTOS, 2012, p. 18–19).
Januário era funcionário público lotado no Instituto Brasileiro do Café (IBC) e pai de santo, enquanto
Apparecida era dona de casa e recebia entidades. A família mantinha um terreiro de umbanda na cidade, o qual
passou a ser frequentado pelos filhos, que aprenderam a tocar atabaque e aprofundaram suas experiências
religiosas (BASTOS, 2012, p. 33–34). Ambos os irmãos de Narciso também seguiram carreiras ligadas à arte:
Itamar (1949–2003) conquistou fama como cantor e músico; já Denise (1956), além de cantora, também se
dedicava à carreira de atriz.
Narciso iniciou sua carreira no jornalismo em 1967, trabalhando como repórter da Rádio Arapongas.
No ano seguinte, ingressou na Rádio Cultura, emissora em que ganhou experiência como apresentador de
programas, e também editou o semanário impresso “O Arapongas”, de circulação regional. Em 1969, transferiu-

1. Na placa atual da Praça Santos Andrade está gravado NARCISO ASSUMPÇÃO, mas seu nome completo era NARCISO JÚLIO DOS REIS
ASSUMPÇÃO em homenagem ao dia do seu nascimento – 6 de janeiro, Dia de Reis (HAYBEE, 2018).

372
se para a Rádio Clube de Londrina, exercendo funções diversas que envolviam desde a produção de reportagens
à locução2.
Concomitante às atividades jornalísticas, cresceu também o interesse pelos palcos: ao final dos anos
1960, começou a participar do Grupo Universitário de Teatro de Arapongas (Gruta), ligado à Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de Arapongas e coordenado pela atriz, diretora e produtora Nitis Jacon. Sua primeira
montagem de destaque foi “Arena conta Zumbi”, espetáculo apresentado no VI Festival de Teatro do Estudante,
realizado na cidade de Arcozelo, estado do Rio de Janeiro, em 1971. Por seu trabalho como o protagonista da
peça, dividiu com Alcides Carvalho o prêmio de Melhor Ator – de acordo com o dramaturgo, diretor e crítico
teatral Oracy Gemba, Assumpção “consegui[u] os melhores aplausos da plateia”3.
O sucesso em “Arena conta Zumbi” garantiu ao jovem ator duas propostas de bolsas de estudo para
teatro: uma no Rio de Janeiro e outra em Curitiba. Optou pela capital paranaense, onde ingressou no Curso
Permanente de Teatro da Fundação Teatro Guaíra, comandado pelo ator e diretor José Maria Santos4. Ao longo
de 1972, conquistou papéis em diferentes montagens, indo da ácida crítica ao egoísmo humano em “A alma boa
de Setsuan”, de Bertolt Brecht, ao teatro infantil de Maria Clara Machado com “Pluft, o fantasminha”5.
O grupo participou do III Festival de Arte Colegial, promovido em outubro de 1972 pelo Colégio Estadual
do Paraná. Na ocasião, encenaram um texto inédito de autoria do próprio Assumpção, intitulado “Do ventre de
Maria Virgem”. A montagem foi muito bem recebida pelo júri, o que garantiu ao autor estreante o primeiro
lugar na categoria “Teatro”6. Em dezembro, dividiu a cena com Lala Schneider na peça itinerante “Natal na
Praça”, apresentada em diversos bairros de Curitiba7 – o sucesso foi tamanho que o espetáculo se repetiu no
ano seguinte8.
Em 1973, Lutero Renato coordenou a montagem de “Do ventre de Maria Virgem” no Teatro Paiol9,
contudo, a peça foi censurada pela ditadura militar10. No mesmo ano, Narciso contracenou ao lado da irmã
Denise em “Fulano de Tal”, espetáculo que excursionou pelas capitais da região Sul do país11. Paralelamente às
atividades como ator, Assumpção continuou se dedicando ao jornalismo e trabalhou também como publicitário.
Teve passagens exitosas pela Radio Independência do Paraná, onde foi editor de notícias, e pela Rádio Clube
Paranaense, na qual assumiu a chefia do Departamento de Notícias em 1974. Foi ainda repórter policial para o
jornal Tribuna do Paraná12.

2. CURITIBA. Câmara Municipal de Curitiba. Projeto de Lei. Concede o título de Cidadão Honorário de Curitiba ao Senhor Narciso Júlio dos
Reis Assumpção. 02/02/1987.
3. A montagem recebeu ainda os prêmios de Melhor Direção (Nitis Jacon), Melhor Atriz Coadjuvante (Madalena Hirata), Melhor Iluminação
e Melhor Figurino. GEMBA, Oracy. Arcozelo – Capital do teatro. Diário do Paraná, Curitiba, 21 fev. 1971, p. 3.
4. CURITIBA. Câmara Municipal de Curitiba. Projeto de Lei. Concede o título de Cidadão Honorário de Curitiba ao Senhor Narciso Júlio dos
Reis Assumpção. 02/02/1987.
5. “FULANO de Tal” estréia hoje no Teatro Guaíra. Diário do Paraná, Curitiba, 15/03/1973.
6. ALMEIDA, Dino. Curitiba em tempo de cultura. Diário da Tarde, Curitiba, 11/10/1972, p. 3. Na reportagem, o nome do autor aparece
grafado erroneamente como “Narciso Assunção”.
7. PEÇA natalina percorre Curitiba. Diário do Paraná, Curitiba, 09/12/1972, p. 4.
8. “NATAL na praça”. Diário do Paraná, Curitiba, 15/12/1973, p. 3.
9. OLIVEIRA, Nelso Luis. Colaços ou gente ligada à tribo. Diário do Paraná, Curitiba, 11/03/1972, p. 7.
10. GARCIA, Miliandre. “Ou vocês mudam ou acabam”: Teatro e censura na ditadura militar (1964-1985). Tese (Doutorado em História),
Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2008, p. 355.
11. PROSSEGUE “Fulano de Tal”. Diário do Paraná, Curitiba, 29/03/1973, p. 9.
12. CURITIBA. Câmara Municipal de Curitiba. Projeto de Lei. Concede o título de Cidadão Honorário de Curitiba ao Senhor Narciso Júlio dos
Reis Assumpção. 02/02/1987.

373
A segunda metade da década de 1970 abriu novas oportunidades de trabalho para Assumpção. Em 1976,
trabalhou como repórter na Rádio Capital e também no Diário do Paraná13. Utilizou suas reportagens no jornal
impresso para abordar importantes temáticas sociais, como a jornada de migrantes paulistas empobrecidos
até Curitiba e as eleições municipais daquele ano. Ainda na empresa, fez parte do Departamento de Criação,
responsável por modernizar a linha editorial e cuja primeira realização de peso foi o tabloide “Curitiba Hoje”,
sobre eventos na cidade.
Na televisão, ingressou na TV Paraná, onde foi editor do “Grande Jornal do Canal 6” e âncora do telejornal
matinal “Café com Leite”, dividindo a bancada com Janete14. O título da atração remetia a uma contraposição
preconceituosa entre os fenótipos dos apresentadores – ele, negro; ela, loira e branca. Um dos necrológicos do
jornalista destacou que Narciso foi “o primeiro repórter e apresentador negro da televisão paranaense”15.

Narciso com Janete na bancada do telejornal Café com leite

Fonte: Correio de Notícias, 28/08/1976

No mesmo ano, fez sua estreia no cinema em “Aleluia, Gretchen”, de Sylvio Back16. Na produção,
interpretou o papel de Repo, jovem órfão que trabalha para uma família de imigrantes alemães estabelecida em
Santa Catarina, cujos membros nutrem notável simpatia pelo nazismo. Repo funciona como uma metáfora para
o preconceito racial e das desigualdades sociais existentes no Brasil, sendo tratado quase que como escravo
pela família, no entanto, sem conseguir romper com – e até mesmo, reforçando – os vínculos de submissão que
o cercam. Em uma das cenas mais emblemáticas da obra, um embriagado Repo veste-se de Papai Noel e pinta
o rosto com talco ao som da canção “Nega do Cabelo Duro” como forma de tentar integrar-se à ceia de Natal da
família que o oprime. O desempenho lhe valeu uma indicação ao prêmio de Melhor Ator Coadjuvante do Festival
de Cinema de Gramado.

13. Idem.
14. TELEVISÃO. Diário do Paraná, Curitiba, 29/02/1976, p. 4.
15. MORRE Narciso Assumpção. Tribuna do Paraná, Curitiba, 29/05/2001, p. 3.
16. ALELUIA, Gretchen. Diário do Paraná, Curitiba, 24/08/1976, Anexo p. 3.

374
Narciso como Repo em “Aleluia, Gretchen”, 1976

Fonte: http://www.oradiodoparana.com.br/crbst_340.html17

Atrás das câmeras, foi assistente de direção do curta-metragem “A visita do velho senhor”, baseado
nas obras de Poty Lazarotto18. Em 1977, assumiu a direção do Departamento de Notícias da Rádio Clube19 e
escreveu o roteiro do curta-metragem “História de um marginal”20. Também foi participante assíduo dos bailes
de carnaval curitibanos, tendo integrado o júri responsável pela escolha do Rei Momo e da Rainha do carnaval
em algumas ocasiões21.
Passou a publicar críticas teatrais e crônicas opinativas no Diário do Paraná. Em seus textos, debateu
questões como o preconceito racial, a situação do negro no país e a mercantilização da cultura afro-brasileira.
Podemos citar como exemplo o forte teor crítico do artigo “A princesa Isabel está rindo de todo mundo”:

O negro atual é um fenômeno, que não ascende culturalmente, e nem socialmente, por
preguiça, por falta de capacidade, ou uma estrutura emocional herdada. A ascensão tem como
base a própria assinatura da Lei Áurea, libertando os escravos, verdadeiros nativos e jogando-
os à sorte. A partir daí, o negro brasileiro não evoluiu muito socialmente. Se defendendo
nas artes e manhas das malandragens da vida. A figura do negro está ligada a marginais
que povoam as crônicas policiais. E muitas vezes ao ser preterido, entre outro candidato a
emprego, branco, a revolta origina o crime. [...] Quantas vezes dormi, pensando nas calçadas
que eu não podia passar e no barbeiro que não cortava cabelo de negros. [...] Infelizmente, a
discriminação existe. E está impregnada na cultura do nosso povo, principalmente na classe
média. A Lei Áurea, mudou muita coisa, quebrou as correntes. Antes ela do que nada22.

Publicou ainda poemas em que expressou sua indignação com a situação de marginalidade que a
maioria da população negra enfrentava. Dentre os quais, destacamos um trecho de “Negrinho-bola”:

17. Paulo Furiati fala de Narciso. Disponível em http://www.oradiodoparana.com.br/crbst_340.html. Acesso 23.maio.2018


18. JMS. Diário do Paraná, Curitiba, 20/06/1976, p. 11.
19. FRANCIOSI, Eddy. Ciranda. Diário do Paraná, Curitiba, 09/02/1977, p. 6.
20. PAPO-JORNAL. Diário do Paraná, Curitiba. Anexo, 09/07/1977, p. 3.
21. CARNAVAL. Diário do Paraná, Curitiba, 12/02/1977, p. 6.
22. ASSUMPÇÃO, Narciso. A princesa Isabel está rindo de todo mundo. Diário do Paraná, Curitiba 13/05/1977, p. 2.

375
Negrinho-chutava
no pique, atirando
Negrinho chutava

Seu pai pedreiro


atirado na cal
Sua Mãe lavadeira
atirada no tanque

Negrinho-chutava
Confunde seu sangue
na atmosfera, no passo
Ser branco é acaso
Mas puxa as correntes
com pulsos de aço23.

De volta ao teatro, participou da peça “A história do zoológico”, recebendo elogios por interpretar um
homossexual24, e do espetáculo musical “Actio Solemnis”, em celebração à carreira da cantora Carmen Costa,
atuando ao lado da homenageada e, novamente, de sua irmã Denise25. A partir de 1978, produziu reportagens
sobre religiões afro-brasileiras em Curitiba, cobrindo eventos e iniciações. Por esse trabalho, recebeu um
diploma de menção honrosa e mérito religioso da Umbanda26. No ano seguinte, integrou o elenco das montagens
de “Os filhos de Kennedy”27 e “O Contestado” – nessa última, contracenou com Odelair Rodrigues28. Também foi
um dos apresentadores do programa “1ª Edição”, no Canal 6, onde comentava os principais eventos da capital
paranaense29.

Narciso com seu grupo de teatro. Curitiba. Final da década de 1970

Narciso está agachado na última fila


Fonte: acervo pessoal de Inês Schefer

23. ASSUMPÇÃO, Narciso. Negro de alma negra. Diário do Paraná, Curitiba, 05/07/1977, p. 12.
24. PORQUE hoje é sábado. Diário do Paraná, Curitiba, 22/10/1977, p. 12.
25. CARMEN Costa canta diferente no Paiol. Diário do Paraná, Curitiba, 14/12/1977, p. 12.
26. ALVES, Dirce. A coluna indicou a primeira Sacerdotisa do Paraná. Diário do Paraná, Curitiba 03/10/1978, p. 5.
27. OS FILHOS de Kennedy. Diário do Paraná, Curitiba, 25/01/1979, 2º Caderno, p. 8.
28. “O CONTESTADO”. Diário do Paraná, Curitiba, 30/09/1979, 2º Caderno, p. 12.
29. 1ª Edição. Diário do Paraná, Curitiba, 23/03/1979, 2º Caderno, p. 7.

376
As atividades no teatro e na televisão ganharam novo impulso no início dos anos 1980, quando
participou da peça “Ó Curitiba, Nossa Tribo, Salve, Salve!”30 e dirigiu a montagem da comédia “Bé”31, trabalhando
com Odelair em ambos os espetáculos.

Narciso com seu grupo de teatro. Curitiba, década 1980

Narciso está de óculos. Nos fundos Odelair Rodrigues é a segunda da direita para a esquerda
Fonte: acervo pessoal de Inês Schefer

Em 1983, fundou o Departamento de Telejornalismo da TV Curitiba, afiliada da Rede Manchete. Ocupou


esse posto até 1985, quando se transferiu para a TV Iguaçu, ligada ao Sistema Brasileiro de Televisão (SBT).
Posteriormente, tornou-se assessor parlamentar do deputado Donato Gulin, atuando na Assembleia Legislativa
do Paraná.

Narciso como jornalista da Rede Manchete. Curitiba, década 1980

Fonte: acervo Inês Schefer

30. TEATRO. Diário do Paraná, Curitiba, 08/04/1980, 2º Caderno, p. 2.


31. “BÉ”. Diário do Paraná, Curitiba, 02/07/1980, 2º Caderno, p. 4.

377
Narciso como jornalista da TV Iguaçu. Curitiba. Década 1980

Fonte: acervo pessoal de Inês Schefer

Narciso com membros da Assembleia Legislativa do Paraná. Curitiba. Década 1980

Fonte: acervo pessoal de Inês Schefer

Membro atuante da comunidade afro-curitibana, Narciso ministrou palestras sobre o movimento negro
e dedicou-se às causas humanitárias do Continente Africano. Em 1989, por exemplo, participou de um projeto da
United Support of Artists for Africa, cujo objetivo era produzir material documental – livros, reportagens, filmes
etc. – a fim de divulgar a cultura africana e enfatizar a necessidade de auxiliar os paísesdaquele continente que
enfrentavam grandes crises econômicas e sociais32. O projeto rendeu uma temporada no Continente Africano,
porém, não encontramos fontes sobre os resultados do mesmo ou a utilização do material produzido por
Assumpção.

32. JORNALISTA paranaense. Curitiba Hoje, Curitiba, 23/11/1989, s/p. Recorte fornecido pela família de Narciso Assumpção.

378
Narciso em Araucária, outubro de 1986

Fonte: acervo pessoal de Inês Schefer

Além dos trabalhos nas artes, no jornalismo e na militância, Narciso era também reconhecido como
um homem com grande senso de estilo. Reconhecido como um homem de postura imponente, realizou cursos
de formação profissional para repórteres, manequins e modelos33. Sua última turma se formou em 1998 (INÊS,
2018). De acordo com uma reportagem veiculada pela Revista da Cidade, ele tinha mais de cem pares de sapatos,
30 ternos e diversos perfumes. É até mesmo interessante observar que, em um período em que o padrão de
estilo predominante remetia a valores europeizados, Assumpção destacou-se por seu visual diferenciado e
valorização de sua própria imagem (foto 10):

Negro de pai e mãe, Narciso é do tipo que chama a atenção nos seus quase dois metros de
altura de muita elegância e charme. Gosta de roupas coloridas que invariavelmente trazem
bordado seu monograma ou, quando não, possui um bordado discreto e sutil que diferencia
suas roupas das demais. O esmero ao vestir-se tem a ver com uma imagem que Narciso
assume com orgulho: como não gosta de parecer comum, procura se destacar pelo diferente.
Faz disto uma valorização de si próprio – “Não é uma questão patológica, é um jeito de dar
vida ao meu estilo”34.

33. CURITIBA. Câmara Municipal de Curitiba. Projeto de Lei. Concede o título de Cidadão Honorário de Curitiba ao Senhor Narciso Júlio dos
Reis Assumpção. 02/02/1987.
34. NARCISISMO: mito e realidade. Revista da Cidade, Curitiba, outubro de 1992, p. 14-15.

379
Narciso em diversos momentos

Fonte: acervos pessoais de Inês Schefer e de Haybee Heloneida de Araújo Assumpção

380
Em 1987, recebeu o título de Cidadão Honorário de Curitiba, outorgado por iniciativa do vereador
Hasiel Pereira. Em sua justificativa, o então parlamentar destacou a importância de Assumpção como militante
e como profissional da imprensa:

Durante sua existência profissional, nunca esqueceu da sua condição de membro efetivo de
sua raça, tendo feito disso ponto de honra e dignidade. Se sente um cavalheiro da imprensa,
e tem procurado através de seu trabalho apresentar uma imagem realista do cotidiano, o que
é a vida curitibana: como vivemos, o que fazemos, o que pensamos, os motivos e as questões
que nos preocupam35.

À época da homenagem, Narciso cursava Psicologia na Universidade Tuiuti do Paraná, contudo, não
chegou a concluir a graduação – abandonou-a no último ano (INÊS, 2018).
Narciso foi casado por aproximadamente 10 anos com a atriz Marlene Araújo, que conheceu quando
residia em Arapongas. Ambos trabalharam juntos em “A visita do velho senhor”. O casal teve duas filhas:
Carla Rubia (nascida ainda em Arapongas, no ano de 1970) e Haybee Heloneida (nascida em 1975, na capital
paranaense). Após a separação, Marlene e as filhas retornaram para o Norte do Paraná, fixando-se em Londrina.
Carla teve duas filhas – Ana Júlia e Fernanda – enquanto Haybee teve um casal de filhos – Mayhara e Valtinho
(HAYBEE, 2018).
No final do ano de 1990, Narciso conheceu Inês Schefer, uma jovem lapeana recém-chegada a Curitiba.
Encontraram-se em uma loja no bairro Boqueirão, onde Inês trabalhava, e foi amor à primeira vista. No ano
seguinte, já estavam morando juntos em São José dos Pinhais. Quando se uniram, Narciso começou a se afastar
gradativamente das atividades da TV, do rádio, do jornal e do teatro, pois passou a enfrentar problemas de
saúde. Sua condição foi ficando cada vez mais frágil e o ritmo exigido pelas atividades que exercia fez com que
ele optasse por uma vida de reclusão (INÊS, 2018).
O trabalho na Assembleia Legislativa do Paraná tornou-se o centro das atenções de Narciso durante
esse período – atividades que ele desempenhou de forma bastante discreta. Em 1994, nasceu Narciso Júnior, o
único filho do casal. Moraram juntos por onze anos, até a morte de Narciso, em 28 de maio 2001, aos 58 anos,
vítima de uma pneumonia36. Foi sepultado no Cemitério Municipal de Fazenda Rio Grande

Narciso com o filho Narciso Júnior em 16 de abril de 2000

Fonte: acervo pessoal de Inês Schefer

35. Idem.
36. Idem.

381
Levantamento parcial de atividades artísticas37

Peças teatrais

“Arena conta Zumbi”, de Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri (1971)


“A alma boa de Setsuan”, de Bertolt Brecht (1972)
“Pluft, o fantasminha”, de Maria Clara Machado (1972)
“Do ventre de Maria Virgem”, autoria própria (1972)
“Natal na Praça”, de Henri Ghéon (1972, 1973, 1975)
“Fulano de tal”, de Manoel Carlos Karam (1973)
“A história do zoológico”, de Edward Albee (1977)
“Actio Solemnis”, de Oracy Gemba (1977)
“Os filhos de Kennedy”, de Albert Patrick (1979)
“O Contestado”, de Romário Borelli (1979)
“Ó Curitiba, nossa tribo, salve, salve!”, de Paulo Vítola (1980)
“Bé”, de Maurício Távora (1980 – como diretor)

Filmes

“Aleluia, Gretchen”, de Sylvio Back (1978)


“A visita do velho senhor”, de Ozualdo Candeias e Valêncio Xavier (1976 – como assistente de direção)
“História de um marginal”, sem informações sobre o diretor (1977 – como roteirista)

REFERÊNCIAS

1ª EDIÇÃO. Diário do Paraná, Curitiba, 23/03/1979, 2º Caderno, p. 7.


ALELUIA, Gretchen. Diário do Paraná, Curitiba, 24/08/1976, Anexo p. 3.
ALMEIDA, Dino. Curitiba em tempo de cultura. Diário da Tarde, Curitiba, 11/10/1972, p. 3.
ALVES, Dirce. A coluna indicou a primeira Sacerdotisa do Paraná. Diário do Paraná, Curitiba 03/10/1978, p. 5.
ASSUMPÇÃO, Narciso. A princesa Isabel está rindo de todo mundo. Diário do Paraná, Curitiba 13/05/1977, p. 2.
ASSUMPÇÃO, Narciso. Negro de alma negra. Diário do Paraná, Curitiba, 05/07/1977, p. 12.
BASTOS, Maria Clara. Processos de composição e expressão na obra de Itamar Assumpção. Dissertação
[Mestrado em Processos de Criação Musical]. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2012.
“BÉ”. Diário do Paraná, Curitiba, 02/07/1980, 2º Caderno, p. 4.
CARMEN Costa canta diferente no Paiol. Diário do Paraná, Curitiba, 14/12/1977, p. 12.
CARNAVAL. Diário do Paraná, Curitiba, 12/02/1977, p. 6.

37. Levantamento realizado a partir dos jornais “Diário do Paraná” e “Diário da Tarde”.

382
CURITIBA. Câmara Municipal de Curitiba. Projeto de Lei. Concede o título de Cidadão Honorário de Curitiba ao
Senhor Narciso Júlio dos Reis Assumpção. 02/02/1987.
FRANCIOSI, Eddy. Ciranda. Diário do Paraná, Curitiba, 09/02/1977, p. 6.
“FULANO de Tal” estréia hoje no Teatro Guaíra. Diário do Paraná, Curitiba, 15/03/1973.
GARCIA, Miliandre. “Ou vocês mudam ou acabam”: Teatro e censura na ditadura militar (1964-1985). Tese
(Doutorado em História), Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2008.
GEMBA, Oracy. Arcozêlo - Capital do teatro. Diário do Paraná, Curitiba, 21 fev. 1971, p. 3.
HAYBEE (2018). Entrevista de Haybee Heloneida concedida a Ana Crhistina Vanali no dia 20 de julho de 2018,
por telefone.
INÊS (2018). Entrevista de Inês Schefer concedida a Ana Crhistina Vanali no dia 19 de julho de 2018 em São
José dos Pinhais.
JMS. Diário do Paraná, Curitiba, 20/06/1976, p. 11.
JORNALISTA paranaense. Curitiba Hoje, Curitiba, 23/11/1989, s/p. Recorte fornecido pela família de Narciso
Assumpção.
MORRE Narciso Assumpção. Tribuna do Paraná, Curitiba, 29/05/2001, p. 3.
NARCISISMO: mito e realidade. Revista da Cidade, Curitiba, outubro de 1992, p. 14-15.
“NATAL na praça”. Diário do Paraná, Curitiba, 15/12/1973, p. 3.
OLIVEIRA, Nelso Luis. Colaços ou gente ligada à tribo. Diário do Paraná, Curitiba, 11/03/1972, p. 7.
“O CONTESTADO”. Diário do Paraná, Curitiba, 30/09/1979, 2º Caderno, p. 12.
OS FILHOS de Kennedy. Diário do Paraná, Curitiba, 25/01/1979, 2º Caderno, p. 8.
PAPO-JORNAL. Diário do Paraná, Curitiba. Anexo, 09/07/1977, p. 3.
PAULO Furiati fala de Narciso. Disponível em http://www.oradiodoparana.com.br/crbst_340.html. Acesso
23.maio.2018
PEÇA natalina percorre Curitiba. Diário do Paraná, Curitiba, 09/12/1972, p. 4.
PORQUE hoje é sábado. Diário do Paraná, Curitiba, 22/10/1977, p. 12.
PROSSEGUE “Fulano de Tal”. Diário do Paraná, Curitiba, 29/03/1973, p. 9.
TEATRO. Diário do Paraná, Curitiba, 08/04/1980, 2º Caderno, p. 2.
TELEVISÃO. Diário do Paraná, Curitiba, 29/02/1976, p. 4.

383
Narciso em diversos momentos

Fonte: acervos pessoais de Inês Schefer e de Haybee Heloneida de Araújo Assumpção

384
52
NATALÍCIO SOARES
Nascimento: Maringá/PR, 18 de novembro de 1949

Natalício Soares. Fazenda Rio Grande, 2016


Fonte: Acervo pessoal

385
NATALÍCIO SOARES

Adriane dos Santos Tavella Ferrari


Ana Crhistina Vanali
Marcia Cristina dos Santos

Natalício Soares nasceu em Maringá, no dia 18 de novembro de 1949. Filho de Pedro Francisco Soares e
de Isabel Soares. Chegou a Curitiba no ano de 1957, ainda criança com oito anos de idade, após uma semana de
viagem de trem “em banco duro e depois de muito sanduíche de mortadela” (NATALÍCIO, 2018).
“Frio e preconceito”, são esses dois ingredientes que Natalício encontrou ao chegar à capital paranaense.
Ele destaca que nessa época “a sociedade curitibana era conservadora e tacanha, uma sociedade de cultura
europeia semirrural. Na década de 1950, os imigrantes e seus descendentes se comunicavam em suas línguas
maternas, o que era uma forma de humilhação. Cada colônia mantinha suas ironias e preconceitos se escondendo
atrás de línguas estrangeiras” (NATALÍCIO, 2018).
Formou-se em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) em 19761. A sua conscientização
sobre a problemática do povo negro foi crescendo com os estudos de História Contemporânea que abordavam
o Imperialismo Europeu na África, a Diáspora Africana pelo mundo, a escravidão capitalista e as ideologias de
dominação.
Em 1977, trabalhou como professor de História do curso pré-vestibular Camões2. Durante 27 anos,
atuou como professor de História e de OSPB (Organização Social e Política Brasileira) nos principais cursos
de pré-vestibular de Curitiba. Enquanto ainda era universitário, chegou a lecionar, no ano de 1973, no Mobral
(Movimento Brasileiro de Alfabetização) em uma escola sem energia elétrica no bairro Boqueirão (SOUZA,
2011).
No Dia do Professor, em 15 de outubro de 1977, o jornal Diário do Paraná realizou uma enquete
com alguns professores de Curitiba perguntando “se valia a pena ser professor na atual situação” em que se
encontrava a educação brasileira. Para a maioria dos professores que exerciam o magistério público a profissão
estava bastante desestimuladora. Natalício foi um dos entrevistados e declarou que

As professoras formadas em cursos normais são bastante injustiçadas, uma vez que não
chegam a ter uma remuneração um pouco maior que o salário mínimo. Para elas, como para
uma outra grande parte de professoras que atuam nas áreas públicas, realmente não vale a
pena ser professora.
Particularizando a questão, eu poderia responder que sim, mas em planos genéricos eu
acredito que não vale a pena se sujeitar ao esquema de nossa educação. (NATALÍCIO SOARES,
1977, p. 14).

1. Só mulheres na formatura de História, Diário do Paraná, 22/12/1976, p. 12.


2. Diário do Paraná, 13/01/1977, p. 11.

386
Em 1980, fez Especialização em História do Brasil pela UFPR. No ano de 1982, ingressou no Mestrado
em História da mesma instituição, onde pesquisou sobre o estereotipo do negro na imprensa de 1930 até
1960, mas não chegou a defender a dissertação (SOUZA, 2011, p. 58). Realizou várias viagens de estudos por
diferentes países como Peru, Portugal, Espanha, Itália, França, Marrocos e Egito.
Em 1982 coordenou a fundação da Associação Cultural Afro-Brasileira3 em Curitiba, que tinha entre
seus objetivos preservar as raízes da cultura africana no Brasil, promover o intercâmbio cultural entre os clubes
congêneres no Brasil e no exterior, e procurar a integração do negro na sociedade através da cultura e do ensino.
Preservar as raízes era a meta dessa associação, conforme Natalício Soares:

A cultura de um modo geral, música e esporte, são forças que abrem as mentes humanas
suavizando o convívio inter-racial. No caso específico o afro-brasileiro, mesmo desestruturado
sócio economicamente pela opressão e expropriação de sua força de trabalho, sob ideologias
econômicas raciais sobreviveu a todos esses “dilúvios” históricos e hoje procura seu espaço
de direito nesse Brasil.
[...] o afro-brasileiro faz uma revisão da sua ideologia e das estruturas sociais vigentes e
tem como emergente as derrubadas dos obstáculos objetivos, econômicos e subjetivos,
preconceitos que ainda lhe impede de desenvolver os papéis e ocupar seu lugar, ou seja, a
busca de sua identidade histórica autêntica4.

Nesse mesmo ano de 1982, Natalício publicou seu livro intitulado “Nossos bosques têm mais vida:
notas sobre o preconceito e a desagregação racial no Brasil”. O livro é composto por 12 capítulos, com linguagem
acessível, e aborda vários assuntos ligados à temática racial visando “denunciar e questionar as raízes e as
modalidades do preconceito na sociedade brasileira” (SOARES, 1982, p. 6). Ele inicia a obra com uma discussão
teórica sobre o preconceito, debatendo as teses nazistas e o racismo científico na Europa. Depois, trata das
consequências do mito da democracia racial na sociedade brasileira5 e das dificuldades de combater o racismo
num contexto em que sua existência é negada. Finaliza apontando o papel desagregador do preconceito no
campo econômico, nas áreas social e psicológica, na educação, entre outras, e transmitindo uma mensagem de
esperança aos leitores: uma vez que o preconceito seja encarado “de frente”, será possível discuti-lo e realmente
encontrar-se um caminho para superá-lo.
No dia 13 de maio de 1984, ele concedeu uma entrevista ao jornal Gazeta do Povo falando sobre a
Abolição da escravatura e explicou que o:

13 de maio foi a última espoliação do negro devido à conjuntura histórica ... o negro teve a
liberdade de ser infeliz, onde ele quisesse. Nem o Estado ou outra instituição o amparou. Como
escravo necessitava de uma adaptação na sociedade de classe. A grande massa analfabeta de
escravos foi engrossar o proletariado já existente ... Setenta por cento hoje, no Brasil, dos
operários braçais são negros, com isso mantém-se a tática de dominação-subordinação
(NATALÍCIO SOARES, Gazeta do Povo, 13/05/1984)6.

3. A primeira diretoria da Associação Cultural Afro-brasileira foi eleita em 10 de junho de 1982 sendo presidente Natalício Soares, vice-
presidente Dario Livino Torres, secretário Geraldo Magela Cardoso e tesoureiro Nelson Francisco de Paula. In: Afro-brasileira, Diário do
Paraná, 15/06/1982, p. 6.
Por mais de três anos essa associação publicou temáticas relacionadas à cultura negra (NATALÍCIO, 2018)
4. Preservar as raízes. Diário do Paraná, 04/06/1982, p.12.
5. Ideia disseminada na sociedade a partir da publicação da obra Casa Grande e Senzala, no ano de 1933. Nessa obra, Gilberto Freyre
descreve as relações entre brancos e negros como consensuais e pacíficas e exalta a mistura racial. Essa ideia de “democracia racial” será
questionada mais tarde, na década de 1970, por Florestan Fernandes que denunciou ser essa relação harmoniosa entre as raças no Brasil
um mito que não correspondia à realidade.
6. Historiador analisa situação do negro hoje. Gazeta do Povo, 13/05/1984.

387
E continua falando sobre o preconceito:

Permanece ainda na sociedade brasileira uma representação mental negativa em relação ao


negro. Manifesta-se através do preconceito e da estereotipia (cachaceiro, vagabundo). No
Brasil existe o preconceito de ter preconceito, parafraseando Florestan Fernandes. Aqui é um
país que não admite que haja discriminação. Há da mulher, dos índios, deficientes físicos,
negros e outras minorias (NATALÍCIO SOARES, Gazeta do Povo, 13/05/1984).

Na comparação entre o preconceito no Brasil e nos Estados Unidos, Natalício destaca que aqui o
racismo é velado, enquanto lá é oficial. A discriminação contra o negro no Brasil tem o objetivo de impedir a
sua ascensão cultural, econômica e social, agora “como acabar com isso? Primeiro deve-se fazer um exame de
consciência e admitirmos os nossos preconceitos e depois procurar superá-los, gradativamente. Ver as pessoas
como elas são na realidade e não pelo prisma ideológico” (NATALÍCIO SOARES, Gazeta do Povo, 13/05/1984).
Na opinião de Natalício “a situação do negro só vai mudar quando mudar também a sociedade brasileira
como um todo, isto é, melhoria de emprego, democratização do ensino para todos os níveis da população, uma
verdadeira reforma agrária, sem violência e maior participação política da população”7. Essa declaração foi
dada em 1986, quando da encenação do show “Afrodisíaco” em Curitiba para marcar o dia 13 de Maio. Esse
show expressava as últimas tendências do movimento negro no Brasil, mostrando o impacto da cultura negra na
sociedade brasileira. Segundo Geraldo Magela8, produtor do espetáculo, essa seria apenas uma amostra do que
estava sendo preparado para o dia 20 de novembro, que é a verdadeira data de comemoração da comunidade
negra, o Dia da Consciência Negra. O dia 13 de maio não é comemorado pela comunidade negra porque não
aconteceu uma abolição de verdade, pois o negro continua a ser marginalizado e discriminado em todos os
níveis
Natalício foi candidato a deputado estadual pelo Partido dos Trabalhadores (PT) em 19869. Obteve
1.703 votos e não foi eleito10. Nas eleições municipais de 1988 foi candidato a vereador pelo Partido Democrático
Trabalhista (PDT), obtendo 774 votos e ficando na suplência11. Foi candidato a vereador no município de
Fazenda Rio Grande nas eleições municipais de 1992 pelo Partido Social Trabalhista (PST), recebendo 15 votos
e, nas eleições de 2000, pelo PDT, recebendo 36 votos. Em nenhum dos pleitos foi eleito12. Em 2011, filiou-se ao
Partido Trabalhista Brasileiro (PTB)13.
Sempre ativo politicamente, Natalício participou de vários movimentos contra a discriminação racial.
No ano de 1988, quanto o tema da Campanha da Fraternidade da Igreja Católica foi “Fraternidade e o Negro:
ouvi o clamor desse povo”, chegou a ministrar mais de cinquenta palestras sobre “O povo negro: cem anos da
abolição da escravatura (1888–1988)”.
Natalício era identificado pelos jornais como militante da consciência negra, historiador e professor
universitário. Foi professor nas Faculdades SPEI (Sociedade Paranaense de Ensino e Informática) em Curitiba

7. Um show diferente vai marcar a passagem do “Dia da Abolição”. Correio de Notícias, 13/05/1986, p. 8.
8. Geraldo Magela Cardoso é um dos percussores do movimento negro em Curitiba. Nasceu em Guaraciama (MG) em 1956 e vive em
Curitiba desde 1972. Poeta, prosador, ativista cultural, produtor cultural, editor, dramaturgo, performer, ex-articulista do Correio de
Notícias, entre outros. Cofundador da Feira do Poeta, 1981 e da Associação Afro-Brasileira de 1982 a 1985. Disponível em http://zoona.
editoramedusa.com.br/participantes/geraldo.html. Acesso 05.janeiro.2018.
9. TRE confirma os registros dos candidatos do PT. Correio de Notícias, 30/08/1986, p. 2.
10. A verdade dos números. Correio de Notícias, 25/11/1986, p. 20.
11. Disponível em http://www.tre-ms.jus.br/eleicoes/eleicoes-anteriores/resultado-eleicoes-municipais-1988. Acesso 02.fevereiro.2019.
12. Disponível em https://apps.tre-pr.jus.br/files/resultados/. Acesso 05.janeiro.2018.
13. Disponível em http://fazendariogrande.pr.filiaweb.com/filiados/ptb. Acesso 05.janeiro.2018.

388
e Funorte (Fundação Norte Catarinense de Ensino) em Mafra/SC14. De toda essa sua vivência e militância, ele
destaca que o erro nesse percurso foi atrelar a problemática da questão racial com um partido político. Na época,
essa foi uma estratégia necessária para se ter visibilidade e apoio, mas com o passar do tempo, ocorreu um
desgaste muito grande. Paralelo a isso, ele ainda nos aponta que todo engajamento na luta por uma causa gera
um desgaste psicológico muito grande, exige muita força, pois o embate ocorre a todo o momento e por diversos
motivos. No caso da questão racial, muitas pessoas afirmavam não existir o problema, que os militantes do
movimento negro eram os complexados, visto que no Brasil “existia uma verdadeira democracia racial, então o
negro não crescia socialmente porque não queria, não tinha vontade, era cheio de preguiça” (NATALÍCIO, 2018).
Entre as produções bibliográficas de Natalício Soares, destacam-se:

– Guia de Profissões. Curitiba: Bolsa Nacional do Livro, sem data.


– Vestibular comentado para testes preparatórios. Curitiba: Editora BNL, 1980.
– Faça seu teste: conhecimentos gerais. Curitiba: Barddal, 1980
– Nossos bosques têm mais vidas: notas sobre o preconceito e a desagregação racial no Brasil. Curitiba:
Editora Cruz de Malta, 1982.
– O mundo é uma bola quadrada: iniciação à curiosidade. Curitiba: edição do autor, 1986.
– A didática e o negro. Série Centenário da Abolição (1888–1988). Curitiba: Editora Unificado, 1988.

Nesse último título, “A didática e o negro”, Soares (1988) dá continuidade as suas reflexões sobre o
racismo, retomando aspectos históricos que colaboraram para manutenção das desigualdades raciais no
Brasil, discutindo a ideologia do branqueamento e a postura de aprovação, principalmente por parte das elites
brasileiras, em relação às ideias de Arthur Gobineau. Afirma ainda que a educação teve um papel de destaque na
reprodução de rótulos e estereótipos sobre a população negra, apresentando uma sequência de textos literários
e jornalísticos que exemplificam sua crítica.
Ao abordar a educação do negro, o autor evidencia um histórico de exclusão e racismo que colabora
com a manutenção das desigualdades que não estão relacionadas apenas às questões raciais, mas afetam
significativamente a posição social ocupada pelo indivíduo – já que o sujeito é privado do acesso à educação
que seria importante para proporcionar alguma ascensão social. Por fim, conclui chamando a atenção para os
prejuízos coletivos e individuais causados pelos problemas apontados; para a responsabilidade do governo,
que deve reconhecer esses problemas, passando a promover a integração social e a formular leis de combate à
discriminação; e para a necessidade de mobilização e resistência dos grupos excluídos e estigmatizados. Hoje,
passados trinta anos da sua publicação, tivemos algumas iniciativas nesses aspectos apontados por Natalício
Soares como a Lei de Cotas. Porém, ainda são iniciativas que precisam ser aprimoradas.
Professor Natal, como é conhecido Natalício, lecionou História por mais de 40 anos. Em 2009, foi
aprovado no concurso da Escola Superior da Polícia Civil do Paraná e, durante três anos, atuou como escrivão.
Atualmente está aposentado e mora na Região Metropolitana de Curitiba15 dedicando-se às maratonas16. É
casado e tem dois filhos.
Que Brasil o professor Natal quer para o futuro?17 Para 2018 ele não quer perder de 7 a 118 nem no

14. Correio de Notícias, 13/05/1986, p. 8. Lecionava as disciplinas de História e de Estudos de Problemas Brasileiros (EPB).
15. Disponível em https://www.recantodasletras.com.br/artigos-de-sociedade/4177472. Acesso 05.janeiro.2018.
16. Disponível em http://www.fazendariogrande.pr.gov.br/category/secretarias/educacao/esporte-e-lazer/. Acesso 30.janeiro.2018
17. Referência à campanha da Rede Globo para as eleições de 2018.
18. Referência ao jogo da semifinal da Copa do mundo de 8 de julho de 2014, em que a seleção brasileira sofreu goleada da seleção alemã.

389
futebol e nem na política, por isso recomenda: “NÃO VOTE NOS MESMOS, RENOVE!”19

Professor Natal em 2019

Fonte: acervo pessoal Natalício

REFERÊNCIAS

NATALÍCIO (2018). Entrevista de Natalício Soares concedida a Ana Crhistina Vanali via Messenger dia 24 de
fevereiro de 2018.
SOARES, Natalício (1977). Dia de queixas, mestre. In: Diário do Paraná, 16/10/1977, p. 14.
SOARES, Natalício (1982). Nossos bosques têm mais vidas: notas sobre o preconceito e a desagregação racial no
Brasil. Curitiba: Editora Cruz de Malta.
SOARES, Natalício (1984). Historiador analisa a situação do negro hoje. In: Gazeta do Povo, 13/05/1984, p. 16.
SOARES, Natalício (1988). A didática e o negro. Série Centenário da Abolição (1888–1988). Curitiba: Editora
Unificado.
SOUZA, Marcilene Garcia de (2011). A África está em nós: história e cultura afro-brasileira/africanidades
paranaenses. João Pessoa: Editora Grafset.

19. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=sEV1Ta7fpY4&feature=share. Acesso 30.janeiro.2018

390
53
NELSON CARLOS DA LUZ
Nascimento: Curitiba/PR, 29 de março de 1947

Nelson Carlos da Luz. Curitiba, 2019


Foto: Ana Vanali

391
NELSON CARLOS DA LUZ

Ana Crhistina Vanali

Nelson Carlos da Luz nasceu em Curitiba, no Hospital Oswaldo Cruz no dia 29 de março de 1947. É o
segundo filho do casal Pedro Manoel Fonseca da Luz e de Idalina Coimbra da Luz, que teve oito filhos (Odilon,
Nelson, Neusa, Cleuza, Antonio, Cleomir, Roberto e Cleide). O pai, Pedro, era funcionário da Prefeitura Municipal
de Curitiba. Primeiro trabalhava como calceteiro (capinação de calçadas); passou para a coleta de lixo da cidade
e depois trabalhou como copeiro na sede da prefeitura. A mãe era operária na fábrica de guarda-chuvas “A
Sombrinha de Ouro”, famosa na cidade desde a década de 1950. Nelson lembra que quando era criança, por
inúmeras vezes, a mãe tinha que levá-lo consigo ao trabalho por não ter com quem deixá-lo. Então, neste
local, na fábrica de sombrinhas, que se situava na Rua Alfredo Bufren “eu ficava sentado, quietinho, num canto
olhando o trabalho dela no conserto e montagem dos guarda-chuvas” (NELSON, 2019).

Nelson com a irmã

Praça Osório, final anos 1940


Fonte: acervo Nelson Carlos da Luz

392
Idalina Coimbra (mãe)

Fonte: acervo de Nelson Carlos da Luz

Local de trabalho da mãe de Nelson

Fonte: A Divulgação, julho–agosto, 1955, p. 26

393
Pedro Fonseca da Luz (pai)

Fonte: acervo de Nelson Carlos da Luz

A família de Nelson morou em vários bairros de Curitiba: primeiro na Vila Parolin, nas proximidades
onde hoje termina a Rua Alferes Poli. Depois na Rua Almirante Gonçalves entre as ruas Alferes Poli e Nunes
Machado (onde nasceu). Morou ainda na Rua Rockefeller esquina com a Rua Chile, local onde hoje se situa uma
loja concessionária da Volkswagem. Em seguida, a família se mudou para o bairro Santa Quitéria, quando foram
residir junto com a avó paterna e onde Nelson ficou a maior parte da sua infância e adolescência, dos nove
aos 17 anos. Após este período, mudaram para o Pilarzinho, com a aquisição da casa própria, atrás do estádio
Bortolo Gava, local onde alguns de seus irmãos ainda residem.

Foi uma infância bem vivida, aproveitei e brinquei muito com toda a liberdade que uma
criança podia ter. Foram muitos banhos no lago que existia no local onde hoje está o Colégio
Medianeira. Os terrenos vagos quase sempre se tornavam o grande estádio de futebol e ao se
recolher em casa o “coro cantava”, pois as vestes estavam carregadas de barro. Empinava pipa
e depois corria para recuperá-la quando arrebentava o fio. Outra, das delícias de infância era
subir na cerca que circundava a pista de corridas de cavalo do Jóquei Club (conhecidas como –
raia) ou mesmo apreciar os cavalos nas cocheiras (o que resultava quase sempre em repreensão
ou dos administradores das pistas ou em boas varadas dos pais e tios). O local a que me refiro,
hoje se situa a Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Estas mesmas proezas de menino
e adolescente seriam repetidas com a mudança de bairro, ou seja, em Santa Quitéria. Ainda

394
mais afastado do centro, proporcionava mais espaço para as peripécias de criança e depois
de adolescente. O Rio Barigui satisfazia a todos nas tardes de verão. Caminhadas pelo meio
do mato em busca de pinhão, frutas silvestres como maracujá e encontrava pelos caminhos
peras, maçãs e outras... Neste espaço que era o nosso puro deleite, hoje está a Uniandrade e o
resto todo tomado por casas e apartamentos. (NELSON, 2019)

Nelson e alguns dos irmãos

(1) Neusa (2) Antonio (3) Nelson (4) Odilon (5) Cleuza
Fonte: acervo de Nelson Carlos da Luz

Festa em família

Nelson é o quinto da esquerda para a direita, na segunda fila, em destaque


Fonte: acervo de Nelson Carlos da Luz

395
Casamento do irmão Odilon (em destaque)

Nelson é o primeiro à esquerda, Sr. Pedro Fonseca (pai) é o primeiro à direita


Fonte: acervo de Nelson Carlos da Luz

Família em viagem a Iguape/SP

Nelson à esquerda, em destaque, com o pai e um dos irmãos


Fonte: acervo de Nelson Carlos da Luz

Nelson não chegou a conhecer o avô paterno Tito Fonseca, mas lembra da avó paterna, Idalina Fonseca,
que trabalhava com crochê. Não poucas vezes, ele acompanhou a mãe (também Idalina) que ia fazer as entregas
das peças confeccionadas pela avó na casa do ex-governador Ney Braga, no bairro Bigorilho–Mercês, no início
da Rua Padre Agostinho.
Maria Ferreira, a avó materna era descendente de índios. Ela se casou com Manoel Florêncio Coimbra,
descendente de negros, em setembro de 19141. Manoel era enfermeiro do Hospital Militar de Curitiba, à época
conhecido como Hospital Geral. Ele faleceu em 7 de março de 1942 no Oceano Atlântico. Foi o único brasileiro

1. Diário da Tarde, 11/09/1914, p. 2. A República, 12/09/1914, p. 2.

396
que morreu a bordo do navio Arabutã2, quinto navio mercante brasileiro a ser afundado pelos submarinos
do Eixo durante a Segunda Guerra Mundial. Procedente do porto de Norfolk, no estado da Virgínia/EUA, com
destino ao Rio de Janeiro, o navio foi torpedeado pelo submarino alemão U–155 tipo IXC sob o comando do
capitão Adolf Cornelius Piening. A tripulação brasileira do Arabutã estava sob o comando do capitão Aníbal
Prado, e era composta de 51 homens, dos quais apenas o avô de Nelson pereceu.

Informa o Itamarati por intermédio da Agência Nacional: Segundo Informações de nossa


embaixada em Washington e de nosso consulado em Norfolk, o vapor brasileiro “Arabutan”,
foi torpedeado sem aviso prévio, a 7 do corrente. Há a lastimar a perda do Enfermeiro Manuel
Florêncio Coimbra. O comandante Aníbal Florêncio Prado, e o restante da tripulação foram
salvos... (A NOITE/RJ, 10/03/1942, p. 1)

Avós maternos de Nelson

Fonte: acervo de Nelson Carlos da Luz

2. Este navio saíra do porto de Norfolk/EUA com destino ao Rio de Janeiro transportando carvão para uso na Estrada de Ferro Central do
Brasil. Às 15h30 do dia 7 de março de 1942, recebeu o impacto do torpedo. Os brasileiros conseguiram se salvar, menos o enfermeiro
de bordo Manoel Florêncio Coimbra. Atingido o navio, o submarino U-155 vem à tona assistir ao macabro espetáculo da tentativa de
salvamento da tripulação. O Arabutã afundou em vinte minutos. Disponível em Navios torpedeados. https://archive.fo/20120728234445/
http://www.anvfeb.com.br/marinha.htm#selection-399.0-399.429. Acesso 23.junho.2019.

397
Notícia do navio brasileiro torpedeado pelo submarino alemão

Fonte: A Noite, RJ, 10/03/1942

398
Nelson começou estudando na Escola Jóquei Clube, com as mudanças de residência foi matriculado
no Grupo Escolar Barão do Rio Branco, onde se formou no ensino primário, hoje Colégio Estadual; depois
frequentou o Colégio Estadual Paula Gomes. Em meados de 1960, começou a trabalhar junto com o protético
Delmar A.F. de Almeida, na Praça Osório 368, entregando encomendas de dentaduras, “pivot” e outros artigos
odontológicos. Em 1963, aos 15 anos de idade começou a trabalhar na Prefeitura de Curitiba como entregador
de avisos ou “estafeta” como eram chamados os jovens adolescentes de idades bem próximas, entre 14 e 18
anos. Era um grupo formado por mais ou menos 15 ou 20 garotos, que saíam pela cidade de Curitiba entregando,
sobretudo, os talões de imposto predial e territorial. Esse trabalho fez com que Nelson conhecesse toda a cidade
de Curitiba. Lembra-se dessa época com muita saudade:

Quando comecei a trabalhar na prefeitura ficávamos no prédio da Praça Generoso Marques


que chamávamos de Prédio Central, pois ali ficava o prefeito da cidade. O prefeito ficava no
primeiro andar e o nosso setor de Entrega de Avisos, onde eu trabalhava ficava no 3º andar.
Então aquela molecada de 15/18 anos descia as escadas do prédio e saía pela cidade entregar
os avisos de imposto predial e territorial. Tínhamos como chefe o Linhares, José Linhares. A
entrega era feita quase toda a pé. Tínhamos um passe livre para pegar o ônibus e lá íamos,
cada um com seu pacote com 50, 100 até 200 avisos para entregar durante o dia. Linhares, o
chefão, cobrava todo dia um grande número de entregas. Ele distribuía os avisos por região
e mandava cada mensageiro (depois de estafeta, nos chamavam de mensageiros) para todos
os cantos da cidade: Mercês, Boqueirão, Vila Hauer. Saímos do centro em direção ao final
da cidade, cada um com uma indicação de local. Íamos de casa em casa. Depois a prefeitura
mudou do “Prédio Central” para a Praça Generoso Marques, 238, um prédio em frente, nunca
esqueço. De lá fomos para o quinto andar do Edifício Garcez até ser construído o atual Palácio
29 de Março no Centro Cívico. (NELSON, 2019)

Dos 15 aos 19 anos Nelson trabalhou como mensageiro, entregador de avisos. Depois, quando foi
trabalhar na sede da Prefeitura na Avenida João Pessoa, no Edifício Garcez passou a trabalhar em serviços internos
como auxiliar administrativo, depois no setor de Emissão e Controle. Lembra que quando sobrecarregava as
entregas de avisos, os antigos mensageiros eram convocados para ajudar a “eliminar o gargalo”. Com a mudança
para o Palácio 29 de Março, Nelson passou a trabalhar no setor de Fiscalização do Transporte. Na década de
1970 foi convidado para trabalhar na Câmara Municipal de Curitiba (CMC). Fez o concurso para a CMC, foi
aprovado e permaneceu ali até se aposentar em 12 de janeiro de 19943.
Durante sua trajetória no serviço público municipal, Nelson se casou, se separou, teve três filhos. Em
1977 foi aprovado no curso de Educação Física da Universidade Federal do Paraná, mas não chegou a cursar4.
No ano de 1980 foi aprovado em Letras–Português na Universidade Católica do Paraná, se formando em 19845.
Depois de aposentado Nelson voltou a estudar e se bacharelou em Direito no ano de 2010 pela PUC/PR.

3. Disponível em https://leismunicipais.com.br/a/pr/c/curitiba/decreto/1977/45/442/decreto-n-442-1977-promove-funcionarios-por-
merecimento. Acesso 23.junho.2019.
4. Diário do Paraná, 28/09/1977, p. 12.
5. Diário do Paraná, 16/02/1980, p. 16.

399
Formatura de Bacharel em Direito (2010)

Fonte: acervo pessoal de Nelson Carlos da Luz

Com os filhos no dia da formatura de Bacharel em Direito

Fonte: acervo pessoal de Nelson Carlos da Luz

Nelson até arriscou a trabalhar como professor de Língua e Literatura Portuguesa, mas não se adequou
às demandas da sala de aula: “Fiz muitos estágios em escolas públicas estaduais como o Hildebrando de

400
Araújo e o Pedro Macedo e percebi que era muito trabalho para ter pouco reconhecimento e valorização como
professor” (NELSON, 2019).
A aproximação com a questão racial ocorreu no período da faculdade, na década de 1980. O pessoal
da faculdade começou a se reunir e ele com mais alguns amigos negros criaram o grupo “Samba Sete” do
qual Nelson era percussionista. Com esse grupo rodavam Curitiba tocando em festas de diferentes centros
acadêmicos, em sociedades, como o Círculo Militar, Sociedade 13 de Maio, Moustache Sound and Dance, e
participando de concursos musicais. O local em que tocavam com mais frequência era no Campus de Ciências
Agrárias da Universidade Federal do Paraná no bairro Juvevê.

Quando iniciamos o conjunto éramos em sete integrantes: Nelson, Júlio Cesar, Adilson, Luiz,
Renato, Natanael, Iwaldo, outro Nelson e João. Depois entraram mais alguns integrantes e
passamos a ser em onze. Além das apresentações em Curitiba viajamos para outras cidades
como Francisco Beltrão, Barracão, Foz do Iguaçu. Participamos do 1º Festival de Música
Brasileira da Copel, realizado em 1981, e fomos premiados. Mas depois de uns cinco anos o
grupo se desfez porque começaram a surgir outras demandas para as nossas vidas pessoais e
ficou difícil conciliar as diferentes atividades. Mas durante nosso período de atuação ajudamos
na divulgação da música brasileira que tem muita influência negra. (NELSON, 2019)

Apresentação do Samba Sete no auditório do Sesi (situado na Avenida Cândido de Abreu)

Fonte: acervo de Nelson Carlos da Luz

401
Apresentação do Samba Sete

Fonte: Diário do Paraná, 10/08/1981, p. 13

Questionado sobre a questão racial, Nelson relata que durante sua trajetória sempre percebeu que os
negros têm menos vantagens e acesso do que os “não negros”. Como Nelson trabalhava junto com os vereadores,
era convidado para participar de muitos eventos sociais. Quando ele chegava aos lugares dos eventos e dava seu
nome, sentia a discriminação:

Dias atrás estava comentando com meu filho, que tem a pele mais clara que a minha, pois
sua mãe é branca, que ele não sabia o que era discriminação racial. Que ele não sabia o que
era chegar num lugar e alguém te olhar de cima a baixo para ver como você está vestido, que
tipo de roupa está usando, como está se comportando, o que você pede para comer. Senti
bastante essa questão de você colocar o pé em um lugar e as pessoas te olharem pelo simples
fato da sua pele ser escura. Por esse motivo sempre soube que tinha que me apresentar com
o melhor; roupa, sapato, maneiras, pois sabia que pelo fato de ser uma pessoa negra, seria
muito mais cobrado e as exigências seriam bem maiores. Nos eventos que participava, como
funcionário da Câmara Municipal de Curitiba, sobretudo, os promovidos pelo meu amigo, o
vereador Horário Rodrigues, que colocou a placa na Praça Santos Andrade, tinha a presença
das grandes figuras políticas da época, e quando eu entrava nesses lugares eu já sentia a
velada discriminação, que era racial, pois apesar de ter nome na lista, estar vestido de acordo
com termo, gravata e estar acompanhado de outros vereadores sempre queriam saber “quem
é o fulano?”
Ser negro, hoje em dia, ainda é muito difícil. Nas escolas onde fiz estágio eu era o único
professor negro, então eu tinha que mostrar que sabia tanto quanto ou mais que os outros.
Uma vez formado em Direito os colegas passaram a me chamar de “doutor”. E, todos queriam
saber no que eu era doutor, no que eu era formado. Respondia que era formado em Letras–
Português e ainda Literatura Brasileira e que, portanto, poderia ensinar como funciona
a estrutura da língua portuguesa, como é caracterizada a literatura de língua portuguesa

402
e que mais tarde poderia explicar o funcionamento das nossas leis. O tempo inteiro, como
negros, temos que estar provando que somos capazes para as pessoas nos olharem de forma
diferenciada. É uma luta diária contra o racismo, em qualquer lugar que você vá vão te
olhar de cima a baixo e você tem que provar que conseguiu chegar nesse estágio rompendo
barreiras. (NELSON, 2019)

Na década de 1980, quando Nelson trabalhava na CMC ele ajudou muito a fazer a ponte entre as demandas
do movimento negro com os vereadores da Casa Legislativa Municipal. Orientava como se deveria proceder para
ter acesso às demandas pleiteadas, como proceder para ter as exigências de direitos iguais respeitados. Era o
período da redemocratização, então os diferentes movimentos sociais estavam bem atuantes. Assim, Nelson
trabalhou juntamente com outros homenageados da Placa Comemorativa como o ex-vereador Hasiel Pereira, o
Arthur Miranda, o Pedro Adão, entre outros, que ajudaram a fazer o elo entre os que estavam à margem, do lado
de fora, com os que estavam dentro do poder legislativo municipal. Depois de aposentado Nelson se afastou das
atividades do movimento, mas continua lutando contra as diferentes formas de discriminações.

Família de Nelson

Fonte: acervo de Nelson Carlos da Luz

403
REFERÊNCIA

NELSON (2019). Entrevista de Nelson Carlos da Luz concedida a Ana Crhistina Vanali no dia 19 de junho de
2019 em Curitiba.

Registro de Manuel Florêncio Coimbra (avô materno) na Capitania dos Portos

Fonte: acervo de Nelson Carlos da Luz

404
Maria Ferreira e as filhas Idalina, Maria, Isa e Isair (tias de Nelson)

(1) Idalina/mãe (2) Pedro Manoel/pai (3) Maria (4) Amaro (5) José Luiz (6) Isa (7) Isair
(8) Maria Ferreira/avô materna
Fonte: acervo de Nelson Carlos da Luz

Tias de Nelson em 2009

Da esquerda para a direita: Isa, Idalina (mãe), Maria e Isair


Fonte: acervo de Nelson Carlos da Luz

405
54
ODELAIR RODRIGUES
DA SILVA
Nascimento: Curitiba/PR, 27 de janeiro de 1935
Falecimento: Curitiba/PR, 1º de julho de 2003

Odelair Rodrigues, Curitiba, sem data


Fonte: LEITE; GEMAEL, 2018

406
ODELAIR RODRIGUES DA SILVA1

(1935–2003)

Celso Fernando Claro de Oliveira

O debate sobre representatividade na mídia ganhou força nos últimos anos, tornando bastante propício
o resgate da trajetória de Odelair Rodrigues. Mulher, negra e de origem humilde, tornou-se uma das mais
célebres atrizes do Paraná e desenvolveu uma carreira profícua durante pouco mais de cinco décadas. Ao longo
de sua vida, Odelair não só desfrutou de oportunidades praticamente inacessíveis à maioria dos profissionais
negros que buscaram trabalho nos palcos, no cinema e na televisão; como também sofreu com as limitações
impostas por sistemas de criação artística que reproduziam o preconceito existente na sociedade brasileira.
Nascida em Curitiba, no dia 14 de julho de 19352, Odelair Rodrigues teve uma infância marcada pelo
preconceito e por provações financeiras. Sua família residiu em diversos bairros da capital devido a dificuldades
econômicas. O pai, Joaquim Rodrigues da Silva, era terceiro-sargento da Polícia Militar, enquanto a mãe, Alice
Costa da Silva, trabalhava como empregada doméstica e lavadeira. A união familiar não perdurou: Joaquim era
boêmio e se envolveu com outras mulheres, de modo que, após diversas brigas, foi expulso de casa pela esposa
no ano de 1945. Alice assumiu a criação das filhas – Odelair e sua irmã mais nova, Adagmar (LEITE; GEMAEL,
2018, p. 16).
Em uma entrevista concedida ao projeto Memória Paranaense, a atriz afirmou que a mãe ofereceu dois
conselhos às filhas: dedicar-se aos estudos e aprender a se defender. A jovem seguiu ambas as orientações,
mesmo que isso significasse “resolver no tapa” as provocações preconceituosas que recebeu ao longo da
infância e da juventude. “Briguei bastante. Na sala de aula, eu sempre fui comportada, aplicada, tinha dez em
tudo. No comportamento, eu tinha zero. Tinha que me defender. Batia nas meninas na sala de aula, não queria
nem saber. Batia mesmo”, relembrou3.
Nos primeiros anos da idade escolar, frequentou o Colégio Estadual Doutor Xavier da Silva. A primeira
experiência de Odelair diante de uma plateia foi justamente em uma apresentação organizada pela instituição,
quando, aos sete anos de idade, interpretou a canção “Vatapá”, de Dorival Caymmi4. Diante da dificuldade de
cuidar das filhas e sustentar a casa, Alice decidiu matriculá-las no Internato Menino Jesus5, comandado por
religiosas. As condições precárias e os maus-tratos enfrentados na instituição levaram Odelair e Adagmar a

1. Na placa atual na Praça Santos Andrade está gravado ODELAIR RODRIGUES, mas seu nome completo era ODELAIR RODRIGUES DA SILVA.
2. A atriz foi registrada pelo pai apenas cinco meses depois, de modo que a data de nascimento constante em seus documentos pessoais era
14 de julho de 1935 mas a data correta de seu nascimento é 27 de janeiro de 1935 (LEITE; GEMAEL, 2018, p. 15).
3. RODRIGUES, Odelair. Projeto Memória Paranaense [1998]. Curitiba: Fundação Inepar. Entrevista concedida a José Wille. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=eoSgbTAxrxA. Acesso em 17/12/2017. 2 min., 24 seg.- 2 min.,37 seg. Consultar também Portal
Memória Brasileira – Como Odelair Rodrigues enfrentou preconceito de cor em Curitiba nos anos 40. Publicado em 20/03/2011.
Disponível em: http://www.jws.com.br/2011/03/como-odelair-rodrigues-enfrentou-o-preconceiro-de-cor-em-curitiba-nos-anos-40/.
Acesso em 13/01/2018.
4. Idem. 7 min., 58 seg. – 8 min., 27 seg.
5. Localizado na Rua Almirante Barroso, 78 esquina com a Rua Paula Gomes. Foi construído em 1926 e iniciou suas atividades em 1927
destinado a meninas. Era uma instituição ligada à Congregação das Irmãs Franciscanas da Sagrada Família de Maria. Destinado a meninas
(Fonte: A arquidiocese de Curitiba na sua história. Curitiba: Arquidiocese de Curitiba, 1958).

407
fugir. Indignada com a situação, a mãe buscou o Juizado de Menores, que interviu em favor da família. As duas
irmãs voltaram ao colégio devido à impossibilidade de Alice criá-las, porém, as religiosas responsáveis foram
obrigadas a mudar suas ações perante a ameaça de fechamento da instituição. Odelair e Adagmar permaneceram
ali por mais algum tempo, até voltarem a viver com a mãe, a avó, uma tia e uma madrinha em São José dos
Pinhais (LEITE; GEMAEL, 2018, p. 18–20).
A família retornou a Curitiba, fixando-se em um cortiço localizado no Alto da Rua XV. Odelair e a irmã
foram matriculadas Grupo Escolar Vila Mimosa, no qual ela se formou em 1948. Nesse ínterim, Alice se casou
com Daniel Costa e conseguiu trabalho nos Correios (LEITE; GEMAEL, 2018, p. 23–24). Além da sensível melhora
na condição financeira da família, Odelair se destacou por seu bom desempenho nos estudos, tendo passado
por instituições de renome da capital paranaense como o Instituto de Educação do Paraná e o Colégio Estadual
do Paraná. Todavia, ainda precisava adquirir materiais e uniformes de segunda mão devido às restrições
financeiras enfrentadas por sua família.
A partir dali, procurou participar dos mais diversos eventos escolares. Praticou vôlei, basquete e
atletismo, porém, sentia-se cada vez mais atraída por atividades que envolviam atuação, canto e dança. Esse
interesse levou-a a ingressar no grupo de Teatro Experimental do Colégio Estadual do Paraná (Tecep) e, na
mesma instituição, também aprendeu diferentes ritmos de dança popular. Seu primeiro papel nos palcos foi
uma breve participação na montagem de “As Rosas de Nossa Senhora”, em 1952. Durante uma das encenações
do grupo, ela chamou a atenção de Ary Fontoura, que também estudava no Colégio e cuja carreira nos palcos
estava em ascensão. Foi o início de uma parceria de grande sucesso (LEITE; GEMAEL, 2018, p. 27–28).
Fontoura escalou Odelair para participar de outros espetáculos realizados no Colégio. O primeiro papel
de destaque da jovem atriz foi o de Balbina, uma escrava de trejeitos cômicos em “Sinhá Moça chorou...”, de
Ernani Fornari – uma parte escrita especialmente para Odelair. A montagem, do ano de 1952, chamou a atenção
do público e da crítica, que passaram a reconhecer Odelair como uma profissional inteligente e com talento
para a comédia. Em uma entrevista concedida à Folha de Londrina, ela revelou: “Foi o espetáculo que me deu a
oportunidade de sair do teatro amador do colégio e passar a ser atriz profissional”6.
Com o sucesso de “Sinhá Moça chorou...”, Fontoura conseguiu apoio para organizar, em 1953, a Sociedade
Paranaense de Teatro (SPT), uma companhia formada por muitos de seus colegas do Tecep7. O objetivo da SPT
era fomentar o teatro na capital paranaense, oferecendo espetáculos atrativos para todos os públicos. Odelair
recebeu um convite para ingressar na trupe, o qual só aceitou após o aval da mãe. Ao longo de sua existência, a
SPT reuniu talentos que se tornariam nomes importantes do teatro paranaense, como Celita Alvarenga, Marlene
Mazza, Mário Guimarães e Sinval Martins, além dos próprios Fontoura e Odelair. A jovem atriz participou de
uma série de montagens pela SPT e, naquele mesmo ano, foi escolhida “Melhor Atriz Coadjuvante” de teatro da
cidade8.
A participação de Odelair no teatro curitibano, durante a década de 1950, evidencia alguns contrastes
marcantes daquele período. É importante destacar que a atriz conquistou um espaço sem precedentes nos
palcos paranaenses, uma vez que o acesso da população negra aos teatros era bastante restrito – a própria
Odelair comentou que seus colegas de elenco precisavam pintar o rosto quando havia a necessidade de
interpretar outros personagens afro-brasileiros9. Além disso, os primeiros papéis da atriz eram, em sua maioria,

6. MATTOS, Simone. 50 anos de palco. In: Folha de Londrina, 16/07/2001.


7. IDEM, 8 min., 55 seg – 9 min., 46 seg.
8. ESPELHO da Ribalta. In: Diário do Paraná, 14/04/1955, p. 4.
9. RODRIGUES, Odelair. Projeto Memória Paranaense [1998]. Curitiba: Fundação Inepar. Entrevista concedida a José Wille. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=eoSgbTAxrxA. Acesso em 17/12/2017. 9 min., 57 seg. – 10 min., 4 seg.

408
coadjuvantes que ocupavam uma posição de subalternidade, como escravas ou empregadas domésticas.
Por outro lado, é igualmente necessário relembrar que Odelair teve uma ascensão meteórica, ganhando o
reconhecimento do público e da crítica. A atriz se tornou presença constante nas colunas de teatro dos jornais
de Curitiba e, com o tempo, também foi escalada para papéis que haviam sido escritos para atrizes brancas.

Odelair. Curitiba, década 1950

Fonte: Portal Memória Paranaense

Outra contradição que não podemos esquecer é que embora o sucesso de Odelair lhe tenha conferido
reconhecimento profissional, não lhe assegurou estabilidade econômica devido às condições precárias em que
se encontrava o teatro paranaense com a falta de apoio financeiro. Concomitantemente às atividades artísticas,
Odelair trabalhou como auxiliar em um escritório e cursou contabilidade na Escola Técnica de Comércio. O
preconceito, porém, impediu a jovem recém-formada de encontrar uma ocupação na área, de modo que ela teve
de se tornar empregada doméstica. “Eu não achava emprego [como contadora] de jeito nenhum. Comprava um
jornal, chegava lá e [diziam] ‘já foi preenchida a vaga’, ‘já foi preenchida a vaga’. Três meses [nessa situação]!
Mas não pode ser. A minha cor é que não está ajudando!”, desabafou em uma entrevista a José Wille10. Ao final
da década de 1950, encontrou trabalho como faturista na Caixas Registradoras S.A., galgando posições na
empresa. Abandonou o emprego quatro anos mais tarde, quando suas atividades no teatro e – posteriormente
– na televisão passaram a lhe proporcionar melhores condições de vida11.
Em 1956, a Sociedade Paranaense de Teatro fundiu-se ao Clube do Teatro, dando origem ao Teatro
Experimental do Guaíra, cujos objetivos centrais eram formar uma companhia paranaense oficial – ligada

10. Idem. 11 min., 32 seg – 11 min. 45 seg.


11. Idem. 13 min – 13 min., 20 seg.

409
ao recém-fundado Teatro Guaíra – e buscar apoio financeiro para a manutenção do grupo e produção de
espetáculos. Odelair integrou a direção do órgão, assumindo o cargo de Diretora de Cena12. No mesmo ano,
o grupo promoveu uma caravana cultural por diversas cidades do Paraná com o objetivo de popularizar as
artes cênicas no estado. A atriz tomou parte no projeto e participou da montagem de “Uma mulher do outro
mundo”, peça escrita pelo dramaturgo inglês Noel Coward13. A caravana percorreu os municípios de Cambará,
Guarapuava, Irati, Jacarezinho, Palmeira, Santo Antônio da Platina, entre outros. Ainda em 1956, Odelair recebeu
o prêmio de Melhor Atriz de Teatro do Paraná14.
Em janeiro de 1957, Odelair casou-se com Estanislau Costa. Apesar de a coluna “Ronda pelo teatro”,
responsável por publicar críticas, notícias e publicidade do teatro curitibano no jornal “Diário do Paraná”,
temer que o matrimônio afastasse Odelair dos palcos – uma situação comum para muitas atrizes à época –, ela
continuou envolvida em espetáculos cênicos15. O matrimônio, porém, durou pouco tempo: Costa revelou ser
um homem violento e, com o apoio de amigos, Odelair separou-se do marido (LEITE; GEMAEL, 2018, p. 58).
Ela continuou a dedicar-se ao teatro, tendo integrado o grupo de profissionais que buscou apoio junto à Legião
Brasileira de Assistência (LBA), em Curitiba, para alavancar novas produções teatrais na capital.
Os esforços do grupo valeram o arrendamento de um prédio localizado na Praça Ruy Barbosa, que
até então não vinha sendo utilizado. Devido ao tamanho reduzido do local, aquele ganhou o sugestivo nome
de Teatro de Bolso, cujas atividades, sob o comando de Ary Fontoura, tiveram início em 1958. A partir de
então, a atriz passou a trabalhar no novo espaço disponível, ora interpretando, ora assumindo os serviços de
contrarregra e sonoplasta. De acordo com a própria Odelair, um dos principais objetivos da equipe responsável
pelo Teatro de Bolso era estimular o hábito de ir ao teatro junto à população curitibana16.
Ainda em 1958, Odelair passou a ocupar a função de tesoureira na restabelecida Sociedade Paranaense
de Teatro e protagonizou a comédia “Ela só é society”, escrita especialmente para ela por Cícero Camargo de
Oliveira. O espetáculo foi um sucesso, permanecendo em cartaz por seis meses17. A dupla repetiu a parceria
com um novo texto, “Nêga da Maloca”, cuja primeira montagem, no ano seguinte, também foi recebida de forma
calorosa pelos espectadores18. A atriz também se apresentou em algumas peças de carga dramática, contudo, o
público preferia suas atuações em comédias.

12. FRANCIOSI, E. A. Ronda pelo teatro. In: Diário do Paraná. 13/03/1956. Segundo caderno, p. 4.
13. FRANCIOSI, E. A. Ronda pelo teatro. In: Diário do Paraná. 18/09/1956. Segundo caderno, p. 2.
14. ODELAIR Rodrigues. In: O Dia, 09/01/1957, p. 5.
15. RONDA pelo teatro. In: Diário do Paraná. 22/01/1957. Segundo caderno, p. 2.
16. RODRIGUES, Odelair. Projeto Memória Paranaense [1998]. Curitiba: Fundação Inepar. Entrevista concedida a José Wille. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=eoSgbTAxrxA. Acesso em 17/12/2017. 14 min., 15 seg. – 15 min., 10 seg.
17. TEATRO. In: Diário do Paraná. 13/05/1959. Segundo Caderno, p. 2.
18. GRANDE sucesso no Teatro de Bolso: “Nêga de Maloca”. O Dia, 25/11/1959, p. 5.

410
Ary Fontoura e Odelair na TV Paraná – Canal 6 (1960)

Dr. Pomposo (Ary Fontoura) e delegado Alcebíades, o Bide (Odelair Rodrigues)


Fonte: Portal Memória Paranaense

No ano seguinte, Odelair conheceu José Boaventura Barbosa, que trabalhava como bancário e, sob o
nome artístico de Paulo de Avelar, foi também locutor esportivo, produtor de programas de rádio, escritor e
dramaturgo. Passaram a viver um relacionamento amoroso que, muitas vezes, rendeu parcerias profissionais
de sucesso – ela como atriz, ele como roteirista de programas de rádio e televisão. Casaram-se anos mais tarde
e não tiveram filhos.
Ao mesmo tempo em que desempenhava as atividades no teatro, Odelair ganhou maior espaço na rádio
a partir da segunda metade dos anos 1950, participando de radionovelas, programas de auditório, humorísticos
e outras atrações, além de apresentar-se como cantora. Passou pela Rádio Colombo e, posteriormente, pela
Rádio Clube Paranaense. Na década seguinte, fez sucesso ao dividir a apresentação, ao lado de Antônio Carlos,
de “Doutor Toca-discos”, atração sobre novidades musicais19; além de interpretar a personagem-título de “Dona
Vitória vem aí”, quadro que satirizava acontecimentos no mundo do esporte20.
Os anos 1960 marcaram ainda a abertura de um novo espaço de trabalho para Odelair: a televisão.
Devido ao seu renome no teatro, ela foi convidada para participar da abertura da TV Paraná – órgão ligado
aos Diários Associados de Assis Chateaubriand – e logo foi escalada para a grade do Canal 621. Nesse período,
em que a televisão ainda buscava formato e linguagem próprios, Odelair se destacou em diversos programas,
como o “Teleteatro das sextas”, que exibia peças teatrais filmadas em estúdio, e o “Tele Show C.C.I.”, de caráter
humorístico-musical. Por seus trabalhos, foi comparada a Grande Otelo pela crítica especializada e recebeu o
prêmio de “Melhor Tele-Atriz” do ano de 196122.
No ano seguinte, estrelou ao lado de Ary Fontoura o show “Num tem pobrema”, no Teatro Guaíra –
patrocinado pela revista “TV-Programas” como forma de homenagear a carreira de ambos os artistas. O

19. OUÇA hoje. In: Diário do Paraná. 28/07/1960. Segundo caderno, p. 2.


20. BOM humor. In: Diário do Paraná. 29/11/1960. Segundo caderno, p. 3.
21. RODRIGUES, Odelair. Projeto Memória Paranaense [1998]. Curitiba: Fundação Inepar. Entrevista concedida a José Wille. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=eoSgbTAxrxA. Acesso em 17/12/2017. 14 min., 15 seg. – 15 min., 10 seg. 18 min., 17 seg. – 18 min.,
43 seg.
22. MOTTA, Irene. Rádio-TV. In: Diário do Paraná. 04/03/1962. Segundo Caderno, p. 2.

411
espetáculo se converteu em um sucesso instantâneo de bilheteria23. A parceria com Fontoura continuou a se
repetir na televisão, quando ambos estrelaram o humorístico “Ary Fontoura Show”24 e dividiram a apresentação
do programa-de-calouros “Tutti lar dobra a parada”25. Ela também participou da série televisiva “Dona Jandira
em busca da felicidade”, ao lado de Nicette Bruno e Paulo Goulart26.
O sucesso de Odelair na televisão lhe rendeu novas oportunidades de trabalho. Ao lado de Ary Fontoura,
partiu para o Rio de Janeiro a convite de Chico Anysio. Ela participou de programas humorísticos e infantis,
porém, não teve sorte em encontrar espaço nos palcos da capital fluminense (LEITE; GEMAEL, 2018, p. 94–95).
Segundo a atriz, os grupos cênicos eram “muito fechados” 27, porém, não devemos desconsiderar o peso do
preconceito nos obstáculos que a atriz encontrou.
De volta a Curitiba, Odelair assinou um contrato de exclusividade com a TV Paraná em 196428.
Naquela emissora, continuou participando de programas humorísticos, porém, pôde igualmente exercitar seu
talento dramático. Cabe aqui destacar suas participações nos shows “Teatro aos Domingos” e “Grande Teatro
Bamerindus”, cujas atrações eram adaptações de peças teatrais e obras literárias para a televisão. Foi nessa fase
que Odelair começou a atuar ao lado de outros importantes nomes do teatro paranaense, como Lala Schneider,
Aracy Pedrozo, Alceu Honório e o diretor Roberto Menghini, de quem se tornou colaboradora assídua nas
décadas seguintes.
Odelair ganhou espaço em telenovelas como “A Escrava Isaura” (1965), “Estranha Melodia” (1966) e
“Vida Roubada” (1967). Segundo a atriz, sua personagem mais querida desse momento foi a Mamãe Dolores,
uma mulher que salva a vida de um bebê branco – neto bastardo de seu odioso patrão – e o cria como se
fosse seu próprio filho em “O direito de nascer” (1966). O desempenho lhe valeu o prêmio O Curumim, de
Melhor Teleatriz29, além de boas recordações. “Foi uma época de ouro [para os artistas paranaenses]”, ela disse
ao jornalista José Wille30. Concomitantemente, dedicou-se a espetáculos infantis a fim de incentivar a ida de
crianças ao teatro.
O ano de 1968 marcou a estreia de Odelair no cinema, com o filme “Lance Maior”, de Sylvio Back.
Ambientada em Curitiba, a produção contou com a participação de diversos atores que faziam parte do “elenco
de ouro” da TV Paraná, além de Regina Duarte e Reginaldo Faria. Posteriormente, ao lado de alguns colegas da
televisão, a atriz fundou a companhia teatral Seisnart, cuja primeira montagem foi uma versão reestruturada de
“Nêga de maloca” que percorreu diversas cidades do Paraná e de Santa Catarina31. No ano seguinte, Odelair foi
homenageada novamente com o prêmio O Curumim, por seus cinco anos de carreira na emissora do Canal 632.
Nos anos 1970, todavia, a produção televisiva local perdeu forças devido à hegemonia conquistada
pelos programas gravados no Rio de Janeiro e em São Paulo. Essa mudança fez com que Odelair se afastasse
gradativamente das produções televisivas, tal como ocorreu com muitos de seus colegas de trabalho na TV

23. “SHOW” começou bem. In: Diário do Paraná. 26/10/1962. Segundo caderno, p. 3.
24. ARI Fontoura Show. In: Diário do Paraná. 19/03/1963. Segundo caderno, p. 3.
25. ESTRÉIA. In: Diário do Paraná. 16/07/1963. Segundo Caderno, p. 2.
26. RÁDIO e TV. In: Diário do Paraná. 02/01/1963. Segundo caderno, p. 3.
27. RODRIGUES, Odelair. Projeto Memória Paranaense [1998]. Curitiba: Fundação Inepar. Entrevista concedida a José Wille. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=eoSgbTAxrxA. Acesso em 17/12/2017. 24 min., 02 seg. 24 min., 35 seg. – 25 min., 17 seg.
28. CÂMERA Um. In: Diário do Paraná.27/11/1964. Segundo Caderno, p. 3.
29. OS MELHORES de 66. In: Diário do Paraná. 08/01/1967. Segundo Caderno, p. 2.
30. RODRIGUES, Odelair. Projeto Memória Paranaense [1998]. Curitiba: Fundação Inepar. Entrevista concedida a José Wille. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=eoSgbTAxrxA. Acesso em 17/12/2017. 24 min., 02 seg.
31. Ao lado de Odelair, estavam Roberto Menghini, Aracy Pedroso, Airton Müller, José Basso e Clóvis de Aquino. “NÊGA de maloca” faz
sucesso, com grupo “Seisnart”. In: Diário do Paraná. 18/05/1969. Segundo Caderno, p. 5.
32. CÂMERA Um. In: Diário do Paraná. 29/10/1969. Segundo Caderno, p. 3.

412
Paraná. Novamente, Odelair participou de incursões artísticas pelo interior do estado, estrelando montagens
caracterizadas por um forte teor de crítica social, incluindo as peças “Zefa entre os homens”, de Henrique
Pongetti, e “Oração para uma negra”, escrita por Albert Camus a partir de um romance de William Faulkner.
Contudo, mesmo nos palcos, a carreira de Odelair foi marcada por um hiato de quatro anos (1970–1974),
motivado por questões de saúde – a atriz sofria de graves problemas respiratórios, agravados pelo tabagismo.
Seu retorno aconteceu com a montagem de “A próxima vítima”, de Marcos Rey, interpretando uma personagem
inexistente no roteiro original33.
Entre 1977 e 1978, ela voltou a trabalhar ocasionalmente no Canal 6, atuando no programa “Estórias
que a vida conta”, que romantizava acontecimentos e biografias de personagens históricos brasileiros. O
teatro, porém, continuou sendo o espaço privilegiado de Odelair. Em 1979, ela participou do I Ciclo de Leituras
Públicas, promovido no Teatro Guaíra, apresentando o texto “Com o rabo entre as pernas”, de Eddy Franciosi
(LEITE; GEMAEL, 2018, p. 112). Por seu desempenho na peça “O Contestado”, recebeu o Troféu Comunicação
da Cidade de Melhor Atriz em 198034.
Nos anos seguintes, trabalhou tanto em montagens assinadas por autores de Curitiba, como Eddy
Franciosi, Maurício Távora e Paulo Vítola; quanto em adaptações de espetáculos internacionais, como “A
cantora careca” de Eugène Ionesco. Em 1986, seu nome foi utilizado para batizar a sala Odelair Rodrigues,
espaço reservado para exposições no Teatro Treze de Maio – atual Teatro José Maria Santos35. Estrelou ainda
diversos comerciais televisivos em diversos estados do Brasil, incluindo uma famosa peça publicitária para o
Café Damasco36.

Odelair na peça publicitária do Café Damasco, final dos anos 198037

Com a abertura democrática, Odelair permaneceu engajada na luta em favor das artes e cultura do
Paraná. No ano de 1987, fez parte do conjunto de artistas que endereçou uma carta aberta ao governo do
Estado e aos deputados paranaenses reivindicando aos artistas o direito de indicar o intendente do Teatro
Guaíra. Na ocasião, ao ser entrevistada pelo jornal Correio de Notícias, a veterana atriz também criticou os

33. NO ELENCO de ‘A próxima vítima’, as vítimas da nossa televisão. Diário da Tarde. 11/09/1974, p. 2.
34. TROFÉU Comunicação da Cidade outorga à Gazeta o título de Melhor Jornal. Diário da Tarde. 21/03/1980, p. 7.
35. ALVETTI, Celina. Entreato. In: Correio de Notícias. 18/05/1986, p. 18.
36. RODRIGUES, Odelair. Projeto Memória Paranaense [1998]. Curitiba: Fundação Inepar. Entrevista concedida a José Wille. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=eoSgbTAxrxA. Acesso em 17/12/2017. 28 min., 27 seg. – .
37. Disponível em https://www.youtube.com/watc h?v=rUr0XC-8o4A. Acesso 13.janeiro.2018.

413
baixos investimentos na pasta de Cultura e Esporte, que correspondiam a apenas 0,6% do orçamento estadual38.
No centenário da Abolição, foi escolhida – ao lado do cônsul-geral do Senegal, Ozeil Moura dos Santos – para
representar a comunidade negra em uma homenagem promovida pela Assembleia Legislativa do Estado do
Paraná39, bem como, foi indicada pela vereadora Marlene Zannin para receber o título de “Vulto Emérito” de
Curitiba40. Contudo, Odelair era bastante crítica das comemorações e referia-se ao centenário da abolição como
“o centenário da mentira”. Em suas palavras:

A raça negra é e será sempre merecedora de homenagens. Não tanto pela cor, nem pelos 100
anos de libertação, mas sim, por ter saído da escravidão com uma mão na frente e outra atrás,
por ver um Rui Barbosa queimar suas verdades e esperanças na sua primeira indenização, e
continuar lutando41.

Ainda em 1988, gravou participação no filme “Entardecer de Ilusões”, de Aécio de Andrade. Em 1990,
Odelair recebeu o Prêmio Bicho do Paraná pelo conjunto da obra e continuou a se dedicar ao trabalho nos
palcos42. Embora tenha se tornado uma entusiasta das escolas teatrais e dos novos espaços de encenação,
continuou a ser uma crítica da falta de patrocínio e de apoio por parte do Estado. Participou das montagens de
“Flô e o palácio dos urubus”, sob a direção de sua amiga Lala Schneider, e do drama histórico “O cerco da Lapa”,
de Oracy Gemba.
Retornou às comédias em uma série de parcerias com João Luiz Fiani e a Cia Máscaras de Teatro,
incluindo sátiras de filmes famosos, como “Oizintocáveis”, “Frankenstein” e “Romeu e Julieta – A Comédia”
– esta última, escrita para homenagear os 50 anos da carreira de Odelair. Também nesse período atuou nos
bastidores: foi figurinista do espetáculo “Na boca da noite” e dirigiu alguns colegas na leitura pública do texto
“Mariana Alcoforado” (LEITE; GEMAEL, 2018, p. 122–123).
A década seguinte foi marcada por diversas homenagens. Por sua carreira, Odelair recebeu as seguintes
honrarias: Prêmio Talento do Paraná e Troféu Gralha Azul (2000), Troféu Espaço Arte e Cultura Telepar/Brasil
Telecom, Prêmio Marista Expoarte43, além do título de “Vulto Emérito” de Curitiba (2001)44. No ano seguinte, o
diretor teatral Marco Zeni criou um espaço cultural que recebeu seu nome e, posteriormente, foi convertido no
Teatro Odelair Rodrigues45. Um dos mais interessantes projetos da atriz, contudo, não chegou a concretizar: em
2000, firmou parceria com as colegas Yara Sarmento, Claudete Pereira Jorge, Gilda Elisa e Regina Vogue para
montar uma peça escrita a dez mãos, que não foi levada aos palcos devido à falta de apoio financeiro46.

38. ARTISTAS querem indicar superintendente do Guaíra. In: Correio de Notícias. 08/02/1987, p. 22.
39. ASSEMBLEIA. In: Correio de Notícias. 13/05/1988, p. 5.
40. VULTO emérito para atriz. In: Correio de Notícias. 01/06/1988, p. 3.
41. RODRIGUES, Odelair. Além da cor. In: Nicolau, ano 1, Nº 11, maio de 1988, p. 5.
42. PARANÁ perde atriz Odelair Rodrigues. O Estado do Paraná. Disponível em: http://www.tribunapr.com.br/mais-pop/parana-perde-
atriz-odelair-rodrigues/. Acesso em 20/12/2017.
43. NÚCLEO Paranaense de Cultura Afro. Ela de novo…Geisa Costa interpreta Odelair Rodrigues. Disponível em: https://nucleoculturaafropr.
wordpress.com/2009/08/22/ela-de-novo-geisa-costa-interpreta-odelair-rodrigues/. Acesso em 20/12/2017.
44. CURITIBA. Lei Ordinária. Nº 10325/2001. Concede o título de Vulto Emérito de Curitiba a Odelair Rodrigues. Disponível em: https://
leismunicipais.com.br/a/pr/c/curitiba/lei-ordinaria/2001/1033/10325/lei-ordinaria-n-10325-2001-concede-o-titulo-de-vulto-
emerito-de-curitiba-a-odelair-rodrigues. Acesso em 21/12/2017.
45. MICHELLE, Katia. Uma história com fartas linhas. Disponível em: http://www.folhadelondrina.com.br/folha-2/uma-historia-com-
fartas-linhas-406380.html. Acesso em 20/12/2017.
46. CARNIERI, Helena. Dama do teatro paranaense. In: Gazeta do Povo. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/caderno-g/
dama-do-teatro-paranaense-5cvi8b01szyg60qcgswtqco5q. Acesso em 27/12/2017.

414
Odelair aos 67 anos47

Apesar da carreira extensa, Odelair queria continuar trabalhando. A atriz estava envolvida em diversos
projetos, incluindo as filmagens de “Quanto vale ou é por quilo?”, quando adoeceu, vindo a falecer no dia 1º de
julho de 2003 aos 68 anos, sendo sepultada no Cemitério Municipal São Francisco de Paula.
No teatro, sua última aparição foi em “O Corvo”, baseado na obra de Edgar Allan Poe. Atualmente, seu
nome batiza uma rua no bairro curitibano de Campo Comprido48, conforme iniciativa capitaneada pelo então
vereador Mario Celso Cunha. Na ocasião, o parlamentar definiu a atriz como uma “integrante da história e
cultura do Estado, que contribuiu significativamente para o desenvolvimento sociocultural da sua comunidade.
Um ícone do teatro paranaense. Destacou-se na competência, dedicação, simpatia e foi motivo de orgulho ao
povo do Paraná”49.
Odelair foi uma grande apoiadora das causas do negro em Curitiba, uma vez que nem mesmo o estrelato
livrou-a de sofrer com o preconceito racial. Certa vez, foi impedida de participar de um baile de carnaval para
o qual sua companhia fora convidada – seus colegas preferiram festejar na rua a deixá-la de fora50. Em 1975,
outro caso ganhou repercussão nas páginas do Diário do Paraná: o síndico do Edifício Asa, localizado no centro
da cidade, impediu a entrada da atriz, bradando “nesse prédio, preta não entra” 51.
A preocupação com a questão racial parece ter se originado ainda na infância, pois sua mãe sempre
instruíra as filhas da necessidade de se dedicar aos estudos e não aceitar qualquer forma de discriminação ou
desrespeito. Certa vez, Alice foi procurada pela mãe de um jovem da vizinhança em que moravam – Odelair
“quase matou” o rapaz após o jovem ofendê-la. Diante das reclamações, Alice disse: “Quase matou o seu filho?

47. Fonte: https://www.folhadelondrina.com.br/folha-2/uma-historia-com-fartas-linhas-406380.html. Acesso 23.janeiro.2018.


48. CURITIBA. Lei Nº 10.962 de 13 de maio de 2004 Denomina de Odelair Rodrigues, um dos logradouros públicos ainda não nominado.
Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a/pr/c/curitiba/lei-ordinaria/2004/1097/10962/lei-ordinaria-n-10962-2004-
denomina-de-odelair-rodrigues-um-dos-logradouros-publicos-ainda-nao-nominado?q=odelair%20rodrigues. Acesso em 21/12/2017.
49. CÂMARA destaca trabalho de Odelair Rodrigues. Disponível em: http://www.cmc.pr.gov.br/ass_det.php?not=3161. Acesso em
21/12/2017.
50. RODRIGUES, Odelair. Projeto Memória Paranaense [1998]. Curitiba: Fundação Inepar. Entrevista concedida a José Wille. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=eoSgbTAxrxA. Acesso em 17/12/2017. 35 min., 49 seg. – 37 min., 12 seg.
51. AFONSO Arinos para o síndico do “Asa”. In: Diário do Paraná, 21/09/1975, p. 8.

415
Que pena! Eu teria matado!” 52 Odelair era entusiasta de causas que promoveriam a construção de uma sociedade
igualitária e utilizava de seu sucesso para denunciar a situação do negro e também exigir mudanças. Citando a
atriz: “Que para sempre o negro possa se libertar da discriminação e ser amparado em leis mais honestas, mais
legítimas e mais firmes, além de sua própria cor” 53.

Odelair Rodrigues

Fonte: Museu Afroparanaense

Desde o falecimento de Odelair, a classe artística paranaense busca preservar sua memória – ela foi
interpretada por Geisa Costa na peça “Esmeralda, risos e lágrima – A vida de Lala Schneider” 54 e também serviu
de inspiração para o espetáculo de bonecos “Kitinêga” 55. Infelizmente, o teatro que levava seu nome fechou as
portas em 2010, após sérias dificuldades financeiras e falta de apoio para manter uma agenda permanente56.
Posteriormente, a jornalista Rosirene Gemael dedicou-se a produzir uma biografia da atriz, contudo,
veio a falecer durante a realização desse trabalho. O projeto foi levado adiante pela produtora cultural Monica
Drummond, pela pesquisadora Selma Teixeira e pelo jornalista, poeta e letrista Zeca Côrrea Leite, sendo lançado
em maio de 2018, apresentando um rico material fotográfico57. No mesmo ano, em comemoração ao Mês da
Consciência Negra, a atriz foi tema de uma mostra fotográfica realizada na Secretaria da Cultura do Paraná.

52. RODRIGUES, Odelair. Projeto Memória Paranaense [1998]. Curitiba: Fundação Inepar. Entrevista concedida a José Wille. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=eoSgbTAxrxA. Acesso em 17/12/2017. 6 min., 14 seg. – 6 min., 22 seg.
53. RODRIGUES, Odelair. Além da cor. In: Nicolau, ano 1, Nº 11, p. 5.
54. Geisa Costa interpretou a atriz na montagem de “Esmeralda, risos e lágrima – A vida de Lala Schneider”. NÚCLEO Paranaense de
Cultura Afro. Ela de novo… Geisa Costa interpreta Odelair Rodrigues. Disponível em: https://nucleoculturaafropr.wordpress.
com/2009/08/22/ela-de-novo-geisa-costa-interpreta-odelair-rodrigues/. Acesso em 20/12/2017.
55. BEM Paraná. Kitinêga conta com estreia dupla. Disponível em: https://www.bemparana.com.br/noticia/kitinega-estreia-dupla-
Acesso em 20/12/2017.
56. ODELAIR Rodrigues fecha as portas. Gazeta do Povo. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/caderno-g/odelair-
rodrigues-fecha-as-portas-bto7bvy2lduod46vui7xptphq. Acesso em 29/12/2017.
57. DIÁRIO Indústria e Comércio. Odelair Rodrigues nas páginas. Disponível em: http://www.diarioinduscom.com/odelair-rodrigues-
nas-paginas/. Acesso em 15/05/2018.

416
Exposição em homenagem a Odelair realizada pela SEEC em 201858

Odelair Rodrigues foi uma artista que deixou uma importante marca no cenário artístico paranaense.
Atuando em diversas frentes, jamais abandonou o engajamento político, lutando contra o preconceito racial
e em prol da valorização das artes. No momento atual, resgatar sua trajetória é um importante ato político e
também de respeito para com uma das mais importantes atrizes do Paraná e do Brasil.

REFERÊNCIAS

ALVETTI, Celina. Entreato. In: Correio de Notícias. 18/05/1986, p. 18.


ARI Fontoura Show. In: Diário do Paraná. 19/03/1963. Segundo caderno, p. 3.
ARTISTAS querem indicar superintendente do Guaíra. In: Correio de Notícias. 08/02/1987, p. 22.
ASSEMBLEIA. In: Correio de Notícias. 13/05/1988, p. 5.
BEM Paraná. Kitinêga conta com estreia dupla. Disponível em: https://www.bemparana.com.br/noticia/
kitinega-estreia-dupla-. Acesso em 20/12/2017.
BOM humor. In: Diário do Paraná. 29/11/1960. Segundo caderno, p. 3.
CÂMERA Um. In: Diário do Paraná. 27/11/1964. Segundo Caderno, p. 3.
CÂMERA Um. In: Diário do Paraná. 29/10/1969. Segundo Caderno, p. 3.
CÂMARA destaca trabalho de Odelair Rodrigues. Disponível em: http://www.cmc.pr.gov.br/ass_det.
php?not=3161. Acesso em 21/12/2017.

58. Fonte: Precursores das Artes do Paraná/PMC (http://www.oradiodoparana.com.br/). Acesso 23.julho.2018.

417
CARNIERI, Helena. Dama do teatro paranaense. In: Gazeta do Povo. Disponível em: http://www.gazetadopovo.
com.br/caderno-g/dama-do-teatro-paranaense-5cvi8b01szyg60qcgswtqco5q. Acesso em 27/12/207.
CURITIBA. Lei Ordinária. Nº 10325/2001. Concede o título de Vulto Emérito de Curitiba a Odelair Rodrigues.
Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a/pr/c/curitiba/lei-ordinaria/2001/1033/10325/lei-
ordinaria-n-10325-2001-concede-o-titulo-de-vulto-emerito-de-curitiba-a-odelair-rodrigues. Acesso em
21/12/2017.
CURITIBA. Lei Nº 10.962 de 13 de maio de 2004 Denomina de Odelair Rodrigues um dos logradouros
públicos ainda não nominado. Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a/pr/c/curitiba/lei-
ordinaria/2004/1097/10962/lei-ordinaria-n-10962–2004-denomina-de-odelair-rodrigues-um-dos-
logradouros-publicos-ainda-nao-nominado?q=odelair%20rodrigues. Acesso em 21/12/2017.
DIÁRIO Indústria e Comércio. Odelair Rodrigues nas páginas. Disponível em: http://www.diarioinduscom.
com/odelair-rodrigues-nas-paginas/. Acesso em 15/05/2018.
ESTRÉIA. In: Diário do Paraná. 16/07/1963. Segundo Caderno, p. 2.
FRANCIOSI, E. A. Ronda pelo teatro. In: Diário do Paraná. 13/03/1956. Segundo caderno, p. 4.
FRANCIOSI, E. A. Ronda pelo teatro. In: Diário do Paraná. 18/09/1956. Segundo caderno, p. 2.
LEITE, José Carlos Corrêa; GEMAEL, Rosirene (2018). Odelair Rodrigues. Curitiba: Editora do Autor.
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MICHELLE, Katia. Uma história com fartas linhas. Disponível em: http://www.folhadelondrina.com.br/folha-2/
uma-historia-com-fartas-linhas-406380.html. Acesso em 20/12/2017.
MOTTA, Irene. Rádio-TV. In: Diário do Paraná. 04/03/1962. Segundo Caderno, p. 2.
“NÊGA de maloca” faz sucesso, com grupo “Seisnart”. In: Diário do Paraná. 18/05/1969. Segundo Caderno, p. 5.
NO ELENCO de ‘A próxima vítima’, as vítimas da nossa televisão. Diário da Tarde. 11/09/1974, p. 2.
NÚCLEO Paranaense de Cultura Afro. Ela de novo…Geisa Costa interpreta Odelair Rodrigues. Disponível
em: https://nucleoculturaafropr.wordpress.com/2009/08/22/ela-de-novo-geisa-costa-interpreta-odelair-
rodrigues/. Acesso em 20/12/2017.
ODELAIR Rodrigues fecha as portas. Gazeta do Povo. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/
caderno-g/odelair-rodrigues-fecha-as-portas-bto7bvy2lduod46vui7xptphq. Acesso em 29/12/2017.
OUÇA hoje. In: Diário do Paraná. 28/07/1960. Segundo caderno, p. 2.
OS MELHORES de 66. In: Diário do Paraná. 08/01/1967. Segundo Caderno, p. 2.
PARANÁ perde atriz Odelair Rodrigues. O Estado do Paraná. Disponível em: http://www.tribunapr.com.br/
mais-pop/parana-perde-atriz-odelair-rodrigues/. Acesso em 20/12/2017.
RÁDIO e TV. In: Diário do Paraná. 02/01/1963. Segundo caderno, p. 3.
RODRIGUES, Odelair. Projeto Memória Paranaense [1998]. Curitiba: Fundação Inepar. Entrevista concedida a
José Wille. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=eoSgbTAxrxA. Acesso em 17/12/2017.
RONDA pelo teatro. In: Diário do Paraná. 22/01/1957. Segundo caderno, p. 2.
“SHOW” começou bem. In: Diário do Paraná. 26/10/1962. Segundo caderno, p. 3.
TEATRO. In: Diário do Paraná. 03/05/1959. Segundo Caderno, p. 2.
TROFÉU Comunicação da Cidade outorga à Gazeta o título de Melhor Jornal. Diário da Tarde. 21/03/1980, p. 7.
VULTO emérito para atriz. In: Correio de Notícias. 01/06/1988, p. 3.

418
Levantamento parcial de atividades artísticas 59

Peças teatrais

“As rosas de Nossa Senhora”, de Antônio Mattos (1952 – teatro estudantil)


“A mulher sem pecado”, de Nelson Rodrigues (1952 – teatro estudantil; 1954)
“Sinhá Moça chorou...”, de Ernani Fornari (1952 – teatro estudantil; 1953, 1956, 1957)
“Chapeuzinho Vermelho”, de Paulo Magalhães (1953)
“Nada”, de Ernani Fornari (1953)
“O homem que nasceu duas vezes”, de Oduvaldo Viana (1953, 1959)
“A família do Linhares”, de Paulo Orlando e Eurico Silva (1954)
“É proibido suicidar-se na primavera”, de Alejandro Casona (1955)
“O homem que tinha tudo”, de Eddy Franciosi (1955)
“Uma mulher do outro mundo”, de Noel Coward (1955, 1956)
“Iaiá Boneca”, de Ernani Fornari (1957)
“Casa de bonecas”, de Henrik Ibsen (1957)
“A camisola do anjo”, de Pedro Bloch e Darcy Evangelista (1958)
“Massacre”, de Emmanuel Roblès (1958, 1960)”
“Ela só é society”, de Cícero Camargo de Oliveira (1958–1959, 1963)
“Nêga de maloca”, de Cícero Camargo de Oliveira (1959, 1968–1969, 1975)
“Não me lote, Brasilino”, de Ary Fontoura e Maurício Távora (1960)
“Fofoca no paralá”, de Ary Fontoura e Maurício Távora (1960)
“O quiproquó da galinha”, de Ary Fontoura e Maurício Távora (1960)
“Mulher de briga”, de Pedro Bloch (1961)
“Nós somos um show”, de Ary Fontoura (1961)
“Obrigado pelo amor de vocês”, de Edgar Neville (1961 – como contrarregra)
“Amado, tarado”, de Maurício Távora (1961–1962)
“O outro André”, de Correia Varela (1962)
“Num tem pobrema”, (1962) – apresentação em comemoração aos seus 12 anos de carreira, ao lado de
Ary Fontoura
“O consertador de brinquedos”, de Stella Leonardos (1966)
“O patinho preto”, de Walter Quaglia (1967)
“Zefa entre os homens”, de Henrique Pongetti (1969, 1970)
“Oração para uma negra”, de Albert Camus (1970)
“Dona Patinha vai ser miss”, de Artur Maia (1970, 1976)
“A próxima vítima”, de Marcos Rey (1974)
“De cabo a rabo”, de Maurício Távora (1979)
“Com o rabo entre as pernas”, de Eddy Franciosi (1979 – leitura pública)
“O Contestado”, de Romário Borelli (1979)
“Drácula”, de Edy Franciosi (1980)

59. Levantamento realizado a partir dos jornais “Diário do Paraná” e “Correio de Notícias”. Os espetáculos citados referem-se aos trabalhos
de Odelair como atriz profissional, exceto quando notado.

419
“Ó Curitiba, nossa tribo, salve, salve!”, de Paulo Vítola (1980)
“Bé”, de Maurício Távora (1980)
“A peladinha”, de Elisa Schimanski (1983)
“A cantora careca”, de Eugène Ionesco (1984)
“Flô e o palácio dos urubus”, de Ricardo Meireles Vieira (1993)
“O cerco da Lapa”, de Oraci Gemba (1993)
“Na boca da noite”, de Beto Guiz e Enéas Lour (1995 – como figurinista)
“Mariana Alcoforado”, de Francisco Pereira da Silva (1995 – como diretora/leitura pública)
“Oizintocáveis”, de João Luiz Fiani (1996)
“Frankenstein”, de João Luiz Fiani (1997)
“Bom dia, dinossaura!”, de Enéas Lour (2001)
“Romeu e Julieta – A comédia”, de João Luiz Fiani (2001)
“Um unicórnio no jardim”, de Edson Bueno (2002)
“O Corvo”, de Edson Bueno, baseado na obra de Edgar Allan Poe (2003)

Telenovelas e séries televisivas

“Teleteatro das sextas” – participações em diferentes episódios (1961)


“Dona Jandira em busca da felicidade”, de Giuseppe Ghiaroni (1963)
“Grande Teatro Bamerindus” – participações em diferentes episódios (1963)
“Teatro aos domingos” – participações em diferentes episódios (1964–1965)
“As duas irmãs”, autor desconhecido (1965)
“O longo caminho do amor”, de Glauco Flores de Sá Brito e Valêncio Xavier (1965)
“A escrava Isaura”, de Paulo de Avelar (1965)
“Há sempre um amanhã”, de Vida Alves e Ivo Nalce (1965)
“O direito de nascer”, de Thalma de Oliveira e Teixeira Filho (1966)
“Estranha melodia”, de Paulo de Avelar (1966)
“Vida roubada”, de Paulo de Avelar (1967)
“Estórias que a vida conta” – participações em diferentes episódios (1977–1979)
“Era uma vez”, programa infantil da Central Nacional de Televisão (Anos 1990)

Filmes

“Lance maior”, de Sylvio Back (1968)


“Entardecer de ilusões”, de Aécio de Andrade (1988)
“Quanto vale ou é por quilo?”, de Sérgio Bianchi (2005)

420
55
OLGA MARIA DOS
SANTOS FERREIRA
Nascimento: Curitiba/PR, 25 de março de 1917
Falecimento: Curitiba/PR, 8 de agosto de 2004

Dona Olga. Curitiba, sem data.


Fonte: acervo da família de Olga

421
OLGA MARIA DOS SANTOS FERREIRA

(1917–2004)

Celso Fernando Claro de Oliveira

O poder transformador da educação é socialmente reconhecido, contudo, o Brasil ainda precisa superar
muitos obstáculos a fim de garantir uma educação pública de qualidade a todos os cidadãos. Apesar dos notáveis
avanços conquistados nas últimas décadas, os indicadores sociais publicados pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) em 2018 apontam que muitos brasileiros ainda enfrentam dificuldades para ter
acesso aos diferentes níveis de educação. Tais dificuldades – que têm naturezas diversas – afetam, sobretudo,
a população negra1. A necessidade de mudanças efetivas nesse cenário faz com que o resgate da trajetória
da professora Olga Maria dos Santos Ferreira adquira ainda maior importância, uma vez que a educação
transformou sua vida e a de sua família.
Nascida em Curitiba, em 25 de março de 1917, Olga Maria dos Santos era a quinta de doze filhos do casal
José Olinto dos Santos e Alaíde Maria dos Santos. A valorização da educação era de grande importância dentro
da família. O avô paterno de Olga, por exemplo, era filho de escravos e foi o primeiro negro a ocupar o posto
de escrivão em Curitiba. José Olinto também se dedicou à busca por conhecimento. Embora tivesse somente o
ensino primário, era autodidata: apresentava grande facilidade de aprendizado e, desse modo, estudou diversos
idiomas por conta própria. Para os filhos de Olga, ela herdou a inteligência de José Olinto (AIDE, 2019).

José Olinto dos Santos em 1933

Fonte: acervo da família de Olga

1. INSTITUTO Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira.
Rio de Janeiro: IBGE, 2018.

422
A família era de origem humilde, de modo que muitos sacrifícios eram necessários para que os doze
filhos do casal Santos pudessem estudar. Olga, por exemplo, emprestava cadernos e outros materiais escolares
dos irmãos mais velhos. Apesar das dificuldades financeiras, a jovem Olga se destacava como boa aluna e logo
desenvolveu o interesse em seguir a carreira de professora (AMAURI, 2019). Para tanto, cursou a Escola Normal
(atual Instituto de Educação do Paraná) no início dos anos 1930, na qual se formou com honrarias em 31 de
maio de 19342. Desse modo, aos 17 anos de idade, tornou-se a primeira pessoa da família a obter formação
profissional.
Por meio de concurso público, Olga ingressou no magistério em 1935. Seu primeiro emprego foi em
uma escola da área rural do município paranaense de Piraí do Sul. O período de estágio foi bastante duro, uma
vez que, além da pouca idade, a professora recém-formada tinha de vencer um longo caminho diário até seu
local de trabalho. Olga exerceu o magistério em Piraí do Sul por dois anos, residindo com um casal de tios (AIDE,
2019). Em 1937, foi removida para o Grupo Escolar Barão de Antonina, situado no município de Rio Negro3. No
ano seguinte, foi transferida para a Escola Isolada Laranjeiras em Piraquara4.
Em 1939, Olga obteve seu primeiro ofício na capital paranaense: foi transferida para a Escola Isolada
Mato das Laranjeiras, situada no bairro Ahú, onde ministrou aulas para as turmas do 1º e 2º anos, além de
se encarregar da limpeza, da compra de materiais didáticos e da alimentação dos estudantes. Iniciou suas
atividades nessa escola juntamente com Aurora de Oliveira Cortes, sua colega de trabalho por longos anos
(AIDE, 2019; AMAURI, 2019).

Olga com a professora Aurora e alunos na Escola Isolada Mato das Laranjeiras

Fonte: acervo da família de Olga

Por mais de três décadas, ela exerceu o magistério em diferentes instituições curitibanas, tais como
o Colégio D. Pedro II e o Colégio Estadual Paula Gomes. Ingressou no último em 1955, compondo o primeiro
quadro de professores, e permaneceu ali até se aposentar, em 1970. Um pouco antes de se aposentar, Olga
deixou a sala de aula e passou a trabalhar na secretaria do Colégio Paula Gomes. Quando a diretora se ausentava,

2. A solenidade de grau dos professorandos de 1934. O Dia/PR, 31/05/1934, p. 3.


3. Removendo. O Estado/PR, 04/03/1937, p. 4.
4. Removendo. O Dia/PR, 14/07/1939, p. 5.

423
a escola ficava em suas mãos, todavia, ela nunca ocupou a direção de uma escola oficialmente. Por ocasião dos
50 anos de fundação do Colégio Paula Gomes, Olga foi homenageada pelos serviços prestados à instituição
(AIDE, 2019).
Além das atividades na educação pública, Olga oferecia aulas de reforço em sua casa para estudantes
que tivessem dificuldades de aprendizado, geralmente realizando atendimentos durante seu horário de almoço
ou ao final do dia. Ela também preparou seus filhos e sobrinhos para prestar o curso admissional do ginásio, de
modo que muitos tiveram boa colocação profissional devido ao auxílio de Olga (AMAURI, 2019).

Olga, a terceira da direita para a esquerda, com outras professoras no Colégio Paula Gomes

Fonte: acervo da família de Olga

Em 1938, Olga casou-se com Cecílio Gomes Ferreira5, então alfaiate e, futuramente, escriturário da Rede
Viação Paraná–Santa Catarina. Conheceram-se em um baile de Carnaval, quando Cecílio tirou Olga para dançar
(AIDE, 2019). Foram casados até a morte de Cecílio, em 11 de janeiro de 19566. O casal teve quatro filhos: a
professora Aide (1941), o futebolista e professor de Educação Física Amauri (primeiro jogador negro a integrar
a equipe do Atlético Paranaense – 1943), o autônomo Paulo Sérgio (1949) e o bancário Décio Luiz (1954).
Em 1948, a família se estabeleceu na Vila Carmela Dutra, atual bairro de Santa Quitéria. A região, à
época, era marcada pela presença de muitas lavouras e pelo baixo índice de habitação. É possível dizer que Olga
deixou sua marca na história do bairro à medida que o local passou a receber mais moradores – na vizinhança,
todos conheciam a “Dona Olga” (AMAURI, 2019). Além de lecionar para algumas das crianças da região, ela
também integrou o Movimento Feminista do Partido Social Democrata (PSD), chegando a ocupar o cargo de
segunda oradora do Subcomitê Feminino do PSD da Vila Carmela Dutra em 1950. O objetivo da organização era
obter votos para os candidatos da agremiação nas eleições daquele ano7.

5. A família de Cecílio é proveniente da cidade da Lapa. Seus pais eram Domingos Caetano Ferreira e Balbina Gomes Ferreira. Domingos
participou da Revolução Federalista e empresta seu nome a uma das ruas daquela cidade (AIDE, 2019).
6. Falecimento. O Dia/PR, 13/01/1956, p.13.
7. Fundação do subcomitê da Vila Carmela Dutra. O Dia/PR, 30/09/1950, p. 4.

424
Ao centro, Cecílio Gomes Ferreira

Fonte: acervo da família de Olga

Amauri e Aide se lembram de Olga como uma mulher batalhadora, pois além de se dedicar ao magistério,
era uma mãe presente, responsável pela gestão da casa e que sempre destacou para os filhos a importância da
educação. Uma de suas maiores preocupações era matricular as crianças em boas escolas, para que tivessem
um futuro melhor (AIDE, 2019; AMAURI, 2019). Aide, por exemplo, estudou no Instituto de Educação do
Paraná; enquanto Amauri obteve uma bolsa de estudos parcial no Colégio Bom Jesus devido aos esforços de
seus pais. Ambas as instituições são bastante tradicionais e, à época, atendiam um público majoritariamente
branco. Amauri se lembra que “somente eu e o Ozeil éramos os únicos alunos negros do Bom Jesus na época
[metade da década de 1950]” (AMAURI, 2019).

Olga com a filha Aide, também professora

Fonte: acervo da família de Olga

425
Olga era bastante exigente dentro de casa: requeria dos filhos um bom desempenho nos estudos e
cobrava a utilização correta da norma culta da Língua Portuguesa (AIDE, 2019). Mesmo conhecendo o talento
que o filho demonstrava para o futebol, Olga jamais permitiu que Amauri abandonasse os estudos em favor da
bola, como revela uma reportagem publicada pela edição paranaense do jornal Última Hora:

Amauri nasceu para jogar bola, e desde cedo, d. Olga, mãe do craque, se via obrigada a correr
atrás do filho para que não descuidasse dos estudos. Sabia onde encontrá-lo: num campo de
pelada. Mesmo com a paixão pela bola, as dificuldades para a manutenção da família, d. Olga
conseguiu manter Amauri na escola e hoje está cursando o último ano do ginásio8.

Após 35 anos dedicados à docência, Olga se aposentou e passou a tratar quase que exclusivamente dos
afazeres domésticos. Os irmãos Aide e Amauri (2019) recordam que sua casa se converteu no ponto de encontro
da família e dos amigos, uma vez que a mãe era uma pessoa muito carismática, sensível e animada. Nos tempos
livres, Olga exercia dois de seus passatempos favoritos: a culinária e a música – era reconhecida como uma
exímia doceira e também como uma talentosa tocadora de cavaquinho. Adorava dançar, sendo uma profunda
conhecedora da música popular brasileira. Torcia pela Escola de Samba Mangueira. Amante do futebol, era
torcedora do Corinthians e do Flamengo. Curiosamente, nunca foi ao estádio prestigiar as partidas do Clube
Atlético Paranaense enquanto seu filho defendia aquela equipe, pois dizia ficar muito nervosa, ansiando por
um bom desempenho de Amauri. Por outro lado, acompanhava todos os jogos de casa, pelo rádio. Além disso,
costumava frequentar a Igreja Matriz de Santa Quitéria. Foi ainda uma avó bastante presente na criação de seus
nove netos.

Olga com os netos

Fonte: acervo da família de Olga

8. Amauri confessa o sonho: Seleção Nacional. Última Hora, 24/05/1963, p. 10.

426
A trajetória de Olga, contudo, permanece viva na mente dos que a conheceram. Amauri (2019) relembra
que foi justamente a dedicação da mãe à educação que levou o nome de Olga a figurar entre os homenageados no
Monumento à Colônia Afro-Brasileira de Curitiba. Aide (2019), por sua vez, destaca que o maior reconhecimento
é encontrar antigos alunos e colegas de trabalho da mãe, os quais sempre recordam, com muito carinho, das
lições deixadas pela professora.
Olga faleceu em 8 de agosto de 2004, aos 84 anos, vítima de insuficiência cardíaca. Está sepultada no
Cemitério Municipal São Francisco de Paula.

REFERÊNCIAS

A solenidade de grau dos professorandos de 1934. O Dia/PR, 31/05/1934, p. 3.


AIDE (2019). Entrevista de Aide dos Santos Ferreira, filha de Olga Maria dos Santos Ferreira, concedida a Ana
Crhistina Vanali no dia 14 de maio de 2019 em Curitiba.
AMAURI (2019). Entrevista de Amauri dos Santos Ferreira, filho de Olga Maria dos Santos Ferreira, concedida
a Ana Crhistina Vanali no dia 14 de maio de 2019 em Curitiba.
Amauri confessa o sonho: Seleção Nacional. Última Hora, 24/05/1963, p. 10.
Fundação do subcomitê da Vila Carmela Dutra. O Dia/PR, 30/09/1950, p. 4.
Falecimento. O Dia/PR, 13/01/1956, p.13.
INSTITUTO Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de
vida da população brasileira. Rio de Janeiro: IBGE, 2018.
Removendo. O Estado/PR, 04/03/1937, p. 4.
Removendo. O Dia/PR, 14/07/1939, p. 5.

427
Olga e o filho Amauri

Fonte: acervo da família de Olga

Olga, com a filha Aide e outras professoras em reunião do Sindicato

Sentada de frente, da esquerda para a direita, Olga é a sexta, Aide, a sétima


Fonte: acervo da família de Olga

428
Olga, em destaque, com outras professoras do Colégio Paula Gomes

Fonte: acervo da família de Olga

Olga e alunos com a construção da Escola Isolada Mato das Laranjeiras ao fundo

Fonte: acervo da família de Olga

429
56
ORLANDO DIAS DA SILVA
Nascimento: Rio de Janeiro/RJ, 4 de abril de 1918
Falecimento: Curitiba/PR, 19 de agosto de 2001

430
ORLANDO DIAS DA SILVA

(1918–2001)

Andrea Maila Voss Kominek

Orlando Dias da Silva, filho de Jayme Dias da Silva e Zenaide Santos da Silva, nasceu na cidade do Rio de
Janeiro em 4 de abril de 1918. O casal ainda teve os filhos Alayde, Maria e Ivan1.
Não se sabe quando chegou a Curitiba, mas seu nome aparece pela primeira vez nos jornais curitibanos
no ano de 1933 quando o Correio de Notícias de 5 de abril lhe felicitou por seu aniversário.
Em 1949 Orlando foi exonerado da função de guarda sanitário2 e assumiu como escriturário (classe E)
do exército, sendo lotado na Rede Ferroviária3.
No ano de 1951 foi candidato a vereador de Curitiba pelo Partido Trabalhista Nacional (PTN)4. Foi
candidato a deputado estadual pelo PTN nas eleições de 1954, tendo feito 361 votos, mas não foi eleito5. Em
1958 era membro do diretório estadual do partido em Curitiba6.
Em 1956 foi aprovado no vestibular de História e Geografia da Universidade Federal do Paraná e em
1957 no vestibular da Faculdade de Direito de Curitiba7.
Foi membro do Santa Bárbara Country Club no ano de 1959. Esse clube tinha a sede administrativa na
Rua José Loureiro, número 17, 14º andar8.
Durante muitos anos foi membro da Escola de Samba Dom Pedro II de Curitiba.
Faleceu em Curitiba aos 83 anos no dia 19 de agosto de 2001. Está sepultado no Cemitério Parque
Iguaçu.

Não foram encontradas mais informações sobre o homenageado.

1. Diário do Paraná, 10/02/1956, p. 13.


2. O Dia, 12/04/1949, p. 2.
3. O Dia, 31/05/1950, p. 4.
4. A Tarde, 07/07/1951, p. 3. O Dia, 19/10/1951, p. 2.
5. O Dia, 31/10/1954, p. 7.
6. O Dia, 12/09/1954, p. 7. Diário da Tarde, 24/02/1958, p. 4.
7. Diário do Paraná, 17/03/1956, p. 7 e Diário do Paraná, 27/02/1957, p. 8.
8. Diário do Paraná, 04/03/1959, p. 11.

431
57
OSWALDO FERREIRA
DOS SANTOS
Nascimento: Curitiba/PR, 7 de novembro de 1916
Falecimento: Curitiba/PR, 27 de julho de 1990

Oswaldo Ferreira Santos (Baiano). Curitiba, 1945


Fonte: acervo Ozeil Moura dos Santos

432
OSWALDO FERREIRA DOS SANTOS1

(1916–1990)

Ana Crhistina Vanali

Oswaldo Ferreira dos Santos, conhecido como Baiano2, nasceu em Curitiba no dia 7 de novembro de
1916. Era filho de Claro Lourenço dos Santos3 e de Lucilia Ferreira dos Santos4. O casal teve nove filhos: Juracy,
Jandyra, Jacyra, Iracy, Haroldo, José, Oswaldo, João e Claro..

Nota de falecimento de Lucilia Ferreira dos Santos

Fonte: O Dia, 13/08/1943, p. 2

1. Na placa atual na Praça Santos Andrade está gravado OSVALDO FERREIRA DOS SANTOS, mas seu nome correto é OSWALDO conforme
Certidão de Óbito Nº 13.820 do Cartório Distrital do Uberaba.
2. A grafia referente à alcunha de Oswaldo aparece nos periódicos com quatro variações: Baiano, Bahiano, Baianinho e Bahianinho. Nesse
texto optou-se pela grafia Baiano.
3. Claro Lourenço dos Santos, nascido em Morretes no dia 10 de dezembro de 1865, faleceu em Curitiba no dia 2 de fevereiro de 1955 aos
90 anos. Era filho de Rosária dos Santos. Fonte: Felicitações. Diário da Tarde, 10/12/1907, p. 2. Falecimento. O Dia, 03/02/1955, p. 9.
Administração do Cemitério São Francisco de Paula.
4. Lucilia Ferreira dos Santos nasceu em 8 de outubro de 1875 e faleceu em Curitiba no dia 9 de agosto de 1943 aos 68 anos. Fonte:
Agradecimentos e missa. O Dia, 13/08/1943, p. 4. Administração do Cemitério Municipal São Francisco de Paula.

433
O pai de Baiano, Claro Lourenço, era um cozinheiro conhecido da capital paranaense. Em 9 de dezembro
de 1906, abriu com o sócio Joaquim Gonçalves da Motta o Restaurante União, situado na Rua XV de Novembro5.
Em 1894, tornou-se membro do conselho fiscal da Sociedade Treze de Maio6 e, em 1905, foi o vice-presidente
do clube7. Participou da comissão da festa da Sociedade Beneficente 28 de Setembro no ano de 19058.
A mãe, Lucilia, tinha a Pensão Ferreira na Praça Tiradentes9. “A pensão Irmãos Ferreira, sito à
Rua Monsenhor Celso, nº 19 iniciou suas atividades em 1937 e tinha como fundadora e diretora financeira
Jandira Ferreira dos Santos (irmã de Baiano). O estabelecimento foi um dos mais famosos na época, pois ali se
hospedavam os universitários, militares e pessoas importantes que vinham a Curitiba para estudar, trabalhar e
abrir empresas. Esteve ativa por mais de vinte anos”10.

Restaurante UNIÃO de Claro Lourenço dos Santos

Fonte: Almanach do Paraná, 1908, p. 323 Fonte: Diário da Tarde, 08/12/1906, p. 4

Os “Ferreira dos Santos” foram uma família de desportistas de Curitiba que forneceu figuras de
prestígio do futebol paranaense – era chamada de “uma família de craques”. O primeiro irmão que surgiu para o
futebol foi Janguinho (João), cuja atuação destacada no Ferroviário chamou a atenção dos clubes profissionais
paulistas. Depois foi o Bananeiro (Haroldo), seguido do José Ferreira, com o Baiano (Oswaldo) sendo referência
no segundo quadro. O último dos irmãos Ferreira, o Banana (Claro) surgiu em 1933 e parece não ter alcançado
a mesma trajetória dos “manos”, pois não se localizou mais dados sobre atuação no futebol paranaense11.

5. Consultar Almanach do Paraná (1909, p. 328) e A Notícia, 06/12/1906, p. 13.


6. A República, 28/12/1894, p. 4.
7. Diário da Tarde, 06/06/1905, p. 2.
8. Diário da Tarde, 26/09/2905, p. 2.
9. A República, 03/06/1913 e Correio do Paraná, 10/08;1942 e 02/09/1942, p. 6.
10. Proposição Nº 009.00199.2007 do vereador Zé Maria, da Câmara Municipal de Curitiba, que denomina de Jandira Ferreira dos Santos
um dos logradouros públicos de Curitiba, no bairro Fazendinha.
11. Claro Ferreira dos Santos foi registrado como amador pelo Ferroviário em 1933. Em casa tinha o apelido de “Nêne”. O Dia/PR,
25/10/1933, p. 6. O último dos Ferreira vai defender o Ferroviário. Diário da Tarde, 15/07/1936, p. 6.

434
Anedota referente entrada de Baiano no time do Ferroviário

Fonte: Correio de Notícias, 14/07/1937, p. 4

Baiano fez carreira no futebol de Curitiba iniciando aos 12 anos no Santos Futebol Clube da rua Saldanha
Marinho, junto com os irmãos José e Haroldo (Bananeiro)12. Em 1934, ele foi registrado como jogador amador
do Clube Atlético Ferroviário13 e no ano seguinte foi convocado para atuar ao lado do irmão Bananeiro no
quadro profissional visto que os irmãos Janguinho e José Ferreira haviam sido contratados pelo Santos Futebol
Clube (OLIVEIRA, 2005). Quando do retorno dos irmãos do Santos para o Ferroviário, no ano de 1937, Baiano,
o “quarto dos Ferreira, em seu début como half direito, reformou a linha dos irmãos que tanto popularizou o
Ferroviário. Antes ele era center-half do esquadrão secundário”14:

Os irmãos Ferreira do primeiro quadro do time da Estação agora são quatro. É que conforme
noticiado, Baiano, o centro-médio da classe secundária foi promovido ao quadro principal
onde ocupará a posição médio direito. Assim, são quatro AM juntos: Bananeiro, Janguinho,
Ferreira e Baiano. (CORREIO DO PARANÁ, 26/06/1937, p. 5)

Baiano, Ferreira e Janguinho, a “trinca de ouro” do Ferroviário já consagrada pela crítica é a


mais perfeita linha média do soccer paranaense. (CORREIO DO PARANÁ, 03/01/1938, p. 4)15

Os irmãos Ferreira são uma espécie de Athos, Portos, Aramys e Dartagnam do Ferroviário.
(CARDOSO, Alfredo. CORREIO DO PARANÁ, 06/04/1939, p.5)

Sem dúvida alguma é a melhor linha média do Paraná e do Brasil. Os Ferreiras são maravilhosos.
Parece impossível um ritmo igual, parece que estão dançando no campo, um shotts, valsa
ou uma dança de Fred Astaire e a cadência estudada e produtiva. Não perdiam uma bola e
além de tudo não deixavam passar nada, dando serviço à linha contrária: uns verdadeiros
bailadores da pelota. Creio que tal harmonia só existe mesmo hoje na linha média do Quadro
da Estação, porque não se concede uma coisa igual, um assombro de combinação entre esses
magos da pelota. (CARDOSO, Alfredo. Diário da Tarde, 24/12/1937, p. 6)

12. Quem é quem no Ferroviário. Disponível em https://sumulastche.wordpress.com/2014/04/11/ca_ferroviario_pr/. Acesso


14.janeiro/2019.
13. Boletim Nº 51 da Federação Paranaense de Desportos. O Dia/PR, 09/02/1934, p. 6.
14. Correio do Paraná, 26/06/1937, p. 5. O Estado/PR, 13/07/1937, p .8.
15. Nesse período o irmão Bananeiro ficou sem atuar um tempo porque estava cumprindo as punições dadas pela Federação Paranaense
de Futebol devido a seu comportamento indisciplinar.

435
Time Ferroviário em julho de 1937

Fonte: Correio do Paraná, 16/07/1937, p. 4

IRMÃOS FERREIRA

Fonte: Correio de Notícias, 14/10/1937, p. 5

436
BAIANO E JANGUINHO

Fonte: O Dia/PR, 07/12/1938, p. 6

O Santos chegou a enviar um representante para o Paraná, no ano de 1937, a procura de “novos talentos”.
Baiano chegou a ser visado pelo clube santista e recebeu propostas de outros clubes paulistas, mas ele optou
por permanecer no Ferroviário, pois já almejava outro rumo para o seu destino e estava focado nos estudos16.
Em 1938, devido a uma pneumonia, Baiano ficou afastado um bom tempo dos gramados e “seu
substituto deu conta do recado, mas a falta de Baiano foi e está sendo notada. E todos estão contentes com a
volta do mignon half devidamente restabelecido dos perigos da enfermidade e integrará a linha dos médios.
Reaparecerá no Ferroviário a linha média dos irmãos Ferreira”17.
De 1937 até o ano de 1941, os quatro irmãos Ferreira constituíam a “Cortina de Aço” do Ferroviário18.
Em 1941, Janguinho foi jogar no Coritiba e a linha intermediária do Ferroviário ficou formada por Baiano–
Ferreira–Bananeiro. Logo em seguida, Bananeiro passa a atuar no time do Alto da Glória também. No ano de
1942, com a saída dos irmãos Janguinho e Bananeiro, que foram atuar no Coxa, os jornais noticiavam que:

O Ferroviário de hoje não possui pelotão valente e terrível, pois saíram seus melhores
defensores, tais como Janguinho e Bananeiro que defendem o Coritiba. Os que restaram no
Clube Atlético Ferroviário foram prejudicados pela falta de conjunto e entusiasmo e foram
perdendo forma física e habilidade.
[José] Ferreira, o malabarista da pelota, atacado de enfermidade, agora que volta ao campo.
Baiano e Zeca já não possuem aquele entusiasmo de antes que os fez donos absolutos de seus
postos e lhe granjeou a fama de jogador completo.
Essa onda de desinteresse decantou o Esquadrão de Ouro do qual não resta mais nada.
(GRAN-FINA, 14/02/1942, p. 13)

16. Correio do Paraná, 12/08/1937, p. 5. Diário da Tarde, 24/11/1937, p. 6. Correio do Paraná, 03/01/1938, p. 4.
17. Mosquito não jogará. O Dia/PR, 15/07/1938, p. 4.
18. Correio do Paraná, 19/07/1941, p. 5.

437
Os irmãos Ferreira sempre foram destaque no campeonato paranaense. Todos foram da Seleção
Paranaense, sendo que Janguinho foi o que mais vezes a integrou. Porém, no ano de 1942, Baiano e o irmão
Janguinho optaram por não participar dos treinos da Seleção Paranaense, que disputou o Campeonato Brasileiro
de Futebol, e enviaram um ofício para a Federação Paranaense de Futebol (FPF) apresentando os motivos da
desistência de ambos19.

Família Ferreira

Da esquerda para a direita: Baiano, José, Lucilia (a mãe), Janguinho e Bananeiro.


Fonte: Diário da Tarde, 24/11/1937, p. 6

Família de CRAQUES

Em pé, da esquerda para a direita: Oswaldo (Baiano), José (Ferreira), João (Janguinho) e Haroldo (Bananeiro),
Fonte: Cardoso (1978)

19. Correio do Paraná, 25/09/1942, p. 5.

438
Em 1932, era aluno do Colégio Novo Ateneu20. Em 1937, compôs o time de futebol do Novo Ateneu
que foi jogar em Irati21. Iniciou o curso de medicina na Faculdade de Medicina do Paraná no ano de 1939 e
chegou a participar do amistoso entre os acadêmicos da Faculdade de Medicina do Paraná contra os da Escola
Paulista de Medicina na qual “por 7 a 0 os acadêmicos paranaenses derrotaram os acadêmicos paulistas” 22. Foi
campeão universitário paranaense na modalidade futebol nos anos de 1940, 1941 e 1942 e vice-campeão em
1943 (CMC, 2006). Mesmo cursando medicina não abandonou o futebol “pois dependia de uma renda para dar
continuidade aos estudos” (MAROS, 2019).

Baiano em 1937, estudante do Colégio Novo Ateneu

Fonte: Correio do Paraná, 12/08/1937, p. 5

Formou-se em medicina em 13 de dezembro de 1945 (COSTA; LIMA, 2007)23 e os jornais da época lhe
parabenizavam destacando sua dedicação tanto ao esporte quanto aos estudos:

20. O Dia/PR, 23/02/1932, p. 8.


21. Correio do Paraná, 12/08/1937, p. 5.
22. Correio do Paraná, 27/09/1939, p. 4.
23. Os novos médicos. Diário do Paraná, 11/12/1945, p. 6.
Oswaldo Ferreira dos Santos não é o primeiro médico negro formado pela Faculdade de Medicina do Paraná. Em 1928 Antenor Pamphilo
dos Santos se formou em Medicina pela mesma instituição (ver capítulo 5 desse livro). Não se tem notícia de quem foi o primeiro médico
negro formado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR, 2018).
Oswaldo se formou em medicina no mesmo ano em que Enedina Alves Marques (ver capítulo 17 desse livro) se formou em engenharia.

439
Dr. OSVALDO FERREIRA DOS SANTOS

Entre os médicos que este ano concluíram o curso da Faculdade de Medicina, figura o doutor
Osvaldo Ferreira dos Santos, elemento popular no nosso esporte, onde milita ainda como
“crack” dos mais valorosos. É o famoso médio Baiano, pertencente, aliás, a uma família que
deu grandes valores do futebol.
Moço inteligente e estudioso, doutor Osvaldo Ferreira dos Santos fez um curso brilhante,
impondo-se entre seus colegas não só pelas suas qualidades pessoais, como também, pela sua
dedicação nos estudos.
Chegou, assim, o valoroso esportista à meta dos seus sonhos, ao concluir o curso de sua
vontade.
Ao jovem médico, cuja competência tem sido, aliás posta à prova, especialmente pelos seus
companheiros de clube, auguramos as maiores felicidades na humanitária e nobre missão,
desejando-lhe os maiores triunfos por ele alcançados no esporte.
Ao doutor Osvaldo Ferreira dos Santos e a sua família nossos sinceros parabéns. (Diário do
Paraná, 13/12/1945, p.6)

Jornal parabenizando Baiano pela formação em Medicina

Fonte: O Dia/PR, 15/12/1945, p. 5

440
Carteira de estudante de medicina

Fonte: acervo pessoal de Ozeil Moura dos Santos

Diploma de Oswaldo Ferreira dos Santos

Fonte: acervo pessoal de Ozeil Moura dos Santos

441
Uma vez formado, Baiano ainda atuou por mais dois anos no futebol paranaense, jogando no Ferroviário
até o ano de 1947 (OLIVEIRA, 2005). Em 1953, era membro do Departamento Médico da Federação Paranaense
de Futebol (FPF), sendo convocado como médico para atuar em clássicos como o Atletiba24.
Doutor Oswaldo fez concurso para a Secretaria de Estado da Saúde Pública do Paraná e trabalhou como
médico em várias cidades do estado, como Bituruna e Guaraqueçaba (CMC, 2006; MAROS, 2019). Depois, na
metade da década de 1950, teria se mudado para São Paulo e aberto um hospital para o atendimento de crianças,
visto ter se especializado na área de Pediatria e se tornado membro da Sociedade Brasileira de Pediatria e da
American Academy of Pediatrics (CMC, 2006; MAROS, 2019).
Foi casado com Felícia A. dos Santos. Não tiveram filhos. Faleceu em Curitiba, no Lar Dona Ruth aos 73
anos de idade, no dia 7 de julho de 1990. Está sepultado no Cemitério Municipal São Francisco de Paula25.
No ano de 2006 foi homenageado pela Câmara Municipal, que batizou uma das ruas de Curitiba com o
seu nome no bairro da Cidade Industrial26.
Os anúncios dos jornais da época chamam o time do Ferroviário de “pelotão colorado” de “colored”
27
. Outros anúncios fazem referência à cor dos irmãos Ferreira, como o que trata dos finalistas do campeonato
paranaense de 1937: o Coritiba e o Ferroviário, que tinham as mesmas possibilidades de vitória28. Porém, o
Ferroviário possuía o ESQUADRÃO DE AÇO considerado a melhor linha média do estado e que era composto
por três irmãos: Baiano, Ferreira e Janguinho. A matéria do Correio do Paraná de 4 de janeiro de 1938 destaca
algumas qualidades dos irmãos Ferreira:

A fama dos três irmãos vai longe. Todos jovens ainda têm pela frente um futuro esportivo dos
mais risonhos. E tudo o que se diga do “três mo ... renos”, não é exagero. Os irmãos Ferreira são
exímios praticantes do futebol. (grifo da autora)29

24. Paraná Esportivo, 14/10/1953, p. 7.


25. Certidão de óbito Nº 13.820 do Cartório Distrital do Uberaba.
26. Lei Nº 12.199 de 3 de maio de 2007 proposta do vereador Jorge Bernardi. Disponível https://www.cmc.pr.gov.br/wspl/sistema/
BibLegVerForm.do?select_action=&popup=s&chamado_por_link&nor_id=13122&PESQUISA. Acesso 29.janeiro.2019.
27. O Ferroviário Esporte Clube também era chamado de Colorado. A denominação “colored” ao mesmo tempo que fazia referência ao
pertencimento de Baiano ao time colorado tratava da cor da sua pele uma vez que o termo “colored peoples”, hoje em desuso, referia-se
às populações cuja cor da pele não se encaixava no padrão caucasiano estabelecido à época, ou seja, pessoas não brancas eram chamadas
de “colored”. Fonte: «Is the word ‘coloured’ offensive?». Magazine. BBC News. 09/11/2006. Disponível em http://news.bbc.co.uk/2/hi/
uk_news/magazine/6132672.stm. Acesso 04. Fevereiro.2018.
28. O Ferroviário foi o campeão paranaense de 1937.
29. Confrontando valores: a linha média do Ferroviário e a ofensiva do Coritiba, os pontos altos das equipes finalista do torneio de 1937.
Correio do Paraná, 04/01/1938, p. 5.

442
Os três coloreds: Baiano, Ferreira e Janguinho

Fonte: O Dia/PR, 05/10/1939, p. 4

Em 1907, quando Baiano ainda nem era nascido, foi publicada uma anedota racista que fez um
trocadilho com as palavras claro (nome do pai de Baiano) e escuridão (cor da pele preta), sendo um exemplo do
preconceito racial, o que também demonstra que apesar de toda a importância e sucesso da família Ferreira a
cor de sua pele não passava “despercebida”:

Anedota referente à questão racial da família Ferreira

Fonte: O Olho da Rua, 27/04/1907, p. 24

443
REFERÊNCIAS

CARDOSO, Francisco Genaro (1978). História do futebol paranaense. Curitiba: GRAFIPAR.


CMC (Câmara Municipal de Curitiba) (2006). Proposição 009.00003.2006 de autoria do vereador Jorge Bernardi
propondo a denominação de Oswaldo Ferreira dos Santos a um dos logradouros públicos ainda não nominados.
Lei Nº 12.1999 de 03/05/2007. Disponível em https://www.cmc.pr.gov.br/wspl/sistema/BibLegislacaoForm.
jsp. Acesso 29.janeiro.2019.
COSTA, Iseu Affonso da; LIMA, Eduardo Corrêa (orgs) (2007). O ensino de medicina na Universidade Federal do
Paraná. 2ª edição. Curitiba: Editora da UFPR.
MACHADO, Heriberto Ivan; CHRESTENZEN, Levi Mulford (2005). Futebol do Paraná: 100 anos de história.
Curitiba: [edição dos autores].
MAROS, Angieli (2019). De craque a doutor: a história do jogador que se tornou um dos primeiros médicos
negros do Paraná. Gazeta do Povo, 14/01/2019. Disponível em https://www.gazetadopovo.com.br/curitiba/
de-craque-a-doutor-a-historia-do-jogador-que-se-tornou-um-dos-primeiros-medicos-negros-do-pr-
0d0gvdi6eiixnlf6p5fafdare/. Acesso 29.janeiro.2019.
OLIVEIRA, Carlos Roberto de (2005). O negro no futebol paranaense: o caso do Coritiba Football Club (1909–
1942). Curitiba: Imprensa Oficial.
UFPR (2018). Diploma de jogador de futebol negro formado em Medicina pela UFPR, em 1945, é entregue
ao reitor por cônsul do Senegal. Disponível em http://www.ufpr.br/portalufpr/noticias/diploma-do-jogador-
de-futebol-negro-formado-medico-pela-ufpr-em-1945-e-entregue-ao-reitor-por-consul-do-senegal/. Acesso
29.janeiro.2019.
OZEIL (2019). Entrevista de Ozeil Moura dos Santos, sobrinho de Oswaldo Ferreira dos Santos, concedida a Ana
Crhistina Vanali no dia 24 de abril de 2019 em Curitiba.

444
58
OZEIL MOURA DOS
SANTOS
Nascimento: Curitiba/PR, 10 de abril de 1941

Ozeil Moura dos Santos. Curitiba, 2017.


Fonte: acervo pessoal de Ozeil Moura dos Santos.

445
OZEIL MOURA DOS SANTOS
Ana Crhistina Vanali

“Ele é o embaixador da África no Paraná”


(HAYGERT, 2015, p. 629)

Ozeil Moura dos Santos nasceu em Curitiba, no bairro Água Verde aos 10 de abril de 1941. Filho de José
Ferreira dos Santos e de Zeila Moura dos Santos. Neto de Claro Lourenço dos Santos e de Lucilia Ferreira dos
Santos.
Aos 11 anos de idade, em 1952 começou a jogar futebol no Sesinho. Em 1956 já atuava no Clube Atlético
Ferroviário, pelo qual foi registrado na categoria juvenil como meia direita em 1958. O CAF foi campeão juvenil
naquele ano. Nessa época o chamavam de “Ferreirinha” em referência ao pai, que era conhecido como Ferreira.

Oze, joga igual ao pai e quer ser chamado de Ferreira.

Oze entrou na redação sorrindo, andando manso, passo de craque e olhar por ciam. “Máscara”
na certa, como dizem seus próprios companheiros de equipe. Fez “panca” e logo dava cartas,
comandando a entrevista. Ficamos olhando e guardamos um sorriso para não desgostar o
moço:
- Teu nome?
- Ferreira
Um dos garotos que o acaompnhavam já protestou:
- O nome dele é Oze.
- Bem, agora era a nossa vez de nos embaraçarmos. Mas, a entrevista continuava.
- Teu pai te ensinou a jogar?
- Que nada. Pior que isto. Não quer saber que eu jogue bola. Ralha comigo ...
- Tua posição?
- Meia direita.
- Futuro?
- Quero ser craque de futebol. Penso na camisa do Ferroviário – e voltou a sorrir – mas não
deixo de pensar também na verde e branca que meu pai e tio vestiram.
(Paraná Esportivo, 28/09/1956, p. 5).

Ozeil com 17 anos (1958)

Fonte: acervo Ozeil Moura dos Santos

446
Ozeil em 1958 com a faixa de campeão juvenil paranaense pelo CAF

Ozeil a esquerda ao lado do primo Benedito Del Bosco Moura, presidente e membro do Conselho Deliberativo do CAF e delegado da
receita federal.
Fonte: acervo Ozeil Moura dos Santos

O ESPORTISTA

O esporte sempre esteve presente na vida de Ozeil. No ano de 2011, foi agraciado com o Prêmio Mérito
Esportivo concedido Câmara Municipal de Curitiba pelo seu destaque alcançado na área do futebol e do tênis
de mesa. Entre suas principais atividades esportivas foram destacadas:
- aos 11 anos, iniciou jogando no time infantil do Cezinho Esporte Clube. Os jogos ocorriam no terreno
do antigo Moinho Paranaense, no bairro Rebouças.
- pelo time do São Cristóvão, foi campeão do torneio infanto-juvenil promovido pelo Clube Atlético
Parananense.
- pelo Clube Atlético Ferroviário, foi campeão na categoria juvenil da Copa Tribuna em 1958.
- participou da Seleção de Futebol de Salão da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade
Católica do Paraná.
- participou da Seleção de Futebol de Campo da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade
Católica do Paraná.
- participou da Seleção de Voleibol da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Católica do
Paraná.
- participou da Seleção de Futebol de Campo do Santa Mônica Clube de Campo.
- foi campeão de tênis de mesa pela Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Católica do
Paraná.
- foi da Seleção Universitária Paranaense de futebol de campo.

447
O SOCIÓLOGO

Em 1960, Ozeil foi convocado para o alistamento do serviço militar e, em 1962, era cabo do Centro de
Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR). Parou com o futebol nesse mesmo ano de 1960, pois foi incentivado
pelos pais a estudar. Em Curitiba estudou no Grupo Doutor Xavier da Silva, Colégio Novo Ateneu e Colégio Bom
Jesus. Fez a Escola Técnica de Comércio De Plácido e Silva, realizou os estudos universitários em Sociologia
Política e Administração Pública na Universidade Católica do Paraná “onde era o único negro da sala e da
faculdade” (OZEIL, 2019). Pode-se dizer que Ozeil rompeu uma barreira: ter dois cursos universitários numa
época em que acessar o ensino superior era para poucos, ainda mais sendo negro.
Após a conclusão dos estudos superiores, em 1965, partiu para uma viagem pela Europa com o
objetivo de se inteirar das inovações de sua área, sendo um dos coordenadores dessa caravana de intercâmbio
de estudos econômicos, sociológicos e administrativos que passou por Portugal (Lisboa, Castelo Branco e
Porto), Espanha (Madri, Toledo, Salamanca, El Escorial, Guadalajara e Barcelona), França (Marselha, Cannes,
Nice, Bordeaux e Paris), Principado de Mônaco (Monte Carlo), Suíça (Mannedorf, Genebra, Zurique, Berna,
Lausane e Zermatt), Itália (Nápolis, Roma, Florenã, Bolonha, Ferrara, Veneza, Milão e Gênova), Áustria (Viena,
Salzburgo e Insbruck), Alemanha (Munique, Sttutgart, Frankfurt, Colônia, Dusseoldorf, Essen, Hanover, Baden-
Baden, Berlim, Hamburgo e Bremen), Bélgica (Bruxelas), Holanda (Roterdão, Amsterdã e Haia), Dinamarca
(Copenhagem), Suécia (Estocolmo), Noruega (Oslo) e Inglaterra (Londres, Liverpool e Manchester).
Mais tarde também empreendeu viagens pesquisando e estudando os aspectos políticos, sociológicos,
culturais, comerciais, econômicos, científicos, tecnológicos e turísticos para os Estados Unidos (Miami, Nova
Iorque, São Francisco, Los Angeles, Boca Raton, Las Vegas, San Diego e Salt Lake City), Argentina (Buenos Aires,
Córdoba, Corrientes, Mendonza e Bariloche), Paraguai (Assunção, Ciudad del Este, Villeta e Valemi), Uruguai
(Montevídeo e Punta del Este), Chile (Santiago, Concepção, Vina del mar e Valparaíso), Nigéria (Lagos e Port
Harcourt), Bahamas (Free Port e Nassau), México (Cidade do México e Acapulco), Costa do Marfim (Abidjan e
Yamoussoukro), Senegal (Dakar, Diourbel, Joal-Fadiout, Kaolack, Linguere, Rufiske, Saint-Louis, Tambacounda,
Thies e Ziguinchor), Togo (Lomé) e Aruba (Oranjestad).
Em 1967, foi eleito o primeiro presidente do Conselho Regional dos Sociólogos e Cientistas Sociais do
Paraná, entidade reconhecida de utilidade pública pelo governador Paulo Pimentel. O Paraná foi o primeiro
estado a congregar a classe em uma entidade, sendo que existiam cerca de 30 mil sociólogos no Brasil naquela
época. O objetivo do conselho era promover a defesa dos interesses da classe dos sociólogos e cientistas sociais
do Paraná, bem como difundir e desenvolver os princípios, técnicas e normas da Sociologia, além de lutar pela
regulamentação da profissão, afinal era “necessário confiar a homens preparados e especializados no ramo a
pesquisa sociológica e as cátedras de Sociologia, muitas vezes, melancolicamente entregues a simples amadores
ou curiosos, pois o amadorismo é a tutela da ignorância e a morte da ciência”, declarou Ozeil ao ser investido no
cargo.
Ozeil participou do ciclo de conferências sobre Segurança Nacional e Desenvolvimento ofertada pela
Associação dos Diplomatas da Escola Superior de Guerra (ADESG) em 1971 e em 1972.

448
O EMPRESÁRIO

No ano de 1967 fundou a empresa PLANEPAR (Organização de Planejamento Técnico e Econômico do


Paraná), que com 53 anos de atividades, realizou projetos de planos diretores e de infraestruturas para cidades
de vários estados brasileiros como Paraná, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A empresa dedicou-
se a pesquisa, planejamento, assessoria e elaboração de projetos de infraestruturas, tais como água, esgoto,
aerofotometria, topografia e cadastro técnico. Desenvolveu uma centena de outros projetos específicos obtendo
recursos financeiros nacionais e internacionais para diversos municípios paranaenses. Trabalhou em mais de
uma dezena de projetos para o Ministério da Saúde na área e infraestrutura para os municípios.
Entre os muitos trabalhos realizados pela PLANEPAR, destaca-se o de Praia Grande cuja nova dimensão
relata a metodologia moderna utilizada na elaboração do plano diretor desse município. O de Balneário
Camboriú que foi um novo conceito de planejamento de turismo. Esse plano diretor transformou o município no
melhor do Estado de Santa Catarina. Os outros de destaque foram os dos municípios de Curitibanos/SC, Itajái/
SC, Águas de Lindoia/SP, Jacareí/SP, Guaíra/PR, Formosa do Oeste/PR e Pinhalzinho/SC, além do Complexo
Industrial Naval de Guarujá. Todos esses projetos foram executados pela PLANEPAR, sob a coordenação geral
de Ozeil Moura dos Santos, diretor-presidente da empresa.

CING - Complexo Industrial Naval de Guarujá

Fonte: acervo Ozeil Moura dos Santos

449
Recomendações do I Congresso Brasileiro de Turismo e Termalismo

Fonte: acervo Ozeil Moura dos Santos

450
Planos Diretores da PLANEPAR para Praia Grande/SP e Balneário Camboriú/SC

Fonte: acervo Ozeil Moura dos Sanos

Ozeil com o presidente Ernesto Geisel e o prefeito de Praia Grande Leopoldo Estásio Vanderlinde

Apresentação do Plano Diretor de Praia Grande/SP com a presença de vários Ministros de Estado e do governador de São Paulo Laudo
Natel
Fonte: acervo Ozeil Moura dos Santos

451
Ozeil entregando projeto da PLANEPAR ao diretor-presidente da Companhia de Telecomunicações do Paraná (Telepar) Ivo Arzua

Fonte: acervo Ozeil Moura dos Santos

Ozeil entregando o plano direitor ao prefeito de Itajaí, Júlio César, com a presença do governador de Santa Catarina, Colombo Machado
Salles

Fonte: acervo Ozeil Moura dos Santos

452
Ozeil na presença do governador Colombo Sales e com todos os secretários de estado de Santa Catarina quando da entrega do plano
diretor do município de Itajaí

Fonte: acervo Ozeil Moura dos Santos

O prefeito de Curitibanos, Onofre Santo Agostini, assinando contrato com a PLANEPAR para a realização do plano diretor do município

Fonte: acervo Ozeil Moura dos Santos

453
Ozeil entregando o projeto do Complexo Industrial Naval de Guarujá ao Ministro da Marinha Maximiano Eduardo da Silva Fonseca e ao
prefeito de Guarujá Jayme Daige

Fonte: acervo Ozeil Moura dos Santos

Ozeil apresentando o plano diretor de Balneário Camboriú - 1974

Com o governador de Santa Catarina Antonio Carlos Konder Reis e o prefeito de Balneário Camboriú Gilberto Américo Merinho.
Fonte: acervo Ozeil Moura dos Santos

454
Plano Diretor físico territorial do Balneário Camboriú

Fonte: acervo Ozeil Moura dos Santos

455
Plano Diretor físico territorial do Balneário Camboriú

Fonte: acervo Ozeil Moura dos Santos

456
Visando o intercâmbio comercial entre o Brasil e os países africanos, o fortalecimento do
empreendedorismo afro-brasileiro, Ozeil viajou para vários países africanos, como delegado do Paraná,
juntamente com o presidente da Câmara de Comércio Afro-Brasileira – AFROCHAMBER, o empresário e
deputado federal por São Paulo, Adalberto Camargo no ano de 1981.
Além da PLANEPAR, fundada em 1967, Ozeil também foi o mentor de outras entidades das quais é
diretor presidente:
- 1986: Afrobrás Exportação e Importação. Com 34 anos de fundação, está apta a levar produtos
brasileiros para qualquer parte do mundo e ao mesmo tempo trazê-los para o Brasil. Visa a aproximação do
mercado brasileiro sobretudo com o mercado africano, que é um continente com possibilidades ilimitadas
para o empresário exportar seus produtos, projetos e transferir tecnologia, bem como abrir caminhos para o
Mercosul e a América Latina.
A Afrobrás Exportação e Importação, recebeu o Título de “Consagração Pública Municipal” outorgado
pela Câmara Municipal de Curitiba, pelos relevantes serviços prestados a comunidade de Curitiba e /do Estado
do Paraná, concernente ao intercâmbio Comercial, Turístico, Cultural, Educacional e Transferência de Tecnologia
entre os países do Continente Africano e o Brasil, em especial no Estado do Paraná.
- 1987: Viajatur Passagens e Turismo. Com 33 anos de existência, visa grandes parcerias através
dos quais os empresários não fazem só turismo, mas comércio, com roteiros personalizados e operados pela
empresa. Está apta a oferecer vendas de excursões personalizadas, vendas de passagens, reservas de hotéis,
turismo receptivo, organização de congressos e eventos, locação de automóveis, entre outros.
- 1990: Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Senegal-África. Com 30 anos de fundação, busca
cooperação cada vez maior entre as Câmaras de Comércio e entidades com a mesma finalidade, dentro e fora
do Brasil, podendo celebrar acordo de reciprocidade e colaboração nos assuntos pertinentes às finalidades
dessas entidades, bem como cooperar para que as transações comerciais de seus associados com entidades
sediadas nos países da África-Senegal e outros continentes, sejam sempre levadas a bom termo, colaborando na
remoção dos obstáculos que possam surgir nas transações e prestando-lhes todas as informações e orientação
com essa finalidade. Promover, organizar ou participar de congressos, feiras, exposições e reuniões que venham
a realizar-se no páis ou no estrangeiro. A manter em cada país membro, exposição permanente dos produtos
regionais dos demais, com o cadstro getal dos respectivos exportadores. Recepcionar missões comerciais,
agentes e representantes de organismos com o comércio do Paraná, Brasil, Senegal, os países da África e outros
continentes.
- 1996: Centro de Integração Social, Cultural, Comercial e Turístico Afro-brasileiro. Com 24 anos
de atuação, visa promover o desenvolvimento das relações comerciais e industriais, o intercâmbio social,
cultural, comercial, turístico, científico, tecnológico e industrial, a nível mundial, principalmente entre os países
africanos, os Estados Unidos e o Estado do Paraná. Elaborar e desenvolver programas de divulgação da cultura
do Estado do Paraná e demais estados da federação junto ao continente africano, norte americamo e outros
países. Divulgar e promover o potencial cultural, comercial, turístici e industrial do estado do Paraná e demans
estados junto ao continente africano, norte americano e outros países. Prestar serviços especializados aos
setores públicos e privados que operam ou se dediquem ao comércio exterior com países africanos entre outros.
Incentivar, coordenar e recepcionar missões comerciais estrangeiras, agentes e representantes de quaisquer
organismos relacionados com o comércio internacional, em especial do continente africano e norte-americano.
O Centro poderá celebrar convênios em todos os ministérios e órgãos públicos ou privados envolvidos com o
comércio exterior, turismo intercâmbio cultural, científico, tecnológico e industrial.

457
Todas as entidades acima citadas, bem como o Consulado Geral da República do Senegal em Curitiba,
receberam o título de consagração pública municipal, outorgada pela Câmara Municipal de Curitiba, em
reconhecimento aos relevantes serviços prestados a comunidade curitibana e brasileira em suas respectivas
áreas de atuação.

O CÔNSUL

Foi por meio de um dos projetos realizados pela PLANEPAR que, no ano de 1984, conheceu o embaixador
do Senegal o senhor Simon Senghor e o conselheiro econômico o senhor Cesar Tity Coly, e a partir desses
encontros, decidiu levar seus conhecimentos sobre planejamento urbano, exportação e importação de produtos
brasileiros para o continente africano. Para isso, montou um programa visando a integração do Senegal e do
Brasil em vários campos: científico, cultural, comercial, esportivo, turístico e de transferência de tecnologia.
Assim, em 1985, foi nomeado cônsul honorário do Senegal para o Paraná pelo então presidente da República
Senegalesa o senhor Abdou Diuf. Em 16 de setembro de 2009 o consulado passou a se denominar Consulado
Geral Honorário para a jurisdição dos estados do Paraná e Santa Catarina conforme ofício do embaixador
do Senegal Fode Seck.

Instalação do Consulado Geral do Senegal em Curitiba - 1985

Da esquerda para a direita: Ozeil, embaixador do Senegal Simon Senghor, Governador José Richa e o conselheiro econômico César Tity
Coly
Fonte: acervo Ozeil Moura dos Santos

Entre as principais atividades diplomáticas de Ozeil destacam-se:


- 1985: nomeado Cônsul do Senegal para o Estado do Paraná
- 1981/1991: delegado da ACONBRAS (Associação dos Cônsules Honorários do Brasil) para o estado
do Paraná

458
- 1986/1987: diretor social da Sociedade Consular do estado do Paraná
- 1987-89, 1989-91, 1991-93, 1997-99: presidente da Sociedade Consular do estado do Paraná
- 1991-93: Durante sua gestão na Sociedade Consular do estado do Paraná editou a revista Diplomacia
Hoje, pelo meio da qual divulgava as diferentes atividades desenvolvidas e apoiadas pela entidade.
- 1988/1990: membro do conselho consultivo de ACONBRAS
- 1993/1996: presidente da ACONBRAS a nível nacional.
- 1995 a 2017: o Consulado Geral Honorário da República do Senegal para os Estados do PR e SC, a
Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Senegal-África e o Centro de Integração Afro-Brasileiro em parceria
com a Assembleia Legislativa do Paraná, realizaram durante 23 anos consecutivos, sessão solene todo dia
20 de novembro em comemoração ao dia da Consciência Negra, homenageando mais de uma centena de
personalidades que foram significativas e contribuíram para o bem estar de suas comunidades e enaltecendo
as maiores personalidades afro-descendentes do mundo com apresentação de vídeos e peças teatrais.
- 2007: delegado do corpo consular do Brasil para os estados do PR, SC e RS
- 2007: diretor geral nacional de Comércio Exterior do Corpo Consular do Brasil
- 2009: nomeado Cônsul Geral Honorário do Senegal para os estados do Paraná e de Santa Catarina
- 2010: idealizador do Portal Africano da cidade de Curitiba e da Praça Zumbi dos Palmares

Governador Álvaro Dias, com a esposa, na posse de Ozeil como Presidente da Sociedade Consular do Estado do Paraná

Fonte: acervo Ozeil Moura dos Santos

Foi diretor social (1986-1987), presidente (1987/89, 1991/93 e de 1997/99) e diretor secretário
(1999-2001) da Sociedade Consular do Paraná. Sob sua coordenação, realizou-se nos dias 29 e 30 de novembro
de 1990, em Curitiba, o I ACONBRAS (Associação dos Cônsules Honorários no Brasil). O evento contou com a
participação de representantes de 38 consulados que, ao final, assinaram a “Carta de Curitiba”. O documento
procurava incentivar a criação de institutos culturais e de câmaras de comércios em todo o território nacional
com a finalidade de estreitar as relações comerciais, culturais, científicas, turísticas e na transferência de
tecnologia entre o Brasil e outros países. Ozeil foi eleito presidente da ACONBRAS e durante a sua gestão, de 3
anos, realizou em Curitiba o I Congresso Nacional dos Cônsules Honorários e, em Foz do Iguaçu, o I Congresso
Internacional dos Cônsules Honorários, além de editar a revista Diplomacia Hoje divulgando as atividades
desenvolvidas pela Associação dos Consules.

459
I Simpósio Nacional de Cônsules (Curitiba – 1993)

Fonte: acervo Ozeil Moura dos Santos

460
Governador Álvaro Dias recebendo o Diploma de Membro Honorário da ACONBRAS do Presidente da Sociedade Consular do Estado do
Paraná Ozeil Moura dos Santos

Fonte: acervo Ozeil Moura dos Santos

Ozeil com José Deodato Skroski recebendo o Diploma de Consagração Pública como diplomata o ano da SENAP (Serviço Nacional de
Profissionalização)

Fonte: acervo Ozeil Moura dos Santos

461
PARCERIAS DO CONSULADO

O jornal Diário Indústria & Comércio (I&C) através do seu presidente Odone Fortes Martins e sua equipe
técnica deu uma ampla e vasta cobertura a todos os eventos promovidos pelo Consulado Geral da República
do Senegal em Curitiba ao longo desses 35 anos de sua existência, sobretudo aos que eram promovidos sobre
os afro-descendentes. Foi divulgado em manchetes a vinda dos embaixadores africanos para a inauguração
do maior portal africano do mundo, que se localiza em Curitiba. Esses embaixadores vieram em busca de
tecnologia e de negócios. Também foram divulgadas as 23 edições do evento que o Centro de Integração Social,
Cultral, Comercial e Turístico Afro-Brasileiro, o Consulado Geral Honorário da República do Senegal
para os Estados do PR e SC e a Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Senegal-África promoveram com
a Assembleia Legislativa do Paraná, referente a imortalidade de Zumbi dos Palmares. O 1º Simpósio
Africano Internacional realizado pelo Consulado Geral do Senegal em parceria com a FECOMERCIO na figura
do seu presidente Darci Piana, teve total cobertura do I&C, tendo sido realizado em julho de 2011, onde 27
embaixadores do continente africano se reuniram durante dois dias com as entidades empresariais do Paraná,
além de representantes do governo, que apresentaram seu trabalho aos diplomatas africanos.

Reunião dos embaixadores africanos em Curitiba (junho de 2011)

Fonte: Revista África, novembro 2012, p. 22.

Em novembro de 2012 a FECOMÉRCIO e o Consulado Geral da República do Senegal publicaram a


revista ÁFRICA com os registros do 1º Simpósio Africano Internacional e do encontro de todos os embaixadores
africanos creditados no Brasil que ocorreu em junho daquele ano em Brasília. Nas palavras do presidente da
FECOMÉRCIO, o senhor Darci Piana:

Os encontros históricos com os embaixadores africanos, em Curitiba e em Brasília,


representaram não só um novo patamar nas relações comerciais entre a África e o Paraná.
Os eventos abriram inúmeras perspectivas de intercâmbio, em áreas tão diversas quanto a
tecnologia e a cultural.
[...] vai permitir que possamos saldar a imensa dívida histórica que temos com a África.
[...] as nações africanas são nossas irmças, representadas pelos 54 países que compõem o
inescrutável espectro multicultural do continente. E serão sempre bem-vindas para que
possamos seguir juntos na tarefa de aprimorar as relações entre os seres humanos e auxiliar
no desenvolvimento das civilizações. (REVISTA ÁFRICA, 2012, p. 2)

462
Nesses encontros foram reafirmados o papel da FECOMÉRCIO na integração com o continente africano,
uma vez que é de interesse da Federação e do governo do Estado contribuir em todas as áreas com os países
africanos. “O Portal Africano está aberto, com todas as bandeiras, nomes e localizações dos países africanos,
fixados nos totens, demonstrando a irmandade que temos por aquele continente”, declarou Darci Piana
(REVISTA ÁFRICA, 2012, p. 5).
O Cônsul Ozeil ressaltou que “o Paraná e suas entidades e universidades, estão prontas para serem
parceiras de todos os países quem compõem o continente africano, com vistas na integração comercial, cultural,
turística, esportiva, científica e na transferência de tecnologia” (REVISTA ÁFRICA, 2012, p. 5). Ainda declarou
que há a possibilidade de atuação parceira não só com o setor público, mas com o setor privado
Essa edição da Revista ÁFRICA traz os depoimentos dos embaixadores do Senegal, Cabo Verde, Etiópia,
Argélia, Burkina Faso, Camarões, Sudão, Tanzânia, Zimbábue, Tunísia, Egito, Boutsuana, Costa do Marfim, Guiné
Bissau e Marrocos sobre os dois eventos promovidos com o Consulado Geral Honorário do Senegal em Curitiba
junto com a FECOMÉRCIO e da importância em se solidificar o intercâmbio nas diferentes áreas entre o Paraná,
o Brasil e o continente africano.

Revista ÁFRICA com o registro do 1º Simpósio Africano Internacional

Fonte: acervo Ozeil Moura dos Santos

463
Entregando a Revista África para Pelé (2018)

Fonte: acervo Ozeil Moura dos Santos

Outra publicação em parceria do Consulado Geral Honorário do Senegal com a FECOMÉRCIO foi o
folder “África e Brasil: dois continentes, uma identidade cultural preciosa”, editado em português e em inglês,
apresenta um resumo sobre as principais atividades realizadas com os embaixadores africanos.

Folder de divulgação das atividades do Consulado Geral da República do Senegal

Fonte: acervo Ozeil Moura dos Santos

464
O MAÇOM

Maçom, em 15 de novembro de 1971 já era mestre, e juntamente com outros mestres, fundaram a
Loja União, Justiça e Verdade, com sede na rua Buenos Aires, nº 277, escritório do irmão Ozeil, “baseando seus
fundamentos na mais alta concepção de Fraternidade, de Igualdade e de Liberdade”. Ozeil propôs a data de
fundação em 15 de novembro, bem como indicou o nome da loja União, Justiça e Verdade.
Em 1978, foi o grande secretário geral da administração do Grande Oriente do Brasil, seção Paraná. Em
1983, foi o venerável da Loja Maçônica Saldanha Marinho V por dois mandatos durante os quais editou o jornal
“O Tribuno” para divulgar aos irmãos as diferentes atividades desenvolvidas e os assuntos tratados pela Loja,
bem como dar conhecimento das inovações que aconteciam no mundo. Nessa mesma época elaborou sua tese
de um novo conceito da maçonaria estruturada e operativa que foi aprovada nos congressos maçônicos de São
Paulo e do Paraná. Também foi seu deputado federal. Ozeil foi proclamado pelo Supremo Conselho do Brasil
para o Rito Escosês Antigo e aceito no grau 30 como Cavaleiro da Kadosch em 24 de abril de 1984.
Em 2009, recebeu a Comenda Irmão Pedro Setnik, que é outorgada àqueles que tenham prestado
relevantes serviços à Loja Maçônica Bondade e Justiça, à maçonaria Universal ou aqueles que se destacam na
sociedade dentro dos princípios maçônicos. Hoje, o irmão Ozeil está adormecido na sombra das acácias há mais
de 30 anos.

Ozeil em 2009 com a Comenda Irmão Pedro Setnik

Fonte: http://bebelritzmann.blogspot.com (17/06/2009)

465
Comemoração aos 45 anos da Loja União, Justiça e Verdade

Fonte: acervo Ozeil Moura dos Santos

466
Exemplares do jornal O Tribuno

Nº 1 – 1983 Nº 2 - 1984

Nº 3 – 1984 Nº 4 - 1985

Fonte: acervo Ozeil Moura dos Santos

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CLUBES SOCIAIS

Ativo e articulado, Ozeil participou de vários clubes sociais:


- 1956: sócio no Esporte Clube Água Verde
- 1956: sócio da Sociedade Recreativa Internacional da Água Verde
- 1957: sócio da Vila Morgenau
- 1957: sócio na Sociedade Operária Beneficente Dom Pedro II
- 1958: sócio do Coritiba Footbal Clube
- 1960: sócio da Sociedade Protetora dos Operários
- 1960: sócio da Sociedade Beneficente do Ahú
- 1960: sócio efetivo do Santa Mônica Clube de Campo
- 1961: sócio da Sociedade Beneficente do Batel
- 1962: sócio do Operário Esporte Clube do Ahú
- 1962: sócio da Sociedade Beneficente das Mêrces
- 1963: sócio remido da União Juventus
- 1965: sócio remido do Jockey Club do Paraná
- 1976: presidente do Conselho Deliberativo do Santa Mônica Clube de Campo
- 1983: sócio do Círculo Militar do Paraná
- 1993: sócio efetivo do Paraná Clube
Também participou de clubes de serviços:
- 1978: fundador e presidente de divisão do Lions Clube Curitiba/Los Angeles
- 1982: fundador e presidente do Lions Clube de Curitiba/Ambiental
- 2000: sócio e coordenador da avenida de assuntos internacionais do Rotary Club Curitiba Leste

INSTITUIÇÕES CULTURAIS

Entre as diversas instituições culturais das quais participa, as principais são:


- Centro de Letras do Paraná, sócio efetivo desde dezembro de 1975
- Academia de Cultura de Curitiba (ACCUR), sócio afetivo desde julho de 1996
- Academia Evangélica de Letras do Paraná, sócio efetivo desde novembro de 1997
- Academia de Letras José de Alencar, sócio efetivo desde outubro de 1999
- Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, sócio efetivo desde dezembro de 2000

Ozeil, ao centro, com a esposa Eloina e o presidente da ACCUR – Ivo Arzua, quando da sua admissão na ACCUR (1996)

Fonte: acervo Ozeil Moura dos Santos

468
CONDECORAÇÕES HONORÍFICAS

Entre as condecorações honoríficas que recebeu, destacam-se:


- 1973: Medalha Cultural José Bonifácio de Andrada e Silva, o patriarca, concedida pela Sociedade
Brasileira de Heráldica e Medalhistica de São Paulo
- 1974: Título Honorifico de Barão da Santa Igreja, titulado Barão do Paraná, concecido pela Igreja
Católica Apostólica e Ortodoxa de Embu-Guaçu, estado de São Paulo- 1978: Conferido o grau de Comendador da
Legião de Honra Giuseppe Garibaldi, o herói dos dois mundos, em reconhecimento dos seus dotes de dignidade,
magnimidade e fraternidade humana pela Legião Giuseppe Garibaldi de São Paulo
- 1976: Medalha Cruz do Mérito Cívico e Cultural da Sociedade Brasileira de Heráldica e Medalhística
de São Paulo por seus serviços prestados à causa brasileira.
- 1983: Grau de Comendador da Legião de Honra Giuseppe Garibaldi, o herói dos dois mundos,
em reconhecimento dos seus dotes de dignidade, magnimidade e fraternidade humana pela Legião Giuseppe
Garibaldi de São Paulo
- 1988: Medalha Carlos Gomes em reconhecimento por todos os seus méritos como planejador de
cidades concedida pela Sociedade Brasileira de Artes e Cultura e Ensino de São Paulo.

HOMENAGENS

Ozeil recebeu mais de uma centena de homenagens, condecorações, medalhas e diplomas que
demonstram o reconhecimento das sociedades paranaense, catarinense e curitibana, e de outros estados, por
seus trabalhos prestados, entre os quais destacam-se:
- 1972: eleito Sociólogo do ano da cidade de Ponta Grossa
- 1975: eleito planejador do ano no estado de Santa Catarina
- 1975: personalidade catarinense e paranaense
- 1976: eleito melhor planejador do ano no Paraná
- 1977: eleito administrador do ano no estado do Paraná
- 1977: troféu “Robalo de ouro” como melhor planejador da Baixada Santista, medalha de honra ao
mérito de Balneário Camboriú e melhor planejador turístico do Paraná
- 1978: melhor planejador do ano no Paraná
- 1984: prêmio Qualidade Brasil pela PLANEPAR e de planejador nacional do ano
- 1984: Medalha Monumento Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, patrono do Centro de
Estudos e Ciências Jurídicas e Sociais do Brasil pelo seu brilhante trabalho no setor de planejamento
- 1985: Diplomata do ano
- 1986: Tìtulo Pinhão de Ouro como diplomata (Cônsul do Senegal) concedido pela Câmara Municipal
de Curitiba (Anexo A)
1987: eleito uma das personalidades da década de 1980 da cidade de Curitiba
- 1987: título de diplomata do ano na cidade de Florianópolis
- 1988: prêmio Cidade de Curitiba – área de atuação: Sociólogo
- 1990: Prêmio Cidade de Curitiba outorgado pela Câmara Municipal de Curitiba como sociólogo
- 1990: Título de Vulto Emérito de Curitiba (Anexo B)
- 1991: Título de Cidadão Benemérito do Estado do Paraná
- 1993: Troféu Imprensa como melhor diplomata do ano outorgado pela International Pressa Jornalismo

469
e Promoções do Brasil Ltda.
- 1993: Diploma e Medalha no Jubileu de Prata da Academia Brasileira de História de São Paulo por seu
labor em prol dos seus semelhantes.
- 1994: Título de diplomata do ano outorgado pela Câmara Internacional de Pesquisa e de Integração
Social
- 1995: Título de Cidadão Honorário da Cidade de Ponta Grossa
- 1997: Placa de Prata como presidente da Sociedade Consular oferecido pela Associação Comercial do
Paraná
- 1997: Escultura de bronze do Rotary Internacional pelo trabalho de integração e desenvolvimento de
todos os povos
- 2006: Prêmio Personalidades Empreendedoras do Paraná ofertada pela Assembleia Legislativa do
Paraná
- 2006: Comenda da Ordem do Brasão Municipal de Rio Negro/PR
- 2006: Prêmio Consagração Pública Municipal ao Centro de Integração Social, Cultural, Comercial e
Turístico Afro-Brasileiro
- 2007: Prêmio Cultura e Divulgação outorgada pela Câmara Municipal de Curitiba
- 2008: Prêmio Cultura e Divulgação outorgada pela Câmara Municipal de Curitiba
- 2008: Prêmio Personalidades Empreendedoras do Paraná ofertada pela Assembleia Legislativa do
Paraná
- 2008: Diploma e medalha de integração Simon Bolivar outorgada pela Câmara Internacional de
Pesquisa e Integração Social pela causa da integração diplomática da América Latina
- 2008: Troféu Integração Latino Americano outorgado pela Câmara Internacional de Pesquisa e
Integração Social pelos trabalhos em prol da união da América Latina e do continente africano
- 2008: Troféu Internacional da Soroptmist International of the America
- 2008: Estatueta símbolo do Equador
- 2009: diploma e troféu da Federação Paranaense de Umbanda e Cultos Afro-brasileiro pelo projeto do
Portal Africano
- 2010: Ordem Nacional do Leão do governo de Senegal
- 2010: Medalha e Comenda JK, recebeu do governo de Minas Gerais, a mais alta condecoração do
estado, concedida na cidade de Diamantina, terra de Juscelino Kubiteschek, entregue pelo então governador
Antonio Anastácio
- 2010: Diploma de Consagração Pública, honra ao mérito como diplomata concedido pela Sociedade
Nacional de Pesquisa de Opinião Pública
- 2010: Cidadão Honorário de Antonina/PR
- 2011: Troféu Guerreiro do Comércio da FECOMERCIO
- 2012: Estatueta Guerreiro Lusitano da Câmara de Comércio Brasil-Portugal do Estado do Paraná
- 2012: Troféu mérito esportivo outorgado pela Câmara Municipal de Curitiba
- 2012: Estatueta Caçador de Negócio ofertado pelos embaixadores africanos acreditados no Brasil
- 2012: Diploma de honra ao mérito do Instituto Afro Rebouças (AFRORE)
- 2012: Diploma do Soroptmist International of the Curitiba como diplomata do continente africano
- 2012: Recebeu do artista Luis Gagliastri a escultura de Don Quixote de La Mancha
- 2013: Ordem Estadual do Pinheiro do governo do Estado do Paraná
- 2014: Placa de prata – tributo da raça do Movimento Negro do Litoral

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- 2016: Medalha da Independência outorgada pela Liga da Defesa Nacional.
- 2016: Diploma de honra ao mérito outogardo pelo Instituto Luigi Baridelli, pelo BPW Brasil, pelo
Lions Internacional e pelo + Brasil pelos serviços prestados em memória de Zumbi dos Palmares
- 2016: Diploma de gratidão ofertado pelo Centro Pastoral de Acolhimento da Arquidiocese de Curitiba
em reconhecimento a sua dedicação e compromisso em seu trabalho solidário com os imigrantes em Curitiba.
- 2017: Cidadão honorário de Arapongas/PR
- 2017: Menção honrosa da Assembleia Legislativa do Paraná concernente ao dia do cônsul por
proposição do deputado Ney Leprevost
- 2017: Estatueta O Pensador concedido pela Câmara de Comércio Brasil-Portugal
- 2018: Diploma Personalidade Afro-paranaense da Secretaria de Estado da Cultura do Paraná
- 2018: Cidadão honorário de Paranaguá/PR
- 2019: Medalha e comenda O Pensador da Academia de Cultura de Curitiba (ACCUR)

PUBLICAÇÕES E PALESTRAS

Entre os livros e informativos editados por Ozeil destacam-se:


- 1976: No passado, a natureza em festa do município de Balneário Camboriú
- 1976: Recomendações do 1º Congresso Brasileiro de Turismo e Termalismo de Balneário Camboriú
- 1977: Praia Grande, a nova dimensão
- 1983: Complexo Industrial e Naval de Guarujá (CING): antes um sonho, hoje realidade para o município
de Guarujá
- 1983: O Tribuno (Nº 1)
- 1984: O Tribuno (Nº 2)
- 1985: O Tribuno (Nº 3)
- 1985: O Tribuno (Nº 4)
- 1990: 1º Simpósio dos Diplomatas em Curitiba promovido pela ACONBRAS (Associação dos Consul
Honorários do Brasil); propostas e recomendações
- 1990: 1º Simpósio Internacional da ACONBRAS realizado em Foz do Iguaçu: propostas e recomendações
- 1993: Diplomacia Hoje
- 1997: Simpósio Técnico de Comércio Exterior: problemas e soluções
- 1999: Uma volta ao mundo em 93 receitas
- 2012: Revista África (em parceira com a FECOMÉRCIO)
- 2012: África e Brasil: dois continentes, uma identidade cultural (em parceira com a FECOMÉRCIO)
Entre os anos de 2010 a 2019 Ozeil realizou uma centena de palestras sobre os temas do continente
africano, sobre o Portal Africano de Curitiba, considerado o maior dedicado ao continente africano do mundo,
a Praça Zumbi dos Palmares, os afrodescendentes, planejamento, portos, cerealdutos e temas diversos nas
seguintes instituições:
- Sociedade Consular do Paraná (em parceria com o jornal Diário Indústria e Comércio)
- Centro de Letras do Paraná
- Instituto Histórico e Geográfico do Paraná
- Academia de Letras do Paraná
- Academia de Cultura Feminina do Paraná
- Academia de Cultura de Curitiba (ACCUR)
- Academia de Letras José de Alencar

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- Museu Paranaense
- Club Soroptmista Internacional de Curitiba
- OAB/PR
- diversos colégios, faculdades e escolas públicas, dentre outros.

CONSCIÊNCIA NEGRA

O Consulado do Senegal, em parceria com a Assembleia Legislativa do Estado do Paraná, desde o ano
de 1995 até 2017, em Sessão Solene no Plenário da ALEP, comemorou a Dia Nacional da Consciência Negra,
referendando a Imortalidade de Zumbi dos Palmares e diversas personalidades paranaenses, brasileiras e
estrangeiras com diploma e troféus. Por meio da solenidade, foram homenageados mais de uma centena de
pessoas ilustres da Comunidade Afro–Brasileira, africanas e de outros países, por indicação do Cônsul Geral
do Senegal Ozeil, do Centro de Integração Social, Cultural, Comercial e Turístico Afro-Brasileiro e da Câmara de
Comércio e Indústria Brasil-Senegal-África. Durante a última sessão solene realizada em 2017, o Cônsul Ozeil
forneceu a “receita do bolo” para a superação da condição do negro na sociedade brasileira:

No dia 20 de novembro comemorou-se o Dia Nacional da Consciência Negra, nos 322 anos


da Imortalidade de Zumbi dos Palmares, que é uma data muito especial na qual podemos
saudar quem muito fez pelo desenvolvimento brasileiro, desde o século XVI. E nestes 22 anos
de eventos realizados nesta Assembleia Legislativa do Estado do Paraná, tivemos eventos
épicos, pois:
– Contamos a história dos negros vivendo em abundância do continente africano.
– Falamos dos caçadores de escravos no entreposto do Senegal (casa dos escravos).
– Relatamos a odisseia da travessia do Atlântico.
– Falamos da chegada dos escravos nos portos brasileiros.
– Falamos sobre a escravatura no Brasil.
– Falamos   sobre   o    sonho   de Martin Luther King, na épica marcha de Washington, que ele
teve um sonho.
– Falamos como é formada a pessoa humana.   De um corpo e de uma alma. … a alma não tem
cor……
–  Criamos um grupo folclórico, onde encenamos a peça teatral:  O Negro - Saga de uma
Raça, que emocionou todos os presentes.
- Fizemos várias apresentações com diversos grupos de dança afro-descedentes
– Falamos sobre a influência da cultura negra que está  presente em todos os cantos e recantos
do país: da culinária às vestimentas, da música à literatura, da engenharia à economia, das
artes às religiões, da ciência ao esporte. Em quase todos os segmentos da vida dos brasileiros.
– Falamos sobre a auto estima que leva as pessoas a vitória, superando todos os obstáculos.
–  Enaltecemos todos os negros do mundo que foram campeões olímpicos em todas as
modalidades esportivas, onde apresentamos um filme sobre eles.
– Relatamos a vida dos negros expoentes no mundo, tais como Steve Biko, Martin Luther
King, Malcom X, Cruz e Souza, Kunta Kinte, Agostinho Neto, José do Patrocinio e muitos
outros. E não deixamos de falar também sobre a herança maior   das   grandes figuras    da   
história, como   Zumbi, Ganga Zumba, Henrique Dias, Chica da Silva, Joaquim e Castro
Alves, (que fizeram a república brasileira) entre muitos.
–  Falamos da história dos irmãos Antonio e André Rebouças (engenheiros), da 1ª
engenheira negra Enedina Marques, que se formou em 1945.
– Falamos do negro que se formou médico pela Universidade do Paraná em 1945 Osvaldo
Ferreira dos Santos (meu tio).
–  Falamos    sobre  o   Santos   Futebol Club, que foi campeão  em  1935, com dois
jogadores paranaenses: José Ferreira dos Santos e João Ferreira dos Santos (meu pai e
meu tio).
– Falamos sobre o significado do olho do Museu Oscar Niemeyer.  Eu disse que quero ver as
crianças negras saindo do primário, do secundário, indo para as faculdades, participando

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da política e assumindo cargos de responsabilidade nas administrações municipais, estaduais
e federais, no legislativo, executivo e no judiciário e com patentes  graduadas nas forças
armadas.
– Falamos sobre Paul Robson, ator e cantor negro, que lutou pelos diretos humanos nos
Estados Unidos.
– Contamos a história de Saldanha Marinho um dos grandes negros políticos do Brasil.
– Falamos das incompreensões do mundo.
–  Falamos da vida do grande compositor, Waltel Branco, do cantor Lápis e do cantor
Nattinho, e da medalhista olímpica Daiana dos Santos, que aqui estiveram recebendo as
suas homenagens.
– Contamos a história da Família Ferreira e do seu trio de ferro do Paraná, a melhor linha
média do Brasil.
–  Descrevemos a vida do Deputado Adalberto Camargo por São Paulo, desbravador do
Continente Africano e de Plácido de Silva (fundador da Gazeta do Povo)
–  Abrimos a  arca do conhecimento, onde havia vários pergaminhos com as seguintes  
proposta para a integração e crescimento dos afro-descendentes, a saber:  resumo dos
pergaminhos da África:
0.1-O negro deve erguer a cabeça e elevar a sua autoestima.
0.2-Precisa acreditar em si mesmo e no seu potencial, e nas suas capacidades.
0.3-Pois, não é a cor que torna alguém mais capacitado.
0.4- O principal meio é a educação e a cultura, pois sem educação não há liberdade.
0.5- As mães e os pais eduquem seus filhos e mande-os para as escolas, pois, só a educação
pode garantir um futuro de oportunidades.
0.6- É necessário aprender a informática e falar outros idiomas, realizando cursos técnicos,
cursando uma universidade, e posteriormente especializando-se através de uma pós-
graduação um mestrado e um doutorado, a educação é a garantia da liberdade e o alicerce
do futuro.
0.7-Estes são alguns tópicos que constavam na arca do conhecimento, pois a sua liberdade
está em sua consciência.
0.8- A arca também contém os mandamentos para a paz mundial.
– Falamos também sobre o ódio, a inveja, o preconceito e a lealdade.
– Homenageamos os afro-descendentes com uma placa de bronze em Comemoração ao
Centenário da Colônia Afro Brasileira instalada na praça Santos Andrade.
– Falamos sobre o Conceito Holístico, visando o bem comum de todos, pois tem a compreensão
da realidade como um todo integrado no campo cósmico.
–  Falamos sobre  o Humanismo, que é uma filosofia para as pessoas que pensam por si
próprias, e para o aqui e agora.
– Através da nossa intervenção foi aprovada a Lei 7922, editada em 19/05/1992, onde
cria-se o Portal Africano em Curitiba.
– Fomos o mentor intelectual da construção do maior Portal Africano do Mundo e da Praça
Zumbi dos Palmares, onde lutamos para estas construções por mais de 15 anos. Bem como
do Monumento à Colônia Afro brasileira de Curitiba na celebração do centenário do fim da
escravidão.
– Falamos sobre a inauguração do maior Portal Africano do Mundo.
– A construção deste Portal Africano em Curitiba vem resgatar o trabalho que os
africanos prestaram na construção deste grande país, que é o Brasil que foi feito com a mão
de obra escrava negra.
– Falamos sobre o lançamento dos selos de   Zumbi    dos     Palmares, do Portal Africano e
do selo da Zâmbia (em parceria com o correio lançado nesta Assembleia Legislativa).
–  Em uma importante parceria com a FECOMERCIO-PR  trouxemos para Curitiba todos
os Embaixadores Africanos para fazermos a integração e o fortalecimento das relações de
cooperação Comercial, Cultural, Turístico, Esportivo, Científico, e na Transferência de
Tecnologia entre o Paraná, Santa Catarina, o Brasil e o Continente Africano. Foi sem dúvida
uma reunião histórica.
– Se isto não bastasse realizamos um almoço de trabalho em parceria com a FECOMERCIO-
PR e com todos os Embaixadores Africanos em Brasília, onde  consolidamos a parceria do
Continente Africano com o Brasil o Paraná, e com Santa Catarina, ou seja, colocamos o
Continente Africano na rota do Brasil, do Paraná e de Santa Catarina.
–  E reafirmamos hoje que os africanos não estão vindo para o Brasil não mais como
escravos, mais como importantes homens de negócios, e vieram a Curitiba mais de 600

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empresários dos vários países africanos para comprarem produtos brasileiros e na busca de
transferência de tecnologia, e também com presença dos novos embaixadores.
– Em parceria com a FECOMERCIO-PR, lançamos aqui nesta casa de leis a Revista África e o
Folder:     África     e     Brasil: Dois      Continentes: uma identidade cultural preciosa, em 2
idiomas (português e inglês), onde retrata o Portal Africano, a Praça Zumbi dos Palmares e as
visitas dos Embaixadores e empresários africanos.
– Falamos sobre a parceria do Consulado Geral do Senegal, com a FECOMERCIO/SENAC–
PGUÁ e o movimento negro do litoral, onde realizamos o curso de operadores de informática.
[...]
– Zumbi dos Palmares, na data da sua imortalidade quero dizer-lhe que você não morreu
em vão. Bem como, todos os lideres afros brasileiros, afro americanos e africanos. Vocês não
morreram em vão, vocês vivem em nós.

Momento da apresentação da Arca do Conhecimento em uma das sessões solenes na ALEP

Fonte: acervo Ozeil Moura dos Santos

Relação dos homenageados de 2017

Fonte: acervo Ozeil Moura dos Santos

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Diploma ofertado pelo Consulado Geral Honorário da República do Senegal para os Estados do PR e SC, Câmara de Comércio e Indústria
Brasil-Senegal-África e Centro de Integração Afro-Brasileiro aos homenageados

Fonte: acervo Ozeil Moura dos Santos

Convite para a cerimônia de 20 de Novembro na ALEP

Fonte: acervo Ozeil Moura dos Santos

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Comemoração do 20 de Novembro de 2013

Fonte: Diário da I&C, 03/12/2013, p. A4.

Na inauguração do monumento pelo Centenário da Abolição (1988) idealizado pela CMC e pelo Consulado Geral Honorário do Senegal

Com o presidente da CMC Horário Rodrigues na Praça Santos Andrade


Fonte: acervo Ozeil Moura dos Santos

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Recebendo a homenagem da Câmara Municipal de Curitiba pelo Centenário da Abolição (1988)

O presidente da CMC Horário Rodrigues, e os vereadores Ivan Ribas, Marlene Zanin, Luis Carlos Betenheuser e José Gorski
Fonte: acervo Ozeil Moura dos Santos

Lançamento do Selo Zumbi dos Palmares em comemoração aos 300 anos da morte de Zumbi (1995)

Fonte: acervo Ozeil Moura dos Santos

Com relação à situação do negro na sociedade brasileira, Ozeil (2017) destaca que os dois caminhos e
serem seguidos para a superação da sua invisibilidade e ocorrer a sua inserção na sociedade são a educação e a
cultura. Assim, aceita as políticas de ações afirmativas, a lei de cotas, como uma solução de caráter temporário,
pois a solução definitiva está na educação de base que deve ser de qualidade para que todos tenham as mesmas
oportunidades.

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No Brasil o negro ainda não tem uma formação adequada. Ele tem que estar presente em
todas as esferas dos níveis de ensino, graduação, mestrado e doutorado, e paralelamente
precisa dominar a tecnologia digital e no conhecer dois idiomas, e se possível fazer um estágio
no exterior para vivenciar outras culturas. Apesar da maioria da população se declarar negra,
a inclusão avança lentamente. A comunidade negra tinha que se unir para fazer as grandes
reivindicações e destacar a questão do negro brasileiro e a sua ausente ou baixa representação
nas grandes esferas de decisões do país: Câmara de Vereadores, Assembleia Estadual, Câmara
dos Deputados, Senado, Ministérios, Secretarias de Estados, etc. Deve se fazer representar
nas entidades culturais do município, inclusive trilhar o caminho da graduação das forças
armadas e se tornarem grandes empresários nos vários setores da atividade econômica do
país (OZEIL, 2017).

Ozeil considera o racismo brasileiro dissimulado e julga que a discriminação está relacionada ao
aspecto econômico: negro que tem maiores condições financeiras sofreriam menos racismo.

Por isso o negro tem que ter acesso à boa educação para ascender socialmente e poder garantir
os meios de acesso ao poder. Com exceção de alguns, a maioria dos negros continuam pobres,
então tem alguma coisa errada, por que não vão para a frente? Por que são “small fish”? Os
negros têm que sentarem na mesa para discutirem com as autoridades, pois quem está na
garupa não pega nas rédeas, quem vende bilhetes não assiste ao espetáculo, e isso é que os
afrodescendentes vêm fazendo até os dias de hoje (OZEIL, 2017; OZEIL, 2019).

Continua firme no trabalho em prol da consciência negra no Paraná, sobretudo em Curitiba, onde atuou
junto à prefeitura da cidade para a construção do Portal Africano como forma de homenagear os escravizados
da África que ajudaram na construção desse país e da capital paranaense:

O maior portal africano do mundo foi inaugurado em Curitiba, em maio de 2010, na praça Zumbi
dos Palmares, no bairro do Pinheirinho, distante do centro. O Memorial é uma homenagem de
Curitiba ao povo afrodescendente do Brasil e ao continente-sede dos jogos da Copa do Mundo
de 2010. No portal da entrada principal foram colocadas 54 colunas representando cada um
dos países do continente africano. A concepção do portal foi idealizada pelo cônsul Ozeil e
desenvolvida pelo arquiteto Fernando Canalli.
Um arco no chão com 100 metros de comprimento contornado por 54 totens, um para cada
país africano, que se inicia na África do Sul e termina no Zimbabue. O projeto de meio círculo
simboliza um abraço. Todos os países são representados por bandeiras coloridas, com a
posição no mapa do continente. O mapa do continente africano é o suporte de duas colunas
com 8 metros de altura, que lado a lado formam o acesso à Praça Zumbi dos Palmares, local
onde foi edificado o portal, no bairro Pinheirinho, em Curitiba. Uma das colunas foi construída
em aço perfurado, com iluminação interna, que representa a educação, com a luz que se prjeta
de dentro para fora. A outra coluna possui os símbolos de cada nação africana, com iluminação
externa, que representa a cultura.
Quadradas, as colunas de 4 metros de altura levam o nome do país, bandeira e a localização
no continente. As descrições e desenhos são feitos em azulejos. A ideia é que cada missão
oficial de países africanos em Curitiba fixe uma placa na coluna correspondente ao país. Além
das 54 colunas, outras duas, amarelas, com o dobro do tamanho e diferenciadas das demais,
completam o portal. As duas colunas simbolizam a educação e a cultura. Uma delas, da
educação, de aço perfurado com iluminação internada. A outra, em argamassa com desenhos
africanos em baixo relevo. Um mosaico de pedras nas cores preto, branco e vermelho forma o
mapa do continente africano, com o desenho dos países. A praça tem ainda espaço para feiras
de artesanato étnico.
Desde o final da década de 1980 eu vinha lutando junto à Câmara de Vereadores para
a implantação de um portal dedicado à etnia africana. Somente em 2010 a minha ideia se
concretizou (OZEIL, 2019)

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Na inauguração da Praça Zumbi dos Palmares (1991)

Com o prefeito Jayme Lerner e as dançarinas na inauguração do auditório


Fonte: acervo Ozeil Moura dos Santos

Placa da inauguração da Praça Zumbi dos Palmares (1991)

Fonte: acervo Ozeil Moura dos Santos

Selo lançado em parceria com os Correios em comemoração ao Portal Africano de Curitiba (2010)

Fonte: acervo Ozeil Moura dos Santos

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Selo lançado em parceria com os Correios em comemoração ao lançamento do totem da Zâmbia no Portal Africano de Curitiba (2010)

Fonte: acervo Ozeil Moura dos Santos

Durante sua viagem por diversos países africanos, o Cônsul-geral Ozeil percebeu que a África não
conhecia o Brasil e o Brasil não conhecia a África, “estamos separados pelo Atlântico”, declarou Ozeil (2019).
As relações comerciais dos países africanos estavam concentradas com a Europa. Um continente com mais
1 bilhão e 200 milhões de habitantes e que não trabalhava com o Brasil, “porque simplesmente não conhecia
o Brasil!” (OZEIL, 2019). Visando conquistar esses potenciais clientes, foi que o Consulado Gerla do Senegal
idealizou o Portal Africano que foi inaugurado em 2010 com a missão da Nigéria. Junto ao portal foi criada a
Praça Zumbi dos Palmares, de 30 mil metros quadrados, “mas ela ainda é pouco utilizada pela comunidade negra
de Curitiba. O pessoal do movimento negro devia ocupa-la mais!”, comenta Ozeil (2019). O principal objetivo da
criação do Portal Africano foi colocar o

CONTINENTE AFRICANO NA ROTA DO BRASIL E DO PARANÁ


Além do acesso à educação e a cultura, ... abriu os dois mercados para as negociações comerciais
e de transferências de tecnologias com a recepção em Curitiba de 30 embaixadores africanos
para uma inédita reunião de negócios.
Essas parceiras comerciais, a abertura de mercado e o estreitamento das relações com os
dirigentes e empresários africanos são ideais em comum que oferecem grande oportunidades
de investimentos, tanto para o continente africano como para o Paraná, Santa Catarina e o
Brasil”
HISTÓRICO DO PORTAL AFRICANO
O Portal Africano foi idealizado em parceria com o Consulado Geral do Senegal para os estados
do Paraná e Santa Catarina e com a Prefeitura de Curitiba.
A concepção do Portal foi realizada pelo cônsul Ozeil e desenvolvido pelo arquiteto Canalli,
que o projetou da seguinte maneira: um arco no chão com 100 metros de comprimento
contornado por 54 totens, um para cada país africano, que inicia com a África do Sul e termina
com o Zimbabue.
O projeto de meio círculo simboliza um abraço. Todos os países são representados por
bandeiras coloridas, com a posição no mapa do continente.
O mapa do continente africano é o suporte firme de duas colunas com 8 metros de altura, que
lado a lado forama acesso à Praça Zumbi dos Palmares, local onde foi edificado o portal, no
bairro Pinheirinho em Curitiba.
Uma das colunas foi construída em aço perfurado, com iluminação interna, que representa a
educação, com a lus que se projeta de dentro para fora.
A outra coluna possui os símbolos de cada nção africana, com iluminação externa, que
representa a cultura.

480
Ao atravessar o portal encontra-se a Praça Zumbi dos Palmares com mais de 30 mil m2,
proposta pelo Consulado Geral do Senegal. A área conta com várias canchas de futebol de
areia, uma cancha de piso de grama sintética, uma bateria de equipamentos de ginástica
aeróbica ao ar livre, churrasqueiras, cahnchas de futebol de salão e basquete, várias mesas de
jogos de xadrez, de dama, de tênis de mesa, academoa de ginástica coberta. Todas as chanchas
possuem iluminação noturna.
Além da ampla infraestrutura, a praça ainda conta com um auditório ao ar livre com capacidade
para mais de mil pessoas, para a realização de shows e apresentação de grupos folclóricos,
principalmente com danças africanas, um painel com a história da África, e uma área nobre
destinada para a realização de feiras de produtos artesanais africanos.
No entanto, o grande objetivo do portal, único no mundo, é o fortalecimento da cooperação
comercial, cultural, turístico, esportivo, científico, e a transferência de tecnologia entre o
Paraná, Santa Caratina, o Brasil e o continente africano.
È com este portal que se dará a integração onde o Paraná e Santa Catarina, com seus
empresários terão a grande oportunidade de discurit com autoridades e empresários
africanos para exportar seus produtos, transferir tecnologias, e também exportá-los de um
continente com 54 países, com mais de um bilhão de pessoas.

Portal Africano de Curitiba Vista aérea do Portal Africano de Curitiba

Fonte: Grupo Moura Santos Fonte: Prefeitura Municipal de Curitiba

Dentro da sua proposta de integração entre o Brasil e a África, existe a possibilidade de inserção do
negro nesse processo, “são várias as possibilidades de integração, mas precisamos ter time para jogar, ou seja,
de mão-de-obra qualificada em todos os setores, por isso insisto em falar que o caminho para o reconhecimento
do negro na sociedade será por meio da educação e do conhecimento, é ter seu próprio negócio como empresário,
pois quem anda na guarupa não segura as rédeas e quem está vendendo os bilhetes não assiste ao espetáculo!”
(OZEIL, 2019).

PALAVRAS FINAIS

Em 29 de dezembro de 1970 Ozeil casou com Eloina. Aos 17 de março de 1973 nasceu o único filho
do casal, Jucimar Moura dos Santos, advogado, já foi vice-cônsul geral do Senegal para os estados do Paraná e
Santa Catarina, bem como foi secretário da Sociedade Consular. Casado com Eltimira, tiveram João Pedro, neto
de Ozeil, nascido em 17 de março de 2009.
Atualmente Ozeil é presidente do Grupo Empresarial Moura Santos e Cônsul-geral Honorário do Senegal
para os Estados do Paraná e de Santa Catarina. Entre suas atividades, continua atuando para a abertura de
mercados e o estabelecimento de parcerias comerciais e culturais entre os países africanos e o Brasil, sobretudo
na área de transferência de tecnologias.

481
Nesta minha caminhada empresarial e diplomática, ainda tenho um sonho: que todas as
pessoas do mundo sejam julgadas com base no seu caráter e não pela cor de sua pele ou por
seu poder econômico-financeiro, em que todos os homens respeitem a dignidade e o valor da
personalidade humana.
Durante toda a minha vida, procurei sempre seguir  as orientações dos meus pais,  José
Ferreira dos Santos e Zeila Moura dos Santos, verdadeiros sustentáculos e formadores do meu
caráter, da minha formação educacional, e meus incentivadores na minha vida profissional,
empresarial e diplomática.
Mas é importante reafirmar o que tem constituído as bases das minhas crenças, sobre as quais
assenta a égide de toda minha vida nos setores das atividades que hoje atuamos.
Eu acredito em Deus, como ser supremo, criador de todas as coisas;
Eu acredito na justiça como a grande força abaixo de Deus e acima dos Homens:
Eu acredito no trabalho como fator primordial de progresso;
Eu acredito no solidarismo social como filosofia de vida e como instrumento básico para que a
educação, a saúde, o lazer, o trabalho e o bem-estar, possam vir a ser, um dia, a herança natural
de todos e não o privilégio injusto e odioso de alguns;
Eu acredito na paz entre os homens e entre as nações;
Eu acredito num mundo onde todos sejam irmãos, independente de cor ou credo religioso.
Mas a obra do homem acabará sempre em fracassso se não levar o selo da mente. O cérebro
deve projetar com cuidado e meditação antes que a mão possa executar, pois o cérebro é a
geratriz do desenvolvimento, dizia Freud.
Apesar de todos estes conceitos, sempre “se ouvirão vozes em discordância, expressando
oposição sem alternativa, descobrindo o errado, nunca o certo, encontrado a escuridão em
toda a parte e producrando exercer influência sem aceitar a responsabilidade”.
Mas eu comungo com as palavras de Dante Veoleci que diz quem deixa de agir com medo de
errar, ignora que a vitória é o fruto da experiência adquirida nas lutas através das próprias
derrotas”. E de Thedoro Roosevelt que diz “é muito melhor arriscar coisas grandiosas, alcançar
triunfos e glórias, mesmo expondo-se à derrota, do que formar fila com os pobres de espirito
que nem gozam muito nem sofrem muito, porque vivem nessa penumbra cinzenta que nçao
conhecem vitorias nem derrotas”.
“É muito difícil podermos controlar o vento, mas com persistência poderemos ajustar as
nossas velas para irmos na direção que planejamos”, pois Freud já dizia, “os homens são
fortes quando representam ideias fortes e fracos quando a elas se opõem”. Os que triunfam
são os que fazem do trabalho o lema maior para o progresso. Que o trabalho de todos faça do
Paraná e do Brasil o que para ele sonhamos: o reconhecimento integral do seu povo e do seu
governo para que vivam numa comunidade cada vez mais progressita, na esperança de uma
humanidade mais feliz.
Pois, meus irmãos, se esperar não cansa, é antes de tudo porque existe Deus, e Deus só existe
quando e enquanto existir esperança. (OZEIL, 2019)

É possível ser negro e empresário no Brasil? Sim, Ozeil é um exemplo disso. Há mais de 53 anos está
à frente de várias empresas e seu avô, Claro Lourenço, foi um dos negros bem-sucedidos em Curitiba no início
do século XX com seu restaurante e hospedaria no centro da cidade de Curitiba, como enaltecemos também o
advogado negro João Pamphilo Velloso, que fundou a OAB/PR em 1934, foi presidente da Associação Comercial
do Paraná em duas gestões, foi um dos fudadores da Universidade Do Paraná e um dos fundadores do Centro
de Letras do Paraná, dentre outros. E o médico negro Antenor Pamphilo dos Santos, formado na Faculdade de
Medicina do Paraná em 1928 e diretor da mesma quando da inauguração do Hospital de Clínicas em 1961, foi
vereador, prefeito de Curitiba de 16 a 20 de julho de 1948 e diretor do serviço de saúde do estado do Paraná,
pena não ter conseguido alcançar sua carreira política, pois não foi compreendido pelos seus irmãos afro. Eles
conseguiram romper barreiras e são exemplos a serem seguidos por todos pela sua competência, dinamismo e
perseverança. Para Ozeil (2017; 2019), “é possível chegar lá seguindo a receita do bolo”.

“Só através da união poderemos vencer, independente de ideologias – esse foi o lema dos grandes
líderes mundiais!” (OZEIL, 2019)

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REFERÊNCIAS

HAYGERT, Aroldo Murá G. (2015). “Ozeil Moura dos Santos”. IN: Vozes do Paraná 7: retratos paranaenses. Tomo
2. Curitiba: Ilex Editora, p. 625-640.
OZEIL (2017). Entrevista de Ozeil Moura dos Santos concedida a Ana Vanali em Curitiba no dia 28 de agosto de
2017.
OZEIL (2019). Entrevista de Ozeil Moura dos Santos concedida a Ana Vanali em Curitiba no dia 24 de abril de
2019.
PARANÁ (2016). “União, justiça e verdade: 45 anos. In: Revista da Grande Loja do Paraná, Ano 1, edição 3,
dezembro, p. 37.
ZILLI, Iza (2000). O homem 2000: destaques e revelações. Curitiba: [edição da autora].

Material consultado

BORTOLINI, Karen (2014). Senegal intensifica negociações com Brasil. IN: Revista Fecomércio PR, Ano XIV, Nº
101, agosto, p. 25-26.
BUCHMANN, Nelson (2016). Instituto Histórico recebe Cônsul Geral do Senegal. IN: Revista Fecomércio PR, Ano
XVI, Nº 113, julho/agosto, p. 57.
GRUPO MOURA SANTOS. Disponível em http://www.grupomourasantos.com. Acesso em 31.agosto.2017.
LARA, Carolina (2014). Cônsul Geral do Senegal para PR e SC recebe comitiva e homenagens. IN: Revista
Fecomércio PR, Ano XIV, Nº 98, fevereiro, p. 34-35.
SOUZA, Jurandir (2004). Negros do Paraná: Ozeil Moura dos Santos. IN: Revista Africaxé, Agosto, p. 5.

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GALERIA DE FOTOS DE OZEIL MOURA DOS SANTOS

Recebendo o título de Vulto Emérito de Curitiba (1990)

Com os vereadores Horácio Rodrigues e Jorge Bernardi


Fonte: acervo Ozeil Moura Santos

Recebendo o título de Cidadão Benemérito do Estado do Paraná (1990)

Com o Secretário de Segurança Moacir Favetto, o deputado Algaci Tùlio e demais autoridades.
Fonte: acervo Ozeil Moura Santos

484
Recebendo o título de Cidadão Honorário de Ponta Grossa (1995)

Com o vereador Nilson de Oliveira, autor da proposta da homenagem


Fonte: acervo Ozeil Moura Santos

Recebendo a Comenda Ordem Nacional do Leão do governo de Senegal (2010)


Com o embaixador do Senegal Fodé Seck
Fonte: acervo Ozeil Moura Santos

485
Recebendo o Título de Cidadão Honorário de Antonina (2010)

Com a vereadora Margareth Pacheco, autora da proposta da homenagem


Fonte: acervo Ozeil Moura Santos

Recebendo a Comenda e a Medalha JK (2010)

Com o governador de Minas Gerais Antonio Anastasio na cidade de Diamantina


Fonte: acervo Ozeil Moura Santos

486
Recebendo o Trofeu Guerreiro do Comércio (2011)

Com o presidente da FECOMERCIO PR, Darci Piana


Fonte: acervo Ozeil Moura Santos

Recebendo a Estatueta Guerreiro Lusitano da Câmara de Comércio Brasil-Portugal (2012)

Com o vice-cônsul de Portugal Rogério dos Santos Vieira


Fonte: acervo Ozeil Moura Santos

487
Recebendo a Estatueta Don Quixote de La Mancha (2012)

Com Luis Gagliastri


Fonte: acervo Ozeil Moura Santos

Recebendo o Diploma do Soroptmist International of the Curitiba como Diplomata do Continente Africano (2012)

Fonte: acervo Ozeil Moura Santos

488
Recebendo oTroféu Mérito Esportivo da Câmara Municipal de Curitiba (2012)

Com o vereador Jorge Yamawaki


Fonte: acervo Ozeil Moura Santos

Recebendo o título de Comenda do Governo do Paraná (2013)

Com o governador Beto Richa e o secretário da Casa Civil Reinhold Stephanes


Fonte: acervo Ozeil Moura Santos

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Recebendo a medalha da Independência da Liga da Defesa Nacional (2016)

Com Coronel Evane Dutra Presidente da Liga de Defesa Nacional, o General de Divisão José Luiz Dias Freitas Comandante da 5ª Divisão de
Exército e o Coronel Isaac Carreiro Filho.
Fonte: acervo Ozeil Moura Santos

Recebendo o título de Cidadão Honorário de Arapongas (2017)

Com o vereador Oswaldo Santos (presidente da Câmara), ex-vereador Milton Xavier (Toxinha) – autor da proposta, e o vereador
Fernando de Oliveira
Fonte: acervo Ozeil Moura Santos

490
Recebendo a estatueta O Pensador da Câmara de Comércio Brasil-Portugal (2017)

Com o Gladys França (vice-presidente da Câmara de Comércio Brasil-Portugal) e Odone Fortes Martins (presidente do Jornal Indústria e
Comércio).
Fonte: acervo Ozeil Moura Santos

Recebendo o título de Personalidade Afro-paranaense (2018)

Com o Secretário Estadual da Cultura João Luís Fiani


Fonte: Diario I&C, 23/11/2018

491
Recebendo o título de Cidadão Honorário de Paranaguá (2018)

Com o vereador Nilo Monteiro, autor da proposta da homenagem


Fonte: acervo Ozeil Moura Santos

Recebendo a Comenda e a Medalha O Pensador da ACCUR (2019)

Com o Maria Inês Borges da Silveira (presidente da ACCUR)


Fonte: acervo Ozeil Moura Santos

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59
PAULO CHAVES DA SILVA
Nascimento: São Paulo/SP, 30 de novembro de 1949

Paulo Chaves da Silva, o Paulinho. Curitiba, 2017


Fonte: Revista ASPP, Ano 3, 2ª edição, julho 2017

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PAULO CHAVES DA SILVA

Ana Crhistina Vanali

Paulo Chaves da Silva, conhecido como Paulinho, nasceu em São Paulo, capital. Como ele mesmo fala,
“nasci ali [na cidade de São Paulo] por engano”. Seu pai, Pedro Chaves da Silva, era paraibano, da cidade de
Duas Estradas. Foi para São Paulo “tentar a sorte”, como tantos outros nordestinos. Lá trabalhou, sobretudo,
em fábricas de tecelagem. O pai jogava futebol com um grupo de amigos que, em meados da década de 1940,
disputou uma partida amistosa na cidade paranaense de Apucarana. Ali, conheceu Maria Paulina, uma jovem de
15 anos que trabalhava na pensão da cidade onde o grupo ficou hospedado. Os dois namoraram e se casaram
naquela mesma cidade. Depois foram para Santos e pegaram um navio para o Nordeste. Nessas idas e vindas,
Paulinho nasceu em São Paulo no dia 26 de novembro de 1949, porém em seus documentos consta dia 30 de
novembro. O casal Pedro Chaves da Silva e Maria Paulina Chaves tiveram oito filhos. Paulinho é o primogênito.
Paulinho tinha 10 meses de idade quando os pais se estabeleceram no interior do Paraná, por esse
motivo se considera paranaense. O pai era tintureiro, trabalhava com serviços de lavanderia. Rodaram por várias
cidades do interior como Guaraci e Jaguapitã, onde nasceram os demais filhos do casal. Por fim, foram para a
cidade de Cruzeiro do Oeste onde o pai conseguiu um sítio, uma posse de terra devoluta, na qual trabalhava com
a cultura do café. Fez duas colheitas e veio para Curitiba registrar sua propriedade, mas ocorreu uma confusão
e o registro do imóvel saiu no nome de outra pessoa. Isso aconteceu na década de 1960, período em que houve
muita grilagem de terra, falsificação de documentos para, ilegalmente, tomar posse de terras devolutas ou de
terceiros. Nessa época o governo paranaense realizava os planos de colonização de suas terras devolutas e
dividiu o Paraná entre diversas companhias colonizadoras. Como resultado, a família de Paulinho foi despejada
do sítio.
Seguiram para a área urbana de Cruzeiro do Oeste onde ficaram mais um tempo. O pai abriu uma
tinturaria, trabalhou como empregado em vários lugares nas proximidades durante a colheita do café e do
algodão. Até que em dezembro de 1961 a família partiu para Curitiba. Chegando à capital paranaense, o pai, Seu
Pedro, foi trabalhar na Fundação Educacional do Paraná (Fundepar), fazendo manutenção de móveis escolares.
Paulinho tinha 12 anos quando chegou a Curitiba em dezembro de 1961. No ano seguinte ingressou no
Grupo Escolar 19 de Dezembro, que ficava na Rua Desembargador Mota, a fim de se alfabetizar. Posteriormente
estudou no Colégio Estadual Paula Gomes, no bairro de Santa Quitéria. Na 4ª série participou da Guarda Mirim
e estudou na Casa do Pequeno Jornaleiro, situada na Rua Saldanha Marinho. Essas instituições seguiam a
orientação da moralização pelo trabalho, uma estratégia pedagógica no combate à delinquência infantojuvenil
que vinha desde os anos de 1940, prestando aos menores assistência educacional e material. Terminado a 4ª
série era necessário fazer o curso admissional para o ginásio. Os ginasianos da Guarda Mirim eram encaminhados
para o Colégio Estadual Nilson Ribas, no bairro Seminário, mas a partir de 1966 passaram a fazer o ginásio
no Centro de Formação para Menores de Campo Comprido1. Paulinho não se adaptou com o sistema escolar

1. A partir de 1976 a instituição passou a se chamar Colégio Estadual Domingos Zanlorenzi. Sua origem está no antigo Ginásio Estadual
Campo Comprido, localizado inicialmente à Rua Eduardo Sprada. A princípio o Ginásio estava ligado ao Instituto de Assistência ao Menor
(IAM) e foi criado para garantir escolaridade de nível fundamental aos alunos internos do centro de Formação para Menores do Campo
Comprido. Os meninos residiam no espaço onde o colégio funcionava e eram, em sua maioria, jovens desabrigados e órfãos. Paralelo ao
atendimento aos menores internos, era ofertada a mesma escolaridade à comunidade externa. Essa comunidade era composta por filhos

494
adotado na instituição: “era uma escola de recuperação para menores infratores, os indisciplinados. Se pagava
muito castigo. Então falei com meu pai que queria deixar a escola, pois eu tinha família. Ele aceitou e voltei
a morar com meu pai. Em 1964, quando eu tinha 14 anos, havia perdido a minha mãe, dona Maria Paulina”
(PAULINHO, 2018).
No ano de 1967 foi inaugurada em Curitiba a Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, na região da
Cidade Industrial, o primeiro conjunto da Companhia de Habitação Popular (Cohab) da cidade. A família de
Paulinho foi uma das primeiras a morar nessa vila.
Paulinho começou a trabalhar como entregador de avisos da Prefeitura de Curitiba. Relembra como foi
seu teste admissional: “recebi um maço de carnês de IPTU do bairro Bigorrilho para ser entregue. As ruas nessa
época eram de macadames, irregulares. Em três dias, com uma bicicletinha Caloi entreguei todos os carnês que
estavam um tempão parados para serem entregues. Daí o chefe chegou e falou que podia me contratar, que eu
havia passado no teste. Assim comecei a trabalhar na Prefeitura Municipal de Curitiba dia 16 de dezembro de
1968, com 19 anos” (PAULINHO, 2018).
O emprego na Prefeitura fez com que Paulinho decidisse retomar os estudos. Um dos elementos que
pesou em favor da ideia foi uma mudança de chefia em seu departamento. O novo superior trouxe uma equipe
nova para o setor de entrega de avisos. A “piazada ficou sem pai e nem mãe”, relata Paulinho (2018). O novo
chefe foi tratar da realocação dos funcionários na Divisão de Tributação. Paulinho lembra que eram três meninos
sendo ele o mais velho. Então o novo chefe chamou os três e começou a entrevista:

Novo chefe: – Você aí piá, estuda?


Primeiro piá: – Estudo, estou na 3ª série do ginásio.
Novo chefe: – Então você vai para a Seção de Desenho! E o outro lá, estuda?
Segundo piá: – Sim, estudo. Estou na 4ª série do ginásio.
Novo chefe: – Então vai para a Seção de Desenho. E você? (dirigindo-se para Paulinho).
Paulinho: – No momento não estou estudando, não senhor. Mas estudei até a 1ª série do
ginásio.
Novo chefe: – Então vai puxar trena! (PAULINHO, 2018)

A Seção de Desenho, da Divisão de Tributação, era responsável por fazer o levantamento cadastral das
propriedades para se calcular o IPTU. Uma parte da equipe ia pessoalmente ao local para fazer o levantamento,
as medições das propriedades, enquanto a outra parte ficava no escritório aguardando as informações do
pessoal que foi a campo para fazer os desenhos, os croquis das propriedades que seriam a base para o cálculo.
Paulinho era um dos que faziam as medições, a parte pesada do processo. Tirava as medidas e passava para os
colegas, que estavam sentados no escritório, fazerem os desenhos. “Daí me deu um estalo e pensei: se eu não
voltar a estudar vou puxar trena o resto da minha vida! Eu não quero ser peão o resto da minha vida!” ... “Na
época eu tinha dois amigos, com quem eu tinha mais afinidade, e que já cursavam a faculdade de Direito e decidi
que faria o mesmo curso que eles” (PAULINHO, 2018).
Paulinho voltou a estudar. Em 1973 terminou o ginásio na Escola Municipal Albert Schweitzer, localizada
no bairro da Cidade Industrial de Curitiba (CIC). Depois fez o teste e entrou no Colégio Estadual do Paraná. Na
primeira e na segunda série foi bem, mas na terceira série começou a ter dificuldades com a disciplina de
matemática. Avaliou e viu que iria reprovar. Como já era adulto, saiu do Colégio Estadual e foi fazer o supletivo
no Colégio Camões, onde finalizou o 2º grau. Daí veio a luta do vestibular. Decidido a fazer Direito, na época

de pequenos agricultores descendentes de imigrantes poloneses e italianos. Disponível em http://www.ctadomingoszanlorenzi.seed.


pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=1. Acesso 13.julho.2018.

495
Curitiba tinha apenas três opções: a UFPR, a PUC e a Faculdade de Direito de Curitiba. “Estudei como louco para
ser aprovado no vestibular, pois a formação superior seria a redenção da minha vida!”, fala Paulinho (2018).
Durante o período em que estava terminando os estudos e se preparando para a faculdade, Paulinho fez
campanha, nas eleições de 1976, para um candidato a vereador de Curitiba que foi eleito e precisava de alguém
para ser seu assessor na Câmara Municipal. Paulinho então foi transferido da prefeitura para a câmara para
ser assessor desse vereador, que era da oposição, do MDB (Movimento Democrático Brasileiro). Após algum
tempo, Paulinho retorna para a prefeitura, lembra que “foi uma luta aquele ano de 1979 e acabei não entrando
na faculdade. No ano seguinte passei os primeiros seis meses só lendo e nos outros seis meses fiz o cursinho
pré-vestibular e fui aprovado. Em 1981 iniciei o curso de Direito na Faculdade de Direito de Curitiba e colei grau
em 1986” (PAULINHO, 2018).
Como trabalhava com um vereador da oposição, do MDB, Paulinho foi bastante hostilizado quando saiu
da câmara e retornou para a prefeitura. Durante uns 16 dias tomou um “chá de banco”: chegava ao trabalho,
batia o ponto e sentava num banquinho esperando a chefia lhe encaminhar para alguma função. E nada. Então
um dia saiu para ir comprar um jornal e encontrou o chefe de gabinete do presidente da Câmara Municipal
que percebeu que ele não estava bem e perguntou: “tudo bem Negrinho? Sua cara não é a de que está tudo
bem!”. Paulinho aproveitou a oportunidade e relatou tudo o que estava acontecendo. Então veio o convite para
retornar para a câmara: dessa vez não mais como MDB, mas como ARENA e para trabalhar diretamente com o
presidente da câmara, o vereador Donato Gulin.
Em 1983 os vereadores se reuniram e fizeram o levantamento: havia mais de 30 funcionários efetivos
da prefeitura trabalhando na câmara. Então foi criada a lei que o funcionário efetivo da prefeitura que tivesse
mais de três anos de atuação na câmara poderia fazer um requerimento e passar definitivamente para seu
quadro funcional. Paulinho fez essa opção e se tornou do quadro efetivo da CMC. Em 1987, fez concurso para
a carreira jurídica e se tornou procurador da Câmara Municipal de Curitiba – função na qual se aposentou em
1999.
Após se aposentar, Paulinho ainda permaneceu por mais dois anos, com cargo comissionado, como
diretor de plenário da câmara. Em 2001 deixou definitivamente as atividades na Câmara Municipal de Curitiba.
Em 1976 Paulinho se casou com Sueli, com quem teve três filhos. Do segundo casamento, com Vanessa
de Souza Oliveira não tem filhos.
Em 1980 disputou as eleições da Sociedade Beneficente Protetora dos Operários, como vice-presidente
e ganhou2. Após a morte do Tatu3, então presidente, em fevereiro de 1985, Paulinho assumiu a presidência
do Operário, onde permaneceu até 1990. Depois se afastou das atividades do clube, pois não conseguiu mais
conciliar as funções de procurador da Câmara Municipal com as de presidente do Operário.

2. Diário do Paraná, 20/12/1980, p. 13.


3. Ver capítulo 15 desse livro – Edgard Antunes Silva (Tatu).

496
Paulinho em 1986

Fonte: Correio de Notícias, 03/06/1986, p. 12

No ano de 1988, Paulinho foi candidato a vereador em Curitiba pelo Partido Trabalhista Brasileiro
(PTB). Obteve 1.184 votos e não foi eleito4. “Perdi a eleição para mim mesmo! Sempre fui conhecido como
Paulinho, mas optei por registrar no TRE Paulo Chaves. O problema é que nessa eleição havia também um
outro candidato, do Partido Verde, chamado Paulo Tadeu Murta Chaves e que numa das suas combinações,
registradas no TRE, também colocou Paulo Chaves. Todo voto que aparecia escrito Paulo Chaves, mas sem a
indicação do partido era anulado” (PAULINHO, 2018). Não voltou a concorrer para cargos políticos.
Questionado sobre a questão racial, nos relata que quando chegou a Curitiba o seu choque maior foi o
fato de ser alguém do interior que de repente se viu numa cidade grande: “eu era um bicho do mato que estava
diante de um mundo novo e enorme a ser explorado. Com relação à questão racial, eu sempre gostei da minha
cor e de ser negro!” (PAULINHO, 2018).
Paulinho teve grande atuação como representante da sua categoria profissional. Em 1993, por indicação
do amigo Luizão5 entrou para o quadro da diretoria da Associação dos Servidores Públicos do Paraná (ASPP).
Lembra: “o então presidente da ASPP, Brasil Paraná de Cristo, foi na minha casa um sábado pela manhã para me
entrevistar. Ao final da conversa me convidou para fazer parte da diretoria e estou nela até hoje. Atualmente
minha função é de Diretor Secretário” (PAULINHO, 2018)6. São 25 anos de atuação na ASPP, ocupando diferentes
funções dentro do seu quadro executivo ou deliberativo. Atualmente essa é a principal ocupação de Paulinho.

4. Resultados de eleições municipais – TRE/PR. Disponível em http://www.tre-pr.jus.br/eleicoes/resultados/resultados-de-eleicoes-


municipais-tre-pr. Acesso 31.janeiro.2018.
5. Ver capítulo 39 desse livro – Luiz Fernando Marques da Luz.
6. Consultar também http://www.aspp.com.br/. Acesso 14.junho.2018.

497
Paulinho em 2018

Fonte: acervo pessoal de Paulinho

REFERÊNCIA

PAULINHO (2018). Entrevista de Paulo Chaves da Silva concedida a Ana Crhistina Vanali no dia 13 de junho de
2018 em Curitiba.

498
60
PAULO LOPES SANTOS

** Não foram encontradas informações sobre o homenageado.

499
61
PEDRO ADÃO PEREIRA
Nascimento: Florianópolis/SC, 8 de setembro de 1928

Pedro Adão Pereira, em sua residência. Curitiba, 27/01/2018


Foto: Ana Vanali

500
PEDRO ADÃO PEREIRA

Ana Crhistina Vanali

Pedro Adão Pereira nasceu no bairro Estreito, em Florianópolis, Santa Catarina, dia 8 de setembro de
1928. Foi o filho caçula de Marcelino Adão Pereira e de Cesária Clara Pereira. O casal teve sete filhos.
O pai de Pedro trabalhava com a instalação das linhas dos correios e telégrafos em Santa Catarina
e devido a esse trabalho morou com a família em várias cidades catarinenses até chegar no Paraná. Assim,
Pedro chegou a Curitiba com a família no ano de 1946, aos 18 anos de idade, e foram morar no Uberaba, onde
permanece até hoje sendo considerado uma memória viva do bairro1.
Pedro já conhecia a capital do Paraná, pois como jogava futebol em Santa Catarina havia vindo em uma
excursão para um amistoso que se realizou na cidade. Mais tarde, quando já morava em Curitiba, foi num desses
jogos amistosos, do time do bairro Uberaba contra o time da Prefeitura Municipal de Curitiba, que veio o convite
de Myltho Anselmo da Silva2 para ele trabalhar no poder executivo municipal. Então, em 1948, deixou a pensão
e mercearia onde trabalhava e morava com uma família. na Avenida Salgado Filho. Em suas palavras, foi para
a Prefeitura “desbravar Curitiba”, uma vez que iniciou suas atividades realizando o levantamento topográfico
para a abertura das ruas da cidade. Passou por vários setores até que em 1978 foi colocado à disposição da
Câmara Municipal de Curitiba. Nessa época ocupava a função de Supervisor dos Tributos e estava lotado no
Departamento da Fazenda3. Foram 35 anos de serviços dedicados ao município até se aposentar em 1982.
No meio desse percurso, por intermédio de uma das irmãs conheceu Ana Maria Pinheiro, com quem se
casou em 11 de abril de 1959. Tiveram dois filhos: Agnaldo e Élcio, que lhe deram três netos.
Paralelo ao seu trabalho na prefeitura, Pedro Adão continuou atuando no futebol amador de Curitiba.
O primeiro time em que jogou na capital foi o Palestra Itália4. Depois, em 1952, foi para o Bola de Ouro Futebol
Clube, o time do bairro Uberaba que havia sido fundado em 22 de fevereiro de 1949. O clube do “Uberaba de
Baixo”5  participou de diversas edições no Campeonato Suburbano de Curitiba, entre as décadas de 1960 e
1970. Nesse período foi duas vezes campeão: 1963 (invicto) e 1969. Também se sagrou Campeão de Aspirantes
em 1962, e ficou na 2ª colocação no Torneio Início do Suburbano de 1966 (FURTADO e CHRESTENZEN, 2005).

1. Personagem Memória Viva: Pedro Adão Pereira. Uberaba News, agosto de 1999.
2. Myltho Anselmo da Silva (1917-1980) era funcionário público da Fazenda e foi eleito vereador de Curitiba pela primeira vez para a
legislatura de 1947-1950. Foi reeleito para a legislatura seguinte (1951-1955), sendo presidente da Câmara Municipal de Curitiba nos
anos de 1951 e 1953. Sua última legislatura foi de 1956-1959 (sendo 1º Secretário em 1957). Foi prefeito interino de Curitiba em
1953 (ano do centenário da emancipação política do Paraná), em substituição ao prefeito Erasto Gaertner. Também teve destaque como
presidente de times de futebol na capital paranaense (VANALI, 2017, p. 95).
3. Conforme Decreto Nº 70/78 de 16 de janeiro de 1978 assinado por Saul Raiz, Prefeito Municipal. Disponível em https://leismunicipais.
com.br/a/pr/c/curitiba/decreto/1978/7/70/decreto-n-70-1978-coloca-funcionarios-a-disposicao. Acesso 27.janeiro.2017.
4. O Palestra Itália Futebol Clube foi um clube  de futebol de Curitiba fundado em 1921 e extinto em 1971, quando se fundiu com o Britânia
Sport Club  e o  Clube Atlético Ferroviário  para dar origem ao  Colorado Esporte Clube. Durante a segunda grande guerra mundial, o
Palestra Itália passou a se chamar Paranaense, depois Comercial, Palmeiras, e em 1950, voltou a se chamar Palestra Itália. Disponível em
Palestra Itália é inesquecível no futebol paranaense (14/01/2013). http://www.tribunapr.com.br/arquivo/lendas-vivas/palestra-italia-
e-inesquecivel-no-futebol-paranaense/. Acesso 31.janeiro.2018.
5. A sede do Bola de Ouro fica na Avenida Senador Salgado Filho, nº 3.829. A denominação “Uberaba de Baixo” é referente ao fato do clube
ter sido fundado na parte mais baixa do bairro e na parte mais alta já existia o Uberaba Futebol Clube.

501
Time do Bola de Ouro F.C na década de 1950. Pedro Adão em destaque

Foto: acervo pessoal de Pedro Adão

Pedro Adão atuou como jogador e técnico do Bola de Ouro F.C, além de fazer parte da diretoria6 que
trabalhou na construção da sede própria do clube, que foi inaugurada em 4 de fevereiro de 1956. Também foi
aluno da Escola de Árbitros em 19607. Deixou o futebol em 1972. Durante algum tempo ainda jogou futebol aos
domingos com um grupo de amigos que formavam um time de seniores.

Diretoria do Bola de Ouro F.C na década de 1950. Pedro Adão em destaque

Foto: acervo pessoal de Pedro Adão

6. Cartaz suburbano: primeira e segunda divisão. A Tarde, 08/10/1959, p. 4.


Paraná Esportivo, 31/10/1957, p. 2. Correio da Noite, 17/07/1959, p. 8.
7. Convocação da Escola de Árbitros. Paraná Esportivo, 24/05/1960, p. 6.

502
Pedro Adão nos relata que quando chegou a Curitiba, na segunda metade da década de 1940, as pessoas
ainda “se admiravam com a cor da pele, pois havia a presença de poucos negros na cidade. Por ser muito
extrovertido e despachado eu me dava muito bem com todo tipo de pessoa, então não lembro de ter sofrido
alguma atitude racista, mas existia e ainda existe sim racismo na cidade” (PEDRO ADÃO, 2018).

Pedro Adão aos 26 anos, em 1954

Foto: acervo pessoal de Pedro Adão

Durante o tempo em que atuou no futebol amador, Pedro Adão foi convidado para jogar em outros
clubes locais, como o União Ahú Futebol Clube, e em times do Rio de Janeiro, mas escolheu permanecer em
Curitiba e não se profissionalizar no esporte como fez seu irmão Manoel Pereira8, que começou jogando no
Palestra Itália de Curitiba, passou pelo Ferroviário, depois seguiu para o Rio de Janeiro jogar no América e
chegou à seleção brasileira, participando de seis amistosos. O futebol é parte da família Pereira. Élcio, o filho
caçula de Pedro Adão também foi jogador profissional. Iniciou a carreira no Colorado em Curitiba, depois jogou
em Pernambuco e no Rio Grande do Sul.
Adepto da política, Pedro Adão atuou por muito tempo como cabo eleitoral de vários candidatos. Dessa
época, lembra-se das palavras do dono da Cotrans9, Osni Prates Pacheco, que comentava como Pedro Adão
trabalhava duro nos períodos das eleições furando as placas, passando os arames e as pendurando nos postes
do Uberaba. Também distribuía “santinhos” nas caixas de correio das residências e para os moradores do bairro
(PEDRO ADÃO, 2018). Nas eleições de 15 de novembro de 1988, foi candidato a vereador de Curitiba pelo
Partido Liberal (PL)10. Recebeu 715 votos e não foi eleito11. Depois dessa experiência nunca mais se candidatou.
Em 18 de novembro de 1999 foi um dos homenageados na Assembleia Legislativa do Paraná pelos
relevantes serviços prestados à Comunidade Afro-brasileira e Paranaense.

8. Manoel Pereira (1927-1985) ficou conhecido como “Leônidas da Selva” (ganhou esse apelido para não ser confundido com o outro
jogador Leônidas da Silva, o Diamante Negro). Disponível em Leônidas da Selva, o rompedor que foi da seleção – América/RJ. https://
americadorj.wordpress.com/2016/07/04/leonidas-da-selva-o-rompedor-que-foi-da-selecao/. Acesso 31.janeiro.2018.
9. Agência de aluguel de carros em Curitiba.
10. PL homologa chapa à Câmara Municipal. Correio de Notícias, 22/07/1988, p. 7.
11. Resultados de eleições municipais – TRE/PR. Disponível em http://www.tre-pr.jus.br/eleicoes/resultados/resultados-de-eleicoes-
municipais-tre-pr. Acesso 31.janeiro.2018.

503
Pedro Adão recebendo a homenagem na Alep em 1999

Foto: acervo pessoal de Pedro Adão

Pedro Adão, que irá completar 93 anos em setembro de 2021, hoje é uma das referências históricas do
bairro Uberaba, do futebol amador de Curitiba e da política local.

REFERÊNCIAS

MACHADO, Heriberto Ivan e CHRESTENZEN, Levi Mulford (2005). Futebol do Paraná: 100 anos de história.
Curitiba: edição dos autores.
PEDRO ADÃO (2018). Entrevista de Pedro Adão Pereira a Ana Crhistina Vanali concedida dia 27 de janeiro de
2018 em Curitiba.
VANALI, Ana Crhistina (2017). AO POVO PARANAENSE: a vida do cidadão Manoel Correia Defreitas. Curitiba:
Tese de Doutorado em Sociologia da UFPR.

504
62
RAIMUNDA FERREIRA
DOS SANTOS
Nascimento: São Luís/MA, 17 de dezembro de 1904
Falecimento: Curitiba/PR, 1º de julho de 2008

Vó Raimunda
Fonte: acervo pessoal de Maria do Pilar

505
RAIMUNDA FERREIRA DOS SANTOS

(1904 – 2008)

Celso Fernando Claro de Oliveira

Ao realizar uma análise histórica das iniciativas filantrópicas no Brasil, a pesquisadora Aldaíza Sposati
(2007) encontrou um padrão que tendeu a se repetir ao longo do século XX: tradicionalmente promovidas
pelas classes dominantes, tais ações buscavam enaltecer o ato da doação, enquanto pouco era feito no sentido
de se realizar uma mudança efetiva nas condições de vida dos marginalizados. Contudo, é possível encontrar
na capital paranaense um exemplo que desafia o paradigma dominante. Mulher, negra e de origem humilde,
Raimunda Ferreira dos Santos valeu-se do desejo de ajudar o próximo para promover uma série de ações
sociais em Curitiba, mobilizando diferentes segmentos da população e chamando a atenção do poder público
para alguns dos principais problemas existentes na cidade. Por seus projetos, ela se tornou carinhosamente
conhecida como “Vó Raimunda”.
Raimunda nasceu em uma aldeia indígena, localizada em São Luís, capital do Maranhão, a 17 de
dezembro de 1904. Era filha do casal Manoel Ferreira Campos e Jacinta Heliodora Campos, que teve outros dois
filhos: Zezuíla e João (PILAR, 2019a). A avó de Raimunda havia sido escrava, o que desde cedo despertou-lhe a
consciência do preconceito racial e da violência sofrida pelas mulheres. Em uma entrevista concedida à Gazeta
do Povo na década de 1990, ela relatou: “Lembro-me bem de uma das vezes que vi minha avó apanhando. Neste
dia prometi a ela que iria lutar minha vida inteira pelo direito das mulheres”1.

Vó Raimunda exibe sua certidão de nascimento

Data aproximada: 1996


Fonte: acervo pessoal de Maria do Pilar

1. AVELLEDA, Araceli. Aos 92 anos, um exemplo de vida através da dedicação a crianças e adultos. Gazeta do Povo, s.d., p. 6–7.

506
A infância de Raimunda foi marcada por diversas provações, de modo que ela foi obrigada a encarar,
desde muito cedo, uma série de responsabilidades2. Durante a juventude, utilizou-se da pouca instrução que
recebeu para atuar como professora, ensinando crianças a ler e escrever (PILAR, 2019a). No início da vida
adulta, participou de protestos em favor dos direitos da mulher na capital do Maranhão, motivo pelo qual foi
presa no 24º Batalhão de Caçadores e torturada por agentes do governo Vargas3.
Em meados da década de 1930, casou-se com o radiotelegrafista da Marinha Edgar Malafaia, mudando-
se com ele para a Bahia. Tiveram uma filha, Maria das Dores Ferreira Malafaia, nascida em 1937 e falecida
em 2007. Raimunda enviuvou ao final da década de 1930 e retornou ao Maranhão em busca de trabalho,
contudo, não obteve sucesso. A jovem mãe então tomou um caminho doloroso, seguido por muitas pessoas que
enfrentavam situações de pobreza na região: partir em direção ao Sudeste a fim de conseguir emprego. Para
tanto, Raimunda foi obrigada a deixar Maria das Dores – à época, com aproximadamente dois anos de idade
– aos cuidados de uma prima e seguiu para o Rio de Janeiro. Mãe e filha voltariam a se encontrar somente na
década de 1980 (PILAR, 2019b).
As dificuldades persistiram no caminho de Raimunda. Praticamente sozinha e com poucos recursos
financeiros, ela não conseguiu encontrar um emprego fixo. É até mesmo possível refletir se ela não enfrentou
uma série de preconceitos, uma vez que era mulher, negra, nordestina e pobre. Raimunda seguiu então para
Santos, no litoral de São Paulo, porém não teve melhor sorte. Sem perspectivas, ela adoeceu e chegou a uma
situação próxima da indigência. Certa vez, passou mal enquanto buscava por trabalho, sendo socorrida por
Sebastião Ciríaco dos Santos, pernambucano que se estabelecera na cidade alguns anos antes. Ele encaminhou
Raimunda a um hospital e assumiu a responsabilidade de ajudá-la a se recuperar. Ambos se casaram após
Raimunda recuperar sua saúde (PILAR, 2019b).
Sebastião era ensacador de café no Porto de Santos, ofício que lhe garantia uma boa condição financeira,
de modo que Raimunda poderia ter uma vida confortável se assim o quisesse. A maior preocupação dela, porém,
era oferecer algum auxílio para a população pobre que ela conhecera nas ruas da cidade. O casal abriu então
um restaurante, cuja inauguração foi marcada pela distribuição de sopa a famílias carentes e moradores de rua.
Essa foi a primeira das muitas ações que Raimunda promoveu em favor dos mais necessitados ao longo de sua
vida4.
Raimunda e Sebastião tiveram cinco filhos: Maria Bárbara (1950–1980) nascida em Santos/SP, Maria
do Pilar nascida em 1952 e Ângela nascida em 1953, ambas nascidas em Paranaguá. Maria do Rocio e José de
Ribamar nasceram mortos. Eles permaneceram casados até o falecimento de Sebastião, em 1985.
Em 1951 a família se mudou para o Paraná, fixando-se em Paranaguá, onde Sebastião desempenhou o
ofício de ensacador de café até se aposentar. Entre 1975 a 1978 seguiram para Guaíra, na região Noroeste do
estado. Pilar recorda que Raimunda promoveu ações de filantropia por todas as cidades em que passou, indo
pessoalmente requisitar doações e o auxílio de voluntários. Muitas vezes, ela utilizava a própria casa como
espaço para estocar os donativos e receber as pessoas em situação de vulnerabilidade. “Minha mãe era caridade
pura. Ela poderia ter tido uma vida muito confortável, mas era dona de um espírito de bondade que a levava a
trabalhar pelos mais necessitados”, comenta Pilar (2019b).

2. Um dos desafios de escrever a trajetória de Vó Raimunda é a apresentação de datas precisas sobre os acontecimentos que marcaram
sua vida até os anos 1980. Muitos de seus documentos pessoais se perderam com o tempo. Ao longo de nossa pesquisa, também não
encontramos fontes jornalísticas sobre os primeiros trabalhos sociais de Raimunda, de modo que recorremos ao auxílio de sua filha,
Maria do Pilar, que atuou como guardiã da memória da mãe. Desse modo, buscamos reconstituir sua trajetória apresentando datas
aproximadas para acontecimentos marcantes.
3. AVELLEDA, s/d. O nome do Batalhão está grafado de forma incorreta na reportagem – 24º Batalhão de Caçadas.
4. Idem.

507
Raimunda chegou a Curitiba em 1978, quando retornou de Guaíra. À época, suas iniciativas já eram
reconhecidas em todo o Paraná, de modo que o então prefeito Maurício Fruet apoiou muitas das suas primeiras
ações desenvolvidas na capital do estado. A família de Raimunda se estabeleceu no bairro de Santa Felicidade,
onde ela firmou uma importante parceria com a empresária e chef de cozinha Flora Madalosso, que vendia os
alimentos utilizados na preparação de refeições para a população carente (PILAR, 2019b).

Vó Raimunda (em destaque) distribuindo brinquedos durante o Dia das Crianças no Bairro Cidade Industrial

Fonte: acervo pessoal de Maria do Pilar. Década de 1990.

As três filhas do casamento com Sebastião também se envolveram nas ações. Pilar relembra que
costumava preparar a sopa e outras refeições que Vó Raimunda servia na porta de casa aos mais necessitados e
menciona que os cômodos da residência eram ocupados pelos donativos que a mãe obtinha. Além de alimentos,
ela conseguia roupas, calçados, brinquedos e móveis. “Eu costumava brincar com minha mãe: passe óleo de
peroba na cara antes de pedir doações. Ela ria e dizia que servir ao próximo era uma missão que Deus havia lhe
dado”, afirma Pilar (2019b).
Uma das primeiras ações de Raimunda junto ao poder público da capital paranaense foi a coordenação
do Balcão de Empregos da Prefeitura Municipal de Curitiba, na qual ela se empenhava para encontrar postos
no mercado de trabalho para pessoas de famílias de baixa renda. Muitos dos homens e mulheres atendidos
pelo órgão haviam deixado regiões brasileiras marcadas pela pobreza em busca de um futuro melhor, tal qual
fizera Raimunda muitas décadas antes5. Posteriormente, ela se envolveu com a Associação Cristã para Trabalho
na Obra do Senhor, popularmente conhecida como Actos, em 1984. À época, a instituição esteve próxima de
encerrar suas atividades, mas Raimunda assumiu a presidência do órgão e mudou sua forma de atuação,
assumindo caráter laico e voltando-se para ações em defesa da população carente. Assim, a Actos manteve sua
sigla, porém, ganhou um novo nome: Associação Cooperativista para Trabalho em Obras Sociais (RECACHO,
1987).

5. RECACHO, Carlos Alberto. A Páscoa de dona Raimunda. Correio de Notícias, 16/04/1987, p. 17.

508
Sede da Associação ACTOS

Fonte: acervo pessoal de Maria do Pilar

Por meio da Actos, Raimunda procurou potencializar os serviços previamente oferecidos pelo
Balcão de Empregos, indo além da busca de colocações no mercado de trabalho para pessoas em situação de
vulnerabilidade social. Algumas reportagens veiculadas na capital paranaense em abril de 1987 destacam que
a organização também oferecia aos desempregados assistência médica, jurídica e odontológica, cestas básicas
e, em casos de necessidade comprovada, realizava empréstimos às famílias carentes. Além disso, a associação
também disponibilizava um espaço para acolher os filhos dos associados enquanto estes buscavam por serviço
ou estavam em horário de expediente. Em datas comemorativas, como a Páscoa e o Natal, a Actos arrecadava
doces e brinquedos para distribuir às crianças pobres6. Também encaminhavam menores que estavam
estudando para trabalharem meio expediente.

Vó Raimunda ao lado de cestas de chocolates destinadas a alegrar a Páscoa de crianças carentes

Fonte: Jornal Diário de Notícias, 16/04/1987


Foto de Chuniti Kawamura

6. RECACHO, 1987; ACTOS: Reivindica ajuda. Acervo de Maria do Pilar. Sem nome do jornal. Data escrita a caneta: 26/04/1987.

509
Cestas de Páscoa distribuídas por Vó Raimunda a crianças carentes

Fonte: acervo pessoal de Maria do Pilar

As crianças se tornaram o centro das ações de Vó Raimunda na década de 1990: comovida com
o apelo de muitas jovens mães que não contavam com locais para deixar seus filhos durante o período de
expediente, ela empreendeu uma série de esforços para criar creches comunitárias em Curitiba. Valendo-se
de uma importante rede de contatos que estabelecera com autoridades políticas, membros da alta sociedade
e instituições diversas, ela conseguiu fundar creches nos arredores do Bairro Santa Felicidade – atendendo,
notadamente, as regiões do Jardim Itália, Jardim Pinheiros, Jardim Gabineto e Vila São João (PILAR, 2019b).
Nesta última localidade, funcionou a Creche Recanto Feliz, construída com recursos do programa municipal
Vale-Creche em um terreno cedido pela prefeitura. A inauguração aconteceu em 17 de dezembro de 1991, dia
em que Vó Raimunda comemorava 87 anos de idade, e contou com a participação de políticos, empresários e
outras autoridades1.

Vó Raimunda em 1991 – Inauguração da creche Recanto Feliz

Fonte: acervo pessoal de Maria do Pilar

1. Vale-creche entrega unidade Recanto Feliz. Recorte de reportagem sem data ou nome do jornal.

510
As creches fundadas por Raimunda atendiam famílias pobres de forma gratuita, de modo que logo
se tornaram bastante populares. A Recanto Feliz, por exemplo, começou atendendo 60 crianças. Em 1994, o
número quase triplicou, chegando a 175 meninos e meninas com idades entre 0 e 12 anos. A manutenção das
instituições era feita por meio de doações advindas de órgãos públicos, empresas, associações beneficentes e
pessoas interessadas em contribuir2. Um ofício da associação, divulgado pela imprensa curitibana em 1992,
assinala que as crianças em idade escolar poderiam realizar atividades diversas na Actos durante o período
da tarde, tais como costura e produção de brinquedos. Ao longo de sua vida, Vó Raimunda promoveu diversas
campanhas na imprensa curitibana para arrecadar donativos e mantimentos a fim de manter os órgãos
funcionando.

Vó Raimunda ao lado das crianças atendidas por suas creches, em 1994

Fonte: acervo pessoal de Maria do Pilar

Raimunda dedicou-se ainda a ações com adolescentes e jovens adultos. Por meio da Actos, promoveu
cursos de capacitação profissional voltados a esse público e buscou inserir os recém-formados no mercado de
trabalho. Ela também atuou na recuperação de pessoas que apresentavam problemas com drogas, buscando
sua reintegração social. As últimas iniciativas se davam em parceria com voluntários, os quais se propunham a
acolher e providenciar um ofício aos atendidos. Raimunda acompanhava todos os casos de perto, colocando-se
como uma amiga em quem os dependentes podiam confiar (AVELLEDA, s/d).
A promessa feita à avó, muitos anos antes no Maranhão, também foi mantida. Além da criação das
creches, voltadas ao atendimento de mães carentes, Raimunda também tomou parte dos debates em favor da
implantação da Delegacia da Mulher de Curitiba, medida que considerava essencial para combater a violência
contra a mulher. O órgão iniciou suas atividades em novembro de 1985, chefiado pela delegada Tereza Ermelino
dos Santos3, também negra. Em uma entrevista concedida à Gazeta do Povo, Vó Raimunda defendeu que as
mulheres alçassem voos ainda mais altos: “meu sonho é ver uma mulher presidente da república” (AVELLEDA,
s/d). Ela foi também atuante junto aos Conselhos Comunitários de Segurança (Conseg), visando melhorar as
condições de segurança pública na cidade (PILAR, 2019a).

2. Uma creche precisando de você. Idem às anteriores.


3. Ver capítulo 66 – Tereza Ermelino dos Santos.

511
Vó Raimunda em 1994

Fonte: acervo pessoal de Maria do Pilar

Embora nunca tenha sido candidata a um cargo eletivo ou tenha participado de um partido, Raimunda
criou uma rede de contatos com importantes figuras políticas da região. Nos anos finais da ditadura militar,
esteve próxima do Movimento Democrático do Brasil (MDB). Posteriormente, aproximou-se também do Partido
dos Trabalhadores (PT) e do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) (PILAR, 2019a). Foi militante do
movimento negro curitibano, sendo escolhida segunda vice-presidente da Associação Brasileira da Raça Negra
(Asbran), órgão responsável por resgatar as contribuições históricas da população negra e lutar por avanços
sociais em prol desse segmento (AVELLEA, s/d).
Pilar recorda que a mãe tinha orgulho de sua etnia e, desde cedo, instruiu as filhas sobre a importância
de combater o preconceito racial e buscar maneiras de se construir uma sociedade mais igualitária. “Minha
mãe era muito corajosa. Ela não apenas denunciava o racismo escancarado, mas também apontava como ele
aparecia em pequenas ações de nosso cotidiano. Acredito que a luta dela para ajudar os mais necessitados era
uma forma de mostrar como os negros têm um papel importante na construção da história de Curitiba”, afirma
Pilar (2019a).
Apesar de Vó Raimunda ser bastante conhecida e querida pela maioria da população, isso não impediu
que ela sofresse preconceito racial. De acordo com Pilar, certa vez um conhecido disse à Raimunda que suas
filhas estavam destinadas a ser empregadas domésticas, poderiam estudar, mas acabariam esfregando chão.
Rapidamente, ela defendeu sua prole: “o destino de minhas filhas está nas mãos de Deus, mas te garanto que
elas irão estudar bastante para ganhar a vida de forma digna” (PILAR, 2019a).
Outra situação envolveu um empresário para quem a Actos encaminhava pessoas em busca de emprego.
“Não gosto de preto. Parem de enviar pretos pra cá”, disse o homem ao contatar Vó Raimunda pelo telefone,
desconhecendo a etnia da presidente da Associação. Acompanhada de uma auxiliar, Raimunda decidiu visitar o
empresário a fim de questioná-lo sobre suas atitudes racistas. Ambas foram recebidas em seu escritório, porém,
o homem dirigiu-se apenas à funcionária ao longo da reunião, acreditando ser ela a “dona Raimunda” com quem
ele dialogava ao telefone, pois a mulher tinha pele clara. “Minha mãe disse que o homem ficou extremamente
constrangido quando a auxiliar revelou quem era a verdadeira ‘dona Raimunda’. Ele não aceitava que uma negra
poderia dirigir uma instituição como a Actos”, relata Pilar (2019a).

512
Vó Raimunda recebendo uma homenagem do então prefeito Rafael Greca

Fonte: acervo pessoal de Maria do Pilar. Década de 1990

Por suas importantes ações na capital paranaense, Raimunda recebeu diversas homenagens por
parte de órgãos públicos e instituições sociais. Entre as principais condecorações, destacam-se o prêmio de
“Voluntária do Ano de 1996”, conferido pelo Conselho Estadual da Mulher por ocasião das comemorações do
Dia Internacional da Mulher4; e o título de “Mãe do Ano” de 1997” (AVELLEDA, s/d). Apesar de sentir orgulho
do reconhecimento, mantinha-se uma pessoa humilde. “Não quero homenagens a minha pessoa, apenas ao
trabalho que faço”, ela declarou à Folha de Londrina (MATTOS, 1996).

Vó Raimunda aos 91 anos

Fonte: Folha de Londrina, 08/03/1996, p. 1-A

4. MATTOS, Simone. Conselho vai homenagear 84 pioneiras. Folha de Londrina, 8 mar. 1996, p. 1-A.

513
A longevidade de Vó Raimunda chamava a atenção de muitos dos repórteres que a entrevistavam. A
Gazeta do Povo assim resumiu sua rotina no ano de 1996: acordar cedo, alongar e exercitar o corpo, alimentar-
se de forma saudável, trabalhar com dedicação e cuidar da espiritualidade. O último elemento era de grande
importância: participante assídua da igreja Congregação Cristã no Brasil, Raimunda esteve sempre presente
nos cultos semanais (PILAR, 2019a). Mesmo em sua vida pessoal, Raimunda não se afastava das questões da
coletividade ou do apego às crianças. “Minha mãe era mulher do povo. Suas festas de aniversário eram feitas
para a comunidade. Além disso, ela era uma avó bastante presente e amorosa, que nutria grande carinho pelos
netos”, informa Pilar (2019a).

Momentos de um dos aniversários de Vó Raimunda

Fonte: acervo pessoal de Maria do Pilar

Ao final dos anos 1990, a família de Raimunda se estabeleceu no Bairro Cidade Industrial, onde ela
continuou se dedicando às causas sociais enquanto a saúde lhe permitiu. No início dos anos 2000, ela foi
acometida por um derrame cerebral, contudo, voltou às ruas após uma lenta recuperação de cinco meses,
munida de uma bengala que lhe fornecia o apoio necessário para caminhar. Posteriormente, foi diagnosticada
com mal de Alzheimer, de modo que precisou se afastar das atividades filantrópicas. Vó Raimunda faleceu em 1º
de julho de 2008, aos 103 anos de idade – segundo Pilar (2019a), sua mãe recebeu um presságio divino naquele

514
mesmo dia, informando que ela estaria na presença de Deus antes do anoitecer. Está sepultada no Cemitério
Parque Jardim da Saudade I, em Curitiba.
A obra de Raimunda rendeu frutos, embora seja difícil mensurar quantos adultos, jovens, crianças e
idosos foram atendidos por ela. Atualmente, tramita na Câmara de Vereadores de Curitiba um projeto para
batizar um logradouro público com o nome de Vó Raimunda (PILAR, 2019a). Em 2019, o CMEI São João
(antiga Creche Recanto Feliz) foi reformado por meio do programa municipal Escola Bem Cuidada e reaberto
à população – por ocasião da retomada das atividades, o prefeito Rafael Greca destacou a importância de Vó
Raimunda, a “mãe negra das crianças curitibanas” em idealizar o projeto5. Pilar, por sua vez, destaca que ainda
hoje as pessoas se recordam com carinho da dedicação da Vó Raimunda às causas sociais e conclui: “ela foi a avó
de coração dos mais necessitados” (PILAR, 2019a).

Um dos últimos trabalhos de Vó Raimunda – Ação Social ao Idoso Vó Raimunda

Fonte: acervo pessoal de Maria do Pilar

REFERÊNCIAS

Actos: Reivindica ajuda. Acervo de Maria do Pilar. Sem nome do jornal. Data escrita a caneta: 26/04/1987.
AVELLEDA, Araceli. Aos 92 anos, um exemplo de vida através da dedicação a crianças e adultos. Gazeta do Povo,
s.d., p. 6–7.
GRECA, Rafael. Revitalização do CMEI São João. Curitiba, 04/04/2019. Facebook: Rafael Greca. Disponível em:
https://www.facebook.com/watch/?v=361970014416044. Acesso em 10/06/2019.
MATTOS, Simone. Conselho vai homenagear 84 pioneiras. Folha de Londrina, 8 mar. 1996, p. 1-A.
PILAR (2019a). Entrevista de Maria do Pilar Ferreira dos Santos, filha de Raimunda Ferreira dos Santos,
concedida a Ana Crhistina Vanali e a Celso Fernando Claro de Oliveira no dia 26 de abril de 2019 em Curitiba.

5. GRECA, Rafael. Revitalização do CMEI São João. Curitiba, 04/04/2019. Facebook: Rafael Greca. Disponível em: https://www.facebook.
com/watch/?v=361970014416044. Acesso em 10/06/2019.

515
PILAR (2019b). Entrevista de Maria do Pilar Ferreira dos Santos, filha de Raimunda Ferreira dos Santos,
concedida a Ana Crhistina Vanali no dia 7 de junho de 2019 em Curitiba.
RECACHO, Carlos Alberto. A Páscoa de dona Raimunda. Correio de Notícias, 16/04/1987, p. 17.
SPOSATI, Aldaíza. Assistência social: de ação individual a direito social. Revista Brasileira de Direito
Constitucional, n.10, p. 435–458, jul./dez., 2007.
Uma creche precisando de você. Recorte de reportagem sem data ou nome do jornal.
Vale-creche entrega unidade Recanto Feliz. Recorte de reportagem sem data ou nome do jornal.

Vó Raimunda

Fonte: acervo pessoal de Maria do Pilar

516
63
RAIMUNDO NONATO
SIQUEIRA
Nascimento: Crateús/CE, 1º de maio de 1941

Raimundo Nonato de Siqueira. Curitiba, 2017


Fonte: acervo pessoal de Raimundo Nonato

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RAIMUNDO NONATO SIQUEIRA

Rosalice Carriel Benetti

“Não é bom você ser importante, o importante é você ser bom” (SIQUEIRA, 2017) são as palavras
utilizadas por Raimundo Siqueira para descrever sua vida e atividades. Seu maior objetivo: ser bom naquilo
que faz.
O Dr. Siqueira, como é conhecido, foi um profissional de referência na área de segurança pública.
Ingressou na Polícia Civil como escrivão e encerrou suas atividades no nível máximo, como Delegado de Polícia
de 1ª Classe1. Trabalhou em Pato Branco, Foz do Iguaçu, Corregedoria, Centro de Operações Policiais Especiais
(COPE), Londrina e Divisão Policial da Capital, entre outros. Foi ainda Chefe de Segurança da Itaipu Binacional
(1992–1996). Por aproximadamente quatro anos, atuou como professor da Escola de Polícia Civil (1984–
1990) e foi responsável pela formação e capacitação de policiais civis. Aposentou-se em 1992, mas prossegue
trabalhando, atualmente na instituição educacional Facinter (Centro Universitário Internacional).
É facilmente perceptível a sua paixão pela atividade policial. Define-a como a ocupação mais fascinante
que existe, porque cada dia é um novo dia e uma aventura nova onde você pode provar, “o caráter, o amor ao
próximo, a educação e a dignidade” (SIQUEIRA, 2017).
Raimundo Nonato é filho de Hermenegildo Domingos de Siqueira e Maria Valdiva de Siqueira, nascido
em 1º maio 1941, em Crateús, Ceará. A família transferiu-se para o sul do Brasil quando ele tinha menos de
um ano de idade. Ouviu dizer que a mudança de seus pais foi uma aventura até chegar à região de Presidente
Prudente, interior São Paulo. O seu pai passou por diversas atividades antes de a família se estabelecer
definitivamente em Curitiba: trabalhou em um cassino em Santos e, posteriormente, dedicou-se ao comércio
em Mandaguari, norte do Paraná. Em 1950, na capital, trabalhou de motorista até ingressar na Guarda Civil2,
enquanto a mãe trabalhava como diarista em casas de família.
Vivendo em Curitiba há mais de 70 anos, Siqueira considera-se curitibano: “amo de coração esta cidade,
nem poderia ser diferente, porque aqui fui criado, estudei desde o curso primário ao superior. Casei com uma
curitibana, criei filhos e trabalhei durante quase 40 anos como policial civil” (SIQUEIRA, 2017).
Os pais sempre foram bastante exigentes com o comportamento dos filhos, boas maneiras, higiene e
amizades. A mãe, uma figura marcante na vida familiar, preocupava-se com a instrução dos filhos e procurou
qualidade, conseguindo bolsas de estudo para os filhos no Educandário Nossa Senhora Aparecida3. Foi aí que
Siqueira e os irmãos aprenderam as primeiras letras e também a distinção entre pobres e ricos, brancos e
negros. Como bolsista “era obrigado a trabalhar na horta, ajudar na limpeza interna, dar comida aos animais,
como porcos, galinhas e uma vaca leiteira que fornecia leite para os nobres. Nós bebíamos chá preto com broa
de centeio feita em casa, enquanto os outros comiam pão de padeiro” (SIQUEIRA, 2017).
A mãe e a vida lhe ensinaram que existe somente um caminho para o progresso pessoal: estudar. Na sua
visão, o estudo oferece conhecimento, conduz ao aprimoramento da personalidade e formação de caráter. Um

1. O início da carreira se dá na 4ª classe, podendo chegar à 1ª classe. A progressão nos cargos da carreira de Delegado de Polícia é a mudança
de referência para outra imediatamente superior.
2. A Guarda Civil do Paraná foi uma corporação policial que exerceu policiamento ostensivo uniformizado no período de 1911 a 1969.
3. Educandário Nossa Senhora Aparecida, em Curitiba, dirigido por freiras ucranianas, funcionava na Avenida Vicente Machado esquina
com a Rua Jerônimo Durski.

518
exemplo de como este aprendizado se tornou parte de sua vida vem da infância: uma das freiras do educandário
era intransigente e preconceituosa, costumava demonstrar sua intolerância no trato com as crianças afirmando
repetidamente “não quero saber de negro, negro é coisa do diabo”. O caminho buscado por Siqueira para superar
a situação e se proteger de qualquer infortúnio foi simples: levantar mais cedo e estudar muito mais que seus
colegas, decorando a tabuada. Assim, evitava problemas e incidentes com a religiosa e os que pensavam como
ela.
Duas constantes exigências maternas eram a responsabilidade e o trabalho. Portanto, desde criança,
passou por diferentes empregos, sempre buscando se aprimorar e tirar o melhor de cada um deles. Como
entregador de uma loja de calçados, conseguiu realizar o sonho de comprar sua primeira bicicleta.
Trabalhando4 no Edifício Demeterco5, onde funcionavam setores da Justiça Estadual, conheceu muita
gente do meio jurídico que influenciou na sua escolha pelo curso de Direito. Estas pessoas costumavam lhe
presentear com livros porque percebiam o seu interesse na leitura. Passou a dispensar os gibis, tão comuns
entre os jovens da sua idade, trocando-os pelos livros.
Serviu o exército na 5ª Companhia de Comunicações, chegando a fazer curso de cabo em 1960.
Até pensou em seguir carreira, pois foi convidado a ingressar na equipe de paraquedismo. Fez testes e foi
convocado para treinamento no Rio de Janeiro. Mas questões burocráticas com sua documentação geraram
uma punição injusta, que o desagradou e motivou uma ponderação por parte de sua mãe: “filho quando estas
coisas acontecem, parece que é Deus no nosso caminho. Não é para você saltar, saia” (SIQUEIRA, 2017). Seguiu
o conselho materno e pediu a baixa. Siqueira acredita que foi sua melhor decisão, pois no Exército as suas
possibilidades de ascensão funcional seriam limitadas6.
Foi trabalhar na Rádio Colombo, no Departamento de Publicidade, onde conheceu muitos artistas. Era
um bom ambiente, mas com pagamento do salário irregular. Acabou migrando para o setor de cobranças de um
banco. Preocupado com seu futuro, o pai sugeriu a Raimundo que buscasse o serviço público.
Atento à orientação paterna, quando soube do concurso para escrivão da Polícia Civil do Paraná, se
inscreveu. Aprovado, foi designado para a Corregedoria7. Rapidamente se destacou por sua habilidade com
a máquina de escrever. E, seguindo a orientação familiar, continuou estudando. O caminho óbvio foi cursar
Direito, ingressando no curso noturno da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
Um parêntese interessante no seu percurso foi a sua passagem meteórica pela química, antes de se
direcionar para a área jurídica. Influenciado por um amigo estudou química industrial no Instituto Politécnico
do Paraná, pois ganhou a inscrição8 para o processo seletivo. Resultado: Raimundo passou nos primeiros
lugares e o amigo não obteve sucesso. Com certeza não era o curso dos seus sonhos, mas não desistiu, foi até o
final, formou-se a “duras penas e deixou tudo para trás” (SIQUEIRA, 2017). Sua especialidade: obtenção e refino
de petróleo.
Quando ingressou na Polícia Civil a jornada era de meio período, o que lhe permitia um segundo
emprego, o de secretário da seção paranaense da Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil
(ADVB–PR)9. Nesta atividade, foi estimulado a estudar e teve a oportunidade de participar de cursos que

4. Descia do 13º andar até térreo, com rastelo e saco, retirando bitucas de cigarro e lixo e depois retornava lustrando os metais do elevador.
5. O Edifício Pedro Demeterco (1953) localiza-se na rua Dr. Muricy esquina com a Rua Marechal Deodoro.
6. Na sua opinião, pela estrutura funcional do Exército, no máximo, teria chegado ao posto de subtenente.
7. Corregedoria da Polícia é o setor de controle interno da instituição, a ela cabe inspeções, apuração de erros ou abusos de autoridade.
8. Para estimular o filho a mãe do amigo pagou sua inscrição.
9. Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil–PR, fundada em 1965. “Nasceu com a proposta de impulsionar o mercado de
vendas e marketing em Curitiba e, posteriormente, em todo o Paraná, por meio de cursos e palestras para lojistas, supervisores, gerentes

519
influenciaram sua formação pessoal e profissional, como Oratória, Liderança e chefia e Marketing, então uma
novidade que estava surgindo no país. Siqueira era o responsável pela organização de eventos e o encarregado
de observar o profissional que mais se destacava no meio e convidá-lo a ministrar aulas para os associados.
Na organização de um destes eventos, a ADVB promoveu um almoço no Clube Concórdia10. E aí ocorreu
uma situação embaraçosa, mas de muito significado e que acabou tornando-se uma lição de vida. Estava à mesa
com os participantes, quando um dirigente do clube se aproximou dele e solicitou que se retirasse do local por
causa de sua cor. A postura dos dirigentes da Associação foi de indignação e apoio ao funcionário. Raimundo
Nonato de Siqueira era o responsável pelo evento e pelo pagamento das despesas, se ele precisava sair, todos
sairiam e o evento estaria encerrado naquele local. Resultado: prosseguiu no almoço.
Para Siqueira a atividade desenvolvida na ADVB foi “algo muito bom que serviu como polimento”
(SIQUEIRA, 2017). O que aprendia na Associação, modernidades e novos conceitos, buscava introduzir na
polícia. A polícia daquele tempo “era precária e utilizava muita gíria nas suas conversas” (SIQUEIRA, 2017) e ele
buscou conhecer e selecionar, absorvendo “o melhor dos dois universos. Serviu tanto que sempre me organizei
na vida na busca de um bom resultado” (SIQUEIRA, 2017).
Estudando e trabalhando, fez concursos públicos e, em 1972, foi nomeado Comissário de Polícia11.
Quatro anos mais tarde, em 1976, tornou-se Delegado de Polícia. Avaliando sua carreira, Siqueira acredita que
o seu maior desafio como policial foi trabalhar em Foz do Iguaçu. Isto porque em 1977 havia um afluxo muito
grande de pessoas para a região – pessoas boas e ruins. E a fronteira do Paraguai, sem controle, apresentava-se
como uma terra sem lei. Atuou na região por três períodos e considera que aí vivenciou “a grande oportunidade,
a grande prova. [...] Primeiro dizer não para a corrupção. Vencer a tentação de jogo, da bebida e das mulheres.
E vencer a tentação de muito dinheiro. A gente pode vencer e combater o bom combate e dizer para que veio”
(SIQUEIRA, 2017).
Também é de Foz do Iguaçu uma das lembranças que considera mais “jocosas” de sua trajetória.
A primeira vez que assumiu a delegacia, se dirigiu cedo, antes do horário de expediente, ao prédio e ficou
observando o entorno. Um policial percebeu sua presença e através de uma janela gritou: “sai daí neguinho
senão vou te recolher no xadrez” (SIQUEIRA, 2017). Mais tarde quando o policial soube quem ele era pediu
desculpas, ao que ele simplesmente respondeu: “Você estava quase certo” (SIQUEIRA, 2017).
Siqueira tornou-se um defensor do povo negro “exatamente por sentir na pele a dificuldade para ser
reconhecido pelo seu valor” (SIQUEIRA, 2017). Foi condecorado pelas seguintes instituições: Assembleia
Legislativa do Paraná, Câmara Municipal de Curitiba, Polícia Militar do Paraná, Rotary Clube, Maçonaria e Itaipu
Binacional. Como policial, desempenhou suas atividades ao longo de aproximadamente quarenta anos com zelo
e dedicação, sem máculas. No entanto, em sua instituição original, a Polícia, não recebeu as medalhas12 que tem
direito.
Quando soube que teria o seu nome registrado em uma placa de bronze a ser fixada em frente ao prédio
da Universidade Federal do Paraná como parte da comemoração do 1º centenário da abolição da escravatura,
Siqueira afirma ter sentido muita alegria e, especialmente, honra. “Nessa oportunidade fiz um exame
introspectivo, um mergulho dentro de mim mesmo, sentindo a obrigação de manter conduta e personalidade,

e vendedores.” História ADVB–PR. Disponível em: http://advbpr.com.br/institucional/historia/. Acesso em 26 outubro.2017.


10. Clube social e cultural, fundado em 1869, por imigrantes alemães, com sede no Bairro São Francisco, Curitiba.
11. Comissário de Polícia atualmente é uma carreira extinta. Era intermediária entre o delegado de polícia e o investigador, destinado a
quem estivesse cursando Direito.
12. As medalhas de bronze, prata e ouro simbolizam o reconhecimento dos bons serviços prestados pelos servidores. Para receber a
medalha, o policial deve cumprir alguns requisitos como a boa prestação de serviço, o tempo exigido de efetivo policial, bem como não
ter nenhuma punição disciplinar o criminal. 

520
refletindo positivamente sempre” (SIQUEIRA, 2017).
Na medida das suas possibilidades, tem sido um defensor da causa do negro. Acredita que “há pouco
conhecimento do sofrimento do povo negro que foi arrancado do seio pátrio, da família, dos costumes, crenças,
línguas e religião. Recebendo um tratamento desumano e sem direito algum, trabalhando forçado, acorrentado
e sob a lei da chibata” (SIQUEIRA, 2017). E, sempre que pode participa em eventos sociais e culturais, no
entanto, na maioria das vezes quando olha ao seu redor se percebe sozinho.
Atualmente, sente-se feliz em poder apoiar imigrantes negros oriundos de Angola, Haiti e outros países
oferecendo sua amizade fraterna, apoio e segurança na Instituição Educacional onde trabalha.

REFERÊNCIAS

SIQUEIRA, Raimundo Nonato de (2017). Entrevista concedida a Rosalice Carriel Benetti. Curitiba, 3 de outubro
de 2017.
História ADVB–PR. Disponível em: http://advbpr.com.br/institucional/historia/. Acesso 26.outubro. 2017.

521
64
SERAPHINA JACIRA
GONÇALVES
Nascimento: Curitiba/PR, 1º de outubro de 1920
Falecimento: Curitiba/PR, 5 de setembro de 1989

Seraphina Jacira Gonçalves (Dona Jacira). Curitiba, 1972


Foto: acervo Tenda de Umbanda União, Humildade e Caridade

522
SERAPHINA JACIRA GONÇALVES

(1920–1989)

Andrea Maila Voss Kominek

Seraphina Jacira Gonçalves, mais conhecida como Dona Jacira, nascida em 1º de outubro de 1920, na
cidade de Curitiba, teve sua vida marcada pela caridade, generosidade e dedicação aos mais necessitados, em
especial às crianças.
Formada no magistério, atuou como professora primária no Bairro Fazendinha. Naquela época, a
jovem, conhecida apenas como Serafina, ao fim do expediente das sextas-feiras, levava para casa os guarda-pós
das colegas de trabalho, também professoras. Sua mãe, Dona Jacinta, que trabalhava como lavadeira, lavava
e engomava os guarda-pós, para devolvê-los impecáveis na segunda-feira. Desta forma, garantia o custeio
semanal de sua condução diária até a escola em que trabalhava.
Sempre interessada em auxiliar as pessoas, participou de atividades de caridade de diversas formas.
Porém foi através da “Tenda de Umbanda União, Humildade e Caridade” (TUUHC), fundada por ela em 19 de
janeiro de 1958, que ampliou as oportunidades de colaborar e amparar os mais necessitados.
Antes de 1958, Dona Jacira já atuava na Umbanda, lutando contra os preconceitos do seu tempo. Tinha
uma missão e com muita “vontade, determinação e sobretudo coragem, ela edificou a tenda, num primeiro
momento com materiais usados, depois com tijolos, mas sempre ressaltava que os verdadeiros valores estavam
nas pessoas que labutavam pela caridade; visto que os tijolos virarão pó e as pessoas são eternas… Dona Jacira
iniciou a obra amparada pela magia inexplicável do invisível, foi iniciada, cruzada e sustentada pelas mãos de
seus mestres e amigos espirituais” (BANDEIRA DA AMIZADE, 2017).
Situado no Bairro Água Verde, o centro de umbanda é considerado o mais antigo em funcionamento
ininterrupto em Curitiba até os dias de hoje. No centro, além das atividades religiosas da Umbanda, religião de
matriz afro-brasileira, muitas foram e são as atividades sociais e filantrópicas realizadas. Dentre elas, a doação
de caixas de leite para crianças carentes e, com maior destaque os projetos “Abrigo Berço” e “Natal Solidário”.
Para o “Natal Solidário”, arrecadavam-se brinquedos, roupas e alimentos que eram doados, no período do Natal,
para as pessoas carentes, das periferias da capital que eram cadastradas na TUUHC.
O Projeto “Abrigo Berço”, por sua vez, era a menina dos olhos de Dona Jacira, que sempre acalentou
o sonho de ter uma creche. Sonho, porém, que não chegou a realizar. No projeto, cadastravam-se mulheres
grávidas carentes, com seis meses ou mais de gestação. Cada uma delas recebia um kit completo de enxoval e
fraldas. A matéria-prima para confecção do material era arrecadada através de doações e parcerias, porém a
confecção dos itens do enxoval era feita pessoalmente pelas habilidosas mãos de Dona Jacira, que transmitia,
através daqueles sapatinhos, babeiros e casaquinhos muito do seu amor. Deu ao projeto o nome de “Abrigo
Berço Tutu Marambá”1, em homenagem às amas de leite negras, escravizadas, que cantavam esta canção de

1. Irmão do Bicho-Papão e do Boi da Cara Preta, o Tutu Marambá é uma criatura toda negra, sem ter, porém, forma discernível alguma.
A palavra Tutu, segundo Câmara Cascudo, provém do termo africano  quitutu, que significa “ogro” ou “papão”. Apesar de não ser tão
popular quanto o Bicho-Papão, que chegou a virar termo proverbial, o Tutu Marambá é senhor dos terrores noturnos infantis na Bahia,
em Pernambuco, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. Existem várias modalidades da criatura, das quais a mais singular é a do Tutu-
zambê, que, além de não possuir forma, não possui também a cabeça. Na Bahia, por sua vez, o Tutu Marambá deixa de ser uma mera

523
origem africana para embalar os sonhos dos filhos dos “sinhôs” e “sinhás”.
Dona Jacira chegou a ser casada e morou com o marido na Avenida Getúlio Vargas. Porém ele sofria
de “neurose de guerra” e, quando ficou viúva, demorou para receber a pensão por falecimento do esposo. Não
chegou a ter filhos biológicos, mas cuidou e educou muitos filhos, netos e sobrinhos de coração. Seus filhos
adotivos são: Pedro, Miriam, Celia e Nadir.
Com o passar do tempo e com o importante trabalho social realizado no centro, parte do terreno foi
doado pela prefeitura, em 19622. No ano de 1968, o centro foi declarado pela Câmara Municipal de Curitiba
como de utilidade pública, tornando-se isento de impostos municipais3. O restante do terreno onde hoje se situa
o terreiro foi comprado e pago por Dona Jacira em 12 parcelas, através de promissórias. Devido a sua postura
correta quanto aos pagamentos, nunca atrasados, as duas últimas parcelas foram “perdoadas” pelo próprio
vendedor. Ao fazer o registro do terreno e da construção do terreiro, junto à prefeitura, Dona Jacira tomou o
cuidado de registrá-lo em nome da própria instituição, como forma de garantir a continuidade dos trabalhos e
atividades do centro, independentemente de sua futura presença ou não.
A família de Dona Jacira não era da Umbanda. Ela foi a primeira da família a desenvolver a mediunidade,
tendo iniciado seu caminho espiritual no Kardecismo. Com o passar do tempo, suas crescentes sabedoria e
fama fizeram com que diversos políticos procurassem sua casa e frequentassem o terreiro em busca de
aconselhamentos.
Durante 32 anos, Dona Jacira conduziu a TUUHC. Com a sua morte, em 1989, Dona Plácida Marangoni
assumiu provisoriamente o comando da tenda durante seis anos. Por questão de saúde, também se afastou em
1996, sendo precedida por Sueli Maria Ribeiro Gonçalves, que há 25 anos coordena material e espiritualmente,
através do Pai Benedito de Aruanda, os trabalhos de caridade da TUUHC (BANDEIRA DA AMIZADE, 2017).
Quanto à questão racial e à militância negra, Dona Jacira não tinha dúvidas: era negra, se assumia negra
e tinha orgulho de ser negra. Protestava contra qualquer pessoa que a chamasse de “pessoa de cor”... respondia
enfaticamente: “como assim, de cor??... de qual cor??? não sou de cor... sou NEGRA!!”
No dia 5 de setembro de 1989, com quase 69 anos, seu coração parou de bater após um infarto
fulminante, deixando órfãos filhos, netos, sobrinhos e amigos, que durante tantos anos contaram com sua
sabedoria e amparo para sobreviver às durezas da vida. Está sepultada no Cemitério Municipal do Água Verde.
Em comemoração ao centenário da Abolição da Escravatura, em 1988, teve um texto seu publicado pelo
jornal Gazeta do Povo, com o título: Mãe Preta!

sombra para assumir a forma explícita de um porco-do-mato, graças à semelhança dos termos tutu e caititu. O caititu, ou queixada, é
uma espécie de porco selvagem, montaria predileta do Caipora nortista. Segundo a crença, o Tutu Marambá persegue as crianças arteiras
e, principalmente, aquelas que não querem dormir. O mito, segundo Câmara Cascudo, é importado da Europa e da África. Nossas mães
indígenas, ao contrário, preferiam invocar, numa admirável lição de delicadeza, o auxílio dos pássaros ou animais de sono prolongado, a
fim de que o emprestassem a seus indiozinhos insones. (Acatipuru, empresta teu sono / para meu filho dormir... / Iacuturu, empresta teu
sono / para meu pequeno filho dormir..., diz, como numa oração, o suave acalanto).
Tutu Marambá – Canção Popular: Tutu Marambá não venhas mais cá; Que o pai do menino te manda matar; Durma neném, que a Cuca logo
vem; Papai está na roça e Mamãezinha em Belém; Tutu Marambá não venhas mais cá; Que o pai do menino te manda matar. Disponível
em: https://www.mitoselendas.com.br/2017/03/a-lenda-do-tutu.html. Acesso 20.abril.2018.
2. Projeto de Lei Ordinária Nº 173/62 de autoria de Victorio José Roda que se transformou na Lei Ordinária Nº 2236 de 26 de dezembro de
1962. Disponível em http://www.cmc.pr.gov.br/wspl/sistema/BibLegislacaoForm.jsp. Acesso 20.abril.2018.
3. Projeto de Lei Ordinária Nº 44/68 de autoria de Mauricio Fruet que se transformou na Lei Ordinária Nº 3214 de 26 de março de 1968.
Disponível em http://www.cmc.pr.gov.br/wspl/sistema/BibLegislacaoForm.jsp. Acesso 20.abril.2018.

524
MÃE PRETA

Impossível: Mãe Preta que a sua vida de amor e de renúncia fosse


Esquecida neste dia, em que comemoramos o dia 13 de maio.
Trazida no porão de um navio negreiro, vendida como escrava, sofrida e humilhada,
Foi você, Mãe Preta, que a doce e eterna melodia ou cantigas de ninar embalou
Em seus braços e amamentou com seu leite, os primeiros filhos do Brasil!
Mãe Preta! Com o seu carinho, suas ingênuas estórias de bichos e duendes,
seu espírito de doação e humildade, você contribuiu grandemente na formação de uma raça,
a nossa raça.
Zelando pela Sinhá Moça, que você criou e amamentou,
transmitiu ela esse cuidado, esse desprendimento, esse amor inconfundível,
esse espírito místico e religioso
que caracteriza a mulher brasileira.
Cem anos são passados... muita coisa aconteceu, quase tudo mudou,
mas você,
Mãe Preta, vive e viverá sempre,
Através da ternura do seu grande coração,
do desejo imenso de ajudar, sem esperar recompensa,
vendo em cada ser, um filho querido.
Obrigada Mãe Preta! Obrigada!

S. Jacira Gonçalves, 1988.

REFERÊNCIAS

Agradecemos a entrevista concedida por Marly Demeterco (que conheceu e trabalhou ao lado de Dona Jacira no
TUUHC desde o ano de 1973 até a sua morte em 1989) e por Sueli Maria Ribeiro Gonçalves (atual Mãe de Santo
à frente das atividades do terreiro nos últimos 25 anos) à Andrea Maila Voss Kominek e a Ana Crhistina Vanali
no dia 19 de abril de 2018 em Curitiba, nas dependências da TUUHC.
BANDEIRA DA AMIZADE. Vidas entrelaçadas: Seraphina Jacira Gonçalves (Dona Jacira), Etelvina Plácida
Festa Marangoni (Dona Plácida) e Sueli Maria Ribeiro Gonçalves (Sueli) (17/05/2017). Disponível em http://
bandeiradaamizade.com.br/2017/05/17/terreiro-uniao-humildade-e-caridade/. Acesso 20.abril.2018.

525
65
SYDNEI LIMA SANTOS
Nascimento: Rio de Janeiro/RJ, 25 de agosto de 1925
Falecimento: Curitiba/PR, 18 de novembro de 2001

Sydnei Lima Santos. Curitiba. Sem data


Foto: Acervo Universidade Tuiuti do Paraná
Fonte: https://utp.br/conexao-utp/noticias/tuiuti-60-anos-de-educacao-com-promocao-humana-2/.

526
SYDNEI LIMA SANTOS1

(1925–2001)

Celso Fernando Claro de Oliveira

Uma reportagem do jornal Folha de S. Paulo de 2008 utilizou-se de uma personalidade curitibana para
abordar, com notável ironia, o preconceito racial sofrido pelos segmentos mais ricos da população negra: “se
a vida fosse um programa lacrimoso de TV, Santos seria um personagem perfeito para ilustrar a queda do
preconceito contra negros”. O personagem ao qual o texto se refere é Sydnei Lima Santos, militar, professor,
empresário e político que fez carreira na capital paranaense. O “Coronel” Sydnei, como era popularmente
conhecido, foi apontado pelo artigo como a pessoa responsável por fundar “o que é considerado o maior negócio
já levantado por um negro no Brasil – a Universidade Tuiuti do Paraná, que tem 12 mil alunos e fatura cerca de
R$ 60 milhões ao ano” (CARVALHO, 2008, on-line)2.
A trajetória do “Coronel” – utilizamos as aspas, pois embora Sydnei jamais tenha alcançado tal posto
enquanto estava na ativa, era assim conhecido na capital paranaense – é bastante rica e, conforme a assinala o
pesquisador Benno Victor Warken Alves, desafia a visão de que Curitiba foi uma cidade construída basicamente
pelos esforços de imigrantes de origem europeia e japonesa. Por outro lado, nem mesmo a ascensão social
impediu que tanto o coronel Sydnei, quanto sua família vivenciassem os constrangimentos do preconceito
racial (ALVES, 2014). Nesse sentido, trata-se de um personagem verdadeiramente interessante para refletir a
respeito dessas questões.
Sydnei Lima Santos nasceu na cidade do Rio de Janeiro, a 28 de agosto de 1925. Foi o primogênito do
casal sergipano Astolpho Severo Dias dos Santos e Alaíde Lima Santos, que também teve uma filha, Aladyr.
Em um depoimento concedido ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil
(CPDOC), o “Coronel” destacou que sua família se estabeleceu no Bairro da Piedade e que muitos parentes
de seus pais também viviam na então capital federal. Astolpho era membro da Marinha do Brasil e, embora a
carreira militar tenha proporcionado certa estabilidade financeira à família, Sydnei sempre relembrava o fato
de o pai haver sido “laçado” para a instituição – isto é, foi coagido por meios violentos a ingressar na escola de
aprendizes-marinheiros (SANTOS, 2002, p. 731)3.
Devido à posição ocupada por Astolpho, Sydnei tinha o direito de prestar os exames de admissão para o
Colégio Militar do Rio de Janeiro. Segundo o próprio, foi durante o período de preparação para as provas que ele
descobriu seu “pendor” para ensinar: em sua casa, costumava receber outras crianças para aulas particulares,
demonstrando desde cedo uma forte inclinação pela matemática. Sydnei foi aprovado no Colégio Militar, onde
concluiu sua formação inicial (SANTOS, 2002, p. 736).

1. Na placa atual na Praça Santos Andrade está gravado SIDNEY, mas seu nome correto é SYDNEI.
2. No ano de 2018 o faturamento ficou na casa dos R$ 130 milhões conforme dados da Pró-Reitoria de Planejamento e Avaliação.
3. A situação revela algumas das características da Marinha brasileira ao início do século XX, pois se tratava de uma instituição fortemente
dividida: de um lado, oficiais provenientes de famílias nobres ricas gozavam de privilégios e promoções; de outro, subalternos oriundos
de classes menos favorecidas – em sua maioria, negros – sofriam com a aplicação de castigos físicos e jornadas de trabalho extenuantes.
Tais condições nos ajudam a compreender, por exemplo, a Revolta da Chibata, que eclodiu no Rio de Janeiro no ano de 1910 e teve entre
seus líderes o marinheiro João Cândido. Conferir: MAESTRI, Mario (1998). Cisnes negros: 1910 – A revolta dos marinheiros contra a
chibata. São Paulo: Moderna.

527
Após o fechamento desse ciclo, ele planejava seguir carreira como civil e cursar Química Industrial,
todavia, por sugestão da mãe, ingressou na Escola Militar de Resende, atual Academia das Agulhas Negras. À
época, os alunos do Colégio Militar podiam pedir uma transferência direta para a instituição sem ter de disputar
uma vaga por concurso público – nas palavras de Sydnei, apesar das segregações existentes, a carreira militar
representava uma “segurança” para os jovens de famílias pobres como ele. Frequentou a Escola Militar entre
1946 e 1948, concluindo o curso como aspirante (SANTOS, 2002, p. 732–733).
De acordo com os critérios adotados à época, Sydnei ficou na 14ª posição entre os membros de sua
turma de infantaria no quesito “classificação intelectual”, o que lhe conferiu o direito de escolher em que região
do país poderia atuar. A decisão natural foi permanecer no Rio de Janeiro, onde serviu no Regimento Escola de
Infantaria. O “Coronel” explicou sua escolha ao CPDOC:

Escolhi o Regimento Escola de Infantaria, que era um regimento mais dedicado a atividades
que tinham um feitio de escola, porque nós fazíamos demonstrações das novas táticas e das
novas estratégias para a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, a Escola de Comando do
Estado-Maior do Exército, a Escola Superior de Guerra, enfim, e às vezes até para comissões do
exterior, que vinham principalmente da América do Sul. No Regimento Escola, fui promovido
a segundo-tenente e a primeiro-tenente (SANTOS, 2002, p. 734).

A atuação de Sydnei não passou despercebida por seus superiores, os quais comumente destacavam seu
trabalho como instrutor. Segundo o próprio “Coronel”, reforçava sua vocação como professor. Foi nesse período
que Sydnei conheceu sua esposa, a professora curitibana Maria de Lourdes Rangel (1922–2017), que passava
uma temporada no Rio de Janeiro. Alves (2014) considera que o casamento pode ser interpretado como um ato
de subversão: considerada uma “mulher independente” para os padrões da alta sociedade paranaense, Maria
de Lourdes era proveniente de uma família branca de posses, contrastando com a origem humilde do marido. O
primeiro dos quatro filhos do casal, Sydnei Antonio Rangel dos Santos, nasceu enquanto a família ainda residia
no Rio de Janeiro. Os demais receberam os nomes de Luiz Guilherme Rangel dos Santos, Carlos Eduardo Rangel
dos Santos e Afonso Celso Rangel dos Santos. Mais tarde o casal adotou Ana Sylvia4.
A mudança para Curitiba ocorreu em setembro de 1951, motivada por questões de trabalho. Em seu
depoimento ao CPDOC, Sydnei assinalou que o clima da Guerra Fria alimentou uma série de boatos a respeito
de uma suposta ameaça comunista no Brasil. Tal situação contribuiu para aumentar as exigências sobre o
exército e favoreceu o surgimento de um clima de tensão dentro das Forças Armadas. Além disso, a rigidez
nas formalidades exigidas pelo exército no Rio de Janeiro e os grandes deslocamentos entre sua residência e o
quartel contribuíram para que ele considerasse uma transferência. Buscando uma vida mais tranquila, o então
primeiro-tenente cogitou uma mudança para o Nordeste, contudo, optou por um posto no 20º Regimento de
Infantaria, localizado na capital paranaense (SANTOS, 2002, p. 735–736).
Em 1952, Sydnei começou a atuar no Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR) de Curitiba
como instrutor para a formação de oficiais de reserva. A mudança de cidade, por sua vez, não foi de todo pacífica,
conforme relatou Carlos Eduardo Santos, filho do biografado: “O uniforme de coronel era uma arma contra o
preconceito. Em 1951, ele chegou a uma Curitiba dominada por alemães, poloneses e italianos. Para não sofrer
preconceito, ele saía na rua de farda e armado” (CARVALHO, 2008, on-line).
Por meio de um acordo com um vizinho, Sydnei começou a dar aulas de Português e Geometria em
um curso preparatório para jovens que almejavam ingressar na carreira militar. A partir de então, segundo

4. Enlace. Correio de Notícias, 25/09/1989, p. 10.

528
constata Alves (2014), Sydnei direcionou seus esforços com mais afinco em direção ao magistério. Em 1958,
fundou em sociedade com Waldir Jansen de Melo um curso preparatório para o Colégio Militar, que entraria em
funcionamento no ano seguinte: o Curso Tuiuti. A parceria não durou muito tempo, porém, o “Coronel” deteve
os direitos sobre a instituição, firmando uma nova sociedade, desta vez com o general Adalberto Massa. Esse
último acordo desembocou na criação da Escola Primária Tuiuti (1966), a qual daria origem ao Colégio Tuiuti
(ALVES, 2014, p. 44–45).
Já em 1959, Sydnei entrou no corpo docente do Colégio Militar do Paraná após ser aprovado em um
concurso público para a cátedra de Matemática e chegou a ocupar os postos de subdiretor de ensino, chefe da
seção psicotécnica e orientador de ensino do local. No mesmo ano, ingressou no curso de Orientação Educacional
da Universidade Católica do Paraná, no qual obteve seu primeiro título do ensino superior – posteriormente,
a instituição convidou-o para assumir o posto de coordenador do curso. O “Coronel” também se formou em
Matemática pela Universidade Católica e deu aulas no Curso Dom Bosco e no Colégio Estadual Rio Branco. No
ano de 1962, representou o Paraná na fundação da Associação Nacional de Professores e Pesquisadores de
Matemática. De acordo com o próprio Sydnei: “Eu já estava metido até a alma com escola” (SANTOS, 2002, p.
741).
Ainda que continuasse a ascender no exército, sendo promovido a major em 1962 e a tenente-coronel
no ano seguinte, Sydnei almejava deixar a carreira militar para dedicar-se apenas ao ensino. Todavia, naquela
época, poucas eram as alternativas para deixar o exército. Optou por um caminho que julgou adequado:
candidatou-se ao cargo de vereador, uma vez que – de acordo com a Constituição de 1967 – militares eleitos
seriam transferidos para a reserva ou seriam reformados (SANTOS, 2002, p. 741–742). O “Coronel” obteve
3.349 votos, conquistado uma das cadeiras da Câmara Municipal de Curitiba pela Aliança Renovadora Nacional
(ARENA), para o exercício de 1968–19725.
Embora Sydnei viesse a ocupar o posto de representante da Câmara junto ao Fundo Municipal de
Telefonia, afirmava ter entrado na vida política unicamente para conseguir se desvincular do exército, de modo
que optou por não concorrer à reeleição. Ele permaneceu filiado à ARENA – posteriormente, convertida no
Partido da Frente Liberal (PFL) – pelo resto de sua vida e chegou a concorrer a um cargo de deputado estadual
nas eleições de 1982 (SANTOS, 2002, p. 742). Recebeu 7.324 votos, soma insuficiente para se eleger6.
Após desligar-se do exército, Sydnei pôde se dedicar com mais afinco à educação, tendo em mente um
plano ambicioso: fundar uma faculdade particular. De acordo com o próprio Sydnei, sua experiência no campo
da educação lhe permitiu reconhecer a existência de um excedente de pessoas que, após não conseguir uma
vaga nas universidades públicas de Curitiba, migravam para outros estados (SANTOS, 2002, p. 740–741). Entre
1970 e 1973, com o fim da sociedade com o general Massa, ele deu início às preparações do campus conforme
as exigências do Ministério da Educação e Cultura. De acordo com Alves (2012), as redes de sociabilidades
estabelecidas pelo “Coronel”, tanto dentro, quanto fora do exército, foram essenciais para o sucesso do
empreendimento:

Santos conheceu Jarbas Passarinho no período da Escola Militar e era amigo de Ney Braga, ao
lado de quem concorreu nas eleições de 1967. O primeiro foi ministro da educação de 1970 a
1974 e o segundo o foi nos quatro anos seguintes. Também tinha boas relações com Algacyr
Munhoz Maeder, paranaense e membro do CFE (Conselho Federal de Educação) até 1975 (o

5. SERÃO conhecidos hoje os novos vereadores. Diário do Paraná, Curitiba, 24/09/1968, p. 3.


Disponível em http://www.tre-pr.jus.br/eleicoes/resultados/resultados-de-eleicoes-municipais-tre-pr. Acesso 14.janeiro.2019.
6. NÚMEROS oficiais e finais do pleito de novembro. Diário do Paraná, Curitiba, 26/11/1982, 2º Caderno, p. 6. 

529
órgão era responsável, entre outras coisas, pela concessão de permissões de abertura às novas
instituições de ensino superior). Portanto, o projeto de fundação da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras Tuiuti tinha boas chances de dar certo; e elas iam muito além da leitura
acertada das potencialidades do mercado educacional local que Santos efetivamente realizou.
Era o momento apropriado para tentar o passo mais decisivo de sua trajetória. De 1970 a
1973, tudo foi planejado e preparado para a aprovação do CFE, que permitiria a realização do
primeiro vestibular e o início das aulas (ALVES, 2012, p. 133).

O projeto previa a implantação de diversos cursos, porém, apenas três foram autorizados de
início: Letras, Pedagogia e Psicologia. Em março do ano seguinte, a Faculdade Tuiuti do Paraná entrou em
funcionamento. Alves (2012) assinala que os três cursos atendiam a necessidades imediatas de uma capital que
atravessava um período de acentuado crescimento populacional e buscava se firmar como uma cidade moderna.
Parte significativa das primeiras formandas dos cursos de docência eram diretoras de escola ou professoras
experientes que necessitavam de um diploma de ensino superior após a Reforma Passarinho determinar que o
curso de normalista não bastava para exercer a profissão. O curso de Psicologia, por sua vez, representava um
mercado em expansão.
A iniciativa floresceu com ares de empreendimento familiar, já que Sydnei, sua esposa e seus filhos
ocupavam cargos importantes dentro da instituição. Ao início dos anos 1980, a Tuiuti deu início a um processo
de expansão, passando a ofertar três novos cursos de graduação – Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia
Ocupacional –, além de cursos de especialização em convênio com a Universidade Federal do Paraná. As
instalações do campus foram ampliadas por meio da construção de um conjunto de clínicas voltadas a atender
os alunos de cursos relacionados à saúde (SANTOS, 2002, p. 743). O crescimento da Tuiuti valeu a Sydnei um
prêmio de Destaque do Ano de 1982, na categoria de Diretor de Ensino7.
O “Coronel” relatou ao CPDOC que, apesar do crescimento, ainda havia muitos entraves à expansão
da Tuiuti. Alguns desses obstáculos foram superados após a nomeação de Sydnei para o Conselho Federal de
Educação (1989 a 1994), pois, segundo o próprio, ele passou a conhecer melhor o processo burocrático a respeito
das tramitações do ensino superior privado no Brasil. Assim, foi possível encaminhar tanto os requerimentos
para abertura de novos cursos, quanto o processo de transformação da Faculdade em Universidade. No mesmo
órgão, Sydnei também presidiu a Câmara de Primeiro e Segundo Graus, atualmente conhecida como Câmara de
Educação Básica. Em julho de 1997, a Faculdade Tuiuti do Paraná tornou-se a Universidade Tuiuti do Paraná
(UTP) e, poucos anos depois, deu início aos seus primeiros cursos de pós-graduação (SANTOS, 2002). Em 2018,
segundo o Índice Geral de Cursos (IGC), o principal indicador de qualidade do ensino superior brasileiro, a
Tuiuti entrou para o grupo das 10 melhores universidades privadas do Brasil, sendo considerada a melhor
universidade privada do Paraná (GRANATO, 2018)8.
A projeção alcançada pela Faculdade Tuiuti garantiu ao “Coronel” um significativo trânsito na alta
sociedade curitibana, de modo que seu nome passou a figurar nas colunas sociais e também em reportagens de
temas ligados à educação. Alves (2014, p. 152) destaca que Sydnei foi representante do Rio de Janeiro no Clube
dos 21 Irmãos Amigos, que “possuía um membro de cada estado e sua finalidade oficial era celebrar e zelar
pelas datas cívicas do país e dos estados”. Além disso, foi sócio fundador do Clube de Campo Santa Mônica e
ocupou diversas funções dentro do Coritiba Futebol Clube, tradicional equipe desportiva da cidade cuja história
está relacionada a imigrantes alemães – serviu como conselheiro, vice-presidente de secretaria e, por duas

7. AS MAIORES personalidades paranaenses de 1982. Diário do Paraná, Curitiba, 26/10/1982, 2º Caderno, p. 8.


8. Resultados do IGC – 2017. Disponível em http://portal.inep.gov.br/indice-geral-de-cursos-igc-. Acesso 14.janeiro.2019.

530
vezes, assumiu a presidência do clube, tornando-se o primeiro negro no cargo (ALVES, 2014).
Alves (2012) destaca, de forma bastante perspicaz, que a trajetória de vida do “Coronel” é caracterizada
pela superação de diversas barreiras que marcavam – e, ainda hoje, marcam – a sociedade brasileira, porém,
que o estigma da raça foi constantemente rememorado ao longo de sua vida. De origem humilde, o “Coronel”
precisou buscar diferentes estratégias para ascender socialmente, tecendo uma notável rede de contatos ao
longo de sua vida. Exército, docência, política e relações sociais emergem como elementos importantes para
compreendermos seus sucessos. Por outro lado, não podemos desconsiderar elementos individuais, como
sua notável capacidade de ler as demandas existentes, a habilidade de alcançar resultados positivos em
investimentos considerados novos ou arriscados, e o talento para o ensino. Assim, é possível considerar que a
trajetória do professor Sydnei revela tanto a luta desse personagem e também da própria cidade de Curitiba.
Nas palavras do autor, “a abertura de oportunidades ‘modernas’ ao ‘coronel’ não acompanhou a extinção do
critério racial de classificação social em Curitiba” (ALVES, 2012, p. 135).
Sydnei Lima Santos faleceu em Curitiba, no dia 18 de novembro 2001. Está sepultado no Cemitério
Municipal São Francisco de Paula. Após sua morte, a reitoria da UTP foi ocupada por seu filho Luiz Guilherme
Rangel Santos. Atualmente, o “Coronel” dá nome a uma rua no bairro curitibano de Butiatuvinha9, ao campus
central da Tuiuti, ao auditório do Colégio Militar de Curitiba e ao Museu Aeroespacial mantido pela instituição10.
Além disso, também denomina um prêmio, com o qual são agraciados os melhores estudantes das turmas de
formandos da UTP. Pouco antes de sua morte, ele concedeu a já referenciada entrevista ao CPDOC, a qual foi
concluída com as perspectivas de futuro do “Coronel” e também com seu interesse de continuar se dedicando
ao trabalho de educador, o qual ele comparava a uma missão:

Posso dizer que sempre gostei desse meu trabalho, mesmo quando ainda era uma criança,
dando aula de matemática para os meninos lá em Piedade, no Rio. Hoje, perto dos 76 anos,
acho que a missão é a mesma. Muita gente me diz assim: “Você não acha que já devia estar
sossegado — ouvindo novela em casa ou qualquer coisa desse jaez?” Eu digo: “Você é meu
amigo?” “Ah, sou seu amigo.” “Então você não pode desejar isso, porque você está desejando
a minha morte. Se eu não estiver fazendo isso, pode ter certeza de que vou morrer antes do
tempo.” Venho para cá de manhã, passo o dia inteiro, às vezes varo a madrugada, porque me
satisfaz. Não é porque eu possa ganhar dinheiro. Claro que se eu trabalho devo ganhar. A
remuneração tem que ser justa também. Mas não é por isso que continuo trabalhando. Porque
eu podia viajar, andar pelo exterior e até pelo interior do Brasil e tal. Se eu não viajar, não me
incomodo, mas me incomodo se eu deixar de fazer o que faço (SANTOS, 2002, p. 760–761).

REFERÊNCIAS

ALVES, Benno Victor Warken (2012). O Coronel Sydnei: trajetória de um empresário negro em Curitiba desde
os anos 50. Sem Aspas, Araraquara, v. 1, n. 1 p. 127–138, 1º semestre de 2012.

9. Conforme Lei Nº 10.429 de 7 de maio de 2002. Disponível em https://www.cmc.pr.gov.br/wspl/sistema/BibLegVerForm.do?select_


action=&popup=s&chamado_por_link&nor_id=11352&pesquisa=lima%20santos. Acesso 14.janeiro.2019.
10. Em vida foi agraciado com o título de cidadão honorário de Curitiba através da Lei Nº 7053 de 21 de setembro de 1987.
Disponível em https://www.cmc.pr.gov.br/wspl/sistema/BibLegVerForm.do?select_action=&popup=s&chamado_por_link&nor_
id=7978&pesquisa=lima%20santos. Acesso 14.janeiro.2019.

531
ALVES, Benno Victor Warken (2014). O Coronel Sydnei: ascensão social e classe dominante na trajetória de um
militar e empresário negro. Dissertação (Mestrado em Sociologia), São Paulo: USP.
AS MAIORES personalidades paranaenses de 1982. Diário do Paraná, Curitiba, 26/10/1982, 2º Caderno, p. 8.
CARVALHO, Mario Cesar (2008). “Elite preta” se divide sobre extensão do preconceito. In: Folha de São Paulo.
São Paulo, 23/11/2008. Caderno especial. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/especial/
fj2311200820.htm . Acesso em 16.dezembro.2018.
ENLACE. Correio de Notícias, Curitiba, 25/09/1989, p. 10.
GRANATO, Luiza (2018). As melhores faculdades e universidades do Brasil, segundo o MEC. Exame, 18/12/2018.
Disponível em https://exame.abril.com.br/carreira/as-melhores-faculdades-e-universidades-do-brasil-
segundo-o-mec-2/. Acesso 14.janeiro.2019.
NÚMEROS oficiais e finais do pleito de novembro. Diário do Paraná, Curitiba, 26/11/1982, 2º Caderno, p. 6. 
SANTOS, Sydnei Lima (2002). Universidade de Tuiuti do Paraná. In: TRAJETÓRIAS da Universidade privada no
Brasil: depoimentos ao CPDOC-FGV / Organizadoras: Luciana Heymann & Verena Alberti. Brasília/DF: CAPES;
RJ: Fundação Getúlio Vargas/ CPDOC, v. 2. p. 729–761.
SERÃO conhecidos hoje os novos vereadores. Diário do Paraná, Curitiba, 24/09/1968, p. 3.

* Agradecimento especial ao pró-reitor de Planejamento e Avaliação da Universidade Tuiuti do Paraná, Afonso


Celso Rangel Santos, filho do coronel Sydnei Lima Santos, pelas informações fornecidas em 15 de janeiro de
2019.

Sydnei Lima Santos. Curitiba. Sem data

Foto: Socorro Araújo

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Carreira militar de Sydnei Lima Santos11

Data de Praça – 1º de abril de 1946.


Aspirante a oficial – 17 de dezembro de 1948.
2º tenente – 25 de junho de 1949.
1º tenente – 25 de junho de 1951.
Capitão – 25 de dezembro de 1953.
Major – 25 de agosto de 1961.
Tenente-coronel – 8 de fevereiro de 1962*.
Recebeu a Condecoração Medalha Militar de Bronze.

*Obs.: Passou a fazer parte do Magistério do Exército, como professor efetivo a partir de 8 de fevereiro
de 1962, como adjunto catedrático de Matemática.

11. Conforme os assentamentos do tenente-coronel Sydnei Lima Santos (Referência Almanaque de Oficiais de 1969). Acervo do Arquivo do
Exército no Rio de Janeiro (AHEX). Agradecemos ao capitão Mauro da Seção de Pesquisa do AHEX pelo acesso às informações.

533
66
TEREZA ERMELINO
DOS SANTOS
Nascimento: Curitiba/PR, 11 de agosto de 1940

Tereza Ermelino dos Santos. Aracaju, 2017


Fonte: Acervo pessoal Tereza Ermelino dos Santos

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TEREZA ERMELINO DOS SANTOS1

Rosalice Carriel Benetti

Tereza Ermelino dos Santos é um exemplo de tenacidade e persistência. Em sua trajetória, destacou-se,
especialmente, pela sua atuação em defesa dos direitos da mulher. Lutando contra o preconceito e resistência
dos setores conservadores da época. Foi a primeira delegada de Polícia Civil do Estado do Paraná, em 1975. Dez
anos mais tarde, tornou-se a primeira delegada titular da Delegacia da Mulher2 do estado.
Para avaliar sua trajetória, é preciso reforçar a ideia de que embora Tereza vivesse em pleno século XX,
com acesso à educação, alguns espaços – ainda que não ditos oficialmente – não estavam ao alcance das mulheres.
Mesmo que intelectualmente reconhecidas, o ritmo das mudanças na sociedade era lento e determinados
ambientes eram eminentemente masculinos. E a polícia era um dos espaços em que essa “exclusividade” era
mais visível.
O percurso de Tereza merece ser conhecido e divulgado, pois o fato de uma mulher negra chegar ao
ápice da carreira policial exigiu dedicação e muita luta contra a dupla intolerância da sociedade da época:
o preconceito racial e a discriminação de gênero. Tereza foi uma voz dissonante da tradição, não aceitou os
limites que tentaram lhe impor; sua postura foi o ponto de partida para o ingresso da mulher Delegada na
atividade policial no estado do Paraná. Escrever sua história é refletir sobre as mudanças do papel da mulher
na sociedade paranaense dos anos 1970 e 1980.
Tereza nasceu em Curitiba, em 11 de agosto de 1940. Filha do casal Ataliba Ermelino dos Santos e Joana
Pereira dos Santos, era a terceira de cinco irmãos. O pai, ferroviário, se aposentou cedo por problemas de saúde;
trabalhava como garçom para complementar a renda. A mãe ajudava no orçamento doméstico cozinhando para
fora, costurando e lavando roupas.
Em 1964, aos 24 anos, ela ingressou através de concurso público na carreira policial, sendo nomeada
interinamente para o cargo de Agente de Polícia da Secretaria de Segurança Pública. Como agente, trabalhou em
diversas unidades policiais como Delegacia de Proteção ao Menor, Delegacia de Ordem Política e Social, Divisão
de Polícia Especializada, Delegacia de Falsificação e Defraudações, Delegacia de Entorpecentes, Delegacia de
Furtos e Roubos e Delegacia de Crimes contra a Fazenda Pública.
O trabalho policial direcionou o seu olhar para o curso de Direito. Quando mais jovem, até havia pensado
em estudar Medicina, mas o alto custo do curso e a necessidade de trabalhar fizeram-na buscar outra opção.
Assim, em 1970 ingressou no Curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica.
Na época, existia na Polícia Civil o cargo de Comissário de Polícia3, uma carreira intermediária entre
o delegado de polícia e o investigador, destinada a quem estivesse cursando Direito. Assim, quando surgiu a
oportunidade de progresso profissional na instituição, Tereza, que preenchia todos os requisitos, tentou se
inscrever no concurso. No entanto, a sua inscrição foi negada sob a alegação de que era mulher.
Nos anos 1970, a ideia de uma mulher trabalhando na polícia não era muito bem aceita pela sociedade

1. Na placa atual na Praça Santos Andrade está gravado TEREZA ERMELINO DE LEÃO, mas seu nome correto é TEREZA ERMELINO DOS
SANTOS.
2. A Delegacia da Mulher em Curitiba foi criada pelo Decreto estadual no 665, de 4 de novembro de 1985 e pulicado no Diário Oficial no
2149.
3. Atualmente Comissário de Polícia é uma careira extinta.

535
brasileira em geral, logo, ocupar um cargo de chefia da instituição era inadmissível, especialmente para os
“figurões da segurança pública”4. Ela ficou decepcionada e, momentaneamente, aceitou a regra imposta, mas
não se deixou abater.
Tereza acredita que essa negativa foi o grande estímulo para persistir e ir à luta (SANTOS, 2017).
Continuou estudando e concluiu o curso de Direito em 1974. E como conformismo é uma palavra que não
fazia parte do vocabulário desta mulher, assumindo todos os riscos da recusa anterior, quando o Estado tornou
pública a abertura de concurso para o cargo de Delegado de Polícia, em 1975, não teve qualquer dúvida.
Consciente de que enfrentaria entraves e de que algumas pessoas tentariam impedir sua inscrição, buscou apoio
jurídico. Naquela ocasião havia outras mulheres, algumas funcionárias da Polícia Civil em cargos subalternos,
habilitadas a prestar o concurso, mas também havia o receio das dificuldades e possíveis consequências do que
poderia ser considerado um ato de rebeldia pela chefia que resistia às mudanças. Igualdade entre os sexos não
existia.
Assim, movida pela sua ousadia e o desejo de progredir, entrou com um mandado de segurança5 para
conseguir se submeter aos exames. Deste modo, conseguiu se inscrever no concurso e fazer as provas escritas e
o exame físico6. Cada etapa envolvia uma batalha jurídica e muita pressão para sua desistência. Aprovada, ficou
aguardando sua nomeação como Delegada de Polícia 4ª Classe7, que somente saiu após a dos demais aprovados8.
E ocorreu porque ela ficou atenta, acompanhando o processo, buscando apoio legal para garantir seu direito.
Assim, sua nomeação foi publicada em Diário Oficial, mas com limites, estava condicionada ao julgamento do
recurso interposto pelo Estado9.
Apesar de empossada, houve muita pressão pela sua desistência, as coisas não eram fáceis e seu
trabalho, pouco reconhecido pela direção. Periodicamente era ameaçada, surgia a insinuação de que ela deveria
desistir da ideia de ser delegada porque poderia perder tudo. “Sofri tortura por parte da cúpula [da polícia]. A
cada quinze dias vinha alguém dizer que eu podia ser exonerada, que a qualquer momento podiam tirar o meu
cargo” (SANTOS, 2017).
Como delegada Tereza trabalhou em Londrina, União da Vitória, 2º Distrito Policial de Curitiba,
Guarapuava, Delegacia de Proteção ao Menor, Morretes, Delegacia de Acidentes de Trânsito, Delegacia da
Mulher, Inspetoria, Delegacia de Crimes contra a Administração e Comissão Especial de Disciplina. Não teve
dificuldades nas relações com os subalternos ou mesmo com os bandidos, pois sempre soube se fazer respeitar.
No entanto, a barreira imposta pela cúpula da instituição persistiu. Era designada para trabalhar em locais
considerados difíceis ou precários e as promoções simplesmente não aconteciam.

4. NEVES, Rafael (2013). Doutora Tereza saiu à luta pela polícia. Gazeta do Povo, 23 out. 2013. Vida e Cidadania, Perfil. Curitiba, Disponível
em: http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/doutora-tereza-saiu-a-luta-pela-policia-2yz62fncwwfwb9gpcqw4kd2ry.
Acesso em 24. out. 2017.
5. Mandado de segurança é um recurso jurídico que tem como objetivo garantir direito líquido e certo.
6. O exame físico é realizado com o objetivo de avaliar a capacidade do  indivíduo para desempenhar as funções típicas do cargo que
ocupará. Atualmente, levando em consideração as diferenças biológicas entre homens e mulheres, a carga física estabelecida é diferente.
Ou seja, testes são avaliados com índices inferiores para as mulheres, o que não aconteceu no exame de Tereza.
7. O início da carreira se dá na 4ª classe, podendo chegar à 1ª classe. A progressão nos cargos da carreira de Delegado de Polícia é a mudança
de referência para outra imediatamente superior.
8. Nomeada pelo Decreto no 1058 de 9 de outubro de 1975.
9. Segundo Tereza, o recurso levou aproximadamente 10 anos para ser julgado.
Nomeação de Tereza como delegada

Fonte: Arquivo Público do Paraná


Diário Oficial do Estado do Paraná, 14/10/1975

Mas os tempos estavam mudando: a sociedade e os movimentos feministas exigiam atenção especial
em defesa da mulher vítima de violência. Em 1985, foi criada a primeira Delegacia da Mulher do país na cidade
de São Paulo. O governo do Paraná seguiu o mesmo caminho.
A contragosto de alguns políticos e policiais mais radicais, o Estado precisava de ajustes para
acompanhar estas transformações. Para compor a recém-criada Delegacia, era necessário incorporar a mulher
à carreira de Delegado de Polícia. Deste modo, foi criado o cargo de Delegado de Polícia Feminino10, com oito
vagas na carreira inicial. Era o modo de limitar, ainda que numericamente, a presença feminina em cargos de
chefia na Instituição.

10. O estado do Paraná foi o único a manter esta situação. A carreira de Delegado de Polícia Feminino existiu até a Constituição Federal de
1988 quando passou a carreira única de Delegado de Polícia, sem distinção de sexo.

537
Como única mulher no cargo de Delegada de Polícia nos quadros da Polícia Civil do Paraná, Tereza foi
chamada para assumir a chefia da Delegacia da Mulher de Curitiba. A infraestrutura da delegacia era muito
deficitária e o trabalho, às vezes, incompreendido e exaustivo. “Não era raro entrar às oito da manhã e ir embora
às duas da madrugada. Muitas mulheres recorriam a nós. Tínhamos que dar tempo e espaço para as nossas
clientes desabafarem” (SANTOS, 2017).
Neste contexto, com o ingresso através de concurso das oito primeiras mulheres Delegadas Femininas
na Polícia Civil, as promoções até então paralisadas finalmente precisaram acontecer. Em 1985, Tereza foi
promovida de 3ª para 2ª Classe. E, em 1986, promovida de 2ª para 1ª Classe na carreira de Delegado de Polícia
Feminino.
Nos anos de 1977 e 1985 ela recebeu as Medalhas de Mérito Policial de Bronze e Prata11, respectivamente.
E, aos poucos, o seu trabalho foi emergindo e fragmentos de sua história passaram a ser contados em entrevistas.
Alguns segmentos da sociedade reconheceram o pioneirismo de sua atuação na cidade e no estado.
No ano de 1988, quando do primeiro centenário da abolição da escravidão no Brasil, por iniciativa da
Câmara de Vereadores de Curitiba, foi homenageada, com o seu nome sendo registrado em uma placa de bronze
da Praça Santos Andrade. Tereza considera este um dia especial de reconhecimento de sua luta e seu trabalho,
ficando emocionada com a lembrança. Recorda-se que o seu nome foi indicado, entre outros, pelo cônsul-geral
honorário do Senegal, Ozeil Moura dos Santos12. Nas eleições municipais desse mesmo ano Tereza concorreu a
uma vaga de vereadora pela cidade de Curitiba pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) obtendo 416 vagas e
ficando na suplência13.
Em 2008, foi a vez da Comissão da Mulher Advogada da OAB/Paraná homenageá-la como primeira
Delegada de Polícia mulher do Paraná e, em 2016, Secretaria de Estado da Família e Desenvolvimento Social do
Paraná.
Tereza aposentou-se em 1994, mas não parou de trabalhar, passou a advogar. Atualmente pouco produz
nesta área. Desde 2001, buscando uma vida mais tranquila e a proximidade do mar, mudou-se para Aracaju,
capital do estado do Sergipe.
Finalmente, podemos afirmar que Tereza escreveu uma história de tenacidade e inclusão. Foi uma
pioneira, não aceitou a condição de inferioridade que a sociedade tentou lhe imputar no mercado de trabalho.
É uma vencedora e tornou-se uma referência na área de Segurança Pública, quer seja como mulher, quer seja
como negra.

11. As medalhas de bronze, prata e ouro simbolizam o reconhecimento dos bons serviços prestados pelos servidores. Para receber a
medalha, o policial deve cumprir alguns requisitos como a boa prestação de serviço, o tempo exigido de efetivo policial, bem como não
ter nenhuma punição disciplinar ou criminal. 
12. Ozeil Moura dos Santos, cônsul-geral do Senegal para os Estados do Paraná e Santa Catarina. Destaca-se pela sua permanente atuação
em prol da Comunidade Afro-Brasileira.
13. Disponível em http://www.tre-ms.jus.br/eleicoes/eleicoes-anteriores/resultado-eleicoes-municipais-1988. Acesso 02.fevereiro.2019.

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REFERÊNCIAS

Comissão presta homenagem à primeira delegada do Paraná (2008). OAB Paraná, Curitiba, 11 dez. 2008.
Disponível em: <http://www.oabpr.org.br/comissao-presta-homenagem-a-primeira-delegada-do-parana/>.
Acesso em 24 out. 2017
NEVES, Rafael (2013). Doutora Tereza saiu à luta pela polícia. Gazeta do Povo, 23 out. 2013. Vida e Cidadania,
Perfil. Curitiba, Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/doutora-tereza-saiu-a-
luta-pela-policia-2yz62fncwwfwb9gpcqw4kd2ry. Acesso em 24 out. 2017.
SANTOS, Tereza Ermelino dos (2017). Entrevista concedida a Rosalice Carriel Benetti. Curitiba, 6 de outubro
de 2017.
Seminário em Curitiba debate a violência contra a mulher (2016). Conselho Estadual dos Direitos da Mulher,
29 nov. 2016. Disponível em: http://www.cedm.pr.gov.br/2016/11/19/Seminario-em-Curitiba-debate-a-
violencia-contra-a-mulher.html. Acesso em 24 out. 2017

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VALDIR IZIDORO
SILVEIRA
Nascimento: Itajaí/SC, 18 de setembro de 1943

Valdir Izidoro Silveira em sua residência. Curitiba, 22/11/2017


Foto: Ana Vanali

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VALDIR IZIDORO SILVEIRA

Ana Crhistina Vanali

Valdir Izidoro Silveira nasceu no dia 18 de setembro de 1943, no município de Itajaí, estado de Santa
Catarina. É o filho mais velho de Izidoro Justino Silveira (estivador) e de Célia Pereira Silveira (do lar) que
tiveram três filhos. Valdir foi casado e tem quatro filhos.
Terminando o ginásio, mudou-se de Itajaí para Florianópolis para continuar os estudos. No início, seu
pai pagava a pensão onde ele morava na capital catarinense, mas sabendo das dificuldades da família para
mantê-lo, Valdir decide trabalhar. Em uma de suas visitas à cidade de Itajaí, encontrou o amigo do time de
futebol de salão Eduardo Santos Lins – apelidado de Pimpa, que foi deputado estadual em Santa Catarina pela
União Democrática Nacional (UDN) e era filho do dono do Banco da Indústria e Comércio de Santa Catarina
(Inco) – a quem pediu um emprego. O mesmo, na hora, pegou um pedaço de papel e fez um bilhete com os
seguintes dizeres: “Alóis, quero que atendas o meu amigo Valdir!” (VALDIR, 2017). Chegando em Florianópolis,
Valdir entregou o bilhete ao gerente do Banco Inco, Alóis Kuntz, e começou a trabalhar.
Em Florianópolis, começou a militar no movimento estudantil e no sindicato dos bancários. Então
veio o Golpe Militar de 1964 e ele foi preso, pois era ligado à União Brasileira dos Estudantes Secundaristas
(Ubes), onde exercia o cargo de secretário da Secretaria de Coordenação e Difusão (Secodi). Como passou a ser
perseguido em Santa Catarina, decidiu mudar-se para o Rio Grande do Sul.
Em Porto Alegre, terminou o científico e tentou três vezes, sem sucesso, o vestibular para medicina.
Então entrou no curso de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Quando se formou,
encontrou um antigo amigo dos tempos do ginásio em Itajaí que se tornara funcionário da Associação de Crédito
e Assistência Rural do Paraná (Acarpa), atual Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater). Esse
amigo o convidou para ir trabalhar no Paraná.
Chegou ao Paraná no ano de 1972 e estabeleceu-se em Cascavel, onde permaneceu por aproximadamente
dois anos. Depois, foi transferido para São José dos Pinhais e, finalmente, se fixou em Curitiba. Na capital
paranaense, fez Mestrado em Tecnologia de Alimentos e Especialização em Biologia do Solo pela Universidade
Federal do Paraná (UFPR)1.
A Curitiba do início da década de 1970 era uma cidade conservadora, onde os negros não tinham
visibilidade. “Nem o Clube 13 de Maio tinha uma atuação política significativa”, aponta Valdir (2017). Valdir
já tinha uma visão crítica sobre a questão racial devido a sua militância, sobretudo, em Porto Alegre onde em
1968 foi um dos fundadores do Centro de Estudos Afro-Brasileiros (Ceabro) que teve uma vida efêmera, pois
suas atividades foram interrompidas com a prisão da maior parte dos seus fundadores no ano de 1970 pelo
regime militar. Poucas pessoas conhecem a existência do Ceabro, porém dos seus seis fundadores, cinco ainda
estão vivos para contar a sua história.
Valdir relata que quando chegou à capital paranaense, não havia nada parecido com o Ceabro de Porto
Alegre para reunir os negros da cidade. Somente muito mais tarde, na década de 1990, é que surgiu em Curitiba
a Associação Cultural de Negritude e Ação Popular (Acnap)2. Ele não via negros como gerente de bancos ou

1. Consultar http://valdirizidorosilveira.blogspot.com.br/. Acesso 19.dezembro.2017.


2. Consultar https://sites.google.com/site/acnapbr/home. Acesso 19.dezembro.2017.

541
até mesmo caixa de bancos. Em cargos públicos, eram também minoria – eram invisíveis. Somente a partir
do governo de José Richa (1983–1986) é que ocorreu a nomeação de alguns poucos negros para assumirem
cargos públicos no Paraná – nesse período, Valdir foi nomeado diretor técnico da Companhia Paranaense de
Silos e Armazéns (Copasa). Depois, no último governo de Roberto Requião (2007–2010), o médico negro Nizan
Pereira de Almeida assumiu como Secretário da Saúde e, posteriormente, a pasta de Assuntos Estratégicos e
Valdir assumiu a presidência da Companhia Paranaense de Classificação e Produtos (Claspar). Nessa época,
“pipocaram” alguns cargos de segundo e terceiro escalões, mas ainda era e é ínfima a participação do negro em
termos de cargos de destaque dentro do Paraná, conclui Valdir (2017).
Em 1996 Valdir e outros membros do movimento negro de Curitiba fundaram o Instituto Afro-
Brasileiro do Paraná, que foi considerado de utilidade pública municipal e estadual através da atuação do
vereador Jairo Marcelino3 e do deputado estadual Orlando Pessuti. O Instituto realizou diversas atividades no
estado, fez parcerias com a Secretaria de Estado da Cultura, trouxe a atriz Zezé Motta para um evento na cidade
de Curitiba e enviou quatro representantes para um encontro racial que ocorreu na cidade de Cabo Frio/RJ4.
Tudo com recursos próprios. Mas as atividades do Instituto ficaram paralisadas por mais de cinco anos devido
à atuação equivocada de um dos seus presidentes. Depois, com a situação regularizada, não se encontrava
ninguém para assumir a presidência do Instituto. Desde 2017 “três mulheres estão reorganizando e tomaram a
frente do Instituto Afro-Brasileiro do Paraná”, declara Valdir (2017). Maureen, Márcia e Will formaram a Chapa
Renovação e Empoderamento e estão dando continuidade ao trabalho dos antecessores; tratando das questões
da negritude na sociedade brasileira e desenvolvendo a autoestima das crianças e adolescentes negros visando
contribuir com a cultura negra de forma geral tendo por base os princípios fraternais da solidariedade.
Valdir relata que o movimento negro encontrou muitas dificuldades em Curitiba. Por exemplo, enquanto
as outras entidades conseguiam local em regime de comodato ou de outra maneira para instalarem suas sedes,
eles nunca conseguiram. Uma oportunidade apareceu na gestão do prefeito Gustavo Fruet (2013–2016), mas
como o Instituto ainda estava com seu registro inviabilizado devido a sua situação financeira, nada pôde ser
efetivado.

3. Consultar Vereador é homenageado pelo Instituto Afro-Brasileiro, 14/05/2003. Disponível em http://www.cmc.pr.gov.br/ass_det.


php?not=4119. Acesso 19.dezembro.2017.
4. O Instituto Afro-brasileiro do Paraná, pessoa jurídica sem fins lucrativos, foi fundado em 27 de abril de 1996 na cidade de Curitiba por
alguns integrantes da Comunidade Afro-brasileira Paranaense.
(Art.4º Estatuto). A primeira diretoria foi composta por:
Presidente: Eng. Agrônomo Valdir Isidoro Silveira
Vice-presidente Desembargador. José Augusto Gomes Aniceto
Secretário Geral: Walter Cezar dos Santos
1º Secretária: Mirian de Freitas Santos
Tesoureiro Geral: Santos Martins
1º tesoureiro: Arquiteto Paulo Rolando de Lima
Diretor Geral: Eng. Amilton Ambrósio Ribeiro
Conselho deliberativo: Divonzir Jose Borges; Jorge Modesto Pereira da Silva e Máximo Francisco dos Reis; Suplentes: João Natalino de
Oliveira; Natanael Souza dos Santos e Dr. Nizan Pereira de Almeida (disponível em https://www.facebook.com/Institutoafropr/).

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Chapa Renovação e Empoderamento

Da esquerda para a direita: Will Amaral, Márcia Reis e Maureen Reis


Fonte: https://www.facebook.com/Institutoafropr/

Questionado sobre a tomada de consciência de sua negritude, Valdir relata dois episódios de racismo
que, para ele, foram emblemáticos. O primeiro aconteceu em 1962, quando ele era militante da Ubes e foi
impedido de entrar no clube da elite da cidade de Laguna, Santa Catarina, onde estava ocorrendo o encontro dos
estudantes secundaristas. Ele somente teve acesso ao recinto porque os outros companheiros do movimento
estudantil protestaram e intervieram. O segundo episódio aconteceu em 1972, na cidade de Porto Alegre.
Ao terminar a faculdade, Valdir enviou seu currículo para a Companhia Riograndense de Adubos (CRA) e
foi chamado para uma entrevista. Ao chegar percebeu que as pessoas o “estranharam” um pouco. Ao final o
chamaram e falaram que

Olhando apenas o currículo, o senhor é o melhor, nossa intenção era contratá-lo. Só que o
trabalho é para a região de Ivoti, região de colonização alemã e temos certeza que o senhor
não vai conseguir desenvolver seu trabalho lá por causa do racismo. Vamos mandar o senhor
para lá vender adubos e eles vão lhe fustigar e o senhor não vai conseguir vender, então não
podemos contratá-lo! (VALDIR, 2017)

Em 1964, Valdir foi preso em Florianópolis por ser da Secodi e foi acusado de comunista. Então, foi
para Porto Alegre e teve contato com Júlio Teixeira, do Partido Comunista Brasileiro (PCB), mas “não gostou
do mate”, como dizem os gaúchos (VALDIR, 2017). Decidiu fazer contato com Carlos Araújo, futuro marido de
Dilma Roussef5, e passou a atuar na VAR Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária), no apoio logístico. Em
função disso, foi preso no ano da sua formatura, em 1970. Conseguiu fugir e foi para o Rio de Janeiro. Planejava
ir para o Uruguai, porém, foi preso novamente ao tentar entrar naquele país.
Ficou encarcerado durante nove meses, dois dos quais ficou no Departamento de Ordem Política e
Social (Dops) de Porto Alegre, enquanto passou os demais sete na Ilha das Pedras Brancas (ou Ilha do Presídio),
onde também estava preso Rui Falcão6. Ao sair da prisão, conseguiu terminar a faculdade de agronomia, pois
havia trancado o curso antes de ser preso. Assim, não se enquadrou “na 477” que expulsava das universidadesos

5. Carlos Araújo e Dilma Roussef foram casados de 1969 até 2000.


6. Rui Goethe da Costa Falcão mais conhecido por Rui Falcão é um jornalista e político brasileiro. Foi deputado estadual e federal por São
Paulo e presidente nacional do Partido dos Trabalhadores entre 2011 a 2017. Disponível em http://www.pt.org.br/rui-falcao/. Acesso
19.dezembro.2017. Consultar também MAROCCO, Beatriz e BERGER, Christa. Ilha do Presídio: uma reportagem de ideias. Porto Alegre:
Editora Libretos, 2008.

543
estudantes envolvidos com questões políticas7. Em 1975, ficou mais dois meses preso no Presídio do Ahú, em
Curitiba, devido a suas atividades políticas, o que ocasionou sua saída da Cooperativa Mista Bom Jesus da Lapa,
onde era o responsável pelo departamento de produção de sementes. Em 2003, entrou com processo na Anistia
Política e em 2013, obteve uma indenização de reparação continuada como extensionista da Emater.
Hoje, Valdir está com 77 anos. Aos 17 ele entrou para o Partido Comunista e ainda continua se declarando
comunista, apesar de não estar mais filiado a esse partido. Ele milita através do semanário comunista Inverta,
do Rio de Janeiro, que é ligado ao Partido Comunista Marxista-Leninista. É o representante da sucursal do
Inverta no Paraná e colaborador assíduo do jornal com a produção de artigos8.
Com relação às políticas de ações afirmativas da atualidade, Valdir não as considera a solução, mas
afirma que constituem uma medida paliativa disponível e que deve ser usada enquanto persistir a perseguição
às pessoas negras na sociedade brasileira, conforme explica no terceiro capítulo do seu livro lançado em
2008, intitulado “Reflexões sobre as questões raciais” (SILVEIRA, 2008) ou o capítulo intitulado “Negros
discriminados”, que compõe uma publicação de 2010 (SILVEIRA, 2010). Na década de 1970, Valdir já defendia
o sistema de cotas para estudantes do ensino público e era contra aqueles que argumentavam que tal iniciativa
iria afetar negativamente a qualidade do ensino nas universidades. Porém, a universidade pública no Brasil
é elitizada e ocupada por quem tem “dinheiro”, e argumenta: “quando é que vemos no curso de medicina
algum filho de enfermeira ou de atendente do hospital? E no curso de engenharia, quando vemos um filho de
pedreiro? E no curso de agronomia, um filho de sem-terra ou do pequeno agricultor? Se observarmos, os pobres
estão nos cursos de baixo prestígio social cujas profissões não têm acesso às grandes remunerações e estudam
com dificuldades, à noite e ainda pagando!” (VALDIR, 2017). Finaliza apontando que hoje está comprovada a
incoerência da ideia de que a entrada de alunos por meio de cotas raciais ou sociais iria diminuir a qualidade
do ensino nas universidades, pois muitos cotistas chegaram ao mestrado e ao doutorado.
Valdir defende a unidade do movimento negro em Curitiba para se ter mais força e representatividade
na luta pelo reconhecimento dos direitos da população negra em igualdade de condições, porque no Brasil nem
todos são iguais perante a lei – “uns são mais iguais do que os outros” quando pensamos na questão da cor e da
origem social. Ainda há um grande caminho a ser percorrido para uma sociedade mais justa.

7. Consultar Decreto-Lei nº 477, de 26 de fevereiro de 1969 que define infrações disciplinares praticadas por professores, alunos,
funcionários ou empregados de estabelecimentos de ensino público ou particulares, e dá outras providências. Disponível em
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1960-1969/decreto-lei-477-26-fevereiro-1969-367006-publicacaooriginal-1-pe.html.
Acesso 19.dezembro.2017
8. Consultar Reitor da UFSC: vítima dos fascistas modernos por Valdir Izidoro Silveira. In: Inverta, RJ, 1º a 31 de novembro de 2017, Ano
XXVI, Nº 492, p.3. Disponível no site https://inverta.org/jornal.

544
REFERÊNCIAS

SILVEIRA, Valdir Izidoro (2008). Escritos da resistência: quatro décadas de reflexão. Florianópolis: Editora
Garapuvu.
SILVEIRA, Valdir Izidoro (2010). Variedades do cotidiano: um enfoque dialético. Florianópolis: Editora
Garapuvu.
VALDIR (2017). Entrevista de Valdir Izidoro Silveira concedida a Ana Crhistina Vanali em 22 de novembro de
2017 em Curitiba/PR.

Fontes consultadas

Correio de Notícias de 23/01/1990, p. A–4, Capitalismo Tardio por Valdir Izidoro Silveira.
Correio de Notícias de 03/03/1990, p. A–4, Estiagem ou solo degradado por Valdir Izidoro Silveira.
Diário da Tarde de 25/03/1983, p.3, Gossips
Diário da Tarde de 30/09/1983, p.7, Valdir suplente do Conselho Fiscal do Sindicato dos Armazéns Gerais de
Curitiba.

545
68
ZEILA MOURA DOS
SANTOS
Nascimento: Santos/SP, 25 de dezembro de 1920
Falecimento: Curitiba/PR, 26 de novembro de 1988

Zeila Moura dos Santos. Curitiba, sem data


Fonte: acervo pessoal de Ozeil Moura dos Santos

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ZEILA MOURA DOS SANTOS

(1920–1988)

Ana Crhistina Vanali

Zeila Moura dos Santos nasceu no litoral paulista, na cidade de Santos no dia 25 de dezembro de 1920.
Era filha de João Baptista dos Santos e de Sybila Moura dos Santos. Conheceu o futuro marido, José Ferreira dos
Santos, quando ele foi jogar futebol no Santos Esporte Clube no ano de 1935. Casaram-se em 1937, na cidade de
Santos1 e tiveram dois filhos: Ozeil, nascido em 1941, empresário e há mais de 30 anos cônsul-geral do Senegal
para os estados do Paraná e Santa Catarina2 e Terezinha, nascida em 1949, professora3.

Anúncio do casamento de Zeila e José

Fonte: O Estado/PR, 05/01/1937, p. 8

1. Ver Capítulo 31 desse livro – José Ferreira dos Santos.


Ajuste de núpcias: Ferreira contratou casamento em Santos. O Estado/PR, 05/01/1937, p. 8.
2. Ver Capítulo 58 desse livro – Ozeil Moura dos Santos.
Agradecimento e missa. O Dia/PR, 13/08/1943, p. 2.
3. Nascimento. Diário da Tarde, 12/11/1949, p. 4.

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Mudando para Curitiba, após o casamento, Zeila passou a realizar trabalhos beneficentes, dedicando
seu tempo às pessoas menos favorecidas, realizando eventos como bazares, lanches, almoços e jantares
para a arrecadação de verbas que eram destinadas para compra de alimentos, roupas e medicamentos aos
necessitados. “Confeccionou, com suas próprias mãos, inúmeros enxovais para bebês, distribuindo-os entre as
entidades, e principalmente para mães solteiras” (CMC, 1990).
Atuou em diversos centros espíritas da capital paranaense, como o Centro Espírita Sol do Oriente,
Centro Espírita Doutor Bezerra de Menezes e Centro Espírita Deus é Amor, sempre “levando alegria e esperança
aos desorientados, idosos e crianças” (CMC, 1990).
Faleceu em Curitiba no dia 26 de novembro de 1988 aos 67 anos de idade. Está sepultada no Cemitério
Municipal São Francisco de Paula.
Em 1990 foi homenageada pela Câmara Municipal de Curitiba e teve uma das ruas do bairro Alto da XV
batizada com o seu nome4.

REFERÊNCIAS

CMC (Câmara Municipal de Curitiba) (1990). Proposição de Rosa Maria Chiamulera de 2.julho de 1990 indicando
a denominação de Zeila Moura dos Santos a um dos logradouros públicos de Curitiba. Disponível em https://
www.cmc.pr.gov.br/wspl/sistema/ProposicaoConsultaForm.do?resetfull_action=. Acesso 23.janeiro.2019.
OZEIL (2019). Entrevista de Ozeil Moura dos Santos, filho de Zeila Moura dos Santos, concedida a Ana Crhistina
Vanali no dia 24 de abril de 2019 em Curitiba.

4.Lei Nº 7.561 de 24 de outubro de 1990. Indicação Nº 86/90 da vereadora Rosa Maria Chiamurela. Disponível em https://leismunicipais.
com.br/a/pr/c/curitiba/lei-ordinaria/1990/756/7561/lei-ordinaria-n-7561-1990-. Acesso 24.janeiro.2019.

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SOBRE OS AUTORES

Adriane dos Santos Tavella Ferrari


Professora QPM de Sociologia da Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED–PR).
Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Especialista em Antropologia Cultural pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR).

Alessandro Cavassin Alves


Professor da Universidade Campos de Andrade (Uniandrade).
Professor da Faculdade São Basílio Magno (Fasbam).
Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR)
Doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Ana Crhistina Vanali


Professora de Sociologia no Colégio da Polícia Militar do Paraná.
Professora na Faculdades da Indústria (Sistema Fiep).
Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Pós-doutora em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Andrea Maila Voss Kominek


Professora de Sociologia e Africanidades na Universidade Tecnológica do Paraná (UTFPR).
Bacharel e Licenciada em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Mestre em Tecnologia pela Universidade Tecnológica do Paraná (UTFPR).
Doutora em Sociologia pela Universidad de Salamanca/Espanha.
Pós-doutora pelo Programa de Pós-graduação em História da Universidade do Estado de Santa Catarina
(Udesc).
Filiada à Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN).

Antonio Djalma Braga Junior


Professor do Centro Universitário Autônomo do Brasil (Unibrasil).
Graduado em Filosofia pela Faculdade Bagozzi (Bagozzi).
Graduado em História pela Universidade Metropolitana de Santos (Unimes).
Especialista em Estética e Filosofia da Arte pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Especialista em Filosofia da Educação: Ética, Política e Educação pela Universidade Federal do Paraná
(UFPR).
Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Doutorando em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

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Celso Fernando Claro de Oliveira
Professor de História no IFPR-Campus Pitanga/PR.
Graduado em História pela Universidade Estadual de Maringá (UEM).
Graduado em Jornalismo pelo Centro Universitário de Maringá (Cesumar).
Mestre em História pela Universidade Estadual de Maringá (UEM).
Doutor em História Cultural pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Dulcinéia Novaes
Jornalista, repórter de televisão na RPC afiliada da Rede Globo no Paraná.
Professora universitária nas instituições FAE Business School e Isae Brasil/FGV.
Graduada em Comunicação Social pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Mestre em Comunicação e Linguagens pela Universidade Tuiuti do Paraná.
Pós-graduada em Marketing pela FAE Business School.

Fernando Marcelino Pereira


Graduado em Relações Internacionais pela Universidade Curitiba (Unicuritiba).
Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Doutorando em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Gloria Estevinho Gomes
Professora QPM de Sociologia da Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED–PR)
Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Especialista em Sociologia Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Especialista em Educação Ambiental pelas Faculdades São Braz.
Mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Ivan Luiz Monteiro (Ivanildo Luiz Monteiro Rodrigues dos Santos)


Graduado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Doutorando em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Lucelia Mildemberger
Professora na Faculdades da Indústria/Sistema Fiep)
Graduada em Administração pela FAE Business School.
Especialista em Gestão da Qualidade pela FAE Business School,
Mestre em Meio Ambiente Urbano e Industrial (MAUI) pela Universidade Federal do Paraná (UFPR)

Luciana Podlasek
Graduada em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

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Marcelo Bordin
Graduado em Geografia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Graduado em Ciência Política pelo Centro Universitário Internacional (Uninter). 
Especialista em Sociologia Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Especialista em Saúde Pública pelo Instituto Brasileiro de Pós-Graduação e Extensão (Ibpex). 
Especialista em Geoprocessamento pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR).
Mestre em Geografia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Doutorando em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Marcia Cristina dos Santos


Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Atua na linha de pesquisa: Educação: Diversidade, Diferença e Desigualdade Social.
Grupo de pesquisa: membro do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros NEAB-UFPR.

Marcus Roberto de Oliveira


Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Mestre em Sociologia Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Doutorando em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Rosalice Carriel Benetti


Graduada em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba.
Graduada em História pela Universidade Tuiuti do Paraná.
Especialista em Direito Penal e Criminologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Especialista em Sociologia Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Especialista em História Social da Arte pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
Mestre em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

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Com significado de ousadia, comprometimento e resistência, a obra Colônia
Afro-Brasileira de Curitiba vem contribuir com rompimento das barreiras do silêncio
e da invisibilidade causados pelas crostas do racimo que por séculos negam presença
e a participação da população e da cultura negra no estado do Paraná e na cidade de
Curitiba. Esse é o poder presente neste trabalho. Os(as) autores(as) ao se debruçarem
sobre a rica trajetória da história do Movimento Negro, das mobilizações e das
biografias aqui apresentadas, nos ajudam a despertar olhares para a compreensão da
história do Paraná.
A obra, ao tocar no conhecimento sobre a história desse estado, pode se dizer
que no sentido filosófico, traz à luz realidades que mudam totalmente a perspectiva
do que foi afirmado até agora. No sentido sociológico, fortalece a identidade negra e
descoloniza o conhecimento sobre a cultura paranaense. Cada texto dessa obra nos diz
quão Negro é o Paraná.
É importante destacar que ao produzir e divulgar conhecimentos sobre a valiosa
contribuição de homens negros e mulheres negras para a construção da nação, do
estado e do município, o trabalho não só contribui para reformular mentalidades, como
também é uma forma de ressarcimento pelo não reconhecimento e desvalorização.
A placa na Praça Santos Andrade, que desde 1988 homenageia nomes
aparentemente desconhecidos, até então pouco despertou curiosidade na maioria
dos transeuntes que por ali passam. A partir dos conhecimentos apresentados nessa
obra, a homenagem destaca seu valor de referência, em especial para a população
afro-curitibana, ou seja, toma um novo sentido, toma vida como marco histórico.
As biografias de mulheres e homens negros que fizeram história nas artes, na
medicina, na engenharia, no jornalismo, na educação, no funcionalismo público,
por fim, personalidades do movimento, de forte representatividade na busca pelo
reconhecimento e valorização da população e da cultura afro-brasileira. Orgulho,
referência, empoderamento são os efeitos que este trabalho produzirá. Com certeza o
Paraná é negro! Curitiba é negra!

Edna Aparecida Coqueiro


Departamento da Diversidade da SEED/PR
Coordenação da Educação das Relações Étnico-raciais e Quilombolas

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