Direito Das Sucessoes Materia Casos Praticos

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DIREITO DAS SUCESSÕES

APRESENTAÇÕES POWERPOINT
(Matéria + Casos Práticos)

PROFESSOR DOUTOR ANTÓNIO PEDRO


PINTO MONTEIRO

2019/2020
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa
Licenciatura em Direito

Direito das Sucessões


(aula de 03/03/2020)

António Pedro Pinto Monteiro

Professor Convidado da Faculdade de Direito da


Universidade Nova de Lisboa
Doutor em Direito
Advogado e Árbitro
Conteúdo da aula:

1. Introdução
1.1. Introdução: noções gerais
1.2. Introdução: (breve) enquadramento histórico
1.3. Introdução: (breve) caracterização do sistema sucessório português
1.4. Introdução: fontes do Direito das Sucessões

2. Noção e âmbito da sucessão


2.1. Noção e âmbito da sucessão – introdução
2.2. Sucessão em vida e por morte
2.3. Âmbito / objecto da sucessão

3. Modalidades / espécies de sucessão


3.1. Fontes / títulos da vocação sucessória
3.2. Objecto da sucessão. O herdeiro e o legatário

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1. Introdução

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Introdução
1.1. Noções gerais

Em qualquer comunidade, coloca-se o problema de saber qual o destino


das relações jurídicas existentes na titularidade de uma pessoa singular
após a morte desta.

Qual o destino dessas relações?

Razões de relevante conveniência social que tornam contra-indicado um


regime de extinção de todas as relações jurídicas no momento da morte
do seu titular.

Justifica-se, assim, o fenómeno sucessório ou sucessão, isto é, o


chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações
patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos
bens que a esta pertenciam (artigo 2024.º do CC).

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Introdução
1.1. Noções gerais

A morte extingue a personalidade jurídica do falecido e, ao mesmo tempo,


abre uma crise nas relações jurídicas de que a pessoa que faleceu era
titular e que devem sobreviver-lhe.

Essas relações desligam-se do seu primitivo sujeito (à morte deste), e até


que se liguem a novo sujeito é necessário que ocorra uma série de actos
ou factos que se encadeiam num processo mais ou menos longo.

É o complexo desses actos ou factos (habitualmente designado por


fenómeno sucessório ou fenómeno da sucessão por morte) que constitui
o objecto do Direito das Sucessões.

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Introdução
1.1. Noções gerais

Podemos dizer, em geral, que com a morte abre-se a sucessão,


procedendo-se à vocação ou chamamento sucessório: chamam-se os
herdeiros à sucessão.

A herança fica numa situação de jacência (herança jacente) enquanto não


houver aceitação ao chamamento.

Uma vez aceite, a herança tem-se como adquirida.

São estes os momentos fundamentais do fenómeno sucessório: a


abertura da sucessão, a vocação (ou o chamamento sucessório) e a
aceitação da herança.

No entanto, podem ocorrer certos incidentes: a petição da herança


(quando esta se encontrar na posse de outras pessoas que não sejam
herdeiros), a administração da herança, a liquidação e partilha da
herança. 6
Introdução
1.2. (breve) enquadramento histórico

Povos germânicos:

A transmissão dos bens não dependia nem obedecia a qualquer


manifestação de vontade do titular dos mesmos.
A propriedade não está encabeçada no indivíduo, mas num grupo (em
certa fase, o grupo familiar) e o chefe do grupo não é um proprietário
individual, mas uma espécie de administrador dos bens que se encontram
em situação de propriedade colectiva.
Morto o chefe da família, os bens não são devolvidos a um sucessor
segundo uma disposição voluntária dos mesmos, efectivada pelo seu
titular.
Os bens continuam a pertencer ao grupo ou à família; estão reservados
para ela e acontece apenas que um novo membro do grupo (p. ex., um
filho do falecido) assume a titularidade dos mesmos como administrador
dos bens que a todos pertencem em comunhão ou propriedade colectiva. 7
Introdução
1.2. (breve) enquadramento histórico

Direito Romano:

Ainda na Alta Antiguidade, depara-se a atribuição ao particular de uma


total liberdade de designar um sucessor por testamento.

Segundo alguns autores, também em Roma terá vigorado uma tal


concepção, mas ainda em períodos mais recuados, concepção que foi
sendo progressivamente abandonada.

O Direito Romano oferece-nos desde muito cedo, uma consagração plena


e ilimitada da liberdade de testar.

Não se obrigava o testador a deixar bens a determinadas pessoas: não


havia herdeiros legitimários, forçosos ou necessários no sentido moderno
da expressão, isto é, herdeiros a quem era necessariamente atribuída
uma parte da herança, mesmo contra a vontade do falecido.
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Introdução
1.2. (breve) enquadramento histórico

Em suma: 2 linhas de evolução registam-se desde a Antiguidade,


passando pela Idade Média, no tocante aos critérios de designação ou de
chamamento dos sucessores à herança.
Uma linha, correspondente à evolução conhecida dos direitos
germânicos, parte da “propriedade familiar” e da sucessão reservada aos
membros da família para um reconhecimento posterior da liberdade de
dispor de uma quota da herança.
Outra linha, correspondendo à evolução conhecida do Direito Romano e
dos povos latinizados, parte da total liberdade de testar para o
estabelecimento ulterior de restrições em ordem a dar cumprimento ao
dever de auxílio e assistência aos familiares, assim surgindo a legítima.
Para a evolução do Direito Romano, a legítima é a excepção, é uma
restrição à liberdade de testar; para a evolução do direito germânico, a
quota disponível é que é a excepção, é uma limitação da reserva
hereditária destinada à família. 9
Introdução
1.3. (breve) caracterização do sistema sucessório português

Como é que o nosso CC regula a transmissão dos bens por morte?


Como se processa a sucessão?

Os títulos de vocação sucessória admitidos no nosso sistema são:


• a lei,
• o testamento e
• o contrato. (art. 2026.º)

Podemos, assim, distinguir uma sucessão legal e uma sucessão


voluntária.
A sucessão legal pode ser legítima ou legitimária, consoante possa ou
não ser afastada pela vontade da pessoa falecida, o chamado autor da
sucessão, ou de cujus. As normas reguladoras da sucessão legítima são
assim normas supletivas, enquanto as da sucessão legitimária são
normas imperativas.
A sucessão voluntária pode resultar de um testamento ou contrato. 10
Introdução
1.3. (breve) caracterização do sistema sucessório português

Sucessão legítima – estabelece a devolução dos bens às pessoas


integradas em certas categorias de sucessíveis designadas na lei, sem a
vontade do de cujus, isto é, na falta de vontade deste em contrário.

Sucessão legitimária – impõe a devolução de parte dos bens a certas


pessoas, no caso de existirem, mesmo contra a vontade do de cujus.
As liberalidades inoficiosas e a deserdação.

Sucessão testamentária – determina a devolução dos bens segundo a


vontade do de cujus, expressa num testamento válido e eficaz.

Entre a sucessão testamentária e a legitimária há uma estreita ligação,


dado que se limitam reciprocamente – o autor da sucessão pode dispor
do seu património por morte com plena liberdade, por testamento, mas
não pode afetar a quota que a lei reserva aos herdeiros legitimários.
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Introdução
1.4. Fontes do Direito das Sucessões

FONTES:

– Código Civil, livro V, Direito das Sucessões (+ livro I, Parte Geral)

– Constituição da República Portuguesa (p. ex., artigos 13.º, 36.º e 62.º)

– Código de Processo Civil (p. ex., artigos 938.º a 940.º)

– Código do Notariado (p. ex., artigos 82.º a 88.º, 106.º a 115.º)

– Código do Registo Civil (p. ex., artigos 201.º-A a 201.º-R)

– Código do Registo Predial

– Processo de Inventário (vide, em particular, Lei n.º 117/2019, de 13 de


Setembro)
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Introdução
1.4. Fontes do Direito das Sucessões

Livro V do Código Civil – “visita guiada”

TÍTULO I – Das sucessões em geral

TÍTULO II – Da sucessão legítima

TÍTULO III – Da sucessão legitimária

TÍTULO IV – Da sucessão testamentária

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Introdução
1.4. Fontes do Direito das Sucessões

TÍTULO I – Das sucessões em geral

CAPÍTULO I – Disposições gerais


CAPÍTULO II – Abertura da sucessão e chamamento dos herdeiros e
legatários
CAPÍTULO III – Herança jacente
CAPÍTULO IV – Aceitação da herança
CAPÍTULO V – Repúdio da herança
CAPÍTULO VI – Encargos da herança
CAPÍTULO VII – Petição da herança
CAPÍTULO VIII – Administração da herança
CAPÍTULO IX – Liquidação da herança
CAPÍTULO X – Partilha da herança
CAPÍTULO XI – Alienação da herança
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Introdução
1.4. Fontes do Direito das Sucessões

TÍTULO II – Da sucessão legítima

CAPÍTULO I – Disposições gerais

CAPÍTULO II – Sucessão do cônjuge e dos descendentes

CAPÍTULO III – Sucessão do cônjuge e dos ascendentes

CAPÍTULO IV – Sucessão dos irmãos e seus descendentes

CAPÍTULO V – Sucessão dos outros colaterais

CAPÍTULO VI – Sucessão do Estado


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Introdução
1.4. Fontes do Direito das Sucessões

TÍTULO III – Da sucessão legitimária

CAPÍTULO I – Disposições gerais

CAPÍTULO II – Redução de liberalidades

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Introdução
1.4. Fontes do Direito das Sucessões

TÍTULO IV – Da sucessão testamentária

CAPÍTULO I – Disposições gerais


CAPÍTULO II – Capacidade testamentária
CAPÍTULO III – Casos de indisponibilidade relativa
CAPÍTULO IV – Falta e vícios da vontade
CAPÍTULO V – Forma do testamento
CAPÍTULO VI – Conteúdo do testamento
CAPÍTULO VII – Nulidade, anulabilidade, revogação e caducidade dos
testamentos e disposições testamentárias
CAPÍTULO VIII – Testamentaria
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2. Noção e âmbito da sucessão

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Noção e âmbito da sucessão
2.1. Introdução

Quando falamos em sucessão podemos referir-nos ao sentido amplo ou


ao sentido restrito, isto é, sucessão como transmissão lato sensu ou
como transmissão ou aquisição mortis causa (stricto sensu).

A sucessão pode ser a título singular ou a título universal.

Será singular se a sucessão se dá em certo direito ou em certa


vinculação considerados isoladamente.

Já será universal se a sucessão se verifica a título global e respeita a


vários direitos e vinculações considerados em conjunto.

Na sucessão universal adquire-se um património na sua totalidade ou


uma quota ideal dele.
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Noção e âmbito da sucessão
2.1. Introdução

Dentro do conceito amplo de sucessão podemos ter sucessão inter vivos


ou mortis causa (sucessão stricto sensu), dependendo daquilo que deu
causa à sucessão.

No primeiro caso (inter vivos), a sucessão opera por força de um ato


jurídico (voluntário ou não), enquanto no segundo caso a causa da
sucessão é a morte.

A sucessão mortis causa é normalmente a título universal, ao passo que


a sucessão entre vivos é habitualmente a título singular.

Mas há excepções:
– p. ex., no legado a sucessão é a título singular não obstante ser
mortis causa;
– na fusão de uma sociedade dá-se a transmissão global do seu
património, não obstante tratar-se de um negócio entre vivos.
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Noção e âmbito da sucessão
2.1. Introdução

A sucessão pressupõe que o direito que se transmite para um novo titular


permanece o mesmo.

O direito ao transmitir-se não se extingue, mantém-se o mesmo.

Este conceito de sucessão apresenta semelhanças com o fenómeno da


transmissão e da aquisição derivada translativa.

Parece, de facto, que esta forma de aquisição e a sucessão são a mesma


coisa. Característico das duas é a manutenção do direito que se transfere
do anterior para o novo titular: há uma identidade entre o direito do
anterior titular e o do adquirente.

Assim, sucessão e aquisição derivada translativa exprimem a mesma


realidade, mas segundo perspetivas diferentes. A realidade é a de um
direito se desligar de um sujeito para se ligar a outro, sendo tratado pela
lei como se fosse o mesmo. 21
Noção e âmbito da sucessão
2.2. Sucessão em vida e por morte

Em sentido amplo, a sucessão pode ser inter vivos ou mortis causa.

Na sucessão em vida, como a expressão assim o indicia, a modificação


subjectiva da relação jurídica opera-se ainda em vida do anterior titular, por
força de um acto jurídico translativo do direito ou obrigação respectivos –
acto jurídico que, normalmente, se traduz em um negócio jurídico outorgado
entre o antigo e o novo titular e de que resulta a aludida transmissão.

Na sucessão em vida a morte não releva, isto é, não é a causa para a


transmissão de bens ou de direitos sobre os bens.

Pelo contrário, na sucessão por morte a referida modificação subjectiva só


se verifica depois da morte do anterior titular da relação jurídica; em vida
deste, não se opera qualquer transferência do direito, que continua radicado
na sua esfera jurídica.

No fundo, na sucessão mortis causa a morte é a causa da transferência da


titularidade dos bens ou dos direitos sobre os bens.
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Noção e âmbito da sucessão
2.2. Sucessão em vida e por morte

A distinção é relevante, uma vez que só à sucessão mortis causa se aplicam


as normas do livro V do Código Civil (sem prejuízo de normas especiais de
sucessão mortis causa previstas noutras partes do Código). À sucessão em
vida aplicam-se as regras próprias do negócio em causa.

Normalmente o critério de distinção referido não apresenta dificuldades.

Em todo o caso, há situações em que pode não ser fácil essa distinção,
sobretudo naqueles casos em que a produção dos efeitos próprios do acto
jurídico em causa surge associada à morte do titular do direito e é duvidoso
saber se a morte é a causa da modificação subjectiva na relação jurídica.

A questão discute-se sobretudo no âmbito das doações, sujeitas a certas


condições ou estipuladas com determinadas cláusulas.

Atenção ao artigo 946.º, n.º 1, do CC – importa saber se, num determinado


caso concreto, temos uma doação em vida (permitida por lei) ou uma doação
por morte (nula, por força da referida norma).
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Noção e âmbito da sucessão
2.2. Sucessão em vida e por morte

Doação com reserva de usufruto:


Conforme resulta do art. 958.º do CC, o doador tem a faculdade de reservar para si,
ou para terceiro, o usufruto dos bens doados.

Neste sentido, apesar de a propriedade plena sobre os bens doados só se produzir


na esfera jurídica do donatário depois da morte do doador (quando se extingue o
usufruto), a doação produz imediatamente os seus efeitos, sendo, portanto, uma
doação em vida.

Doação com reserva do direito de dispor:


Trata-se também de uma doação em vida e a lei prevê-a no art. 959.º do CC: o
doador pode reservar para si o direito de dispor – por morte ou por acto entre vivos –
de alguma ou algumas das coisas compreendidas na doação, ou o direito a certa
quantia sobre os bens doados.

O direito de dispor, de caráter pessoal, extingue-se por morte do doador. Assim, só


com a morte deste é que o donatário adquire o direito de propriedade pleno sobre os
bens doados – mas estes bens transmitem-se imediatamente ao donatário, ainda que
sob tal condição resolutiva de o doador exercer o direito de dispor que se reservou.
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Noção e âmbito da sucessão
2.2. Sucessão em vida e por morte

Doação “cum moriar” (= quando eu morrer)


Pode o doador estipular que os bens doados só se transfiram para o donatário
quando o doador falecer (doação cum moriar).

Também aqui a doação é em vida, uma vez que o donatário adquire logo um direito
sobre os bens doados.

Doação “si praemoriar”


Esta doação só produzirá efeitos: (1) quando o doador falecer (termo suspensivo) e
(2) se ele morrer antes do donatário (condição suspensiva).

Não se trata de uma doação sujeita a termo, como a anterior, mas sujeita a termo e a
condição.

Problema de saber se à doação si praemoriar pode aplicar-se o art. 946.º do CC.

Trata-se de uma doação em vida que atribui imediatamente ao donatário um direito


sobre os bens doados (de que o donatário já pode dispor em vida do doador, nos
termos gerais do art. 274.º).
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Noção e âmbito da sucessão
2.2. Sucessão em vida e por morte

Partilha em vida:

Está prevista no art. 2029.º do CC e também aqui não há sucessão por


morte. Não se trata de pacto sucessório uma vez que os bens são doados
em vida, não são deixados pelo doador e não fazem parte da sua
herança.
A partilha não é da herança mas de bens presentes.
A partilha em vida é algo relativamente frequente e pode ter várias razões:
evitar futuros conflitos entre os herdeiros legitimários quanto à partilha da
herança.
Em todo o caso, a partilha em vida apresenta também alguns
inconvenientes, como o de poder prejudicar interesses de alguns dos
herdeiros legitimários, nomeadamente em caso de variação do valor dos
bens doados e a de possibilitar que os doadores venham a encontrar-se
em estado de carência. 26
Noção e âmbito da sucessão
2.2. Sucessão em vida e por morte

NOTA (partilha em vida):

– Os bens que forem objecto de partilha em vida não são conferidos,


restituídos à massa da herança para igualação da partilha, nos termos do
art. 2104.º (colação), ao contrário das restantes doações em vida aos
presumidos herdeiros legitimários. Os bens objecto de partilha em vida
não devem ser conferidos para efeitos de partilha, porque já foram
partilhados pelo doador.

– A partilha em vida é uma forma especial de doação entre vivos e


distingue-se das doações em geral (arts. 940.º e ss.) – na medida em que
tem como donatários exclusivos algum ou alguns dos presumidos
herdeiros legitimários do doador e, para ser válida, necessita do
consentimento dos outros presumidos herdeiros legitimários e o
pagamento (ou constituição da obrigação de pagamento, sujeita a
actualização) do valor das partes que proporcionalmente lhes tocariam
nos bens doados.
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Noção e âmbito da sucessão
2.2. Sucessão em vida e por morte

Doações por morte para casamento:

Estas doações são muitas vezes apontadas como negócios mistos ou


híbridos.

Se pelo lado do doador a doação é inter vivos (porque é irrevogável e


cerceia logo os seus poderes de disposição em certos termos), já pelo
lado do donatário aparece como mortis causa (dado que só aquando da
morte do doador é que o donatário adquirirá um verdadeiro direito sobre
os bens doados).

Sendo este segundo aspecto o decisivo, é possível qualificar estas


doações como doações mortis causa, que a lei permite a título
excepcional. A morte do doador é a causa da transmissão dos bens.

Configuram os pactos sucessórios admitidos por lei (arts. 2028.º e 1700.º


e ss.).
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Noção e âmbito da sucessão
2.3. Âmbito / objecto da sucessão

Por via de regra, as relações jurídicas patrimoniais são transmissíveis,


enquanto as relações pessoais são intransmissíveis.

Mas há certos direitos pessoais de natureza civil ou processual, que não visam a
satisfação de necessidades económicas e que não são avaliáveis
pecuniariamente, que são objecto de devolução sucessória.

Direitos pessoais civis transmissíveis sucessoriamente: direitos morais de autor


(art. 42.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos).

Direitos pessoais processuais hereditáveis: direito a intentar ou prosseguir a


acção de anulação de perfilhação (art. 1862.º); direito a intentar ou prosseguir a
acção de impugnação da maternidade e da paternidade (arts. 1825.º e 1844º.);
etc.

NOTA: sucede-se não só em bens ou direitos, mas também em obrigações e


dívida. A morte do de cujus não extingue, em princípio, as suas obrigações,
passando a posição jurídica no lado passivo das relações jurídicas a ser ocupada
pelos seus sucessores.
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Noção e âmbito da sucessão
2.3. Âmbito / objecto da sucessão

O princípio geral quanto ao objecto da devolução sucessória consta do


art. 2025.º, n.º 1, do CC:

“Não constituem objecto de sucessão as relações jurídicas que devam


extinguir-se por morte do respectivo titular, em razão da sua natureza ou
por força da lei”.

Acrescenta o n.º 2 que podem também extinguir-se à morte do titular, por


vontade deste, os direitos renunciáveis.

Há, portanto, três causas de inereditabilidade:


– natural
– legal
– negocial

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Noção e âmbito da sucessão
2.3. Âmbito / objecto da sucessão

Problema da transmissibilidade mortis causa do direito de


indemnização de danos não patrimoniais.

Note-se que a questão só se coloca se o credor do direito de


indemnização tiver morrido antes de exercer o seu direito.

Se já o exerceu e o seu direito está reconhecido pelo devedor ou por


decisão judicial ou a indemnização já foi paga – tais valores pecuniários
transmitem-se aos seus sucessores.

Se a indemnização ainda não foi paga – o correspondente crédito


transmite-se aos sucessores.

Questão particular é a de do acto ilícito que gera o dever de


indemnizar decorrer a privação da vida do lesado. A lei estabelece um
regime próprio para o caso de lesão de que proveio a morte (art. 495, n.º
1, do CC). 31
Noção e âmbito da sucessão
2.3. Âmbito / objecto da sucessão

Questão diferente é a de saber se o próprio dano morte do lesado é


indemnizável e, sendo-o, se ele se constitui na sua esfera jurídica e se
transmite aos seus herdeiros.

A situação vem regulada no n.º 4 do art. 496.º, cuja interpretação gera


dúvidas.

E se a morte ocorrer imediatamente, por efeito da lesão e no momento


dela?

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3. Modalidades / espécies de sucessão

Na classificação das espécies de sucessão mortis causa há que ter em


conta dois critérios:

3.1. Um que atende à fonte da vocação sucessória; e


3.2. Outro que respeita ao objecto da sucessão.

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Modalidades / espécies de sucessão
3.1. Fontes / títulos da vocação sucessória

De acordo com o art. 2026.º do CC, a sucessão é deferida por lei, testamento
ou contrato, sendo estes os títulos da vocação sucessória.

Resumidamente, a sucessão mortis causa pode ser legal ou voluntária. A


sucessão legal decorre da lei, enquanto a sucessão voluntária depende de
um acto de vontade do de cujus.

Por força do art. 2027.º, a sucessão legal pode ser legítima (deferida por lei
supletiva) ou legitimária (resultante de lei imperativa), consoante possa ou
não ser afastada pela vontade do seu autor.

Por seu lado, a sucessão voluntária pode ser contratual (se tem na base um
contrato, só admitida em certos casos) ou testamentária (se na sua base
está um testamento).

NOTA: podem coexistir diversas espécies de sucessão, isto é, podem ser


chamadas à sucessão diversas pessoas cada uma por título diferente, assim
como a vocação de uma pessoa pode operar-se por vários títulos. 34
Modalidades / espécies de sucessão
3.1. Fontes / títulos da vocação sucessória

A sucessão legitimária é deferida por lei e não pode ser afastada pela
vontade do autor da sucessão.

Diz respeito à porção de bens de que o de cujus não pode dispor por estar
destinada por lei aos herdeiros legitimários (art. 2157.º).

Podemos distinguir, no conjunto dos bens do de cujus, duas porções de


bens:
– a quota indisponível ou legítima (a porção de bens, que varia nos
termos dos arts. 2158.º a 2161.º, de que o autor da sucessão não
pode dispor por estar destinada ao cônjuge, descendentes ou
ascendentes, como herdeiros legitimários); e
– a quota disponível (a porção de bens que o autor da sucessão
pode dispor a favor de quem entender).

Havendo herdeiros legitimários, os poderes de disposição do autor da


sucessão estão limitados, dado que não pode afectar a porção de bens que
caberá a tais herdeiros. 35
Modalidades / espécies de sucessão
3.1. Fontes / títulos da vocação sucessória

A sucessão legítima (que não deve confundir-se com a quota


indisponível ou legítima da sucessão legitimária) é também deferida por
lei, mas pode ser afastada pela vontade do autor da sucessão.

De acordo com o art. 2131.º do CC, são chamados à sucessão os


herdeiros legítimos se o falecido não tiver disposto válida e eficazmente,
no todo ou em parte, dos bens de que podia dispor para depois da morte.

NOTA: os herdeiros legitimários não são totalmente coincidintes com os


herdeiros legítimos!

Artigo 2157.º (Herdeiros legitimários) vs. Artigo 2132.º (Categorias de


herdeiros legítimos)

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Modalidades / espécies de sucessão
3.1. Fontes / títulos da vocação sucessória

Há sucessão contratual quando, por contrato, alguém renuncia à


sucessão de pessoa viva, ou dispõe da sua própria sucessão ou da
sucessão de terceiro ainda não aberta (art. 2028.º, n.º 1).

Depois da abertura da sucessão, o sucessível pode repudiar a sua


herança ou legado, e pode também alienar a sua herança ou legado.

Antes de a sucessão se ter aberto é que ninguém pode, por contrato,


renunciar à sucessão (salvo na hipótese introduzida na al. c) do n.º 1 do
art. 1700.º pela Lei n.º 48/2018, de 14 de Agosto, que contempla a
renúncia recíproca à condição de herdeiro legitimário do outro cônjuge).

Artigo 2028.º, n.º 2: os contratos sucessórios apenas são admitidos nos


casos previstos na lei, sendo nulos todos os demais, sem prejuízo do
disposto no n.º 2 do art. 946.º. Assim, os pactos sucessórios são, por
regra, proibidos e se forem celebrados são nulos (arts. 286.º e 289.º e
ss.). 37
Modalidades / espécies de sucessão
3.1. Fontes / títulos da vocação sucessória

A sucessão testamentária incidirá, havendo herdeiros legitimários, sobre a


quota disponível do autor da sucessão ou, caso não existam herdeiros
legitimários, sobre toda a herança.

Tem por base um testamento, definido no art. 2179.º, n.º 1, como o acto
unilateral e revogável pelo qual uma pessoa dispõe, para depois da morte,
de todos os seus bens ou de parte deles.

Características que a lei aponta ao testamento e que o distinguem das


doações mortis causa:

– caráter unilateral, produzindo os seus efeitos por via de uma só


declaração de vontade e não através de duas ou mais declarações de
conteúdos diversos como sucede nas doações mortis causa;

– carácter revogável do testamento, podendo o testador livremente


alterar as disposições testamentárias anteriormente feitas e estando até
impedido de renunciar à faculdade de o revogar (v. art. 2311.º).
38
Modalidades / espécies de sucessão
3.2. Objecto da sucessão. O herdeiro e o legatário

De acordo com o critério do objecto da sucessão, importa distinguir a


sucessão universal mortis causa (herança) e a sucessão singular mortis
causa (legado).

Importa agora determinar não a que título se sucede, mas no que se sucede.

Artigo 2030.º, n.º 2, do CC:


“Diz-se herdeiro o que sucede na totalidade ou numa quota do património do
falecido e legatário o que sucede em bens ou valores determinados”.

O critério legal de distinção assenta na determinação ou indeterminação dos


bens deixados:

O sucessor será herdeiro se recebe bens indeterminados; será legatário se


recebe bens certos e determinados (com exclusão dos outros bens).

O herdeiro é um sucessor a título universal ao passo que o legatário é um


sucessor a título singular.
39
Modalidades / espécies de sucessão
3.2. Objecto da sucessão. O herdeiro e o legatário

Não há dúvidas sobre a qualificação do sucessor como herdeiro se vem a


suceder na totalidade do património de uma pessoa.

Por outro lado, é também qualificado como herdeiro o que sucede numa
quota do património do falecido.

Artigo 2030.º, n.º 3, do CC: é havido como herdeiro o que sucede no


remanescente dos bens do falecido, não havendo especificação destes.

O remanescente da herança é aquilo que eventualmente resta da quota


disponível da herança ou de toda a herança, no caso de não haver
herdeiros legitimários.

Não há aqui uma sucessão em bens certos e determinados, mas sim num
conjunto indeterminado de bens.
40
Muito obrigado pela Vossa atenção

António Pedro Pinto Monteiro


[email protected]

Lisboa, 3 de Março de 2020

Bibliografia essencial utilizada na apresentação PPT:


– CRISTINA ARAÚJO DIAS, Lições de Direito das Sucessões, 7.ª edição, Almedina, 2019, pp. 21 e ss.
41
– CARLOS MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2005, pp. 168 a 176; pp. 359 e ss.
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa
Licenciatura em Direito

Direito das Sucessões


(aula de 10/03/2020)

António Pedro Pinto Monteiro

Professor Convidado da Faculdade de Direito da


Universidade Nova de Lisboa
Doutor em Direito
Advogado e Árbitro
Conteúdo da aula:

3. Modalidades / espécies de sucessão (continuação)


3.2. Objecto da sucessão. O herdeiro e o legatário
A vida digital depois da morte
4. O fenómeno sucessório
4.1. A morte como pressuposto da sucessão
A) Noção e caracterização da morte
B) A morte presumida
C) A comoriência
CASO PRÁTICO
4.2. A designação sucessória (fase pré-sucessória)
A) Noção de designação sucessória
B) A hierarquia das designações sucessórias
C) Consistência das designações sucessórias
D) A instabilidade das designações sucessórias
4.3. A abertura da sucessão
A) Conceito de abertura da sucessão
B) Momento da abertura da sucessão
C) Lugar da abertura da sucessão
2
3. Modalidades / espécies de sucessão
(continuação)

3
Modalidades / espécies de sucessão
3.2. Objecto da sucessão. O herdeiro e o legatário (continuação)

Instituição de herdeiro ex re certa:


Poderá o testador (no caso de testamento) ou o doador (tratando-se de doação mortis
causa) fazer uma instituição de herdeiro através da deixa de bens certos e
determinados?
A deixa os seus bens móveis a B e a C os seus bens imóveis.
Poderão B e C considerar-se herdeiros quando essa tenha sido a vontade de A? Ou,
independentemente de tal vontade, deverá entender-se que B e C são legatários
porque A lhes deixou no testamento “bens ou valores determinados”?
Caso em que o testador dispõe de todos os seus bens;
C não pode ou não quer aceitar os bens que lhe foram deixados;
Para quem vão os bens imóveis?
Como o direito de acrescer (art. 2301.º e ss.) não compete aos legatários em casos
destes, é claro que, se considerarmos B como legatário, os imóveis de A irão para os
seus herdeiros legítimos.
Mas, normalmente, esta solução será tudo quanto há de menos conforme à vontade
de A, o qual, chamando B e C à sucessão de todos os seus bens, terá justamente
querido excluir dela os seus herdeiros legítimos. 4
Modalidades / espécies de sucessão
3.2. Objecto da sucessão. O herdeiro e o legatário (continuação)

B e C tanto podem ser herdeiros ou legatários – tudo depende de qual tenha


sido no caso concreto a vontade do testador.
Para sabermos se B e C são herdeiros ou legatários, temos de saber (é o
critério legal) se eles sucedem em bens determinados, isto é, apenas em
certos bens com exclusão dos outros, ou se, pelo contrário, B e C sucedem
virtualmente na totalidade da herança de A.
Há duas possibilidades:
1) Deixando a B os bens móveis e a C os bens imóveis, a ideia de A pode ter
sido a de deixar a B só justamente os móveis e a C só justamente os
imóveis. E neste caso B e C serão legatários.
2) Deixando a B os seus móveis e a C os seus imóveis, a ideia de A pode ter
sido antes a de lhes atribuir estes bens como quotas da herança, mas
procedendo ele logo à respectiva partilha. E neste caso já B e C serão
herdeiros.
Interpretação do testamento.
5
Modalidades / espécies de sucessão
3.2. Objecto da sucessão. O herdeiro e o legatário (continuação)

– Sucessão de bens certos e determinados, mas não necessariamente


bens especificados ou designados concretamente – legatário.
Exemplo clássico: A deixa a B o seu rebanho ou a sua biblioteca. Os bens
que A deixa a B não são especificados concretamente, mas são
determinados.

– Sucessão de estabelecimento comercial – legatário.


A deixa do estabelecimento só abrange os bens que fazem parte da
organização que o estabelecimento comercial constitui e não quaisquer
outros bens do testador. Há nesta unidade jurídica um conjunto de bens
integrados funcionalmente que estão determinados a um certo centro de
imputação de interesses.

– Usufruto da herança ou de quota da herança – legado.


O usufrutuário não sucede na totalidade ou numa quota da herança, mas
apenas adquire por morte um direito determinado que, embora possa
abranger um conjunto indeterminado de bens, não inclui o direito de
propriedade sobre a raiz desses bens. Adquire, assim, o usufrutuário um
direito determinado, com exclusão de todos os outros direitos. 6
Modalidades / espécies de sucessão
3.2. Objecto da sucessão. O herdeiro e o legatário (continuação)

Regimes jurídicos da herança e do legado:

As principais diferenças de regime respeitam:


1) à responsabilidade pelos encargos da herança;
2) ao direito à partilha e a intervir em processo de inventário;
3) ao direito de acrescer;
4) à aponibilidade de termo;
5) ao direito de preferência na venda do objeto sucessório.

***

1) Responsabilidade pelos encargos da herança

A responsabilidade do herdeiro é, como resulta do arts. 2068.º e 2071.º,


mais ampla que a do legatário. Assim, são os herdeiros, em princípio, que
respondem pelos encargos da herança e não os legatários.
7
Modalidades / espécies de sucessão
3.2. Objecto da sucessão. O herdeiro e o legatário (continuação)

2) Direito de exigir a partilha e intervenção em processo de inventário


Só os herdeiros podem exigir a partilha, conforme decorre do art. 2101.º, n.º
1: qualquer co-herdeiro ou o cônjuge meeiro tem o direito de exigir a partilha
quando lhe aprouver.
Os legatários não podem exigir a partilha, precisamente porque têm apenas
direito a receber certos bens, que já sabem quais são independentemente da
partilha (sem prejuízo de poderem intervir num processo de inventário
pendente – art. 1085.º, n.º 2, do CPC).
No próprio processo de inventário, os herdeiros têm poderes mais amplos
que os legatários.

3) Direito de acrescer
O direito de acrescer é conferido por lei aos herdeiros (herdeiros legais: art.
2137.º, n.º 2; herdeiros testamentários: art. 2301.º, n.º 1).Os legatários,
sucedendo em bens certos e determinados, só gozam do direito de acrescer
se tiverem sido nomeados em relação ao mesmo objeto (art. 2302.º). 8
Modalidades / espécies de sucessão
3.2. Objecto da sucessão. O herdeiro e o legatário (continuação)

4) Aponibilidade de termo
De acordo com o art. 2243.º não é possível o testador (ou o doador mortis causa, nos
casos em que são admitidos os pactos sucessórios) instituir um herdeiro a termo,
quer suspensivo quer resolutivo. Mas, já poderá nomear um legatário a termo inicial
ou suspensivo (n.º 1 do art. 2243.º), que apenas suspende a execução da disposição,
não impedindo que o nomeado adquira direito ao legado.

5) Direito de preferência na venda da herança


O art. 2130.º confere o direito de preferência na venda do objecto sucessório a
terceiros apenas aos herdeiros e não aos legatários.

6) Outros efeitos:
– 2096.º (só os herdeiros estão sujeitos às sanções por sonegação dos bens da herança);
– 2058.º, n.º 1 (só os herdeiros gozam do direito de aceitar ou repudiar heranças de sucessíveis chamados sem a
haver aceitado ou repudiado - transmissão do direito de aceitar);
– 71.º, n.º 2 (só os herdeiros têm legitimidade para requerer providências face aos direitos de personalidade de
pessoas falecidas);
– 2171.º (é primeiramente sobre os herdeiros que, face aos legatários, são reduzidas as liberalidades
testamentárias inoficiosas);
– 2080.º (o cargo de cabeça-de-casal é atribuído, na falta de cônjuge sobrevivo ou testamenteiro, aos herdeiros, só9
sendo atribuído aos legatários no caso de herança distribuída em legados, nos termos do art. 2081.º), etc.
Modalidades / espécies de sucessão
A vida digital depois da morte

Dados pessoais (Facebook), serviços de Netflix, Spotify, etc. –


transmitem-se com a morte?

O caso das criptomoedas – ficam no mundo digital?


É possível deixá-las em testamento?

A Carta de Direitos Fundamentais na Era Digital (Projecto de Lei n.º


1217/XIII, de 15 de Maio de 2019) – o testamento digital.

10
4. O fenómeno sucessório

11
O fenómeno sucessório
Introdução

Momentos mais relevantes do fenómeno sucessório:


– a abertura da sucessão;
– a vocação ou chamamento sucessório; e
– a aquisição sucessória (por via da aceitação da herança).

Fases eventuais, igualmente relevantes:


– a petição e a alienação da herança; e, sobretudo,
– a administração, a liquidação e a partilha da herança
(normalmente a herança tem de ser liquidada e partilhada e, até lá,
há que proceder à sua administração).

Antes da morte do autor da sucessão, existe, ainda, uma fase pré-


sucessória (a designação sucessória), ou seja, a indicação dos eventuais
sucessores do autor da sucessão em vida deste. Importa distinguir a
designação da vocação e da devolução sucessórias.

A morte como pressuposto da sucessão. 12


4.1. A morte como pressuposto da sucessão

13
O fenómeno sucessório
4.1. A morte como pressuposto da sucessão

A) Noção e caracterização da morte


A sucessão mortis causa tem na morte a sua causa.
A morte ainda não faz parte do fenómeno sucessório. Precede-o, torna-o
possível. Só depois da morte é que a sucessão se inicia. A morte é um
pressuposto da sucessão.
Morte ≠ abertura da sucessão.
Artigo 2031.º: a sucessão abre-se no momento da morte do seu autor. A morte é
o facto jurídico que produz o efeito “abertura da sucessão”; esta é um efeito
jurídico da morte, um dos vários efeitos jurídicos que a morte produz.
A morte é um facto jurídico involuntário, ou seja, a vontade humana não intervém
na morte e mesmo que intervenha não tem relevância jurídica no que respeita
aos efeitos próprios da morte em matéria sucessória.
A morte é um facto jurídico constitutivo, modificativo e extintivo:
– constitutivo de novas relações jurídicas;
– modificativo das relações jurídicas do de cujus;
– extintivo da sua personalidade jurídica e das suas relações jurídicas. 14
O fenómeno sucessório
4.1. A morte como pressuposto da sucessão

Ao referirmos a morte como pressuposto do fenómeno sucessório,


falamos da morte natural ou física, ou seja, a morte que, nos termos do
art. 68.º, n.º 1, do CC, faz cessar a personalidade jurídica das pessoas
singulares.

Determinar o que seja a morte e estabelecer o seu diagnóstico é uma


questão complexa que envolve problemas científicos.

A morte é um facto obrigatoriamente sujeito a registo (arts. 1.º, n.º 1, p),


2.º e 192.º e ss. do Código do Registo Civil).

O assento de óbito é normalmente feito com base em declaração das


pessoas que têm o ónus jurídico de o declarar (v., arts. 193.º e 203.º do
Código do Registo Civil), o que não invalida que possa existir processo de
justificação judicial do óbito, nos termos e nas situações previstas nos
arts. 233.º e ss. do Código do Registo Civil.
15
O fenómeno sucessório
4.1. A morte como pressuposto da sucessão

B) A morte presumida
A morte como pressuposto da sucessão é a morte física ou natural e, em
princípio, a morte certa. Mas pode também ser a chamada morte presumida (arts.
114.º e ss.), que tem lugar quando uma pessoa está ausente sem notícias
durante um certo período de tempo.
Antes de ser declarada a morte presumida podem ocorrer dois períodos, sendo
diverso o estatuto jurídico do ausente: a curadoria provisória e a curadoria
definitiva.
Curadoria provisória (art. 89.º): quando haja necessidade de prover acerca da
administração dos bens de quem desapareceu sem que dele se saiba parte e
sem ter deixado representante legal ou procurador, deve o tribunal nomear-lhe
curador provisório.
Curadoria definitiva (arts. 99.º a 113.º do Código Civil): decorridos 2 anos sem se
saber do ausente, se este não tiver deixado representante legal nem procurador
bastante, ou 5 anos, no caso contrário, pode o Ministério Público ou algum dos
interessados requerer a justificação de ausência, onde se estabelecerá a
curadoria definitiva. 16
O fenómeno sucessório
4.1. A morte como pressuposto da sucessão

Decorridos 10 anos sobre a data das últimas notícias, ou passados 5


anos (se entretanto o ausente houver completado oitenta anos de idade),
podem os interessados referidos no art. 100.º requerer a declaração de
morte presumida (art. 114.º).

De acordo com o art. 115.º, a declaração de morte presumida produz os


mesmos efeitos que a morte, ou seja, abre-se a sucessão e procede-se
ao chamamento ou vocação sucessória.

Os bens do ausente são entregues aos sucessores que podem dispor


deles livremente (art. 117.º).

E, por isso, se o ausente regressar, os seus bens já não serão restituídos


em espécie.

Portanto, a morte presumida tem quase os mesmos efeitos que a morte


certa. 17
O fenómeno sucessório
4.1. A morte como pressuposto da sucessão

C) A comoriência

Se alguém quiser fazer valer direitos sucessórios em relação a outrem terá


de provar a sua morte prévia.

Isto é, para alguém ser chamado à sucessão tem que ainda existir no
momento da morte do autor da sucessão.

Pode acontecer que o sucessível e o autor da sucessão morram no mesmo


dia ou até no mesmo acidente e aqui coloca-se o problema de saber quem
morre primeiro, dada a relevância da pré-morte para efeitos sucessórios. É
este o problema da comoriência ou morte simultânea.

A prova do momento da morte pode fazer-se por todos os meios possíveis


(prova documental, pericial, testemunhal, por inspeção...).

Se nenhuma prova se fizer, a lei presume a morte simultânea, presume que


as pessoas morreram ao mesmo tempo (art. 68.º, n.º 2). 18
CASO PRÁTICO

CASO PRÁTICO

André e Bernardo são irmãos e sofrem um acidente de viação quando viajavam


juntos.
André tem morte imediata enquanto Bernardo vem a falecer no hospital dois dias
mais tarde, em consequência das graves lesões crânio-encefálicas sofridas
Sobreviveram a André dois outros irmãos, Carlos e Daniel.

Bernardo deixou um filho, Fernando.


André havia doado 10.000,00 € ao sobrinho Fernando, e fez testamento em que
beneficiou o irmão Bernardo com um legado no valor de 50.000,00 €.
Manuel, condutor do outro veículo interveniente no acidente vem a ser
condenado a pagar 30.000,00 € de indemnização pelo dano da morte de André.
André deixou bens no valor de 50.000,00 € e dívidas no valor de 10.000,00 € .
Proceda à partilha por morte de André. 19
4.2. A designação sucessória
(fase pré-sucessória)

20
O fenómeno sucessório
4.2. A designação sucessória

A) Noção de designação sucessória

A designação é a determinação, em vida do autor da sucessão, das


pessoas que podem vir a suceder-lhe quando morrer. Antes da sua morte,
surgem já designadas – por lei ou por vontade do autor da sucessão –
certas pessoas como seus possíveis sucessores.
A designação sucessória distingue-se, assim, quer da vocação quer da
devolução sucessória.
A vocação sucessória é um chamamento à sucessão no momento da
morte do de cujus. A devolução sucessória é uma consequência do
chamamento e da aceitação da herança.
Ocorrido o chamamento, os bens da herança ficam à disposição dos
sucessíveis, que os podem adquirir mediante a aceitação da herança.
Verifica-se a devolução quando se dá a colocação dos bens à disposição
do chamado.
21
O fenómeno sucessório
4.2. A designação sucessória

Antes da morte do autor da sucessão, são designados – por força da lei ou


da vontade do de cujus – os seus possíveis sucessíveis. A lei prevê:
– certos sucessíveis legitimários, designados por normas legais de caráter imperativo (arts. 2156.º e
ss.);
– os arts. 2028.º e 1700.º e ss. admitem excepcionalmente a existência de sucessíveis contratuais,
permitindo que o autor da sucessão, por contrato de doação em convenção antenupcial, disponha por
morte dos seus bens ou renuncie à condição de herdeiro legitimário do cônjuge;
– os arts. 2179.º e ss. permitem a designação de sucessíveis testamentários, com respeito das
normas da sucessão legitimária e das limitações decorrentes das eventuais doações mortis causa;
–os arts. 2131.º e ss. prevêem a designação de sucessíveis legítimos, chamados se o autor da
sucessão não tiver disposto válida e eficazmente, no todo ou em parte, dos bens de que podia dispor.

As (diferentes) designações sucessórias são várias e conflituantes e,


relativamente a cada relação jurídica transmissível, só uma delas se converte
em definitiva.

Por isso, a lei fixa critérios de hierarquização ou de prevalência entre as


diversas designações, de modo a resolver eventuais conflitos de interesses e
a permitir uma certa previsibilidade e estabilidade das relações jurídicas em
causa. 22
O fenómeno sucessório
4.2. A designação sucessória

B) A hierarquia das designações sucessórias

O nosso ordenamento jurídico estabelece uma hierarquia das designações


sucessórias, para que se afira qual a prevalente no momento da morte do autor
da sucessão.
No topo da hierarquia estão os sucessíveis legitimários, na medida da sua
legítima, dos bens que constituem a quota indisponível do autor da sucessão.
A sucessão legitimária não pode ser afastada pela vontade do autor da sucessão
(art. 2027.º). Para garantir esta inviolabilidade os arts. 2168.º e ss. prevêem a
chamada redução por inoficiosidade de liberalidades do autor da sucessão.
A sucessão legitimária prevalece sobre todas as outras designações sucessórias,
dado que o autor da sucessão tem o poder de disposição a título de liberalidade
limitado.
NOTA: dentro desta designação há também uma hierarquia definida atendendo
ao princípio da preferência de classes e de grau de parentesco (arts. 2157.º e
2134.º e ss.).
23
O fenómeno sucessório
4.2. A designação sucessória

Em segundo lugar na hierarquia dos designados sucessórios estão os


sucessíveis contratuais. Estes prevalecem sobre os sucessíveis
testamentários, como decorre, desde logo, do facto de os pactos sucessórios
serem, em princípio, irrevogáveis (arts. 1701.º, n.º 1, e 1705.º, n.º 1).

Os sucessíveis testamentários ocupam o terceiro lugar na hierarquia dos


designados sucessórios. A primazia da sucessão testamentária face à
sucessão legítima decorre de esta só ter lugar se o autor da sucessão não
tiver disposto válida e eficazmente dos bens de que poderia dispor para
depois da sua morte (art. 2131.º). Havendo testamento são chamados os
sucessíveis – herdeiros ou legatários – testamentários e não os legítimos.

Em último lugar, surge a sucessão legítima. Nos termos do art. 2131.º, ela só
existirá se o autor da sucessão não tiver disposto dos seus bens por
testamento ou pacto sucessório (nos casos admitidos por lei), ou se essa
disposição não for válida ou eficaz ou se apenas tiver disposto em parte.
Dentro da sucessão legítima, o art. 2133.º fixa a hierarquia de sucessíveis
legítimos, definindo as classes de sucessíveis. 24
O fenómeno sucessório
4.2. A designação sucessória

C) Consistência das designações sucessórias

Importa determinar se, em relação a cada uma das designações sucessórias


referidas, o seu titular já terá verdadeiramente um direito subjectivo aos bens,
uma expectativa juridicamente tutelada ou uma simples expectativa de facto. A
resposta passará por saber até que ponto podem alterar-se as designações
sucessórias e quais os poderes que os designados já detêm em vida do autor da
sucessão. Há que distinguir a posição dos diferentes designados sucessórios.
No que se refere aos herdeiros legitimários, pode dizer-se que eles já têm em
vida do autor sucessão, uma expectativa juridicamente tutelada de receber a sua
legítima. A proteção desta expectativa encontra-se desde logo na limitação dos
poderes de disposição em vida do autor da sucessão, pela possibilidade de
redução por inoficiosidade de liberalidades, em vida ou mortis causa, que
ofendam a legítima dos herdeiros legitimários.
Em todo o caso, e apesar das garantias conferidas por lei, os herdeiros
legitimários não têm um verdadeiro direito subjectivo ainda em vida do autor da
sucessão, isto é, um direito aos bens que possam vir a integrar a sua quota no
momento da morte do de cujus. 25
O fenómeno sucessório
4.2. A designação sucessória

Tal como os sucessíveis legitimários, os donatários mortis causa não têm em


vida do autor da sucessão um direito subjectivo aos bens doados, mas apenas
uma expectativa juridicamente tutelada, que se traduz na atribuição de meios
jurídicos para se oporem aos actos do doador que violem a eficácia, a
irrevogabilidade e a imutabilidade de tais doações. Por serem mortis causa, os
efeitos de tais doações só se produzem com a morte do doador.
Quanto aos sucessíveis testamentários, a designação sucessória não lhes
confere qualquer direito nem expectativa jurídica, mas apenas uma expectativa
de facto de virem a adquirir os bens em causa. O testador pode, a todo o tempo,
revogar o testamento e a designação testamentária respectiva e pode instituir
novos herdeiros ou nomear novos legatários. Além disso, a existência de
sucessíveis legitimários e contratuais limita a designação testamentária que com
aqueles possa interferir.
Tal como acontece com os designados testamentários, também os legítimos
apenas aspiram a receber os bens hereditários, tendo uma mera expectativa de
facto. Os sucessíveis legítimos só serão chamados se o autor da sucessão não
tiver disposto válida e eficazmente, na totalidade ou em parte, dos bens de que
podia dispor (art. 2131.º). 26
O fenómeno sucessório
4.2. A designação sucessória

D) A instabilidade das designações sucessórias


A escala dos designados sucessórios é, até ao momento da morte, muito
instável.
No caso das designações legitimária e legítima, podem surgir novos sucessíveis
(por nascimento, casamento, adopção, etc.) ou desaparecerem (por morte,
deserdação no caso dos herdeiros legitimários, etc.). No caso das designações
contratuais e testamentárias, pode haver instituições de novos herdeiros ou
legatários contratuais e testamentários ou pode a designação destes tornar-se
ineficaz, por revogação ou caducidade.
A própria lei pode vir a alterar a hierarquia das designações sucessórias,
modificando a ordem legal da sucessão.
Daí que a prevalência da designação sucessória só é possível referida a um
momento, o da abertura da sucessão (arts. 2031.º e 2032.º), quando ocorre o
chamamento dos sucessíveis. É no momento da morte, quando se dá a abertura
da sucessão, que se consolida a hierarquia das designações sucessórias, que se
determinam as pessoas que efectivamente vão ser chamadas à titularidade das
relações jurídicas do de cujus. 27
4.3. A abertura da sucessão

28
O fenómeno sucessório
4.3. A abertura da sucessão

A) Conceito de abertura da sucessão

A sucessão é um processo que se vai desenvolvendo. Tem um princípio e


um fim: primeiro abre-se, depois fecha-se.

E como é que se abre a sucessão, como é que isto tudo começa?


Com a morte do de cujus!

Com a morte do de cujus, extinguindo-se a sua personalidade jurídica e a


sua susceptibilidade de ser sujeito de relações jurídicas (arts. 67.º e 68.º),
as relações jurídicas de que ele era titular, e que não se extingam por sua
morte (art. 2025.º), ficam sem sujeito, desprendem-se dele, ficando
predispostas a ser adquiridas por outra pessoa.
É nisto que consiste a abertura da sucessão.

Portanto, a abertura da sucessão é o início jurídico do fenómeno


sucessório. 29
O fenómeno sucessório
4.3. A abertura da sucessão

B) Momento da abertura da sucessão

A sucessão abre-se no momento da morte do seu autor (art. 2031.º, 1.ª


parte).
A relevância do momento da abertura da sucessão, o momento da morte
do de cujus, traduz-se no facto de se fazer retroagir a tal momento para
vários efeitos sucessórios. A este momento são reportados vários actos
do fenómeno sucessório.
Consequências jurídicas: de acordo com o art. 2032.º, n.º 1, aberta a
sucessão serão chamados à titularidade das relações jurídicas do falecido
aqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis, desde
que tenham a necessária capacidade. Ou seja, a vocação sucessória tem
lugar no momento da abertura da sucessão.
Além disso, é no momento da abertura da sucessão que a designação
sucessória se fixa e se consolida na vocação sucessória. 30
O fenómeno sucessório
4.3. A abertura da sucessão

O momento da abertura da sucessão é relevante para outros efeitos.

Desde logo, para a proibição de pactos sucessórios. De acordo com o art.


2028.º, não pode renunciar-se à sucessão de uma pessoa viva ou dispor da
sua própria sucessão (ou da sucessão de terceiro) ainda não aberta. Mas,
após a abertura da sucessão, os sucessíveis que a tenham aceitado podem
celebrar atos de alienação da herança ou do legado (arts. 2124.º e ss.) ou
repudiá-los (arts. 2062.º e ss. e 2249.º).

Depois, para o cálculo da legítima. Art. 2162.º, n.º 1: dispõe que se tenha em
conta o valor dos bens existentes no património do autor da sucessão à data
da sua morte, no momento da abertura da sucessão.

As doações feitas pelo autor da sucessão aos seus descendentes


(presuntivos herdeiros legitimários do doador à data da doação), estão
sujeitas a colação (arts. 2104.º e ss.). Ora, o valor dos bens doados sujeitos
a colação é também aferido no momento da abertura da sucessão (art.
2109.º, n.º 1). 31
O fenómeno sucessório
4.3. A abertura da sucessão

C) Lugar da abertura da sucessão

De acordo com o art. 2031.º, 2.ª parte, o lugar da abertura da sucessão é


o lugar do último domicílio do autor da sucessão.

Deve, assim, ter-se em consideração o art. 82.º, o domicílio voluntário


geral.

É importante saber o lugar da abertura da sucessão, dado que é este que


determinará a competência de certas entidades no decurso do fenómeno
sucessório:

– Arts. 1039.º e 2049.º do CPC;


– Art. 2270.º do CC;
– Art. 72.º-A do CPC;
– Art. 1083.º, n.º 2, do CPC;
– Arts. 25.º, n.º 1, e 26.º, n.º 3, do Código do Imposto do Selo. 32
Muito obrigado pela Vossa atenção

António Pedro Pinto Monteiro


[email protected]

Lisboa, 10 de Março de 2020

Bibliografia essencial utilizada na apresentação PPT:


– CRISTINA ARAÚJO DIAS, Lições de Direito das Sucessões, 7.ª edição, Almedina, 2019, pp. 72 e ss.
33
– F. M. PEREIRA COELHO, Direito das Sucessões, Coimbra, 1992, pp. 57 e ss.
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa
Licenciatura em Direito

Direito das Sucessões


(aula de 17/03/2020)

António Pedro Pinto Monteiro

Professor Convidado da Faculdade de Direito da


Universidade Nova de Lisboa
Doutor em Direito
Advogado e Árbitro
Conteúdo da aula:

4. O fenómeno sucessório

(…)

4.4. A vocação sucessória


A) Terminologia – nota prévia
B) Conceito e conteúdo
C) Pressupostos da vocação sucessória
D) Acórdão do STJ de 07/01/2010 – análise

2
4.4. A vocação sucessória

3
O fenómeno sucessório
4.4. A vocação sucessória: terminologia

A) Terminologia – nota prévia

Designação sucessória ≠ vocação sucessória ≠ devolução sucessória

Designação sucessória é a indicação de um sucessível, feita antes da morte do


de cujus, pela própria lei ou por um facto jurídico praticado de harmonia com ela
(p. ex. testamento).

Vocação sucessória é um chamamento, uma chamada à sucessão, feita pela lei


ou pelo de cujus no momento da morte.

Devolução sucessória: vocação e devolução não são realidades diversas, mas


diversos modos de consideração de uma mesma realidade.
Uma pessoa é chamada a suceder em certas relações jurídicas: esta realidade
pode ver-se tanto de um ponto de vista subjectivo (do ponto de vista da pessoa
chamada a suceder), como de um ponto de vista objectivo (do ponto de vista da
posição jurídica que lhe é atribuída em relação aos direitos e obrigações em que
ela é chamada a suceder). Quando falamos em vocação colocamo-nos na 1.ª
perspectiva; quando falamos em devolução colocamo-nos na 2.ª. 4
O fenómeno sucessório
4.4. A vocação sucessória: conceito / conteúdo

B) Conceito e conteúdo

A vocação sucessória é o chamamento dos sucessíveis (herdeiros e


legatários) à titularidade das relações jurídicas transmissíveis do falecido
(art. 2032.º).

Quer a abertura da sucessão, quer a vocação sucessória, ocorrem no


momento da morte do de cujus. Porém, é a abertura da sucessão que dá
origem ao chamamento.

Quanto ao conteúdo da vocação sucessória, importa determinar a posição


jurídica atribuída ao chamado por força da vocação.

Há 2 grandes orientações:
• doutrina da aquisição ipso iure; e
• doutrina da aquisição mediante aceitação.
5
O fenómeno sucessório
4.4. A vocação sucessória: conceito / conteúdo

Pela doutrina da aquisição automática, ipso iure, o chamado, por força da própria
vocação, adquire a titularidade dos direitos hereditários, ingressa na titularidade
das relações jurídicas transmissíveis do falecido.
A aquisição sucessória resulta automaticamente da vocação sucessória. Basta
ser chamado à sucessão para que as relações jurídicas do falecido adquiram um
novo titular, não sendo necessário qualquer outro acto adicional ao chamamento.
Não será, assim, necessária a aceitação para que se verifique a aquisição
sucessória.
Não é esta doutrina que vale no nosso ordenamento jurídico (art. 2050.º, n.º 1).
De facto, a aquisição sucessória só se dá após a aceitação e por força dela,
vigorando, portanto, a doutrina da aquisição mediante aceitação.
A aceitação não tem um papel meramente de confirmação da aquisição
sucessória, mas um papel verdadeiramente constitutivo.
O chamamento não atribui, assim, automaticamente ao chamado a aquisição dos
bens, conferindo-lhe antes o direito de aceitar ou repudiar a herança. 6
O fenómeno sucessório
4.4. A vocação sucessória: pressupostos

C) Pressupostos da vocação sucessória

Quando falamos nos pressupostos da vocação referimo-nos às condições


que devem verificar-se para alguém ser chamado à sucessão de outrem.

O artigo 2032.º dispõe que, aberta a sucessão, serão chamados à


titularidade das relações jurídicas do falecido aqueles que gozam de
prioridade na hierarquia dos sucessíveis, desde que tenham a necessária
capacidade. Estão aqui os pressupostos da vocação sucessória e que
podemos resumir dizendo que: o chamado é o titular da designação
sucessória prevalente no momento da morte do de cujus, desde que exista e
tenha capacidade sucessória.

Assim, são pressupostos da vocação:


1) a titularidade pelo chamado da designação sucessória prevalente
no momento da morte;
2) a sua existência;
3) a sua capacidade sucessória. 7
O fenómeno sucessório
4.4. A vocação sucessória: a existência
(2.º pressuposto)

A existência do chamado – 2.º pressuposto da vocação sucessória.

Será chamado aquele que já tenha uma certa existência jurídica no


momento da abertura da sucessão e que a continue a ter depois da
abertura.

Isto significa, portanto, que este pressuposto da existência exige:

– uma existência posterior do chamado (o chamado deve sobreviver


ao de cujus, ainda há de existir no momento da morte do autor da
sucessão);

– uma existência anterior do chamado (o chamado já há de existir


no momento da morte do de cujus).

8
O fenómeno sucessório
4.4. A vocação sucessória: a existência
(2.º pressuposto)

A) Sobrevivência do chamado ao de cujus (existência posterior do chamado)


O chamado tem que existir no momento da abertura da sucessão, a sua existência
jurídica tem que se manter depois da abertura da sucessão (nem que por um breve
instante).

B) Existência anterior do chamado (o chamado já há de existir no momento da morte


do autor da sucessão)
Para que o pressuposto da existência esteja preenchido é também preciso que o
chamado já tenha existência jurídica no momento da abertura da sucessão.

Para o chamado já existir, é preciso que tenha personalidade jurídica. Há, porém,
algumas situações que podem levantar dúvidas quanto ao preenchimento deste
pressuposto, uma vez que o chamado não tem ainda personalidade jurídica,
parecendo que há vocação sucessória em relação a quem ainda não existe.

São os casos da sucessão (legal, testamentária e contratual) dos nascituros já


concebidos, da sucessão testamentária e contratual dos nascituros não concebidos e
da sucessão testamentária das pessoas coletivas não reconhecidas. Apesar de não
haver personalidade jurídica nestes casos, considera-se que o chamado já existe,
estando preenchido o pressuposto da existência. 9
O fenómeno sucessório
4.4. A vocação sucessória: a existência
(2.º pressuposto)

Sucessão de nascituros já concebidos: o art. 2033.º, n.º 1, equipara-os às


pessoas nascidas, chamando-as à sucessão (legitimária, legítima,
testamentária e contratual).

A vocação sucessória fica dependente da condição legal suspensiva do


seu nascimento (art. 66.º, n.º 2).

Os nascituros já concebidos têm uma certa existência jurídica, ainda que


não tenham uma personalidade jurídica plena (art. 66.º, n.º 2).

Trata-se de uma antecipação da personalidade do nascituro.

Este não tem uma personalidade jurídica plena, que só se adquire com o
nascimento completo e com vida (art. 66.º, n.º 1), mas uma personalidade
reduzida, como que limitada ou fracionária.

10
O fenómeno sucessório
4.4. A vocação sucessória: a existência
(2.º pressuposto)

Os nascituros ainda não concebidos podem vir a ser chamados apenas


na sucessão testamentária ou contratual (art. 2033.º, n.º 2, al. d)).

Visa-se respeitar o princípio da liberdade negocial e testamentária, bem


como satisfazer as eventuais motivações do autor da sucessão.

O chamamento de nascituros não concebidos parece uma excepção ao


requisito da existência, uma vez que não há aqui uma realidade biológica,
como acontece com os nascituros já concebidos.

Contudo, e apesar de serem mais limitados os casos em que assumem


relevância jurídica, e muito embora não tenham personalidade jurídica,
parece que cabem também no art. 66.º, n.º 2, e, portanto, a sua vocação
fica também dependente da condição suspensiva do seu nascimento.

11
O fenómeno sucessório
4.4. A vocação sucessória: a existência
(2.º pressuposto)

A lei admite também, em certas condições, a vocação de pessoas


colectivas não dotadas de personalidade jurídica, ainda não reconhecidas
(art. 158.º).

Trata-se aqui de uma hipótese semelhante à do chamamento de


nascituros ainda não concebidos.

Assim, temos uma vocação sucessória sujeita a uma condição


suspensiva, a aquisição da personalidade jurídica.

Por isso, são aplicáveis à administração dos bens deixados às pessoas


colectivas ainda não reconhecidas as regras dos arts. 2237.º a 2239.º

12
O fenómeno sucessório
4.4. A vocação sucessória: a capacidade sucessória
(3.º pressuposto)

A capacidade sucessória – 3.º pressuposto da vocação sucessória

Vide artigos 2033.º a 2038.º do Código Civil

Pontos a analisar:

1) Princípios gerais;
2) Incapacidades sucessórias;
3) Declaração judicial de indignidade
4) Efeitos da indignidade
5) Reabilitação do indigno

13
O fenómeno sucessório
4.4. A vocação sucessória: a capacidade sucessória
(3.º pressuposto)

1) Princípios gerais

Para ser chamado à sucessão, o titular da designação prevalente não só


há-de existir como há-de ainda ser capaz – capaz de suceder ao de cujus
no momento da morte deste.

A capacidade sucessória é a capacidade para ser chamado à sucessão,


isto é, a idoneidade para ser chamado a suceder, como herdeiro ou como
legatário.

Princípio geral: a capacidade é a regra, a incapacidade a excepção.

14
O fenómeno sucessório
4.4. A vocação sucessória: a capacidade sucessória
(3.º pressuposto)

2) As incapacidades sucessórias

Embora a capacidade sucessória seja a regra, a lei considera certas


pessoas como incapazes de suceder ao de cujus, faltando, assim, um dos
pressupostos da vocação sucessória em relação às mesmas.

2 tipos de incapacidades:

a) as incapacidades sucessórias que estão previstas, em termos


gerais, nos artigos 2034.º e ss. (regime geral); e

b) as incapacidades sucessórias que estão previstas, apenas em


relação à sucessão legitimária, nos artigos 2166.º e 2167.º (a
deserdação).

As incapacidades sucessórias assentam numa ideia de indignidade do


sucessível. 15
O fenómeno sucessório
4.4. A vocação sucessória: a capacidade sucessória
(3.º pressuposto)

3) Declaração judicial de indignidade (artigo 2036.º do CC)

As incapacidades sucessórias não operam automaticamente, tornando-se


necessária uma acção judicial destinada a obter a declaração de
indignidade do herdeiro ou do legatário.

4) Efeitos da indignidade (artigo 2037.º do CC)

A inexistência.

Na sucessão legal (legítima ou legitimária), a incapacidade do indigno não


prejudica o direito de representação dos seus descendentes. Na
sucessão testamentária, pelo contrário, a indignidade afasta o
chamamento de sucessíveis por direito de representação.

16
O fenómeno sucessório
4.4. A vocação sucessória: a capacidade sucessória
(3.º pressuposto)

5) A reabilitação do indigno (artigo 2038.º do CC)

A reabilitação expressa e a reabilitação tácita.

A reabilitação expressa – que pode acontecer em relação a qualquer título


de vocação sucessória (legal ou voluntária) – ocorre se o autor da
sucessão expressamente reabilitar o indigno em testamento ou escritura
pública.

Não havendo reabilitação expressa, mas sendo o indigno contemplado


em testamento quando o testador já conhecia a causa da indignidade,
pode ele suceder dentro dos limites da disposição testamentária (mas já
não a título de sucessão legal ou contratual).

17
O fenómeno sucessório
4.4. A vocação sucessória: acórdão do STJ (análise)

Acórdão do STJ de 07/01/2010


(processo 104/07.9TBAMR.S1, Relator Pires da Rosa)

A indignidade sucessória – análise do acórdão.

18
Muito obrigado pela Vossa atenção

António Pedro Pinto Monteiro


[email protected]

Lisboa, 17 de Março de 2020

Bibliografia essencial utilizada na apresentação PPT:


– CRISTINA ARAÚJO DIAS, Lições de Direito das Sucessões, 7.ª edição, Almedina, 2019, pp. 72 e ss.
19
– F. M. PEREIRA COELHO, Direito das Sucessões, Coimbra, 1992, pp. 57 e ss.
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa
Licenciatura em Direito

Direito das Sucessões


(aula de 24/03/2020)

António Pedro Pinto Monteiro

Professor Convidado da Faculdade de Direito da


Universidade Nova de Lisboa
Doutor em Direito
Advogado e Árbitro
Conteúdo da aula:

4.4. A vocação sucessória


(…)
E) Modos da vocação successória

4.5. A herança jacente

4.6. A aceitação e o repúdio da herança

CASOS PRÁTICOS

2
Modos da vocação sucessória

3
O fenómeno sucessório
4.4. A vocação sucessória: modos da vocação

A vocação pode ser:

A) originária ou subsequente;

B) pura e simples ou condicional;

C) directa ou indirecta.

4
O fenómeno sucessório
4.4. A vocação sucessória: modos da vocação

A) Vocação originária e vocação subsequente

Diz-se originária a vocação que se verifica no próprio momento da


abertura da sucessão; subsequente a que se opera em momento
posterior a este.

A vocação é normalmente originária mas há casos de vocação


subsequente; o mais típico é o de o primeiro chamado repudiar a herança.

Nos termos do artigo 2032.º, n.º 2, “se os primeiros sucessíveis não


quiserem ou não puderem aceitar, serão chamados os subsequentes, e
assim sucessivamente”.

5
O fenómeno sucessório
4.4. A vocação sucessória: modos da vocação

B) Vocação pura e simples ou vocação condicional

Na vocação pura, os sucessíveis são chamados sem que os efeitos dessa


vocação estejam dependentes de um qualquer facto futuro, certo (termo)
ou incerto (condição), suspensivo ou resolutivo.

Se, pelo contrário, o chamamento depender de um tal facto, a vocação


será a termo ou condicional, respectivamente.

A vocação pode também ocorrer sem sujeição a encargos especiais ou


cláusulas modais.

No primeiro caso (isto é, vocação sem sujeição a encargos especiais) a


vocação diz-se simples; no segundo caso, diz-se modal.
6
O fenómeno sucessório
4.4. A vocação sucessória: modos da vocação

C) Vocação directa ou indirecta

A vocação pode ser directa ou indirecta, ou seja, pode ocorrer a favor do


sucessível que ocupa o lugar prevalente ou prioritário na hierarquia de
sucessíveis (vocação directa) ou a favor de um sucessível que é chamado
em vez do designado com prioridade original, porque este não pôde ou
não quis aceitar (vocação indirecta).
Teremos vocação indirecta sempre que uma pessoa sucede em vez de
outra que não pôde ou não quis suceder; pressupõe que alguém não
pôde ser chamado à sucessão de outrem (por falta de qualquer dos
pressupostos da vocação) ou que foi chamado mas respondeu
negativamente ao chamamento – repudiou.
Exemplos de vocação indirecta:
i) o direito de representação (artigos 2039.º a 2045.º);
ii) a substituição directa ou vulgar (artigos 2281.º a 2285.º); e
iii) o direito de acrescer (artigos 2301.º a 2307.º). 7
O fenómeno sucessório
4.4. A vocação sucessória: modos da vocação

Vocação indirecta: i) o direito de representação (artigos 2039.º a 2045.º)

Para haver direito de representação é necessário que se verifique uma


impossibilidade de aceitação (que pode ter diferentes causas) ou um repúdio da
herança.
O direito de representação não se confunde com a representação negocial
(artigos 258.º e ss.). Nesta representação o representante exerce um direito em
nome de outrem (o representado) e os efeitos jurídicos dos actos praticados pelo
representante produzem-se na esfera jurídica do representado. Pelo contrário, no
direito de representação sucessório o representante sucede numa posição que é
sua (sucede ao autor da sucessão) e que exerce em nome próprio, produzindo-
se os efeitos da representação na sua esfera jurídica.
O direito de representação distingue-se também do ius transmissionis, ou seja,
da transmissão do direito de aceitar ou repudiar a herança ou o legado, regulado
no artigo 2058.º. O representante é chamado à herança porque o representado
não pôde ou não quis aceitar o chamamento. O transmissário (ou adquirente) do
direito de suceder é chamado quando o transmitente podia ser e foi
efectivamente chamado a suceder, mas não chegou a aceitar nem a repudiar. 8
O fenómeno sucessório
4.4. A vocação sucessória: modos da vocação

De acordo com os artigos 2039.º e 2042.º, para haver direito de representação


na sucessão legal (legítima ou legitimária) é preciso que estejam preenchidos
dois pressupostos.
Em primeiro lugar, que falte um parente da primeira ou da terceira classe de
sucessíveis do artigo 2133.º, por não poder ou não querer aceitar a herança ou o
legado. Em segundo lugar, é preciso que esse parente que falta tenha deixado
descendentes. Uma vez verificados os dois pressupostos – quando falte um
parente na primeira ou terceira classe de sucessíveis, e esse parente tenha
descendentes – estes são chamados à sucessão do de cujus no lugar daquele.

Os pressupostos do direito de representação na sucessão testamentária são em


principio os mesmos, mas há duas diferenças muito importantes a referir.
Em primeiro lugar, depreende-se do artigo 2041.º que a representação tem lugar,
na sucessão testamentária, nos casos de pré-morte e repúdio, mas não no caso
de incapacidade. Em segundo lugar, a representação não se admite na sucessão
testamentária quando se verifique alguma das circunstâncias referidas nas
alíneas a), b) e c) do n.º 2 do artigo 2041.º, ou em qualquer outro caso em que o
testador manifeste uma vontade contrária à representação. 9
O fenómeno sucessório
4.4. A vocação sucessória: modos da vocação

A lei define a extensão da representação no art. 2045.º: “a representação tem


lugar ainda que todos os membros das várias estirpes estejam, relativamente ao
autor da sucessão, no mesmo grau de parentesco, ou exista uma só estirpe”.

O direito de representação funciona, não só no caso de concorrerem à herança


parentes de diferentes graus sucessórios (1.º), mas também no caso de
igualdade de graus sucessórios com pluralidade de estirpes (2.º) e mesmo no
caso de haver uma única estirpe (3.º).

Como D e E sucedem representativamente a A, vão ocupar a posição


jurídica de C, sendo-lhes atribuídos os mesmos direitos e obrigações de que
C seria titular se tivesse chegado a suceder.

D e E herdarão, portanto, metade da herança de A, pertencendo a B a outra


metade.

Neste caso, o direito de representação serve para, igualando os diversos


graus de sucessíveis, chamar a suceder pessoas que de outro modo não
seriam chamadas; se não fosse o direito de representação, D e E seriam
excluídos da sucessão pelo princípio de sucessão legítima (o parente mais
próximo exclui o parente mais afastado – art.2135.º). 10
O fenómeno sucessório
4.4. A vocação sucessória: modos da vocação

Vocação indirecta: ii) a substituição directa ou vulgar (2281.º a 2285.º)

Tal como no direito de representação, estamos perante um caso de


vocação indirecta, uma vez que é chamado um sucessível em vez de um
outro com designação sucessória prevalente
O testador pode definir os contornos em que funcionará a substituição, isto
é, poderá expressamente estipular que pode valer a substituição apenas
nos casos em que o sucessível instituído não possa aceitar a herança (ou
o legado) ou apenas nos casos em que tal sucessível repudia a sucessão.
Se o testador não estipulou expressamente que só valeria num dos casos,
entende-se ter querido abranger o outro (artigo 2281.º, n.º 2).
A substituição directa pode assumir várias modalidades: pode ser singular,
plural e recíproca.
Artigo 2284.º: os substitutos sucedem nos direitos e obrigações em que
sucederiam os substituídos, excepto se for outra a vontade do testador. 11
O fenómeno sucessório
4.4. A vocação sucessória: modos da vocação

Vocação indirecta: iii) o direito de acrescer (artigos 2301.º a 2307.º)

Falamos deste direito quer por referência à sucessão legal (cfr. artigos 2137.º, n.º
2, 2143.º e 2157.º), quer na sucessão testamentária (cfr. artigos 2301.º a 2307.º).

O direito de acrescer é o direito do sucessível, chamado à sucessão


simultaneamente com outros, de adquirir a parte da sucessão que cabia a
outro(s) sucessívei(s) e que este(s) não quiseram ou não puderam aceitar.

Para que o direito de acrescer actue, é preciso que se verifique a falta ou repúdio
de herdeiros ou de legatários e, por isso, a quota que lhe cabia encontra-se vaga.

Por outro lado, não podem verificar-se certas circunstâncias: não pode verificar-
se um caso de substituição directa (I), de vontade do autor da sucessão contrária
ao acrescer (II), de direito de representação (III), de transmissão do direito de
aceitar ou repudiar a sucessão (IV) ou ainda se se tratar de um legado de
natureza estritamente pessoal (V).
12
A herança jacente
(cfr. artigos 2046.º a 2049.º do CC)

13
O fenómeno sucessório
4.5. A herança jacente

A) Noção de herança jacente

A aceitação ou o repúdio da sucessão não são simultâneos ao chamamento


sucessório – não acontecem ao mesmo tempo.

Como tal, importa saber o que sucede nesta fase em que houve o
chamamento, mas ainda não existiu resposta ao mesmo por parte do
chamado.

Durante este período, entre o chamamento e a aceitação, a herança está


numa situação de jacência.

herança jacente ≠ herança vaga

Herança vaga: a herança deferida ao Estado, por o de cuius ter falecido sem
testamento e não haver herdeiros legítimos das categorias ou classes
sucessórias anteriores.
14
O fenómeno sucessório
4.5. A herança jacente

B) Administração da herança jacente

No período em que a herança está jacente, o CC prevê um regime que assegura


a conservação dos bens que compõem aquela herança, consagrando a
possibilidade de serem adoptadas certas medidas de administração no interesse
dos sucessíveis e dos eventuais credores da herança.

Artigo 2047.º, n.º 1, do CC: o sucessível chamado à herança, sem a ter aceitado
ou repudiado, pode adoptar providências acerca da administração dos bens, se
do retardamento das providências puderem resultar prejuízos.

NOTA 1: estes actos de administração não implicam uma aceitação tácita da


herança (artigo 2056.º, n.º 3).

NOTA 2: a lei considera que a prática destes actos de administração não


prejudica a possibilidade de nomeação de curador à herança (artigo 2047.º, n.º
3), podendo, portanto, ser nomeado um curador à herança nos termos do artigo
2048.º do CC.
15
O fenómeno sucessório
4.5. A herança jacente

C) Processo cominatório de aceitação ou repúdio

Se o sucessível chamado à herança, sendo conhecido, a não aceitar nem repudiar


dentro dos 15 dias seguintes, pode o tribunal, a requerimento do Ministério Público ou
de qualquer interessado, mandá-lo notificar para, no prazo que lhe for fixado, declarar
se a aceita ou repudia (artigo 2049.º, n.º 1).
A lei concede, a quem tenha interesse em que o chamado responda ao chamamento
(ou ao Ministério Público), a faculdade de provocar uma resposta do chamado,
obrigando-o a declarar – no prazo que lhe for fixado pelo juiz – se aceita ou não
aceita a herança.
Processo cominatório de aceitação ou repúdio da herança, regulado nos artigos
1039.º a 1041.º do CPC (processo especial).
Na falta de declaração de aceitação, ou não sendo apresentado documento legal de
repúdio dentro do prazo fixado, a herança tem-se por aceita (art. 2049.°, n.º 2) – há
uma espécie de presunção de aceitação.
Se o notificado repudiar a herança, serão notificados os herdeiros imediatos e assim
sucessivamente, até chegarmos ao Estado (artigo 2049.º, n.º 3). 16
A aceitação e o repúdio da herança
[cfr. artigos 2050.º a 2061.º (aceitação) + artigos 2062.º a 2067.º (repúdio) do CC]

17
O fenómeno sucessório
4.6. A aceitação e o repúdio da herança

O direito que a vocação sucessória confere ao chamado é o de aceitar ou


repudiar a herança. Neste sentido, a aquisição sucessória só se opera pela
aceitação, ou seja, pela resposta afirmativa ao chamamento.

Sendo distintos, a aceitação e o repúdio têm características semelhantes:

(i) são actos jurídicos unilaterais não receptícios;


(ii) são actos individuais (artigo 2051.º) e pessoais, o que não invalida a
possibilidade de representação voluntária, por não estar expressamente
proibida e por tais actos revestirem um caráter marcadamente patrimonial;
(iii) são actos livres, não havendo qualquer obrigação para o chamado no
sentido de aceitar ou repudiar (excepção: sucessão do Estado, art 2154.º);
(iv) são actos irrevogáveis (artigos 2061.º e 2066.º) e retroagem ao momento
da abertura da sucessão (artigos 2050.º, n.º 2, e 2062.º); e
(v) são actos que estão sujeitos a um prazo de caducidade.
18
O fenómeno sucessório
4.6. A aceitação e o repúdio da herança

A aceitação pode ser expressa ou tácita, nos termos do artigo 2056.º:


(i) é expressa quando em algum documento escrito o sucessível chamado à herança
declara aceitá-la ou assume o título de herdeiro com a intenção de a adquirir (artigo
2056.º, n.º 2);

(ii) é tácita quando resulta de factos concludentes, segundo as regras gerais (artigo
217.º, n.º 1).

A aceitação pode ser pura e simples ou a beneficio de inventário, nos termos dos
artigos 2052.º e 2053.º.
(i) a aceitação a benefício de inventário significa que o herdeiro declara que aceita a
herança, mas reserva o direito de só receber o valor líquido da herança depois de
pagos os encargos – com isso o herdeiro obtém, além da inventariação dos bens da
herança e da liquidação e partilha, uma separação, face aos credores da herança,
dos bens desta relativamente ao seu património pessoal;

(ii) na aceitação pura e simples o herdeiro aceita a herança sem qualquer processo
de inventário.
19
O fenómeno sucessório
4.6. A aceitação e o repúdio da herança

Repúdio: acto pelo qual o chamado responde negativamente ao chamamento


sucessório.
O sucessível que repudia a herança considera-se como não chamado (salvo para
efeitos de representação), podendo dizer-se que, de um modo geral, é a partir desta
ideia que se definem os efeitos do repúdio.
Se o primeiro chamado repudia a herança, verifica-se novo chamamento a favor do
designado imediato. Isto é, havendo repúdio são chamados os sucessíveis
subsequentes (regra geral do artigo 2032.º).
E se a pessoa designada a seguir aceita, a aceitação tem efeitos retroactivos e o
segundo chamado será considerado herdeiro desde a data da abertura da sucessão
— consegue-se deste modo que não haja hiatos ou soluções de continuidade.

NOTAS adicionais:
(i) o repúdio é um acto formal;
(ii) se o chamado for casado, o repúdio da herança ou legado só pode ser feito com o
consentimento de ambos os cônjuges, salvo se vigorar entre os cônjuges o regime de
separação de bens (artigo 1683.º);
(iii) regime (excepcional) de sub-rogação dos credores previsto no artigo 2067.º. 20
CASOS PRÁTICOS

21
CASO PRÁTICO

CASO PRÁTICO N.º 2

Bruno (autor da sucessão) morreu no passado dia 20 de Março, na sequência


de uma doença prolongada.

Sobreviveu-lhe o pai (Artur), o irmão (Carlos) e a mulher (Daniela), com quem era
casado no regime de separação de bens.

De salientar, ainda, que Bruno e Daniela têm um filho (Eduardo) e um neto


(Francisco, filho de Eduardo).

Considerando que:
(i) Eduardo morreu sem ter aceitado ou repudiado a herança do seu pai Bruno
(ele foi chamado à herança, mas, perturbado como estava, acabou por se
esquecer de a aceitar ou repudiar) e
(ii) Francisco (neto de Bruno) é indigno em relação ao seu pai Eduardo,

Descreva passo a passo o processo de sucessão por morte de Bruno. 22


CASO PRÁTICO

Artur


Carlos Bruno Daniela

Eduardo

Francisco

23
CASO PRÁTICO

CASO PRÁTICO N.º 3

António, viúvo, faleceu na semana passada.

Sobreviveram-lhe dois filhos e vários netos: Beatriz (mãe de Joana e João) e


César (pai de Luísa, Leonor e Lara).

De salientar, ainda, que António teve um terceiro filho, Duarte, que faleceu há 5
anos atrás. Duarte, por sua vez, deixou 2 filhas (Mafalda e Matilde, netas de
António).

Considerando que:
(i) Beatriz repudiou a herança,
(ii) Duarte deserdou Mafalda,
(iii) António fez um testamento, no qual dispôs da sua quota disponível a
favor da Comunidade Vida e Paz (apoio aos sem abrigo),

Proceda à partilha da herança de António, tendo em conta que o valor dos bens
deixados ascende a € 180.000. 24

António

Beatriz César Duarte

Joana João Luísa Leonor Lara Mafalda Matilde

25
Muito obrigado pela Vossa atenção

António Pedro Pinto Monteiro


[email protected]

Lisboa, 24 de Março de 2020

Bibliografia essencial utilizada na apresentação PPT:


– CRISTINA ARAÚJO DIAS, Lições de Direito das Sucessões, 7.ª edição, Almedina, 2019, pp. 127 e ss.
26
– F. M. PEREIRA COELHO, Direito das Sucessões, Coimbra, 1992, pp. 155 e ss.
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa
Licenciatura em Direito

Direito das Sucessões


(aula de 31/03/2020)

António Pedro Pinto Monteiro

Professor Convidado da Faculdade de Direito da


Universidade Nova de Lisboa
Doutor em Direito
Advogado e Árbitro
Conteúdo da aula:

4.7. A herança adquirida:


A) A habilitação de sucessores
B) A petição da herança

4.8. A administração da herança

4.9. A alienação da herança

CASOS PRÁTICOS

2
Introdução

A aquisição sucessória só se opera pela aceitação, ou seja, pela resposta


afirmativa ao chamamento. Havendo aceitação, a herança tem-se por
adquirida.

MAS: ao contrário do que se podia pensar, isto não significa,


necessariamente, que estejamos perante o fim do fenómeno sucessório.
Podemos estar ou não.

Existem (ou, pelo menos, podem existir) matérias ligadas à atribuição do


património hereditário, que respeitam à situação da herança adquirida e
que importa considerar no âmbito do fenómeno sucessório:

• a habilitação de sucessores;
• a petição da herança;
• a administração da herança;
• a alienação da herança;
• a liquidação e partilha da herança.
3
A herança adquirida:
A) habilitação de sucessores

4
O fenómeno sucessório
A herança adquirida: A) habilitação de sucessores

A invocação prática da qualidade de sucessor implica, muitas vezes, a


sua demonstração ou prova.

NOTA: há muitos actos jurídicos que pressupõem a qualidade de


sucessor e só podem ser praticados mediante a demonstração de que ela
existe em quem deles pretenda beneficiar.

A lei faculta ao sucessor alguns meios para fazer prova da sua qualidade
de herdeiro ou legatário, ou seja, para se habilitar enquanto tal.

3 meios de diferente natureza:


• extrajudicial (notarial ou procedimento simplificado de sucessão
hereditária);
• judicial; e
• administrativa.
5
O fenómeno sucessório
A herança adquirida: A) habilitação de sucessores

Habilitação notarial (cfr. artigos 82.º a 88.º do Código do Notariado)


Consta de um acto jurídico, que deve revestir a forma de escritura pública e que
se materializa numa declaração feita por 3 testemunhas (ou pelo cabeça-de-
casal), que afirmam que os sucessores de certa pessoa são os que elas próprias
indicam, não havendo outras pessoas com igual ou melhor direito à sucessão
(artigo 83.º do Código do Notariado).

O que os outorgantes da habilitação declaram é, no fundo, que as pessoas


indicadas são os sucessíveis prioritários do falecido e, como tal, aqueles que lhe
devem suceder.

Documentos necessários: artigo 85.º do Código do Notariado.


Efeitos da habilitação: artigo 86.º do Código do Notariado.
Habilitação de legatários: artigo 83.º do Código do Notariado.
Impugnação da habilitação: artigo 87.º do Código do Notariado.
6
O fenómeno sucessório
A herança adquirida: A) habilitação de sucessores

O procedimento simplificado de sucessão hereditária (cfr. artigos 210.º-


A e ss. do Código do Registo Civil)

Meio extrajudicial de habilitação que não visa (ou pode não visar) apenas a
habilitação de sucessores, mas também a partilha e os respectivos registos.

Estes procedimentos são tramitados no Balcão das Heranças, sendo da


competência do conservador do registo civil, com possibilidade de delegação
em oficial de registos.

A habilitação de herdeiros realizada no âmbito destes procedimentos (com os


mesmos efeitos que a lei prevê para as outras formas de habilitação de
herdeiros) tem por objeto a declaração – prestada pelo cabeça-de-casal ou
por 3 pessoas que o conservador ou o oficial de registos considerem dignas
de crédito – de que os habilitandos são herdeiros do falecido e de não existir
quem lhes prefira ou com eles concorra na sucessão.
7
O fenómeno sucessório
A herança adquirida: A) habilitação de sucessores

Meios judiciais
A habilitação como incidente da instância consagrada nos artigos 351.º a 357.º
do CPC.

A prova da qualidade de sucessor pode ser necessária no decurso de uma acção


judicial (ex: morre o autor ou o réu e a acção prossegue com a participação dos
sucessores destes, desde que para tal se habilitem).

A habilitação judicial dos sucessores da parte falecida na pendência da causa,


para com eles prosseguirem os termos da demanda, pode ser promovida tanto
por qualquer das partes que sobreviverem como por qualquer dos sucessores e
deve ser promovida contra as partes sobrevivas e contra os sucessores do
falecido que não forem requerentes (art. 351.º do CPC).

Por força da Lei n.º 117/2019 (processo de inventário), pode ocorrer a habilitação
de interessados no âmbito de inventário judicial, se falecer algum interessado
directo na partilha antes de concluído o inventário (v. artigo 1089.º do CPC).
8
A herança adquirida:
B) petição da herança
(cfr. artigos 2075.º a 2078.º do CC)

9
O fenómeno sucessório
A herança adquirida: B) petição da herança

Nem sempre os bens da herança se encontram à disposição do herdeiro.


Pode dar-se o caso de esses bens estarem na posse ou na detenção de
terceiros contra quem o herdeiro tenha de fazer valer os seus direitos.
Para este fim, a lei estabelece um meio específico: a petição da herança.
Normalmente, a propriedade e a posse dos bens correspondentes à herança
e ao legado é adquirida após a abertura da sucessão com o acto de
aceitação, cabendo ao herdeiro proceder à entrega da coisa que tenha sido
legada.
Pode, porém, acontecer que os bens sejam possuídos (materialmente) por
terceiro que se arrogue indevidamente do título de sucessor (herdeiro ou
legatário) ou que os possua mesmo sem titulo.
Neste contexto, o herdeiro tem ao seu dispor a acção de petição da herança,
enquanto ao legatário assiste a faculdade de reivindicação da coisa legada.
10
O fenómeno sucessório
A herança adquirida: B) petição da herança

Regime jurídico:

1) A petição da herança deve ser intentada antes da partilha (partilhada a


herança, o meio adequado para o herdeiro pedir a restituição dos bens que
ficaram a preencher a sua quota é a acção de reivindicação).

2) A acção de petição da herança segue o processo comum de declaração.

3) A acção pode ser intentada a todo o tempo (artigo 2075.º, n.º 2), mas
importa ter em atenção os seguintes limites:

- os decorrentes da aplicação das regras da usucapião (artigos 1287.º e


ss.), relativamente a cada uma das coisas possuídas;
- os respeitantes ao prazo de exercício do direito de suceder (artigo
2059.º), que obstam à propositura da acção por aquele cujo direito de
aceitar a herança tenha caducado;
- (deve ser intentada antes da partilha).
11
O fenómeno sucessório
A herança adquirida: B) petição da herança

4) Só o herdeiro pode efectuar a petição da herança (artigo 2075.º, n.º 1,


do CC). No entanto, a procedência da acção não significa que o herdeiro
passe a ter a administração e a disposição dos bens da herança.

5) Têm legitimidade passiva os possuidores dos bens da herança ou de


parte deles (artigo 2075.º, n.º 1) e os meros detentores dos mesmos bens.
Note-se que se o possuidor de bens da herança tiver disposto deles (no
todo ou em parte) a favor de terceiro, a acção de petição pode ser
também proposta contra o adquirente, sem prejuízo da responsabilidade
do disponente pelo valor dos bens alienados (art. 2076.º). MAS: atenção à
boa fé (pode ter relevância na exclusão ou limitação da acção de petição).

6) Legatários: os legatários (após a aceitação e entrega da coisa legada)


podem reivindicar a sua propriedade sobre os bens legados perante os
herdeiros ou perante terceiros, nos termos gerais dos artigos 1311.º do
CC (acção de reivindicação). Aos legatários está ainda reservada a ação
de reivindicação prevista no artigo 2279.º do CC. 12
Administração da herança
(cfr. artigos 2079.º a 2096.º do CC)

13
O fenómeno sucessório
A administração da herança

A aquisição da herança é muitas vezes acompanhada da liquidação da


universalidade que ela constitui.

MAS: há circunstâncias de vária ordem que podem contribuir para a ocorrência


de um período, mais ou menos longo, durante o qual subsista a herança indivisa.

Não raro acontece, mesmo havendo acordo entre os vários interessados


(herdeiros, legatários, credores da herança), que os actos e as operações
inerentes à liquidação da herança, ou são complexos e demorados, ou se
encontram dependentes de formalidades e de burocracias, que nem sempre
podem ser observadas imediatamente!

Para além dos casos em que, estando os interessados desavindos, e não se


tornando possíveis soluções amigáveis, os diferendos que entre eles se abrem
só vêm a encontrar solução em tribunal.

Independentemente da sua causa, durante este período, em que os destinatários


dos bens já estão fixados, mas em que a herança ainda subsiste indivisa,
colocam-se problemas de administração. 14
O fenómeno sucessório
A administração da herança

3 hipóteses:

1.º Cabeça-de-casal
A solução normal estabelecida pelo CC para a administração da herança é o
chamado cabeçalato, tendo como órgão o cabeça-de-casal (artigo 2079.º).

2.º Colectivo de herdeiros


Há certos actos de disposição em que a lei exige que sejam exercidos
conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros (artigo
2091.º).

3.º Testamenteiro
Pode também existir um outro órgão da administração da herança, previsto
nos artigos 2320.º e ss. [v. também artigo 2080.º, n.º 1, al. b)], que é o
testamenteiro. O testador pode nomear uma ou mais pessoas que fiquem
encarregadas de vigiar o cumprimento do seu testamento ou de o executar,
no todo ou em parte. É o que o artigo 2320.º chama de testamentaria. 15
O fenómeno sucessório
A administração da herança

1.º Cabeça-de-casal (cfr. artigos 2079.º e ss.)


Em regra, a administração da herança pertence ao cabeça-de-casal (artigo 2079.º),
estabelecendo o artigo 2080.º a quem incumbe o cargo. NOTA: de entre os parentes que sejam
herdeiros legais, preferem os mais próximos em grau (n.º 2); de entre os herdeiros legais do
mesmo grau de parentesco, ou de entre os herdeiros testamentários, preferem os que viviam
com o falecido há pelo menos 1 ano à data da morte (n.º 3); em igualdade de circunstâncias,
prefere o herdeiro mais velho (n.º 4).
As regras previstas no CC nesta matéria não são imperativas, isto é, por acordo de todos os
interessados pode entregar-se a administração da herança e o exercício das demais funções
de cabeça-de-casal a qualquer outra pessoa (artigo 2084.º).
O cabeça-de-casal pode escusar-se do cargo nas situações previstas no art. 2085.º e pode ser
removido nos casos previstos no art. 2086.º. O cargo de cabeça-de-casal é intransmissível (art.
2095.º).
O cabeça-de-casal administra os bens próprios do de cuius. Neste sentido, o cabeça-de-casal
pode pedir aos herdeiros ou a terceiro a entrega dos bens que deva administrar e que estes
tenham em seu poder (artigo 2088.º, n.º 1). Além disso, o cabeça-de-casal pode cobrar as
dívidas activas da herança, nos termos do artigo 2089.º, e vender os frutos ou outros bens
deterioráveis e mesmo os frutos não deterioráveis na medida do que for necessário para
satisfazer as despesas do funeral e sufrágios e os encargos da administração (artigo 2090.º). 16
O fenómeno sucessório
A administração da herança

2.º Colectivo de herdeiros (cfr. artigo 2091.º)

Ainda que, por regra, a administração da herança caiba ao cabeça-de-


casal, o artigo 2091.º exige a intervenção de todos os herdeiros para a
prática de certos actos de disposição, que podem afectar o valor da
herança: fora dos casos declarados nos artigos anteriores, os direitos
relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os
herdeiros ou contra todos os herdeiros.

Portanto, os actos que impliquem a disposição ou oneração dos bens


hereditários só podem ser praticados conjuntamente por todos os
herdeiros.

17
O fenómeno sucessório
A administração da herança

3.º Testamenteiro (cfr. artigos 2320.º a 2334.º)


No testamento, o testador pode nomear uma ou mais pessoas que fiquem encarregadas de vigiar o
cumprimento do seu testamento ou de o executar, no todo ou em parte (testamentaria). Em princípio, o
testador tem liberdade de nomeação dos testamenteiros, o que se compreende (o exercício da
testamentaria envolve uma certa confiança do autor da sucessão na pessoa por ele seleccionada para o
efeito).

O testador pode nomear um herdeiro ou um legatário; mas também a sua escolha pode recair sobre um
terceiro (artigo 2321.º, n.º 2). O nomeado também pode recusar a testamentaria por meio de declaração
perante notário (artigos 2322.º e 2324.º). NOTA: a aceitação ou recusa da testamentaria é independente da
aquisição sucessória.

O nomeado que aceitou a testamentaria só pode ser dela escusado nos casos previstos para a escusa do
cabeça-de-casal (artigo 2330.º). O testamenteiro pode ser judicialmente removido se não cumprir com
prudência e zelo os deveres do seu cargo ou mostrar incompetência no seu desempenho (artigo 2331.º, n.º
1, do CC, e artigo 1044.º do CPC).

A testamentaria não é transmissível, em vida ou por morte, nem é delegável, mas o testamenteiro pode
servir-se de auxiliares na execução do cargo, nos mesmos termos em que o procurador o pode fazer (artigo
2334.º).

O testamenteiro não é apenas instituído para exercer o cargo de cabeça-de-casal. A existir, ele pode exercer
esse cargo, mas as suas atribuições são mais amplas, cabendo ao testador conferir-lhe tais funções (artigo
2325.º). De modo diferente também com o que sucede com o cabeça-de-casal, é possível a nomeação de 18
mais do que um testamenteiro (artigos 2320.º e 2329.º).
O fenómeno sucessório
A administração da herança

Sonegação de bens da herança (cfr. artigo 2096.º)

A sonegação de bens da herança corresponde a um acto doloso de


ocultação da existência de bens compreendidos no património hereditário.

O herdeiro que sonegar bens da herança é considerado mero detentor dos


bens sonegados e perde em benefício dos co-herdeiros o direito que possa
ter a qualquer parte dos bens sonegados, para além de incorrer nas demais
sanções que forem aplicáveis (p.e., sanções punitivas penais, se o agente
tiver preenchido o tipo do crime de furto ou abuso de confiança).

O facto de o herdeiro que sonegou bens da herança ser considerado mero


detentor dos bens sonegados, significa que, a menos que inverta o título da
posse, não poderá adquirir tais bens por usucapião (artigos 1265.ºe 1290.º) e
como possuidor de má-fé (artigo 1260.º, n.º 1 e 2) deverá restituir os frutos
produzidos pelos bens sonegados até ao termo da posse e responde, além
disso, pelo valor daqueles que um proprietário diligente poderia ter obtido
(artigo 1271.º). 19
A alienação da herança
(cfr. artigos 2124.º a 2130.º do CC)

20
O fenómeno sucessório
A alienação da herança

Possibilidade de os herdeiros poderem, na titularidade da propriedade sobre os bens,


exercer o seu direito de disposição e transmitir a outrem o seu direito à herança ou ao
quinhão hereditário.

A alienação da herança ou de quinhão hereditário só pode ocorrer depois da aceitação da


herança e antes da partilha.

Artigo 2124.º: a alienação da herança ou de quinhão hereditário está sujeita às regras


especiais dos artigos seguintes e às disposições reguladoras do negócio jurídico que lhe
der causa. Isto significa que, salvo o preceituado nos arts. 2125.º e ss., a alienação da
herança ou do quinhão hereditário pode ter como causa diversos negócios jurídicos que
sejam susceptíveis de transferir a propriedade dos respectivos direitos.

A alienação de herança pode ter como causa um negócio oneroso ou gratuito.

A alienação da herança ou de quinhão hereditário é um negócio formal, solene (artigo


2126.º). Sem prejuízo do disposto em lei especial, a alienação de herança ou de quinhão
hereditário é feita por escritura pública ou por documento particular autenticado se
existirem bens cuja alienação deva ser feita por uma dessas formas (bens imóveis). Caso
a herança não se refira a bens imóveis, a alienação não fica sujeita ao princípio da
liberdade de forma, devendo constar de documento particular. 21
O fenómeno sucessório
A alienação da herança

Artigo 2125.º – três presunções (ilidíveis):


• presume-se transmitido com a herança ou quota hereditária todo o benefício
resultante da caducidade de um legado, encargo ou fideicomisso;
• presume-se excluída da alienação a parte hereditária devolvida ao alienante,
depois da alienação, em consequência de fideicomisso ou do direito de
acrescer;
• presumem-se igualmente excluídos da alienação os diplomas e a
correspondência do falecido, bem como as recordações de família diminuto
valor económico.

O adquirente sucede nos encargos da herança ou quinhão hereditário, mas o


alienante responde solidariamente por esses encargos (artigo 2128.º).

O artigo 2130.º prevê um direito de preferência a favor dos co-herdeiros, nos


mesmos termos em que este direito assiste aos comproprietários, no caso de
venda ou dação em cumprimento a estranhos de quinhão hereditário (n.º 1).
MAS: prazo de 2 meses (n.º 2). 22
CASOS PRÁTICOS

23
CASO PRÁTICO

CASO PRÁTICO N.º 4

Alberto (filho de Daniel e Daniela, já falecidos) morreu há 3 anos atrás.


Sobreviveram-lhe os seguintes familiares:
• João, irmão germano;
• José, filho do primeiro casamento de Daniela (mãe de Alberto);
• Beatriz, Benedita e Bárbara, sobrinhas, filhas de Joaquim – irmão de Alberto que
faleceu em 2010 e que nasceu de uma relação extramatrimonial de Daniel (pai de
Alberto); e
• David, sobrinho, filho de João;
Por testamento, Alberto atribuiu metade do seu património a Renato (amigo de
infância) e um quarto da herança a Joaquim. Mais declarou que se Joaquim não
quisesse ou não pudesse aceitar a parte da herança que lhe foi atribuída, a mesma
reverteria para João.
Supondo que:
(i) Alberto deixou bens no valor de € 200.000,00 e dívidas no valor de € 40.000,00; e
(ii) Bárbara repudiou a herança,
Proceda à respectiva partilha. 24
Muito obrigado pela Vossa atenção

António Pedro Pinto Monteiro


[email protected]

Lisboa, 31 de Março de 2020

Bibliografia essencial utilizada na apresentação PPT:


– CRISTINA ARAÚJO DIAS, Lições de Direito das Sucessões, 7.ª edição, Almedina, 2019, pp. 127 e ss.
– JORGE DUARTE PINHEIRO, O Direito das Sucessões Contemporâneo, 3.ª edição, AAFDL, 2019, pp. 320 e ss.
– LUÍS A. CARVALHO FERNANDES, Lições de Direito das Sucessões, 4.ª edição, Quid Juris, 2012, pp. 301 e ss. 25
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa
Licenciatura em Direito

Direito das Sucessões


(aula de 21/04/2020)

António Pedro Pinto Monteiro

Professor Convidado da Faculdade de Direito da


Universidade Nova de Lisboa
Doutor em Direito
Advogado e Árbitro
Conteúdo da aula:

A liquidação e os encargos da herança


A) Os encargos da herança
B) Responsabilidade pelos encargos (herança indivisa)
C) Responsabilidade pelos encargos (herança partilhada)

A partilha da herança
A) O direito de exigir a partilha
B) Modalidades da partilha – o processo de inventário
C) Operações de partilha da herança
D) Efeitos e natureza da partilha
E) Impugnação e invalidade da partilha
F) Partilha adicional e emenda à partilha

CASOS PRÁTICOS
2
A liquidação e os encargos da herança
[cfr. artigos 2068.º a 2074.º (encargos da herança) + artigos 2097.º a 2100.º (liquidação da
herança)]

3
A liquidação e os encargos da herança
Introdução

A liquidação da herança traduz-se na satisfação das dívidas do autor da


sucessão e de outros encargos gerais que oneram a herança.

Se houver pluralidade de herdeiros, a liquidação tende a ser feita antes da


partilha.

Mas pode ocorrer posteriormente, caso em que a liquidação constitui o


último acto do fenómeno sucessório em sentido amplo.

Nas demais situações (herdeiro único), a liquidação da herança é


justamente o último acto do fenómeno sucessório.

4
A liquidação e os encargos da herança
A) Os encargos da herança (1/3)

Quando a herança não tenha encargos que a onerem e exista apenas um


herdeiro, o fenómeno sucessório completa-se no momento da aceitação.

A maior parte das vezes, porém, a herança encontra-se onerada com


encargos e há que proceder à respectiva liquidação.

Quais são os encargos de que estamos aqui a falar?

Cfr. artigo 2068.º do CC

5 tipos de encargos:
i) despesas com o funeral e sufrágios do seu autor;
ii) encargos com a testamentária;
iii) encargos com administração e liquidação do património hereditário;
iv) dívidas do falecido; e
v) legados
5
A liquidação e os encargos da herança
A) Os encargos da herança (2/3)

A ordem desta numeração é relevante!

Artigo 2070.º, n.º 2: determina que se atenda a esta ordem para


satisfação dos encargos da herança, estabelecendo, portanto, em função
dela, regras de preferência.

Quanto ao modo como são satisfeitos os encargos, importa ter presente


as preferências consagradas no artigo 2070.º, n.º 1: os credores da
herança e os legatários gozam de preferência sobre os credores pessoais
do herdeiro, e os credores da herança gozam de preferência sobre os
legatários.

Pela satisfação dos encargos previstos no artigo 2068.º respondem os


bens referidos nas várias alíneas do artigo 2069.º.

6
A liquidação e os encargos da herança
A) Os encargos da herança (3/3)

3 notas adicionais:

NOTA 1: “encargos da herança” e “dívidas da herança” não têm o mesmo


sentido. O primeiro conceito tem maior extensão.

NOTA 2: o que o artigo 2068.º abrange é um elenco de encargos gerais


da herança, encargos impostos pela lei e que responsabilizam todo e
qualquer herdeiro, distinguindo-se dos encargos especiais, impostos pelo
testador a certos herdeiros ou legatários.

NOTA 3: a enumeração do art. 2068.º não é taxativa. Há outros encargos


gerais previstos na lei como:
• as custas do processo de actio interrogatoria, havendo repúdio do
notificado (artigo 1039.º, n.º 3, do CPC);
• o apanágio do cônjuge sobrevivo (art. 2018.º do CC); e
• a obrigação de alimentos em benefício do membro sobrevivo da união
de facto (art. 2020.º). 7
A liquidação e os encargos da herança
B) Responsabilidade pelos encargos – herança indivisa (1/2)

Nos termos do artigo 2097.º, os bens da herança indivisa respondem


colectivamente pela satisfação dos respectivos encargos.

É contra a herança na sua globalidade que os credores da herança têm


que actuar.

Os herdeiros são titulares em comunhão do património hereditário e, por


isso, todo esse património responde pelos respectivos encargos.

Isto não impede, porém, que certos bens da herança estejam afectos à
satisfação de certos encargos.

Cfr. artigo 2099.º

8
A liquidação e os encargos da herança
B) Responsabilidade pelos encargos – herança indivisa (2/2)

Responsabilidade dos sujeitos pelos encargos da herança:

HERDEIROS
Nos termos do artigo 2071.º, os herdeiros são os responsáveis pelo pagamento
dos encargos da herança. Sendo que os credores da herança só podem pagar-
se pelos bens hereditários (e não por outros). É essa a razão pelo qual se afirma
que que os herdeiros só respondem dentro das forças da herança (intra vires
hereditatis) e não para além delas (ultra vires) pelos seus bens pessoais. A
distinção presente no artigo 2071.º depende do modo de aceitação do herdeiro.

LEGATÁRIOS
Os legatário não respondem, em regra, pelos encargos da herança.
A sua responsabilidade é pelo cumprimento dos legados ou outros encargos que
lhes sejam impostos (art. 2276.º), e sempre dentro dos limites do valor da coisa
legada. Só assim não é se a herança for toda distribuída em legados. Nesta
situação, são os encargos da herança suportados por todos os legatários em
proporção dos seus legados, excepto se o testador houver disposto outra coisa
(art. 2277.º).
9
A liquidação e os encargos da herança
C) Responsabilidade pelos encargos – herança partilhada

Em princípio, a partilha só se efectuará depois do pagamento dos


encargos da herança com a respectiva liquidação.

Pode acontecer que assim não seja e, neste caso, a responsabilidade dos
herdeiros que, com a herança indivisa respondiam colectivamente,
mantém-se, MAS passa a respeitar a cada herdeiro.

Artigo 2098.º, n.º 1: efectuada a partilha, cada herdeiro só responde pelos


encargos em proporção da quota que lhe tenha cabido na herança.

Note-se, porém, que, nos termos do n.º 2 do artigo 2098.º, os herdeiros


podem deliberar que o pagamento se faça à custa de dinheiro ou outros
bens separados para esse efeito, ou que fique a cargo de algum ou
alguns deles (art. 2098.º, n.º 2). Esta deliberação, acrescenta o n.º 3 do
art. 2098.º, obriga também os credores e os legatários que, contudo, não
podem ficar prejudicados se esses bens forem insuficientes.
10
A partilha da herança
(cfr. artigos 2101.º a 2123.º)

11
A partilha da herança
Introdução

É frequente uma herança ter sido adquirida por mais de um herdeiro, o


que cria uma situação de contitularidade.

A partilha da herança é o acto pelo qual se põe termo à indivisão do


património do de cuius, isto é, à mencionada contitularidade.

A partilha extingue a comunhão que recai sobre património hereditário


mediante a atribuição exclusiva dos bens que constituem a herança aos
herdeiros, em preenchimento concreto das suas quotas, ou mediante
outro modo de satisfação dos direitos dos co-herdeiros.

A falta de acordo entre co-herdeiros sobre a partilha constitui fonte de


potenciais conflitos, que, por vezes, levam à ruptura de relacionamentos
entre parentes e afins próximos.

À partilha estão, muitas vezes, associados grandes problemas práticos.


12
A partilha da herança
A) O direito de exigir a partilha

Direito de exigir a partilha

Artigo 2101.º n.º 1: atribui o direito de exigir a partilha a qualquer co-


herdeiro ou ao cônjuge meeiro.

Artigo 2101.º n.º 2: sendo um direito irrenunciável, esta disposição permite


que se convencione que o património se conserve indiviso por certo
prazo, que não exceda 5 anos, sendo lícita a renovação deste prazo, uma
ou mais vezes, por nova convenção.

13
A partilha da herança
B) Modalidades da partilha – o processo de inventário (1/2)

1.º momento temporal


Até à Lei n.º 23/2013, de 5 de Março, a partilha podia revestir duas modalidades, isto é, podia
ser extrajudicial ou judicial. A partilha extrajudicial pressupunha o acordo de todos os
interessados e corria fora dos tribunais. A partilha judicial era realizada mediante o processo de
inventário e estava prevista (antes de 2013) nos artigos 1326.º e ss. do CPC.
2.º momento temporal
Com a entrada em vigor da Lei n.º 23/2013, a partilha passou a ser realizada nas
conservatórias ou por via notarial, no caso de haver acordo dos interessados (modo
extrajudicial). Não havendo acordo proceder-se-á à partilha por meio de inventário. O processo
de inventário era da competência dos cartórios notariais, cabendo ao juiz do tribunal de
comarca do cartório notarial onde o processo foi apresentado praticar os actos que, nos termos
do RJPI, fossem da sua competência (caso da decisão homologatória da partilha).
A distinção entre as duas modalidades de partilha, extrajudicial e judicial, deixava de ter
sentido: a partilha seria por acordo ou por meio de inventário.
3.º momento temporal
A Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro, veio alterar a competência para o processo de
inventário, estabelecendo o artigo 1083.º do CPC uma repartição de competências. Casos
em que o processo de inventário é da competência exclusiva dos tribunais judiciais. Noutros
casos, o processo pode ser requerido, à escolha do interessado que o instaura ou mediante
acordo entre todos os interessados, nos tribunais judiciais ou nos cartórios notariais. Podemos
ter, assim, uma partilha extrajudicial por acordo OU uma partilha em processo de inventário
(judicial ou notarial). 14
A partilha da herança
B) Modalidades da partilha – o processo de inventário (2/2)

HAVENDO ACORDO DOS INTERESSADOS

A partilha pode fazer-se nas conservatórias do registo civil, mediante os


procedimentos simplificados de sucessão hereditária ou por via notarial (artigo
2102.º, n.º 1,1.ª parte).
Quanto aos procedimentos simplificados de sucessão hereditária, estão previstos
nos artigos 210.º-A a 210.º-R do Código do Registo Civil e correm em
atendimento presencial único no Balcão das Heranças. É competente para o
mesmo o conservador do registo civil, podendo delegar a sua competência em
oficial dos registos (artigo 210.º-A, n.º 6).

NÃO HAVENDO ACORDO DOS INTERESSADOS

A partilha far-se-á por meio de inventário:


• judicial, nos termos dos artigos 1082.º a 1135.º do CPC; ou
• notarial, à luz do regime do inventário notarial aprovado em anexo à Lei n.º
117/2019, de 13 de setembro. 15
A partilha da herança
C) Operações de partilha da herança (1/2)

A partilha dos bens hereditários destina-se a preencher a quota de cada herdeiro,


determinando os bens que lhe cabem ou, preenchendo a sua quota com
dinheiro, o valor correspondente ao dos bens que lhe competiam, a receber dos
outros herdeiros ou de algum deles (as tornas).

A partilha da herança envolve diversas operações. 3 operações ideais: 1) cálculo


do valor da herança partilhável; 2) determinação em valor das quotas dos
herdeiros; 3) preenchimento das quotas com bens concretos.

As várias operações podem reduzir-se essencialmente a duas:


• operações preparatórias da partilha (avaliação dos bens hereditários, a
liquidação dos encargos da herança, etc, e que já analisámos); e

• operações da partilha propriamente dita, destinadas a apurar o cálculo do


valor da herança partilhável, a separação de eventuais meações, o valor
abstrato das quotas dos herdeiros (distinguindo os vários títulos de vocação
sucessória), o preenchimento em concreto dos quinhões hereditários (tendo
em consideração as eventuais atribuições preferenciais, as tornas, as
adjudicações, etc.) e a colação. 16
A partilha da herança
C) Operações de partilha da herança (2/2)

Atribuições preferenciais previstas nos artigos 2103.º A a 2103.º-C:

Regime especial a favor do cônjuge sobrevivo.

O cônjuge sobrevivo tem o direito a ser encabeçado, no momento da


partilha, no direito de habitação da casa de morada da família e no direito
de uso do respetivo recheio, devendo tornas aos co-herdeiros se o valor
recebido exceder o da sua parte sucessória e meação, se a houver.

(artigo 2103.º-A, n.º 1)

17
A partilha da herança
D) Efeitos e natureza da partilha

Feita a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da


sucessão, o sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos (artigo
2119.º).

Cada herdeiro adquire do de cuius os bens que integram a sua quota, tudo
se passando como se esses bens tivessem, desde a morte do de cuius,
imediatamente integrado o seu património.

Embora seja controverso, a natureza da partilha parece ser modificativa.


“Em lugar do direito que lhe estava atribuído e que concorria, com os dos
demais co-herdeiros, sobre a herança, enquanto universalidade, por efeito da
partilha o herdeiro passa a ter um direito, em titularidade singular, sobre bens
determinados – ou sobre dinheiro, se houver tornas – que representam o
valor da sua quota”.

Artigo 2120.º: Efeito da partilha referente à entrega de documentos. Finda a


partilha, são entregues a cada um dos co-herdeiros os documentos relativos
aos bens que lhe couberem. 18
A partilha da herança
E) Impugnação e invalidade da partilha

A possibilidade de impugnação da partilha, implicando a ineficácia


global ou parcial da mesma, está prevista nos artigos 2121.º e ss.

Artigo 2121.º: a partilha extrajudicial só é impugnável nos casos em que o


sejam os contratos, ou seja, a partilha pode ser declarada inexistente,
declarada nula, ser anulada, tudo nos termos gerais dos contratos (artigos
285.º e ss.).

Está, por isso, a partilha por acordo dos interessados sujeita às regras
gerais da ineficácia e invalidade dos negócios jurídicos.

Artigo 2123.º.

Se a partilha se efetuou por processo de inventário, vide artigo 1127.º do


CPC.
19
A partilha da herança
F) Partilha adicional e emenda à partilha

Os interessados podem não querer fazer a partilha de todos os bens da herança


e optam por uma partilha parcial. Ora, quando quiserem partilhar os restantes
bens farão uma partilha adicional.
Artigo 2122.º: esta norma regula o caso de a partilha não abranger todos os bens
por não serem conhecidos ou não se saber que pertencem à herança, no
momento em que foi feita. A omissão de bens da herança não determina a
nulidade da partilha, mas apenas a partilha adicional dos bens omitidos.
Se a partilha foi realizada em processo de inventário, vide artigo 1129.º do CPC.

***
Diferente da partilha adicional (que não se confunde com a partilha inicial, sendo
uma nova partilha ainda que complementar da anterior) é a emenda à partilha.
Em caso de ineficácia parcial da partilha é possível proceder-se à emenda da
mesma. A emenda da partilha realizada por acordo dos interessados decorre dos
princípios gerais dos negócios jurídicos.
No caso de partilha em processo de inventário, vide artigo 1126.º do CPC. 20
CASOS PRÁTICOS

21
CASO PRÁTICO

CASO PRÁTICO N.º 5

António faleceu em Março de 2018.


Deixou o cônjuge Betânia e três filhos: Carlos, Dionísio e Eugénio.
No momento da morte deixou bens no valor de € 150.000 e dívidas de € 60.000.
Após a morte de António o seu cônjuge e filhos tomaram conhecimento do
testamento cerrado de António, em que este dispunha que a sua quota disponível
deveria ser entregue ao Clube de Futebol da sua terra natal. No entanto, António
determinou ainda que, caso o Clube de futebol não quisesse ou não pudesse aceitar
a quota disponível, esta deveria ser entregue a Flora, com quem mantinha uma
relação extraconjugal há largos anos.
Suponha que:
• O clube de futebol, à data da morte de António, já não existia;
• O filho Eugénio tinha, por sua vez, uma filha, Gabriela, neta de António; e
• Eugénio tinha sido condenado pelo crime de tentativa de homicídio doloso de sua
mãe, Betânia, tendo por tal motivo sido declarado indigno.
Proceda à respectiva partilha. 22
Muito obrigado pela Vossa atenção

António Pedro Pinto Monteiro


[email protected]

Lisboa, 21 de Abril de 2020

Bibliografia essencial utilizada na apresentação PPT:


– CRISTINA ARAÚJO DIAS, Lições de Direito das Sucessões, 7.ª edição, Almedina, 2019, pp. 181 e ss.
– JORGE DUARTE PINHEIRO, O Direito das Sucessões Contemporâneo, 3.ª edição, AAFDL, 2019, pp. 341 e ss.
– F. M. PEREIRA COELHO, Direito das Sucessões, Coimbra, 1992, pp. 190 e ss. 23
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa
Licenciatura em Direito

Direito das Sucessões


(aula de 28/04/2020)

António Pedro Pinto Monteiro

Professor Convidado da Faculdade de Direito da


Universidade Nova de Lisboa
Doutor em Direito
Advogado e Árbitro
Conteúdo da aula:

Das sucessões em especial

A sucessão legítima
A) Introdução
B) Fundamento
C) Princípios gerais
D) Ordem e classes de sucessíveis

A sucessão legitimária
A) Introdução
B) Natureza jurídica
C) Autonomia
D) Os herdeiros legitimários e a medida da legítima

CASOS PRÁTICOS
2
Das sucessões em especial

3
Das sucessões em especial

Sucessão legal – decorre da lei.


Sucessão voluntária – depende de um acto de vontade do de cujus.

A sucessão legal pode ser legítima (deferida por lei supletiva) ou legitimária
(resultante de lei imperativa), consoante possa ou não ser afastada pela vontade
do seu autor. A sucessão voluntária pode ser contratual (se tem na base um
contrato, só admitida em certos casos) ou testamentária (se na sua base está um
testamento).

A sucessão legítima estabelece a devolução dos bens às pessoas integradas


em certas categorias de sucessíveis designadas na lei, sem a vontade do de
cujus, isto é, na falta de vontade deste em contrário.

A sucessão legitimária impõe a devolução de parte dos bens a certas pessoas,


no caso de existirem, mesmo contra a vontade do de cujus.

A sucessão testamentária determina a devolução dos bens segundo a vontade


do de cujus, expressa num testamento válido e eficaz.
4
A sucessão legítima
(cfr. artigos 2131.º a 2155.º)

5
A sucessão legítima
A) Introdução

A sucessão legítima consiste no chamamento dos herdeiros legítimos à


sucessão, por o autor da sucessão não ter disposto válida e eficazmente, no todo
ou em parte, dos seus bens.

É supletiva, dado que pode ser afastada quando o autor da sucessão, não tendo
herdeiros legitimários, dispõe da totalidade dos seus bens ou, tendo tais
herdeiros, dispõe da totalidade da quota disponível.

O chamamento faz-se por ordem de classes de sucessíveis, preferindo dentro de


cada classe os parentes de grau mais próximo aos de grau mais afastado.

Herdeiros legitimários vs. herdeiros legítimos

Artigo 2132.º: os herdeiros legítimos são o cônjuge, os parentes e o Estado.

Artigo 2157.º: os herdeiros legítimários são o cônjuge, os descendentes e os


ascendentes.
6
A sucessão legítima
B) Fundamento

Tradicionalmente, o fundamento da sucessão legítima assentava na vontade


presumida do autor da sucessão.

As classes de sucessíveis do artigo 2133.º e o chamamento de acordo com essa


hierarquia traduzia o eventual testamento que o autor da sucessão teria feito se
tivesse disposto dos seus bens (espécie de sucessão testamentária tácita).

Esta concepção tradicional sofreu críticas (“voluntarismo artificioso”).

Actualmente, entende-se o seguinte:

• a sucessão legítima repousa objectivamente, em primeira linha, na ideia de


que o património hereditário deve ser herdado pela família do falecido;

• Numa segunda linha, para evitar hiatos na transmissão dos bens ou que
estes caiam no abandono, pela função social da propriedade e pela
contribuição da sociedade na formação dos bens de cada um dos seus
membros, justifica-se a designação legítima do Estado.
7
A sucessão legítima
C) Princípios gerais

Artigos 2134.º a 2136.º: princípios gerais da sucessão legítima (também


aplicáveis à sucessão legitimária por força do artigo 2157.º, parte final).

1.º - artigo 2134.º (preferência de classes)


Os herdeiros de cada uma das classes de sucessíveis preferem aos das classes
imediatas. A preferência faz-se com total exclusão das classes seguintes.

2.º - artigo 2135.º (preferência de graus de parentesco)


Dentro de cada classe os parentes de grau mais próximo preferem aos de grau
mais afastado.

3.º - artigo 2136.º (sucessão por cabeça)


Os parentes de cada classe sucedem por cabeça ou em partes iguais, salvas as
excepções previstas no Código Civil.
8
A sucessão legítima
D) Ordem e classes de sucessíveis (1/9)

Nos termos do artigo 2132.º, são herdeiros legítimos o cônjuge, os parentes e o


Estado, pela ordem e segundo as regras constantes nos artigos seguintes.

A ordem consta do artigo 2133.º, n.º 1:

a) Cônjuge e descendentes;

b) Cônjuge e ascendentes;

c) Irmãos e seus descendentes;

d) Outros colaterais até ao quarto grau;

e) Estado.

9
A sucessão legítima
D) Ordem e classes de sucessíveis (2/9)

O cônjuge sobrevivo beneficia da sucessão legítima e legitimária, integrando as


duas primeiras classes de sucessíveis comuns [artigo 2133.º, n.º 1, a) e b)].
MAS v. n.º 3 do artigo 2133.º.
O cônjuge sobrevivo só é chamado à herança se o casamento subsistir, sem
vicissitudes, à data da morte do autor da sucessão. Tais vicissitudes são:
• o divórcio;
• a separação judicial de pessoas e bens; e
• a invalidade do acto de casamento.
O regime de bens do casamento não interfere nos direitos legais sucessórios do
cônjuge. Por exemplo, o regime de separação de bens (convencional ou
imperativo) não obsta a que um cônjuge possa ser sucessor legal do outro.
O cônjuge goza de um estatuto sucessório privilegiado, resultante das
modificações introduzidas pela Reforma de 1977 ao CC.
A lei confere ao cônjuge sobrevivo posição sucessória uniforme,
independentemente (i) da duração do vínculo, (ii) do regime de bens do
casamento e (iii) do relacionamento concreto que tinha com o falecido. 10
A sucessão legítima
D) Ordem e classes de sucessíveis (3/9)

A união de facto e a convivência em economia comum (relações


parafamiliares) não têm efeito no âmbito da sucessão legal comum.
Embora o convivente sobrevivo: (i) tenha o direito de exigir alimentos da herança
do falecido, ainda que não se trate verdadeiramente de um direito sucessório (tal
como acontece com o direito de apanágio do cônjuge), nos termos do artigo
2020.º; (ii) possa ser herdeiro testamentário do falecido, nos termos gerais dos
artigos 2179.º e ss.; e (iii) goze de direitos relativos à permanência na casa de
morada comum (artigo 5.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio).
Conforme salienta o Prof. Jorge Duarte Pinheiro, assistimos a uma irrelevância
da união de facto na sucessão legal comum – irrelevância que se detecta até nas
causas de indignidade e deserdação: não constitui fundamento de exclusão da
sucessão legal (e voluntária) a condenação pela prática de homicídio ou qualquer
outro crime contra o companheiro do de cuius.
Enquanto o cônjuge é sucessível legal comum privilegiado, o membro sobrevivo
da união de facto nem sequer é sucessível legal comum! Isto numa época em
que a percentagem de uniões de facto aumenta, em detrimento da uniões
conjugais. 11
A sucessão legítima
D) Ordem e classes de sucessíveis (4/9)

O artigo 2133.º, n.º 1, ressalva o disposto no título da adopção, o que quer dizer
que temos de ter em consideração os efeitos sucessórios da adopção.

Nos termos do artigo 1986.º, n.º 1, do CC, o adoptado adquire o estatuto jurídico
de filho do adoptante e integra-se com os seus descendentes na família deste

Ou seja, cabe ao adoptado na sucessão do adoptante os mesmos direitos


sucessórios que a lei atribui aos filhos (integrando a primeira classe de
sucessíveis).

De igual modo, cabe ao adoptante na sucessão do adoptado os mesmos direitos


conferidos por lei aos pais (integrando a segunda classe de sucessíveis).

12
A sucessão legítima
D) Ordem e classes de sucessíveis (5/9)

1.ª classe de sucessíveis – artigo 2133.º, n.º 1, a) + artigos 2139.º a 2141.º:


cônjuge e descendentes
3 hipóteses:
(i) se o cônjuge concorre à herança com os descendentes (e adoptados). Nos
termos do artigo 2139.º, n.º 1, a partilha entre o cônjuge e os filhos faz-se por
cabeça, dividindo-se a herança em tantas partes quantos forem os herdeiros. MAS:
a quota do cônjuge não pode ser inferior a 1/4 da herança.
(ii) se não existir cônjuge sobrevivo e só serem chamados à sucessão os
descendentes (ou adoptados). Se o autor da sucessão não deixar cônjuge
sobrevivo, a herança divide-se pelos filhos em partes iguais (artigo 2139.º, n.º 2).
(iii) se não existirem descendentes (ou adoptados), nem ascendentes, sucedendo
apenas o cônjuge. O cônjuge é chamado à totalidade da herança (artigo 2144.º).
A porção que cabe aos filhos é sempre igual entre eles, ainda que se não esteja
perante forma idêntica de procriação ou uns tenham nascido dentro e outros fora do
casamento. Princípio constitucional da não discriminação dos filhos nascidos fora do
matrimónio (artigo 36.º, n.º 4, da CRP).
A sucessão imperativa hereditária de descendentes não conhece limites de grau. 13
A sucessão legítima
D) Ordem e classes de sucessíveis (6/9)

2.ª classe de sucessíveis – artigo 2133.º, n.º 1, b) + artigos 2142.º a 2144.º:


cônjuge e ascendentes (e adoptantes)

Se o autor da sucessão falecer sem descendentes e deixar ascendentes, o


cônjuge integra com estes a 2.ª classe de sucessíveis.

Nesta situação, ao cônjuge pertencerão duas terças partes e aos ascendentes


uma terça parte da herança (art. 2142.º, n.º 1).

Na falta de cônjuge, os ascendentes são chamados à totalidade da herança


(artigo 2142.º, nº. 2).

Na falta de descendentes e ascendentes, o cônjuge é chamado à totalidade da


herança (art. 2144.º) – receberá 100%.

14
A sucessão legítima
D) Ordem e classes de sucessíveis (7/9)

3.ª classe de sucessíveis – artigo 2133.º, n.º 1, c) + artigos 2145.º e 2146.º:


irmãos e seus descendentes

Na falta de cônjuge, descendentes e ascendentes, são chamados à sucessão os


irmãos e, representativamente, os descendentes destes (artigo 2145.º).

Se concorrerem à sucessão irmãos germanos (parentes nas linhas materna e


paterna) e irmãos consanguíneos (parentes apenas na linha paterna) ou uterinos
(parentes apenas na linha materna), o quinhão de cada um dos irmãos
germanos, ou dos descendentes que os representem, é igual ao dobro do
quinhão de cada um dos outros (artigo 2146.º).

Se o de cuius tiver apenas um irmão, a este cabe a totalidade da herança


legítima.

Se à sucessão legítima concorrerem vários irmãos, a divisão do património faz-


se por cabeça (artigo 2136.º), com excepção do disposto no referido artigo
2146.º.
15
A sucessão legítima
D) Ordem e classes de sucessíveis (8/9)

4.ª classe de sucessíveis – artigo 2133.º, n.º 1, d) + artigos 2147.º e 2148.º:


outros colaterais até ao 4.º grau

Na falta de herdeiros das classes anteriores, são chamados à sucessão os


restantes colaterais até ao 4.º grau, preferindo sempre os mais próximos (artigo
2147.º).

Não há neste caso direito de representação e a partilha faz-se por cabeça,


mesmo que algum dos chamados à sucessão seja duplamente parente do
falecido (art. 2148.º).

5.ª classe de sucessíveis – artigo 2133.º, n.º 1, e) + artigos 2152.º a 2155.º:


Estado

Na falta de cônjuge e de todos os parentes sucessíveis, é chamado à herança o


Estado (artigo 2152.º), que tem os mesmos direitos e obrigações de qualquer
outro herdeiro (artigo 2153.º).
16
A sucessão legítima
D) Ordem e classes de sucessíveis (9/9)

NOTA:

A afinidade (cfr. artigo 1584.º do CC) não é facto designativo na sucessão legal
comum.

É apenas possível factor de preferência na atribuição por morte de um direito que


se enquadra no domínio da sucessão legitimária anómala – o direito de
arrendatário habitacional.

O apadrinhamento civil (Lei n.º 103/2009, de 11 de Setembro) não se traduz num


facto designativo.

A ligação entre padrinhos e afilhado não tem consequências na sucessão legal,


campo em que, inversamente, se mantém na íntegra a eficácia da ligação entre o
afilhado e a sua família biológica, isto é, do parentesco.

17
A sucessão legitimária
(cfr. artigos 2156.º a 2178.º)

18
A sucessão legitimária
A) Introdução (1/2)

A sucessão legitimária consiste no chamamento dos herdeiros legitimários à


sucessão na chamada legítima, isto é, numa porção de bens de que o testador
não pode dispor, por ser destinada por lei aos referidos herdeiros (artigo 2156.º)
– “herdeiros forçados”.

Ou seja, a sucessão legitimária é a que se dá em benefício de certos sucessores


(herdeiros legitimários), aos quais a lei reserva uma quota da herança (legítima)
que o autor da sucessão não pode dispor.

Não havendo herdeiros legitimários ou, havendo-os, nos limites da quota


disponível, o autor da sucessão pode dispor livremente por testamento ou
contrato. Caso não disponha de todos ou de parte dos seus bens, abre-se a
sucessão legítima, nos termos e segundo a ordem do artigo 2133.º (regime
supletivo).

O fundamento da sucessão legitimária reside na protecção da família mais


próxima: cônjuge, descendentes e ascendentes (artigo 2157.º). A estes
sucessíveis é reservada uma parte dos bens do de cuius, sobre a qual não pode
ele exercer a sua liberdade de disposição. 19
A sucessão legitimária
A) Introdução (2/2)

Ao falarmos em legítima podemos reportar-nos à Iegítima objectiva, global ou


quota indisponível sendo a referida porção de bens de que o testador não pode
dispor (é esta a legítima que o artigo 2156.º se refere).
À quota indisponível opõe-se a quota disponível, porção de que o de cuius pode
dispor livremente a título gratuito (inter vivos ou mortis causa).
A legítima subjectiva, por sua vez, é a quota da herança que cabe a um
sucessível enquanto herdeiro legitimário.
A legítima objectiva ou quota indisponível vai de um terço a dois terços (artigos
2158.º a 2161.). 1/3 quando os legitimários chamados sejam apenas
ascendentes do 2.º grau e seguintes. 1/2 quando ao autor da sucessão sobreviva
só pai e mãe, unicamente um deles, um descendente ou somente o cônjuge. 2/3
nas demais hipóteses: existência de vários filhos, concurso de cônjuge com
parentes na linha recta.
Não se discriminam os filhos nascidos fora do casamento relativamente aos
restantes.
O cônjuge sobrevivo é um sucessível legitimário privilegiado. 20
A sucessão legitimária
B) Natureza jurídica

A natureza jurídica da legítima é controvertida.

2 concepções possíveis:

• uma que vê no direito à legítima um direito a uma parte dos bens da herança
(pars hereditatis); e

• outra que o vê como um direito a uma parte do valor dos bens (pars
bonorum).

Para a primeira concepção, a legítima traduz uma parte ou quota da herança,


calculada de acordo com o artigo 2162.º (surgindo o legitimário como um
herdeiro, recebendo o activo e o passivo da herança).

Para a segunda concepção, o herdeiro legitimário tem direito a uma parte do


valor abstracto dos bens da herança (surgindo como um legatário, recebe certos
bens).
21
A sucessão legitimária
C) Autonomia da sucessão legitimária

Autonomia da sucessão legitimária


O CC anterior (1867) não tinha qualquer capítulo regulador da sucessão
legitimária, não dando autonomia à mesma.
As regras relativas à sucessão legitimária surgiam no âmbito da sucessão
testamentária, o que significava que era concebida apenas como um limite à
liberdade de testar.
No actual CC, a autonomia da sucessão legitimária é clara:
• a sucessão legitimária é regulada autonomamente no título III, livro V do CC;
• as classes de sucessíveis da sucessão legitimária são diferentes (ainda que
parcialmente coincidentes) da sucessão legítima;
• as regras da sucessão legitimária são imperativas, não podendo ser afastadas
por vontade do autor da sucessão, ao contrário do que acontece na sucessão
legítima cujas normas são de caráter dispositivo;
• há normas específicas para o cálculo da legítima e determinação da medida da
legítima de cada herdeiro legitimário. 22
A sucessão legitimária
D) Os herdeiros legitimários e a medida da legítima

Os herdeiros legitimários têm direito a uma porção de bens (a legítima objectiva ou global).
Apurar a medida dessa legítima varia em função da classe e tipo de herdeiro legitimário e do
número de herdeiros legitimários

Só depois de determinada a legítima global é que será possível apurar a legítima que cabe a
cada um dos herdeiros legitimários, isto é, o seu quinhão legitimário (legítima subjectiva).
Várias hipóteses:
(i) Concurso do cônjuge com descendentes
A legítima do cônjuge e dos filhos, em caso de concurso, é de 2/3 da herança (artigo 2159.º, n.º 1).

(ii) Falta de cônjuge e concurso apenas de descendentes


Não havendo cônjuge sobrevivo, a legítima dos filhos é de 1/2 ou 2/3 da herança, conforme exista um só filho ou
existam dois ou mais (artigo 2159.º, n.º 2).

(iii) Falta de descendentes e existência de cônjuge sobrevivo


A legítima do cônjuge, se não concorrer com descendentes nem ascendentes, é de 1/2 da herança (artigo 2158.º).

(iv) Concurso do cônjuge com ascendentes


Não havendo descendentes, a legítima do cônjuge e dos ascendentes, em caso de concurso, é de 2/3 da herança
(artigo 2161.º, n.º 1).

(v) Falta de cônjuge e concurso de ascendentes


Se o autor da sucessão não deixar descendentes nem cônjuge sobrevivo, a legítima dos ascendentes é de 1/2 ou
de 1/3 terço da herança, conforme forem chamados os pais ou os ascendentes do 2.º grau e ss. (art 2161.º, n.º 2).
23
CASOS PRÁTICOS

24
CASO PRÁTICO

António faleceu no mês passado, com sessenta e oito anos de idade, durante um
período de férias que gozava em Albufeira.
a) Desde que nasceu, António sempre residiu em Leiria, cidade onde também casou
com Bárbara, em segundas núpcias de ambos, no passado dia 30 de setembro de
2018, sem celebrar qualquer convenção antenupcial.
À data da morte de António, sobreviveram-lhe a esposa Bárbara, bem como os filhos
do primeiro casamento de António: César e Diana.
António fez testamento, deixando toda a quota disponível, em partes iguais, aos seus
primos Tiago e Xavier.
Faça a partilha dos bens de António sabendo que António deixou um património
pessoal avaliado em € 1.800.000.

b) Suponha agora que, no âmbito deste segundo casamento, António e Bárbara


pretendiam renunciar reciprocamente à condição de herdeiros legitimários um do
outro, vontade que concretizaram na convenção antenupcial.
Faça a partilha dos bens de António, considerando o supra exposto.
25
Muito obrigado pela Vossa atenção

António Pedro Pinto Monteiro


[email protected]

Lisboa, 28 de Abril de 2020

Bibliografia essencial utilizada na apresentação PPT:


– CRISTINA ARAÚJO DIAS, Lições de Direito das Sucessões, 7.ª edição, Almedina, 2019, pp. 201 e ss.
– JORGE DUARTE PINHEIRO, O Direito das Sucessões Contemporâneo, 3.ª edição, AAFDL, 2019, pp. 50 e ss.
– JORGE DUARTE PINHEIRO, O Ensino do Direito das Sucessões Contemporâneo, AAFDL, 2020, pp. 37 a 53
– LUÍS A. CARVALHO FERNANDES, Lições de Direito das Sucessões, 4.ª edição, Quid Juris, 2012, pp. 371 e ss. 26
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa
Licenciatura em Direito

Direito das Sucessões


(aula de 05/05/2020)

António Pedro Pinto Monteiro

Professor Convidado da Faculdade de Direito da


Universidade Nova de Lisboa
Doutor em Direito
Advogado e Árbitro
Conteúdo da aula:

A sucessão legitimária (continuação)


Cálculo da legítima
A colação
A) Noção
B) A obrigação de conferir e os pressupostos da colação
C) O objecto da colação
D) Âmbito da obrigação de conferir
E) Modos de efectuar a colação
F) A posição do cônjuge sobrevivo
A imputação
A deserdação
A tutela da legítima
A) Intangibilidade da legitima e cautela sociniana
B) O legado por conta e em substituição da legítima
C) A redução de liberalidades inoficiosas

HIPÓTESES PRÁTICAS 2
Cálculo da legítima
(cfr. artigo 2162.º)

3
Cálculo da legítima (1/5)

A legítima objectiva ou quota indisponível pode ser de 1/3, 1/2 ou 2/3 (cfr. artigos
2158.º a 2161.º).

A questão é: 1/3, 1/2 ou 2/3 de quê?

A resposta é-nos dada pelo artigo 2162.º, n.º 1, nos termos do qual se estabelece
que:

Artigo 2162.º
Cálculo da legítima
“1. Para o cálculo da legítima, deve atender-se ao valor dos bens existentes no
património do autor da sucessão à data da sua morte, ao valor dos bens doados,
às despesas sujeitas a colação e às dívidas da herança”.

A legítima será, portanto, de metade, 1/3 ou 2/3 de uma massa de cálculo assim
obtida.

4
Cálculo da legítima (2/5)

Nos termos do artigo 2162.º, n.º 1, para o cálculo da legítima atende-se:

a) ao valor dos bens existentes no momento da morte do de cuius;


b) ao valor dos bens doados;
c) ao valor das despesas sujeitas a colação;
d) às dívidas da herança.

3 elementos activos incluídos nesta noção de herança:

• património existente no momento da morte (relictum);


• certos valores de que o autor da sucessão dispôs em vida (doações e
despesas), genericamente designados por donata (no singular, donatum); e
• elemento passivo – as dívidas da herança.

5
Cálculo da legítima (3/5)

Questão mais controversa do cálculo da legítima: como conduzir as operações


do respectivo apuramento?
O artigo 2162.º, n.º 1, apresenta os elementos para o cálculo da herança, mas
não determina a sua ordem…
Duas concepções contrapostas.

1) Segundo a “Escola de Coimbra”, o donatum (bens doados) não responde


pelo passivo da herança, sendo a sua inclusão na herança dirigida à tutela do
legitimário e não à tutela dos credores, que não podem ter, após a morte do
devedor, melhor posição do que a que tinham em vida dele (confinava-se ao seu
património). O cálculo deve fazer-se nos seguintes termos: abate-se o passivo ao
relictum, de seguida, soma-se o donatum. Sobre o resultado assim atingido
calcula-se a quota indisponível.

2) Segundo a “Escola de Lisboa”, os bens doados também respondem pelo


passivo da herança. Assim, primeiro soma-se o donatum ao relictum e só depois
se abatem as dívidas.
6
Cálculo da legítima (4/5)

A diferença das teorias tem relevo prático sobretudo no caso de herança


deficitária (isto é, se o passivo for superior ao relictum),

Exemplo:
Caso em que o de cuius:
• deixou bens no valor de 60;
• deixou dívidas no valor de 100; e
• fez doações no valor de 50.
Sobreviveu-lhe um filho.

Para a Escola de Coimbra, o valor total da herança para fixação da legítima é 50:
abate-se primeiro o passivo ao relictum (60 -100); como as dívidas só podem ser
satisfeitas com o activo, converte-se o valor negativo de 40 em 0 e somam-se as
doações (50); a legítima do filho é de 25 (artigo 2159.º, n.º 2).

Para a Escola de Lisboa, o valor total da herança para efeitos de fixação da


legítima objetiva é 10: (60 + 50) - 100. A legítima do filho será de 5 (2159.º, n.º 2). 7
Cálculo da legítima (1/5)

A ordem das operações de cálculo das duas teses em presença (quando a


herança seja deficitária, apenas nessa hipótese) implica entendimentos mais
favoráveis:

• aos herdeiros legitimários (a primeira tese) ou

• aos credores e aos beneficiários de liberalidades inoficiosas (a segunda


tese).

Que interesses merecem melhor protecção?

Atendendo ao regime da sucessão legitimária no seu conjunto, parece ser


defensável que a verdadeira ratio legis do artigo 2162.º é, em rigor, a tutela dos
herdeiros legitimários.

8
A colação
(cfr. artigos 2104.º a 2118.º)

9
Colação
A) Noção

Artigo 2104.º, n.º 1:

A colação é a restituição que, para igualação da partilha, os descendentes que


pretendam entrar na sucessão do ascendente devem fazer à massa da herança,
dos bens ou valores que lhes foram doados por este.

A colação visa a igualação dos descendentes na partilha do de cuius, mediante a


restituição (fictícia ou real) à herança dos bens que foram doados em vida por
este a um deles.

A colação tem por fundamento uma presunção legal iuris tantum de que o autor
da sucessão quando faz uma doação a um dos filhos (ou a outro descendente
que, na altura, seja um sucessível legitimário prioritário) não pretende avantajá-lo
relativamente aos demais.

Em princípio, um pai trata os filhos da mesma forma, não beneficiando


patrimonialmente um em detrimento dos outros.
10
Colação
B) A obrigação de conferir e os pressupostos da colação

Nos termos do artigo. 2105.º, só estão sujeitos à colação os descendentes que


eram à data da doação presuntivos herdeiros legitimários do doador. A obrigação
de conferir recai sobre o donatário (se vier a suceder ao doador) ou sobre os
seus representantes, nos termos do artigo 2106.º.
A colação só se verifica se estiverem preenchidos certos pressupostos:
1) que haja doações ou certas despesas gratuitamente feitas pelo autor da
sucessão a favor dos descendentes que eram seus presuntivos herdeiros
legitimários no momento da doação;
Não estão sujeitas a colação as doações feitas a favor do cônjuge presuntivo herdeiro legitimário ou dos
ascendentes.

2) que essas liberalidades não estejam dispensadas de colação;


No caso de doações dispensadas ou não sujeitas a colação, a doação é imputada na quota disponível (art.
2114.º, n.º1). Se esta não for suficiente para completar o valor da doação, deve imputar-se a mesma também
na quota indisponível. Só se ultrapassar esta é que a doação em causa pode ser reduzida por inoficiosidade.

3) que os descendentes beneficiários das doações sucedam ao doador na


sucessão que se abriu por morte deste.
No caso de se tratar de repúdio do donatário, sem descendentes, não havendo lugar à colação, a doação é
imputada na quota indisponível (art. 2114.º, n.º 2). Se a doação exceder o valor da quota indisponível deverá
imputar-se na quota disponível. Se também exceder esta, poderá ser reduzida por inoficiosidade se afectar a11
legítima dos legitimários.
Colação
C) O objecto da colação

Estão sujeitas a colação: as doações a favor dos descendentes presuntivos


herdeiros legitimários do doador no momento da doação, bem como as despesas
referidas no artigo 2110.º, n.º 1 (excepção das despesas referidas no n.º 2).

Os frutos da coisa doada sujeita a colação devem ser conferidos, mas apenas se
forem percebidos depois da abertura da sucessão (os frutos recebidos em vida
do doador não são conferidos – artigo 2111.º).

Não é objecto de colação a coisa doada que tiver perecido em vida do autor da
sucessão por facto não imputável ao donatário (artigo 2112.º).

O donatário responde pelas deteriorações que culposamente tenha causado nos


bens doados (artigo 2116.º).

Benfeitorias feitas na coisa doada: o descendente sujeito a colação é equiparado


ao possuidor de boa-fé (artigos 2115.º e 1273.º e ss.), ou seja, pode excluir da
colação o valor das benfeitorias necessárias e úteis e também das voluptuárias
que possam ser levantadas sem detrimento da coisa.
12
Colação
D) Âmbito da obrigação de conferir (1/3)

Como resulta do artigo 2113.º, o regime da colação que a lei prevê é supletivo,
isto é, o autor da sucessão pode dispensar a doação de colação ou pode até
fixar os termos e os limites em que ela ocorra.

Caso o autor da sucessão nada convencione em matéria de colação, a lei prevê


um regime supletivo de sujeição a colação das doações feitas aos descendentes
presuntivos herdeiros legitimários do doador no momento da doação.

Para além deste regime legal, poderão existir 2 regimes convencionais:

• o da colação absoluta ou por conta da legítima; e

• o da dispensa de colação ou por conta da quota disponível.

13
Colação
D) Âmbito da obrigação de conferir (2/3)

Regime supletivo legal (artigos 2104.º e 2108.º): na falta de estipulação especial, a doação
está sujeita a colação – o donatário é obrigado a conferir o valor da doação não apenas na sua
legítima, mas também, no que exceder aquela, nas quotas hereditárias a que possa ser
chamado por força de sucessão legítima ou voluntária até onde haja na herança bens
suficientes para igualar todos os herdeiros. Se não houver bens suficientes na herança para
igualar todos os herdeiros, a doação já não precisa de ser conferida a partir daí, só havendo
que reduzir a doação se houver inoficiosidade.
3 situações consoante haja ou não remanescente da herança para igualar a partilha:
(i) se houver remanescente depois do pagamento dos encargos da herança, significa que o
donatário imputa o valor da doação na sua legítima e, no que a exceder, na quota disponível.
Os descendentes não donatários recebem bens do remanescente da herança que permitam
igualar o valor da doação daquele que foi beneficiado com a doação.
(ii) no caso de não haver remanescente na herança, mas houver bens suficientes para
preencher a legítima de todos os herdeiros legitimários, o descendente beneficiário da doação
imputa o valor da mesma na sua legítima e o que exceder na quota disponível. Esgotada esta,
os restantes descendentes apenas recebem o valor da sua legítima; a lei prescinde de uma
igualação da partilha para além das quotas legitimárias.
(ii) no caso de não haver remanescente na herança que permita preencher a legítima dos
herdeiros legitimários, será reduzida por inoficiosidade (na medida do necessário) a doação em
vida sujeita a colação, na parte que excede o valor da legítima do descendente beneficiário da
doação.
14
Colação
D) Âmbito da obrigação de conferir (3/3)

ii) Regime convencional: doação com colação absoluta ou por conta da legítima
O doador pode estipular na doação que esta está sujeita a colação absoluta ou que a
doação é por conta da legítima. Neste caso, haja ou não remanescente na herança
proceder-se-á sempre a uma igualação total, absoluta entre os descendentes
donatários e os restantes descendentes. O donatário está obrigado a conferir todos
os bens doados. Se o valor da doação for superior à legítima do herdeiro donatário (e
que no regime supletivo seria imputado na quota disponível), este, tendo que restituir
os bens doados, pode ver reduzido o valor da sua doação se não existirem bens na
herança que assegurem a igualação.

iii) Regime convencional: doação com dispensa de colação ou por conta da


quota disponível
Nos termos do artigo 2113.º, pode estipular-se que a doação é feita com dispensa de
colação. Neste caso, o doador quis avantajar o descendente donatário. A doação é
imputada na quota disponível (artigo 2114.º, n.º 1) e não está sujeita a colação, não
tem que ser conferida. Se, porém, o valor da doação exceder a quota disponível, o
excesso deve ser imputado na legítima do donatário. Só quando exceda as duas
quotas (disponível e indisponível) é que será necessário proceder a uma redução por
inoficiosidade. 15
Colação
E) Modos de efectuar a colação

Artigo 2108.º, n.º 1: a colação pode efectuar-se de 2 modos diferentes (a lei dá


preferência ao primeiro):

• por imputação do valor da doação (ou da importância das despesas) na


quota hereditária (colação em valor) ou

• pela restituição dos bens doados (colação em espécie ou em substância).


Esta última, porém, só é possível quando haja acordo de todos os herdeiros.

Quanto ao valor a conferir, o valor dos bens doados é o que eles tiverem à data
da abertura da sucessão (artigo 2109.º, n.º 1).

Se os bens doados tiverem sido consumidos, alienados ou onerados, ou


pereceram por culpa do donatário, deve atender-se ao valor que esses bens
teriam na data da abertura da sucessão, se não fossem consumidos, alienados
ou onerados, ou não tivessem perecido (artigo 2109.º, n.º 2).
16
Colação
F) A posição do cônjuge sobrevivo (1/2)

Sendo o cônjuge sobrevivo herdeiro legitimário do de cuius não deveriam as


doações que este lhe fez em vida estar também sujeitas a colação?

Se a reforma do CC de 1977 colocou o cônjuge no mesmo plano dos


descendentes não deveria também ele conferir o valor das doações que
recebeu?

3 posições na doutrina:

1) Para alguns autores, e como resulta da letra da lei, o cônjuge não está sujeito
a colação + beneficia do regime da colação dos descendentes.

2) Para outros autores, o cônjuge não está sujeito a colação, mas também não
beneficia dela, ou seja, a igualação apenas funciona em relação aos
descendentes.

3) Finalmente, outros autores consideram que existe uma lacuna da lei e,


recorrendo à analogia, o cônjuge também está sujeito a colação, como os
descendentes. 17
Colação
F) A posição do cônjuge sobrevivo (2/2)

Quando no artigo 2108.º se refere a imputação do valor da doação na quota


hereditária para “igualar todos os herdeiros”, deve considerar-se que,
concorrendo o cônjuge à herança com os descendentes, se refere apenas aos
descendentes.

O instituto da colação assenta na ideia de que o autor da sucessão quando faz


uma doação a um dos filhos não pretende beneficiá-lo face aos restantes.

Ora, o cônjuge não está no mesmo patamar que os filhos que, estes sim, devem
ser tratados de forma igualitária.

As doações ao cônjuge podem efectivamente ser para o avantajar e reforçar a


sua posição sucessória.

Também pelo regime de colação constatamos que o cônjuge sobrevivo tem um


estatuto sucessório reforçado e privilegiado.

MAS: apesar de as doações ao cônjuge não estarem sujeitas a colação, o


cônjuge não deve beneficiar da colação dos descendentes. 18
A imputação

19
Imputação (1/2)

A imputação é a atribuição de uma liberalidade (independentemente do regime


da colação) realizada pelo autor da sucessão a uma das duas quotas em que se
divide a herança havendo herdeiros legitimários.

Isto é, a abertura da sucessão legitimária implica sempre que se apurem as


quotas disponível e indisponível (a legítima) do autor da sucessão.
Podemos dizer que são imputadas na quota indisponível do autor da sucessão:
• as liberalidades sujeitas a colação e a ela trazidas, salvo na parte em que excedam o quinhão
legitimário do herdeiro (art. 2108.º, n.º-1);
• as liberalidades sujeitas a colação, se o sucessor repudiar a sucessão, sem ter descendentes
que o representem (art. 2114.º, n.º 2); e
• os legados por conta da legítima e em substituição da legítima, salvo na parte em que excederem
o valor da legítima subjectiva (art. 2165.º, n.º 4).

Por seu lado, são imputadas na quota disponível:


• as liberalidades feitas a descendentes não sujeitas a colação (art. 2114.º, n.º 1);
• as liberalidades em vida ou por morte feitas a terceiros (art. 2114.º, n.º 1);
• as liberalidades sujeitas e trazidas à colação na parte em que excedam o quinhão legitimário do
herdeiro (art. 2108.º, n.º 1, a contrario);
• os legados por conta da legítima e em substituição da legítima, na parte em que excedam a
legítima do herdeiro legitimário (art. 2165.º, n.º 4, a contrario);
• os pré-legados (art. 2264.º). 20
Imputação (2/2)

O que fazer com as liberalidades feitas a presuntivos herdeiros legitimários que


não estão sujeitos a colação (ou seja, as doações feitas ao cônjuge sobrevivo e
aos ascendentes)?

A resposta não é unânime na doutrina.

Tudo dependerá da aferição da vontade do autor da sucessão ao realizar tais


doações.

A doação deverá ser imputada na quota disponível se se demonstrar que houve


intenção do doador em beneficiar tais herdeiros.

Caso contrário, se tal intenção não for demonstrada, a doação deverá imputar-se
na quota indisponível.

21
A deserdação
(cfr. artigos 2166.º e 2167.º)

22
Deserdação

Artigo 2166.º:

No caso da sucessão legitimária, para além de os herdeiros legitimários poderem


ser declarados indignos se se verificar alguma das hipóteses do artigo 2034.º,
podem tais herdeiros ser deserdados mediante uma declaração de vontade do
de cuius nesse sentido.

O autor da sucessão pode em testamento – com expressa declaração da causa


– deserdar o herdeiro legitimário, privando-o da legítima, quando se verifique
alguma das ocorrências previstas nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 2166.º.

Nos termos do artigo 2167.º, o deserdado pode impugnar a deserdação, com


fundamento na inexistência da causa invocada, caducando a acção de
impugnação ao fim de dois anos a contar da abertura do testamento.

23
A tutela da legítima

24
Tutela da legítima
A) Intangibilidade da legitima e cautela sociniana

A importância da legítima justifica que ela seja, nos termos legais, protegida /
tutelada
O artigo 2163.º proíbe o autor da sucessão de impor encargos sobre a legítima e
também de, contra a vontade dos legitimários, designar os bens que a deverão
integrar.
A partir desta norma estabelece-se um princípio de intangibilidade da legítima
do ponto de vista qualitativo, pois respeita, para além do seu valor, aos bens que
devem caber ao legitimário e à qualidade desses bens, uma vez que eles não
podem ser onerados com encargos.

Em todo o caso, existe a cautela sociniana: o testador pode deixar um legado


de usufruto, que exceda a quota disponível da herança, ou constituir pensão
vitalícia a favor de um terceiro, que também exceda os rendimentos da quota
disponível, e, assim, atinja a legítima dos herdeiros legitimários (artigo 2164.º).
A lei concede ao herdeiro legitimário a possibilidade de optar por uma de duas
soluções: ou cumpre o legado ou entrega ao legatário apenas a quota disponível.
25
Tutela da legítima
B) O legado por conta e em substituição da legítima

Tanto no legado por conta da legítima como no legado em substituição da legítima


(previsto no artigo 2165.º), o testador faz um legado a favor do(s) seu(s) herdeiro(s)
legitimário(s) atribuindo-lhe(s) os bens que ele(s) vai(vão) receber.
No legado por conta da legítima, o testador dispõe de certos bens a favor de um
herdeiro legitimário que serão imputados no seu quinhão legitimário – serão por conta
da sua legítima.
Tal legado só pode ser eficaz se for aceite pelo herdeiro legitimário, não lhe podendo
ser imposto (artigo 2163.º).
No legado em substituição da legitima (artigo 2165.º), o autor da sucessão deixa
um legado ao herdeiro legitimário em substituição da sua legítima. O testador dispõe
de bens determinados que substituem a legítima do herdeiro legitimário.
Também aqui o herdeiro pode ou não aceitar o legado. Se repudiar recebe a sua
legítima nos termos gerais. Mas se aceitar perde o direito à sua legítima, isto é, ou
aceita o legado ou recebe a sua legítima.
NOTA: como qualquer outro legado, o legado em substituição da legítima está sujeito
a eventual redução por inoficiosidade, se, ultrapassando a legítima do beneficiário do
legado, afetar a legítima dos outros herdeiros legitimários. 26
Tutela da legítima
C) A redução de liberalidades inoficiosas (1/3)

Redução por inoficiosidade: meio que os herdeiros legitimários têm – para


defesa da sua legítima – de reagir contra as disposições de carácter gratuito que
o autor da sucessão tenha realizado (entre vivos ou mortis causa), que ofendam
a sua legítima.

Nos termos do artigo 2168.º, dizem-se inoficiosas as liberalidades, entre vivos ou


por morte, que ofendam a legítima dos herdeiros legitimários.

A redução por inoficiosidade, visando a defesa da integridade da legítima, aplica-


se a quaisquer liberalidades do autor da sucessão, em vida ou por morte, feitas
aos seus herdeiros ou a estranhos.

Não são, todavia, inoficiosas as liberalidades a favor do cônjuge sobrevivo que


tenha renunciado à herança, nos termos da al. c) do n.º 1 do artigo 1700.º, até à
parte da herança correspondente à legítima do cônjuge caso a renúncia não
existisse (artigo 2168.º, n.º 2).

27
Tutela da legítima
C) A redução de liberalidades inoficiosas (2/3)

Nos termos do artigo 2171.º, há uma ordem de redução a ser seguida.

A redução abrange:
1) em primeiro lugar as disposições testamentárias a título de herança;
2) em segundo lugar os legados e, por último,
3) as liberalidades feitas em vida (inter vivos ou mortis causa).

Se a redução das liberalidades que ocupam o primeiro lugar na ordem de


redução for suficiente para preencher a legítima dos herdeiros legitimários, não
se reduz as que ocupam os lugares subsequentes na referida ordem.

Os artigos 2172.º e 2173.º regulam especificamente a redução das referidas


liberalidades.

28
Tutela da legítima
C) A redução de liberalidades inoficiosas (3/3)

Regime jurídico e modo como se efectua a redução: o artigo 2174.º determina


os termos em que se efetua a redução de liberalidades inoficiosas, distinguindo
conforme os bens legados ou doados sejam divisíveis ou indivisíveis.

Quando os bens legados ou doados são divisíveis, a redução faz-se em espécie,


separando deles a parte necessária para preencher a legítima (n.º 1).

Sendo os bens indivisíveis, se a importância da redução exceder metade do valor


dos bens, estes pertencem integralmente ao herdeiro legitimário, e o legatário ou
donatário haverá o resto em dinheiro. Caso contrário, os bens pertencem
integralmente ao legatário ou donatário, tendo este de pagar em dinheiro ao
herdeiro legitimário a importância da redução (n.º 2).

Artigos 2175.º (perecimento ou alienação dos bens doados) e 2177.º (frutos e


benfeitorias).

29
HIPÓTESES PRÁTICAS

30
HIPÓTESE PRÁTICA

A faleceu e deixou 3 filhos:

B, C e D.

À data da sua morte deixou um património de € 50.000.

Em vida, fez uma doação ao filho B de um bem no valor de € 20.000,


nada dizendo quanto ao regime de tal doação (ou seja, aplicamos o
regime supletivo legal da colação).

Faça a partilha dos bens de A, considerando o supra exposto.

31
Muito obrigado pela Vossa atenção

António Pedro Pinto Monteiro


[email protected]

Lisboa, 5 de Maio de 2020

Bibliografia essencial utilizada na apresentação PPT:


– CRISTINA ARAÚJO DIAS, Lições de Direito das Sucessões, 7.ª edição, Almedina, 2019, pp. 214 a 237
– JORGE DUARTE PINHEIRO, O Direito das Sucessões Contemporâneo, 3.ª edição, AAFDL, 2019, pp. 156 e ss., e pp. 245 e ss.
– LUÍS A. CARVALHO FERNANDES, Lições de Direito das Sucessões, 4.ª edição, Quid Juris, 2012, pp. 407 e ss.
– RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, Lições de Direito das Sucessões, vol. II, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2002, pp. 172 e ss. 32
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa
Licenciatura em Direito

Direito das Sucessões


(aula de 12/05/2020)

António Pedro Pinto Monteiro

Professor Convidado da Faculdade de Direito da


Universidade Nova de Lisboa
Doutor em Direito
Advogado e Árbitro
Conteúdo da aula:

A sucessão testamentária
Noção de testamento

Requisitos de fundo do testamento

Forma do testamento

Conteúdo do testamento

Inexistência, nulidade, anulabilidade, revogação e caducidade do


testamento e das disposições testamentárias

CASOS PRÁTICOS

2
Noção de testamento

3
A sucessão testamentária
Noção de testamento (1/2)

Nos termos do artigo 2179.º, n.º 1:


“Diz-se testamento o acto unilateral e revogável pelo qual uma
pessoa dispõe, para depois da morte, de todos os seus bens ou de
parte deles.”

Tipicamente, o testamento é um acto de disposição de bens.

Porém, ao lado ou independentemente do seu conteúdo típico, o


testamento tem ou pode ter um conteúdo atípico, que não se torna
possível definir: verdadeiramente, o testamento é uma forma em que
podem caber os conteúdos mais diversos.

Resumidamente, podemos dizer que o testamento é um negócio jurídico


mortis causa, unilateral, não receptício, gratuito, formal, livremente
revogável e, em regra, é um negócio singular e pessoal quanto à autoria.
4
A sucessão testamentária
Noção de testamento (2/2)

Características gerais do testamento:

• negócio jurídico (vide artigos 217.º e ss. do CC);

• negócio unilateral (não receptício);

• negócio pessoal (deve exprimir a própria vontade do seu autor);

• negócio individual (é um acto de vontade de uma pessoa e não de duas ou


mais);

• negócio mortis causa (só tem efeitos após a morte do testador);

• negócio livremente revogável;

• negócio formal ou solene [formas comuns (testamento público e testamento


cerrado) e formas especiais]; e

• negócio estranho ao comércio jurídico. 5


Requisitos de fundo do testamento

6
A sucessão testamentária
Requisitos de fundo do testamento (1/4)

Capacidade (artigos 2188.º a 2191.º)

A capacidade testamentária é a regra e a incapacidade a excepção.

É essa a razão pela qual, no artigo 2188.º, se estabelece que podem


testar todos os indivíduos que a lei não declare incapazes de o fazer.

O artigo seguinte (2189.º) concretiza depois esta ideia ao prever que são
incapazes de testar os menores não emancipados e os maiores
acompanhados (apenas nos casos em que a sentença de
acompanhamento assim o determine).

A capacidade do testador determina-se pela data do testamento (artigo


2191.º).

O testamento feito por incapaz é nulo (artigos 2190.º, 2308.º e ss.).


7
A sucessão testamentária
Requisitos de fundo do testamento (2/4)

Casos de indisponibilidade relativa (artigos 2192.º a 2198.º)

Atendendo ao vínculo especial que o testador mantém com uma determinada pessoa,
a lei estabelece certas proibições de testar.

Finalidade de proteger o testador contra si mesmo (contra a sua eventual


dependência, excesso de gratidão, fraqueza de vontade, etc.) + finalidades sociais e
deontológicas (impedir que certos cargos, funções ou posições propiciem a obtenção
de benefícios testamentários inaceitáveis moral e juridicamente).

Exemplos:
• disposições feitas por maior acompanhado a favor de acompanhante ou administrador legal de
bens do disponente (artigo 2192.º, n.º 1);
• disposição a favor de médico ou enfermeiro que tratar o testador, ou do sacerdote que lhe prestar
assistência espiritual, se o testamento for feito durante a doença e o seu autor vier a falecer dela
(artigos 2194.º e 2195.º);
• disposições a favor da pessoa com quem o testador casado cometeu adultério (art. 2196.º, n.º 1);
• disposições a favor do notário ou entidade com funções notariais que lavrou o testamento público
ou aprovou o testamento cerrado, ou a favor da pessoa que escreveu este, ou das testemunhas,
abonadores ou intérpretes que intervieram no testamento ou na sua aprovação (artigo 2197.º);
• disposições a favor de qualquer uma das pessoas supra referidas por meio de interposta pessoa
(artigo 2198.º). 8
A sucessão testamentária
Requisitos de fundo do testamento (3/4)

Consentimento + falta e vícios de vontade (artigos 2199.º a 2203.º)

O consentimento no testamento deve ser perfeito e livre, ou seja, não


deve haver falta nem vícios de vontade.

Ao testamento, para além das regras especiais previstas nos artigos


2200.º e 2201.º, aplicam-se as regras gerais dos negócios jurídicos em
matéria de falta de vontade (artigos 244.º a 249.º).

Regulamentação especial do testamento:


• simulação testamentária (artigo 2200.º);
• erro na declaração (artigos 2201.º e 2203.º);
• incapacidade acidental (artigo 2199.º);
• erro (artigo 2201.º);
• dolo (artigo 2201.º); e
• coacção (artigo 2201.º).
9
A sucessão testamentária
Requisitos de fundo do testamento (4/4)

Objecto testamentário

Quanto ao objecto negocial testamentário, na falta de normas especiais


vigoram as regras gerais do objecto negocial (como o artigo 280.º).

Mas há algumas normas especiais:

Artigo 2186.º
Fim contrário à lei ou à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes
“É nula a disposição testamentária, quando da interpretação do
testamento resulte que foi essencialmente determinada por um fim
contrário à lei ou à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes”.

10
Forma do testamento
(cfr. artigos 2204.º a 2223.º)

11
A sucessão testamentária
Forma do testamento (1/3)

O testamento é um negócio formal ou solene.

Se a forma legalmente prevista para a sua realização não for respeitada, o


testamento será nulo por falta de forma (princípio geral do artigo 220.º).

FORMAS COMUNS (artigos 2204.º a 2209.º)


FORMAS ESPECIAIS (artigos 2210.º a 2223.º)

NOTA: o nosso ordenamento jurídico não admite:


• o testamento nuncupativo (testamento verbal, mediante o qual o testador
exprime a sua vontade perante um certo número de testemunhas);
• o testamento ológrafo (testamento escrito, datado e assinado pelo testador
mas não aprovado pelo notário, tratando-se de mero documento particular).

NOTA 2: face ao artigo 2184.º, não é válido também o testamento per relationem,
ou seja, aquele que dependa de instruções ou recomendações feitas a outrem
secretamente, ou que se reporte a documentos não autênticos, ou não escritos e
assinados pelo testador com data anterior à data do testamento ou
contemporânea desta. 12
A sucessão testamentária
Forma do testamento (2/3)

FORMAS COMUNS do testamento (art. 2204.º):

O testamento público é aquele que é escrito pelo notário no seu livro de notas (art.
2205.º). É, portanto, lavrado no livro de notas para testamentos públicos e para
escrituras de revogação de testamentos do cartório notarial.

O testamento cerrado (artigo 2206.º) é normalmente escrito e assinado pelo


testador, mas deve ser apresentado por este ao notário para fins de aprovação,
lavrando-se o respectivo instrumento.

Conservação e apresentação do testamento cerrado (artigo 2209.º):


• o testador pode conservar o testamento cerrado em seu poder, cometê-lo à
guarda de terceiro ou depositá-lo em qualquer repartição notarial.
• a pessoa que tiver em seu poder o testamento é obrigada a apresentá-lo ao
notário em cuja área o documento se encontre, dentro de três dias contados
desde o conhecimento do falecimento do testador, sob pena de, se não o fizer,
incorrer em responsabilidade pelos danos a que der causa e de poder vir a ser
considerado sucessoriamente indigno nos termos da al. d ) do artigo 2034.º
(artigo 2209.º, n.º 2). 13
A sucessão testamentária
Forma do testamento (3/3)

FORMAS ESPECIAIS do testamento

• testamento militar;
• testamento marítimo;
• testamento feito a bordo de aeronave; e
• testamento feito em caso de calamidade pública.

Os testamentos especiais são, no fundo, formas anómalas de testar que a lei só


permite, em virtude de a pessoa desejar compreensivelmente dispor de seus
bens, perante o espectro da morte que lhe surge diante do espírito, e estar
impossibilitada de o fazer pelos meios correntes ou normais.
Se a pessoa falecer durante esta situação, o testamento feito em condições
anormais tem de valer como se fosse lavrado em termos de perfeita
regularidade.
Todavia, se a pessoa sobrevive a essas situações de relativa impossibilidade de
testar em condições normais, é compreensível que a lei exija dessa pessoa –
persistindo a sua intenção de testar – que o faça de novo, a partir de certo prazo,
“com as formalidades ordinárias”. 14
Conteúdo do testamento
(cfr. artigos 2224.º a 2307.º)

15
A sucessão testamentária
Conteúdo do testamento (1/3)

O testamento tem uma função (causa) típica: a disposição por morte dos
bens do testador (art. 2179.º do CC).

Contudo, pode ter um conteúdo muito mais alargado.

E este conteúdo pode não versar, necessariamente, sobre a atribuição de


bens.

O conteúdo do testamento pode conter disposição de carácter não-


patrimonial OU pode até conter apenas disposições não patrimoniais
(artigo 2179.º, n.º 2).

16
A sucessão testamentária
Conteúdo do testamento (2/3)

É possível apor condição, seja suspensiva ou resolutiva, à instituição de


herdeiro e à nomeação de legatário (artigo 2229.º). Há, porém, certas condições
que não são admitidas pela lei (cfr. artigos 2230.º e ss.).

Quanto à aponibilidade do termo (artigo 2243.º), importa distinguir se o termo é


inicial ou final e se se trata da instituição de herdeiro ou da nomeação de
legatário. Não é possível a instituição de herdeiro sob termo inicial e a nomeação
de legatário a termo inicial não suspende a execução da disposição, não
impedindo que o nomeado adquira direito ao legado. Quanto ao termo final, não
pode ser aposto nem na instituição de herdeiro nem na nomeação de legatário, a
não ser que, neste último caso, a disposição verse sobre direito temporário.

É possível sujeitar a disposição testamentária a um modo ou encargo. Aos


encargos impossíveis, contrários à lei ou à ordem pública ou ofensivos dos bons
costumes é aplicável o artigo 2230.º (relativo às disposições condicionais), nos
termos do artigo 2245.º. No caso de incumprimento dos encargos pelo herdeiro
ou legatário a lei prevê duas soluções nos artigos 2247.º e 2248.º.
17
A sucessão testamentária
Conteúdo do testamento (3/3)

As disposições testamentárias podem ser a título de herança ou de


legado.

Especificamente a respeito dos legados, deixas testamentárias de bens


ou valores determinados, podemos distinguir várias modalidades,
reguladas nos artigos 2251.º e ss.

Modalidades mais relevantes:

• Legado de coisa alheia (artigo 2251.º)


• Legado de usufruto (artigo 2258.º)
• Legado para pagamento de dívida (artigo 2259.º)
• Legado de créditos (artigos 2261.º e 2262.º)
• Legado de prestação periódica (artigo 2273.º)

18
Inexistência, nulidade, anulabilidade,
revogação e caducidade do testamento e das
disposições testamentárias
(cfr. artigos 2308.º a 2317.º)

19
A sucessão testamentária
Inexistência, nulidade, anulabilidade… (1/2)

Inexistência: não é referida nos artigos 2308.º e ss., mas, segundo a doutrina, o
testamento pode ser inexistente se não exprimir qualquer vontade do seu autor,
se for falso, se se tratar de testamento não sério, com falta de consciência da
declaração ou com coação física.

Sendo inexistente o testamento não produz quaisquer efeitos.

O testamento, ou a disposição testamentária, pode ser nulo, como acontece nos


casos previstos nos artigos 2180.º, 2184.º, 2186.º, 2190.º e 2194.º, ou em todos
os casos em que haja violação de norma imperativa (artigos 2163.º, 2181.º,
2310.º, etc.).

E pode também haver anulabilidade do testamento ou de disposições


testamentárias (como nos artigos 2199.º, 2200.º e 2201.º).

Os artigos 2308.º a 2310.º estabelecem o regime da nulidade e anulabilidade do


testamento ou de disposição testamentária.
20
A sucessão testamentária
Inexistência, nulidade, anulabilidade… (2/2)

Revogação e caducidade testamentárias

O testamento é um negócio revogável, isto é, o seu autor pode a todo o tempo


afastar as disposições testamentárias que tenha realizado ou o testamento
anteriormente feito.

O testador não pode renunciar à faculdade de revogar, no todo ou em parte, o


seu testamento, tendo-se por não escrita qualquer cláusula que contrarie a
faculdade de revogação (artigo 2311.º).

A revogação pode ser expressa ou tácita.

As disposições testamentárias caducam em determinados casos.

O artigo 2317.º enuncia, a título exemplificativo, alguns desses casos de


caducidade testamentária.
21
CASOS PRÁTICOS

22
CASO PRÁTICO 1

A faleceu e deixou 3 filhos:

B, C e D.

À data da sua morte deixou um património de € 50.000.

Em vida, fez uma doação ao filho B de um bem no valor de € 20.000,


nada dizendo quanto ao regime de tal doação (ou seja, aplicamos o
regime supletivo legal da colação).

Faça a partilha dos bens de A, considerando o supra exposto.

23
CASO PRÁTICO 2

Miguel faleceu no passado mês de Março.

Sobreviveram-lhe a mãe (Joana) e os filhos Maria, Nuno e Pedro.

Miguel deixou bens no valor de € 40.000,00.

Entre 2008 e 2010, Miguel fez as seguintes doações:

• uma doação à mãe no valor de € 20.000,00;


• uma doação à filha Maria no valor de € 16.000,00, com dispensa de
colação;
• uma doação a Nuno, no valor de € 60.000,00; e
• uma doação a Pedro no valor de € 44.000,00.

Supondo que todos aceitaram a herança, proceda à partilha justificando


as operações feitas.
24
Muito obrigado pela Vossa atenção

António Pedro Pinto Monteiro


[email protected]

Lisboa, 12 de Maio de 2020

Bibliografia essencial utilizada na apresentação PPT:


– CRISTINA ARAÚJO DIAS, Lições de Direito das Sucessões, 7.ª edição, Almedina, 2019, pp. 237 a 261
– JORGE DUARTE PINHEIRO, O Direito das Sucessões Contemporâneo, 3.ª edição, AAFDL, 2019, pp. 80 e ss.
– DIOGO LEITE DE CAMPOS / MÓNICA MARTINEZ DE CAMPOS, Lições de Direito das Sucessões, 2.ª edição, Almedina, 2019, pp. 197 a 207
– PIRES DE LIMA / ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume VI, Coimbra Editora, 1998 25
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa
Licenciatura em Direito

Direito das Sucessões


(aula de 19/05/2020)

António Pedro Pinto Monteiro

Professor Convidado da Faculdade de Direito da


Universidade Nova de Lisboa
Doutor em Direito
Advogado e Árbitro
Conteúdo da aula:

A sucessão contratual
Introdução (breve recapitulação)
Disposições recíprocas dos esposados ou de um a favor do outro
Disposições de terceiros em favor dos esposados
Disposições dos esposados em favor de terceiros
Pactos renunciativos à condição de herdeiro legitimário do cônjuge
Cláusulas de reversão ou fideicomissárias
Sucessão contratual anómala

CASOS PRÁTICOS

2
A sucessão contratual
(cfr. artigo 2028.º + artigos 1700.º e ss.)

3
A sucessão contratual
Introdução (breve recapitulação) (1/3)

De acordo com o art. 2026.º do CC, a sucessão é deferida por lei,


testamento ou contrato, sendo estes os títulos da vocação sucessória.

Resumidamente, a sucessão mortis causa pode ser legal ou voluntária. A


sucessão legal decorre da lei, enquanto a sucessão voluntária depende
de um acto de vontade do de cuius.

Por força do art. 2027.º, a sucessão legal pode ser:


• legítima (deferida por lei supletiva); ou
• legitimária (resultante de lei imperativa), consoante possa ou não ser
afastada pela vontade do seu autor.

Por seu lado, a sucessão voluntária pode ser:


• contratual (se tem na base um contrato, só admitida em certos
casos); ou
• testamentária (se na sua base está um testamento).
4
A sucessão contratual
Introdução (breve recapitulação) (2/3)

Há sucessão contratual quando, por contrato, alguém renuncia à sucessão de


pessoa viva, ou dispõe da sua própria sucessão ou da sucessão de terceiro
ainda não aberta (artigo 2028.º, n.º 1).

Artigo 2028.º, n.º 2: os contratos sucessórios apenas são admitidos nos casos
previstos na lei, sendo nulos todos os demais, sem prejuízo do disposto no n.º 2
do artigo 946.º.

Os pactos sucessórios são, por regra, proibidos e se forem celebrados são nulos
(artigos 286.º e 289.º e ss.).

Proíbem-se os pactos sucessórios para garantir ao de cuius a liberdade de


disposição dos bens até ao último momento da sua vida – tal liberdade ficaria
muito diminuída se se admitissem esses pactos que, como contratos, seriam
irrevogáveis.

Enquanto o testamento é um acto unilateral livremente revogável, o pacto


sucessório é um acto bilateral que, em princípio, não é livremente revogável pelo
doador mortis causa. 5
A sucessão contratual
Introdução (breve recapitulação) (3/3)

Não obstante a referida regra geral (os pactos sucessórios são proibidos e se
forem celebrados são nulos), a lei admite alguns contratos sucessórios.

Artigos 1700.º e ss. – pactos sucessórios nas convenções antenupciais.

Quatro tipos de contratos sucessórios:

1) a instituição pelos esposados na convenção antenupcial, e por doação mortis


causa, reciprocamente ou apenas a favor de um deles, como herdeiros ou legatários
entre si (artigos 1700.º, n.º 1, al. a), 1754.º e 1755.º, n.º 2);
2) a instituição por uma terceira pessoa, por doação mortis causa, a favor de um ou
ambos os esposados como seu herdeiro ou legatário (artigos 1700.º, n.º 1, al. a),
1754.º e 1755.º, n.º 2);
3) a instituição por qualquer um dos esposados, ou por ambos, na convenção
antenupcial, e por doação mortis causa, a favor de terceiro, que seja pessoa certa e
determinada e que intervenha como aceitante na convenção antenupcial, como seu
herdeiro ou legatário (artigos 1700.º, n.º 1, al. b), e 1705.º);
4) a renúncia recíproca à condição de herdeiro legitimário do outro cônjuge (artigos 6
1700.º, n.º 1, al. c), e 1707.º-A).
A sucessão contratual
Disposições recíprocas dos esposados ou de um a favor do outro

Disposições recíprocas dos esposados ou de um a favor do outro

Como qualquer contrato, os pactos sucessórios são, em princípio, irrevogáveis (artigo


1701.º).
Os esposados podem fazer disposições mortis causa recíprocas (art.1754.º) ou
disposições de um a favor do outro.
Nos termos dos artigos 1700.º, n.º 1, al. a), e 1701.º, n.º 1, a instituição contratual de
herdeiro (numa quota ou na totalidade da herança) e a nomeação de legatário (em
bens certos e determinados), feitas na convenção antenupcial por um esposado a
favor do outro ou de cada um a favor do outro, não podem ser unilateralmente
revogadas depois da aceitação, nem é lícito ao doador prejudicar o donatário por
actos gratuitos de disposição.
Em todo o caso, nos termos do artigo 1701.º, n.º 2, o doador – mediante autorização
do donatário, prestada por escrito (ou o respectivo suprimento judicial) – pode alienar
os bens doados com fundamento em grave necessidade, própria ou dos membros da
família a seu cargo.
Vide, ainda, os artigos 1701.º, n.º 3, 1702.º, n.º 2, e 1703.º. 7
A sucessão contratual
Disposições de terceiros em favor dos esposados

Disposições de terceiros em favor dos esposados


Nos termos do artigo 1701.º, n.º 1, al. a), é também possível a instituição de
herdeiro ou a nomeação de legatário em favor de qualquer dos esposados feita
por terceiro.

Tal como os pactos sucessórios entre esposados, também as disposições


contratuais de um terceiro em favor de um ou de ambos os esposados são
irrevogáveis, aplicando-se-lhes o regime dos artigos 1701.º e 1702.º.

Artigo 1702.º, n.º 1: “Quando a instituição contratual em favor de qualquer dos


esposados tiver por objecto uma quota de herança, o cálculo dessa quota será
feito conferindo-se os bens de que o doador haja disposto gratuitamente depois
da doação”.

Em todo o caso, e face ao artigo 1701.º, n.º 1, parte final, as liberalidades feitas
por terceiro podem ser revogadas a todo o tempo por mútuo acordo dos
contratantes. Tais disposições contratuais têm um regime de caducidade especial
face à caducidade das disposições mortis causa entre esposados. 8
A sucessão contratual
Disposições dos esposados em favor de terceiros

Disposições dos esposados em favor de terceiros

Nos termos do artigo 1700.º, n.º 1, al. b), a convenção antenupcial pode conter
também a instituição de herdeiro ou a nomeação de legatário em favor de
terceiro, feita por qualquer dos esposados.
As disposições mortis causa em favor de terceiro podem ter carácter
testamentário ou contratual (artigos 1704.º e 1705º).
Se a instituição de herdeiro e a nomeação de legatário feitas por algum dos
esposados na convenção antenupcial forem em favor de pessoas
indeterminadas, ou em favor de pessoa certa e determinada que não intervenha
no acto como aceitante, têm valor testamentário, não produzindo qualquer efeito
se a convenção caducar (art. 1704.º).
MAS: se a instituição de herdeiro e a nomeação de legatário forem em favor de
pessoa certa e determinada, que intervenha como aceitante na convenção
antenupcial, têm valor contratual, sendo-lhe, por isso, aplicável o disposto nos
artigos 1701.º e 1702.º, não produzindo também efeitos se a convenção caducar
(artigo 1705.º, n.º 1). 9
A sucessão contratual
Pactos renunciativos à condição de herdeiro legitimário do cônjuge

Pactos renunciativos à condição de herdeiro legitimário do cônjuge

A Lei n.º 48/2018, de 14 de Agosto, admitiu a possibilidade de renúncia recíproca


à condição de herdeiro legitimário do outro cônjuge na convenção antenupcial.

Nota: nos termos do n.º 3 do artigo 1700.º, o pacto renunciativo à condição de


herdeiro legitimário do cônjuge, previsto na al. c) do n.º 1 do mesmo artigo,
apenas é admitido caso o regime de bens seja o da separação.

Vide artigo 1707.º-A .

10
A sucessão contratual
Cláusulas de reversão ou fideicomissárias

Cláusulas de reversão ou fideicomissárias

Estas cláusulas estão previstas nos artigos 1700.º, n.º 2 e 1707.º.

São também admitidas na convenção antenupcial tais cláusulas relativas às


liberalidades aí efectuadas, sejam feitas pelos esposados ou por terceiros, sem
prejuízo das limitações a que genericamente estão sujeitas (artigo 1700.º, n.º 2).

Em geral, nas doações entre vivos, tais cláusulas estão previstas nos artigos
960.º e 961.º (quanto às cláusulas de reversão), e no artigo 962.º (quanto às
fideicomissárias).

De acordo com o artigo 1707.º estas cláusulas de reversão ou fideicomissárias


são revogáveis livremente e a todo o tempo pelo autor da liberalidade: desvio à
lógica da sucessão contratual.

11
A sucessão contratual
Sucessão contratual anómala

Sucessão contratual anómala

Sucessão contratual anómala: certos negócios bilaterais válidos que não se


enquadram, à partida, na definição de negócios sucessórios e que têm relevância
sucessória ou desempenham uma função de atribuição patrimonial semelhante à
das deixas testamentárias e dos pactos sucessórios.

O Direito das Sucessões, centrado na transmissão patrimonial assente na


propriedade imobiliária, não atende a manifestações modernas e frequentes de
atribuição patrimonial post mortem.

Há, por isso, um conjunto de bens e valores que fica à margem das regras
sucessórias, estando sujeitos a um regime jurídico paralelo ao sucessório.

12
CASOS PRÁTICOS

13
CASO PRÁTICO 1

Miguel faleceu no passado mês de Março.

Sobreviveram-lhe a mãe (Joana) e os filhos Maria, Nuno e Pedro.

Miguel deixou bens no valor de € 40.000,00.

Entre 2008 e 2010, Miguel fez as seguintes doações:

• uma doação à mãe no valor de € 20.000,00;


• uma doação à filha Maria no valor de € 16.000,00, com dispensa de
colação;
• uma doação a Nuno, no valor de € 60.000,00, por conta da legítima; e
• uma doação a Pedro no valor de € 44.000,00.

Supondo que todos aceitaram a herança, proceda à partilha justificando


as operações feitas.
14
CASO PRÁTICO 2

António (A) e Berta (B), casados em regime de separação de bens, tiveram um


filho, Carlos (C).
A morreu em 2011, deixando bens no valor de €100.000 e um passivo de
€30.000.
Nessa altura, o seu filho C já tinha falecido, sobrevivendo-lhe o cônjuge Maria
(M) e dois filhos, Inês (I) e Joaquim (J).
Entre 2001 e 2003, A fez as seguintes doações:
• uma doação ao filho C de € 10.000, por conta da legítima, em 2001;
• uma doação mortis causa a Duarte (D), na convenção antenupcial relativa ao
seu casamento, de 1/10 da herança, em 2002; e
• uma doação a Eduardo (E) de € 10.000, em 2003.
Em 2005, A fez um testamento onde contemplou: (i) Fernando (F) com um bem
no valor de € 10.000, e (ii) Glória (G), com quem mantinha uma relação
extramatrimonial há vários anos, com o remanescente da sua herança.
Supondo que todos aceitaram a herança, proceda à partilha justificando as
operações feitas. 15
Muito obrigado pela Vossa atenção

António Pedro Pinto Monteiro


[email protected]

Lisboa, 19 de Maio de 2020

Bibliografia essencial utilizada na apresentação PPT:


– CRISTINA ARAÚJO DIAS, Lições de Direito das Sucessões, 7.ª edição, Almedina, 2019, pp. 261 a 273
– JORGE DUARTE PINHEIRO, O Direito das Sucessões Contemporâneo, 3.ª edição, AAFDL, 2019, pp. 134 e ss.
– F. M. PEREIRA COELHO, Direito das Sucessões, Coimbra, 1992, pp. 234 e 235
– PIRES DE LIMA / ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume IV, 2.ª ed., Coimbra Editora, 1987, pp. 366 a 370 16
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa
Licenciatura em Direito

Direito das Sucessões


(aula de 26/05/2020)

António Pedro Pinto Monteiro

Professor Convidado da Faculdade de Direito da


Universidade Nova de Lisboa
Doutor em Direito
Advogado e Árbitro
Conteúdo da aula:

CASOS PRÁTICOS

2
CASOS PRÁTICOS

3
CASO PRÁTICO 1

António (A) e Berta (B), casados em regime de separação de bens, tiveram um


filho, Carlos (C).
A morreu em 2011, deixando bens no valor de €100.000 e um passivo de
€30.000.
Nessa altura, o seu filho C já tinha falecido, sobrevivendo-lhe o cônjuge Maria
(M) e dois filhos, Inês (I) e Joaquim (J).
Entre 2001 e 2003, A fez as seguintes doações:
• uma doação ao filho C de € 10.000, por conta da legítima, em 2001;
• uma doação mortis causa a Duarte (D), na convenção antenupcial relativa ao
seu casamento, de 1/10 da herança, em 2002; e
• uma doação a Eduardo (E) de € 10.000, em 2003.
Em 2005, A fez um testamento onde contemplou: (i) Fernando (F) com um bem
no valor de € 10.000, e (ii) Glória (G), com quem mantinha uma relação
extramatrimonial há vários anos, com o remanescente da sua herança.
Supondo que todos aceitaram a herança, proceda à partilha justificando as
operações feitas. 4
CASO PRÁTICO 2

Ana faleceu, tendo-lhe sobrevivido o cônjuge Bento, a filha Carlota e os netos


Ernesto e Filipe, filhos de Diana (pré-falecida).

Ana deixou bens no valor de € 18.000.

Em vida de Diana doou € 7.000 ao neto Filipe.

Dois anos depois doou € 3.500 ao amigo Hélder.

No ano seguinte doou €3.000 € ao cônjuge Bento.

Faça a partilha considerando que todos os chamados à sucessão aceitam a


herança.

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Muito obrigado pela Vossa atenção

António Pedro Pinto Monteiro


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Lisboa, 26 de Maio de 2020

Bibliografia essencial utilizada na apresentação PPT:


– CRISTINA ARAÚJO DIAS, Lições de Direito das Sucessões, 7.ª edição, Almedina, 2019, pp. 271 a 273
– ANA LEAL, Casos Práticos - Direito da Família e das Sucessões, 2.ª edição, Almedina, 2019, pp. 184 a 191
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