Capítulo 3 - Linguística Histórica
Capítulo 3 - Linguística Histórica
Capítulo 3 - Linguística Histórica
Neste capítulo, o autor reforça o conceito de que as línguas mudam com o passar
do tempo e apresenta alguns conflitos no interior da Linguística sobre este conceito.
Faraco (2007) parte do pressuposto de que a mudança se dá em todas as línguas, assim
como em tudo na natureza, que passa por transformações de forma contínua e
ininterrupta.
Deste modo, o autor analisa que cada estado de língua é resultado de um longo e
contínuo processo histórico, e acrescenta que, se uma língua deixar de ser falada,
obviamente não passará mais por mudanças, pois estará aniquilada e completamente
assimilada por outra. “O desaparecimento total da língua interrompe o fluxo histórico”
(p. 45).
A partir deste ponto, Faraco (2007) inicia a abordagem sobre leis fonéticas, que
são leis que não admitem exceção. Segundo o autor, os neogramáticos acreditavam que
havia uma interferência do plano gramatical sobre o plano fônico, ou seja, sempre que
ocorria uma mudança sonora, resultando em alterações no padrão gramatical, previa-se
o fenômeno oposto, por analogia.
Para Faraco (2007) criava-se, então, um paradoxo: uma mudança regular como a
mudança fônica poderia gerar irregularidades gramaticais e a analogia, de caráter
irregular, poderia ocasionar regularidades. Deste modo, o autor apresenta alguns casos
em que uma irregularidade gramatical é “retificada” a partir da regularidade das
mudanças sonoras, a exemplo de servus/servi, hortus/horti.
O autor avalia que, de modo geral, a regularidade é relativizada pelo modo não
uniforme como se dá a divisão de uma mudança no interior da língua e no universo de
falantes. Segundo Faraco (2007), por trás disso há uma variedade de vicissitudes sociais
e históricas das comunidades linguísticas em questão. Para o autor, todos estes fatores
podem alterar a regularidade da mudança. Sob esta perspectiva, as leis fonéticas tiveram
que ser reinterpretadas e tomadas não como uma expressão de processos fechados e
absolutos, mas como fórmulas que expressam correspondências fônicas entre dois ou
mais momentos da história de uma língua, auxiliando a investigação dos complexos
processos históricos, o que não consiste apenas na troca de um elemento por outro.
De acordo com o autor, podemos tirar duas lições para quem se inicia em
Linguística Histórica. A primeira é que não se deve estudar os fenômenos isoladamente,
buscando abordá-los no conjunto de outros fatos da história da língua, da família ou
subfamília a que pertence, pois em verdade, o que ocorre é uma complexa cadeia de
mudanças interrelacionadas. A segunda lição é que, para abranger os fenômenos de
mudança, importa apresentar o encaixamento estrutural, mas também social das línguas
e suas comunidades de falantes. Segundo Faraco (2007), é preciso atentar para questões
como as relações etárias, socioeconômicas, o sexo (ou gênero), origem étnica e estilo de
fala.
Por isso, Faraco (2007) propõe uma metodologia que integre história interna e
externa, ou seja, encaixamento estrutural e encaixamento social. Faraco (2007) lembra
que Saussure reconheceu que as duas histórias estão associadas e defendeu uma
separação estrita entre linguística interna e externa, desprezando as circunstâncias
externas em que uma língua ocorre.
No entanto, Faraco (2007) aponta que estes termos têm sido pouco utilizados,
porque os pesquisadores recorriam a eles indiscriminadamente. Segundo o autor,
contudo, a cautela atual não nega que o contato linguístico pode ser importante fator de
mudanças, tanto em línguas diferentes, como em variedades de uma mesma língua.
Faraco (2007) retoma Voloshinov e explica que o estudo feito por este
pesquisador sobre a história das diferentes formas de reportar o discurso de outrem em
línguas europeias abriu caminhos para a investigação das mudanças sob a perspectiva
das dimensões discursivas, pouco enfocadas pela Linguística Histórica.
Conforme Faraco (2007), a língua é tratada sob todas essas perspectivas como se
não possuísse falantes, abordados como dados periféricos e ausentes das análises
investigativas. Para o autor, sejam quais forem as razões da mudança, o falante é quem
as opera. Deste modo, Faraco (2007) avalia que este falante concreto, histórico, que é
construído e se constrói nas relações sociais é elemento estrangeiro na Linguística.
Faraco (2007) reitera, no entanto, que isso não significa entender a mudança
como mecanicamente determinada por fatores sociais, mas, que as mudanças sociais
alteram as relações interacionais e promovem mudanças nas línguas. Em outras
palavras, o autor propõe assumir que as condições da mudança se encontram na
complexa dinâmica social e na heterogeneidade da realidade linguística, envolvendo
múltiplos fatores que a Linguística Histórica ainda não revelou, especialmente por
prevalecer as percepções imanentistas da língua. Faraco (2007) aponta também que,
para a língua, também é possível não mudar.
O autor também apresenta as noções de causas e condições da mudança, mas
contesta a concepção de causa, pois considera que, sendo a língua uma realidade
humana, social e cultural não está submetida a determinismos, mas a possibilidades.
Deste modo, Faraco (2007) trabalha com a perspectiva de condições da mudança, pois
discorda que estes princípios possam ser aplicados categoricamente.
Uma outra perspectiva citada por Faraco (2007) é a do progresso, conforme Otto
Jespersen, de que as mudanças caminham para o aperfeiçoamento, promovendo
progresso através de ganhos qualitativos. Segundo esta teoria, os processos históricos
tornavam as línguas mais aptas à expressão, por atribuir-lhes maior clareza e precisão.
De acordo com Faraco (2007), essa perspectiva foi bastante utilizada e acrescenta a
menção a Henry Spencer, que concebia a história das sociedades humanas como um
processo de evolução, em que a língua passaria de estágios mais primitivos para
estágios mais desenvolvidos. Essa teoria teve muitas vezes, como alvo o “alto” estágio
de desenvolvimento das línguas europeias.
De acordo com o autor, hoje, nenhuma dessas perspectivas é amplamente
utilizada. Para Faraco (2007), partindo do pressuposto de que há um equilíbrio solidário
entre todas as partes da história de uma língua, não se pode conceber a mudança como
degeneração ou progresso, mas como um processo em que as línguas passam de um
modelo de organização para outro. Na concepção saussureana, como os signos são
arbitrários, as relações podem mudar.
O autor cita Sapir, que fez a proposta da deriva interna para explicar a mudança,
que impulsionaria as línguas numa determinada direção. Segundo Sapir, haveria um
plano prefixado inexoravelmente seguido pelas línguas da família indo-europeia. Para
Sapir, o conceito de deriva é compatível com a concepção de que as línguas possuem
plenitude formal, já que pressupõe também uma autorregulação da mudança. Segundo
Faraco (2007), essa teoria confirma que as línguas não degeneram ou progridem, apenas
mudam, obedecendo a uma força interna.
O autor afirma que, à primeira vista, pode-se pensar que tal teoria encontra
obstáculos ao se deparar com as variantes e variações linguísticas e mudanças, mas a
mesma admite que as estruturas mentais não são categóricas em sentido absoluto, mas
em sentido relativo, pois admitem caminhos alternativos. Por exemplo, a estrutura
silábica (consoante + vogal) seria mais natural e quando uma língua se modifica para
adequar essa estrutura, isso simbolizaria uma otimização.
Deste modo, o autor explica que esta abordagem propõe uma finalidade para a
mudança: a correção de realidades menos naturais ou a correção de efeitos de opacidade
estrutural, quando as estruturas deixaram de ser transparentes para os falantes ou para o
processo de aquisição da linguagem. De acordo com Faraco (2007), esta é a percepção
teleológica da mudança, que responde a um princípio da transparência (Lightfoot), que
limita o grau de opacidade estrutural tolerável.
Uma outra oposição feita por Faraco (2007) é a de que tais mudanças se
difundem por algumas variedades e não por outras, o que nos obrigaria dizer que
algumas variedades são mais naturais ou funcionais. Para Faraco (2007), se isto não tem
qualquer efeito, ou seja, os falantes continuam interagindo e sem falhas, tal
interpretação foge a qualquer fundamento empírico.