Texto 03 - Estratégias de Intervenção Psicopedagógica

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 34

Aspectos Gerais da Intervenção Psicopedagógica Institucional Unidade I Unidade I

Aspectos Gerais da Intervenção


Psicopedagógica
Capítulo 1 – O Que é Intervenção Psicopedagógica

Objetivo específico: Analisar o conceito de Intervenção


Psicopedagógica no âmbito escolar.

O fazer psicopedagógico surge na medida em que ocorre uma reflexão profunda sobre a Intervenção Psicopedagógica,
seus objetivos, metas e procedimentos. Esta etapa da prática psicopedagógica institucional representa um momento
de grande importância, pois traduz a intencionalidade do profissional que elaborou uma avaliação e que vai implementar
ações corretivas ou preventivas dos possíveis desvios de aprendizagem encontrados. A intervenção é a etapa final do
processo psicopedagógico e, ao mesmo tempo, seu “re-início”, pois seus resultados podem levar o psicopedagogo e a
escola a um novo ponto de partida e de reflexão sobre o fazer psicopedagógico no contexto educacional. Assim como a
avaliação, a intervenção não representa um fim, em si mesma, mas um conjunto de medidas que vão gerar novas práticas
de prevenção, correção e enriquecimento da aprendizagem, mesmo que de modo não intencional.

Com o advento das Ciências Humanas, em especial a Pedagogia e a Psicologia da Aprendizagem e do Desenvolvimento
surgiu, também, a possibilidade de “intervir” na escola e na sala de aula em situações de dificuldades de aprendizagem
e/ou fracasso escolar. À medida que novos conhecimentos sobre o ensino e a aprendizagem foram sendo produzidos,
aumentaram as situações de intervenção do pedagogo e do psicólogo escolar na instituição de ensino. Ao longo da
história observamos modos diferentes de intervir no contexto escolar, geralmente influenciados pelos modelos teóricos
orientadores das práticas pedagógicas. Na atualidade, a intervenção continua sendo feita, tanto de modo planejado, como
nos serviços psicopedagógicos e de orientação educacional, ou de modos não intencionais, mas atendendo aos objetivos
gerais de qualquer iniciativa educacional. Quando um profissional da Educação “age” pedagogicamente a favor do aluno
e o recebe no espaço escolar para mediar saberes e conhecimentos, ele está intervindo. Toda e qualquer ação realizada
por um educador é de natureza interventiva, resta saber se planejada ou não e com quais objetivos.

Não esqueça!

Intervir psicopedagogicamente não é novidade para o educador.


Ele vem realizando práticas como estas há tempos, mesmo sem
ter muita noção do que pretende com estas ações.

A Psicopedagogia, ao se organizar como área do conhecimento, traz luz a estas ações e tornam-nas intencionais, planejadas,
voltadas para objetivos específicos e que se relacionam aos problemas escolares e de aprendizagem evidenciados no
Direitos reservados ao CETEB 7
Aspectos Gerais da Intervenção Psicopedagógica Institucional Unidade I

contexto escolar. Com a Psicopedagogia, a intervenção psicopedagógica adquire um sentido específico, que é atuar na
correção e prevenção do fracasso escolar e também no enriquecimento tanto do ensino quanto da aprendizagem.

O psicopedagogo, ao intervir na dinâmica escolar, vai inserir-se nas tramas relacionais do aluno com sua família, com
seus pares, seus professores e também vai interferir nas interações que ocorrem no espaço escolar entre distintos
profissionais, considerando ele mesmo como participante destas interações. Além de transformar os processos interativos,
o psicopedagogo pode alterar estruturas curriculares, metodologias de ensino e mesmo opções teóricas que sustentam
as práticas pedagógicas. Sua ação vai modificar a estrutura escolar, seja para o bem ou para o mal. Seu trabalho tem
grande alcance e, por esta razão, necessita sem muito bem planejado, estruturado e formalizado.

Pense um pouco sobre sua prática como educador(a)!

Você, certamente, toma decisões freqüentes de intervenção em


várias dimensões da prática educacional. Estas intervenções
também são compreendidas como “psicopedagógicas”.

Faça uma lista de intervenções que você já realizou e reflita sobre


as relações entre elas e o conhecimento psicopedagógico.

______________________________________________
______________________________________________
______________________________________________
______________________________________________
_____________________________________________

O que significa Intervenção Psicopedagógica no âmbito escolar?

Igea (2005) considera que a intervenção psicopedagógica inclui:

( ) funções de coordenação e estímulo do conjunto das atividades orientadoras dos professores,


assim como o aprofundamento ou a ampliação dessas atividades, transformando-se (o trabalho
psicopedagógico), dessa forma, numa instância de apoio para a instituição escolar. ( ) sendo as
áreas de intervenção psicopedagógica os processos de ensino-aprendizagem, a atenção à diversidade,
a prevenção e desenvolvimento pessoal e a orientação acadêmica e profissional (p.35)

Na perspectiva de Rodríguez (2005), a intervenção psicopedagógica é:

( ) um processo compartilhado entre os diversos profissionais – psicopedagogo, tutor e/ou professor


de área, família, etc. – numa relação simétrica, cada um a partir do seu saber, e contextualizado no
estabelecimento escolar (p.54).

Este autor conceitua a intervenção psicopedagógica considerando, especialmente, as funções exercidas pelos
psicopedagogos na escola, com destaque para as seguintes ações:
1) Ações psicopedagógicas nas equipes de apoio escolar;
2) Ações psicopedagógicas de prevenção educativa;
3) Ações psicopedagógicas de levantamento de necessidades;
4) Ações psicopedagógicas de avaliação;
5) Ações psicopedagógicas de elaboração de projetos curriculares;
8 Universidade Gama Filho
Aspectos Gerais da Intervenção Psicopedagógica Institucional Unidade I

6) Ações psicopedagógicas de atendimento à diversidade dos alunos;


7) Ações psicopedagógicas de adaptações curriculares;
8) Ações psicopedagógicas de orientação pessoal, vocacional e profissional.

Solé (2001) utiliza a concepção de César Coll sobre intervenção psicopedagógica que a considera “um amplo conjunto
de tarefas e funções realizadas pelos profissionais que prestam assessoramento psicopedagógico às escolas” (p.37).
Estas tarefas e funções organizam-se em torno de quatro eixos, a saber: (a) natureza dos objetivos da intervenção; (b)
modalidades de intervenção; (c) direcionamento da intervenção e (d) lugar preferencial da intervenção.

Primeiro Eixo – Natureza dos objetivos da intervenção:


Com relação ao eixo “natureza dos objetivos da intervenção” o que se destaca é a construção de um continuum que
permite identificar a natureza dos procedimentos de intervenção e se eles devem ser focados no aluno, em uma perspectiva
corretiva e de atendimento individualizado ou se deve ser focado na escola, com propostas preventivas e de atendimento
coletivo. Estes focos, entretanto, não são excludentes. Cabe ao psicopedagogo definir a natureza da intervenção de
acordo com as demandas prioritárias.

Segundo Eixo – Modalidades de intervenção:


O eixo “modalidades de intervenção” engloba os tipos de intervenção psicopedagógica, que são: as corretivas, as
preventivas e as de enriquecimento. As intervenções corretivas, em geral, destinam-se a casos específicos de sujeitos com
dificuldades de aprendizagem pontuais e que ainda podem ser atendidos na escola, por uma equipe interdisciplinar. Nestes
casos, o psicopedagogo centra o processo de intervenção no sujeito e suas necessidades eminentes. As intervenções de
caráter preventivo têm uma natureza coletiva e destinam-se a grupos de sujeitos em situação de risco ou dificuldades de
aprendizagem. Elas também podem ser aplicadas em toda a comunidade escolar, com a perspectiva de criar estratégias
preventivas do fracasso escolar antes mesmo de sua manifestação. As intervenções psicopedagógicas de enriquecimento
escolar são destinadas a todos os alunos, pois objetivam potencializar talentos e competências, a despeito da existência
de quadros de dificuldades de aprendizagem. Um aluno que vivencia uma dificuldade, também apresenta talentos que
podem e devem ser enriquecidos por meio de ações psicopedagógicas específicas.

Terceiro Eixo – Direcionamento da intervenção:


As intervenções psicopedagógicas têm direcionamentos próprios, como bem define o eixo “direcionamento da intervenção”.
O psicopedagogo deve lançar mão de diferentes caminhos ao propor ações psicopedagógicas, seja de que natureza
for. Ele tanto pode atuar diretamente com um aluno que demanda ação corretiva, como pode optar por atuar de modo
indireto com este aluno, por meio de orientação de seus professores e familiares. Para decidir qual direcionamento dar
às intervenções, o psicopedagogo deve realizar uma avaliação psicopedagógica competente que forneça informações
precisas para a tomada de decisão das ações a serem implementadas. As características do contexto, dos professores
e do próprio aluno também são critérios que devem ser considerado ao definir-se a direção da intervenção.

Quarto Eixo – Lugar preferencial da intervenção:


O último eixo, denominado “lugar preferencial de intervenção” define o local onde a intervenção psicopedagógica ocorrerá,
incluindo diferentes níveis e contextos nos quais o psicopedagogo focará sua ação. A intervenção pode ocorrer na

Direitos reservados ao CETEB 9


Aspectos Gerais da Intervenção Psicopedagógica Institucional Unidade I

escola, como um todo, somente em sala de aula, diretamente com o professor, incluindo (ou não) a família, enfim, em
diferentes espaços conforme a urgência ou demanda por modificações de padrões, práticas e crenças impeditivas da
aprendizagem.

Não esqueça!
É importantíssimo que o psicopedagogo tenha ciência de que a
intervenção psicopedagógica pode construir pontes que permitam
aos sujeitos envolvidos na relação de ensino e aprendizagem
encontraram-se e rumarem, juntos, para um mesmo destino.

A intervenção psicopedagógica pode se beneficiar bastante ao apropriar-se do conceito de “andaimaria”, construído


por César Coll, renomado pesquisador espanhol, para traduzir parte de sua intencionalidade ao interferir na realidade
escolar a partir de suas avaliações e considerações sobre o contexto de aprendizagem existente. Este conceito remete
à função do andaime, que é uma armação de madeira ou de metal com estrado, sobre o qual trabalham os operários nas
construções quando já não é possível trabalhar apoiados no chão. O andaime é utilizado para sustentar os trabalhadores
até que eles vençam uma etapa específica do trabalho. Após a realização de uma etapa, o andaime pode ser utilizado
para apoiar um momento posterior do trabalho ou mesmo retirado, caso não seja mais necessário. Com base na metáfora
do andaime, a intervenção psicopedagógica não só constrói pontes que permitem o encontro entre sujeitos no espaço
escolar como também propõe “relações de ajuda”, onde situações de apoio à aprendizagem são construídas (os andaimes)
com o propósito de “sustentar” momentaneamente o aluno que ainda necessita de ajuda para caminhar, mas que em
breve recuperará sua autonomia.

A intervenção também dependerá do marco teórico que o psicopedagogo escolher para orientar suas ações. Somos
sabedores de que a teoria precede à prática e que qualquer ação pedagógica ou psicopedagógica prescinde de uma

Não esqueça!
O principal objetivo da intervenção psicopedagógica consiste em
auxiliar os sujeitos envolvidos na ação educacional a lidarem com
os problemas e dificuldades emergentes, em uma perspectiva não
só de solução, mas, especialmente de natureza preventiva.

epistemologia que a sustente e justifique. Portanto, é indispensável ao especialista em Psicopedagogia ter clareza da
importância de adotar um referencial teórico norteador de sua prática. É neste corpo de conhecimentos que ele vai buscar
alternativas para lidar com dificuldades de aprendizagem no espaço escolar, e mesmo fora dele.

Não esqueça!
A adoção de um referencial teórico auxilia o profissional a
interpretar os fatos, problemas e situações com as quais ele
se defronta e também define de que modo este profissional vai
enfrentar estes contextos e, sobre eles, atuar.

Em uma perspectiva teórica que considera a relação de ensino e aprendizagem como um processo originado na interação
entre professor e aluno, em contextos culturais que orientam a aprendizagem, o psicopedagogo é percebido como agente

10 Universidade Gama Filho


Aspectos Gerais da Intervenção Psicopedagógica Institucional Unidade I

que, ao intervir neste processo, vai modificá-lo de modo a solucionar os problemas existentes ou mesmo potencializá-los.
Este especialista não é neutro ou externo ao contexto das dificuldades de aprendizagem. Uma vez envolvido com esta
situação, ele passa a fazer parte dela e vai influenciá-la, tanto positiva como negativamente. O resultado depende do
seu preparo para o exercício de sua função e da sua capacidade de refletir sobre a própria prática, buscando avaliar-
se continuamente, em parceria com a comunidade escolar. O psicopedagogo deve ser agente de mudança, no sentido
construtivo e agregador que esta palavra pode conter.

Quais os objetivos de uma intervenção psicopedagógica institucional? Podemos elencar alguns, a saber:
– Contribuir para o alcance dos objetivos educacionais da instituição de ensino;
– Promover situações que proporcionem ao aluno condições de progressão em seus processos de aprendizagem
e desenvolvimento, articulando os meios necessários para que isto ocorra;
– Atuar no sentido de buscar condições ideais de ensino, o que inclui alterações e/ou modificações nas práticas
docentes, didáticas, do currículo, nos recursos educacionais, dentre outros aspectos;
– Auxiliar o docente em todas as situações de aprendizagem, em especial aquelas onde se evidenciam problemas
e/ou queixas;
– Contribuir para um ensino de qualidade e diversificado ajustado para os diferentes tipos de alunos;
– Assessorar a instituição escolar para o alcance de ótimas condições de funcionamento que permitam a
consolidação de processos de ensino e aprendizagem de qualidade;
– Promover ações que permitam à instituição de ensino otimizar seus recursos humanos, potencializando talentos
e competências não só dos alunos, como do corpo docente e demais agentes educacionais.

Não esqueça!
Uma escola de qualidade é uma instituição cada vez mais
aberta, que elabora respostas diversas, adaptadas a seus
usuários. A necessidade de atender a alunos diferentes para que
todos eles progridam no desenvolvimento de suas capacidades
implica localizar o currículo, a proposta curricular que a escola
elabora e que se concretiza na vida cotidiana das salas de aula,
como eixo da intervenção psicopedagógica (Sole, 2001, p.57)

O psicopedagogo que atua no âmbito institucional deve ter ciência de que seu trabalho deve ocorrer de modo compartilhado
com os outros sujeitos envolvidos nas situações docentes, em especial aquelas que apresentam queixas ou problemas.
Partindo desta premissa de “ação compartilhada” é que o psicopedagogo vai estruturar seus modelos de intervenção,
considerando o papel de cada sujeito nestas ações, as condições de implantação e as possibilidades de sucesso das
estratégias. Com base na avaliação psicopedagógica de um dado contexto, o psicopedagogo começará a organizar as
intervenções necessárias de modo planejado e partilhado com toda a comunidade escolar.

A Psicopedagogia, como toda disciplina científica vinculada aos processos educacionais, tem grande responsabilidade
diante da exclusão escolar, que pode ocorrer por meio do surgimento das dificuldades de aprendizagem, do fracasso escolar
ou da combinação destes fatores mesclados a tantos outros. Compreender o processo de construção dos impedimentos
à aprendizagem e atuar institucionalmente no sentido de preveni-lo consiste na tarefa fundamental deste profissional,
sempre em uma relação interdisciplinar, contando com o auxílio e experiência dos outros profissionais atuantes no
cenário escolar.

Direitos reservados ao CETEB 11


Aspectos Gerais da Intervenção Psicopedagógica Institucional Unidade I

Para contribuir de modo eficiente na prevenção e tratamento das dificuldades de aprendizagem, a Psicopedagogia deve
investigar o contexto onde os impedimentos à aprendizagem se instalam, quais as características deste contexto, que
visão de homem e de mundo predominam neste cenário e, especialmente, que modelo de educação “sustenta” um ambiente
que não permite o livre fluxo da aprendizagem. O especialista em Psicopedagogia pode somar esforços no espaço escolar
e contribuir para a geração de um ambiente nutritivo não só para a aprendizagem dos alunos, mas, especialmente, para
os seus processos de desenvolvimento.

Há muito que fazer na escola por uma educação de qualidade para todos. O psicopedagogo ciente de suas responsabilidades
pode contribuir no sentido de:
– Promover processos de reflexão, no ambiente escolar, no sentido de pensar e repensar crenças e valores com
relação ao diferente, à diversidade e à igualdade;
– Investigar, com profundidade, o potencial dos alunos, suas possibilidades de sucesso, as condições que
favorecem este quadro e a promoção do mesmo;
– Ao identificar as situações de dificuldades de aprendizagem e/ou fracasso escolar, evitar pôr o foco no problema,
mas sim destacar as possíveis soluções;
– Ajudar a escola a encontrar saídas metodológicas e avaliativas criativas que favoreçam a inclusão;
– Propor alternativas de ação didática e pedagógica aos professores, deixando claro que o processo de ensino
e aprendizagem deve focar o aluno e não conteúdos;
– Incentivar a pesquisa, a autonomia de pensamento, a originalidade, a criatividade em todos os sujeitos que
interagem no espaço escolar;
– Auxiliar a família a lidar com as diferenças e dificuldades de seus filhos, respeitando as circunstâncias em que
eles vivem e sem negar os problemas existentes;

Não esqueça!
A Psicopedagogia tem a responsabilidade de criar pontes que
permitam o diálogo entre o aprender e o não-aprender, o acesso
de todos ao conhecimento e a construção de estratégias que
regulem todo o processo, permitindo ao sujeito experimentar
sucesso em seus processos de desenvolvimento e aprendizagem
considerando suas expectativas e peculiaridades.

12 Universidade Gama Filho


Estratégias de Intervenção Psicopedagógica Unidade II Unidade II

Estratégias de Intervenção
Psicopedagógica

Objetivo específico: Elaborar um procedimento de intervenção


psicopedagógica no âmbito institucional.

A intervenção psicopedagógica é prática comum na vida de qualquer educador. Ao preparar uma aula, ao pensar em
processos de coordenação e gestão escolar, ao refletir sobre os problemas comuns à escola o educador intervêm
psicopedagogicamente. Esta dimensão ampla da intervenção psicopedagógica ocorre o tempo todo, especialmente ao
considerarmos o movimento dinâmico que caracteriza uma instituição escolar. Mesmo sem planejar, o educador atua
psicopedagogicamente todos os dias, resolvendo problemas e procurando soluções criativas para os desafios cotidianos.
Não é desta intervenção que vamos tratar neste capítulo.

O tipo de intervenção que é foco de nossa discussão é aquela realizada por meio de meticuloso trabalho de planejamento
e estruturação, ação específica do especialista em psicopedagogia e voltada para a solução de dificuldades de
aprendizagem ou contextos onde se evidencia o fracasso escolar. A intervenção psicopedagógica tem um caráter próprio,
tem características específicas e metas pré-estabelecidas, por isso a necessidade de compreendermos sua natureza e
aprendermos a elaborar estratégias para realizá-la de modo competente e adequado.

Nossa meta é o sucesso escolar!

Já sabemos o que é uma intervenção psicopedagógica. Sabemos para o que serve e quais características possui. Somos
cientes da amplitude de sua ação e da necessidade de olharmos todos os sujeitos da ação pedagógica para atuarmos
bem, do ponto de vista psicopedagógico. Resta aprendermos a intervir, tarefa difícil, que exige apropriação teórica e
experiência, prática, o fazer do dia a dia, na escola e na vida.

Não esqueça!
Para intervir corretamente, do ponto de vista psicopedagógico,
é indispensável saber avaliar uma situação de dificuldade de
aprendizagem ou fracasso escolar.

Direitos reservados ao CETEB 13


Estratégias de Intervenção Psicopedagógica Unidade II

A partir de uma avaliação psicopedagógica bem elaborada é possível retirar subsídios que sustentem uma intervenção
de qualidade. A avaliação psicopedagógica vai situar o problema de aprendizagem em seu contexto, considerando:
1) O lócus onde ocorre o problema;
2) Os sujeitos diretamente envolvidos;
3) Os sujeitos indiretamente envolvidos;
4) A identificação do problema e sua caracterização;
5) A identificação dos diferentes contextos (sala de aula, relação professor e aluno, currículo, estratégias
didáticas, características do professor e do aluno envolvidos na queixa escolar, contexto familiar do aluno
etc.) que configuram o quadro de não-aprendizagem;
6) As principais áreas de interferência da dificuldade de aprendizagem (conteúdos específicos, dimensões afetiva,
cognitiva, relacional etc.).

De posse destas informações, o psicopedagogo vai pensar sobre a queixa de aprendizagem, refletir sobre seus
condicionantes e elementos constituintes, conversar com os sujeitos envolvidos e começar a decidir sobre os caminhos
que vai propor para intervir e buscar alternativas de solução e/ou prevenção para a situação em questão.

Neste momento é muito importante ter clareza com relação a:

a) Qual a natureza do trabalho psicopedagógico?


O que faz um psicopedagogo no âmbito escolar? Quais as suas funções? O que a escola espera deste especialista?
Que tipo de contribuições ele pode dar aos alunos e à instituição de ensino? Estas questões devem estar claras na
mente do especialista em Psicopedagogia. Conhecer a natureza do seu trabalho, o âmbito de sua atuação, as ações
que se espera de um psicopedagogo é o mínimo para o exercício desta profissão.
Além destas competências, espera-se que o psicopedagogo tenha conhecimentos consolidados de educação,
desenvolvimento humano e aprendizagem. Seu papel, no contexto escolar, exige dele vasto repertório teórico, domínio
da prática, posturas éticas e competências nas relações interpessoais. É importante destacar, também, o trabalho
interdisciplinar como modelo de condução das ações de avaliação, intervenção e apoio psicopedagógico na escola.
Todas as vozes que participam das relações de ensino e aprendizagem devem ser ouvidas e convidadas a participarem
do trabalho e o psicopedagogo não só pode como deve ser o elemento aglutinador destas vozes, o orquestrador que
vai permitir que, todos juntos, trabalhem em prol de um benefício comum.

b) Quais concepções teóricas vão orientar a intervenção psicopedagógica?


A apropriação teórica é o principal aspecto norteador da prática psicopedagógica. Sem uma boa teoria não existe uma
prática de qualidade. O maior engano que se comete na prática educacional é considerá-la ação realizada por meio do
improviso. O trabalho pedagógico (e também o psicopedagógico) exige planejamento, estrutura, estratégias de ação e
avaliação, para que ele se auto-regule, se renove e alcance seus objetivos. Para planejar e agir adequadamente, temos
que assumir posturas teóricas e ideológicas que vão definir nossa visão de mundo, de homem e de educação. Somente
com concepções teóricas bem sustentadas é possível pensar em intervir no contexto de ensino e aprendizagem,
buscando modificações neste sistema.

Eu só posso atuar no sentido de ajudar uma criança a resgatar suas


competências de aprendizagem se eu sei o que é aprendizagem, como ela
ocorre para o sujeito e quais os seus processos e características.
Eu só posso intervir no ensino quando tenho ciência da sua estrutura, do
seu funcionamento e de todos os elementos que atuam para promovê-lo
ou impedi-lo.

14 Universidade Gama Filho


Estratégias de Intervenção Psicopedagógica Unidade II

Uma opção teórica de qualidade, somada às contribuições de outras áreas do conhecimento, vai permitir ao
psicopedagogo compreender o que é aprendizagem, seus impedimentos, as características das DAs, sua etiologia,
como identificá-las e, especialmente, como atuar no sentido de solucioná-las, transformando o que é déficit em novas
competências e saberes do aluno.

Não esqueça!
Não é possível atuar pedagógica e psicopedagogicamente por
meio de achismos!
Precisamos do conhecimento científico para nos orientar e
nos auxiliar a compreender a complexidade dos processos de
desenvolvimento e aprendizagem dos sujeitos humanos.
Somente desta forma podemos intervir com segurança e
chances de êxito.

c) Que escola é esta onde vou intervir?

O psicopedagogo necessita conhecer, com profundidade, o espaço escolar onde vai atuar. Para além deste espaço,
este profissional precisa conhecer o sistema educacional do país, sua legislação, o modus operandi da máquina pública
e privada, sua eficácia, as avaliações que são realizadas, as intencionalidades que permeiam as decisões políticas
vinculadas à educação, enfim, ter ciência da realidade educacional do país, com complexidade e postura crítica.

Após construir uma visão adequada do sistema educacional este especialista deve aprofundar-se na investigação da
instituição escolar onde irá intervir. Para isto é indispensável compreender a história da unidade escolar, os sujeitos
envolvidos nesta história, as crenças e valores que foram surgindo ao longo da existência da instituição de ensino, as
mudanças mais significativas, os vínculos da escola com os macro-sistemas educacionais, seus projetos pedagógicos,
suas estratégias de gestão, coordenação pedagógica e orientação dos educadores e alunos, o currículo, as metodologias
de ensino disseminadas, as estratégias de avaliação, as práticas em sala de aula, a forma como a escola lida com o
sucesso escolar, o fracasso escolar e as dificuldades de aprendizagem, dentre tantos outros fatores. O psicopedagogo
que pretende atuar de modo competente deve passar um “pente fino” na instituição, no sentido de compreendê-la
com relação aos aspectos físicos, legais e institucionais, assim como os aspectos subjetivos, orientados por crenças,
valores e práticas.

Não esqueça!
Quando eu sei “que escola é esta onde devo atuar” tenho
condições de escolher caminhos e procedimentos que permitam
o alcance dos objetivos psicopedagógicos.

d) Quem são as pessoas envolvidas na queixa de aprendizagem?

Em geral, uma queixa de aprendizagem surge a partir de comportamentos desviantes de um aluno, ou mesmo um
grupo de alunos, em relação ao seu desempenho escolar. Um comportamento desviante traduz-se em condutas que
se afastam de padrões de adequação de processos de desenvolvimento e aprendizagem de um sujeito.

Apesar de ser o foco da queixa, o aluno não é, necessariamente, o único nem o principal construtor de seu impedimento
à aprendizagem ou o responsável por ela não ocorrer. O que mais se observa, quando se avalia a instituição escolar,

Direitos reservados ao CETEB 15


Estratégias de Intervenção Psicopedagógica Unidade II

é o fato de o aluno ser apenas um emissário de sinais que indicam que o sistema de ensino e aprendizagem está em
falência. Quando um aluno fracassa na escola, todo um sistema fracassa junto a ele. Por isso a falácia em buscar
a fonte ou a origem do problema de aprendizagem apenas no aluno. Esta é uma solução fácil, mas que não traduz a
complexidade da situação em questão e muito menos resolve o problema.

Uma queixa de aprendizagem é fenômeno construído por múltiplas mãos e mentes. É necessário muita gente atuando
contra para que uma criança deixe de aprender. Seres humanos são tão competentes que, mesmo em situações
precárias, continuam aprendendo. O psicopedagogo preparado deve ter esta premissa em mente quando for investigar a
origem de uma dificuldade de aprendizagem. Todos os sujeitos envolvidos no aprender têm sua cota de responsabilidade
nas situações de não-aprendizagem. Compreender o papel de cada uma destas pessoas no quadro de fracasso da
aprendizagem, o modo com cada indivíduo interfere e impede uma criança de aprender, o papel do sistema de ensino
nesta situação específica e o modo como o aluno que expressa esta queixa lida com a questão é da maior relevância
para qualquer ação interventiva.

Não esqueça!
É indispensável conhecer, muito bem, cada sujeito envolvido
em uma situação de não-aprendizagem!

e) Quem é este aluno que delata o fracasso de todo um sistema?

Conhecer o aluno, que traz à tona o problema de aprendizagem, é parte do processo de enfrentamento destas
dificuldades. Há uma tendência em olhar o aluno como o elemento focal, como o centro do problema, como o responsável
por uma situação de não-aprendizagem. Ele não é o responsável, ele é parte de um sistema que finaliza seu circuito
nele e no seu desempenho escolar. Olhar para este sujeito e tentar compreendê-lo é um medida indispensável para
buscar soluções que permitam lidar com um problema de aprendizagem, mas não é a solução. A solução só surge no
trabalho que abarca todo o contexto de aprendizagem, em suas dimensões marco e micro-sistêmicas.

Entretanto é fundamental conhecer o sujeito que apresenta o sintoma do não-aprender. É importante compreender
sua estrutura personológica, seu contexto familiar, seu histórico de vida, seu histórico escolar, seu desempenho
atual, suas potencialidades, seu modo de enfrentar o problema, suas crenças e valores sobre si mesmo e sobre seu
processo educacional.

O sujeito que vivencia uma situação de dificuldade de aprendizagem não


é uma pessoa incapaz de aprender, mas uma pessoa que, por diversas
circunstâncias, está impedida de construir seus conhecimentos.

O momento da avaliação psicopedágogica é, por excelência, a hora de conhecer o aluno com dificuldades de
aprendizagem. O especialista em Psicopedagogia vai construir uma abordagem investigativa para saber quem é este
sujeito, suas características, suas competências, suas dificuldades e, especialmente, suas potencialidades. Uma
intervenção psicopedagógica institucional vai necessitar deste repertório de saberes sobre o aluno para decidir que
estratégia irá utilizar para auxiliá-lo na reconstrução de sua aprendizagem.

A intervenção psicopedagógica não pode, em momento nenhum, considerar o aluno como o elemento central de suas
ações. O aluno é o beneficiário, é aquele que deve ser atendido em suas dificuldades, não o responsável ou mesmo
o criador destas dificuldades. A intervenção vai beneficiar o aluno e atuar em todo o contexto escolar, o que inclui
o aluno.
16 Universidade Gama Filho
Estratégias de Intervenção Psicopedagógica Unidade II

O foco da intervenção psicopedagógica institucional é a instituição de ensino e


não o aluno.

f) E o psicopedagogo neste processo?

O psicopedagogo é o especialista que vai realizar o trabalho de avaliação, intervenção e regulação das situações
relacionadas às dificuldades de aprendizagem, no contexto escolar. Ele tem muitas outras funções na escola, mas neste
momento vamos focalizar sua ação especificamente neste sentido: o de prevenir o fracasso escolar e auxiliar alunos,
professores, educadores e famílias a superarem as queixas e os impedimentos à construção do conhecimento.

Seu trabalho é, por natureza, interdisciplinar. Ele não atua sozinho. Não pode e nem deve realizar ações psicopedagógicas
sem a participação da comunidade escolar. É sua responsabilidade chamar todos os envolvidos em uma queixa de
aprendizagem para participarem de sua solução. Ele é o orquestrador desta equipe que vai trabalhar para prevenir o
fracasso escolar na escola. É de extrema relevância que ele tenha clareza do seu papel na escola, das suas atribuições
e responsabilidades e das fragilidades que cercam qualquer atividade interventiva junto a pessoas e sistemas. As
possibilidades de insucesso são reais. O psicopedagogo, ciente disto, é capaz de recomeçar, renovar caminhos, mudar
estratégias e retomar seu trabalho, após tentativas infrutíferas.

Além de saber lidar com possíveis situações de fracasso de suas ações, este profissional não pode esquecer que ele
é parte do sistema escolar e, muitas vezes, também é parte do problema de aprendizagem enfrentado pelos alunos.
Esta postura crítica e avaliativa da própria prática, por parte do psicopedagogo, é indispensável para que haja chances
de êxito em suas intervenções.

Portanto, psicopedagogo, não esqueça: você tanto pode contribuir para o sucesso
escolar do aluno como para o seu fracasso.
Fique atento!

Direitos reservados ao CETEB 17


Estratégias de Intervenção Psicopedagógica Unidade II

g) Como começar uma intervenção!

Não há receitas para intervir do ponto de vista psicopedagógico. Há indicativos, orientações, premissas e sugestões
de modelos de intervenção. O especialista em Psicopedagogia vai elaborar suas estratégias de intervenção a partir de
todo o cabedal de conhecimentos que adquiriu em sua graduação e, em especial, em sua especialização. Já discutimos
neste texto o que é necessário pontuar para que ocorra uma intervenção psicopedagógica de qualidade. Porém, o
como intervir é fruto da autonomia e da tomada de decisão de cada profissional.

Algumas questões são primordiais para que uma intervenção psicopedagógica possa ser construída, a saber:
• Sem uma avaliação psicopedagógica de qualidade não é possível intervir psicopedagogicamente, de modo
planejado.
• A intervenção surge da avaliação psicopedagógica, portanto, aprenda a avaliar corretamente e a intervenção
está quase pronta.
• Tudo é intervenção, ou seja, no momento em que ocorre contato entre o psicopedagogo, a escola e o aluno,
a intervenção inicia.
• Nem tudo é intervenção, ou seja, o contato não é suficiente para solucionar problemas de aprendizagem,
ele é parte do contexto. Para intervir é necessário saber construir estratégias de intervenção.
• Para elaborar estratégias de intervenção psicopedagógicas é preciso destacar os pontos nodais que deram
origem ao impedimento da aprendizagem, os focos centrais e periféricos da intervenção. É preciso distinguir
quais caminhos a tomar!

Não esqueça!
Neste momento entra a capacidade de tomar decisões do
especialista em Psicopedagogia, sua competência em traduzir
modelos teóricos estudados em práticas psicopedagógicas. A
dimensão do fazer exige autonomia, coragem e iniciativa, por
isso não há receitas.

Certamente há sugestões que auxiliam na construção de estratégias de intervenção psicopedagógicas. Avaliemos algumas
delas:

1) Para começar a pensar em quais estratégias psicopedagógicas devem ser construídas é importante
dissecar a avaliação psicopedagógica. Questione os dados encontrados na avaliação psicopedagógica
elaborada. Onde está o foco do problema de aprendizagem? Quem é o sujeito (ou os sujeitos) que delata o
problema? Qual o nível de envolvimento da escola e de seus atores no problema? Qual o papel da família neste
contexto? Como o sujeito que apresenta a dificuldade de aprendizagem age e reage ao que está acontecendo?
Onde e como esta dificuldade de aprendizagem se apresenta? Faça com que a avaliação psicopedagógica diga
quais os espaços onde deve ocorrer intervenção.

2) A escola é parte do problema! Veja onde e como a escola colabora na construção das dificuldades de
aprendizagem e monte ações para desconstruir este contexto e construir novos. Estruture trabalhos específicos
com gestores, coordenadores e professores. Atue onde há maior necessidade. Peça auxílio e trabalhe
interdisciplinarmente. Veja o que precisa ser modificado, se são valores e crenças ou práticas e métodos.
Avalie o trabalho, sempre. Deixe claro que um aluno que não aprende significa uma escola que não ensina.
Tenha coragem de enfrentar, junto com os outros educadores, a parte que cabe a cada um com relação ao
problema em questão.

18 Universidade Gama Filho


Estratégias de Intervenção Psicopedagógica Unidade II

3) E o papel do professor nesta história? Uma avaliação psicopedagógica de qualidade vai identificar o papel do
professor na situação de não-aprendizagem investigada. Uma estratégia de intervenção competente vai trabalhar
esta questão com o professor. É indispensável identificar as estratégias de ensino do professor. Mais ainda, é
muito importante compreender o que o professor pensa sobre ensinar, aprender e educar. É necessário identificar
como ele lida com as dificuldades de aprendizagem. É preciso conhecer o professor. Quem ele é? Onde e como
se formou? Em quais práticas pedagógicas ele acredita? Em geral, o professor está envolvido na construção de
uma queixa de aprendizagem. Ele é parte do processo e também deve ser contemplado na intervenção, muitas
vezes de modo mais prioritário do que o aluno. O psicopedagogo precisa desenvolver estratégias para trabalhar
com o professor para auxiliá-lo a enfrentar suas limitações e dificuldades e desenvolver suas potencialidades.
O professor, muitas vezes, necessita mudar o rumo de sua prática, transformar suas concepções, mudar seus
valores. Uma intervenção psicopedagógica competente é capaz de promover mudanças desta natureza.

4) E o currículo, que dificuldades ele apresenta ou representa? A queixa de aprendizagem situa-se em qual
área curricular? O aluno não consegue ler, escrever e interpretar textos? Ou ele não estrutura raciocínios
lógicos? O que é necessário rever, em termos curriculares? É necessário repor conteúdos curriculares? É
necessário ensinar, novamente, estratégias cognitivas que permitam à aquisição de competências intelectuais
que facilitam a aprendizagem dos conteúdos curriculares? Para dar conta dos desafios postos pelo currículo
o psicopedagogo tem que conhecer como o sujeito se apropria da escrita, da leitura, do raciocínio lógico-
matemático, enfim, do conhecimento. É hora de retomar conteúdos teóricos, aprofundá-los e deles derivar
estratégias de intervenção. Não há receita para ajudar uma criança a desenvolver o raciocínio matemático,
mas se conheço como ela constrói seus conhecimentos, especialmente nesta área, tenho como elaborar formas
de auxiliá-la a recuperar saberes perdidos ao longo do seu processo de escolarização.

5) A família e seu legado! A família é a instituição que organiza a construção da identidade do sujeito. Depois,
quando este sujeito chega à escola, a família passa a compor, junto com a instituição de ensino, um sistema
que define o desenvolvimento e aprendizagem de suas crianças. A família sempre está envolvida em uma
queixa de aprendizagem, assim como o professor e a escola. Trabalhar com a família é fundamental e muito
difícil. Nem sempre contamos com sua boa vontade ou desejo de assumir suas responsabilidades com relação
ao fracasso escolar de um filho. Mas é indispensável tentar envolver a família nas ações psicopedagógicas,
sempre. A família pode ser orientada, ser convidada a participar do cotidiano escolar do seu filho, compartilhar
o seu sucesso (e não só o fracasso), participar ativamente das atividades escolares, ser encaminhada (caso
necessário) para outras ações preventivas e/ou terapêuticas, enfim, há muita coisa para se trabalhar com a
família. Cabe ao psicopedagogo desenvolver estratégias para isto.

6) O aluno, quem de fato importa! Uma intervenção psicopedagógica tem como meta atender ao aluno, seja
qual for a queixa escolar em questão. O aluno é o princípio, o meio e o fim da ação psicopedagógica. É em
benefício dele que todo o trabalho se organiza. O psicopedagogo necessita conhecer o aluno e sua situação.
Precisa entender seus motivos e quais as funções do não-aprender em sua história escolar e pessoal. No âmbito
escolar, a intervenção psicopedagógica tem uma natureza preventiva, reguladora e enriquecedora. Cabe ao
psicopedagogo não só auxiliar o aluno a superar dificuldades, mas também enriquecer suas experiências de
aprendizagem, tornando a escola em um local que faça sentido para o sujeito. É necessário um olhar preciso
sobre o aluno, no sentido de orientá-lo da melhor forma possível, de atender às suas demandas em consonância
com seus momentos desenvolvimentais e de aprendizagem.

Elaborar estratégias de intervenção psicopedagógicas não é tarefa fácil. Para isto, o especialista em Psicopedagogia tem
que ter preparo, ousadia e certo grau de autorização pessoal para construir seu instrumental de trabalho. A literatura
da área é a base para a construção da prática. A experiência é o mecanismo que refina esta prática e a coragem é o
comportamento que permite o “ir adiante”, sem receitas, com criatividade e ética, porque educamos seres humanos e
não há nada mais importante e precioso na existência do que isto.

Direitos reservados ao CETEB 19


Estratégias de Intervenção Psicopedagógica Unidade II

Referências
Igea, B.D.R. (2005). O psicopedagogo nas escolas de ensino médio. Em B.D.R. Igea & cols. Presente e futuro do
trabalho psicopedagógico. Porto Alegre: ARTMED Editora.

Rodríguez, F.L. (2005). O psicopedagogo nas equipes de apoio. Em B.D.R. Igea & cols. Presente e futuro do
trabalho psicopedagógico. Porto Alegre: ARTMED Editora.

Solé, I. (2001). Orientação educacional e intervenção psicopedagógica. Porto Alegre: ARTMED Editora.

20 Universidade Gama Filho


Anexo – Atividades com Textos Complementares Unidade III Unidade III

Anexo – Atividades com Textos


Complementares

Texto Complementar 1 – Uma ação interventiva na instituição: Saúde e psicopedagogia de


mão dadas na escola

Adriana Gotardi da Silva RamosI1; Eduardo Alcober2; Jaqueline Mendonça Quinta3

Como citar este texto:


RAMOS, Adriana Gotardi da Silva, ALCOBER, Eduardo e QUINTA, Jaqueline Mendonça. Uma ação interventiva na
instituição: Saúde e psicopedagogia de mão dadas na escola. Constr. psicopedag., 2005, vol.13, no.10, p.0-0.
ISSN 1415-6954.
______________________________________________________________________________________

RESUMO
Este artigo visa relatar uma experiência de intervenção psicopedagógica institucional a partir da realização de atividade
de estágio para o curso de pós-graduação em Psicopedagogia. A relevância deste trabalho está na origem da demanda de
sujeitos com dificuldades de aprendizagem encaminhados para uma unidade de saúde pública que atende portadores de
distúrbios mentais graves. Desse contexto, os agentes de saúde iniciam um projeto junto às unidades escolares da rede
pública, atendendo a diretores, coordenadores e educadores com o objetivo de compreender a questão das dificuldades
de aprendizagem não como uma patologia. Ainda busca a abertura de um espaço para estagiários em Psicopedagogia
para ação nas unidades escolares da rede pública com professores e coordenadores, bem como de um trabalho para o
atendimento de alunos. Em suma, um trabalho psicopedagógico para a construção de uma escuta e um olhar para as
relações estabelecidas entre a unidade de saúde, a escola e o aluno, num movimento dialético.
Palavras-chave: Psicopedagogia, instituição, saúde, intervenção.
______________________________________________________________________________________

ABSTRACT
This essay aims to report an experience in Institutional psychopedagogical mediation through a work as trainees as
required by University to get a post-graduation certificate in Psychopedagogy. The importance of this essay is in the
origin of the number of individuals showing learning disabilities sent to a public health system unit which works with
severe mentally disordered adolescents, making the health agents develop a project to meet the needs of public schools
by promoting meetings with principals, coordinators and teachers in order to understand the disability issue not as a
pathology. In addition, there is an opening of a psychopedagogical work for trainees at the schools for an action towards
teachers, coordinators and pupils. In short, it is a psychopedagogical work for the development of listening and view for
the health unit, the school and pupil on a dialectic motion.
Key words: Psychopedagogy, institution, health, mediation.
______________________________________________________________________________________

INTRODUÇÃO

Este trabalho visa compreender a práxis da Psicopedagogia institucional que considera as dificuldades e queixas
apresentadas como possíveis resultantes de uma dinâmica de funcionamento interna – escolar – e externa – familiar,

Direitos reservados ao CETEB 21


Anexo – Atividades com Textos Complementares Unidade III

cultural e social- --, evidenciando as relações estabelecidas entre os sujeitos envolvidos no ato pedagógico. Propõe, ainda,
relatar uma experiência psicopedagógica que tem seu início em uma unidade pública de saúde mental que, em virtude
da demanda de pacientes com dificuldades de aprendizagem, passa a desenvolver um trabalho junto a coordenadores e
professores de unidades de ensino público. Deste trabalho, surge a necessidade de uma intervenção institucional dentro
da unidade escolar e, posteriormente, um atendimento clínico com grupo de alunos.

Este artigo é resultado de um trabalho de oito meses realizado por Adriana Gotardi da Silva Ramos e Eduardo Alcober
como pós-graduandos em Psicopedagogia em nível Lato Sensu na Universidade São Marcos, São Paulo, num primeiro
momento na condição de estagiários e observadores para o trabalho de campo da disciplina “Avaliações de Demandas
em Psicopedagogia Clínica e Institucional”, e, posteriormente, cumprindo estágio supervisionado. Adriana e Eduardo
acompanharam o trabalho da co-autora deste artigo, Jaqueline Mendonça Quinta, então responsável pela unidade de
saúde e organizadora do projeto.

Nossa atuação, na qualidade de estagiários em Psicopedagogia institucional, teve como objetivo proporcionar condições
favoráveis ao desenvolvimento de relações interpessoais e o estabelecimento de vínculos, procurando inserir os sujeitos
envolvidos no processo de ensino-aprendizagem, bem como contar com a colaboração da equipe de professores, auxiliando-
os a ampliar o olhar em torno dos alunos e das circunstâncias de produção do conhecimento. Para tanto, recorremos aos
pressupostos teóricos dos seguintes autores: Enrique Pichon-Riviére, Pierre Weil e Alicia Fernández.

CARACTERIZAÇÃO DA INSTITUIÇÃO

a) Histórico

O Hospital-Dia em Saúde Mental para Crianças e Adolescentes de Vila Prudente foi criado em 1991. De sua criação
até o ano de 1996, a equipe do hospital promoveu atendimento intensivo para as crianças e adolescentes (até 18 anos)
que apresentavam “sofrimento psíquico grave” por meio de uma rotina diária. Essa rotina contemplava atividades e
atendimentos terapêuticos, conforme projeto terapêutico individual, de acordo com a demanda do caso.

Durante esse período, os trabalhos desenvolvidos foram se afastando gradativamente da proposta de internação
intensiva, o que proporcionou a criação de rotinas específicas para cada grupo de usuários. Nessa nova configuração,
os usuários participavam de oficinas terapêuticas, tais como grupo de alimentação, grupo de histórias, além de grupos
terapêuticos de acordo com a indicação para cada caso e com a faixa etária do público. Nesse sentido, o usuário
freqüentava a unidade conforme sua necessidade.

Com as mudanças na política de gestão da Secretaria de Saúde do Município de São Paulo, em 1993, o modelo de
atendimento em construção foi interrompido pela instituição do Programa de Atenção à Saúde (PAS), o qual propunha
um novo tipo de gerenciamento, criando cooperativas de médicos e funcionários licenciados do serviço público. A
justificativa apresentada para essa nova proposta foi a demanda excessiva, que merecia mais agilidade no atendimento,
conforme reportagem publicada no jornal Folha de S. Paulo de 14 de abril de 1996 (p. 9).

Em 1996, em virtude dessas mudanças, o programa sofreu outras alterações e fragmentações, atingindo diretamente
os projetos em andamento até então.

Em 2001, a Secretaria de Saúde reformou seu sistema de gestão com uma proposta de serviço que obedecesse ao
princípio da integridade, eqüidade e universalidade: o Sistema Único de Saúde (SUS), e iniciou a reconstrução da
rede de saúde pública. Nesse momento, os responsáveis pelo Distrito de Vila Prudente consideraram, no critério de
escolha, que o público-alvo de seu trabalho seria o adolescente somente, sendo o atendimento às crianças realizado
em outra unidade de saúde.

No ano de 2002, a Secretaria de Saúde transformou os Hospitais-Dia em Centros de Atenção Psicossocial (CAPS’s),
seguindo a nova diretriz do Ministério da Saúde, o que transformou o Hospital-Dia em Saúde Mental para Crianças e
Adolescentes de Vila Prudente em Centro de Atenção Psicossocial para Adolescentes de Vila Prudente.

22 Universidade Gama Filho


Anexo – Atividades com Textos Complementares Unidade III

b) Descrição do serviço

A Coordenadoria de Saúde de Vila Prudente é o órgão responsável pelo Centro de Atenção Psicossocial para
Adolescentes de Vila Prudente (CAPS Vila Prudente). Possui como responsável pela unidade e pelas atividades de
estágio nela realizadas Jaqueline Mendonça Quinta – fonoaudióloga e pedagoga.

Trata-se de uma instituição pública municipal para atendimento de adolescentes portadores de distúrbios psicológicos
e mentais dos tipos severos e persistentes.

Em virtude da grande procura por parte de escolas de Ensino Fundamental da rede pública ao CAPS para
atendimento e orientação em relação a sujeitos com dificuldades de aprendizagem, associando essa dificuldade a um
distúrbio psicológico, surge o projeto idealizado e organizado por Jaqueline e pelo Dr. José Antônio Quinta, médico
psiquiatra.

Em seus atendimentos, foi verificado que muitos casos não estavam associados a um distúrbio mental ou psicológico e,
sim, a fatores pedagógicos, familiares, sociais, entre outros, que comprometiam o desempenho escolar dos sujeitos em
questão. A partir dessa constatação, foi proposto um trabalho junto às equipes pedagógicas – direção, coordenação,
professores – e instituições de ensino, buscando uma melhor análise do trabalho pedagógico desenvolvido e da relação
entre a prática docente e os alunos.

Essa atividade é desenvolvida em dois segmentos: dentro do CAPS e junto às instituições de ensino. O trabalho no
CAPS é de atendimento a diretores, coordenadores e professores no tangente à escuta da queixa escolar. A partir da
necessidade apresentada, é desenvolvido um trabalho de discussão de casos e orientação e/ou encaminhamento cabível.
As atividades desenvolvidas nas escolas visam reunir a equipe técnico-pedagógica para uma melhor compreensão
e conhecimento do trabalho desenvolvido por cada um, levando-se em consideração as queixas e atitudes tomadas
para amenizá-las ou solucioná-las.

O intuito deste projeto é desmistificar o rótulo da “patologização” referente a toda e qualquer dificuldade de
aprendizagem manifestada na sala de aula ou, ainda, no ambiente escolar. Busca, por meio do trabalho institucional,
dirimir o foco do problema, ampliando a visão deste para outras hipóteses, olhando para o sujeito de forma não
isolada, mas como parte de um sistema.

O âmbito institucional, com seus inúmeros déficits e com suas carências, que são motivos de nossas lutas e que,
esperamos, possam ser revertidos, apresenta características específicas diferentes das do âmbito privado de
atendimento individual, as quais podem tornar-se vantajosas (Fernández, 2001:48).

O OLHAR PSICOPEDAGÓGICO NO CAPS

Os relatos dos integrantes do grupo – coordenadores e professores da rede pública de ensino – revelam o não
comprometimento da equipe no ato pedagógico. Os fracassos ficam, muitas vezes, relegados a um único indivíduo
(professor ou aluno), não sendo compreendidos como resultado de um sistema. As queixas traduzem a falta de orientação
e de condução de um trabalho pedagógico eficaz e eficiente, evidenciando a fragmentação dos papéis desenvolvidos
por cada membro da instituição, descaracterizando a idéia de união e de equipe. O trabalho de Jaqueline e do Dr. Quinta
visa integração e melhoria da comunicação do grupo, buscando o desenvolvimento pedagógico de qualidade em cada
unidade escolar atendida.

Nessa abordagem multidisciplinar, observamos que a presença do Dr. Quinta traz credibilidade e veracidade do trabalho
aos participantes. Sua figura representa a ciência e a autoridade do saber para o grupo. As reuniões são iniciadas pelo
Dr. Quinta, sendo discutidas questões relacionadas às queixas do grupo, propiciando o espaço não fornecido pelas
instituições. Nesse sentido, destacamos que existe quebra de paradigma, pois é o médico quem se aproxima desses
educadores, e não o contrário, o que promove uma relação de confiança por parte dos integrantes. Sua condução leva
à diminuição de ansiedade do grupo, preparando-o para o desenrolar da segunda etapa das reuniões, a discussão sobre
as questões pedagógicas abordadas por Jaqueline.
Direitos reservados ao CETEB 23
Anexo – Atividades com Textos Complementares Unidade III

Ambos desempenham o papel de mediadores e orientadores sobre as hipóteses levantadas, não impondo verdades ou
receitas para a solução dos problemas, como define Pichon-Riviére (1998:170,171):

O coordenador cumpre, no grupo, um papel prescrito: o de ajudar os membros a pensar, abordando o obstáculo
epistemológico configurado pelas ansiedades básicas. Opera no campo das dificuldades da tarefa e da rede de
comunicações. Seu instrumento é assinalação das situações manifestas e a interpretação da causalidade subjacente.
(...). O sexto vetor remete-nos a um fenômeno básico – o da aprendizagem. É obtido pela somatória de informação dos
integrantes do grupo, cumprindo-se em dado momento à lei da dialética de transformação de quantidade em qualidade.
Produz-se uma mudança qualitativa no grupo, que se traduz em termos de resolução de ansiedades, adaptação ativa à
realidade, criatividade, projetos, etc., Nas reuniões no CAPS e na unidade escolar foi constatado que o trabalho orientado
por Jaqueline e pelo Dr. Quinta propiciou aos participantes compartilharem suas queixas e angústias frente ao problema
da dificuldade de aprendizagem apresentado pelos alunos.

(...) existe uma série de fenômenos psicológicos que se passam dentro das pessoas durante as reuniões e que não escapam
às observações de um dirigente treinado. Um deles é o que os psicanalistas chamam de catarse, que não é nada mais do
que o que o senso comum chama de desabafo (...). A catarse provoca um alívio geral, pois descarrega o problema nas mãos
dos dirigentes. O alívio das tensões, porém será provisório se não se tirar à causa que a gera ... (Weil, 1997:116).

Em nossas observações, ficou evidente que as queixas eram atenuadas à medida que eram exteriorizadas, contudo sem
garantias de encontrar respostas e soluções para as dificuldades apresentadas.

Os sentimentos de insegurança e incerteza ligados às ansiedades básicas, particularmente às situações de perda,


constituem elementos da vida grupal. Em todo grupo emergem ideologias que determinam o surgimento de confrontos
entre subgrupos. De acordo com Schilder, chamamos de ideologias os sistemas de idéias e conotações que os homens
dispõem para orientar sua ação. São pensamentos mais ou menos conscientes, com grande carga emocional, que não
obstante são considerados por seus portadores como resultado do raciocínio. Sua análise constitui um dos passos da
tarefa grupal (Pichón-Riviére, 1998:173).

A necessidade de um espaço e de tempo para que o professor seja escutado nas unidades escolares ficou evidente no relato
dos integrantes do grupo. Essa escuta não se restringe às queixas, mas também um espaço para compartilhar com os
outros sujeitos envolvidos no processo de ensino o que discutem no projeto e até outros cursos, outras experiências.

Em relação à Psicopedagogia institucional, o trabalho desenvolvido por Jaqueline, muitas vezes, finda no próprio integrante
do grupo, pois este não tem a possibilidade de compartilhar suas vivências com seus colegas na escola, fugindo ao ideal
deste Projeto – capacitação, mediação e ação, conforme proposto por Pichon-Riviére (1998:174): “(...) o grupo deve
configurar um esquema conceitual, referencial e operativo de caráter dialético, no qual as contradições que se referem
ao campo de trabalho devem ser resolvidas na própria tarefa grupal”.

Foi observada alta rotatividade, bem como a evasão de participantes do grupo como um reflexo do que já ocorre no
sistema educacional da rede pública. Foi relatado que o grupo iniciou com vinte escolas, chegando a oito representantes
e à ocorrência de uma participação ínfima de três integrantes, comprometendo o desenvolvimento do projeto.

Nessa perspectiva, os orientadores do projeto demonstraram uma preocupação com o seu andamento, levando o grupo
a uma reflexão sobre quais fatores poderiam ter levado a tal manifestação. Essa preocupação foi levantada e discutida
em reunião, sendo efetivada por meio do preenchimento de um relatório no último encontro. O interessante desse
questionamento foi a posição dos orientadores frente a essa questão, não focando a responsabilidade nos integrantes
do grupo e, sim, incluindo-se nela em um auto-questionamento.

A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA NA ESCOLA

A partir do CAPS, começamos a visitar uma unidade escolar da rede pública na periferia do município de São Paulo com
a coordenadora do projeto, Jaqueline. Durante os encontros, as questões levantadas estavam atreladas à indisciplina
generalizada, evidenciando a necessidade de escuta por parte dos professores e caracterizando certa instabilidade no
24 Universidade Gama Filho
Anexo – Atividades com Textos Complementares Unidade III

grupo como equipe. Ficou claro, no discurso da equipe pedagógica, que o insucesso do trabalho junto aos alunos estava
relacionado a questões disciplinares e da própria realidade de cada sujeito, o que inscrevia nestes o rótulo de incapazes
e culpados pelo fato do não aprender.

O trabalho de Jaqueline buscou levá-los a uma reflexão e compreensão da realidade imposta a esses sujeitos, analisando
aspectos sociais, emocionais, orgânicos e cognitivos e como esses fatores afetavam a aprendizagem – foco do projeto.
Ao término do ano letivo de 2004, a equipe de professores parecia mais fortalecida, mas ainda centrada no aspecto
disciplinar.

Ao retomarmos o trabalho no início do ano letivo de 2005, nos deparamos com uma nova realidade – os professores
começavam a discutir aspectos pedagógicos. Porém, um novo contexto se apresentava: a equipe inicial de professores
de trabalho não era a mesma, sendo que alguns tiveram atribuições de aulas em outras unidades de ensino e outros
se desligaram da escola. Nesse momento, retomamos as dificuldades encontradas no trabalho dentro do CAPS – a
constituição de uma equipe de trabalho.

Com o desenrolar dos encontros, nos deparamos mais uma vez com as questões disciplinares como elemento de bloqueio
para o desenvolvimento de um trabalho pedagógico significativo em sala de aula, por conseguinte, destacando que a nova
equipe contribuiu para o fortalecimento da queixa inicial.

Surge a necessidade de uma ação psicopedagógica junto ao corpo discente. O objetivo desse atendimento foi compreender
a pertinência das queixas apresentadas pela equipe pedagógica. Em princípio, conforme a escolha do grupo de professores,
nosso objeto de estudo foi formado por seis alunos regularmente matriculados na sexta série do Ensino Fundamental II,
sendo cinco meninos e uma menina, numa faixa etária compreendida entre doze e quinze anos.

Para o levantamento de dados, foram propostas atividades que promovessem a formação de vínculo e integração do grupo
e, ainda, o olhar para como esses sujeitos estabeleciam contato com o conhecimento. Em seguida, foram apresentadas
tarefas de construção para que fossem analisados os potenciais criativo e simbólico das produções no transcorrer das
sessões.

Não nos dirigimos aos conteúdos não aprendidos, nem aos aprendidos; não nos baseamos em operações cognitivas
logradas. Não consideramos os condicionantes orgânicos ou inconscientes, mas as articulações entre essas diferentes
instâncias, conforme proposto por Alicia Fernández em seu livro Os Idiomas do Aprendente.

Nesse primeiro conjunto de avaliações, foi verificado que o grupo revelou-se heterogêneo no tocante ao grau de
desenvolvimento individual em leitura e escrita. Dois deles não estavam alfabetizados, um encontrava-se na fase silábica
e, apesar de os demais estarem aparentemente alfabetizados, apresentavam uma produção mais voltada para o concreto,
o que sinalizava dificuldade de simbolização, de estabelecer relações, de interpretação e de elaboração de idéias.

Assim, decidimos, em consenso com a supervisora de estágio, que o direcionamento do trabalho era o de promover
situações e atividades que levassem esse grupo a ampliar seu repertório e seu universo de conhecimento.

Vale mencionar que esses indivíduos são oriundos de camada socioeconômica desfavorecida, sendo seus lares localizados
em periferia e, em alguns casos, na favela da comunidade. A escola, por sua vez, apresenta precariedade de recursos nos
diversos aspectos: material, social e, enfim, humano. O próprio espaço escolar nos remete a uma idéia de carceragem,
não no que se refere a penalidades e ao cumprimento de regras, mas sim, no tocante a sua edificação e estruturação
– grades nas áreas interna e externa; escassez de espaço aberto, em decorrência das ações de violência que, ao longo
dos anos, circundam essa unidade escolar – assaltos, invasões, tiros perdidos, entre outras.

Em relação aos professores, foi possível perceber que a escolha dos sujeitos a ingressarem no trabalho psicopedagógico
estava totalmente atrelada a questões disciplinares e à dificuldade de estabelecimento de vínculos e relações com alguns
dos integrantes.

Direitos reservados ao CETEB 25


Anexo – Atividades com Textos Complementares Unidade III

Acompanhando as reuniões de professores junto à agente do CAPS, constatamos a distância entre o discurso proferido
por alguns professores e a atuação deles frente aos sujeitos envolvidos no grupo. Se, por um lado, havia a preocupação
de desenvolver um trabalho com esses sujeitos, por outro, a realidade se mostrava completamente diferente na relação
direta com eles, imperando o descaso e o tratamento hostil por meio da oralidade. As revelações que surgiam a cada
atendimento nos traziam dados que iam além do objeto do conhecimento – o grupo em questão não sabia dizer os nomes
dos professores, que componente curricular lecionavam e não estabeleciam relações de quaisquer conteúdos com os
quais haviam tido contato durante as aulas. Vale ressaltar que se tratava do mês de maio do ano letivo.

Nesse contexto, a relação com a escola pareceu-nos possuir um único vínculo: a alimentação. Era ali que faziam uma
de suas refeições do dia e, talvez, a única, além do fato de a escola prover leite para cada aluno, conforme programa
do governo municipal.

A alimentação é uma questão que surge como um determinante para a limitação desses sujeitos. Em conversa informal
durante a produção de algumas atividades, o grupo relatou sobre o cardápio diário caracterizado por não sortimento
de alimentos ou por número de refeições insuficiente. No aspecto moradia, notamos que o espaço habitado por alguns
desses sujeitos, muitas vezes, é reduzido a um cômodo, o que também restringe a capacidade de externar e construir
hipóteses sobre o universo que os rodeia.

Nessa gama de limitações, nossa intervenção junto a esses sujeitos estabeleceu-se no caráter de despertar-lhes o olhar
para um universo que cruza todas as fronteiras que lhes foram impostas, buscando devolver-lhes um pouco de brilho no
olhar e auto-estima – o desejo –, fazendo com que acreditassem na possibilidade de desenvolvimento ou, até mesmo, na
construção de um potencial que lhes fora negado.

Segundo Fernández (2001:93), “o corpo, transversalizado pela inteligência e pelo desejo, alimenta-se e aprende, passando
a representar o cenário onde será mostrada a história do alimentar-se, o aprender e o ensinar do sujeito”.

Parafraseando Fernández, esses sujeitos precisavam de “alimento”, em seu sentido conotativo e denotativo, para que
edificassem forças para mudar sua realidade e atravessar seus próprios limites. O nosso trabalho de intervenção com
esses sujeitos, em virtude das barreiras apresentadas, nos remeteu a uma ação inicial de “amamentação”, buscando
levá-los a desenvolver o ato de “sucção”, ou seja, apesar de serem providos do alimento, houve a necessidade de um
esforço individual, um movimento para absorção e metabolismo desse alimento, no caso, o conhecimento.

Foram realizadas, alternadamente, atividades em caráter lúdico e formal, visando a construção e elaboração de idéias
sobre o que lhes fora apresentado em cada sessão. Utilizamos jogos, histórias, desenhos, gravuras como “alimento”,
buscando aumentar o repertório apresentado por eles. A realidade dura e concreta de suas vidas não os possibilitava ir
além do apresentado, a qual fazia com que, nas sessões, demonstrassem cansaço e certa inibição para a produção de
desenhos e escrita. Com o desenrolar dos atendimentos, até os não alfabetizados começaram a desenvolver o movimento
de hipótese de leitura e escrita, reconhecendo parte de palavras e grafando letras, sílabas e palavras inteiras. O fato de a
intervenção se dar em grupo propiciou a integração mútua, sendo que, inicialmente, revelaram-se os tímidos, os líderes,
os colaboradores, os copistas, os transgressores de regras, etc.

Por questões não reveladas, um dos participantes não compareceu mais à unidade escolar, sendo caracterizado o abandono
aos estudos. A menina apresentou muita dificuldade em resignar-se, em aceitar regras, acarretando sua desistência
na participação do grupo. Tentamos trazê-la novamente para o grupo por três sessões seguidas, mas não obtivemos
sucesso. Vale mencionar que, apesar de estar alfabetizada, a aluna produzia textos limitados e extremamente concretos,
não fazendo uso de todo seu potencial.

Nosso trabalho prosseguiu com os outros quatro integrantes, sempre com o foco na linguagem, fosse ela escrita ou
oral. Para a realização deste trabalho, pudemos notar que a mediação se fez necessária a cada sessão, caracterizando a
não autonomia dos sujeitos para a realização das atividades propostas. A mediação, inicialmente, foi constante e exigiu
bastante de nosso empenho, pois os alunos apresentavam-se bloqueados, com medo de levantar hipóteses e de errar. Ao
final deste trabalho de intervenção, pudemos verificar que cada um dos integrantes apresentou mudanças no sentido de

26 Universidade Gama Filho


Anexo – Atividades com Textos Complementares Unidade III
estar mais confiante, desenvolver um pouco mais de autonomia propiciada pela interação e pela sintonia grupal, o que
permitiu um avanço nas relações das diferenças existentes entre eles.

Acreditamos que este trabalho não tenha aberto todas as portas para o universo existente e que eles desconhecem;
nem ousaremos dizer o mesmo sobre janelas; contudo apontamos para a presença de frestas que aguçam a curiosidade
para um olhar, para o novo. Esperamos que eles tenham a curiosidade e o movimento de abrir a janela, analisar o que se
apresenta e ousem abrir a porta e dar um passo à frente, rompendo as barreiras, ultrapassando seus limites.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O momento em que são realizadas tais observações reflete um aquecimento sobre as questões que envolvem o papel do
psicopedagogo em nosso contexto educacional numa instituição escolar.

É de modo tímido que apresentamos, neste relato, uma discussão com base na densa proposta de alguns teóricos sobre
grupos de trabalho. São ainda raras, porém muito valiosas, as contribuições que algumas teorias têm a nos oferecer.
Porém, é um tanto pretensioso pensar em dar conta de diversos apontamentos encontrados nessas teorias e esgotarmos
todas as discussões possíveis a partir das observações realizadas.

Pode-se considerar este um ensaio de arranjo dos dados obtidos e de discussões que emergem a partir das informações
nesse momento de final de curso. Espera-se que este trabalho sirva como subsídio para, futuramente, solidificar nosso
papel de psicopedagogos, assumindo uma postura mais bem definida e com reflexão de maior consistência, com forma
e estilo próprios.

Desse modo, torna-se possível instrumentalizar os meios de intervenção e de acompanhamento do corpo docente para
superar sua dificuldade de ensino.

Ao adquirir o conhecimento mais profundo sobre sua práxis e o que ela pode desencadear, o profissional deixa de
reagir somente àquilo que se coloca em seu campo perceptivo, ou seja, em seu tempo presente e em sua experiência
imediata.

Ressaltamos que nosso contato com o grupo aconteceu ao término de um ano letivo e início de outro. Foram três encontros
no CAPS e dezenove na instituição–escola, sendo que dois deles foram caracterizados por encontros de encerramento,
não promovendo discussões e situações cotidianas e passíveis de observações relevantes.

Acreditamos que, na hipótese de continuidade do projeto, teremos condições de aprofundar nosso contato com o grupo,
expandir nosso campo de ação e, dessa forma, delinear um parecer pertinente e, talvez, mais fidedigno à realidade
apresentada.

Referências bibliográficas

ASSUMPÇÃO, Cecília N.; QUINTA Jaqueline M. Necessidades em saúde mental com sofrimento psíquico. São
Paulo: Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade de São Paulo: 2003. 36f.

FERNÁNDEZ Alicia. Idiomas do aprendente: análise de modalidades ensinantes em famílias, escolas e meios
de comunicação. Porto Alegre: Artmed, 2001.

PICHON-RIVIÉRE, Enrique. O processo grupal. 6 ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998.

WEIL, Pierre. Relações humanas na família e no trabalho. 47 ed., Petrópolis: Vozes, 1997.

Direitos reservados ao CETEB 27


Anexo – Atividades com Textos Complementares Unidade III

NOTAS
1
Psicóloga pela Universidade São Marcos, SP; pós-graduanda em Psicopedagogia pela Universidade São Marcos, SP:
psicoterapeuta em clínica e como analista na área de desenvolvimento organizacional em recursos humanos na SPDM
– Hospital São Paulo/Universidade Federal de São Paulo. e-mail: [email protected]
2
Tradutor e intérprete (Português e Inglês); licenciado em Letras pela Universidade Ibero-Americana; especialista em
Ensino Superior de Língua Inglesa e pós-graduando em Psicopedagogia pela Universidade São Marcos, SP; docente em
escola da rede particular de ensino no Ensino Fundamental II e Médio e-mail: [email protected]
3
Fonoaudióloga pela Universidade Federal de São Paulo, com especialização em Saúde Mental pela Universidade de São
Paulo; pós-graduanda em Psicopedagogia pela Universidade São Marcos, SP; gerente de unidade de saúde mental no
município de São Paulo. e-mail: [email protected]

28 Universidade Gama Filho


Anexo – Atividades com Textos Complementares Unidade III

Texto Complementar 2 – Oficinas de linguagem: proposta de atendimento psicopedagógico


para crianças com queixas escolares
Luciana Carla dos Santos Elias; Edna Maria Marturano
Universidade de São Paulo – Ribeirão Preto

Como citar este artigo:


Estudos de psicologia. Vol.10, n.1, Natal, Jan./Apr. 2005
______________________________________________________________________________________

RESUMO
Quando o baixo rendimento escolar está associado a problemas de comportamento, há risco de desajustamento psicossocial.
O objetivo do estudo foi verificar os efeitos de uma intervenção baseada em princípios da aprendizagem mediada,
sobre o desempenho acadêmico e problemas de comportamento, em crianças que apresentam ambas as dificuldades.
Participaram do estudo 17 meninos, com idade entre sete e onze anos, encaminhados a uma clínica de psicologia por
dificuldades escolares. As dificuldades acadêmicas e comportamentais das crianças foram avaliadas antes e após a
intervenção, tendo como informantes as crianças e suas mães. A intervenção consistiu de 20 oficinas de linguagem,
realizadas semanalmente em pequenos grupos. Após a intervenção, verificaram-se progressos no desempenho escolar e
atenuação dos problemas de comportamento. Problemas de atenção e manifestações internalizantes parecem sensíveis
à intervenção, ao passo que comportamentos agressivos tendem a persistir. Estudos de seguimento são necessários
para verificar a permanência dos efeitos encontrados.
Palavras-chave: apoio psicopedagógico; desempenho escolar; problemas de comportamento; avaliação de
intervenção.
______________________________________________________________________________________

ABSTRACT
The association between school underachievement and behavior problems is a risk factor for psychosocial disturbance.
The aim of this study was to verify the effects of an intervention based on mediated learning principles to reduce
academic and behavior problems in children presenting both difficulties. The study sample was composed by 17 boys,
aged 7 to 11 years. All of them were referred to a child guidance clinic due to school underachievement. Academic and
behavioral difficulties were assessed before and after intervention, by means of data provided by children themselves
and their mothers. Intervention consisted of 20 weekly small-group language workshops. After intervention, there have
been gains in academic achievement and a decrease in behavior problems. Attention and internalizing problems seem to
be more affected by intervention, while aggressive behavior tends to persist at pre-intervention levels. Follow-up studies
are required to assess the lasting effects of the intervention.
Keywords: psycho-educational support; school achievement; behavior problems; intervention assessment
______________________________________________________________________________________

Uma parcela apreciável da demanda das clínicas de psicologia é constituída por famílias que buscam ajuda profissional
para as dificuldades escolares de seus filhos. Trata-se em geral de crianças na faixa dos sete aos 12 anos, cursando
as séries iniciais do ensino fundamental, havendo predomínio de meninos em razão que pode chegar a 4:1 (Barbosa &
Silvares, 1994; Elias, 2002; Santos, 1990). Essas famílias freqüentemente trazem sentimentos de angústia, perplexidade
e impotência.

Esse quadro de inquietação familiar configura, para a criança afetada, uma vivência de fracasso. A chegada à clínica
constitui um marco nesse processo, ao simbolizar o momento crítico em que esses indivíduos recebem uma chancela
social de incompetência frente àquela que é considerada, em nossa cultura, como uma das principais tarefas evolutivas
da fase escolar – a produtividade (Erikson, 1971; Masten & Coastworth, 1998). Assim, quando a criança que vai mal

Direitos reservados ao CETEB 29


Anexo – Atividades com Textos Complementares Unidade III

na escola chega ao profissional de saúde, conduzida pela família, uma crise está instalada. São sugestivas de um quadro
de crise as manifestações sócio-emocionais encontradas em uma elevada porcentagem de crianças por ocasião da busca
de atendimento (Elias, 2002). Algumas dessas manifestações, como queixas somáticas e dificuldades de concentração,
caracterizam-se mesmo como sintomas de stress infantil (Lipp & Romano, 1987).

Indicadores de vulnerabilidade em crianças com queixas escolares

De acordo com a percepção dos professores, esses alunos apresentam mais dificuldades de adaptação às demandas da
sala de aula, quando comparados aos colegas com rendimento satisfatório. Sua abordagem da tarefa escolar é impulsiva,
desatenta e confusa, denotando ainda desinteresse, retraimento e não persistência. Nos relacionamentos interpessoais,
a desvantagem se verifica também em comparação aos alunos que estão apresentando um rendimento pobre, mas não
foram encaminhados para atendimento psicológico: frente à professora, mostram-se mais dependentes, rebeldes e tensos;
no relacionamento com os colegas, são considerados mais provocativos, agressivos, desrespeitosos, individualistas,
intolerantes e explosivos. No ambiente familiar, as mães relatam características de impulsividade, humor depressivo e
dificuldades interpessoais. O funcionamento sócio-emocional se caracteriza por controle pobre dos impulsos, dependência
e certa desorganização da conduta, como se a criança estivesse lidando com situações que excedem seus recursos de
enfrentamento (Marturano, Loureiro, Linhares, & Machado, 1997). Há evidência de que as dificuldades tentem a persistir
na adolescência, particularmente quando há problemas nas relações interpessoais (Campos & Marturano, 2003).

No plano subjetivo, as crianças com queixas escolares apresentam auto-imagem negativa, com intensos sentimentos de
inferioridade e menos valia, relacionados a vivências depressivas (Jacob, 1997). Seu auto-conceito é menos favorável e elas
têm um baixo senso de auto-eficácia quando comparadas a crianças com bom rendimento acadêmico (Jacob, 2001).

O quadro esboçado é sugestivo de que muitas dessas crianças vivem um momento de vulnerabilidade, requerendo ações
de saúde mental, seja para alívio do sofrimento psíquico de que dão mostras, seja para suporte ao enfrentamento da
crise, seja para a prevenção de maiores dificuldades futuras.

As Oficinas de Linguagem

As Oficinas de Linguagem, sistematizadas em uma clínica de psicologia vinculada ao SUS, constituem modalidade de
intervenção para essa clientela, tendo por meta ajudar as crianças a desenvolver um positivo senso de auto-eficácia para
tarefas escolares e uma disposição afetiva favorável em relação ao aprendizado de leitura e escrita.

Fundamentos. As oficinas de linguagem se baseiam no pressuposto de que a cognição faz a ponte entre a experiência prévia
do indivíduo e seus comportamentos atuais, ou seja, as representações mentais da experiência são o veículo através do
qual a experiência anterior influencia novas situações (Hughes, 2000). Com base no pressuposto do papel mediador da
cognição, espera-se que o senso de competência das crianças seja fortalecido por experiências concretas de sucesso em
situações de aprendizagem e possa, por sua vez, influir positivamente em seu sucesso futuro. As oficinas de linguagem
possibilitam tais experiências, ao propor mini-situações de experiência de aprendizagem mediada em pequenos grupos.

A experiência de aprendizagem mediada é aquela que promove modificabilidade cognitiva e flexibilidade do comportamento,
através de interações entre o aprendiz e um mediador que ativamente processa os estímulos aos quais aquele é exposto
(Goulart, Guhur, & Mori, 2001). Para a intervenção em oficinas de linguagem, são de particular importância os critérios de
experiência de aprendizagem mediada detalhados por Linhares (1998) e Goulart, Guhur e Mori (2001): (a) intencionalidade
e reciprocidade – há a intenção de transmitir uma mensagem e compartilhar esta intencionalidade com o aprendiz, ou
seja, este interage com o material apresentado pelo mediador; (b) significado – o mediador deve mostrar o sentido de
aprender algo, estabelecer com a criança o significado afetivo, cultural ou social da tarefa proposta; (c) transcendência
– a mediação deve transcender à situação específica, extraindo princípios e informações que podem ser úteis em outras
situações; (d) competência – deve-se comunicar à criança de diversas formas que ela é capaz de funcionar de maneira
independente e bem-sucedida e organizar oportunidades para que isso ocorra; (f) auto-regulação – cabe ao mediador
assistir o aprendiz na regulação de características impulsivas ou inibidas, bem como de seu ritmo, conforme as demandas
da situação.

30 Universidade Gama Filho


Anexo – Atividades com Textos Complementares Unidade III

Os três primeiros critérios são tidos como universais, por assegurarem a modificabilidade e a flexibilidade (Goulart, Guhur,
& Mori, 2001). Os dois últimos são fundamentais para as oficinas, dadas as características psicológicas da clientela-alvo,
que incluem baixo senso de eficácia e auto-regulação pobre.

A aprendizagem é, assim, vista nas oficinas como construção conjunta, e a mediação da aprendizagem é entendida como
um processo de interação entre uma pessoa em desenvolvimento e a outra, no caso, um adulto experiente, que, de forma
intencional, seleciona e organiza experiências de aprendizagem (Linhares, 1998).

Enquadre. A indicação para participação em oficinas de linguagem é feita por psicólogo da clínica, após avaliação da
criança. É feito um contrato verbal com a família, para um período de 18 a 22 semanas, com início em março ou agosto,
coincidindo com o início do semestre letivo na escola. Um contrato pode ser renovado por igual período mediante consenso,
caso se verifique a persistência de dificuldades que a freqüência às oficinas pode ajudar a superar. O atendimento é
feito em pequenos grupos, com três a cinco crianças do mesmo sexo, e inclui encontros semanais com duração de uma
hora e meia a duas horas.

As sessões são estruturadas em torno de tarefas coletivas, como pesquisas e projetos; a linguagem oral e escrita é usada
ativamente como meio para alcançar os objetivos comuns. O profissional coordenador dos grupos tem uma importante
função mediadora, mediante assistência às crianças nas zonas de desenvolvimento proximal, de acordo com os critérios
explicitados acima, na seção relativa a fundamentos.

As duas sessões iniciais são dedicadas à familiarização entre os membros do grupo, proposição de metas comuns,
sondagem dos interesses dos participantes e elaboração conjunta de regras para o funcionamento do grupo, bem como
de conseqüências para a transgressão das regras. Da terceira sessão em diante, as crianças desenvolvem pesquisas e
projetos coletivos sobre temas de interesse do grupo. Os recursos usados para essas atividades incluem uma variedade
de fontes como livros de história, enciclopédias, revistas, jornais, mapas e fotos. O adulto mediador oferece diretrizes
para a atividade e assistência em cada etapa do trabalho. As pesquisas incluem em geral as seguintes etapas: escolha do
tema; consulta às fontes de informação acessíveis e registro das mesmas; elaboração de um sumário escrito. Em cada
etapa, as tarefas são divididas e ajustadas às capacidades individuais. Quando o grupo decide desenvolver um projeto
sobre o tema pesquisado, as etapas são: definição do objetivo (informar, divertir, persuadir, etc.) e do produto (um livro,
um cartaz, um jogo de regras, uma maquete, etc.); planejamento; listagem dos materiais necessários; divisão das tarefas
entre os membros do grupo; execução das tarefas; verificação do produto final e retificação, quando necessário. Toda
atividade escrita no projeto é planejada como uma operação de três fases: pré-escrita ou rascunho, revisão e escrita
definitiva. O produto final de todo projeto fica exposto no saguão de entrada da clínica durante pelo menos dez dias. As
produções de cada criança nas diferentes etapas das pesquisas e projetos – anotações, rascunhos, esboços, desenhos
– são arquivadas em pastas individuais.

A estrutura básica de uma sessão de oficina inclui quatro a cinco partes. Nos dez minutos iniciais de cada sessão as
crianças e o mediador se sentam ao redor da mesa de trabalho e as crianças são encorajadas a falar sobre sua última
semana e a participar dos diálogos em torno dos assuntos trazidos pelos outros membros do grupo. Os 60 a 90 minutos
subseqüentes são dedicados às atividades de pesquisa ou projeto planejadas pelo grupo na sessão anterior. Instrução
individualizada em habilidades de leitura e escrita é proporcionada quando necessário, tomando aproximadamente 15
minutos. Em seguida, as crianças escolhem um jogo de regras e jogam uma ou duas partidas. No fechamento da oficina, cada
criança é encorajada a expressar sua opinião sobre as atividades e a refletir sobre seu comportamento e o funcionamento
do grupo; em seguida, o mediador faz uma síntese da sessão em seus aspectos operativos e interpessoais, pontuando
os desafios surgidos, as soluções encontradas, os ganhos de aprendizagem e as contribuições de cada participante para
o cumprimento das tarefas que o grupo havia planejado para aquele encontro.

Na última sessão o mediador retoma os objetivos iniciais, mencionando e mostrando concretamente os progressos
alcançados por cada criança, através do manuseio da pasta de produções individuais e recapitulação das produções
coletivas.

Direitos reservados ao CETEB 31


Anexo – Atividades com Textos Complementares Unidade III

Diretrizes para a condução do processo são fornecidas no Manual do mediador das oficinas de linguagem, com base
nas propostas de Fonseca (1995) e Mentis (1997). Trata-se de diretrizes gerais, visto que o processo é essencialmente
interativo e as atividades são desenvolvidas de acordo com as características de cada grupo. O manual inclui também
instruções sobre manejo de comportamentos em situação de grupo e modalidades específicas de comunicação e apoio
sugeridas por Kernberg e Chazan (1993).

As oficinas de linguagem e os problemas sócio-emocionais de crianças com dificuldades escolares

Como intervenção de baixa periodicidade – uma vez por semana –, as oficinas de linguagem não propiciam recuperação do
desempenho escolar ao nível da série (Clay, 1993). Espera-se, entretanto, que esta experiência de aprendizagem mediada
proporcione à criança maior flexibilidade para aproveitamento de novas experiências de aprendizagem, avançando assim
na zona de desenvolvimento proximal.

Além disso, tendo sido concebidas de modo a fortalecer o senso de competência da criança, pode-se supor que as
oficinas de linguagem terão efeito positivo de redução de tensões emocionais e problemas de comportamento, comuns
em crianças com dificuldades acadêmicas.

Na investigação relatada neste artigo, as oficinas de linguagem foram avaliadas quanto a seus efeitos sobre o desempenho
acadêmico e os problemas sócio-emocionais de meninos referidos para atendimento em razão do desempenho escolar
pobre. Especificamente, visou-se comparar medidas de desempenho e de problemas de comportamento das crianças antes
e após a intervenção psicopedagógica. A amostra foi constituída de meninos, dada a predominância do gênero masculino
na população referida às clínicas de psicologia por dificuldades escolares.

Método

O estudo foi realizado em uma clínica-escola de Psicologia vinculada à rede SUS de atendimento, em uma cidade de
aproximadamente 500 mil habitantes no interior do Estado de São Paulo.

Participantes

Participaram do estudo 17 meninos, com idades entre sete e 11 anos, cursando entre a 1ª e a 4ª séries, e suas respectivas
mães ou responsáveis. Todos estavam inscritos na clínica, tendo como queixa primária o baixo rendimento escolar, e
aguardavam atendimento.

Os participantes foram selecionados de acordo com os seguintes critérios: (a) não apresentar indício de déficit cognitivo
em teste de inteligência; (b) ser capaz de ler e escrever palavras formadas por sílabas simples, de estrutura consoante-
vogal, em teste de desempenho escolar; e (c) apresentar problemas de comportamento com pontuação acima de 16
na Escala Comportamental Infantil de Rutter, como indicativo de necessidade de ajuda psicológica na visão dos pais
(Graminha & Coelho, 1994).

Instrumentos

Os instrumentos utilizados foram: Teste das Matrizes Progressivas Coloridas de Raven (Angelini, Alves, Custódio, & Duarte,
1997), para triagem de participantes com desempenho acima do percentil 5, de modo a atender ao critério de ausência
de déficit cognitivo; Teste de Desempenho Escolar – TDE (Stein,1994); um formulário com cinco questões fechadas
para investigação de dificuldades na lição de casa, empregado rotineiramente na clínica; Escala Comportamental Infantil
A2 de Rutter – ECI (Graminha 1998); Inventário de Comportamentos da Infância e Adolescência – CBCL (Achenbach,
1991; Bordin, Mari, & Caeiro, 1995).

Procedimento de Coleta

A avaliação pré-intervenção ocorreu durante a entrevista de triagem clínica do serviço onde se realizou o estudo. Por
carta ou telefonema, as mães de crianças inscritas que aguardavam atendimento eram convidadas a comparecer com
32 Universidade Gama Filho
Anexo – Atividades com Textos Complementares Unidade III

seu filho, em dia e horário marcado. As entrevistas com a mãe e a criança ocorriam simultaneamente, realizadas pela
primeira autora e uma auxiliar de pesquisa, ambas psicólogas. Todos os instrumentos eram aplicados em uma única
sessão. A criança respondia ao Raven e ao TDE. Na entrevista com a mãe eram aplicados a ECI, o CBCL e o formulário
sobre a lição de casa. Mediante os resultados dessa avaliação, as mães das crianças que preenchiam os critérios de
inclusão na pesquisa eram consultadas e, caso concordassem, assinavam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Na prática, todas as mães consultadas assentiram em participar da pesquisa. As crianças que não preenchiam os critérios
eram encaminhadas para atendimento com outros profissionais na própria clínica. Quando necessário, eram feitos
encaminhamentos para outros serviços.

Foram constituídos seis grupos de intervenção em oficinas de linguagem, com três a cinco membros. Respeitado o horário
escolar das crianças, buscou-se formar grupos homogêneos quanto ao desempenho em leitura e escrita.

As crianças passaram por intervenção durante 20 sessões semanais com duração de duas horas, perfazendo carga horária
total de 40 horas. A intervenção sempre tinha seu início coincidindo com o início de um semestre letivo. De acordo com
norma da clínica onde o trabalho foi desenvolvido, as mães recebiam orientação quinzenal em grupo. Trabalhavam-se
com as mães questões focais sobre manejo das dificuldades acadêmicas e sócio-emocionais. As orientações duravam
de uma a uma hora e meia, perfazendo carga horária total de 10 a 15 horas.

Após o término da intervenção, as crianças eram reavaliadas, utilizando-se os mesmos instrumentos e procedimentos
utilizados na avaliação inicial, com exceção do Raven.

Os atendimentos foram conduzidos pela primeira autora e pela auxiliar de pesquisa, que receberam treinamento prévio
para condução de oficinas de linguagem, na própria clinica onde a pesquisa foi desenvolvida.

Procedimento de análise dos dados

Os protocolos foram cotados segundo as proposições de cada técnica. Para comparação entre os escores obtidos nos
dois momentos de avaliação, foram empregados três testes estatísticos, de acordo com as características métricas dos
escores: teste t para amostras emparelhadas, teste do Sinal e teste de Wilcoxon.

Aspectos éticos

O projeto teve a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da instituição onde foi realizado. O convite às mães seguiu a
ordem cronológica das inscrições na clínica. Todas as crianças avaliadas tiveram garantia de atendimento, segundo suas
necessidades, independentemente do consentimento das mães em participar da pesquisa e de acordo com as normas do
serviço. Após a conclusão do estudo, o compromisso de atendimento foi mantido e passou a ser feito por profissionais
vinculados à clínica, sem solução de continuidade.

Resultados

Os resultados são apresentados em duas seções. Na primeira, mostram-se as comparações entre escores obtidos
na avaliação pré-intervenção e na avaliação pós-intervenção. Na segunda, é feita a análise do significado clínico das
diferenças encontradas.

Comparação entre as avaliações pré e pós-intervenção

Na Tabela 1 são apresentados os resultados relativos ao desempenho em escrita, aritmética, leitura e total, obtidos
através dos escores brutos no TDE, nos dois momentos de avaliação.

Direitos reservados ao CETEB 33


Anexo – Atividades com Textos Complementares Unidade III

Tabela 1 – Médias e desvios padrões dos escores brutos no TDE, antes e depois da intervenção
Pré Pós
Variáveis t
Média DP Média DP
Escrita 16,82 8,08 19,29 5,19 -1,91*
Aritmética 11,23 5,34 14,18 5,38 -2,64**
Leitura 49,12 18,98 53,29 18,22 -2,96***
Total 77,47 29,03 86,76 23,94 -4,07****
* p < 0,10; ** p < 0,05; *** p < 0,01; **** p = 0,001

Os resultados da Tabela 1 indicam melhoras significativas após a intervenção, nos indicadores de leitura e aritmética,
bem como no escore total do TDE. Há tendência a melhora também no escore de escrita.

Os resultados relativos a dificuldades na lição de casa são apresentados na Tabela 2, que mostra o número de participantes
com dificuldades em cada momento da avaliação.

Tabela 2 – Número de crianças com dificuldades na lição de casa antes e depois da intervenção e probalidades
associadas às diferenças entre os dois momentos
Variáveis Pré Pós p
Freqüentemente tem dificuldade na lição de casa 14 5 0,01*
Não toma iniciativaa para fazer a lição 14 5 0,004 **
Não consegue fazer a lição sem ajuda 11 2 0,004 **
Faz muitas interrupções durante a realização da tarefa 8 4 n. s. **
recusa-se a fazer a lição 4 0 n. s. **
* Teste Wileoxon; ** Teste do Sinal

Dos 17 meninos que participaram do estudo, 14 apresentavam dificuldade na lição de casa, segundo a avaliação das
mães, antes da intervenção. A dificuldade mais freqüente era a falta de iniciativa para fazer a lição. Mais de dois terços
das crianças não conseguiam fazer a lição de forma independente. Após a intervenção, houve redução significativa no
número de crianças com dificuldades, verificando-se melhora quanto à independência e à iniciativa. As poucas crianças
que se recusavam a fazer a tarefa de casa deixaram de mostrar essa reação.

Os escores de problema de comportamento fornecido pela ECI também diminuíram após a intervenção. A média da amostra
caiu de 26,06 (dp = 8,64) para 19,35 (dp = 9,68), uma variação significativa (t = 5,02; p < 0,0001). Tendência
semelhante foi observada em relação ao CBCL. Nas Tabelas 3 e 4, os resultados relativos ao CBCL estão expressos em
escores T, que são escores normalizados (Achenbach, 1991; Bordin, Mari, & Caeiro, 1995). A Tabela 3 apresenta as
médias dos escores T nas oito síndromes avaliadas pelo inventário e a Tabela 4, as médias nas escalas Internalização,
Externalização e Total. A escala Internalização inclui as síndromes Retraimento, Complicações Somáticas e Ansiedade
/ Depressão, ao passo que a escala Externalização inclui as síndromes Comportamento Delinqüente e Comportamento
Agressivo.

34 Universidade Gama Filho


Anexo – Atividades com Textos Complementares Unidade III

Tabela 3 – Médias e desvios-padrão dos escores T nas síndromes do CBCL, antes e depois da intervenção
Pré Pós
Variáveis t
Média DP Média DP
Retraimento 62,82 10,57 61,41 9,45 0,83
Complicações somáticas 60,41 9,03 57,57 6,73 1,19
Ansiedade e depressão 60,59 8,59 57,35 10,58 1,94*
Problemas sociais 64,76 10,13 57,17 6,52 3,87 ****
Problemas de pensamento 58,18 9,19 56,35 9,22 0,75
Problemas de atenção 72,47 1,55 67,12 10,27 2,52**
Comportamento delinqüente 59,00 8,32 54,76 6,76 2,96***
Comportamento agressivo 66,23 14,86 62,94 10,57 1,56
* p < 0,10; ** p < 0,05; *** p < 0,01; **** p = 0,001

Tabela 4 – Médias e desvios-padrão dos escores T de problemas de comportamento nas escalas do CBCL:
Internalização, Externalização e Total, antes e depois da intervenção
Pré Pós
Variáveis t
Média DP Média DP
Internalização 63,35 9,50 58,18 11,93 2,71**
Externalização 52,23 11,96 59,71 10,17 1,78*
Total 65,41 9,37 60,94 9,74 4,23****
* p < 0,10; ** p < 0,05; *** p < 0,01; **** p = 0,001

As médias pré-intervenção apresentadas na Tabela 3 indicam que os problemas de comportamento com médias mais
altas antes da intervenção eram: problemas de atenção (“não consegue se concentrar, é irrequieto, é muito excitado ou
tenso”); comportamento agressivo (“é mal humorado, exige muita atenção, é desobediente em casa”); problemas sociais
(“age de maneira infantil para sua idade, é muito dependente”); e retraimento (“aborrece-se com facilidade, guarda as
coisas para si mesmo”). Com exceção dos problemas de atenção, os demais refletem dificuldades interpessoais.

Das três síndromes do CBCL em que houve melhora significativa após as oficinas, duas se encontravam no rol de
problemas com maiores médias pré-intervenção. Comportamento delinqüente e problemas sociais tiveram as mudanças
mais significativas. Houve melhoras também nos problemas de atenção; os sintomas de ansiedade e depressão tendem
a diminuir.

Tendência semelhante de diminuição dos problemas de comportamento aparece nos resultados da Tabela 4. Os
participantes obtiveram melhoras significativas no indicador de problemas internalizantes e tendência à melhora em
problemas externalizantes. A diferença mais acentuada foi no escore total do CBCL, que inclui as escalas acima e mais
65 itens. Esse resultado denota uma redução generalizada de problemas comportamentais.

Significado clínico das melhoras obtidas

Considerando que os participantes do estudo eram clientes de uma clínica de psicologia, com problemas de comportamento
associados ao desempenho escolar pobre, foi feita a análise do significado clínico das mudanças encontradas após a
intervenção. Essa análise incluiu apenas os dados de instrumentos que forneciam normas ou pontos de corte para diferenciar
problemas em nível clínico ou desempenho inferior ao esperado. Na Tabela 5 está indicado o número de participantes
com status clínico em cada instrumento, antes e depois da intervenção.

Direitos reservados ao CETEB 35


Anexo – Atividades com Textos Complementares Unidade III

Tabela 5 – Status clínico dos participantes antes e depois da intervenção


Número de Crianças
Indicador
Pré Pós
Desempenho inferior à norma do TDE para sua idade ou série 15 11
Escore de problema de comportamento em n´vel clínico na ECL 17 10
Escore T Clínico no CBCL
Retraimento 5 4
Complicações somáticas 2 0
Ansiedade e depressão* 2 2
Problemas sociais 3 0
Problemas de pensamento* 3 2
Problemas de atenção 11 6
Comportamento delinqüente 2 0
Comportamento agressivo* 5 5
Internalização** 8 6
Externalização 7 6
Total 10 8
* Em um caso, os problemas passaram do status limítrofe para o clínico após a intervenção
** Em um caso, os problemas passaram do status normal para o clínico após a intervenção

Antes da intervenção, observa-se que 15 meninos apresentavam desempenho escolar aquém de sua série, o que é
compatível com o motivo de encaminhamento para a clínica. Já quanto aos problemas de comportamento, os escores
no CBCL não coincidem totalmente com o critério de pré-seleção baseado no ponto de corte da ECI. Dos 17 meninos
selecionados segundo esse critério, dez foram diagnosticadas no CBCL como tendo problemas de comportamento com
status clínico na Escala Total antes da intervenção. Os problemas de atenção sobressaem como a síndrome que afeta
clinicamente o maior número de meninos desta amostra. As outras três síndromes que na Tabela 3 aparecem com as
médias mais elevadas de escore T pré-intervenção, e que se referem a dificuldades interpessoais, apresentam-se em status
clínico para um pequeno número de participantes. Entretanto, no conjunto, dez crianças apresentam alguma dificuldade
interpessoal em nível clínico antes da intervenção.

Após a intervenção, as mudanças foram discretas, com exceção dos resultados relativos a problemas de comportamento
na ECI e a problemas de atenção no CBCL, em que o número de crianças com status clínico foi reduzido quase à metade.
Há variação entre as síndromes no que se refere à mudança de status clínico. Enquanto problemas de atenção, problemas
sociais, complicações somáticas e comportamento delinqüente perdem status clínico, comportamento agressivo e
retraimento parecem persistir nos mesmos níveis.

Conforme está indicado no rodapé da Tabela 5, houve casos de piora em alguns indicadores de problema de comportamento
do CBCL. Chamam a atenção os resultados na escala Internalização, em que um participante passou do status normal
ao clínico. Inspecionando-se os protocolos de avaliação deste participante, verificou-se que, antes da intervenção,
apresentava escores clínicos nas escalas Externalização e Total do CBCL, assim como nas síndromes Problema de
Atenção e Comportamento Agressivo. Tinha dificuldades com a lição de casa e desempenho aquém de sua série. Após
a intervenção, esta criança não alterou as dificuldades anteriores com a lição de casa, nem os problemas de atenção ou
os comportamentos agressivos; apresentou piora no desempenho de escrita e na síndrome Ansiedade / Depressão do
CBCL. Após a reavaliação, foi encaminhada para atendimento individual. Uma avaliação de seguimento seis meses depois
indicou um perfil comportamental dentro da faixa normal no CBCL e melhora no desempenho escolar, porém abaixo das
normas para sua idade e série.

Discussão

A investigação relatada neste artigo focalizou a modalidade de apoio psicopedagógico denominada oficinas de linguagem,
verificando sua eficácia para melhorar o desempenho e atenuar problemas de comportamento em meninos com queixa de
36 Universidade Gama Filho
Anexo – Atividades com Textos Complementares Unidade III

desempenho escolar pobre. Antes da intervenção, as crianças incluídas no projeto apresentavam, como grupo, ausência
de iniciativa e dependência de ajuda para a lição de casa, problemas de atenção, dificuldades interpessoais e elevado
escore de problemas de comportamento, além do baixo desempenho escolar.

A comparação entre medidas obtidas antes e depois da intervenção sugeriu, em relação aos problemas modais da
amostra, melhora no desempenho escolar, mais iniciativa e independência na lição de casa, melhora das dificuldades de
atenção e diminuição dos problemas de comportamento. Outras dificuldades, menos freqüentes na amostra, pareceram
também sensíveis à intervenção. Atenuaram-se os sinais de imaturidade interpessoal, os comportamentos anti-sociais e
as manifestações internalizantes. Por outro lado, persistiram problemas interpessoais como retraimento e comportamento
agressivo.

Um aspecto positivo desses resultados é que diversos problemas que se mostraram maleáveis à intervenção correspondem
a características repetidamente encontradas nessa população clínica, tais como problemas de atenção e manifestações
internalizantes (Elias, 2003; Marturano et al., 1997).

A configuração das melhoras detectadas indica com clareza que os maiores benefícios incidem sobre aspectos relevantes
para o desempenho acadêmico, o que está de acordo com os objetivos da intervenção. As oficinas parecem (re)ativar
processos internos facilitadores do aprendizado escolar. Após a intervenção, os participantes se mostram menos dispersos,
menos dependentes de ajuda e com mais iniciativa nas tarefas. Esse conjunto de recursos das crianças, resgatados fora
do contexto das sessões de oficina, denotam que após 20 semanas de atendimento elas estão mais equipadas e dispostas
para tirar proveito de oportunidades de aprendizado oferecidas em outros contextos, como a sala de aula, programas de
aceleração do aprendizado ou classes de recuperação. É plausível supor que as melhoras verificadas no teste de desempenho
acadêmico sejam em parte decorrentes desse processo que, uma vez iniciado, tem boas chances de se manter no tempo,
desde que retroalimentado nos sistemas de suporte escolar e familiar. A ação de um processo de retroalimentação que,
uma vez superados os obstáculos momentâneos, sustenta e impulsiona o progresso escolar da criança, é sugerida pelos
dados de Campos e Marturano (2003). Em estudo de seguimento com crianças que receberam apoio psicopedagógico
para superação de suas dificuldades escolares, essas autoras verificaram que as crianças mais sociáveis, envolvidas em
relações interpessoais harmoniosas, são as que mais mantêm os ganhos obtidos com o atendimento e conseguem mais
progresso acadêmico. Uma orientação social positiva pode ser crucial para procurar, eliciar, perceber e aceitar o suporte
dos pais, professores e colegas, estando provavelmente no cerne desse mecanismo de retroalimentação positiva.

A esse respeito, cabe lembrar que problemas de natureza interpessoal, modais na população com queixas escolares (Elias,
2003), foram detectados, em nível clínico, em mais de metade da amostra deste estudo e, no entanto, a freqüência às
oficinas não contribuiu para melhoras significativas, a não ser nos indicadores de imaturidade interpessoal, que incluem
conduta infantilizada e dependência emocional em relação ao adulto. Esses resultados, ao mesmo tempo em que reafirmam
o papel das oficinas na promoção da independência – tanto instrumental como afetiva – da criança, delimitam seus efeitos
comportamentais. Dado que algumas das dificuldades sócio-emocionais apresentadas pelas crianças com dificuldades
escolares, como agitação, irrequietude, dificuldade de concentração, queixas somáticas, tristeza e angústia, têm sido
tomadas como indicadores de stress infantil (Lipp & Romano, 1987), pode-se supor que os efeitos comportamentais
das oficinas refletem alívio das tensões relacionadas à situação escolar adversa. Problemas sócio-emocionais de outra
origem não seriam afetados.

Com respeito aos benefícios do atendimento, algumas ressalvas devem ser feitas. Em primeiro lugar, é preciso atentar para
o fato de que algumas crianças mostraram intensificação de problemas. Especificamente, em uma criança os sintomas
internalizados passaram do status normal para o clínico após a intervenção. Embora os sintomas internalizados tenham
decaído significativamente na amostra como um todo, denotando alívio de tensões na maioria dos participantes, o fato
de que eles se intensificaram em uma criança alerta para a necessidade de cuidadoso acompanhamento caso a caso.
Esse resultado isolado, se agregado aos que indicaram persistência dos problemas relativos a comportamento agressivo e
retraimento, corrobora uma visão parcimoniosa dos efeitos do atendimento, delimitando seu alcance a aspectos diretamente
relacionados ao problema escolar. Como ressalta Kazdin (2000), um grande número de fatores influencia os resultados
de intervenções psicossociais, e uma análise da ação desses fatores transcende o escopo desta investigação.

Direitos reservados ao CETEB 37


Anexo – Atividades com Textos Complementares Unidade III

Em segundo lugar, as mudanças no status clínico dos problemas foram em geral modestas. Uma questão que se coloca
é se, e até quando, melhoras no status clínico seriam observadas caso novas avaliações fossem feitas ao longo do
atendimento, para além das 20 semanas a que se restringiu este estudo. A noção de que mais é melhor, freqüentemente
assumida na pesquisa contemporânea sobre efeitos de tratamentos psicossociais (Kazdin, 2000), é uma questão a ser
tratada empírica e teoricamente. Pelo menos no que diz respeito ao desempenho escolar, a resposta tende a ser negativa,
já que se trata de intervenção de baixa periodicidade. O esquema recomendado para programas de recuperação de leitura
ao nível da série em crianças iniciantes é de sessões diárias (Clay, 1993). Um progresso escolar mais acelerado poderia
ser atribuído a efeitos de bola de neve, como os comentados em parágrafo anterior, a partir da melhora em aspectos
do funcionamento da criança que são requisitos para o aprendizado acadêmico e que as oficinas parecem promover, de
acordo com suas finalidades.

Duas ressalvas adicionais devem ser feitas, como limites metodológicos impostos pela realização do estudo em situação
real de atendimento clínico. Consoante o compromisso ético com os clientes da clínica, o delineamento adotado não
incluiu um grupo não-tratado, o que seria necessário para se poder afirmar que as melhoras observadas não se devem
meramente à passagem do tempo. Pode-se argumentar, a esse respeito, que por se tratar de famílias que procuram ajuda
clínica para lidar com as dificuldades da criança, é pouco plausível que melhoras em múltiplos domínios do funcionamento
da criança tivessem ocorrido independentemente dessa ajuda, em padrão coerente com os objetivos da intervenção.

Uma segunda limitação do delineamento é que não há como dissociar eventuais efeitos das oficinas de linguagem e
das orientações às mães, que foram concomitantes. Pode-se supor que as melhoras se devem, pelo menos em parte, a
mudanças de atitudes e comportamentos maternos. Por outro lado, há que considerar que o atendimento à criança, por
ter sido direto, mais freqüente e de maior duração que o atendimento à mãe, tem maior chance de afetar o desempenho
e o comportamento da primeira. Essa discussão, no entanto, se faz todo sentido em relação aos objetivos específicos
do estudo, perde significado no contexto do atendimento clínico. A importância da família em todo processo de apoio
psicológico ou psicopedagógico ao escolar não pode ser subestimada.

Com as limitações mencionadas, a realização da pesquisa no contexto de uma instituição de saúde apresentou uma
contribuição positiva, no fato de ter demonstrado a adequação do tratamento em uma situação clínica real, beneficiando
meninos, que constituem a parcela mais significativa da demanda por atendimento em razão de queixas escolares (Barbosa
& Silvares, 1994), com impacto positivo nos problemas mais comuns encontrados na clientela antes da intervenção.

Os efeitos encontrados são coerentes com os objetivos da proposta de atendimento, circunscrevendo-se às questões
escolares.

Enquanto experiência de aprendizagem mediada, as oficinas de linguagem parecem promover modificabilidade cognitiva,
ao desenvolver na criança uma genuína disponibilidade para aprender (Goulart, Guhur, & Mori, 2001). Para as crianças
que estão vivendo um momento crítico frente à ameaça de insucesso na tarefa evolutiva da produtividade, o programa
constitui fonte de suporte para o enfrentamento da crise, contribuindo para alívio do stress e ativando seus recursos
internos para lidar com os desafios da aprendizagem (Linhares, 1998). Seria interessante verificar o grau em que a
redução dos sintomas de tensão psicológica se associa à melhora na percepção de si como aprendiz, já que uma das
metas das oficinas de linguagem é trabalhar este aspecto, bastante prejudicado nas crianças com queixas escolares
(Jacob, 2001).

São necessários estudos de seguimento para investigar o grau de permanência dos ganhos obtidos, bem como investigações
sobre o processo da intervenção para elucidar os mecanismos que contribuem efetivamente para as melhoras obtidas.

Referências
Achenbach, T. M. (1991). Manual for the child behavior checklist / 4-18 and 1991 profile. Burlington: University
of Vermont, Department of Psychiatry.
Angelini, A. L., Alves, I. C. C., Custódio, E. M., & Duarte, W. S. (1997). Manual Matrizes Progressivas Coloridas
– Escala Especial de J. C. Raven, Dr. John Raven e Dr. J. H. Court . Padronização Brasileira. São Paulo:
Casa do Psicólogo.
38 Universidade Gama Filho
Anexo – Atividades com Textos Complementares Unidade III

Barbosa, J. J., & Silvares, E. F. (1994). Uma caracterização preliminar das clínicas-escola de Fortaleza. Estudos
de Psicologia (Campinas), 11, 50-56.
Bordin, I. A. S., Mari, J. J., & Caeiro, M. F. (1995). Validação da versão brasileira do “Child Behavior Checklist”
(CBCL) - Inventário de comportamentos da infância e adolescência: dados preliminares. Revista ABP-APAL,
17, 55-66.
Campos, M. A. S., & Marturano, E. M. (2003) Competência interpessoal, problemas escolares e a transição da
meninice à adolescência. Paidéia-Cadernos de Psicologia e Educação, 13, 73-84.
Clay, M. M. (1993). Reading recovery: a guidebook for teachers in training. Auckland: Heinemann.
Elias, L. C. S. (2002). Solução de problemas interpessoais em crianças com baixo rendimento escolar.
Manuscrito não-publicado, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto.
Erikson, E. (1971). Infância e sociedade (G. Amado, Trad.). Rio de Janeiro: Zahar.
Fonseca, V. (1995). Introdução às dificuldades de aprendizagem (2ª ed.). Porto Alegre: Artes Médicas.
Goulart, A. M. P. L., Guhur, M. L. P., & Mori, N. N. R. (2001). Mediação em Feuerstein: alguns elementos para
a compreensão das diferenças individuais. Teoria e Prática da Educação, 2, 93-103.
Graminha, S. S. V. (1998). Recursos metodológicos para pesquisas sobre riscos e problemas emocionais e
comportamentais na infância. In G. Romanelli & Z. M. M. B. Alves (Orgs.), Diálogos metodológicos sobre prática
de pesquisa (pp. 71-86). Ribeirão Preto: Programa de Pós-Graduação em Psicologia.
Graminha, S. S. V., & Coelho, W. F. (1994). Problemas emocionais / comportamentais em crianças que necessitam ou
não de atendimento psicológico ou psiquiátrico [Resumo]. In Sociedade Brasileira de Psicologia (Org.), XXIV Reunião
Anual de Psicologia. Resumos (p. 263). Ribeirão Preto: Autor.
Hughes, J. N. (2000). The essential role of theory in the science of treating children: beyond empirically
supported treatments. Journal of School Psychology, 38, 301-330.
Jacob, A. V. (1997). Crianças com atraso escolar: avaliação psicológica através do HTP e TPC. Dissertação
de Mestrado não-publicada, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto.
Jacob, A. V. (2001). O desempenho escolar e suas relações com autoconceito e auto-eficácia. Tese de Doutorado
não-publicada, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto.
Kazdin, A. E. (2000). Understanding change: from description to explanation in child and adolescent
psychotherapy research. Journal of School Psychology, 38, 337-347.
Kernberg, P. F., & Chazan, S. E. (1993). Crianças com transtornos de comportamento: manual de psicoterapia
(D. Batista, Trad.). Porto Alegre: Artes Médicas.
Linhares, M. B. M. (1998). Atendimento psicopedagógico de crianças em serviço especializado de psicologia
infantil na área da Saúde – uma perspectiva desenvolvimentista. Psicopedagogia, 17, 30-36.
Lipp, M. N., & Romano, A. S. P. (1987). O stress infantil. Estudos de Psicologia (Campinas), 4, 43-49.
Marturano, E. M., Loureiro, S. R., Linhares, M. B. M., & Machado, V. L. S. (1997). A avaliação psicológica pode
fornecer indicadores de problemas associados a dificuldades escolares? In E. M. Marturano, S. R. Loureiro, & A. W.
Zuardi (Orgs.), Estudos em Saúde Mental - 1997 (pp. 11-48). Ribeirão Preto: Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto, Universidade de São Paulo.
Masten, A. S., & Coatsworth, J. D. (1998). The development of competence in favorable and unfavorable
environments – lessons from research on successful children. American Psychologist, 53, 205-220.
Mentis, M. (1997). Aprendizagem mediada dentro e fora da sala de aula (J. F. Azevedo, Trad.). São Paulo:
Instituto Pieron de Psicologia Aplicada.
Santos, M. A. (1990) Caracterização da clientela de uma clínica psicológica da Prefeitura de São Paulo.
Arquivos Brasileiros de Psicologia, 42, 79-94.
Stein, L. M. (1994). TDE- Teste de desempenho escolar: manual para aplicação e interpretação. São Paulo:
Casa do psicólogo.

Direitos reservados ao CETEB 39


Anexo – Atividades com Textos Complementares Unidade III

40 Universidade Gama Filho

Você também pode gostar