Tcc-Usp - Ribeirao Preto - Franquias

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE DIREITO DE RIBEIRÃO PRETO

O EQUILÍBRIO CONTRATUAL NO CONTRATO DE FRANQUIA

Daniel Elias do Nascimento

Orientador: Prof. Dr. Gustavo Sayad Diniz

Ribeirão Preto
2013
DANIEL ELIAS DO NASCIMENTO

O EQUILÍBRIO CONTRATUAL NO CONTRATO DE FRANQUIA

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Departamento de Direito
Privado da Faculdade de Direito de
Ribeirão Preto da Universidade de São
Paulo para a obtenção do título de
bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Gustavo Sayad Diniz

Ribeirão Preto
2013
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

FICHA CATALOGRÁFICA

Elias do Nascimento, Daniel

O equilíbrio contratual no contrato de franquia / Daniel Elias do


Nascimento -- Ribeirão Preto, 2013.

Trabalho de Conclusão de Curso -- Faculdade de Direito


de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

Orientador: Gustavo Saad Diniz


Nome: Daniel Elias do Nascimento
Título: O equilíbrio contratual no contrato de franquia
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Aprovado em:

Banca Examinadora

Prof(ª). Dr(ª).___________________________ Instituição:____________________________

Julgamento: ____________________________Assinatura: ___________________________

Prof(ª). Dr(ª). __________________________ Instituição:____________________________

Julgamento: ____________________________Assinatura: ___________________________

Prof(ª). Dr(ª). __________________________ Instituição:____________________________

Julgamento: ____________________________Assinatura: ___________________________


Para Sérgio e Luciene, que fazem
quem sou e me encorajam a ser quem
desejo.
AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais Sérgio e Luciene, exemplos de pai e mãe, pessoas e profissionais que
sempre nortearão minha vida, obrigado por confiar e incentivar minhas escolhas.

Agradeço aos meus irmãos Gabriel e Tiago pelos ensinamentos, paciência, cuidado e
convivência durante esses anos de graduação, tornando nossa casa um lar acolhedor.

Aos meus amigos de longa data Antônio Augusto, Augusto, Basileu, Bruno, Fábio, Gabriel,
Geraldo, Mateus e Juliano, agradeço tê-los por perto.

Ao professor Francisco Rodovalho de Sousa, meu primeiro professor de Direito Civil na


Universidade Federal de Uberlândia, obrigado por seus valiosos ensinamentos.

À Lana Lígia Galati que me fez não desistir do Direito. Exemplo de pessoa que guardarei
comigo, firme, humilde e humana.

À Faculdade de Direito “Jacy de Assis” onde iniciei meus estudos na carreira jurídica.

À Renata, minha querida prima, estudante e profissional dedicada, sem seus valiosos escritos,
cadernos e livros dificilmente chegaria aqui.

À Carolina Caliento de Carvalho, parte fundamental do meu crescimento pessoal e


acadêmico. Agradeço pela oportunidade de me apresentar o universo empresarial,
compreensão, tolerância com meus flexíveis horários de trabalho e amizade.

Ao professor e meu orientador Dr. Gustavo Sayad Diniz, aquele que foi por inúmeras vezes o
meu incentivo em freqüentar as aulas, agradeço pela honestidade, por partilhar seus
ensinamentos, a sua confiança, paciência e amizade.
RESUMO

O presente trabalho objetiva analisar o equilíbrio contratual no contrato de franquia


empresarial. Para isso leva em consideração a dependência econômica ínsita ao tipo contratual
e baliza-se no princípio da boa-fé objetiva. Analisa quais condutas podem levar ao
desequilíbrio do contrato sob a ótica do franqueador, e como devemos interpretá-las. Nesse
sentido, exclui-se a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e apresenta institutos do
direito civil e empresarial que podem reprimir e coibir o abuso da dependência econômica no
contrato de franquia.

Palavras-chave: Franquia. Contratos. Boa-fé. Dependência Econômica. Franqueador. Práticas


Abusivas.

ABSTRACT

This paper aims to analyze the contractual balance of a franchise contract. In this regard, it
considers the economic dependence inherent to the type of the contract and on the principle of
good faith background. It analyzes which practices can lead to the imbalance of the contract
from the perspective of the franchisor, and how we interpret them. In this sense, it excludes
the application of the Code of Consumer and presents institutes of civil law and corporate law
that can suppress and curb the abuse of the economic dependence in the franchise agreement.

Keywords: Franchise. Contracts. Good faith. Economic dependence. Franchisor. Abusive


Practices.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 17
2. ELEMENTOS DO CONTRATO DE FRANQUIA..................................................... 19
2.1. Conceito ..................................................................................................................... 19
2.2. Elementos e conceituação segundo Lei 8.955/1994 .................................................. 21
2.3. Circunstâncias ............................................................................................................ 22
2.4. Autonomia da vontade das partes .............................................................................. 24
2.5. Boa-fé objetiva ........................................................................................................... 26
2.5.1. A boa-fé e o Código Civil .................................................................................. 27
2.5.2. Boa-fé nos contratos empresariais ...................................................................... 31
2.5.3. A boa-fé nos contratos de franquia ..................................................................... 33
3. EQUILÍBRIO CONTRATUAL .................................................................................... 35
3.1. Descrição do texto legal – Lei 8.955/94 .................................................................... 35
3.2. Cláusulas essenciais do contrato de franquia ............................................................. 39
3.3. Dependência Econômica............................................................................................ 43
3.4. Equilíbrio entre as partes?.......................................................................................... 46
3.5. O CDC e o contrato de franquia ................................................................................ 48
3.5.1. Aplicação do CDC ao contrato de franquia ........................................................ 52
4. DESEQUILÍBRIO CONTRATUAL ............................................................................ 56
4.1. Qualificação do Desequilíbrio ................................................................................... 56
4.2. Práticas abusivas ........................................................................................................ 57
4.2.1. Imposição pelo franqueador de condutas e condições contratuais gravosas ...... 58
4.2.2. Imposição pelo franqueador de condutas e condições contratuais
discriminatórias ................................................................................................................ 60
4.2.3. Imposição de Condutas e Condições que visam dificultar o desenvolvimento ou
romper relações comerciais .............................................................................................. 61
4.2.4. Conflito na quebra dos territórios ....................................................................... 61
4.3. O abuso da dependência econômica e o abuso de direito previsto no art. 187 do CC
62
4.4. A eficiência jurídica do sistema de franquia como parâmetro interpretativo e o
comportamento abusivo do franqueador .............................................................................. 63
4.5. Modificação ou prorrogação coativa da avença e dependência econômica .............. 64
4.6. Dependência econômica e lesão ................................................................................ 64
4.7. Extinção do contrato de franquia e dependência econômica ..................................... 66
4.8. Abuso de dependência econômica e resolução do contrato ....................................... 67
4.9. Resilição unilateral e abuso de dependência econômica ........................................... 67
4.10. Negativa de renovação contratual sem aviso prévio .............................................. 69
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 71
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................... 78
17

1. INTRODUÇÃO

Segundo dados da Associação Brasileira de Franchising (ABF), no ano de 2012 o


negócio da franquia faturou na casa de 103, 292 bilhões de reais no Brasil, com cerca de
105 mil unidades distribuídas em todo o território nacional. Ainda, gerou o expressivo
número de quase um milhão de empregos direitos1. Diante da relevância da franquia
empresarial no cenário econômico brasileiro, nos propomos a estudar o contrato de
franquia, seus pressupostos e as conseqüências jurídicas que deles emergem. Assim, o
presente trabalho versa sobre o equilíbrio contratual no contrato de franquia.

A dissertação está dividida em três capítulos, somados à introdução e considerações


finais. O primeiro traz o conceito do contrato de franquia, seus elementos segundo a Lei
8.955/94 que tipificou o negócio do franchising, demonstrando as circunstâncias históricas
de seu surgimento.

Ainda, no primeiro capítulo destacamos princípios elementares e fundamentais para


alcançarmos o fim proposto pelo trabalho que são os princípios da autonomia da vontade e
da boa-fé. Nesse último detalhamos e contextualizamos a atuação da boa-fé nos contratos
de franquia.

No segundo capítulo pretende-se detalhar os artigos mais importantes da Lei


8.955/94, esclarecendo as suas interpretações, bem como explorar as principais cláusulas
que devem estar contidas no contrato de franquia segundo o código de regulamentação da
Associação Brasileira de Franchising.

Relevantíssima é a descrição da caracterização da dependência econômica, dos


seus elementos constitutivos e como ela se configura no contrato de franquia. O seu
desenvolvimento está atrelado à edição de uma avença duradoura, de execução continuada,
dotada de investimentos específicos em razão do contrato, à ausência de alternativas
equivalentes ao franqueado e à potenciais comportamentos oportunistas oriundos dessa
situação.

Assim, são identificadas as fontes de dependência econômica e quais são aplicáveis


ao contrato em espécie tratado. Depreende-se que nada há de ilícito na existência da

http://www.portaldofranchising.com.br/numeros-do-franchising/evolucao-do-setor-de-franchising, acessado
1

em 21 de agosto de 2013.
18

dependência econômica por si, todavia, o seu abuso é que deve ser reprimido e evitado pelo
direito.

Nesse diapasão excluímos a aplicação do Direito do Consumidor para tutelar tal


relação jurídica, uma vez que ela é um negócio essencialmente empresarial e a utilização da
legislação especial poderia comprometer o bom fluxo das relações mercantis.

No terceiro capítulo passamos a contextualizar o abuso da dependência econômica.


Ele é tratado em situações concretas sobre diversas formas exemplificativas, sobre a óptica
do direito contratual, da teoria do abuso de direito e do princípio da boa-fé objetiva.
Evidenciamos algumas práticas abusivas que podem ser adotadas pelo franqueador em
desfavor do franqueado.

Nas considerações finais fazemos algumas observações acerca da revisão do


contrato por onerosidade excessiva, analisando seus elementos fundamentais e a possível
aplicação no contrato de franquia.

Ao final, trabalha-se com uma leitura conclusiva das noções desenvolvidas.


Primeiro destaca-se que o contrato de franquia possui características próprias e essas
podem levar ao abuso de dependência econômica por parte do franqueador. Posteriormente
ressaltam-se os princípios fundamentais que devem balizar a interpretação contratual como
a boa-fé objetiva e a dependência econômica, de modo a tutelar a posição do franqueado
dependente; evitando, assim, o abuso da dependência econômica pelo franqueador.

Por último, importante salientar que o trabalho é todo desenvolvido da óptica do


potencial desequilíbrio gerado por condutas do franqueador, todavia, em diversas situações
o desequilíbrio contratual pode ter como causa as ações do franqueado, não sendo esse o
enfoque do presente trabalho.
19

2. ELEMENTOS DO CONTRATO DE FRANQUIA

2.1. Conceito

Na economia contemporânea não se pode mais conceber a empresa de forma isolada,


confinando-a nos seus próprios limites. Devemos considerá-la em face do mercado, seu
relacionamento com o mesmo, e modo de atuação. Via de regra, uma atividade empresarial
necessita de fornecedores - de quem a empresa adquire os insumos necessários à sua atividade
– e de consumidores – aqueles que vão comprar a sua produção e ser a fonte de renda.

Existem duas formas de se obter os insumos. Ou a empresa os produz, integrando-os à


sua cadeia produtiva, ou vai ao mercado adquiri-los de terceiros, realizando com esses
diversos contratos.

No que tange à forma do produto chegar aos consumidores também temos dois
caminhos distintos. O primeiro e mais clássico deles é a venda direta pela empresa ao cliente.
O próprio produtor coloca-se diretamente junto ao consumidor, oferecendo aquilo que ele
mesmo produziu. Um segundo caminho será se o agente econômico buscar a colaboração de
outros empresários para facilitar o escoamento de sua produção, agindo no mercado por meio
de vendas indiretas.

Assim, não mais podemos conceber a empresa como estática; os modernos complexos
produtivos não se configuram tão somente estoque de bens, mas formam feixes de relações
contratuais, a empresa moderna é concebida como um feixe de contratos.

A franquia empresarial é uma atividade essencialmente comercial desenvolvendo-se


principalmente por meio de contratos. Caracteriza-se por um complexo de contratos, sendo, a
priori, um principal e outros acessórios. O contrato principal, aqui designado como “contrato
de franquia” é aquele celebrado entre o franqueador e o franqueado. Aproxima-se a um
contrato de distribuição, de representação ou agência.

Podemos caracterizá-lo como um acordo através do qual o detentor da propriedade


industrial licencia a uma empresa para que essa produza e comercialize diretamente ao
público certos produtos de marca já consagrada e valorizada. Além disso, fornece serviços de
assistência na organização de métodos de exposição, expansão dos produtos e/ou serviços
(“know-how”), em contrapartida, é para tanto, remunerado pelo licenciado. A autonomia
econômica e jurídica é elemento essencial, embora integre a rede de distribuição do
20

franqueador, o franqueado não estabelece qualquer vínculo empregatício com o primeiro, não
participando da empresa franqueadora.

Sob o prisma comercial nada mais é do que um método adotado para a distribuição de
produtos e/ou serviços, consistente na parceria entre uma empresa, em princípio, mais
experiente, e outras empresas, geralmente menos experientes, no qual a primeira transfere às
últimas a experiência e competência por ela desenvolvida, no que se refere à produção e
distribuição de certos produtos2.

Juridicamente trata-se de um negócio bilateral, consensual, oneroso, de execução


continuada, híbrido, e empresarial.

A bilateralidade se manifesta na dupla posição ocupada pelas partes, ambas são


credoras e devedoras de certas prestações. O franqueador deve receber as remunerações pelo
fornecimento do know-how, métodos de administração e produção dos bens/serviços, e, por
óbvio, é devedor desse fornecimento para o franqueado. Esse, por seu turno, é devedor da
prestação pecuniária e credor no que tange ao recebimento do know-how, percepção de
bens/serviços, formas e estruturas de administração.

Segundo Orlando Gomes3, contratos consensuais são aqueles que se formam solo
consensu, que se tornam perfeitos e acabados por efeito exclusivo da integração das duas
declarações de vontade. Não há necessidade de entregar a coisa para o aperfeiçoamento do
negócio jurídico.

É um contrato oneroso, pois à vantagem obtida corresponde um sacrifício da parte;


esse sacrifício harmoniza-se com o proveito percebido pela outra parte. No caso ambas as
partes têm vantagens, posto que o franqueado já se estabelece negociando produtos ou
serviços anteriormente trabalhados junto ao público consumidor, por meio de técnicas de
marketing testadas e aperfeiçoadas pelo franqueador4; e este, por sua vez, pode ampliar a
oferta da sua mercadoria ou serviço, sem novos aportes de capital, além da possibilidade da
percepção de diversas remunerações pecuniárias do franqueado, a diferentes títulos.

Uma vez que as prestações não são feitas em um só momento, de imediato, porém,
continuadamente, temos o contrato de franquia como um contrato de execução continuada.

2
ROQUE, Sebastião José. Do Contrato de Franquia Empresarial. São Paulo: Ícone, 2012. p. 16.
3
p. 90.
4
COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 427.
21

O contrato de franquia é híbrido, constituído por diversos elementos de variados tipos


contratuais, como de fornecimento, concessão, prestação de serviços e outros. Embora tenha
essa natureza hibrida, a aglutinação desses elementos torna a franquia um contrato peculiar.

Devemos destacar o fato de ser a franquia um contrato empresarial ou mercantil estrito


(“franquia empresarial”). Pressuposto disso é afirmarmos que uma das partes é um empresário
(ou sociedade empresária) que exerce sua atividade de acordo com os termos dos arts. 966 e
982 do Código Civil, e a outra parte da relação jurídica também é empresa ou pessoa não
caracterizada como consumidor5. Ou seja, ambos os contratantes são instituições movidas
pela busca do lucro e que assumem o risco da atividade para obtê-lo.

2.2. Elementos e conceituação segundo Lei 8.955/1994

O art. 2ª da Lei 8.955/94 traz o conceito de franquia empresarial, in verbis:

Art. 2º Franquia empresarial é o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado


o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-
exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia
de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvido ou detido
pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique
caracterizado vínculo empregatício.

Relativo aos sujeitos do contrato de franquia, as figuras do franqueador (franchisor) e


do franqueado (franchisee) são os elementos triviais. O franqueador é aquele que deve dispor
dos produtos, bens e/ou serviços que tenha assegurada a comercialização. Pode ser o próprio
produtor ou fabricante, como também um distribuidor geral ou alguém que possa dispor da
marca dos produtos e permitir sua comercialização por outro, constituindo uma empresa.

O franqueado é aquela empresa, seja individual ou coletiva, que irá contratar o


fornecimento perante o franqueador, utilizará de sua experiência, seu know-how, e, em
contrapartida irá pagar o preço.

A franquia tem por objeto a exploração de um produto com assistência técnica do


franqueador. Por produto entende-se tudo que é oferecido: artigos para revenda,
equipamentos, maquinaria, instalações em geral, material de propaganda e exposição,
manuais, treinamentos de pessoal, etc. Diversas são as naturezas dos itens comercializados.

5
VERÇOSA, Haroldo M. D. Contratos Mercantis e a Teoria Geral dos Contratos. São Paulo: Quartier Latin,
2010. p. 25.
22

Todavia, é essencial que esses, além de preencherem o requisito primário do art. 104, II,
Código Civil, qual seja, o objeto ser lícito, possível, determinado/determinável, os produtos
devem estar garantidos por uma marca devidamente registrada e o franqueador tem de ser
autorizado a conceder a comercialização dos mesmos para outras pessoas.

2.3. Circunstâncias

Não podemos precisar quando surgiu o contrato de franquia empresarial. No entanto,


certo é que a primeira notícia de sua existência, semelhante àquele que conhecemos hoje,
ocorre nos EUA, pós Segunda Guerra Mundial.

Ao que consta, havia um grande contingente de pessoas desmobilizadas de suas


atividades ou nos campos de batalha ou nas indústrias que procuravam nova oportunidade
para se firmarem economicamente. Segundo Sebastião José Roque6, o marco inicial da
franquia empresarial é tomado pelos irmãos Dick e Mac Donald. Esses iniciaram suas
atividades antes da Segunda Guerra começar; vendiam basicamente cachorro quente numa
barraca em Arcádia, no estado da Califórnia, qual tinha o nome de “Airdome”. Três anos mais
tarde mudaram-se para San Bernardino, Califórnia. Substituíram a barraca por um restaurante
já com o nome de “McDonald´s” e com algumas variações no cardápio; os garçons atendiam
sob patins e iam até os clientes no carro. Surgia daí um modo próprio de trabalho, com
produtos fáceis e rápidos, o atendimento no carro dos clientes evitava a espera dos fregueses e
diminuía a necessidade de espaço físico para mesas e cadeiras.

Em conseqüência dos práticos métodos de trabalho, conseguiram reduzir o preço dos


produtos vendidos, além de oferecem a praticidade e economia de tempo como grande
novidade. A dinamicidade e eficiência do modo de trabalho, junto com os já famosos
hambúrgueres e batatas fritas conquistavam cada vez mais clientes. A freguesia aumentou
rapidamente e a estrutura do “McDonald’s” já não era mais suficiente para atender a
demanda. A insuficiência em ofertar perante a demanda despertou o interesse em se montar
outros pontos de venda, inclusive fora de San Bernardino. Assim, foi inaugurado outro
restaurante em Phonix, Arizona e no ano seguinte mais um em Downey, Califórnia. No
entanto, esses novos restaurantes possuíam donos próprios, e já funcionavam sob o sistema
próprio da franquia.

6
ROQUE, Sebastião José. Do Contrato de Franquia Empresarial. São Paulo: Ícone, 2012. p. 66.
23

O nome “McDonald’s”, seus hambúrgueres, e a forma de trabalho foram sendo


concedidos para a utilização e em troca os donos da “McDonald’s” recebiam royalties.
Inúmeros outros restaurantes foram abertos em vários estados americanos e, conforme
sabemos hoje, a “McDonal´s” se tornou uma das maiores franquias do mundo, possuindo
restaurantes em todos os continentes, chegando inclusive à China. Tomamos esse marco
apenas como “convencional”.

Embora a expressão “franchising” seja nova, e o modo como a concebemos configura-


se recente historicamente, práticas semelhantes devem ter ocorrido em muitos outros lugares
e com certa antecedência. Ainda de acordo com os ensinamentos de Roque, interessante e em
muito se aproxima das características da franquia empresarial, a experiência das máquinas de
costura “Singer Sewing Machine”, por volta do ano de 1850. Essa deu concessão a milhares
de pessoas nos EUA para utilizarem o nome “Singer” em seu logotipo, vender máquinas de
costura com essa marca, prestar assistência técnica, vender peças avulsas e ministrar cursos
para a produção de roupas utilizando as máquinas de sua distribuição.

Posteriormente aos EUA, o sistema de franquia adentrou à Itália, França, tomou conta
da Europa e, a partir daí, foi tornando-se largamente utilizado no mundo. Sua enorme virtude
e razão de sucesso decorrem das vantagens que traz para ambas as partes contratantes bem
como para o público consumidor.

No que tange ao franqueador, a disponibilidade de capital para investimento não é tão


grande se comparado à expectativa de lucro; as instalações das lojas, sua organização,
pagamento de vendedores, encargos trabalhistas, tudo correrá por conta do franqueado. A
estrutura central do franqueador é absolutamente pequena perto da rede de franqueados que
ele suporta.

A certeza de já ter para quem vender seus produtos e a facilitação da expansão do


mercado consumidor já é garantida pela rede de lojas franqueadas. O franqueador de antemão
produz com a garantia do escoamento de sua produção. Assim, ele não corre risco de ter
estoque sobrando, custos excessivos com armazenagem, conservação de produtos, capital
mobilizado, etc. Somado-se a isso, não há o alto risco pelo crédito, capital investido nas lojas,
pois, caso alguma franqueada venha à falência, ele pouco perde e, como exerce enorme
ingerência sobre o franqueado, é possível controlar os riscos por meio de auditorias,
organizando previsões de orçamento, fluxo de caixa, etc.
24

Para o franqueado as vantagens advindas com o sistema de franquia são


principalmente na seara da transmissão do know-how de trabalho e dos produtos já
consagrados no mercado.

2.4. Autonomia da vontade das partes

O desenvolvimento do sistema capitalista, mormente nos séculos XVIII e XIX trouxe


novos modelos, e com eles vieram novas concepções intelectuais que transformaram
sobremaneira o direito, particularmente o direito civil.

O poder das terras convivia gradativamente com o crescente poder dos possuidores de
dinheiro. As origens, a ancestralidade, as tradições de sangue deixavam de ser tão valoradas
sendo substituídas pela força dos burgueses. O Liberalismo buscava refletir a liberdade
formal, dar segurança e garantir as relações privadas. A civilização ocidental baseada em um
regime institucional, característico de sociedades de base ou militarmente estruturadas, se
transformava para fundar-se em uma sociedade contratual, de cunho industrial.

Nesse contexto devemos reconhecer a autonomia da vontade, Luiz Rodrigues7 afirma


que não há somente uma autonomia da vontade, ela varia conforme a idiossincrasia de cada
época, existindo diversas “autonomias da vontade”. No séc. XVIII construiu-se um conceito
que foi substituído nos séculos seguintes acompanhando as transformações econômicas e
sociais.

Nos tempos modernos existem duas correntes a respeito do surgimento da autonomia


da vontade. A primeira que tem como seu grande expoente Immanuel Kant8 que a define
como aquela propriedade graças à qual ela é para si mesma a sua própria lei, é o não escolher
senão de modo a que as máximas da escolha estejam incluídas simultaneamente no querer
mesmo, como lei universal.

Outra, surgida no séc. XIX traz a primeira concepção da autonomia da vontade de


caráter subjetivo, individual. Como conseqüência da Revolução Francesa, nada mais natural
de que os homens vivessem iguais, livres para criar e produzir o direito. Antonio Junqueira

7
RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Autonomia da vontade, autonomia privada e autodeterminação: notas
sobre a evolução de um conceito na modernidade e na pós-modernidade. Revista de informação legislativa, v.
41, n. 163, jul/set de 2004. p. 116.
8
KANT, Immanuel. In: RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Autonomia da vontade, autonomia privada e
autodeterminação: notas sobre a evolução de um conceito na modernidade e na pós-modernidade. Revista de
informação legislativa, v. 41, n. 163, jul/set de 2004. p. 117.
25

de Azevedo9 identifica tal período como insular da dignidade humana, de caráter dualista,
distinguindo homem e natureza. Esse conceito de autonomia da vontade corresponde a uma
faculdade conferida às pessoas para agir ou não agir, de um ou outro modo. A autonomia seria
plena, o direito ou liberdade de contratar somente seria impugnado se o homem não fosse
capaz de fazê-lo ou não o quisesse.

Por força de grandes mudanças sociais há no sec. XX uma alteração na idéia de


autonomia da vontade. A aceitação do princípio da autonomia da vontade como soberano e
emitente de todos os efeitos jurídicos tornaria a lei meramente supletiva, teríamos como
limitador apenas as disposições de ordem pública e os bons costumes. Assim, analisar tão
somente a autonomia da vontade na interpretação contratual seria suficiente para alcançar a
justiça contratual e a igualdade entre as partes.

A princípio não nos caberia indagar acerca da justiça e do equilíbrio contratual, pois,
as partes, munidas de sua liberdade e autonomia encerraram compromisso sem qualquer tipo
de vício, não seria lógico do ponto de vista racional alguém firmar algo que lhe seja
prejudicial, que lhe traga mais malefícios que benesses.

Contudo, sabemos que outros fatores variados e circunstâncias influenciam


positivamente (e negativamente) na formação e execução contratual. O agente econômico é
egoísta e busca maximizar seus lucros a qualquer custo. Para tanto, muita vezes emprega
meios obscuros, ludibriando o contratante de boa-fé. Assim, a análise volitiva tão somente
não é suficiente para alcançarmos a justiça social do contrato; a autonomia da vontade não
pode encontrar um fim em si mesma. Na ânsia de tutelar a liberdade dos cidadãos o Estado
acaba permitindo abusos, relações que em muito são díspares, embora ainda advinda da
vontade dos agentes contratantes.

Em busca da justiça social, baseada nos princípios valorativos da pessoa, as relações


privadas passaram a sofrer influência e a serem, em maior ou menor escala, direcionadas pelo
Estado que tenta reequilibrar as relações privadas. A decadência do voluntarismo jurídico não
importou, obviamente, na eliminação da relevância da vontade na determinação de direitos e
obrigações que formam o conteúdo do negócio jurídico10. A sua posição passa a ser definida

9
AZEVEDO, Antonio Junqueira. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4. ed. rev. São Paulo:
Saraiva, 2002a. p. 13.
10
GOMES, Orlando. Novos Temas de Direito Civil. Forense, Rio de Janeiro, 1983. p. 80.
26

como autonomia privada, ou seja, uma vontade que é autorizada pelo ordenamento jurídico a
alcançar um fim próprio.

A autonomia privada atende aos princípios da função social da propriedade, da


concentração de capitais e traz a crescente intervenção do Estado nas relações econômicas11.

Como princípio do direito contratual, a autonomia privada é a vontade individual de


buscar relações jurídicas concretas, previstas e reguladas abstratamente no ordenamento
jurídico. No campo econômico-jurídico, a liberdade de contratar refere-se à possibilidade ou
não de contratar; de negociar e determinar o conteúdo do contrato; à escolha dos contratantes,
à alteração do esquema legal do contrato, à oportunidade de celebrar contratos atípicos,
editando a forma se for o caso.

Ter a liberdade de auto-regular os próprios interesses econômicos, desde que


submetidos às imposições legais é a essência da autonomia privada. Assim, o negócio jurídico
deve respeitar a lei, os ditames de ordem pública e os bons costumes. Nesse sentido a boa-fé
exerce um papel fundamental de impor um comportamento que interfere diretamente na
autonomia privada, impondo limites à atuação dos particulares.

2.5. Boa-fé objetiva

Em princípio temos dois conceitos clássicos de boa-fé: um subjetivo e outro objetivo.


O primeiro trata a boa-fé não como um princípio, mas, sobretudo como um estado psicológico
em que a pessoa tem a convicção de ser titular de um direito que só existe aparentemente. O
indivíduo está em escusável estado de ignorância acerca da realidade dos fatos e da lesão a
direito alheio12. Tal entendimento pode ser exemplificado pelo art. 1201 do nosso Código
Civil “É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a
aquisição da coisa”. Ainda, podemos encontrar essa acepção, por exemplo, nos artigos 1214,
1219 e 1561 do mesmo Código.

A boa-fé objetiva é aquela externa, um padrão de comportamento a ser seguido


(“standard”), uma conduta leal e aguardada pela outra parte. Ela é analisada de forma externa

11
GOMES, Orlando. Novos Temas de Direito Civil. Forense, Rio de Janeiro, 1983. p. 87: “Desde o momento em
que a autonomia privada deixou de ser o equivalente jurídico da liberdade econômica no quadro liberal e o poder
de iniciativa dos particulares teve de se subordinar à realização do desenvolvimento nacional e da justiça social e
quando passou a admitir, no mesmo passo, a intervenção do legislador, ou do juiz, na elaboração do regulamento
contratual, isto é, no conteúdo dos contratos, o negócio jurídico deixou de ser a fonte exclusiva dessa elaboração,
dividindo com as autoridades administrativas e judiciais o abastecimento”.
12
ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa-fé no código civil. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 79.
27

ao indivíduo, diz respeito à atitude que de fato esse tomou, pouco importando a sua
convicção. Pressupõe uma relação jurídica entre no mínimo duas pessoas, impondo-lhes
mútuas obrigações de conduta; padrões de comportamentos exigíveis e reunião de condições
que sejam capazes de ensejar na outra parte confiança no negócio celebrado.

O princípio da boa-fé encontra sua justificação no interesse coletivo de que as pessoas


pautem suas condutas de forma cooperativa, solidária, incentivando a justiça social,
sedimentando o princípio da solidariedade social.

A solidariedade social está ligada a um sentimento de sociabilidade próprio a cada ser


humano. Os seres humanos se mantêm integrados e coesos por motivos inerentes a si, como
caráter social, e não por causa de comando de seus líderes religiosos ou políticos13.

Conforme ensina o professor Marco Aurélio Grecco14, quando a Constituição


estabeleceu em seu art. 3º, I, que é objetivo da República Federativa do Brasil construir uma
sociedade livre, justa e solidária, ela resguarda as liberdades individuais nas suas diversas
formas, e também visa implementar meios e instrumentos de cooperação entre seus membros;
cooperação esta na qual o agir individual é definido pelo respeito aos nossos semelhantes.

O princípio da boa-fé é em última análise, a tradução no campo jurídico do


indispensável cuidado, estima, lealdade e busca pela justiça social que devemos conceder ao
nosso semelhante.

Para descobrir a boa-fé no caso concreto deve-se perguntar: qual seria a conduta
adequada, leal, confiável conforme os padrões culturais incidentes no tempo e lugar? A
questão deve ser objetivada, sendo irrelevantes os aspectos subjetivos do agente.

2.5.1. A boa-fé e o Código Civil

Encontramos inicialmente a menção ao que seria a boa-fé no revogado art. 130 do


Código Comercial de 185015. Posteriormente, no Código Civil de 1916 verificamos a boa-fé
de forma expressa16, todavia, ela não é tratada como cláusula geral – instrumento legislativo

13
CHARON, Joel M. Sociologia. Tradução de Laura Teixeira Mota. 5. Ed. São Paulo, Saraiva, 2002, p. 32.
14
GRECCO, Marco Aurélio. Solidariedade Social e Tributação. In GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano
Seabra (orgs.). São Paulo: Dialética, 2005. p. 173.
15
“Art. 130 – As palavras dos contratos e convenções mercantis devem inteiramente entender-se segundo o
costume e uso recebido no comércio, e pelo mesmo modo e sentido por que os negociantes se costumam
explicar, posto que entendidas de outra sorte possam significar coisa diversa”.
16
“Art. 1443 – O segurado e o segurador são obrigados a guardar no contrato a mais estrita boa-fé e veracidade
(...)”.
28

“aberto” que permite o ingresso no ordenamento jurídico de padrões de conduta, viabilizando


a sua sistematização no ordenamento positivo. Ela é trazida como um princípio geral de
direito (não positivado) ou em casos pontuais como conceito jurídico indeterminado (como na
posse ou no casamento putativo) 17.

Não havia uma base social, constitucional para sua efetivação como modelo no direito
obrigacional, era um precário sistema pontual e fechado.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, e com a edição do Código de Defesa


do Consumidor, a boa-fé assume a função de ser um modelo comportamental. Apesar de
setorizada nas relações de consumo, sua inserção no CDC foi de fundamental importância
para o desenvolvimento de diversas obras relacionadas ao tema, facilitando a positivação no
Código Civil de 2002.

O atual Código Civil traz em três oportunidades distintas e relevantes a boa-fé, sejam
elas nos arts. 113, 187 e 422 respectivamente.

O art. 113 dispõe que os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-
fé. O magistrado não deve se prender à interpretação literal do texto contratual, deve observar
o sentido correspondente às convenções sociais, atuando no estrito cumprimento do
ordenamento jurídico, concretizando aquilo que foi previamente estabelecido pelas normas.

A chamada “função limite” é exercida pelo art. 187 ao afirmar que comete ato ilícito
aquele que, ao exercer o seu direito, exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé.
Ou seja, funciona como verdadeiro limitador do exercício de direitos subjetivos, visando
evitar o abuso do direito. O juiz deverá decidir além da lei, observando os limites sociais dos
direitos subjetivos privados em contraposição ao problema intersubjetivo dos limites da
pretensão perante o sujeito passivo desta.

Temos no art. 422 que as partes devem guardar, tanto nas negociações que antecedem
o contrato (“conclusão”), bem como durante a execução deste o princípio da boa-fé. Apesar
de não afirmar expressamente que essa deva ser observada no momento posterior ao
adimplemento obrigacional acreditamos que tal está implícita no dispositivo. Assim, o art.
422 estabelece uma conduta, criando deveres anexos objetivando tutelar os bens e as partes,

17
ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa-fé no código civil. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 84.
29

seja nas tratativas preliminares, antecedentes ao contrato, como também na execução do


contrato e no momento pós adimplemento.

Essa cláusula geral impõe deveres de conduta completamente desvinculados da


vontade dos atores do negócio jurídico obrigacional.

Não há somente a vinculação de uma das partes, credor e devedor da obrigação são
atingidos por ela. A possibilidade do devedor constituir o credor em mora, quando esse
impede ou dificulta um adimplemento, demonstra que a relação obrigacional complexa não se
unilateraliza na pessoa do devedor e os deveres são para ambos os pólos da relação jurídica.

Surgem como resquícios dos códigos oitocentistas quando acreditava-se que os


interesses dos contratantes eram divergentes, havendo cooperação somente quando houvesse
uma liberalidade tal qual como na doação, por exemplo.

Assim, percebemos que os deveres de conduta independem da vontade das partes, são
exigências da boa-fé e derivadas do sistema, transcendem o campo da mera contratualidade.
Judith Martins-Costa18 nos ensina que:

A boa-fé produz deveres instrumentais e “avoluntários”, independentes da vontade


subjetiva, indica que eles não derivam necessariamente do exercício da autonomia privada
nem de pontual explicitação legislativa: tem a sua fonte justamente no princípio incidindo
em relação a ambos os participantes da relação obrigacional.

Os deveres anexos podem ser diversos tais como: dever de confidencialidade, de


cooperação, não-concorrência, custódia, vigilância, etc., variam de acordo com o caso
concreto. Uma constante mutação dos deveres de conduta ocorrerá no tempo e no espaço, a
título de exemplificação, consideremos uma venda de um carro a um certo preço a um leigo,
e a venda do mesmo bem a um mecânico especialista. Observamos que o mesmo negócio
gerou diferentes deveres; no primeiro, surgem os deveres de esclarecimento e informação, já
quando o negócio é realizado com um mecânico que tem o conhecimento técnico essas
obrigações não estarão de forma tão intensa presentes.

Embora os deveres anexos sejam da gama mais variada, para fins de breve exposição,
iremos tipificá-los em três categorias: de esclarecimento, de lealdade e de proteção.

18
Judith Martin- Costa. In: ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa fé no Código Civil. São Paulo:
Saraiva, 2005. p. 96.
30

Deveres de proteção ou deveres de cuidado são aqueles que pretendem tutelar as


partes dos riscos ao seu patrimônio na vigência da relação jurídica. Os danos salvaguardados
são aqueles ocorridos contra a integridade da parte ou aos seus bens19.

Conforme dissemos, o dever de cuidado abrange também a integridade da parte, essa


entendida como um todo seja física, moral ou psíquica. Por conseqüência, a violação dessa
proteção pode causar dever de reparação, ainda que ela seja extrapatrimonial20.

No que tange ao dever de lealdade destacamos que ele é o mais imediato, aquele que
necessariamente surge quando se inicia qualquer fase preliminar à realização de um negócio
jurídica. Impõe às partes a necessidade de alinhar sua conduta de forma proba, abstendo-se de
falsear o objetivo do negócio ou desequilibrar a relação, agindo cooperativamente,
dignamente e de forma recíproca.

Será lesiva ao dever de lealdade qualquer conduta que comprometa o fim do negócio,
o equilíbrio econômico das prestações, a cooperação mútua das partes21. A colaboração das
partes é essencial para a melhor efetivação das prestações e cumprimento do fim obrigacional
proposto.

O dever de cooperar pode ensejar uma conduta omissiva como, por exemplo, quando a
parte tem a obrigação de não divulgar informações confidenciais e relevantes da outra; bem

19
É o caso do julgamento do REsp 107.211 - SP, STJ, 4ª Turma, relatado pelo. Min. Ruy Rosado, DJ 3/2/1997,
no qual afirma o dever de proteção ao veículo estacionado no estabelecimento da empresa que se beneficia do
agente que ali estaciona o veículo: “O cliente do estabelecimento comercial que estaciona o seu veículo em lugar
para isso destinado pela empresa não celebra um contrato de depósito, mas a empresa que se beneficia do
estacionamento tem o dever de proteção, derivado do princípio da boa-fé objetiva, respondendo por eventual
dano”.
20
Verificamos que os tribunais reconhecem que dever de proteção não se limita ao dano material, mas também
ao extrapatrimonial-moral, conforme julgamento da Apelação nº. 9162484-33.2005.8.26.0000, TJSP, 38º
Câmara de Direito Privado, relatado pelo Des. Eduardo Siqueira, DJ 28/09/2011, “APELAÇÃO – AÇÃO DE
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS C/C CANCELAMENTO DE PROTESTO E NEGATIVAÇÃO
JUNTO AO SERASA – INSCRIÇÃO INDEVIDA DO NOME DO AUTOR NOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO
AO CRÉDITO – DEVER DE INDENIZAR RECONHECIDO. A inclusão indevida do nome do Autor nos
órgãos de proteção ao crédito, resultou em abalo moral que deve ser ressarcido pelo Réu, ora Apelante.”
21
O desequilíbrio das prestações diante da ação omissiva e de má-fé de uma das partes é especialmente comum
nos contratos de seguro, e, uma vez reconhecidos, afasta o dever de indenizar. “CIVIL E PROCESSO CIVIL.
EMBARGOS À EXECUÇÃO. CONTRATO DE SEGURO DE VIDA. DOENÇA PRÉ-EXISTENTE.
ARTIGOS 746 e 747 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. MÁ-FÉ DEMONSTRADA PELA SEGURADORA.
AFASTAMENTO DA INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA. INEXIGIBILIDADE. 1. Afasta-se a pretensão
indenizatória quando a seguradora logra provar que o contratante agiu de má-fé, ao deixar de informar doença
preexistente, com grave quadro clínico, comprometendo a sua função cardíaca, bem assim pouco tempo antes de
realizar procedimento cirúrgico na tentativa de corrigir seu problema de saúde, que, inclusive, levou-o ao óbito.
2. Em razão dos deveres anexos ou laterais da obrigação principal, tanto o credor quanto o devedor devem agir
com lealdade, solidariedade e boa-fé para o fiel cumprimento da obrigação pactuada entre as partes. 3. Apelação
não provida.” (TJDFT, 4ª Turma Cível, Apelação Cível 20090110837350 APC, Rel. Des. Cruz Macedo, DJ
24/05/2013).
31

como também poderá ser comissivo, caso em que uma parte pode facilitar à outra acesso a
dados ou a execução de serviços.

A ruptura nas negociações preliminares pode se caracterizar como infração ao dever


de lealdade quando aquele que não possui real interesse de contratar gera falsas expectativas
induzindo a contraparte a uma situação de confiança, levando-a a realizar, em muitos casos,
grandes despesas, sem conduto, ter condição ou interesse real na concretização da negociação.

No momento pós contratual poderá projetar se a responsabilidade advinda da lesão ao


dever de lealdade, mesmo que a obrigação principal já reste cumprida. Os deveres acessórios
existem de forma autônoma à obrigação principal, sobrevivendo ainda que adimplida a
obrigação principal.

Por obrigação de esclarecer ou informar entendemos ser aquele dever que se


fundamenta na existência de um déficit de informações: uma parte possui informações que a
outra necessita para melhor alcançarem o objetivo do negócio entabulado. Evidente que
muitas informações são confidenciais e não são essenciais para a consecução do objeto
contratado, devendo essas permanecerem sigilosas. Todavia, aquelas que são de fundamental
importância devem ser reveladas, esclarecidas e postas à disposição da outra parte visando os
propósitos comuns do contrato. Na esfera do Código Civil, via de regra, os contratantes
encontram-se em posições de relativa igualdade, não há, a priori, uma discrepância que impõe
a uma parte um maior dever de informação do que à outra, visto que ambas, em posições
simétricas buscam simultaneamente a consecução de interesses comuns.

2.5.2. Boa-fé nos contratos empresariais

A boa-fé é um instituto tradicional do direito empresarial, ela diminui os custos de


transação, facilita o fluxo das negociações, sendo elemento de fundamental importância para
o bom andamento das relações mercantis.

Nas palavras de Forgioni22 “agir de acordo com a boa-fé significa adotar o


comportamento jurídico e normalmente esperado dos ‘comerciantes cordatos’, dos agentes
econômicos ativos e probos em determinado mercado (ou em certo ambiente institucional)
sempre de acordo com o direito”, ou seja, a boa-fé comercial abandona os indícios de
subjetivismo.

22
FORGIONI, Paula Andréa. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2009. p. 99.
32

A boa-fé aqui é tratada no seu sentido objetivo, de um comportamento padronizado


conforme modelos esperados, significa agir no mercado de forma correta, como os
contratantes honestos o fariam buscando a finalidade comum no uso do tráfico mercantil.

Uma empresa que age em qualquer mercado regulado juridicamente deve pautar seu
comportamento pelas normas jurídicas. O “agir conforme a boa-fé” é sabido de antemão
como um pressuposto basilar na atuação de sucesso da empresa. Tem-se a noção exata de
quais serão as conseqüências do agir em descompasso com a boa-fé, existem no mercado
diversas experiências que nos revelam quais os possíveis prejuízos de tais ações.

Assim, o comportamento honesto não implica de forma alguma um custo


desnecessário, um gasto, pelo contrário, ele leva ao desenvolvimento de confiança, ao
aumento de grau de certeza e previsibilidade do mercado nas atividades empresariais
diminuindo os custos de transação. À medida que se aumenta o grau de impessoalidade no
mercado, os agentes econômicos dispensam menor dedicação às características subjetivas da
outra parte, concentrando-se na operação econômica, dinamizando-a, reduzindo os custos
transacionais.

Um ambiente institucional, forte, no qual a confiança e a boa-fé dos seus atores se


sobressaem, o fluxo das relações comerciais é facilitado. Porém, o mercado não é constituído
somente de agentes que prezam pela boa-fé e confiança. Alguns agem de forma contrária a
ela, minando a confiança depositada nele pelo mercado e consequentemente gera um
ambiente instável de negociações. As normas jurídicas devem coagir e atuar sobre tais
sujeitos. O direito comercial deve fazer com que as negociações sejam compensatórias,
assegurando o ambiente o mais estável possível.

Merece destaque a observação de Forgioni23 quando afirma que a boa-fé e o direito


comercial estimulam a eficiência do agente econômico exigindo dele comportamento honesto.
No entanto, o respeito ao princípio da boa-fé não deve ser confundido, em hipótese alguma, a
uma excessiva proteção das partes, desestabilizando o sistema. Afinal, o direito empresarial
premia a eficiência de um agente perante o “erro de cálculo” do outro. No processo de
interpretação dos contratos mercantis não se deve trazer a boa-fé como sinônimo de equidade
ou consumerismo.

23
FORGIONI, Paula Andréa. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. São Paulo, Revista dos Tribunais,
2009, p. 103.
33

2.5.3. A boa-fé nos contratos de franquia

O contrato de franquia tem na dependência econômica um elemento inerente à sua


constituição. As hipóteses de desigualdade material merecem tutela, e a informação do agente
econômico acerca do negócio cumpre papel fundamental no redimensionamento do problema.
A boa-fé exerce um importante parâmetro de interpretação evitando, ou ao menos, balizando
quando da exploração abusiva da dependência econômica.

A importância do dever de informar encontra-se tipificada na Lei 8.955,


principalmente na obrigação do franqueador de enviar a Circular de Oferta de Franquia, que
deve conter em linguagem clara e acessível informações substanciais do negócio ofertado.

Serão fornecidas informações acerca da estrutura da franquia, sua composição


societária, financeira, o direito sobre marcas e patentes, os investimentos necessários, as taxas
a serem pagas por cada produto, publicidade, seguro mínimo, etc. A Lei de Franquia é um
referencial de interpretação para avaliar as condutas oportunistas pautadas na falta de
informação do agente24.

Outra perspectiva importante da boa-fé é aquela que lhe impõe a função de excluir
comportamentos. Não se verifica uma conduta positiva, do que seja agir de boa-fé, contudo,
do contrário, identifica ações tidas como de “má-fé”, aquelas que não devem ser adotadas
pelas partes.

Nesse diapasão identificamos três perfis da má-fé que influenciam as respectivas


etapas negociais25: (i) “pré-negociação e formação dos contratos”, (ii)“execução” e
(iii)“extinção”.

Na fase de pré-negociação e formação dos contratos são condutas que devem ser
evitadas, tratadas como agir de má-fé, essencialmente aquelas ligadas à prestação ou omissão
de informações. A parte não deve omitir informações necessárias ao bom cumprimento do
contrato assim como também maquiar tais informações será um agir de má-fé.

O momento da execução contratual está intimamente ligado ao da extinção do


pactuado, pois, normalmente, a extinção é fomentada pelas práticas advindas da execução da
avença. Assim, há quebra do estabelecido no art. 422 do Código Civil quando uma das partes

24
MUSSI, Luiz Daniel Rodrigues Haj. Abuso de Dependência Econômica nos Contratos Interempresariais de
Distribuição. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo - USP, 2007. p. 131.
25
Ibid., p. 132.
34

toma medidas evasivas e não esperadas, desvinculando-se dos princípios de lealdade e


previsibilidade que devem pautar os atos mercantis. O abuso pelo franqueador do poder de
determinação, a imposição de condições gravosas ou discriminatórias e a desvinculação do
fim pretendido pelo contrato caracterizam as condutas enrustidas de má-fé. Uma das partes
desvincula-se dos objetivos centrais que justifica o acordo, tornando a obrigação
economicamente inviável, levando a extinção da avença.

Relevante ressaltar que do prisma do direito contratual, a atuação ilícita independe de


qualquer prejuízo à concorrência. A boa-fé integra-se e ganha destaques para coibir abusos no
plano contratual, entretanto, a Lei Antitruste funciona como um significante referencial para o
preenchimento da cláusula geral da boa-fé no âmbito mercantil. Isso porque embora muitas
das condutas abusivas na prática não configurem prejuízos à concorrência e à livre iniciativa,
diversas das ações vedadas do ponto de vista anticoncorrencial transpassam o limite da tutela
antrituste e ganham relevância na regra comportamental de boa-fé, exigindo padrões de
atuação nas relações contratuais.

Fica evidente essa função integrativa da Lei Antitruste no parecer da Secretaria de


Defesa Econômica no processo administrativo nº 08012.003005/2002-3726, que reconhece a
inexistência de influência do McDonald´s sobre mercado dominante ao concorrer por meio de
lojas próprias com suas franqueadas independentes, todavia, ao afirmar a prática de
“canibalismo” do McDonald’s sobre suas franqueadas, expõe uma extrapolação ao princípio
da boa-fé, revelando uma relação de direito empresarial privado:

Outrossim, ainda que restasse comprovado que o Representado teria a intenção de eliminar
as lojas franqueadas, passando a ter apenas lojas próprias, tal como sobejamente reiterado
pela AFIM, ainda assim o Representado não possuiria poder de mercado para afetar
significativamente o mercado em questão, sendo improvável, portanto, que ele arcasse com
tais prejuízos, já que posteriormente não conseguiria recuperar tais perdas ou fechar o
acesso de tal mercado a seus concorrentes (p.47).

26
Processo Administrativo nº 08012.003005/2002-37, CADE, parecer SDE, disponível em
http://portal.mj.gov.br, acessado em 20 de agosto de 2013.
35

3. EQUILÍBRIO CONTRATUAL

3.1. Descrição do texto legal – Lei 8.955/94

Com a edição da Lei 8.955 de 1994, o contrato de franquia passou a ser um contrato
típico, estabelecendo a legislação as suas linhas básicas, nominando-o como “contrato de
franquia empresarial”.

Conforme dito anteriormente, o art. 2º da lei traz o conceito da franquia empresarial, in


vervbis:

Art. 2º Franquia empresarial é o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o


direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-
exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia
de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou
detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto,
fique caracterizado vínculo empregatício.

A chamada Circular de Oferta de Franquia (“COF”), um instrumento fundamental no


negócio da franquia, vem descrita no art. 3º da Lei, in verbis:

Art. 3º Sempre que o franqueador tiver interesse na implantação de sistema de franquia


empresarial, deverá fornecer ao interessado em tornar-se franqueado uma circular de oferta
de franquia, por escrito e em linguagem clara e acessível, contendo obrigatoriamente as
seguintes informações (...).

A Circular de Oferta de Franquia é um documento essencial que deve ser fornecido


pelo franqueador ao franqueado por escrito e em linguagem acessível, preliminarmente,
quando aquele intenciona contratar com esse. O art.3 estabelece o mínimo de informações
obrigatórias que têm de constar na COF. São dados acerca da empresa do franqueador, como
demonstrativos financeiros, balanços, direitos de propriedades industriais, pendências
judiciais, etc., que permitem ao franqueado identificar a solidez, o poderio econômico, e a
confiabilidade da empresa do franqueador.

Também deve ser fornecido ao franqueado detalhamento da configuração da franquia,


do que consiste o negócio, como funciona, o investimento necessário para se iniciar a
franquia, o perfil desejado de franqueado, se haverá exclusividade territorial, possibilidade de
realizar vendas fora do território do franqueado, quais as funções que devem ser
desempenhadas pelo franqueador e franqueado, o limite da ingerência do franqueador, se
36

existem e quais são as cotas mínimas de compra de produtos, a remuneração a ser paga por
cada um deles e todas as demais despesas que irá incorrer, o tipo de auxílio e treinamentos
que serão fornecidos, especificando a freqüência, duração e custos.

Ainda, deve trazer o modelo do “contrato-padrão” (e do pré-contrato se for o caso)


com a descrição completa das cláusulas, inclusive com anexos e prazos, e, por fim, identificar
qual a situação do franqueado após o prazo contratado.

A COF faz parte das negociações preliminares, tem a função informativa. Apresenta
informações elementares sobre o negócio e o contrato de franquia, possibilitando acesso às
experiências anteriores de outros franqueados, sedimentando as bases do relacionamento das
partes. Por ela ser um instrumento que baliza a tomada de decisão do investidor, fornecendo-
lhe informações primárias, a lei no seu art.4º impõe um prazo mínimo de 10 dias27 para que
ela seja enviada antes de qualquer tomada de decisão, da efetiva contratação, possibilitando a
reflexão do potencial franqueado.

A Lei 8.955 buscou conferir maior clareza e segurança ao negócio, porém, conforme
veremos adiante, pode ter ela incentivado práticas abusivas por parte do franqueador. Esse,
agora de posse do mínimo de informações quais deva fornecer, as entrega e omiti diversas
outras tão ou mais importantes como aquelas frisadas na lei, com o intuito de não
desestimular o potencial franqueado a desistir do negócio. Contudo, a priori, ao revelar os
dados básicos contidos na letra da lei, age conforme ela e pode “regularmente” oferecer seu
negócio.

Importante destacar que a COF não é uma proposta, como a enquadramos na fase de
“negociações preliminares”, ela não tem força vinculativa, é ato preparatório à constituição do
vínculo contratual. A proposta configura-se por ser uma manifestação de vontade dirigida por
uma parte à outra com o objetivo de provocar uma manifestação no destinatário28.

Não ocorre na COF a presença de dois elementos fundamentais para que nasça o
vínculo contratual: a proposta e a aceitação. Não há declaração de vontade do franqueador
visando suscitar um contrato, tampouco se espera que o franqueado dê a sua aceitação. Ainda
que se sustente que a própria Circular de Oferta traga no seu bojo o modelo de contrato (ou

27
“Art. 4º A circular oferta de franquia deverá ser entregue ao candidato a franqueado no mínimo 10 (dez) dias
antes da assinatura do contrato ou pré-contrato de franquia ou ainda do pagamento de qualquer tipo de taxa pelo
franqueado ao franqueador ou a empresa ou pessoa ligada a este.”
28
BULGARELLI, Waldirio. Contratos Mercantis. São Paulo: Atlas, 1999. p. 120.
37

pré-contrato), esse é elemento que deve constar em virtude de lei, e não necessariamente
encerra uma oferta do franqueador. Ela não é uma declaração de vontade, portanto, o
franqueado não tem o direito potestativo de concluir o contrato que lhe foi enviado como
minuta “padrão” 29.

Apesar da dicção do art.3º da lei afirmar que a COF deve ser “escrita e em linguagem
clara e acessível”, a aplicação de tal dispositivo vem sendo relativizada pelos tribunais pátrios.
Na Apelação Cível 716.759-930, o Tribunal de Justiça do Paraná enfrentou a questão, e de
forma interessante confirmou a decisão de 1º grau na qual a magistrada supriu a falta da COF
formalizada por escrito pelo claro entendimento do franqueado de todas as disposições, das
informações de como funcionaria o negócio pela via oral. Isso porque a juíza a quo entendeu
que o franqueado tinha plena consciência do negócio que estava contraindo, uma vez que era
amigo de longa data do franqueador e por diversos momentos (discussões, esclarecimentos
que se alongaram por meses) a franquia foi objeto de conversas, não restando dúvidas ao
investidor acerca do negócio que entabulava. A ausência da COF por si não basta para gerar
nulidade do contrato de franquia, por isso o parágrafo único31 do art. 4º da Lei 8.955/94
afirma a “anulabilidade” do contrato de franquia caso a COF não seja entregue ao franqueador
no prazo estipulado (no caso não podemos afirmar existir “nulidade” de pleno direito).

A apelação cível mencionada apenas corrobora o entendimento de que a COF tem


como função precípua ser informativa, tanto o é que pode ocorrer do potencial franqueador

29
SAAVEDRA, Thomaz. Vulnerabilidade do Franqueado no Franchising. Rio de Janeiro: Lúmen, 2005. p 12-
13.
30
“(...) Desta forma, embora as partes concordem que não houve a efetiva entrega da Circular de Oferta de
Franquia, o representante da empresa ré-apelante afirmou em seu depoimento, fl. 329: ‘... que verbalmente lhe
fora informado quais eram as condições e como funcionava a franquia; que tinha conhecimento que seria o
primeiro franqueado da autora; que embora não tenha recebido documento formal, diz que todas as condições lhe
foram repassadas verbalmente; que a partir de 2003, conversaram bastante a respeito do assunto, até que
chegaram à formalização do contrato; (...) que a minuta do contrato lhe fora repassada por e-mail’. Assim, diante
da amizade entre as partes reconhecida na sentença aliado ao fato de que o réu recebeu todas as informações
referentes à negociação, a ausência de formalização do documento previsto nos artigos 3º e 4º, da Lei de
Franquia não merece prosperar. Neste sentido, a MMª Juíza da causa decidiu: ‘... a pretensão da requerida de
declarar nula a avença pelo simples fato de não ter sido formalizado documento escrito sobre as condições da
franquia, e exigências legais previstas nos art. 3º e 4º, da Lei 8.955/94, não pode prosperar’ ” (grifos nosso).
(Apelação Cível Nº 716.759-9, 7ª Câmara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de
Curitiba, 9ª Vara Cível).
31
Lei 8955/94: “Art. 4º A circular oferta de franquia deverá ser entregue ao candidato a franqueado no mínimo
10 (dez) dias antes da assinatura do contrato ou pré-contrato de franquia ou ainda do pagamento de qualquer tipo
de taxa pelo franqueado ao franqueador ou a empresa ou pessoa ligada a este. Parágrafo único. Na hipótese do
não cumprimento do disposto no caput deste artigo, o franqueado poderá argüir a anulabilidade do contrato e
exigir devolução de todas as quantias que já houver pagado ao franqueador ou a terceiros por ele indicados, a
título de taxa de filiação e royalties, devidamente corrigidas, pela variação da remuneração básica dos depósitos
de poupança mais perdas e danos”.
38

possuir mais de uma Circular de Oferta de Franquia, de diversos franqueadores, e de posse


delas analisar qual seria o investimento mais viável.

Dizer que a COF não tem “força vinculativa” é completamente diferente de


afirmarmos que o franqueador não tem responsabilidade por ela.

A responsabilidade civil, dita pré-contratual se configura quando, por exemplo, uma


das partes com sua conduta cria justa expectativa à outra, que na esperança de conclusão do
negócio e incentivada por aquela, realiza despesas ou deixa de concluir outros negócios. A
responsabilidade civil surge não na esfera da culpa contratual, mas, na da aquiliana. Somente
ocorrerá no caso de uma delas induzir a outra à crença de que o contrato seria celebrado
levando-a a despesas ou a não contratar com terceiros, etc., e depois recuar, causando-lhe
dano. O fundamento do dever de reparação é o ilícito genérico, tendo caráter excepcional, e
de forma alguma pode ser levada para além dos limites razoáveis de sua caracterização.

A exigência da transparência do negócio não é peculiar à franquia. Os atos jurídicos


praticados com dolo são anuláveis segundo dicção dos arts. 145 e 147 do Código Civil32.
Assim, o negócio poderá ser anulado caso o franqueador intencionalmente omita alguma
situação ao investidor, ou quando expuser a ele informações inverídicas. Por exemplo, na
hipótese do franqueador superestimar o número de franquias que o negócio possui ou
distorcer o quadro financeiro da rede; também podemos citar, a título argumentativo, a
possibilidade de o franqueador apresentar com alarde métodos operacionais que de fato não
existem33.

Nesse sentido, o art.734 da Lei 8.955/94 afirma ser anulável o contrato de franquia no
qual o franqueador veiculou informações falsas na Circular de Oferta de Franquia, impondo
lhe todas as sanções previstas no parágrafo único do art.4º do mesmo dispositivo, sem
prejuízo das sanções penais. Tal disposição é claramente fundamentada nos arts.
anteriormente citados do Diploma Civil.

32
“Art. 147. Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou
qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se
teria celebrado.”
33
SAAVEDARA, Thomaz. Vulnerabilidade do Franqueado no Franchising. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
p. 17.
34
“Art. 7º A sanção prevista no parágrafo único do art. 4º desta lei aplica-se, também, ao franqueador que
veicular informações falsas na sua circular de oferta de franquia, sem prejuízo das sanções penais cabíveis”.
39

3.2. Cláusulas essenciais do contrato de franquia

Embora tratemos o contrato de franquia como “típico”, a Lei 8.955/94 se presta a


regular principalmente a Circular de Oferta de Franquia, e não o contrato de franquia
considerado em si. Assim, não estabelece expressamente as normativas básicas,
imprescindíveis ao instrumento contratual. Tal tarefa coube à Associação Brasileira de
Franchising.

A ABF (Associação Brasileira de Franchising) é uma entidade sem fins lucrativos,


criada em 1987 no Brasil. Ela possui como associados franqueadores, franqueados e diversos
colaboradores (estudantes, advogados, administradores, economistas, etc.). Através da
promoção de estudos, palestras, cursos, objetiva desenvolver a franquia como modelo de
negócio e estabelecer padrões para a prática de Franchising no Brasil, de modo a moralizar o
mercado e garantir o bom funcionamento do sistema, exercendo um papel de destaque e
gozando de grande prestígio entre as principais associações internacionais que cuidam do
franchising35.

Apesar da ABF não ser um órgão público, ela elaborou e divulgou um código de
autorregulamentação do franchising no Brasil, que consiste num conjunto de normas que é
seguramente seguido por aqueles que fazem parte do sistema de franquia.

No seu item 836 “Contrato de Franquia”, o código da ABF conceitua o contrato de


franquia bem como estabelece quais os temas imprescindíveis do instrumento. Por óbvio
deve-se obedecer aos pressupostos de validade do negócio jurídico constantes no art.104 do
Código Civil, quais sejam: agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável
e forma prescrita ou não defesa em lei.

Isto posto, e, nos balizando pela normativa da ABF, destacamos como cláusulas
fundamentais do contrato de franquia as que versem acerca: (i) do objeto da Franquia; (ii)
território de atuação do franqueado; (iii) obrigações pecuniárias das partes; (iv) prazo de
concessão da Franquia; (v) direitos e obrigações do franqueador e franqueado; (vi) concessão
de direitos de Propriedade Industrial; (vii) dever de confidencialidade e não concorrência;
(viii) hipóteses e conseqüências da cessão ou transferência da franquia; (ix) sucessão das

35
Disponível em < http://www.portaldofranchising.com.br/sobre-a-abf/atuacao-da-associacao-brasileira-de-
franchising>. acesso em 10 de Julho de 2013.
36
ROQUE, Sebastião José. Do contrato de Franquia Empresarial. São Paulo: Ícone, 2012. p. 122.
40

partes; (x) causas e conseqüências da rescisão; e, por fim, (xi) forma de resolução de conflito
e qual foro (ou câmara – no caso de resolução arbitral) competente.

O objeto do contrato de franquia nada mais é do que a descrição daquilo que se está
entabulando por meio daquele instrumento. Via de regra, estabelece quais os tipos de licenças
que o franqueador está concedendo, o que elas contemplam como, por exemplo, autorizações
para exploração de marcas, nome do franqueador, logotipos, manuais de operações, técnicas
de trabalho, desenhos, uniformes de funcionários e demais elementos de propriedade
intelectual pertencentes à franquia37.

A especificação do território de atuação do franqueado é de extrema relevância. O


franqueador deve demarcar qual o perímetro territorial estará concedendo para o franqueado
explorar a franquia, seja de forma exclusiva ou não. Essa designação territorial deve ser a
mais clara possível, demonstrando de maneira inequívoca os limites estabelecidos. Ainda,
deve constar o direito de preferência ao franqueado quando houver hipótese de abertura de
outra franquia no seu território exclusivo. Assim, deverá oferecer a oportunidade de negócio
para o franqueado, e somente se esse declinar poderá oferecer a terceiros. Tal cláusula é um
dos pilares do franchising e pode ser fundamental na decisão do investidor de entrar ou não
no negócio. Dela podem ser extraídas expectativas de lucro; seu desrespeito pelo franqueador
certamente acarretará em prejuízos ao franqueado38, e, haverá clara violação à boa-fé objetiva
contratual.

A questão pecuniária tem de estar minuciosamente descrita no contrato. Existem os


custos iniciais (investimento), nos quais estão incluídas as despesas com a adequação do
ponto comercial ao layout padrão da franquia, à compra de máquinas necessárias ao processo
industrial, refrigeradores, computadores e a primeira aquisição mínima de mercadorias.
Ressalta-se que esse investimento é muito específico, ou seja, é gasto dinheiro em ativos que

37
ROQUE, Sebastião José. Do contrato de Franquia Empresarial. São Paulo: Ícone, 2012. p. 191.
38
Para ilustramos a questão, trazemos trechos do julgamento da Apelação Cível 20080111302974 APC, 4ª
Turma Cível – Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, Des. Rel. Cruz Macedo: “(...) 1.
Restando patente o descumprimento da franqueadora em relação à exclusividade territorial de atuação da
franqueada, bem como em relação ao direito de preferência, estipulados no contrato de franquia, este deve ser
rescindido, o que, consequentemente, importa o pagamento dos lucros cessantes e de multa a serem apurados em
liquidação de sentença. Dispõe a cláusula 4.8 do Contrato (fl. 26) que: ‘na hipótese de ocorrência de mudanças
de densidade demográfica ou ambiente futuro, bem como da evolução do mercado no bairro onde a franquia está
instalada, fundamentadamente em análises técnicas que possibilitem a absorção de uma nova unidade, será
assegurado ao franqueado o direito de habilitar-se, preferencialmente, à nova franquia.’ Dessa forma,
patente a necessidade de consulta prévia às franqueadas quando da intenção de concessão novas franquias”.
41

dificilmente serão reempregáveis em outra atividade. Para um investidor somente a


continuidade do negócio irá possibilitar o retorno esperado ao quantum desembolsado.

Tal questão está intimamente ligada ao tempo de contrato. Como exposto,


investimentos específicos, via de regra, demandam maior tempo para compensar o risco do
investidor, por conseqüência, o prazo contratual deverá ser proporcional ao risco e expectativa
de retorno. Além disso, temos aqui uma questão fulcral no que diz respeito ao equilíbrio
contratual. A especificidade dos ativos leva necessariamente a uma dependência econômica
do negócio, pois, na ausência de sua continuidade o franqueado não tem (ou dificilmente terá)
como se desfazer dos ativos (móveis customizados, máquinas específicas, layout padronizado,
etc.) a um preço razoável. Portanto, a dependência econômica do franqueado se configura já
na primeira fase de investimentos.

O Código Civil, com vistas a proteger o tráfico do mercado e o contratante de boa-fé


do término dos contratos de longa duração, evitando que o fim abrupto do negócio cause
prejuízos indevidos à parte que investiu no empreendimento, preceitua no seu art. 473,
parágrafo único39 que a denúncia dos contratos de longa duração não produzirá efeitos antes
de recuperados os investimentos realizados40.

Deve-se estabelecer quando as obrigações pecuniárias vencem e que deverão ser pagas
em dia; a manutenção do quadro de empregados devidamente treinados e uniformizados; a
participação em campanhas publicitárias; a compra mínima de mercadorias e de fornecedores
definidos; cuidar para que a empresa franqueada esteja regularmente inscrita nos órgãos e
registros públicos nacionais. Relevante destacarmos que o franqueado deve manter a
qualidade dos produtos licenciados, comprando as matérias-primas dos fornecedores
indicados pelo franqueador e conservando-os adequadamente. Não pode, de forma alguma,
adquirir mercadorias de terceiros pelo simples fato dessas estarem mais baratas e possuírem
“qualidade semelhante” a designada pelo franqueador. Também, será avaliada a hipótese de o
franqueado realizar a venda dos produtos fora do estabelecimento comercial (ex: venda por
meio de terceiros no sistema “porta a porta”), e como ela se dará.

39
“Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante
denúncia notificada à outra parte. Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes
houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de
transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos.”
40
FORGIONI, Paula Andréa. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2009. p. 149.
42

No que tange às obrigações do franqueador, entre as principais citamos o dever


contínuo de fornecimento do know-how, a assistência no gerenciamento industrial e
comercial, trabalhando sempre para incrementar a marca.

Os direitos de Propriedade Industrial são cedidos ao franqueado pelo contrato de


franquia. Por óbvio, tratando-se de uma licença, essa é precária, tem termo inicial e final. Não
há transferência de titularidade, apenas o uso desses direitos com as finalidades previamente
postas.

Por se tratar de um contrato mercantil que regula a revelação e transmissão de muitos


segredos industriais/comerciais, sendo esse um dos objetos do negócio, o contrato de franquia
deve prever impreterivelmente cláusulas de confidencialidade (“disclousure”). Por meio
dessas definem-se quais seriam as informações confidenciais, seu uso adequado pela parte
receptora e as situações em que há a possibilidade de serem reveladas.

Ainda, há que se somar a isso a pactuação da impossibilidade de concorrência pelo


franqueado com o negócio desenvolvido pelo franqueador. Não pode o franqueado de posse
de todo o know-how e experiência adquirida na franquia, abrir um negócio próprio, em que
não precisará pagar taxas de franquia, royalties, despesas com publicidade, etc., concorrendo
com o franqueador. O contrato deve trazer de forma inequívoca a zona de proibição de
concorrência, descrevendo o território e o prazo mínimo de vigência dessa. O
descumprimento de tal cláusula deve trazer uma multa compensatória de elevado valor, pois,
como já dissemos, se trata de uma estipulação sine qua non para o sucesso da franquia.

A cessão e transferência da franquia não é algo tão simples, pois, cuidamos de um


negócio personalíssimo; o franqueador não busca apenas um investidor, mas, sobretudo um
bom administrador. O franqueado é escolhido após um minucioso exame cadastral. Suas
características pessoais como tipo de formação acadêmica, disposição de tempo para se
dedicar ao negócio, engajamento e perfil pessoal, foram detalhadamente analisadas pelo
franqueador. O franqueado deve se adequar ao perfil buscado pelo franqueador; esse acredita
e depende do trabalho pessoal daquele para o incremento de seu negócio e obtenção de lucros.
Por isso, haverá uma série de restrições quando da modificação na composição do franqueado,
43

seja ele pessoa física, empresária individual ou coletiva41. Da mesma forma, devemos
ponderar também a sucessão do franqueado.

A Lei 8.955/94 não trata da hipótese de extinção do contrato de franquia, ficando a


cargo das regras gerais estabelecidas nos artigos 472 a 480 do Código Civil. No contrato de
franquia constarão as situações que acarretam a extinção do negócio, estipulação de multa, se
for o caso, e as causas extintivas de seu pagamento.

Por fim, no que tange à resolução de conflitos, seguindo a evolução do direito


processual empresarial, à solução aos conflitos oriundos do contrato de franquia pode ser
atribuída à arbitragem. Os processos arbitrais possuem diversas vantagens como, por
exemplo, maior celeridade no julgamento da lide, processos mais técnicos e precisos.
Todavia, ordinariamente são de custo muito elevado. A Associação Brasileira de Franchising,
visando oferecer um serviço especializado e mais acessível financeiramente para aqueles que
integram o sistema de franquia, disponibiliza sua própria corte arbitral.

3.3. Dependência Econômica

A dependência econômica é caracterizada quando um agente deve sujeitar-se a outro


que lhe impõe condições para que aquele possa sobreviver no mercado. O abuso da
dependência econômica é diferente do abuso da posição dominante stricto sensu. Nele, o
agente preponderante não tem o poder de influenciar preços ou a concorrência, mas, tão
somente, poder sobre seus parceiros. Ou seja, ela implica na exploração oportunística da
sujeição do parceiro comercial e influencia a condição de independência e indiferença sobre a
contraparte e não sobre o mercado. Não cria atuação desleal em mercado relevante que deve
ser tutelado pelo direito concorrencial42. A origem da disparidade entre as empresas

41
SAAVEDARA, Thomaz. Vulnerabilidade do Franqueado no Franchising. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
p. 30-31.
42
Nesse sentido é o parecer da Secretaria de Defesa Econômica no processo administrativo nº
08012.003005/2002-37, que reconhece a inexistência de influência do McDonald´s sobre mercado dominante ao
concorrer por meio de lojas próprias com suas franqueadas independentes, mas tão somente uma relação de
direito empresarial privado:“Outrossim, ainda que restasse comprovado que o Representado teria a intenção de
eliminar as lojas franqueadas, passando a ter apenas lojas próprias, tal como sobejamente reiterado pela AFIM,
ainda assim o Representado não possuiria poder de mercado para afetar significativamente o mercado em
questão, sendo improvável, portanto, que ele arcasse com tais prejuízos, já que posteriormente não conseguiria
recuperar tais perdas ou fechar o acesso de tal mercado a seus concorrentes” (p.47). Processo Administrativo nº
08012.003005/2002-37, CADE, parecer SDE, disponível em http://portal.mj.gov.br, acessado em 20 de agosto
de 2013.
44

contratantes pode ser identificada nas seguintes causas43: (i) no poder relacional, (ii) poder de
compra, (iii)dependência de marca famosa e (iv)no período de crise.

O poder relacional talvez seja o elemento mais importante na caracterização da


dependência econômica. Decorre de contrato de longo prazo com investimentos específicos
realizados por uma parte para executá-lo.

O poder de compra ocorre quando um fornecedor encontra-se em relação de sujeição


econômica diante do seu distribuidor, que tem alto poder de absorção da produção fabricada
por aquele. É o caso das grandes redes de varejo, que impõe condições contratuais aos
pequenos fornecedores.

A dependência de marca famosa ocorre quando o empresário necessita comercializar


produtos conhecidos do público para se manter no mercado. A possibilidade de substituição
dos bens é baixa ou inexistente devido às suas características específicas, como, por exemplo,
qualidade, à difusão da marca no mercado, especificidade, etc.

Durante o período de acentuadas crises, o fornecedor pode necessitar do distribuidor


para absorver sua produção assim como a crise pode fazer com que o distribuidor precise do
fornecedor para abastecer seu negócio, diante da ausência de alternativas disponíveis no
mercado.

Segundo Conseil de La Concurrence44, a caracterização da dependência econômica


deve levar em conta fatores como: (i) reserva da parcela de mercado detida pelo fornecedor;
(ii) faturamento do agente decorrente exclusivamente ou em boa parte da comercialização dos
produtos do agente em posição de superioridade; (iii) ausência de solução equivalente em
caso de suspensão do fornecimento, minando o fluxo comercial e (iv) período de crise em que
o mercado dispõe de poucas alternativas de negócio para o empresário.

É irrelevante se o agente econômico submisso é economicamente “maior” ou “menor”


que o dominante, a origem da dependência econômica é relacional, ou seja, advém das
características da própria relação.

43
COURTES. Dépendance économique e tabus de dépendance économique en droit de laconcurrence et em
droit des contrats, 234 e ss apud FORGIONI, Paula Andréa. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 348-350.
44
Amiel-Cosme, Les réseaux de distribution,. p.216 e ss apud FORGIONI, Paula Andrea. Teoria Geral dos
Contratos Empresariais. São Paulo, 2008. p. 352.
45

Há dois tipos de dependência econômica, a absoluta e a relativa45. A primeira ocorre


quando todos os agentes econômicos atuantes daquele mercado são interligados e dependentes
entre si. Ela pode se dar por meio de três formas: pelo exercício do poder no mercado, pela
limitação das informações ao agente de mercado e pelo controle de compatibilidade com a
rede.

O exercício do poder no mercado é caracterizado como uma prática decorrente do


poder econômico na qual o agente abusa de sua posição dominante ou pratica algum ato que
objetive a dominação do mercado.

Já a limitação de informação do agente de mercado colabora decisivamente para o


abuso da posição dominante. Ela ocorre principalmente na chamada “venda casada” em que o
empresário subordina a venda de um bem/serviço principal à aquisição de um secundário. O
agente econômico subordinado não tem conhecimento suficiente para saber até que ponto há a
necessidade de tal vinculação e da prestação secundária para otimizar o bem/serviço principal
adquirido ou se aquilo é de fato um abuso praticado pelo vendedor.

O controle de compatibilidade com a rede é manipulado pelo agente que está em


posição dominante e introduz no mercado um novo produto, com ou sem inovação
tecnológica, entretanto, incompatível com produtos acessórios dos seus concorrentes e tão
somente compatível com os seus acessórios.

Observamos a dependência econômica relativa quando um agente econômico, por


meio de relações contratuais, se vincula com a empresa contratada, não havendo possibilidade
de escolha. Ela se apresenta na forma de dependência conjuntural, dependência de sortimento
e dependência empresarial.

A primeira forma de dependência econômica relativa é decorrente de um panorama


mais amplo, normalmente de uma crise conjuntural em um determinado mercado que leva à
escassez de certo produto. Assim, se um fornecedor se abastece no mercado interno e esse
está em crise, faltando o produto “A”, e outro empresário adquire o mesmo produto “A” do
mercado internacional, tal fato leva a um poder econômico maior desse último. Embora o
poder adquirido seja efêmero, ele pode levar aquele agente que tinha o mercado interno como
fornecedor do produto “A”, a se subordinar ao mercado internacional e aos empresários que
nele já negociavam.

45
SALOMAO FILHO, Calixto. Direito Concorrencial: as condutas. São Paulo Malheiros, 2003. p. 204-224.
46

A dependência de sortimento é aquela que se consolida quando o sucesso de um


negócio depende principalmente da venda de certo produto, seja por sua marca, pela sua
composição e/ou aceitação que não encontram substitutos no mercado.

A dependência empresarial se edifica em contratos empresariais que criam relações


duradouras entre as partes. A parte cria para si por meio da relação contratual uma
dependência constante, faz investimentos específicos, adapta todo o seu negócio ao agente
dominante. É facilmente identificada nos contratos de distribuição e fornecimento de longo
prazo.

Tratando-se da franquia, é claro perceber como ela se amolda nos mais variados
fatores descritos acima como causa da dependência econômica. Ela se identifica com a
dependência econômica relativa, advinda de contrato, sendo própria e inerente ao franchising.
Mais precisamente ela se amolda na dependência empresarial uma vez que o franqueado
realiza investimentos específicos e adéqua todo o seu negócio às normas impostas pelo
franqueador. Isso não exclui também a dependência de sortimento, pois, o franqueado
depende principalmente da marca, já trabalhada pelo franqueador no mercado, como grande
carro chefe da franquia.

Todavia, não há nada de ilícito no fato de uma empresa ser superior economicamente à
outra, mas o abuso dessa relação é que deve ser reprimido pela lei46. O contrato deverá
permanecer equilibrado (ou desequilibrado) na medida em que foi pactuado e assim deverá
ser preservado.

3.4. Equilíbrio entre as partes?

Conforme dito, é evidente que o contrato de franquia encerra uma atividade na


qual a dependência econômica é sua característica inerente. Porém, as empresas aderiram
voluntariamente aos esquemas contratuais, puderam e tiveram liberdade para ponderar os
riscos e as conseqüências da contratação.

A doutrina vem nomeando como “contratos de dependência” aqueles em que as partes


contratam sob condições econômicas de dependência. Na verdade, apenas nomeia contratos já
largamente utilizados e difundidos, como contratos de distribuição, franquia, etc. Importante
ressaltar que esse novo conceito traz à baila a utilidade da noção de dependência econômica

46
FORGIONI, Paula Andréa. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2009. p. 35-36.
47

que distingue esses contratos de outros, submetendo-lhes de forma mais rigorosa aos
princípios da boa-fé e lealdade contratuais47.

Esses contratos têm alguns traços em comum, sendo no geral de trato sucessivo e de
adesão. Contratos de trato sucessivo ou de duração continuada são aqueles quais as partes
devem cumprir prestações contínuas ao longo do tempo, a obrigação é única, porém,
fracionada no lapso temporal48.

Os contratos de adesão são aqueles em que não há possibilidade de prévia discussão


para sua formatação, uma das partes impõe à outra o negócio da maneira que bem entender,
estabelecendo unilateralmente suas cláusulas, sendo a única opção de contratação, ou seja,
caso a parte não contrate naqueles termos não existe alternativa para obter o bem/serviço.

Não podemos considerar o contrato de franquia como contrato “de adesão”, aquele no
qual a parte aderente não tem outra opção que não aderir àquele contrato para obter o produto
ou o serviço desejado49. Pelo contrário, se trata de um investimento, de uma oportunidade de
negócio, o potencial franqueado pode ter inúmeras propostas de franquias na mesma faixa de
investimento e deve avaliar qual é a sua opção mais viável. Para isso pode contar com o
auxílio de diversos profissionais como, por exemplo, advogados, economistas, contadores,
etc., que lhe fornecerão o conhecimento técnico para embasar melhor sua decisão. Não há que
se falar em qualquer tipo de imposição pelo franqueador perante o investidor, esse não fica
sujeito ao “tudo ou nada”; caso não concretize aquela oportunidade ele poderá ter diversas
outras, aquela não é a única via possível para se realizar um negócio de franquia. Podemos
falar em “contratos por adesão” na medida em que os contratos oferecidos, até mesmo para
diminuir custos transacionais, são padronizados, mas, jamais em “contratos de adesão”50.

47
FAVA, M.B. Aplicação das normas do CDC aos contratos interempresariais: a disciplina das clausulas
abusivas. São Paulo: Universidade de são Paulo, Faculdade de Direito 2010. p. 63.
48
GOMES, Orlando. Contrato 17ªed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 80.
49
JUNIOR, Sidnei Amendoeira. Principais características do contrato de franchising. In BRUSCHI, Gilberto.
COUTO, Mônica. PEREIRA E SILVA, Ruth. PEREIRA, Thomas (orgs.). Direito Processual Empresarial. Rio
de Janeiro: Elsevier, 2012. p. 938.
50
Nesse sentido “Agravo de Instrumento. Cautelar Inominada. Exceção de incompetência. Contrato de
Franquia. Eleição de Foro. Cláusula válida. Decisão resumida rejeitando o incidente. Não se caracteriza a avença
como contrato de adesão. A disposição não é leonina e não existe vício em sua estipulação. Decisão agravada
sucinta, mas válida e regular. Pronunciamento correto. Recurso Desprovido” (Des. Marcus Faver. J. 19/09/2000.
5ª Câmara Cível 2000.002.07444. Agravo de Instrumento TJRJ). Em entendimento diametralmente oposto: “O
contrato firmado pelas partes é de franquia. Contratos que tais, chamados de franchising, segundo doutrina que
comungo de Adalberto Simões Filho, em sua natureza jurídica, é ‘contrato típico, misto, bilateral, de prestações
recíprocas e sucessivas com o fim de se possibilitar a distribuição, industrialização ou comercialização de
produtos, mercadorias ou prestação de serviços, nos moldes e forma previstos em contrato de adesão’.
(‘Franchising’, São Paulo, 3ª ed., Atlas, 1998, págs. 36/42). Assim sendo, por ser o contrato de franquia
48

O desequilíbrio é consolidado especialmente em cláusulas que tratam do prazo


contratual, da exclusividade e aquelas pós-contratuais que limitam a liberdade futura do
franqueado, tais como as cláusulas de não concorrência.

No caso da franquia, a subordinação, característica direta e ínsita desse tipo de negócio


decorre da situação de fato da dependência econômica de um dos contratantes. O parceiro
dominante visando garantir seu sucesso futuro, bem como o do franqueado, dispõe de uma
série de medidas quais direciona uma estratégia econômica e comercial, estendendo seu poder
sobre seus contratantes. Assim, surgem cláusulas de duas ordens: as cláusulas de sujeição e as
de controle.

Como cláusulas de sujeição exemplificamos aquelas que fixam as políticas de


publicidade e venda, o tabelamento dos preços, a cota mínima de compra a ser efetuada pelo
franqueado e a manutenção de toda transparência contábil, comunicando a movimentação
financeira ao franqueador quando esse julgue necessário.

Já no que tange às cláusulas de controle podemos destacar aquelas que tratam da


obrigação de fornecimento do quadro de funcionários, das parcerias financeiras e comerciais,
do inventário detalhado de estoque, da situação física e aparente do estabelecimento, do
direito de visitas e inspeção das instalações, etc.51.

A simples presença da dependência econômica não quer dizer que uma das partes é
hipossuficiente em relação à outra. E como vimos essa até é uma característica fática própria
ao negócio. Não há nada de ilícito em uma empresa ser subordinada à outra, o que não deve
ocorrer é o abuso de tal subordinação, tendo como elemento central a dependência econômica
entre as partes.

3.5. O CDC e o contrato de franquia

O sistema consumerista brasileiro encontra suas bases fundamentais no art. 5º da


Constituição Federal de 1988, que estabelece como direito fundamental a defesa dos direitos
do consumidor. Além disso, a ordem econômica do nosso mercado, pautado pela livre
iniciativa e concorrência, respeitados os princípios da defesa do consumidor, é determinada

considerado de adesão, o foro de eleição é cláusula abusiva que não deve prevalecer em detrimento do aderente,
geralmente parte mais frágil na relação do franchising. (DES. Luiz ANTÔNIO ARAÚJO MENDONÇA j.
07/06/2006. 2ª Câmara Cível 2005204295. Agravo de Instrumento TJSE).
51
FAVA, M.B. Aplicação das normas do CDC aos contratos interempresariais: a disciplina das clausulas
abusivas. São Paulo: Universidade de São Paulo, Faculdade de Direito 2010. p. 72.
49

pelo art. 170, V da Carta. Encontramos na Lei 8.078/90 as bases infraconstitucionais do


Direito do Consumidor pátrio ao estabelecer o Código de Defesa do Consumidor.

A complexidade do Diploma se inicia já quando da analise dos sujeitos de direito


dessa relação jurídica especial. O sujeito ativo, intitulado “consumidor”, é definido no próprio
CDC em diversas oportunidades, como por exemplo, art. 2º, caput e parágrafo único, art. 17º
e art. 29. Tal definição leva em conta o aspecto transindividual, coletivo, e não apenas o
individual.

Também encontramos a definição de “consumidor” em outros campos do saber;


etimologicamente, a palavra “consumidor” deriva de consumere, no sentido de fazer
desaparecer pelo uso ou pelo gasto, gastar, destruir, desfazer, despender, absorver, corroer52.
No aspecto econômico, consumidor é aquele que pratica o ato pelo qual se completa a etapa
final do processo econômico53. No campo filosófico, consumidor é aquele que pela venda de
sua força de trabalho, obtém o rendimento que necessita para a reprodução de sua atividade
material e espiritual.

Juridicamente nos é permitido dizer que existem dois grandes conceitos de


consumidor: o objetivo e o subjetivo. No plano objetivo consumidor é aquele quem retira o
produto da economia, destruindo seu valor de troca. Leva em conta apenas o ato de consumo
praticado, sendo irrelevante o agente quem o pratica.

Tal conceito objetivo se aproxima da doutrina Maximalista, segundo Cíntia Rosa


Pereira de Lima54:

(...) estende a aplicação das normas do CDC a todos os indivíduos que retiram o produto do
mercado de consumo, sendo, portanto, o destinatário fático deste bem, pouco importando a
utilidade do mesmo (profissional ou não), basta que este indivíduo não repasse o bem para
o mercado de consumo.
Assim, interpretando pela teoria ante exposta o legislador não limitou o campo de
aplicação do Código, pois, caso o quisesse, o faria expressamente. Corroborando com esse
entendimento, J.M. Arruda Alvim, Thereza Alvim, Eduardo Arruda Alvim e Jayme Marins:

52
DE LUCCA, Newton. Direito do Consumidor. 2ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p.112
53
Ibid, p.113.
54
LIMA, Cíntia Rosa Pereira. Da Aplicação do Código de Defesa do Consumidor às Instituições Financeiras.
In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 101, 2006. p. 653 – 698.
50

(...) procurou traçar o legislador, objetivamente, a linha mestra do conceito de consumidor.


Neste mister, estabeleceu no art. 2º deste Código que é consumidor ‘ toda pessoa física ou
jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final’, ou seja, cuja
aquisição se insere no termo final dos quadros de um ciclo de produção. (...) De nossa parte,
não podemos concordar com a equiparação que se quer fazer de uso final com uso privado,
pois tal equiparação não está autorizada na lei e não cabe ao intérprete restringir onde a
norma não o faz. (...) Da mesma forma, não se pode pretender limitar a proteção do Código
às pessoas jurídicas equiparadas ao consumidor hipossuficiente, pois que em momento
algum condiciona o Código o conceito de consumidor à hipossuficiencia. (...) Logo, a única
característica restritiva seria a aquisição ou utilização do bem como destinatário final.
Assim, para o art. 2º, o importante é a retirada do bem do mercado (ato objetivo) sem se
importar com o sujeito que adquire o bem, profissional ou não (elemento subjetivo)55
(ALVIM, et. al. 1995).

Por conseqüência, o consumo intermediário estaria abrangido pelas normas do CDC.

O conceito subjetivo por sua vez, mais disseminado em países europeus, tem seu
ponto central na figura do consumidor como aquele destinatário final do produto, ou seja, não
basta o ato econômico de retirar o produto do ciclo comercial para o agente se caracterizar
como consumidor o agente; somado-se a isso, ele deve ser o último utilizador daquele
produto.

Essa concepção aproxima-se da Teoria Finalista preconizando que “as normas do


CDC são destinadas tão apenas àqueles que adquirem ou utilizam um produto como
destinatários finais, ou seja, para uso próprio ou de sua família (excluindo tão somente o uso
profissional)” (LIMA, 2006)56. Nesse sentido não podem ser considerados como
consumidores pessoas jurídicas que tenham adquirido produtos como insumo, fator de
produção.

Por essa razão, na exposta Teoria Finalista clássica, somente as pessoas físicas seriam
consumidoras, pois, o sistema consumerista fora projetado para tutelar os vulneráveis, e não
era admissível a idéia de uma pessoa jurídica ser vulnerável do ponto de vista técnico, jurídico
e fático. Decorre daí uma grande dificuldade de caracterização e proteção das pequenas
empresas. Por que uma pequena empresa que não possui expertise em diversos ramos, não

55
ALVIM, J.M. Arruda, ALVIM, Thereza, ALVIM Eduardo Arruda,MARINS, Jayma. Código de Defesa do
Consumidor Comentado. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 18-31.
56
LIMA, Cíntia Rosa Pereira. Da Aplicação do Código de Defesa do Consumidor às Instituições Financeiras.
In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 101, 2006. p. 653 – 698.
51

possui profissionais dotados de extrema capacidade técnica é menos vulnerável que uma
pessoa física e não é a ela possível aplicar as normas do CDC? O doutrina finalista clássica,
valendo-se do conceito objetivo puro nos parece insuficiente e de difícil aplicação.

O Código de Defesa do Consumidor trouxe um conceito diferente daqueles já


expostos, alinhando-se à chamada Teoria Finalista Moderada. O art. 2º do Diploma
Consumerista brasileiro traz, in verbis:

Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como
destinatário final.

Ou seja, adota o aspecto do destinatário final, desprezando aquele de caráter


profissional, todavia, inclui as pessoas jurídicas, indo na contramão da Teoria Finalista
Clássica ou Radical.

Assim, surgem discussões acerca de quando a pessoa jurídica pode ser considerada
como “destinatária final”, pois, via de regra, ela adquire produtos para empregar na sua
atividade fim, utilizando-os como insumos, meios de produção. Toda a lógica consumerista
tem como base a hipossuficiencia do consumidor. Por conseguinte, a pessoa jurídica somente
será considerada consumidora se for a destinatária final do produto, e se demonstrada sua
vulnerabilidade perante o fornecedor. Ordinariamente, presume-se que a pessoa jurídica é
não-vulnerável.

A vulnerabilidade pode se configurar de diversas formas, pode ser técnica, jurídica,


geral. Para sedimentá-la variados instrumentos são empregados como a utilização de
conceitos vagos, indeterminados, a não entrega de documentos, contratos, etc. A
vulnerabilidade é uma característica configurada de forma permanente ou temporária, e de
forma individual ou coletiva, é um estado de sujeição, um sinal de necessidade de proteção57.

A dependência econômica é própria e inerente ao contrato de franquia. Tal situação, a


priori, poderia sujeitar o contratante ao chamado estado de vulnerabilidade fática, segundo o
qual é verificada sempre que um dos contratantes que está em posição de monopólio, fático
ou jurídico, apresente grande poder econômico, ou ofereça um produto ou serviço essencial

57
MARQUES, Claudia Lima. Campo de Aplicação do CDC. p. 71. In: BENJAMIN, Antônio Herman V.;
MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. São Paulo: Ed.
Revista dos Tribunais, 2008.
52

para o outro contratante, e, em razão disso, acaba por ter a sua disposição a manipulação da
dependência econômica a seu favor.

Temos em muitos países o abuso da dependência econômica expressamente positivado


na sua legislação, como é o caso de Portugal que no art. 7º da Lei 18/2003 traz, in verbis:

Artigo 7.º Abuso de dependência econômica


1 - É proibida, na medida em que seja susceptível de afectar o funcionamento do mercado
ou a estrutura da concorrência, a exploração abusiva, por uma ou mais empresas, do estado
de dependência económica em que se encontre relativamente a elas qualquer empresa
fornecedora ou cliente, por não dispor de alternativa equivalente.
2 - Pode ser considerada abusiva, designadamente
a) A adopção de qualquer dos comportamentos previstos no n.º 1 do artigo 4.º;
b) A ruptura injustificada, total ou parcial, de uma relação comercial estabelecida, tendo em
consideração as relações comerciais anteriores, os usos reconhecidos no ramo da actividade
económica e as condições contratuais estabelecidas.
3 - Para efeitos da aplicação do n.º 1, entende-se que uma empresa não dispõe de alternativa
equivalente quando:
a) O fornecimento do bem ou serviço em causa, nomeadamente o de distribuição, for
assegurado por um número restrito de empresas; e
b) A empresa não puder obter idênticas condições por parte de outros parceiros comerciais
num prazo razoável.

No Brasil, a repressão ao abuso da “dependência econômica” é realizada de variadas


formas, contudo, a aplicação dos princípios previstos esparsamente no ordenamento jurídico
tem papel fundamental sem o qual não seria possível fazê-la.

3.5.1. Aplicação do CDC ao contrato de franquia

De acordo com a teoria aqui exposta, e aquela adotada pelo nosso CDC (embora de
certa forma já mitigada pela jurisprudência nacional), seria essencial para a pessoa jurídica se
enquadrar como consumidora ser ela destinatária final do produto e se configurar com ente
vulnerável.

O Superior Tribunal de Justiça em julgamento emblemático do REsp Nº 632.958


afirmou que não se aplicam as regras do CDC ao contrato de franquia, nos seguintes termos:

(...) não se pode ter como consumidor o franqueado, eis que sua situação, como
acertadamente descrita no aresto fustigado, bem difere da conceituação contida nos arts. 2º
e 3º do CDC, de modo algum enquadrando-se como destinatário final ou, mesmo, tendo-se
53

a franquia, em si, como espécie de produto ou serviço. (...)O contrato de franquia é, pois,
essencialmente, figura de comércio, celebrado por comerciantes para fornecimento de
produtos e serviços para terceiros, estes, sim, os destinatários finais. E, em não sendo os
franqueados autores destinatários finais, as disposições da lei consumerista não lhes pode
ser aplicada58.

No entanto, o Judiciário brasileiro enfrenta nos últimos anos diversas ações nas quais
os Tribunais têm caracterizado o franqueado como hipossuficiente e a ele aplica as
disposições do CDC.

O julgamento da AI 59703610259 traz à baila a disposição do art.29 do CDC, de


consumidor por equiparação, estabelecendo que “equiparam-se aos consumidores todas as
pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas”. Pode-se pensar que muitos
empresários estão sujeitos às práticas comerciais abusivas previstas no referido capítulo do
CDC e como tal, se equiparam a consumidores.

Como na definição de consumidor estrito senso, aqui também temos as correntes


Maximalista e Finalista. A primeira acredita que qualquer um sujeito às práticas comerciais
abusivas se enquadra no conceito de consumidor por equiparação do art. 29. Já os finalistas
acreditam que além da sujeição a tais práticas o agente deve ser vulnerável, levam em conta
toda a carga filosófica do CDC, para somente assim ser possível a equiparação proposta pelo
art. 29 do CDC. Corrente essa adotada pelo Des. Antônio Jnyr no voto do agravo ante
exposto.

Há na jurisprudência brasileira tendência à relativização da figura do consumidor e a


aplicação do CDC a diversos outros tipos de contratos que não contratos tipicamente
consumeristas. Os contratos interempresariais, aqueles realizados entre empresários, que
visam exclusivamente à busca do lucro, têm, em situações concretas se sujeitado à aplicação
do CDC pela atual jurisprudência brasileira. Para tanto, é utilizado o conceito trazido pelo art.
29 CDC sob a fundamentação dos finalistas. Assim, não é relevante se o sujeito é o

58
Quarta Turma, REsp 632958 / AL, Rel. p. Acórdão Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, unanimidade,
DJE 29/03/2010.
59
“Contrato de Adesão. Desequilíbrio entre as partes. Prevalência do foro da obrigação. Não é por se cuidar de
relação de consumo, que não é, que se afasta sedizente eleição de foro, em contrato de franchise, senão porque
demonstrada satisfatoriamente, a vulnerabilidade de um dos figurantes, evidenciando-se o desequilíbrio entre as
partes do negócio, permitindo a aplicação do art. 29 do CDC, verdadeiro canal de oxigenação do ordenamento
jurídico comum” (AI 597036102, j. 29.4.97, Des. ANTÔNIO JANYR DALL’AGNOL JÚNIOR, in Revista de
Jurisprudência do TJRGS, v. 184, p. 184 e ss).
54

destinatário final do produto, basta que ele seja vulnerável e sujeito a praticas comerciais
abusivas.

No contrato de franquia como aqui tratado – aquele principal celebrado entre


franqueador e franqueado – não nos parece que o franqueado seja o destinatário final do
produto. Porém, tal fato é irrelevante, residindo a questão somente sob o prisma de estar o
empresário submisso às “práticas abusivas” e ser ele vulnerável ou não para a possível
aplicação do CDC. É de difícil aferição e caracterização tal vulnerabilidade. Hoje dispomos
de muitos meios, fontes de informações de diversas áreas que podem elucidar os futuros
franqueados acerca do negócio que pretendem se embuir.

É inegável a existência da dependência econômica no contrato de franquia, e, essa, por


si só, nada tem de ilícita. O abuso e manipulação da dependência econômica por parte do
franqueador e em seu benefício é que deve ser combatido.

Ainda que seja caracterizado o franqueado como ente vulnerável no caso concreto, não
pensamos ser a aplicação do CDC como a mais correta em vista do bom funcionamento do
mercado.

Existem variados instrumentos que podem e devem tutelar tal relação, como
expusemos há toda a base principiológica da Constituição e do Código Civil, a Lei Antitruste,
dentre outros.

Seguimos o entendimento de FORGIONI, que adverte que os contratos


interempresariais possuem lógica própria, diversa dos contratos civis. Não queremos de forma
alguma sedimentar o abuso do poder por aqueles empresários que desfrutam de uma situação
econômica avantajada (no presente, o franqueador), todavia, “o vínculo entre ambos
estabelece-se em torno ou em decorrência da atividade empresarial de ambas as partes,
premidas pela busca do lucro, não se deve subsumi-lo à lógica consumerista, sob pena de
comprometimento do bom fluxo das relações econômicas” (FORGIONI, 2009)60.

Reconhecemos a existência da dependência econômica como inerente ao contrato de


franquia, e o seu abuso deve ser tutelado. Porém, por se tratar de contrato interempresarial, e,
com vistas a manter o bom fluxo das relações econômicas, conferir-lhes maior segurança
jurídica, tal negócio deve sujeitar se a tutela constitucional, civil, prescindindo da aplicação da

60
FORGIONI, Paula Andréa, Teoria Geral dos Contratos Empresariais. São Paulo, Revista dos Tribunais,
2009, pg. 34.
55

lei especial consumerista, ainda que em casos específicos como a aplicação do art. 29 do
CDC.
56

4. DESEQUILÍBRIO CONTRATUAL

4.1. Qualificação do Desequilíbrio

O contrato de franquia encerra interesses comuns e divergentes entre franqueador e


franqueado. Nele o conflito e a aliança, a confiança e a desconfiança convivem
simultaneamente. Franqueador e franqueado buscam objetivos comuns e diversos, uma vez
que a maximização dos lucros de uma pode ser obtida em prejuízo à remuneração da
contraparte61.

Deve-se buscar harmonizar os interesses de modo a encontrar um ponto de equilíbrio


entre as pretensões das partes. A referência ao “ponto de equilíbrio” não significa encontrar o
sinalagma contratual perfeito, em que as prestações encontram-se totalmente equivalente às
contraprestações. No entanto, as prestações e contraprestações devem manter entre si um
mínimo de proporção aceitável62.

Embora o contrato de franquia seja um acordo no qual há essencialmente a figura da


dependência econômica, não podemos tratar esse fato por si como indesejável. Caso a
dependência econômica seja mantida nos termos contratados e conceda eficiência ao negócio
jurídico, a ordem jurídica não deverá intervir.

O principal ponto de comum interesse entre franqueado e franqueador é a difusão


junto ao mercado consumidor dos produtos, da marca, fornecidos pelo franqueador.
Franqueado e franqueador mantém uma clientela comum, e o fortalecimento comercial de um
conseqüentemente acarreta benefícios ao outro.

Todavia, trata-se de um contrato empresarial, e, o escopo de qualquer empresário é a


maximização dos seus ganhos. A parte, ao celebrar um contrato, gostaria de vincular tão
somente o outro contratante, e permanecer livre para deixar a relação a qualquer tempo, sem
penalidade alguma, aproveitando a eventualidade de lhe ser apresentada uma melhor
oportunidade de negócio. O agente econômico é naturalmente egoísta, se houver chance e
principalmente, for economicamente vantajoso para ele, esse irá reorganizar-se
independentemente da vontade do outro contratante, mesmo que para isso afronte a vontade e
cause prejuízos a outrem.

61
FORGIONI, Paula Andrea. Contrato de Distribuição, 2e. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p 119.
62
Ibid., p.120.
57

Surgem daí diversos interesses conflitantes entre as partes. Os franqueadores


enfrentam a concorrência entre marcas semelhantes, de outros franqueadores e distribuidores,
e que concorrem diretamente com seus produtos. Os franqueados por sua vez, além de
também estarem sujeitos à concorrência externa, ou seja, de produtos semelhantes de outros
distribuidores, ficam à mercê da concorrência interna; da própria concorrência entre a rede de
franqueados.

O franqueador tem em mente a venda global de seu sistema, e para aumentá-la, se


preciso, irá fazê-lo ainda que cause prejuízo a alguns franqueados. Esses, por seu turno, têm
nas vendas que eles próprios realizam sua fonte de renda. As margens do franqueador e do
franqueado não são necessariamente diretamente proporcionais. Pelo contrário, podem variar
de forma inversamente relacionadas, em que o aumento do lucro de um implica na diminuição
da margem do outro63.

São diversas as situações nas quais o comportamento egoísta traz benefícios para o
fluxo das relações comerciais. Por exemplo, a concorrência somente existe como
conseqüência da busca em uma empresa superar as demais, ser mais competitiva no mercado,
voltada ao seu benefício próprio64.

Porém, o oportunismo e o egoísmo do agente franqueador podem prejudicar em


demasia os outros contratantes que com ele celebraram negócios jurídicos, e, ao contrário de
azeitar o fluxo das relações empresariais, diminuindo os custos de transação, acabam por lesar
o mercado, ferindo o interesse geral do comércio.

4.2. Práticas abusivas

A celebração de um contrato poderá levar à alteração do comportamento de uma parte,


em detrimento da outra, utilizando do oportunismo pós-contratual65. Tal acontecimento é
denominado pela doutrina como “risco moral” (“moral hazard” - denominação da doutrina
econômica utilizada nas análises jurídicas). Todos os agentes estão sujeitos à modificação do
comportamento pós-contratual dos outros contratantes, especialmente em contratos de longa
duração. É o caso, por exemplo, do contrato de seguro, no qual após sua contratação, o
segurado deixa de ter os mesmos cuidados que anteriormente guardava sobre o bem segurado,

63
FORGIONI, Paula Andrea. Contrato de Distribuição, 2e. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 429-123.
64
FORGIONI, Paula Andrea. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2009. p 112.
65
Ibid., p. 146.
58

aumentando o risco do mesmo de sofrer algum sinistro, deixando de cumprir com seu dever
de cuidado.

Classificaremos a exploração da dependência econômica, por meio de práticas


abusivas, em três grupos: (i) imposição pelo franqueador de condutas e condições contratuais
gravosas; (ii) imposição pelo franqueador de condutas e condições contratuais
discriminatórias e (iii) a adoção de condutas para dificultar ou romper a continuidade das
relações comerciais duradouras, como uma sanção ao empresário dependente por esse ter
recusado cláusulas e condições gravosas ou discriminatórias66. Tal classificação é meramente
didática, pois conforme veremos, muitas vezes as três práticas se misturam.

4.2.1. Imposição pelo franqueador de condutas e condições contratuais gravosas

A análise e qualificação da conduta ou condição contratual como gravosa, tem como


fundamentos elementos objetivos; assim, uma conduta seria gravosa se: (i) atribuísse ao
franqueador preponderante vantagem injustificada, incompatível com o fim econômico do
contrato; (ii) violasse o princípio da boa-fé objetiva e; (iii) caso estabelecesse um
desequilíbrio substancial entre direitos e obrigações67.

Por óbvio devemos considerar no momento da interpretação, as peculiaridades do


negócio jurídico tratado. A ilicitude, a condição mais gravosa, somente se configurará
quando da incompatibilidade dessa com o fim econômico inicialmente pactuado e pretendido
pelo contrato. Ou seja, quando alterado o equilíbrio econômico contratado.

Exemplificadamente é prática corrente no negócio da franquia o estabelecimento da


obrigatoriedade de manutenção de um estoque mínimo de produtos, determinado pelo
franqueador. É preciso que o franqueado tenha uma quantidade satisfatória de produtos em
seu estoque que permita a eficiência do sistema como um todo, bem servindo o consumidor68.
Porém, a partir do momento em que o revendedor é obrigado a adquirir uma quantidade
mínima de produtos, fará o possível para desová-lo, mesmo sacrificando o lucro esperado.
Melhor recuperar o investimento, ou parte dele, do que amargar prejuízo.

Consciente dessa realidade, o franqueador força o franqueado a adquirir quantidade


superior à necessária, pois assim irá aumentar suas vendas em detrimento dos ganhos do

66
MUSSI, Luiz Daniel Rodrigues Haj. Abuso de Dependência Econômica nos Contratos Interempresariais de
Distribuição. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo - USP, 2007. p. 105.
67
Ibid., p. 106.
68
FORGIONI, Paula Andrea. Contrato de Distribuição, 2e. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 129.
59

franqueado. O estoque acima da linha de eficiência gera ganhos somente ao franqueador e


prejuízos, ou, perda de ganhos, ao franqueado69. Ou ainda, a conduta poderá revelar-se
gravosa quando ficar claramente demonstrado para o franqueador que o produto não tem
aceitação no mercado local e que a manutenção dos estoques contratados enseja custos
injustificados ao franqueado. Caso o franqueador insista na prática, poderá ser caracterizada
exploração abusiva do estado de dependência por imposição de condição.

Ainda no tocante ao estoque, pode o franqueador impor ao franqueado a venda de


produtos diversos daqueles que seriam a finalidade da franquia. O franqueador aproveita do
seu poder relacional sobre o franqueado impingindo-lhe produtos e serviços indesejados, e
mais, que estão fora do escopo da franquia. Por exemplo, imaginemos que uma franquia tem
por objeto-fim a comercialização de chocolates. Seria abusivo a franqueadora impor ao
franqueado a compra de um livro relatando a história de vida do dono da franquia, de como
começou a produzir os primeiros produtos e a história de sucesso de sua rede.

O interesse do franqueador não se esgota no momento da venda dos produtos aos


franqueados. Muitas vezes faz-se necessário controlar o preço de venda final dos produtos,
evitando-se que o comportamento oportunista dos fraqueados não entrave o escoamento da
produção.

A imposição do preço máximo de revenda dos produtos pode funcionar como um bom
referencial de mercado, adequando os bens a preços que possibilitem certo lucro, mantendo-
os em um nível competitivo.

Entretanto, a fixação pelo franqueador de preços excessivamente baixos, se


comparados aos de mercado, poderá acarretar perda nos lucros do franqueado. O franqueador
estará abusando da dependência econômica impondo novos preços máximos, muito menores
do que os praticados, porém, que lhe permitiriam maiores ganhos globais - afinal, a priori, se
sobressairia na disputa entre marcas. Essa situação mostra-se extremamente preocupante no
contrato de franquia, pois, em virtude da dependência de sortimentos, o franqueado tem
reduzidas suas expectativas de lucro em detrimento do ganho do franqueador.

Diante de tal situação estaria caracterizado o abuso de direito, pois, conforme


entendimento aqui exposto, o ganho global do sistema não iria compensar o franqueado das

69
FORGIONI, Paula Andrea. Contrato de Distribuição, 2e. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.130.
60

perdas advindas da diminuição da sua margem de lucro aferida na comercialização dos


produtos.

4.2.2. Imposição pelo franqueador de condutas e condições contratuais discriminatórias

Caracterizar-se á o abuso quando o franqueador impuser aos franqueados condições


diferenciais de preço, quantidade ou qualidade, não adotados frente a outros franqueados em
condições semelhantes. Essa idéia visa evitar que o franqueador obtenha proveito da
dependência econômica para conseguir tratamento diferenciado junto ao dependente70.

Consideremos que um franqueador possui em sua rede lojas próprias concorrendo com
lojas autônomas de franqueados e que passe a impor ou conceder condições diferenciadas
para as primeiras. Haveria abuso de dependência econômica, pautado nas condutas
discriminatórias adotadas pelo franqueador, oferecendo condições vantajosas para lojas que
lhes são próprias em detrimento daquelas autônomas de franqueados. Nesse sentido
argumentou a Associação dos Franqueados Independentes do McDonalds em processo
administrativo71 junto ao CADE:

Ainda no sentido de criação de dificuldades à manutenção e ao desenvolvimento dos


franqueados, suscita-se, por exemplo, o fato de o Mcdonalds (i) estabelecer condições
diferenciadas entre franqueados para a concessão do Temporary Rent Adjustment e (ii)
impor condições diferenciadas entre lojas próprias e franqueados independentes, tais
como diferenciação de promoções, diversidade de custos que impedem as lojas
independentes de acompanharem as promoções praticadas pelas lojas próprias.

A demonstrar a discriminação entre as lojas próprias do Mcdonalds e as de seus


franqueados, a AFIM destaca, por exemplo: (i) o Representado ter dado continuidade a
promoções (Ex.: Promoção “Filhotes”, em setembro de 2002) apenas em suas lojas
próprias; (ii) como os franqueados possuem custos mais elevados, muitas vezes eles se
vêem impedidos de aderir às promoções lançadas pela rede, o que inviabiliza a competição
com as lojas próprias do Mcdonalds, instaladas na mesma área de influência dos referidos
franqueados; (grifos nosso).

70
MUSSI, Luiz Daniel Rodrigues Haj. Abuso de Dependência Econômica nos Contratos Interempresariais de
Distribuição. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo - USP, 2007. p. 107.
71
Processo Administrativo nº 08012.003005/2002-37, CADE.
61

4.2.3. Imposição de Condutas e Condições que visam dificultar o desenvolvimento ou


romper relações comerciais

No acima exposto, exemplificamos situações abusivas que são trazidas pelos


franqueadores e tentam ser impostas aos franqueados. Esses, normalmente aceitam as
condições, posto que, dependem do negócio. Porém, o agente econômico pode recusar-se a
adotar determinadas práticas ou aceitar certas situações. Em face do quadro dessa recusa pode
o franqueador dificultar ao máximo a execução do contrato vigente por meio de condutas
diversas, frustrando o interesse do franqueado na continuação do vínculo. Tais ações podem
significar alterações nas políticas comerciais não previstas em contrato, como, por exemplo,
custeio do frente, forma de pagamento, atraso na entrega de mercadorias, recusa de venda de
materiais promocionais, etc. O franqueador irá trabalhar no sentido de desestimular o
franqueado a cumprir o fim econômico do contrato, e a querer o rompimento, por sua culpa,
liberando-o de eventual indenização.

4.2.4. Conflito na quebra dos territórios

Um importante instrumento para diminuir as margens do franqueado, e em muitos


casos forçá-lo à rescisão contratual, é a quebra da exclusividade territorial. O franqueador
considera o aspecto territorial na sua totalidade geográfica, no todo do mercado em que atuam
seus franqueados. Esses têm sua designação territorial limitada à região em que propriamente
atuam. Ordinariamente, os contratos de franquia geralmente estabelecem cláusulas de
exclusividade territorial, que funcionam como norte e fornecem segurança aos franqueados
dos seus potenciais ganhos. Porém, as circunstâncias fáticas podem levar o franqueador
(impingido pelo aumento do ganho global do sistema) a impor a quebra da exclusividade
territorial ao franqueado, valendo-se da premente necessidade desse de aceitar as novas
condições ou optar pela denuncia do contrato segundo art. 473 do CC.

Tal é a alegação da Associação dos Franqueados Independentes do McDonalds em


processo administrativo72 junto ao CADE:

Além disso, haveria uma “canibalização” do negócio por parte do Mcdonalds, na medida
em que o Representado, após assinar o contrato de franquia, abre novos restaurantes na
área de atuação do franqueado, que, em pouco tempo, passa a enfrentar concorrência do
próprio franqueador, perdendo, portanto, de 20 a 30% de seu faturamento. O

72
Processo Administrativo nº 08012.003005/2002-37, CADE, parecer SDE, disponível em
http://portal.mj.gov.br, acessado em 20 de agosto de 2013.
62

Mcdonalds justificaria essa atitude alegando que precisa abrir mais restaurantes para ocupar
novos pontos e, com isso, eliminar a possibilidade de outras redes de fast food se
estabelecerem na região, o que faria, portanto, com que a concorrência fosse eliminada às
custas dos franqueados já instalados. (...) A AFIM alega que a predação vertical pode ser
comprovada pelo fato de lojas de franqueados da AFIM não terem sido incluídas nos
panfletos que contêm as lojas Mcdonalds localizadas na região do centro da cidade de São
Paulo, apesar de elas pagarem o valor estipulado no contrato destinado à publicidade das
atividades do Representado. O resultado dessa prática seria a saída de vários franqueados
do mercado; (grifos nosso).

4.3. O abuso da dependência econômica e o abuso de direito previsto no art. 187 do CC

O art. 187 do Código Civil traz o abuso de direito nos seguintes termos, in verbis:

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou
pelos bons costumes. (grifos nosso).

Assim, segundo os termos do Diploma legal, ficará caracterizado o abuso de direito


mediante abuso de dependência econômica quando o exercício das prerrogativas contratuais
for contrário aos objetivos almejados por seu fim econômico ou boa-fé73.

O fim econômico pretendido pelas cláusulas que asseguram ao franqueador os direitos


sobre a franquia devem ser entendidos como o aumento do grau de eficiência jurídica global
do escoamento da produção, sem a injusta exploração dos franqueados. A boa-fé aludida é
aquela objetiva, o comportamento esperado de comerciantes probos e cordatos, que confere
maior grau de segurança e previsibilidade aos negócios jurídicos.

Como interpretar os atos mercantis, saber o que é o exercício pleno de um direito ou o


abuso desse? Não devemos adotar uma postura extrema, pois a proteção demasiada do
franqueado levará a um desestímulo pela opção da franquia ao franqueado; e, de outro lado,
uma tutela excessiva ao franqueador, em respeito ao que teria sido pactuado “livremente”, à
“vontade das partes”, poderia mostrar-se desastrosa, permitindo a exploração da parte em
dependência econômica. Devem ser estabelecidos padrões interpretativos que balizem a
atuação dos empresários entre aquilo que é exercício de direito e o que já é abuso de tal
direito74.

73
FORGIONI, Paula Andrea. Contrato de Distribuição, 2e. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 428.
74
Ibid., p. 429-430.
63

4.4. A eficiência jurídica do sistema de franquia como parâmetro interpretativo e o


comportamento abusivo do franqueador

A eficiência jurídica deve ser vista como a aptidão do sistema de funcionar segundo
atos lícitos. De acordo com alguns autores, os atos e restrições impostas por uma parte, que
geram aumento do escoamento da produção, ainda que causem prejuízos aos distribuidores
(franqueados), porém, que não causem prejuízo para o mercado, devem ser considerados
lícitos75. Tais autores se baseiam apenas no critério econômico, na eficiência econômica e
prescindem da racionalidade jurídica.

É possível que o franqueador, de forma abusiva, e com o pretenso fim de “aumentar a


eficiência econômica do sistema”, acarrete perdas ao franqueado que não são compensadas
pelo ganho global (aumento no grau de distribuição, maior eficiência econômica), revertendo-
se principalmente em benefício do próprio franqueador.

Conforme assevera Paula Andréa Forgioni76:

A eficiência da distribuição, para fins jurídicos, parte do interesse comum na atividade de


escoamento da produção, mas leva em conta também as perdas experimentadas por uma
das partes, bem como a boa-fé e a proteção das legítimas expectativas dos contratantes. Se
o ato implicar prejuízo ao distribuidor, não compensado pelos ganhos globalmente tomados
em conta, há de ser considerado abusivo; caso contrário, dar-se-ia proteção aos interesses
egoísticos (e juridicamente ineficientes) de uma das partes, geralmente aquela de maior
poder econômico.

O afirmado ponto de vista tenta impedir o comportamento oportunista e egoísta dos


agentes econômicos, melhorando a eficiência e previsibilidade do sistema. Portanto, somente
ocorrerá abuso se o franqueador adotar uma postura unilateral na qual os ganhos globais do
sistema – melhora na eficiência da atividade de escoamento da produção - não compensaram
ao franqueado suas perdas. A obediência à eficiência jurídica requer o atendimento à função
social e do fim econômico do contrato, da boa-fé e da proteção da legítima expectativa da
contraparte77.

75
FORGIONI, Paula Andrea. Contrato de Distribuição, 2e. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 430-431.
76
Ibid., p. 431.
77
Ibid., p. 433.
64

Cumpre esclarecer que o parâmetro da eficiência jurídica aqui tratado, em face do art.
187 do CC, é diferente daquele que subsidia a interpretação e incidência do art. 20 da Lei
Antitruste. Nessa, deve-se considerar o prejuízo concorrencial, ou seja, o dano ao mercado78.

4.5. Modificação ou prorrogação coativa da avença e dependência econômica

O mercado é dinâmico, está em constantes transformações conjunturais. Essas


mudanças podem fazer com que o contrato pactuado em determinadas situações já não seja
mais eficiente para regular a avença e haja a necessidade de adaptar as bases inicialmente
contratadas.

É claro no nosso ordenamento que o juiz não pode negociar pelas partes e que,
somente em raras situações determinadas por texto normativo, há a contratação obrigatória.
Deve ser imposta à parte uma nova contratação ainda que essa traga benefícios e ganhos ao
sistema? O Judiciário tem a faculdade de autorizar a supressão de direitos contratuais em prol
da maior eficiência do negócio? Obviamente a resposta a esses questionamentos deve ser
negativa. Não se pode impelir alguém a contratar porque uma nova contratação será melhor
para as partes, tampouco obrigar a renovação de um vínculo desde que os negócios estivessem
andando bem 79.

A modificação ou prorrogação da avença somente terá lugar se obtida do consenso dos


contratantes, independentemente das supostas “condições mais favoráveis” ao sistema. Tal
posição visa fortalecer a segurança, previsibilidade e o respeito aos vínculos contratuais,
melhorando os fluxos das relações econômicas. Assim, somente cabe ao agente econômico,
excetuado aqueles casos expressamente previstos no ordenamento jurídico, decidir sobre a
melhor forma de atuar, se contratando ou não.

No entanto, deve-se ressaltar que estar o juiz desautorizado a negociar pelas partes é
completamente diferente do que permitir o exercício abusivo de direito.

4.6. Dependência econômica e lesão

O art. 157 do Código Civil assim descreve o instituto da lesão, in verbis:

78
FORGIONI, Paula Andrea. Contrato de Distribuição, 2e. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 435.
79
Ibid., p. 437- 438.
65

Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por
inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da
prestação oposta (grifos nosso).

Partindo da premissa que utilizamos no presente trabalho, apresentando o contrato de


franquia como um contrato empresarial, não é admissível que o instituto da lesão tenha lugar
entre negócios havidos por franqueadores e franqueados fundamentado na “inexperiência” de
um dos contratantes. Isso porque esses são agentes econômicos hábeis, perspicazes e devem
exercer a profissão de mercadores de forma prudente. O sistema jurídico não tutela o agente
econômico incompetente ou que atua sem a diligência necessária esperada dos mercadores
naquele segmento da economia.

No que tange à “premente necessidade”, não podemos dissociá-la da vida empresarial.


O agente econômico realiza a todo instante inúmeras operações de risco, pautadas em
necessidades urgentes.

O “prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta” tem lugar


nos contratos de execução única ou diferida, não abrangem contratos de longa duração. O
franqueador faz investimentos específicos, adquire estoque mínimo com a perspectiva de
lucro após determinado tempo, não podemos analisar, por exemplo, as obrigações de compra
de estoque, destinadas a uma das etapas do negócio, de forma isolada.

Todavia, Paula A. Forgioni expõe a possibilidade de se aplicar o instituto da lesão nos


contratos interempresariais de longa duração, como é o caso da franquia. Para a autora
poderiam existir “na prática negocial situações em que o distribuidor em situação de
dependência econômica, para não ser expulso do mercado, prefere aceitar novas condições
contratuais absolutamente despropositadas por parte do fornecedor, que faz prevalecer seu
oportunismo e egoísmo”80.

Imaginemos que “A” é um franqueador de lojas que vendem chocolates artesanais. O


franqueador “A”, celebra um contrato com o franqueado “B”, no qual lhe garante
exclusividade de distribuição em determinado território. Para celebrar tal contrato o
franqueado “B” efetuou investimentos específicos e irrecuperáveis, celebrando o contrato por
prazo indeterminado. Obviamente, “B” como um empresário diligencioso calculou que o
contrato vigoraria por tempo suficiente para permitir a recuperação de seu investimento e a
obtenção de lucros. Após um ano de vigência, o território de atuação de “B” mostra-se um
80
FORGIONI, Paula Andrea. Contrato de Distribuição, 2e. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 444.
66

mercado extremamente promissor e o franqueador pretende que o franqueado abra mão de sua
exclusividade para que possa fornecer o negócio a outros empresários aumentando o
escoamento do seu produto, instalando outras unidades franqueadas naquele território. O
franqueador deixa claro que caso o franqueado não renuncie à sua exclusividade, o contrato
será rompido unilateralmente. Excetuando o caso do art. 473 do CC – no qual a denuncia só
produziria efeito após decorrido o prazo compatível com a natureza e o vulto dos
investimentos realizados para a execução contratual81 - caso o franqueado sucumbisse à
imposição do franqueador, restaria configurada à lesão.

A dependência econômica qual está sujeita o franqueado pode caracterizar-se como o


estado de “premente necessidade” de contratar, não poderia ele deixar de efetuar o negócio
sem suportar elevados infortúnios. Assim, segundo Forgioni, a lesão poderia se concretizar no
contrato de franquia.

4.7. Extinção do contrato de franquia e dependência econômica

O contrato de franquia poderá se extinguir ao menos por cinco meios diversos: (i)
ocorrência do termo final do prazo contratual; (ii) resilição bilateral; (iii) resilição unilateral;
(iv) resolução e (v) resolução superveniente82.

A ocorrência do termo final do prazo contratual da avença não traz mais problemas
pois ocorre aquilo que as partes contrataram sem maiores infortúnios, com o advento do
tempo, o contrato restaria extinto ordinariamente.

As hipóteses de resilição bilateral somente terão relevância em casos excepcionais, por


exemplo, consentimento viciado por erro, dolo, lesão, estado de necessidade, coação ou abuso
de direito. Nessas hipóteses, o distrato não será meio apto a ensejar a cessação do contrato,
podendo caracterizar-se o abuso da dependência econômica, principalmente quando em
momento subseqüente há a conclusão de outro contrato. Imaginemos a hipótese em que o
franqueador impõe o distrato para, em seguida, estabelecer novo vínculo com o franqueado,
porém, em condições muito inferiores às oras distratadas83.

A resolução superveniente tem suas bases nas teoria da imprevisão e a resolução por
onerosidade excessiva. Ambas se caracterizam pela ocorrência de “acontecimentos

81
FORGIONI, Paula Andrea. Contrato de Distribuição, 2e. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 444.
82
MUSSI, Luiz Daniel Rodrigues Haj. Abuso de Dependência Econômica nos Contratos Interempresariais de
Distribuição. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo - USP, 2007. p. 140.
83
Ibid., mesma página.
67

extraordinários e imprevisíveis” que tornem a prestação de uma das partes “excessivamente


onerosa, com extrema vantagem para outra”.

Destacaremos dois momentos principais nos quais o abuso de dependência econômica


poderá se apresentar na fase de extinção do contrato: a resilição unilateral do contrato por
prazo indeterminado e as hipóteses de resolução84.

Via de regra, as hipóteses de resolução decorrem de práticas de abuso de dependência


econômica. Ou seja, na presença de determinadas imposições, condições, condutas gravosas e
discriminatórias, faculta-se à parte dependente à resolução do contrato. A resilição abusiva se
caracterizará pelo modo com que a parte, de posse da prerrogativa resilitória, a executará.

4.8. Abuso de dependência econômica e resolução do contrato

A resolução contratual poderá ser motivada pelo abuso do franqueador – por meio da
imposição de condições e cláusulas contratuais gravosas e discriminatórias, alterando as
circunstâncias do contrato - sempre que sua conduta contrariar as obrigações assumidas pela
parte, ensejando a incidência de cláusula resolutiva expressa ou tácita.

4.9. Resilição unilateral e abuso de dependência econômica

O contrato de franquia pode ser por prazo determinado ou indeterminado. A resilição


unilateral se opera de modo diverso em ambos os casos. No caso do contrato por prazo
determinado, a resilição unilateral não é admitida, via de regra, sem o pagamento da
respectiva indenização. No contrato por tempo indeterminado a situação é um pouco mais
complexa. Cumpre primeiramente esclarecer alguns casos em que o contrato, apesar de
expressamente não ser tratado como de prazo determinado, ele o é por equiparação.

Nas hipóteses de renovações sucessivas contratuais por prazo determinado pode o


magistrado entender que na verdade trata-se de um único contrato por prazo indeterminado,
aplicando a ele a respectiva disposição dos contratos sem um prazo fixo preestabelecido.

Suponhamos um franqueador que celebra contrato de franquia com um franqueado


pelo período de cinco anos. Após o início da execução da avença as partes acabam renovando
o vínculo por iguais períodos e sucessivas vezes. O franqueado consolida a marca do
franqueador na região; o retorno ao fabricante torna-se mais rentável somente se essas

84
MUSSI, Luiz Daniel Rodrigues Haj. Abuso de Dependência Econômica nos Contratos Interempresariais de
Distribuição. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo - USP, 2007. p. 141.
68

instalarem lojas próprias na região. Não por acaso, o franqueador condiciona a renovação do
contrato à diminuição do vínculo contratual e no momento oportuno nega-se a renovar o
contrato sem qualquer aviso prévio ou pagamento de indenização85.

Em caso semelhante, só que tratando de contrato de distribuição de bebida, já decidiu


a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em acórdão relatado pelo Em.
Desembargador Adão Sérgio do Nascimento CASSIANO, nos termos:

(...) esses contratos de longa duração, de trato sucessivo, execução diferida no tempo,
mesmo que, muitas vezes, possuam cláusulas até de renovação anual, na verdade essas
cláusulas são contra o próprio consenso entre as partes, que têm presente, sempre, o intuito
de prosseguimento ao longo de um grande espaço de tempo de duração desses contratos.
Quer dizer, colocam-se essas cláusulas para que a fabricante possa, depois, buscar escapar
da indenização que é, sim, devida. Afinal, essas cláusulas que assim autorizam, como
referido, contrariam todo o espírito da relação jurídica estabelecida entre as partes. Nesses
pactos, mesmo que haja prazo certo, há sempre a expectativa de continuidade, inclusive
porque já houveram investimentos e mobilização de estrutura material, pessoal e de
mercado (...).

Nesse sentido, corrobora Forgioni:

Tratando-se de contratos de distribuição nos quais uma das partes encontra-se em evidente
posição de superioridade em relação à outra, é preciso verificar se não se está diante do
ardil de estipulações de prazo determinado que encubram contratos com término indefinido,
que subsistem às vezes por longo tempo. Não é incomum que uma parte imponha à outra a
celebração de ajuste por ‘prazo determinado’. O contratante forte busca, dessa forma,
esquivar-se do pagamento da indenização, caso decida não mais continuar o negócio, além
de manter uma espada de Dâmocles sobre o distribuidor, aumentando seu poder sobre ele86.

Definido um contrato como de prazo indeterminado, mesmo que por equiparação,


entendia-se que diante da ausência de culpa, poderia o franqueador proceder à sua resilição
unilateral, sem justo motivo, a qualquer tempo e, para tanto não deveria pagar qualquer
espécie de indenização ou ressarcimento ao franqueado em decorrência da resilição.

Razão simples para o dispositivo seria não prender o contratante eternamente em uma
avenca, facultando-lhe a possibilidade de renunciar a ela caso assim desejasse. Porém, diante
das peculiaridades que cercavam os contratos interempresariais de longa duração,

85
MUSSI, Luiz Daniel Rodrigues Haj. Abuso de Dependência Econômica nos Contratos Interempresariais de
Distribuição. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo - USP, 2007. p. 143.
86
FORGIONI, Paula Andrea. Contrato de Distribuição, 2e. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 487.
69

especialmente aqueles nos quais há dependência econômica, não se tardou a excepcionar a


regra.

Assim, editou-se o parágrafo único do art. 473 do Código Civil nos seguintes termos,
in vebis:

Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o
permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte.

Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito
investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito
depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos
(grifos nosso).

O contrato não poderá ser terminado de forma abrupta, sem aviso prévio e tempo
razoável ao franqueado. Anote-se que “tempo razoável” é algo que deve ser determinado
casuisticamente, considerando diversas variáveis.

Também será abusiva a denúncia realizada pelo franqueador após o incentivo por
novos investimentos do franqueado (como mudança de layout, renovação de maquinário,
etc.).

A denúncia unilateral que represente represália do franqueador à resistência do


franqueado às imposições de condições contratuais mais gravosas ou discriminatórias também
pode se caracterizar como abusiva. Tomemos, por exemplo, o citado caso do franqueado que
é impelido a abrir mão da exclusividade territorial e diante da sua negação em anuir com o
fornecedor, recebe notificação para resilição imediata, sem prazo razoável.

4.10. Negativa de renovação contratual sem aviso prévio

A negativa de renovação do vínculo contratual sem aviso prévio, ou com aviso de


prazo exíguo, por parte do franqueador, pode se equiparar à resilição unilateral abusiva. Uma
vez que a renovação é prerrogativa do franqueador, cabe a esse informar o franqueado da sua
decisão com um prazo de antecedência razoável. O lapso temporal deve ser suficiente para
que o franqueado organize seu fluxo de caixa, seus estoques, diminuindo as possíveis perdas,
evitando novos investimentos idiossincráticos.

O fundamento dessa equiparação reside nos efeitos práticos da ausência de aviso


prévio, uma vez que diante da sua inexistência, o franqueado se organiza como se nada de
70

inesperado, no sentido de uma resolução, fosse acontecer de modo tão repentino, organizando
seu negócio ordinariamente, orientado pela expectativa que mantinha.

A ausência do aviso prévio, ou, o aviso de prazo razoável por parte do franqueador,
viola o pleno dever de lealdade e boa-fé contratual, constituindo verdadeira exploração
abusiva do estado de dependência econômica, pois deixa o franqueado sem alternativas
equivalentes.
71

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A princípio da obrigatoriedade dos contratos é mitigado quando existem alterações


substanciais, por fatos extraordinários e imprevisíveis que alteram as circunstâncias quais o
contrato foi pactuado, modificando a execução dos contratos de execução continuada ou
diferida, possibilitando sua revisão ou resolução.

Antônio Junqueira de Azevedo87 nos ensina que:

A primeira tentativa de explicar a resolução ou a revisão dos contratos de execução


periódica ou diferida no tempo, por força de alteração das circunstancias iniciais sob as
quais as partes acordaram, se prende à cláusula rebus sic stantibus.

A rebus sic stantibus traz a noção de que o contrato deveria ser cumprido somente se
as coisas “permanecessem assim” ou, se mantenham no mesmo estado em que foram
contratadas. Todavia, ela considerada de forma isolada deixou de ser elemento suficiente para
que um contrato pudesse ser revisto ou resolvido. Agora, deve haver o elemento fundamental
das novas condições serem imprevisíveis88, evoluindo e fundamentando a rebus sic stantibus
para as teorias da imprevisão no direito francês, a alemã da base do negócio e a da
onerosidade excessiva no direito italiano.

A teoria da imprevisão propõe a possibilidade de revisão ou resolução do


contrato pela superveniência de fatos futuros imprevistos e razoavelmente imprevisíveis na
ocasião da contratação, alterando o estado de fato no qual se deu a convergência das vontades,
acarretando uma onerosidade excessiva para um dos estipulantes.

Importante destacar que “caso fortuito” ou “força maior” não se confundem com os
requisitos da teoria da imprevisão, possuindo fundamentos e consequências diversas. Aqueles
devem ser completamente imprevisíveis, acarretando a impossibilidade absoluta de execução
da prestação. O devedor não responde pelos prejuízos causados por caso fortuito ou força
maior. Na imprevisão, a prestação ainda é possível de ser cumprida, embora de difícil
consecução. Não se está excluída a possibilidade de alguma reparação razoável do devedor ao
credor.

87
AZEVEDO, Antonio Junqueira. A alegação da lesão. Se não-cabimento na relação entre prestação e
contraprestação de contrato entre comerciantes. Estudos e Pareceres de Direitos Privado. São Paulo: Saraiva,
2004. p.120.
88
“ A impossibilidade de prever a mudança desse estado veio a ser considerada condição indispensável à
modificação do conteúdo do contrato pela autoridade judicial, ou à sua resolução. Julgou-se esse requisito tão
importante que a construção nova passou a se conhecer sob a denominação de teoria da imprevisão”. GOMES,
Orlando. Contratos. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1973, p.43.
72

A imprevisão está pautada em alterações extraordinárias, mudanças normais são


previsíveis e constituem o próprio risco do negócio, e mais, a capacidade de prevê-las ou não
poderá determinar o maior sucesso de um contratante em desfavor do outro. Nesse sentido,
Orlando Gomes afirma que as alterações devem decorrer de circunstâncias extraordinárias,
mudanças ordinárias constituem uma das próprias razões que motivam o indivíduo a
contratar, garantindo-o contra as variações que trariam inseguranças ao seu negócio. Ainda
que o agravamento da condição econômica da parte derive de onerosidade contratual que
poderia ser razoavelmente prevista, não deve o contratante pretender a resolução do contrato
ou a alteração do seu conteúdo. Sendo a alteração razoavelmente previsível, prevalece a
obrigatoriedade da avença89.

A teoria da base do negócio afirma que os contratos se firmam sobre fundamentos, a


chamada base do negócio. Essa, no seu aspecto subjetivo, é algo comum das partes, não faz
parte do conteúdo contratual, só pode ser determinada pelas próprias partes90. É uma
representação dos contratantes acerca das diversas condições nas quais se fundam o negócio,
as circunstancias em que se baseiam a vontade contratual.

Os contratantes estão obrigados à boa-fé e o devedor ficaria desobrigado da prestação


caso houvesse alteração significativa na sua base de negócio. Todavia, o reconhecimento de
uma das partes acerca da base de negócio subjetivo da outra implicaria uma certa dificuldade
na aplicação de tal teoria gerando insegurança jurídica ao instituto. Mais do que isso, se
nenhuma das partes houvesse verdadeiramente tido uma representação sobre a base negocial
da outra, o problema do desequilíbrio contratual ficaria sem solução91.

A teoria da onerosidade excessiva tem desenvolvimento fundamental na Itália,


principalmente após a Primeira Guerra Mundial. O problema a ser solucionado foi como a
influência de um evento (no caso, a Guerra) afetaria o cumprimento dos contratos entabulados
antes da Guerra. Ainda era possível o adimplemento das prestações, porém, haveria uma
onerosidade excessiva para a parte cumpri-la 92.

89
GOMES, Orlando. Contratos. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1973, p.42-44.
90
Luiz Philipe Tavares de Azevedo Cardos. A Onerosidade Excessiva no Direito Civil Brasileiro. Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo –USP. São Paulo, 2009. p. 68.
91
Ibid., mesma página.
92
Ibid., p. 80.
73

A doutrina italiana exige alguns requisitos para a intervenção nos contratos93: (i) que o
contrato seja de execução continuada, periódica ou diferida no tempo; (ii) a prestação ainda
não pode ter sido adimplida e (iii) a onerosidade deve ser excessiva, consequente de evento
extraordinário e imprevisível. Na presença de todos esses requisitos, é possível resolver o
contrato por justa causa ou determinar a sua adequação às novas circunstâncias.

A onerosidade excessiva vem tratada no Código Civil Brasileiro no art. 478, in verbis:

Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se


tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de
acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do
contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação (grifos nosso).

O art. 478 limita seu campo de aplicação aos contrato de execução continuada ou
diferida. O tempo integra a causa final do negócio e seu advento é desejado pelas partes, pois,
só assim, será possível executar o contrato e a prestação ser adimplida. É o caso do contrato
de franquia em que as partes querem uma prestação que naturalmente se consolida no tempo.
Se não fosse o efeito do tempo nas relações contratuais não haveria lugar o problema da
onerosidade excessiva. No contrato de franquia, o advento do tempo é desejado pelas partes
para que ambas possam implementar suas respectivas prestações, sendo caracterizado por
contrato de execução continuada.

A onerosidade se caracteriza quando há prestações recíprocas, ou seja, quando a parte


se presta a um sacrifício vislumbrando uma prestação que o compensaria. Há paridade de
posições entre as partes que fazem um juízo acerca da conveniência em assumir uma perda
pela vantagem oferecida. É uma relação de correspectividade entre atribuições patrimoniais
de equivalência subjetiva entre sacrifícios e vantagens, ou seja, o contrato estará equilibrado
desde que as partes acreditem que seu sacrifício patrimonial irá compensar seu ganho.

Onerosidade excessiva é a perturbação desse equilíbrio em desfavor de um dos


contratantes, o que se recebe já não mais compensa aquilo que se dá. O que causa o
desequilíbrio não é a alteração de alguma situação subjetiva do devedor, porém, modifica-se a
relação objetiva entre as atribuições patrimoniais.

93
Luiz Philipe Tavares de Azevedo Cardos. A Onerosidade Excessiva no Direito Civil Brasileiro. Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo –USP. São Paulo, 2009. p. 82.
74

É condição sine qua non esclarecermos os sentidos dos termos “subjetivo e objetivo”.
Conforme dito, a onerosidade traz consigo uma idéia de equivalência subjetiva, ou seja, foram
os contratantes que entenderam que as prestações eram equivalentes. Todavia, a partir da
pactuação contratual dessa relação o equilíbrio subjetivo reconhecido ganha existência
própria, passando a ser referencial objetivo de equilíbrio, independentemente da vontade das
partes. É o mesmo que afirmar que as prestações dispostas no contrato oneroso, depois de sua
formulação, guardam entre si uma necessária relação de equivalência. Tomando-se por base
essa relação constituída é que deveremos, objetivamente, analisar se, supervenientemente, ela
permanece na mesma proporção ou se foi desequilibrada94. Assim, na onerosidade excessiva,
a prestação torna-se tão gravosa que uma das partes não consegue mais encontrar
correspectividade na outra prestação. O (des)equilíbrio emergido durante a fase da execução
deve ser contraposto àquele originalmente estabelecido.

Não podemos de forma alguma confundir a dependência econômica inerente ao


contrato de franquia com a pré-existência da onerosidade excessiva. Ao contratar a parte já
está ciente da situação de dependência econômica, e, realiza diversas deliberações no sentido
de analisar que seu sacrifício será compensado pelas vantagens obtidas das contraprestações.
Assim, firma o contrato que está subjetivamente equilibrado. Somente o abuso, a exploração
da dependência econômica irá mudar o equilíbrio avençado, que deve ser analisado por meio
de padrões objetivos.

A obtenção de “excessiva vantagem” por uma das partes é um dos requisitos para se
aplicar a teoria da onerosidade excessiva. Salienta-se que a vantagem relevante só é aquela
extrema, a vantagem pouco significativa não tem relevância. Isso, pois, imaginemos que uma
parte sofra desproporção na sua prestação, contudo, diante do mesmo fato superveniente a
outra parte também esteja arcando com um elevado aumento nos seus custos de produção, por
qual razão haveria de reajustarmos o contrato em favor de um dos contratantes?95

Nesse sentido o julgamento da Apelação Cível N º 7.243.368-2, 21ª Câmara de Direito


Privado, relatado pelo Des. Itamar Gaino, j. 17 de Junho de 2009 reconhecem a necessidade
de se observar o beneficiamento do credor em face do desequilíbrio imposto ao devedor:

94
Luiz Philipe Tavares de Azevedo Cardos. A Onerosidade Excessiva no Direito Civil Brasileiro. Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo –USP. São Paulo, 2009. p. 98.
95
Ibid., p. 107.
75

Ao juiz não é dado olhar apenas para a situação do devedor. Deve averiguar se
efetivamente está acontecendo o desequilíbrio na relação contratual de natureza continuada,
ou seja, se o credor está se beneficiando indevidamente à custa do devedor.

Eventos extraordinários são os que apesar de poderem ser genericamente previstos,


não entram no andamento ordinário das coisas mundanas. São aqueles que raramente
ocorrem.

O imprevisível é aquilo que não poderia ser legitimamente esperado pelas partes, de
acordo com sua justa expectativa; devemos considerar as circunstancias concretas do negócio,
a capacidade de previsão do agente, levando em conta sua racionalidade limitada; e as
características do ramo de atividade no qual a prestação devida está inserida96.

Tais teorias devem ser aplicadas com enorme cautela no campo do direito contratual
empresarial. Os empresários que celebram entre si avenças, os fazem fundados em uma
atividade profissional premida pelo lucro, no entanto, altamente arriscada. Ao assumir os
riscos que incorrerá, não pode o empresário querer subsumi-lo à acontecimentos
extraordinários e imprevisíveis, quando na verdade é ínsito da atividade e penaliza a
desventura empresarial.

O contrato de franquia poderá ser revisto com base na Teoria da Imprevisão, todavia,
nesse caso não enxergamos a dependência econômica como plano de fundo para tanto.

Isto posto, concluímos que o contrato de franquia desenvolve-se por meio de diversos
contratos, sendo um principal - celebrado entre franqueador e franqueado - e outros
acessórios.

Podemos caracterizá-lo como um acordo através do qual o detentor da propriedade


industrial licencia a uma empresa para essa produzir e/ou comercializar diretamente ao
público certos produtos de marca já consagrada e valorizada. Além disso, fornece serviços de
assistência na organização de métodos de exposição, expansão dos produtos e/ou serviços
(“know-how”), em contrapartida, é para tanto, remunerado pelo licenciado.

As características particulares desse tipo de avença empresarial gera conseqüências


relevantes sobre a autonomia do franqueado.

96
Luiz Philipe Tavares de Azevedo Cardos. A Onerosidade Excessiva no Direito Civil Brasileiro. Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo –USP. São Paulo, 2009. p. 117.
76

Os investimentos idiossincráticos realizados desde a primeira fase de execução do


contrato, a racionalidade limitada, a ausência de alternativas equivalentes no caso do
franqueado tentar se desvincular do franqueador, e a dependência de marca famosa são os
principais elementos que tornam o franqueado economicamente dependente do franqueador.
Nesse cenário, o franqueador, embutido do seu espírito egoísta poderá tentar maximizar seus
ganhos, independentemente da vontade do franqueado. Assim, adotará condutas ou irá impor
condições gravosas e discriminatórias, caracterizando essas como abuso do direito ou lesão,
sempre impingidas e afrontando o princípio geral da boa-fé, que deve ser guardado por todos
os comerciantes probos e cordatos.

A dependência econômica não constitui ilícito por si considerada, sendo característica


ínsita ao contrato de franquia. Portanto, nada há de gravoso ao se firmar um contrato no qual a
dependência econômica é seu apanágio, qualquer raciocínio oposto levaria à indesejável
inflexibilidade dos negócios jurídicos, acarretando um estrangulamento do fluxo das relações
de mercado, em flagrante ofensa aos princípios da livre iniciativa e livre concorrência.

O direito repreende e deve interferir nas práticas quando essas são desacompanhadas
de razões equilibradas, executando fins diversos daqueles típicos do contrato almejado,
visando o abuso e a exploração pelo franqueador do franqueado.

Diante de tal situação o ordenamento jurídico deve responder, mormente por meio dos
fundamentos do direito civil e empresarial, prescindindo da lógica consumerista, sob o risco
de comprometermos o bom fluxo das relações econômicas.

Assim, os princípios da boa-fé objetiva e do abuso de dependência econômica


exercem papel de destaque. A boa-fé objetiva assume três principais funções: (i) interpretação
das cláusulas contratuais – art. 113 CC; (ii) fixação dos limites postos ao exercício de direitos
– art. 187 CC e; (iii) explicitação de deveres e obrigações comportamentais – art. 422 CC.

Nesse sentido, a Lei Antitruste nos serve como grande instrumento referencial para o
preenchimento da cláusula geral da boa-fé no âmbito mercantil. Isso porque embora muitas
das condutas abusivas na prática não configurem prejuízos à concorrência e à livre iniciativa,
diversas das ações vedadas do ponto de vista anticoncorrencial transpassam o limite da tutela
antrituste e ganham relevância na regra comportamental de boa-fé, exigindo padrões de
atuação nas relações contratuais.
77

Configurado o abuso da dependência econômica restará configurada a violação ao


princípio da boa-fé. Nos âmbito das relações contratuais os direitos não podem ser exercidos
arbitrariamente, desvios e desregramentos deverão ser corrigidos e coibidos por instrumentos
de direito civil e empresarial visando assegurar o equilíbrio contratual e o interesse dos
contratantes.
78

BIBLIOGRAFIA
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Revista
Revista de informação legislativa, v. 41, n. 163, jul/set de 2004.

Sites
http://www.portaldofranchising.com.br
http://portal.mj.gov.br

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