Tcc-Usp - Ribeirao Preto - Franquias
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Ribeirão Preto
2013
DANIEL ELIAS DO NASCIMENTO
Ribeirão Preto
2013
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
FICHA CATALOGRÁFICA
Aprovado em:
Banca Examinadora
Agradeço aos meus pais Sérgio e Luciene, exemplos de pai e mãe, pessoas e profissionais que
sempre nortearão minha vida, obrigado por confiar e incentivar minhas escolhas.
Agradeço aos meus irmãos Gabriel e Tiago pelos ensinamentos, paciência, cuidado e
convivência durante esses anos de graduação, tornando nossa casa um lar acolhedor.
Aos meus amigos de longa data Antônio Augusto, Augusto, Basileu, Bruno, Fábio, Gabriel,
Geraldo, Mateus e Juliano, agradeço tê-los por perto.
À Lana Lígia Galati que me fez não desistir do Direito. Exemplo de pessoa que guardarei
comigo, firme, humilde e humana.
À Faculdade de Direito “Jacy de Assis” onde iniciei meus estudos na carreira jurídica.
À Renata, minha querida prima, estudante e profissional dedicada, sem seus valiosos escritos,
cadernos e livros dificilmente chegaria aqui.
Ao professor e meu orientador Dr. Gustavo Sayad Diniz, aquele que foi por inúmeras vezes o
meu incentivo em freqüentar as aulas, agradeço pela honestidade, por partilhar seus
ensinamentos, a sua confiança, paciência e amizade.
RESUMO
ABSTRACT
This paper aims to analyze the contractual balance of a franchise contract. In this regard, it
considers the economic dependence inherent to the type of the contract and on the principle of
good faith background. It analyzes which practices can lead to the imbalance of the contract
from the perspective of the franchisor, and how we interpret them. In this sense, it excludes
the application of the Code of Consumer and presents institutes of civil law and corporate law
that can suppress and curb the abuse of the economic dependence in the franchise agreement.
1. INTRODUÇÃO
http://www.portaldofranchising.com.br/numeros-do-franchising/evolucao-do-setor-de-franchising, acessado
1
em 21 de agosto de 2013.
18
dependência econômica por si, todavia, o seu abuso é que deve ser reprimido e evitado pelo
direito.
2.1. Conceito
No que tange à forma do produto chegar aos consumidores também temos dois
caminhos distintos. O primeiro e mais clássico deles é a venda direta pela empresa ao cliente.
O próprio produtor coloca-se diretamente junto ao consumidor, oferecendo aquilo que ele
mesmo produziu. Um segundo caminho será se o agente econômico buscar a colaboração de
outros empresários para facilitar o escoamento de sua produção, agindo no mercado por meio
de vendas indiretas.
Assim, não mais podemos conceber a empresa como estática; os modernos complexos
produtivos não se configuram tão somente estoque de bens, mas formam feixes de relações
contratuais, a empresa moderna é concebida como um feixe de contratos.
franqueador, o franqueado não estabelece qualquer vínculo empregatício com o primeiro, não
participando da empresa franqueadora.
Sob o prisma comercial nada mais é do que um método adotado para a distribuição de
produtos e/ou serviços, consistente na parceria entre uma empresa, em princípio, mais
experiente, e outras empresas, geralmente menos experientes, no qual a primeira transfere às
últimas a experiência e competência por ela desenvolvida, no que se refere à produção e
distribuição de certos produtos2.
Segundo Orlando Gomes3, contratos consensuais são aqueles que se formam solo
consensu, que se tornam perfeitos e acabados por efeito exclusivo da integração das duas
declarações de vontade. Não há necessidade de entregar a coisa para o aperfeiçoamento do
negócio jurídico.
Uma vez que as prestações não são feitas em um só momento, de imediato, porém,
continuadamente, temos o contrato de franquia como um contrato de execução continuada.
2
ROQUE, Sebastião José. Do Contrato de Franquia Empresarial. São Paulo: Ícone, 2012. p. 16.
3
p. 90.
4
COELHO, Fabio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 427.
21
5
VERÇOSA, Haroldo M. D. Contratos Mercantis e a Teoria Geral dos Contratos. São Paulo: Quartier Latin,
2010. p. 25.
22
Todavia, é essencial que esses, além de preencherem o requisito primário do art. 104, II,
Código Civil, qual seja, o objeto ser lícito, possível, determinado/determinável, os produtos
devem estar garantidos por uma marca devidamente registrada e o franqueador tem de ser
autorizado a conceder a comercialização dos mesmos para outras pessoas.
2.3. Circunstâncias
6
ROQUE, Sebastião José. Do Contrato de Franquia Empresarial. São Paulo: Ícone, 2012. p. 66.
23
Posteriormente aos EUA, o sistema de franquia adentrou à Itália, França, tomou conta
da Europa e, a partir daí, foi tornando-se largamente utilizado no mundo. Sua enorme virtude
e razão de sucesso decorrem das vantagens que traz para ambas as partes contratantes bem
como para o público consumidor.
O poder das terras convivia gradativamente com o crescente poder dos possuidores de
dinheiro. As origens, a ancestralidade, as tradições de sangue deixavam de ser tão valoradas
sendo substituídas pela força dos burgueses. O Liberalismo buscava refletir a liberdade
formal, dar segurança e garantir as relações privadas. A civilização ocidental baseada em um
regime institucional, característico de sociedades de base ou militarmente estruturadas, se
transformava para fundar-se em uma sociedade contratual, de cunho industrial.
7
RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Autonomia da vontade, autonomia privada e autodeterminação: notas
sobre a evolução de um conceito na modernidade e na pós-modernidade. Revista de informação legislativa, v.
41, n. 163, jul/set de 2004. p. 116.
8
KANT, Immanuel. In: RODRIGUES JUNIOR, Otávio Luiz. Autonomia da vontade, autonomia privada e
autodeterminação: notas sobre a evolução de um conceito na modernidade e na pós-modernidade. Revista de
informação legislativa, v. 41, n. 163, jul/set de 2004. p. 117.
25
de Azevedo9 identifica tal período como insular da dignidade humana, de caráter dualista,
distinguindo homem e natureza. Esse conceito de autonomia da vontade corresponde a uma
faculdade conferida às pessoas para agir ou não agir, de um ou outro modo. A autonomia seria
plena, o direito ou liberdade de contratar somente seria impugnado se o homem não fosse
capaz de fazê-lo ou não o quisesse.
A princípio não nos caberia indagar acerca da justiça e do equilíbrio contratual, pois,
as partes, munidas de sua liberdade e autonomia encerraram compromisso sem qualquer tipo
de vício, não seria lógico do ponto de vista racional alguém firmar algo que lhe seja
prejudicial, que lhe traga mais malefícios que benesses.
9
AZEVEDO, Antonio Junqueira. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4. ed. rev. São Paulo:
Saraiva, 2002a. p. 13.
10
GOMES, Orlando. Novos Temas de Direito Civil. Forense, Rio de Janeiro, 1983. p. 80.
26
como autonomia privada, ou seja, uma vontade que é autorizada pelo ordenamento jurídico a
alcançar um fim próprio.
11
GOMES, Orlando. Novos Temas de Direito Civil. Forense, Rio de Janeiro, 1983. p. 87: “Desde o momento em
que a autonomia privada deixou de ser o equivalente jurídico da liberdade econômica no quadro liberal e o poder
de iniciativa dos particulares teve de se subordinar à realização do desenvolvimento nacional e da justiça social e
quando passou a admitir, no mesmo passo, a intervenção do legislador, ou do juiz, na elaboração do regulamento
contratual, isto é, no conteúdo dos contratos, o negócio jurídico deixou de ser a fonte exclusiva dessa elaboração,
dividindo com as autoridades administrativas e judiciais o abastecimento”.
12
ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa-fé no código civil. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 79.
27
ao indivíduo, diz respeito à atitude que de fato esse tomou, pouco importando a sua
convicção. Pressupõe uma relação jurídica entre no mínimo duas pessoas, impondo-lhes
mútuas obrigações de conduta; padrões de comportamentos exigíveis e reunião de condições
que sejam capazes de ensejar na outra parte confiança no negócio celebrado.
Para descobrir a boa-fé no caso concreto deve-se perguntar: qual seria a conduta
adequada, leal, confiável conforme os padrões culturais incidentes no tempo e lugar? A
questão deve ser objetivada, sendo irrelevantes os aspectos subjetivos do agente.
13
CHARON, Joel M. Sociologia. Tradução de Laura Teixeira Mota. 5. Ed. São Paulo, Saraiva, 2002, p. 32.
14
GRECCO, Marco Aurélio. Solidariedade Social e Tributação. In GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano
Seabra (orgs.). São Paulo: Dialética, 2005. p. 173.
15
“Art. 130 – As palavras dos contratos e convenções mercantis devem inteiramente entender-se segundo o
costume e uso recebido no comércio, e pelo mesmo modo e sentido por que os negociantes se costumam
explicar, posto que entendidas de outra sorte possam significar coisa diversa”.
16
“Art. 1443 – O segurado e o segurador são obrigados a guardar no contrato a mais estrita boa-fé e veracidade
(...)”.
28
Não havia uma base social, constitucional para sua efetivação como modelo no direito
obrigacional, era um precário sistema pontual e fechado.
O atual Código Civil traz em três oportunidades distintas e relevantes a boa-fé, sejam
elas nos arts. 113, 187 e 422 respectivamente.
O art. 113 dispõe que os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-
fé. O magistrado não deve se prender à interpretação literal do texto contratual, deve observar
o sentido correspondente às convenções sociais, atuando no estrito cumprimento do
ordenamento jurídico, concretizando aquilo que foi previamente estabelecido pelas normas.
A chamada “função limite” é exercida pelo art. 187 ao afirmar que comete ato ilícito
aquele que, ao exercer o seu direito, exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé.
Ou seja, funciona como verdadeiro limitador do exercício de direitos subjetivos, visando
evitar o abuso do direito. O juiz deverá decidir além da lei, observando os limites sociais dos
direitos subjetivos privados em contraposição ao problema intersubjetivo dos limites da
pretensão perante o sujeito passivo desta.
Temos no art. 422 que as partes devem guardar, tanto nas negociações que antecedem
o contrato (“conclusão”), bem como durante a execução deste o princípio da boa-fé. Apesar
de não afirmar expressamente que essa deva ser observada no momento posterior ao
adimplemento obrigacional acreditamos que tal está implícita no dispositivo. Assim, o art.
422 estabelece uma conduta, criando deveres anexos objetivando tutelar os bens e as partes,
17
ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa-fé no código civil. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 84.
29
Não há somente a vinculação de uma das partes, credor e devedor da obrigação são
atingidos por ela. A possibilidade do devedor constituir o credor em mora, quando esse
impede ou dificulta um adimplemento, demonstra que a relação obrigacional complexa não se
unilateraliza na pessoa do devedor e os deveres são para ambos os pólos da relação jurídica.
Assim, percebemos que os deveres de conduta independem da vontade das partes, são
exigências da boa-fé e derivadas do sistema, transcendem o campo da mera contratualidade.
Judith Martins-Costa18 nos ensina que:
Embora os deveres anexos sejam da gama mais variada, para fins de breve exposição,
iremos tipificá-los em três categorias: de esclarecimento, de lealdade e de proteção.
18
Judith Martin- Costa. In: ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa fé no Código Civil. São Paulo:
Saraiva, 2005. p. 96.
30
No que tange ao dever de lealdade destacamos que ele é o mais imediato, aquele que
necessariamente surge quando se inicia qualquer fase preliminar à realização de um negócio
jurídica. Impõe às partes a necessidade de alinhar sua conduta de forma proba, abstendo-se de
falsear o objetivo do negócio ou desequilibrar a relação, agindo cooperativamente,
dignamente e de forma recíproca.
Será lesiva ao dever de lealdade qualquer conduta que comprometa o fim do negócio,
o equilíbrio econômico das prestações, a cooperação mútua das partes21. A colaboração das
partes é essencial para a melhor efetivação das prestações e cumprimento do fim obrigacional
proposto.
O dever de cooperar pode ensejar uma conduta omissiva como, por exemplo, quando a
parte tem a obrigação de não divulgar informações confidenciais e relevantes da outra; bem
19
É o caso do julgamento do REsp 107.211 - SP, STJ, 4ª Turma, relatado pelo. Min. Ruy Rosado, DJ 3/2/1997,
no qual afirma o dever de proteção ao veículo estacionado no estabelecimento da empresa que se beneficia do
agente que ali estaciona o veículo: “O cliente do estabelecimento comercial que estaciona o seu veículo em lugar
para isso destinado pela empresa não celebra um contrato de depósito, mas a empresa que se beneficia do
estacionamento tem o dever de proteção, derivado do princípio da boa-fé objetiva, respondendo por eventual
dano”.
20
Verificamos que os tribunais reconhecem que dever de proteção não se limita ao dano material, mas também
ao extrapatrimonial-moral, conforme julgamento da Apelação nº. 9162484-33.2005.8.26.0000, TJSP, 38º
Câmara de Direito Privado, relatado pelo Des. Eduardo Siqueira, DJ 28/09/2011, “APELAÇÃO – AÇÃO DE
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS C/C CANCELAMENTO DE PROTESTO E NEGATIVAÇÃO
JUNTO AO SERASA – INSCRIÇÃO INDEVIDA DO NOME DO AUTOR NOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO
AO CRÉDITO – DEVER DE INDENIZAR RECONHECIDO. A inclusão indevida do nome do Autor nos
órgãos de proteção ao crédito, resultou em abalo moral que deve ser ressarcido pelo Réu, ora Apelante.”
21
O desequilíbrio das prestações diante da ação omissiva e de má-fé de uma das partes é especialmente comum
nos contratos de seguro, e, uma vez reconhecidos, afasta o dever de indenizar. “CIVIL E PROCESSO CIVIL.
EMBARGOS À EXECUÇÃO. CONTRATO DE SEGURO DE VIDA. DOENÇA PRÉ-EXISTENTE.
ARTIGOS 746 e 747 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. MÁ-FÉ DEMONSTRADA PELA SEGURADORA.
AFASTAMENTO DA INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA. INEXIGIBILIDADE. 1. Afasta-se a pretensão
indenizatória quando a seguradora logra provar que o contratante agiu de má-fé, ao deixar de informar doença
preexistente, com grave quadro clínico, comprometendo a sua função cardíaca, bem assim pouco tempo antes de
realizar procedimento cirúrgico na tentativa de corrigir seu problema de saúde, que, inclusive, levou-o ao óbito.
2. Em razão dos deveres anexos ou laterais da obrigação principal, tanto o credor quanto o devedor devem agir
com lealdade, solidariedade e boa-fé para o fiel cumprimento da obrigação pactuada entre as partes. 3. Apelação
não provida.” (TJDFT, 4ª Turma Cível, Apelação Cível 20090110837350 APC, Rel. Des. Cruz Macedo, DJ
24/05/2013).
31
como também poderá ser comissivo, caso em que uma parte pode facilitar à outra acesso a
dados ou a execução de serviços.
22
FORGIONI, Paula Andréa. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2009. p. 99.
32
Uma empresa que age em qualquer mercado regulado juridicamente deve pautar seu
comportamento pelas normas jurídicas. O “agir conforme a boa-fé” é sabido de antemão
como um pressuposto basilar na atuação de sucesso da empresa. Tem-se a noção exata de
quais serão as conseqüências do agir em descompasso com a boa-fé, existem no mercado
diversas experiências que nos revelam quais os possíveis prejuízos de tais ações.
23
FORGIONI, Paula Andréa. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. São Paulo, Revista dos Tribunais,
2009, p. 103.
33
Outra perspectiva importante da boa-fé é aquela que lhe impõe a função de excluir
comportamentos. Não se verifica uma conduta positiva, do que seja agir de boa-fé, contudo,
do contrário, identifica ações tidas como de “má-fé”, aquelas que não devem ser adotadas
pelas partes.
Na fase de pré-negociação e formação dos contratos são condutas que devem ser
evitadas, tratadas como agir de má-fé, essencialmente aquelas ligadas à prestação ou omissão
de informações. A parte não deve omitir informações necessárias ao bom cumprimento do
contrato assim como também maquiar tais informações será um agir de má-fé.
24
MUSSI, Luiz Daniel Rodrigues Haj. Abuso de Dependência Econômica nos Contratos Interempresariais de
Distribuição. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo - USP, 2007. p. 131.
25
Ibid., p. 132.
34
Outrossim, ainda que restasse comprovado que o Representado teria a intenção de eliminar
as lojas franqueadas, passando a ter apenas lojas próprias, tal como sobejamente reiterado
pela AFIM, ainda assim o Representado não possuiria poder de mercado para afetar
significativamente o mercado em questão, sendo improvável, portanto, que ele arcasse com
tais prejuízos, já que posteriormente não conseguiria recuperar tais perdas ou fechar o
acesso de tal mercado a seus concorrentes (p.47).
26
Processo Administrativo nº 08012.003005/2002-37, CADE, parecer SDE, disponível em
http://portal.mj.gov.br, acessado em 20 de agosto de 2013.
35
3. EQUILÍBRIO CONTRATUAL
Com a edição da Lei 8.955 de 1994, o contrato de franquia passou a ser um contrato
típico, estabelecendo a legislação as suas linhas básicas, nominando-o como “contrato de
franquia empresarial”.
existem e quais são as cotas mínimas de compra de produtos, a remuneração a ser paga por
cada um deles e todas as demais despesas que irá incorrer, o tipo de auxílio e treinamentos
que serão fornecidos, especificando a freqüência, duração e custos.
A COF faz parte das negociações preliminares, tem a função informativa. Apresenta
informações elementares sobre o negócio e o contrato de franquia, possibilitando acesso às
experiências anteriores de outros franqueados, sedimentando as bases do relacionamento das
partes. Por ela ser um instrumento que baliza a tomada de decisão do investidor, fornecendo-
lhe informações primárias, a lei no seu art.4º impõe um prazo mínimo de 10 dias27 para que
ela seja enviada antes de qualquer tomada de decisão, da efetiva contratação, possibilitando a
reflexão do potencial franqueado.
A Lei 8.955 buscou conferir maior clareza e segurança ao negócio, porém, conforme
veremos adiante, pode ter ela incentivado práticas abusivas por parte do franqueador. Esse,
agora de posse do mínimo de informações quais deva fornecer, as entrega e omiti diversas
outras tão ou mais importantes como aquelas frisadas na lei, com o intuito de não
desestimular o potencial franqueado a desistir do negócio. Contudo, a priori, ao revelar os
dados básicos contidos na letra da lei, age conforme ela e pode “regularmente” oferecer seu
negócio.
Importante destacar que a COF não é uma proposta, como a enquadramos na fase de
“negociações preliminares”, ela não tem força vinculativa, é ato preparatório à constituição do
vínculo contratual. A proposta configura-se por ser uma manifestação de vontade dirigida por
uma parte à outra com o objetivo de provocar uma manifestação no destinatário28.
Não ocorre na COF a presença de dois elementos fundamentais para que nasça o
vínculo contratual: a proposta e a aceitação. Não há declaração de vontade do franqueador
visando suscitar um contrato, tampouco se espera que o franqueado dê a sua aceitação. Ainda
que se sustente que a própria Circular de Oferta traga no seu bojo o modelo de contrato (ou
27
“Art. 4º A circular oferta de franquia deverá ser entregue ao candidato a franqueado no mínimo 10 (dez) dias
antes da assinatura do contrato ou pré-contrato de franquia ou ainda do pagamento de qualquer tipo de taxa pelo
franqueado ao franqueador ou a empresa ou pessoa ligada a este.”
28
BULGARELLI, Waldirio. Contratos Mercantis. São Paulo: Atlas, 1999. p. 120.
37
pré-contrato), esse é elemento que deve constar em virtude de lei, e não necessariamente
encerra uma oferta do franqueador. Ela não é uma declaração de vontade, portanto, o
franqueado não tem o direito potestativo de concluir o contrato que lhe foi enviado como
minuta “padrão” 29.
Apesar da dicção do art.3º da lei afirmar que a COF deve ser “escrita e em linguagem
clara e acessível”, a aplicação de tal dispositivo vem sendo relativizada pelos tribunais pátrios.
Na Apelação Cível 716.759-930, o Tribunal de Justiça do Paraná enfrentou a questão, e de
forma interessante confirmou a decisão de 1º grau na qual a magistrada supriu a falta da COF
formalizada por escrito pelo claro entendimento do franqueado de todas as disposições, das
informações de como funcionaria o negócio pela via oral. Isso porque a juíza a quo entendeu
que o franqueado tinha plena consciência do negócio que estava contraindo, uma vez que era
amigo de longa data do franqueador e por diversos momentos (discussões, esclarecimentos
que se alongaram por meses) a franquia foi objeto de conversas, não restando dúvidas ao
investidor acerca do negócio que entabulava. A ausência da COF por si não basta para gerar
nulidade do contrato de franquia, por isso o parágrafo único31 do art. 4º da Lei 8.955/94
afirma a “anulabilidade” do contrato de franquia caso a COF não seja entregue ao franqueador
no prazo estipulado (no caso não podemos afirmar existir “nulidade” de pleno direito).
29
SAAVEDRA, Thomaz. Vulnerabilidade do Franqueado no Franchising. Rio de Janeiro: Lúmen, 2005. p 12-
13.
30
“(...) Desta forma, embora as partes concordem que não houve a efetiva entrega da Circular de Oferta de
Franquia, o representante da empresa ré-apelante afirmou em seu depoimento, fl. 329: ‘... que verbalmente lhe
fora informado quais eram as condições e como funcionava a franquia; que tinha conhecimento que seria o
primeiro franqueado da autora; que embora não tenha recebido documento formal, diz que todas as condições lhe
foram repassadas verbalmente; que a partir de 2003, conversaram bastante a respeito do assunto, até que
chegaram à formalização do contrato; (...) que a minuta do contrato lhe fora repassada por e-mail’. Assim, diante
da amizade entre as partes reconhecida na sentença aliado ao fato de que o réu recebeu todas as informações
referentes à negociação, a ausência de formalização do documento previsto nos artigos 3º e 4º, da Lei de
Franquia não merece prosperar. Neste sentido, a MMª Juíza da causa decidiu: ‘... a pretensão da requerida de
declarar nula a avença pelo simples fato de não ter sido formalizado documento escrito sobre as condições da
franquia, e exigências legais previstas nos art. 3º e 4º, da Lei 8.955/94, não pode prosperar’ ” (grifos nosso).
(Apelação Cível Nº 716.759-9, 7ª Câmara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de
Curitiba, 9ª Vara Cível).
31
Lei 8955/94: “Art. 4º A circular oferta de franquia deverá ser entregue ao candidato a franqueado no mínimo
10 (dez) dias antes da assinatura do contrato ou pré-contrato de franquia ou ainda do pagamento de qualquer tipo
de taxa pelo franqueado ao franqueador ou a empresa ou pessoa ligada a este. Parágrafo único. Na hipótese do
não cumprimento do disposto no caput deste artigo, o franqueado poderá argüir a anulabilidade do contrato e
exigir devolução de todas as quantias que já houver pagado ao franqueador ou a terceiros por ele indicados, a
título de taxa de filiação e royalties, devidamente corrigidas, pela variação da remuneração básica dos depósitos
de poupança mais perdas e danos”.
38
Nesse sentido, o art.734 da Lei 8.955/94 afirma ser anulável o contrato de franquia no
qual o franqueador veiculou informações falsas na Circular de Oferta de Franquia, impondo
lhe todas as sanções previstas no parágrafo único do art.4º do mesmo dispositivo, sem
prejuízo das sanções penais. Tal disposição é claramente fundamentada nos arts.
anteriormente citados do Diploma Civil.
32
“Art. 147. Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou
qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se
teria celebrado.”
33
SAAVEDARA, Thomaz. Vulnerabilidade do Franqueado no Franchising. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
p. 17.
34
“Art. 7º A sanção prevista no parágrafo único do art. 4º desta lei aplica-se, também, ao franqueador que
veicular informações falsas na sua circular de oferta de franquia, sem prejuízo das sanções penais cabíveis”.
39
Apesar da ABF não ser um órgão público, ela elaborou e divulgou um código de
autorregulamentação do franchising no Brasil, que consiste num conjunto de normas que é
seguramente seguido por aqueles que fazem parte do sistema de franquia.
Isto posto, e, nos balizando pela normativa da ABF, destacamos como cláusulas
fundamentais do contrato de franquia as que versem acerca: (i) do objeto da Franquia; (ii)
território de atuação do franqueado; (iii) obrigações pecuniárias das partes; (iv) prazo de
concessão da Franquia; (v) direitos e obrigações do franqueador e franqueado; (vi) concessão
de direitos de Propriedade Industrial; (vii) dever de confidencialidade e não concorrência;
(viii) hipóteses e conseqüências da cessão ou transferência da franquia; (ix) sucessão das
35
Disponível em < http://www.portaldofranchising.com.br/sobre-a-abf/atuacao-da-associacao-brasileira-de-
franchising>. acesso em 10 de Julho de 2013.
36
ROQUE, Sebastião José. Do contrato de Franquia Empresarial. São Paulo: Ícone, 2012. p. 122.
40
partes; (x) causas e conseqüências da rescisão; e, por fim, (xi) forma de resolução de conflito
e qual foro (ou câmara – no caso de resolução arbitral) competente.
O objeto do contrato de franquia nada mais é do que a descrição daquilo que se está
entabulando por meio daquele instrumento. Via de regra, estabelece quais os tipos de licenças
que o franqueador está concedendo, o que elas contemplam como, por exemplo, autorizações
para exploração de marcas, nome do franqueador, logotipos, manuais de operações, técnicas
de trabalho, desenhos, uniformes de funcionários e demais elementos de propriedade
intelectual pertencentes à franquia37.
37
ROQUE, Sebastião José. Do contrato de Franquia Empresarial. São Paulo: Ícone, 2012. p. 191.
38
Para ilustramos a questão, trazemos trechos do julgamento da Apelação Cível 20080111302974 APC, 4ª
Turma Cível – Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, Des. Rel. Cruz Macedo: “(...) 1.
Restando patente o descumprimento da franqueadora em relação à exclusividade territorial de atuação da
franqueada, bem como em relação ao direito de preferência, estipulados no contrato de franquia, este deve ser
rescindido, o que, consequentemente, importa o pagamento dos lucros cessantes e de multa a serem apurados em
liquidação de sentença. Dispõe a cláusula 4.8 do Contrato (fl. 26) que: ‘na hipótese de ocorrência de mudanças
de densidade demográfica ou ambiente futuro, bem como da evolução do mercado no bairro onde a franquia está
instalada, fundamentadamente em análises técnicas que possibilitem a absorção de uma nova unidade, será
assegurado ao franqueado o direito de habilitar-se, preferencialmente, à nova franquia.’ Dessa forma,
patente a necessidade de consulta prévia às franqueadas quando da intenção de concessão novas franquias”.
41
Deve-se estabelecer quando as obrigações pecuniárias vencem e que deverão ser pagas
em dia; a manutenção do quadro de empregados devidamente treinados e uniformizados; a
participação em campanhas publicitárias; a compra mínima de mercadorias e de fornecedores
definidos; cuidar para que a empresa franqueada esteja regularmente inscrita nos órgãos e
registros públicos nacionais. Relevante destacarmos que o franqueado deve manter a
qualidade dos produtos licenciados, comprando as matérias-primas dos fornecedores
indicados pelo franqueador e conservando-os adequadamente. Não pode, de forma alguma,
adquirir mercadorias de terceiros pelo simples fato dessas estarem mais baratas e possuírem
“qualidade semelhante” a designada pelo franqueador. Também, será avaliada a hipótese de o
franqueado realizar a venda dos produtos fora do estabelecimento comercial (ex: venda por
meio de terceiros no sistema “porta a porta”), e como ela se dará.
39
“Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante
denúncia notificada à outra parte. Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes
houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de
transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos.”
40
FORGIONI, Paula Andréa. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2009. p. 149.
42
seja ele pessoa física, empresária individual ou coletiva41. Da mesma forma, devemos
ponderar também a sucessão do franqueado.
41
SAAVEDARA, Thomaz. Vulnerabilidade do Franqueado no Franchising. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
p. 30-31.
42
Nesse sentido é o parecer da Secretaria de Defesa Econômica no processo administrativo nº
08012.003005/2002-37, que reconhece a inexistência de influência do McDonald´s sobre mercado dominante ao
concorrer por meio de lojas próprias com suas franqueadas independentes, mas tão somente uma relação de
direito empresarial privado:“Outrossim, ainda que restasse comprovado que o Representado teria a intenção de
eliminar as lojas franqueadas, passando a ter apenas lojas próprias, tal como sobejamente reiterado pela AFIM,
ainda assim o Representado não possuiria poder de mercado para afetar significativamente o mercado em
questão, sendo improvável, portanto, que ele arcasse com tais prejuízos, já que posteriormente não conseguiria
recuperar tais perdas ou fechar o acesso de tal mercado a seus concorrentes” (p.47). Processo Administrativo nº
08012.003005/2002-37, CADE, parecer SDE, disponível em http://portal.mj.gov.br, acessado em 20 de agosto
de 2013.
44
contratantes pode ser identificada nas seguintes causas43: (i) no poder relacional, (ii) poder de
compra, (iii)dependência de marca famosa e (iv)no período de crise.
43
COURTES. Dépendance économique e tabus de dépendance économique en droit de laconcurrence et em
droit des contrats, 234 e ss apud FORGIONI, Paula Andréa. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 348-350.
44
Amiel-Cosme, Les réseaux de distribution,. p.216 e ss apud FORGIONI, Paula Andrea. Teoria Geral dos
Contratos Empresariais. São Paulo, 2008. p. 352.
45
45
SALOMAO FILHO, Calixto. Direito Concorrencial: as condutas. São Paulo Malheiros, 2003. p. 204-224.
46
Tratando-se da franquia, é claro perceber como ela se amolda nos mais variados
fatores descritos acima como causa da dependência econômica. Ela se identifica com a
dependência econômica relativa, advinda de contrato, sendo própria e inerente ao franchising.
Mais precisamente ela se amolda na dependência empresarial uma vez que o franqueado
realiza investimentos específicos e adéqua todo o seu negócio às normas impostas pelo
franqueador. Isso não exclui também a dependência de sortimento, pois, o franqueado
depende principalmente da marca, já trabalhada pelo franqueador no mercado, como grande
carro chefe da franquia.
Todavia, não há nada de ilícito no fato de uma empresa ser superior economicamente à
outra, mas o abuso dessa relação é que deve ser reprimido pela lei46. O contrato deverá
permanecer equilibrado (ou desequilibrado) na medida em que foi pactuado e assim deverá
ser preservado.
46
FORGIONI, Paula Andréa. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2009. p. 35-36.
47
que distingue esses contratos de outros, submetendo-lhes de forma mais rigorosa aos
princípios da boa-fé e lealdade contratuais47.
Esses contratos têm alguns traços em comum, sendo no geral de trato sucessivo e de
adesão. Contratos de trato sucessivo ou de duração continuada são aqueles quais as partes
devem cumprir prestações contínuas ao longo do tempo, a obrigação é única, porém,
fracionada no lapso temporal48.
Não podemos considerar o contrato de franquia como contrato “de adesão”, aquele no
qual a parte aderente não tem outra opção que não aderir àquele contrato para obter o produto
ou o serviço desejado49. Pelo contrário, se trata de um investimento, de uma oportunidade de
negócio, o potencial franqueado pode ter inúmeras propostas de franquias na mesma faixa de
investimento e deve avaliar qual é a sua opção mais viável. Para isso pode contar com o
auxílio de diversos profissionais como, por exemplo, advogados, economistas, contadores,
etc., que lhe fornecerão o conhecimento técnico para embasar melhor sua decisão. Não há que
se falar em qualquer tipo de imposição pelo franqueador perante o investidor, esse não fica
sujeito ao “tudo ou nada”; caso não concretize aquela oportunidade ele poderá ter diversas
outras, aquela não é a única via possível para se realizar um negócio de franquia. Podemos
falar em “contratos por adesão” na medida em que os contratos oferecidos, até mesmo para
diminuir custos transacionais, são padronizados, mas, jamais em “contratos de adesão”50.
47
FAVA, M.B. Aplicação das normas do CDC aos contratos interempresariais: a disciplina das clausulas
abusivas. São Paulo: Universidade de são Paulo, Faculdade de Direito 2010. p. 63.
48
GOMES, Orlando. Contrato 17ªed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 80.
49
JUNIOR, Sidnei Amendoeira. Principais características do contrato de franchising. In BRUSCHI, Gilberto.
COUTO, Mônica. PEREIRA E SILVA, Ruth. PEREIRA, Thomas (orgs.). Direito Processual Empresarial. Rio
de Janeiro: Elsevier, 2012. p. 938.
50
Nesse sentido “Agravo de Instrumento. Cautelar Inominada. Exceção de incompetência. Contrato de
Franquia. Eleição de Foro. Cláusula válida. Decisão resumida rejeitando o incidente. Não se caracteriza a avença
como contrato de adesão. A disposição não é leonina e não existe vício em sua estipulação. Decisão agravada
sucinta, mas válida e regular. Pronunciamento correto. Recurso Desprovido” (Des. Marcus Faver. J. 19/09/2000.
5ª Câmara Cível 2000.002.07444. Agravo de Instrumento TJRJ). Em entendimento diametralmente oposto: “O
contrato firmado pelas partes é de franquia. Contratos que tais, chamados de franchising, segundo doutrina que
comungo de Adalberto Simões Filho, em sua natureza jurídica, é ‘contrato típico, misto, bilateral, de prestações
recíprocas e sucessivas com o fim de se possibilitar a distribuição, industrialização ou comercialização de
produtos, mercadorias ou prestação de serviços, nos moldes e forma previstos em contrato de adesão’.
(‘Franchising’, São Paulo, 3ª ed., Atlas, 1998, págs. 36/42). Assim sendo, por ser o contrato de franquia
48
A simples presença da dependência econômica não quer dizer que uma das partes é
hipossuficiente em relação à outra. E como vimos essa até é uma característica fática própria
ao negócio. Não há nada de ilícito em uma empresa ser subordinada à outra, o que não deve
ocorrer é o abuso de tal subordinação, tendo como elemento central a dependência econômica
entre as partes.
considerado de adesão, o foro de eleição é cláusula abusiva que não deve prevalecer em detrimento do aderente,
geralmente parte mais frágil na relação do franchising. (DES. Luiz ANTÔNIO ARAÚJO MENDONÇA j.
07/06/2006. 2ª Câmara Cível 2005204295. Agravo de Instrumento TJSE).
51
FAVA, M.B. Aplicação das normas do CDC aos contratos interempresariais: a disciplina das clausulas
abusivas. São Paulo: Universidade de São Paulo, Faculdade de Direito 2010. p. 72.
49
(...) estende a aplicação das normas do CDC a todos os indivíduos que retiram o produto do
mercado de consumo, sendo, portanto, o destinatário fático deste bem, pouco importando a
utilidade do mesmo (profissional ou não), basta que este indivíduo não repasse o bem para
o mercado de consumo.
Assim, interpretando pela teoria ante exposta o legislador não limitou o campo de
aplicação do Código, pois, caso o quisesse, o faria expressamente. Corroborando com esse
entendimento, J.M. Arruda Alvim, Thereza Alvim, Eduardo Arruda Alvim e Jayme Marins:
52
DE LUCCA, Newton. Direito do Consumidor. 2ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p.112
53
Ibid, p.113.
54
LIMA, Cíntia Rosa Pereira. Da Aplicação do Código de Defesa do Consumidor às Instituições Financeiras.
In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 101, 2006. p. 653 – 698.
50
O conceito subjetivo por sua vez, mais disseminado em países europeus, tem seu
ponto central na figura do consumidor como aquele destinatário final do produto, ou seja, não
basta o ato econômico de retirar o produto do ciclo comercial para o agente se caracterizar
como consumidor o agente; somado-se a isso, ele deve ser o último utilizador daquele
produto.
Por essa razão, na exposta Teoria Finalista clássica, somente as pessoas físicas seriam
consumidoras, pois, o sistema consumerista fora projetado para tutelar os vulneráveis, e não
era admissível a idéia de uma pessoa jurídica ser vulnerável do ponto de vista técnico, jurídico
e fático. Decorre daí uma grande dificuldade de caracterização e proteção das pequenas
empresas. Por que uma pequena empresa que não possui expertise em diversos ramos, não
55
ALVIM, J.M. Arruda, ALVIM, Thereza, ALVIM Eduardo Arruda,MARINS, Jayma. Código de Defesa do
Consumidor Comentado. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 18-31.
56
LIMA, Cíntia Rosa Pereira. Da Aplicação do Código de Defesa do Consumidor às Instituições Financeiras.
In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 101, 2006. p. 653 – 698.
51
possui profissionais dotados de extrema capacidade técnica é menos vulnerável que uma
pessoa física e não é a ela possível aplicar as normas do CDC? O doutrina finalista clássica,
valendo-se do conceito objetivo puro nos parece insuficiente e de difícil aplicação.
Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como
destinatário final.
Assim, surgem discussões acerca de quando a pessoa jurídica pode ser considerada
como “destinatária final”, pois, via de regra, ela adquire produtos para empregar na sua
atividade fim, utilizando-os como insumos, meios de produção. Toda a lógica consumerista
tem como base a hipossuficiencia do consumidor. Por conseguinte, a pessoa jurídica somente
será considerada consumidora se for a destinatária final do produto, e se demonstrada sua
vulnerabilidade perante o fornecedor. Ordinariamente, presume-se que a pessoa jurídica é
não-vulnerável.
57
MARQUES, Claudia Lima. Campo de Aplicação do CDC. p. 71. In: BENJAMIN, Antônio Herman V.;
MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. São Paulo: Ed.
Revista dos Tribunais, 2008.
52
para o outro contratante, e, em razão disso, acaba por ter a sua disposição a manipulação da
dependência econômica a seu favor.
De acordo com a teoria aqui exposta, e aquela adotada pelo nosso CDC (embora de
certa forma já mitigada pela jurisprudência nacional), seria essencial para a pessoa jurídica se
enquadrar como consumidora ser ela destinatária final do produto e se configurar com ente
vulnerável.
(...) não se pode ter como consumidor o franqueado, eis que sua situação, como
acertadamente descrita no aresto fustigado, bem difere da conceituação contida nos arts. 2º
e 3º do CDC, de modo algum enquadrando-se como destinatário final ou, mesmo, tendo-se
53
a franquia, em si, como espécie de produto ou serviço. (...)O contrato de franquia é, pois,
essencialmente, figura de comércio, celebrado por comerciantes para fornecimento de
produtos e serviços para terceiros, estes, sim, os destinatários finais. E, em não sendo os
franqueados autores destinatários finais, as disposições da lei consumerista não lhes pode
ser aplicada58.
No entanto, o Judiciário brasileiro enfrenta nos últimos anos diversas ações nas quais
os Tribunais têm caracterizado o franqueado como hipossuficiente e a ele aplica as
disposições do CDC.
58
Quarta Turma, REsp 632958 / AL, Rel. p. Acórdão Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, unanimidade,
DJE 29/03/2010.
59
“Contrato de Adesão. Desequilíbrio entre as partes. Prevalência do foro da obrigação. Não é por se cuidar de
relação de consumo, que não é, que se afasta sedizente eleição de foro, em contrato de franchise, senão porque
demonstrada satisfatoriamente, a vulnerabilidade de um dos figurantes, evidenciando-se o desequilíbrio entre as
partes do negócio, permitindo a aplicação do art. 29 do CDC, verdadeiro canal de oxigenação do ordenamento
jurídico comum” (AI 597036102, j. 29.4.97, Des. ANTÔNIO JANYR DALL’AGNOL JÚNIOR, in Revista de
Jurisprudência do TJRGS, v. 184, p. 184 e ss).
54
destinatário final do produto, basta que ele seja vulnerável e sujeito a praticas comerciais
abusivas.
Ainda que seja caracterizado o franqueado como ente vulnerável no caso concreto, não
pensamos ser a aplicação do CDC como a mais correta em vista do bom funcionamento do
mercado.
Existem variados instrumentos que podem e devem tutelar tal relação, como
expusemos há toda a base principiológica da Constituição e do Código Civil, a Lei Antitruste,
dentre outros.
60
FORGIONI, Paula Andréa, Teoria Geral dos Contratos Empresariais. São Paulo, Revista dos Tribunais,
2009, pg. 34.
55
lei especial consumerista, ainda que em casos específicos como a aplicação do art. 29 do
CDC.
56
4. DESEQUILÍBRIO CONTRATUAL
61
FORGIONI, Paula Andrea. Contrato de Distribuição, 2e. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p 119.
62
Ibid., p.120.
57
São diversas as situações nas quais o comportamento egoísta traz benefícios para o
fluxo das relações comerciais. Por exemplo, a concorrência somente existe como
conseqüência da busca em uma empresa superar as demais, ser mais competitiva no mercado,
voltada ao seu benefício próprio64.
63
FORGIONI, Paula Andrea. Contrato de Distribuição, 2e. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 429-123.
64
FORGIONI, Paula Andrea. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2009. p 112.
65
Ibid., p. 146.
58
aumentando o risco do mesmo de sofrer algum sinistro, deixando de cumprir com seu dever
de cuidado.
66
MUSSI, Luiz Daniel Rodrigues Haj. Abuso de Dependência Econômica nos Contratos Interempresariais de
Distribuição. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo - USP, 2007. p. 105.
67
Ibid., p. 106.
68
FORGIONI, Paula Andrea. Contrato de Distribuição, 2e. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 129.
59
A imposição do preço máximo de revenda dos produtos pode funcionar como um bom
referencial de mercado, adequando os bens a preços que possibilitem certo lucro, mantendo-
os em um nível competitivo.
69
FORGIONI, Paula Andrea. Contrato de Distribuição, 2e. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.130.
60
Consideremos que um franqueador possui em sua rede lojas próprias concorrendo com
lojas autônomas de franqueados e que passe a impor ou conceder condições diferenciadas
para as primeiras. Haveria abuso de dependência econômica, pautado nas condutas
discriminatórias adotadas pelo franqueador, oferecendo condições vantajosas para lojas que
lhes são próprias em detrimento daquelas autônomas de franqueados. Nesse sentido
argumentou a Associação dos Franqueados Independentes do McDonalds em processo
administrativo71 junto ao CADE:
70
MUSSI, Luiz Daniel Rodrigues Haj. Abuso de Dependência Econômica nos Contratos Interempresariais de
Distribuição. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo - USP, 2007. p. 107.
71
Processo Administrativo nº 08012.003005/2002-37, CADE.
61
Além disso, haveria uma “canibalização” do negócio por parte do Mcdonalds, na medida
em que o Representado, após assinar o contrato de franquia, abre novos restaurantes na
área de atuação do franqueado, que, em pouco tempo, passa a enfrentar concorrência do
próprio franqueador, perdendo, portanto, de 20 a 30% de seu faturamento. O
72
Processo Administrativo nº 08012.003005/2002-37, CADE, parecer SDE, disponível em
http://portal.mj.gov.br, acessado em 20 de agosto de 2013.
62
Mcdonalds justificaria essa atitude alegando que precisa abrir mais restaurantes para ocupar
novos pontos e, com isso, eliminar a possibilidade de outras redes de fast food se
estabelecerem na região, o que faria, portanto, com que a concorrência fosse eliminada às
custas dos franqueados já instalados. (...) A AFIM alega que a predação vertical pode ser
comprovada pelo fato de lojas de franqueados da AFIM não terem sido incluídas nos
panfletos que contêm as lojas Mcdonalds localizadas na região do centro da cidade de São
Paulo, apesar de elas pagarem o valor estipulado no contrato destinado à publicidade das
atividades do Representado. O resultado dessa prática seria a saída de vários franqueados
do mercado; (grifos nosso).
O art. 187 do Código Civil traz o abuso de direito nos seguintes termos, in verbis:
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou
pelos bons costumes. (grifos nosso).
73
FORGIONI, Paula Andrea. Contrato de Distribuição, 2e. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 428.
74
Ibid., p. 429-430.
63
A eficiência jurídica deve ser vista como a aptidão do sistema de funcionar segundo
atos lícitos. De acordo com alguns autores, os atos e restrições impostas por uma parte, que
geram aumento do escoamento da produção, ainda que causem prejuízos aos distribuidores
(franqueados), porém, que não causem prejuízo para o mercado, devem ser considerados
lícitos75. Tais autores se baseiam apenas no critério econômico, na eficiência econômica e
prescindem da racionalidade jurídica.
75
FORGIONI, Paula Andrea. Contrato de Distribuição, 2e. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 430-431.
76
Ibid., p. 431.
77
Ibid., p. 433.
64
Cumpre esclarecer que o parâmetro da eficiência jurídica aqui tratado, em face do art.
187 do CC, é diferente daquele que subsidia a interpretação e incidência do art. 20 da Lei
Antitruste. Nessa, deve-se considerar o prejuízo concorrencial, ou seja, o dano ao mercado78.
É claro no nosso ordenamento que o juiz não pode negociar pelas partes e que,
somente em raras situações determinadas por texto normativo, há a contratação obrigatória.
Deve ser imposta à parte uma nova contratação ainda que essa traga benefícios e ganhos ao
sistema? O Judiciário tem a faculdade de autorizar a supressão de direitos contratuais em prol
da maior eficiência do negócio? Obviamente a resposta a esses questionamentos deve ser
negativa. Não se pode impelir alguém a contratar porque uma nova contratação será melhor
para as partes, tampouco obrigar a renovação de um vínculo desde que os negócios estivessem
andando bem 79.
No entanto, deve-se ressaltar que estar o juiz desautorizado a negociar pelas partes é
completamente diferente do que permitir o exercício abusivo de direito.
78
FORGIONI, Paula Andrea. Contrato de Distribuição, 2e. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 435.
79
Ibid., p. 437- 438.
65
Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por
inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da
prestação oposta (grifos nosso).
mercado extremamente promissor e o franqueador pretende que o franqueado abra mão de sua
exclusividade para que possa fornecer o negócio a outros empresários aumentando o
escoamento do seu produto, instalando outras unidades franqueadas naquele território. O
franqueador deixa claro que caso o franqueado não renuncie à sua exclusividade, o contrato
será rompido unilateralmente. Excetuando o caso do art. 473 do CC – no qual a denuncia só
produziria efeito após decorrido o prazo compatível com a natureza e o vulto dos
investimentos realizados para a execução contratual81 - caso o franqueado sucumbisse à
imposição do franqueador, restaria configurada à lesão.
O contrato de franquia poderá se extinguir ao menos por cinco meios diversos: (i)
ocorrência do termo final do prazo contratual; (ii) resilição bilateral; (iii) resilição unilateral;
(iv) resolução e (v) resolução superveniente82.
A ocorrência do termo final do prazo contratual da avença não traz mais problemas
pois ocorre aquilo que as partes contrataram sem maiores infortúnios, com o advento do
tempo, o contrato restaria extinto ordinariamente.
A resolução superveniente tem suas bases nas teoria da imprevisão e a resolução por
onerosidade excessiva. Ambas se caracterizam pela ocorrência de “acontecimentos
81
FORGIONI, Paula Andrea. Contrato de Distribuição, 2e. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 444.
82
MUSSI, Luiz Daniel Rodrigues Haj. Abuso de Dependência Econômica nos Contratos Interempresariais de
Distribuição. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo - USP, 2007. p. 140.
83
Ibid., mesma página.
67
A resolução contratual poderá ser motivada pelo abuso do franqueador – por meio da
imposição de condições e cláusulas contratuais gravosas e discriminatórias, alterando as
circunstâncias do contrato - sempre que sua conduta contrariar as obrigações assumidas pela
parte, ensejando a incidência de cláusula resolutiva expressa ou tácita.
84
MUSSI, Luiz Daniel Rodrigues Haj. Abuso de Dependência Econômica nos Contratos Interempresariais de
Distribuição. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo - USP, 2007. p. 141.
68
instalarem lojas próprias na região. Não por acaso, o franqueador condiciona a renovação do
contrato à diminuição do vínculo contratual e no momento oportuno nega-se a renovar o
contrato sem qualquer aviso prévio ou pagamento de indenização85.
(...) esses contratos de longa duração, de trato sucessivo, execução diferida no tempo,
mesmo que, muitas vezes, possuam cláusulas até de renovação anual, na verdade essas
cláusulas são contra o próprio consenso entre as partes, que têm presente, sempre, o intuito
de prosseguimento ao longo de um grande espaço de tempo de duração desses contratos.
Quer dizer, colocam-se essas cláusulas para que a fabricante possa, depois, buscar escapar
da indenização que é, sim, devida. Afinal, essas cláusulas que assim autorizam, como
referido, contrariam todo o espírito da relação jurídica estabelecida entre as partes. Nesses
pactos, mesmo que haja prazo certo, há sempre a expectativa de continuidade, inclusive
porque já houveram investimentos e mobilização de estrutura material, pessoal e de
mercado (...).
Tratando-se de contratos de distribuição nos quais uma das partes encontra-se em evidente
posição de superioridade em relação à outra, é preciso verificar se não se está diante do
ardil de estipulações de prazo determinado que encubram contratos com término indefinido,
que subsistem às vezes por longo tempo. Não é incomum que uma parte imponha à outra a
celebração de ajuste por ‘prazo determinado’. O contratante forte busca, dessa forma,
esquivar-se do pagamento da indenização, caso decida não mais continuar o negócio, além
de manter uma espada de Dâmocles sobre o distribuidor, aumentando seu poder sobre ele86.
Razão simples para o dispositivo seria não prender o contratante eternamente em uma
avenca, facultando-lhe a possibilidade de renunciar a ela caso assim desejasse. Porém, diante
das peculiaridades que cercavam os contratos interempresariais de longa duração,
85
MUSSI, Luiz Daniel Rodrigues Haj. Abuso de Dependência Econômica nos Contratos Interempresariais de
Distribuição. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo - USP, 2007. p. 143.
86
FORGIONI, Paula Andrea. Contrato de Distribuição, 2e. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 487.
69
Assim, editou-se o parágrafo único do art. 473 do Código Civil nos seguintes termos,
in vebis:
Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o
permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte.
Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito
investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito
depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos
(grifos nosso).
O contrato não poderá ser terminado de forma abrupta, sem aviso prévio e tempo
razoável ao franqueado. Anote-se que “tempo razoável” é algo que deve ser determinado
casuisticamente, considerando diversas variáveis.
Também será abusiva a denúncia realizada pelo franqueador após o incentivo por
novos investimentos do franqueado (como mudança de layout, renovação de maquinário,
etc.).
inesperado, no sentido de uma resolução, fosse acontecer de modo tão repentino, organizando
seu negócio ordinariamente, orientado pela expectativa que mantinha.
A ausência do aviso prévio, ou, o aviso de prazo razoável por parte do franqueador,
viola o pleno dever de lealdade e boa-fé contratual, constituindo verdadeira exploração
abusiva do estado de dependência econômica, pois deixa o franqueado sem alternativas
equivalentes.
71
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A rebus sic stantibus traz a noção de que o contrato deveria ser cumprido somente se
as coisas “permanecessem assim” ou, se mantenham no mesmo estado em que foram
contratadas. Todavia, ela considerada de forma isolada deixou de ser elemento suficiente para
que um contrato pudesse ser revisto ou resolvido. Agora, deve haver o elemento fundamental
das novas condições serem imprevisíveis88, evoluindo e fundamentando a rebus sic stantibus
para as teorias da imprevisão no direito francês, a alemã da base do negócio e a da
onerosidade excessiva no direito italiano.
Importante destacar que “caso fortuito” ou “força maior” não se confundem com os
requisitos da teoria da imprevisão, possuindo fundamentos e consequências diversas. Aqueles
devem ser completamente imprevisíveis, acarretando a impossibilidade absoluta de execução
da prestação. O devedor não responde pelos prejuízos causados por caso fortuito ou força
maior. Na imprevisão, a prestação ainda é possível de ser cumprida, embora de difícil
consecução. Não se está excluída a possibilidade de alguma reparação razoável do devedor ao
credor.
87
AZEVEDO, Antonio Junqueira. A alegação da lesão. Se não-cabimento na relação entre prestação e
contraprestação de contrato entre comerciantes. Estudos e Pareceres de Direitos Privado. São Paulo: Saraiva,
2004. p.120.
88
“ A impossibilidade de prever a mudança desse estado veio a ser considerada condição indispensável à
modificação do conteúdo do contrato pela autoridade judicial, ou à sua resolução. Julgou-se esse requisito tão
importante que a construção nova passou a se conhecer sob a denominação de teoria da imprevisão”. GOMES,
Orlando. Contratos. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1973, p.43.
72
89
GOMES, Orlando. Contratos. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1973, p.42-44.
90
Luiz Philipe Tavares de Azevedo Cardos. A Onerosidade Excessiva no Direito Civil Brasileiro. Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo –USP. São Paulo, 2009. p. 68.
91
Ibid., mesma página.
92
Ibid., p. 80.
73
A doutrina italiana exige alguns requisitos para a intervenção nos contratos93: (i) que o
contrato seja de execução continuada, periódica ou diferida no tempo; (ii) a prestação ainda
não pode ter sido adimplida e (iii) a onerosidade deve ser excessiva, consequente de evento
extraordinário e imprevisível. Na presença de todos esses requisitos, é possível resolver o
contrato por justa causa ou determinar a sua adequação às novas circunstâncias.
A onerosidade excessiva vem tratada no Código Civil Brasileiro no art. 478, in verbis:
O art. 478 limita seu campo de aplicação aos contrato de execução continuada ou
diferida. O tempo integra a causa final do negócio e seu advento é desejado pelas partes, pois,
só assim, será possível executar o contrato e a prestação ser adimplida. É o caso do contrato
de franquia em que as partes querem uma prestação que naturalmente se consolida no tempo.
Se não fosse o efeito do tempo nas relações contratuais não haveria lugar o problema da
onerosidade excessiva. No contrato de franquia, o advento do tempo é desejado pelas partes
para que ambas possam implementar suas respectivas prestações, sendo caracterizado por
contrato de execução continuada.
93
Luiz Philipe Tavares de Azevedo Cardos. A Onerosidade Excessiva no Direito Civil Brasileiro. Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo –USP. São Paulo, 2009. p. 82.
74
É condição sine qua non esclarecermos os sentidos dos termos “subjetivo e objetivo”.
Conforme dito, a onerosidade traz consigo uma idéia de equivalência subjetiva, ou seja, foram
os contratantes que entenderam que as prestações eram equivalentes. Todavia, a partir da
pactuação contratual dessa relação o equilíbrio subjetivo reconhecido ganha existência
própria, passando a ser referencial objetivo de equilíbrio, independentemente da vontade das
partes. É o mesmo que afirmar que as prestações dispostas no contrato oneroso, depois de sua
formulação, guardam entre si uma necessária relação de equivalência. Tomando-se por base
essa relação constituída é que deveremos, objetivamente, analisar se, supervenientemente, ela
permanece na mesma proporção ou se foi desequilibrada94. Assim, na onerosidade excessiva,
a prestação torna-se tão gravosa que uma das partes não consegue mais encontrar
correspectividade na outra prestação. O (des)equilíbrio emergido durante a fase da execução
deve ser contraposto àquele originalmente estabelecido.
A obtenção de “excessiva vantagem” por uma das partes é um dos requisitos para se
aplicar a teoria da onerosidade excessiva. Salienta-se que a vantagem relevante só é aquela
extrema, a vantagem pouco significativa não tem relevância. Isso, pois, imaginemos que uma
parte sofra desproporção na sua prestação, contudo, diante do mesmo fato superveniente a
outra parte também esteja arcando com um elevado aumento nos seus custos de produção, por
qual razão haveria de reajustarmos o contrato em favor de um dos contratantes?95
94
Luiz Philipe Tavares de Azevedo Cardos. A Onerosidade Excessiva no Direito Civil Brasileiro. Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo –USP. São Paulo, 2009. p. 98.
95
Ibid., p. 107.
75
Ao juiz não é dado olhar apenas para a situação do devedor. Deve averiguar se
efetivamente está acontecendo o desequilíbrio na relação contratual de natureza continuada,
ou seja, se o credor está se beneficiando indevidamente à custa do devedor.
O imprevisível é aquilo que não poderia ser legitimamente esperado pelas partes, de
acordo com sua justa expectativa; devemos considerar as circunstancias concretas do negócio,
a capacidade de previsão do agente, levando em conta sua racionalidade limitada; e as
características do ramo de atividade no qual a prestação devida está inserida96.
Tais teorias devem ser aplicadas com enorme cautela no campo do direito contratual
empresarial. Os empresários que celebram entre si avenças, os fazem fundados em uma
atividade profissional premida pelo lucro, no entanto, altamente arriscada. Ao assumir os
riscos que incorrerá, não pode o empresário querer subsumi-lo à acontecimentos
extraordinários e imprevisíveis, quando na verdade é ínsito da atividade e penaliza a
desventura empresarial.
O contrato de franquia poderá ser revisto com base na Teoria da Imprevisão, todavia,
nesse caso não enxergamos a dependência econômica como plano de fundo para tanto.
Isto posto, concluímos que o contrato de franquia desenvolve-se por meio de diversos
contratos, sendo um principal - celebrado entre franqueador e franqueado - e outros
acessórios.
96
Luiz Philipe Tavares de Azevedo Cardos. A Onerosidade Excessiva no Direito Civil Brasileiro. Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo –USP. São Paulo, 2009. p. 117.
76
O direito repreende e deve interferir nas práticas quando essas são desacompanhadas
de razões equilibradas, executando fins diversos daqueles típicos do contrato almejado,
visando o abuso e a exploração pelo franqueador do franqueado.
Diante de tal situação o ordenamento jurídico deve responder, mormente por meio dos
fundamentos do direito civil e empresarial, prescindindo da lógica consumerista, sob o risco
de comprometermos o bom fluxo das relações econômicas.
Nesse sentido, a Lei Antitruste nos serve como grande instrumento referencial para o
preenchimento da cláusula geral da boa-fé no âmbito mercantil. Isso porque embora muitas
das condutas abusivas na prática não configurem prejuízos à concorrência e à livre iniciativa,
diversas das ações vedadas do ponto de vista anticoncorrencial transpassam o limite da tutela
antrituste e ganham relevância na regra comportamental de boa-fé, exigindo padrões de
atuação nas relações contratuais.
77
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