(20210812-PT) Sete - Visão 1484

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VINHOS COM VIDA

Os brancos, tintos, rosés e espumantes,


feitos com baixa intervenção, caíram em
graça. Oito bares, em Lisboa e no Porto,
para provar vinhos naturais, biológicos e
biodinâmicos – e descobrir-lhes a diferença
Um brinde
ao natural
Feitos com pouca intervenção,
por pequenos produtores,
os vinhos naturais, biológicos
e biodinâmicos ganham cada
vez mais apreciadores por cá.
Venha de lá esse copo,
nestes oito bares de Lisboa
e do Porto
SANDRA PINTO, SÓNIA CALHEIROS
E S U S A N A S I L V A O L I V E I R A [email protected]

VINO VERO LISBOA


Por estes dias, Giulia Capaccioli, 32 anos, e Massimiliano
Bartoli, 51, ambos de Florença, andam a vindimar nas
JOSÉ CARLOS CARVALHO

ilhas Canárias com a produtora de vinhos naturais,


Victoria Torres Pecis. Quanto melhor conhecem os
seus fornecedores mais pormenores podem depois
revelar aos clientes. No Vino Vero, wine bar aberto há
três anos na Graça, bebe-se vinho e conta-se a história
“do trabalho atrás do copo”, onde é feito, por quem e
como. “O vinho é sincero, a terra não mente”, assegura
Giulia. O casal conheceu-se em Veneza, onde, há sete
anos, Massimiliano montou o primeiro Vino Vero,
que se mantém a funcionar, e onde Giulia trabalhava.
Procuraram outros lugares em muitas capitais europeias,
mas só em Lisboa sentiram a boa energia para se fixarem.
O Vino Vero só tem vinhos naturais, “feitos com a menor
intervenção humana, seja na agricultura seja na adega”,
explicação simples dada por Giulia, que os sente como
“a expressão de uma filosofia, de um sítio peculiar, de
um terroir”. Aos vinhos de todo o mundo, incluindo os de
uma dúzia de produtores portugueses, juntam-se ostras
(€2,50 cada), burrata, anchovas e tomate (€15), ceviche
de atum (€9), carpaccio de espadarte e pinhões (€11),
tábua de queijos (€15) ou pastrami (€8). Neste recanto
da Graça, com o pitoresco Arco da Travessa do Monte à
JOSÉ CARLOS CARVALHO

porta, o sujeito é o vinho. Cada copo vai dos quatro aos


dez euros (e já é um bom Barolo italiano).

X
Tv. da Senhora do Monte, 30, Lisboa > T. 21 886 3115 > seg-dom
18h-24h, sex até 1h

92 VISÃO 12 AGOSTO 2021


Glossário
Um vinho natural
pode não ser
biológico ou
biodinâmico

N AT U R A L
Durante o processo,
não há intervenção.
O trabalho é feito
sobretudo na vinha
e menos na adega,
respeitando o
território. Também
se usam sulfitos,
mas primeiro
analisa-se a
quantidade de
leveduras das uvas
e só se adicionam na
medida necessária.
Como não são
filtrados, podem
ser turvos
BIOLÓGICO
É feito com uvas de
produção biológica,
em que os solos
são revitalizados
e enriquecidos
apenas com matéria
orgânica

BIODINÂMICO
Resulta de um
modo de produção
(biológica e
dinâmica), na
qual se leva em
consideração não
apenas as uvas, mas
um ecossistema
saudável, que vai das

PLANTASIA LISBOA videiras aos animais


e plantas ao redor

Numa antiga garagem de automóveis, há agora uma galeria de arte, música ORANGE WINE
a cargo de um DJ e um bar de vinhos naturais, onde se destacam referências
Trata-se de
de Portugal, França, Itália, Áustria e, por vezes, da Geórgia, para saborear.
um vinho de
No Plantasia, nome inspirado no disco do compositor canadiano Mort
curtimenta. É feito
Garson, os vinhos mudam com frequência, até porque são de pequenos
com uvas brancas
produtores, explica Marcos Anjos, que com Alice Turnbull gere este projeto
e a produção é
que junta diferentes expressões artísticas em Arroios. Marcos cruzou-se
semelhante à dos
com estes vinhos, sem aditivos e de fermentação natural, por mero acaso.
tintos, em que as
“Provei pela primeira vez num restaurante em Lisboa e posso dizer que
películas não são
fiquei apaixonado.” No bar, aos vinhos brancos, tintos, rosés e espumantes
retiradas durante
juntam-se ainda os orange wines, produzidos a partir de uvas brancas e
a fermentação.
cujo processo de produção é semelhante ao dos tintos, em que as cascas
Apresenta cores
permanecem durante a fermentação.
fortes, desde o
âmbar ao laranja, e
X sabor mais intenso
R. de Arroios, 93, Lisboa > T. 96 026 0216 > qua-sáb 18h-24h
JOSÉ CARLOS CARVALHO

HOLY WINE LISBOA


Com dois lugares sentados ao balcão e
alguns pufes e mesas no exterior, não
SENHOR MANUEL LISBOA
se deixe intimidar pelo tamanho e pela Descemos a rua íngreme, a dois passos do Jardim da Estrela, com o sol
simplicidade deste bar de vinhos na do final da tarde a guiar-nos até à esquina onde fica o irmão mais novo
Calçada da Estrela. No Holy Wine, há e vizinho da frente do Senhor Uva, restaurante aberto, há três anos, por
cerca de 80 marcas escolhidas pelas Marc Davidson (escanção) e por Stéphanie Audet (chefe). Faz três meses
russas Kate Rodionova, proprietária do que a antiga mercearia no senhor Manuel, há mais de 50 anos no bairro,
restaurante Bowls&Bar também em ganhou novas funções para fazer crescer o projeto gastronómico do
Lisboa, e Sasha Sutormina, jornalista casal do Quebeque, Canadá. Os vinhos naturais têm agora uma garrafeira
especializada em vinhos e gastronomia. com dezenas de referências deitadas na parede e um wine bar com 15
Aqui, privilegiam-se os vinhos naturais, lugares, com uma seleção semanal, para pedir a copo, de um rosé, um
biológicos e biodinâmicos feitos em de curtimenta (orange wine), dois brancos, dois tintos, um espumante e o
Portugal e no estrangeiro, até porque não menos comum, o rosé à pressão, o Cabernet Franc, de Sébastien David,
há fronteiras para a qualidade. Por isso, referência do Loire francês. Ao branco Roussette de Savoie 2019 ou ao
tanto encontramos referências de vinhos Poiré Authentique, de Eric Bordelet, marco na produção de sidra francesa,
produzidos em Borgonha como de outros na Normandia, podem juntar-se ostras (€2,50 cada), húmus e tomate (€5),
menos conhecidos produzidos na região caponata e rúcula (€7), burrata e tomate (€8), escabeche de mexilhão (€7),
de Lisboa – todos de pequenos produtores tábua de queijos (€15). Para Marc e Stéphanie, que já andam à procura de
que valorizam os métodos artesanais. uma quinta, o próximo passo é produzir o próprio vinho natural. Venha ele!
Para acompanhar, há ostras de Setúbal,
húmus de beterraba, gaspacho e tábuas X
de carnes frias ou queijos. O Holy Wine até R. de Santo Amaro, 61, Lisboa > T. 21 396 0917 > qua-dom 17h-24h
pode ocupar um espaço ínfimo, mas está
cheio de vida e de histórias para contar.
Fica a dica: se gosta de vinhos com alguma
salinidade, o melhor é pedir um copo
do branco Clemens Busch Riesling, da
JOSÉ CARLOS CARVALHO

Alemanha, que por aqueles lados recebe


cinco estrelas. E merece cada uma.

X
Cç. da Estrela, 15, Lisboa > T. 93 441 3708
> qua-dom 13h-21h

94 VISÃO 12 AGOSTO 2021


BEBER EM CASA
DUAS GARRAFEIRAS
PA R A A B A S T E C E R
A DESPENSA

REBEL REBEL LISBOA


Aberta há dois anos, na
zona da Estrela, a Rebel
Rebel é uma referência no
mundo dos vinhos naturais,
biodinâmicos e biológicos.
Além de empresa de
importação e de distribuição,
funciona como loja e bar,
onde há cerca de 300
referências (apesar de se
contarem apenas 25-30
nas prateleiras), produzidas
em Portugal, França, Itália,
Alemanha, Espanha, Áustria,
e ainda sidras da Suécia.

Tv. de São Plácido 48A, Lisboa >


T. 91 560 5656 > seg-sex 16h-20h

C A N D E L A B R O P O RTO
Abriu no final de 2020,
na porta contígua ao café
Candelabro, esta garrafeira,
com o mesmo nome, que
oferece uma extensa carta
JOSÉ CARLOS CARVALHO

de vinhos. Entre brancos,


tintos, biológicos e Pét-Nat
(Pétillant-Naturel, termo
francês para espumante
natural), há cerca de 400
rótulos, a maioria feita com
intervenção mínima na

BLACK SHEEP LISBOA adega e grande parte de


origem nacional. São vinhos
escolhidos entre pequenos
Quando abriu portas, em agosto de 2018, na Praça das Flores, o Black Sheep ficou produtores, que podem
conhecido como o bar de vinhos mais pequeno de Lisboa. Mas não só. Também os comprar-se para beber
vinhos ali servidos, na sua maioria naturais, orgânicos e biodinâmicos, de produtores em casa ou na esplanada
independentes de vários países, ganharam apreciadores habituais. Para beber ao do lado (acresce taxa de
balcão ou nas mesas, lá fora, sugere-se, por exemplo, o Mike Tazem branco, um serviço €4 a €7).
encruzado do Dão, da vila de Tazem, vinificado na região de Lisboa, sem adição
de sulfitos e com estágio em barricas francesas usadas; ou o Laherte Frères Les X
7, intenso e texturizado, um dos pouquíssimos champanhes que usam as sete Lg. Mompilher, 5, Porto >
uvas regulamentadas daquela região francesa, com um preço muito acessível. T. 91 221 6892 > seg-sáb 14h-20h
A funcionar também como loja, com serviço de entregas em Lisboa, o bar tem
cerca de 150 referências disponíveis em garrafa. A copo, são pelo menos 15, entre
brancos, tintos, verdes, rosés e espumantes (dos €3,50 aos €6,50).

X
Pç. das Flores, 62, Lisboa > T. 93 894 6752 > seg-sáb 17h-24h

12 AGOSTO 2021 VISÃO 95


TABERNA FOLIAS DE BACO PORTO
Folias de Baco é, em primeiro lugar, uma marca de vinhos criada pelo enólogo Tiago
Sampaio, em 2007, e só depois foi uma taberna, de portas abertas há oito anos, no Porto.
À entrada, há um cão de louça e veem-se palavras pintadas em azulejos. Já os vinhos estão
acomodados ao fundo, junto à cozinha, neste lugar onde tudo tem ar de tasca antiga, embora,
na verdade, nunca o tenha sido. Com apenas cinco mesas, no Folias “só se vendem os vinhos
Uivo, produzidos pela própria casa”, diz o gerente César Figueiredo. A acompanhar brancos,
tintos, orange wine (de curtimenta) e espumantes, a copo (€3 a €5) ou em garrafa (€12 a
€20), servem-se moira, chouriça, alheira, carne fumada e queijo de pequenos produtores do
Douro. Ao jantar, prove-se tudo isto no menu de degustação (€30/2 pessoas), que inclui dois

LUCÍLIA MONTEIRO
copos de vinho e um torricado (de cogumelos, tomate ou presunto).

X
R. dos Caldeireiros, 136, Porto > T. 22 320 5226 > qui-dom e seg 18h-24h

A CAVE DO BON VIVANT PORTO


À primeira vista, é difícil dissociar A Cave do Bon
Vivant do restaurante que antes esteve no seu
lugar, embora os sinais de um passado recente se
resumam às mesas suspensas e ao protagonismo
do vinho, agora ainda mais evidente. O sucesso
de um wine bar em Paris foi razão suficiente para
Stan Wallut e a mulher tentarem reproduzir a
ideia no Porto, cidade onde o casal encontrou a
tão ansiada tranquilidade. E, claro, a proximidade
do mar, onde, com regularidade, vai surfar com
os filhos. Em agosto de 2020, abriram este bar
dedicado aos chamados vinhos naturais, orgânicos
ou biodinâmicos. Com centenas de referências de
250 pequenos produtores de Portugal, Espanha,
LUCÍLIA MONTEIRO

Itália, França e Áustria, disponíveis a copo (a partir


de €4), a carta muda a cada dois meses. “O mais
importante é o cliente sair de cá com um sorriso no
rosto”, nota o bem-humorado Stan, enquanto serve
“um vinho fresco, suave, para beber no balcão, sem

PROVA WINE, FOOD & PLEASURE PORTO


comida”, descreve. E que bem sabe, diga-se. Se a
garrafeira não tem fronteiras, o mesmo se pode
dizer da comida confecionada com ingredientes
frescos do Mercado do Bolhão. No menu, que varia
Aberto desde 2012, o Prova foi o primeiro wine bar do Porto a ter uma todos os dias, poderá encontrar-se burrata fumada
escolha de vinhos de pequenos produtores, com pouca intervenção na (€8), tártaro de abacate com salmão (€6,50) ou
adega. Além de destino de eleição para apreciadores de vinho e de boas filet mignon com puré de cenoura (€11), e nunca
safras, durante muito tempo foi mesmo o único lugar com uma seleção faltam as tábuas de queijos e charcutaria (a partir
criteriosa e menos óbvia. São mais de 300 referências, quase todas de €10). Falta apenas dizer que Stan não serve
de produção biológica ou biodinâmica, entre as quais estão sempre água, mas há limonada aromatizada com menta
60 disponíveis a copo (€3 a €40), a dar conta que “o vinho aqui é rei”, disponível – e é grátis.
sublinha Diogo Ribas Amado, responsável pelo projeto. “É uma carta
muito heterogénea, com diferentes perfis de vinhos de diversas regiões
X
do País e alguns do mundo”, continua. De diferente, o Prova tem ainda
R. de Santa Catarina, 763, Porto > T. 22 208 2491
a cuidada seleção de queijos e de charcutaria, além de opções quentes, > ter-sáb 18h-22h
como empadas do chefe Adão Torcato, para um jantar leve, em versão
finger food. Quem se apaixonar por um vinho poderá levar uma garrafa
(a partir de €14) para casa. Se, a tudo isto, somarmos o ambiente
descontraído, o charme das paredes centenárias, com o granito original
à vista, e o piano, não se estranhará que a banda sonora siga ao som de
jazz, blues e soul. Faça-se um brinde às coisas simples e bem pensadas.
LUCÍLIA MONTEIRO

O Prova merece.

X
R. Ferreira Borges, 86, Porto > T. 91 649 9121 > seg, qui-dom 17h-1h

96 VISÃO 12 AGOSTO 2021


Manifesto
O QUE ANDAMOS A GOSTAR (OU NEM POR ISSO) DE DESCOBRIR POR AÍ

I N Ê S B E L O [email protected]

> muitíssimo bom > bom


COZINHA DE FOGO E MÚSICA CINEMA AO AR LIVRE NA RAIA
A 3ª edição do Chefs On Castelos, ruínas romanas, pontes
medievais e antigas estações de
Fire já tem datas: será a 18 comboio servem de cenário ao 9º
Periferias – Festival Internacional
e 19 de setembro na Fiartil de Cinema de Marvão e Valencia de
Alcántara (Espanha), que decorre
(Estoril), com nomes como entre esta sexta, 13, e dia 20, com
Marlene Vieira, Alexandre 30 filmes dos dois lados da fronteira

Silva ou António Galapito,


do lado dos chefes, e > bonzinho
Dino d’Santiago, Samuel
Úria ou Clã, na música.
PINDÔ RENOVADA
Na Avenida das Forças Armadas, em
Há ainda uma novidade: Lisboa, a geladaria Pindô, fundada
em 1976, reabriu renovada e com
um restaurante pop-up esplanada. As receitas originais
dos gelados mantêm-se, garante a
a funcionar na semana nova gerência, assim como as Taças
anterior (9-16 set), com Geladas e a cassata italiana

novos talentos da cozinha.


Os bilhetes já estão à venda > assim-assim
A BANHOS NO GRANDE LAGO
Há uma nova praia fluvial em Alqueva,
a aldeia que deu nome à barragem,
no concelho de Portel. No total, são
150 metros de areal, com vigilância,
bar e equipamentos de apoio, que se
juntam às três zonas balneares já
existentes nas margens da albufeira:
Amieira, Monsaraz e Mourão

> para esquecer


“QUEM ÉS, PORTO?”
O enorme painel de azulejos do artista
Miguel Januário (±maismenos±) no
Porto está em risco de desaparecer.
Na obra de crítica à política municipal,
há um azulejo em que alguém
escreveu: “Nada dura para sempre.”
Premonição?

12 AGOSTO 2021 VISÃO 97


COM ER E BEBER

Ó Balcão Santarém
Nova fase, a essência de sempre
Focada na valorização do produto e na tradição ribatejana, a cozinha do chefe Rodrigo Castelo
está mais delicada. Ali, transforma ingredientes simples em verdadeiras iguarias

MARCOS BORGA
Deixou cair Taberna no nome e ficou o lagostim e a camarinha – um camarão pequeno
Para tra- simplesmente Ó Balcão, mas há mais que serve de entretém enquanto se aguarda pelas
balhar as
diferenças para descobrir no entradas. À terra, o grão-de-bico, na sua versão
técnicas de
restaurante de Rodrigo Castelo, a verde e seca; o bimi, um legume que se parece com
preparação e
transforma-
funcionar há oito anos, em Santarém. brócolos; a amêndoa (de Salvaterra de Magos) e
ção dos ingre- Reaberto em junho, com outra o pistácio (de Torres Novas), por exemplo. É com
dientes, como decoração – agora salta à vista a garrafeira e os estes ingredientes que prepara a maionese de bimis
a salmoura, tons verdes –, tem também uma nova ementa e alho-francês (€11) e a salada de ovas de barbo
a cura, os que mostra a evolução do chefe escalabitano. com pescada grelhada e grão-de-bico. Segue-se
fumados, Habituado a cozinhar para amigos e família, no o apetitoso gratinado de rabo de toiro (de escolha
pickles ou restaurante aposta na valorização do produto e obrigatória!) e a fataça com caldo de peixe assado
escabeches, na tradição ribatejana, acrescentando-lhes o seu e pera grelhada, uma combinação de sabores
o chefe Ro- toque especial e técnicas como a salmoura, a original, apenas disponível no menu de degustação
drigo Castelo cura, os fumados e os escabeches. Muito do seu (com pratos selecionados pelo chefe, €75).
conta com a conhecimento vem dos livros, mas também das Para finalizar, o chefe sugere o Café das Velhas
parceria com conversas com pescadores, agricultores, (€5,50), uma sobremesa inspirada no café que
a Escola Su- produtores e chefes, ao qual junta a paixão pela a sua avó bebia à lareira e “adorava acompanhar
perior Agrária profissão – dois ingredientes que se refletem nos com fatias paridas”, aqui servidas com gelado
de Santarém, seus pratos. de canela, e o Nem Tudo é Limão (€5,50), mais
onde estudou Na região, rica em agricultura e peixes de rio, refrescante, que apresenta o citrino em vários
durante seis Rodrigo Castelo encontra quase tudo o que precisa sabores e texturas. Aos 41 anos, Rodrigo Castelo
anos. para cozinhar (“não fico preso a estas raízes, se assume uma forma de cozinhar diferente. “Era
encontrar um bom produto noutro lugar, uso”, diz, mais abrutalhado, agora estou mais delicado”,
dando o exemplo da carne dos Açores e de Trás-os- afirma, deixando uma promessa no ar: “Vamos
Montes). Ao rio, vai buscar o caranguejo, a fataça, voltar a ter pratos do antigamente.” Sandra Pinto

X
R. Pedro de Santarém, 73, Santarém > T. 243 055 883 > seg-sáb 12h-16h, 19h-22h30

98 VISÃO 12 AGOSTO 2021


RIBATEJO À MESA Peixaria by Euskalduna Porto
TRÊS PRODUTOS DE ELEIÇÃO
DO CHEFE
O sabor que vem do mar
Vasco Coelho Santos abriu uma “boutique moderna” de peixe
e marisco, onde o plástico não entra

A ideia surgiu-lhe durante o primeiro confinamento:


“Andei a entregar peixe aos clientes e percebi que não
havia um serviço que o vendesse à posta”, conta Vasco
Coelho Santos, chefe dos restaurantes Euskalduna e
Semea, no Porto – este último, tome nota, muda-se,
por estes dias, para o Cais das Pedras.
LAGOSTIM DO RIO A Peixaria by Euskalduna, acabada de abrir no Aviz, distingue-
“Existem duas variedades, a de arroz e -se das habituais. Senão vejamos: na vitrina, onde não entra gelo,
a de barragem. No restaurante, utilizo alinham-se ostras, mexilhão, ouriços-do-mar, percebes e exemplares
desde as pinças, para fazer um óleo, ao de tamboril, atum, sargo e rodovalho que podem ser comprados
miolo com casca, com uma cura de sal “ao corte, à posta, filetados sem espinhas”. Nos azulejos de cerâmica
para lhe dar textura e sabor” que revestem as paredes da loja – um projeto do Atelier Mapa –,
escrevem-se os nomes e os preços dos peixes, mariscos, moluscos
e bivalves, que chegam de Peniche ou das Berlengas (à terça), do
Algarve ou dos Açores (à quinta e ao sábado), de pesca à linha ou
de rede. Atrás da banca, estão três cozinheiros do grupo: Hélder
Figueiredo, Fátima Silva e Rafaela Gonçalves que, além de arranjarem
o peixe e o marisco, aconselham o cliente sobre as diferentes formas
de os cozinhar. Pode ainda levar caldos já prontos para fazer um
arroz e, em breve, também sapateira recheada e polvo pré-cozinhado
a vapor. Daí que Vasco Coelho Santos prefira chamar-lhe “uma
boutique moderna de peixe”, onde não entra plástico – o peixe vai
embrulhado em papel ou caixas biodegradáveis. F.A.
O VA S D E B A R B O
“É um peixe bom para se fazer sopa,
mas tem muitas espinhas. Por isso, os
pescadores utilizam-no como isco para
apanhar os lagostins. As ovas podem
ser usadas em diferentes receitas, entre
elas o escabeche e a sopa de rio”
LUCÍLIA MONTEIRO

GRÃO-DE-BICO
“Produzido pela empresa Casal Vouga,
é o primeiro grão-de-bico certificado do
Ribatejo. À mesa, uso o grão verde, de
sabor mais intenso, e o seco. A primeira
versão, antes de ir à mesa, é apenas X
R. José Gomes Ferreira, 191, Porto > T. 93 648 1062 > seg 14h-18h, ter-sex 10h-19h,
bringida, como se faz com as ervilhas” sáb 10h-14h

12 AGOSTO 2021 VISÃO 99


VIN HO S

Adega de Penalva Série


Especial Encruzado Dão
Branco 2019
Exclusivamente de uvas
da casta Encruzado,
de cepas com 40 anos
e com baixa produção.
POR
MANUEL
Parte do vinho estagiou
G O N ÇA LV E S em madeira, outra
D A S I LVA parte em inox, a fim
de que “a madeira não
comer&[email protected] domine o vinho”. Tem
aspeto brilhante, cor
de um amarelo-citrino,
aroma fino, paladar
suave e fresco, com

Encruzado, Touriga-Nacional e Tinta-Barroca fruta delicada e acidez


precisa. O equilíbrio está

Castas portuguesas
perfeito. Manifestamente
gastronómico.
€7,80

Nesta seleção, calharam três vinhos varietais de raiz nacional, Maçanita Douro Rosé 2020
cada qual com o seu estilo, mas todos manifestamente bons Cem por cento Touriga-
-Nacional, mostra-se fiel
à casta na qualidade dos
A Adega de Penalva, que integra cerca de mil associados e aromas, da fruta e da
reúne o maior conjunto de vinhas do Dão – perto de 1500 textura. Muito atrativo
hectares, em diferentes lugares, com algumas vinhas muito na sua viva cor rosada
velhas e castas raras na região –, distingue-se não só pelo de tons acerejados, no
volume de vinhos que produz mas também pela sua aroma intenso a frutos
qualidade, sob controlo dos enólogos Virgílio Loureiro e vermelhos, sobretudo
a morangos silvestres,
António Pina. Bom exemplo é a Série Especial, lançada em 2015 por
com o inevitável toque
Virgílio Loureiro, com merecido sucesso e assente em vinhos varietais,
floral, e no paladar
como o Encruzado 2019, agora disponível no mercado. Diz o seu fresco, elegante,
autor, a propósito desta casta nobre do Dão: “Quando vinificada saboroso e fortemente
sozinha, é capaz de originar um vinho completo; é quando mostra apelativo. Para a mesa,
melhor as suas qualidades: muito equilibrada, delicada no aroma, com sem hesitações.
boa estrutura e uma grande capacidade de envelhecimento. Ao fim €8,50
de dois ou três anos, começa a mostrar o seu valor, e à medida que
envelhece, vai subindo de qualidade e aprimorando as suas
características.” Pois bem: o Adega de Penalva Encruzado Dão 2019 Dorina Lindemann Tinta-
é vinho para beber já, guardar e, em ambos os casos, saudar.
Outra grande casta do Dão – não só desta região mas também do
-Barroca Regional Alentejano
resto de Portugal e do Mundo – é a Touriga-Nacional, mãe de tantos Tinto 2017
vinhos de categoria. Surpreendam-se os que ainda têm reservas sobre Só de uvas da casta
os vinhos rosés e acreditem que o Maçanita Rosé Douro 2020 é um Tinta-Barroca, com
belíssimo vinho. “A Touriga-Nacional, a nossa casta de excelência, fermentação em lagares
apresenta-se aqui em todo o seu esplendor floral e frutado. Uma tradicionais e estágio de
verdadeira Touriga-Nacional! Mas em Rosé”, sublinham os enólogos 14 meses, em barricas
e irmãos Joana e António Maçanita, que o fizeram. Provem-no e verão de carvalho-francês.
que é mesmo assim. Apresenta cor rubi,
Finalmente, um varietal da casta Tinta-Barroca, que a Quinta da carregada, aroma intenso
Plansel incluiu no seu conjunto de verão para “mostrar que já lá vai a a frutos vermelhos, em
ideia de que os tintos não casam com calor”. Neste pacote promocional, especial ao da cereja,
com preço fixo de €40, contam-se vinhos das duas gamas mais com leves notas florais
conhecidas da casa: Dorina Lindemann Tinta-Barroca 2017, Dorina e de especiarias; paladar
Lindemann Branco 2020, Dorina Lindemann Rosé 2020, Plansel Branco com boa estrutura, cheio,
2020, Plansel Rosé 2020 e Plansel Verdelho 2020. O tinto parece talhado macio e guloso. Surpresa
muito agradável.
à medida dos bons grelhados que ninguém dispensa nesta época.
€11,50

100 VISÃO 12 AGOSTO 2021


Lá vai
Lisboa
e tantos
vinhos
a provar.
Seja responsável. Beba com moderação.

#eubebovinhosdelisboa
oa
C OMP RA R

ARLINDO CAMACHO

ARLINDO CAMACHO
Symbols, JAK Shoes e Studio BYOU + Raquel Poço Lisboa
Sustentabilidade e bom senso
A cidade ganhou três novas montras. Moda, acessórios, design e até livros, num embrulho
perfeito para lavar a vista

Na Estefânia, Vanessa Vodant e Alexandra Smet resume Vanessa. Entre a seleção de marcas que
a Studio junta nasceram em França, são as melhores ali habitam, França está bem representada,
duas marcas amigas há mais de 20 anos e quis o nomeadamente através das sandálias feitas com
portuguesas: destino que ambas se mudassem para padrão de cornucópias da Arizona Love ou das
uma de roupa Lisboa recentemente. Com carreiras carteiras bordadas à mão da Olympia Le-Tan,
e outra de joias; diferentes – Vanessa foi buyer de mas há uma vontade de ter cada vez mais peças
a Symbols, coleções de moda em Paris, Alexandra trabalhou portuguesas. Ficam como exemplo os quimonos
em Santos-o- para marcas de luxo em Londres –, juntaram-se da Moon Society, marca de uma amiga francesa,
-Velho; os ténis para dar vida a uma concept store em Santos-o- bordados à mão pelas senhoras que integram o
da portuguesa
-Velho. Da roupa aos acessórios, da joalharia às projeto da Avó Veio Trabalhar, ou as almofadas
JAK Shoes,
peças decorativas, a Symbols reúne marcas de da Déjà Vu Lisboa, também bordadas à mão,
no Chiado
(da esquerda
várias nacionalidades e com preços para todos sobre tecidos em segunda mão, por uma mãe e
para a direita) os bolsos. uma filha. “Há muito simbolismo neste projeto”,
A loja na Calçada Marquês de Abrantes conta Vanessa, e é por isso que as escolhas dos
é grande e foi desenhada com um conjunto produtos são feitas com tanto cuidado. E bom
de painéis modulares, que serve também de gosto, reforce-se.
mostruário para as peças e que está em constante
movimento para criar novos ambientes de PEÇAS PARA A VIDA
exposição. No centro, há uma grande mesa, Comprar uns ténis da JAK Shoes é uma
bem apetrechada, de coffee table books, com experiência pensada ao pormenor. Cada par vem
obras escolhidas a dedo das editoras Phaidon, acompanhado de um pequeno kit com um par
Rizzoli ou Taschen; ao fundo, dentro de armários extra de palmilhas forradas a couro e mais finas,
envidraçados, estão algumas joias de maior um par de atacadores suplente e um saco de
valor. “O espírito é mudar, partilhar, cuidar”, pano para os transportar. Fundada, em 2014, por

102 VISÃO 12 AGOSTO 2021


LUÍS BARRA

D.R.
Isabel Silva e José Reffoios, ambos fãs de ténis, as peças criadas pela fisioterapeuta que lhe dá o SYMBOLS
a marca portuguesa aposta no calçado de alta nome. Juntas abriram, em junho passado, uma
qualidade e com bastante durabilidade, produzido loja-estúdio, num casamento tão harmonioso X 
Cç. Marquês de
numa fábrica familiar em Santa Maria da Feira. que é difícil perceber onde começa uma e Abrantes, 67A,
“São semiclássicos, unissexo, intemporais e termina a outra. Lisboa > T. 21 396
minimalistas”, diz José Reffoios. A JAK Shoes deu A BYOU apresenta as suas peças femininas de 0327 > seg-dom
10h30-19h30
os primeiros passos no online e depois cresceu, linhas simples e minimalistas. Vestidos curtos e
primeiro para uma loja no Porto, na Rua de Santa compridos, calções, blazers, tops, desenhados JAK SHOES
Catarina, desde 2019, a seguir para uma loja e produzidos em Lisboa, sem obedecer a
própria em Lisboa, na Rua Nova da Trindade, grandes coleções e a puxar por materiais o mais X 
R. Nova da
já em maio deste ano. Ambas têm projeto do sustentáveis possível. Recentemente, juntou- Trindade, 4A,
arquiteto Tiago Silva Dias, que se inspirou nas -lhe uma linha de criança em algodão orgânico Lisboa > T. 21 053
cores, nos materiais e no desenho dos ténis – os e outros materiais reciclados, também a seguir 3663 > seg-sex
10h-19h, sáb-dom
bancos são feitos da mesma pele (couro de grão uma lógica de roupas perduráveis no tempo. No 10h-15h30 > R. de
integral), e as paredes e estantes são da mesma centro da loja, está a última coleção desenhada Santa Catarina,
paleta cromática. Atualmente, existem 14 modelos por Raquel Poço, chamada Três Marias, uma 28 Porto > T. 22
766 8607 > ter-
(a marca não lança coleções, garantindo o mínimo homenagem às mulheres da sua vida (avó, mãe e sáb 10h30-13h,
desperdício possível), em 53 variações de cores e filha), mas também aos três nomes que fizeram 13h30-19h >
solas, disponíveis do número 36 ao 48 (a partir História no movimento feminista em Portugal, jakshoes.com
de €150), nas cores branca, preta e outros tons com as Novas Cartas Portuguesas, de 1972, Maria STUDIO BYOU +
neutros. “Como não seguem as tendências, não Velho da Costa, Maria Teresa Horta e Maria Isabel RAQUEL POÇO
correm o risco de ficar fora de moda”, afirma a Barreno. Com brincos, anéis, colares e pulseiras
dupla que compara a construção de um sapato trabalhados à mão, pensados para se manterem X 
R. Gonçalves
a uma obra de engenharia ou de arquitetura, na moda, vai buscar, nesta e noutras coleções, Crespo, 52,
em que tudo é pensado ao pormenor, lá está. traços das técnicas artesanais portuguesas, como Lisboa > seg-sex
Na zona da Estefânia, uma antiga padaria a cerâmica e a cestaria. Com a mesa de joalharia 12h-19h, sáb
10h-13h
com tetos lindíssimos deu lugar à Studio. De ao fundo da loja e um ambiente propício ao
um lado está a BYOU, marca de roupa assente na slow shopping – parar, apreciar, experimentar,
qualidade dos tecidos e na intemporalidade dos comprar –, estes 30 metros quadrados cheios
modelos, fundada por Patrícia Gouveia há sete de pinta merecem a visita até nos quentes dias
anos; do outro está a Raquel Poço Jewellery, com de agosto. Mariana Correia de Barros e Sandra Pinto

12 AGOSTO 2021 VISÃO 103


VER

IKFEM Valença
Maria João Pires e Júlio Resende Faro Tendo como fio condutor

Língua franca
os instrumentos de teclas
(piano, fortepiano, órgão,
concertina, cravo, acordeão,
sanfona, keytar e piano
eletrónico), esta nona edição
Os pianistas apresentam ao vivo um novo projeto conjunto, “Diálogos”, do festival IKFEM divide-se
que começou no Centro de Artes de Belgais, em Escalos de Baixo, Castelo entre ambas as margens
Branco, no final de 2019 do rio Minho, unindo assim
Portugal e Espanha através
da música. O pianista Miguel
Borges Coelho (18 ago), o
fadista Marco Rodrigues (19
ago) e o cantor João Afonso
(22 ago) integram o cartaz
composto por artistas da
Península Ibérica.

X
Jardim das Amoreiras, Valença,
e Passeio Fluvial do Club de Remo,
Tui > 18-22 ago, qua-qui, sáb-dom
22h, sex 19h e 22h30 > €6

João Cabrita Lisboa


Companheiro de estúdio e de
estrada de gente tão diversa
como Sitiados, Despe e
Siga, Sérgio Godinho, Dead
FRANCESCO CERRUTI

Combo, The Legendary


Tigerman, Cacique ’97 ou
FELIX BROEDE

Cais Sodré Funk Connection,


grupo do qual foi fundador,
o saxofonista festejou, no
ano passado, três décadas
Foi no final de 2019 que como se de um bailado ou de de carreira. Para celebrar a
esta aventura teve início, uma conversa se tratasse, dando data, João Cabrita editou o
quando Maria João Pires o espaço e o tempo necessários ao seu primeiro álbum a solo,
e Júlio Resende se outro para dizer o que sente, num Cabrita, no qual passeia por
apresentaram, em conjunto, diálogo musical constante, tão único diferentes géneros musicais,
num espetáculo quase quanto ousado. Maria João Pires com a participação de
privado em Belgais, no Centro de interpretará, como só ela sabe, as muitos destes amigos. Um
Artes fundado pela pianista, na quinta notas escritas por compositores como trabalho agora novamente
em Escalos de Baixo, Castelo Branco. Schumann, Chopin, Scarlatti, Bartok, apresentado ao vivo, num
concerto com a participação
No final, ficou a vontade (e o plano) de Schubert ou Bach. Já Júlio Resende,
de Stereossauro e integrado
realizar uma digressão conjunta, para com a liberdade do momento de que
no ciclo Destemporada, no
mostrar ao mundo como duas formas sempre precisa para se transcender, CCB, que se prolonga até ao
tão distintas de encarar a música irá improvisar a partir desses mesmos final do mês.
– uma mais formal, outra mais livre autores e do cancioneiro fadista,
– até tinham, afinal, tanto em comum. que tão bem tem sabido reinventar
X
O surgimento da pandemia, nos últimos anos. Em conjunto, Centro Cultural de Belém > Pç. do
porém, obrigou-os a adiar o projeto, criarão assim algo novo mas também Império, Lisboa > T. 21 361 2400 >
que pode agora, finalmente, ser irrepetível, que será escutado ao vivo 14 ago, sáb 21h > €10
escutado em palco, num recital muito apenas uma única vez, em Faro, pelos
especial, feito a dois. Num só piano, afortunados ali presentes na noite
os artistas ocuparão o seu lugar à vez, de 13 de agosto. Miguel Judas

X
Lg. da Sé, Faro > 13 ago, sex 21h30 > €35 a €40

104 VISÃO 12 AGOSTO 2021


Inquietações Bragança
A condição desumana
Graça Morais exorcizou os medos trazidos pela pandemia e por um mundo
em convulsão, em pinturas criadas para confrontar e interrogar o observador
A pintora portuguesa tem-se Aliando um aparente figurativismo
assumido como uma às metamorfoses humanas e animais,
testemunha dos tempos que apresenta aqui 52 pinturas e desenhos,
vivemos, recusando refugiar- muitas destas obras inéditas.
-se apenas no seu pequeno Inquietações, exposição curada por
canto, em temas intimistas Joana Baião e Jorge da Costa, enfrenta o
pertencentes ao seu léxico pictórico, em medo, expresso nas pupilas negras e nos
escolhas familiares. Atenta às tragédias olhares das figuras retratadas, no gesto
humanas, auscultando o mundo em fantasmático de colocar uma máscara
volta, impelida por uma consciência (funerária?) no rosto. E faz eco dos
moral, Graça Morais fez aquilo a que dramas internacionais, como o da morte
chamou um “autoconfinamento” de George Floyd às mãos da polícia e o
no seu estúdio lisboeta logo no primeiro racismo endémico ou o dos migrantes e
fechamento social trazido pela refugiados que protagonizam cemitérios
pandemia. E aí registou, trabalhou, aquáticos às portas da Europa – Graça
exorcizou os medos novos trazidos pelo aproxima-os de um teatro de sombras,
vírus, a sua própria fragilidade (já que espectros agarrados a frágeis boias.
foi sujeita a algumas intervenções E há ainda uma instalação imersiva, uma
delicadas que afetaram a sua saúde), sala forrada de jornais, um monumento
as tragédias internacionais que têm à condição humana e à verdade.
marcado a atualidade. Sílvia Souto Cunha
D.R.

X
Centro de Arte Contemporânea Graça Morais > R. Abílio Leça, 105, Bragança > T. 273 3024 10
> até 23 jan 2022, ter-dom 10h-18h30 > €2,09

12 AGOSTO 2021 VISÃO 105


VE R

Fevereiro Três Verões


Tudo depende do sítio

O sentido da vida
onde se coloca a câmara.
Sandra Kogut faz um retrato
exemplar dos escândalos
de corrupção do Brasil
dos últimos anos, com
Um filme-poema búlgaro que surpreende pela sua beleza e que nos convida empresários e políticos
a admirar as coisas simples presos, bens penhorados e
obras embargadas. Só que,
em vez de apontar a câmara
aos corruptos, deixa-a ficar
ao nível de Madá, a enérgica
caseira da residência de
férias da família. O resultado
é magnífico, até porque o
papel de Madá é interpretado
pela maravilhosa Regina
Casé.
O filme divide-se em três
partes a que correspondem
três verões na mansão.
O primeiro é o da fartura e
da boémia; a casa é nova,
o novo-riquismo por vezes
extravagante, a festa de
Natal é aperaltada por luxos,
havendo sempre uma ideia
transversal de “esquema”
que abrange, na escala de
D.R.

cada um, empregados e


patrões, como que sugerindo
Neste belíssimo filme poético às opções simples da vida,
que o problema da corrupção
búlgaro, de Kamen Kalev, as para o qual o realizador se inspirou no
no Brasil é endémico.
personagens falam pouco avô que ia visitar nas férias do verão. O segundo começa por
porque têm pouco para Talvez seja através dessas sensações ser o verão do embate,
dizer. Por um lado, Fevereiro que a personagem nos é apresentada, em que recebem a notícia
pode ser visto como um enquanto criança, como aprendiz de de que o patrão foi preso
olhar poético sobre a solidão em várias pastor, ao lado do taciturno avô, isolado e em que, perante a
fases da existência, mas mais do que num campo feito de silêncios. A segunda ausência de alternativas,
isso é um retrato de um estilo de vida parte dedica-se aos momentos mais os empregados, liderados
em vias de extinção, de um homem que marcantes da entrada na vida adulta: por Madá, se reinventam
aceita e deseja um destino simples de o casamento e a chamada para o serviço social e economicamente. O
pastor. Há um sentido contemplativo militar obrigatório. O contexto social em terceiro é o verão da retoma.
e poético, intensificado pela espantosa volta não faz com que nada mude. E há Porém, esse regresso já não
fotografia em 18 mm, que nos remete um momento fulcral no esclarecimento é possível na sua plenitude e
para grandes mestres do cinema do consciente do caminho da vida, quando Madá tem a oportunidade de
Leste europeu, como o húngaro Béla um superior lhe propõe uma promoção completar a emancipação.
Tarr ou o russo Aleksandr Sokurov, e ele responde: “Há aqui um mal- Precioso registo este que,
encontrando-se também afinidades -entendido: o meu avô era pastor, o ao mesmo tempo que reflete
com As Quatro Voltas, do italiano meu pai era pastor e eu vou ser pastor.” sobre os escândalos de
Michelangelo Frammartino (embora No final, voltamos à desejada corrupção no Brasil e suas
consequências, se torna um
Kalev não leve o seu pacto de silêncio solidão. Encontramos a personagem
ensaio sociológico, em que
a um ponto tão radical). fechada consigo própria, na neve,
a voz de Seu Lira, o ancião
Desenhado como um tríptico, no seu casebre, no meio do nada. Mas que se mantém para além
em que acompanhamos a mesma aqui há, pela primeira vez, o desejo do seu tempo, acaba por
personagem aos 8, 18 e 82 anos, de companhia, de ir viver com a irmã. ser a voz da dignidade e da
o filme, além de fazer um retrato de Fevereiro é um hino à simplicidade consciência. M.H.
uma Bulgária profunda, é um hino perdida. Manuel Halpern
X
X De Sandra Kogut, com Regina Casé,
De Kamen Kalev, com Stoqn Atanasov, Lachezar Dimitrov, Hristo Dimitrov-Hindo > 135 minutos Rogério Fróes, Gisele Fróes, Jessica
Ellen > 94 minutos

106 VISÃO 12 AGOSTO 2021


LIVROS

Poema à sombra S Í L V I A S O U T O C U N H A [email protected]

A poesia é quase tão boa como a água para estes dias de estio e lassitude. Eis cinco livros imprescindíveis,
recentemente chegados às livrarias, que têm propriedades hidratantes e epifanias garantidas

Afectuosamente Sétimo Dia


Margaret Daniel Faria
Atwood
Conhecemos-lhe Sob um título
A História de evocativo do mito
uma Serva, mas da criação do
Atwood tem sido mundo, alinham-
poeta constante. -se inéditos do
Atirar Para o Torto Esta compilação,
dedicada ao
poeta – monge
beneditino
Todos os Poemas
companheiro desaparecido em
Margarida Vale Friedrich
desaparecido 1999, aos 28 anos
de Gato
Tradutora e poeta
excelentíssima,
em 2019,
Graeme Gibson,
Viver Feliz Lá Fora –, resultantes
de 14 folhas
Hölderlin

Tomo monumental
traduzida por encontradas
recebe-nos aqui José Gardeazabal para dias longos,
João Luís Barreto no Mosteiro
com esta confissão: permite ler em
Guimarães, olha de Singeverga.
“Olá, não é para Tal como a sua ficção, este longo português, pela
para o passado Respeitando
todos isto/ de ser poema dividido em cinco partes primeira vez, toda
sem nostalgia, as ausências
selvagem com é uma máquina implacável, a produção do
preferindo o documentais,
o volume/ da subvertendo ritmos, linguagem, gigante alemão
estilete da lucidez. seguindo o fio da
bagagem ocidental; Hölderlin (1770-
“Não olhes para associações de ideias – “idem frase, do verso,
no clímax da 1843), desde as
trás, dizem eles:/ ibidem dem dem bidem”. Uma sempre em
meia-idade/ é obras de juventude,
previsível já a
tornar-te-ás ode triunfal em que ecoam Pessoa contacto com as
influenciadas
sal./ Mas porque (“diante de uma janela absoluta fontes teológicas,
quase-/-invariável pelo mundo
não? Porque não não/ comentemos tabacarias”) e o livro faz escutar
rotina: i)/ achar grego antigo, até
olhar?/ Não é tão Cesário Verde (“a esta hora do dia/ cinco homens em
que não é para aos hinos e odes
brilhante?/ Não não é normal termos sentimentos cinco dias, cinco
mim; ii)/aquiescer, que o tornaram
é tão bonito, lá de ocidental”), lançam-se farpas vozes que aspiram
eu, treinada/ em autor-deus, e aos
atrás?” Cabem a quem as apanhar (“há cães/ a transcendências.
variações de bardo fragmentos finais.
aqui passaportes desconhecidos/ a decidir o cânone”), “Ponho a minha
(Deus, faz com que Um “Hölderlin de
colecionados, mão esquerda
nunca seja/ uma contempla-se a contemporaneidade corpo inteiro que
ameaças diante do espelho.
poeta ressabiada).” (“os atos são aves predadoras/ nos faltava”, refere
ambientais, a gata Agora já medito
Recentrando a as palavras plantinhas/ símbolos se não há do outro
o tradutor João
demente da casa
(sua) experiência redondos sorriem-nos do fim das Barrento. E que
e até uma imagem lado outra mão
feminina e o frases/ vivemos sob o signo das deixa motes assim:
do tempo como que se possa
cânone, estes cicatrizes”) e ausculta-se o estado “Se esquecerdes
mão de zombie... tocar.”
poemas são do mundo (“Um estranho pergunta- os amigos, se
autobiográficos, Bertrand > 240 págs. nos de onde somos/ e isto/ ou Assírio & Alvim > 160 desprezardes
desconcertantes > €16,60 é/ curiosidade/ ou é racismo”). págs. > €15,50 o artista / E
e habitados por E a pandemia crava agulhas: os virdes o espírito
afetos: casas, profundo de forma
“óbitos em dominó”, a “felicidade
cúmplices, mesquinha e
de formiga”, a “canção ferida da
computadores vulgar/ Deus vos
perdidos, Elizabeth
claustrofobia”. “A pior mortalidade perdoará – mas
Bishop... é a mortalidade dos vivos”, lê-se. Eis nunca perturbeis/ A
a nossa civilização “parada como paz dos amantes.”
Tinta-da-China > 126 pompeia/ segundos antes de…”
págs. > €13,41
Assírio & Alvim >
Relógio D’Água > 64 págs. > €15 664 págs. > €44

12 AGOSTO 2021 VISÃO 107


TV

E Se... Disney+
O objetivo é trocar as
voltas a todos os fãs de
super-heróis. As regras?
Fazê-lo com criatividade.
Inspirada na banda
desenhada homónima
dos anos 1980, E Se…
estreia-se na quarta, 11,
no Disney+, e promete
revirar, ao longo dos
seus nove episódios, os
enredos de alguns dos
mais aclamados filmes
do universo Marvel.
Cruzando e recuperando
personagens que já
todos achávamos para
lá do futuro da marca
cinematográfica norte-

D.R.
-americana (quem disse
que já não havia nada

No Limite FOX Life


a contar sobre Peggy
Carter?) e dando uma
nova vida a outras tantas
figuras marcantes (afinal,

O canto do cisne o Homem de Ferro foi


resgatado da explosão de
granada por Killmonger,
vilão de Pantera Negra), a
A pandemia não passou ao lado da 11ª e última temporada da série série conta com os atores
que participaram nos
de comédia. A família Gallagher despede-se com o seu habitual excesso filmes. Exemplo disso é
Chadwick Boseman, que
antes de perder a batalha
Já passaram mais de dez anos desde que as aventuras da família contra o cancro em 2020,
Gallagher chegaram à televisão e rechearam de gargalhadas as teve aqui a oportunidade
memórias de uma comunidade de fãs. Foi no início de 2011 que nos de dar novamente voz a
deparámos pela primeira vez com os amores e desamores de Fiona T’Challa/Pantera Negra.
(Emmy Rossum), com a relação atribulada (mas sempre feliz) de Capaz de prender ao
V (Shanola Hampton) e de Kev (Steve Howey) e com o turbulento ecrã até aqueles que
alcoolismo de Frank (William H. Macy). Em Shameless, o humor não foi só o não são fiéis seguidores
pretexto para descrever as alterações das personagens durante uma década – foi deste mundo fantástico,
o fator-chave num relato leve (mas rigoroso) da realidade quotidiana de Chicago, E Se… é a primeira série
marcada por conturbações sociais, como o álcool, as drogas e a homofobia. de animação da Marvel
Nesta 11ª e última temporada, o enredo e a cidade aparecem adaptados à Studio. A.A.N.
pandemia, tema tratado com humor ao longo da nova leva de episódios – logo
no primeiro, Frank interpela diretamente o espectador, culpando-o por já não X
se lembrar do que aconteceu na temporada passada da série devido à situação Estreia 11 ago, qua > 9 episódios
(um novo a cada quarta-feira)
sanitária. Surpreendentemente, tudo parece correr bem em Chicago: Carl
(Ethan Cutkosky) entrou na academia de polícia, Ian (Cameron Monaghan)
conseguiu finalmente afastar os fantasmas que atormentavam Mickey (Noel
Fisher) e concretizar o casamento por que tanto ansiava, e até Lip (Jeremy Allen
White) parece ter assentado, ao viver feliz com Tami (Kate Miner) e com o filho
de ambos, Freddie. Contudo, para esta família o isolamento social é sinónimo
de turbulência – acumulam-se as discussões no casamento de Ian e até Carl
se envolve em esquemas obscuros para conseguir integrar o corpo policial da
cidade. Tudo parece encaminhar-nos para uma só pergunta – haverá ainda um
final feliz para os Gallagher? Alexandre Abrantes Neves

X
Qui 23h10 > 12 episódios

108 VISÃO 12 AGOSTO 2021


+

PAULO ABREU
O Caderno das Virtudes
O primeiro Compromisso impresso que guiava as Confrarias de Misericórdia
no seu apoio aos desvalidos data de 1516. Foi descoberta agora uma rara edição
deste texto em Melgaço. Motivo mais do que suficiente para visitar esta vila nortenha

S
ofrer com paciência as fraque-
zas do próximo. Este é talvez o
melhor conselho para a vida. Até Obras de Misericórdia
porque a noção de “próximo” é
SETE CORPORAIS
subjectiva: para nós, o próximo é o outro,
mas para o outro, o próximo somos nós. – Dar de comer
Esta regra intemporal, e com inúmeras – Dar de beber
variações – Dante diria “errar é huma- – Vestir quem necessita
no, perdoar é divino” –, é conhecida por – Dar pousada aos peregrinos
muitos como uma das 14 obras de mise- – Assistir aos enfermos
ricórdia (ver caixa). E porque nem sempre – Visitar e ajudar o sustento e o
é preciso flagelar o corpo para iluminar a tratamento dos presos pobres
mente, vale a pena tirar um fim-de-sema- – Enterrar os mortos, incluindo
na para passear por Melgaço e reflectir so- os condenados à pena capital
bre esta e outras virtudes do ser humano.
PAULO ABREU

SETE ESPIRITUAIS
Uma das raras edições do primeiro
Compromisso impresso da Santa Casa – Dar bons conselhos
da Misericórdia de Lisboa (SCML) foi re- – Ensinar os que não sabem
centemente descoberto na Santa Casa de – Corrigir com caridade os que
Misericórdia de Melgaço. Este Compro- erram sas. Fundo este que apoia a conclusão de
misso é datado de 1516, ano em que pas- – Consolar os tristes obras sociais e a recuperação de patrimó-
saram a ser impressos estes documentos. – Perdoar as injúrias nio cultural nas diferentes misericórdias
O seu objectivo era orientar, com base nas – Sofrer com paciência do país. Os Compromissos podem ser
obras de misericórdia, o funcionamento as fraquezas do nosso próximo consultados no Arquivo Municipal de
das diversas Confrarias de Misericórdia – Rogar a Deus por vivos Melgaço, de segunda a sexta das 9h às17h.
do país. Num golpe de sorte, dentro deste e defuntos Depois, sobra tempo para conhecer
volume do Compromisso de 1516 foi des- esta vila do distrito de Viana do Castelo.
coberto o único exemplar conhecido até Convém não deixar de visitar a Igreja da
ao momento da edição de 1609. recuperados pelo Gabinete de Conser- Misericórdia, de arquitectura medieval,
O Compromisso de 1516 tem o fron- vação e Restauro do Arquivo Histórico que também está a ser recuperada com
tispício decorado com a imagem de da Misericórdia de Lisboa. Um projecto o apoio do Fundo Rainha Dona Leonor.
Nossa Senhora da Misericórdia, com o desenvolvido no âmbito do Fundo Rai- No caminho para casa, calmo e revigora-
seu manto aberto para cobrir e prote- nha Dona Leonor, criado pela SCML e do, pode sempre aproveitar para praticar
ger todos. Ambos os exemplares foram pela União das Misericórdias Portugue- mais obras de caridade.

12 AGOSTO 2021 VISÃO 109


E SC A PA R

Covelo – The Original Rooms and Suites Amarante


Uma casa com alma
Da singular recuperação arquitetónica de um edifício do centro histórico, à beira do Tâmega,
nasceu um alojamento com sete quartos para quem quer viver a cidade

LUCÍLIA MONTEIRO

A fachada não destoa dos restantes em marmorite a contrastarem com apontamentos A localização
edifícios típicos da rua mais antiga de em rosa ou em verde-água, seja no mobiliário central do
Amarante, onde se concentra grande feito à medida pelos arquitetos seja nos materiais Covelo é ideal
parte das confeitarias e tasquinhas, arrojados utilizados, sobretudo o mármore, com o para quem
à beira do Tâmega. Apenas um qual jogam constantemente. Aqui e ali, surge uma quer descobrir
pormenor a distingue, dois círculos peça recuperada da casa dos avós, a lembrar-nos Amarante
de mármore rosa, a dar uma pista sobre o das origens familiares deste edifício. Um olhar e usufruir
interior do alojamento boutique. O nome Covelo atento vai descobrindo, aos poucos, curiosidades de tudo o que
– The Original Rooms and Suites condiz com o como o corrimão ou as paredes ondulantes, a cidade tem
para oferecer
vanguardismo do projeto arquitetónico, assinado a remeter para um imaginário da década de
pelo Fala Atelier, do Porto. “Queríamos um 80 do século XX. “Esperamos que as pessoas
projeto diferente, mas que continuasse a ser identifiquem estes pormenores e percebam que
atrativo para o público”, explica João Baptista este alojamento foi feito com alma e não copiado
que, com Laura Pinto, divide a gestão de outros de uma revista”, sublinha João. O Covelo dispõe de
empreendimentos e alojamentos locais na cidade. seis quartos e de uma suíte, sendo que o do último
“Este é inteiramente nosso e foi pensado do piso tem uma pequena varanda com vista para o
início ao fim”, acrescenta. rio e para o centro histórico, a chamar para uns
Toda a casa nasce à volta de uma chaminé, a da passeios. Os pequenos-almoços são servidos na
lareira fora da caixa que ocupa um lugar central Lai Lai, a confeitaria histórica na porta em frente,
na sala comum. Logo ali se percebe o estilo muito conhecida pelos doces conventuais, impossíveis
particular, com as tonalidades neutras do chão de resistir. Joana Loureiro

X
R. 31 de Janeiro, 109, Amarante > T. 91 606 0041 > a partir de €70 > coveloamarante.com

110 VISÃO 12 AGOSTO 2021


O gosto dos outros

Pedro
Caeiro Quiosque Lisboa
Situado na Praça do Príncipe
Real, tem uma esplanada “ótima

Ponyo à Beira-Mar Hayao Miyazaki Fascinado pela


para relaxar depois de um ensaio
mascarado”, com um “atendimento
É fascinado pelo universo de Miyazaki, animação japonesa, espetacular”, destaca
o realizador de animação japonês. “Ele o ator fala ainda de
transforma mitologias asiáticas em
arte, de uma forma genial. De cada
descobertas recentes.
vez que vejo, com o meu filho, o filme Por estes dias, integra
Ponyo à Beira-Mar, descubro mais o elenco de Morte de
um pormenor brilhante. É como ver
pinturas vivas feitas a lápis de cor.” Um Caixeiro-Viajante,
em cena no CCB
J O A N A L O U R E I R O [email protected]

Açores
“Tenho pena de ainda não ter podido
conhecer todo o arquipélago. Mas
as ilhas que conheci conseguiram
transportar-me para longe.
É importante descobrir estes lugares

Clairo mágicos que temos por perto”,


acredita o ator.
A cantora norte-americana foi
considerada, em 2019, a up next
artist pela Apple Music. “Apesar dos
seus 22 anos, tem uma capacidade
de construir canções com uma
musicalidade muito própria e que
nos transportam para outra época”,
sublinha Pedro Caeiro.

Cervejaria
Sé da Guarda O ator Naruto
adora tascas. É do tempo em que os miúdos
E esta, na zona saíam a correr da escola para
de Algés, para ver o Dragon Ball. “Era de
onde se mudou loucos”, recorda. Mais recentemente,
recentemente, terminou os cerca de 500 episódios de
tem “boa comida, Naruto, adaptação dos livros escritos e
preços acessíveis, ilustrados por Masashi Kishimoto. “Fala
imperiais bem de relações humanas e políticas, num
tiradas... o que mundo Ninja, que podia muito bem ser
se quer!” o nosso.”

12 AGOSTO 2021 VISÃO 111


J OGO S

Palavras cruzadas
>> H O R IZONTAIS >> 1. Pessoa de que se fala sem nomear.
Aguentar (pop.). // 2. Chupar, sorver. Nome da letra “N”. // 3.
Justificação do réu, que consiste em provar ter estado fora do lugar
em que foi cometido o crime de que é acusado. Festa que celebra o
nascimento de Cristo. // 4. Movimento em torno de um eixo, em torno
de si mesmo ou em volta de um objeto. Cesto grande de palha em
feitio de alguidar. // 5. Dar a forma que convém, cortando os excessos.
Viagem ou saída de casa para outra parte. // 6. Desejava. No caso de,
dando-se a circunstância de. // 7. Remendo de cabedal em sapato ou
bota. // 8. Cãozinho (fam.). Aéreo, desvairado. // 9. Combinar, ajustar,
conciliar. Prosseguir após interrupção. // 10. Calçado para patinar.
Dono da casa em relação às pessoas que estão ao seu serviço. // 11.
Grande cão de fila. Escorpião. >> VERTICAIS >> 1. Nome genérico
das lendas escandinavas. Jornada. // 2. Género das liliáceas muito
cultivado nos jardins. Curva fechada, composta por quatro arcos de
círculo iguais, dois a dois, que se ligam entre si. // 3. Atuaram. Gigante
mitológico que quis escalar o céu e destronar Júpiter. // 4. Oficina de
química, de farmácia, de fotografia, etc. // 5. Graceja. Centésima parte
da pataca. // 6. Berrar (veado e outros animais). // 7. Mamífero cervídeo
de grande porte, que vive nas regiões frias do Hemisfério Norte e
que é domesticável. Peça de máquina que serve para transmitir e
modificar movimentos de vaivém em movimentos de rotação.
// 8. Examinara. // 9. Cada uma das duas partes iguais em que se
divide um todo. Apertar com nó ou laçada. // 10. Camareira. Senhora
educada. // 11. Cilindro. Derramou lágrimas.

Q U I Z > > 1. A // 2. C // 3. A // 4. B // 5. C // 6. A // 7. B // 8. C // 9. C // 10. A


SOLUÇÕES

Titã. // 4. Laboratório. // 5. Ri, Avo. // 6. Bramar. // 7. Rena, Biela. // 8. Analisara. // 9. Metade, Atar. // 10. Aia, Dama. // 11. Rolo, Chorou.
// 8. Totó, Airado. // 9. Avir, Reatar. // 10. Patim, Amo. // 11. Alão, Lacrau. >> V E RT I CA I S > > 1. Saga, Etapa. // 2. Tulipa, Oval. // 3. Agiram,
> > H O R I ZO N TA I S > > 1. Tal, Gramar. // 2. Sugar, Ene. // 3. Álibi, Natal. // 4. Giro, Balaio. // 5. Aparar, Ida. // 6. Amava, Se. // 7. Tomba.

Sudoku DIFÍCIL Quiz


POR ALEXANDRE ABRANTES NEVES

1. Em que localidade portuguesa 6. Em que ano declarou o Kosovo


ocorre o Festival Internacional a independência da Sérvia?
de Jardins? A. 2008
A. Ponte de Lima B. 2010
B. Ponte da Barca C. 2013
C. Campo Maior
7. Quem é que Aretha Franklin
2. Quantos fusos horários tem teve de substituir na cerimónia
a Rússia? dos Grammys de 1998?
A. Sete A. Shania Twain
B. Nove B. Luciano Pavarotti
C. Onze C. Céline Dion
3. Em que ano ganhou Harper Lee 8. Dos seguintes filmes, qual não
o prémio Pulitzer de ficção, com o foi realizado por João Botelho?
livro Mataram a Cotovia? A. Ano da Morte de Ricardo Reis
A. 1961 B. Filme do Desassossego
B. 1967 C. Snu
C. 1971
9. Quem pintou, em 1992,
4. Onde fica o Museu da Música o retrato oficial do Presidente
Mecânica? Mário Soares?
A. Ponta Delgada A. Julião Sarmento
B. Pinhal Novo B. Paula Rego
C. Faro C. Júlio Pomar
5. Com quem publicou Eça 10. Qual destes filmes não foi
de Queirós a revista As Farpas? protagonizado por Tom Hanks?
A. Antero de Quental A. A Casa dos Sonhos
DÊ-NOS NOTÍCIAS > T. 21 870 5000 > T. 22 099 3810 B. Cesário Verde B. Terminal de Aeroporto
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112 VISÃO 12 AGOSTO 2021


Proprietária/Editora: TRUST IN NEWS, UNIPESSOAL LDA.
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Edifício Fernão de Magalhães, n.º 8, 2770-190 Paço de Arcos
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Filipe Passadouro e Cláudia Serra Campos.
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Diretora: Mafalda Anjos


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EXAME/Economia: Tiago Freire (diretor)
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Redatores Principais e Grandes Repórteres: Cláudia Lobo, José Plácido Júnior,
Miguel Carvalho e Rosa Ruela
Redação: Carmo Lico (online), Cesaltina Pinto, Clara Soares, Clara Teixeira, Florbela
Alves (Coordenadora VISÃO Se7e/Porto), Joana Loureiro, Luísa Oliveira, Luís Ribeiro
(Coordenador Ambiente), Margarida Vaqueiro Lopes, Mariana Almeida Nogueira,
Nuno Aguiar, Nuno Miguel Ropio, Paulo C. Santos, Paulo Zacarias Gomes, Rita Rato
Nunes, Rui Antunes, Rui Barroso, Sandra Pinto, Sara Rodrigues, Sara Santos, Sílvia Souto
Cunha, Sónia Calheiros, Susana Lopes Faustino, Susana Silva Oliveira e Vânia Maia
Grafismo: Paulo Reis (Editor adjunto), Teresa Sengo (Coordenadora),
Ana Rita Rosa, Edgar Antunes, Filipa Caetano, Hugo Filipe, Patrícia Pereira e Rita Cabral
Infografia: Álvaro Rosendo e Manuela Tomé
Fotografia: Fernando Negreira (Coordenador), José Carlos Carvalho,
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Copydesk: Maria João Carvalhas, Rui Carvalho e Teresa Machado
Secretariado: Sofia Vicente (Direção) e Ana Paula Figueiredo
Colunistas: Bernardino Soares, Capicua, Cecília Meireles, Isabel Moreira,
José Eduardo Martins, José Manuel Pureza, Miguel Araújo, Pedro Marques Lopes,
Pedro Norton, Pedro Strecht e Ricardo Araújo Pereira
Colaboradores Texto: Manuel Gonçalves da Silva, Manuel Halpern, Miguel Judas;
Margarida Robalo Pedro Dias e Sónia Graça (Revisão)
Ilustração: João Fazenda (Boca do Inferno) e Susa Monteiro OS M E L HO RES DESTINO S | GUIAS DE RE FE RÊ NC IA | ME MÓ RIAS INES Q UEC ÍV E I S
Centro de Documentação: Gesco
Redação, Administração e Serviços Comerciais: Rua da Fonte da Caspolima

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2770-190 Paço de Arcos – Tel.: 218 705 000
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BOCA DO INFERNO

O país
dos teimosos
POR RICARDO ARAÚJO PEREIRA

S
e tivesse de apostar, diria que Fernando Pes- peço ao leitor que se prepare para um aleijão moral dos
soa (Álvaro de Campos, para os picuinhas) mais infamantes: “Confiar.” Ou do desgraçado que tem
escreveu o Poema em Linha Recta depois de muita dificuldade em lidar com esta sua repugnante
ter lido um questionário de verão. É aque- característica: “Achar sempre que todos têm sentido de
le poema em que ele desabafa: “Arre, estou humor.” Ou a pobre inquirida que não se conforma com
farto de semideuses! / Onde é que há gente o facto de “compreender demais”.
no mundo?” Trata-se de uma boa pergunta. Em 66 inquiridos há um preguiçoso, um egoísta, um
Todos os verões, tenho estudado os questio- guloso e um vaidoso – e aproveito para saudá-los. São
nários de Proust dos jornais, particularmente os únicos que confessam defeitos apresentáveis. Eu, já
a única pergunta que me interessa: “Qual é agora, também sou preguiçoso, guardo rancores e caio
o seu principal defeito?” Até hoje, para minha surpresa, demasiadas vezes na tentação de ser cruel. E a exibição
ninguém confessou ser um filho da mãe reles e mau. destes negros defeitos, por contraste com o pudor com
A existir algum em Portugal, que eu tenha visto nunca que outros escondem os seus, ainda consegue deixar-
respondeu a um destes inquéritos de verão. Este ano, o -me vaidoso, o que acrescenta mais um pecado mor-
DN e o Público (a formulação do Público é ligeiramen- tal à lista anterior, que já tinha pelo menos dois. Como
te diferente: “Na sua personalidade, que característica calculam, sinto-me especialmente diminuído perante
mais o irrita?”) têm continuado a sua busca meritória inquiridos como os que indicam, como defeito maior, o
por um ser humano verdadeiramente defeituoso. Das facto de serem viciados em trabalho. Imagino que não
66 pessoas já inquiridas este ano, a maior parte são, sem seja fácil viver com o receio de chegar às portas do céu
surpresa, teimosas. Apresentar a teimosia como defeito e ter de admitir: “Eu fui muito trabalhador. Estou arre-
parece-me, em si mesmo, um defeito, uma vez que se pendido e peço clemência.”
trata da mais chata e insignificante das falhas de carác- Os inquiridos mais interessantes, no entanto, vêm do
ter. A ser este o principal defeito de alguém, creio que a mundo da política. Joacine Katar Moreira, por exem-
decência recomendaria que a pessoa mentisse, e con- plo, enche-se de uma admirável coragem e alega que o
fessasse um defeito a sério. Talvez injustamente, incluí seu principal defeito (sublinho “principal” e “defeito”)
neste lote um inquirido que, como defeito mais impor- é a “persistência”. David Justino está profundamente
tante, apontou: “a determinação. Perto da teimosia”. Ele insatisfeito (e como não?) com a sua perniciosa inclina-
não chega a ser teimoso, mas está lá perto. Ou seja, creio ção para “a incessante busca da racionalidade”. Ascen-
que tem como principal defeito o facto de nem teimoso so Simões, por mais que tente, não consegue livrar-se
conseguir ser. do maldito vício de “pensar em demasia nos outros”.
Depois dos teimosos vem, este ano, um grupo quase Finalmente, Luís Filipe Menezes confessa, com um
tão numeroso de impacientes. Como é evidente, este desassombro admirável, a sua “estúpida capacidade de
defeito dos inquiridos manifesta-se apenas porque o esquecer e perdoar”. Embora acrescente: “Mas estou a
mundo lhes esgota a paciência. O que nos conduz a ou- melhorar.” O que significa que a sua torpe inclinação
tro grande clássico dos questionários de verão: grandes natural para se comportar como Jesus Cristo vai sendo,
imperfeições que são, na verdade, imperfeições dos pouco a pouco e certamente com esforço, contrariada.
outros. É o caso da inquirida cujo principal defeito é – e Ufa. Ainda bem. [email protected]

Todos os verões, tenho estudado


os questionários de Proust dos
jornais, particularmente a única
ILUSTRAÇÃO: JOÃO FAZENDA

pergunta que me interessa:


“Qual é o seu principal defeito?”
Até hoje, para minha surpresa,
ninguém confessou ser um filho
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114 VISÃO 12 AGOSTO 2021


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