Relatório de Clínica Infantil
Relatório de Clínica Infantil
Relatório de Clínica Infantil
JOINVILLE
2008
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JOINVILLE
2008
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Profª. Especialista Vânia Wiese
CRP 12/00605
JOINVILLE
2008
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO...................................................................................................... 06
2. METODOLOGIA................................................................................................... 07
2.1. IDENTIFICAÇÃO............................................................................................... 07
2.1.1 NOME............................................................................................................... 07
2.1.2. PRONTUÁRIO................................................................................................. 07
2.1.3. IDADE.............................................................................................................. 07
2.1.4. PAI................................................................................................................... 07
2.1.5. MÃE................................................................................................................. 07
2.1.6. IRMÃ................................................................................................................ 07
2.2. INSTALAÇÕES.................................................................................................. 07
3. PROCEDIMENTOS............................................................................................... 09
4. ASPECTOS TEÓRICOS....................................................................................... 13
4.1. LUDOTERAPIA.................................................................................................. 13
6. ENCAMINHAMENTOS......................................................................................... 47
7. PROGNÓSTICO.................................................................................................... 48
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 49
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................... 50
6
1. INTRODUÇÃO
Diante daquilo que é exigido como requisito parcial para obtenção do Grau de
Psicólogo na Faculdade Guilherme Guimbala de Joinville, apresenta-se o relato de
um caso atendido na Clínica-Escola da instituição. Através da discussão teórica
pode-se ter informações pertinentes daquilo que ocorreu no processo terapêutico.
Tal relato diz respeito ao caso de um paciente que freqüentou trinta sessões
durante o ano, uma vez por semana. O atendimento foi efetuado por um estagiário
de acordo com a prática Psicodinâmica. Todas as sessões foram espelhadas pelo
grupo de estágio, composto de seis integrantes, supervisionadas e orientadas por
uma Psicóloga, responsável pelo estágio.
O caso clínico atendido diz respeito a um menino de três anos e quatro meses
que veio à terapia com a queixa de Retardo na Aquisição da Linguagem (RAL),
diagnóstico efetuado pela fonoaudiologia. Uma equipe de três psicólogas,
pertencente à Associação de Amigos do Autista – AMA, constatou que ele apresenta
“traços autistas”, porém não puderam fechar o diagnóstico por causa da sua idade.
Seus pais realizaram todos os exames neurológicos necessários para detectar
algum problema de ordem biológica, mas nada foi constatado.
2. METODOLOGIA
2.1. IDENTIFICAÇÃO
2.2. INSTALAÇÕES
Sala lúdica composta de mesa pequena com quatro cadeirinhas, dois tapetes
médios, uma pia com água corrente, um suporte para papel toalha, uma lixeira, duas
lâmpadas fluorescentes, um quadro negro com giz de cores variadas, ventilador,
duas janelas com abertura vertical, uma poltrona, uma carteira e uma cadeira.
1
O nome do paciente é fictício por preservar sua integridade.
2
Materiais que representam características expostas por Grunspun (1997).
8
Uma caixa com material escolar3 (canetinha, lápis, lápis de cor, borracha,
folhas de papel A4, tesoura, régua e cola), e materiais regressivos (argila, tinta
guache, pincéis e potes).
3
Aberastury (1982) descreve como Material standard.
9
3. PROCEDIMENTOS
Tal frustração fazia com que seu investimento na tentativa de mediação fosse
reduzido e isso lhe causava sentimento de culpa. Inconscientemente o sentimento
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O processo de triagem na Clínica-Escola da Faculdade Guilherme Guimbala se dá a partir do contato com a secretaria e uma
escuta da queixa principal, com o objetivo de verificar se o caso é elegível para psicoterapia. Só então os casos são
encaminhados aos estagiários do 5º ano.
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de culpa faz com que os pais procurem solução para aquilo que entendem ser uma
problemática em seus filhos.
Nicolas não foi planejado por seus pais, foi concebido quando sua mãe ainda
amamentava sua irmã, e, a princípio, o fato de estar grávida lhe causou inquietação
e preocupação. O pai ficou contente com a idéia de ter um “filho homem”, fato que
causou aparente tranquilidade a mãe.
A gestação foi “tranqüila” (sic), não houve nenhuma doença, nem outras
complicações. O parto foi normal sem necessidade de cuidados especiais com o
bebê ou com a mãe. Nicolas mamou até aos quatro meses, pois nessa época a mãe
pensou que ele não estava conseguindo se alimentar direito, apesar de demonstrar
agressividade ao sugar o leite, houve substituição do seio pela mamadeira. Não
usou chupeta nem qualquer outro objeto transicional. Seu sono apresentava
tranqüilidade, dormia bem durante a noite. Começou a andar quando estava com
nove meses agarrando-se pelas paredes.
Seu pai trabalhava a noite e saía de casa antes das 21h chegando após as
5h30min. Por conta disso, Nicolas ia dormir em torno das 0h, 1h “ou quando estava
cansado”, porque sua mãe aproveitava o turno da noite, em que o esposo estava
fora de casa, para costurar e deixava-o brincando. Durante a noite, Nicolas acordava
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para ir dormir na cama dos pais, permanecia uns instantes, levantava e ia para o
sofá da sala, ficava lá por uns minutos e dirigia-se para o quarto da irmã. Isso
acontecia frequentemente durante a noite, Nicolas alternava entre um quarto e outro,
entre uma cama e outra.
Pela manhã acordava por volta das 11h e a primeira coisa que fazia era
procurar a mãe. Tomava papa de café (café com leite misturado com pão) e meio-
dia dificilmente almoçava. O único alimento que gostava era macarrão, caso não
tivesse não comia. Não solicitava aquilo que queria, quando estava com fome ia à
busca de alimentos por conta própria subindo na mesa, fogão, geladeira ou onde
tivesse alimentos.
Nos fins de semana sua família dificilmente saía, se isso acontecia era para ir
à casa de seus avós maternos. Geralmente recebiam muitas visitas, principalmente
os primos, Nicolas participava das brincadeiras de forma isolada sem compartilhar
nada.
quando recebia algum presente e em sua festa de aniversário agia como se não
fizesse diferença ter ou não.
Sua mãe contou que quando estava com seis meses de gravidez sua filha
caiu do segundo piso de uma loja após se soltar das mãos de seu pai. Esse fato lhe
deixou extremamente desorientada, pois achava que ela teria morrido. Pensou
consigo mesma que se nada acontecesse com ela mudaria a forma de tratá-la, já
que era vista como uma mãe rigorosa nas cobranças. Sua filha apenas deslocou a
clavícula, mas a partir de então não conseguia impor limites a seus filhos como
antes.
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4. ASPECTOS TEÓRICOS
4.1. LUDOTERAPIA
a criança mora num mundo todo seu e poucos são os adultos que a
compreendem realmente. A vida moderna é tão agitada e opressora, que
fica difícil, para a criança, estabelecer com os adultos o relacionamento
íntimo e delicado que é necessário à compreensão do que se passa em seu
interior. Muitas pessoas tentam explorar a sua personalidade e, assim ela
defende a sua identidade. Mantém-se de lado, divertindo-se com coisas que
para ela são muito mais interessantes e importantes.
Diante disso, é importante destacar que para haver sucesso no tratamento é preciso
estabelecer uma boa relação entre terapeuta e paciente (AXLINE, 1984), assim
como, aos pais ou responsáveis pela criança.
Sendo assim, é possível destacar que para cada tratamento há objetivos específicos
que respeitam pelo menos três aspectos fundamentais: 1. Motivo da consulta ou
queixa principal; 2. O potencial a ser desenvolvido; 3. Capacidade dos pais em
aceitar modificações (DUARTE, 1989).
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A criança deve sentir-se a vontade para ser ela mesma decidindo fazer aquilo que
deseja sem ser forçada, tendo a sua disposição um ambiente favorável a isso.
O brinquedo é visto por Duarte (1989, p. 86) como “o ‘herdeiro’ natural dos
objetos transicionais e dos fenômenos transicionais”, nesse sentido, a criança ao
interagir sente-se segura para expressar, brincando, aquilo que não falaria se fosse
questionada.
De acordo com essa visão, a terapia não-diretiva é exposta por Axline (1984,
p. 27, 28) como um processo que
É preciso destacar alguns pontos para que não haja más interpretações
quanto a prática da terapia não-diretiva. Pode-se pensar que ao dar total liberdade
ao indivíduo haja a reprodução de atitudes sem controle, podendo resultar em danos
tanto físico como psíquico. Sendo assim, Axline (1984) estabelece oito princípios
básicos que orientam o terapeuta, sendo eles de forma resumida:
4. Estar atento para os sentimentos apresentados pela criança de tal modo que
possa refleti-los a ela;
5. Respeitar a capacidade da criança em resolver seus problemas proporcionando
meios para isso;
6. Não tentar dirigir as sessões, a criança indica o caminho;
7. Não tentar abreviar a duração da terapia, o processo é gradativo;
8. Estabelecer somente os limites necessários.
Além desses princípios Grunspun (1997, 28) chama a atenção para os limites
“estabelecidos à medida que se tornam úteis e não são feitos no início como
contrato entre terapeuta e a criança. A criança é trazida por adultos, de regra seus
pais, e vive com eles. A ludoterapia é acompanhada de orientação para os pais”.
O tratamento de uma criança como Nicolas que vem a terapia após alguns
exames, acostumado a se portar de forma única, sem estabelecer relações com as
pessoas e de certa forma agressivo, apresenta-se como algo na contramão, que
vem para chocar-se. Estar em um ambiente que lhe proporcione liberdade para
expressar tudo aquilo que sente vontade e ter uma pessoa que mantenha essa
liberdade sem puni-lo e nem reprimir suas ações, é experienciar outro mundo. Ao
manifestar-se na terapia o paciente precisa também expressar suas conquistas no
contexto em que vive por isso a importância dos pais e da escola no processo.
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Pegou um rastelo arrastou ao chão e guardou5 na caixa, assim fez com uma
enxada, depois pegou uma guitarra, uma espada e um avião. Em seguida apanhou
um espelho com um orificio no centro e observou sua mãe por duas vezes sendo
que na terceira observou o terapeuta. Nicolas parecia estar mais interassado nos
movimentos de sua mãe do que nos brinquedos, se ver longe dela naquele
momento significava para ele uma cisão sem volta.
Nessa sessão Nicolas utilizou duas bolas, uma grande e outra pequena e
material de pintura (guache). Ao pegar os potes de tinta, teve dificuldades em abri-
los dirigindo-os à sua mãe, que lhe indicou6 o terapeuta para ajudá-lo. Em seguida
mostrou os potes ao terapeuta torcendo-os na intenção de retirar a tampa. Após
receber os potes abertos começou a tirar uma quantidade de tinta e espalha-lhas em
uma folha sulfite cuidadosamente.
5
O ato de guardar os brinquedos na caixa logo após ter sido retirado foi uma atitude única condizente a primeira sessão e
entendida como o resultado de sua insegurança.
6
Destaca-se a aceitação do terapeuta pela fala da mãe, fato primordial para a entrada de um terceiro na relação mãe-bebê.
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a) Ao entrar na sala Nicolas foi direto para a caixa lúdica e pegou vários brinquedos.
O ato de não abrincar denuncia uma grave neurose (ABERASTURY, 1982), fato que
não ocorreu;
b) Ao perceber que sua mãe estava saindo da sala, Nicolas ficou extremamente
ansioso e chorou por trinta minutos sem permitir ficar sozinho. Aberastury (1982)
comenta que se tal atitude fosse contrária, haveria sim indícios de transtono de afeto
por se tratar de uma criança tão pequena. Duarte (1989, p. 83) afirma que “mais
patológico, no entanto, é a criança que não reage à separação da mãe, permanece
passiva e indiferente diante de estranhos, pois revela uma total incapacidade de
lutar para sobreviver”.
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Ao abrir a caixa pega vários brinquedos e joga ao chão, porém escolhe alguns
e oferece ao terapeuta (rastelo, celular, pá, robô, xícara). Retirou um pacote fechado
com robozinhos, tentou abrir mas não conseguiu, foi até o terapeuta e lhe mostrou
parecendo querer abri-lo. Após aberto, pegou todos os robôs e alinhou-os, assim fez
com alguns dinossauros também. Em seguida pegou dois soldadinhos, um verde e
outro marrom simulando uma luta. O soldado verde proferia uma voz de comando
“pare!” ao soldado marrom, que lutava de costas. A luta provocou o rompimento da
perna no soldado marrom, fato que fez Nicolas parar um tempo e entregar o soldado
ao terapeuta. Após um momento o soldado verde também teve sua perna
arrancada.
estava solicitando ir ao sanitário. Nicolas puxou a mão do terapeuta sem saber onde
ir, contudo, foi encaminhado ao sanitário para urinar. Após realizar a sua higiêne
voltou para a sala e continou a brincar com os dois animais sobre a bicicleta.
Também nessa sessão Nicolas utilizou uma faca para tentar cortar um
bastão. No fim, ajudou o terapeuta a guardar os brinquedos, relutou um pouco
quanto aos animais na bicicleta, despediu-se com um beijo e um abraço.
Segundo Joël Dor (1991) o pai ao assumir sua posição frente ao filho deve provar a
este, que enquanto pai tem condições de dar aquilo que necessita.
Ao estar ausente, por causa de seu trabalho, o pai de Nicolas não consegue
impor limites e nem traçar uma direção a esposa e filho (fato observado na
representação dos animais nas bicicletas e durante a noite). Tanto mãe como filho
pedem inconscientemente uma postura desse pai. Para Aberastury (1984, p. 76) o
pai em relação ao filho tem “como função mais específica ajudá-lo em sua busca do
mundo externo, assim como no período inicial do complexo de Édipo sua função
fundamental foi ajudá-lo a desprender-se da mãe”. Nesse caso, o que se percebe é
uma aparente dificuldade do pai de Nicolas em cumprir tais responsabilidades.
Aberastury (1982, p. 143) diz que “a ansiedade manifestada pela criança ao iniciar o
tratamento – vivido por ela inconscientemente como um novo rompimento da relação
com a mãe – é a repetição da angústia provocada pelo nascimento”.
Essa angústia começou a ser trabalhada quando foi-lhe dito que ao faltar dez
minutos para o término da sessão sua mãe sairia. Percebeu-se que nas brincadeiras
havia conflitos de castração, já que os objetos lúdicos foram facas e espadas.
Durante grande parte da sessão Nicolas pegou constantemente no órgão genital e
utilizou simbolicamente a castração várias vezes no: próprio dedo, pescoço, perna,
boné que estava na cabeça, cacetete e um boneco.
Quando faltavam dez minutos para acabar a sessão, sua mãe saiu da sala e
a porta foi trancada. Nicolas chorou intensamente por alguns instantes, nesse tempo
pegou uma cadeira para sentar-se ao fundo da sala e depois perto da porta. Puxou o
terapeuta para próximo da porta com intenção de abri-la. Parou de repente de chorar
e começou a enxugar as lágrimas com a mão, dirigiu-se ao suporte de papéis toalha
para enxugar por completo suas lágrimas.
que costuma querer mostrar-nos algo da vida familiar desse momento. Nesse caso,
se lhe dá liberdade de deixá-lo na caixa, sempre que seja possível, ou levá-lo
novamente, interpretando o significado de uma ou outra decisão”. O que ocorreu foi
o ato de deixar na caixa para trabalhar nas sessões, aquilo que parecia um conflito
para Nicolas – seus pais.
Enxugar o rosto numa atitude madura após chorar por um tempo sugere que
o paciente estava conseguindo lidar com a frustração.
Esse fato lhe causou preocupação, pois achava que o modo de separação
entre ela e seu filho estava sendo muito radical. O terapeuta lhe acalmou levando-a
a lembrar-se8 da conversa que havia tido com ela e seu esposo sobre a possível
regressão de Nicolas como algo positivo para o seu tratamento. Segundo Aberastury
(1982, p. 146) os pais devem saber “que as dificuldades podem se incrementar em
dado momento, e a rápida melhoria pode ser seguida por uma recaída”. Diante disso
mostrou-se confortada, pois havia fantasiado estar causando danos ao seu filho.
8
Aberastury (1982) aconselha que é mais conveniente aos pais que reflitam sobre os conflitos apresentados por seus filhos ao
invés de apenas receberem conselhos do terapeuta.
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Após a conversa, Nicolas foi conduzido à sala lúdica junto com sua mãe.
Ambos entraram e após o pedido do terapeuta para que sua mãe aguardasse no
lado de fora, surpreendentemente o paciente despediu-a fechando a porta em
seguida. Em um ímpeto dirigiu-se a caixa de brinquedos e começou retirá-los um
por um. Alguns lançou ao chão e outros entregou ao terapeuta. Pegou um boneco,
retirou seus sapatos e colocou no tigre, repetindo o que aconteceu com ele em casa.
O terapeuta interpretou que para ele era importante sentir-se seguro em ficar longe
de sua mãe por uns instantes e para isso era preciso por os sapatos como proteção.
Novamente foi a caixa lúdica e encontrou os dois bonecos (pai e mãe) que
havia trazido de casa, juntou-os a dois tanques de guerra, um verde com o boneco-
pai e outro marrom com o boneco-mãe (jogo muito parecido com os soldados da
segunda sessão). Em seguida iniciou uma briga entre os dois batendo-os
violentamente. Tal ação pode representar a fantasia de conflitos entre seus pais.
Após isso, voltou à caixa lúdica e pegou uma máscara preta. Colocou em si
mesmo e depois no terapeuta. Levantou-se e foi em direção ao quadro negro, pegou
um giz e começou a riscar. O ato foi interpretado como sendo a liberdade que
Nicolas estava tendo em tirar sua máscara e ser ele mesmo, assim como projetava
no próprio terapeuta tal intenção. O ato de ir ao quadro riscar confirmava tal
hipótese. Segundo Anna Freud (1982, p. 43)
Nicolas voltou a pegar outra máscara colorida repetindo a ação, antes apagou o que
havia riscado no quadro.
Durante essa sessão Nicolas ficou o tempo todo sozinho, não chorou e
surpreendeu ao pôr sua mãe literalmente para fora da sala. O terapeuta pronunciou
os nomes de todos os brinquedos oferecidos por Nicolas e interpretou algumas
ações ao paciente mesmo estando calado. Após ajudar o terapeuta a guardar os
brinquedos, saiu da sala e dirigiu-se velozmente à sua mãe. Despediu-se com um
abraço e um beijo.
Na sexta sessão, pela primeira vez, o paciente deixou sua mãe na secretaria
da clínica e acompanhou o terapeuta até a sala lúdica. Nesse dia usou de
agressividade para tirar os brinquedos da caixa e jogá-los ao chão como que
procurando algo. Dessa vez não ofereceu nenhum ao terapeuta. Continuou assim
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até que encontrou os dois bonecos que representam seus pais. Juntou-os a uma
arma cada, e atiraram-se mutuamente representando um tiroteio, a exemplo da
sessão passada quando dois tanques de guerra travaram forças.
Após isso, dirigiu-se até a mesa onde estava a caixa de material escolar, tirou
um pincel e as tintas guache e de uma a uma solicitou que o terapeuta abrisse. Ao
abrir o terapeuta nomeou cada cor a Nicolas que em seguida espalhou-as pela folha
de papel A4. No momento em que usou todas as cores, estendeu o pincel ao
terapeuta indicando que ele também deveria riscar.
De acordo com Aberastury (1984, p. 71) “todo menino necessita um pai, para
poder desprender-se da mãe”, nesse sentido, o pai apresenta-se ao filho de forma a
proporcionar um referencial de identificação. Estar presente simplesmente não é
suficiente, é preciso adoção. Segundo Pereira (apud ALBERTI, 204, p. 18) “todo pai
verdadeiro é um pai que assume adotar seu filho, independentemente de ser ou não
o pai biológico”. Essa adoção está na ordem de uma postura por parte do pai em se
apresentar ao filho como tal.
Disse ter uma falta de direção quanto às regras em sua casa. Segundo ele,
deve haver um horário para as crianças dormir e acordar, assim como, para comer,
tomar banho, brincar, etc. Estava encontrando dificuldade na imposição dessas
regras. Apesar de observar o que não está correto com aquilo que pensa, não
consegue fazer com que seus filhos e principalmente sua esposa mude e siga uma
rotina condizente com o que precisam. Nesse sentido, se estabelece a falta de
limites e uma individualidade em sua família que parecia separá-los.
Segundo Julien (2000) um homem ao ser pai transmite ao filho aquilo que
recebeu de seu próprio pai através da transmissão parental. Ao estabelecer uma
ruptura nessa transmissão obtém a capacidade de doar ao seu filho a herança que
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recebeu. Nota-se que o discurso do pai de Nicolas descreve uma transmissão pobre
de relacionamento que é reflexo da própria relação que teve com seu pai.
O seu relacionamento com os filhos sugeria carência, já que ele falou nunca
ter saído sozinho com eles e nem ter o hábito de brincar. Reconhece que precisa
rever essa postura porque não quer repetir o exemplo de seu pai. Aberastury (1984)
diz que é importante que o pai tenha cuidado de dar atenção ao seu filho e saia com
ele, pois reforça “sua união com a mãe e oferece ao filho ‘o casal’ como fonte de
identificação genital como primeira imagem social, de comunidade, que tem o
indivíduo” (ABERASTURY, 1984, p. 80).
Essa conversa foi muito bem recebida pelo pai de Nicolas. Foi importante
para estabelecer o vínculo e proporcionar voz a alguém que se sentia
sobrecarregado e impotente. Houve o reconhecimento da importância da postura
diante de sua esposa e seus filhos no sentido de direção nas regras. Apesar de ter
uma leitura boa de sua família, manifestou o desejo de investir mais no seu
relacionamento com os filhos no fato de enfatizar sua presença participativa nas
brincadeiras e no passeio.
A fala dele expressou tudo aquilo que Nicolas trazia até o momento à terapia.
Conflitos conjugais, falta de limite, ausência paterna e individualidade. Vale a pena
destacar a identificação que Nicolas tenta estabelecer com seu pai ao trazer para a
terapia um boneco de futebol muito parecido fisicamente com ele, além de
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evidenciar o esporte por ele praticado. Esse fato evidencia-se porque é com o pai
que a criança se identifica9 num além-homem, isto é, nos aspectos que vão além da
pessoa do pai alcançando as dimensões sociais (HURSTEL, 1999).
A atitude da mãe demonstrou que a relação com seu filho estava na ordem
daquilo que Joël Dor (1991, p. 46) chama de “relação fusional”, ou seja, uma relação
em que permite que apenas um seja atuante e o outro alienado nessa atuação.
Nessa relação o bebê está enclausurado no desejo da mãe, “isso ocorre na medida
em que este lugar o preserva alienadamente no estado de satisfação e prazer,
franqueado pelo desejo desta mãe” (AVIZ & SCHUCKO, 2008, p. 4).
Nota-se nesse caso que a mãe mantém um vínculo com seu filho relacionado
à primeira fase do Complexo de Édipo em que não há ainda um terceiro na relação e
o bebê é significado como um objeto fálico para ela. Contudo, ao perceber que seu
filho não apresenta aquilo que espera, a mãe fica frustrada por achar falhas em sua
própria produção. Procurar tratamento para seu filho é uma forma de amenizar
aquilo que vêm lhe causando sofrimento, porque tal problemática mexe com aquilo
que lhe é mais profundo – sua imagem narcísica.
9
Por ser um terceiro na relação diferente da mãe e investido por ela como alvo de seu desejo.
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Todavia, cabe ao pai tomar uma atitude diante daquilo que lhe é oferecido.
Segundo Hurstel (1999, p. 173)
na abertura criada pela mãe, a voz do pai pode se fazer ouvir, com uma
condição para ele também: que ele possa assumir essa função, que o
sentido da paternidade lhe tenha sido transmitido segundo a ordem
genealógica. O pai intervém dando voz ao filho é com base nesse nome
que ele assume. Por aí, ele permite, de fato, que a mãe e filho se separem.
No caso de Nicolas percebe-se que a presença do pai está de certa forma velada,
pois as condições geradas pelo seu turno de trabalho prejudicam o relacionamento
com ele. Da mesma forma a mãe é atingida pois não consegue sustentar a
separação de seu filho, fato apresentado no fim da sétima sessão.
A atitude da mãe em achegar-se a sala lúdica logo após seu filho ter
superado a dificuldade em ficar sozinho com o terapeuta denota a impotência que
tem em romper esse vínculo, por conta disso, foi importante para o progresso do
tratamento o terapeuta mostrar para o pai de Nicolas a necessidade de apresentar-
se como alguém que tenha condições de sustentar os limites resultantes dessa
separação. Caso contrário, o estabelecimento da falta de limites proporciona “uma
33
imagem de abandono e solidão que traz como conseqüência uma exigência interna
paralisante e atormentadora” (ABERASTURY, 1984, p. 86).
Em sua fala, ao final da sessão, a mãe verbalizou que seu esposo havia
promovido uma mudança em casa com relação aos horários e práticas do dia-a-dia.
O ambiente em casa sofreu modificações de forma a criar-se uma rotina, onde os
horários fossem respeitados. Segundo ela, essa atitude foi conseqüência da
conversa com o terapeuta.
Foi marcada uma visita no jardim onde Nicolas estuda (CEI – Centro de
Educação Infantil). A diretora do jardim convocou as três professoras que cuidam de
Nicolas para relatar aquilo que vêm observando no cotidiano escolar. Cada uma
expôs sua visão proporcionando assim subsídios para compreensão da atuação de
Nicolas.
Sua turma é constituída de crianças com três anos de idade que vêm para o
CEI no turno vespertino. O período inicia às 13h30min e vai até às 17h30min. Logo
após o almoço às crianças dormem10 e segundo as professoras, Nicolas não tem
sono e por isso brinca atrapalhando. O fato de não ter sono denota a compreensão
de que por acordar às 11h não terá como dormir nesse horário. Mesmo assim, as
professoras achavam que ele poderia vir para a escola nessa hora e não às
15h30min como era costume, pois, segundo elas, poder-se-ia criar uma atividade
que não atrapalhasse.
10
O Centro de Educação Infantil – CEI é uma instituição que atende crianças desde o maternal até aos 5 anos de idade, por
conta disso, mantém o turno integral reproduzindo todas as ações de cuidados como banho, alimentação e descanso.
34
A visita ao jardim serviu para confirmar a queixa trazida pela mãe, pois tudo
aquilo que havia sido dito por ela na primeira entrevista foi reproduzido pelas
professoras. Nicolas mantinha a mesma postura nos dois ambientes.
Na oitava sessão o paciente ao entrar na sala abriu a caixa lúdica, retirou uma
nota de R$ 1,00 e colocou no bolso do terapeuta. Feito isso, começou a espalhar
muitos brinquedos pelo chão, alguns deu ao terapeuta. Os brinquedos oferecidos ao
35
A preferência por brinquedos pode ser vista como um sinal produzido pelo
paciente em torno daquilo que lhe causa implicação. Tais brinquedos podem ser
descritos como “esteriotipados”. Segundo Duarte (1989, p. 102)
O ato de dar ao terapeuta uma nota de R$ 1,00 sugere estar repetindo uma
ação praticada por adultos, contudo pode representar a relação estabelecida entre
ele e o terapeuta como alguém que paga por um serviço. Todavia, não é sempre
que a função do terapeuta é simples, nem sempre a criança apresenta papéis
facilmente interpretáveis. “O analista que deseja penetrar nas raízes da severidade
do superego não deve preferir nenhum papel; deve adaptar-se ao que a situação
analítica lhe oferece” (KLEIN, 1929 apud ABERASTURY, 1982, p. 67).
Nessa sessão o paciente inicia uma ação, que será repetida em todas as
outras. Compartilha com o terapeuta o ato de guardar os brinquedos na caixa
36
Após essa ação utilizou tintas guache para pintar uma folha A4 de forma a
usar todas as cores. Dirigiu-se até a pia para lavar o pincel e as mãos.
No momento em que teve sua camisa molhada, saiu de cima da cadeira e foi
em direção a um bastão (cassetete) cortando-o com uma faca. Ao tentar cortar o
bastão, tentou quebrar a faca, como não conseguiu mordeu-a e jogou fora.
O ato de deixar a pia logo após ter molhado a camisa denota o rigor do
superego que não permite o paciente lidar com materiais regressivos. Ao usar uma
faca para cortar o bastão estava se reprimindo por ter causado algo contrário aquilo
que estava preparado a suportar, como não conseguia cortar o bastão, utilizou uma
forma primitiva para executar a punição (morder).
11
O paciente tem a liberdade de fazer tudo que quiser na sessão desde que não machuque o terapeuta e a si mesmo e nem
destruir a sala (janelas, mesas, cadeiras, etc).
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Na décima sessão o paciente repetiu aquilo que vinha fazendo nas anteriores.
Após 26 min deixou os brinquedos que espalhara pelo chão e foi até a mesa
manipular água misturada às tintas. Com um pote de água molhou a mesa, folha de
papel A4 e o chão. Nesse momento o terapeuta refletiu ao paciente a finalidade da
água que não cumpria a função de derrame. Após essa reflexão Nicolas abandonou
a ação e ajudou o terapeuta a limpar a mesa e o chão.
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A cena primária descreve a fantasia que a criança tem da relação sexual entre os pais.
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Com relação aos aspectos da linguagem falada Duarte (1989) afirma que há
uma história precedente, ou seja, que (DUARTE, 1989, p. 25)
Não obstante, Nicolas procurou trabalhar sua dificuldade com o uso da fala
em algumas sessões. A comunicação com o terapeuta não se dava apenas
corpórea ou nas brincadeiras propriamente ditas, havia muitas vezes a pronúncia de
palavras e até mesmo frases. A conversa no telefone – alô? Tchau! – desligando; o
oferecimento de café em uma xícara – toma café – pondo conteúdos diversos; o
pedido de silêncio – chiii fica quieto – ao observar algo pelo binóculo; a contagem –
1, 2, 3 e... já – para então atirar com revólver ou metralhadora; a canção - “toda a
sua vida, você não vai fazer nunca mais” – ao brincar; no início de algumas sessões
– “vamos cavar” – com a pá; o pedido de – “bate na bola” – com o bastão; etc. são
alguns exemplos daquilo que Axline (1984) diz ser reparado pela terapia.
brincar para colocar conteúdos na xícara sempre pelo rabo. Passava algum tempo
enchendo a xícara para então dar ao terapeuta tomar. Essa ação repetiu-se por
várias vezes consecutivas.
Esse comportamento sugeria que Nicolas ao estar com seu pai identificava-se
com a sua postura, pois não se vê um homem beijando e abraçado um outro homem
em nossa sociedade, fato que é normalmente observado nas mulheres.
Ser tratado como os demais também mostrou a ele que não é diferente, pois ir à
mesma hora que os outros e receber a mesma atenção por parte das professoras
demonstrava equidade e exigia dele adequação.
que após começar a trabalhar sentia que seu filho havia deixado-a de lado, dando
preferência ao pai.
Após essa fala o terapeuta compartilhou aquilo que escutou das professoras
do paciente na escola. Tais informações despertaram nos pais uma evidente alegria,
pois estavam alheios a isso. O fato de seu filho ter um amigo na escola fez com que
eles se alegrassem sobremaneira. O terapeuta refletiu com eles o andamento do
processo terapêutico e reforçou a importância do diálogo entre as partes envolvidas
como pais, terapeuta, paciente, escola, fonoaudióloga, etc.
No fim da conversa o terapeuta mostrou para a mãe do paciente que ela não
perdera o seu lugar de mãe pelo fato de ter sido posta de lado, mas que seu filho
estava investindo agora em seu pai, já que é ele quem se apresenta para cuidá-lo.
Está havendo uma elaboração de afastamento e um treinamento por parte do
paciente em relação ao convívio social através de seu pai. Foi reforçado que cada
um dos pais tem uma importância equivalente para Nicolas e que ambos devem se
apresentar a ele de forma a transmitir modelos (rotina, limite, segurança).
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Diante daquilo que foi apresentado nas sessões pode-se dizer que o paciente
desenvolveu práticas lúdicas que contribuíram para mobilizar ações em torno de
experiências que até então parecia não ser vividas. O ambiente terapêutico, a
relação com o terapeuta e a participação de seus pais no processo serviu para
facilitar a elaboração de seus conteúdos.
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6. ENCAMINHAMENTOS
7. PROGNÓSTICO
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Aspectos que foram revelados, outros que foram tratados e ainda outros que
nem mesmo foram vistos fizeram desse trabalho um imenso aprendizado. Levando
em conta que se trata de um estágio em uma Clínica-Escola, que o caso
apresentado exige um considerável dispêndio de energia de todos os envolvidos, a
experiência profissional, os conhecimentos teóricos e os resultados apresentados,
tem-se então a prova de que houve o alcance dos objetivos dentro daquilo que se
enquadra aos limites do próprio estágio.
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
JULIEN, P. Abandonarás teu pai e tua mãe. Rio de Janeiro: Companhia de Freud,
2000.