Embargos de Declaração Prequestionamento

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EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) DESEMBARGADOR(A) RELATOR(A) DA

C. 3ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

Apelação nº xxxx

A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, já qualificada nos


autos do processo em epígrafe, pelos Defensores Pú blicos signatá rios, coordenadores do
Nú cleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos, que fazem jus à intimaçã o pessoal e
concessã o de prazo em dobro, nos termos do artigo 128, incisos I e XI, da Lei
Complementar n° 80/94, alterada pela Lei Complementar n° 132/09, vem, com o devido
acatamento e respeito, à presença de Vossa Excelência, diante do v. acó rdã o que deu
provimento ao recurso de apelaçã o da Fazenda Estadual e ao reexame necessá rio, bem
como negou provimento ao recurso de apelaçã o adesiva desta Defensoria, opor
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, com fundamento no artigo 1.022 do Có digo de Processo
Civil, com o fim de sanar contradiçã o e suprir omissõ es inclusive para fins de
prequestionamento.

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I - DA TEMPESTIVIDADE

Conforme certidõ es de fls. 1901 e 1908, em 21/9/2020 foi encaminhado para


intimaçã o no portal eletrô nico o ato processual de ciência à Defensoria Pú blica do v.
acó rdã o.

Portanto, uma vez opostos os presentes embargos de declaraçã o na presente data,


considerando-se que a Defensoria Pú blica goza de prazo processual em dobro 1, resta
evidente sua tempestividade a ensejar seu conhecimento e, posteriormente, seu
acolhimento, pelos motivos a seguir expostos.

II - DO CABIMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PARA FINS DE


PREQUESTIONAMENTO

Em razã o da exigência de prequestionamento pelos Tribunais Superiores para


admissibilidade dos Recursos Especial e Extraordiná rio, é pacífico o entendimento de que
os embargos de declaraçã o para fins de prequestionamento de matéria constitucional ou
federal nã o possuem cará ter procrastinató rio.

Nesse sentido, a Sú mula nº 98 do Superior Tribunal de Justiça:

SÚMULA N. 98 Embargos de declaração manifestados com notório


propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório.

Com efeito, a oposiçã o dos presentes embargos de declaraçã o visa, tã o somente, à


complementaçã o do acó rdã o embargado, a fim de aperfeiçoar a prestaçã o jurisdicional e

1 Art. 186, CPC. A Defensoria Pública gozará de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais.

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sanar o conflito de interesses que torna necessá ria a movimentaçã o da má quina judiciá ria.
Longe está de qualquer intuito protelató rio.

Nesse sentido, a embargante esclarece, desde já , que os dispositivos que pretende


prequestionar sã o os seguintes:

Constituição Federal
- artigo 5º, IV (liberdade de expressã o);
- artigo 5º, XVI (direito de reuniã o);
- artigo 5º, XVII (liberdade de Associaçã o);
- artigo 182, caput (direito à cidade).

Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (Decreto nº


678, de 06 de novembro de 1992)
- artigos 1, 2 e 25 (obrigaçã o de respeitar os direitos; dever de adotar
disposiçõ es de direito interno; e proteçã o judicial);
- artigo 13 (liberdade de pensamento e de expressã o);
- artigo 15 (direito de reuniã o);
- artigo 16 (liberdade de associaçã o).

Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Decreto nº


592, de 06 de julho de 1992)
- artigo 19 (liberdade de expressã o);
- artigo 21 (direito de reuniã o).

Código de Processo Civil


Artigo 927, V (dever de observâ ncia de orientaçã o de plená rio ao qual
o Tribunal está vinculado);

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Artigo 489, pará grafo 1º, VI; e pará grafo 2º (dever de fundamentaçã o
de decisõ es judiciais inclusive no que toca à jurisprudência invocada
pela parte e justificativa do objeto e critérios da ponderaçã o
efetuada).

À exceçã o dos artigos 1, 2 e 25 da Convençã o Americana dos Direitos Humanos e


dos artigos do Có digo de Processo Civil, todos os outros dispositivos arrolados são os
que fundamentam a pretensão da Defensoria Pública e, por essa razão, foram
expressamente apontados nas peças apresentadas pela embargante ao longo do
processo, desde a petição inicial. Já no que toca aos artigos 1, 2 e 25 da Convençã o
Americana de Direitos Humanos e os dispositivos do Có digo de Processo Civil, a
necessidade de prequestionamento surgiu a partir do v. acó rdã o embargado.

Na presente açã o, a Defensoria Pú blica pretende garantir o direito à reuniã o, o


direito à liberdade de expressã o e o direito à cidade: nesse sentido é que foram formulados
diversos pedidos, que, em síntese, podem ser definidos como pontos relevantes para se
compatibilizar a atuaçã o estatal aos ditames constitucionais, de forma a estabelecer
parâ metros de atuaçã o da Polícia Militar do Estado de Sã o Paulo em policiamento de
manifestaçõ es pú blicas.

No entanto, com a devida vênia, o v. acó rdã o deixou de encarar a problemá tica
apresentada na presente Açã o Civil Pú blica, uma vez que nã o se pronunciou explicitamente
sobre a violaçã o dos preceitos supracitados, incidindo em omissã o, conforme se passa a
expor.

III – DAS OMISSÕES E CONTRADIÇÃO VERIFICADAS NA APLICAÇÃO DO MÉTODO


PONDERATIVO

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Além do prequestionamento, estes embargos de declaraçã o possuem a finalidade de
suprir omissõ es e sanar contradiçã o verificadas no v. acó rdã o.

O v. acó rdã o embargado deu provimento ao recurso de apelaçã o da Fazenda


Estadual e ao reexame necessá rio, ao mesmo tempo em que negou provimento ao recurso
adesivo da Defensoria Pú blica, para reformar a sentença, que julgara procedente a
pretensã o inicial, nos seguintes termos:

“E assim, julga-se procedente a pretensã o formulada nesta açã o civil


pú blica, para obrigar a ré, FAZENDA PÚ BLICA DO ESTADO DE SÃ O
PAULO, a adotar essas medidas, que, aliá s, nã o fazem eliminar o poder
preventivo da Polícia Militar em sua atuaçã o na segurança pú blica.
Essas medidas propiciam que existam e devam existir as
condições em que o exercício da liberdade por aqueles que
querem exercer o direito de reunião possam de fato exercê-los,
sem o risco de serem agredidos pela Polícia Militar, apenas por
estarem reunidos e a protestarem. Daí porque se obriga a ré a
elaborar um projeto de atuação de sua Polícia Militar, a aplicar-se
quando se trate de manifestaçã o de populares em protestos, um
projeto, que, aliás, é reclamado pelo princípio constitucional da
eficiência”. (fls. 1480/1481)

Para reformar a referida sentença, este E. Tribunal de Justiça utilizou-se de método


supostamente pautado no princípio da proporcionalidade, conforme se verifica do trecho
abaixo transcrito:

(...) ao menos no ver deste magistrado, sob nenhum prisma, há como


se deferir o provimento jurisdicional pleiteado na inicial, quando do
sopesamento dos princípios da liberdade de reuniã o com a liberdade

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de locomoçã o dos demais cidadã os que nã o queiram dela participar,
bem como a de liberdade do Estado em decidir livremente a contençã o
que entenda necessá rio em caso de distú rbios numa manifestaçã o
popular, o que em tese afetaria o princípio da Separaçã o de Poderes.

No entanto, data maxima venia, na conduçã o do método ponderativo, foi explicitado


apenas o resultado obtido quando da aplicaçã o do princípio da proporcionalidade, nã o
tendo sido demonstrado qual foi o raciocínio ló gico utilizado para embasar tal conclusã o.
Tampouco foi considerado que o escopo primordial é limitar a atuaçã o e discricionariedade
dos poderes pú blicos, vedando que a Administraçã o Pú blica aja com excesso na
perseguiçã o de seus objetivos.

Aparentemente, nos termos da decisã o embargada, a proporcionalidade foi reduzida


a uma simples regra quantitativa: de um lado haveria o direito à liberdade de reuniã o e, de
outro, a liberdade de locomoçã o e a liberdade do Estado em decidir livremente a contençã o
que entenda necessá ria em caso de distú rbios numa manifestaçã o popular, o que, em tese,
afetaria o princípio da separaçã o de poderes. No argumento constante do acó rdã o
embargado, os ú ltimos dois direitos indicados nã o poderiam ser limitados pelo direito à
liberdade de reuniã o unicamente considerado.

De plano, já se nota omissão, com a devida vênia, à liberdade de expressão e à


liberdade de associação (art. 5º, IV e XVII da Constituiçã o Federal, respectivamente),
direitos que, em sua inter-relaçã o com a liberdade de reuniã o (art. 5º, XVI da Constituiçã o),
asseguram o direito ao protesto. Soma-se a esses o direito constitucional à cidade (art,
182, caput), o qual também baseia o pedido da inicial, uma vez que estabelece o usufruto
equitativo das cidades dentro dos princípios de sustentabilidade e da justiça social.

Portanto, mesmo que o princípio da proporcionalidade fosse, de fato, uma balança


quantitativa, existiriam quatro direitos que deveriam ser sopesados aos dois elencados no

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v. acó rdã o – liberdade de locomoçã o e liberdade do Estado em decidir livremente a
contençã o que entenda necessá ria em caso de distú rbios numa manifestaçã o popular
(princípio da separaçã o dos poderes).

Entretanto, a questã o aqui nã o é meramente quantitativa. Em verdade, o princípio


da proporcionalidade, na sua essência, tem por escopo, como já exposto, limitar a atuaçã o e
discricionariedade dos poderes pú blicos, vedando que a Administraçã o Pú blica aja com
excesso na perseguiçã o de seus objetivos.

Na petiçã o inicial, a Defensoria Pú blica esmiuçou oito situaçõ es fá ticas distintas de


exercício legítimo do direito de reuniã o, nas quais o exercício da força policial ocorreu
como o Estado achou conveniente, com o uso de seu poder de repressã o de maneira
desproporcional e arbitrá ria contra os manifestantes. No v. acó rdã o, entretanto, concluiu-
se que “ao que tudo indica da leitura dos autos, a corporação militar teria agido dentro da
estrita legalidade e no desempenho das suas atribuições”. Nã o há indicaçã o, contudo, de
quais teriam sido as supostas provas que conduziram a esse entendimento.

Portanto, ao invés de ter sido utilizada de forma “a limitar (ou tentar) uma
interpretação meramente subjetiva”, conforme constou do v. acó rdã o, a aplicaçã o da
proporcionalidade, desacompanhada de uma explicaçã o sobre o raciocínio utilizado, fez
com que se tornasse mero argumento para justificar uma conclusã o já pré-constituída e,
data maxima venia, inconsistente com a prova dos autos.

Como se vê, houve omissã o no v. acó rdã o embargado, a teor do que prescreve o
artigo 489, pará grafo 2º, do Có digo de Processo Civil: “No caso de colisão entre normas, o
juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as
razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que
fundamentam a conclusão”.

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Evidencia-se, também, contradiçã o, na medida em que o princípio da
proporcionalidade foi usado para justificar os excessos da Administraçã o Pú blica, quando,
na verdade, referido princípio presta-se, justamente, à limitaçã o de tais excessos.

Sobre o ponto, cabe reproduzir entendimento de Virgílio Afonso da Silva2 com


relaçã o à s decisõ es do STF que mencionam o princípio da proporcionalidade sem de fato
aplicá -lo:

“Apesar de salientar a importância da proporcionalidade ‘para o


deslinde constitucional da colisão de direitos fundamentais’, o
Tribunal não parece disposto a aplicá-la de forma estruturada,
limitando-se a citá-la. (...) Não é feita nenhuma referência a
algum processo racional e estruturado de controle da
proporcionalidade do ato questionado, nem mesmo um real
cotejo entre os fins almejados e os meios utilizados. O raciocínio
aplicado costuma ser muito mais simplista e mecânico.
Resumidamente:
. a constituição consagra a regra da proporcionalidade.
. o ato questionado não respeita essa exigência.
.·. o ato questionado é inconstitucional.
O silogismo, inatacável do ponto de vista interno, é composto de
premissas de fundamentação duvidosa e é, por isso, bastante frágil
quando se questiona sua admissibilidade do ponto de vista externo.”
(grifo nosso)

Demonstrada, portanto, a omissã o do v. acó rdã o no que tange aos outros direitos em
jogo, que nã o apenas o direito de liberdade de reuniã o, bem como à s demais premissas que
embasaram a aplicaçã o do método ponderativo. Da mesma forma, resta comprovada a
contradiçã o no que tange à utilizaçã o do princípio da proporcionalidade para justificar
excessos da Administraçã o Pú blica, e nã o o contrá rio.

2 Afonso da Silva, Virgílio. O Proporcional e o Razoável. Revista dos Tribunais 798, 2002. p. 31.

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IV – DA OMISSÃO CONSISTENTE NA AUSÊNCIA DE CONTROLE DE
CONVENCIONALIDADE

Por estarem submetidos ao “império da lei”, os tribunais nacionais nã o só estã o


sujeitos à legislaçã o nacional, como também estã o submetidos aos tratados internacionais
ratificados pelo Estado brasileiro, conforme o §2º do art. 5º da Constituiçã o Federal3,
devendo aplicá -los ao caso concreto.

Ora, os pedidos da presente Açã o Civil Pú blica visam proteger e garantir o exercício
de direitos previstos na Convençã o Americana de Direitos Humanos, Tratado Internacional
ratificado pelo Brasil e de status jurídico diferenciado, superior à legislaçã o federal,
conforme reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal com base no previsto pelo §3º do
art. 5º da Constituiçã o Federal4.

Os episó dios narrados na inicial demonstram que, por meio do exercício


desproporcional da força policial em manifestaçõ es populares, o Estado brasileiro vem
violando o direito de reuniã o, direito à associaçã o e à liberdade de pensamento e de
expressã o dos manifestantes (arts. 16, 15 e 13, respectivamente, da referida Convençã o).

Uma vez cabíveis os preceitos supracitados, as decisõ es judiciais internas devem


executar o controle de convencionalidade, entendido como a aná lise da compatibilidade
dos atos internos diante de normas internacionais de direitos humanos, que deve ser
realizado por todo e qualquer magistrado.

3 § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituiçã o nã o excluem outros decorrentes do regime e dos
princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a Repú blica Federativa do Brasil seja
parte.
4 Os tratados e convençõ es internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do
Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serã o equivalentes
à s emendas constitucionais.

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Ainda, a interpretaçã o e aplicaçã o de normas internacionais, conforme
entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, deve considerar nã o apenas o
texto presente nos Tratados, como também a interpretação internacionalista proferida
pela pró pria Corte em casos semelhantes:

“Quando um Estado é parte de um tratado internacional como a


Convenção Americana, todos os seus órgãos, inclusive seus juízes,
estão submetidos àquele, o que os obriga a zelar para que os efeitos
das disposições da Convenção não se vejam enfraquecidos pela
aplicação de normas contrárias a seu objeto e fim, razão pela qual os
juízes e órgãos vinculados à administração de justiça, em todos os
níveis, possuem a obrigação de exercer ex officio um ‘controle de
convencionalidade’ entre as normas internas e a Convenção
Americana, evidentemente no marco de suas respectivas competências
e da normativa processual correspondente. Nesta tarefa devem
considerar não apenas o tratado, mas também sua interpretação
realizada pela Corte Interamericana, intérprete última da
Convenção Americana”5.

Assim, entende-se que, pelo controle de convencionalidade, os juízes nacionais


devem internalizar em suas atividades a evoluçã o jurisprudencial do sistema
interamericano, visando à proteçã o e garantia dos direitos humanos no â mbito interno.

Nã o obstante, o v. acó rdã o embargado foi omisso quanto à s violaçõ es internacionais


abordadas durante o curso da Açã o Civil Pú blica, inobservando as interpretaçõ es
internacionalistas expostas a seguir.

A Convençã o Americana de Direitos Humanos garante a toda pessoa o direito à


liberdade de expressar qualquer tipo de ideia (art. 13), sem consideraçã o de fronteiras.
Inclusive, a Corte Interamericana de Direitos Humanos já tratou desse direito em diversos
casos como “La Última Tentación de Cristo” (Olmedo Bustos y otros) vs. Chile”; “Ivcher

5 Corte IDH, Caso Gelman vs. Uruguai, Sentença de Mérito e reparaçõ es, § 193.

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Bronstein vs. Perú. Reparaciones”; “Gomes Lund y otros (Guerrilha do Araguaia) vs. Brasil”;
“Fontevecchia y D’Amico vs. Argentina” e “Caso Kimel vs. Argentina.

Por sua vez, a Comissã o Interamericana de Direitos Humanos entende a liberdade


de expressã o e pensamento como um dos principais pilares da democracia, sendo que, sem
ela, nã o existiria sociedade democrá tica. Tal liberdade é o suporte do Estado democrá tico
de direito e deve ser interpretada da forma mais ampla possível, compreendendo a
liberdade de buscar, receber e difundir informaçõ es e ideias de toda índole, mesmo aquelas
que ofendem o Estado, visto que, sem democracia, todos os demais direitos estariam
gravemente ameaçados6.

Garantida a liberdade de expressã o e de pensamento, restam intrinsecamente


garantidos o direito de reuniã o (art. 15, CADH) e a liberdade de associaçã o (art. 16, CADH).
A Organizaçã o das Naçõ es Unidas compreende reuniã o como todas as manifestaçõ es,
greves, marchas, comícios etc, sinalizando como obrigação dos Estados Membros, que
assinam diferentes documentos internacionais, facilitar e proteger reuniões
pacíficas7.

Ora, conforme demonstrado por esta Defensoria, com amplo lastro probató rio, a
força policial do Estado brasileiro vem impedindo e dispersando, de forma violenta,
manifestaçõ es populares no Estado de Sã o Paulo, mesmo quando os manifestantes agem
pacificamente.

6 CIDH, A Filiaçã o Obrigató ria de Jornalistas, Opiniã o Consultiva OC-5/85. Serie A, No. 5, par. 70: “Liberdade
de expressã o é uma pedra angular na existência de uma sociedade democrá tica. É indispensá vel para a
formaçã o da opiniã o pú blica e para que a comunidade, na hora de exercer suas opçõ es, esteja suficientemente
informada. É por isso que, é possível afirmar que uma sociedade que nã o está bem informada, nã o é
plenamente livre. A liberdade de expressã o é portanto nã o só um direito dos indivíduos mas da pró pria
sociedade”
7 Disponível em: <https://nacoesunidas.org/onu-divulga-relatorio-sobre-direitos-dos-manifestantes-contra-
abusos-policiais/>

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A interferência policial em manifestaçõ es impede que manifestantes se reú nam para
disseminarem suas ideias e, nã o constatada qualquer justificativa para restringir os direitos
previstos nos artigos 13, 15 e 16 da CADH, tal interferência revela-se ilegal à medida que
revela um controle repressivo direto à circulaçã o de ideias, o que, segundo a Corte
Interamericana de Direitos Humanos, no caso Bronstein vs. Peru (2001)8, é inadmitido pelo
art. 13.3 da Convençã o.

A dispersã o completa de manifestaçõ es nã o pode ser justificada pela presença de


alguns indivíduos agindo com violência entre os demais que agem pacificamente. Nesse
sentido já pontuou o relator especial da ONU, Maina Kiai (2013):

“Um indivíduo não deixa de usufruir o direito de liberdade de reunião


pacífica com o resultado de violência esporádica ou outros atos
puníveis cometidos por outros no curso dos protestos se o indivíduo em
questão permanecer pacífico em suas intenções e comportamento” 9.

Portanto, obstruir uma manifestaçã o de forma violenta, causando dispersã o de


todos manifestantes, sob a alegaçã o de fazer cessar um ato criminoso, é um atentado à
liberdade de expressã o e ao Estado democrá tico de direito.

As interpretaçõ es internacionais supracitadas revelam como o acórdão


embargado deixou de considerar que o Estado brasileiro se obrigou no âmbito do
direito internacional. Os artigos 1 e 2 da Convençã o Americana de Direitos Humanos
denotam o dever que o Estado brasileiro possui em garantir e respeitar os direitos
humanos por ela previstos, inclusive mediante adequaçã o da normativa interna e
adequaçã o de outras medidas necessá rias para torná -los efetivos:

Artigo 1. Obrigação de respeitar os direitos


8 Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/wp-
content/uploads/2016/04/506ad88087f45ce5d2413efc7893958e.pdf>
9 Disponível em: <http://www.osce.org/odihr/73405?download=true> - Artigo 19: Protestos no Brasil 2013,
p. 25

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1. Os Estados Partes nesta Convençã o comprometem-se a respeitar os
direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno
exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdiçã o, sem
discriminaçã o alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religiã o,
opiniõ es políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou
social, posiçã o econô mica, nascimento ou qualquer outra condiçã o
social.
2. Para os efeitos desta Convençã o, pessoa é todo ser humano.

Artigo 2. Dever de adotar disposições de direito interno


Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1 ainda
nã o estiver garantido por disposiçõ es legislativas ou de outra natureza,
os Estados Partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas
normas constitucionais e com as disposiçõ es desta Convençã o, as
medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessá rias para
tornar efetivos tais direitos e liberdades.

O controle de convencionalidade é decorrência da garantia de proteção judicial,


entabulada no art. 25 da Convençã o:

Artigo 25. Proteção judicial


1. Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rá pido ou a qualquer
outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a
proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais
reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente
Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas
que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais.
2. Os Estados Partes comprometem-se:
a. a assegurar que a autoridade competente prevista pelo sistema legal
do Estado decida sobre os direitos de toda pessoa que interpuser tal
recurso;
b. a desenvolver as possibilidades de recurso judicial; e
c. a assegurar o cumprimento, pelas autoridades competentes, de toda
decisã o em que se tenha considerado procedente o recurso.

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Outro instrumento internacional com status supralegal que deixou de ser
considerado no v. acó rdã o é o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos,
promulgado pelo Decreto nº 592/1992.

Com a promulgaçã o do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, o Estado


brasileiro se compromete, mais uma vez, a garantir a liberdade de expressã o e o direito de
reuniã o, artigos 19 e 21, respectivamente, do referido Pacto.

Evidente, portanto, o dever que este E. Tribunal possuía de analisar as violaçõ es


apontadas à luz da Convençã o Americana de Direitos Humanos e do Pacto Internacional
sobre Direitos Civis e Políticos, bem como à luz das interpretaçõ es internacionais.

Embora tenha reconhecido a delicadeza da questã o “pelo fato de envolver direitos e


garantias constitucionais”, bem como a “importância e a complexidade que as manifestações
populares apresentem no atual momento de nosso país”, o v. acó rdã o, data maxima venia,
limitou-se a explorar a liberdade de locomoçã o dos cidadã os que apenas passam pelo local
das manifestaçõ es, a suposta presença de black blocs nas manifestaçõ es e até mesmo o livre
fluxo de mercadorias que o poder pú blico deve garantir nos locais, como se fossem motivos
para reprimir, de forma excessiva e violenta, a liberdade de expressã o, o direito de reuniã o
e a liberdade de associaçã o dos manifestantes, demonstrando completo descompasso com
as normas e jurisprudência internacionais.

O Có digo de Processo Civil estabelece a observância obrigatória da jurisprudência


de plená rio ao qual estiver vinculado o ó rgã o jurisdicional:

Art. 927. Os juízes e os tribunais observarã o:


[...]
V - a orientaçã o do plená rio ou do ó rgã o especial aos quais estiverem
vinculados.

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Além do dispositivo supracitado, a ausência do controle de convencionalidade e de
diá logo com a jurisprudência invocada configura omissão, como se verifica no art. 489 do
CPC:

Art. 489. Sã o elementos essenciais da sentença:


[...]
§ 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial,
seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
[...]
VI - deixar de seguir enunciado de sú mula, jurisprudência ou
precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de
distinção no caso em julgamento ou a superação do
entendimento.
§ 2º No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o
objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando
as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as
premissas fáticas que fundamentam a conclusão.

Assim, requer-se sejam supridas as omissõ es apontadas, com a consideraçã o de


todas as normas aplicá veis ao presente caso, inclusive as normas internacionais ratificadas
pelo Brasil, realizando, assim, o necessá rio controle de convencionalidade.

V – DOS PEDIDOS

Por todo o exposto, requer-se sejam acolhidos os presentes embargos de declaraçã o,


(i) inclusive com efeitos infringentes, para, reconhecendo e sanando os vícios apontados,
seja reformada a decisã o embargada, com realizaçã o do controle de convencionalidade,
supridas as omissõ es e sanada a contradiçã o, para negar provimento ao recurso de
apelaçã o da Fazenda Estadual e ao reexame necessá rio, bem como dar provimento ao
recurso adesivo da Defensoria Pú blica, ou, ao menos, para manter inalterada a r. sentença;
ou subsidiariamente (ii) para fins de prequestionamento, com enfrentamento de toda a
matéria federal e constitucional, bem como dos dispositivos constantes dos Tratados

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Internacionais de Direitos Humanos e dos precedentes internacionais especificamente
indicados, possibilitando o acesso à s instâ ncias superiores.

Termos em que,
Pede deferimento.

Sã o Paulo, 1 de outubro de 2020

Davi Quintanilha Failde de Azevedo


Defensor Pú blico do Estado de Sã o Paulo
Nú cleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos

Leticia Marquez de Avelar


Defensora Pú blica do Estado de Sã o Paulo
Nú cleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos

Fernanda Penteado Balera


Defensora Pú blica do Estado de Sã o Paulo
Nú cleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos

Maria Carolina Cavalcante Flores Gachido


Estagiá ria de Direito
Nú cleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos

Sabrina Lívia Dassan


Estagiá ria de Direito
Nú cleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos

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