FROMM, Erich. Conceito Marxista Do Homem
FROMM, Erich. Conceito Marxista Do Homem
FROMM, Erich. Conceito Marxista Do Homem
CONCEITO MARXISTA
DO HOMEM
Com uma traduçã o dos MANU SCRIT OS ECON ÔMIC OS E FILO-
SÓFIC OS de Karl Marx, por T. B. BOTT OMOR E, da Escola
de Economia e Ciência Política de Londres
Tradução de
ÜCTAV IO ALVES VELHO
Quinta edição
Public ado em 1961 por Frede rik Unga r Ptiblis hing Co.,
de New York, U. S. A.
Capa de
ÉRICO
19 7O
PÁG.
Prefácio ..... ... ..... ..... . ..... ..... ..... ..... ..... ..... . 7
. ... . 13
I. A Adul teraç ão dos Conceitos de Marx ..... . . . ...
.... . 19
II. O Mate rialis mo Histórico de Marx . . .... . ... ..
tura Socia l e do
III. O Probl ema da Consciência, da Estru .. . 29
Uso da Fôrça ..... ..... ..... . ..... ..... .. . .....
IV. A Natu reza do Hom em ..... ..... ..... ... . ..... .. . 34
V. Ar1enaç-ao . .... . .... . ..... .... . ... . ..... • .. • • • • • • • • 50
VI. Conceito Marx ista do Socialismo ..... .... . ..... ..... . 62
VII. A Cont inuid ade do Pensamento de Marx ..... ..... .. .
71
VIII . Marx , o Hom em ..... ..... ..... ..... ..... ... . .... .
80
Nota do tradu tor inglês ..... ..... ..... ..... ..... ..... .... . 85
···· 87
Prefácio ..... ..... ..... . . ..... ... • • • • • • • · · · · · · · · · · · · · · ... . 89
Primeiro Manu scrito : Trab alho Alienado ..... ..... . . .....
Manu scrito : A Relaç ão de Propr iedad e Privada ..... . .
103
Segundo 110
Terceiro Manu scrito : Propr iedad e Priva da e Traba lho ..... ... .
Propr iedad e Priva da e Comunismo .... . . . 114
Necessidades, Produção e Divisão do Tra-
127
balho ..... ..... ..... . .... · .. · · . · · . · · · ·
Dinh eiro ..... ..... ..... . • • • • • • • • • • • • • •
144
Crític a da Filosofia Dialética e Geral de
149
Hegel .. . .... . ..... . • • • • • • • • • · • • · • · · • ·
. . .... . 171
Excertos de IDEO LOG IA ALEM Ã. Karl Marx .....
DA ECO NO-
Prefácio a UMA CON TRIB UIÇÃ O A CRIT ICA 187
····
MIA POL ÍTIC A. Karl Mar x ... .. . ..... ... · . · · · ·
ITO, tle
Da Intro dução à Crític a da FILO SOFI A DO DIRE 189
Mar x .. . ..... ..... .
Hegel. Crític a da Religião. Karl 190
········
Reminiscências de Marx. Paul Lafar gue . . • • • • • • · · · 207
· · · · ········
De Jenny Marx a Josep h Weytlemeyer . . • • • • • • • 212
·······
Karl Marx. Elean or Marx -Avel ing .. . .. • • • • • · · · · · · · 219
Karl Mar x ..... ... . • • • • · · · · · · · · · · · · · · ·······
Confissão. 220
· ·······
O Fune ral de Karl Marx. Fried rich Enge ls • • • • • • • •
PREFACIO
2
N y Cf. , por exemplo , The S a n e Soc iety. Rineha rt & C o ., I nc.,
J. ew dork2 l 955. (N. do T . - P u bli cad a por esta editô ra em 1959,
na t ra uçao d L A B hi . .
' Psicana- ,
r d . e · · a a e G 1asone R ebu á , com o t ítu lo
zse a Sociedade Co n t em p orânea. )
PREFÁCIO 11
e que também
gt JJtír} a.r opiniõe~ acêrca da_ /Jessoa de Marx,
111111 cr1 f orr,1111 Jn1hl1cadas anter,o
rmente nos Estados Unidos. Ag i
1,.ui111 pofqttanto a fies.roa
de Marx bem como suas idéias têm sido
creio que uma des-
dtf rtm(1dr1.r e vilipendiadas por muitos autores;
ajudará a destruir
rr1crío mai.r adoq1ü1da de Marx co1no homem
rN/ O.r proconceitos ftice a suas idéias. 3
Rl1.rla-- me, apenas, exprimir minha cor
dial gratidão ao Sr.
Londres, pela per-
1'. B. Bottonwre, da Escola de Economia de
o dos Manuscri-
miJSáo para 11sar sut1 1-ecente 4e5 excelente traduçã
adecer-lhe por di-
tos Econôm .icos e Filosóficos , e também agr
ois de ler o ma-
versc,.r .wgestõe.r c,,íticas importantes que fêz dep
1111.rcrit.o do minha introdução.
E. F.
1 É triste dizer, mas não pode ser evitado, que essa i~orâ
n-
cia e essa deturp ação de Marx são mais comuns nos Esta?os U rudos do
que em outro qualqu er país ociden tal. Deve ser especialm~n!e. men-
cionado que nos últimos quinze anos houve um extrao rdman o re-
nascimento de discussões sôbre Marx na" Alema nha e n~ França,. mor-
" • E · F ·zosóficos public ados
b
mente em torno dos Manus critos conom icos e i s
..
sao rdso. r~-
neste volume. Na Alema nha os partici pantes dos debate
' •ono, micia· · · 1men t_e, os extrao Fma-
tu do teólogos protes tantes . Menci 1. ets-
· M · · os Marxi ·stas ") , orgamzados ) por Ad ·
nos arxism usstu.d ien ( "Estud 195 7
cher, 2 volumes · I · C · B· Mohr (Tübin gen, 1954, M. e~tais,
, . .. K d anuscri os.
a excelente introd ução por Lands hur a ediçao roner ~s d a· te
A seguir, as obras de Lukac s, Bloch, Pep,itz. e outros, u'::/~n ~:r:Ss t~ 0 ;
Nos Estados Unido s ' tem sido observ ado ultima mente ºf t atra
Marx que cresce aos poucos. Infeliz • mente, em Parte se ..mame s a The-
.. d Iteraçoes ' t como
ves e diversos livros cheios de prevença_o e ª u .ivamen
' d · simplifi-
Red Prussi an de Schwa rzschi ld, ou de bvros excess e
CONCP.ITO MARXISTA DO HOMEM
14
1
O Capital, 1, Karl Marx, Charles H. Kerr & Co., Chicago, 1906,
pág. 406.
2
Economic and Phil.osophical Manuscripts, pág. 181.
. : (!erman I deology, Karl Marx e F. Engels organizado com uma
;;t;~ uçao por R. Pascal, New York International Publishers, Inc.,
' pág. 14. (O grifo é meu - E'. F.)
O MNt-4.tHüALlsMo HlSTÓ1tICO Dll M.ARX 21
4
K. Marx e F. Engels, Die 1-Ieilige Famile ("A Família Sa-
grada''), 1845. (Tradução minha - E. F.)
5
German I deology, K. Marx e F. Engels, op. cit., pág. 7.
6
"Theses on Feuerbach", German Ideology, op. cit., pág. 197.
22 CONCEITO MARXISTA DO HOMEM
11
MEGA, V, pág. 5g 6_
O MATERIALISMO HISTÓRICO DE .MARX 25
14
O Capital, I, op. cit., págs. 91-92.
O MATERIALISMO HISTÓRI
CO DE MARX
27
mas jurídicas, políticas, religiosas est 't· .
uma pa1avra, 1ºd eo l'og1cas
. - , pelas , e icas
. ou filo so, f
1cas - em
nhecimento dêsse conflito e lutam P~~ais osl ~omens tomam co-
. ·- so"b
nossa op1n1ao re um indivíduo não a resa . · Assim
b ve-lo •
como
d . se ase1a no q "l
sa e s1 mesmo, tampouco podemos jul ar um , ue e ~ pen-
transformação pela própria consciência âêle· erriodo .~sim de
consciência tem de ser explicada a part. ' dp O contra~1~, essa
.d . 1
v1 a matena , d o conflito .
existente entre
ir as contrad1çoes d
f" . ª
. . 1 - d
soaa1s e as re açoes e produção. Nenhuma ord as orças produtivas
·
d
rece antes e se terem desenvolvido tôdas as fo"r em soc1a 1 pe-
d ·
ças pro uttvas
que ne1a cab em; e novas relações de produção, mais elevadas,
nunca aparecem antes das condições materiais para sua · t"' . _
. d .d ex1s en
oa terem ama ~reci o no ventre da própria sociedade antiga.
Logo, a h~manida d~ sempre se propõe apenas às tarefas que
possa solucionar; pois, olhando o assunto mais de perto, sempre
se constatará que a própria tarefa só desponta quando as con-
dições materiais para sua solução já existem ou, pelo menos,
estão em vias de concretizar-se. Grosso modo, os sistemas de
produção asiáticos, da Antiguidade, feudal e burguês moderno
podem ser designados como épocas progressivas da farmação eco-
nômica da sociedade. As relações de produção burguesas são
a última forma antagônica do progresso social da produção
não-antagonista na acepção do antagonismo individual, mas de
um antagonism o decorrente das condições sociai_s da vida . ~o in-
divíduo; ao mesmo tempo, as fôrças produ~1~as mater!a!s no
ventre da sociedade burguesa criaram as cond~çoes ~atenais pa-
ra a solução dêsse antagonismo. Essa formaçao soCtal, porta~tt~;
conduz a pré-histór ia da sociedade humana a um fecho.
Será útil novamente sublinharmos e aperfeiçoarmos cert~s
noções específicas desta teoria. . A t s de mais nada o conce1-
ne , d ''d à con-
.
to marxista de mu d ança h is onca. t' . A mudança e ev1 a
dições objeti-
tradição entre as fôrças produtivas (_el out!atsntceon Quando um
vamente supostas) e a organiza. · ção soeta exis e ·
,., social prejudica, ao invés
sistema de produção ou orga~izaçao 'd das uma sociedade,
,. produtivas cons1
d e f avorecer, as f orças , eraformas ' de produçao ,.,
para não entrar em colapso, escolhera dast. s e as desenvolverá.
adequadas ao nôvo con Junto . d e f"rças
0 pro u iva
. Economia Poli-
. • ,,,,
à Critica da ges Pu-
15 "Prefácio a uma Contr1bu1çao l I Foreign Langua
. ,,
t 1~a , Marx, Engels, S e lec t e d W, orksS62-364.
vo . '
hhshing House, Moscou, 1955, pags.
28 CONCEITO MARXISTA
DO HOMEM
A c,1oluçtio do ho1nem
e1n tôda a história caract
tu do hõ n' K' h' l contra a na eriza-se pela Iu-
tureza. Em certo ponto
t tô td o con1 1.fnrx, ein da História ( de
futuro próximo), o hom
vidn l\S fôrças produtivas em terá desenvol-
da natureza a tal ponto
~'tútÜstno entre êlc e
a natureza poderá ser, af que o anta-
Nesse púnto, "a pré~histó inal, solucionado.
ria do ho1ne1n" tenninará
o histórit\ verdadeiro.mente e principiará
hun1ana.
CAPITU LO III
. " afirma
.
Julho de 1893) em que ele terem e"le e Marx "negligenciad
, .o
[ao salientar os' aspectos formais da relação entre a estrutura socio-
-econô mica e a ideolo gia a estudar] a maneira e a forma de apare-
cimento das idéias".
coNSCffil~ClA, ES
TRUTURA SOCIAL
E u so DA FÔRÇA
33
-, tte uma noYa.,, .\
É êsse exatamen
' ~n ;n"\e:ntos de Mar te u m dos grandes
ce rn ~ x, ao tr an scender dis-
d :ti-Se média - ~~ o tr ad ic io na l conceito da
nao ªC:-.editava n~ Po d
,#,..
.,
4 O Capital, I, loc.
cit., pá g. 824.
3
.,
CA PIT ULO IV
A ~latureza do H 011ie111
e . desdobra-s ·· " · ,, . A
e como cons equencia
,. . , s inerentes
contradiçõe . , .
·
essencia e, assun, tanto h1stonca quanto ontológica • A s pot enc1a-
·d d · · .
h a es essenoais das c01_sa: r~alizam-se no mesmo processo glo-
bal que estabelece sua existencia. A essência pode "alcançar" sua
. " • d
ex1stenoa quan o as potencialidades das coisas tiverem amad _
reciclo nas e através das condições da realidade. Hegel descre;e
êste processo como a "transição para a realidade". 9 Ao contrário
do positivismo, para Hegel, os fatos só são fatos se relacionados
com o que ainda não é fato e, no entanto, manifesta-se nos fatos
dados como possibilidade real. Ou, "os fatos são o que são apenas
como momentos em um processo que leva para além dêles até
aquilo que ainda não se concretizou de fato". 10
A culminânc ia de todo o pensamento hegeliano é o conceito
das potencialidades intrínsecas a algo, do processo dialético pelo
qual elas se manifestam, a idéia dêsse processo ser de movimento
ativo de tais potencialidades. Esta ênfase no processo ativo no
interior do homem já fôra assinalada no sistema ético de Spinoza.
Para Spinoza, todos os afetos podian1 dividir-se em afetos passi-
vos (paixões), e por meio dos quais o homem sofre e não tem
uma idéia da realidade, e afetos ativos (ações) (generosidade e
fôrça moral) nos quais o homem é livre e produtivo. Goethe,
que à semelhanç a de Hegel foi influenciado por Spinoza de várias
maneiras, transformo u a idéia da produtividade do homem em
um ponto central de seu pensamento filosófico; ~ara êle, tôdas _as
culturas decadentes caracterizam-se pela tendencia para a subJe-
tividade pura, enquanto todos os_ perí~d?s progres~i~o~ tentam
entender ff mundo como é por intermed10 da subJetlvidade de
cada um mas não separado dêste. 11 :êle dá o exempl~ ~o poet~:
"enquanto êle exprime apenas estas poucas frases subJehva:s, nao
pode ainda ser chamado de po:ta, 1;1as, logo que sa~e ,c~mo se
assenhorear do mttndo e expressa-lo, e um poeta. Entao e inexau-
r ível ' e pode sempre renovar-se, ao passo que sua natureza pura-
. d d. ,, i2
mente subjetiva se esgotou cedo e deixou e ter o que i~er ·
''O h " di·z Goethe , "conhece-se a si mesmod nad medidad em·
ornem , . e"le só conhece o mun o entro e si
que conh ece O mundo ,
13
Citado por K. Lowith, V.on Hegel zu Nietzsche, Vv. Koh-
lhammer Verlag, Stuttgart, 1951, pág. 24. (Tradução minha _ E. F.)
14 Cf
. · a d escnçao
· - mmuc10sa
· · da orientação do caráter produ-
tivo _em E. Fromm, ~an for Himself. (N. do T. - Em português,
Análise do Remem, Rio, Zahar Editôres 5.• edição 1966 )
15 ' ' .
nado" Cf. H. P?,pitz, Der Enthfremdete M onsch ( "O Homem Alie-
)· Verlag for Recht und Gessellschaft, A . G ., Bas1·1-· ' 119 •
eia, pag.
A NATUREZA DO HOMEM
39
és
"Assim como a sociedade encontra, em seu início atrav
eza
da evol~ção da pr.opriedade pri~ada com sua riqueza e' pobr
s a
(tanto mtelect~ial quanto material), os materiais necessário
mente
êsse desenvolv11nento cultural, também a sociedade plena
ser
constituída produz o homem em tôda a plenitude de seu
0 homem rico dotado de
todos os sentidos, como uma realidad~
duradoura. ~ só em um contexto social que subjetivismo e
vida-
objetivismo, espiritualismo e materialismo, atividade e passi
como
de deixam de ser antinômicos e, assim, deixam de existir
nte
tais antinomias. A resolução das contradições teóricas some
prá-
é possível graças a meios práticos, somente graças à energia
ente,
tica do homem. Sua resolução, portanto, não é, absolutam
ue
apenas um problema de conhecimento, mas um problema porq
o via como um problema exclusivamente teórico." 28
Correspondente a seu conceito do homem rico é a opinião
ser.
de Marx sôbre a diferença entre o sentimento de ter e o de
idos
"A propriedade privada", afirma êle, "tornou-nos tão estúp
do
e parciais que um objeto só é nosso quando o temos, quan
do,
êle existe para nós como ·capital ou quando é diretamente comi
uer
bebido, vestido, habitado etc., em suma, utilizado de qualq
maneira. Apesar de a propriedade privada em si mesma só
vida
conceber essas várias formas de posse como meios de vida, a
de
para a qual êles servem como meios é a vida da proprieda
os
privada - o trabalho e a criação de capital. Assim, todos
alie-
sentidos físicos e intelectuais foram substituídos pela simples
no
nação de todos êsses sentidos: o sentido de ter. O ser huma
ficar
tinha de ser reduzido a essa pobreza absoluta a 29fim de
apto a deixar nascer tôda a sua riqueza interior."
Marx reconheceu que a ciência da economia capitalista, mal-
ver-
grado sua aparência mundana e hedonista, "é uma ciência
Sua
dadeiramente moral, a mais moralizada de tôdas as ciências.
nas.
tese principal é a renúncia à vida e às necessidades huma
ou a
Quanto menos se comer, beber, comprar livros, f ôr ao teatro
ar,
bailes, ou à cervejaria, e quanto menos se pensar, amar, teoriz
tan-
cantar, pintar, esgrimir etc., tanto mais se poderá poupar e
-
to maior se tornará o tesouro imune às traças e à ferrugem
0 :ªPital. Quanto menos se fôr menos se expressará a vida,
do
mais se terá, maior será a vida alienada e maior a poupança
diz
ser alienado. Tudo que o economista retira da gente no que
28
MEF, págs. 134-135.
29
MEF, pág. 132.
44 CONCEITO MARXISTA DO HOMEM
32
MEF, pág. 138.
33
àor M~ refere-se, neste ponto, a especulações de certos pensa-
es cornumst ... · · ·
tud o era as. dexcentncos de seu tempo, que unagmavam . que se
propne ade comum também as mulheres o devenam ser.
r..6Nf .f(J1'0 MAR.X f.n 'J. 00 HOMJZM
35
0c apita
·z, I, · págs. 197-198.
op. ctt.,
48 CONCEITO MARXISTA DO HOMEM
Alienação
3
Co~versações d: ~ckenna nn com Goethe, 18 de fevereiro de
1829, publicadas em Le1pz1g, 1894, pág. 47. [Minha tradução _ E. F.]
4
18 Brumário de Luís Bonaparte.
ALIENAÇÃO
53
tóri~, "é .ª _percepção de _si _pró~r~a; mas, ao fazê-lo, ela oculta
aque!e obJetlvo ~e s~a propria v1s~o e fica orgulhosa e bem sa-
tisfe1ta nesta ahenaçao de sua propria essência." 5 Para Marx
tal como para Hegel, o conceito de alienação baseia-se na distin~
ção entre existência e essência, no fato de a existência do homem
ficar alh~ada de sua essência, de na realidade êle não ser O que
é pot~ncialmente, ou, por outras ralavras, de êle não ser o que
A
5
• The Philosophy 0 / History, tradução de J. Sibree, The Colo-
nial Press, New York, 1899.
6
MEF, pág. 95.
7
MEF, pág. 98.
8
MEF, pág. 99.
54 CONCEITO MARXISTA DO HOMEM
11
MEF, págs. 102-103.
12
MEF, pág. 107.
13
O Capital , I, op. cit., pág. 396.
56 CONCEITO MARXISTA DO HOMEM
18
O Capital, I, loc. cit., pág. 708.
19
MEF, págs. 105-106.
20
German Ideology, op. cit., pág. 23.
58 CONCEITO MARXISTA DO HOMEM
26
MEF' pag.
' 140 .
60 CONCEITO MARXISTA DO HOMEM
apenas por sua períci~, mas . t~mbém por tôdas as qualidades pes-
soais que os tornam acondioonamen tos de personalidades atraen-
tes" de fácil trato e manuseio. Eles são os verdadeiros "homens
da ~rganização" - mais ainda que o trabalhador - · cujo ídolo
é a emprêsa. Porém, no. que toca ao consumo, não há diferença
entre trabalhadores manuais e membros da burocracia. Todos an-
seiam por_ coisas, coisas ~ovas, para ter e ·us~ .. Eles são os recep-
tores passivos, os consumidores, presos e debilitados pelas próprias
coisas que satisfazem suas necessidades sintéticas. Eles não se
relacionam com o mundo produtivamente, apreendendo-o em
tôda sua realidade e, com isso, unindo-se a êle; êles adoram coisas,
as máquinas que produzem as coisas - . e nesse mundo alienado
sentem-se estranhos e bastante sozinhos. A despeito de ter Marx
subestimado o papel da burocracia, sua descrição geral poderia
perfeitamente ser escrita hoje em dia: "A produção não produz
simplesmente o homem como mercadoria, o homem-mercadoria,
o homem no papel de utilidade; ela o produz em harmonia com
êste papel como um ser espiritual e fisicamente desumanizado -
[a] imoralidade, defarmação e embrutecimento dos trabalhadores
e dos capitalistas. Seu produto é a mercadoria com consciência
e atividade próprias. . . a mercadoria humana." 30
Até onde as coisas e circunstâncias por nós mesmos criadas
se tornaram nossos senhores, Marx dificilmente poderia prever;
contudo, nada poderia provar mais dràsticamente sua profecia do
que o fato de tôda a raça humana estar hoje prisioneira das armas
nucleares por ela criadas, e das instituições políticas também por
ela elaboradas. Uma humanidade aterrorizada aguarda angustiada
para ver se será salva do poderio das coisas que criou, da ação cega
das burocracias por ela designadas.
3
O Capital, III, pág. 954.
64 CONCEITO MARXISTA DO HOME M
4 e· com
kay a, Ma ,xis m and Fre edo m,
pre fá . itad o por R. Du nay evs w Yo rk, 195 8,
okm an Associates, Ne
pág. ~•~. por H. Ma rcu se, Bo
5
66 CONCEITO MARXISTA DO HOMEM
1
A. Huxley, The Perennial Philosophy, Harpe r, 1944, pág. 93.
CON CEIT O MARXISTA DO SOCIALISMO 67
o e romano. A
mento e as raízes espirituais do pensamento greg
ímp ar no pen-
esperança messiânica é, deveras, um característico
amento não são
samento ocidental. Os prof etas do Ant igo Test
is; eram igual-
apenas, como La~ . Tsé ou Buda, líde res espiritua
em uma visão da-
mente chefes polttJc,os. .Eles mos tram ao hom
alternativas entre
quilo que deveria ser, con fron tand o com as
do Ant igo Tes-
as quais deve escolher. A mor part e dos profetas
· !em um sentido,
tamento compartilha da idéia de que à história
da História, e que
de que o hom em se aperfeiçoa com o correr
ça. Mas, para os
acabará criando uma orde m social de paz e justi
de gue rra e de in-
profetas, paz e justiça não significam a ausência
no conj unto do
justiça. Paz e justiça são conceitos entranhados
homem, antes de
conceito do hom em do Ant igo Testamento. O
hum ano , vive em
ter consciência de si próprio, isto é, antes de ser
. O primeiro ato
união com a natureza ( Adão e Eva no Para íso)
"não ", abre-lhe os
de Liberdade, que é a capacidade de dizer
acossado por con-
olhos, e êle se vê como um estranho no mundo,
elhante, entr e o
flitos com a natureza, entre o hom em e seu sem
é_aquêle graças ao
homem e a mulher. O processo da Hist ória
cificamente hum a-
qual o homem desenvolve suas qualidades espe
uma vez haja atin-
nas, suas faculdades de amor e compreensão; e
r à perd ida união
gido a plen itud e da humanidade, pod e regressa
rent e da anterior,
com o mundo. Esta nova união, entretanto, é dife
principiar. Ela
da pré-consciente, que existia antes de a Hist ória
com a natu reza e
é a reconciliação do hom em consigo mesmo,
em ter gera do a si
com seu semelhante, baseada no fato de o hom
do Ant igo Tes-
próp rio no decurso da História. No pensamento
s de Abraão, o
tamento, Deu s é revelado na história ("O Deu
ria, não em uma
Deus de !saque, o Deu s de Jacó "), e ná histó
ação do hom em.
situação que tran scen da a história, se acha a salv
hom em inseparà-
Significa isso estarem as metas espirituais do
a política fun·da-
velmente ligadas à transformação da sociedade;
divorciado dos va-
mentalmente não é um dom ínio capaz de ser
lôres morais e da auto-realização do homem.
( e hele nist a)
Idéias correlatas surgiram no pensamento grego
estóica, até Sê-
e romano. Des de Zenão, o fund ado r da filosofia
e de igua ldad e do
neca e Cícero, os conceitos de direito natu ral
dos hom ens e,
hom em exerceram poderoso infl uxo nas mentes
rces do pensamen-
juntamente com a tradição profética, são os alice
to cristão.
de Paulo, te-
Embora a cristandade, especialmente a part ir
de salvação em um
nha tendido a tran sfor mar o conceito histórico
68 CONCEITO MARXISTA DO HOMEM
de Llfar x
A Co nt in ui da de do Pe ns am en to
da natureza hwna-
N ossA
na, alienaç
apresentação do conceito marxista
ão, ati vid ade ~te., ser ia bas tan te unilateral e, com efeito,
ias
ent ado ra, se est ive sse m cer tos os que alegam terem as idé
desori -
Manuscritos Econômicos e Filosó
do "jovem Ma rx" , contidas nos ,
f icos, sido abandonadas pelo
Ma rx mais velho e amadurecido
-
sado idealista ligado aos ensina
como reminiscências de wn pas ia
ivessem com a razão, poder-se-
mentos de Hegel. Se êles est rx mais velho, e desejar vin -
pre fer ir o jov em Ma rx ao Ma
ainda
o soc iali sm o ao pri me iro em vez de ao segundo. Contudo,
cular
entação de Ma rx em dois. O
felizmente, não é mister tal fragm
o homem, como l\{arx as expri-
fato é que as idéias básicas sôbre osó ficos, e a~ manifestadas
nu. rcr itos Eco nôm ic.o s e Fil
miu nos Ma
rx ma is vel ho em O Ca pita l, não sofreram nenhuma mo-
pelo Ma
çã_o fun dam ent al; Ma rx não repudiou suas opiniões pri-
difica
tivas, com o pre ten dem os rep resentantes da tese acima men-
mi
cionada.
iro qu e tud o, qu em são os qu e sustentam haver con-
Pri me
ão nas opi niõ es do "jo vem Ma rx" e do "M arx velho" acêr-
tradiç
do ho me m? Na ma ior ia, são comunistas russos; nem podem
ca
dei xar de faz er isso , isto com o o ideário dêles, tanto qu ant o
êle s -
sob todos os aspectos, uma con
seu sistema social e político é,
No sistema dêles. o homem é o
testação do hwnanismo de Marx.
, antes que a meta suprema de
s~rvo do Estado e da produção i-
A meta de Marx, o desenvolv
todas as providências sociais .
personalidade· hwnana, é negada
men~o da individualidade da
a sov iéti co com ma ior am pli tude ainda qu e no capitalis-
no sistem
tem por âne o. O ma ter fal ism o dos comunistas está muito
mo con
pró xim o do ma ter ial ism o mecanicista da burguesia do
mais
72 CONCEITO MARXISTA DO HOMEM
1
Erns~ Bloch, Das Prinzips Hoffnung, Suhrkamp Verlag, Frank-
furt am Mam, 1959, 2 volumes.
2
" Est3: e tôdas _as seguintes citações de D . Bell são de seu artigo
The Meanmg of Ahenation", em Thought, 1959.
3
Em Marx-Engels A.rchiv, I , org. por Riazanov.
A CONTINUID ADE DO PENSAMEN TO DE MARX 73
4
J. C. B. Mohr, Tübingen, vols. I e II, 1954, 1957.
5
A obra principal ~ôbre êste tema é de um padre jesuíta,
{;~~-.Yves Calvez, La_ Pensee de Karl Marx, Editions Du Seuil, Paris,
6 M . .
enc1onare1 apenas as obras de H. Lefebvre Naville Gold-
mann, e .de _A. Kojeve, Jean-Pau l Sartre? M. Merl;a~- Ponty • ' Cf. o
·
"D er M arx.ismus ·
h. ,, a r tIgo
excelente 1m Sp1egel der Fnmzosischen Phi-
1osop ie , por I. Fetzcher, em Marxismusstudien t>p. cit. vol. I
págs. 137 e segs. ' ' '
7
Harvard U niversity Press, Cambridge Massachusetts 1941.
8 ' '
Book.man Associates, New York, 1958.
A CONTINUIDA DE DO PENSAMENT O DE MARX 75
com Adam
. Quatorze anos mais tarde, em sua polêmica
argumentos su-
Smi th (em 185 7-58 ), Mar x empregou os mesmos
itos Econômicos e
postamente "idealistas" utilizados nos Manuscr
alhar não cons-
Filosóficos, sustentando que a necessidade de trab
e que não seja
titui por si mesma uma restrição à liberdade ( desd
trab alho alie nad o). Mar x fala da "auto-realização" da pessoa,
14 Subseqüentemente,
"em conseqüência, da verdadeira liberdade".
é a expansão do
a mesma idéi a de que a meta da evolução humana
eu a contradição
homem, a criação do homem "rico" que vend
adeira liberdade,
entr e êle próp rio e a natureza e alcançou a verd
ito pelo Marx
aparece em muitas passagens de O Capital, escr
Marx escreveu no
velho e amadurecido. Como foi antes citado,
[ do reino da
terceiro volume de O Capital: "Par a além dêle
humana, que é
necessidade], inicia-se o desenvolvimento da fôrça
, que, no entan-
seu próprio fim, o verdadeiro reino da liberdade
le mundo de ca-
to, só pode flo.rescer tomando como base aquê
premissa funda-
rência. A redução do dia de trabalho é sua
mental." 15
rtância de
Em outras partes de O Capital, êle fala da impo
nvolvidos", 16 do "de-
prod uzir "sêres hwnanos plenamente dese
senvolvimento total da raça humana" , 17 da "necessidade de o
18 e do "fragmento de Ho-
homem desenvolver-se a si mesmo" 19
mem, como resultado do processo de alienação".
-americanos
Visto ser D. Bell um dos poucos autores norte
desejo demons-
interessados no conceito marxista de alienação,
mesma assumida
trar por que sua posição, que é, de ' fato, a
te opostos, é
pelos comunistas russos, por motivos diametralmen
de Bell é que
também indispensável. A principal alegação
Marx, o Homem
postas ao questionário preparad_o _para êle por sua filha ~a~~ re-
velam muito do home m: sua 1de1a de desgraça era a suJetçao; o
vício que mais detestava er_a o servilismo,, e suas n_1;áxi~~s favo-
ritas eram "Nad a do que e huma no me e estran ho e Deve-se
duvidar de tudo" .
Por que supõem ter sido êsse home m arroga nte, solitário,
autoritário? À parte a intenção de difam ar, houve diversas ra-
zões para êsse êrro de interpretação. Antes de mais nada, Marx
( como Engel s) tinha um estilo sarcástico, especialmente ao es-
crever, e era um lutador dotado de grand e agressividade. Mas, o
que é mais importante, era um home m totalmente incapaz de
tolerar a tapeação e a impostura, e absolutamente sério acêrca
dos problemas da existência humana. Era incapaz de aceitar,
polidamente e com um sorriso nos lábios, racionalizações deso-
nestas ou afirmações fictícias sôbre assuntos importantes. Era
incapaz de qualquer espécie de insinceridade, quer no tocante
a relações pessoais, quer a idéias. Como a maioria das pessoas
prefere pensar em ficções a pensar em realidades, e engan ar a
si mesma e as outras sôbre os fatos subjacentes à vida indivi-
dual e social, tinha, com efeito, de encarar Marx como uma
pessoa arrogante ou fria, mas êsse juízo depõe mais contra elas
do que contra Marx.
Só e quando o mundo retornar à tradição do humanismo
e superar a deterioração da cultura ocidental, tanto em sua
forma soviética quanto na· capitalista, êle verá, deveras, que Marx
não foi nem um fanático nem um oportunista - mas representou
o florescimento da humanidade ocidental, foi um home m com
um sentimento intransigente da verdade, que penetrava na pró-
pria essência da realidade, e nunca embaído pela superfície ilu-
sória; foi um homem de coragem e integridade inextinguível,
profun damen te preocupado com o homem e o futuro dêste; al-
truísta, pouco vaidoso e sem ambição de poder ; sempre animado
e estimulante, instilando vida em tudo quanto tocava, êle repre-
sentou a tradição ocidental em seus melhores aspectos: sua fé na
razão e no progresso do homem. :8le representou, de fato, o
próprio conceito do homem que se achava no centro de seu pen-
samento. O home m que é muito e tem pouco; o home m que
é rico por precisar de seus semelhantes.
MANUSCRITOS
ECONÔMICOS E FILOSÓFICOS
KARL MARX
K. Marx. e
1 Deut sch-F ranzo sisch er Jahrb üche r, organizado por fevereiro
1844) . Só foi publi cado um núme ro, em
A. Rudg e ( Paris
k der Hegelschen
de 1844. Mar ; refere-se a seu ensaio "Zur Kriti
T.
Rechtsphilosophie", às págs. 71 e seg. - Nota do
88. CONCEITO MARXISTA DO HOMEM
Trabalho Alienado
1
A expressão ente-espécie é tomada de Das Wesen des Chris-
tentums ( "A ~ss~nci~ do Cristian ismo"), de Feuerba ch. tste O em-
pregou Pª!ª ~1stmgu1! a consciên cia do homem da tlos animais. O
homem nao, .e conscien
" te apenas de si mesmo como um 1·no·lVl'd uo
mas d a espec1e ou essenc1a humana ". - Nota dp T.
A •
'
TRABALHO ALIENADO 95
2 o segun do manuscrito
• termina aqui - Nota do T.
TE RC EIR O MA NU SC RIT O
1 t . .
moviment_o m d epen dent e da prop ried ade priv
º.
do-se consciente de s1 mesm a; é a indú stria ada torn an-
mod erna com o Pessoa.
PROPRIEDADE PRIVADA E TRABALHO 111
e do
duti vo. Seu ideal moral é o trabalhador que leva uma part
a achar uma arte
salário para a caixa econômica. Chegou mesmo
foi apresentada
servil para corporificar essa idéia favorita, que
eito de sua apa-
de forma sentimental no palco. Assim, a desp
ciência verda-
·rência mundana e sequiosa de prazeres, ela é uma
as ciências. Sua
deiramente moralista, a mais moralista de tôdas
des humanas.
tese principal é a renúncia à vida e às necessida
ao teatro ou a
Qua nto menos se comer, beber, comprar livros, fôr
amar, doutrinar,
bailes, ou ao botequim, e quanto menos se pensar,
economizar e
cantar, pintar, esgrimir etc., tanto mais se poderá
e às traças -
mai or se tornará o tesouro imune à ferrugem
se exprimir nossa
o capital. Quanto menos se f ôr, quanto menos
vida alienada e
vida, tanto mais se terá, tanto maior será nossa
Tud o o que o
maior será a economia de nosso ser alienado.
humanidade de-
economista tira da gente sob a forma de vida e
se pode fazer,
volve sob a de dinheiro e riqueza. E tudo que não
er, beber, ir ao
o dinheiro pode fazer para a gente; pode-se com
tesouros históri-
baile e ao teatro. :Ele pode adquirir arte, saber,
apropriar tôdas
cos, poder político; e pode-se viajar. :Ele pod e
; êle é a ver-
essas coisas para a gente, pode comprar tudo
tudo isso, êle só
dadeira opulência. Mas, apesar de poder fazer
quer criar a si mesmo, e comprar a si mesmo,
pois tudo mais se
ém se possui o
lhe submete. Quando se possui o dono, tamb
Dessa maneira,
servo, e ninguém precisa do servo do dono.
ersas na avareza.
tôdas as paixões e atividades têm de ser subm
o para desejar
O trabalhador deve ter apenas o que lhe é necessári
viver, e deve desejar viver para ter isso.
J;; verdade que apareceu certa controvérsia
no campo da
Economia Política. Alguns economistas (Lauderdale, Malthus,
et ai.) advogam o luxo e condenam a poup
ança, enquanto ou-
a e condenam o
tros (Ricardo, Say, et ai.) advogam a poupanç
luxo a fim de
luxo. Mas os primeiros admitem que desejam
o que os últimos
criar trabalho, i. e., poupança absoluta, ao pass
riqueza, i. e.,
admitem que ad-vogam a poupança a fim de criar
J11xo . Os primeiros têm a idéia romântica
de que a avareza não
, e contradizem
deve determinar por si só o consumo dos ricos
e como sendo um
suas próprias leis ao representar a prodigalidad
demonstram com
direito de enriquecer; seus opositores, então,
diminui ao invés
gran de minúcia e convicção que a prodigalidade
o é hipócrita, ao
de aumentar minhas p.osses. O segundo grup
que determinam a
não admitir que são o capricho e a fantasia que
produção. Esquecem-se das "necessidades requintadas", e
-se de que, atra-
sem consumo não haveria produção. Esquecem
PROPRIEDADE PRIVADA E TRABALHO 131
mas vê nela seu próprio poder e fruição antes que riqueza ...
meta final. 2
(XXI) . . . e a fulgente ilusão acêrca da natureza da ri-
queza, produzida por sua estonteante aparência sensorial, é de-
frontada pelo industrial trabalhad,or, sóbrio, econômico e pro-
saico, que está esclarecido a respeito da natureza da riqueza e
que, embora incrementando a amplitude da vida regalada do
outro e lisonjeando-o com seus produtos (pois seus produtos são
outros tantos ignóbeis .mimos para os apetites do perdulári o), sabe
como apropriar para si mesmo, da única maneira útil, os po-
dêres decadentes do outro. Malgrado, portanto, a riqueza in-
dustrial pareça à primeira vista ser o produto de riqueza pródiga
e fantástica, não obstante despoja o último de maneira ativa
por seu próprio desenvolvimento. A queda da taxa de juro é
uma conseqüência necessária do desenvolvimento industrial. As-
sim, os recursos do rentier esbanjador minguam proporciona/-
mente ao aumento dos meios e oportunidades de divertimento.
:Ele se vê obrigado seja a consumir seu capital e arruinar-se, seja a
tornar-se êle próprio um industrial. . . Por outro lado, há um au-
mento constante da renda da ter1'a no decorrer do desenvolvi-
mento industrial, mas consoante já vimos deve chegar uma hora
em que a propriedade territorial, como qualquer outra forma de
propriedade, recai na categoria de capital que se reproduz
por meio do lucro - e isso é resultado do mesmo desenvolvi-
mento industrial. Assim, o perdulário proprietário de terras tem
de entregar seu capital e arruinar-se, ou então tornar-se um ren-
deiro de sua própria propriedade - um industrial agrícola.
O declínio da taxa de juro ( que Proudhon considera co-
mo abolição do capital e uma tendência para a socialização do
capital) é, pois, antes um sintoma direto da vitória completa
do capital _ativo sôbre a riqueza pródiga, i. e., a transformação
de tôda propriedade privada em capital industrial. :e a vitória
completa da propriedade privada sôbre suas qualidades aparente-
m ente humanas e a submissão total do dono da propriedade à
essência da propriedade privada - o trabalho. :e evidente que
o capitalista industrial também tem seus prazeres. :Ble não re-
torna absolutamente a uma simplicidade antinatural em suas
m
ind ep en de nte . . . Mas o home
a maturidade está int eir am en te au-
ntemente pa ra necessitar do
tem oportunidade quase consta
qu e êle esperará obtê-lo unica-
xílio de seus irmãos e é em vão a bem
~ mais provável qu e sej
mente da benevolência dêles. or,
amor-próprio dêles em seu fav
sucedido se pu de r interessar o lhes
oso pa ra êles fazer-lhe o qu e
mostrando-lhes qu e será vantaj ís-
solicita . . . Nã o nos dirigimos
à clemência dêles, mas a seu ego
e nu nca fal am os de nos sas necessidades, porém das vanta-
mo ,
gens dêles (págs. 12-13 ).
o é po r me io de tra tad o, de troca e de compra que
"C om -
os de ou tro s a ma ior pa rte dos bons ofícios de qu e mutua
obt em
carece mo s, ass im tam bém é essa mesma disposição pa ra
me nte
oci ar qu e ori gin àri am ent e ens eja a divisão do trabalho. Em
neg faz
a tribo de caç ado res ou pas tôres, uma determinada pessoa
um qu e
os e fle cha s, po r exe mp lo, com maior rapidez e perícia
arc de
e as troca po r gado ou carne
qualquer outra. Freqüentement sa
e acaba verificando qu e des
veado com seus companheiros
de con seg uir ma is gad o ou carne de veado do qu e
maneira po pegá-los. Te nd o em vista
pes soa lm ent e ao cam po pa ra
se fôsse
erê sse pró pri o, ent ão, a con fecção de arcos e flechas pas-
seu int
. (págs. 13 -14 ).
sa a ser seu principal negócio. .
is de homens diferentes .. .
"A diferença de talentos natura .. .
o efeito da divisão do trabalho
não é . . . tanto a causa quanto
trocar e cambiar, cada homem
Sem a disposição pa ra negociar, ne-
mesmo tudo qu e desejasse de
teria que providenciar po r si ba-
teriam de ter . . . o mesmo tra
cessário e conveniente. Todos ão,
havido essa diferença de ocupaç
lho a fazer e não poderia ter de
a qualquer diferença gra nd e
a única capaz de da r margem
talentos (pág. 14 ) .
qu e forma aquela diferença
"Assim como é essa distribuição
também é ela que tor na úti l tal
d~ talentos . . . entre os homens, m
mais . . . da mesma espécie recebe
diferença. Muitas tribos de ani do
de índole muito mais notável
da natureza uma diferenciação entre
a educação, parece ter lugar
que, precedendo o costume e
. Po r nat ure za, um filó sof o não é no temperamento e
os h?m~ns
ma ção nem a me tad e dif erente de um carregador do
na md galgo de um spaniel,
O é um mastim de um galgo, ou um
que ani-
r. Estas diferentes tribos de
ou _êste último de um cão-pasto uca
da mesma espécie, são de po
m~_s, contudo, apesar de tôdas não
O vigor do mastim (X XV I)
~ti idade uma para a outra . Os
a agilidade do galope, seja. . .
e, pelo menos, assistido seja pel
140 CONCEITO MARXISTA DO HOMEM
a." e
individualmente. A produção não pod e ter lugar sem a troc
_ Assim falou J. B. Say.
sua inteligência e
. "As faculdades intrínsecas do homem são
ndas da situação da
sua capacidade física para trabalhar. As oriu
rtir o trabalho e dis-
sociedade consistem na capacidade para repa
pod er trocar os ser-
tribuir tarefas entr e diferentes pessoas e no
subsistência. O mo-
viços e produtos que constituem os meios de
a outro é o interêsse
tivo que impele o hom em a dar seus serviços
iços prestados. O
próprio; êle exige uma retribuição pelos serv
spensável ao esta-
direito à propriedade privada exclusiva é indi
belecimento das trocas entre os hom ens. . . Troca e divisão do
7 Assim falou Skarbek.
trabalho são mutuamente dependentes." -
Mill apresenta a troca aperfeiçoada - o com
ercio - como
atuação do homem
uma conseqüência da divisão do trabalho: "A
pode ser reconstituída por elementos mui
to · simples. :Ele não
prod uzir movimento.
pode, com efeito, fazer mais nada se não
XV II) e pod e se-
Pode aproximar as coisas uma da outra, (XX
éria desincumbem-
pará-las uma da outra: as propriedades da mat
maquinaria, consta-
-se do resto. . . No emprêgo do trabalho e da
entados pela distri-
ta-se, amiúde, que os efeitos pod em ser aum
têm qualquer ten-
buição hábil, pela separação das operações que
ugação · de tôdas as
dência a se obstarem mutuamente e pela conj
auxiliarem-se umas às
operações que podem ser feitas de modo a
em executar muitas
outras·. Como os homens em geral não pod
e destreza com que
operações diferentes com a mesma rapidez
sempre vantajoso li-
pela prática aprendem a executar algumas, é
operações impostas a
mitar tanto quanto possível o número de
os esforços dos ho-
cada um. Para dividir o trabalho e repartir
, em muitos casos é
mens e máquinas, com a máxima vantagem
as palavras, produ-
n_ecessário operar em gran de escala; por outr
Ê essa vantagem que
zir as utilidades em grandes quantidades.
umas poucas, ins-
dá existência às grandes manufaturas, de que
üentemente abastecem
t~adas nos locais mais convenientes, freq
ade desejada da uti-
~ao um país, porém muitos, com a qua ntid
lidade produzida." a - Assim falou Mil!.
6
lbid ., pág. 76.
7
• F. Skarbek, Théo rie des richesses
sociales, sui.-Jie d'un e biblio-
, T. I, págs. 25-27.
graphie de l'écon.omie poli tiqu e, Paris, 1829
8 y, Londres, 1821.
M James Mill, Elem ents o/ Poli tical Eco nom ( Paris, 1823) • -
atrx cita da trad ução francesa por J. T. Pari
sot
N 0 a do T.
142 CONCEITO MARXISTA DO HOMEM
DINHEIRO
1
d Goethe, Fausto, Parte I, Cena 4. Elita pasagem foi tirada
ª trad. por Bayard Taylor The Modem Library, Nova York, 1950
- N. do T. '
S (N. do T. - Em português recorremos à trad. de Jenny Klabin
e~all, S.. Paulo, Instituto Prog;esso Editorial, 1949, pág. 106.)
1
146 CONCEITO MARXISTA DO HOMEM
E mais adiante:
pos-
poder do di~heiro, tudo. 9ue o coração huma n~ deseja, não
suo então todas as habili dades huma nas? Nao pode meu di-
em
nheiro transf ormar , então , tôdas as minh as incapacidades
seus opostos ?
Se o dinheiro é o laço que me prend e à vida humana, e a
êle
sociedade a mim, e me liga à nature za e ao home m, não é
e
o laço de todos os laços? Não é êle també m, portan to, o agent
universal da separação? Ele é o meio real tanto de separa
ção
quanto de união, a fôrça galva noquí mica da sociedade.
Shakespeare ressalta partic ularm ente duas propriedades de
dinheiro:
( 1) êle é a divind ade visível, a transformação de tôdas as qua-
lidades humanas e naturais em seus opostos, a confusão e inver-
em
são universal das coisas; êle conveête a incompatibilidade
fraternidade;
(2) êle é a meretriz universal, o alcoviteiro universal entre
homens e nações.
O poder de inverter e confu ndir todos os atributos humanos
e naturais, de levar os incompatíveis a confraternizarem, o po-
der divino do dinheiro reside em seu caráter como a vida-espé-
da
cie alienada e auto-alienada do homem. .Ele é a fôrça aliena
da humanidade.
O que sou incapaz de fazer como homem, e pois, o que
tôdas as minhas faculdades individuais são incapazes de fazer,
,
me é possibilitado pelo dinhe iro. O dinheiro, por conseguinte
transforma cada uma dessas faculdades em algo que ela não
é, em seu oposto.
Se estou com vontade de comer, ou desejo viajar na di-
di-
ligência da posta por não ser bastante forte para ir a pé, o
nheiro proporciona-me a refeição e a diligência, i. e., êle trans-
~orm~ meus desejos de representações em realidades, de sêres
imaginários em sêres reais. Atuan do assim como mediador, o di-
nheiro é uma fôrça genu111amente criadora.
A procura também existe para o indivíduo sem dinheiro,
mas sua procura é mera criatura da imaginação, que não tem3
.
efeito nem existência para mim, para um terceiro, par_a . .
(XLIII) e que, assim, permanecerá irreal e sem objeto. A d1feren-
3
Aqui Marx omitiu uma palavr a no manus crito. - Nota do T.
148 CONCEITO MARXISTA DO HOMEM
Fenomenologia
A. Autoconsciência
I. Consciência. (a) Certeza da experiência sensível, ou o "isto"
e o que significa. (b) Percepção, ou a coisa com suas pro-
priedades, e ilusão. ( c) Poder e compreensão, fenômenos
e o mundo supra-sensível.
II. Autoconsciência. A verdade da certeza de si mesmo. (a)
Independência e dependência da autoconsciência, domi-
nação e servidão. (b) Liberdade da autoconsciência. Estoi-
cismo, ceticismo, a consciência infeliz.
III. Razão. Certeza e verdade da razão. (a) Razão observante:
observação da natureza e da autoconsciência. (b) Auto-
-realização da autoconsciência racional. Prazer e necessi-
dade. A lei do coração e o frenesi da vaidade. A virtude
e a trajetória do mundo. ( c) A individualidade que é real
em si e para si mesma. O reino animal do espírito e o en- '
gano, ou a própria coisa. Razão legisladora. Razão que
examina as leis.
B. Espírito
I. Espírito verdadeiro; moral consuetudinária.
II . Espírito auto-alienado; cultura.
III. O espírito certo de si mesmo; moral.
C. Religião
Religião natural, a religião da arte, religião revetaua.
E TRABALHO 153
PROPRIEDADE PRIVADA
D.
Conhecimento absoluto.
m o
cyclopaed ia de He gel começa co m a lógica, co
A En mento
ento esp eculat ivo puro, e ter mi na co m o conheci
pensam absoluta, autoconsciente e
osó fic a ou
absoluto a inteligência fil re- hu ma na
az d~ co nc eb er a si me sm a, i. e., a int eli gê nc ia sôb
cap qu e o ser
abstrata. O co nju nto da
Encyclopaedia na da ma is é
ão;_ ~ a
osófica, su a auto-objetificaç
prolongado da intelig~ncia fil an do _dentro do s l1m1~es
do ali en ad a - pe ns
inteligência-mun
lie naç ão, i. e., co nh ece nd o-se a s1 me sm a de ma ne ira
de sua auto-a nto
A lóg ica é o din he iro da me nte , o valor-pensame
abstrata. ife ren -
vo do ho me m e da na tur eza cu ja essência é ind
especulati , irr eal ; o
a qu alq ue r car áte r rea l de ter mi na do e, po rta nto
te e a
abstrato e ignora o ho me m
pensamento, que é alienado e dê s se pensamento abstrato . ..
O car áte r ext ern o
. natureza reais. A na-
com o ex ist e pa ra êss e pe ns am en to abstrato .
a natureza concebida
é ex ter na a êle , um a pe rda dêle mesmo, e só
tureza pe nsa me nto
o alg o ext ern o, co mo pe ns am en to abstrato, mas
com
Finalmente, o esp íri to, êss
e pe nsa me nto re-
abstrato alienado. , fe-
à pró pri a ori ge m e qu e, como esp íri to antropológico
tornando ioso, nã o
no lóg ico , psi col óg ico , co nsuetudinário, artístico-relig
nome m co-
é válido para si mesmo até
se descobrir e relacionar-se co an -
), qu
íri to ab sol uto ( i.e ., ab str ato
nhecimento absoluto no esp verda-
sua exi stê nci a co nsc ien te e adequada. Pois seu
do_recebe
a abstração.
deiro modo de existência é
is cla-
ge l com ete um du plo êrr o. O pri me iro aparece ma
Jie an do He -
o berço de sua filosofia. Qu
ramente na Fenomenologia, tad o etc., como en tid ad es
riq uez a, o po de r do Es
g~l concebe a for -
do ser hu ma no , êle as concebe som en te em sua
alienadas assim,
pen sam ent o. Ela s são entidades do pe nsa me nto e,
~a do ro ( i. e.,
do pe nsa me nto filosófico pu
simplesmente uma alienação r conseguinte, acaba no co-
O mo vim en to glo ba l, po
abstr_ato) .
sol uto . E ex ata me nte o pe ns am en to abstrato de
nhec1?1ento ~b sua pre -
esses ob1 eto s se ach am alienados e en fre nta m com
que strata de
sunçosa re_alidade. O filósof
o, êle pró pri o um a for ma ab o
do , col oca -se a si me sm o como a medida do mu nd
h~mem aliena e do retraimento da alie-
Hi stó ria tot al da ali ena ção
alie_?ado.
rtan to, é ap en as a his tór ia da produção do pensamento
~ç ao , po_ . O
o, e., do pe nsa me nto absoluto, lógico, especulativo
:tr at 1. alie-
ve rda de iro interêsse dessa
e__amento, que assim for ma o o, é a oposição de em si e
sup era ção de ssa ali en açã
naçao .e da o, i. e.,
con sci ênc ia e au toc on sci ênc ia, de objeto e sujeit b
para s~, _de ato e
ª pos1çao n 0 pro, pn·o pensamento, en tre pensamento a str
,
154 CONCEITO MARXISTA DO HOMEM
Conhecimento absoluto
* N. do T. - Em inglês, thinghood.
158. CONCEITO MARXISTA DO HOMEM
é a defe sa
e O
comunismo como anul ação da prop rieda de priva da
O últim o é,
da vida hum ana real como prop rieda de do hom em.
o ateísmo é o
também, a emer gênc ia do hum anism o práti co, pois.
da religião,
humanismo medi ado para si mesm o pela anulação
iado para si
ao passo que o comu nism o é o hum anism o med
Só pela supe-
mesmo pela anulação da prop rieda de priva da.
pré-condição
ração dessa mediação ( que, no entan to, é uma
autogerador.
indispensável) pode aparecer o hum anism o positivo
fuga ou
O ateísmo e o comunismo, entre tanto , não são uma
os hom ens
abstração, ou aind a perd a, do mun do objetivo, que
não são um
criaram pela objetificação de suas faculdades. :Eles
ral. São, an-
retrocesso· empobrecido à prim itiva simplicidade natu
ção, da na-
tes, a primeira emergência real, a legít ima concretiza
tureza do homem como algo real.
da nega-
Hegel, pois, pelo fato de ver a significação positiva
, concebe o
ção auto-referível ( apesar de sob um mod o alien ado)
a de obje-
auto-alheamento do homem, sua alienação do ser, perd
de natureza,
tividade e realidade como autodescoberta, mud ança
ebe o traba-
objetificação e realização. Em resumo, Hege l conc
ra em têrmos
lho como o ato de autocriação do homem ( embo
igo mesmo
abstratos) ; êle percebe a relação do hom em cons
a-espécie e
como um ser alienado e a emergência da consciênci
ado.
da vida-espécie como a demonstração de seu ser alien
eqüên-
(b) Em Hegel, porém, à parte da, ou antes, como cons
surge, antes
cia da inversão já descrita por nós, êsse ato de gênese
abstrato e por
de mais nada, como ato meramente formal, por ser
ser a própria natureza hum ana tratada como natur
eza abstrata,
pensante, como autoconsciência.
epção, a
E:11 segundo lugar, por ser formal e abstrata a conc
ação. Para
anulaçao da alienação torna-se confirmação da alien
ão, sob a
Hegel, êsse movimento de autocriação e auto-objetificaç
isso final,
form~ de auto-alheamento, é a expressão absoluta, e por
paz con-
d_a vrda humana, que tem fim em si mesma, está em
sigo mesma e unid a à sua próp ria natureza.
como dia-
, . Este movimento, em sua forma abstrata (XX XI)
mas como
létJCa, é então visto como vida humana verdadeira
s~m embargo, é uma abstração, uma alienação da vida
humana, é
o da hu-
vi sto como processo divino e' porta nto' o processo divin
m .dªde; é um processo por que passa o ser abstrato, puro e
an~
ª6so uto do homem, e não êle próprio.
166 CONCEITO MARXISTA DO HOM EM
naetureza
exprime essa antítese de tal maneira que essa txterioridade da
' e seu contraste com o pensamento, aparece como uma
170 CONCEITO MARXISTA DO HOMEM
Karl Marx
(a) História
como três aspectos ou, para deixar isso mais claro para os alemães,
como três "momentos", existindo simultâneamente desde a aurora
da História e dos primeiros homens, e ainda se afirmando nos
dias de hoje.
A produção da vida, tanto da sua própria pelo trabalho como
da vida pela procriação, aparece agora como uma dupla rela-
ção: por um lado, como natural; pelo outro, como social. Por
social, entendemos a cooperação de diversos indivíduos, não impor-
ta em que condições, de que maneira e com que fim. Decorre
daí um certo modo de produção, ou estágio industrial, sempre a se
combinar a certo modo de cooperação, ou estágio social, e êsse
modo de cooperação ser em si mesmo uma "fôrça produtiva".
Ainda mais, a multidão de fôrças produtivas acessíveis ao homem
determina a natureza da sociedade, e por isso a "história da hu-
manidade" tem sempre de ser estudada e tratada em relação à
história da indústria e das trocas. Todavia, também fica claro
como na Alemanha é impossível escrever êsse gênero de história,
pois aos alemães falecem não só a indispensável capacidade de
compreensão e o material como ainda a "prova dos sentidos", pois
além-Reno não se pode vivenciar estas coisas já que a História
parou de acontecer. Assim, é bastante óbvio, de saída, existir
uma conexão materialista dos homens entre si, determinadas
por suas necessidades e seu sistema de produção e tão antiga
q~anto os próprios homens. Essa conexão está sempre assu-
mmdo formas novas, e por isso apresenta uma "história" inde-
pendente da existência de qualquer tolice política ou religiosa ca-
paz de por si só manter unidos os homens.
Só agora, após ter considerado quatro momentos, quatro
aspectos das relações históricas fundamentais, concluímos deve-
r~s qu: o homem também possui "consciência"; mas, ainda as-
s~m!, n_ao consciência inerente, "pura". Desde o início, o "espí-
r~t~ e atormentado pela maldição de estar "oprimido" pela ma-
tena, .que aí faz seu aparecimento sob a forma de camadas de
ar agitadas, sons, em suma, de linguagem. A linguagem é tão
condiÇÕes .
nova b ' uma economia comunal não formaria por si mesma uma
baria dased puramente teórica, seria uma simples curiosidade e aca-
que er/º .? em nada mais do que uma economia monástica. O
prédios viavel _Pode· ser visto na formação de vilas e na ereção de
por isso :muna.is ~ara determinados fins ( prisões, quartéis etc.). t
parável da esmlio . evi~ente ser a abolição da economia individual inse-
e mmaçao da familia.
176 CONCEITO MARXISTA DO HOMEM
al-
guma, nem as pode ter. Para o animal, sua relação com os
ou-
tros não existe como relação. A consciência, por conseguint
e, é
desde o comêço um produto social, e assim permanece enqua
nto
houver homens. A princípio, é claro, a consciência só se
refere
ao meio sensível imediato e ao conhecimento da ligação restrit
a
com outras pessoas e coisas exteriores ao indivíduo que se vai
tor-
nando autoconsciente. Ao mesmo tempo, ela é percepção da.
na-
tureza, que aparece primeiro ao homem como uma fôrça comp
le-
tamente estranha, onipotente e invulnerável, com a qual as
rela-
ções do homem são exclusivamente animais e pela qual êles
são
excessivamente aterrorizados como se fôssem feras; é, pois,
uma
consciência puramente animal da natureza ( religião natur
al).
Vemos imediatamente aqui : essa religião natural ou com-
portamento animal face à natureza é determinado pela forma
da sociedade e vice-versa. Aqui, como em tôda parte, a identidade
do homem e da natureza aparece de maneira à relação restrit
a
dos homens com a natureza determinar a restrita relação dêles
entre si, e sua relação restrita entre si determinar a relação
res-
trita dêles com a natureza, exatamente porque a natureza ainda
não foi historicamente modificada; e, por outro lado, a consc
iên-
cia do homem da necessidade de associar-se com os indivíduos
a seu redor é o início da tomada de conhecimento de que
de
qualquer modo está vivendo em sociedade. .Esses primórdios
são
tão animais quanto o é a própria vida social nessa fase. n mera
consciência insensível, e a essa altura o homem só se distingue
dos
carneiros pelo fato de nêle a consciência tomar o lugar do
ins-
tinto ou de êste ser consciente.
Essa consciência tipo carneiro ou tribal recebe seu ulterior
desenvolvimento e ampliação graças ao aumento da produ
ti-
vidade, das necessidades, e o que é fundamental para ambas,
da
população. Com essas três desenvolve-se a divisão do traba-
lho, originàriamente não passando de divisão do trabalho no
ato
sexual, e a seguir a divisão do trabalho manifestada espont~nea
ou "naturalmente" por fôrça de predisposição natural (e. g., v1go~
físico), necessidades, acidentes etc. etc. A divisão do trabalho
so
EXCERTOS DE "IDEOLOG IA . ALEMÃ" 177
cilação das idéias, é muito fácil abstrair dessas várias idéias "a
?1éia" ªdie Idee" etc. como a fôrça dominante da história, e
~iro 'entender tôdas essas idéias e conceitos separados como "for-
mas de autodeterminação" por parte do conceito em evolução na
história. Segue-se, então, naturalmente, também, poderem tôdas
as relações dos homens ser derivadas _do conceito do homem, o
homem como foi concebido, a essência do homem, o homem. Isso
foi feito pelos filósofos especulativos. O próprio Hegel confessa,
00 fim de A Filosofia da História, que êle "considerou o progres-
so do conceito apenas" e representou na História "a verdadeira
Teodicéia". Agora, pode-se voltar aos "produtores do conceito",
aos teóricos, ideólogos e filósofos, e chega-se então à conclusão de
os filósofos, os pensadores, terem dominado em tôdas as época5
da história: uma conclusão, como vemos, já expressa por Hegel.
Tôda a trama para provar a hegemonia do espírito na história
(hierarquia, como Stirner a chama) confina-se, pois, aos três ardis
seguintes:
1. Devem-se separar as idéias dos que mandam por razões
empíricas, sob condições empíricas e como indivíduos empíricos,
das pessoas reais dêsses mandamentos, e assim conhecer o domínio
das ilusões na história.
2. Deve-se imprimir ordem a êsse domínio das idéias, provar
uma ligação mística entre as sucessivas idéias dominantes, o que
~e consegue interpretando-as como .. atos de autodeterminação por
parte do conceito" (isso é possível porquanto, em virtude de sua
base empírica, essas idéias são realmente interligadas, e porquan-
to, concebidas como met'as idéias, tornam-se autodistinções, distin-
ções feitas pelo pensamento) .
Karl Marx-
Karl Marx
Paui Lafargue
-
de Hegel, decorando versos em língu a estrangeira dêle desco
nheçida.
Sabia Heine e Goeth e de cor e amiúd e citava-os em conver-
sa; era um leitor assíduo de poetas em . tôdas as língu as européias.
a
Todos os anos, lia f'.squilo no origin al grego ; considerava-o e
Shakespeare os maiores gênios teatrais jamais nascidos. Seu res-
peito por Shakespeare era ilimitado; fêz um estudo minucioso
das obras dêle e conhecia até os menos importantes de seus per-
sonagens. Tôda sua família tinha um verdadeiro culto pelo gran-
de dramaturgo inglês; suas três filhas conheciam de memó ria
muitas das obras dêle. Quando, depois de 1848, quis aperfeiçoar
seu conhecimento de inglês, que já sabia ler, esqua drinh ou e classi-
ficou tôdas as expressões originais polêmicas de Shakespeare. Fêz
tt,
a mesma coisa com parte das obras polêmicas de Willi am Corbe
a quem tinha em alta conta. Dante e Robert Burns estavam
entre seus poetas favoritos, e êle escutava com grand e praze r suas
filhas recitar ou cantar as sátiras e baladas do poeta escocês.
Cuvier, trabalhador infatigável e mestre consumado das ciên-
al
cias, tinha um conjunto de salas arrumadas para seu uso pesso
a
no Museu de Paris, de que era diretor. Cada sala destinava-se
determinado assunto e continha os livros, instrumentos, subsídios
anatômicos etc. exigidos pela sua finalidade. Quan do êle se
s:ntia cansado de um gênero de trabalho, passava para a sala vi-
zinha e mudava para outro: diz-se que essa simples muda nça de
ocupação era um descanso para êle.
~arx era um trabalhador tão incansável quanto Cuvier, mas
n-
não dispunha de meios para equipar diversos gabinetes. · Desca
sava andando de um lado para .outro da sala. Havia um trecho
m~rcado no soalho, da porta até a janela, tão nítido como um ca-
minho no campo.
De vez em quando deitava-se no sofá e lia uma novela; às
vêzes'. lia duas ou três em rodízio. Como Darw in, era um gran-
de leitor de novelas, prefe rindo as do século XVII I, particularmen-
te O _Tom Jones de Fielding. Os romancistas mode rnos que lhe
pareciam mais interessantes eram Paul de Kock, Charles Le-
~er, Al~xandre Dumas pai e Walte r Scott, cujo Old Mortality
el;, c?nsiderava uma obra-prima. Tinha preferência acentuada por
es onas de aventuras e _humorismo.
ele classificava Cervantes e Balzac acima de todos os ou-
· , via· a epope'·ia d a cava1ana·
tros novelistas · Em D om Qu1xote
13
194 CONCEITO MARXISTA DO HOMEM
uma vida inteira, não lhe era suficiente, e durante anos freqüen-
tou regularmente o Museu Britânico, cujo catálogo apreciava
muito.
Mesmo os adversários de Marx eram obrigados a admitir sua
extensa e profunda eru~ição, não só em sua própria especialidade
- a Economia Política - como em história, em filosofia e na
literatura de todos os países.
A despeito da hora tardia em que Marx se deitava, estava
sempre de pé entre oito e nove da manhã, tomava um pouco de
café sem leite, lia os jornais e ia para a sala de trabalho, onde fi-
cava até duas ou três da madrugada. Só interrompia o trabalho pa-
ra as refeições e, quando o tempo permitia, para um passeio à
notinha pela charneca de Hampstead. De dia, às vêzes, dormia
uma ou duas horas no sofá. Na mocidade, muitas vêzes passou
a noite inteira trabalhando.
Marx tinha paixão pelo trabalho. Absorvia-se tanto nêl~
que freqüentemente esquecia-se de comer. Era comum ter de ser
chamado diversas vêzes para vir para a sala de jantar e mal aca-
bava de mastigar já estava de volta ao gabinete.
Comia muito pouco e sofria de inapetência. Tentava supe-
rar isso por meio de alimentos muito condimentados - presunto,
peixe defumado, caviar, conservas. Seu estômago tinha que so-
frer com a enorme atividade do cérebro. Sacrificava todo o cor-
po ao cérebro; pensar era o seu máximo prazer. Muitas vêzes
ouvi-o repetir as palavras de Hegel, o mestre de filosofia de sua
juventude: "Até o pensamento criminoso de um malfeitor tem
mais grandeza e nobreza do que os prodígios dos céus."
Sua constituição física tinha de ser boa para agüentar aquêle
estilo de vida incomum e o exaustivo trabalho mental. l!le era,
de fato, de pujante compleição, altura acima da mediana, ombros
largos, peito amplo e tinha membros bem proporcionados, embora
ª coluna vertebral f ôsse um tanto longa em comparação com as
p_ernas, como ocorre amiúde com os judeus. Tivesse feito ginás-
tica na mocidade e teria sido um homem muito forte. O único
exercício físico que jamais seguiu regularmente foi andar: podia
perambular ou galgar morros durante horas, falando e fumando,
~ sent~ qualquer cansaço. Pode-se mesmo dizer que traba-
va caminhando em sua sala, só sentando ocasionalmente para
escrever o que refletia andando. Gostava de andar dum lado para
196 CONCEITO MARXISTA DO HOME M
* N . do T. - Mouro.
REMINIS CÊNCIA S DE MARX 201
da
p . • Essa resolu ção foi adotad a pelo Congr esso de Bruxel as
2
1
Nei u Rhe inische Zeit ung . Politisch-ôkonomische Rev ue. -
Nota do Org .
208 CONCEITO MARXISTA DO HOMEM
*
* *
Era em suas relações com os filhos, porém,
vez fôsse mais fascinante . Por certo, nunca que Mar x tal-
crianças tiveram um
companheiro de brincadeiras mais encantador.
Min ha mais re-
mota lembrança dêle é de quando eu tinha
cêrca de três anos,
e "Mo or" ( o velho apelido de casa escapou
-me) me levava nos
ombros em volta do nosso pequeno jardim
em Gra fton Terrace,
pondo flôres "campainha" nos meus cachos
castanhos. "Mo or"
era reconhecidamente um cavalo esplêndido.
Antes disso - não
me lembro mas ouvi contar - minhas ·irmãs
e o irmãozinho -
cuja morte logo após meu nascimento foi
uma dor que afligiu
meus pais a vida inteira - "atrelavam" "~o
or" a cadeiras, e~
que êles montavam e êle tinh a de pux ar. . .
Pess
vez por não ter irmãs de min ha idade - -eu prcf oalmente - tal-
eria "Mo or" como
cavalo de sela. Sentada em seus ombros, aga
rrando-me a sua vas-
ta cabeleira então negra, mas com salpico gris
alho, dei mag~íficos
passeios em nosso jardinzinho e pelos campos
- agora cheios de
prédios - que rodeavam nossa casa em Gra
fton Terrace.
Um a palavra quanto ao apelido "Mo_o r".
E~ casa, _todos
tínhamos apelidos. (Os leitores de O Caprtal.
· saberao como Marx
era bom para pôr apelidos.) "Mo or" era o
nome c_omum, quase
oficial, pelo qual Mar x era chamado não só
por nos, como por
214 CONCEITO MARXISTA DO HOME M
todos os amigos mais íntimos. Mas êle era também nosso "Cha
l-
ley" ( originalmente, creio eu, uma corruptela de Charles) e "Old
Nick ". Minha mãe era sempre nossa "Moh me". Nossa velha
e
querida amiga Hélene Dem uth - a amiga de uma vida inteir
a
de meus pais - , após uma série de nomes, tornou-se a nossa
"Nym ". Engels, depois de 1870 , tornou-se nosso "Gen eral" . Uma
amiga muito íntima - Lina Schoeler - nossa "Velh a Toupeira".
Minh a irmã Jenny era "Qui Qui, Imperador da China" e "Di".
Minh a irmã Laura (Madame Lafar gue), "a Hotentote" e "Ka-
kadou". Eu era "Tussy" - um nome que ficou - e "Quo , Quo,
Sucessor do Imperador da China", e por muito tempo o "Get-
werg Alberich" ( dos Niebelungen Lied) .
Contudo, embora "Moor" fôsse excelente cavalo, êle possuía
· uma outra qualidade ainda mais alta. Era um contador de
es-
tórias ímpar, sem rival. Ouvi minhas tias dizerem que em pe-
queno êle era um terrível tirano para as irmãs, a quem "guiara" ao
longo do Markusberg em Trier, a tôda velocidade, como cava-
los dêle, e, o que é pior, insistia em que comessem os "bolinhos"
que êle fazia com massa suja e mãos ainda mais sujas. Elas,
porém, agüentavam tudo sem murmurar, para poderem ouvir as
estórias que Karl lhes contaria depois como recompensa por sua
virtude. E assim, muitos anos depois, Marx contava estórias
para os filhos. A minhas irmãs - eu era então muito pequena
- contava estórias quando saíam caminhando, e elas eram me-
didas em quilômetros e não em capítulos. "Conta mais um quilô
-
metro", era o grito das duas meninas. De minha parte, dos muito
s
contos maravilhosos que "Moor" me contou, o mais notável,
o
mais delicioso, foi "Han s Roeckle" : Duro u meses e meses; era
uma série completa de estórias. Que pena ninguém estar ali es-
crevendo aquêles contos tão cheios de poesia, de espírito, de hu-
mor! Hans Roeckle era um mágico à moda de Hoffmann, que
possuía uma loja de brinquedos e vivia sempre "pron to". A
loja dêle estava cheia de coisas mais extraordinárias - homens
e mulheres de madeira, gigantes e anões, reis e rainhas, trabalha-
dores e patrões, animais e pássaros tão numerosos como os que
Noé colocou em sua Arca, mesas e cadeiras, carruagens, caixas de
tôda espécie e tamanho. E embora fôsse mágico, Hans nunca con-
seguia satisfazer suas obrigações para com o diabo ou o açouguei-
ro, e portanto - muito a contragosto - era obrigado constante-
-?1en~e a vender seus brinquedos - sempre acabando de volta
a loJa de Hans Roeckle. Algumas dessas aventuras eram tão hor-
rendas, tão horríveis, quanto qualquer uma de Hoffm ann; algu-
KARL MARX
215
mas eram cômicas; tôdas eram narradas com inesgotável verve,
espírit<;> e humor.
E "Moor" também lia para os filhos. Foi assim que para
mim, como antes para minhas irmãs, leu na íntegra Homero, os
Niebelungen Lied, Gudrun, Dom Quixote, as Mil e Uma Noites
etc. Quanto a Shakespeare, era a Bíblia de nossa casa, raramente
fora de nossas mãos ou de nossos lábios. Aos seis anos, eu já
conhecia de cor cenas inteiras de Shakespeare.
Em meu sexto aniversário, "Moor" presenteou-me com mi-
nha primeira novela - o imortal Pedro Simplório. Essa foi
acompanhada por um curso inteiro de Marryat e Cooper. E
meu pai de fato lia cada um dos contos à medida que eu os lia,
e discutia-os seriamente com sua garotinha. E quando essa ga-
rotinha, inflamada pelos contos marítimos de Marryat, declarou
que iria ser um "Capitão do Pôsto" ( sei lá o que isso seria) e
consultou o pai se não lhe seria possível "vestir-se como menino"
e "fugir para alistar-se em um navio de guerra", êle lhe garantiu
que a idéia poderia muito bem ser seguida, mas só que não
deviam contar a ninguém até os planos estarem bem amadureci-
dos. Antes dos planos poderem amadurecer, contudo, pegara a
mania de Scott, e a menina ouviu, para seu horror, que ela mesma
em parte pertencia ao detestado clã dos Campbell. Em seguida,
houve planos para sublevar os Highlands e para reviver "os qua-
renta e cinco". Devo acrescentar que Scott era um autor a que
Marx repetidamente voltava, que admirava e conhecia tão bem
quanto a Balzac e Fielding. E enquanto conversávamos sôbre
êsses e muitos outros livros, êle ia indicando a essa menina, que se
mostrava completamente inconsciente ao fato, onde procurar o que
havia de melhor nos livros, ensinando-a - embora ela nunca
imaginasse que estava sendo ensinada, ao que se teria oposto -
a tentar e a pensar, a tentar e a entender por si mesma.
E da mesma forma, êsse "amargo" e "exasperado" homem
falava de "política" e "religião" com a meninazinha. Quão bem
me recordo, quando tinha talvez cinco ou seis anos, de ter _sen-
tido certos escrúpulos religiosos e ( tínhamos estado em uma 1gre-
já católica romana para escutar a linda música). confiando-~s, na-
turalmente a "Moor" como êle calmamente deixou tudo tao ela-
' ,
ro e certo para mim que dêsse momento até hoje nenhuma d,u-
vida jamais voltou a passar por meu pensamento. Lemb~o-me,
agora, de êle me contar a estória - não acho que poderia ter
sido contada assim antes ou depois - do carpinteiro a quem os
216 CONCEITO MARXISTA DO HOMEM
*
* *
KARL MARX ·217
E eu, às vêzes, penso que quase tão forte entre êles como
foi o vínculo de seu devotamento à causa dos trabalhadores foi
também o seu imenso senso de humor. Garanto que nunca
duas pessoas apreciaram melhor uma brincadeira do que aquêles
dois. Repetidas vêzes - especialmente se a ocasião exigia com-
postura e seriedade - vi-os rir até as lágrimas correrem pelas faces
abaixo, e mesmo as pessoas dispostas a ficar chocadas ante ta-
manha jovialidade intempestiva não podiam deixar de rir com
êles. E quão amiúde vi-os sem se atreverem a olhar um para o
outro, cada um sabendo que um mero vislumbre trocado resul-
taria em risadas incontroláveis! Ver os dois com os olhos fixos
em qualquer coisa que não fôsse o outro, parecendo, a todos, d?is
escolares, sufocando com o riso reprimido que acabava, a despeito
de todos os esforços, arrebentando, é uma recordação que eu não
trocaria por todos os milhões que às vêzes atribuem à minha he-
rança. Sim, malgrado todo o sentimento, as lutas, os desapon-
tamentos, êles eram uma dupla alegre e o acirrado Júpiter Toni-
truante uma ficção da imaginação burguesa. E se nos anos de luta
houve muitas desilusões, se depararam com a ingratidão de estra-
218 CONCEITO MARXISTA DO HOMEM
Friedrich Engels