História Da Música I

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UFPI/CCE/DMA

História da Música I

JOÃO BERCHMANS CARVALHO


2

A MÚSICA CRISTÃ

“Uma das condições fundamentais


da música na liturgia é a sua
utilidade ou sujeição ao serviço do
culto divino”.

Ismael Fernández de la Cuesta

INTRODUÇÃO.

Começaremos pelos cantos cristãos uti lizados nas práti cas


religiosas e que nos foram transmiti dos pelos documentos e pela tradição,
ou seja, os cantos bizanti nos e romanos. A maioria deles não deve ser
considerada como expressões artí sti cas embasadas de caráter religioso, mas
como elementos musicais a serviço da liturgia. Dessa forma, a história e a
estéti ca devem disti nguir o belo do práti co e meditar sobre a forma com
que surgiram as melodias na alma dos fi éis.

A palavra liturgia deriva do grego leitos ou letos (público) e


ergon (trabalho, função), tendo diversas concepções de uso. Entre os
atenienses, designava todo o serviço público, civil ou militar; para os
cristãos gregos, era sinônimo de Missa, o mais importante dos ofí cios
celebrados em público; entre os romanos, abarcava todos os atos do culto:
Missas, Ofí cios, Sacramentos, etc., e todo o cerimonial, desde os cantos e as
3

orações rezadas, às cores dos paramentos que variavam segundo os dias e


as funções. Também se defi niu liturgia como a fórmula de nossas relações
com Deus. O canto também parti cipava como um elemento presente na
liturgia aliado à palavra para expressar os senti mentos e elevar a alma, ou
seja, a expressão de senti mento religioso através do canto e da oração. Não
se concebia na liturgia a música como forma de ati tude estéti ca Neste
aspecto, a arte musical conjugada à oração entra plenamente na história da
música. 1

Tal como acontece com as diversas formas da cultura ocidental,


a Grécia foi o ponto de parti da, tendo Roma como depositária da cultura
grega e responsável pelos contatos com o restante dos povos da Europa,
principalmente após o domínio romano no mundo grego por volta de 146
a.C. A parti r daí, as artes e as letras fl oresceram em Roma através dos
gregos, que transmiti ram ao mundo ocidental o pensamento e as ati tudes
estéti cas desta civilização dominada, sobretudo, no campo da fi losofi a, das
artes, da literatura e da políti ca.

Com relação à música, as referências que nos chegaram são


exclusivamente teóricas, baseadas em descrições da práti ca musical grega.
Destacamos como fonte de informação, a Ilíada e a Odisséia de Homero,
que menciona hinos a Apolo, coros femininos que choraram a morte de
Heitor e a uti lização pelos poetas-músicos de pelo menos dois
instrumentos: a lira, protóti po dos instrumentos de corda e o aulos,
igualmente dos de sopro. 2
Figura 1 Aulos Grego

1
Cf. DELLA-CORTE, A. e PANNAIN, G. História De La Música. Barcelona, Editorial Labor, 1965.
2
Cf. História da Música Clássica (Fascículo 1). Madrid, Ediciones del Prado, 1995.
4

Figura 2 Lira

Roma não demonstrou autonomia artí sti ca com relação à


infl uência musical grega, no entanto, destaca-se a importância da música
desempenhando papel relevante no culto, na sociedade, nos banquetes e
nas campanhas militares.

Na época do Império Romano, existi a uma música


expressamente dedicada ao entretenimento, sobretudo nas exibições de
luta e nos espetáculos nos anfi teatros. Sêneca refere-se a coros com muitas
vozes acompanhadas com instrumentos de metal. Também as vozes eram
combinadas com o órgão hidráulico , criado no século III a. C., por Ktesibios,
um engenheiro de Alexandria. 3

Figura 3Instrumentos Romanos

3
Cf. MICHELS, Ulrich. Atlas de Música. Madrid, Alianza Editorial, 1989, p.179.
5

Quadro 1 Cronologia

Liturgia Bizantina.
6

Bizâncio se converteu em um centro cultural moti vado por


alguns fatores, tais como, o fato de Constanti no, o Grande ter transferido
sua residência, em 330, da Roma Anti ga e pagã, para a cidade de Bizâncio
cristã (Constanti nopla); também, desde que o cristi anismo transformou-se,
em 391, em religião ofi cial do Estado e desde que Bizâncio conservou
inalterado seu posto de capital do Império Romano do Oriente depois da
divisão do Império, em 395, e a decadência do Império Romano do Ocidente
em 476. Bizâncio deu conti nuidade às anti gas tradições, sobretudo no que
diz respeito à música eclesiásti ca, até a sua derrota para os turcos em 1453.

Figura 4 Igreja de Santo Sofia

No Oriente, a práti ca eclesiásti ca caracteriza-se por ser


multi facetada, pois compreendia as igrejas dos países cristãos primiti vos
(Palesti na, Síria, Grécia, etc.), cada uma delas com sua língua e liturgias
próprias, tais como a igreja bizanti na , a ortodoxa grega, a ortodoxa russa,
a etí ope, a copta (cristã-egípcia). A separação entre a Igreja Ocidental e
Oriental se consumou em 1504.
7

A música eclesiásti ca bizanti na se remonta às tradições do


canto grego, sírio e sinagogal, este últi mo através do canto hebreu. 4

Cronologia Histórica: apresentação em slides

Século I

 Vagas indicações de cantos e hinos em diversas formas e ritmo


diferente.
 Execução solista ou coral durante as cerimônias religiosas.
 Confi rmação do uso do canto alternado ( anti fônico, coro contra
coro), em carta de Plínio, o Jovem ao imperador Trajano.

Séculos II e Século III

 Alguns hinos e salmos davídicos desti nados às comunidades cristãs ou


heréti cas, mencionam às vezes os nomes dos autores: Justi no Márti r,
falecido em Roma, em 170; Clemente de Alexandria , nascido na
Palesti na, mas viveu no Ocidente. Parece ser o primeiro poeta cristão
lati no; Bardesane, heréti co sírio que escreveu 150 cânti cos,
divulgando a hinodia.
 Nos fi ns do século III, descobre-se um papiro com a anotação de um
hino, o Oxyrhynchos, considerado o mais anti go dos hinos cristãos
que se conhece.

Século IV

 Decadência das tradições que Roma havia tomado da Grécia.


 Elevação da música que expressava o senti mento religioso.
 São Gregório Nacianceno (330 - 390), teólogo e poeta.
 São Efrén (306 - 373), padre, músico e poeta, que produziu hinos com
estribilhos para coros anti fônicos.
 O canto anti fônico deixou de limitar-se à declamação, desenvolvendo
melodia. Esta forma se difundiu primeiro na Síria e Palesti na, logo se
estendendo por todo o mundo cristão. Foi aceita em Constanti nopla
com a ajuda de São João Crisóstomo e em Roma pela vontade do papa
Dámaso (366 - 384). Santo Ambrósio a divulgou em Milão.

Séculos V e Século VI

4
Id. ibid.p.183
8

 Desenvolvimento dos novos cantos, apesar da restrição feita a eles


pelos severos cristãos, que os achavam pérfi dos e corruptos.

Séculos VII e VIII

 León Isáurico proclama a iconoclasti a.


 Desaparecem textos da hinografi a bizanti na nas ruínas das igrejas,
escolas e bibliotecas.
 A reação seguinte a este período fomentou um despertar tanto da
consciência religiosa, como das artes inspiradas no senti mento
místi co.
 Com o fi nal da opressão dos iconoclastas, aumentou rapidamente a
ati vidade artí sti ca.
 Durante o milênio, aconteceram as novidades e evoluções com
respeito à práti ca musical. Porém, no século X, inicia a decadência do
conteúdo poéti co musical. O império caminha para o fi m e a ruína,
acontecida em 1453. O Estado e a cultura quedavam-se à invasão dos
turcos e a expansão do Império Otomano.

Quadro 2 Cronologia

Música Bizantina

Fontes:
9

 Manuscritos antológicos de hinos eclesiásti cos.


 Preces do ordinário litúrgico.
 Tratados de teoria e notação musical ( Crisante di Madito).
 Descrições de cerimônias profanas e sagradas, acompanhadas
com hinos, cantos e instrumentos.

Teoria Musical Bizantina

 A oitava se dividia em 68 partes (ou graus) desiguais.


 Não prati cava a harmonia.
 Mais um “deslizamento” que uma distância entre os sons.
 Quando associada a um texto, manti nha o ritmo poéti co.

Sistema Musical

 Modal: OCTOICHOS. Ichos (Modos), Octo (Oito).


 Quatro modos eram agudos (dórico, frígio, lídio, mixolídio).
 Quatro modos eram plagais (hipodórico, hipofrígio, hipolídio,
hipomixolídio).
 Melodia ascendente uti lizava-se os modos agudos.
 Melodia descendente uti lizava-se os modos plagais.

Prática Musical

 Anti fônica: dois coros alternados.

Cenóbios

 Classe de religiosos e teóricos que cuidavam do scriptorium:


escola de redação e transcrição dos livros das pregações
cantadas, bem como, do ensino do canto.

Formas de Canto

 O Tropario: desenvolveu-se no século V; entre os versículos


dos Salmos bíblicos interpolavam-se os tropos na qualidade
de versos de composições novas, sensíveis e na forma de
10

canções (tropos). A parti r daí, receberam o nome de tropário


as canções eclesiásti cas independentes.

 O Kontakion: uma confi guração multi estrófi ca, composta e


cantada por Sofronio de Jerusalém, Sérgio de Bizâncio e São
Romão da Síria, no século VI (baseado no modelo de São
Efrém, no século IV).

 O Canon: originou-se entre os séculos VII e IX. Cantos


baseados em passagens bíblicas, que desempenharam papel
importante na liturgia ocidental. A cada trecho seguem várias
estrofes adicionais cantadas sobre a melodia dos tropos. Os
poetas mais importantes autores de cânones foram Andreas
de Creta († por volta de 740) e Juan Damasceno († por volta
de 750).

Notação

 notação mnemônica, onde os cantos são perpetuados através


da tradição oral. Posteriormente, desenvolveu-se a notação
neumáti ca baseadas nos neumas bizanti nos para os cantos e
signos ekfonéti cos para as letras. Essa notação não
codifi cava as alturas fi xas dos sons, os intervalos, ritmos nem
formas de execução.

Figura 5 Notação Bizantina


11

Figura 6 Formas litúrgicas bizantinas


12

Música na Sociedade Bizantina

Da mesma maneira que a música eclesiásti ca, a música


profana do império bizanti no estava diretamente relacionada a estritas
cerimônias. Não se conservam documentos que possam indicar isso, mas é
aceito pela musicologia que a práti ca musical bizanti na era similar à práti ca
da música eclesiásti ca, porque se uti lizava o mesmo sistema musical, os
mesmos ritmos e as mesmas formas de execução. Temos notí cias de coros
alternados (anti fonia), de cantos com acompanhamento instrumental, com
a presença do órgão, um instrumento historicamente profano. 5

Audição Musical I

 Grécia Anti ga
 Cantos Bizanti nos

Música da Igreja Cristã Primitiva (Sec. I - IV)

O ponto de parti da estava ligado às novas comunidades cristãs,


sobretudo em Anti oquia, centro da Missão de São Paulo. Durante os três
primeiros séculos da Era Cristã, o cristi anismo era práti ca religiosa proibida
na Anti guidade. Só em 330, o Edito de Milão assegurou aos cristãos o livre
exercício de sua religião. Entre as origens da música eclesiásti ca cristã,
destaca-se:

 A música da sinagoga judaica , sobretudo a tradição dos cantos dos


Salmos do Anti go Testamento.

 Música da Anti guidade Clássica , sobretudo o âmbito cultural


helênico do Mediterrâneo. 6

5
Cf. DELLA-CORTE, A. PANNAIN, G. Op. cit. p.26; MICHELS, Ulrich. Op. cit. p.183
6
Cf. MICHELS, Ulrich. Op. cit. p.181.
13

Para citarmos a confl uência dos diferentes gostos musicais,


basta darmos uma olhada nos disti ntos povos que consti tuíam a
Anti guidade. A princípio, os gregos imprimiram seu selo em todo o mundo.
Provavelmente existi am poucos gregos puros, pois desde o período helênico
haviam se mesclado com os asiáti cos e outros povos. No tempo dos
romanos, cruzavam-se raças de toda a área mediterrânea. Com toda esta
população (Bizâncio ati ngia um milhão de habitantes, mas também
tí nhamos hiti tas, iranianos, eslavos, armênios, sírios, hebreus, etc.),
naturalmente evidenciava-se a mesclagem também no âmbito dos ritos
eclesiásti cos e nas línguas faladas. A igreja romana começou usando o grego
e o lati m, posteriormente o lati m como língua dominante. As igrejas
orientais usavam o grego, sírio, caldeu, armênio, etí ope, etc.

É certo que a Igreja Cristã recolheu da sinagoga o patrimônio


bíblico e conti nuou uti lizando-o durante muito tempo. Ao mesmo tempo, as
melopéias (declamações cantadas de passagens bíblicas) de procedência
hebraica sofreram infl uências análogas. A origem dos cantos nas igrejas
orientais, ou seja, os primiti vos cantos cristãos, surgiu em decorrência das
melopéias de Israel transmiti das pelos hebreus converti dos ao cristi anismo,
somando-se a infl uências helênicas e orientais. Passou à Síria o costume
hebraico do canto anti fônico , onde se alternavam dois coros. Ignácio, bispo
de Anti oquia, introduziu este costume nas igrejas orientais.

Os instrumentos estavam proibidos nos serviços religiosos.


Estavam vinculados ao culto pagão e poderiam distrair os fi éis da Palavra
proclamada. Na vida social se podiam cantar canções sacras com
acompanhamento instrumental. Conserva-se um fragmento grego do século
III, encontrado no Egito, de uma canção Oxirincos.

Música Cristã

Fontes

 Anti go Testamento
 Novo Testamento.
 Evangelhos.
 Obras de teóricos da Igreja.
 Textos dos sermões e hinos.
14

Prática Musical

 Solista: a cargo do celebrante ou de um cantor escolhido.


 Responsorial: a cargo de um cantor ( Præcentor) e a Schola
(fi éis ordenados).
 Anti fônico: canto em que se alternam dois coros, a Schola e
o povo. Foi introduzido no século IV por Santo Ambrósio, na
igreja lombarda (Milão).

Teoria Musical

 Oito modos, quatro autênti cos e quatro plagais.

Notação Musical

 Quironômica: representada grafi camente nos livros


reproduzindo os movimentos da mão do maestro de coro.
Reproduzia o gesto que indicava o ascenso ou o descenso da
melodia, bem como a ondulação da frase melódica.

 Posteriormente, notação alfabéti ca , com as letras do


alfabeto representando os sons e a distância relati va entre
eles.

 Notação Neumáti ca (séc. VII - X): pontos ou signos ( neumas)


colocados por cima ou por baixo de uma linha imaginária,
para indicar a ondulação ascendente ou descendente da
melopéia.

 Finalmente, traçou-se uma linha e juntou-se uma clave (C


correspondendo ao dó, ou F correspondendo ao fá). Todos os
neumas que se encontrassem naquela linha seriam do ou fa,
conforme a clave.

 Depois de vários séculos de práti ca musical, foram


acrescentando uma 2ª linha, uma 3ª, e fi nalmente as quatro
linhas de modo a codifi car a altura musical e as relações
intervalares (notação diastemáti ca ).
15

Figura 7 Notação do canto cristão primitivo

Tipo de execução do canto cristão primitivo.


A existência do canto alternado está demonstrada desde muito antes. O
termo grego que caracteriza esta forma é anti fonal, ou anti fônico
(literalmente, “contravoz”), e em lati m, responsorial (“respondendo”). O
termo anti fonal acabou por representar a alternância de dois coros, e
responsorial, do coro e um solista.
Figura 8 Canto Responsorial
16

Formas do canto litúrgico

 Salmo: poema desenvolvido em versículos de duração


variável e sem sujeição métrica. Cada salmo é precedido de
uma antí fona, sendo esta um dos versículos que melhor
sinteti za os conceitos do salmo. A antí fona é uma frase
melódica livre no tom do salmo. O salmo é entoado pelo
Præcentor (cantor) e é seguido alternati vamente pela Schola
e o povo. São nove fórmulas sobre os quais se cantam os
salmos, sendo oito correspondentes aos oito modos citados
anteriormente e outra, a um modo denominado de
“peregrino” que possuía duas dominantes.

 Hino: Poema consti tuído por numerosas estrofes com mesma


métrica. A melodia é repeti da em toda a hinodia, e cantam
alternadamente a Schola e o povo ou os dois coros da Schola
se o povo falta ao ofí cio.

Livros da Igreja

 O Missal: contém as orações, as lições e os cantos entoados


pelo celebrante e por outros ministros durante a Missa.
 O Gradual: contém os cantos confi ados à Schola e ao povo
durante a Missa.
 O Anti fonário: contém os cantos da Schola e do povo
durante os demais ofí cios.

Audição Musical II

 Melchites e Gaules
 Cantos Bíblicos
17

Canto Gregoriano

O canto litúrgico , homófono e em lati m da Igreja Católica , que


se segue prati cando até os dias de hoje, também se denomina canto
gregoriano em razão do Papa Gregório I (590-604) (São Gregório Magno).

A parti r do século IV, com o fortalecimento e rápida expansão


do cristi anismo, se desenvolveram bispados e conventos relati vamente
independentes de Roma. Existi am assim, nos tempos do Papa Gregório,
diferentes liturgias e modos de canto, como a romana, a milanesa
(ambrosiana), a moçárabe (espanhola), a galicana (na Gália), a irlando-
britânica (célti ca), a sangallesa (em Sain-Gall), e no Oriente, a bizanti na, a
síria, a copta, etc. No Ocidente, o bispo de Roma, em seu caráter de
ponti fex maximas , reclamava da condução do canto cristão. Em fi ns do
século VI, o Papa Gregório I, levou a cabo uma reforma da liturgia romana,
compilando os cantos empregados nas diversas liturgias cristãs, buscando a
unifi cação da liturgia sob a condução de Roma. Tendo reformado e
codifi cado o canto cristão, Gregório I confi ou aos benediti nos, o dever de
ensinar e mantê-lo autênti co, reestruturando para isto a Schola Cantorum
(“escola de cantores”), um coro especial que instruía os novos cantores. A
Schola Cantorum forneceu tutores a toda a Europa, cujo dever era cuidar
não só de manter o elevado padrão de execução, mas também de assegurar
que só fosse cantado o canto reformado e não as músicas tradicionais locais
ou variantes da nova música. A autenti cidade longe de Roma, porém, durava
enquanto permaneciam claras na memória as lições obti das em Roma, pois a
vagueza das notações mediante neumas signifi cava que a música não podia
ser escrita com sufi ciente clareza para ser manti da com rigor, e a música
memorizada é freqüentemente modifi cada pelos gostos e pelas tradições de
cantores individuais. A época carolíngia favoreceu a expansão da liturgia,
após a criação de um poder central na Europa por Carlos Magno. O governo
do Sacro Império Romano, embora sempre um mito conveniente, meio
políti co meio religioso, dava ênfase à posição central do papado e assuntos
romanos na vida religiosa européia. Apesar disso, conti nuaram a existi r os
desvios locais quanto ao ritual romano, e alguns deles diferiam
consideravelmente, como o rito ambrosiano , em Milão. 7

Na Inglaterra, os anglo-saxões haviam proibido a igreja cristã. O


Cristi anismo resisti a entre os bretões do País de Gales e ao norte, entre os
escoceses, porém sem manter relações com Roma, prati cando uma liturgia
diferenciada. O Papa Gregório enviou monges com o intuito de revitalizar o
7
RAYNOR, Henry. História Social da Música. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1981.
18

canto cristão no reino de Kent, estabelecendo também o cristi anismo em


Canterbury, Londres e Rochester, nomeando bispos e erigindo mosteiros.
Posteriormente, o Papa Gregório enviou 601 monges com cópias dos livros
litúrgicos usados nas igrejas de Roma. 8

Dessa maneira a igreja romana inicia o processo de depuração


do canto litúrgico, enviando seus colaboradores da Schola Cantorum aos
mais diferentes centros litúrgicos em busca da unifi cação da práti ca do
canto na igreja cristã. Formam-se escolas de cópia de manuscritos do
repertório litúrgico em diferentes épocas e lugares, destacando-se St. Gall ,
Metz, Benevento, Aquitânia , etc.

Entre os tantos mosteiros, destacou-se também o de Saint-Gall


devido ao talento e trabalho de inúmeros eruditos, poetas e músicos,
dentre eles, Mauro, um dos fundadores, morto em 856; Iso de Turghau,
monge e maestro especializado no ensino do canto; Notker Balbulus e
Tuti lo de Saint-Gall, os quais deram incremento as progressivas formas
musicais.

A Seqüência e o Tropo

Quando no período carolíngio se difundiu o canto romano como


patrimônio melódico sancionado pela igreja, o impulso da criação de obras
novas no campo da música eclesiásti ca encontrou um plano apropriado na
seqüência e no tropo . Supõe-se inclusive, que este estrato penetrou no
patrimônio musical profano. Os tropos e seqüências são considerados uma
ornamentação especial (nas festi vidades). São encontrados
predominantemente nas Missas. Ambos enriqueceram o canto litúrgico e
abriram novos caminhos para a música medieval, tanto profana como sacra.
Apesar de existi rem ainda muitas dúvidas sobre as origens e transformações
que estas formas sofreram, bem como a parti cipação que ti veram inúmeras
personalidades que estão historicamente ligadas a elas. Sabe-se com
certeza que Notker Balbulus e Tuti lo de Saint-Gall trabalharam com tropos
e seqüências em seus centros religiosos.

O tropo é um complemento do canto, cuja forma não está


fi xada, interpolando-se nele mesmo ou acrescentando-se como apêndice.
Podemos caracterizá-lo de acordo com seu uso no canto gregoriano:

8
BENNET, Roy. Uma Breve História da Música. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1986.
19

 Uso de melismas no texto: um texto novo que se submete


silabicamente a um melisma preexistente no canto gregoriano. A
cada nota do melisma corresponde uma sílaba do novo texto.

 Texto novo com melodia nova: neste procedimento ambos se guiam


por texto e melodia originais.

 Interpolação puramente melódica: interpola-se ao canto


gregoriano, com fi ns ornamentais, um melisma em determinada
passagem.

A seqüência é um caso parti cular de tropo: a aplicação de um


texto ao prolongado melisma sobre a últi ma sílaba do Aleluia, denominado
Júbilus, também chamado de seqüência ou longüíssima melodia . O Júbilus
ou Seqüência era comumente usado durante a Missa, na repeti ção do
Aleluia, depois dos versículos dos Salmos (Aleluia-Versículo-Aleluia), e
antes do Evangelho. 9

Na época primiti va da seqüência, existe o conhecido informe de


Notker Balbulus de Saint-Gall (†912): Notker confi rma a difi culdade de
aprender de memória os extensos Júbilus melismáti cos (sem textos). Um
fugiti vo do convento de Rouen, destruído pelos normandos em 851, afi rmou
ver Júbilus com textos (denominados prosa), razão pela qual ele mesmo
compôs textos para os melismas do Aleluia. De ajuda para memória, estes
textos se converteram em uma forma poéti ca, portanto musical,
independente, própria.

No âmbito da música profana, o lai e a estampida instrumental


possuíam a mesma estrutura da seqüência, como veremos mais adiante.

Na história da seqüência se disti nguem três épocas:

 A Seqüência Clássica , por volta de 850-1050, especialmente em


Saint-Gall e no convento de São Marti al de Limoges (repertório
franco-oriental e ocidental). Seus representantes mais célebres
foram, Notker, Ekhehart I (†973) de Saint-Gall, Hermanus
Contractus (†1054), Wipo De Borgonha (†1050).

 A Seqüência Rimada , do século XII, com melodias próprias e sem


relação com o Aleluia. O representante mais importante deste
gênero foi o agosti nho Adam de St. Victor, de Paris (†1177).

9
MICHELS, Ulrich. Op. cit. p.191.
20

 A Seqüência Estrófi ca , do século XIII, uma evolução da seqüência


rimada. Existi ram durante a Idade Média, ocupando grande espaço
na liturgia, ati ngindo o número de 5.000. Os mais importantes
representantes foram, Tomás de Celano († 1256) e São Tomás de
Aquino (†1274). O Concílio de Trento, no século XVI, limitou o seu
número na liturgia ofi cial romana da missa, a 4:

 Victi nae paschali laudes , de Wipo De Borgonha, para a


Páscoa.

 Veni sancte spiritus , de Stephan Langton (Canterbury,


†1228), para Pentecostes.

 Lauda sion, de São Tomás de Aquino , para Corpus Christi .

 Dies Irae, de Tomás de Celano , para o Réquiem.

Posteriormente (1727) uma outra seqüência foi usada:

 Stabat Mater, de São Boaventura (?) para as Sete Dores de


Maria.

Audição Musical III


 Canto Ambrosiano
 Canto Romano
 Canto Beneventano
 Canto Moçárabe
 Canto Gregoriano

O Drama Litúrgico

Origem
21

A parti r dos tropos se desenvolveram diálogos cantados, onde


imediatamente se incorporaram as ações dramáti cas. Nasceram então as
pequenas representações sacras independentes, como por exemplo, A
Representação de Daniel , e mais tarde, Os Mistérios, os quais também se
representavam fora da liturgia da Igreja.

O Drama Litúrgico são composições literárias e musicais


baseadas em argumentos e inspirações religiosas que se desenvolveram
primeiro, a serviço da liturgia e depois, alcançando independência. São
derivados das tragédias gregas ao culto de Dionísio e das tragédias
inspiradas no martí rio do rei Hussein. Parti cipa do drama litúrgico ,
elementos do teatro identi fi cados no literário, na forma dialogada dos
responsórios; o musical, nos cantos litúrgicos; o mímico, no gestual e
simbolismo da cerimônia; e o cênico, nos aparatos e na dramati zação da
liturgia.

Evolução Histórica do Teatro Religioso

 O Drama Litúrgico : representado junto ao altar da nave, em


catedrais e mosteiros, por sacerdotes ou monges, durante os
variados ofí cios, nos séculos X e XI e metade do século XII, com
intercalações francesas no texto lati no.

 O Drama Semi-Litúrgico : séculos XII e XIII. Predominantemente em


francês e representados por sacerdotes e monges nos templos e
mosteiros (Na Itália, Laudes).

 Os Mistérios: produzidos desde o século XIV e representados por


senhores em praças, circos e hosti lizados pela Igreja que já havia
deplorado a tendência profana do drama semi-litúrgico.

 Representações de anima e corpo de Emilio de Cavalieri no


Oratório de São Felipe Neri (séculos XV e XVI);

Elementos Constitutivos do Teatro Religioso

 Representação dialogada de antí fonas e responsórios que se


conservaram dos séculos VII e VIII. Já se esboçavam diálogos
literários e musicais.
22

 Drama Litúrgico: mosaico de hinos, seqüências e outras canti lenas


executadas em diversas comunidades religiosas.
23

A Idade Média: Polifonia Vocal. Origens; Formas Primitivas

Introdução

Por volta do século X, a fi sionomia da sociedade européia


modifi ca-se progressivamente: o Ocidente organiza as suas estruturas
feudais e divide-se em vilas burguesas, em castelos e em conventos. Os
castelos dos suseranos são os centros do poder e da autoridade militar, que
se estendem às regiões vizinhas. Nesses tempos em que os nobres
guerreiam permanentemente entre si, os conventos são o refúgio da vida
espiritual, mas até estes nem sempre escapam às devastações que por vezes
os arruínam. As vilas esboçam-se, centros econômicos e sociais que
prefi guram as grandes cidades futuras.

No que respeita à música, deu-se uma grande transformação


desde o tempo em que o gregoriano reinava sozinho sobre a Igreja e o
povo. Num movimento constante, lento, mas irreprimível, a música profana,
invadiu a Igreja, sendo em seguida rejeitada por esta, e assisti mos à
separação destes gêneros por volta do século X. Doravante vão operar-se a
associação da música erudita e da música popular, ambas profanas. Quando
qualquer delas ti ver adquirido força autônoma, separar-se-ão por sua vez.

Dissemos mais acima que o canto religioso não evolui; é exato.


Teóricos, copistas, professores, protegeram a canti lena litúrgica de
qualquer agressão exterior. Por outro lado, os compositores (o que, na
Idade Média, signifi ca os “mestres de canto”) pretenderam enriquecer o
gregoriano, conferindo-lhe maior variedade expressiva ou decorati va. Com
a polifonia, irão adorná-lo de vestes suntuosas. 1 0

Pelo que hoje sabemos da Idade Média, a música que se


prati cava naquela altura era essencialmente monódica, ou seja, consti tuída
por uma única linha melódica, independente de serem vários seus
intérpretes ou de ter instrumentos que duplicassem as melodias vocais.

Mas já desde os fi nais do século VIII, se não antes, deve-se ter


prati cado de algum modo a polifonia, isto é, de execução simultânea de
10
STEHMAN, Jacques. História da Música Européia. Lisboa, Livraria Bertrand, 1964, p.44
24

duas ou mais melodias diferentes. Os teóricos do século IX falam já, a


princípio, a certas passagens do canto gregoriano. Dessa maneira, dava-se
realce a determinadas solenidades litúrgicas.

Assim, nas origens da nossa cultura musical, a práti ca polifônica


consisti a na execução de uma segunda voz, provavelmente improvisada, que
se cantava num registro mais agudo do que a melodia original, que era
cantada simultaneamente por baixo daquela. O trecho gregoriano que
merecia as honras deste acompanhamento polifônico era chamado, vox
principalis, enquanto a voz superior acompanhante era a vox organalis ,
visto que o nome que se dava a este ti po de música era o de organum,
nome inspirado na raiz lati na organicus, o que é composto por partes
relacionadas.

Portanto, foi na Idade Média que se desenvolveu a polifonia


nas escolas de canto de algumas catedrais e conventos. Consti tuía-se de
uma ornamentação melódica cujos exemplos resultam de alguns tratados
teóricos e anotações soltas.

A vox organalis movia-se paralelamente à principal, mas já


desde o século XI os tratadistas de música dão notí cia do movimento
contrário, o que enriquecia sem dúvida as possibilidades e tornava mais
atraente o resultado musical; assim nasceu o discantus. Todavia, ambas as
vozes conti nuavam submeti das ao critério de fazer corresponder cada nota
da vox organalis a outra da vox principalis, ou dito segundo a terminologia
da época, ao punctum contra punctum .

Foi ao longo do século XII que se produziu uma mudança que


teria grandes repercussões: a possibilidade de libertar a voz superior da
ti rania da inferior, de maneira que aquela se pudesse desenvolver com mais
liberdade. Tenha-se em devida consideração que o que era verdadeiramente
importante era a voz inferior, a vox principalis , procedente do repertório
litúrgico, enquanto que a voz superior era o adorno, o arti fí cio, a
renovação. No momento que se produziu sua independência, assisti mos
àquilo a que Adolfo Salazar chamava a transição do espírito de autoridade
para o prazer do descobrimento das possibilidades de invenção, de
liberdade criadora.

Não é senão isso o organum melismáti co, no qual a voz


organal se manifesta por longos fl oreados melódicos compostos por muitas
notas (melismas), enquanto a voz principal avança lentamente, entoando
sua melodia à base de notas muito longas, que servem de suporte à
25

expansão lírica da melodia inventada. Por isso, à voz principal dá-se o nome
de tenor, porque sustenta a invenção melódica da vox organalis , a que
também se chama dupla.

Formas Polifônicas Primitivas.

Como antecedente da polifonia no mundo ocidental, conta-se


com duas obras teóricas de referência: o Musica Enchiriadis , um tratado do
século IX e durante muito tempo atribuído a Hucbald de Saint-Amand, do
norte da França, e hoje reconhecido como de Ogier de Laon; o outro, o
Tratado de Divisões Naturais de Jean Scot. Estas obras descrevem como
primeira fonte, o organum paralelo (quintas e quartas) ambos ligados a
uma voz dada, vox principalis (cantus fi rmus, a parti r do século XIII). Ex.

Nos dois séculos seguintes, os compositores foram


gradualmente dando alguns passos no senti do de libertar a voz organal de
seu papel de cópia fi el da voz principal. Por volta do século XI, além do
movimento paralelo , a voz organal também usava o movimento contrário
(divergente, elevando-se quando a voz principal abaixava e vice-versa), o
movimento oblíquo (conservando-se fi xa enquanto a voz principal movia-
se) e o movimento direto (seguindo a mesma direção da voz principal, mas
separada desta não exatamente pelos mesmos intervalos). Exemplo:

No “organum livre ”, a polifonia é feita ainda ao esti lo nota


contra , mas observe que, no exemplo mostrado acima, há ocasiões em que
a voz organal tem duas notas para cantar contra uma única da voz
principal.

No começo do século XII, esse rigoroso esti lo nota contra nota


foi inteiramente abandonado, substi tuído por outro em que a voz principal
se esti cava por notas do canto com longos valores. A voz principal passou a
ser chamada de tenor (do lati m tenere, manter, sustentar). Acima das notas
do tenor, longamente sustentadas, uma voz mais alta se movia livremente,
expressa por notas de menor valor que, com suavidade, se iam
desenvolvendo. Dá-se a um melodioso grupo de notas cantado numa única
sílaba o nome de melisma, daí esse ti po de organum ser conhecido como
“organum melismáti co”. Vejamos os exemplos abaixo:
26

Questionário II

a) Faça uma comparação entre a monodia gregoriana e as


primeiras formas polifônicas.

b) Que intervalos são mais comuns nos organa.

c) Procure identi fi car os movimentos das vozes dos organa.

d) Em que ti po de organum até agora descrito a voz organal se


movimenta mais livremente em relação à voz principal.
27

“ARS ANTIQUA”. A Polifonia Em Notre-Dame

Nos fi nais do século XII e princípios do XIII, a polifonia fl oresceu de


modo singular em Notre-Dame de Paris, consti tuindo-se um dos primeiros
pontos culminantes da história da polifonia. Essa importância vem da escola
de cantores da Catedral de Notre-Dame, coincidindo cronologicamente com
a construção da Catedral, desde o ano de 1163, até meados do século XIII.
Essa música foi basicamente desti nada ao serviço religioso. Na maioria são
compositores anônimos, porém são citados pelos teóricos os maestros
Leonin, que foi o primeiro mestre de coro da catedral, (até 1180) e Peroti n
(até 1200), seu sucessor.

Leonin escreveu muitos organa com base em cantos apropriados às


festi vidades anuais da igreja, como a Páscoa e o Natal.

O organum em Notre-Dame não iria signifi car a polifonia em geral.


Apesar de servir-se de repertório gregoriano, já se torna uma elaboração
polifônica própria no que se diz respeito às partes solistas.

Os organa de Leonin estão escritos à duas vozes. Uma vez escolhida


a música apropriada - o Benedicamus Domino, por ex.-, o compositor
consideraria como tenor a parte que ti vesse apenas uma ou duas notas em
cada sílaba (be-ne-di-ca-mus), atribuindo-lhes valores extremamente longos
de fato, tão longos que é bem possível que os tenores de Notre-Dame
fossem auxiliados, ou mesmo substi tuídos, por instrumentos como o órgão
ou os sinos. Acima dessa linha, o compositor escreveria um solo (agora com
o nome de duplum, isto é, segunda parte), usando um ti po de notação mais
rápida, como anti gos compositores faziam no organum melismáti co, mas
com uma diferença: nos organa de Notre-Dame, as partes mais altas estão
mensuradas (arranjadas em precisas unidades de tempo musical), com as
vozes tecendo frases parecidas com as de dança e baseadas em padrões
rítmicos, todos de três tempos. Essa técnica é denominada de isorritmia e
se consti tui em seis modos rítmicos tomados da poesia lati na representados
no exemplo abaixo.
28

Quando, entretanto, o compositor chegasse a um segmento do canto


original dotado de melisma (Do___mi___no) ele poria o tenor também
dentro do mesmo ritmo, usando as notas desse segmento de canto, agora
em andamento mais rápido. Esse esti lo de composição fi cou conhecido com
descante e a parte do organum na qual isso ocorria foi chamada de
clausula. As notas do tenor nessas passagens geralmente eram construídas
formando desenhos rítmicos curtos que se repeti am por toda a clausula.
29

Peroti n, que foi sucessor de Leonin na função de mestre-de-coro em


Notre-Dame, revisou grande número de organa anteriores, enriquecendo-os
e fazendo certos ti pos de modifi cações a fi m de torná-los esti listi camente
mais modernos. A um organum duplum, por exemplo, ele poderia
acrescentar uma terceira ( triplum) e até mesmo uma quarta voz
(quadruplum). Além disso, compôs diversas clausulas
para serem executadas com peças independentes.
30

“ARS ANTIQUA”

O período “Ars Anti qua ” marca como característi ca


fundamental o desenvolvimento das formas polifônicas entre 1240/1320.
Essa denominação surgiu em 1320 como conceito oposto à “Ars Nova”,
sobretudo na obra teórica de Jacobus de Lieja. É problemáti co para a
musicologia delimitar o Ars Anti qua da época de Notre-Dame, pois ambos
culti vavam os mesmos gêneros. Por outro lado, no século XII se
desenvolveram intensamente o ritmo e a notação, existi ndo muitos
elementos em favor de uma vinculação do Ars Anti qua com o surgimento da
notação mensural e com o desenvolvimento dos gêneros correspondentes,
delimitando-a à época modal.

As Formas do Ars Antiqua

 O organum da época de Notre-Dame (duplum, triplum,


quadruplum) conti nua em evidência, porém se estanca a criação de
novas obras nesse gênero;

 Desenvolvimento do Motete: consisti a na aplicação de um texto


(do francês mot, palavra, ou motet, verso, estribilho) ao
duplum(nas clausulas de descante da época de Notre Dame),
coincidindo ritmicamente e estruturado na forma original dessa voz
modal. Ao duplum com aplicação de texto, denominava-se motetus,
e o gênero de composição, motete. Trata-se de uma composição
livre do gregoriano, totalmente nova, sendo considerado o gênero
principal do Ars Anti qua e o que possibilitou as experiências e
inovações, como no exemplo abaixo
31

 Hoquetus: a parti r de 1200, na época de Notre-Dame se


desenvolveu nas vozes superiores dos organa, partes em que estas
vozes apresentavam alternâncias de pausas diacrônicas entre si,
com mudanças rápidas, através de nota contra nota. A parti r do
século XIII, o hoquetus se transformou em uma técnica de
composição musical. Exemplo:
32

Compositores do Ars Antiqua

* Johannes de Garlandia (c. 1190-1272): Paris. Tratado “De


Mensurabili Musica”.

* Franco de Colonia (c. 1280) Tratado “Ars Cantus


Mensurabilis” .

* Jerônimo de Moravia. Segunda metade do século XIII. Paris.


Compilou vários cantos com acréscimos.

* Anonymus 4. (Depois de 1272): Inglaterra. Tratado “De


mensuris et Discantus”.

* Adam de la Halle (c. 1237 - 1287 ou 1306): troveiro.

* Jehannot de L’Escurel (†1303): troveiro.

* Petrus de Cruce. Segunda metade do século XIII. Compositor.


33

“ARS NOVA”

A época do “Ars Nova” compreende aproximadamente o período


entre 1330 e 1380 e é essencialmente francesa com o centro cultural sendo
Paris. Essa denominação remonta ao tratado de Philippe de Vitry, de 1322,
inti tulado Ars Nova. Antes, Johannes de Muris, matemáti co e astrônomo de
Sorbonne, havia exposto o sistema mensural do Ars Nova em seu Noti ti a
Arti s Musicale de 1321. O organum desapareceu e houve predomínio da
música profana, revelando a debilidade interna da Igreja no século XIV,
ocasionada pelo cisma papal (um papa em Roma e outro em Avinhão). Em
1324/1325 o Papa João XXII, de Avinhão, com sua Docta Sanctorum, luta
contra o Ars Nova ameaçando com sanções eclesiásti cas no caso de
execução na Igreja dessa nova música.

As inovações do Ars Nova se concentraram sobretudo nos seguintes


terrenos:

1. Isoperiodicidade no moteto.

Entre as vozes superiores (duplum e triplum) estabeleceram-se


certas relações de imitação melódica e rítmica (um determinado movimento
melódico ou fórmula rítmica de uma voz era imitado, momentos depois, por
outra voz. Exemplo:

2. Isorritmia

É a isoperiodicidade ampliada para a duração das notas, ou seja,


relação imitati va dos valores rítmicos em dois princípios:

 Color: altura do som


34

 Talea: duração do som

O resultado é um maior equilíbrio entre a melodia expressiva e o


desenvolvimento de uma coloração harmônica (terças, cromati smo).

Estas inovações fl uíram do motete para a missa e as canções.

3. Sistema e Notação Mensurais

Aperfeiçoa-se o sistema de notação mensural, sendo que a unidade


de tempo menor é a mínima, mas, por volta de 1320 também esta passa a
ser divisível em duas semínimas. A relação proporcional é assim
estabelecida: Máxima, Longa, Brevis, Semibrevis, Mínima e Semínima.
35

Características Gerais

* Inicia o desenvolvimento de uma concepção harmônica, ainda


que os acordes ocorram incompletos.

* Os ritmos já são mais fl exíveis. Pierre de la Croix já iniciara


antes o abandono do ritmo modal.

* Maior preocupação com a unidade da obra. As vozes são


organizadas numa relação direta com o tenor (desenvolvimento do
contraponto).

* O tenor, apesar de não parti cipar do princípio imitati vo


(isoperiodicidade), perde sua relação umbilical, ou seja, abandona sua
obediência a velhas melodias litúrgicas, optando por melodias profanas
conhecidas, ou de criação recente, também não se submetendo aos
esquemas rítmicos repeti ti vos (modos rítmicos).

* A composição musical como um todo, buscará de forma


racional o mensuralismo, ou seja, a valorização de cada som como uma
partí cula do movimento rítmico e que cada grupo podendo ser decomposto
em valores menores.

* Aparece o compasso binário, as quiálteras, as síncopas e


ligaduras.

* Integração entre a práti ca e a teoria.

* Elaboração e desenvolvimento de novos instrumentos musicais.


36

Formas Musicais
O Moteto

Sobre o canto dado (tenor), as vozes superiores se movem com


plena independência rítmica, variedade e contraste. O moteto, ao contrário
do organum, possui letra disti nta para as vozes e essa voz, nova, justaposta
ao tenor com um texto novo é o motetus.

Teve difusão também o moteto a duas vozes com acompanhamento


instrumental.

Associou o sagrado ao profano de maneira mais inesperada (texto


em lati m e francês), onde o tenor é uma melodia sagrada e o moteto a
melodia profana.

Rítmica: abandono dos modos rítmicos pela talea, uma sequência de


valores de duração, de sons e silêncios, abrangendo muitas vêzes oito ou
mais compassos. Essa talea era repeti da ao longo do motete, com variação
de alturas, podendo ser aplicada somente ao tenor ou a todas as vozes.

Esse é o processo pelo qual os compositores do Ars Nova


trabalharam suas composições polifônicas. Ao cantus fi rmus, se aplicava um
ti po de desenho rítmico extremamente prolongado, que será repeti do por
toda a peça, tal como os compositores de Notre Dame fi zeram com as notas
do tenor nas clausulas. Essa técnica fi cou conhecida como isorritmo (ritmo
padrão) e cada seção do desenho rítmico foi chamada de talea. Então, as
demais vozes serão tecidas acima e abaixo do cantus fi rmus do tenor.

A Ballade (do francês baler, bailar)

Sua origem remonta aos séculos XII e XIII, com os trovadores.


No século XIV, transforma-se de monódica para polifônica.

A Missa

Guillaume de Machaut foi o primeiro compositor de que se tem


notí cia a fazer um arranjo polifônico completo da Missa, a Messe de Notre
Dame (Missa de Nossa Senhora) forma de composição que se tornaria da
37

maior importância e conti nuaria nos séculos seguintes. Uma Missa é


composta de cinco partes: Kyrie, Gloria, Credo, Sanctus, e Agnus Dei.

Rondeuax (Rondó)

Sua origem vem do rondellus, dos trovadores e consisti a numa


melodia, com ou sem texto, que era repeti da pelas demais vozes. Irá dar
origem ao Canon, possuindo partes instrumentais.

Lai

Peça musical acompanhada, compreendendo doze estrofes


diferentes quanto ao ritmo poéti co e a melodia. Pode ser cantada em
cânone sobre texto único, com as entradas sucessivas de vozes provocando
o deslocamento do texto de uma voz para outra.

Virelai

Peça a uma voz com duas ou três partes instrumentais em


contraponto, alternando estrofes com estribilhos.

Compositores e Teóricos

* Pierre de la Croix - fi nal do século XIII

* Philippe de Vitry (1291 - 1361). Publicou o tratado “Ars Nova”


que determinaria os conhecimentos da época e fi xava as regras da escrita
polifônica.

* Guillaume de Machaut (1330 - 1377). Organizou a estrutura da


Missa que compôs moteti sti camente a quatro vozes.

Instrumentos Musicais
38

Alaúde
Do árabe Al’ud. Apareceu na época das Cruzadas e existi rá até
o século XVIII. De quatro a onze cordas.

O Clavicórdio
Caixa retangular que se pousa sobre a mesa, munida de um
teclado e cordas. É o antepassado do piano.
39

Vielas

Nos séculos X e XI os árabes introduziram na Europa o


primeiro instrumento de cordas friccionadas, o rabat. Deu origem depois a
uma grande família de instrumentos de arco.

Ars Nova Na Itália

Durante o século XIV se desenvolve na Itália uma polifonia


peculiar. Trata-se de uma arte da canção profana para vozes masculinas
agudas com acompanhamento instrumental. Inicia-se um pouco mais tarde
que o Ars Nova francês, porém o supera em criação melódica e clareza
harmônica.

Esta arte está a cargo da aristocracia, principalmente nas cidades


do norte da Itália e especialmente em Florença. As cortes mais importantes
são:

Milão: com os Visconti e Sforza.


Verona: com os Della Scala
Mântua: com os Gonzaga.

Os autores literários preferidos para a musicalização de seus textos


foram Petrarca (1304 - 1374) e Boccaccio (1315 - 1375).
40

Em 1325, Marchett o de Pádua publicou o tratado “Arte Mensurata ”,


onde formulava as teorias do Ars Nova.

Formas Musicais do Ars Nova Italiano

O Ricercare

Peça Instrumental decalcada do motete vocal. Retoma o


processo de imitação. No século XVII se desenvolverá dando origem à Fuga.

A Frottola

Canção a quatro vozes que provém dos cantos populares. Dará


origem ao madrigal renascenti sta .

Canzone

Forma italiana uti lizada primiti vamente pelos trovadores.


Torna-se polifônica e de vocal passará a instrumental (canzone de sonar),
onde dará origem à sonata pré-clássica.

Compositores e Teóricos

* Marchett o de Pádua - Famoso pelo tratado “Arte Musical


Mensurata”.

* Francesco Landini (1325 - 1397) - Compositor cego. Foi


organista em Florença.

Primeiras Formas Musicais Seculares – Os Trovadores


41

Os mais antigos documentos de música profana que se conservam são canções


com texto latino. Os primeiros exemplos formam o repertório das canções dos goliardos,
nos séculos XI e XII. Os goliardos – nome derivado de um patrono provavelmente mítico,
o bispo Golias – eram estudantes clérigos errantes que migravam de escola em escola nos
tempos que precederam a fundação das grandes universidades sedentárias. A sua vida
errante, mal vista pela sociedade, era celebrada nas suas canções, de que foram feitas
numerosas coletâneas manuscritas. Os temas dos textos integram-se quase sempre com
a eterna trindade dos interesses jovens: vinho, mulheres e sátiras. O tratamento que lhes
é dado é, algumas vezes, delicado; o espírito é francamente mordaz e informal, como se
torna perceptível ao ouvirmos algumas das versões musicais modernas dos Carmina
Burana, de Carl Orff. Só uma pequena parte da música original dos goliardos está
registrada nos manuscritos, e mesmo estas, apenas em escrita neumática, por
conseguinte, as transcrições modernas são conjeturais.

Um dos mais antigos modelos conhecidos de canção em língua vernácula é


a chanson de geste, ou canção de gesta, um poema épico, narrativo, relatando os feitos
de heróis nacionais, cantado sob fórmulas melódicas simples. Os poemas eram
transmitidos oralmente e só passados à escrita em data relativamente tardia, não se
tendo conservado quase nada da música que os acompanhava. A mais famosa das
chanson de geste é a Canção de Rolando, a epopéia nacional francesa, que data,
aproximadamente, da segunda metade do século XI, embora os acontecimentos que
narra pertençam à época de Carlos Magno (Século VIII).

Jograis

Os indivíduos que cantavam as chanson de geste e outras cantigas


seculares da Idade Média eram os jongleurs, ou ménestrels (jograis e menestréis), uma
categoria de músicos profissionais que começa a surgir por volta do século X: homens e
mulheres vagueando isolados ou em pequenos grupos de aldeia em aldeia, de castelo em
castelo, ganhando precariamente a vida a cantar, a tocar, a fazer habilidades, a exibir
animais amestrados – párias a quem muitas vezes era negada a proteção das leis e os
sacramentos da Igreja. Com a recuperação econômica da Europa, nos séculos XI e XII, à
medida que a sociedade se foi organizando de forma estável, em bases feudais, e as
cidades foram crescendo, a sua condição melhorou, embora só passando muito tempo as
pessoas tenham deixado de olhar com um misto de fascínio e repulsa. Como disse
Petrarca: “Gente sem grande espírito, mas com uma memória extraordinária, muito
diligente e de um descaramento sem limites”. No século XI, organizaram-se em
confrarias, que mais tarde dariam origem às corporações de músicos, proporcionando
formação profissional à maneira dos atuais conservatórios.
42

Os menestréis, como classe, não eram poetas nem compositores no sentido preciso que
damos a estes termos. Cantavam, tocavam e dançavam cantigas compostas por outras
pessoas ou extraídas do domínio público, alterando ou criando as próprias versões à
medida que andavam de região em região. As suas tradições profissionais e o seu
engenho tiveram papel de relevo no importante desenvolvimento da música secular na
Europa – esse conjunto de cantigas hoje comumente conhecidas como a música dos
travadores e troveiros.

Trovadores e Troveiros

Estes dois termos têm o mesmo significado: descobridores e inventores. O


termo trabadour era usado no Sul da França; trouvère, no Norte. Na Idade Média estas
designações aplicavam-se, aparentemente, a quem quer que escrevesse ou compusesse
quaisquer modelos de peças. O uso moderno que as restringe a dois grupos específicos
de músicos, é, por conseguinte, historicamente inexato. Os trovadores foram poetas-
compositores que se multiplicaram na Provença, região que abrange o Sul da França
atual; escreviam no idioma provençal, a chamada langue d’oc. A sua arte, inicialmente
inspirada na cultura hispano-mourisca da vizinha Península Ibérica, difundiu-se
rapidamente para o norte, em particular para a província de Champagne. Aqui os
troveiros, que exerceram a sua atividade ao longo de todo o século XIII, escreviam em
langue d’oil, o dialeto do francês medieval que deu origem a francês moderno.

Nem os trovadores nem os troveiros se constituíam em um grupo bem


definido. Tanto eles como a sua arte floresceram em círculos de um modo geral
aristocráticos (chegou até a haver reis em suas fileiras), mas um artista de razão social
inferior também podia ascender a uma categoria social mais elevada em virtude de seu
talento. Muitos dos poetas-compositores não só criavam as suas cantigas, como também
as cantavam. Como alternativa a esta situação, podiam confiar a interpretação de suas
peças a um menestrel. As cantigas foram conservadas em coletâneas (chansoniers, ou
cancioneiros) e chegaram até nós um total de perto de 2.600 poemas e mais de 260
melodias de trovadores e cerca de 2.130 poemas e 1.420 melodias dos troveiros.

A substância poética e musical das canções de trovadores e troveiros não


é, regra geral, muito profunda, mas as estruturas formais utilizadas denotam grande
variedade e engenho. Há baladas simples e baladas ao estilo dramático, que requerem ou
sugerem duas ou mais personagens. Especialmente no Sul, as cantigas eram
predominantemente de amor – o tema por excelência da poesia dos trovadores. Há
também cantigas sobre questões políticas e morais e cantigas de cujos textos são debates
ou discussões acerca do amor cavalheiresco e cortês. As cantigas de natureza religiosa
são características do Norte da França e só começaram a surgir nos finais do século XIII.
43

Um dos moldes mais cultivados era a pastourelle (pastorela), um dos


modelos de balada dramática. Nas pastorelas mais antigas toda a narrativa era em forma
de monólogo; o passo seguinte constituiu em fazer do texto um diálogo entre o cavaleiro
e a pastora. Mais tarde, o diálogo passou a ser não apenas cantado, mas representado;
quando se acrescentavam um ou dois episódios, surgindo o pastor em socorro da amada;
o resultado era uma peça de teatro.

A mais famosa destas peças representadas como teatro com música foi o
Robin e Marion, de Adam de La Halle, o último e o maior dos troveiros, composta cerca
de 1280.

Não deixa de ser signifi cati vo o fato de as canti gas dos


trouveiros em louvor à Virgem Maria adotarem o mesmo esti lo, o mesmo
vocabulário e, por vezes, as mesmas melodias que eram uti lizadas para
celebrar o amor terreno.

O tratamento melódico das canções dos trovadores e troveiros


era geralmente silábico, com uma ou outra curta fi guração melismáti ca. É
provável que nas interpretações se acrescentassem ornamentos melódicos e
a melodia sofresse modifi cações de estrofe para estrofe. O âmbito da
melodia é limitado, não excedendo muitas vezes uma sexta e
rarissimamente ultrapassando a oitava. Os modos parecem ser
principalmente o primeiro e o séti mo, com seus respecti vos plagais; certas
notas destes modos eram, com toda a probabilidade, cromati camente
alteradas pelos cantores, de forma a torná-las quase equivalentes aos
atuais modo maior e menor. Há alguma incerteza quanto ao ritmo das
canções, especialmente no que diz respeito às mais anti gas melodias
conhecidas, cuja notação não indica relação proporcional de duração entre
elas. Alguns estudiosos defendem que estas canti gas eram cantadas num
ritmo livre, não sujeito a compasso, tal como a notação parece sugerir;
outros, porém, crêem que o ritmo devia ser bastante regular e que a
melodia seria medida em notas longas e breves, correspondendo
genericamente às sílabas tônicas e átonas das palavras.

Meistersinger e Meinnesinger

A arte dos trovadores foi o modelo de uma escola alemã de


poetas-compositores nobres, os Minnesinger. O amor (Minne) que cantavam
44

nos seus Minnelieder era ainda mais abstrato do que o amor dos trovadores
e ti nha, por vezes, um teor claramente religioso, sendo a música, por
conseguinte, mais sóbria.

Na maioria das canti gas dos trovadores franceses, o poema tem


uma organização mais complexa do que a melodia. Os textos dos
Minnelieder incluem ternas descrições do esplendor e do frescor da
primavera, canti gas da alvorada ou canti gas de vigília, cantadas pelo amigo
fi el que fi ca de senti nela e avisa aos amantes quando a alvorada se
aproxima. Tanto os franceses quanto os alemães escreviam canti gas de
devoção religiosa, muitas delas inspiradas nas Cruzadas.

Em França, a parti r de fi nais do século XIII, a arte dos troveiros


começou a ser cada vez mais culti vada por burgueses cultos, em vez de o
ser predominantemente por nobres, como acontecera nos séculos
anteriores. Na Alemanha, deu-se um movimento similar ao longo dos
séculos XIV, XV e XVI; os sucessores dos Minnersinger foram os
Meistersinger (mestres-cantores), dignos mercadores e artesãos das cidades
alemãs, cujas formas de organização são retratadas por Richard Wagner na
sua ópera Os Mestres Cantores de Nuremberg, no auge do período
românti co. Hans Sachs, o herói desta ópera, foi um personagem histórico
que viveu no século XVI.

Embora haja algumas obras-primas no seu repertório, a arte


dos Meistersinger estava tão impregnada de normas rígidas que a sua
música parece sóbria e inexpressiva quando comparada com a dos
Minnesinger. A corporação dos Meistersinger teve longa história, só vindo a
ser dissolvida no século XIX.

Trovadores e Troveiros da Idade Média

Trovadores Origem Obras


45

Guillaume IX de Aquitânia Poiti ers (1071-1126) Trovador 11 textos e canções

Bernard de Ventadorn (1130-1195) Trovador 19 melodias

Ricardo Coração de Leão (?-1199) Troveiro

Thibaut de Champagne (? – 1258) Troveiro Robin et de


Marion

Adam de La Halle (Arras,1237-1287)Troveiro

Walter Von der Wogelweide (1170-1228) Minnesinger

Hans Sachs (1494-1576) Meistersinger

A Difusão Da Polifonia No Norte.1 1

No século XIV, uma agitada eleição papal ocasionou o Grande Cisma,


deixando em Roma um papa, e o seu rival, de fato o verdadeiro papa, em
Avinhão. Os resultados para a comunidade francesa, e, sobretudo para sua

11
RAYNOR, Henri. História Social da Música. Da Idade Média a Beethoven. Rio de Janeiro, Zahar
Editores, 1972.
46

arte, foram esplêndidos. Os resultados em música não foram a princípio


notados; mas, em fi ns do século e nos anos seguintes a história não apenas
da música italiana, mas da música européia em geral transcorreu por um
processo de internacionalização que foi a conseqüência imediata do
cati veiro do papa do Sul da França.

Quando Clemente V transferiu o seu trono para Avinhão, deixando


em Roma não apenas o seu coro, mas também seus regentes, o prestí gio do
fornecimento de música para as cerimônias papalinas e dos serviços, passou
para um coro recrutado no local. Esse coro incluía músicos pertencentes às
regiões do Oeste do Reno europeu e contava com o que veio mais tarde a se
chamar cantores “fl amengos” e belgas. Tinha também músicos do sul da
França. Tratava-se de cantores em contato com a evolução já alcançada em
São Marcial e Notre Dame, e conhecedores da música dos trovadores e
troveiros, e muito deles eram também experientes nas novas formas e
novos esti los. Os problemas enfrentados por Clemente V deixavam-lhe
pouco tempo para a supervisão pessoal da música litúrgica, de modo que o
coro de Avinhão se converteu num centro de músicos em total afi nidade
com o novo esti lo. As elaborações e efeitos cada vez mais comuns no norte
da Europa obti veram quando não sanção ofi cial, pelo menos consenti mento
tácito na corte papal, e o prestí gio assim obti do facilitaram a sua rápida
difusão.

O grau de progresso do novo esti lo é indicado pela Bula Docta


Sanctorum, que o papa João XXII, sucessor de Clemente, divulgou em 1323,
no séti mo ano do seu ponti fi cado:

“Certos discípulos da nova escola, ocupando-se muito


com a divisão medida exibem sua prolação em novas
notas para nós, preferindo inventar novos métodos
próprios a continuar cantando à maneira antiga.
Portanto, a música do Ofício divino é perturbada pelas
notas desses valores pequenos. Ademais, prejudicam a
melodia com acréscimos, perturbam com solfejos e às
vezes enchem-na com partes superiores constituídas de
canções seculares. O resultado é que, em geral, perdem
de vista as fontes fundamentais das nossas melodias no
Antifonário e Gradual, e esquecem o que estão
sepultando sob suas superestruturas. Podem tornar-se
inteiramente ignorantes dos modos eclesiásticos, o que já
deixaram distinguir, e os limites que ultrapassam na
prolixidade das suas notas. Estão inteiramente ofuscados
os modestos graus de descida e subida do cantochão,
pelos quais os modos são reconhecidos. As incessantes
indas e vindas das vozes, intoxicando mais que
acalmando o ouvido, enquanto os cantores por sua vez
47

tentam comunicar a emoção de sua música por gestos. A


conseqüência de tudo isto é que a devoção, verdadeiro
objetivo de todo culto, é negligenciada, e a distração, que
deveria ser evitada, aumenta.
Este estado de coisas, que se tornou comum, nós e nossos
irmãos achamos necessitar de correção. Portanto,
apressamo-nos em proibir esses métodos ou antes, afastá-
los da casa de Deus [...] Por essa razão, tendo-nos
aconselhado com nossos irmãos, determinamos
estritamente que ninguém doravante se considere livre
para utilizar esses métodos no canto do Ofício canônico
ou em celebrações solenes da missa [...]
Entretanto, não é nosso objetivo proibir o uso ocasional -
sobretudo em dias festivos ou em celebração solene da
missa e do Ofício Divino - do uso de algumas
consonâncias, por exemplo, a oitava, a quinta e a quarta,
que exaltam a beleza da melodia [...] Utilizadas desse
modo, as consonância seriam suavizadas para o ouvinte e
inspiradoras de sua devoção, sem desviar o sentimento
religioso no espírito dos cantores.

A Bula merece citação por extenso, pois ilustra cabalmente a ati tude
conservadora no tocante a inovações na música religiosa. João XXII estava
disposto em 1323 a admiti r um esti lo considerado ofensivo 200 anos antes,
ao mesmo tempo que a proibir um posterior esti lo musicalmente mais
autônomo. A questão é, evidentemente, que tudo que pareça novo é,
portanto, perturbador.

Em 1377, quando o papa Gregório XI retornou com o seu coro a


Roma, o anti go coro papal e o novo - o norti sta que havia atuado em
Avinhão e o coro romano tradicional que cantava nesse ínterim -
amalgamaram-se, não na anti ga Schola Cantorum, mas no novo Colégio Dei
Capellani Cantori, sob um “mestre da capela ponti fí cia ”. Daquela data em
diante o coro era um organismo internacional composto não apenas de
italianos natos, mas também de cantores provenientes sobretudo da França
e da Flandres. Durante os ponti fi cados de Marti nho V (1417 - 1431) e
Eugênio IV (1431 - 1447), nos cinqüenta anos que se seguira ao Grande
Cisma, dezessete músicos do norte serviam no coro papal; a maioria
provinham das regiões de Cambrai, Tournai e Arras.

Os cantores eram recrutados do norte não apenas em virtude da


beleza de suas vozes, pois a Itália sempre fora amplamente dotada de
vozes de excepcional qualidade. O desenvolvimento da civilização urbana
no norte ensejara a criação de grandes corais bem preparados e
inteiramente familiarizados com o novo esti lo polifônico que prosseguira
48

não obstante as objeções de João XXII. Os coros cresciam em tamanho


graças às doações de homens enriquecidos no comércio, e tantos meninos
como adultos podiam não só cantar polifonia, mas lê-la fl uentemente na
difí cil notação da Idade Média Superior; havia entre eles impressionante
número de compositores, pois parece que absorver a mente da criança em
música dos oito ou nove anos em diante, e basear a sua educação na
música e na sua práti ca, não é apenas ministrar-lhe sólidos fundamentos
técnicos, mas também esti mular as tendências criati vas que ela possua.
Portanto, dado que o coro papal, como quase todos os demais, estava
admiti ndo música polifônica em seu repertório, e dependesse de seus
próprios integrantes para composições cantáveis, impunha-se a
necessidade de especialistas para esse fi m. Sua adoção do novo esti lo e o
patrocínio de compositores do norte aumentou o prestí gio do novo esti lo
por toda a Europa.

A liberdade de experimentação em música decorreu originariamente


da evolução não historiada da música e da dança seculares, bem como da
disponibilidade de sufi cientes vozes boas e bem preparadas a fi m de
esti mular a imaginação do compositor. Deveu-se também à difi culdade de
manter a disciplina papal num mundo de comunicações limitadas. Por isso,
os fatos mais auspiciosos em música religiosa ocorreram longe de Roma.
Em fi ns do século XIV, outros fatores infl uíram. A paulati na conquista da
música italiana por músicos da França e de Flandres mostra que o esti lo por
eles desenvolvido e que fl orescia na Inglaterra era atraente a países
estranhos; e também que músicos preparados estavam sendo produzidos no
norte em quanti dade sufi ciente para que o novo esti lo pudesse difundir-se
além da Itália. Por outro lado, mostra que os padrões de composição,
ensino e execução podiam ser manti dos em outros países além da Itália. Em
geral, os maiores é que deixavam seu país natal e passavam anos no sul,
quando não toda a sua vida profi ssional. Isso se devia à riqueza e prestí gio
do papado, dos grandes aristocratas e das grandes cidades italianas, que
podiam oferecer recompensas maiores do que nas regiões de onde
provinham compositores e cantores.

Em muitas cidades do norte da Europa eram feitas doações para


substi tuir os vigários clericais do coro por profi ssionais leigos (não
ordenados). Os negociantes abastados não apenas faziam doações a
catedrais e igrejas; fundam também irmandades religiosas que ti nham entre
as suas normas o dever de sustentar os serviços diários com coro e pleno
acompanhamento musical. No século XV temos o exemplo do laicato que
levou o Capítulo da Catedral de Antuérpia a aplicar certa parte das rendas
49

de suas prebendas no pagamento de cantores profi ssionais e para aumentar


o tamanho do coro. Em 1443, quando Jean Ockeghem o integrou com a voz
de soprano, a Catedral da Antuérpia ti nha vinte e cinco cantores de música
polifônica e vinte e seis de cantochão; em 1480 ti nha perto de sessenta no
coro. Se, como é razoável afi rmar, as grandes coisas na arte, arquitetura e
música religiosa dependiam da riqueza da nova classe média, isso se
aplicava especifi camente à região mais urbanizada da Flandres e dos Países
Baixos do que a qualquer outra parte da Europa.

O grande progresso na vida urbana nos séculos XII e XIII criou o


desejo de música como também as insti tuições que podiam ampará-la. Os
grandes corais das cidades do norte preparavam excedentes de cantores
que podiam viajar através da Europa levando consigo o esti lo fl amengo , e
também músicas altamente dotadas e qualifi cadas para manter os elevados
padrões em seus países.

Os progressos dos coros do Norte, e o número de músicos altamente


qualifi cados que eles preparavam, signifi cavam um excedente vindo do
Norte, o qual levava consigo o esti lo mais intrincado que lá se
desenvolvera. Até que o esti lo do Norte fosse internacionalmente aceito,
juntamente com os métodos semelhantes de preparo existentes no Norte
da França, em Flandres e no Oeste dos Países Baixos , houve grande
procura de cantores preparados, adultos e meninos, por sua musicalidade e
qualidade de suas vozes, em todo o Sul da Europa, logo que o esti lo de
canto por eles executado recebeu o prestí gio da aprovação papal em
Avinhão.

O centro dos primeiros experimentos foi Paris. A Guerra dos Cem


Anos desviou o centro de gravidade mais para o Norte, para Flandres, onde
a prosperidade comercial de cidades como Cambrai, Arras, Liège, Lille,
Bruges, Antuérpia e outras, teve um efeito sobre a música que pode ser
percebido pelo número de compositores surgidos dos seus corais ou que
passavam pelo menos parte de suas vidas servindo nos corais.

A natureza ambulante do emprego palaciano, que do século XV em


diante se tornou uma alternati va ao serviço da Igreja para músicos
preparados, ajuda a explicar a popularização do esti lo fl amengo . Os duques
da Burgúndia, embora considerassem Dijon sua capital estavam quase
sempre em andanças entre o Franco-Condado e o Mar do Norte, levando
consigo suas capelas parti culares de músicos. Um séquito de músicos
acompanhava-os em suas missões diplomáti cas, não apenas respingando
novos interesses musicais como também divulgando esti los e técnicas de
50

sua corte; o processo de internacionalização foi, ao todo, notadamente


rápido uma vez passado o grande cisma, e ajuda a explicar a predominância
dos compositores do Norte a quem os manuais se referem como da
Burgúndia ou Flamenga. Roma, Milão, Florença, Mântua, Nápoles, Veneza ,
todas sofreram, direta ou indiretamente, a infl uência do Norte. Além do
mais, a música secular desfrutava posição social mais privilegiada nas
cidades italianas e por isso estava mais desenvolvida. Como o compositor
era um funcionário assalariado, encarregado da música de entretenimento
da corte, o novo esti lo aplicava-se tão poderosamente à música secular
quanto às obras religiosas.

Polifonia, Renascença e Humanismo. 1 2

De 1330, data da Ars Nova, a 1600, nascem e desenvolvem-se


múlti plos gêneros e formas musicais, traduzindo o desejo e a necessidade
de novidades que animam os homens ao sair da Idade Média: a música
manifesta as mesmas aspirações que as outras disciplinas culturais; a
audácia do góti co fl amejante, com seus requintes ornamentais e
expressivos simboliza a polifonia em toda a sua proliferação. No momento
em que os territórios da cristandade se cobrem de catedrais, de palácios e
de castelos, a arte musical enriquece-se de vastas composições polifônicas,
cujo caráter monumental responde perfeitamente, tanto no espírito como
na forma, ao ideal dos grandes arquitetos e pintores do tempo.

Bastará, para compreender a que ponto a música permanece ligada


ao século, pensar na sociedade da Renascença, nos ricos mercadores, nos
burgueses, cujo poderio econômico e social se defronta com o dos reis e

12
STEHMAN, Jacques. História da Música Européia. Lisboa, Livraria Bertrand, 1964.
51

príncipes. Estes vivem faustosamente no seio dos seus domínios e protegem


as artes. Aqueles se rodeiam de um fausto semelhante, contribuem para a
prosperidade das cidades e reúnem nas suas residências as mais belas
criações da arte do artesanato: móveis, tapetes, tapeçarias, pratas, louças,
roupas, jóias, quadros, etc. Cantores e músicos também têm o seu lugar no
seio desta ordem social. Como poderia a música da Renascença, no meio do
esplendor das igrejas, dos luxos dos palácios burgueses, ter deixado de
assumir o mesmo caráter de grandiosidade e opulência?

Talvez seja na Itália que a proliferação artí sti ca européia tenha


encontrado o seu centro mais ati vo. Podemos até certo ponto, dissociar o
século XIV do século XV, no senti do em que foi nos anos 1400 que fl oresceu
uma arte em que os temas profanos são tratados com ousadia; as fontes
tradicionais do cristi anismo, tão abundantes e demoradamente exploradas,
parecem tornar-se menos necessárias para os homens da Renascença,
voltados para outros horizontes, sob a infl uência progressiva das idéias e
dos acontecimentos que transformam o século. O humanismo, essa nova
ati tude fi losófi ca que vai modifi car a face do mundo, nasce em parte da
descoberta da civilização grega revelada ao Ocidente - e em primeiro lugar
à Itália - pelos sábios bizanti nos fugindo diante dos turcos (tomada de
Constanti nopla por Mohamed II). A Anti guidade torna-se um tema de
inspiração para arti stas e, ao mesmo tempo, uma espécie de modelo de
vida. O homem da Renascença liberta-se de quatorze séculos de docilidade
religiosa e de anonimato. Ele entrevê outros desti nos arrastado pelas
recentes descobertas, sente-se orgulhoso das suas próprias forças.

Algumas datas são o bastante para revelar a vitalidade do século:

* 1454: Gutenberg faz imprimir o seu primeiro livro.

* 1456: reabilitação de Joana D’Arc e, em seguida, reinado de


Luís XI. A França será doravante um estado unifi cado por uma sólida
insti tuição monárquica.

* 1470: a Sorbonne imprime o primeiro livro na França.

* 1492: Cristóvão Colombo desembarca na América; no mesmo


ano, em Espanha, os Reis católicos, Fernando e Isabel retomam Granada do
domínio árabe.

Efeti vamente, a grande revolução da Renascença pode resumir-se da


seguinte forma: até o século XV, o homem dedica-se inteiramente a Deus;
nas suas obras - e, sobretudo, nas suas obras de arte - ele dirige-se a Deus,
52

pois pintar, escrever ou tocar, são formas diversas de orar, de prestar


homenagem à glória divina, perante a qual o homem manifesta uma
humildade tão absoluta que as suas obras de arte até esse momento são, na
sua maioria, anônimas. Em suma, Deus é o centro do universo para o
homem da Idade Média. Pode dizer-se, ao inverso e esquemati zando, que
para o homem da Renascença o centro do universo será o Homem . A sua
obra representa uma forma de se afi rmar ele próprio e de culti var todos os
valores humanos. O humanismo vai provocar - mesmo no campo religioso -
a grande fl orescência dos séculos XV e XVI e suscitar um mundo onde os
arti stas exprimem a vida na sua plenitude, um mundo que parece ter sido
criado por e para os arti stas. Este fato é o que melhor defi ne a ruptura com
a austeridade, a gravidade, a nobreza, muitas vezes dura da Idade Média.

Renascença e Reforma são movimentos antagônicos na música,


assim como nos outros setores da vida. Não é possível defi ni-los em termos
musicais, porque o novo século, por enquanto, não signifi ca mudança de
esti lo: conti nua-se a escrever em esti lo “ fl amengo”, mas o centro desloca-
se para outras regiões, a França, a Alemanha, a Itália e a Inglaterra.
Também nota-se uma diferença de natureza social: nos países que
conti nuam fi éis à fé romana, a música sai do recinto das igrejas para encher
a vida da sociedade aristocráti ca; nos países que aderem à Reforma, a
música reti ra-se, principalmente, para a igreja, adaptando-se às formas
mais simples de devoção do povo.

A região franco-fl amenga foi o foco da música renascenti sta, onde


havia sociedades aristocráti cas que conti nuavam seguindo o credo de Roma,
como na Alemanha do Sul e na Itália; ou então, sociedades que escolheu
uma via média entre a velha fé e os rigores do calvinismo, como na
Inglaterra elisabetana. Mas os primeiros portadores dessa nova mensagem
musical ainda são “fl amengos”.

O século XVI vê brilhar o maior esplendor da Renascença: um


materialismo evidente conjuga-se com um gosto pelo fausto e pela
grandeza, e um senti do religioso, fervente também, mas renovado por esse
mesmo gosto faustoso. É nesse quadro que se inscrevem as opulentas
polifonias de um Adriano Willaert , dos Gabrielli em Veneza, as
prodigalidades de um Orlando de Lassus , o radiar de um Palestrina, cujas
obras abandonam toda a rudeza para assumir uma linguagem extremamente
suti l.

Da grandeza deste século XVI, a música apenas oferece um aspecto,


contudo estritamente ligado à época que fervilha novas forças. Basta evocar
53

Ticiano, Miguel Ângelo , Leonardo Da Vinci , esses arautos das idéias novas,
que abrem de par em par as portas do futuro. Se pensarmos nos seus
contemporâneos e nos predecessores, nos poetas, nos pintores ou nos
fi lósofos, em Brughel, na Flandres, Rabelais ou Montaigne, na França,
Shakespeare, na Inglaterra, El Greco, na Espanha, encontraremos por todos
os lados resplandecentes manifestações do espírito novo, ou seja, do
individualismo oposto ao espírito coleti vo da Idade Média. Pela sua
poderosa personalidade, todos esses arti stas arrastam a sua época para
novas realidades humanas e morais. À parte, sem que por isso deixe de ser
igualmente característi co do seu tempo, Hieronimus Bosch, visionário
alucinado, liberta com surpreendente violência os terrores, os pesadelos e
as visões do inferno das crenças medievais. É a reação de um espírito que
ultrapassou a fase submissão. No domínio cientí fi co, é um Copérnico que
descobre o movimento dos planetas, e está prestes a surgir o gênio de
Gallileu. O universo alarga-se em todas as direções.

Características Gerais da Renascença

* A sonoridade mista do góti co cede lugar à sonoridade plena do


Renascimento, com a polifonia vocal franco-fl amenga.

* Desenvolvimento da harmonia trídica funcional .

* A concepção sucessiva das vozes cede lugar à concepção


simultânea.

* Desenvolvimento da rítmica mensural.

* A música ainda se baseia em modos, mas estes são


gradualmente tratados com maior liberdade, à medida que vai aumentando
o número de “acidentes” introduzidos.

* Texturas mais cheias e ricas em músicas escritas para quatro


ou mais vozes; a parte do baixo vocal é acrescida à do tenor.

* Música sacra: algumas peças desti nadas à execução a capella,


frequentemente contrapontí sti cas, com alguma imitação e nas quais os
elementos musicais estão combinados e entrelaçados de modo a se criar
54

uma tessitura de fl uxo contí nuo, sem remendos; outras músicas de igreja
acompanhadas por instrumentos - por exemplo, peças policorais em esti lo
anti fônico, muitas vezes envolvendo fortes contrastes musicais.

* Música profana: rica variedade de músicas de canto, de dança


e peças instrumentais - muitas vezes copiando o esti lo vocal, mas outras
genuinamente ligadas a instrumentos, não a vozes.

* Internacionalização da música: entram em cena países que até


então não ti nham produção.

* Criam-se novos instrumentos; formam-se famílias à semelhança


dos conjuntos vocais e surge uma vasta literatura para alaúde, cravo,
órgão, etc.

* Composição sem o cantus fi rmus. Paulati no desaparecimento


do tenor dos motetos. O tenor era a melodia, profana ou sacra, tomada
como célula melódica da composição. A ele se juntava por um processo
aditi vo as demais vozes.

* Surgimento de um princípio racional de composição:


construção de uma linha melódica a parti r de outra, por imitação.

* Harmonicamente a linguagem muda totalmente. Desaparece a


rudeza da harmonia góti ca que se baseava na consonância sem terça, nos
tempos fortes, enquanto dissonâncias mais agressivas eram permiti das

* A harmonia se ameniza com a introdução sistemáti ca dos


acordes perfeitos (maiores e menores).

* As dissonâncias são preparadas e resolvidas, resultando numa


harmonia mais cheia.

* Freqüentes passagens homofônicas, nas quais as vozes cantam


ao mesmo tempo as mesmas palavras, tornando compreensível o texto.

* Desenvolvimentos de temas: fragmento melódico, apresentado


por uma das vozes e logo imitado pelas outras (mesmo antes do término da
primeira exposição).

Compositores
1ª Geração . (1420 - 1460): John Dunstable, Guillaume Dufay, Gille
Binchois

2ª Geração . (1460 - 1490): Jean Ockeghem, Antoine Busnois .


55

3ª Geração . (1490 - 1520): Jacob Obrecht, Josquin Des Près, Jean


Mouton.

4ª Geração . (1520 - 1560): Adrian Willaert, Nicholas Gombert,


Clement Non Papa, Clement Janequin.

5ª Geração . (1560 - 1590): Andréa Gabrielli, Felipe do Monte,


Orlando de Lasso, Palestrina.

6ª Geração . (Introdutores do Barroco): Giovanni Gabrielli, Luca


Marenzio, Gesualdi, Cláudio Monteverdi.

Formas Musicais

Na Renascença, os compositores passaram a ter um interesse


muito mais vivo pela música profana, inclusive em escrever peças para
instrumentos, já não mais usados somente para acompanhar as vozes. No
entanto, os maiores tesouros musicais renascenti stas foram compostos para
a Igreja, num esti lo descrito como “polifonia coral” - música
contrapontí sti ca para um ou mais coros, com diversos cantores
encarregados de cada parte vocal. Boa quanti dade dessa música devia ser
cantada a capella: a música essencialmente coral, cantada sem o
acompanhamento de instrumentos.

As principais formas de música sacra conti nuam sendo a missa e o


moteto, escritos no mínimo para quatro vozes, pois os compositores
começaram a explorar os registros abaixo do tenor, escrevendo a parte que
atualmente chamamos de baixo, e desse modo criando uma textura mais
rica e cheia.

As técnicas medievais, como o hoquetus e o isorritmo foram


esquecidas, e o cantus fi rmus foi substi tuído por uma canção popular.

Paralelamente ao desenvolvimento da música sacra renascenti sta ,


houve o rico fl orescimento das canções populares, variadas em esti lo e
expressando todo ti po de emoções e estados de espírito. Algumas têm a
textura extremamente contrapontí sti ca, outras são construídas com
acordes, soando num alegre e bem ritmado tempo de dança. Destacam-se a
o madrigal italianos , o Lied alemão, o villancico espanhol e a canção
francesa.

Moteto: o anti go moteto com cantus fi rmus aparece com menor


freqüência. O moteto renascenti sta é de invenção livre, com o texto
56

consti tuindo-se na espinha dorsal da estrutura, sendo musicalizado por


seções onde cada seção possui um moti vo melódico diferente, imitado por
todas as vozes. Os motetos a 5 e 6 vozes se converteram em norma.

Missa: as missas revelam os mesmos recursos contrapontí sti cos que


os motetos. Uma forma que gozou de predileção foi a Missa Paródia.
Caracteriza-se por ser uma composição polifônica um moteto sacro, onde o
tenor (um cantus fi rmus profano) é uma melodia de canção de origem
popular.

Reforma e Contra-Reforma. 1 3

Século de ouro da civilização espanhola e de grande prosperidade


dos Países Baixos, século de ouro da Inglaterra sob o reinado de Isabel e
século de ouro também da Renascença Italiana . Sabemos, contudo, que
esse século XVI também assisti rá a confl itos religiosos que lhe imprimirão a
marca dos seus tumultos, tal como as artes e o pensamento o marcaram
com sua riqueza. O acontecimento dominante é a promulgação da Reforma
por Marti nho Lutero, em 1517. Sem nos alargarmos neste trabalho sobre o
caráter religioso e políti co, verifi caremos a profunda perturbação que a
Reforma causará nos espíritos, bem como o esti lo que ela vai impor à
música da igreja - luterana na Alemanha e nos países vizinhos, e calvinista
em Genebra, em França e na Inglaterra.

Um sopro de austeridade e purifi cação espalha-se pela Europa.


Lutero escreve os Corais, espécie de cânti cos lentos e solenes, cantados a
quatro vozes, em acordes, sem ornamentos, cuja beleza ati ngirá seu apogeu
com J S. Bach. Numerosos músicos adotam por sua vez o Coral, que introduz
no canto reformado uma liturgia musical pura e grandiosa. Calvino faz
cantar os salmos em uníssono e proíbe que a igreja ostente pinturas,
esculturas, ou qualquer pompa exterior. O esti lo musical do rito protestante

13
RAYNOR, Henry. Op. cit.
57

impor-se-á doravante ao lado do esti lo católico romano. Deve-se observar


que vários compositores escreveram versões polifônicas dos salmos para
uso profano, pois a polifonia, banida da igreja pela Reforma, conti nua a
viver uma vida intensa e agora profundamente enraizada na sociedade.

Johann Walther (1496 - 1570), amigo de Lutero, compôs ou faz


compor inúmeras obras sob a forma de Corais. Walther pode ser
considerado como o mais eminente dos compositores luteranos.

O salmo protestante é uma paráfrase em língua vulgar dos salmos de


Davi. Enquanto os católicos os cantam em lati m, os protestantes vão cantá-
lo na língua do país onde prati cam o seu culto. A pedido de Calvino,
Clément Marot e, em seguida, Théodore de Béze traduzem para o francês
os cento e cinqüenta salmos, numa obra que fi cará conhecida pelo nome de
Saltério Huguenote. Numerosos compositores adaptam estes salmos, de
acordo com a escrita polifônica; mas a Igreja Calvinista não admite o canto
neste esti lo. O francês Claude Goudimel (1505 - 1572) dará duas versões do
Saltério: uma no esti lo contrapontí sti co, a outra no esti lo harmônico (em
acordes). Será esta segunda versão, mais próxima das concepções de
Calvino, que se imporá.

Os rápidos progressos do movimento da Reforma levam a Igreja


Católica a tomar medidas enérgicas para resisti r ao Cisma; criam-se ordens
novas, entre estas a dos Jesuítas, verdadeiros soldados de Deus. Nascem
duas insti tuições: a Inquisição, que exercerá terríveis repressões, e a
Congregação do Índex , dedicada à defesa da doutrina católica. Finalmente,
um Concílio reúne todos os representantes da Igreja na cidade de Trento, o
Concílio de Trento, que durará de 1545 a 1563 e terá como conseqüência a
reorganização total da vida interna da Igreja Católica e a consolidação da
sua doutrina. O movimento de Contra-Reforma terá também consideráveis
repercussões no domínio artí sti co. Perante a austeridade da Reforma, esse
movimento ergue um conjunto de crenças que já não são sombrias, mas sim
reconfortantes (culto da Virgem Maria, dos santos, verdadeira presença de
Cristo na eucaristi a, etc.), e ati nge uma humanização da religião que
comunicará aos crentes uma espécie de júbilo, um senti mento de
renovação. A Contra-Reforma provoca uma verdadeira explosão de alegria;
os aspectos mais espetaculares e mais tangíveis da religião são postos em
evidência: cerimônias e manifestações religiosas grandiosas, imagens
sagradas, culto do Sagrado Coração de Jesus, tudo isto se impõe ao rigor
protestante e manifesta-se no domínio artí sti co por uma libertação de
forças novas, que irão glorifi car e magnifi car a religião. O espírito da
Contra-Reforma vai dar origem ao Barroco. Chegamos no fi m do século XVI,
58

uma nova geração de arti stas começa a abandonar a ordem e a harmonia da


Renascença, para exprimir mais liberdade, mais realismo, mais
“autenti cidade”, como hoje diríamos.

Se colocarmos a música neste movimento geral das idéias,


compreenderemos melhor a sua evolução. O desabrochar da Renascença
conduziu os músicos a uma espécie de ponto de equilíbrio supremo, que
alcança todos os apogeus de uma época e que se conserva milagrosamente
durante certo tempo. Com relação à polifonia, pode dizer-se que ela viveu
as suas horas mais gloriosas na segunda metade do século XVI. À medida em
que os anos passam, vamos vê-la enterrar-se pouco a pouco numa
escolásti ca tão erudita que acabará por se tornar confusa, obscura,
esotérica. Víti ma de uma espécie de orgulho do seu próprio poder, ela
concede o triunfo aos “fortes em tema”, que se entregam a jogos suti s de
escrita; mas esta arte de retóricos perde progressivamente todo o contato
com a realidade. Cai fi nalmente na decadência e cederá amanhã perante o
impulso irresistí vel das duas criações estéti cas do século XVII: o Barroco e a
Ópera.

O espírito musical da Reforma, com seu caráter democráti co e


racionalista e sua tendência baseada no popular, evitou o perigo que havia
acontecido na Igreja Católica de corromper a polifonia sagrada, inacessível
para a massa dos profanos, não obstante seus esforços. Na realidade, a
música da Igreja Romana está solidamente fundada na História; não pode
nem sabe desviar-se do canto gregoriano, sobre o qual levanta o
monumento de suas vozes múlti plas. O esti lo polifônico visto do panorama
plurissecular nos apresenta como um coral gigantesco e variado, enquanto
o movimento protestante se esforçava em simplifi car o mais possível essa
variação e reduzir o canto melódico ao mais essencial possível. Mais tarde,
com o Coral para órgão, essa variação fl orescerá em sua consti tuição,
representando precisamente um posterior renascimento do contraponto.

Com o desenvolvimento do movimento da Contra-Reforma,


ressurge-se e consolida-se a música polifônica que convenhamos, nunca
havia decaído com a ininterrupta produção dos músicos fl amengos, apenas
transladou-se para a Itália. Com Palestrina e a escola italiana, levará suas
vozes artí sti cas à ressurreição do espírito religioso.

Exemplo 1 Coral Luterano


59

Exemplo 2 Polifonia Renascentista em Estilo Flamengo

Música Renascentista Italiana

Escola Romana

Grupo de compositores que atuaram na Capela Papal no século XVI.

Características
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 Música predominantemente sacra (missas e motetes);


 Influência flamenga no tratamento polifônico;
 Sonoridade mais cheia e ritmo harmônico mais lento e fluente;
 Feitura a capella;
 Fragmentos do gregoriano no cantus firmus;
 Concretizou as exigências da Contra-Reforma em matéria de música eclesiástica;
 Tratamento musical do texto:

- estilo homofônico nos textos densos e

- estilo polifônico nos textos curtos (Sanctus e Amem);

 Exclusão de cantus firmus profanos (posteriormente serão retomados pelo próprio


Palestrina;
 Sua Missa Papae Marcelli (1562/3) converteu-se em paradigma da música polifônica em
geral;

Estilo Palestrina

 Combina a técnica contrapontística com o equilíbrio harmônico e melódico (stilo


 antico, eclesiástico, grave);
 Autonomia das vozes no tecido polifônico, em equilíbrio com a alternância das partes
homofônicas;
 Harmonia equilibrada com o predomínio da tríade perfeita;
 Uso prudente da dissonância (preparadas e resolvidas por graus descendentes);
 Composição a 5 e 6 vozes com agrupamento das vozes e entradas simétricas.

Compositores

 Giovanni Pierluigi da Palestrina

 Contanzo Festa (†1545, Roma)

 Clemens non Papa (ca. 1510-1555)

 Cristóbal de Morales (1500-1553)

 Tomás Luís de Victoria (1548-1611)


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Renascença Francesa, Italiana, Espanhola, Alemã e Inglesa

Como é de conhecimento histórico, o Renascimento valorizava


temáti cas não religiosas, que foram igualmente contempladas na produção
musical da época, que é majoritariamente composta por músicas vocais
profanas, dos mais variados ti pos, funções, esti los e origens, tais como:
festas, comemorações, saudações, serenatas, reuniões em tabernas,
teatro...

Este ti po de música não vivia num círculo fechado, sendo ouvida por
todo o ti po de pessoas, desde reis até cantores de rua, passando pelos
próprios bispos. Era tão facilmente consumida e apreciada, assim como
esquecida, uma vez que a sua produção era prati camente diária. Esta
dividia-se em vários gêneros, que são caracterizados em seguida.

Itália

O território italiano foi o maior palco renascenti sta da produção


musical e da internacionalização dos próprios compositores, porque, de
fato, é possível constatar um grande número de músicos estrangeiros,
sendo a maioria franco-fl amengos. Ora isto não permiti a uma hegemonia
musical italiana, apenas a semeava, mas permiti u trocar idéias e relacionar
a noção contrapontí sti ca fl amenga com a expressão e melodismo românti co
italiano.

Contudo, o fl orescimento da música na Itália deve-se em grande


parte ao papel de mecenato desempenhado pelos príncipes e pelas classes
mais dominantes, porque foram eles quem atraíram os compositores e
músicos franceses e fl amengos. Entre os mecenas, destaca-se a família
Médicis, a família Sforza, os duques d'Este (corte de Ferrara) e a família
Gonzaga, que acolheu Orlando de Lassus. Curiosamente, a república de
Veneza tendia a preferir músicos italianos, cedendo apenas em 1527 o coro
de S. Marcos a Adrian Willaert e posteriormente a Cipriano de Rore.

Alemanha

A vida musical alemã não era muito signifi cati va até meados do
século XVI, predominando o esti lo Tenorlied, uma forma mista de popular e
erudita, e de infl uências estrangeiras. Aliás, a maioria dos músicos que
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cantavam nas capelas alemãs eram estrangeiros, até o luteranismo. De fato,


a reforma que Lutero desencadeou teve uma expressão e infl uência muito
importante na produção musical, que pretendia acompanhar a renovação
litúrgica.

O gosto pela música na Alemanha intensifi ca-se, mas a Igreja


Católica não fi ca indiferente à nova realidade e a Corte de Munique nomeia
Orlando de Lassus mestre de capela, que conseguiu transformar este centro
num dos mais importantes da ati vidade musical e aonde acorriam músicos
de toda a Europa para aprenderem na sua escola.

Inglaterra

Podemos considerar que a música renascenti sta inglesa até à


Reforma Anglicana era bimorfológica, ou seja, coexisti a um esti lo
tradicional de grandes coros e simplicidade harmônica, e outro de
infl uências da música francesa. A polifonia vai-se sedimentar no tempo de
Henrique VIII a nível litúrgico, mas é no reinado de Isabel I que ela
extravasa para o ambiente cortesão e ati nge um elevado grau de perfeição.
Desde então, a música inglesa encontra um caminho próprio e desenvolve
formas regionalmente defi nidas, como por exemplo, o madrigal.

Espanha

Seguindo uma tradição católica, os mosteiros e as catedrais são os


principais centros de ati vidade musical e acompanhavam as correntes
culturais estrangeiras. A capela real desempenhou um papel importante
neste senti do, transformando-se mesmo numa capela fl amenga após o
reinado de Carlos V e durante o domínio fi lipino.

Apesar da sua intensa religiosidade, a música espanhola não se


confi nava ao plano litúrgico, abrangendo igualmente a música profana e
semi-religiosa, como os romances, os madrigais e os vilancicos. Alguns
compositores espanhóis viveram em Itália, como Juan Encina e Victoria, mas
muitos permaneceram em Espanha, como Francisco Guerrero que
desenvolveu a sua ati vidade em Sevilha.

Portugal

Em Portugal, o movimento renascenti sta implantou-se mais tarde e a


nova corrente musical encontrou lugar no fi nal do século XV e, sobretudo,
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no reinado de D. Manuel e de D. João III, período onde se fomentaram


várias escolas de música junto às catedrais de Évora e de Braga. No entanto,
foi sob o domínio fi lipino que a polifonia portuguesa mais se desenvolveu e
ati ngiu um alto grau de perfeição, devendo-se essencialmente aos
compositores formados na escola de Évora, à proteção dos soberanos,
incluindo D. João IV, e à impressão musical, que já estava bastante
divulgada e acessível.

Os compositores que mais se destacaram foram Manuel Mendes,


António Carreira, Duarte Lobo, Filipe de Magalhães, Fr. Manuel Cardoso,
João Lourenço, entre outros, que compunham tanto música litúrgica, como
música profana e instrumental.

Formas

Canti Carnascialeschi

De origem italiana, é uma forma muito parti cular que era,


sobretudo, tocada nos cortejos, mascaradas e triunfos em Florença na
época do Carnaval e das festas de Maio. Ela fazia referências a todas as
classes sociais e profi ssionais através de uma literatura popular alegre,
irônica e eróti ca. Era uma música dividida em 3 ou 4 vozes, de som muito
homogêneo e rítmico, com estrofes intercaladas por um refrão.

Chanson

Este gênero musical foi desenvolvido em França, especialmente em


Paris, desenvolvendo-se paralelamente à evolução do madrigal e de outras
formas polifônicas profanas.

Estrutura Texto

Era escrita para conjunto de três, Os textos eram geralmente de grande


quatro ou cinco vozes, sendo qualidade e abordavam temas
trabalhada em contraponto, nota reti rados de acontecimentos
contra nota. O canto era silábico e quoti dianos, políti cos, amorosos,
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de ritmo constante, o que permiti a eróti cos, pornográfi cos...


desenvolver uma simplicidade
harmônica e formal.

Os compositores que podemos destacar são: Claudin de Sermisy


(1490-1562), Clément Janequin (1485-1560), Pierre Certon (?-1572), Claude
le Jeune, Clemens non Papa, entre outros...

Frottola

O século XV foi o seu período áureo, particularmente na Itália do Norte, e constitui-se


como uma canção estrófica vocal de tema amoroso com acompanhamento instrumental em
uníssono ou ornamentado. Embora apresente semelhanças ao madrigal florentino, do qual é aliás
originária, e à balada contemporânea, o seu estilo é popular, de estrutura e texto simples.

Estrutura Texto

Normalmente é escrita para 4 vozes Compõe-se de versos octossilábicos,


em esti lo contrapontí sti co: a voz muitos de onomatopéias, reparti dos
superior é cantada e as restantes em estrofes e estribilhos
instrumentadas.

A música está estruturada somente


por duas frases, que se disti nguem
em dois versos, repeti ndo-se 3 vezes
a primeira (a a a b)

Os principais compositores deste gênero musical são Marco Cara,


Bartolomeo Tromboncino (1470-1535) e Michele Pesenti (1475-1521), mas
ele não sobreviveu à infl uência do madrigal italiano, do qual foi grande
precursor, e da vilanela, cujo esti lo mais simples cati vou as populações.

Lied

De origem alemã, é uma peça vocal para uma voz, geralmente


acompanhada ao piano, e que pretende valorizar mais o poema que a
música em si. No entanto, é necessário disti nguir o volkslied (canção
popular) do hofl ied (canção cortesã), que surgiu em meados do século XVII.
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No âmbito deste trabalho, é importante referir que Orlando de Lassus foi


um dos compositores mais importantes no culti var do gosto pela música
renascenti sta na Alemanha, a quando da sua estadia na corte de Munique.

Madrigal

A origem da palavra "madrigal" é polêmica e indefi nida: tanto pode


derivar de materialis (matéria), como de matricalis (mater, mãe) ou
mandrialis (rebanho). De qualquer forma, todas estas eti mologias revelam
um elemento característi co do madrigal, que é o fato dele ser cantado em
italiano e não em lati m, sendo muito diferente do madrigal fl orenti no
medieval.

O madrigal do século XVI é uma peça vocal muito livre, geralmente a


5 vozes e a cappella, que conjuga várias característi cas da frott ola, da
chanson e técnicas contrapontí sti cas:

 adequação entre texto e música


 expressividade poética e de conceitos
 liberdade na métrica
 caráter social

É imperati vo que se fale das várias gerações de madrigalistas, pois


eles denotam a evolução da produção madrigalista:

1.      Na primeira fase os primeiros madrigalistas eram estrangeiros,


quase todos nórdicos, como por exemplo, Arcadelt, Willaërt e Verdelot, e a
forma do madrigal era bastante simples, composta geralmente para 4 vozes.

2.      A fase evoluída, ou a segunda geração, aumentou a


complexidade da forma musical e o número de vozes para 5 e 6. Os
compositores mais relevantes foram: Palestrina, Nanini, Merulo, Ingegneri,
Nicola Vicenti no (1511-1572), Andrea Gabrieli (1510-1586) e Cipriano de
Rore (1516-1565).

3.      No últi mo quartel do século XVI, e pela mão da terceira


geração (Marenzio, Giovanni Gabrieli, Carlo Gesualdo, Claudio Monteverdi),
consagrou-se um esti lo mais variado e expressivo do madrigal, em
contraposição à linguagem harmônica. Mais tarde, e pela mão de
Monteverdi, a monodia e o baixo contí nuo suplantavam a polifonia,
originando o madrigal acompanhado ou dramáti co no século XVII, que se
aproximava da cantata, sendo Orlando de Lassus um dos compositores mais
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proeminentes deste esti lo, apesar de estar inserido nestas últi mas duas
fases.

Nas restantes culturas européias, à exceção da inglesa, o madrigal


não teve tanta infl uência como em Itália, mas não deixou de ser ouvido. De
fato, o caso da Inglaterra é bastante peculiar, porque após um longo
período de ausência de produção musical nacional, surgiram algumas
tentati vas de traduzir madrigais italianos e compositores a procurarem
escrever as suas próprias obras musicais, como foi o caso de William Byrd e
Thomas Morley, apesar da referência italiana ser constante.

O madrigal inglês conjuga a poesia inglesa com a simplicidade da


canção francesa - a chanson - e com o espírito alegre dos bailes italianos,
apresentando-se numa forma estrófi ca a 4, 5 e 6 vozes, por vezes alternada
com um estribilho. É importante demarcar que estas vozes podiam ser
tocadas por instrumentos na sua totalidade ou apenas parcialmente.

Estrutura Texto

Madrigal expressivo: difere A temáti ca pastoril-amorosa era


da canção polifônica francesa freqüente, mas a forma do madrigal
por ser mais leve dependia do poema.
Madrigal dramáti co:
apresenta-se num esti lo
recitati vo, de duos, trios e
coros, aproximando-se da
cantata e do novo esti lo
Barroco, que começava a
aparecer.

Vilancico

O Vilancico, ou Vilancete em português, é uma música ibérica com


refrão e acompanhamento instrumental de Vihuela (instrumento de cordas
dedilhadas) e outros instrumentos, dobrando a melodia, fazendo fi gurações
e marcando o ritmo. Predominam os temas profanos ou religiosos,
conciliando o esti lo popular com o de corte.
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A sua estrutura é dividida por uma série de estribilhos e estrofes,


num esquema a b b a, de natureza muito simples e constante, aceitando
raramente pequenas imitações musicais. Também é natural encontrar-se
duas versões do mesmo vilancico: uma para a voz solista e instrumental, e
outra para o coro. Apesar da maioria das composições serem anônimas, os
compositores que mais divulgaram este esti lo foi Juan Vásquez (1500-1560),
Joan Brudieu (1520-1591) e Juan de Encina.

A música instrumental

Até ao período renascenti sta, a função dos instrumentos resumia-se


prati camente ao acompanhar o canto, dobrando-as ou substi tuindo-as, mas
esta situação inverteu-se a parti r do século XVI, com o interesse crescente
por parte dos compositores em escrever música somente para instrumentos,
moti vado por várias razões:

 O ambiente proporcionado pelas capelas reais e senhoriais


 A evolução da música instrumental
 A fixação e divulgação da escrita em tablatura, o que em muito contribuiu a imprensa
musical
 A conscientização da dimensão acórdica da música
 A qualidade tímbrica dos instrumentos

Assim, é possível compreender o porquê da música instrumental ter


sido amplamente desenvolvida e mais desti nada a acompanhar a música
vocal. Aliás, muito do repertório deste foi transposto para a expressão
instrumental, e, conseqüentemente, a construção de instrumentos musicais
vai-se expandir em grande escala e eles passaram a estar reunidos em
famílias, designadas por consortes, com o fi m de homogeneizar o efeito
sonoro e possibilitar a reprodução dos diversos registros vocais.

É assim que assisti mos ao nascimento de vários consortes da fl auta


de bisel, da viola de gamba, do Cromorne, entre outros, que ti nham por
hábito tocar de pé, costume este que só acabou no fi nal do século XVIII.

É curioso que na música instrumental, independentemente do local


de atuação (palácios, castelos ou cortes) houve a necessidade de criar a
fi gura do "mestre da música", que era o primeiro instrumenti sta do grupo,
cuja função é dirigir os restantes instrumentos pelo seu.

Os instrumentos uti lizados na música renascenti sta são prati camente


os mesmos da época medieval, passando apenas por pequenas alterações
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para se adaptarem às novas exigências da expressividade musical de então,


como a reprodução de sons mais graves.

Para além das fl autas, alaúdes e violas, os instrumentos de teclado


começaram a ganhar popularidade, chegando a surgir neste período os
primeiros álbuns de música deste gênero instrumental. Eles podiam ser um
pequeno órgão, um clavicórdio ou um virginal, para o qual a maioria dos
compositores ingleses escreveu peças.

O Período Barroco. 1 4

Uma mudança de esti lo tão decisiva como a que transformou a


música renascenti sta nos 50 anos entre 1575 e 1625 não assinalava o
esgotamento do ideal polifônico que moti vara os compositores do
Renascimento, porque a polifonia simplesmente se tornou um dos muitos
elementos possíveis numa linguagem musical mais plena e, por muitos anos,
coexisti u independentemente lado a lado com o novo esti lo. Monteverdi,
fora de qualquer dúvida o maior compositor do “barroco primiti vo”, foi
nomeado para a Catedral de São Marcos em Veneza para restaurar o velho
esti lo barroco que ajudou a inaugurar. O que mudou foram as ati tudes e
senti mentos de uma geração, e a música mudou com eles.

Para Ernest Meyer, “os efeitos harmônicos de massa” produzidos


por “grandes conjuntos orquestrais” no período do barroco eram “um meio
pelo qual o compositor e o executante falavam ao público”. “Em todos os
senti dos”, conclui Meyer, “a música na Itália agitada de inícios do século
XVII preenchia uma função propagandista na luta desesperada da anti ga
ordem social e religiosa contra a nova”.

O modo de ver de Meyer, embora às vezes tendenciosamente, é o de


um escritor sempre cônscio da dependência mútua de música e sociedade, e
merece consideração. Explica ele com enfáti ca convicção, como a
intensidade e acentos do barroco destruíram uma tradição mais suti l, a do
conjunto instrumental e vocal renascenti sta, e suplantaram o amistoso
discurso de igualdade democráti ca com uma nova arte ditatorial, em esti lo
14
RAYNOR, Henry. Op. cit.
69

fanfarrão e demagógico. O problema é que a agitação no início do Barroco


não era, em senti do algum, popular. Não descobrimos a menor prova de
qualquer agitação popular contra as novas disposições da Contra-Reforma.

Por tudo isso, o fator decisivo na vitória do Barroco foi a


consonância dele com a perspecti va da época. Um catolicismo purifi cado e,
pouco depois, um protestanti smo impregnável recorriam ambos à música
para exemplifi car sua glória e sua fé. Para os jesuítas, por exemplo, as
emoções do novo esti lo eram valiosas simplesmente porque maravilhosas e
punham seu encanto à disposição da igreja. O esti lo Barroco exemplifi cava a
fé, sendo, portanto, inesti mável tanto para católicos como para
protestantes.

A música barroca explorava não apenas o princípio da monodia e seu


acompanhamento harmonicamente moti vado, mas também um novo
princípio de composição por contraste . Esses novos princípios levaram a
estruturas musicais de grande robustez e força, e forjaram uma união com a
religião, tanto católica como protestante, graças à posição que atribuíram
ao texto. O esti lo recitati vo monódico foi revelado como meio de declamar
um texto; os seus contornos foram deliberados pela necessidade de
transmiti r palavras claramente aos ouvintes. O esti lo arioso que surgiu do
recitati vo foi moti vado pelo mesmo princípio declamatório, mas enriquecido
pela necessidade de intensifi car o poder emocional das palavras. As
passagens homofônicas em harmonia compacta eram também consideradas
em relação às palavras, e quanto a isso, pelo menos, embora sua cor vívida
e intensidade dramáti ca não fossem qualidades gratas às autoridades
católicas, identi fi cavam-se de perto com os princípios dos reformadores
católicos mais que a música anti ga que, com sua homogeneidade de textura
e isenção de drama e sensacionalismo, era inatamente devocional.

A deliberada magnifi cência do Barroco (desde os motetos corais ou


melhor, policorais de Andréa Gabrieli em inícios do período até o Sanctus
da Missa em Si menor de Bach e o Aleluia de Haendel, no fi nal do Barroco,
esse período é pleno de magnifi cência) parecia refl eti r a época da
consolidação católica assim como refl eti a o nacionalismo que era expresso
no brilhanti smo palaciano e na bajulação da monarquia. A música que
Schütz ouviu em Veneza e levou consigo para a Alemanha protestante
obviamente não transmiti a quaisquer implicações católicas especifi camente,
e o Barroco totalmente protestante de Schütz é tão intensamente
dramáti co e espetacular quanto o de Monteverdi. Ao mesmo tempo, o
emocionalismo extremo do esti lo formulava fi guras musicais universalmente
70

aceitas como simbólicas; a música barroca é feita dessas fi gurações


simbólicas que contribuíram para o novo esti lo ser facilmente aceito.

Sob outro aspecto, a música barroca era nova. Dirigia-se a um


público em vez de ser música precipuamente desti nada a seus executantes.
O cantor ou instrumenti sta, ao executar música do Renascimento, está em
condições de viver uma obra pelo menos tão plenamente quanto qualquer
ouvinte; o executante de uma grande obra barroca vivencia pouco mais que
a sua própria parti tura.

Enquanto a monodia se desenvolvia em Florença, o princípio de


contraste era explorado pela primeira vez em Veneza, numa época anterior
à que poderíamos chamar legiti mamente de “barroca”. Veneza era
fabulosamente rica, tendo dominado o comércio europeu com o Extremo
Oriente desde Marco Polo, por sua vez veneziano, que abriu a rota
comercial para a China em meados do século XIII. A cidade e os territórios
por ela dominados fi caram alheios à maioria das querelas dos Estados
italianos nos séculos XV e XVI, e a sua posição geográfi ca deu-lhe quase
completa segurança. Tratava-se de uma república governada por uma
oligarquia perpétua de príncipes mercadores cujo governo era muito mais
tolerante do que poderia ocorrer em fi ns do Renascimento. Acolhia
refugiados, sobretudo os que podiam dar uma efeti va contribuição à vida
pública, intelectual e artí sti ca da cidade, e adquiriu um modo mais
esclarecido do que os demais governos da época de ver as idéias e condutas
não convencionais.

Essas condições atraíram músicos do Norte a Veneza desde inícios


do Renascimento, e podemos recuar a Adriano Willaert natural de Bruges e
nascido por volta de 1490, a exploração consciente dos pesos e dinâmicas
contrastantes da música para dois coros que cantavam em anti fonia
tradicional. Willaert havia viajado muito e trabalhou muitos anos na Itália
antes de 1527 quando conseguiu o posto de mestre-de-capela na Catedral
de São Marcos através de concurso público que era o meio normal de obter-
se nomeação. Era estudante de direito em Paris, desprezando pela música
em 1514. Quatro anos depois trabalhava como músico em Bolonha, e em
1522 era membro da capela de Afonso I em Ferrara ; em 1525 estava a
serviço de Ipolito, arcebispo de Milão. Parece que o saque de Roma por
Carlos V o convenceu de que a vida em Veneza era mais segura.

Em São Marcos encarregou-se de uma organização musical que


contava entre seus subordinados o primeiro e o segundo organistas da
Catedral, um conjunto completo de músicos de cordas e sopro e um grande
71

coro, famoso na época por seus padrões musicais. O coro da Catedral de


São Marcos, com galerias ocupadas pelos cônegos da catedral, foi
arquitetado para ter uma galeria de cantores de cada lado, e cada uma
delas ti nha o próprio órgão para ser uti lizado na anti fonia. Com essas
condições à sua disposição, Willaert teve a idéia de um coro duplo, cada
metade independentemente acompanhada, dando a todos os cantores uma
música belamente suave na qual um esti lo declamatório, dramáti co, por
vezes irrompe quando as palavras o exigem.

Willaert morreu em 1562. Seus sucessores foram Cláudio Merulo,


que se tornou primeiro organista em 1566, Andréa Gabrieli, que substi tuiu
Merulo no segundo órgão até 1584, quando foi promovido ao lugar de
Merulo. Depois de sua morte, o sobrinho Giovanni inseriu as suas canzone e
sonatas instrumentais num volume que incluía também a obra de seu ti o. O
volume surgiu como Concerti de Andréa e di Giovanni Gabrieli...conti nenti
Musica de Chiesa, Madrigali per voci instrumenti musicali . Giovanni foi
provavelmente responsável pela nova nomenclatura; além dos concerti e
sonate, Giovanni também chamava as suas obras de Symphonie e Dialoghy
Musicali. As sonate eram apenas instrumentais, música soada
diferentemente de Cantate ou música cantada. Concerti era música para
coro e instrumentos, ao passo que Symphonie em geral se aplicava a solos
vocais e orquestras. A disti nção barroca não era entre inatamente sacro e
inatamente secular; era questão apenas de música para ser ouvida, assim
como pouco mais de uma geração depois parece haver pouco da natureza
de muitas sonatas de chiesa para convencer-nos de que bem poderíamos
falar de sonata de câmera. Temos relati vamente poucos dados sobre os
métodos de Giovanni Gabrielli , a não ser as parti turas que dão prova que
ele jamais trabalhou ao acaso e que não estava contente com um método
casual.

Grande parte do ímpeto no senti do do esti lo contrastante que a


época barroca chamava de concertato era proveniente da música cerimonial
veneziana. O caráter maciço dessas obras, que os musicólogos alemães
chamaram de “barroco colossal”, evoluiu num esti lo para ocasiões
especiais, assim como as obras em esti lo concertato de Monteverdi para a
Igreja de São Marcos parece terem sido escritas para grandes
comemorações. O “barroco colossal” ati ngiu o ponto máximo com a música
de Virgílio Mazzochi, mestre-de-capela de São João Latrão em Roma entre
1628 e 1629 que escreveu uma obra cantada na Basílica de São Pedro em
Roma, com um coro no seu lugar convencional, outro na galeria perto da
cúpula e um terceiro na torre sob a cúpula. Orazio Benevoli , que escrevia às
72

vezes até para 12 coros acompanhados, foi ainda mais longe; para a
consagração da Catedral de Salzburg em 1628 ele compôs uma música para
dois coros duplos acompanhados cada um pelo seu contí nuo, apoiado por
cinco orquestras, duas de instrumentos de sopro, duas de cordas e uma de
metais, cada qual situado num local diferente da catedral. Toda a obra era
calcada num baixo cifrado que reduz toda a obra à ingenuidade harmônica.

A música escrita para muitos coros e a intensa expressividade a que


aspirava o barroco foram desastrosas para a liturgia, que evoluía no senti do
de uma forma musical mais que para uma expressão do espírito e devoção
da igreja. O Kyrie converteu suas súplicas centrais, Christi eleison , em solo
ou peça solista de conjunto - às vezes na dominante ou no relati vo maior da
principal tonalidade do movimento. Gloria e Credo terminavam cada um
com uma fuga; não raro as duas fugas ti nham o mesmo tema. O Sanctus,
como da Missa em si menor de Bach, é em geral grandiosamente solene e
direto, levando a um Hosana vívido que é retomado depois de um
Benedictus lírico e extenso. A Itália, e compositores italianos em toda parte
revelaram a Missa Cantata que fragmenta o texto em movimentos disti ntos,
árias, duetos e coros; em outros países católicos os compositores foram
mais lentos em fragmentar a unidade do texto litúrgico.

Contudo, na maioria dos casos, o esti lo barroco difundiu-se pela


Europa de modo um tanto semelhante a uma sucessão apostólica. Os
discípulos de Willaert, Cypriano de Rore, Zarlino e Andréa Gabrielli vieram
a ser a geração seguinte na Catedral de São Marcos. A eles juntou-se
Cláudio Merulo em 1557, que escreveu em esti lo veneziano e em 1574
transferiu-se para Mântua e depois Brescia. De Rore deixou Veneza em
1547 para ser mestre-de-capela do duque de Ferrara. Andréa antes de fi xar-
se em Veneza como segundo e depois primeiro organista da Igreja de São
Marcos sob as ordens de Zarlino, havia trabalhado em

Munique com Lassus. Andréa ensinou a seu sobrinho Giovanni


Gabrielli, que foi o líder da geração seguinte.

A nova terminologia do esti lo barroco difundiu-se rapidamente, mas


nem sempre foi uti lizada de maneira correta. O adjeti vo “concertato”
indicava, do mesmo modo que o tí tulo concerto, a reunião de orquestra e
cantores. Isso, nos primeiros dias da orquestra, implicava o emprego de
instrumentos em blocos contrastantes. O emprego do termo impossibilita
concluir se o termo “concerto” vem do lati m “consorti o”, “companheiros ou
parceria”, ou de “concertare ”, “lutar, competi r”. Estamos acostumados à
noção de músicos tocando como parceiros, “em concerto”, mais os
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primeiros empregos dos termos “ concerto” e “concertato” sugerem que


qualquer das duas raízes lati nas poderia ter originado o nome.

Concerto, porém foi o termo que Viadana empregou, aparentemente


pela primeira vez, em 1602 como tí tulos de seus Concerti Eclesiati ci; trata-
se de uma coletânea de motetos e salmos em solo, ao que tudo indica em
esti lo monódico , escrito sobre um baixo cifrado que de fato condensa uma
textura polifônica tradicional. Quando a Guerra dos 30 Anos deixou Schütz
com apenas um esqueleto de um coro, ele escreveu o seu Kleine Konzerte
para uma, duas, três ou quatro vozes com acompanhamento de dois
violinos, cello e órgão como contí nuo. Mas o monumental Musikalische
Exequiem, para seis, oito e mais vozes, mas com acompanhamento de baixo
contí nuo, tem o subtí tulo “Concerto na Forma de Réquiem Alemão”. Esse
emprego do termo concerto como extensa obra para solistas, coro e
orquestra, uti lizando conjunto de vozes de diferentes ti pos para contraste,
conti nuou a ser aplicado até o século XVIII; Bach chamou muitas de suas
primeiras cantatas religiosas de “ concerto”. Originariamente, o termo
parece ter sido aplicado a qualquer obra religiosa para uma variedade de
instrumentos e vozes. Esse gênero, nos inícios do século XVII antes que a
orquestra barroca tendesse a uma sonoridade homogênea, seria quase
inevitavelmente em esti lo concertato, dependendo do contraste.

“Sinfonia”, termo que Giovanni Gabrielli empregou para as obras


corais e orquestrais suas e de seu ti o em esti lo concertato, está mais
próxima de “concerto”. As grandes obras corais das Symphonie Sacrae de
Gabrielli encerram imensos motetos para três coros a cinco vozes e um coro
a quatro vozes, com metais, cordas e órgão, e In Ecclesiis, para soprano e
barítono solistas, dois coros com vozes desiguais (os sopranos estão no coro
um e os baixos no coro dois), ainda com metais, cordas e órgão. Em cada um
desses (que são mais anti gos que os Concerti de Viadana ) os coros e os dois
conjuntos de instrumentos tocam em esti lo concertato assim como em
passagens orquestrais poderosamente maciças. As Symphonie Sacrae de
Gabrielli incluem também certa quanti dade de obras instrumentais como a
Sonata pian’a forte.

As sonatas no início de sua história para compositores como


Giovanni Gabrielli , era apenas música para ser tocada, diferentemente de
sinfonia, que implicava instrumentos e coro, e concerto que podia exigir
vozes e instrumentos ou apenas vozes; cantata, exato oposto de sonata,
signifi cava apenas música cantada, em geral por uma só voz com baixo
cifrado, e não apropriada para igreja.
74

A evolução da sonata resultou sobretudo da evolução do violino e


instrumentos aparentados com ele como a viola, o cello e o baixo. A
evolução do violino parece ter-se completado em 1550. As violas eram
instrumentos domésti cos, melodiosas e suaves; à medida em que a música
se voltou para o público, o ti mbre brilhante e mais extroverti do do violino
tornou-se mais desejável. Os grandes artesãos do violino em Cremona -
Nicolo Amati , Antônio Stradivari, Giuseppe Guarnieri - surgidos quando o
instrumento já adquirira sua forma fi nal, abrem a época que vai de 1596,
quando nasceu Amati , a 1774, com a morte de Guarnieri, e ao fi nal daquele
período o violino já se tornara imensamente popular e teve infl uência
considerável na música instrumental.

A orquestra cada vez mais homogênea, com base num quinteto de


mais ou menos 12 cordas, foi paulati namente suplantando a sonata
instrumental. Em estabelecimentos como a Igreja de São Petrônio em
Bolonha, onde havia uma das melhores orquestras da Itália, o esti lo sonata
barroco converteu-se em sonata para instrumento solista.

A música de teatro - a sinfonia introdutória e os intermezzi entre os


atos de ópera - naturalmente trouxeram melodias mais líricas, ritmos mais
marcantes e vivos no todo da música orquestral. Ao mesmo tempo a posição
da França de Luís XIV como pátria da civilização difundiu a infl uência da
suíte, reunião de danças variadas coligidas de óperas e bailados franceses,
apreciadas sobretudo na música palaciana alemã.

Todas essas infl uências nutriram o Concerto Grosso , criado por


Corelli e por seus contemporâneos. Corelli nasceu em 1653 e foi estudar em
Bolonha em 1666. No Concerto Grosso tal como Corelli o escreveu, o
ripieno, ou orquestra completa, é contrastado por um grupo concerti no
solista. Toda a orquestra de cordas, com a crescente popularidade da forma
da ária operísti ca, tornou-se por sua vez cada vez mais responsável pela
música ritornello em que entra o concerti no como paralelo à voz.

O concerto e a suíte eram música religiosa, palaciana e popular. O


progresso da suíte na Europa central deveu-se em grande parte às bandas
Stadtpfeifer cuja especialidade era a música religiosa e de dança.

O ano de 1600 é importante na história da música: o movimento das


idéias, que se preparava a cerca de um quarto de século, defi ne-se e
manifesta-se subitamente. É o rompimento, níti do desta vez com o esti lo
polifônico, pelo aparecimento de um novo esti lo: a melodia acompanhada ,
a que se costuma chamar de “o reinado do baixo contí nuo ”. Melodia
75

acompanhada e baixo contí nuo designam, na realidade, uma estéti ca que


vai ditar leis a um século e meio de criação musical.

Na Itália, que devolveu à Europa o que a Europa havia lhe dado


(uma arte polifônica magistral) acrescido de sua própria riqueza (o lirismo,
a fl exibilidade de expressão), a Itália, que se encontrou no centro espiritual
da Renascença, vê manifestarem-se as primeiras e mais férteis impaciências
de uma geração que pretende romper com as leis dos músicos do Norte. É
então que vai nascer esse movimento tumultuoso que vivifi ca toda a
história da música: o Barroco. Simultaneamente, o desejo de renovação, a
necessidade de uma música que represente com realismo os senti mentos
humanos, inspira um gênero novo, que vai ocupar um lugar imenso na vida
musical: a Ópera.

A Origem da Ópera. 1 5

Jamais poderemos realmente imaginar porque um esti lo mais ou


menos universal é superado por outro. Seria perigoso simplifi car a questão
examinando as origens da música barroca em fi ns do século XVI e dizendo
que um esti lo morre de exaustão enquanto outro toma o seu lugar. O esti lo
polifônico estabelecido conti nuou lado a lado com a nova música, e
Monteverdi, o maior dos mestres do início do Barroco, também escreveu no
velho esti lo. A mudança deu-se não em virtude do esgotamento da
polifonia, mas da verdadeira transformação na sensibilidade européia; as
causas dela estão entre os imponderáveis da história os quais só podemos
conhecer pelos resultados que apresenta.

Dois princípios encontraram expressão na música barroca. Um, a


monodia dramáti ca que veio a dar na ópera, era novo e revolucionário; o
outro, o princípio pelo qual obras extensas eram elaboradas por contrastes,
o esti lo concertato que deu origem ao concerto na sua forma primiti va, foi
uma evolução, devida mais a compositores venezianos que a quaisquer
outros, da práti ca renascenti sta.

Uma simplifi cação tradicional atribui a criação da ópera aos


encontros dos Camerata - grupo de arti stas que discuti am os seus
problemas com Giovanni Bardi, conde de Vernio. Vicenzo Galileu, Caccini,
Stronzzi, Corsi, Peri e Rinuccini , juntamente com o patrão deles, eram uma
“academia”, ou clube de arti stas, de notável disti nção intelectual e

15
RAYNOR, Henry. Op. cit.
76

artí sti ca. A simplifi cação é justi fi cável, pois inicia a história da ópera num
ponto de parti da a parti r do qual seus futuros desdobramentos fl uem com
precisão e ordem lógica. A ópera contudo, evoluiu a parti r de variadas
causas, algumas das quais os “ cameratas” teriam repudiado com desdém.
Seja qual for a época e autenti cidade do drama popular tal como manti do
pelos folcloristas, suas sobrevivências modernas assim como os primeiros
autos dos milagres mostram que os primeiros dramaturgos europeus
escolheram uma forma na qual a música devia acrescentar intensidade as
palavras que eram por vezes cantadas e às vezes recitadas com
acompanhamento musical.

Podemos recuar ao que se poderia chamar “ drama artí sti co”, até aos
manuscritos do século X da biblioteca de St. Gall. Eles contém tropos que se
expandiram em dramas curtos independentes da liturgia. Desde as suas
origens, o drama europeu parece ter aceito a noção de música como uma
intensifi cação do drama.

No século XVI, as “mascherata”, que foram uma das atrações do


carnaval das cidades italianas, evoluiu para o balé e foram copiadas para
representações palacianas na França. Mistura de mitologia alegórica e lenda
medieval era tratada pelos franceses, em poesia palaciana em vez das
canti gas rudes e singelas do carnaval. Disso surgiu o balé de cour francês,
tal como os membros da Camerata do conde Bardi, estavam fascinados pela
possibilidade de formas nas quais música e poesia se integrassem, e
começaram a promover encontros na Académie de Poésie et Musique , em
1570, quase trinta anos antes que os intelectuais fl orenti nos começassem
seus debates. Fizeram experiências com versos fortemente acentuados e
poesia altamente rítmica a que chamavam “vers mesures”. O ritmo é forte
mas muito variado, e veio a ser o esti lo dos trechos para solo vocal ( récits)
da música do balé de cour , até que em meados do século XVII, Lully a
transformou no recitati vo francês.

O objeti vo da Académie era a restauração de um esti lo que seus


componentes acreditavam ter sido uma das glórias da era clássica da
literatura grega; descobriria um esti lo musical que não mais tratasse versos
como simples matéria prima para exploração pelo compositor, mas um
esti lo no qual reforçado pela música, os versos seriam declamados de modo
que a música manti vesse o atrati vo próprio ao mesmo tempo que o
esquema verbal de ritmo e infl exão fossem realçados por sua união com os
valores musicais de ritmo e tom determinados. Isso era um refl exo, em
termos especifi camente franceses, da paixão renascenti sta pelas glórias da
Anti guidade Clássica e uma determinação em restaurar as suas glórias. O
77

homem culto do Renascimento estava persuadido de que muito do teatro


grego havia sido musical. Aristófanes, em As Rãs, referiu-se
desdenhosamente ao “plunqueti -plunque-plunque” das cordas de alaúde
entre as estrofes de um coro trágico, e havia outros textos para amparar a
opinião do drama grego como um ti po primiti vo de ópera. Os eruditos
renascenti stas estabeleceram que a música deve ter sido desti nada não a
exprimir as palavras de uma peça grega, mas a transmiti -la com o máximo
de efi cácia pelo domínio do tom e do ritmo. Essa noção é que eles
introduziram na mistura de canto, dança, coro e mímica que era o ballet de
cour.

O ballet de cour consisti a em certas entrées, dançadas ou


representadas por mímica, precedidas de versos cantados como recités ou
falados. Música coral, canto com acompanhamento de alaúde ou conjunto
instrumental acompanhavam a dança e a mímica. Cantores e
instrumenti stas eram manti dos fora da cena a menos que alguma coisa na
história exigisse que tomassem parte na representação. A forma era
totalmente palaciana: os bailarinos eram cortesãos e o “ fi nale”, um grand
ballet, converti a-se em oportunidade para a realeza mostrar a sua
dignidade, graça e habilidade técnica na dança. Paulati namente tornou-se
mais esti lizada, eliminou a fala e fi cou totalmente unifi cada pela música.
Caccini, o compositor e cantor fl orenti no que era um dos componentes mais
importantes da Camerata do conde Bardi, foi para Paris a chamado da
rainha Maria de Médicis, esposa de Henrique IV. O esti lo de cantar de
Caccini, que revelou a rápida correspondência com o drama dos músicos
italianos modernos e vinha sendo chamado de “sti lo rappressentati vo ”, com
a sua dependência em relação ao recitati vo e declamação dramáti ca,
impressionou a corte francesa e, sobretudo, Pierre Guédron, que em 1601
se tornou compositor da corte e foi, portanto, responsável pela criação de
um grande número de bailados. Como foi depois da visita de Caccini que a
poesia falada desapareceu do ballet de cour para ser substi tuída por música
em esti lo recitati vo livre, os ensinos dos pioneiros fl orenti nos ti veram
infl uência no esti lo extremamente diverso da música dramáti ca que surgiu
na França, embora depois de 1620 a noção de drama conti nuado
desaparecesse do ballet de cour , que voltou a ser uma mistura de cenas
diverti das sem qualquer noção de conti nuidade. O sacrifí cio de poetas,
coreógrafos e compositores, veio a dar ao ballet sua conti nuidade e forma;
a dança converteu-se numa elaborada interpretação o que também ocorreu
com a decoração das parti turas que a moti vavam.
78

O resultado das experiências em monodias realizadas pela Camerata,


foi, a princípio, romper com as tradições populares tão completamente
como o ballet de cour rompeu com as tradições populares na França. O
drama palaciano, na Itália como em toda parte, deu ensejo a inserções
musicais chamadas “ intermezzi” (ou originariamente intermedii); cada
intermédio apresentava uma peça autônoma, ou peças autônomas, de
músicas-bailados, madrigais, motetos seculares , solos de canto ou obras
para conjunto instrumental, cada qual desti nado apenas a alegre contraste
com a peça. Antes do fi nal do século XVI quando Fernando de Médicis se
casou com Cristi na de Lorena , os intermeddii, que foram elaborados pelo
próprio Bardi, ti veram textos de Rinuccini, autor de libretos das primeiras
óperas. Marenzio e Cavalieri, madrigalista e pretenso operista, estavam
entre os compositores que compunham madrigais, coros duplos, coros
triplos, “sinfonie” instrumentais. A obra foi composta para órgão, alaúdes,
violas, liras, harpas, trombones, cornetas, orquestra palaciana tí pica na
Itália daquela época, que Monteverdi uti lizou com alguns acréscimos e
prodigiosa imaginação no seu Orfeu.

Embora o conde Bardi, como conhecedor aristocráti co e diletante


esti vesse envolvido em entretenimento palaciano convencional, quando sua
Camerata começou a reunir-se por volta de 1550, procurava algo bem
distante do ti po de drama musical que pudesse uti lizar qualquer das formas
populares da moda. A Camerata voltou as costas às tradições populares que
já haviam levado a música ao palco e eram até certo ponto exploradas tanto
pela mascarada inglesa como pelo “ballet de cour”. O círculo de Bardi era
formado por intelectuais em condições de determinar o ti po de
entretenimento que desejassem e capazes social e fi nanceiramente de por à
prova o efeito dele na representação. Com os colegas franceses da
Académie de Poésie et Musique ”, o círculo de Bardi estava
entusiasti camente resolvido a restaurar as glórias da anti ga tragédia grega,
com sua seriedade, elevação e poder. Se a música ouvida no teatro grego
fosse digna dos temas trágicos - e essa crença persisti u até fi ns do séc XVIII
- devia ter sido música de incomparável poder e beleza. Mas ao mesmo
tempo deve ter transmiti do e não obscurecido as palavras a que se
ajustavam, e deve portanto ter tomado por base as infl exões e entonações
da voz falada de um ator capaz de fazer jus às glórias da dramaturgia grega.
Deve achar o equivalente musical das leis da retórica e cumpri-las
fi elmente.

Essa era a censura da Camerata contra a música da época anterior a


sua; ela devorava palavras para seus próprios fi ns e podia transmiti r todos
79

os ti pos de coisas - as emoções predispostas no compositor pelo texto, a


atmosfera geral criada pelo texto e a situação dramáti ca - mas não podia
transmiti r palavras de maneira clara e disti nta, de modo que, como a
música, causassem seu próprio efeito no ouvinte. A polifonia renascenti sta
era uma arte rejeitada por eles em virtude da relati va independência das
palavras.

As primeiras obras dos músicos da Camerata a por suas idéias em


práti ca eram composições para uma voz e com acompanhamento de um
único instrumento musical. Il Conte Ugolino de Galilei era uma adaptação
de palavras de Dante a voz de ti orba. Algumas de suas peças, juntamente
com música de Peri e Caccini, nas quais acreditavam haver restaurado o
segredo da declamação dramáti ca tal como prati cada pelos gregos anti gos,
foram publicadas em 1602, numa coletânea chamada Le Nueve Musiche . No
prefácio Caccini escreveu: “Se quisermos falar bem em música, precisamos
ter certo nobre desdém pelo canto”. Quer dizer, para que a grande poesia
seja fi elmente transmiti da em música, a música deve sacrifi car-se ao padrão
de declamação do poeta, e não impor seus próprios esquemas rítmicos e
melódicos às palavras. Nisso, Caccini está declarando que seguiu o
ensinamento transmiti do pelo conde Bardi: ”ao compor, seja o seu principal
objeti vo dispor bem os versos e declamar as palavras os mais
inteligivelmente possível, não se deixando desviar pelo contraponto”.

A total rejeição da polifonia por esses compositores, mesmo numa


época em que a polifonia se simplifi cava, pode ser percebida nas obras
conti das em Le nueve Musiche . As partes vocais desprezam a melodia,
dando ênfase retóricas às palavras e o acompanhamento era não raro de
maior simplicidade, quando não apenas uma nota grave que os ouvidos
modernos acham tosca. O que ati ngiram foi o esti lo recitati vo essencial que
a música ti nha de realizar antes que pudesse pôr-se inteiramente a serviço
do drama.

As primeiras óperas que surgiram da Camerata Fiorenti na em fi ns do


século XVI, obedeciam totalmente às doutrinas do grupo que as elaborou.
Eram obras quase totalmente declamatórias, não muitas vezes marcadas por
ati vidades relevantes tais como dissonâncias expressivas e sua resolução no
acompanhamento. Os enredos eram extraídos da mitologia clássica.

A primeira ópera fl orenti na é uma forma quase terrivelmente


cerebral, tentati va dos eruditos de limitar o poder da música a serviço das
palavras. A Eurídice de Jacopo Peri foi algo de notável na primeira
apresentação por ser nova. A ópera como Peri a compôs era por demais
80

despojada e puritana para sobreviver como estava, fugindo à expressividade


musical. Passaram-se apenas sete anos entre a Eurídice de Peri e o Orfeu de
Monteverdi, um “drama per musica” na qual, como em toda grande ópera,
música e texto se casam na intenção dramáti ca. A distância entre a obra de
Peri e a de Monteverdi, é imensa, pois em Monteverdi o dramaturgo
musical assimila totalmente a peça na música.

Em 1600, ano de Eurídice, a Rappresentazione de anima e di corpo


de Cavalieri foi criada no Oratório de São Felipe Néri, em Roma. Os padres
do oratório geralmente reuniam congregações para serviços devocionais
extralitúrgicos, nos quais música em esti lo popular eram cantadas; como
seu interesse era fomentar a fé e inspirar devoção, estavam dispostos a
uti lizar o que pudessem para alcançar esses objeti vos, de modo que já
haviam introduzido o drama religioso falado nos serviços devocionais com
pregações de sermões e cantos de hinos entre os atos da peça. Conquanto
possa ser contada como o primeiro oratório, a forma extraiu o nome do ti po
de obra religiosa semi-operísti ca apresentada no oratório. A
Rappresentazione di anima e di corpo ti nha de ser representada e dançada
e era inteiramente operísti ca. Era grega não apenas o esti lo recitati vo
declamado, mas também canções, madrigais e danças. Revelava um esti lo
mais elaboradamente expressivo de recitati vo que os compositores
fl orenti nos haviam até agora mostrado. Com sua paixão pela nomenclatura
técnica, chamava a nova abertura de “ sti lo rappresentati vo”- esti lo teatral
e cênico. A ópera de Cavalieri é a origem tanto do oratório como da ópera
romana. Cavalieri devia levar em consideração o esti lo popular na sua ópera
religiosa se quisesse ter público para a obra que escreveu. Tinha de ter uma
melodia normal, vitalidade de ritmo, cor e graça na harmonia e
orquestração, admiti r o ti po de elaboração melódica livre, que fi cou
conhecido por “airoso”, para que a música agradasse ao público. Nessas
diretrizes é que a ópera em Roma veio a evoluir paralelamente ao trabalho
de Monteverdi entre 1607, quando escreveu o Orfeu e 1642, quando
L’incoronazione de Poppea foi encenada em Veneza.

Em fi ns do século XVII, a ópera era uma arte totalmente


internacional, tendo revelado forma própria na França, lutado para esse fi m
na Inglaterra, onde conseguiu a isolada maravilha de Dido e Enéias (1669)
de Henri Purcell (1659-1695), e sendo em toda parte invariavelmente
italiana tanto em língua como em esti lo.

Camerata Fiorenti na

Vicenzo Galilei ---------------------1520 - 1591


81

Giulio Caccini ----------------------1550 - 1618

Ott avio Rinuccini ------------------1560 - 1621

Jacopo Peri --------------------------1561 - 1633

Oratório : originou-se dos “laudi spirituali”cantados nos oratórios em Roma.


Narrati vas em poesia e música de feitos sacros, para apoiar as verdades
cristãs.

Emílio de Cavalieri ----------------1550 - 1602

Giacomo Carissimi ----------------1605 - 1674

Heinrich Schütz --------------------1585 - 1672

Características do Barroco.

 Inicialmente, a retomada de texturas homofônicas, com a melodia


apoiada em acordes simples. No “barroco clássico ” há um retorno às
texturas polifônicas.

 O baixo-contí nuo ou baixo cifrado torna-se a base de quase toda a


música barroca, fornecendo uma decidida linha de baixo que impulsiona o
músico para a frente, do início ao fi m.

 A orquestra de cordas transforma-se no núcleo da orquestra barroca, mas


conservando um teclado contí nuo (cravo ou órgão), de modo a preencher
as harmonias sobre a linha do baixo cifrado e a enriquecer as tessituras.

 No fi m do século XVII, ocorre a substi tuição do sistema de modos pelo


sistema tonal (maior - menor).

 Principais ti pos de músicas: coral, recitati vo, ária, ópera, oratório,


abertura italiana, abertura francesa, tocata, prelúdio coral, suíte de
danças, sonata de câmera, sonata de chiesa, concerto grosso, concerto
solo.

 Freqüentemente, a música é exuberante. Ritmos enérgicos a impulsionam


para frente; muitos ornamentos (trinados, por exemplo); contrastes de
82

ti mbres instrumentais, de poucos instrumentos contra muitos e de


sonoridades fortes com suaves.

 Orquestra: foi durante o Barroco que a orquestra começou a tomar forma


(cada seção ou família como uma unidade independente).

 Esti lo contrastante. Principalmente de dinâmica (forte/piano) e de


ti mbres instrumentais.

O Barroco

Estilos de Composição

Manteve a diferença estilística entre uma prática mais antiga e outra mais recente sintetizadas
nas obras de Claudio Monteverdi.

 Prima practtica: estilo vocal polifônico (a música sobrepunha-se ao texto)


 Seconda prattica: estilo vocal rappresentativo (o texto sobrepunha-se à música)

Posteriormente

 Stilo eclesiasticus (sacro)


 Stilo cubicularis (de câmara ou concerto)
 Stilo theatralis ou scenicus (teatral ou cênico)

Avanços Técnicos

 Música direcionada para um meio específico (violino, voz solista, etc.)


 Preocupação com o timbre instrumental e suas peculiaridades (solo, acompanhamento,
reforço harmônico, etc.)
 Desenvolvimento da música de tecla (cravo)
 Indicações de dinâmica
 Virtuosismo no canto e na execução instrumental: recursos intercambiáveis

Teoria dos Afetos

 Expressão viva e veemente dos sentimentos (estados de espíritos, ira, heroísmo, elevação
contemplativa, religiosidade, etc.)
 Exploração de contrastes violentos com efeito dramático
 Retórica musical (surgimento de elementos figurativos na composição musical)
83

Rítmica

 Regular determinado pela métrica do compasso


 Livre nas peças solistas de caráter recitativo ou improvisatório

Textura Musical

 Ênfase no baixo firme


 Voz aguda ornamentada
 Isolamento destas duas linhas e a aparente indiferença às partes internas

Concepção Musical

 O compositor escrevia as duas linhas (melodia e baixo contínuo)


 Uma cifragem indicativa da execução do baixo (cravo, órgão, alaúde) reforçado por um
instrumento (viola da gamba baixo, fagote, violoncelo)
 Realização do contínuo (a leitura livre da cifra)
 Contraponto se sujeita à harmonia (linhas melódicas que se encaixavam no quadro da
condução dos acordes)
 Estabelecimento da tonalidade e da hierarquia dos acordes (funcionalidade de
tensão/movimento/repouso)
 Binômio ária/recitativo com intervenções do coro

Desenvolvimento do bel canto (escola napolitana)

 A predominância do texto sobre um contraponto rigoroso deu origem ao bel canto, na


segunda geração de compositores barrocos

 Essa oposição aos ideais monteverdianos converterse-á na espinha dorsal da ópera barroca
 O bel canto “liberou” a melodia do rigor do gênero representativo do barroco primitivo
 Deu origem à ária como protagonismo absoluto da melodia em contraste ao recitativo seco
necessário para explicar o texto ou o argumento da obra

Linguagem Musical
Monodia com acompanhamento harmônico  Suporte harmônico /melódico
e/ou por uma linha de baixo baixo-contínuo)  Ênfase na melodia
Composição por contraste: estilo contrastante  Contraste de timbres (intercambiar 84
entre solistas e orquestra ou
solistas/coro)
 Contraste de dinâmica (forte/piano)
Estilo recitativo monódico  Realçar e facilitar o entendimento
texto
 Ênfase nas palavras
Estilo arioso  Estilo declamatório mas enriquecido
melodicamente
Missa Cantata  Fragmenta o texto com coros, árias,
duetos

Simbolismo Musical

O barroco herdou o simbolismo musical do Renascimento, no sentido de uma manifestação


expressiva de conteúdo extra-musical. Destaco alguns exemplos:

a) Letras e sílabas designando nomes b-a-c-h (Bach);

b) Disposição de notas em forma de cruz simbolizando a Cristo;

c) Simbolismo Numérico: 3 representando a Trindade, a perfeição; 4, os elementos do


mundo; 12,os apóstolos;

d) Estruturas musicais como representação de cenas: o cânone representando a fuga, a


caça, mas também a lei e a obediência

Alguns Exemplos:
85

Música Poética

É a retomada dos conceitos aristotélicos de Pensar, Fazer e Criar que guiava os círculos filosóficos
do século XVI, em que se dividia a música em Teoria (theoretica), Prática (práxis) e Poética
(composição).

A música poética gira em torno da composição e é concebida como uma linguagem sonora, que
surgiu a partir da geração de um motivo, na seqüência a estruturação global para posteriormente
a execução e ornamentação (o uso de figuras retóricas). Exemplo:

Teoria dos Afetos

É a representação de estados da alma, das paixões e sentimentos (elementos platônicos) em que


se procurava exprimir o conteúdo afetivo do texto. Exemplos:

Alegria a) Modo maior


b) Consonância
c) Registro agudo
d) Andamento Rápido

Tristeza a) Modo menor


b) Dissonância
c) Registro Grave
86

d) Andamento Lento
Descartes (Tratado das Paixões) a) Assombro
b) Amor
c) Ódio
d) Desejo
e) Alegria
f) Tristeza

Representações dos afetos através das Tonalidades e Instrumentos

Modo Virtude Instrumentação para as


sinfonias
Ré Fé 3 cornetas, 01 órgão positivo
Mi Esperança 3 violas, 01 inst. c.c
Lá Caridade 3 violinos,, 01 tiorba
Fa Justiça 2 flautas, 01 viola
Sol Força 2 clarins, 01 sacabuxa
Dó Prudência 2 charamelas, 01 regal
Si bemol Temperança 2 flautins, 01 harpa

Ópera no Barroco – Itália

Recitativo Século XVII Ária


As primeiras óperas eram estruturadas numa A parte do canto lírico e expressivo de uma
seqüência de recitativos e coros cantata, ópera, oratória e paixão
Recitativo: uma declamação cantada Ária da capo
acompanhada por contínuo em acordes a) Surge com Monteverdi e adquire
(alaúde, cravo ou órgão). forma definitiva com Alessandro
Scarlatti na ópera napolitana
b) O esquema é
c) Orquestra – canto solista – orquestra
– canto solista – orquestra
d) É considerada anti-dramática pois o
ritornello interrompe a ação
Primeira Fase
a) Stile narrativo: sem ação, simples Stile rappresentativo: representa, descreve
reservado ao mensageiro, narrador; dramaticamente os personagens. É um estilo
b) Stile recitativo: qualquer canto expressivo e inclui o gesto teatral, o diálogo e
declamado em tom mais dramático; a ação dramático-cênica.
c)
Recitativo Século XVIII
a) Recitativo seco: acompanhado b) Recitativo acompanhado: apoiado
unicamente pelo baixo contínuo. pela orquestra. Também designado
Abrande a ação na ópera e a de arioso por ser mais lírico e
narração da ação na oratória e na aproximar-se da ária
87

cantata. Pode se afastar do compasso


para uma métrica mais livre;

Ópera Veneziana
a) Liderou o campo da ópera durante o e) Árias e ariosos com cravo e orquestra
século XVII em estilo concertato com baixo
b) Apreciava a abertura francesa (lento- contínuo
rápido-lento) f) Às vezes coros e bailados
c) Recitativos secos de caráter g) Temáticas mitológicas
dramático. Caracterizam os h) O Libreto tinha muita importância,
personagens através de distintos por isso era impresso e vendido no
instrumentos dia da apresentação
d) Recitativos acompanhados de caráter
lírico e dramático
88

Compositores  Claudio Monteverdi (1567-1643)


 Francesco Cavalli (1602-1676) -
Giasone

 Antonio Cesti (1623-1669) – Il pomo


d’oro
Ópera Romana
a) Adotou a ópera florentina
b) Desenvolveu a “ópera sacra” a
oratória
Compositores  Stefano Landi (1586/7-1639) -
Sant’Alessio
 Domenico Mazzocchi (1592-1665) –
La catena d’Adone

 Alessandro Stradella (1644-1682) – La


forza Dell amor paterno
Ópera Napolitana
a) Assume um lugar proeminente no f) Vestuário suntuoso;
século XVIII g) Castrati: seu uso veio da Espanha
b) Desenvolvimento de uma rica (origem mourisca), estabelecendo-se
orquestração primeiramente na música sacra;
c) O ideal estilístico é o bel canto, pleno h) Castrati: pureza da voz infantil (voz
de expressividade e virtusosismo branca) com intensidade do adulto.
vocal Dedicavam a papéis heróicos e
d) Expressividade cênica com “efeitos femininos;
especiais”: máquinas voadoras, i) No bel canto podiam improvisar
nuvens suspensas, ondas do mar, etc. ornamentos e cadências;
e) Seqüência de cenas em que j) Domina toda a ópera do século XVIII
mudavam o cenário: ruas, praças, rio, e no século XIX, será conhecida por
porto, jardins, etc. “ópera napolitana”;

Compositores  Alessandro Scarlatti (1660-1725) –


Griselda
 Giovanni Battista Pergolesi (1710-
1736) – La Serva Padrona
 Nicollo Porpora (1686-1768) -
Agrippina
89

O Barroco na Alemanha

Características Compositores
 Assimilação do estilo italiano às necessidades do Heinrich Schütz (1585-1672)
protestantismo germânico Dietrich Buxtehude (1637-1707)
 Segunda metade do século XVII: influência do estilo Johann Pachebell (1653-1706)
francês na decorrência da hegemonia do absolutismo Johann S. Bach (1685-1750)
de Luís XIV
 Barroco tardio: predominância da melodia lírica da
escola italiana amparada numa fortíssima presença
rítmica e ornamental do estilo francês aliado à forte
presença contrapontística e rica harmonia
 Binômio recitativo/ária e abertura (overture)
tipicamente francesa (lento-rápido-lento)
 Na música religiosa, além do estilo concertato
(fragmentado em passagens corais, solistas e
instrumentais em tempi contrastantes), a presença do
coral luterano
Obra: A Paixão de São Mateus
 Oratório sobre a paixão e morte de Jesus
 Raízes no drama litúrgico medieval (autos):
dramatizações representadas por meios de recitativos
com o intuito de levar ao povo passagens da Bíblia
 Tratamento dramático de fundo teatral
 Descoberta em 1829 por Mendelssonh
 Estréia por Bach (15 de abril de 1729 ou 1727 na Igreja
de São Tomás de Leipzig arregimentando
instrumentistas e cantores para a execução da
grandiosa obra

O Barroco na Inglaterra

Características Compositores
 Barroco construído por forte influência Wiliamm Byrd (1540-1623)
renascentista Orlando Gibbons (1583-1625)
 Sua situação geográfica dificultou a Henry Purcell (1659-1695)
penetração da vanguarda barroca
 Também pode ser explicado pelo rigor da
religião anglicana que rechaçava todo tipo
de “italianismo”
 Na era elisbetana (até início do Século
XVII) iriam surgir uma forte música
instrumental (trios-sonatas e fantasias)
 Sua grandeza espelha-se no gênero vocal
(hinos anglicanos e oratórios)
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 Na ópera, apesar de Dido e Enéias e de George Friedrich Haendel (1685-1759)


Vênus e Adonis sofreu forte influência da
ópera italiana
 Haendel veio para a Inglaterra em 1709 e
comandou a cena lírica na capital inglesa
criando a Royal Academy of Music
 Compôs 14 óperas para essa academia e a
partir de 1740 irá dedicar-se mais ao
oratório (o Messias)

Formas Musicais do Barroco

A Cantata

É uma obra para solistas, orquestra e coro, podendo ser sacra ou


profana. Consiste num monólogo dividido em árias e recitati vos, com
intervenção corais e instrumentais. Assemelha-se à ópera no que diz
respeito aos desenhos melódicos das árias e recitati vos, porém não é
representada ou desenvolvida como uma ação dramáti ca no palco.

Estrutura formal: composição dramáti ca para uma ou várias


vozes, com coros, acompanhamento orquestral.

Partes: Recitati vo, árias, duetos, corais, passagens


instrumentais.

Construção dos trechos corais: Choral, em esti lo homofônico -


melodia acompanhada de acordes seguindo a tradição desenvolvida pela
Reforma Luterana; Chorus, em esti lo polifônico escrito com melodias
sobrepostas.

Formas mais correntes:

a) Forma Primiti va (Séc. XVI)

* Um Recitati vo
* Uma Ária
* Baixo-Contí nuo
b) Forma do Século XVII

* Coros
* Recitati vos
* Ária
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c) Forma de Bach (adotadas por outros compositores)

Forma Profana

* Coros
* Recitati vos
* Árias
* Coral Final

Forma Religiosa

* Introdução Instrumental
* Coros
* Árias
* Recitati vos
* Coro Final

Exemplos da Escrita Musical (Paixão de São Mateus de J. S.Bach)

O Coral
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O Recitati vo Secco

O Recitati vo Acompanhado (Arioso)


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Ária

Chorus
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Concerto no Barroco

O termo concerto (do latim concertare, atuar em conjunto), é aplicado a vários sentidos:

a) O ato musical (concerto, o acontecimento)


b) O conjunto que interpreta (consort, consorti o)
c) A forma da composição

Um segundo sentido aponta para outro significado, o de concertare, competir, como


contraste e conjunção tímbrica (vozes e instrumentos).

Tem origem na policoralidade veneziana de São Marcos e tornou-se o feitio do Barroco


(“a era do estilo concertante”).

Neste estilo o baixo contínuo configura o fundamento sobre o qual as vozes concertantes
se estruturam em silencias alternados com seções orquestrais e passagens solistas.

Tipos:

a) Concerto policoral de origem veneziana e equivale à oposição de grupos com a


mesma dimensão de instrumentistas. Ex. Concerto de Brandenburgo No. 3 de J. S.
Bach.
b) Concerto Grosso, equivale a um grupo de solistas (concertino, soli) que se opõe ao
grosso dos instrumentistas (grosso, tutti, ripieno).
 Concertino (em três partes, 2 violinos, ou flauta e oboé e contínuo,
violoncelo e cravo.
 Os solistas guiam também o tutti que se cala nas passagens a solo.
Desenvolveu-se no Norte e Centro da Itália com Stradella, 1676, Corelli,
1680, e Vivaldi a partir de 1700.
 Em três andamentos: rápido, lento e rápido.

c) Concerto de Solista. Surgiu simultaneamente ao concerto grosso. Principais


instrumentos são o violino, o trompete, o oboé e o cravo.

 Neste formato, destacou-se Vivaldi (a partir do op.3, publicado em 1712).


 É estruturado em três andamentos sendo que o andamento central é lento
e improvisado sobre o baixo contínuo. Os andamentos extremos são
rápidos e na forma ritornello (com retornos modificados) intercaladas por
partes solistas.
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A Suíte

Os compositores da Renascença algumas vezes ligavam uma


dança a outra (por exemplo, a pavana e a galharda). Os compositores do
Barroco ampliaram essa concepção, chegando à forma da suíte: um grupo
de peças para um ou mais instrumentos. Houve muitas suítes escritas para
cravo, e o esquema mais comum acabou abrangendo uma série de quatro
danças de diferentes países:

* Allemande, no compasso 4/4, de andamento


rápido.
* Courante, francesa, no compasso 6/4 ou 3/2,
moderadamente rápida; ou uma corrente italiana, em 3/4 ou 3/8, bem mais
rápida.
* Sarabanda, espanhola, em vagaroso compasso
ternário, quase sempre com os segundos tempos acentuados.
* Giga, geralmente em tempos compostos (6/8).
Entretanto, antes ou depois da giga, o compositor podia
introduzir uma ou mais danças, como o minueto, a bourée, a gavota ou
passed-pied. E algumas vezes a suíte começava por um prelúdio (ou peça de
abertura).

As peças estão na forma binária: duas seções A e B,


normalmente com repeti ções. No entanto, os compositores franceses, como
Couperin, gostavam de incluir em suas suítes peças na forma de um rondó,
em que um tema principal se alterna com episódios contrastantes (A B A C
A...). Purcell chamava as suas de “ lições”; Couperin preferia o nome
“ordem”; e Bach, apesar de ter composto as seis Suítes Inglesas e as Seis
Suítes Francesas, usou às vezes também a designação de “ parti ta”.

Forma:

* Prelúdio (Fantasia)
* Pavana, Itália, binária.
* Bourée, França, binária.
* Allemande, Alemanha, quaternária.
* Courante - Corrente, França/Itália, ternária.
* Sarabanda, Espanha, ternária.
* Giga, Inglesa, binária.
* Gavota, França, binária.
* Minuett o, França, ternária.
* Polonaise, polonesa, ternária.
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Oratório

Por oratório se entende uma obra de caráter sacro, para


solistas, coro e orquestra, sem ter representação cênica. O termo deriva do
oratório - sala de orações - em que se celebravam as leituras bíblicas e as
meditações com cancões sacras, as laudi.

O testemunho mais anti go que se tem conservado é a


Representazione di anima e di corpo (Representação de alma e corpo,
Roma, 1600) de Emilio Cavalieri, com recitati vos, coros e danças, ou seja,
com os rcursos estlísti cos do novo gênero que estava surgindo, a ópera.

A fi gura central do oratório é o narrador, que, por meio de


recitati vos (tenor com baixo contí nuo) expõe o texto bíblico ou a ação como
elemento condutor dos diversos números musicais. Os temas originam-se do
Anti go Testamento, do Novo e das vidas dos Santos.

A escola napolitana é que irá introduzir no oratório o modelo


operísti co do recitati vo seco, o recitati vo accompagnato e a ária-da-capo.

A culminação do gênero foi ati ngida pela escola alemã, com


Haendel e Bach, sucessores diretos de Schütz.

Recitativo

O recitati vo (do italiano recitare, recitar ou representar) é um


canto falado. Esse modo de falar em tom declamado já era conhecido em
âmbito cultural como declamação solene , principalmente entre as culturas
mais anti gas. Como exemplo, o canto monódico da Igreja, o recitati vo
litúrgico, que se remonta a modelos anti gos e hebreus, desempenha um
importante papel na origem do recitati vo.

No século XVII, as primeiras óperas constavam de recitati vos e


coros, ou seja, canto solista acompanhado de baixo contí nuo.

Formas:
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* sti lo narrati vo, sem ação, com a melodia seguindo


a rítmica poéti ca.
* sti lo recitati vo, qualquer canto falado.
* sti lo rappresentati vo , que descreve os
personagens. É expressivo seguindo o modelo do madrigal renascenti sta.
Inclui o gesto teatral, o diálogo, e a ação dramáti co-cênica, se paroximando
da ária de ópera primiti va.
* recitati vo seco, aompanhado por baixo contí nuo,
contendo a ação narrada da ópera ou do oratório.
* recitati vo accompagnato (acompanhado),
sustentado pela orquestra, também denominado arioso. É lírico, situado
entre o recitati vo seco e a ária.

Abertura

É uma peça instrumental introdutória de uma ópera, oratório,


de uma obra teatral, de uma suíte, etc. Até o século XVII não existi am
formas fi xas para este ti po de prelúdio. Tratava-se de fragmentos breves
que marcavam o começo da representação, com o objeti vo de despertar a
atenção do público.

Abertura Francesa

Apareceu pela primeira vez em Paris, composta por Lully, em


1658, e se transformou no ti po mais conhecido de abertura do Barroco. Sua
forma é triparti da:

1ª parte: lenta, de expressão solene.

2ª parte: rápida, em compasso ternário e esti lo fugato.

3ª parte: retoma temati camente a primeira parte.

Abertura Italiana

Um ti po oposto de abertura desenvolveu-se em Nápoles,


sobretudo por Alessandro Scarlatti (1696).
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1ª parte: rápida concertante.

2ª parte: lenta, cantável, com um instrumento solista.

3ª parte: rápida, fugada, de caráter dançante.

Ária-da-capo

Sua origem remonta a Claudio Monteverdi , em Mântua e


Veneza. Mas irá se converter em forma principal de ária na época do
fl orescimento da ópera napolitana, com Alessandro Scarlatti (1660-1725).

Forma: A B A. A terceira parte é repeti ção da primeira por


isso, da capo (D.C.).

Fuga

A fuga (do lati m fuga, que inicialmente designava o cânone)


desenvolve-se no século XVII a parti r das formas imitati vas dos séculos XVI
(polifonia franco-fl amenga) e primeiro Barroco, como a fantasia, e o
ricercare. Além de uma peça isolada, pode aparecer em vários contextos
musicais com diversifi cadas uti lizações instrumentais: na abertura, no
concerto grosso, no chorus de uma cantata ou oratório, em sonatas, na
missa, etc.

É uma peça contrapontí sti ca que se fundamenta


essencialmente na técnica de imitação . Geralmente, é escrita para três ou
quatro partes, chamadas “ vozes” (não importando o fato de a peça ser vocal
ou instrumental). Estas são referidas como soprano, tenor, contralto e
baixo.

A detalhada estrutura de uma fuga pode ser um tanto


complicada, mas, basicamente, a idéia é a seguinte: toda a peça se
desenvolve a parti r de uma melodia razoavelmente curta, mas de acentuado
caráter musical. A essa melodia se dá o nome de tema ou sujeito (no
senti do de “tema de uma discussão”). Este aparece pela primeira vez em
uma voz, sendo depois imitado pelas outras vozes, cada qual de uma vez e
em sua altura adequada.

Durante toda a fuga, o tema - ora em uma voz, ora em


outra - aparece em novas tonalidades. Essas entradas são separadas por
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seções denominadas episódios. O compositor tanto pode fundamentar o


episódio em uma idéia ti rada do próprio tema, como se valer de novos
moti vos musicais.

Podemos perceber as origens da fuga no esti lo imitati vo


presente em quase toda a música vocal renascenti sta e também, na
canzona e no ricercare instrumentais. Durante o Barroco tardio (fi nal do
Barroco), a idéia foi levada à perfeição por Haendel e, sobretudo por Bach,
que compôs magnífi cas fugas para órgão, uma coleção de 48 Prelúdios e
Fugas para cravo, O Cravo Bem Temperado , além da Arte da Fuga.

A palavra fuga dá idéia de vozes escapando ou se


perseguindo, a cada vez que entram com o tema. Pode acontecer de um
compositor escrever uma peça ao esti lo de fuga (esti lo fugato), sem que
esteja compondo uma fuga completa.
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Bibliografia

BENNET, Roy. Uma Breve História da Música.Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor,
1986.
CALDWELL, John. La Música Medieval. Madrid, Alianza Editorial, 1984.
DELLA CORTE, A. PANNAIN, G. Historia De La Música. Barcelona, Editorial Labor,
1965.
GROUT, Donald e PALISCA, Calude. História da Música Ocidental. Lisboa: Gradiva,
1994
MICHELS, Ulrich. Atlas de Música. Madrid, Alianza Editorial, 1989.
PLATZER, Frédéric. Compêndio de Música. Lisboa, Edições 70, s.d.
RAYNOR, Henri. História Social da Música. Da Idade Média a Beethoven. Rio de
Janeiro, Zahar Editores, 1981.
RIEMANN, Hugo. Historia De La Música. Barcelona, Editorial Labor, 1959.
STEHMAN, Jacques. História da Música Européia. Lisboa, Livraria Bertrand, 1964.

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