LEITE, Ana Mafalda - Oralidades

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Empréstimos da Oralidade na Produção e Crítica


Literárias Africanas

As literaturas africanas de língua portuguesa têm tido o seu


maior desenvolvimento editorial e criativo, e ainda crítico, nos
últimos vinte anos, após o acesso às independências políticas dos
',cinco países africanos. Esta situação permitiu a criação de dis-
ciplinas curriculares que libertaram da antiga designação de
"literatura ultramarina" cinco novas literaturas.
Mas a área de estudos literários africqnos, anglófonos e
francófonos, já existia com forte desenvolvimento havia pelo me-
nos mais de duas décadas, em situação pós-colonial.
Este facto está intimamente relacionado com os rumos das
. primeiras análises e estudos que tiveram lugar nas literaturas afri-
canas de língua portuguesa. As teses e monografias recorreram,
sempre, nas bibliografias secundárias a algum material crítico já
existente e proveniente, na maioria dos casos, daquelas áreas. No
entanto, porque as literaturas nacionais dos cinco países africa-
nos de língua oficial portuguesa, tiveram o seu percurso próprio,
. um pouco distanciado do que acqnteceu no resto de África,
exigiram e exigem diferente reflexão.
Tal facto não exclui o recurso, obrigatório tarnl?ém para o
estudioso desta área, às bibliografias e produção teórica que se
vai fazendo no âmbito das outras literaturas africanas. A realiza-
ção deste trabalho de pesquisa sobre a noção de "oralidade"l en-

I Usamos o conceito de Oralidade com uma dimensão ampla, abrangendo o


sentido de Oratura e Tradições orais ou ainda de Literatura OraL Isto.
apesar de consideránnos pertinentes as observações de W, J Ong em rela-
ção às designações d~ oratura e literatura oral, que não são as mais ade-
quadas e têm sido muitas vezes discutidas e postas em causa. Este. autor
propõe o uso de "verbal art forros" - formas de arte verbal - como altero
Oralidades &: Escritas
Ana Mafalda Leite

listas e a encarar a produção literária africana como uma espécie


quadra-se, assim, neste contexto de necessidade de apuramento e
de produto neo-colonial.
adequação à nossa àrea de alguns conceitos operatórios, como Se, antes das independências, as obras e os autores s,ão en-
este em questão, em termos teóricos e analíticos.
quadrados dentro do sistema literário da metrópok, posterior-
Na sequência do movimento da Negritude e da necessidade mente, muitas das leituras tendem a situá~las intertextualmente
de afirmação cultural da herança africana, os africanos e africa-
devedoras de obras e movimentos literários europeus, tendo em
nistas enveredaram pelos complexos e inúmeros caminhos da
" conta o espaço matriz de colonização, o que, naturalmente é ne~
tradição oral africana, quer ao nível da recolha e estudo dos tex- cessário fazer, mas não unicamente. A autonomização dos pro-
tos e sua fixação e classificação, q'uer ainda na sua premeditada
cessos literários africanos, de língua portuguesa por exemplo,
incorporação nos universos da escrita literária.
partilha diversas heranças intertextuais além da literatura portu~
Por outro lado a preocupação em legitimar um espaço pró-
guesa (literatura latino e hispano-americana, literaturas africanas
prio e diferencial das literaturas africanas em relação às literatu-
em outras línguas e os intertextos da tradição oral) que são
ras europeias, marcadas inconscientemente com o signo colonial,
igualmente importantes para a caracterização dos aspectos es-
levou a pressupostos teóricos e críticos que ainda hoje revelam
pecificamente regionais e nacionais diferenciadores.
algumas fragilidades ou inadequações. O uso da "oral idade"
" como instrumento de detecção de africanidade textual é um de- As designações abrangentes, ainda hoje usadas, do tipo,
les. Na base deste estudo tentaremos situar a questão, procu- "literaturas africanas de língua portuguesa"2, "literaturas lusófo-
nas'\ "literaturas anglófonas e francófonas", são 'em si portadoras
rando adequar de forma mais correcta a utilidade do instrumento
de urna significaçãQ ideológica obtusa, que permite a indefiriição
crítico, não menosprezando a sua inegável aplicação ao universo
n~cional, e leva a uma generalização do partic~lar em favor de
literário africano, mas legitimando~o em termos menos ideológi-
traços apenas comuns pelo uso de um mesmo instrumento lin-
cos.
guístico, e processos temáticos de contestação similares durante
" A tendência para situar no âmbito da oralídade e 'das tradi-
o período colonial.
ções orais africanas o discurso crítico e a produção textual surge
ainda de certo modo como forma de reacção a uma visão das li-
teraturas africanas como satélites, derivados das literaturas das
"metrópoles". É um discurso que, de certo modo, se torna reac- Escrita como continuidade da oralidade
tivo pela atitude inversa. De um cânone marcado pelo signo da
colonialidade, passa-se à assunção de outro, indígena, que tenta Recuando um pouco no tempo, e tentando fazer parte do
centripetamente encontrar, no âmbitó da cultura africana, os mo- percurso que levou africanos, africanistas, teóricos e escritores a
delos próprios e autênticos. considerar fundamental a oralidade, como um critério de análise
A intertextualidade e afinidade dos textos literários africanos das literaturas africanas, começaremos por referir a intervenção
com as literaturas europeias e a complexa rede de relações que
com elas estabelecem é um faclo incontornável. Contudo, uma
vez que estas literaturas, além deste enquadramento, são escritas 2 A este respeito Alfredo Margarida pôs à discussão o uso inadequado da
na maioria dos casos na língua do colonizador, semelhante designação clássica de "Literaturas africanas de expressão portuguesa"
"cal agem" levou por vezes a análises tendenciosamente paterna- alertando para o lastro neo-colonialista patente na nomeação: "Não se
trata de escrever em lfngua portuguesa, mas de se manter fiel à expressão
portuguesa, o que seria contraditório Com a substancia nacional da
escrita"( ...) Cin Estudos sobre Literaturas das Nações Africanas de
nativa às designações anteriores, Walter J Ong. Orality & Literacy, LO!1"
Língua Portuguesa, Lisboa, A Regra do Jogo, 1980, p; 8-,9.)
don, Roulledge, 1997, p. ]4,
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" Ana Mafalda Leite
Oralldades & Ellcritas

do senegalês Leopold Sédar Senghor. O poeta é um dos primei-


o discurso
crítico sobre esta matéria, que se estende de áreas
corno a antropologia, linguística e teoria literária, edificou-se em si-
ros africanos a exprimir a jdeia de "continuidade" entre as tradi-
multâneo com a contribuição dos africanos e dos ocidentais.
ções orais e a literatura africana, não s6 praticando na sua escrita
Um dos pressupostos geralmente aceites e tidos como base
poética os recursos reclamados, mas também doutrinando sobre
o assunto em vários textos ensaístic6~. de discussão da proeminência da: oralidade africana é a inexis-
tência da escrita antes do contacto com os europeus.
Na entrada do seu livro de poemas Éthiopiques afirma: "En Tal ideia não leva em conta obviamente a aturada pesquisa
vérité, naus sommes des lamantins, qui, selon lemythe africain, que Albért Gérard realizou no seu brilhante estudo At!ican Lan-
vont boire à Ia source (..,)" (1964: 153). E mais adiante afirma
guages
desde o Literatures
século trezeonde nos revel<ã'
na região importância
actuaImente dà~
corresponQ.ente à ).
ainda: "Les poe.tes negres, ceux de l'Anthologie3, comme ceux de
Ja traditian orale, sont, avant tout, des "auditifs", des chantres."
Eti6pia, assim como outras áreas de África, em que a escríta em /
Esta ideia de herança oral, radicada nos "Mestres" africanos,
os "griots", vai levar a criar uma noção de "continuidade" entre a também os estudos anteriores de Cheik Anta Diop, em Nations
Negres et Cultures, onde se defende que a civilização e escrita .
trndiçfío oral e a Iiteratura. Criadores e críticos inferem essa rela- caracteresforam
egípcias árabes
umte;ve relevoe um
produto fundamental4 isto apara
contributo - para referir j'
não afric.a.::...-~
cultura
ção como uma procura dos traços reveladores da passagem da
oral idade para a escrita. E, entre outros, um dos instrumentos da
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cr reconhecimento e ideia aceite de que a literatura africana
procura radicou e radica nos temas, e nas especificidades dos gé-
neros orais. existentes na sociedade pré-colonial e ainda actual- moderna nasce a partir da introdução da escrita em África pelos
mente nas áreas rurais, menos alteradas pejas inevitáveis mudan- ei,Jropeus levou a urna curiosa dicotomia no discurso crítico: a
escrita é europeia, a oralidade é africana. E aquilo que é um fe-
ças pós-coloniais.
nómeno acidental passa a ser encarado como um fenómeno es-
sencial. Ou seja, a "natureza" cultura~~.A ...Qral;.~ão o~
~_~.~_ ..~~~. vÍ.e.r'lm.pyrt~rp~t est~~~~: .. e._~~rn~c.o ... ))
Oralidade: entre o facto e o mito
Tentar dilucidar a forma como é representada nos vários 4 Com efeito a mais antiga presença da escrita em África está associada ao
dIscursos teóricos e críticos a oralidade não é, de forma alguma, uso dos caracteres árabes. Esta tradição começou com a introdução do 15-
lão no continente tanto na parte. ocidental como oriental no período que
questionar a sua inegável prevalência em África. corresponde à Idade Média europeia. Exemplos desta manifestação
Semelhante pesquisa parece-nos de toda a utilidade, uma vez encontram-se na literatura em swahHi. somáli e hausa. Este período afro-
que na área de trabalho, a que nos dedicamos, o conceito é mui- -árabe da literatura não tem todavia conexões estreitas com a matriz indí-
tas vezes necessário, enquanto instrumento operatório de análise gena, tanto nos temas como na realização formal. As suas relações estrei-
crítica. tam-se com o Islão e a literatura árabe em especial "We need to recall io
thi5 connection that lhe oldest written tradition in Afriea i5 that associat-
A questão não tem a ver com negação da importância da
ed with lhe Arabic language. This tradition goes back to the introduction .
oralidade em África e nas literaturas africanas, mas antes com o
of Islam in both East and West Africa in the period that corres'ponds to
modo como foram construídas e são entendidas as categorias the European Middle Ages. Bound up with the central position af the Ko-
intelectuais de oralidade e, na sua esteira, de escrita e de literatura .. rao in the religian, it has determined a specif line of development in Afei-
ean literalure to which the term "Afro-Arab" has been attached( ...)"
Abiola Irele, "The African Imagination". in Researeh in AfTiean Literatu-
J Léopold Sédur Senghol'. Anthologie de Ia Nouvellc Poésie Negra et Mal-
res, Spring 1990, p. 58.
,;achc, Paris, P.U.F., 1948.
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Ana Mafalda Leite Oralldades &. Escritas
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Um dos pioneiros estudiosos das literaturas africanas, Janheinz spontanément rythme dês que l'homme est ému, rendu à Iui mê~
Jahn, distingue: "La literatura neoafrÍcana recíbe, pues, Ia heren- me à son authenticité. Oui Ia paroIe se fait poeme. (...) (1964:
,. 156).6 .
cia de una doble tradicÍón: Ia literatura africana tradicional y Ia
occidental. Una obra que no presente ning~n carácter europeo, A predominância da oralidade em África é resultante de
es dicir, que ni siquiera esté escrita, no pertenece a Ia literatura condições materiais e históricas e não uma resultante da
neoafricana, sino a la tradicional; [a frontera entre ambas es fácil "natureza" africana; mas muitas vezes este facto é confusamente
analisado7, e muitos críticos 1?ar~emdo princípio de que há algo
de trazar:
criw." es Ia24).,X-oralidade
(1971: línea ~_s..e.para.li.teratura
é também umaoral atitude
de literatura
perantees~
a de ontologicametlte oral em Africa, e que a escrita é um aconte-
.....realidade e não"'", busência de uma habilidade, e a frontek~_illt~ cimento disjuntivo e alienígeno para os africanos.
separa a Iiteratura da oralidade não é assim tão nítida. Fin- Ronorat Aguéssy em Visões e Percepções Tradicionais,
afinna.a este respeito: "Em primeiro lugar, lembramos que uma
sion has been the denial of a cléar-cut differentation between oral
I:. (,
das características das culturas africanas tradicionais, a sua carac-
"-negrtTí"e1TllJi'ã1 .oe ry a 1rma:~ ... a mam paIO 11 1SdiSCUS-~ terística fundamental, é a oralidade. Enquanto, no quadro da
. ~J.( , and written literature. Throughout the book I have rejected the
~\í (,i. : ,} .• / suggestion that there is something peculiar to 'oral poetry' which escrita, as fontes de valores são os "autores" e as suas obras, o
.\ \, I"!' radically distinguishes it from written poetry in nature, composit- que cria reflexos culturais que levam os pensadores a negar quaI~
l i}: .', .' ion, style, social context, or function." (1977: 272). quer réstea de pensamento onde não encontrem obras escritas,
~r\'! O termo prúpôsto de literatura neo-africana recdbre um cor- devemos hoje reconhecer que a oralidade ,pode produzir obras
~ ('" pus específico de textos produzidos peJos africanos em língua..<:; culturais muito ricas. (....) quando falamo_~e oral idade como
: (/.. ieuropeias, e distinguem-se por uma unidade fundamental de refe-
\; <~ g.racterística dQ ~mpo cultural a:tri.~?:noÇpensamosnuma aOm1':
.•• i \ .' ," rência e de visão do mundo. Esta visão era presumivelmente de- nante e não numa exc1rrsíViOãoe:»(1977.;'
~,:.' .\'' tectável através do conhecimento do pensamento africano tradi- . A questão trata-Se de assinalar a particularidade, sem perd~
:.. I /' < donal, difundido pelas obras de Placide Tempels, MareeI Griaule
\ •

I.
f • e Alexis Kagamé, entre outras. A postura jahniana deriva dos de vista outros aspectos, e ~r como descrever o acidental, o )
'\ \.' / iI'~ pressupostos essenciaJistas do movimento da Negritude, nomea-
••., 1\' l~ :- damente no que respeita ao uso do conceito de "nommd' como 6 Cf. "Senghor, num campo menos dúbio de interpretação do que a poesia,
\j
. um princípio operativo de neo-africanismo.5 encontrava uma f6rmula para explicar o que poderia haver de dicotómico,
, :i· A implicação idealista destes pressupostos faz jus ao discur- de frontalmente oposto, entre os valores ocidentais europeus e os que per~
~, tenceriartl à África negra: 'a emoção é negra como a razilo é helena'
O, I; , so negritudian~ (co~preensível no seu enquadramento histórico) (...)" Alfredo Margarido, "Negritude e Humanismo" in Estudos sobre
, I' acerca da poesia afrIcana, por exemplo, em q~e se defende tam- Literaturas das Nações Africanas de Língua Portuguesa, Lisboa, A Regra
(] "
bém esta essencial idade do oral. A poesia é encarada como per~ do Jogo, 1980, p. 159. .
feitamente compatível com a categoria de "oral", que conota es- 7 "Who could stake a claim lo serious critical, evaluative rights on the basis
pontaneidade, afinidade simpática com o ser e a espiritualidade. of Senghor's famous slogan: Emotion is Negro as Reason is Greel<? Even
Vejamos algumas da observações de L.S.Senghor a este respeito: to "native" critics eager to assert "natural" territorial rights to a virgin
"Le Negre singulierement, qui est d'un monde ou Ia parole se fait field, some of Senghor' s Negritudinist excesses could not but be a.,great
,embarrassment. Criticism- is, after aU, an eminentJy rarional activity,
whereas "emotion", "feeling", "inttÍition", "rhythm", and some of the
5]' Janh, Muntu, Paris, Seuil, 1962. Nesla obra Jahn procura provar a exis- other "keywords" of Negritude are characteristically relegated to the
tência de uma certa unidade li terária africana, gerada precisamente pelo margin of critica! enterprise.". Biodun Jeyifo, "The Nature of Things:
esti 10, sendo o ritmo o seu elemenlo unificador. A influência negritudianu Arrested Decolonization and Critical Theory", in Researeh in Afriean Li-
desta posição é signi ncativa. teratures, Spring 1990, p. 39.
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~ue ~ críticonase culturas
a oralIdade equilibrado .na sua e~sserção
afncanas quànd? ~os
uma "caractenstlca cebI~os,
dommou deve consIderar-se
o estudo a afncanas.
das culturas . pologra con:o._a
o elos dis~phn~ q,u
e concepçoes cLi
G"f~~tual,
observação
dominante", ~as, não ~ única e exclusiv~. No enta,n~o este tip~ de
° considerar
sem nuo e mUIto frequente
como ~~;~'dO
no dIscursoà cnt1co
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Para .
~nt:opológicas mo!daram a aprê~Iaçao os. eu:opeus ~m re~ação
e cultura
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e~tes trabalh~s
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nistas. .,,) /1 . podem ser procuradas desde a antiguidade grega, passando por
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A\ 1./ //'ré{ g~m às premissas. d~ .estudQs como La M entalité Primitive .de
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« : Lévy~BruhJ ou PnmUlve Culture de Tylor. A Europa exempI1fi-
I Oralidade: entre nostalgr.ae utop~a.... i·;!:;:.::·i··,,~:;.,:. ?:!ti.·:; cava o .estado adulto da civilizaçã?, enquanto as cultu.ras n~o-
. .., ,;.;'...:.:'..' .::j, ': -europelas eram encaradas como slmbolos d.e um estádIO de m~
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Há du~s atitudes extrex;nadas para com a oralidade. qid~j: ;:.'):
uma deI as e reveJadora das ?Iferent~s formas ~o~o se apr.eendy ~.." ..: :, '.'
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fância, .através do q.u~Ia Europajá tjn~a passad~.l?~carada sobre
este pnsma, a tradlEQ oral era cQns!d~ada prImItIva. e os ~1-

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formasestuc@ra~ o seu pam!!1ÓD~O.0!~1conside-
sobrevlventeL9~n:LS~..stádi.o.J.OlCJa1. .
~. --:- -as exemplares. Por outras palavras, em certos momentos· da i~::: '..; i\:";' ~. cJ-1.9-- As teorias evolucionistas contribuiram muito para ~ dicoto~
',', (/"~:r.;!r{~7' história ~ociaJ e inteJ~ctual do Ocidente~ e depe,nd~ndo dos p()~t :;:::::;)
. '.: <::;"Y ~)JC\ mia entre oral e, escr~to. literau:,ra or,aJ,era e~çarada cQm~ um~ ~J -!"-

-\ ,íp).(Ú'fA, tos d.e vista do estudl~SO: o mesmo fenomeno ~ vI~tOcO~O.·~VI-:::',:'"..'.. . :,.:; UY_'''j-, manifestação pnmária, sImpJe~Q Slljelta a trabalho refleXIVO,e
1., (t-i1 d~nc!a, tant? de supenor~dade, como de ~ecad.en~la, da clvlllza-i: ::.... ,: '. O' (f.l um produto de urna comuniCfa.?e, enquanto a literatura escrita r~-
~.v '1.,({: ~ çao europel~ ~: co~com~antemen~e, da mfeno~l~a,de ou bem-i,... ':,; ". . velava o oposto, final conclUSIVOde um rOc sso de. desenvolvl-
c. 1\1 ~estar das clvl1Jzaçoes nao-europelas.
.. ' A rever$lblhdade destes! ;:. ':" 'ír>lmento: complexa, e resultante do tra a o de um só autor E~ta Q.,

z:, \ julgamentos é um exemplo notável do resultado das intenções doi '. ,f\<t visão não se modificou muito com a antropologia uncional. Ruth
,.. ,J .• .., investigador e das conclusões que daí podem ser tiradas. O im-: .' YJ' Finnegan (1970:38) .afirma que muitos estudos antropológIcos
~' "~r-o portante para a nossa reflexão é estar consciente de que 'esses: .....:': .., ri: defenderam que as instituições e produções criativas dos africa-
,/ I'", ,/ I ,J f pontos ~evista ~rabaJham m~ítas vezes, latentement,e, na nossa' , . :.. IJ~ nos eram puramente funcionais, normativas e com intuito de ('F"V.-0(

.::'.
, ,\ ,;-": I"_? .J., percepçao das literaturas
nossas interrogações afncanas, ae que
e as conclusões porventura dlstorcem as·
chegamos.. ..,: t;vJ manter
O'-~<'«W'"'l Se aasordem
teoriassocial.JO
evolucionistas e funcionalistas acab~Q~. / /,,;:::.:.0
iJ_ /
:O", A"" \', Como se sabe, a preocupação com a literatura oral afncana j ser ultrapassadas nas suas teses, a antropologia ocidental, "na se.'. .' r Ç/,..A~~
..; ,':' 1- iniciou-se ~os finais do. sé~ulo pas~a,do, enquadrada pe)~ activi- v' (oUl.7vIh.Vl Çz~ O\.M..k () cfú.. frvrr<--, rX...9-Il, ilt-l,": Lv J .~ ) (/ ;<;
_,./,1 I d~de, colom~l e p~la cUrJ~sl~ade ~xotlca que as exploraçoes eco- ( v) <{ { ( -1. ~ .' (:~ .~

. nomlcas e clentlfJcas de Afnca VIeram despertar, quer na Europa .." 9 Um interessante artigo de Graham Huggan "Anlhropologlsts and other ~~~
.. (!. I; . Jecções
quer nose Estados
recolhas Unidos.
cresceramNoem progressão
decorrer geométrica,
do século actuaJ, nornea-
as co- , obras
frauds"literárias 9ue c:itica~
(in Compara e ~arodizam
tive Literature, Springa 1994)
o p~pelanalisa
do. antropólogo
o papel depara
três ~" ~:)
-.\)}I damente a partir da década de sessenta.a . ·v .f 2'3. . com os povos nao oClçientuls.. Suo elas ~ Devotr d~ VlO'en~e de Ya~bo
_.1:..jJ Q . ;/-"_ Ouologuem, Os Passos PerdIdos de AleJo CarpentIer e Flytng Fax zn a

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'~e nhec~mento e revaJorizaçãó do seu pa~~i;~~:.Ooral. '. O .... :c' ') Oral Llterature m Afnca, Oxford, Oxford Umverslty Press. 1977, p, 38. J /fu.Á/uo
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Oralldades & Escritas
Ana Mafaldll Leite

C'est en ce sens qu'il"est urgent de dépasser l'ethnocentr:is-


quência dos importantes trabalhos de Claude· Lévi-Strauss, de
certo modo encaminhou-se para uma visão ue procura I1KPes- me, qui inspire avec les naivetés .nationales, une conception péri-
mée de l'evolution. (...) Peut-être Ia grande et malheureuse Afri·
/""qiiiS~pológica a inspiração para u ,~võ'fiümanrsmo. que, c10chardisée par notre impérialisme politico-industrie1,se trou·· .
errida critica a obra de Lévi"Strauss em e a rammato-
ve+elle plus que d' autres continents pres du but: parce que
~'undo o autor, os povos não europeus são estudados" moins gravement touchée par I'écriture, plus tiede'encore du feu
comme l'index d'une bonne nature enfouie, d'un sol recouvert,
d'un degrée zéro par rapport auquel on pourrait dessiner Ia premier dont forger l'instrument nouveau." (1983: 282-84).
structure, le devenir et surtout Ia dégradation de notre société et ;\Visão neo-romântica de Zumthor, apesar do excelente
de notre culture" (1967: 168). cDerrída faz o percurs~ contnDuto que a suãõ15ra é para a reVáIõrização do estudo da
poesia oral, mistifica e mitologiza de novo'a oralidade, nomeada-
"logocentricidade" na história europeia desde o desencanto de
Rousseau com a civ.ilização moderna, P~.Q.._12º.LJi~rl, mente na sua bipolaridade com a escrita, e no confronto Europa-
-África. Semelhante demanda da redenção e revalorização do oral,
Saussure~ culminando na análise da obra de Lévi-Strauss, mos-
apesar do profundo conhecimento do autor, recupera modelos de
trando essa procura de ajustamento da voz com a ideia de natúJ outra época.- Jean Claude Blachêre, na obra Le Modele Negre,
reza, pureza e bondad~"'----------~ assinala um similar tipo de esperança que se manifesta na escrita
No campo da teona literária, encontramos ainda hoje na de Cendrars e T. Tzara.12
Europa uma mais subtil, mas igualmente perturbadora, atitude na
forma de encarar a literatura oral. Como forma de justificar as vi· Por outro lado, a ideia de que a oralidade é a resultante d.!
um colectivo permitiu ~lfusão de um outror~conc~lto: o de
sões preconceituosas acerca das tradições orais, consideradas
que as' tradições orais sã íveis a todos, são UnIversalmente
anteriormente menores, agora o ponto de vista tende por vezes a mais Igualitárias, pelo cesso a voz, õpãsso que a: escrita e a
projectar-se para o extremo oposto. Esta postura enebntramo-la,
tecnologia'1fê1âassocia a, requerem uma preparação especial e;
visivelmente assumida, por exemplo, numa obra fundamental e
naturalmente, são mais"Sêl~~v~. Estepressuposto não toma em
importante de Paul Zumthor, Introduction à ia Poésie Oraie,
linha de conta, apenas para dar um exemplo, o secretismo e eli-
publicada em 1983: tismo envolvidos na aprendizagem e recitação de certos géneros
"A chaquejour qui passe, plusieurs langues au monde dispa-
raissent: reniées, étoufées, mortes aveC le dernier vieil1ard, voix da oratura em que o ~o o'u "grioÇ é um especialista, esco-
lhido ou por linhagem, ou por profissão, e só ele detém oco"
vierges d'écriture,p)Jie mémoire sans défense, fenêtres jadis
grandes ouvertes sur le réel. L'un des symptômes du mal fut sans
doute, des l'origine, ce que naus nommons littérature: et Ia litté-
rature a pris consistance, prospéré, est devenue ce qu'elle est - 12 "D'emblée, les écrivains primilivistes (ApolJinaire, Cendrars: et Tzara)
I'une des plus vastes dimensions de l'homme - en .récusant Ia abolissent pour eux-mêmes Ia distance qu'ils ont posée entre Ie negre et
l'oecidenta[; i11'abolissent pOlir mieux marquer qu'ils se senlent en eon-
voix. (...) II ne s'agit pas de faire un tri dans Ia compacíté de Ia 'fonnilé de pensée avee l'artiste elle poete noir. La "primivitisation" du
durée, ni de reconstituer, fGt-ce au titre d'un patrimoine, des mo- negre; l'insislance mise à inventorier ses différences esl, en somme, fonc-
des de vie et de pensée traditioneIle, chalereux, mais étouffants. tion du désir de l'intelleetuel blanc de se désolidariser de son univers eul-
11s'agit d'écarter tln faux univer~alisme qui.est enferrnement - de tureI en s' affinnant sernblable au prirnitif. A cet égard, le qualificatif de
renoncer (puisqu'il est question de poésie) à privilégier l'écriture. "primitif' apparait vidé de tout son contenu évolutionniste; les artistes
d'avant-garde communiquent de plain-pied avee Ia pIus vieille humanité,
paree qu' ils refusent les sieeles de civilisation (prétendus leIs) qui les
séparenl.". Jean Claude Blachere, Le MOdele Negre. Dnkar, NouvelIes
11 'Cf. artigo de James Comas "The Presence of Theory/ Theorizing lhe Fre-
Editlons Afrieaines. 1981. p. 183.
sent", in Research In Afrícan Literatures. Spring 1990.
21
20
'1'1
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...

Ana Mafalda Leite Oralidades & Escritas

nhecimento dos textos mais longos e especiais, como a epopeia, ladora, ainda, das preocupações relacionadas com a ídeia de uma
as genealogias ou a crónica histórica.1J estética, uma visão do mundo, africanas, de que as tradições
Se as posturas teóricas dos ocidentais se extremam entre um orais fazem naturalmente parte.
~ de nostalgia e a utopia, as posturas dos africanos tendem a De uma forma geral, a posição dos escritores africanos frao-
ser também7Por vezes, excessivas no seu julgamento em relação cófonos admÍte a legitimidade e reivindica o uso de línguas afri-
à literat.!:}.!J;\.g,raL --- --.._-~._~-_ .._.__ ._-,------ canas e europeias. E a maioria dos escritores anglófonos admite
acaso mais relevante é a atitude do escritor queniano Ngugi também similar legitimidade. No entanto, nos últimos anos este
Wa Thiong'o que, na sua obra Decolonising lhe Mind: The tem sido um tema debatido, a partir da publicação da obra do im-
Politics of Language i/1 Ajrican Literature, reivindica para as li- portante escritor queniano que só considera legítimo o uso das
teraturas africanas o uso exclusivo das línguas africanas, segundo línguas africanas. Esta posiçã~aJistal5 recente mostra,
ele, mais capazes de apreender a cultura africana, isto é, implici- uma vez mais, que o equilíbrio teórico necessário para o enqua-
dramento da oralidade se enconfrâ envolvido por uma complexa
"Language as culture is the col1ective memory bank of a \; '.
tamente, experience
people's também as intradições
history. oraisJ4:
Culture is almost indistinguishabJe "".. ) ~ rede Por
ideológica, resultante oainda
razões históricas, dos resquíCIõs-coloniai~
perfillingulshco õe cãIDrpãís--africa-
from the language that makes possible its genesis, growth, bank- -- no faz hoje coexistir pelo menos uma língua europeia, que fun-
ing, articulation and indeed its transmission fram one generation ciona na maioria dos casos como língua oficial, e um número va-
to the next (...) Janguage carries cuJture, a'nd culture carríes, par- riável de línguas africanas. A língua oficial tem contribuído, na
ticulary through orature and literature, the entire body of values maioria dos casos, para" a realização de uma coesão nacional
by which we come to perceive ourselves and QUI' place in the nestes países pluriétnicos. No que respeita à literatura, ela tem-se
world (n.) Language is thus inseparable from ours'elves as a com- desenvolvido, enquadrada dentro desta diversidade linguística.\f"
munity of human beings with a specific form and character, a ainda um princípio nostálgico, idealista e essencialista, pensar em
specifjc history, a specific reJationship to the worId ..." (1981: l~) termos estáticos na recuperação de uma mundividêncía pré-
Se por um lado a questão Jinguístíca é um dos problemas -colonial, não levando em linha de conta as transformações sofri-
ideologicamente cruciais da fixação do discurso colonial e das nestas sociedades com o colonialismo, as indel2endências e a
anticolonial no âmbito das literaturas africanas, por outro é reve- modernização. -_._---.-.~..." .....~-'" .."..-_.._..
nSlSIr numa visão monolítica e indiferenciada de uma esté-
l:t Em certos textos mais esotéricos, como os textos iniciálicos, é guardada a tic~_W:.icana·é umé(Jorm~ém di<_I\eg~~tero&~Pilj~~~::'_~ __r
razão do conhecimento, mais do que a razão de conhecer, emendida a
primeira como abrangendo a via para aceder à verdadeira percepção do
~~e)d~ad~ do univ~r~o c~~~ur~L.a.~i.~~no.
maiiífestaçãOuem.m,vlS'llinreo-panafncana, queE encara
talvez oainda
contI-.a
nente como indifereneiada totaTIdãae,Jíeste final do século,
mundo e da essência das coisas. O conteúdo revelável é guardado para o
iniciado e o acesso ao sentido essencial subjaz na repetição ordeoada dus
_._-~. ~ -... ..'

palavras, via necessária para chegar à revelação. Cf. Pascal Buba el


F. Couloubuly, "Les textes iniliatiques"in Nolre Librairie. (Lilléralure 15 A perspectiva de Ngugi Wa Thioog'o é semelhante à de Edward Sapir e
Malienlle - au carre/our de J'oral el da ['écrü), 0.° 75- 76, Juillel-Octobre Benjamin L. Whorf em antropologia no princípio deste século, que de-
1984, p. 59. . fendiam que a língua que se fala delermina a nossa visão do mllndo. É
14 Se com as tradições e formas orais se busca também o essencial (logos) da conhecida pela "Sapir-Whorf Hyphotesis". A língua tem importância,
fundação ou refundação do grupo ou da comunidade percebe-se aqui, mas não é fundamental. A cultura de que a língua é expressão mais visí-
perturbadora, uma estranha afinidade com u visão (conservadora) do ro- vel é que é fundamental. Cf. Onésirilo Almeida, "Filosofia Portuguesa -
mantismo que explica, nOutro pluno, concepções como aquela que esteve Alguns Equívocos", in Cultura - História e Filosofia, voi IV, Lisboa,
oa géoese na Alemanha da Escola Histórica (Volksgeist). . INIC, 1985.

22 23
Oralidades & Escritas
Ana Mafalda Leite
de uma parte das sociedades africanas continuar a ser fundamen-
talmente camponesa e agrícola; e manter as tradições orais como ')
quando as diferentes nações africanas constroem há .várins déc;;
forma de preservação da sua bagagem cultural, não Siglllf!ca que •
das o seu per~o lit~:_~ próprio e_~~fe~~~--
o conto, a forma mais popular de transmissão de conhecimento e ~
de cul~~~ja necessarf~mê~fe"ã"'f~rm~~nãturãIll-ou"'"'ê'SS'elrcia:I"":s
Oralidade, Literatura: Conto Oll Romance? (--:&-ta dicotomia, considerada
,..,.---êie i"ecOnheclmentoda afncamdade antagónica - conto/romance
Ilterana. ~-~._----'~\ -
enquadra-se obviamente em outras dictomias mais vastas, implí-
Os pressupostos teóricos mais OU menos extremados, idea- citas, do gênero: África! OcideA·tg.r~ir-i.toLn\.zã.Q,...n.atureza/cul-
listas e mitificados acerca da oralid;ide ..e.das-tr-adições orais afri- -.....-.-_------
tura, oralidade/ escrita, literatura. O
.•.
facto de o "romance" ser en-
canas levaram naturalmente a assefções._º.e.~:Últuadas,ou pouco carado como estranho a Afrlca, e uma forma levada pelos euro-
claras, no âmbito do estudo e da anáÍise crítica das literaturas peus para o continente africano, n~o signif~, que entre-
african~~co na sequência da<fdeia ~rit~...?--ºf..9.)dLa tanto não ganhe raízes nesse novo espaço. Outtas formas lite-
rárias, tomemos o caso do haiku, apesm-dãrua origem oriental,
mals ou menos inatos. Um africano nasceria supostamente já
,
com, o espírito da dança e por isso seria naturalmente vocaeio- ou
gemdoé soneto
semita, cuja origem é italiana,
encontram-se difundidasou eainda do salmo
anexadas cuja ori-
e readaptadas I
(0emrenado para"natural"'nos
o jazz, o canto,
africanos, r~'---::---'----"'-'-'-
etc. a dança e a mÚSICasão talentos um pouco por todas as literaturas dos diferentes continentes.
\ __.._... --'fambém noâmbitõãã-H'têratur(.~ conto foi e continua a Tal visão é, apesar disso, proposta por Mohamadou Kane,
ser, muitas vezes, encarado como a "f~ITi1ãj';-ãdeq.ü'ã(fã;"-õ-insrni-:-·-- professor e ensaísta senegalês, autor de várias importantes obras
mento narrativo por excelência "africano". Um exemplo desta
postura crítica encontrá:-se-nãS--pãfáviã( de Adrian Roscoe ao sobre
Ia o contoafricaine
littérature e romance africanos:
modetne "L'avenir
semble dti conte
mieux assuré. écrits'a'git,
II n'y dans
afirmar que O romance não tem tradição em África e que não tout compte fait, que de l'ouverture d'un geme traditionnel'à Ia
constitui um elemento significativo na tradição afticara: "The "modernité". De lã vient Ia faveur que le public africain lui té-
african child (...) is faced in school with a written literary fonn moigne. Les autres genres sont tous d'importation. Le roman est
imposed on him (...) He may acquire a taste for the novel; but his nouveau, iJ ne progresse que lentement. l! rompt brutalement
\ife, bis society' s history ,;..i\1 a word, his culture - pre-dispose avec Ia tradition de l'oralité." (1981:234).
h'irn naturally to the story." (1971:76). Mais recentemente ainda, Mbwil Ngal na sua obra Giamba-
Ora, talvez mais do que qualquer outro gênero, o conto oral rista Viko ou le vial du discours afrieain, escreve sobre inte-
é universal e comum a todas as culturas e continentes.16 O facto lectual africano que deseja amalgamar a estória oral com o ro- '
mance, considerando o género corno "discurso ocidental":
"Accoucher d'un roman! C'est en effet tenir un discours occiden-
16 Lourenço do Rosário fez, em Portugal, a primeira tese de doutoramento tal. C'est évoluer dans I'espace visuel. Faire évoluer un récit dans
dedicada 11 Oralidade africana, e afinna a respeito do conto oral: "No que Ia dimensiQn spatio-temporelle. (...) Le pouvoir du mot tres
diz respeito à existência múltipla, não carece de demonstração o facto de
se verificar que o mesmo motivo temático pode ser abordado em pontos
tão diversos do mundo, alguns dos quais sem que nunca tenham tido
amoindri
que perd de (..~cune
de I'oralité. cette efficacité que lul
rigidité connaí'tcelle
pareil1~._~ l'univers ~
du roman! .J
contacloS directos ou mesmo indirectos. Por exemplo, um camponês de
uma aldeia Sioux isolada nas reservas indígenas do território americano
será capaz de narrar eom os mesmos motivos ou semelhantes que um melhor através da sua inteligência e argúcia, sobre um adversário mais
camponês de uma qualquer aldeia isolada da África ou Ásia, falando da poderoso.", in A Narrativa Africana, Lisboa, Icalp. 1989, p. 62,
origem da morte, da chuva, ou das aventuras de um herói que ~eva a
25
24

'I' ,
\'\":
~'S:~
"',

..,

" Ana Mafalda Lcítc Oralidades & Escritas

Véritable cercle infernal, l'espace romanesque! Je rêve d'un 1'0- ser determinada pela forma como fazem eco, ou filtram, as tradi-
man sur le modêle du conte." (1984: 12-13). ções orais, parece-nos desajustada dos diferen~~ercursos de
" cada umã.Clas literaturas nacionais, do diverso e heter0.Kéneo
continente africano, e ainda eivada de preconceitos ideológicos,
Oralidade, Literatura:
com o seu exagero nas definições delimitativas. I :--;:k-
Já mais moderada e aceitável é a opinião de A. Irele 9..uando
continuidade ou transformação? I consider a oralidade um aradigma central, mas não único:
"Despite t e undoubted impact of print culture on African
A visão essencialista da oralidade tem perturbado a impor- I
I experience and its role in the determination of new cultural mo"
tante tarefa neste domínio dos estudos comparativos. fundmnen- des, the tradition of orality remains predominant, serving as a
I
tal para a nossa área, entre formas orais e escritas. I
central paradigm for varíous kinds of expression on the continent
Alioune Tine, em "Pour une théorie de Ia littérature africaine
(...) ln this primary sense, orality functions as lhe matrix of an
écrite" afirma' que: "La littérature africaine se définit comme une African mode of discourse, and where literature is concerned, the
littérature située entre l'oralité et I'écríture. Cette idée a permis Ia
réalisation d'un vaste consensus qui va des critiques africanistes griot is its embodiment i~ e~ery sense ?f the w~rd. C?rall.iter~ture /i
aux écrivains" (1985:99) e, mais adiante ainda, afirma que aquilo
que constitui o traço específico da literatura africana é a noção
thus represents
(1990: 56). the baslc mtertex of the Afncan lmagmatlOn,"
-------. j'
Ainda assim, haverá limitações a colocar na proposta de
de "oralité feinte" (1985: 102), "oralidade fingida". lrele. Isto, porque nem todas as literaturas africanas recorrem
Julgamos que a asserção de A.Tine só é parcialmente verda- predominantemente a este intertexto de base, e as literaturas afri-
deira, uma vez que exclui a possibilidade da escrita de uma nar- canas de língua portuguesa constituem, apesar de a ele recorre-
rativa, romance ou conto que prescinda da recorrência aos rem também, uma exemplar e singular excepção neste domín\Q..-
! ,
modelos da oralidade. Ou seja. o argumento pode caricatura!-
como teremos ocasião de verificar mais adiantei::âda literatura '
mente ser lido do seguinte modo: a narrativa, segundo este pres-
~sto, será ocidental até ao momento em que não faça uso da ve-se segundo moldes estéticos e linguísticos, cuja distintivídade '
mstrumentação oral africana; apenas aquele material lhe dará a
creditação necessária da africanidade, Parece-nos que o funda-
nacionalnão
resulta só dastem
africana diferenças
as suas culturais étnicaspróprias
características de base,e desenvol·
mas tam- I
I bém das gi.fur.e.oJ;.a~JiMllJ~,ti9.9.,7f1JI~urais
que .a.,colonização ,lhes :
mento desfeIipo de-afici,ü'so"se-ãssemelha ao que encontramos
acrescentou/E praticamente insustentável gua!quer generalização
acerca do género. O facto de não haver tràâlçaâoõ-iêm!ince em
quecóIla'ü,Za él elabQrârões teóricas que não levem em líi1fiãC!e
África, q~rerà
controvl(rsa? Serádlier que ele será·
qüe'Yiigíll"o sempre umaescrito"
nãO deveri"ide:r formapeiü-faéto
alheia e ;r fi..!
conta as especificidades J:egionais".e,naçion,aisafdcanas.
Nesta medida, parece-nos que o julgamento de"Chidi Amuta
nos merece toda a atenção quando nos afirma que o reconheci-
de mento de África exige mais do que autodefinição e afirmação
çosos
da seúsmodelos
oralídade retirasere~
Semelhant@o
~os?
aneo-romântica
a ncaníaãde Será
a dos
umaqueobra?l'
a ausência dos tra=-j .
I_'-""~''"''~'-~
afritraffi"stas,de que a retórica:
originalidade ou a "essenaahâa(re''ôus-'narrâIiVãSãfricanas deve "The abiding significance of traditionalist aesthetics however
'0 .• ~. __ ~~ ••..•.•••• , ••••• _, ••w ••.•••••••••••••••• --_··,.."""'---·- •• ~· ••• •

resides in its contribution to the necessary task of imparting more


knowledge about African artistic traditions, ethno-philosophies
17 Ainda que reconheçamos que, historicamente. o romance foi, na origem, and extarit .aesthetic value systems to an indifferent world whiJe
uma construção romana ({oqui romallÍce) a que o império da romanização imbuing the ignorant and miseducated African with greater con-
deu particularidades nos diferentes ·'ramanças".

26 27
Ana Mafalda Leite
Oralidades & Escritas

fidence to understand both himself and the position of his mor-


tally injured faCe in the world. But the crucial task of compelling
the world, especially the West, to recognize Africa through its ·-Uma segunda
~~~;~tual, e mais
passa pela produtiva
ideia maneira d:;ncarar
de transformação. ~r~ação o
sta pressupõe
~ vários instrumentos possíveis, um<infra-estmtural, a lín-
pratica] achievements demands more than self-definition and
rhetorical reaffirmation." (1989: 50, sublinhado nosso). gua, enquanto primeiro nível de manipulação, e os géneros en-
Também a opinião de Isidore Okpewho, o ensaísta nigeriano quanto nível super-estruturaJ. A.Tine fala-nos em oral~
que publicou trabalhos fundamentais e de consulta indispensável na gida" e Abiola Irele em "re-interpretação"20 e em~'1ranspõSiçao ,~ .
área da oralidade africanalB, nos merece atenção, pelo seu rigor crí- Termos que se prestam melhor ao pro"CeS"sõ-õe-recrfãçãen'jife·ã··· '"'-
tico, e equilibrada visão das relações entre a oralidade e a literatura: literatura pressupõe. Com efeito, uma das mais importantes pro-
"While there are numerous elements of the oral tradition ptleaâdes da lit~~o texto literário é <4iccionalidadSJlefi-
available for use by om modem writers, we should perhaps re- nida como um~nto de regras prawáticas que reguJalD..ê.l~
cognize that literacy is here to -stay and has a discrete character lações entre o mundo instituído pelo texto e o mundo empírico~
of its own; the best justification forthe tradition is not a whole- O texto literário constrói um mundo fictício através do qual mo- ~
sale transfer into literate art but a judicious selectiveness which deliza o mundo empírico, representando-o e instituíndo uma@9
C:~~~,~_~:~"ati:~~~:)
. ?""
will prove its adaptability to ch;mging circunstances. WJ~
applaud the recourse to lraditiorf,..J..r.eallyda nal see the ~n .
C!l'!!3!~riters carryin~ as [email protected].~!!.1Y.
-(i"98-S-:""2-3";-subli-nhat:hnrom>j
Oralidade e Literaturas Africanas
Outra das questões ainda relacionada com a oraJidade e a de Língua Portuguesa
escrita literária situa-se no modo como é encarada a relação entre
un;a prática e a outra. Ou, seja, de q~ma é Que_~ liter~~!~ As literaturas africanas de língua oficial portuguesa são
/-~"'<lff[C-ar:.~?~_~_~!.~.l~.tegram o mtertexto oral? _.J constituídas por três literaturas continentais e duas insulares.
,,~_·_---"'Dm aos primeiros moa.os-aê"eqüa:cíônãr""êslã" relação foi Tendo em conta as especificidades das literaturas insulares, limi-
/ através da ideia de "continuidade", exposta como vimos, por tar-me-ei às restantes três, neste enquadramento específico do
1:,/ exemplo, através da ideia do "género" africano versus "género"
intertexto da tradição oral. E mais concretamegte a referência vai
<"'.\ ocidental; ou seja é "natural" que um escritor africano use o
conto, porque este é o género que permite estabelecer a conti- entrosar-se especialmente com as literaturas ~gola~~~~2~!!l:?
í -bican1L.emparte devido ao facto de o corpus textual ser o mais
nuidade com as tradições orais. Ou através da exploração dos "'s.ígrift1cativoa este respeito.
ritmos e dos temas, usando a língua como elemento potencial de
captação estiJística e vendo nesse trabalho uma espécie de
"natural" mimetização ou reprodução da oraJidade. Várias teses 10"1'he process involved in this mouvement betwecn two tradítions can be
lermed One of "re-imerpretafion" in lhe anthrapological sense af lhe
sobre a obra de Senghor exemplificam este tipo de trabalho.19
word. It is well illuslraled by lhe so·called folk opers in Nigeria and the
relatcd fontls of "cancert parties" in Ghana and Togo. 1n these works we
1$ Isidore Okpewho, The Epic in A/rica - Towards a Poetics o/ Oral Per- witl1ess an effarl to adapt the canventions af lhe oral narrative and
jormallce, New York, Columbia University Press, 1979; Myth in A/rica, traditional drama, both popular and ritual, to lhe exigencies of a new
Cambridge. Cambrigde UniversilY Press.1983. cultural invironment dominated by western influences. 1n ali these cases,
19 Cf. Louis-Vincent Thomas, "De I'oralité à l'écrilure: le cas négro- orality remains as the delennining medium; even where lflere is a wrilten
-afticain" in Négritude: Iradiliol/s et dévellopemenr", Éditions Complexe, text, lhe voice as realising agency remains absolutely dominant.", Abiola
Brllxe!les, 1978. 1rele. "The African Imaginalion", in Research in A/ricall Literatures,
Spring 1990. p. 58.
28·
29

,,-'

\&
"'.

"<

"', Ana Mafalda Leite Oralidades &: Escritas


",
Um importante estudo de Salvato Trigo "As Líteraturas afri- teceu no final do século passado na literatura angolànae no prin-
canas de expressão portuguesa - um fenómeno do urbanismo"2i
situa a particularidade destas literaturas em relação às suas eon- cípio deste na literatura moçambicana.2dlnto ~mbundu, em=::::>
C Ai1~.~!J:~E:,?-_?_~.?_!!~~.:_~~_.Mo~~jJjque, .ora.!!.uI!:1.~~_,g~.~,,:;,n-
géneres francófonas e anglófonas. Neste trabalho salienta-se a traram maIs ou menos mClplentemente na literatura e no Jornal1s-
mo"ãle"a"prÓxirnàdinueiite"ã 'Clêcãd-a-âelfinfã deste século.
~em urbana dos textos das modernas literaturas africanas .:!0 Por outro lado, quan,do na década de sessenta a maioria dos
(língua por!.ugu~~§~~U:~J"ªll,'-:Q
ãiTImconslaerã que o ~E!.t.!~,qlle.:'temisol'l1'!le:..f!.!Q.-ª~~E~.!d~_~
interesse literário, enquantoO países africanos obtém as independências, inicia-se nas então
reduto de valores culturais e civilízacionais comuns, apesar das colónias da Guiné, Angola e MoçambiqueCiLguerra colon.i~L e
diferenças etnolinguísticas; aí se desenvolveu um prol,etariado um processo de Gnvolvimento e crescimento urbanos que não
que fecundou a~ementes anticoloniaj§, e em simultâneo uma forma teve lugar na maioria dos õutros-pã'Ises:-13stêS-dôi's -'fenómenos
particular de veicular a língua portuguesa: contribuiram e afectaram, ainda mais, a já existente fronteira en-
"( .. ,) cadinho do português que servia naturalmente de lín- tre o mundo rural e a cidade, ou se quisermos, entre uma
gua de comunicação e que, usado por falantes de diferentes regiões
etnolinguísticas, seria naturalmente sujeito a influências segmentais ~:modernização"
"-o..muD.do..J[~dicional forçada e um
rural.} enfraquecimento
Se juntarmos a estas das ligações com
contigênclas his-
e supras~gmentais diversas que lhe moldaram a face característi- tóricas as g~crrãs"C1vl:tqúe tiveram lugar no J?ó.s-iI]sI~Een~~ncia,
ca da ala mucéquicé) ponto de..E,artida J2.ª-!_ª-.2_ discurso verbal das verifica-se que a elação das cl~~_eJ:.~L9..çm!"g"."~.~do clânico e do
literaturas a li' n e expressão portug~esa. (...), como instituição interior, onde as tra lções orais mais vivamente se"mantêm, foi
cultural e socioeconómica, fonte de inspiração para os textos sendo cada vez mais perturb.a.d.ª~e_alterad.a ..:,:~
poéticos ou narrativos denunciadores do regime colonial de que Por estas e outras razões, que têm a ver com a histórÍa
o ~era uma exemplar vítima, enquantoCl.J.!Kar de e~~.9 __ .2P própria e específica de cada uma destas sociedades e suas litera-
turas, a ~ção com as tr!!dições orais e com a orali~e é, à
~iação
(·~o.esterro dramática
para das
gentes
suas despaganizadas
origens civilizacionais." (1990: 56)
em proceSSãoê distan- partida, uma 'relação"efu'és§'@1@~:!!i'[g.:.resü1Iãi1(e;"na maioria
A maioria dos<&crit~ das literaturas africanas de língua dos c~e uma experiência vivida, mas filtrada, apreen-
portuguesa são <§"imil~d9.s, uma I?,~~~e_.~~.nifiE.~~i.~~~:._~sceng~n-
cia,.~l:l.I9.2~j_<k2, quase tõaos de origem urbana, sem contacto di- (Ciíclã;" estudada.
'trsarcJ'termo--Ue Mesmo
Salvatoa oralidade
Trigo, é "mucéquica",
já parcialmentesuburbana,
aculturadaparae
recto com o campo, e não dominam, salvo raras 'excepções, as híbrida,! distante e diferente daquela que encontraríamos no
línguas africanas. Esse facto não é comum nos outros países afri- campo. Todas estas condicionantes nos levam necessariamente a
canos, onde a ligação com ° "terreir" se mantém desde a infância
e os escritores geralmente são, pelo menos, bilingues. 23 Cordeiro da Malta, escritor e fil6Iogo angolano do final do século passado
Aliás, este(f.m.ómeno linguístico e d~~.'!§,§.jJ.!lÍle.ç!9.';) resultante foi o primeiro autor angolano a conferir ao kimbundu a dignidade lite-
em grande parte dê·ufiY'-erldureêÜíi.enf6' e de uma[p'ortugalizã) rária, ombreando-o na poesia a par com o português, num processo de
~>l ~~-'''-'''''
doutrinária da .'polític~ .c?l?.r:!.ial,vem contrariar'o qLi'e~ãCõi1- "paralelismo linguistico". Em Moçambique, no principio deSle século,
, ...•..•-.. ,"
publicava-se O Brado Africano em língua ronga e portuguesa, assim
como jornais em língua inglesa e portuguesa.
21 CI. Ensaios de Literatura Comparada Afro-Luso-Brasileira, Lisboa, Vega, Cf. Mário Ant6nio, A Sociedade Angolana do fim do Século XIX e um
1990 (p, 53-60), seu Escritor, Luanda, Editorial Nós, 1961; Mário António, "Um João de
22 A constatação de tal facto não tem qualquer intuito rácico, serve apenas Deus angolano", in Reler África, Coimbra, Instiluto de Antropologia,
para precisar e compreender melhor alguns aspectos especítlcos das tra- 1990. Cf. I1ídio Rocha, Catálogo dos Periódicos e Principais Seriados de
dições culturais dos escritores das literaturas africanas de língua portu- Moçambique da Introdução da Tipografia à Independência (1854-1975),
guesa. Lisboa, Ed. 70, 1985.

30 31
Ana Mafalda Leite
Oralldades & Escritas

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Oralidade .
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temente, na literatura pós-colonial, o de Mia Couto no contexto Nas literaturas africanas de língua portuguesa, tendo em
conta a especificidade de colonização que favoreceu a indigeni-
zação do colono e a aculturação do colonizad026, em graus mais
~~no o'delação da 1íngua~I9.rn~nto privi1e$.~.9...~~ ou menos extremados e substancialmente diferentes das outras
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dos principais teorizadores desta área de estudos e a ele se de- \..'-A:-.Hpilhagem"ou "roubo" da língua portuguesa perõcõtôTI1Zacló
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Craveirinha, de certo modo executa um percurso semelhante. que cuilm,Jn-e-c-oliCeooã,núma'geologia estratificaciit queatinge a
Este tipo de orientação veio a ser repensado teoricamente, numa sintaxe, os ritmos híbridos das "oralidades". E neste trabalho da
outra tese, "A Construção da Imagem de Moçambicanidade", da "língua" como texto (na acepção kristeviana) que se desvelam as
autoria de Gilberto Matusse.25 O livro de Laura Padilha, "Entre rãdlçoes" traldas, e reformuladas, e~recUperaOLill!. traçQ)Lge.<
Voz e Letra - o lugar da Ancestralidade na Ficção Angolana do !."iiõ'tógJcosde variadas "formas" ou "géneros" orais africanos, e
século XX", resultado da sua tese de doutoramento, retoma de ,>ootros g§Ij.~!~Sprovenientes da literatura escri ta.\· , ."" ~'...."...
igual modo, alguns destes percursos e aprofunda-os, em especial -~-" ..._. "'(lÊs te livr"õ'~b ""AJÜIgáiliem-e" na" Vidà 'é" 'a recriação, com
ao desenvolver aspectos relacionados com o género. muita liberdade pessoal, de certas formas do discurso popular.
Quero dizer: no todo, no ritmo, porque eu pretendia que no todo
o ritmo e as alterações que aqui estão com certas palavras, com
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lavras que nao são do domínio popular, ou com construções que
também não são do domínio popular." (Vieira,1980:58)
24 Salvalo Trigo, Luandino Vieira O Iogoteta, POrto, Brasflia Editora, 198 I.
25 Ana Mafalda Leite, A Poética de José Craveirinha, Lisboa, Vega, 1991;
Gilberto Matusse, A Construção da Imagem da Moçambicanidade em Jo-
sé Craveirinha, Mia Couto e Ungulani Ba ka Khosa, Universidade Nova 26 Cf. Mário Ant6nio, Luanda Ilha Crioula, Lisboa, Agência Geral do Ul-
de Lisboa, J 993, Laura Padilha, Entre Voz e Letra - O lugar da Ancestra- tramar, 1969, e Carlos Pacheco, José da Silva Maia Ferreira _ O Homem
e a sua Época, Luanda, UEA, 1990.
/idade na ficção angolana do século XX. Niteróí, Editora da Universidade
Federal Fluminensc, 1995. 27 Confere-se aqui ao conceito de língua e fala a acepção de "langue"l
"parale" saussurianas,
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Ana Maralda Leite
Oralldades & Escritas

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deQ:uandil)o Vi~im.surgiu no contexto angolano, ou, mais recen-
temente, na literatura pós-colonial, o de Mia Couto no contexto Nas literaturas africanas de língua portuguesa, tendo em
conta a especificidade de colonização que favoreceu a indigeni-
../contarnmaçao, 'estlçagem e entrosamento das culturas, oraIs e zação do colono e a aculturação do colonizad026, em graus mais
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Craveirinha, de certo modo executa um percurso semelhante. que cuITrnJn-e-com;eiITfã,núma"geologiaestratificadãqueatinge a
Este tipo de orientação veio a ser repensado teorícamente, numa sintaxe, os ritmos híbridos das "oraJidades", E neste trabalho da
outra tese, "A Construção da Imagem de Moçambícanidade", da "língua" como texto (na acepção kristeviana) que se desvelam as
autoria de Gilberto Matusse.25 O livro de Laura Padilha, "Entre rãdlçoes" traldas, e reformuladas, eC$irecuperaOLo.§.traçQ,}.geF
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lavras que nao são do dorninio popular, ou com construções que
também não são do domínio popular." (Vieira, 1980:5B)
24 Salvalo Trigo, Luandino Vieira O Logoteta, POrto, Brasflia EdiLora, 198 I.
25 Ana Mafalda Leite, A Poética de José Craveirin!Ja, Lisboa, Vega, 1991;
Gilberto Matusse, A Construção da Imagem da Moçambicanidade em Jo.
sé Craveirin!Ja, Mia Couro e Ungulani Ba ka Khosa, Universidade Nova 26 Cf. Mário Ant6nio, Luanda Ilha Crioula, Lisboa, Agência Geral do Ul-
de Lisboa, 1993, Laura Padilha, Entre Voz e Letra - O lugar da Ances/m. tramar, 1969, e CarIos Pacheco, José da Silva Maia Ferreira _ O Homem
e a sua Época, Luanda, UEA, 1990.
lidade na ficção angolana do século XX, Niter6i, Editora da Universidade
Federal Fluminense, 1995, 27 Confere-sesaussurianas.
aqui ao conceito de língua e fala a acepção de "langue"l
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32
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Ana Maflllda Leite Oralidades & Escritas
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Mas naturalmente que o caso de~L'y'§l.!lginp Vieira é apenas


exemplar e paradigmático de uma das "falas" possíveis, e de Mas, se o caso luandinino é prova de que ~ língua é-º--pri-
certo modo também demonstrativo, ..pela força do seu registo e é, felizmente, denominador comum para t os outros. Dife~
pela sua atitude jnaugural,:?ílde qUéJ1s literaturas africanas de lín- meiro instrumento de "textuali~, a forma p~d~al1ãõ-o
rentes modos de apro riação da língua imulam e ~tam 1 e~
,rgn1i"1Jtrrtugiiêsa' encontraram manei~pJ'óprias(rêdialogar com! rentes registos de xtualrzaçao das "orali s.
I as "tradições", intertextualizando-as, obtusamente, no corpo lin- \. O facto de usarmos no a a p ra "oral idade" visa
) guístico. r-"- '. _ _ -''''- - --.-.._"~--'-_ __.--:.._.__ _.._ ~ _- ' exactamente demonstrar que, por um lado, as tradições orais são
"--"--BstJ1" tradução" das "oralida~ realizada naGnÇlJ~~ língua, diferentes de país para país, embora com um registo linguístico-
trabalhada,' enósInvõrüntariamente, comQ..f.<2rpo ..E.fl9n~- -cultural bantu comum, e dentro de cada país, de etnia para etnía,
compósito de fragmentos de ritmos e formas,\iráregulãra sintaxe e ;' apesar de ser possível encontrar elementos unificadores na carac-
a discursividade literária de modo inovador e surpreendente~ terização dos géneros e dos mitos, por exemplo. E o plural
Através da literatura angolana, e de um dos seus mais serve-nos neste caso, também, para significar o processo trans-
proeminentes autores, as literaturas africanas de Hngua portu- formativo que a urbe ~~.Q!L!.1_a.~..m .Q.Lç.Q~"§JY.L~Qçl.ç.I.anjjo-
-as e recriando-as. E usam~~.1Q ..~i~9.~,.,p~ra acrescentar outros
guesa trouxeramrhíõdernidade às literaturas africanas, fazendo elementos, pi-õven1ellfes--ae-"outras oralidades; de que a língüa
, coe?5~~~ n~eà6waãâe:~~=!í~I~~;1';·'b-ifõvõ-corn..9...~~.~9' a es-
~~~.:;2!? ..~?!~~?.~a
~~<:.:~!!~~~~:'ii~!.l:~ .. ~.í~!~,:,
.mms ou meno~
lmparavel1 que os textos hteranos nos oelxam frulr; Isto mesmo e
matriz é portadora na sua orfg;em'cultüiãr . ..... ..
O plural de "oralidades';'permiie~iiôs, além do que acini.a foi
reconhecido por arfícõs"-e-teõrttt),f-ãfricanos de outras áreas, referido, distinguir o odo de relacionamento do cr' res co.m·
como é o caso de Abiola Irele ao afirmar: ',\ a textual idade oral e c m as mg as. Ou seja, haverá talvez que
"( ...) when we eonsider the work af some Portuguese-born distinguir três tipOSâe-aprõpnãÇão: o primeiro, o mais frequente,
writers sue h as Castro Soromenho and Luandino Vieira, who tanto na literatura angolana como na moçambicana, a tendência
express an engagement with Africa not simply in terms' of exter- para seguir uma norma mais ou menos padronizada (como o
nal allusion to forms of life but as a real, formal identification caso de Pepetela ou Luís Bernardo Honwana) ou então
with local modes of expression,' that is, not merely as thematic "oralizar" a língua portuguesa, seguindo registos bastante di-
reference but also as touehstone of formo versificados entre si (por exemplo, o caso de Boaventura Cardo-
so, Manuel Rui ou de UnguJani Ba Ka Khosa).
re written in European languages by indigenous africans. The
Thisfeature
striking observation leadsínterest
that gives to a consideration of modem
to this literature Iiteratu-1
is a noticeable O segun,do1ltende
táctica ~-Ie;luca e de recom ibridizá-la" através da 'j5fõVê"ffit;ntes,
mações Jinguísticas, recriação sin-
preoccupation not only with the African experience as the central \ por vezes, mas nem sempre, de mais dõque uma Iíngua(os casos
subject af their works, but aIs ° .with the problem of a proper and de Luandino Vieira ou de Mia Cou1õT'-"-~---'-
adequate reflection of that experience, which involves, in formal O terceiro, menos frequente, e utilizado apenas por escrito ..
res bílíngues, cujo contacto com a ruralidade é mais Íntimo e pró-
terms, LI reworking of lheir means of expressiol1 for that pur- (
pose." (1990: 60, sublinhado nosso) --- ~jmo, institui uma relação de diálogo, criando uma espécie de
\:interseccionismo" linguístico, em que prolongamentos de frases,
o1:Jlrr:trtesde frases, se continuam em diferentes línguas, alternan-
28 Cf. Mário de Andrade, "Uma Nova Linguagem no Imaginário Angolano" do ou imprimindo ritmos diversificados, assim como fazendo ír-
e Manuel Ferreira, "Lullandu / Sociedade Ponuguesa de Escritores - um romper, recuperadas, diferentes cosmovisões. Esta terceira e últi-
caso de agressão ideológica", Luandino - José Luandino Vieira e a StlCl ma situação, quase ~~a intera~_~:
obra (Esllldos, Testemunhos Entrevistas), Lisboa, Ed. 70, 1980.

34 3S
Ana Mafalda Leite

tre as duas línguas conhecidas, uma africana, e a outra a língua


portuguesa, que tentam como "traduzir-se" mutuamente~~como é
o caso de Uanhenga Xitu e, dlfetêfi[emênle:ê1é~Fêrííãndo Fonse-
ca Santos).
Interessa-nos a partir desta constntação do modo original de
textualização da c::Qr.iiJidãâe"nas líteraturas africanas de língua
portuguesa, analisar, nas páginas que se seguem, em diferentes
Escritas alguns aspectos da sua tematização, nomeadamente di-
ferentes motivos, e registos réfl"êXívos,que das Oralídades se re-
escreveram (e inscreveram) n"ã"ficção e poesia angolanas e mo-
çambicanas. VOZES, TEMPOS, SONHO
- poesia de Arlindo Barbeitos

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~
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RADICAÇÃO, REESCRITA, RECOMPOSIÇÃO

- poesia de Ruy Duarte de Carvalho

/32
Para o Vasco e para o Patraquim

Convoca-Jios46 na actividade poética de Ruy Duarte um


certo grau de experimentalismo, de errância técnico-compositiva,
de improvisação de novas formas e, ao mesmo tempo, inserida
nesta aparente e muito rigorosa divagação, a permanência obses-
siva de algumas procuras temáticas, a insistência em retomar de
livros anteriores partes de versos, frases, palavras, como que em
busca de sentido. Ou como se parte do que foi sendo escrito
permanecesse obscuro, teimasse em regressar à luz da página
como citação, memória esquecida, que apenas a reinscrição acti-
vasse,

Reparamos que em todos os seus livros existe uma reflexão


poetizada dos trajectos em que se demarca a escrita. Esta contí.
nua anotação em abismo mostra que o próprio processo criativo
se interroga ao mesmo tempo que se produz, que a poesia nasce
também de uma distanciamento de si própria, como que autoge-
rando-se na pesquisa da sua existência, levando a que, em simul-
tâneo, o sujeito nela implicado sofra idêntico processo.
O percurso textual parece criar, assim, as suas formas es-
pecíficas de desenvolvimento do ser criador, ao investir o sujeito
criado, que se (d)enuncia, na actividade de construção poética.
Deste modo, a consciência que se entrelê no fazer do poema é
também uma demanda de existência do ser poeta, tal como o
verso demanda a forma dos seus sentidos. Indo um pouco ,mais
longe, observa-se que a noção de sujeito e de poema, em proces-
so de gestação e de reformulação, se articula com a noção de es-
paço, mais precisamente, "noção geográfica", título de poema e
verso que aparece com frequência nos textos do autor angolano.

'!6 Esta secção resulta da adaptação do artigo "Modcrnídade na poesia ango-


lana: a obra de Ruy Duarte de Carvalho", in Santa Barbara Portuguese .~
Studies, vol I, 1994,
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Radicação quem está nascendo (sujeito, obra, espaço) vive a inocente ale-
gria de ser 'evidência, pura origem lactente: "E faz-se gorda a
É então no movimento, diria "transumânCÍa"da reflexão/procu- terra! e lhe estremece a carne-madre farta! contente e abundante,!
'. ra poética, do questionamento/renascimento do sujeito, da fixa- saciada! bem parida e já refeita,! acarinhada./ Sobram quindas de
ção/desfixação gráfica, geo-gráfica e re-identlficativfl, que se po- mel pelos outeiros/ e o peito escorre, generoso e alto./Dorme a
de apreender a modernidade, o carácter multímodo da poesia de terra em verde luzi imensurável mesa de um anual banquete/ que
Ruy Duarte de Carvalho. festeja! a imanência fêmea e mãe/ da natureza" (CO, p. 69).
No primeiro livro, Chão de Oferta (1972), os aspectos refe- Se no primeiro livro o sentido se oferece na sua imanência,
ridos demarcam-se tenuemente. Inaugural, a obra apresenta-se A Decisão da Idade (1976), segundo volume do autor, propõe
como um hino em louvor da terra, mais precisamente "O sul", um processo de distanciação e de pesquisa, em que as formas, o
título do poema de abertura. Processa-se uma fusão entre ser- espaço/cultura e o sujeito começam a redefinir-se. Lemos aí:
-terra-escrever, onde harmonicumente a escrita circunscreve, "renovo a nitidez das referências/ A vaga geografia das ausências
grava o sujeito ofertado ao chão. Acto de envolvência totali- impondo uma paisagem! reassumida renovada de ardor e nitidez
zante, a lírica não questiona, mas abraça, enovela; o sujeito não amável.! Adquiro assim um depurado entendimento do que é a
se desdobra, mas entranha-se, nasce, na telúrica feminina; a geo- posse.! Tenho também que o meu crescer se faz de cinza acumu-
grafia dá-se a conhecer como presença - Novembrina Solene. lada pelos regressos" (DI, p. 29).
E neste enquadramento de posse, reconquista pela distância,
Lemos no poema Gravação do rosto: "Na superfície branca que se esboça uma nova proposta poética. Texto em que a ence-
do desertol na atmosfera ocre das distâncias/ no verde breve da nação dramática se conjuga à dimensão épica, ao procurar o su-
chuva de Novembro/ Deixei gravado o meu rosto,! minha meio! jeito dar consistência a uma herança cultural africana, englobante
minha vontade e meu esperma:/ prendi aos montes os gestos de na noção de continente: "Habito um corpo móvel de paisagens/
entrega (...) Aqui me deixei, aqui me fiz / desfiz, refiz amores" protegidas por clareiras de fartura! Habito o movimento e a mi-
(p.47/50). Semelhante homologia entre ser e terra torna-se nha pátria/ é todo o continente de que não sei o fim" (DI, p. 63).
circular, repetível ao infinito: "Venho de um sul! medido clara- Poema operátíco, "ptlra cinco vozes e coros", introduz na
mente (...) de um tempo circular/ liberto de estações.! De uma poesia de Ruy Duarte o clima e as condições do espectáculo. As
nação de corpos transumantes/ confundidos/ na cor da crosta referências córicas, as vozes solo, o uso da canção e das falas de
acúleal de um negro chão elaborado em brasa" (CO, p. 44). personagens-símbolo como a mulher, o feiticeiro, o herói e o rei,
Com o verso "Aqui me fiz" percebe-se um primeiro acto de emblematizam novas vertentes coreográficas na escrita. Elemen-
gestação do sujeito, provocado a partir do chão do sul. Está re- tos fundamentais para a representação de um tempo festivo a que
presentada a cena inicial, a geometria do espaço de ohde emerge a então recente independência angolana remete. Nota-se um
a entidade outra, que não o autor, o poeta. Logo, a poesia entra alargamento temático e compositivo, concentrando-se a poética
em consonância com o acto de nascimento do sujeito com a na exploração de elementos musicais, cênicos, espectaculares e
terra: "Escolhe a colina! de cálido silêncio/ Repouso borbulhante/ dramáticos que melhor se adequam aos sentidos culturais/orais
da obra em gestação" (CO, p. 45). em que o genotexto da geografia africana se ritma. Verificamos
Chão de Oferta é, de facto, um livro onde tudo se inicia. também que os elementos - sujeito-obra-espaço - de novo se ir-
Iniciação e nascimento do poeta como sujeito e como obra, mas manam para se completar, complementar.
entre a obra, o s.ujeito e o chão, não há rupturas, antes afinidades A noção de sujeito, que se outra dinamicamente para entrar
uterinas, placentárias rítmicas, copuladas justaposições, pois em consonância com o novo espaço de posse e a diversa poética

134 135
Ana Mafalda Leite Oralidades & Escritas

experimentada, dá lugar à noção de personagem: "Um homem Um dos contos, As águas do Capembáua, composto de um
chega e assume a personagem. Ilustra-se de faces, decompõe a fé, enredo mais ou menas policial, incorpora três níveis que gra-
possui-se de um vigor insuspeitado, desvenda as claridades do seu dualmente se vão. esclarecendo.. Partindo. de um acontecimento
peito, produz formosas coisas com os seus dedos põe-se a reordenar inicial, uma morte, procura-se a solução de várias fontes explica-
os horizontes, atinge mortalmente as formas com o olhar, progride tivas que provocarão a integração final na contexto religioso e
nas tarefas de conquista e chama a si as referências do lugar C.,,) Um feiticista da área. Deparamos, no deco.rrer do conto, com a se-
homem vem fundir geografias, polarizar as forças da manhã deserta, guinte observação do narradar: "Surge-me aqui a primeira difi-
vem fecundar as latitudes nuas (...) um homem que alterou culdade ao arriscar-me como cantador de histórias que, na reali-
conjugações de estrelas, é uma noção de espaço conquistado e em dade, não soú ( ... ) (CSM, p. 20). Este processo de negativização
espaço se transmuta renovado" (DI, p. 49/51). acentua o cunho experimental, cujo resultada ultrapassa, no en-
Como se o mundo não tivesse leste (1977), volume de contos, tanto, o mero amadorismo, pois a obra testemunha grande quali-
faz a passagem à ficção anunciada por muitos dos 'elementos já dade estética e demonstra que a ficção é um dos domínios possi-
utilízados no livro anterior. Após um alargamento temático, o veis na actividade de Ruy Duarte de Carvalho.
escritor regressa de novo à topografia circunscrita das terras de Como nos foi esclarecido pela frase citada, que funciona re-
Chão de Oferta, agora investindo~se de diferentes procedimentos flexivamente como processo de questionamenta da escrita, o en-
formais. Movimento/deslocação que não é contraditório e que orga- veredar pelo dOTIÚnio narrativo constitui, de certo modo, uma
niza a pluralidade pela singularidade umbilical de onde a noção de fase de reinvestimento da própria noção de sujeito, enquadrado
sujeito provém. Os contos desempenham um duplo papel na activi- geo-culturalmente, instituindo-se assim o domínio ficcional como
dade do múor:,p.or:,!Jm1<)do de nava, insistentem~nte, 3, aproximação. lugar, não diria confessional, más testemunhal, de um tempo/es-
estética dá temática que lhe é tão cara - as características e a modus
paço sentido como herança, percurso potencial e fragmentaria-
vivendi dos pastores do sul; por outro um investimento pessoal, en- mente bíografemático, que institui uma vez mais a radicação do
quanto sujeito, na compreensão da sua relação cam essa terra. Le-
sujeito como noção identitária e enunciação existencial, unida de-
mos no início: "Sinto-me envolvido por um clima de entendimento finitivamente às terras d.o sul angolano.
do qual não tentarei dar testemunho, tão insensato me parece querê- A narrativa torna-se assim lugar temporário de novo baptis-
-10 ( ... ) Cheguei há pouco da onganda do Tchimutengue onde, a mo (do sujeito-abra-espaço) suscitado pelo desejo de adequação.
convite do José, participei nas últimas cerimónias da festa de puber- entre linguagem e cultura. Também em termos profissionais Ruy
dade da sua fIlha mais nova (...) Devo-lhe a minha definitiva voca-
Duarte foi progressivamente deslocando a sua activídade no sen-
ção a uma geografia e a um povo" (CSM, p. 9).
tido de a aprofundar: inicialmente regente agrícola, dedica-se
A vocação geográfica, ao delimitar-se, complementa a identi-
mais tarde ao cinema e à antropolagia, campos o.nde tem desen-
tária ou vice-versa, experimentando-se na ficção, nava forma para
volvido trabalho importante, e que, paralelamente, entram em
escrever ° mesmo camo outro, a trama que leva a essa tão especial
consonância com as experiências criativas do autor.
conjugação entre ser-terra-escrita. Estórias para circunscrever a
História, a história pessoal, o elo entre sujeito activado, recriado, n.o
espaço em pennanente conquista. Consciente de mais uma nova
opção experimental criativa, o narrador afirma: "Desde os primeiros Recomposição
contactos com o material que haVeria de conduzir-me ao. arrojo
destas linhas eu sentira dever-me, em termos de satisfação pessoal, Em Exercícios de Crueldade (1978) deparamos com uma
um circunstanciado entendimento dos casos como se disso depen- fase de reflexão e pausa que ante,cedem navas rumos que a es-
desse a organização da minha vida futura" (p. 10). crita irá tomar. Continua a processo de invenção da noção do

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Ana Mafalda Leite Oralidades & Escritas
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sujeito, questionamento que a obra, agora de temática predomi- pe." (EC, p. 36). Em Sinais Misteriosos temos uma citação ex-
nantemente amorosa, estimula: "Mergulho na hereditariedade plicitando: "Depois fundou o modelo: os poetas futuros com
~. como se fosse em mim mesmo.! Governo os genes com toda a máquinas de filmar nas mãos". Se por um lado a fotografia pa-
segurança (...) Decomponho a carne em adições de uma rece ajustar-se melhor enquanto processo criativo, verificamos
exaustiva cirurgia.! Numa folha de papel, de preferência em que a introdução da imagem, que oscila entre fotografia e dese-
branco, projecto/ o animal a que me voto.! O seu contorno nho, em montagem permanente, permite acentuar o distancia-
caligráfico.! Do corpo transito ao gene. Defino-lhe o carácter.! mento do sujeito em relação ao objecto poético.
Depois retorno ao corpo" (EC, p. 23). A câmara escura interpõe-se entre o criador/operador e o
Semelhante "vocação animal" sugere, de imediato um dos objecto criado/spectrum (palavra que conserva através da raiz
títulos da poesia de Herberto Hélder, poeta que marca intertex- uma relação com o espectáculo", Barthes, 1980: 23), dando-se
tualmente de forma muito nítida a escrita do autor angolano. A como que uma travessia simbólica da vida para a morte, do real
relação evoca ainda a procura de uma linguagem onde a metáfo- para o espectro, para a imagem "embalsamada", corpo inerte,
ra surrealizante atende à minuciosa efabulação amorosa. A par sobre o qual o trabalho do operador recai, na separação necessá-
deste mergulho do sujeito numa zona, diríamos, anterior ao ser, ria e objectal que lhe permite a atitude Júdica, o carácter concep-
sanguínea, fetal, de determinação genética/gráfica do propósito tual da criatividade e a emoção formal. A raiz de espectáculo que
'. de uma poesia, por excelência, lírica, cuja intenção é consciente- a iconografia comporta permite processualmente ao poeta apro-
mente referida nos versos primeiramente citados, observa-se a ximar-se, pelo desdobramento compositivo, da sua intencional i-
!atência de outra área poética que aspira ganhar lugar, forma e dade recriativa do mundo da tradição oral mumuíla, centro das
palavra: "Havia um texto para encerrar um livro e havia um Ji- preocupações de Sinais Misteriosos. Ou seja, a disseminação dos
vro/ para encerrar um tempo. E eu precisava de um lugar na meios, o experimentalismo que o leva a actuar em simultâneo
noite.lde tempo simultâneo sobreposto ao meu. de uma matriz de com a fotografia, o desenho e a palavra, são a dimensão plural
areia! aonde o verso se ajustasse ao vento para esculpir no necessária para centrar, enquadrar, a realização oral e o inves-
tlanco/ das falésias um texto de silêncios que excedesse os livros" timento técnico no âmbito de uma obra poética moderna.
(EC, p. 59). Assim, o gestus cultural, histórico, da oratura dos povos do
O livro aqui referido pode ser lido, enigmaticamente como a sul de Angola, é captado, encenado através dos ícones. O que
'grande obra', a palavra ou. sopro que é reveJadora/divina, a pa- nos separa enquanto spectator/leitor das imagens/poemas é tam-
lavra que falta para decifrar o mundo; esse livro/verbo é a anula- bém a distância histórico-cultural; esse intervalo é preenchido
ção da ideia de representação, o lugar de coincidência entre o pelas marcas de uma "ressurreição fugitiva" que nós partilhamos
sujeito e O universo, a adequação do som com o pensamento do pelos dados compositivos: as vestes, os adornos, a pose. A pose
som, o 'acesso ao conhecimento de si, da poesia e da geografia. institui-se como paragem, momento de medi(t)ação entre o olhar
Mas, porque o criador é humano, a coincidência apenas pode ser preso à imagem e o olhar atento à palavra, Este processo de
achada pela diversidade. E um outro livro, um ano depois, em actualização permite-nos analisar a relação inteligente que o poe-
1979, Sinais misteriosos ... já se vê ..., vem prolongar essa procura ta estabelece com o universo cultural mumuOa; a escrita não
ideal de "um texto de silêncios". É quando surge a fotografia, permite a reposição integral deste diferente mundo.
tentativa, afinal, de fazer coincidir a palavra com o silêncio, a Por isso mesmo não se pretende repôr, o que sem dúvida seria
imagem com o seu referente. uma atitude idealista, mas compôr, acrescentar, recompô,., investir-
Ainda em Exercícios de Crueldade lia~se: "Toda a moral en- -se o sujeito na rede parcelar dos elementos que aglutina, decompõe
cerra uma palavra.! proponho fotografar'! O adjectivo corrom- e organíza como operador e conhecedor dos materiais que utiliza.

138 139
Ana MafaIda Leite Oralidades & Escritas

Este tipo de trabalho citacional pressupõe uma segunda forma quase passiva, o sujeito se activar como receptor/produtor
mão, dividida entre a câmara, a caligrafia e o traço, que fitualiza de um legado que é também sua pertença: "Savana verde bem
na literatura moderna o legado tradicional, retrabalhando-o e fresca! savana verde verdadeiramente aberta! à fome dos reba-
moldando-o num novo cor pus poético. Os textos anteriores são
nhos/ exposta aos rebanhos famintos/ savana verde/ não se apos-
fragmentados, interpretados, investidos de novos sentidos, reno-
sou a terra ainda! do meu corpo/ e eu posso abrir os prados da
vada a sua força significante e rítmica num texto moderno que
leva o lehor à descoberta dos "sinais misteriosos". palavra / Deslumbramento,surpresa!/ Já existia o que se aprende
agora! e o que acontece acontecia .i~../Mas como havia de sabê-
A investigação, quase laboratorial, desenha o percurso de
-10 então/ quando a torrente me arrastava ainda! e eu via a minha
uma dispersão compositiva que é, afinal, o modo de apreensão
fa,ce renovar-se?" (OSB, p. 41).
do espaço cultural e geográfico em que o autor se nasceu como
sujeito poético e como obra. Espécie de construção heteronímica Hábito da terra (1988) retoma, mais uma vez, as referências
pelas formas, em que a identidade se joga pela coexistência da ao sul e faz uso ainda de provérbios, citações, recombinando, re- '~.

pluralidade dos vários registos técnico-compositivos que procu- construindo; desdob\'amentos de processos fonnâis anteriores. O
ram, tàmbém, a reposição da noção geográfica na assunção do uso do potencial gráfico da página, do espaço branco, onde os
sujeito que se escreve nas diversas falas culturais. textos disseminados dialogam e os itálicos criam linhas de dife-
rentes leituras possíveis.
Reescrita que impregna o seu sujeito /to constante renasci-
mento das falas/jormas em que se outra, e se renasce como su-
Reescrita jeito; demanda, revelação fragmentária, travessia dos lugares,
geo-grafias dos processos compositivos empregues na sua rein-
Ondula Savana Branca. (1982) persiste no percurso de venção cénica. Os nomes não chegam para definir o que se ama,
aproximação entre a palavra poética e o legado oral africano. para se dizer quem é, onde se está, donde se provém. O livro
São três tipos de desdobramentos a que o autor recorre, a ver-
está sempre por escrever, até que um dia seja o silêncio: "tran-
são, a derivação e a reconversão. Lemos; "Cada conquista! pro- quilas são as paisagens onde a idade não conta".
vém de outra conquista! e a posse da ciência é discernir/ como se
Mas, o que viémos anotando acerca do percurso de escrita
entrança nelas o saber.! É casa já também! o pátio que precede a
de Ruy Duarte de Carvalho, encontra-se, afinal, bem explícito na
cQnstruçãol transformação! transformação" (OSB, p. 42). As- Arte Poética deste livro. Distanciando-se, aproximando-se, do
sistimos de novo à busca de entrosamento entre o sujeito e o es-
zoom no grande plano, o sujeito sabe que o ~·chã,.ode oferta" é a
paço telúrieo-culturaI, representado peja oratura. O aeto poético
terra onde todos os seus sinais se gravam, se apagam, se torh-àm
entremeia-se entre a traição produtiva à tradução e a recrinção de
a inscrever. Citamos, para concluir, aqui refeito, o seu teXto: ",
um texto, onde a tradição se intertextualiza na dimensão autoral,
"Um texto é como um esforço de existir. Assim na vida,
de uma obra, que quase prefere esquecer o seu sujeito individunl
quer dizer, no texto, Que se constrói/ Um texto ou um percurso?
para assumir as vozes anónimas (localizadas na sua origem),
fragmentadas nos registos orais, cultuais, que conjura. Assim um gesto, quer dizer um texto. Há um lugar que invade
O sujeito que reescreve os textos, interiormente tecidos na outro lugar e esse lugar estará presente noutro. Não há lugar
sua própria poesia, ondula numa entidade pluralizada, máscara achado sem lugar perdido. Partir de uma palavra. Partir numa
embutida no próprio rosto, espaço preenchido pela transforma- palavra. Confirmações possíveis. fidelidade a quê? Texto, lugar
ção do verbo em palavra. Desdobramento consentido para, de
de encontro. Casam-se além, as falas de um lugar. no encontro
da memória com a matriz.
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anil Mafaldll Leite

Não poderia traduzir palavras. Optei assim por traduzir a


forma e descobrir palavras que acrescentadas de outras são
palavras novas. Palavras de um guerreiro ou as de um rei? Que
coisas haverá que só o ouro as diga? Hão-de voltar a mim estes
discursos. Ainda mal saí da minha infância e só há pouco decifrei
o meu nome. Um dia só não basta para aprender a combinar as
/ vestes da forma. A labareda e a margem não dizem mais do que
o encontro." (HT, p. 9/20).

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142
Tendo em conta a importância da oralidade, como um para·
digma diferenciador importante, se não fundamental, para o
estudo das literatul'as africanas, este livro de ensaios procurou
situar teoricamente, na sua primeira parte, os pressupostos ideo-
lógicos que se prendem com a sua utilização e concepção em
vários discursos críticos, reveladores de formulações por vezes
idealistas e por vezes uniformizantes. Procurou também equacio-
nar o enquadramento das literaturas africanas de língua portu-
guesa no seu específico relacionamento com as oralidades, evi- '-
denciando algumas das particularidades que neste domínio se
apresentam ao estudioso das matérias.
Há que levar em conta os factores contextuais - históricos,
sociológicos, antropológicos - de formação e desenvolvimento
das literaturas africanas de língua portuguesa, e ainda a sua parti-
cular vertente de adequação em cada uma das literaturas nacio-
nais. A língua portuguesa apresenta-se, neste quadro de diferen-
tes realizações, como um dos primeiros elementos propiciadores
de ser usado como meio revelador e transformador das diversas
oralidades.
Num segundo momento destes ensaios procurou-se estabe-
lecer os elos dessas oral idades com as escritas nas literaturas afri-
canas de língua portuguesa - ou a forma de fazer a ponte entre a
escrita dos livros e a escrita da alma47 - mostrando, em especial,
formas de tl'atamento da língua e sua manipulação a fim de serem
receptáculo das oral idades, bem como diferentes modos de l'ef!e-
xão temática sobl'e o assunto inscritas em obras de ficção e de
poesia angolanas e moçambicunus.
Através de textos de Mia Couto, de Fernando Fonseca
Santos, de Ungulani Ba Ka Khosa e de Manuel Rui pudémos
percorrer uma p<lrte do universo de transfiguração dos modos de

47 "Ovindele visolleha ololldClkcrv'amikmlda elU It/visoltehela v'olukolo" -


pl'Ovérbio umbundu que significa "Os brancos escrevem nos livros, a
gente vai escrevendo !lU alma" (Cr. F, F. Santos, Os Caminhos da Terra,
Lh>boa. Quelzal, 1997, p. 376).

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Ana Mafalda. Leite

escrita da língua portuguesa, bem como o seu ,dialogismo com


outros universos Iinguístico-culturais. Com as obras destes auto-
res revelou-se a insistente reflexão tematizada sobre o mundo
dos mais velhos e dos mais novos, da conjugação necessária en-
tre oralidades e a escrita, bem como da necessidade de equilíbrio
entre a herança de tradições antigas com a mudança que os no-
vos tempos trouxeram.
Pela memória oral da poética de Noémia de Sousa e de José
Craveirinha constatou-se a original manei,ra de assumir legados
provenientes da tradição oral moçambicana que se entrosaram à
escrita de uma poesia ideologicamente necessária nos seus con- BIBLIOGRAFIA
téudos epocais. Por outro lado, a mais recente poesia de ArEndo
Barbeitos e de Ruy Duarte de Carvalho, tão diferentes nos per-
cursos escolhidos, manifestam essa similar, embora distinta, de-
manda de ajustamentos recompositivos entre o legado oral e a
escrita.
Outras abordagens são possíveis e, nomeadamente, a do
tratamento dos géneros, que será objecto de trabalho noutro
momento. Diferentes obras, outros autores e literaturas merecem
identicamente especial atenção neste domínio. Este ensaio terá,
no entanto, permitido repôr em outros termos alguns conceitos
operatórios e esclarecer preconceitos, porventura ainda eivados
de certo nativismo e neo-romantismo, que se encontram no dis-
curso crítico e teórico.
Sistematizar bibliografia fundamental para o estudo destas
questões que entrelaçam o mundo das oralidades com o das es-
critas foi outro dos aspectos que se procurou evidenciar, assim
como dar a conhecer alguns dos trabalhos universitários mais si-
gnificativos que nesta área se têm realizado, procurando encon-
trar percursos analíticos exploratórios dos relacionamentos entre
as obras escritas e outras heranças e tradições não escritas.
Neste caminho pessoal, a que os meus diferentes trabalhos
vão remetendo, traçado também a partir do camin~o de muitos
outros investigadores, começado a partir de remotos longes,
verificou-se que a escrita se procurou fundamentar e esclarecer
nas oralidades, numa estreita e unida atracção, que nos levou ao
uso desse"&" aditivo, inseparável e comunicante que se encon-
trou para o título deste ensaio.

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