Estudo de Patrimonio - Almada e Seixal
Estudo de Patrimonio - Almada e Seixal
Estudo de Patrimonio - Almada e Seixal
Universidade Aberta
Lisboa
2008
RURALIDADE EM ALMADA E SEIXAL
Orientadores:
Prof.ª Doutora Ana Paula Avelar
Ao Arqt.º João Paulo Santos, pela cedência dos postais ilustrados da Trafaria.
À Prof. Dr.ª Ana Paula Avelar, pela orientação e apoio prestado ao longo de todo o
trabalho.
Ao Prof. Dr. Paulo Oliveira Ramos, pela orientação relativa ao terceiro capítulo.
I
ABREVIATURAS
II
NORMAS DE TRANSCRIÇÃO
III
ÍNDICE
AGRADECIMENTOS ...................................................................................................... I
ABREVIATURAS ........................................................................................................... II
NORMAS DE TRANSCRIÇÃO ....................................................................................III
INTRODUÇÃO.................................................................................................................3
1
2.3.4. A Terra ......................................................................................................93
2.3.5. Os Caminhos..............................................................................................97
2.4. Das unidades de paisagem na Almada e Seixal dos séculos XVIII e XIX ........99
CONCLUSÃO...........................................................................................................169
BIBLIOGRAFIA
1. Fontes Manuscritas ........................................................................................175
2. Fontes Impressas............................................................................................175
3. Dicionários e Enciclopédias ..........................................................................178
4. Obras Gerais ..................................................................................................179
5. Estudos Especializados ..................................................................................181
2
INTRODUÇÃO
3
Por razões que se prendem com a necessidade de limitar o âmbito da pesquisa,
excluímos do conjunto das fontes estudadas a iconografia e a cartografia contemporânea
do período em análise. A introdução de elementos iconográficos no corpo do texto tem
como objectivo complementar a informação escrita, sem qualquer objectivo de
sistematização.
O trabalho que apresentamos encontra-se organizado em três capítulos, nos quais o tema
da ruralidade será abordado segundo três perspectivas diferenciadas, através das quais
procuraremos captar as imagens patentes nas descrições do território, reconstruir as
paisagens e identificar as memórias que lhes estão associadas. Interessa-nos, também,
entender de que forma a ruralidade constitui uma referência identitária para as
comunidades locais
Assim, no primeiro capítulo, abordaremos o conceito de ruralidade e traçaremos uma
breve panorâmica sobre as referências ao território situado na margem esquerda do
estuário do Tejo, em obras anteriores ao século XVIII. Entrando no período cronológico
sobre o qual incide a investigação, enquadraremos os autores e as obras publicadas que
constituem as principais fontes utilizadas neste capítulo. As corografias e dicionários
geográficos, divididas pelo século XVIII e XIX, segundo as datas de publicação, serão
analisados individualmente no sentido de captar e comparar as imagens que elaboram
para descrever a região.
O segundo capítulo será dedicado à paisagem. Neste sentido, através das referências
textuais iremos observar a morfologia do relevo, os recursos hídricos, o povoamento, a
exploração do solo e as vias de comunicação. Através das referências que lhes são feitas
nos textos publicados durante os séculos XVIII e XIX, iremos analisar separadamente a
importância destes elementos estruturantes da paisagem. De forma a sinalizar eventuais
alterações da paisagem ocorridas durante esse período, confrontaremos as obras
impressas com a documentação oficial contemporânea emanada dos órgãos da
administração municipal. A partir dos dados de caracterização da paisagem apreendidos
nas fontes que iremos analisar, procuraremos enquadrar o espaço geográfico em
unidades de paisagem.
4
abrangência do conceito de memória aplicado à investigação histórica, delinearemos em
traços largos as transformações socio-económicas que ocorreram no território a partir de
finais do século XIX até à actualidade, detectando os impactos que tiveram na paisagem
e na sociedade local. Considerando algumas das unidades de paisagem identificadas
anteriormente e observando a situação actual dos terrenos agrícolas, iremos sinalizar os
aspectos da paisagem rural ainda existentes. Por outro lado, observaremos algumas
estruturas edificadas, directamente ligadas à actividade e ao processamento dos
produtos agrícolas. Também com base no património construído, iremos procurar os
vestígios do povoamento rural nas principais povoações citadas nos textos comentados.
Por último, em busca de ligações com o mundo rural, faremos uma abordagem ao
património imaterial, consubstanciado nas tradições populares de cariz religioso. Este
capítulo apresenta referências a imagens fotográficas, algumas inseridas no corpo do
texto e todas reproduzidas no volume de anexos.
5
1. A IMAGEM DA RURALIDADE EM ALMADA E SEIXAL NOS SÉCULOS
XVIII E XIX
1
Cf. João Ferrão, «Relações entre mundo rural e mundo urbano: evolução histórica, situação actual e
pistas para o futuro», in Sociologia, Problemas e Práticas, Oeiras, Centro de Investigação e Estudos de
Sociologia, Setembro 2000, nº. 33, p. 47.
6
Por outro lado, existe uma dicotomia entre rural e urbano, baseada nas diferenças ao
nível das funções, actividades e paisagens. No espaço rural, a produção de géneros
assenta no meio natural, ainda que transformado pela acção humana através da
actividade agrária, e o povoamento é disperso ou concentrado em pequenos núcleos
populacionais. Nas áreas urbanas, predomina a actividade comercial, a manufactura e a
habitação, o povoamento é concentrado em torno das vias de comunicação e as
principais actividades estão relacionadas com o comércio, a indústria e os transportes.
Os espaços rurais e urbanos são interdependentes, e encontram-se sujeitos a constantes
transformações, provocadas por factores naturais, sociais e económicos. A cidade
depende do campo para o seu abastecimento em alimentos, e este tem na cidade o lugar
onde vende e comercializa os seus produtos. Desta dualidade campo cidade nasce
também a ideia de rústico como algo imperfeito, realizado de forma simples, associado
ao espaço rural e ao trabalho da terra, em oposição à perfeição e complexidade da urbe,
associada às artes.
Esta realidade económica e social de cariz rural é polarizada, em primeiro lugar, face à
vila de Almada, único espaço de características urbanas ancestrais na área em estudo, e
em segundo lugar, à cidade de Lisboa, principal destino dos produtos explorados na
margem sul do Tejo. Torna-se assim necessário enquadrar o âmbito geográfico e
analisar a evolução das circunscrições administrativas do território sobre o qual incide o
presente estudo.
7
1.2. O enquadramento geográfico de um espaço
A Península de Setúbal prolonga-se de Leste para Oeste, limitada a Norte pelo estuário
do Tejo e a Sul e Oeste pelo Oceano Atlântico (mapa 1). O território onde se localizam
os actuais concelhos de Almada e Seixal corresponde à zona Noroeste da península,
ocupando uma longa faixa de costa atlântica ocidental. A Norte, a proximidade entre as
margens do Tejo explica a utilização do termo “outra banda” para designar o lado sul
daquele rio.2
2
Cf. Maria Alfreda Cruz, A margem Sul do Estuário do Tejo, Factores e Formas de Organização do
Espaço, s.l., ed. autor, 1973, p. 54.
3
Idem, p. 26.
8
A primeira delimitação administrativa do concelho de Almada foi definida em 1297 por
D. Dinis, através do Stormento de devisoes dos termos entre Almada e Sezimbra,4 após
ter tomado para a coroa a vila e termo de Almada, até então na posse da Ordem de
Santiago. O território abrangido pelo termo de Almada era limitado a Norte pelo Tejo, a
Este pelo rio Coina e a Sul confinava com o concelho de Sesimbra. Em 1758, segundo
as Memórias Paroquiais coligidas pelo padre Luís Cardoso, o concelho de Almada era
constituído pelas freguesias urbanas de Santiago e Nossa Senhora da Assunção,
enquanto a vasto termo integrava as freguesias de Amora, Arrentela, Nossa Senhora do
Monte de Caparica, Corroios e Seixal. 5 Estas circunscrições manter-se-ão até ao século
XIX, quando no contexto das reformas administrativas levadas a cabo pelo ministro do
reino Passos Manuel, durante o reinado de D. Maria II, e contrariando a tendência de
extinção de concelhos, foi criado o concelho do Seixal, por decreto de 6 de Novembro
em 1836. Desanexado do território de Almada, o novo concelho formou-se com as
freguesias de Amora, Arrentela, Paio Pires e Seixal.
4
Alexandre M. Flores, Almada Sua Circunscrição Municipal. Abordagem Multidisciplinar, Almada,
Câmara Municipal de Almada, 1996, p. 24.
5
Idem, p. 52 – 58.
6
Cf. António J. Nabais, História do Concelho do Seixal, 1 – Cronologia, s.l., Câmara Municipal do
Seixal, s.l., 1981, pp. 51 / 71.
7
Cf. Amado Aguilar, Da Velha Adiça à Nova Fonte da Telha, s.l., Câmara Municipal de Almada, 1961.
8
Cf. Rafael Monteiro, A Verdade dos Limites dos Concelhos de Sesimbra, Almada e Seixal, Lisboa,
União Gráfica, 1970.
9
Cf. Alexandre M. Flores, op. cit.. p. 65 – 67.
9
Mapa 2 – Circunscrição actual dos concelhos de Almada e Seixal, com a localização das
sedes de paróquia referidas nos séculos XVIII e XIX (Francisco Silva 2007).
A divisão administrativa dos concelhos de Almada e Seixal (mapa 2), para além das
motivações político-sociais, corresponde também a uma diferenciação baseada em
aspectos geomorfológicos. Almada tem o relevo mais elevado e uma frente ribeirinha e
atlântica constituída na sua maior extensão por arribas, enquanto o Seixal apresenta
cotas mais baixas e uma margem profundamente recortada por esteiros e sapais. As
áreas com maior aptidão agrícola localizavam-se a Norte e a Este, sendo grande parte do
território localizado a Sul de ambos os concelhos ocupado por charnecas e pinhais, que
produziam combustível lenhoso e geravam reservas cinegéticas significativas, com peso
na economia regional.10
10
especificidade de cada um e enquadrar as descrições da paisagem, sobre as quais incide
a investigação.
O concelho do Seixal confronta a Oeste com o de Almada, a Sul com Sesimbra e a Este
com o Barreiro. A frente ribeirinha virada a Norte e ao Mar da Palha, é recortada pelas
margens e esteiros da baía do Seixal. O relevo acidentado é atravessado por três rios: o
Corroios; o Judeu e o Coina. Os dois primeiros desaguam na baía do Seixal, enquanto a
foz do terceiro preenche a cala entre o Seixal e o Barreiro. Os solos de aluvião eram
férteis e cultivados com vinhas e searas, mas também com pomares e hortas de regadio.
Até finais século XIX, a abundância de peixe e marisco, cuja captura ocupava parte da
população, eram um dos principais recursos da zona. Devido à topografia das margens,
o rio era utilizado como via de comunicação e fonte de energia para moinhos de maré.
Existiam ao longo das margens cais, portinhos e pequenos estaleiros de construção
naval.12
11
«(…) em 1770 fixaram ali dimicilio com as suas companhas os mestres José Gonçalves Bexiga,
(algarvio), Joaquim Pedro, (ílhavo), Rumualdo dos Santos, (algarvio), e José Rapaz, (ílhavo)», Duarte
Joaquim Vieira Júnior, Villa e Termo de Almada, apontamentos antigos e modernos para a história do
Concelho, Vol. I, Lisboa, Imprensa Lucas, 1897, p. 97.
12
António J. Nabais, História do Concelho do Seixal, 2 – Barcos, s.l., Câmara Municipal do Seixal, 1982,
p. 9.
11
1.3. Da Almada rural (anterior ao século XVIII)
Apesar do nosso estudo incidir especialmente nos séculos XVIII e XIX, importa indicar
algumas fontes anteriores ao século XVIII, que mencionam Almada ou margem Sul do
Tejo em geral e através das quais se depreendem aspectos da vida económica e social
associados à rusticidade da região. Assim, para o período medieval, foram
seleccionados dois tipos de fontes escritas, no sentido de analisar as duas visões
diferenciadas de uma mesma realidade, em função da tipologia dos documentos,
nomeadamente, uma descrição de Almada datada de 1147 e os forais concedidos ao
concelho em 1170, 1190 e 1513. Enquanto o primeiro documento é um texto epistolar,
as cartas de foral são instrumentos legais de administração do território. Em comum têm
o facto de referirem os principais recursos económicos da região. Por outro lado,
permitem o confronto da perspectiva do viajante, que descreve a paisagem através da
observação directa, com uma abordagem do território enquanto espaço socio-económico
sujeito à administração régia. Pretende-se desta forma obter uma visão mais abrangente
do território localizado na margem esquerda do estuário do Tejo oposta à cidade de
Lisboa.
13
Conquista de Lisboa aos Mouros – 1147. Narrada pelo Cruzado Osberno testemunha presencial, texto
latino e tradução para português pelo Dr. José Augusto de Oliveira e prefácio do Eng.º Augusto Vieira da
Silva, Lisboa, Serviços Industriais da Câmara Municipal de Lisboa, 1935.
12
em 1147, no contexto da Reconquista cristã. O texto da carta é apresentado em forma de
relatório circunstanciado da viagem da armada desde o porto de Dartmouth, na
Cornualha, do cerco e tomada de Lisboa e da instituição da sede do bispado, após a
tomada e saque da cidade, referindo a vila de Almada na descrição que faz da paisagem
da margem Sul oposta a Lisboa. Quanto à autoria do texto, Charles Wendell David,
responsável por uma das edições do documento, considera, através do desdobramento
das abreviaturas iniciais, que Osberno será o nome do destinatário da carta e não do seu
redactor.14 O documento em latim, que se conhece através de uma cópia feita
provavelmente no século XIII, foi transcrito pela primeira vez por Alexandre Herculano
nos Portugalieae Monumenta Histórica.15
Quando relata a chegada a armada ao Tejo, escreve sobre o rio que: «desce das regiões
de Toledo, e em cujas margens se encontra oiro, quando no principio da primavera as
águas se recolhem ao leito. Há nele tanta abundância de peixe, que os habitantes
acreditam que dois terços da sua corrente são água e o outro terço de peixes. É também
rico de mariscos como de areia, e é principalmente de notar que os peixes desta água
conservam sempre a sua gordura e sabor natural sem os mudar ou corromper por
qualquer circunstancia, como acontece entre nós».16 Seguidamente, indica a margem
esquerda como lugar fértil e de variados recursos, enumerando os frutos que aí se
recolhem: «Ao sul do rio fica Almada, região abundante de vinhas, figos e romãs. As
searas ali são tam ferteis, que da mesma semente recolhem o fruto duas vezes; é rica
de mel e celebrada pelas montarias de animais».17
14
Cf. Alexandre M. Flores, António J. Nabais, Os Forais de Almada e Seu Termo, I. Subsídios para a
história de Almada e Seixal na Idade Média, Câmaras Municipais de Almada e Seixal, s.l., 1983, p. 117.
15
Cf. Portugalieae Monumenta Historica – Sriptores (vol. I, pp. 329 – 405). APUD, ibidem.
16
Conquista de Lisboa aos Mouros – 1147. Narrada pelo Cruzado Osberno testemunha presencial, p. 40.
17
Ibidem.
13
cartas de foral concedidas ao concelho, as quais fornecem elementos importantes para a
caracterização da vivência rural em Almada.
No sentido de fixar as populações numa região ainda instável do ponto de vista militar,
conforme se depreende pelas diversas alusões aos cavaleiros, besteiros e peões do
18
Alexandre M. Flores, António J. Nabais, op. cit., p. 36.
19
Idem, p. 37.
14
concelho, o foral de 1190, dado por D. Sancho I concede à vila de Almada os mesmos
privilégios que às mais importantes cidades do reino (Lisboa, Santarém e Coimbra).20 O
documento fornece informação muito detalhada, regista todos os produtos explorados e
transaccionados no concelho, nomeadamente o vinho, o trigo e o milho, as peles, o gado
e o pescado. Enumera as actividades desenvolvidas, contribuindo para a caracterização
da população almadense de então, directamente relacionadas com a actividade rural.
São igualmente referidas as profissões de cavador, pescador e coelheiro.
Já o foral dado a Almada em 1513 não apresenta, enquanto fonte, o mesmo interesse
dos precedentes, tratando-se de um instrumento de uniformização dos encargos e
isenções dos concelhos, a nível nacional, resultante da reforma dos forais realizada
durante o reinado de D. Manuel I. Este documento trata dos impostos sobre a produção
agrícola (jogada e oitavo), do comércio do vinho e do pescado e refere especificamente
o reguengo da Caparica «Outrossi há no termo da dita villa hũum regemgo nosso e da
coroa real de nossos regnos em caparica o qual estaa demarcado e confrontado per
suas devisooes escritas e decraradas nos nossos proprios da dita villa, do qual se paga
de todalas novidades fruitas, canas, vimees e todallas que se nelle colhem de quatro
hũu».23 O texto do foral não transmite, todavia, quaisquer informações que caracterizem
20
José Mattoso, Almada no Tempo de D. Sancho I, Almada, Câmara Municipal de Almada, 1991, p. 20.
21
Cf. Alexandre M. Flores, Almada na Carta de Escambo entre D. Dinis e os Espatários em 1287,
Almada, ed. autor, 1986, p. 8.
22
Idem, p.10.
23
«Foral dado por D. Manuel à vila e termo de Almada em 1513», in Almada na História – Boletim de
Fontes Documentais, nº 3 – 4, Divisão de História Local e Arquivo Histórico, Almada, Câmara Municipal
de Almada, 2003, p. 14.
15
o concelho enquanto espaço individualizado. Mas observemos de que modo neste
mesmo século XVI se espelha a ruralidade do espaço de Almada, nomeadamente, como
se oferece a sua imagem, tendo em atenção a forma como a região é descrita nas fontes
escritas, onde procuramos encontrar as características que identificam o espaço.
A partir do século XVI surgem as primeiras obras impressas que apresentam descrições
do reino e onde se assinalam as cidades mais importantes. Destinados a uma maior
circulação, estes textos revelam a construção de um discurso enaltecedor do reino em
geral, ou das cidades em particular, com destaque para a capital. Nesse sentido, os
textos impressos constroem uma imagem do território que se destina a ser apreendida
através da leitura, valorizando determinados aspectos em detrimento de outros,
conforme o tipo de descrição. É por esta a razão que privilegiamos os textos publicados,
na medida em que procuram abranger um público mais alargado e apresentam uma
imagem do território mais ou menos próxima da realidade, reflectindo uma visão que
tende a perpetuar-se pela escrita, sujeitando-se à crítica dos autores posteriores e
possibilitando um aprofundamento heurístico sobre a descoberta do espaço. É a
evolução desta imagem, por vezes estereotipada, que procuramos acompanhar ao longo
dos séculos XVI e XVII.
A primeira descrição geral do reino, da autoria de Frei Bernardo de Brito, foi impressa
em Alcobaça no ano de 1597, denominada Geographia Antiga da Lusytânia. Consiste
num texto apenso à primeira parte da Monarchia Lusitana. O seu autor escreve acerca
dos principais acidentes geográficos do reino de Portugal, baseando-se nos autores
clássicos como Estrabão ou Ptolomeu. Neste texto enquadra-se geograficamente a
península dominada pela serra da Arrábida e identificam-se os povos que haviam
habitado a região: «Os Barbaros chamados de Florião do Campo, Sarrios, viuião
naquelle espaço de terra, que ha desde a serra de Arrabida té Lisboa, donde tomou o
nome Prommontoriû Barbaricum, o que oje chamamos Cabo Despichel, do Nacente,
confinavam cos Celtas, do Poente, co mar Occeano, do Norte, co rio Tejo, do Meo dia,
cos pouos Turdetanos, era gente féra, indomita, & de mui pouca pollicia, & a serem
mais em numero, tiverão grande fama, inda que com serem tão poucos, algûas cousas
16
fizerão famosas: não acho entre elles cidades, nem pouoações, de que os Historiadores
fação muita conta, nem as deuião de ter segundo erão agrestes». 24
Frei Bernardo de Brito assinala ainda a colheita da grã25 na serra da Arrábida: «depois
deste monte, se segue o que Ptolomeu & Strabo, chamão Barbarico, & nos oje serra
Rabida, no qual se colhe gram finissima pera tingir pannos, & sedas, & daqui a levão
para muitas partes fora de Espanha, tendo por experiencia ser esta mais fina que todas
as outras».26 Já sobre o rio Tejo, enaltece a excelência das suas água auríferas e a
abundância de peixe: «porque alem do muito ouro, que leva em suas areas, como
escreverão os antigos, & o experimentam os modernos, a fertilidade dos campos que as
suas águas regão, he outra mina por si. He abundante de pescarias de Saveis, Barbos,
Mugēs e outras castas de pescado, que farta muita parte do reino».27 Não fazendo
qualquer alusão a Almada, o cronista deixou algumas indicações que contribuem,
embora vagamente, para uma caracterização geral do espaço geográfico em análise.
Embora tenha sido redigida no século XVI, a obra de Gaspar Frutuoso Saudades da
Terra foi publicada apenas no século XX. Não queremos deixar de aludir a este
açoriano, nascido em 1522 em Ponta Delgada e falecido na Ribeira Grande 1591, que
escreveu essa obra composta por seis livros, onde relata a descoberta das ilhas Canárias,
Cabo Verde e cada uma das que compõe o arquipélago açoriano. No livro quarto faz
uma descrição pormenorizada da margem Sul do estuário do Tejo, descreve o termo da
vila de Almada: «o Seixal chamado também Arrentela, onde se dão muito bons vinhos
de carregação para a India, em cuja enseada invernam muitos navios; logo Amóra,
freguezia; em Corroios outra, em outro braço do rio, e Motela, termo de Almada, onde
estão os moinhos e lavadouro de Lisbôa; e logo junto Cacilhas, d’onde começa o vale
28
de Mourelos, de compridão de uma légua, que vae até Caparica», retrata ainda a
24
Frei Bernardo de Brito, Geographia Antiga da Lusytânia, Alcobaça, António Alvarez impressor de
livros, 1597, fl. 6.
25
Excrescências produzidas pela picada de alguns insectos nas folhas do carrasco (Quercus coccifera),
utilizadas em tinturaria, depois de secas e reduzidas a pó, estando referenciada a sua colheita na região de
Almada, através das posturas municipais de 1750.
26
Frei Bernardo de Brito, op. cit., fl. 3.
27
Idem, fl.4.
28
Gaspar Frutuoso, Saudades da Terra, Livro IV, Vol. I, Ponta Delgada, Tip. do «Diário dos Açores»,
1924, p. 244.
17
paisagem rural em torno da sede do concelho, com «muitas quintas de boas vinhas e de
todas as árvores; e logo a afamada Vila de Almada».29
29
Ibidem.
30
«Na villa de Almada há ûa fonteque faz admiravel effecto nos doentes de pedra, polo que muitos da
cidade de Lisboa, e de outras partes a mandão buscar por a utilidade que nella achão, e conjecturão isto
do que se vê com os olhos, que esta agoa gasta todos os testos dos vasos que aí se quebrão, se estão
chegados ao caminho por onde ela passa», Duarte Nunes de Leão, Descrição do Reino de Portugal,
Lisboa, Centro de História da Universidade de Lisboa, 2002, p. 143.
31
Idem, p. 200.
32
Idem, p. 190.
33
«(…) e tambē meto aqui outro ramo de fruyta que vem da bãnda dalem », «Tratado da majestade,
grandeza e abastança da cidade de Lisboa, na 2a metade do seculo XVI : estatistica de Lisboa de 1552»,
João Brandão (de Buarcos), texto impresso sob a direcção de Anselmo Braamcamp Freire, comentarios e
notas de Gomes de Brito, in Arquivo Histórico Português, Vol. IX, Lisboa, Livraria Ferin, 1923, p. 17.
34
«(…) e pelos muitos coelhos que vem da banda dalem, e todo o outro género de caça», idem, p. 83.
18
Tejo».35 Também a pedra, extraída nas pedreiras de Porto Brandão, é transportada em
grande quantidade para Lisboa, onde é utilizada como material de construção.36 No
contexto do Tratado da Majestade, grandeza e Abastança da Cidade de Lisboa,
Almada e o termo de Lisboa têm como principal função o abastecimento da cidade, não
fazendo o autor qualquer alusão à sua paisagem.
Lisboa é também o tema de um opúsculo publicado em 1608 assinado por Luís Mendes
de Vasconcellos, Do Sítio de Lisboa, Diálogo. Escrito em forma de diálogo entre três
personagens, procura engrandecer a cidade de Lisboa através de variados atributos.
Neste texto, a zona a sul do Tejo é descrita como um lugar contaminado com ares
infectos, provenientes dos pauis e areais que aí se localizam, os quais poderiam ser
nocivos à atmosfera da capital, não fosse a situação geográfica favorável da margem
mais próxima de Lisboa estar livre de águas paradas cujos “vapores” a possam atingir.37
Desta alusão, feita com o intuito de valorizar Lisboa, resulta a imagem de um lugar
selvagem, infértil e pouco propício à fixação humana. Esta caracterização, embora
verdadeira no que respeita à existência de áreas insalubres nas zonas baixas, tem como
objectivo salientar a urbanidade da capital, por oposição ao espaço rústico a margem
Sul.
35
Idem, p.78.
36
Idem, p. 41.
37
«(…)porque sendo necessario à grandeza de Lisboa que não fosse muito habitada a terra que lhe fica
de fronte (como a seu lugar se dirá) fela Deos de ruins agoas, e peiores ares, cheia de paûes, e
amargosas, e areas estereis; e porque os vapores desta parte não chegassem a Lisboa, poz este rio no
meio tão largo he possivel serem-lhe nocivos; porque no mais largo he de tres legoas, e no mais estreito,
aonde é de huma, não há da outra parte paûes, nem alagoas de que possão sahir grossos vapores». Luís
Mendes de Vasconcellos, Do sitio de Lisboa: sua grandeza, povoação e comunicação dialogos de Luiz
Mendes de Vasconcellos reimpressos conforme a edição de 1608, Lisboa, Impressão Regia, 1803, p.145.
38
Frei Nicolau de Oliveira, Livro das Grandezas de Lisboa (Contém fac-simile da Edição original de
1620 e texto actualizado por Maria Helena Bastos), Lisboa, Vega, 1991, p. 546.
39
Idem, p. 547.
19
do Tejo, desde Alcochete, passando por Palmela e Setúbal e terminando em Almada.40
É exactamente ao debruçar-se sobre as freguesias de Almada que se descreve a Amora
«com sessenta fogos e duzentas e cinquenta pessoas», Corroios, com «sessenta e cinco
fogos, e mil e oitocentas pessoas, por causa das quintas que há nesta Freguesia»41 e os
mosteiros de Nossa Senhora da Rosa e dos Capuchos, na Caparica. Na vila de Almada,
«muito nobre, tanto pela Fidalguia e Nobreza, que nele e em seus arredores habitam
em grandes e ricas quintas; como por estar fronteira a Lisboa, numa distancia de meia
légua»,42 o autor menciona as freguesias urbanas de Santiago e Nossa Senhora do
Castelo, e ainda o mosteiro dominicano, habitado por quinze religiosos.
40
Idem, p. 561.
41
Idem, pp. 560 – 561.
42
Ibidem.
43
Idem, p. 557.
44
Idem, p. 475.
45
Idem, p. 565.
46
Idem, p. 563.
20
uma légua de comprimento; é toda ocupada por pomares, vinhas, quintas e terras de
pão». O autor relata a sua própria experiência, contando o que viu: «o peixe é em tão
grande quantidade, que só numa maré vi sair de Lisboa para a pesca da sardinha cento
e doze barcos».47
Em suma, o Livro das Grandezas de Lisboa fixa os principais aspectos que continuarão
a caracterizar a região de Almada: as quintas, a fertilidade dos solos, a produção de
lenha e madeira, a par da abundância de peixe e marisco retirado do rio. Apesar
reproduzir o texto de Luís Mendes de Vasconcellos sobre a insalubridade da margem
Sul, Nicolau de Oliveira transforma a imagem caótica criada por Vasconcellos, numa
paisagem agradável e convidativa, acrescentando que na parte mais estreita da foz não
existem «pauis nem lagoas, há sim, uma alegre e aprazível costa».49
47
Idem, p. 460.
48
Idem, p. 565.
49
Idem, p. 626.
50
Cf. Joaquim Romero Magalhães, «O Enquadramento do Espaço Nacional, a Delimitação e a Percepção
do Espaço», in História de Portugal, José Mattoso, dir., Vol. III, s.l., Estampa, 1993, p. 21 – 22.
21
a Madrid ou Sevilha, sugerindo que a capital do império peninsular e a corte se
fixassem em Lisboa.51
Nos textos analisados é possível identificar o cariz rural da região, ao mesmo tempo que
se salienta a importância determinante da sua localização geográfica face a Lisboa.
Procuraremos de seguida mostrar de que forma esta matriz identitária se continua a
observar, do século XVIII para o XIX, nos trabalhos que procuram sistematizar o
conhecimento do território de Portugal, enquanto espaço físico e político e
administrativo.
Traçado o quadro das referências ao espaço geográfico da margem Sul do Tejo até ao
século XVII, vejamos como as obras publicadas durante os dois séculos seguintes, aqui
consideradas fontes primárias por apresentarem uma abordagem sistemática e
largamente divulgada da paisagem histórico-geográfica do país, contribuíram para criar
uma imagem de rusticidade associada à região de Almada e Seixal.
Deve-se, além do mais, ter em atenção que os séculos XVIII e XIX foram uma época de
grandes transformações a nível europeu e mundial, dominada pelos impérios coloniais,
o fim do Antigo Regime, o Iluminismo e as revoluções liberais. Em Portugal, estas
51
Idem, p. 23.
22
mudanças fizeram-se sentir em termos políticos, económicos e sociais, e ainda que não
seja objectivo deste trabalho analisar todas as transformações ocorridas, elas devem ser
sinalizadas, na medida em que influem na paisagem e na imagem do espaço, esse sim
objecto central da presente análise.
Contudo, o “espelho” do país que é realçado nas corografias que vão sendo produzidas,
reflecte também os interesses e preocupações dos autores que durante os séculos XVIII
52
Cf. Irene Maria Vaquinhas e Margarida Neto, «Agricultura e o mundo rural: tradicionalismos e
inovações», in História de Portugal, José Mattoso, dir., Vol. V, s.l., Estampa, 1993, p. 329.
53
Cf. José Vicente Serrão, «O quadro económico. Configurações estruturais e tendências de evolução», in
História de Portugal, José Mattoso, dir., Vol. IV, s.l., Estampa, 1993, p. 74.
23
e XIX se vão dedicar à organização de sínteses sobre a geografia do território nacional,
embora em alguns casos não se refiram em particular a Almada ou ao Seixal.
24
resulta da descrição da paisagem, da organização da propriedade, dos recursos naturais,
das formas de exploração da terra e das festividades populares relacionadas com o meio
rural. É a partir deste conjunto de factores que se procura perceber como se construiu
uma imagem da “outra banda” assente em determinadas características físicas, culturais
e económicas, a qual se manterá até finais do século XIX.
54
Cf. Ana Cristina Nogueira da Silva e António Manuel Hespanha, «A identidade portuguesa», in
História de Portugal, José Mattoso, dir., Vol. IV, s.l., Estampa, 1993, pp. 21 – 22.
25
Na sua Descripção corográfica do Reino de Portugal,55 datada de 1755, António de
Oliveira Freire enumera a grande variedade de géneros, com destaque para o vinho, o
azeite, o pão (cereais) e as frutas produzidos na província da Estremadura, onde «quis a
natureza produzir juntos todos os frutos, que repartio pelas outras do Reyno para as
enobrecer, e utilizar».56 Enquanto parte desta província, o concelho de Almada pertence
à comarca de Setúbal, e os seus representantes nas cortes ocupavam lugar no sexto
banco. Indica ainda quatro conventos localizados no concelho: o de «Nossa Senhora da
Rosa de Religiosos Paulistas, fundado em 1413», o «Convento dos religiosos de Santo
Agostinho descalços da Sobreda», o «convento de Religiosos Arrabidos de Caparica» e
«São Paulo Convento de Religiosos Dominicos de Almada, 1569».57
Na obra Mappa de Portugal antigo e moderno (1762 – 1763), João Baptista de Castro
integra Almada na comarca de Setúbal e província da Estremadura. Cita Duarte Nunes
de Leão, ao referir a existência em Almada de uma fonte, «cuja água tem conhecida
virtude para os achaques de pedra e areas», transmitindo uma memória do espaço
desde tempos recuados. No capítulo décimo, Da Fertilidade do Reino em Commum,
quando refere os vinhos, que em grande quantidade se destinam à exportação, coloca os
de Almada e Caparica entre os «mais gabados».59 É igualmente João Baptista de Castro
que menciona o «chamado singular Bastardo de Cacilhas, Barreiro, e Almada, com os
seus excellentes, e incomparáveis Figos brancos».60 Estes produtos, contrariamente ao
vinho, deviam ser consumidos frescos, pelo que beneficiavam da proximidade do
mercado da capital.
55
Cf. António de Oliveira Freire, Descripção corográfica do Reino de Portugal, (1ª Edição 1739),
Officina de Bernado Anton. de Oliveira, Lisboa, 1755.
56
Idem, p. 126.
57
Idem, p. 128.
58
Idem, p. 126.
59
João Baptista de Castro, Mappa de Portugal Antigo e Moderno, Tomo Primeiro. Parte I e II, Lisboa,
Officina de Francisco Luiz Ameno, 1762 – 1763, p. 72.
60
Idem, p. 165. O Bastardo referido trata-se de uma espécie de rábano também conhecido por raiz-forte
que era utilizado na medicina e como especiaria picante.
26
Por sua vez, em 1788, na obra Descripção de Portugal,61 Manuel de Figueiredo integra
Almada na Província do Alentejo, designada por «Provincia Celleiro de Portugal por se
avantejar ás outras na produçaõ de muitas especies».62 As principais produções
referidas são: os cereais, o azeite, as frutas, os laticínios, o mel, a cera, o gado e a caça,
que «grossa he miuda, rasteira, e volante farta Lisboa».63 Destaca o sal de Setúbal,
como o melhor da Europa. Também de entre os vinhos «que os Alentejanos guardão em
potes vidrados, podera ser muito, e bom, se o recolhessem em vasilhas proprias para a
conservar fortaleza e docura», salienta os de «Setúbal compostos, e bem conservados,
são doces, e tem muita estimação entre os melhores da Europa».64 Acerca de Almada,
apenas refere ser esta povoação a única da comarca de Setúbal que pertence à coroa,
tendo o seu presidente o título de corregedor de Almada.65
Mas observemos agora uma das obras que constitui um dos temas essenciais para as
memórias histórico-geográficas do reino de Portugal, a Corografia Portuguesa e
Descrição Topográfica do Famoso Reino de Portugal, publicada entre 1706 e 1712. O
seu autor, António Costa Carvalho, nasceu em Lisboa no ano de 1650. Enquanto
sacerdote dedicou-se ao estudo da astronomia e da geografia, tendo publicado também
as obras: Astronomia Methodica publicada em 1683 e o Compendio Geográfico, em
1686. A Corografia Portuguesa inicia uma nova abordagem na descrição do território,
pois para além de se apoiar nos autores antigos como André de Resende ou Manuel
Severim de Faria e nos testemunhos recolhidos, baseia-se, conforme indica no Prólogo,
na observação directa e no uso da Matemática: «Com hum largo giro, que fizemos por
este Reyno, observamos a arrumação de suas povoaçoens, as distancias entre humas, &
outras, as alturas principaes, servindonos muito a este fim o estudo, que sempre
cultivàmos das Mathemáticas».66
27
Almada a Cetobriga e relata sucintamente a sua história, desde a conquista por D.
Afonso Henriques até à sua incorporação nos bens da coroa durante o reinado de D.
Dinis. O autor indica os templos da vila e as suas duas paróquias, de Santa Maria do
Castelo e Santiago, no termo da vila, nomeia as freguesias de Nossa Senhora do Monte
de Caparica, Nossa Senhora da Consolação da Arrentella e Nossa Senhora de Monte
Sião, em Amora, indicando os nomes das diversas localidades que as compõe.
67
«A freguesia de Santa Maria do Castello tem o lugar do Pragal, & a Arrábida com uma boa quinta».
Idem, p. 309.
68
Idem, p. 317.
69
Idem, p. 314.
70
Idem, p. 315.
71
Idem, p. 310.
28
milagrosa. Não refere porém o reguengo, que ocupava grande parte da zona Norte da
freguesia de Caparica. Quanto aos produtos da terra, do mar e do rio explorados em
Almada, António Carvalho da Costa apenas escreve que: «O seu termo he abundante de
vinho, frutas, gado, caça, lenha, e peyxe».72
O padre Luís Cardoso faleceu em 1769 sem ter publicado a totalidade dos volumes do
seu Dicionário Geográfico, do qual apenas foram impressos os dois primeiros volumes,
72
Ibidem.
73
Cf. Luís Cardoso, Diccionario Geográfico, Regia Officina Silviana, e da Academia Real, Lisboa, 1747
– 1751. Para análise deste texto utilizamos a transcrição «Vila e Termo de Almada no Dicionário
Geográfico escrito pelo padre Luís Cardoso», in Almada na História, Boletim de Fontes Documentais, nº
7 – 8, Divisão de História Local e Arquivo Histórico, CMA, Almada 2005.
29
correspondentes à letra A, em 1747, e às letras B e C, em 1752. A continuidade da
publicação foi comprometida devido ao terramoto de 1755.
30
deleite dos sentidos: «toda murada pela praya, ficando as casas, e o pateo com um
fermoso tanque na ilharga dele, no meyo dos muros acompanhados de dous fermosos
pomares, hum da parte do Norte de laranja, e algum limaõ, com seu poço de nora; e o
da parte do Sul primorosamente repartido cum ruas muy aceadas, cobertas por cima, e
outras acompanhadas pelas ilhargas de parreiras postas em latada, e outras cobertas
por arvores silvestres, com quarteiros de laranjeiras por humas partes, e por outras de
limoeiros com outra diversidade de frutos, com tres fontes de embrexados, a que vem
agua de dous poços de nora».76
76
Idem, p. 21.
77
Idem, p. 16.
78
Idem, p. 23
79
Idem, p. 18
80
Ibidem
81
Idem, p. 19
82
Idem, p. 20
83
Ibidem.
31
Segundo Luís Cardoso, o vinho é a principal produção do termo de Almada, mas para
além das vinhas existiam também pomares, olivais, grandes áreas de pinhal e, nas zonas
alagadiças da freguesia de Arrentela, cultiva-se milho e produtos hortícolas: «as quintas
deste limite não constaõ de outra cousa mais que de vinhas; e as que tem pomares, o
mais que constaõm são laranjeiras: e por estas fazendas ha tambem bastantes oliveiras,
e algumas tem seus olivaes separados. Consta mais de algumas terras, que se cultivaõ,
e nelas semeiaõ milho, e feijoens, a que chamam bréjos, por serem humidas, e
alagadiças, e com valas que as dispoem para estas sementeiras, e tudo o mais saõ
pinhaes, e matos, que provêm de lenha a Cidade de Lisboa; e com razão se pode dizer,
que os frutos desta Freguesia, he pinho e vinho».84
84
Idem, p. 19.
85
Idem, p. 17.
86
Idem, p. 18.
32
O autor não deixa de se referir aos habitantes, indicando o número de moradores de
cada lugar e os nomes dos proprietários da maioria das quintas mencionadas. Para além
destes, faz alusão a algumas figuras destacadas do clero, como D. Jorge Beliago, bispo
de Fez, que viveu e faleceu em Amora,87 e frei Francisco Foreiro, fundador do convento
dominicano de São Paulo em Almada. Contudo, a figura a quem concede maior
destaque é Diogo Paiva de Andrade, poeta seiscentista autor de um poema sobre a
conquista de Chaul, que nasceu, viveu e morreu em Almada.88
Podemos pois concluir que os textos do século XVIII transmitem uma imagem do
concelho de Almada como sendo esta uma região ocupada por propriedades agrícolas,
localizadas em torno da vila de Almada, na freguesia de Caparica e nas zonas
ribeirinhas do Seixal. A maior extensão do território, entre a frente atlântica e os limites
dos concelhos, era ocupada por pinhais e charnecas.
António Carvalho da Costa apenas faz referência a duas quintas, ao passo que Luís
Cardoso para além de mencionar trinta e uma quintas, faz uma descrição bastante mais
detalhada dos produtos agrícolas da região. O número de quintas indicadas pelos dois
autores é de trinta e três. As diferenças entre a Corografia Portuguesa e o Dicionário
Geográfico, denotam o acesso a fontes de informação distintas, mas também uma
abordagem diferente do tema, António Carvalho da Costa privilegia a identificação das
famílias da nobreza local, relatando as suas origens e genealogia, fazendo poucas
87
Idem, p. 16.
88
Ibidem.
33
referências à geografia, enquanto Luís Cardoso apresenta uma descrição pormenorizada
da geografia de algumas zonas, que contribui para um maior conhecimento da ocupação
do espaço rural na região durante o século XVIII, nomeadamente através da indicação
das quintas (quadro 1).
Quadro 1
Designação das quintas do concelho de Almada nas obras publicadas no Século XVIII
Quintas António Costa Carvalho Luís Cardoso
Corografia Portuguesa Dicionário Geográfico
Bate-Folha X
Bornete X
Cabo da Linha ou Santa Anna X
Capitão Braz de Oliveira X
Castelo Branco X
Castro X
Conde de Villa-Nova X
Condes da Ericeira X
D. Vasco da Camera X
Espadeiro (Arrentela) X
Espadeiros (Santiago) X
Fernando Jonep X
Filippa de Agua X
Sebastião de Gama X
Fonte da Prata X
Lagoa X
Lobatos X
Loureiro X
Luís Cabral Botelho X
Oiteiro X
Palmeira X
Portinho X
Pragal X
Quinta Grande X
Religiosos Eremitas X
Religiosos Trinos X
Santa Anna X
Sargento mór X
Val do Grou X
Vársea X
Zeimoto X
João Cardoso Telles X
Monteiro mór do Reyno X
N.º de Ref. por Autor 2 31
34
1.4.3. Representações de Almada e Seixal no século XIX
89
Cf. Fernando Catroga, «Romantismo, literatura e história», in História de Portugal, José Mattoso, dir.,
Vol. V, s.l., Estampa, 1993, p. 550.
90
Cf. Paulo Perestrello da Câmara, Dicionário Geográfico Histórico Politico e Litterario do Reino de
Portugal e seus Dominios, II Tomos, Lisboa, 1850.
91
Idem, Tomo I, p. 56.
35
«muitas quintas de recreio e produçaõ nos seus arrabaldes»92 e perto do sítio do
Caramujo «está a deleitavel vivenda do Alfeite, morada Real muito frequentada por D.
Miguel».93 No concelho do Seixal destaca-se na Arrentela a quinta do Salema
«edificada no principio do XVIº século pelo grande Vasco da Gama onde se conservaõ
ainda objectos por elle trazidos do Oriente, e cedros pelo menos plantados no seu
tempo»94 e a quinta da infanta D. Isabel Maria, na Amora, por ser a sua morada
favorita.95 Já naquela que é uma entrada de âmbito mais geral e que trata da província
da Estremadura, o autor menciona os «figos da outra banda (termo d’Almada)» entre os
frutos produzidos nas cercanias de Lisboa.96
Outro aspecto que importa salientar é a descrição de Almada como lugar de passeio dos
lisboetas, pois quando se refere à povoação de Cacilhas afirma ser esta servida por
«Uma carreira de vapores e faluas [o que] facilita aos habitantes da capital o gozarem
das agradaveis cavalhadas em burritos, folguedos e passatempos que neste sitio
abundaõ todos os dias santos do Verão».98
A obra relata com pormenor a Batalha da Cova da Piedade, que opôs as forças do
Duque da Terceira às tropas miguelistas comandadas por Telles Jordão, a qual terminou
com a derrota dos absolutistas e a morte do seu comandante em Cacilhas. Essa
descrição permite enquadrar o texto no contexto político de afirmação de uma nova
conjuntura social. A referência à pesca e à rudeza dos pescadores demonstra a clara
intenção de caracterização geográfica mas também social do espaço, o que se enquadra
92
Idem, p. 182.
93
Idem, p. 57.
94
Idem, p. 75.
95
Idem, p. 63.
96
Idem, p. 122.
97
Idem, p. 155.
98
Idem, p. 122.
36
nos princípios da ideologia liberal. Na mesma linha, omite qualquer referência aos
templos e festas religiosas, revelando-se deste modo os vectores ideológicos que
orientam o seu discurso.
Este autor não faz qualquer referência aos produtos da terra ou actividade rural,
destacando, todavia, as festividades populares que tinham lugar no espaço rural do
concelho e atraíam muitos habitantes de Lisboa. A festa de Nossa Senhora da Piedade
«muito concorrido no verão da gente de Lisboa, e aonde se fazem vistosas festas
d’arrayal, com corridas de touros, e uma feira de tres dias em 23 de Julho» e ainda as
celebrações em honra do santo padroeiro da vila de Almada: «festas religiosas e
populares, que otr’ora ahi se faziam pelo S. João, tinham nomeada pelo apparato e
magnificencia, e eram curiosas pela singularidade de alguns costumes e antigualhas,
que apareciam na procissão e nas cavalhadas. Nesses tempos despovoava-se Lisboa
99
Vilhena Barbosa, Cidades e Villas da Monarchia Portuguesa que teem Brasão D'armas, Lisboa,
Typographia do Panorama, 1860, p. 20.
100
Idem, p. 21. Acerca desta propriedade importa dizer que, embora o autor se refira no artigo ao
concelho de Almada, a Quinta da Amora localizava-se no concelho do Seixal.
101
Idem, p. 20.
37
para ir assistir a essas funcções. De há trinta anos para cá teem caminhado em tal
decadencia que presentemente são uma pequena sombra do que foram».102
Apesar do concelho do Seixal ter sido criado em 1836, vinte e quatro anos antes da
edição de Cidades e Villas da Monarchia Portuguesa, este não é referido no texto,
sendo esta situação decerto decorrente do facto de a vila não possuir, à época, brasão
municipal, tendo a obra como objectivo tratar os municípios que possuíam símbolos
heráldicos.
102
Idem, p. 22.
103
José Avelino de Almeida, Diccionário Abreviado de Chorographia, Topographia, e Archeologia das
Cidades Villas e Aldeas de Portugal, III Vols., Valença, Typographia de V. de Moraes, 1866.
104
Idem, p. 44.
105
Idem, p. 43.
38
pescadores».106 A Costa como local de lazer era também escolhida por D. João VI, D.
Maria II e D. Pedro V.107 As actividades dos moradores da Caparica são a lavoura e a
pesca, e a vinho a principal cultura, «cuja produção anual se calculava ser de 6 a 7 mil
pipas, antes do flagello do oidium».108 Atente-se no facto de José Avelino de Almeida
ser o primeiro autor a referir a doença que a partir de meados do século XIX começou a
afectar viticultura portuguesa,109 com repercussões muito pesadas e que seria fatal na
região de Almada.
106
Idem, Vol. III, p. 24.
107
«Também ahi foi D. Maria II e ultimamente D. Pedro V de saudosa memória, com a sua esposa»,
idem, p. 23.
108
Idem, p. 24.
109
Cf. Irene Maria Vaquinhas e Margarida Neto, op. cit., p. 333.
110
Ibidem.
39
as povoações há missa paga pelo povo».111 Mas observemos então aquele que será o
mais completo dicionário geográfico do século XIX português.
111
Ibidem.
112
Rui d’Abreu Torres, «Leal» in Dicionário de História de Portugal, Joel Serrão, dir., Porto, Livraria
Figueirinhas, 1979, Vol. III, p. 443.
113
Pinho Leal, Portugal Antigo e Moderno, XII Vols, Lisboa, Livraria Editora de Mattos Moreira &
Companhia, 1873.
114
Idem, Vol. II, p. 98.
115
Idem, Vol. I, p. 140.
40
verão».116 Na freguesia de Santiago situam-se «a grande aldeia» de Cacilhas, a Cova da
Piedade «em um lindo valle cercado de pequenos outeiros cultivados»117 e a quinta do
Alfeite, «Grande quinta e bonito palacio real, antigamente chamada quinta da Pena,
termo é proximo da villa de Almada». A quinta do Alfeite era sede do almoxarifado
com a mesma designação, o qual abrangia um vasto território que incluía ainda as
seguintes propriedades: «Romeira, Piedade, Outeiro, Quintinha, Antelmo e Bomba; a
vinha do Pagador, lagua de Albufeira, os pinhaes de Corroios, e do Cabral e os
moinhos do Galvão, Passagem, Capitão e Torre»,118 ocupando uma faixa de território
que unia a frente ribeirinha virada a Este à frente atlântica a Oeste.
As festividades mencionadas no concelho de Almada são, uma feira de três dias pelo
domingo do Espírito Santo122 realizada na Cova da Piedade, a que ocorria nos «dias 23,
24 e 25 de julho, havendo muitas vezes corridas de toiros, grandes festas e
concorridissimo arraial»123 e a festa em honra de Nossa Senhora do Bom Sucesso,
realizada pelo povo de Porto Brandão que: «todos os anos lhe faz uma explendida festa
que dura tres dias».124
116
Idem, p. 142.
117
Ibidem.
118
Idem, p. 116.
119
Idem, Vol. IX, p. 707.
120
Idem, p. 560.
121
Ibidem.
122
Idem, Vol. I, p. 141.
123
Idem, p. 142.
124
Idem, Vol. IX, p. 560.
41
pipas de bom vinho»,125 apesar de não indicar, como faz para o Seixal, as quantidades
médias das produções agrícolas. Veja-se, no entanto, como aborda o concelho do Seixal
e as diferenças que se podem enunciar entre os dois concelhos.
No concelho do Seixal não existem, segundo Pinho Leal, «edificios notaveis, pois quasi
todos são acanhados, e muitos deles insalubres».126 O terreno é descrito como
«bastante accidentado, mas em geral muito fertil em pão, vinho, fructas, hortaliças e
legumes. O vinho d'estas terras é optimo para exportação, e a sua laranja é da melhor
que vai para Inglaterra».127 O autor nomeia trinta e uma quintas, de entre as quais
destaca a «grande e formosa quinta da Amora».128 Refere, no entanto, a propósito de
algumas delas, que «Quasi todas estas quintas nada teem de notavel, senão a extrema
deterioração de algumas; e o pouco ou nenhum lucro de todas».129 É interessante
reparar como Pinho Leal, ao apresentar as quintas degradadas, alude à imagem
histórica, certamente colhida na leitura de textos anteriores: «Antigamente havia por
aqui muitas e formosas quintas de fidalgos, e bôas fazendas de diversos mosteiros».130
125
Idem, Vol. II, p. 97.
126
Idem, p. 76.
127
Idem, Vol. IX, p. 77.
128
Idem, Vol. I, p. 142.
129
Idem, Vol. IX, p. 77.
130
Ibidem.
131
Idem, p.77.
132
Idem, p. 78.
42
Salienta-se o destaque dado aos aspectos económicos relacionados com a ocupação do
espaço rural, onde se começam a instalar unidades industriais, como as fábricas de
produtos químicos na Quinta do Paulo Jorge133 e de sola na Quinta de D. Maria, a Este
do Seixal, isto sem esquecer a referência a uma fábrica a vapor de descasque de arroz,
em Amora,134 enquanto na margem oposta: «Próximo ao logar da Torre da Marinha
está a magnífica fábrica de lanificios da Arrentella».135
Comparando o desenho traçado por Pinho Leal para os concelhos de Almada e Seixal,
constata-se que, ao esboçar Almada, o autor desenvolve os aspectos históricos e
toponímicos, elogiando a paisagem, apreciada enquanto espaço de lazer: «Almada e os
seus arredores e quintas são passeio favorito dos lisbonenses, principalmente no
verão»,136 dando pouco relevo à sua utilização agrícola. Já ao descrever o Seixal, talvez
por falta de dados históricos de relevo e por considerar não existirem quaisquer edifícios
notáveis, traça uma imagem de rusticidade associada à pobreza das habitações, à pesca e
ao trabalho agrícola.
133
Idem, p.77.
134
Idem, Vol. I, p. 201.
135
Idem, p. 238.
136
Idem, p. 142.
43
A obra está organizada por distritos, concelhos e freguesias, ordenados alfabeticamente,
enumerando sistematicamente todos os lugares compreendidos nas suas circunscrições.
Importa salientar estes aspectos, na medida em que a obra fornece informação bastante
completa quanto à toponímia local.
Acerca de Almada, João Maria Baptista nomeia todos os lugares e quintas existentes na
freguesia de Santiago. A caracterização dos arredores repete a descrição da vila. Estes
apresentam-se: «cobertos de quintas e apraziveis casas de campo».137 Descreve a
história da quinta do Alfeite e as diversas propriedades que lhe foram anexadas.138
Sinalizam-se os principais dados coligidos pelo autor, nomeando este os vários
proprietários a quem a quinta pertenceu e que ao longo dos séculos nobilitaram a
propriedade.
Quanto à exploração dos recursos naturais: «Recolhe Almada dos ferteis terrenos que a
cercam muito vinho e frutas: tem abundancia de gado, de caça e de lenha; e
egualmente abundancia de peixe.
Especialisam-se entre as frutas dos arredores o excelente bastardo e os gostosos
figos brancos vindimos».139
137
João Maria Baptista, Chorografia Moderna do Reino de Portugal, Lisboa, Typographia da Academia
Real das Sciencias, 1874 – 1879, Vol. IV, p. 378.
138
«Foi esta quinta em seu principio propriedadedos inglezes que habitavam Almada, depois passou á
ordem de Sant'iago, e á corôa no reinado de D. Diniz. Foi mais tarde doada á casa das rainhas por el-rei
D. Fernando, e veio a pertencer, acabada a guerra de Hespanha, ao condestavel que a doou á ordem do
Carmo.
Pertenceu depois a differentes proprietários, e em 1697 foi comprada por D. Pedro II e encorporada
na casa do infantado: D. João V lhe addicionou a quinta da Romeira e outra que era do desembargador
Maia Aranha; D. Maria I também lhe reuniu outras quintas, de sorte que hoje se compõe esta grande
propriedade das quintas do Alfeite, Romeira, Piedade, Outeiro, Quintinha, Antelmo, Bomba, Vinha do
Pagador, Lagôa de Albufeira, Pinhaes de Corroios e do Cabral, e dos moinhos do Galvão, Passagem,
Capitão e Torre.
Em 1834 foi ext.ª a casa do inf.º e todos estes bens passaram para a coroa (…)». Idem, pp. 379 – 380.
139
Idem, p. 380.
140
Idem, p. 382.
44
visitada por D João VI, D. Maria II e D. Pedro V e constituída por «habitações de
colmo, porém solidas e commodas».141
São igualmente referenciadas por João Maria Baptista, como aliás Pinho Leal o fez, as
festividades no concelho de Almada. Escreve que pelo domingo do Espírito Santo
ocorrem três dias de festa «e outra nos dias 23, 24 e 25 de junho, em que ha arraial,
corridas de touros etc.»142 Alude também às festas que no passado se faziam no terreiro
da igreja de Nossa Senhora da Piedade.
No concelho do Seixal, João Maria Baptista inclui as freguesias de Paio Pires, Amora,
Arrentela e Seixal, nomeando as quintas localizadas em cada uma delas. Cita
resumidamente o padre Luís Cardoso, na descrição da quinta d’Amora, e menciona os
principais morgadios do concelho «o dos Mellos, na q.tª do conde de Portalegre, o dos
Correias Lacerdas, na q.tª Grande ou da Fonte da Prata, o dos condes d'Atalaia, o dos
Moraes Cabral no Talaminho, o dos Gamas Lobos, no L. de Cheira-Ventos, e o dos
Lobatos, no L. dos Lobatos».143
Apesar do peixe ser o principal recurso explorado pelas populações do Seixal, nenhum
dos autores indica quais as espécies capturadas. Conforme escreve Pinho Leal, os
pescadores do Seixal dedicavam-se principalmente à pesca do alto144 que era praticada
com embarcações de arrasto fora da barra do Tejo.145 Essa era a actividade que ocupava
a maioria da população do Seixal. A produção agrícola compunha-se de «allgum trigo e
milho, poucas hortaliças, legumes e algum vinho».146
141
Ibidem.
142
Idem, p. 380.
143
Idem, p. 765.
144
Pinho Leal, op. cit. Vol. IX, p. 76.
145
Acerca das embarcações tradicionais do Seixal, cf. António Nabais, História do Concelho do Seixal –
2 – Barcos, s.l., Câmara Municipal do Seixal, 1982.
146
Pinho Leal, op. cit. Vol. IX, p. 768
45
concelhos, contribuindo assim para um melhor conhecimento da realidade local na
segunda metade do século XIX (quadro 2).
Quadro 2
Designação das quintas do concelho de Almada nas obras publicadas no século XIX
Chorographia Moderna Cidades e Villas da
do Reino de Portugal Antigo Monarchia
Portugal e Moderno Portuguesa
Quintas João Maria Baptista Pinho Leal Vilhena Barbosa
Alfeite X X X
Amora X
Barão d'Alcochête X
Antelmo X X
Bixeiro X
Bomba X X
Carapinha X
Castros X
Espadeiro
Frades X
Fuméga X
India X
Miranda X
Olho de Vidro X
Outeiro X
Palença X
Piedade X X
Pombal X
Quintinha X X
Ramalha X
Raposo X
Retrozeiro X
Romeira X X
Rorgel X
S. Lourenço X
S. Miguel X
S. Pedro X
S. Sebastião X
S.tª Anna X
S.tº Amaro X
Val de Flores X
Viróca ou Urrôca X
Desembargador Maia Aranha X
N.º de Referências por obra 29 8 2
46
Quadro 3
Designação das quintas do concelho do Seixal nas obras publicadas no século XIX
Dicionário Geográfico Portugal Antigo Corografia Moderna
Histórico Politico e Moderno do Reino de Portugal
Quintas Paulo Perestrello da Câmara Pinho Leal João Maria Baptista
Agua X
Amora X X X
Atalaia X
Barroca X
Boa Vista X
Borba X
Braga X
Braz X
Brazileiro X
Brejo X X
Bujio X
C. de V.ª Nova X
Cabo da Linha X
Cabral X
Cannas X X
Carapinha X
Castello d'Arigena X
Cavaquinhas X
Cavaquinhos X
Conde X
conde de Portalegre X
Contrabandista X
Cossena X
D. Maria X X
D. Maria Thomazia X
Descanso X
Estalagem
Fidalga X
Fonte da Prata X
Gallega X
Infanta Dona Isabel Maria X
Inglesinhas X
Leitão X X
Lima X X
Loba X
Loureiros X
Madre de Deus
Marco X
Marialva X
Matta X
Medideira da Cova X
Niza X
Nossa Senhora da Boa Viagem X
Outeiro X X
Palmeira X X
Patrimonio X
Paulistas X
Paulo Jorge X X
Ponte X X
Portinho X
Princeza X
Quinta Nova X X
Rouxinol X
S. João X
S. Pedro X
S.Nicolau X
Salema X X
Torre X
Trindade X X
Trinos X
Troca X
Val de Carros X
Vargueira X
N.º de Referências por obra 2 22 51
47
Face às trinta e três quintas mencionadas no concelho de Almada, no concelho do Seixal
o número de quintas identificadas é de sessenta e quatro (quadro 3). Considera-se que
esta diferença se deve ao facto de as obras em causa apenas referirem para Almada as
propriedades mais importantes ou próximas da vila, sendo o seu número muito superior,
como se observará através da análise da obra Vila e Termo de Almada de Duarte Vieira
dedicada exclusivamente à freguesia de Caparica.
Quadro 4
Topónimos mencionados nos dicionários geográficos publicados entre 1874 e 1884
Diccionario Diccionario Chorographico do
Chorographico de Reino de Portugal de Diccionario de Chorografia
Topónimos Portugal de E. A. de Agostinho Rodrigues de de Portugal Leite de
Bettencourt Andrade Vasconcelos
Almada X X X
Amora X X X
Arrentela X X
Cacilhas X
Caparica X X X
Corroios X X X
Costa X
Paio Pires X X
Seixal X X X
Trafaria X
N.º de Referências
por Autor 7 10 5
48
anteriormente citadas e que se inscrevem no espaço rural, considerou-se oportuno
inclui-los na presente abordagem.
No conjunto das obras analisadas constata-se que, entre as actividades referidas, está
implícito o trabalho agrícola e silvícola, mas a actividade mais referida é a pesca,
complementada pela construção naval e fabricação de redes. A principal produção da
região é o vinho, o qual decaiu significativamente a partir de 1874. Em menor escala
encontram-se os cereais, os produtos hortícolas e a fruta, com destaque para a laranja
que era exportada para Inglaterra. Eram também exploradas as lenhas e madeiras dos
vastos pinhais e charnecas, que contribuíam para o abastecimento da capital. As áreas
incultas forneciam ainda caça e mel. A abundância de peixe no rio Tejo e nas praias
atlânticas constitui um recurso facilmente escoado no mercado lisboeta. Importa ainda
destacar que a proximidade do mercado contribuiu para a afirmação de alguns produtos
frescos, especializados e particularmente apreciados, o rábano-bastardo e os figos
vindimos.
Mas, não são apenas os aspectos económicos que preenchem as descrições da região, a
sociedade está representada, na imagem da ruralidade, através dos proprietários da terra
e dos pescadores. Os proprietários fundiários são o único grupo social referido pelos
nomes próprios, com destaque para a nobreza com os seus morgadios. Os habitantes das
zonas ribeirinhas que se dedicam à pesca constituem outro grupo social que se identifica
pelo facto de se dedicarem a uma actividade especializada e praticada por comunidades
bem identificadas.
49
Durante o século XIX, a imagem do espaço rural de Almada está igualmente ligada ao
lazer, devido à proximidade de Lisboa a travessia do Tejo era acessível e possibilitada
pelas carreiras regulares que uniam as duas margens. Cacilhas, Cova da Piedade e Costa
eram localidades pitorescas que desfrutavam da proximidade das praias e dos bons ares
do campo, locais procurados como espaços de evasão e divertimento em oposição à
cidade.
É através destes traços que desenham a região, que conseguimos apreender em que
medida as imagens de Almada e Seixal diferem durante o século XVIII, quando o
território pertencia ao mesmo concelho. Observa-se que o passado histórico de Almada
é referido por todos os autores, associado à sua suposta fundação no período romano, à
conquista do castelo por D. Afonso Henriques, às figuras ilustres que aí habitaram e aos
conventos que existiam na freguesia de Caparica fundada em 1472.
Podemos ainda notar que as referências à ruralidade em Almada são relegadas para
segundo plano, contrariamente ao que acontece no Seixal, onde as descrições das
freguesias remetem de forma mais explícita para os aspectos da ruralidade, através das
referências a produtos e actividades, ou associadas à história das quintas e dos seus
proprietários. Esta diferença resulta não só da distância da capital, mas também do facto
de ser uma zona ribeirinha e insalubre, pouco atractiva para os visitantes ocasionais.
Neste sentido, no concelho do Seixal é também referida a instalação de unidades
industriais que beneficiam de bons acessos fluviais para carga e descarga de matérias
primas, aspecto que acentua o carácter produtivo do Seixal face a Almada, onde, no
entanto, apesar de existirem na época diversas unidades industriais, estas não são
referidas por nenhum dos autores que, salientam a beleza da paisagem e as festividades
locais.
50
estatística, antes dependem dos critérios de cada autor. Contudo, considerando que as
quintas ocupavam apenas a zona agrícola do território, pode-se considerar que são, na
maioria, parcelas de pequena e média dimensão.
A obra Recordações do Seixal em 1857, 147 da autoria de Manuel Xavier de Gama Lobo
Salema de Oliveira Sousa, foi publicada em 1858. Trata-se de um pequeno opúsculo
que é a «Colecção dos successos mais curiosos, acasos remarcáveis e divertidos;
miscelaneas, e anedoctas succedidas na Sociedade de que fazião parte as famílias de
Possidonio Ribeiro, e das quintas do Outeiro, Cavaquinhas e do Salema».148 O texto
está dividido em duas partes. A primeira descreve de forma circunstanciada a vida
social destas famílias, enquanto a segunda repete a mesma descrição em verso. Manuel
Xavier de Sousa narra com pormenor as soirés dançantes e os passeios a pé e de barco
pelas praias e quintas dos arredores, que preenchiam a vida social da elite local. A
propósito destes passeios nomeia as quintas de S. João, da Estalagem, do Salema, das
Cavaquinhas, do Outeiro, da Infanta Dona Isabel Maria e um moinho de maré,
transmitindo assim uma imagem da ruralidade enquanto cenário de crónica social ao
147
Cf. Manuel Xavier de Gama Lobo Salema de Oliveira Sousa, Recordações do Seixal em 1857, Lisboa
1858.
148
Idem, p.3.
51
estilo da imprensa: «subindo a rua da quinta do Salema fomos shair ao portão de ferro
da quinta do Cavalheiro João Coelho e d’ahi pela estrada nos dirigimos ao nosso
destino, e depois de passear na quinta até ao matto e pinhal, lindo ponto de vista sobre
a villa, descendo pelas barreiras da quinta da Estalagem viemos entrar no Seixal».149
149
Idem, p. 10.
150
Cf. Duarte Joaquim Vieira Júnior, op. cit.
151
A inclusão da Amora no concelho de Almada observa-se em virtude da extinção do concelho do Seixal
entre 1895 e 1898.
152
Romeu Correia, Homens e Mulheres Vinculados às terras de Almada (nas artes, nas letras e nas
ciências), Almada, Câmara Municipal de Almada, 1978, p. 162.
153
«Muito se tem escripto já sobre Almada, com laconismo verdade seja, mas mesmo assim, esses
mesmos escriptos laconicos, e dispersos por grande numero de auctores muito pouco conhecidos são
ainda da maior parte dos seus habitantes.
Do seu termo, porém, é que muito pouco ou mesmo quasi nada se tem dito ainda que possa despertar
a attenção e satisfazer a curiosidade aos filhos d’este concelho, principalmente áquelles que desejem ter
um fiel e minucioso conhecimento dos muitos factos históricos e verdadeiramente notáveis que traduzem
glórias antigas e feitos heroicos dos seus antepassados», Duarte Joaquim Vieira Júnior, op. cit., p. 7.
154
Idem, p. 20.
52
não pertenciam ao dito reguengo. É transcrita grande quantidade de documentos, com o
que se pretende provar a legitimidade das súplicas dos fazendeiros de Caparica.
Por seu turno, o quinto capítulo desta monografia trata em particular da etimologia e
circunscrição da freguesia de Caparica. Vieira Júnior descreve os limites da freguesia,
«calculando-se em cerca de 20 kilometros, em linha recta, no seu maior comprimento,
de N. a S., e de 15 kilometros de O. a E., na sua maior largura».156 O autor observa a
diminuição de trinta e seis fogos entre 1857 e 1876, de mil cento e noventa e três para
mil cento e trinta.157 Acerca da produção vinícola, afirma-se que «Antes de aparecer o
oidium a primeira moléstia que atacou as vinhos, [sic] só a freguesia de Caparica
produzia o dobro do vinho que hoje produz todo o concelho, cuja producção se póde
actualmente calcular, termo médio, em 2 a 3:000 pipas».158
A obra apresenta ainda a intenção de identificar a origem dos nomes das diferentes
povoações através da sua etimologia, apresentando duas versões para o topónimo de
Caparica, uma que parte da lenda segundo a qual uma velha da Caparica deixou em
155
Idem, p. 72.
156
Idem, p. 94,
157
Cf. Idem, p. 93
158
Ibidem.
53
testamento ao rei de Portugal uma capa recheada de moedas de ouro, destinada à
construção da igreja paroquial, e outra, considerada pelo autor a mais provável, que
atribuía o adjectivo de rica à capa com que os devotos da Nossa Senhora do Monte
cobriam a imagem.159
Os quatro últimos capítulos da obra são dedicados a cada uma das varas em que se
dividia a freguesia de Caparica. Esta divisão decorria do círio de Nossa Senhora do
Cabo Espichel, sendo a peregrinação anual ao santuário do Cabo Espichel realizada
alternadamente pelos moradores de cada vara, nomeadamente: a vara da Costa, que
incluía a povoação de Vila Nova; a vara da Sobreda, que incluía também a Charneca; a
vara do Monte, com o Porto Brandão; e a vara da Trafaria, na qual se integrava
Murfacém.
Para a povoação da Costa, onde a pesca de mar constitui a principal actividade, o autor
aponta as origens do povoamento «pelos algarvios e ilhavos, que ali vinham pescar nos
meses de outubro, novembro e dezembro, chamados da safra»,160 menciona cada uma
das oito companhas de pesca que mantinham actividade, indicando os nomes dos
respectivos mestres, «Manuel Gonçalves Bexiga, Joaquim Maria da Costa, Salvador da
José, e herdeiros de António Gonçalves Bexiga, e as pertencentes ás mestras
Guilhermina dos Anjos, Gertrudes e Lucinda Vicente».161 A informação minuciosa é
complementada com a exposição do modo como é distribuído o produto da pescaria
«Quando apanham peixe e se ganha, é o terço tirado pelo mestre e o restante do ganho
dividido por partes, tendo o arraes oito, o escrivão quatro, o espadilheiro outras
quatro, o arraes de terra trez, os remadores duas, e a gente de terra uma».162
159
«Sobre a etymologia da palavra Caparica, existem duas tradições. A primeira, que fallecendo uma
pobre velha pedinte, declarara em testamento que deixava a sua capa (muito velha e remendada) para
ser vendida ecom o producto da venda se erigir uma capela em honra de N. Sª. do Monte, legado este que
em principio fez rir bastante, mas que sabidas as contas, os remendos da capa estavam todos recheiados
de bellos dobrões de oiro que chegaram de sobra para a construcção da referida capella.
A segunda versão, que parece ser mais verosimil e com mais fundamento, é que, sendo a Senhora do
Monte de muita devoção para os povos d’aquelles lugares, todos concorreram para que se lhe fizesse um
rico manto (ou capa) pelo que a mesma Senhora ficou d’ali em deante sendo conhecida por N. S.ª da
Capa Rica, depois N. S.ª do Monte de Caparica». Idem, p. 95 – 96.
160
Idem, p. 97.
161
Idem, p. 101.
162
Idem, p. 103.
54
Na proximidade da povoação da Vila Nova, o autor descreve pormenorizadamente os
conventos extintos, dos Capuchos e da Nossa Senhora da Rosa, indicando também entre
outras a «quinta de S. Francisco de Matos hoje propriedade do Sr. Francisco Ferreira
da Charneca e em cujo pinhal está a ermidinha do santo em perfeito estado de
conservação [...] Era neste pinhal que antigamente se fazia em todos os anos um vistoso
arraial em honra do santo, havendo sempre sermão ao ar livre».163
163
Idem, p. 114.
164
Idem, p. 118.
165
«Tem o collegio de Santo Antão (uma das primeiras casas da companhia de Jesus em Lisboa) uma
grande quinta ou para melhor dizer, uma vinha chamada Valle de Rosal, que está na banda d’além, no
termo de Almada, limite de Caparica, na freguezia de N. S.ª do Monte, distante do porto de Cacilhas
quasi uma bôa légua. Fica esta quinta no meio de uma grande e estendida charneca; é o lugar todo à
roda muito tosco secco e esteril, cheio de silvados incultos, continuando de matos maninhos, e de areaes
escalvados, escondido em Valles, cercado de brenhas, coberto de pinheiros bravios, de zimbos, de tojos,
e de outros frutices silvestres: é sitio mais accomodado para caças de monteria que para morada de
gente culta, e por isso mui frequentado de corças e veados, infestado de lobos, e de outros semelhantes
animais montezes». Balthasar Telles, Choronica da Companhia de Jesus em Portugal, APUD, idem, p.
119.
166
Idem, p. 128.
167
Idem, p. 148.
168
Idem, p. 149.
55
A vara do Monte, que abrange a sede da freguesia de Caparica é, no dizer de Vieira
Junior, a mais rica «por ser ella a única que ao Cabo Espichel faz conduzir em berlinda
a imagem da Senhora do Cabo».169 A esta riqueza não será estranho o facto de aqui se
localizarem «bonitas propriedades, muitas d'ellas de construcção moderna e elegante, e
algumas quintas que tambem merecem uma especial menção»170 e ainda por existirem
nesta zona «muitas outras fazendas muito bem cultivadas na antiga demarcação do
Reguengo».171 A povoação de Porto Brandão, situada na frente ribeirinha da freguesia, é
um dos principais portos da margem sul e a sua população é maioritariamente
constituída por catraeiros, condutores de pequenas embarcações de carga e passageiros
designadas catraios.172
Por fim, na vara da Trafaria, onde se incluem também diversas quintas, importa
destacar a povoação com o mesmo nome e onde a actividade principal é a pesca. O
autor de Vila de Almada e seu Termo faz aqui referência às diferentes artes utilizadas:
«Os diversos systemas de pesca do alto, usados pelos pescadores d'esta praia, são a
tarrafa, a sardinheira, o apparelho e a mugeira, havendo ainda a do chinchorro, que é no
rio, e a da corvina, que é pescada Tejo acima e em que os da Trafaria são reputados
como os primeiros na pesca deste peixe».173 Menciona ainda a existência de uma fábrica
de conservas de peixe174 e as potencialidades da praia da Trafaria como estância
balnear: «seria a praia mais frequentada para banhos nos arredores da capital, se
porventura tivesse as commodidades que em outros sitios encontram os banhistas».175
Quanto a uma caracterização geral do espaço rural da freguesia de Caparica, para além
dos aspectos já referidos, foi possível identificar ao longo da obra cinquenta e três
quintas (quadro 5), transmitindo uma ideia da divisão da propriedade e do tipo de
povoamento, na medida em que as quintas incluem também unidades habitacionais.
169
Idem, p. 152.
170
Idem, p. 162.
171
Idem, p. 165.
172
«Na praia do Porto Brandão ha actualmente quarenta botes de catraiar, mister este em que se
ocupam a maior parte dos homens d'aquelle lugar». Idem, p. 169.
173
Idem, p. 197.
174
«A fabrica de conservas de peixe de que é gerente o sr. Freitas e mestre o sr. Alfredo Ribeiro Maia,
rapaz muito intelligente, começou a sua laboração em 1887». Idem, p. 204.
175
Idem, p. 202.
56
Quadro 5
Designação das quintas na obra Vila e Termo de Almada de Duarte Joaquim Vieira Júnior
57
A obra de Duarte Joaquim Vieira Júnior integra-se na escrita corográfica no âmbito da
monografia local. Demonstrando um conhecimento profundo da história local e do
território, nomeia os proprietários rurais, mas também os comerciantes, os gerentes de
unidades industriais, bem como os naturais do concelho que se destacaram pelos
serviços prestados à comunidade ou ao país. O detalhe com que descreve o espaço
permite identificar diversos elementos de caracterização da paisagem rural do concelho
de Almada, que trataremos no capítulo seguinte.
58
2. A CONSTRUÇÃO DA PAISAGEM NA ALMADA E SEIXAL DOS SÉCULOS
XVIII E XIX
1
Cf. Chantal Blanc-Pamard e Jean Pierre Raison, «Paisagem», in Enciclopédia Einaudi, – 8. Região,
Roggiero Romano dir, – Região, s. l., Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1984, pp. 138 -160.
59
momento particular, constitui uma fonte histórica. As fontes escritas, por outro lado,
permitem analisar as transformações e a história da paisagem a partir dos textos que a
descrevem. Neste sentido, o presente estudo pretende caracterizar a paisagem e analisar
as transformações associadas à ocupação humana do território dos concelhos de Almada
e Seixal, durante os séculos XVIII e XIX.
No sentido de obter dados que permitam uma caracterização da paisagem, para além das
obras corográficas, foram ainda analisadas as posturas municipais dos séculos XVIII e
XIX, os inquéritos paroquiais de 1758 e uma memória económica do concelho de
Almada, datada de 1835. Encontram-se nos vários documentos elementos que
contribuem para o estudo da paisagem. As posturas reflectem o espaço físico onde
ocorrem as situações regulamentadas, relacionadas com a paisagem e a actividade
humana. Os inquéritos paroquiais do século XVIII são outra fonte privilegiada para o
estudo da paisagem, na medida em que apresentam informação geográfica, social e
60
económica, datada e sistemática, relativa a cada uma das freguesias do concelho de
Almada.
2
AHCMA, Livro de Posturas, 1730, CMA/B/A/003/LV001, (ver anexo documento 2).
61
vinha na ocupação dos solos agrícolas, marcando a paisagem rural da região. Já as
posturas municipais do concelho de Almada, coligidas a partir 17503 reflectem uma
grande variedade de aspectos, entre os quais, alguns directamente relacionados com a
paisagem, como os caminhos, o gado, os moinhos, as actividades profissionais, os
produtos agrícolas e florestais, que no seu conjunto contribuem para a caracterização do
meio rural. Analisando trezentas e sete posturas da Câmara Municipal de Almada,
observa-se que oitenta e duas se referem a questões relacionadas com a actividade rural,
nomeadamente as vinhas, o gado, a lenha, as frutas, o peixe, e as cearas.
3
«Posturas da Câmara Municipal de Almada, em 1750», in Almada na História Boletim de Fontes
Documentais, nºs 2 – 9/10, Almada, Câmara Municipal de Almada, 2002 – 2006.
4
Textos transcritos e publicados por Alexandre Flores, «Vila e Termo de Almada nas Memórias
Paroquiais de 1758», in Anais de Almada n.º 5 – 6, Almada, Divisão de História Local e Arquivo
Histórico / Câmara Municipal de Almada, 2002 – 2003 pp. 23 – 76.
5
«3. Quantos vizinhos tem?
4. Se está situada em campina, vale, ou monte e que povoações se descobrem dela, e quanto dista?
5. Se tem Termo seu, que Lugares, ou Aldeias compreende como se chamam e quantos vizinhos
tem?
6. Se a Paróquia está fora do Lugar, ou dentro dele, e quantos Lugares, ou Aldeias tem a freguesia
todos os seus nomes?
62
Observemos agora os principais aspectos da paisagem conforme se podem identificar a
partir dos textos mencionados, designadamente, o relevo, a água, o povoamento, a terra
e os caminhos.
2.2.1. O Relevo
Na freguesia da Arrentela, implantada entre os esteiros dos rios Coina e Judeu, a Aldeia
de Paio Pires, localizada na margem Este da foz do rio Coina, «fica em sitio alto, do
qual se descobre as seguintes povoações; o Barreiro, Verderena, Palhaes, Palmella,
Fórnos delRey, e as charnecas, que ficaõ até Nossa Senhora da Atalaya, serra da
Arrabida, e Azeitaõ».7 Do lugar de Arrentela, acerca do qual Luiz Cardoso traça um
retrato geográfico preciso8, a partir da resposta do pároco Manuel Vieitas de Macedo ao
15. Quais são os frutos da terra, que os moradores recolhem em maior abundância?
23. Se há na terra ou perto dela alguma fonte, ou lagoa célebre, e se as suas águas têm alguma
especial qualidade?
24. Se for porto de mar, descreva-se o sítio, que tem por arte, ou por natureza, as embarcações, que
o frequentam e que pode admitir?
25. Se a terra for murada, diga-se a qualidade de seus muros; e se for Praça de armas, descreva-se a
sua fortificação. Se há nela, ou no seu distrito algum Castelo, ou Torre antiga, e em que estado se
acha ao presente?» Idem, pp. 29 – 31.
6
Ibidem.
7
Luís Cardoso, «Vila e Termo de Almada no Dicionário Geográfico escrito pelo padre Luís Cardoso», in
Almada na História, Boletim de Fontes Documentais, nº 7 – 8, Almada, Divisão de História Local e
Arquivo Histórico, Câmara Municipal de Almada, 2005, p. 11.
8
«Está situada toda esta Freguesia em huma ponta ou lingua de terra, que cercaõ dous braços de mar,
hum pela parte Nascente, a que chamam o rio de Coina, e vai findar na mesma Villa; e outro pela parte
do Poente. O braço chamado rio de Coina, fazem ter de comprimento huma legua pequena e o Poente,
que vem findar, em hum moinho de agua doce junto deste Lugar de Arrentella fazem ter meyo quarto de
63
inquérito paroquial, é transmitida informação sobre o relevo e as vistas, escrevendo que
«Está situado como promontório eminente a um rio de água salgada que se separa do
Tejo em um monte arenoso para a parte do sueste, e fronteira ao és-noroeste dele se
descobrem o lugar de Amora que lhe fica fronteiro em distância de meia légua por
terra, e por mar dois tiros de espingarda; avista-se a Vila de Almada, e parte do lugar
de Caparica para a parte do Norte em Distância de duas léguas; avista-se a Cidade de
Lisboa desde Santos velhos entre Nossa Senhora da Madre de Deus, em distância de
três léguas, e todo o seu termo que lhe fica fronteiro; avista-se a Vila e Castelo de
Palmela, em distância de três léguas, e todos os territórios de premeio destas
distâncias».9
A vila de Almada, implantada a Norte, num dos pontos mais elevados do concelho,
dividia-se entre as freguesias de Nossa Senhora da Assunção e Santiago. António
Carvalho da Costa na sua Corografia situa-a «De fronte de Lisboa para o Sul, em
distancia de meya legoa, que medem as ceruleas ondas do mar Oceano, em lugar
emminente»,10 enquanto Luís Cardoso enumera as povoações e lugares que daí se
avistam: «Está situada no alto de hum rochedo, que a guarnece da parte Sul até à
barra, donde se avistaõ a Cidade de Lisboa, que lhe fica ao Norte, a pouca distancia; e
mediando o Tejo entre huma, e outra, o Lugar de Belem, e desde a barra até ao
Convento de Santos o Velho, Arrentela, Amora, os Paços de Azeitão, o Castello de
Cezimbra, Palmella, e os lugares do Seixal, Barreiro, as Villas do Lavradio,
AldeaGallega, e Alcochete».11
Também a freguesia da Amora se encontra, segundo o prior Sebastião Roiz Rosado, «no
plano de cima de um monte donde se descobre não só a maior parte da freguesia, como
são o lugar chamado da fonte da prata, o lugar chamado quinta dos Lobatos, o Rio do
Judeu, o lugar da Torre, que já é da freguesia da Arrentela, o lugar e freguesia do
Seixal, e as muitas quintas e fazendas, que medeiam entre estes lugares e freguesias».12
legua; estão ambos direitos de Norte a Sul: de largura de terra de hum a outro braço, terá esta freguesia
maya legua, e de cumprimento huma boa légua». Ibidem.
9
Alexandre Flores, op. cit., p. 58.
10
António Carvalho da Costa, Corografia Portugueza, officina de Valentim da Costa Deslandes, Lisboa,
1712, p. 309.
11
Luís Cardoso, op. cit., p. 12
12
Alexandre Flores, op. cit., p. 42.
64
Por sua vez, a sede da paróquia de Nossa Senhora do Monte de Caparica,
detalhadamente descrita na resposta do padre cura, António Alves da Veiga, encontra-se
num «Sitío eminente em o centro dos dois Promontórios da Lua e Barbárico, ficando
este ao Sul, a cuja parte deste mesmo lugar da Igreja se descobre toda a serra da
Arrábida, com os castelos de Sesimbra, Palmela e sua vila, onde parece à parte de
Leste fazer ângulo agudo a mesma serra, da qual corre pelo horizonte terra menos alta
até o sítio da Igreja de N.ª Sr.ª da Atalaia; e em todo o território que fica de permeio, se
descortina em distância de três até cinco léguas, muita parte das aldeias de Azeitão,
lugares do Seixal, Amora, Telha Palhais e Verderena, e as vilas do Barreiro, Lavradio,
e Aldeia Galega, com muitas quintas e casais dispersos, que se descobrem nas
campinas do referido território».13
Igualmente localizado numa zona baixa, o lugar e freguesia de Corroios: «Está situado
na fralda de um pequeno monte, cujo vale se estende por uma pequena campina para
Poente. Dele se não descobre povoação alguma, mas só algumas casas de algumas
13
Ibidem.
14
Idem, p. 64.
65
quintas».15 Já na freguesia de Santiago situa-se o lugar de Cacilhas que «Está situado
nas margens do rio Tejo, em Huma pequena rocha, que mete para o mar».16
Devemos igualmente ter em atenção que a Corografia Portuguesa refere com pormenor
o Convento de Nossa Senhora da Rosa, que se localiza «em hum vale tam profundo, que
dele se não dilata a vista mais que a dous montes a elle circunvizinhos».17 Esta é uma
imagem contrastante pois opera-se a oposição entre o espaço urbano de grandes
horizontes e o espaço religioso propício ao recolhimento.
2.2.2. A Água
Após termos analisado o modo como o relevo é assinalado ao longo do século XVIII,
iremos agora determinar como o elemento água é mencionado nas descrições da
paisagem. A morfologia do território do concelho de Almada é delimitada pelo rio Tejo
a Norte e a Este e pelo Oceano Atlântico a Ocidente. Em resultado da geografia
peninsular do território, a água ocupa a maior extensão dos seus limites. A água doce e
potável era recolhida em fontes e nascentes situadas nas praias e junto das arribas do
Tejo, enquanto nas zonas interiores do território era tirada de poços cuja localização
condicionou a sua ocupação. A existência de nascentes naturais está patente na
toponímia e na origem de algumas povoações, como Fonte Santa ou Corroios; outras
localidades, como o Seixal ou Porto Brandão, situam-se nas praias fluviais e talvegues
15
Idem, p. 70.
16
Luís Cardoso, op. cit., p. 24.
17
António Carvalho da Costa, op. cit. p. 318.
66
ao longo da arriba Sul do Tejo; a Costa, nas praias da costa atlântica; Paio Pires, Amora
e Arrentela localizam-se na zona ribeirinha do Seixal, nas margens da baía onde
desaguam os rios Coina e Judeu.
18
Luís Cardoso, op. cit., p. 19.
19
Ibidem.
20
Cf. Idem, p. 20.
21
António Carvalho da Costa, op. cit., p. 314.
22
Idem, p. 32
23
«Tem uma fonte chamada da Prata, que é de boa agua». Luís Cardoso, Op. cit., p. 16.
24
Luís Cardoso, op. cit. p. 21
67
dilatado verão conserva alguns arroios, ainda que pequenos, de águas que nascidas do
Poente correm por entre os brejos».25
Quanto aos portos, a Corografia refere «O lugar de Cacilhas, que é porto do mar com
quinze barcos, o de Motella, & o do Caramujo junto ao mar»,30 Portinho da Costa e
Porto de Brandão. O Dicionário localiza, na frente ribeirinha virada a Norte, os portos
de Benatega, Trafaria, Portinho da Costa, Porto Brandaõ e Cacilhas, com «huma
enseada capaz de acommodar quarenta embarcaçoens pequenas».31
25
Alexandre Flores, op. cit., p. 68.
26
Idem, p. 36.
27
Idem, p. 42.
28
Ibidem.
29
Idem, p. 56.
30
António Carvalho da Costa, op. cit., p. 310.
31
Luís Cardoso, op. cit. p. 24.
68
respeito da pesca indicam que esta era uma actividade de difícil controle e fiscalização,
dada a grande extensão das frentes ribeirinhas e atlânticas do concelho, mas cuja
importância económica e social justificava o interesse manifesto da administração do
concelho, quanto ao seu ordenamento e regras de comércio.
Os moinhos de maré, enquanto estruturas pré industriais, foram durante o século XVIII
fundamentais ao processamento dos cereais, sendo os da margem Sul que mais
contribuíam para o abastecimento de farinha à capital. A sua edificação dependia da
existência de recursos económicos avultados, contudo, Luís Cardoso sinaliza vários
moinhos, o que denota um investimento no sector moageiro. A freguesia da Amora tem
«suas casas de moinhos, cada huma com cinco ou seis engenhos, que moem com agua
salgada do mesmo braço de mar».33 Na Arrentela, refere três moinhos: «o primeiro dos
Religiosos de S.Paulo [...] O segundo de Jorge Cabral dos Campos Barreto; e o
terceiro do Conde da Ericeira; todos tres tem seu caes pela calheta da agua, que sahe
dos rodizios, onde chegaõ os barcos, que os servem para trazerem trigos, e levarem
farinhas».34 Na mesma freguesia menciona ainda, na Quinta da Palmeira, «hum moinho
de salgado de oito pedras»35 explorado pelos monges Jerónimos, outro na Quinta do
Cabo da Linha e um que pertence à quinta do Zeimoto. Para além dos moinhos de maré,
Luís Cardoso faz ainda alusão a um moinho movido por água doce «o qual moe com
agua, que lhe vem de uns bréjos, que delle se seguem para a direita»,36 localizado no
fundo do esteiro a Sul da Arrentela.
32
Idem, p. 19
33
Idem,, p. 17.
34
Idem, p. 20
35
Ibidem.
36
Idem, p. 21.
69
Por último, importa referir a «marinha de sal, que he dos Religiosos de Belem»,37
situada na margem poente. Apesar das condições favoráveis, a salicultura nunca atingiu
grande expressão na região, não obstante as indicações do juiz de fora de Almada para
que «Todos os donos, sem excepção pessoas, das ditas prayas, murraçaes, ou baixios,
que forem assignalados para marinhas de Sal, serão obrigados de as fazer dentro do
prazo de sinco annos»,38 conforme a proposta de Regimento datada de 1771 e dirigida
ao Secretário de Estado dos Negócios do Reino. Mas além deste desenho da água no
espaço geográfico, importa agora entender como se traça a ocupação humana do
território.
2.2.3. O Povoamento
37
Idem, p. 20.
38
Mário Fernandes, «Documentos Relativos à História de Almada: proposta de Regimento para a
Administração do Concelho de Almada», in Al-Madan, n.º 5 IIª série, Almada, Centro de Arqueologia de
Almada, 1996, p. 178.
70
Quadro 6
População do concelho de Almada no século XVIII
Corografia Portuguesa Dicionário Geográfico Memórias Paroquiais
António Carvalho da Costa Luís Cardoso
Povoação
1712 1747 1758
Amora 172 239
Arrentela 400 563 428
Caparica 200 914 1164
Corroios 80 13
Santa Maria 254 311
Santiago 650 476 645
Seixal 329
Cacilhas 158
TOTAL 1330 2537 3129
Através do quadro 6 podemos observar que entre 1712 e 1758, datas extremas dos
documentos consultados, houve um aumento generalizado do número de vizinhos e de
fogos. Destaca-se a freguesia da Arrentela, com o elevado número de quatrocentos
vizinhos, referido por António Carvalho da Costa, que denota um povoamento
significativo quando comparado com a freguesia de Caparica, com metade dos
habitantes. O decréscimo de população na freguesia de Arrentela, entre os anos de 1747
e 1758, dever-se-á provavelmente à criação da freguesia do Seixal, entretanto
desanexada do território da Arrentela. Na Caparica observa-se um aumento acentuado
da população, registado pelas Memórias Paroquiais de 1758, enquanto a freguesia de
Corroios diminuiu substancialmente o número de vizinhos durante o período
considerado.
39
A divisão das diversas povoações da freguesia de Caparica em varas, deriva segundo Joaquim Vieira
Júnior, da necessidade de regular a participação das populações no Círio anual a Nossa Senhora do Cabo
Espichel, por forma em que em cada ano competia a uma das varas organizar a romagem e as festas no
Cabo. Como aliás já anteriormente referimos.
71
Quadro 7
Topónimos do concelho de Almada referidos nos textos do século XVIII divididos por freguesias
AMORA ARRENTELA CORROIOS SANTA MARIA SANTIAGO
CAPARICA
Vara da Fonte Santa Vara do Funchal Vara de Murfacém Vara do Ribeiro Vara da Sobreda
Banática Aldeia de Funchal Cova Caneira Aldeia do Vale
Bairro da Figueira Arieiro Morfacem Pera de cima Arieiro
Castelo Picaõ Casais da Qtª da BanhaPortinho da Costa Pera debaixo Azinhaga
Costas de Caõ Casalinho da Rosa Portinho de Buxos Possolos Barriga / Cella-nova
Fontes Santas Cebolal Trafaria Qtª de D. J. de Meneses Casas Velhas
Monte /Sitio da Igreja Charneca Raposeira Graciosa
Paulina Lugar de Funchal Ribeyro Juncal
Porto de Brandão Outeiro Seixeira
Torre Telhal Silveira
Vale de Figueira Sobreda
Vale do Grojeiro Vale
Vale do Tojeiro Vale de Figueira
Villa Nova de Baixo Vale de Grou
Villa Nova de Cima Vale de Rosal
Vársea
72
ceifar no Alentejo antes de serem ceifadas as cearas do concelho.40 Por outro lado,
encontramos nestas mesmas posturas a fixação do valor máximo das jornas conforme os
respectivos trabalhos a realizar. Estas medidas prendem-se com o facto dos
trabalhadores exigirem jornas cada vez mais altas, aproveitando-se da falta de braços
para a lavoura das terras de Almada.
2.2.4. A Terra
As referências à ocupação do solo estão patentes de uma forma geral nas posturas do
século XVIII, como aliás se infere do que anteriormente analisamos, mas devemos neste
momento ampliar a nossa análise e mesmo precisar que cinquenta e três posturas tratam
de questões relacionadas com gado, regulamentando a sua criação, transporte e
comércio. Constata-se que a maioria das infracções relacionadas com o gado, quer seja
de criação, de trabalho, ou em trânsito, resultam dos estragos causados nas culturas
agrícolas, nas vinhas, pomares e pinhais. Algumas posturas limitam ou proíbem a
criação de gado, principalmente porcos, devido aos efeitos nocivos do pastoreio, o que
demonstra que os recursos agrícolas e florestais da região eram valorizados face à
produção pecuária, pois mesmo os terrenos incultos eram intensamente explorados.
40
Cf. «Posturas da Câmara Municipal de Almada em 1750», in Almada na História, Boletim de Fontes
Documentais, nº 3 – 4, Almada, Divisão de História Local e Arquivo Histórico / Câmara Municipal de
Almada, 2003, p. 50.
41
«Postura que nenhua pessoa tenha colmeya entre vinhas salvo se for enxame tomado aquelle anno»,
idem, p. 56.
42
Idem, nº 5-6, 2004, p. 51.
43
Idem, p. 45.
73
assegurar a limpeza dos caminhos que lhes estão contíguos. Por sua vez, o comércio de
vinho é regulamentado em dezanove posturas, que ditam o preço e as condições de
venda, limitam ou proíbem o transporte e transacção de vinhos produzidos fora do
concelho, a fiscalização das tabernas e do armazenamento e transformação dos vinhos.
A atenção dada pelas autoridades municipais à produção vitícola reforça mais uma vez a
sua importância económica enquanto produção agrícola dominante face a outras
culturas, como os pomares de fruta, as cearas, a oliveira e a amoreira.
44
«Posturas da Câmara Municipal de Almada em 1750», in Almada na História, Boletim de Fontes
Documentais, nº 9 – 10, Almada, Divisão de História Local e Arquivo Histórico, Câmara Municipal de
Almada, 2006, p. 50.
45
Idem, p. 45.
46
Cf. Mário Fernandes, «Documentos Relativos à História de Almada: proposta de Regimento para a
Administração do Concelho de Almada», in Al-Madan, n.º 5 IIª série, Almada, Centro de Arqueologia de
Almada, 1996, pp. 169 – 179.
47
«Postura para que as Cabras não entrem nos Pinhais queimados», «Livro de Posturas», in Almada na
História Boletim de Fontes Documentais, nº 9 – 10, p. 43.
74
2.2.5. Os Caminhos
48
Idem, nº 2, p. 26.
49
Idem, p. 27.
50
Ibidem.
75
concelho, visto que a vedação das propriedades seria predominantemente feita por valas
ou sebes naturais que evitavam a passagem de animais que as invadissem.
Para além da já referida calçada da Mutela, as posturas fazem ainda menção a uma outra
que ligava Cacilhas à vila de Almada e outra desta à Fonte da Pipa.51 É também referida
uma estrada que ligava Corroios à Sobreda, a propósito da proibição de cortar mato nos
pinhais que a ladeiam sem licença dos proprietários e da câmara.52 Outras posturas, não
mencionando os caminhos ou estradas, apontam no entanto para o tráfego regular de
gado e de pescado que circulava pelo território do concelho, deixando perceber a
existência de uma rede de vias de comunicação que ligava entre si as várias povoações
do concelho e deste com o de Sesimbra, com o qual tinha fronteira.
51
Idem, nº 7 – 8, 2005, p. 40.
52
Idem, p. 36.
76
Administrativa, que no ano seguinte cria o concelho do Seixal. Nesse sentido,
considera-se oportuno que, tratando-se de um documento inédito, se apresente um
resumo desta fonte privilegiada para o estudo dos concelhos de Almada e Seixal em
meados do século XIX, a qual contribui para o enquadramento histórico da paisagem
sobre a qual nos debruçamos.
Historicamente, faz menção da tomada da vila aos mouros por D. Afonso Henriques e
descreve com pormenor a batalha entre as tropas miguelistas e as liberais, comandadas
pelo duque da Terceira, que teve lugar na Cova da Piedade, a 23 de Julho de 1833 e que
antecedeu a entrada triunfante das forças liberais em Lisboa no dia seguinte.
53
AHMOP, Memoria Economica Da Villa d’Almada e seu Termo, 1835, CEPPND 1, fl. 3 f. (ver anexo
documento 1)
54
Cf. Idem, fl. 7 f.
77
Não deixa de se salientar que destes números se excluem os cerca de quatro mil homens
que sazonalmente vêm trabalhar na agricultura e na pesca.55 A «Agricultura, Pesca
Officios Mechanicos, e da Marinha»56 constituem as principais actividades de
subsistência citadas. Curiosamente, os agricultores são a minoria, em virtude de os
filhos naturais da terra preferirem a vida marítima ao trabalho do campo, não deixando
de ser referido que a agricultura era a principal actividade produtiva da região. Sendo
necessária mão-de-obra, proveniente principalmente da Beira e do Minho «que vem nos
principios de Setembro e ordinário se demorão até ao fim de Abril».57
55
Cf. Idem, fl. 9 v.
56
Idem, fl. 10 f.
57
Idem, fl. 12 v.
58
Idem, fl. 12 f.
59
Ibidem.
60
Idem, fl. 15 v.
78
concelhos vizinhos. Salienta a posição privilegiada do porto de Cacilhas, onde «toda a
hora se encontra maré, condição única que não acha nos outros portos da margem
esquerda do Tejo»,61 e que, caso existissem boas vias de comunicação terrestre «deveria
a Villa ser hum intreposto do Commercio do Alentejo».62 Quanto a instalações
industriais, apenas indica o «Lavadouro e Pizão que faz parte da Officina Nacional das
Mantas do Exercito».63 De entre os ofícios mecânicos destaca a tanoaria, que se
encontrava em decadência devido à referida quebra do comércio do vinho. Lamenta a
inexistência de Corporaçoens de Officios e a pouca indústria dos habitantes,
responsável pela pobreza do concelho, «que aliás tem todas as proporcoens e possue
vantagens locaes que se fossem ajudadas tornarião esta Povoação a mais florescente
do Reyno».64
61
Ibidem.
62
Idem, fl. 16 f.
63
Ibidem.
64
Idem, fl. 16 v.
65
Idem, fl. 17 f.
79
Provincia do Alem Tejo».66 Acerca dos limites do concelho, quando descreve o Pinhal
dos Medos refere: «Tem este Pinhal pouco mais de huma legoa de extenção e corre ao
longo da costa do mar, vai acabar na Lagoa d’Albufeira da qual hum pouco a baixo
termina o Termo d’Almada e principia o de Sesimbra»,67 pelo que podemos constatar
que o limite Sul do concelho abrangia uma área muito superior à da actual
circunscrição.
66
Idem, fl. 18 v.
67
Idem, fl. 9 f.
68
Ibidem.
69
Idem, fl.19 f.
70
Idem, fl.19 v.
71
Idem, fl. 3 f.
80
O Mappa da População da Villa d’Almada e seu Termo72 apresentado pelo provedor do
concelho refere as freguesias de Amora, Corroios, Seixal, Arrentela e Paio Pires, cujo
número de habitantes somava quatro mil trezentos e noventa e três, cerca de um terço da
população total do Concelho, composta por treze mil trezentos e cinquenta e nove
habitantes. É dada maior importância à zona Norte do concelho, onde se descrevem as
povoações da Costa, Sobreda, Pragal e Charneca, assim como o clima, o relevo e as
principais actividades económicas. Esta abordagem denota alguma falta de interesse
quanto aos territórios a Sul e a Este, mais afastados da sede do concelho.
As obras corográficas do século XIX conferem maior importância aos dados estatísticos
e administrativos. No que diz respeito aos elementos da paisagem, repetem algumas das
descrições das obras anteriores, sem desenvolver propriamente uma descrição do
território. Importa, no entanto, reter algumas notas acerca de aspectos omitidos nas
fontes anteriores. De entre as obras coligidas, é de salientar Vila e Termo de Almada, da
autoria de Duarte Vieira Júnior, cujo detalhe contribui para um melhor conhecimento da
freguesia de Caparica nos finais do século XIX, nomeadamente ao nível da toponímia.
Por sua vez, as posturas municipais dos concelhos do Seixal e Almada, apesar de
reflectirem uma sociedade mais urbanizada, prevêem ainda várias ocorrências
relacionadas com o espaço rural, incidindo a regulamentação na fiscalização das
actividades produtivas e comerciais, na manutenção das vias de comunicação e no
trânsito terrestre e fluvial. As posturas do século XIX apresentam-se divididas por temas
e cada uma é composta por um ou vários artigos. As dezasseis posturas municipais do
Seixal redigidas em 1837,73 após a criação do concelho, dividem-se em sessenta e oito
artigos, enquanto para Almada, o documento datado de 1886, compõe-se de vinte e três
posturas e duzentos e seis artigos.
Vejamos agora como o clima e o relevo da região são mencionados nos textos do século
XIX. Relativamente ao clima, as fontes do século XVIII e XIX são omissas, com
excepção da Memória Económica, por outro lado, o relevo é descrito por vários autores
quando abordam os concelhos de Almada e Seixal.
72
Idem, fl. 7 v.
73
AHCMS, Cópia das Posturas feitas pela Câmara Municipal do Seixal pertencente ao Juiz. Elleito da
mesma freguesia, 1841, /B/A/06/CX001 Doc. 3, (ver anexo documento 3)
81
2.3.1. O Clima e o Relevo
74
AHMOP, Memoria Economica Da Villa d’Almada e seu Termo, 1835, CEPPND 1, fl. 2 f. (ver anexo
documento 1)
75
Idem, fl. 3 f.
76
Idem, fl. 2 f.
77
Vilhena Barbosa, Cidades e Villas da Monarchia Portuguesa que teem Brasão D'armas, Typographia
do Panorama, Lisboa 1860, p.18.
78
AHMOP, Memoria Economica Da Villa d’Almada e seu Termo, 1835, CEPPND 1, fl. 11 f. (ver anexo
documento 1)
79
Pinho Leal, Portugal Antigo e Moderno, Vol. IX, Lisboa, Livraria Editora de Mattos Moreira &
Companhia, 1873, p. 77.
80
Idem, p. 77.
81
Idem, Vol. I, p. 142.
82
XIX referem os recursos hídricos e as frentes de água dos concelhos de Almada e
Seixal.
2.3.2. A Água
82
Idem,Vol. IX, p. 77.
83
Ibidem.
84
Idem, p. 76.
85
Idem, Vol. I, p. 238.
86
Idem, p. 201.
87
Idem, Vol. IX, p. 77.
88
Ibidem.
83
Seixal, entre o Moinho da Passagem e a praia do Seixal.89 São também referidas valas
de escoamento, «as Vallas reaes, incluindo a que passa no Rio do Judeo, ou as Vallas
geraes que daõ escuante aos Brejos d’uns para outros, em todas as partes deste
Conselho, e onde houver terras de semilhante natureza»,90 as quais deveriam ser limpas
pelos proprietários, rendeiros ou feitores dos terrenos que fizessem extrema com as ditas
valas, isto é, quando estas valas correspondiam a limites de propriedade ou as
separavam dos caminhos públicos.
89
AHCMS, Cópia das Posturas feitas pela Câmara Municipal do Seixal pertencente ao Juiz. Elleito da
mesma freguesia, 1841, /B/A/06/CX001 Doc. 3, artºs. 60 a 66, (ver anexo documento 3).
90
Idem, artº. 10.
91
Vilhena Barbosa, op. cit., p. 21.
92
AHMOP, Memoria Economica Da Villa d’Almada e seu Termo, 1835, CEPPND 1, fl. 15 f. (ver anexo
documento 1).
93
Idem, fl. 2 f.
94
João Maria Baptista, Chorografia Moderna do Reino de Portugal, Vol. IV, Lisboa, Typographia da
Academia Real das Sciencias, 1874 – 1879, p. 379.
95
Idem, p. 380.
96
AHMOP, Memoria Economica Da Villa d’Almada e seu Termo, 1835, CEPPND 1, fl. 8 f. (ver anexo
documento 1).
97
Ibidem.
84
deposito de vinhos»98 e ainda no Portinho da Costa, onde, segundo Vieira Júnior,
existiam grandes depósitos de vinho, propriedade de Joaquim Polycarpo de Almeida,
que «foi antigamente um grande auxilio para os fazendeiros de Caparica, pois o seu
commercio de vinhos, em grande escala, para os portos estrangeiros, que armazenava
nos seus grandes depósitos do Portinho, bastante facultava as vendas aos viticultores
da freguezia e ainda aos de todo o concelho».99
No limite Norte da freguesia de Caparica, Vieira Júnior regista: «o rio Tejo, que banha
na extenção de 12 kilometros pelos portos de Banatica ("Banatega") Porto Brandão,
Paulina ("Torre Velha "), Portinho ("do Costa"), Buxos e Trafaria até á "Ponta da
Gollada", restinga de areia que vae á torre do Bugio (S. Lourenço)».100 Destaca-se
deste conjunto o Porto Brandão, «porto de transporte do interior para aquella
parte»,101 bem como a Trafaria: «uma grande povoação de 400 e tantos fogos,
aproximadamente a 500, limitando com o Tejo, pelo N., a freguezia de Caparica».102 A
Trafaria estendia-se «por uma dilatada praia areenta e desabrida»,103 onde estavam
instalados alguns moinhos de vento.104 Na frente atlântica, que se prolonga para Sul a
partir do lugar do Torrão, são referidas a «Trafaria no areal que se estende até perto da
torre de S. Lourenço (Bugio)»105 e a Costa de Caparica, que segundo o Dicionário
Geográfico: «Consta esta pov. de mais de 100 cabanas e algumas casas de telha com
1,600 hab., todos pescadores, excellentes maritimos».106
Uma das posturas da câmara de Almada datadas de 1886, trata exclusivamente de «Cais
praias e botes»107 e os sete artigos que a compõem, para além de definirem regras
acerca da utilização das praias e actividade fluvial, regulamentam a utilização balnear
das praias entre 1 de Setembro e 21 de Outubro.108
98
Paulo Perestrello da Câmara, Dicionário Geográfico Histórico Politico e Litterario do Reino de
Portugal e seus Dominios, Lisboa, s.e., 1850, Tomo 1, p. 56.
99
Duarte Joaquim Vieira Júnior, Villa e Termo de Almada, apontamentos antigos e modernos para a
história do Concelho, Vol. I, Lisboa, Imprensa Lucas, 1897, pp. 191 – 192.
100
Idem, p. 93
101
AHMOP, Memoria Economica Da Villa d’Almada e seu Termo, 1835, CEPPND 1, fl. 8 f. (ver anexo
documento 1).
102
Duarte Joaquim Vieira Júnior, op. cit., p. 197.
103
Paulo Perestrello da Câmara, op. cit., p. 456.
104
Cf. Pinho Leal, op. cit., Vol. VII, p. 656.
105
Idem, Vol. IX, p. 593.
106
Paulo Perestrello da Câmara, op. cit., p. 155.
107
AHCMA, Livro de Posturas, 1866, /B/A/003/LV001, postura nº 10, (ver anexo documento 4).
108
Idem, art. 54º
85
Na Caparica é ainda referido o lugar de Fontes Santas, cujo topónimo Vieira Júnior
considera «derivado de duas bicas que constantemente ali correm, de água nascediça,
muito excelente, e que antigamente foram denominadas "santas" por nunca terem
deixado de correr, abastecendo sempre com abundancia, ainda nos annos de maior
secca».109 Nas restantes povoações a população abastece-se de água em poços públicos
e privados. São identificados poços na Charneca onde: «é muito sensivel a falta d'agua ,
nos poços publicos sendo os poços particulares, taes como os dos srs. Jacome Vicente
Gomes, António Francisco da Foz e Francisco Ferreira, e o de Valle de Rosal, que
fornecem ao povo esse primeiro elemento de vida».110 Na Trafaria a população
consome «agua de um poço que há no centro do logar».111 No lugar da Sobreda a água
era recolhida no «"Largo do Rio" em consequencia da bica que em parte do anno ali
corre e fornece agua ás lavadeiras, e do poço publico que no primeiro quartel d'este
século no mesmo largo foi aberto».112 Vieira Júnior faz ainda menção a uma fonte no
lugar da Corvina, cuja água tem a particularidade de aumentar o apetite a quem dela
bebe, pelo que «os trabalhadores d'aquela quinta fogem muitas vezes de beber
d'ella».113
109
Duarte Joaquim Vieira Júnior, op. cit., p. 179.
110
Idem, p. 127.
111
Pinho Leal, op. cit., Vol. IX, p. 656.
112
Duarte Joaquim Vieira Júnior, op. cit., p. 128.
113
Idem, p.197.
114
AHCMA, Livro de Posturas de 1866, CMA/B/A/003/LV003, postura nº1, (ver anexo documento 4).
115
Idem, artº. 12º.
116
Idem, artº. 3º.
86
na zona da Costa, justificando as regras impostas, que como adiante se observa, estão
relacionadas com questões de salubridade.
Importa ainda considerar que o concelho de Almada estava também sujeito às febres
sazonais, que atacavam devido à existência de «muitos pantanos, e agoas estagnadas
que há por todo o termo» e ainda, segundo o provedor do concelho, devido aos hábitos
da população rural, pelo «uso que fazem de fructas verdes ou mal sazonadas, e no
costume de dormirem no campo expostos ao orvalho da noute que lhes tolhe a
transpiração».119 Na povoação da Costa é mencionada uma epidemia de febres
intermitentes ocorrida no ano de 1830, «produsidas não só pela muita miséria e falta de
asseio com que vive aquella gente mas mui particularmente pela singularidade de que
soprando o Vento Sul choveo amiudamente todo o Verão, apodrecendo as agoas que se
conservavao no charcos que se tinham formado no Inverno».120 Já em 1829, um surto
epidémico assolou a povoação da Trafaria, como é dado a conhecer pela documentação
117
AHMOP, Memoria Economica Da Villa d’Almada e seu Termo, 1835, CEPPND 1, fl. 3 v. (ver anexo
documento 1).
118
Pinho Leal, op. cit., Vol. IX, p. 78.
119
AHMOP, Memoria Economica Da Villa d’Almada e seu Termo, 1835, CEPPND 1, fl. 3 f. (ver anexo
documento 1).
120
Ibidem.
87
relativa à correspondência do juiz de fora do concelho de Almada, publicada por Mário
Fernandes.121
2.3.3. O Povoamento
121
Mário Fernandes, «Documentos Relativos à História de Almada: as febres intermitentes de 1829», in
Al-Madan, n.º 6 IIª série, Almada, Centro de Arqueologia de Almada, 1997, pp. 139 – 144.
122
Duarte Joaquim Vieira Júnior, op. cit., p. 106.
123
Cf. Idem, p. 104.
124
Paulo Perestrello da Câmara, op. cit., p. 155.
125
Duarte Joaquim Vieira Júnior, op. cit., p. 96.
88
tomando como referência os dados relativos ao número de habitantes e de fogos,
consoante os autores.
Quadro 8
População do concelho de Almada no século XIX
Memória Económica Dicionário Geográfico Dicionário Corográfico Dicionário de Corografia
José Joaquim de Paulo Perestrello da E. A. de Bettencourt José Leite de
Silva Chaves Câmara Vasconcellos
Freguesia
1835 1850 1874 1884
Santiago 2235
Santa Maria 1238
Caparica 5393 7080 6181 6927
Total 8866 13480 10192 12018
126
AHMOP, Memoria Economica Da Villa d’Almada e seu Termo, 1835, CEPPND 1, fl. 7 v. (ver anexo
documento 1).
89
Quadro 9
População do concelho do Seixal no século XIX
Memória Económica Dicionário Geográfico Dicionário Corográfico Dicionário de Corografia
José Joaquim de Paulo Perestrello da E. A. de Bettencourt José Leite de
Silva Chaves Câmara Vasconcellos
Freguesia
1835 1850 1874 1884
Para além das sedes de concelho, é ainda possível assinalar outras localidades onde o
povoamento apresenta uma maior concentração. No concelho do Seixal, em Paio Pires,
onde Pinho Leal refere que: «É n'esta aldeia onde habita a maior parte das familias da
127
freguezia, o resto está espalhado por differentes quintas e casaes», assim como na
«grande povoação de Arrentella, onde reside a maior parte dos habitantes da
freguezia».128 Já em Almada, no lugar de Cacilhas, viviam, segundo Paulo Perestrello,
127
Pinho Leal, op. cit., Vol. IX, p. 77.
128
Ibidem.
90
mil e novecentos habitantes, dos quais mil trezentos e sessenta e oito na única rua da
povoação.129 O mesmo autor menciona ainda na Costa, cabanas e casas com telha onde
onde viviam mil e seiscentos habitantes.130 Por seu turno, na Trafaria, Vieira Júnior
indica existirem entre quatrocentos a quinhentos fogos. Podemos assim constatar que o
povoamento se encontra concentrado nas localidades ribeirinhas, estando a população
predominantemente ligada a actividades marítimas, enquanto no interior do território,
onde prevalece a exploração do solo, o povoamento encontra-se disperso por vários
lugares com fraca densidade populacional.
129
Paulo Perestrello da Câmara, op. cit., p. 122.
130
Idem, p. 155.
131
AHMOP, Memoria Economica Da Villa d’Almada e seu Termo, 1835, CEPPND 1, fl. 9 v. (ver anexo
documento 1).
132
João Maria Baptista, op. cit., p. 763.
91
Quadro 10
Topónimos do concelho de Almada referidos nos textos do século XIX, divididos por freguesias
CAPARICA SANTIAGO SANTA MARIA
Vara da Costa Vara do Monte Vara da Sobreda Vara da Trafaria
Quadro 11
Topónimos do Concelho de Seixal referidos nos textos do século XIX, divididos por freguesias
Amora Arrentela Paio Pires Seixal
92
Através dos quadros 10 e 11 podemos observar que para o concelho de Almada o
número de topónimos referidos é de oitenta e três, enquanto no Seixal é de vinte e cinco.
Já a distribuição dos topónimos por freguesias, revela em Almada um maior número de
lugares na freguesia de Caparica e dentro desta, a vara da Sobreda apresenta um total de
vinte e sete topónimos, em virtude de abranger na sua circunscrição a zona da Charneca,
enquanto no Seixal a maioria dos topónimos mencionados, em número de dezassete, se
localizam na freguesia de Amora.
2.3.4. A Terra
Vejamos agora como era caracterizado o território quanto à sua exploração. Mais uma
vez, a Memória Económica transmite alguns dados importantes para esta análise,
enunciando as principais formas de ocupação do terreno e a sua distribuição no
concelho de Almada. Nela lemos que: «O Terreno deste Districto hé parte cultivado,
porem a maior porção he charneca inculta coberta de matto razo, e Pinheiraes
extenços aos quaes dá grande valor a proximidade á Capital, e ao mar, para a
facilidade de transporte, e consumo das lenhas».133 Como se depreende, a maior parte
do território estava inculta ou ocupada por pinhais, não deixando por isso de ser
133
AHMOP, Memoria Economica Da Villa d’Almada e seu Termo, 1835, CEPPND 1, fl. 10 f. (ver anexo
documento 1).
93
explorada, usando-se as reservas de combustíveis lenhosos, ou utilizando o espaço
como pasto para rebanhos de cabras, única espécie de gado criado na região devido à
pobreza dos solos que, «pela qualidade de seu terreno arenozo não fornece sustento ou
pastagens, e por esta razão não tem este Districto creadores de Gado. Apenas se
encontrão rebanhos de cabras de que se tira grande quantidade de leite para
fornecimento da Capital».134 A pastorícia está na origem de um problema já
identificado nas posturas do século XVIII, como salientámos, e que se relaciona com os
incêndios nos pinhais, «a cujo matto os malvados Pastores lanção fogo, para nas
primeiras agoas do Outono rebentarem e offerecerem pastos mimosos que de outro
modo não poderião obter».135 A ocorrência de incêndios, para além de destruir um
recurso económico importante na região, contribui para a transformação da paisagem,
conforme nos relata o provedor do concelho: «encontrão-se já legoas de charneca
cobertas noutro tempo de extensas e annosas mattas, e hoje de inutil matto, victimas
dos devoradores incendios».136
134
Idem, fl. 13 f.
135
Ibidem.
136
Idem, fl. 10 f.
137
AHCMS, Cópia das Posturas feitas pela Câmara Municipal do Seixal pertencente ao Juiz. Elleito da
mesma freguesia, 1841, CMS/B/A/06/CX001 Doc. 3, artº. 36. (ver anexo documento 3)
138
AHCMA, Livro de Posturas de 1866, CMA/B/A/003/LV003, artº 125. (ver anexo documento 4).
139
Idem, artº 113.
94
A ocupação agrícola do solo é limitada a algumas áreas, sendo que o «Terreno cultivado
terá meia legoa de largura, e em partes menos, e duas legoas e meia ao longo do
litoral».140 Nestes espaços situam-se também as localidades com mais habitantes, bem
como as diversas quintas que ordenam a paisagem rural desta zona. É também referida a
existência de terrenos que poderiam ser utilizados para a agricultura, que no entanto são
deixados ao abandono. «Para o interior são as terras mais planas, cortadas de
pequenos outeiros. A hua legoa da Villa principia a Charneca inculta, coberta de
matto, cujo terreno he quasi todo arenoso, não admittindo talvez genero algum de
cultura sem grandes despezas que não poderiam recompensar. No entanto algun sitios
há de óptimo torrão que está abandonado e poderião ser amanhados com proveito».141
Quadro 12
Média das produções agrícolas do concelho de Almada entre 1830 e 1833, segundo a
Memória Económica Da Villa d’Almada e seu Termo143
Productos Colheita Preços Soma
Pipas Alqueires Pipas Alqueires
Vinho 8000 12000 96:000$000
Trigo 4500 650 2:925$000
Milho 14500 400 5:800$000
Sevada 950 240 228$000
Senteio 560 360 201$000
Total 8000 20510 105:155$000
140
AHMOP, Memoria Economica Da Villa d’Almada e seu Termo, 1835, CEPPND 1, fl. 10 v. (ver anexo
documento 1).
141
Idem, fl. 11 f.
142
Idem, fl. 12 f.
143
Ibidem.
95
médias dos vários produtos cultivados entre 1830 e 1833, nomeadamente, vinho, trigo,
milho, cevada e centeio. O valor dos vários produtos totalizava cento e cinco mil e cento
e cinquenta e cinco reis, sendo que só o vinho valia noventa e seis mil reis,
correspondendo a mais de noventa por cento do valor global dos produtos cultivados.
144
AHCMS, Cópia das Posturas feitas pela Câmara Municipal do Seixal pertencente ao Juiz. Elleito da
mesma freguesia, 1841, Arquivo Histórico Municipal do Seixal, CMS/B/A/06/CX001 Doc. 3,, artºs. 15,
16 e 19 (ver anexo documento 3).
145
Cf. AHMOP, Memoria Economica Da Villa d’Almada e seu Termo, 1835, CEPPND 1, fl. 13 f. (ver
anexo documento 1).
146
Duarte Joaquim Vieira Júnior, op. cit., p. 93.
147
Pinho Leal, op. cit., Vol. IX, p. 77.
96
analisar o modo como as vias de comunicação marcavam a paisagem da região durante
o século XIX.
2.3.5. Os Caminhos
148
AHMOP, Memoria Economica Da Villa d’Almada e seu Termo, 1835, CEPPND 1, fl. 15 f. (ver anexo
documento 1).
149
Cf. Agostinho Rodrigues de Andrade, Diccionario Chorographico do Reino de Portugal, Coimbra,
Imprensa da Universidade, 1878, prólogo p. VII.
150
Cf. Idem, pp. 11/44/180.
151
Cf. Idem, pp. 21/166.
152
Duarte Joaquim Vieira Júnior, op. cit., p. 94.
153
Idem, p. 152.
154
Idem, p. 118
155
Cf. Idem, p. 141.
97
ao Porto Brandão e à Trafaria. No vale da Sobreda passa, segundo o mesmo texto, um
caminho que conduz à estrada real, passando em Casas Velhas.156 De Murfacém saem
para a Trafaria «dois caminhos principaes, a estrada velha e o moderno accrescente da
estrada districtal».157 Por último, são ainda registadas duas azinhagas, uma «que do
Salgado vae á Seixeira, Silveira, Urraca, e Ginjal (Monte), até ao Bicheiro pela estrada
real»158 e outra «de Poçolos ao sitio das Casas Velhas, pelo caminho a da "Formiga",
se volta ao "Monte" propriamente dito».159
Recorde-se que a conservação da via pública é considerada nas posturas de 1886, que
estipulam que os «proprietários rendeiros ou usufrutuários de predios confinantes com
as estradas ou outros lugares públicos que tenham valados de terra, serão obrigados a
dar a estes uma inclinação tal para o lado interior, que evite de modo possível o
precipitarem-se sobre a via publica, assim como serão obrigados a cortar as silvas,
piteiras ou quaesquer outras plantas que pendam e sobressaiam, incomodando e
156
Cf. Idem, p. 135.
157
Idem, p. 193.
158
Idem, p. 94.
159
Idem, p. 152.
98
embaraçando o transito».160 A limpeza teria de ser feita durante o mês de Maio.
Importa referir que quando trata da manutenção dos valados, o artigo correspondente
das posturas do Seixal menciona três espécies vegetais, que seriam dominantes nas
sebes naturais: silvas; piteiras e carrascos. Quanto ao pavimento das estradas, um dos
artigos refere a proibição de levantar «calçada ou macdame»,161 o que indica que, para
além das calçadas referidas no século XVIII, algumas das estradas já estariam
pavimentadas com o sistema criado pelo escocês Mac Adam em 1820.
2.4. Das unidades de paisagem na Almada e Seixal dos séculos XVIII e XIX
160
AHCMA, Livro de Posturas de 1866, CMA/B/A/003/LV003, artº. 34, (ver anexo documento 4).
161
Idem, artº. 36.
99
seguidamente as seis unidades de paisagem de Oeste para Este, partindo da frente
atlântica para o interior da península.
Comecemos então pela frente atlântica, que limita a Ocidente o território em análise,
prolongando-se numa extensão de aproximadamente treze quilómetros, desde a Lagoa
de Albufeira até à Golada a Oeste da Trafaria, lugar onde termina a margem esquerda da
foz do Tejo. A costa atlântica é marcada pela arriba, que na base dá lugar a uma larga e
extensa faixa de areal, aumentando de largura à medida que nos dirigimos para Norte.
Enquanto unidade de paisagem, este espaço integrava no século XVIII e XIX as
povoações da Costa e Trafaria, constituídas exclusivamente por pescadores que
habitavam aglomerados de barracas de madeira e colmo. O terreno era arenoso, com
pântanos e charcos, sendo a vegetação constituída basicamente por juncos, e o ambiente
propício à proliferação de insectos transmissores de febres paludosas. A questão
sanitária terá determinado que a partir de 1882 o governo do reino, em resposta às
100
solicitações do representante de Almada às cortes Jaime Artur da Costa Pinto,162 mande
drenar, através da abertura de valas, os pântanos que separavam a praia da arriba e
florestar com pinheiros uma faixa de terreno paralela à praia, entre as povoações da
Trafaria e Costa. Os solos entre o pinhal e a base da arriba, então drenados, começaram
a ser cultivados, plantando-se vinha e hortaliças. Para Sul, o areal entre a praia e a arriba
só será florestado e arroteado no início do século XX. Neste espaço, opera-se no final
do século XIX uma alteração no ambiente sócio económico, até então exclusivamente
dominado pela pesca, ganhando importância a actividade agrícola.
A segunda unidade de paisagem que podemos identificar nas fontes do século XVIII e
XIX é a frente ribeirinha Norte, formada pela arriba escarpada sobre o Tejo,
interrompida por talvegues, nos quais se localizam os lugares de Banática, Porto
Brandão, Praia da Paulina, Portinho da Costa e Praia dos Buxos, que constituíam portos
naturais para o transporte fluvial e pontos de apoio à pesca. A Banática tinha, em 1758,
catorze fogos e uma ermida dedicada a Nossa Senhora do Cabo.163 O Porto Brandão,
principal povoação integrada nesta unidade de paisagem, contava com quarenta e um
fogos e uma ermida dedicada a Nossa Senhora do Bom Sucesso.164 As praias da Paulina
e dos Buxos e o Portinho da Costa serviam de embarcadouro ou local de
armazenamento. Nalguns lugares da frente ribeirinha instalaram-se durante o século
XIX algumas indústrias e armazéns.
162
Duarte Joaquim Vieira Júnior, op. cit., p. 105
163
Alexandre Flores, op. cit., p. 43.
164
Idem, p. 44.
101
pertenciam na sua maioria às diversas quintas, que marcavam a paisagem com as suas
casas, capelas, adegas, celeiros e abegoarias. Relativamente às transformações operadas
nesta unidade de paisagem entre o século XVIII e XIX, regista-se o aumento
significativo da população residente, bem como o maior número de topónimos
mencionados. Mantêm-se as características rurais, sendo o declínio da cultura da vinha,
em virtude das doenças que a afectaram na segunda metade do século XIX, um dos
factores de transformação da paisagem decorrente do abandono ou reconversão dos
vinhedos.
A quarta unidade de paisagem que consideramos abrange toda a frente ribeirinha virada
a Este, banhada pelo Mar da Palha e pelos esteiros dos rios Coina e Judeu. Aqui, a
arriba dá lugar a encostas suaves que terminam em praias e em extensas áreas de sapal
sujeitas ao regime das marés, que motivaram a intenção nunca concretizada de
instalação de marinhas de sal. Esta unidade de paisagem prolonga-se desde Cacilhas até
Paio Pires, acompanhando o profundo recorte da margem, sendo aqui que se
localizavam os moinhos de maré e os portos fluviais, na maioria destinados ao
escoamento dos produtos da região. Ao longo das margens, em algumas zonas,
ocorriam nascentes de água e brejos que permitiam culturas de regadio e pomares de
citrinos, enquanto as encostas eram ocupadas por vinha. A propriedade estava dividida
por várias quintas, das quais se destacam as do Alfeite, da Princesa, da Salema e da
Trindade, o que reflecte a preferência da casa real, da nobreza e das ordens religiosas
pela frente ribeirinha, mas também uma maior concentração da propriedade. Quanto às
alterações observadas nesta unidade de paisagem salienta-se, a partir do século XIX, a
instalação de algumas unidades industriais que, utilizando máquinas a vapor, se
localizavam em zonas próximas das margens como forma de facilitar a descarga de
combustível e o escoamento dos produtos transformados.
A área de território que ocupava a zona Sul dos concelhos de Almada e Seixal
corresponde à quinta unidade de paisagem. Estas áreas encontravam-se despovoadas,
constituídas na sua maioria por areias. Os solos eram pobres e ocupados por uma
vegetação de características mediterrâneas, onde predominavam o carrasco, a aroeira e
alguns sobreiros. A charneca era o tipo de paisagem característico de grande parte deste
território, possibilitando contudo a exploração de variados recursos, sendo estes espaços
utilizados para a instalação de cortiços de abelhas, como terrenos de caça, para a
102
recolecção de lenha e grã, bem como para pastagens de gado caprino. Esta unidade de
paisagem, que apresentava o coberto vegetal primitivo da região, foi diminuindo a sua
extensão à medida que estes terrenos foram sendo ocupados por pinhais.
Não sendo o pinheiro uma espécie autóctone, depreende-se que terá sido plantado na
região, constituindo uma forma de exploração dos solos de charneca, com menor
aptidão agrícola, para produção de madeira e lenha. Entre os diversos pinhais referidos
nos textos analisados, destaca-se o Pinhal dos Medos,165 também designado por Pinhal
do Rei,166 que bordejava a arriba atlântica e se prolongava para Este. As áreas de pinhal
eram intensamente explorados e protegidas do pastoreio, ocupando grande parte do
interior do território e ainda alguns terrenos ao longo da frente ribeirinha da zona do
Seixal.
165
Luís Cardoso, op. cit., p. 15.
166
Duarte Joaquim Vieira Júnior, op. cit., p. 94.
103
3. MEMÓRIAS DE UMA PAISAGEM RURAL DE ALMADA E SEIXAL NOS
SÉCULOS XX E XXI
104
de rio e no cultivo dos solos mais férteis, onde predominava a vinha, os quais ocupavam
apenas uma parte do território, enquanto grandes extensões de charneca e pinhal eram
aproveitados como pastagem, espaço de caça e recolecção, mas principalmente como
fonte de combustível lenhoso. O povoamento tinha um cariz acentuadamente rural,
disperso no interior do território e mais concentrado nas povoações ribeirinhas.
É neste sentido que focalizamos alguns dos aspectos do património, sem esquecer o
imaterial, que nos permitem encontrar e investigar na actualidade a memória rural da
região, de modo a contribuir para a sua preservação.
Face ao período cronológico (séculos XVIII e XIX) que estudámos nos capítulos
anteriores, as marcas da ruralidade que encontramos na actualidade revestem-se de uma
carga histórica, na medida em que, as construções e outros vestígios do espaço rural,
como os próprios campos agrícolas, remetem para paisagens e actividades que foram
determinantes na caracterização da evolução do território. Neste sentido, os vestígios da
ruralidade constituem memórias do passado da região, pelo que, sem querer entrar numa
explanação sistemática do tema, consideramos necessário enquadrar o conceito de
memória. Interessa-nos apreender que remetendo para o passado, a memória é um factor
determinante na escrita da história e na afirmação do património cultural, entendido
enquanto herança e factor de construção da identidade colectiva e individual.
105
Enquanto factor de construção do discurso histórico, podemos confrontar os conceitos
de memória colectiva e memória histórica. Segundo Maurice Halbwachs,1 a memória
colectiva é construída de forma aleatória, seleccionando, valorizando ou esquecendo
determinados aspectos do passado em função de condicionalismos sociais, ideológicos e
emocionais. A memória colectiva constitui assim a base das memórias individuais, no
sentido em que estas se fundam num passado comum ao grupo em que o individuo se
insere. A esta dimensão da memória, Pierre Nora2 contrapõe o conceito de memória
histórica. Para este autor as memórias são analisadas de forma critica e sistemática,
sendo organizadas segundo uma perspectiva unitária que procura ser aceite pela
comunidade dos historiadores passando assim a integrar o discurso histórico. Neste
sentido, a construção de memórias que incidem sobre o passado da região analisada na
presente abordagem, pode assumir diferentes formas, pelo que propomos estudar a
questão da ruralidade ao nível da memória colectiva, mas também na forma como a
memória está patente na construção do discurso da histórico local.
1
Cf. Maurice Halbwachs, A Memória Coletiva, São Paulo, Vértice, 1990.
2
Cf. Pierre Nora, «Memória Colectiva», in A Nova História, Dir. Jacques Le Goff, s.d., Coimbra,
Almedina, p. 451 – 452.
3
Cf. Jorge de Sousa Fernandes, «Almada: Como nasce uma cidade», in Actas das 2as. Jornadas de
Estudo Sobre o Concelho de Almada, Almada, Câmara Municipal de Almada, 1998, pp. 65 – 75.
106
minoritários. Daí resulta que o elemento aglutinador destas comunidades se centre em
torno das actividades laborais associadas à indústria, ao meio urbano ou aos lugares de
origem, que se constituem como aspectos identitários das populações locais. Quanto à
ruralidade, conforme fomos constatando ao longo de algumas recolhas orais realizadas
no âmbito do trabalho desenvolvido no Centro de Arqueologia de Almada, essa
memória persiste apenas nas lembranças de alguns moradores mais idosos das antigas
povoações rurais.
Importa aqui salientar que nas povoações piscatórias como a Costa de Caparica ou a
Trafaria essa memória está mais presente, em parte devido ao facto de se continuar a
praticar a pesca nos moldes tradicionais, mas também em virtude de se tratarem de
comunidades relativamente fechadas, onde as origens comuns (Beira Litoral e Algarve),
os laços familiares e o carácter precário da actividade recolectora acentuam de alguma
forma a identidade destes grupos sociais. Por outro lado, a povoação da Costa de
Caparica foi alvo de uma campanha de promoção turística desde 1930, que se apoiou na
figura do pescador e nas embarcações tradicionais como imagem de marca da Costa de
Caparica, turisticamente promovida com a designação de “Praia do Sol”.4
4
Cf. Manuel Agro Ferreira, A praia da Costa Terra de pescadores – estância balnear, de cura, de
repouso e de turismo, Lisboa, s.e., 1930.
107
também de recordar aspectos do passado que permitam enquadrar as situações e os
problemas que no presente afectam as populações e que se pretende resolver. Assim,
podemos constatar que a construção de memória, servindo para recriar o passado, tem
no presente a sua função pragmática projectando-se assim no futuro.
5
Cf. Francisco Silva, As Monografias sobre História de Almada Publicadas no Século XX, trabalho
apresentado no seminário “História Local e Regional, Tendências e Dinâmicas” do mestrado em Estudos
do Património, Lisboa, Universidade Aberta, 2005, (texto policopiado).
6
António J. Nabais, História do Concelho do Seixal, IV Vols., Seixal, Câmara Municipal do Seixal, 1981
– 1986.
108
história das freguesias de Corroios, editado em 2001,7 e Amora em 2006,8 que coligem
informação histórica sobre a paisagem rural e as estruturas associadas à exploração
agrícola.
7
Manuel Lima, Corroios Minha Terra co(m a)rroios, s.l., Plátano, 2001.
8
Idem, Amora Memórias e Vivências D’Outrora, s.l., Plátano, 2006.
9
Cf. Dominique Poulot, Patrimoine et musées. L’institution de la culture, s.l., Hachette, 2003, p. 196.
109
paisagem e património rurais abordados enquanto documentos10 capazes de transmitir
informação histórica. Nessa medida, define-se como objecto de análise o património
rural, o qual se caracteriza pela sua ligação ao património etnográfico através da relação
com práticas e modos de vida dos grupos sociais que lhe estão ou estiveram
associados.11 Abarcando as vertentes cultural e natural, o património rural abrange um
conjunto de elementos diversos como os edifícios, as alfaias e engenhos, o coberto
vegetal, a exploração dos solos ou as actividades tradicionais do meio rural. Com o
desaparecimento gradual das práticas agrícolas nos moldes tradicionais por um lado e o
abandono das terras de cultivo por outro, o património rural tem sofrido uma
desagregação, acentuada pela estreita dependência entre as estruturas construídas e as
áreas de exploração agrícola,12 pois a conservação da arquitectura por si só não basta
para preservar o património rural. Quando os espaços envolventes, ordenados em
função da exploração agrícola, são transformados pela acção humana e perdem a sua
função, os moinhos, os lagares e outros elementos arquitectónicos associados ao meio
rural ficam descontextualizados e perdem parte da informação que transmitiam, não
deixando no entanto de constituir fontes de informação histórica sobre a paisagem rural.
Na mesma medida, os actuais campos agrícolas, os pinhais e as praias, são também
elementos paisagísticos portadores de memória no sentido em que mantém as principais
características que os definiam no passado.
10
Jacques Le Goff, «Documento / monumento», in Enciclopédia Einaudi, Vol. I Memória – História, s.l.,
Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1984, pp. 95-106.
11
Cf. Jean Davallon et al, «Vers une évolution de la notion de patrimoine? Reflexions à propos du
patrimoine rural», in L’Espirit des Lieux – Le Patrimoine et la Cite, Paris, Pug, 1997, p. 196.
12
Idem, p. 199.
13
Os mapas são apresentados no corpo do texto, enquanto as fotografias, incluindo as que ilustram o
texto, encontram-se reproduzidas no volume de anexos, bem como os ortofotomapas.
110
enquanto memória na paisagem cultural da região desde o século XX até aos nossos
dias.
3.2. Das transformações de uma paisagem (em Almada e Seixal) nos séculos XIX e
XX
111
a partir de meados do século XIX, determinando decisivamente a paisagem
contemporânea da margem Sul do Estuário do Tejo.14 É neste contexto que Maria
Alfreda Cruz indica a existência de factores de indução eotécnica, relacionados com o
ambiente, a situação geográfica e a disponibilidade de combustível. Foram estes os
factores associados à proximidade de Lisboa,15 que desde a Idade Média fizeram
despontar no concelho de Almada actividades proto-industriais baseadas no
aproveitamento dos recursos geológicos como o ouro, a lenha e a força motriz do vento
e das marés.
Destas actividades a mais importante foi a exploração aurífera que remonta ao período
de ocupação romana e que está na origem do topónimo árabe Al-ma’dan que se traduz
por “a Mina”,16 conforme refere no século XII o geógrafo Edrici na descrição de
Lisboa: «Situada nas proximidades do Mar Tenebroso esta cidade tem à sua frente, na
margem oposta e junto à foz do rio, o forte de Almada [A Mina], assim chamado
porque o mar lança palhetas de ouro sobre a margem. Durante o Inverno, os habitantes
da região vão junto do forte à procura desse metal e entregam-se à faina com maior ou
menor sucesso enquanto dura a estação rigorosa. É um facto de que eu próprio fui
testemunha».17
A exploração da Mina da Adiça, situada nas praias da frente atlântica a Norte da Lagoa
de Albufeira, era controlada pela coroa desde a tomada de Lisboa em 1147 e está
documentada desde o século XIII até ao século XVI, perdendo importância devido ao
esgotamento dos filões ou à pouca rentabilidade face ao ouro que a partir de então chega
da costa ocidental africana e mais tarde do Brasil.18 No entanto a actividade de
mineração, através da lavagem das areias, não foi totalmente abandonada sendo que
ainda era desenvolvida durante o século XIX como refere Pinho Leal, «Perto d'esta
14
Cf. Maria Alfreda Cruz, A Margem Sul do Estuário do Tejo. Factores e formas de organização do
espaço, s.l., ed. autor, 1973, p. 113.
15
Idem, p. 114.
16
Cf. José Pedro Machado, «O Topónimo Almada», separata da Revista Cultural, Anais de Almada, nº 3,
2000, Almada, Câmara Municipal de Almada, 2001.
17
Tradução do texto árabe, organização prólogo e notas de António Borges Coelho, Portugal na Espanha
Árabe, Vol. I, Lisboa, Seara Nova, 1972, p. 41.
18
Cf. Jorge Custódio, «Almada Mineira, Manufactureira e Industrial», in Al-madan, nº 2 IIª série,
Almada, Centro de Arqueologia de Almada, 1993, p. 90.
112
villa (na Adiça) há uma mina de ouro, que ainda no reinado do Senhor D. Miguel se
explorava por conta do estado; mas não rendia para as despezas».19
As lenhas eram por sua vez destinadas em grande parte à alimentação de fornos com
diversas funções como o fabrico de cerâmica, atestado no século II na olaria romana da
Quinta do Rouxinol onde foram identificados e escavados dois fornos cerâmicos aos
quais se encontrava associado numeroso espólio anfórico, destinado ao transporte de
produtos da região como os preparados de peixe e vinho, e cerâmica de uso doméstico.20
19
, Pinho Leal, Portugal Antigo e Moderno, Vol. I, Lisboa, Livraria Editora de Mattos Moreira &
Companhia, 1873, p. 140.
20
Cf. Ana Luísa Duarte e Jorge Raposo, «Elementos para a Caracterização das Produções Anfóricas da
Quinta do Rouxinol (Corroios/Seixal)», in Ocupação Romana dos Estuários do Tejo e do Sado, Actas das
Primeiras Jornadas sobre a Romanização dos Estuários do Tejo e do Sado, Lisboa, Câmara Municipal do
Seixal / Publicações Dom Quixote, 1996, pp. 236 – 247.
21
Cf. Maria Alfreda Cruz, op. cit., pp. 114 – 115.
22
Cf. Raul Pereira de Sousa, Almada Toponímia e História, Almada, Câmara Municipal de Almada,
2003, p. 70-71. No artigo «A Margem Sul do Estuário do Tejo Durante a Expansão Portuguesa», in Al-
-madan, Iª série, nº 2, Almada, Centro de Arqueologia de Almada, 1984, p. 57, António Nabais localiza
esta saboaria próximo do Porto Brandão, no entanto consideramos tratar-se de uma imprecisão repetida
por Jorge Custódio, «Almada Mineira, Manufactureira e Industrial», in Al-madan, IIª nº 4 série, Almada,
Centro de Arqueologia de Almada, 1995, p. 129. A constatação do erro de localização fundamenta-se na
medida em que a fotografia publicada no artigo de António Nabais corresponder a instalações localizadas
na praia da Arrábida.
113
margem Sul, as madeiras de sobro e pinho, usadas na construção seja de galeões seja de
outras embarcações de pesca ou de transporte fluvial.23
23
Cf. Maria Alfreda Cruz, op. cit., p.114.
24
Cláudio Torres refere a existência de mais de cinquenta moinhos de maré na margem sul do estuário do
Tejo, «A Outra Banda», in O Livro de Lisboa, Irisalva Moita, coord., Lisboa, Livros Horizonte, 1994, p.
171.
25
Cf. Jorge Custódio, op. cit., p.128.
26
Cf. Cláudio Torres, Um Forno Cerâmico dos Séculos XV e XVI na cintura industrial de Lisboa. Mata
da Machada – Barreiro (1987), Barreiro, Câmara Municipal do Barreiro, s.d.
114
Almada, como «o grande Laboratorio Chimico o maior que há em Portugal pertencente
a João Paulino de Almeida»,27 que estava instalada desde 1823.28 No entanto, o autor da
referida Memória, não o considera uma instalação industrial, pois ao referir-se à
indústria no concelho refere que «difficultosamente se encontrará hua terra aonde haja
menos industria do que este Comcelho. Nenhum estabelecimento, ou fábrica se
encontra em todo elle, á excepção do Lavadouro e Pizão que faz parte da Officina
Nacional das Mantas para o Exercito».29 No então já concelho do Seixal, instala-se em
1862 a Companhia de Lanifícios da Arrentela, dotada de maquinaria especializada e que
consumia exclusivamente matérias-primas e carvão importados, empregando
quatrocentos e vinte operários,30 por seu turno a Fábrica de Vidros da Amora inicia a
sua actividade em 1890.31 Pinho Leal refere ainda três fábricas no Seixal «uma de
productos chimicos, de Padrel & C.ª – outra de Sabão – e outra de sóla antiga».32
27
AHMOP, Memoria Economica Da Villa d’Almada e seu Termo, 1835, CEPPND 1, fl. 8 f., (ver anexo
documento 1).
28
Cf. Jorge Custódio, op. cit., p. 131.
29
AHMOP, Memoria Economica Da Villa d’Almada e seu Termo, 1835, CEPPND 1, fl. 16 f. e v., (ver
anexo documento 1).
30
Maria Alfreda Cruz, op. cit., p. 119.
31
Idem, p. 120.
32
Pinho Leal, op. cit., p. 76.
33
Jorge Custódio, op. cit., p. 133.
115
empregando maior número de trabalhadores e aumentando exponencialmente a
capacidade transformadora face aos sistemas tradicionais movidos pela força das marés
ou do vento, e moendo cereal importado.
Ainda no século XIX devemos referir a instalação de uma fábrica de dinamite próximo
da Trafaria, que iniciou a laboração em 1873,34 a qual é referida por Pinho Leal no lugar
do Torrão: «Para evitar os perigos de uma grande explosão, a fábrica foi construída em
pequenas barracas, isoladas umas das outras, por grandes reductos de areia,
misturada com terra vegetal adubada convenientemente, para sustentar plantas
adhesivas, e acham-se actualmente cobertas de verdura».35
Na margem Sul, onde a construção naval era já uma actividade tradicional, os estaleiros
de Hugo Parry vão iniciar uma nova tecnologia com recurso à utilização do ferro e de
máquinas ferramentas. 36 A sua instalação em 1881 na praia do Ginjal representa um
marco na história da indústria na margem Sul, pois conforme escreve Jorge Custódio «A
Hugo Parry & Son era uma autêntica fábrica metalúrgica especializada na construção
de navios de ferro e outras construções metálicas».37 Já no século XX, são construídos
no concelho de Almada dois dos mais importantes estaleiros navais do país: o Arsenal
da Marinha, cujas obras se iniciam nos terrenos da Quinta do Alfeite nos anos vinte
sendo inaugurado em 1939. Vinte e oito anos depois, em 1967, o estaleiro naval
Lisnave, instalado na zona da antiga praia da Margueira, onde, para a construção do
estaleiro, como aliás já havia acontecido com o Arsenal de Marinha, enormes volumes
de areia são arrancados às arribas para a realização dos aterros que avançam sobre o rio,
transformando radicalmente a paisagem ribeirinha. Estes dois estaleiros navais
representam a fase da industrialização que distinguiu profundamente a indústria pesada
na região, empregando milhares de trabalhadores e constituindo um importante factor de
atracção de população.
34
Idem, p. 135.
35
Pinho Leal, op. cit., Vol. IX, pp. 594 – 595.
36
«as máquinas-ferramentas – com plano inclinado, docas secas e gruas a vapor», Jorge Custódio, op.
cit., p. 134.
37
Ibidem.
116
Fábrica de Cerâmica de Palença, localizada na praia com o mesmo nome e em
laboração desde 1884. Utilizava um forno contínuo e quatro intermitentes alimentados a
carvão mineral38 e explorava barreiros locais. Para além de cerâmica comum, produzia
também materiais de construção, como tijolo e telha Marselha. Ocupando mais de uma
centena de operários, a fábrica manteve a sua actividade até aos anos setenta do século
XX.39
Com o maior impacto à escala regional, há ainda que referir a indústria corticeira cuja
localização preferencial na margem esquerda do estuário do Tejo se relaciona
directamente com a linha de caminho de ferro, que através da linha Sul e Sueste a qual
tinha o seu terminus no Barreiro, estando prevista à época a sua ligação ao Seixal e a
Almada que no entanto não se veio a concretizar,41 a cortiça era transportada por via
fluvial para o Seixal e Almada, onde se observa uma concentração de instalações fabris
o que, segundo Maria Alfreda Cruz, «parece dever-se à maior interligação à orgânica
de Lisboa».42 Assim, conforme indica Jorge Custódio entre 1872 e 1910 existiam no
concelho de Almada dezassete fábricas de transformação de cortiça,43 enquanto no
concelho do Seixal se destacam a fábrica Mundet, instalada em 1906, e a Wicanders em
1911.44 As empresas eram na sua maioria estrangeiras, principalmente inglesas e
também ligadas ao comércio do carvão, enquanto outras vieram do Algarve,
38
Idem, p. 138.
39
Raul Pereira de Sousa, op. cit., p. 175.
40
Luís Barros, «Cacilhas uma Experiência de Arqueologia Urbana», in Al-madan, n.º 0, Almada, Centro
de Arqueologia de Almada, Novembro 1982, pp. 34 – 35.
41
Jorge Custódio, op. cit., p. 137.
42
Maria Alfreda Cruz, op. cit., p. 143.
43
Jorge Custódio, op. cit., p.137.
44
Maria Alfreda Cruz, op. cit., p. 148.
117
nomeadamente de Silves onde existia a principal pólo da indústria corticeira do país,
trazendo consigo operários especializados.
118
Ao nível da paisagem, as grandes transformações causadas pela industrialização
fizeram-se sentir num primeiro momento nas zonas ribeirinhas, onde se localizavam a
maioria das instalações fabris e de armazenamento, com impactos ao nível da paisagem
instalando-se na base da arriba do Tejo virada a Norte, com construções pontuais mas
de grande dimensão e dotadas de cais privativos. Paralelamente, as povoações mais
próximas dos pólos industriais desenvolveram-se, como é o caso da Cova da Piedade e
Amora, que de pequenos lugares rurais face ao crescimento urbano passam a povoações
habitadas maioritariamente pelo operariado. Na envolvente da vila de Almada, em sítios
como o Pragal, a Ramalha ou Cacilhas, as antigas instalações agrícolas das quintas são
transformadas em habitações e novos anexos são construídos. Importa salientar que na
Memória Económica de 1835 o provedor do concelho refere que no Pragal os
«habitantes são quasi todos Calafates e Carpinteiros occupados no Arsenal da
Marinha»,47 pelo que podemos constatar que já durante a primeira metade do século
XIX a população do Pragal se encontrava mais ligada à actividade manufactureira
desenvolvida na capital do que ao cultivo dos campos envolventes, justificando assim as
queixas de José Joaquim de Silva Chaves quanto à falta de mão-de-obra local para o
trabalho agrícola.48
47
AHMOP, Memoria Economica Da Villa d’Almada e seu Termo, 1835, CEPPND 1, fl. 8 f.,
48
«Esta falta de homens de trabalho faz a cultura [da vinha] dispendiosa no resto do anno, porque os
braços valem como os outros generos conforme a necessidade, e por isso muitos annos os jornaes
augmentão a hum preço desproporcionado, sobindo ás vezes ate 400 r.s.», idem, fl. 13 f.
119
capital e nos arredores o trabalho nas fábricas e no comércio, fixando residência nos
concelhos de Almada, Seixal e Barreiro.
Actualmente a indústria deu lugar ao comércio e aos serviços, que empregam a maioria
da população. O governo das autarquias locais alarga a sua acção aos sectores sócio
culturais e é responsável pelo ordenamento do território através da elaboração de Planos
49
Jorge Sousa Rodrigues, op. cit, pp. 65 – 75.
50
Idem, p. 67.
51
«Nos fins dos anos 70, a nível concelhio, 57,1% da população trabalhava no comércio, serviços e
transportes, 41,2 % na indústria, e só 1,7 % na agricultura e pesca». Idem, p. 69.
120
Directores Municipais. Não obstante, o crescimento urbanístico dos concelhos de
Almada e Seixal continua em expansão, ocupando antigos solos agrícolas e florestais.
No entanto, ainda é possível observar alguns dos aspectos que caracterizavam a
paisagem rural conforme é descrita nas fontes históricas dos séculos passados. Algumas
paisagens, os núcleos de povoamento antigo, as quintas ou os moinhos, sem esquecer o
património imaterial ligado à memória das gentes e às celebrações religiosas associadas
aos ciclos agrários, são contextos que, apesar de transformados pela acção humana com
impactos maiores ou menores, testemunham o passado rural da região.
Assim entende-se como paisagem rural o espaço onde a acção humana tem origem na
exploração do solo, do mar ou do rio. Os campos agrícolas, os pinhais, os conjuntos
edificados, os elementos associados ao povoamento rural, à arquitectura tradicional e às
infra-estruturas agrárias são os aspectos da paisagem rural que nos propomos identificar
e analisar enquanto fonte de informação histórica, na medida em que preservam, ainda
que parcialmente, características da paisagem rural. Para tal, comecemos por observar a
carta de ocupação dos solos nos concelhos de Almada e Seixal (mapa 6), no sentido de
identificar as áreas de uso agrícola e florestal, bem como as zonas de maior
concentração populacional.
121
Mapa 6 – Mapa do uso do solo nos concelhos de Almada e Seixal (AML, 2006).
Como podemos observar, a área agrícola, assinalada com cor amarela, situa-se
principalmente a Norte do concelho de Almada, correspondendo aos terrenos da
Caparica e da base da arriba paralela à faixa costeira, as chamadas “Terras da Costa”.
No Seixal, a área agrícola com maior significado situa-se na freguesia de Paio Pires, ao
longo da margem do rio Coina, ocupando os terrenos deixados livres após a instalação
da Siderurgia Nacional. Observam-se ainda, com destaque para a zona Sul dos
concelhos de Almada e Seixal, as manchas florestais constituídas principalmente por
pinhal. No interior é patente uma forte pressão urbanística com base na habitação
unifamiliar e plurifamilar que correspondem, em parte, a loteamentos de génese ilegal.
122
actividade humana continuada ao longo de séculos, pelo que consideramos a área
florestal como uma unidade de paisagem rural
Mapa 7 – Reserva Ecológica Nacional nos concelhos de Almada e Seixal (AML, 2006).
3.3.1. O Pinhal
Os actuais concelhos de Almada e Seixal integram uma área florestal constituída
maioritariamente por pinhal. Enquanto unidade de paisagem, este coberto vegetal ocupa
grande parte da zona Sul de ambos os concelhos e prolonga-se pelo de Sesimbra.
Observam-se nesta paisagem diversas espécies vegetais autóctones como a aroeira, o
carrasco e alguns sobreiros. Em resultado de plantio predominam o pinheiro, o eucalipto
e a acácia, espécie invasora largamente difundida.
123
Desconhece-se a origem da plantação do
Pinhal dos Medos, apesar de alguns textos de
divulgação que omitem a fonte da informação,
referirem que partiu de D. João V a iniciativa
de mandar plantar o pinhal, por forma a evitar
o avanço das dunas ou medos52 para o interior.
Segundo Luís Cardoso, havia: «no sitio a que Foto 1 – Pinhal dos Medos, Francisco
Silva, 2008.
chamaõ os Medos, hum grande pinhal, de que
tem cuidado o Amoxarife da Villa».53 Sendo o Almoxarife um oficial da coroa, tudo
indica tratar-se o pinhal de propriedade régia. As restantes fontes analisadas nos
capítulos anteriores não fazem qualquer referência à determinação do monarca quanto à
plantação do pinhal, mas sim à sua propriedade. Vieira Júnior designa o Pinhal como do
Rei,54 como aliás é tradicionalmente conhecido.
52
Paula Fonseca, Paisagem Protegida da Arriba Fóssil da Costa da Caparica, s.l., PPAFCC / ICN, 1995,
p. 11.
Luís Cardoso, «Vila e Termo de Almada no Dicionário Geográfico escrito pelo padre Luís Cardoso», in
Almada na História, Boletim de Fontes Documentais, nº 7-8, Almada, Divisão de História Local e
Arquivo Histórico, Câmara Municipal de Almada, 2005, p. 15.
54
Duarte Joaquim Vieira Júnior, Villa e Termo de Almada, apontamentos antigos e modernos para a
história do Concelho, Vol. I, Lisboa, Imprensa Lucas, 1897, p. 94.
124
manchas significativas de coberto vegetal arbóreo, onde a par do pinheiro surge o
sobreiro e algumas espécies exóticas, como na Mata do Alfeite, parte integrante da
grande quinta com o mesmo nome, e na restinga da Ponta dos Corvos,55 nas margens do
sapal de Corroios.
A frente atlântica que delimita o território a Oeste é acompanhada pela arriba, a partir da
qual se estendia um extenso areal até ao mar. Enquanto unidade de paisagem foi sendo
transformada por acção humana e natural. A florestação das dunas com pinheiros-de-
Alepo, iniciada em finais do século XIX desde a Trafaria até à Costa de Caparica, é
continuada para Sul durante o século seguinte, mas desta vez com acácia, espécie
exótica que se revela invasora, destruindo a flora nativa própria do sistema dunar, e
criando uma densa barreira vegetal entre a praia e os terrenos agrícolas que se
prolongam ao longo da arriba, designados
“Terras da Costa” (foto 2). A actual ocupação
agrícola dos terrenos da Costa tem um carácter
intensivo. As culturas praticadas,
principalmente hortícolas, mantêm o uso
agrícola do solo iniciado em finais do século
XIX, com diferentes culturas e técnicas de
cultivo. Foto 2 – Terras da Costa, Francisco Silva,
2008.
55
Cf. Manuel Lima, A Reserva Ecológica Nacional do Concelho do Seixal, p. 35.
125
grande extensão de frente marítima, a pesca continua a ser praticada por alguns
habitantes locais, à semelhança dos antepassados oriundos de Ílhavo e do Algarve que
aqui se instalaram desde o século XVIII. Baldaque da Silva na obra Estado Actual das
Pescas em Portugal refere as praias da Caparica onde se faz: «unicamente a pesca
costeira por meio de artes de arrastar para terra».56 As artes são redes com
determinadas características, adaptadas à técnica de pesca utilizada. Assim, de entre
várias artes de arrastar para terra nomeadamente: «chávega, murgeira, chinchorro,
chincha, levada, solheira, zorra, rede-pé»,57 destaca-se a arte chávega, como a única
destas artes que ainda é utilizada.
A arte chávega é uma técnica de pesca de arrasto para a praia, que utiliza um barco
dentro do qual a rede é colocada, deixando na praia uma ponta da corda que puxa o saco
da rede. Esta é lançada ao largo e o barco regressa à praia, trazendo a ponta da segunda
corda. É então o momento de alar a rede, trabalho de puxar a rede para terra, realizado
por dois grupos de pescadores que se encontram distantes e se vão aproximando à
medida que o saco da rede se acerca de terra. Na Costa de Caparica este trabalho era
feito à mão por homens, mulheres e crianças, com auxílio de um cinto colocado a
tiracolo e preso à corda. A embarcação tradicionalmente usada, capaz de ser varada na
praia e vencer a rebentação das ondas, era o meia-lua, barco típico da Costa de
Caparica. Era movido a remos, tinha fundo chato, a proa e popa elevadas, que lhe
davam a forma de crescente lunar de onde deriva a sua designação. O único exemplar
que conhecemos desta embarcação encontra-se no Museu de Marinha de Lisboa. A
embarcação que se encontra actualmente no Centro da Costa de Caparica, conforme
informam alguns pescadores mais idosos, é uma réplica de um saveiro e não de um
meia-lua.58
A arte chávega continua a ser usada por algumas companhas, conforme se designa o
conjunto de indivíduos que em terra e no mar realizam as diversas operações da pesca,
nas praias entre a Costa de Caparica e a Fonte da Telha. As chatas são as embarcações
de fundo plano e proa levantada que substituíram o meia-lua, são movidas a motor, não
56
Baldaque da Silva, Estado Actual das Pescas em Portugal, Lisboa, Imprensa Nacional, 1891, p. 137.
57
Idem, p. 242.
58
Para além de outras, a principal diferença entre o Saveiro e o Meia-lua, reside na altura da popa, que no
Saveiro é mais baixa que a proa, enquanto no Meia-Lua são ambas simétricas, Cf. J. A. Neves Cabral,
Meia-Lua da Costa de Caparica, subsídios para o estudo da sua arquitectura, s.l., Junta Distrital de
Setúbal, 1996, p. 13
126
dispensando no entanto o recurso aos remos para as manobras de entrar e sair do mar,
enquanto a rede é alada com recurso a tractores. No entanto, enquanto actividade
tradicional e independentemente das alterações técnicas do processo, mantém as
características principais que definem esta
arte, pelo que consideramos tratar-se de um
elemento do património cultural, no sentido
em que se traduz num conhecimento empírico
transmitido de geração em geração e a
memória de uma técnica de pesca ancestral
que continua a ser praticada actualmente (foto
4). Foto 4 – Arte Chávega, Francisco Silva,
CDCAA, 2007.
Os terrenos incultos ou cultivados são contudo uma das marcas mais evidentes da
ruralidade na paisagem, atestando a existência passada ou presente da actividade
agrícola, que modelou e ordenou a paisagem rural. Nesse sentido, procuramos
identificar algumas áreas do território onde a utilização do solo se mantém ligada à
agricultura ou pastorícia, conservando assim testemunhos da memória rural da região.
127
terras de regadio das zonas de cotas mais baixas se cultivam principalmente hortícolas.
Destas paisagens destacam-se as encostas sobre as arribas do Tejo e as terras de aluvião
na base da encosta de Pêra (fotos 6 ver anexo). Enquanto paisagem agrícola, estes
terrenos ocupam espaços delimitados por sebes naturais, na sua maioria constituídas por
canas, e o solo apresenta as marcas de uma
actividade mecanizada (foto 7). Não
reproduzindo naturalmente uma paisagem
agrícola do passado, consideramos tratar-se de
um elemento patrimonial, na medida em que
se mantém o uso agrícola do solo. Escapando
à pressão urbanística que se fez sentir em
virtude de se tratarem de zonas incluídas na Foto 7 – Terrenos agrícolas a Sul de Pêra,
Francisco Silva, 2007.
Reserva Ecológica Nacional, estas paisagens
preservam, em parte, a memória de uma actividade ancestral na região.
Também no concelho do Seixal os solos que mantêm aptidão agrícola estão abrangidos
pela Rede Ecológica Nacional, que abarca a frente ribeirinha. As maiores manchas de
solo agrícola correspondem aos terrenos das antigas quintas, como a da Princesa (foto 8
ver anexo), do Infante (foto 9), ou da Atalaia, na
freguesia da Amora. Esses terrenos encontram-
se no entanto incultos ou utilizados como
pastagem. Há ainda laranjais abandonados, que
recordam os tempos em que as laranjas do Seixal
eram exportadas para Inglaterra,59 bem como
oliveiras e sobreiros. Situação semelhante ocorre
Foto 9 – Terrenos agrícolas da Quinta do nas restantes paisagens rurais do concelho do
Infante, Francisco Silva, 2007.
Seixal. O abandono da actividade agrícola é
praticamente total, com excepção de uma zona localizada a Sul do concelho, na
proximidade da margem do rio Coina, onde é praticada a agricultura em pequenas
hortas familiares (foto 10 ver anexo), as quais mantêm as características descritas pelo
padre Luís Cardoso na referência que faz à freguesia de Arrentela, «Consta mais de
algumas terras, que se cultivaõ, e nelas semeiaõ milho, e feijoens, a que chamam
59
Cf. Pinho Leal, op. cit., Vol. IX, p. 77.
128
bréjos, por serem humidas, e alagadiças, e com valas que as dispoem para estas
sementeiras».60
60
Luís Cardoso, op. cit. p. 19.
129
Considerando o enquadramento geográfico da península de Setúbal «como parte
primitiva da presença saloia»,61 conforme defendido por José Manuel Fernandes,
importa observar que a cultura saloia, segundo este mesmo autor, tem origem nas
populações berberes que habitavam a Estremadura62 em geral e o termo de Lisboa em
particular. Identificados como habitantes do campo, especializados nas culturas
agrícolas, principalmente hortícolas, serão estes os indivíduos designados por Mouros
fourros aos quais foi concedido o foral de 1170,63 e que tinham obrigação de tratar das
terras reguengueiras e que contribuíram através das formas de exploração da terra e das
estruturas que edificaram para a construção a paisagem rural da região. Os vestígios da
cultura saloia na península de Setúbal reduzem-se quase exclusivamente à arquitectura,
em virtude das sucessivas vagas de imigração oriundas do Alentejo e das Beiras, mas
também ao abandono progressivo da vida rural. Neste sentido, podemos considerar que
a arquitectura tradicional de cariz rural, que se encontra nos concelhos de Almada e
Seixal, se enquadra nas tipologias características da região saloia.
A tipologia mais representativa é a casa torreada com piso térreo e sobrado. De planta
quadrangular, apresenta volumes cúbicos cobertos por telhados de quatro águas com um
sanqueado que acentua a curvatura dos vértices. Nas empenas caiadas, os vãos são
escassos e de modestas dimensões (foto 12).
Dentro da designação de casa saloia
incluem-se também construções térreas com
coberturas de duas ou quatro águas. Alguns
dos exemplares destas casas encontram-se
integradas em núcleos urbanos, enquanto
outras se localizam no espaço rural.
Também os moinhos de vento se enquadram
no modelo definido na obra Tecnologia Foto 12 – Casa saloia no Pragal, Francisco
Silva, CDCAA, 2007.
Tradicional Portuguesa, Sistemas de
61
José Manuel Fernandes; Maria de Lurdes Janeiro, Arquitectura Vernácula da Região Saloia –
Enquadramento na Área Atlântica, Lisboa, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1991, p. 18.
62
Cf., ibidem.
63
«Carta de fieldade, e firmidooen a vós Mouros, que soodes forros em Lixboa, e em Almadaa, e em
Palmella e em Alcacer» Alexandre M. Flores, António J. Nabais, Os Forais de Almada e Seu Termo, I.
Subsídios para a história de Almada e Seixal na Idade Média, s.l., Câmaras Municipais de Almada e
Seixal, 1983, p.36.
130
Moagem64 como moinhos de torre em pedra e na tipologia do moinho de Sesimbra,65 em
tudo semelhantes aos exemplares que se encontram a Norte de Lisboa na denominada
região saloia, embora se distribuam geograficamente: «a partir de uma linha que, com
poucas excepções e pequenas variantes, vai aproximadamente de Leiria a Ourém, e daí
para o Sul até ao Algarve».66
construção tradicional mais comum nas zonas Foto 14 – Casa com contrafortes, Caparica,
Francisco Silva, CDCAA, 2006.
rurais, onde rareia a pedra, consiste na
utilização da terra argamassada com palha e cal, utilizada em forma de blocos secos ao
sol, para a construção das paredes. Estas alvenarias encontram-se geralmente associadas
a edifícios térreos que, em alguns casos, apresentam contrafortes adossados às paredes
exteriores como forma de aumentar a resistência das mesmas (foto 14).
64
Ernesto Veiga de Oliveira, Fernando Galhano , Benjamim Pereira, Tecnologia Tradicional Portuguesa,
Sistemas de Moagem, Lisboa, Instituto Nacional de Investigação Científica, 1983.
65
Cf., Idem, p. 268.
66
Ibidem.
131
mais fáceis de localizar. Importa aqui desvendar a memória associada a estes elementos
patrimoniais.
3.4.1. As Quintas
67
Acerca do conceito de Quinta Recreio cf. Aurora Carapinha, «As quintas de Recreio do Concelho de
Vila Franca de Xira», in CIRA Boletim Cultural, nº8, Vila Franca de Xira, Museu Municipal de Vila
Franca de Xira, 1998 – 1999, pp. 151 – 161.
132
arquitectura das quintas, ao mesmo tempo que são um dos seus elementos mais
característicos (foto 16).
68
Agricultura e Espaços Rurais no Concelho do Seixal, catálogo da exposição, Seixal, Ecomuseu
Municipal – Câmara Municipal do Seixal, 1992, p. 7.
133
Quadro 13 – Quintas referenciadas no Concelho de Almada em 1989
1 Solar da Quintinha das Inglesinhas 22 Quinta do Secretário 43 Quinta do Robalo
2 Casa da quinta dos Fergusson 23 Quinta da Filipa de Água 44 Quinta da Boa Viagem
3 Quinta da Arealva 24 Quinta Grande 45 Quinta da Corvina
4 Quinta do Forte ou do Armeiro Mor 25 Quinta do Ourives 46 Quinta dos Pianos
5 Quinta do Viaduto 26 Quinta da Caneira 47 Quinta do Guarda Mor
6 Quinta Junto ao Beco dos Abraços 27 Quinta das Inglesinhas 48 Quinta da Silveira
7 Quinta do Malquefarte 28 Quinta de Santo António da Romeira 49 Quinta do Seabra
8 Quinta da Rosa 29 Quinta do Cebolal 50 Casa do Outeiro
9 Quinta de S. Domingos 30 Quinta de Baixo 51 Quinta de Baixo
10 Quinta de Santa Rita 31 Quinta da Aldeia 52 Quinta da Cerieira
11 Quinta da Batateira 32 Quinta da Estrelinha 53 Quinta dos Anjos
12 Quinta do Barral 33 Quinta do Ginjal 54 Quinta de S. Francisco de Matos
13 Quinta dos Farias 34 Quinta do Jardim Infantil 55 Quinta da Várzea
31 Quinta da Alagoa 35 Quinta da Formiga 56 Casal da Rosa
15 Quinta do Regil 36 Quinta das Rosas 57 Quinta de S. Macário
16 Quinta dos Castros 37 Quinta da Granja 58 Quinta de Vale Rosal
17 Quinta de S. João da Ramalha 38 Quinta do Miratejo 59 Quinta do Brejo
18 Paço Real do Alfeite 39 Quinta da Torre 60 Quinta da Morgadinha
19 Quinta de Santo Amaro 40 Quinta de Castelo Picão 61 Quinta dos Medronheiros
20 Quinta dos Espadeiros 41 Quinta da Srª da Conceição 62 Quinta da Saúde
21 Quinta de Santa Ana 42 Lar Granja Luis Rodrigues
134
O crescimento urbanístico operado na região durante o século XX provocou
transformações profundas na paisagem, conduzindo à destruição da maior parte das
estruturas edificadas associadas à ruralidade e à ocupação dos terrenos de cultivo, por
urbanizações e vias de comunicação. Conforme se depreende do mapa 8 o número de
quintas localizadas no concelho do Seixal é ligeiramente superior ao das quintas
situadas no concelho de
Almada. Consideramos que esta situação poderá estar relacionada com o facto de que o
desenvolvimento urbano no concelho do Seixal ser relativamente mais tardio do que em
Almada. Grande parte das quintas desapareceram sem deixar qualquer vestígio, outras
continuam a marcar a paisagem, embora de formas diferenciadas, conforme as
condicionantes que abordamos seguidamente.
Importa ainda esclarecer que a identificação destas unidades que designamos por
quintas se faz através da toponímia e das estruturas edificadas que lhes estavam
associadas, como os celeiros ou os portais que marcam a entradas dos pátios. Algumas
destas estruturas podem ser observados nas ruas dos núcleos habitacionais antigos como
Almada, Cacilhas, Amora ou Arrentela, testemunhos de um passado rural envolvido
pelo crescimento urbano. No entanto, quanto ao conhecimento dos limites de cada
propriedade no que respeita aos terrenos de cultivo e infra-estruturas agrárias é
impossível localizá-las no espaço, entretanto profundamente alterado.
Nas zonas rurais dos concelhos de Almada e Seixal, algumas das quintas existentes
mantêm edifícios e terrenos de cultivo, no entanto várias destas propriedades
encontram-se abandonadas e em degradação progressiva, abrindo novas frentes ao
avanço da construção civil. Nestes casos estamos perante a destruição da memória e da
paisagem rural, na medida em que a lógica urbanística de iniciativa privada tem
ignorado sistematicamente a integração das antigas estruturas rurais nos planos de
urbanização.
Um dos exemplos desta situação é a antiga Quinta da Torre, cujo nome está relacionado
com a eventual existência de uma torre medieval no local. Cabeça do morgado
instituído no século XVI por D. Tomás de Noronha, o vinculo de Caparica era
constituído por inúmeras parcelas adquiridas ao longo de anos, «constava todo o
património do morgado da Caparia de 160 prédios rústicos que rendiam em 1879 em
135
dinheiro 1.577$890 reis e quatro moios de trigo».69 A sede do morgadio na Quinta da
Torre dispunha da casa de habitação, lagar e celeiro que se encontram em estado de
ruína (foto 17 ver anexo). Destacam-se ainda no conjunto das estruturas edificadas, um
poço rectangular com duas colunas de pedra que foi rodeado por bancos revestidos a
azulejo hispano-mourisco (foto 18 ver anexo) e uma pequena ermida dedicada a São
Tomás de Aquino (foto 19),70 que se localizava no antigo pomar da quinta, apesar de se
tratar dos únicos exemplares de arquitectura
manuelina no concelho de Almada, estas
construções encontram-se em estado de ruína,
tendo sido já roubados alguns dos elementos
decorativos que as ornamentavam.71
Atravessados por estradas e carris, os terrenos
da Quinta da Torre integram actualmente um
campus universitário e as ruínas das estruturas
Foto 19 – Capela de São Tomás de Aquino,
edificadas surgem desenquadradas na Torre de Caparica, Francisco Silva, CDCAA,
1986.
paisagem urbana.
69
D. Marcus de Noronha da Costa, O Morgadio da Quinta da Torre, Freguesia do Monte de Caparica,
Termo de Almada, Ponta Delgada, ed. autor, 2004, p. 15.
70
Francisco Silva, «Capela de S. Tomás de Aquino, um edifício gótico em Almada», in Al-madan, nº 5 IIª
Série, Almada, Centro de Arqueologia de Almada, 1996, pp. 203 – 205.
71
Idem, «Capela de S. Tomás de Aquino, classificação? … não obrigado!» in Al-madan, nº 6 IIª Série,
Almada, Centro de Arqueologia de Almada, 1997, pp. 178 – 179.
136
conduzido à destruição das estruturas originais, de forma a adaptar os espaços às novas
utilizações.
72
De forma a facilitar a leitura e a referência a cada uma das quintas as respectivas designações são
assinaladas a cheio no corpo do texto.
73
Olívia Rafael, «Santo António na Capela do Solar dos Zagalos, estudo iconográfico», in Anais de
Almada, n.º 2, Almada, Câmara Municipal de Almada, 1999, pp. 113 – 120.
137
(foto 21). Do lado Norte desenvolve-se o jardim com um lago central e alamedas
ladeadas por árvores frondosas, onde se localizam duas ermidas, uma dedicada a Nosso
Senhor dos Passos e outra a Santo António do Caiado.74 Encontra-se actualmente
instalado no Solar dos Zagallos o Centro de Artes Tradicionais e um núcleo
museológico ligada à olaria, sendo que nas várias dependências do solar, bem como no
jardim, têm lugar diversos eventos culturais ao logo do ano.
74
Cf. Raul Pereira de Sousa, op. cit., p. 117 – 118.
75
Cf. Teresa Esteves, «A Quinta da Cerca – Almada», in Actas das Jornadas de Estudos sobre o
Concelho de Almada, Almada, Câmara Municipal de Almada, 1993 pp. 21 – 24.
76
Idem, p. 22.
138
Por seu turno a Quinta de Santo Amaro,
localiza-se num dos limites do concelho de
Almada, na actual freguesia do Laranjeiro,
esta quinta é referida por João Maria
Baptista77 e, segundo Pereira de Sousa, já
existia em 1849.78A avaliar pelas estruturas
construídas que incluem o antigo lagar, um
Foto 23 – Quinta de Santo Amaro, celeiro, a casa de habitação, estábulos e
Laranjeiro, Francisco Silva, CDCAA, 2007.
capela, devia tratar-se de uma importante
propriedade agrícola. Os edifícios da quinta encontravam-se devolutos e envolvidos por
uma urbanização até à década de noventa do século XX, quando foi adquirida pela
Câmara de Almada, que promoveu a reabilitação dos imóveis com vista à instalação do
Centro Cultural e Juvenil de Santo Amaro, inaugurado no ano 2000 (foto 23).
Próximo do núcleo urbano antigo da Cova da Piedade, a antiga Quinta dos Frades foi
assim designada por pertencer à Ordem de São Domingos. Sendo alienada juntamente
com outras propriedades dominicanas nos finais do século XVIII,79 passou por diversos
proprietários e foi perdendo a sua função agrícola. Em
meados do século XX transformou-se em habitação da
família Barral. Em 1997 foi adquirido pela autarquia que
promoveu um projecto de recuperação do imóvel
existente e a construção de um novo bloco, com vista à
instalação do Museu da Cidade de Almada (foto 24),
inaugurado em 2003. Durante as obras foram
identificadas, numa das extremas do jardim, as estruturas
da antiga capela da quinta. No jardim podem ainda
observar-se duas pedras de lagar, que testemunham a Foto 24 – Quinta dos Frades,
existência de engenhos de prensagem, das quais não Almada, Francisco Silva,
CDCAA, 2007.
restaram outros vestígios.
77
João Maria Baptista, Chorografia Moderna do Reino de Portugal, Vol. IV, Lisboa, Typographia da
Academia Real das Sciencias, 1874 – 1879, p. 377.
78
Raul Pereira de Sousa, op. cit., p. 210.
79
Idem, p. 144.
139
A origem da Quinta do Seixal, como era também conhecida a Quinta da Trindade,
remonta ao século XIV. O núcleo edificado da quinta localiza-se a Nordeste da cidade
do Seixal, junto à frente ribeirinha. A quinta original pertenceu a Rui Melo, almirante
dos Reinos de Portugal e do Algarve. Segundo o testamento redigido em 1463, passou
para sua esposa D. Brites Pereira, que aumentou significativamente os limites da
propriedade através da aquisição de inúmeras courelas, vinhas, casas e lagares. «Assim
nos finais do século XV pertencia a D. Brites a maior parte das terras que ficavam no
Cabo da Azinheira».80 Através do seu testamento datado de 1481, que determina a
obrigação de rezar missas perpétuas por sua alma e de seu esposo, D. Brites lega ao
Convento da Ordem da Santíssima Trindade as suas propriedades no Seixal, que
passaram à posse do dito convento em 1488. Em 1586, por iniciativa do ministro do
convento de Lisboa, Frei Cristóvão da Fonseca, foi construída uma casa com dormitório
e celas.81 A ermida dedicada a Nossa Senhora da Boa Viagem, cuja imagem era alvo de
grande devoção por parte das gentes do Seixal, maioritariamente ligadas à pesca do
alto,82 foi mandada construir por Frei Baltazar Pais, e aumentada em 1726, por iniciativa
de Frei Simão do Evangelista.83
Até à extinção das ordens religiosas em 1834, a produção agrícola e as rendas da Quinta
da Trindade constituíam uma parte importante dos rendimentos do Convento da
Santíssima Trindade de Lisboa.84 Após ter sido vendida pela Fazenda Nacional ao
conselheiro Joaquim Inácio de Lima, a
propriedade encontra-se no início do século
XX na posse da Companhia de Agricultura
de Portugal, que em 1920 aí instalou
armazéns e oficinas de transformação de
cortiça, bem como um bairro operário. Nos
anos quarenta do século XX, as estruturas
industriais foram arrendadas à empresa Foto 25 – Quinta da Trindade, Seixal,
Francisco Silva, 2008.
corticeira Mundet & C.ª Ldª. A partir de
meados do século XX, a quinta encontrava-se ao abandono, tendo o edifício residencial
80
Edite Martins Alberto, A Quinta da Trindade História da Ordem da Santíssima Trindade no Seixal,
Seixal, Câmara Municipal do Seixal, Seixal, 1999, p. 81.
81
Idem, p. 87.
82
Idem, p. 90.
83
Idem, p. 88.
84
Idem, p. 113.
140
sido classificado como Imóvel de interesse público em 1971. Em 1982, na sequência da
urbanização dos terrenos da antiga quinta, os edifícios e o jardim passaram à posse da
Câmara Municipal do Seixal, sendo aí instalados parte dos serviços técnicos do
Ecomuseu Municipal, cujo espaço é visitável através de marcação (foto 25).
Ao recuperar e revitalizar a utilização de antigas quintas como acontece com o Solar dos
Zagalos, Quinta da Cerca, Quinta de Santo Amaro, Quinta dos Frades e as quintas da
85
António Carvalho da Costa, Corografia Portugueza, Lisboa, Officina de Valentim da Costa Deslandes,
1712, p. 310.
86
Luís Cardoso, op. cit., p. 20.
87
Paulo Perestrello da Câmara, Dicionário Geográfico Histórico Politico e Litterario do Reino de
Portugal e seus Dominios, Lisboa, s.e. 1850, Tomo 1, p. 75.
88
João Maria Baptista, Op. cit., p. 766.
89
Pinho Leal, op. cit., Vol. IX, pp. 77 / 79.
141
Trindade e Fidalga, as autarquias de Almada e Seixal demonstram algum interesse na
preservação do património construído e favorecem a fruição desses espaços pela
população. Todas as quintas referidas se enquadram na tipologia da quinta de recreio.
No entanto, em nenhuma delas se desenvolveu um programa de recuperação do espaço
que destacasse os aspectos agrícolas e as funcionalidades associadas à estrutura
produtiva, privilegiando as áreas residenciais e os jardins, ou transformando os espaços
por forma a adaptarem-se aos novos usos. Neste sentido, apesar de estarem
profundamente associados ao passado rural da região, não são valorizados enquanto
memória da ruralidade, mas sim como locais de excelência pela localização e pelos
solares e jardins que integram. Observemos agora outras estruturas, que para além das
quintas, se integram nas unidades de paisagem rural, nomeadamente as unidades
transformadoras.
90
A Postura nº 155, do Livro datado de 1750, trata especificamente da regulamentação da actividade e
das condições exigidas para poder receber azeitona em lagar, por sua vez Pinho Leal refere-se a um lagar
de azeite na Quinta Nova nas margens do Rio Coina (concelho do Seixal). «Posturas da Câmara
Municipal de Almada, em 1750, Almada», Arquivo Histórico Municipal de Almada, F.G.C.M. A., Livro
de Posturas, fls. 1 – 71, in Almada na História Boletim de Fontes Documentais, nº 7 – 8, Almada, Câmara
Municipal de Almada, 2005, p. 31. Cf. Pinho Leal, Portugal Antigo e Moderno, Vol. IX, Lisboa, Livraria
Editora de Mattos Moreira & Companhia, 1873, p. 77.
142
identificado um exemplar no concelho do Seixal, na Quinta do Pinhalzinho (foto 27 e
28 ver anexo), que apresenta ainda os engenhos de moagem e prensagem, movidos por
tracção animal.91
91
«Lagar de azeite da Quinta do Pinhalzinho» in Ecomuseu Informação, n.º 8, Seixal, Ecomuseu
Municipal do Seixal, Jan/Fev/Mar, 1998, p. 7.
92
Cf. Leite Vasconcellos, Etnografia Portuguesa, Vol. V, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda,
1982 p. 633.
143
necessidade de espaço, utilizam um sistema de prensagem através de um fuso metálico
preso ao fundo do próprio tanque. Aqui o bagaço é igualmente colocado numa pilha
atada em torno do fuso, o qual atravessa a adufa coberta com tacos de madeira, sobre os
quais desce a prensa metálica enroscada no fuso.
144
estruturais que facilitem a sua identificação nos conjuntos edificados, enquanto os
lagares associados a algumas das quintas antigas se destacam pela sua volumetria e
comprimento (foto 29 ver anexo).
Durante o século XIX, a produção local de cereais não era suficiente para suprir as
necessidades da população, conforme aponta o provedor do concelho, pois devido à
cultura extensiva da vinha, algumas terras de trigo foram plantadas com cepas
diminuindo substancialmente a produção local de cereais.94 A maior parte do cereal
moído, principalmente pelos moinhos de maré, era importado. Do ponto de vista socio-
económico, os moinhos correspondem a regimes de produção diferenciados, pois
enquanto os moinhos de maré, devido à sua maior capacidade de processamento,
beneficiavam da facilidade de transporte do grão e da farinha, em grande parte destinada
ao abastecimento de cidade de Lisboa95 por via fluvial, os moinhos de vento, com
menor produtividade e localizados em lugares menos acessíveis ao transporte,
trabalhavam principalmente para o abastecimento das comunidades locais.
93
Cf. Zélia Pereira, «Estruturas Agrárias, Sociedade Local e Poder Municipal em Almada (1827)», in
Anais de Almada, n.º 2, Almada, Câmara Municipal de Almada, 1999, p. 129.
94
Cf. AHMOP, Memoria Economica Da Villa d’Almada e seu Termo, 1835, CEPPND 1, fl. 12 f.
95
Fernando Castelo-Branco, «Existiu em Lisboa um Problema Moageiro?», in Lisboa Revista Municipal,
Ano XLV, 2ª Série, nºs 8/9/10, Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, 1984, pp.17-28.
145
Quadro 15 – Moinhos de Vento nos
concelhos de Almada e Seixal
1 Moinho de Cacilhas
2 Moinho do Pragal
3 Moinho da Qta do Bacelinho
4 Moinho do Raposo 1
5 Moinho do Raposo 2
6 Moinho do Raposo 3
7 Moinho da Qta da Fortuna 1
8 Moinho da Qta da Fortuna 2
9 Moinho da Granja
10 Moinho da Anunciada
11 Moinho da Vigia
12 Moinho do Porto
13 Moinho dos Buxos
14 Moinho de Pêra de Cima
15 Moinho de Pêra de Baixo
16 Moinho do Lazarim
17 Moinho do Areeiro 1
18 Moinho do Areeiro 2
19 Moinho dos Capuchos
20 Moinho da Regateira
21 Moinho da Azinheira
22 Moinho de Paio Pires
146
Devido à utilização da energia do vento ou das marés, os moinhos ocupam locais
específicos de destaque na paisagem. Podemos analisar a sua distribuição geográfica e
referenciar as estruturas existentes actualmente, conforme se pode observar no mapa de
localização dos moinhos de vento e maré existentes actualmente nos concelhos de
Almada e Seixal (mapa 9 quadros 15 e 16).
96
Sobre moinhos nos concelhos de Almada e Seixal, existem alguns trabalhos que procuram sistematizar
a informação acerca da sua importância e distribuição geográfica. Para os moinhos de maré o quarto
volume da obra História do Concelho do Seixal, cf. António Nabais, História do Concelho do Seixal – 4
Património Industrial Moinhos de Maré, Seixal, Câmara Municipal do Seixal, 1986. Quanto aos moinhos
de vento, cf. Manuel Lourenço Soares, «Quem Salva o que Resta dos Moinhos de Vento?», in Al-madan
n.º 4 – 5, Iª série, Almada, Centro de Arqueologia de Almada, Novembro 84 / Novembro 85, pp. 53 – 56,
e Francisco Silva, Moinhos de Vento no Concelho de Almada, trabalho de seminário “Património:
Conceitos, Políticas e Agentes” do mestrado em “Estudos do Património”, Lisboa, Universidade Aberta,
2005, (texto policopiado).
97
Cf. António Nabais, op. cit.
98
Está prevista a integração no Arquivo Fotográfico do Centro de Arqueologia de Almada, dos registos
fotográficos efectuados no âmbito do presente trabalho.
147
triangulares de lona, montadas em oito mastros encaixadas no eixo, que transmite a
força ao engenho moageiro. São edifícios de planta circular e os exemplos identificados
utilizavam apenas um casal de mós. Caracterizam-se pela forma de orientação do
velame, utilizando uma cobertura giratória, o capelo, movida a partir do interior do
moinho através de um sistema de sarilho.
um, e outro moinho na Granja,100 na Fig. 3 – Postal ilustrado da Trafaria com data
manuscrita de 1910, onde se observam três
proximidade do ainda existente; Manuel moinhos de vento, col. João Paulo Santos.
Lourenço Soares, num artigo dedicado aos
moinhos do concelho de Almada, refere ainda dois moinhos desaparecidos na
Trafaria.101 No entanto, através de dois postais editados no princípio do século XX (fig.
3), sabemos tratarem-se de três, situados na praia (fig. 4 ver anexo). Um outro moinho,
pertencente à Quinta da Algazarra, foi demolido durante o século XX, bem como dois
outros, nomeadamente no Lazarim e em Castelo Picão. No concelho do Seixal são
referidos por António Nabais três moinhos de vento na Ponta dos Corvos,102 entretanto
desaparecidos, e outro no lugar do Alto do Moinho. Somando o número de moinhos
existentes e desaparecidos, podemos considerar um total de 34 moinhos de vento
referenciados nos actuais concelhos de Almada e Seixal.
99
Cf., Raul Pereira de Sousa, op. cit. , p. 165.
100
Idem, p. 149.
101
Cf. Manuel Lourenço Soares, op. cit., p. 55.
102
António Nabais, op. cit. p. 44.
103
Cf. Conde dos Arcos, Caparica Através dos Séculos, Vol. I, Câmara Municipal de Almada, s.l.,
Comissão Municipal de Turismo, 1974, p. 149.
148
freguesias do concelho de Almada, Santa Maria do
Castelo, Santiago, Caparica, Corroios, Amora, Arrentela,
Paio Pires e Seixal, trinta e dois moinhos.104
Considerando que treze seriam de maré, restam dezanove
moinhos de vento. Nesse sentido, podemos constatar que
a maioria dos moinhos de vento referenciados já estavam
construídos na primeira metade do século XIX, tendo sido
erigidos posteriormente quinze moinhos, o que fica no
entanto por comprovar até que se faça uma investigação
Foto 34 – Moinho de vento mais aprofundada sobre o tema para a segunda metade do
da Azinheira, Seixal,
Francisco Silva, 2007. século XIX.
Dos vinte e dois moinhos de vento ainda existentes,
apenas dois apresentam o capelo e os mastros,
nomeadamente o Moinho de Vento do Arieiro, em
Almada, e o Moinho de Vento da Azinheira no Seixal
(foto 34). Dez moinhos de vento do concelho de Almada
foram transformados em arrecadação ou adaptados a
habitação. Os dez moinhos restantes encontram-se em
estado de ruína, sendo no entanto possível identificar
características estruturais, os materiais de construção
utilizados, bem como alguns elementos construtivos, Foto 36 – Andorinho, Moinho
de vento dos Capuchos,
próprios deste tipo de moinhos. Nos casos em que Caparica, Francisco Silva,
tivemos acesso ao interior das estruturas, foi possível CDCAA, 2005
registar: porta, suporte do piso, escada interior, armários, janelas, frechal de pedra (foto
35 ver anexo), andorinhos (foto 36) e arganéis (foto 37 ver anexo). As paredes
portantes são largas e construídas em alvenaria, com blocos de pedra (arenito fossilífero
da região) e argamassa de cal e areia. O pavimento, a porta, os degraus da escada,
adossada à face interior da parede, as janelas, os arcos de suporte do piso e o frechal são
construídos em pedra calcária aparelhada.
104
Zélia Pereira, op. cit., p. 129.
149
possuem uma represa que se abre com a enchente (foto 38 ver anexo). Depois, com a
represa fechada, a água é canalizada para cada um dos rodízios que accionam as mós.
Estes moinhos usavam vários casais de mós, estando cada rodízio instalado num túnel
abobadado por onde sai a água. Implantado em meio aquático, todo o embasamento do
edifício é de pedra aparelhada, enquanto as empenas de alvenaria rebocada são de pedra
da região. Com uma zona de entrada com sobrado utilizada como armazém, a sala de
moagem apresenta na maioria dos exemplos observados um só piso, assente sobre os
túneis onde funcionam os rodízios.
105
Alexandre Flores, Almada Antiga e Moderna, Roteiro Iconográfico – Freguesia da Cova da Piedade,
Vol. III, Almada, Câmara Municipal de Almada, 1990, p. 49.
106
Cf. António Nabais, op. cit., p. 33.
107
Idem, p. 42.
150
integrado na estrutura do Ecomuseu Municipal. Nesse sentido, procurou-se preservar a
memória do espaço através do restauro do edifício e recuperação dos engenhos de
moagem, para que o moinho pudesse laborar, como veio a acontecer, possibilitando
assim a fruição deste espaço pelo público.
Quanto aos restantes moinhos de maré cujas estruturas podemos observar, foram tendo
diversas utilizações. O Moinho de Maré do Breyner foi integrado, como unidade
produtora de energia, numa fábrica de adubos, e noutros adaptaram-se os engenhos ao
descasque de arroz. Já o Moinho de Maré Novo dos Paulistas era usado como aviário
quando, na década de oitenta do século XX, foi adquirido pela Câmara Municipal do
Seixal. Outros ainda, como o Moinho de Maré do Zeimoto, foram transformados em
habitação. Actualmente, a maioria encontra-se em estado de ruína e em acelerado
processo de degradação, perderam total ou parcialmente a cobertura, apresentando
patologias estruturais e encontrando-se devolutos. O Moinho de Maré da Quinta da
Palmeira (foto 40 ver anexo), localizado no perímetro da Siderurgia Nacional, está
parcialmente soterrado por um depósito de lamas, enquanto o antigo Moinho de Maré
do Cabo da Linha ou da Quinta Nova da Palmeira foi destruído pelas terraplanagens da
referida instalação industrial.
151
não podemos deixar de observar o modo como a arquitectura rural foi sendo assimilada,
sobrevivendo no espaço urbano.
152
Municipais, um conjunto de localidades nas quais foram delimitadas áreas definidas
como núcleos urbanos antigos ou centros históricos.108 O conceito de centro histórico
resulta do alargamento do conceito de Património a uma escala territorial onde o
principal elemento patrimonial é o conjunto e não o edifício isolado. Face a esta
concepção, o centro histórico é entendido enquanto espaço portador de uma carga de
informação histórica acerca da sua origem, evolução e interdependência com o espaço
envolvente. O traçado das vias de comunicação que determina a morfologia dos
conjuntos edificados permite compreender a sua implantação e registar diferentes fases
de desenvolvimento. A análise dos edifícios pela sua volumetria, tipologia, materiais e
técnicas construtivas, contribui para o estudo e caracterização sócio económica dos
espaços, enquanto os elementos mais notáveis, como igrejas ou solares, constituem
elementos polarizadores da malha urbana, geralmente associados a largos ou praças.
108
A designação dos núcleos urbanos definidos difere em Almada e Seixal. Assim, enquanto em Almada
se designam como Núcleos Históricos, no Seixal identificam-se como Núcleos Urbanos Antigos.
153
Mapa 11 – Centros históricos em Almada e Seixal, (AML, 2002).
154
Amora de Cima e de Baixo, a Arrentela, Paio Pires e Seixal. Apesar de também não
estarem classificados, encontram-se abrangidos pelo Regulamento de Protecção dos
Núcleos Antigos do Concelho do Seixal, publicado em edital camarário de 3 de Julho de
1991. Independentemente dos resultados ao nível da preservação dos núcleos históricos
serem incipientes, conforme se pode observar pelo estado de degradação e falta de
ordenamento na maioria dos núcleos, não deixa de representar o reconhecimento da
manutenção no território do concelho de antigos conjuntos edificados, cuja existência se
prende com a história e memória do espaço.
109
De forma a facilitar a leitura e a referência a cada uma das localidades é assinalada a cheio no corpo do
texto.
155
identificar diversas tipologias arquitectónicas (foto 42).110 O espaço foi inicialmente
ocupado por terrenos agrícolas de diversas quintas, cujos limites de propriedade
definiram o traçado das actuais vias de comunicação. Através da análise de alguns
elementos arquitectónicos e decorativos associados às quintas existentes no Núcleo
Histórico, podemos datar do século XVIII dois portais decorados com volutas e registos
de azulejo. Durante o século XIX, as casas e os pátios das antigas quintas começam a
ser ocupados com habitações e vão sendo
construídas outras ao longo dos caminhos.
Algumas das tipologias de construção
mantêm as características rurais, mas
encontram-se também conjuntos de casas
em banda, construídas nos princípios do
século XX e destinadas a arrendamento. Na
Rua Direita, que acompanha a estrada que Foto 42 – Habitações rurais, Pragal,
Francisco Silva, 2007.
liga Almada ao Monte de Caparica e limita a
Sul o Núcleo Histórico, observam-se prédios de dois pisos, edificados em finais do
século XIX, que apresentam fachadas urbanas com elementos decorativos nas
balaustradas e janelas de sacada com varandins em ferro. A Memória Económica da
Vila de Almada datada de 1835 refere os habitantes do Pragal como carpinteiros e
calafates, de onde se depreende que já nessa data o Pragal era um aglomerado
populacional em meio rural, mas ocupado por uma população maioritariamente ligada
ao sector secundário.
110
Francisco Silva, Maria José Pinto, «Caracterização Arquitectónica do Núcleo Histórico da Freguesia
do Pragal», in Actas das IIª Jornadas de Estudo sobre o Concelho de Almada, Almada, Câmara
Municipal de Almada, 1998, pp. 169-173.
156
A freguesia de Caparica tem como sede a vila do Monte de Caparica. A povoação
desenvolve-se a partir da envolvente da igreja matriz, edificada em 1482 e reconstruída
após o terramoto de 1755 (ortofotomapa 2 ver anexo). Nesta zona bifurcavam-se a
antigas estradas conduziam Almada
passando pelo Pragal, a Sesimbra passando
pela Charneca e à Trafaria, passando por
Torre e Murfacém. O núcleo habitacional
desenvolveu-se ao longo das referidas
estradas. As construções do centro da vila
apresentam características urbanas,
111
Cf. Raul Pereira de Sousa, Op. cit. p. 179.
157
O lugar da Fonte Santa, encabeçava no século XVIII a vara que no século seguinte
passa a designar-se do Monte. Conforme indica o topónimo, a existência de fontes com
abundância de água e eventuais virtudes medicinais terá estado na origem da povoação,
bem como do seu nome. Desenvolve-se nas
encostas ao longo da estrada que liga o lugar
da Torre ao Porto Brandão (foto 45), em
tempos o principal porto de escoamento dos
produtos agrícolas da Caparica. Também aqui
é possível encontrar algumas edificações de
características rurais e uma ocupação do
Foto 45 – Vista panorâmica da localidade da
espaço determinada pela existência de quintais Fonte Santa, Caparica, Francisco Silva, 2007.
e terrenos agrícolas.
Das principais povoações rurais da Caparica resta referir o lugar de Vila Nova, situado
na proximidade do antigo convento dos Capuchos, a Oeste, e do desaparecido convento
de Nossa Senhora da Rosa, a Sul. Esta povoação é atravessada pela estrada que parte do
112
Duarte Joaquim Vieira Júnior, op. cit., p. 193.
113
Raul Pereira de Sousa, op. cit.,p. 169.
158
Lazarim na direcção da Costa de Caparica. O centro do lugar é ocupado por casas
térreas e de dois pisos onde se destacam alguns exemplares de arquitectura saloia bem
como um poço e algumas habitações rurais (foto 47 ver anexo).
O núcleo histórico da Trafaria (ortofotomapa 4 ver anexo) situa-se numa zona plana na
base da arriba. É constituído por um conjunto de ruas perpendiculares à frente
ribeirinha, ao longo das quais se dispõe as casas, na sua
maioria de um ou dois pisos. A pesca, enquanto
actividade fundadora da povoação, continua a ser
praticada pela população local, sendo a praia o espaço de
estacionamento das embarcações de pesca (foto 48).
Outro aspecto característico da vila da Trafaria prende-se
com a utilização desta aldeia piscatória, durante o final do
século XIX e principio do século XX, como estância
balnear, de que resultaram elementos arquitectónicos
característicos dos locais de veraneio, que contrastam Foto 48 – Barcos de pesca
tradicional na praia, Trafaria,
com a arquitectura vernácula com origem na Beira Francisco Silva, CDCAA 2007.
Litoral.
O topónimo Charneca designa uma zona e não uma povoação concreta. Localizava-se
ao longo da estrada que se dirigia a Sesimbra e era constituída por diversos casais
agrícolas e quintas, não apresentando actualmente quaisquer aspectos relacionados com
o passado rural, em parte devido ao facto de se tratar de uma zona de grande expansão
imobiliária de génese ilegal.
159
Quanto à povoação da Costa de Caparica, elevada a cidade em 9 de Dezembro de
2004, poucos vestígios restam das estruturas edificadas mais antigas. Há muito que
desapareceram as casas de colmo em que habitavam os pescadores até ao início do
século XX, altura a partir da qual a promoção turística da Costa como zona balnear
transformou a antiga povoação piscatória num espaço de grande pressão urbanística.
Restam apenas alguns edifícios dispersos que apresentam traça de influência algarvia ou
da arquitectura em madeira da Beira Litoral, ainda patente em algumas casas de
veraneio construídas nas dunas ao longo da praia. Importa lembrar que a primeira casa
de pedra e cal da Costa de Caparica, construída no início do século XIX e demolida em
1996, apresentava a traça característica da
casa saloia (foto 50). Os bairros onde
actualmente habita a população piscatória
foram construídos sem planeamento
urbanístico durante o século XX. A pesca
artesanal, que continua a ser praticada por
uma pequena comunidade local, mantém-se
como uma memória da origem rural da Foto 50 – Casa da Coroa, Costa de Caparica,
CDCAA, 1980.
povoação.
160
estreitas e irregulares, praças, pequenos largos, calçadas e escadarias que vencem os
desníveis (foto 51 ver anexo). Também pela arquitectura, e pela presença nos espaços
envolventes de vestígios de antigas quintas, o núcleo antigo da Arrentela (Ortofotomapa
6 ver anexo), enquanto conjunto, integra elementos arquitectónicos com características
rurais.
114
Francisco Silva, «Núcleo Urbano Antigo do Seixal», in Ecomuseu Informação, Seixal, Ecomuseu
Municipal do Seixal, Setembro 2000.
115
Apesar da plantação de amoreiras ser comum na região, as espécies utilizadas para a criação de bicho
da seda têm origem na China e na Índia e são introduzidas em Portugal a partir do século XVI, por outro
lado, a localidade já assim designada no século XIV por Fernão Lopes, poderiam existir eventualmente
algumas amoreiras de uma espécie oriunda do Médio Oriente introduzidas no período romano ou durante
a Idade Média. Cf. Manuel Lima, Amora Memórias e Vivências, pp. 21 – 23.
161
das áreas de maior densidade de loteamento urbano na região. Principalmente em
Amora de Cima, restam alguns edifícios de características rurais (foto 53).
162
3.5.1. A Festa de São João Baptista
O dia vinte e quatro de Junho, três dias após o solstício de Verão, é dedicado pelo
calendário litúrgico a São João Baptista. Segundo Leite de Vasconcelos, a celebração
deste santo encontra-se associada à fertilidade e reveste-se de variadas formas: «As
tradições populares demonstram como S. João representa o Sol considerado astro
fálico. Algumas feições deste período: Festas nas aldeias (o facho nos montes feito
pelos pastores) o sacrifício do gato, as pinhas, as fogueiras, a música e os versos as
cantigas fálicas, as sortes com as alcachofras e a água».116
116
Leite de Vasconcelos, op. cit., Vol. VIII, p. 388.
117
Segundo a tradição oral o Santo dorme essa noite acompanhado por uma Santa, aspecto que acentua a
origem pagã da celebração associada à fecundidade dos campos da Ramalha, Cf. Francisco Silva,
Ramalha o Homem e a História, Almada, Centro de Arqueologia de Almada, 1992, p. 26.
118
Idem, p. 27.
163
cavalhadas. Nesses tempos despovoava-se Lisboa para ir assistir a essas funcções. De
há trinta anos para cá teem caminhado em tal decadencia que presentemente são uma
pequena sombra do que foram».119
Desconhece-se a origem remota desta festividade, no entanto, importa referir que a zona
denominada Ramalha se localiza a Sudoeste do centro da cidade de Almada e
corresponde a uma encosta suave exposta a Sul, de solos muitos férteis. Aqui foram
identificadas diversas estações arqueológicas que testemunham uma ocupação contínua
do espaço, então na proximidade de um esteiro do Tejo, desde o período Paleolítico,
passando pela presença romana e islâmica. Em 1992 foi possível localizar doze quintas,
algumas referenciadas desde o século XVI.120 Dada a proximidade ao núcleo urbano da
Cova da Piedade, era um local escolhido pelos almadenses e pelos lisboetas para
passeios ao campo, durante o século XIX, conforme refere Pinho Leal «Ao S. da villa,
em um lindo valle cercado de pequenos outeiros cultivados, é a Cova da Piedade. [...]
Aqui se faz uma boa feira nos dias 23, 24 e 25 de julho, havendo muitas vezes corridas
de toiros, grandes festas e concorridissimo arraial. A Cova da Piedade é um sitio
encantador, e muito frequentado dos lisbonenses».121
A referência mais antiga que encontrámos acerca desta celebração data de 1731 e
encontra-se num documento transcrito e publicado anonimamente com o título Extracto
do Titulo, Manuscritos, da Quinta de S. João da Ramalha.122 Esta edição, apresenta no
ponto designado Título da Procissão de S. João Baptista,123 a transcrição de uma
petição feita pelo proprietário da Quinta da Ramalha, se queixa da recusa dos irmãos da
Mesa da Confraria de São João Baptista, em transportar a imagem do santo à sua
quinta, apesar de ser um costume antigo: «de tempo que não há lembrança nos homens
que hoje existem».124 Em resposta a esta petição após serem expostas as razões dos
confrades, o Bispo de D. Tomás, patriarca de Lisboa, responde através de uma provisão
datada de 1734 onde refere que: «sendo o dito costume muito antigo e de tempo
imemorial há dois anos que os Prodecessores dos Suplicantes impetraram a Nós
119
Vilhena Barbosa, Cidades e Villas da Monarchia Portuguesa que teem Brasão D’armas, Lisboa,
Typographia do Panorama, 1860, p. 22.
120
Francisco Silva, Ramalha o Homem e a História, p. 16.
121
Pinho Leal, Op. cit., Vol. 1, p. 142.
122
Extracto do Titulo, Manuscritos, da Quinta de S. João da Ramalha, Lisboa, Tip. Pinheiro & Dias,
1960.
123
Idem, p. 14.
124
Ibidem.
164
Procissão pela vila com o pretexto de dizerem estar a referida Ermida distante da vila,
o que era menos verdadeiro, por ser a mais chegada à mesma vila, experimentando
todo aquele povo grande desconsolação e observando que depois que não leva o Santo
na forma costumada, não dão as fazendas daquela vila e seus termos novidades o que
se reconhece por castigo».125
Outra celebração religiosa que se encontra ligada às populações rurais e piscatórias dos
arredores de Lisboa é conhecida como o Círio a Nossa Senhora do Cabo Espichel. Esta
manifestação de religiosidade popular ocorre durante o mês de Setembro e reveste-se
de diferentes formas, consoante os locais de origem dos devotos.
125
Idem, p.19, (sublinhado nosso).
165
Este culto, com provável origem pré-histórica, relaciona-se com a sacralização do
espaço do antigo Promontório Barbárico, por estar na continuidade do Monte
Barbárico (Serra da Arrábida), assim designado pelos autores clássicos, conforme refere
Frei Bernardo de Brito na obra Monarchia Lusitana.126 Ao promontório, os povos da
127
região fariam romagens rituais no final do Verão para celebrar o fim das colheitas,
tradição que se manteve entre as comunidades rurais durante o período de presença
islâmica. Com a Reconquista o ritual foi adaptado, passando a integrar o calendário
litúrgico das populações cristianizadas, no âmbito do culto mariano da Estremadura, que
para além do Cabo Espichel se estende a outros lugares de peregrinação, como a Serra
da Arrábida, o santuário de Nossa Senhora da Atalaia e o Sítio na Nazaré.
A devoção a Nossa Senhora do Cabo tem origem numa lenda que remonta século XIII,
segundo a qual terá ocorrido um milagre ao largo do Cabo Espichel. Durante a noite,
uma tempestade marítima ameaçava afundar um navio. Achando-se em perigo, a
tripulação rogou por auxílio à Virgem, tendo desaparecido misteriosamente a imagem
da Senhora que transportavam a bordo. Surgiu então sobre o promontório uma luz
avisadora, ao mesmo tempo que a tempestade amainava. A tripulação do navio
observou então Nossa Senhora que montada num jumento subia a encosta escarpada.
Na manhã seguinte, alguns tripulantes decidem ir a terra, chegando ao cimo do cabo,
encontram a imagem de Nossa Senhora que havia desaparecido, o que entenderam
como sinal de que a imagem havia escolhido esse lugar para permanecer e ser venerada.
Cerca de dois séculos mais tarde, regista-se outro milagre, envolvendo desta vez uma
mulher de Caparica e um homem de Alcabideche, a quem a Virgem Maria tendo-lhes
aparecido em sonhos, indicou o Cabo Espichel como lugar onde se deveriam dirigir.
Respondendo ao chamamento, apesar da distância, decidem dirigir-se ao local indicado
pela Senhora. Encontrando-se ocasionalmente no caminho, a velha e o saloio fazem
uma pausa para repousar. O homem de Alcabideche, mais cansado pela longa jornada,
adormece, enquanto a caparicana ruma para o Cabo. O homem ao acordar, vendo-se
sózinho retoma o caminho que levava, e ao chegar ao local que lhe fora indicado nos
126
«Depois deste monte se segue o que Ptolomeu e Strabo, chamão Barbarico e nos oje serra Rabida»,
Frey Bernardo de Brito, Monarchia Lusitana – Geographia Antiga de Lusitania, Alcobaça, 1597, fl. 3 f.
127
Paulo Pereira, «Promontório Barbárico», in Cabos do Mundo e Finisterras, Enigmas Lugares Mágicos
de Portugal, Vol. V, s.l., Circulo de Leitores, 2005, pp. 110 – 128.
166
sonhos, encontra a mulher em oração junto da imagem de Nossa Senhora. Decidem
então utilizar o alecrim que abundava no local, para construir um abrigo onde acolher a
santa imagem.128
O culto de Nossa Senhora do Cabo atingiu o seu apogeu durante o Século XVIII,
contando com o apoio da Casa Real. A importância tem vindo a decair desde o princípio
do século XX, mas mantém ainda alguma tradição na região a Norte de Lisboa, onde se
designa por Círio dos Saloios. Apesar de já não se realizar desde 1839 a romagem ao
Espichel, a imagem peregrina da Senhora do Cabo permanece cada ano numa das vinte
e seis freguesias que constituem o Giro. Na margem Sul do estuário do Tejo, eram as
localidades de Almada, Caparica, Seixal, Arrentela, Palmela, Azeitão, Sesimbra e Coina
que tradicionalmente realizavam o Círio ao Cabo Espichel.
Dos concelhos de Almada e Seixal, a freguesia de Caparica foi aquela que manteve até
mais tarde a peregrinação ao cabo Espichel, à qual se ligou profundamente por via da
lenda que faz de uma caparicana a protagonista do milagre e pelo facto do Círio dos
Saloios passar na freguesia, mas também por se tratar de uma zona onde as
comunidades de agricultores e pescadores, dependentes dos recursos naturais,
mostravam maior devoção à Senhora do Cabo do que as populações urbanas. Não se
conhece nenhuma confraria ou compromisso associado ao Círio da Caparica, sendo
difícil conhecer de que forma a celebração se realizou ao longo dos séculos, segundo
Vieira Júnior a vara do Monte era a mais rica, «por ser a única que ao Cabo Espichel
faz conduzir em berlinda a imagem da Nossa Senhora».129 Existe uma imagem da
Senhora do Cabo que era venerada na Igreja de Nossa Senhora do Monte de Caparica, a
qual, segundo António Correia, não acompanhava o Círio, segundo este autor, ao Cabo
era levada em cortejo uma bandeira processional, transmitida de vara em vara.130 As
romagens eram realizadas em romarias que seguiam pela estrada de Sesimbra até à
Apostiça ou em pequenos grupos ao longo da praia. Os últimos Cirios realizados na
Caparica durante o século XX, partiram da Sobreda em 1945 e da Costa em 1948. Esta
128
Cf., Francisco Silva, Nossa Senhora do Cabo e os Círios da Caparica, s.l., Juntas de Freguesia de
Caparica, Trafaria, Costa, Charneca e Sobreda, 2007, p. 7.
129
Duarte Joaquim Vieira Júnior, Op. cit., p. 152.
130
Cf. António Correia, Divagando Sobre Caparica – Pedaços da sua História, Costa da Caparica,
Câmara Municipal de Almada, 1973, p. 103.
167
devoção está também representada em registos de
azulejos alusivos à Senhora do Cabo, nomeadamente em
Almada Velha e Porto Brandão (foto 57).
168
CONCLUSÃO
169
se na dependência das terras vizinhas, como Almada, para abastecimento de alimentos e
lenha. Neste sentido, podemos concluir que desde o princípio da nacionalidade se
começa a construir uma imagem da “outra banda” baseada na disponibilidade de
recursos explorados, não apenas como meio subsistência das populações, mas também
com objectivos de mercado, sendo o ambiente rústico enfatizado face à urbanidade de
Lisboa.
As obras corográficas publicadas durante os séculos XVIII e XIX, a maioria das quais
organizadas alfabeticamente, por topónimos de concelhos ou localidades, apresentam
descrições sistemáticas do território e informações sobre a história, actividades
económicas e características físicas da região que permitem uma observação
aproximada do espaço físico.
170
principalmente lisboeta, que frequenta a margem sul durante o Verão e nas ocasiões
marcadas por festas populares.
171
Grande parte do território abrangido pelos concelhos de Almada e Seixal encontrava-se
inculto, isto é, não era cultivado, o que não quer dizer que não fosse intensamente
explorado, principalmente pela recolha de lenha que abundava nos vastos pinhais, que já
existiam no século XVIII e que continuaram a ser plantados durante o século XIX. Nos
terrenos agrícolas a cultura dominante era a vinha, sendo referidas outras, como os
cereais, alguns produtos hortícolas e frutas, com destaque para os figos e os citrinos,
colhidos nos laranjais do Seixal. Importa observar que, partir de meados do século XIX,
a produção de vinho se reduz substancialmente devido às doenças que atacaram a vinha,
com implicações ao nível da paisagem, pois muitos terrenos agrícolas ficaram ao
abandono.
Ao tratar a questão das memórias ligadas à ruralidade, apesar de terem pouca expressão
para a maioria da população local, devido às profundas alterações socio-económicas
operadas nos concelhos de Almada e Seixal durante o século XX, concluímos que é
ainda possível identificar resquícios do ambiente rural. Nas manchas de pinhal, nas
praias da frente atlântica, bem como em algumas áreas onde se mantém a actividade
172
agrícola, identificámos vestígios das paisagens descritas no século XVIII e XIX.
Também encontrámos estruturas construídas pelo homem, destinadas à habitação,
armazenamento e processamento, memórias materializadas nas quintas, moinhos e
lagares. Nos núcleos urbanos mais antigos persistem alguns elementos e conjuntos
arquitectónicos que testemunham a origem rural das localidades. Constatamos ainda que
as tradições religiosas de cariz popular se encontram relacionadas com a ruralidade, ao
observar que as duas celebrações com maior tradição entre as populações locais,
nomeadamente a festa de São João Baptista e o Círio de Nossa Senhora do Cabo
Espichel, estão associadas ao ciclo das colheitas e consequentemente testemunham a
permanência de cultos próprios de comunidades agrícolas.
173
consubstanciadas no património cultural, terá de incluir o estudo e inventariação das
estruturas edificadas, tais como as quintas e moinhos, mas também sobre a origem e
evolução dos núcleos urbanos de génese rural. São estas as principais áreas de
investigação que nos propomos desenvolver futuramente.
174
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176
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SOUSA, Raul Pereira de, Almada Toponímia e História, Almada, Câmara Municipal de
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185
ÍNDICE DE QUADROS
186
ÍNDICE DE MAPAS
187
Francisco Manuel Valadares e Silva
Universidade Aberta
Lisboa
2008
ÍNDICE
Documentos Transcritos
Documento 1 – Memoria Económica Da Villa d’Almada e seu Termo............................4
Documento 2 – Extracto do Livro de Posturas da Câmara Municipal
de Almada 1730 – 1767 ..........................................................................21
Documento 3 – Extracto da Cópia das Posturas feitas pela Câmara Municipal
do Seixal 1841.........................................................................................22
Documento 4 – Extracto do Livro de Posturas 1886 ......................................................35
Figuras
Fig. 1 – Corroios em finais do século XIX......................................................................44
Fig. 2 – Postal ilustrado do Pragal em finais do século XIX...........................................44
Fig. 3 – Postal ilustrado da Trafaria ................................................................................45
Fig. 4 – Postal ilustrado da Trafaria ................................................................................45
Fotos
Foto 1 – Pinhal dos Medos ..............................................................................................46
Foto 2 – Terras da Costa..................................................................................................46
Foto 3 – Frente Atlântica .................................................................................................47
Foto 4 – Arte Chávega.....................................................................................................47
Foto 5 – Terreno de pastagem .........................................................................................48
Foto 6 – Terrenos agrícolas ao sul de Pêra......................................................................48
Foto 7 – Terrenos agrícolas a Sul de Pêra .......................................................................49
Foto 8 – Terrenos da Quinta da Princesa.........................................................................49
Foto 9 – Terrenos agrícolas da Quinta do Infante ...........................................................50
Foto 10 – Hortas nos brejos de Paio Pires .......................................................................50
Foto 11 – Paisagem rural na freguesia de Caparica.........................................................51
Foto 12 – Casa saloia no Pragal ......................................................................................51
Foto 13 – Parede em adobe no lugar da Regateira ..........................................................52
Foto 14 – Casa com contrafortes .....................................................................................52
Foto 15 – Jardim da Quinta da Fidalga............................................................................53
1
Foto 16 – Portal da Quinta do Guarda-Mor.....................................................................54
Foto 17 – Quinta da Torre ...............................................................................................55
Foto 18 – Poço da Quinta da Torre .................................................................................56
Foto 19 – Capela de São Tomás de Aquino ....................................................................55
Foto 20 – Quinta de Nossa Senhora da Conceição..........................................................55
Foto 21 – Pátio do Solar dos Zagallos.............................................................................56
Foto 22 – Pátio Casa da Cerca.........................................................................................56
Foto 23 – Quinta de Santo Amaro ...................................................................................57
Foto 24 – Quinta dos Frades............................................................................................57
Foto 25 – Quinta da Trindade, Seixal..............................................................................58
Foto 26 – Quinta da Fidalga ............................................................................................58
Foto 27 – Lagar de azeite da Quinta do Pinhalzinho.......................................................59
Foto 28 – Pormenor das almofadas de pedra...................................................................59
Foto 29 – Lagar da Quinta de Castros .............................................................................60
Foto 30 – Lagar de vara da Quinta da Torre....................................................................60
Foto 31 – Ruínas do lagar de vara da Quinta das Capitoas .............................................61
Foto 32 – Lagar de fuso da Quinta de Castelo Picão.......................................................61
Foto 33 – Moinho de Vento da Quinta dos Buxos ..........................................................62
Foto 34 – Moinho de vento da Azinheira ........................................................................62
Foto 35 – Frechal, moinho de vento dos Capuchos ........................................................63
Foto 36 – Andorinho, moinho de vento dos Capuchos ...................................................63
Foto 37 – Arganeis no frechal, moinho de vento da Quinta dos Buxos..........................64
Foto 38 – Moinho de maré do Zeimoto...........................................................................64
Foto 39 – Moinho de maré de Corroios...........................................................................65
Foto 40 – Moinho de maré da Quinta da Palmeira..........................................................65
Foto 41 – Vista panorâmica da cerca do antigo convento de São Paulo .........................66
Foto 42 – Construções rurais no Pragal...........................................................................66
Foto 43 – Lagar da Quinta do Brasileiro .........................................................................67
Foto 44 – Construções rurais em Pêra .............................................................................67
Foto 45 – Vista panorâmica da localidade da Fonte Santa..............................................68
Foto 46 – Vista da povoação de Murfacém.....................................................................68
Foto 47 – Construções rurais em Vila Nova de Caparica................................................69
Foto 48 – Barcos de pesca tradicional na praia da Tafaria..............................................69
Foto 49 – Vista do núcleo antigo da Sobreda..................................................................70
2
Foto 50 – Casa da Coroa na Costa de Caparica..............................................................70
Foto 51 – Vista panorâmica da Arrentela........................................................................71
Foto 52 – Vista do núcleo urbano antigo do Seixal.........................................................71
Foto 53 – Portal de casa rural na Amora .........................................................................72
Foto 54 – Habitações rurais em Paio Pires ......................................................................72
Foto 55 – Procissão de São João Baptista .......................................................................73
Foto 56 – Coroa de frutos na procissão de São João Baptista.........................................73
Foto 57 – Registo de azulejo alusivo a Nossa Senhora do Cabo.....................................74
Ortofotomapas
Ortofotomapa 1 – Núcleo Histórico do Pragal ................................................................75
Ortofotomapa 2 – Núcleo Histórico do Monte de Caparica............................................75
Ortofotomapa 3 – Núcleo Histórico de Murfacém..........................................................76
Ortofotomapa 4 – Núcleo Histórico da Trafaria..............................................................76
Ortofotomapa 5 – Núcleo Histórico da Sobreda .............................................................77
Ortofotomapa 6 – Núcleo Urbano Antigo da Arrentela ..................................................77
Ortofotomapa 7 – Núcleo Urbano Antigo do Seixal .......................................................78
Ortofotomapa 8 – Núcleo Urbano Antigo de Amora ......................................................78
Ortofotomapa 9 – Núcleo Urbano Antigo de Paio Pires .................................................79
3
DOCUMENTO 1
[Capa f.]
Ministério Manda Sua Magestade, a Ray do Reyno nha, remetter ao Coronel Marino
Mi 3ª Repartição guel Franzini a inclusa Memoria Economica da Villa d’Almada, e seu
Termo; afim de que o mesmo Coronel se sirva dos dados, que a dita Memoria lhe
proporcionar para o dezempenho da Commissão, de que se acha actualmente
encarregado, devendo igualmente restituir a este Ministerio a referida Memoria, logo
que concluidos sejão os trabalhos da mesma Comissão.
Palacio das Necessidades em 30 de Maio de 1835.
[Capa v.]
[fl. 1f.]
[fl. 1v.]
[fl. 2f.]
Memoria Economica
Da Villa d’Almada e seu Termo
∗
AHMOP, CEPPND 1 – Portarias e Ofícios Recebidos da Secretaria de Estado dos Negócios do Reino,
1843-07-18 – 1846-09-07, Comissão Encarregada de Propor o Plano da Nova Divisão Eclesiástica e
Administrativa
4
Situação e Clima
5
expostos ao orvalho da noute que lhes tolhe a transpiração. No anno de 1830 dezem-
volveo se huma destas febres intermitentes como epidemica na Povoação da Costa da
Caparica que se compoem de Pescadores, produsidas não só pela muita miséria e falta
de asseio com que vive aquella gente mas mui particularmente pela singularidade de
que soprando o Vento Sul choveo amiudamente todo o Verão, apodrecendo as agoas
que se conservavao no charcos que se tinham formado no Inverno.
A Cholera Morbus que no anno de 1833 assolou este desgraçado Reyno não
sefez pouco sentir este Distrito levando talvez hua quarta parte da sua população á
sepultura. Foi no Lugar do Seixal aonde ella principiou a se manifestar, cujos
habitantes são quasi todos pescadores do Alto Mar, dali se extendeu pelas mais
povoaçoens com espantosa furia. Toda via he para nottar que os trez lugares mais
proximos Amora, Arrentella, e Aldea de Paio Pires não forão attacados da epidemia,
pois apenas houve hum ou outro cazo da infermidade. Segundo as observaçoens dos
Medicos do Partido da Camara se collige que não há neste Concelho molestia alguma
filha do Rouz, ou prevativa nelle e que se fosse profavel affastar mais o Tejo da margem
que vai desde Corroios até Rio Judeo, estagnar aluns pantanos, e fazer vallas para
desalagar os terrenos, estes sitios os mais doentios se tornarião tão saudaveis como os
que decorrem pela parte Norte desde a Villa até Caparica que por extremo o dão.
[fl. 3 v.]
Conforme as mais antigas memorias a que devemos dar credito, foi esta Villa
d’Almada, aos Mouros, no anno de 1185, conjuntamente com Lisboa, Cintra e
Palmella, tomada por El Rey D. Afonso Henriques. As ruinas do seu antigo Castello se
conservarão até á Guerra Peninsular depois da invasão Francesa em 1809, que de todo
se demolirão para de novo se reedificar como agora se acha esta fortificação. Dentro
delle estava a Igreja Matriz de S.tª Maria a qual sendo derrubada pelo terramoto de
1755 passou a hua pequena Ermida, e dali para a Igreja do Comvento de S. Paulo da
Ordem dos Pregadores, abulido por Decreto da Snr.ª Rainha D. Maria I.ª.
Era das Notaveis Villas do Reyno, tinha asento em Cortes e áquelles actos
mandava trez Procuradores.
Nos tempos modernos hé remarcaride pela completa derrota que em 23 de ju-
lho de 1833 soffrerão os Rebeldes que seguião o partido do Usurpador D. Miguel,
pelas tropas fieis da Rainha a Snr.ª D. Maria 2.ª
[fl. 4 f.] Aqueles commandados pelo feroz General Telles Jordão em numero de
mais de 5000 homens fortes em cavalaria providos de boa artilheria de campanha,
6
protejidos pela das baterias, desaparecerão como o fumo e sem a mais leve
demonstração de coragem diante do pequeno número de menos de 1200 soldados
capitaneados pelo invicto Duque da Terceira sem artilheria e nenhuma cavallaria pois
não passava esta de 17 soldados lanceiros mal montados. O valor dos soldados,
animados com o exemplo dos seus Officiaes, a confiança no Valoroso Chefe que os
conduzia de victoria em victoria, venceo todas as difficuldades. O innimigo foi
encontrado, attacado e roto. Seu General morto no campo se dispunha a fujir,
bagagens, artilheria muniçoens ficarão em poder das tropas da Rainha. No dia 24 de
madrugada rendeose o Castelo; e a victoria do dia antece dente tendo causado o
abandono da Capital pelas tropas Miguelistas, Lisboa recebeo nessa mesma manhaa a
bravos tropas da Divisão Libertadora em seo Seio.
[fl. 4 v.]
Estabelecimentos de Caridade
Tem esta Villa dous unicos Estabelecimentos de Caridade. A Caza da
Mizericordia, e a Albergaria de S. Lazaro.
A Caza da Mizericordia cuja epocha de fundação ao certo não se sabe, tem de
rendimento anual quazi 1:000$000r. em Juros e Foros. A Mesa da Irmandade he a
administradora destes rendimentos, e tem Carta de Administração na conformidade do
Decreto de 15 de Março de 1800, que tirou no Anno de 1830. Regula-se pelo
Compromisso da Caza da Mizericordia de Lisboa. Este Estabelecimento que pode ser
de muita utilidade para este povo, contudo pouco auxilio lhe presta pela diminuição
que sofrem seus rendimentos pela falta de pagamento do Juro dos Padroens de Juro
Real que recebe pelo Thesouro Publico, e somão a quantia de 467$000r. annuaes, que
diminuidos da Receita vem ser o liquido desta pouco mais de 500$000r. por Anno.
Antes de estarem authorisados pela sua Carta de Administração, erão os
Administradores compelidos pelos Provedores das Comarcas, a cuja Jurisdição
estavão sujeitos, a cumprir os legados Pios e Religiosos que oneravão segundo a
vontade dos Testadores os bens administrados: isto ainda muito tempo depois do citado
Decreto de 15 de Março de 1800, o qual incorporando na Corôa os bens das Capellas,
e Vinculos que as Mizericordias administravão, os desonerava de todos aquelles
encargos das suas Instituiçoens, e assim livres, e deste modo dezembargados fazia S.
Mag.de, delles mercê as mesmas Casas de Misericórdia para dispenderem os seus
rendimentos nos saudaveis fins de seus Compromissos. Authorizados porem pela Carta
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da Administração que os constituiu legitimos Administradores e sem a qual nada
podião fazer, e resgatados os bens que puramente administravão, dos Onus e encargos
a que estavão sujeitos, e que absolvião quasi todo o seu rendimento ficárão elles
habilitados para suspender estes Onus e encargos, e dispenderem aquelles rendimentos
nos fins do seu Compromisso. Para o que emprehendêrão huma reforma na
administração como necessario era, para converter em benefícios de maior utilidade
Pública, os Rendimentos que até [fl. 5 f.] ali revertião em proveito espiritual hypotetico
das almas dos Instituidores, como era o muito que se despendia com Capellaens.
Contudo a falta de pagamento da soma de Juros Reas, cauza hum deficit extraor-
dinario na Fazenda desta Mizericórdia, que a reduz a não poder dar um passo fora da
limitada orbita a que está circunscrita, por isso que devendo calcular-se a Despeza
sobre a Receita liquida apenas se pode contar de 1:000$000r. Querendo envitar-se o
empenho em que progressivamente hia cahindo, a Mesa da Irmandade redusio os
antigos Encargos, e da seguinte maneira distribuio annualmente os rendimentos.
Dous dottes de 40$000r. 80$000
Huma Capella de 80$000
Vinte e quatro Vizihadas [?] de 2400 – 115$200
Esmolas certas em 2.da feira Sancta 40$000
Ordenados 72$000
387$200
Restão portanto poucomais de 100$00r. para [fl. 5 v.] despezas do Culto, e
alguâs outras extraordinarias como concertos no Edificio, demandas srª. isto he não
contando com os Juros Reaes, que não entrão em em comta para esta despeza, ficando
a sua applicação reservada para quando forem recebidos. À vista disto bem se deicha
ver a necessidade que tem o Governo de attender a hua divida tão sagrada, se quer que
a sociedade tire deste Estabelecimento aquella utilidade para que ele foi instituído. A
divida da Fazenda Nacional a Stª Casa da Mizericordia desta Villa pelos Juros
vencidos desde o anno de 1829 até ao fim de 1834 soma 2:802$000r., a qual sendo
paga offerece hum capital para o Esta-belecimento, ou de huma casa de Educação para
exposto e primeira infancia, ououtro qualquer natureza, e o Juro que vai vencendo para
a sua sustentação, que não deicharia de ser ajudada pela beneficencia dos Habitantes.
8
daquelle Senhor, o qual se refere a outro anterior. Em seu principio foi [fl. 6 f.] este
Estabelecimento administrado pela Camara até ao anno de 1586 em que por escriptura
Publica renunciou na Meza da Misericordia a administração que esta agora exerce.
Consiste o seu rendimento em foros pagos em generos, e em dinheiro, importão
aquelles em 189 alqueires de trigo, e 193 de cevada: estes somão 24$271r. Calculando
o valor dos generos por hum preço medio pode dizer-se que o rendimento liquido he de
200$000r. pouco mais ou menos, que se dispendem da maneira seguinte.
Pelo Ordenado do Escr.ão da Albergaria 15 alq. res de Trigo
15 d.ºs de Cevada
Pelo d. º do Capellão. 30$000 r.
D.º do Hospitaleiro 12$000 r.
42$000 r. = 30 alq.res
São os Encargos: huma missa todos os sabados por alma dos Snr.es Reis destes
Reynos, e dos Bemfeitores: dar pouzada aos Peregrinos, e fazer conduzir os pobres
doentes ao Hospital de S.José de Lisboa, no que se não dispende pouco no decurso do
anno e acudir com esmolas a alguns doentes necessitados.
[fl. 6 v.]
Instrução e Segurança
Publicas
9
[fl. 7 f.]
A Segurança Publica raras vezes é violada bastando apenas as moderadas
providencias de Policia que as authoridades empregão para a manter. No entanto o
imoderado uso do vinho vicio mui commum na gente rustica produz frequentes rixas
entre o povo do Termo que muitas vezes terminão de um modo desagradavel e funesto.
As Estradas são, pode assim dizer-se exemptas de salteadores, ainda que alguas vezes
aparecem nas que se derigem a Sesimbra, que são as mais frequentadas, mas nessas
occasioens trazem o golpe premeditado, depois do qual desaparecem. Não há por tanto
ladroens estacionarcas, e muitos mezes deccorrem que se não experimenta um insulto
neste frequentado tranzito. Tem-se observado que estas quadrilhas avulsas são
compostas de gente que se acoita no trabalho da pesca na Povoação da Costa de
Caparica, proxima às Estradas mencionadas, e que sahem a corso quando lhes falta a
pescaria, em ocasião de penuria.
Povoação
[fl. 7 v.]
Mappa da População da Villa d’Almada e seu Termo
Lugares Freguesias Fogos Habit. tes
Almada S.’Tiago 683 2335
S.tª Maria do Castello 389 1238
Amora N. S.rª do Monte Sinai 195 745
Corroios N. S.rª da Graça 48 205
Seixal N. S.rª da Conceição 490 2000
Arrentela N. S.rª da Consolação 192 734
Aldea de Paio N. S.rª da Anunciada 179 709
Pires N. S.rª do Monte 1370 5393
Caparica
Total 3546 13359
Além dos Lugares descriptos neste Mappa que são os Chefes ou Cabeças de Parochia,
compreendem estas outros mais, incluidos na numeração de seus fogos e habitantes, as
quaes são: na freguesia de S. Tiago e limite da Villa: porto de comunicação, aonde está
estabelecida a chamada Carreira de transporte maritimo, muito frequentado pela
commodidade que offerece de toda a hora haver maré para [fl. 8 f.] a prompta
10
passagem. O Ginjal: no pé da montanha junto ao Tejo do lado oposto a Lisboa, aonde
há grandes armazens para retem de Vinhos de embarque. Margueira: do lado do sul,
sobre a chamada Cova da Piedade: está ali estabelecido o grande Laboratorio Chimico
o maior que há em Portugal pertencente a João Paulino de Almeida. Motella,
Caramujo e Piedade pequenas povoacoens, junto desta ultima está a Real Quinta do
Alfeite.
Na freguesia de S.tª Maria e limite da Villa: o Pragal cujos habitantes são quasi
todos Calafates e Carpinteiros occupados no Arsenal da Marinha.
Na freguesia de N. S.rª do Monte de Caparica sobre a margem do Tejo, Porto
Brandão: mui pequena povoação he o porto de transporte do interior para aquella
parte. Trafaria: Povoação de pescadores do mar alto. Tem uma repartição de Saude e
registo. Era dantes ahi que se depositavão as fazendas por franquia ou quarentena, no
prezidio que depois e ainda servio de prizão: fica proxima a barra.
[fl. 8 v.]
A Costa: povoação de pescadores, sobre o Oceano. Tira-se ali grande
quantidade de excellente peixe, principalmente sardinha, que faz a principal riqueza
daquella pescaria, a qual se faz por huã especie de companhias, que denominão
Rêdes: cada huã tem seu dono ou Mestre, que hé obrigado a dar sustento á sua
Companha, cuja importancia se desconta na parte que a esta pertence da pesca que se
recolhe. Nos mezes de mais rigoroso Inverno vão estas redes pescar á Costa da Gallé
proxima a Setubal.
Para o interior está a Sobreda, lugarejo cujos habitantes são mui inclinados á vida do
mar e do comercio, e tem dado á Marinha Mercante mui habeis pilotos e officiaes.
A Charneca; pequena povoação. A maior parte dos homens se ocupão na
agricultura, e as mulheres na preparação das Seda que vão buscar as Fabricas de
Lisboa. Proxima está a Matta Nacional do Pinhal dos Medos, donde se tira excellente
madeira de [fl. 9 f.] construcção para o Arsenal da Marinha. Consta que antigamente
houvera ali hua aldêa a que chamavão Adissa e ainda não há muito tempo existia hum
poço a que davão o nome de Poçode Mouro, no meio daquella charneca. Tem este
Pinhal pouco mais de huma legoa de extenção e corre ao longo da costa do mar, vai
acabar na Lagoa d’Albufeira da qual hum pouco a baixo termina o Termo d’Almada e
principia o de Sesimbra. Recebe esta Lagoa todas as Agoas da Ribeira chamada
11
d’Apostiça, que vem juntando todas as que correm para ella de muitas outras desde as
immediaçoens da Villa d’Azeitão.
Será o seu comprimento de trez quartos de legoa e está separada do Oceano por
hua lingua d’arêa que pouco mais excederá a duas braças de largura. Alguas vezes hé
mandada abrir artificialmente, outras vezes as mesmas agoas buscão huã saida,
econforme os ventos que soprão assim se conserva ou muitos ou poucos tempos
communicando com o mar. Abunda muito em pesca e caça do mar, he Coutada e
pertence hoje a S. Magestade.
[fl. 9 v.]
No mappa que formei da População da Villa e lugares de seu Termo, pelas
listas que recebi dos Parrochos das Freguesias, não faço mensão da gente adventicia
que todos os annos costuma vir a este Termo já para trabalhos de Agricultura, já para
a Pescaria, cuja soma somma dutará a mais de 4000 homens, pois segundo o que me
participou o Parrocho de Caparica só na sua Parrochia há para cima de 3000 homens
desta classe. Combinando este mappa com o recenceamento feito até ao anno de 1828
que faz parte do Decreto de 3 de Junho de 1834, ver-se há que a differença que há no
decurso destes quatro annos he para menos em fogos 242 em individuos 238: o que não
deve admirar attendendo que esta Povoação soffreo muito com a Cholera Morbus em
1833, havendo já experimentado outro flagello quasi tão destruidor em 1830.
Os meios de subsistencia dos habitantes dos diversos Lugares de que se
compoem este Conselho são tirados, da Agricultura, Pesca, Officios Mechanicos, e da
Marinha. A classe [fl. 10 f] dos Agricultores hé a mais diminuta, pois os filhos do paiz
são pouco inclinados aos trabalhos do campo, seguem com preferência a vida
maritima. A causa desta dicida inclinação nasce da proximidade em que estão do mar,
a meu ver, que lhes offerece emprego facil ou nos transportes maritimos do Tejo, ou na
navegação mercantil.
Terreno e Agricultura
O Terreno deste Districto hé parte cultivado, porem a maior porção he charneca
inculta coberta de matto razo, e Pinheiraes extenços aos quaes dá grande valor a
proximidade á Capital, e ao mar, para a facilidade de transporte, e consumo das
lenhas. Os continuados fogos tem todavia distruido este ramo de commercio e de
riqueza deste Termo: encontrão-se já legoas de charneca cobertas noutro tempo de
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extensas e annosas mattas, e hoje de inutil matto, victimas dos devoradores incendios.
As providencias dadas pelas Camaras, e pela Policia, assim punindo com multas os
roubadores de lenhas, como obrigando os [fl. 10 v.] donos dos Pinhaes a cuidarem em
abrir asseiros para evitarem taes incendios, não tem sido bastantes para garantir estas
Propriedades.
O Terreno cultivado terá meia legoa de largura, e em partes menos, e duas
legoas e meia ao longo do litoral. He por este que estão situados os lugares mais
populosos, aonde há excellentes Quintas e Fazendas, com pomares, hortas e vinhas que
fazem a cituação aprazivel. A maior parte porem destes predios estão em abandono,
porque pertencendo a Fidalgos, ou grandes proprietarios que rezidindo na Capital ou
as arrendam, ou as entregão aos cuidados de Cazeiros ou Feitores que de ordinario só
procuram o seu interesse e pouco cuidão nos de seus amos. A maior parte das terras
que rodeão a Villa são ladeiras por isso que ella está cituada n’hua eminencia, e
propicias para toda a qualidade de produçoens. Não obste o clima ser temperado ou
favorável, costuma contudo haver frios e geadas que causão as vezes grandes prejuiso
principalmente nos [fl. 11 f.] Vinhos. Para o interior são as terras mais planas,
cortadas de pequenos outeiros. A hua legoa da Villa principia a Charneca inculta,
coberta de matto, cujo terreno he quasi todo arenoso, não admittindo talvez genero
algum de cultura sem grandes despezas que não poderiam recompensar. No entanto
alguns sitios há de óptimo torrão que estão abandonadas e poderião ser amanhados
com proveito.
Os productos são Vinho, azeite, trigo, milho, legumes, fructas de carosso e
pevide: mas a cultura importante he a da vinha, toda a outra he um pequeno ponto.
Hum calculo medio tirado dos annos de 1830 a 1833 offerece o seguinte resultado.
13
[fl. 11 v.]
A colheita de Azeite feijão, e outros legumes, hé insignificante não vale a pena
de se especificar; álem de não pode calcular-se pelos dizimos donde foi estraido o
calculo aprezentado, porquanto esta colheita andava avançada, e comprehendida no
que chamavão meuças que rendião annualmente para mais de 400$000r. Os lavradores
pagavão por estimativa ou convenção em dinheiro hua quantia equivalente aos dizimos
destas produçoens de pequeno valor. Todos os Dizimos pertencião à Commenda de S.tª
Maria da Ordem de S. Tiago de Espada, e delles se tiravão as despezas do culto, e o
remanescente era remettido para o Erario.
São as Vinhas o principal objecto da agricultura deste Concelho e o seu
principal rendimento nellas empregão os lavradores todas os seus cuidados, e tratão os
outros objectos como subsidiários. O grande preço que tiverão os vinhos nos sette
annos da guerra Peninsular, o Commercio do Brazil em quanto foi privativo dando-lhe
grande extracção convidarão os Proprietarios a unicamente se empregarem nesta
qualidade de plantaçoens: e não só com grande utilidade se cultivarão [fl. 12 f.]
baldios até ali desprezados, mas o que mas foi, sacrificarão-se Casaes de optimo
terreno que produsindo abundantes colheitas de trigo, fazião este Districto in
dependente de importação deste genero: de que resultou a falta de sereaes que
necessita trazer de fora para sustento da sua população; e hua abundancia de vinho tal
que estagnado nas Adegas por falta de consumo produz hum superfluo, que não sendo
necessario no giro mercantil, he necessario que o lavrador o sacrifique ao modico
preço que o mercador sempre offerece quando não precisa. A grande diminuição que
tem sofrido o valor do vinho he a causa da decadencia que se observa na agricultura
deste Concelho porque as vinhas que se plantarão com grande dispendio, e até
empenho dos Proprietarios, na esperansa de tirarem dellas constante lucro, não
pagavão agora os trabalhos da cultura, e para as conservar são necessarios sacrificios
que pela continuação dos tempos trazem consigo huã total ruina dos donos, que antes
preferem abandona-las, do que beneficia-las. No entanto as medidas previdentes e
saudaveis adoptadas pelo paternal Governo de S. Mag.de a favor da agricultura, talvez
possão e [fl 12 v.] venhão a dar lhe algum alento, por quanto já aliviados os lavradores
dos extraordinarios encargos que neste Concelho pesavão sobre as produçoens dos
seus trabalhos e fadigas: isto hé já livres de Outavos, Quartos, Jugadas, Dizimos, e ou-
tros direitos ou impostos, podem de algum modo sustentar a diminuição que tem sofrido
14
seus fundos e rendimentos proveniente de causas estraordinarias, e com a esperança
que os anima emprehenderem novos trabalhos.
Os Lavradores deste Distrito são como na maior parte das nossas terras faltos
de conhecimentos theoricos, seguem a pratica rotineira, e fazem sempre o que virão
fazer. Os trabalhos do campo são quasi todos feitos por homens da Beira e Minho que
vem nos principios de Setembro; e de ordinario se demorão até ao fim de Abril tempo
em que voltão para tratar da cultura das suas terras levando consigo o que ganharão
no decurso daquelle tempo, dinheiro que poderia ficar no Distrito se os habitantes
fossem os próprios agricultores. Os jornaes varião com pequena differença de anno
para anno e o preço regular hé de 180 r.s desde a Vindima até [fl. 13 f.] principios
Janeiro, e 200 r.s de Janeiro até o fim de Abril, tempo em quem se ritirão os
trabalhadores de fora, ficando apenas algum domiciado, mas são poucos estes assim
como os naturais. Esta falta de homens de trabalho faz a cultura dispendiosa no resto
do anno, porque os braços valem como os outros generos conforme a necessidade, e
por isso muitos annos os jornaes augmentão a hum preço desproporcionado, sobindo
ás vezes ate 400 r.s. O pouco interesse que tem produsido as vinhas vai arrumando a
cultura dos Sereaes, muitos procurão já redusir outravez a terras de pão aqueles
terrenos proprios que há poucos annos havião mandado cobrir de cepas, mandando
semea-los de trigo, e hé de esperar que dentro um curto espaço sem necessidade de
Ley, veremos as produçoens equilibradas e cada huã no seu apropriado solo, cultivada
com interesse.
Ainda que seja mui vasta a extenção de charneca, ou terra inculta, contudo pe-
la qualidade de seu terreno arenozo não fornece sustento ou pastagens, e por esta
razão não tem este Districto creadores de Gado. Apenas se encontrão [fl. 13 v.]
rebanhos de cabras de que se tira grande quantidade de leite para fornecimento da
Capital. Mas elles são talvez causa dos grandes incendios dos Pinhaes, a cujo matto os
malvados Pastores lanção fogo, para nas primeiras agoas do Outono rebentarem e
offerecerem pastos mimosos que de outro modo não poderião obter. Afim de evitar o
grande danno que fazião nas fazendas foi proibido por Postura da Camara pastarem
dentro dos marcos da Villa e terrenos cultivados. Assim tambem há outras disposiçoens
Municipaes , mui recomendaveis a bem da agricultura , e não se encontrão para assim
dizer nenhuãs daquellas que nas Villas adjacentes são nottadas como contrarias, e a
empecem. A mais digna de attenção era porem a Postura que determinava se não
admittissem vinhas de fôra do Termo para consumo, e até que perdesse o privilegio de
15
Lavrador aquelle que comprasse vinhos ainda que fossem de produção do mesmo
Termo. Esta postura estava confirmada por diversas Provisoens do Dezembargo do
Paço, e era a que mais escrupulosamente se observava [fl. 14 f.] conciderando-se como
o palladium dos lavradores de vinho deste Termo. A exportação porem dos Vinhos para
fora tanto por mar como por terra não era vedada, e se fazia franca e livremente. Da
combinação destas duas determinacoens resultava sustentar-se hum preço no consumo
proporcionado aos interesses constantes do lavrador e do consumidor. Mas a Ley que
permitte a franqueza de mercado para consumo sem restricção vem talvez prejudicar
esta vantagem, e hé toda em desproveito do lavrador. Porque pela maneira neces-
sariamente dispendiosa de agriculturar as vinhas neste districto não podem sem o favor
desta especie de exclusivo competir no mercado por meudo com vinhos de outras terras
que podem para esta ser commodamente transportados, e sem grandes despezas.
Commercio e Industrias
Devendo o calculo do producto e do consumo servir de base para inferir qual seja o
estado do commercio actual de qualquer territorio seria necessario [fl.14 v.] poder
verificar aquelle para assim se conhecer com exactidão a balança do seu commercio
interno com as terras visinhas; isto hé o que precisa dellas e o que e quanto lhe pode
dar em troco. Porem ainda que seria difficultoso alcançar com exatidão o
conhecimento destas relaçoens parciaes de commercio ou permutação: todavia na sua
genarilidade pode dar-se hua idea do estado delle pela combinação da sua população
com as suas produçoens. Como unicamente podiamos tirar dos Dizimos o calculo mais
aproximado dos productos do terreno, he dele que me sirvo.
À vista pois do calculo das produçoens deste concelho, e do da população,
facilmente se conhece que a colheita dos generos de primeira necessidade hé
insufficiente para o consumo de seus habitantes, e que por esta rasão tem depencia de
os ir buscar ou receber das terras circumvisinhas; e do mesmo calculo se deduz que
não tendo de superfluo senão vinho hé desta produção que se deve tirar o preço por
que compra as cousas de que necessita. He pois sobre esta produção que recai o forte
das transacoens [fl. 15 f.] ou o giro do commercio dependente della. Naquelles annos
em que circunstancias extraordinarias derão hum valor incalculavel ao vinho, pois
chegou a vender-se por 96$000r.s a pipa, foi este Termo opulento, e o tráfico assás
activo. Cessarão porem estas cousas, e muito principalmente depois da Emancipação
do Brasil aonde ficarão tendo livre admissão os vinhos de todos os paizes, diminuindo o
16
consumo do de Portugal; todas as terras ricas neste genero de produção sentirão hum
golpe que pouco a pouco definhando os capitaes que tinhão pudido adquirir tornou
decadente e languida a sua começada prosperidade. Tal foi a sorte deste Concelho,
porque sendo a exportação e consumo dos seus vinhos, que pela sua excellente
qualidade erão mui procurados, que fazião a única riqueza do seu commercio: tendo
cessado estes mananciaes para assim dizer, tem dicaido este e a par delle a agricultura.
Redusida pois só ao consumo no seu proprio solo, o genero de que abunda, e não
podendo troca-lo com as terras circunvisinhas que o não necessitão, e carecendo de
tudo o mais, bem se mostra que o pequeno giro ou [fl. 15 v.] trafico a que está limitado
he sempre contra os interesses e á custa da Povoação. Outro objecto há de alguma
importancia e de que se tira algua utilidade, e hé a exportação de lenhas e rama que
dos Pinhaes se corta e conduz para consumo da Capital; a não serem os fogos a que
estão mui sugeitos servião os Pinheiraes as propriedades prezentemente as mais
lucrativas o seu costeamento hé pouco dispendioso e o seu producto sempre procurado.
Os vinhos e as lenhas são pois os principaes objectos do commercio do
Proprietario; que hé a troca que elle faz do excedente do producto de suas terras pelas
cousas que ellas lhe não produsem e de que necessita: e como os consumidores destes
generos são os habitantes da Capital hé com esta com quem há relaçoens mais
immediatas, e muito poucas com as terras circumvisinhas do interior.
17
fábrica se encontra em todo elle, á excepção do Lavadouro e Pizão que faz parte da
Officina Nacional das [fl 16 v.] Mantas para o Exercito.
Desconhecem a maior parte das artes; apenas se encontrão algumas lojas de
officios mecanicos, mas são mui poucos os que se exercitão, e desses aquele que mais
gente emprega hé a Tanoaria, de que havia grandes officinas, mas que a falta de
exportação dos vinhos muito tem redusido. Como não há Corporaçoens de Officios são
desnecessarias as taxas, e a todo o individuo he livre o uso do seu trabalho e do preço
delle, sem lhe ser preciso licença como em muitas outras terras se usa. A decadencia do
Commercio dos Proprietarios, a pouca industria dos habitantes são a causa da pobreza
deste Concelho que aliás tem todas as proporcoens e possue vantagens locaes que se
fossem ajudadas tornarião esta Povoação a mais florescente do Reyno.
Policia
Sobre este artigo há mui boas providencias e mui bem pensadas Posturas: acautelão
[fl. 17 f.] a limpeza das ruas, e tendo o mais que respeita á saude Publica, prohibindo
jogo nas casas de venda, mas a falta de exportação de vinhos augmenta o numero das
vendas, a sua multidão naturalmente admitte frequencia, e jogo que a entretenha e
assim hé muito difficultoso evitar o abuso e as concequencias que consigo traz, hua
reunião de gente com taes incentivos para desatinos e turbulencias; que muitas vezes
terminão desastrosamente, apezar das providentes medidas para as evitar; já
prohindo-se o uso de paos de mais cinco palmos, e de grande grossura; e fazendo que
as tavernas se fechem às horas destinadas pelos regulamentos geraes.
Da Camara e Concelho
A Camara desta Villa não tem outra algua administração senão a do Concelho e suas
rendas: teve inspeccão nos bens do Hospital e Albergaria de S. Lasaro, a qual cedeo a
Mesa da Irmandade da Mizericordia por Escriptura [fl. 17 v.] de 30 de Dezembro de
1611. Consta que o Snr Rey D. Sancho I.º lhe dera Foral, o qual foi renovado no anno
de 1513 por El Rey D. Manoel; cujo Foral subsiste. Foi esta Camara a Cabeça da
Comarca e era ella que dava a posse aos Corregedores, e mais authoridades della;
prerogativa que se principiou a alterar depois do ano de 1782; por que ainda naquela
epoca a Conservava, transmitindo-se para a Camara de Setubal. Não se pode saber
com evidencia desde que tempo principiou a ter Juiz de Fora esta Villa, mas pelos
auttos de posse, acconteceo isto no anno de 1686; sendo o primeiro Magistrado o D.ºr
18
Francisco Monteiro de Miranda. Recebia carta assignada pelo punho Real, para a
convacão de Cortes, a cujo acto mandava trez Deputados, ou Procuradores.
As rendas do Concelho são mui diminutas, e não excedem a mais de 300$000 rs.
entrando nesta importancia as contribuiçoens ou impostos, como licenças para ter loja,
donativos para a Festividade de Corpus Christi, e N.ª Srª não tendo em Proparios mais
de 30$000rs.
[fl. 18 f.]
As despezas mais consideraveis erão por Provisão Regia, tiradas do Cofre das
Sizas: por elle se pagava ao Juiz de Fora, Medico e Sirurjião da Comarca, aos officiaes
da Justiça. Tambem por este mesmo cofre se provia na creação dos expostos, e no
reparo e factura das calsadas e outras obras publicas.
Apezar de serem bastante avultadas as verbas a cargo desta imposiçao, pois é
pela repartição de Expostos excedia a quatro mil cruzados annualmente; raro era o
anno em que deichasse de haver sobras ou remanescentes. Deste modo nunca era
necessario recorrer á contribuição directa a que se chamava o Cabeção da Siza, e por
este motivo he prezentemente a este povo bas-tante custosa a fintta, a que ficarão
reduzidas, pela nova legislação, todas as outras imposiçoens indirectas: não advertindo
quanto lucrão com estas saudaveis disposicoens, que augmentão seguidamente 30% no
valor das suas propriedades; que tanto soma o abatimento de 15% nas Sizas [fl. 18 v.]
abolição de Dizimos e Jugada.
Antigamente, isto hé antes antes do Regimen Constitucional, compunha-se a
Comarca de trez Vereadores, Procurador do Concelho, e Presidente, que era o Juiz de
Fora: prezentemente tem sete membros inclusivé o Fiscal e Presidente. He o Concelho
hum dos mais numerosos da Provincia do Alem Tejo pois só o excedem Evora, Elvas, e
Setubal e por este motivo se faz digno de hua consideração especial.
Os meios de subsistencia da sua População, consistindo na agricultura
principalmente das vinhas, e no que rendem as madeiras unico producto dos Pinhaes,
na Pescaria da Costa e do alto mar; requerem as medidas convenientes para se
annimarem; já favorecendo o lavrador, e promovendo a cultura dos terrenos que se
achão incultos; já augmentado as Pescarias dando-lhe algum methodo para a policia
das companhas; já em fim facilitando o commercio intrinseco com o interior, abrindo
estradas, ou melhorando a que se acha seguida em direcção á Villa de [fl. 19 f.]
Setubal, que seguramente viria a ser a principal do trafico do Alemtejo, e da qual
fogem pela sua má direcção e pessimo pizo.
19
A estes importantes objectos não pode só por si attender a authoridade Munici-
pal, nem prover neles sem o concurso de subsidios da parte do Governo. No tempo da
Regencia do Snr. D. João 6 foi tão conhecida esta necessidade, que no ano de 1814
creou hum Superintendente da Agricultura, na Margem esquerda do Tejo, para as
Comarcas de Santarem, Evora e Setubal. Mas como de ordinario acontecia; esta
providencia foi só profícua ao Magestrado que ocupou aquelle emprego: que só no dia
em que veio tomar posse apareceo nesta Villa; e as cousas continuarão como dantes
sem a mais leve alteração nem providencia, servindo aquella só de gravar o Concelho
pelo ordenado que annualmente pagava ao invisivel superintendente, e de nenhum
proveito.
Felizmente porem outra será a [fl. 19 v.] sorte que a nova forma de Governo
offerece aos interesses da família Portuguesa, debaixo da direcção de hum Ministerio
tão illustrado, e Patriotico como o que actual está á testa dos Negocios do Reyno, a
cujo zêlo, conhecimentos, e amor da Patria, em as mais arduas crizes constantemente
patenteado, a Nação hé já devedora de tantos e tão assinados serviços, e de tantos e tão
reconhecidos melhoramentos, e beneficios providencias.
Provedor do Concelho
20
DOCUMENTO 2
No principio de Jan. (Janeiro) de cada hum ano se juntarão todos os Mestres deste
[folha 2 f.] e do Officio de Tanueyro desta Villa e seu Termo nas casa da Câmara
emdia de Senado para fazerem Elleyssão de Juizes Escrivão e varejador do officio,
caquelle qui faltar tendo aviso dos juizes, que servir-/em será condennado em mil e
duzentos para a Confraria da Srna S.ta Anna desta villa (…)
∗
AHACMA /B/A/003/LV001 Livro de Posturas, 1730 – 1767, fls. 1 – 2.
21
DOCUMENTO 3
Extracto das Posturas Municipais da Câmara Municipal do Seixal conforme o Cópia das Posturas feitas pela Câmara Municipal do Seixal
pertencente ao Juiz. Elleito da mesma freguesia, 1841∗
Postura N. 1 em 22 de Fevereiro Artº. 1º As Lojas abertas, e mais Casas publicas deste concelho,
1837 são obrigadas a tirar licensa, (…)
Artº. 2º Moinhos Os Moinhos pagarão de licensa ao Conselho 260 R. por
cada Mó, e de feitio ao Secretario o 160, e afe / rirão as
medidas que lhes são devidas.
Postura N. 2 em 24 do dito Artº. 3º tempo da aferição dos pezos e Todos os Lojistas e mais pessoas, que neste Conselho
medidas venderem qualquer género, fazenda ou mercadoria, ou
por qualquer motivo, sejão obrigados a tirar licensa, no
presente anno, atira-las, e a aferir pêzos, balansas, e
medidas, de sêcco, e molhado, e de comprimento, por
todo o Mez de Março, e que para os annos futuros as
friarão tirando por todo o mez de Janeiro de cada anno.
∗
AHSCMS /B/A/06/CX001/Doc. 3, fls 1 – 9
22
Artº. 4º preço da aferição dos pezos e Pagar-se-há d’aferição ao Conselho, por cada medida
medidas (…)
Dos Vendilhões, tanto de fora, como de dentro / do
Artº. 5º Vendilhões / suas licensas Conselho (…)
Postura 3ª em 28 de Fevereiro de Artº. 6º Padeiros Todo o Paõ alvo, cozido, que se vender nete Conselho
1837 (…)
Artº. 7º Carniceiros Toda a Carne de Vaca, e Capado, que se vender nes/te
Conselho, deverá ser morta dentro do mesmo (…)
23
metade entrará no Cofre do Conselho, podendo serem
feitas as denuncias perante o Administrador do
Concelho, ou dos Pregadores das Parrochias.
Postura N. 5. em 17 de Março Artº. 10º Vállas Todas as Vallas reaes, incluindo a que passa no Rio do
Judeo, ou as Vallas geraes que daõ escuante aos Brejos
d’uns para outros, em todas as partes deste Conselho, e
onde houver terras de semilhante natureza, seraõ os
Proprietários, Rendeiros, e Feitores, obrigados a
limpralas, as primeiras, cada um nas suas testadas, e as
segundas, cada um dos mencionados Proprietários,
Rendeiros e Feitores, nas partes que lhes pertencem.
Artº. 11º Vállas A limpeza das Vallas de que trata o Artº. 10, serão feitas
duas vezes no anno, sendo aprimeira ate aos últimos dias
do mez de Março, e a segunda, por todos os mezes de
Novembro de cada anno, e finalmente todos serão
obrigados a darem escoante aos Vezinhos que nos
mesmos prédios precisarem
24
Artº. 12º Abertas, e Bueiros Todos os Fazendeiros, quer Proprietários, Rendeiros, ou
Feitores de Fazendas, serão obrigados a terem limpas, e
abertos os Bueiros que pelos seus Prédios sejaõ
obrigados a darem escuante ás aguas empossadas, e que
correrem pelas Estradas, e Caminhos, e as costumaõ
arruinar em prejuízo do Publico, cuja limpeza, e
abertura, será feita desde o primeiro de Septembro ate
fim de Junho, e todo o tempo que as águas o permetirem.
25
finta.
Artº. 16º A Finta é indirecta, e imposta no Vinho do consumo do
Conselho desde o dia 8 d’Abril corrente ate 31 de
Dezembro do corrente anno.
Artº. 17º Medidas para o Vinho O Padrão do Conselho continua a ser o mesmo que é
actualmente, excepto das medidas de qualquer tamanho
que sejaõ, por onde os Taberneiros, Lavradores, e
Negociantes venderem por miúdo.
§. unico, para os quaes a Câmara, terá um
Padrão de medidas igual à medida de Lisboa, pela qual
vendêraõ somente Vinho.
Artº. 18º Entrada, e manifesto do Vinho Todo o Taberneiro, Lavrador, e Negociante seraõ
obrigados a dar entrada do Vinho que comprárem, e do
que vaõ vender de sua lavra, ou por comta do Lavrador,
ou Negociante, declarando tudo especificamente ao
Secretário da Camara, o qual no auto da entrega do
Bilhete da entrada, fornecerá ao portador, ou condutor,
uma Cautella (gratuita) para este entregar ao Dono da
Adega, sem a qual elle Lavrador, ou Negociante, dono da
mesma, não consentirá na sahida do Vinho, sob pena de
26
pagar o tresdôbro do Vinho, que sem esta formalidade
sahir da Adega.
Artº. 20º A Camara dá vendaje A Camara dará ao Taberneiro a vendaje propria, tanto á
quantidade do Vinho em quebra como ao preço do
mesmo Vinho.
Artº. 21º Ramo, e logar da Venda. Os Taberneiro, Negociantes e Lavradores, onde
venderem Vinho, teraõ ramo á porta, e os Lavradores ou
Negociantes, antes de principiarem com tal venda,
declararaõ perante a Camara o sitio da Adêga, ou que
porçaõ de Vinho querem vender por miúdo, a fim de
darem entrada, como é da obrigaçaõ dos Taberneiros.
Artº. 22º Varejo nas Adegas A Camara antes de enregar ao Lavrador, ou Negociante,
o Bilhete da entrada, fará proceder a um varejo na
Adêga que se manifestar a fim de se conhecer que vinho
tem, e saber quando bem a quizer a mesma Câmara, se é
27
exacta a quantidade das entradas, como o Vinho que
falta n’Adêga.
Artº. 23º Dá parte quando vender por Se o Dono da Adêga durante o tempo que vender o Vinho
grosso por miúdo, quizer vender algum por toneis, ou pipas, o
poderá fazer, dando parte disso à Camara com
legalidade, para lhe poder ser abonado o varêjo que se
lhe deu.
Artº. 24º Provonção de medidas Os Taberneiros, ou quaesquer outros Vemdedores de
Vinho, que sendo obrigados a manifestar o que tiverem á
venda no dia 8 d’Abril corrente, deveraõ estar providos
das medidas constantes no Artº. 17 §. Único.
Artº. 25º Infraçaõ, e aprehençaõ do Todo o Vinho que for encontrado, por mar ou por terra
Vinho, sem Guia dentro dos lemites deste Concelho sem ir acompanhado
da competente entrada, será aprehendido, bem como o
transporte, e tudo vendido em Asta Publica, e o seu
produto será aplicado pela forma seguinte = Metade
para as despezas do Concelho, e outra metade para o
aprehendedor, ou denunciante.
28
Artº. 26º Aprehensores Todos os Subalternos da Camara, e Officiaes de
Deligencias podem aprehendendo qualquer Vinho
estraviado, ficando por isso com direito á meaçaõ das
tomadias.
Artº. 27º Aprehençaõ do Vinho nas Será tomado por perdido o Vinho que fôr achado nas
Adegas Adêgas que venderem por miudo excedente ao constante
do varejo, na conformidade do Artº. 22.
Artº. 28º Admissão das Denuncias Admitim-se denuncias em segredo, por escripto, ou
bôcaes; as denuncias dádas a qualquer dos Vereadores,
ou Administrador do Concelho, ou ao seu Escrivaõ. Pode
o denunciante assignar-se ou naõ, pode-a fazer a um dos
referidos assima, a todos ou aos que quizer.
Postura N. 7. em 31 de Março. Artº. 29º Almudadores privativos. Fica prohibido, que qualquer individu-o deste Concelho,
ou de fora delle, por contracto, venha ás / Adêgas
almuadar Vinhos, e só sim, os podêraõ almudar os
Almuadores nomeados, e ajuramentados pela Camara
Municipal deste Concelho, ficando o transgressor da
prezente Postura incurso na pena de ser prezo.
Correcionalmente, e pagar as diligencias aos Officiaes
29
que o capturarem.
Postura N. 8. em 5 d’Abril de 1837 Artº. 30º Madeiras nas Praias Que no Prazo de 40 dias, contados da datta d’hoje, os
Donos das Madeiras que se acham estacionadas pelas
práias desta Villa, (…)
Artº. 31º Estaleiros Que d’ora em diante, fica sendo o lugar d’Estaleiros
para as construções, e concêrtos d’embarcações a Praia
detraz da Ponte, (…)
Artº. 32º Estacas Que os donos de Estácas, que no sitio de que se trata da
Postura estão metidas no chão, e que tanto impedem a
passaje Publica (…)
Postura N. 9. em 7 d’Abril Artº. 33º Cabras Ninguém poderá ter Cabras dentro dos lemites deste
Concelho sem para isso têr licença da Camara
Municipal do mesmo Concelho.
Artº. 34º Licensas para as ter A licença mencionada no Artigo 33, será conferida pela
maneira seguinte, que pela licença para terem até 60
Cabras, se pagará ao Coffre do Concelho 2$400 R., e de
60 para sima, qualquer que seja o numero se pagará
3$600 R., e o feitio ao Secretário da Câmara, na forma
do Código Administrativo.
30
Artº. 35º Habalitação Para se obter a mencionada licença no Artº. 34, deverá
dar-se uma Fiança idónea, responsabelizando-se o
Fiador como Principal pagador, pelo damno que fizer o
Gado do seu afiançado nas Propriedades alheias, e pela
importancia das multas prevenientes das transgressões
desta Postura
Artº. 36º Logar para a pastajem Desde o dia 8 do próximo mez de Maio em diante, será
totalmente prohibido andarem as Cabras junto ás
Fazendas deste Conselho, e só poderão pastar nas
Charnecas, onde será a sua habitação.
Artº. 37º Infracção Não aproveitará ao Dono das Cabras, que forem
encontradas nas Fazenda, a propria concessão dos
Donos das mesmas Fazendas, e os Donos das Cabras
que n’ellas forem encontradas pagará uma multa de
10$000 R. pela primeira vez, pela segunda o Doubro, e
comtinuando, será a licença cassada, e o rebanho será
posto fóra do Concelho.
Artº. 38º Aprehenção do gado, solto Todo o Gado que for encontrado solto em Fazendas
alheias, será acoimada com a pena de 1$000 R. por
cabeça, e tanto o produto destas coimas, como as do
31
Artº. 37, será aplicado, metade ás despezas do Conselho,
e metade para os Offeciaes da delligencia.
Postura N. 10. em 21 d’Abril Artº. 39º Vasadouro de imundisses Fica prohibido, desde o dia 25 do corrente em diante
(…)
Artº. 40º Infracçaõ.
Postura N.11. em 26 de Maio Artº. 41º Aprehençaõ de Cabras sem a Todo o Proprietario de Cabras rezidente neste Concelho.
Licensa do Artº. 33. Que até ao dia 31 do corrente mez não cumprir com o
disposto na Postura do Artº. 33 de 7 d’Abril. e que naõ
venha tirar à Camara a sua respectiva licensa, pagará,
de multa 20$000 R. pela primeira vez e depois seis dias
passados o da Coima, continuando reincidencia, lhe será
aprehendido o Rebanho
Artº. 42º Aplicaçaõ / da multa
Postura N. 12. em 31 de Maio Artº. 43º Embarcações ás Cargas Toda a embarcação de qualquer lóte [...] na Praia
d’areia. denominada = Ponta dos Corvos...
§. unico, ficão exceptuadas desta Postura as
Embarcações que forem carregadas para consumo do
Conselho.
32
Artº. 45º Aplicaççaõ da Multa
Postura N. 13. em 3 de Junho 1837 Artº. 46º Infractores dos Artigos N. 1, e
2.
Artº. 47º Infractores do Artº. N. 5
Artº. 48º Gado solto pelas Ruas.
Postura N. 14. em 27 de Junho. Artº. 49º Obras em Predios urbanos.
Artº. 50º Infractores
Artº. 51º Todos os generos seraão
medidos e pezados
Artº. 52º Infracção
Artº. 53º Horas de Fecharem as portas
Artº. 54º Infracção
Multa por falta de pezo, e
Artº. 55º medida
Artº. 56º Em que tempo se venderá o
Vinho novo
Artº. 57º Infracçaõ pela mistura do Vinho
Velho e Novo
Artº. 58º Pena pela mistura de Vinho com
agoa.
33
Artº. 59º Devisaõ de genero aprehendido.
34
DOCUMENTO 4
Extracto das Posturas Municipais da Câmara Municipal de Almada conforme o Livro de Posturas 1886 ∗
Postura nº 1 Chafarizes, fontes, poços, tanques e lavadouros públicos
Art. 1º Ninguém poderá abrir poço ou mina que prejudique as nascentes que alimentam os chafarizes e fontes públicas…
Art. 2º Toda a pessoa que usurpar, ou por qualquer modo extraviar directa ou indirectamente, a água das minas e aquedutos
dos chafarizes, fontes e poços públicos, …
Art. 3º É proibido sob pena de 1$000 de multa:
1.º Encher qualquer vasilha nos chafarizes, bicas ou poços publicos sem esperar a sua vez à carreira, ou a água seja
para vender ao publico ou para uso particular;
2.º Sujar, por qualquer fórma, a água dos tanques e pias dos chafarizes, fontes e poços publicos ou lavar aí quaisquer
objectos;
3.º Desviar a água das bicas para fóra dos sitios onde devem correr;
4.º Tapar as bicas dos chafarizes e fontes públicas ou destrui-las por qualquer fórma, bem como os pucaros, bombas,
torneiras e letreiros que aí existirem;
5.º Tirar a agua dos tanques e pias destinados para o gado beber
6.º Fazer estendedoiro de roupa no lagedo do chafariz da Fonte da Pipa, dos sarilhos para dentro;
∗
AHACMA, Livro de Posturas 1886. /B/A/003/LV003
35
7.º Fazer lavadoiros de roupa na Costa de Caparica em qualquer lugar que não seja ao sul da povoação, e mesmo ali
lhes façam os escoantes que o terreno permitir.
Art. 4º Em tempo de escassez de água não é permitido tirar dos chafarizes, fontes e poços públicos, agua para qualquer fim
que não seja para uso doméstico, salvo para apagar incêncios, sob pena de 500 reis de multa.
Art. 5º É expressamente proibido levar a beber aos tanques e pias destinados ao gado, quaesquer animais atacados de môrno
ou de outras molestias contagiosas sob pena de 5$000 de multa.
Postura nº 2 Art. 6º Fornecimento de água contra incendios
Postura nº 3 Dos aguadeiros
Art. 7º Obrigação de se matricularem na Camara
Art. 8º Barris de 20 litros não podem ser usados no transporte de água salgada
Art. 9º Barris cheios de água durante a noite
Art.10º Obrigação de acudir com os barris aos incêndios
Art.11º Obrigação de trazer arreatadas as cavalgaduras que conduzem os barris
Postura nº 4 Das lavadeiras
Art. 12º É proibido o emprego de materiais corrosivas, tais como cloreto de cal, e outras similhantes destinadas a branquear a
roupa (…)
Postura nº 5 Ocupação da via pública e terrenos municipais
Art. 13º Proibição de ocupar a via com barracas, postes ou mastros sem licença
1. Taxas das licenças
2. Isenção para construções temporárias com fins de beneficencia ou de festejos publicos
36
3. Multa para os infractores 3 x o valor da taxa
Art. 14º É proibido engrossar valados e muros de pedra solta, que existam á margem do caminho publico, de modo que importe
usurpação de terreno,...
Postura nº 6 Pejamentos (obstrução) da via pública e actos a evitar
Art. 15º Proibição de estar deitado na via publica e nos bancos das praças e largos
Art. 16º Proibição de ter fardos volumes e móveis na via publica
Art. 17º Proibição de transportar objectos de rojo ou a rolar
Art. 18º Proibição de prender cavalgaduras, nas portas, marcos de pedra, vedações etc. na via publica
Art.19º Proibição de manter parados cavalgaduras ou veiculos de carga para além do tempo de carga ou descarga
Art. 20º Proibição de transitar nos passeios com cargas às costas, cavaleiros e gado.
Art. 21º Proibição de jogar na rua
Art. 22º É proibido nas ruas e mais lugares….
1º Armar fogos de artificio….
2º Fazer leilão de objectos…
3º Fazer praça de aluguer de carruagens…
4º Estender roupa…
5º Limpar vasilhas;
6º Joeirar ou crivar generos;
7º Matar, pelar ou chamuscar animais
8º Ferrar, sangrar ou fazer alfum [sic] curativo a qualquer animal, excepto em caso de imediata urgencia;
37
9º Partir lenha;
10º Cosinhar, acender fogueiras ou fogareiros;
11º Finalmente ocupar por qualquer outro modo a via pública.
Art. 23º Será removido para a abegoaria municipal qualquer objecto desamparado na via publica
Postura nº 7 Conservação da via publica
Art. 30º Boeiros
Art. 31º Proibido desaguar para a via pública
Art. 32º É proibido abrir regos, fazer cortaduras ou […] afim de encamnharem nateiros
para diferentes prédios
Art. 33º Proibido deitar para a via pública águas imundas, animais mortos, pedras,
raizes etc.
Art. 34º Todos os anos no mês de Maio os proprietários, rendeiros ou usufructuários de
prédios
Art. 35º Assenhorear do terreno do dominio publico
Art. 36º Proibido levantar calçada ou macdame
Art. 37º Reparar os estragos no dominio publico das obras licenciadas
Art. 38º É proibido deitar de pancada a carga dos carros e outros veiculos para o pavimento da via publica. Pena 1$000 reis
de multa.
Art. 39º É proibido danificar de qualquer modo as paredes e os muros, bem como escrever ou desenhar nos mesmos
obscenidades sob a pena de 1$000 réis de multa.
38
Postura nº 8 Limpeza de estrumeiras, canos, fossos e valas de despejo
Art. 40º É proibido deitar para a via publica, lixo ou quaesquer imundices. Pena de
1$000 réis de multa.
Nas povoações onde não houver encanamentos, serão feitos os despejos dos
Art. 41º predios nas fossas publicas destinadas a tal fim.
Ninguém poderá apanhar as lamas, lixo e estrumes nas ruas e caminhos
Art. 42º publicos, a não serem os varredores por conta da Camara
Art. 43º Canos de despejo
Art. 44º Canos impermeáveis
Art. 45º Conservação dos canos
Art. 46º Trangressão dos artigos anteriores
Art. 47º Limpeza e desinfecção dos canos
Art. 48º As disposições desta postura não terão aplicação aos prédios cujos despejos estiverem encanados para adubos de
terras ou quintas, por modo que não prejudiquem a salubridade publica
Art. 49º Proibido depositar estrume perto de casas ou caminhos por causa do cheiro
Postura nº 9 Cavalariças e casas de receber gado
Art. 50º Cavalariças e casas de receber gado com chão escoante
Art. 51º Proibidas estrumeiras dentro das povoações com mais de 2m3
Postura nº 10 Cais, praias e botes
39
Art. 52º Proibição de montar nas praias barracas de banhos sem licença da Camara
Art. 53º Proibição de tomar banho nas praias em estado de nudez completa
Art. 54º É proibido aos arrais descarregar noutros cais que não os designados, assim
como lixo ou estrume nas praias onde houver estabelecimentos de banhos desde
1 de Setembro a 31 de Outubro
Postura nº 11 Árvores e candeeiros de iluminação publica
Art. 59º É proibido varejar ou deteriorar árvores em terreno publico
Art. 60º Candeiros
Art. 61º Candeiros
Postura nº 12 Veiculos, quem os conduz, transito e estacionamento na via pública, cargas etc.
Art. 62º Veiculos de transporte de pessoas ou carga necessitam de licença da Camara
Art. 63º Chapa de registo
Art. 64 Rodas forradas com chapa dimensões:
Art. 65º Matricula de cocheiro e boleeiro
Art. 66º Para ser admitido à matricula
Art. 67º Obrigação de cocheiro e boleeiro trazerem consigo a matricula
Art. 68º É proibido guiar a cordões / se:
Art. 69º É proibido guiar a cordões sem assento próprio para isso
Art. 70º É proibido guiar embriagado
Postura nº 13 Animais, modos de os tratar e várias disposições
40
Gado Bovino
Art. 113º Proibida a pastagem de gado bravo a menos de cem metros de distancia do caminho publico
Art. 114º Condução de gado bravo
Art. 115º Condução de gado manso
Gado Suíno
Art. 116º Proibido criar gado suíno dentro das povoações
Art. 117º Possilgas separadas das habitações
Art. 118º Condução de gado suíno
Art. 119 Proibido matar e chamuscar nas praças públicas
Art. 120º Proibido matar porcos sem participar ao zelador municipal
Parágrafo 2º Empresário da hospedaria do Lazareto
Art. 121º Proibido usar carne de porcos doentes
Art. 122º Proibido vender carne de porcos doentes
Gado Caprino
Art. 123º A ninguém é permitido ter cabras para as trazer soltas, (…)
Sómente será permitido ter uma a quatro cabras sem licença da Camara, tendo-
as os respectivos donos dentro de pateos, quintais, ou quintas muradas, e sendo
Art. 124º de valados, presas de modo que o não possam transpôr
Art. 125º Também é permitido ter maior numero de cabras
Art. 126º Licença relativa ao artigo 125º
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Art. 126º Transgressão ao artigo125º
Feras
Art. 134º É proibido trazer pelo concelho animais perigosos, não sendo em jaula
adequada e com licença policial. Pena 1$000 de multa
Postura nº 14 Matadouro – matança de gado e fiscalização das carnes verdes
Postura nº 15 Talhos e vendas de carnes verdes
Postura nº 16 Pão e padeiros
Postura nº 17 Pesos e medidas
Postura nº 18 Construções e obras
Postura nº 19 Propriedades ameaçando a segurança pública
Postura nº 20 Limpeza das chaminés – lume fora dos lugares próprios
Postura nº 21 Venda de leite, azeite, comidas etc.
Postura nº 22 Impostos sobre géneros de consumo
Postura nº 23 Defesa e segurança das propriedades rústicas
Art. 203º É proibido atarvessar seara, campo, terra olival, vinha, horta, pomar ou fazenda
murada ou não murada pertencente a outrem e por onde não haja caminho ou
atalho público, sem licença do dono, (...)
Art. 204º A ninguém é permitido introduzir gado de qualquer espécie e para qualquer fim,
nas herdades sementeiras e fazendas alheias sem licença do dono, (...)
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Art. 205º Não é licito introduzir galinhas, patos, perus e outras aves, na propriedade
alheia, sem consentimento do dono (…)
Art. 206º Aquele que lançar fogo ás sebes ou matos dos valados que cercam e servem de
defesa ás propriedades de outrem ou aquele que cortar ramos de árvores ou
arbustos dos ditos valados (…)
Disposições Gerais
Regulamento para a Cobrança e Fiscalização dos impostos municipais
Dos manifestos e declarações
Das avenças
Das transferencias
Da fiscalização do imposto de consumo
Da arrematação do imposto
Das multas
Disposições diversas
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Fig. 1 - Corroios em finais do século XIX, gravura de Henrique Pinto publicada
por Jorge Custódio, "Almada Mineira, Manufactureira e Industrial", in Al-madan
IIª série nº 2, Almada, Centro de Arqueologia de Almada, 1993, p. 93.
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Fig. 3 - Postal ilustrado da Trafaria com data manuscrita de 1910, onde se
observam três moinhos de vento, col. João Paulo Santos.
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Foto 1 - Pinhal dos Medos, Francisco Silva, 2008.
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Foto 3 - Frente atlântica, Costa de Caparica, Francisco Silva, 2007.
47
Foto 5 - Terreno de pastagem, Pragal, Francisco Silva CDCAA, 2007.
48
Foto 7 - Terrenos agrícolas a Sul de Pêra, Francisco Silva, 2007.
49
Foto 9 - Terrenos agrícolas da Quinta do Infante, Amora, Francisco Silva, 2007.
50
Foto 11 - Paisagem rural na freguesia de Caparica, Francisco Silva, 2007.
51
Foto 13 - Parede em adobe no lugar da Regateira, Charneca de Caparica,
Francisco Silva, 2008.
52
Foto 15 - Jardim da Quinta da Fidalga, Arrentela, Francisco Silva, 2008.
53
Foto 17 - Quinta da Torre, Caparica, Francisco Silva, 2008.
54
Foto 19 - Capela de São Tomás de Aquino, Caparica, Francisco Silva,
CDCAA, 1986.
55
Foto 21 - Pátio do Solar dos Zagallos, Sobreda, Francisco Silva, CDCAA, 2007.
56
Foto 23 - Quinta de Santo Amaro, Laranjeiro, Francisco Silva, CDCAA, 2007
57
Foto 25 - Quinta da Trindade, Seixal, Francisco Silva, 2008.
58
Foto 27 - Lagar de azeite da Quinta do Pinhalzinho, Paio Pires, Francisco
Silva, 2008.
59
Foto 29 - Lagar da Quinta de Castros, Pragal, Francisco Silva, CDCAA, 1991.
60
Foto 31- Ruínas do lagar de vara da Quinta das Capitoas, Caparica, Francisco
Silva, CDCAA, 2000.
62
Foto 35 - Frechal, moinho de vento dos Capuchos, Caparica, Francisco Silva,
CDCAA, 2005.
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Foto 37 - Arganeis no frechal, moinho de vento da Quinta dos Buxos,
Trafaria, Francisco Silva, CDCAA, 2005
64
Foto 39 - Moinho de maré de Corroios, Corroios, Francisco Silva, CDCAA, 2003.
Foto 40- Moinho de maré da Quinta da Palmeira, Paio Pires, Francisco Silva, 2008.
65
Foto 41- Vista panorâmica da cerca do antigo convento de São Paulo,
Almada, Francisco Silva, CDCAA, 2007.
66
Foto 43 - Lagar da Quinta do Brasileiro, Monte de Caparica, Caparica,
Francisco Silva, 2007.
67
Foto 45 - Vista panorâmica da localidade da Fonte Santa, Caparica, Francisco
Silva, 2007.
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Foto 47 - Construções rurais em Vila Nova de Caparica, Caparica, Francisco
Silva, 2007.
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Foto 49 - Vista do núcleo antigo da Sobreda, Francisco Silva, CDCAA,
2007.
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Foto 51 - Vista panorâmica da Arrentela, Francisco Silva, CDCAA, 1995.
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Foto 53 - Portal de casa rural, Amora Francisco Silva, 2007.
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Foto 55 - Procissão de São João Baptista, chegada à Ramalha, CDCAA,
1990.
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Foto 57 - Registo de azulejo alusivo a Nossa Senhora do Cabo, Almada, CDCAA.
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Ortofotomapa 3 - Núcleo Histórico de Murfacém.
Fonte: Área Metropolitana de Lisboa - 1995
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Ortofotomapa 5 - Núcleo Histórico da Sobreda.
Fonte: Área Metropolitana de Lisboa - 1995
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Ortofotomapa 7 - Núcleo Urbano Antigo do Seixal.
Fonte: Área Metropolitana de Lisboa - 1995
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Ortofotomapa 9 - Núcleo Urbano Antigo de Paio Pires.
Fonte: Área Metropolitana de Lisboa - 1995
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