(ANTOLOGIA) Culture-Se UFU - 1 Ed

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CULTURE-SE

UNIVERSIDADE FEDERAL DE
UBERLÂNDIA
FACULDADE DE DIREITO PROFESSOR
“JACY DE ASSIS”

COLETIVO DE DIREITO E ARTE

ARTIMANHA APRESENTA:

1º CADERNO CULTURAL

ARTE DE CAPA:JÚLIA DIAS


Grupo Artimanha
Membros efetivos: GRUPO ARTIMANHA
Carolina Universidade Federal de
Uberlândia (UFU), Faculdade de
Giovanna Pereira Fernandes Pádua Netto
Direito, Bloco 3D.
Ian Xavier Rodrigues E-mail: [email protected]
Jady Gonçalves Varela Instagram: @grupoartimanha
Júlia Dias Oliveira Rosa
Vitor Araújo Silva

REVISTA
CULTURE-SE
FASE I
SETEMBRO/2019 – MARÇO/2020

Diretor: Di Divulgação:
Ian Xavier Rodrigues Gi Giovanna Netto
Conselho Editorial: Aa Jady Gonçalves Varela
Jadir Gonçalves Rodrigues Pr Produção Editorial:
Leonardo Pires de Oliveira Ian Xavier Rodrigues
Comissão Editorial: Pedro Henrique Almeida
Gelson Pinheiro de Sousa Queiroz.
Ian Xavier Rodrigues
Júlia Dias Oliveira Rosa
Vitor Araújo Silva

As colaborações artísticas são solicitadas.


Os textos refletem exclusivamente a opinião dos autores, estando eles revestidos
pela liberdade lírica, artística, enfim, de expressão.
PARTICIPANTES:
ANA C. MOURA
ANNA J.C.. PENISSI
AMANDA TAKATA
CATHARINA LOPES SCODRO
ELIAS ANDRAUS NETO (Andraus)
IAN XAVIER RODRIGUES
JÚLIA DIAS OLIVEIRA ROSA (Dias Rosa)
LEONARDO PIRES DE OLIVEIRA
PEDRO HENRIQUE ALMEIDA QUEIROZ
AGRADECIMENTOS:
“A Literatura, como toda forma de arte, é a confissão de que a vida
não basta. Talhar a obra literária sobre as próprias formas do que não
basta é ser impotente para substituir a vida. ” Com essas palavras do
grande escritor e poeta Fernando Pessoa, que temos o grande orgulho de
agradecer e poder contar com cada um que ajudou nessa primeira edição
do projeto CULTURE-SE. Projeto esse que se tornou expressão clara de
que somente a vida, não é o bastante para nós, ainda mais em tempos
tão sombrios em que vivemos.
Assim, nós do grupo Artimanha, gostaríamos de agradecer,
primeiramente, a cada autora e autor que em sua forma de arte e
confissão de sua vida, enviou submeteram seus trabalhos e tiveram fé no
projeto a ser realizado e concretizado. Ademais, agradecer ao Professor
Dr. Jadir Gonçalves Rodrigues, professor da UEG, por auxiliar no
conselho editorial, contribuindo com suas ideias na execução e formação
deste projeto artístico, além disso, por sua propagação em um outro
campus diferente da Universidade Federal de Uberlândia, levando o
propósito central do CULTURE-SE até seu Campus. Ao ex-membro do
Artimanha e formando do curso de Direito, Leonardo Pires de Oliveira,
que além de inspiração acadêmica, artística e de vida para muitos nós do
grupo Artimanha, por contribuir com ideias e textos, ora o prefácio, ora
em seu poema sobre “O TOLO”.
Gostaríamos de expressar nossa enorme gratidão aos membros do
grupo artimanha, que sem o seu trabalho, esforço, ideias e disposição, o
CULTURE-SE restaria em uma ideia abstrata, depositada nos porões de
sonhos perdidos, um imenso obrigado a todas e todos que auxiliaram, na
divulgação, produção, elaboração e edição desse compilado artístico.
Por fim, nos posicionamos em um local de extremo privilégio e
otimismo frente a ação de cada um dos contribuintes, e de você, meu caro
leitor/leitora que deposita seus graciosos momentos de sua vida, para
poder apreciar e vivenciar essas expressões vividas em formato de versos.
É com grande felicidade e prazer que podemos completar esse projeto
artístico, um sonho realizado por alguns de nossos membros, e
esperamos poder contar com todos na próxima edição.
Nas palavras de Goethe “o declínio da literatura indica o declínio
de uma nação”, nossa nação pode estar cambaleando e sofrendo com o
hodierno macabro que nos circunda, porém felizmente discordamos com
o referido autor, pois em um “Future-se” tão problemático e contingente,
temos a luz do CULTURE-SE, que por sua vez, traz versos para além das
normas, gritos para além das omissões, enfim, arte e literatura para além
da vida.
SUMÁRIO:

APRESENTAÇÃO 7

PREFÁCIO 9

PASTOR – ELIAS ANDRAUS NETO 12

TEMPOS – PEDRO QUEIROZ 14

O TOLO – LEONARDO PIRES DE OLIVEIRA 16

DESCARTE MODERNO (COLAGEM) – JÚLIA DIAS 19

A CRISE – ANNA J. C. PENISSI 20

TODOS OS AMORES QUE TIVE – ANA C. MOURA 23

JUÍZOS DE FATO E VALOR – DIAS ROSA 24

CARGO – IAN XAVIER RODRIGUES 27

DESVARIO – PEDRO HENRIQUE ALMEIDA QUEIROZ 29

DIÁRIO – ANA C. MOURA 31

DA SOLA AO SOLO – ELIAS ANDRAUS NETO 33

LOUCA – AMANDA TAKATA 34

DOIS DIAS ANTES DO FIM – ANA C. MOURA 36

POEMA DO TRABALHADOR – CATHARINA LOPES SCODRO 37

DISCUSSÃO SOBRE O ABORTO – IAN XAVIER RODRIGUES 38

ÉBRIAS GEOGRAFIAS QUE LEVAM AO TEU CORPO – ANA C. MOURA 39


Apresentação:

Nós do grupo Artimanha, influenciados pelo cerne do


projeto do “I CADERNO DE POESIAS”, realizado em 1995,
promovido pelo nosso Diretório Acadêmico (D.A) “21 de abril”,
discutimos recorrentemente à importância da produção
cultural/literária no ambiente de formação de futuros juristas,
como não só um meio de ampliar as perspectivas de nossos
discentes, mas também como um grito necessário frente a
tempos de enormes dúvidas que clamam por várias
abordagens e lupas reflexivas, especialmente a artística.
Ademais, constatamos que estimular a criticidade, assim como
a criatividade são exercícios que abrem a mente a novos
horizontes, mas também desfadiga a pessoa das amarradas de
um cotidiano maçante e muitas vezes, silencioso.

Assim, doravante, promover um novo espaço para


quebrar esse silêncio, quebrar o tal cotidiano de nossos
discentes, muitas vezes preso em formas solenes, contudo
restritas a um mundo bilateral que nos transforma em meros
operadores de normas. Além disso, é esperado que o I
CADERNO CULTURAL DA FACULDADE DE DIREITO, através
do PROJETO CULTURE-SE, da mesma forma como foi o
Caderno de Poesias, seja um veículo de divulgação do trabalho
artístico de nossos “literatos”. A arte, quando verdadeiramente
livre das amarras de suas próprias normas que a delimitam e
restringem a condições e estruturas, simboliza a verdadeira
faceta da natureza humana, sua identidade com tudo o que há
de belo e progressista. Tal faceta, expressa-se como uma
semente através deste projeto, para que em tempos que se
discute o FUTURE-SE, é trazido a sensibilidade, um periscópio
sobre o oceano do social e emocional, fomentado por nossos
acadêmicos de Direito e em contraponto aos frios textos legais,
estimulando a formação ampliada não só de futuros
profissionais, mas sobretudo de pessoas humanas.
PREFÁCIO:
Até quando vamos deixar a arte nos esperando? No fundo
sabemos que ela é eterna e constante, e estará sempre nos
rondando, aguardando para ser descoberta. Mas a pergunta
que sempre fica é até quando poderemos nos dar ao luxo de
decidir não buscá-la. Sim, um luxo, pois todos sentimos a
necessidade essencial da arte, em pelo menos uma forma ou
um grau. Mesmo o mais gabaritado magistrado, no fundo de
sua fala abarrotada de revistas de tribunais, se volta, nem que
seja numa penumbra de orgulho, para as asas da ficção, para
a jornada dos romances, para o vôo dos poetas.

Arte implica humanidade. Arte é cultura, é sociedade, é


emancipação e justiça. Um direito morto num cristal
normativo é um fóssil que só carrega como mensagem os
fantasmas dos juristas de outra era que, se por um lado tem
riqueza histórica, por outro representam decadência política.
Arte é o respirar da humanidade, é a iluminação das crenças,
a libertação máxima dos grilhões do preconceito. Só a arte nos
permite dizer e nos faz ouvir. O Direito, mais que qualquer
ciência social, deve ser moldado não por "operadores do
direito", mas por humanos em sua mais alta constituição.
Humanos na sapiência e nos erros. Porque a arte também é
sobre o ato de errar.

Antes do futuro jurista criar coragem para refutar uma


súmula, um regulamento, um postulado, ele precisa ter a
liberdade para criticar o que o Direito representa. A arte nos
conta o que o povo vê do Direito. A arte nos ensina a
compreender o que se entende por Direito. E somente a arte é
capaz de moldar uma cultura jurídica integrada, atualizada,
forte e legítima. Para que a Justiça não morra nas aulas dos
primeiros anos de uma faculdade de Direito. Para que as leis
não padeçam como ferramentas enferrujadas que algozes de
mentes insanas as usem de formas nefastas para fins piores.
Esse é o papel de se pôr no papel iniciativas como esta:
integralizar o artístico e o jurídico num todo humanista. Para
que o Direito inspire!

Leonardo Pires de Oliveira (ex-membro do


Artimanha e formando)
“A Literatura é uma defesa
contra as ofensas da vida. ”
Cesare Pavese
O PASTOR

Já estava cansado...
Extenuado!
Perdi completamente a noção...
do tempo...
dos cheiros...
dos sons...
Estava desanimado...
...perdi completamente a vontade...
de viver...
de sentir...
de orar...
Estava compreendendo ...de verdade
o que eram aqueles sentimentos
(ou ausência de vários deles).
...
Lembro-me de escutar as palavras de um sábio milenar...
...dizendo para eu nunca desistir!
Caminhando ali...no vale das sombras
Olhava apenas para as coisas do chão.
...de certo que era apenas um desejo inconsciente:
Estar ali debaixo...a sete palmos.
...
Encontrei, ali, algo que não esperava...
Uma pequena flor...
...singela em todas características mais puras.
Abaixei, lentamente, olhando para ela e disse:
- Por que estás chorando?
E ela me respondeu:
- Porque em terras mortas... minha lágrima é a única coisa...que ainda
me alimenta.
Abaixei-me um pouco mais...
...e chorei o restante de lágrimas que ainda me restavam.
Dei àquela planta gotas salgadas de tristeza...
... as quais eram as únicas que possuía
para matar minha sede ...
...enquanto caminhava pelo vale da morte.
...
Lembrei novamente das palavras do meu grande mestre...
...após meu pequeno ato de bondade:
“Não temas mal algum, pois tu estás comigo. ”
E então...
Caminhei em direção à luz...
Parei diante da mesa preparada para mim, na presença de todos meus
inimigos.
Fiz a última refeição a mim concedida.
Prostrei-me diante de toda aquela misericórdia...
e o reino do céus...
...finalmente alcancei!

– Andraus – 8ºperíodo
TEMPOS

Em tempos de Guerras não tão Frias


Ódio às minorias, às maiorias,
A quem precisa, a quem agoniza
E quase ninguém se solidariza.
Ser feliz é egoísmo, utopia
Estar feliz é tão efêmero,
Eudaimonia
Não acontece todo dia.
Eventualmente, todos caímos
Um dia.
No dia-a-dia,
Amor ao próximo
Odiamos o diferente
Conservar os erros
Restauram mais erros
Insistir em errar
Errar pela tradição de errar.
Ser ateu
Com todos os outros deuses
Com todos os outros seres
Com todos os outros e outras.
Violentar para melhorar
Excluir para progredir
Seu valor é um preço
Seu preço varia.
Esqueça do amor, trabalhe mais
Faça render seu dia.
Desordem e regresso
Corrupção, bom dia
Mais uma delação
Desunião na Europa
Destruição na Síria.
Refugio em mim,
Em tempos de Refugiados
Mas quem ainda é dono de si?
Explícito como o Golpe
Aposentar não, terceirização
Gourmetização e miséria
Reformas dolorosas
Sorrisos nas selfies.
Preconceitos em desconstrução
Cuidado,
Estamos em obras.
Cinza
O muro, a juventude, o destino
A perspectiva, a expectativa
O dia.
A razão como propriedade
Desapropria-me
Administrar suas doses de verdade
Ser orgulhoso,
Morrer de saudade
Escapar da sobriedade.
Cemitérios são as cidades
De falsos sonhos, de cores vazias
De céus sem estrelas, de pessoas frias
De amores sem sentido
De sentidos insensíveis
Vazio.
Entre tantos atores
As máscaras, tornam-se faces
A vida se torna uma peça
Peça de tragicomédia.
De tanto ensaiar
O clímax parece clichê
Vivemos por meros cachês
Não somos quem queremos ser.

- Pedro Queiroz – 8ºperíodo


O TOLO
"E no começo havia o Tolo
que guardou em frascos sua esperança
E rompeu as correntes
E moveu a areia
E olhou aos céus e viu de lá descer
A chama que corrompeu os tempos

Tempo que o fez andarilho


o vagante das almas
que arrasta pelo deserto todos os passados

E com as mãos na roda do destino


encontrou alento no coração da nova terra
O amor que liberta
Silenciou os ecos sombrios
O esquecimento virou alento
E os laços trocaram as correntes

Mas as eras cobram


Nenhum grito é distante o bastante
Pra permanecer no cristal do que já foi

E o frasco se quebrou
O homem ganha o mundo
Ambição que desperta
Ira que aquece
Inveja que motiva
O Pai e o Homem já não se separam
É chegado o tempo
Tempo que varre as almas
Que desfaz os laços
Que corrói os caminhos
A fortuna da Mãe é o legado que deixou
No seu Sol
Na sua Lua
O primeiro brilha a chama ardente da busca
O segundo cintila o reflexo da pureza
Dois caminhos são um
E a magia sábia é rompida

Se desfazem
Em partes
Em peças
Nada tem
Nada resta
a não ser o caminho

A nova terra em seus segredos se desfaz


O pecado se eleva
A chama do místico
O punho do bruto
O coração da fiel
A força que ensina
Tudo sucumbe perante o primordial
A mentira primeira
Que roubou a justiça
E agora cobra dos céus aquilo que nunca lhe pertenceu

Mas sempre restará uma porta a se abrir


Uma última perda
Um último ato de amor
De fé
De perdão
Que todas as almas não sejam em vão
Que tudo se transmute em esperança
Que a irmandade seja feita de aço

Caminham cada um em sua trilha


Cada qual sua redenção
Mas não o irmão
Ambos são um
Como o todo uno
Como a liga que se recompõe
Como a porta que se torna caminho
Como a busca se torna saber
Como a magia que se revela afeto
Como a alquimia da
Verdade"

– Leonardo Pires de Oliveira – FORMANDO


COLAGEM:

DESCARTE MODERNO

– Dias Rosa – 4º PERÍODO


A crise
Estamos em crise – eles diziam. O tempo todo, através dos barulhos
das máquinas, dos choros das crianças e do toque-toque dos saltos das
moças no chão revestido por cerâmica fria. Deprimente. Todos os dias,
exatamente no mesmo horário, se falava da crise. Mas a crise não se
restringia ao que os homens de cartola diziam, a crise era replicada em
todos os ambientes. Nas filas, nos banheiros, na igreja, nas escolas e nos
bancos – ah, nos bancos se falava muito em crise. A crise era mostrada
na televisão, na primeira capa de todos os jornais para todo mundo ver.
Se mostrava a crise o tempo todo, ela, em seu revestimento meio
amarronzado insípido, que dava medo em todo mundo - quase todo
mundo, pois os homens de cartola, apesar de falarem muito sobre a crise,
não pareciam ter medo dela.

A crise estava no sono de quem acordava seis horas da manhã em


um ônibus superlotado esperando para chegar ao fim da linha, não disse
qual linha, e finalmente subexistir com um salário de menos de um
quarto de hora convencional em um lugar com cheiro de esgoto pensando
exclusivamente em sua filha de quatro anos que está em casa no colo da
avó moribunda que era a única esperança do pai porque não havia creche
nem escola nem cuidador nem nada. Era a crise. A crise estava no senhor
de oitenta anos sentado no meio-fio da fábrica onde o trabalhador do
período passado trabalha levantando os dedos ossudos e pedindo pelo
menos dez centavos para que possa comprar um pedaço de pão
embolorado no mercado da esquina, mas depressa porque eles jogam
tudo fora quando não tem ninguém pra comprar, mesmo se a sua última
refeição foi semana passada quando passou o carro com o homem
dizendo que pela a crise iria dar um prato de sopa para cada pessoa que
se assumisse miserável o suficiente para tanto. A crise está na mulher
que não consegue sair de casa para ir trabalhar porque o seu pai está
pedindo esmolas na rua tal qual o velho do período passado enquanto
sua filha de dez meses chora de fome porque não tem mais leite no peito
desnutrido e quando tem é repassado para o menino de quatro anos
porque ele já está vivo o suficiente para poder em breve vender uma ou
duas balinhas no sinal isso se não começar a vender droga na frente de
casa mas cuidado que eles hoje atiram para matar e se o filho morrer não
tem mais sustento pra mãe ou pro avô que estão desesperados pois a
crise está cada vez pior. A crise.

A crise, que não mais aterroriza os homens gordos de cartola,


aqueles que comem quatro vezes ao dia, assistem televisão de seus sofás
confortáveis enquanto suas mulheres se esfregam em seu corpo por uma
carteira de cigarros e um pão. Os homens de cartola dizem que a crise
vai ser resolvida se diminuírem os encargos trabalhistas que impedem o
país de crescer, ainda bem, porque só passa fome quem não quer entrar
em um ônibus lotado quatro horas da manhã para ganhar um quarto de
hora, em um ambiente insalubre, sem nenhuma perspectiva de vida além
da morte. Os homens de cartola dizem que a crise vai ser resolvida se
pararem de pagar metade de um salário mínimo ao idoso que hoje vive
de pão e bolor, aliás, a crise vai ser resolvida quando o idoso for retirado
da rua e jogado sei-lá-onde, já que ele enfeia a cidade, e ninguém quer
ver a crise, só quer saber que ela existe, então levem este homem, multem
este homem, só assim a crise vai acabar. Os homens de cartola vão
acabar com a crise tirando a licença-maternidade, desempregando as
mulheres que são mães, já que essas mulheres geram encargos que
dificultam a solução da crise. Mas, mesmo assim, os homens de cartola
dizem que só temos que esperar porque a crise vai terminar, vamos só
esperar. Mesmo os homens das fábricas estando nas ruas e os mendigos
estando mortos e as crianças, pobres criancinhas, estarem roubando a
comida uma da outra no seio murcho da mãe devastada, a crise está
melhorando.

Já se passaram vinte anos, mas os homens de cartola ainda falam


de crise. Mataram a mãe, mataram o mendigo, mataram o homem fabril,
mataram a senhorinha com a menina em seu colo. Onde está a
legalidade? A fila do sistema de saúde está enorme, mas parece razoável,
em decorrência da crise, que todos sejam expulsos e que se feche o
sistema de saúde e que deixem que morram se preciso, é bom, sobrará
mais comida. E quem criticar a solução dos homens de cartola, está indo
a favor da crise. Vocês querem afundar o país? Seus monstros! A justiça
do trabalho está abarrotada, então vamos fechá-la, para evitar o
agravamento da crise. Você discorda? Quer afundar o país? Seu monstro!
A crise tira presidente, a crise coloca presidente, a crise cria governo, a
crise destrói federação, a crise torna a gente um só, entendeu, exceto os
homens de cartola, que são eles mesmos, mas são eles mesmo contra a
crise, mesmo que tenham comida quente e prostitutas e cigarros e sonhos
e filhos vivos que não precisam vender droga para sobreviver, a crise faz
com que eles sacrifiquem o nosso tempo, o nosso dinheiro, o nosso
recurso. A crise. É a crise que está causando a crise, que causou a última
crise e que fez com que nós tivéssemos que abrir mão de nós mesmos
para que possamos sanar a crise. A crise criou a crise. Acho que a crise
nunca vai acabar, no fim das contas. Os homens de cartola disseram que
não.

– ANNA J. C. PENISSI – 4ºPeríodo


TODOS OS AMORES QUE TIVE

virou o calendário, mas


vou te escrever nas entrelinhas
vu te esquecer nas entrelinhas
vou te derramar
vou te escrever
vou te esquecer
vou te derramar
caminhamos, sendo seres escreventes,
seres escritos em linhas paralelas,
coordenadas enviesadas,
e pisamos em linhas tortas
cambaleamos, mas nunca nos encontramos
nem nossas palavras, nem nossos silêncios,
nada nosso se encontra, somos sopro e,
se deus escreve certo em linhas tortas
nas sagradas escrituras,
somos profundas linhas retas, somos
longitudinais tremulações e esquecimentos, escriduras
e nos derretemos na armadura
amolecemos na amargura
nos derramamos na cama mole,
cordeiros imolados no vaivém de molas e lâminas
e transitamos a duras penas
na ponta da bússola
na ponta do lápis
na ponta do iceberg
sempre distantes, paralelos, invencíveis,
afinal, não jaz perda se não há encontro algum.
– ANA C. MOURA – 8ºPERÍODO
Juízos de fato e valor
– Dias Rosa – 4ºperíodo
Estou sendo consumido
Pelo mundo jurídico
Até na forma de pensar
E metodicamente agir

São tantos artigos


Que os textos de parabéns vão pontilhados de parágrafos
E parabenizo, quem a mim não julgar,
Pois quero tudo catalogar:
Os escritos, os projetos e as vivências diversas

Positivismo nosso de cada dia


Nada positivo
Tomando minhas noites de sono
Em passos apertados
Pois amanhã, passarão novas emendas a limpo
E acompanhá-las é meu eterno destino

Emende meus cacos, penosamente quebrados


E pensamentos dilacerados
Em folhas de papel
Ao destruir a natureza
Em cores neons de marcação

Que alguém tenha


Um manual em mãos
Para entender
As vibrações, descompassadas, do peito de um “doutor”
Que pulou de nível
Lato sensu
Sem doutorado
E alguns esparsos conhecimentos de latim

Paz nos grupos de estudos


E muita lente
De contato
Para apreendermos a prática
Justamente ética
E engajada
Perante as reflexões constantes

E que aumentem apenas


As notas
O conhecimento
A humanidade
E a valorização da U(u)nião

Para que meu corpo seja o titã


Suportando teorias divergentes;
E similar à RAM, não esquecendo das normas essenciais:
Princípios, ABNT e ordenamento comple(t/x)o

Pois meu excelentíssimo,


O Direito não é mole não:
Plena práxis em evolução.

E como pedra dura


O bloco que cada um dispõe
Constrói a ponte
Ou pirâmide - que nos são sempre muito caras
Para o alcance
Da dimensão
Pós-moderna
De cidadãos
No meio da multidão
Fazendo a diferença
Com o coração
Antenado
Na Constituição
CARGO

E ao Chamado do povo
Em seu plangente coro
Com ma dúbia essência.

Serei eu aspira Capitão?


Gorado pela honrada farda
Ou serei Coronel delirante
Que a altura da espada respondo aos tapas
Ou serei eu Cabo dos anjos perdidos?
Mensageiro do fim do mundo.

Serei eu mãe de meus filhos?


De secos olhos da fome
Passada, mas pelas matas, tropicais
Serei eu guia de meu povo?
Salvatore da pátria
Ou serei eu mais um?

Serei pessoa da causa? Ou serei pessoa de casa?


Serei mais uma impedida?
De voz calada
Porém de silenciosos gritos
Que espalham na rua, PRESENTE

Serei eu 4 anos
Ou serei historia?
Serei mero fim de meu legado?
Ou serei falha de minha memória?

Serei eu o NOVO?
Ou serei, tempo perdido
Com tempo suficiente, do Velho

Serei saída de emergência?


Ou mais uma entrada franca
Serei eu sangue dos meus?
De sua luta eterna
Ou sua próxima derrota?

Serei eu a voz de Deus?


Ou de minhas razões humanas
Serei eu o medo?
Ou será eu a esperança?

Serei eu príncipe de dinastias


Ou serei bastardo servo de Titã Ébrio?

Serei um mito?
Ou somente o desespero
Serei mais um dentre outros mil?
Ou serei, presidente do Brasil.

– IAN XAVIER RODRIGUES – 8º Período


DESVARIO
.
certa vez
um jovem embriagado
vagava
ao relento, sem rumos
porém consciente de seus fracassos
na esquina da alameda
do destino com o acaso
.
ela
sinestesia e frenesi
vinha ao encontro dele
ela era Sonho
de qualquer sono
do mais breve ao eterno
avançava, alucinava
quanto mais ela se aproximava
menos importância à consciência dava
e a realidade, agora, fantasia
.
e o Sonho tinha olhos verdes
de jardins
campos
e afins
talvez
fossem azuis
quem sabe?
pois o fantasma da Memória
é o mais ébrio
e a Dúvida é maior certeza
do que a Vida e os deuses
e ela sorriu
e sumiu
.
dói
desespero faz rir
sorri
torno a caminhar
avisto o Maior dos Sábios
um sem-teto, sentado
sobre o meio-fio
e ele suspira
olha para o céu
ascende
acende um cigarro,
mais um
tão irrelevante quanto
os outros
sobram cinzas
e constelações
esvai
a fumaça se vai
.
e ela se foi.
.
dói
mesmo entorpecido
um jovem embriagado
de velhos hábitos
ao relento, sem rumos
porém consciente de seus fracassos
era mais sóbrio do que muitos
castrado pela rotina
de tão independente
viciou-se em si.
– PEDRO HENRIQUE ALMEIDA QUEIROZ– 8ºPERÍODO
DIÁRIO

dia 1.
escrevo e faço sucessivas concessões à palavra. apertamos as mãos num
acordo tácito e e numa briga feroz até os dedos se esmagarem, até as
minhas mãos de punho frágil doerem. eu e a palavra somos uma só, a
antítese dentro de um corpo que arde as esperas. eu e a palavra somos
dois seres que se engalfinham e vociferam banalidades. dizemos o
indizível, coisas vãs e incompreensíveis. nas nossas conversas, não
passamos de balbúrdia. babamos gracejos e depois destilamos carinho
misturado ao veneno do conviver impossível entre nós.

dia 2.
a palavra me traz inquietudes gritadas num sussurro martelando dia e
noite no ouvido. sou sonífero, a palavra é insônia. ela sempre pontual em
me fazer levantar para dar conta de suas urgências, ela sempre atrasada
e desaparecida.

dia 3.
hoje, eu e a palavra levantamos a bandeira da paz, celebrando o
compromisso de viver juntas e abraçadas. até dividimos uma taça de
vinho, o resultado que obtive foi um nada de palavras íntimas,
pateticamente cambaleantes, quentes de queimar a ponta da língua.

dia 4.
a festa do encontro só durou até a próxima noite, eu já sabia que seria
assim: pisco e pronto, já somos outra vez puro desencontro.

dia 5.
escrevo e faço sucessivas concessões à palavra, cedo a ela tudo o que
tenho, porque ela é o muito do que tenho. e ela tarda, é caprichosa, cheia
de vontades. mas isso eu também sou. somos absolutamente diferentes.
ela é do aceite, eu sou da recusa. somos absurdamente parecidas. escrevo
e faço sucessivas concessões à palavra, e isso tem um gosto que só dura
o tempo de mastigá-la, ela é de deglutição voraz, evapora entre os dentes,
e deixa um gosto bom que permanece na boca até a última gota. sorte a
minha.

dia 6.
viro a página, espero-a, ela não está, eu também não estou. quando
voltarmos, nos reconciliaremos, uma vez mais. e como se nada tivesse
acontecido, passaremos a limpo a nossa história e as nossas sedes. e
depois viraremos pó, sopro de fumaça. eu e a palavra viemos do mesmo
lugar, somo farinha do mesmo saco, gêmeas univitelinas, faces da mesma
moeda.

dia 7.
ficar o dia se demorando na cama.repouso, chuva, um livro na cabeceira,
um beijo de boa noite. fazer amor ou trepar, e depois sentir o corpo
cansado dos orgasmos. coleção de domingos. o dia da palavra. o dia de
descansar.

– ANA C. MOURA – 9ºPERÍODO


DA SOLA AO SOLO

Certa vez...tirei os sapatos


coloquei os pés nus no chão...
não sabia por quê...
queria apenas sentir o chão!
De olhos fechados lembrava...
...todo o caminho que havia percorrido
até ali...
mas sabia que teria que percorrer muitos caminhos ainda...
...e os pés ali, no chão!
Apenas descansando...
...aliviando as dores e calos nos pés.
Já dizia um grande sábio:
...ӎ bom deixar de usar certos sapatos
...e andar descalço”.
Certos sapatos nos deixam com bolhas e feridas
...incômodas
...e só tirando eles que se é possível curá-las.
Nunca me preocupei com as bolhas...
pois sempre que as via em meus pés...lembrava
...de cada pedra que pisei e de cada buraco que desviei
...para que pudesse estar ali...
com os pés no chão!
Já os calos...
Esses sim me atormentavam...
...pois não se curam com facilidade.
às vezes...
nem é a dor do calo que incomoda e atormenta
é a consciência ao lembrar de todas as vezes...
que insisti em caminhos...
os quais...
não levariam a lugar algum!
– Andraus – 8ºPERÍODO
Louca

Senhora, acho que você está louca


LOUCA!
O que você não viu?
Sua doida, você lembra?
Mulher, você está doente
LOUCA!
O que te fez errar?
Tão louca, maluca!
O que deixou-se ir?
LOUCA!
Menina doida!
O que aconteceu?
Não lembra o que perdeu?
LOUCA!
Garota insana, neurótica
O que te fez chorar?
Tão maluca que não sabe
LOUCA!
Porque se lembra?
Porque se esquece?
Ela é maluquinha, não acha?
LOUCA!
O que te fez mudar?
O que te fez fugir?
Ninguém nunca te machucou
LOUCA!
Moça psicótica
O que te fizeram?
O que você fez?
Você já enlouqueceu?
LOUCA!
Não vale a pena te ouvir
Porque as suas palavras
Provam que os loucos somos nós.
– AMANDA TAKATA – 8º período.
dois dias antes do fim,
as malas já estavam prontas para partir
e as cartas reviradas, as palavras vomitadas,
os olhos vermelhos, o peito ardido.

dois dias antes do fim


e antes, bem antes
uma semana, um mês, um ano atrás,
eu já estava pronta,
as trouxas e cuias nas mãos
a minha despedida se teceu em ingênuos fios grossos
arquitetada em tempos remotos, desde antes
de abrir a boca, de espernear
de derramar gotas que foram mar.

escrevo de um tempo futuro,


anos depois da chegada a este outro canto do mundo
um mundo onde me deleito
com as pernas pro ar
o meu mundo de palavras soltas,
boca vermelha, o peito mais sossegado,
as malas desfeitas, deitadas no fundo do guarda-roupa.

dois dias antes do fim eu era pó,


hoje sou barro e me desmancho,
de novo e de novo, por aqui.
– ANA C. MOURA – 9ºPERÍODO
POEMA DO TRABALHADOR

Queria multiplicar
Mudar
Comprar um duas portas, com ar.

Todo final de mês,


um reclame sem vez
Lentidão até o dia três.

Salário caiu.
Juros subiu.

Queria investir.
Faria o bancário rir.

Sonhava com gado ou além.


“Me vê 1kg de acém
para dez, Amém”.
– Catharina Lopes Scodro – FORMANDA
Discussão sobre o aborto
Tudo começou em uma noite de verão, lá estava eu sem chão, sem
saber o que fazer, para onde correr, para quem....recorrer. Estava
cansado, fatigado de toda essa existência rápida rápida rápida rápida
rararaarraraar que nos afeta de maneira repetitittititiittititititiva sem nos
deixar permitir respirar pois um minuto de respiro de parada pode fazer
toda a máquina parar se ela parar nós paramos o sistema não funciona
a fábrica de seu corpo deixa de ser útil deixa de ser é um mundo rápido
mundo rápido rápido mundo rápido claro rápido escuro tão rápido que
não há tempo para serem colocadas vírgulas em nosso cotidiano
apressado a não ser na hora que é agora que vou dormir por um intervalo.
Pronto já foi não tenho tempo tempo temo tempo tempo tempo para gozar
desses prazeres de uma vida passada retrógrada onde todos todos todos
todos achavam simplesmente dormir um ato de felicidade que se estende
por uma vida não tenho tempo pra isso não não mesmo dormir atrapalha
minha produtividade deixa mais rugas no rosto baba no pescoço aquele
hálito desagradável da comida alimentada o mais rápido rápido rápido
rápido possível fast-food próximo aos ambientes transitados no dia
dormir dormir pra que? Dormir só lhe deixa mais preguiçoso menos
gostoso menos produtivo produtivo protudivo produtivo ta vendo só
pensar no dormir já veio a tal da preguiça maior crime atual poupe-me
de expressões use gírias corra acelere ande rápido rápido rápido rápido
entregue os papeis assine seu nome aqui dance dance dance loucamente
por essa selva maluca lúdica estranha e comum ao seu ser dance dance
dance ao som das buzinas gritos tiros choros brigas mira mira mira mira
pessoa caída caída a pessoa ria ria ria ria ria não será eu um dia bom dia
mal dia mal tempo má vida aqueles não conseguem acompanhar doce
orquestra do futuro já chegou já foi já passou chego em casa dormir por
mais um intervalo. Intervalo que durou mais, me sucumbi às mazelas de
Satanás? Tenho que correr correr correr buscar meu crescer crescer
crescer no mundo corporativo concreto no prato concreto no sapato
concreto na alma o luxo benevolência me aguardam no futuro futuro
futuro já passou... Mas....tenho sono.... tenho fome.... tenho sede... estou
cansado... tenho sono...mas... tenho dono, o Tempo. Chega! Arranco
essas amarras da rotina, rompo os grilhões dos relógios atados no meu
braço, aborto-me dessa incondicional prisão das horas, abandono todas
as comidas da memória. Saio de meu cotidiano e entro na cela do meu
quarto, quarto tão mundano, quero libertar-me dessa matéria parando
se sufocar a alma fazendo-me vivo nessa pele morta em que habito. Mas,
quando eu me vi livre de meu dono, percebi que essa liberdade já tinha
acabado, pois antes estava morno, agora estou, tão... somente... morto.

– Ian Xavier Rodrigues – 8ºperíodo


ÉBRIAS GEOGRAFIAS QUE LEVAM AO TEU CORPO

no instante em que
a cachaça sobe à cabeça, entrevejo
entre embaçamentos e ardências
os ardores inominados que
descem rumo às minhas montanhas
e ponho-me a imaginar desvarios
de trepar no teu corpo-carvalho
no teu corpo carnavalesco
e ponho-me a imaginar montarias e cavalgações
e a escavar a tua fundura
e a recolher os teus cascalhos.

no momento depois do copo


e antes do gozo,
confundo tudo e
não sei se digo o teu nome ou
vejo cordas e cipós
não sei se os teus olhos estão
cerrados ou abertos,
posto que o teu rosto tem esse trejeito
de sorrir a leste,
assombro-me de pensar se o teu corpo
será cerrado ou floresta,
sonho com os teus desertos e pradarias,
descubro que te quero
selvagem, planalto, planície
quero-te cordilheira ou depressão
relevo qualquer relevo ou sublinho,
faço que te levo para perto daqui.

revela-te
traz as tuas velas e embarcações
para navegar nas minhas bússolas
e bacias hidrográficas,
acerca-te de mim.
– ANA C. MOURA – 9ºperíodo

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