Bioética e Direitos Humanos

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 187

Bioética e Direitos

Humanos
Prof.ª Paula Dittrich Correa
Prof.ª Raquel Riffel

2018
Copyright © UNIASSELVI 2018

Elaboração:
Prof.ª Paula Dittrich Correa
Prof.ª Raquel Riffel

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

174.9574
C824b Correa, Paula Dittrich
Bioética e direitos humanos / Paula Dittrich Correa; Raquel
Riffel. Indaial: UNIASSELVI, 2018.

177 p. : il.

ISBN 978-85-515-0141-2

1.Bioética.
I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.
Apresentação
Para que você, acadêmico, possa ampliar seus conhecimentos, vamos
iniciar nossos estudos sobre Bioética e Direitos Humanos. O conteúdo deste
livro, bem como as orientações, contribuirá positivamente em relação ao
direcionamento do processo ensino e aprendizagem.

A elaboração deste Livro de Estudos tem como finalidade


direcionar você a ordenar os conteúdos e aspectos teóricos que auxiliarão
no desenvolvimento global do seu estudo, agregando conhecimento e
possibilitando, no final do curso, sua inserção no mercado de trabalho,
através do seu mérito e dedicação.

Os assuntos pertinentes a esta disciplina não serão esgotados, porém,


caberá ao acadêmico contribuir através do seu interesse e esforço, a fim de
assimilar o conteúdo aqui apresentado. Assim, convidamos você a conhecer
brevemente cada unidade que será abordada neste Livro de Estudos.

Na Unidade 1, você compreenderá os aspectos relacionados à bioética,


ética, moral e como esses assuntos se relacionam no contexto atual da vida
do ser humano, conhecerá também os problemas éticos que decorrem dos
avanços científicos na área da biologia e da medicina.

Na Unidade 2, você estudará  a bioética, que envolve os direitos


humanos presentes no nosso dia a dia, também assimilará as declarações e
pactos em favor dos direitos humanos, em prol da igualdade entre as pessoas
e o reconhecimento dos direitos do homem.

Na Unidade 3, você estudará o tema Justiça social e sua relação com


os conflitos sociais e direitos humanos, além de teorias contemporâneas,
como a diversidade, a justiça social e a cidadania.

Nesse contexto delineamos os assuntos importantes a serem


conhecidos e, dessa forma, convidamos você para se inteirar e assimilar este
conhecimento.

Prof.ª Paula Dittrich Correa


Prof.ª Raquel Riffel

III
NOTA

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há
novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é


o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto
em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.
 
Bons estudos!

IV
V
VI
Sumário
UNIDADE 1: QUESTÕES DE BIOÉTICA FRENTE AO AVANÇO TECNOLÓGICO............... 1

TÓPICO 1: A PESQUISA GENÉTICA INSERIDA NA BIOÉTICA............................................... 3


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 3
2 BIOÉTICA............................................................................................................................................... 3
2.1 ORIGEM ............................................................................................................................................ 4
2.2 DEFINIÇÃO....................................................................................................................................... 5
2.3 PRINCÍPIOS ..................................................................................................................................... 7
3 BIOÉTICA E RESPEITO À PESSOA HUMANA............................................................................ 8
4 ÉTICA....................................................................................................................................................... 9
4.1 CONCEITO........................................................................................................................................ 10
4.2 RELAÇÃO ENTRE ÉTICA E MORAL........................................................................................... 12
4.3 ÉTICA PROFISSIONAL................................................................................................................... 13
RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 20
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 21

TÓPICO 2: BIOÉTICA E A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA.......................................................... 23


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 23
2 TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA............................................................ 23
2.1 INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL........................................................................................................ 25
2.2 FECUNDAÇÃO IN VITRO.............................................................................................................. 25
2.3 TRANSFERÊNCIA INTRATUBÁRIA DE GAMETAS................................................................ 27
3 IMPLICAÇÕES LEGAIS...................................................................................................................... 29
3.1 PROTEÇÃO JURÍDICA DO EMBRIÃO HUMANO................................................................... 29
3.2 POSICIONAMENTO DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA FRENTE ÀS TÉCNICAS DE
REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA....................................................................................... 31
3.3 PROJETOS DE LEI............................................................................................................................ 34
4 PROBLEMAS SOCIAIS CONCERNENTES À APLICAÇÃO DAS TÉCNICAS
REPRODUTIVAS...................................................................................................................................... 35
RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 38
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 39

TÓPICO 3: BIOÉTICA E A ENGENHARIA GENÉTICA................................................................. 41


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 41
2 GENÉTICA COMO NOVA FRONTEIRA DA BIOÉTICA............................................................ 41
3 CLONAGEM HUMANA...................................................................................................................... 44
3.1 CLONAGEM REPRODUTIVA....................................................................................................... 45
3.2 CLONAGEM TERAPÊUTICA........................................................................................................ 46
4 HISTÓRIA DA OVELHA DOLLY...................................................................................................... 46
5 CÉLULAS-TRONCO............................................................................................................................. 48
RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................................... 51
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 52

VII
UNIDADE 2: INTERFACE DOS DIREITOS HUMANOS............................................................... 53

TÓPICO1: BIOÉTICA À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS.......................................................... 55


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 55
2 DIREITOS HUMANOS........................................................................................................................ 55
2.1 CONCEITO........................................................................................................................................ 56
2.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA............................................................................................................... 57
2.3 CARACTERÍSTICAS........................................................................................................................ 62
3 CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS........................................................................... 63
3.1 DIREITOS HUMANOS DE 1ª GERAÇÃO . ................................................................................. 64
3.2 DIREITOS HUMANOS DE 2ª GERAÇÃO.................................................................................... 64
3.3 DIREITOS HUMANOS DE 3ª GERAÇÃO . ............................................................................... 65
3.4 DIREITOS HUMANOS DE 4ª E 5ª GERAÇÃO . ...................................................................... 67
4 PACTOS E DECLARAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS............................................................ 68
4.1 PACTO DE SAN JOSE DA COSTA RICA..................................................................................... 68
4.2 PROTOCOLO DE SAN SALVADOR............................................................................................. 71
4.3 DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS.................................................... 72
RESUMO DO TÓPICO 1 ....................................................................................................................... 74
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 75

TÓPICO 2: BIOÉTICA E DIREITOS HUMANOS: DELINEANDO O BIODIREITO................ 77


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 77
2 POBREZA E QUESTÕES SOCIAIS DA BIOÉTICA...................................................................... 78
3 BIOÉTICA E BIODIREITO.................................................................................................................. 81
3.1 CONCEITO DE BIODIREITO......................................................................................................... 83
3.2 PRINCÍPIOS DE BIODIREITO...................................................................................................... 87
4 A INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS.................................................... 90
RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................................... 94
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................................. 95

TÓPICO 3: AVANÇOS TECNOLÓGICOS E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA:


DESAFIOS E PERSPECTIVAS BIOÉTICAS.................................................................. 97
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................................... 97
2 O DIREITO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA................................................................. 97
3 COLISÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS E A DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA............................................................................................................................................... 98
3.1 CONCEITO DE DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA............................................................ 99
3.2 DIREITO À VIDA........................................................................................................................... 100
3.3 RECUSA DE TRANSFUSÃO DE SANGUE................................................................................ 101
3.4 EUTANÁSIA.................................................................................................................................... 102
4 AVANÇOS TECNOLÓGICOS E O IMPACTO NA EXCLUSÃO SOCIAL.............................. 104
4.1 DIREITO À ADEQUAÇÃO DE SEXO......................................................................................... 104
4.2 CONTROVÉRSIAS NA QUESTÃO DA HOMOSSEXUALIDADE.....................................................107
LEITURA COMPLEMENTAR.............................................................................................................. 109
RESUMO DO TÓPICO 3...................................................................................................................... 111
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 112

UNIDADE 3: PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS EM BIOÉTICA: A JUSTIÇA SOCIAL,


CIDADANIA E DIVERSIDADE CULTURAL......................................................... 113

TÓPICO 1: BIOÉTICA E JUSTIÇA SOCIAL: PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS.............. 115


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 115

VIII
2 JUSTIÇA SOCIAL............................................................................................................................... 116
2.1 CONCEITO DE JUSTIÇA SOCIAL.............................................................................................. 116
2.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE JUSTIÇA SOCIAL....................................... 120
2.3 BIOÉTICA E JUSTIÇA SOCIAL .................................................................................................. 123
RESUMO DO TÓPICO 1...................................................................................................................... 126
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 127

TÓPICO 2: BIOÉTICA E CIDADANIA: PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS....................... 129


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 129
2 CIDADANIA........................................................................................................................................ 129
2.1 CONCEITO DE CIDADANIA...................................................................................................... 130
2.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DE CIDADANIA............................................................................. 131
2.3 CIDADANIA NO DIREITO BRASILEIRO................................................................................. 135
2.4 BIOÉTICA E CIDADANIA .......................................................................................................... 142
RESUMO DO TÓPICO 2...................................................................................................................... 146
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 147

TÓPICO 3: BIOÉTICA E DIVERSIDADE CULTURAL: PROBLEMAS CONTEMPORÂ-


NEOS.................................................................................................................................... 149
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 149
2 OS DIREITOS HUMANOS............................................................................................................... 149
3 DIVERSIDADE VERSUS DIVERSIDADE CULTURAL.............................................................. 154
3.1 DIVERSIDADE CULTURAL NO BRASIL ................................................................................. 161
3.2 BIOÉTICA E DIVERSIDADE CULTURAL ................................................................................ 163
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 164
RESUMO DO TÓPICO 3...................................................................................................................... 169
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................ 170
REFERÊNCIAS........................................................................................................................................ 171

IX
X
UNIDADE 1

QUESTÕES DE BIOÉTICA FRENTE AO


AVANÇO TECNOLÓGICO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir desta unidade, você será capaz de:

• compreender conceitos básicos sobre bioética;

• estudar os princípios da bioética;

• compreender conceitos básicos de ética e moral;

• diferenciar ética de moral;

• conceituar ética profissional;

• conhecer algumas técnicas de reprodução humana assistida;

• entender as implicações legais relacionadas à reprodução humana assistida;

• reconhecer a proteção jurídica do embrião humano;

• conhecer alguns projetos de lei referentes às técnicas de reprodução huma-


na assistida.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. Você encontrará atividades que o
ajudarão na compreensão dos conteúdos apresentados e, ao final de cada um
deles, terá atividades que o ajudarão a assimilar os conhecimentos teóricos
adquiridos.

TÓPICO 1 – A PESQUISA GENÉTICA INSERIDA NA BIOÉTICA

TÓPICO 2 – BIOÉTICA E A ENGENHARIA TECNOLÓGICA

TÓPICO 3 – BIOÉTICA E A ENGENHARIA GENÉTICA

1
2
UNIDADE 1
TÓPICO 1

A PESQUISA GENÉTICA INSERIDA NA BIOÉTICA

1 INTRODUÇÃO
Estudaremos, neste tópico, aspectos relacionados à bioética, ética, moral e
como esses assuntos se relacionam no contexto atual da vida do ser humano, bem
como, na atuação e conscientização do profissional diante da sua organização.

O grande desenvolvimento na área das ciências biomédicas trouxe novas


situações, as quais provocam indagações e um complexo número de problemas,
tais como: pesquisas genéticas e a consequente possibilidade da interferência
humana, técnicas de reprodução humana, clonagem humana, manipulação
genética e direitos humanos relacionados a essas questões.

Dessa forma, é necessário retomar as reflexões éticas sobre a vida humana,


como resultado desses reflexos surgiu o termo “bioética”, que se refere aos problemas
éticos que decorrem dos avanços científicos na área da biologia e da medicina.

A partir de agora, estudaremos e compreenderemos a origem, conceitos,


princípios da bioética, a relação da bioética com os direitos humanos, e teremos
uma visão de como a ética e a moral estão relacionadas ao ser humano.

Caro acadêmico! Neste tópico, nossa intenção é conduzir você ao conhecimento


da bioética frente aos avanços científicos e problemas éticos vivenciados pelos
profissionais da área da saúde. Aproveite essa bagagem de conhecimento para se
inteirar e crescer na sua vida acadêmica e como futuro profissional.

2 BIOÉTICA
Os avanços nas ciências biológicas e médicas e os problemas éticos gerados
evidenciaram a necessidade do estabelecimento de limites para a atuação dos
cientistas. Este processo se deu por meio de um estudo ético aplicado às ciências
da vida, conhecida por bioética.

Conforme Potter (apud CAMARGO, 2003), são necessários profissionais


ligados às ciências da vida, para dizer o que se pode e se deve fazer para sobreviver
e o que não se deve fazer, considerando que se espera a manutenção e melhoria
da qualidade de vida nas próximas décadas.

3
UNIDADE 1 | QUESTÕES DE BIOÉTICA FRENTE AO AVANÇO TECNOLÓGICO

O destino do mundo depende da interação, preservação e extensão do


conhecimento que possui um reduzido número de homens que, somente agora,
começam a perceber o poder desproporcional que possuem e quão enorme é a
tarefa a se realizar (CAMARGO, 2003).

2.1 ORIGEM
Acadêmico! Você, certamente, já ouviu falar sobre a origem da vida, sobre
as várias teorias que envolvem esse contexto. E sobre a origem da bioética, você
tem conhecimento?

Claro que normalmente a origem de determinado evento está atrelada


a fatos que estão relacionados a algum período histórico, e se pensarmos,
conseguimos entender que a Segunda Guerra Mundial está diretamente ligada a
Hitler, que mudou a história da humanidade.

Também podemos citar as experiências biomédicas do III Reich, realizadas


nos campos de concentração nazistas, as dolorosas consequências das bombas
atômicas lançadas pelos norte-americanos em Hiroshima e Nagasaki ao fim da II
Guerra e a perspectiva da inseminação artificial (in vitro) no curso da década de
1970 (HOGEMANN, 2003).

Todos esses exemplos suscitaram preocupações de ordem mundial, cujos


assuntos foram vinculados e ligados ao meio ambiente e as preocupações que
nasceram com a aplicação dos resultados da biologia molecular.

Conforme relata Hogemann (2003), as pesquisas médicas realizadas pelos


nazistas nos campos de concentração ao longo da II Guerra Mundial, sem qualquer
freio ético, configurando atrocidades inomináveis, levaram a comunidade
científica mundial a produzir um documento por intermédio do Tribunal de
Nuremberg (1946), que estabeleceu uma série de regras que vinculavam e
estabeleciam limites concretos às pesquisas científicas que envolvessem seres
humanos, a partir de uma visão ética, de respeito ao ser humano, visando limites
éticos para as pesquisas e a aplicação biotecnológica dos novos descobrimentos
nos seres humanos.

Ao longo dos tempos, verificou-se uma evolução na história da


humanidade, face a novas descobertas científicas mudando a vida das pessoas.
Tal evolução teve seus aspectos positivos, mas também os negativos.

Vários filmes e documentários tentaram retratar a realidade vivenciada


por muitas pessoas que foram perseguidas no governo Hitler, que foi um
retrocesso humano, inspirado no desprezo à pessoa, sem falar da utilização dos
seres humanos como cobaias.

4
TÓPICO 1 | A PESQUISA GENÉTICA INSERIDA NA BIOÉTICA

As experimentações feitas pelo regime nazista da Alemanha e a


consequente condenação, pelo Tribunal de Nuremberg, em 1947, de médicos
considerados culpados de conduta contrária aos valores do humanitarismo,
assentaram uma nova fase da bioética (CAMARGO, 2003).

Prezado acadêmico! Você já deve ter ouvido que toda ação possui uma
reação, não é mesmo? Dessa forma, vamos conhecer um pouco sobre a Declaração
de Nuremberg, aprovada em 1946, que foi criada e aprovada após as atrocidades
de Hitler.

Essa declaração contém os seguintes objetivos, na visão de Drumond


(2005):

1) é absolutamente necessário o consentimento voluntário do paciente na


experimentação;
2) o experimento deve buscar resultados saudáveis à sociedade;
3) o experimento deve ser conduzido de tal forma que evite todo sofrimento ou
injúria física e mental;
4) o grau de risco a ser corrido pelo paciente não deve exceder a importância do
problema a ser resolvido pelo experimento;
5) o experimento só pode ser realizado por pessoal tecnicamente qualificado;
6) deverá haver suspensão da experiência a qualquer momento que possa colocar
em risco sério a saúde do paciente.

Mas você pensa que essa foi a única declaração que foi criada para preservar a
dignidade da pessoa humana? Não, pois outra declaração apareceu, foi a Declaração
de Helsinki, considerada um documento internacional de grande prestígio para a
regulação da pesquisa em seres humanos, desde o Código de Nuremberg.

Os significativos avanços do conhecimento científico desde a década de


1940 indicavam que a humanidade estava vivendo um mundo novo, marcado pela
explosão científica e da inovação tecnológica que, consequentemente, marcavam
a vulnerabilidade da natureza e do corpo humano (DRUMOND, 2005).

Foi a partir dos avanços científicos que a bioética se impôs, como uma
reação imediata, frente aos problemas que surgem, desde as atrocidades nazistas,
até os recentes experimentos em manipulação genética.

2.2 DEFINIÇÃO
Agora que conseguimos compreender a origem da bioética, vamos estudar
a raiz da palavra, ou seja, seu significado.

5
UNIDADE 1 | QUESTÕES DE BIOÉTICA FRENTE AO AVANÇO TECNOLÓGICO

O prefixo da palavra bioética, que é bios, significa vida, e o sufixo, no


grego ethos, significa costume, comportamento, ética, ou seja, vida e ética, sendo
um neologismo que quer dizer ética da vida, adequação da realidade da vida com
a da ética (CAMARGO, 2003).

Você sabe quem foi Van Rensselaer Potter? Foi médico e biólogo que
criou o termo bioética, estabelecendo uma ligação entre os valores éticos e os
fatos biológicos. A bioética é considerada, em sua raiz, a ética nas ciências da
vida, da saúde e do meio ambiente, porém implica, obrigatoriamente, diversos
desdobramentos, todos eles imprescindíveis para a compreensão, para a prática e
para a caracterização da bioética. (CAMARGO, 2003).

Você pode questionar, para que saber tudo isso? Quando estudamos
algum assunto, precisamos nos dedicar e mergulhar fundo no conhecimento, para
conseguirmos fazer relação com os demais conteúdos e uni-los, com o objetivo de
nos tornarmos experts na área de conhecimento.

A bioética é, em sentido amplo, uma resposta da ética às novas situações


decorrentes da ciência no âmbito da saúde, ocupando-se com problemas
provocados pelas tecnociências biomédicas, que dizem respeito ao início e fim da
vida humana.

A bioética impõe limites às pesquisas realizadas em seres humanos, bem como


às formas de eutanásia, distanásia, às técnicas de engenharia genética, às terapias
gênicas, aos métodos de reprodução humana assistida, à eugenia, à mudança de sexo
em caso de transexualidade, à esterilização compulsória, entre outros.

Diniz (2008) acredita que, além desses itens, a bioética também contribui
positivamente para evitar a degradação do meio ambiente, a destruição do
equilíbrio ecológico e do uso de armas químicas.

A bioética seria, então, um conjunto de reflexões filosóficas e morais


sobre a vida em geral e sobre as práticas médicas em particular. Para
tanto, abarcaria pesquisas multidisciplinares, envolvendo-se na área
antropológica, filosófica, teológica, sociológica, genética, médica,
biológica, psicológica, ecológica, jurídica, política, etc., para solucionar
problemas individuais e coletivos derivados da biologia molecular,
da embriologia, da engenharia genética, da medicina, da biotecnologia
etc., decidindo sobre a vida, a morte, a saúde, a identidade ou a
integridade física e psíquica, procurando analisar eticamente aqueles
problemas, para que a biossegurança e o direito possam estabelecer
limites à biotecnociência, impedir quaisquer abusos e proteger os direitos
fundamentais das pessoas e das futuras gerações (DINIZ, 2008, p. 11-12).

Dessa forma, nós podemos compreender que a bioética é uma forma


de ética com regras, desencadeada por novos questionamentos e necessidades
humanas que veio para auxiliar a ética tradicional, pois esta não consegue mais
abarcar muitas questões, porque ficou limitada em um mundo ultrapassado. Ela
não conseguiu ultrapassar as fronteiras da inovação biomédica e tecnológica.

6
TÓPICO 1 | A PESQUISA GENÉTICA INSERIDA NA BIOÉTICA

Acadêmico! Até aqui enfatizamos o motivo do surgimento da bioética,


bem como seu conceito, e assim ficou fácil de entender que ela é considerada
uma ciência que objetiva garantir a evolução da biotecnologia com segurança e
respeito ao homem.

Então, qual é a relação dessa nova ciência com o homem? Relação sólida
de conduta compatível com a dignidade humana, em busca da moralidade com
o modo de agir das pessoas, nas áreas da ciência da vida, sempre investigando o
que é lícito ou tecnicamente possível.

Assim, conseguirmos assegurar que a bioética abrange uma significativa


gama de questões, que envolvem desde a procriação assistida, diagnósticos pré-
implantação, clonagem e pesquisas com células-tronco embrionárias, clonagem
terapêutica e clonagem reprodutiva, doação de órgãos, participação de seres
humanos em protocolos de experimentação e em testes clínicos, terapias gênicas,
sequenciamento genético e uso dos dados e até questões relacionadas com o fim
da vida.

Portanto, nos tempos atuais, a bioética tem lugar de destaque nos estudos
relacionados à conduta, saúde e vida dos seres humanos, pois trata de abordar
questões relacionadas à deontologia médica e tudo o que está relacionado com a
vida e a saúde.

2.3 PRINCÍPIOS
Você já tentou viver de uma maneira preguiçosa, baseada na mentira,
sendo inútil e medíocre, para perceber quais são as consequências? Se pensarmos
que podemos viver tudo isso ao contrário, ou seja, baseado nas verdades
fundamentais, então encontramos o significado de princípios.

Essa aplicação tem validade universal, pois serve tanto para pessoas,
famílias, organizações públicas e privadas, e o que é muito importante relatar
nesse pensamento é que independe de época ou situação.

No início da década de 1980, a bioética começou a entrar em evidência,


com as questões decorrentes de problemas de saúde, tanto com paciente, quanto
com os profissionais de saúde, pois necessitava de imposição de limites, tanto
para quem recebesse um tratamento, quanto para quem auxiliasse no tratamento.

Destacamos que estava em evidência o princípio da autonomia, ou seja,


aquele com o qual o ser humano (paciente) tem o direito de ser responsável por
seus atos, de exercer seu direito de escolha (autodeterminação), respeitando-se
sua vontade, valores e crenças, reconhecendo-se seu domínio pela própria vida e
o respeito à sua intimidade (CAMARGO, 2003).

7
UNIDADE 1 | QUESTÕES DE BIOÉTICA FRENTE AO AVANÇO TECNOLÓGICO

Esse princípio requer que o profissional da saúde respeite a vontade


do paciente, ou de seu representante, levando em conta seus valores morais e
crenças religiosas. Reconhecer o domínio do paciente sobre a própria vida (corpo
e mente) e o respeito à sua intimidade, restringindo, com isso, a intromissão
alheia no mundo daquele que está sendo submetido a um tratamento.

A partir desse entendimento, é necessário que a pessoa responsável esteja


no comando da saúde do paciente e decida por ele o que deve ser feito, mas, para
isso, assinará um termo de consentimento, caso o paciente seja incompetente ou
incapaz, respondendo integralmente por ele.

Outro princípio que deve ser levado a sério é o da beneficência, que


envolve o médico, no sentido de manter a integridade do paciente, não efetuar
tratamento que não esteja formalizado, bem como evitar qualquer dano à saúde
de quem está doente.

Na verdade, de forma mais clara, o profissional da saúde, em particular


o médico, só pode usar o tratamento para beneficiar o paciente, conforme sua
competência e juízo, e jamais para fazer o mal ou praticar a injustiça.

Segundo Camargo (2003), esse princípio baseia-se na obrigatoriedade


do profissional da saúde (médico) de promover, em primeiro lugar, o bem-estar
do paciente, tendo a função de fazer o bem, passar confiança e evitar danos,
tratamentos inúteis e desnecessários.

O princípio da não maleficência é um desdobramento da beneficência,


por conter a obrigação de não acarretar dano intencional (DINIZ, 2008).

O princípio da justiça requer a imparcialidade na distribuição dos riscos


e benefícios, no que atina à prática médica pelos profissionais da saúde, pois os
iguais deverão ser tratados igualmente. Pode ser também postulado, através dos
meios de comunicação, por terceiros ou instituições que defendem a vida ou por
grupos de apoio à prevenção da AIDS, cujas atividades exercem influência na
opinião pública, para que não haja discriminações (DINIZ, 2008).

Este princípio impõe que, inobstante suas diferenças, as pessoas sejam


tratadas de forma igualitária no exercício da medicina e nos resultados das
pesquisas científicas.

3 BIOÉTICA E RESPEITO À PESSOA HUMANA


Com o reconhecimento ao respeito à dignidade do ser humano, a bioética
passa a ter um sentido humanista, estabelecendo um vínculo com a justiça.

8
TÓPICO 1 | A PESQUISA GENÉTICA INSERIDA NA BIOÉTICA

Os direitos humanos, decorrentes da condição humana e das necessidades


fundamentais de toda pessoa, referem-se à preservação da integridade e da
dignidade dos seres humanos e à plena realização de sua personalidade.

A bioética anda junto com os direitos humanos, “não podendo, por isso,
obstinar-se em não ver as tentativas da biologia molecular ou da biotecnociência
de manterem injustiças contra a pessoa humana, sob a máscara modernizante de
que buscam o processo científico em prol da humanidade” (DINIZ, 2008, p. 19).

Se em algum lugar houver qualquer ato que não assegure a dignidade


humana, ele deverá ser repudiado por contrariar as exigências ético-jurídicas dos
direitos humanos. Desta forma, intervenções científicas sobre a pessoa humana
que possam atingir sua vida e a integridade físico-mental deverão subordinar-se
a preceitos éticos e não poderão contrariar os direitos humanos.

As práticas da ciência da vida, que podem trazer enormes benefícios à


humanidade, contêm riscos potenciais muito perigosos e imprevisíveis e, por tal
razão, os profissionais da saúde devem estar atentos, para que não transponham
os limites éticos impostos pelo respeito à pessoa humana (DINIZ, 2008).

Diniz (2008) faz um destaque para a necessidade de que todos os seres


humanos, em particular os médicos, os biólogos e os geneticistas, devem intensificar
sua luta em prol do respeito à dignidade do ser humano, sem acomodações e com
muita coragem, para que haja efetividade dos direitos humanos.

Essa ideia é considerada uma conquista dos direitos humanos, reconhecida


com respeito, liberdade e dignidade frente ao homem, perfazendo um caminho
de conquistas dos valores humanos.

4 ÉTICA
Na trajetória do homem, desde a época das cavernas, houve muitas lutas e
conflitos, seja pela caça, pela posição de líder em grupos sociais, ou na criação de
artefatos, equipamentos, repercutindo essa conduta nos dias atuais, pela disputa
de cargos de alta hierarquia nas empresas, ou indústrias, mas visando os bons
costumes, a convivência harmônica entre as pessoas, bem como para a sociedade,
demonstrando o respeito pelos seus pares.

A ética prima por uma conduta correta e digna, visando aos valores
morais perante a sociedade. Você já pensou por que necessitamos estar ao lado da
ética? Você já pensou que na maioria das vezes, agimos de acordo com padrões
impostos pela sociedade, do que é bom e moral? Na verdade, a ética está intrínseca
ao nosso caráter, pois está ligada à maneira digna de agir, ou seja, necessitamos
demonstrar um comportamento adequado e correto.

9
UNIDADE 1 | QUESTÕES DE BIOÉTICA FRENTE AO AVANÇO TECNOLÓGICO

4.1 CONCEITO
A ética sempre existiu na humanidade, intrinsecamente ou não, ela regula
a atitude das pessoas, padroniza comportamentos e regula a maneira de agir
dentro do convívio social. A ética foi conceituada por grandes filósofos, como
Sócrates, Aristóteles, entre outros, foi discutida dentro da teologia por padres e
pastores durante a Idade Média, até chegar aos conceitos atuais.

O termo ética é de origem grega, que nos transporta ao conceito de ser, ao


nosso caráter, a maneira de agir, de que forma nos comportamos, e está implicitamente
relacionado às regras e aos códigos morais que dirigem a conduta humana.

Nesse sentido, Srour (2005) corrobora que a ética se origina do grego ethos,
que significa caráter do indivíduo, maneira de agir, pensar e de se comportar,
ou seja, é utilizado para definir a forma como o homem age em determinadas
circunstâncias, visando o bem-estar, com atitudes que conseguem distinguir o
certo do errado, ponderando, dessa forma, suas atitudes.

Para Lopes de Sá (2010, p. 15), a ética, em sentido amplo:

É entendida como a ciência da conduta humana perante o ser e seus


semelhantes. Envolve, pois, os estudos de aprovação ou desaprovação
da ação dos homens e a consideração de valor como equivalente
de uma medição do que é real e voluntarioso no campo das ações
virtuosas. Analisa a vontade e o desempenho virtuoso do ser em face
de suas intenções e atuações, quer relativos à própria pessoa, quer em
face da comunidade em que se insere.

Srour (2005) também colaborou para o conceito de ética, mas sob o


ponto de vista filosófico e científico, dessa forma, a ética filosófica visa difundir
princípios válidos de boas condutas na vida em sociedade, e a ética científica tem
o objetivo de qualificar o bem e o mal.

A ética está ligada aos hábitos e valores demonstrados pela cultura de


determinado povo, ou seja, está relacionada aos diversos valores morais que
existem em várias culturas, e seu objetivo é demonstrar e informar as bases da
moralidade e indicar o caminho e os princípios abstratos da moral.

De acordo com Sá (2000), a ética é estudada sob dois aspectos: o primeiro


diz respeito a uma ciência que estuda a conduta dos seres humanos, onde suas
atitudes devam refletir sempre a favor dos homens; e o segundo, como ciência
que busca os meios de conduta, que são convenientes aos objetivos do homem.

Para Arruda (2002) a ética deve ser vista e analisada como um conjunto de
valores associados ao comportamento do indivíduo, cujas normas são resultado
da própria cultura de uma sociedade, se transformando em uma regra ética de
atitude, opção e escolha. Dessa forma, o autor cita algumas condutas compatíveis
com a ética, que podem ser exemplos de conduta para o indivíduo, como:

10
TÓPICO 1 | A PESQUISA GENÉTICA INSERIDA NA BIOÉTICA

a) Não importa a situação ou o contexto no qual o indivíduo está enquadrado,


mas a honestidade desse tomar o controle da situação.

b) Mesmo que num determinado momento sua opinião seja diversa da de outras
pessoas, é necessário ter coragem para se posicionar e assumir as decisões.
c) Ter equilíbrio frente às controvérsias do cotidiano é importante, pois a opinião
dos demais colegas pode não estar de acordo com a sua, mas o importante é
ouvir e dialogar sem agressividade.

d) Mesmo diante de tantos valores distorcidos da sociedade, é necessário ter


integridade, para agir de acordo com os princípios éticos.

e) A humildade também é um fator importante, pois reconhecer erros e corrigi-los


é essencial para o desenvolvimento dos trabalhos, sendo um ponto importante
para o sucesso do trabalho em equipe.

Apesar dos vários conceitos trazidos para você, sobre ética, é importante
termos a noção de que quando falamos em ética, ela não está longe de nós, muito
pelo contrário, faz parte do nosso cotidiano, do nosso dia a dia.

FIGURA 1– QUESTÃO DE ÉTICA

FONTE: Disponível em: <https://empreendadentista.com.br/2016/04/19/


propaganda-irregular>. Acesso em: 10 ago. 2017.

Nas últimas décadas, se ouviu falar muito sobre ética, acabou virando
moda, todos acabam falando dela, admiram-na, mas muitos não querem fazer
parte desta inspiração, não a incorporam nos seus hábitos, deixando de lado a
noção do que é certo e do que é errado.

Se pensarmos aonde podemos encontrar a ética, não é difícil de relacioná-


la, pois ela surge na família, no trabalho, no lazer, na igreja, no círculo de amigos,
ou seja, onde nós estamos, aí está a ética, para interagir conosco e proporcionar a
busca do bem comum.

11
UNIDADE 1 | QUESTÕES DE BIOÉTICA FRENTE AO AVANÇO TECNOLÓGICO

4.2 RELAÇÃO ENTRE ÉTICA E MORAL


É fácil confundir os conceitos de ética e moral, pois na maioria das vezes,
eles são utilizados como sinônimos e acabam representando a mesma definição,
entretanto, há uma diferença significativa, pois a ética está atrelada ao estudo da
conduta humana em relação aos valores, já a moral está relacionada ao conjunto
de normas baseadas nos costumes e na cultura de uma sociedade.

Vamos exemplificar, a fim de que essa questão fique mais simples, imagine
um médico que trabalha no pronto-socorro de um hospital e é surpreendido por
um atropelamento de uma criança, que em meio a uma anamnese, ou seja, um
exame físico, constata que é necessária uma transfusão de sangue para salvar essa
vida. Acontece que a criança e seus pais, por questões religiosas, não permitem
que o médico realize o procedimento. E agora? O que o médico deve fazer? Vamos
analisar a situação.

FIGURA 2 – CONTROVÉRSIAS NA TRANSFUSÃO DE SANGUE

FONTE: Disponível em: <http://veja.abril.com.br/blog/letra-de-medico/


transfusao-de-sangue-riscos-e-beneficios>. Acesso em: 10 ago. 2017.

O médico está diante de um grande conflito, no qual dois valores estão em


questão: o religioso e o do juramento que o médico realizou ao se formar, quando
se comprometeu em fazer todo o possível para salvar vidas. Acadêmico, você
percebeu que esses dois valores estão ligados à moral?

Nesse momento, o médico necessita avaliar esses valores e decidir qual


é o mais importante, para tomar a atitude que acredita ser correta, avaliará
racionalmente essas questões e se baseará nas experiências práticas já ocorridas.

12
TÓPICO 1 | A PESQUISA GENÉTICA INSERIDA NA BIOÉTICA

Nesse sentido, Vasquez (2006) corrobora com essa ideia, quando aduz que
o comportamento prático-moral, que se encontra no meio social, faz com que
o ser humano crie, a partir de determinados problemas, atitudes que o levem
a um denominador comum e avalie as situações de uma maneira, a partir das
experiências vividas, dentro da sociedade em que está inserido e das experiências
e dos costumes de suas comunidades.

Dessa forma, o homem é capaz de tomar decisões com o auxílio de normas


ou regras de comportamento da sociedade ou no meio em que vive e, por meio
delas, poderá adquirir a conduta correta para determinados conflitos. Assim,
Alonso et al. (2008, p. 30) acreditam que “É nas escolhas de toda hora que nos
defrontamos com a qualificação moral, com a opção entre o bem e o mal”.

Segundo Vázquez (2006), de acordo com as exigências das condições


nas quais as pessoas se organizam e estabelecem formas de relacionamento, seu
comportamento moral varia, conforme o tempo e o lugar.

Podemos pensar de uma maneira ampla e fazer um comparativo entre


a civilização oriental e ocidental, pois enquanto na primeira as crianças podem
matar pessoas em nome de “Alá”, a civilização ocidental não caracteriza como
correto o homicídio, enquadrando em penalidade, sob forma de prisão perpétua
(dependendo do país) ou em prisão por um determinado período de tempo.

Com relação à ética, podemos dizer que ela tenta entender o comportamento
humano e os motivos que geram determinadas condutas. Dessa forma, a ética é
utilizada sob forma de avaliar o bem e o mal, ou seja, utilizar nossa liberdade com
consciência e sabedoria em busca de caminhos corretos.

Podemos encerrar este assunto da relação entre ética e moral com o


conhecimento de Vásquez (2006), que diz que a ética é teórica e reflexiva,
enquanto que a moral é apenas prática. Assim, uma completa a outra, havendo
um inter-relacionamento entre ambas, pois na ação humana, o conhecer e o agir
são indissociáveis.

4.3 ÉTICA PROFISSIONAL


Podemos dizer que ética profissional é um conjunto de padrões que
regem a conduta humana, relacionada à atividade que o homem desempenha
profissionalmente, com respeito ao seu próximo, não arguindo fofocas,
desentendimentos, picuinhas, agindo com honestidade, assiduidade,
responsabilidade, pontualidade, transparência no desempenho de suas funções
e respeito à hierarquia.

13
UNIDADE 1 | QUESTÕES DE BIOÉTICA FRENTE AO AVANÇO TECNOLÓGICO

Dessa forma, a ética envolve o relacionamento de profissionais, a fim de


resgatar a dignidade humana e a construção do bem comum. Sá (2010) elenca uma
relação de valores, os quais são essenciais à prática dos serviços profissionais,
entre elas: abnegação, atitude, benevolência, coerência, disciplina, eloquência,
fidelidade, gratidão, honestidade, idealismo, entre outras.

Quando a honestidade e a benevolência são pioneiras no desempenho do


ambiente de trabalho, é possível identificar o caráter do profissional, garantindo
a extensão da ética para o benefício comum de todos.

Assim, Medeiros e Hernandes (2004, p. 98) esclarecem que:

A ética profissional é o conjunto de princípios que regem a conduta


funcional de uma profissão. Princípios esses que são essenciais para
atuação profissional. No entanto, é importante perceber o quanto
esse conjunto de normas morais se faz necessário no desempenho
profissional, pois é através dos preceitos éticos incorporados nas ações
individuais de cada sujeito, que se pode avaliar a conduta profissional
de cada indivíduo.

Vamos prosseguir nesse assunto e contar uma história superinteressante


de Platão, que se chama O Mito do Anel de Giges. Essa estória vai ilustrar uma
pergunta que fazemos inicialmente: a ética é uma essência humana ou é uma
convenção social?

Giges era um pastor de ovelhas, a serviço do rei, que reinava na Lídia. Um


certo dia, Giges estava no campo e de repente apareceu uma grande tempestade,
com um terremoto, nesse momento o solo abriu como uma fenda e uma grande
abertura se formou onde pastava seu rebanho.

FIGURA 3 – FENDA FORMADA PELO TERREMOTO

FONTE: Disponível em: <http://www.stephenhicks.org>. Acesso em: 10


ago. 2017.

14
TÓPICO 1 | A PESQUISA GENÉTICA INSERIDA NA BIOÉTICA

Admirado com o que viu, desceu pela abertura e, entre muitas maravilhas
que avistava, viu um grande cavalo de bronze, oco, com portinhas, então passou
a cabeça através de uma delas.

FIGURA 4 – CAVALO DE BRONZE

FONTE: Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=QqB-s0nvdUs>. Acesso


em: 10 ago. 2017.

Viu um homem que estava morto, cuja estatura ultrapassava a estatura


humana. Esse morto estava nu, tinha somente um anel de ouro na mão. Giges o
pegou e saiu da grande fenda, novamente para cuidar do seu rebanho.

FIGURA 5 – CADÁVER COM ANEL DE GIGES

FONTE: Disponível em: <http://www.stephenhicks.org>. Acesso em: 10 ago. 2017.

Retornando posteriormente para se reunir com outros pastores de ovelhas,


como era de costume, pois todos faziam um relatório mensal ao rei sobre o estado
dos rebanhos, Giges foi à assembleia, levando no dedo o seu anel.

15
UNIDADE 1 | QUESTÕES DE BIOÉTICA FRENTE AO AVANÇO TECNOLÓGICO

FIGURA 6 – ANEL DE GIGES

FONTE: Disponível em: <http://www.stephenhicks.org>. Acesso em: 10


ago. 2017.

Tendo tomado o lugar entre os pastores, girou por acaso o anel, de tal
modo que a pedra ficou do lado de dentro de sua mão, e imediatamente ele se
tornou invisível para os seus colegas, falava-se dele como se tivesse partido, o que
o encheu de espanto.

Girando de novo o seu anel, virou a pedra para fora e imediatamente


tornou a ficar visível. Atônito com o efeito, ele repetiu a experiência para ver se
o anel realmente tinha esse poder, e constatou que, virando a pedra para dentro,
tornava-se invisível e, para fora, visível.

FIGURA 7 – PALÁCIO DO REI

FONTE: Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:PaestumItalien.


jpg>. Acesso em: 10 ago. 2017.

16
TÓPICO 1 | A PESQUISA GENÉTICA INSERIDA NA BIOÉTICA

Tendo essa certeza, entrou no palácio, sequestrou a rainha, atacou e matou


o rei, sendo que em seguida apoderou-se do trono real.

FIGURA 8 – MORTE DO REI DA LÍDIA

FONTE: Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Le_Morte_d'Arthur#/media/


File:Edward_Burne-Jones.The_last_sleep_of_Arthur.jpg>. Acesso em: 10 ago. 2017.

O que podemos extrair de proveito com essa estória de Platão? Podemos


observar a moral e a ética, afinal de contas, quando você toma alguma atitude,
o faz porque está agindo pelo que aprendeu que é justo? Ou está agindo porque
alguém está observando você?

Nós agimos de maneira certa ou errada, porque temos convicção quanto


à nossa atitude? Nesse sentido, a ética é intrínseca ou extrínseca porque tem
alguém observando?

Você percebeu que o pastor de ovelhas pegou o anel do dedo do cadáver,


pois ninguém estava observando? Além disso, quando ele constatou que
conseguia ficar invisível diante de todos, articulou um plano para matar o rei e se
apoderar do trono real. Será que se estivesse visível também colocaria seu plano
em prática? Claro que não!

No dia a dia, como agimos? Na vida profissional, como é o nosso


comportamento perante os colegas, perante a empresa, a instituição e o público
em geral? Agimos de acordo com a ética, a moral, o costume, os bons valores e
conforme a legislação legal?

A pergunta que deixo para você é: se você tivesse encontrado o anel de


Giges, o que faria? Em seguida, convidamos você para fazer a seguinte reflexão:
os homens são bons por escolha própria ou simplesmente porque temem serem
descobertos e punidos? Em que pensamento você se enquadra?

Como já estudamos sobre ética, faça a seguinte reflexão:


17
UNIDADE 1 | QUESTÕES DE BIOÉTICA FRENTE AO AVANÇO TECNOLÓGICO

FIGURA 9 – PERGUNTA SOBRE ÉTICA

FONTE: Disponível em: <http://www.oqueeetica.com/o-que-e-etica>. Acesso em:


10 ago. 2017.

Vamos ajudá-lo oferecendo um conceito que engloba todas as qualidades


que já estudamos até agora, ou seja, ética é o conjunto de valores e princípios
que usamos no dia a dia. São as normatizações da sociedade, são os exemplos,
são os comportamentos sociais aceitos pela sociedade. É a maneira de agir, de se
comportar, de pensar. De discernir o certo do errado, sempre avaliando as suas
atitudes e o comportamento humano em geral.

Já abordamos o assunto moral, então, agora desafiamos você em responder


à pergunta a seguir:

FIGURA 10 – PERGUNTA SOBRE MORAL

FONTE: Disponível em: <http://www.escoladocarater.com.br/2016/02/post-


o-que-e-moral.html>. Acesso em: 10 ago. 2017.

18
TÓPICO 1 | A PESQUISA GENÉTICA INSERIDA NA BIOÉTICA

Então, vamos explicar de uma maneira simples que moral é a prática


da ética. Se adotamos comportamentos válidos, eticamente aceitos, a moral é a
prática. Por exemplo, o princípio ético é de não roubar, o comportamento moral
é se decidimos roubar ou não. Moral, portanto, são as nossas condutas perante
a ética estabelecida, determinada pelos valores e princípios aceitos e válidos em
cada tempo.

Muito bem, já conceituamos ética, moral e agora vamos aprofundar nosso


conhecimento, respondendo à pergunta a seguir:

FIGURA 11 – QUESTIONAMENTO SOBRE CONSCIÊNCIA HUMANA

FONTE: Disponível em: <http://www.tvassembleia.org/noticiasConteudo_inc.


php?idNoticia=227>. Acesso em: 12 ago. 2017.

É o conhecimento daquilo que se pratica. São as escolhas, as tomadas de


decisões perante o que é moral e ético. É a propriedade individual de cada pessoa
diante de suas atitudes perante o mundo e perante as interações humanas que se
estabelecem.

A ética profissional pode ser um diferencial para a empresa, instituição,


ou melhor dizendo, no mercado empresarial, mas para ela ser evidenciada
é necessária a conduta adequada dos profissionais, e assim, auxiliará nos
desempenhos e resultados da organização.

19
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico estudamos que:

• O termo “bioética” foi criado em 1971 pelo oncologista e biólogo Van Rensselaer
Potter.

• A bioética é, em sentido amplo, uma resposta da ética às novas situações


oriundas da ciência no âmbito da saúde.

• A bioética está pautada em quatro princípios.

• A bioética anda junto com os direitos humanos.

• Diante da evolução da pesquisa científica, a bioética surgiu como uma reação à


realidade tecnológica na área da saúde.

• A ética regula a atitude das pessoas.

• A ética está relacionada ao estudo da conduta humana, já a moral está atrelada


ao conjunto de normas baseadas nos costumes e na cultura de uma sociedade.

• O conjunto de padrões que regem a conduta humana é conhecido por


ética profissional e está relacionado à atividade que o homem desempenha
profissionalmente.

• Resguardar a harmonia humana é uma das funções da bioética.

20
AUTOATIVIDADE

1 Estabeleça o conceito de bioética.

2 O Código de  Nuremberg  é um conjunto de princípios éticos que regem


a pesquisa com seres humanos. Foi criado no final da Segunda Guerra
Mundial, para direcionar o que seria permitido fazer nos experimentos
médicos. Dessa forma, cite dois itens que constam nessa declaração.

3 Estabeleça a diferença entre ética e moral.

4 Explique em que contexto histórico a bioética surgiu.

5 Ao falarmos sobre o conjunto de valores e princípios que usamos no dia a dia,


sobre as normatizações da sociedade, a maneira de agir, de se comportar, de
pensar e de conseguir compreender o certo do errado, estamos falando de:

( ) Ética.
( ) Bioética.
( ) Moral.
( ) Consciência humana.

21
22
UNIDADE 1
TÓPICO 2

BIOÉTICA E A ENGENHARIA TECNOLÓGICA

1 INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, a medicina avançou com passos largos referente à
reprodução humana assistida, porém não conseguiu acompanhá-la com a edição
de normas ou legislações, a fim de contemplar expectativas legais, gerando
direitos e deveres na esfera da concepção artificial e manutenção da vida.

No Brasil, há pouco respaldo legal para o estudo e experimentações


com embriões, pois esse assunto gera polêmica e controversas no meio social e
científico. De qualquer forma, vamos conhecer, neste tópico, algumas técnicas de
reprodução humana, o posicionamento da legislação brasileira e problemas que
podem acontecer no percurso da fertilização.

Normalmente, os casais recorrem a alguma técnica de reprodução humana


assistida, quando o método convencional de fecundação não é exitoso, assim, o
desejo por ter filhos aflora e os consultórios médicos ficam em evidência, para
satisfazer o desejo maternal e paternal.

Neste percurso nem tudo é perfeito, há decepções quando a técnica


recorrida não supre as expectativas do casal, pois elas não oferecem 100% de
sucesso. Mas nada como manter a perseverança e tentar novamente.

Então, vamos aprimorar nosso conhecimento para compreendermos o


mundo da reprodução humana assistida.

Bons estudos!

2 TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA


Esse tipo de técnica é conhecido por um conjunto composto de vários
métodos específicos, com características próprias, objetivando auxiliar ou
viabilizar o desejo da procriação tanto de homens, quanto de mulheres estéreis
ou inférteis.

23
UNIDADE 1 | QUESTÕES DE BIOÉTICA FRENTE AO AVANÇO TECNOLÓGICO

Normalmente, a reprodução assistida é procurada por indivíduos que


não conseguem alcançar a reprodução pelos métodos convencionais, então
basicamente procuram um consultório médico para esclarecer seus anseios e
externar seu desejo por algum método de reprodução humana.

FIGURA 12 – REPRESENTAÇÃO DO DESEJO INFRUTÍFERO DE UM CASAL


INFÉRTIL

FONTE: Disponível em: <https://boutiquedeluxo.wordpress.com>. Acesso


em: 12 ago. 2017.

A Organização Mundial de Saúde estima que aproximadamente 8 a 15%


dos casais em idade reprodutiva têm algum problema de infertilidade, sendo
que entre as mulheres, as principais causas são: idade, doença inflamatória
pélvica, fumo e sobrepeso, porém, atualmente há várias técnicas reprodutivas
que oferecem chances de sucesso no tratamento (BRASIL, 2013).

Segundo Abdelmassih (2001), a esterilidade atinge em torno de 20% dos


casais, e nos últimos anos houve intenso desenvolvimento de tecnologias, drogas
e condições laboratoriais que possibilitam a disponibilização de maiores chances
de sucesso no tratamento deste problema.

Conforme o referido autor, ao conjunto de técnicas que auxiliam o processo


de reprodução humana foi dado o nome de técnicas de reprodução assistida
(TRA), as quais podem ser divididas em métodos de baixa complexidade e de
alta complexidade.

Considerando os princípios do biodireito, é preciso que os médicos optem


por adotar uma das técnicas quando de fato não houver possibilidade de outro
tratamento para contornar a infertilidade, haja visto se tratar de um processo
complexo e que ocasiona expectativas para as partes envolvidas.

24
TÓPICO 2 | BIOÉTICA E A ENGENHARIA TECNOLÓGICA

2.1 INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL


Entre as várias técnicas de reprodução, a inseminação artificial (IA) é a
mais simples, ela consiste na introdução de um esperma no útero da mulher, com
o auxílio de um cateter, sendo que a fecundação ocorre sem interferência humana
e no interior do útero da mulher (ORSELLI, 2006).

É uma técnica que apresenta duas classificações, uma chamada homóloga


e a outra chamada heteróloga. A primeira não gera polêmica, tampouco é
discutida sob o ponto de vista ético, pois o material utilizado pertence ao marido
ou companheiro, já a segunda classificação é controversa, pois o material utilizado
é de um terceiro doador, ou seja, de uma pessoa desconhecida.

A inseminação artificial será utilizada por quem apresenta alguma


disfunção no organismo e que não consegue realizar o sonho da concepção de
gerar filhos naturalmente, mas que possui o desejo latente da maternidade ou
paternidade.

Podemos dizer que o sonho de conceber uma criança não é apenas de


casais heterossexuais, pois atualmente as técnicas estão sendo muito desejadas e
procuradas por casais homoafetivos e pessoas solteiras.

A inseminação artificial foi a primeira técnica de reprodução humana


praticada pelos médicos, sendo que seu sucesso depende do cálculo exato da
ovulação da mulher, uma vez que o material germinativo masculino é introduzido
no útero, necessitando do desenvolvimento natural da gestação, ou seja, a
fecundação ocorre dentro do corpo da mulher (FERRAZ, 2016).

Para Fernandes (2005), essa técnica seria uma maneira de ajudar na


procriação, já que houve insucesso pelo método natural de fecundação humana,
motivada pela impotência masculina, infertilidade da mulher, qualidade do
esperma, ou por alguma inconsistência sexual entre o casal.

2.2 FECUNDAÇÃO IN VITRO


Você já ouviu falar em bebê de proveta? Provavelmente sim, mas pelo
nome científico, talvez você não fosse reconhecer, pois é chamado de fecundação
in vitro, então vamos estudar como é realizado esse método.

A fecundação in vitro, também conhecida pela sigla FIV, consiste na


retirada de espermatozoides do corpo do homem e do óvulo do corpo da mulher.
Dessa forma, são colocados em tubo de ensaio, para que ocorra a fecundação, é
interessante observar que é um método de reprodução fora do ambiente uterino,
mas quando o zigoto é formado, horas depois, ele é colocado no útero de quem
forneceu o óvulo.

25
UNIDADE 1 | QUESTÕES DE BIOÉTICA FRENTE AO AVANÇO TECNOLÓGICO

Prezado acadêmico! Observe a figura a seguir, para entender que a coleta


de óvulos é feita por meio da punção folicular, acompanhado por ultrassom, ou
seja, a agulha de aspiração atravessa o abdômen, a bexiga, o fundo da vagina e
a uretra, onde é aspirado o conteúdo e imediatamente preparado, objetivando a
implantação no útero (FERNANDES, 2005).

FIGURA 13 – COLETA DE ÓVULOS FEITA POR PUNÇÃO FOLICULAR, COM O


AUXÍLIO DO ULTRASSOM

FONTE: Disponível em: <http://www.boavidaonline.com.br/fertilizacao-in-vitro-em-


goiania>. Acesso em: 12 ago. 2017.

Assim como o óvulo precisa de preparo, o espermatozoide também


necessitará de cuidados extras, pois há alguns critérios para sua escolha, por
exemplo, ter uma boa mobilidade e ser um espermatozoide microscopicamente
excelente, para então receber o óvulo em um tubo de ensaio e aguardar a
fecundação e, após esse preparo, transferi-lo ao útero.

Um problema que incomoda grande parte da sociedade, órgãos de proteção


humana e alguns cientistas, é a quantidade de embriões que serão gerados para
implante no útero, pois a recomendação perante a legislação brasileira é de que
sejam implantados no máximo quatro embriões, pois o excesso pode causar
transtornos para a saúde da gestante, como parto prematuro e aborto.

Barroso (2007) aduz que o ideal é que a transferência de embriões para o


útero materno fosse de dois, podendo chegar a três, evitando gravidez de risco,
portanto, os embriões excedentes deverão ser congelados.

26
TÓPICO 2 | BIOÉTICA E A ENGENHARIA TECNOLÓGICA

FIGURA 14 – CHARGE QUE REPRESENTA A IMPLANTAÇÃO DE EMBRIÕES SEM


LIMITAÇÃO DE QUANTIDADE, COM PLENO SUCESSO

FONTE: Disponível em: <http://emip804.blogspot.com.br/2014_02_01_archive.


html>. Acesso em: 12 ago. 2017.

É incrível pensar que há algumas décadas, só havia um entendimento


de que a gestação ocorreria apenas no útero materno e esse pensamento era
consentido por todos, ou seja, somente em filmes futuristas poderia ser pensado
em desenvolvimento de bebês dentro de vidros. Por incrível que pareça, o tempo
passou e isso já é realidade, a medicina está evoluindo a passos largos.

2.3 TRANSFERÊNCIA INTRATUBÁRIA DE GAMETAS


Na transferência intratubária de gametas, conhecida por GIFT, ocorre a
retirada de materiais genéticos do homem, que serão colocados, em seguida, nas
trompas de falópio, onde ocorrerá a fecundação espontânea (ORSELLI, 2006).

Ferraz (2016) também corrobora com este conceito, informando que é uma
fecundação natural, onde o sêmen é introduzido nas trompas de falópio, para que
neste local ocorra o processo de fertilização.

27
UNIDADE 1 | QUESTÕES DE BIOÉTICA FRENTE AO AVANÇO TECNOLÓGICO

FIGURA 15 – REPRESENTAÇÃO DA TRANSFERÊNCIA INTRATUBÁRIA DE


GAMETAS

FONTE: Disponível em: <http://reproducaoassistida.blogspot.com.


br/2013/10/tecnicas-transferencia-intratubaria-de.html>. Acesso em: 12
ago. 2017.

É interessante notar que esta técnica difere da fertilização in vitro, quanto


ao local da fecundação, pois a fertilização in vitro ocorre em tubo de ensaio e a
transferência intratubária de gametas ocorre no próprio corpo da mulher.

Como já estudamos, na fertilização in vitro, normalmente há excesso de


embriões, já neste tipo de fertilização em questão não há excesso de embriões,
portanto, não sofrerão o ato do congelamento, sem saber se um dia serão usados,
assim, esta técnica é bem aceita por casais que não desejam a concepção em
laboratório, por questões morais ou religiosas.

Dessa forma, Camargo (2003) explica exatamente o que acabamos de


estudar, que a GIFT é uma variante da FIV, visando atender sobretudo aos casais
que se debatem com dilemas éticos e morais por motivos religiosos. Para que
a concepção não ocorra num laboratório, mas sim no próprio organismo da
mulher, os óvulos e os espermatozoides são colocadas em um cateter e, então,
depositados nas trompas da paciente, antes da fecundação.

A técnica GIFT se assemelha à da fertilização in vitro na fase de estimulação


da ovulação e coleta dos espermatozoides, sendo que o material é transferido
para uma ou para as duas trompas, por meio de um cateter, onde acontecerá a
fecundação do óvulo. Dessa forma, enquanto a FIV ocorre extracorporeamente,
a técnica GIFT ocorre nas trompas, portanto, no interior do corpo da mulher
(FERRAZ, 2016).

28
TÓPICO 2 | BIOÉTICA E A ENGENHARIA TECNOLÓGICA

3 IMPLICAÇÕES LEGAIS
É importante esclarecer que o termo embrião é empregado para todas as
etapas do zigoto, desde a fecundação do óvulo até o estágio fetal que ocorre na
oitava semana de gravidez. Já a palavra feto é usada após esta fase, quando todos
os principais órgãos estão formados (FERNANDES 2005).

Uma outra questão que merece destaque está em torno dos embriões
excedentes, ou seja, aqueles embriões que não foram transferidos para o útero,
ou seja, os embriões que sobraram em virtude de não apresentarem bons sinais
de desenvolvimento, ou mesmo porque ultrapassaram o número máximo
recomendado para transferência.

Vejamos o que a legislação fala a respeito do embrião, quanto aos limites


traçados pelas normas com relação à experimentação humana.

3.1 PROTEÇÃO JURÍDICA DO EMBRIÃO HUMANO


A ordem legislativa civil reconhece os seres humanos nascidos como
pessoas naturais, protegendo-lhes os direitos. Também preserva os interesses dos
nascituros (concebidos no ventre materno e em vias de se tornarem pessoas, ao
nascerem com vida) e assegura vantagem à denominada prole eventual, que diz
respeito aos seres humanos ainda não concebidos (FERNANDES, 2005).

FIGURA 16 – CHARGE DO EMBRIÃO EM BUSCA DOS SEUS DIREITOS

FONTE: Disponível em: <http://todososdireitosdoembriao.blogspot.com.br>. Acesso em:


12 ago. 2017.

Aqui se instala um contraponto gigante para a sociedade, pois, para muitas


pessoas, não há problema algum se o aborto é realizado no início da reprodução.

29
UNIDADE 1 | QUESTÕES DE BIOÉTICA FRENTE AO AVANÇO TECNOLÓGICO

Prezado acadêmico! Não vamos entrar nessa discussão, só vamos


lançar um questionamento para você refletir, pois a ciência acredita que com a
fecundação se inicia um processo de uma vida, então será que o aborto no início
da vida não deveria ser crime? Deveria ser permitido? E essa vida latente, será
extirpada? E como ficam os direitos perante o código brasileiro desse ser que um
dia teve uma vida muito breve?

Para Diniz (2008), o material celular humano vivo, desde seus primeiros
instantes, já é um ser humano merecedor de proteção jurídica, pelo que é e pelo
que irá ser. É um ser humano em desenvolvimento, distinto de seus genitores,
tendo, desde sua concepção, identidade genética própria e permanente.

A Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida por Pacto de


San José da Costa Rica, de 1969, ratificada pelo Brasil em 1992, em seu art. 4º,
alínea 1 “Direito à vida”, estipula: “Toda pessoa tem o direito de que se respeite
sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento
da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente” (CAMARGO,
2003, p. 73).

Há muito interesse despertando no meio científico, com o objetivo de


não findar as experimentações e investigações científicas, mas, por outro lado,
surgiram conflitos de tamanho vultoso, argumentando ilicitudes que acontecem
na manipulação dessas técnicas.

Conforme destacado por Camargo (2003), as técnicas reprodutivas


são importantes para a sociedade em geral, cada um com sua particularidade
para utilizá-la, dessa forma, essas técnicas não podem ser pormenorizadas pelo
legislador. Como exemplo, podemos citar a primeira alteração significativa
evidenciada pelo novo Código, que foi a substituição do próprio título do
Capítulo II, que antes tratava Da Filiação Legítima, e agora, mais abrangente, trata
simplesmente “Da Filiação”. Tal alteração reflete a determinação constitucional
(art. 227, § 6º) de se afastar qualquer designação discriminatória relativa à filiação.

Reconhecendo essa realidade, o novo Código Civil estabelece em


seu artigo 1.597 a presunção de paternidade em favor dos filhos havidos por
inseminação artificial, mesmo que dissolvido o casamento ou falecido o marido.
Nos casos de concepção artificial homóloga, diz o Código que os filhos daí havidos
presumir-se-ão concebidos na constância do casamento, pouco importando se
a implantação do embrião venha a ocorrer anos após a dissolução do vínculo
conjugal (FERNANDES, 2005).

O CFM (Conselho Federal de Medicina) editou a Resolução nº 1.358,


em 1992, reconhecendo a importância da infertilidade humana como problema
de saúde, com implicações médicas e psicológicas, e a legitimidade do anseio
de superá-la trouxe normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução
humana assistida (FERNANDES, 2005).

30
TÓPICO 2 | BIOÉTICA E A ENGENHARIA TECNOLÓGICA

Para o Conselho Federal de Medicina, as técnicas em questão não podem


ser utilizadas deliberadamente, mas deve haver um diagnóstico concreto, no
sentido de indicar o motivo do impedimento da fecundação por parte do casal,
para então recorrer às técnicas de reprodução humana assistida, a fim de evitar
procedimentos desnecessários e colocar a vida do paciente em risco.

O Código de Ética Médica, no seu art. 46, destaca a importância do


consentimento, que determina o princípio da autonomia, um dos fundamentos
da bioética. Tal consentimento deve ser livre e esclarecido, ou seja, consciente,
sem coação física, moral ou psíquica, e só será admitido depois de fornecidas
todas as informações sobre o tratamento, riscos e probabilidades de sucesso ou
insucesso (CAMARGO, 2003).

Por fim, queremos enfatizar a Resolução do CFM, que dispõe, conforme


mencionado por Almeida Junior (2005, p. 6):

V - CRIOPRESERVAÇÃO DE GAMETAS OU PRÉ-EMBRIÕES


1 - As clínicas, centros ou serviços podem criopreservar
espermatozoides, óvulos e pré-embriões.
2 - O número total de pré-embriões produzidos em laboratório será
comunicado aos pacientes, para que se decida quantos pré-embriões
serão transferidos a fresco, devendo o excedente ser criopreservado,
não podendo ser descartado ou destruído.
3 - No momento da criopreservação, os cônjuges ou companheiros
devem expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino que será
dado aos pré-embriões criopreservados, em caso de divórcio, doenças
graves ou de falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam
doá-los.

Sem dúvida, o assunto reprodução humana assistida originou debates


acirrados entre religiosos, cientistas e a sociedade em geral.

3.2 POSICIONAMENTO DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA FRENTE


ÀS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA
O início da vida de um ser humano é um marco decisivo para a verificação
da legitimidade ou da ilegitimidade moral da manipulação de seres humanos,
qualquer que seja seu estado de desenvolvimento.

Entende-se que a vida humana desponta no próprio momento da


concepção, ou seja, com o início da fertilização ou fecundação, começa uma nova
vida humana, única e irrepetível. Daí os argumentos contra a individualidade do
zigoto e/ou do embrião humano, manejados por aqueles que pretendem utilizá-lo
para experimentação ou eliminá-los por motivos distintos, sem nenhum tipo de
escrúpulos (CAMARGO, 2003).

31
UNIDADE 1 | QUESTÕES DE BIOÉTICA FRENTE AO AVANÇO TECNOLÓGICO

FIGURA 17 – MOMENTO DA FECUNDAÇÃO (ESPERMATOZOIDE E ÓVULO)

FONTE: Disponível em: <https://www.todopapas.com.pt>. Acesso em: 14 ago. 2017.

Conforme Namba (2015), os primeiros limites estabelecidos pelo biodireito


no âmbito de qualquer Estado são os limites traçados pelo Direito Constitucional,
os quais formam a espinha dorsal do biodireito, irradiando-se por todas as
legislações referentes à matéria. Assim, ao estabelecer na Constituição que é
inviolável o direito à vida, à integridade física e à saúde, estes direitos devem
ser respeitados e observados pelas legislações infraconstitucionais, que tratam de
temas relacionados às experimentações científicas.

Por outro lado, quando a mesma Constituição estabelece que é livre o


exercício de qualquer ofício ou profissão, além de garantir o direito à liberdade
de pensamento e de consciência e prática científica, esta Constituição confere
à comunidade médico-científica um limite de ingerência em sua profissão que
igualmente deve ser observado.

A regulamentação médica existente sobre o assunto, a Resolução nº 1.358/92-


CFM, mostra-se insuficiente, haja visto ser uma norma meramente deontológica,
exigindo uma pronta manifestação jurídica, para apreciar os problemas cada vez
mais graves que estão surgindo nesta área (CAMARGO, 2003).

O direito brasileiro contempla os direitos individuais de cada um,


colocando-os a salvo desde a concepção (art. 2º do novo Código Civil). De igual
forma age quando prescreve curador aos concebidos e ainda não nascidos (art.
1.179 do novo Código Civil) e quando coloca o aborto entre os crimes praticados
contra a vida (arts. 124 a 126, Código Penal) (CAMARGO, 2003).

A personalidade civil começa com o nascimento com vida, mas o nascituro


já é um ser individual desde a sua concepção, pois de outra forma o Direito não
teria a preocupação de considerá-lo objeto de tutela do Estado. Já há muito tempo
não se discute a relevância do ser humano para o Direito, tanto que o Código
Penal reconheceu a inviolabilidade da vida fetal ao tipificar o aborto.

32
TÓPICO 2 | BIOÉTICA E A ENGENHARIA TECNOLÓGICA

Contudo, é preciso ter em conta o que afirma Almeida Junior (2005), que
o Direito é um fenômeno social, dessa forma, o avanço legal nunca é pari passu ao
avanço social, pois essa questão de reprodução humana assistida é bem discutida,
entretanto, o Direito ficou ultrapassado por essa temática.

De fato, no mundo este tema das técnicas de reprodução assistida é


discutido há duas décadas, aproximadamente. Alguns países já possuem legislação
satisfatoriamente avançada a respeito, mas no Brasil pode-se dizer que foi iniciada
uma discussão recente, acerca das implicações éticas da reprodução assistida.

Em alguns países houve e continua havendo debates para formar um


consenso a respeito das implicações éticas do desenvolvimento das técnicas
reprodutivas, estabelecendo-se as diretrizes a serem adotadas. Como exemplo
pode-se citar a Declaração Ibero-americana sobre ética e genética, na qual estão
relatados os resultados dos encontros sobre bioética e genética na Espanha em
1996 e na Argentina em 1998, visando alertar os países ibero-americanos acerca da
necessidade de adotarem medidas para incrementar o estudo, desenvolvimento
de projetos de pesquisa e difusão de informações sobre os aspectos sociais, éticos
e jurídicos relacionados à genética humana (FERRAZ, 2016).

Ferraz (2016) acredita que no Brasil há uma situação desenfreada, ou


até mesmo clandestina para a reprodução assistida, realizada por clínicas de
fertilização. Mesmo havendo pouca legislação, o pouco que existe já deveria conter
a reprodução ilimitada, pois assim, ignoram-se os pré-requisitos da reprodução
assistida. Cabe destacar que a ANVISA editou a Resolução nº 33, no ano de 2006, a
qual dispõe sobre o funcionamento dos bancos de células e tecidos germinativos.

O Código Civil de 1916 não tratou da matéria, já o Código Civil de 2002,


embora de forma ainda insuficiente, abordou a questão da reprodução humana
assistida no capítulo referente à filiação.

Especificamente sobre reprodução humana assistida, além do que


expusemos para você, é importante informar que foi aprovada pelo Congresso e
sancionada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 24 de março de
2005, a Lei da Biossegurança, Lei nº 11.105/05.

Lembram de quando falamos da preocupação que a sociedade fomentou


com relação ao que fazer com os embriões excedentes? Aqui temos resposta com
base na Lei nº 11.105, de 2005, pois disciplina alguns assuntos, entre eles, autoriza
o uso de células-tronco de embriões humanos para pesquisa e terapia, além da
liberação para a utilização de células-tronco embrionárias excedentes, resultantes
de embriões humanos produzidos pela FIV.

A Lei nº 11.105/05 assegura a pesquisa com embriões considerados


inviáveis ou congelados, a partir de três anos após sua criação, contados da data
de congelamento. Outra exigência é que, em qualquer dos casos, a pesquisa só

33
UNIDADE 1 | QUESTÕES DE BIOÉTICA FRENTE AO AVANÇO TECNOLÓGICO

poderá ser feita com o consentimento dos pais, que devem assinar termo de
consentimento livre e esclarecido, conforme norma específica do Ministério da
Saúde, que também regulamenta a terapia das células-tronco (BRASIL, 2005).

Dessa forma, mesmo que em passos curtos, o Brasil conseguiu iniciar a


largada com estudos de células-tronco embrionárias humanas, bem como, com
embriões excedentes, assim, esperamos que em um futuro próximo a medicina
traga muitos benefícios à humanidade.

3.3 PROJETOS DE LEI


Mesmo com uma legislação sobre a reprodução humana assistida, ainda
está sendo difícil aparecer legislação referente às técnicas de reprodução assistida,
seja no sentido de proteção do embrião, ou para efetivamente liberação de
pesquisas e experiências com células-tronco e embrião, pois, como estudamos até
aqui, essas questões envolvem a vida e se faz necessário, muitas vezes, eliminar
uma vida (embrião, célula) para salvar muitas outras vidas.

Nesse sentido, alguns projetos de lei (PL) no Brasil foram elaborados, mas
não foram aprovados pela Câmara dos Deputados ou Senado Federal. Vamos
conhecer alguns desses projetos.

O senador José Sarney foi uma das personalidades públicas no cenário


político que apresentou o PL nº 1.184/2003, referente ao destino do embrião,
bem como a doação de gametas que privilegiava tanto a mulheres solteiras,
como casais, previu que o número máximo de embriões produzidos fosse dois e
também possibilitou a quebra de sigilo do doador (MALUF, 2015).

Os projetos de lei são diversos e podemos perceber que os assuntos


são variados, mas eles se complementam, também podemos dizer que alguns
itens com o passar do tempo foram aceitos, porém em partes, como é o caso da
Resolução nº 1358/92 do CFM, permitindo a implantação de no máximo quatro
embriões, conforme já estudamos.

Confúcio Moura, deputado na época, sugeriu o PL 2855/97, que


contemplava o destino do embrião em excesso para ser criopreservado,
autorizando o descarte deles. Assim como José Sarney, ele autorizou a doação de
gametas, mas não mencionou o número máximo de embriões a serem produzidos
e nem mesmo falou quanto à quebra de sigilo do doador em caso de necessidade
clínica (MALUF, 2015).

Interessante foi o PL 120/2003, apresentado pelo deputado na época


Roberto Pessoa, que versou sobre a investigação de paternidade de pessoas
nascidas de técnicas de reprodução assistida. Também não previu o destino do
embrião excedentário, nem quanto ao número máximo de embriões a serem
produzidos, mas previu a possibilidade de quebra do sigilo do doador em caso
de necessidade clínica, privilegiando assim a filiação social.

34
TÓPICO 2 | BIOÉTICA E A ENGENHARIA TECNOLÓGICA

Como já mencionamos, esses projetos de lei não foram aprovados, mas


paralelo a eles, foram surgindo normatizações quanto à reprodução assistida,
sendo que ainda carecemos dessa matéria.

4 PROBLEMAS SOCIAIS CONCERNENTES À APLICAÇÃO


DAS TÉCNICAS REPRODUTIVAS
É válido abordar dois aspectos bastante contemporâneos relacionados à
reprodução humana: a queda das taxas de natalidade e a infertilidade.

Acredita-se que devido à política governamental, houve uma queda


acentuada nas taxas de natalidade no Brasil. Mas nem sempre foi assim, o cenário
era diferente, pois até o século XIX a característica familiar era conceber muitos
filhos, porém, com a entrada dos métodos contraceptivos, como o preservativo
e o anticoncepcional, houve considerável queda do nascimento de crianças,
principalmente nas classes média e alta.

FIGURA 18 – TAXA DE FECUNDIDADE TOTAL: NÚMERO MÉDIO ANUAL DE FILHOS NOS


ESTADOS BRASILEIROS ENTRE 2000 E 2008

FONTE: Disponível em: <http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/idb2012/a05b.htm>. Acesso em: 12


ago. 2017.

35
UNIDADE 1 | QUESTÕES DE BIOÉTICA FRENTE AO AVANÇO TECNOLÓGICO

Pela tabela acima, podemos verificar o que ocorreu, continuando o declínio


das taxas de fecundidade total, com maior intensidade nas regiões Norte e Nordeste.

Como explicam Corrêa et al. (2008), a queda das taxas de fecundidade no


Brasil está relacionada à atuação dos médicos e da medicina, responsáveis pela
instalação de uma potente prática contraceptiva no país.

A medicalização da reprodução, em geral, e da fecundidade, em


particular, se deu no Brasil principalmente através da iniciativa do setor privado
da medicina, seguindo diretrizes determinadas por organismos internacionais
de planejamento familiar, muitas vezes contrárias à posição oficial do governo,
e com o apoio financeiro e logístico da indústria de produtos ligados à saúde
(CORRÊA et al., 2008). Posto isto, constata-se que a bioética, no seu cotidiano,
apresenta novas questões relacionadas à reprodução social.

Por outro lado, tem-se também o problema da infertilidade que assola


muitos casais, pois a impossibilidade de procriação é um obstáculo grave ao
projeto de vida das pessoas.

Por longos períodos da história da humanidade foi retratado que a


mulher era representada como uma figura reprodutiva, que gestava, capaz de
gerar novos seres. Não é difícil de fazermos uma associação com as nossas avós e
bisavós, lembrando que elas se destacavam no lar, pois além de cozinhar e limpar
a casa, ainda geravam filhos e cuidavam deles.

A esterilidade e a infertilidade já aterrorizaram muitas mulheres, mas hoje


sabe-se que são doenças devidamente registradas na Classificação Internacional
de Doenças (pela OMS – Organização Mundial da Saúde) e, como tal, podem ser
tratadas (FERNANDES, 2005).

A respeito desta problemática, Corrêa et al. (2008, p. 72) mencionam que:



Procriar e constituir família são aspectos altamente valorizados em
sociedades como a em que vivemos - e em quase todas as sociedades
humanas a infertilidade é repudiada como um infortúnio. Atualmente,
a procriação se liga não apenas à ideia de felicidade, mas também à
de êxito pessoal. Nesse sentido, na maternidade e na paternidade são
mobilizados traços arraigados das identidades individuais e sociais dos
sujeitos humanos. Por tudo isso, é possível afirmar que a impossibilidade
de reprodução biológica fragiliza de forma importante homens e
mulheres, particularmente aqueles que se encontram em união.

Na verdade, quando a mulher não consegue engravidar pelo método


natural, não se pode partir do princípio de que ela seja infértil, a certeza é constatada
após a consulta médica, com exames específicos, ainda havendo a possibilidade de
engravidar por métodos de reprodução assistida, auxiliando a quebrar a frustração,
acabar com o medo e a insegurança de não conseguir engravidar.

36
TÓPICO 2 | BIOÉTICA E A ENGENHARIA TECNOLÓGICA

Além disso, a reprodução assistida atua diretamente nos anseios


individuais e condutas sociais no campo da reprodução, do casamento e da
família. Finalmente, a aplicação de tal técnica tem consequências que vão além da
terapêutica individual, ao atingir gerações futuras e implicando conceitos como o
do início da vida e o próprio valor da vida humana.

Costa (2005) aduz que com relação às técnicas de reprodução in vitro,


cuja aplicação teve início em 1972, não foi puramente inócua, pois um dos seus
procedimentos usuais resultou:

a) no êxito de um embrião que sobreviveu, por meio da implantação no útero de


até dez embriões;
b) muitos abortos, quantidade expressiva de natimortos e morte neonatal, sem
falar do número alarmante de gravidez ectópica, como questão associada à
gravidez múltipla.

Além disso, foi realizada uma pesquisa no ano de 2002, com publicação no
New England Journal of Medicine, revelando que nos EUA, entre 1996 e 1997, foi
comparado o peso de bebês nascidos via fertilização in vitro com bebês nascidos
naturalmente, e chegou-se à conclusão de que os bebês via fertilização in vitro
teriam duas vezes mais chance de nascerem com baixo peso, ou seja, com menos
de 2,5 kg. (CORRÊA et al., 2008).

Na Austrália foi evidenciado que haveria a possibilidade em dobro de


aparecerem defeitos congênitos, como também cromossômicos, musculares e
ósseos nos bebês, se a mãe utilizasse medicamentos para induzir a ovulação ou
para evitar o aborto nos primeiros meses de gestação (COSTA, 2005).

Em face destes aspectos, sérios problemas de ordem ética e bioética


podem surgir para os médicos, mesmo quando as intervenções são consentidas e
realizadas em nome da autonomia individual.

Dessa forma, muitas surpresas inesperadas e contradições marcam a


reprodução assistida, pois muitos casais anseiam por filhos perfeitos, ou seja,
sem nenhuma patologia ou síndrome, mas tanto a reprodução assistida, quanto
pelo método natural, pode ser uma caixinha de surpresas, no sentido de não se
conseguir perfeição na geração do feto.

37
RESUMO DO TÓPICO 2
Ao final dos estudos do Tópico 2, você, acadêmico, terá compreendido
que:

• O conjunto de técnicas que auxiliam o processo de reprodução humana é


chamado de técnicas de reprodução assistida.

• Entre as várias técnicas de reprodução, a inseminação artificial (IA) é a mais


simples.

• A inseminação artificial foi a primeira técnica de reprodução humana praticada


pelos médicos.

• A fecundação in vitro (FIV) consiste na retirada de espermatozoides do corpo


do homem e do óvulo do corpo da mulher, que são colocados em tubo de
ensaio e posteriormente colocados no útero da mulher.

• A FIV é conhecida popularmente como técnica do bebê de proveta.

• Conforme Resolução nº 1.358/92 do CFM, serão implantados no máximo quatro


embriões no útero, por questões de segurança.

• Na transferência intratubária de gametas, ocorre a retirada de materiais


genéticos do homem, que serão colocados em seguida nas trompas de falópio,
onde ocorrerá a fecundação espontânea.

• A Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil em 1992,


aduz em um de seus artigos que toda pessoa tem o direito de ter sua vida
respeitada, desde o momento da concepção.

• Nossa Constituição Federal de 1988 estabelece que é inviolável o direito à vida,


à integridade física e à saúde.

38
AUTOATIVIDADE

1 Quando falamos na técnica de reprodução, que consiste na retirada de


espermatozoides do corpo do homem, recriando um local artificial para
ocorrer a fecundação e posteriormente implantado no útero, estamos falando
de qual técnica?

( ) Fecundação in vitro.
( ) Clonagem.
( ) Inseminação artificial.
( ) Transferência de células-tronco.

2 A transferência intratubária de gametas consiste na coleta de óvulos do


ovário, que são transferidos imediatamente à trompa, junto com o esperma.
Assinale a alternativa CORRETA, informando de que maneira a fecundação
ocorre:

( ) Fecundação espontânea.
( ) Não ocorrerá fecundação na trompa, pois já é implantado o embrião nas
trompas de falópio.
( ) Fecundação ocorrerá fora do corpo materno, para posteriormente ser
implantado no útero.
( ) A fecundação será induzida por medicamentos que estimulam a ovulação.

3 É de consenso que a vida humana se inicia no momento da concepção, ou seja,


com o início da fertilização ou fecundação, despontando uma nova vida humana,
única e irrepetível. Diante dessa afirmativa, analise as sentenças a seguir:

I – A Constituição estabelece que é inviolável o direito à vida, à integridade


física e à saúde.
II – O Direito brasileiro contempla os direitos individuais de cada um,
colocando-os a salvo desde a concepção.
III – É de consenso na legislação brasileira a implantação de até 10 embriões no
útero, para ocorrer a gestação.
IV – Os estudos apontam que a reprodução humana assistida é 100% segura
e com 100% de chances de ser bem-sucedida, sem intercorrência alguma.

Agora, assinale a alternativa CORRETA:

( ) As sentenças I e II estão corretas.


( ) As sentenças II, III e IV estão corretas.
( ) As sentenças II e IV estão corretas.
( ) As sentenças I e III estão corretas

39
4 A Inseminação artificial foi a primeira técnica de reprodução humana
praticada pelos médicos, considerada um tratamento de baixa complexidade,
ou seja, um método simples de conceber um ser. Diante dessa afirmativa,
explique em quais situações é utilizada essa técnica.

40
UNIDADE 1
TÓPICO 3

BIOÉTICA E A ENGENHARIA GENÉTICA

1 INTRODUÇÃO
Certamente, você tem uma grande noção do que é engenharia,
normalmente se refere à construção de alguma coisa, então você consegue
responder: o que a engenharia genética constrói?

Primeiramente vamos entender o que significa a palavra genética, é uma


palavra de origem latina que deriva de “gene” e significa “origem”, portanto,
engenharia genética significa a engenharia da origem, ou seja, a engenharia da vida.

Engenharia genética consiste em uma técnica para criação do ser humano


em laboratório, com a interferência genética da fecundação, gerando um novo ser
ou até mesmo a criação de células que irão auxiliar no campo da medicina, para
desenvolver tecidos ou órgãos, que ajudarão pessoas que se encontram com sua
saúde debilitada.

Nesta unidade vamos estudar qual a relação entre a genética e a bioética,


a clonagem da ovelha Dolly, que despertou os cientistas para estudos com a
clonagem humana, quais os benefícios que a clonagem humana pode gerar para
o indivíduo e também veremos sobre células-tronco.

Vamos seguir em busca do conhecimento!

2 GENÉTICA COMO NOVA FRONTEIRA DA BIOÉTICA


A preocupação com as questões de ordem ética da genética no campo da
reprodução estão relacionadas à manutenção da vida de maneira natural, pois
muitas vezes se teme a criação de seres humanos “robotizados”, como a criação
de bebês com predisposição a determinadas habilidades ou fenótipos escolhidos
pelos pais.

Você acredita que já existe uma seleção artificial para escolha de


habilidades ou características físicas de futuros bebês? Vamos explicar melhor, já
é possível escolher o sexo do bebê e até características físicas como cor dos olhos,
estatura, inteligência, longevidade, entre outras escolhas, tudo isso através da
engenharia genética.

41
UNIDADE 1 | QUESTÕES DE BIOÉTICA FRENTE AO AVANÇO TECNOLÓGICO

A ideia inicial surgiu no século XX, sendo que os estudos foram


gradativamente se aperfeiçoando, até surgir a biotecnologia moderna, que
posteriormente foi chamada de genômica, que é a área especializada para decifrar
o código genético dos seres vivos.

Antes de surgirem experiências com humanos foram realizados testes com


plantas geneticamente modificadas, e em 1987 foi criada uma espécie de tomate
resistente às pestes, seguido de uma incontrolável disseminação de experimentos
na agronomia, até chegar ao ano de 2003, com o planeta ostentando a cifra de 167,2
milhões de acres de plantas geneticamente modificadas, em 18 países. Desde então,
os avanços biotecnológicos estão cada vez mais espetaculares (DRUMOND, 2005).

FIGURA 19 – SÁTIRA DO TOMATE REPRESENTANDO UM ORGANISMO


GENETICAMENTE MODIFICADO

FONTE: Disponível em: <http://organismostransgenicosogm.blogspot.


com.br/2007/04>. Acesso em: 16 ago. 2017.

UNI

Você sabe o que são organismos geneticamente modificados? São plantas,


frutos, legumes, cujo material genético foi alterado e inserido um novo gene, conferindo ao
organismo novas propriedades, para serem mais proveitosas ao homem.

A saúde consome 85% de todos os investimentos em biotecnologia, assim,


há mais de 370 drogas e vacinas de origem biotecnológica em estudo clínico,
para sua aplicação em seres humanos, objetivando vencer os desafios do câncer,
Alzheimer, diabetes, cardiopatias, esclerose múltipla e AIDS, entre outras doenças
que atingem a humanidade (CORRÊA et al., 2008).

Outros benefícios da aplicação da biotecnologia estão bem próximos a


nós, como exemplo, podemos citar a doação de sangue, em que a biotecnologia
criou kits para identificar se o sangue doado possui vírus ou agentes patogênicos,
conferindo-nos segurança no tratamento hemoterápico.
42
TÓPICO 3 | BIOÉTICA E A ENGENHARIA GENÉTICA

A economia também obteve bons resultados com a aplicação do


conhecimento biotecnológico, preferencialmente no agronegócio, desenvolvendo
plantas resistentes contra pragas e com valor nutricional maior, ocasionando
redução do uso de pesticidas químicos e favorecendo a manutenção da saúde
humana (CORRÊA et al., 2008).

Segundo Corrêa et al. (2008), a inseminação artificial feita em animais


que chegam à nossa mesa para consumo elevou o teor nutritivo tanto da carne,
quanto do leite. Outros exemplos que podemos mencionar são a utilização de
microrganismos para depuração de rios e lagoas, bem como processos industriais
menos poluentes nas áreas têxtil, de papel, entre outras.

Estes exemplos não têm mais do que meio século de desenvolvimento,


mas a potencialidade de transformação da natureza e intervenção no homem vem
causando, a um só tempo, indignações científicas e éticas (DRUMOND, 2005).

Quem sabe, com o surgimento da ovelha Dolly, pela técnica da clonagem,


daqui a alguns anos o meio científico e social acaba aceitando a clonagem humana,
como forma curativa para doenças ou até mesmo como forma de reprodução.

Talvez a população esqueça que a clonagem terapêutica realizada como


forma de produzir tecidos e células, que se transformam em órgãos, não seja mais
vista como comércio e enriquecimento econômico, mas como forma de gerar o
bem-estar de alguém que esteja precisando de uma melhor qualidade de saúde.

O direito à vida começava, assim, “a ser minado pelo direito de propriedade


sobre células, tecidos e órgãos”, como ficou bem evidente a partir do caso John
Moore, que no ano de 1990 perdeu na justiça americana o direito de reaver as
próprias células modificadas (DRUMOND, 2005, p. 10-11).

Corrêa et al. (2008) afirmam que o noticiário internacional do ano 2000


divulgou que centenas de experiências genéticas foram realizadas nos Estados
Unidos, cujos resultados fracassaram. Em alguns casos ocorreu até a morte de
pacientes, mas tudo isto foi mantido em segredo para não causar prejuízo no
financiamento das pesquisas.

Desde o surgimento da ovelha Dolly, deu-se uma bandeirada da largada de


uma inexorável corrida de equipes científicas em direção à vitória final em torno da
clonagem humana. Acontece que após publicações, pelo cientista Ian Wilmut em 2002,
em que afirmou que todos os clones de animais aparecem com alguma deficiência
genética, a clonagem em humanos também teria chances de que ocorressem
deficiências genéticas e físicas, assim, a corrida desenfreada foi desanimando e
perdeu velocidade para experiências com clonagem humana (DRUMOND, 2005).

Segundo relata Drumond (2005), bebês gerados por meio de laboratório,


pelas modernas técnicas de reprodução assistida, têm maiores chances de
nascerem com alguma complicação de saúde, como baixo peso, problemas
cardíacos, distúrbios neuromusculares e até paralisia cerebral, do que os bebês
que são concebidos pelo modo natural de fecundação.
43
UNIDADE 1 | QUESTÕES DE BIOÉTICA FRENTE AO AVANÇO TECNOLÓGICO

A intervenção na vida humana tem gerado questionamentos à sociedade,


pois ao mesmo tempo que se busca o progresso da medicina, ela se depara com
questões éticas e reflexões que geram ambiguidade de opiniões. A solução talvez
fosse o avanço da engenharia genética, com a preservação do ser humano, em
qualquer fase em que exista vida, portanto esse avanço é esperado com anseio.
Certamente, os cientistas e pesquisadores chegarão nesse patamar, então
estaremos satisfeitos e com corações agradecidos.

3 CLONAGEM HUMANA
Em 1993 foi a primeira vez que se ouviu falar em clonagem humana, porém,
a sociedade não foi receptiva a esta experiência, mesmo com o argumento de que
seria apenas mais uma técnica no rol de possibilidades de fertilização in vitro, e
assim, o assunto não vigorou. Porém, em 1997, quando foi noticiado o primeiro
mamífero clonado, a ovelha Dolly, fez ressurgir a ideia da clonagem humana.

UNI

A ovelha Dolly nasceu em 5 de julho de 1996 e seu nome foi uma referência à
cantora norte-americana Dolly Parton.

O cientista que deseja projetar essa forma de procriação, na verdade,


espera a formação de uma cópia do modelo in natura que está usando, ou seja, um
tipo de criação sem o progenitor masculino, também conhecida por clone, pois é
necessário somente a manipulação do óvulo e a colocação de suas características
genéticas no núcleo do gameta feminino.

Camargo (2003) corrobora com essa ideia, explicando que no caso da


clonagem humana, a ideia estaria condicionada à retirada do núcleo de uma célula
somática, de qualquer tecido, em seguida seria inserido o núcleo num óvulo e, por
fim, no útero. O resultado dessa técnica seria um ser com as mesmas características
que o doador, ou seja, do sujeito em que foi retirada a célula somática.

Já estudamos várias técnicas, porém, a que mais desperta curiosidade e


também gera polêmica, discussão, críticas e preocupação, é a clonagem humana,
porque inicialmente é difícil de compreender que só existe uma célula e que vai
gerar uma cópia idêntica ao seu progenitor, com a mesma carga genética, com as
mesmas características e com o mesmo fenótipo do genitor, sem haver nenhum
tipo de atividade sexual, muito menos a participação de um espermatozoide.

Vamos descobrir que existem dois tipos de clonagem, a reprodutiva e a


terapêutica, as quais vamos entender e distinguir cada uma delas.

44
TÓPICO 3 | BIOÉTICA E A ENGENHARIA GENÉTICA

3.1 CLONAGEM REPRODUTIVA


Ela é considerada uma técnica de clonagem reprodutiva, conhecida por
cientistas e doutrinadores como uma técnica de reprodução, pois utiliza o embrião
como ponto de partida, sendo vista como a técnica mais polêmica.

Namba (2015) explica que a proposta seria de retirar o núcleo de uma


célula somática, que poderia ser de qualquer tecido, tanto de criança, quanto de
adulto, inseri-lo num óvulo e implantar em um útero.

FIGURA 20 – ESQUEMA DA CLONAGEM REPRODUTIVA

Óvulo sem núcleo

Fusão Útero

Embrião com células


Núcleo da célula totipotentes
somática retirada
do dador

Clone com corpo idêntico ao dador,


mas com personalidade diferente

FONTE: Disponível em: <http://www.culturamix.com/cultura/curiosidades/tudo-sobre-


clonagem>. Acesso em: 16 ago. 2017.

Agora acadêmico! Você vai entender por que é uma técnica polêmica, pois
o objetivo é um tanto ousado, uma vez que ela tem o intuito de formar um novo
ser humano geneticamente idêntico a outro. A motivação, neste caso, seria ajudar
casais inférteis ou que perderam um filho e gostariam de ter outro igual.

Diniz (2008) afirma que a Organização Mundial da Saúde se impôs e


impediu a clonagem humana, em seguida da divulgação da clonagem da ovelha
Dolly, pois certamente iria ferir o princípio da dignidade humana. Assim, não
apenas o Brasil foi alertado, mas outros países também, inclusive surgiram
medidas jurídicas para impedir este ato.

É interessante destacar que esta autora não é favorável à abolição das


pesquisas genéticas, pelo contrário, ela é a favor da ideia de que as pesquisas
sejam realizadas para o bem comum da sociedade e voltadas aos princípios da
dignidade humana, mas com a implantação de legislações, quando envolverem
experimentos com seres humanos, principalmente neste caso.

45
UNIDADE 1 | QUESTÕES DE BIOÉTICA FRENTE AO AVANÇO TECNOLÓGICO

3.2 CLONAGEM TERAPÊUTICA


Namba (2015) afirma que essa técnica de clonagem terapêutica consiste
na remoção do núcleo de um ovo doado, que é reprogramado com uma pequena
porção de material genético do receptor e assim há formação de uma cópia genética.

O óvulo não é colocado no útero, ao invés disso, esse óvulo é dividido no


laboratório e a partir desse procedimento, a célula poderá ser usada para fabricar
tecidos diferentes. Dessa forma, a expectativa é que no futuro haja possibilidade
de serem utilizados em vários tratamentos, pois atualmente só se consegue
reproduzir células com as mesmas características do tecido do qual foram
retiradas, portanto, se for célula cardíaca, só poderá ser utilizada no coração.

Namba (2015) traz uma questão importante, informando que nesse tipo de
clonagem, não se gera um clone idêntico ao progenitor, mas a diferença está no
resultado final da clonagem, pois o objetivo é criar somente tecidos em laboratório,
para posteriormente salvar vidas, como um transplante de órgãos, por exemplo.

Essa técnica permite a produção somente de tecidos, sem implantação no


útero. Isso significa dizer que não se clona um feto, para posteriormente retirar
alguns órgãos. Existe o lado bom e o lado ruim desta técnica, pois a parte favorável
é que se estaria livrando uma pessoa de algum sofrimento relacionado à saúde,
amenizando assim a dor do indivíduo; por outro lado, para algumas pessoas da
sociedade, estaria sendo interrompida a formação de uma vida, pois para salvar
uma vida se teria que sacrificar outra.

Existe também a clonagem terapêutica não reprodutiva, já que os embriões


são clonados com o propósito de obter células-tronco. Cientistas acreditam que
essas células indiferenciadas têm potencial para se transformar em qualquer uma
das 220 espécies de célula do corpo humano e podem ser cultivadas para uso
em transplantes e no tratamento de doenças degenerativas, assim, como seriam
obtidas a partir de um embrião clonado do próprio paciente, não haveria risco de
rejeição (CAMARGO, 2003).

Como percebemos, a clonagem terapêutica tem seu espaço favorável


dentro do campo da genética, pois apresenta aspectos bem favoráveis para
o tratamento de muitos indivíduos, porém, é uma técnica que requer muita
pesquisa antes de ser aplicada no tratamento clínico.

4 HISTÓRIA DA OVELHA DOLLY


Quem nunca ouviu falar na ovelha Dolly? Certamente é o animal mais
famoso do mundo, pois foi o primeiro mamífero clonado, por meio de uma
técnica de clonagem.

46
TÓPICO 3 | BIOÉTICA E A ENGENHARIA GENÉTICA

Essa técnica é denominada de Transferência Nuclear de Células Somáticas,


sendo retirado o núcleo de uma célula, que não foi óvulo e nem espermatozoide,
ou seja, foi uma célula retirada da glândula mamária e implantada em um óvulo
não fecundado, ao qual previamente se retirou o núcleo (EXAME, 2016).

Prezado acadêmico! Esse assunto é bem complexo, mas vamos esclarecê-


lo, para que você entenda como tudo aconteceu.

Para tentar explicar de uma maneira mais simples, o processo funcionou


da seguinte maneira: foi separado o núcleo da célula de um animal adulto, então,
pegou-se um segundo óvulo não fertilizado sem núcleo de um segundo animal e
por meio de uma faísca elétrica, houve a fusão da célula do pai com o óvulo vazio,
produzindo um embrião que foi implantado numa terceira ovelha e dessa nasceu
a Dolly, verifique através do esquema essa explicação.

FIGURA 21 – CLONAGEM DA OVELHA DOLLY

FONTE: Disponível em: <https://projetonaturando.wordpress.com/curiosidades/


clonagem/o-caso-pioneiro-da-ovelha-dolly>. Acesso em: 17 ago. 2017.

Dolly teve uma vida normal e até deu à luz a alguns filhotes, entretanto,
viveu por seis anos, pois foi vítima de uma infecção pulmonar. Como não havia
possibilidade de um bom prognóstico, em 2003 ela foi sacrificada, para amenizar
seu sofrimento (EXAME, 2016).

47
UNIDADE 1 | QUESTÕES DE BIOÉTICA FRENTE AO AVANÇO TECNOLÓGICO

A clonagem da Dolly foi um marco na história da ciência, e mesmo


não dando prosseguimento à clonagem humana, pois ainda é uma área cheia
de dúvidas e incertezas, sua importância foi retratada à produção de novos
medicamentos e estudos para combater doenças.

5 CÉLULAS-TRONCO
Além de estudarmos várias formas de reprodução, ainda precisamos
entender o que são células-tronco, você tem algum palpite? Elas são células que
conseguem se transformar em outros tecidos, outros órgãos, e assim, auxiliam no
tratamento de muitas doenças que acometem uma infinidade de indivíduos.

FIGURA 22 – CHARGE PARA COMPREENDER QUE CÉLULAS-TRONCO SÃO


CÉLULAS QUE TÊM A CAPACIDADE DE SE TRANSFORMAR EM OUTROS
TECIDOS DO CORPO, COMO OSSOS, NERVOS, MÚSCULOS E SANGUE

FONTE: Disponível em: <http://celulatronco2011.blogspot.com.br/2011/06/


definicao-celula-tronco.html>. Acesso em: 17 ago. 2017.

As células-tronco são conhecidas por células-mãe, esse nome é sugestivo, pois


é um tipo de célula que consegue ajudar seus semelhantes, possuindo a capacidade
de se dividir e originar células semelhantes às progenitoras. Elas conseguem se
transformar em tecidos do corpo, como ossos, sangue, músculos e nervos.

Conforme Maluf (2015), a utilização dessas células é diferente entre os


países, pois em alguns deles a sua utilização para investigação e tratamento
médicos é permitida, já para outros é terminantemente proibida. No Brasil, o
Supremo Tribunal Federal autorizou as pesquisas com células-tronco e a Lei de
Biossegurança é que rege a sua prática.

48
TÓPICO 3 | BIOÉTICA E A ENGENHARIA GENÉTICA

No dia 24 de março de 2005, a Lei de Biossegurança foi aprovada pelo


Congresso, depois pelo Senado e sancionada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula
da Silva. A legislação disciplina o plantio e a comercialização de organismos
geneticamente modificados (OGMs), também conhecidos como produtos
transgênicos, autorizando o uso de células-tronco de embriões humanos para
pesquisas (BRASIL, 2005).

Por meio dessa legislação, fica autorizada a utilização de células-tronco


embrionárias para fins de pesquisa e terapia, dos embriões que não foram
implantados no útero materno, resultantes de fertilização in vitro.

É importante destacar que, mesmo sendo uma descoberta brilhante, ainda


há pesquisadores que buscam a cura para algumas patologias, como: doenças
cardiovasculares, neurodegenerativas, diabetes, acidentes vasculares e cerebrais,
por meio de células-tronco, porém ainda há a barreira que a sociedade e órgãos
impõem, por acarretar destruição da vida do ser humano em estágio inicial, pois
as células embrionárias que não são utilizadas não sobrevivem com as pesquisas.

As células-tronco também são chamadas de células pluripotentes ou


embrionárias e possuem a capacidade de se transformar em qualquer tipo de
célula adulta, são encontradas no embrião com quatro a cinco dias de vida,
observe na figura a seguir (IPCT, 2013).

FIGURA 23 – CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS E ADULTAS

FONTE: Disponível em: <http://celulastroncors.org.br>. Acesso em: 17 ago. 2017.

49
UNIDADE 1 | QUESTÕES DE BIOÉTICA FRENTE AO AVANÇO TECNOLÓGICO

Depois desse período de quatro a cinco dias, as células do embrião são


consideradas adultas e já apresentam estruturas complexas, como coração e
sistema nervoso em desenvolvimento, ou seja, as células já se especializaram e
não podem ser consideradas células-tronco (IPCT, 2013).

FIGURA 24 – REGIÃO CIRCULADA SÃO AS CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS

FONTE: Disponível em: <http://celulastroncors.org.br/celulas-tronco-2>.


Acesso em: 17 ago. 2017.

50
RESUMO DO TÓPICO 3
Parabéns, você chegou no final deste tópico e desta unidade com
sucesso, ampliando seus conhecimentos para que, no futuro, possa utilizá-los
com segurança, portanto, você é capaz de saber que:

• O primeiro teste em campo, de uma planta geneticamente modificada, foi


realizado em 1987, com uma espécie de tomate resistente a vírus.

• No ano 2000 foi divulgado que centenas de experiências genéticas foram


realizadas nos Estados Unidos, cujos resultados fracassaram, mas foi mantido
em segredo para não causar prejuízo no financiamento das pesquisas.

• Em 2002 foi publicado que todos os animais clonados no mundo apresentam


deficiências genéticas e físicas.

• Crianças concebidas em laboratório, pelas modernas técnicas de reprodução


assistida, têm mais chance de nascer com alguma complicação de saúde, do
que os bebês que são concebidos pelo modo natural.

• Em 1993 foi a primeira vez que se ouviu falar em clonagem humana.

• A clonagem é uma forma de reprodução assexuada, baseada num único


patrimônio genético, e é realizada de maneira artificial.

• Há dois tipos de clonagem, a reprodutiva e a terapêutica.

• Clonagem reprodutiva consiste em retirar o núcleo de uma célula somática,


que poderia ser de qualquer tecido, inseri-lo num óvulo e implantar em um
útero.

• Clonagem terapêutica consiste na remoção do núcleo de um ovo doado, ao


invés de se colocar o óvulo no útero, esse óvulo é dividido em laboratório e
nessa fase a célula pode ser utilizada para fabricar diferentes tecidos.

• Células-tronco conseguem se transformar em tecidos do corpo, como ossos,


sangue, músculos e nervo.

51
AUTOATIVIDADE

1 Quando se fala em retirar o núcleo de uma célula somática e posteriormente


inserir esse núcleo em um óvulo, para implantá-lo em um útero, que
funcionaria como uma barriga de aluguel, estamos falando de qual tipo de
reprodução?

( ) Clonagem.
( ) Transferência de células-tronco.
( ) Inseminação artificial.
( ) Transferência intratubária de gametas.

2 Explique a diferença entre clonagem reprodutiva e clonagem terapêutica.

3 Quando falamos que um tipo de célula encontrada no embrião humano


possui um poder de diferenciação celular de outros tecidos, transformando-
se em vários órgãos, auxiliando no tratamento de muitas doenças que
acometem uma infinidade de indivíduos, estamos falando de qual tipo de
célula?

( ) Células-tronco embrionárias.
( ) Células hematopoiéticas.
( ) Células nervosas.
( ) Células cancerígenas.

4 A ovelha Dolly foi produzida artificialmente em laboratório, a partir de uma


célula da mama de uma ovelha adulta, portanto, não houve cruzamento e
nem inseminação artificial, com códigos genéticos iguais, ou seja, tudo foi
duplicado. Diante dessa consideração, analise as sentenças a seguir:

I – O surgimento da ovelha Dolly favoreceu o estudo para a clonagem humana.


II – A ovelha Dolly foi o primeiro mamífero clonado por meio de uma técnica
denominada: transferência nuclear de células somáticas.
III – Dolly morreu devido a uma infecção pulmonar.
IV – Todos os animais clonados no mundo apresentam deficiências genéticas
e físicas.

Agora, analise a alternativa CORRETA:

( ) As sentenças I, II, III, IV estão corretas.


( ) As sentenças II, III e IV estão corretas.
( ) As sentenças I e II estão corretas.
( ) As sentenças II e IV estão corretas.

52
UNIDADE 2
INTERFACE DOS DIREITOS HUMANOS
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir desta unidade, você será capaz de:

• assimilar o conceito de direitos humanos;

• compreender que os direitos humanos estão relacionados à condição de


vida do homem;

• elencar quais são os direitos humanos;

• aprender como os direitos humanos surgiram;

• citar a classificação dos direitos humanos;

• aprender a importância dos pactos e declarações de direitos humanos;

• assimilar a relação entre as questões sociais e a bioética;

• saber que a bioética está relacionada à ética e à biotecnologia;

• entender que a dignidade da pessoa humana é a base da própria existência


do Estado brasileiro;

• saber sobre as questões conflitantes que se chocam com o direito à vida;

• compreender o que significa exclusão social;

• estudar sobre questões relacionadas à homossexualidade que geram


discussões.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos, em cada um deles, você encontra-
rá atividades que o auxiliarão na compreensão dos conteúdos apresentados.
Os três tópicos desta segunda unidade permitem conhecer os direitos huma-
nos relacionados à bioética.

TÓPICO 1 – BIOÉTICA À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS

TÓPICO 2 – BIOÉTICA E DIREITOS HUMANOS: DELINEANDO O BIO-


DIREITO

TÓPICO 3 – AVANÇOS TECNOLÓGICOS E DIGNIDADE DA PESSOA


HUMANA: DESAFIOS E PERSPECTIVAS BIOÉTICAS

53
54
UNIDADE 2
TÓPICO 1

BIOÉTICA À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, seja bem-vindo a esta caminhada para estudar e
entender a bioética e os direitos humanos, presentes no nosso dia a dia. 
  
A finalidade deste estudo é para que você receba as informações e
construa seu próprio conhecimento referente ao tema central, para que consiga
discutir o significado de biodireito, dentro do novo mundo moderno e rico em
biotecnologias, visando o aprimoramento para sua trajetória profissional.

O biodireito é considerado um ramo recente do Direito que se preocupa


com as normas que regulam a conduta humana, diante do avanço da medicina e
biotecnologia, com vistas à preservação da dignidade humana. 
 
Veremos que as declarações  e pactos em prol dos  direitos
humanos  tiveram  uma importância enorme na luta contra a opressão e a
discriminação, defendendo a igualdade entre as pessoas e reconhecendo os
direitos do ser humano. 
 
Os conteúdos que permeiam esta unidade  dizem respeito à  evolução
histórica, direitos e garantias fundamentais, classificação dos direitos humanos e
principais declarações de direitos humanos. 
 
Vamos aos estudos! 

2 DIREITOS HUMANOS
Vamos falar em direitos humanos, pensando no homem pré-histórico.
Naquela época, ele morava em cavernas e caçava com instrumentos rudimentares.
O que fez ele mudar de vida? Quem sabe foi a necessidade de caçar animais
maiores e, para isso, ele precisou improvisar outros instrumentos potentes e
cortantes, para que sua caçada fosse eficaz.

Direitos essenciais para uma vida melhor são o “combustível” para


o homem evoluir e isso fica evidente com o passar dos séculos, pois o ser
humano demonstrou a pretensão de conquistar direitos para sua sobrevivência,
subsistência, relação social, posição financeira, enfim, a busca dos direitos
humanos para sua própria proteção.

55
UNIDADE 2 | INTERFACE DOS DIREITOS HUMANOS

2.1 CONCEITO
Antes de conceituarmos direitos humanos, vamos começar estabelecendo
uma diferenciação entre eles e os direitos fundamentais, pois são facilmente
alinhados em um só plano. É fácil de explicar, porém, fácil de confundir, a diferença
primordial é que os direitos humanos são reconhecidos em nível internacional,
enquanto que direitos fundamentais é um termo aplicado aos direitos humanos
positivados em um determinado texto constitucional (DALLARI, 2004).

Podemos entender que os direitos humanos são compreendidos como um


aglomerado de direitos, que são indispensáveis à vida, calcados na liberdade,
igualdade e dignidade, sendo indispensáveis a uma vida digna.

É difícil fazer um rol especificando os direitos essenciais para uma vida


digna, as necessidades humanas mudam de acordo com o contexto histórico, pois
novas perspectivas sociais sempre aparecem, para serem incluídas aos direitos
humanos.

Para Dallari (2004), a expressão “direitos humanos” está relacionada à


condição de vida do homem, pois sem eles a pessoa não consegue existir, ou seja, são
as necessidades essenciais da pessoa humana. Tratam-se daquelas necessidades
que são iguais para todos os seres humanos e que devem ser atendidas para que
a pessoa possa viver com a dignidade que deve ser assegurada a todas as pessoas.

Comparato (2009) também considera que os direitos humanos são como


os direitos do homem, uma vez que sua condição é característica da própria
condição do ser humano, não necessitando depender de grupos ou indivíduos.

Conforme Ramos (2017), os direitos humanos representam valores


essenciais que são explicita ou implicitamente retratados nas constituições ou
em tratados internacionais. Eles podem aparecer no rol dos direitos consagrados
pela Constituição Brasileira de 1988, ou mesmo que não sejam expressos, eles são
indispensáveis para a promoção da dignidade humana.

Vale ressaltar quais são os direitos humanos fundamentais consagrados


pelo sistema jurídico brasileiro: direito à vida, direito à privacidade, direito de
igualdade, direito de liberdade, direito de propriedade, direito à saúde, direito
à educação, direito à cultura, direito à moradia, direito ao lazer, direito ao meio
ambiente e direito à segurança.

Vários autores conceituam direitos humanos, a maioria deles apresenta a


mesma definição, porém, alguns complementam informações. Para Bobbio (2004,
p. 1):
Direitos humanos, democracia e paz são três momentos necessários
do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos
e protegidos não há democracia; sem democracia, não existem as
condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos.

56
TÓPICO 1 | BIOÉTICA À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS

Alguns doutrinadores preferem conceituar os direitos humanos baseados


no conceito jusnaturalista, assim, Benevides (2009, p. 48) diz que:

Os direitos humanos são aqueles direitos da pessoa considerados tanto


em seu aspecto individual, como comunitário, que correspondem à
sua própria natureza (espiritual, corporal e social) e que devem ser
reconhecidos e respeitados por todo poder e autoridade, inclusive as
normas jurídicas positivas, cedendo às exigências do bem comum.

Filho (2012, p. 20) diz que fazendo um compilado de ideias dos autores,
entende-se que os direitos humanos são um conjunto de direitos, positivados ou
não, com o objetivo de “assegurar o respeito à dignidade da pessoa humana,
por meio da limitação do arbítrio estatal e do estabelecimento da igualdade nos
pontos de partida dos indivíduos, em um dado momento histórico”.

FIGURA 25 – CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS

Conjunto de direitos

DIREITOS HUMANOS Respeito à dignidade da pessoa humana

Limite ao arbitrio e estabelecimento de igualdade


dos pontos de partida

FONTE: Disponível em: <https://www.saraiva.com.br/direitos-humanos-fundamentais-15-


ed-2016-9329269.html>. Acesso em: 28 ago. 2017.

Já estudamos que a crescente evolução da medicina, atrelada à descoberta


de novos experimentos e pesquisas, gera efeitos tanto no presente, quanto no
futuro para o ser humano. Diante dessa afirmação, podemos entender que
necessitamos da proteção e dignidade de vida, decorrente do rumo que as
pesquisas científicas estão apontando.

2.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA


Não há um ponto exato que delimite o nascimento de uma disciplina
jurídica, na verdade, há procedimentos que delimitam normas e regras que
disciplinam uma nova área do direito, que são os direitos humanos. Então,
acadêmico, vamos entender a evolução desses direitos.

57
UNIDADE 2 | INTERFACE DOS DIREITOS HUMANOS

Você já pensou no assunto? Você sabe como os direitos humanos surgiram?


Eles foram surgindo gradativamente, à medida que a sociedade necessitou de
regras para justificar sua segurança e seu bem-estar. Entretanto, seu cerne foi a
luta contra a opressão, baseando-se no lema de justiça, igualdade e liberdade.

O termo liberdade e igualdade não lembra algo? Provavelmente, você


pensou o que a maioria das pessoas pensam: Revolução Francesa. E isso tem a ver
com o tema em questão? Certamente sim, veremos no decorrer do nosso estudo.

Para Kinchescki (2006), os direitos humanos são direitos que aparecem


gradativamente das lutas que o homem trava por sua própria emancipação e
das transformações das condições de vida que essas lutas produzem, e enquanto
direitos históricos, podem sofrer alterações de conceito ou incorporação de
características.

Podemos perceber que os direitos humanos decorrem diretamente do


desenvolvimento histórico da humanidade, resultado da luta acirrada do homem
em busca de seus direitos, em busca de suas conquistas e necessidades básicas.

Para Ramos (2017), a evolução histórica dos direitos humanos passou


por fases que, ao longo dos séculos, auxiliaram a sedimentar o conceito e o
regime jurídico dos direitos essenciais. A ideia inicial desses direitos apareceu
nos primeiros escritos do homem, no século VIII a.C., e foi evoluindo até o
século XX d.C., portanto, são mais de 28 séculos rumo à afirmação universal dos
direitos humanos, que têm como referencial a Declaração Universal dos Direitos
Humanos de 1948.

Você conhece o ciclo da vida? Esse assunto já vimos na época do colégio.


Na verdade, o ser humano nasce, vive e morre, isso é um fato concreto. E isso
tudo acontece em épocas distintas, portanto, com esse exemplo, podemos dizer
que é difícil utilizar conceitos de uma época para avaliar ou julgar fatos de outra.

Podemos caracterizar essa fala com a ideia de Ramos (2017, p. 33), quando
diz que:

Essas diversas fases conviveram em sua época respectiva, com institutos


ou posicionamentos que hoje são repudiados, como a escravidão, a
perseguição religiosa, a exclusão das minorias, a submissão da mulher,
a discriminação contra as pessoas com deficiências de todos os tipos,
a autocracia e outras formas de organização do poder e da sociedade
ofensivas ao entendimento atual da proteção de direitos humanos.

Kinchescki (2006) corrobora com essa ideia, pois acredita que o homem
não era privilegiado por direitos garantidores de segurança, basta lembrar dos
pensamentos de Platão quando falava que o estatuto da escravidão era considerado
algo natural, além disso, uma seleta quantidade de pessoas possuía capacidade

58
TÓPICO 1 | BIOÉTICA À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS

para dirigir um Estado, sendo que bastava aos desprivilegiados a obediência total
aos hierárquicos. Aristóteles concordava e também defendia que a condição de
escravo era natural, ficando seus direitos tolhidos, sem direito a nenhum tipo de
participação na cidade.

Na Idade Média, o reconhecimento dos direitos humanos fundamentais


ainda não alcançava a todos indistintamente, estando restrito a determinados
grupos de pessoas, em especial a nobreza e o clero, mas já se observavam
limitações ao poder do soberano, essencialmente no que diz respeito ao poder
de tributar. Existiam, nessa época, traços de proteção da dignidade humana, mas
não direitos humanos, conceito que surgiu com o início da era moderna.

Os direitos humanos nasceram de acordo com a necessidade que o homem


tinha de se especializar, de se afirmar como membro na sociedade, inserido em
uma comunidade ou grupo social. Assim, podemos compreender que os direitos
humanos surgiram em uma escala progressiva de conquistas, de maneira lenta,
mas ascendente, século após século, superando desafios, mas sempre com foco
no seu crescimento humano.

Bobbio (2004) também acredita que os direitos humanos são históricos e


eles nascem no início da era moderna, juntamente com a concepção individualista
da sociedade, e tornam-se um dos principais indicadores do progresso histórico.

A evolução histórica consegue mostrar que os direitos humanos aparecem


de forma gradativa e normalmente surgem quando o ser humano identifica quais
são os problemas que podem perturbar sua tranquilidade, assim, se levanta em
busca de seus objetivos.

Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos


conquistados ao longo da história, em cada contexto social e econômico, ou seja,
são os direitos nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em
defesa de novas liberdades contra velhos poderes e nascidos de modo lento, mas
não todos ao mesmo tempo (BOBBIO, 2004).

Bobbio (2004, p. 26) explica a questão de que os direitos não nascem todos
de uma vez, ou seja, nascem quando o aumento do poder do homem sobre o
homem cria novas ameaças à sua integridade física e mental, ou ainda, quando
“permitem novos remédios para as suas indigências, ameaças que são enfrentadas
através de demandas de limitações do poder”, esses remédios são uma forma de
fazer uma analogia, pois se os remédios curam enfermidades, então haverá uma
forma de proteção ao homem.

Os direitos humanos são considerados universais, mas limitados em


relação à sua eficácia, pois são aqueles que, segundo a teoria realista (mais aceita
entre as definições dos direitos fundamentais), foram historicamente construídos
ao longo da necessidade do homem e adquiridos sob o entendimento de que eles
são princípios básicos para o adequado funcionamento social.

59
UNIDADE 2 | INTERFACE DOS DIREITOS HUMANOS

Conforme Sarlet (2015), as primeiras declarações que asseguravam


direitos humanos foram criadas na Inglaterra:

• Petition of Rights, de 1628


• Habeas Corpus Act, de 1679
• Bill of Rigths, de 1689

FIGURA 26 – PARLAMENTO INGLÊS NA ÉPOCA DE GUILHERME III, PROCLAMADO


REI EM 1689, DEPOIS DE TER ASSINADO A BILL OF RIGHTS

FONTE: Disponível em: <https://guiadelinksblog.wordpress.com>. Acesso em: 28


ago. 2017.

Vários direitos surgiram com essas declarações, o poder monárquico


começou a ser limitado e houve ampliação de liberdades civis na Inglaterra.
Mas foi no século XVIII que ocorreu a proposição das declarações aos direitos
humanos, o termo “direitos naturais” deu origem à expressão “direitos humanos”
(SARLET, 2015).

Comparato (2009) contribui informando que a Declaração de Independência


Americana de 1776 auxiliou no aparecimento dos direitos humanos na História,
protegendo os direitos de liberdade e igualdade.

Agora, caro acadêmico, vamos resgatar a ideia inicial quando falamos em


Revolução Francesa, pois ela foi importantíssima, em várias etapas da história,
para estabelecer o surgimento de uma nova fase de consolidação dos direitos
humanos, estabelecendo garantias contra a ação do poder hierárquico, ampliadas
a todos as pessoas, independentemente da classe social em que estão constituídas.

É interessante destacar que as barbáries perpetuadas contra os cidadãos,


por Hitler e Stálin, não significaram apenas uma chacina e violência contra o ser
humano, mas também estavam no limite de violar a paz mundial.

60
TÓPICO 1 | BIOÉTICA À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS

Foi nesse contexto que um novo código internacional foi elaborado para
ser empregado a qualquer ser humano, em qualquer parte do mundo, a partir daí
esses direitos passaram a ser inerentes ou inalienáveis e, assim, não poderiam ser
reduzidos ou negados por qualquer motivo (KINCHESCKI, 2006).

FIGURA 27 – ENTRADA DOS TRENS QUE LEVAVAM PRISIONEIROS AO CAMPO DE


CONCENTRAÇÃO EM AUSCHWITZ

FONTE: Disponível em: <https://pt.slideshare.net/crie_historia9/campos-de-


concentrao>. Acesso em: 28 ago. 2017.

Referente à questão dos direitos humanos, com vistas ao desenvolvimento


do Direito Internacional, foi claro o rompimento de quebra das barreiras e limites
geográficos, para sistematizar as normas que envolvem a segurança e o bem-estar
do homem, voltados à proteção dos direitos humanos.

Surge uma nova concepção, em que o direito constitucional aceita os


princípios internacionalmente reconhecidos, “pautando-se no caráter axiológico
dos direitos humanos fundamentais. Assim, o Estado deixa de ficar alheio aos
princípios universais instituídos pela comunidade internacional e os incorpora
em seus ordenamentos jurídicos através das suas constituições” (KINSCHESCKI,
2006, p. 50).

Dessa forma, a Constituição de cada Estado não pode permanecer


indiferente frente aos princípios internacionais dispostos na Declaração de 1948,
marcando a história dos direitos humanos, na constitucionalização do Direito
Internacional (KINSCHESCKI, 2006).

61
UNIDADE 2 | INTERFACE DOS DIREITOS HUMANOS

2.3 CARACTERÍSTICAS
Há várias características encontradas de forma esparsa na doutrina,
porém, vamos citar as que nomeamos serem as mais importantes:

a) Historicidade – Os direitos humanos podem ser vislumbrados em uma


sequência cronológica, portanto, como já comentamos, eles surgem
gradativamente e de acordo com a época, foram agregando valores históricos,
para a harmonização da sociedade.

O rol de direitos humanos não se finda por si mesmo, ou seja, sempre


está suscetível à entrada de novos direitos, conforme a evolução e necessidade da
sociedade. É importante esclarecer que um ponto importante nessa característica
é a proibição do retrocesso, não é possível tirar um direito ou garantia, mas existe
permissão de substituí-lo, mas nunca retirar sem oferecer outro melhor.

Um exemplo de proibição do retrocesso está assegurado no art. 60, § 4º,


inciso IV, da Constituição, que proíbe o legislador de propor emenda constitucional
para abolir os direitos e garantias individuais.

b) Inalienabilidade – significa dizer que os direitos humanos são intransferíveis,


inegociáveis e indisponíveis, portanto, não podem ser objeto de quaisquer
negociações. Isso cabe, por exemplo, ao interesse de vender um órgão, sendo a
vida indisponível, não há possibilidade de executar essa transação, pois além
de ser crime, fere o princípio da inalienabilidade.

FIGURA 28 – PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS

FONTE: Disponível em: <http://catalogo.egpbf.mec.gov.br>. Acesso em: 28


ago. 2017.

62
TÓPICO 1 | BIOÉTICA À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS

c) Imprescritibilidade – Vamos explicar esse item através de um exemplo, que


é a violação dos direitos humanos por meio da tortura. Se em algum país a lei
interna julga prescrição, pela lei maior (dos direitos humanos internacionais)
ela será imprescritível e será julgada a qualquer tempo, por meio de recurso aos
tribunais internacionais. Assim, podemos entender que os direitos humanos
não estão sujeitos à prescrição.

d) Irrenunciabilidade – os direitos humanos não podem ser renunciados por seu


titular, o indivíduo não pode dispor como bem entender, entretanto, o STF tem
admitido a renúncia em alguns casos específicos de intimidade e privacidade.

Dessa forma, Alexandrino e Vicente (2008) oferecem um exemplo de


renúncia temporária para elucidar:
[...] o que ocorre nos programas de televisão conhecidos como
reality shows (Big Brothers Brasil, por exemplo), em que as pessoas
participantes, por desejarem receber o prêmio oferecido, renunciam,
durante a exibição do programa, à inviolabilidade da imagem, da
privacidade e da intimidade.

3 CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS


Após a Segunda Guerra, as potências vencedoras, principalmente os
EUA e a URSS, que eram aliadas, tornaram-se rivais e o mundo ficou dividido
em liberais e comunistas. Os liberais pensavam que os direitos humanos fossem
impedir a intervenção do Estado, em busca da democracia. Já os favoráveis ao
socialismo acreditavam que não seria impossível atingir a igualdade social.

Nesse ínterim, o indivíduo foi relegado a segundo plano, pois o foco era a
relação entre os entes soberanos, mas, felizmente, a ONU deu uma reviravolta no
sistema vigente da época e os direitos humanos começaram a ganhar notoriedade.

Filho (2012) conta que em 1979, um jurista tcheco, Karel Vasak, foi
convidado para ministrar uma palestra sobre direitos humanos na França, e para
sua apresentação ficar atraente, traçou um paralelo entre os direitos humanos e a
bandeira francesa. Assim, associou o azul que seria a cor da liberdade, o branco
que representaria a igualdade e o vermelho retrataria o valor da fraternidade ou
solidariedade.

Assim, conseguimos perceber que esse jurista iniciou sua palestra


apresentando uma classificação para os direitos humanos através das gerações,
levando em consideração o momento histórico.

A respeito da discussão referente à classificação dos direitos humanos,


foi  Bobbio  quem “batizou” as gerações dos direitos humanos, ao afirmar que
a evolução dos direitos do homem passou por três fases, que são três gerações
clássicas, entretanto, posteriormente foram surgindo outras gerações, com
classificação de outros autores, os quais veremos em seguida.

63
UNIDADE 2 | INTERFACE DOS DIREITOS HUMANOS

Acadêmico, agora vamos entender cada uma delas:

3.1 DIREITOS HUMANOS DE 1ª GERAÇÃO


A primeira geração envolve os conhecidos direitos de liberdade, que são
direitos ditos como os de prestações negativas, em que o Estado deve assegurar a
esfera de autonomia do indivíduo. São também chamados de direitos de defesa,
pois protegem o sujeito contra intervenções indevidas do Estado.

O indivíduo era tolhido de vários direitos, inclusive seu espaço de atuação


era bem delimitado, e não havia liberdade para fazer o que bem entendesse,
enquanto que o Estado era bem estruturado diante do modo de organização.
Esses direitos de 1ª geração que foram conquistados são conhecidos como direito
de liberdade individual, sendo eles: os direitos à liberdade, igualdade perante a
lei, propriedade, intimidade e segurança, traduzindo o valor de liberdade.

Castilho (2012, p. 25) também corrobora com esse entendimento, quando


diz que:

Consideram-se, nessa primeira geração, as tentativas de limitação do


poder do Estado (quase sempre representado pelo rei). Os direitos
humanos de primeira geração constituem a defesa do indivíduo diante
do poder do Estado, e definem as situações em que o Estado deve
se abster de interferir em determinados aspectos da vida individual
e social. São as chamadas liberdades públicas negativas ou direitos
negativos, eis que implicam a não interferência do Estado.

Portanto, os direitos humanos de primeira geração suscitam na abstenção


do Estado, proporcionando aos indivíduos um direito de oposição contra as
atuações dele. Dessa forma, temos os direitos à vida, à liberdade, à propriedade
e à igualdade perante a lei. Também fazem parte dessa geração “os chamados
direitos políticos, de modo que é praxe dizer que a primeira geração compreende
os direitos civis e políticos, além de algumas garantias, como o direito de petição
e o habeas corpus” (CASTILHO, 2012, p. 28).

3.2 DIREITOS HUMANOS DE 2ª GERAÇÃO


De acordo com Ramos (2017), essa geração retrata a modificação da
atuação do Estado, conferindo-lhe um forte papel ativo, além de mero fiscal das
regras jurídicas. Esse papel ativo, que protegia os direitos humanos de primeira
geração, era observado anteriormente com desconfiança, pois era tido como uma
ameaça aos direitos do indivíduo.

64
TÓPICO 1 | BIOÉTICA À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS

Contudo, sob a intervenção das doutrinas socialistas, Ramos (2017, p. 52)


diz que:
Foi constatado que a inserção formal de liberdade e igualdade em
declarações de direitos não garantia a sua efetiva concretização,
o que gerou movimentos sociais de reivindicação de um papel
ativo do Estado para assegurar uma condição material mínima de
sobrevivência.

A Revolução Industrial foi o ponto alto para a criação dos direitos humanos
de segunda geração, pois conforme já estudamos, além de os trabalhadores
serem substituídos por máquinas que eles não sabiam nem operar, eles estavam
trabalhando em condições insalubres, assim, a classe trabalhadora começou a
exigir direitos sociais que fomentassem o respeito à dignidade.

Para Castilho (2012), essa segunda geração de direitos tem o objetivo de


garantir a igualdade entre os seres humanos, com a intervenção do Estado, no
sentido de diminuir as desigualdades existentes, desejando que todos tenham as
mesmas oportunidades e vivam em condições dignas.

3.3 DIREITOS HUMANOS DE 3ª GERAÇÃO


Os direitos humanos de terceira geração são aqueles relacionados à
sociedade: direito ao desenvolvimento, à paz, direito à autodeterminação e ao
meio ambiente equilibrado, conhecidos por direitos de solidariedade. Essas
ideias são advindas da observação feita, através do desequilíbrio entre o homem
e o planeta, da divisão desigual de riquezas, miséria e ameaças à sobrevivência
da espécie humana, fatores que desencadearam o surgimento dos direitos de
terceira geração.

Esses direitos são conhecidos por direitos de fraternidade ou de


solidariedade, podemos nomeá-los como: direito à paz, ao desenvolvimento, ao
patrimônio, à autodeterminação dos povos, à comunicação e ao meio ambiente
(RAMOS, 2017).

A questão de solidariedade se torna bem importante para a sociedade,


pois objetivava um ambiente saudável, serviços públicos excelentes, respeito à
diversidade, proteção de quem estava numa condição inferior estabelecida pela
sociedade e uma boa qualidade de vida para gozar.

Nesse sentido, Castilho (2012, p. 21) nos ensina que os direitos humanos
de terceira geração:

65
UNIDADE 2 | INTERFACE DOS DIREITOS HUMANOS

Constituem-se basicamente de direitos difusos e coletivos. Em regra,


revelam preocupações com temas como meio ambiente, defesa do
consumidor, proteção da infância e da juventude e outras questões
surgidas a partir do desenvolvimento industrial e tecnológico, como
autodeterminação informativa e direitos relacionados à informática.

Até aqui estudamos os direitos de 1ª, 2ª e 3ª geração, com relação à terceira


geração, foi Karel Vasak que reconheceu a existência desses direitos. Ele utilizou,
como parâmetro, a tríade de valores da Revolução Francesa, liberdade, igualdade
e fraternidade (RAMOS, 2017).

Fazendo um resumo até aqui, vimos que nos direitos de primeira geração
prevaleceu o valor da liberdade, associado aos direitos civis, políticos e religiosos,
todos considerados direitos do indivíduo. Posteriormente, encontram-se os
direitos de segunda geração, relacionando-os ao valor da igualdade, como: direitos
econômicos, sociais e culturais, cuja titularidade está relacionada à coletividade.
Numa terceira etapa constam os direitos de terceira geração, ligando-os aos
valores de fraternidade, através dos direitos ao desenvolvimento, meio ambiente
equilibrado e conquista da paz.

FIGURA 29 – TRÍADE DOS VALORES DA REVOLUÇÃO FRANCESA

FONTE: Disponível em: <http://portal.mec.gov.br>. Acesso em: 30 ago. 2017.

Veja a seguir, de maneira esquematizada, os pontos centrais dos direitos


de primeira, segunda e terceira geração, na visão de Bobbio, para posteriormente
prosseguirmos nossos estudos com a introdução de outros direitos.

66
TÓPICO 1 | BIOÉTICA À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS

FIGURA 30 – GERAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS

1ª Geração 2ª Geração 3ª Geração

Revolução Revolução Modernidade


Momento
Francesa Industrial sec. XX
Histórico
sec. XVIII sec. XIX

Direitos de Liberdade
Direitos de igualdade Direitos de
-Ir e Vir, Prisão
- direitos sociais, Fraternidade -
Legal, Juiz natural,
culturais, econômicos. Direitos difusos.
Direitos Integridade física,
Direitos trabalhistas, Direitos do
Tutelados liberdade de expressão,
Direitos coletivos. consumidor,
religiosa, etc. Direitos
Estado deve fazer - ambientais, direito à
Negativos - Estado
Direitos prestacionais. paz, etc.
deve abster- se de fazer.

Evolução do Estado Social -


Estado Liberal Estado Social
Estado democrático

FONTE: Disponível em: <http://www.portalconscienciapolitica.com.br/direitos-humanos>.


Acesso em: 30 ago. 2017.

3.4 DIREITOS HUMANOS DE 4ª E 5ª GERAÇÃO


Ramos (2017) retrata que vários autores defendem o nascimento de uma
quarta geração de direitos humanos, esses direitos estão relacionados aos direitos
de participação democrática, bioética e restrições à manipulação genética, calcados
na defesa da dignidade da pessoa humana, sendo desfavoráveis às intervenções
estatais e de particulares.

Não são todos os autores que discorrem sobre a existência da quarta


geração, mas um ponto é bem evidente, eles não surgiram para substituir os
direitos já existentes, mas para complementá-los. Assim, não há dúvidas de que
necessitamos de direitos que decorrem da superação de um mundo que está em
constante evolução, principalmente, em avanços biotecnológicos.

Filho (2012) também concorda com o apontamento do surgimento de uma


quarta geração de direitos, que seriam os direitos referentes aos problemas éticos
ligados às inovações tecnológicas, como a biotecnologia. Dessa forma, a nova visão
seria de se ter um direito voltado à preservação do patrimônio genético humano.

67
UNIDADE 2 | INTERFACE DOS DIREITOS HUMANOS

Alguns autores acreditam que essa geração ainda não está firmada, não se
concretizou completamente, pois há alguns assuntos polêmicos que não possuem
respaldo para o seu desenvolvimento, como direitos à bioética e direitos de
informática.

Para Bonavides (2000), os direitos de quarta geração estão correlacionados


à institucionalização do Estado Social, que são nomeados como: o direito à
democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo.

Bonavides (2000) acrescenta uma quinta geração, cujos direitos englobam


o direito à paz em toda a humanidade. Pesquisas feitas na internet acreditam que
o autor incluiu esse direito a partir do ataque terrorista às torres gêmeas em Nova
York, no dia 11 de setembro de 2001, que matou muitas pessoas inocentes, e a
partir dessa crueldade, teria promovido o direito à paz.

Com a evolução dos direitos, alguns autores reconheceram a existência


de mais uma geração de direitos, porém, ainda há muita controvérsia nessa
classificação, apesar de se acreditar que eles não vão se findar nessa classificação,
pois com o passar dos séculos e com o avanço das conquistas tecnológicas,
surgirão outros neste rol.

Os direitos humanos de quinta geração surgiram como os demais direitos,


através das necessidades humanas que se apresentam com o tempo, assim,
destacam-se os direitos da realidade virtual, da informática e da internet.

É interessante verificar a opinião de Sarlet (2015) com relação à classificação


de quarta e quinta geração, para ela é desnecessária essa classificação, pois a quarta
geração trata sobre a bioética, que está vinculada ao direito à vida, que estaria
englobando os direitos de primeira geração; já o de quinta, trata a respeito da
cibernética e informação, que poderia ser encaixado na terceira geração de direitos.

4 PACTOS E DECLARAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS

4.1 PACTO DE SAN JOSE DA COSTA RICA


A Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, de 22 de novembro de
1969, adotada pelos Estados-membros da OEA, em São José (Costa Rica), só entrou
em vigor em 18 de julho de 1978, visando à reinstituição da Comissão Interamericana
e a instituição da Corte Americana de Direitos Humanos. Como esse pacto foi adotado
e assinado na Costa Rica, em São José, adquiriu esse nome, sendo popularmente
conhecida como Pacto de San José da Costa Rica (FILHO, 2012).

68
TÓPICO 1 | BIOÉTICA À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS

FIGURA 31 – LOCALIZAÇÃO DA COSTA RICA

FONTE: Disponível em: <http://althistory.wikia.com/wiki/File:Mapa-america.


png>. Acesso em: 4 set. 2017.

Kinchescki (2006) diz que na conferência em que foi assinado o Pacto


de San José da Costa Rica, os Estados signatários reafirmaram o propósito de
consolidar na América, dentro do quadro das instituições democráticas, um
regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos direitos
humanos essenciais.

Assim, a pessoa humana foi reconhecida como um indivíduo com


direitos internacionais, pois os direitos não surgem pelo fato de estarem ligados
a determinada nacionalidade, mas sim, do fato de terem como fundamento os
atributos da pessoa humana, motivo pelo qual procede a proteção internacional.

Apesar de a Convenção Americana de Direitos Humanos ter entrado em


vigor somente em 1978, ela demorou muito para ser assinada no Brasil. Conforme
Piovesan (2016), o ato ocorreu em 25 de setembro de 1992 e o nome do país consta
no art. 74 dessa convenção, que diz:

69
UNIDADE 2 | INTERFACE DOS DIREITOS HUMANOS

Segundo dados da Organização dos Estados Americanos, dos 35


Estados Membros da OEA, 25 Estados são hoje partes da Convenção
Americana: Argentina, Barbados, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia,
Costa Rica, Dominica, Equador, El Salvador, Granada, Guatemala,
Haiti, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Peru,
República Dominicana, Suriname, Trinidad e Tobago, Uruguai e
Venezuela (PIOVESAN, 2016, p. 230).

Portanto, 25 Estados ratificaram a Convenção até os dias atuais, porém, convém


ressaltar que os Estados Unidos e o Canadá ainda não ratificaram a Convenção. Os
EUA assinaram, mas não ratificaram, e o Canadá, nem um nem outro.

Vamos entender o que a Convenção aborda no seu preâmbulo, pois traz


uma abordagem geral na constituição do seu corpo, no que diz respeito aos
direitos humanos, portanto, no pensamento de Ramos (2017, p. 294) consta que:

Os direitos essenciais da pessoa humana derivam não da nacionalidade,


mas sim da sua condição humana, o que justifica a proteção internacional,
de natureza convencional, coadjuvante ou complementar da que oferece
o direito interno dos Estados. Ressalta-se também que o ideal do ser
humano livre, isento do temor e da miséria, só pode ser realizado
se forem criadas condições que permitam a cada pessoa gozar não
só dos seus direitos civis e políticos, mas também dos seus direitos
econômicos, sociais e culturais.

A Convenção Americana estabelece um rol de direitos civis e políticos,


semelhantes ao previsto no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos.
Segundo Piovesan (2016), dentre este universo de direitos assegura-se o direito à
personalidade jurídica, à vida, liberdade da escravidão, à privacidade, à liberdade
de religião, proteção judicial, entre outros.

Esses direitos são defendidos por dois órgãos que auxiliam nas questões
ligadas aos direitos humanos, previstos no Pacto de San José da Costa Rica,
esses órgãos são a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte
Interamericana, instituídos pelo Pacto de San José da Costa Rica, inserido na
Parte II, dessa convenção.

Conforme Ramos (2017), o Pacto de San José da Costa Rica possui 82


artigos, divididos em três partes: a primeira parte aborda os deveres dos estados
e direitos protegidos; a segunda parte fala dos “meios de proteção” e a terceira
parte, sobre as “disposições gerais e transitórias”.

Essa convenção assegurou direitos que devem ser resguardados com


máxima prioridade, afastando, de plano, as desigualdades sociais e políticas e
asseverando as garantias mínimas de dignidade.

70
TÓPICO 1 | BIOÉTICA À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS

4.2 PROTOCOLO DE SAN SALVADOR


Esse protocolo adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos
aborda matéria de direitos econômicos, sociais e culturais, cuja finalidade é de
ajustar os assuntos à necessidade da sociedade (KINCHESCKI, 2006).

Conhecido por Protocolo de São Salvador, foi assinado em 17 de novembro


de 1988, já o Brasil aderiu e ratificou ao Protocolo em 1996, entrando em vigor em
16 de novembro de 1999 (KINCHESCKI, 2006)

Para você ter noção de como o protocolo é formado, vamos tentar explicar
que ele é formado por 22 artigos, que estão dispostos da seguinte maneira: (i)
obrigações dos Estados (arts. 1º a 3º), (ii) restrições permitidas e proibidas e seu
alcance (arts. 4º e 5º), (iii) direitos protegidos (arts. 6º a 18), (iv) meios de proteção
(art. 19), disposições finais (arts. 20 a 22).

No seu preâmbulo, aborda a estreita relação entre os direitos econômicos,


sociais e culturais, com os civis e políticos, “uma vez que as diferentes categorias
de direito constituem um todo indissolúvel que protege a dignidade humana,
sem ocorrer a violação de um, a pretexto de outros” (RAMOS, 2017, p. 306).

Vamos dar uma breve descrição de alguns artigos, não que os demais
sejam insignificantes, muito pelo contrário, todos possuem seu valor e seu
reconhecimento, mas escolhemos alguns para você ter noção do conteúdo do
Protocolo de San Salvador.

Castilho (2012) informa que o artigo primeiro estabelece que os Estados-


membros têm a obrigação de adotar medidas, tanto de ordem interna como
por meio da cooperação entre os estados, principalmente de ordem técnica e
econômica, até ao maior limite de recursos disponíveis e levando em consideração
seu grau de desenvolvimento, para chegar na plena efetividade dos direitos
estabelecidos neste Protocolo.

O art. 9º oferece garantia quanto à previdência social, oferecendo proteção


quanto às consequências da velhice e da incapacitação física ou mental, para aquela
pessoa que não conseguir desenvolver sua atividade laboral. No caso de morte
do beneficiário, estabelece-se que as prestações da previdência social beneficiarão
seus dependentes, para a gestante a concessão de licença remunerada, antes e
depois do parto (RAMOS, 2017).

O art. 10 oferece garantia à saúde a qualquer pessoa, sendo que para


efetivar esse direito, o Protocolo determina que os Estados o reconheçam como
bem público, através de medidas para sua garantia, como: atendimento básico de
saúde; vacina para as principais doenças infecciosas; prevenção e tratamento das
doenças endêmicas; educação sobre a prevenção (RAMOS, 2017).

71
UNIDADE 2 | INTERFACE DOS DIREITOS HUMANOS

Dentre outros assuntos constantes nos artigos, ainda podemos destacar


direito à greve, a um meio ambiente sadio, previdência social, proteção da família,
à alimentação, benefícios da cultura, proteção à criança, às pessoas idosas e aos
deficientes.

Esse protocolo identifica que os direitos essenciais do homem têm como


fundamento os atributos da pessoa humana, motivo que justificam um refúgio
internacional de natureza convencional, sendo um instrumento de direitos
sociais no Sistema Interamericano, onde os Estados se comprometem a adotar as
medidas necessárias para a garantia dos direitos firmados.

4.3 DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS


Com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinada em 1948,
deu-se início ao movimento moderno dos direitos humanos. É bom esclarecer
que a Declaração não é um tratado, mas uma Resolução, assim, não passou pelo
procedimento de ratificação, que é comum nos tratados internacionais.

Esta declaração estipulou uma listagem de direitos que estariam


disponíveis a serem titulados, ou seja, desfrutados por qualquer pessoa. A alta
hierarquia, a alta cúpula, na verdade, o Estado maior, não conseguia governar
conforme sua vontade soberana e interesses, deixando o interesse referente aos
direitos humanos do homem para a sociedade, comunidade, para todos os povos.

No preâmbulo desta declaração, coloca a dignidade da pessoa humana


em uma posição especial, voltada à noção de liberdade, de justiça e de paz à
humanidade, também estabelece as necessidades especiais como direito que toda
a pessoa tem, independentemente de qualquer diferença.

Também contempla a ética para o mundo, trazendo valores referentes aos


direitos humanos, incorporando os direitos civis, políticos, sociais, econômicos e
culturais, oferecendo um up grade para a época, elencando os direitos e liberdades
fundamentais.

Ramos (2017) diz que a primeira parte da declaração evidencia o direito à


vida e à integridade física, a proibição da tortura, da escravatura e de discriminação
(racial), o direito de propriedade, o direito à liberdade de pensamento, consciência
e religião, o direito à liberdade de opinião e de expressão e à liberdade de reunião.
A segunda parte demonstra o direito à segurança social, o direito ao trabalho, o
direito à livre escolha da profissão e o direito à educação.

72
TÓPICO 1 | BIOÉTICA À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS

UNI

Para conhecer todos os direitos que constam na Declaração Universal dos


Direitos Humanos, você pode acessar: <http://www.onu.org.br/img/2014/09/DUDH.pdf>.

Interessante destacar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos


garante, no seu art. I, que todos os homens nascem livres e iguais em dignidade
e direitos, com razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com
espírito de fraternidade.

“Com a Declaração Universal de 1948, os homens tornaram-se sujeitos de


direito internacional, adquiriram a cidadania mundial e são titulares do direito de
exigir o respeito aos direitos humanos perante o seu Estado” (BOBBIO, 2004, p. 117).

A Declaração Universal de Direitos Humanos é um marco internacional


referente a vários direitos humanos, sendo que após a sua assinatura, muitos
tratados, pactos e convenções foram realizados por vários países, garantindo o
tema principal e central, calcado nos direitos humanos.

Para Bobbio (2004), essa declaração abriu caminho para o crescimento da


comunidade internacional, com o intuito de transformá-la num Estado, e fazer
com que o homem seja livre. Pela primeira vez, os princípios fundamentais que
conduzem a conduta humana foram aceitos pela maioria da sociedade.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos contém 30 artigos,


formando um documento de caráter universal, que tem o objetivo de proteger os
direitos de homens, mulheres e crianças em todo o mundo, independente de raça,
cor ou credo religioso, e contempla vários assuntos relacionados a uma qualidade
de vida digna ao ser humano.

Encontramos na Constituição Federal de 1988 a previsão de vários


direitos e garantias, que estão contemplados na Declaração Universal de Direitos
Humanos, podemos citar o artigo 5º caput da CF: “Todos são iguais perante a
lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à igualdade, à
segurança e à propriedade” (RAMOS, 2017, p. 216).

73
RESUMO DO TÓPICO 1
Nesta unidade, estudamos que:

• Os direitos humanos são entendidos como um aglomerado de direitos, que são


intrínsecos à vida.

• Na Idade Média, o reconhecimento dos direitos humanos fundamentais ainda


não alcançava a todos indistintamente, estando restrito a determinados grupos
de pessoas, em especial, a nobreza e o clero.

• Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos


conquistados ao longo da história.

• O rol de direitos humanos não se finda por si mesmo, ou seja, sempre está
suscetível à entrada de novos direitos.

• Os direitos humanos aparecem quando o homem se conscientiza dos problemas


que possam incomodar sua paz.

• A Convenção Americana sobre os Direitos Humanos foi adotada e assinada na


Costa Rica, em São José, adquirindo o nome de Pacto de San José da Costa Rica.

• O Protocolo de San Salvador, adicional à Convenção Americana sobre Direitos


Humanos, aborda matéria de direitos econômicos, sociais e culturais.

74
AUTOATIVIDADE

1 Explique o que você entendeu por direitos humanos.

2 Os direitos humanos estão em evidência social, diante de inúmeros


acontecimentos que acabaram denegrindo a integridade do ser humano,
porém, sua importância está no âmago da efetivação de uma sociedade
igualitária. Diante dessa afirmativa, assinale a alternativa correta:

( ) Os direitos humanos surgiram à medida que a sociedade necessitou de


normas para garantia da segurança e bem-estar.
( ) Os direitos humanos surgiram somente no século XX.
( ) Os direitos humanos não são aplicáveis à classe alta, pois a situação
financeira ameniza qualquer injustiça social.
( ) Os direitos humanos foram apenas um conceito utópico, pois não
representaram mudanças significativas na sociedade.

3 Com relação à evolução histórica dos direitos humanos, podemos dizer que:

( ) Os direitos humanos surgiram gradativamente, de acordo com o


desenvolvimento histórico da humanidade.
( ) Os direitos humanos apresentaram apenas uma faceta, ou seja, surgiram
com o preconceito da diversidade de gênero.
( ) A universalização dos direitos humanos é utopia, pois eles surgiram apenas
no Oriente Médio e depois se expandiram para a Europa.
( ) A superioridade humana, independente de ética ou moral, foi reconhecida
como fator importante na evolução histórica.

4 Explique qual foi a importância para a sociedade com a assinatura do Pacto


de San José da Costa Rica.

5 O Protocolo de San Salvador ampliou vários direitos aos que já existiam


na Convenção Americana de Direitos Humanos. Diante dessa afirmativa,
assinale os direitos sociais contemplados nesse Protocolo.

( ) Direito à greve.
( ) Direito ao acesso a alimentos transgêneros.
( ) Direito de liberdade sem privação.
( ) Direito à libertinagem.

75
76
UNIDADE 2 TÓPICO 2

BIOÉTICA E DIREITOS HUMANOS: DELINEANDO O


BIODIREITO

1 INTRODUÇÃO
A bioética e os direitos humanos são aliados e têm o objetivo de buscar
condutas e valores que a sociedade entende como essenciais para a convivência
humana com equilíbrio e com respaldo no princípio da dignidade humana.

Estudaremos questões referentes à bioética e biodireito, qual a relação da


bioética com o direito, conceito e princípios do biodireito.

Veremos que a desigualdade social está presente em vários países e no


Brasil ela é um problema que afeta grande parte da população, tendo como causas
a falta de acesso à educação de qualidade, salários baixos, péssimos serviços de
saúde, segurança e saneamento.

Em decorrência da má distribuição de renda, a desigualdade social


ocupa um lugar significativo no país, o Brasil está entre os 15 países com
maior desigualdade no mundo, sendo que as consequências são a pobreza,
marginalização, desnutrição, violência, desemprego, miséria, favelização, entre
outros exemplos que poderíamos citar.

Vamos estudar as atrocidades que aconteceram durante a Segunda Guerra


Mundial, quando milhões de pessoas foram mortas, pois o que importava para
o ditador Adolf Hitler era a prevalência da raça pura alemã, vamos perceber
os elevados índices de crueldade com o ser humano, ferindo os princípios
dos direitos humanos, porém esse massacre sangrento foi importante para a
internacionalização dos direitos humanos.

Outro elemento importante foi a criação da ONU em 1945, que por meio
da assinatura da Carta das Nações Unidas, foi estabelecido o ideal da manutenção
da paz e da segurança internacional. Já em 1948 foi assinada a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, que instituía a universalização desses direitos
e, finalmente, compreenderemos a internacionalização dos direitos humanos.

Bons estudos!

77
UNIDADE 2 | INTERFACE DOS DIREITOS HUMANOS

2 POBREZA E QUESTÕES SOCIAIS DA BIOÉTICA


Você já deitou com fome em virtude de um regime? Ou por que
momentaneamente não tinha alimento algum do seu interesse para comer? Ou
até mesmo, por algum motivo momentâneo, não havia comida em casa? Qual foi
o seu sentimento? Pois então, mesmo passando por esta situação, provavelmente,
você é uma pessoa privilegiada, por não estar na linha da miséria. A revista Exame
(2016) informa que todos os dias, mais de 850 milhões de pessoas vão se deitar
com fome, entre elas, 300 milhões são crianças, sendo que a cada cinco segundos,
uma delas morre de fome.

FIGURA 32 – TRISTE IMAGEM DE UMA CRIANÇA TENTANDO SOBREVIVER À


DESNUTRIÇÃO

FONTE: Disponível em: <http://haber.sol.org.tr>. Acesso em: 7 set. 2017.

Cerca de seis milhões de crianças morrem a cada ano pela fraqueza de seu
sistema imunológico causada por fome e desnutrição, o que as torna incapazes de
superar doenças infecciosas curáveis, como diarreia, sarampo e malária (REVISTA
EXAME, 2016).

Você consegue imaginar aonde está a bioética nesse contexto? A bioética


está relacionada diretamente com o desenvolvimento humano, portanto, é difícil
relacionar a bioética aos países subdesenvolvidos, pois não há desenvolvimento
humano diante da miserabilidade de uma sociedade.

A pobreza influencia negativamente os direitos econômicos, sociais e


culturais, pois não está alinhada ao bem-estar do ser humano, a qualidade de vida
que possa eventualmente desfrutar, assim, a bioética é incapaz ou insuficiente
para proporcionar bons impactos nas sociedades desprivilegiadas.

78
TÓPICO 2 | BIOÉTICA E DIREITOS HUMANOS: DELINEANDO O BIODIREITO

No Brasil ficou estipulado que a diferenciação entre pobres e extremamente


pobres está baseada no indexador, que é o salário mínimo, assim, a família com
renda per capita de meio salário mínimo é considerada pobre e a família com
renda per capita de um quarto do salário mínimo é considerada extremamente
pobre (REVISTA EXAME, 2016).

O padrão de pobreza não está baseado apenas nos aspectos econômicos,


mas sim nos meios de desfrutar uma vida digna e integral, assim, uma pessoa
é considerada pobre se não possui acesso à educação, saúde, diversão, lazer,
segurança, ou seja, de possuir recursos indispensáveis para exercer os direitos
elementares e constitutivos de cidadania social, considerando instrumentos de
melhoria da qualidade de vida.

FIGURA 33 – CHARGE EXEMPLIFICANDO A DESIGUALDADE SOCIAL

FONTE: Disponível em: <https://br.pinterest.com>. Acesso em: 5 set. 2017.

Em meio a um cenário social e econômico catastrófico dos países


subdesenvolvidos, muitas mulheres, homens e crianças acabam vendendo
seus corpos em troca de dinheiro, a chamada prostituição. Há séculos essa
atitude foi condenada pela sociedade, vista pela Igreja como uma porta para o
inferno sem volta, hoje essa atitude continua mal vista, porém, há casos que são
compreensíveis, mas dignos de intervenção social, quando atingem a venda do
corpo para assegurar a sobrevivência nesta sociedade.

A prostituição se dissipou pelo mundo e isso remonta desde a época antes


de Cristo. Para Carvalho, (2000, p. 96), na Bíblia há algumas menções de mulheres
que eram penalizadas quando tinham relação sexual fora do casamento, o autor
cita o livro de Deuteronômio 22:21, que menciona: “ela será levada à porta da casa
do seu pai e ali os homens da sua cidade a apedrejarão até a morte. Ela cometeu
um ato vergonhoso em Israel, prostituindo-se enquanto estava na casa de seu pai”.

79
UNIDADE 2 | INTERFACE DOS DIREITOS HUMANOS

Na visão de Carvalho (2000), para cada país há uma conotação diferente,


com um olhar diferente à prostituição, bem como a maneira de encarar o trabalho
sexual, sendo que uma das principais causas do ingresso na prostituição é a
miséria econômica no país. Nos Estados Unidos, o contexto estaria ligado à opção
por um trabalho independente, já na França está relacionada à ingenuidade das
mulheres, onde a prostituição acontece de maneira astuta, dificultando a saída da
prostituta do negócio comercial.

A desigualdade de renda e de riqueza é um grande problema social,


repercutindo na qualidade de vida do homem, pois o priva de recursos como saúde,
alimentação, educação, gerando doenças, marginalidade e óbitos. São diferenças
injustas que acontecem tanto em nível nacional e internacional, onde, muitas vezes,
a bioética não consegue alcançar este cenário de desigualdade global.

Conforme a Figura 10, é possível interpretar e visualizar as classes sociais


através da pirâmide de renda.

FIGURA 34 – PIRÂMIDE DE RENDA NO BRASIL

FONTE: Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/colunas/


fernandocanzian/2014/01/1398643-o-role-do-brasil.shtml>. Acesso em: 5 set. 2017.

80
TÓPICO 2 | BIOÉTICA E DIREITOS HUMANOS: DELINEANDO O BIODIREITO

O Brasil está entre os 15 países com maior desigualdade no mundo,


apesar de pesquisas indicarem que a classe mais desfavorável tenha melhorado
nos últimos 10 anos, não há consenso se diminuiu o abismo entre os que estão no
alto e na base da pirâmide social. 

Fonte: Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br. Acesso em: 20 nov. 2017.

FIGURA 35 – FAVELA CONTRASTANDO COM EDIFÍCIOS LUXUOSOS NO MORUMBI, EM


SÃO PAULO

FONTE: Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias>.


Acesso em: 5 set. 2017.

3 BIOÉTICA E BIODIREITO
O Direito se vê diante da exigência das grandes transformações científicas,
haja visto as significativas mudanças sociais advindas das novas descobertas que,
consequentemente, implicam a bioética.

Já estudamos que a bioética está relacionada à ética e também à


biotecnologia, como exemplo podemos citar a manipulação genética, reprodução
assistida, transexualidade, manutenção da vida artificial e eutanásia. Esses
assuntos geram grandes polêmicas no contexto histórico atual.

Observando o panorama histórico dos direitos do homem, Carvalho


(2000) menciona que, após os direitos individuais (1ª geração), os direitos sociais
(2ª geração) e os direitos ambientais, difusos e coletivos (3ª geração), a sociedade
está vivenciando os direitos de 4ª geração, cujas exigências estão concentradas
nos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica, que permitirá
manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo.

81
UNIDADE 2 | INTERFACE DOS DIREITOS HUMANOS

A partir da bioética, lutamos por questões que reivindiquem um direito à


vida não simplesmente enquanto proteção física, mas o respeito à vida enquanto
promoção de todos os bens, sem os quais a vida humana não teria sentido, pois
todos nós ansiamos por uma vida com dignidade.

A bioética então questiona o direito em termos de direito a uma vida


digna, que passa pelo respeito e pelo direito à saúde. Não se pode viver bem e
dignamente se não se dispõe de recursos na área da saúde e se não há proteção ao
aparato estatal que proteja o direito à saúde (FERNANDES, 2004).

A relação da bioética com o Direito (biodireito) surge da necessidade do


jurista obter instrumentos eficientes, para propor soluções aos problemas que a
sociedade tecnológica cria, em especial no atual estágio de desenvolvimento, no
qual a biotecnologia desponta como a atividade empresarial que vem atraindo
mais investimentos (CAMARGO, 2003).

Segundo Diniz (2008), com o reconhecimento do respeito à dignidade


humana, a bioética e o Biodireito passam a ter um sentido humanista,
estabelecendo uma ligação com a justiça. Os direitos humanos, decorrentes da
condição humana e das necessidades fundamentais de toda pessoa, referem-se
à preservação da integridade e da dignidade das pessoas e à plena realização de
sua personalidade.

A bioética e o biodireito andam necessariamente juntos com os direitos


humanos, mas não de maneira a impedir o avanço da biologia molecular ou da
biotecnociência, muito pelo contrário, eles se unem ao avanço científico, porém de
maneira ética e com quesitos morais em prol do avanço da humanidade, portanto,
a ciência do direito tem para aprofundar um novo capítulo da história dos direitos
humanos que o início do século XXI descortinou e vai ainda descortinar. O direito
é solicitado de novo, como já ocorreu em outros tempos, a dar suas contribuições
ao ser humano e auxiliá-lo a proteger-se de todos os possíveis abusos que hão
de vir com o progresso tecnocientífico, no contexto do processo de secularização
vivido e reivindicado pelo homem moderno (FERNANDES, 2004).

Muitas vezes, o direito confronta as novas situações advindas dos avanços


científicos e tecnológicos, seja em seus desdobramentos nos sistemas de produção
de bens e serviços, seja nas transformações das relações interpessoais, mas essa
intervenção positiva tem o intuito de avocar as relações sociais emergentes, em
busca da regulamentação dos direitos nas relações onde o homem se encontra.

82
TÓPICO 2 | BIOÉTICA E DIREITOS HUMANOS: DELINEANDO O BIODIREITO

3.1 CONCEITO DE BIODIREITO


O biodireito pode ser definido como o novo ramo do estudo jurídico,
resultado do encontro entre a bioética e o direito. É o ramo do direito público, que
se funde com a bioética, estando em consonância com as relações jurídicas, entre
o direito e os avanços tecnológicos aliados à medicina e à biotecnologia, questões
relacionadas ao corpo e à dignidade da pessoa humana (SARLET, 2015).

Em decorrência de tanto progresso nas áreas de ciência e tecnologia, existe


um sentimento de incerteza em relação ao futuro de um mundo em transformação
constante e da dimensão do risco tecnológico, da insegurança jurídica, bem como
da insuficiência da abordagem ética.

Diniz (2008) salienta que a verdade jurídica não pode camuflar a ética e o direito,
assim como o progresso científico não poderá acobertar crimes contra a dignidade
humana, nem dar sentença normativa ilimitada aos destinos da humanidade.

FIGURA 36 – SÍMBOLO QUE REPRESENTA O DIREITO

FONTE: Disponível em: <https://www.kiaga.com.br>. Acesso em: 8 set. 2017.

UNI

O símbolo do direito é representado pela deusa grega Têmis, que sinaliza a


justiça, seus olhos vendados são alusivos à imparcialidade, já a balança simboliza a justiça.

83
UNIDADE 2 | INTERFACE DOS DIREITOS HUMANOS

Um exemplo que tivemos de crime contra a dignidade humana foi o


genocídio em Ruanda, onde crianças eram encaixotadas e jogadas ao mar, padres
pendurados em cruzes pelados e queimados vivos, pessoas enforcadas, grávidas
tinham seus fetos brutalmente arrancados e homens enviados aos campos de
batalha desarmados.

FIGURA 37 – IMAGEM DE PADRES PENDURADOS ANTES DE SEREM


QUEIMADOS, COM SUAS CABEÇAS COBERTAS POR PANOS

FONTE: Disponível em: <https://pt.aleteia.org/2015/04/16/armenia-a-cronica-de-


um-genocidio>. Acesso em: 8 set. 2017.

Fernandes (2004, p. 38), citando o conceito de bioética, deixa bem claro o


objetivo que deve ser alcançado:
O conceito de Bioética será entendido como um grito pelo resgate da
dignidade humana em face dos progressos técnico-científicos na área
da saúde, bem como em face das condições de vida sócio-econômico-
políticas, através de um diálogo multidisciplinar e pluralista.

Os cientistas tornaram-se protagonistas das transformações sociais e


a ciência e tecnologia têm profundas repercussões em todas as áreas da vida
humana. A ciência não se associa somente às inovações tecnológicas que promove,
mas gera também o fato econômico; a necessidade de atingir rendimentos com
os investimentos em inovação acaba exercendo forte pressão sobre a conduta
seguida no campo da pesquisa científica (SCHOLZE; MAZZARO, 2002).

Bonavides (2000, p. 16) aborda o biodireito e diz que:

84
TÓPICO 2 | BIOÉTICA E DIREITOS HUMANOS: DELINEANDO O BIODIREITO

Vida, ética e direito são as três facetas desta larga problemática que
se torna cogente e imperativa em busca de soluções impostergáveis,
ante os desafios, as ameaças, as incertezas, as apreensões causadas no
mundo moral e jurídico pelos avanços materiais da ciência e tecnologia.

Em meio ao mundo moderno, com transformações e crescimento científico,


o ser humano foi relegado do seu status quo, de um sujeito de direito, para ser
transportado a um plano de experiências, manipulações, testes, envolvendo uma
ciência ampla, para conseguir resguardar sua dignidade.

Muitas questões de bioética são complexas, necessitando do


envolvimento das ciências filosóficas, econômicas, jurídicas e médicas, gerando
uma interdisciplinaridade, com questionamentos em que o governo, repleto de
quesitos, normas e legislações, se envolve juntamente com a sociedade, e em
meio da emissão de críticas, vai construindo vivências e regras para as questões
polêmicas que envolvem a vida.

Posto isso, fica evidente a necessidade de refletir sobre valores de referência


que orientem a ciência, de uma ética que vise ao sentimento de responsabilidade
social. Daí a demanda de uma ética da responsabilidade que vincule todos, em
especial os cientistas e os profissionais que aplicam os resultados científicos.

Em face deste cenário, fica a questão fundamental da concepção de um


projeto ético e de uma estrutura jurídica que visem à melhor conciliação entre
progresso técnico-científico e a capacidade de aperfeiçoamento do espírito
humano (SCHOLZE; MAZZARO, 2002).

Nesse mundo de descobertas da ciência e da biotecnologia surgiu o


biodireito. Matilde Carone Salaibi Conti (2004, p. 12) conceitua biodireito como:

O termo escolhido para titular o tema é vasto, porque vasto é o espectro


da vida.
Os progressos da Biologia e da Medicina questionam com vigor o
Direito, devendo este intervir na área biomédica para legitimá-los ou
proibi-los. Biodireito é o estudo da normatização em face das ciências
da vida.
As regulamentações alternativas existentes são ineficazes e muitos
as consideram injustas, pois não são uniformes em todos os países.
Acreditamos que uma legislação firme deve ser criada a fim de que
regulamente questões, que estão há muito tempo esperando uma
normatização [...]
O Biodireito se funda sobre fatos, princípios e regras. Não se trata de
um sistema de princípios abstratamente determinados que se impõe
sobre a realidade a partir das normas proibitórias inquestionáveis. A
reflexão se aplica a fatos e se constrói a partir deles. A pluralidade de
opiniões sobre tais fatos relativos à vida, à saúde e à morte deve refletir
o pluralismo moral da sociedade.

85
UNIDADE 2 | INTERFACE DOS DIREITOS HUMANOS

Precisamos destacar a importância da biologia e o início de formação do


biodireito, para regular as novas questões que emergem com relação à vida, ou
seja, a criação de novas vidas artificiais que a ciência está apta a formar e que, em
um contrassenso, também está apta a destruir.

Fernandes (2004, p. 42) contribui também com a ideia de que o biodireito


seria a ciência das normas que regulamentam os problemas bioéticos, conceituando
de uma maneira aprofundada que:

O Biodireito nada mais é do que a produção doutrinária, legislativa e


judicial acerca das questões que envolvem a bioética. Vai desde o direito
a um meio ambiente sadio, passando pelas tecnologias reprodutivas,
envolvendo autorização ou negação das clonagens e transplantes até as
questões mais corriqueiras e ainda inquietantes, como a dicotomia entre
a garantia constitucional do direito à saúde, a falta de leitos hospitalares
e a equânime distribuição de saúde à população. Assim, pode-se afirmar
que o Biodireito tem como uma de suas tarefas a regulamentação dos
avanços da biotecnologia para que possam ser utilizados para o bem do
ser humano, mantendo sua dignidade.

É interessante que em meio a vários conceitos e aceitações de técnicas que


evoluem a medicina, ainda existem ideias conservadoras e muito respeitadas,
como é o caso de Diniz (2008), que se posiciona contra as práticas da eutanásia
(finalização da vida, com a morte, para evitar sofrimento), sendo favorável à
distanásia (emprego de técnicas para prolongar a vida do ser humano). Além
disso, não aceita que a morte é decretada apenas com a morte encefálica, mas
acredita que a morte acontece quando as atividades vitais cessam por completo.

Vieira (2006) contribui para o conceito de biodireito, informando que é o


ramo do saber jurídico relacionado diretamente à concepção da vida, desde sua
formação como substância ainda sem forma, até o momento em que não há mais
fôlego de vida, que significa a morte.

Assim, o direito e a bioética se unem para formar o biodireito, pois as questões


modernas relacionadas à vida humana são vistas sob vários ângulos, gerando
opiniões contrárias e controversas, proporcionando inclusive mudanças de opiniões.

Para Vieira (2006), o Direito é importante, pois ele contribui de maneira


positiva nas discussões dos diversos temas, polêmicos ou não, quer seja
analisando as normas existentes, quer seja auxiliando na proposição de futuras
leis, promovendo o convívio harmônico entre a ciência e a sociedade.

Maluf (2015) diz que nenhum dos avanços científicos dos tempos modernos
nos atinge mais profundamente do que o progresso alcançado pela biomedicina,
pois diz respeito à nossa intimidade biológica, pois nossa produção genética
pode ser alvo da ciência especuladora, ou da ciência experimental. Dessa forma,
uma das funções do direito dentro da medicina é de não impedir os avanços das
ciências, mas impor limites para as descobertas científicas.

86
TÓPICO 2 | BIOÉTICA E DIREITOS HUMANOS: DELINEANDO O BIODIREITO

FIGURA 38 – CHARGE PARA REPRESENTAR UM BEBÊ GERADO POR


UMA MÁQUINA

FONTE: Disponível em: <https://extra.globo.com>. Acesso em: 9 set.


2017.

Em virtude dos desejos e descobertas biotecnológicas surgiu o biodireito,


como o ramo do direito que analisa, investiga, estuda e cria diretrizes legais,
referentes aos assuntos da bioética, culminando na ligação entre esta e o direito. 

3.2 PRINCÍPIOS DE BIODIREITO


Em meio a inúmeras experiências e descobertas da ciência médica, muitas
dúvidas pairam sobre a vida do ser humano, no que diz respeito à sua integridade
física e emocional, assim, foram surgindo questionamentos de como regulamentar
os problemas e dúvidas com a evolução médica tecnológica. Dessa forma, foram
surgindo os princípios do biodireito. Com relação às pesquisas médicas que
envolvem seres humanos, iremos destacar alguns princípios nesta seara:

Princípio da autonomia: o médico deve respeitar a decisão do paciente


ou seu representante, de acordo com seus valores e crenças. Um exemplo para
esclarecer esse princípio seria uma pessoa que descobriu ser portadora de HIV
e decide não fazer uso de medicamento e de tratamento algum, portanto, esta
decisão deve ser respeitada pelo médico e, assim, ele não pode impor que seu
paciente faça o tratamento, deixando-o sob livre escolha.

87
UNIDADE 2 | INTERFACE DOS DIREITOS HUMANOS

FIGURA 39 – CHARGE DE MÉDICO BRIGANDO COM A MORTE, DESRESPEITANDO


A OPINIÃO DO PACIENTE QUE OPTOU EM NÃO REALIZAR TRATAMENTO

FONTE: Disponível em: <https://academiamedica.com.br/blog/o-fim-da-vida-e-


seus-meios>. Acesso em: 8 set. 2017.

UNI

A AIDS é uma doença do sistema imunológico humano, causada pelo vírus HIV
e ainda não há cura para este mal, sendo a prevenção o melhor remédio.

Princípio da beneficência: refere-se ao bem-estar do paciente, sem que


o médico cause danos. O exemplo seria de um paciente convidado a fazer um
tratamento experimental para a cura de glaucoma, esse paciente não pode ter,
em hipótese alguma, um sofrimento em consequência desse tratamento, como
perder um olho para salvar o outro.

Princípio da justiça: para Maluf (2015), se refere à imparcialidade da


distribuição dos riscos e benefícios de todos os envolvidos na pesquisa científica
e práticas médicas, tanto em nível nacional como internacional.

Vamos explicar o princípio da justiça, de acordo com a visão de Chiarini


Júnior (2004, p. 132), a fim de esclarecer o conceito. Para este autor, o princípio é
dividido em três pontos básicos:

1) O ônus do encargo da pesquisa científica – a sociedade deve estar envolvida


na questão da justiça, assim, cada um deve desenvolver o seu papel de ajudar
o próximo, na medida das suas condições, a fim de arcar com o ônus da
manutenção das pesquisas e da aplicação dos resultados.

2) A aplicação dos recursos destinados à pesquisa – consiste na intenção de


distribuir de maneira igualitária os recursos financeiros para as atividades
científicas, não somente para os problemas dos países desenvolvidos, mas
também para os países subdesenvolvidos.
88
TÓPICO 2 | BIOÉTICA E DIREITOS HUMANOS: DELINEANDO O BIODIREITO

3) A destinação dos resultados práticos obtidos destas pesquisas – estimular o


alcance da ciência para qualquer pessoa, independentemente da condição
social e econômica, oportunizando a todos o acesso aos tratamentos médicos.

Pessini e Barchifontaine (2014, p. 83), com relação a esses três princípios,


afirmam que:
O edifício da bioética contemporânea se assenta basicamente sobre
três pilastras, três princípios (critérios) fundamentais, chamados “a
trindade da bioética”, que são: a beneficência, a autonomia e a justiça.
Esses critérios são fruto de uma longa evolução e elaboração histórica
e hoje estão no epicentro da discussão bioética.

Para alguns autores, além desses três princípios, ainda se pode destacar
outros importantes, como:

4) Princípio da dignidade humana – conforme Ramos (2017), esse princípio está


baseado na proteção da vida humana, nas práticas médicas e biotecnológicas,
dessa forma, podemos citar o transplante de órgãos, que encontrou limitação
na Constituição Brasileira de 1988, art. 199, § 4º, proibindo qualquer tipo de
comercialização.

5) Princípio da sacralidade da vida – para Chiarini Júnior (2004), esse princípio


diz respeito à proteção da vida humana contra agressões indevidas, partindo
do princípio de que a vida humana é sagrada e inviolável, pois a vida não
pode ser sacrificada em prol da ciência e da experimentação. Esse princípio se
tornou o ápice da dignidade humana, após a Segunda Guerra Mundial, com a
atuação das atrocidades de Adolf Hitler.

FIGURA 40 – PAREDES ARRANHADAS TRANSMITEM O DESESPERO DE DENTRO DE UMA


CÂMARA DE GÁS DE AUSCHWITZ NA POLÔNIA, ONDE MILHARES DE PESSOAS FORAM
MORTAS

FONTE: Disponível em: <http://www.historiailustrada.com.br/2014/05/entenda-verdade-


holocausto.html>. Acesso em: 9 set. 2017.

89
UNIDADE 2 | INTERFACE DOS DIREITOS HUMANOS

6) Princípio da precaução – segundo Maluf (2015, p. 19), esse princípio sugere a


proibição de realizar qualquer pesquisa científica que possa causar prejuízos
à saúde humana, assim, “a intenção não é de provar o risco da atividade, para
só depois impedir a sua continuação, mas sim de comprovar a inexistência do
risco, sob pena de proibir o início da prática da atividade científica”.

4 A INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS


Você já ouviu falar nos campos de concentração e câmaras de gás na
Alemanha? Certamente sim, onde milhares de pessoas morreram na Segunda
Guerra Mundial, por atos comandados por Adolf Hitler, que em seu discurso
primava pela superioridade racial dos alemães, conhecido por raça pura.

FIGURA 41 – CÂMARA DE GÁS

FONTE: Disponível em: <https://www.thinglink.com>. Acesso em: 9 set. 2017.

Com o término da Segunda Guerra Mundial, em 1945, houve a criação


de um tribunal militar internacional que tinha a finalidade de julgar as pessoas
responsáveis pelas atrocidades humanas e pela violação aos direitos humanos.

Assim, foi instaurado o Tribunal de Nuremberg, e acredita-se que através


desse julgamento, surgiu a bioética, pois os médicos julgados nesse tribunal
utilizaram seus conhecimentos, na época, para realizar pesquisas e fazer cobaias
humanas sem nenhum critério ético. Os criminosos de guerra também queimaram
pessoas vivas, privaram seres humanos de comida e água, além de outras atitudes
implacáveis e desumanas, acabaram contribuindo para o surgimento do Direito
Internacional e dos Direitos Humanos.

90
TÓPICO 2 | BIOÉTICA E DIREITOS HUMANOS: DELINEANDO O BIODIREITO

O Tribunal de Nuremberg deu um significado ao processo de


internacionalização dos direitos humanos fundamentais, pois consolida a ideia da
necessária limitação da soberania nacional e também reconhece que os indivíduos
têm direitos protegidos pelo Direito Internacional (KINCHESCKI, 2006).

Aproveitando a oportunidade que estamos estudando sobre o Tribunal de


Nuremberg, convidamos você, acadêmico, para assistir ao filme “O Julgamento
de Nuremberg”, que retrata a forma como se deu a criação do tribunal e também
o julgamento de 24 líderes nazistas, são aproximadamente três horas de filme,
que você não vai querer nem fazer um intervalo, de tão emocionante.

FIGURA 42 – CARTAZ DO FILME “O JULGAMENTO DE NUREMBERG”

FONTE: Disponível em: <https://lanyy.jusbrasil.com.br/artigos/188257258/o-julgamento-de-


nuremberg-filme-espetacular-para-quem-gosta-de-direitos-humanos-e-internacional>. Acesso
em: 10 set. 2017.

Para Kinchescki (2006), diante dos horrores cometidos durante a Segunda


Guerra Mundial, a comunidade internacional passa a reconhecer que a proteção
dos direitos humanos constitui questão de legítimo interesse e preocupação
internacional, consolidando o movimento internacional dos Direitos humanos,
portanto, podemos entender que a II Guerra Mundial foi importante para
a formação do conceito de direitos humanos e o alicerce para a construção de
fatores importantes para sua proteção, não ficando restrito a um país, mas com
proteção em nível global, ou seja, internacionalizando os ideais.

91
UNIDADE 2 | INTERFACE DOS DIREITOS HUMANOS

A sociedade internacional, com a certeza de querer manter a pacificação


mundial, evitando novas barbáries com os povos, criou, em 1945, a Organização
das Nações Unidas, conhecida por ONU, que, dentre muitos princípios, incentiva
a proteção dos direitos humanos e principalmente a manutenção da paz mundial,
como podemos perceber no início da sua carta:

NÓS, POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, DECIDIDOS:


A preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra que por
duas vezes, no espaço de uma vida humana, trouxe sofrimentos à
humanidade;
A reafirmar nossa fé nos direitos fundamentais do homem, na
dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos
homens e das mulheres, assim como das nações, grandes e pequenas;
A estabelecer as condições necessárias à manutenção da justiça e do
respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do
direito internacional. (CARTA DA ONU, disponível em: <http://www.
unfpa.org.br/Arquivos/carta_das_nacoes_unidas.pdf>. Acesso em: 20
nov. 2017.

FIGURA 43 – IMAGEM DA SALA PRINCIPAL DO CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS DA ONU


EM GENEBRA

FONTE: Disponível em: <https://nacoesunidas.org/direitoshumanos/>. Acesso em: 10 set. 2017.

Para Kinchescki (2006) a Carta das Nações Unidas consolida o movimento


de internacionalização dos direitos humanos, a partir do consenso de Estados
que elevam a promoção desses direitos, inaugurando uma nova fase dos direitos
humanos fundamentais, de terceira geração, assentada sobre a fraternidade ou
solidariedade.

Dessa forma, conseguimos compreender que a criação da ONU crava o


início de uma nova ordem internacional, cujos valores e prerrogativas passam a
influenciar o novo modelo de conduta do Direito Internacional.

92
TÓPICO 2 | BIOÉTICA E DIREITOS HUMANOS: DELINEANDO O BIODIREITO

Assim, com o surgimento da ONU, em 1945, e a aprovação da Declaração


Universal dos Direitos humanos em 1948, o Direito Internacional dos Direitos
Humanos começa a aflorar e a solidificar-se de forma definitiva, gerando a
adoção de vários tratados internacionais, com a intenção de proteger os direitos
fundamentais dos indivíduos (KINCHESCKI, 2006).

FIGURA 44 – DECLARAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS: FIM DO DESCASO COM


O HOMEM

FONTE: Disponível em: <https://pt.slideshare.net>. Acesso em: 11 set. 2017.

93
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico vimos que:

• Igualdade social não prospera diante da condição de miserabilidade de uma


sociedade.

• A diferenciação entre o conceito de pobre e extremamente pobre no Brasil está


baseada no indexador, que é o salário mínimo.

• A desigualdade de renda e de riqueza é um grande problema social,


repercutindo na qualidade de vida do homem.

• O Brasil está entre os 15 países com maior desigualdade no mundo.

• Com o reconhecimento do respeito à dignidade humana, a bioética e o biodireito


passam a ter um sentido humanista.

• A bioética e o biodireito andam necessariamente juntos com os direitos


humanos.

• O direito está confrontado com situações novas advindas dos avanços científicos
e tecnológicos.

• Um exemplo que tivemos de crime contra a dignidade humana foi o genocídio


em Ruanda.

• A verdade jurídica não pode camuflar a ética e o direito.

• O biodireito seria a ciência das normas que regulamentam os problemas


bioéticos.

• O biodireito, como o ramo do direito que analisa, investiga, estuda e cria


diretrizes legais, referente aos assuntos da bioética.

• O biodireito é regido por princípios, que auxiliam nas condutas com as


pesquisas médicas que envolvem seres humanos.

• O Tribunal de Nuremberg foi importante para o processo de internacionalização


dos direitos humanos fundamentais.

94
AUTOATIVIDADE

1 A bioética surgiu com o avanço da medicina, assim, ela estuda  as relações
jurídicas entre o direito e os avanços tecnológicos,  bem como, questões
relacionadas à vida do ser humano e à dignidade da pessoa humana. Diante
dessa afirmativa, assinale a alternativa correta referente à bioética. 
 
( )  A bioética representa o resgate da dignidade humana, frente aos progressos
técnico-científicos na área da saúde. 
(  ) A bioética e o direito não possuem correspondência alguma, ou seja, cada
um segue numa direção, ou seja, os ideais são totalmente divergentes. 
(  ) As ciências filosóficas, econômicas, jurídicas e médicas não se envolvem
com a bioética, pois esta é uma ciência que é independente. 
(  ) O biodireito e a bioética não se preocupam com o humanismo e sim com o
mecanicismo. 
 
2 Explique por que a desigualdade social influencia na qualidade de vida. 
 
3  A Segunda Guerra Mundial foi o estopim para as atrocidades cometidas
contra o ser humano,  assim,  a tortura, a fome, as doenças, os maus tratos,
foram itens que sensibilizaram a humanidade, com o reconhecimento para
a proteção dos direitos humanos, constituindo uma preocupação em nível
internacional. Diante dessa afirmativa, assinale a alternativa correta: 
 
( ) A conquista dos direitos humanos permaneceu centralizada nos Estados
Unidos, não se dissipando para outros países. 
( ) A Carta das Nações Unidas consolida o movimento de internacionalização
dos direitos humanos. 
(  ) A Declaração Universal dos Direitos Humanos não contribuiu positivamente
para a sustentação dos direitos humanos. 
(  ) As pessoas responsáveis pelas atrocidades humanas durante a Segunda
Guerra Mundial não foram julgadas pela violação aos direitos humanos. 
 
4 Associe as duas colunas, relacionando os elementos  voltados ao panorama
histórico dos direitos do homem. 
 
1. Primeira geração                              
2. Segunda geração                             
3. Terceira geração 
4. Quarta geração
 
(   ) Direitos éticos e morais 
(  ) Direitos sociais 
(   ) Direitos ambientais 
(  ) Direitos individuais 

95
 Agora assinale a sequência correta dessa associação:

(   ) 3, 2, 1, 4. 
(  ) 1, 3, 4, 2. 
( ) 4, 2, 3, 1. 
(  ) 2, 3, 4, 1.

96
UNIDADE 2 TÓPICO 3

AVANÇOS TECNOLÓGICOS E DIGNIDADE DA PESSOA


HUMANA: DESAFIOS E PERSPECTIVAS BIOÉTICAS

1 INTRODUÇÃO
O progresso técnico-científico oferta à sociedade uma vasta evolução em
termos econômicos, culturais e científicos. Entretanto, se as novas descobertas
científicas forem utilizadas inadequadamente, podem gerar uma desumanização
do ser humano, comprometendo seus direitos.

É interessante perceber que o biodireito e a bioética auxiliaram na jornada


de unir as questões jurídicas com as descobertas médicas, pois deve haver limites
quando se fala em vidas humanas, dignidade da pessoa humana e direitos
fundamentais.

Estudaremos, nesta unidade, assuntos relacionados ao direito à dignidade


da pessoa humana, bem como o choque da dignidade humana com os direitos
fundamentais. Além disso, veremos os avanços tecnológicos e o impacto na
exclusão social, como o caso da transfusão de sangue x Testemunhas de Jeová e
algumas questões referentes à eutanásia, homossexualidade e transexualidade.

Alguns conteúdos são polêmicos e acabam chocando uma parte da


sociedade, em virtude da evolução humana, que permeou alguns assuntos
considerados tabu e relegados à promiscuidade, principalmente, pela Inquisição.

Vamos continuar focados nos estudos!

2 O DIREITO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA


A dignidade da pessoa humana é a base da própria existência do Estado
brasileiro e, ao mesmo tempo, fim permanente de todas as suas atividades, é
a criação e manutenção das condições para que as pessoas sejam respeitadas,
resguardadas e tuteladas em sua integridade física e moral, assegurados o
desenvolvimento e a possibilidade da plena concretização de suas potencialidades
e aptidões (CAMARGO, 2003).

97
UNIDADE 2 | INTERFACE DOS DIREITOS HUMANOS

Conforme afirma Diniz (2008), os biocientistas devem ter como paradigma


o respeito à dignidade da pessoa humana, que é o fundamento do Estado
Democrático de Direito (Constituição Federal, art. 1º, III) e o cerne de todo o
ordenamento jurídico. A pessoa humana e sua dignidade constituem fundamento
e fim da sociedade e do Estado, sendo o valor que prevalecerá sobre qualquer tipo
de avanço científico e tecnológico.

Segundo o Código Civil brasileiro, no art. 2º, “a personalidade civil da


pessoa começa do nascimento com a vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção,
os direitos do nascituro” (CAMARGO, 2003, p. 127).

Em função da vida ser o bem mais precioso que alguém tem, existem
muitas legislações que evidenciam e que protegem o direito à vida, dessa
forma, surgem muitos assuntos contraditórios, mas ao final percebe-se que a
tutela sempre haverá em torno do bem comum, que é a vida, pois a evidência, a
dignidade e a liberdade estão indiscutivelmente juntas.

É claro que o objetivo é a promoção do bem comum, tudo o que contribua


para uma relação equilibrada no contexto social, para a promoção do bem comum,
que expresse as virtudes de cada indivíduo, que nada mais é do que assegurar os
direitos fundamentais, individuais e coletivos.

Já o princípio da dignidade da pessoa conduz a um compromisso


inafastável: o do absoluto e irrestrito respeito à dignidade e à integridade de todo
ser humano. Isso porque o homem é sujeito de direitos e jamais objeto de direitos e,
muito menos, objeto mais ou menos livremente manipulável (CAMARGO, 2003).

3 COLISÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS E A DIGNIDADE


DA PESSOA HUMANA
Quando falamos em colisão, a maioria das pessoas pensa numa batida de
trânsito, quando um automóvel colide com outro. No caso em questão, é dessa
forma que podemos pensar quando os direitos fundamentais (liberdade, vida,
igualdade, educação, segurança, entre outros) esbarram, ou melhor, se confrontam
com a dignidade da pessoa humana, que tem a ver com honra e caráter.

A dignidade da pessoa humana é um princípio que foi construído ao


longo da história, mas só nos últimos dois séculos percebeu-se plenamente, ela se
tornou um ponto referencial para a aplicação das normas jurídicas, e também se
tornou importante para proteger o ser humano contra a imoralidade e desprezo
advindos da sua espécie.

98
TÓPICO 3 | AVANÇOS TECNOLÓGICOS E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: DESAFIOS E PERSPECTIVAS BIOÉTICAS

Um exemplo típico que você estudará é a transfusão de sangue x


Testemunhas de Jeová, assunto que gera muitas discussões, sendo assim, há uma
corrente que afirma que eles têm o direito de não receber a doação de sangue,
com base na relevância do direito à vida. Em contrapartida, há outra corrente que
se baseia no Código de Ética Médica, que por meio de intervenção judicial, recebe
autorização para salvar a vida do paciente, autorizando a transfusão, mesmo
contra a sua vontade.

3.1 CONCEITO DE DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA


Para estabelecermos um conceito de dignidade da pessoa humana, vamos
analisar a raiz da palavra “dignidade”, que deriva de dignus e significa aquilo
que possui honra ou importância. O autor exemplifica através da vida de São
Tomás de Aquino, que evidenciou a dignidade humana, quando incita que é
uma qualidade inerente às pessoas, que a diferencia de outras espécies ou objetos
inanimados (RAMOS, 2017).

Ainda para Ramos (2017), São Tomás de Aquino acredita que o homem
é um ser único, racional, criado por Deus, conforme sua imagem e semelhança,
dessa forma, como o homem reflete Sua sabedoria, acaba gerando a dignidade,
que é inerente ao homem.

Através desse conceito, perguntamos: o que é viver com dignidade, para


você? Qual é seu entendimento com relação a esse assunto? Não esqueça que
cada um de nós traz valores diferentes, culturas diferentes e vivencia a moral sob
diversos pontos de vista.

Há muitas questões éticas para sofrerem reflexões, em que a dignidade


paira onde a bioética tenta elucidar e esclarecer demandas conflitantes. Assim,
Vieira (2006, p. 18) faz algumas reflexões nesse sentido, pois ele acredita que a
dignidade não existe para pessoas que:

estão em coma, sem vida natural, aguardam inutilmente um milagre por


anos e anos. De que adianta viver se a pessoa não pode sentir-se viva?
De que adianta ter um nome e um sexo que não correspondem ao sexo
psicológico, social e hormonal, sem poder estudar, trabalhar? De que
adianta levar uma gravidez até o final se o produto é completamente
inviável e respirará apenas algumas poucas horas? De que adianta
manter embriões congelados que jamais serão implantados, pois os
casais já têm os filhos que desejaram, enquanto milhares de pessoas
enfermas aguardam por uma esperança nas células-tronco?

A dignidade da pessoa humana é irrenunciável e inalienável, ou seja, não


pode ser doada, transferida para outra pessoa ou vendida, assim, o ser humano
nasce com ela, que se torna um elemento que qualifica o ser humano, gerando a
necessidade de a dignidade ser guardada, protegida e efetivada.

99
UNIDADE 2 | INTERFACE DOS DIREITOS HUMANOS

Podemos arriscar em dizer que a dignidade é uma qualidade que faz parte
do ser humano, é a natureza que está no seu íntimo, ou seja, é uma característica
individual que cada pessoa possui, por isso se diz que ela é intrínseca.

Dallari (2004) acredita que para os seres humanos não pode haver um
bem mais valioso do que a pessoa humana, e por ser dotada de inteligência,
consciência e vontade, possui uma dignidade, que a coloca acima de todas as
coisas da natureza.

Para o ser humano, não deve existir um bem mais precioso do que viver
com a consciência tranquila, com paz de espírito, com harmonia interior e
abnegando de qualquer tratamento degradante e desumano.

Conforme Dallari (2004), como a dignidade é inerente à condição humana,


a permanência e preservação dessa dignidade se perpetua com os direitos
humanos.

Para Vieira (2006), a influência do Direito Constitucional na bioética é


notável, pois é ele quem tutela fundamentalmente a dignidade da pessoa humana,
a vida humana e a inviolabilidade do corpo humano.

3.2 DIREITO À VIDA


Vamos iniciar esse assunto perguntando para você: existe direito para a
inexistência de uma pessoa? A resposta deve ser: não existe. Claro, porque se a
vida é o primeiro bem que a pessoa possui, com a inexistência da vida, a própria
pessoa não existe e, consequentemente, nenhum direito existirá. Garantir o direito
à vida é a exigência da integridade da pessoa e da possibilidade de sobrevivência
digna e de desenvolvimento individual.

É indispensável a vida para que uma pessoa exista e, assim, tudo que a
pessoa conquistou ao longo da vida, como prestígio, posição social, riqueza e
seus direitos, acaba com a chegada da morte. Por conseguinte, tudo que a pessoa
detinha em sua posse perde o valor, perde o significado, deixa de ter sentido, por
isso, entende-se que a vida é o bem principal de qualquer pessoa, é o primeiro valor
moral que se possui. “Os cientistas podem até juntar num vidrinho, numa proveta,
os elementos que geram a vida, mas não conseguem criar esses elementos, pois
nenhum homem conseguiu dominar o começo da vida” (DALLARI, 2004, p. 33).

Assim, não é justo tirar a vida de alguém, pois estaria cometendo um ato
imoral, ofendendo um bem maior que é a vida, é preciso lembrar que nenhuma
vida vale mais ou menos que outra, pois perante a Constituição Brasileira, todos
somos iguais.

100
TÓPICO 3 | AVANÇOS TECNOLÓGICOS E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: DESAFIOS E PERSPECTIVAS BIOÉTICAS

Com relação a esse assunto de direito à vida, não temos interesse de trazer
respostas prontas, mas nossa intenção é fazer você realizar uma reflexão sobre
algumas ideias trazidas por autores e tirar sua própria conclusão, com base nos
seus valores éticos e morais.

Vamos fomentar um pouco essa discussão, fazendo uma reflexão sobre


o assunto pena de morte. A maioria do povo brasileiro é contrária à pena de
morte e dificilmente ela será instaurada no Brasil. Mas qual é a diferença de
matar um sujeito que cometeu um crime grave e um sujeito de seis meses de
vida intrauterina (no caso de aborto), que não cometeu crime algum? A resposta
é você, acadêmico, que pode formular, pois dependerá dos seus valores morais,
cultura e vivência; assim, só temos uma certeza, pois a Constituição Federal de
1988 expressa que não há pena de morte no Brasil.

Para esta e muitas outras questões nasce uma longa reflexão ética a respeito
do direito à vida, e você, caro acadêmico, já faz parte dela, pois o respeito à vida
de uma pessoa significa ter todas as suas necessidades fundamentais atendidas e,
acima de tudo, lembrar que só existe respeito quando a vida, além de ser mantida,
pode ser vivida com dignidade.

3.3 RECUSA DE TRANSFUSÃO DE SANGUE


Para abordarmos essa questão, é necessário falar sobre religião, e já de
início, vamos destacar que a palavra sangue aparece inúmeras vezes na Bíblia, e
com base em Gênesis e Atos, as Testemunhas de Jeová são contrárias à transfusão
de sangue.

Não estamos criticando a denominação religiosa, mesmo porque quando


se fala em medicina, não se fala em religião, pois sabe-se que atualmente há várias
formas de tratamento e de programas que são realizados sem o uso do sangue,
como exemplo destacam-se várias cirurgias realizadas no Brasil que já aderiram
a esse recurso, como o Hospital Panamericano em São Paulo.

Mas quando o paciente não se submete à indicação médica, o que acontece?

É interessante destacar que a liberdade de religião é um direito fundamental


que determina uma escolha de vida e que deve ser respeitada pelo Estado e pela
sociedade. A não aceitação por parte do paciente em realizar o procedimento
médico, por motivo de crença religiosa, expressa a manifestação da autonomia
do paciente, resultante da dignidade da pessoa humana. Mas como administrar
a questão conflituosa, quando o paciente se recusa em aceitar o procedimento
médico e, em contrapartida, o médico quiser realizar o procedimento?

101
UNIDADE 2 | INTERFACE DOS DIREITOS HUMANOS

Com relação a essa questão, Soriano (2002, p. 122) afirma que:

havendo recusa do tratamento por parte do paciente ou de seu


representante legal, cada caso, em particular, poderá ser solucionado
a critério do médico, nas situações de emergência, ou através da tutela
jurisdicional, quando houver a necessidade de se recorrer a esse meio
de resolução de conflitos. Nesse último caso, o médico pode obter uma
liminar, autorizando o tratamento.

Para Kfouri Neto (2002, p. 98), quem analisará, inicialmente, esse assunto
será o Conselho Federal de Medicina, que se utilizando de critérios éticos, aduz
que:
Em caso de haver recusa em permitir a transfusão de sangue, o médico,
obedecendo a seu Código de Ética, deverá observar a seguinte conduta:
1º Se não houver iminente perigo de vida, o médico respeitará a vontade
do paciente ou de seus responsáveis. 2º Se houver iminente perigo de
vida, o médico praticará a transfusão de sangue, independentemente
do consentimento do paciente ou de seus responsáveis.

Destaca-se que se houver conflito, essa questão será resolvida por meio do
Poder Judiciário, pois mesmo diante da liberdade religiosa, existirá interferência
judicial para a proteção do direito à vida, pois o médico tem a obrigação e o
dever, perante o seu Conselho, de garantir a vida e a saúde do paciente, sob pena
de ser responsabilizado civil e penalmente.

3.4 EUTANÁSIA
Já estudamos sobre células-tronco e clonagem humana, que são temas
que evocam discussões acaloradas, pois dizem respeito à vida humana, mais
precisamente, a cessação da existência do embrião.

Quando se fala de eutanásia, a polêmica continua em evidência na


sociedade, então vamos primeiramente entender o que é eutanásia.

Para Namba (2009), eutanásia significa morte serena, ou seja, morte sem
sofrimento para a pessoa que está convalidada, dessa forma, se age antes de a
pessoa morrer, antecipando a morte e aliviando sua angústia, aflição e martírio.

Pense num ente querido que sofre, por exemplo, um acidente de trânsito
e fica tetraplégico em estado vegetativo, em cima de uma cama, com fortes dores
e convulsões, qual seria o seu posicionamento? Permitiria aplicar eutanásia?

102
TÓPICO 3 | AVANÇOS TECNOLÓGICOS E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: DESAFIOS E PERSPECTIVAS BIOÉTICAS

Compreende-se que a eutanásia é uma forma digna de interromper a vida


de uma pessoa que está inválida, sofrendo e sem prognóstico de cura ou melhoras
para seu sofrimento, entretanto, caso seja de consenso familiar realizar a eutanásia,
esbarra-se no ordenamento jurídico, pois este não consente, considerando a vida
humana um bem indisponível, como já estudamos, e dessa forma, não pode haver
antecipação da morte, a não ser por autorização judicial.

Hoje em dia, a eutanásia constitui uma alternativa para abreviar a vida de


uma pessoa, sob vários aspectos, incluindo casos de pessoas em estado vegetativo,
bem como, pessoas em fase de doença terminal e até mesmo em crianças com
determinadas anomalias ou síndromes. Entretanto, no Brasil, deve-se recorrer
ao ordenamento jurídico, através da impetração de ação judicial, para obter
autorização para o procedimento.

A questão da eutanásia já é discutida pela América do Sul, do Norte,


Europa, Ásia e Oceania. A França é um exemplo em que a opinião pública se
encontra absolutamente dividida, enquanto que outros países preferem não se
posicionar sobre o tema. Em contrapartida, a Suíça vai aquém, permitindo meios
para o suicida, e a Alemanha apenas proíbe a participação direta (RAMOS, 2017).

Conforme Namba (2009), a justiça italiana autorizou a suspensão da


alimentação de uma pessoa civil chamada Eluana Englaro, de 37 anos, em coma
irreversível há 17 anos, o que acentuou a divisão sobre eutanásia na sociedade
italiana. Dessa forma, muitos setores, inclusive a Igreja Católica, exigiram que
fosse criada uma legislação a respeito.

Namba (2009, p. 86) classifica a eutanásia em três modalidades:

a) Eutanásia ativa: ato de provocar a morte sem sofrimento ao paciente,


normalmente utiliza-se injeção letal.

b) Eutanásia passiva: ocorre por omissão de uma ação médica, por exemplo, deixar
de utilizar a ventilação artificial em um paciente com insuficiência respiratória.

c) Eutanásia de duplo efeito: a morte é acelerada, em função de ações médicas


que não objetivam o êxito letal, mas o alívio do sofrimento de um paciente, um
exemplo é a aplicação de medicamentos para minimizar a ansiedade, mas que
por consequência causam depressão respiratória e a morte.

É interessante destacar que quando descaracteriza a questão da piedade,


não se constitui a eutanásia, mas sim o homicídio, pois o que estaria em vigor
seria o ato de matar alguém por vingança ou para obter vantagem econômica,
com previsão no nosso ordenamento jurídico, através do Código Penal.

103
UNIDADE 2 | INTERFACE DOS DIREITOS HUMANOS

4 AVANÇOS TECNOLÓGICOS E O IMPACTO NA EXCLUSÃO


SOCIAL
Certamente, você já ouviu falar em igualdade de gênero, que significa
que homens e mulheres devem ter os mesmos direitos e deveres, popularmente
chamada de igualdade sexual.

Mas o que isso tem a ver com dignidade humana? É simples, vamos pensar
no século passado, quando esse tema era utópico ou até mesmo visto de maneira
discriminatória. Hoje já existe uma multidão de pessoas que apoiam esta ideia e
trabalham para que a sociedade aceite homens e mulheres que trocam de sexo,
ou que se relacionam com pessoas do mesmo sexo, que possam adotar bebês, que
consigam inserção no mercado de trabalho, entre outros direitos.

4.1 DIREITO À ADEQUAÇÃO DE SEXO


Já foi um tabu falar em mudança de sexo, foi utopia para a sociedade
acreditar que um ser humano teria a chance de mudar de sexo, acreditamos
que ainda há preconceito nessa questão, pois a medicina ainda não conseguiu
comprovar porque esse desejo emerge em algumas pessoas.

Apesar da cirurgia transgenital ser realizada em todos os continentes


há algumas décadas, o reconhecimento do direito de mudança de sexo é muito
polêmico, porém, poucos sabem que no século XX essa cirurgia foi reconhecida
pelo Conselho Federal de Medicina.

As pessoas que realizam essa cirurgia argumentam que este procedimento


visa ao bem-estar físico e psíquico de quem já sofreu aprisionado em um corpo
que não é seu, primando pela dignidade da pessoa humana.

Vieira (2006) diz que a evolução da identidade sexual não seguiu a via
correta, pois o sexo não deve ser considerado como um conjunto de caracteres
físicos e genéticos, mas deve agregar os caracteres psicológicos.

Namba (2009, p. 141) diz que para esses indivíduos aceitarem permanecer
com o sexo com que nasceram é um transtorno psíquico que os incomoda
diariamente, pois o “transexual não se conforma com a sua condição, afirmam
que eles possuem os elementos físicos de um sexo e o comportamento psicológico
de outro sexo”.

Cabe salientar que após a mudança de sexo, as pessoas ainda lutam contra
o preconceito, pois possuem dificuldades para conseguir emprego, apresentam
dificuldade para se inserirem no meio social, sem falar dos olhares displicentes e
duvidosos para esses gêneros.

104
TÓPICO 3 | AVANÇOS TECNOLÓGICOS E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: DESAFIOS E PERSPECTIVAS BIOÉTICAS

A cirurgia para mudança de sexo ocorre por sentença judicial, entretanto,


como diz Vieira (2006, p. 130), “o Direito não pode andar na contramão do
progresso científico, se a cirurgia não fosse ética, o Conselho Federal de Medicina
não iria autorizar”. Assim, negar tal procedimento é negar-lhe o direito de viver
dignamente, é marginalizá-lo, contemplando sua dor.

No caso de crianças que estão convictas da mudança de sexo, existem


alguns quesitos. Em primeiro lugar, a cirurgia é feita quando atingem a maioridade,
mas até chegar esse período, os profissionais da saúde que trabalham nessa área
sugerem iniciar com tratamento hormonal, para começar a adequar o corpo ao
sexo escolhido.

Vamos ler, a seguir, o caso de um menino adolescente que utilizou


medicamento, para inibir o aparecimento das características masculinas. Vieira
(2006, p. 131) complementa dizendo que não se pode “confundir transexual
com homossexual ou travesti, não se pode apegar aos conceitos ultrapassados e
constrangendo a pessoa a se apresentar como portadora do sexo oposto”.

Exemplo de exclusão social: o caso de Nicole

A família da estudante norte-americana Nicole Maine, 15 anos, em


conjunto com a comissão de direitos humanos do Estado do Maine, entrou com
uma ação para determinar se os direitos da garota foram violados.

A ação, que chegou à mais alta corte do Estado, provocou debate sobre
os direitos dos transgêneros, colocando em discussão o tipo de tratamento que
as escolas devem dar aos estudantes.

FIGURA 45 – Nicole (à direita), ao lado de seu irmão gêmeo, Jonas

105
UNIDADE 2 | INTERFACE DOS DIREITOS HUMANOS

Nicole foi proibida pela sua escola, em 2007, de utilizar o banheiro


feminino, mas após a reclamação de um colega e de seu avô, a escola destinou
o banheiro dos funcionários à aluna transgênero.

A menina é gêmea idêntica de um garoto, Jonas Maine, e começou a


questionar sobre "ser menina" aos quatro anos. Quando entrou na puberdade,
aos 11, Nicole passou por um tratamento hormonal para suprimir as
características masculinas.

Atualmente, Nicole e sua família são ativistas da causa dos transgêneros.

Confira as definições de transgênero e transexual, segundo o manual


de comunicação LGBT da Associação Brasileiras de Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Transexuais e Transgêneros:

• Transgênero – Terminologia utilizada para descrever pessoas que transitam


entre os gêneros. São pessoas cuja identidade de gênero transcende as
definições convencionais de sexualidade.

• Transexual – Pessoa que possui uma identidade de gênero diferente do sexo


designado no nascimento. Homens e mulheres transexuais podem manifestar
o desejo de se submeterem a intervenções médico-cirúrgicas para realizarem
a adequação dos seus atributos físicos de nascença (inclusive genitais) à sua
identidade de gênero constituída.

FONTE: Disponível em: <https://cebid.com.br/cebid-informacoes/aluna-transgenero-


processa-escola-por>. Acesso em: 18 set. 2017.

Cabe ressaltar que o direito do transexual está baseado no direito à saúde,


no direito à vida privada, tutelados pela Carta Magna e no Código Civil nos artigos
13 e 21, que resguardam a disposição do próprio corpo, quando recomendada
por médicos, e tutelam a vida privada, respectivamente (VIEIRA, 2006).

Os avanços tecnológicos criam novas possibilidades e necessidades no que


diz respeito à vida humana, não apenas de ordem material, mas também cultural,
espiritual e psicológica. Todas as pessoas necessitam de afeto, precisam se sentir
amadas e, acima de tudo, requerem respeito, que é a base de sua esperança.

106
TÓPICO 3 | AVANÇOS TECNOLÓGICOS E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: DESAFIOS E PERSPECTIVAS BIOÉTICAS

4.2 CONTROVÉRSIAS NA QUESTÃO DA HOMOSSEXUALIDADE


Se estudarmos a história desde os tempos remotos, perceberemos as
exclusões sociais inerentes a cada época, podemos citar a época em que a mulher
não tinha direito à educação, vida civil, não possuía autonomia e quando casava
era escrava das atividades domésticas. Nessa seara, havia também os escravos
que trabalhavam nas senzalas e eram relegados às ordens dos seus senhores, mas
também havia os homossexuais, que eram considerados pessoas asquerosas e
perseguidas pela Inquisição, pelo nazismo, fascismo, entre outros.

Entretanto, com a evolução da sociedade, a mulher conquistou o seu


espaço, o escravo conseguiu alforria, mas os homossexuais ainda batalham por
muitos direitos, alguns já conquistados, outros ainda em disputa.

Nossa sociedade ainda é preconceituosa, pois as pessoas que não estão


enquadradas no padrão preestabelecido são alvo de preconceito, chamadas de
diferentes, elas representam a minoria, mas a luta é justamente para garantir uma
igualdade de direitos e respeito.

Essas diferenças são causas de discriminação social, pois a sociedade


estipulou que o padrão correto é ser normal, então quem foge desse enquadramento
é motivo de olhares displicentes, como: pessoas com alguma deficiência ou
síndrome, negros, índios, transgêneros, homossexuais, aliás, essas duas últimas
categorias nos fazem pensar que o normal é ser heterossexual. Optar por uma
vida sexual diferente significa ser taxado como uma pessoa depravada, torturada
emocionalmente e excluída da sociedade.

Falar na possibilidade de homossexuais contraírem núpcias é um tanto


polêmico, mas a discussão não é recente e tem relação ao direito de igualdade.
Temos dois grupos distintos, os que são favoráveis e aqueles que são contrários.

Os que são contrários à união homoafetiva afirmam que a Constituição


acolhe a família como unidade estrutural da sociedade em seu art. 226, § 3º,
quando diz que: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável
entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua
conversão em casamento” (BRASIL, 2012, p. 128).

O respaldo não é apenas na Constituição, mas as pessoas que relutam


contra a união entre homossexuais se baseiam também no artigo 1.723 do Código
Civil, que diz: “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o
homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e
estabelecida com o objetivo de constituição de família” (VENOSA, 2007, p. 203).

107
UNIDADE 2 | INTERFACE DOS DIREITOS HUMANOS

Filho (2012) acalenta essa ideia quando aduz que a Constituição de 1988
já tinha vistas na mudança dos tempos, anunciando que o abrigo à família não se
restringe apenas aos itens relativos ao matrimônio, mas alcança o ato decorrente
da união estável.

Dessa forma, cabe ainda esclarecer que o direito à igualdade está


relacionado a um tratamento isonômico, independentemente da escolha sexual e,
no caso em questão, interpretar a família deveria ser observado com um espectro
maior, pois para muitos autores e também para uma parte da sociedade, o conceito
de família significa ser constituída exclusivamente por homens e mulheres, sendo
encarado como uma afronta ao direito de igualdade.

Independentemente da opção sexual, todas as pessoas merecem ser


tratadas com dignidade, sem discriminação, devem ser portadoras do mesmo
direito, independente da sua condição sexual, dessa forma, a intenção é promover
o encorajamento pelo respeito aos direitos humanos para todos.

108
TÓPICO 3 | AVANÇOS TECNOLÓGICOS E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: DESAFIOS E PERSPECTIVAS BIOÉTICAS

LEITURA COMPLEMENTAR

O CASO VINCENT HUMBERT


Ferreira Júnior
Celso Rodrigues

Recentemente o mundo foi surpreendido pela notícia de uma mãe francesa


que, após anos cuidando de seu filho, que havia ficado tetraplégico, mudo e cego
após um acidente automobilístico, praticou a eutanásia, provocando-lhe, por
consequência, a morte.

Marie Humbert, mãe de Vincent Humbert, será julgada pelo Poder


Judiciário da França, cuja legislação proíbe a prática da eutanásia, podendo vir a
ser condenada por tal conduta.

O Caso Vincent Humbert, além de reacender o debate em torno da eutanásia,


coloca em choque os direitos fundamentais à vida e à dignidade, desafiando o
jurista na busca da solução mais justa.

É certo, de acordo com nosso convencimento, que o direito positivo, da


forma concebida pela escola kelseniana, não será capaz de oferecer uma solução
adequada à questão, impondo-se a utilização do processo de ponderação.

Vítima de um acidente automobilístico em 24.09.2000, Vincent Humbert,


à época contando 19 anos de idade, ficou tetraplégico, mudo e cego, conseguindo
movimentar apenas um de seus polegares, através do qual se comunicava com a mãe.

Seu caso tornou-se célebre, reacendendo o debate em torno da eutanásia


na França quando, em dezembro de 2002, o jovem Vincent escreveu uma carta ao
então presidente francês, Jacques Chirac, na qual, pleiteando o direito de morrer,
pedia pela descriminalização da eutanásia.

No dia 25.09.2003, o jovem havia lançado o livro intitulado "Eu lhe Peço o
Direito de Morrer", escrito com o auxílio de um jornalista, no qual afirmava: "Eu
nunca verei este livro porque eu morri em 24 de setembro de 2000 [...]. Desde aquele
dia, eu não vivo. Me fazem viver. Sou mantido vivo. Para quem, para que, eu não
sei. Tudo o que eu sei é que sou um morto-vivo, que nunca desejei esta falsa morte". 

A mãe de Vincent, Marie Humbert, em entrevista dias antes da prática da


eutanásia, afirmara que a morte do jovem estaria programada, tendo sido planejada
durante alguns meses, e que a ida da família para a Suíça, país que autoriza o
procedimento, teria sido cogitada, mas rejeitada por Vincent, que se recusava a
sair de seu país para ver reconhecido seu direito de morrer.

109
UNIDADE 2 | INTERFACE DOS DIREITOS HUMANOS

Diante do desejo de seu filho de se ver livre do sofrimento provocado por


sua condição, Marie Humbert, no mesmo dia do lançamento do livro de Vincent,
teria introduzido aos alimentos ministrados a Vincent através de uma sonda uma
mistura de barbitúricos, que teriam provocado o coma e morte do jovem um dia
depois, em 26.09.2003. 

Após passar algumas horas presa, a mãe de Vincent foi posta em liberdade,
encontrando-se sob cuidados psiquiátricos enquanto aguarda uma posição do
Ministério Público francês.

O Poder Judiciário francês teve, recentemente, a oportunidade de se


manifestar sobre a eutanásia no julgamento de Christine Malevre, enfermeira que,
entre os anos de 1997 e 1998, provocou a morte de seis pacientes terminais.

Em primeira instância, Christine havia sido condenada a uma pena de 10


anos de prisão; pena esta que foi agravada para 12 anos pelo Tribunal do Crime
de Paris. Embora a prática da eutanásia seja ilegal na França, a opinião pública,
no Caso Vincent Humbert, tem se posicionado favoravelmente à atitude de Marie
Humbert, acreditando ter a mesma agido corretamente ao provocar a morte de
seu filho.

Para alguns autores, a manutenção da vida, em determinadas situações, não


será a melhor solução a se pregar, uma vez que a existência de Vincent Humbert
não mais se revestia de critérios mínimos de dignidade, razão pela qual acredita-
se, muitas vezes, na admissão do sacrifício do direito à vida em prol da dignidade.

FONTE: JUNIOR F, RODRIGUES C. O Caso de Vicent Hubert. 2012. Disponível em: <http://www.
egov.ufsc.br/portal/conteudo/o-caso-vincent-humbert>. Acesso em: 8 out. 2017.

110
RESUMO DO TÓPICO 3
Parabéns, você chegou no final deste tópico e desta unidade com
sucesso, ampliando seus conhecimentos para que, no futuro, possa utilizá-los
com segurança, portanto, você é capaz de compreender que:

• Os biocientistas devem ter como paradigma o respeito à dignidade da pessoa


humana, que é o fundamento do Estado Democrático de Direito.

• A dignidade da pessoa humana é irrenunciável e inalienável, ou seja, não pode


ser doada, transferida para outra pessoa ou vendida.

• Para o ser humano, não deve existir um bem mais precioso do que viver com a
consciência tranquila.

• A liberdade de religião é um direito fundamental que determina uma escolha


de vida e deve ser respeitada.

• Para muitas pessoas, eutanásia é uma forma digna de interromper a vida de


uma pessoa que está inválida.

• No Brasil, a eutanásia só é autorizada por via judicial.

• Apesar da cirurgia transgenital ser realizada em todos os continentes, o


reconhecimento do direito de mudança de sexo é muito polêmico.

• Cirurgia para mudança de sexo ocorre por sentença judicial.

• O direito do transexual está baseado no direito à saúde, no direito à vida


privada, tutelados pela Carta Magna e também no Código Civil.

• Independentemente da opção sexual, todas as pessoas merecem ser tratadas


com dignidade, sem discriminação, devem ser portadoras do mesmo direito,
independente da sua condição sexual.

111
AUTOATIVIDADE

1 Estabeleça um conceito para transexual.

2 Eutanásia é o ato de amenizar a dor ou sofrimento de uma pessoa, abreviando


a vida, ou seja, antecipando a morte, de uma forma digna, para livrá-la do
mal que a aflige. Diante dessa afirmativa, assinale a alternativa correta:

( ) Apenas no Brasil existe a exigência de autorização judicial para realizar a


eutanásia.
( ) Só existe uma modalidade de eutanásia, que é por injeção letal.
( ) No Brasil, deve-se recorrer ao ordenamento jurídico, a fim de obter
autorização para realizar a eutanásia.
( ) Quando descaracteriza a questão da piedade, abreviando a morte da pessoa,
daí se caracteriza a eutanásia.

3 Defina o que é dignidade da pessoa humana.

4 Explique se é possível um indivíduo se recusar a receber transfusão sanguínea


por crença religiosa.

5 Cite a previsão legal que os transexuais possuem, perante a legislação


brasileira.

112
UNIDADE 3

PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS
EM BIOÉTICA: A JUSTIÇA SOCIAL,
CIDADANIA E DIVERSIDADE CULTURAL

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir desta unidade, você será capaz de:

• estudar e compreender conceitos de justiça social;

• conhecer a evolução histórica da justiça social;

• compreender a relação entre bioética e justiça social;

• estudar e compreender conceitos de cidadania;

• conhecer a evolução histórica do conceito de cidadania;

• compreender a relação entre bioética e cidadania;

• entender os desafios atuais da bioética;

• estudar algumas abordagens teóricas sobre a diversidade cultural;

• estudar sobre a diversidade cultural no Brasil;

• compreender os conflitos entre bioética e diversidade cultural.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você en-
contrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – BIOÉTICA E JUSTIÇA SOCIAL: PROBLEMAS CONTEM-


PORÂNEOS

TÓPICO 2 – BIOÉTICA E CIDADANIA: PROBLEMAS CONTEMPO-


RÂNEOS

TÓPICO 3 – BIOÉTICA E DIVERSIDADE CULTURAL: PROBLEMAS


CONTEMPORÂNEOS
113
114
UNIDADE 3
TÓPICO 1

BIOÉTICA E JUSTIÇA SOCIAL: PROBLEMAS


CONTEMPORÂNEOS

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, estudamos, nas unidades anteriores, alguns dos
princípios e conceitos relacionados à bioética e aos direitos humanos, a partir de
diversos questionamentos diretamente ligados aos direitos e deveres dos seres
humanos enquanto cidadãos. Porém, agora, observaremos a bioética a partir dos
conflitos sociais, levando em consideração os princípios ligados à justiça social,
cidadania e diversidade cultural.

A partir deste tópico, estudaremos e compreenderemos aspectos


relacionados aos problemas atuais da bioética e como esses assuntos se relacionam
no contexto atual da vida do ser humano que vive em sociedade. Estudaremos,
ainda, a origem, conceitos, princípios da justiça social, cidadania e diversidade
cultural e estabeleceremos a relação com a bioética e os direitos humanos,
compreendendo aspectos que vão além da bioética.

Além disso, compreenderemos que a bioética não se resume apenas a


conflitos relacionados a pesquisas genéticas e à consequente possibilidade da
interferência humana em casos como a manipulação genética, as técnicas de
reprodução humana, como a fertilização in vitro, inseminação artificial, clonagem
humana etc., mas também a tudo o que diz respeito às formas de vida digna dos
seres humanos.

Para isso, precisaremos retomar algumas reflexões morais e éticas já


tratadas nas unidades anteriores, relacionando-as aos conceitos de dignidade
humana e direitos humanos, os quais aprofundaremos, levando em consideração
aspectos relacionados à justiça social, cidadania e diversidade cultural.

Caro acadêmico, conforme já mencionado, neste tópico, nossa intenção não


é conduzi-lo ao conhecimento da bioética frente aos avanços científicos, pois isso já
lhe foi apresentado nas unidades anteriores, trataremos de temas que ultrapassam
as barreiras estritamente ligadas aos conflitos éticos e morais desses avanços em
relação a sua aplicação e pensaremos em questões relacionadas a condições de
vida das pessoas na sociedade e o acesso dessas a novas biotecnologias existentes.

115
UNIDADE 3 | PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS EM BIOÉTICA: A JUSTIÇA SOCIAL, CIDADANIA E DIVERSIDADE CULTURAL

Não basta apenas pensar se é possível ou não; se é ético ou não; se é moral


ou não; fazer um transplante de órgãos, uma fertilização in vitro, uma mudança
de sexo, uma inseminação artificial ou qualquer outra situação abordada nas
unidades anteriores, mas, sim, é preciso pensar sobre quem são os sujeitos ativos
e passivos de todos esses processos e quem consegue ter acesso a todas essas
novas formas e técnicas que surgem na biotecnologia.

Será que todos os seres humanos do planeta têm acesso às biotecnologias


novas que vêm surgindo? Como essas biotecnologias contribuem para uma sociedade
mais justa e igualitária? Será que realmente existe justiça social quando tratamos
dessas questões? Para isso, iniciaremos o nosso estudo falando sobre justiça social,
“o que é?”, “como surge?” e “pra que serve?”, alinhavando tudo isso com a bioética.

Preparado? Então vamos nessa!

2 JUSTIÇA SOCIAL
Para compreender o que é justiça social e qual é a sua relação com a
bioética, faz-se necessário um resgate da terminologia justiça. Primeiramente, é
preciso dizer que a origem etimológica da palavra justiça vem do latim, justitia,
que significa direito, administração legal. Esta palavra latina, por sua vez, é
originária de justus, que traduzindo para o português significa justo e tem sua
origem na palavra jus, que significa correto, lei.

Você já pensou que a “justiça” nem sempre é justa? Que existe diferença
entre justiça e justiça social? Que a questão da justiça social surge para nos levar
a compreender que existem situações que devem analisar particularidades e não
ser tratadas como generalidades para não ser injusto?

Caro acadêmico, é a partir desses questionamentos que passaremos a estudar


o conceito de justiça para compreender a diferença entre justiça e justiça social e como
ela se relaciona com a bioética e implica nas questões cotidianas da sociedade.

Vamos adiante?

2.1 CONCEITO DE JUSTIÇA SOCIAL


Historicamente, o conceito de justiça sofreu diversas transformações até
chegar a uma concepção atual. As questões relacionadas à justiça social não dizem
respeito unicamente à maneira como os indivíduos devem tratar uns aos outros.

Ao pensar em justiça, é preciso levar em consideração a maneira como a lei


deve ser e como a sociedade deve se organizar frente às mudanças biotecnológicas
que vêm surgindo dia após dia e influenciando e/ou interferindo de modo positivo
ou negativo na vida das pessoas.

116
TÓPICO 1 | BIOÉTICA E JUSTIÇA SOCIAL: PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS

Segundo Forst (2010), de modo geral, o conceito de justiça nos é


representado de forma bem determinada pela justitia, de olhos vendados,
segurando uma balança em uma das mãos e uma espada na outra. Cada um
desses elementos simboliza algo, sendo que os olhos vendados significam a
imparcialidade, que representa a característica central da justiça; a balança serve
para representar a ideia de ponderação e, a espada representa o caráter definitivo
da justiça e a autoridade de seu juízo.

FIGURA 46 – JUSTITIA – REPRESENTANDO IMPARCIALIDADE,


EQUILÍBRIO E AUTORIDADE

FONTE: Disponível em: <https://intelligentchristianfaith.


com/2015/08/18/1316/>. Acesso em: 26 dez. 2017.

Nas palavras de Forst (2010, p. 7), “a justiça é a virtude político-moral


mais elevada, pela qual podem ser medidas como um todo as relações jurídicas,
políticas e sociais – a estrutura básica da sociedade”. Um dos maiores problemas
que envolve a questão de justiça é a desigualdade social, pois está relacionado
à desigualdade de renda e de riqueza e é classificado como uma das maiores
ameaças sociais contemporâneas, atingindo países de alta, média e baixa renda,
tendo repercussão em diferentes âmbitos da vida das pessoas, por exemplo, na
área da saúde, nutrição, educação, violência e mortalidade.

Segundo Carvalho e Albuquerque (2015, p. 228), “a desigualdade refere-


se ao acesso não equitativo a recursos, que provoca diferenças injustas entre
indivíduos e grupos de pessoas, em nível nacional e internacional”. Seguindo
esse raciocínio, o conceito de justiça proposto por John Rawls (1997), em sua obra
“Uma teoria da justiça”, é que a justiça requer a distribuição justa dos principais
bens. Neste caso, ser justo seria provocar redução significativa das desigualdades
socioeconômicas, garantindo muito mais do que o mínimo de dignidade aos
seres humanos.

117
UNIDADE 3 | PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS EM BIOÉTICA: A JUSTIÇA SOCIAL, CIDADANIA E DIVERSIDADE CULTURAL

Nesse sentido, o Jornal Valor Econômico publicou uma matéria que trata
da desigualdade social no Brasil, na qual podemos perceber como a distribuição
de renda tem uma grande disparidade:

1% mais rico ganha 36 vezes mais que 50% mais pobres. No Brasil,
o ganho médio do 1% mais rico equivale a 36 vezes o que ganha a
metade mais pobre da população; a renda no Sudeste é 80% maior que
a do Nordeste; milhares de crianças ainda são obrigadas a trabalhar.
Os dados, divulgados ontem pelo IBGE, não deixam dúvida: a
desigualdade segue uma batalha a ser vencida no país. E, para
especialistas no tema, a partir da análise de uma série de indicadores,
ela provavelmente se aprofundou no ano passado (BÔAS, 2017, s.p.).

A redução de desigualdades socioeconômicas ocorre com a alocação dos


bens primários para indivíduos com base na igualdade de oportunidade justa,
devido às desvantagens que eles têm acumulada por meio da loteria natural da
vida (RAWLS, 1997).

Ainda, Rawls (1997) faz outra observação sobre a questão da justiça social
que não se baseia apenas na redistribuição de renda e diz que podemos delineá-la
a partir de três elementos distintos: 1) garantia das liberdades fundamentais para
todos; 2) igualdade de oportunidades; 3) manutenção de desigualdades apenas
para favorecer os mais desfavorecidos.

Prosseguindo com a conceituação de justiça, vemos que Sandel (2011, p.


321, grifo do original) explora três diferentes abordagens da justiça:

A primeira diz a que justiça significa maximizar a utilidade ou o


bem-estar – a máxima felicidade para o maior número de pessoas.
A segunda diz que justiça significa respeitar a liberdade de escolha
– tanto as escolhas reais que as pessoas fazem em um livre mercado
(visão libertária), quanto as escolhas hipotéticas que as pessoas deveriam
fazer na posição original de equanimidade (visão igualitária liberal). A
terceira diz que justiça envolve o cultivo da virtude a preocupação
com o bem comum.

Embora apresente essas três perspectivas diferentes de justiça, o autor


deixa claro que sua compreensão sobre o conceito de justiça se respalda na
terceira visão, pois a primeira concepção tem uma abordagem utilitária, tornando
a justiça uma questão de cálculo e não de princípio e acaba por nivelar todos
os bens humanos sem levar em consideração qualquer diferença qualitativa que
possa existir entre eles.

A segunda concepção é baseada na liberdade e acaba por resolver um


dos problemas referentes à primeira concepção, pois concorda que certos direitos
são fundamentais, porém, aceita qualquer preferência de qualquer indivíduo sem
que se possa questionar ou contestar quais desses desejos ou preferências serão
levados para a vida pública.

118
TÓPICO 1 | BIOÉTICA E JUSTIÇA SOCIAL: PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS

Assim, Sandel (2011, p. 322) afirma que para se conseguir uma sociedade justa
não basta maximizar a utilidade ou garantir a liberdade de escolha, é preciso, sobretudo,
“raciocinar juntos sobre o significado da vida boa e criar uma cultura pública que aceite
as divergências que inevitavelmente ocorrerão”. Assim ele afirma que:

A justiça é invariavelmente crítica. Não importa se estamos discutindo


bailouts ou Corações Púrpuras, barrigas de aluguel ou casamento entre
pessoas do mesmo sexo, ação afirmativa ou serviço militar, os salários
dos executivos ou o direito ao uso de um carrinho de golfe, questões
de justiça são indissociáveis de concepções divergentes de honra e
virtude, orgulho e reconhecimento. Justiça não é apenas a forma certa
de distribuir as coisas. Ela também diz respeito à forma certa de avaliar
as coisas (SANDEL, 2011, p. 322).

Caro acadêmico, é nesse sentido mais amplo de justiça, isto é, na forma


certa de distribuir e avaliar as coisas que se encaixa o conceito de justiça social,
pois conforme vemos em Hans Kelsen (1976), é preciso estabelecer uma diferença
entre justiça civil e justiça social.

Kelsen (1976), em “Teoria pura do direito”, define a justiça civil como a


busca pela imparcialidade em seu julgamento, sempre partindo dos aparatos
legais para justificar suas ações. Já a justiça social busca a remediação de
desigualdades por meio da verificação das dificuldades particulares de cada
grupo e da implementação de ações que venham remediar a situação.

Nesse sentido, a justiça social parte do preceito de que, para que se alcance
um ponto em que a convivência social torne-se “justa”, é necessário que se estabeleça
certa compensação para aqueles que começaram a vida social em desvantagem.
É desse princípio que partem ações como a instituição de um salário-mínimo, o
seguro-desemprego, cotas raciais e as demais ações de seguridade social.

DICAS

Para exemplificar o caso referente ao conceito amplo de justiça, ou seja, a justiça


social, assista ao filme: Eu, Daniel Blake (2017). Direção: Ken Loach.
Sinopse: Após sofrer um ataque cardíaco e ser desaconselhado pelos médicos a retornar ao
trabalho, Daniel Blake (Dave Johns) busca receber os benefícios concedidos pelo governo
a todos que estão nesta situação. Entretanto, ele esbarra na extrema burocracia instalada
pelo governo, amplificada pelo fato dele ser um analfabeto digital. Numa de suas várias idas
a departamentos governamentais, ele conhece Katie (Hayley Squires), a mãe solteira de
duas crianças, que se mudou recentemente para a cidade e também não possui condições
financeiras para se manter. Após defendê-la, Daniel se aproxima de Katie e passa a ajudá-la.

119
UNIDADE 3 | PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS EM BIOÉTICA: A JUSTIÇA SOCIAL, CIDADANIA E DIVERSIDADE CULTURAL

FIGURA 47 – CAPA DO FILME “EU DANIEL BLAKE” (2017)

FONTE: Disponível em: <https://www.netflix.com/watch/80112518?


trackId=13752289&tctx=0%2C0%2C>. Acesso em: 27 dez. 2017.

2.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE JUSTIÇA


SOCIAL
Para compreender melhor o conceito de justiça social, imperioso se faz
conhecer algumas das principais correntes filosóficas sobre o princípio da justiça
conhecidas e historicamente estudadas.

Assim, podemos apresentar vários pensadores gregos que já pensavam na


teoria da justiça, a partir de uma ideia de lei natural, como norma que prevaleceu
nas relações entre os homens, a qual se manteve vigente no mundo ocidental,
desde o século VI a.C. até o século XVII de nossa era.

Nesta perspectiva, Siqueira (1998, p. 72) afirma que o princípio da justiça pode
ser reconhecido por Platão e Aristóteles como uma “propriedade natural das coisas”.
Para justificar este entendimento Platão, em seu livro “A República”, descreve uma
sociedade naturalmente organizada, referindo-se a uma lei natural imutável. Neste
contexto, ele passa a categorizar os homens entre inferiores e superiores.

120
TÓPICO 1 | BIOÉTICA E JUSTIÇA SOCIAL: PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS

Para Platão, alguns homens já nasciam predestinados a serem artesãos,


enquanto outros, seriam naturalmente moldados ao comando político, os quais
seriam governantes. Assim, uma sociedade justa, vista sob o ponto de vista do
referido autor, consideraria que os súditos deviam obediência ao soberano, sem
ao menos contestar qualquer ação (SIQUEIRA, 1998).

Já, segundo Aristóteles (1991), a justiça é vista como uma virtude do ser
humano, assim como a injustiça é vista por ele como um vício. Portanto, agir
com justiça seria uma forma de praticar a virtude, não causando nenhum mal ao
seu próximo e agir com injustiça seria a prática do vício, em que o ser humano
egoísta não se importa com as consequências de suas ações para com os seus
semelhantes.

Aristóteles (1991, s.p.) vai além e afirma que existe mais do que uma
espécie de justiça. Do ponto de vista do referido autor, a justiça não é apenas
uma virtude, mas também pode ser o exercício de uma justiça pré-estabelecida, a
partir da qual se pratica justiça quando se age dentro da lei, uma vez que para ele
“a maioria dos atos ordenados pela lei são aqueles que são prescritos do ponto de
vista da virtude considerada como um todo”.

A ideia de justiça compreendida por Platão e Aristóteles como condição


natural deixou de ser assim concebida somente na modernidade, quando passa a
ser compreendida como uma decisão moral. Assim, a justiça passa a ser decidida
a partir de termos estabelecidos em um contrato social, dessa forma, as normas
que eram ditadas ao súdito não se deviam mais pela simples submissão, mas sim
por uma decisão livre.

A teoria de justiça proposta por Aristóteles, mais tarde, passa a ser objeto
de estudo de Tomás de Aquino, que a subdivide em três espécies distintas, sendo
elas: justiça legal, justiça distributiva e justiça comutativa. Isso fez com que os
tomistas do século XIX desenvolvessem um conceito de justiça social baseado
na justiça legal, a qual encontrou na “ética social cristã do século XX o principal
instrumento de sua difusão no discurso político e nos textos constitucionais,
como da Constituição Brasileira de 1988” (BARZOTTO, 2003, p. 1).

A ideia de justiça como conhecemos hoje, ou seja, o conceito de justiça social,


surge na Europa, a partir do século XIX, como uma resposta às desigualdades
sociais existentes na sociedade europeia. Esta concepção, atualmente, “está
ancorada em princípios morais e políticos e fundamentada nas ideias de igualdade
e solidariedade” (OLIVEIRA, 2017, s.p.).

121
UNIDADE 3 | PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS EM BIOÉTICA: A JUSTIÇA SOCIAL, CIDADANIA E DIVERSIDADE CULTURAL

FIGURA 48 – FOTOGRAFIA REPRESENTANDO O CONTRASTE DA DESIGUALDADE SOCIAL

FONTE: Disponível em: <http://www.nossasaopaulo.org.br/sites/default/files/


desigualdade.jpg>. Acesso em: 27 dez. 2017.

A justiça social como conhecemos hoje “consiste no compromisso do


Estado e instituições não governamentais em buscar mecanismos para compensar
as desigualdades sociais geradas pelo mercado e pelas diferenças sociais”
(OLIVEIRA, 2017, s.p.).

Assim, percebemos que a ideia de justiça social surge alicerçada na


concepção de que é preciso prover vida digna às pessoas hipossuficientes, a partir
de um tratamento igualitário, permitindo igualdade de oportunidades, em que
a sociedade deverá direcionar “melhor atenção aos que nasceram em posições
sociais menos favorecidas” (BITTAR, 2010, p. 451).

Oliveira (2017, s.p.) afirma, ainda, que justiça social “é um mecanismo


que busca fornecer o que cada cidadão tem por direito: assegurar as liberdades
políticas e os direitos básicos, oferecer transparência na esfera pública e privada
e oportunidades sociais”, promovendo o desenvolvimento de um país para além
das questões econômicas.

A partir do conceito de justiça social descrito, é possível identificar que,


no Brasil, a justiça social tornou-se um dos pilares da Constituição Federal de
1988, uma vez que adota o princípio da dignidade humana como fundamento da
República Federativa do Brasil (art. 1º, III, CF/88).

Contemplando esse princípio, a Constituição Federal de 1988 elegeu como


um de seus objetivos a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução
das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III, CF/88), promovendo o bem de
todos sem preconceitos e discriminações (art. 3º, IV, CF/88) (BRASIL, 1988).

122
TÓPICO 1 | BIOÉTICA E JUSTIÇA SOCIAL: PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS

Neste sentido, John Rawls (1997) afirma que uma sociedade somente será justa
se os principais valores sociais, a exemplo da liberdade, igualdade de oportunidades,
ingresso e redistribuição das riquezas, assim como as bases sociais e o respeito a si
mesmo, forem distribuídos de maneira equitativa, a menos que uma distribuição
desigual de algum ou de todos esses valores redunde em benefício para todos.

Caro acadêmico, a partir do exposto, fica evidente a evolução do conceito


de justiça social, uma vez que, inicialmente, parte-se de uma ideia de justiça como
uma condição natural e atualmente se chega à conclusão de que ela não mais é
uma condição natural, mas é baseada em preceitos morais e em desdobramentos
que ocorrem das relações sociais.

2.3 BIOÉTICA E JUSTIÇA SOCIAL


Vimos, até o momento, os principais conceitos de justiça e a sua evolução
histórica ao longo dos anos da existência do conceito de justiça, até se chegar a
um conceito de justiça social.

Tendo em vista que nas unidades anteriores discutiu-se os fundamentos


sobre a origem, importância, conceitos de bioética e direitos humanos, questiona-
se: é possível estabelecer uma relação entre justiça social e bioética? Quais os
fundamentos éticos e morais que nos levam a refletir sobre isso? Quais as implicações
que a injustiça social apresenta na vida cotidiana quando falamos em bioética?

Para ilustrar a importância da justiça social no campo da bioética, apresentamos


como exemplo o advento do vírus HIV/AIDS, ocorrido nos anos de 1980, quando
começaram a surgir diversos debates e profundas reflexões no campo da bioética.

Com o avanço dos estudos foi possível identificar, nos idos dos anos de
1990, conforme dados do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS
(UNAIDS, 2017) que o aumento de infectados pelo vírus HIV/AIDS ocorria mais
entre a população social e economicamente menos favorecida, tendo em vista a
maior dificuldade de acesso a mecanismos de prevenção, levando à incorporação
da terminologia vulnerabilidade social no campo da bioética.

Para compreender o que quer dizer vulnerabilidade, trazemos o


significado etimológico da palavra, o qual nos aponta que vulnerabilidade vem
do latim vulnerare = ferir, vulnerabilis = que causa lesão.

Assim, vemos que vulnerável quer dizer aquilo que pode ser fisicamente
ferido, ou ainda, significa uma pessoa frágil e incapaz de algum ato. Normalmente,
atribui-se esse termo a pessoas que possuem maior fragilidade diante de outras,
como idosos, crianças e deficientes físicos e mentais. Porém, o termo, não é apenas
utilizado nesse sentido, mas também para indicar a condição social de uma
pessoa perante outras, e diz-se vulnerável todas aquelas pessoas que têm maiores
obstáculos em relação ao acesso às questões relacionadas à saúde, educação,
cultura, lazer, políticas, resultando assim na desigualdade social.
123
UNIDADE 3 | PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS EM BIOÉTICA: A JUSTIÇA SOCIAL, CIDADANIA E DIVERSIDADE CULTURAL

Foi o que ocorreu no caso do vírus HIV/AIDS no início dos anos 1990.
Devido à dificuldade de acesso aos mecanismos de prevenção do vírus e certo
desconhecimento sobre como ele era transmitido, a população mais vulnerável,
diga-se, a população economicamente menos favorecida, foi a que mais sofreu
nesse período com o alastramento da doença.

Nesse caso, era preciso pensar em formas de combater o vírus e promover


justiça social, criando programas de acesso a informações sobre as consequências
da doença, como se prevenir contra ela e promover o acesso dessas populações
aos mecanismos de prevenção e medicamentos em caso de pessoas já infectadas.

DICAS

Para exemplificar o caso referente ao surgimento e alastramento do vírus HIV/AIDS


e a relação com a justiça social, veja o filme “And the band played on” (E a vida continua - 1993).
Sinopse: O filme retrata os primeiros anos da AIDS nos Estados Unidos, desde o início das
mortes em São Francisco, até o descobrimento do vírus HIV. Corajosa e inesquecível história,
nos fala dos desafios da ciência, da manipulação da mídia, da corrupção, do engano, da
tragédia e do triunfo.

FIGURA 49 – CAPA DO FILME “AND THE BAND PLAYED ON” (E A


VIDA CONTINUA)

FONTE: Disponível em: <https://filmow.com/e-a-vida-


continua-t13818/>. Acesso em: 26 dez. 2017.

124
TÓPICO 1 | BIOÉTICA E JUSTIÇA SOCIAL: PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS

Combater a desigualdade social não está restrito à justa redistribuição de


renda, mas também ao acesso igualitário à saúde, educação, esporte, lazer, cultura,
direitos políticos etc. A partir de todo o exposto, evidencia-se a importância da
prática da justiça social no campo da bioética, pois de nada adianta existirem novas
tecnologias nesse campo com a finalidade de proporcionar melhor qualidade de
vida aos seres humanos, se nem todos podem ter acesso a elas.

Portanto, promover justiça social no campo da bioética é proporcionar


que todos os seres humanos tenham iguais condições de acesso a essas novas
tecnologias, bem como às demais questões relacionadas à saúde, saneamento
básico etc.

125
RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico, você aprendeu que:

● A justiça é a virtude político-moral mais elevada, pela qual podem ser medidas
como um todo, as relações jurídicas, políticas e sociais – a estrutura básica da
sociedade.

● Um dos maiores problemas que envolve a questão de justiça é o da desigualdade


social, porque está relacionado à desigualdade da renda e da riqueza,
classificadas como as maiores ameaças sociais contemporâneas, atingindo
países de alta, média e baixa renda, tendo repercussão em diferentes âmbitos
da vida das pessoas, como na área da saúde, nutrição, educação, violência e
mortalidade.

● A justiça social é o mecanismo que busca fornecer o que cada cidadão tem por
direito, isto é, assegurar as liberdades políticas, os direitos básicos, oferecer
transparência na esfera pública e privada e oportunidades sociais.

● Existe diferença entre justiça civil e justiça social.

● Vulnerável não se restringe apenas àquilo que pode ser fisicamente ferido, ou
ao significado de pessoa frágil e incapaz de algum ato, também é admitido
para se referir a todas as pessoas que possuem maior fragilidade, por exemplo,
idosos, crianças e deficientes físicos e mentais etc.

● Vulnerabilidade também pode ser compreendida como o termo correto para


indicar a condição social de uma pessoa perante outras, dizendo-se vulnerável
aquela pessoa que tem maiores obstáculos em relação ao acesso às questões
relacionadas à saúde, educação, cultura, lazer, políticas etc. que resulta em
desigualdade social.

● O combate eficaz e eficiente à desigualdade social não está restrito à justa


redistribuição de renda, mas também ao acesso igualitário à saúde, educação,
esporte, lazer, cultura, direitos políticos etc.

126
AUTOATIVIDADE

1 Sobre justiça social, é incorreto afirmar que:

a) ( ) Justiça social está direta e intimamente ligada à vida do ser humano em


sociedade.
b) ( ) Justiça social é o mecanismo que busca fornecer o que cada cidadão
tem por direito, isto é, assegurar as liberdades políticas, os direitos básicos,
oferecer transparência na esfera pública e privada e oportunidades sociais.
c) ( ) Justiça social busca pela imparcialidade em seu julgamento, sempre
partindo dos aparatos legais para justificar suas ações.
d) ( ) Justiça social surge alicerçada na concepção de que é preciso prover
vida digna às pessoas hipossuficientes, a partir de um tratamento igualitário,
permitindo igualdade de oportunidades.

2 Qual é considerado, atualmente, o maior problema relacionado à justiça


social? Explique.

3 Explique a diferença entre justiça civil e a justiça social proposta por Kelsen.

4 Explique o conceito de vulnerável e qual foi o motivo que levou a bioética a


introduzi-lo como um de seus temas centrais em seus debates nos anos de
1990.

5 A partir do conteúdo exposto neste tópico, explique a relação entre bioética


e justiça social.

127
128
UNIDADE 3
TÓPICO 2

BIOÉTICA E CIDADANIA: PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, até o momento abordamos um dos problemas atuais da
bioética que está relacionado à justiça social. A partir deste tópico, abordaremos
outro, vinculado ao conceito de cidadania.

Estudaremos, neste tópico, os principais conceitos de cidadania,


elaborando uma construção da evolução histórica deste conceito, o qual
veremos que vive em constante processo de transformação, justamente por estar
diretamente vinculado às transformações sociais.

Compreenderemos, ainda, que a cidadania está diretamente ligada aos


direitos humanos e, por fim, numa abordagem mais específica, trataremos de alguns
problemas que envolvem a questão da cidadania e bioética, estabelecendo uma
relação entre seus conceitos, levando em consideração os conflitos sociais emergentes.

2 CIDADANIA
Para iniciarmos a nossa discussão e compreender o conceito de cidadania,
imperioso se faz buscar sua origem etimológica, portanto, pudemos identificar
que a palavra cidadania também deriva do latim, civitas, que segundo o Dicionário
Etimológico (2008-2018, s.p.) quer dizer cidade ou ainda conjunto de direitos
atribuídos aos cidadãos.

Assim, somente eram considerados cidadãos aqueles que estavam em


condições de usufruir desse conjunto de direitos. Vamos pensar em como eram
estabelecidas as relações sociais ainda na Roma Antiga na raiz do direito?

Você sabia que, mesmo na Roma Antiga, nem todas as pessoas eram
consideradas cidadãs? E que dentre as pessoas não consideradas cidadãs podemos
citar os escravos e libertos? Que a plebe só era considerada cidadã diante do valor
de suas posses?

A partir dessa afirmativa, iremos definir o que é cidadania, bem como


o que é considerado um cidadão nos tempos contemporâneos e passaremos a
demonstrar como o conceito de cidadania evoluiu ao longo dos anos.

129
UNIDADE 3 | PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS EM BIOÉTICA: A JUSTIÇA SOCIAL, CIDADANIA E DIVERSIDADE CULTURAL

2.1 CONCEITO DE CIDADANIA


Atualmente, é possível identificar várias outras palavras na língua
portuguesa que surgiram a partir da mesma raiz etimológica de civitas, como as
palavras civil, civilização, civismo, entre outras.

Conceituando a terminologia cidadania, José Afonso da Silva (2005, p. 305),


em seu “Curso de direito constitucional positivo”, afirma que a “cidadania […]
qualifica os participantes da vida do Estado, é atributo das pessoas integradas na
sociedade estatal, atributo político decorrente do direito de participar no governo
e direito de ser ouvido pela representação política”.

Neste mesmo sentido, Dallari (1998) aduz que cidadania é a expressão de


um conjunto de direitos que proporciona à pessoa a possibilidade de participar de
forma ativa da vida e do governo de seu povo. Segundo o referido autor (1998, p.
14), “Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da
tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social”.

Segundo Lenza (2012, p. 1098), o conceito de cidadania tem como


pressuposto “a nacionalidade […], caracterizando-se como a titularidade de
direitos políticos de votar e ser votado. O cidadão, portanto, nada mais é do
que o nacional que goza de direitos políticos”. A nacionalidade, por sua vez, é
considerada um conceito mais amplo que a cidadania, de modo que só pode ser
titular da nacionalidade aqueles determinados pelo Estado e somente o titular de
nacionalidade pode ser considerado cidadão (SILVA, 2005). Contribuindo para o
conceito de cidadania, Verdum (2016, p. 86), afirma que:

Ela é definida comumente como o conjunto de direitos e deveres


universais dos indivíduos em relação ao Estado, que se encontram
codificados na Constituição Política deste Estado. Ou também o
exercício dos direitos garantidos universalmente aos indivíduos na
Constituição Política do Estado.

Prosseguindo com o conceito de cidadania, Marshall (1967) o classifica


em três categorias distintas: cidadania civil, cidadania política e cidadania social.

Assim, ele afirma que cidadania civil são os direitos necessários para
exercer a liberdade individual. A cidadania política são os direitos de ter
participação direta ou indireta do poder político, seja por meio do voto, seja por
meio de ser eleito a cargo político. A cidadania social, por sua vez, entende-se
como, um conjunto de direitos e deveres referentes ao sistema de educação, aos
serviços de saúde e de assistência social, bem como das instituições básicas para
uma vida civilizada (MARSHALL, 1967). Nesse sentido, Oscar (2002, s.p.) faz
uma distinção entre a cidadania e o exercício da cidadania, afirma ele que:
Cidadania é a reunião das liberdades e direitos sociais, políticos e
econômicos, ainda que não totalmente consolidados pela legislação.
O Exercício da Cidadania é o usufruto dessas liberdades e direitos
prometidos ou garantidos, devendo-se sempre reivindicar o
cumprimento do que é justo, lícito, útil, para todos os indivíduos.

130
TÓPICO 2 | BIOÉTICA E CIDADANIA: PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS

O autor ainda afirma que o exercício desses direitos não pode implicar em
algo ruim para o próximo, é preciso ter consciência dos limites, ter percepção do
que é bom ou ruim, do que é certo ou errado. Nossas atitudes para além de não
prejudicar o próximo, devem ser benéficas para toda sociedade.

Segundo Carvalho (2003), a cidadania tem relação com a sensação de


pertencimento, pois a partir do momento que as pessoas passam a ter participação
política e constituem uma identidade nacional, construída a partir de fatores
como religião, língua, usos e costumes, passam a ter a sensação de pertencimento
e, consequentemente, sentirem-se cidadãos.

Segundo Verdum (2016, p. 86, grifos do original), “O conceito de cidadania,


como a definição dos direitos cidadãos, tem estado sempre relacionado com a história
da constituição do Estado moderno e com o processo de formação da democracia
no seu interior”. Assim, Oscar (2002) afirma que a cidadania não é algo pronto, ela
precisa ser construída dia após dia, a partir das relações sociais. Segundo ele (s.p.):

Construir cidadania é também construir novas relações e consciências.


A cidadania é algo que não se aprende com os livros, mas com a
convivência, na vida social e pública. É no convívio do dia a dia que
exercitamos a nossa cidadania, através das relações que estabelecemos
com os outros, com a coisa pública e o próprio meio ambiente. A
cidadania deve ser perpassada por temáticas como a solidariedade, a
democracia, os direitos humanos, a ecologia, a ética.

Assim, percebe-se que a cidadania não é algo dado. Ela é uma conquista
de lutas constantes, deriva da nossa capacidade de organização, participação nas
decisões políticas e intervenção social, pois conforme vimos anteriormente, em
Marshall (1967), a plenitude da cidadania está relacionada a um conjunto de direitos.

2.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DE CIDADANIA


Em sua origem, a terminologia cidadania foi adotada para identificar a
situação política das pessoas, bem como designar os direitos que elas poderiam
exercer ou que possuíam.

Segundo Pinsky e Pinsky (2003), o conceito de cidadania é um conceito


que sofre variações no tempo, não comportando uma única definição, uma vez
que sua conceituação se firma tanto por regras definidoras, quanto por direitos e
deveres que passam a caracterizá-lo.

Assim, uma das primeiras evoluções do termo civitas, segundo o Dicionário


Etimológico (2008-2018), é de que ele surge a partir da palavra civis, que na Roma
Antiga era usada para denominar todos os homens que moravam na cidade.

Sobre a transformação do conceito de cidadania, Carvalho (2003) afirma


que, além de ser definido ao longo do processo histórico, ele é um conceito
complexo, pois é um processo em construção que envolve várias dimensões e a
relação das pessoas com o Estado e com a Nação.
131
UNIDADE 3 | PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS EM BIOÉTICA: A JUSTIÇA SOCIAL, CIDADANIA E DIVERSIDADE CULTURAL

É importante destacar que o conceito de cidadania utilizado na Roma


Antiga era bem diferente da definição contemporânea do termo, pois naquela
época, para os antigos romanos, só eram considerados cidadãos os grandes
proprietários de terra que não eram submissos por qualquer situação a um
terceiro, ou seja, ser cidadão implicava diretamente em ter posses.

Existia uma discriminação quanto à atribuição da cidadania às pessoas na


Roma Antiga, segundo Dalmo de Abreu Dallari (1998), separavam-se as pessoas
por classe social. Os romanos não eram considerados todos iguais, existiam as
pessoas livres e os escravos, dentre as pessoas livres, havia uma categorização de
cidadania. A cidadania pura e simples e a cidadania ativa.

A cidadania ativa pertencia apenas aos patrícios, que eram membros das
famílias importantes de Roma e tinham o direito de ocupar os cargos políticos.
As mulheres, mesmo sendo esposas de patrícios, não possuíam cidadania ativa e,
portanto, nunca poderiam participar da vida política ocupando algum cargo da
administração pública.

A cidadania, pura e simples, pertencia aos plebeus. Estes eram considerados


cidadãos, porém, sem direito políticos e tão pouco poderiam ocupar algum cargo
público como senador ou administrador do império.

FIGURA 50 – REPRESENTAÇÃO DOS CIDADÃOS NO IMPÉRIO ROMANO (ROMA ANTIGA)

FONTE: Disponível em: <https://ccss2eso.files.wordpress.com/2016/09/sociedade-


romana.jpg?w=900>. Acesso em: 27 dez. 2017.

132
TÓPICO 2 | BIOÉTICA E CIDADANIA: PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS

A divisão de classes se manteve por muitos anos, podendo ser perceptível


ainda nos séculos XVII e XVIII, quando já se iniciavam os tempos modernos
na Europa. Lembrando muito a Roma Antiga, os nobres gozavam de muitos
privilégios, podendo ocupar os cargos e funções públicas, enquanto as classes
mais empobrecidas viviam de seu trabalho. Entre estes, existia a burguesia, que
era uma classe mais rica, porém não gozava de direitos políticos iguais aos da
nobreza (DALLARI, 2017).

Foi nesse período que se iniciou uma série de revoluções provocadas


pelos burgueses e trabalhadores, entre os anos de 1688 e 1689, que ocasionou
a conhecida Revolução Burguesa na Inglaterra, que acaba por destituir o rei de
todos os seus poderes e os burgueses passam a dominar o Parlamento.

Mais tarde, movimento semelhante ocorreu na França, no ano de 1789, que


passou a ser conhecido como Revolução Francesa. Segundo Dallari (2017, s.p.):

Esse movimento foi muito importante porque influiu para que grande
parte do mundo adotasse o novo modelo de sociedade, criado em
consequência da Revolução. Foi nesse momento e nesse ambiente que
nasceu a moderna concepção de cidadania, que surgiu para afirmar
a eliminação de privilégios, mas que, pouco depois, foi utilizada
exatamente para garantir a superioridade de novos privilegiados.

Importante lembrar que quando se falava no direito à cidadania, falava-se


que todos deveriam ter os mesmos direitos políticos, ou seja, os mesmos direitos
de participar do governo, sem qualquer distinção entre pobres e ricos, homens e
mulheres. Neste sentido, as mulheres tiveram papel importante nos movimentos
políticos e sociais na era da Revolução Francesa.

Após esse episódio, a França edita a sua primeira Constituição no ano de


1791, na qual manteve a monarquia e contrariou totalmente a ideia de direitos
iguais para todos, estabelecendo que somente cidadãos ativos poderiam votar e
ser eleitos para cargos na Assembleia Nacional.

Segundo Dallari (2017), para ser cidadão ativo precisava ser francês, do
sexo masculino e proprietário de bens imóveis, bem como ter uma renda mínima
anual elevada. Excluiu-se, portanto, as mulheres, os trabalhadores e as camadas
mais pobres da sociedade.

O protagonismo feminino em relação à conquista de direitos políticos e


sociais também pode ser identificado no início do século XX, no Reino Unido, quando
mulheres resolveram se rebelar e resistir publicamente à opressão da polícia.

133
UNIDADE 3 | PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS EM BIOÉTICA: A JUSTIÇA SOCIAL, CIDADANIA E DIVERSIDADE CULTURAL

DICAS

Para compreender este fenômeno, indicamos o filme “The suffragettes” (As


sufragistas).
Sinópse: No início do século XX, após décadas de manifestações pacíficas, as mulheres ainda
não possuem o direito de voto no Reino Unido. Um grupo militante decide coordenar atos de
insubordinação, quebrando vidraças e explodindo caixas de correio, para chamar a atenção
dos políticos locais à causa. Maud Watts (Carey Mulligan), sem formação política, descobre
o movimento e passa a cooperar com as novas feministas. Ela enfrenta grande pressão da
polícia e dos familiares para voltar ao lar e se sujeitar à opressão masculina, mas decide que
o combate pela igualdade de direitos merece alguns sacrifícios.

FIGURA 51 – CAPA DO FILME “THE SUFFRAGETTE” (AS SUFRAGISTAS)

FONTE: Disponível em: <http://br.web.img2.acsta.net/c_215_290/


pictures/15/10/16/21/28/199248.jpg>. Acesso em: 29 dez. 2017.

Caro acadêmico, foi possível perceber até agora que existe um grande
consenso em relação às transformações que o conceito de cidadania sofreu e
ainda sofrerá durante o longo da história. Conforme Marshall (1967), a cidadania
se desdobra em três formas e tempos distintos, sendo que no século XVIII surgem
os direitos civis, no século XIX os direitos políticos e no século XX os direitos
sociais. Todos estes direitos compõem o conceito de cidadania.

134
TÓPICO 2 | BIOÉTICA E CIDADANIA: PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS

Os direitos sociais surgem em decorrência da grande desigualdade social


causada pelo processo de integração cultural e econômica de diversas nações a partir
do advento da globalização – desenvolvimento da ciência, tecnologia e informação
– também conhecida como a era da Revolução Industrial (COHN, 2005).

É importante destacar que a Revolução Industrial causou um aumento


significativo do desemprego e causou precarização das condições de trabalho,
gerando diversos problemas sociais, como a violência urbana, pobreza e
vulnerabilidade (OLIVEIRA, 2017).

Para fechar esta discussão sobre as transformações do conceito de


cidadania, Verdum (2016) afirma que a emergência de novas identidades, que
são denominadas de novas cidadanias e passam a reivindicar o reconhecimento
de direitos coletivos a partir de movimentos sociais, vem colocando em xeque
esse conceito tradicional de cidadania. A partir desses novos movimentos sociais,
pode-se identificar que o conceito de cidadania comporta várias interpretações.

2.3 CIDADANIA NO DIREITO BRASILEIRO


Conforme visto até agora, vários foram os conceitos elaborados até
se chegar ao conceito contemporâneo de cidadania. No Brasil, o conceito de
cidadania vem percorrendo caminhos tortuosos, pois ainda estamos construindo
a nossa cidadania.

Não podemos negar que já avançamos muito e demos passos significativos


quando do processo de redemocratização e da promulgação da Constituição
Federal de 1988, mas ainda temos muito a evoluir, pois a ideia que se tem de
cidadania ainda é muito reducionista e se restringe a pensar que cidadania é o
direito de votar e de pagar os tributos (impostos, taxas etc.).

Fato é, que desde o início colonização viemos construindo uma sociedade


excludente, assim, podemos dizer que temos mais de 500 anos de cidadania
excludente. Conforme afirma Rosa Maria Godoy Silveira (2017, s.p.), isso vem
ocorrendo desde a “destituição dos nativos in loco à destituição longínqua dos
negros africanos, gestamos uma sociedade assimétrica hierárquica, discriminatória
social, étnica e culturalmente”.

Neste sentido, importante lembrar que até a abolição da escravidão no


Brasil, no ano de 1888, os negros escravizados não possuíam sequer direitos civis, o
que dirá direitos políticos e sociais. Mesmo tendo incorporado os direitos civis aos
ex-escravos, essa incorporação ocorreu mais de modo formal do que de forma real.

Cabe destaque histórico, que mesmo diante do significativo avanço


em termos de legislação e, um passo humanitário considerável, dadas as
circunstâncias da época, a proclamação da abolição da escravatura em 1888 no
Brasil (ainda Império) não materializou efeitos práticos sobre a realidade social.

135
UNIDADE 3 | PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS EM BIOÉTICA: A JUSTIÇA SOCIAL, CIDADANIA E DIVERSIDADE CULTURAL

Diante da falta de alternativas, a imensa massa de pessoas antes


escravizadas e residentes nas senzalas ou casarões das propriedades escravistas,
imediatamente após libertos por lei, viram-se dentro de um dilema óbvio.
Libertos, mas sem meios e recursos. Para onde ir?

Assim, inicia-se outro capítulo da história da desigualdade social no


Brasil, que passa a acrescentar a terminologia favela como vocábulo de amplo
uso nacional, utilizado à exaustão até os dias atuais.

Assim, vamos percorrer a história sob a lente da realidade do Rio de


Janeiro/RJ, cidade que originou a primeira favela do Brasil, com ocupação do
Morro da Providência pelos negros escravizados e libertos e sem terem onde
residir, sob a ótica de exemplos de fotografias reais, que seguem.

FIGURA 52 – PRIMEIRA FAVELA DO BRASIL, MORRO DA PROVIDÊNCIA,


RIO DE JANEIRO, RJ, 1897

FONTE: Disponível em: <http://2.bp.blogspot.com/_bjFHQhLv810/


TI6DGkbHZBI/AAAAAAAAAWw/_g3I-HV3rU8/s400/MORRO+BABILONIA.
jpg>. Acesso em: 29 dez 2017.

136
TÓPICO 2 | BIOÉTICA E CIDADANIA: PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS

FIGURA 53 – FOTOGRAFIA DA FAVELA RIO DE JANEIRO, ANO 1910

FONTE: Disponível em: <https://www.revistaforum.com.br/osentendidos/wp-


content/uploads/2016/05/Carolina-de-Jesus-56.jpeg>. Acesso em: 29 dez. 2017.

FIGURA 54 – FAVELA RIO DE JANEIRO, ANO 1930

FONTE: Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/blogs/outras-palavras/


cem-anos-de-segregacao-8916.html/outras.jpg/@@images/b8e565cd-ea3c-4998-
ad93-4382ab6805ae.jpeg>. Acesso em: 29 dez. 2017.

137
UNIDADE 3 | PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS EM BIOÉTICA: A JUSTIÇA SOCIAL, CIDADANIA E DIVERSIDADE CULTURAL

FIGURA 55 – FAVELA RIO DE JANEIRO, ANOS 1980-1990

FONTE: Disponível em: <https://ims.com.br/wp-content/uploads/2017/07/


arq_577.jpg>. Acesso em: 29 dez. 2017.

FIGURA 56 – FAVELA RIO DE JANEIRO NOS DIAS ATUAIS

FONTE: Disponível em: <https://gdb.voanews.com/F7055A3A-41A6-429F-8F41-


90EDF3305B80_cx0_cy4_cw0_w1023_r1_s.jpg>. Acesso em: 29 dez. 2017.

138
TÓPICO 2 | BIOÉTICA E CIDADANIA: PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS

DICAS

Para levá-lo a uma maior compreensão e reflexão acerca do assunto desigualdade


social e cidadania no Brasil, recomenda-se a leitura do livro “Brasil, brasileiros. Por que somos
assim?”, organizado por Cristovam Buarque, Francisco Almeida e Zander Navarro.
Sinópse: Os diversos autores que contribuem para esta coleção de ensaios nos alertam
para várias ameaças e bloqueios que têm impedido a emergência do Brasil como nação
mais próspera e justa. São interpretações que derivam de leituras da realidade elaborada por
experimentados e sólidos cientistas sociais e observadores agudos de nossa realidade social.
É preciso refletir sobre o Brasil como espaço social e território de convivência humana, sobre
a identidade que poderia nos unir, sobre os nossos bloqueios estruturais ou conjunturais

FIGURA 57 – CAPA DO LIVRO “BRASIL, BRASILEIROS. POR QUE


SOMOS ASSIM?”

FONTE: Disponível em: <http://www.fundacaoastrojildo.com.br/2015/


wp-content/uploads/2017/12/brasileiros_porquesomosassim.png>.
Acesso em: 24 jan. 2018.

Voltando-nos para a esfera do direito brasileiro, percebemos que a


cidadania, juntamente à soberania, à dignidade da pessoa humana, aos valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político, tornou-se um dos
fundamentos da República Federativa do Brasil.

139
UNIDADE 3 | PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS EM BIOÉTICA: A JUSTIÇA SOCIAL, CIDADANIA E DIVERSIDADE CULTURAL

Percebemos que não só o conceito de cidadania, mas também os direitos


intrínsecos aos cidadãos brasileiros são abordados em vários momentos em nossa
Carta Magna, porém, precisamos nos ater à ideia que se tem de cidadania a partir
da legislação vigente no país, mas antes vamos buscar uma concepção de cidadania
expressa por Bonavides (2004), para explicar a diferença entre nacionalidade e
cidadania, muitas vezes confundidas entre si. Assim, o autor (2004, p. 1098) aduz
que a cidadania tem por pressuposto:  “[...] a nacionalidade (que é mais ampla
que a cidadania), caracterizando-se como a titularidade de direitos políticos de
votar e ser votado. O cidadão, portanto, nada mais é do que o nacional (brasileiro
nato ou naturalizado) que goza de direitos políticos”.

Embora a cidadania tenha como pressuposto a nacionalidade, é preciso


deixar claro que ambas são totalmente distintas. José Cretella Jr. (1992, p. 138, grifo
do original) diz que “a nacionalidade é a sujeição por nascimento ou por adoção,
do indivíduo ao Estado, cidadania é a habilitação do nacional para o exercício
desses mesmos direitos, cumpridos os requisitos legais”. Nestes termos, veremos
que nacionalidade pode ser primária, sendo que está independe da vontade
do indivíduo, pois é imposta de forma unilateral pelo Estado no momento do
nascimento, assim, para definir a nacionalidade, o Estado pode adotar dois
critérios: o ius sanguinis e o ius solis.

Outra forma é a nacionalidade secundária, que segundo Lenza (2012,


p. 1098), é “aquela que se adquire por vontade própria, depois do nascimento,
normalmente pela naturalização, que poderá ser requerida tanto pelos estrangeiros
como pelos heimatlos (apátridas), ou seja, aqueles indivíduos que não têm pátria
alguma”. Sobre a naturalização, Lenza (2012, p. 1098) afirma que:

O estrangeiro, dependendo das regras de seu país, poderá ser


enquadrado na categoria de polipátrida (multinacionalidade — ex.:
filhos de italiano — critério do sangue — nascidos no Brasil — critério
da territorialidade).
Surge, então, o chamado conflito de nacionalidade: a) positivo
— polipátrida (multinacionalidade) e b) negativo — apátrida,
intolerável, especialmente diante do art. XV da Declaração Universal
dos Direitos Humanos (1948), que assegura a toda pessoa o direito a
uma nacionalidade, proibindo que seja arbitrariamente dela privada,
ou impedida de mudá-la.

Assim, o Brasil adota o critério do ius solis, isso quer dizer que basta nascer
no território brasileiro para ser considerado brasileiro nato. A previsão legal
está disposta no art. 12, I da CF/88. Além disso, o mesmo dispositivo apresenta
algumas hipóteses taxativas de aquisição de nacionalidade brasileira.

Ainda, sobre a aquisição de nacionalidade secundária, Lenza (2012)


aduz que ela deve ocorrer de forma expressa, não se admitindo mais a aquisição
secundária de forma tácita, como ocorria na Constituição de 1891. A CF/88 somente
estabeleceu a naturalização expressa, que se divide em ordinária e extraordinária
(quinzenária). Exemplificação das formas de nacionalidade podem ser vistas nas
ilustrações a seguir.

140
TÓPICO 2 | BIOÉTICA E CIDADANIA: PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS

FIGURA 58 – SITUAÇÃO DO BRASILEIRO NATO

FONTE: Lenza (2012, p. 1099)

FIGURA 15 – SITUAÇÃO DO BRASILEIRO NATURALIZADO

FONTE: Lenza (2012, p. 1100).

Levando-se em consideração o direito brasileiro para definir e distinguir


nacionalidade e cidadania, José Afonso da Silva (2007, p. 319) tece o seguinte
comentário acerca do tema:
No Direito Constitucional brasileiro vigente, os termos nacionalidade
e cidadania, ou nacional e cidadão, têm sentido distinto. Nacional é
o brasileiro nato ou naturalizado, ou seja, aquele que se vincula, por
nascimento ou naturalização, ao território brasileiro. Cidadão qualifica
o nacional no gozo dos direitos políticos e os participantes da vida do
Estado (arts. 1º, II, e 14). Surgem, assim, três situações distintas: a do
nacional (ou da nacionalidade), que pode ser nato ou naturalizado; a
do cidadão (ou da cidadania) e a do estrangeiro, as quais envolvem,
também, condições jurídicas distintas [...].

Vimos até aqui que a nacionalidade é adquirida pelo simples nascimento


no país ou pela naturalização que pode ser solicitada em casos previstos em lei,
porém, a cidadania não ocorre da mesma forma. Poucos teóricos têm se debruçado
a explicar este instituto no Brasil.

141
UNIDADE 3 | PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS EM BIOÉTICA: A JUSTIÇA SOCIAL, CIDADANIA E DIVERSIDADE CULTURAL

Como dito anteriormente, ainda se tem uma visão muito reducionista do


que é cidadania no direito brasileiro, atribuindo-a ao exercício dos direitos políticos.
Nesse sentido, Maria Helena Diniz (2005, p. 10) define cidadania como: “Qualidade
ou estado de cidadão; vínculo político que gera para os nacionais deveres e direitos
políticos, uma vez que o liga ao Estado. É a qualidade de cidadão relativa ao exercício
das prerrogativas políticas outorgadas pela Constituição de um Estado Democrático”.

Neste mesmo sentido, José Afonso da Silva (2007, p. 345-46) descreve que
a cidadania:

[...] qualifica os participantes da vida do Estado, é atributo das pessoas


integradas na sociedade estatal, atributo político decorrente do direito
de participar no governo e direito de ser ouvido pela representação
política. Cidadão, no direito brasileiro, é o indivíduo que seja titular
dos direitos políticos de votar e ser votado e suas consequências.

Como vimos, o conceito de cidadania dominante no âmbito do saber


jurídico-constitucional brasileiro peca muito pela sua limitação, pois como afirma
Milena Petters Melo (1990), o conceito está calcado em concepções nitidamente
liberais, pautadas na ideia de democracia representativa que acabam por vinculá-
lo à nacionalidade, restringindo seu exercício ao direito de votar e ser votado e a
faculdade de ocupar cargos públicos.

No entanto, é preciso levar em consideração que a nova ordem


constitucional implantada com a promulgação da Constituição Federal de 1988
teve como um de seus objetivos instaurar o processo de redemocratização no país,
estabelecendo uma série de direitos e garantias fundamentais, os quais passam a
criar uma nova concepção de cidadania e exercício democrático no Brasil.

A esse respeito, Milena Petters Melo (1999) afirma que o exercício da


cidadania não se limita ao instante periódico do voto, ele é algo muito mais
amplo e está profunda e diretamente vinculado à concretização dos direitos
fundamentais e ao exercício democrático.

2.4 BIOÉTICA E CIDADANIA


Caro acadêmico, até agora abordamos assuntos ligados ao conceito de
cidadania, sua evolução histórica e como é percebida a cidadania do aspecto
jurídico-constitucional no Brasil.

A seguir, passaremos a estabelecer relação entre cidadania e bioética.


Você consegue perceber ou estabelecer alguma relação entre elas?

Para iniciar, vamos tentar compreender essa relação, levando em


consideração todo o exposto sobre bioética nas unidades anteriores. Como
vimos até o momento, por longo período de tempo a bioética se preocupou em
questionar as biotecnologias existentes.
142
TÓPICO 2 | BIOÉTICA E CIDADANIA: PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS

Contudo, chegou um momento em que seu papel passou a ser questionar e


se preocupar com outros assuntos que atingem a sociedade mais diretamente, como
o machismo, o racismo, a homofobia, entre outros, pois como vimos, ao longo da
história sempre houve uma certa imposição de superioridade do homem sobre a
mulher, bem como do homem branco sobre o homem negro ou indígena. Atualmente,
as discussões acerca da sexualidade das pessoas têm gerado conflitos constantes.

Dito isso, podemos perceber, ainda, que alguns direitos não produzem
os mesmos efeitos para algumas pessoas da sociedade, dentre elas, encontram-se
pessoas de classes socioeconômicas menos favorecidas, ou imigrantes e, nestes
casos, muitas vezes, não se preserva a cidadania.

Pensemos que, para que uma pessoa exerça sua cidadania ela precisa
poder ter acesso a todos os direitos civis, políticos e sociais. Neste sentido,
uma sociedade, para ser justa, deve compreender direitos iguais a todos e estes
compreendem todos os direitos humanos já citados nas unidades anteriores.

Quando falamos de bioética e exercício da cidadania, precisamos pensar


que, neste caso, o exercício da cidadania está no seu direito de participar das
discussões e decisões que envolvem diretamente seus interesses.

A Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, em seu artigo


2º alínea f, apresenta como um de seus objetivos:

f) promover um acesso equitativo aos progressos da medicina, da


ciência e da tecnologia, bem como a mais ampla circulação possível
e uma partilha rápida dos conhecimentos relativos a tais progressos
e o acesso partilhado aos benefícios deles decorrentes, prestando uma
atenção particular às necessidades dos países em desenvolvimento
(UNESCO, 2005, p. 6);

De acordo com o que afirma Garrafa (1999, p. 1-2), evidente que:

[…] a bioética não significa apenas uma moral do bem ou do mal, ou


um saber acadêmico a ser transmitido e aplicado na realidade concreta,
como a medicina ou a biologia: pela amplitude do objeto com o qual se
ocupa, seus verdadeiros fundamentos somente podem ser alcançados
através de uma ação multidisciplinar que inclua, além das ciências
médicas e biológicas, também a filosofia, o direito, a antropologia, a
ciência política, a teologia, a economia.

Assim, o desafio que se tem atualmente no campo da bioética não é apenas


tratar dos limites da ciência em relação aos seres humanos, mas, sim, chamar
para a discussão os atores sociais envolvidos. Como um exemplo disso, podemos
citar o caso polêmico que envolve a questão do aborto. Discute-se muito sobre o
direito à vida e as questões éticas e morais em torno do assunto, mas pouco se
discute sobre os problemas e impactos sociais que envolvem essa questão.

143
UNIDADE 3 | PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS EM BIOÉTICA: A JUSTIÇA SOCIAL, CIDADANIA E DIVERSIDADE CULTURAL

Cabe aqui salientar que atualmente existem inúmeras clínicas clandestinas


que fazem o procedimento abortivo, porém, cobram valores exorbitantes, e nem
sempre realizam um procedimento de forma higiênica, sem colocar em risco a vida
das mulheres. Além disso, há muitas que não possuem condições financeiras para
realizar o aborto em clínicas e optam por procedimentos de maior risco, como o uso
do Citotec, que vai eliminando o feto aos poucos, a introdução de objetos na vagina,
como facas e tesouras, outras ainda dão socos na barriga até perderem o feto.

Queremos deixar claro que não se está aqui fazendo qualquer apologia
ao procedimento abortivo, tão pouco criando juízo de valor. O que se pretende
com esse assunto é despertá-lo para a realidade e demonstrar como é importante
ter um tratamento e atendimento de saúde adequado e o quanto a bioética ainda
precisa avançar no aspecto social, levando o máximo de informações quanto aos
riscos ao optar por esses procedimentos abortivos.

Assim, questões de sensibilidade, tais quais as mencionadas, levam


adiante preocupações com a cidadania e demonstram que a bioética precisa
discutir e envolver não apenas postura conceitual, da compreensão ou não acerca
do quê é, do motivo etc.

Isso envolve a aplicação prática “da coisa” e a sua “operacionalidade”,


que diferencia o flutuante “dever ser”, do material, vivente e decorrente “ser”
em realidade, ou seja, as questões políticas sobre a prioridade na alocação de
recursos, mesmo escassos, para programas ou projetos governamentais que
possam diminuir as desigualdades e, consequentemente, as injustiças.

Também deve ter como objetivo discutir formas de tornar o ser


humano menos vulnerável a instrumentos de exploração, como a corrupção, o
analfabetismo e outras formas cruéis de injustiça, frisando que a correção e a sua
irreversibilidade demanda longo prazo.

Além disso, são inúmeras as novidades no campo da ciência que se


propõem a intervir na vida dos seres humanos, como questões de início de
vida, final de vida, transplantes, doações de órgãos, ou no âmbito da biologia
e da genética, como clonagem, células tronco, embriões etc. Incluindo, ainda,
questões que dizem respeito aos benefícios ou malefícios na utilização imediata
das informações, cujas pesquisas ainda não se deram por concluídas ou cujo
resultado não se sabe se servirá para o desenvolvimento de fato do ser humano.

A bioética atenta-se para normatizar a utilização dos novos conhecimentos,


não para fins egoístas, de vaidades e maléficos, ou para efeito da aquisição de
capital, como fim único, são pontuações pragmáticas que carecem de melhor
condução diante dos caminhos a percorrer, sobretudo aqueles que não devem
ser percorridos, face a uma sociedade já muito vulnerável ao poder, à violência,
ao frágil rompimento das relações interpessoais, ao desemprego persistente, em
contrapartida a tantos avanços e possibilidades, e à falta de perspectivas para os
realmente carentes, e que são ações indispensáveis em defesa da dignidade humana.

144
TÓPICO 2 | BIOÉTICA E CIDADANIA: PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS

Por tudo isso, é grande a importância da discussão de ações reais sobre o


valor de uma ciência livre, entretanto, eticamente responsável. Uma salvaguarda
para o ser humano como indivíduo e sociedade.

Para encerrar o assunto acerca do tema cidadania e demonstrar que não


se trata de algo meramente conceitual e filosófico, convidamos você, acadêmico,
a estudar a partir da observação do filme Intocáveis.

DICAS

Sinopse: retrata duas realidades extremamente opostas e dois personagens


antagônicos, é um retrato de como alguém pode ajudar o outro mesmo que as condições
sejam, a princípio, quase impossíveis. Um forte e saudável, mas pobre, e com poucas
perspectivas de sucesso, e outro rico, mas imóvel, sem poder desfrutar o que seu dinheiro lhe
oferece. Philippe é um homem extremamente rico e culto que devido a um acidente ficou
tetraplégico. Driss é um jovem que vive em condições precárias e que já cometeu atos que
o levaram preso por seis meses. Duas pessoas de mundos diferentes, de educação diferente,
que se encontram e fazem disso algo enriquecedor para a vida de ambos.

FONTE: Obvius Cinema. Disponível em: <http://obviousmag.org/imagens_e_palavras/2015/10/


os-intocaveis.html#ixzz52ryX1mtw>. Acesso em: 29 dez. 2017.

FIGURA 59 – CAPA DO FILME “INTOCÁVEIS”

FONTE: Disponível em: <http://br.web.img2.acsta.net/medias/


nmedia/18/89/89/00/20143859.jpg>. Acesso em: 29 dez. 2017.

145
RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você aprendeu que:

• O conceito de cidadania sofreu transformações e aprimoramentos no decorrer


da história.

• O estudo jurídico-constitucional brasileiro ainda tem uma concepção muito


reducionista do que é cidadania.

• Existe diferença entre cidadania e nacionalidade.

• Validamos a relação existente entre bioética e cidadania e através dessa relação


evidencia-se a possibilidade de acesso ou não aos mecanismos e benesses
oferecidos pela atual ciência.

146
AUTOATIVIDADE

1 Explique a origem do conceito de cidadania.

2 Explique a diferença entre nacionalidade e cidadania.

3 Em sua concepção, quais são os obstáculos sobre a alínea F, do artigo 2º da


Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos?

4 Assinale a afirmativa correta referente à bioética x cidadania.

a) ( ) Bioética visa normatizar a utilização dos novos conhecimentos para fins


especificamente egoístas de vaidades e malefícios, exclusivamente para efeito
de aquisição de capital, excluindo os realmente carentes.
b) ( ) Bioética atenta para normatizar a utilização dos novos conhecimentos,
não para fins egoístas, de vaidades e maléficos, ou para efeito da aquisição de
capital, como fim único.

5 Explique a relação entre bioética e cidadania, levando em consideração os


aspectos sociais no Brasil.

147
148
UNIDADE 3
TÓPICO 3

BIOÉTICA E DIVERSIDADE CULTURAL: PROBLEMAS


CONTEMPORÂNEOS

1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, até aqui discutimos questões relacionadas ao conceito
e à construção histórica de justiça social e cidadania, relacionando os assuntos
com a questão da bioética. Para além de entender, poder compreender a questão
atinente ao que é a diversidade cultural e o que são os direitos humanos, e
fazer uma interconexão correta entre ambos e extrair quais são os significados e
importância, faz-se necessário primeiramente compreender as partes de forma
isolada. Para, então, poder entender o todo e demais relações decorrentes.

Nesse sentido, passaremos inicialmente a resgatar alguns aspectos


importantes relacionados aos direitos humanos e posteriormente trataremos da
questão da diversidade e suas implicações na bioética.

Vamos lá!

2 OS DIREITOS HUMANOS
Comecemos ressaltando o que já vimos nas unidades anteriores sobre
direitos humanos para posteriormente fazer o link e compreender a relação com
a diversidade cultural.

Segundo a Organização das Nações Unidas – ONU (2017), direitos


humanos são direitos inerentes a todos os seres humanos, independentemente
de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição.
Inclui-se também o direito à vida e à liberdade, à liberdade de opinião e de
expressão, o direito ao trabalho e à educação, entre muitos outros. Todos merecem
esses direitos, sem discriminação.

Estendendo-se ao âmbito global, o direito internacional dos direitos


humanos (ONU, 2017) estabelece as obrigações dos governos de agirem de
determinadas maneiras ou de se absterem de certos atos, a fim de promover e
proteger os direitos humanos e as liberdades de grupos ou indivíduos.

A expressão formal dos direitos humanos se dá através das normas


internacionais de direitos humanos. Uma série de tratados internacionais dos

149
UNIDADE 3 | PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS EM BIOÉTICA: A JUSTIÇA SOCIAL, CIDADANIA E DIVERSIDADE CULTURAL

direitos humanos e outros instrumentos surgiu apenas a partir de 1945, conferindo


uma forma legal (ONU, 2017).

Com a criação da Organização das Nações Unidas, em 1948, foi possível


viabilizar um fórum ideal para o desenvolvimento e a adoção dos instrumentos
internacionais de direitos humanos. Outros instrumentos foram sendo adotados
no decorrer da história, pós-criação da ONU, a nível regional, refletindo
preocupações sobre os direitos humanos particulares de cada região.

A maioria dos países no mundo adotou, em suas constituições e demais


legislações, instrumentos legais que protegem formalmente os direitos humanos
básicos. Não raro, a linguagem utilizada pelos Estados Nacionais, segundo a
ONU (2017), veio de instrumentos internacionais de direitos humanos.

As normas internacionais de direitos humanos constituem-se,


principalmente, de tratados e costumes, bem como declarações, diretrizes,
princípios etc. Assim, subentende-se que

um tratado é um acordo entre Estados Nacionais que se comprometem


com regras específicas. Tratados internacionais têm diferentes
designações, como pactos, cartas, protocolos, convenções e acordos.
Um tratado é legalmente vinculativo para os Estados Nacionais que
tenham consentido em se comprometer com suas disposições (ONU,
2017, s.p.).

Um Estado Nacional poderá fazer parte de um tratado através de uma


ratificação, adesão ou sucessão. A ONU (2017) conceitua a ratificação como
expressão formal do consentimento de um Estado Nacional em se comprometer
com um tratado. Somente um Estado Nacional que tenha assinado o tratado
anteriormente, isto é, durante o período no qual o tratado esteve aberto a
assinaturas, pode ratificá-lo.

Segundo a ONU (2017), a ratificação consiste de dois atos processuais:


ao nível interno requer a aprovação pelo órgão constitucional apropriado, como
Parlamento, ou o Congresso Nacional, no caso brasileiro, por exemplo. Ao nível
internacional, de acordo com as disposições do tratado em questão, o instrumento
de ratificação deve ser formalmente transmitido ao depositário, que pode ser um
Estado Nacional ou uma organização internacional, a exemplo da própria ONU.

Já adesão, a ONU (2017) explica que esta implica o consentimento de um


Estado Nacional que não tenha assinado anteriormente o instrumento. Estados
Nacionais ratificam tratados antes e depois de este ter entrado em vigor, o mesmo
se aplica à adesão.

Um Estado Nacional, conforme a ONU (2017), também pode fazer


parte de um tratado por sucessão, que acontece em virtude de uma disposição
específica do tratado ou de uma declaração. A maior parte dos tratados não são

150
TÓPICO 3 | BIOÉTICA E DIVERSIDADE CULTURAL: PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS

autoexecutáveis. A ONU (2017) menciona que em alguns Estados Nacionais


os tratados são superiores à legislação interna, enquanto em outros, recebem
status constitucional e, ainda, em outros, apenas certas disposições de um
tratado são incorporadas à legislação interna. “Um Estado Nacional pode, ao
ratificar um tratado, formular reservas a ele, indicando que, embora consinta
em se comprometer com a maior parte das disposições, não concorda em se
comprometer com certas disposições. No entanto, uma reserva não pode derrotar
o objeto e o propósito do tratado” (onu, 2017, s.p.).

Além disso, observa a ONU (2017), que mesmo que um Estado Nacional
não faça parte de um tratado ou não tenha formulado reservas, poderá estar
comprometido com as disposições que se tornaram direito internacional
consuetudinário ou que constituírem normas imperativas do direito internacional,
como a proibição da tortura, por exemplo.

Tudo isso é importante ser frisado, para não ficar confuso ou gerar
dúvidas sobre como operam realmente os direitos humanos na vida cotidiana em
sociedade. Os detalhes fazem a grande ligação das coisas, situações etc.

E
IMPORTANT

Aproveite e exercite mais seu processo de autoconhecimento, observando


como estão reunidos todos os tratados da Organização das Nações Unidas (ONU), acessando
o website: <treaties.un.org>. (Estão disponíveis em várias línguas, dentre elas o português).

De acordo com a ONU (2017), o direito internacional consuetudinário –


ou simplesmente o “costume” –, é o termo usado para descrever uma prática
geral e consistente seguida por Estados Nacionais, decorrente de um sentimento
de obrigação legal. Assim, por exemplo, enquanto a Declaração Universal
dos Direitos Humanos não é, em si, um tratado vinculativo, algumas de suas
disposições têm o caráter de direito internacional consuetudinário.

Normas gerais do direito internacional, princípios e práticas com os


quais a maior parte dos Estados Nacionais concordaria, constam,
muitas vezes, em declarações, proclamações, regras, diretrizes,
recomendações, princípios etc.
Assim, apesar de não haver nenhum feito legal sobre os Estados,
elas representam um consenso amplo por parte da comunidade
internacional e, portanto, tem uma força moral inegável em termos na
prática dos Estados, em relação à conduta das relações internacionais.
O valor de tais instrumentos está no reconhecimento e na aceitação
por um grande número de Estados que, mesmo sem o efeito
vinculativo legal, podem ser vistos como uma declaração de princípios
amplamente aceitos pela comunidade internacional (ONU, 2017, s.p.).

151
UNIDADE 3 | PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS EM BIOÉTICA: A JUSTIÇA SOCIAL, CIDADANIA E DIVERSIDADE CULTURAL

Caro acadêmico, você compreendeu a importância do “detalhe” que nos


referíamos a pouco?

Conforme a ONU (2017), as características mais importantes dos direitos


humanos, que devem ser destacadas, são:

• Os direitos humanos são fundados sobre o respeito pela dignidade e o valor de


cada pessoa.
• Os direitos humanos são universais, o que quer dizer que são aplicados de
forma igual e sem discriminação a todas as pessoas.
• Os direitos humanos são inalienáveis, e ninguém pode ser privado de seus
direitos humanos; eles podem ser limitados em situações específicas, por
exemplo, o direito à liberdade pode ser restringido se uma pessoa é considerada
culpada de um crime diante de um tribunal e com o devido processo legal.
• Os direitos humanos são indivisíveis, inter-relacionados e interdependentes, já
que é insuficiente respeitar alguns direitos humanos e outros não. Na prática,
a violação de um direito vai afetar o respeito por muitos outros.
• Todos os direitos humanos devem, portanto, ser vistos como de igual
importância, sendo igualmente essencial respeitar a dignidade e o valor de
cada pessoa.

DICAS

Verifique como uma situação “pequena e simples” de uma hora para outra pode
tomar grandes e sérias proporções e afetar a vida cotidiana e, ainda, levar a consequências em
decorrência dos tratados internacionais de um país, e como isso afeta as pessoas. Baseado
em fatos reais, o filme “O terminal” faz a dramática narrativa da vida de um cidadão, no filme
retratado sob um “país fictício”, que ao acabar de aterrissar em Nova Iorque para fazer algo
muito simples e imediatamente depois retornar para seu país, foi obrigado a permanecer por
mais de um mês retido na área de trânsito internacional do aeroporto internacional John
F Kennedy, com a angustiante situação: não podia adentrar aos Estados Unidos e também
não podia sair! O fato: ao colocar os pés em solo norte-americano, seu país de origem
simplesmente deixou de existir no direito internacional, liquidando sua condição de “cidadão”.
Algo aparentemente “banal”, mas que implicou em uma dramática situação de direitos
humanos internacional sob uma pessoa “real”. The terminal (O terminal, em português do
Brasil). Estados Unidos. 2004. Direção Steven Spilberg. Roteiro Sacha Gervasi e Jeff Nathanson.
Baseado numa história de Andrew Niccol e Sacha Gervasi. Papel principal Tom Hanks.

152
TÓPICO 3 | BIOÉTICA E DIVERSIDADE CULTURAL: PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS

FIGURA 60 – CAPA DO FILME “O TERMINAL”

FONTE: Disponível em: <http://2.bp.blogspot.com/-Upx9VRVVa5g/


VKlJ8YAEByI/AAAAAAAAB4A/5ZIVkNOWa6Q/s1600/the-terminal-
poster-1.jpg>. Acesso em: 29 dez. 2017.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), que delineia os


direitos humanos básicos, foi adotada e proclamada pela Assembleia Geral das
Nações Unidas, resolução 217, A-III, em 10 de dezembro de 1948.

[...] A Assembleia Geral proclama a presente Declaração Universal


dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos
os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e
cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se
esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a
esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de
caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento
e a sua observância universal e efetiva, tanto entre os povos dos
próprios estados-membros, quanto entre os povos dos territórios sob
sua jurisdição (ONU, 1998, p. 2).

153
UNIDADE 3 | PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS EM BIOÉTICA: A JUSTIÇA SOCIAL, CIDADANIA E DIVERSIDADE CULTURAL

3 DIVERSIDADE VERSUS DIVERSIDADE CULTURAL

De modo genérico, a diversidade significa variedade, pluralidade,


diferença etc. Além disso, é um substantivo feminino que caracteriza tudo que
é diverso, que tem multiplicidade. Diversidade é aceita como a reunião de tudo
aquilo que apresenta múltiplos aspectos e que se diferencia entre si. Por isso, a ideia
de diversidade está atrelada a conceitos de pluralidade, multiplicidade, associada
a diferentes ângulos de visão ou abordagens, heterogeneidade e variedade.

Entretanto, diversidade, muitas vezes, também, poderá ser encontrada


na comunhão de contrários, na intersecção de diferenças, ou ainda, na tolerância
mútua. Diversidade, abordada em amplo espectro, são os múltiplos elementos que
representam no particular as diferentes culturas, tais como a linguagem, as tradições,
a religião, os costumes, a organização familiar, a política etc., ou seja, que reúnem as
características próprias de um grupo humano em determinado território.

FONTE: Disponível em: <https://www.significados.com.br/diversidade/>. Acesso em: 23 jan.


2018.

Com isso, é possível chegar à conceituação do que é a diversidade


cultural, lembrando que Verhelst (1992, p. 37) afirma que “cultura é o conjunto de
soluções originais que um grupo de seres humanos inventa, a fim de se adaptar
a seu ambiente natural e social”. Sociologicamente vista, diversidade cultural
diz respeito à existência de uma grande variedade de culturas antrópicas, isto
é, manifestando-se em muitas abordagens e variedades, como a linguagem, a
dança, o vestuário, a religião etc.

A diversidade cultural é um conceito criado, especialmente formatado,


para poder compreender os processos de diferenciação entre as várias culturas
que existem ao redor do mundo.

FIGURA 61 – RETRATO ALEATÓRIO DE UM MUNDO CULTURALMENTE DIVERSIFICADO

FONTE: Disponível em: <https://18-fma.cdn.aspedia.net/sites/default/files/imagecache/


event_full/uploaded-content/field_f_content_image/2013_diversity_calendar_cover_
graphic_0.jpg>. Acesso em: 29 dez. 2017.

154
TÓPICO 3 | BIOÉTICA E DIVERSIDADE CULTURAL: PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS

As múltiplas culturas formam a chamada identidade cultural dos indivíduos


ou de uma sociedade, são a marca que personaliza e diferencia os membros de
determinado lugar do restante da população mundial (UNESCO, 2005).

Logo, por considerar que o processo de globalização, facilitado pela rápida


evolução tecnológica, de informação e de comunicação, apesar de constituir um
desafio para a diversidade cultural, e criar condições de um diálogo renovado entre
as culturas e as civilizações, com o intuito de tentar preservar a riqueza da diversidade
cultural dos países, a Organização das Nações Unidas (ONU), através da Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), criou no ano
de 2002, a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural.

A ONU, no que se refere à Declaração da UNESCO sobre diversidade


cultural, reconhece as múltiplas culturas como uma herança comum da humanidade
e a considera o primeiro instrumento que promove e protege a diversidade cultural
e o diálogo intercultural entre as nações, conforme podemos verificar no preâmbulo
da própria Declaração Universal sobre Diversidade Cultural (s.d., s.p.):

[...] Preâmbulo - Considerando que o reconhecimento da dignidade


inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos
iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz
no mundo. Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos
humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência
da humanidade e que o advento de um mundo em que mulheres e
homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de
viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a
mais alta aspiração do ser humano comum. Considerando ser essencial
que os direitos humanos sejam protegidos pelo império da lei, para
que o ser humano não seja compelido, como último recurso, à rebelião
contra a tirania e a opressão. Considerando ser essencial promover o
desenvolvimento de relações amistosas entre as nações. Considerando
que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos
direitos fundamentais do ser humano, na dignidade e no valor da
pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher e que
decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida
em uma liberdade mais ampla. Considerando que os Países-Membros
se comprometeram a promover, em cooperação com as Nações Unidas,
o respeito universal aos direitos e liberdades fundamentais do ser
humano e a observância desses direitos e liberdades. Considerando
que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais
alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso. Agora,
portanto, a Assembleia Geral proclama a presente Declaração Universal
dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos
os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e
cada órgão da sociedade tendo sempre em mente esta Declaração se
esforce por meio do ensino e da educação, por promover o respeito a
esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de
caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a
sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios
Países-Membros quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.
[...] Artigo 1 – A diversidade cultural, patrimônio comum da
humanidade. A cultura adquire formas diversas através do tempo
e do espaço. Essa diversidade se manifesta na originalidade e na

155
UNIDADE 3 | PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS EM BIOÉTICA: A JUSTIÇA SOCIAL, CIDADANIA E DIVERSIDADE CULTURAL

pluralidade de identidades que caracterizam os grupos e as sociedades


que compõem a humanidade. Fonte de intercâmbios, de inovação e
de criatividade, a diversidade cultural é, para o gênero humano, tão
necessária como a diversidade biológica para a natureza. Nesse sentido,
constitui o patrimônio comum da humanidade e deve ser reconhecida e
consolidada em benefício das gerações presentes e futuras.

DICAS

Um exemplo para refletir acerca da importância e abrangência da diversidade


cultural, que esta não está visível apenas nas questões de nível macro, mas encontra-
se também nas pequenas coisas, como as do dia a dia, de qualquer ponto do mundo
contemporâneo, está na observação do filme “Escritores da liberdade” (Freedom Writers).
Estados Unidos. 2007. Direção Richard LaGravanese.
Sinopse: Uma jovem e idealista professora chega a uma escola de um bairro pobre, que
está corrompida pela agressividade e violência. Os alunos, de várias origens, cores e raças se
mostram rebeldes e sem vontade de aprender, e há entre eles uma constante tensão racial.
Assim, para fazer com que os alunos aprendam e também falem mais de suas complicadas
vidas, a professora Gruwell (Hilary Swank) lança mão de métodos diferentes de ensino. Aos
poucos os alunos conseguem retomar confiança, aceitar o conhecimento e reconhecer
valores tais como tolerância e respeito ao próximo. Um exercício de diversidade cultural.

FIGURA 62 – CAPA DO FILME ESCRITORES DA LIBERDADE

FONTE: Disponível em: <http://1.bp.blogspot.com/-Azj0VHeTcLI/


U8p6Z0LmcjI/AAAAAAAABdw/M9ujtnnpQ-k/s1600/escritores-da-
liberdade.jpg>. Acesso em: 29 dez. 2017.

156
TÓPICO 3 | BIOÉTICA E DIVERSIDADE CULTURAL: PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS

Caro acadêmico, é importante salientar a questão também sob outro prisma.


Existe todo entusiasmo acerca da diversidade cultural, de um mundo plural, mais
diversificado etc., contudo, a lacuna entre a aspiração, idealização e manifestação
em realidade é grande e árida. Este destaque é absolutamente oportuno, porque
na agenda dos grandes temas mundiais, sem dúvida, a diversidade cultural
encontra-se nas primeiras colocações, em virtude do potencial de conflito.

A quase totalidade de fonte e origem dos grandes problemas, desafios e


conflitos contemporâneos está na questão da diversidade cultural. Diversidade
cultural no mundo, cabe pontuar, não significa sempre agregar ou estender
pontes, está mais para segregar, levantar muros e potencializar conflitos de
variados graus e naturezas, inclusive armados de grande magnitude e destruição.

É Huntington (1993) que sustenta que a história da humanidade seria a


história dos choques de civilizações e que estaria longe de terminar. Esta opinião
contrasta com a de outro autor, Francis Fukuyama (1992), que em seu livro "O fim
da história e o último homem" defende que a história atinge sua homeostase com
a supremacia do ocidente, além de vislumbrar horizontes de entendimento e
paz, em uma visão mais romantizada do mundo. Huntington (1993) foi à época
muito forte ao colocar o postulado do “choque das civilizações”, portanto sua
abordagem é pragmaticamente correta.

[...] Minha hipótese é que a fonte fundamental de conflitos neste mundo


novo não será principalmente ideológica ou econômica. As grandes
divisões entre a humanidade e a fonte dominante de conflitos será
cultural. Os Estados-nações continuarão a ser os atores mais poderosos
no cenário mundial, mas os principais conflitos da política global
ocorrerão entre países e grupos de diferentes civilizações. O choque
de civilizações dominará a política global. As falhas geológicas entre
civilizações serão as frentes de combate do futuro (HUNTINGTON,
1993, p. 10).

E
IMPORTANT

Em amplitude macroscópica, faz-se necessário dar atenção e refletir sobre


a diversidade cultural, que é uma questão sensível. Diversidade cultural carrega consigo
potencial de conflito, por ser a essência da heterogeneidade, essa é uma autoafirmação
inequívoca. Se levada diante de extremismos, pode deflagrar violência, escalar de uma simples
controvérsia para uma crise, eclodindo em conflito armado. O exemplo que apresentamos
a seguir, visando pesquisas posteriores, faz com que se reflita: O mundo no sentido da
humanidade, as pessoas, está realmente aberto para aceitar ampla diversidade cultural
preexistente? O exemplo histórico que se segue neste exercício, tanto de reflexão quanto de
pesquisa aprofundada, ocorreu nos anos 1990, entre abril/1992 e dezembro/1995.

157
UNIDADE 3 | PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS EM BIOÉTICA: A JUSTIÇA SOCIAL, CIDADANIA E DIVERSIDADE CULTURAL

ATENCAO

A seguir, apresentamos um texto para reflexão sobre o tema diversidade cultural:


Guerra da Bósnia (Conflito armado internacional de violência extrema na região da antiga
Iugoslávia).

A Guerra da Bósnia foi um conflito armado marcado por graves crimes


contra a humanidade e foi resultado de disputas étnicas e territoriais na região
dos Bálcãs, habitada por povos de diversas etnias e religiões, que foi unificada
em 1918 sob o reino dos eslovenos, croatas e sérvios, que incluía a região da
Bósnia Herzegovina.

Mais tarde, essa entidade política passa a ser Reino da Iugoslávia, o


reino dos eslavos do sul, dominado  totalmente pelos sérvios. Em 1941, na
Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o reino foi invadido pela Alemanha
nazista, que controlou o país até 1945, quando o exército vermelho, da ex-
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e as forças iugoslavas
de resistência derrotaram os invasores e estabeleceram a República Federal
Socialista da Iugoslávia, formada pela Croácia, Eslovênia, Macedônia, Bósnia e
Herzegovina e Sérvia, sob a liderança do comunista Josip Broz Tito.

No período em que  os Bálcãs estiveram unidos em uma federação


socialista, o país manteve coesão e as disputas nacionalistas permaneceram
em relativo controle. A coesão começou a se desgastar na década de 1980, com
o surgimento de partidos múltiplos, a morte do presidente Tito e a maior
autonomia das províncias dentro da Federação.

A Iugoslávia se dissolveu gradualmente. Seguindo uma tendência


existente entre os países comunistas após o colapso da União Soviética a
partir de 1990, a Eslovênia e a Croácia garantiram a autonomia em 1991.
Como consequência, as minorias de origem sérvia nesses países organizaram
movimentos de resistência contrários à separação, o que culminou com a
chamada “Guerra dos Dez Dias" e a "Guerra Croata de Independência".

Em fevereiro de 1992, a República Socialista da Bósnia e Herzegovina,


habitada por bósnios muçulmanos e minorias de sérvios ortodoxos e croatas
católicos, aprovou em plebiscito uma declaração de independência, ratificada
mais tarde pela União Europeia e as Nações Unidas. Entretanto, oficiais das
forças armadas, bósnios de origem sérvia, apoiados pelo governo sérvio de
Slobodan Milosevic, ordenaram um ataque militar contra a província da
Bósnia, tendo por objetivo garantir a integridade de seu território.

158
TÓPICO 3 | BIOÉTICA E DIVERSIDADE CULTURAL: PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS

O episódio logo degenerou em um conflito sangrento de caráter


genocida. Os sérvios cercaram a capital da Bósnia, Sarajevo, e perseguiram
muçulmanos e croatas. Apesar de representar apenas 33% da população da
Bósnia, os bósnios de origem sérvia passaram a controlar 70% do território
da Bósnia Herzegovina. Milhares de bósnios muçulmanos foram assassinados
pelas forças sérvias na província, enquanto dezenas de milhares obrigaram-se a
deixar o país. As campanhas militares contaram com crimes contra a população
civil, como estupro, tortura e espancamento.

As Forças de Proteção das Nações Unidas, criadas durante a guerra da


independência croata, passaram a atuar criando “zonas de segurança” para
ajuda humanitária, mas obtiveram pouco sucesso.

No começo da guerra, a República da Croácia, que almejava territórios


da Bósnia Herzegovina, entrou em guerra contra os bósnios e assinou um
acordo de repartição das terras da província com os líderes sérvios. Esse
conflito, conhecido como “a guerra dentro da guerra”, foi encerrado com o
Acordo de Washington de 1994.

Seguiu-se a formação da Federação da Bósnia Herzegovina, uma


aliança entre bósnios e croatas contra os sérvios e bósnios de origem sérvia.
Nesse mesmo ano, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), após
as fracassadas tentativas de mediar o conflito por parte das grandes potências,
investiu contra tropas bósnias de origem sérvia. A presença da OTAN e a aliança
bósnio-croata fez enfraquecer os sérvios e foi essencial para o encerramento do
conflito em 1995.

No dia 14 de dezembro de 1995, em Paris, foi assinado um acordo geral


de Paz. Negociações de paz foram conduzidas em Dayton, Ohio, nos Estados
Unidos. No dia 21 de dezembro foram assinados acordos que definiam os
limites da soberania sérvia. Os crimes de guerra foram julgados pelo Tribunal
Internacional Penal da Antiga Iugoslávia, que condenou 45 sérvios, 12 croatas
e 4 bósnios.

A guerra foi descrita como o evento mais devastador da história da


Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), tendo resultado na
morte de cerca de 100 mil pessoas. Estima-se que os números precisos de
pessoas assassinadas possam ser entre 450 a 500 mil.

FONTE: Disponível em: <http://acervo.estadao.com.br/noticias/topicos,guerra-da-bosnia,489,0.


htm>. Acesso em: 29 dez .2017.

159
UNIDADE 3 | PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS EM BIOÉTICA: A JUSTIÇA SOCIAL, CIDADANIA E DIVERSIDADE CULTURAL

FIGURA 63 – IMAGENS HISTÓRICAS SELECIONADAS DA GUERRA DA


BÓSNIA. ABR/1992-DEZ/1995

FONTE: Disponível em: <http://www.museudeimagens.com.br/wp-content/


uploads/guerra-da-bosnia-help-bosnia-now.jpg>. Acesso em: 23 jan. 2018.

FIGURA 64 – SOLDADO BÓSNIO REAGE A ATAQUE DE ATIRADORES


CONTRA CIVIS EM SARAJEVO, EM 1992-AFP

FONTE: Disponível em: <https://ogimg.infoglobo.com.br/in/20986122-dda-


aa2/FT1086A/420/radovan-karadzic.jpg>. Acesso em: 23 jan. 2018.

FIGURA 65 – DESLOCAMENTO DE PESSOAS APÓS O GENOCÍDIO DE


SREBRENICA DURANTE A GUERRA DA BÓSNIA, JULHO DE 1995

FONTE: Disponível em: <https://ogimg.infoglobo.com.br/in/16733091-292-


21c/FT1500A/550/x20150703065600936rts.jpg.pagespeed.ic.P84IuKQzvu.
jpg>. Acesso em: 29 dez. 2017.

160
TÓPICO 3 | BIOÉTICA E DIVERSIDADE CULTURAL: PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS

3.1 DIVERSIDADE CULTURAL NO BRASIL


O Brasil, por apresentar uma grande dimensão territorial, possui uma
vasta diversidade cultural. Segundo a ONU (2017), o Brasil tem uma notável
diversidade criativa. Nesse sentido, a diversidade cultural pode ter um
papel  central  no desenvolvimento de projetos culturais no país, especialmente
com ênfase nos indígenas e afrodescendentes.

Apesar do processo de globalização, que busca a mundialização do espaço


geográfico, ao tentar, através dos meios de comunicação, criar uma sociedade
homogênea, os aspectos regionais e locais brasileiros continuam fortemente
presentes. A cultura é um deles, pois as várias comunidades continuam mantendo
seus costumes e tradições (ONU, 2017).

Em perspectiva histórica, os colonizadores europeus portugueses, a


população indígena e os negros africanos escravizados foram os primeiros
responsáveis pela disseminação cultural no Brasil. Em perspectiva de avanço,
seguiram-se os imigrantes italianos, japoneses, alemães, árabes etc. que foram
contribuindo para a consistente diversidade cultural do país.

O Brasil possui cinco regiões que apresentam diferentes peculiaridades


culturais. Segundo uma narrativa da ONU (2017), o país se apresenta com a
caracterização a seguir.

No Nordeste do Brasil, a cultura é representada através de danças e


festas, como o bumba meu boi, maracatu, caboclinhos, carnaval, ciranda, coco,
reisado, frevo, cavalhada e capoeira. A culinária típica é representada pelo
sarapatel, buchada de bode, peixes e frutos do mar, arroz doce, bolo de fubá
cozido, bolo de massa de mandioca, broa de milho verde, pamonha, cocada,
tapioca, pé de moleque, entre tantos outros. A cultura nordestina também está
presente no artesanato de rendas.

Já o Centro-oeste brasileiro tem sua cultura representada pelas


cavalhadas e procissão do fogaréu, no estado de Goiás; e o cururu em Mato
Grosso e Mato Grosso do Sul. A culinária é de origem indígena e recebe forte
influência da culinária mineira e paulista. Os pratos principais são: galinhada
com pequi e guariroba, empadão goiano, pamonha, angu, cural, os peixes do
Pantanal – como o pintado, pacu e dourado.

As representações culturais no Norte do Brasil estão nas festas


populares, como o círio de Nazaré e festival de Parintins, a maior festa do boi-
bumbá do país. A culinária apresenta uma grande herança indígena, baseada
na mandioca e em peixes. Pratos como otacacá, pirarucu de casaca, pato no
tucupi, picadinho de jacaré e mussarela de búfala são muito populares. As
frutas típicas são: cupuaçu, bacuri, açaí, taperebá, graviola e buriti.

161
UNIDADE 3 | PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS EM BIOÉTICA: A JUSTIÇA SOCIAL, CIDADANIA E DIVERSIDADE CULTURAL

No Sudeste do Brasil, várias festas populares de cunho religioso são


celebradas no interior da região. Festa do divino, festejos da páscoa e dos santos
padroeiros, com destaque para a peregrinação a Aparecida (SP), congada,
cavalhadas em Minas Gerais, bumba meu boi, carnaval e peão de boiadeiro. A
culinária é muito diversificada, os principais pratos são: queijo minas, pão de
queijo, feijão tropeiro, tutu de feijão, moqueca capixaba, feijoada, farofa, pirão etc.

O Sul brasileiro apresenta aspectos culturais dos imigrantes


portugueses, espanhóis e, principalmente, alemães e italianos. Algumas
cidades ainda celebram as tradições dos antepassados em festas típicas, como
a festa da uva (cultura italiana) e a Oktoberfest (cultura alemã), o fandango de
influência portuguesa e espanhola, pau de fita e congada. Na culinária estão
presentes: churrasco, chimarrão, camarão, pirão de peixe, marreco assado,
barreado (cozido de carne em uma panela de barro) e vinho.

FONTE: Disponível em: <http://brasilescola.uol.com.br/brasil/a-diversidade-cultural-no-brasil.


htm>. Acesso em: 23 jan. 2017.

A ONU (2017), através da UNESCO, em sua representação no Brasil


pontua que as áreas como o artesanato tradicional, pequenas manufaturas, moda
e design são áreas estratégicas para o país, em vista de sua potencialidade, e
intensidade de diversidade cultural, em termos da melhoria das condições de
vida das populações mais pobres.

A ONU (2017) afirma que o Brasil deve tentar enfrentar seu problema
mais urgente, a desigualdade social. O país vem descobrindo a forte influência da
cultura, diversidade cultural, para a configuração dessa realidade, bem como seu
potencial de transformação social do cenário do mundo atual.

A UNESCO (2005) ressalta que falta ao Brasil uma abordagem cultural mais
profunda com relação, por exemplo, aos povos indígenas e aos afrodescendentes.
Estes dois grupos apresentam os piores indicadores socioeconômicos do país, em
contraste com a riqueza da diversidade cultural que possuem.

Em abordagem mais ampla, a ONU (2017) persiste em frisar que é preciso


que sejam feitas mais ações e políticas públicas para preservar:

• Tradições indígenas.
• Línguas indígenas ameaçadas de desaparecimento.
• Conhecimento tradicional indígena sobre a natureza.
• Terras indígenas (há conflitos a respeito  da expansão da fronteira agrícola e
dos investimentos em infraestrutura).
• Afirmação dos direitos dos povos indígenas.
• Influência da cultura africana na cultura e história do Brasil.

162
TÓPICO 3 | BIOÉTICA E DIVERSIDADE CULTURAL: PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS

Sob os aspectos mais estritos das relações internacionais versus


diversidade cultural brasileira, frequentemente, o escritório da UNESCO no
Brasil é procurado para tratar de assuntos referentes à diversidade cultural,
especialmente quando o assunto se refere não apenas ao contexto do
desequilíbrio entre países que produzem e consomem produtos culturais, mas
também em relação aos direitos humanos e aos direitos das minorias, e como
forma de combater a discriminação que está na origem da desigualdade.

Com a ratificação do Brasil, no ano de 2007, da Convenção sobre a


Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, aprovada
em 2005, espera-se que a UNESCO contribua, no Brasil, para a avaliação do
impacto desse instrumento sobre as relações comerciais que envolvem serviços
culturais e bens culturais, que guia o trabalho da organização na elaboração
conceitos, metas e políticas em favor da diversidade cultural, com ênfase no
pluralismo e no diálogo entre as culturas e os diversos credos e nas políticas de
desenvolvimento.

FONTE: Disponível em: <http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/culture/cultural-diversity/>.


Acesso em: 23 jan. 2018.

3.2 BIOÉTICA E DIVERSIDADE CULTURAL


Caro acadêmico, este é um dos temas mais sensíveis de nosso estudo,
porque além de ser transversal, é assunto prioritário na agenda dos desafios a
enfrentar na contemporaneidade, por provocar, na mesma magnitude, grandes
avanços e conquistas, e, ao mesmo tempo, provocar retrocessos e ameaças
ao já frágil equilíbrio da vida em sociedade, seja nos países de alto grau de
desenvolvimento ou nos países em vias de desenvolvimento.

Há que ressaltar que a bioética é um neologismo construído a partir da


terminologia grega “bios” (vida) e “ethos” (que é relativo à ética), conforme Diniz e
Guilhem (2002). Os autores ressaltam, ainda, ser a bioética um campo disciplinar
compromissado com o conflito moral na área da saúde e da doença dos seres
humanos, assim como dos animais.

Lembrando que o termo é relativamente novo, pois se cunhou na década


de 1970, quando mencionado no livro “Bioethics: bridge to the future” (Bioética:
ponte para o futuro), de Van Rensselaer Potter, professor norte-americano de
oncologia da Escola Médica da Universidade de Wisconsin.

163
UNIDADE 3 | PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS EM BIOÉTICA: A JUSTIÇA SOCIAL, CIDADANIA E DIVERSIDADE CULTURAL

AUTOATIVIDADE

Pesquise sobre a obra “Bioética: ponte para o futuro”, de Van Rensselaer


Potter. A publicação é reconhecida como a obra seminal da bioética.

164
TÓPICO 3 | BIOÉTICA E DIVERSIDADE CULTURAL: PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS

FIGURA 66 – ILUSTRAÇÃO CAPA DO LIVRO “BIOÉTICA PONTE


PARA O FUTURO”

FONTE: Disponível em: <https://images.livrariasaraiva.com.br


/imagemnet/imagem.aspx/?pro_id=9376441&qld=90&l=550&a
=-1&PIM_Id=1003439427>. Acesso em: 29 dez. 2017.

Como aponta Diniz e Guilhem (2002), mais que uma metaética, a bioética
transpõe-se a um movimento cultural. Foi justamente nesse sentido a chamada
de atenção quanto ao grau de sensibilidade especificamente da bioética e sua
relação com a diversidade cultural.

A diversidade cultural, inequivocamente, não apenas percorre sob os


trilhos dos direitos humanos, mas está intrinsecamente conectada a eles. Assim, é
claro afirmar que é a diversidade cultural, o farol que cobre a humanidade e que
explica, particulariza, rege e nomina tudo o que é humano sobre o planeta.

Isto posto, para prover uma iluminação normativa acerca da diversidade


cultural e suas relações e correlações com a bioética, em outubro de 2005, a
Conferência Geral da UNESCO adotou a Declaração Universal sobre Bioética
e Direitos Humanos, que, cabe frisar, agrega todo condicionante a respeito da
sensível questão da diversidade cultural no mundo.

Com isso, a declaração consolida os princípios fundamentais da bioética


e visa definir e promover um quadro ético normativo comum que possa ser
utilizado para formular legislações nacionais. Logicamente, consoante sugerir
uma observação acerca da particularização inerente à ampla diversificação
cultural existente no planeta.

165
UNIDADE 3 | PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS EM BIOÉTICA: A JUSTIÇA SOCIAL, CIDADANIA E DIVERSIDADE CULTURAL

Esses frisos são constantemente repetidos porque da mesma maneira que


a diversidade é dada como uma riqueza imensurável, uma construção que se deu
desde os tempos imemoriais, a facilidade de perdê-la, ou extingui-la numa fração
instantânea de tempo, por via da ação do homem, é real e imediata. Essa é a
correlação-chave: da ausência de uma bioética e princípios normativos universais
que orientem as complexas relações humanas contemporâneas, da forma como
se encontra o mundo hoje, são prováveis as probabilidades de riscos, ameaças e
danos irreparáveis à humanidade.

Extraído do preâmbulo da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos


Humanos (s.d.), apontamos os frisos considerados de suma importância na
correlação bioética versus diversidade cultural, sendo eles:

• Consciente da capacidade única dos seres humanos de refletir sobre a sua


existência e o seu meio ambiente, identificar a injustiça, evitar o perigo, assumir
responsabilidades, procurar cooperação e dar mostras de um sentido moral
que dá expressão a princípios éticos.
• Considerando os rápidos progressos da ciência e da tecnologia, que cada vez
mais influenciam a nossa concepção da vida e a própria vida, de que resulta
uma forte procura de resposta universal para as suas implicações éticas.
• Reconhecendo que a saúde não depende apenas dos progressos da investigação
científica e tecnológica, mas também de fatores psicossociais e culturais.
• Reconhecendo também que as decisões relativas às questões éticas suscitadas
pela medicina, pelas ciências da vida e pelas tecnologias que lhes estão
associadas podem ter repercussões sobre os indivíduos, as famílias, os
grupos ou comunidades e sobre a humanidade em geral, tendo presente que
a diversidade cultural, fonte de intercâmbios, de inovação e de criatividade
é necessária à humanidade e, nesse sentido, constitui patrimônio comum da
humanidade, mas sublinhando que ela não pode ser invocada em detrimento
dos direitos humanos e das liberdades fundamentais.

Caro acadêmico, diante da sensibilidade do assunto, das complexas


correlações que não se esgotam diante de conceitos, frisos etc., faz-se um convite,
neste momento, para uma maior e reflexiva assimilação através dos três destaques
complementares a seguir.

Primeiro destaque de estudo complementar, parte de um clássico


do cinema. “Blade Runner o caçador de androides” (1982). Este clássico do
cinema é um filme neo-noir de ficção científica, ousado e avançado para sua
época, dirigido por Ridley Scott e estrelado por Harrison Ford. A narrativa
da obra se passa em uma decadente e futurista cidade de Los Angeles, nos
Estados Unidos, em novembro de 2019, decaída com a poluição, o consumismo
exacerbado e a consequente busca de novas formas de colonização, para
a qual as pessoas são convidadas a aventurarem-se em outros planetas, em
face do colapso da civilização humana, material e moralmente. Destaque-se
o quão visionário foi o diretor Ridley Scott, na medida em que a globalização

166
TÓPICO 3 | BIOÉTICA E DIVERSIDADE CULTURAL: PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS

tão amplamente difundida nas últimas décadas encontra nesta película, um


final catastrófico, melancólico e deprimente: animais extintos são clonados e
replicados. A existência de uma profusão de culturas, etnias, credos e costumes.
Com efeito, mexicanos, chineses, árabes e toda uma gama de culturas convivem
neste ambiente sombrio e desanimador. Tal qual pode vislumbrar o preâmbulo
das sociedades nas quais vivemos atualmente. Neste contexto, seres humanos
artificiais, chamados replicantes, são criados e usados nas mais nocivas
atividades, na Terra e, principalmente, fora dela. A empresa responsável
se chama Tyrell Corporation. Após um motim, os replicantes são banidos na
Terra, passando a ser usados para trabalhos perigosos, servis. Replicantes que
desafiam esse banimento e retornam para a Terra são caçados e "aposentados"
pelos operativos especiais da polícia, conhecidos como caçadores de replicantes.
O enredo foca em um brutal e astuto grupo de replicantes que recentemente
escapou e está se escondendo em Los Angeles, e no aposentado caçador de
replicantes. Rick Deckard, que relutantemente concorda em realizar mais um
trabalho para caçá-los.

O filme é uma fina ironia acerca das questões fundamentais que afligem
a espécie humana e, é exatamente neste ponto, sob o espectro da moral, da
ética e da busca do sentido para a vida, que as pessoas acabam fazendo com os
replicantes tudo aquilo que as fazem sofrer e o que lhe acarretam as mazelas e
vicissitudes da vida. Blade Runner inicialmente polarizou a crítica especializada,
alguns não gostaram de seu ritmo, enquanto outros gostaram de sua temática
complexa. O filme se tornou um clássico e é atualmente considerado um dos
melhores filmes já feitos. 

FONTE: Disponível em: <http://www.adorocinema.com/filmes/filme-1975/>. Acesso em: 23 jan.


2018.

O segundo destaque é para a continuação do clássico de 1982, Blade


Runner 2049. Obra norte-americana de 2017, com direção de Denis Villeneuve.
A narrativa passa trinta anos depois dos acontecimentos do primeiro filme, um
novo Blade Runner desenterra um segredo que tem o potencial de transformar
em caos o que resta da sociedade.

O terceiro e último destaque é para “O jardineiro fiel”, produzido


nos Estados Unidos em 2005 e dirigido por Fernando Meirelles. A narrativa
é uma obra de ficção, baseada no livro homônimo de John LeCarré. Justin
Quayle, um diplomata britânico em Nairobi, no Quênia, é informado de que
sua esposa ativista, Tessa, foi morta enquanto viajava com um amigo médico
em uma região desolada de África. Investigando sozinho, Quayle descobre
que o seu assassinato, alegadamente cometido pelo seu amigo, pode ter tido
raízes mais sinistras. Justin descobre que Tessa desvendou um escândalo
corporativo que envolve experiências médicas na África. KVH (Karel Vita
Hudson), uma grande empresa farmacêutica que trabalha sob a cobertura de
testes e tratamentos para o AIDS/HIV, tem vindo a testar um medicamento

167
UNIDADE 3 | PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS EM BIOÉTICA: A JUSTIÇA SOCIAL, CIDADANIA E DIVERSIDADE CULTURAL

contra a tuberculose que tem efeitos secundários graves. Em vez de ajudar os


pacientes do ensaio clínico e começar de novo com um novo medicamento,
a KVH encobriu os efeitos secundários e melhorou o medicamento apenas
em antecipação a um surto de tuberculose multirresistente. Justin viaja pelo
mundo para reconstruir as circunstâncias que levaram ao assassinato de Tessa.
À medida que começa a juntar o relatório final de Tessa sobre os testes de
drogas fraudulentos, ele descobre que as raízes da conspiração chegam mais
longe do que ele poderia ter imaginado: a uma empresa farmacêutica alemã,
a um campo de ajuda humanitária e, mais preocupante para ele, a políticos
corruptos no Ministério das Relações Exteriores do Reino Unido.

FONTE: Disponível em: <https://www.infoescola.com/cinema/o-jardineiro-fiel/>. Acesso em: 23


jan. 2018.

Com os três destaques apresentados, observa-se que a linha entre a


bioética e a diversidade cultural é tênue e muito frágil. A ação humana tem o
poder de modificá-la qualitativamente, isto é, de forma positiva ou negativa. A
diversidade cultural, se não assimilada como riqueza da humanidade, de fato,
pode servir como mecanismo de intensificação do caos na vida social e também
ser ferramenta para ampliar a ausência irrestrita de uma bioética.

168
RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você aprendeu que:

• Os direitos humanos estabelecem uma vinculação efetiva com a diversidade


cultural.

• A diversidade cultural é mostra real que a vida humana em sociedade é plural,


rica, diversa e multifacetada e não igual ou homogênea.

• A diversidade cultural é ao mesmo tempo a maior riqueza da humanidade e a


maior causa de conflitos entre os seres humanos se levada aos extremos e não
admitidos valores básicos como respeito e tolerância entre os diferentes.

• A relação entre a diversidade cultural e a bioética é tênue, frágil e merece


atenção constante do ser humano, para garantir não apenas questões inerentes
a acessos etc., mas para que não provoque acentuação das disparidades entre
os povos e o afrouxamento do que é, de fato, uma bioética aceitável para vida
humana em sociedade.

169
AUTOATIVIDADE

1 O que é diversidade cultural?

2 Segundo Huntignton (1993), o que será a fonte fundamental de conflitos no


mundo? Explique.

3 Qual é a preocupação da ONU em relação à diversidade cultural no Brasil?

4 No seu entendimento, quais obstáculos podemos encontrar quando tratamos


de bioética e diversidade cultural no Brasil?

5 Sobre os frisos considerados de suma importância na correlação bioética


versus diversidade cultural extraídos do preâmbulo da Declaração Universal
sobre Bioética e Direitos Humanos, assinale a alternativa incorreta:

a) ( ) Consciente da capacidade única dos seres humanos de refletir sobre a


sua existência e o seu meio ambiente, identificar a injustiça, evitar o perigo,
assumir responsabilidades, procurar cooperação e dar mostras de um sentido
moral que dá expressão a princípios éticos.
b) ( ) Considerando os rápidos progressos da ciência e da tecnologia, que cada
vez mais influenciam a nossa concepção da vida e a própria vida, de que
resulta uma forte procura de resposta universal para as suas implicações
éticas.
c) ( ) Reconhecendo que a saúde depende apenas dos progressos da investigação
científica e tecnológica, e não tem qualquer relação com fatores psicossociais
e culturais.
d) ( ) Reconhecendo também que as decisões relativas às questões éticas
suscitadas pela medicina, pelas ciências da vida e pelas tecnologias que lhes
estão associadas podem ter repercussões sobre os indivíduos, as famílias, os
grupos ou comunidades e sobre a humanidade em geral, tendo presente que
a diversidade cultural, fonte de intercâmbios, de inovação e de criatividade,
é necessária à humanidade e, neste sentido, constitui patrimônio comum da
humanidade, mas sublinhando que ela não pode ser invocada em detrimento
dos direitos humanos e das liberdades fundamentais.

170
REFERÊNCIAS
ALEXANDRINO M; VICENTE P. Direito constitucional descomplicado. 2.
ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008.

ALMEIDA JÚNIOR, J. E. Técnicas de reprodução assistida e o biodireito. Jus


Navigandi, Teresina, ano 9, n. 632, 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/
doutrina/texto.asp?id=6522>. Acesso em: 12 ago. 2017.

ALONSO, F. et al. Curso de ética em administração. São Paulo: Atlas, 2008.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco: poética/Aristóteles. Seleção de textos de José


Américo Motta Pessanha. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991.

ARRUDA, M. C. C. Código de ética: um instrumento que adiciona valor. São


Paulo: Negócio, 2002.

BARROSO, L. R. Em defesa da vida digna: constitucionalidade e legitimidade


das pesquisas com células-tronco embrionárias. Rio de Janeiro: Lúmen Júris,
2007.

BARZOTTO, Luis Fernando. Justiça social: gênese, estrutura e aplicação de um


conceito. Revista Jurídica Virtual, Brasília, vol. 5, n. 48, maio, 2003.

BITTAR, Eduardo Carlos Bianca; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de


filosofia do direito. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2010.

BÔAS, Bruno Villas. 1% mais rico ganha 36 vezes mais que 50% mais pobres.
Valor Econômico. 30 nov. 2017. Disponível em: <http://www.valor.com.br/
brasil/5212491/1-mais-rico-ganha-36-vezes-mais-que-50-mais-pobres>. Acesso
em: 26 dez. 2017.

BOBBIO, N. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. São Paulo: Campus, 1992.

BONAVIDES, P. Curso de direito constitucional. 24. ed. São Paulo: Malheiros,


2009.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 15. ed. São Paulo:


Malheiros Editores, 2004.

BRASIL. 2013. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/


saude_sexual_saude_reprodutiva.pdf> Acesso em: 21 set. 2017.

171
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 35. ed. Brasília:
Edições Câmara, 2012.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado


Federal: Centro Gráfico, 1988. 292 p.

BRASIL. Lei de biossegurança. Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005.


Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2005/Lei/
L11105.htm>. Acesso em: 17 ago. 2017.

CAMARGO, Juliana F. de. Reprodução humana: ética e direito. Campinas:


Edicamp, 2003.

CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 4. ed. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

CARVALHO, Regina Ribeiro Parizi; ALBUQUERQUE, Aline. Desigualdade,


bioética e direitos humanos. Revista Bioética. (Impr.). 2015; 23 (2): 227-37.
Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422015232061>. Acesso em: 26
dez. 2017.

CARVALHO, S. B. As virtudes do pecado: narrativas de mulheres a "fazer a


vida no centro da Cidade". Dissertação (Mestrado) – Fundação Oswaldo Cruz,
Escola Nacional de Saúde Pública, 2000.

CASTILHO, Ricardo. Sinopses jurídicas: direitos humanos. 2. ed. São Paulo.


Saraiva, 2012.

CHIARINI JÚNIOR, E. C. Noções introdutórias sobre biodireito. Âmbito


Jurídico, Rio Grande, VII, n. 18, ago. 2004. Disponível em:

COHN, Amélia. Consequências sociais da globalização na América Latina:


apontamentos. In: HOFMEISTER, Wilhelm (Org.). Política social internacional:
consequências sociais da globalização. Rio de Janeiro: Konrad-Adenauer-
Stiftung, 2005.

COMPARATO, F.K. Afirmação histórica dos direitos humanos. 6. ed. São


Paulo: Saraiva, 2009.

CONTI. M. C. S. Biodireito: a norma da vida. São Paulo: Forense, 2004.

CORRÊA, E. A. A. et. al. Biodireito e dignidade da pessoa humana: diálogo


entre a ciência e o direito. Curitiba: Juruá, 2008.

COSTA, S. G. Bioética, cidadania e direitos reprodutivos. Revista Serviço Social


e Sociedade. São Paulo: Cortez, nº 84, Nov, 2005. 

172
CRETELLA JR., José. Comentários a Constituição Brasileira de 1988. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1992. v. 1.

DALLARI, D. A. Direitos humanos e cidadania. 2. ed. São Paulo: Moderna,


2004.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos humanos e cidadania. São Paulo:


Moderna, 1998.

DALLARI. Cidadania e sua história. 2017. Disponível em: <http://www.dhnet.


org.br/direitos/sos/textos/historia.htm>. Acesso em: 23 jan. 2018.

DICIONÁRIO ETIMOLÓGICO. Cidadania. 2008-2018. Disponível em: <https://


www.dicionarioetimologico.com.br/cidadania/>. Acesso em: 20 jan. 2018.

DINIZ, Débora; GUILHEM, Dirce. O que é bioética. São Paulo: Brasiliense,


2002.

DINIZ, M. H. O estado atual do biodireito. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. São Paulo: Saraiva, 2005.

DRUMOND, J. G. F. Biotecnologia e bioética. Palestra proferida no Seminário


de Ética na Pesquisa, FAPEMIG, Belo Horizonte, 1-2 abr. 2005. Disponível em:

EXAME. Clonagem da ovelha Dolly completa 20 anos. 4 jul. 2016. Disponível


em: <http://exame.abril.com.br/ciencia/clonagem-da-ovelha-dolly-completa-20-
anos>. Acesso em: 16 ago. 2017.

FERNANDES, S. C. As técnicas de reprodução humana assistida e a


necessidade de sua regulamentação jurídica. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

FERNANDES, T. B. A reprodução assistida em face da bioética e do biodireito:


aspectos do direito de família e do direito das sucessões. Florianópolis: Diploma
Legal, 2004.

FERRAZ, A. C. B. B. C. Reprodução humana assistida e suas consequências


nas relações de família. 2. ed. São Paulo: Juruá, 2016.

FILHO, N. C. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2012.

FORST, Reiner. Contextos da justiça: filosofia política para além de liberalismo


e comunitarismo. Denilson Luís Werle (trad.). São Paulo: Boitempo, 2010.

FUKUYAMA, Francis. O fim da história e o último homem. Rio de Janeiro:


Rocco, 1992

173
GARRAFA, Volnei. Reflexões bioéticas sobre ciência, saúde e cidadania. Revista
Bioética, 1999. vol. 7, n. 1. Disponível em: <http://revistabioetica.cfm.org.br/
index.php/revista_bioetica/article/view/287>. Acesso em: 29 dez. 2017.

HOGEMANN, E. R. R. S. Conflitos bioéticos: o caso da clonagem humana. Rio


de Janeiro: Lumen Juris, 2003.

HUNGTINGTON, Samuel P. O choque de civilizações e a recomposição da


ordem mundial. Tradução de M.H.C. Côrtes. Rio de Janeiro: Objetiva, 1993.

HUNTINGTON, Samuel et al. O choque de civilizações. Rio de janeiro:


Objetiva, 1997.

IPCT. Instituto de Pesquisa com Célula Tronco. Porto Alegre, 2013. Disponível
em: <http://celulastroncors.org.br>. Acesso em: 17 ago. 2017.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 4. ed. Trad. João Baptista Machado.
Coimbra: Armênio Amado Editor, 1976.

KFOURI NETO, M. Culpa médica e ônus da prova. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2002.

KINSCHESCKI, C. A supremacia dos tratados internacionais de direitos


humanos fundamentais. Brasília: OAB Editora, 2006.

LEITE, G. A necessidade imperiosa do biodireito e da bioética. Biodireito e


Bioética. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora América Jurídica, 2005.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 16. ed. São Paulo:


Saraiva, 2012.

MALUF, A. C. R. F. D. Curso de bioética e biodireito. 3. ed. São Paulo: Atlas,


2015.

MARSHAL, Thomas H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar,


1967.

MEDEIROS, J. B; HERNANDES, S. Manual da secretária. 9. ed. São Paulo: Atlas,


2004.

MELO, Milena Petters. Cidadania e direitos humanos: uma nova práxis a partir
da ordem constitucional de 1988. Universidade Federal de Santa Catarina.
Florianópolis: junho, 1999.

MELO, Milena Petters. Direitos humanos e cidadania. In: LUNARDI,


Giovani; SECCO, Márcio (Org.) A fundamentação filosófica direitos humanos.
Florianópolis: Editora da UFSC, 2010.

174
NAMBA, E. T. Manual de bioética e biodireito. São Paulo: Atlas, 2009.

NAMBA, E. T. N. Manual de bioética e biodireito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015.

OLIVEIRA, Aline Albuquerque S. de. Bioética e direitos humanos. São Paulo:


Edições Layola, 2011.

OLIVEIRA, Mailson Rodrigues. O que é justiça social? Politize, 2017.


Disponível em: <http://www.politize.com.br/justica-social-o-que-e/>. Acesso em:
27 dez. 2017.

ONU. UNESCO. Diversidade cultural no Brasil. 2017. Disponível em: <http://


www.unesco.org/new/pt/brasilia/culture/cultural-diversity/>. Acesso em: 20
dez. 2017.

ONUBR. O que são os direitos humanos? 2017. Disponível em: <https://


nacoesunidas.org/direitoshumanos/>. Acesso em: 29 dez. 2017.

ORSELLI, H. A. Questões controvertidas na filiação decorrente da reprodução


assistida. Revista Jurídica FURB CCI, n. 19, 2006.

OSCAR, Euro. Justiça e oportunidade para todos. Cidadania: direitos e deveres,


2002. Disponível em: <http://www.eurooscar.com/cidadania.htm>. Acesso em:
30 dez. 2017.

PESSINI, L.; BARCHIFONTAINE, C. P. Problemas atuais de bioética. 11. ed.


São Paulo: Centro Universitário São Camilo e Edições Loyola, 2014.

PIKETTY, Thomas. A economia da desigualdade. Rio de Janeiro: Intrínseca,


2014.

PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi. (ORGs.). História da cidadania. São


Paulo: Contexto, 2003.

PIOVESAN, F. Temas de direitos humanos. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

RAMOS, A. C. Curso de direitos humanos. 4. ed. São Paulo Saraiva, 2017.

RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves


(trad.). São Paulo: Martins Fontes, 1997.

REVISTA EXAME. Realidade trágica no Brasil. Editora Abril, 2016. Disponível


em: <http://exame.abril.com.br/negocios/dino/a-tragica-realidade-da-infancia-
no-brasil-e-no-mundo-dino89080130131>. Acesso em: 7 set. 2017.

ROBERTS, Bryan R. A dimensão social da cidadania. RBCS. São Paulo, n. 33,


ano 12, p.11, fev.1997.

175
SÁ, Antônio Lopes de. Ética Profissional. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas,
2000.

SÁ, Antônio Lopes de. Ética profissional. 9. ed. 2. reimp. São Paulo: Atlas, 2010.

SÁ, Antônio Lopes de. Ética Profissional. 9. ed. rev. e ampl. São Paulo:
Atlas, 2009.

SANDEL, Michael J. Justiça: o que é fazer a coisa certa. Heloisa Matias e Maria
Alice Máximo (trad.). 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.

SARLET, I. W. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos


direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 12. ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2015.

SCHOLZE, S. H.; MAZZARO, M. A. T. Bioética e normas regulatórias: reflexões


para o código de ética das manipulações genéticas no Brasil. In: Revista Parcerias
Estratégicas, Ética das manipulações genéticas: proposta para um código de
conduta. Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, n. 16, out. 2002, p. 13-41.

SEN, Amartya. A ideia de justiça. Denise Bottmann, Ricardo Doninelli Mendes


(trad.). São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25. ed. São
Paulo: Malheiros, 2005.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 29. ed. São
Paulo: Malheiros, 2007.

SILVEIRA, Rosa Maria Godoy. 500 anos de uma cidadania excludente. 2017.
Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/dados/livros/edh/br/pbunesco/
iii_03_500anos.html. Acesso em: 23 jan. 2018.

SIQUEIRA, José Eduardo de. O princípio da justiça. In: COSTA, Sergio Ibiapina
Ferreira; GARRAFA, Gabriel Oselka, Volnei (coord.). Iniciação à bioética.
Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998.

SORIANO, A. G. Terapia transfusional. 2012. Disponível em: <http://www.


egov.ufsc.br/portal/conteudo/terapia-transfusional>. Acesso em: 18 set. 2017.

SROUR, R. H. Poder, cultura e ética nas organizações. 2. ed. Rio de Janeiro:


Campus, 2005.

UNESCO. Declaração universal dos direitos humanos. 10 de dezembro de


1948. Representação da UNESCO no Brasil. Brasília/DF, 1998. Disponível em:
<http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf> Acesso em: 20
jan. 2018.

176
UNESCO. Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura.
Declaração universal sobre bioética e direitos humanos. 2005. Disponível em:
<http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001461/146180por.pdf>. Acesso em: 24
jan. 2018.

UNIAIDS. United Nations Programme on HIV/AIDS. Global Aids up


date. Endind Aids: progress towards the 90-90-90 targets. 2017. Disponível
em: <http://www.unaids.org/sites/default/files/media_asset/Global_AIDS_
update_2017_en.pdf>.

UNICEF. Declaração Universal dos Direitos Humanos. s.d. Disponível em:


<https://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10133.htm>. Acesso em: 20 dez.
2017.

VÁZQUEZ, Adolfo S. Ética. 28. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.

VENOSA, S. S. Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

VERDUM, Ricardo. Direitos territoriais indígenas seguem a passos lentos e


sob o risco de retrocesso. Informativo especial da Associação Brasileira de
Antropologia - Balanços parciais a partir de perspectivas antropológicas,
Brasília, p. 1 - 10, 25 fev. 2016.

VERHELST, Thierry G. O direito à diferença: sul-norte: identidades culturais e


desenvolvimento. Tradução Luíza César. Petrópolis: Vozes, 1992.

VIEIRA, T. R. Bioética: temas atuais e seus aspectos jurídicos. Brasília: Consulex,


2006.

177

Você também pode gostar