O Encanto de Um Patife - Canalhas - Loretta Chase
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O ENCANTO DE UM PATIFE
The Lion's Daughter (1992)
Para Esme Brentmor não importa que a vingança não seja coisa de
mulheres. Está determinada a vingar o assassinato de seu amado pai, um
enigmático aristocrata inglês que passou os últimos anos de sua vida em um
exílio auto-imposto. A honra a obriga a não permitir que nada nem ninguém se
interponha em seu caminho. E isso inclui o bonito desonesto que, desde que
apareceu em sua vida organizada, colocou tudo de pernas para o ar e cujos
encantos não compensam seu caráter preguiçoso e irresponsável.
Tendo perdido toda sua herança nas mesas de jogo, Varian St. George,
Lorde Edenmont, trata de viver o dia a dia graças a seu engenho e
encantadoras maneiras. Sendo um homem cujo lema na vida é a lei do
«mínimo esforço» — preferivelmente sob os suaves lençóis das camas de
mulheres bem dispostas — não quer ver-se envolvido em uma amalucada
busca com uma ruiva de mau gênio armada até os dentes.
E dessa maneira, obrigados a viajar juntos por terras exóticas, o peculiar
casal descobrirá muito em breve que tocar pode produzir perigosas faíscas…
Série Scoundrels
1. The Lion's Daughter (1992)
2. Captives of the Night (1994)
3. Lord of Scoundrels (1995)
4. The Mad Earl’s Bride in “Three weddings and a kiss” (1995)
5. The Last Hellion (1998)
NOTA DA AUTORA
O livro Travels in Northern Greece («Viaje pelo norte da Grécia»), do coronel William
Martin foi publicado em 1835. Este texto, e Journey through Albania («Périplo pela Albânia »),
do John CAM Hobhouse (publicado em 1817) foram minhas principais fontes de informação
sobre o século XIX na Albânia. Por essa razão, Ioanina e Preveza, por exemplo, são na novela
cidades da Albânia, embora em nenhum mapa moderno aparecem dentro das fronteiras desse
país.
No tempo em que se desenvolve esta história, não existia o alfabeto albanês; até muito
recentemente, inclusive a fonética moderna utilizava diferentes maneiras de transliterar esta
língua, dependendo de cada escritor, ou de se se tratava do dialeto do norte ou do sul. Em
consequência, os primeiros escritores que viajaram a Albania transliteravan o albanês tal e
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como soava — algo que não é tarefa fácil para o ouvido inglês — ou, no caso dos nomes de
lugares, tiravam do latim, do grego, ou utilizavam as versões italianas. Para simplificar as
coisas, eu optei — salvo em uma ou duas exceções — por utilizar o albanês contemporâneo.
Por isso Esme não vive em Durazzo, ou Drus, ou Duratzo, ou Dyrrachium, mas em Durrës.
Por outra parte, deixei algumas expressões turcas da época, como «Pelo Alá». Embora se
utilizam em estranhas ocasiões na Albania contemporânea, certamente foram muito comuns
durante o século XIX.
Quero agradecer a meus pais, George e Resha Chekani, por me ajudar a esclarecer outros
muitos problemas linguísticos, e a resolver alguns enigmas históricos e políticos; também
agradeço a ajuda de minha irmã, Cynthia Drelinger, a meus tios, Mentor, Steve e George
Kerxhalli; e a minhas primas Skander e Mariana Kerxhalli. Estas últimas passaram três meses
conosco a princípios de 1991, sendo dos primeiros visitantes albaneses nos Estados Unidos
depois de mais de cinqüenta anos.
Como sempre, estou profundamente em dívida com meu marido, Walter, por sua crítica
construtiva, seus conselhos, sua sabedoria e seu apoio moral.
É obvio, qualquer atrocidade que possa haver neste texto é — sem dúvida alguma—
somente culpa minha.
Prólogo
Jason Brentmor deixou de lado a nota que sua cunhada entregou. Passeou
os olhos com o olhar perdido pelo azul mar Adriático, que brilhava sob o sol de
início do outono, e depois pelo terraço de pedra do palácio de seu irmão, até
que encontrou com o olhar azul de Diana. Então sorriu.
— Tranquiliza-me verificar que minha mãe não se abrandou com a idade —
disse ele. — Não desperdiça as palavras, não é mesmo? Como já sabe durante
os últimos vinte e quatro anos não me olhou com bons olhos. Para ela sou
ainda aquele moço imprudente que desprezou sua herança para viver entre os
bárbaros turcos.
— Ou seja, como o filho pródigo — respondeu Diana divertida.
— Exato. Somente precisaria me jogar de joelhos a seus pés e pedir
perdão para que eu e minha filha mestiça fôssemos aceitos de novo no seio
dos Brentmor. Que demônios você escreveu, querida?
— Só contei que tinha me encontrado com você em Veneza, na primavera.
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anos dela, Percival, com seus olhos verdes brilhando de emoção. Jason tinha
esquecido do moço, que tinha se retirado discretamente fazia mais de uma
hora com a desculpa de provar o traje albanês que seu tio havia trazido.
— Que bonito e elegante está — disse sua mãe. — E ficou perfeito.
Era verdade. As estreitas calças com seus característicos trançados de
tecido se ajustavam a seu corpo como feito sob medida, assim como a negra
guerreira curta que vestia Percival por cima da folgada camisa de algodão.
— Fiz cortarem o traje na medida de Esme. É como ela está acostumada a
vestir-se sempre. Temo que seja um pouco masculino — disse Jason passando
uma mão pelo escuro cabelo ruivo do moço. — Sabe? Vestido assim passaria
por seu irmão gêmeo. O mesmo cabelo, os mesmos olhos…
— São seus olhos e seu cabelo — interrompeu Diana.
Percival colocou-se de lado e, com a típica indiferença que os jovens têm
pela vida e os riscos, subiu no muro de pedra do terraço. Ao longe, o mar
acariciava suavemente as rochas íngremes da costa.
— Só que eu nunca fui tão magro — acrescentou Jason sorrindo. — Não é
tão mau para um moço, mas quase exasperam em Esme. Porque como é tão
pequena e magra, os outros esquecem que já é uma mulher. E não gosta nada
que a tratem como a uma menina.
— Eu adoraria conhecê-la — disse Percival. — Eu não gosto das garotas
muito femininas. Quase todas são insuportavelmente tolas. Sabe jogar xadrez?
— Temo que não. Pode ser que eu ensine quando voltarmos à Inglaterra.
— Então, está pensando em voltar, tio? Alegro-me muito de ouvi-lo. Isso é
o que mais deseja mamãe, já sabe. — Sentado no muro de pedra, com as
pernas penduradas nos lados, Percival entreabriu os olhos contra o sol e ficou
olhando à volta da apenas visível linha de costa ao outro lado do mar: a costa
da Albânia. — Quando faz bom tempo — começou a dizer— , mamãe e eu
saímos aqui e os saudamos com a mão, e imaginamos que você e Esme podem
nos ver e devolvem a saudação. É obvio que isso não contamos a ninguém,
não é verdade, mamãe? Nem sequer lorde Edenmont. Ele pensa que saudamos
os pescadores.
— Edenmont? — repetiu Jason incrédulo. — Não se refere a Varian St.
George? Diana, que demônios está fazendo aqui esse tipo?
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Não querendo preocupar a sua mãe, Percival não havia dito que se
converteu em espião. Nunca em seus doze anos de vida tinha encontrado a um
homem que pudesse admirar realmente; não até que conheceu seu tio Jason.
Mas o respeito que sentia por ele como herói de guerra chegou de repente, no
momento em que ouviu seu tio falando de sublevações, contrabando e
conspiração. Com uma vaga noção de que poderia fazer chegar a seu tio
informação secreta de valiosa importância, Percival começou a farejar por
Otranto ou quando o tempo inclemente ou as altas horas da noite o
confinavam dentro de casa, pelo palácio onde vivia, escutando às escondidas
as conversas dos outros e procurando todo tipo de pistas.
Como a maioria das pessoas que andam procurando problemas, Percival os
encontrou em seguida.
Três noites depois da visita de Jason, o moço estava escondido no estreito
balcão de ferro forjado sob a janela do escritório de seu pai, bisbilhotando o
interior através da abertura entre as cortinas. Como a janela não estava bem
fechada, Percival podia ouvir perfeitamente a conversa.
O visitante de seu pai bem poderia ser grego, como pretendia, mas não
era um comerciante — e é obvio não tinha vindo para jogar xadrez com ele,
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como seu pai tinha feito acreditar a todos. O que queria o senhor Risto era
uma imensa quantidade de rifles britânicos e pequenas quantidades de outros
tipos de armas e munição. Seu pai havia dito que fazer contrabando desse tipo
de mercadoria era cada dia mais difícil e o senhor Risto tinha respondido que
seu chefe estava perfeitamente a par disso. Logo esvaziou uma grande bolsa
repleta de moedas de ouro sobre a escrivaninha de seu pai. Sem sequer
pestanejar, seu pai rabiscou algo sobre uma parte de papel e depois de
explicar o significado daquela mensagem em código, a deu ao senhor Risto.
Mas o senhor Risto negou com a cabeça e disse que não podiam fazer assim.
Parecia que não estava convencido de que seu pai fosse manter sua parte do
trato. Aquilo fez seu pai ficar enfurecido.
O senhor Risto queria que ele desse uma amostra de boa fé, e nenhuma
outra coisa mais que o jogo de xadrez poderia convencê-lo. Seu pai respondeu
que aquele jogo de xadrez tinha pertencido à família durante várias gerações e
que valia várias vezes o preço daquelas armas. Além disso, estava realmente
ofendido por aquela repentina falta de confiança depois de meses fazendo
negócios com o chefe do senhor Risto, Ismal. A discussão continuou até que,
ao final, o senhor Risto disse que se conformaria com uma das peças do jogo
de xadrez. Quando seu pai pôs objeções, o senhor Risto começou a colocar de
novo as moedas de ouro na bolsa. Muito irritado, seu pai agarrou a rainha
negra a contra gosto, desparafusou a base da figura, enrolou o pedaço de
papel com a mensagem em código, colocou-o dentro da peça e a deu ao
senhor Risto.
O senhor Risto voltou de repente a comportar-se amavelmente, deu a mão
a seu pai e prometeu que devolveria a peça de xadrez quando a mercadoria
chegasse a Albânia. Logo os dois homens saíram do escritório.
Armas britânicas. Contrabando. Albânia. É obvio, tudo aquilo era bastante
incrível, dizia Percival a si mesmo enquanto passava o olhar nublado pelo
escritório vazio. Certo que tinha sonhado tudo e nesse momento estava
profundamente adormecido em sua própria cama.
Percival conseguiu convencer-se de que tudo aquilo não tinha sido mais
que um sonho até o dia seguinte pela tarde, quando seu pai e todo o serviço
da casa ficaram a procurar por toda parte a rainha negra que faltava no jogo
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Capítulo 1
Varian St. George se apoiou no muro do terraço e olhou por volta do mar.
A brisa marinha o acariciava prazerosamente, movendo apenas os brilhantes
cachos negros que caíam sobre sua fronte. Como um mar inflamado de azul
sob o abrasador sol de outono, o Adriático avançava lentamente para a linha
de escarpados da borda oposta. Em sua imaginação via montanhas de gelo
que o mar se esforçava em engolir em suas profundidades. Por mais que
aquelas chamas azuis arranhassem as montanhas, elas continuavam ali,
imperturbáveis, tão impenetráveis como o Vasto Império Turco que pareciam
defender.
Lorde Byron havia dito que ali podia encontrar a mulher mais formosa do
mundo. Pode ser que assim fosse. Mas parecia um caminho muito longo,
mesmo para ir procurar à própria Afrodite. É obvio, Varian não precisava ir tão
longe em busca de beleza. As mulheres perseguiam um lorde Edenmont de
vinte e oito anos onde estivesse, e estava seguro de ter no oeste da Europa
mulheres suficientes para satisfazer até ao homem mais voluptuoso.
Aquela noite, por exemplo, tinha uma entrevista com a esposa de olhos
escuros de um banqueiro, e isso era o futuro mais longínquo que Varian
necessitava ou estava disposto a preocupar-se. O resultado daquele encontro
estava fora de questão. Poderia fingir que acreditava nos virtuosos protestos
que a senhora expôs durante a primeira hora, ou talvez menos, dependendo
de quanto tempo ele gostasse de interpretar aquela comédia. Mas no final
acabariam fazendo exatamente o que desde o começo os dois estavam
dispostos a fazer.
Entretanto naquele momento os pensamentos de lorde Edenmont não
estavam postos na senhora do banqueiro, mas na família que o tinha
agasalhado e alimentado durante aquele verão.
Uma semana antes tinham espalhado as cinzas de Lady Brentmor sobre o
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consentia a sir Gerald que deixasse usar seu antigo nome tão frequentemente
como o desejasse.
Era uma pena ter que abandonar um refúgio tão conveniente antes de ver-
se obrigado a isso. Mas de qualquer modo sir Gerald retornaria logo a
Inglaterra. Partir agora não ia fazer com que melhorasse absolutamente a
situação de Varian… E é obvio que ia piorar bastante a do Percival, maldito
seja! O que ia ser daquele moço, que aparentemente não tinha ali outro amigo
além ele, quando Varian partiu?
Tirando com resolução a grave situação de Percival dos seus pensamentos,
Varian se dirigiu para a sala de jantar.
Durrës, Albânia
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sadios.
— Eu não quero dar filhos a um estrangeiro — soltou Esme. — Não quero
ir à cama com um homem que não saiba falar minha língua, nem criar a um
menino que nunca aprenderá a falá-la.
— Na cama não é preciso que fale — lhe disse Donika com uma risada
tola.
Esme lhe dirigiu um olhar de reprovação.
— Não deveria ter contado nunca o que me disse Jason sobre como se
fazem os meninos.
— Me alegro que o faça. Porque agora já não estou assustada. Não me
parece que seja algo tão difícil, embora ao princípio possa dar um pouco de
vergonha.
— Também é bastante doloroso ao princípio, acredito — disse Esme
momentaneamente distraída por aquele interessante tema. — Mas já me
disseram duas vezes e não acredito que possa ser pior que ter uma bala
metida no corpo.
Donika lançou um olhar de admiração.
— Você não tem medo a nada, pequena guerreira. Se pode enfrentar aos
bandidos, não vai ter problemas com nenhum de seus familiares ingleses. Mas,
mesmo assim vou perder você. Se ao menos seu pai pudesse encontrar um
marido aqui — disse Donika olhando para o mar e suspirando.
— Isso é o mesmo que querer encontrar uma montanha de diamantes. O
fato é que eu pareço muito mais uma garota, e seria melhor soldado que
esposa. Um homem deve ser muito velho ou estar muito desesperado para me
querer, quando pode conseguir uma mulher completa, formosa e dócil pelo
mesmo preço.
Donika lançou uma pedra à água.
— Disseram-me que Ismal a quer — disse Donika após um momento. —
Não é velho nem está desesperado, mas sim é jovem e muito rico.
— E é muçulmano. Preferiria que me metessem em azeite fervendo antes
de acabar em um harém — disse Esme com firmeza. — Mesmo a Inglaterra,
com a família que me odeia, seria melhor que isso. — ficou pensando um
momento e logo acrescentou: — Não tinha contado isso antes, mas uma vez
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disse Esme em voz baixa. — Não posso lutar contra ele. Quando ao final me
confessou que queria voltar para casa, senti-me tão destroçada que não pude
discutir com ele. Tive que contar a você quão mal estou para poder desafogar,
mas não dê importância. Sei o que é que tenho que fazer. Não pode ir sem
mim, e eu o quero muito para tentar convencê-lo que fique aqui. Farei por ele
tudo o que esteja em minha mão.
— Não acredito que vá passar tão mal — a tranquilizou Donika. — Ao
princípio sentirá falta de seu lar, mas assim que case e tenha filhos a seu
cuidado saberá que é muito feliz. Pensa como sua vida ali pode ser rica e cheia
de experiência.
Seu olhar passeou por cima do mar enfurecido e Esme somente viu vazio
ao longe. Mas, milagrosamente, sua amiga estava apaixonada pelo homem
que sua família tinha escolhido para seu marido. Esme decidiu que já era muito
sentir pena dela mesma. Basta de tristeza. Esse era um momento muito feliz
para a Donika e era muito cruel estragá-lo — Assim será — disse Esme
conformada. — E ensinarei a meus filhos albanês em segredo.
Otranto
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dois meses.
Um mês? Ou dois? Pensou Varian colocando outro torrão de açúcar no
café.
— É obvio eu me encarregarei de todos os gastos — disse sir Gerald.
Logo extraiu do bolso do peitilho de sua camisa um talonário de banco e o
deixou ao lado do pires de Varian.
Varian ficou olhando o talonário tratando de guardar a mesma compostura
que quando ficava olhando uma boa mão de cartas, com seus olhos cinza tão
inescrutáveis como a fumaça.
— Para os pequenos gastos — disse seu anfitrião. — É obvio que me
encarregarei de conseguir as passagens e os alojamentos adequados, tanto
durante a viagem como em Veneza.
— Veneza, nesta época do ano, é uma cidade muito úmida — disse Varian.
— Bom, não tem por que preocupar-se com nada. Não me importa o
tempo que demore em fazer a viagem, se é que quer visitar algum outro lugar
no caminho, compreende-me? Darei a vocês um criado para que os
acompanhe e também pagarei seus serviços. Da maneira que você preferir.
As passagens pagas, uma fortuna para pequenos e um criado. Para um
homem com uma libra, três xelins e seis pences no bolso, aquela oferta era tão
irresistível como pretendia sê-lo.
Varian levantou o olhar da taça de café para ver o olhar impaciente de seu
anfitrião.
— Como eu já disse, sir Gerald, será para mim uma honra fazer esse favor
— disse Varian.
Tepelena, Albânia
Alí Pachá, o matreiro déspota que governava Albânia, era velho, gordo e
estava doente. Periodicamente tinha arrebatamentos de loucura. Eles o
conduziam a atos de uma selvageria tão sádica que mesmo os albaneses,
acostumados à brutalidade de um mundo no qual a vida humana era muito
barata, achavam digno de mencionarem.
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uma grande dor, mas não vejo outra solução. Esme tem que acreditar que
estou morto ou nunca partirá daqui sem mim. Tem que se assegurar de que
acredite e levá-la a Inglaterra. Dar-te-ei dinheiro e os nomes de algumas
pessoas em Veneza em quem posso confiar para que a conduzam até minha
mãe.
— Por Alá, Leão Vermelho! O que está me pedindo? Quer que convença a
sua filha de que está morto e depois consiga que a pobre criatura parta daqui
em pleno luto? Sua filha é uma mulher muito teimosa. Como vou conseguir
convencê-la para que vá viver com uns estrangeiros desconhecidos?
— Não tem que dar tempo para que ela pense — respondeu Jason
bruscamente. — E se causar algum problema, golpeia-a na cabeça e amarre as
mãos. É para seu próprio bem. É melhor que passe umas quantas horas de
desconforto e uns quantos dias de luto antes do que ser raptada ou
assassinada. Não me obrigue a escolher entre ela e Albânia. Amo esse país e
arriscaria minha própria vida por ele… mas amo muito mais a minha filha.
Bajo deu de ombros.
— Bom, depois de tudo você é inglês. — Bajo dirigiu um sorriso ao Jason.
— Farei o que me pede. Ela é uma mulher que vale mais que dois homens
bons. Digo-o frequentemente. E uma vez que Esme esteja a salvo, longe
daqui, voltarei para ajudá-lo. Imagino que quer que vá agora mesmo, não?
— Não, ainda não. Primeiro é preciso me assassinem. Será melhor que o
façamos mais ao norte. Tenho que cair no rio e ser engolido pela corrente nas
gargantas profundas. Não queremos que ninguém se dedique a procurar meu
corpo, não é assim?
Capítulo 2
Bari, Itália
— «Quem logo abandonou seus encantos por uma sorte vulgar» - citou
Percival. — O que significa?
Varian se deteve na soleira da porta com a toalha entre as mãos.
Percival tinha pedido que visitassem aquele dia os postos de pescado, que
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se dizia que existiam no porto do Bari desde antes da época dos romanos. A
zona cheirava realmente como se tivesse existido, e que não a limpavam desde
o começo dos tempos. Ali Varian tinha visto como o moço consumia uma dúzia
de ostras e outra de ouriços do mar, seguidas por meia dúzia de almejas.
Embora Varian não tivesse participado do festim, o fedor do pescado aderiu
também a seu corpo de maneira permanente. Aquele era o terceiro banho que
tomava e por fim parecia ter desaparecido o aroma.
Acabou de secar o cabelo com a toalha, logo o penteou para trás e entrou
na sala de estar. Farejou o aroma do menino ao passar ao lado do Percival,
mas seu criado o tinha esfregado até na consciência. Não ficava nenhum
indício do fedor a pescado.
Percival voltou a repetir o verso de Childe Harold.
— Imagino que «sorte vulgar» é um eufemismo - disse o menino. — Se
refere Byron às mulheres de má reputação? Não ocorre a que outra coisa pode
estar se referindo. Mas por que abandonar a que amava por uma fulana,
quando se supõe que já está farto de fulanas? E por que fala de «sorte»
quando se sente tão infeliz?
— Não estou seguro de que deva explicar. — disse Varian, enquanto
deixava-se cair em uma fofa poltrona ao lado do fogo. — E não acredito que
seu pai aprovasse você lendo os versos de lorde Byron.
— É obvio que não o aprova — assentiu Percival levantando o olhar do
livro. — Mas papai não está aqui e você sim. E não se parece absolutamente
com ele. De fato, mamãe dizia que é como Childe Harold, de modo que se
poderia concluir que é a pessoa mais apropriada para me explicar como devia
sentir-se ele. Parece uma espécie de herói mal-humorado. Agora bem, se
passar a vida desfrutando dos prazeres, como pode ser tão infeliz?
— Pode ser que se arrependa de seus pecados.
— Eu acreditava que os homens libertinos somente fazem isso quando já
são velhos decrépitos. A gota, como tenho entendido, reformou a muitos
pecadores.
— Pode ser que Childe Harold tenha dor de dente — disse Varian
recostando-se confortavelmente contra o respaldo de seu assento.
Sentia-se aliviado ao perceber que Percival havia tornado de novo a ser ele
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— Deve ser um herói muito discreto — disse Varian. — Nunca tinha ouvido
falar dele.
— Ouviu falar do Alí Pachá, o governador da Albânia? — perguntou Percival
golpeando com o dedo a capa de seu livro. — Por isso estou lendo esse livro.
Lorde Byron fala do Alí Pachá e dos albaneses, e ali está meu tio. Faz muitos
anos que vive ali e o chamam de Leão Vermelho. Puseram-lhe esse apelido por
seu valor e por ser ruivo. Tem a mesma cor de cabelo que eu… e acredito que
isso é algo muito estranho entre os albaneses.
— Perdoa Percival, mas não vejo a relação que há entre esse poema e um
de seus familiares. E nunca ouvi falar de nenhum Leão Vermelho. Onde leu
algo sobre esse tipo?
Percival elevou as sobrancelhas.
— Não acredito ter dito que eu tenha lido algo sobre meu tio.
— Então, como sabe tantas coisas de um familiar ao quem todo mundo dá
por morto? — perguntou Varian dirigindo ao moço um olhar interrogativo.
Percival se moveu um pouco, como intranquilo, mas após um momento se
inclinou para trás em sua poltrona com expressão pensativa.
— Pode ser que seja um sonho — sugeriu Varian.
— Não, não é um sonho.
— Então, um conto de fadas.
— Não. É totalmente certo. — Percival mordeu o lábio. — Posso
demonstrar isso. — Disse — Se é que me desculpa durante um momento.
Percival saiu correndo da sala, deixando Varian observando inquieto o
fogo. Depois de um momento, o menino retornou trazendo consigo uma pilha
de roupa. Colocou os objetos sobre a poltrona: umas calças de lã adornados
com uns trancados de tecido, uma guerreira negra com adornos dourados e
uma camisa larga de algodão.
— São um presente de tio Jason — disse Percival. — Assim é como se
vestem os albaneses, ou ao menos alguns deles. Disse-me que tinha pensado
que não ia querer vestir o traje típico escocês até que fosse velho. Mamãe me
disse que não devia mostrar essa roupa a ninguém, porque papai poderia
chegar a descobrir tudo. Mas você não vai contar nada a papai, não é assim?
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Olhando infeliz à escuridão, Percival disse a si mesmo que tinha tido muita
sorte que lorde Edenmont não fosse tão perspicaz como mamãe. Podia ter
despertado suas suspeitas ao ver o muito que tinha comido. Ela sabia que
estava acostumado a comer muito quando estava inquieto.
Aquele dia se fartou porque sabia que tinha que dizer a lorde Edenmont
uma mentira a respeito da rainha negra. Tinha feito. As armas roubadas
estavam a caminho da Albânia e a única pessoa a quem podia confiar sua
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informação era a seu tio Jason, especialmente desde o momento em que seu
pai estava envolvido no assunto. Desgraçadamente, não podia mandar uma
carta ao tio Jason. Ele havia dito que os homens poderosos da Albânia tinham
espiões que interceptavam com regularidade as cartas de outros.
O qual significava que teria que dizer pessoalmente. O que queria dizer
que tinha que enganar a lorde Edenmont. E isso era o que tinha feito com que
Percival se sentisse agora como uma pessoa malvada.
Não importava que as pessoas dissessem que lorde Edenmont era uma
pessoa matreira — inclusive o tio Jason pensava assim. — Sua excelência
sempre tinha sido amável com sua mãe e tratava o próprio Percival de maneira
agradável. Mas já não voltaria a ser amável com ele de novo, pensou Percival
com arrependimento, assim que se inteirasse da verdade. Embora isso
somente pudesse acontecer no caso de que lorde Edenmont mordesse o anzol.
E era possível que não o fizesse.
O negrume da escuridão da noite estava começando a desaparecer pelo
horizonte quando Percival ouviu lorde Edenmont entrando no quarto de banho
que havia ao lado de seu dormitório. Fechando os olhos, Percival disse a si
mesmo que não deveria lamentar-se por estar tratando de levar adiante suas
obrigações, especialmente quando poderiam salvar assim centenas de vidas.
Além disso, não podia esperar que lorde Edenmont estivesse sempre a seu
lado. Cedo ou tarde chegariam a Veneza e sua excelência partiria. O tio Jason
partiria logo para a Inglaterra com a prima Esme. Isso seria muito mais duro
que despedir-se para sempre da companhia de lorde Edenmont. Tinham que
estar juntos. Tinham que formar uma família, como queria sua mãe.
Esses pensamentos tranquilizaram a consciência de Percival, como o fazia
a voz de sua mãe toda noite. Logo depois, enquanto o sol do amanhecer
lançava reflexos dourados sobre o Adriático, adormeceu.
Tepelena, Albânia.
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alguma resistência, poderia dizer que ela nos traiu, e a peça de xadrez seria a
prova disso. Direi ao Alí que consulte com os britânicos, que não acredito que
tenham dificuldade alguma em descobrir que a peça pertencia ao irmão do
Leão Vermelho. E não haverá nenhuma dúvida de sua traição quando mostrar
esta mensagem escrita por seu irmão. Alí sabe que o Leão Vermelho viajou
para a Itália duas vezes esse ano para ver sua família. Tanto meu primo como
os britânicos chegarão facilmente à conclusão de que Jason e seu irmão
estiveram roubando armas em proveito próprio. E então ambos os governos
vão sentir-se muito desgostosos.
Seus olhos azuis brilharam enquanto passava para Risto a peça de xadrez.
— Acredito que agora se dá conta de quão poderosa pode ser uma rainha…
para um jogador que sabe como utilizá-la.
Continuando, Ismal se pôs a rir.
Durrës
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estava planejando seqüestrar você. Agora já não há dúvida disso. É obvio que
mentirá… jogando a culpa do assassinato aos bandidos. E Alí estará muito
destroçado para dar-se conta de que Ismal, enquanto isso, seqüestrou a outra
simples mulher. — Bajo fez uma pausa. — Por isso devemos partir agora
mesmo daqui. Nem ocorra pensar em vingança. Se não tiver pressa fará com
que recaia sobre você mais vergonha ainda. Não acredito que tenha vontade
de acabar convertida na concubina do homem que assassinou a seu pai.
— Nós contaremos tudo ao pachá de Shkodra — disse Esme. — Ele me
ajudará. Ismal me deve uma compensação.
— O pachá ajudará a que escape do país — respondeu Bajo. — Isso é
tudo. E isso é o que Jason pretendia que fizesse, e nós faremos que se cumpra
seu desejo.
Seu olhar cruzou com o aterrorizado olhar de Esme e rapidamente olhou
para outro lado.
— Não — disse ela com voz afogada. — Não estará pensando em me
mandar a Inglaterra? Sozinha?
Bajo jogou a bolsa de viagem ao ombro e se aproximou da porta, onde se
deteve.
— Já sei que é duro pequena guerreira, mas não temos outra escolha. Ou
tem coragem de fazê-lo ou será feita concubina de Ismal… e se for assim, seu
pai terá morrido por nada.
Mais tarde, disse-se ela. Mais tarde teria tempo de pensar e encontraria a
maneira de vingar-se.
Sem acrescentar nenhuma palavra mais, Esme recolheu várias coisas que
Bajo tinha esquecido, meteu-as em seu pequeno alforje de viagem, agarrou
seu rifle e saíram da casa.
Em poucos minutos chegavam ao porto de Durrës. Começava a amanhecer,
mas a costa estava ainda coberta por uma névoa tão espessa que os primeiros
raios do sol não eram mais que pequenos brilhos rosados sobre um grosso
manto de cor cinza. O barco de Bajo estava discretamente amarrado a certa
distância do embarcadouro principal. Enquanto se aproximavam da costa,
Esme divisou o perfil de uma embarcação de carenagem longa, um pélago,
como estavam acostumados a chamá-los ali. Entretanto, aquelas eram
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Capítulo 3
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meu primo é inglês, e Alí Pachá quer que seu governo o ajude a estender seus
domínios. Esses vilões sabem, como o sabe toda Albânia, que ofender a um
inglês é convidar a que o cruel Alí se vingue de maneira muito desumana.
Assim que os seqüestradores descubram que o menino é inglês, o deixarão
livre em um dos povoados do sul, onde não lhe será difícil encontrá-lo pelo
amigo de meu pai, Bajo.
— Mas esses homens mataram Jason — disse Varian sentando-se de
repente. No momento se arrependeu de ter se movido. Notou uma explosão na
cabeça que parecia partir em dois o crânio. Voltou a deitar-se. — E também
me atacaram. Isso fizeram a dois ingleses em questão de dias.
O rosto do Zigur se contraiu em uma dura expressão.
— A família de Jason o repudiou faz muitos anos. Aqui se considera
albanês. Naturalmente, esse assassinato provocará um derramamento de
sangue, mas isso não é assunto dele, efendi. E quanto a você, não teria
acontecido nada se estivesse afastado do caminho desses vilões. Se tivessem
pretendido matá-lo, agora sua cabeça descansaria sobre a areia de Durrës.
Zigur duvidou por um instante e logo colocou uma pequena mão fria na
fronte de Varian.
— Tem um pouco de febre — disse o menino. — Tente descansar.
Navegamos para Corfú, onde poderá encontrar soldados britânicos que o
escoltem até o palácio de Alí, na Tepelena. E ali estará a salvo o meu primo
Percival, eu prometo. Alí o protegerá como se fosse um estranho e prezado
diamante, e seus amigos britânicos se assegurarão de que Alí Pachá não peça
uma recompensa muito grande em troca de sua hospitalidade. É um assunto
fácil de solucionar. Queira Deus que todas as coisas sejam tão simples —
murmurou enquanto voltava a segurar de novo o trapo úmido.
Mais tarde, Varian teria tempo de sentir saudades de sua própria
docilidade. Entretanto, no momento parecia existir certa esperança em meio
daquele pesadelo de medo e dor. Não tinha nem o valor nem a decisão para
fazer com que o barco retornasse. E mesmo que o fizesse, para que ia servir?
Quanto ao que sabia daquelas terras e suas pessoas, para Varian era como
estar na Lua. Tinha que confiar no jovem bastardo de Jason porque,
simplesmente, lorde Edenmont não tinha nem a menor ideia de que outra
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resistir.
Quando alcançaram a margem, o inglês tinha conseguido sobreviver com
muita dificuldade à travessia, passando a maior parte dela pela borda do
barco, vomitando. Mesmo assim, não se queixou nem uma vez — diferente de
Petro, quem acabou derramando lágrimas suficientes para fazer com que o
bote se afundasse, enquanto rogava ao Alá e ao Jehová e a todos os Santos
por turno, pedindo que tivessem piedade de sua alma. — Sem preocupar-se
com o estado de seus passageiros, os dois marinheiros italianos não deixavam
de remar com força, enquanto Esme se dedicava a observar a água em busca
de possíveis obstáculos e se assegurava de que os dois marinheiros de água
doce não acabassem caindo ao mar.
Quando por fim chegaram a terra firme, o inglês saltou a terra enquanto
outros ficavam olhando com desespero a desolada paisagem que os rodeava. A
seu redor se estendia um vasto terreno baldio, sem sinal algum de habitantes
humanos. Mas ali poderiam encontrar algo. Esme sabia. Um refúgio. Poderiam
acampar ali com suficiente comodidade. E ela já tinha dormido outras vezes ao
relento, inclusive sob a chuva. Desgraçadamente, seu paciente necessitava um
teto sobre sua cabeça, se não quisesse que contraísse um resfriado fatal, e
isso era algo que ela não desejava absolutamente. Aquele inglês tinha causado
no momento suficientes complicações.
— Ajudem o inglês — ordenou aos marinheiros enquanto agarrava sua
arma e jogava o saco de viagem ao ombro. — Você, Petro, carrega a sua
esteira e mantém a boca fechada. Temos que ir para o oeste a toda velocidade
e não temos tempo para nos entreter com lamentações.
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deriva, porque perdeu o mastro. Petro foi com os dois marinheiros para
recolher do barco tudo o que necessitamos. Lamento ter que lhe dizer que
teremos que ficar aqui bastante tempo. Suponho que terão que trocar o
mastro assim que o tempo o permita. Isso e outros trabalhos de reparação —
disse fazendo um gesto com as mãos — nesta época do ano, levará várias
semanas antes que o barco possa voltar a navegar de novo.
— Semanas? Quer dizer que ficaremos parados aqui?
O olhar de desespero para Varian dava a entender o miserável, imundo e
incômodo que lhe parecia aquele chiqueiro. Então viu duas serpentes que
cruzavam pela parede.
O menino se sentou com as pernas cruzadas e com uma expressão
surpreendentemente paciente e explicou:
— Estamos na desembocadura do rio Shkumbi. Toda a região próxima à
costa é de pântanos, embora haja uns quantos povos muito pobres. Para viajar
por terra necessitaríamos cavalos, e o lugar mais próximo onde poderíamos
alugá-los está para o oeste, a umas vinte milhas inglesas daqui.
— Deve estar brincando. Não há nenhum cavalo em vinte milhas?
— Não estamos na Inglaterra nem na Itália. Meu país é muito pobre, e os
cavalos são um bem muito valorizado. Que louco se dedicaria a manter um
estábulo em um enorme pântano? Aqui nem sequer se pode alugar uma mula.
— Não estará dizendo que tenho que ficar nesse chiqueiro durante várias
semanas? — Varian meneou a cabeça horrorizado. — Isso é impossível.
Enviaremos alguém a procura de cavalos ou a que contrate outro barco.
— Se a sorte sorrisse, conseguiria que cumprissem essa missão em menos
de um mês. — O moço ficou olhando as pequenas mãos imundas. — Como
você deseje, efendi. É você um grande lorde inglês. Andar deve estar além do
que pode permitir-se. Além do que uma viagem desse tipo poderia destroçar
suas formosas botas.
Varian deu uma olhada a suas botas cheias de barro e sal, e logo voltou a
olhar aquele garoto com desconfiança.
— Não parece que goste muito dos lordes ingleses, não é assim?
— Lamento-o muito, Oh grande lorde! Se minhas palavras o ofenderam —
disse Zigur ainda com o olhar cravado. — É culpa de minha ignorância. Não
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seguinte, dizendo a si mesma que estava fazendo o que era correto. Tinha
razão a respeito das imperfeições que a tormenta tinha causado no barco,
coisa que Petro e outros confirmaram a sua volta. Não tinha mais vontade de
atrasar-se naquela terra baldia do inglês. Queria ver seu primo a salvo, e longe
da Albânia, o antes possível, para poder encarregar-se de tomar as rédeas de
sua própria vida. Quanto antes chegassem a Tepelena, antes aconteceria isso.
Nas atuais circunstâncias, a melhor alternativa era percorrer a pé as quase
cem milhas para o sul, isso supunha.
Além disso, se esperavam até poder partir por mar, acabariam em Corfú,
com os ingleses, e ali estaria Bajo para obrigá-la a partir para a Inglaterra.
Tinha estado muito paralisada sob os efeitos da má notícia para discutir com
ele na manhã do dia anterior em Durrës, e nem sequer tinha podido pensar
com calma. Mas após, tinha tido tempo de sobra para expor sua situação.
Esteve pensando em seu pai, que tinha sido assassinado por sua culpa.
Nunca mais poderia voltar a divertir-se ou a rir com ele. Nunca mais poderia
voltar a sentar-se orgulhosa do seu lado, enquanto ele a apresentava a seus
amigos — como sua filha, sua pequena guerreira. — Nunca mais voltaria a
escutar sua voz amável, sempre amorosa, até quando a repreendia. Seu
amado pai, que não desejava outra coisa mais que retornar com ela para viver
entre sua própria gente, tinha sido assassinado como um cão… por culpa dela.
Com ele, sua vida não seria jamais inteiramente vazia, sem importar aonde
fossem. Sem ele, não tinha nada, somente a pena… e a ninguém com quem
poder compartilhá-la.
Durante todo aquele longo dia tinha tratado de afastar a tristeza de sua
mente, levantando uma fortaleza ao redor de seu coração dolorido e fazendo o
que tinha que fazer. E durante aquele dia interminável sua raiva foi crescendo
até o ponto de chegar a pensar que acabaria ficando louca. Não podia fugir a
nenhuma parte com a esperança de que encontraria paz para um coração que
gritava pedindo vingança. Bajo estava equivocado. Ele não tinha matado os
assassinos de seu pai. Ismal ainda estava com vida. E para a filha do Leão
Vermelho só havia um caminho: pagar sangue com sangue.
Não ia ser difícil. Primeiro se asseguraria de que Percival saísse a salvo do
país, e depois aceitaria o Ismal. Com o Jason morto, Ismal teria que pagar ao
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Alí o preço da noiva, e certamente seria um preço muito alto. Mas ia custar ao
Ismal muito mais que jóias e moedas, e quando arrebatasse a vida de seu
jovem corpo, sua honra ficaria lavada. Ela também teria que pagar a sua vez
por esse crime, sabia claramente — possivelmente com sua própria vida ou
acabando no leito de um dos atuais favoritos do Alí. — Não tinha medo.
Contanto que pudesse limpar sua alma maltratada por meio de vingança,
poderia suportar qualquer destino que devesse cumprir.
A seu lado, o inglês se movia inquieto e gemia. Tinha tentado aliviar sua
ferida, e esquentar seus ânimos, pois sabia que os dores deviam ser terríveis.
Também sabia que estava profundamente preocupado pelo Percival. Mesmo
assim, aquele lorde não teria agora aquele galo em sua dura cabeça, nem
razão alguma para estar preocupado, se tivesse ficado no lugar ao qual
pertencia. Por outro lado — pensou outra vez consigo mesma, — os enganos
daquele inglês tinham conseguido atrasar sua partida para Corfú. A terrível
confusão em que a tinha metido lhe tinha dado também uma nova
oportunidade.
Esme ficou olhando-o por cima do ombro. Não estranhava que estivesse
gemendo. Havia voltado a cabeça para o outro lado e o lado machucado de sua
cabeça estava apoiado na dura superfície do chão. Ela se levantou e
cuidadosamente colocou seu corpo inconsciente do outro lado. O débil gemido
parou. Logo voltou a deitar de novo dando as costas a ele.
Estava começando a adormecer quando sentiu um foco de calor em suas
costas. Em sonhos, o inglês se deslocou para a manta dela. Ela estava a ponto
de afastar-se quando ele se moveu, resmungou algo e logo jogou o braço
sobre ela.
Esme levou um susto e seu coração começou a pulsar amalucado. Com
cuidado, segurou o braço e tentou levantá-lo. Mas era como tentar levantar
uma coluna de pedra. Ele estremeceu e se apertou mais ainda contra ela,
rodeando-a com o braço. Um lençol de calor a envolveu.
Esme não estava acostumada a preocupar-se com o frio, acostumada
como estava a aceitá-lo e ignorá-lo. Mas aquele homem estava doente e o
abrigo era um lugar frio e úmido. Tratava de esquentar o corpo, isso era tudo.
Disse a si mesma que nenhum mal podia haver nisso e fechou os olhos. Por
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— Pôs as mãos em meu seio! — acusou ela. — Acredita que sou uma
concubina para não fazer nenhuma objeção? Eu só tentava me afastar e você
atuou como se estivesse tentando assassiná-lo. E como não era suficiente me
submeter de uma maneira tão vergonhosa, ainda tentou me tirar a roupa.
— Tirei sua faca para que não pudesse me matar e tirei o chapéu, ou como
chamam a essa monstruosidade medieval — respondeu ele devolvendo o gorro
de lã.
— Não importa como o chamamos. Não tinha nenhum direito. Se meus
homens estivessem aqui, o teriam matado por esse insulto.
Ela colocou o horrível gorro de lã sobre a cabeça e escondeu a longa
cabeleira. Varian percebeu que as mãos dela tremiam. Parecia que a tinha
assustado de verdade. A pobre garota deve ter imaginado que estava tentando
violá-la.
— Peço que me perdoe — disse ele. — Não sou completamente consciente
quando me acordam de repente. Mas não deveria ter me enganado. Parece-me
o mais natural ter pensado, ao descobrir, que estava sendo objeto de algum
engano perigoso. Ladrões, assassinos… como ia saber?
— Tem razão — acrescentou Petro. — Pensei isso mesmo ao despertar de
repente. Tolo, é muito tolo — repreendeu-a — que uma moça se faça passar
por um menino. E dizer mentiras não é bom.
— Como pode ser tão estúpido? — exclamou ela. — Há um tipo que
mandou seus rufiões atrás de mim, uma garota ruiva, e que voltará a mandá-
los assim que descubra que meu primo é um moço. Não é uma tarefa muito
difícil. Quantos albaneses ruivos acredita que há? — perguntou ela. — Eu
nunca ouvi falar de nenhum, exceto eu mesma.
Ela dirigiu seu olhar acusador para Varian, quem parecia sentir-se pior por
momentos.
— Já sei que não é o melhor disfarce, mas Bajo e eu não planejávamos
nos demorar tanto para que pudessem me buscar com atenção — continuou
explicando ela. — Se os homens que me perseguiam não tivessem visto meu
primo, teriam se posto a procurar por toda parte e eu teria tido tempo de
escapar.
Varian não podia negar que tinha razão. Era culpa dele que a moça não
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tivesse conseguido escapar a tempo, e também era sua culpa que Percival
estivesse agora em mãos de uns pervertidos.
— Estou de acordo que sou o responsável por todo esse terrível problema
— disse ele. — E considerando meu comportamento estúpido, não deveria me
surpreender sua decisão de não me confiar esse segredo.
Aquilo pareceu aplacar um pouco o aborrecimento da garota, pois sua
resposta foi algo menos beligerante.
— Pensei que todos estaríamos a salvo se não soubessem. Poderiam ter
me tratado de maneira especial, ou dito algo comprometedor por equívoco e…
alguém poderia ser informado e teriam acabado por me descobrir.
Também aquilo tinha sentido. Para o jovem que era, tinha que reconhecer
que tinha uma boa cabeça sobre os ombros. A boca de Varian relaxou em um
amplo sorriso.
— Percival havia dito que seu tio não só era um homem valente, mas
também muito ardiloso — disse ele. — Percebo que herdou dele essas duas
qualidades, assim como sua aparência.
O desafio desapareceu de seus olhos de cor verde intensa e foi substituído
por uma expressão de causar pena.
— Eu era para o Jason um filho e uma filha. — Sua voz tinha um timbre
tremente. — Ele me ensinou tudo o que sei. Falo perfeitamente quatro línguas
e sei turco suficiente para amaldiçoar. — Engoliu a saliva. — Sou uma
excelente atiradora tanto com rifle como com faca. Posso defender a mim
mesma e também a vocês dois. Logo verão que não há nenhuma necessidade
de que me tratem com especial deferência só porque sou mulher.
Varian devia ter posto uma expressão um tanto duvidosa — e como não,
enquanto olhava aquela criatura com aspecto de duende com enormes olhos
verdes, porque ela elevou o queixo e endireitou sua postura.
— Não sou uma mulher débil e assustadiça nem vou fazer um grande
escândalo por um pequeno engano. Esquecerei o insulto cometido contra
minha pessoa e os levarei a Tepelena… se você puder esquecer minha pequena
ofensa por tê-lo enganado.
— Isso é muito… generoso de sua parte — disse Varian, — mas…
— Não há nada o que temer — interrompeu ela impaciente. — Sou uma
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Capítulo 4
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— Não, tem que dizer-lhe você, porque não me escuta nunca. Diz que não
pode entender o inglês que falo. Você terá que dizer e explicar claramente
como fez na outra noite. Nunca o tinha visto tão zangado. Por um momento
acreditei que estava disposto a te pegar. Mas você o repreendia e ele não fazia
outra coisa mais que sorrir e escutar.
Agora o inglês já não ria. Seus olhos cinza estavam fixos no humilde povo
que tinham à frente e os traços de seu rosto ficaram tensos.
— Rogozhina — disse ela. — Eu havia dito que chegaríamos aqui antes que
caísse a noite.
— Disse-me que era uma cidade importante. Não vejo mais que seis
casas, ou chiqueiros. E é difícil distinguir onde acaba o musgo e onde começa a
pedra das paredes.
— Falei a você que é um importante cruzamento de caminhos — disse ela.
— Aqui se unem dois ramais da antiga via Egnatia romana, uma desde a
Apolônia e a outra desde Durrës.
— Pois então me parece que os romanos acabaram com o dinheiro para
sua manutenção. Embora César Augusto possuísse os visionários poderes
concedidos pelos deuses dos quais fazia ornamento, atrever-me-ia a desafiá-lo
por definir como duas grandes estradas, isso que não é mais que um caminho
em meio de muito lodo, no meio de nenhuma parte. Avançamos durante dois
dias pelos pântanos, para chegar a esse grupo de barracos cobertos de barro
que, até onde posso ver, foram abandonadas por seus habitantes humanos a
pelo menos seis séculos.
— Possivelmente esperava uma cidade como Paris, efendi?
— Estava esperando chegar a algum lugar que tivesse algo que ver, por
longínquo que fosse, com a civilização.
Esme experimentou um poderoso desejo de disparar sua bota para o
traseiro dele, mas disse a si mesma que aquele lorde era como um menino
mimado e não podia comportar-se melhor. E além disso, ao ser tão infantil, era
bastante fácil dirigi-lo. Não fosse assim, teriam tido que ficar encerrados no
pequeno refúgio junto à desembocadura do Shkumbi.
Felizmente, ele precisava dela a seu lado muito mais do que ela
necessitava dele. Na Inglaterra poderia ter sido um lorde poderoso, mas na
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em ver como o faz, deve ser um espetáculo divertido, mas acredito que
poderei esperar até que cheguemos a Tepelena.
— Ver-me?
— Cortejar — esclareceu ela. — É obvio que não sinto nenhuma
curiosidade em ver o resto. Isso é um assunto privado.
— Esme — disse ele, — tem alguma ideia do que está falando?
— Sim. Jason me contou isso, porque não tenho família que me possa
proteger. Pensava que era melhor que entendesse desses assuntos, posto que,
do contrario, alguns homens poderiam utilizar minha ignorância contra mim.
— Já vejo.
— Está surpreso?
— Não, só… — Fez uma pausa e se voltou completamente para ela. Ela
também se deteve, perguntando-se por que parecia tão preocupado.
— E o que me diz da família de sua mãe? — perguntou-lhe. — E sua mãe?
— Morreu quando eu tinha dez anos. Jason e eu passamos uma época
muito difícil, porque sempre o requeriam em alguma parte. Minha avó vive em
Girokastro, mas todo o resto de minha família morreu.
E agora também Jason, pensou ela sentindo uma pontada de pena que
começava no coração e obstruía a garganta. Voltou a andar de novo.
— Mas isso aconteceu faz muito tempo — acrescentou ela com firmeza. —
Falemos de outra coisa.
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Estava cansado e faminto, e tão sujo que tinha vontade de sair de sua própria
pele. Se Esme não tivesse cuidado da situação, teria acabado sentando
naquele momento no chão para ficar a chorar.
Tal e como ela tinha previsto, aos aldeãos não chamaram a atenção o
andrajoso moço pelo que pretendia fazer-se passar Esme, e em seguida a
deixaram de lado enquanto formavam um coro ao redor de Varian. Entretanto,
ela se colocou no momento habilmente a seu lado e conseguiu que prestassem
a ela toda a atenção. Graças a Esme, menos de uma hora depois Varian
colocava seu dolorido corpo em um tanque de madeira cheio de água
fumegante.
Era o tanque da roupa que estava situado na sala central que unia um
grupo de casas de campo. Pertencia à numerosa família de seu anfitrião, Maliq.
Na cozinha, que se encontrava na habitação do lado, podiam ouvir as vozes
das mulheres enquanto preparavam um festim para homenagear a sua
excelência. Justo a seu lado, no pequeno corredor que havia atrás da porta da
lavanderia, estava Petro, obedientemente ocupado em escovar a roupa de seu
senhor.
A maior parte do guarda-roupa de Varian tinha ficado no barco. Nenhum
dos membros da tripulação tinha demonstrado estar tão louco para
acompanhá-los, ao preço que fosse, e três pessoas a pé não podiam carregar
muita bagagem. O que significava que Varian possuía exatamente três mudas
de roupa interior, uma jaqueta, um grosso casaco e dois pares de calças.
Apesar de estar acostumado a trocar de roupa várias vezes ao dia, Varian
tinha pensado que poderia aguentar perfeitamente durante dois ou três dias
até que chegassem a Tepelena. Não é que não pudesse esperar e assistir às
numerosas festas para as quais costumavam convidá-lo, mas jamais teria
sonhado que aquela viagem incluía toneladas de barro e a suficiente
quantidade de insetos para encher a abadia do Westminster.
Estava ensaboando o pescoço e observando a trágica condição em que
tinha ficado sua cara camisa, quando Esme apareceu pela porta, parou em
seco e logo deu meia volta correndo para sair dali.
As gargalhadas do Petro se ouviram ao longo de todo o corredor.
— Filho do chacal — gritou ela. — Por que não me avisou para que não
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entrasse?
— Mil perdões, minha pequena —respondeu ele com ironia. — Acreditei
que tinha vindo correndo para me esfregar as costas.
— Isso não tem nenhuma graça — gritou ela. — Além disso, é um criado
muito ineficaz por deixar que alguém interrompa seu senhor quando está
tomando um banho. Não tem respeito por sua intimidade?
— Respeito? — repetiu Petro. — Por Alá, mas se a metade das mulheres da
Itália viram seu…
— Petro — gritou Varian da banheira.
Petro se apressou a aparecer à porta.
— Sim, senhor?
— Te cale.
— Sim, senhor.
O corredor ficou completamente em silêncio.
Varian acabou em seguida de banhar-se, vestiu o enorme penhoar que seu
anfitrião emprestou e chamou os dois.
Esme entrou no quarto e, sem olhá-lo, recolheu as toalhas que ele tinha
deixado no chão e as colocou no cabide que havia na banheira. Logo se sentou
no chão, em sua típica posição com as pernas cruzadas, e ficou olhando as
mãos.
Petro ficou junto à porta com aspecto servil.
— Tem que pedir desculpas Petro, por suas brincadeiras de mau gosto —
disse Varian. — Inclusive agora, nosso jovem amigo deve estar vigilante para
que não o descubram, e eu não tenho nenhuma vontade de que nos pilhem
graças a ti.
Petro se deixou cair rapidamente de joelhos antes de começar a dar
cabeçadas contra o chão de uma maneira exageradamente lisonjeadora.
— Milhares, milhares de desculpas, minha pequena! — disse ele
desfazendo-se em adulações. — Que eu seja maldito para sempre, que me
apodreçam os braços e as pernas, e caiam a partes, que eu…
— Não seja ridículo — disse ela. — Não vá pensar que nunca antes tinha
visto um homem sem camisa. — Quando Petro ficou de pé com rapidez e
voltou para uma postura mais digna, ela ficou olhando a Varian e um ligeiro
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tom rosado tingiu suas bochechas. — Tudo o que pude ver foram os ombros, e
além disso só por um instante, e…
— E também a banheira é bastante profunda — acrescentou Varian.
O rubor das bochechas dela ficou mais intenso.
— Assim é. Além disso tinha a cabeça em outra parte, garanto a você, ou
do contrário jamais teria entrado aqui de uma maneira tão precipitada. Acaso
não tinha pedido eu mesma que preparassem o banho? Mas esqueci, por que…
— Porque vinha a toda pressa para me contar algo, suponho — disse
Varian ficando de cócoras diante dela. — Do que se trata?
Ela lançou um rápido olhar ao corredor, logo se voltou para Varian e
sussurrou:
— Mataram a Esme.
— Perdão?
— Faz dias chegou a notícia do seqüestro a Rogozhina. Por isso todos
saíram para nos receber e por isso todos se preocuparam em nos deixar
cômodos.
— Agora eu entendo — disse Petro. — Fiquei muito surpreso em ver todas
as mulheres saindo à rua para nos receber, até com os meninos.
— Mas faz dias? — perguntou Varian. — Isso é impossível. Como…?
— Na Albânia, as notícias voam pelos ares como os pássaros — disse ela.
— Sim, senhor — interrompeu Petro antes que ela pudesse continuar
falando. — Gritam de uma montanha até a mais próxima. Com uns chiados
que destroçam os ouvidos. E precisa ver as caras que põem…
— Isso não me importa. O que dizem de seu… do assassinato de Esme? —
perguntou Varian.
— Bajo deu a notícia, da maneira que contou Petro. Disse que mataram o
Jason e tomaram como refém um jovem lorde inglês — explicou ela. — Mas
também contou que Esme foi assassinada durante o ataque daqueles rufiões.
Não vê quão inteligente foi? A esta altura essas notícias já teriam chegado
para os ouvidos dos assaltantes que estão me perseguindo, ou seja, a Esme,
e…
— E desse modo já não haverá mais tentativas de seqüestro.
— Agora já não temos com que nos preocupar — disse ela em tom
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Várias horas mais tarde, Percival estava deitado em uma dura cama de
armar na miserável cabana de um dos padres albaneses. O fogo meio apagado
da chaminé criava estranhas sombras na escuridão do quarto. Pela janela não
se via mais que escuridão, sem uma só estrela.
Na cama de armar que estava junto à parede oposta, o padre roncava
profundamente. A série irregular de roncos, bufados e assobios era
sintomática, pensou Percival, da obstrução nasal que o senhor Fitherspine, seu
último tutor, tinha padecido. Aqueles sons pareciam tão naturais que poderia
ter chegado a pensar que os últimos três dias não tinham sido nada mais que
um sonho. Mas não era assim e tratar de convencer-se do contrário não ia
solucionar nada.
O padre se pôs a chorar ao contar a Percival que seu tio Jason e sua prima
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Esme tinham morrido. Percival não acreditou. Tudo aquilo tinha parecido tão
estranho: o padre dando a terrível noticia em latim, pois não tinham nenhuma
outra língua em comum, enquanto pelas laterais de seu bojudo nariz caíam fios
de lágrimas. Mas Percival tampouco ia ficar a chorar agora. Se fosse vencido
pelas lágrimas, seria vencido em todos os sentidos. Precisava pensar.
Aproximando a bolsa de pele de viagem, tirou dela o objeto que não se
atreveu mais que a tocar enquanto o padre estava acordado e o
desembrulhou. Ali estava. A rainha negra. Ela era a prova evidente de que não
tinha estado sonhando. Aquele bandido a tinha metido na bolsa… depois de
uma azeda conversação com os outros, da qual Percival só tinha entendido
uma palavra: Ismal. Estava seguro disso, porque tinha ouvido varia vezes.
Agarrou a rainha negra pela cabeça e desenroscou a base da figura. E
ficou pasmado… porque a parte de papel ainda estava ali. Tirou-o perplexo e
através da leve luz das brasas estudou a mensagem de seu pai.
Tratava-se de um código ridiculamente simples. Não terei que fazer nada
mais para decifrá-lo que usar o alfabeto, substituindo a Z por A, e assim todas
as letras. Então as palavras apareciam em latim. Sem gramática, mas o
suficientemente explícito. O barco era o Rainha da Meia-noite, que deixaria a
carga no Preveza a princípios de novembro.
Isso era tudo o que Percival pôde compreender. Não chegava a entender
por que seu pai tinha deixado algo que poderia incriminá-lo por escrito. Ou por
que Ismal não tinha destruído a nota, a menos que não tivesse chegado a
recebê-la. Mas, sobretudo, Percival se perguntava por que demônios aquele
bandido tinha colocado a rainha na mochila de couro.
Era importante sabê-lo. Fosse qual fosse a explicação, tinha que ser algo
feio, porque aqueles tipos eram feios e outro tipo tão feio quanto eles tinha
assassinado o seu tio e a sua prima.
Percival atirou o papel às brasas, mas imediatamente voltou a tirar dali e
apagou as faíscas. Tentou frear com seu aborrecimento as lágrimas que se
amontoavam nos olhos. Seu tio Jason jamais teria feito algo tão covarde.
Tinham-no assassinado enquanto tentava salvar a Albânia do homem a quem
era dirigida aquela mensagem. Aquela informação poderia ser útil a alguém, e
esse alguém jamais acreditaria em um menino de doze anos sem uma prova. A
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missão do Percival era fazer chegar essa nota… e fazer com que o mundo
soubesse que seu pai era um simples contrabandista, um criminoso — Oh,
céus!, e acaso fora o responsável, até de maneira involuntária, da morte de
seu próprio irmão.
— Oh, mamãe! — sussurrou Percival olhando com tristeza a rainha negra,
— diga o que tenho que fazer.
Capítulo 5
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dizer ao Petro e ao capitão quando falavam dele — como se seu nome fosse
muito sagrado para pronunciá-lo em voz alta.
— Diga a eles seu nome —sussurrou ela enquanto as mulheres traziam a
comida à mesa. — Eu não sei.
Com uma série de sílabas curtas e entrecortadas, ele soltou uma série de
ridículos nomes: Varian Edward Harcourt St. George, barão Edenmont do
condado de Buckingham, Inglaterra. Logo dedicou a ela o mais desprezível e
presunçoso dos sorrisos, como se a estivesse desafiando a que os recordasse.
Embora tivesse sentido vontade de dar-lhe uma bofetada, Esme voltou-se para
seus anfitriões e ofereceu amavelmente uma tradução do que significavam
seus nomes, ao final da qual puderam ouvir uma série de risadas jocosas entre
a audiência.
— Que demônios disse a eles? — sussurrou ele fazendo cócegas na orelha.
— St. George é Shenit Giergi, um santo que eles reconhecem — disse ela.
— disse a eles que o barão era algo como um rei e que condado é um dos
pashaliks da Inglaterra.
— E o que tem de tão gracioso nisso?
Ela deu de ombros.
— Pode ser que acharam graça em seu nome de batismo. Disse-lhes que
vinha do latim, Varian — respondeu ela pronunciando as vocais com acento
albanês. — Significa «volúvel».
— Mais tarde vou dar uns açoites — ameaçou ele.
Entretanto, pôs-se a rir e toda a companhia riu com ele, e alguém disse
que sua risada soava como a música.
Embora ela duvidasse muito de que sua excelência tivesse a ousadia de
açoitá-la, Esme não se sentia entusiasmada por estar a sós com ele.
Empurrou-o dentro do dormitório ficando junto à porta aberta com a mão no
pescoço. Tinha decidido que seu único dever ali era comprovar que tinha tudo
o que necessitava. Logo poderia se afastar dele durante o resto da noite.
Era um quarto pequeno. Mas apesar disso, e por tratar-se de uma casa de
campo, era bastante luxuoso. Poucas casas tinham mais de dois quartos. Mas
a do Maliq tinha seis, e o que ocupavam naquele momento certamente estava
preparado para acomodar aos dignitários das autoridades que os visitavam.
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olho a noite toda nesse estado. Não tem nada que ver com seu gênero, eu
asseguro. Se fosse Percival, sentiria exatamente o mesmo. Recorda o que
passou quando ele decidiu sair sozinho do barco.
— Não é o mesmo — respondeu ela. — Por uma parte, meu primo e eu
não nos parecemos em nada, exceto exteriormente; por outra…
— Esme, pode discutir comigo até o dia do Julgamento Final, se quiser,
mas o que posso assegurar é que não vou dormir absolutamente esta noite se
for.
O que significava que no dia seguinte ia estar muito cansado para seguir a
viagem e a culpada de tudo seria ela. Esme se calou, aproximou-se do catre,
agarrou uma manta e a jogou no chão, ao lado da chaminé.
— Isso não quer dizer que tenha que dormir no chão — disse ele
levantando do catre. — É obvio que é você que deve dormir na cama.
— Eu posso dormir perfeitamente no chão, estou acostumada — disse ela
com convicção. — Meus ossos não são tão frágeis como os seus.
Ele sorriu.
— Pode ser que não, mas os seus não estão tão bem acolchoados.
— São mais jovens e mais flexíveis — disse ela desdenhosamente.
— Parece que estou decrépito?
Esme o olhou de cima abaixo com gesto ressentido, observando seu corpo
perfeitamente bem proporcionado.
— Não queria dizer isso. Mas que seja um homem adulto e forte não quer
dizer que tenha mais resistência. Eu posso dormir perfeitamente no chão,
enquanto que você certamente despertaria a meia noite incômodo e com frio.
Aconselho que desfrute de um leito suave agora que tem a oportunidade.
— Mas eu estou determinado que você o desfrute — disse ele. — E sou
muito teimoso quanto a me comportar como um cavalheiro. — Seu sorriso se
converteu em uma careta zombadora. — Temos que começar a brigar,
senhora? trata-se de que vejamos quem dos dois é mais obstinado?
— Eu não…
O resto da frase foi uma série de palavras entrecortadas porque Esme se
encontrou de repente nos braços dele, que a depositou sobre o leito. No
momento, ela ficou de pé, mas ele pôs as mãos sobre os ombros.
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Logo passou um dos dedos por seu tornozelo, e a chama de calor que
provocou essa carícia subiu pelos joelhos dela e a fez tremer.
Ele levantou a cabeça e quando a olhou foi como se o ar que os separava
começasse a vibrar como as cordas de um bandolim. À luz ambarina do
dormitório seu rosto recém barbeado brilhava limpo como o mármore branco e
gentil, mas seus olhos cinza pareciam negros abismos com um estranho e
absorto olhar. Uma mecha de cabelo negro caía sobre uma sobrancelha e deu
vontade de afastá-lo do rosto. Aquele desejo a fez sentir-se débil e
melancólica.
— Se afaste de mim — disse ela em um tom de voz tão suave que não
pôde reconhecer como dela.
— Oh! — Ele piscou e se desvaneceu a brilhante calidez de seus olhos. —
Eu sinto — se desculpou soltando-a. — Tinha esquecido que… Bom, é que…
tem um pé muito formoso. — Também a voz dele soou com um timbre
estranho.
Pulsava-lhe o coração quase saindo do peito, como se fosse um inseto
golpeando contra uma janela.
— Tenho os pés sujos — disse ela de maneira cortante.
— Me perdoe, por favor. Não pretendia que… Bom, suponho que ninguém
se preocupa muito por você, não é assim? — Ele ficou de pé. — Se quiser se
lavar, posso sair um momento do quarto.
Sem esperar que ela respondesse, ele abandonou o quarto. Depois de um
momento de dúvida, Esme agarrou as jarras de água quente. Com uma
rapidez furiosa as jogou por cima e logo se esfregou grosseiramente dos pés à
cabeça. Não tinha água suficiente para lavar o cabelo, de modo que o
desenredou da melhor maneira que pôde, com os dedos, e logo o recolheu em
um rabo para mantê-lo afastado do rosto.
Quando ouviu os passos dele que retornava, estava já ficando de novo a
camisa. Agarrou uma manta e se cobriu com ela.
— Ainda não estou vestida — disse Esme em voz baixa.
— Isso é perfeito. O sobrinho de nosso anfitrião, ou seu primo ou neto ou
o que seja, deu uma camisa de dormir limpa para você.
A porta se entreabriu ligeiramente e ele introduziu uma mão para
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Em poucas palavras, era uma ninfa que teria chegado a fascinar à própria
Artemisa.
Com atraso, Varian se deu conta de que estava comendo com os olhos
aquele corpo jovem na flor do crescimento. Céus, esperava que ela não se
desse conta disso!
— É tão… magra — disse ele.
— Meu pai dizia que as mulheres de sua família amadureciam com atraso
— disse ela elevando a mandíbula. — Mas logo crescerei.
Varian pensou que gostaria de estar ali quando isso acontecesse. E disse
em voz alta:
— É obvio. Tem muito tempo pela frente.
Logo se aproximou do catre e recolheu um travesseiro e duas mantas
mais.
— Uma de minhas amigas cresceu duas polegadas entre seu primeiro e
seu segundo filho — disse ela à defensiva.
— Uma de suas amigas? — Ele se voltou para ela apertando
inconscientemente a almofada contra seu ventre. — A que idade se casam as
mulheres na Albânia?
— Doze, treze, quatorze anos — respondeu ela dando de ombros. —
Normalmente buscam um marido ao nascer e se casam quando estão em
idade de ter filhos. Mas Jason não quis fazer isso comigo, porque ele não tem
os costumes desse país.
— Pelo amor de Deus, eu diria que não. — Varian colocou o travesseiro e
as mantas em cima da que tinha jogado ela antes no chão. — Na Inglaterra as
moças esperam ter dezoito anos para entrar na Bolsa de Matrimônios, ao
menos entre as classes altas. Mesmo então, duvido muito que a maioria delas
seja o suficientemente adultas para converter-se em mães.
Ela ficou olhando pensativa.
— Sim. Já imaginava que estavam muito mais protegidas — disse.
Para alívio dele, ela se moveu de onde estava ao lado da chaminé e se
aproximou do catre, que ao contemplá-la fez ficar com a boca aberta e
franzindo as sobrancelhas.
— Acredito que vais ter frio, eu já estou acostumada — disse ela sem
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— Não tinha me dado conta de que fosse se despir completamente. Vai ter
muito frio — disse ela . — E além disso não é muito apropriado despir-se sem
antes ter apagado as velas.
— E também é bastante difícil encontrar os botões às escuras. Poderia,
simplesmente, colocar a cabeça debaixo da manta? A menos que, é obvio,
prefira admirar minha beleza masculina — acrescentou ele de maneira
provocadora.
Aquilo não a fez ruborizar-se, como ele esperava. Ela ficou olhando
friamente durante um momento e logo, com a mesma frieza, meteu-se sob as
mantas e lhe deu as costas.
— Petro tinha razão — disse ela com desprezo. — Não tem nenhum pingo
de decência. E, além disso, é vaidoso. Embora não me surpreenda
absolutamente, depois de ter visto como ficam as mulheres entusiasmadas
quando o olham. — Logo bocejou. — De qualquer modo, se quer passear nu
pelo quarto, é seu problema. Pode ser que a atividade o mantenha aquecido.
— Que quadro tão elegante me pintou — disse ele em tom de queixa
apesar de si mesmo. — O décimo segundo barão do Edenmont dançando em
couros como se fosse um… um…
— Um fauno — acrescentou ela. — Ou um sátiro. Ou talvez como Eros.
Mas não, é muito velho para isso.
— Eros seria perfeito. Ao menos me atribui algum tipo de qualidade
divina…
— Era cego.
Varian se deu por vencido e, rindo de si mesmo, apagou as velas. Quando
chegou à última, a que estava mais perto da cama, se deteve para olhá-la.
Estava deitada de lado, feita um novelo, acomodada entre as mantas. A luz da
vela lançava raios ardentes sobre seu cabelo. Uma parte dele desejou acariciar
aquele cabelo. Outra parte, de maneira absurda, queria meter-se na cama com
ela. Mas não fez nenhuma das duas coisas.
— Boa noite, senhora — disse ele.
— Neten e olhe, Varian Shenit Giergi — respondeu ela.
Aquelas palavras em albanês chegaram a seus ouvidos como uma carícia.
Varian duvidou por um momento, e logo voltou-se com resolução, apagou a
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Capítulo 6
Embora supondo que Lushnja estava a apenas dez milhas ao sul, o grupo
de Varian não pôde chegar ali antes do por do sol. A ponte mais próxima sobre
o rio Shkumbi estava a várias milhas ao oeste da Rogozhina. Conseguiram
cruzar justo minutos antes que a ruinosa estrutura se afundasse no rio.
Uma vez tendo deixado para trás o incidente, tiveram que enfrentar a um
vasto território de atalhos intransitáveis. A chuva tinha alagado os caminhos,
de modo que precisaram desviar-se bastante para o oeste, passando perto das
colinas. Pegos nos limites daquela zona costeira e pantanosa, o pequeno grupo
avançava muito lentamente. Sob o toró, mesmo a cavalo, não viajavam muito
mais rápido do que tinham previsto fazer a pé.
Entretanto, naquele momento, Varian estava consciente do ambiente
natural que os rodeava. Tinha a cabeça voltada para outros assuntos, como
por exemplo, nos homens que formavam sua escolta. Era impossível imaginar
um grupo de acompanhantes menos tranquilizador que aquele.
Esme havia dito que se tratava de bons lutadores nos quais podia confiar.
Era verdade que tinham um aspecto bastante feroz: altos e musculosos, com
os rostos duros e curtidos rematados por espessos bigodes sob os capuzes das
imundas capas. Sem dúvida, seus gestos secos e o tom baixo de suas
conversas estavam perfeitamente calculados para ganhar confiança de um
inglês.
A seu lado, Esme parecia menor e mais vulnerável que nunca, e
terrivelmente necessitada de amparo. O fato de que os outros não
suspeitassem que na realidade fosse uma mulher, não era tão tranquilizador
dado as práticas comuns naquelas terras. Pareceu a Varian que aqueles tipos
se fixavam muito nela. Começou a suspeitar o que poderia cruzar pela cabeça
deles, embora ela não parecia dar-se conta.
Incomodava a Varian tê-la sempre em mente. Mas tinha que admitir que
era uma moça realmente encantadora. Já tinha se dado conta disso mesmo
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antes de ter dado uma olhada a seu corpo de ninfa. Sua pele bronzeada pelo
sol era suave e lisa, seus grossos lábios ainda mais suaves, tanto que dava
desejos de beijá-la. E aí precisamente residia o problema. Não era mais que
uma menina, e a Varian St. George não atraíam as meninas, e além disso não
devia estar pensando em sua boca ou em nenhuma outra parte de seu corpo.
Mas não podia deixar de pensar nela. Repassou mentalmente muitas vezes
o momento inquietante em que ela tinha acariciado o pé e ficou olhando
hipnotizado seus inocentes e profundos olhos verdes, e havia sentido a
primeira traiçoeira sacudida de desejo.
Por alarmante que tivesse sido aquilo, Varian assegurava a si mesmo que
era fácil explicar aquela atração que sentia. Fazia semanas que não tinha uma
mulher. Aquilo, unido a penosa viagem sob um incessante toró por um terreno
endiabradamente difícil, tinha transtornado sua cabeça. Via Esme como se
fosse uma mulher porque assim desejava vê-la, e porque era a única pessoa
de sexo feminino que havia a seu redor.
De todos os modos, um celibato temporário não ia matá-lo. Era um
cavalheiro e, embora admitisse seu caráter dissoluto, possuía certamente
suficiente honra para manter as mãos quietas. Desgraçadamente, duvidava de
poder dizer o mesmo dos homens que os escoltavam.
Quando por fim se detiveram para passar a noite, e os albaneses
começaram a preparar o acampamento, Varian ficou ao lado de Esme.
— Acredito que será melhor para você que continue compartilhando meu
quarto — disse ele.
Ao ver o gesto de rebelião que tomava corpo em seus olhos e a elevação
teimosa de seu queixo, Varian acrescentou:
— Discutir comigo é uma perda de tempo. Já sei que vai dizer que sou
insensato e que estou louco. Mas, sendo assim, não acredita que vou fazer
caso omisso do que me diga?
— Se estiver louco — respondeu ela com uma paciência exagerada, —
como pode saber o que é o melhor?
— Disse que acredito não que saiba — respondeu ele ainda com mais
paciência. — Pode ser que o que penso seja idiota, mas é o melhor que posso
fazer minha querida menina.
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Ela ficou pensando naquelas palavras, com uma expressão meditativa que
parecia uma réplica cômica do Percival, quando ficava observando com intriga
um espécime geológico.
— Já vejo — respondeu ela ao cabo de um momento. — É mais ou menos
como ontem à noite. Tem algum tipo de ideia desenquadrada de que deve
cuidar de mim. Está vendo perigos onde não há, da mesma maneira que não
os via em Durrës, onde sim havia. Pelo Alá, está realmente confundido. Estou
começando a pensar que sua mãe o deixou cair de cabeça quando foi um
bebê.
Varian manteve o olhar com o rosto inexpressivo.
— Tem que ser paciente com as pessoas mentalmente desequilibradas.
— Ter-me-iam que fazer Santa pela paciência que tenho contigo —replicou
ela. — Não deixou de se queixar ou de ser cínico desde que começamos a
viagem. Como se o fato de que o desaprove pudesse fazer melhorar o tempo
ou que se arrumassem por arte de mágica os caminhos que ficaram alagados
pela água.
Varian se deu conta de que tinha estado todo o tempo de mau humor. Ao
sentir-se aborrecido consigo mesmo, tinha demonstrado seu desgosto com
tudo o que o rodeava.
— Sinto-me terrivelmente fatigado — disse ele. — Vivi sempre muito
protegido e tenho medo de tudo, embora seja um medo infundado. Viajar por
seu país é algo muito duro, e até agora não tinha passado nem um só dia de
penúrias em toda minha vida.
— Vá, e um homem desse tipo acredita que poderá me proteger. Nunca
tinha ouvido algo mais estúpido.
Ela começou a afastar-se de seu lado.
Varian a agarrou suavemente pelo braço e a fez deter-se.
— Estúpido ou não, quero que se mantenha afastada dos outros — disse
ele. — Se a observarem de perto, certamente descobrirão que não é o que
parece ser. Jantaremos juntos em meu quarto e passará a noite nele. É a única
coisa sensata que podemos fazer.
Ela negou com a cabeça.
— Esme — sussurrou ele com voz rouca, — embora esteja fatigado, ainda
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mão dos objetos que havia pelo quarto, mas nada parecia ser o bastante
simples. Varian escutava e a olhava com atenção e logo repetia cada palavra.
Decidida a ensinar sua língua para aquele inglês de cabeça dura, Esme se
aproximou dele para se permitir estudar melhor os movimentos de seus lábios
e de sua língua, enquanto formava as sílabas.
— Köke — disse ela apontando a cabeça. — Estas sílabas soam quase
como o inglês, não parece? — Logo tocou o reto e bem desenhado nariz com a
ponta de um dedo. — Undë.
Sobrancelhas, olhos, bochechas, orelhas, boca — ela foi recitando cada
uma dessas partes do corpo em sua língua, com a persistente paciência que
teria um missionário tentando salvar a um pecador. — Tão perto dele; tão
insinuantemente perto. Ele tinha vontade de tocá-la, de passar seu dedo pela
sedosa e dourada bochecha dela.
— Gojë — disse apontando o dedo para sua boca. — Venha, isto não é tão
duro.
Não, sua boca era branda, suave e úmida. «Venha», havia dito ela.
— Kokë, syrtë, undë — disse ele em voz baixa, perfeitamente.
Aproximou-se um pouco mais dela. Desejava aquela boca, e isso era o
único no mundo que queria ou sabia naquele momento.
— Gojë — sussurrou ele.
Seus lábios roçaram os dela, a mais ligeira carícia de um beijo, mas algo
se fez pedacinhos em seu interior, algo como medo, e ele se inclinou para trás
em seguida, assustado.
Mas não tão assustado como ela. Seus olhos verdes estavam abertos como
pratos e o olhavam estupefata. Logo seu rosto começou a avermelhar. Elevou a
mão e o esbofeteou com tal força em uma bochecha que os ouvidos de Varian
zumbiram e os olhos ficaram frágeis.
— Isso não foi divertido — disse ela e começou a esfregar os lábios com
força.
Enquanto dava uma massagem com os dedos no rosto, Varian pensou que
nunca antes se encontrou com uma resposta mais desarmadora, ou
apropriada. — Já tinha sido esbofeteado antes, em estranhas ocasiões, embora
nem de longe tão forte. Mas nunca ninguém limpou um de seus beijos com
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presa. Então, de repente, moveu-se para o outro lado e o pesado calor que a
envolvia se desvaneceu. Varian se mexeu entre as mantas.
— Maldita seja — ouviu sua voz em um murmúrio de queixa.
Ela se voltou e viu que ele se sentou.
— Despertei-a — ele disse.
— Estava acordada — disse ela dirigindo-se a seu corpo entre sombras. —
Está a ponto de amanhecer.
— Estive esmagando você durante toda a noite? — disse com um tom de
voz que parecia zangado.
— É muito grande, mas não um elefante. Não me esmagou.
Só me pôs nervosa, acrescentou para si mesma. Ser abraçada daquela
maneira a fazia sentir-se algo mais que incômoda: fazia que algo em seu
interior ficasse a pulsar com força, como um bando de andorinhas batendo as
asas. O mesmo havia sentido quando os lábios dele tinham roçado os seus. E
uma terrível doçura, que apareceu e desapareceu em um instante, e depois
disso uma rajada de vibrações em seu interior. Não deveria ter sentido nada, e
aquilo era algo que a surpreendia.
— Sinto — disse ele. — Não haverei… não a insultei, verdade?
— Não.
Depois houve uma longa pausa. E logo ele disse em um tom
completamente normal:
— E posso confiar em que você não me tenha insultado, verdade,
senhorita?
— Não! O que é o que…? — Ela sentiu que ardia seu rosto. — Oh, é uma
brincadeira!
— É uma ideia muito inquietante — murmurou ele. Manteve por um
momento a respiração e depois continuou: — Me refiro a que faz um momento
senti claramente que algo me picava e eu esperava que tivesse sido você, por
que…
— Acaso quer que o pique?
— Porque de outra maneira deve ser algum inseto que me picou. Há por
aqui uma grande quantidade de insetos desse tipo e só um do seu, e as
menores possibilidades parecem ser menos desencorajadoras, sabe?
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— Em tal caso não teria que dormir tão perto, efendi. Suponho que as
pulgas acham você mais apetitoso, e por isso as minhas se foram para você —
acrescentou ela com ar de culpabilidade.
— Não tinha intenção de dormir tão perto. Simplesmente aconteceu assim.
Suponho que devo parecer uma pessoa muito incômoda.
O ar estava ligeiramente carregado com a fresca promessa da manhã e o
negrume da noite começava a dissipar-se, deixando um sombrio véu cinza de
luz de amanhecer. Ele se sentou no chão com os joelhos levantados e os
braços cruzados por cima. Mesmo entre as sombras do amanhecer parecia à
obra de um escultor, muito formoso para ser feito de carne e ossos mortais. De
fato era um ser inquietante, pensou ela. E embora tivesse que centrar sua
mente em sua obrigação, em vingar a morte de seu pai, em lugar disso aquele
homem fazia sua mente dirigir-se para ele e se aderir à sua.
— Sim — disse ela.
— Não vai acreditar, Esme, mas normalmente sou uma companhia muito
agradável. É um de meus poucos talentos. Posso agradar quase a todo mundo.
Duvidou um momento e logo seguiu falando em um suave tom de voz.
— Do contrário, certamente a essa altura teria morrido de fome. Olhe, só
tenho meu sobrenome é isso, o nome. Isso e uma habilidade para agradar é o
que me dá de comer, e proporciona roupa e cavalos.
Ela se voltou para ele olhando-o como se não acreditasse.
— É completamente certo —assegurou ele. — Como minhas irmãs sem
título, as pulgas, eu sou um parasita. Mas um parasita encantador. Por
exemplo, nunca pico.
— Acredito que possa ser amável — disse ela. — Ao menos com as
mulheres, ou do contrário não teria tantas.
— Eu gostaria de saber exatamente o que esteve contando Petro de mim.
Mas asseguro que seja o que seja é um tremendo exagero…
— Disse-me que foi um viciado nas mulheres, e que todas se lançavam a
seus braços de maneira desavergonhada, e que dessa forma desfrutou na
Itália das mais formosas mulheres. Entendi que na Itália há muitas mulheres
belas — concluiu ela de maneira muito expressiva.
— Não fui precisamente um monge, mas…
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maneira como está acostumado a viver, não me admira que esta viagem o faça
ficar nervoso. Tentarei ser mais pormenorizada no futuro.
— Vejo que continua pensando que sou infantil — disse ele. — Quer que eu
explique como é essa vida e deixar que você julgue mesmo o infantil que
parecem essas coisas?
— Como quiser —respondeu ela dando de ombros. — Já é muito tarde
para voltar a dormir e os outros se levantarão em seguida.
— Em tal caso, me deixe que a entretenha um momento. Deixa que eu
pinte um quadro.
Ele estirou seu esbelto corpo para recostar-se para trás apoiado nos
cotovelos, e fechou os olhos.
Logo começou a falar, com uma voz suave e sonhadora enquanto descrevia
como era um luxuoso quarto, com o chão coberto de formosos tapetes…, a
lenha ardendo na lareira…, uma enorme banheira de cobre, brilhante e
profunda, cheia de água fumegante. Também havia sabão, com essência de
ervas e flores, e uma donzela que a ajudava a banhar-se. Porque se tratava de
Esme, que relaxava no luxuoso e aromático banho…, logo se levantava da
banheira como uma Afrodite saindo da água…, e era envolta em toalhas
grossas e suaves. Estava descrevendo o Paraíso, mas aquilo era mais que uma
pintura. Suas palavras e o sonhador tom das mesmas chegaram a ela até a
alma e afizeram sentir uma pontada de desejo.
Nem sequer se deu conta de que tinha fechado os olhos até que os suaves
e tranquilos sons de suas palavras cessaram de repente. Abrindo os olhos,
Esme sentiu que ele a estava olhando de uma maneira muito estranha, com
uma expressão sem vislumbre de sorriso. Ela se ruborizou e olhou para outro
lado.
— Oh, Deus! — murmurou ele, e logo ficou de pé e saiu a toda pressa do
quarto.
Capítulo 7
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dar mais desculpa, e odiava a si mesmo porque não podia deixar de fazê-lo.
Tinha sucumbido a seus encantos como um colegial, refletiu Varian com
decepção, confundido por uma garota que o tinha deixado sem sentido no
momento em que a tinha olhado. E além disso, tinha atuado como um menino,
tratando de ganhar um pouco de carinho ou de tolerância por sua parte, ou,
maldita seja, ao menos que sentisse pena por ele.
O tiro tinha saído pela culatra, não é verdade? Falar do banho, de todos
aqueles luxos, fazia com que a imagem de sua mente ardesse: seu esbelto e
inocente corpo saindo do banho e deitando-se em seus braços abertos…, sua
pele nua e molhada roçando seu…, sua suave e provocadora boca oferecendo
toda sua inocência.
Varian soltou um grunhido e se ajoelhou junto à beira do rio. Fechando os
olhos, colocou as mãos nas frias águas da corrente e ofegou pela impressão.
Sem duvida lavou o rosto. Mas não era suficiente. Necessitava uma penitência
para recordá-lo com pavor a próxima vez que se deixasse arrebatar por sua
asquerosa luxúria.
Varian apertou os dentes e começou a tirar a roupa.
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virtude nunca seria posta a prova. Tinha já muitas razões para culpar a si
mesma e para sentir-se aflita. Certamente não precisava jogar mais vergonha
sobre seu dor.
Durante algo mais de uma hora avançaram em silêncio, e Esme sentiu que
ele a observava em várias ocasiões. Mas ela manteve com resolução seus
olhos postos no perigoso caminho que tinha sob seus pés.
— Está zangada comigo? — perguntou ele ao fim.
— Sim — respondeu ela. — Não deveria estar, porque acredito que não
pode evitar ser como é. Mas, de qualquer modo, não facilita as coisas. Tem o
dom de se colocar sempre em problemas.
— Pelo amor de Deus! Ainda está zangada porque fui banhar-me no rio?
— Não sei o que se pode fazer com você — disse ela. — É como esses
meninos pequenos que parecem estar todo o tempo inventando novas formas
de machucar-se. Como não posso atá-lo ou colocar uma correia na sua
cintura, estou segura de que quando chegarmos a Tepelena já estará morto,
faça o que eu faça por evitá-lo. Então, Alí me jogará a culpa. Se no dia estiver
de bom humor, tão somente fará que me disparem de um canhão. Se não for
assim, possivelmente me fará assar em um espeto, ou me arrancará os
membros um a um. Escolha o que escolher, estou segura de que será uma
morte muito humilhante. Em suas mãos é estranho que alguém morra com
dignidade.
— Estou vendo. O que a preocupa não é minha sobrevivência, mas a sua.
— É obvio que me preocupa a sua sobrevivência — respondeu ela
friamente. — Você é um visitante em meu país e eu tenho que cuidar para que
esteja a salvo e cômodo aqui.
— Mas além disso, não importa nem um pouquinho o que me acontece.
— E do que ia servir, quando você mesmo não se preocupa com você? Eu
não gosto de embarcar em causas perdidas.
A maneira como ele tragou o ar profundamente foi claramente audível por
cima do ruído dos cascos dos cavalos.
— Bom, isso não é muito amável de sua parte — disse ele. — Mas a
verdade quase nunca o é, já sei. Não é que pessoalmente tenha tido muitas
relações com a verdade, mas… Maldita seja! se você apenas me conhecer.
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Ela esteve a ponto de sentir pena por ele. Nunca tinha pensado que algo
que dissesse poderia desarmar sua arrogância.
— Isso é bastante certo — disse ela depois de um incômodo momento de
silêncio. — Eu só sei o que vejo. Pode ser que estejamos envoltos em
circunstâncias extenuantes.
Ele ficou pensativo.
— Pode ser que sim. Ou pode ser que não. O que passa é que… Bom, não
importa. «Extenuantes» — continuou dizendo ele em voz mais baixa. — É
admirável o vocabulário inglês que tem.
— Minha língua é muito mais formosa — disse ela, — mas às vezes a sua
oferece uma maior variedade de palavras.
— Terei sempre em mente. Vejo que pode escolher entre uma grande
quantidade de vocábulos para fazer encontrar exatamente cada matiz do que
deseja comunicar.
Ela assentiu e estalou a língua.
— Você não sabe minha língua e por isso não pode entender. Em albanês
terá que comunicar os matizes, como você diz, com o tom e a expressão da
voz. É algo muito mais sutil. Com mais sentimento.
— Certamente é assim. Embora por desgraça, pareceu-me que quem fala
sua língua é muito pouco sentimental.
Esme sentiu uma desagradável pontada na consciência. Mas a ignorou.
Pareceu-lhe uma idiotice responder aquela indireta, vindo de um libertino falido
e arrogante.
— Isso que diz me parece muito errado. Em Rogozhina, meus compatriotas
o trataram como a um príncipe. Que mais queria?
— Seus patrícios foram inesquecivelmente amáveis e carinhosos — disse
ele. — Possivelmente não me expliquei bem. Referia-me a você.
— Parece que não tenho sentimentos?
Ele se moveu incômodo no selim e soltou uma gargalhada zombadora.
— Não é exatamente isso o que queria dizer. Cuida de mim de uma
maneira muito amável, sem dúvida, e agradeço isso; a verdade é que me
salvou a vida…
Esme esperou mas sua excelência não disse nada mais para lhe esclarecer
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a que se referia.
— Então não entendo do que está se queixando — disse ela com tom
altivo. — Quando o descobrir, fará a honra de compartilhá-lo comigo?
Chegaram a Lushnja ao meio dia, e ali Varian teve seu primeiro encontro
com a dura realidade de um julgamento tribal na Albânia. Dias atrás dois
homens brigaram e um deles tinha matado ao outro. O assassino escapou, e
os chefes de sua tribo tinham queimado sua casa e suas terras. Começava
outra inimizade de sangue entre famílias.
Embora Esme se assegurasse de que seus hóspedes não sofreriam
nenhum ataque, Varian se negou a deter-se naquele povoado. Nem sequer a
promessa de um banho quente o convenceu.
— São bárbaros — disse ele quando passavam junto aos campos
queimados. — Se deve castigar a um homem que assassinou, suponho, mas
por que castigar também a sua mulher e seus filhos queimando as
propriedades?
— Outros cuidarão de sua família — disse ela com voz sufocada. — Ao
menos não estarão metidos em problemas por culpa de suas propriedades.
Meu pai me disse que na Inglaterra podem colocar na prisão a um homem e a
sua família por não ter um centavo.
Isso foi muito profundo para Varian, pois o próprio lorde Edenmont tinha
estado na prisão por suas dívidas. E era verdade que em seu país não se
necessitava queimar para destroçar a vida de alguém.
De qualquer forma, ele preferia estar brigando com ela em vez de passar
as horas envolta em um frio silêncio. Varian não estava acostumado à frieza, e
estava mais desacostumado ainda ao tão descarado desdém; isso era algo que
o zangava muito mais que qualquer frieza que pudesse ter imaginado.
Mas não sabia como lutar contra ela. Todos as tentativas que fazia para
defender-se soavam como queixa…, e tão somente o faziam aparecer ainda
mais infantil aos olhos dela. Era algo mortificador pensar que Edenmont, que
era capaz de conseguir que a mais ogra das viúvas o tratasse de maneira
cálida, não pudesse fazer com que aquela moça adolescente o olhasse com um
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mínimo de doçura.
Aí se via quão baixo tinha caído: desejando que brigasse, que se risse dele
— era melhor que seu gelado desprezo.
— É verdade — disse ele, — mas nós os ingleses damos muito valor ao
dinheiro. Isso é o que nos distingue de outras nações menos civilizadas —
acrescentou tratando de provocá-la.
— Vocês, os ingleses, somente reconhecem uma civilização: a sua —
respondeu ela. — Albânia construiu magníficos templos e criou grandes obras
de arte, enquanto seus antecessores viviam igual a animais em covas e
palhoças. Os romanos instalaram aqui a seus nobres filhos, na Apolônia, para
treiná-los como guerreiros, e esses homens navegaram através dos mares
para conquistar lugares selvagens, como sua pequena ilha. Ao longo dos
tempos uma nação atrás da outra tentou nos vencer e nos dominar, mas não
puderam ainda nos moldar a seu capricho: nem os gregos, nem os romanos,
nem sequer os turcos. Durante séculos nos impuseram suas leis, e ainda são
os próprios turcos os únicos que falam turco. Quanto tempo necessitaram os
normandos para converter a seu povo em franceses? Uma semana? — concluiu
ela com desprezo.
— Isso é simplesmente porque nós somos extremamente hospitaleiros. E
absolutamente tão obstinados como vocês. É claro que sua gente conservou
uma única língua porque não são capazes de aprender outra.
— Como é possível que seja tão ignorante? Eu falo quatro línguas
perfeitamente e até posso me expressar em turco.
— Mas você é meio inglesa.
Ela lançou um olhar homicida.
— Esse é o mal olhado de que falava Petro? — perguntou Varian. — É
bastante impressionante, devo reconhecer. Se eu não fosse uma pessoa tão
profundamente malvada, deveria me calar durante quatro dias seguidos.
— Esteve me provocando deliberadamente — acusou ela. — Por quê? Você
gosta de ver como me zango?
— Sim. Tem umas réplicas maravilhosas. Eu gostaria de ceder meu posto
na Câmara dos Lordes. Estou convencido de que animaria muito as sessões.
Esme na Inglaterra. Aquela perspectiva o deixou surpreso. O que poderiam
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fazer os ingleses com ela, com sua ninfa furiosa? Se lhe acrescentassem uns
quantos anos — Esme aos dezoito, por exemplo — e a colocasse no Almack's,
entre o brilho das aborrecidas luzes da sociedade, o que aconteceria?
Então Varian teve uma pequena dúvida, pensou que ao menos uns poucos
homens perceptivos poderiam chegar a ver nela o que ele tinha visto. Embora
ela não se parecesse com nada que tivesse conhecido antes, e virtualmente
possuía a maioria das qualidades que se desaprovam nas mulheres, algum
desses homens poderia dar uma olhada naqueles apaixonados olhos verdes e
esquecer por completo tudo o que até então tinha acreditado sobre as
mulheres.
Ela estava olhando para outro lado e em suas bem delineadas bochechas
podia ver-se um ligeiro rubor.
— Já vejo — disse ela. — Está se divertindo comigo. Seguramente pareço
um bom bufão de palácio.
— Os bufões, devo particularizar, eram em geral os únicos membros da
corte que se atreviam a dizer a verdade.
— Claro — replicou ela com voz cansada. — E faziam rir a todos, assim
como eu.
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botão de rosa, com todo seu ser abrindo-se com prazer tal como uma flor se
abre sob o calor primaveril do amanhecer.
Apenas lhe roçava a face com as mãos que seguravam o rosto. Esme só
sentia uma ligeira pressão enquanto os lábios dele se moviam docemente por
cima dos seus, mas aquilo provocava uma pulsante onda de doçura, enquanto
ele se demorava naquela carícia… como se aquela boca lhe parecesse deliciosa,
como se estivesse desfrutando do que saboreava nela.
Mas isso era impossível. Só o que ele podia sentir era curiosidade. Embora
ela fosse para ele de outra espécie, não deixava de ser uma mulher, como com
tanta convicção ele tinha recordado fazia um momento. Por ser um viciado
nas mulheres, era natural que se dedicasse a investigar inclusive aquele
espécime penoso. Somente queria brincar com ela e descobrir se era como as
demais mulheres.
Esme afastou a cabeça para trás e abriu os olhos com surpresa, como
saindo de um sonho.
— Já é suficiente —disse com tom cortante.
— Não, não é.
A voz dele era suave e sedosa como o veludo. Suas mãos revolviam
carinhosamente o cabelo dela, e seu olhar, como de fumaça quente, moveu-se
lentamente de sua boca a seus olhos e de novo a seus lábios.
— É suficiente para satisfazer sua curiosidade — respondeu Esme com
firmeza ficando outra vez rígida.
Deveria ter se soltado por completo dele, pois seu corpo estava muito
perto, e isso fazia com que ela desejasse, por doentio que fosse, recostar a
cabeça sobre seu peito. Mas a tensão que sentia a fez ser cautelosa. Ela o
tinha provocado fazia um momento e ele parecia ter encontrado uma maneira
devastadora de colocá-la em seu lugar.
— Não se trata absolutamente de curiosidade — disse ele. — Entendo-a
bastante bem, e nunca me pareceu tão trabalhoso compreender algo. Não quer
que me preocupe com você. Não quer que a compreenda. Nem sequer quer
gostar de mim. E muito especialmente não quer que eu goste de você como
mulher. Bem, tampouco eu quero me preocupar com você, ou compreendê-la,
ou que eu goste de maneira nenhuma. — Ele voltou a baixar lentamente as
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mãos até as apoiar nos ombros dela. — Mas nada disso saiu como queríamos,
não é verdade? Deus, quanto tempo passou desde a primeira vez que nos
vimos? Menos de uma semana? Ou o tempo passa aqui tão lento, ou acontece
algo que entre nós?
Então Esme já não se afastou dele. Suas palavras não eram
completamente claras, por muito que ele possuísse um imenso vocabulário em
inglês. Entretanto, a intuição de Esme preencheu os claros. Ela entendia
perfeitamente o que ele estava tentando dizer, apesar de que quase não podia
dar crédito ao que ouvia. Ele sentia o mesmo que ela, ou algo muito parecido.
Mas isso não significava nada, disse a si mesmo. Não era mais que um
capricho. Possivelmente uma necessidade masculina. Nada mais.
Ela se afastou vários passos e jogou os cabelos sobre o rosto. Sua cabeça
se inclinou até quase roçar os pés dele. Desejava que ele a protegesse. Sentia-
se muito exposta. Entretanto, não tinha vontade de salvar-se disso.
— Você e eu temos muitos problemas na cabeça, efendi. — Esme começou
a falar no tom mais razoável, com os olhos fixos no chão. — A viagem é lenta e
difícil, e esses problemas, assim como as diferenças que há entre nós,
perturbaram-nos. Estando todo o dia juntos, com nossos problemas e nossas
diferenças, não é difícil que sintamos algum tipo de… irritação. Eu também
penso, às vezes, que vai me deixar louca. Não me surpreende que você possa
sentir o mesmo.
— Sim, assim é. — Sua voz era seca, e ela notava a tensão que ele estava
enfrentando. — Suponho que a beijei em um acesso temporário de loucura.
— Sim — disse ela. — E eu devia me encontrar no mesmo estado para
permitir isso.
— Isso é um alívio. Ao menos não estava agradando. Minha vaidade está
já bastante danificada. Agradeço que tenha me evitado um a mais.
Sua vaidade? Seus sentimentos? E o que tinha ela? Acaso pensava que ela
era de pedra?
— O que quer que eu diga, efendi? Me diga. Não tenho experiência alguma
na matéria. Deveria dizer que estava ardendo de desejo?
— Sim, maldita seja! Eu sim o estava.
Ela manteve a respiração e o olhou fixamente.
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Capítulo 8
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Esme estava jogando com o Petro o vinte e um quando Varian entrou. Ela
nem sequer se incomodou em olhá-lo.
— Ah, senhor, por fim está aqui! — disse Petro deixando as cartas. —
Posso ir agora?
— Parece-me que não gosta muito de seguir jogando — disse Varian. —
Não dá a sensação de que está ganhando.
Petro ficou de pé.
— Com ele não há quem ganhe. Jogou-me um mal olhado e desapareceu
toda minha sorte.
Varian olhou Esme com o cenho franzido. Ela devolveu um olhar frio.
— Pois então, sai fora e no arbusto busca uma serpente — disse ela. — E
corte sua cabeça com uma faca de prata. Quando a cabeça secar, guarde-a
junto com uma medalha do Shenit Giergi e a leve a um padre para que a
benza.
Petro agarrou uma corda que levava ao redor do pescoço. Dela pendurava
uma estranha pedra.
— Tenho um amuleto contra o diabo — disse Petro. — Uma parte do céu,
de uma estrela cadente. Mas suas bruxarias são muito fortes para ele.
— Todo mundo sabe que os meteoritos só são bons contra os disparos,
velho supersticioso — disse ela. — Mas garanto que diz isso porque tem medo
de matar uma serpente. — Ela deu de ombro. — Não é tão perigoso. Amanhã
eu conseguirei uma.
— E outra para mim? — perguntou Varian.
— Eu não joguei mal olhado em você, efendi — murmurou ela enquanto
recolhia as cartas. — Além isso não existe.
Petro deu um grito afogado.
— Não diga isso. Podem jogar um mal olhado.
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isso muitas vezes. Nunca poderei ser uma dama para os princípios de sua
gente. Nem sequer o sou entre minha própria gente. As demais mulheres
albanesas não são como eu. Têm melhores maneiras, muito melhores. Eu nem
sempre estou contente comigo mesma. Às vezes faço e digo coisas das quais
mais tarde me arrependo. Mas parece ser tarde, muito tarde, então está feito.
Embora tenha muita vontade, nem sempre sei refrear meu temperamento.
Quase nunca. Muitas vezes não posso enfrentar a minha impaciência… e outras
a meus sentimentos. Minha avó dizia que levava um demônio dentro de mim.
Eu não acredito nos demônios, mas é verdade que às vezes me sinto assim.
Ela apertou um punho e o colocou junto ao peito.
— Aqui. Um demônio feroz. Assim é como sou. E não posso evitá-lo —
concluiu com tristeza enquanto afastava a mão do peito.
Aquilo era uma confidência, e confessar não teria sido fácil para ela. Desde
o começo, quando ela se negou a mostrar qualquer emoção pelo assassinato
de seu pai, Varian tinha compreendido que a filha do Leão Vermelho encerrava
seus sentimentos dentro dela. Agora ela tinha devotado uma pequena
desculpa, tinha aberto um espaço de seu coração. Aquilo fazia seu próprio
coração sentir-se culpado.
Varian tinha vontade de poder proteger aquela moça entre os braços,
enquanto assegurava que não tinha que culpar-se por nada absolutamente.
Deu-se conta de que estava se inclinando para ela.
— Eu sei. — Desdobrou as pernas e se inclinou para trás, apoiando-se em
um cotovelo para pôr mais distancia entre eles. — Isso explica tudo.
Ela lançou um olhar receoso.
— Acredita nisso?
— Oh, sim! É muito simples. Um tópico, a verdade, embora eu não goste
de admiti-lo. Eu sou um tolo e estúpido inseto revoando sem rumo fixo. Você é
uma pequena que não deixa de arder nem um momento. O estúpido inseto vê
o brilho da formosa chama, e sem pensar nas consequências, algo que é
bastante maior para saber, lança-se direto para ela. Então queima as asas e,
como o imbecil desajeitado que é, joga a culpa à chama.
Esme se balançou para frente, voltou a pegar o maço de cartas,
embaralhou-as de novo e logo as colocou outra vez no chão. Observando suas
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hábeis mãos, Varian recordou como o tinha agarrado pelas mangas. Não, não
deveria pensar nisso, se não quisesse que a cabeça começasse outra vez a dar
voltas em si mesmo. Queria um pouco de paz, essa trégua que tinha pedido,
porque queria ficar a seu lado nessa noite, honestamente.
— Não sou um bom homem — disse ele. — Tenho um caráter odiosamente
fraco. Se houve um equivoco aqui, foi sobretudo o que eu tenho feito. Sou
egoísta e irrefletido. Sempre fui. Do contrário jamais teria trazido Percival aqui.
— Por que o trouxe, efendi?
Varian ficou olhando as cartas fixamente. Ainda não havia dito. Tinha
evitado habilmente esse tema, não querendo enfrentar os seus fulminadores
enganos. Por uma peça de xadrez. Um brinquedo? Quase podia ouvir sua
réplica, e a risada contida no tom baixo de sua voz.
— Devemos buscar uma peça de xadrez — disse ele. Imediatamente notou
que acendia seu rosto. Ele, Edenmont, ruborizou-se. Bom, ele merecia.
Quando se obrigou a olhá-la, viu que seus olhos estavam muito abertos. E
logo, por cima de tudo, brilhou em seu rosto um sorriso.
— Sinto — disse ela. — Sinto muito, Varian Shenit Giergi, que sua mãe o
golpeasse na cabeça tantas vezes.
— Não foi inteiramente ideia minha — tratou de desculpar-se ele. — Seu
primo tem uma grande habilidade em fazer as coisas mais descabeladas
parecerem perfeitamente razoáveis.
— Tem só doze anos — disse ela voltando a embaralhar as cartas.
— Não, tem a inteligência de um menino de quinze.
Ela colocou o baralho de cartas diante dele.
— Corta.
— Não pretende ler a minha sorte?
— Não, pretendo dar em você uma surra no vinte e um, senhor, enquanto
continua contando sobre essa peça de xadrez.
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antes de levantar-se.
— Não é muito melhor que eu tolerando as privações — murmurou ele. —
O licor é a única alegria que pode encontrar no momento. Por que não ia se
embebedar? Oxalá eu pudesse fazer o mesmo.
Esme se deu conta de que preparava sua cama o mais longe possível dela
ou o que permitia o tamanho da barraca. Era melhor assim, pensou. Se sua
excelência sentia alguma necessidade masculina, possivelmente desejaria
aliviá-la com quem quer que tivesse à mão, até com ela mesma. Essa era uma
das muitas coisas que diferenciavam os homens das mulheres, havia dito
Jason, até mesmo aqueles que tinham muito bom caráter. Era um demônio que
a maioria dos homens parecia possuir.
Aquele homem tinha comparado a ela com uma formosa chama e a si
mesmo como inseto noturno. Mas Esme pensou que essa era sua maneira de
explicar «Quando a luxúria se apodera de um homem — tinha advertido Jason,
— dirá algo, e fará algo, e alguns homens podem seduzir inclusive somente
com as palavras. Às vezes a astúcia pode ser tão perigosa como a força. Se
estiver bem preparada e armada, pode ter uma oportunidade de evitar a um
atacante. Mesmo você, por pequena que seja, pode chegar a ganhar, se eu
ensinar. Mas o que tem que fazer pequena guerreira, quando um homem
suspire por você e diga que está ferindo o coração?»
Aquilo era muito ridículo e complicado.
«Deveria me por a rir — havia dito ela em confidência.»
«Isso o deixaria furioso.»
«Então tentará me atacar, mas eu estarei preparada.»
Por ingênuo e abominável que fosse, aquele homem a tinha beijado e ela
não tinha levantado nenhuma mão contra ele. Com sua mente masculina, ele
tinha falado de desejo, e no profundo de seu ventre, um calor feminino tinha
começado a pulsar como resposta.
Era melhor que ele dormisse longe dela.
Além disso, Esme tinha que refletir sobre tudo o que tinha contado o
barão. O assunto da rainha negra a tinha desconcertado. Se seu primo tinha
dado aquela peça ao Jason, por que não havia dito nada a seu pai? Jason tinha
ensinado a Esme a horrível carta de sua mãe e a amável missiva de sua
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cunhada. Aquilo não tinha sentido. Percival tinha que estar equivocado e o
lorde inglês tinha cometido um grave engano de julgamento ao viajar a Albânia
em companhia de um menino.
Mesmo assim, lorde Edenmont tinha um motivo compreensível. Estava
sem um centavo, tinha contado, e na Itália podia viver com mil libras durante
muitos meses.
— E depois? — tinha perguntado ela.
— Oh! Me preocuparei com o «depois» quando ele estiver convertido em
«agora».
Esme olhou em seu futuro e se preocupou com ele naquela hora.
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Esme não estava uivando quando Varian entrou na pequena casa, embora
sua voz cortasse como um látego enquanto advertia aos homens, que por sua
vez gritavam furiosos com ela. Ao final, ficou de pé desafiante ao lado da cama
de armar de Agimi, com uma faca na mão, e os homens, incrivelmente,
recuaram para trás.
Varian abriu caminho entre o grupo. Quando estava junto à cama de
armar, no quarto se fez um pesado silêncio.
Esme ficou olhando com os olhos verdes acesos de ira.
— Que não se aproximem — disse ela. — Não me importa o que diga. O
primeiro que se aproximar eu matarei. E depois irei matando a todos, um a
um.
— Vais matar também, a mim? — perguntou Varian aproximando-se.
— A você também, se permitir que cometam essa atrocidade. — Olhou ao
Agimi assentindo com a cabeça, ele devolveu o olhar sem entusiasmo.
— A ferida não é tão séria como parece. Eu sofri duas feridas como essa. Posso
tirar a bala e curar o braço, mas eles não confiam em mim. Não vão ajudar. Só
acreditam nesse velho enganador daí — disse ela fazendo um gesto com a faca
para um velho e enrugado Matusalém que tremia em um canto murmurando
para si mesmo.
Varian se voltou para olhar Agimi e observou o sujo buraco em seu braço
que gotejava sangue ressecado.
— Esse velho pode ser que esteja senil — disse em voz baixa, — mas a
ferida é muito feia. Tive amigos em Waterloo, atendidos por cirurgiões, e
quase sempre fizeram o mesmo. É melhor perder parte de uma extremidade
do que a vida.
— Eu estou viva — disse ela batendo com o pé. — Curei a ferida que tenho
no braço, onde atiraram. Crê que menti? Pensa que são somente
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O alto inglês ficou ao seu lado enquanto Esme atendia o paciente. Ela
desejou não ter insistido para que lorde Edenmont ficasse a seu lado enquanto
atendia ao Agimi, pois estava claro que, dos dois, quem mais sofria era sua
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excelência. Quando ela introduziu lentamente sua fina faca na ferida aberta, o
rosto de Varian ficou pálido como a neve. Mesmo assim, manteve-se firme ao
lado de Agimi, segurando o ombro do jovem com suas aristocráticas mãos.
Agimi sofria tudo aquilo em silêncio. Tinha recusado o láudano que oferecia e
pediu que dessem rakí em lugar disso. Ela esperou que o licor o atordoasse o
suficiente. Mas não estava segura. O jovem ficou com o olhar cravado no teto
e os lábios firmemente apertados.
— Maldita seja — murmurou o barão, — eu estou a ponto de liquidar
minhas dívidas e ele não deixou escapar nem um gemido.
— Ele é um Shqiptar — informou Esme em voz baixa. — Um filho das
águias. Forte e valente. — Logo murmurou algo em sua própria língua
enquanto rebuscava na ferida com a ponta da faca, e a seguir sorriu, ao
localizar a bala. — Ah! Era o que eu pensava. Sairá muito facilmente.
O quarto estava em completo silêncio. Sua excelência tinha falado para
que os outros saíssem e os deixassem sozinhos. Mati também tinha ficado com
eles, para ajudar a manter Agimi quieto.
Esme empurrou a bala para fora e, continuando, com as valiosas tenazes
que Jason tinha comprado para ela, agarrou-a e a deixou cair em uma terrina
que tinha apoiado no regaço.
Ouviu lorde Edenmont soltar um apagado gemido.
— Faremos um buraco — disse ela ao Agimi. — E poderá pendurar isso no
pescoço e rir dela quando contar sua história aos outros: quando contar como
aqui, na Poshnja, queriam cortar seu braço só para conseguir tirar essa
pequena bala.
Agimi esboçou um leve sorriso.
Ela jogou mais rakí na ferida. Ele apertou a boca, mas não deixou escapar
nenhum som.
— Parece-me que sua ferida já está muito bêbada, Agimi. Será melhor que
trate de dormir.
Ele meneou a cabeça fracamente. Continuando, Esme aplicou a pomada e
cobriu a ferida com o tecido de lã, que atou com força.
— Durma — repetiu ela. — Fecha os olhos e tenha paciência com seu
braço bêbado. Já acabamos — disse logo olhando a lorde Edenmont.
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Seu rosto estava cinza. Tinha um aspecto bastante pior que Agimi. De
modo que ela deu-lhe o rakí.
Ele tomou um gole rápido, e logo ofereceu a garrafa ao Mati.
— Não é preciso que fique — disse ela a sua excelência. — Eu ficarei para
cuidar dele. Tenho que trocar a atadura dentro de poucas horas.
— Não deveria fazê-lo. Está esgotada. Diga ao Mati ou a um dos outros
para que o façam. Se houver algum problema eles avisarão. Você vem comigo
— disse ele com voz rouca.
Ajudou-a a recolher os instrumentos e os remédios, e foi colocando
cuidadosamente em sua bolsa de pele.
— E agora vai tomar um banho quente reparador, e depois vai comer e
beber algo. E depois vai explicar onde demônios aprendeu a realizar operações
cirúrgicas.
Capítulo 9
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tempo.
— Bom, agora já é muito tarde — disse ele rapidamente.
Se Esme decidisse que tinha que barbear a cabeça, certamente o faria por
muito que ele protestasse dando cabeçadas contra uma parede, porque não ia
fazer caso algum dele. E dizia que os ingleses eram obstinados.
— De qualquer modo, esse descobrimento parece ter atuado a meu favor
— continuou explicando ele. — E quando deduziram que você era a filha do
Leão Vermelho, sentiram-se totalmente solidários com minha situação. Não é
isso o que significa kokëndezur?
Ela se ruborizou.
— Significa temerário. Ser um exaltado.
— De qualquer modo, pareciam estar muito orgulhosos de ti. Dizem que
não tem medo, que é um leão, como seu pai. E também dizem que é uma
pessoa muito inteligente. — Varian fez uma pausa. — E dizem que por isso
Ismal a quer como esposa.
Ela apertou os lábios.
— Há rumores de que ficou a chorar quando chegou a notícia de sua morte
— continuou Varian. — Não pensava que esse homem estivesse apaixonado
por você.
— Isso é o que dizem?
— Oh, sim! Petro não podia acreditar no que ouvia. Os fez repetir seus
comentários várias vezes, para assegurar-se de que não os tinha entendido
mal. Contou-me que Ismal é muito rico e poderoso. Um marido muito
desejável. Case-se com ele e viverá rodeada de grandes luxos. — Varian ficou
olhando. — Entretanto, parece-me ter entendido que esse Ismal é um pouco
velho para você, não é assim?
— É jovem — disse ela. — Acredito que tem vinte e dois anos.
Um jovem, quase da mesma idade que ela, pensou Varian com uma
pontada de irritação.
— Mas será sem dúvida um feio selvagem — disse ele.
— Considera-se uma pessoa muito interessante. Têm um formoso cabelo
de cor dourada pálido e uns olhos como pérolas azuis.
De qualquer modo, pensou Varian, aquele tipo tinha que ser um bruto.
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agora.
— Não, certamente não. Mas não se trata de algo que poderia esperar
razoavelmente. O que me preocupa vem de nenhuma parte, e me produz um
inimaginável horror.
— Se preocupa muito — disse ela. — Estão aparecendo profundas rugas na
testa.
— E está deixando meu cabelo grisalho — disse ele. — Posso sentir.
— Não, isso não. — Ela se colocou de um lado da cama de armar para
deixar lugar para ele, e logo estapeou com a mão grossa o travesseiro que
havia a seu lado. — Hajde. Vem aqui.
Varian ficou olhando aquela diminuta mão apoiada sobre o travesseiro.
— Perdão?
— Apoie a cabeça aqui — disse ela. — Isso fará com que desapareçam as
rugas de sua testa, assim como suas preocupações.
Varian sentiu um ligeiro calafrio de ilusão, mas isso foi tudo. Estava sem
dúvida nenhuma esgotado, física e mentalmente. Ela precisaria ter feito todo o
trabalho, mas ser um impotente espectador teria resultado ainda muito mais
difícil. Ela não podia correr nenhum perigo com ele naquela noite, e sabia.
Varian se deitou e fechou os olhos. Só por um momento, disse a si mesmo.
E em seguida sairia de sua barraca.
— Falarei das montanhas — disse ela em voz baixa. Suas mãos frias
posaram sobre a testa dele. — Formosas montanhas que se elevam até o céu,
onde revoam as águias, nossos pais.
Os dedos dela começaram a massagear a fronte e magras correntes de
prazer começaram a percorrer o corpo de Varian.
— As águas dos rios descem por elas frias e claras, salpicando as brancas
ladeiras das montanhas, e alegres enquanto fluem.
Ele começou a sentir sua mente mais clara e fria, apesar de que sob a
carícia dela notava uma calidez que começava a penetrar nos músculos duros.
— Tem umas mãos formosas — murmurou ele.
Ele notou uma breve pausa, apenas um batimento do coração, antes que
ela continuasse massageando suavemente e relaxando-o.
— Correm ao encontro dos bosques que há nas ladeiras — continuou
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dizendo ela— onde a brisa sopra entre os abetos, despertando os cantos dos
pássaros.
Sua voz foi se perdendo em imagens longínquas de pinheiros que
murmuravam. Eram suas mãos que criavam aquela suave música, enquanto
Varian deslizava profundamente em uma escuridão como de veludo, uma
escuridão que o envolvia com uma cálida alegria assombrosamente parecida
com a paz.
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agarraram seu cabelo e aproximaram seu rosto do dele. Ela sabia que estava
perdida, que a desonra estava começando a rondar. Mas a boca dele estava só
a um suspiro de distância e Esme a desejava com tanta vontade que estava a
ponto de começar a chorar.
Ela fechou os olhos e ele afundou em um longo beijo que fez o mundo
começar a dar voltas enlouquecidas a seu redor. Seus finos dedos desenharam
linhas que formigaram calor por sua cabeça, e seus pensamentos começaram a
pulverizar-se como faíscas de um fogo que chiava. O corpo rígido dele
pressionava contra o dela e os músculos tensos de Esme começaram a relaxar
como metal fundido. Varian roçou os lábios com a língua e Esme, obediente a
sua amável insinuação, abriu-os para recebê-la.
O frio contato da carne dele dentro dela foi uma comoção, mas só por um
instante, antes que um prazer extasiado a embriagasse por completo. A língua
dele empurrava contra a sua e o sabor que degustava era como um cruel
segredo . Ela estava saboreando o pecado, e esse pecado era deliciosamente
embriagador. Era traiçoeiramente doce, como um insidioso veneno que
chegava à alma. Estava saboreando algo diabólico, a maldade de sua alma.
Mas era tão formoso como a coisa mais divina. Esme sabia que ele não
pretendia levá-la ao Paraíso. E sentiu que rondava um perigo na escuridão.
Mas mesmo assim, parecia ter sentido saudade disso toda sua vida.
A boca dele se separou dos lábios dela para desenhar um caminho de fogo
que percorreu sua bochecha e parou em sua orelha, e logo voltou a descer
para beijar uma veia que palpitava em seu pescoço. Esme prendeu a
respiração e abriu os olhos de repente. Mas um emocionante segredo havia se
infiltrado sob sua pele, ali onde a boca de Varian tinha beijado, fazendo com
que se esquecesse de todo o resto. Um prazer lânguido percorreu todo seu
corpo e ela deixou escapar um suspiro. Sim. Assim. Sua boca sussurrava
diabolicamente contra a sua pele… Por um caminho de suaves beijos, sentindo
línguas de fogo pelas costas… E o roçar do linho quando a camisa que vestia
deslizou para baixo, mais abaixo, até ficar nua… E o frio ar da noite acariciou
sua pele exposta. Mas aquele ar se esquentou no momento com um lânguido
perfume, cheio do aroma masculino dele. Os suaves dedos de Varian pararam
lentamente sobre os nus seios dela e o coração de Esme ficou a pulsar com
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carícia dele na parte mais íntima de seu corpo, sentiu-se apunhalada pelo
medo. Inclinou-se para trás instintivamente, só um instante e ele se deteve.
Varian respirava de maneira entrecortada e deixou escapar um longo
suspiro. Separou-se dela, deitou-se de costas deixando-a tiritando de frio… e
sozinha. Então subiu à superfície da consciência de Esme aquele vergonhoso
desejo que tinha estado minuciosamente submetida enquanto o fazia amor. E
ela sentiu que ardia seu rosto.
Passou um momento.
— Por Deus, Esme — disse ele ao fim com voz rouca. — Não pensava me
deixar continuar, não é assim? Não pensou no que poderia acontecer se não
tivesse ocorrido me deter?
— Não estava pensando. — Sua própria voz soava também mais grave.
Sentia-se como se tivesse enfrentado sozinha a todo um exército, apesar de
que não tinha lutado absolutamente. — Como quer que uma mulher possa
pensar quando está fazendo essas coisas? Uma vez começado é impossível ser
sensata. Impossível. —
Ela cravou seu humilhado olhar no teto. — Não podia detê-lo. Não queria que
parasse. Envergonho-me de dizê-lo, mas é a verdade. Se tivesse desejado me
desonrar, não teria podido me defender. Fez eu me sentir tão estúpida como
um cordeiro.
— Não diga isso. — Ele se voltou para ela. — Não pode deixar tudo em
minhas mãos.— Varian a segurou pela nuca para que voltasse a cabeça para
ele. — Não pode.
— E você não me pode deixar isso — disse ela com voz tremente. — Não
quando me olha dessa maneira, quando me toca dessa maneira. Não sou de
pedra, Varian Shenit Giergi, e não sou uma menina. Nem o que você fazia era
um jogo de meninos. É um jogo de pessoas adultas, e estou segura que um
sempre ganha. Tem que ganha comigo?
Ele colocou as mãos sobre os ombros e logo as baixou lentamente por seu
seio até deter-se na cintura. Ela segurou a respiração, mas não se moveu.
Como podia afastar sua mão quando a tinha excitado daquela maneira,
fazendo-a desejar desesperadamente que acabasse o que tinha começado?
— Sim — disse ele, — mas não contra seu desejo.
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Sua mão se moveu para o ventre dela e se deteve ali. Um calor percorreu
o interior e se afundou para palpitar no lugar íntimo que ele tinha acariciado
fazia um momento.
— Contra meu desejo? — murmurou ela. — Ah, Varian, é um tolo!
Esme se apoiou contra o ombro dele para estar mais perto, mas ele
pareceu não entender aquele gesto. Com um ofego de impaciência Esme
abraçou-o e pressionou sem vergonha sua boca contra a de Varian. Ele resistiu
um pouco, mas após um momento, deixando escapar um gemido, sucumbiu a
seu beijo.
Suas línguas se fundiram e Esme ofereceu seu beijo ainda com mais
avidez que antes. Sabia aonde podia conduzí-la aquilo. Desejava-o. Desejava
que a conduzisse de novo para aquela vertiginosa escuridão, e logo mais à
frente ainda. Muito mais longe. Agora ela acariciou-o, como ele tinha feito
antes. Ele tremia e se movia intranquilo sob suas carícias, respirando de
maneira entrecortada, sem fôlego. O corpo de Varian respondeu a suas
carícias, como antes tinha respondido o dela. Meio assombrada, meio sentindo-
se triunfante, Esme deixou que suas mãos se movessem livremente e se sentiu
enjoada de poder quando ouviu que ele começava a gemer.
Então ele se separou dela um pouco.
— Espera.
Oh, não! Agora não! Esme deslizou a mão para baixo, pela abertura de sua
camisa, até chegar à cintura de suas calças. Agarrou sua mão e a apertou
contra o peito. Pulsava-lhe o coração como se fosse rompante do mar.
— Não — grunhiu ele. — Não sabe o que está fazendo.
— Então, ensina me.
— Não! — Ele se separou bruscamente dela e se ergueu até ficar sentado.
— Não, acredito que já ensinei muito, maldita seja! — ficou olhando-a
fixamente. — Não volte a fazer isto nunca, nunca mais. Eu não sou sir
Galahad, demônios. Estive a ponto de perder a vida por ser nobre uma vez,
mas acredita que resistirei uma segunda vez, em poucos minutos, e em
circunstâncias ainda mais difíceis?
— Não deveria ter me acariciado de novo — disse ela. — Eu disse o que
me acontecia.
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— Não era necessário que demonstrasse isso! Não percebe o que está
fazendo a mim?
— E você, dá-se conta do que me tem feito?
Ele estremeceu como se ela acabasse de lhe dar uma bofetada.
— Não pretendia… — Varian ficou olhando desolado a seu redor. — Mas
não o fiz, não é assim? Não contra sua vontade, quero dizer. Isto foi
estupidamente cavalheiresco de minha parte. — Seu olhar cinza, agora
mostrando amargura, voltou a posar nela. — Acredito que será melhor que vá
— disse ele.
Capítulo 10
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Embora Agimi dissesse a todo mundo que estava forte como dois bois e
era completamente capaz de seguir viagem, Esme não estava de acordo.
De modo que se encarregou da situação, pensou Varian com resignação.
Tinha sido uma pena que aquela mulher não tivesse estado há alguns anos na
Inglaterra, para parar os pés de Napoleão. Inglaterra e seus aliados teriam
evitado um montão de problemas.
Tinha conseguido claramente desfazer-se de sua excelência, não era
assim? «Não pode deixar a mim. Não quando me olha dessa maneira ou
quando me toca dessa maneira.» Era a tentação maior que podia enfrentar
qualquer homem. Ofereceu a si mesma…, se é que queria aceitar toda a
responsabilidade de ter arruinado sua vida.
Possivelmente ela não tivesse nem ideia do desesperadamente que a
desejava naquele momento. Mas o que até então havia sentido Varian não era
nada comparado com o que sentiu no momento em que soube que ela também
desejava a ele.
Estava doente por ela.
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Queria matá-la.
Queria matar a todo mundo, e especialmente ao Percival, porque se não
tivesse sido por aquele condenado menino, Varian jamais teria posto os olhos
nela.
É obvio que lorde Edenmont não era capaz de matar a ninguém, e tratou
de evitar qualquer troca de palavras azedas, exceto com o Petro. Durante os
quatro dias que permaneceram em Poshnja. Pelo contrário, deu a si mesmo a
cada manhã uma boa lição no rio e tentou exorcizar sua frustração a base de
exercício. Visitou todas as casas do povoado acompanhado de seu anfitrião e
do Petro, e passou horas neles contando anedotas sobre seu país e sobre seus
compatriotas, especialmente lorde Byron, de quem todos tinham ouvido falar.
Quando se cansava de tanto Byron, lorde Edenmont entrava no
personagem de lorde de um senhorio e se dedicava a dar seus deploráveis e
limitados conselhos sobre defesa, agricultura e arquitetura. Seu pai tinha
inculcado — em ocasiões a golpes, — algumas noções de agricultura que
Varian, quando era interrogado por seus anfitriões, desempoeirava e tirava de
algum escuro canto de sua mente.
Chegou até a submeter seu atormentado corpo ao trabalho físico. Para
surpresa de todos eles e vergonha de alguns. O barão inglês ajudou o filho de
Hasan a reparar o moinho, que tinha sofrido sérios danos durante as últimas
tormentas. Enquanto trabalhavam na reparação, outra tormenta sobre eles
sem prévio aviso, e Varian se encharcou antes de poder encontrar um lugar
onde refugiar-se. Na manhã que se preparavam para abandonar Poshnja,
levantou com a garganta ardendo e uma boa dor de cabeça.
Esme deu uma olhada crítica a seu rosto cinzento e anunciou que não
poderiam partir até que estivesse melhor de saúde.
Varian se separou dela, jogou a bolsa de viagem ao ombro, agarrou a
jaqueta do cabide de um puxão e pôs-se a andar saindo da casa.
— Não está em condições de caminhar — gritava ela correndo atrás dele.
— Está começando a chover de novo e vai pegar um bom resfriado e…
— Não penso passar nem um minuto mais nesse lugar — declarou ele.
Sem falar, Esme subiu no cavalo e deixou que Petro comunicasse ao Hasan
o agradecimento e a despedida do barão.
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Varian abriu os olhos em meio de uma espessa névoa. Piscou sem poder
enfocar a visão. Tinha que ser um sonho: uma ladeira de uma alta montanha,
uma correnteza e uns carvalhos. Não. A cinza escuridão eram os olhos dela.
Mas não podiam ser tão escuros, com tanto medo. Ela nunca tinha medo.
— Eu sinto muito — disse ele com um tom de voz que soou como um
grasnido. Tão horrível soava sua voz?
— Ah, agora o sente — disse ela colocando uma mão fria sobre a fronte. —
Só porque está doente e tem febre. Se não estivesse tão doente daria uma boa
surra em você.
Sorriu. Incomodou. Tinha os lábios ressecados.
Sentiu que se afundava de novo. Esme colocou-lhe um braço nas costas e
o levantou, enquanto punha umas almofadas debaixo de sua cabeça para que
se acomodasse. O quarto parecia mover-se a seu redor, mas logo se deteve e
ele pôde enfocar a vista.
Ao cabo de um momento, um aroma mais nauseabundo chegou ao nariz.
Varian olhou para baixo. Uma colher. Grunhiu e voltou a acomodar a cabeça
sobre os travesseiros. Logo fez uma careta de dor quando uma mão forte
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Após três dias, lorde Edenmont estava bastante recuperado, mas Esme
continuava cuidando-o com diligência. Não era muito exigente. Tomava seu
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remédio quase sem queixar-se e comia tudo o que lhe dava. De qualquer
modo, a maior parte do tempo passava dormindo. Isso deixava a ela tempo
para fazer outras coisas, como ajudar à mãe do Mustafá, quando não estava
ocupada cuidando dele, a remendar roupa, recolher legumes ou pentear a lã.
Esme não tinha vontade de continuar conversando com seu primo, e essa era a
única forma educada que tinha de evitá-lo.
Normalmente Percival fazia companhia a ele, mas enquanto lorde
Edenmont dormia, o menino tinha que ficar calado e em silêncio. E a verdade é
que se comportava surpreendentemente bem por ser quase um menino. Às
vezes tirava de sua bolsa de pele meia dúzia de pedras e se dedicava horas às
estudar, tomando de vez em quando nota no papel que Mustafá lhe tinha dado.
Embora mais frequentemente o menino passasse o tempo sentado e lendo um
dos livros do Mustafá.
Percival tratava de não incomodar ninguém, mas mesmo os breves
intervalos nos quais ficaram a sós, ele tinha contado o suficiente para que
Esme estivesse preocupada.
Estava empenhado em querer levá-la a Inglaterra com ele. Era
dolorosamente claro quanto o desejava, embora afirmasse que isso era o que
tinha pedido sua mãe que fizesse. Quando o menino falava de sua mãe, Esme
sentia que doía seu coração por ele.
Percival falava pouco de seu pai, mas ela não necessitava mais que ouvir
quatro palavras e dar uma olhada aos olhos do menino para entender que seu
pai não era uma pessoa que o amava. Como ia ser de outra maneira, se tinha
deixado seu único filho a cargo de um libertino irresponsável?
Isso deixava o menino sozinho, com uma velha bruxa por avó que se
negou a escrever uma só palavra amável ao Jason, o filho que não havia
tornado a ver durante mais de vinte anos. O menino não tinha ninguém.
E estava bastante desesperado por travar contato com Esme, mas a quem
necessitava de verdade era o Jason.
E Jason estava morto.
Olhava o Percival e via o vivo retrato de seu pai. Olhava-o e via solidão.
Quando o menino a olhava, Esme sabia que queria encontrar nela uma irmã.
Era inteligente, até mesmo divertido e de uma natureza amável. Ela teria
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desejado poder ser uma irmã para o menino. Combinavam bem juntos. Havia
entre eles um vínculo. Isso era algo que tinha notado desde os primeiros cinco
minutos que tinham estado juntos em Berat: o parentesco e algo mais, certa
afinidade.
Mas o destino tinha previsto que ela ia causar-lhe dor, e não havia
nenhuma maneira de prepará-lo para isso, nenhuma maneira de dizer
amavelmente que não estava disposta a acompanhá-lo a Inglaterra. Ele teria
que seguir seu caminho sozinho, da mesma maneira que ela tinha que levar
sua carga sozinha. E embora sentisse pena pelo Percival, Esme pensou que
essa pena era saudável. Recordava-lhe o dever que tinha que cumprir.
Durante um tempo, muito tempo, ela tinha deixado que um vergonhoso
deslumbramento a separasse do dever que tinha que cumprir. Mas agora não.
A partir de agora se concentraria só na maneira de levar a cabo sua vingança.
Não seria suficiente matar o Ismal. Tinha que fazê-lo sofrer horrivelmente, em
corpo e alma, antes de matá-lo. Pagaria com seu sangue pela morte do Jason,
sim, mas antes teria que pagar pelo dano que tinha feito a seu primo, um
menino que necessitava do Jason quase mais que ela mesma.
Esme não se permitiu pensar em nada mais enquanto os dias passavam
convertendo-se em semanas. Esquivou-se das tentativas de seu primo de
aproximar-se mais dela, e pensou que seria melhor assim. Viu como lorde
Edenmont estava se recuperando, podia voltar a ouvir em sua voz o timbre
irônico de sempre, e seu coração seguia pulsando por ele, também como
antes. Não podia permitir-se abrigar nenhum sentimento por nenhum dos dois,
nem dar-lhes nada de si mesma. Ela tinha que cumprir seu próprio destino.
Eles partiriam logo. E seria melhor assim.
Capítulo 11
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lesse.
O extraordinário filho de Diana tinha pensado em tudo.
— Mesmo assim, seu sobrinho está em poder de uma informação muito
perigosa. Não deveria tê-lo deixado em Berat.
— Se o tivesse levado com você para Tepelena, como no princípio tinha
pensado fazer, Esme teria tido a desculpa perfeita para ir também com você —
assinalou Jason. — E então teríamos uma boa razão para nos preocupar.
Porque nós dois sabemos por que abandonou o barco com a intenção de
dirigir-se a Tepelena.
— Sei, Leão Vermelho — disse Bajo com voz cansada. — A pequena
guerreira quer fazer Ismal pagar com seu sangue.
— Agora já não tem nenhuma desculpa para aproximar-se de Ismal.
Mustafá cuidará para que Edenmont os leve a ela e ao Percival para o sul, e
que abandonem o país o antes possível.
— De qualquer modo, deveria ter ficado em Berat para me assegurar de
que todos fariam como ordenei.
Jason estalou a língua.
— Se tivesse ficado ali, agora eu não teria esta nota em minhas mãos.
Teria passado semanas tentando descobrir essa informação, e certamente em
vão.
Jason amassou a nota e atirou ao fogo. Após alguns segundos não restava
da nota de Percival mais rastro que um monte de cinzas que subiam
empurradas pela fumaça.
Jason deu meia volta e seu olhar cruzou com o preocupado olhar de Bajo.
— Amanhã sairemos para Corfú — disse Jason com firmeza. — Temos que
notificar o que sabemos às autoridades britânicas, encontrar o barco e seguir
os rastros dos agentes de Ismal. Esme está protegida por um punhado de
homens decididos a tirá-la do país, homens a quem Ismal não terá vontade de
enfrentar. Só quer tê-la em seu poder para poder me controlar, e recorda que
supõe que estou morto. Agora Ismal terá posta toda a sua atenção no sul da
Albânia. E quero que siga mantendo-a ali. Deixemos que veja de que maneira
esse monstro que com tanto trabalho criou é desmembrado e feito em pedaços
ante seus olhos. Agora podemos conseguir, Bajo. Percival nos deu a chave para
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Capítulo 12
— Está seguro de que não quer vir? — Perguntou Percival pela enésima
vez. — A prima Esme diz que um passeio faria bem a você.
Varian estava de pé na soleira da porta de Mustafá, com o olhar perdido no
estreito caminho pelo qual entravam Mustafá, Mati e Agimi.
A casa de Mustafá estava situada na parte alta do bairro do Magalen, um
povoado localizado na base de uma montanha rochosa na borda esquerda do
rio Osum. Suas casas de pedras se agrupavam pela colina formando estreitas e
sinuosas ruas.
Entretanto, não estava longe de Berat. Na parte alta da montanha havia
uma fortaleza voltada para o precipício. Suas muralhas albergavam várias
Igrejas e o palácio de Ibrahim, o oficial do pachá em Berat, atualmente
encarcerado em uma das prisões de Alí, em Girokastro, muitas das quais se
edificaram com pedras de muito antigas.
Antigas ou não, Varian não estava disposto a castigar seu recém
recuperado corpo com uma longa e quase perpendicular escalada por aquela
montanha.
— O que sua prima quer dizer é que faria bem ver-me cair do alto de um
penhasco até o fundo do rio, onde minha cabeça ficaria em pedacinhos— disse
ele.
— Pelo amor de Deus, estou certo de que a prima Esme não desejou tal
coisa, e mesmo que o fizesse, embora seja uma simples hipótese, não acredito
que o exporia de uma maneira tão rocambolesca. Não é uma pessoa que diga
as coisas com tantas indiretas. Mas, é obvio que não era isso o que queria
dizer. Não me parece lógico que tenha estado cuidando de você durante duas
semanas para que agora deseje tanto mal. Obviamente…
— Estava tentando me acalmar com uma falsa sensação de segurança —
murmurou Varian.
— O que quer dizer com isso, senhor?
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Ao princípio Varian pensou que aquela mudança poderia ser causada pela
presença de Percival, que estava todo o tempo a seu lado e não deixava de
falar nem um momento. Mas conforme passavam os dias, cada um mais
lentamente que o anterior, Varian acabou percebendo que a causa daquela
mudança na atitude de Esme não era Percival.
Também tinha entendido com uma compreensão que tinha chegado
lentamente, mediante uma série de pequenos e impactantes momentos que
nada do que ele pudesse dizer ou fazer ia ter algum efeito sobre ela. Sentia-se
como se o que ele dizia ou fazia não fosse mais que um pouco de imaginação
dele, enquanto que para ela ele não fosse mais que um objeto inanimado que
teria que cuidar ou examinar, tal e como Percival estava acostumado a fazer
com suas pedras.
Aquela sensação o fez sentir-se ansioso e zangado ao princípio, logo se
sentiu miserável, e agora, estava simplesmente resignado. Miseravelmente
resignado. Sentia-se tão desesperado como certamente tinha que estar. Era
melhor assim. Que outra coisa tinha esperado?
Ouviu uns passos e abriu os olhos, mas só se tratava do Petro, que voltava
pelo caminho de pedras do bazar, andando a grandes pernadas e murmurando
algo entre dentes. Umas semanas antes de sua chegada tinha passado por ali
um oficial de Alí, junto com seu enorme séquito, e tinham levado os melhores
cavalos do povoado. Mustafá tinha ouvido que hoje haviam devolvido por fim
os cavalos, e Petro tinha ido com um dos familiares dele para assegurar-se de
que os animais estariam preparados para sua viagem para o oeste. O gordo
marinheiro, como sempre, tinha tentado procurar alguma desculpa para evitar
aquele trabalho.
— Já os devolveram? — perguntou Varian ao Petro enquanto ele se
aproximava.
— Sim, valha-me Deus! Embora não em tão bom estado como quando nós
os trouxemos para esse maldito lugar.
— Esme me disse que devemos mandar ao Maliq. Necessita deles.
— Sim, claro. E se na metade do caminho para Fier ocorrer a ela que
alguém necessita desses cavalos, vai fazer-nos seguir o resto da viagem a pé;
mas se cair morto de cansaço pelo caminho, terei que me alegrar e tudo,
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porque desse modo irão se acabar todos os meus sofrimentos — disse Petro, e
soltando um sonoro gemido se sentou em um banco de pedra que havia ao
lado da porta.
— Não seja ridículo. Se a duras penas permitiu que seu jovem primo faça
hoje uma dura excursão pela montanha.
Petro ficou olhando com os olhos muito abertos.
— Não tem conhecimento. Essa garota não está bem da cabeça. O vejo
nos olhos. Habita nela um espírito diabólico, e estou seguro de que sobre ela
caiu alguma maldição. Tudo ia bem até que a encontramos em Durrës. E em
um instante, em menos de cinco minutos, caíram-nos em cima todo tipo de
calamidades; e desde então não deixaram que nos perseguir os problemas. No
rio Shkumbi, na Poshnja, e aqui mesmo, onde esteve gravemente doente.
Não estava bem da cabeça. Isso era… Não, mas o que fazia escutando as
sandices que dizia aquele gordo e supersticioso bêbado?
— No momento, eu tenho intenção de fazer o que quero fazer — falou
Varian. — O que me parece que também está de acordo com seus desejos:
que partamos da Albânia o antes possível.
— Mas eu não tenho nenhuma vontade de partir daqui com ela — se
queixou o marinheiro. — Deixe que vá por seu caminho e que leve com ela sua
maldição.
— Os homens que resgataram o Percival querem que a levemos até Corfú.
E isso é o mínimo que posso fazer por eles — respondeu Varian impaciente.
E depois? Percival tinha metido na cabeça levar a Esme a Inglaterra com
ele, o que era ridículo. Não podiam se apresentar com aquela moça ante sir
Gerald. Não valia a pena nem explicar-lhe disse Varian a si mesmo. Era
absurdo. Mustafá havia dito que Jason tinha amigos em Corfú. Eles cuidariam
da garota. Eles se encarregariam de resolver todo o assunto. Esme não podia
ficar na Albânia, isso era certo. Só o que a esperava ali era violência e se o
amante que a perseguia tiver êxito, degradação e escravidão.
— Mas ela não quer ir — disse Petro. — Ela quer seguir metendo-se em
problemas. Posso sentir. Vejo nos seus olhos. Seu primo fala, e ela sorri e
responde com delicadeza, mas em seus olhos… — Petro deixou escapar um
suspiro teatral.
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Discutir com aquele homem era uma perda de tempo, e Varian não sabia
por que estava se incomodando em fazê-lo. Depois de tudo, ele era o chefe ali.
— Não tem frio? — Perguntou-lhe Varian. — Acredito que um pouco de
exercício faria bem a você. Por que não começa a fazer a bagagem? Se já
temos os cavalos, não há razão para que fiquemos aqui nem um dia mais.
Varian se cobriu com a capa e, sem fazer caso do fulminante olhar que
lançou-lhe o marinheiro, nem a suas maldições entre dentes, pôs-se a andar
pelo caminho que conduzia ao bazar.
Varian não se aventurou nunca antes por nenhum lugar da Albânia sem
um intérprete. Entretanto, não estava de humor para aguentar as queixa
lacrimosas de Petro. Agimi e Mustafá se foram com o Percival, e Esme estava
encerrada em casa. Preparava algum tipo de beberagem para a Eleni, quem
tinha dores nas articulações. Em qualquer caso, estava bastante claro que a
última coisa que desejava a garota era a companhia de Varian.
No mercado encontrou um dos amigos do Mustafá, Victor, que em um
grego torpe convidou o lorde a tomar uma taça de café com ele, em um dos
locais que havia pelos arredores do bazar. Uns quantos aldeãos mais se uniram
a eles e se estabeleceu uma amável conversa que reteve a Varian no kafenío
mais de uma hora. Apesar de falar o grego tão mal como Víctor, aquilo era
suficiente para fazer-se entender e passaram um momento muito agradável.
Mas quando já tinha tomado a terceira taça daquela beberagem turca,
Varian começou a ficar zonzo. Depois de despedir-se amavelmente de seus
acompanhantes, decidiu tratar de acalmar os nervos dando um longo passeio.
Considerando a hora, aquela parte do centro do povoado estava
estranhamente tranquila. Além dele mesmo, só se via pela rua um dos carros
puxados por bois que, naqueles lugares, utilizavam para transportar madeira e
outros itens domésticos, e que já tinha visto antes pelas ruas de Berat.
Apesar de que o carro avançava a certa distância à frente dele, aquilo era
o mais perto que Varian tinha estado de um desses animais de carga; e o que
via ali adiante não dava absolutamente confiança: as rodas do carro,
insuficientemente presas em seus eixos se dobravam para fora como se
estivessem bêbadas, e foram dando tropeções sobre o caminho, ameaçando
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ficar atoladas em algum buraco da rua enlameada. Varian ficou tenso quando o
carro descreveu um giro em um estreitamento do caminho, ali onde ia dar a
um degrau que se abria para um pequeno escarpado sobre a borda do rio.
Entretanto, as precauções que estava tomando o condutor do veículo
conseguiram que o carro quase chegasse a parar enquanto fazia a curva.
Nesse momento, um magro e esfarrapado guri subiu escalando do rio e gritou
algo ao condutor, que respondeu com um tom alegre de voz. O menino jogou
duas bolsas de couro no carro e logo saltou ao lado delas sobre o reboque.
Com surpresa, Varian observou que aquele menino fazia uma toca no feno
que transportava a carreta e se escondia dentro. Soltando um juramento
Varian pôs-se a correr para o veículo.
Após um momento estava à altura da carreta. Agarrou-se à parte traseira
da mesma e saltou em cima. Mas, nesse instante, o carro bateu em um
barranco do caminho e Varian perdeu o equilíbrio e caiu em cima do feno.
Uma cabeça coberta com um gorro de lã apareceu entre o montão de feno,
justo diante dele, e o olhar de Varian viu uns olhos verdes que o observavam.
Ele ficou olhando zangado. Esme atirou um montão de palha no rosto e a
seguir tratou de abaixar-se a toda pressa pela parte traseira da carreta. Ele
esticou uma mão e conseguiu agarrá-la por uma perna e detê-la. Esme
cambaleou. Tratou de manter o equilíbrio movendo os braços de lado e do
outro, mas acabou caindo para trás e aterrissando em cima dele, antes que
Varian pudesse rolar a um lado para afastar-se dela.
Esme não devia pesar mais de cinqüenta quilos, mas sua cabeça se chocou
contra o ombro direito de Varian com uma força capaz de romper um osso —
disso esteve seguro ele ao sentir a dor que ricocheteou da nuca até o braço. —
Embora não tivesse tempo de reagir, porque ela ficou em seguida a lutar
tratando de libertar-se dele. Varian colocou o braço dolorido por cima, jogou-a
para o outro lado e acabou colocando-se em cima dela. Nesse momento, Esme
ficou quieta.
Variem ficou olhando fixamente. O gorro de lã tinha deslizado tampando-
lhe o rosto. Ela tirou de um tapa e o atirou fora da carreta.
Fazia um momento que o veículo acabava de deter-se, e o condutor estava
gritando algo. Mas Varian não fez conta.
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— Nós vamos descer aqui — disse Varian a ela. — Tenho que dar um
murro ou vem comigo sem opor resistência?
— Não me segure — suspirou ela quase sem fôlego. — Eu desço.
Varian afastou-se de cima dela, agarrou suas bolsas e as atirou ao
caminho.
Ela se levantou esfregando a cabeça, e com os olhos verdes abertos como
pratos em uma expressão de tristeza enquanto olhava a seu redor. Varian
saltou da carreta e ofereceu uma mão para que descesse . Esme ficou olhando
sua mão um momento, mas ao final desceu sem apoiar-se nela. Assim que
seus pés tocaram o chão, cambaleou e teve que agarrar-se à carreta para não
perder o equilíbrio.
Varian a tomou nos braços e a levou até uma pedra grande e branca que
havia ao lado do caminho, a uns quantos passos deles.
O condutor disse algo em albanês e logo riu. Esme se ruborizou.
Varian colocou a mão no bolso interior de sua jaqueta e tirou uma moeda.
Sem perder de vista Esme se aproximou do condutor da carreta.
— Faleminderit — disse ao condutor. — Desculpe pelo incômodo que
causei.
A seguir Varian ofereceu a moeda. O albanês duvidou durante um instante,
mas logo inclinou a cabeça e estalou a língua.
— Oh, sim, por favor! — Insistiu Varian. — Para que tome um rakí.
O condutor olhou a Varian, logo a Esme, e ao final sorrindo e dando de
ombros tomou a moeda que oferecia o inglês. Depois de soltar um par de
incompreensíveis frases mais, colocou-se em marcha.
Varian agarrou as bolsas de viagem do caminho e retornou ao lado de
Esme. aproximou-se da pedra e deixou as bolsas a seus pés.
Doía-lhe todo o corpo de raiva. Sentia uma pressão no peito e um zumbido
nos ouvidos que faziam a tranquila paisagem que os rodeava parecesse um
mar em plena tormenta. Ficou olhando a Esme em silêncio.
Sob a luz plúmbea da tarde, seu cabelo soltava brilhantes faíscas
acobreadas. Tinha o cabelo completamente emaranhado e várias mechas
frisadas caíam sobre seu rosto como se fossem enredados brincos. Tornou a
pôr suas velhas roupas de homem e tinha aspecto de mendigo.
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— Pois vá, maldita seja! — gritou ele. — Vá pro inferno. Deixa que a
raptem ou a assassinem. O que me importa o que acontecer, pequena
lunática? Todas as pessoas que se preocupam com você, pessoas mais sabias e
velhas que você, estão dispostas a remover o céu e a terra para que vá a
Corfú. Mas você crê que sabe o que é o melhor para você, não é assim? Não se
preocupa em romper o coração do Percival. Não se importa que umas poucas
semanas viajando com você vão ser as únicas alegrias que poderá recordar
durante os próximos dez anos. Não é mais que um menino de doze anos que
não conheceu nada melhor. E outros não são mais que um punhado de tipos
estúpidos, irracionais, insensatos, cegos, porque só desejamos que esteja a
salvo.
— Me escute — disse ela levantando uma mão. — Dê-me a mão, Varian,
sejamos amigos e me escute.
Ele tinha medo de tocá-la. Sua raiva podia desaparecer e tinha medo de
descobrir o que se escondia atrás daquela raiva. Deu a volta e ficou olhando
para a distância, sem ver nada.
— Por favor, Varian, quer me destroçar a vida sem me dar uma
oportunidade para que me explique?
Varian podia suportar seus aborrecimentos e suas recriminações, assim
como o açoite de ira de que ela era capaz. Mas aquela súplica muito tranquila
não podia suportar. A quebra de onda de fúria que sentia começou a decair e
Varian amaldiçoou a si mesmo por isso.
Ela tinha estado cuidando dele, atendendo-o com paciência, fazendo com
que sua viagem fosse o mais cômoda possível. E em troca, ele tinha tratado de
interpor-se em seu caminho. Tinha sujado sua inocente boca com seus beijos
corrompidos e tinha sujado sua carne inocente com suas mãos imundas. E,
entretanto, continuava desejando-a, agora mais que nunca. Tinha evitado que
escapasse não para proteger a ela, mas sim por sua própria luxúria. Em sua
mente retorcida, acreditava que Esme pertencia a ele. Ele necessitava dela. E
por isso, ela devia ficar a seu lado.
Varian deixou escapar um suspiro de fracasso e voltou-se para ela. Tomou
a pequena mão de Esme entre as suas e ficou de cócoras aos pés da garota.
— Escuto-a — disse ele.
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— Meu pai morreu — disse ela com um tom de voz neutro. — Isso me
deixa sozinha com o pai do Percival e minha avó como únicos parentes
ingleses. E eles não me querem. Poderiam tolerar-me para fazer um favor ao
Jason, mas não vão me querer a seu lado. Somente aceitariam como filha uma
refinada jovem dama, nem sequer Jason poderia ter me convertido nisso.
Pensa que me equivoco, Varian? — perguntou ela com calma. — Me diga a
verdade.
Varian queria mentir-lhe. Mas não podia. Não enquanto ela o escrutinava
com aqueles verdes olhos de olhar resolvido.
— Não.
— É possível que alguém, até meu jovem primo, pudesse persuadi-los
para que se comportassem bem comigo, por caridade. Mas isso, que já é
bastante ruim em qualquer parte, na Inglaterra, e sendo estrangeira… Bom,
não acredito que pudesse suportá-lo. Possivelmente seja minha culpa, mas sou
muito orgulhosa.
— Sim. Orgulhosa.
— Aqui, em meu próprio país, não tenho mais familiares que minha avó,
que vive em Girokastro. Poderia ir viver com ela, mas é muito anciã, e quando
ela morrer ficarei sem casa e sem família. Converter-me-ei então em
propriedade de Alí, e servirei para satisfazer seus desejos. Assim como vê,
minha única esperança é me converter em esposa.
— Oh, Deus!
Varian sabia o que era e o que viria a seguir. Ele mesmo tinha estado
dando voltas naquele assunto, procurando alguma solução. E sabia qual era.
Sabia que só havia uma resposta. Algo que o punha doente até machucar seu
coração.
— Vou com o Ismal — disse ela.
— Oh, querida! — disse ele com voz tensa, — com o homem que matou
seu pai?
Ela estalou a língua, produzindo o típico som que em albanês significava
de uma vez, com um só gesto, negar algo e lhe tirar importância.
— Nem sequer Mustafá crê. Estive pensando muito, e cheguei à conclusão
de que tampouco eu posso acreditar. Já disse a você algo do que tinha
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pensado em Poshnja. Isso não tem sentido, nem para mim nem para ninguém.
Só quem culpa o Ismal é Bajo, mas estou segura de que Bajo diria qualquer
coisa para me convencer a sair do país. Não pensa em nada mais que no
desejo de meu pai de que vá a Inglaterra. Nem sequer se dá conta de como
muda todo o fato de que Jason tenha morrido. E o mesmo acontece com meu
pobre primo. Quer cumprir o último desejo de sua mãe; um desejo muito
amável, se Jason vivesse, ou se ao menos ela vivesse. Mas os dois se foram. E
com eles se foram seus desejos. São impossíveis.
Varian inclinou a cabeça. Queria discutir, mas só o que podia lhe oferecer
eram doces palavras tranquilizadoras para enterrar a amarga verdade. Se a
levasse com ele para a Inglaterra, a obrigaria a viver de uma maneira
desventurada. Viver no exílio já é bastante duro mesmo nas melhores
circunstâncias. Mas viver no exílio entre pessoas que a desprezam, ou que não
sentem nada mais que pena, em um mundo ao qual nunca poderá pertencer?
Seu espírito não o suportaria. E Esme era uma pessoa valente. O perigo físico
não lhe dava medo. Mas certamente a vida que a esperava na Inglaterra
acabaria por matá-la, e isso ela sabia.
Varian notou que afastava uma mecha de cabelo se sua testa, como tinha
feito tantas vezes quando estava doente. E Varian sempre tinha tido vontades
de beijar aquela mão em sinal de gratidão, porque aquela maneira mágica de
tocar sua testa dissipava a dor e os problemas de sua mente. Mas agora fez
com que a pele se queimasse como se tivesse salpicado com um ácido, e
aquele veneno se introduziu nas veias formando um ardente rio de ciúmes,
medo e decepção.
Viu um jovem estrangeiro de cabelo loiro com olhos azuis como diamantes
que a quis tanto para desejar raptá-la…, e a mão dela afastando uma mecha
de seus dourados cabelos…, sua voz, suave e doce, falando com seu jovem
príncipe das montanhas brancas, dos bosques de abetos e dos rios
tumultuosos…, seu corpo entregue, movendo-se com paixão entre os braços de
um jovem homem de sua própria cultura, que murmuraria palavras de amor
em sua mesma língua.
Tinha razão, não? Para Varian aquela visão era repugnante, mas era a
única esperança de felicidade para Esme. Ele a queria. Necessitava dela. Isso
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era tudo. Mas não podia oferecer nada mais que promessas, e essas
promessas seriam mentiras, porque sentisse o que sentisse, sempre seria algo
passageiro. Nada dura, e menos que nada o desejo.
— Vai me ajudar? — perguntou-lhe ela. — Me deixará partir?
— Sim — disse Varian elevando por fim a cabeça. — Não.
Capítulo 13
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sentar-se.
— O que está acontecendo? — sussurrou ele. — Acontece algo ruim, não é
assim?
Certamente tinha notado a tensão refletida em seu semblante, da mesma
maneira que Esme tinha notado que havia algum problema. Não é que
necessitasse uma percepção especialmente desenvolvida para isso. A
autoridade tinha um som especial, uma arrogância que podia ouvir-se nos
passos de um dos homens que havia ao outro lado da porta, assim como no
tom de sua voz. Tinha-o notado aproximar-se e tinha podido ouvi-lo
claramente no momento em que tinha entrado na casa. E só havia ali um tipo
de autoridade que se expressasse naqueles termos. E aquela voz não fez mais
que confirmar suas suspeitas e dar um nome: Fejzi, um dos secretários do Alí.
— Deve ter acontecido algo errado — disse ela, expressando seus
pensamentos em voz alta, e notando que o menino se aproximava de seu lado,
enquanto tratava de distinguir o que diziam as vozes. — Não havia nenhuma
razão para que viessem aqui, não ao menos com tantos homens. Pelo menos
são uma dúzia… Não, muitos mais, talvez uns vinte. São homens do Alí. —
calou-se um momento enquanto outra das vozes ficava a falar em um tom
obsequioso.
A seu lado, Esme ouviu um estranho som estrangulado. Deu a volta para
seu primo e se deu conta de que ele estava pálido.
— Oh, querida! — Dizia o menino segurando sua mão com força. — Oh,
querida…, Oh, querida!
Ficou olhando com olhos frágeis.
— Oh, querida! É minha culpa. É ele.
— Quem? Risto? — perguntou ela, pois essa era a nova voz que acabava
de ouvir. Um dos homens do Alí, mas também um dos seguidores do Ismal. —
Conhece-o?
A mão que se agarrava à sua ficou fria e começava a suar.
— Ele nunca me viu — respondeu o menino com voz tremente. — Estou
seguro disso. Oh, céus!
— Ver você quando? O que aconteceu? Não tem por que temer. Não vão
lhe fazer mal. — Esme soltou a mão e se aproximou dele para colocar um
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braço por cima dos ombros. O menino estava tremendo. — Venha, Percival.
Você é um moço valente. Não vai ter medo de um punhado de estúpidos
cortesãos.
— Sim, tenho medo. Acredito que… OH, não! Dá-me muita vergonha, mas
acredito que vou ficar doente.
Após um instante, ela teve que segurá-lo para que não caísse no chão.
Logo o ajudou a avançar para a porta e o fez sair pelo estreito corredor que
dava ao pátio, situado na parte traseira da moradia. Enquanto baixavam as
escadas pôde comprovar que não tinha soldados rodeando a casa. Fosse qual
fosse à razão que os tinha levado até ali, parecia que não tinham achado
necessário que os soldados os acompanhassem. Aquilo era um pouco mais
tranquilizador.
Mas Percival não parecia estar muito mais tranquilo, mas sim, estava à
beira de um ataque de nervos. Mesmo não se tratando de um menino
histérico. Tinha sofrido um seqüestro e o tinha definido como uma aventura
excitante. Nunca o tinha ouvido gritar em meio da noite nem despertar por ter
terríveis pesadelos. Nunca parecia estar ansioso, incômodo ou tenso. Esme
estava segura de que tinha o mesmo tipo de caráter estóico que ela. De modo
que se agora estava assustado, certamente teria boas razões para estar.
Mas, Pelo Alá! Nem sequer naquele estado podia esquecer de suas pedras.
Tinha agarrado sua mochila de couro enquanto ela o arrastava para fora da
habitação. Agora apertava a bolsa contra o peito, enquanto se esmagava
contra a parede do pátio e respirava de maneira entrecortada.
— Oh, graças a Deus! — Conseguiu dizer quando seu peito se acalmou
afinal. — Teria sido mortificante perder os estribos diante de uma garota.
— Percival, a qualquer momento vão mandar nos chamar — disse ela sem
rodeios. — Tem algo que quer me dizer? O que é o que acontece?
Ele mordeu os lábios e baixou o olhar até seus pés, logo deu uma olhada
às escadas que havia a sua direita e a seguir à porta abobadada que havia
diante deles. Logo ao caminho de pedra que ficava a sua esquerda e,
finalmente, olhou a ela de novo. — Parece que cometi um terrível engano —
disse ele. — Eu… Oh! Não tem nenhum sentido lamentar agora, não? Sempre o
lamento depois, mas já é muito tarde, não é assim? Oh! Oxalá papai me
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— Por favor —pediu ele com voz de causar pena. — Por favor, não o diga a
ninguém.
— Enganou a lorde Edenmont — disse. — Contou que tinha dado a peça ao
Jason, mas a tinha roubado você.
— Eu não… O que passou é…
— Sabia que ele necessitava de dinheiro.
— Isso sabe todo mundo — respondeu seu primo à defensiva. — Papai o
subornou para que me levasse a Veneza.
— E você o enganou para que, em lugar disso, o trouxesse para a Albânia.
Por quê?
Percival se moveu inquieto, olhando nervoso a seu redor.
— Não posso contar isso. Além disso, sei que nunca me acreditaria.
— Muito bem — disse Esme ficando de pé. — Então terei que dar a lorde
Edenmont a peça de xadrez que tanto deseja possuir.
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casa com lorde Edenmont, os dois furiosos e com aspecto de terem caído
violentamente no barro.
Agora se propunha a passar pelos nariz de sua excelência a rainha negra.
E com Risto ali para que visse.
Percival ficou de pé.
— Eu a roubei — mentiu ele. — Não tinha outra opção. O tio Jason me
falou de uma conspiração para derrubar o Alí Pachá. Faz umas semanas, no
castelo do Barí, ouvi uma conversação de Risto com outro homem, em que
ficavam de acordo para enviar um barco de armas inglesas de contrabando a
Albânia, para um homem chamado Ismal. Enganei a sua excelência para que
viéssemos aqui com a intenção de avisar ao tio Jason.
Sem fazer caso da patente incredulidade que podia ler no rosto dela,
Percival seguiu explicando como ele tinha dado a Bajo a mensagem secreta e o
que acabava de deduzir agora: que Ismal tinha interceptado aquela mensagem
e tinha enviado seus homens para que levassem a Esme a Tepelena, onde a
utilizaria como refém.
— Espiões. Conspiração. — Esme ficou olhando de maneira compassiva. —
Tem muita imaginação. Ouve uns tipos falando de rifles e de pistolas, algo que
os homens costumam fazer muito frequentemente, e já crê que descobriu uma
grande conspiração. Não é nada mau ser imaginativo, primo. Pode ser que
algum dia chegue a tornar-se um grande poeta.
— Não é imaginação — protestou Percival. — Eu ouvi. E ouvi a voz de
Risto. Reconheceria em qualquer parte. Seu italiano era terrível, e seu inglês
ainda pior.
— Ouviu algo e sua imaginação fértil fez o resto — disse ela. — Mas isso
aconteceu faz muito tempo. E agora não sabe distinguir entre o que realmente
escutou e o que imaginou, e por isso está assustado. Ismal é muito inteligente
e cauteloso para embarcar em uma rebelião sem possibilidade de êxito. E
sabe que Alí é muito preparado. Durante anos tentaram derrubar o visir. E
todos fracassaram. E sempre pagaram com a vida, junto com todos seus
familiares e amigos.
Ela devolveu a peça de xadrez.
— Não vou dizer a sua excelência o que fez. Não devo a ele nenhuma
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lealdade. Além disso, é muito mais divertido ver a maneira tão inteligente
como o enganou. Agora vejo que tola fui enfrentando a ele honesta e
abertamente. Deveria aprender com você essa lição.
Percival ficou calado durante um momento, como ofendido, enquanto ela
subia as escadas. Então, assim que se deu conta de por que ela tinha tanta
pressa em voltar para a casa, sentiu-se de novo invadido pelo pânico. Subiu a
toda pressa as escadas atrás dela, pedindo que parasse, mas Esme não fez
caso e seguiu avançando. Logo cruzou o corredor e se dirigiu diretamente à
porta depois da qual a esperava o desastre.
Quando estava a ponto de alcançá-la, Esme já estava abrindo a porta.
Sem deter-se para pensar, Percival se lançou atrás dela… e deu de encontro
com lorde Edenmont.
Enquanto se inclinava para trás resmungando uma desculpa, Percival viu
que sua excelência tinha segurado a Esme pelo braço. O semblante dela
mostrava uma expressão especialmente pouco amável. Mas sua excelência não
percebeu: ele mesmo estava dirigindo ao Percival um olhar muito pouco
amistoso.
— Segure a sua prima — disse ao Percival em voz baixa e definitivamente
pouco amistosa — e a coloque em seu quarto, Percival. Agora mesmo.
— É obvio, senhor. Agora mesmo — disse Percival oferecendo cortesmente
o braço a sua prima. — Prima Esme?
Ela estalou a língua.
O coração de Percival acelerou. A sala tinha ficado em silêncio e todos os
estavam olhando para eles. E todos incluía uma vintena de homens, alguns
deles tão robustos como Bajo.
— Lorde Edenmont, se me permitir. — Um homem baixo e gordo que
levava na cabeça um sujo turbante amarelo se adiantou dirigindo-se a Varian.
— Eu vim aqui pela filha do Leão Vermelho. Meu senhor quer que faça chegar a
ela uma mensagem, pessoalmente.
Lorde Edenmont murmurou algo entre dentes. De onde estava Percival não
podia entender o que havia dito, mas podia imaginar. Estava completamente
exasperado com Esme, embora agora começasse a sentir-se assustado.
Soltando o braço de Esme, lorde Edenmont disse:
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la partir.
— A verdade é que ela diz que devo deixá-la e você me diz que não. Acaso
parece a você que sou Salomão, Percival?
Varian se aproximou da estreita janela, de onde se vislumbrava uma
pequena porção de céu negro por cima dos vermelhos telhados das casas.
— Sente-se, disse. — Tenho que contar algo. O que quer é também o que
eu mesmo desejo com todas as minhas forças. Mas na vida há coisas que
alguém deve aprender a aceitar, embora não goste.
— Mas, senhor…
— Sente-se. E me escute.
Variem ficou olhando fixamente. Percival se aproximou apressadamente do
sofá de madeira e se sentou.
Com algumas frases lacônicas, Varian fez um resumo de como via Esme
sua situação e do que ela sentia que tinha que fazer a respeito.
— Sim, claro, é obvio — disse Percival impaciente. — Tudo isso é bastante
óbvio. Naturalmente, entendo que pense assim. Mas ela é uma garota.
— E pelo que acredito mais ardilosa que você. O que tem isso a ver com o
que estamos falando?
— Bom, que está equivocada. Não quero dizer que não seja inteligente.
Claro que é. Mas é uma garota, já sabe, e é natural que pense no matrimônio
como a única solução. Além disso, é um delicado membro do sexo frágil…
— Delicado?
Percival ficou olhando a Varian muito sério.
— A constituição feminina é delicada, senhor, e tem que recordar que
muito recentemente sofreu algumas emoções fortes para sua tenra
suscetibilidade.
— Tenra suscetibilidade? Suas pedras têm muita mais sensibilidade. Não
há nela nada de delicadeza…, maldito seja.
Varian se voltou para a janela.
— Eu sei que tem uma aparência forte — disse Percival. — E sobretudo
muito racional. Mas asseguro que não o é. Quando chegaram esses homens,
esteve a ponto de desmaiar, e me vi obrigado à tira-la do quarto e levá-la ao
pátio para que tomasse um pouco de ar fresco, e para que caminhasse um
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para se unir a seu príncipe dourado. E não aceita que Percival e eu estejamos
ali para ser testemunhas de sua alegria. Por que deseja esconder-se de nós,
Esme? O que é o que não quer que vejamos?
Ela prendeu a respiração. Sabia que ele não era absolutamente um
descerebrado. Entretanto, nunca tinha imaginado que poderia chegar tão
rápido àquela conclusão. Ou será que Percival tinha contado essa insensata
história sobre a conspiração?
Mas Percival não teria se atrevido a contar, Varian jamais teria se
permitido ir a Tepelena com um menino que não fazia mais que falar de
conjurações revolucionárias. Possivelmente teria que contar ela mesma…, mas
então, tampouco a deixaria ir.
Estava confusa.
— Não tenho nada que esconder — respondeu ela secamente. — Somente
temo por meu primo. Mas tem razão, já não é um menino. Não vai morrer de
medo por ver um ninho de maldade. Mas pelo contrário, poderá tomar
apontamentos, e quando estiver novo com sua família, eles terão uma boa
razão para culpá-lo de tê-lo corrompido. Mas o que importa a você? Falo de
uma corte de depravação e isso não faz mais que abrir seu apetite. Imagino
que sua mente deve estar vendo já as imagens do harém. E já sabe que Alí
certamente proporcionará a você algumas mulheres. Deveria tê-lo entendido
antes. Passou muito tempo sem estar com uma cortesã. Bom, não me importa
o que faça. Também eu poderei encontrar ali meu próprio prazer… com meu
príncipe dourado.
Dito isto, Esme deu meia volta e saiu do quarto.
Capítulo 14
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ouvido aquele relato da boca do próprio Byron. A visão que agora tinha desse
país coincidia na maioria dos detalhes com o relato do poeta.
O palácio estava fechado por duas de suas alas, e um alto muro protegia
as outras duas — que davam ao pátio ao que acabam de entrar. — Estava
repleto de soldados bem armados e de cavalos belamente selados. Na esquina
mais afastada do palácio estavam sacrificando e esquartejando animais, o que
dava a entender que se aproximava outro indigesto festim.
O resto do grupo se alojou em outro lugar, enquanto que Varian, Percival,
Esme e Petro foram ficar no mesmo palácio. Seguiram Fejzi por uma escada de
madeira e logo atravessaram uma longa galeria, para chegar a uma das duas
alas do palácio, a que albergava as habitações dos convidados.
Varian ficou impressionado ao entrar na primeira sala, considerando o
péssimo estado dos aposentos onde se alojou até esse momento na Albânia.
Era uma sala grande, rodeada pelo típico arranjo de sofás, mas esses estavam
cobertos com tecidos de seda. O chão estava coberto com grossos e luxuosos
tapetes, e nas paredes estavam pendurados suntuosos tecidos estampados.
— Seus aposentos estão acima, milorde —explicou Fejzi indicando uma
pequena porta que conduzia a estreitas escadas de madeira. — Por favor, fique
a vontade. Em um momento trarão um refresco. Enquanto isso, tenho que
levar a garota ao harém. Não é apropriado que…
— A senhorita Brentmor não vai ao harém — disse Varian friamente.
— É obvio que não — concordou Percival tomando a Esme pela mão.
Fejzi ficou rígido.
— Lamento, milorde, mas são as normas. Aqui não permitimos que as
mulheres andem desavergonhadamente de um lado para outro, como os
infiéis… — Se calou um momento e em seguida seguiu falando em tom
arrependido. — Peço que me desculpe, Oh grande senhor! Mas aqui todos
devemos nos inclinar ante a lei.
— Uma mulher deve submeter-se às leis de seus familiares masculinos. E
esse familiar está aqui ao seu lado, e diz que ela deve ficar conosco. Não
pretenderá insultar o senhor Brentmor no momento em que acaba de chegar
ao palácio ao qual foi convidado por Alí?
Com um bom palmo mais de altura que o rechonchudo secretário de Alí,
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Varian olhou a seu interlocutor por cima do ombro, como fazendo ver que
estava muitos degraus abaixo dele.
Fejzi ficou completamente desarmado. De fato, parecia que levou um susto
de morte, mas não sabia se era a causa do perigo que podia supor Varian para
sua integridade física ou o próprio Alí. Ao final, fazendo uma reverência, disse:
— Como você desejar.
E saiu a toda pressa da sala.
Quando os passos apressados do secretário já não se ouviam, Varian se
aproximou de Esme, que em todo esse tempo não havia dito nenhuma palavra.
— Não tem nada que dizer? Não vai nos repreender por ter insultado o seu
compatriota e ter afrontado à dignidade muçulmana?
Ela se encolheu de ombros.
— Isso não tem nenhuma importância. Muito em breve terei que entrar de
qualquer modo em um harém. Melhor como a esposa de um príncipe que como
uma órfã qualquer.
— Não é necessário que me agradeça — respondeu Varian com frieza.
Ela lançou um abrasador olhar com seus brilhantes olhos verdes.
— Perdão, Oh grande luz dos céus! Um milhão de obrigado por me
preservar dos inomináveis perigos do harém: trezentas mulheres aborrecidas e
seus mortíferos companheiros eunucos.
— Trezentas? — Repetiu Percival. — Pelo amor de Deus! — Logo ficou
olhando a Varian e perguntou: — O que é um eunuco?
— É o destino que espera lorde Edenmont — soltou Esme. — Se é que vai
se transformar em costume descumprir as ordens do Alí.
— Sim, mas o que é…?
— Um homem — disse ela. — Ao que…
— Petro! — gritou Varian apesar de o marinheiro estar de pé não muito
longe deles.
— Sim, senhor?
— Leve o Percival para cima e cuida para que tome um banho e troque de
roupa. Está cheio de pulgas.
Antes que Petro pudesse dar um passo Esme passou um braço pelos
ombros de Percival.
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Esme, acrescentou: — Vem pequena guerreira. Não vai fazer guerra no harém,
não é verdade?
Ela estalou língua em resposta e se dirigiu para a porta.
— Eu gostaria de vê-la de novo mais tarde — disse Varian forçando ao
Fejzi que o olhasse.
— Farei chegar sua petição a sua alteza.
— Não é uma petição.
O sorriso do Fejzi desapareceu de seu semblante.
— Como você desejar, milorde.
Alí se recostou em seu divã e pôs-se a rir com sua robusta pança
movendo-se como um pudim.
— Um rosto e um corpo como o do Apolo e o temperamento do Zeus.
Ouvi-o gritar e me perguntava se acabaria matando a essa fulana antes que
chegasse.
Fejzi sorriu ligeiramente.
— É uma pessoa abominavelmente insolente, alteza.
— Sim, estive observando com meu telescópio enquanto se aproximavam.
Já me dei conta de seu comportamento. E de outras coisas, claro —
acrescentou Alí cravando ao Fejzi no lugar com seu afiado olhar azul.
— O Leão da Ioanina o vê tudo.
— Quando o vejo com meus próprios olhos. Mas vocês pensam que só
confio nos rumores e nas incompetentes explicações desse toco cabeça dura
do Bajo. Todos vocês acreditam que estou começando a envelhecer. Só o que
ouço nesses últimos dias é quão formoso é esse lorde inglês. Mais formoso que
Byron, isso dizem, e, além disso, não está aleijado. E quando não falam do
lorde, falam do menino. Há rumores que certamente é filho do Jason, um
menino ruivo com uns olhos profundos e inteligentes. Todas essas coisas
chegam até meus ouvidos, e o que posso fazer eu: fechar os olhos e enviá-los
à costa?
— Não, alteza, isso seria impensável — disse Fejzi com resignação.
Alí se ergueu lentamente até a posição sentada e aproximou os pés do
chão. Colocando as mãos sobre as grossas coxas olhou para Fijzi com ar de
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recriminação.
— Hoje vi chegar a Tepelena esse inglês cavalgando para com toda sua
arrogância, e ri com vontade. E faz um momento me tornei a rir ao ver como
estalava de fúria por causa dessa pequena guerreira. Quando foi a última vez
que me viu rir, Fejzi? Durante quanto tempo meu coração esteve fechado como
um ataúde de pedra, comigo metido dentro? Faz três semanas que
desapareceu meu querido Leão Vermelho, um inglês tão valente como um
shqiptar. E pouco depois do acontecido outro inglês de cabelo vermelho acaba
de chegar, um familiar do Jason. Isso tem que ser um sinal dos céus.
— Ou de algum outro lugar — murmurou Fejzi.
O expressivo rosto do Alí relaxou esboçando um sorriso.
— Pode ser. Mas não temo os demônios. Passei a vida rodeado deles… E
meu primo é o mais formoso de todos eles, não é assim?
Alí olhou pela janela, para o céu lá fora que estava começando a escurecer.
— Essa noite vou jogar com dois formosos demônios. Um loiro e outro
moreno. Bom, vamos ver. Pode ser que seja um jogo interessante.
Capítulo 15
O visir era mais baixo que Fejzi e mais gordo. Possivelmente em outro
tempo tenha sido bonito. Tinha uma compleição agradável, uma testa larga
sobre espessas sobrancelhas e um nariz bem delineado. Com suas longas
barbas brancas e seus brilhantes olhos azuis, qualquer um poderia tomá-lo
pelo típico avô jovial.
Alí Pachá tinha demonstrado ser uma pessoa alegre e faladora, e possuir um
surpreendente bom humor. Tinha esse tipo de maneiras encantadoras que
podiam conduzir o mais cauteloso dos homens a trair a si mesmo. Até Varian
esteve a ponto de sucumbir ante seu carisma. Mas sendo ele mesmo uma
pessoa com encanto, era capaz de reconhecer a alguém de seu mesmo
aspecto assim que o via. Dava-se conta de que, apesar da troca de elaboradas
adulações, estava sendo minuciosamente examinado por Alí… e avaliado da
maneira mais precisa.
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teve que fazer um esforço para recordar que Alí estava ali. Até quando Varian
ficou olhando com amabilidade para o visir, toda sua concentração estava fixa
em Esme.
Sentiu que se aproximava deles, vislumbrou um brilho de seda verde
enquanto ela se movia a seu lado, com o vestido que usava murmurando ao
contato com seu magro corpo… ali onde sua boca queria estar nesse momento,
e suas mãos. Sentiu um calor na base das costas. Deus, era patético! A garota
usava um vestido comprido que o tinha deixado desfeito.
Quando ela se deteve um momento junto dele, pareceu que o roçar da
seda zumbia em seus ouvidos. Logo se sentou a seu lado, sobre uma
almofada.
Alí disse algo que pareceu incomodá-la, pois Esme respondeu de forma
brusca com uma rápida frase em albanês. Varian ficou tenso. Aquela pequena
selvagem parecia estar querendo que a matassem. Mas Alí não fez outra coisa
que elevar as sobrancelhas de uma maneira exagerada e tornar a rir.
Varian reuniu a coragem suficiente para olhá-la. Estava ruborizada e de
seus olhos verdes saíam milhares de faíscas.
— Do que se trata? — Perguntou ele com um tom de voz que soou débil e
estranho.
— Nada. Uma piada lasciva, indigna de repetição. — Ouviu fofocas
desagradáveis, isso é tudo.
Varian tinha vontade de insistir naquele tema, mas entrou um criado
carregado com uma pesada bandeja. Após um momento apareceu Percival,
com o rosto pálido como um lençol; embora, por outra parte, guardava muito
bem a compostura, tendo em conta que acabava de entrar na sala privada de
um homem de reconhecida maldade, um monstro temido até pelo sultão.
O monstro ficou olhando o menino durante um longo e intenso momento.
E a ele encheram os olhos azuis de lágrimas. O visir esticou uma mão e, depois
de um breve momento de dúvida, Percival a estreitou.
Alí disse algo com voz rota.
Esme estalou a língua.
— Não. — Corrigiu de maneira cortante ela. — Não seu filho, velho de
maus pensamentos — murmurou ela em inglês. — Não. Seu sobrinho. —
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embriagava. Mas não era capaz de pensar serenamente. Era muito consciente
dos dois corpos ricamente vestidos que o rodeavam: um deles esbelto e
coquetemente feminino; o outro loiro exótico e claramente masculino. Envolto
por aquela profusão de sedas, Varian quase não podia concentrar-se na
conversa.
Ouviu a voz do Alí expondo uma pergunta… A resposta de Percival,
primeiro muito formal, e logo pouco a pouco com uma crescente segurança até
transformar-se em uma amigável conversa… e entre eles a voz rouca de Esme
traduzindo o que se diziam, fria e serena como um bom jorro de água fria em
um dia de sufocante calor.
Logo falou Ismal e Alí respondeu, e estiveram conversando durante um
bom momento.
Esme tocou o braço de Varian e aquele contato o tirou de repente de seus
pensamentos. Voltou-se piscando. Pouco a pouco pôde enfocar os rostos de
seus companheiros. Todos o estavam olhando.
— Alí deu permissão ao Ismal para que se dirija a você diretamente. —
Disse ela. — Você tem que fazer o papel do pai de Percival, o cabeça de minha
família inglesa, e falar em nosso nome. Alí diz que meu primo é muito
inteligente, mas há certos assuntos que não podem ser tratados com mulheres
e meninos.
Durante um tenso momento, ela aguentou o olhar de Varian e ele
entendeu o que estava tentando lhe dizer: que recordasse a promessa que
tinha feito.
Rapidamente Varian dirigiu sua atenção para Ismal, com uma expressão
solene no semblante.
— Não vou pôr a prova sua paciência com longos rodeios, milorde. — Disse
o príncipe dourado. — Admitirei que foram seguidores meus aqueles vilãos que
perseguiram e trataram de seqüestrar à filha do Leão Vermelho, então devo
assegurar que não cumpriam minhas ordens. Nunca. Denunciei aos que se
encarregaram daquela maldade, e me sentirei completamente feliz de assistir à
execução desses canalhas assim que os detenha.
Percival fez um estranho som gutural, mas Ismal não pareceu dar-se
conta.
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tudo claramente. Tinha falado a Varian de sua vida, um ano em Durrës, cinco
em Shkodra, dois em Berat, e outros anos em outros lugares. Sua vida. Os
dezoito malditos anos de toda sua vida. Por que demônios não tinha ocorrido
simplesmente perguntar sua idade? Por que tinha estado se torturando com
aquilo todo o tempo, quando uma simples pergunta poderia tê-lo aliviado, ou
ao menos teria aliviado o sentimento de culpa em particular?
Mas Varian sabia por que. Tinha medo de averiguar que poderia ser até
mais jovem do que ele imaginava.
— Sim, é compreensível que Jason dissesse isso. — aceitou Varian
tranquilamente. — Sou da opinião de que as mulheres inglesas amadurecem
mais lentamente do que o fazem em outras partes do mundo. A própria Esme
admite ter sido menos precoce que a maioria.
— Já não é muito jovem, milorde. Quis tê-la durante muitos anos. E agora,
considerando que está sozinha, sinto-me também responsável por ela. Quando
meu nobre primo me disse que vinham a Tepelena, alegrei-me, porque desse
modo poderia ter a oportunidade de compensá-la por todos os insultos que ela
e seus amigos ingleses sofreram naquele maldito dia em Durrës. Quero tentar,
ao menos em parte, limpar minha vergonha e aflição por tudo o que aconteceu
em meu nome.
Ismal expôs o arrependimento como se tratasse de um frio assunto de
negócios. Pagaria duzentas libras inglesas como preço da noiva a seu tio
inglês. Isso era aproximadamente vinte vezes o preço normal, explicou
friamente Esme, posto que geralmente o preço das mulheres é bastante mais
baixo que o dos cavalos. Também expôs que pagaria multas: quinhentas libras
a cada um, a Varian e ao Percival, pelos insultos a suas pessoas em Durrës, e
outras quinhentas libras ao Alí pelo insulto cometido contra sua autoridade.
Além disso, Ismal daria ao Alí e a Varian um reprodutor árabe a cada um, e ao
Percival um potro da mesma raça.
Finalmente, Ismal tomou uma caixa de prata com jóias incrustadas que
estava ao lado do divã de Alí.
— Essas quinquilharias é um presente para quem pretendo que seja minha
esposa, como símbolo de nosso compromisso.
Passou a caixa a Varian. As «quinquilharias» eram esmeraldas, safiras,
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bom — pensou Varian, — a não ser que o fazia a sério. Sua inexorabilidade
tirou suas dúvidas. Mas não estava em situação de considerar as
consequências; não essas, não agora.
— Se me desculpa — disse Ismal, — parece-me que falhou meu inglês,
não entendi.
— Será uma honra para eu comunicar sua proposta à cabeça da família de
Esme, na Inglaterra —esclareceu Varian, — quando a levar até lá.
Silêncio.
Alí ficou olhando Esme, mas ela não traduziu nada.
Perguntou algo ao Ismal, que simulou não ter entendido.
Só restou Varian para traduzir em seu horrível grego escolar e explicar que
ele não tinha direito de dispor do futuro de uma mulher com quem não estava
aparentado. Se fizesse isso sem o consentimento por escrito de sir Gerald,
afirmou Varian, poderia ser acusado de abuso e tráfico de escravos; duas
graves ofensas segundo a lei inglesa.
— Mas ela não é inglesa — disse Ismal com uma angélica voz tranquila. —
É albanesa, sua alteza.
— É obvio que não! — exclamou Percival.
Todos os olhos se voltaram para ele e avermelhou.
— Rogo que me perdoem. Não pretendia ser descortês, mas a menos que
não o tenha entendido bem, isso é de todo impossível.
— Percival, se não se importar…
— Mas, senhor…
— Dëgioni! — ordenou Alí — Dëgioni diali.
— Devemos escutar o que tem a dizer o menino — disse Ismal sorrindo
ligeiramente. — É o desejo de meu real primo.
Alí bateu no ombro do menino.
— Você. Fala.
Percival o olhou nervoso.
— Obrigado, senhor.
Seu olhar assustado dirigiu-se para Ismal, logo para Esme e por último se
deteve em Varian, que dirigiu-lhe uma leve inclinação de cabeça.
Percival deixou escapar um suspiro tranquilizador.
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Capítulo 16
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próprios ouvidos. Mas é muito mais mimado e tranquilo que esse arrogante
lorde que trouxe aqui — disse ela com desprezo. — Ismal esteve a ponto de
começar a chorar quando respondeu a sua proposição com tanta insolência.
Você acredita que essa criatura de coração fraco pode…
— Sepulcro alvejado — disse Percival.
— O que?
— Buscarei a passagem na Bíblia da família quando retornarmos para
casa. Se voltarmos para casa. Oh, como gostaria que você fosse um menino!
— acrescentou ele com aborrecimento. — É sempre tão pouco razoável… Não
sente remorsos de fazer com que sua excelência perca a paciência. Se não
tivesse visto com meus próprios olhos, não teria acreditado. Sempre é
amistoso e extremamente pormenorizado. Nem sequer repreendeu-me por ter
vindo aqui e que tivessem me seqüestrado.
— Mas dará uma boa surra se descobrir como enganou e mentiu para ele.
Percival parou em seco e ficou olhando com os olhos abertos de surpresa.
— Não pode dizer nada a ele. Você me prometeu.
Esme se inclinou para trás e cruzou de braços.
— Ismal ofereceu quinhentas libras e um reprodutor, mas não parece que
isso seja suficiente. Pode ser que uma peça de xadrez que vale mil libras fosse
um preço que o convencesse mais.
— Isso…, você não é ninguém para suborná-lo.
— Sim eu sou. Poderia dizer que me Jason me deu e que eu pedi que a
guardasse entre suas pedras. Se você pode contar mentiras, por que eu não
vou poder fazê-lo?
Percival ficou pensativo um momento. Logo seus olhos se entreabriram até
converter-se em duas magras linhas verdes.
— Se atrever-se a dizer a ele algo a respeito — ameaçou ele, — contarei a
lorde Edenmont…
— O que? Que é mentira? E quem ia acreditar?
— Direi que fez essa horrorosa cena essa noite para enciumá-lo.
Aquela acusação era um repugnante insulto vindo de um menino, mas
mesmo assim Esme notou que ruborizava. Ela tinha tentado demonstrar algo.
Queria mostrar a Varian que outro homem, tão formoso como ele mesmo,
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desejava-a. E que esse outro homem não pensava que ela fosse uma lunática,
ou uma repelente sabichona, ou qualquer dos outros odiosos apelidos com que
sua excelência estava acostumado a defini-la.
Ismal a tinha tratado de uma maneira extremamente atenta. Suas
palavras tinham um tom tão devotamente terno que ela quase tinha chegado a
acreditar que a amava. Até que a lembrança de seu pai tinha aparecido em sua
mente: tinham disparado pelas costas, tinham negado a glória de um funeral
de herói e seu corpo valente tinha sido golpeado contra as cruéis rochas da
corrente.
Percival ficou olhando com franca curiosidade.
— Ruborizou— disse ele. — Céus! Era certo? Disso se trata? De verdade
que as garotas são muito estranhas. Não tinha pensado que…
A porta se abriu de repente e esteve a ponto de golpear o guardião, que se
afastou para o lado de um salto. Assim que entrou lorde Edenmont o guardião
saiu do aposento.
Percival o olhou, logo olhou a Esme e por último bocejou.
— Pelo amor de Deus, que tarde é — disse ele esfregando os olhos. — Foi
uma conversa muito interessante, prima Esme. A verdade é que o tempo
passou voando.
Dito isto, Percival se dirigiu para as escadas que conduziam a seu
dormitório, sem fazer caso do olhar assombrado que lhe dirigia lorde
Edenmont.
— Percival.
— Senhor? — Voltando-se para ele, o menino bocejou de novo.
— Suponho que não tem o menor interesse a respeito do que estivemos
falando Alí e eu?
— Estou seguro de que teve uma conversa muito interessante, senhor,
mas me parece que eu já tive suficientes sobressaltos por uma noite.
Sua excelência se voltou para Esme.
— O que fez a ele? Com que insanos lixos esteve enchendo a cabeça dele?
Percival parou em seco.
— Ela não esteve enchendo minha cabeça com nada. A verdade é que
dificilmente dou ouvidos as tolices que possam dizer as garotas.
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— Ah, que formosa canção de amor albanesa! E vejo que acaba de compor
especialmente para mim, que criatura tão romântica é. Muito bem, aplaudo —
Disse ele abrindo os braços. — Vem, pode cobrir meu adorável rosto com seus
beijos.
Desgraçadamente, isso era o que Esme estava desejando fazer. Estava
cansada, zangada e assustada. Se tivessem vivido em outro mundo, teria se
refugiado em seus braços. Nesse outro mundo, seu convite não teria parecido
uma brincadeira cruel, e ela teria deixado que seus ardentes beijos a
inflamassem por toda parte. Ela teria se deixado arrebatar por uma profunda e
quente paixão, a mesma que tinha mostrado a ela em Poshnja. Era formoso e
forte, e seu esplêndido corpo teria podido oferecer refúgio e… alívio.
Só por um momento, é verdade, mas ela não teria tido outra
oportunidade. Nem outro homem. Só Ismal, ao qual odiava com todas suas
forças: o homem que queria assassinar, para morrer logo depois. Que tipo de
vingança era aquela? Ele acabaria aparecendo como um mártir, como a vítima
de uma mulher enlouquecida. Ninguém acreditava que Ismal fosse o culpado
da morte do Jason.
Exceto Percival.
Ele afirmava que Ismal era um traidor e Risto o intermediário entre ele e
quem viajava a Itália para comprar armas para seu chefe. Em Berat, Percival
tinha insistido que reconheceu a voz de Risto…, o tipo que falava mal italiano e
pior inglês. Aquelas lembranças fizeram a cabeça de Esme dar voltas como
uma roda, e toda sua mente se concentrou na conclusão que podia resultar
disso.
Risto falava italiano. E inglês. Não os falava bem, mas sim o suficiente
para fazer-se entender. Como podia saber disso Percival, quando em Berat e
durante sua viagem até ali, unicamente tinha falado albanês? Só existia uma
maneira de que Percival soubesse: pela razão que ele mesmo tinha explicado.
Que Deus a ajudasse! Como tinha podido ser tão imperdoavelmente estúpida?
Uma fria sensação de consternação despertou Esme de seu transe e a fez
consciente de que estava observando Varian com o olhar perdido. Quanto
tempo tinha ficado assim, enquanto em sua cabeça rolava aquele
descobrimento?
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E a verdade. Não toda, porque não poderia suportá-la toda. Mas ao menos
uma parte.
Ela apertou as mãos e baixou o olhar ao tapete. Ao lado de seu pé direito
viu um magro labirinto colorido de intrincados retângulos, que se destacava
contra o fundo marrom. Fixou-se nele.
— Menti a você. — disse ela. — Em repetidas ocasiões. Exagerei ao dizer o
tempo que faltava para reparar o barco e ao não contar quão difícil era o
caminho até Tepelena. Embora pudesse vir sozinha se tivesse sido necessário,
sabia que viajando com um inglês teria muito menos dificuldades.
— Usou-me? — disse ele.
Ela estremeceu.
— Sim.
— Deveria ter me utilizado de uma maneira mais carinhosa.
Aquela recriminação a fez sentir-se culpada. Os olhos dele se
obscureceram e se cobriram de sombras.
— Não queria chegar a gostar de você. — disse ela retorcendo as mãos. —
Não queria que gostasse de mim. Isso teria tornado tudo mais difícil para
mim… para o que tinha que fazer.
— O que tinha que fazer? — perguntou ele com calma.
Seu olhar sombrio se cravou na dela, e o coração de Esme começou a
pulsar loucamente. Pelo amor de Deus, por que lhe perguntava isso? Acaso
não acreditava que era verdade o que lhe tinha contado em Berat, que tinha
vindo para casar-se com Ismal? Acaso não tinha fingido o bastante bem fazia
apenas umas horas?
— Por… pelo Ismal. — respondeu ela.
— E o que tem ele? O que tem que fazer com ele?
Não importava o muito tranquilo que parecesse. Só havia uma maneira de
responder: com a mentira que tão cuidadosamente tinha estado urdindo.
Aquele homem tinha que abandoná-la ali. Ela tinha conseguido que qualquer
outra coisa fosse impossível para ele. Não era necessário que contasse toda a
verdade, nem que ficasse olhando sua expressão de repulsão quando
soubesse, nem sua tranquila voz invadida por um tom de recriminação. Mas
assim mesmo tinha que dizer a verdade, tinha que dizer a ele, para aliviar-se,
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para que a castigasse. Mas não sabia o que queria; naquele momento, só o
que sabia era que estava doente de desespero, e que continuar mentindo a
mataria.
— Tenho que… tenho que… — As palavras não conseguiam sair de sua
boca.
Ela não era uma pessoa covarde, mas naquele momento estava realmente
assustada. Do que? De perdê-lo, quando já o tinha perdido desde o começo?
— Fale, Esme.
Ela fechou os olhos.
— Tenho que matar o Ismal.
Falou de uma vez, e embora as palavras soassem como um estranho
assobio, não as pronunciou em uma voz tão baixa para que ele não pudesse
ouvir. Soaram muito fortes inclusive a seus próprios ouvidos. Sentiu-se fria e
envergonhada, embora procurar a vingança não fosse algo vergonhoso.
Entretanto, ele não podia entender. Ele a veria como um monstro frio que
perseguia de maneira desumana um homem a quem todos acreditavam
inocente, um homem que todos acreditavam que estava apaixonado por ela e
queria desesperadamente fazê-la sua esposa. Oh! Por que tinha pronunciado
aquelas horríveis palavras?
— Pequena louca. — disse ele em um tom de voz muito baixo, mas que de
todos os modos a fustigou. — Temerária e apaixonada louca.
— Varian…
— Hadje. — disse ele.
Ela ficou o olhando fixamente. Ele elevou uma mão e repetiu:
— Hadje.
O coração de Esme parecia estalar se contra as costelas e toda ela
estremeceu. Mas aquele tom de voz suave que ele falava em sua própria língua
a atraía, e fazia seu corpo e sua alma responderem juntos em um tremor.
Lentamente, Esme se aproximou dele e pôs as mãos sobre seu peito. Os largos
dedos dele se fecharam sobre os seus e a apertou mais contra si. Segurou-lhe
a outra mão e puxou até tê-la bem próxima, sua saia de seda roçando as
calças dele. A respiração dela se converteu em um ofego entrecortado.
— Não pode matá-lo, Esme. — disse ele, — e eu não posso matar por
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você.
Pareceu-lhe que o coração se rompia em mil pedaços.
— Oh, Varian! — Ela liberou as mãos e jogou os braços ao redor do
pescoço dele, enterrando de uma vez a cabeça na calidez de seu peito. — Não
me odeie — ela pediu. — Por favor, não me odeie.
Os fortes braços de Varian a rodearam, esmagando-a contra seu forte
corpo. Durante um longo e doloroso momento, ele apertou os lábios contra o
pescoço dela. Logo a abraçou e a levou até o sofá, onde a depositou sobre seu
regaço.
— Odiar você, sim, claro. — murmurou ele.
E logo sua boca se aproximou até fundir-se com a dela.
Ela tinha esperado que ele respondesse a suas palavras com ódio e
repulsão, mas aquele beijo era quente e suavemente terno. Deixou-se alagar
por aquela doçura e ficou a chorar por aquele coração que ele acabava de
roubar com tanta facilidade. Tinha estado louca pensando que poderia manter-
se afastada dele, como tinha estado louca em todo o resto.
Quando por fim ele levantou a cabeça, Esme escondeu o rosto contra seu
ombro. Os dedos dele brincaram com seu cabelo e logo deslizaram para baixo
para acariciar o seio, ligeiramente, roçando apenas a magra seda de seu
vestido. Mesmo sob a suave carícia, seu corpo se arqueou em uma resposta
emocionada. Estremeceu. Ele dirigiu a mão para seu quadril e a deixou
descansar ali, fazendo que seu calor lhe percorresse o ventre.
— Ah, Esme! O que vou fazer com você?
Sua voz era tão suave como sua carícia e ela respondeu sem conter-se, do
mesmo modo que o fazia seu corpo.
— Não me deixe.
Suas palavras não foram mais que um ligeiro e apagado murmúrio contra
sua guerreira, mesmo assim perfeitamente audíveis no profundo silêncio da
habitação.
A seguir houve um longo silencio.
— Você está afetada. — disse ele ao fim, — e eu estou me aproveitando
disso. Deus, que ser tão perverso eu sou; e o menino que está aí acima. —
Beijou-lhe a cabeça. — Obrigado por me dizer a verdade. Eu gostaria de… eu
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gostaria de ter sido o tipo de homem a quem pudesse ter dito antes. Teria que
ter dito: «Milorde, tenho que vingar a morte de meu pai. Seria você tão
amável em oferecer-me amparo para a viagem?»
Esme ficou olhando, sem estar muito convencida, sem elevar o rosto.
— E o que teria respondido você?
Ele sorriu.
— Não teria que ter respondido nada, mas sim teria que me encarregar
dessa missão e me por a caminho para matar o malvado príncipe. Se fosse
esse outro homem. Mas não sou. Sou Edenmont, um tipo vago, egoísta e
totalmente inútil. Não posso fazer nada mais que tirá-la daqui.
Isso era mais do que Esme podia suportar. Ele não só parecia entendê-la e
não querer abandoná-la, mas também culpava a si mesmo.
— Você não é nada disso, — disse ela e ficou completamente reta
olhando-o com os olhos cheios de admiração e gratidão. — Tentou fazer o
correto, o que todo mundo sabe que é correto, exceto eu. Nessa noite Ismal
ofereceu uma imensa quantidade de dinheiro para que me abandonasse e você
não aceitou.
Ele sacudiu a cabeça, e uma de suas grossas e escuras mechas de cabelo
se moveu roçando uma de suas sobrancelhas.
— Não me faça parecer nobre, Esme. Não sou. Só sou teimoso e
excessivamente egoísta. Pode ser que Percival tivesse ficado furioso com você
agora a pouco, mas está convencido de que conseguirá que vá com ele. Se não
for assim, me atormentará durante o resto de meus dias. Em qualquer caso,
Alí deixou muito claro sua postura: amanhã partiremos para Corfú, por um
caminho ou por outro. Se eu decido não levá-la comigo, diz que a enviará
para lá com a escolta do exército. Concordei em levá-la comigo, embora
informei que necessitarei de ajuda de um exército para poder cumprir minha
missão. Fez-me saber o muito que a aprecia. Diz que recorda a sua mãe.
— Alí? — Aquilo parecia incompreensível. — Quer que vá… e deixou que
Ismal…
— Fez a ele aquele emocionado discurso, da mesma maneira que me
deixou fazer o ridículo daquela maneira. Alí Pachá tem um senso de humor
muito particular; e um grande dom para julgar às pessoas. — Enquanto falava,
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Varian brincava distraído com o cabelo dela. — Pela primeira vez pude
entender por que seu pai decidiu ficar a seu serviço. O visir está meio louco, e
é um tipo sádico em muitos aspectos, mas tem o dom de Satanás para a
manipulação. E sabe utilizá-lo à perfeição.
Ele ficou em silêncio, enquanto seus longos dedos seguiam acariciando-a
carinhosamente, aliviando a tensão que ela sentia em sua cabeça, e em todo
seu ser.
— Lamento o que aconteceu com seu pai. — disse ele depois de um
momento. — Sei que o queria muitíssimo. Eu gostaria de ter podido conhecê-
lo. Eu gostaria que estivesse ainda aqui, a seu lado… em lugar de ter que
suportar a companhia de um lorde fraco e patife e de um confuso menino de
doze anos.
Esme fez um esforço para que as palavras surgissem através de sua
fechada garganta.
— Você não é um fraco. — disse ela. — E Percival está muito menos
confundido que eu. Os dois foram comigo muito mais carinhosos do que eu
mereço, mas tentarei remediar isso, prometo. Vou ser tão obediente e boa a
caminho de Corfú que não vai reconhecer-me.
— Pelo céu, vai de um extremo ao outro, não é? — disse ele sorrindo.
Com um sorriso que era tão doce e cálido como os raios do sol. Quando a
olhava daquela maneira, podia fazer com que um buquê de flores murchas se
convertesse em um radiante ramo de rosas. E suas carícias podiam fazer o
mesmo. Seus atormentados pensamentos se acalmavam no refúgio de seus
braços.
— Quero ir com você — assegurou ela. — Irei aonde você quiser, Varian.
Essa noite acreditei que fosse me abandonar. Pensava que fosse desaparecer
de minha vida; e pior ainda: que íamos nos separar sem ter podido esclarecer
minhas mentiras, meus mal-entendidos e meus aborrecimentos. Entretanto,
teve paciência e me ajudou a aliviar meu coração. E agora meu coração está
cheio de gratidão por você. Embora isso não seja mais que palavras, eu vou
demonstrar. Espera e o verá. — Esme engoliu saliva. — Não me importa que
todas as mulheres estejam apaixonadas por você.
Varian ficou olhando de uma maneira estranha, com seus formosos olhos
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Capítulo 17
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utilizavam os homens para divertir-se entre eles e não tinha muita vontade de
aproveitar aquela ocasião para inteirar-se. Muitos problemas já tinha para
manter sua mente acordada, sem ter que enfrentar a novas formas de
depravação.
A generosa providência lhe tinha proporcionado um indulto, e ela fez bom
uso dele. Poderia levar a cabo sua vingança, mas dessa vez de uma maneira
que até Jason teria aprovado, para levar a cabo sua heróica missão. Até
Percival se orgulharia dela, e gratamente aliviado de que seu segredo tivesse
funcionado de maneira adequada. Assim tinha que ser. Sabia o que tinha que
fazer e não tinha medo. Era a filha do Leão Vermelho, e antes de abandonar
para sempre seu amado país, tinha que salvá-lo.
Embora a princípio Alí pudesse não acreditar, era muito inteligente para
fazer ouvidos surdos a suas advertências. Ele investigaria e logo seus espiões
descobririam a verdade. Em muito pouco tempo, Ismal ia se encontrar nas
mãos de hábeis torturadores. Logo teria uma morte horrível, como merecia,
mas ela não teria que manchar as mãos de sangue. Estaria muito longe, pode
ser que só e em um lugar onde ninguém a quereria, mas com a alma
totalmente limpa. Na Albânia possivelmente a admirariam como a uma brava
heroína, disse Esme a si mesma. Isso a satisfez, assim como a ideia do Ismal
morrendo depois de uma lenta agonia.
Aquelas agradáveis fantasias a levaram para a câmara privada de Alí.
Estava tentando decidir se devia bater na porta ou entrar sem mais quando
ouviu a voz do Ismal, doce e melíflua como sempre. Com um silencioso
juramento, Esme se sentou no chão a esperar. Esperava que ele não passasse
ali toda a noite.
— Deveria ter fechado a boca — estava dizendo Ismal. — E não me
arriscar a te desgostar. Mas embora tivesse me matado por isso, tinha que
dizer o que havia em meu coração. Meu amor por você é muito grande para
agir de outra maneira.
Alí riu entre dentes.
— Parece-me que a beleza do lorde inglês o transformou em ingênuo,
primo. A moça tem que partir. Deveria ter partido faz muito, com seu meio
primo. Não é bom momento para desgostar os ingleses. Já estão bastante
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— Realmente, Ismal, esta noite está mais divertido. — riu o visir. — Se não
soubesse que é abstêmio, acreditaria que está bêbado. Parece-me que está
cego. Pode ser que ela não queira ir-se. Mas vingar-se? Se esquece do formoso
reprodutor inglês. Pensa que ele não será capaz de tê-la afastada de suas
queixas?
— Ela o despreza.
— Certo. Por isso, dentre todos os lugares que poderia ter escolhido,
sentou-se precisamente a seu lado. Muito perto dele.
Esme levou um susto.
— E quando perguntei se sua espada inglesa feria lenta e continuamente
ou rápida e com força, ela ficou da cor dos morangos.
— Qualquer donzela se ruborizaria ante essas palavras. — disse Ismal.
— Uma «donzela» não deveria ter me entendido ou me teria acusado de
fazer caso de obscenas fofocas.
Esme cobriu o rosto com as mãos. Teria que ter se dado conta de que Alí
tinha boas razões para ter falado daquela maneira. Deveria ter se dado conta
de que sua reação poderia traí-la. Todo mundo sabia.
— Entendeu-o porquê já saboreou seu impulso, ou deseja fazê-lo —
continuou dizendo Alí. — Seu aborrecimento não é mais que a chama do amor,
como já expliquei a ele. Ela é muito jovem, pobre garota. E ainda não é capaz
de compreender a paixão que sente por ele. E naturalmente, a pena que sente
por seu pai tê-la confundido. É como uma criatura ferida que fere às cegas a
todos aqueles que tratam de ajudá-la. Mas o lorde inglês poderá curá-la. Já lhe
disse como: com palavras suaves e doces carícias.
Esme fechou os olhos. Palavras suaves. Doces carícias. Não afeiçoado, a
não ser cura. Manipulação.
— Acredita que ele fará caso de seus conselhos? — perguntou Ismal. —
Pensa que esse insolente nobre vai se incomodar em acalmá-la com suas
estratégias amorosas? Para ajudar a você, ou a ela? Acredito que tem muita
confiança em um homem que todo mundo sabe que é um gigolô.
— Não custa nada ter confiança — respondeu Alí em tom de confidência.
— Paguei muito bem para que se assegure de que ela irá com ele por vontade
própria. Além disso, é o que quer o menino, e esse menino é o verdadeiro
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nisso um êxito admirável. E Alí se deu conta imediatamente de quão tola era
essa pequena guerreira.
Varian os tinha utilizado a todos, tinha utilizado a teimosia dela, assim
como a solidão de seu primo. Varian tinha feito com que a debilidade deles
dois funcionasse em seu próprio proveito. Aquele homem, que ela considerava
estúpido e infantil, tinha tirado de Alí mil libras — o grande avaro do Império
turco — e tinha convertido à filha do Leão Vermelho em uma chorosa
descerebrada, e em uma libertina que rogava que a desonrassem.
Respirando profundamente, Esme se obrigou a ficar em pé e a retroceder o
caminho pelo qual tinha chegado até ali. Era melhor assim, disse a si mesma,
sempre é melhor saber a verdade. Ninguém a queria. Todos riam dela. Muito
bem. Melhor deixá-los com suas brincadeiras, suas mentiras e suas
maquinações. Que jogassem eles seus jogos de homens. A ela tudo aquilo
traia sem cuidado. Ela era uma mulher. E agora, finalmente, entendia
perfeitamente o que significava isso. Jason teria que ter explicado, muitos anos
atrás. Mas isso era muito típico dele. Sempre deixava para mais tarde o mais
importante.
Pouco depois de sair o sol Fejzi chegou para escoltar a Varian até o visir.
Encontrou lorde Edenmont acordado e lavado, embora ainda sem barbear, e
muito suscetível.
O mal sonho de Varian tinha estado particularizado por uma série de
pesadelos, cada um dos quais tinha começado lascivamente e terminado de
uma maneira horripilante. Na última, Esme nua sustentava em uma mão uma
faca banhada em sangue e na outra uma parte de carne palpitante. «Não tem
coração», dizia- ela sorrindo. «Não tem coração, não tem.» despertou para
encontrar seu próprio coração ainda a salvo, pulsando desaforadamente no
fundo de seu peito. E agora se preparava para outra manhã agitada ante o
inesperado e totalmente pouco acolhedor convite.
Entretanto, Varian não pôs objeção alguma. A última coisa que queria
naquele momento era enfrentar Alí. Depois da confrontação da noite anterior,
era um milagre que a cabeça de lorde Edenmont estivesse ainda sobre seus
ombros. Tinha rechaçado quinhentas libras — pela segunda vez — por deixar a
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Esme ali. Examinaram com detalhe suas razões. Com tanto detalhe que Varian
havia sentido que o viravam do avesso, e que escrutinavam em seu interior
qualquer possível segredo e o deixavam completamente vazio.
Sim, ao final tinha ganhado ele; justo quando tinha começado a suspeitar.
Alí tinha tentado quase tudo, e o suborno parecia ser só uma parte de algum
arrevesado jogo oriental — ou de algum tipo de prova. — Naquele momento
Varian teria dado uma patada a si mesmo por ter rechaçado o dinheiro. O que
teria chegado a fazer Alí para que ele aceitasse — O que pensava fazer o velho
visir com a garota que sabia que queria cortar o pescoço de seu primo? Ou
acaso o visir queria ver o Ismal morto?
Não. Varian não podia pretender chegar a entender o labirinto da mente de
Alí Pachá. Aquela maneira enlouquecida de mentir.
O Leão da Ioanina estava de pé quando lorde Edenmont entrou — um
prometedor sinal de condescendência. — Para maior surpresa de sua
excelência, o Leão se equilibrou sobre ele para abraçá-lo.
Por meio do Fejzi, lorde Edenmont se inteirou de que sua majestade o
apreciava como a um filho, e se as circunstâncias tivessem sido outras, o visir
teria dado a metade de seu reino para manter esse inteligente e valente lorde
a seu lado para sempre. Mas, por desgraça, não poderia tê-lo a seu lado nem
um dia mais. Alí tampouco poderia acompanhar a sua excelência a Corfú,
porque as obrigações o mantinham ocupado em todas as partes. Parecia que
tinha algumas dificuldades no sul do reino; e seria necessária uma pequena
guerra para manter ali a paz. Mas não havia razão para que se alarmasse.
Lorde Edenmont poderia partir naquela mesma manhã e chegar a Corfú
rapidamente. Ele não queria pôr em perigo os jovens fazendo-os permanecer
ali por mais tempo.
Alí falava de maneira despreocupada, como se mencionasse assuntos sem
importância. Entretanto, ao dar-se conta da maneira como Fejzi gaguejava
enquanto traduzia, Varian sentia um calafrio, como se um dedo de gelo
percorresse sua coluna vertebral.
— Disse a sua alteza, ontem a noite, que não tenho nenhuma intenção de
ficar aqui. A que vem agora suas insinuações? — perguntou ao Fejzi.
— Sua alteza está preocupado porque a filha do Leão Vermelho poderia
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se podia notar.
— Sem dúvida estava considerando a possibilidade de que tivesse sido
assassinada. Teria gostado de vê-la contrariá-lo ontem de noite.
— Não sei o que pensa — disse Risto secamente. — Não confio nele. Não é
o que parece.
— Não é nada — disse Ismal voltando o rosto para o fogo. — Está
destinado ao fracasso. Há muitas complicações. Não sei quem matou Jason
nem por que, e não consigo entender o que é que trouxe aqui o barão, com
esse moço, esse em especial. Só o que sei é que danificaram meus planos. No
momento que a peça de xadrez saiu de minhas mãos, meus maravilhosos
planos se converteram em fios enredados, e um a um vejo que me escapam
das mãos. Agora não faço mais que me perguntar como e quando aparecerá a
rainha negra… para selar meu funesto destino.
— Está sendo muito pessimista. Deixa que sua cabeça volte ao mais
escuro — repreendeu Risto. — Essa peça de xadrez pode estar no fundo do
mar ou do rio, ou em Serbia com esses incompetentes que não foram capazes
de distinguir um menino de uma garota. Estivemos procurando por toda parte.
Mesmo se alguma vez a tivessem tido em seu poder, a garota ou seus amigos,
não teriam sabido o que fazer com ela.
— Eu penso o mesmo, mas meus instintos dizem outra coisa. Deveria ter
feito caso deles e abandonar Tepelena quando ainda estava a tempo.
— Já não pode fazê-lo. O seguirão no momento em que saia desta
habitação.
— Mas se ela pôde escapar… e não é mais que uma mulher.
— Mas bem dirá uma endiabrada mulher — replicou Risto zangado. — Não
faz nada mais que causar problemas. Ao menos agora já não terá que fingir
que está morrendo de amor por ela. Deve ter sido muito humilhante suplicar a
essa horrível zorra.
— Absolutamente, foi muito divertido. Infelizmente, também foi muito
caro. A função de ontem à noite me custou mil libras. Com esse dinheiro
poderia ter comprado rifles, homens e até a ajuda do próprio sultão. — Ismal
fez uma pausa. — Ou, no mínimo, poderia ter conseguido à garota.
— Mas você não a quer — foi precipitada resposta de Risto. — Uma
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esquálida aborrecida com uma língua viciosa. Eu preferiria me deitar com uma
cobra.
Ismal sorriu levemente, sem deixar de olhar ao fogo.
— Ah, bom! Mas você não tem gosto para as mulheres.
— Tampouco você o tem muito desenvolvido.
— Isso não quer dizer que compartilhe suas inclinações. Se desejasse a
um homem, ficaria com o formoso inglês. É um espécime muito intrigante,
não acha? Com sua cabeleira negra como o carvão, essa pele tão branca e
esses olhos cinzas. Talvez devesse tê-lo comprado, não acredita? Ao que
parece, certamente o preço não seria muito alto.
O rosto azeitonado de Risto se escureceu.
— Não teria entregado a essa pequena endiabrada… e no final teria ficado
com seu dinheiro.
Ismal deu de ombros.
— Assim que me inteirei de que vinham a Tepelena, sabia que ia me custar
uma fortuna. Inclusive quando lorde Edenmont rechaçou minha oferta, sabia
que acabaria pagando. Como esperava, Alí se ofereceu generosamente para
aliviar meus problemas de consciência ontem de noite, me aliviando de mil
libras. Disse-me que necessitava para subornar ao inglês. O que realmente
duvido. Eu menti, ele mentiu, e ao final tive que acabar pagando, como
sempre me acontece. De qualquer modo, pensava que, pelo menos, no final ia
me deixar a garota.
— Outra vez a garota — disse Risto com impaciência. — Ela se foi e com
bom vento. Por que continua voltando para esse espantalho ruivo?
— Voltando? — Ismal se voltou para seu criado e arqueou uma de suas
bem desenhadas sobrancelhas. — A que vem tanta hostilidade, Risto —
Parece-me muito estranho em você. Qualquer um diria que está ciumento.
O medo brilhou por um momento nos olhos negros daquele servente.
— Está rindo de mim — disse ele. — Sempre o tem feito…, desde que era
um menino.
— Teria preferido que mentisse, como estou acostumado a fazer com todos
os outros? — perguntou-lhe Ismal com voz suave. — Também tenho que me
pôr minha bela máscara para ti?
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Capítulo 18
Por uma vez a sorte sorriu a Esme. A pequena aldeia da Saranda tinha
triplicado sua população com motivo do festejo, e ela se arrumou para chegar
no dia antes das bodas de Donika. Tinha reconhecido Branko, o irmão da
Donika, logo ao chegar, mas tinha esperado que caísse a noite para
apresentar-se. A essas horas, a maioria dos homens já tinham alcançado altos
graus de intoxicação etílica, e as mulheres estavam em pleno frenesi dos
preparativos. Não teriam visto nem a um elefante em correria, muito menos ao
mendigo moço que aparentava ser Esme.
Branko não gostou nem um pouco da história que ela contou. Apesar disso,
e de que dissesse mil vezes que era uma louca e uma exaltada, não deixou de
ajudá-la. Além disso, ele devia. Ela tinha salvado sua vida dois anos atrás e
tinha tirado uma bala de sua perna.
Só o que queria, disse-lhe Esme, era um barco que pudesse levá-la ao
norte, mais à frente do território de Alí, a Shkodra. Era onde Alí não tinha
nenhum poder, e ela poderia viver a salvo em casa do velho que anos atrás
tinha lhe ensinado como curar as feridas de bala.
— Não quero que diga a ninguém mais que estou aqui — pediu ela. — Só
quero que me encontre um lugar onde me esconder. Não me moverei daqui até
que me prometa isso.
Branko refletiu um momento.
— Não conheço a cidade — ele disse ao final em um tom de voz suave e
pensativo. — O único lugar seguro que me ocorre é que fique com minha
família. — Quando ela começou a queixar-se de que podia pô-los em perigo,
ele a repreendeu: — Já sabe que a ninguém ocorreria vir buscá-la aqui. E de
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qualquer modo, ninguém pensará que veio se esconder tão perto de Corfú. Em
qualquer caso, dentro de pouco darão voz de alarme e os oficiais irão procurar
uma jovenzinha disfarçada de mendigo.
— Com os olhos verdes — recordou ela. — Tenho que me esconder. Não há
forma de dissimular a cor de meus olhos.
— Isso não será necessário se a fazemos passar por estrangeira. Por
cigana, por exemplo. Donika pensará em algo — disse ele. — Mas antes tenho
que levá-la até a casa sem que ninguém suspeite.
Deteve-se a pensar de novo durante um momento. Também Esme tentou
que lhe ocorresse algo, mas seu cérebro não parecia querer cooperar. Estava
tão cansada como seu corpo.
— Sim, é bastante fácil — disse Branko olhando-a pensativamente. — No
momento, será um menino que chegou de viagem e com quem acabo de me
encontrar. Levarei você nos ombros até a casa. Só tem que manter os olhos
fechados até que cheguemos ali.
Não podia ter ocorrido um plano mais atrativo. Ela tinha passado três dias
sem deixar de tentar raciocinar, planejando cada um de seus movimentos,
enquanto tratava de manter o medo e a tristeza afastados de seus
pensamentos. Tinha vendido o rifle que tinha roubado do guardião, e com o
dinheiro que tinham dado por ele tinha conseguido um cavalo. A partir desse
momento tinha avançado bastante depressa, pois o tempo era muito bom. De
qualquer modo, Esme estava cansada até a medula dos ossos. Durante uns
poucos minutos, poderia descansar e deixar que alguém pensasse por ela. As
maneiras do Branko podiam ser lentas, mas não o era sua inteligência. Jason
sempre tinha tido o irmão da Donika em grande estima.
Esme deu a ele as armas e a bolsa de viagem. Branko as colocou sobre um
de seus largos ombros e a Esme sobre o outro. Imediatamente, o corpo dela
desabou com alívio e suas pálpebras se fecharam com satisfação. O resto foi
uma apagada consciência de movimentos, vozes e ruídos. Quando chegaram a
casa, até essa consciência se desvaneceu. Esme se afundou em um escuro e
ditoso estado de esquecimento.
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— Bom, que mal pode haver nisso? — disse a anciã. — Cante para a noiva
e deseje a ela boa sorte. Primeiro são os desejos da noiva. Depois, os
caprichos de uma anciã.
Esme esboçou um sorriso. A abundante comida tinha feito com que o
humor de Qeriba melhorasse radicalmente. Depois de comer até tinha
espalmado a mão em Esme dizendo:
— Por fim refresca um pouco. Aproxima-se um bom vento, não sente?
Mas Esme não sentia nenhuma brisa. Embora o sol estivesse começando a
ficar pouco a pouco sobre o mar, no jardim ainda fazia um calor cansativo. Não
estava segura da razão pela qual sentia tanto calor se não era por suas muitas
capas de roupa. Pode ser que fosse uma sensação interior. Sentia-se sufocada
pela felicidade que irradiava Donika. Aquilo era egoísta e pouco generoso, disse
Esme a si mesma repreendendo-se.
Devolveu a Donika o aperto de mãos e disse:
— Cantarei minha melhor canção de amor. Um canto um pouco triste, mas
que tem final feliz.
Sentou-se sobre os paralelepípedos aos pés da noiva, arrumou a elegante
saia que caía ao redor e aceitou a çiftelia artesanal que oferecia outra das
garotas antes de começar a cantar.
Realmente era uma melodia triste, que contava a história de uma
camponesa abandonada pelo filho de um homem rico. Na segunda estrofe,
arrancou lágrimas de mais de um par de olhos femininos. Até os olhos de
Donika se umedeceram, embora seguisse sorrindo e suas lágrimas pareciam
radiantes raios de alegria.
Ao chegar ao terceiro verso, quando a camponesa cortava uma papoula no
lugar onde se encontrou com seu amante pela primeira vez, Esme notou que
acontecia algo a seu redor. A audiência parecia completamente cativada por
sua interpretação; algumas mulheres se puseram a chorar abertamente.
Acontecesse o que acontecesse, todas pareciam estar muito imersas na triste
canção para dar-se conta.
Esme deu um olhar rápido a Qeriba. O olhar da anciã não estava posto em
sua neta mas na casa, e seus olhos entreabertos lançavam brilhos.
Então Esme se deu conta do que estava acontecendo. O ruído dos homens
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Varian a tinha ouvido cantar. Estava seguro de que a voz que tinha
ouvido era a sua. Saiu correndo para o jardim… e se encontrou rodeado por
um muro de mulheres.
— Onde está? — perguntou em albanês.
Silêncio.
Seu olhar se dirigiu de um lado a outro e se deteve na estreita porta.
Apenas tinha começado a andar pelo caminho que se dirigia para aquela porta
quando o grupo de mulheres ficou em movimento, bloqueando seu passo. E
logo ficaram quietas, convertidas em um muro de rostos sérios. Agimi tratou
de abrir caminho entre elas, mas dois dos homens o agarraram e o detiveram.
Ninguém ia atrapalhar o lorde inglês, mas tampouco iam permitir que ninguém
o ajudasse.
Amaldiçoando entre dentes, Varian deu as costas às mulheres. Deviam ser
umas cinqüenta, e havia mais pululando pelo jardim. Não iam deixá-lo passar,
isso era bastante óbvio. E suas intenções eram muito claras. As mulheres
ficaram quietas, muito juntas, de maneira que para passar entre elas deveria
tocá-las. Mas mesmo que somente sua jaqueta roçasse a uma delas, os
homens se jogariam em cima todos de uma vez. A maioria deles estava já
completamente bêbados e não iriam ter em conta que era inglês, um
convidado em seu país. Além disso, não tinham sido muito hospitaleiros
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Capítulo 19
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perdoe, mas neste momento devo ter a mente nublada. Pode ser que tenham
me golpeado com um remo. Asseguro, por minha vida, que não posso recordar
a que trato cheguei com ele.
Os enfurecidos olhos verdes de Esme se nublaram com uma tintura de
confusão. Moveu-se intranquila na cama. Era uma cama grande com um
colchão de plumas, decididamente europeu — «fránquico», que diriam os
albaneses. — Todos os países do oeste eram para eles «francos», pensou
Varian como ausente enquanto esperava que ela seguisse falando. E podia
esperar até o dia do Julgamento Final, se fosse necessário. Parecia que Esme
não escapou de seu lado porque amasse ao Ismal, como tinha dado a entender
na cruel nota que tinha deixado, mas sim por essas mil libras que
aparentemente tinham algo a ver com ele. A ofensa de Varian, fosse o que
fosse, devia ter sido muito grave, se é que ela decidiu escapar, por uma manha
de criança, depois do que tinha acontecido na noite anterior. Qualquer outra
jovem teria necessitado semanas para recuperar-se disso.
— Ninguém golpeou sua cabeça —soltou ela por fim com voz humana. —
Não tem vergonha. Por isso faz de conta que não se lembra de nada.
— Não me sinto absolutamente desavergonhado — respondeu Varian em
tom cortante. — Mas se crê que a lembrança de algo vai me fazer sentir assim,
rogo que não me conte. Podemos falar de qualquer outra coisa.
Uma vez mais ele se sentou na beira da cama. Esme se inclinou para trás
ruborizando-se.
— Não! Não se atreva a utilizar suas artimanhas comigo. Não penso me
casar com você. Nunca! Antes me atiraria do alto de uma montanha.
— Casar comigo? — Agora foi ele quem se inclinou para trás assustado. —
É obvio que não. Quem colocou nessa cabeça descabelada a ideia?
— Descabelada? — disse ela com voz alta. — Ao Alí não disse que era
descabelada.
— Suponho que não tenho tão pouco tato para dizer isso a um homem que
tem várias centenas de esposas. Poderia ferir sua sensibilidade.
— Sei, mas a minha não conta, não é? Sabia — se queixou ela. — Sabia
que ainda não pagou. Não teria dito isso se já o tivesse feito. Não, em tal
caso, faria ver que casar comigo é o que mais deseja no mundo.
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— Pelo amor do céu, você acredita que me vendo barato, não é assim?
Isso me dói, Esme, de verdade que me dói. Crê que aceitei me casar com você
por só mil libras? Minha querida menina, não aceitaria me unir nem mesmo a
Afrodite por menos de vinte mil. Em ouro — disse ele. — E provaria a
qualidade de cada uma das moedas com meus próprios dentes.
— Ouvi o Alí. Escutei como contava ao Ismal.
— Então o ouviu mentir. Pode ser que seja um gigolô, mas ao menos sou
um dos caros, asseguro-lhe isso. — Varian olhou através da janela e franziu o
sobrecenho. — Mil libras. Que ideia. Nunca em minha vida me insultaram
tanto.
Esme não respondeu nada. Obviamente, estava dando voltas aquele
assunto em sua cabeça. Menos mal. Varian tinha seu próprio mistério a
resolver, mas esse tinha que ver com o amanhã. E com o dia seguinte. E com o
seguinte. Como sempre fazia, de uma perspectiva tão sombria, sua mente
estava acostumada a ficar pensando no futuro.
Mas em lugar disso, fixou-se na janela, e nos sons que chegavam de fora.
Um pouco antes tinha ouvido risadas, enquanto ela o estava repreendendo.
Logo as risadas tinham cessado e haviam tornado a começar os cantos. Agora
havia um instrumento de corda que acompanhava a música da flauta.
Ouviu Esme suspirar.
— O que estão cantando? — perguntou-lhe.
— Nada. Uma canção de amor.
— Entendi hajde — disse ele, — mas nada mais. O que diz o estribilho?
Shpee-mee…
— Shpirti im. Meu espírito. Alma. «Vem, vem…, coração meu». — Ela
sorriu de maneira muito exagerada. — «O homem… ele… Oh! Ele chama à
moça apaixonada.»
— Ah, vá, o amor! Os homens são capazes de dizer qualquer coisa a
respeito, não acredita?
Houve um silêncio tenso.
— Varian.
Ele não se voltou para olhá-la, mas notou que o colchão se movia
enquanto ela se aproximava. Esme se deteve em seco a meio caminho.
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— Varian, jura-me que não pensava casar comigo… por nenhum preço?
— Não seja tola, um cavalheiro sempre jura por sua honra. E eu não
tenho.
— Então, por que arriscou sua vida por mim? Se não tivessem chegado os
homens do povoado, poderíamos ter nos afogado. Por que o fez?
— Não sei. Não parei para pensar. Suponho que tive um momento de
alienação mental. É algo que parece que me acontece frequentemente,
sobretudo se estiver perto de você.
Ela se aproximou mais a ele. Varian notou que o tocava suavemente no
ombro. Voltou lentamente a cabeça. Esme estava de joelhos sobre a cama, a
seu lado. A saia de sua camisola de dormir tinha subido por cima dos joelhos.
Varian levantou rapidamente a vista e topou com os verdes olhos dela que o
olhavam absortos.
— Me diga algo, por favor. O que seja. Me minta, se quiser, mas me
responda, por favor.
— Prefiro não fazê-lo — disse ele com voz suave. — Está tão suscetível
neste momento que é capaz de acreditar em qualquer coisa.
— Sim. Assim é.
— Até seria capaz de acreditar que a quero.
Ela apertou a mão que tinha apoiada sobre o ombro de Varian. Ele a
agarrou para afastá-la tratando de liberar-se das terríveis palavras que
acabava de pronunciar. Tratando de fugir dela, antes que acabasse destruindo-
a. Mas não se moveu e ela não relaxou a pressão de sua mão.
Os dedos de Esme se enlaçaram lentamente com os dele e o fez colocar a
mão sobre seu joelho nu. De repente pareceu que o quarto se esquentava
terrivelmente, curvando-a.
— Será melhor que me vá — disse ele secamente.
O lábio superior dela tremeu.
— Sempre diz o mesmo. Sempre se vai.
— É pro seu bem.
— Não. É porque não me quer — disse ela soltando sua mão. — Me sinto
tão envergonhada…
— Está cansada e nervosa. Sofreu uma experiência terrível.
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— Isto é terrível — disse ela com voz baixa e insegura. — Sempre que vejo
a morte diante de mim, a olho sem medo nos olhos, porque sou uma
guerreira. Se me propusesse, poderia matá-lo. Mas não posso suportar essa
contínua resistência. Não posso fazer que me toque como um homem toca a
uma mulher.
— Não seja tão cruelmente absurda — disse ele com voz cortante. —
Toquei-a dessa maneira já muitas vezes.
Muitas vezes…, mas nunca o suficiente.
O olhar de Varian passou dos trementes lábios dela para a suave e branca
pele de seu pescoço, descendo logo pelo decote até os seios, para deter-se na
magra cintura… e logo baixou ainda mais, até onde estava depositada sua
própria mão, ainda sobre o nu joelho dela, sentindo um formigamento que o
incitava a acariciá-la.
Varian não pôde evitar deixar escapar um dolorido e profundo suspiro.
— Quero você, necessito de você. Estou doente por você. Oh, Deus, não
me faça caso! Não… não o faça Esme.
A carne que roçava com sua mão era muito suave e firme. Mesmo
enquanto o advertia, seus dedos começaram a se mover lentamente para a
coxa.
Ela aproximou a cabeça da dele. O aroma do mar ainda se desprendia de
seu cabelo. Era doce e fresco, como uma pele sedosa.
— É tão formosa — disse ele em voz baixa. — Não é justo.
Ela murmurou algo entre dentes.
Varian se disse que tinha que partir. Só tinha que levantar-se e pôr-se a
andar. Mas em lugar disso, agarrou-a pela cintura e a atraiu para si.
Olhou profundamente aqueles olhos de um verde impenetrável e disse
quase sem fôlego:
— Um beijo. Só um.
Os magros braços de Esme rodearam seus ombros.
— Sim. Só um.
Ele só desejava saborear uma vez mais aquela fera e inocente ninfa. Tinha
estado quase a ponto de perdê-la. Tudo o que pedia era um beijo. Com isso
seria suficiente. Tinha que bastar, disse a si mesmo enquanto seus lábios
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a ponto de gritar pela mulher que sustentava entre os braços. A vida era
aquela mulher apertada contra ele, aquele corpo que se oferecia inteiramente
ao dele. Ali dentro, o mundo era quente e embriagador com o aroma que
exalava ela. E ela o chamava com sua voz rouca e entrecortada. Pronunciava
seu nome e todo seu ser respondia, desesperado por perder-se dentro dela e
por ficar ali, a salvo, no lugar ao qual pertencia.
Ele sabia que aquilo não era mais que uma luxuriosa loucura. Sabia que
não pertencia a esse lugar. Que era um intruso, que só buscava a si mesmo.
Ouviu uma fraca e apagada advertência que chegava do mais profundo de sua
consciência.
Necessito dela, respondeu Varian em silencio para aquela voz interior,
enquanto murmurava palavras de amor contra a boca, contra o pescoço,
contra os seios. Respondia-lhe com ofegantes carícias. Aquelas carícias o
envolveram em seguida, e as vozes que o advertiam acabaram se calando de
vez.
Suas mãos ansiosas se colocaram entre os sedosos cachos de cabelo que
protegiam o centro úmido dela, e se afundaram ali. Esme ficou tensa,
estirando os ombros, mas dessa vez ele não se deteve. Estava além de suas
forças. Sua consciência voltou a cobrá-lo, porque a inocente umidade dela era
muito doce. Carinhosamente, e apesar de seu exultante desejo, ele a
acariciou, excitou-a e a avivou, enquanto ela se movia inquieta esfregando-se
contra sua mão. Varian sentiu as palpitações em seu interior, cada uma mais
forte que a anterior, notou como Esme lutava contra elas… e logo notou o
arrebatamento de calor que a envolveu quando aquelas sacudidas a
dominaram por completo.
— Varian! — disse ela em um grito afogado. — Oh, ... Deus!
Esme cravou as mãos nos ombros dele e o atraiu para ela, procurando sua
boca. Varian deu o que ela pedia, enquanto seus dedos se introduziam ainda
mais dentro dela. Ela gemeu e se separou de um salto de seu frenético beijo,
mexendo-se impaciente em meio da tormenta que embriagava todo seu corpo.
Afundou o rosto no travesseiro e começou a gemer sem poder conter-se,
enquanto todo seu corpo tremia e dava sacudidas golpeando-se contra ele,
procurando desesperadamente o alívio.
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Muito tarde.
— Sinto muito — ofegou ele. — Oh, meu amor! Sinto muito. — O sangue
subia a suas têmporas enquanto pulsava em suas veias, obrigando-o a aliviar-
se, mas se obrigou a deter-se. Suas mãos se moveram suavemente por cima
do corpo dolorido e rígido dela. — Me deixe que faça o amor, carinho. Me
perdoe e deixe que a ame. Necessito de você, Esme.
Ela abriu os olhos com surpresa.
— Há mais? — perguntou ela com voz tremente.
Oh, céus, ela já tinha tido o bastante! Pobrezinha, pensava que já tinha
acabado tudo. Varian passeou suas mãos ansiosas pelos ternos seios, e sua
carne se endureceu de novo, movendo-se dentro dela. Sim, seu corpo estava
pedindo para acabar também, por brutal que fosse aquilo. Mas ele necessitava
mais. Desejava-a toda inteira, em corpo e alma, só para ele. Era egoísta, sim,
mas assim era ele.
— Mais, sim — disse ele. — Tanto quanto você queira me dar.
E logo começou a mover-se de novo dentro dela, lentamente, enquanto
com as mãos lhe acariciava o ventre.
— Varian — disse ela quase sem fôlego.
Mas agora em sua voz já não se refletia a dor, a não ser outra coisa. A
surpresa, talvez, e depois enquanto seguia se movendo com cuidado, da boca
dela escapou um suave gemido de prazer.
— Sim — sussurrou ele. — Assim é, carinho. É como se o mundo
desaparecesse, não?
Ele sentiu isso mesmo, sentiu que o mundo a abandonava, assim como
fazia com ele. Varian notou como seu prazer aumentava conforme o corpo dela
se rendia ao dele, acoplando-se a seu ritmo. A dor que antes ela sentiu já
estava esquecida como os remorsos dele. Deu-se conta de que agora já não
podia sentir remorso algum, não enquanto começava a voltar para a vida com
ela. Só havia para eles aquele momento, Esme, e o doce e profundo êxtase
que o embriagava enquanto ela se entregava de novo à tormenta de prazer.
O corpo de Varian começou a palpitar com a vida dela, com todo seu ser.
Acabava de se perder dentro de Esme, navegando com ela por uma furiosa
corrente que os empurrava para a eternidade. Sentiu-a desfazendo-se ao redor
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dele e ouviu os gritos que saíam por sua garganta. Então ele se cravou mais
fundo nela, apertando-a com força entre os braços enquanto cobria sua boca
de doces beijos.
Capítulo 20
Esme soube que ele partiu muito antes de abrir os olhos para a brilhante
luz da manhã. Tinha notado o frio de sua ausência no meio do sonho. Outros
sonhos tinham precedido a esse, mas esses estavam cheios de calidez e de
delírio contente.
Nunca antes tinha sonhado com tanta alegria. Nunca poderia ter
imaginado o que acontece quando um homem une seu corpo ao corpo de uma
mulher. Tinha imaginado que seria agradável. Semanas antes tinha saboreado
esse prazer, em Poshnja, quando Varian a tinha beijado e acariciado daquela
maneira tão íntima. Mas a noite anterior o prazer tinha sido profundo e muito
mais turbulento. Tinha sido como se um poderoso demônio se colocasse em
seu corpo, onde fez um terrível mas maravilhoso destroço, como uma
desmedida tormenta até que ao final tinha conseguido aliviar-se. E com aquele
alívio lhe chegou uma doce paz.
Mas não por muito tempo, descobriu Esme. Tocou o travesseiro onde tinha
estado apoiada a cabeça de Varian e recordou como ele tinha sorrido
docemente, enquanto a sustentava entre os braços naquele momento de
extasiada paz.
De qualquer modo, certamente tinha sorrido a todas as mulheres com as
quais tinha estado da mesma maneira. Ele sabia como afastar qualquer dúvida
ou remorso. Ele sabia como tranquilizar a uma mulher. Não gostava da
desordem. Isso tinha deixado para depois, quando tivesse tempo de enfrentar
ao desagradável. Certamente tinha decidido que era melhor que cada um
enfrentasse sozinho as suas próprias penas.
A verdade é que era melhor que partisse, pensou Esme. Esperava que já
estivesse a caminho de Corfú. Não sabia sequer como poderia voltar a olhá-lo
no rosto de novo. Ela tinha pedido que a tomasse, e então… OH! Que
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desajeitada tinha sido. Seu corpo adolescente era torpe e inepto. Não
estranhava que ele tivesse tentado deter-se em repetidas ocasiões. Que tarefa
tinha sido para ele ter que aplacar sua luxúria.
Ela se tampou o rosto com as mãos. Comportou-se como uma cadela no
cio. Era repugnante.
— Ah! A manhã seguinte.
Esme afastou as mãos do rosto e ficou olhando com horrorizada
incredulidade para a porta.
Varian estava ali, de pé, com um leve sorriso em sua formosa boca e
olhando-a com atenção. Logo entrou fechando a porta tão lentamente como a
tinha aberto, cruzou o quarto e pegou sua camisola.
— Será melhor que ponha algo em cima — ele disse. — Do contrário me
sentirei tentado a investigar de novo o que há debaixo dos lençóis, e não
queria amassar as calças.
Deixou a camisola sobre a cama.
Ela se ruborizou.
Varian se dirigiu para a janela dando-lhe as costas.
A jaqueta negra que vestia ficava tão bem como se estivesse esculpida
sobre seu corpo, pois marcava seus ombros largos e sua estreita cintura, e
suas calças ressaltavam os músculos de suas longas pernas. A noite anterior
ela se deixou envolver de maneira desavergonhada por seu suarento corpo nu;
essa manhã, parecia-lhe um estranho. Esme queria desesperadamente sair a
toda pressa por aquela porta, enquanto ele estava de costas, e correr longe,
muito longe dele.
Em lugar disso se ergueu na cama e ficou com mãos torpes a camisola.
Tremiam-lhe os dedos de uma maneira tão exagerada que teve que fechar os
punhos para imobilizá-los.
— Eu… acreditei que você tinha ido — disse ela com voz afogada.
— Sim? E aonde acreditava que eu tivesse ido? — perguntou ele sem
deixar de olhar pela janela.
— A Corfú.
— Ah, sim! Sem você. — Ele voltou-se. — Seduzida e abandonada, isso é o
que pensava… além de sabe Deus o que outras coisas. A verdade é que não
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tenho vontade de saber que mais. Como já dizia antes… a manhã seguinte,
Esme. Hoje é amanhã.
O ameaçador tom da voz dele fez com que um calafrio a percorresse.
Instintivamente, ela cobriu os seios com os lençóis.
— É obvio que é amanhã. Mas não acredito que tenha que fazer soar como
se fosse o Julgamento Final.
— Foi assim que soou? Que interessante. Porque de algum jeito sim é.
Para você.
Varian se apoiou contra o marco da janela e segurou os braços com as
mãos, rodeando o torso. Seu rosto tinha a mesma expressão que uma pedra e
sua voz era fria e distante.
— Levantei-me cedo esta manhã. Entre outras coisas, porque estava me
perguntando onde andaria Percival. Encontrei abaixo, sentado nas escadas com
a Qeriba, e me inteirei de que foi ele quem nos salvou a vida.
Qeriba. Estava nessa casa. Esme ficou olhando os lençóis com desespero.
— Seus leais amigos estavam decididos a não permitir eu que tivesse
nenhum tipo de ajuda, nem sequer por parte de minha própria escolta —
seguiu contando Varian. — Parece que estavam convencidos de que eu era o
próprio Belzebu. Por sorte, Percival desobedeceu minhas ordens e fez todo o
possível para tranquilizá-los. Desgraçadamente, negaram-se a acreditar na
pessoa que traduzia. De modo que seu primo se viu obrigado a explicar nossa
situação na Albânia.
Imaginando o seu pobre primo tratando de explicar-se em uma língua que
desconhecia, enquanto estava rodeado por uma multidão de estrangeiros
hostis, Esme fez uma careta de dor.
— É um menino muito valente. Não só nos salvou, mas também a todos
meus amigos. Alí os teria castigado com crueldade se você tivesse se afogado
— admitiu ela.
— Percival não sabia que a palavra «amigo» também pode significar
«marido» - continuou Varian como se ela não houvesse dito nada. — Até
mesmo a palavra «homem» pode querer dizer «marido». Ele acreditava que
estava dizendo que eu era um bom homem, um amigo, e que você tinha
escapado por um simples mal-entendido. Mas seus amigos entenderam que
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você tinha escapado de seu marido. Por isso, depois de resgatá-la, deixaram-
nos tempo para resolver nossas diferenças à maneira, durante séculos
famosos, dos casais casados.
Esme tentou ler a expressão de seu rosto, mas não pôde fazê-lo. Elevando
o queixo lhe disse:
— Não foi nada mais que um mal-entendido. Todos compreenderão o que
passou quando o explicarmos. Além disso, não é nenhum segredo que
compartilhei um quarto com você muitas vezes. Se fica preocupado que
possam culpar o meu primo por uma coisa assim — continuou Esme com voz
fria, — então pode me deixar aqui. Nunca quis ir a Corfú, como já disse
montões de vezes.
Varian pôs uma expressão mais fria.
— Espero que não seja por isso que me ordenou que arruinasse sua vida,
Esme.
— Eu não te ordenei nada!
Mas sabia que isso era mentira. Ela tinha insistido. Ela tinha pedido. Sentiu
que todo o corpo ardia de vergonha.
— Eu disse não, não é verdade?
— Sim, mas…
— Mas você não fez conta. — Ele se aproximou da cama. — Adverti a você
repetidamente. E voltei a pedir isso ontem à noite. Só tinha que ter respondido
que não. Mas não o fez. Já sabe que tipo de homem eu sou. Uma garota tão
preparada como você deveria saber no momento em que pôs os olhos em cima
de mim. É bastante inteligente, isso é certo, para me manipular de outras
maneiras. E tem a suficiente sensatez para me fazer acreditar que foi uma
menina. Infelizmente, essa foi a única mostra sensata de auto-proteção que
deu.
Ele deixou escapar um profundo suspiro e se sentou na beira da cama.
Esme sabia perfeitamente que se comportou mal. De qualquer modo,
parecia-lhe que não era muito amável de sua parte acrescentar aquelas
sarcásticas recriminações ao que se converteu rapidamente na manhã mais
humilhante de sua vida. Mas enquanto ela o observava disfarçadamente, sua
consciência lhe deu um aviso.
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Agora que ele estava perto, deu-se conta de que não estava
absolutamente tão tranquilo como aparentava. Tinha sombras profundas sob
os olhos, e sua pele estava estranhamente pálida. Tinha o aspecto de alguém
que não pregou o olho a noite toda.
— Está zangado pelo que aconteceu ontem à noite — disse ela. Era uma
estúpida constatação, mas se deu conta disso quando já havia dito. — Eu…
sinto… Foi… Lamento que seja desagradável para você pensar nisso.
Varian ficou olhando fixamente com uma expressão ainda inescrutável.
— Desagradável?
Esme olhou para outro lado.
— Não me dava conta… OH! Não acreditei que… Possivelmente deveria ter
me dado conta de que… de que podia ser desagradável estar com uma garota
que não sabe nada disso, como eu. Ainda não entendo por que não decidiu
parar. Não me dava conta de quão aborrecida podia estar sendo para você.
Pior ainda…, depois de ter cruzado a nado a baía e estar a ponto de afogar
também a você. Mas tudo isso dá no mesmo, não é assim? — acrescentou ela
tristemente. — Tenho feito você ir daqui para lá, pelos pântanos e as
montanhas, e o obriguei a suportar toda a imundície e os insetos e…
— Esme, encontra-se bem? — perguntou ele com um estranho tom de voz.
— Estou muito melhor do que mereço — sussurrou ela. — Mas mereço
receber um tiro. Não deveria me permitir viver entre pessoas civilizadas. Eu
pertenço às montanhas, como as bestas selvagens.
Ele clareou garganta.
— Não disse que tenha chegado o dia de ajustar contas, carinho.
Entretanto, tenho em mente algo um pouco mais drástico.
Ela abriu os olhos como pratos. Não acreditava que ele tivesse que tomar
ao pé da letra.
— Mais… drástico?
— Não estranho que realmente esteja assustada, Esme. E vai estar mais
dentro de um momento. — Tomou a mão que repousava sobre os lençóis e a
apertou com força entre as suas. — Senhorita Brentmor, queira ou não, vai ter
que me dar à honra de converter-se em lady Edenmont.
Ela ficou olhando surpreendida a mão que ele sustentava entre as suas.
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— O que?
— Minha esposa — disse ele. — Matrimônio. Não pode me seduzir e
pretender logo sair impune disso.
Ela tentou soltar-se da mão dele sem consegui-lo.
— Varian, isto não é divertido.
— O toque de defuntos raramente o é.
— Diz tolices — disse ela. — Isso é uma piada sem nenhuma graça, e o diz
por que está zangado comigo. Ou me mentiu a respeito do Alí. Ou…
Esme se calou uma vez que outra possibilidade, muito mais inquietante,
cruzava-lhe pela cabeça.
— Oh, Varian! Não pode ser que faça isto porque eu era virgem. Estou
segura de que não fui a primeira…
Calou-se de repente ao ver que ele ficava rígido. Uma sombra cruzou seu
rosto.
— Eu ainda não completei os trinta — disse ele. — Ainda não me dediquei
a rondar formosas virgens. Mas não culpo você por ter pensado o contrário.
— Isso não tem importância — disse ela em seguida. — Não pode ser tão
louco para querer atar-se a uma mulher por essa causa. Disse-me que não
casaria comigo nem por mil libras, e vai fazê-lo por um pedacinho de carne?
Isso não tem sentido. Quantas moças perdem sua virgindade por acidente?
Pode acontecer montando a cavalo ou de muitas outras maneiras. Não entendo
por que nos fez a natureza com essa coisa, só nos traz problemas.
Varian meneou a cabeça.
— Deveria ter sabido. A típica lógica de Esme. Disso se trata. Não deveria
ter abandonado você esta manhã. Não deveria tê-la deixado nem um instante
para que refletisse. Sabia que tinha que ficar vigiando. Como fazem todos
outros…, mas eu não tenho muita prática em vigiar a ninguém.
— A mim não é preciso…
— Sim, sim é preciso. Venha aqui — disse ele lhe soltando a mão.
— Aonde?
— Aonde crê? Aonde pede seu amante que venha senão entre seus
braços?
— Você não é meu…
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Loretta Chase - Serie Canalhas (Scoundrels) 01 - O ENCANTO DE UM PATIFE - The Lion's Daughter
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Estava condenada, havia dito Varian a si mesmo uma hora mais tarde,
enquanto lhe dava um beijo no pescoço. Tinha estado condenada no momento
em que se conheceram. Não contente matando a seu pai, o destino tinha
enviado Varian St. George para que destruísse seu futuro.
De qualquer modo, era difícil sentir-se culpado enquanto sustentava entre
os braços aquela formosa e rebelde criatura, que lhe pedia que fizesse amor.
Mas o céu sabia que não era necessário que o pedisse. Ele tinha desejado fazer
amor no momento em que a tinha visto pela primeira vez. E quando por fim
tinha feito, tinha desejado fazê-lo de novo.
Mas não podia passar toda a vida na cama com ela. Percival e Qeriba
estavam embaixo, esperando para assegurar-se de que Esme não ia causar
mais dificuldades quanto ao matrimônio. O mais inquietante era pensar em
Ismal, que podia estar esperando-os … em qualquer parte.
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Esse último temor conduziu Varian da cama até onde estava sua roupa.
— Direi a sua avó que traga algo para você vestir — disse ele enquanto se
abotoava as calças. — Estava preparando a bagagem.
Esme se meteu sob os lençóis.
— Ah, estará muito contente de ver-me casada! Tudo isto foi coisa dela,
verdade?
— Não, tudo foi coisa minha. — Varian vestiu a camisa. — Qeriba tão
somente colaborou. Embora não tivesse encontrado o Percival e a Qeriba esta
manhã embaixo, o resultado teria sido o mesmo. Não comece outra vez a
imaginar que alguém me obrigou a me casar contigo ou que estou atuando
movido por alguma absurda ideia de nobreza.
Ele se aproximou de novo da cama e ficou olhando fixamente.
— Não sou nobre. Quis fazê-la minha praticamente desde o começo. E
desde que esqueceu de prevenir-me a respeito, agora é. É muito simples,
Esme. Não torne mais complicado.
Uns olhos verdes o olharam fixamente com ar de recriminação.
— Já vejo o que acontece. Embebedou-me fazendo o amor para que não
possa pensar e tenha que dizer: «Sim, Varian. Não, Varian. Como você queira,
Oh, grande luminária dos céus!».
Ele não pôde evitar sorrir.
— Exatamente.
— Você espera só que esteja mais acostumada a seus truques — advertiu
ela.
— E então será muito tarde, porque já estaremos casados — disse Varian
dando de ombros. E logo, evitando seu olhar, acrescentou: — E até então não
vai haver mais tropeços entre nós. Partimos para Corfú dentro de umas horas.
E uma vez ali, terá alguma acompanhante feminina.
Ela, sobressaltada, saiu de sob os lençóis.
— Acompanhante feminina? Não fala a sério?
— Tem que saber que Percival estava preparando-se para um duelo esta
manhã, para vingar sua honra. Não quererá ferir ainda mais a sensibilidade do
jovem vivendo durante mais tempo em pecado com seu prometido?
Varian foi para a porta.
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Capítulo 21
Sir Gerald ficou olhando a carta que acabava de receber, embora lorde
Edenmont a tivesse escrito quase quinze dias antes. O atraso foi coisa do
Percival, sem dúvida, como tinha sido todo o resto. As bodas se celebrariam
dentro de uns dias. Se os ventos fossem favoráveis, poderia chegar a Corfú
em um dia; mas para que?
Sir Gerald, franzindo o cenho, tirou o olhar da carta e o dirigiu para a baía
do Otranto. Que diabos estava acontecendo ali?
Jason tinha sido assassinado, graças ao céu, mas o céu parecia lhe
proporcionar outras pequenas surpresas. Aquele louco tinha deixado para trás
a uma filha bastarda, e Edenmont pretendia agora casar-se com ela.
— Maldito canalha — murmurou sir Gerald. — Possivelmente pensa que vai
poder me tirar dinheiro. Seja! Deixemos que fique com a bastarda do Jason, e
que fique também com esse problema do qual me encarregou a puta de minha
esposa. Dez anos para conceber um filho — se queixou enquanto começava a
andar daqui para lá pela terraço. Um milagre, isso disse Diana. Como se eu
não soubesse contar.
Fazia contas. Nove meses antes que nascesse Percival, sir Gerald tinha
estado viajando pelo estrangeiro. E nem por um momento acreditou que
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vida da maioria dos seres humanos era infeliz. Portanto, decidiu encerrar em
seu coração o que sentia e oferecer aos outros só sorrisos e confiança.
Dessa maneira chegou o estranho sonho até o dia das bodas, um dia que
amanheceu quente e ensolarado.
De pé sob a luz da manhã, Esme recebia os cumprimentos de seus
amigos, que admiravam seu vestido e seu penteado. A última a aproximar-se
foi Donika. Deu um passo atrás e, enquanto observava com atenção o vestido
de cor verde esmeralda, sua testa enrugada relaxou enquanto esboçava um
sorriso.
— O que vai pensar o noivo quando a vir agora? — perguntou ela. — Antes
a chamava passarinho, mas hoje te vai ter que te chamar princesa.
Esme resistiu a tentação de estirar as dobras da saia, pois já estavam
bastante lisos e, além disso, ela tinha as Palmas das mãos úmidas.
— P… passarinho?
Donika riu.
— Sim… sim. Como gagueja. Chamou-te passarinho aquele dia em
Saranda e disse que tinha voado levando seu coração. Eu pus-me a chorar ao
ver seus olhos e ouvir o tom de causar pena de sua voz. Ao final ficaram a
chorar todas as mulheres, e também mais tarde, quando souberam que se
lançou à água detrás de você. Um homem tão formoso, tão forte e tão alto, e
com tanto amor… Como poderia recusá-lo?
— Nenhuma mulher pode recusá-lo — disse Esme com voz tensa e
cortante. — Eu nem sequer tentei e agora…
— Agora farão felizes um ao outro.
— Felizes. Que Deus tenha piedade de mim. — Esme apertou o peito com
um punho, como se dessa maneira pudesse deter o violento batimento de seu
coração. — Oh, Donika! Não posso…
Donika a arrastou e a levou até a porta.
— Sim, se arrastas os pés eu tenho que empurrá-la para fora, vai parecer
a perfeita noiva modesta. Esme seja como for tem que se casar, amiga minha.
Embora Donika a levasse pela mão, o que a conduzia era o sonho no qual
vivia. Sem dar-se conta de como, viu-se de repente em meio de uma multidão
de rostos e entre o murmúrio das pessoas, de pé, diante do pastor anglicano.
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E nesse momento a névoa começou a se dissipar. Olhou a seu lado e viu seu
formoso deus que sorria meigamente. Todo ele parecia brilhar. Seu rosto
reluzia como uma estátua de mármore, e seus olhos refulgiam com raios
dourados. Até parecia que sua voz fosse um resplendor que a iluminava por
dentro, enquanto ele pronunciava as palavras da cerimônia, e um trêmulo e
doce sorriso se desenhava em seus lábios para ouvir a resposta dela.
Logo houve um movimento e o murmúrio da multidão se aproximou mais
a eles. De entre o tumulto, várias vozes desconhecidas a chamavam «senhora»
em inglês. Ela não entendia nada, e a todos respondia sem vacilar,
maquinalmente, com as corteses frases que lhe tinham ensinado.
Horas mais tarde, o sonho a levou até o porto. Viu o Petro soluçando
enquanto abraçava ao Percival, e depois fazendo consideráveis dramalhões a
Varian quando ele lhe pôs nas mãos uma bolsa com moedas. E ali estavam
também Donika, Qeriba, seus amigos… e as vozes que se despediam em sua
própria língua. Esme sentiu o braço de Varian lhe rodeando a cintura,
ajudando-a a manter o equilíbrio enquanto viam como o barco zarpava, e ela o
seguia com o olhar, vivendo tudo como algo irreal e incompreensível.
A bruma não se dissipou por completo até que olhou pela janela da casa
que Varian tinha alugado. Aquela era a surpresa que ele tinha preparado: uma
grande estrutura branca sobre a baía da Kulura, na costa nordeste de Corfú.
Pela janela se via sua pátria. O sol que começava a por-se produzia reflexos
acobreados sobre o profundo mar verde azulado do Jônico.
Ela já tinha acendido as velas. E tinha tirado o vestido de noiva para vestir
uma camisola de renda que tão amorosamente a senhora Enquith tinha feito, e
também tirou as presilhas do cabelo. Escovou o cabelo até fazê-lo brilhar com
a escova de cabo de prata do estojo de Percival, que ele havia presenteado. No
quarto havia um grande espelho de parede no qual Esme se olhou com
atenção.
Tinha visto ali refletida uma pequena e esquálida moça, completamente
sozinha.
Agora, consciente ao fim da dor que sentia, ficou a olhar pela janela.
Já não podia ver sua pátria no outro lado da estreita faixa de água. Albânia
já não estava ali. Era uma moça sem país, sem família.
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Seu tio não se apresentou às bodas, sem dúvida porque não tinha
nenhuma intenção de reconhecê-la como família, e tampouco tinha especial
interesse em voltar a ver seu próprio filho. Mas Percival teria que retornar com
ele, em algum momento, de algum jeito, e a Esme acabariam assassinando,
como tinham feito com seu pai.
Ela não era ninguém. Ninguém, só era a esposa de lorde Edenmont. Nem
sequer era uma dama. Tinha aprendido os rudimentos da vida em sociedade, e
umas quantas frases corteses que recitava igual os meninos recitam o latim no
colégio. Também poderia recitar ao Cícero, ao Catulo e a outros. E isso não ia
convertê-la em romana.
Ouviu um leve som de alguém que batia na porta e se voltou para ela com
o coração pulsando dolorosamente. Logo conseguiu fazer sair por sua garganta
as palavras com as quais ia dizer a seu marido que podia entrar.
A porta se abriu deixando ver o alto e esplendidamente bem formado lorde
que a tinha feito sua e só sua… e Esme não pôde evitar começar a chorar.
Imediatamente Varian cruzou o quarto. Sem dizer uma palavra, tomou-a
nos braços e a levou para a cama. Não a deixou sobre o colchão, mas sim a
manteve em seu regaço, enquanto Esme se abraçava a ele, soluçando
desesperadamente.
Ele a abraçou, apoiando suavemente o queixo contra sua cabeça enquanto
lhe dava tapinhas nas costas. Pouco a pouco começou a conseguir que se
acalmasse. Quando por fim terminou aquele horrível soluço, ele tirou seu lenço
e o deu a ela, ainda sem dizer uma palavra.
Sempre tinha odiado ficar a chorar. Até que tinha conhecido a ele, as
lágrimas jamais tinham afluído de seus olhos, como uma debilidade
desdenhável. Horrorizada consigo mesma, esfregou o rosto com raiva uma
vez que pensava que teria que castigar-se por isso.
— Não é nada — disse a ele olhando uma de suas lapelas. — Foi uma
estupidez. Devo parecer repugnante.
Tratou de levantar-se, mas ele a reteve.
— Não, Esme, isso não é certo, e não quero ficar louco tratando de
averiguar qual é o problema.
Os olhos cinza dele a olhavam com atenção. Aquele olhar a fez
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por exemplo. Estou seguro de que um bom golpe com isso me deixaria fora de
combate durante várias horas.
Completamente desconcertada, Esme seguiu seu olhar.
— O jarro? — Quando ela se voltou para ele, seus olhos tinham um
estranho brilho. — Com isso romperia seu crânio.
— Oh, duvido-o! Para isso me parece que precisaria de um machado. Os
lordes ingleses, já sabe, têm a cabeça muito dura.
Ela deixou escapar um longo suspiro. Sua raiva se dissipou tão rápido
como tinha surgido e agora já não podia recuperar, por muito que a
necessitasse. O aborrecimento era tão cômodo, tão familiar… O fazia sentir-se
forte. O desespero o fazia sentir-se débil.
— Oh, Varian! Não poderia fazer isso. Você sabe que não seria capaz.
— Suponho que não. Sou um espécime bastante penoso, e além de tudo o
que tem agora, infelizmente. Nenhum lugar para aonde ir, nenhum ao que
retornar. Só o estúpido e tolo Varian, que deixou-a entre estranhos durante
quase três semanas. Só por decência, o que é algo sem sentido para você,
porque não é uma hipócrita, como eu. E está zangada com razão, porque não
teve nada que objetar nem teve outra opção durante essas semanas.
Esme ficou ereta.
O olhar brilhante dele passeou lentamente da cabeça dela até seus sapatos
de seda.
— Agora eu mereço um castigo — acrescentou ele com voz suave. — Em
minha noite de bodas. Primeiro umas lágrimas para me dar um susto de
morte…
— Não assustou-se — disse ela. — Não brinque comigo. E não me acuse
de utilizar débeis truques românticos. Já sei que esses tipos de coisas jamais
poderiam comovê-lo. Quantas mulheres se puseram a chorar por tua culpa? E
me pergunto quantas mais o farão ainda.
— Chorava por minha culpa, carinho?
— Não! — Ela voltou-se para a janela, agora estava já completamente às
escuras lá fora. — Oh! Que sentido tem tudo isso? Sim, sim! Por você.
Ele a segurou pela cintura e a fez girar para que ficasse de cara com ele.
— Isso era o que suspeitava. E por isso me assustei. Também é isso parte
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de meu castigo. Deus, sabe que não posso suportar vê-la chorar. Mesmo
quando tem cara de estar a ponto de fazê-lo. — Agarrou-a pelas mãos e
carinhosamente a aproximou mais dele. — Mas você não me odeia, verdade,
carinho?
— Sim. Não.
Ele ficou olhando a mão esquerda dela durante um longo momento,
enquanto percorria com o dedo a circunferência do anel de ouro que levava no
anular. Então, levando as irresistíveis mãos dela aos lábios, beijou a suave
carne das palmas. Esme ficou a tremer, com desejo, com medo. Oferecer seu
corpo tinha sido fácil. Tinha-o feito com muito gosto e voltaria a fazê-lo de
novo, se somente se tratasse disso. Mas dar toda sua vontade, tudo o que
era…
Esme se afastou e se soltou.
Varian ergueu o rosto para olhá-la. Seus olhos ainda brilhavam daquela
maneira estranha, escura agora.
— Quer que eu diga, Esme? — perguntou ele com um tom de voz muito
baixo, excessivamente suave. Logo rodeou sua cintura com os braços. — Você
perdeu muito menos.
— Não me minta.
Mas desta vez já não tentou afastar-se dele. Não tinha nenhum direito de
rechaçá-lo. Era sua esposa. E era culpa dela que isso tivesse acontecido. Mas
tampouco podia suportar sentir-se embriagada e impotente. Estava perdida, e
em seus braços, enlouquecida por sua maneira de fazer o amor, e sabia que
nunca poderia afastar-se dele.
— Sei — disse ele. — Sabia há muito tempo. Ter-me como amante era
uma grande desonra. Mas ter-me por marido… ah, bom! Isso é muito
perigoso.
Ela afogou um soluço. Não parecia justo que ele pudesse ler seu
pensamento tão facilmente, quando para ela ele era o mais escuro dos
mistérios.
— Sei o que sou, Esme — disse ele. — Mas você mesma se ofereceu para
mim, e agora eu necessito de você. Além do que posso suportar, e além, além
da consciência. — As mãos dele apertaram sua cintura. — E deveria voltar a
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— Não posso estar perdido — havia dito Varian a ela. Mas só depois de ter
feito amor de maneira delirante, quando tinha dado e tomado prazer, como
tem que ser entre os dois. — Não a deixarei partir. Não deixarei que escape de
mim. Já sabe, eu sempre ganho, Esme. Acredite-me, vendeu a alma ao diabo,
se quiser ver assim, porque nisso posso ser muito diabólico.
— Você espera — tinha repreendido ela, teimosa como sempre. — Só
espera que me tenha acostumado.
Ele tinha rido.
— Posso assegurar que não chegará nunca a acostumar-se, milady.
E logo a tinha tomado outra vez, alegremente. Ele tinha se sentido
picaramente alegre no momento em que o pastor os tinha unido. Enquanto
Varian a desejasse, Esme estaria ali, seria dela, como era o correto e o
adequado, esse era o solene trato selado ante Deus, com o acompanhamento
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Ismal afastou com o dorso da mão a terrina de papa fazendo com que o
conteúdo salpicasse no lençol já molhado.
— Essa merda de barco não deixa de mover-se — murmurou ele. — Que
sentido tem comer algo se não posso manter no estômago? A não ser que
pretenda que morra afogado, maldito filho da puta.
Risto recolheu a terrina.
— O veneno de Alí o deixou fraco — disse. — Deveria tratar de comer algo,
se não morrerá antes que cheguemos a Veneza.
— Não penso morrer — respondeu Ismal zangado. — Não até que tenha
ajustado as contas com esse porco inglês.
— Não sabe se foi ele — disse Risto. Agarrou um trapo e começou a limpar
o lençol. — Não tem provas de que foi ele quem o traiu. E mesmo se o fez,
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— Ele não é humano — se queixou Risto. — O demônio lhe deu essa língua
que tem para que me fustigue com ela… enquanto a todos os outros oferece
um mel doce.
— Porque não confia em ninguém mais. Isso é uma triste carga para você,
meu amigo. Por tudo isso, deveria ter piedade dele. É duro acreditar-se meio
divino e meio humano… e, afinal, é mais um menino que um homem. Que bom
humor pode esperar dele quando tudo o que pretende dá errado?
— Sai-se mal porque sempre faz as coisas que não deve.
— Satanás trabalha com as duas mãos. O amo Ismal tem uma mente
muito ativa e um espírito com a vontade de conquistar o mundo inteiro. Mas
não é esse tipo de conquistador. Eu o vi, assim como você. — Mehmet ficou
olhando ao mar. — É uma pena que não tenha conseguido à garota.
— Essa puta arpía…
— Não pode mantê-lo afastado das mulheres.
— Acredita que não me dei conta disso faz muitos anos? Não são as
mulheres, é ela —espetou Risto. — Uma assassina que atua como um homem;
até sabe ler e escrever. É teimosa e tem muito mau caráter. E, além disso, é
uma puta estrangeira.
— Teme que esse prodígio de mulher possa escravizá-lo, não é assim? —
riu-se Mehmet. — Seria melhor para você que o fizesse. Tem um coração
valente como o de um guerreiro, mas também é justa e generosa. Se ela fosse
sua esposa e você a tratasse com amabilidade, ela faria com que, em troca,
ele o tratasse também amavelmente. Tem bastante cérebro, também, para
entender exatamente o que deseja dele. Se conseguir fazê-la sua amiga, ela o
ajudará.
— Não quero a ajuda de nenhuma mulher.
— O que importa a quem ele obedeça, se o resultado é conseguir o que
quer? É uma pessoa bastante inteligente, Risto. Certamente, mais preparado
que eu. Mas até o ignorante Mehmet pode dar-se conta do valor de uma
esposa que o amo adorasse.
Risto ficou olhando fixamente o seu acompanhante.
— Por que me conta tudo isso?
Mehmet dirigiu a vista ao mar.
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Capítulo 23
A casa era enorme, como uma grande fortaleza de pedra, exceto porque
nenhuma pessoa sensata teria construído uma fortaleza com janelas tão
grandes, ou com tantas. Fileira atrás de fileira de retângulos cinza se
expunham glacialmente a um dia sem sol de janeiro. A neve que caía sem
cessar tinha branqueado a plana franja de terra que rodeava a casa e tinha
vestido as escuras árvores sem folhas com um traje de bolas brancas.
Esme tinha visto neve antes, mas nunca tanto como na Inglaterra durante
esse último dia de viagem até a casa de sua avó. De qualquer modo, era
preferível a neve que o frio intenso que a tinha precedido. O campo, com suas
montanhas altas e rochosas já não pareciam tão sombrios e aborrecidos sob o
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escapar uma maldição entre dentes e logo olhou fixamente à mãe de seu pai,
que por sua vez sustentou o olhar.
— Aqui estou — soltou Esme. — Já me vê. Pode me chamar como quiser.
Não me importa absolutamente. Você não tinha vontade de me conhecer e eu
não tinha vontade de vir aqui. Mas meu marido disse que era minha obrigação.
E assim está feito. Adeus.
— Não lhe dei ainda permissão para partir, senhorita onipotente e
presunçosa. Assim mantenha a boca fechada e demonstra um pouco mais de
respeito pelos mais velhos. Maldito seja, Edenmont, não é mais que uma
menina! — disse a insofrível anciã sem deixar de olhar a Esme com o cenho
franzido. — Em que demônios estava pensando?
— Não sou uma menina! Cumprirei dezenove em…
— E fria e lamuriante e parece muito mal alimentada — seguiu dizendo sua
avó sem fazer caso da interrupção. — Vi espécimes mais prometedores em um
asilo de pobres.
Logo se afastou para trás uns passos e, com os olhos ainda cravados em
Esme, puxou violentamente do cordão da campainha.
— Tenho que reconhecer que não entendo o que têm os homens na
cabeça, embora duvide que possam ter algo nela. E você menos que ninguém,
Edenmont. Embora já vejo que demonstra o descaramento suficiente para
aparentar ter certa inteligência. Drays! Maldito seja esse preguiçoso
vagabundo, por que demora tanto?
As portas se abriram uma vez mais e o homenzinho de nariz afiado entrou
na sala.
— Milady?
— Leve a órfã até a senhora Munden e lhe diga que prepare um banho e
logo…
— Levar? — repetiu Esme com incredulidade. — Banho? Eu não sou…
— E diga ao Cook que lhe prepare uma boa comida quente e uma taça de
chá forte com muito açúcar, e um montão de bolachas e uma terrina de…
— Não estou disposta a…
— Ninguém perguntou. Vá com o Drays, agora mesmo, e tire esses
farrapos. Não sei do que outra forma poderia chamá-los.
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Esme lançou um olhar desafiante a sua obviamente senil avó e outra a seu
marido. Varian lhe sorriu, muito ligeiramente, mas ela não entendeu o que
significava aquela careta.
— Varian?
— Sua avó está sendo muito amável — disse ele.
— Está me dizendo que faça o que me pede? — perguntou-lhe Esme
perplexa.
— Acredito que seria o melhor. Parece-me que quer falar comigo em
particular.
— Naturalmente — disse a anciã em um tom de voz ameaçador.
Para Esme sempre era difícil interpretar as expressões de Varian. Colocava
uma máscara no rosto com muita facilidade, e todas as suas máscaras
pareciam realmente autênticas. Assim pensando, enquanto avançava com
pesar para a porta, a Esme pareceu ver um pouco de semelhança com um
gesto tranquilizador, não em seus frios olhos cinza, porém em sua postura.
Roçou-lhe ligeiramente a mão ao passar, e ele a agarrou e a apertou durante
um segundo.
— Tudo vai bem, querida — murmurou ele.
Embora parecesse que tudo ia mal, Esme lhe dirigiu um débil sorriso, e a
sua avó uma cortês reverencia. Continuando, elevando o queixo, abandonou a
sala seguida pelo Drays.
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— Quer que esteja a salvo no campo com sua avó, não é assim? Durante
quanto tempo? Semanas, meses, anos? Durante o resto de sua vida? Sem
relações sociais, sem pretendentes, sem possibilidade de encontrar um
casamento apropriado. Maldito seja, Edenmont, se queria deitar com ela, por
que não pensou em tudo nisso? Eu teria encontrado um casamento. Não é
todo mundo que tem que ter uma noiva que seja virgem, digam o que digam.
E embora se dediquem a comentá-lo todo o tempo, malditos hipócritas.
Varian se levantou.
— Não é necessário que me diga isso — disse ele friamente. — Ela não se
casará com ninguém enquanto eu viver. Se sua condição for que se dissolva o
matrimônio, então diga e eu e minha esposa partiremos daqui por onde
viemos.
— É você um ser vil e egoísta — disse ela ficando também em pé. — Mas
não quero que a órfã do Jason tenha que ver-se obrigada a dormir e a viver
nos becos. Ela pode ficar. E você, milorde, pode ir para o inferno.
O banho era tal e como o havia descrito Varian aquela manhã, vários
meses antes: a enorme banheira de cobre fumegante, o aroma do sabão, as
suaves toalhas. Inclusive as criadas.
Em resposta à chamada do Drays, a senhora Munden tinha chegado
voando pelo corredor como um rebocador, foi diretamente para Esme e a levou
com ela, ao tempo que dava ordens a um grupo de criados subalternos que
tinham saído correndo em todas as direções. Os corredores tinham começado
a encher-se em seguida como o rio Tamises, com seu montão de barcos indo e
vindo, transportando suas diversas cargas: baldes de carvão para o fogo,
baldes de água fervendo para a banheira, malas, toalhas e Deus sabe quantas
outras coisas.
Toda aquela agitação fazia com que Esme se sentisse enjoada, cansada e
inquieta. Tudo o que acontecia ao seu redor se fazia por e para ela, e nada
estava fora de controle. Do momento em que tinha entrado naquela casa, viu-
se apanhada por seu poder. Pelo poder de sua avó.
E aquela sensação não desapareceu na hora do jantar, embora Varian
estivesse ali, entretendo à anciã viúva com histórias de Corfú, Malte, Gibraltar
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e Cádiz; todos os lugares onde tinham feito uma rápida escala em sua errática
viagem até a Inglaterra. Tinham demorado quase dois meses para chegar. E
isso considerando que o veleiro em que viajavam estava fazendo uma carreira
com outro barco idêntico.
Os donos dos dois barcos eram ricos; ricos e ociosos antigos companheiros
de escola de Varian. Tinham estado navegando pelas ilhas gregas quando
chegou o rumor das bodas de lorde Edenmont. Alguém acreditou e o outro
não. O resultado foi uma aposta, e uma amalucada carreira até Corfú para ver
quem ganhava. Foi assim que Varian e Esme obtiveram uma passagem grátis
para a Inglaterra.
Como agora estava comentando Varian a lady Brentmor, sua má reputação
o tinha salvado. Se tivesse tido uma vida respeitável, possivelmente agora
Esme e ele ainda estariam em Corfú. A anciã parecia divertir-se. Ria
sonoramente, como se ela mesma tivesse tido algo a ver com os rumores que
acabavam de contar, a meio caminho entre repreender Varian por sua falta de
recursos e a maneira atordoada de encontrar uma esposa.
Depois do jantar, voltaram para o salão verde e dourado. Chamavam-no a
sala de estar. Ali Varian fez um relato pormenorizado de suas aventuras pela
Albânia. Então, lady Brentmor não riu tanto, nem tampouco franziu o
sobrecenho, tão somente ficou olhando fixamente ao fogo, e de vez em
quando sacudia a cabeça. Ao final, pediu que lhe trouxessem um porto e
despediu bruscamente a Esme e a Varian.
Embora a anciã viúva tivesse deixado muito claro que desaprovava a
Varian, e que via aquele matrimônio como uma tremenda catástrofe, tinha
atribuído ao casal duas habitações contíguas.
Molly, a donzela, acabava de sair do dormitório quando entrou Varian pela
porta que conectava ambas as habitações. Tomou a escova que fazia uns
minutos tinha deixado Molly sobre a penteadeira e ficou olhando um longo
momento, para logo deixá-la de novo onde estava. Pôs as mãos sobre os
ombros de Esme e ficou olhando sua imagem refletida no espelho. Então, com
umas quantas frases curtas, contou-lhe o trato que tinha feito com sua avó.
Quando acabou de falar, Esme se afastou bruscamente dele e se
aproximou da janela.
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Capítulo 24
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se recuperava da surpresa.
Dois pares de olhos, um marrom e outro azul escuro se arregalaram ao vê-
lo. Varian cruzou a sala com calma e se aproximou deles.
— Se for ficar com a boca aberta — disse ele, — ao menos poderia engolir
primeiro a comida. Como ficou tão mal educado?
O mais jovem dos dois, a quem Varian se dirigiu, levantou-se de repente.
— É você, caramba! Pelos céus, vejo-o, eu disse a você Gideon, não é
verdade? Não estava dizendo que ao final o encontraríamos?
O tipo fez gesto de aproximar-se de Varian. Mas parou um instante e ficou
quieto, inseguro, olhando-o fixamente.
Gideon também se levantou, mas com mais dignidade, deixando primeiro
os talheres tranquilamente ao lado do prato.
— Senhor, me alegro de vê-lo —disse esticando uma mão. — Bem-vindo a
casa, milorde.
Por um instante uma névoa obscureceu os olhos de Varian, mas piscou
para afastá-la e no momento estreitou a mão de seu irmão.
— Que sorte encontrá-lo, Gilly. — deu a volta e ofereceu a mão ao Damon.
— E também a você, Dervish.
Damon fez uma careta.
— Já vi que segue sendo o mesmo, verdade? — perguntou ele ao Gideon.
— Chega aqui caminhando tranquilamente e me recorda que cuide de minhas
maneiras, como se não nos tivéssemos visto a quatro horas, em lugar de em
quatro anos. Mas é verdade, não tenho maneiras. Sente-se. Parece faminto.
Não, aqui, ao lado do fogo. Nós levamos horas nos esquentando. Tinha tudo
preparado para acender a chaminé no Mount Eden, mas Gideon ainda tem o
horário do campo e precisava jantar já, e como não estávamos seguros de
poder encontrar algo ali para comer, nem tínhamos notícias suas… Embora
agora me alegro de que seja como um relógio, porque do contrário não o
teríamos encontrado… — Guardou silêncio. — Mas veio sozinho, onde está ela?
Enquanto Damon falava, Varian tinha tirado o casaco e se pôs em guarda.
Estava preparado para aquela pergunta antes que Damon a nomeasse por
«ela». Nesse momento a garçonete saiu correndo, ofegante e amaldiçoando
entre dentes. Enquanto voltava a tomar fôlego, Varian lhe pediu o jantar.
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Era uma casa velha que necessitava constantes reparos. O pai de Varian
tinha sido consciencioso em seu cuidado como em todo o resto, até que Varian
tinha começado a meter-se em problemas. E esses problemas se converteram
muito em breve em centenas de milhares em dívidas. Embora a família tivesse
muitos recursos, estes não eram ilimitados. Para resgatar o seu herdeiro, o
anterior lorde Edenmont teve que deixar que a casa se convertesse em uma
ruína. Depois de sua morte, Varian tinha abandonado a fazenda por completo.
O que agora tinha ante os olhos era o resultado dos últimos dez anos de
descuido, tudo por culpa dele.
— Há algo pelo que agradecer — disse Varian enquanto olhava para cima.
— Ao menos poderei pôr um teto sobre a cabeça de minha esposa.
— Os mordomos são um bando de egoístas — disse Gideon. — Estou
seguro de que insistirão no salário. E não parece certo, tendo em conta que
ninguém cuidou do lugar durante os últimos dez anos. A verdade é que está
realmente sujo, e terá que voltar a pintar as paredes. Entretanto não acredito
que a casa esteja em tão mal estado como parece com uma simples vista.
— Certamente, não. Só o que faz falta é dinheiro, e o pessoal necessário, e
muito mais dinheiro — disse Varian aproximando-se da chaminé. Dentro havia
partes de argamassa. — Me parece que esta chaminé está a ponto de cair.
— Terá que ter em conta as leis da gravidade.
— Melhor seria que falássemos com os arrendatários — disse Varian
olhando ainda os fragmentos da chaminé. — Para seu bem, não os visitei
ainda. Se me apedrejassem até a morte, vocês herdariam, pobres amigos, e
sei que não estariam muito longe de que acabassem empenhando.
— Oh! Gideon tinha medo de que o tivessem matado. — Damon estava de
pé junto às portas da terraço, e sua voz ressonava nas habitações vazias. —
Está tão contente de que por fim tenha assentado a cabeça que apostaria que
é capaz de reconstruir toda a fazenda para você, sem ajuda de ninguém…,
começando pelo quarto dos meninos.
Varian sentiu de novo aquela cruel opressão no peito e uma pontada de
dor.
— Me perdoe — disse.
Ficaram olhando enquanto saía, mas não disseram nada nem trataram de
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detê-lo. Varian não ouviu mais ruído senão de suas próprias pegadas enquanto
saía da biblioteca e subia pelas escadas. Não pôde ver nem os degraus nem os
corrimões, de tão cobertos que estavam de pó e teia de aranhas. Não ouviu
nada mais que o som de pequenas criaturas selvagens que fugiam apavoradas
ao som de passos humanos. Varian não sabia nada do que lhe rondava pela
cabeça, até que abriu a porta que andava procurando e ouviu como chiava
lastimosamente. Então ficou de pé na soleira, olhando para o quarto dos
meninos.
E naquele momento ele viu tudo claro. Apoiou-se contra o batente da
porta.
«Não me diga que a pobre garota já está grávida.»
— Que Deus me perdoe — suspirou ele. — Oh, Esme, o que fiz a você?
«… meninos. Se Deus for generoso…»
Fechou os olhos ante a dor que o embargava. Não fazia nem três dias que
se afastou dela e já se sentia perdido, doente de solidão, mas isso não era
tudo. Não podia culpar a ninguém por isso. Durante os últimos dez anos tinha
estado semeando e preparando esses três dias. Agora, ao menos, quando
tinha aprendido a amar, quando queria cuidar e amar a uma valente e formosa
moça, e lhe dar os filhos que amariam e que cuidariam juntos… agora, o diabo
ria dele e exigia que pagasse sua dívida. Agora lorde Edenmont entendia que o
fogo e o enxofre não eram o pior, nem sequer a morte. O inferno era o
arrependimento.
E isso chegaria amanhã.
Varian ocultou o rosto entre as mãos e ficou a chorar.
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Esme segurou a seu primo pela mão e ficou olhando a sua avó.
— Não deveria fazer uma coisa assim — disse ela. — Se as galinhas
estavam doentes, então o que deveriam mandar a Bombay é o diretor da
escola. Envenenar a uns meninos com animais doentes… Por Alah! Teriam que
ter envenenado eles mesmos.
— Acredito que não te perguntei nada, verdade? — disse lady Brentmor. —
E procura cuidar de sua linguagem, por favor.
— Por Alah só significa «meu Deus», avó — comentou Percival.
— Então, por que não diz o que significa?
— Eu disse bastante claro — falou Esme enfrentando o olhar de sua avó
com ferocidade. — Não deveria mandá-lo para longe. Deus sabe que uma
ameaça desse tipo é uma monstruosidade injusta, inclusive embora não o faça.
Mas parece que você quer assustar ainda mais ao menino, como se não tivesse
sofrido já bastante.
— Sei perfeitamente o que sofreu e o que tem feito. E vou deixar claro
agora mesmo que não quero mais problemas aqui. Não quero meninos
colocando os narizes nos assuntos dos mais velhos.
Sobre a mesa, a sua direita, havia uma pequena caixa. Ela o abriu,
agarrou um objeto que havia dentro e o colocou sobre a escrivaninha. Era uma
peça de xadrez. Uma rainha, para ser exato.
— Oh, céus! — exclamou Percival.
— Suponho que sabe o que é isso — disse a anciã a Esme.
— Tinha visto peças de xadrez antes. Não é um jogo desconhecido em
meu país — disse Esme enquanto lançava um olhar ao Percival.
— Não trate de protegê-lo. Não preciso de um adivinho para descobrir o
que aconteceu aqui. — Lady Brentmor lançou a seu neto um olhar ameaçador.
— O dia que veio com seu pai, escondeu sua mochila de pedras em seu
dormitório, o que foi uma tolice. É que não sabe que sempre revistamos todas
as suas coisas? Sempre vai deixando cadáveres em seu caminho. A última vez
foi um réptil. Na anterior, um roedor. Já faz tempo que lhe dissemos que não
pusesse suas criaturas nessa casa, mas nunca faz caso de nada.
— Sim, avó, lamento-o terrivelmente.
— Não me importa que o lamente. Já sei o que tem feito. Roubou essa
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peça de xadrez. Pensava que seu pai ofereceria uma recompensa, não é
assim? E a utilizou para empurrar lorde Edenmont a Albânia. Muito inteligente,
Percival. Agora sua prima se casou com esse canalha, e tudo por sua culpa.
— Varian não é um canalha! — gritou-lhe Esme. — E meu primo não tem
culpa de nada. Ele me trouxe para Varian e eu agradeço, e agradecerei o resto
de minha vida.
— Você ainda não viveu nem um quarto de sua vida, menina. Apostaria
que chegará um dia, não muito longínquo, em que tenha que engolir essas
palavras. E não será fácil fazê-lo. Deixou-a com pouco mais que um «fique
bem», não é assim?
— Deixou-me uma nota. Uma nota muito amável. Você não entende
absolutamente.
— Sei reconhecer um mau negócio assim que o vejo, e sei mais coisas dele
do que queria saber. — Seus olhos se entreabriram até converter-se em duas
frestas e a anciã se inclinou para frente. — Tem dívidas desde os dezoito anos,
e seu pai se viu obrigado a tirá-lo sempre de apuros com sua fortuna. Mas
quando Edenmont herdou o título, já tinha dilapidado a metade da fortuna
familiar. Em menos de cinco anos conseguiu acabar com o resto.
— Já sei que Varian é extravagante — disse Esme, que já não queria ouvir
nada mais.
— Deixou que sua fazenda caísse em pedaços — seguiu dizendo lady
Brentmor. — Converteu em indigentes os seus dois irmãos. Em poucos anos
destruiu o que havia levado várias gerações para construir. Graças a um pai de
coração mole, nunca teve que enfrentar às consequências de suas más ações,
e por isso jamais aprendeu a pensar nelas. Nunca se preocupou com ninguém
mais que com si mesmo. De modo que pode ir para o inferno. E me parece que
isso seria bastante justo; bastaria que não arrastasse consigo os seus
familiares.
Esme se inclinou para trás como se sua avó acabasse de dar uma
bofetada. Estava pensando em Varian como um amante prazenteiro e sem um
centavo. Fracassado. Terrivelmente fracassado. Amava-o, mas não estava
cega. Entretanto, nunca lhe tinha ocorrido pensar no dano que ele tinha feito a
outras pessoas. Sem intenção de fazê-lo, de acordo, mas isso só demonstrava
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quão irrefletido era. Nos olhos de sua avó podia ver a acusação: Varian não era
só um libertino e um esbanjador, mas também um homem destrutivo. Por isso
tinha deixado a Esme ali: para protegê-la a dele mesmo.
A anciã a estava olhando fixamente. Esme se endireitou em sua cadeira,
mas não disse nada. Não sabia o que podia dizer.
— Suponho que crê que fui muito dura com ele, da mesma forma que
pensa que fui muito dura com seu pai. Também Percival o pensa, não é assim,
professor Ignoramus?
— Bom…, sim… Mas bem… assim é.
— Porque não sabem de nada. Porque não são mais que dois meninos
ignorantes. — ficou olhando a Esme com o cenho franzido. — O caminho que
tomou Edenmont é o mesmo que vi tomar a seu pai. Muitos homens vão por
esse caminho, e arrastam com eles a suas famílias. Eu poderia ter solucionado
as confusões de seu pai facilmente, e até poderia agora tirar o Edenmont de
seus problemas, embora eles sejam bastante mais complicados. Mas não
penso fazer por ele o que não fiz nem por meu próprio filho. Não penso mover
um dedo, porque isso só o ajudaria a que acabasse deixando a todos na
miséria.
— Mas avó… — começou a dizer Percival.
— Ele sozinho se meteu nesses problemas, que saia sozinho deles — disse
lady Brentmor com amargura. — Se lhe importa Esme tanto como diz, e se é
que fica algo de respeito por si mesmo, ao menos ele tentará. — Quando se
voltou para Esme, seu semblante sério se relaxou um pouco. — Mas devo dizer
sincera e claramente uma coisa: eu não acredito que vá consegui-lo. De modo
que me parece que é melhor que vá se acostumando com isso.
— Quer dizer que não vai retornar — disse Esme, e logo apertou as mãos.
— Não sentiria saudades. Aqui não é bem-vindo e não pode me levar com ele.
Não sou mais que um estorvo. Não posso fazer nada por ele.
Ela ficou olhando fixamente a sua avó e continuou falando:
— Entendo suas razões, avó. Mas de qualquer maneira, ele me salvou a
vida, mais de uma vez. Não é uma pessoa malvada. Comigo tentou ser
amável, a sua maneira. Muitas vezes me advertiu contra ele. Não vou tentar
fazê-la mudar de opinião, mas sim lhe pediria que refletisse sobre essas
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coisas. Já que não posso fazer outra coisa, ao menos rezarei por ele.
Percival, que não tinha deixado de mover-se em sua cadeira enquanto as
duas mulheres falavam, lançou a sua avó um olhar inquieto.
— Mas avó, tem que lhe dar o dote.
— Não me diga o que é que tenho que fazer. Não recebo ordens de
meninos ignorantes.
Esme suspirou.
— Oh, primo! Não aborreça à avó. Parece-me que ela fará o que acredita
que é o melhor. Não haverá nada para Varian.
Esme ficou de pé.
— Mas sim que há. Mamãe deixou-lhe o jogo de xadrez como dote. E é um
objeto muito valioso. Pelo menos vale cinco mil libras. Ou pode ser o dobro, se
encontrar o comprador adequado.
— Cinco mil libras? — repetiu Esme. — Meu dote?
Sua avó ficou rígida.
— Quer dizer que não sabia?
— Sinto muito — disse Percival a Esme, — mas tinha medo de lhe dizer
isso se por acaso papai…
A anciã lançou uma maldição que chegou até o fundo da sala e logo se
recostou com cansaço em sua cadeira.
— Que o demônio me leve por ser tão tola. Fala-me com essa voz tão
séria, e não tinha nem ideia de nada. E agora estamos metidos nesta
confusão, e tudo é por minha culpa.
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prazo.
— Três anos a partir da data de sua morte. Ela nos deixou em dezembro
de 1815. E você se casou em novembro passado, conforme vejo nesses
documentos que, tudo o que está escrito está perfeitamente em ordem. — O
senhor Willoughby esboçou um ligeiro sorriso. — Quer dizer, que agora mesmo
você possui doze mil libras.
— Isso depende de como se olhe — disse Varian deixando na mesa a cópia
do testamento. — A quanto chagam minhas dívidas?
— Não poderia lhe dar uma cifra exata nesse momento. Além disso, com
os interesses, e depois da quebra do banco Portier e outros custos variáveis
pelo estilo…
— Poderia me dar uma cifra aproximada — insistiu Varian com o coração
saindo do peito.
— Ao redor das doze mil libras, milorde.
Varian sentiu parar por um segundo os batimentos do coração, como se
lhe acabasse de cair em cima um enorme peso, e ao momento começou a
pulsar de novo, lentamente como um repique de sinos em um funeral.
— Que curiosa coincidência — murmurou Varian.
— Lamento-o, senhor. De toda formas, poderia ter sido pior. Como já
expliquei, a fazenda não está em perigo.
— Estive visitando recentemente as… ruínas. Suponho que a razão pela
qual não está em perigo é que nenhum credor estaria tão louco para querer
essa fazenda.
— Pode ser que não. Mesmo assim, estou orgulhoso de ter posto os
obstáculos suficientes para desanimar até aos mais arriscados especuladores.
— Eu agradeço, senhor Willoughby. — Varian olhou pela imunda janela. —
Suponho que acredita que deveria utilizar esses ganhos para pagar minhas
dívidas.
— Sim, isso eu recomendaria.
O senhor Willoughby alinhou cuidadosamente uma pilha de documentos e
os moveu um pouco para sua esquerda.
— Isso me deixaria sem nada.
O advogado limpou a garganta.
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me disse algo de que no tribunal civil alguns processos duram gerações. Como
poderia meu tio…?
— Quando está quase sem dinheiro? Não é necessário que chegue
realmente aos tribunais. Basta que ameace fazê-lo. Ou que gaste um pouco
de dinheiro para iniciar os processos. E então, o que é que vai fazer Edenmont,
quando tem ainda menos dinheiro que ele? Eu lhe direi. Chegar a um acordo
com ele fora dos tribunais por uma pequena soma. Ou se for o suficientemente
preparado para descobrir o farol do Gerald… — Lady Brentmor sacudiu a
cabeça.
— Não — disse Esme com firmeza. — Não me fale com indiretas nem com
inclinações de cabeça. A mim diga claramente o que suspeita.
— Não viu muitas coisas entre os selvagens para imaginá-lo por ti mesma?
— Sua avó fez um gesto para os livros de contas que havia na estante junto à
mesa. — Segundo minha experiência, qualquer negócio que não fique
registrado por escrito num acordo as claras é um negócio sujo. O que significa
que nós estamos vendo isso com gente suja. Se Gerald estiver metido nisso, e
está desesperado, pode descer ainda mais baixo.
Não era necessário muita imaginação para entender a indireta. Esme
sentiu um calafrio.
— Está você falando de violência. Como contratar essa gente suja para pôr
Varian fora de… fora de circulação. Crê realmente que meu tio seria capaz de
fazer algo assim?
— Quando cheira mal, normalmente acabo encontrando algo podre no
fundo. Gerald cheira mal desde que retornou. Pior que o normal. Agora já
sabe tanto quanto eu. Pode pensar a respeito, como estive fazendo desde o
dia em que encontrei essa maldita peça de xadrez.
Esme não precisava pensar muito. Tinha visto homens malvados fazendo
coisas piores, por luxúria, por avareza, até pelas razões mais piedosas ou sem
razão aparente. Tinham matado o seu pai por sua culpa. Não podia permitir
que outro vilão atentasse contra ela ou contra seu marido.
Olhou a sua avó.
— Pode me dizer uma coisa?
— Depende do que seja.
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— Acredita que o jogo de xadrez é meu com todo direito, por ser meu
dote, e que deveria entregar a meu marido?
— Que garota! — A anciã a olhou zangada e com o cenho franzido. —
Acredita que não tenho consciência absolutamente? É obvio que é seu, ou
desse canalha de cara bonita, se o preferir. Só o que pretendo é que não tenha
ilusões com ele. Eu gostaria que fosse sensata, que me escutasse e me
dissesse: «Sim, avó, o que você crê que é melhor».
— Realmente sinto muito, avó.
O sobrecenho franzido da anciã se enrugou ainda mais.
— Não há razão para que uma jovenzinha se veja envolta nesses assuntos
imundos. Não há razão para que saiba nada dessas coisas. Você já tem
suficientes problemas, com esse depravado sem um centavo, farreando pelas
esquinas de Londres. Maldito seja esse filho que tive! Se não tivesse partido
para fazer com que o matassem nada disso teria acontecido. Se não estivesse
morto, eu mesma lhe retorceria o pescoço.
Esme se levantou e se dirigiu ao outro lado do escritório. Agachou-se e
deu um beijo na bochecha de sua avó.
Lady Brentmor abriu os olhos arregalando-os, e quando Esme voltou a
endireitar-se, pôde distinguir certo brilho neles. Lágrimas?
Mas sua avó soltou um bufado indignado e o brilho desapareceu.
— Estou perdoada, entendo — disse ela.
— Sou eu quem tem que pedir perdão — disse Esme. — Para dizer-lhe
francamente, não queria dar a Varian um dinheiro que poderia estar tentado a
gastar com mulheres. Sou muito ciumenta, e as mulheres podem me tirar do
sério muito mais que a bebida ou o jogo. Entretanto, sigo acreditando que era
minha obrigação.
— Certo — concordou a contra gosto a anciã.
— Mas também devo ter um pouco de confiança nele. Ontem lhe disse
quão bom tinha sido comigo. E valente. Pode ser que você também ache,
embora não lhe preocupe o que pudesse fazer meu tio. Mas já vejo que
também lhe preocupa os problemas que possa ter meu marido, e por isso
queria me manter afastada disso. Não estou convencida de que tenha razão
em tudo, mas também devo confiar em você.
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esticado. Como o menino não reagia, sussurrou algo. O menino saiu correndo
da habitação.
— Enfim… — Varian olhou incômodo a seu irmão. — Bom, Annie, aqui não
há muito mais que fazer que os trabalhos da granja. Eu não posso… — Se
calou quando o menino desengonçado voltou a entrar trazendo uma jarra de
barro.
Quando o moço a deu a sua mãe, deu de ombros, mas se virou para trás e
voltou para a posição em que estava antes, sem dizer uma palavra.
Annie esvaziou o conteúdo da jarra em suas mãos.
— Aqui está tudo — disse ela. — Cada um dos pagamentos dos últimos
cinco anos de aluguel. Ninguém nunca veio cobrá-lo, e não havia ninguém na
casa grande para dar. De maneira que fomos guardando.
— O aluguel? — repetiu Varian paralisado. — Cinco anos?
— Sim.
Ela aproximou o dinheiro, um pesado montão de moedas. Entretanto, a
julgar pela tristeza do rosto do maior de seus filhos, certamente o que estava
oferecendo era uma fortuna para eles.
Assim era, pensou Varian. Para eles. Tomá-lo seria uma infâmia, mas
rechaçá-lo seria um insulto, era uma mulher orgulhosa. Ela e John não teriam
economizando aquele dinheiro se não fossem. Varian pensou depressa.
Aceitou as moedas e agradeceu.
— É obvio, este dinheiro será adequadamente investido na fazenda.
— Sim, milorde.
— O que neste momento significa que terá que investir em pessoal. A terra
de lavoura está sem trabalhar. Se os homens tiverem que sair fora para
procurar trabalho, não podem cultivar. Temos que convencê-los para que
retornem, e devemos fazer com que as terras rendam para que fiquem.
Acredito que a maneira mais inteligente de investir meus lucros é essa. Não
está de acordo, Gideon?
— Muito inteligente — foi a impassível resposta de seu irmão.
— Então, está arrumado.
Varian contou as moedas com cuidado e as deu todas, exceto um xelim,
outra vez à perplexa senhora Gillis.
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seguinte para o trabalho, Varian se despediu dos Gillis e saiu com o Gideon.
Tinha começado a nevar.
Fizeram o caminho em silêncio, cada um dos irmãos refletindo a sua
maneira sobre a cena que acabavam de presenciar.
— Isso foi bom — disse Gideon ao final. — À saída do sol, encontrar-nos-
emos com uma fila de arrendatários na porta, dispostos a fazer entendimentos
conosco.
— Deixarei que você se encarregue dos entendimentos, se não se
importar. Eu não tenho cabeça para essas coisas.
— Fez tudo bastante bem hoje, apesar da precipitação do momento.
Deveria seguir suas diretrizes. Quem é tão honesto como John Gillis e sua
esposa pode ser que venha com seus aluguéis e espere que lhes ofereça o
mesmo trato. Aos outros convencerei para que trabalhem por uma
percentagem do produto ou algum outro trato comercial. Ou pode ser que por
uma redução do aluguel. Não teremos muitos benefícios ao final do ano, mas
ao menos a terra estará por fim trabalhada e, como você disse, não é bom que
não se cultive.
— Pelo céu! Seriamente fui tão sensato? Será melhor que me deite assim
que chegue em casa. Ou pensando bem, melhor não. Deus, ao menos
poderíamos ter conservado algumas camas. — Varian riu apesar de si mesmo.
— Sabe quantas vezes sonhei estar em casa, deitado sobre um leito macio?
Dormi sobre a terra, e na umidade, e em chão de madeira. Como vai rir Esme
quando eu contar…
Seu bom humor desapareceu naquele instante.
— Não, não posso dizer-lhe verdade? — ficou em silêncio. — Eu disse que
voltaria em umas quantas semanas, Gideon.
— Disse que é uma pessoa sensata. Entenderá.
— Entenderá quando eu disser que terá que esperar meses…, pode ser que
anos? Maldito seja. — Varian olhou com desalento ao seu redor. — A casa
desses camponeses que visitamos era provavelmente a melhor de todas.
Tenho que fazer algo pelos Gillis, e pelos outros. Não podem viver nesses
chiqueiros. Mas como demônios vou reparar as casas dos arrendatários quando
meu próprio teto está a ponto de cair sobre minha cabeça?
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um herdeiro.
Capítulo 26
Abril chegou com uma garoa que caiu sobre o percurso anual da
Temporada de Londres. Mas sir Gerald Brentmor não tinha nenhum interesse
nas atividades sociais não lucrativas. A meia-noite, enquanto a alta sociedade
dançava e fofocava, ele estava já metido em sua cama, sonhando com rendas
vitalícias, percentagens e notas promissórias.
Apesar de ter ouvido um ruído em sonhos, ergueu-se do travesseiro no
momento em que a cera quente se derramava por sua fronte. Não teve tempo
de gritar, senão apenas para abrir a boca antes de sentir o frio fio de uma
adaga apoiado em seu pescoço.
— Se gritar o mandarei direto ao inferno — advertiu uma voz profunda.
Aquela voz lhe soava desagradavelmente familiar. A pesar do medo que
sentiu no cérebro e no coração, sir Gerald teve a suficiente lucidez para
reconhecer o dono daquela voz: era Risto.
O candelabro que gotejava se moveu a um lado e foi colocado de novo
sobre a prateleira, ao lado da cama. Por outra pessoa. Bom Deus, havia ali dois
homens!
O acompanhante de Risto, envolto em uma capa com capuz, aproximou
uma cadeira ao lado da cama, sentou-se nela e jogou o capuz para trás. As
velas deixaram ver o rosto de um homem jovem.
— Vejo que lembra de Risto — lhe disse o estrangeiro. — Eu sou seu
senhor.
Sua voz era amável e tinha um doce sorriso de jovem inocente. Mas essas
qualidades não tranquilizaram absolutamente a sir Gerald.
— Is… Ismal — ofegou ele.
O jovem inclinou levemente a cabeça de maneira afirmativa.
— Perdoe nossa forma pouco cerimoniosa de nos apresentar. Pensei que
era melhor que não me vissem os criados. Eles gostam de fofocar, e nem você
nem eu desejamos que nossa chegada seja conhecida por certos indivíduos.
Vim pessoalmente para solucionar um pequeno problema de negócios. Depois,
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partirei, eu prometo.
Ismal tirou com calma a capa e se recostou na cadeira, extremamente a
vontade. Vestia-se com roupas inglesas, completando seu traje com um lenço
que tinha atado ao pescoço. Exceto por um leve acento estrangeiro, poderia se
passar perfeitamente por um cavalheiro inglês.
— Antes que esquente a cabeça pensando em alguma maneira de escapar
de mim, queria explicar qual é sua situação. — Colocou elegantemente um dos
braços sobre o respaldo da cadeira. — Em Veneza me encontrei com um
homem chamado Bridgeburton.
Sir Gerald notou que o sangue lhe subia ao rosto.
— Esse homem foi seu sócio nos negócios durante muitos anos, da noite,
faz uns vinte e tantos anos, em que o ajudou a enganar o seu irmão para que
perdesse uma valiosa propriedade.
Ismal tirou uma delgada carta do bolso interior de sua jaqueta.
— Foi persuadido para que escrevesse uma confissão de todos os seus
mútuos crimes. — Deixou cair a carta no regaço de sir Gerald — Isto sir
Gerald é uma cópia. O original será entregue a um membro de seu governo,
no caso de que soframos algum percalço. Se estiver pensando em me enganar
de algum jeito, só conseguirá trair a si mesmo.
A adaga se separou de seu pescoço o suficiente para que sir Gerald
pudesse recolher a carta. Não necessitou mais que dar uma olhada para dar-se
conta de que estava realmente em grave perigo. Ninguém mais que
Bridgeburton conhecia detalhe de todas as suas atividades criminais.
— Suponho que está morto — disse apertando as mandíbulas.
— Temo que seu sócio foi tão incauto que caiu no canal. — Ismal ficou
olhando suas polidas unhas. — Concorda que Risto afaste a adaga agora? Se
lhe cansa a mão poderia ter um acidente.
— Já sabe que não vou dar a voz de alarme — disse sir Gerald enquanto
lhe devolvia a carta. — Não tenho mais inclinação pelas forcas que pela afiada
adaga de seu criado.
Quando a adaga se afastou de seu pescoço, tocou o gogó com cautela.
Estava úmido. Pode ser que fosse o suor, ou sangue. Apenas lhe importava. De
fato, compreendeu que já estava morto.
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O que importava era aquele jovem sentado ao lado de sua cama. Ismal
tinha tirado uma confissão ao impassível Bridgeburton, logo o tinha matado e
tinha viajado até a Inglaterra. Isso era algo mais que persistência. Loucura,
acaso?
— O que quer de mim? — perguntou sir Gerald com um tom de voz mais
tranquilo do que realmente estava. — Meus entendimentos com você foram
justos. Não foi minha culpa…
— Admito que não me traiu deliberadamente — reconheceu
amigavelmente Ismal, — embora ao princípio o pensei. Mas logo me inteirei
que não só vieram abaixo meus sonhos, mas também seus negócios. Não
posso imaginar que se destruiu deliberadamente a si mesmo. Entretanto, você
foi muito descuidado, sir Gerald, até o ponto de que alguém averiguou qual era
cada um dos barcos e qual era cada um de seus destinos.
— Poderia ter sido traído por um de seus homens.
— Só Risto conhecia toda essa informação, ou quase toda, e não poderia
estar agora comigo se me tivesse traído. É obvio que a culpa não foi dele.
— Prometo-lhe que…
— De algum jeito foi você um incauto, e esse engano esteve a ponto de
me custar a vida. — Inclinando a cabeça, Ismal perguntou em voz baixa: — foi
você envenenado alguma vez, sir Gerald? Meu primo Alí prefere os venenos
lentos. Nem sequer pude notar o sabor do veneno. Mas desde que me
recuperei em um imundo barco de pesca, comecei a apreciar o encanto desse
método. Eu gostaria muito de ver o homem que me deixou morrendo… muito
lentamente… em meio de uma grande agonia.
Definitivamente estava louco, decidiu sir Gerald fazendo uma careta. Mas
uma vez passada a primeira impressão, suas forças e seu instinto de
autopreservação retornaram.
— Suponho que não tem nenhum sentido que trate de convencê-lo de que
não sou seu inimigo, ou de que nunca disse uma palavra de nada a ninguém,
nem falei onde alguém pudesse me escutar às escondidas. Já não importa o
que aconteceu. Você sabe que eu gostaria de ter em meu poder o original da
carta do Bridgeburton. Qual é o preço?
— A soma que paguei pelas armas que nunca cheguei a receber, mais mil
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libras como reparação pelo dinheiro que me extorquiu meu primo… por culpa
de sua sobrinha e desse porco que tem por amante. — Na melíflua voz do
Ismal havia um timbre de amargura. O outro notou, porque sorriu mais
docemente. — E outras mil libras pelos gastos dessa viagem — continuou
dizendo em um tom de voz tranquila. — Tudo a pagar em um prazo de dois
dias.
Completamente perturbado. Embora isso, por lamentável que fosse, não
tornava aquele homem menos perigoso. Apesar de que sir Gerald não gostasse
absolutamente que o chantageassem, apreciou o bom olho das injustas
demandas do Ismal. Além disso, o baronet ainda não se encontrou com o
homem que poderia lhe tirar de tudo aquilo. De modo que tratou de pensar
com rapidez.
— Não posso reunir uma soma tão grande de dinheiro em só dois dias —
disse ele. — Se souber tanto sobre mim, deverá estar à corrente de que acabo
de vender boa parte dos investimentos que ficam, por não mencionar a
metade de minhas posses.
— Então pode me pagar com o jogo de xadrez.
Sir Gerald ficou olhando fixamente.
Ismal esboçou um sorriso de recriminação.
— Ou também já vendeu … o dote de sua sobrinha?
Imediatamente a indignação deixou a sir Gerald em um estado de alarme.
— Vendê-lo? — repetiu. — E conseguir sozinho uma parte do que vale?
Seu valor depende de que esteja completo, com cada uma de suas peças
intactas, e que cada uma das gemas seja a original. Os colecionadores podem
ser excêntricos, alguns deles ao menos, e muitos passariam por cima o fato de
que falte uma peça qualquer, mas uma rainha?
O braço do Ismal se separou do respaldo da cadeira. Seu falso sorriso se
alargou e um brilho cruzou seus olhos.
Estava se divertindo? Perguntou-se sir Gerald. Que demônio lhe parecia
tão gracioso?
Ismal se inclinou para ele.
— Sir Gerald — lhe disse, — está você metido em um problema mais grave
do que lhe parece. Eu não sou o único que conhece seus sujos segredos.
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Percival escapuliu do vestíbulo pelas escadas de trás quando sua avó saiu
da sala de estar com Esme. Sabia que não deveria ter estado escutando atrás
da porta. Uma vez tinha espiado o seu pai daquela maneira, e sabia o que lhe
tinha levado aquilo. Já não se atrevia a voltar a pensar no xadrez, porque isso
o fazia lembrar-se da rainha negra, o que o tinha conduzido ao vergonhoso
segredo de seu pai, e pensar em tudo aquilo punha doente ao Percival. E agora
se sentia quase igual de doente, como tinha se sentido no momento em que
tinha visto a carta sobre a mesa do café da manhã.
Depois de abri-la, o rosto da avó ficou rígido e de cor púrpura. E tinha toda
a razão do mundo para reagir assim, como tinha descoberto Percival. Mas
aquilo não tinha nada que ver com seu pai, pensou Percival. Não se tratava
mais que de um montão de horríveis e ignorantes fofocas.
Franzindo o sobrecenho, Percival se sentou no degrau mais alto. A parte
em que se falava do aro no nariz, por exemplo. A maioria das pessoas sabia
que era um costume em algumas culturas exóticas, como em outras culturas
era normal andar nus. Mas aqueles fofoqueiros não tinham nem ideia do que
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Capítulo 27
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sozinho contra uma legião, e sua descendência era muito jovem para que
pudesse ser de muita ajuda. A julgar pela quantidade de excrementos, alguns
daqueles ratos podiam ter um tamanho duas vezes maior que os gatinhos.
Varian soltou uma grosseria ao ouvir que batiam na porta. Com a
vassoura na mão, correu escada abaixo e esteve a ponto de esmagar um dos
gatinhos listrados, que estava no final das escadas disposto a saltar sobre ele.
— Maldito seja, só tem sete vidas — disse Varian olhando para gato. —
Não as esbanje todas em uma semana.
O gato saltou para suas mãos e começou a subir pela camisa. Varian
estava tentando desfazer-se dele quando chegou à porta. Mas o gato lhe
cravava as unhas com força enquanto miava.
Varian deixou de brigar com ele, pôs a vassoura detrás da porta e abriu.
Piscou uma vez e de repente todo o mundo se desvaneceu ao seu redor. O
que estava vendo era a Esme, que por sua vez o olhava com a boca aberta.
— Esme — disse assim que pôde recuperar o fôlego, para logo avançar na
soleira e estreitá-la entre os braços. — Querida… eh, eu…!
Ele tratou de soltar da camisa aquele gato homicida, mas ela afastou a
mão.
— Você vai fazer-lhe mal — disse Esme com voz séria. — Está muito
assustado e por isso não quer soltar-se.
Murmurando algo em albanês, ela começou a acariciar o escorregadio
animal. Em seguida sucumbiu a seus encantos e se deixou segurar por ela.
Nesse momento, a realidade voltou a rodear Varian. Olhando atrás de sua
esposa, pela porta aberta, Varian viu uma carruagem e à anciã dama que
descia dela, e logo ao Percival saltando pela outra porta.
Varian passou os dedos pelo cabelo. Sentiu a sujeira que levava em seus
cabelos. Quando afastou a mão, esta estava negra. Também se deu conta de
que tinha manchado o elegante casaco de Esme com pó e fuligem.
Sentiu um calor que subia pelo pescoço até avermelhar seu rosto. Olhou
para Esme, logo mais à frente, para a anciã que se dirigia com passo firme
para eles. Era evidente que Percival tinha descoberto ao Damon trepado no
telhado, porque nesse momento pôs-se a correr para o outro lado da casa para
poder vê-lo melhor.
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— Esme, eu não…
— Mentiu-me! Já disse. Quer defender sua honra? Muito bem, vá por suas
pistolas. Eu irei procurar a minha e dispararei nesse negro coração que tem. E
com mais razão. É a mim a quem estão desonrando. E você vai me desonrar
mais ainda. Todo mundo rirá de mim… mais forte ainda do que riem agora.
Soltou algo em uma língua estrangeira e Varian tentou aproximar-se dela.
A jovem ergueu uma mão indicando que não o fizesse.
— Não se aproxime — advertiu. — Não me tente. Estrangularei você.
Varian se deteve e se apoiou no suporte da chaminé de novo. Ficou
olhando, enquanto ela seguia andando de um lado a outro, com os saltos
produzindo um contínuo tamborilar no chão nu.
Ela voltou a carga com uma fileira de palavras que só podiam ser insultos,
e logo falou outra vez em inglês.
— Mandou-me três cartas cada semana, e não me disse a verdade em
nenhuma delas. Só historias e brincadeiras, como se eu fosse uma menina a
que terá que entreter. Já pagou suas dívidas. Já não existia o perigo de que
estava falando, como se me preocupasse o perigo! Mas não me contou nada.
Deixou-me com minha avó, o que em meu país é uma grande distancia, mas
eu suportei porque estamos na Inglaterra e todos os ingleses estão loucos.
— Querida, não tenho meios para mantê-la.
— Não necessito que me mantenham! Não sou uma ovelha nem uma vaca.
Como acredita que vivia na Albânia sem dinheiro? Dormi em covas e entre os
arbustos. Sei o que é isso. — deteve-se um momento. — Não sou uma
menina, nem uma débil mulher. Deveria ter dito a verdade, que não queria que
estivesse com você. Mas sua vaidade é ainda maior que sua estupidez.
Pensava acaso que eu ia morrer de pena? — aproximou-se dele e apoiou as
mãos nos quadris. — Já!
Embora agora estivesse de costas, Damon não tinha dúvidas de qual seria
a expressão de seu rosto. Sua pequena e rígida figura vibrava desafiante.
— Não deveríamos estar aqui bisbilhotando — murmurou Gideon.
— Sim, é vulgar, mas é tão interessante…
Dirigindo um olhar de recriminação a seu irmão, Gideon clareou a garganta
pigarreando ruidosamente.
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Embora eu tema que não seja bastante bom para ter jeito de…
— Deveria ter vergonha — disse a Varian. — É um idiota integral.
— Oh! Mas esse não é o encargo de Varian…
Lançou ao Damon um olhar fulminante e ele se calou de repente. Estava
claro que não ia atrever-se a terminar aquela frase.
— Ele é o cabeça da família — disse ela muito séria. — É sua
responsabilidade. Infelizmente não tem um pingo de sensatez. Mas agora já
chegou a senhora. E eu prepararei uma comida decente.
Varian começou a dizer algo, mas recebeu um olhar mortífero dos olhos
verdes dela e decidiu manter a boca fechada.
— Vá tomar um banho — disse ela. — Está lastimável.
Logo saiu passando ao lado dos dois irmãos, com suas botas altas
sapateando uma retreta de mau agouro, e saiu pela porta.
Damon ficou olhando a seu irmão mais velho.
— Digo eu, Varian, que não iria pegá-lo de verdade, não é assim?
— Acredito que será melhor que vá tomar um banho — disse Varian
abandonando a sala.
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abraço, tão torpe como breve, ele não havia tornado a ter ocasião de tocá-la.
Rodeado todo o tempo de criados desconhecidos e de seus irmãos, e com o
Percival e lady Brentmor aparecendo nos momentos mais importunos, tinha-
lhe sido impossível. Além disso, Esme teria estado todo o tempo de um humor
terrível.
Que Deus tivesse piedade dele, até tinha sentido falta de seus ataques de
raiva!
Varian sorriu ligeiramente enquanto esticava os suaves lençóis de linho.
Hoje aquela visão trazia para a mente outros desejos. Não que aquela cena
que tinham tido não fosse algo de esperar, depois de que Esme tivesse
passado dois meses sob a tutela de sua avó. Mas nesse momento, seus dois
irmãos estariam pensando que sua mulher o dominava. Embora isso fosse
porque eles não entendiam nada. Nem Varian tinha intenção alguma de
explicar.
Sabia que Esme se sentia muito magoada e que ele era quem a tinha
ferido.
Não sabia como consertar aquilo. Ela tinha mostrado a carta da senhora
Stockwell-Hume, a razão daquela inesperada visita e sua resposta tinha
parecido totalmente insatisfatória. Varian tinha pensado que não era
necessário explicar nada até que seus amigos a vissem por eles mesmos, e
que não importava se criassem suas próprias fantasias sobre o mistério de lady
Edenmont.
Sabia que aquilo tinha sido culpa dela: sua escandalosa reputação, uma
esposa procedente de um país pequeno e desconhecido… O resultado era que
corressem absurdas histórias de boca em boca. E como agora não tinha os
meios para apresentá-la de maneira apropriada, isso queria dizer que no
momento a nobre viúva teria que encarregar-se de fazê-lo. E nesse instante
Esme tinha explodido.
Varian entendia que ela acreditava que a miserável posição dele
respingava nela como se fosse uma esposa pouco apropriada. Isso era apenas
uma diferença cultural. O que preocupava Varian era que parecia estar
convencida de que ele a considerava inapropriada. Pensava que se
envergonhava dela, ou que estava cansado dela.
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— Isso não significa que não a queira! Maldita seja, Esme…! — Varian se
levantou de repente. — Eu sinto muito, tinha prometido a mim mesmo…, mas
não serve de nada, nunca serve. Por que o põe tudo tão difícil, querida? Sei
que quer me ajudar, mas… se minha gente se inteirar de que minha mulher
está trabalhando para mim, nunca poderia olhá-los de novo no rosto. Nem
poderia viver comigo mesmo.
Ela não disse nada, só ficou olhando.
Varian olhou desconsoladamente a seu redor, enquanto sua mente
trabalhava a toda pressa para encontrar as palavras adequadas.
— Seria uma desonra para mim — disse ele ao fim. — Maior que a que já
padeço agora. Muito maior. Sei que parece uma tolice, mas assim é como
funciona meu mundo. Pergunte a qualquer um.
Esme ficou pensando durante um pesado e longo momento.
— Pergunta a qualquer um — repetiu Varian, — quando chegar a Londres.
Se um só dos membros da alta sociedade disser o contrário, pode dizer a sua
avó que a envie diretamente de volta para cá.
Ela apertou as mãos com força sobre o regaço.
— Promete-me isso?
— Sim, prometo-lhe isso.
Ela ficou olhando um momento o imundo chão.
— Eu não gosto desse país — disse ela. — As pessoas não tem senso
comum.
— Isso é o que parece.
Ela franziu o cenho.
— Tenho um professor de dança, sabe? E uma donzela pessoal. Pensa que
não sei me vestir sozinha, de maneira que tenho que fazer ver que assim é
para não ferir seus sentimentos. Às vezes ser uma dama é muito exaustivo, e
me incomoda. Pedi desculpas a seus irmãos por minha rudeza. Disse-lhes que
tenho muito mau caráter e que às vezes não posso me conter. — ruborizou-se
e o coração de Varian deu um desesperado tombo em resposta.
— Eu gosto de seu caráter — disse ele. — Eles também gostam. Foi o mais
excitante que aconteceu a todos nós em muitas semanas.
— Não quero ser excitante. Não é próprio de uma dama.
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até os colchetes de suas costas. E logo usou de novo seu tempo para que seus
dedos desfrutassem da pele cremosa dela, enquanto soltava o vestido e o
baixava até a cintura, para que logo passando mais abaixo dos quadris
acabasse caindo ao chão.
Levava uma blusa de gaze, bordada com umas faixas de renda que
formavam uma tira de dobra rosa. As rosadas pontas de seus seios estavam
já duras, tremendo contra o fino tecido da blusa. Ele começou a respirar com
dificuldade.
Com os dedos rígidos, pelo esforço que fazia para não apressar-se, Varian
tirou lentamente as presilhas do cabelo. Escorregando por seus dedos, as
tranças caíram sobre os ombros.
— Granadas e pérolas — murmurou ele, com uma voz que parecia chegar
da névoa. — Quanta falta senti de vê-la. E acariciá-la.
— Eu não senti muita falta — disse ela secamente. — Estive muito
ocupada.
Varian se deu conta de como seus seios subiam e baixavam rapidamente.
— Mentirosa.
Ela estalou a língua. Mas seus olhos diziam muito mais que a sua
acelerada respiração. Em sua verde profundidade se podia ler o desejo, um
desejo que fazia com que lhe doesse o coração.
Varian tinha vontade de tombá-la na cama e possuí-la ali mesmo, naquele
momento, e deixar que a angústia que sentia se queimasse na selvagem fúria
da paixão.
Mas em lugar disso, ficou de pé, com os olhos fixos nos dela, e tirou a
roupa. O sombrio olhar de Esme percorreu toda a longitude de seu torso,
detendo-se por um momento ali onde seu desejo era tão descaradamente
evidente.
— Como pode observar — disse ele com voz rouca, — seu marido está
preparado para cumprir seus deveres.
Da garganta dela saiu um som afogado.
Varian o silenciou com um beijo rápido e apaixonado. Logo levantou a
blusa por cima da cabeça e a tirou jogando-a de lado.
— Impaciente por cumprir seus deveres — se corrigiu ele.
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Ele deu uma suave cotovelada e Esme se inclinou para trás sobre a cama.
Ajoelhando-se entre as pernas dela, deitou-se em cima, e tomou a boca em
um beijo feroz e profundo que fez Esme esmagar-se no colchão. Logo se
afastou para dirigir-se a seus seios. Ouviu como ela segurava a respiração,
mas não teve pressa em tocá-lo. Começou a acariciá-la com as mãos e logo
com a língua. Esme simplesmente aceitava suas carícias respondendo a elas
com um ligeiro ofego.
Varian ergueu a cabeça e ficou olhando. Tinha os olhos desfocados e
sonolentos, mas neles se podia distinguir um brilho.
— Esme.
— Me diga.
— Desejo você.
— Sim. Me deseje.
Fechando os olhos, ela deixou escapar um gemido gutural.
As mãos de Varian se fecharam sobre seus seios. Ela se moveu
sinuosamente e o mais leve dos sorrisos curvou seus lábios.
— Desejo você agora — disse ele com voz rouca.
Lentamente, ele deslizou suas mãos sobre o esbelto corpo dela até as
deixar repousar na parte baixa do ventre de Esme.
— Não. Agora não.
Ele engoliu um grunhido.
— Não, antes quer me deixar louco.
— Sim.
— Em vingança.
— Não. Sim.
— Muito bem, senhora — resmungou ele.
Voltando tomar a boca dela com beijos apaixonados, começou a tocá-la e a
acariciá-la, fazendo-a arder com sua fogosidade. Ela deixava escapar suaves
gemidos e ofegos, e se retorcia sob suas carícias sem pressa. Mas ele sentia
prazer vibrando com ela, sentindo como aumentava a urgência dela, enquanto
beijava cada centímetro de sua pele sedosa.
Todas as habilidades que tinha chegado a aprender se converteram em
uma atormentada busca, para conseguir que Esme se deixasse levar de uma
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maneira totalmente selvagem, como só ela podia fazer, e tal e como ele
desejava tê-la. Então, mesmo quando Esme se preparou para acariciá-lo,
com suas fortes mãos apertando-o contra ela, Varian ainda queria mais.
Mesmo quando ela estava completamente enlouquecida, gemendo e rendida
de uma vez, ele seguia querendo mais. Então, quando ela apertou seu quente
e desejoso corpo contra o de Varian, suas palavras se transbordaram: não às
singelas palavras carinhosas de um amante experiente, a não ser duras
verdades. De remorso, pena e solidão… e algo mais. Essas últimas palavras
foram as mais dolorosas de pronunciar para ele, as palavras que lhe
queimavam a garganta.
— Quero você, Esme.
Ela colocou sua boca sobre a dele, como se quisesse tragar aquelas
palavras.
— Quero você — repetiu ele.
O som daquela frase retumbou no quarto às escuras. E o disse uma e
outra vez, e aquelas palavras ficaram penduradas no ar enquanto ele se
introduzia nela…, e a levava até o êxtase…, e logo derramava seu amor sobre
os esfarrapados lençóis.
Capítulo 28
Esme estava entre os braços de seu marido, escutando sua respiração que
pouco a pouco se relaxava. Sentiu a tensão que crescia entre eles no momento
em que seus corpos começaram a tranquilizar-se.
As palavras que ele havia dito a tinham feito sentir-se embriagada de
felicidade. Agora se dava conta de que o que tinha ouvido não tinha sido outra
coisa que a loucura da paixão. Tentava persuadir a si mesma de que a paixão
era suficiente; era um milagre que ele ainda a desejasse, aquele homem para
quem o desejo não era mais que um capricho passageiro.
Embora ela não fosse um capricho, para ele tinha que representar uma
aberração. Não era formosa nem elegante nem tinha nenhuma habilidade
como amante. Vindo de uma etnia que ele considerava de selvagens, ela tinha
introduzido na vida de Varian o que ele menos queria e mais desejava evitar:
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sentia por ela… e ela não teria nenhum filho. Não ficaria nem a lembrança de
sua paixão nem um menino concebido no amor, a quem ela pudesse querer
quando o pai se afastasse dela.
— Sinto muito — disse ela. — Só passamos uma noite juntos e já causei
angústia a você.
— É minha culpa. — Aproximou uma mão dela aos seus lábios. Sua boca
cálida se posou suavemente sobre os dedos de Esme. — Não queria que visse
esta desmoronada ruína em que vivo. Não queria fazer o amor nessa habitação
desmantelada.
— Não me importa onde façamos o amor, Varian. Não me importa onde
estejamos, enquanto esteja contigo. Embora seja por pouco tempo —
acrescentou ela precipitadamente.
— Mas sim lhe importam os filhos, e muito.
Sim, ela sentiu vontade de gritar; seus filhos.
— Ainda não tenho nem dezenove anos — se obrigou a responder, em
troca. — Há tempo. Muitos anos. Não me parece que minha única
oportunidade seja agora. — Seu coração começou a pulsar rapidamente com
ansiedade.
Ele sorriu.
— É obvio que não. É obvio que não tenho a intenção de seguir repetindo
essa experiência de contenção que me rompe os nervos durante o resto de
minha vida. Tem um grande talento para converter as boas intenções em nada.
Agir de maneira responsável esteve a ponto de me matar.
— Não foi… a maneira mais agradável de… acabar — disse ela sentindo
que lhe ardia o rosto.
Tocou-lhe o rosto ruborizado.
— Existem outros métodos, mas são igualmente desagradáveis, eu temo.
É preciso que incomode a minha delicada flor com os espantosos detalhes?
Ela já se sentia profundamente abalada, porque os métodos contraceptivos
pareciam um ato muito pouco natural. De qualquer modo, era consciente de
que ele estava tratando de distraí-la, de ser amável.
— Como de espantosos? — perguntou.
Ele riu entre dentes, e quando começou a descrever os preservativos feitos
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tocado sua endurecida alma de guerreira, e a tinha feito arder com sonhos e
delícias.
Ela queria tudo o que ele significava e queria ser sua por inteiro. Quando
ele estava dentro dela, durante aqueles longos momentos de união, Esme
podia chegar a acreditar que assim era, eternamente assim. Mas sabia que não
tinha direito a desejá-lo para sempre. Mas pelo menos tinha esses momentos.
— Me faça o amor, Varian — sussurrou ela. — Me faça o amor dessa
formosa maneira que você sabe.
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comiam, Varian começou a contar o que estava fazendo naqueles dias. Embora
os detalhes dos acertos da desmantelada fazenda eram aborrecidos, se não
mortificantes, deu-se conta de que se sentia muito melhor depois de contar-
lhe. Tratando de proteger a Esme da verdade, durante aqueles últimos meses,
só o que tinha conseguido era que ela se sentisse rechaçada.
Olhando o rosto dela enquanto falavam, Varian se deu conta de como ia
desaparecendo sua infelicidade, e ele mesmo começou a se sentir melhor. Mais
tarde, quando subiam juntos as escadas para o quarto, agradeceu com sua
maneira tão pessoal.
— Agradeço que me tenha contado todas essas coisas — disse enquanto
entravam no quarto. — Eu gosto de suas cartas com suas histórias divertidas e
seus inteligentes disparates, mas também quero saber quais são seus
problemas. — Olhou-o aos olhos. — Nunca antes tinha tido uma esposa e por
isso está confundido, mas eu vou explicar isso. Uma esposa não é uma
concubina, só para divertir e para o prazer. Com uma esposa pode discutir e
queixar-se, e aliviar seu coração assim como seu corpo.
Ele fechou a porta.
— Muito bem. Qualquer outra carta que eu envie a partir de agora não vai
conter nada mais que minhas queixas. Mas você tem que fazer o mesmo.
Porque não conta nada em suas cartas, sabe? — repreendeu-a ele.
— Porque não há quem possa decifrar minha letra. Jason dizia que ele
podia escrever com os pés com melhor letra que eu.
— Não tenho problemas para decifrá-la. E se quer saber minha feia
verdade você tem que fazer o mesmo. Espero que me envie longas e
detalhadas cartas de Londres. Assim terá que afastar-se de quem paquere
você, ao menos o tempo necessário para poder alardear deles.
Franzindo o sobrecenho, ela se virou sobre a cama.
— Não sei se poderia paquerar absolutamente. Ninguém disse-me como
fazê-lo. Ensinaram-me a dançar e a comer com vinte colheres diferentes, e o
que dizer isso ou aquilo. Mas ninguém me ensinou a paquerar.
— Nem sequer o sabichão do Percival? — virou-se a seu lado na cama e
arrumou os travesseiros para que Esme pudesse recostar-se comodamente. —
Então foi uma boa ideia que viesse primeiro a Mount Eden, querida. Essa noite
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aprenderá de um professor.
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Aquilo possivelmente acabaria com a vida de sua mãe. Isso seria de muito
pouco consolo, já que não ia poder colocar as mãos em seu dinheiro. A família
ficaria desonrada, até mesmo Edenmont, já que tinha se casado com um
membro da família. Sir Gerald meneou a cabeça. Esse era outro pobre consolo.
Edenmont tinha estado fazendo um bom papel de santarrão, obviamente
para ganhar o favor da nobre viúva. Depois de negar um pequeno crédito a
seu próprio filho, a anciã tinha começado a dilapidar a fortuna na pequena
puta bárbara e sem educação que tinha por neta. Oh, sim! Jason estaria se
divertindo muito em sua tumba. Todos os esforços que tinha feito Gerald para
separar da família à ovelha negra não tinham servido para nada. Os
descendentes de Jason: Percival e aquela pequena vagabunda, junto com o
dissoluto barão ficariam com todo o dinheiro da nobre viúva.
— Ria quanto quiser, sujo bastardo — grunhiu sir Gerald. — Sempre teve
tudo: boa presença, inteligência, encanto. E todas as mulheres, todas. Tinha
montões de mulheres a seus pés, mas também queria ter a ela. Mesmo
quando já era minha, teve-a e ela deu a luz a seu filho bastardo.
Por mais baixo que tivesse falado, aquelas palavras pareceram ressonar
como um eco pela habitação em silêncio. Estava falando sozinho. Pior ainda,
estava falando com um morto.
Com mãos trêmulas, sir Gerald deixou a rainha em seu lugar. Mas ainda
não estava acabado, disse a si mesmo. Tinha sido um bom competidor de seu
irmão quando ele tinha a idade do Ismal. E agora Jason estava ardendo no
inferno, onde só o diabo ri.
Tinha que acalmar-se e concentrar-se nas prioridades. E a maior nesse
momento era sair daquela derrota com vida.
Sentou-se olhando o jogo de xadrez, com a cabeça trabalhando a toda
velocidade, até as quatro em ponto, hora em que o mordomo anunciou que a
carruagem de lady Brentmor acabava de chegar.
Às cinco em ponto, o baronet se encerrou com sua mãe em seu escritório.
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todos os criados que estão dentro, estão muito ocupados — disse ela tirando
os sapatos.
— Não poderá ficar de pé no batente. Eu já o tentei antes. Não conseguirá
manter o equilíbrio. É muito estreito.
— Conseguirei se subir em seus ombros.
— Não poderá ouvir muito mais do que ouviríamos de dentro, estão com
as janelas fechadas.
— Não totalmente.
Dando uns passos para trás, Percival olhou para cima. Apesar das cortinas
estavam fechadas, a janela estava ligeiramente entreaberta. Fazendo uma
careta, voltou de novo ao lado de Esme, entrelaçou as mãos e se inclinou a seu
lado para ajudá-la a subir.
— Não vai nos descobrir — prometeu ela enquanto apoiava um pé nas
mãos de seu primo. — Tem que confiar em mim.
Ismal não precisava ver através das paredes. Somente tinha que olhar
através de uma pequena fresta da porta do pátio.
Sorrindo, voltou-se para Risto.
— Está espiando o seu tio com a ajuda de seu primo. Esta garota é muito
divertida.
Risto franziu o cenho.
— Não vai ser nada divertido se chamar a atenção através da janela. E se
guardou em uma caixa de segurança a peça de xadrez?
— Então sir Gerald poderá ver isso quando todos estiverem dormindo — foi
a resposta de seu amo.
— Não gosto nada disso. A velha trouxe muitos criados com ela.
— E todos vão comer e beber assim como seus amos. Os mais gulosos
ficarão adormecidos em seguida. E outros terão a cabeça muito embotada para
pensar. Enquanto isso, atuaremos nós, tão silencioso e rapidamente como a
morte.
— Tinha que ter pensado melhor antes — disse a anciã com frieza. — Teve
montões de ocasiões para ser amável com a garota. Mas a deixou abandonada
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em uma ilha perdida e veio para casa com a intenção de envenenar minha
mente contra ela. Não é que isso me surpreenda. Sempre sentiu
ressentimentos por tudo o que tinha a ver com o Jason. Sempre teve ciúmes
dele.
Ela tinha sentado na poltrona grande que havia atrás da escrivaninha. Sir
Gerald estava de pé, ao lado da mesa de xadrez. Acabava de erguer a taça de
vinho para levar à boca. E nesse momento se deteve.
— Sim, ciumento. Mas eu não fui o único que convenceu o papai de que
tinha que deserdá-lo. Nem fui o único que convenceu a Diana para que
rompesse seu compromisso com ele.
— Eu o fiz pelo bem dela, e o resto foi pelo bem da família. Teria nos
levado a ruína.
— Fez para castigá-lo, porque seu precioso menino não queria fazer o que
tinha planejado para ele. Havia me dito que voltou arrastando-se até você,
pedindo perdão, prometendo que ia ser um bom menino. Mas não o fez e
agora está morto. E você não aprendeu nada.
— Aprendi que voltar ao passado não conduz a nada. — Olhando-o com
desagrado, tomou um gole de vinho. — E isso não vai fazê-lo ganhar meu
favor, Gerald.
Ele deixou lentamente sua taça sobre a mesa.
— Nunca ganhei nem um só favor seu em toda minha vida, apesar de que
sempre fiz o que você queria. Me dedicar aos negócios enquanto você
preparava uma carreira parlamentar para o Jason e buscava por esposa à filha
de um conde, e ficar com ela quando ele partiu. Ficar com Diana e ter que me
casar com ela ao final, porque não se preocupou por me buscar algo melhor. E
sempre mantive a boca fechada a respeito de suas infidelidades, até da mais
intolerável de todas.
— Ela nunca foi infiel — falou a anciã. — Você a fez desgraçada, mas ela
aguentava tudo, apesar de dizer-lhe que não era necessário que o fizesse.
— Sim que o aguentava, sim, mamãe. E me fez manter o filho bastardo de
meu irmão…
— Nunca acreditei nisso. — Lady Brentmor meneou a cabeça. — Faz muito
tempo que aprendi a não acreditar em nada do que me conte. Sempre está
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acusando a outros de seus problemas. Agora joga a culpa de tudo em algo que
aconteceu faz vinte e cinco anos?
Seu filho se aproximou e se inclinou sobre a escrivaninha.
— É você que está removendo o passado. Empenhada em manter a filha
de Jason com você quando seu lugar é estar ao lado de seu marido.
— Ele não pode mantê-la. Está quase totalmente arruinado.
— E você se encarregará de que continue estando, não é verdade? Não
quero nem saber como vai conseguir. Não me diga que Percival não disse nada
a eles da peça de xadrez. Ele sabia do testamento de Diana antes que eu me
inteirasse, não me cabe nenhuma dúvida. Havia poucos segredos que não
contasse ao menino. Pode ser que só um — acrescentou ele com amargura.
— Edenmont não sabe nada do jogo de xadrez, e isso vai seguir sendo
assim. — Nos olhos dela brilhou uma advertência. — Não tem sentido lhe
contar nada, já que isso não ia fazer nenhum bem a ele.
— É obvio que não — replicou sir Gerald. — Não mas bem do que me faz,
com uma peça perdida.
Ele se deixou cair em uma cadeira ao lado da mesa de xadrez.
— Também poderia deixar que ele a tivesse. Ao menos desse modo eu não
seria responsável pela maldita peça.
— Você não vai fazer nada a respeito. Esse assunto eu o dirigirei da minha
maneira.
Ele olhou para outro lado, para que ela não pudesse ver o triunfo em seu
rosto. Já tinha dito tudo o que ele queria saber. Estava tão decidida que a filha
de Jason ficasse com ela que não entregaria a Esme o dote que Edenmont
necessitava tão desesperadamente. Mas por que ia se preocupar com isso a
velha bruxa, quando o jogo tinha muito menos valor com uma peça faltando?
Preocupava-lhe, respondeu-se ele, porque ela sabia que a rainha negra não
tinha desaparecido. Tinha-a ela, ou ao menos sabia onde estava. E essa era a
razão pela qual ainda não tinha pedido o jogo de xadrez. E essa era a única
razão pela qual não ia deixar que ela o desse agora a Esme. Egoísta e
desumana velha bruxa.
— Sei quais são suas intenções — disse ele. — Manter-nos a todos bem
amarrados, como se fôssemos bonecos, nas correias de sua bolsa. Mas não a
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mim, já não, querida mamãe. Estou arruinado, já não tenho nada que perder.
Ela entreabriu os olhos.
— Espero que não esteja me ameaçando.
Sir Gerald agarrou a rainha negra substituta.
— Acredito que minha sobrinha deveria saber a verdade.
— Quer dizer sua retorcida versão da mesma. Não acreditará em você.
— Pode ser que não — disse ele sorrindo à peça de xadrez. — Mas isso não
importa absolutamente. Como já disse, não tenho nada a perder.
Lady Brentmor deixou sua taça na escrivaninha e entrelaçou as mãos
apoiando-as sobre ela.
— Já supunha que estava tramando algo. Quanto quer?
Embora tivesse estado falando em voz baixa, Esme tinha ouvido tudo o
que precisava saber: quem não queria dar seu dote era sua avó, e todas
aquelas advertências a respeito de sir Gerald não eram nada mais que
mentiras. A razão era óbvia. Esme se casou com um homem que não contava
com a aprovação de lady Brentmor. Dado que a obstinada anciã não podia
dissolver o matrimônio, estava tentando uma segunda opção. Pensava que
possivelmente Edenmont poderia conduzir-se a uma morte prematura ou
chegar a um dos inesperados finais dos quais estavam acostumados a se
orgulhar os homens que viviam ao limite. A nobre viúva se divertiu vendo os
esforços que estava fazendo Varian para reconstruir os restos de sua herança.
Por sorte, Percival não tinha ouvido nada. E pareceu dar-se por satisfeito
com o breve resumo que Esme lhe fez, de uma vez que aparentava estar
zangada.
— Ele só quer dinheiro — disse ela. — E ao final a avó esteve de acordo
em lhe dar um pouco.
— Como deveria ter feito desde o começo.
Esfregando as costas, Percival caminhou cambaleante para o estreito
terraço que dava ao salão da casa e se desabou sobre um banco.
Esme se sentou ao seu lado e começou a lhe dar uma massagem nos
ombros doloridos.
— Pergunto-me por que não tentou suborná-lo. Havia me dito que estava
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desesperado por conseguir dinheiro. Mas imagino que o suborno vai contra
seus princípios.
Percival franziu o sobrecenho.
— Eu não estaria tão seguro…, nunca se pode estar seguro do que pensa a
avó… ou papai. — Seu olhar preocupado se cruzou com o de Esme. — Nenhum
dos dois falou do jogo de xadrez? Estava aí, bem diante de seus narizes. Vi-o
quando o criado entrou com o vinho.
— Pode ser que tivessem falado disso antes que eu aparecesse à janela —
respondeu Esme com calma.
Esme tinha vontade de partir dali para pensar. Por outra parte, supunha
que Percival sabia mais dos segredos dos mais velhos do que deixava ver.
Desde que tinham chegado a Londres o via muito inquieto.
— Não tem importância — disse ele. — A avó não devolverá nunca a
rainha negra. Se o tivesse feito, papai já teria vendido o jogo de xadrez.
— E o que seja legalmente meu não o deteria.
— Não, quando significa tanto dinheiro. Levaria o dinheiro e diria que o
tinham roubado ou algo pelo estilo e… — Ruborizado, Percival acrescentou com
pressa: — Mas ele não tem a rainha, de modo que o jogo está completamente
a salvo, e espero que a avó não diga que a tem até que não esteja segura de
que ele não pode se apoderar do jogo.
As mãos de Esme se detiveram.
— Sim, suponho que a terá escondido em um lugar muito seguro. Em
algum lugar na casa de campo.
— Oh, sim, sim, é obvio! Está a muitas milhas daqui. Bem a salvo das
mãos de papai — foi a precipitada resposta dele.
Muito precipitada. O pobre menino sabia que não estava a milhas dali. E
agora também ela sabia. Esme ficou de pé com uma expressão no rosto que
não revelava nada mais que afeto por seu primo.
— Então não temos que nos preocupar com nada — disse ela.
Percival ficou olhando seus sapatos.
— É obvio que não. Não temos que nos preocupar com nada
absolutamente.
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Capítulo 29
— O cozinheiro vai ficar triste —disse sir Gerald a sua sobrinha. — Não
comeu mais que uma colherada de seu famoso doce de leite. Ou acaso parecia
ter muito licor? Também me parecia isso, mas eu nunca fui muito guloso.
No instante em que Esme tinha entrado em sua casa de Londres, sir
Gerald tinha estado asquerosamente amável, e muito mais depois de ter se
reunido com sua mãe. Certamente lhe pagou generosamente, pensou Esme.
A jovem esboçou um sorriso de desculpa.
— Eu gosto muito de doce de leite, tio, e espero que diga a seu cozinheiro
que é o melhor que já provei. Todos os pratos foram deliciosos. Mas tenho
uma dor de cabeça que me tirou o apetite. Amanhã estarei bem e poderei
contentar ao cozinheiro.
Percival olhou ofegante a sobremesa dela.
— Não fique olhando como um cachorrinho faminto — disse sua avó. —
Pode comer também sua sobremesa. Já acabou com cada um de seus pratos.
Certamente, Percival tinha comido tanto como se fossem enforcar-lo na
manhã seguinte. Pelo menos tinha devorado duas enormes porções de cada
prato, e ainda deu conta de tudo o que Esme deixou. Ela sentia que seu apetite
aumentava na proporção de sua ansiedade. Sua consciência estava lhe
causando problemas. Como tinha que ser.
Sir Gerald dirigiu um paternal olhar de aprovação a seu filho.
— Depois de tudo, o menino está em idade de crescer.
O menino em idade de crescer piscou ao ver a afetação paternal e no
momento se apoderou da sobremesa de Esme e um segundo depois deu boa
conta dele.
O olhar amável de sir Gerald voltou a posar-se em Esme.
— Lamento que não esteja bem. As dores de cabeça podem ser terríveis.
Eu também as padeço às vezes. Quer que eu dê um pouco de láudano?
Esme aceitou sua oferta e após um momento se desculpou e se levantou
da mesa.
Enquanto os outros se reuniam no salão para tomar o chá, ela subiu e fez
uma rápida inspeção no dormitório de sua avó. Tendo refletido já a respeito da
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Navis oneraria
Regina media nox
Novus November Preveza
Teli incendere M
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escritório.
— O sinal de que havia problemas, embora não devesse ter. Todas as
demais salas estão às escuras.
— Pode ser que seja uma armadilha — respondeu Risto.
— Teria que estar completamente louco para tratar de me trair agora.
Fique aqui e vigia. Vou falar com o Mehmet.
Ismal saiu pela porta do jardim à rua. Após um momento se encontrou
com Mehmet em seu posto de vigilância, ao lado da entrada de serviço.
— Ai, senhor! Respondeu as minhas preces — sussurrou Mehmet. — Me
disse que ficasse aqui, mas…
— O que aconteceu?
Mehmet fez um gesto para cima.
— A janela estava às escuras. Mas antes, durante um instante, vi uma luz.
E logo a sala voltou a ficar às escuras.
— Não havia luz em nenhuma outra sala?
— Não. Os criados só esperaram que se retirasse a família para irem
dormir. Dei uma olhada para dentro justo depois de ver luz no quarto dela.
Alguns dos criados não puderam nem chegar à cama. Há dois dormindo no
chão do salão, e outro que ficou dormindo com a cabeça apoiada na mesa. E
até há outro que ficou feito um novelo, como um menino, sobre o tapete que
há nos pés de sua cama.
— Mas acontece algo estranho. — Ismal ficou olhando a janela do
dormitório de Esme. — A vi escutando na janela do escritório faz um momento.
Posso imaginar o que estava escutando.
Mehmet se encolheu de ombros.
— Os criados estarão inconscientes durante várias horas mais. Não entrou
ninguém na casa. O que nos deixa só com um homem assustado, uma mulher
anciã e um menino, e a pequena guerreira. Mesmo se os quatro nos atacassem
de uma vez, a batalha ia ser divertida, isso é tudo. — ficou olhando ao Ismal.
— Possivelmente gostaria de brigar com ela.
— Cala. Segue vigiando sua janela… — Ismal olhou para outro lado. — É
melhor que me mantenha afastado dela. Faz me sentir como um estúpido.
— Podemos sequestrá-la facilmente e partir da Inglaterra antes que os
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outros despertem.
— Não. Não vou arriscar tudo por uma mulher. Nem um segundo de meu
tempo. Ela…
Ismal se calou de repente e fez um gesto a Mehmet com a mão, para que
se inclinasse para trás enquanto ele mesmo se esmagava contra a parede da
casa.
Após de um momento ouviram o som do trinco da porta. Esta se abriu, e
uma pequena figura saiu à escuridão. Esme, maldita seja… com uma bolsa de
pele pendurada no ombro. Só sua roupa… ou acaso também o jogo de xadrez?
Não havia mais que uma maneira de averiguá-lo. Esperou até que fechou a
porta por fora. Então, empunhando sua pistola, Ismal avançou para ela.
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Varian o tinha feito em mais de uma ocasião. Se sua esposa fosse infiel, aquilo
seria um castigo muito apropriado.
Mas se dava conta de que não era o medo de que ela pudesse traí-lo, nem
tampouco o ciúmes, o que o tinha conduzido até Londres na metade da noite.
Era a solidão e a fria desolação de procurá-la pela casa e dar-se conta de que
se foi, e a sensação de que, de algum jeito, poderia chegar a perdê-la para
sempre.
Enquanto subia os degraus da porta de entrada, disse a si mesmo que sua
imaginação estava lhe pregando uma peça. Pôs-se a trabalhar como um
condenado para reparar sua casa, porque era abominavelmente egoísta. Não
queria que Esme estivesse em nenhum lugar, a não ser somente com ele.
Agora ia despertar as pessoas da casa e não tinha nenhuma desculpa para
aparecer na frente deles como um louco.
Amaldiçoando a si mesmo, golpeou o trinco contra a madeira da porta,
esperou durante o que pareceu uma eternidade, e voltou a chamar. Depois de
ter repetido aquele gesto várias vezes, seu desgosto começou a transformar-se
em inquietação. A essa altura alguém teria que ter ouvido chamar.
Em sua casa de campo havia sempre uma cadeira na porta, em que se
alternavam os criados inferiores para passar a noite ali, de modo que a família
pudesse ser avisada imediatamente se algum vizinho tivesse algum tipo de
emergência ou estivesse em perigo. Um jovem lacaio de cara sonolenta que
tiritava tinha estado ali, para abrir a porta para Varian, na manhã que se foi.
Teria que ter alguém naquela porta, ou ao menos dentro, mas perto da
mesma para poder ouvir se chamavam. E se tivesse havido algum distúrbio
por ali perto? Ou se tivesse incendiado a casa? Londres era muito mais
perigoso que o campo, e os criados ali deveriam dobrar a vigilância.
Varian desceu a toda pressa as escadas e se meteu no beco que separava
a casa dos Brentmor da de seus vizinhos. Pela parte traseira estava o que
devia ser a entrada de mercadorias.
Varian bateu na porta. Não houve resposta. Tentou abri-la. A porta se
abriu e Varian sentiu um calafrio que percorreu suas costas.
Sir Gerald estava de pé junto a sua janela, olhando com o cenho franzido
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Capítulo 30
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uma falsificação, levarei você, com a ajuda dos criados, ao magistrado mais
próximo para que preste depoimento. — Varian juntou as mãos. — Ou pode
me dizer a verdade, e se for possível em poucas palavras.
Sir Gerald ficou olhando a carta um bom momento, e logo ergueu a vista
para Varian.
— Chantagem — disse ele. — E você não é muito melhor que esse
asqueroso estrangeiro.
Varian não disse nada.
— Ismal descobriu coisas sobre mim — disse o baronet em tom azedo, — e
me pediu dinheiro. Mas eu não tinha o suficiente, de modo que disse que se
conformaria com o jogo de xadrez. Percival ou Esme tinham a rainha negra. Só
o que tenho feito esta noite foi me assegurar de que Ismal poderia conseguir o
jogo completo de maneira fácil e segura. Não tenho nada a ver com o
desaparecimento da garota. Embora teria, se me tivesse pedido — disse
olhando isso de maneira desafiante a Varian. — Mas não me pediu. Pode ser
que esteja com ela. Parece que encontraram a rainha bastante facilmente, sem
necessidade de minha ajuda.
— Não me importa como a encontraram — disse Varian, — só o que quero
é…
— E esse menino os ajudou. Esteve conspirando contra mim todo o tempo
— grunhiu sir Gerald. — Me espiando e interferindo em meus assuntos. E
manipulando também a você, não é assim? E nem ele nem sua leal esposa
disseram nunca que eles tinham a peça de xadrez.
Percival, que tinha estado sentado à mesa do estudo olhando a seu pai em
um silêncio compungido, começou a falar.
— É obvio, não o podia dizer a ele, papai. Porque sendo assim teria
descoberto o que você tem feito.
— De modo que estava protegendo minha honra, não? Como se alguma
vez em sua vida tivesse demonstrado ter um mínimo de lealdade.
— Sir Gerald — começou a dizer Varian.
— Não é que eu espere lealdade de ninguém — seguiu dizendo o baronet.
— Meu irmão não demonstrou ter muita quando se deitou com a puta
mentirosa de sua mãe.
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— Sem dúvida essa teria sido uma solução muito inteligente, mas eu odeio
a violência. Já me incomodou bastante ter que golpeá-la com minha pistola,
mas não podia fazer outra coisa. — Seus olhos se posaram no rosto dela. —
Ainda dói muito a cabeça?
— Só quando tento pensar.
— Se estiver tentada a pensar coisas desagradáveis, aconselho-a que não
o faça. Só lhe ocorrerão diferentes planos para me fazer dano e a
consequência disso é que acabará muito dolorida. Muito.
Como sempre, ele falava com uma voz amável. Era incapaz de demonstrar
uma emoção honestamente. Possivelmente tivesse ordenado o assassinato de
seu pai em um tom de voz melodiosa.
Esme se deu conta de que estava cravando as unhas nas palmas das
mãos. Esticou-se sem mudar sua habitual postura com as pernas cruzadas, e
deixou que suas mãos descansassem descuidadamente sobre os joelhos.
Ismal observava atentamente cada um de seus movimentos, sem dúvida,
estava alerta ante um possível ataque repentino. Quando se deu conta de que
só estava se colocando mais cômoda, seguiu falando.
— Já disse a você por que vim, de modo que vê que não planejei pegá-la.
Ou dito de outra forma, tinha me prometido mesmo não ter nada a ver com
você
— Então, deveria ter me deixado inconsciente no jardim — disse ela. — Já
tinha pegado o jogo de xadrez. E assegurou-se de que ninguém ia persegui-lo.
Eu nem sequer teria sabido quem me atacou.
— Era uma decisão difícil. Pode ser que tenha me equivocado. Mas já que
caiu em minhas mãos, e não de uma maneira pretendida, pensei que esse
acaso era a vontade de Alá.
— Ou de Satanás.
Ismal ficou pensativo.
— Pode ser. A verdade é que não estou seguro de qual dos dois me
governa.
— Eu sim.
Ele dirigiu um estranho sorriso. Se fosse de outro homem, Esme teria
definido como «sorriso tímido», mas o acanhamento era algo que Ismal
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simplesmente desconhecia.
— Acredita que sou completamente diabólico? — perguntou ele. — Um
instrumento do Diabo?
— Tentou destruir seu país, destruiu a meu pai, não só roubou meu dote,
mas também me sequestrou, com o que tem feito cair a vergonha sobre minha
família. — Esme se deu conta de que estava elevando a voz. Acalmando-se um
pouco, acrescentou: — No momento, não me parece que possua nenhuma
virtude.
Ficou um momento refletindo.
— O que diz é verdade, de certo modo — respondeu ele. — Exceto no que
se refere a seu pai, porque eu não tive nada que ver com sua morte. Apesar
de meus muitos defeitos, não sou um assassino a sangue frio. Além disso,
matá-lo foi algo estúpido e excessivamente perigoso. — Ismal se encolheu de
ombros. — Mas sei que não quer me acreditar, porque está exaltada e precisa
culpar a alguém. Embora no que diz respeito a meus outros «crimes» não
posso contradizê-la. Só posso explicar como eu vejo. Dentro de muito pouco o
farei, mas não agora. Está muito histérica para prestar atenção no que tenho
que contar.
— Não estou histérica! Nenhum homem estaria tão tranquilo como eu
nessas circunstâncias. E, além disso, eu não gosto absolutamente que me trate
como se fosse uma menina… E não sou uma pessoa exaltada!
Ele fez um elegante gesto como negando importância aquelas palavras.
— Não, na realidade é… uma pequena selvagem, teimosa e sanguinária. É
realmente estranho que deseje um tipo de mulher como você — disse ele
pensativamente. — Mas assim é. Mas não começou desse modo. Ao princípio
só o que queria era uma refém para manter o Jason com as mãos atadas. Uma
vez que ele estava morto, já não me servia para nada. Infelizmente, meu
primo tinha o capricho de conhecer seus companheiros. E por isso, na
Tepelena, vi-me obrigado a mostrar uma paixão fingida. Só sei que, quando se
enfurecia com esse porco lorde inglês, algum veneno meteu-se no meu
coração, porque me senti muito ciumento. Teria desejado que tivesse estado
me fustigando com sua língua afiada. E também desejava poder ser eu quem
acalmasse sua ira, embora soubesse que pretendia me assassinar.
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doente a respeito dos homens, ou de certo tipo de homens. Era possível, sim,
certamente era isso, que Ismal possuísse inclusive mais habilidades e menos
princípios dos que tinha seu marido. Esme disse a si mesma que amava Varian
e odiava Ismal com todo seu coração. Assim mesmo, a proximidade de Ismal,
sua carícia, seu aroma… a enchiam de pavor.
— Não me tema — disse ele, fazendo com que começasse a pulsar o
coração dela de maneira acelerada.
Esme pensou com firmeza que era impossível que ele tivesse lido seu
pensamento. Era seu corpo que a estava traindo: os calafrios de suas mãos e a
entrecortada respiração de seus pulmões.
— Se não quer que eu tenha medo, então não brinque comigo — disse ela.
— Quer que fale e atue de maneira direta? É isso? — Ismal deixou escapar
um leve suspiro antes de voltar a erguer a vista para o rosto dela. — Perdi
essa habilidade faz muito tempo. Viver na corte de Alí é viver em um jogo de
xadrez sem fim: enganar e fingir, estando sempre alerta à armadilha que
outros preparam. Sempre joguei muito bem esse jogo, até que chegou a
Tepelena e me adoeceu a mente. Mas terá que me curar, pequena guerreira.
Quando nos deitarmos juntos, eu serei parte de você e você será parte de
mim. Dessa maneira, poderá me conhecer, e então sei que terá piedade de
mim.
Esme se inclinou para trás, mas não tentou soltar-se da mão de Ismal.
Não tinha vontade de embarcar em uma luta física, na qual o certo é que ela
fosse vencida.
— Não o quero — disse ela. — E me parece monstruoso que pense que
posso chegar a ter compaixão de você.
— Você não entende. Mas logo entenderá.
— Entendo tudo muito bem. Sequestrou-me. E não faz mais que dizer
tolices para passar o tempo.
Ele estalou a língua.
— Eu detesto a violência. Se quiser violência, terei que entregá-la a meus
companheiros. Quando eles acabarem com você, parece-me que começará a
se sentir muito mais calma. E então darei uma segunda oportunidade, pode
ser que até uma terceira. Sou um homem bastante paciente.
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O amanhecer não fez nada tão decisivo como apontar o novo dia.
Torpemente se desenrolou sobre Newhaven em forma de duro manto de
nuvens, com uma luz sombria que apenas penetrava o negrume da noite.
Como tinha feito incontáveis vezes, Jason disfarçado agora de cirurgião de
barco, com óculos e carregando uma maleta negra deu uma olhada aos barcos
que havia no porto. Não se permitiu ficar a pensar, a não ser só olhar e deixar-
se levar por seu instinto.
Tinha boas razões para deixar-se levar por seu instinto, como tinha feito
em Gibraltar. Em Cádiz se equivocou em suas apreciações e tinha acabado
arrolando-se em um barco com um iracundo ministro estrangeiro a bordo.
Aquele homem se negou firmemente que revistassem o barco, mas logo
acusou Jason de ter roubado importantes documentos. As seguintes
complicações o tinham feito parar em Cádiz durante mais de uma semana, e
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desse modo Ismal que tinha passado por ali várias horas antes havia tornado a
evitá-lo de novo.
Jason tinha mandado notícias de Ismal ao Falmouth. Sabia que dali Ismal
poderia viajar a qualquer lugar da costa inglesa. Ou também poderia dirigir-se
a Londres diretamente. Por desgraça, Ismal tinha levado quase uma semana
de vantagem. Nesse tempo podia ter feito algo, podia ter ido a qualquer parte.
Jason amaldiçoou para si mesmo.
Estava retorcendo as mãos com preocupação quando se deu conta da
agitação que havia a bordo de um barco próximo. Ficou olhando fixamente
aquele barco, um pequeno veleiro de fabricação americana. Magros e rápidos,
aqueles barcos embora normalmente estivessem acostumados a ser maiores
tinham perseguido os barcos ingleses de uma maneira desesperadora durante
a última guerra contra os americanos.
Jason lançou um olhar a Bajo. A atenção do albanês estava posta no
mesmo barco. Antes que Jason pudesse consultá-lo, seu capitão se aproximou
e fez um gesto para a praia. Um oficial pôs-se a correr pelo cais para eles.
Jason se apressou a interceptá-lo e sem dizer uma palavra pegou seus
papéis.
— Sim, senhor, estávamos lhe esperando — disse o oficial. — Capitão
Nolcott, a seu serviço. Lamento não ter tido notícias suas antes.
Jason apontou ao barco que tinha posto em alerta seus instintos.
— O que sabe desse pequeno veleiro? — perguntou-lhe ao oficial.
— O Olímpia?
Bajo se aproximou deles. Quando Jason repetiu o nome do barco, seu
robusto companheiro sorriu.
— O homem que estamos seguindo diz de si mesmo que é descendente da
mãe de Alexandre —explicou Jason ao capitão Nolcott. — Assim se chamava
ela.
— Não pode ser o mesmo homem — disse o capitão. — O dono deste
barco é um inglês chamado Bridgeburton, e todos os papéis do barco estão em
ordem. Estão esperando um oficial de comércio estrangeiro que devem levar a
Cádiz.
— O corpo de Bridgeburton apareceu flutuando em um canal de Veneza faz
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preocupada e deixou escapar um rápido suspiro que dizia tudo o que precisava
saber.
Capítulo 31
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Tinha que ter feito caso a ele. Só o que ela tinha feito tinha sido aumentar
seu desconforto, enquanto que ele tratava de trabalhar duro para construir
uma vida nova para os dois. Deveria ter dito que o amava, que estava
orgulhosa dele. Mas só lhe tinha falado de sua vergonha e sua desonra. E por
isso mesmo agora Ismal lhe soltava o cabelo. Queria que os que se cruzassem
com eles soubessem que a jovem ruiva era uma mulher. Dessa maneira
alguém poderia informar a Varian.
Enquanto Ismal acabava sua tarefa, ela olhou pela janela sem ver nada.
— Em Tepelena fingiu muito bem o amor que sentia por mim — disse ele.
— Agora pode fazê-lo de novo, e assim os que olharem compreenderão que
foge comigo alegremente. Não acredita que os ingleses se sentirão excitados
pela visão de uma mulher vestida com calças? — Ele sorriu meigamente. —
Será melhor que se mantenha a meu lado, por amparo.
Sabia que dentro de muito pouco ia estar tão perto como podia estar uma
mulher de um homem. Mas suportaria tudo até que chegasse seu momento. E
então ele pagaria.
Quando desceram da carruagem, Esme estudou os arredores de esguelha.
O povo de Newhaven estava a uma meia milha detrás deles. Se tentasse fugir
correndo, alcançariam-na muito antes que tivesse chegado ali. Entre a
desordem do embarcadouro viu vários possíveis caminhos de escape, assim
como numerosos lugares nos quais sem dúvida seria apanhada.
Entretanto, o mais próximo e enorme beco sem saída estava interceptado
por Risto e Mehmet. Sem armas não tinha nenhuma possibilidade contra eles.
Além disso, Ismal também se armou antes de abandonar a carruagem. Levava
a pistola escondida sob o braço e apontando diretamente a ela no flanco.
Embora a adaga… uma só punhalada… e logo ela poderia gritar «Assassinos!».
Mas como reagiria a isso as pessoas dos arredores?
Esme viu que a maioria se tratava de pescadores e marinheiros. Dois
homens que vestiam uniforme da marinha estavam falando com outro tipo que
exibia um gasto tricornio e um igualmente gasto par de calças até os joelhos.
Levava no ombro o que parecia uma maleta de cirurgião.
Nenhum deles parecia olhar de maneira muito amistosa o grupo de Ismal,
que se aproximava nesse momento dos barcos. Por outra parte, tampouco
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— Todos eles devem pensar que sou sua puta. E logo será verdade. Já
estou farta de tanta vergonha. Nada do que faça pode piorar as coisas.
Risto se colocou a seu lado com impaciência.
— Senhor! — repreendeu.
Ignorando-o, Ismal segurou a Esme entre os braços. Ela ouviu Mehmet
estalar a língua e as maldições de Risto, seguidas de uns estrondosos chiados
que provinham do barco que havia a seu lado. Deu-se conta de que Ismal
tinha colocado uma mão na sua nuca, e notou o calor de seu fôlego enquanto
baixava o rosto aproximando-se de sua boca. Também sentiu, enquanto os
lábios dele posavam sinuosamente sobre os seus, que sua ostentação não
tinha sido infundada. Apesar dela mesma, Esme se sentiu desconcertada por
aquele gesto e abriu os lábios para recebê-lo sem necessidade de que ele o
ordenasse. Era surpreendentemente bom beijando, para mais confusão ainda,
mas aquilo durou só um instante. Em seguida conseguiu desfazer a névoa que
por um momento tinha embotado sua mente.
Esme deixou que suas mãos acariciassem suavemente a cintura dele. Seu
coração palpitava com força, mas tranquilo, enquanto os dedos dela buscavam
sua adaga por debaixo de sua jaqueta.
Ele começou a afastar-se dela e a mão de Esme se deteve.
— Isso não foi muito inteligente, pequena — murmurou Ismal contra seus
lábios. — Não vou ser capaz de esperar todo o dia para ter mais.
— Maldita seja! — soltou Risto aproximando-se — a metade do povoado
está olhando. Quanto tempo mais pretende ficar assim?
Até Mehmet murmurou uma advertência, mas Ismal não fez conta. Nesse
momento era um homem como todos outros, pensou Esme com uma careta
risonha, sua boca se aproximou da dele para beijá-lo de novo. Naquele
instante a mente de Ismal não estava tão lúcida como estava acostumada a
estar. Mas ela, por sua parte, estava totalmente alerta. Era consciente dos
comentários vulgares de quem os estava observando. Notou o calor que
provocava aquele beijo e a tensão que embriagava o corpo dele. Apertando-se
mais contra ele, alcançou com cuidado o cabo de sua adaga.
Com todos os nervos em tensão, e todos os sentidos extremamente
aguçados, Esme ouvia os chiados das gaivotas, o rumor das ondas rompendo
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dedos.
Quando começava a tomá-la em seus braços, uma mão se apoiou em sua
cabeça violentamente fazendo-o cair para trás.
— Não! — gritou Ismal.
Apontou sua pistola para a cabeça de Varian. ele lançou um braço para
trás e a arma golpeou-o no cotovelo. Sentiu uma aguda dor que lhe percorria
todo o braço. Rolando para um lado, agarrou Ismal pelas pernas e o fez cair.
Ismal se liberou dos braços de Varian e começou a chutá-lo, fazendo que
voltasse a cair de costas. O crânio de Varian golpeou contra o chão com grande
força. Sentiu que lhe zumbiam os ouvidos e o céu começou a dar voltas
rapidamente a seu redor. De novo viu a pistola lhe apontando. Agarrou a mão
de Ismal e a golpeou contra o borda do embarcadouro. Ismal soltou vários
grunhidos e abriu a mão, fazendo com que a arma caísse longe.
— Brigas comigo por uma puta — ofegou Ismal. — Minha puta.
Erguendo a mão que tinha livre deu um murro na mandíbula de Varian,
fazendo-o cair para trás. Varian viu tudo negro por um instante, e no momento
seguinte viu tudo vermelho. Logo se desvaneceu qualquer sensação de dor.
Golpeavam-no, ele golpeava por sua vez, e não existia nada mais a seu
redor. Só o que tinha em mente era Ismal, a quem desejava matar. Lutaram
furiosamente, mais igualados de forças do que Varian teria suspeitado. Por
magro que parecesse, Ismal era rápido e forte. Cada um dos murros que lhe
dava parecia ter pouco efeito nele, e quando rodavam para o borda do
embarcadouro, um de seus joelhos se cravou no estômago de Varian com a
força de uma bala de canhão. Ao momento, Varian estava de costas, vendo
sobre ele o rosto retorcida de Ismal, lutando para poder respirar e manter-se
consciente, enquanto seu adversário lhe apertava o pescoço com ambas as
mãos. Entre a neblina escura que começava a cegá-lo, Varian pôde ver o
sorriso de Ismal.
— Minha puta — disse Ismal resfolegando. — Minha Esme.
Aquelas palavras enfureceram a Varian como o fogo do inferno. Agarrando
as mãos de Ismal, cravou-lhe as unhas. Com todas as forças que ficavam
conseguiu afastar uma das mãos que lhe segurava o pescoço e a esmagou
contra a beira do embarcadouro. Ouviu um rangido e um grave uivo animal, e
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Apertando os dentes para fazer frente à dor de sua mão machucada, Ismal
se refugiou detrás de um montão de tonéis. Apoderou-se da pistola que Risto
tinha derrubado, quando atacava o lorde inglês. Embora fosse quase
impossível voltar a carregar a arma com uma só mão, Ismal não quis
reconhecer na sorte a impossibilidade. Estava seguro de que não ficariam
muitos homens a bordo do Olímpia. Mas, com sorte, era possível que ainda
pudessem zarpar.
A dor que sentia na mão estava deixando-o louco. Temendo que pudesse
desmaiar-se, tratou de centrar toda sua atenção em carregar a arma. Embora
lhe parecesse que estava demorando toda uma vida, ao final conseguiu e saiu
de seu esconderijo para olhar para fora.
Havia duas pessoas de pé entre ele e o Olímpia: sir Gerald e… e um
homem que se supunha que estava morto.
Se não tivesse tido a boca inchada e cheia de sangue, Ismal poderia ter
sorrido. De repente tudo lhe pareceu diáfano; tudo o que tinha feito o Leão
Vermelho, e por quê. Ismal o admirava por isso, porque não podia deixar de
admirar a um homem que fosse mais preparado que ele. Se, se tivesse dado
conta… Oh! As coisas seriam agora muito diferentes, e é obvio que não teria se
encaminhado ao que agora percebia ser uma armadilha: Edenmont e sir Gerald
por uma parte e o Leão Vermelho pela outra.
Entretanto, nesse momento só os dois irmãos se interpunham em seu
caminho, e claramente se puseram a discutir.
Embora só tivesse uma bala, a decisão não era difícil de tomar. Ismal ficou
de pé e, armando-se com o último pingo de vontade que restava para fazer
que sua mão esquerda o obedecesse, apontou com a arma. Sorrindo para si
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quando saiu da sala em que Ismal estava deitado. O médico extraiu a bala e
lhe arrumou a mão machucada, embora estivesse convencido de que ambas as
operações eram inúteis.
Com grande pesar de seu coração, Jason entrou na sala onde estava
Ismal.
A cinzento rosto de Ismal estava cheio de arranhões e tinha uns vergões
impressionantes. E em seus olhos havia um brilho de febre. Embora não
ficasse apenas um fio de respiração, também ele como o Gerald insistia em
falar, mas nesse caso com o capitão Nolcott.
— Não pode negar a um moribundo seu último desejo — disse Ismal com
uma voz que, antigamente doce, agora soava como um doido sussurro.
Jason tomou uma cadeira e a aproximou do lado da cama, sentando-se
logo nela.
— Pode ser que não tenha chegado ainda seu momento.
Algo parecido com um sorriso fez os lábios do Ismal se curvarem.
— Sim, e devo confessar tudo.
— Seria melhor que reservasse suas forças, moço. Gerald está morto. Já
não lhe pode fazer mais dano, e não quero que destrua o futuro de minha
família. Sua bala evitou a forca ao Gerald. Esteja seguro que não permitirei
que caiam mais desgraças sobre minha família. Vou queimar a nota que havia
dentro da rainha negra, assim como as cartas que Risto e Mehmet entregaram-
lhe.
Ismal esboçou outro torcido sorriso.
— Para salvar a honra da família.
— Sim, isso. — Jason se forçou para sorrir enquanto respondia. — Mas
também pelo bem de sua alma imortal, ou, se for capaz de conseguir
sobreviver, de sua consciência.
Ismal fechou os olhos.
— Melhor que não viva. Enviar-me-ia de volta ao Alí. Seria melhor que me
cortasse o pescoço, Leão Vermelho. Agora, ou encontrarei a maneira de contar
a todos minha história.
— Bajo já está realizando os trâmites necessários para tirá-lo daqui. Pode
estar seguro de que temos tudo previsto. O governo de sua majestade não
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Jason não podia evitar sentir pena por ele. Muito mais do que sentia pelo
Gerald, que tinha esbanjado sua vida em amarguras, cobiças e invejas, sem
amor, nem lealdade, ou alegria de nenhum tipo para que iluminasse seus dias.
Ao final, o menor resto de bondade que pudesse haver em um coração tão
corrupto, só o que poderia fazê-lo sentir era arrependimento.
O caso do Ismal era diferente. Sua alma só estava manchada, mas não
negra de pecados. E por isso Jason sentia mais pena por ele, e mais raiva
também, pela maneira de esbanjar sua beleza, sua força e sua juventude; mas
por cima de tudo, sua inteligência.
Ismal retirou uma mecha de cabelos dourados da fronte que ardia.
Estremecendo, o jovem afastou o rosto para um lado.
— Não há ministros de sua fé aqui — disse Jason em um tom de voz
carinhoso. — Quer que mande chamar um clérigo inglês?
— Não.
A porta se abriu e Bajo entrou no aposento.
— O barco espera — disse ao Jason em voz baixa. — Seus compatriotas
querem que parta daqui.
Ismal não poderia durar nenhuma hora no mar. Mas tampouco ia durar
muito mais se ficasse onde estava agora.
— Quer que o acompanhe? — perguntou-lhe Jason.
— Tem tanta vontade assim de ver-me morrer?
— Se eu estivesse em seu lugar, eu gostaria de ter um amigo a meu lado.
— Sim. Matei a seu irmão por acidente. Era para você que estava
apontando.
Jason suspirou.
— Teria preferido que não o tivesse feito. Desse modo não teria que
agradecer ao Edenmont por me salvar a vida. Se não tivesse quebrado sua
mão, não teria falhado o tiro.
— Eu não gosto nada desse tipo — disse Ismal com uma careta
desagradável, enquanto se voltava de novo para Jason. — Mas é um bom
lutador.
Aguentou a respiração durante um momento e o rosto ficou rígido, com
uma estranha expressão de agonia.
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— Acredito que já falou bastante — disse Jason. — Por que esse médico
apalermado não deu um pouco de láudano?
— Não o quis tomar. — Voltou a respirar com dificuldade e em seu rosto se
desenhou o esforço por esboçar um sorriso. — Debilita as forças.
Bajo se moveu impaciente.
— Leão Vermelho.
Jason ficou de pé.
— Bajo não tem mais remédio senão nos apressar. Irei contigo ao barco.
— Chis.
Ouviram-se passos apressados no vestíbulo que havia no outro lado da
porta. Bajo se aproximou dela para impedir a entrada, mas Esme conseguiu
cruzar a porta.
— Não! — gritou Ismal.
Ergueu sem forças os lençóis tratando de cobrir o rosto.
Ignorando o olhar de advertência que acabava de lançar Jason, Esme se
aproximou ao lado da cama do ferido. Estava tremendo, embora seu olhar
estivesse fixo em Ismal.
— Tem muita sorte de que meu marido seja o mais nobre dos homens —
disse ela. — Me deu permissão para que tente salvar sua vida, e isso é o que
vou fazer.
Afastou a roupa de cama de um tapa. Ismal ficou muito quieto, olhando ao
teto fixamente, enquanto ela estudava suas ataduras empapadas de sangue.
— Esme, está incomodando ao pobre…
— É muito tarde para pensar em seu orgulho — disse ela fazendo um
gesto a seu pai para que se afastasse. — Me Escute — disse ao Ismal.
Ele ficou olhando perplexo.
— Farei tudo o que posso — continuou dizendo ela. — De modo que, se
sobreviver, será graças a mim, e só graças a mim. Terá que recordá-lo sempre,
Ismal.
— E se morrer? — ofegou ele.
— Então se queimará no inferno.
Quase uma hora depois de que Esme tivesse começado seu duvidoso
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Capítulo 33
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clara. Como era normal, tudo o que se acontecia acabava sendo culpa dela.
Esme fechou a boca e não a voltou a abrir, exceto para comer, quando fizeram
uma parada em Dorset Arms, em East Grinstead.
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para me salvar.
— Mas não acreditava que fosse capaz de consegui-lo. «Vinga ao Jason.
Vinga a mim.» Isso era o que queria que fizesse: vingá-los. Mas nunca pensou
nos outros, não é verdade? — perguntou ele. — Ou o que ia significar para
mim passar o resto da vida me culpando e me amaldiçoando por não ter
encontrado a maneira de mantê-la a salvo.
— Então, por que não deixou que ficasse com você? — gritou ela. — Pedi-
lhe isso, mas você não quis me ouvir.
Ele fez uma careta de dor. Deveria tê-la deixado ficar com ele, deveria ter
sabido que não podia perdê-la de vista. Mas ela já não era uma menina, e ele
não podia ser sua babá durante o resto da vida. Não podia viver com o medo
constante de que ela pudesse fazer alguma loucura se ele não estivesse ali
para preveni-lo.
— Parece que me expliquei bastante claro em Mount Eden — disse ele com
voz calma. — Acreditei que tinha entendido. Mas tem tão pouca fé em mim,
que nem sequer me consultou. Deveria ter escrito me explicando o que
pensava fazer. Só estava a três horas de distância. Entretanto, em lugar disso
decidiu escapar com esse maldito jogo de xadrez. E fazer tudo sozinha, em
plena noite. Na Inglaterra, onde uma dama não põe um pé na rua de noite a
não ser que vá acompanhada.
Ela apertou as mãos com força sobre o regaço.
— Já sei que foi um engano. Mas tinha perdido a cabeça. E já sabe como
me fico, Varian.
— Posse demoníaca.
— Sim — respondeu ela com tristeza.
Tinha-o levado a um beco sem saída. Ele não podia brigar com aquele
demônio que a dominava.
Varian ficou pensativo um bom momento, consciente dos olhares
preocupados que ela lhe dirigia.
— Muito bem — disse ele finalmente. — Se não puder dominar seu caráter,
possivelmente não poderemos ter filhos. Nunca.
Ela deixou escapar um suspiro que mais parecia um agudo chiado.
— Não, não pode…
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— Não faço mais que tratar de imaginá-la como mãe. A primeira vez que o
pobre diabo a faça perder a paciência, pode perder a cabeça e atirá-lo pela
janela. E é obvio, sentir-se terrivelmente mal depois disso. Logo prometerá
não voltar a fazê-lo de novo e insistirá para que façamos outro. E já sei o que
acontecerá depois: quando o bebê despertar no meio da noite, o atirará
contra a parede.
— Eu nunca, nunca na vida faria mal a um filho.
— Não acredito. — Ele cruzou os braços. — Não acredito que venha me
dizer: «Varian, o menino está me deixando louca, o que podemos fazer?
Podemos — recalcou ele. — Como me pedindo ajuda. Consultando minha
opinião. Como se tivesse um mínimo de confiança em meu bom julgamento.
Em minha honra. No que sinto.
O lábio inferior dela começou a tremer.
— Eu entendo o que tenta me dizer. Sinto muito, Varian. Só queria dar o
que por direito pertence a você — disse ela com voz apagada.
Ele a segurou entre os braços e a sentou em seu regaço.
— Não vais distrair-me com suas lágrimas. Me conte toda a verdade.
— Já o fiz — resmungou ela baixando o rosto.
— Somente me contou a metade. A outra metade é que queria provar-me,
não é assim? Queria comprovar o que faria quando se fosse de Mount Eden por
minha culpa.
Ela levantou a cabeça de repente. Ele olhou fixamente seus brilhantes
olhos verdes.
— Só porque não sou tão esperto como uma parte de sua família não quer
dizer que seja estúpido — disse ele. — Estou seguro de que ainda está
perguntando o que farei. Deus, que pequena idiota. — Ele a apertou contra seu
peito. — Que moça tão estúpida, teimosa, imprudente e apaixonada.
Poderia ter sido pior, disse Esme a si mesma. Não deveria lhe importar que
ele dissesse aquelas coisas, sempre e quando a tivesse sentada em seu
regaço. Após num momento, até ele ficou adormecido com os braços ainda
rodeando a cintura dela. A série de acusações parecia tê-lo acalmado, além de
que certamente não teria dormido por toda à noite. Também ela se sentia mais
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tranquila, já que tinha ouvido suas queixas e tinha compreendido que estava
zangado porque ela o tinha assustado e ferido. Não se sentiria assim se não se
importasse um pouco com ela. Tranquilizou-se, e pensou que poderia ter sido
pior: ele poderia ter decidido que merecia uma surra, embora ela não pensasse
realmente que a merecesse.
Esme desejou ficar assim, protegida entre os braços dele para sempre.
Mas, após algumas horas já tinham chegado a Londres; e, minutos mais tarde,
à casa dos Brentmor.
Percival saiu correndo à rua, com uma tropa de serventes atrás dele, antes
mesmo que a carruagem se detivesse. Entretanto, a nobre anciã Brentmor não
chegou a tanto e nem sequer saiu a esperá-los à entrada.
Rígida como um pau, estava de pé no salão, aguardando a chegada da
família por completo. Olhou a Varian com o cenho franzido, quando o viu
entrar levando a Esme nos braços, ficou olhando a Esme quando Varian a
deixou no sofá, e logo olhou ao Percival, quem vinha caminhando um passo
adiante de seu tio. Foi Jason o filho que não tinha visto fazia mais de duas
décadas e meia a quem a nobre anciã dedicou o mais sombrio de seus olhares.
Jason sorriu, deixou no chão a bolsa de viagem que continha o jogo de
xadrez, aproximou-se dela e lhe deu um forte abraço e um beijo na bochecha.
Logo se afastou um passo atrás e ficou olhando com franca admiração.
— Minha querida mamãe, que bom vê-la.
Seu agudo olhar de cor avelã o esquadrinhou de cima abaixo.
— Não posso dizer o mesmo de você. Esteve brigando no fronte? Com um
punhado de marinheiros e bárbaros infiéis. Para não mencionar seu rebento e
esse marido tolo que tem, que parece que recebeu uma boa surra. E seu irmão
se salvou da forca, só para apresentar-se ao Julgamento Final. Isso é algo que
terá que lhe agradecer…, ao menos evitamos ter que vê-lo pendurando em
uma corda, abatido e esquartejado.
Depois que outros a saudassem, a anciã se deixou cair em uma poltrona,
disse ao Jason que lhe servisse um brandy e pediu que lhe explicasse tudo o
que tinha acontecido.
O que obteve foi um rápido resumo do relato que Jason lhes tinha feito na
carruagem. Pareceu ficar satisfeita com isso no momento. Então se voltou para
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— Não imagino que pudesse tê-lo feito de outra maneira — disse Varian
esticando uma mão para o menino.
O remorso de Percival pareceu acalmar-se e ele estreitou a mão que
Varian oferecia.
«Obrigado», disse Esme em silencio a seu marido. Inclusive ela se
esqueceu de Percival. Também ela tinha que recordar o muito que devia a seu
primo: o que tinha que lhe agradecer e as desculpas que lhe devia, porque em
mais de uma ocasião o tinha julgado mal.
Ouviu seu pai fazendo eco dos sentimentos de Varian, e a sua avó
balbuciando que o menino tinha feito o que podia, depois de tudo, e que
ninguém lhe podia pedir mais que isso. O que Esme poderia dizer lhe parecia
redundante. Por isso, preferiu aproximar-se de seu primo e lhe dar um abraço.
Ele o devolveu bastante envergonhado.
— Ontem a noite estava muito preocupado — disse a ela em tom de
confidência. — Mas estava seguro de que sua excelência estaria com você.
Mamãe me disse que era muito mais inteligente do que aparentava. Disse-
me… — Piscou duas vezes e logo ficou muito quieto.
Quando se separava dele, Esme se deu conta de que Jason e sua avó
ficaram também em silêncio. Todos estavam olhando Varian.
Este estava tirando as peças de xadrez da bolsa de viagem e colocando na
mesinha que havia ao lado do sofá. Quando acabou devolveu as olhadas com
olhos inocentes.
— Pensei que estava cansado —disse a anciã. — Não estará pensando em
jogar agora, verdade?
— Detesto xadrez — respondeu ele. — É tediosamente complicado. Só
olhar os outros jogando me põe frenético.
— Não é necessário que você goste — disse Jason impaciente. — Só o que
tem que fazer é vendê-lo.
Varian elevou as sobrancelhas.
— Os St. George não se dedicam aos negócios. E não posso vender a
herança de Percival por nenhum preço.
— Deus meu… Oh! Mas eu não. É o dote de Esme, senhor. Mamãe me
disse isso, e também o deixou por escrito.
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Varian olhou a Esme. Ela não disse nada, nem era necessário que dissesse
nada. Bastante fez olhando para o jogo de xadrez.
— Não tem nada que ver comigo — disse ela. — O dote tem que passar ao
marido, que dispõe dele como lhe agradar.
— Como fiz ontem a noite — disse Varian. — Eu prometi a sir Gerald.
Cumpriria sua parte do trato só se eu não pudesse desfrutar da recompensa.
De qualquer modo, como o resto de suas propriedades, deverão passar a seu
herdeiro.
Percival engoliu saliva com dificuldade.
— Obrigado, senhor, mas eu… quer dizer, papai… não era necessário que o
subornasse. Deveria ter pensado que eu… — Piscou várias vezes. — Mamãe
queria que o tivesse a prima Esme.
— Só para assegurar-se de que poderia conseguir um bom marido. Sua
mamãe não podia saber que Esme seria capaz de encontrar um bom marido
por si mesma. Não sendo assim, teria deixado o jogo de xadrez a você.
Percival começou a protestar, mas em seguida aceitou, a ponto de começar
a chorar.
— Gra… obrigado, senhor, é muito…
— Velho — terminou Varian a frase bruscamente. — Por que não vai ver se
pode encontrar uma embalagem apropriada? Não acredito que queira voltar a
guardá-lo entre a roupa interior de Esme outra vez, verdade?
O menino saiu correndo. Justo quando a porta se fechava atrás dele, Esme
o ouviu soluçar. Sua própria garganta se fechou. Deu-se conta de que seu pai
tinha um brilho suspeito nos olhos. A seu lado, a anciã aspirou com força pelo
nariz, e Varian teve que reconhecer que a nobre viúva era capaz de verter
alguma lágrima. Duas, para ser precisos, que limpou dos olhos com
indignação.
Porque ela tinha entendido, assim como os outros, o que aquele presente
significava para o Percival. Não tinha nada de sua querida mãe, nada para
poder recordá-la. Seu pai se encarregou de que assim fosse. Tudo o que
restava das posses de Diana era aquele jogo de xadrez. Que valia uma fortuna.
Limpando suas próprias lágrimas, Esme lançou um olhar cansado a seu
marido.
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prevenção da gravidez. Não queria voltar a ferir sua tênue sensibilidade, nem a
minha — acrescentou um pouco entre dentes.
— Mas isso é o que quer? — insistiu ela. — Possivelmente… é possível que
eles sejam como eu. Farei tudo o que possa para evitá-lo, mas não existe
remédio para isso. Não se fazem os filhos com a facilidade com que se prepara
um cataplasma.
Ele sorriu ligeiramente.
— Está tratando de me persuadir ou de me tirar a ideia da cabeça?
— Pensava que, o melhor, quando pensa em filhos, faz ideia de filhos que
se pareçam com você. Os homens costumam fazer isso — disse ela na
defensiva.
Ele assentiu com a cabeça.
— Assim os tinha imaginado. E me enche de um horror indescritível.
Felizmente, parece-me que é cientificamente impossível que tenha meninos
exatamente como eu, mesmo se os pudesse fazer sozinho, o que é um fato
cientificamente muito mais impossível. Logo tenho que fazê-los com você…
Ficou olhando pensativamente.
— É bastante miúda e tem um temperamento horrível. Mas prometeu que
amadurecerá e, ao fim de contas, parece-me que seu temperamento é
excitante. Os gritos e os insultos quero dizer — esclareceu ele. — Não os
aspectos suicidas ou homicidas. Por sorte, penso deixá-la muito ocupada
criando nossos filhos e cuidando de mim, de modo que não sobre tempo para a
violência.
— Não me provoque — disse ela dando um empurrão com o joelho. — Não
sou tão selvagem como diz.
— Só me preocupa que a vida doméstica pareça aborrecida a você.
— Ora! Você não entende — disse ela aproximando-se dele. — Há outras
maneiras para comprovar o valor de uma pessoa que as guerras e as
inimizades de sangue. Hoje lutou como um bravo guerreiro. O mesmo que
lutou todas as semanas passadas, e foi uma batalha muito dura em todos os
sentidos. — Ela apoiou uma mão sobre o peito dele. — Essa é a batalha que
realmente quero brigar, Varian…, a seu lado.
Sua carícia o esquentou. E suas palavras o excitaram.
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compreendia. Mas fiquei a seu lado, quando meu antigo eu me dizia que
partisse dali, como sempre tenho feito assim que parecia que poderia ter
algum problema. Escapava de manhã, até mesmo da vida, acredito.
— Não é você o único que teve desejos de escapar — disse ela com
culpabilidade. — Mas você não o fez nenhuma só vez, desde que o conheço, e
eu o tenho feito várias vezes.
— Mas não para escapar de seus problemas, a não ser para enfrentar a
eles cara a cara. Para lutar por sua honra e sua independência. Ontem à noite,
e nessa manhã, estava lutando por seus direitos, por seu matrimônio, por
mim.
— De todas as maneiras, não causei mais que problemas.
— Pode ser que fosse necessário. — A maneira como ele estalou a língua
fez ela erguer o olhar. — Parece que só sou capaz de aprender com as lições
mais duras — explicou ele. — Por você aprendi que posso lutar não só contra
rivais sem escrúpulos, mas também contra as circunstâncias. Queira ou não. A
maioria das vezes, não, como já viu. Estive dando chutes e gritando todo o
caminho. Porque foi horrível, Esme.
— Sim, horrível — concordou ela com tristeza.
— E glorioso — acrescentou ele. — Como você. Como sua vida. Acredito
que o Altíssimo cometeu um engano. Mas eu estou convencido de que um anjo
a enviou para mim. — Varian lhe soltou as mãos e, sorrindo, acariciou-lhe as
bochechas. — Um que certamente tinha lido Childe Harold e decidiu que era
melhor transformá-lo em comédia.
— Childe Harold? — disse Esme fazendo um gesto com a mão. — Se
refere ao poema de lorde Byron? Que fala sobre a Albânia?
— Albânia não é mais que uma parte de um longo relato sobre um
vagabundo infeliz. A noite que estava em Bari, com o Percival, e ele mentiu
sobre o da rainha negra, ele estava lendo o primeiro canto.
Fechando os olhos, Varian citou:
— «Por entre os longos labirintos do pecado correu / mas não pôde expiar
suas faltas / suspirou por muitas, embora só a uma amava / e essa uma, ai!
Nunca pôde ser sua.» — aproximou-se de Esme e lhe sussurrou ao ouvido: —
Como soa isso?
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— Porque me aceita tal e como sou, não é assim? Não tentou me reformar,
somente me ajudar a seguir adiante. Tampouco eu quero reformá-la ou mudá-
la, só quero mantê-la a salvo a meu lado, para sempre.
Elevou o olhar e se perdeu na profundidade dos olhos verdes dela.
— Amo você — disse ele. — Só tem que me acreditar.
— Acredito — disse ela. — E seguirei acreditando.
— Então, diga algo. O que quiser.
— Amo você, Varian Shenit Giergi — sussurrou ela. — Com todo meu
coração.
Ele se inclinou sobre ela e roçou docemente os lábios com os seus.
— Hajde, shpirti im — disse ele em voz baixa. — Vêem, amor, e demonstre
isso.
*****
RESENHA BIBLIOGRÁFICA
Loretta Chase
Querido leitor:
Se quer saber um pouco mais a respeito de mim, adiante.
Estudei em escolas públicas de Nova a Inglaterra. Onde nos obrigavam a analisar orações.
E onde nos brocaram com a gramática e a soletração. Este processo brutal resultou ser útil ao
final. Resultou que tudo com o que me lecionaram no colégio — incluindo os malvados
problemas verbais de matemática— foi útil em minha vida posterior. Infelizmente esqueci a
maioria disso.
Minha carreira na Clark University não foi curta. depois de conseguir o título do B.A. em
tão solo o dobro do tempo normal, fiquei para trabalhar em postos administrativos, de
escritório, e como professor a tempo parcial. Também houve outros trabalhos reais com o
passar do caminho: viver muito ajustadamente como vendedora de jóias e roupa, e uma
experiência Dickensiana de seis meses como polícia de tráfico.
Mas minha principal empresa em minha vida foi escrever. Por isso foi que me especializei
em Língua Inglesa em lugar de em algo que poderia me haver permitido obter um trabalho
com um salário real. Os especialistas em Inglês devem ler montanhas de livros e escrever
montões de papéis. Se me tivessem pago por ser especialista em Inglês, minha vida teria sido
perfeita.
Enquanto isso, tanto se alguém queria como se não, escrevi teatro, poesia, cartas, e é
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obvio, a Grande Novela Americana. Isto último sempre e — felizmente— continua inacabado
até o dia de hoje.
Mas nunca ninguém me pagou para escrever até depois de me graduar na universidade,
quando me diplomei como roteirista corporativo. Este trabalho me levou a desgraçado
encontro com um produtor de vídeo quem me induziu com enganos a escrever novelas e com
o tempo chegou a ser o Senhor Chase.
Os livros resultantes desta união ganharam um número surpreendente de prêmios,
incluído o Romance Writers of America Rita.
É um trabalho quase tão esplêndido como ser especialista em Inglês.
Sinceramente sua,
Loretta.
ISBN-13: 978-84-8346-196-9
ISBN-10; 84-8346-196-X (vol. 63/1)
Depósito legal: B. 39.318 - 2006
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