Revisoes Epistemologicas

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REVISÕES EPISTEMOLÓGICAS

CONTEMPORÂNEAS

STIGAR, Robson
Faculdade Herrero
[email protected]

RUTHES, Vanessa Roberta Massambani


Faculdade Isulpar
[email protected]

MENDES, Ademir Aparecido Pinhelli


Centro Universitário UNINTER
[email protected]

RESUMO

O presente artigo procura apresentar de forma rápida, uma


revisão sobre as diversas compreensões das epistemologias que
temos no mundo contemporâneo, bem como apresenta de forma
a sua etimologia, sua natureza e problemáticas cientificas. Ao
longo do artigo procuramos refletir sobre a relação da epistemo-
logia com a ciência e com o conhecimento cientifico, que busca
conhecer as coisas cientificamente, sendo esta uma vertente
e verdade absolutizada. O artigo visa romper com os velhos
conceitos e preconceitos estabelecidos pelo determinismo com
novas ideias e subsídios teóricos, filosóficos e paradigmáticos.

PALAVRAS-CHAVE: Ciência; Conhecimento Cientifico;


Epistemologia.

INTRODUÇÃO

Até o século XIX, existiu um modelo da racionalidade, uma espécie


de chave explicativa, que assentava no determinismo. Mas, a partir do século

Recebido em 22-06-2018 • Aceito em 22-04-2019

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Nº324
- Julho/Dezembro
- Janeiro/Junho 2009
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STIGAR, R.; RUTHES, V. R. M.; MENDES, A. A. P.

XX, devido ao reconhecimento de que há fenômenos que não obedecem


ao determinismo, operou-se uma revolução na epistemologia que alterou o
modelo de racionalidade até então aceito pela comunidade científica. Neste
sentido se faz relevante conhecermos a história da epistemologia, a fim de
nos situarmos no tempo e no espaço cientifico de forma clara e objetiva.
A epistemologia, também chamada teoria do conhecimento, pode ser
compreendida como um ramo da filosofia que está interessada na investigação
da natureza, das fontes e da validade do conhecimento e do saber. Entre as
questões principais que ela procura responder estão as seguintes. O que é
o conhecimento? Como nós o alcançamos? De onde vem o conhecimento?
Podemos afirmar que o conceito de Epistemologia serve para de-
signar, seja na teoria geral do conhecimento, seja em estudos mais restritos
concernentes a gênese e a estruturação das ciências. Em linhas gerais a
epistemologia pode ser entendida como a ciência da ciência, a filosofia da
ciência. “É o estudo crítico dos princípios, das hipóteses e dos resultados
das diversas ciências. É a teoria do conhecimento. É a área da filosofia que
discute a possibilidade de estabelecermos um método para o conhecimento”
(JAPIASSÚ, 1981, p. 56).
A origem etimológica da palavra Epistemologia remete ao Logos1,
que também é compreendido como saber. Entretanto há diversos tipos de
saberes, assim sendo é natural que existam diferentes definições de epis-
temologia. Mas o conteúdo que elas transmitem sempre busca responder
a seguinte questão: como podemos conhecer? “Para responder tal indaga-
ção, diferentes correntes de pensamento disputaram espaço na história da
filosofia, com destaque para as céticas, as empíricas e as racionalistas.”
(GRAYLING, 1996, p. 02).

2. A ETIMOLOGIA

Antes de abordarmos a questão do conhecimento, torna-se de funda-


mental importância buscar uma definição sobre o conceito de epistemologia
e conhecimento. A palavra epistemologia surge no vocabulário filosófico no
século XIX. Como são inúmeras as concepções sobre a sua definição e/ou
concepção, podemos afirmar que ela é um conceito flexível, que objetiva a
uma teoria geral do conhecimento. Desse modo, o papel da epistemologia é:

1
“Logos é uma palavra grega que designa asserção, princípio, lei, razão, concordância, correspondência
e proporção” (JAPIASSÚ, 1981, p. 61),

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“estudar a gênese e a estrutura dos conhecimentos científicos com um viés


interdisciplinar, pois observa a ciência sob o prisma de diversas disciplinas”
(JAPIASSÚ, 1981, p. 58).
Para Mora (2001), durante algum tempo havia a propensão de usar
o termo gnosiologia em preferência à epistemologia. Depois, tendo em vista
que o termo gnosiologia era empregado muito frequentemente por tendências
filosóficas de orientação escolástica2, tendeu-se a usá-lo no sentido geral
de teoria do conhecimento, sem definir de que tipo de conhecimento se
tratava. Para se referir à teoria do conhecimento científico ou, ainda, para
elucidar problemas relativos ao conhecimento cujos principais exemplos
eram extraídos das ciências, passou-se a utilizar o vocábulo epistemologia.
Progressivamente, em parte por influência da literatura filosófica anglo-saxã,
utilizou-se epistemologia na maior parte dos casos.
Para Japiassú (1981), etimologicamente, a palavra epistemologia
significa discurso (logos) sobre a ciência (epistemé). Para este autor a epis-
temologia trata-se dos estudos e reflexões acerca dos métodos científicos,
realizando um “estudo crítico dos princípios, das hipóteses e dos resultados
das diversas ciências” (JAPIASSÚ, 1981, p. 24).
Assim, Japiassú (1981) entende que a epistemologia estuda a relação
existente entre um sujeito que vê e uma coisa, um objeto, que está diante
deste sujeito. Ela avalia a possibilidade ou não de conhecer este objeto, ou
seja, busca pela sua essência, sendo este o principal problema da teoria do
conhecimento: a oposição entre essência e aparência.
Japiassú (1981) destaca que a epistemologia se divide em duas
categorias distintas, cada qual com uma fundamentação: epistemologias
genéticas e epistemologias não genéticas. Nas epistemologias genéticas,
“o conhecimento deve ser analisado de um ponto de vista dinâmico ou dia-
crônico”, enquanto que nas epistemologias não genéticas, “o conhecimento
é resultado de um ponto de vista estático ou sincrônico, quer dizer, e sua
estrutura atual” (JAPIASSÚ, 1981, p 36-39).

2
Corrente filosófica nascida na Europa da Idade Média, que dominou o pensamento cristão entre os
séculos XI e XIV e teve como principal nome o teólogo italiano São Tomás de Aquino. “Uma das
contribuições mais importantes de São Tomás foi ter realizado uma releitura da obra de Aristóteles
dentro de uma perspectiva cristã”. Com essa releitura, o pensador italiano tentou conciliar razão e
fé, acreditando que não havia contradição entre elas, pois ambas vinham de Deus. Essa concepção é
muito bem expressa por uma velha máxima sua: “Crer para poder entender e entender para crer.” São
Tomás de Aquino dividiu o conhecimento humano em dois. O conhecimento sobrenatural seria aquele
ensinado pela fé, como a aceitação da Trindade Divina, ou seja, Deus como Pai, Filho e Espírito Santo.
Já o conhecimento natural viria à luz da razão, como os teoremas matemáticos (REALE, p. 101, 2005).

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Além de se configurar como um discurso sobre a ciência, a epistemo-


logia também é histórica. Desta forma, a historicidade é essencial ao objeto
da ciência sobre o qual é estabelecida uma reflexão denominada filosofia
da ciência. Mas devemos ter claro que todo saber descreve a relação entre
o sujeito e o objeto. “A questão fundamental para a filosofia é relacionar o
saber do sujeito a um logos, a uma proposição, a uma razão, a uma asserção.”
(JAPIASSÚ, p. 41, 1981).
Desta forma, Japiassú (1981) parte do pressuposto de que a his-
tória da ciência e a da epistemologia estão profundamente ligadas, com-
plementando-se mutuamente, uma vez que o pesquisador, além de fazer
ciência, também deve refletir sobre o seu próprio fazer, contextualizando
o mesmo na história e na literatura científica, permitindo, com isso, a
promoção de novas epistemologias.
Desta forma um rápido panorama com um olhar histórico-critico
sobre a epistemologia e sua interdisciplinaridade se faz necessário, objeti-
vando compreender os principais protagonistas, suas percepções filosóficas
e suas contribuições cientificas para a base do pensamento epistemológico
contemporâneo.

3. A HISTORICIDADE DAS CIÊNCIAS

Na filosofia contemporânea, Gaston Bachelard (1884-1962) inaugu-


rou o conceito de corte epistemológico. Bachelard (1996) afirma a existência
de uma ruptura entre o espírito pré-científico e o científico. Para Bachelard
(1996), o surgimento da ciência se distingue da época pré-científica, pois
os conceitos que a ciência produz são fruto de um recorte epistemológico
e de muita observação.3
Sua epistemologia consistia na história da ciência como ela deve-
ria ser feita. Para Bachelard (1996), toda a reflexão efetiva que seja capaz
de estabelecer o verdadeiro estatuto das ciências formais e das ciências
empírico-formais, deve ser necessariamente histórica.
Segundo Japiassú (1981), ao estabelecer quadros epistemológicos,
o filósofo quer superar a imperfeição das definições tradicionais de ciência.
Seu fundamento remete-se à profunda complexidade das teorias científicas

3
“O pensamento empírico torna-se claro depois que o conjunto de argumentos fica estabelecido. No fundo,
o ato de conhecer dá-se contra um conhecimento anterior, destruindo conhecimentos mal estabelecidos,
superando o que, no próprio espírito, é obstáculo à espiritualização” (BACHELARD, 1996, p. 49).

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contemporâneas, mas o ponto fundamental é a negação do essencialismo.4


Desta forma, apresenta a noção de probabilismo como um caminho na
direção do corte epistemológico.
Para Bachelard (1996), a ciência necessita tanto da força e dos po-
deres da razão quanto da criatividade e da poesia. Desta forma, ela promove
o desenvolvimento e a valorização do campo do imaginário, pois entende
que a pessoa é razão e imaginação. A ciência não é representação, mas ato,
afirma Bachelard. Não tendo verdades ou realidades absolutas, há várias
verdades pois, a verdade seria o resultado da negação mútua das opiniões,
num conflito entre os produtores de ideias. Não há um saber universal, mas
a necessidade de compreender a relação do homem com o seu saber. Assim,
ao pensar a ciência como uma constante superação de obstáculos, Bache-
lard imprime um novo ânimo de perspectivas na epistemologia científica
contemporânea, ampliando seu lastro e suas áreas de atuação.

4. OS PARADIGMAS CIENTÍFICOS DE THOMAS KUHN

Kuhn (1996) defende que todas as disciplinas cientificamente ama-


durecidas se organizam de acordo com paradigmas. No entanto, antes de
o paradigma estar devidamente constituído, não existe ainda ciência pro-
priamente dita. Os investigadores encontram-se num período de anterior a
ciência. Ultrapassado o período pré-científico, quando surge uma teoria mais
poderosa e consensual, esta irá ajudar a fundar um paradigma5.
Um paradigma assume-se como um modelo de investigação através
do qual os cientistas desenvolvem a sua atividade. Quando um paradigma
surge, inicia-se um período de normalidade. Neste período, a atividade
científica consiste em resolver problemas de acordo com as normas do
paradigma. (KUHN, 1996).
Neste contexto, a epistemologia, para Kuhn (1996), é um modo de
funcionamento de um paradigma. Em sua obra A estrutura das revoluções
científicas, o filósofo da ciência define a busca da verdade como a procura
por um paradigma válido para explicar um determinado fenômeno.
Para Japiassu (1981), a constituição de um paradigma ocorre para

4
“De acordo com Bachelard, há um novo espírito científico que se opõe tanto ao predomínio antigo e
medieval da imagem como ao predomínio moderno do esquema geométrico” (MORA, 2001, p. 20).
5
Platão usou o termo “paradigma” em vários sentidos: “exemplo”, “amostra”, “padrão”, “modelo”,
“cópia”. A noção de paradigma possui um papel importante na história e filosofia da ciência a partir
da obra de Thomas S. Kuhn, The Structure of Scientific Revolutions, de 1962 (MORA, 2001, p. 2200).

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explicar os fenômenos estudados pelos cientistas e suas consequências.6


Logo, o debate é sempre sobre a possibilidade de uma explicação de um
fenômeno por meio de um paradigma. Não se discute a legitimidade filo-
sófica de um problema.
Segundo Japiassu (1981), o paradigma epistemológico, para Kuhn, é
uma explicação que abrange a totalidade daquele fenômeno. Se o paradigma
não conseguir mais explicar um fenômeno, ele entra em crise. A partir de
então, se procura outro para abordar o problema. As crises, portanto, são
uma pré-condição necessária para o surgimento de novas teorias,
Segundo Mora (2001), Kuhn definiu que um paradigma se modifica
de acordo com a alteração de significado que ele adquire frente a um pro-
blema científico e ao tempo propriamente que apresenta outras posturas e/
ou convicções. Desta maneira, as teorias científicas são incomensuráveis e
o conhecimento possui apenas um progresso teórico.
Em suma, para Kuhn (1996), a ciência modificava-se através de
revoluções. Para este autor, o desenvolvimento de uma disciplina científi-
ca acontece por meio das seguintes fases: fase pré-paradigmática, ciência
normal, crise, revolução científica, nova ciência normal, nova crise, nova
revolução e, assim, sucessivamente. Desta forma, as crises podem despertar
revoluções, as quais também atuam como uma forma de evolução científica.

5. A CIÊNCIA FALSIFICÁVEL

Karl Popper (1902-1994) faz uma crítica radical e profícua ao em-


pirismo lógico. Para Popper, o conhecimento científico deve ser construído
a partir do critério da falseabilidade, ou seja, uma teoria, para ser científica,
deverá ser refutada em algum momento; caso ela funcione sempre, não será
científica, será dogmática e fundamentalista, sendo considerada como uma
pseudociência. (POPPER, 1980).

6
Os cientistas trabalham a partir de modelos adquiridos por meio da educação ou da literatura a que são
expostos subsequentemente, muitas vezes sem conhecer ou precisar conhecer quais as características
que proporcionaram o status de paradigma comunitário a esses modelos. A coerência da tradição de
pesquisa da qual participam não precisa nem mesmo implicar a existência de um corpo subjacente de
regras e pressupostos, que poderia ser revelado por investigações históricas ou filosóficas adicionais.
O fato de os cientistas usualmente não perguntarem ou debaterem a respeito do que faz com que um
problema ou uma solução particular sejam considerados legítimos nos leva a supor que, pelo menos
intuitivamente, eles conhecem a resposta. Mas esse fato pode indicar tão somente que nem a questão
nem a resposta são consideradas relevantes para suas pesquisas. Os paradigmas podem ser anteriores,
mais cogentes e mais completos que qualquer conjunto de regras para a pesquisa que deles possa ser
claramente abstraído (KUHN, 1996, p.75).

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Karl Popper contribuiu, decisivamente, para a solução de dois proble-


mas fundamentais da demarcação: o problema da “demarcação entre ciência
e metafísica”, isto é, “entre os conhecimentos científicos e os conhecimentos
de ordem supracientífica”; e o problema da “indução e o seu valor para a
ciência” (JAPIASSÚ, 1981, p. 36).
Essa aparente contrariedade entre conhecimento e desconheci-
mento é apenas o ponto de partida da busca pela epistemologia de Popper.
Para o filósofo da ciência, ambas as teses apresentadas são importantes,
pois, através delas, podemos estabelecer uma epistemologia de pesquisa.
(POPPER, 1980).
Segundo Japiassu (1981) a epistemologia de Karl Popper funda-se
na noção de verificabilidade de uma teoria científica e de seu alcance em
relação ao que se lhe apresenta. A explicação possível de um fenômeno
parte da verificabilidade.7 Assim sendo, Karl Popper preocupava-se com
a elucidação do valor das teorias científicas, ou seja, como grau de con-
fiança que podemos depositar nelas em função dos dados empíricos que
podemos dispor. Desta forma, as teorias científicas tornam-se válidas se
forem falsificáveis e o papel do cientista/pesquisador não é demonstrar
ou verificar suas teorias, mas, sim, testá-las, tentando infirmá-las ou
falsificá-las,
O princípio de falsificabilidade constitui uma inovação relativamente
ao método científico. Falsificar as hipóteses ou teorias significa procurar na
experiência fatos que as desmintam, em vez de procurar fatos que apoiem
a teoria. Segundo Popper (1980), o valor científico de uma teoria está na
sua resistência a ser refutada. Isto significa que, se uma teoria resistir às
tentativas mais sérias de desmenti-la, ou seja, de falsificá-la, essa teoria
chama-se uma teoria corroborada. “Esta palavra significa apenas que a
teoria será aceita provisoriamente pela comunidade científica, devendo esta
continuar a submetê-la permanentemente à prova.” (POPPER, p. 98, 1980)

7
“Primeira tese: conhecemos muito. E conhecemos não só muitos detalhes de interesse intelectual
duvidoso, porém, coisas que são de uma significação prática considerável e, o que é mais importante,
que nos oferecem um profundo discernimento teórico e uma compreensão surpreendente do mundo.
Segunda tese: nossa ignorância é sóbria e ilimitada. De fato, ela é, precisamente, o progresso titubeante
das ciências naturais (ao qual alude minha primeira tese), que constantemente, abre nossos olhos mais
uma vez à nossa ignorância, mesmo no campo das próprias ciências naturais. Isto dá uma nova virada na
ideia socrática de ignorância. A cada passo adiante, a cada problema que resolvemos, não só descobri-
mos problemas novos e não solucionados, porém, também, descobrimos que onde acreditávamos pisar
em solo firme e seguro, todas as coisas são, na verdade, inseguras e em estado de alteração contínua”
(POPPER, 2004, p. 06).

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Uma teoria científica, consequentemente, é sempre uma conjectura.


Daí que a ciência deva ser concebida como uma sequência de tentativas
para solucionar determinados problemas, fazendo da falsificabilidade o
critério de demarcação entre uma ciência e uma pseudociência. Portanto,
quanto mais uma teoria se prestar ou estiver disponível a ser desmentida,
mais científica é. (POPPER, 1980).
Esta definição de ciência desmarca-se da posição positiva que consi-
derava a experiência como uma verificação ou comprovação das hipóteses.
Deste modo, a experiência deveria fazer tudo para comprovar a hipótese, e
não desmenti-la. Por isso, ao princípio de veraficabilidade vai se opor outro
princípio, que é o da falsificabilidade. (POPPER, 1980).
Karl Popper critica o método indutivo, chegando mesmo a rejeitá-lo
por considerar não haver justificação lógica para as inferências indutivas.
Assim, considera incorreto inferir enunciados universais de enunciados
singulares, independentemente do número destes últimos. Portanto, qual-
quer conclusão obtida pela indução pode sempre revelar-se falsa. O famoso
exemplo dos cisnes brancos que possamos observar, nada justifica a conclusão
de que todos os cisnes são brancos. (POPPER, 1980).
Outra questão abordada por Karl Popper é a de demarcação de um
conceito. “Meu problema era diferente. Eu queria distinguir entre ciência e
pseudociência; sabendo muito bem que ciência frequentemente erra e que
pseudociência pode encontrar ocasionalmente a verdade” (POOPER, 1980,
p. 44). Desta maneira, na epistemologia de Popper, é possível ter mais clara a
possibilidade do conhecimento ao distinguirmos o que é e o que não é ciência.
Para Japiassu (1981), se conseguirmos demarcar um problema, e
como resultado demarcarmos o conceito resultante, temos uma possibilidade
real de conhecimento e evitamos estudar pseudoproblemas. Assim, Popper
acredita que não há teorias explicativas universais, detentoras de verdades
absolutas. O que existe são hipóteses e conjecturas.

6. A ARQUEOLÓGICA DE MICHEL FOUCAULT

O filósofo francês Michel Foucault (1926-1984) definiu como epis-


têmica a estrutura subjacente e inconsciente que engloba o campo do conhe-
cimento, ou seja, o modo como nós percebemos os objetos. É a maneira de
agrupar os objetos ou defini-los. A episteme é um lugar a partir do qual o ser
humano conhece. O objetivo de Foucault é analisar a episteme ocidental e
seus sucessivos momentos, a partir de um novo método. (FOUCAULT, 2008).
Podemos, inclusive, realizar uma aproximação entre a definição de

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paradigma de Kuhn e a de episteme de Foucault, no que tange à sucessão


do paradigma e da sucessão epistemológica. Entretanto, epistemologica-
mente, se faz necessário estabelecer o limite de separar ambas em relação
ao fundamento da ciência (JAPIASSÚ, 1981).
Foucault (2008) apresenta o conceito do triedro dos saberes, noção
que lhe permite definir uma espécie de espaço epistemológico, sendo ele
de caráter racional e científico, da constituição das ciências humanas. A
epistemologia fundada por Foucault procura saber a origem do discurso e
sua estrutura histórica, bem como suas implicações na dominação do ser
humano.8 Segundo o autor, existe uma mutação no conceito de epistemologia
devido à influência da filosofia de Marx (JAPIASSÚ, 1981).
Trata-se de uma epistemologia arqueológica, que “não visa à desco-
berta da origem do homem, mas o fundamento das ciências humanas”, ou seja,
“trata-se de um sistema, não de códigos de regras relativamente à percepção
e à palavra, mas de ordem fundamental, que deve orientar e reger as ciências,
constituindo para elas um a priori histórico” (JAPIASSÚ, 1981, p. 28).
Desta forma, Foucault estabeleceu que a história de um conceito,
mediante a arqueologia da pesquisa científica, revela seus fundamentos que
devem ser questionadas para evitarmos as amarras do controle e da aliena-
ção. Esta epistemologia se funda, portanto, na arqueologia das ideias e na
formação da história, ou seja, na historicidade. “No que se refere à ciência,
é necessária uma profunda pesquisa do uso de determinados termos para
podermos expor nossas escolhas metodológicas”.9 (FOUCAULT, 2008, p.
218-219).

7. A EPISTEMOLOGIA CRÍTICA DE JÜRGEN HABERMAS

A epistemologia crítica, desenvolvida por Habermas (1990), tem por


objetivo principal interrogar-se sobre a responsabilidade social dos cientistas
e da ciência. O que este tipo de epistemologia pretende apresentar é que a
verdadeira significação da ciência não reside mais no saber enquanto tal,
mas no poder que ele efetivamente possui (CHIBENI, 1997).

8
“Esta mutação epistemológica da história não está ainda acabada. Ainda em nossos dias, e sobretudo
para a história do pensamento, ela não foi registrada nem refletida, enquanto outras transformações mais
recentes puderam sê-lo” (FOUCAULT, 2008, p. 13).
9
“A orientação para a episteme foi a única explorada até aqui. A razão disso é que, por um gradiente que
caracteriza, sem dúvida, nossas culturas, as formações discursivas não param de se epistemologizar. Foi
interrogando as ciências, sua história, sua estranha unidade, sua dispersão e suas rupturas que o domínio
das positividades pôde aparecer” (FOUCAULT, 2008, p. 218-219).

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Para Habermas (1990), a ciência tem dois polos: o polo do saber e


o do poder. Assim, a ciência desempenha um papel tão importante no de-
senvolvimento das forças produtoras, que há proeminência do saber para o
poder. A técnica e tecnologia são veículos do poder exercido para reafirmar
o controle, legitimando o sistema.
A epistemologia de Habermas faz uma crítica ao cientificismo, con-
testando as formas ingênuas, como a do cientificismo positivista. Habermas
apresenta que não existe neutralidade científica e, como tal, a ciência e a técnica
transformaram-se em ideologia. A ciência e a técnica entendidas como ideolo-
gia cumprem também hoje a função de legitimação: “A técnica é dominação
metódica, científica, calculada e calculante. A técnica é um projeto histórico-
-social, nele se projeta o que a sociedade e os interesses nela dominantes
pensam fazer com os homens e as coisas” (HABERMAS, 1990, p. 46-47).
Habermas (1990) dedica-se à compreensão de uma racionalidade
comunicativa. Sugere que o paradigma do conhecimento de objetos deve
ser substituído pelo paradigma da compreensão mútua entre sujeitos. A
capacidade de falar e de agir nada mais é do que uma razão relacionada à
práxis social solidária, como o lugar de uma razão historicamente situada,
que esteja aberta à pluralidade social e cultural da sociedade.
Segundo Jeffman (2013), Habermas critica a razão centrada no su-
jeito, pois acredita que a construção de uma racionalidade se faz mediante
a argumentação. Em outras palavras, é necessário que os sujeitos exponham
suas argumentações, para, assim, se estabelecerem um discurso. Por conse-
guinte, eles alcançam uma espécie de racionalidade comunicativa, na qual
o que predomina é uma vontade geral, e esta é posta em prática.

8. A TEORIA DA COMPLEXIDADE ANTERIOR A EDGAR MO-


RIN

Segundo Santos (2006), a “Epistemologia da Complexidade” emer-


giu e começou a ser sistematizada nos estudos iniciados por Morin no final
da década de 60 e início da década de 70 do século XX, em campos pouco
usuais para indagações filosóficas, como a cibernética e a biologia avan-
çada. Todavia (MORIN, 1996), a complexidade10 não surgiu com ele; na

10
Infelizmente, o termo “complexidade” trás consigo uma forte carga semântica, pois, na linguagem
coloquial, tendemos que é associar complexo com complicado, embora o complexo, originalmente,
seja relativo a conjunto, irremediavelmente relacionado, ao que não pode ser separado sobre pena de

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história filosófica ocidental e oriental podemos encontrar vários elementos


e premissas de um “pensamento complexo”.11
Segundo Santos (2006), o próprio pensamento chinês tem como base
uma relação dialógica entre o Yin e o Yang, na qual o único meio possível
de entendimento dos processos componentes da “realidade” seria a aceita-
ção dos contrários como complementares, ou seja, conviver e respeitar os
movimentos recursivos entre positivo e negativo, bom e mau, forma e não
forma, entre outros.
Fang Yizhi (1671) também pode ser considerado um dos primei-
ros a discutir a relação todo/parte em termos complexos, ao defender que
“O Universo é a totalidade (todo) de um sistema, e neste sistema existem
partículas (Partes), e que dentro das partículas existem sistemas”. (SHEN,
2004). Nesta mesma perspectiva, temos, na antiguidade grega, Heráclito, que
alertava para a mesma necessidade, ou seja, a aproximação dos contrários
como forma de compreender a “realidade” (SANTOS, 2006, p. 3).
Segundo Santos (2006), também encontramos a complexidade pre-
sente em Pascal, que demonstra uma preocupação com as relações dialó-
gicas. O próprio Morin o considera como autor-chave para compreender
as relações complexas entre o todo e a parte, quando Pascal diz: “Mas as
partes do mundo têm todas tais relações e tal encadeamento umas com as
outras que considero impossível compreender uma sem alcançar as outras,
e sem penetrar o todo” (PASCAL, 1973, p. 59).
Podemos afirmar que a filosofia vem encontrando e reencontrando a
complexidade ao longo de sua história, mas, devido a várias contingências
sociais, econômicas, religiosas, culturais, dentre outras, estas discussões
ocuparam local periférico colabadas pelos desejo racional de controle, or-
dem e previsibilidade da ciência cartesiana de forma exacerbada, impedindo
este dialogo.

9. A EPISTEMOLOGIA COMPLEXA DE EDGAR MORIN (1921-)

Morin (1996), denominou o pensamento complexo. Porém, a história

comprometer sua compreensão (SANTOS, 2006, p. 2).


11
A complexidade não se reduz à complicação. É, antes de tudo, uma visão de mundo que já emergiu
na história filosófica humana várias vezes. Assim, a complexidade expõe a dificuldade que muitos de
nós temos de pensar o diálogo amplo entre os constituintes de todos os processos vivos, e a dificuldade
de conviver com os antagônicos e perceber sua complementariedade. Morin diz: “O pensamento é um
combate com e contra a lógica, com e contra as palavras, com e contra o conceito” (MORIN, 1996, p. 14).

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da complexidade advém de inúmeros autores, de linhas investigativas diversas


e com nomenclaturas também singulares, como pensamento sistêmico, de
Fritjof Capra; enfoque globalizador, de Antoni Zabala; multirreferenciali-
dade, de Jacques Ardoino, entre outros.
Para entendermos o pensamento complexo em Morin (1996), ou a
epistemologia da complexidade, propriamente, é necessário termos claro
que a mesma pode ser entendida como uma hermenêutica, também chamada
de ciência da interpretação.
O pensamento complexo, ou também o paradigma da complexidade,12
tem, segundo Morin (2000), como fundamento as formulações surgidas no
campo das ciências exatas e naturais, às quais se unem as teorias da infor-
mação, dos sistemas e a cibernética, que evidenciaram a necessidade de
superar as fronteiras entre as disciplinas (CARVALHO, 2002).
O termo “complexo” não deve ser compreendido como sinônimo de
dificuldade ou complicação, mas, sim, entendido como termo que abrange
vários elementos que são membros e participantes do todo, como Morin
(1997, p. 15) afirma: “complexus – o tecido que junta o todo” (MORIN,
1996, p. 87).
Segundo Estrada (2009), os estudos da física, a partir do século XIX,
relacionados à termodinâmica, explicam que qualquer processo de ordenação
precisa de energia. Entretanto, nem toda energia disponível será utilizada
para criar ordem, parte será rejeitada na forma de calor. Isto significa que
todo processo de ordem se dá em função de uma maior desordem. Assim,
é necessário explicitar e contextualizar os conceitos de ordem e desordem,
tendo em vista que a primeira e fundamental complexidade do sistema se-
ria associar em si mesmo as ideias de unidade e de multiplicidade que, em
princípio, repelem-se e se excluem.
O conceito de ordem extrapola as ideias de estabilidade, rigidez,
repetição e regularidade. Unindo-se à ideia de interação, e imprescinde,
recursivamente da desordem, que comporta dois polos: um objetivo e outro
subjetivo. O objetivo é o polo das agitações, dispersões, colisões, irregu-
laridades e instabilidades. O polo subjetivo é “o da imprescindibilidade ou
da relativa indeterminabilidade. A desordem, para o espírito, traduz-se pela
incerteza” (MORIN, 2000, p. 200), que traz consigo o acaso, ingrediente
inevitável de tudo que nos surge como desordem (ESTRADA, 2009).

12
“Convenciona informar que o paradigma da complexidade não nasce numa disciplina, nem em lugar
determinado, trata se um processo” (MORIN, 1996, p. 87).

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Mocellim (2011) também parte do princípio que a complexidade


apareceu no pensamento científico a partir da cibernética e da teoria da
informação, na qual era vista como sinônimo de complicação. Outra razão
que determina o surgimento da mesma é a fragmentação dos saberes, de-
terminada pela ciência clássica.13
Para Menuzzi (2008), é importante destacar que a complexidade
seria a própria relação entre o simples e o complexo, que são antagônicos e
complementares ao mesmo tempo, por mais paradoxal ou contraditório que
pareça. Sua ideia fundamental é denunciar a metafísica da ordem, entendida
“como princípio do pensamento que considera o mundo e não como princípio
revelador da essência do mundo” (MORIN, 2000, p. 151).
O próprio Morin (2000) deixa claro que não há teoria sem método;
teoria e método são os dois componentes indispensáveis do conhecimento
complexo que ajudam a diminuir nossas miopias e cegueiras, diante da ver-
dadeira realidade do cosmo. Para o autor, a humanidade vive um contraponto
entre o processo global e a consciência dos indivíduos.
O paradigma da simplificação, para o autor, é o aporte do que de-
nomina ciência clássica. Seus princípios fundamentais são a generalização,
redução e separação. Ao contrário disso, a complexidade não é sinônimo
de complicação, mas uma forma de pensar que desafia o problema da con-
tradição (MORIN, 2000).
Assim, o paradigma da simplificação significa: “o conjunto dos
princípios de inteligibilidade próprios da cientificidade clássica, e que, li-
gados uns aos outros, produzem uma concepção simplificadora do universo
(físico, biológico e antropossocial)” (MORIN, 1996, p. 330).
Já no século XX, as ciências da terra, a ecologia e a cosmologia
começaram a buscar um conhecimento transdisciplinar, baseando-se na
compreensão não linear de diversos níveis da realidade. Elas buscavam
a inclusão lógica de um terceiro elemento, para além das contradições.
Emergiu, assim, o pensamento complexo ou paradigma da complexidade,
propondo uma democracia cognitiva, o diálogo entre as diversas formas de
conhecimento (CARVALHO, 2002).
Assim sendo, Morin (2000) procurou desenvolver uma análise da
realidade através do método interdisciplinar, sendo a complexidade definida
como uma unidade múltipla que objetiva uma macrovisão sobre o objeto

13
“É aquela que, fundando o seu princípio de explicação sobre a ordem e a simplificação, reinou até ao
início do século XX, e hoje se encontra em crise” (MORIN, 1996, p. 93).

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de estudo. Assim sendo, segundo o autor, é necessária a reforma do pensa-


mento e a reconstrução dos saberes como alternativa para compreender e
gerir a complexidade.

[...] A educação do futuro deve ser responsável para que


a ideia de unidade da espécie humana não apague a ideia
de diversidade e que a da sua diversidade não apague a de
unidade. Há uma unidade humana. Há uma diversidade
humana. A unidade não está apenas nos traços biológicos da
espécie humana homo sapiens. A diversidade não está apenas
nos traços psicológicos, culturais e sociais do ser humano.
Existe também diversidade propriamente biológica no seio
da unidade humana; não apenas existe unidade cerebral, mas
mental, psíquica, afetiva, intelectual; além disso, as mais
diversas culturas e sociedades têm princípios geradores ou
organizacionais comuns. É a unidade humana que traz em si
os princípios de suas múltiplas diversidades. Compreender
o humano é compreender sua unidade na diversidade, sua
diversidade na unidade. É preciso conceber a unidade do
múltiplo, a multiplicidade do uno. [...] (MORIN, 2000, p. 55).

Para Araujo (2007), a complexidade corresponde à multiplicidade,


ao entrelaçamento e à contínua intenção da infinidade de sistemas e fenô-
menos que compõem o mundo natural. O sentido vem da palavra latina
complexus. Esta indica o que se encontra tecido juntamente ou, ainda, estar
abraçados juntos. Tem o significado de trançar com, de trançar junto, de
religar. Complexo, portanto, é aquilo que se une, e não aquilo que se define
como oposição ao simples.
Assim, Morin (1996) percebe a complexidade da relação sujeito/
objeto, ordem/desordem, reconhecendo uma zona obscura, irracional e
incerta no paradigma da complexidade. Verifica-se, desta maneira, que a
complexidade possui elementos que são complementares e que, por isto,
precisam ser compreendidos em suas inter-relações.

[...] Parte de fenômenos, ao mesmo tempo, complementares,


concorrentes e antagonistas, respeita as coerências diversas
que se unem em dialógicas e polilógicas e, com isso, enfrenta
a contradição por várias vias. [...] (MORIN, 2000, p. 387).

Segundo Petraglia (2008), na epistemologia da complexidade, a


parte está no todo, assim como o todo está na parte. Cada parte, por um lado,
conserva suas qualidades próprias e individuais, mas, por outro, contém a
totalidade do real. Ao contrário do paradigma cartesiano, que nos levou a

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uma fragmentação do conhecimento e do próprio sujeito, consequentemente.


A extensão dos critérios das ciências naturais às ciências sociais levou
à formação de um grande paradigma ocidental, que procede por separação e
redução. Mas a física subatômica introduziu incertezas quanto aos limites do
reducionismo. A fenomenologia mostrou as insuficiências da pretensão de
se captar uma realidade objetiva independente do olhar e dos pressupostos
do pesquisador (PETRAGLIA, 2008).
Refletir de maneira complexa significa romper com um sistema
de pensamento que se fundamenta na objetividade dos enunciados, na sua
coerência lógica e na redução dos problemas a setores delimitados da rea-
lidade. Assim sendo, para enfrentar de frente o problema da complexidade,
é necessário rever todo o conhecimento gerado pelas ciências modernas,
tendo em vista suas limitações (CARVALHO, 2002).
A complexidade, proposta por Morin (1996), refere-se a um conjunto
de eventos, principalmente àqueles ligados à área científica, que ocorreram
no final do século XIX e que foram sendo debatidos, combatidos e assimi-
lados no decorrer do século XX.
A complexidade incorpora não só aspectos e categorias da ciência, da
filosofia e das artes, como também os diversos tipos de pensamento, sejam
eles míticos, mágicos, empíricos, racionais e lógicos. Estes se encontram,
numa rede relacional que faz emergir o sujeito no diálogo constante com
o objeto do conhecimento. O paradigma da complexidade procura romper
com o paradigma cartesiano existente em nossa atual sociedade (PETRA-
GLIA, 2008).
Desta forma, considera a comunicação entre as diversas áreas do
saber e compreende ordem, desordem e organização como fases importan-
tes e necessárias de um processo. Araújo (2007) destaca que a proposta da
complexidade feita por Morin consiste em compreender conjuntos de vários
elementos que se inter-relacionam de tal forma que, juntos, passam a exibir
uma estrutura ou comportamentos organizados.
Pensar a complexidade significa pensar um novo paradigma, ou
seja, novas ideias, que sejam aceitas. Em outras palavras, renunciar velhos
conceitos e paradigmas. Assim sendo, trata-se de um pensamento capaz de
lidar com o real, de com ele dialogar. A complexidade é sinônimo de “tran-
çagem”, religião, complementaridade, multidimensionalidade, polifonia
(PETRAGLIA, 2008, p. 17).

[...] A Complexidade é um tecido de constituintes hetero-


gêneos inseparavelmente associados: coloca o paradoxo
do uno e do múltiplo. A complexidade é efetivamente o

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tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações,


determinações, acasos, que constituem o nosso mundo
fenomenal. Mas então a complexidade, apresenta-se com
os traços inquietantes da confusão, do inextricável, da de-
sordem, da ambiguidade, da incerteza. Daí a necessidade,
para o conhecimento, de pôr em ordem nos fenômenos
ao rejeitar a desordem, de afastar o incerto, isto é, de se-
lecionar os elementos de ordem e de certeza, de retirar a
ambiguidade, de clarificar, de distinguir, de hierarquizar.
(MORIN, 2000, p. 20). [...]

A teoria da complexidade, ao propor um novo modo de pensar,


ressalta a possibilidade da religação dos saberes compartimentados, como
possibilidade de superação do processo de atomização. Desta forma, propicia
uma crítica às velhas concepções equivocadas e, ao mesmo tempo, pode
indicar novos rumos para uma compreensão de sociedade e ciência, que
responda ao pluralismo social contemporâneo. (MORIN, 2000)
A interdisciplinaridade constitui-se uma nova etapa do conhecimento
científico e de sua classificação epistemológica. Mas, para que isto aconteça
verdadeiramente, é “imprescindível a complementariedade dos métodos,
dos conceitos, das estruturas e dos axiomas sobre os quais se fundam as
diversas práticas científicas” (CARVALHO, 2002, p. 19).
Morin (2000) destaca que o pensamento determinista, quantitativo e
mecanicista isola e fragmenta o conhecimento. Isso permite que especialistas
alcancem um alto desempenho em suas áreas específicas. De outra parte, no
entanto, distanciam-se da realidade social e distanciam os problemas uns
dos outros, de modo que perdem a visão do global, do contexto planetário.
Morin (2000) apresenta, assim, a necessidade de o pensamento científico
trabalhar com a realidade coletiva.
A complexidade não ignora o conhecimento preexistente. “A ambição
da complexidade é prestar contas das articulações despedaçadas pelos cortes
entre disciplinas, entre categorias cognitivas e entre tipos de conhecimento”
(MORIN, 1996, p. 177). Ao criticar o método de individualização mecânica,
que trata do objeto como individual, separado e distinto, o autor propõe que
o pensamento científico deve ser percebido e definido e inserido em um
grupo. Esta noção de grupo permite a noção de particular e geral, de uno
e múltiplo.

[...] Complexidade é o pensamento capaz de reunir (comple-


xus: aquilo que é tecido conjuntamente), de contextualizar,
de globalizar, mas ao mesmo tempo, capaz de reconhecer o

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singular, o individual, o concreto. [...] (MORIN; LE MOIG-


NE, 2000, p. 207).

Contextualizar as questões atuais é uma questão ética. Porém, ainda


persiste a visão sob as bases teóricas do paradigma dominante, negligenciando
as questões complexas, pela produção exacerbada do conhecimento científico.
Consequentemente, o modo de pensar dos sujeitos encontra-se na cegueira
(MORIN, 1996), reproduzindo a educação e o ensino e, da mesma forma, os
objetos de investigação que reproduzem a organização social e econômica,
de acordo com interesses políticos e econômicos (CARVALHO, 2002).
Nesta nova perspectiva, Morin (2000) apresenta a epistemologia da
complexidade, no seu sentido próprio: a capacidade de interligar, ou seja,
a capacidade de juntar e reconstruir aquilo que nunca deveria ser separado.

[...] A complexidade é o desafio da visão global. Já a visão


fragmentada, a qual promove a irresponsabilidade considera
apenas partes, cuida apenas de partes, deixando de considerar
a totalidade. [...] (MORIN, 2000, p. 18).

Assim, entendemos que temos um novo horizonte epistemológico,


que requer e admite a pluralidade de saberes. Tal horizonte permite abertura
à experiência religiosa, como o saber na aldeia global, tornando, assim, a
religiosidade algo público na sociedade atual, não podendo mais ser abordado
de forma particular ou, ainda, ignorado.
Para Lorieri (2007), a complexidade não é uma teoria que explica
tudo: é uma atitude que se põe no desafio de buscar algo que pode ter fal-
tado na elucidação do fenômeno, pois há um entendimento de que nada é
simples e tudo é complexo e, por sê-lo, é tecido junto, merecendo análises,
ao mesmo tempo especializadas, contextualizadas e compreensivas.
Morin (1996) nos diz que precisamos estudar o objeto não somente como
uma peça a mais em um grande quebra-cabeça, mas vê-lo como um sistema
ligado a muitos outros. O pensar complexo nos remete à compreensão de que
não há possibilidades de transmissão de conhecimento único, verdadeiro e imu-
tável, como a constituição do pensamento científico moderno nos fez acreditar.
Edgar Morin procurou sistematizar em três os princípios básicos
da complexidade, com o intuito de clarificar os elementos constituintes de
uma visão complexa de mundo. Estes três princípios, quando contemplados,
permitiriam aos pesquisadores maiores possibilidades de realizar o que Morin
denomina de “pensamento complexo” (SANTOS, 2006).
O primeiro princípio é o “dialógico”, que tem como ponto cardinal

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defender uma postura sempre aproximadora entre os pontos de vista por


vezes antagônicos. A dialógica tem como principal função aproximar os
antagônicos, admitindo que os “opostos são complementares”, sendo indis-
sociáveis e indispensáveis, negando o terceiro axioma identitário de Aristó-
teles, “Princípio do terceiro excluído”, defendendo que toda a proposição
dotada de significação é verdadeira ou falsa e que, entre duas proposições
contraditórias, uma somente pode ser considerada verdadeira [A é ou B ou
não-B] (SANTOS, 2006).
O segundo princípio é o da “recursividade ou recursão organiza-
cional”. Este princípio vai muito além da simples noção de “feedback”,
não se restringindo a noção simplista de regulação, abraçando as noções de
autoprodução e auto-organização. É a espiral geradora na qual os produtos
e os efeitos são simultaneamente produtores e causadores daquilo que os
produz (SANTOS, 2006).
Este princípio é corroborado pela cibernética que, com a ideia de
retroação ou curva causal (que contesta a causalidade linear), concebe os
fenômenos e os seres como causas e causadores, modificados e modificantes,
influenciando tanto a si como os outros e o meio. Desta forma, todos os seres
(e suas ações) são importantes, não existindo contribuição desnecessária
(especialmente nas relações humanas), pois uma ação individual pode recon-
figurar um sistema (dependendo da ecologia das ações) (SANTOS, 2006).
O terceiro princípio é o “hologramático” (holograma é uma foto-
grafia tridimensional, seu valor como metáfora consiste no fato de que,
quando um holograma é cindido ao meio, cada parte apresenta uma cópia
integral da figura anterior, em vez de dividir a figura ao meio; assim, o
holograma mantém o todo da figura mesmo quando dividido), que é usado
como metáfora para explicitar a capacidade aparentemente paradoxal que
os sistemas têm de não só as partes estarem no todo, mas também do todo
estar simultaneamente nas partes, como as células que fazem parte de um
todo (organismo), mas, mesmo assim, trazem em seu interior as informações
do todo (código genético) (SANTOS, 2006).
Para Santos (2006), este pensamento pode ser transposto para várias
áreas do conhecimento humano, dentre elas, a Educação Formal e informal,
com o objetivo de ampliar as possibilidades de aprofundamento teórico sobre
o conhecimento adquirido e aprimoramento prático do saber apreendido.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo procura apresentar as diversas compreensões das

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epistemologias que temos no mundo contemporâneo, a sua etimologia, sua


natureza e problemáticas cientificas. Ao longo do artigo procuramos refle-
tir sobre a relação da epistemologia com a ciência e com o conhecimento
cientifico, que busca conhecer as coisas cientificamente, sendo esta uma
vertente e verdade absolutizada.
Como vimos no artigo, a origem etimológica do termo epistemologia
remete-se ao saber. Todo saber descreve a relação entre o sujeito e o objeto.
A questão fundamental para a filosofia é relacionar o saber do sujeito a um
logos, a uma proposição, a uma razão, a uma asserção.
O ser humano possui uma característica fundamental que o diferencia
do restante do quadro animal: a capacidade de conhecer as coisas de forma
significativa. O fato é que por diferentes epistemologias, o ser humano vem
procurando compreender essa fundamental atribuição humana: o conhecer,
e seu correlato, o conhecimento.
Nesta direção, procuramos apresentar o presente estudo, que é um
esboço inicial para a compreensão da epistemologia seja na sua etimologia
ou nas várias hermenêuticas que a envolve. Nesta reflexão, expõe-se a
perspectiva de diferentes autores que por vezes se assemelham ou diferem,
podendo também divergir profundamente. O artigo visa romper com os
velhos conceitos e preconceitos estabelecidos pelo determinismo com novas
ideias e subsídios teóricos, filosóficos e paradigmáticos.

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