Elementos Da Oratória

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Argumentação e linguagem: da

retórica à concepção de discurso


como prática social
Dulce Elena Coelho Barros*

Resumo
vencilhado de um enfoque linguístico
Este artigo incorpora reflexões de caráter enunciativo, ou seja, do
acerca da argumentação, num cote- ato mesmo de produção do enunciado
jo com a questão do convencimento e dos seus efeitos sobre as práticas
e da persuasão na linguagem, bem sociodiscursivas.
como do seu caráter ideológico. O
estudo aborda os gêneros da orató- Palavras-chave: Argumentar. Con-
ria tais como apresentados por Gui- vencer. Ideologia. Persuadir. Práticas
raud (1956) e Marcuschi (2004), em sociais.
conformidade com o que preconiza
a obra clássica Rhétorique à Heren-
nius – ouvrage longtemps attribué à
Cicéron. Apresenta ainda algumas
considerações sobre discurso tecidas
por Martins (1997) e sobre eloquên-
cia e locução tecidas por Barnica
(1987). Tomam parte das reflexões
sobre convencimento e persuasão os
pressupostos teóricos de Perellman
e Olbrechts-Tyteca (2000) contempla-
dos no Tratado de argumentação – a
nova retórica. No que se refere ao uso
* Doutora em Linguística pela Universidade de Bra-
ideológico da linguagem, as reflexões sília, professora Adjunta na Universidade Estadual
são tecidas à luz do que preconizam de Maringá, membro do corpo docente do Programa
Fairclough (2001), Thompson (1984, de Pós-Graduação em Letras da UEM – estudos do
texto e do discurso. Faz parte do Grupo Brasileiro de
1990) e van Dijk (1999). Em face aos
Estudos de Discurso, Pobreza e Identidades, integrado
preceitos da análise de discurso crí- à REDLAD (Rede Latino Americana de Estudos do
tica, as discussões tecidas compreen- Discurso/ CNPq), sob a coordenação da professora Dra.
dem que o estudo da argumentação Denize Elena Garcia da Silva, UnB.
na linguagem não deva ser feito des-
Data de submissão: set. 2012 – Data de aceite: nov. 2012

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Gêneros oratórios: lavra. Dessa forma, os gêneros oratórios
passam a ser entendidos também como
fundamentos clássicos estilos oratórios. Para Pierre Guiraud
(1956, p. 29), “a retórica é a estilística
Não há como pensar a argumentação
dos antigos. Constitui uma ciência do
na linguagem sem que se façam referên-
estilo, tal como então se podia conceber
cias à retórica clássica, principalmente
uma ciência”.
se o ato de argumentar for entendido
A obra Rhétorique à Herennius –
como uma forma de gerenciar o discurso,
ouvrage longtemps attribué à Cicéron
de modo a se obterem resultados efetivos
atesta que, no primeiro século a.C., a
sobre as práticas sociais humanas. É
oratória latina foi abordada a partir da
justamente o funcionamento pragmático
sistematização de três grandes linhas.
dos textos/discursos que nos permitem
A primeira se destinava ao estudo de
dizer, hoje, que os mesmos se nos apre-
três gêneros oratórios: demonstrativo,
sentam revestidos de caráter ideológico,
judiciário e deliberativo.
somente para citar um dos efeitos das
O gênero demonstrativo compreendia
ações das práticas linguísticas sobre as
duas partes: louvor/elogio e censura/
sociais. Nesse sentido, presume-se que
desaprovação. Enquanto o gênero judi-
a instrumentalidade do discurso argu-
ciário centrava-se na busca daquilo que
mentativo retrata-se nas formas como os
seria justo, o gênero deliberativo, que
argumentos são apresentados nos textos,
compreendia duas partes: a persuasão
de modo a criar um sentido de identidade
e a dissuasão, dizia respeito àquilo que
entre falante/escritor e ouvinte/leitor. A
seria bom e útil.
partir desses pressupostos, apresento, no
Conforme aponta Marcuschi (2004),
primeiro momento deste artigo, os cinco
para Aristóteles, a quem se atribui uma
cânones da retórica clássica e discorro so-
teoria mais sistemática sobre gêneros e
bre os estudos retóricos que, ao meu ver,
sobre a natureza do discurso, do ponto
iluminam as diferentes abordagens da
de vista da sua função o discurso de-
dimensão argumentativa da linguagem.
monstrativo tem caráter epidídico, ou
Ao enfocar gêneros oratórios, a pri-
seja, de elogio ou censura, situando-se no
meira questão que se nos apresenta é
presente. Já o discurso judiciário tem a
a eloquência. Isso porque a oratória,
função de acusar ou defender e reflete-
também conhecida como retórica, é co-
-se sobre o passado, enquanto o discurso
mumente concebida como a arte de falar
deliberativo serve para aconselhar/desa-
em público com o propósito de convencer,
conselhar, e volta-se para o futuro, por
persuadir. Nesse sentido, a oratória
ser exortativo por natureza.
concerne ao orador, ou, mais especifica-
Aristóteles, ao tratar dos três gêneros
mente, aos seus dotes oratórios, às suas
de discurso retórico associa formas, fun-
habilidades verbais, ao bom uso da pa-

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ção e tempo. De acordo com Marcuschi b) os gêneros de raciocínio (irrefutável
(2004), a proposta de Aristóteles envolve ou simplesmente plausível); c) defeitos
três tipos de ouvintes que operam: (i) de argumentação; d) formas de trabalhar
como espectador que olha o presente; as argumentações (inventione; oratore;
(ii) como juiz que julga sobre coisas pas- partitiones; topiques); e) formas de tra-
sadas e (iii) como assembleia que olha o balhar os argumentos por meio de certas
futuro. A esses três tipos de julgamento causas (deliberativa, demonstrativa,
Aristóteles associaria, respectivamente, conjectural).
os três gêneros apontados. Vislumbra-se 2. A dispositio, ou ordenação, subdivi-
no pensamento de Aristóteles, portanto, de o discurso em seis partes: a) exórdio
uma preocupação com aqueles para os (direto e por insinuação); b) narração; c)
quais se dirigem os discursos. divisão; d) confirmação e refutação; e)
A segunda grande linha dos estudos digressão; f) peroração.
retóricos é atribuída a Cícero e versa 3. A elocutio compreende: a) os gê-
sobre “a natureza do pleito/causa”, con- neros de estilo (simples e trabalhado);
siderada do ponto de vista moral e do b) as qualidades da forma: elegância
ponto de vista técnico. Do ponto de vista (elegantia), pureza e correção (latinitas),
moral, a causa pode ser: nobre; torpe ou explicações e esclarecimentos (explana-
desonrosa; duvidosa; modesta; obscura. tio), harmonia (compositio) e emprego
Do ponto de vista técnico, Cícero distin- de figuras de palavras/pensamento
gue as questões gerais e específicas das (dignitas).
questões teóricas (cognitio) e práticas Convém destacar que a elocutio, do
(action). ponto de vista aristotélico, tem por objeto
Ainda, no que concerne à natureza expressar aquilo que o orador cria ao
do pleito, a Rhetorica ad Herennium falar por meio da escolha e combinação
distingue três estados de coisas: a) con- devida dos termos que compõem o dis-
jectural (sustentado numa conjectura); curso. As discussões posteriores incidem
b) legal (sustentado na lei); c) judiciário justamente sobre essa noção específica
(de acordo com a lei). de elocutio (virtutes elocutionis), ou seja,
A terceira grande linha de sistemati- sobre o uso e provável manipulação da
zação dos aspectos retóricos é destinada linguagem a cargo do aumento de sua
à subdivisão da oratória em cinco partes eficácia natural.
clássicas: inventio, dispositio, elocutio, 4. A actio diz respeito à voz, aos gestos
actio, memoria – as quais serão apresen- e fisionomia do orador.
tadas de maneira sucinta. 5. A memoria, finalmente, concerne
1 - A inventio, que diz respeito à ve- à capacidade do orador de fixar solida-
racidade dos argumentos apresentados mente no espírito dos ouvintes os seus
pelo orador, compreende, por sua vez, argumentos.
cinco partes: a) as formas de raciocínio;

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Sabemos que estudiosos, como Pla- é artístico, ou seja, a virtuosidade do
tão, Aristóteles e Cícero, mesmo tendo orador, mas, sobretudo, o que é marcado
se aprofundado nos artifícios retóricos pela objetividade (meios intelectuais e
e desenvolvido um conjunto de regras lógicos). Segundo Martins (1997, p. 18),
relativas à eloquência, impingem à a retórica aristotélica “é primariamente
arte retórica um caráter moral e social. uma técnica de argumentação, mais do
Sócrates e Platão criticaram a retórica que de ornamentação”. Cabe aqui des-
ensinada pelos sofistas (séc. V a.C), tacar que, na Antiguidade, o conceito de
justamente pelo fato de os mesmos con- retórica como a teoria do embelezamento
ceberem a arte da eloquência como uma do discurso foi amplamente defendida
atividade de mera persuasão, sem que se por Bacon, em consonância com o que
desse atenção alguma para o conteúdo ou preconizava Quintiliano, para quem a
para a veracidade dos fatos. A concepção retórica era a ciência do bem dizer.
de oratória como sendo um conjunto Conforme se lê na Grande Enciclo-
de técnicas centradas nas habilidades pédia Larousse Cultural, Cícero, que
verbais do orador e na ornamentação associou a retórica à filosofia, chamando-
dos discursos é questionada por Platão, -a de ratio dicendi, deixa clara a sua
que, em alguns dos seus diálogos, vê a opinião de que a arte retórica exige
eloquência sob a ótica da verdade e sabe- sólidos conhecimentos, não se reduzindo
doria. Aristóteles, que também criticou à mera aplicação mecânica de regras de
os sofistas, reivindica, igualmente, para eloquência.
a retórica um papel mais nobre do que Como bem observa Martins (1997,
o da simples persuasão. Segundo alguns p. 18), na visão desses estudiosos, o dis-
estudiosos, ele não só teria avançado, curso representa o fundamento da socie-
mas concluído toda uma era de críticas dade humana, o meio pelo qual o homem
concernentes aos aspectos da arte do expressa sua sabedoria. Sendo assim, a
discurso. educação para o bom uso da palavra é
Em seu tratado sobre retórica, es- defendida como a mais benéfica e dese-
crito possivelmente em 339-338 a.C., jável. Martins assegura que esse ideal
Aristóteles, no livro I, ao atribuir parti- foi mais tarde defendido magnificamente
cular relevo às provas (argumentações por Cícero, bem como por Quintiliano,
demonstrativas) da causa em questão, e continuado pela Idade Média e pelo
procura mostrar que a retórica, não me- Classicismo, desempenhando importan-
nos que a lógica, tem sua própria espécie te função educativa.
de rigor intelectual. É tarefa do orador Por outro lado, é relevante registrar a
conduzir racionalmente o que pretende explicação de Barnica (1987, p. 70) sobre
demonstrar. Nesse sentido, Aristóteles eloquência e locução, já que o presente
destaca como ponto central não só o que estudo segue essa linha de reflexão:

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Actualmente la Elocuencia junto com la enunciada ser apresentada por meio
Elocución, la Poética y la Didáctica, son de um ato discursivo que visa provocar
estudiadas como las partes em que se divide
la Literatura Preceptiva, por cuanto ésta da efeitos sobre os seus ouvintes/leitores
reglas interrelacionadas para las cuatro ma- demonstra que as regras de elaboração
térias referidas, cumpliendo así su cometido dos discursos às quais esse estudioso se
educativo y su función cultural.
refere incluem a presença do locutor em
Pertinente é acrescentar aqui os situação de interação comunicativa. A
diferentes papéis ou funções atribuídas afirmativa de que a oratória formula re-
por esse estudioso à locução (elocución) gras para a elaboração dos discursos ser-
e à oratória. Para Barnica (1987, p. 70), ve de testemunho de que esse estudioso
la Elocución es la que proporciona reglas não menospreza o fato de alguns fatores
‘aplicables a toda clase de obras o composi- pragmáticos determinarem a distribui-
ciones. La Oratoria formula reglas para la
ção de formas gramaticais. A incidência
elaboración de los discursos y, como teoria
de la elocuencia, puede definírsele como el de convenções linguísticas e convenções
arte de convencer y persuadir deleitando. extralinguísticas, nas situações enun-
ciativas, tem sido amplamente estudada
Para Barnica (1987, p. 70), toda a
e discutida por aqueles que acreditam
classe de obras e textos produzidos re-
que as propriedades da linguagem são
sulta de regras advindas da locução (elo-
determinadas por uma contextualidade
cución). A locução é para ele a matéria
dita “accional” (cf. PARRET, 1988).
que proporciona as regras a serem apli-
No que concerne aos estudos da
cadas à produção textual como um todo.
oratória, o papel atribuído por Barnica
Conforme se vê, esse estudioso, tal qual
(1987, p. 70) à estética, à psicologia, à
Aristóteles, confere preponderância aos
lógica e à gramática também merece
meios/modos de produção do enunciado,
ser comentado. Para ele, cabe à estética
nos quais o sujeito enunciador desponta
investigar a natureza do belo e esta-
como figura de destaque. Entendo que
belecer as bases filosóficas em que se
para Barnica as regras geradas pela
sustentam as regras artísticas, enquanto
locução se voltam para o enunciador,
à psicologia cabe estudar os fenômenos
ou seja, para a intervenção explícita do
do espírito humano e à lógica o papel de
sujeito na construção dos enunciados.
ensinar como dirigir ou estruturar bem
Nesse sentido, o sujeito é parte corpora-
os pensamentos e, finalmente, à gramá-
tiva do processo de constituição daquilo
tica, via literatura, caberia o papel de
que enuncia.
ensinar a falar e escrever com pureza e
No entanto, é na definição de oratória
correção. Sabe-se que, etimologicamente,
como “a arte de convencer e persuadir
a gramática é sinônimo de literatura, ou
deleitando” que o caráter dialógico da
seja, que consiste justamente na arte de
linguagem se torna visível, nas conside-
falar e escrever bem.
rações de Barnica. O fato de a matéria

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Os estudos de retórica entre os gregos linguísticas do tipo retórico. Psicológico
privilegiariam, na organização do discur- porque, cabendo à retórica a expressão
so, a forma como o orador estruturava a (seu rhethón) de conceitos, pareceres,
sua fala, no sentido de levar o auditório ideias e visões de mundo, sua formulação
a aderir a um ponto de vista por ele ou construção não pode se dar indepen-
defendido. A Encyclopédia americana dentemente daquilo que o falante/orador
– international edition (1965, p. 245, deve prefigurar como pertencendo aos es-
v. 2) registra que na base das discussões quemas mentais dos seus interlocutores.
aristotélicas sobre retórica há uma im- Essas ações, assim como outras de
plicação psicológica. Para Aristóteles, a natureza não linguística, visam à obten-
retórica estaria ligada às habilidades do ção de um resultado. No caso do discurso
orador em determinar e praticar formas argumentativo, a busca da persuasão e o
de persuasão. Vejamos: convencimento é a meta. Nesse sentido,
At the base of Aristotle’s discussion of rhe- o falante age sobre o ouvinte, tornando-o
toric there is a psychological implication, parte do processo discursivo em causa.
for he conceives rhetoric to be the ability No que concerne a um dado objeto-de-
to determine and to practice the possible
ways of persuading men in any given sub- -discurso, subentende-se, daquilo que
ject. Rethoric as an art of persuasion may foi observado, que pela atividade de
function in three distinct categories: it may linguagem o falante age sobre as ideias,
(1) indicate that some plan for the future is
useful or harmful, (2) signify the legal im-
a visão de mundo, bem como sobre a
plications of a previous action, and (3) illu- vontade do ouvinte.
minate the character of nature of an action Embora essas discussões de cunho
in the present. The methods of persuasion,
discursivo ressaltem aspectos psicológi-
however, are divided into (1) the impact of
the speakers’s character upon his audience, cos e, portanto, cognitivos da linguagem,
(2) the arousing of the emotions, and (3) não avançam no quesito cognição e so-
the advancement of pertinent arguments, ciedade. No entanto, deixam evidências
lucidity, and choice of appropriate words
and sentiments. de que um enfoque completo de questões
concernentes aos mecanismos de persua-
A natureza psíquico-social dessa for- são e convencimento abrange aquilo que
ma de manifestação linguística foi, como se tem chamado, nas vertentes sociocog-
se pode observar, retratada nos estudos nitivas da linguística, de cognição social
aristotélicos e volta à baila nos estudos (para uma discussão da relevância de tal
linguístico-discursivos que buscam en- tipo de enquadre, ver van Dijk, 2012).
fatizar o controle que uma pessoa pode Esse movimento de apropriação das
exercer sobre uma dada situação social formas linguísticas adequadas ou perti-
mediante o tipo de texto por meio do qual nentes à reação que o falante, pela ação
se manifesta. retórica, busca desencadear no ouvinte,
Destaca-se da citação o caráter psi- só pode ser entendido a partir de uma
cológico que se pode atribuir às ações

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descrição que tome em conta relações revelam um enfoque mútuo: psicológico
sujeito-objeto particulares (experiencial) e sociológico desse tipo de discurso que,
ligadas a um meio social. por sua vez, só pode ser compreendido e
Dessa forma, quando se reflete sobre produzido num contexto social (político
a constituição do discurso argumentativo e cultural) específico.
não se podem menosprezar, conforme A natureza psíquico-social da oratória
sugere Perelman (1999, p. 16), as con- é avultada por Perelman (1999) em outra
dições psíquicas e sociais a partir das passagem de sua obra, ao ressaltar que
quais é construído o verdadeiro objeto [...] o pensamento argumentativo e a ação
de estudo da argumentação, a saber, por ele preparada ou determinada estão
as formas pelas quais os indivíduos são intimamente ligados. É por causa das rela-
ções que a argumentação possui com a ação
influenciados por meio do discurso, ou, – pois ela não se desenvolve no vazio, mas
dito de outra maneira, a intensidade numa situação social e psicologicamente
de adesão do auditório a certas teses. determinada – que ela compromete pratica-
mente todos os que dela participam (p. 65).
Ao ressaltar que a demonstração lógica
difere da argumentação justamente por Esse ponto de vista parece sustentar,
aquela, contrariamente a esta, não se previamente, a ideia de que os processos
interessar pela gênese dos elementos cognitivos acontecem também na socie-
fornecidos pelo construtor dos objetos dade e não apenas nos indivíduos, tal
de predicação em causa, é que os as- como vêm defendendo muitos linguis-
pectos psíquico-sociais da linguagem tas da atualidade, como Ingedore Koch
argumentativa assumem esse papel pre- (2001, 2005), Koch e Marcuschi (1998),
ponderante na obra de Perelman (1999). entre nós, e Teun van Dijk (1999, 2003,
Nas palavras de Perelman (1999, p. 16), 2012), no exterior.
toda a argumentação visa à adesão dos
espíritos e, por isso mesmo, pressupõe Sujeito, forma e sentido
a existência de um contato intelectual
(grifo do autor). Assim, quando se tra-
na linguagem: algumas
ta, por exemplo, do domínio discursivo reflexões críticas
político, submerge, na busca da persu-
asão e do convencimento, aquilo que é Há evidências, na literatura linguís-
vivenciado, conhecido ou reconhecido tica, passíveis de sustentar a ideia de
e compartilhado pelas partes, ou seja, que o exame de uma ocorrência ou forma
pelos sujeitos, instituições e contextos linguística centrada na imanência do
que o constituem. sistema linguístico (código), sem levar
Os três princípios aristotélicos do em conta a influência dos processos so-
funcionamento da atividade retórica, ciais sobre essa ocorrência, é considerar
complementados pelos três métodos de o fenômeno de forma parcial e incom-
persuasão, arrolados anteriormente, pleta. No entanto, tal procedimento,

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ou concepção de estudo da linguagem, za interdisciplinar dentro das ciências
não deve servir apenas para fortalecer sociais, permite tratar o discurso como
algumas tendências ideológicas que de- prática social, além de possibilitar uma
sobrigam o linguista pesquisador a lidar aproximação analítica das dimensões
com o indivíduo, com o seu envolvimento sintática, semântica e pragmática de
efetivo na produção e reconhecimento de uma língua. Enfocar o discurso como
formas, atribuindo a ele, via linguagem, prática social, nessa perspectiva teórico-
uma posição secundária de assujeita- -analítica, implica investigar os pro-
mento ao poder. Esse posicionamento cessos pelos quais uma língua passa,
reducionista perante o sujeito da enun- o seu trabalho ininterrupto de moldar
ciação pressupõe que quem fala é uma a realidade (práticas sociais) e de se
instituição. Tal quadro teórico destitui deixar moldar pelas práticas linguístico-
o linguista do seu dever de trabalhar -discursivas. Nesse sentido, discurso é
com línguas naturais, a saber, com a entendido como elemento que molda e é
linguagem enquanto atividade constitu- moldado pelas práticas sociais via práti-
tiva, tal como sugere, entre nós, Carlos cas linguísticas. Sabe-se que um sistema
Franchi (1992). Não é o caso, também, de linguístico não é neutro e os discursos
aceitar de forma passiva a noção de um ali veiculados podem refletir, de algum
“subjetivismo idealista” na linguagem, modo, posições ideológicas e costumes.
que, como sabemos, constitui, junto com Daí, a necessidade de se buscar uma
a noção “subjetivismo abstrato”, objeto síntese entre estudos de forma e função,
de crítica para Bakhtin (1981), mas de visando ao estudo do processo.
sugerir que as subjetividades humanas e A presente reflexão – que se volta
os usos linguísticos devem ser avaliados para argumentação e seus efeitos so-
em contextos sociais e culturais. bre a linguagem e processamento dos
Fairclough (2001) concebe o sujeito discursos – sugere integrar de modo
(ator ideológico) não apenas como agente efetivo os estudos da gramática funcional
do processo linguístico-discursivo do qual de Halliday (1994) com a teoria social
faz parte, mas como um sujeito que é a do discurso, tal como tem sido propos-
um só tempo construído no âmago desse ta por Fairclough (1991, 1992, 2001),
processo e construtor do mesmo. Veem- numa tentativa de buscar suplantar as
-se, aí, condições de se superar mais uma tradicionais dicotomias e polarizações
das dicotomias, além de “forma” e “uso” entre forma e função, sujeito e objeto de
na linguagem, que se apresenta no inte- predicação, e que privilegie, sobretudo,
rior dos estudos linguísticos, qual seja, o o processo constitutivo das práticas
“objetivismo abstrato” e o “subjetivismo linguístico-discursivas. Além disso, o
idealista”. que mais cabe destacar é que esse po-
A análise de discurso crítica, uma sicionamento reflexivo signifique uma
área da linguística que, por sua nature-

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contribuição efetiva para os estudos história, e que buscam agir uns sobre
do discurso, voltados para uma prática os outros pela atividade de linguagem.
social transformadora. Espera-se que a
compreensão dos eventos comunicati- Entre o convencer e o
vos, como sendo, a um só tempo, prática
social, prática discursiva e prática lin-
persuadir: as práticas
guística, lance luz sobre os estudos em sociais
torno do modo argumentativo, elemento
semiótico que reflete processos discursi- Sabe-se que a retórica, após ser
vos e socioculturais ligados a estruturas desvinculada de sua concepção argu-
sociais. mentativa advinda dos gregos, passou
A análise dos mecanismos da persua- a ser considerada como recurso de em-
são e do convencimento nos diferentes belezamento do texto. Modernamente,
gêneros textuais/discursivos podem se porém, os estudos retóricos retomam a
valer de uma concepção de linguagem antiga acepção e abordam, sobretudo,
como “atividade” constitutiva. Propõe-se os discursos como ação sobre o outro,
buscar nos traços linguístico-discursivos preocupando-se com as estratégias em-
da língua em uso as marcas dessa ativi- pregadas pelo locutor para conseguir
dade que, em condições propícias, afeta convencer ou persuadir o alocutário.
comportamentos e/ou os naturaliza, cria Os estudos argumentativos ou retóricos
identidades, impõe/contesta posições alcançam uma dimensão maior nas pes-
ideológicas. Nesse sentido, compreende- quisas linguísticas quando do surgimen-
-se que o estudo da argumentação na lin- to da pragmática, que apresenta como
guagem não deva ser feito desvencilhado seu objeto de estudo as características
de um enfoque linguístico de caráter concernentes à utilização da linguagem,
enunciativo, ou seja, do ato mesmo de em oposição ao seu aspecto sintático e
produção do enunciado e dos seus efeitos semântico. Charles Morris (1938), na
sobre as práticas sociodiscursivas. obra Foundation of the theory of signs,
Apresento, a seguir, duas seções que aproxima a pragmática da retórica aris-
tratam especificamente da questão do totélica. Segundo ele:
convencimento e da persuasão, bem Historically, rethoric may be regarded as an
early and restricted form of pragmatics, and
como do caráter ideológico da linguagem,
the pragmatics aspect of science has been
como uma série de discussões cuja gêne- a recurrent theme among the expositors
se se assenta nos estudos linguísticos ar- and interpreters of experimental science.
gumentativos que, desde a Antiguidade Reference to interpreter and interpretation
is common in the classical definition of signs
Clássica, tendem a considerar a língua (p. 30).
em sua concretude, ou seja, como espaço
em que se encontram envolvidos, inte- Ao citar Aristóteles, diz o autor que
rativamente, seres reais, que têm uma “Aristotle, in the De interpretatione,

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speaks of words as conventional signs do interlocutor, pelo seu consentimento,
of thoughts which all men have in com- pela sua participação mental (p. 18).
mon…” (p. 30). Segundo Morris, as pa- O efeito que o ato de argumentar deve
lavras de Aristóteles contêm aspectos provocar no ouvinte, qual seja, o de en-
que se tornaram tradicionais na teoria volvimento com o dito, evoca a visão dia-
dos signos. lógica da linguagem, tão defendida nas
Perellman e Olbrechts-Tyteca (2000), mais recentes discussões linguísticas e,
na obra Tratado de argumentação – a como se pode perceber, também presen-
nova retórica, apresentam uma visão te em concepções advindas da retórica
atualizada acerca dos estudos sobre clássica. A teoria enunciativa de Émile
argumentação. Tal visão é construída Benveniste, ao negar o caráter puramen-
por eles na base de um contraponto feito te instrumental da linguagem, também
entre a demonstração lógica e a argu- concebe a língua como um dispositivo
mentação. Segundo esses estudiosos, “o que serve ao propósito de influenciar o
lógico formalista considera alheias à sua comportamento do alocutário. A própria
disciplina a gênese dos elementos forne- maneira como Benveniste define discur-
cidos por aquele que os construiu, sejam so revela essa característica. Benveniste
eles verdades impessoais, pensamentos (1988, p. 267) ainda sugere que é preciso
divinos, resultados de experiência ou entender discurso na sua mais ampla
postulados peculiares ao autor” (p. 16). extensão, como toda a enunciação que
No entanto, sempre segundo Perelman suporta um locutor e um ouvinte; e, no
e Olbrechts-Tyteca, quando se trata de primeiro, a intenção de influenciar o ou-
questões concernentes à argumentação, tro de algum modo [...]; enfim, todos os
ao influenciar por meio do discurso e não gêneros em que há alguém se dirigindo
demonstrar uma proposição, a inten- a outrem, enunciando-se como locutor e
sidade de adesão do auditório a certas organizando o que diz na categoria da
teses já não pode ser menosprezada, a pessoa.
menos que sejam ignoradas as condições Não é difícil perceber que a retórica
psíquicas e sociais sob as quais essas te- deixou seus herdeiros no interior dos
ses são construídas, o que destituiria da estudos linguísticos. Os conceitos de
argumentação seu objeto e efeito. “papel”, “lugar”, “imagem”, apontados
A argumentação, de acordo com eles, pelas teorias do discurso e estudos per-
visa provocar ou incrementar a adesão tinentes às teorias argumentativas, nos
dos espíritos às teses apresentadas ao quais se buscam analisar os mecanis-
seu assentimento e, por isso mesmo, mos de persuasão no discurso, servem,
pressupõe a existência de um contato in- igualmente, de exemplos dessa herança.
telectual, caracterizando-se como ato de As reflexões de Perelman e Olbrechts-
persuasão. Para argumentar, dizem os -Tyteca, em particular, vêm impulsio-
autores, é preciso ter apreço pela adesão nando os estudos linguísticos sobre a

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argumentação, principalmente no que do orador frente ao seu auditório é con-
concerne à prática do convencimento siderada por tais estudiosos como algo
e da persuasão pela linguagem. Para relativo àquilo que, de forma mais ou
Perellman e Olbrechts-Tyteca (2000, menos consciente, cada orador pensa
p. 22), que, muito apropriadamente, sobre aqueles que constituem o auditório
consideram o convencer e o persuadir ao qual se dirigem seus discursos. À luz
como características da linguagem, na desse corolário, a persuasão e o conven-
parte de sua obra intitulada “o orador e cimento são atos premeditados. Asse-
seu auditório” afirmam ser a argumen- gurar o condicionamento do auditório
tação relativa ao auditório que o orador às teses apresentadas a ele é, conforme
procura influenciar, já que visa obter a se pode presumir, a meta de um orador
adesão daqueles a quem se dirige. Eles perante uma assembleia. Isso elucida a
definem auditório como o conjunto da- ideia desses autores, segundo os quais,
queles que o orador quer influenciar e para quem se preocupa com o resulta-
caracterizam os atos de convencimento do, ou seja, com o desencadeamento da
e persuasão da seguinte maneira: ação imediata, persuadir é mais do que
1 - O ato de convencer conduz a cer- convencer. O convencimento (plano das
tezas, por dirigir-se unicamente ideias/razão) não passa da primeira fase
à razão, através de um raciocínio que conduz à persuasão (plano da ação).
estritamente lógico e por meio de No entanto, quem está preocupado com
provas objetivas, sendo capaz, o caráter racional da adesão, buscando
então, de atingir um “auditório criar no ouvinte uma disposição para a
universal”. Quando somos con- ação pretendida – que se manifestará no
vencidos, asseveram os autores, momento oportuno –, convencer é mais
somos vencidos apenas por nós do que persuadir. Os autores propõem
mesmos, pelas nossas ideias. chamar de persuasiva uma argumen-
2 - O ato de persuadir procura atin- tação que pretende valer só para um
gir a vontade, o sentimento do in- auditório particular e de convincente
terlocutor ou dos interlocutores, aquela que deveria obter a adesão de
sendo, nesse caso, dirigido a um todo ser racional.
“auditório particular” levando-o O que foi exposto atesta que a língua
a inferências por meio de argu- em uma relação de interação social é
mentos plausíveis e verossímeis; caracterizada, através do discurso, pela
tem caráter ideológico, subjetivo argumentatividade. O discurso, por sua
e temporal. Quando somos per- vez, traduz-se em ação verbal dotada de
suadidos, asseguram os autores, intencionalidade. O locutor se manifesta
sempre o somos por outros. pela linguagem, com o intuito de atingir
Cumpre salientar que a busca pelo significativamente o seu alocutário, de
convencimento e persuasão por parte maneira a influir no seu comportamento

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segundo a visão que carrega do mesmo. argumentação sem que se pense na in-
Essa interferência de aspectos sociais na teração, mais especificamente, na inte-
linguagem se dá tanto sobre o ouvinte ração discursiva, ou seja, na pragmática
quanto sobre o falante. O falante age in- da interlocução.
tencionalmente sobre o comportamento Os diversos estudos sobre oratória
do ouvinte e este tem o seu comportamen- que floresceram na antiguidade com os
to modificado à medida que é persuadido gregos, cuja tradição foi seguida pelos
a posicionar-se perante determinado fato romanos, demonstram o fascínio des-
ou praticar uma ação. Nesse sentido, o pertado pelos efeitos práticos da lingua-
papel linguístico-discursivo de algumas gem. Ao estudarem os diferentes usos
categorias analíticas não pode ser rele- da linguagem, as mentes especulativas
gado a um segundo plano, pois através dos gregos, concebem-na não só como um
delas é possível identificar a contribuição meio de expressão artística, mas como
do locutor, ao caracterizar determinados instrumento a serviço da verdade e agen-
referentes e perceber o jogo argumentati- te de persuasão. Os discursos políticos,
vo explicitado. A contribuição do locutor amplamente estudados pelos gregos, re-
deve ser entendida, aqui, em termos velam sua natureza constitucionalmente
dos processos que permitem ao falante, combativa e competitiva. Estando eles
pela prática da linguagem, representar destinados à ação, ou seja, a obter como
na língua enquanto produto o resultado resultado uma ação específica por parte
dessa prática. Nesse sentido, a caracte- dos ouvintes. O modo retórico delibera-
rização dos referentes se faz por meio tivo, ao qual faço referências no início
das noções apreendidas socialmente deste artigo, demonstra que Aristóteles
e/ou culturalmente e das propriedades confere status praxiológico à retórica,
atribuídas ou reconhecidas pelo sujeito situando-a na esfera da ação humana.
falante como inerentes ao objeto de re- O discurso argumentativo na lingua-
ferência em jogo. gem parlamentar, por exemplo, tema
abordado por Barros (2008, 2009) à luz
Sustentação ideológica e da perspectiva teórico-metodológica de

argumentatividade: um Fairclough (1992, 2001), descortina todo


um sistema de crenças, ou atitudes de
retorno à pragmática um grupo social, que podem ser avalia-
das sob o ponto de vista dos efeitos prá-
Levar a cabo um estudo de natureza ticos ou interesses sociais que procuram
linguístico-discursiva, tal como o é o promover. Fairclough (2001, p. 116)
estudo da construção da argumentativi- permite um acercamento das práticas
dade na linguagem, presume a incorpo- discursivas (produção, distribuição e con-
ração de elementos de relevância social, sumo textual) como formas materiais de
logo ideológica. Não há como tratar a ideologia. É justamente a materialidade

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das ideologias nas práticas das institui- na linguagem da política é sustentar
ções que permite tal acercamento. Como posicionamentos ideológicos. Dentre
parte integrante das estruturas sociais, as práticas sociais linguísticas ou não
as ideologias exibem, incluem, controlam linguísticas, o discurso, inegavelmente,
as relações de poder e dominação entre desempenha um papel preponderante na
os grupos (movimentos sociais, classes, reprodução das ideologias. Os textos são
organizações). Essa tomada de posição instrumentos linguísticos determinantes
frente à ideologia remonta a Gramsci das relações de força, das sustentações
(1971) e Althusser (1971), que veem nas ideológicas e consolidação de valores. A
ideologias muito mais que um sistema análise de discurso crítica se esforça jus-
de crenças. Para eles, assim como para tamente em tornar explícitas as relações
Fairclough, as ideologias se materiali- de poder que, com frequência, acham-se
zam no seio de instituições como a igreja, ocultas. Ela procura extrair resultados
a escola, a família e o partido político. A que apresentem alguma pertinência
ideologia é articulada e adquirida nas prática (WODAK, 2003, p. 36). É nesse
práticas dessas instituições. Esse pressu- sentido que a luta ideológica passa a ser
posto impulsiona os estudos do discurso vista por Fairclough (2001) como com-
como prática social. ponente das práticas discursivas. Seu
Para Thompson (1984, 1990), são ideo- interesse recai sobre as transformações
lógicos determinados usos da linguagem dessas práticas e das ideologias nelas
que, em circunstâncias específicas, ser- configuradas.
vem para estabelecer ou manter relações A linguagem da política, que nos
de dominação. Tal enfoque sociológico é vem servindo de exemplo ao longo deste
também defendido por van Dijk (1999, artigo, revestida de um estilo retórico,
p. 23), para quem as ideologias não são enquanto linguagem do poder, não se faz
construções individuais, idealistas, mas alheia aos sujeitos que dela se servem
construções sociais compartilhadas por para seus propósitos persuasivos. Cum-
um grupo. Portanto, apresenta-se, aqui, pre salientar que utilizo o termo “estilo
como objeto efetivo de reflexão, a situa- retórico”, tal qual registra Armando
ção na qual a comunicação constitui Plebe (1992, p. 31), no sentido de “estilo
instrumento de poder. combativo” (stilus pugnax), em oposição
A fala pública, por exemplo, ampla- ao “estilo dialético”, de natureza colabo-
mente estudada na retórica clássica e rativa. É oportuna, aliás, a referência
retomada na nova retórica, se reveste de que Plebe (1992, p. 31) faz daquilo que,
poder na medida em que se caracteriza segundo Quintiliano, na obra. De institu-
por ser a linguagem da decisão, que re- tione oratória (oitavo livro, p. 32), cons-
gistra e modifica decisões. Nesse sentido, tituía tarefa dos retóricos: nos, rhetores
é possível assegurar que argumentar armatos stare in aciem (nós, retóricos,
estejamos sempre em pé de guerra).

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Isso faz lembrar que, para Fairclough debate em torno das condições reais de
(2001, p. 116), encarar o discurso como existência dos indivíduos envolvidos na
prática social inclui a concepção de prática discursiva parlamentar e a forma
Althusser (1971) de que a ideologia imaginária (ideológica) que lhes serve
“interpela os sujeitos”, ou seja, que não de referência nas suas relações sociais.
se deve ignorar nos estudos discursivos Conforme aponta Barros (2008), ma-
um dos mais significativos efeitos ideo- nifestações discursivas concretas, como
lógicos, que é a constituição dos sujeitos. o são os discursos produzidos no espaço
No entanto, se por um lado o sujeito é de força e poder do Parlamento Nacional,
construído ideologicamente nas socie- permitem ver de que maneira as ideolo-
dades caracterizadas por relações de do- gias são expressas, senão vividas, por
minação, por outro, ele é capaz de reagir seus praticantes e como funcionam no
às práticas ideológicas que o expõem. É interior dessa situação social. Segundo
nesse ponto que a concepção de consti- a pesquisadora, o estudo de tais discur-
tuição ideológica dos sujeitos defendida sos assenta-se sobre uma prática social
por Fairclough difere da de Althusser. A propícia à reflexão de algumas formas
reflexão acerca da constituição ideológica de manifestação da ideologia sexista, já
dos sujeitos encampada por Fairclough que os textos selecionados (produzidos
engloba a questão da resistência. Eu por parlamentares homens e mulheres)
diria que, mesmo reconhecendo que as para levar a cabo suas pesquisas versam
ideologias formem os sujeitos, Fairclough sobre questões concernentes à mulher.
os coloca em um estado no qual são Teun van Dijk (1999, p. 19) defen-
capazes de reagir às exigências de suas de o ponto de vista de que, mesmo os
condições de existência. Ao enfatizar discursos não sendo as únicas práticas
a necessidade de se criar/desenvolver sociais baseadas na ideologia, eles são
uma consciência crítica dos processos fundamentais para a sua formulação e,
ideológicos no discurso, esse estudioso logo, para a sua reprodução social. Nas
sublinha a capacidade de os sujeitos se palavras desse estudioso, se quisermos
reestruturarem e se oporem às práticas saber que aparência as ideologias apre-
ideológicas. sentam, como funcionam ou, ainda,
A crença na estabilidade relativa das como se transformam e reproduzem,
relações de dominação justifica a afir- necessitamos observar detalhadamente
mativa de Fairclough (2001, p. 121) de suas manifestações discursivas. Nesse
que, sob determinadas condições sociais, contexto, o discurso parlamentar, ar-
é possível opor sujeito “efeito ideológico” gumentativo por natureza, representa
a sujeito “ativo”. Em estudo específico uma dessas manifestações, ou instâncias
sobre a questão do gênero social femi- discursivas, pertinentes ao estudo das
nino no discurso parlamentar, Barros ideologias.
(2008, 2009) encontra espaço fértil de

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Subjacente à afirmativa de van Dijk, Avulta das considerações tecidas um
estudioso que vem se debruçando ar- aspecto particular caracterizador do
duamente sobre a retórica persuasiva dinamismo da linguagem, que é o lugar
do debate parlamentar (cf. VAN DIJK, ocupado pelos sujeitos que lançam mão
2008), reside a questão da luta no discur- de argumentos relativos aos seus objeti-
so, ou seja, da transmissão persuasiva vos comunicativos e objetos de discurso.
das ideologias por meio dos textos. A luta Nesse sentido, defrontamo-nos com uma
ideológica é apontada por Fairclough subjetividade enunciativa que extrapola
(2001, p. 117) como elemento constitutivo os limites de uma consciência empírica
das práticas discursivas. do sujeito. Pela enunciação que o cons-
Reflexões sustentadas na análise de titui, ele mobiliza um ou mais coenun-
discurso crítica sugerem que as desigual- ciadores, fazendo-os aderir ou refutar
dades sociais expressas e legitimadas o universo de significações ou sentidos
pelas práticas linguístico-discursivas atribuídos histórica e culturalmente aos
podem ser abordadas pelo viés dos objetos de predicação. O enunciador é,
efeitos argumentativos-persuasivos da para mim, o grande tecelão do mundo
linguagem. O gênero social é apenas uma representado nos eventos comunicativos
das dimensões sociais e linguística que de que participa. Nesse sentido é que
podem ser investigadas do ponto de vista cabe nos estudos da argumentação, ou
da argumentatividade na linguagem. da construção argumentativa dos textos,
No que concerne ao papel decisivo dos aproximar teorias de textos e discursos
textos em inculcar, sustentar e transfor- das teorias sociológicas, assumindo,
mar as ideologias, estudiosos como os portanto, um posicionamento multi-
citados são unânimes em afirmar que disciplinar perante a investigação dos
determinados usos da linguagem são fenômenos linguísticos.
ideológicos.
Argumentation and language:
Considerações finais from the rhetoric to the concept
of discourse as social practice
Um conjunto de considerações prag-
mático-discursivas constitui o cerne da Abstract
história da retórica. O retorno à retórica
Current investigation deals with
faz sentir que muitas das preocupações argumentation when compared with
atuais dos estudiosos da linguagem, the issue of conviction and persua-
no que concerne à eficácia da palavra, sion in language and their ideological
assentam-se em preceitos advindos dos stance. Analysis underscores two ora-
tory genres, following Guiraud (1956)
clássicos e dos teóricos contemporâneos and Marcuschi (2004), and according
da argumentação. to the classical Rhétorique a Heren-

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