UPLOAD A Lusitania e A Iberia
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A Lusitania e a Iberia
Um estudo da mudança na urbanização pré e pós-
romanização
(DA PRÉ-CONQUISTA ROMANA AO BAIXO IMPÉRIO - SÉCULOS II A.C. A V D.C.)
Conimbriga
S ÃO P AULO - 2013
Versão Corrigida
A versão original encontra-se na Biblioteca do MAE-USP
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IRMINA DONEUX SANTOS
A Lusitania e a Iberia
Um estudo da mudança na urbanização pré e pós-
romanização
(DA PRÉ-CONQUISTA ROMANA AO BAIXO IMPÉRIO - SÉCULOS II A.C. A V D.C.)
Versão Corrigida
A versão original encontra-se na Biblioteca do MAE-USP
São Paulo
2013
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4
Resumo
Embora o estudo da Lusitania romana sofra pela limitação imposta pela escassez dos
dados arqueológicos disponíveis e/ou publicados, foi possível observar a existência de um
padrão na urbanização introduzida por Roma na Lusitania, que é visível nos fora e demais
elementos urbanos, distinto do antigo urbanismo local pré-existente.
5
Abstract
The present work tried to exhibit the change in urbanization of Lusitania starting
from the study of the fora and other monumental structures introduced by Romans from the
new Augustan territorial organization of the final of Ist century B.C. For this the pre-Roman
Iberic settlements were presented with emphasis in those existent in the future territory of
Lusitania, the process of Roman conquest and the Roman urbanism, the description and
analysis of the forensic and public Roman architectures, which served as subsidiary material
for the analysis of two case studies, the cities of Ammaia and Conimbriga, chosen because
they presented distinct implantation and archaeological research histories. Other Roman
settlements , in a more restricted form, were included in the Documental Corpus, which
served as comparison in the analysis, specially the provincial capital, Augusta Emerita
(Merida).
Though the study of Roman Lusitania suffers the limitation imposed by the scarsity
of available and/or published archaeological data, it was possible to observe the existence of
a pattern in the urbanization introduced by Rome in Lusitania, which is apparent in the fora
and further urban elements, distinct from the old pre-existing local urbanism.
6
Comentário à Versão Corrigida
Esta versão da minha tese de doutoramento passou por uma revisão após a defesa,
corrigindo alguns erros de digitação, falhas na bibliografia e, especialmente, melhorando a
sua diagramação.
Agradecimentos
Em primeiro lugar, gostaria de expressar minha gratidão à Profª Drª Maria Isabel
D’Agostino Fleming, que generosamente aceitou ser minha orientadora e, paciente e
incansavelmente, ajudou a elaborar e concluir esta tese, apesar de todos os percalços e
dificuldades pelos quais passamos ao longo desses anos. Mabel, muito obrigada.
Sou muito grata pelo apoio acadêmico ao Prof. Dr. Carlos Fabião, da Unidade de
Arqueologia da Universidade de Lisboa. Sua ajuda foi fundamental para colocar em
perspectiva as informações e, principalmente, as dúvidas encontradas no estudo das cidades
romanas na Lusitania. E à Profa. Dra. Helena Paula de Abreu Carvalho, da Unidade de
Arqueologia da Universidade do Minho, que gentilmente me acolheu em Braga e nas
escavações em Vieira do Minho, juntamente com seu marido, Prof. Dr. Francisco Azevedo
Mendes.
7
Às Profas. Dras. Silvana Trombetta e Elaine Farias Veloso Hirata, pela leitura
cuidadosa e sábios conselhos recebidos na Qualificação, e durante todo o processo de
elaboração da pesquisa.
Provavelmente, deixarei de citar pessoas que me ajudaram durante esses anos, mas
não posso deixar de agradecer aos amigos que trabalham na Biblioteca do MAE, pois além
de aguentarem estoicamente minha presença nem sempre silenciosa, atenderam sempre com
gentileza e presteza – quando possível – às minhas solicitações. E também aos amigos da
Seção Acadêmica, que estavam lá quando precisei.
Por fim, sou grata à CAPES, que financiou com uma bolsa de doutorado as
pesquisas; e à FAPESP, pela ajuda financeira em Portugal.
8
Índice
Introdução ....................................................................................................... 13
Capítulo 1. A Península Ibérica Pré-Romana .............................................. 19
1. Resumo Histórico ................................................................................... 19
2. Assentamentos e cidades indígenas da Península Ibérica .................. 23
2.1. Complexidade Regional e Metodologias ...................................... 23
2.2. Os Povos Ibéricos ........................................................................... 28
Oppida e outros tipos de assentamentos na Europa Central .............. 29
Os assentamentos celtas na Península Ibérica: Castros e Oppida ..... 33
A questão da definição dos assentamentos urbanos pré-romanos ...... 39
3. Antecedentes de Ammaia e Conimbriga ............................................... 42
Ammaia ................................................................................................ 42
Conimbriga .......................................................................................... 44
Ammaia e Conimbriga ........................................................................ 45
Lusitania .................................................................................................... 51
9
3. O complexo fórum-capitólio/templo de culto imperial ....................... 81
Fóruns ........................................................................................................ 85
10
Teatros romanos ..................................................................................... 140
11
6.3. Portas ....................................................................................................... 231
6.4. Malha urbana (rede de ruas e insulae) .................................................... 234
6.5. Termas .................................................................................................... 239
6.6. Fórum ...................................................................................................... 242
Fórum Augustano ..................................................................................... 243
Fórum Flaviano ....................................................................................... 245
Debates sobre o Fórum Flaviano ............................................................ 256
Possibilidade de existência de um segundo Fórum Municipal ................ 262
7. Reconstruções de Conimbriga ....................................................................... 264
12
Introdução
Devo começar a introdução desta pesquisa a partir do que foi proposto inicialmente
e, ao mesmo tempo, tentar demonstrar os limites encontrados para a sua realização. Eram
objetivos que, por si sós, cada um deles, exigiria uma tese específica, ou o trabalho de uma
vida.
O segundo objetivo pretendido era comparar os fóruns lusitanos com os das demais
regiões romanas buscando, se houvesse, sua especificidade. Porém, este objetivo só faz
sentido a partir de alguns estudos de casos escolhidos. Outro fator que interferiu nos
objetivos originais foi a constatação da escassez de informação disponível para a maioria
dos casos, o que me levou a selecionar para os estudos de caso, os sítios melhor conhecidos,
estudados e publicados.
Existia uma estrutura urbana antes da chegada dos romanos na Península Ibérica,
porém, esta estrutura era muito diversificada, tanto por causa de fatores internos (entre eles,
a geografia, economia e cultura regionais) quanto externos (o contato com culturas
mediterrâneas desde um período muito precoce, especialmente na região mais próxima ao
Mediterrâneo).
Mas parece que houve variedade na transformação urbana ocasionada pela conquista
romana. Observamos casos em que o novo urbanismo “varreu” as cidades pré-existentes e
outros em que se terá adaptado (esta última parece-me ter sido a opção mais rara). Mas há
também Conimbriga, onde Virgílio Hipólito Correia sugere não ter existido um urbanismo
clássico (como o de Ammaia, por exemplo) por razões que se prenderiam ao arranjo urbano
do assentamento pré-romano.
Dessa forma, este trabalho pretende pesquisar a urbanização do tipo colonial romano
na Lusitania a partir da análise dos fóruns, abordando seus três elementos essenciais:
14
templo, basílica e cúria, e área livre central. Mas, agora, busquei inserir o fórum dentro da
urbs e esta, dentro do territurium. Por causa da deficiência de informação encontrada com
relação aos fóruns, preferi escolher uma visão mais holística das cidades lusitanas
selecionadas, partindo de uma visão macro – o território e o suburbium – até chegar ao
centro, o fórum. Deste modo, serão descritas também as muralhas, necrópoles e portas
urbanas, posteriormente a malha urbana e as insulae, os escassos edifícios lúdicos
encontrados, aquedutos e, brevemente, algumas termas e domus. Essa ampliação da
abordagem possibilitou não apenas ampliar as observações sobre os fóruns dentro de seu
contexto urbano, como também o das próprias cidades dentro de seu território. Portanto, a
mudança de abordagem mostrou-se frutuosa.
Outro problema gira em torno da questão das fronteiras políticas modernas, que
colocam pelo menos um terço do antigo território lusitano – incluindo sua capital, Augusta
Emerita (Mérida) – em terras espanholas. Para Fabião e Patrick Le Roux, entre outros, a
Lusitania deve ser vista como uma unidade de análise, ultrapassando a divisão imposta pelas
modernas fronteiras. Para que isto seja possível, as pesquisas devem envolver, “de uma
forma coerente e continuada, investigadores dos diferentes países” (FABIÃO 2009: 345).
O presente trabalho está estruturado em três capítulos iniciais, seguidos pelo Capítulo
4, com o Corpus Documental Lusitaniae, sua análise (Capítulo 5) e a conclusão final. Tentei
basear a pesquisa sempre que possível unicamente nos dados arqueológicos, pois acredito
que as fontes literárias possuem alguns vícios e ideologias característicos de suas épocas e
gêneros literários – como era de se esperar, de fontes tão antigas – que são repetidas nos
relatos históricos como fidedignas.
O capitulo 3 é dedicado aos edifícios públicos romanos que identificam uma cidade
provincial. Após um breve comentário sobre a arquitetura romana, falo, no item 2, da
escolha das estruturas monumentais públicas identificadoras do contexto urbano romano,
para em seguida apresentar a descrição das diversas estruturas monumentais romanas
encontradas nas cidades, a começar pelo complexo fórum-capitólio/templo de culto
imperial.
Não serão breves descrições morfológicas, mas sim uma análise da evolução dos
edifícios e estruturas, seus papéis na sociedade romana metropolitana e provincial e,
principalmente, sua importância na introdução e manutenção da ideologia imperial romana.
O objetivo do capítulo é fornecer os dados para a posterior análise dos seus correlatos
lusitanos. A ênfase será no fórum e nas estruturas relacionadas a ele, como basílicas, templo,
cúrias etc.
17
O capítulo seguinte é o Corpus Documental Lusitaniae, que se inicia pela descrição e
análise de Ammaia e Conimbriga, seguidas dos sítios selecionados para servir de subsídio
para a análise posterior: Colonia Augusta Emerita, Ebora Liberalitas Iulia, Bobadela,
Civitas Cobelcorum (Torre de Almofala) e Civitas Igaeditanorum (Idanha-a-Velha) e, por
fim, Centum Cellas (Lancia Oppidani?).
Novamente, o Corpus terá já, no seu conteúdo, uma análise mais profunda de cada
um desses assentamentos, que será retomada, de forma comparativa, no capítulo seguinte, a
análise do Corpus Documental, que já faz uma conclusão prévia de todo o trabalho. É
preciso acrescentar que, para Ammaia e Conimbriga, foi acrescentada, no final da descrição,
uma série de reconstituições realizadas a partir dos dados arqueológicos, com uma breve
análise sobre as questões envolvidas nas reconstituições.
18
Capitulo 1
1. Resumo Histórico
Apesar da longa pré-história peninsular, pretendo me ater apenas aos períodos que
podem ser de interessa para o presente capítulo, a Idade do Ferro. Ela é marcada,
inicialmente, pelo contato com os povos comerciantes do Mediterrâneo: fenícios, gregos e
ibéricos.
Na primeira Idade do Ferro (c. 700 - c. 200 a.C.), a metalurgia do ferro está
crescendo gradualmente, suplementando e eventualmente substituindo o bronze na
manufatura de armamentos. Essa tecnologia pode ter sido importada diretamente para o sul
da Península Ibérica a partir do Mediterrâneo oriental, mediada por um novo grupo de
habitantes: os fenícios, que também foram os responsáveis pela introdução da escrita
(aplicada, sobretudo, em inscrições) e do torno cerâmico. A primeira evidência de produção
de ferro na Espanha é do século VIII a.C., contemporânea ao estabelecimento definitivo de
assentamentos fenícios no sul.
19
uma população que pode ter excedido 1.000 pessoas, e data pelo menos do século VIII a.C.
Seu tamanho faz dele mais do que apenas uma estação comercial” (COLLINS 1998: 9).
O período de influência fenícia direta na Espanha foi relativamente curto, devido aos
reveses políticos no Oriente Próximo1.
Fora das várias influências mediterrâneas orientais, foi no período entre c.650 - c.550
a.C. que emergiu a civilização ibérica indígena. Geograficamente, sua cultura foi do Vale do
Guadalquivir (no sul) até os Pirineus orientais. Incluíram-se nessa órbita as Ilhas Baleares
(c.550 - 450 a.C.) e, na metade do século IV a.C., quando atingiu sua maior extensão, a
cultura ibérica alcançou o Vale do Ebro e cruzou os Pirineus até o sudoeste da França. Em
geral, estendeu-se paralelamente à costa mediterrânea, onde se localizavam os fenícios,
púnicos e gregos.
“A sociedade ibérica nunca gozou de uma unidade política, sendo composta por uma série de
reinos competitivos e pequenos estados. Especialmente o século IV a.C. é particularmente
1
O Império Assírio, que tinha sido o principal mercado fenício para os metais importados, foi conquistado pelos
babilônios em 612 a.C. Estes, então, começaram a estender seu poder sobre a própria Fenícia, e Tiro, o último
reino independente, caiu em 573 a.C. Estas mudanças e o poder crescente do agora independente assentamento
fenício de Cartago parece ter levado ao abandono ou à destruição da maioria das estações de comércio na
Espanha na metade do século VI a.C. Assim, o assentamento de Toscanos, a moderna Vélez Málaga, que parece
ter sido estabelecido pelos fenícios por volta de 750 a.C., claramente expandiu-se consideravelmente em tamanho
em 650 a.C, apenas para ser abandonado em c. 550 a.C.
20
marcado por evidências de destruição em um grande número de sítios, indicativo de um estado
de guerra endêmico. Os ibéricos podem até mesmo nunca terem tido uma única língua, mas a
cultura material dos níveis superiores da sua sociedade por toda a área mostra similaridades
marcantes e uma dívida comum às influências dos assentamentos comerciais de origem
mediterrânico-orientais na costa” (COLLINS 1998: 10).
2
Já foram identificados como um templo, um palácio, um grande altar e alguma forma de fábrica. Geralmente
o desenvolvimento de formas mais retilíneas nas moradias indígenas neste período são vistas como outra
influência externa.
3
Apesar de Collins utilizar o termo “cidade-estado” para caracterizar as sociedades que surgiram no século IV
a.C. ibérico, os dados arqueológicos são ainda insuficientes para designá-las de forma segura como tal.
21
Púnica no final do século III a.C. que levaria à sujeição política e ao declínio cultural da
sociedade ibérica” (COLLINS 1998: 11).
“A sociedade celta era altamente estratificada, com uma aristocracia guerreira muito
competitiva no seu ápice. Esta sociedade celta pode ter dominado uma população subjugada
amplamente não celta” (COLLINS 1998: 12).
Com uma identidade cultural separada, a Celtibéria (nome dado pelos autores
clássicos4) era, como o nome sugere, marcada pela fusão entre elementos celtas e ibéricos.
Centralizava-se no Vale superior do Ebro e Aragão, mas também se estendia para o sul em
direção ao centro da Península e a norte, à Cantábria. Aqui, como no sul ibérico, contatos
4
“O poeta Marcial (c.40-104 d.C.), que viera de Bilbilis, falava de si mesmo como ‘nascido dos celtas e dos
iberos’ (Epigramas X, 65)” (COLLINS 1998: 37, nota 14).
22
com civilizações de fora da Península levaram ao desenvolvimento de formas mais
complexas de organização política e de assentamentos5.
Segundo Díaz-Andreu & Keay (1997), a arqueologia ibérica, entre os anos 1920 e
1970, enfatizou a acumulação de dados e a construção de “culturas” arqueológicas, uma
imposição das ditaduras franquista e salazarista. No final dos anos 1960, novos estudos,
especialmente os de Gordon Childe, com suas ideias marxistas e concepção de história,
“levou à fundação de escolas histórico-materialistas que tiveram um papel importante nas
interpretações da arqueologia na Península Ibérica”. Por razões que não são claras,
abordagens arqueológicas pós-processuais não são populares entre os acadêmicos espanhóis
e portugueses. Para os autores, um resquício das ditaduras (DÍAZ-ANDREU e KEAY 1997:
2-3). Seja como for, o fato é que, ao ler artigos e trabalhos arqueológicos (e também quando
se trabalha com arqueólogos portugueses), percebe-se uma ênfase no acúmulo de dados e
informações, na sua catalogação e tipologia, mas nem sempre sua análise e interpretação são
satisfatórias. Manuela Martins (1997: 143 ss.) afirma, por exemplo, que há uma tradição
centenária no estudo dos castros do noroeste de Portugal, iniciada por Martins Sarmento,
que ainda é muito influente. Mas os dados arqueológicos já são suficientes para superar a
visão histórico-cultural clássica que tem sido utilizada para construir a evolução cultural do
noroeste ibérico no I milênio a.C. (ainda utilizada por A. C. F. da SILVA 1986, 2012 e em
FABIÃO 1992?). Para ela, a abordagem de S. O. Jorge do Bronze Final da região supera
essa visão clássica6.
5
No capítulo 2, será tratado especificamente a questão da conquista romana da Hispania, também no contexto
dos contatos entre romanos e ibéricos.
6
A autora cita diversos artigos de Jorge, entre eles "Pré-história, IV. Desenvolvimento da hierarquização social e
da metalurgia", in J. Alarcão (ed.), Nova História de Portugal, I: 163-251, Lisboa: Presença, 1990.
23
itinerários principais que implicou uma redefinição dos eixos estruturadores do povoamento
entre os quais se destaca a criação de um número considerável de aglomerados secundários,
que parecem obedecer a uma articulação clara com a rede viária, e a presença de novas
formas de exploração da terra, representadas pelas villae. Helena Carvalho percebeu que, na
região de vale e litoral há uma clara distinção entre a mancha densa de vestígios
arqueológicos da região de vale relativamente a uma mancha espaçada e rarefeita de
povoados na orla costeira. “Finalmente verifica-se uma forte densidade de povoamento em
torno de Bracara Augusta, e a presença de um cadastro romano que se organiza segundo
uma modulação de 20 x 20 actus” (CARVALHO 2008: xi).
Na visão tradicional (MARTINS 1997: 144 ss.), o noroeste de Portugal forma uma
unidade geográfica, com uma homogeneidade cultural no I milênio a.C.: a Cultura Castreja;
mas é possível detectar diferentes ritmos de desenvolvimento e expressões culturais sub-
regionais. Na perspectiva histórico-cultural que tem sido utilizada, a definição da chamada
“Cultura Castreja do noroeste ibérico” apoia-se no tipo de assentamento característico nessa
área, os castros (castro significando assentamento fortificado). Seria uma “cultura” uniforme
com influência “celta” (étnica e cultural) na população. E uma das fases principais de sua
evolução seria a propiciada pelas migrações indo-europeias, estabelecendo a cronologia
evolutiva dos castros e da cultura de todo o milênio, quando surgem os assentamentos
fortificados oriundos da instabilidade causada pelas invasões celtas (também responsáveis
24
pela introdução do ferro)7. Análises posteriores propiciaram um modelo cronológico mais
sofisticado: expressões internas dessa "cultura", como as fortificações, juntamente com as
premissas das influências celtas e hallstatianas, e eventos associados com a conquista
romana. “Este modelo está implícito em todas as propostas cronológicas elaboradas mesmo
durante os anos 70 e 80, com novos dados empíricos sendo acrescentados assim que se
tornam disponíveis” (MARTINS 1997: 145)8.
Novas tentativas de interpretação são, portanto, válidas e oportunas, tendo como base
os dados já levantados e compilados (e também já interpretados) para a Península Ibérica.
Porém, não podemos esquecer que, como lembra Manuela Martins (1997: 152), “os
conceitos de continuidade e mudança são relativos e dependem da evidência, ou variáveis,
disponível, que pode ser usada para ler os processos culturais”. É preciso questionar-se sobre
7
Segundo Manuela Martins, “a cronologia para o I milênio a.C. para toda a Europa foi construída sobre um
esquema histórico, com referência a fontes literárias e pela adoção de uma perspectiva étnica e regionalista.
Esta visão tem sido questionada apenas recentemente (Pereira Menault 1992)” (MARTINS 1997: 153, nota 6).
8
Exceção: C. A. F. Almeida (1983), Cultura castreja. Evolução e problemática, Arqueologia 8: 70-4, Porto:
GEAP, que propõe um modelo baseado no desenvolvimento interno da cultura.
9
Esta é exatamente a interpretação dada ao oppidum de Conimbriga no século VI a.C. por Virgílio Hipólito
Correia: não teria muralhas defensivas mas sua posição geográfica o tornava dominante da região circundante
(como veremos no Corpus Documental Lusitaniae).
25
que mudanças significativas podem ser observadas quando se consideram longos períodos
de tempo e que importância pode ser atribuída a elas.
“Na verdade, mudanças só podem ser detectadas uma vez que estejam presentes”.
Considerando que os artefatos nem sempre mudam em conexão com as demais
transformações culturais, o pesquisador precisa buscar outros indicadores, tais como padrões
de assentamento, mobilidade e as estratégias de exploração de território, que “tornam claro
que mudanças sociais acontecem em um ritmo diferente do que a dos artefatos portáveis. As
mudanças sociais ocorrem mais lentamente, uma vez que respondem à estabilização das
comunidades no espaço, à exploração dos recursos disponíveis e a coações ideológicas. […]
Qualquer leitura de continuidade e mudança é sempre arbitrária, quando é baseada em
raciocínios contingentes. Isto resulta da nossa inabilidade em lidar com profundidade de
tempos sociais diferentes e seus múltiplos significados, durante os quais comunidades
constroem suas vidas” (MARTINS 1997: 152).
Outra questão que deve ser levada em conta na Hispania pré-romana em geral e no
território da futura Lusitania, em particular, é a da existência de uma “protourbanização” da
península. Não podemos analisar o urbanismo – ou a falta dele – na Península Ibérica a
partir de noções greco-romanas mediterrâneas. Castros ou oppida como Sanfins, Briteiros e
Conimbriga apresentam, no período pré-romano, uma estrutura que considero urbanas: ruas,
“bairros”, áreas comuns (como “praças” e estruturas comunais), muitas vezes muralhas etc.
26
Os oppida da Gália são considerados as protocidades celtas, nos séculos II e I a.C. Mas esta
é uma visão para a Gália que não necessariamente precisa e deva ser seguida. Inclusive,
como veremos, a própria noção de oppidum é diferente quando usado para a Gália e para a
Lusitania. Além do mais, o oppidum era apenas uma das formas de assentamento encontrada
na Lusitania10.
10
Na literatura historiográfica francofônica (principalmente), todos os assentamentos que não oppida são
denominados “agglomérations secondaires”, literalmente, “aglomerações secundárias”. Mas esta tradução não
exprime exatamente o significado de “agglomération” – uma comunidade culturalmente organizada –
denotando um sentido de “falta de organização” sócio-política e cultural. Por isso, uma tradução mais correta
seria “assentamentos”, “comunidades” ou “povoados secundários”. E secundários simplesmente pelo fato que
não eram as capitais das civitates, mas centros de dimensões menores, de “importância secundária”. Os
portugueses utilizam a tradução, aglomeração.
27
oppidum) da Idade do Ferro e povoamento dos vales. O que se encontra na região dos
Arverni é um grande oppidum e povoamento de planície (TRÉMENT e CARVALHO 2013).
“No estado atual dos conhecimentos, nada indica que houvesse fixação de Gregos ou
Cartagineses no território hoje português, mas certamente para aqui mandaram os seus
mercadores e outras gentes de análoga procedência” (FABIÃO 2012: 28).
“Já no interior sul, o modelo conhecido suscita outras interrogações: o povoamento era
concentrado, em aglomerações fortificadas, por regra, de menores dimensões que os congêneres
litorais, como Mesas do Castelinho, Almodôvar, Cabeça de Vaiamonte, Monforte ou Segóvia,
Elvas, e neles encontramos vestígios de intercâmbios com o mundo mediterrâneo, mas também
uma marcada personalidade própria, com persistência das tradições artesanais ausentes nas
regiões litorais” (FABIÃO 2012: 29).
Para Fabião, talvez não se possa chamar tais povoados de “cidades”, como nos
moldes mediterrâneos.
28
“Nas regiões setentrionais, o povoamento era concentrado, em núcleos de menor
expressão, de cariz eminentemente tribal” (FABIÃO 2012: 29). Seriam os castrejos.
Então, grosso modo, não se afasta muito da interpretação tradicional dos povos
ibéricos pré-romanos, onde se sai de uma região “urbanizada” nos moldes mediterrâneos, o
sul peninsular; passa-se por uma região intermediária, onde se mantêm contatos com o
mediterrâneo, mas sem apresentar uma organização estatal centralizada e urbanizada (mas
sim protourbanizada); e chega-se às regiões mais distantes, montanhosas, do noroeste, onde
as populações são organizadas em povoados de altura, menos urbanizados, os castros.
Na Europa central, nos locais onde houve grande crescimento econômico por volta
do século II a.C. (há diferenças regionais) e que, por isso, eram mais densamente ocupados,
houve a difusão de um novo padrão de assentamento, com sítios frequentemente defensivos,
descritos por César como cidades, os oppida. Embora haja considerável variação local na
forma precisa e na localização desses sítios, eles atuavam como centros locais, de produção
especializada e trocas (os tipos de indústrias documentadas são muito numerosos, incluindo
cerâmica, metalurgia, marcenaria e trabalho em couro). Foi adotado um sistema de escrita e
havia uma padronização de pesos e medidas na Europa Central e Ocidental. A partir do
século III a.C., a cunhagem começou a ser amplamente utilizada e, no início do século I
a.C., moedas de baixo valor estavam se tornando comuns e eram particularmente associadas
a novos sítios urbanos, tendo um papel significativo na facilitação do comércio
(CHAMPION e CHAMPION 1985: 64).
29
permitem reconstituir suas fronteiras. Inclusive, muitos desses territórios foram preservados
pelas divisões administrativas romanas.
11
Para os escritores gregos, o termo apropriado não era polis, a cidade-estado, mas ethnos, um termo usado,
por exemplo, para outros Estados gregos que não apresentam o modelo de uma cidade-estado (como a
Macedônia).
30
César e se aplica, por isso, à fase final de seu desenvolvimento. Internamente, o poder estava
firmemente nas mãos dos nobres, e havia luta política entre eles. A atitude adotada com
relação a Roma era uma forma conveniente de estabelecer dissensões e rivalidades, havendo
facções pró ou contra os romanos. Neste ponto, há relatos também para os ibéricos de
facções pró e contra os romanos, mas para o período das guerras civis.
Vários autores, entre eles John Collis (1989 e 1996), veem os oppida como a
expressão física de uma urbanização na Europa não mediterrânea antes da conquista romana.
Para Collis (1996), a urbanização na Europa continental e na Britânia é essencialmente um
fenômeno dos séculos II e I a.C., ocorrendo em um amplo arco da Espanha Central e
Portugal, no Ocidente, à bacia cárpata, no Oriente. Os sítios urbanos nesta área contrastam
com os dos povos mediterrâneos, pois geralmente são maiores em tamanho, mas menores
em número (as cidades do litoral mediterrâneo, gregas, etruscas ou romanas, são pequenas,
mas densamente ocupadas).
“Isto em parte parece estar relacionado com sua organização política e social: as cidades
mediterrâneas geralmente surgiram como cidades-estado, enquanto, pelo menos na Gália, estamos
lidando com Estados tribais que possuem territórios muito maiores” (COLLIS 1996: 170).
Embora Collis afirme que a emergência dos oppida tenha desencadeado certamente
uma reestruturação do território em função da nova divisão, acredito que uma nova
estruturação da sociedade e do território é que tenha levado ao surgimento de oppida em
primeiro lugar. Conhece-se, entretanto, muito mal este aspecto da evolução do hábitat celta.
De todo modo, nos séculos II e I a.C., os oppida surgiram como uma mudança fundamental
31
no modelo de assentamento na Europa transalpina. Nos séculos imediatamente anteriores, a
regra, em grande parte da Europa, eram as pequenas comunidades ou aldeias agrícolas, “e
mesmo as fortalezas12 eram um fenômeno raro, limitado, sobretudo, à Costa Atlântica da
Bretanha e da Inglaterra ocidental” (COLLIS 1996: 36).
Não há dúvidas de que os celtas, tanto da Gália Central como os ibéricos, conheciam
cidades nos moldes gregos clássicos no século II a.C. Entretanto, se para os oppida do sul da
Gália pode-se falar em influência principalmente arquitetônica, “para os oppida da Europa
temperada a influência diz respeito, sobretudo, ao fenômeno de estruturação do território, à
existência de um sítio central que controla política e economicamente uma vasta região”
(COLLIS 1989: 21). Fichtl considera o oppidum do fim do período celta como a última
evolução de um tipo de hábitat tradicional no mundo não-mediterrâneo (os sítios fortificados
de altitude da Idade do Bronze e da época de Hallstatt), mas difere deles profundamente por
seu tamanho e, sobretudo, sua função (FICHTL 2005: 33-4). Neste ponto, a opinião de
Fichtl assemelha-se à de Almagro-Gorbea (1994) para a Península Ibérica: o tamanho é
fundamental na identificação de um sítio como oppidum e não como castro, que seria o tipo
de assentamento anterior que teria evoluído até virar um oppidum.
De forma geral:
“O termo oppidum abrange uma ampla série de diferentes tipos de assentamentos defensivos,
muito variáveis em tamanho, caráter de ocupação e, presumivelmente, função. Ele também
exclui um número de assentamentos abertos ou sítios parcialmente defensivos que possuem
muitas das características dos oppida, demonstrando que, embora a nucleação por razões
defensivas fosse o fator principal nas origens urbanas, fatores econômicos e sociais também
tiveram seu papel; de fato, sem recursos físicos e controle político centralizado, os próprios
oppida não poderiam ter sido fundados” (COLLIS 1996: 159).
12
Castellieri, em italiano; hillforts, em inglês; e castros, em português e espanhol. Os espanhóis também
utilizam o latim castellum.
32
Britânicas à Europa Central, durante todos os dois últimos séculos a.C., no fim da Idade do
Ferro, com semelhanças que podem ser atribuídas à civilização celta. Atualmente, utiliza-se o
termo oppidum para designar os assentamentos proto-históricos fortificados da Idade do Ferro,
não importando seu tamanho e sua data (também é empregado algumas vezes para designar as
fortalezas hallstattianas). Mas o termo também é utilizado de uma maneira estrita, limitando-se
ao contexto específico da cultura de tipo urbano dos celtas dos séculos II e I a.C.
[Essa evolução] “é essencial para analisar sua economia, sociedade e ideologia, por ser
resultado da interação sociedade/meio natural de uma sociedade agropastoril e guerreira, o que
explica seus elementos comuns dentro das lógicas diferenças geográficas. Derivam de um antigo
substrato ‘protocelta’ do Bronze Final que, no I milênio a.C., evoluiu em culturas protourbanas
[com influências mediterrâneas indiretas advindas através de turdetanos e ibéricos], dando lugar,
logo antes do século III a.C., ao surgimento de oppida e civitates que controlavam um amplo
território como centro de uma sociedade cada vez mais complexa. Mas o interesse nessas
tradições [urbanísticas pré-romanas] é que adaptaram as formas da paisagem, do hábitat e os
costumes que perduraram na cultura popular até a atualidade, especialmente em áreas
montanhosas e zonas marginais da Meseta” (ALMAGRO-GORBEA 1993: 13)14.
Para o autor, Castro – palavra originária de castrum (ou castellum) – designa “os
pequenos povoados fortificados em altura de fácil defesa” (ALMAGRO-GORBEA 1993:
13
Algumas definições geográficas tornam-se necessárias quando lidamos com novas regiões. No caso da
Península Ibérica, duas regiões são muito citadas: Estremadura – literalmente, o local mais longínquo, o
extremo. Na Península Ibérica, a província centro-ocidental da Espanha, que faz divisa com a parte central de
Portugal; e Meseta – ou terras altas. Forma praticamente todo o interior da península. Ergue-se a mais de 600m
de altitude. "Embora as terras altas se estendam até as províncias de Trás-os-Montes, Beira e Alentejo, a
meseta cobre quase a mesma área que o reino histórico de Castela, o núcleo da Espanha moderna. (…) Excepto
o oeste – onde a meseta desce suavemente até às amplas planícies costeiras de Portugal –, a meseta central de
Castela está delimitada por amplas cadeias montanhosas" (VINCENT e STRADLING 1997: 15). A Hispânia
Celta (ou indo-europeia) corresponde às regiões central e ocidental da Península.
14
Na versão em inglês do resumo do texto espanhol de Almagro-Gorbea há algumas "traduções" que valem a
pena assinalar. O "castro", na versão castelhana, evoluiu para oppida; na inglesa, "castro" torna-se sinônimo de
hillfort, e não cita os oppida. Também aparecem como sinônimos proto-histórico e Iron Age. Pessoalmente,
prefiro me ater aos termos "regionais", ou seja, utilizar o termo hillfort apenas para os povoados fortificados de
altura na Grã-Bretanha no período pré-conquista romana; oppida para os povoados fortificados da Europa
Central e Ocidental nos dois primeiros séculos antes de Cristo (principalmente); e castro para os povoados
fortificados ibéricos de modo geral no I milênio a.C., até, aproximadamente (pois depende da região), o século
III e II a.C. quando, segundo Almagro-Gorbea, transformaram-se em oppida. Porém, vários castros do noroeste
de Portugal e da Espanha permaneceram ocupados no início do período romano.
33
14-5). Termo empregado habitualmente na Galícia e nas Astúrias, designa a “Cultura
Castreja”, e estendeu-se para os povoados elevados de Portugal, Estremadura e das zonas
montanhosas da Meseta.
“Entendido deste modo, pode se considerar que castro é um povoado situado em um local de
fácil defesa, reforçado com muralhas, muros externos fechados e/ou acidentes naturais, que
protege no seu interior um conjunto de casas de tipo familiar e que controla uma unidade
territorial elementar, com uma organização social escassamente complexa e hierarquizada”
(ALMAGRO-GORBEA 1993: 15, grifo meu).
Esta definição permitiria, para o autor, diferenciar os castros tanto das fortificações
sem habitações diferenciadas (como atalaias15 ou turres ibéricos), como de populações mais
complexas, “do tipo protourbano, como os oppida do Mediterrâneo Ocidental ou da Europa
central, embora a transição de castro a oppidum deva ser considerada gradual tanto com
relação ao tamanho superficial quanto no sentido tipológico e cultural” (ALMAGRO-
GORBEA 1993: 15). Nesta definição, também estão incluídas as citânias ou cidades galegas
como Sabroso, Briteiros e Santa Tecla, “que, por seu tamanho e complexidade, devem ser
consideradas como autênticos oppida que representam o final deste processo urbanístico
pré-romano no noroeste peninsular” (ALMAGRO-GORBEA 1993: 15). Os castros seriam,
sobretudo, elementos de controle territorial, sendo o fator defensivo secundário. Mas só
controla os recursos (meios de produção e comunicações) de um território reduzido. É um
controle visual sempre que possível. Estão incluídos na definição povoados com muralhas e
casas de adobe em terrenos planos, mas os castros mais conhecidos situam-se em áreas
montanhosas, onde se utiliza pedra local e outros materiais nas técnicas construtivas.
Segundo Almagro-Gorbea, os menores castros têm menos de 0,2 ha, sendo meros
recintos que vão paulatinamente aumentando seu tamanho até 5 ha (ou até 7 a 10 ha, em
alguns grupos), “tamanho a partir do qual já parecem desempenhar função de oppidum, por
oferecer ruptura do ranking e por ocupar a escala máxima de hierarquização,
correspondendo a centros de territórios com povoados menores subordinados; mas esta
divisão não deixa de ser arbitrária e exige ser precisada em cada grupo” (ALMAGRO-
GORBEA 1993: 16). Ou seja, os castros vão crescendo até sobrepujarem outros povoados,
tornando-se um oppidum, centro de uma civitas; mas sempre se levando em conta o grupo
15
Atalaya, atalaia, é uma torre ou lugar de vigia.
34
regional ao qual pertence. Se esta caracterização está correta, difere do visto para os oppida
gauleses, pois não encontrei referência a um povoado murado pré-existente que foi se
desenvolvendo ao longo dos séculos até tornar-se centro-capital regional. Ao contrário,
vários autores (e especialmente Anne COLIN 1998) dizem que houve mais de um período
de construções de oppida, e eram ocupados apenas durante algumas gerações, raramente
chegando a um século. Quanto à divisão territorial (civitas) era étnica, não particularmente
hierárquica, apesar de haver uma hierarquização dentro de cada etnia.
16
Alcantil, cume. Na definição de Caldas Aulete, “sítio alto e despenhado, monte muito íngreme e com
escabrosidades” (5. ed., Rio de Janeiro: Delta, 1964).
35
manifestações mais significativas da personalidade deste vasto território, cuja originalidade é
já reconhecida pelos autores clássicos, em especial, pelo historiador Estrabão (64-63 a.C. - 24-
25 d.C.)” (A. C. F. da SILVA 2012: 34).
36
Figura 1.1. Castro de Briteiros
(imagem Google).
A Citânia de Sanfins (Sanfins de Ferreira, Paços de Ferreira), por exemplo, teria sido
a capital dos povos Calaicos, dos Brácaros. É protegida por várias linhas de muralhas e
ocupa uma área aproximada de 15 hectares. “Tem mais de 150 construções de planta
37
circular e rectangular, agrupadas em cerca de 40 conjuntos de unidades familiares”
(Armando C. F. da SILVA 2012: 36).
Sanfins possui uma organização urbana bem definida, o que a adéqua à designação
de “cidade”.
“As suas portas principais estavam guardadas por estátuas de guerreiros”, símbolos
de uma sociedade guerreira em que os chefes garantiam a proteção do castro, da comunidade
e do seu território. Alguns edifícios destacam-se dentre os demais – as residências familiares
– por sua arquitetura, que sugere uma função pública, de reunião, e edifícios destinados a
banhos.
Figura 1.3. Reconstituição de uma unidade residencial castreja (A. C. F. da SILVA 2012: 37).
38
A união de vários grupos familiares organizados, descendentes do mesmo
antepassado comum, místico, constituiria a primeira unidade suprafamiliar, o castro, cuja
coesão se basearia em relações gentílicas, segundo Ferreira da Silva (2012), e que, segundo
Virgílio H. Correia e Adriaan De Man, serão encontradas em Conimbriga, ainda presentes
no período romano, determinadas através do estudo da epigrafia (CORREIA e DE MAN
2010).
Segundo Ferreira da Silva (2012: 35-6), há mais de 1.200 castros identificados entre
os rios Minho e Vouga.
17
Porém, oppidum, em latim, como utilizado por César, refere-se a "cidade", não especificamente fortificada.
18
J. Untermann (1996), “Onomástica”, in F. Beltrán, J. de Hoz e J. Untermann, El tercer bronze de Botorrita
(Contrebia Belaisca), Zaragoza, Gobierno de Aragón, pp. 109-180.
39
Na verdade, segundo Burillo Mozota, “Celtibéria é o nome de uma região geográfica
que, na etapa histórica dos séculos II e I, se situa no Sistema Ibérico Central e a borda
montanhosa que penetra nos rios Ebro, Douro e Tejo” (BURILLO 2009: 175).
“A fase final a Idade do Ferro [...], antes da conquista romana, é denominado La Tène III (c.
180 - 40 a.C.), e também apresenta grande homogeneidade cultural [na região da Europa Central].
[...] Este período se caracteriza por uma "cultura" La Tène tardia substancialmente homogênea
(denominada, muitas vezes, até mesmo de "civilização") que se espalha por todo o Ocidente e o
Centro Europeu, da França à Tchecoslováquia e Hungria. Tal homogeneidade é demonstrada pela
cultura material: os broches, a decoração cerâmica pintada etc. [...] Nos locais onde houve grande
crescimento econômico e que, por isso, eram mais densamente ocupados, também houve a difusão
de um novo padrão de assentamento, com sítios freqüentemente defensivos, descritos por César
como cidades (os oppida). Embora haja considerável variação local na forma precisa e na
localização desses sítios, eles atuavam como centros locais, de produção especializada e trocas (os
tipos de indústrias documentadas são muito numerosos, incluindo cerâmica, metalurgia, marcenaria
e trabalho no couro)” (SANTOS 2006: 30; grifos meus).
Ainda segundo Santos, “os oppida não ‘desapareceram’ simplesmente. Pelo menos,
não todos. Logo após a conquista romana da Gália eles, na verdade, continuaram não apenas
19
Que, obviamente, sendo uma característica de cidades romanas, não possuíam!
40
a existir, como muitos inclusive cresceram e outros foram fundados. Seu real declínio só
aconteceu a partir das reformas administrativas de Augusto” (SANTOS 2006: 53)20.
O que pude observar nas leituras, além do mencionado acima por Burillo Mozota, é
que a escolha da designação dos assentamentos do Final da Idade do Ferro Hispânica e
início do período romano depende de alguns fatores: a existência de alguma fonte histórica
que por ventura faça alguma menção especificamente a ele ou à região onde se localiza,
determinando o tipo de assentamentos ali existentes (e, daí, recebe uma designação étnica
estrangeira); a proximidade ou o pertencimento a uma região com assentamentos já
designados anteriormente por outros pesquisadores como oppidum, ou castro, ou castellum
etc.; ou ainda, por fim, suas características morfológicas e geográficas, ou seja, local alto,
com estruturas defensivas (entenda-se muralhas e/ou fossos) e, também, sua localização
regional (novamente).
20
Para a análise mais detalhada sobre os oppida pré-romanos na Gália, ver Santos 2006, especialmente páginas
37 a 60.
41
incluindo norte da Espanha e de Portugal – um noroeste expandido para sul – (a Cultura
Castreja), e, neste caso, “castro” pode ser permutado por castellum, na Espanha. E emporion
e urbs são utilizados para a região mediterrânea ao sul.
Ammaia
42
Os povoados sobreviveram até o final da República e inícios do Império, mas com a
reorganização administrativa de Augusto – quando é criada a Província da Lusitânia, tendo a
nova Colonia Emerita Augusta (Mérida) como capital – há o desenvolvimento de vários
centros importantes, como Pax Iulia (Beja), Olisipo (Lisboa), Norba Caesarina (Cáceres) e
Ebora Liberalitas Iulia (Évora). E a fundação de Ammaia, junto à rede viária da Lusitânia
central, que estabelecia a ligação entre a capital Emerita Augusta e o Atlântico, e estabelecida
por imigrantes e populações locais.
Neste ponto, é preciso ressaltar que esta não parece ser a opinião do arqueólogo
Carlos Fabião21. Para ele, na Lusitania, os romanos deram preferência à fundação de novos
centros urbanos em espaços que não eram anteriormente ocupados. Entretanto, como já
mencionado, havia uma grande variedade de tipo de ocupação entre as diferentes regiões
peninsulares durante a Idade do Ferro. No noroeste, por exemplo, havia uma intensa
urbanização, mas baseada nos castros, e não foram encontrados, até agora, evidências
arqueológicas de ocupação nas terras de planície (CARVALHO 2008). No sul, havia uma
urbanização do tipo mediterrâneo.
21
Questionado se na Lusitania, grande parte das novas cidades foi edificada sobre, ou exatamente ao lado das
autóctones, o Dr. Carlos Fabião respondeu que “Não é verdade. A Lusitânia tem uma vasta lista de cidades que
foram constituídas de novo, rompendo claramente com os padrões de instalação indígenas. Aparentemente, só
houve promoção dos aglomerados pré-existentes quando estes se apresentavam já aos olhos dos romanos como
verdadeiras cidades, no princípio mediterrâneo do termo. Diria que houve de tudo”. E completou: “[Há] Os
casos onde o novo urbanismo ‘varreu’ as pré-existências e outros onde se terá adaptado (esta última parece-me
ter sido a opção mais rara). Mas há também Conimbriga, onde Virgílio Hipólito Correia sugere não ter existido
um urbanismo clássico (como o de Ammaia, por exemplo) por razões que se prenderiam com o arranjo urbano
do aglomerado pré-romano” (Durante curso ministrado no Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade
de São Paulo, em novembro de 2013).
43
De qualquer modo, independente da sua denominação quando da sua fundação,
Ammaia, à semelhança de outras cidades da província, “funcionava como centro urbano
político-administrativo que geria eficazmente o território circundante”.
Conimbriga
44
Pela distância, a influência mediterrânea e o contato com tartéssicos, fenícios, gregos
e cartagineses, que se estabeleceram ao longo da costa sul da Península Ibérica, pode ter sido
menor que em Ammaia, mas não inexistente. Tal contato deve ter sido realizado através da
costa atlântica, pois há referências a Conimbriga nas fontes históricas, mesmo que se
resumam, para o período pré-romano, à sua citação entre os oppida enumerados por Plínio, o
Velho, ao descrever a Lusitania (H.N. IV, 113).
Ammaia e Conimbriga
No mapa abaixo (Figura 1.4), está demonstrada a localização das cidades romanas,
com seus estatutos, sobrepostas aos povos indígenas, ou etnias. Ambas partilham da mesma
categorização, “cidades latinas e peregrinas”. O mapa não traz a época a que se refere, mas
com certeza é depois do período augustano; provavelmente alto-imperial. Também o nome
de Ammaia está grafado incorretamente, como Ammania.
46
Capítulo 2
No século II a.C., Roma estava ampliando visivelmente sua esfera de domínio além da
Península Itálica e tornando-se um Império. Se até este momento os elementos gregos e
etruscos são os mais presentes em Roma (Momigliano (1984: 380) considera a existência de
influências fenícias, uma vez que os etruscos mantinham laços, ao menos comerciais, com
esses povos desde pelo menos o século VIII a.C.), agora ela entra em contato mais estreito
com cartagineses e com diversos povos ibéricos, tanto de origem celta como autóctone.
Porém, enquanto para o Oriente (e os reinos helenísticos) há fontes literárias não romanas,
para os territórios ocidentais as fontes são praticamente todas arqueológicas (construções
militares, habitações, artefatos etc.)22 (ASTIN 2000: 1).
Cartago, fundada por Tiro no norte africano, acabou produzindo uma sociedade
púnica própria, através do contato e assimilação de características norte-africanas. Veio a
dominar os assentamentos fenícios da costa sul espanhola após o declínio de Tiro, no século
VI a.C., criando novas fundações e transformando antigas estações comerciais em cidades
cartaginesas. Com a derrota de Cartago na I Guerra Púnica (247-241 a.C.), pelo controle da
Sicília, os cartagineses tornaram-se realmente expansionistas em sentido territorial na
Península, aumentando seu império. Sob a liderança de Amílcar Barca, que se estabeleceu
em Gadir (Cádiz) em 237 a.C., os cartagineses lançaram-se em uma série de campanhas de
conquista de seus vizinhos ibéricos no sul. Seu filho Asdrúbal fundou Cartago Nova
(Cartagena) em 228 a.C. e continuou o processo de expansão em direção ao norte da costa
mediterrânea. Após seu assassinato em 221 a.C., seu irmão Aníbal continuou a estender o
governo cartaginês em direção ao Vale do Ebro. Isto levou rapidamente à deflagração da II
Guerra Púnica, iniciada em 218 a.C., pelo ataque cartaginês à cidade de Saguntum
(Sagunto), que era protegida por um tratado com Roma. O primeiro exército romano
estacionou em Ampúrias. A maior parte das lutas aconteceu na Hispania, e Roma saiu, por
22
No caso da Península Ibérica, e do Ocidente romano em geral, segundo Astin, as fontes arqueológicas
(construções, fortificações, artefatos etc.) de origem romana são mais facilmente identificáveis e analisáveis,
pois não sofrem a interferência de povos com aspectos construtivos muito semelhantes aos romanos, como no
Oriente helenístico.
47
fim, vitoriosa em 207 a.C. Os termos do Tratado de Paz de 201 a.C. forçou Cartago a
abandonar todas as suas possessões na Península Ibérica.
Em 197 a.C., com a derrota de Cartago, Roma cria duas províncias na Península Ibéria,
a Hispania Citerior (a mais próxima) e a Ulterior (Pompônio Mela, De Situ Orbis, 2, 27)
(Figura 2.1). Mas estas duas se limitavam a um estreito território que abrangia as costas
levantinas e o sul, sem fronteiras bem definidas, e governadas por dois magistrados eleitos
entre os membros do Senado Romano, com forças militares de apoio.
Figura 2.1. Primeira divisão da Hispania: 197 a.C. (gentilmente cedida pela Dra. Helena Carvalho).
Mas o domínio da Ibéria não foi um mero incidente colateral das guerras, pois os
romanos, tendo expulsado os cartagineses, não expressaram qualquer intenção de se retirar.
48
No processo de conquista, que durou dois séculos, Roma desenvolveu as estratégias de
conquista e dominação, de administração e povoamento que iria empregar, de forma muito
mais rápida, na Gália.
“Passaram-se quase dois séculos de guerra intermitente, durante a qual Roma veio a
estabelecer o controle direto sobre toda a Península Ibérica. O estágio final desse processo foi
concluído nas duras lutas das Guerras Cantábricas, de 27-19 a.C., nas montanhas do norte”
(COLLINS 1998: 13).
“As magistraturas urbanas tornaram-se essencialmente militares nesta época, e era necessário
encontrar áreas em que ao menos um dos dois cônsules e vários dos seis pretores, todos eleitos
anualmente, pudessem exercer sua autoridade. [...] Colocado de forma simples, era do interesse
de políticos romanos individuais e também do benefício financeiro do estado que se mantivesse
um estado de conflito endêmico na Península Ibérica” (COLLINS 1998: 13).
Em 82 a.C., Quinto Sertório, aliado do popular general Gaio Márcio, liderou uma
revolta na Hispania contra os apoiadores do ditador Sila. Conseguiu adquirir o controle da
maior parte das duas províncias que agora compunham o território dominado por Roma na Península, e
estabeleceu seu quartel-general em Osca (Huelva). Ele atraiu o apoio de muitas das mais
poderosas tribos indígenas, entre elas a dos lusitanos, e obteve uma série de vitórias sobre os
exércitos romanos, mas sua posição foi eventualmente enfraquecida e em 72 a.C. foi morto
por um de seus próprios generais.
49
ibérica, devido à presença de importantes unidades militares romanas na Hispania, que
tomaram lados diferentes no conflito.
“Em termos concretos, é pouco o que a literatura antiga nos diz sobre a conquista do
Ocidente peninsular”, uma vez que o foco eram os romanos, e não os povos “bárbaros” que
habitavam o local. Um dos relatos nos fornece Estrabão (Geographia III, 3,1), referindo-se à
expedição até a foz do rio Minho por Décimo Júnio Bruto, quando identifica as cidades de
Olisipo (Lisboa) e Móron (esta, talvez, Chões de Alpompé, perto de Santarém).
“Sangrenta e destrutiva foi sem dúvida a conquista, mas a construção de um império não se
podia fazer pela chacina e pelo terror. Provavelmente, a longevidade do Império Romano resultou
da capacidade de captar, integrar e promover as elites locais das distintas regiões conquistadas”
(FABIÃO 2012: 27).
O próprio termo provincia demonstra uma evolução que acompanhou o próprio ritmo
da conquista. Inicialmente, em meados do período republicano, provincia é um cargo da
magistratura romana, sem nenhuma conotação administrativa ou territorial; depois, em 197
a.C., passa a significar o comando, o controle, de uma área geográfica, com a primeira
subdivisão da Hispania em Citerior e Ulterior; e, na época de Augusto, passa a indicar uma
circunscrição geográfica territorial, com administração e política romanas. Assim, apenas
23
A Península Itálica, primeira região de expansão de Roma, não foi exatamente um ensaio, porque, segundo
Catão, seria o território natural de Roma.
50
com Augusto o termo provincia se consolida24. E a conquista da Gália durou apenas seis
anos (de 58 a 52 a.C.) porque ocorreu numa época e num contexto completamente
diferentes.
Figura 2.2. Etnias e assentamentos no tempo das guerras republicanas (LE ROUX 2010: 365, mapa 1).
Lusitania
24
Privincia, -ae - cargo confiado a um magistrado; posteriormente, cargo de governador de província. Daí, em
sentido particular, administração de um território conquistado, governo de província. Na linguagem comum,
tinha o sentido de cargo, função, missão, emprego (FARIA 1985: 449).
51
espaço de atuação é novamente relacionado predominantemente à Andaluzia nas Guerras
Lusitanas (GUERRA 2012: 30).
“Sertório, ciente da superioridade da cultura latina, ao mesmo tempo que desenvolve laços mais
estreitos com as elites hispânicas, sustenta uma concessão de domínio romano mais integradora,
das populações na sua cultura e nunca alimenta qualquer ideia autonomista” (GUERRA 2012: 32).
Figura 2.3. Províncias romanas ibéricas a partir de Augusto, com as divisões conventuais e respectivas
cidades-sede (CARVALHO 2012: 150, fig. 1).
52
Como as demais províncias romanas, a Lusitania não era independente de Roma,
sendo criada segundo uma preocupação administrativa e autoritária romana, na qual não era
levada em conta uma anterior “unidade étnica”, mas sim a demarcação de territórios em que a
aceitação da autoridade imperial romana deveria ser total. Não é ocasional que a capital da
nova província Lusitana fosse Augusta Emerita, uma colônia de veteranos augustana das
guerras cantábricas, e não uma colônia de Lusitanii.
Mas a cidade, nos autores clássicos, também é "um espaço urbano definível
topograficamente e urbanisticamente, [a ideia] de uma cidade que, antes de tudo, só podia ser
[...] a cidade de Roma". Porém, essa percepção de Roma como cidade ideal formou-se "tarde,
e graças à passagem decisiva representada pela crise final da República e pela transição ao
Principado" (ROMANO 1999: 45).
Esse interesse pela topografia romana tem especial força nos últimos decênios do
século I a.C., quando a crise da República suscita novas indagações sobre a memória e a
identidade. Não é por acaso, segundo Elisa Romano (1999), que a obra de Vitrúvio tenha sido
escrita nesta mesma época, e na qual está presente um tratado dedicado à urbanística (Livro I).
Mas Vitrúvio apresenta incongruências estruturais no livro I.
“A cidade real vitruviana é, podemos dizer, a justaposição dos aedificia individuais, que
possuem, ao contrário, um tratamento amplo e sistemático para tipologias. [...] Os aedificia estão
no centro de qualquer projeto e o princípio que os coloca racionalmente dentro de uma forma, de
53
um espaço concreto ou de um modelo de organização urbana frequentemente é intrínseco"
(ROMANO 1999: 46).
Assim como acontece atualmente, também na Antiguidade não era fácil para os
escritores definir intelectualmente o que seria uma cidade. Autores diferentes apresentam
definições diferentes, baseadas no seu próprio entendimento e experiências urbanas pessoais.
Uma cidade pode ser definida politicamente, pelo seu sistema de governo; fisicamente, por
suas construções e traçados urbanos; por seu papel dentro de uma comunidade ou país; em
contraposição ao campo ou a outras cidades; ou mesmo pelo que nela está ausente. Não se
pretende, aqui, elaborar uma definição de cidade provincial romana. Existe uma tendência à
“flexibilização parcial”. Há indicadores claros de que uma cidade é romana ou sofreu a sua
influência, mesmo que entre diferentes cidades haja diferenças evidentes. Revell (2009)
buscou enxergar nas cidades romanas o modo de vida romano no dia a dia urbano, a
“romanidade” (Roman-ess). Aqui, se pretende buscar, nos edifícios e estruturas romanas
públicas implantadas nas cidades, a constituição de cidades que possuem características
semelhantes e próprias, oriundas não apenas de seu passado pré-romano mas também da sua
própria história dentro do Império.
Como premissa básica, Zanker entende que “a imagem urbana expressa uma situação
histórica particular”. Se o desenvolvimento histórico da cidade é produto e expressão da
sociedade como um todo, “a ordenação característica do espaço é o resultado tanto do
planejamento deliberado pelo Estado quanto de um longo e anônimo processo de evolução
histórica. Em lados opostos do espectro, tanto o plano urbano gerado a partir da prancheta de
um governante autônomo quanto a aparência de um distrito que evoluiu através de processos
sociais e econômicos de longa duração representam estruturas que podem ser entendidas
como planos urbanos históricos” (ZANKER 2000: 25; grifo meu).
Quando Roma implantava cidades pelo território conquistado, o fazia com uma
intenção específica, determinada. Roma entendia que havia uma forma física de cidade que
deveria corresponder às suas necessidades sociais, políticas e administrativas. Porém, de
alguma forma, também seus habitantes respondiam e este espaço e se apropriavam dele. Roma
54
estabelece um plano básico, mas não inflexível, que se repetirá nas fundações posteriores, com
algumas variações, mas sempre aderindo rigorosamente a uma ideia básica, conforme
descreve Paul Zanker (2000). Desde as menores colônias, com cerca de trezentos cidadãos,
para os quais bastava um plano rudimentar, havia uma rede de ruas seguindo uma formação
estritamente axial-simétrica, semelhante ao das cidades gregas do século VII a.C. Mas havia
três diferenças importantes: as cidades estavam não apenas próximas a uma estrada romana,
como um de seus eixos principais, o cardo ou o decumanus, literalmente combinava-se com
essa estrada como uma linha; essa via principal cruzando a cidade levava ao, ou passava pelo
Capitólio, situado na interseção do cardo com o decumanus; e o local de reunião da
comunidade ficava em frente ao Capitólio. Nas colônias iniciais, esta área ainda não era um
fórum completamente desenvolvido, pois os cidadãos romanos ainda podiam exercer seus
direitos políticos em Roma. “Mas é evidente que a orientação do Capitólio, voltado para a
praça central da cidade, que poderia mais tarde tornar-se uma característica tão comum e,
inclusive, canônica na Itália e nas províncias ocidentais, já está implícita neste plano urbano
primevo” (ZANKER 2000: 27).
A repetição desse novo plano ortogonal com centro cívico-religioso carregava uma
mensagem deliberada. Por um lado, evidenciava o plano de ação político de Roma de
permanente incorporação do local em questão, protegendo o tráfico rodoviário, e tornando o
território uma povoação romana. Por outro lado, do ponto de vista dos colonos, ele expressava
seu senso direto de pertencer à res publica romana. O local dominante do templo principal
naturalmente enfatizava o senso de pietas como a maior virtude cívica. A orientação espacial
do fórum e do Capitólio que encontramos nas cidades mais recentes deriva desse conceito e
também estava mergulhada em implicações ideológicas (ZANKER 2000: 28-9).
Mas não apenas os fóruns. Eles eram uma parte dos equipamentos urbanos romanos
fundamentais, incluindo, quando possível, o território ou o subúrbio dessas cidades.
Uma pergunta que precisamos colocar é se Roma, como capital do Império, seria ou
não o modelo urbano utilizado para as cidades provinciais. A resposta é, ao mesmo tempo, sim
e não, como veremos a seguir. Porém, não podemos nunca deixar de ter em mente que uma
cidade é o reflexo de sua política e de sua sociedade e, quanto mais centralizadores e
poderosos são os responsáveis por sua política, maior é o reflexo desta nos edifícios públicos
que estabelece.
A partir dos reis tarquínios e até o final da República há uma intensa atividade edilícia
em Roma. Numerosos e imponentes santuários foram erigidos, como o Templo de Júpiter
Capitolino, as muralhas (segunda metade do século VI a.C.) e os primeiros sistemas de
canalização e esgotos (cujo principal foi a Cloaca Maxima), drenando o fundo dos vales, o que
permitiu a realização do primeiro pavimento no vale do Fórum. Aparecem alguns dos
santuários mais importantes, como o Templo de Saturno e o de Cástor e Pólux (os Dióscuros),
no Fórum, e o de Ceres, aos pés do Aventino, todos com influência grega.
A urbanização sofre uma notável retomada nos séculos IV e III a.C., cujo maior
empreendimento é a reconstrução das muralhas, em blocos de grotta oscura, mais resistentes.
Houve a criação das grandes construções do Capitolino e do Palatino, e a construção ou
56
reconstrução de vários templos. Acentua-se a presença de artistas da Magna Grécia em Roma,
"sinal de que o nível médio da cultura aumentou e os romanos têm condições de apreciar os
produtos da arte grega". São colocadas estátuas de bronze nas praças e edifícios públicos,
várias de terracota sendo substituídas pelas de bronze (como a quadriga que ornava o topo do
Templo de Júpiter Capitolino, em 296 a.C.). (COARELLI 2003: 11). Roma, embora
demonstre conhecimento dos modelos urbanos gregos, se tornava muito diferente de uma
cidade grega ou helenística; possuía um sistema político diferente, a República, e era a capital
de um Estado em expansão. É o período da conquista da Itália (das guerras samnitas às contra
Tarento e Pirro), seguida da conquista da Sicília e da Sardenha (após a Primeira Guerra
Púnica). “É a fase clássica da República romana, onde a sua força expansiva baseia-se,
sobretudo, em uma grande classe de pequenos e médios proprietários, que constituíam a força
principal do Exército. [...] A partir do início do século II a.C., [porém,] uma crise deflagrou,
corroendo pouco a pouco as estruturas do Estado republicano e terminou com a criação do
Império” (COARELLI 2003: 12). Crise, sobretudo, econômica, que arruinou os pequenos e
médios proprietários e propiciou o surgimento de “latifúndios”.
Por outro lado, a pressão dessa massa urbana e o desejo de buscar seu apoio político
levaram os membros das grandes famílias dominantes a uma política de prestígio. O Fórum, o
Monte Capitolino e, especialmente, o Campo de Marte se cobriram de pórticos, jardins,
templos monumentais, edifícios para espetáculos, enquanto que, paralelamente, devia-se
prover a cidade de novas estruturas (um novo porto, armazéns, aquedutos) para o seu
abastecimento. Este duplo aspecto, funcional e de representação, e a própria divisão da cidade
em bairros especializados, juntamente com o nascimento de imensos bairros populares que
possuíam apenas habitações e comércio, caracterizam a cidade também no período Imperial.
Assim, os romanos começam a redefinir sua cidade em termos mais universais, pois
passam a entendê-la como representativa de uma hegemonia poderosa. "Na literatura do
século I a.C., Roma não é apenas uma cidade, mas a conquistadora do mundo. Explorando o
trocadilho entre urbs e orbis, os romanos uniram a imagem personificada de Roma com a do
globo terrestre. [...] A cidade controlava e representava o mundo romano. Como resultado,
sua forma física passou a ser vista como um reflexo direto do sucesso do Estado" (FAVRO
1996: 65).
Essa “nova” Roma que surge é baseada, sobretudo, em novos monumentos e edifícios
que acabam por definir e influenciar a urbanização e as estruturas edilícias provinciais, não
apenas tipologicamente, mas também com relação ao significado e função dessas estruturas
provinciais. A cidade de Roma, no início do Período Imperial, sai de um aspecto fragmentado,
que Zanker chama de "desacordo iconográfico" (1992: 57), para se tornar cada vez mais
ordenada e grandiosa – mesmo levando-se em conta suas limitações físicas –, tornando-se uma
representação de seu Império e de seu governante.
58
Para Favro, por dois motivos Roma não passou por uma completa reformulação no
início do Período Imperial. O primeiro diz respeito à política interna de Augusto, de legitimar
seu poder dando-lhe ares de "republicano", o que o impedia de remodelar totalmente a cidade,
fazendo com que perdesse totalmente o seu aspecto anterior. O segundo motivo pode ser
relacionado com o primeiro, mas possui uma característica específica romana. A cidade era a
representação física da história romana, já dizia Varrão. Mesmo que os romanos admirassem
amplas ruas, como as das cidades orientais, por exemplo, não desejavam refazer Roma
completamente à imagem delas. "O poder do lugar [com seus Genii locorum] e o poder dos
direitos de propriedade eram muito fortes. [...] Augusto reverentemente preservou as
labirínticas ruas, os espaços públicos irregulares e as pobres instalações residenciais de Roma.
De um ponto de vista do planejamento, a cidade continuou desorganizada, embora
conceitualmente sua forma afirmasse a identidade de Roma como capital dos romanos"
(FAVRO 1996: 116). Cada esforço de Augusto foi para reafirmar a cidade como o centro do
mundo romano. Como a "cabeça" de um "corpo", era onde se iniciavam as estradas para o
resto do mundo, o local escolhido pelos deuses, e deveria ser também o memorial para as
futuras gerações.
25
Design, no original.
26
F. Brown, Cosa, the making of a Roman town (Ann Arbor 1980).
59
intelectual, baseado tanto no tipo de governo quanto nas estruturas individuais que tornam tal
modelo viável.
Também nos fóruns provinciais ocidentais, grande parte dos pequenos templos,
santuários e locais sagrados que existia no Fórum Romano não aparece. O foco principal de
culto é o Capitólio, muitas vezes substituído pelo culto ao imperador e sua família.
“As instituições religiosas romanas nas províncias não eram meramente reflexo de diferentes
níveis de Romanização; também eram elementos úteis na competição por prestígio, honra e status,
uma das características que definiam a cultura provincial por todo o mundo romano” (BEARD et
alii 2000: 336).
E o mesmo pode ser dito sobre os fóruns e as diversas estruturas que o compunham: o
centro administrativo romano era estabelecido juntamente com a nova malha urbana (pelo
27
O termo “imitação criativa”, mesmo utilizado em itálico, não dá conta da complexidade da adoção, nas
províncias, de características romanas. Para a Dra. Norma Musco Mendes (conforme comentado na defesa), a
expressão não demonstra que houve uma participação ativa das elites provinciais na adoção da identidade
romana. Para ela, não foi uma “imitação”, mas sim um transplante.
60
menos a delimitação de sua área), pois refletia o estatuto da cidade e o prestígio de seus
habitantes. Inclusive, o templo estatal passou a ser incorporado ao fórum. Mas parece ter
havido uma diferenciação na Ibéria – que já havia sido notada para a Gália (SANTOS 2006) –
quando se analisa o conjunto arquitetônico do fórum: embora o esquema mais comum seja o
do fórum retangular, como os Fóruns Imperiais, nestes a basílica, como estrutura separada e
independente, desaparece, só "ressurgindo" com Trajano. Nas províncias ocidentais – tanto
gaulesas quanto ibéricas –, porém, a basílica parece ter sido um elemento indispensável do
fórum, mesmo se integrado a ele.
Estudos como o de Greg Woolf (2000) só vêm confirmar como a presença romana é
mais forte, praticamente dominante, nos elementos representativos do poder, como os fóruns,
termas e edifícios dedicados ao espetáculo (teatros, anfiteatros e circos). Para Woolf, são nas
manifestações mais "populares" que se percebe uma fusão entre as tradições pré-romanas (no
caso de Woolf, as gaulesas) e romana em várias áreas da vida cotidiana, variando quanto à
predominância de uma ou de outra cultura.
Para Alan Kaiser (2000), as fontes literárias não servem para traçar modelos teóricos
sobre o urbanismo romano. São os arqueólogos, que interpretam os vestígios materiais, os
pesquisadores capacitados para traçar as origens e definir o urbanismo romano. “Esse era
um problema unicamente arqueológico” (KAISER 2000: 6).
61
A origem da ortogonalidade do traçado urbano romano foi a primeira questão
debatida pelos pesquisadores e o consenso atual é o de que “os romanos aprenderam a
tecnologia [dos traçados ortogonais] tanto com os etruscos quanto com os gregos”. Kaiser
cita os estudos de Ward-Perkins (1974: 25) e de Owens (1991: 96) (KAISER 2000: 6). O
segundo debate teórico fundamental, então, foi definir uma cidade romana. Questão
especialmente importante para os arqueólogos britânicos, visto que as cidades romanas na
Britânia tinham uma aparência muito diferente das italianas, levantando a questão do grau
de influência local sobre o urbanismo romano.
“Antes dos anos 1970, a definição de uma cidade romana parecia autoevidente
baseada em sua forma”: planta ortogonal, fórum e capitolium ou templo de Júpiter, Juno e
Minerva, cúria e basílica; além de muralha, templos, casas, lojas, teatro e anfiteatro, circos,
aquedutos e fontes e, por fim, arcos triunfais, estátuas e outros objetos decorativos. “E o
modelo estético será a própria Roma”. O modelo, segundo Kaiser, funcionaria bem para a
Itália romana, mas não seria útil para entender a urbanização das províncias ocidentais,
especialmente as britânicas, uma vez que poucos sítios têm todas as características
mencionadas (KAISER 2000: 6).
Porém, segundo observei para a Península Ibérica, ainda podemos utilizar o modelo
“padrão”, especialmente para as cidades fundadas “de raiz”, isto é, ex nihilo. Se, na Britânia,
a presença romana foi tardia, além da ilha se encontrar no limes do Império, nas províncias
ibéricas a presença romana foi precoce, além de o sul da Península ter contato e
conhecimento das cidades mediterrâneas. Entretanto, devemos sempre levar em conta a
diversidade existente na Península Ibérica antes da presença romana, cuja dominação
ocorreu, como sabemos, ao longo de praticamente dois séculos antes de Augusto, através de
Agripa, estabelecer definitivamente a conquista da Galícia.
Para Alain Kaiser, a especificidade britânica fez com que “uma nova definição de
cidade tivesse que ser pensada para se adequar à situação provincial” (KAISER 2000: 6).
Segundo os arqueólogos britânicos, para se estabelecer uma nova definição é preciso atentar
para a função da cidade, e não para a sua forma. “A partir deste ponto de vista, uma cidade
romana pode ser definida como um centro de administração, comércio, amenidades,
diversão e proteção. Essas funções eram indicadas por, mas não limitadas a, as estruturas
listadas acima”. Assim, diferentemente da primeira definição, outras estruturas, que não as
tradicionais romanas, poderiam exercer os papeis necessários para que um sítio fosse
considerado uma cidade. Portanto, a ausência de uma cúria romana não significaria a
62
ausência de um conselho urbano, uma vez que este poderia se reunir em outro local (teatro,
basílica, templo) (KAISER 2000: 6).
Já Bendala Galán (2003) trata do fenômeno urbano nas três províncias hispano-
romanas. Para ele, Roma não levou à Península um modelo consolidado de ação nem de
romanização cultural ou organizadora; pelo contrário, a Urbs atuava segundo pautas e
princípios que eram ajustados às necessidades novas e de acordo com critérios práticos e de
operacionalidade, “entre os que contavam os de flexibilidade, capacidade de adaptação e
também de assimilação de quanto convinha aos seus interesses, todos os quais puseram nas
mãos de Roma uma das chaves do seu êxito” (BENDALA 2003: 17). Segundo Bendala, os
pesquisadores agora sabem que a existência de estruturas urbanas prévias à chegada de
Roma foi uma condição imprescindível para que a conquista romana fosse possível na forma
como os acontecimentos ocorreram (BENDALA 2003: 18). Creio, aqui, que Bendala
generaliza demais. Como já foi dito, a Península Ibérica era extremamente diversificada em
termos de urbanização. Assim, se os povoados castrejos do Noroeste Peninsular podem ser
considerados “cidades” (e não protocidades, como muitos pesquisadores ainda os
entendem), ao mesmo tempo são muito diferentes da estrutura urbana de Emporion, por
exemplo, que era um assentamento grego. O caso de Ammaia, por exemplo, na Lusitania,
demonstra o estabelecimento de uma cidade totalmente nova, que agregou a população
circunvizinha em um sistema urbano e de controle territorial totalmente novo, nos moldes
romanos.
64
De acordo com Manuel Bendala, o século VI a.C. representa para a Espanha um
período de consolidação urbana e urbanística incorporada na onda de amadurecimento
urbano de importantes culturas mediterrânicas, como a grega. Com esse período também
vem uma fase de consolidação da cultura ibérica com um importante aporte de colonos
gregos e a fundação de Emporion (primeiro o sítio de Rhode e, posteriormente, da
Palaiapolis) no sudeste hispânico, ao passo que, na região sul da Península (a zona própria
da cultura tartéssica nuclear), o influxo fenício-púnico produzirá uma semitização – cultural
e étnica – e dará um viés próprio e distinto do que se costuma entender como mais
propriamente ibérico (BENDALA 2003: 21-23).
O tratamento dado por Bendala ao texto se caracteriza como uma leitura “evolutiva”,
linear, indo das culturas mais primitivas e pouco desenvolvidas urbanisticamente – ainda
que as “cidades tartéssicas” sejam consideradas proto-urbanizadas – até a consolidação do
processo urbano graças ao aporte e influência de culturas externas à Península, como a grega
e a fenício-púnica, numa primeira fase, e a romana, já numa fase transcendente e
amadurecida do processo de desenvolvimento urbano peninsular, em que as cidades
romanas ou romanizadas representavam o auge evolutivo que se poderia alcançar.
E, por fim, foi com o período de Augusto que a planimetria urbana de raiz romana e
as tramas viárias se consolidam em definitivo. Além disso, o uso ideológico e político da
arquitetura no Alto Império, além da evolução das modas e costumes, acabariam por
transformar em definitivo o papel e a aparência das cidades hispânicas (BENDALA 2003:
30-32).
Segundo Ray Laurence, Simon E. Cleary e Gareth Sears (2011), a cidade romana no
Ocidente era percebida como portadora de civilização, inclusive para os chamados
“bárbaros”. A narrativa das províncias romanas continua a focar o papel das cidades e do
urbanismo, mas a questão principal seria definir quais características da concepção do
urbanismo romano eram atraentes para essas populações nos dois primeiros séculos do
Império e saber se a concepção e o desenvolvimento das formas urbanas no Ocidente
“bárbaro” eram tão diferentes do que ocorria em outras partes do Mediterrâneo.
Entre os poucos sítios escavados no norte da Europa está Silchester, onde se pode
observar o amplo uso da madeira como material de construção. A forma final da cidade
apresentava uma grade ortogonal e uma série de muralhas. No entanto, no século I d.C., as
67
ruas de terra batida estavam alinhadas diferentemente à posterior grelha urbana (pós-invasão
claudiana). Na época da conquista romana, uma grande estrutura de madeira foi construída
formando o fórum-basílica e alinhada ao eixo norte-sul. É perceptível uma reestruturação da
cidade, após a invasão claudiana, como um estímulo do governo imperial aos líderes locais.
No final do primeiro século, Silchester apresentava uma série de edificações, como termas,
um anfiteatro de madeira, templos e uma basílica ou fórum de madeira. Pode-se propor que
o novo alinhamento da grelha de ruas, não ocasionado por algum incêndio, estivesse
correlacionado aos pontos cardeais e teria algum tipo de significado cosmológico
(LAURENCE et alii 2011: 96).
Essas duas cidades demonstram que não havia um modelo acabado de formação e
desenvolvimento urbano. As escolhas eram feitas sobre o que era visto como essencial para
cada população: termas, uma praça central, templos etc. Ambas as cidades estavam
localizadas em entroncamentos viários e eram percebidas como locais de encontro e de
solução das necessidades dos viajantes. Havia cidades no Ocidente que não se estagnaram
após a edificação dos seus principais monumentos.
68
Figura 2.4. Tarragona: planta do Templo de Roma e Augusto (século I a.C.), diante do qual há um segundo
fórum e, a seguir, um circo (LAURENCE et alli 2011: 104, fig. 4.4).
Uma questão que surge na formação das cidades no Ocidente é se elas podem ser
vistas como uma característica da romanização. Para Tácito e Dião Cássio, as cidades, com
toda a sua infraestrutura, eram sinais das mudanças em direção a um estilo de vida mais
romano. Não obstante, o uso de objetos da cultura material romana pelas populações locais
69
não implica uma convergência dos centros urbanos no Império para a definição de um tipo
único de cidade. As cidades eram um fenômeno global e, ao mesmo tempo, uma adaptação
local daquele fenômeno. As diferentes cidades no Ocidente romano são respostas locais a
um tipo ideal de cidade e, também, a um estilo de vida urbana (LAURENCE et alii 2011:
100-102).
70
priorizar a relação sociedade-espaço-tempo, pois é a sociedade que age, que se apropria e
valoriza esse espaço.
Sobre a urbanização romana, podemos afirmar que não havia uma cidade igual a
outra, mas, ao mesmo tempo, existe uma tendência em estabelecer os possíveis “padrões”
romanos de ocupação espacial. Kaiser, a partir do estudo de Empúrias, busca um padrão
determinado. Laurence et alii buscam a especificidade de quatro cidades romanas para,
então, determinar os padrões possíveis. Já Ramallo busca, na monumentalização das cidades
da Península Ibérica romana, a transformação das cidades ibéricas em cidades romanas.
71
Creio que a política urbanística romana pode ser vista como duas faces da mesma
moeda: de um lado, os modelos “estereótipos”, ou pré-determinados, que se espalham pelo
Império; e do outro, as adaptações e variações regionais, individuais, encontradas em cada
fórum, muralha, termas, estruturas lúdicas, residências etc. das colônias e municípios (e
vici), vistas como uma “flexibilidade de adaptações [desse modelo romano] às situações
particulares” (J.-B. Ward-Perkins, apud BALTY 1991: 601). Apesar dessa variedade, Balty
reforça que os esquemas são sempre impostos pelo poder central, dentro de limites
topográficos naturalmente aceitáveis. “É o que mostra, me parece, nestes últimos anos, a
multiplicação dos exemplos dessas basílicas e fóruns augustanos dos quais quase não se
tinha ideia até agora. Os manuais, mais frequentemente, trabalham sobre um número muito
pequeno de casos, que adulteram as perspectivas – ousar-se-ia dizer as estatísticas? Um
melhor conhecimento das instituições municipais não deve ser negligenciado, pois ajuda a
recolocar mais adequadamente estas cidades [províncias] em todo um contexto histórico e
permite compreender melhor os paralelismos, em um nível diferente do plano estritamente
arquitetônico” (BALTY 1991: 601, n.1).
72
foram desempenhadas pelas cidades de nova fundação (ex novo), especialmente pelas
colônias de direito romano. “Por último, em determinados casos, a arqueologia sugere a
existência de novos assentamentos urbanos como resultado de uma reestruturação
populacional que comporta a concentração na planície de populações ibéricas dispersas em
determinado território, e inclusive o translado de população ibérica já romanizada para uma
nova localização” (RAMALLO 2003: 103-104).
“[Formavam] um grupo de cidades fundadas ex novo no final do século II a.C., cuja situação
jurídica inicial não conhecemos, se bem que são mencionadas por Plínio como oppidum civium
romanorum, nos mostram o processo de integração dos grupos ibéricos selecionados com
cidadãos itálicos num ambiente urbano que, desde o século I a.C., introduz elementos essenciais
da paisagem urbana romana” (RAMALLO 2003: 110).
No caso da Lusitania, podemos adotar uma divisão mais simples dos tipos de
urbanização. Para Carlos Fabião (2009: 346-349), há duas situações típicas na criação das
73
cidades romanas na Lusitania: transformação de um assentamento indígena ou a criação de
raiz.
Na primeira situação, mais frequente nas regiões meridionais e litorâneas (até a Bacia
do Mondego), é o aproveitamento de assentamentos indígenas pré-existentes. Foi o caso de
Felicitas Iulia Olisipo (Lisboa), Metellinium (Medellín), Scallabis (Santarém), Salacia ou
Conimbriga. Normalmente, o assentamento indígena era profundamente remodelado.
“Todos esses núcleos se acham implantados em zonas baixas, com bons recursos
hídricos, quando a norma em época anterior era a do povoamento de altura, fortificado”
(FABIÃO 2009: 347). A maioria dessas novas fundações de raiz se encontra no interior, mas
pode haver casos de cidades litorâneas que também são fundadas de raiz, como
Eburobritium.
74
é uma exceção, pois o mesmo ocorre com Tomar (antiga Seilium), que pode se tratar
também de “uma sobreposição topográfica de realidades sem a mesma função. Isto é, a
existência de uma qualquer ocupação mais antiga no local onde se ergue uma cidade não
significa necessariamente que ali houvesse já um qualquer lugar central do mundo indígena
pré-romano” (FABIÃO 2009: 349).
Há várias cidades cujas estruturas do fórum não são conhecidas, como Olisipo e
Scallabis; ou com muito poucas informações, como Ossonoba e Pax Iulia; e ainda outras
com informações muito recentes e iniciais, como Salacia, Ammaia, *Igaedus, Seilium,
Eburobritum e Bobadela. “Temos, assim, cidades cujos centros monumentais em absoluto
desconhecemos, outras que só sumariamente vislumbramos”. E há, ainda, casos em que são
exatamente as estruturas forenses que indicam a existência de uma cidade, embora sem
conhecer o tecido urbano respectivo. É o caso da civitas Cobelcorum (Torre de Almofala) e
de Centum Celas (Belmonte). “Diria que temos cidades ‘sem fórum conhecido’ e fora ‘sem
cidade conhecida’” (FABIÃO 2009: 349).
75
76
Capítulo 3
1. A arquitetura romana
“Nenhuma outra atividade humana é, tanto quanto a arquitetura, ligada às estruturas sociais e
políticas assim como às condições econômicas. Mas em Roma, mais que em outros lugares, os
laços da construção pública com o poder, a influência exercida por este sobre a construção
privada, a confusão, enfim, dos domínios políticos e gentílicos conferiram desde sempre aos
dirigentes, seja qual for a origem ou a formação dos arquitetos, aquela que foi a organização
profissional dos construtores, um papel determinante; em outros termos, é ilusório pensar
compreender a origem e o desenvolvimento de uma forma fora de seu contexto histórico”
(GROS 2002: 17).
“De forma mais geral, a coesão dos programas monumentais, tanto do centro do poder como
nas cidades das províncias mais distantes, impede apreciar os volumes e as decorações de um
edifício público, mesmo que nos atenhamos a um ponto de vista estritamente formal, fora do
ambiente em que está inserido. Isolado, o objeto arquitetônico de Roma, de Arles, de Êfeso ou de
77
Cartago perde uma grande parte de sua significância, até mesmo de sua razão de existir” (GROS
2002: 17).
Para o mundo romano – assim como para o universo mediterrânico antigo como um
todo –, a definição de “edifício” para a arquitetura moderna é muito limitada. Gros nos lembra
que, no Mundo Antigo, o termo “edifício” tinha variações muito mais sutis, pois certos
“edifícios”, por longos períodos, permaneceram demarcados pelo uso mas não efetivamente
“cobertos”, construídos. Roma só sofreu uma real transformação arquitetônica duradoura (com
a construção de grandes edifícios de alvenaria) com Augusto (GROS 2002: 18).
Fora da Itália Central, por sua vez, houve a necessidade de adaptação dos “modelos”
urbanos às tradições regionais, climáticas, geográficas, assim como modificações estruturais.
Portanto, havia um claro fenômeno de “atraso”, ou retardamento cronológico, na adaptação
e construção de edifícios públicos devido às mudanças e exigências tanto centrais como
provinciais (grosso modo, o aumento da complexidade político-administrativa de um
Império em expansão) (GROS 2002: 18).
Mas Gros não menciona casos onde esses edifícios de alvenaria surgem primeiro fora
de Roma para apenas posteriormente serem construídos na Urbs. Por exemplo, os teatros de
alvenaria (como o de Pompeu) surgem primeiro fora de Roma, nas colônias italianas, para
apenas num segundo momento serem erguidos em Roma, e não sem protestos contra a
quebra de tradição de teatros temporários.
“Mas os fenômenos de atraso não constituem, eles próprios, uma regra inquebrantável dos
ambientes provinciais: a parte grega do Império, e mais precisamente a Ásia Menor, dispunha
durante longo tempo de uma experiência urbana e de um tesouro monumental adquirido ao longo
dos séculos helenísticos, que lhe confere em vários domínios um papel de precursor; mas
também a homogeneidade crescente do mundo romano torna a Itália, a partir do século II d.C.,
78
sensível a um tipo de influência de troca das províncias Ocidentais, às quais o desenvolvimento
econômico e a circulação de ideias e de formas parece conhecer, ao menos em certos setores
privilegiados, uma real força criativa” (GROS 2002: 18).
Para Pierre Gros, houve, por parte de Roma, “uma conquista progressiva de um
espaço arquitetural e de uma panóplia monumental própria de Roma e [...] esta difundiu a
urbanitas, isto é, a vida citadina, com tudo o que esta implicava nos diversos setores da
construção, aí incluída, aliás, a da moradia rural” (GROS 2002: 18-19). Esta também é a
minha opinião.
“A originalidade, mas também a fecundidade, da arquitetura romana tem por essencial esses
constantes movimentos de troca que lhe asseguram ao longo dos séculos uma plasticidade
excepcional e lhe permitem se adaptar a todas as situações étnicas ou culturais” (GROS 2002: 20).
Gros também nos lembra que a cidade antiga nem sempre teve necessidade de
monumentos públicos.
“Por muito tempo a cidade grega, arcaica e clássica, contentou-se com equipamentos
elementares e esta relativa pobreza arquitetônica não prejudicou nem sua dignidade nem sua
eficácia. A presença do povo ou de seus representantes, no momento das reuniões políticas, no
curso dos grandes processos, dos grandes espetáculos ou na ocasião das festas periódicas da
divindade políade, era suficiente para qualificar um local como a sede de uma assembleia, de um
tribunal ou de um teatro, para definir um simples percurso urbano como um circuito processional.
As eventuais construções temporárias tinham sentido apenas no decurso da cerimônia e pouco
importava, em seguida, a fraca representatividade do sítio restituído à sua nudez inicial. O
monumento permanente, o edifício dedicado à devoção coletiva não nasceu, como se acredita
muito frequentemente, de necessidades concretas da comunidade. Fora alguns casos, onde uma
instalação técnica era necessária para o cumprimento de funções específicas – nos banhos ou
termas, por exemplo – a estrutura arquitetônica impôs-se progressivamente à medida que cresciam
as exigências do poder e a preocupação com a autoexaltação ou afirmação das coletividades
urbanas. Nesse sentido, Roma é a herdeira de uma lenta evolução que começou na Grécia no final
do século IV mas que só atingiu seu desenvolvimento verdadeiro durante o período helenístico”
(GROS 2002: 22, grifo meu).
A análise será baseada nos fóruns, mas outros edifícios públicos serão descritos, para
permitir um estudo mais aprofundado dos sítios escolhidos para integrar o Corpus
Documental, fazendo uma descrição mais holística.
O fórum é muitas vezes considerado uma ágora, mas na verdade difere dela
especialmente por incluir as atividades políticas, além das religiosas e econômicas. E esta
característica política torna-se cada vez mais importante e, em alguns casos, a principal, no
modelo urbano “exportado” para as províncias.
80
Apresentar-se-ão, então, neste capítulo, os componentes do centro monumental, o
fórum e seus edifícios principais, os edifícios dedicados aos espetáculos, e os ligados aos
cultos. As termas são o foco de um estudo de doutorado específico em realização por Alex
dos Santos Almeida, no Programa de Pós-Graduação em Arqueologia do MAE/USP28,
portanto serão pouco abordadas no presente trabalho, apenas em casos específicos, quando
relacionadas diretamente a outros monumentos públicos.
Não se pretende aqui uma descrição exaustiva e detalhada, mas sim ressaltar os
aspectos – físicos e ideológicos – que tornam os diferentes monumentos expressões do modo
de vida e de dominação romanos.
Uma das características principais das primeiras coloniae foi a localização central do
santuário principal (geralmente o Capitólio) orientado para a praça principal onde se reunia a
assembleia municipal, que se tornou posteriormente o fórum. Para Zanker, esta disposição
fez com que o fórum se tornasse “um tipo de átrio do templo, e o real átrio do templo, um
tipo de fórum” (2000: 33). Foi uma nova definição do espaço público, inclusive com o
templo sendo colocado sobre um alto pódio, enfatizando a importância central da pietas no
sistema de valores romano.
Nas cidades gregas, diferentemente do que ocorria nas romanas, havia dois grandes
espaços públicos separados: ao mesmo tempo em que proporcionava a existência de um
local para consenso político livre das tradições religiosas e hierárquicas, também criava um
espaço sagrado para os deuses que garantiam a segurança dessa nova forma cívica
vulnerável, a polis (ZANKER 2000: 34).
28
Alex dos Santos Almeida, “A cultura balneária urbana na Ibéria romana. As formas espaciais e arquite-
tonicas termais e as complexidades sócio-culturais dos banhos romanos provinciais - séculos I a.C. a III d.C.”,
MAE-USP.
81
“Em Roma, a situação era muito diferente. O Estado era hierarquicamente estruturado; tanto os
cargos políticos quanto o sacerdócio estavam nas mãos das mesmas famílias aristocráticas, e a
tomada de decisão política estava estreitamente atada à tradição e ao ritual religioso. A aristocracia
senatorial governante nunca deve ter considerado um espaço cívico aberto para todos, semelhante à
estrutura da polis, muito menos um governo democrático pôde se desenvolver. Na própria Roma, a
separação da praça aberta no vale do santuário principal sobre uma das sete colinas preservou um
modelo urbano arcaico similar ao grego e ao de outras cidades itálicas mais antigas. Mas no Fórum
Romano, templos a Saturno e aos Dióscuros foram erguidos imediatamente após a expulsão dos
reis. O resultado foi que o espaço era visualmente dominado por templos, muito mais do que em
qualquer ágora grega. O mesmo é verdade para toda a cidade, cuja aparência, desde o início era
dominada, em uma extraordinária extensão, pelos templos e santuários. Este fenômeno só se
intensificou ao longo dos séculos, até bem dentro do Principado. Basta pensarmos no Campo de
Marte no final da república, nos prédios posteriores para os imperadores divinizados, e na vasta
escala dos grandes templos dos séculos II e III d.C.”
“Já que a completamente desenvolvida cidade de Roma não podia ser imitada em outro local
em sua estrutura unicamente complexa, um outro modo tinha que ser encontrado para as
cidades coloniais expressarem a subordinação de sua vida política aos deuses (e a Roma)”
(ZANKER 2000: 34-5; grifos meus).
O outro modo foi a construção, nos centros urbanos, dos complexos fórum-
capitólio/santuário de culto imperial. Intencionalmente, criou-se uma forma para as cidades
coloniais expressarem essa subordinação da vida política aos deuses, e a Roma. Era uma
fórmula que já existia nas pequenas colônias civis dos séculos IV e III a.C., a combinação do
Capitólio com a praça central de reunião colocados no centro da cidade. “Encarnavam a
autoimagem de Roma mais perfeitamente do que a própria Roma” (ZANKER 2000: 35).
82
gradualmente isolada da rede de ruas, enquanto certas funções originais do fórum, como
mercado e local de jogos públicos, foram transferidas para outras zonas. O resultado foi que
o fórum tornou-se progressivamente um local onde o Estado e seus funcionários podiam
exibir seu poder e os cidadãos, sua distinção e status social. O espaço aberto remanescente
foi gradualmente preenchido com estátuas e outros monumentos honoríficos” (ZANKER
2000: 35).
As maiores cidades romanas também possuíam outras praças públicas, com templos
e pórticos, que, de subordinadas ao complexo capitólio-fórum, passaram, algumas vezes, a
rivalizar com ele. Acontecia especialmente quando a nova praça principal abrigava o templo
ao culto imperial, passando a se tornar a praça dominante, “um símbolo inequívoco da
importância do culto e da veneração da família imperial” (ZANKER 2000: 35). Percebemos
isto na relação entre o “fórum da cidade” e o “fórum provincial” em Tarraco e Augusta
Emerita. A mudança na situação política nas províncias durante o principado está
claramente inscrita na imagem urbana.
Tanto no caso das antigas colônias de cidadãos quanto nas colônias augustanas de
veteranos, “a planta básica se originou em Roma. Podemos então falar de um processo de
‘Romanização a partir de cima’. Entretanto, no próximo estágio de desenvolvimento (o
gradual acréscimo de edifícios públicos), a Romanização de cada cidade refletiu suas
necessidades individuais. Sem dúvida os cidadãos de fora de Roma olhavam para Roma,
mas o que os atraia era mais o ímpeto de erigir certos tipos de edifícios do que modelos
83
arquitetônicos específicos. Isto é especialmente claro no caso da Basílica” (ZANKER 2000:
36).
A cidade romana, então, tinha uma estrutura fixa, produto da vida política e cultural
republicana. Foi essa estrutura que se tornou padrão para as fundações futuras, apesar da
mudança para o Principado. “A noção de centro urbano como um símbolo político não foi
fundamentalmente revisada ou alterada, apesar da mudança das circunstâncias no
Principado. Não obstante, iniciando-se na época de Augusto, a aparência da cidade foi
parcialmente reformulada pelas estruturas monumentais que não haviam sido previstas na
sua estrutura original e a partir de então tiveram que ser integradas nela de vários modos”
(ZANKER 2000: 37). Zanker refere-se especialmente às cidades erigidas antes de Augusto,
ou até o século II a.C. Já no final da República e, especialmente, a partir do Principado, as
novas cidades romanas estabelecidas no Ocidente já previam na sua estrutura, além do
84
fórum, que tinha um lugar fixo nas cidades, com basílicas e Capitólios, os teatros, anfiteatros
e termas (estes edifícios monumentais para o ócio e o lazer, que só se tornaram estruturas
definitivas e constantes na própria Roma no século I a.C.).
Para Zanker, as colônias e cidades romanas não pensavam em imitar Roma, mas sim
em transplantar o sistema sociopolítico romano. Era isso, essencialmente, que criava as
semelhanças entre elas. A paisagem urbana deveria expressar-se em termos de maiestas
populi romani, e eram seus edifícios monumentais que tornavam esse conceito visível. “Era
nos edifícios de grande escala, que falavam de prosperidade e de um determinado modo de
vida, que estavam as marcas oficiais da cidade imperial romana” (ZANKER 2000: 41).
Fóruns
85
espacial, pois procede do arearum electio, isto é, da escolha prévia, no interior da malha
urbana, de áreas livres destinadas ao uso coletivo.
No sistema ortogonal das cidades coloniais fundadas por Roma, o fórum geralmente
é estabelecido na intersecção das duas vias principais, o Cardo e o Decumanus Maximus.
Mas, como acontece com frequência, esta é uma “regra” que sofre muitas exceções.
O fórum, como encontramos a partir do século I a.C. nas províncias tem sua origem
no Fórum Romano, mas acabou por ser tornar muito diferente deste.
Fórum Romano
29
A discussão mais detalhada se encontra em Gros 2002: 236 ss.
86
Pouco a pouco, as instalações que circundam a Fórum republicano se regularizam e
tendem a uma racionalização do espaço (e das funções). Dai se explica que, desde o final do
século II a.C., surja uma basílica no lugar do Atrium regium (que ainda guardava a forma de
uma domus de pater familias).
Sob Augusto, e com a instauração do Principado, o Fórum Romano perde sua função
política, adquirindo, a partir de então, seu aspecto definitivo, de praça monumental. Além
disso, também é construído um novo fórum, o de Augusto, erguido ao lado do de César.
87
Cástor e Pólux, “para recordar somente os maiores” (COARELLI 2003: 56). É o momento
após as Guerras Púnicas e das guerras contra os Estados helenísticos orientais, quando Roma
passa a dominar o Mediterrâneo Oriental.
A Basílica Semprônia dará lugar à Basílica Júlia que, juntamente com a Emília,
regularizará os lados meridional e setentrional da praça, criando as premissas para uma
sistematização orgânica coerente, que conhecerá sua conclusão com César e Augusto. “Isto
encontra correspondência na transferência das funções políticas e jurídicas do Comício, que
havia se tornado muito pequeno, para o Fórum (onde, a partir da segunda metade do século
II a.C., passaram a acontecer os comícios legislativos e parte dos processos), enquanto
paralelamente grande parte das funções econômicas deste último migrou para outro local,
em edifícios propositalmente construídos” (COARELLI 2003: 56).
“o centro literal e simbólico de Roma, possuindo um forte espírito de local. 30 [...] Por séculos, os
romanos reuniram-se nesse espaço aberto para ouvir discursos, realizar negócios, assim como
assistir lutas de gladiadores, funerais estatais e outros acontecimentos cívicos. Todo edifício
celebra atividades e realizações públicas”. [...]
“O Fórum apresenta um cenário dinâmico cheio de vida e associações potentes. [...] Como
cidadãos romanos, os edifícios apresentam-se como indivíduos distintos, relacionados pela
proximidade entre si e por propósitos comuns mais do que por um comando rígido”.
“Os edifícios – e a cidade como um todo – eram veículos para a divulgação da história
pregressa de Roma, da tradição romana. Cada local, edifício, inscrição, escultura, trazia
informações sobre os mitos, heróis, figuras importantes, grandes fatos etc. que tornaram Roma –
e os romanos – o que eram. A experiência urbana era, assim, altamente carregada [de história e
tradição]. Os eventos e as vidas do passado davam poder ao local; o efeito cumulativo podia não
ser necessariamente belo de forma tangível, mas o era conceitualmente” (FAVRO 1996: 48).
Segundo Homo, o Fórum, no início do Império (Figura 3.1), era ainda o centro da
cidade do ponto de vista dos negócios e do lazer.
“O comércio de luxo se instala aí, com as mudanças das Basílicas Júlia e Emília, [vieram]
os joalheiros do Pórtico Margaritária e os banqueiros da Via Sacra. Este comércio atrai e retém
na região toda uma clientela aristocrática. Ali se juntam, como em todos os centros onde se
realizam negócios envolvendo dinheiro, o mundo duvidoso dos especuladores e dos usurários,
reunidos especialmente ao redor do Puteal de Libão. O Fórum também conhece a clientela dos
tribunais civis e criminais, agrupados ao redor da estátua de Marsias, com todo o pessoal que se
relaciona. Centro de negócios, o Fórum é também um lugar de passeio (…) e de vadiagem,
quarteirão geral dos forenses, mistura de desocupados e de elementos duvidosos, que ali matam
o tempo com mexericos, jogos diversos, quando não coisa pior” (HOMO 1971: 402-3).
A disposição relativa entre o Capitólio elevado e o fórum na parte mais baixa foi
frequentemente reproduzida nos fóruns provinciais: o templo principal (muitas vezes
consagrado ao culto imperial), normalmente construído sobre um pódio, passa a ser inserido
em um témenos que está em um nível mais elevado do que o resto da praça. Zanker (2000)
analisa tal disposição. Assim, nas províncias, o complexo forense simula essa disposição
Monte Capitolino - Praça Forense, mas de uma forma extremamente ordenada, simétrica e
axial, e não orgânica, como em Roma. Em alguns fóruns provinciais, o espaço sacro está
separado por alguma divisão física, como uma mureta, uma via ou pela basílica, simbolizando
um témenos. Porém, é difícil dizer o quão intencional são os simulacros provinciais do Monte
30
No original, strong spirit of place.
89
Capitolino, uma vez que essa disposição ordenada dos fóruns provinciais é mais parecida com
a dos fóruns imperiais do que o Fórum Republicano (Figura 3.2).
Figura 3.2. O Fórum Romano no final do século I d.C. (GROS 2002: 214, a partir de Zanker, Forum Romanum.
Die Neugestaltung durch Augustus, Roma: 1972; fig. 251)
Também na área do Fórum ficava o Templo de Vesta, de forma circular, um dos mais
antigos e importantes santuários de Roma, localizado no lado meridional da via Sacra,
defronte à Régia, esta a moradia tradicional dos reis etruscos. O Templo de Vesta abrigava o
fogo-lar dos romanos além dos objetos sagrados trazidos de Tróia por Enéias.
Fóruns Imperiais
Se o Fórum Romano era aberto e formado por diversos edifícios relacionados uns aos
outros, o fórum fechado, com entradas restritas e aspecto monumental e unificado surge com
os fóruns imperiais, construídos em sucessão e determinando as formas dos fóruns nas
províncias ocidentais.
Figura 3.3. Planta dos Fóruns Imperiais. 1. Porta republicana da cidade; 2 e 3. Bibliotecas de Trajano; 4.
Êxedra do Fórum de Trajano; 5. Pórtico do Fórum de Trajano; 6. Casa dos Cavaleiros de São Jorge; 7. Sala
da estátua colossal; 8. Templo de Mars Vltor; 9 e 10. Êxedras do Fórum de Augusto; 11. Porticus
Absidata; 12. Templo de Minerva; 13. "Le Colonnacce"; 14 e 15. Templo da Paz; 16. Sala da Planta
Marmórea (de Roma); 17. Basílica de Maxêncio; 18. Igreja de S. Cosmo e S. Damião; 19. Templo de
Antonino e Faustina; 20. Escavações recentes (1996 em diante); 21. Cúria Júlia; 22. Igreja de S. Lucas e
Sa. Martina; 23. Cárcere Tuliano (CLARIDGE 1998: 146).
91
O Fórum de César formava um retângulo muito alongado, com três lados circundados
por um pórtico colunado duplo. O lado sudoeste era formado por uma série de tabernae de
várias profundidades e com fachada de dois níveis sobrepostos e precedidas por uma colunata
dupla, colocada sobre uma plataforma de três degraus. O Templo de Venus Generatrix (a
ancestral dos romanos e particularmente dos Júlios) ocupava o fundo da praça, em posição
axial, sobre um alto pódio revestido de mármore, funcionando como elemento unificador do
conjunto. O edifício possuía oito colunas coríntias frontais e nove nas laterais (COARELLI
2003: 128). “O projeto se transformou de uma simples extensão do Fórum Romano em um
espaço demarcado distinto, associado aos negócios públicos e ao engrandecimento de seu
patrono. Como o nome indica, o novo Fórum Júlio tornou-se, de fato, um heroon a César”
(FAVRO 1996: 62).
“Essa visão rigorosamente axial e centralizadora [do Templo] é ainda fortalecida pela
existência da abside com a estátua de culto [...]. Parece evidente a função ideológica e as
características propagandísticas dessa disposição arquitetônica, provavelmente baseada no
modelo dos santuários helenísticos dedicados aos soberanos divinizados: essa disposição
pretendia exaltar a deusa progenitora da família Júlia e, consequentemente, o próprio imperador,
cuja estátua equestre, no centro do Fórum, inseria-se nesse eixo sacralizante” (COARELLI 2003,
128-9; grifos meus).
Adjacente ao Fórum Romano e tangente a ele, estava a nova casa do Senado, a Cúria
Júlia, de onde se podia entrar diretamente no Fórum Júlio. As salas que ladeavam o lado
ocidental do novo fórum provavelmente eram ocupadas por arquivos oficiais e parafernálias
para as Assembleias públicas, ou abrigavam vários negócios senatoriais. Totalmente cercado,
o novo fórum era praticamente invisível a partir do Fórum Romano.
Para Zanker (1992: 45), o Fórum de César, assim como o Teatro de Pompeu, no
Campo de Marte, era um edifício público de caráter ‘privado’ que alcançou uma nova
dimensão. “A magnitude e as pretensões destes monumentos correspondiam à importância
destas duas personalidades nos tempos da res publica decadente”.
31
As descrições iconográficas do Fórum de Augusto, atualmente, seguem, quase sem alterações, a apresentada por
Paul Zanker, no Poder das Imagens (1992). Por exemplo, as de Favro (1996) e de Coarelli (2003).
93
Figura 3.5. Reconstrução da
fachada do Templo de Mars
Vltor e dos pórticos (FAVRO
1996: 97; fig. 51, a partir de J.
Ward-Perkins, Roman imperial
Architecture, Harmondsworth:
Penguin Books 1981, fig. 8.)
Nos pórticos e nas êxedras havia estátuas representando os summi uiri da República,
com as estátuas de Enéias e Rômulo em posição de destaque nas êxedras.
94
Figura 3.6. Fórum de Nerva, Porticus
Absidata e Basílica Emília, planta
restaurada (RICHARDSON Jr. 1992:
168, fig. 39, a partir de Roma,
archeologia nel centro, Rome, De Luca
Editore s.r.l., 1.249, fig. 2 (R. Volpe, a
partir de H. Bauer 1977).
O último e mais grandioso dos Fóruns Imperiais foi construído por Trajano (Figura
3.7), entre 107 e 113 d.C. Para obter espaço, Trajano mandou eliminar a selada que unia o
Capitolino ao Quirinal. Evidentemente, também foram destruídas as construções da selada,
como o Atrium Libertatis e um trecho da Muralha Serviana. A reconstituição do fórum e da
basílica, especialmente no que diz respeito à decoração, é feita através de imagens
monetárias. O fórum media 300m de comprimento por 185m de largura. Construído ex
manubiis, com os espólios da conquista da Dácia, em 106 d.C., foi inaugurado em janeiro de
112, mas a Coluna Trajana, ainda inacabada, somente em maio de 113, juntamente com a
reconstrução do Fórum de César.
95
Figura 3.7. O Fórum de Trajano, planta baixa e corte. 1. propileu; 2. bibliotecas; 3. Coluna Trajana;
4. Basílica Ulpia; 5. estátua eqüestre de Trajano; 6. galeria tripartida; 7. aula; 8. Mercados de Trajano.
A, B, C e A1, B1, C1: caixas das escadas (Chaisemartin utiliza os esquemas de Meneghini, que
excedem a altura da Basílica Ulpia) (CHAISEMARTIN 2003: 198, a partir de R. Meneghini, "Il Foro
di Traiano, Ricostruzione architettonica e analisi strutturale", in MDAI (R) 108, 2001, p. 245-268).
Para Pierre Gros (2002: 231), há, nos fóruns das províncias, citações explícitas, tanto
planimétricas, quanto ornamentais, dos fóruns imperiais. Essas “citações” são testemunhas
da importância dos “modelos” tirados dos fóruns imperiais de Roma e da sua difusão. “Os
elementos característicos dessas composições, e mais particularmente do Fórum de Augusto,
verdadeiro paradigma da grande arquitetura de representação, se encontram nos fóruns
coloniais ou municipais de [...] Mérida, Clunia e, sem dúvida, Bilbilis, na Península Ibérica
(fig. 279 e 280)”. E em diversos outros complexos inspirados nas estruturas imperiais, como
o santuário de culto imperial de Tarragona. Em todos esses casos, são encontradas êxedras
em pórticos laterais, reproduções dos summi viri romanos, clipei e máscaras de Júpiter
Amon. As alusões são indubitáveis e supõem uma organização que, ao invés da reprodução
pura e simples, estabelece um sistema de referências plásticas, epigráficas e arquitetônicas
conforme as novas convenções da ideologia imperial.
Desde o início do Alto Império e ao longo dos dois primeiros séculos d.C., são
encontrados numerosos exemplos dos fóruns tripartidos32, com ordenação axial ou próxima
32
A descrição dos fóruns tripartidos, nesta parte do trabalho, baseia-se principalmente em Gros 2002: 220-229.
97
à axialidade, onde a basílica, em um dos lados menores, defronta o templo maior da cidade
(capitólio ou de culto imperial). Havia, como é de se esperar, variações, mas esse era o
esquema mais básico, ou o mais recorrente, e as variações, quando necessárias, geralmente
buscavam, na medida do possível, seguir esse esquema. Na Península Ibérica, o exemplo
mais antigo é o do fórum republicano-augustano de Ampúrias. E outros exemplos, para a
época augustana e júlio-cláudia, são os fóruns de Clunia e Saguntum, na Tarraconense, de
Baelo Claudia (Belo) (Figura 3.8), na Bética; o de Conimbriga (Lusitânia), de época flávia;
e de época antonina, o de Asturica Augusta (Astorga), na Tarraconense.
Assim, estão presentes apenas nas capitais provinciais ou em cidades que, na nova
repartição de cargos e privilégios estabelecidos desde Augusto, compartilham com a capital
a responsabilidade de organizar cerimônias oficiais do culto doméstico e, em seguida,
imperial em toda a província; tornando-se, assim, a sede de um flamen provinciae. Um
desses “fóruns provinciais” foi identificado em Tarraco (Tarragona), capital da Província
Tarraconense, funcionava para toda a Espanha Citerior; e em Emerita Augusta (Mérida), o
“fórum provincial” abarcava toda a Província da Lusitânia.
Vale a pena lembrar que o culto imperial foi uma prática iniciada com Augusto e
continuada pelos outros imperadores. Assumia várias formas e não era um elemento
independente das práticas religiosas, mas sim celebrado dentro da vida religiosa como um
todo. A forma do culto variava conforme o contexto, não havendo, portanto, “tal coisa
chamada o culto imperial” (BEARD et alii 2000: 348), e sim uma série de cultos que tinham
em comum a veneração ao imperador, sua família ou predecessores, realizados de formas
diferentes de acordo com as diferentes circunstâncias locais, como o estatuto da
comunidade, as tradições religiosas locais pré-existentes e o grau de envolvimento dos
romanos vindos do centro no estabelecimento do culto. Além disso, tão importante quanto o
culto ao imperador era a incorporação deste nos cultos tradicionais das comunidades
provinciais. “O culto imperial não era necessariamente a marca mais forte da Romanização
na religião: especialmente nas comunidades estrangeiras (coloniae e municipia), imitações
do sistema transformado da Roma augustana eram frequentemente um aspecto muito mais
importante da Romanização religiosa do que qualquer veneração direta do imperador”
(BEARD et alii 2000: 318).
99
Depois do Exército33, eram as colônias romanas que espelhavam as instituições
religiosas de Roma mais fielmente. Este caráter romano das colônias aparece em quase todas
as Regulações para a vida nelas, mas mais especificamente nas cláusulas que se referem ao
sacerdócio, com funções similares ao de Roma, mas não exatamente iguais, pois os
pontifices e augures34, seus dois grupos sacerdotais principais, estavam sujeitos à autoridade
do governador. “Mas, de modo geral, as estruturas simbólicas das coloniae enfatizam seu
status como ‘mini-Romas’ já no momento de sua fundação, realizada com os ritos que
ecoavam os rituais da fundação mítica da própria Roma”: auspícios, delimitação do sítio e
determinação das portas, estabelecendo os limites do pomério e, assim, a terra pública
(BEARD et alii 2000: 329).
33
Fora da Itália, era o Exército que representava Roma mais claramente. Quando se tornou profissional, com
Augusto, a cidadania continuou sendo um pré-requisito para o serviço nas tropas legionárias, mas tal cidadania
podia ser concedida no recrutamento, que ia sendo realizado em áreas cada vez maiores até que, no século II
d.C., uma ínfima porção dos soldados era da própria Itália. Já as tropas auxiliares, o outro corpo principal de
tropas, no início do Império, não eram formadas por cidadãos, mas comandadas por oficiais cidadãos e os
soldados podiam receber a cidadania quando davam baixa. Mais tarde, não era incomum quem já tinha a
cidadania alistar-se nas forças auxiliares. A vida religiosa oficial de ambos os corpos de tropas era
predominantemente romana, seguindo o calendário oficial do sistema religioso da Roma augustana (embora
com algumas alterações).
Mas como o Exército era formado por indivíduos de várias regiões diferentes, que cultuavam seus próprios
deuses, observava-se também o de outra divindade relacionada à origem etnográfica das tropas. E os dois
deuses eram cultuados oficialmente pela coorte. Já a população local cultuava suas próprias divindades. Mas o
sistema religioso dominante do Exército como uma instituição permaneceu modelado no de Roma (BEARD et
alii 2000: 325-6).
34
Pontifex, “aquele que abre as vias para os deuses”. Em Roma, os pontífices eram os guardiões da tradição,
encarregados de supervisionar os cultos privados e públicos. Podia ser magistrado e chefe militar. Augur, de
augeo, “fazer crescer, aumentar”. Os áugures, constituídos em um colégio, são os intérpretes da vontade dos
deuses e assistem os magistrados que tomam os auspícios. No Império, perdem seu papel político, mas sua
importância religiosa permanece (FREDOUILLE 1985).
100
religiosas romanas das coloniae. Possuíam pontífices, augures e haruspices35. Quando uma
cidade – ou aldeia – recebia o status de municipium, geralmente erguia um Capitólio. Mas o
processo podia se dar de forma inversa: em mais de uma ocasião há a construção de um
Capitólio como parte da reivindicação de estatuto romano. Instituições religiosas romanas nas
províncias não são meramente reflexos de diferentes níveis de Romanização, também são
elementos úteis na competição por prestígio, honra e status que era uma das características que
definiam a cultura provincial ao longo do mundo romano (BEARD et alii 2000: 336).
Basílicas forenses
Vitrúvio36 descreveu dois tipos de basílicas, a “como deve ser”, ou “normal” (V, 1,
4-5), e a que construiu em Fano (V, 1, 6-10); ambas apresentando várias diferenças entre si.
A primeira deve estar situada anexa ao fórum, “nas suas partes mais quentes”,
determinando como devem ser as proporções entre seus diferentes elementos: “largura que
deverá ser menos que a terça parte nem mais da metade do comprimento”, mas permite
adaptação à topografia local; entre as colunas e os pórticos; entre as colunas superiores e
inferiores; colunas e parapeitos, arquitraves, cornijas e frisos.
Já o segundo tipo de basílica, como a de Fano, da qual afirma que geriu as obras,
considera que “não poderá ter menor dignidade e beleza que as outras a basílica da colônia
juliana de Fano, [de] que instalei e geri as obras”. Descreve todas as suas proporções e a dos
seus elementos constituintes (para uma descrição completa, ver SANTOS 2006: 135 ss.)
35
Haruspex, "aquele que examina as entranhas". Os harúspices eram os adivinhos, particularmente
competentes na arte de ler as entranhas das vítimas, de interpretar os prodígios e os expiar. Seu prestígio
aumentou no Império e alguns príncipes tinham seu harúspice particular (FREDOUILLE 1985).
36
Que escreveu entre os anos 30 e 20 a.C.
101
uma abstração esboçada por Vitrúvio, pois este pretendia estabelecer uma relação entre as
basílicas o os pórticos públicos.
Em Roma, a basílica com tribunal aparece apenas com a Ulpia, mas não se deve
entender isto como um “atraso”, talvez sim como um “conservadorismo tradicional”. As
basílicas Emília e, especialmente, a Júlia (há relatos que o atestam) abrigavam atividades
judiciárias, embora sem tribunalia. Aliás, se podiam ser colocadas divisórias de madeira na
37
A basílica que Vitrúvio considerava "normal" (nos anos 20-30 a.C.) ainda é um espaço anexo dependente do
fórum do qual ela constitui apenas seu prolongamento coberto. "A expressão 'loca adiuncta' que ele utilizou
para designar sua colocação mostra bem o status ainda secundário do edifício e sua fraca autonomia
monumental (V, 1, 4)" (Gros 2002: 240). A Basílica Pórcia, extinta em 52 a.C. por um incêndio, seria um
edifício deste tipo. Em 69 d.C., Plutarco (Galba 26, 3) atesta que a Basílica Emília não apenas era aberta no
lado voltado para o fórum, como também seu lado norte só foi fechado em idade Flávia com a construção do
muro do recinto do Fórum Transitório.
102
Basílica Júlia para propiciar a realização de vários julgamentos simultâneos (segundo Plínio,
o Jovem), acredito que nada impede (além da falta de um registro literário conhecido) que se
proponha terem existido tablados de madeira para os juízes. Comprovadamente, segundo
Carnabuci (1996), o Fórum de Augusto possuía espaços específicos para a realização de
julgamentos, sendo que as êxedras laterais eram destinadas ao pretor peregrino e ao pretor
urbano. Carnabuci acredita, inclusive, que todo o Fórum de Augusto tenha sido criado para
abrigar atividades jurídicas.
Não existe uma evolução cronológica da basílica entre os dois tipos encontrados na
Itália durante os dois últimos séculos antes de Cristo. Ou seja, não se passou de uma
tipologia a outra porque, provavelmente, todas as duas – fechada vitruviana e aberta –
coexistiam desde seus nascimentos.
38
Para um relato sobre as discussões arqueológicas sobre as origens das basílicas romanas, ver SANTOS 2006:
139 ss.
103
políade e atria publica), o que demonstra que as basílicas, no século II a.C., ainda não
haviam adquirido a importância que tiveram posteriormente na instalação dos fóruns
provinciais, pois, no início do Império, eram das primeiras estruturas a serem edificadas nos
centros urbanos. A basílica de Cosa, ainda relativamente compacta, é a única a apresentar a
relação 1:3 preconizada por Vitrúvio entre a largura dos pórticos periféricos e a da “nave”
central. Possuía uma fachada com dupla colunata, a exterior dobrando, neste lado, a da
perístase interna e apresentando, pois, o aspecto, do lado do fórum, de um pórtico duplo
(porticus duplex) (Figura 3.9).
104
Figura 3.10. Plano da basílica de
Ardea (GROS 2002: 241, fig. 286; a
partir de A. Nünnerich-Asmus,
Basilica und Portikus. Die
Architektur der Säulenhallen als
Ausdruck gewandelter Urbanität in
spatter Republik und further
Kaiserzeit, Cologne, Weimar,
Vienne, 1994).
A Basílica de Pompéia (Figura 3.12), embora possua uma orientação diferente com
relação à praça, com sua entrada por um dos seus lados menores, pois fica perpendicular ao
39
Também chamada de Fanum Fortunae.
105
fórum, é considerada por Gros (2002: 242 ss.) um precedente do esquema da basílica de
Fano, pelo menos um século mais antiga do que a época em que escreveu Vitrúvio.
Fora o fato de serem fechadas, não existe muita semelhança entre as basílicas de Fano
e de Pompéia, embora a segunda possa ser considerada como “um aperfeiçoamento
relativamente tardio do esquema basilical ‘normal’. Mas uma e outra definem um espaço
40
A ordem jônica é a proposta por Gros, por acreditar ser melhor adaptada ao contexto. K. F. Ohr ("Die Form
der Basilika bei Vitruv", in: Bonner Jabrbücher, 175, 1975: 113 ss.) propõe, na sua reconstituição, capitéis
coríntios por causa do seu colossal peristilo interno.
106
fechado em si mesmo e procedem de uma concepção próxima o suficiente” (Gros 2002: 243-
4). As basílicas – tanto do Fórum Romano quanto as provinciais – tendem fortemente para
uma forma alongada e não para a quadrada.
Basílicas de Roma
A basílica considerada mais antiga, a Pórcia, de 184 a.C., foi edificada por Catão e
os dados são muito escassos para saber se já possuía o “esquema basilical”. Balty (1991:
255), referindo-se a um artigo de J.-M. David41, fala da presença de um tribunal permanente
na Basílica Pórcia, indicação da evolução que tendeu a isolar progressivamente a atividade
judiciária da praça pública e subordiná-la ao poder do imperador, fechando-a no espaço da
basílica. Não encontrei outra referência sobre este tribunal. Entretanto, a basílica ainda não é
uma construção autônoma e fechada em si mesma: “assemelhava-se a um amplo pátio
coberto e definia-se mais por seus arredores que por suas próprias estruturas” (GROS 2002:
239). A basílica estava integrada em um conjunto arquitetônico que incluía a Cúria Hostília,
na área do Comício.
41
“Le tribunal dans la basilique: évolution fonctionnelle et symbolique de la Republique à l'Empire”, nos atos
do colóquio Architecture et société: de l'archaïsme grec à la fin de la Republique romaine, Paris-Roma 1983:
219-241.
107
seu poder. O significado político da basílica da qual ele comandaria a construção é claro:
criação pagã por excelência, ela se tornaria para os Emílios (Aemilii), o sinal tangível de sua
riqueza e de seu poder até o fim da República” (GROS 2002: 238). Após várias restaurações
realizadas por alguns membros da gens Emília (por volta de 80 a.C., em 54, 34 e 14 a.C. e
novamente em 22 d.C., sob Tibério), teria assumido o nome de Basilica Paulli42.
“A basílica em si, cujos vestígios são de época augustana, fica atrás do pórtico monumental
que a precede a sul, voltado para a praça. A fachada desse pórtico, com 102 metros, tinha a dupla
função de unificar a franja setentrional do fórum e dissimular as tabernas (as antigas tabernae
novae de época republicana, refeitas) que se abriam diante da basílica, que Emílio Paulo
reconstruiu ao longo da fachada. Na mesma época, César, que construía a sua basílica do outro
42
A gens Aemilia era, na verdade, Aemilia Paulla. Coarelli observa que existem diferentes interpretações para
as várias denominações atribuídas ao mesmo edifício. Afirma Coarelli (2003: 59): “Segundo uma hipótese
recente, a Basílica Emília (que deve ser distinguida da Fúlvia) seria, na realidade, identificável com outra
construção, que ocupava o lado estreito oriental do Fórum e da qual foram reconhecidos os restos sob o
sucessivo Templo do Divino Júlio. A sua construção seria atribuída a Emílio Paulo, durante a sua censura em
159 a.C. Um último restauro foi realizado depois de um incêndio que, pela moeda fundida encontrada no
pavimento, pode ser datado do início do século V d.C. (...). Os restos do incêndio foram recobertos com um
novo pavimento, de um nível mais alto”. Pode-se dizer, então, que existiram em Roma duas basílicas Emílias,
a de 179 a.C., republicana, e a imperial, da época de César.
108
lado da praça, adotou uma forma mais refinada, transformando as tabernae em parte integrante
dela, colocando-as no seu interior, na parte de trás” (FAVRO 1996: 63).
Figura 3.13. Reconstituição da fachada da Basílica Emília, segundo H. Bauer (GROS 2002: 251, fig. 300).
Entrava-se na basílica propriamente dita por três portas abertas no muro do fundo das
tabernas e o salão media 92,50 x 30 m, dividido em quatro “naves” (GROS 2002: 251); ou
era aberta em três lados, daí seus três ingressos, e seu interior media cerca de 70 m x 29 m,
dividido em quatro naves por colunas de mármore chamado “africano” (COARELLI 2003:
60). A área central era circundada por um deambulatório que também se abria, no noroeste,
43
Um dos elementos do arco, as impostas são as seções de apoio assentadas sobre os pés-direitos (pilastras,
colunas, seções murais, sobre as quais se descarrega o peso das paredes sobrestantes).
44
Estilobata: “fiada de alvenaria que forma o alicerce de um renque de colunas, da colunata externa de um
templo clássico” (CHING 2010: 261).
109
sobre um pórtico estreito, com apenas 2 m de largura, cuja colunata exterior formando a
fachada foi substituída por um muro quando foram construídos, no final do século I d.C., os
Fóruns da Paz e o Transitório. A basílica, com dois andares, era inteiramente suportada por
colunas (Figura 3.14).
Figura 3.14. Reconstrução em corte NE-SO do Pórtico e da Basílica Emília (CLARIDGE 1998: 66; fig. 5).
Seu espaço interno, de três níveis, era muito amplo, a área central com uma altura de
mais de 25 metros; possuía decoração figurada rica, com um longo friso interno, de
mármore grego, que trazia um relevo relativo à origem de Roma (como o rapto das sabinas,
ainda existente em fragmentos). Sua data provavelmente é da restauração de 54 a.C
(COARELLI 2003: 60).
Para Zanker (1992: 146-7), raros eram os edifícios em Roma que não apresentassem
signos alusivos à nova pietas de Augusto. E esses signos, baseados em imagens antigas, se
tornaram mais enfáticos mediante novas formas. É o caso dos bucrânios, as cabeças bovinas
antes representadas completas, e que, no período de Augusto, eram representadas somente as
caveiras. “Nas métopas do pórtico da Basílica Emília, é fascinante a delicada representação
da ossatura, a atrativa ornamentação e o vazio escuro das cavidades oculares dos bucrânios
(Figua 3.15). Uma faixa superdimensionada intensifica o caráter sagrado”.
110
Figura 3.15. Bucrânio, elemento do
friso dórico do segundo nível da fachada
da Basílica Emília (GROS 2002: 251,
fig. 301; foto de J.-L. Pallet).
A basilica Aemilia é, sem dúvida, com sua rival, a Julia, a única das grandes
basílicas de Roma que possuiu uma ordem interna tão desenvolvida; mesmo a Ulpia, no
Fórum de Trajano, não desenvolverá três níveis de colunas ou de pilastras sobrepostas ao
redor de sua “nave” central (GROS 2002: 252).
O mesmo sucede com a Basílica Júlia, que Gros considera uma reprodução da
Basílica Emília. Plínio, o Jovem, descrevendo o povo que foi assistir a um grande processo
na Basílica Júlia, escreveu: “mesmo das tribunas da basílica (ex superiore basilica parte) se
debruçavam de um lado as mulheres e do outros os homens, com a esperança de ouvir, coisa
difícil, e, coisa mais fácil, de ver” (Epist. VI, 33, 4).
Segundo Gros, este é o oposto do sistema previsto por Vitrúvio para a basílica
“normal” (V, 1, 5), que preconizava que o pluteum situado entre as duas ordens da colunata
interna fosse bem alto para impedir os negociantes na nave central de perceber os que
circulavam pelo deambulatório situado no segundo nível: estes só tinham vista para a praça
45
Nas basílicas republicanas mais antigas, das quais Cosa é emblemática, o segundo piso possuía um balcão
voltado para fora, para o fórum.
111
adjacente. De agora em diante surge o precedente da “inversão” do foco de atenção para o
interior do edifício basilical.
César, em 54 a.C., mandou demolir a Basílica Semprônia (de 170 a.C.) e as tabernae
veteres para dar lugar à construção da Basílica Júlia, a segunda basílica monumental do
Fórum Romano, localizada no lado sul da praça, em frente à Basílica Emília, ocupando toda
a área entre o Templo de Saturno e o de Cástor e Pólux, e reproduz os principais
componentes dela, “tanto quanto possamos julgar” (GROS 2002: 251). Media 101 metros de
comprimento por 49 de largura. As tabernas foram reconstruídas mais a sul, na fachada
posterior externa da Basílica Júlia e a fachada desta passou a dar diretamente para a praça.
"Nisso a integração monumental revela-se mais completa que a do complexo basilica
Aemilia-porticus Gai et luci" (GROS 2002; 253).
“Era a sede do Tribunal dos Centumviri46. Toldos ou tabiques de madeira dividiam seu interior
em setores, o que permitia a sua utilização por quatro tribunais simultâneos. Somente em caso de
processos particularmente importantes era necessário ocupar toda a área. Deles nos fala Plínio, o
Jovem (Epístolas VI, 33, 3), recordando que em um dos processos do qual tinha participado, a
multidão se apinhou não apenas no salão, mas também nas galerias superiores. Sabemos, por uma
46
“Cem Homens", uma corte civil especial que geralmente lidava com questões de herança e que, na verdade,
era composta por cento e oitenta juízes que, dos julgamentos importantes, todos participavam.
112
inscrição descoberta em Êfeso, que a basílica constituía a sede do Portorium (escritório das
empreitadas públicas) da Ásia” (COARELLI 2003: 85-6).
Nos degraus voltados para o Fórum e no pavimento das naves foram incisos diversos
jogos (tabulae lusoriae), como damas ou “filetto”, que deviam servir de distração aos
ociosos e vadios47 que enchiam a praça. Também havia grafites, que provavelmente
reproduziam estátuas dispostas no entorno.
Na área a sul da basílica, comunicando-se com ela, existiam algumas tabernae que se
abriam para uma rua antiga. Para Claridge, tais espaços podem ter abrigado secretarias da
corte, escritórios públicos e, talvez, outros ramos da administração pública, como cambistas
(CLARIDGE 1998: 90). Do outro lado dessa rua, na zona não escavada, devia encontrar-se
o templo dedicado a Augusto Divinizado, iniciado por Tibério e concluído por Calígula
(COARELLI 2003: 86-7).
Última das grandes basílicas urbanas do Alto Império, a Basílica Ulpia foi concluída
em 112 ou 113 d.C. e até o final da Antiguidade era considerada o edifício mais imponente
da Roma antiga. Financiada por Trajano (com o espólio da campanha contra os dácios), seu
tamanho gigantesco – 8.500 m2 de área coberta, perto de 171 metros de comprimento com as
47
Termos empregados por Coarelli (2003: 86).
113
absides e 59 metros de largura sem as sacadas –, construção luxuosa e posição no fórum,
servindo como cenário para o Fórum de Trajano, provocaram a admiração dos observadores
por gerações.
Nas províncias ocidentais nenhuma basílica parece ter sido erguida antes da época
augustana (mesmo em Ampúrias, na Tarraconense, ou em Glanum, na Transalpina, sítios de
ocupação romana mais antiga).
“O esquema que prevalece nas versões mais antigas é o de uma planta retangular, com
proporções variáveis, mas pelo menos duas vezes mais longa que larga, onde uma colunata
interna determina não mais uma nave central, mas um espaço também quadrangular (spatium
medium) ao redor do qual predomina um deambulatório; este assume frequentemente, do lado do
fórum, o aspecto de um pórtico aberto, mas uma parede com portas pode também fechar o
edifício na fachada; a largura desse deambulatório não ultrapassa nunca a metade da do espaço
definido pelas colunas internas. A parte central, mais alta, possui clerestórios, enquanto as naves
laterais e suas voltas nos lados menores do retângulo podem ser cobertas com varanda ou com
alpendres. Em muitos casos, a colunata da fachada apresenta o mesmo ritmo e o mesmo módulo
que os pórticos que margeiam o fórum” (GROS 2002: 248).
Além dessa versão mais comum, de planta alongada com proporção de 2:1, Gros
também acusa a presença de uma forma “transitória” de basílicas que demonstram um laço
ainda vivo com os pórticos (GROS 2002: 248-9). Para ele, os edifícios basilicais mais
antigos muitas vezes são abusivamente chamados de basílicas, pois suas formas se
assemelham mais a pórticos com duas naves (porticus duplex). Exemplos típicos dessas
“basílicas” aparecem nos fóruns de Conimbriga, em Portugal, Ampúrias e Valeria, na
Espanha (além de Glanum, na França, e Nyon e Vidy, na Suíça). Geralmente ocupam um
114
dos lados menores da praça e o mais comum era terem a fachada voltada para o fórum
formada por uma colunata “com ritmo mais denso do que a que separava em duas naves de
igual largura o espaço interno” (GROS 2002: 249).
“É evidente que uma regularização aparece rapidamente e que, após a metade do século I d.C., a
basílica com deambulatório periférico, com seus anexos – a cúria em êxedra quadrangular ou absidal
no eixo transversal, e às vezes o tribunal ou o aedes Augusti – se impõe em toda a parte, em ligação
com a ordenação do “fórum tripartido” (GROS 2002: 250)”.
115
Decoração interna das basílicas
Para Welch (2003: 30-32), a decoração das basílicas sobreviventes está relacionada à
origem delas. Pouquíssimos dos frisos pictóricos que decoravam os interiores sobreviveram,
mas a maioria dos que sobreviveram incluem cenas de uma história lendária da cidade: o
friso da Basílica Emília do século I a.C.; o da basílica de Óstia, do primeiro ou segundo
século d.C.; e o friso da basílica de Afrodísia, provavelmente do final do século I - início do
II d.C. Os pouquíssimos outros fragmentos sobreviventes, afirma Welch, representam
assuntos mais genéricos48.
Uma razão para a basílica teria sido considerada um tipo de construção adequada
para mostrar a história da cidade pode ser porque cenas dos mitos fundadores da cidade
também decoravam as stoas de Atenas, sempre um modelo artístico autorizado por Roma,
afirma Welch. Mas parte da explicação é que
“durante o período republicano, [...] os frisos de basílicas que representavam cenas de uma
história inicial da cidade poderiam ter sido apropriados porque constituíam um assunto comunal
pertinente à res publica como um todo. Eu sugiro, além disso, que os frisos com cenas da
história inicial de Roma exibidos no interior das basílicas foram originalmente concebidos para
impressionar e “educar” dignitários estrangeiros quando visitavam Roma em suas missões
diplomáticas” (WELCH 2003: 31).
Nas províncias, poucos são os frisos encontrados. Quando for possível, serão
descritos no Corpus Documental (como para Ebora Liberalitas).
Cúrias
48
A bibliografia para o estudo dos frisos que fornece Welch é a seguinte: M. Cavalieri, Athenaeum 78 (2000)
465-76; friso da Basílica Emília: G. Carettoni, "Il fregio figurato della Basilica Emilia", RivIstArch 10 (1961)
5-78; o de Óstia, G. Becatti, "Un rilievo con le oche capitoline e la basilica di Ostia", BullCom 71 (1943-45)
31-46; para Afrodísia, B. H. Yildirim, The Ninos reliefs from the Roman civil basilica of the South Agora at
Aphrodisias in Caria (PhD. Diss., New York Univ. 2000).
49
Em Roma, as Curiae eram duas: de um lado, havia aquela onde os sacerdotes tratavam – curarent – dos
negócios dos deuses, daí as Curiae Veteres (as Antigas Cúrias); por outro lado, havia aquelas onde o Senado
116
2002: 261). Assim, a cúria era inseparável do espaço do Comitium. A cúria era constituída
como um templum: o lugar da Assembleia do Senado era delimitado religiosamente,
sacralizado e, somente depois, surgiu o seu templum específico, a cúria, que só podia ser
substituída por outro templo.
Para Balty, as salas anexas das basílicas provinciais, as êxedras e absides, com seus
tribunalia, tinham a função (histórica arquitetônica) de sacellae para divindades. "[A abside]
é, na verdade, apenas uma ampliação arquitetônica do nicho, de destinação análoga […].
Nicho e abside abrigam e enquadram uma estátua: estátua de culto, estátua imperial" (ver
BALTY 1991: 604-7). O que, para Balty, pode diferenciar um templo de uma cúria é a
presença, nos templos, de pronau e pódio baixo ocupando toda a parede de fundo da
construção (BALTY: 205-6 e 609).
tratava dos negócios humanos, daí a Curia Hostilia, que devia seu nome ao fato de Tullus Hostilius, seu
provável construtor (GROS 2002: 261).
50
Ver Balty 1991: 608-9.
117
perde sua última razão de existir. A Cúria, não obstante permanece o corpo central do poder
legislativo” (GROS 2002: 262).
A Cúria Júlia serviu de modelo para diversas criações italianas e provinciais após
início do reinado de Augusto. E mesmo assim são raras, pois “a relação de subordinação do
espaço judiciário e administrativo que se instaura desde o início do Principado nos
estabelecimentos urbanos modifica raramente o esquema canônico. É importante de fato
distinguir as cúrias autônomas das cúrias ‘integradas’: o controle simbólico e a vontade de
escolha se aliam para criar um processo de reclusão cujas basílicas são cada vez mais o lugar
e o meio” (GROS 2002: 263).
Para Vitrúvio (V, 2,1), a cúria está entre as principais estruturas que exprimem a
dignidade municipal. Esta prioridade está relacionada ao processo de municipalização que
afeta a Itália no século I a.C., com a aquisição da cidadania romana em toda a península. E a
lex Julia municipalis (CIL I, 206, II, 83-86 e 126-137) estipula que se estabeleça,
obrigatoriamente, uma ordo ou um senatus na administração local nos municípios, colônias,
prefeituras, fora e conciliabula. A Cúria era, portanto, o principal elemento constitutivo dos
centros monumentais desses diferentes assentamentos que, independentemente da
diversidade de seus estatutos, possuem todos a dignitas urbis (GROS 2002: 268).
118
cúrias integradas às basílicas
“Há poucos monumentos em que a arquitetura exprime tão claramente a nova hierarquia das
funções impostas pela estrutura política do início do Império do que a basílica provida de uma
abside definida às vezes como um tribunal, uma cúria e um santuário de Augusto. Nenhuma
outra composição nos permite compreender melhor o que foi a evolução dos poderes, entre o fim
da República e o início do Império; a organização do consenso que implicava inicialmente uma
relação institucional e urbanística entre o sagrado e o político passa doravante por uma
subordinação do jurídico ao sagrado, o sagrado assumindo agora as diversas formas do culto
imperial” (GROS 2002: 267).
119
4. Templos e santuários urbanos
Essa primazia acontecia não apenas por questões de culto aos deuses, mas porque os
templos também tinham como função primordial definir o espaço urbano. A legitimidade de
Roma e sua própria existência estavam ligadas à presença “física” (segundo a concepção dos
romanos) de seus protetores divinos, materializados pela ancoragem dos edifícios de culto
que se tornavam, assim, irremovíveis (GROS 2002: 122). Inclusive, essa concepção do
sagrado ligado ao local geográfico, físico, perpassava a mentalidade romana além dos
edifícios de culto; as domus eram como o santuário da família, uma vez que os divi mani
habitavam a casa ancestral.
A primeira inovação interna, segundo Gros, foi a abertura de uma abside axial no
fundo da cella (embora Vitrúvio não as mencione, cita exemplos onde aparecem, como o
templo de Venus Genetrix). Essa abside axial, que recebeu diferentes denominações, como
(a)psis, tribunal, exedra ou cella peculiaris, inscreveu-se na tendência geral de colocar a
51
Como brilhantemente demonstrou Paul Zanker, na obra Augusto e o Poder das Imagens (1992).
120
imagem de culto no fundo da cella, voltada para a entrada, “para que lhe fosse prestada uma
significação estrutural particular” (GROS 2002: 140). O mais antigo templo conhecido com
esta característica é o de Venus Genetrix, no Fórum de César.
Esses dois templos são tidos como os paradigmas da arquitetura religiosa imperial.
Mas para compreender a evolução decisiva das plantas e dos volumes é preciso considerar
outros edifícios considerados as principais construções ou reconstruções de época augustana
em Roma. Gros elege cinco edifícios: o templo de César divinizado, no limite oriental do
antigo fórum republicano; os templos de Apolo no Palatino e na região denominada in
Circo; o templo dos Dióscuros, também no Fórum Republicano; e o templo da Concórdia,
aos pés do Capitólio. São edifícios ricamente decorados, tanto esteticamente quanto com
relação ao material utilizado (mármores), e na ordem coríntia.
O aedes divi Iuli, consagrado em 29 a.C. por Augusto, tinha sua planta limitada pelo
pouco espaço disponível para sua construção, sua cella sendo mais larga que profunda. Sua
principal função era expor a estátua de César divinizado. Sua fachada era ortodoxa, a não ser
pela inserção, na fachada do pódio, de uma área semicircular onde foi colocado um altar
(exatamente no local onde o corpo de César teria sido cremado. Foi este o primeiro caso
histórico em Roma de divinização post mortem, segundo um costume oriental, adotado pelos
soberanos helenísticos, segundo Coarelli 2003: 95). Mas essa êxedra foi fechada antes do
final do reinado de Augusto (GROS 2002: 142). O Templo do Divino Júlio, no lado oriental
do Fórum, constituía um de seus limites. Diante do templo Coarelli acredita que ficavam as
Rostra ad divi Iulii.
121
O antigo templo Apolonio, a sul do Campo de Marte, foi refeito totalmente nas
décadas de 30-20 a.C. “Sublinhemos aqui que o ritmo da sua fachada pictostila e o
alongamento de sua planta (6 colunas por 11) o designam como um verdadeiro modelo: com
este edifício o esquema pseudoperíptero revela sua forma canônica e várias fundações
provinciais retomarão as mesmas proporções” (GROS 2002: 143).
Quanto ao templo dos Dióscuros, parece ter sido o único templo monumental com
planta períptera do Principado de Augusto. Sofreu apenas uma restauração por causa de um
incêndio em 14 a.C., não uma reforma. E o templo da Concórdia (aedes Concordia),
consagrado por Tibério em 10 a.C., era monumental e suntuoso, mantendo o estilo suntuoso
de seu antecessor (GROS 2002: 143-4).
122
ornamentação arquitetônica complexa na cella dos primeiros templos imperiais procede de
uma vontade de sublimação e de dilatação do espaço interno que aumenta a sacralidade do
local e oferece às liturgias oficiais um cenário sugestivo. Em uma época em que não existe
ainda edifício concebido para exprimir o poder e a perenidade do Principado, a encenação da
majestade sancionada pelos deuses só pode se implantar nos templos” (GROS 2002: 149).
Para Pierre Gros (2002: 151), o estudo da difusão dos templos itálicos é um dos
melhores meios para avaliar a romanização das províncias ocidentais. Já antes do início do
Império é possível encontrar edifícios de época republicana que demonstram a
“receptividade precoce” de algumas regiões hispânicas. Gros cita o templo do Fórum de
Saguntum (norte de Valência) e na urbs vetus de Italica (Sevilha). Nos dois sítios, foram
encontradas as fundações de santuários de três cellae, que reproduzem, por suas proporções,
o esquema dos templos toscanos, semelhantes aos capitólios, portanto. Foram encontrados
em contextos da primeira metade do século II a.C. mas seu estado de nivelamento exclui
qualquer tentativa séria de reconstituição em elevação. “A planta e técnica construtiva do de
Sagunto referem-se inequivocamente a exemplos de capitólios quase tão compridos quanto
largos e à fachada tetrastílica do tipo daqueles de Cosa, Luni, Minturnes e Terracina; a
ausência de um pódio torna, porém, a interpretação do templo de Italica um pouco mais
delicada” (GROS 2002: 151).
Gros afirma que é na cidade romana deste mesmo sítio que foi encontrado o mais
antigo exemplar de um templo coríntio pseudoperíptero fora da Itália (GROS 2002: 152).
Para Gros, há, na Península Ibérica, “um fenômeno único, que até agora não se
mediu nem a amplitude nem o significado: o templo protoaugustano – diríamos mesmo,
mais voluntariamente, tardo-republicano”, encontrados em Barcelona (calle Paradis), em
Mérida (o chamado templo de Diana) e em Évora, em Portugal, todos com uma colunata
periférica de seis colunas por onze. E outra particularidade, comum ao templo de Évora e ao
de Mérida, reside na disposição das escadas de acesso nas laterais e não axiais, que se
encontra em vários edifícios de culto da Lusitânia (em Mirobriga, no Alentejo, e em
124
Egitania, Idanha-a-Velha, por exemplo), mas também no templo do fórum de Clunia
(província de Burgos) (GROS 2002: 153).
52
Manifestação inicial.
125
Arquitetura religiosa sob Nero e os imperadores flávios
(segunda metade do século I d.C.)
A segunda criação do período foi o Templum Pacis, na verdade um grande horto com
uma sala em abside com pórtico com frontão, no mesmo nível do horto. Esse aedes tinha uma
função religiosa administrativa, “pois era também a sede da prefeitura urbana, o que explica,
entre outros, que a planta de mármore de Septímio Severo [Forma Urbs] estivesse fixada em
uma de suas paredes. Aqui também o modelo elaborado em Roma será retornado mais tarde,
no início do século II, em composições provinciais, das quais a de Atenas (a famosa Biblioteca
de Adriano) é a mais significativa” (GROS 2002: 165).
E o terceiro edifício que serviu como modelo foi o Templo de Vespasiano, no Fórum
Romano, a sul do Tabularium, perto do Templo da Concórdia. Fora o Templo de Augusto
Divinizado, do qual só temos imagens monetárias, foi o primeiro dos edifícios oficiais de
culto imperial do qual podemos ter uma ideia precisa. Três colunas estão conservadas, além
de seu friso ornado com instrumentos de sacrifício. O primeiro templo é de 86-87 d.C. (foi
restaurado no século III por Septímio Severo e Caracala), também consagrado a Tito.
126
imperial, ao redor do qual gravitam doravante todas as divindades que servem de caução ao
regime” (GROS 2002: 167).
127
Além do fórum flaviano de Conimbriga, outras cidades provinciais ibéricas
demonstram a influência do desenvolvimento do culto imperial nos santuários,
especialmente nos santuários provinciais com vocação centralizadora. Entre eles, o exemplo
mais conhecido é o de Tarragona e o de Munigua (Mulva), na Bética.
53
Diádoxos, sucessor. Na época helenística, são os generais de Alexandre Magno, que disputaram seu Império
após sua morte, em 323 a.C. Daí “diádoco” significar o herdeiro legítimo do trono, no regime monárquico grego.
129
Templos dos períodos antonino e severiano
No período que vai de Antonino Pio (138 d.C.) até a morte de Alexandre Severo (235
d.C.) não há grandes mudanças arquitetônicas nas construções de templos, mas se pode
perceber um “reflexo progressivo do ‘classicismo’ helenizante colocado em destaque por
Adriano, que resulta em modificações sensíveis na concepção das plantas, ordens e
decorações”. No Oriente, há o retorno de composições rigorosamente axiais, como a
encontrada no Traianeum de Pérgamo (início do século II), na Ásia Menor. Nos santuários
das províncias orientais e africanas, essa axialidade rígida apresenta todos os valores da
frontalidade, mesmo se os esquemas helenísticos permaneçam na aparência predominantes.
Há uma extraordinária atividade construtiva no Oriente grego, ligada à prosperidade
econômica destas regiões durante a primeira metade do século II, o que favorece a difusão
dos modelos estruturais e ornamentais de origem microasiática até nas construções oficiais
de Roma. “A tendência, que se acentua no final do século II, de excesso decorativo e jogos
de claro-escuro suscita a eclosão de formas e de decorações às vezes tortuosas e controladas,
às vezes qualificadas de barrocas, cuja fantasia planimétrica e a riqueza ornamental
sobrepujam tudo o que se conheceu anteriormente”. Já nas províncias ocidentais, esse
“renascimento” da decoração flaviana na época severiana é apenas a ilustração dessa
orientação irreversível. “Muitos fenômenos testemunham o fim da proeminência romana e a
vitalidade criativa das comunidades regionais” (GROS 2002: 185).
Os primeiros edifícios construídos em Roma durante esse período são, como se deve,
consagrados aos imperadores divinizados. É o caso do Hadrianeum (Figuras 3.19 a 3.21),
próximo ao Panteão, dedicado em 145. Períptero, de oito por treze colunas, foi erguido sobre
um pódio de 4 m de altura. Onze colunas do lado setentrional e uma parte do muro da cella
sobrevivem integrados ao Palácio da Bolsa. Foi construído com mármore de Proconesos
(ilha do Mar de Mármara), um dos mais utilizados durante o Império Romano, com cor
branca com nuances, uniformes ou em veios cinza-azulados em grandes cristais. Segundo
Pierre Gros, “foi um dos santuários coríntios mais imponentes da Urbs”. Os pedestais que
suportavam as semicolunas da cella eram ornados, na fachada, com baixos-relevos
representando cariátides em pé, alegorias das províncias romanas. Os espaços intermediários
formando métopas, em recuo, serviam de quadro aos troféus. Era uma ornamentação,
portanto, extremamente simbólica, que aliava eficazmente a decoração figurada e a
arquitetura. “O tema das cariátides [...] exprimia tradicionalmente a servidão, ou ao menos a
submissão dos povos vencidos a uma ordem que os excedia; aqui, as províncias se
130
encontram sob as colunas, mas elas não lhes dão nenhum apoio: livres de seus movimentos,
essas mulheres testemunham somente o fato de que constituem a própria base do poder
romano; a província capta dá lugar à província pia Fidelis e a unificação idealizada das
silhuetas que, através de seu penteado e vestimenta reproduzem os cantões clássicos,
exprime que todos os povos romanizados estão doravante no mesmo nível de cultus e
humanitas. É uma evolução que conduzirá, em 212, à Constitutio Antoniniana, isto é, à
extensão do direito de cidadania a todas as províncias. E os troféus intermediários lembram,
é claro, que essa comunidade deve sua existência à vitória dos exércitos romanos” (GROS
2002: 185-6).
Figura 3.19. Maquete com hipótese de reconstituição do Templo de Adriano Divinizado, Hadrianeum, em
Roma (I. Doneux, 2008).
131
Figura 3.20. Lateral do Templo de Adriano Divinizado, com inserção no Camara di Commercio di Roma. O
pódio de 4 m está abaixo do nível atual de circulação (I. Doneux 2008).
Figura 3.21. Templo de Adriano Divinizado, em Roma (detalhe dos capitéis, e do entablamento)
(I. Doneux 2008).
132
Fanum
Capitólios
O Capitolio é o cume meridional da colina, onde foi erguido, pelos reis etruscos, o
templo mais importante do culto de Estado romano, o Templo de Júpiter Capitolino, no
século VI a.C., sede de algumas das cerimônias mais importantes: os auspícios tomados
pelos magistrados que partiam em campanha militar, os sacrifícios solenes realizados pelos
generais vitoriosos no final do triunfo etc. Algumas das principais operações políticas e
cerimônias oficiais do Estado romano aconteciam ali: desenvolvimento dos comícios
tribunícios; conclusão dos triunfos, diante do Templo de Júpiter (ou da Tríade Capitolina),
133
onde o general vitorioso celebrava um sacrifício; cerimônia de investidura dos cônsules, em
primeiro de janeiro; dali, partiam os governadores para as províncias.
Há, desde Augusto, uma estreita associação entre o imperador e o Capitólio, que se
transfere também para as províncias. Nestas, muitas vezes o Capitólio, o templo principal do
fórum, é substituído pelo templo de culto ao imperador divinizado. Inclusive, a identificação
entre o deus e o próprio imperador é mais forte nas províncias do que na própria Roma.
Não podemos nos deixar enganar pelo caráter de proteção contra ataques externos
que a existência de uma muralha nos evoca. No mundo romano, a construção de uma
muralha ao redor de uma cidade não corresponde somente às necessidades da defesa e da
segurança, mas principalmente ela é um símbolo de separação e delimitação de um espaço
sagrado, um gesto que se inscreve na dialética complexa do exterior e do interior, o da cá e o
do outro lado, “separando simbolicamente tanto quanto delimitando concretamente. A
muralha é antes de tudo a materialização de uma linha de caráter mágico marcando a
passagem entre a urbs e o ager, entre a cidade e o que não é a cidade, entre os cidadãos e os
que ainda não o são (os camponeses indígenas, por exemplo) ou aqueles que não o são mais
(os mortos)” (GROS 2002: 26).
Deste modo, as muralhas e as portas eram consideradas res sanctae (Digesta I, 8, 1),
ou seja, embora não fossem sacrae, também possuíam um status distinto das construções
134
profanas. Varrão (De língua latina, V, 143) descreveu a cerimônia do traçado do sulcus
primigenius, onde eram realizados os ritos fundadores de uma cidade, descrevendo a marcação
do sulco de delimitação do seu perímetro, suas fronteiras, com um arado puxado por uma
parelha formada por um touro e uma vaca. Traçava-se o postmerium (ou pomerium), o limite
para a tomada dos auspícios da cidade. “É por isto que as cidades cujas muralhas foram
traçadas inicialmente com o arado recebiam também o nome de urbes (cidades), palavra
formada de orbis (circunferência) e uruum (arado). Pela mesma razão, todas as novas
colônias, nos escritos antigos, são mencionadas como urbes, do fato que elas foram fundadas
segundo o mesmo rito que Roma e, pela mesma razão, uma colônia funda por sua vez urbes
do fato que estão colocadas no interior de um pomerium (GROS 2002: 26-27). Desse modo,
delimita-se um espaço interior onde os ritos, os auspícios urbanos, são realizados. E “pouco
importa que a muralha seja efetivamente construída: ela existe como limite efetivo a partir do
momento onde foi ritualmente definida a extensão da cidade” (GROS 2002: 27). Outras fontes
escritas descrevem as observâncias ou gestos religiosos que complementam o texto de Varrão
(como em Catão; nas Etmologias de Isidoro de Sevilha, XV, 2, 3-4; Dionísio de Halicarnasso,
Origens de Roma, I, 78 e II, 65; em Plutarco, Romulis, 11, 2-5).
Um dos gestos mais importantes diz respeito aos locais reservados às portas urbanas
– às aberturas no perímetro – feitas ao se erguer o arado. “Esta interrupção do sulco é
efetivamente o único meio de instalar as passagens, sem as quais o mundo intra muros
estaria irremediavelmente separado do mundo extra muros” (GROS 2002: 27).
Portanto, mesmo que um muro não seja fisicamente construído, mesmo assim ele
tinha um papel decisivo na organização dos espaços e na definição de circuitos. E “as portas,
como locais de passagem, podiam adquirir uma autonomia arquitetural e se desenvolver por
conta própria, independentemente das cortinas54 que as cercam” (GROS 2002: 27).
54
Cortina: nas fortalezas, muro que liga os flancos de dois bastiões vizinhos (CHING 2010: 124).
135
organização administrativa estabelecida por Augusto. “A pacificação do Ocidente hispânico
com o fim da Guerra dos Cantabros e a nova organização administrativa instaurada por
Augusto desencadeiam, nas províncias da Península, mais ainda que em toda outra região,
fundações e refundações urbanas em ligação com o desenvolvimento da rede de estradas”
(GROS 2002: 45). Infelizmente, os vestígios seguramente imputados ao período augustano
são poucos, dadas as modificações que as cidades sofreram nos séculos subsequentes. Nos
sítios onde o estudo é possível, percebe-se uma dupla exigência das muralhas: “a eficácia
defensiva e a monumentalidade” (como na Itália) (GROS 2002: 45).
6. Pórticos e Quadripórticos
Para Vitrúvio (I, 3,1), os pórticos são obras públicas de utilidade coletiva (opera
publica), tanto quanto os portos, fóruns, banhos, teatros. “É o mesmo que dizer que desde
então [20-30 a.C.] as porticus adquiriram na cidade o status comparável ao dos edifícios
civis mais importantes, mesmo que pareça impossível designar-lhes, como para os outros,
uma definição funcional unívoca” (GROS 2002: 95).
“todo edifício cujo comprimento é muito mais desenvolvido que a largura e que é aberto em todo
o seu comprimento por meio de uma colunata; esta característica exclui da categoria toda
construção alongada fechada na sua fachada principal do tipo leschè ou skeuothèque. A parede
posterior do pórtico pode ser cega ou atravessada por saídas, janelas ou portas, que podem dar
acesso a locais situados atrás do próprio pórtico. O espaço interior pode ser constituído de uma
só nave correspondendo à largura do edifício, ou de duas naves, às vezes em alguns casos, por
três, separadas por uma ou duas linhas de colunas [...]” (GROS 2002: 95-6).
Há também os pórticos duplos – porticus duplex –, isto é, aberto nas duas fachadas,
geralmente com duas naves, podendo ter uma parede divisória (em diafragma) entre elas,
substituindo a colunata interna. Geralmente de planta retilínea, também podem apresentar
uma ou duas continuações em ângulo reto nos seus extremos, “conferindo ao pórtico um
valor de enquadramento mais nítido do espaço que domina” (GROS 2002: 96). E o valor
máximo de enclausuramento de um espaço público e de uma organização centrípeta, “tendo
por consequência essencial concentrar o interesse da composição sobre o espaço interior”,
podemos encontrar nos fóruns, tanto os imperiais, em Roma, como os provinciais.
Mas, para Pierre Gros, a noção latina de porticus (que é um substantivo feminino) é
bem mais ampla.
“Ela se aplica de fato a toda construção hipostila alongada, independente ou não, complexa
ou simples, e inclui funções assim como formas muito diferentes: uma porticus designa, pois,
indiferentemente a galeria de fachada de uma basílica ou de outro monumento profano, a
colunata periférica (ou peritásis) de um templo, a pista coberta de um ginásio ou de uma palestra,
a galeria que coroa a cávea de um teatro, mas também uma praça contornada por pórticos nas
suas quatro faces, isto é, um quadripórtico (o equivalente público do peristilo de uma residência
privada); um pórtico margeando uma via pode dar seu nome, sobretudo se a rua é margeada por
uma colunata dos dois lados, à própria via; a palavra é igualmente utilizada para os entrepostos
com naves múltiplas cobertas com abóbadas ritmadas se contrabotando mutuamente (é o caso,
137
por exemplo, da porticus Aemilia, em Roma) e para os estaleiros navais ou docas de radoub
próximas aos portos (Vitrúvio, V, 12, 1: porticus sive navalia)” (GROS 2002: 96).
Os pórticos aparecem, para os romanos, como já era visto nas grandes cidades do
oriente helenístico, como símbolos da urbanitas. Há relatos da construção de porticus já em
192 a.C. (Tito Lívio, 35, 41, 10), em Roma (GROS 2002: 97).
Os pórticos são um elemento comum em cidades romanas onde o clima muito quente
e ensolarado no verão ou a chuva constante no inverno, servindo como proteção. Bracara
Augusta (Tarraconensis) demonstra esta característica climática, e parece que Ammaia
também.
Criptopórticos
138
Por comodidade – apesar da dificuldade e ambiguidade do termo cryptoporticus – P.
Gros trata apenas dos “‘criptopórticos públicos’ ligados diretamente aos pórticos
monumentais; em suma, nós nos restringiremos aos cryptae que correspondem às
promenades cobertas e fechadas, sejam elas subterrâneas ou não” (GROS 2002: 113). Ou
seja, corredores no subsolo ou de sustentação para outros edifícios.
55
Em Conimbriga, várias domus apresentam criptopórticos.
139
fóruns das cidades provinciais, portanto, são utilizados tanto por razões técnicas (a
irregularidade do terreno) quanto políticas e religiosas. Mas também podem ser utilizados
para criar um desnivelamento entre o terraço sacro e o fórum civil. “Em todos os casos, a
unidade estrutural entre criptopórtico e pórtico superior é assegurada, e os dois elementos
sobrepostos constituem um único e mesmo monumento, mesmo se a utilização da parte
inferior possa variar com as circunstâncias, e parece menos diretamente ligado que aquela
do pórtico às exigências da amoenitas ou da representação” (GROS 2002: 115-16).
“É importante sublinhar que todos os criptopórticos ocidentais que rodeiam uma área sacra
tendem a sobre-elevar o plano de circulação dos pórticos ao nível da altura do pódio do templo:
esta particularidade, que confirma o valor da estrutura inferior e seu papel na composição do
conjunto, parece característica dos santuários consagrados ao culto imperial que são efetivamente
numerosos nos dois primeiros séculos do Império nos centros urbanos, onde eles tendem a
suplantar os capitólios tradicionais. Os imperativos de uma liturgia complexa, feita para
impressionar as multidões, explicam sem dúvida esta ordenação, que não contribuiu pouco para
difundir o recurso aos criptopórticos” (GROS 2002: 118).
Teatros romanos
Apesar das similaridades com os teatros gregos tradicionais, há distinções entre estes
e os teatros romanos. Uma das diferenças principais é que o teatro romano é uma estrutura
140
unitária, inteiramente construída, enquanto o grego se utiliza da topografia do terreno, uma
colina, especialmente para apoiar os assentos. No teatro de Epidauro (metade do século IV
a.C.), por exemplo, a concha da arquibancada, koilon ou theatron, inclinada sobre a colina,
forma um arco de círculo ultrapassado, mas esta concha não é organicamente conectada à
cena, ou skéne. “Os acessos laterais (parodoi) são, como seu nome grego indica, simples
prolongamentos oblíquos da via externa dentro do próprio teatro; na verdade, a skéne é
originalmente tão pouco desenvolvida e o conjunto constituído pelo koilon e o círculo onde
evolui o coro abaixo da cena, ou orchestra, tão predominante, que não existe uma ligação
entre os dois elementos” (GROS 2002: 272-3).
O teatro romano, além de ser uma estrutura única, é um edifício fechado para a
paisagem exterior, pois mesmo nos assentos mais altos a visão é para o muro de cena
(scaenae frons), uma enorme parede, mais alta que a cavea, decorada com colunas. Na
verdade, a scaenae frons e o grande estrado diante dela (a scaena ou proscaenium, o que
chamaríamos de “palco”) é que constituem o centro arquitetônico e a razão de ser de todo o
edifício (GROS 2002: 273).
56
Do grego, “proedría”, o “primeiro lugar”, privilégio honorífico, na Grécia Antiga, conferida a certos
indivíduos de sentarem-se na primeira fileira dos diferentes edifícios de espetáculo e, sobretudo, do teatro
(magistrados, normalmente).
141
Nos teatros itálicos e ocidentais é pouco comum a utilização de encostas naturais
para apoiar a arquibancada. A liberação da cavea do apoio sobre o terreno é, na verdade,
uma característica evidente do teatro romano, permitindo que a cavea seja instalada, desde o
final da República, segundo desejos arquitetônicos e não necessidades topográficas. O
theatrum marmoreum de Pompeu (ou Teatro de Pompeu) é o exemplo maior dessa técnica,
além de ser “o maior teatro jamais edificado em todo o mundo antigo”. O teatro romano é
uma manifestação clara da preferência romana pelas construções artificiais, inteiramente
independentes das restrições naturais, “autorizando todas as combinações arquitetônicas em
um urbanismo essencialmente voluntarista” (GROS 2002: 273). Mas isto não significa que
as depressões nos terrenos e as encostas não fossem utilizadas para apoiar as arquibancadas,
pois tornava a construção mais prática. É o caso do anfiteatro de Conimbriga.
142
Campo de Marte, muito perto de onde Augusto mandou construir o Teatro de Marcelo.
Todos esses eram locais de espetáculo, não uma construção em alvenaria, onde bastava
apenas a existência de uma arquibancada e de um palco temporário, os pegmata.
De qualquer modo, desde 145 a.C., por ocasião do triunfo de Memmius, subitarii
gradus, isto é, arquibancadas, eram construídas em locais específicos como forma de
competição entre a classe política, além de se tornarem locais para exposição do luxo
helenístico (oriental) proporcionado pelos ediles, generais etc. Toda a ostentação financiada
pela elite romana contribuía para criar, diante do populus cada vez mais inquieto, “a ilusão
de um universo palacial próximo do dos soberanos helenísticos” (GROS 2002: 275).
“Todos os refinamentos dos teatros imperiais estão já construídos nessas estruturas do final
da República [scaenae frontes, caveae e as próprias peças teatrais]. Falta apenas o próprio
edifício. [O teatro é] uma das formas mais brilhantes da ostentação política, em conformidade
com a tradição helenística dos Diádocos57” (GROS 2002: 275).
E é neste cenário que foi erguido o Teatro de Pompeu, uma estrutura que era, ao
mesmo tempo, “uma ruptura ostensiva e uma continuidade perfeita com as realizações
anteriores ou contemporâneas”. O mármore é utilizado não apenas em algumas partes da
cena, mas sim no conjunto do edifício, o tornando “esplendoroso” (e dando-lhe a designação
de theatrum marmoreum) (GROS 2002: 275).
57
Diádokhoi ("sucessores"), também chamados de “epígonos”.
143
estruturas religiosas (como templos e santuários) conectadas axialmente a eles ou até mesmo
construídos em seu interior, no alto da cavea (como no Teatro de Pompeu, onde a concha
era, antes de tudo, um theatrum, destinada a acolher os espectadores).
“De maneira geral, os teatros em Roma não são nunca entendidos como edifícios
isolados” (GROS 2002: 284). O Teatro de Pompeu era apenas uma parte de um grande
complexo, com jardins, promenades, fontes, pórticos e o templo de Venus Vitrix. O Teatro
de Marcelo, neto de Augusto, fazia parte de todo um complexo ideológico de culto à família
imperial, e incluía o Templo de Apolo, dito Sosiano, o teatro, o Pórtico de Otávia (irmã de
Augusto), o arco consagrado a Germânico e, por fim, a estátua de Augusto divinizado,
colocada por Lívia (em 22 d.C.).
144
Se não havia uma cultura teatral, por qual motivo se construíam teatros na Península
Ibérica romana? Para Pierre Gros há várias razões: o sucesso do gênero da pantomima, uma
representação musical e coreográfica popular que se estabelece na época de Augusto e que
não exigia uma compreensão correta do latim para acompanhar as apresentações. Eram
encenações sugestivas que ultrapassavam as fronteiras linguísticas, mas que requeriam
instalações relativamente complexas. Desde o início do reinado de Augusto, o teatro torna-
se uma instalação básica de todo o assentamento urbano “digno deste nome” por ser “um
dos componentes monumentais da urbanitas” (GROS 2002: 290-1).
Muitos dos primeiros edifícios teatrais ocidentais foram projetados e algumas vezes
construídos na mesma época da construção do Teatro de Marcelo, apresentando todos a
mesma unidade maciça oriunda da continuidade perfeita entre a cavea – com estrutura
artificial plenamente controlada – e o edifício de cena, provido de seus principais anexos
(basilicae e, eventualmente, o hyposcaenium58). Isto demonstra como a criação augustana
parece ter desempenhado um papel primordial na concepção do próprio teatro.
Apesar das variações locais, a maior parte dos teatros apresentam características que
Gros chama de “clássicas”, com todas as características estruturais dos teatros italianos
contemporâneos. São considerados “clássicos” os teatros de Tarragona, Sagunto, Bilbilis,
Segobriga e Clunia, na Tarraconense; de Italica (Figura 3.23) e Baelo Claudia, na Bética; e
o de Mérida (Augusta Emerita) (Figura 3.24), na Lusitânia, entre os melhor conservados ou
conhecidos. Todos estes “pertencem a uma série que podemos considerar como coerente,
além das variantes devidas ao modo de implantação (adoçamento da cavea ao relevo natural
ou alicerces artificiais), às dimensões e aos arranjos internos; quaisquer que sejam também
as diferenças observáveis no detalhe de sua ornamentação, devidas à distância cronológica
separando os exemplares mais antigos dos mais recentes, pois essas construções se espalham
em mais de dois séculos” (GROS 2002: 293-4).
58
Hyposcaenium: parte do teatro romano localizado por baixo do palco. Este local, geralmente com alguma
altura, poderia ser utilizado para a colocação de mecanismos que auxiliassem na remoção e troca de cenários
ou para guardar outros elementos que fossem utilizados durante a representação cênica.
146
Figura 3.23. Perspectiva reconstituída
do teatro de Italica, a partir de P. León
(GROS 2002: 294; fig. 350).
147
Anfiteatros
Durante os séculos III e II a.C., e até mesmo no início do século I a.C., os populares
numera eram realizados, em Roma, no Fórum Romano, onde eram construídas estruturas
provisórias de madeira para acomodar o público (que também assistia aos combates das
varandas de edifícios próximos, como as basílicas). Mesmo durante o período de César e
Augusto, o Fórum Romano ainda acolhia os numera, embora as ampliações das basílicas
Semprônia/Júlia e Emília tenham reduzido o espaço livre central (Figura 3.25).
148
Figura 3.25. Reconstituição da
planta de um anfiteatro
temporário de madeira no Fórum
de Roma, antes do período de
César, a partir de K. Welch
(GROS 2002: 319; fig. 375).
Embora fossem realizados munera fúnebres, estes parecem não ter sido o objetivo
principal das lutas. Assim, o anfiteatro, na verdade, era um edifício que, no início do Império,
não podia ser relacionado à égide nem à continuidade de uma fundação religiosa, o que
legitimaria sua construção, como acontecera com o Teatro de Pompeu e o de Marcelo. “Não
se podia estabelecer nenhuma ligação estrutural deste tipo, apesar da característica
149
tradicionalmente funerária e comemorativa dos espetáculos que eram realizados ali. Augusto
permitiu a construção do anfiteatro no Campo de Marte, mas financiado por um patrono que
não era diretamente ligado à família imperial, além de limitar o luxo e a amplitude desse
primeiro exemplar” (GROS 2002: 320).
150
Nas primeiras décadas do Império, não havia um modelo arquitetônico de anfiteatro,
pois não havia, em Roma, um esquema definitivo e acabado. Havia, assim, diferentes
sistemas de construção de anfiteatros no Império, que se desenvolveram segundo as
características do terreno e os meios disponíveis aos dignitários (ou seja, a verba disponível).
Havia anfiteatros escavados no solo natural, como o de Lepcis Magna (do reinado de Nero),
mas que se tornaram cada vez mais raros; os que apoiavam em aterros artificiais sustentados
por muros de arrimo periféricos em pedra, como os de Rusellae e de Veleia; e os em que os
aterros eram compartimentados por muros ou caixotões, como os exemplares de Mérida
(Augusta Emerita), na Lusitânia, entre outros.
Esses anfiteatros são majoritários até os anos 60 d.C., tanto na Itália como nas
províncias ocidentais. Mas essa fórmula construtiva, que dependia das características físicas
do local, limitava a dimensão da cavea, pois as arquibancadas não podiam ser muito altas,
sob o risco de compressão ou deslizamento de terra. Ou seja, não permitia a
monumentalização arquitetônica dos anfiteatros. Esta só se tornou possível quando
passaram a ser construídos em um espaço plano livre e a elevação da cavea passou a ser
feita como nos teatros, ou seja, sobre fundações e estruturas artificiais suportadas por
alicerces construídos de forma concêntrica (GROS 2002: 329-30).
“Gigantismo, perfeição técnica, harmonia das formas caracterizam o anfiteatro Flávio cuja
unidade de concepção e de realização dá uma alta ideia da organização de canteiro que se
estendeu por mais de doze anos” (GROS 2002: 328).
Outra influência do Coliseu é o desuso cada vez mais frequente da estrutura escavada
nos anfiteatros provinciais. Mas essa tendência não é universal, como pode ser observado no
grande anfiteatro de Italica (início do século II), na Bética, que aproveitava uma baixada de
vale para apoiar uma parte da cavea, de um lado a outro do grande eixo (GROS 2002: 334).
“Entre o final do século I d.C. e a metade do século III, o anfiteatro torna-se o edifício
dominante da panóplia urbana nas províncias ocidentais. [...] De agora em diante, mais que o
templo ou que o teatro, o anfiteatro, que tende além do mais a se integrar em numerosos
santuários provinciais do culto imperial (precocemente em Lyon e em Mérida; mais tardiamente
em Tarragona e sem dúvida na Narbonne), torna-se o lugar privilegiado onde se manifesta
simbolicamente a coerência do orbis Romanus. O anfiteatro, onde se concentram todas as
violências controladas de uma sociedade fundada sobre ilegalidades as mais cruéis, aparecia
59
“O teatro de Marcelo, frequentemente invocado como um precedente, certamente constitui a fórmula mais
próxima, mas ele verdadeiramente nunca comportou mais que dois níveis, o terceiro se reduzindo a um ático sem
animação arquitetônica” (GROS 2002: 329).
152
assim, por causa da harmonia de suas formas, do rigor de seu sistema proporcional interno e do
ritmo de suas fachadas monumentais como o edifício que realiza nas cidades ocidentais do
Império a imagem da ordem, poder ou de fasto que Roma queria dar de si mesma. [...] Exprime
[...] todos os valores da urbanitas” (GROS 2002: 341).
153
Circos
Pela forma e função gerais, o circus poderia ser considerado a versão romana do
hipódromo. Ambos “se ordenam ao redor de uma longa pista onde são apresentadas
essencialmente competições hípicas” (GROS 2002: 346). Porém, o hipódromo apresentava
muito poucas estruturas permanentes, enquanto o circo latino, na sua forma completa, era
um monumento no sentido próprio do termo. Além do mais, na Grécia, as corridas de cavalo
eram exercícios realizados pelos cidadãos; em Roma, desde o final da República, os Domini
ocupavam-se da organização das competições e eram as equipes profissionais de cocheiros,
as factiones, que monopolizavam a atividade. Há, portanto, uma mudança radical de ponto
de vista: nos hipódromos, o que ficava em destaque era “a pista de corridas onde a flor da
juventude da cidade se exercitava” e o espectador não era o ator principal; nos circos
romanos, ocorria justamente o contrário, pois “as instalações essenciais eram, desde cedo,
concebidas para o espectador, isto é, as arquibancadas que contornavam a pista definindo o
próprio edifício e as estruturas, cada vez mais desenvolvidas, do circus tinham por objetivo
melhorar o desenvolvimento e a qualidade do espetáculo” (GROS 2002: 346).
154
As estruturas que formavam o circus Maximus foram colocadas ao longo dos
séculos. Em 329 a.C., foram construídas, em madeira, as paliçadas para a linha de largada
das carruagens (carceres); no final do século IV a.C., a spina; em 196 a.C., o fornix ou arco
triunfal, oposto aos carceres, sobre o qual colocaram os troféus trazidos da Espanha; em 174
a.C., os carceres foram refeitos em alvenaria e as metae (que marcavam a linha de chegada)
foram fixadas próximas à spina. Porém, somente sob César e, sobretudo, Augusto o circus
Maximus tornou-se um edifício completo e independente (GROS 2002: 347-8).
Desde 221 a.C., também existia, em Roma, o circus Flaminius, na zona meridional
do Campo de Marte, mas ele nunca se tornou um circo no sentido monumental do termo. Foi
construído pelo censor C. Flamínio Nepo e tinha um caráter mais político do que esportivo,
pois era reservado a certas manifestações plebeias. Era constituído basicamente por uma
vasta esplanada com um relógio solar e delimitado essencialmente pelos santuários que o
enquadravam: templos de Hercules Custos, dos Castores in Circo, de Diana e da Pietas. Por
muito tempo o circus Flaminius esteve relacionado também à pompa triunfal, o cortejo
partindo precisamente dessa zona, inicialmente fora dos muros, para acessar o centro
histórico e religioso de Roma. O Teatro de Marcelo foi erguido, por Augusto, na sua curva
oriental, mas a expressão in circo Flaminio permaneceu até o final da Antiguidade,
designando um dos setores mais monumentais da Urbs (GROS 2002: 348).
155
Figura 3.28. Plantas esquemáticas comparadas de quatro dos principais edifícios
de espetáculo de Roma. Da esquerda para a direita e de cima para baixo: o Teatro
de Marcelo, o estádio de Domiciano, o Anfiteatro Flávio (Coliseu) e o circus
Maximus, a partir de J. Humphrey (GROS 2002: 349; fig. 406).
Figura 3.29. Mosaico representando o circus Maximus romano, século IV. Museu Can Pau Birol, Barcelona
(Google imagens).
“Nas províncias hispânicas, diversos indícios testemunham não apenas a moda dos ludi
circenses como também o esforço desempenhado pelas comunidades urbanas para se dotarem
desde data precoce de circos monumentais. Além das inscrições que evocam estas
manifestações, os mosaicos representando carros ou cenas de corridas (encontrados em Gerona,
Barcelona, Italica e Mérida) são ali frequentes e precisos: é um sinal que não engana, não
somente da popularidade das competições hípicas, mas também da familiaridade que mantinha
com elas grande parcela da população” (GROS 2002: 351).
Figura 3.30. O circo de Tarragona, reconstituído e colocado no seu contexto monumental, a partir de F.
Tarrato (GROS 2002: 353, fig. 410).
158
Capítulo 4
159
Sítios do Corpus
160
AMMAIA
1. Evolução estatutária
Fundação de raiz (ex nihilo), do início do Império (entre Augusto e Cláudio), sendo
designada, inicialmente, oppidum.
60
Na data de fundação, não é possível identificar o seu estatuto jurídico (CORSI 2013: 13).
161
A interpretação da expressão Oppidi Constituti, isto é, “ópido constituído”, não é
completamente segura. Tem sido entendida com um sentido de “estabelecido” e “organizado
politicamente”, subentendendo a pré-existência de um assentamento. Entretanto, a expressão
também pode relacionar-se à atribuição do ius Latii, “concedido a diversos oppida”. “O
termo oppidum é normalmente associado a sítios estratégicos ou fortificados; no entanto,
pode também aplicar-se a formas de estabelecimentos protourbanos ou, se preferirmos, a
aglomerados urbanos”. Plínio, o Velho, distingue os oppida com direito latino – Ebora,
Myrtilis e Salacia – e os estipendiários61 – Capera, Balsa, Medobriga e Mirobriga. E alguns
desses locais não mostram evidência de possuírem sistemas defensivos, o que é o caso de
Ammaia quando de sua fundação (PEREIRA 2009: 131).
Ammaia teria recebido a atribuição municipal ainda no século I d.C., entre o final do
principado de Cláudio e o período dos flávios. A inscrição IRCP nº 616 refere-/se a Ammaia
como “municipium” (especificamente, “municipes Ammaienses”) (CORSI 2013a: 14). Teria
sido uma atribuição de caráter essencialmente político e honorífico, e gerou transformações
61
As cidades estipendiárias tinham uma condição jurídica inferior, tendo de pagar um pesado imposto
(stipendium). A elevação das cidades estipendiárias a municípios, na segunda metade do século I, favoreceu o
processo de romanização.
162
urbanísticas, como ocorreu com outras cidades peninsulares, e a consequente
monumentalização de alguns espaços (PEREIRA 2009: 141). Assim, Ammaia primeiro
alcançou a dignidade de civitas e, posteriormente, recebeu o estatuto municipal. A elevação
ao estatuto de municipium latino teria ocorrido entre a segunda metade do século I e a
primeira do século II d.C. (CORSI 2013a: 14).
Figura 4.2. Áreas onde as ruínas visíveis indicavam claramente a presença de vestígios romanos
(CORSI 2013a: 12, fig. 7).
163
Oficialmente, o IGESPAR62 designa o sítio arqueológico como “Ruínas romanas
situadas na freguesia de São Salvador de Aramenha, incluindo a parte da via romana e a
ponte denominada Ponte Velha que se encontra junto às mesmas”, sendo a outra designação
“Museu Monográfico da Cidade Romana de Ammaia”. Está classificado como Monumento
Nacional (Decreto n.º 37 450, DG, I Série, n.º 129, de 16/06/1949), mas não é considerada
“zona ‘non aedificandi’”.
62
Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, ligado à Secretaria de Estado da Cultura
do Governo de Portugal.
63
Possidónio M. Laranjo Coelho (1924/2001), Terras de Odiana – Subsídios para a sua História
Documentada. Edição fac-símile da edição de 1924. Introdução de António Ventura. Ibn Maruán, Câmara
Municipal de Marvão, 11.
164
Uma grande parte dos materiais arqueológicos do sítio pertence a coleções
particulares ou a coleções que foram posteriormente doadas a museus e estão
descontextualizadas (inclusive moedas). Parte dos objetos – terrae sigillatae, vidros,
cerâmicas – foi encontrada nas necrópoles que estão extramuros e evidenciada durante os
trabalhos agrícolas ou de edificação.
3. Síntese Histórica
Nas fontes literárias, Ammaia praticamente não é citada. Plínio, o Velho, não a
menciona na sua lista dos populi da Lusitania (H.N. IV, 117-118), mas sim a área
circundante – a Ammaeensia luga, isto é, a serra próxima –, referindo-se ao cristal de rocha,
mineral semiprecioso também utilizado na fabricação de vidro (H.N. XXXVII, 24 e 127). A
primeira referência ao nome “Ammaia” aparece em Ptolomeu (II, 5, 8): , quando
fornece suas coordenadas astronômicas.
Nova referência aparece apenas no século X, pelo historiador cordonês Isa Ibn
Áhmad ar-Rázi, quando se refere a Marvão como o “Monte de Amaia”, “a leste da cidade de
Amaia-das-Ruínas” (A. Sidarus, 199164: 13, apud PEREIRA 2009: 23).
64
Adel Sidarus (1991), “Amaia de Ibn Maruán: Marvão”. Ibn Maruán, Câmara Municipal de Marvão, 1: 13-26.
165
As ruínas da cidade eram designadas “Aramenha” até o século XX e confundidas
com Medobriga65. Apenas na segunda metade do século XIX a localização de Ammaia foi
identificada com as ruínas de Aramenha, pelo epigrafista alemão Emilio Hübner. “Emilio
Hübner [CIL II: 20-21], no seu notável corpus de epígrafes, no qual se contam algumas de
Ammaia, pôs em causa, pela primeira vez, a localização da civitas em Portalegre. Perante a
ausência de evidências arqueológicas naquela cidade e a presença de vestígios em S.
Salvador da Aramenha, colocou a hipótese de ser essa a verdadeira localização de Ammaia”
(PEREIRA 2009: 27).
Para Jorge de Alarcão (1988: 49), “a inscrição consagrada a Cláudio pela civitas
ammaiensis, do ano 44 ou 45 d.C., prova que Ammaia era, nessa data, simples oppidum,
governada por dois magistri”. Alarcão também sugere, com base em outra epígrafe, que
Ammaia, “sendo civitas no tempo de Cláudio I, teria obtido a estatuto de municipium com o
mesmo imperador ou com Nero” (PEREIRA 2009: 32).
65
E os vestígios de Ammaia se encontrariam, pensava-se, sob a moderna cidade de Portalegre, mais de 10
quilômetros a sul (CORSI 2013a: 10).
66
José d’Encarnação (1984), Inscrições Romanas do Conventus Pacensis, Coimbra, Instituto de Arqueologia
da Faculdade de Letras.
166
uma bula67 “e poderia representar Britânico, filho de Cláudio e meio-irmão de Nero”
(PEREIRA 2009: 32) (Figura 4.3).
Vasco Gil Mantas (200068) sugere que Ammaia foi uma fundação de raiz, do início
do Império, entre Augusto e Cláudio I. A organização da civitas teria ocorrido com Augusto.
Em 44/45 d.C., o estatuto era de “civitas, uma cidade peregrina, com um território definido e
regida por magistrados, segundo o modelo romano, mas sem pertencer à hierarquia jurídica
romana” (Mantas, 2000: 412 apud PEREIRA 2009: 34).
67
A bulla era um atributo que os jovens romanos usavam até aos dezessete anos.
68
Vasco Gil Mantas (2000), “A sociedade luso-romana do município de Ammaia”, in: Sociedad y Cultura en
Lusitania Romana. “IV Mesa Redonda Internacional”. Mérida: Série Estudos Portugueses, 13, pp. 391-420.
69
O radical amma possui traços indo-europeus, segundo Sérgio Pereira (2009: 133), e significaria “mãe” ou
“cidade-mãe”; e Amma também pode ser uma divindade hispânica. Há comprovação epigráfica da
sobrevivência de outros cultos indígenas na região de Ammaia, com monumentos votivos dedicados a
Ocrimira e Toga Alma (Encarnação, IRCP, respectivamente nº 610 e 611).
167
políticos e religiosos de destaque70, “assimilando rapidamente os novos modelos
socioculturais” (PEREIRA 2009: 132).
Época Romana
70
Como Caius Annius Valens; Proculus e Omuncio, magistrados no tempo de Cláudio I; Publius Cornelius
Macer, questor e duúnviro; Caius Iulius Vegetus, flâmine provincial da Lusitânia, que omite a filiação
provavelmente de origem latina.
168
Moderna
169
Figura 4.6. Situação topográfica de Ammaia, com indicação da superfície intramuros estimada e a principal
rede viária antiga (VERMEULEN et alli 2013: 124, fig. 1).
170
A região de Marvão desempenha, ainda hoje, um papel importante no abastecimento
de água da região do Norte Alentejano. O Concelho de Marvão também possui jazidas de
ouro, prata, chumbo, manganês, ferro e cristal de rocha, que eram exploradas
economicamente por Ammaia, principalmente ferro e chumbo. Além disso, o Tejo era rico
em ouro de aluvião, explorado em época romana. Ammaia também se localiza junto a uma
faixa de calcários dolomíticos, ou seja, de cal, essencial para as argamassas e estuques
(PEREIRA 2009: 138-9; VERMEULEN 2013a: 9).
Segundo Sérgio Pereira (2009: 61 ss.), foram reconhecidas, através dos trabalhos
arqueológicos realizados na Porta Sul entre 2001 e 2002, sete fases ou momentos de
evolução da cidade de Ammaia, “que vão desde a implantação, a transformação, o abandono
e a consequente reutilização dos materiais”. Mas o autor não exclui a possibilidade da
existência de outras subdivisões caso sejam realizadas novas escavações.
Fase IIIa Remodelação de estruturas domésticas Último quartel do séc. III - inícios do séc. IV
Fase IIIb Alterações nas estruturas domésticas Último quartel do séc. IV - meados do séc. V
71
Foram realizadas algumas adaptações na construção da tabela. O autor utiliza o termo “aglomeração”, como
é comum em Portugal; prefiro utilizar “assentamento”. Também utiliza algumas abreviações, que não
reproduzi.
171
Segundo Sérgio Pereira (2009: 141), no período dos Flávios a cidade de Ammaia
passa por uma de suas fases mais prósperas economicamente, demonstrado pelo volume
significativo de materiais importados (terrae sigillatae do sul da Gália e hispânicas, vidros,
lamparinas, objetos de adorno e cerâmica fina). Cristina Corsi (2013a: 14) apoia esta
opinião, afirmando que o florescimento da cidade, documentada arqueologicamente, ocorreu
durante os séculos II e III d.C.
“Escavações recentes têm revelado que algumas zonas da cidade haviam já sido cobertas por
sedimentos e depósitos de vertente durante a Antiguidade Tardia, e que algumas construções,
provavelmente edifícios privados, tinham invadido os anteriores espaços públicos” (CORSI
2013a: 15).
“Talvez tenha sido nesta centúria que a cidade mergulhou numa conjuntura desfavorável e
sem precedentes. A insegurança das rotas comerciais, a inflação e a crise financeira que apenas
reconhecia a cunhagem do ouro, foram regionalizando a actividade produtiva e o próprio
mercado. As elites hispano-romanas vão abandonando a cidade, fixando-se nos seus domínios
rurais, cada vez mais feudalizados e auto-suficientes” (PEREIRA 2009: 147).
Sérgio Pereira (2009: 148) sugere que Ammaia deixa de existir como centro político-
administrativo entre os séculos VII e VIII, “motivado por um conjunto de fatores e não por
172
um acontecimento isolado ou catástrofe. Parece-nos que uma conjuntura desfavorável e
ininterrupta poderia afundar progressivamente a urbes”.
6. DESCRIÇÃO
“Esta relativamente pequena área urbana foi certamente bem escolhida. Para além da sua
situação geral em um terreno levemente inclinado perto de bons recursos hídricos, os topógrafos
romanos optaram por desenvolver sua cidade ordenadamente entre dois paleovales estreitos,
conectados perpendicularmente com o Vale do Rio Sever. A área de Fórum reside no centro
deste terreno em declive” (VERMEULEN et alii 2012: 126).
72
Apenas a titulo de complementação da história de Ammaia, a partir de 711, com a invasão muçulmana,
Ammaia teria sido alvo, ainda no primeiro quarto do século VIII, de uma milícia armada islâmica, mantendo-se
ocupada pelo menos até o século IX. Inclusive, “Marvão” seria uma designação de origem islâmica. O
abandono efetivo da cidade teria ocorrido entre o século IX e inícios do XI. Mas as ruínas funcionaram como
pedreira por mais de um milênio, fornecendo matéria-prima e elementos arquitetônicos para as construções das
localidades próximas, como Castelo de Vide e Portalegre, entre outras aldeias (PEREIRA 2009: 149 ss.).
173
Ammaia possui um projeto bem definido, “destinado a estabelecer um ponto de
povoamento que funcionasse como ‘lugar central’ na exploração da terra e dos recursos
naturais, e como ponto de confluência da rede de estradas que ligavam o interior e o litoral
da Lusitânia [...]” (CORSI 2013a: 13-14). Mantinha relações comerciais com Clunia,
Emerita Augusta e com a região de Cáceres. “Apesar de a rede viária Ammaiense não ser
referida no itinerário de Antonino Pio, certamente fazia parte da via Olisipo-Emerita, que
seguia por Scallabis, Aritium Vetus, dirigindo-se depois para Ammaia” (PEREIRA 2009:
34). Portanto, foi fundada junto à rede viária da Lusitania central, que estabelecia a ligação
entre a capital Emerita Augusta e a costa atlântica. A presença de materiais importados
demonstra a ligação de Ammaia com as principais rotas comerciais peninsulares e a
existência de famílias prósperas no local (PEREIRA 2009: 139).
Para Sérgio Pereira (2009: 137), “Ammaia surgia como núcleo urbano, centro político-
administrativo, à volta do qual se estendia um vasto território e no qual existiam vici, villae,
casais e pequenos sítios”73. Porém, a dimensão do ager ammaiensis é alvo de debates, uma
vez que não foram identificados termini augustales74 na região. De modo geral, acredita-se
que o limite norte fosse o rio Tejo e o território incluiria, em todas as suposições, as duas
regiões com mais recursos minerais, a Serra de São Mamede e as jazidas do Tejo.
73
As villae amaienses, na grande maioria, produziam azeite, vinho ou se dedicavam à criação de cavalos para
exportação (VERMEULEN 2013a: 9).
74
Terminus Augustalis é um marco de pedra de época imperial que servia para delimitar territórios, públicos ou
privados, cuja denominação se expressa mediante uma inscrição. Segundo Jorge de Alarcão (2008: 30), são
marcos de delimitação encontrados em algumas civitates. Por exemplo, o terminus Augustalis encontrado no
município de Valdeolea (Cantábria), fixava o limite entre o território da cidade romana de Juliobriga e as
terras da Legio IV Macedônica: TER(minus) AVGVST(alis) / DEVIDIT PRAT(a) / LEG(ionis) IIII ET AGR- /
VM IVLOBRIG(ensium), ou seja, “Término augutal [que] divide os prados da IV Legião Macedônica do
território dos Juliobrigenses” (J.M.Iglesias Gil; A. Ruiz, Epigrafía Romana de Cantabria. Santander:
Ediciones de Librería Estudio; 1999: 90).
174
Abelterium (Alter do Chão) e o vicus Camalocensis (na zona de Crato), além de muitos
assentamentos rurais que exploravam os recursos do território (VERMEULEN 2013a: 8).
Nos subúrbios de Ammaia, havia uma área industrial com possíveis estruturas de
fornos, a norte da cidade, e um complexo edilício extensivo foi descoberto a leste (Figura
4.7A). No sul, vários complexos edilícios foram descobertos, além de uma segunda área
75
O que seria mais um argumento para considerar Ammaia como pertencente ao conventus Emeritensis.
175
industrial e possivelmente uma série de monumentos funerários ao longo da via que deixava
a cidade (Figura 4.7B) (TAELMAN et alii 2013: 106).
Figura 4.7A. Área industrial norte com possíveis estruturas de forno e complexo de edifícios
(TAELMAN et alii 2013: 106).
176
Figura 4.7B. Área industrial sul, complexos de edifícios e possíveis monumentos funerários ao longo da via
(TAELMAN et alii 2013: 106).
As principais fontes de água dos habitantes são o Rio Sever e o Ribeirão dos
Alvarrões, ambos cursos perenes; e foram detectados dois aquedutos principais que
transportavam água para o interior da área urbana. No interior desta, o aqueduto se ligava ao
outro cujos vestígios foram encontrados a oeste da área do fórum (TAELMAN et alii 2013:
106) (Figura 4.8).
177
Figura 4.8. Captura de água denominada Malhadais, com os vestígios de um aqueduto romano
tipo specus (A). No interior da área urbana, vestígios de um aqueduto em specus semelhante
em granito a oeste da área do fórum (B) (TAELMAN et alii 2013: 106).
Assim, Ammaia é uma fundação ex nihilo nos moldes vitruvianos (Livro V, capítulo
X): existência de recursos hídricos, proximidade de vale agrícola e proteção contra os
178
ventos. A malha urbana foi estruturada a partir da Ribeira dos Alvarrões (a sudeste) e do Rio
Sever (a noroeste), com as muralhas sudeste e noroeste quase paralelas aos dois cursos de
água. Foi implantada em um vale abrigado, próxima a um vale agrícola “que se estende do
Porto da espada à Escusa, sendo, ainda hoje, uma das áreas mais férteis do Concelho de
Marvão”. Também fica próxima à Serra de São Mamede, rica em minerais (PEREIRA 2009:
131 e ss.).
Necrópoles
Figura 4.9. Área escavada do Estacionamento 1, Quinta do Deão (PEREIRA 2009: 182, Anexo XVI).
179
Figura 4.10. Área escavada do Estacionamento 2, Quinta do Deão (PEREIRA 2009: 184, Anexo XX).
76
Silhar = pedra quadrangular; esquadria.
180
Figura 4.11. Estacionamento 1, vista geral do alicerce do provável mausoléu; sepultura 1 (interior); sepultura 2
(à direita e no exterior) (PEREIRA 2009: 230, foto 44).
77
José da Encarnação, IRCP, nº 627, depositada no MNA (nº E 6954).
78
Segundo Pereira 2009: 108, nota 106, “no Núcleo Museológico de Ammaia está exposto um pulvinium que
se encontrava reutilizado num passadiço de acesso à Quinta do Deão, em frente da casa de João Cebolas”. Em
latim, “pulvinus” significa “travesseiro, almofada”, mas pode ter um sentido figurado de “objeto em forma de
almofada; platibanda” (Ernesto Faria, Dicionário Escolar Latino-Português, Rio de Janeiro, MEC, 1985).
“Platibanda: parede protetora baixa, na extremidade de um terraço, balcão ou cobertura, esp. Aquela parte de
uma parede externa, parede corta-fogo ou parede-meia que se ergue acima do telhado” (CHING 2010: 2013).
Portanto, pulvinium é uma moldura contínua que contorna uma construção na frente do telhado.
181
Ligadas à estrutura, foram descobertas duas sepulturas, uma no interior do edifício,
outra no exterior. A sepultura 1, no centro do edifício, foi escavada no afloramento de xisto
e é alinhada lateralmente por silhares e lajes de granito colocadas nas extremidades.
Internamente, mede 1,62 m por 59 cm na parte mais larga, considerada a cabeceira,
apontando Sul-Sudeste. Foi violada, deixando poucos espólios, sendo o sepultamento datado
entre o final do século I e o final do século III, provavelmente inumação (PEREIRA 2009:
105-6).
182
suposto teatro
A área urbana, com um traçado quase retangular, possui uma topografia regular e o
traçado urbano é ortogonal: o cardo maximus (NO-SE), ligando a Porta Sul a uma possível
Porta Norte, e o decumanus maximus (NE-SO) são os principais eixos estruturantes e a parir
dos quais foram traçadas paralelamente as demais ruas. O cardo maximus parte da Porta Sul,
passa a NE do fórum e prolonga-se até a outra porta, a NO. O decumanus maximus passa à
frente ou no meio do fórum (pela porta lateral).
79
Uma anomalia oval na fotografia aérea foi interpretada como o possível anfiteatro, hipótese descartada pelos
trabalhos de prospecção realizados pela equipe do Projeto Radia Past. A norte de S. Salvador da Aramenha,
manchas de grandes dimensões sugeriam a presença de um circo ou de um hipódromo, mas não há
confirmação (PEREIRA 2009: 144).
183
Algumas das ruas principais eram ladeadas por pórticos (Figura 4.13).
“Sabemos que algumas das ruas principais eram ladeadas por pórticos. Por comparação com
outras cidades romanas conhecidas, associada aos elementos arquitetónicos encontrados no sítio,
é possível reconstituí-los como segmentos de arcadas contínuas, correndo ao longo das fachadas
de alguns edifícios” (CORSI 2013b: 29).
Figura 4.13. Reconstrução de uma rua de Ammaia pelo Projeto Radio-Past (CORSI 2013b: 29, imagem 20).
Embora com um grau de incerteza, numa primeira fase os pórticos podem ser
reconstituídos como estruturas elevadas até o nível do primeiro andar, com telhado de uma
água e suportadas por colunas de granito com fustes compostos por vários tambores
(podendo ter substituído postes de madeira, de uma fase anterior), com uma altura total de c.
10 pés romanos (3,02 m). Posteriormente, as arcadas podem ter sofrido alterações, como
alargamento do vão entre as colunas e o fechamento do espaço com paredes entre as colunas
(CORSI 2013b: 30).
184
A maior parte das insulae era ocupada parcial ou totalmente por residências, algumas
delas com atividades comerciais e artesanais associadas (tabernae, oficinas etc.), mas
relacionadas com funções domésticas (CORSI 2013b: 31).
“O que podemos ver através da ‘radiografia do solo’ é uma cidade cuidadosamente planeada,
segundo uma malha regular. No entanto, nem todos os quarteirões têm as mesmas dimensões. As
duas fiadas centrais são maiores, dado que o grande complexo do fórum [...] se situa no centro da
malha urbana” (CORSI 2013b: 31).
“Entre os inícios do século IV e os meados do século seguinte, a cidade parece ter atravessado
uma fase de prosperidade económica. Entre as evidências desta conjuntura favorável, destacam-se
as diversas remodelações domésticas, o acesso e a abundância de produtos importados (terrae
sigillatae africanas, lucernas, vidros e braceletes de pasta vítrea) e a considerável massa monetária
em circulação. Esta perspectiva pode encontrar reforço no facto de estarmos a analisar uma área
doméstica, implantada no limite da área urbana” (PEREIRA 2009: 85).
Porém, não posso deixar de mencionar que houve, a partir do final do século IV, o
inflacionamento dos preços e a consequente desvalorização da moeda, o que poderia
justificar a existência de grande quantidade de moedas em circulação, ampliando,
consequentemente, o número de achados.
Parece que essa prosperidade se mantém até certo ponto no início do período
visigótico (Fase IV), pois ainda são exumadas moedas no nível do século IV e terrae
sigillatae africanas. Mas já aparece claramente uma fraca qualidade de execução e
185
irregularidade do aparelho construtivo, “ainda que apresente alguma robustez” (PEREIRA
2009: 87).
186
moradias e oficinas, e não uma área central, pública. Transportar as características
encontradas na periferia para toda a cidade necessita, a meu ver, de cautela.
6.3. Muralha
80
Sérgio Pereira (2009: 134) estimou uma área de 16 a 17 hectares, mas o fez antes da realização dos trabalhos
de prospecção de 2010 e 2011. Entretanto, Vasco Mantas (2000: 413) já havia proposto uma área intramuros
de 20 hectares.
187
Figura 4.14. Mapa geral de Ammaia com indicação das muralhas (tracejado: segmentos hipotéticos) e a
localização das áreas escavadas (em vermelho) do Fórum (F), as termas (T), a Porta Sul (S) e a área no museu
(M), com base na interpretação da prospecção magnética intramuros de P. Johnson. A área de prospecção com
magnetômetro de alta-resolução e de resistência de solo, realizada por J. Verhegge, está sombreada; a área da
prospecção GPR, realizada por L. Verdinck, está pontilhada. Uma proposta para o desenho urbano é também
apresentada (elaboração C. Corsi) (VERMEULEN et alii 2012: 126, fig. 2).
Pereira não exclui a hipótese, porém, de a vala ter sido aberta na fase de implantação
da cidade, servindo como elemento simbólico e delimitador do assentamento, sendo
posteriormente adaptada a cloaca na época da construção da muralha (2009: 135).
Para Sérgio Pereira, a muralha de Ammaia tinha uma função mais simbólica do que
defensiva (PEREIRA 2009: 102). “Tendo em conta a vulnerabilidade estratégica do sítio e o
momento em que a muralha foi edificada, em plena pax romana, pensamos que esta teria
mais uma função simbólica e honorífica, pois as condições encontradas não justificariam o
investimento numa estrutura defensiva” (PEREIRA 2009: 115)81. Sérgio Pereira apoia sua
opinião no arqueólogo Carlos Fabião:
81
Mais à frente, reafirma sua posição: “O caráter honorífico e simbólico da muralha reúne consenso, até
porque a vulnerabilidade do sítio e o momento da edificação não justificariam uma função defensiva”
(PEREIRA 2009: 135).
82
Sérgio Pereira não colocou, na Bibliografia, a obra de Carlos Fabião que citou.
189
julgar pelo grande volume de material importado e pela massa monetária recolhida, que
pertence majoritariamente ao século IV. “O panorama de conjuntura desfavorável, de
inflação e de crise económica generalizada que habitualmente caracteriza o Baixo Império
não teria atingido Ammaia, pelo menos no século IV - primeira metade do século V”
(PEREIRA 2009: 145).
Localizada em uma das zonas mais baixas da cidade (altitude média de 527 m), a
Porta Sul foi, ao longo do tempo, “local privilegiado para saque de cantarias e de pedras em
geral, cujo destino foi outras construções na região” (PEREIRA 2009: 60). A reutilização do
“Arco da Aramenha” é o caso de maior destaque83. Apesar disso, é a estrutura monumental
melhor preservada da Ammaia romana e, provavelmente, uma das principais entradas da
cidade, inclusive para veículos de carga a julgar pelas marcas das rodas no piso de granito
(TAELMAN 2013: 40).
O local onde foi erguida a Porta Sul era uma área residencial nos primeiros anos da
cidade e foi totalmente remodelada (período flávio-trajano) para a construção do complexo
monumental. Nos alicerces de paredes da Fase I foram encontrados alguns fragmentos de
cerâmicas cinzentas, características do final da Idade do Ferro ou inícios do Império. Na
mesma área, havia evidências de uma estrutura circular (PEREIRA 2009: 41).
“Lembramos que a cronologia proposta por Jorge de Oliveira e Isabel Cristina Fernandes (1999:
13484) para a monumentalização da Porta Sul foi o período flávio, podendo relacionar-se com a
83
O “Arco da Aramenha” foi transladado para Castelo de Vide em 1710 e instalado como porta de entrada da
cidade. Foi demolido para a construção dos “edifícios para o asilo de infância desvalida [...] a tiros de
dinamite” em 1890 (L. Coelho 1924: 36 apud PEREIRA 2009: 28-9). [Possidónio M. Laranjo Coelho
(1924/2001), Terras de Odiana – Subsídios para a sua História Documentada. Edição fac-símile da edição de
1924. Introdução de António Ventura. Ibn Maruán, Câmara Municipal de Marvão, 11.]
84
Jorge de Oliveira; Isabel C. Fernandes; José Caeiro (1999), “Cidade romana de Ammaia, S. Salvador da
Aramenha, Marvão, Portugal”. In: Rodrigo de Balbin BERMAN; Primitiva Bueno RAMÍREZ, Atas do II
Congresso de Arqueologia Peninsular. Zamora: Fundação Rey Afonso Henriques; Universidade de Alcalá,
Tomo IV, pp. 129-134.
190
obtenção da municipalidade. Em parte, concordamos com a proposta anterior, acrescentando
apenas que a conclusão das obras teria ocorrido já no principado de Trajano (Fase II)”
(PEREIRA 2009: 72).
A nova estrutura era dominada por uma porta em arco ladeada por duas grandes
torres circulares e uma praça lajeada anexa. As torres, com diâmetro externo de 6,30 m e
altura c. de 6,15 m (ligeiramente superior à da muralha), estavam separadas pela porta de
entrada e um pequeno pátio de 6,40 m de largura. Eram decoradas com placas de mármore
branco de Estremoz (Portugal) e calcário rosa, proveniente de Alconera (Espanha).
Permaneceram no local apenas as pedras abaixo da travessa da porta da torre leste, a oeste
sendo destruída em época incerta85 (PEREIRA 2009: 141; TAELMAN 2013: 41).
“Os novos muros apresentavam, como inovação, o uso regular de cunhais de granito e alicerces
mais largos, construído com calhaus rolados. Estas estruturas denotam uma qualidade razoável,
tendo sido empregue granito, xisto, calhau rolado e cerâmica de construção, com ligamento de terra
barrenta. A largura das estruturas não excede os 48 cm” (PEREIRA 2009: 64-5).
85
Sérgio Pereira sugere que a Porta Sul, na Fase I, era constituída por duas torres talvez semicirculares
(quadrangular na parte interna) e com um arco de entrada ou porta (PEREIRA 2009: 135).
86
In situ, permanece apenas a base do “Arco da Aramenha”.
191
Figura 4.15. “Arco da Aramenha” em
Castelo de Vide (reprod. J. Oliveira)
(CORSI 2013a: 10).
Figura 4.16. Porta Sul, lajeado e torre leste, cardo maximus e torre oeste (PEREIRA 2009: 207, foto 11).
192
Figura 4.17. Porta Sul, lajeado e torre
oeste, a partir do interior, mostrando
suas Fases II e VIII (PEREIRA 2009:
218, foto 23).
Duas paredes, construídas em opus mixtum, saiam das torres e ladeavam o cardo
maximus, possivelmente sustentando uma abóbada que encontraria um segundo arco, na
parte interna, no limite do lajeado da praça contigua, criando uma passagem coberta
(PEREIRA 2009: 141-2).
87
Composto por dez denários e um fragmento e dez sestércios, com datas que vão de 49-48 a.C. (da família de
Júlio César) a Trajano (98-117 d.C.).
88
Composto por um asse da época júlio-cláudia, o exemplar mais antigo, um dupôndio e oito sestércios de
bronze, sendo quatro sestércios e o dupôndio os mais recentes, cunhados entre 112-114 d.C., sob o principado
de Trajano.
193
relaciona os achados com rituais fundacionais. Um pormenor a reter é o facto de os conjuntos se
encontrarem numa posição inferior, em relação ao nível de circulação da torre, levando-nos a
pensar que teriam sido ocultados no momento da sua construção” (PEREIRA 2009: 71).
“A porta monumental abre para uma grande praça retangular de 20,95 m por 24,30 m,
pavimentada com grandes blocos de granito dispostos simetricamente de ambos os lados do
cardo maximus (com 4 m de largura)” (TAELMAN 2013: 42).
Essa praça pública lajeada, na parte urbana da porta, era dividida simetricamente
pelo cardo maximus, que se dirigia para o fórum. A parte da praça a leste do cardo, com
21,30 m de comprimento por 10,75 m de largura, conservou-se praticamente intacta. O
lajeado oeste foi parcialmente destruído. As duas partes eram calçadas com lajes
quadrangulares de granito, com medidas variando entre 115 e 85 cm de lado. “O espaço
entre as torres e os lajeados poderia ser ocupado por edifícios que ladeavam a praça”
(PEREIRA 2009: 40) (Figuras 4.18 e 4.19).
Haveria, no lajeado leste, um pequeno podium com uma possível estátua, e pode ter
existido uma pequena mureta de silhares demarcando os limites do lajeado. O lajeado oeste
foi edificado sobre estruturas habitacionais da Fase I (de implantação da cidade). “A
monumentalização da entrada da cidade implicou a demolição parcial de um edifício e a
respectiva fachada” (PEREIRA 2009: 143).
Havia, no centro de cada um dos lados da praça, uma estátua sobre um pequeno
pódio. A praça provavelmente era cercada por pórticos, pois há lajes com molduras
quadrangulares posicionadas de modo a funcionar como bases de assentamento de colunas.
As marcas circulares no piso lajeado (orifícios com c. 7 cm de diâmetro, dispostos em
intervalos regulares de 3 m) indicariam a existência de coberturas provisórias, como toldos
ou telhados de madeira, associados ao pórtico que ladeava a praça. Uma pequena passagem
na zona oriental conduzia ao macellum. Há vestígios de atividades comerciais no local
(PEREIRA 2009: 143; TAELMAN 2013: 42-3).
194
Figura 4.18. Porta Sul de Ammaia, escavações arqueológicas (1995-2002): proposta cronológica das diferentes
fases de construção (PEREIRA 2009: 175, anexo VIII).
195
Figura 4.19. Vista geral da Porta Sul e do lajeado leste (PEREIRA 2009: 206, foto 10).
Na Fase IIIa, surge um novo edifício, com duas pequenas tabernae, reutilizando o
espaço anteriormente desocupado entre a praça oeste, a torre e a muralha; o aparelho dessa
estrutura é menos cuidado e há o emprego de silhares nos ângulos e nos cruzamentos dos
muros. Evidenciam-se, aqui, uma ocupação privada, ou usurpação, de espaços anteriormente
públicos (PEREIRA 2009: 145). Segundo Taelman (2013: 43), neste conjunto de tabernae
“se vendiam alimentos e bebidas quentes”. Mas o arranjo global da entrada monumental –
porta flanqueada por torres e praça anexa – permaneceu até o abandono da cidade.
No Baixo Império (finais do século III – início do IV), surgem novas estruturas,
“resultantes de uma clara intenção de ocupar o espaço público deixado em aberto entre a
muralha e o lajeado oeste”. E aparece uma nova taberna (PEREIRA 2009: 65).
89
Taelman (2013: 43) coloca o abandono da cidade entre os fins do século IV ou o início do V.
196
no fórum colonial, e no Pórtico do fórum. Também “a praça pavimentada assemelha-se à
praça do fórum colonial desta cidade [Augusta Emerita]” (TAELMAN 2013: 43).
Esse “peristylum” era contíguo à Porta Sul, a nordeste da praça lajeada, e era ladeado
por três prováveis cellae regulares, inserindo-se em um conjunto arquitetônico mais amplo,
com cerca de 950 m². A entrada do edifício seria voltada para a praça lajeada (Figura 4.20).
Vasco Mantas (2000: 414, apud PEREIRA 2009: 43) identificou o local como um
macellum (mercado), não apenas pela presença das cellae que cercam o amplo espaço central
com peristilo, mas também pela localização da estrutura na cidade. Mas seria um modelo
simples de macellum, comparável ao de Baelo Claudia, segundo indicam as prospecções
geofísicas realizadas no local por uma equipe da Universidade de Ghent.
Sérgio Pereira identificou uma área porticada e uma conduta subterrânea para o
abastecimento de água e outra para a evacuação, uma natatio, limitada por silhares de
granito e piso de opus signinum (com sinais de revestimento), sendo circulada por um
passadiço. Entretanto, a pesquisa geofísica revelou que se tratava de um complexo
monumental.
O balneário não foi o primeiro edifício erguido na área, sendo precedido por uma
construção possivelmente retangular com pórtico, cuja única certeza sobre sua função é que
não estava relacionada com banhos (CORSI 2013d: 38). Essa primeira estrutura, de época
pré-flaviana, presumivelmente tinha funções habitacionais. O balneário teria sido construído
durante o período flaviano tardio ou início do século II, o que desbanca a teoria anterior de
ser contemporâneo à construção do fórum. Durante o século IV, perdeu sua função termal,
assumindo outro uso (também desconhecido).
6.7. Fórum
90
Foi recolhido um conjunto de 14 denários quando da construção da Estrada Nacional para a Espanha,
publicados por Francisco Gusmão [Francisco A. Rodrigues Gusmão (1874), “Apontamentos arqueológicos”:
medalhas de prata encontradas nas antigas ruínas de Medobriga (Aramenha), Boletim Architectonico e de
Archeologia, Lisboa, 2ª série, I (3), pp. 45-46] que parece ter sido ocultado no final do governo de Augusto
(PEREIRA 2009: 135, n. 147).
198
plataforma artificial – antes do enorme programa de construção na primeira metade do
século I d.C. (VERMEULEN et alii 2012: 137). Para Vasco Mantas (2009: 175), o plano
ortogonal da cidade pode ter reservado o espaço para o fórum sem que a sua construção
tenha sido imediata.
Figura 4.21. Pódio do Fórum de Ammaia (imagem gentilmente cedida pelo Dr. Carlos Fabião).
200
Figura 4.23. Interpretação dos resultados da prospecção com magnetômetro na área do Fórum
de Ammaia e das termas vizinhas: 1. Pórtico do templo, 2. Tabernae ao longo da praça do
Fórum, 3. Basilica (por J. Verhegge) (VERMEULEN et alii 2012: 129, fig. 5).
A área onde o Fórum e seu pórtico foram construídos estava originalmente localizada
em uma encosta com uma inclinação considerável (gradiente de 8 a 10°), com uma
orientação geral de sudeste (parte mais alta) para nordeste. Nesta parte inferior, as fundações
do pórtico são mais robustas, um pouco mais largas que as paredes, e construídas com
quartzitos locais (em parte recolhidos de cascalhos do rio) e argamassa. As paredes são
feitas em opus incertum com um revestimento de blocos de granito cortado de forma
grosseira em tamanhos desiguais.
“Essa construção de pórtico (com largura interna média de 4,4 m) pode ser
considerada como a extremidade de uma grande caixa, que estava cheia e modelada para
criar uma superfície mais ou menos horizontal para a área de circulação do fórum”.
Portanto, a ala NE do pórtico seria como um muro de terraço para todo o complexo forense,
201
uma vez que esta era a parte mais baixa da encosta. A praça do fórum era preenchida de
sedimentos para criar um platô artificial (VERMEULEN et alii 2012: 134).
Ocupava as duas insulae centrais da malha urbana e estava ligado às portas da cidade
pelas duas vias perpendiculares principais, o cardo e o decumanus maximi, este flanqueando
o complexo pelo lado sul e levando à Porta Oriental. O cardo maximus percorria o limite
nordeste do fórum, em um nível inferior, e havia uma cave entre as duas paredes que
delimitavam a praça forense.
Em 1997, através da estratigrafia realizada nas áreas que delimitam o fórum, foi
estabelecida a data de construção das estruturas na segunda metade do século I d.C.
Também foi encontrado o ângulo norte do complexo (PEREIRA 2009: 48) e, dois anos
depois, estabeleceu-se o seu ângulo oeste. Em 1999 foi evidenciada uma porta lateral através
do achado, no canto noroeste, de um bloco e uma aduela de arco, em granito.
São dimensões nada modestas para um fórum, podendo figurar entre os maiores da
Lusitania. A sua grandiosidade contrasta com a reduzida dimensão do templo, embora uma
provável colunata pudesse reduzir a aparente assimetria (PEREIRA 2009: 48-9).
O templo, construído sobre o largo pódio, tinha uma escadaria monumental frontal
voltada para a praça e “a entrada seria provavelmente ladeada por dois tanques
simetricamente dispostos” (CORSI 2013c: 34). Ao redor do templo, o piso era de terra
batida, como em Conimbriga, Augusta Emerita e Aeminium. Não foi identificada sua ordem,
se jônica ou coríntia.
Sérgio Pereira (2009: 136) propõe que o templo seria provavelmente tetrastilo e
dedicado ao culto imperial ou a Júpiter, uma vez que José d’Encarnação (IRCP nºs 605 a
608) registrou, na área da cidade, quatro altares dedicados a Júpiter. Também haveria o culto
92
O típico concreto romano.
202
à divindade protetora da cidade, o Genio Oppidi ou Genius Ammaiensis (segundo duas aras
conhecidas). Cristina Corsi (2013c: 34) propõe que o templo central poderia ser o capitólio.
Figura 4.24. Estruturas escavadas na área do templo do Fórum: A. Templo, B. Parte frontal e
escadas, C. Ala SO do pórtico, D. Ala NO do pórtico, e E. Ala NE do pórtico (VERMEULEN
et alii 2012: 132, fig. 8).
Também foi identificada, ao longo da praça forense, uma série de estruturas que
poderiam corresponder a diferentes pódios, bases de estátuas ou mesmo cisternas. “Uma
203
estrutura linear visível na diagonal corresponde possivelmente ao aqueduto que conduz a um
dos tanques” (CORSI 2013c: 34).
A praça central do fórum, mais estreita que a sacra, é ladeada por duas fileiras de
tabernae. Cada fileira possui sete tabernae, ou provavelmente seis, se uma de cada lado for
interpretada como corredor de acesso para a praça forense nos lados mais longos; próximo
ao local onde se descobriu um fragmento de arco em granito. Os dois blocos de tabernae
abrem-se para o interior de um corredor que era provavelmente colunado no lado voltado
para a praça. “Esta arquitetura intencionalmente comercial reduzia a largura da área central
aberta em aproximadamente 31 m”. Na parte aberta da praça central foram detectados
pequenos monumentos e algumas estruturas funcionais. Algumas destas estruturas podem
estar relacionadas com o suprimento de água e drenagem (aqueduto, esgotos, cisterna,
fonte); outras, sem dúvida, são bases para pequenos monumentos públicos ou estátuas
(VERMEULEN et alii 2012: 133).
204
O início da construção do fórum, a partir dos vestígios arqueológicos, teria sido em
meados do século I (possivelmente no reinado de Cláudio). A fase de renovação, no período
flaviano (último quartel do século I) (CORSI 2013c: 35).
Apesar da acuidade científica das reconstruções – ou, exatamente por causa dela –,
resolvi colocar as ilustrações urbanas separado das descrições arqueológicas (exceção feita
apenas com a Figura 4.13, que mostra as ruas porticadas). Essas reconstruções facilitam a
visualização das descrições e facilitam a análise e a comparação propostas.
205
Todas as imagens a seguir, elaboradas dentro do Projeto Radio-Past, foram
gentilmente cedidas pelo Dr. Carlos Fabião. Também foram realizadas animações e filmes,
com “passeios virtuais” 3D dentro de Ammaia.
206
Figura 4.27. Reconstituição virtual da Porta Sul com praça lajeada de Ammaia (http://www2.radiopast.eu/).
Figura 4.28. Reconstituição virtual do lado externo da Porta Sul de Ammaia (http://www2.radiopast.eu/).
207
Figura 4.29. Reconstituição virtual de uma insula da cidade romana de Ammaia (http://www2.radiopast.eu/).
208
Figuura 4.31. Reconstituição virtual do Fórum da cidade romana de Ammaia. Houve o cuidado em não
colocar as ordens arquitetônicas por serem desconhecidas (http://www2.radiopast.eu/).
Figura 4.32. Reconstituição virtual da área sacra do Fórum da cidade romana de Ammaia
(http://www2.radiopast.eu/).
209
Figura 4.33. Reconstituição virtual do templo do forum de Ammaia, com ensaio de policromia
(http://www2.radiopast.eu/).
210
Figura 4.35. Reconstituição virtual do lado externo do Fórum de Ammaia, na esquina do decumanus maximus,
com a quina da Basílica (http://www2.radiopast.eu/).
211
212
CONIMBRIGA
1. Evolução estatutária
Conhecido como Oppidum após a conquista de Júnio Bruto (136 a.C.), o que se
mantém sob Augusto, mas provavelmente com um novo estatuto jurídico romano, de
oppidum stipendiarium.
213
2. Situação do sítio arqueológico
93
O arqueólogo citado neste capítulo como ALARCÃO 1995 é A. Moutinho Alarcão, e não Jorge de Alarcão.
Quando a citação designar este, será indicado J. de Alarcão.
214
A intervenção em Conimbriga consistiu na definição e delimitação da área das ruínas
e da escavação de uma boa parte desta mesma área, com a construção, inclusive, de uma
estrada de acesso a elas, para possibilitar as visitas do público leigo e do científico. Para
Carlos Fabião, o que acontece em Conimbriga nesta fase não foi uma escavação
arqueológica, mas sim um desaterro, com o objetivo de pôr as ruínas à vista. É possível
perceber isto pelas imagens fotográficas feitas na época. Foi contratada uma mão de obra
camponesa e, depois, foi realizado o arranjo dos espaços escavados, que passam a constituir
uma “ruína vistosa”, com os muros levantados. É um processo atualmente considerado não-
científico, pois o que se faz é “criar” uma ruína romana (Figuras 5.2 e 5.3).
215
destas escavações são registros fotográficos e grandes listas de materiais usados para refazer
as ruínas e referências a respeito da grande profundidade em que se encontravam os
vestígios: “(…) as camadas de terreno que mais interessavam à escavação” (apud
FABIÃO 2013).
Foram, assim, criadas ruínas cenográficas, abertas à visitação, com muito pouco
controle sobre o acesso ao sítio. Fizeram trabalhos definitivos sobre as ruínas sem nenhuma
hesitação durante o processo. Conimbriga era comparada à Mérida, a Augusta Emerita
romana, capital provincial, como uma das mais civilizadas cidades da Lusitania romanizada
e considerada sua êmula. “Em 1962, no discurso aquando da inauguração do Museu
Monográfico, o Ministro da Educação Nacional, Prof. Manuel Lopes de Almeida, afirma
que ‘(…) [Conimbriga é] uma das mais importantes estações arqueológicas do Mundo
(…)’” (FABIÃO 2013).
A situação começa a mudar nos anos 1950, quando se inicia em Portugal uma
arqueologia mais científica. Em 1951, J. M. Bairrão Oleiro assume a direcção do sítio e,
entre 1951 e 1955, há um intenso trabalho na consolidação e conservação dos mosaicos
(com auxílio de uma equipe italiana do Ministero Per I Beni Culturali). Em 1955, ocorre um
novo envolvimento público significativo (Ministro Arantes e Oliveira) quando são
realizadas vedações das ruínas e cria-se o projeto do Museu Monográfico de sítio,
inaugurado em 1962.
216
gráficas, as comparações entre as diversas fases arquitetônicas e também as maquetes, a
realidade tridimensional, e não apenas gráfica, bidimensional.
Apenas 17% da área do sítio está escavada e são conhecidos cerca de 20 edifícios
residenciais, entre domus e insulae (CORREIA 2011b: 681). “De facto, até as escavações
luso-francesas iniciadas em 1964, a arquitectura doméstica era tudo o que se conhecia de
Conimbriga” (CORREIA 2010a: 3).
3. Síntese Histórica
No século III, a cidade foi dotada de uma nova muralha, que reduziu
consideravelmente o perímetro de Conimbriga.
“Tudo leva a crer que, em época tardo-antiga e visigótica, possamos estar diante de uma
paróquia medieval [demonstrado pela igreja alto-medieval]. Seria uma sede episcopal, com uma
basílica paleo-cristã com um largo batistério, até a década de 80 do século VI. Portanto, a cidade
estaria em funcionamento nesta época” (DE MAN 2010).
217
No século VI, a cidade recebeu investimento oficial; especificamente, a construção,
no “Bico da Muralha”, de um fortim de época visigoda, uma adição à muralha baixo-
imperial. “O declínio de Conimbriga, porém, não tardou”. A cidade perde sua posição
estratégica para Aeminium, na outra margem do Mondego, havendo o progressivo abandono
por parte da população, “que termina com a desertificação94 do planalto” (DE MAN 2010).
“Não compreendemos ainda bem como se deu o processo de abandono total da cidade. Pensa-
se que terá sido uma coisa muito gradual, em que a cidade vai perdendo sucessivamente algumas
infraestruturas importantes, algumas instituições (como o caso do bispado) e a população. E, pouco
a pouco, se transforma em uma pequena aldeia, em um lugar ermo, até chegar a um ponto em que
pura e simplesmente desaparece. E tudo o que foi a cidade vai desaparecendo, porque o material de
construção vai sendo retirado. A vizinha aldeia de Condeixa-a-Velha terá sido construída em
grande parte com pedras retiradas de Conimbriga. No caso do fórum, as pedras foram retiradas até
os alicerces. Há, portanto, ação humana e também ação material de destruição pelo abandono”
(RUIVO 2010).
Época Romana
94
“Desertificação” é o termo utilizado em Portugal para se referir ao abandono progressivo das aldeias rurais,
inclusive nos dias atuais.
218
Figura 5.4. Mapa da Província da Lusitania, desenhado na primeira mesa-redonda da Lusitania
(VVAA Talence, 1990).
Época Moderna
219
Figura 5.5. Mapa com a localização de Conimbriga (em vermelho)
(http://qualodestino.files.wordpress.com/2010/08/coimbra.jpg)
5. Fases de ocupação
A ocupação humana no local remonta, pelo menos, até ao Bronze Final. No período
orientalizante do Baixo Mondego, ocupava um lugar central, constituindo-se em uns dos
principais oppida do centro do país ao longo da Idade do Ferro. Durante as campanhas
militares do general romano Décimo Júnio Bruto, o povoado existente foi conquistado, em
136 a.C.
220
Tabela – Proposta das fases de ocupação de Conimbriga
Fase I Neolítico Início da fixação humana
Séc. VI a.C. - funciona como ponto central
I Idade do Ferro
Fase II Castro aberto, população celta na região, com casas com pátio central e ruas
(c. 700 a.C. – 218 a.C.)
tendendo para o perpendicular
2ª met. séc. II a.C. - Campanhas militares de D. Romanos conquistam a região e
Fase III
final séc. I a.C. Júnio Bruto (138-136 a.C.) introduzem sua economia
População predominantemente indígena
Fase IV - Oppidum stipendiarium do (celta) com alguns romanos.
Séc. I a.C./I d.C.
Augustana Conventus Scallabitanus Primeiro processo construtivo público:
aqueduto, muralha, termas, fórum
Fase V -
Alto Império Oppidum stipendiarium Reformulação do aqueduto
Claudiana
Vespasiano (69-79) - Elevação
Fase VI -
Alto Império a municipium Flavium com Monumentalização flaviana
Flaviana
ius Latii
Baixo Império Construção da muralha tardo-imperial;
Fase VII Municipium Flavium
(Séc. III-V) obras notáveis de iniciativa privada
Cidade é tomada e parcialmente destruída;
465 e 468 - incursões suevas na
Período Visigodo (Séc. seus habitantes, escravizados ou dispersos.
Fase VIII cidade. É Sede de Bispado pelo
V-VI) Mas é tomada, com construção de torreão no
menos até 589
Bico da Muralha
Época Medieval Lento abandono da cidade Estruturas urbanas são abandonadas e
Fase IX
(séc. VI – X/XI) (processo de desertificação) sofrem lenta degradação
Saques do material de construção;
Fase X Séc. XII-XIX Abandono total
trabalhos agrícolas
Início do “redescobrimento” Desaterros e coleta de materiais
Fase XI Séc. XIX-déc. 1960
da cidade arqueológicos
Iniciam-se as pesquisas arqueológicas nos
Fase XII 1964 em diante Período “Científico”
moldes modernos
No século IX a.C., tem início da fixação humana no planalto, evidenciada por objetos
encontrados em entulhos e valas para alicerces romanos. Os níveis de habitação mais antigos
pertencem à II Idade do Ferro “e mantiveram-se coexistentes com monumentos e casas de
fundação romana até meado do séc. I”. Na I Idade do Ferro, é um castro aberto e com
influências culturais mediterrâneas. A presença celta é reforçada pela análise filológica do
sufixo –briga, “cidadela”. “Conim é um elemento mais antigo aparentemente utilizado por
indígenas pré-indo-europeus para designar o lugar, significando o radical ‘k°n-’, eminência
rochosa” (ALARCÃO 1995: 70).
221
No governo de Augusto, passa a pertencer administrativamente ao Conventus
Scallabitanus e recebe a designação de oppidum pela administração romana. No início do
século I d.C., Conimbriga é dotada do aqueduto, fórum, termas públicas, moradias e
tabernae, “iniciando-se uma época de tranquilidade próspera e acompanhada por uma rápida
aculturação da população indígena” (ALARCÃO 1995: 71).
No século IV, as obras mais notáveis são as de iniciativa privada, como as domus
com mosaicos. Mas já na segunda metade do século IV, chegam à Península Ibérica as
primeiras populações dos chamados “bárbaros”. O clima de instabilidade leva a cidade a
construir sua muralha defensiva, que dividiu o espaço urbano em duas partes, sacrificando
uma grande parte da zona leste.
“Contemporâneo das invasões suévicas, o bispo Idácio, de Chaves, conta que em 465 os
Bárbaros entraram dolosamente na cidade e levaram cativos a mulher e os filhos de Cantaber,
atacando de novo em 468, data em que a cidade foi tomada e parcialmente destruída, e os seus
habitantes escravizados ou dispersos” (ALARCÃO 1995: 72).
6. Descrição
222
Figura 5.6. Conimbriga na fase pré-flaviana (realizado pelas escavações luso-francesas de 1964 a 1971).
Figura 5.7. Urbanismo flaviano de Conimbriga (seg. Correia e J. Alarcão 2008) (CORREIA 2009a: 92, fig. 2).
223
6.1. Território da civitas e o Suburbium
224
As principais produções do território da cidade eram, possivelmente, o vinho (a partir
de meados do século I, mas especialmente a partir do século II) e o azeite. Também havia
grande produção de cerâmica de construção (tijolos, telhas etc.) e também dolia (produções
que se beneficiavam das zonas florestais e parece que tiveram impacto na sua redução).
Também exploravam pedreiras – para cantaria e produção de cal –, argila e madeira para
construção (CORREIA, DE MAN 2010: 301-2).
Estrada
A estrada que servia Conimbriga, vindo de Sellium (Tomar) está documentada por
um trecho pavimentado por lajes irregulares de calcário próximo ao perímetro urbano.
Entrava na cidade a partir do leste, virava à direita à entrada do planalto e seguia para
Aeminium (Coimbra). Sua largura era de 4 m, a média para as estradas romanas, e é possível
ver as marcas das rodas das carroças no seu piso. Na primeira parte do trecho conservado,
possuía duas largas calçadas porticadas, com tabernae. No caminho para a saída da cidade,
também foram identificadas três tabernae sob pórticos (ALARCÃO 1995: 6).
Aqueduto
O aqueduto augustano de Conimbriga está muito bem conservado e pode ser seguido
em quase toda a sua extensão, de 3.443,31 m, desde a fonte de Alcabideque95 até a piscina
fria das termas (até a cidade, são 3.100 m). A nascente natural é rodeada por um tanque
coletor que esteve sempre em uso, com vários reparos de fendas realizados com cimento
moderno. Atualmente, serve como lavadouro e bebedouro de animais. “Antigamente, devia
ter a forma de um ninfeu semicircular com 25 X 15 m” (ALARCÃO 1995: 62).
95
Segundo Alarcão (1995: 62), o nome arabizado Alcabideque “deixa transparecer Caput Aquae”.
225
Alcabideque a Condeixa-a-Velha, fundação para os muros de pedra solta que delimitam
pequenas propriedades etc.
Figura 5.9. Percurso do aqueduto desde a caput aquae (1) até à piscina fria das termas augustanas (2)
passando pelo castellum aquae (3). Trata-se de uma obra assente em fundações sólidas, com passagens
para evacuação do excesso de água, da qual se nota um cuidado particular na construção da conduta
abobadada, feita de blocos de calcário argamassado no interior de uma cofragem de madeira (4). Ao
longo do percurso encontram-se alguns poços de manutenção (ALARCÃO 1995: 64-5).
A parte mais difícil de reconstituir o traçado é a final, quando se torna aéreo para
vencer uma depressão do terreno junto à muralha por meio de arcos. Dentro da cidade, o
aqueduto desemboca em outro castellum aquae, que se encontra muito arruinado, para uma
nova decantação e, então, a água ser distribuída pela cidade. “O canal que conduzia às
termas ainda se conserva bem, embora tenha sido transformado em esgoto aquando da
construção das insulae na época claudiana” (ALARCÃO 1995: 63).
“O aqueduto com um único cano construído em alvenaria é substituído por uma distribuição
mais alargada no perímetro urbano com também o controle da pressão da água. Isto permite
226
também a construção de fontes e de repuxos 96, como acontece na famosíssima Casa dos
Repuxos, mas também em outras casas de Conimbriga, onde os peristilos são decorados com
jardins no seu interior, os quais recebem pequenos repuxos d’água numa arquitectura aquática
mais ousada que obviamente a existência de um aqueduto com uma única canalização não
permitia numa fase anterior” (REIS 2010).
O aqueduto foi utilizado durante mais de quatro séculos antes de ser destruído
provavelmente pelos invasores suevos (ALARCÃO 1995: 62-3).
Segundo Pilar Reis (2010), o edifício termal é um dos primeiros edifícios públicos
construídos (augustano), pois introduz um novo ritual, especificamente romano, na cidade: a
visita aos banhos, para higiene e descanso, muito importante na vida social urbana.
“Revoluciona a vida no aglomerado”, afirma.
Anfiteatro
96
“Repuxo” é uma construção para a condução da água que faz com que ela se eleve em jato contínuo. É
sinônimo de chafariz, esguicho, fonte e jato.
227
“O levantamento topográfico permitiu calcular as dimensões máximas aproximadas (100 X
75 m) e compreender que se trata de um anfiteatro semi-enterrado na rocha escavada. Data,
provavelmente, do período flaviano e foi destruído para construção da muralha tetrárquica”
(ALARCÃO 1995: 61).
Não foi encontrado o teatro; acredita-se que não havia. Mas as áreas não escavadas
nunca foram objeto nem mesmo de sondagens.
6.2. Muralhas
A muralha romana mais antiga demarcava o limite mais amplo da cidade, que
representava aproximadamente o dobro da área castreja97, “visando o potencial crescimento
da cidade” (CORREIA 2010b). Foi construída com paramento de pedra afeiçoada e miolo
constituído por terra e pedra solta, o que condiz com uma datação alto-imperial.
“Logicamente, esta muralha pode ter sido erguida por altura da fundação da cidade ou no
momento em que ela foi elevada à categoria de município tendo, em qualquer desses casos,
caráter honorífico” (ALARCÃO 1995: 8) (Figura 5.11).
Formava um polígono irregular, “cujo percurso acidentado se explica pela
necessidade de englobar os pontos mais elevados da cidade e de abrigar as vias oblíquas de
penetração” (GROS 2002: 45). A muralha augustana foi preservada até quando a de época
tetrárquica (fim do século III-início do século IV) foi erguida mais a oeste, ao redor de outro
setor urbano (Figura 5.12). Importante notar que, diferentemente do costume de instalar os
anfiteatros na área externa das muralhas, o de Conimbriga, segundo as reconstituições, está
na área interna do perímetro urbano alto-imperial.
97
Alarcão (1995: 8) utiliza o termo “castreja” para designar o assentamento pré-romano.
228
Figura 5.11. Vestígios da primeira muralha de Conimbriga (I. Doneux, Acervo LARP, 2012).
Figura 5.12. Planta do muro augustano (em pontilhado) e do muro tardio de Conimbriga,
segundo Th. Hauschild (GROS 2002: 46; fig. 30).
229
“obedecendo a um espírito de defesa generalizado durante a primeira e a segunda tetrarquia
a muitas cidades da Gália e da Hispânia” (ALARCÃO 1995: 8) (Figura 5.13).
Figura 5.13. Muralha alto-imperial, construída sobre algumas domus (I. Doneux, Acervo LARP, 2012).
A segunda linha de muralha possui um nítido caráter defensivo e abarca uma área
menor que a anterior (10 ha), a mais naturalmente defensável do planalto, e os pontos vitais
da cidade, reduzindo não apenas a área a defender como os custos e o tempo de construção.
“[A nova muralha abarca] a chegada do aqueduto ao castelo de distribuição de água e o troço
viário que garantia a entrada (Porta de Tomar) e a saída (Porta de Coimbra) no espaço urbano,
tudo o que excedia foi demolido e convertido em material de construção: casas, termas,
anfiteatro e necrópole” (ALARCÃO 1995: 10).
O seu modelo segue o das muralhas que cercavam Roma no reinado do imperador
Aureliano (270-275 d.C.); tinha uma espessura de 4 m em média, com escadas, passeios de
ronda, casamatas anexas e torreões, segundo as informações colocadas no sítio.
“Segundo as crônicas do bispo de Chaves, cinquenta anos depois das invasões, Conimbriga
volta a aparecer como sendo atacada sucessivamente por suevos, o que indica que existia aqui
uma comunidade com importância estratégica tanto para os suevos quanto, logicamente, para os
próprios habitantes” (DE MAN 2010).
A área da cidade que ficou vizinha a essa segunda muralha – especialmente algumas
domus, tabernae e uma terma – foi transformada em cemitério.
6.3. Portas
“Ela era dotada de um cavaedium com êxedras laterais simétricas de um lado e do outro da
via central; esta disposição singular não corresponde a nenhum modelo itálico, apenas a porta da
Arcadia, em Mantinée, com pátio circular, podendo constituir um antecedente formal.
Contrariamente ao que se poderia dizer, de todo modo, o plano adotado em Conimbriga não é o
das portas abertas no fundo de uma cortina com bastiões, do tipo das de Fréjus, de Neuss ou, na
própria Lusitânia, das portas sul e sudeste de Beja (Baixo Alentejo)” (GROS 2002: 45-6).
231
Figura 5.14. Planta Baixa das escavações da Porta alto-imperial de Selium
(gentilmente cedida pelo Dr. Carlos Fabião).
Há também, no sítio, uma segunda porta Selium, mas agora do século III-IV e
instalada na muralha baixo-imperial. Segundo as informações fornecidas no sítio, era uma
das portas principais (Figuras 5.16 a 5.18). “É rodeada por duas imponentes torres
defendendo um duplo portão: à face exterior existiu uma grade que se podia elevar e baixar
segundo as necessidades, correndo em rasgos verticais nos muros (cataracta); no centro da
porta havia um portão de duas folhas, de que se conservam os gonzos metálicos”. Também é
232
possível ver, nas partes danificadas, restos de materiais de construção, inclusive
arquitetônicos, que lhe serviram de enchimento, oriundos das edificações anexas externas.
233
6.4. Malha urbana (rede de ruas e insulae)
Com a construção do grande fórum “flaviano”, delimitado por quatro ruas, criou-se
uma nova dinâmica do espaço ao seu redor.
“Pelas ruas circundantes do fórum passavam todos os eixos significativos da cidade, das suas
entradas para as suas zonas residenciais, a circulação entre os principais monumentos (para além
do fórum, o anfiteatro e as grandes termas) também por aí se fazia. Esta situação levou a que à
sua volta se criassem pequenas praças, onde se encontravam pequenas fontes públicas, latrinas,
etc.” (CORREIA 2009a: 91).
234
As ruas principais, frequentemente porticadas, convergiam para o fórum. Na sua
entrada sul passava a rua principal (o decumanus maximus), que se alargava numa praça na
entrada, onde estava um arco quadrifronte.
Insulae
A rua que liga o centro da cidade, o fórum, às termas é margeada por insulae de
arquitetura modesta. “Foi no período claudiano (41-54) que este bairro artesanal se instalou,
235
no momento em que os notáveis da cidade, integrados na civilização romana ou em vias
disso, adoptaram o tipo itálico da grande domus” (ALARCÃO 1995: 36).
A insula ao norte das termas também é de época claudiana. “Um portal dava acesso a
um pátio porticado e as lojas davam para a rua principal”. Foi identificada uma oficina
artesanal na parte de trás pela existência de tanques (ALARCÃO 1995: 40).
O setor junto ao Aqueduto (Figura 5.16) abriga diversos tipos de edifícios, como
tabernae com comércio diversificado, oficinas associadas a habitações e, aproveitando a
proximidade do aqueduto, um balneário. É neste setor que se encontra o castellum aquae, a
partir do qual é levada água para as termas antoninas.
Com a instalação da muralha alto-imperial, no século I d.C., criou-se uma nova zona
– ou bairro – na cidade, um vicus novus, que se contrapunha à zona “velha”, onde estava o
fórum original (CORREIA 2009b: 399). Ao analisar a arquitetura doméstica de Conimbriga,
Virgílio H. Correia (2011b) destacou a existência, a partir do período flaviano, de uma
arquitetura doméstica que busca seus modelos na arquitetura imperial, e especificamente no
impacto que a domus aurea teve como modelo, como uma arquitetura cenográfica, com
jardins urbanos privados e fontes e tanques na área central. Estas residências se
concentravam no vicus novus, ou seja, a parte intramuros que ampliava a área inicial do
oppidum e, portanto, estaria fora do espaço inicialmente ocupado (CORREIA 2011b: 683).
A Figura 5.17, apesar de ser utilizada por Correia para destacar os criptopórticos existentes,
permite a visão das estruturas das insulae da zona analisada.
Figura 5.17. Distribuição dos criptopórticos no centro de Conimbriga. A, fórum; B, insula do aqueduto; C, Casa
dos Repuxos; D, Tabernae no lado sul da via (a partir de Correia e J. Alarcão 2008).(CORREIA 2011b: 682, fig. 1).
237
Residências da população
Eram casas, do ponto de vista arquitetônico, bastante complexas; visualmente, com seu
jogo de luzes e sombras, espaços abertos e fechados, decoração etc., proporcionavam uma
cenografia “extremamente interessante” (CORREIA 2010b). Eram residências muito grandes,
e como os romanos não costumavam ter suas moradias abertas para o exterior, precisavam
possuir peristilos suplementares, para que pudessem ser arejadas e iluminadas. Na Casa de
Cantaber, por exemplo, há quatro peristilos, cada um deles articulando zonas diferentes da
casa (um social, outro privado, de serviços etc.).
Era uma qualidade de vida muito elevada para uma faixa muito pequena da
população. Pelos cálculos que podem ser realizados a partir dos poucos dados demográficos,
c. de 30% da população era formada por escravos ou pelo setor servil; a classe dominante,
que morava nas grandes domus, nunca teria chegado a 10%. Essas domus poderiam abrigar
até 60 pessoas cada uma, mas apenas quatro ou cinco eram de fato os senhores da casa;
quanto às demais pessoas que deveriam morar e trabalhar ali, o “pessoal de serviço”, não foi
encontrado sequer um espaço próprio de vida para elas, uma zona de habitação reservada (há
zonas de serviço, mas não se identificaram alojamentos) (CORREIA 2010b).
238
apresentam um grande contraste com as primeiras (CORREIA 2010b). A maioria das
habitações eram edifícios compartilhados por diversas unidades habitacionais – senaculla –
compostas por no máximo três cômodos distintos, agregando, normalmente, a moradia com
alguma atividade, fosse ela dedicada ao artesanato ou ao comércio. “Este, de facto, era o
padrão de 40% da habitação e da residência na cidade, e que perfaziam a maior parte dos
edifícios que ocupavam a cidade de Conimbriga” (CORREIA 2010b).
6.5. Termas
Havia uma terma que, com a construção da muralha baixo-imperial, ficou do lado
externo. Como passou por diversos desabamentos, a compreensão de seu funcionamento é
difícil. Mas é possível distinguir diferentes fases construtivas dos seus diferentes espaços, os
mais antigos sendo do século I d.C. Foi identificado claramente um Laconicum, semelhante
ao encontrado em Évora (ALARCÃO 1995: 12-15).
239
Figura 5.19. Axonometria das termas augustanas de Conimbriga (segundo J.-C. Golvin).
Figura 5.20. A monumentalidade das termas antoninas de Conimbriga, na reconstituição de J.-C. Golvin.
241
como uma paulatina transferência para as dependências termais dos debates e socialização
antes praticados nos espaços forenses. A partir do momento em que os fóruns vão se
tornando espaços cada vez menos mundanos e mais sacros, existe a necessidade de
estabelecer novos espaços para a socialização, a convivência e o debate fora do âmbito
religioso estatal.
De todo o modo, podemos afirmar, a partir dos estudos arqueológicos, que a lógica
nessa terma é completamente diferente das termas augustanas. A natatio está na parte
traseira, as zonas aquecidas, no centro, e a palestra tornou-se não apenas mais ampla, mas
sofreu um deslocamento radical e alteração no acesso.
6.6. Fórum
242
centro do espaço urbano augustano, do ponto de vista dos eixos de circulação, em uma área
ligeiramente mais elevada.
A partir dos estudos realizados por Jorge de Alarcão e Robert Étienne (1977), foram
inicialmente estabelecidas duas fases construtivas do fórum: a primeira da época de
Augusto, e a segunda, flaviana. Como veremos mais a frente, Anne Roth Congès (1987)
contesta estas fases e propõe a existência de, na verdade, três fases; Vírgilio Hipólito Correia
(2009a, especialmente, mas também 2009b e 2011b) apresenta uma hipótese alternativa,
ainda pensando em três fases, mas sem contestar a datação do fórum flaviano.
Fórum augustano
Para Virgílio H. Correia (2009a: 90-1), existe um fórum de modelo republicano sob o
edifício monumental, datado da primeira implantação augustana, que permaneceria até o
período cláudio-neroniano, agora com características completamente distintas. Mas as
condições da sua evidência são de difícil reconstituição, criando debate na comunidade
acadêmica (como CONGÈS 1987).
Já a cúria era anexa ao lado norte da basílica, com entrada independente voltada para
a praça. Para Moutinho Alarcão, “a presença da cúria, no topo norte do edifício [basilical],
causa estranheza, já que se destinava à reunião dos notáveis numa época em que, por
definição, o oppidum ainda não entrara nos quadros da vida política romana” (1995: 28). Ou
seja, seria muito mais lógico que a cúria surgisse com a elevação do oppidum a municipium.
243
Apesar de manifestar sua dúvida, não elabora outra proposta para a existência de uma cúria
em fase tão precoce.
Na parte oeste do fórum há uma série de nove tabernae precedidas por um pórtico,
“sugerindo a escavação que a primeira, a contar do lado meridional, vendia cerâmicas”
(ALARCÃO 1995: 28). O pórtico continuava no lado sul da praça central, que era fechado
por um muro onde se abria uma única porta no eixo do templo. Havia bases de monumentos
honoríficos na praça (Figuras 5.21 a 5.23).
244
Figura 5.22. Reconstituição em levação do forum augustano de Conimbriga, na leitura
de J. Alarcão e Étienne (1977) (imagem gentilmente cedida pelo Dr. Carlos Fabião).
O fórum flaviano
245
com uma entrada monumental e com o templo do culto imperial em um nível mais elevado,
ocupando todo o lado norte da praça.
Mas também foi utilizado material importado – mármore verde da Tessália, granito
vermelho do Egito, mármores branco e raiado de negro da península e ardósia do Norte de
Portugal – para a decoração e pavimentação do fórum.
“A dinâmica económica gerada pela construção, quer no sentido do dispêndio evergético, quer
no sentido, economicamente de sentido oposto, de geração de dinâmicas locais próprias, foi
indiscutivelmente um dos elementos importantes do impacto urbano do fórum de Conimbriga”
(CORREIA 2009a: 92).
O fórum flaviano foi construído em dois níveis, o mais baixo formando a praça lajeada
– com bases de estátuas honoríficas e inscrições – cercada em três lados por pórticos,
flanqueados por um passeio descoberto com mesma largura, em nível mais elevado. Na parte
norte se localiza a área do témenos, em um nível mais elevado, com a esplanada sendo
enquadrada por pórticos em Π, fechado para o exterior e dotado de dupla colunata, no mesmo
nível do pódio do templo. Este ficava em posição central na esplanada “e provavelmente foi
dedicado a Marte Augusto, mas todo o espaço em si estava dedicado ao culto da família
imperial no seu todo” (CORREIA 2010b) (Figuras 5.24 e 5.25).
“Assim, ao antigo fórum de tipo republicano sucedeu o fórum de tipo imperial que assegurava a
exaltação da majestade imperial e o triunfo do seu culto. Com efeito, o monumento reduz-se ao
templo e ao recinto sagrado, quer dizer, somente à função político-religiosa: aguarda-se que futuras
246
escavações descubram, noutro ponto da cidade, a basílica e a cúria do município flaviano”
(ALARCÃO 1995: 32).
247
Figura 5.25. Conimbriga, axiometria do
setor monumental “flaviano” (J.
ALARCÃO et alii 1994: 14)
248
Figura 5.26. Módulo arquitetônico (segundo
J. Alarcão e Étienne, 1977 apud Correia
2003) (CORREIA 2009a: 94, fig. 3).
Átrio foral
A entrada do fórum era por um arco quadrifronte no centro do lado sul, com pequenos
templos laterais, e levando ao interior da praça. O templo do lado direito era, provavelmente,
in antis. No lado esquerdo, havia um tanque quadrangular e o outro pequeno templo, elevado
sobre três degraus.
“Uma destas pequenas construções deve ter sido dedicada ao Génio de Conimbriga, pois nesta
zona se encontrou a pequena árula de calcário portando essa dedicatória” (CORREIA 2009a: 93).
249
Praça
Três lados da praça do fórum eram rodeados por um pórtico, com dimensão inferior
ao pórtico do templo. Construído na ordem coríntia, com as bases e os capitéis talhados em
tufo e revestidas com estuque. O ritmo das colunas era repetido pelas pilastras quadradas da
parede dos fundos e suportavam um teto de caixotões decorados com rosetas.
O piso do pórtico se estendia para além da área coberta e era utilizado, segundo
Correia (2009a: 94) como espaço processional. Mas o uso principal do pórtico era como
espaço de convivência e de negócios “em regime diuturno”.
A praça central teria mantido as mesmas dimensões da fase anterior. Era revestida com
lajes de calcário e possuía várias bases de monumentos. No centro do extremo sul da praça, no
eixo central, haveria um altar dedicado ao culto público. Sobre os monumentos honoríficos,
sabemos apenas que eram de dois tipos (pelas plantas de suas bases): bases de estátuas ou de
colunas comemorativas; e de planta em Π, para a colocação de conjuntos epigráficos
(CORREIA 2009a: 94-5).
Templo
Um dos elementos pior conhecidos do fórum é o templo. Situado em uma cota mais
alta, sofreu mais com a erosão da área. Comparando com outros templos forenses, seria
“pseudo-períptero, com as paredes da cela decoradas por meias colunas adossadas, tendo
tido provavelmente quatro colunas na fachada”. Possuía uma escadaria frontal ladeada por
dois grandes blocos de construção, quadrangulares, e que talvez suportassem colunas
(CORREIA 2009a: 95).
O templo era precedido por uma esplanada, cercado em três lados por um porticus
duplex elevado que demarcava um amplo espaço sacro.
A elevação dos pórticos da esplanada sobre um pódio que os coloca no mesmo nível
que a pronaos do próprio templo permite a este último aparecer como uma amplificação
monumental desses pórticos. “Esta fusão é vista, sob uma forma semelhante, mas não
análoga, no Templum Pacis de Roma, onde se observa a mesma correspondência entre o
nível de circulação dos pórticos de enquadramento do templo e o do pódio deste” (GROS
2002: 168-9).
O que é interessante notar nas plantas e reconstruções do fórum “flaviano” é que, por
mais difícil que se pudesse tornar o acesso à esplanada do templo, ainda assim havia acesso; já
para o pórtico duplo, mais elevado, não encontrei nenhum acesso evidenciado.
Criptopórtico
251
basílica com duas naves sobre a qual se abria uma cúria e uma aedes Augusti do tipo
vitruviano” (GROS 2002: 118).
Com a remodelagem completa do fórum (na fase 3, segundo Roth Congès), foi
construído um criptopórtico com três braços, com duas naves, em todo seu circuito do
porticus duplex que enquadrava o templo. Tinha, portanto, um caráter especialmente
decorativo, mas também poderia ter um utilitário, pois pode ter servido de armazém para os
produtos distribuídos nas liturgias (CORREIA 2009a: 96).
“Ele servia de subestrutura dos pórticos do períbolo do templo que a partir de então ocupa o
centro da area; as funções de suporte e de passagem subterrânea que eram ainda as do
criptopórtico do início do Principado são substituídas por uma necessidade puramente
arquitetônica, a da elevação do guarda-joias monumental da área sacra (Figura 5.27)” (GROS
2002: 118).
Suas colunas eram talhadas em tufo e o teto era de madeira. Correia não acredita que
o criptopórtico era abobadado. O acesso ao criptopórtico era feito por pequenas portas
(CORREIA 2009a: 96-7).
252
Ordem arquitetônica e decoração
Todo o fórum adotou a ordem coríntia. Quanto ao templo, seu alçado seria de 30 pés
de altura (c. 18 m), as grandes colunas com quase 9 m e os capitéis, com pouco mais de 1 m.
Bases, fustes e capitéis foram talhados em calcário local, como também o restante do
entablamento. Não sabemos se o friso do templo era ou não esculpido. “Da cornija, recuperou-
se na escavação um elemento que incluía uma gárgula em forma de cabeça de leão”
(CORREIA 2009a: 97). Pelo menos o templo passou por uma importante fase de reparação.
“Assente sobre o criptopórtico, o pórtico do templo era o de menor escala e aquele em que a
técnica de construção fez recurso às soluções mais económicas, sendo as colunas construídas
com tijolos e posteriormente estucadas. Esta era uma técnica muito comum na cidade, sendo a
solução dominante nas residências privadas” (CORREIA 2009a: 97).
O pórtico da praça, que tinha maior frequentação pública, era tecnicamente mais
simples, mas de maior dimensão e número de colunas. Estas tinham bases áticas, talhadas
em calcário local; fustes canelados, talhados em tufo, com tambores obrigatoriamente pouco
espessos, e revestidos com argamassa e estuque (CORREIA 2009a: 97).
Os capitéis também eram de calcário local, bem esculpidos: “as folhas de acanto são
esculpidas com grande ênfase plástica” (Figura 5.28). Os entablamentos eram, nesta zona do
fórum, bastante simples.
253
Pelo pouco que sobreviveu, sabemos que as paredes externas do criptopórtico
possuíam grandes painéis amarelos, divididos por faixas verde-água realçadas por filetes
brancos. Estes painéis assentavam sobre um soco azul muito escuro. Essas pinturas foram
sobre-rebocadas na fase de remodelação do fórum (CORREIA 2009a: 98).
(Deo Marti?) Neto (?) Valerius Avitus /M(arcus) Turranius Sulpici(anus) / de vico
Baedoro / gentis Pinto(num/)
Tradução: “Para o deus Marte Neto, Valério Ávito [e] Marco Turrânio Sulpiciano
oriundos do vico Baedoro do povo dos Píntones [oferecem]” (tradução da autora).
Turranii e Valerii são duas famílias dominantes na cidade ao longo do Alto Império;
os Valerii provavelmente tinham origem libertina (CORREIA 2009b: 399). O vicus Baedoro
pertenceria à gens dos Píntones ou Pintônicos (CORREIA; DE MAN 2010: 300-1).
“Sabemos que este [sic] cultos gentílicos foram importantes numa fase antiga de organização da
civitas, sobretudo pelo facto de que as próprias estruturas gentilitárias eram importantes do ponto
de vista social e político, mas também económico: a propriedade gentilitária desempenhava um
papel muito significativo na estruturação das sociedades indígenas desta região, como demonstra a
expropriação das propriedades comunitárias de Talabriga por Décimo Junio Bruto em 136 a.C.
(Apiano, Eber., 73); esta fórmula de propriedade comunitária parece ter sobrevivido plenamente
dentro do período imperial, razão pela qual é possível que a identificação gentilitária dos habitantes
de Conimbriga na época de Augusto, mais do que mera afirmação identitária, correspondesse de
facto a uma declaração de facto da organização opidana na sequência da contributio de que a
cidade deve ter beneficiado. É portanto possível que o vicus Baedoro mencionado na inscrição
254
fosse um vicus urbano, forma divisionária da cidade em época de urbanização embrionária, e não
uma povoação dos arredores)” (CORREIA 2009a: 99).
Há, pelo menos, mais duas menções epigráficas ao culto de Marte Augusto em
Conimbriga: Fouilles de Conimbriga II, nº 14 e 11 (respectivamentes, Figuras 5.29 e 5.30).
Figura 5.29. Tarifa sacrificial com Figura 5.30. Altar dedicado a Mars
menção à área dedicada a Marte, MMC Augustus, MMC inv. A43 (@MMC)
inv. 73.1 (@MMC) (CORREIA 2009a: (CORREIA 2009a: 100; fig. 9).
101; fig. 11).
255
Para Correia, o grande fórum “flaviano” era um grande témenos dedicado ao culto
imperial, substituindo o fórum cívico anterior. “Esta emulação é, evidentemente, feita por
intermediação da capital provincial, quer nos aspectos propriamente cultuais, quer nos
aspectos urbanísticos mais gerais” (CORREIA 2009a: 100).
O complexo forense foi muito bem escavado por uma equipe luso-francesa e as
pesquisas buscaram recuperar a dinâmica da ocupação desse espaço. O fórum considerado
mais antigo por Jorge de Alarcão e Étienne (1977), augustano, possui uma configuração
insólita. Para esses autores, havia uma regularidade urbanística, mas não como nas colônias
256
itálicas ou em Emerita Augusta. Provavelmente, isto teria a ver com o povoado indígena
previamente existente. Nas Figuras 5.24 e 5.25, acima, vimos a estrutura mais recente, sendo
que a mais antiga, considerada da época de Augusto (Figuras 5.21 e 5.22, mais acima ainda),
se conservou apenas parcialmente: o templo no topo norte, dedicado aos cultos
institucionais; associado a ele, uma área de criptopórticos; uma grande praça; tabernae no
lado oeste; e, a leste, uma basílica com três naves associada a uma cúria.
257
Figura 5.31. Os dois fora de Conimbriga, na leitura de J. Alarcão e Étienne (1977)
(gentilmente cedida pelo Dr. Carlos Fabião).
Anne Roth Congès (1987) propôs uma reinterpretação dos dados levantados por Jorge
de Alarcão e Robert Étienne, e acrescentou um dado novo: o fórum de Aeminium (Coimbra).
258
Figura 5.33. Fórum de Conimbriga no
período flaviano, com o acréscimo da
basílica e da cúria (CARVALHO 1998:
193, planta 13).
Um dos pontos mais controversos teria a ver com o suposto “bairro indígena”, que
teria deslocado o templo para oriente. Não há, nas práticas romanas, esse suposto respeito a
estruturas indígenas. Além do mais, se observarmos a imagem das escavações (Figura 5.34),
podemos perceber claramente estruturas indígenas sob os pórticos e ao lado do templo, o
que estabelece uma cronologia mais antiga que o fórum para o “bairro indígena”; sem falar
que as estruturas existentes atrás do fórum são augustanas também. Então, não há qualquer
elemento que indique um “respeito” às estruturas pré-existentes; muito pelo contrário.
259
Figura 5.34. Vista aérea das escavações na área do fórum de Conimbriga
(gentilmente cedida pelo Dr. Carlos Fabião).
260
Figura 5.35. Primeira fase do fórum de
Aeminium (Coimbra) (CARVALHO 1998:
193, planta 14).
Virgílio Hipólito Correia (2009b, 2011a) afirma que não há qualquer dado que possa
refutar a cronologia flaviana do fórum imperial de Conimbriga. Entretanto, com relação ao
fórum augustano, ele concorda que houve duas fases construtivas, como proposto por Roth
261
Congès. “O programa urbano flaviano é contemporâneo da concessão do direito latino às
cidades hispânicas”, afirma, impossibilitando uma alteração da data de construção do fórum
flaviano (CORREIA 2009b: 398-9). A interpretação mais adequada seria, então, um ponto
mediano, pois “não é possível atribuir à época flaviana toda a edilícia pós-augustana de
Conimbriga” (CORREIA 2011a).
Dessa forma, houve uma primeira fase, com a construção do fórum republicano, com
uma basílica de duas naves e o aedes no lado norte e, no lado oeste, tabernae com pórtico.
Na segunda fase, do reinado de Cláudio ou no de Nero, foi acrescentada a basílica de três
naves no lado leste, juntamente com a cúria a norte.
“Parece evidente que a cidade teve de criar, noutra zona do seu perímetro urbano, [...] uma outra
área monumental que recebesse as funções administrativas, judiciárias e comerciais que foram
exiladas do fórum central na sua exclusiva rededicação ao culto imperial” (CORREIA 2009b: 399).
Esse fórum municipal pós-flaviano estaria localizado no vicus novus, uma área
“nova” com relação ao antigo oppidum e que se contrapunha a esta, o vicus vetus.
“A nossa proposta é de que a transferência se faz para um espaço regido pelo mesmo eixo
principal [de circulação] e que, se não goza do privilégio da centralidade, tem ainda uma posição
de excepção, na imediata vizinhança das residências de maior prestígio da cidade. Este espaço
está localizado à margem da via decumana, numa insula previamente desocupada, de que apenas
a margem faceira à via tinha, desde um primeiro momento, sido ocupada por um edifício
comercial e artesanal” (CORREIA 2009b: 400).
Figura 5.36.
Conimbriga. Urbanismo
post-flaviano. Assinalada
a localização proposta
para o fórum municipal
pós-flaviano (CORREIA
2009b: 405, fig. 3).
263
Com o advento do cristianismo, o fórum foi abandonado. Em ruínas, alguns séculos
mais tarde, o local foi utilizado como cemitério. Posteriormente, o espaço foi utilizado como
campo agrícola e as estruturas edilícias sobreviventes foram saqueadas para a utilização
como material de construção, especialmente após o incêndio da vizinha Condeixa-a-Velha
pelas tropas do general francês Massena (CORREIA 2009a: 90). Ou seja, o fórum de
Conimbriga passou por todas as etapas comuns de destruição típicas de qualquer ruína
romana, sem esquecer a etapa final, arqueológica, de escavação e musealização.
7. Reconstruções de Conimbriga
Como já foi dito, Conimbriga foi objeto de uma política de exaltação salazarista que
até hoje mantém seus ecos. Os pseudo-estudos realizados ao longo do tempo só foram
superados a partir da década de 1960, quando uma vultosa campanha de escavações e
pesquisas evidenciou estruturas fundamentais.
264
Figura 5.37. Desenho reconstituindo o municipium de Conimbriga no século III d.C. (GOLVIN 2005: 146-7).
265
A reconstituição de Conimbriga apresentada abaixo (Figura 5.39) é a que Carlos
Fabião (2013) considera eticamente correta, pois aquilo que está representado é apenas o
que foi objeto de escavação. Estão em branco todas as áreas que não foram objeto de
escavação. Mas, para o grande público, uma representação com espaços em branco pode
causar um horror vacui, devendo ser preenchido de casas e outras estruturas representativas
do espaço urbano, embora efetivamente, em termos reais, não se saiba o que havia.
266
Figura 5.40. Reconstituiçãográfica da porta alto-imperial de Conimbriga [Schattner, T.G.; Valdés Fernández,
F. (eds.) Puertas de ciudades. Tipo Arquitectónico y forma artística. DAI/DPT : 2006]
Uma reconstituição como a Figura 5.41, abaixo, também é baseada apenas nas
escavações arqueológicas, mas agrada ao público comum, pois mostra a escala humana
inserida no contexto, os diferentes usos possíveis do espaço, sem especular sobre elementos
dos quais não há informações. Mantém um alçado verossímil, facilitando a visualização,
mas sem colocar telhados, ordens, decorações etc.
267
Figura 5.41. Planta axonométrica da insula do “vaso fálico” (4ª fase) e da insula a norte das termas (1ª fase)
(ALARCÃO 1995: 38-9).
268
Figura 5.42. Maquete do fórum flaviano de Conimbriga (I. Doneux, acervo LARP 2012).
Mas a reconstituições não se limitam aos museus e livros, ou ao mundo virtual. São
realizadas in situ, chamadas de conservação e musealização. Dependem não apenas da correta
interpretação dos vestígios, como também da escolha de um momento cronológico que será
congelado aos visitantes. Provavelmente muitas das estruturas montadas visam proteger e
preservar os vestígios; mas muitas das intervenções podem impedir novos trabalhos de
pesquisa. Foi o que vimos no item 2, “a situação do sítio arqueológico”. Abaixo, outros
exemplos, agora depois das escavações da década de 1960 (Figuras 5.43 a 5.46).
Figura 5.43. Fórum flaviano de Conimbriga (I. Doneux, acervo LARP 2012).
269
Figura 5.44. Palestra das Termas Antoninas de Conimbriga (I. Doneux, acervo LARP 2012).
Figura 5.45. Palestra das Termas Antoninas de Conimbriga anexa à muralha (Vale dos Mouros)
(I. Doneux, acervo LARP 2012).
270
Figura 5.46. Atrium da Casa dos Repuxos de Conimbriga
(I. Doneux, acervo LARP 2012).
271
272
Colonia Augusta Emerita
“Em consequência de longos séculos de negligência e relativa obscuridade em uma das partes
da Espanha menos conhecidas, a pequena cidade de Mérida preservou muitos traços de uma das
mais importantes cidades da Península nos períodos romano, visigodo e islâmico inicial”
(COLLINS 1998: 185).
“Era uma região pouco romanizada, em meio a vetões, túrdulos e lusitanos que ocupavam,
desde então, o extremo ocidental da Península” (MATEOS CRUZ, s/d).
273
“Pensamos que o antigo eixo viário que unia Emerita com a zona meridional foi tomado
como elemento fundamental na hora de estabelecer a grande centuriação ao sul da colônia
emeritense, considerando-se a via como um cardo” (JIMÉNEZ e DÁMASO 2001: 341).
A cidade também teve uma das primeiras comunidades cristãs da Espanha, e seus
bispos metropolitanos tinham autoridade sobre a província da Lusitânia e, até o crescimento
de Braga, no final do século VI, também sobre grande parte da Galícia. Na metade do século
V, tornou-se o principal centro real do reino suevo (a partir de 442), até ser dominado pelos
visigodos, em 456.
274
Figura 6.1. Planta esquemática de Augusta Emerita com as principais estruturas urbanas do interior do
perímetro amuralhado e do suburbium (MATEOS CRUZ 2004: 29, fig. 11).
“A destruição deliberada da maioria dessas casas tem sido associada com o período islâmico
inicial, após um intervalo de abandono, quando foram construídas novas residências no século
IX. Nesta mesma época, está claro, como registram os historiadores árabes, as muralhas romanas
da cidade foram deliberadamente afinadas, com trechos dela sendo demolidas, quase certamente
na época da construção da Alcazaba, em 835. Esta muralha foi apressadamente reconstruída em
um período posterior, provavelmente quando a ameaça da conquista castelhana cresceu, na época
dos Almohads” (COLLINS 1998: 198).
Necrópole romana
No lado oriental da ponte, quase na metade do rio, uma abertura leva à pequena ilha
na qual a seção principal está ancorada, e ali alguns vestígios de construção romana podem
ser vistos na sua margem.
“Isto costuma ser entendido como o sítio de uma pequena doca formando o porto fluvial da
cidade. Entretanto, pesquisas recentes mostraram que o Guadiana não é navegável rio abaixo até
sua foz no Atlântico, e é altamente improvável que qualquer comércio significativo ligado à cidade
fosse via rio. O trabalho em pedra provavelmente era parte de um dique/barragem ao redor da ilha
para prevenir sua erosão pelo rio” (COLLINS 1998: 187).
Aquedutos
277
“Apenas uma pequena seção do aqueduto, consistindo de dez arcos, continua de pé, mas é
muito impressionante no uso de uma arcada dupla e o intercalamento dos tijolos vermelhos nas
fileiras de cantaria. Já foi até mesmo sugerido, não de forma muito convincente, que estas duas
características foram deliberadamente copiadas pelos construtores da Grande Mesquita de
Córdoba” (COLLINS 1998: 195).
Lago de Proserpina
Muralha
“Os situados próximos ao rio Anas e na área do Anfiteatro são redondos e quadrados, datados
de época augusta; já as torres encontradas nas ruas José Ramón Melida e Calvo Sotelo (na atual
trama urbana da cidade de Mérida) e a que corresponderia a entrada principal da colonia,
apresentam uma planta arredondada” (BORGES 2010: 99-100).
Teatro
O teatro romano de Augusta Emerita foi inaugurado no ano 16-15 a.C., doado por
Marco Agripa, para comemorar a criação da província da Lusitania. Passou por sucessivas
remodelações visando seu embelezamento ao longo do século I d.C. É considerado o
melhor exemplo de seu tipo encontrado na Europa Ocidental e o mais importante da
Península (Figura 6.3).
278
Figura 6.3. O teatro de Augusta
Emerita (Mérida) e a porticus post
scaenam (GROS 2002: 292 fig. 345).
Uma inscrição, ao lado do palco, indica que o patrono original do teatro foi Agripa,
mas o estilo de grande parte do entalhe na scaenae frons indica que uma grande restauração
e renovação foram realizadas no século II, provavelmente sob os Antoninos. Há registro de
outra grande renovação ocorrida em 333-5, no reinado de Constantino I. A arquibancada do
teatro e o sistema de vomitoria ou passagens que propiciavam acesso ao redor do perímetro
e das fileiras de assentos também estão bem preservados.
Do outro lado da scaenae frons havia uma passagem colunada, ao redor de uma fonte
ornamental central que foi recriada atualmente.
279
É considerado, por Pierre Gros, um teatro “clássico” e figura entre os melhor
conservados ou conhecidos. Os teatros “clássicos – de Tarragona, Sagunto, Bilbilis,
Segobriga e Clunia, na Tarraconense; de Italica e Baelo Claudia, na Bética; e o de Mérida
(Augusta Emerita), na Lusitânia – pertencem a uma série que pode ser considerada como
coerente, além das variantes devidas ao modo de implantação (adossamento da cavea ao
relevo natural ou alicerces artificiais), às dimensões e aos arranjos internos. Quaisquer que
sejam também as diferenças observáveis no detalhe de sua ornamentação, devido à distância
cronológica separando os exemplares mais antigos dos mais recentes, pois essas construções
se espalham em mais de dois séculos” (GROS 2002: 293-4).
Para Pierre Gros, os teatros provinciais são tributários, com pequenas variações,
tanto do Teatro de Pompeu quanto do de Marcelo. “A influência do grande complexo do
Campo de Marte é sentida, sobretudo, no acréscimo ao edifício teatral ou à sua vizinhança
imediata de monumentos que ampliam sua significação”: templos, aedes, estátuas e
inscrições. “Quanto ao teatro de Mérida, ele foi dotado, ainda na época de Augusto, de um
tipo de capela interna, consagrada aos filhos adotivos do Princeps, construído na parte baixa
de sua cavea”. Eram difusores do culto dinástico e imperial, desde praticamente as suas
implantações (GROS 2002: 295).
Assim, a implantação do teatro logo nos primeiros anos de fundação da colônia não
podia ser mais do que esperada (Figuras 6.4 e 6.5).
280
Figura 6.4. Teatro de Augusta Emerita e
estátuas imperiais da scaenae frons: a,
(Cláudio?) Tipo Júpiter. b e c, Estátuas
com couraça militar (Britânico e Nero?),
época júlio-cláudia (Foto: MNAR, C.
López) (DUPRÉ RAVENTÓS 2004:
Lâmina IX).
Anfiteatro
Em Mérida, o anfiteatro está localizado ao lado do teatro, o que não era usual.
Juntamente com o circo, estas três estruturas formavam “o que era virtualmente um distrito
281
de entretenimento público da cidade” (COLLINS 1998: 189). O anfiteatro é outro bem
preservado exemplo de seu tipo (Figura 6.6).
Foi construído em 8 a.C., como evidenciado por uma série de inscrições que se
referem a Augusto em seu décimo primeiro consulado e décimo sexto ano de poder
tribunício. A tribuna do presidente dos jogos pode ser vista no lado oriental, e possui um dos
três exemplos sobreviventes dessas inscrições gravadas nela. As passagens ao redor e abaixo
dos assentos estão muito bem preservadas. Das três seções da cavea, apenas a superior (a
summa cavea) está em grande parte perdida. No centro do piso da arena um espaço
retangular (com mais de 5 m de profundidade) formava a seção oculta na qual os animais e
os homens que participariam dos espetáculos ficavam antes de aparecer.
Esses anfiteatros escavados no solo são majoritários até os anos 60 d.C., tanto na
Itália como nas províncias ocidentais. Mas essa fórmula construtiva, que dependia das
características físicas do local, limitava a dimensão da cavea, pois as arquibancadas não
podiam ser muito altas, sob o risco de compressão ou deslizamento de terra. Ou seja, não
permitia a monumentalização do anfiteatro (GROS 2002: 379-80).
O anfiteatro de Mérida (Figura 6.7) parece ter possuído, desde suas fases iniciais,
bacias rasas destinadas às naumaquias, pois o aqueduto de alimentação e os esgotos de
evacuação são facilmente identificáveis.
Circus
283
“Escavações começaram em 1920 e culminaram em 1982, trazendo a luz grande parte dos
suportes de pedra dos assentos ao longo do lado norte e do curvo lado leste. No limite oriental há
um muro externo que circula, pelo lado de trás, os assentos, criando uma fachada para a
estrutura, decorada com uma série de pilastras regularmente colocadas. É fácil ver o desenho da
pista e sua spina” (COLLINS 1998: 197).
“O nome de Constantino foi, entretanto, apagado dela, depois de sua morte na batalha com
seu irmão Constancio (337-50), cujo próprio nome foi depois raspado quando foi destronado por
Magnêncio (350-3). A inscrição torna claro que a restauração envolveu a criação de uma nova
fachada para a parte externa do edifício, a reconstrução de toda ou parte dos carceres (baias de
partida para as corridas) e a construção de um novo euripus (uma marca que circunda a parte
externa da pista) para substituir uma anterior barreira entre os espectadores e as corridas”
(COLLINS 1998: 197).
Figura 6.8. Fotografia aérea do circus romano de Mérida (gentilmente cedida pelo Dr. Carlos Fabião).
98
“Hipódromo” é o nome grego. Como visto no capítulo 3, há uma diferença fundamental entre os hipódromos
e os circos romanos: o foco da atenção.
284
Figura 6.9. Planta do Circo de Mérida a partir de um documento do Museo Nacional de Arte Romano
[MNAR] (Mérida) e J. Humphrey (GROS 2002: 352, fig. 409).
No lado menor curvo foi evidenciado um grande muro, separado das subestruturas
ritmadas por um corredor com cerca de 1,20m que formava a fachada do edifício e era
animado por pilastras engajadas. “Ele delimitava, sem dúvida voltado para o interior, um
estreito ambulacro, mas sua contemporaneidade com a parte interna do edifício não é
segura”.
Domus do Anfiteatro
A villa do Anfiteatro recebeu este nome moderno por causa de sua localização, mas
não há qualquer outra relação entre as duas estruturas. É a maior villa urbana encontrada na
cidade e é notável pela sua coleção de mosaicos. Datada do final do século I d.C., sofreu um
conserto no final do século II ou início do III. A villa possui, também, um complexo termal
(com hipocaustos indicando o caldarium e banheiras de imersão). É possível ver, em toda a
villa, vestígios do seu sistema de fornecimento de água (COLLINS 1998: 191-2)
285
“A villa deve ter sido abandonada no final do século III, possivelmente como o resultado de
destruição. Ela se localiza fora da linha das muralhas então construídas, e a área foi
subsequentemente utilizada como um cemitério” (COLLINS 1998: 192).
Há outras villae estudadas, como a Casa do Mitreu (o Mitreu, mesmo, nunca foi
encontrado), do século I d.C., também com decoração em mosaico de grande qualidade,
especialmente o do triclinium, “o soberbo mosaico cosmográfico que cobria o piso do
triclinium (o cômodo é mantido fechado para preservá-lo). Embora tenha sofrido
consideráveis danos, ainda é um dos mais belos mosaicos romanos encontrados na Europa
Ocidental. Ele representa uma série de divindades celestes, terrestres e aquáticas em seus
respectivos elementos, cada uma delas etiquetada claramente” (COLLINS 1998: 193), e é
elaborado com extrema perícia, utilizando diminutas tésseras de ricas e diversas cores,
especialmente azuis e dourados. “É claramente o trabalho de artesãos com mais do que uma
habilidade provincial (i.e., eles devem ter sido especialmente trazidos, possivelmente do
Norte da África ou da Itália) e de patrões com consideráveis recursos financeiros”
(COLLINS 1998: 193). Não há um consenso sobre sua data, mas é mais provável que seja
do século III.
Fóruns
Logo após a instalação dos serviços essenciais, como o aqueduto, foram instalados os
monumentos fundamentais à administração municipal e provincial, os fóruns.
286
Figura 6.10. Plano da colônia facilitado pelo Consorcio de la Ciudad Monumental com a inserção das
duas zonas identificadas como: 1) Forum Coloniae: A) Complexo do Templo de culto imperial, B)
Recinto do hipotético Augusteum, C) Edifícios a oeste do Kardo maximus e 2)Foum Prouinciae: A)
Complexo do templo de Culto provincial, B) Zona de achados variados em relação com a anterior,
segundo Álvarez-Nogales 2003, desenho de 2002 (NOGALES e ÁLVAREZ 2009: 239, fig. 2).
Fórum Municipal
Figura 6.12. Forum Coloniae de Mérida (em Álvarez-Nogales, 2003) (REIS 2009: 296, fig. 4).
288
frontão principal assemelha-se à do templo de César Divinizado, no Fórum Romano. Possui
planta retangular: 31,80 m de comprimento (40,75 m, incluindo todo o pódio e as escadas) e
21,90 m de largura. O podium tem 3,23 m de altura, os lados maiores com 11 colunas. A cella
foi transformada em dependências do palácio.
“O templo ocupava o centro de uma área sagrada, ajardinada, parte de cuja planta foi possível
reconstituir. O espaço contava com dois tanques paralelos, alimentados por canaletas construídas
em alvenaria, cobertas com tegulae no lado norte do podium. Ambos os tanques possuíam um
pedestal de estátua e se podia entrar neles por uma escada lateral. O podium, que tem em sua rota
uma pequena escada que salva o desnível entre os dois espaços, sofreu várias reformas. Uma
delas incorporou uma estrutura, em forma de êxedra, possivelmente utilizada para suportar uma
ara” (MATEOS CRUZ, s/d).
Apesar dos vários estudos, ainda não se definiram bem as funções do pórtico anexo ao
templo. Deveria ser o limite oriental do fórum e abrigaria diversas construções dedicadas a
funções cultuais. Os vestígios escavados permitem reconstituir um edifício porticado,
composto por um muro de fechamento posterior, com ornamentos para abrigar estátuas,
encontradas no local, e possui um ático sobre colunas decorado com cariátides e clípeos. É de
época júlio-claudiana, relacionado ao momento de marmorização dos edifícios públicos
emeritenses. Este edifício situava-se em uma galeria porticada com capitéis coríntios na
fachada exterior, com grandes clípeos com Medusa e Júpiter Amôn, separados por cariátides
(conservados no Museo Nacional de Arte Romano).
289
Figura 6.13. Grupo escultório de Enéas,
época Cláudia, encontrado no Fórum
Municipal e sua reconstituição: a)
Estátua de Ascânio, b) Fragmento da
estátua de Enéias e c) Fragmento da
estátua de Anquises (Fotos: MNAR, C.
López, segundo desenho de W.
Trillmich e T. Nogales) (DUPRÉ
RAVENTÓS 2004: 122, fig. 61).
290
Fórum Provincial
Era delimitado por construções porticadas, das quais faz parte o conhecido “Arco de
Trajano”, cuja interpretação correta seria da porta de acesso ao próprio fórum provincial.
Pelos vestígios monumentais encontrados, haveria um segundo templo dedicado ao culto
imperial, mas neste caso de âmbito provincial. Foi descoberto um pódio de granito
correspondente a um templo revestido de lajes de mármore e de proporções monumentais.
291
Por volta da metade do século d.C. têm início as obras de marmorização do Fórum
Provincial, em época Cláudia, período de crescimento econômico em toda a Hispania
romana.
292
Ebora Liberalitas Iulia
Conventus Pacensis
293
Figura 7.2. Templo de Évora (I. Doneux; acervo LARP, 2012).
294
O pódio possui estrutura de opus caementicium revestido por um paramento pétreo.
“É possível perceber claramente as diversas camadas de betão, mostrando que o enchimento era
feito em diversos terraços sobrepostos (como se faz ainda hoje), sendo tudo coroado por um
pavimento que escondia a estrutura de betão, e com paramento exterior pétreo com silhar de grande
dimensão, especialmente nas quinas, que necessitam de maior reforça. O pódio era inteiramente
rebicado com uma argamassa de opus signinum, isto é, uma argamassa de cal que utilizava como
inertes cerâmica triturada; depois, a superfície era rebocada e pintada” (FABIÃO 2013b).
Descobriu-se que havia um tanque de água que envolvia o templo em três dos seus
lados e a praça do recinto do templo era margeada por pórticos apoiados em criptopórtico
(Figura 7.4).
295
Hauschild (2009) apresenta três observações a respeito das construções do fórum. A
primeira foi sobre a interpretação do muro estruturado por pilastras, situado a sul do templo.
O tanque, encostado aos alicerces do templo, é posterior a ele. “Os tanques de água
junto ao templo tinham, como muitas vezes é referido, além do efeito estético de espelho,
uma importância na interpretação do culto”. Luni, na Itália, apresenta um exemplo idêntico e
coetâneo, e é modelo a fonte do templo de Venus Genetrix, no Fórum de César (Roma)
(HAUSCHILD 2009: 28).
Numa fase posterior, foi acrescentada ao muro diante do templo de Mérida uma
êxedra. Já o de Évora, em uma segunda fase, recebeu um revestimento com grandes placas
de mármore, datado através de uma moeda de Cláudio dos anos 41-42 e também da
cerâmica de época flávia.
296
Assim, a marmorização do fórum de Évora ocorreu entre 42 d.C. e a época flaviana,
mais recentemente que a do teatro de Lisboa (época de Nero). Também os capitéis e as bases
das colunas do templo são de mármore, de época anterior à flávia. Seguia o esquema de
fórum cercado com a sacralização do espaço central da cidade, ou seja, sendo a praça do
fórum separada do recinto sagrado do templo.
Duas portas se abriam entre os pórticos, nos limites da mureta com pilastras (sendo
que a na direção sul foi identificada arqueologicamente). Desse modo, projetando
simetricamente, a largura da praça teria, na área diante do templo, 35,44 m, exatamente 1
actus romano, que são 120 pés (Figura 7.6). Os furos redondos no pavimento são de época
islâmica ou medieval, indicando silos. Já as formas retangulares pertencem, possivelmente, a
aprofundamentos para bases de inscrições ou estátuas (Figura 7.7).
297
Figura 7.6. Évora. Desenho de restituição do templo e do muro de separação entre a praça do fórum e o recinto
do Templo (p. Fialho e L. M. Cotrim Mateus) (HAUSCHILD 2009: 31, fig. 3b).
298
Foram encontrados fragmentos de esculturas, inscrições e capitéis no templo e na
área ao redor. Um desses fragmentos escultóricos é uma mão segurando uma pyxis,
encontrado junto ao templo. “Acontece que em várias cidades foram encontrados
fragmentos de uma mão com pyxis que falam de uma certa uniformidade deste tipo
escultórico nos foros da Lusitânia” (HAUSCHILD 2009: 31). Pelos fragmentos de mármore
de época visigoda, o templo foi transformado em igreja cristã.
“A utilização desta zona como cemitério, limitado por um muro, dava uma constante subida
do terreno de aproximadamente 1,50 m de altura sobre o nível do pavimento da praça romana.
Podemos apreciar esta situação no lugar diante da porta norte da Sé, cujo umbral foi colocado no
século XII, seguramente no mesmo nível da praça do foro e que é, hoje em dia, bastante abaixo
em comparação ao nível da rua” (HAUSCHILD 2009: 32).
Neste local, está muito provavelmente o muro limite leste da praça forense (Figura
7.8). Toda a área do fórum era pavimentada com placas de mármore. Pode ter havido um
criptopórtico no limite sul da praça. A extensão total norte-sul da praça forense é de 60,95
m, ou 2 actus romanos, o que dá à praça uma proporção de 1:2.
Supõe-se que a basílica estaria no lado sul da praça, a sul do atual Museu, baseado no
achado de um grande capitel jônico (reutilizado numa sepultura medieval). E também se
supõe a possibilidade da existência de pórticos laterais e uma série de edifícios ou salas,
como a cúria, o comitium e tabernae, no lado oeste da praça, entre o recinto do templo até o
museu.
299
Figura 7.8. Évora. Planta da zona do
Museu e da Sé (A. Gonçalves, 1997)
(HAUSCHILD 2009: 33, fig. 5).
Com base em fotografias aéreas, Vasco Mantas (Mantas, V.G., 1986, p. 17-2499)
concluiu que a cidade tinha uma rede de ruas em forma ortogonal, como confirmam os
edifícios das termas e também as casas junto a uma rua localizada debaixo da muralha de
época tardia romana. O que também leva a crer que a cidade tinha uma extensão maior no
Alto Império.
99
Hauschild não cita o artigo de Vasco Gil Mantas, apenas a referência da obra onde se encontra: Actas do I
Encontro Nacional de Arqueologia Urbana, Lisboa.
300
“As suas origens devem remontar ao século III/IV, mas grande parte da estrutura actual é o
resultado de obras posteriores, como a reconstrução no início do século X, em plena época
islâmica. O seu perímetro é de aproximadamente 1200 metros e abrange uma área de cerca de 10
ha. Era protegida por várias torres e teve quatro portas, dispostas segundo os eixos cardiais”
(Câmara de Évora).
Figura 7.9. Évora. Colina da cidade com curvas de nível e situação do Fórum e da Muralha (Hauschild)
(HAUSCHILD 2009: 34, fig. 7).
301
Figura 7.10. Vestígios do programa decorativo e iconográfico do Fórum de Ebora. Decoração arquitetônica:
friso, cornija, capitéis (a partir de GONÇALVES e SARANTOPOULOS 2009: 43).
Figura 7.11. Vestígios do programa decorativo e iconográfico do Fórum de Ebora. Estátuas (a partir de
GONÇALVES e SARANTOPOULOS 2009: 43).
302
efeito mais simbólico do que real, prático). Assim, nada se oporia ao início da Idade de
Ouro.
Com Augusto, as imagens públicas dos fóruns passaram a ter uma carga política
programada, com a promoção dos novos valores ideológicos imperiais. Foi traçada uma
associação entre a gens Iulia e um passado heroico divinizado, a promoção do Princeps e de
sua família a sua estreita associação ao próprio Império. Exaltou-se, também, a Pax
Romana, mas sempre tendo em mente o poder de subjugar os inimigos através da força, a
abundância e a glorificação do triunfo e da missão de domínio romana, que podia ser
clemente com os que se submetiam, mas implacável com os que se revoltavam.
E concluem:
“Este parece ser o modelo iconográfico de outras cidades da Lusitânia Ocidental, casos de
Conimbriga, Aeminium, Pax Iulia e Salacia, onde os vestígios dos programas iconográficos nos
fazem remeter para o mesmo tipo de discurso ideológico”.
303
Para Carlos Fabião:
“São, Évora e Emerita Augusta, dois modelos muito semelhantes (o de Mérida, obviamente,
sendo maior) e também semelhantes na organização: pórtico, tanques d’água, além da linha da
fachada e o pavimento da praça diante do templo. Podemos supor, portanto, que havia uma
interação entre quem construía e planificava um e outro; são os mesmos agentes que estavam a
atuar. Não podemos esquecer que os complexos forenses não eram áreas abertas, mas fechados e
com portas de acesso” (FABIÃO 2013b).
304
Bobadela, Oliveira do Hospital
Conventus Scalabitanus
Fórum
O bairro do fórum inclui o próprio fórum (cujo “Arco de Bobadela” era uma das
entradas), o anfiteatro e uma insula a norte (Figura 8.1).
305
Figura 8.1. Localização e esquemática do Anfiteatro e do Fórum de Bobadela (FRADE 2009: 49, fig. 1).
306
Figura 8.2. Estruturas escavadas no Fórum de Bobadela (FRADE 2009: 51, fig. 2).
A basílica situava-se na parte Norte do fórum (8.2B), mas há poucos vestígios dos
seus elementos constitutivos; deve ter existido ao menos uma colunata. Foi encontrada uma
zona delimitada por tijoleiras (B*) onde foi encontrada uma ponta de lança de bronze,
interpretada como uma oferenda fundacional. Também há vestígios de pedestais de estátua
honorífica ou inscrição (8.2C e 8.2C’).
A estrutura 8.2D, com 3,25 m de largura (11 pés) e 6,50 m de comprimento (22 pés),
com orientação Leste-Oeste, foi interpretada como as fundações de um pequeno templo in
antis, de modelo vitruviano. O templete possuía uma escadaria frontal com três ou quatro
degraus que levava à pequena cela retangular. “Estamos perante os restos das fundações de
um dos dois templetes que Cantio Modestus mandou construir em honra de Vitória e do
Génio do Município” (FRADE 2009: 50). Pelas informações epigráficas, haveria outro
pequeno templo, no lado norte do D (Figura 8.3).
307
Figura 8.3. Proposta de reconstituição
do Fórum de Bobadela (FRADE 2009:
52, fig. 3).
O fórum teria, portanto, três templos: o de culto imperial e dois menores, dedicados
ao Gênio Municipal e a Vitória. O pórtico, no lado leste (8.2E e figura 8.3), com 8 m de
largura (27 pés), teria dupla colunata, uma interior e outra na fachada voltada para a praça. A
colunata interior assentava-se em pequenos núcleos de pedra unidos com argamassa leve,
com 3,20 m de espaçamento; a linha externa de colunas foi construída sobre um muro
contínuo. Haveria uma soleira neste muro, diante do arco de entrada, o arco de Bobadela
(8.2G), construído com pedras almofadadas (FRADE 2009: 51-2).
308
A partir da época Júlio-cláudia, o fórum passa por importantes obras cujo auge foi na
época flaviana, quando também houve uma renovação urbana.
309
Figura 8.5. Aspecto atual do
Fórum de Bobadela, depois dos
trabalhos de valorização. Ao
fundo, é possível ver os muros
delimitadores do anfiteatro
(gentilmente cedida pelo Dr.
Carlos Fabião).
Anfiteatro
310
Civitas Cobelcorum
Conventus Emeritensis
No alto de uma colina, há a estrutura de um templo romano, que até época moderna
foi uma torre de vigia cuja base é o revestimento pétreo do pódio do templo. Não era um
santuário rural, como se acreditava, pois foram identificadas estruturas pouco conservadas
ao redor, e com inscrições, indicando que se tratava de uma civitas. Portanto, uma nova
cidade romana (FABIÃO 2013). Porém, não há vestígios dessa ocupação nem sobreviveu
como assentamento.
Há poucas informações sobre o fórum, cujo sítio foi ocupado até o século XIX. Não
foram localizados os muros que o delimitavam, mas se conhece “o templo, o embasamento
da colunata do pórtico, soleiras e a planta de diversos compartimentos que poderão ter
pertencido à Basílica”. Tinha alinhamento simétrico ordenado no sentido Leste-Oeste
(FRADE 2009: 54) (Figura 9.1).
O templo forense media 16,30 m de comprimento por 8,15 m de largura (55 X 27,5
pés romanos), era próstilo tetrástilo, de planta clássica, com cella retangular, o comprimento
sendo o dobro da largura. Suas fundações foram realizadas sobre a base de xisto, que sofreu
um rasgo para o nivelamento, e silhares regulares de granito. O pódio tinha 2,65 m de altura
(9 pés) e suas paredes são de granito. Havia uma escadaria na fachada leste levando à cella
(FRADE 2009: 55).
311
Figura 9.1. Estrutura do Fórum da Civitas Cobelcorum (FRADE 2009: 55, fig. 4).
312
Figura 9.2. Ara dedicada a Iupiter
Optimus Maximus pela Civitas
Cobelcorum (século I d.C.) (FRADE
2009: 66, lâm. 7.3).
Não foi possível atribuir uma cronologia precisa à fundação dessa cidade, mas, pela
ara dedicada a Júpiter, pode ser uma fundação augustana (FRADE 2009: 56-7). O estatuto
jurídico-político também é desconhecido; pode ter sido um oppidum stipendiarium (como a
vizinha capital dos Meidubrigenses) mas não há referência a ele em Plínio, o Velho.
313
Figura 9.3. Templo da Civitas Cobelcorum (gentilmente cedida pelo Dr. Carlos Fabião).
Como Centum Cellas, era uma civitas que não era propriamente cidade, mas uma
espécie de fórum regional, usado por uma população dispersa em um território, que não se
concretiza em uma cidade efetiva.
314
Civitas Igaeditanorum, Civitas *Igaedus
Conventus Emeritensis
A cidade romana fica a NE de Augusta Emerita e liga-se a ela pela Ponte de Alcântara.
Conserva-se a infraestrutura do pódio do templo do fórum, transformado em torre. A cidade
romana foi fundada de raiz no final da República e aglomerava a população circundante. Na
Idade Média, Idanha-aVelha foi uma das cabeças de ponte da expansão cristã para o mundo
islâmico e pertenceu à Ordem Templária (FABIÃO 2013b) (Figura 10.2).
315
Figura 10.2. Ruínas do pódio do
templo de Idanha-a-Velha sobre o
qual foi construída a torre templária
(gentilmente cedida pelo Dr. Carlos
Fabião).
316
Figura 10.3. Inscrição de Idanha-a-
Velha celebrando a oferta de um
orarium aos Igaeditani, em 16 a.C.
(Museu Epigráfico de Idanha-a-Velha)
(MANTAS 2009: 182, fig. 13).
Q. Iallius, filho de Sextus, da tribo Papíria, originário de Augusta Emerita, ofereceu um relógio
aos Igaiditanus. Foi de livre e boa vontade que o fez, tendo recebido a doação os magistrados
Toutonius, filho de Arcius, Malgeinius, filho de Manlius, Celtius, filho de Arantonius, e
Amminus, filho de Atius, sendo cônsules (em Roma) L. Domitius Aenobarbus e P. Cornelius
Scipione [corresponde ao ano de 16 a.C.].
Outra inscrição honorífica, de 4 d.C. (Figura 10.4), foi consagrada a Caio César, filho
de Augusto, pela civitas Igaeditanorum, em 3-4 d.C. Ou seja, estão oferecendo ao filho do
imperador logo após sua fundação, sendo uma participação direta por iniciativa da
comunidade ao mundo romano. É o retorno no processo (FABIÃO 2013b). Também indica
tratar-se de uma civitas, “o que nos leva a considerar que a cidade terá sido estabelecida
como capital dos Igaeditani, pelos finais do século I a.C., no quadro da reorganização
territorial da Lusitânia” (MANTAS 2009: 181).
317
Figura 10.4. Inscrição dedicada a Gaio
César, príncipe da juventude, filho de
Augusto (gentilmente cedida pelo Dr.
Carlos Fabião).
Fórum
No lado oposto da praça, num plano ligeiramente inferior, no lado esquerdo, havia
um templete, talvez havendo outro simétrico, ladeando a entrada do fórum (Figura 10.6).
Seriam os templos de Marte e de Vênus, mencionados epigraficamente (modelo também
encontrado em Bobadela).
Figura 10.6. A aldeia de Idanha-a-Velha em 1956 e a localização das ruínas do fórum: 1. Templo; 2. Templete
(MANTAS 2009: 185, fig. 18).
Não foi possível identificar a basílica, o que indica uma semelhança com o fórum
flaviano de Conimbriga, que foi transformado em um santuário ao culto imperial, “do qual
se ausentaram tabernae, basílica e cúria” (MANTAS 2009: 185).
319
Figura 10.7. Planta das ruínas do templo principal do fórum da Civitas Igaeditanorum
(MANTAS 2009: 187, fig. 21).
Segundo Mantas (2009: 186), era um templum rostratum, como o templo de Venus
Genetrix, no Fórum Júlio, e do templo do fórum de Clunia, entre outros. “Atendendo à
alteração do estatuto da Civitas Igaeditanorum no último quartel do século I, não hesitamos
em situar a construção do templo nesse período” (MANTAS 2009: 187). O templo pode ter
sido consagrado a Júpiter ou ao culto imperial, mas não é sabido.
“Apesar dos significativos progressos que se verificaram [nas pesquisas arqueológicas nas
cidades romanas da Lusitânia], e que uma multiplicidade de publicações, que vão do simples
folheto até à imponente tese, ilustram, continuam a existir áreas de sombra, para não dizer mais,
em relação a muitas cidades luso-romanas” (MANTAS 2009: 188).
A cidade também possui uma muralha e uma porta musealizada (Figuras 10.8 e
10.9).
320
Figura 10.8. Porta da Civitas Igaeditanorum (Idanha-a-Velha) (gentilmente cedida pelo Dr. Carlos Fabião).
Figura 10.9. Circuito das muralhas da Civitas Igaeditanorum (gentilmente cedida pelo Dr. Carlos Fabião).
321
322
Centum Cellas
“[Considero] Centum Cellas como sendo a parte melhor conservada da casa de um romano
rico. Foi construída em meados do século I e remodelada e aumentada nos finais do século
III/IV. [...] Dizer que a Torre era um templo, do tipo Fanum, pertencente a um fórum do século I
não tem certamente paralelo no mundo romano. Um fórum em que o pórtico é construído apenas
nos finais do século III parece-nos pouco credível. A capital dos Lanciensis Oppidani deverá ser
procurada na Cova da Beira, mas não em Centum Cellas” (FRADE 2009: 48, nota 1).
Figura 11.1. Centum Cellas, edifício conservado (GUERRA e SCHATTNER 2009: 334, fig. 1).
Frade faz esta observação sobre Centum Cellas pois no mesmo colóquio sobre os
fóruns da Lusitânia e na publicação posterior, Amílcar Guerra e Thomas Schattner (2009)
323
apresentam um artigo onde consideram que a torre de Centum Cellas foi um templo do
fórum de Lancia Oppidani.
Para estes autores, a estrutura não era um edifício pertencente a uma villa romana.
Através da análise das demais estruturas romanas existentes no sítio, os autores concluem
que a torre foi o fórum de Lancia Oppidana, uma cidade citada por Ptolomeu. Mais que isto,
os autores também incluem o fórum de Lancia na série de fóruns de cidades lusitanas,
embora o templo em si não se assemelhe aos templos forenses lusitanos. Mas “claramente
pertence ao tipo de ‘templos de galeria’, um tipo do que até agora não há nenhum exemplo
na Hispania e cuja maior difusão se produz na Germânia, na Gália e na Britânia” (GUERRA
e SCHATTNER 2009: 333) (Figura 11.2).
O templo está integrado ao fórum, cujas bases das estruturas estão delimitadas no
solo rochoso.
Para o Dr. Carlos Fabião (2013), o caso de Centum Cellas é o mesmo do fórum de
Civitas Cobelcorum (Torre de Almofala): um fórum utilizado como local de reunião cíclica
para a população de um território, sem se tornar uma cidade permanente. Pierre Gros (2002),
quando fala dos fóruns provinciais, descreve casos semelhantes, ou seja, estruturas
324
monumentais que funcionam como centros regionais, no caso de Gros, religiosos. Os de
Lancia e Civitas Cobelcorum teriam uma função, também, político-administrativa.
“Há civitas que não eram propriamente cidades, mas uma espécie de fórum usado
ciclicamente por uma população dispersa em um território, em que não se concretiza em uma
cidade efetiva. Portanto, o universo das cidades romanas é mais complexo” (FABIÃO 2013).
325
326
Capítulo 5
Mas onde estão as pessoas dentro dessas cidades? Afora Augusta Emerita e o fórum
“flaviano” de Conimbriga, as cidades estudadas não eram exatamente as estruturas
“cenográficas” que imaginamos. Ali viviam pessoas, de camadas sociais diferentes, que
precisavam, no seu dia-a-dia, de comércios, oficinas, casas etc. Essas dimensões na
Lusitania têm sido pouco estudadas. Mesmo a tese de Virgílio Hipólito Correia (2010a)
sobre a arquitetura doméstica de Conimbriga obrigatoriamente privilegia as domus, pois são
as estruturas mais escavadas. Nas palavras de Carlos Fabião (2013b), “uma cidade é um
todo biológico, não setores desintegrados entre si”.
327
Por esses motivos, procurei colocar nas descrições de Ammaia e Conimbriga mais do
que apenas as estruturas urbanas, mas também seus respectivos territórios. A primeira é
privilegiada com relação às informações sobre o seu território e suburbium; para a segunda,
pouca informação arqueológica está disponível. Isto faz com que uma análise comparativa
se torne imprecisa e superficial, e o possível a ser realizado com as informações recolhidas
já foi apresentado no próprio Corpus de cada uma delas.
Uma questão que perpassou a pesquisa foi com relação à continuidade dos
assentamentos urbanos após o período romano. Para Fabião (2013b), de modo geral, cidades
que se formaram sobre assentamentos pré-romanos tiveram uma longevidade maior e,
inclusive, uma importância duradoura, como Lisboa. As estabelecidas de raiz, tenderam a
ser abandonadas ao longo do período visigodo, islâmico ou medieval.
Augusta Emerita, uma colonia ex nihilo, que nunca foi abandonada desde sua
fundação até os dias atuais, seria um caso a parte. Sua importância e longevidade se deveu,
principalmente, pela construção da ponte sobre o Guadiana, que alterou o esquema de
circulação, tornando-se o elemento central da circulação norte-sul provincial. Antes de
328
Augusta Emerita, o assentamento mais importante da região era Medellinium, que se
localizava exatamente no vau do Guadiana. Emerita, posteriormente, tornou-se sede episcopal,
centro islâmico, ponto de retomada católica etc.
E há Idanha-a-Velha, uma pequena cidade rural nos dias de hoje, cuja antecedente
romana surgiu do deslocamento do oppidum original dos Igaeditani para um local mais
aprazível, em termos imperiais romanos. Na Idade Média, foi utilizada como uma das
cabeças de ponte da expansão cristã para o mundo islâmico e pertenceu à Ordem Templária
(FABIÃO 2013b), o que lhe conferiu uma importância estratégica mais perene.
329
Pelos dados levantados no Corpus, as cidades estudadas possuem basicamente um
mesmo modelo urbano, que já aparecia nas cidades da Península Itálica. Quer sejam
fundadas de raiz, quer estabelecidas a partir de um assentamento pré-existente, reproduzem
sempre o mesmo modelo, as variações sendo poucas em comparação com as semelhanças,
até onde os dados podem indicar. Possuem fóruns quadrangulares na interseção central dos
seus dois principais eixos viários; quase sempre possuem muralhas (as exceções são,
exatamente, Centum Cellas e Civitas Cobelcorum); sistema eficiente de abastecimento de
água; vias pavimentadas; prédios públicos específicos além dos fóruns, como termas; e, em
três casos, anfiteatros conhecidos e estudados, na medida do possível (Augusta Emerita,
Conimbriga e Bobadela). Quanto à arquitetura privada, possuem ruas ladeadas por pórticos,
tabernae, além, obviamente, das casas.
Assim, no Alto Império, os muros urbanos tinham sempre uma função simbólica de
delimitação e ordenação do modo de se entrar e sair da cidade, incluídas neste contexto as
suas portas (conforme vimos no capítulo 3). As portas eram consideradas como o principal
emblema de uma cidade, representando a cidade em si. Nas imagens monetárias vemos
frequentemente a representação de portas urbanas e do circuito de muralhas, como em
moedas de Augusta Emerita. Além do mais, portas e muralhas também constituem uma
importante limitação e controle de circulação, pois são instrumentos de fiscalização
(“aduanas”). Porém, com algumas exceções, pouco sabemos das portas das cidades da
Lusitania.
330
Conhecemos a porta augustana de Conimbriga, com três vãos e flanqueada por dois
torreões, e a baixo-imperial, com passagem única; não eram monumentais, como várias
outras também não o eram. Civitas Igaeditanorum (Idanha-a-Velha) também foi estudada e
reconstituída uma de suas portas. E a porta sul de Ammaia foi desmontada do local original e
reconstruída alhures. Uma das portas de Augusta Emerita, exatamente a que vem da ponte
sobre o Guadiana, foi estudada a partir dos vestígios encontrados na muralha.
Fóruns
Nas cidades romanas lusitanas, o fórum era sempre construído no centro da cidade e
ele era este centro, uma vez que nele se fixavam os edifícios da administração e a praça
pública. Era o emblema do urbanismo romano, mesmo que muitas vezes apresentado
concretamente de forma idealizada.
Os fóruns descritos no Corpus são sempre fechados, quer por pórticos, quer por
algum de seus edifícios característicos, como a basílica, tabernae ou cúria.
332
Quanto a Idanha-a-Velha, a Civitas Igaeditanorum, a análise de seu fórum é a mais
difícil de estabelecer. As estruturas recentemente identificadas não são muito esclarecedoras,
apesar de úteis para a cronologia do sítio. Não foi possível determinar se possuía ou não um
fórum do período augustano, embora epigraficamente seja possível determinar que possuísse
um espaço público em 16 a.C. O fórum monumental pode ter sido edificado apenas no
início do século II, entre a concessão do ius Latii, por Vespasiano, e a construção da Ponte
de Alcântara. Medindo 30 X 73 m, é alongado, como a maioria dos fóruns, e com separação
física entre as áreas sacra e secular, em níveis diferentes. Foi identificado um pequeno
templo ao lado da entrada do fórum, estabelecendo um modelo semelhante ao fórum de
Bobadela, neste aspecto. Para Vasco Mantas, o fato de a basílica não ter sido identificada
indicaria uma semelhança com o fórum “flaviano” de Conimbriga, transformado em um
santuário ao culto imperial (MANTAS 2009: 185). Pela planta disponível, é melhor que as
descrições se atenham ao templo tetrástilo (pseudoperíptero ou próstilo, possivelmente de
ordem coríntia) sobre pódio.
Por falta de dados, não é possível determinar se havia tribunalia nas basílicas
lusitanas. Talvez na de Ammaia. O mesmo acontece com as cúrias. Se estas eram o principal
elemento constitutivo de um municipium, onde estão as cúrias dos fóruns lusitanos? Mais
ainda: como entender a construção do fórum “flaviano” em Conimbriga como resultado de
sua elevação a municipium e eliminar, no processo, a estrutura mais representativa de sua
municipalização? Se houve outro fórum em Conimbriga, municipal, como sugere Virgílio
Correia (2009b), como o município teve capacidade econômica e estrutural para, em tão
pouco tempo, edificar dois fóruns, sendo um deles de tão grandes dimensões?
Fóruns de Conimbriga
“Em definitivo, são três estágios e não dois que é preciso reconhecer para o fórum de
Conimbriga: um estágio augustano com basílica de duas naves e aedes Augusti, e lojas; um
provavelmente flaviano com templo do culto imperial e seu períbolo, basílica com três naves e
lojas; um estágio tardio ao longo do qual, basílica e lojas sendo destruídas, uma restauração
desajeitada as substitui por um pórtico em Π, definindo com o períbolo do templo uma area sacra
fechada que sem dúvida não é mais um fórum” (CONGÈS 1987: 711).
Portanto, a primeira fase é de época augustana, com uma primeira basílica de duas
naves no lado norte associada a um aedes Augusti, e tabernae no lado oeste. Na segunda
fase, esta sim flaviana, o lado norte (onde estava a primeira basílica) foi transformado em
um verdadeiro santuário do culto imperial, cercado por pórticos apoiados sobre um
criptopórtico. Portanto, é neste segundo estágio que acontece a mudança de todo o lado
norte do fórum. Faz parte desta segunda fase a construção de uma nova basílica de três
naves e uma cúria a norte dela, ambos os edifícios no lado longo leste; as tabernae
permanecem.
E a terceira e última fase, esta de data incerta – pois a estratigrafia não permitiu
estabelecer uma cronologia – conserva da precedente apenas o santuário, no lado norte,
transformando todo o complexo em um santuário, deixando de ser visto como um fórum.
Através da análise dos escassos elementos arquitetônicos (mais especificamente, um capitel
coríntio), Roth Congès estabelece um limite ante quem no início do século II.
Para Pierre Gros, o santuário de Brescia foi fruto do evergetismo imperial, “onde se
observa a mesma correspondência entre o nível de circulação dos pórticos de
enquadramento do templo e do pórtico deste”, e se assemelha ao templo augustano de
Conimbriga (GROS 2002: 168-9).
O próprio Pierre Gros afirma que o esquema de transposição dos pórticos pela
varanda do templo é considerado um esquema imposto pela liturgia dos cultos imperiais.
Edifícios lúdicos
335
O núcleo fundacional de Augusta Emerita, é claro, foi sendo transformado. O teatro
“atual”, por exemplo, não é o primitivo. A cidade, obviamente, tem uma dinâmica própria e
nem sempre se consegue reconhecer o núcleo fundacional original.
Uma última questão diz respeito aos materiais de construção. Apesar de existir um
costume generalizado em buscar o suposto momento de marmorização urbana, como uma
fase em que os monumentos públicos passam por um processo de embelezamento, isto é
apenas parcialmente válido para a Lusitania. Apenas onde existem jazidas marmóreas
próximas é que se percebe uma marmorização, e apenas em alguns monumentos ou em
partes deles. Isto ficou evidenciado em Ebora, que está próxima a uma jazida de mármore, e
em Augusta Emerita, por seu status na Lusitania.
Mas o mais usual é a utilização do granito local estucado. Os lusitanos tinham grande
habilidade e perícia no trabalho em granito, uma tradição que vem de períodos muito
anteriores aos romanos. São demonstrações dessa arte, por exemplo, as esculturas dos
guerreiros castrejos, mencionadas no capítulo 1, como também capitéis coríntios lavrados em
granito cuja elegância exige uma longa tradição na arte escultórica (em Conimbriga, Figura
5.28; Braga, Figura 12.1), ou outros ornamentos, como vimos em Ebora (Figura 7.10).
336
Conclusão
337
Munic. S.
Salacia
Imperatoria
E. Liberalitas Met. séc. I Sem
Ebora
Iulia (Munic.) d.C. ? precisar
Munic.
1ª met. séc. Met. séc. II
Mirobriga Flavium
III d.C. d.C.
Mirobriga
Colonia
Pax Iulia Pacensis
(Augusta)
Myrtilis Municipium
Ossobona
Civitas
Balsa
Stipendiaria
Municipium
Capera Flávio
Flavium
Aug./ Augustana/
Conimbriga Augusto
Flavios séc. I d.C.
Também notei uma tendência em interpretar vários fóruns como tendo passado por
duas fases, uma augustana e a outra flaviana. Em Bobadela, a hipótese não se sustentou
empiricamente (FABIÃO 2009: 351). Ocorre também em Ammaia, por Vasco Mantas (2000).
Apesar de ter observado uma prevalência de fóruns tipo bloco, ou tripartidos (praça /
templo / basílica) – Conimbriga, Ebora, Ammaia e Bobadela – a generalização para toda a
338
Lusitania exige cuidados, pois faltam conhecimentos mais detalhados não apenas sobre os
fóruns citados, como sobre os fóruns das demais cidades romanas conhecidas na Lusitania,
sem mencionar as desconhecidas. Afirmações categóricas são impossíveis no atual estágio
das pesquisas.
Ammaia representa outra forma de ler e tratar as cidades antigas. Foi possível fazer
uma prospecção geofísica em toda a área da cidade (com três metodologias distintas),
levando à identificação do fórum, termas, porta sul, traçado da muralha, malha urbana etc.
Entretanto, o que se formou dela é um palimpsesto, ou seja, não se sabe o ritmo de
implantação das estruturas.
339
Como vimos no Capítulo 1, Manuela Martins (1997) alerta sobre a ênfase que havia
nos trabalhos arqueológicos portugueses no acúmulo de dados e informações, na sua
catalogação e tipologia, mas sem nem sempre ser realizada uma análise e interpretação mais
satisfatórias. Esta tendência parece estar mudando, pois surgem trabalhos que buscam
interpretar – ou reinterpretar – dados exaustivamente levantados em campo (CARVALHO
2008; TRÉMENT e CARVALHO 2013; VERMEULEN 2013a; REVELL 2009; GUERRA
e SCHATTNER 2009; CONGÈS 1987; e BARATA 2009, para citar alguns exemplos). Mas
ainda percebemos pesquisadores que mantêm uma visão muito ancorada em antigas
interpretações (como A. C. Ferreira da SILVA 1986, 2012) ou estabelecendo análises muito
focadas em um só sítio (CORREIA 2009a, 2009b, 2010a).
Ao mesmo tempo, como foi possível observar neste estudo, e é alertado por diversos
arqueólogos, há falta de dados, de pesquisas arqueológicas e de catalogação de muitos
vestígios e materiais escavados. E, sobretudo, faltam publicações de divulgação dos
resultados. Então, Martins tem razão até certo ponto. Sem acúmulo de dados e informações,
os pesquisadores realizam análises incompletas ou, pior, erradas.
Outro problema levantado nas pesquisas foi com relação às definições – sejam elas
históricas ou arqueológicas – para categorias de assentamentos pré-romanos. Como vimos,
há pouca preocupação na definição de oppidum, por exemplo. Autores que trabalham com
assentamentos que consideram oppida apenas o indicam, como se fosse do senso comum
sua identificação. Demonstrei claramente no capítulo 1 como mudam as concepções e os
tipos de povoados considerados opppida cronologicamente e regionalmente.
Por outro lado, as pesquisas voltadas para os castros cada vez mais demonstram uma
preocupação com a utilização de dados arqueológicos metodologicamente coletados e
340
analisados para elaborar uma visão mais científica dessa cultura. As atuais pesquisas – que
se voltam para os dados arqueológicos e não para as definições dos autores clássicos sobre o
noroeste montanhoso – estão demonstrando a sofisticação dos assentamentos urbanos (e não
mais protourbanos) castrejos.
Com relação à região central da Lusitania, eu a entendo como uma área de fronteira
entre a cultura castreja e o sul peninsular, com influências do oriente celta. Mas não
encontrei um mínimo consenso sobre o tipo de assentamentos pré-romanos (por exemplo, a
Ammaia fica numa região de confluências, assim como Augusta Emerita). Parece que há
uma espécie de limbo acadêmico com relação a uma melhor definição das estruturas dos
assentamentos.
341
Castro define os assentamentos do noroeste Peninsular, incluindo o norte da Espanha
(a Galícia) e de Portugal – um norte expandido para sul –, designando os assentamentos
(proto) urbanos da Cultura Castreja. Neste caso, o termo “castro” pode ser permutado por
castellum, na Espanha. E emporion e urbs são utilizados para a região mediterrânea ao sul.
Por fim, após me debater sobre a questão da definição de cidades, resolvi deixar esta
preocupação em segundo plano. Tomei tal decisão por dois motivos principais. Em primeiro
lugar, não há um consenso sobre o que seria uma cidade – tanto atualmente quanto na
antiguidade – simplesmente porque as definições normalmente se baseiam na vivência e no
próprio entendimento que diferentes autores em diferentes épocas possuem sobre as
experiências urbanas. Dessa forma, uma cidade pode ser definida a partir do seu sistema de
governo (uma definição política); fisicamente (suas construções); por seu papel dentro de
uma comunidade ou país; em contraposição ao campo ou a outras cidades; ou mesmo pelo
que nela está ausente. Isto faz com que qualquer definição que se escolha seja limitada
cronológica e espacialmente.
Creio que se tornou evidente, ao longo de todo o Corpus Documental como também de
sua análise, que existe, por trás de cada cidade romana estabelecida em território lusitano, um
projeto e um desenho pré-determinados, que demonstram um grande conhecimento de
agrimensura – conhecimento militar – e de arquitetura. A literatura clássica sobre arquitetura
que chegou até nós é o tratado de Vitrúvio, De Architectura, escrito justamente no período em
que se formava a província de Lusitania. Neste tratado, Vitrúvio estabelece algumas
características fundamentais que sempre devem estar presentes nas cidades romanas: solidez,
funcionalidade e beleza. As cidades estudadas, a meu ver, possuem estas características.
342
As cidades romanas provinciais não foram estabelecidas e construídas para serem
originais – “originalidade”, também na retórica clássica, era demonstração de ignorância
com relação à tradição e aos costumes – mas sim para serem reconhecíveis como romanas
estivessem elas onde estivessem, com os mesmos equipamentos urbanos que tornavam a
vida da sua população, quer fosse ela romana, romanizada ou indígena, o mais semelhante
possível aos padrões romanos.
Assim, Roma aparece como modelo, não exatamente o modelo físico, mas
especialmente o modelo intelectual, baseado tanto no tipo de governo quanto nas estruturas
individuais que tornam tal modelo viável.
Alguns aspectos da ideologia romana imperial aparecem com maior destaque nas
cidades analisadas. Nos fóruns provinciais estudados, grande parte dos pequenos templos,
santuários e locais sagrados que existiam no Fórum Romano não aparece, pois o foco principal
era o culto a Augusto, inicialmente, depois substituído pelo culto ao imperador e sua família.
Portanto, apesar da escassez de dados para a Lusitania – o que só será sanado com o
tempo – acredito que podemos utilizar, por enquanto, o modelo “padrão” de fórum tripartido
(em bloco), não apenas para as cidades fundadas “de raiz”, isto é, ex nihilo, como as que
foram estabelecidas a partir de assentamentos pré-existentes. Nas províncias ibéricas a
presença romana foi precoce, além de o do sul da Península ter contato e conhecimento das
cidades mediterrâneas. Entretanto, devemos sempre levar em conta a diversidade existente
na Península Ibérica antes da presença romana, cuja dominação ocorreu, como sabemos, ao
longo de praticamente dois séculos antes de Augusto, através de Agripa, estabelecer
definitivamente a conquista da Galícia e organizar administrativamente a Península.
343
344
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358
ANEXO 1
Os imperadores de Roma de Augusto a Constantino
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(Blackwell Companions to the Ancient World) [1 ed. 2006]: XXIX-XX.
Dinastia Júlio-Cláudia
Augustus Augusto 31 a.C. – 14 d.C.
Tiberius Tibério 14 - 37
Caligula Calígula 37 - 41
Claudius (I) Cláudio (I) 41 - 54
Nero Nero 54 - 68
Galba Galba 68 - 69
Otho Oto 69
Vitellius Vitélio 69
Dinastia Flávia
Vespasianus Vespasiano 69 - 79
Titus Tito 79 - 81
Domitianus Domiciano 81 - 96
Dinastia Antonina
Nerva Nerva 96 - 98
Trajanus Trajano 98 - 117
Adrianus Adriano 117 - 137
Antoninus Pius Antonino Pio 137 - 161
Marcus Aurelius Marco Aurélio 161 – 180
Lucius Verus (co-imperador) Lúcio Vero 161 - 167
Dinastia dos Severos
Commodus Cômodo 180 - 192
Pertinax Pertinax 193
Didius Julianus Dídio Juliano 193
Septimius Severus Septímio Severo 193 - 211
Caracalla Caracala 211 – 217
Gera (co-imperador) Gera 211
Macrinus Macrino 217 - 218
Elagabalus Héliogábalo 218 - 222
Alexander Severus Alexandre Severo 222 - 235
359
Maximinus Maximino 235 - 238
Gordian I Gordiano I
Gordian II (co-imperador) Gordiano II 238
Pupienus e Balbinus Pupieno e Balbino 238
Gordian III (Caesar) Gordiano III (César) 238
Gordian III Gordiano III 238 - 244
Philip Filipe 244 - 249
Decius Décio 249 - 251
Gallus Galo 251 - 253
Aemilianus Emiliano 253
Valerian Valeriano 253 – 260
Gallienus (co-imperador) Galieno 253 – 260
Gallienus (único imperador) Galieno 260 - 268100
Claudius II (Gothicus) Cláudio II (Gótico) 268 – 270
Vaballathus Vabalato 269 - 271101
Aurelian Aureliano 270 - 275
Tacitus Tácito 275 - 276
Probus Probo 276 - 282
Carus Caro 282 - 283
Carinus Carino 283 – 285
Numerian (co-imperador) Numeriano 283 - 284
100
De 260 a 274, grandes áreas do Império a ocidente e a norte dos Alpes estavam submetidas a um regime
dissidente constituído por Póstumo (260-269), Mário (269), Vitorino (269-271) e Tétrico (271-274). Dois outros
indivíduos, Leliano (269) e Domiciano (271?) também reivindicaram autoridade na sua parte do Império, mas
Leliano foi morto por Póstumo e evidência real para Domiciano atualmente limita-se a duas moedas e uma
referência de passagem em dois textos, ambos declarando que ele se rebelou contra Aureliano, o que pode
implicar que o seu “reinado” pode ser datado de 274 e não de 271.
101
Apenas nas províncias orientais.
102
De 286 a 296, áreas das províncias ocidentais eram controladas por Carausius (286-293) e Allectus [Aleto]
(293-296; apenas a Britânia).
360
Constantius (Augusto) Constâncio 305 - 306
103
Maxêncio reivindicou o título de Augusto na Itália entre 306-312, não foi reconhecido como um membro do
colégio oficial de Augustos.
361
362
ANEXO 2
ORDENAMENTO ROMANO (DIAS 1997: 289)
Estruturas Urbanas:
Cidade
Vicus
Castellum
Estruturas rurais:
Villae
Casais
Mansio – “locais que serviam como estalagem ou pousada, com estábulo, situados junto de
vias” (DIAS 1997: 289)
“Com estatuto municipal ou para-municipal, serviram, ao longo dos Sécs. I, II, III e
IV, como capitais de um territorium e eram, ao mesmo tempo, centro administrativo,
104
Philippe Leveau (1989). La Ville Romaine et son Espace Rural. Contribution de l’Archéologie à la
Reflexion sur la Cité Antique, Revista Interbazionale per la Storia Economica e Sociale dell’Antichità, 6-8:
87-100.
105
Paulo Merêa; Girão Amorim (1943). Territórios Portugueses no Séc. XI, Revista Portuguesa de História, 2,
Coimbra: 255-63.
106
Jorge Alarcão (1988). O Domínio Romano em Portugal, Lisboa.
107
Vasco G. Mantas (1987). As Primitivas Formas de Povoamento Urbano em Portugal, Portugal.
363
comercial e religioso. Era-lhes cometido ainda um importante papel político (LE ROUX e
TRANOY, 1984, 200108), já que elas simbolizam e reflectiam o poder romano”.
“Apesar de vicus designar um núcleo urbano romano (LE ROUX, 1993, 151-60109)
que em termos jurídico-administrativos era menos importante que uma capital de civitas,
aquele poderia ser mais extenso ou populoso, e mais activo, industrial ou comercial, que
algumas capitais (PAUNIER, 1994, 283-5110)”.
“Das três funções essenciais, os vici só possuíam a religiosa e a económica, não tendo
a política. Embora o número de vici fosse elevado e com estruturas organizativas distintas,
alguns deles podiam ser essencialmente santuários e mercados (OLIVEIRA, 1950, 26111)”.
Casais – “casas dispersas junto das explorações agrárias, para habitação e arrumos. São
sítios onde aparecem telhas, tijolos, cerâmica romana e mós” (Dias 1997: 290).
108
Patrick Le Roux; Alain Tranoy (1984). Villes et Fonctions Urbaines dans le Nord-Ouest Hispanique sous
Domination Romaine, Portugália, 4-5, Porto: 199-201.
109
Patrick Le Roux (1993). Vicus et Castellum en Lusitanie sous l’Empire, Studia Historica-Historia Antigua,
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110
Daniel Paunier (1994). Spécités du vicus, in Les Agglomérations Secondaires – La Gaule Belgique, les
Germanies et l’Occident Romain, Paris: 283-90.
111
Miguel Oliveira (1950). As Paróquias Rurais Portuguesas – Sua Origem e Formação, Lisboa.
364
ANEXO 3
Metodologia do Projeto Radio-Past em Ammaia
Seu objetivo era realizar pesquisas não invasivas e testar novas técnicas de
prospecção, testando equipamentos e métodos.
“Um dos aspetos mais importantes do projeto Radio-Past era a possibilidade de testar a
viabilidade da aplicação de metodologias de prospeção não-invasivas, no âmbito de um projeto-
piloto, a um único sítio arqueológico complexo. A cidade romana de Ammaia preenchia estes
requisitos na perfeição e permitia que várias técnicas de prospeção e levantamento fossem
empregues, testadas e aperfeiçoadas. Desde o início, o nosso projeto teve como objetivo explorar
o potencial de uma estratégia plenamente integrada e utilizar estas técnicas de forma ponderada e
complementar” (JOHNSON 2013: 16).
Passos:
1.b. Análise da exploração dos recursos materiais existentes no território da cidade romana
(água, minerais e pedras) (2004 a 2010).
“In April 2009 a European Project named Radiography of the Past (Radio-Past) was
launched (Corsi, 2012, Van Roode et al., 2012). This project aims to combine the resources and
different skills needed to tackle each possible aspect connected with “nondestructive”
approaches to complex archaeological sites. In this context, the deserted Roman town of Ammaia
was chosen as an “open laboratory for research and experimentation”. With one of the final
objectives being the scientifically correct, high-resolution digital reconstruction of the townscape
of a Roman urban settlement, the Radio-Past team is currently applying a methodology which
takes full advantage of the complementary nature of the different data sets and available field
techniques. This involves a wide range of field survey techniques, such as geomorphological,
pedological and topographic surveys, geophysical prospection, vertical aerial photography
interpretation, and innovative low-altitude aerial photography, as well as new strategies for data
processing, modeling, three-dimensional visualization, and site presentation. The results obtained
so far mainly focus on the evidence from geophysical survey, combined with stratigraphic and
geomorphological observations. They reveal the full intramural town plan in its ancient
landscape setting, limiting the necessity for large-scale and costly excavation procedures, but at
the same time allowing a three-dimensional view of the townscape and opening up prospects for
sustainable tourism and cultural validation of a complex site” (VERMEULEN et alii 2012: 124).
366
ANEXO 4
Cronologia sinóptica
A partir de Pierre GROS 2002, com acréscimos.
Personagem
Data Política Cultural e Urbanismo
ou imperador
Data transmitida pela literatura Greco-latina para a
1.100 a.C.
fundação de Gadir (na atual Cádiz)
Cronologia tradicional para a fundação das colônias
575 a.C.
gregas de Emporion e Rhodes (costa da Catalunha)
Período “Orientalizante”, com presença de artigos exóticos importados,
Primeira metade originários do mediterrâneo oriental.
do I Milênio a.C., Registro de vários fenômenos de origem e inspiração externas: primeiras
no Ocidente formas de escrita com signos pré-latinos, construção em pedra seca e terra
Ibérico de edifícios de plantas complexas e de inspiração mediterrânea, introdução
Idade do Ferro I do torno de oleiro, dos moinhos giratórios, intensificação da exploração dos
recursos locais
Segunda
metade do I
Milênio a.C. no Profundas transformações nos modelos de povoamento local, com
Ocidente Ibérico surgimento de grandes povoados fortificados, denunciadores de
II Idade do ferro fenômenos de concentração de população
ou Período Pré-
Romano
Séc. VIII a.C. Fundação de Cartago, na costa da Tunísia
Crescimento da influência cartaginesa no litoral da
Séc. V-IV a,C.
Península Ibérica
Primeiros combates de gladiadores em Roma (munus), organizados por
Juno Bruto.
264 a.C. Início da I Guerra Púnica
Roma: início das construções temporárias no Forum Boarium e, depois, no
Fórum Romano para os munera.
Reinado Bárcida
Expansão cartaginesa no sul da Península Ibérica,
237 a.C. na Espanha
com penetrações para o interior.
(Hamílcar)
“Acordo de Ebro”, aliança entre Roma e Sagunto,
segundo o qual os romanos reconhecem a
226 ou 225 a.C.
soberania púnica nas regiões hispânicas ao sul do
rio Ebro.
Aníbal na
221 a.C. Construção do circus Flaminius em Roma.
Espanha
Declaração do protetorado de Roma à cidade de
220 a.C.
Sagunto.
Início do cerco de Sagunto por Aníbal; tomada de
219 a.C.
Sagunto e início da II Guerra Púnica.
Primeiros confrontos com os cartagineses.
Desembarque da
Início da conquista da Espanha com os exércitos
Gneo Cornélio
romanos iniciando os confrontos com os
218 a.C. Cipião em
cartagineses.
Emporion
Exércitos romanos invernam em Tarraco, que passa
(Ampúrias)
a ser sua base principal.
Série de vitórias de Aníbal na Itália.
218 – 216 a.C.
Numerosas cidades gregas aliam-se a Anibal.
Início do emprego do opus caementicium nas construções, na Campânia e
Fim séc. III a.C.
depois em Roma.
210 a.C. Incêndio do Fórum Romano e de seu entorno.
Cipião, na
209 a.C. Espanha, retoma Construção das tabernae novae no Fórum Romano.
Cartagena.
Triunfo final dos romanos sobre os cartagineses ,
206 a.C.
que abandonam a Hispania.
Desembarque do exército de Cipião em Utica.
204 a.C.
Anibal deixa a Itália.
202 a.C. Fim da II Guerra Púnica.
Triunfo de Cipião
em Roma;
201 a.C. Tratado de paz com Cartago.
assume o nome
de Africano.
367
Hispania torna-se província romana com a criação
197 a.C. de duas provinciae: Hispania Citerior (a oriente) e
Hispania Ulterior (a ocidente).
183 a.C. Mortes de Cipião e Aníbal.
Guerra Lusitana, mas quase todo o conflito decorre
155-136 a.C.
fora do espaço do atual Portugal.
154-152 a.C. Campanha de Marcelo contra os celtibéricos.
149 a.C. Início da III Guerra Púnica.
147 a.C. Início da guerra contra Viriato na Espanha.
146 a.C. Tomada de Cartago e fim da III Guerra Púnica. Início do emprego do mármore em Roma.
Início da III guerra Celtibérica (ou Guerra da
143 a.C.
Numância).
140 a.C. Início do cerca de Numância.
Morte de Viriato, que comandou as tropas
139 a.C.
Lusitanas contra os Romanos desde 147/5 a.C.
Primeira campanha militar romana conhecida no
espaço de Portugal atual. Décio Júnio Bruto
Décio Júnio
138 a.C. estabelece posições de retaguarda no Baixo Tejo e
Bruto
caminha até a foz do Minho, sempre pela
plataforma litorânea.
133 a.C. Conquista da Numância por Cipião Emiliano.
c. 100 a.C. Primeira versão do fórum e do Capitólio de Empúrias.
Crasso consegue identificar a rota para as áreas
Governador
96-94 a.C. produtoras de estanho (Ilhas Cassitérides) até então
Públio Crasso
dominada exclusivamente pelos gaditanos.
Guerra civil romana na Península Ibérica, com a
80 - 72 a.C. Quinto Sertório sublevação de Sertório, que controla o ocidente
peninsular.
Primeiro Júlio César é pretor (governador) da Hispania
Triunvirato Ulterior. Desenvolve importantes campanhas
61 - 60 a.C.
(César, Pompeu militares na zona do maciço central e uma
e Crasso) expedição naval até a Galícia.
Consulado de
59 a.C.
César
Novamente a Península Ibérica é palco de conflitos
entre os romanos. 49 a.C. e ss. Vitrúvio acompanha César nas suas campanhas como scriba
49 - 45 a.C. César e Pompeu
César atravessa o Rubicão e tem início a Guerra armamentarius.
Civil.
44. a.C. Assassinato de César.
Segundo
43 a.C.
triunvirato
Otaviano torna-
42 a.C.
se divi filius
Segundo
33 a.C. Consulado de
Otávio
Terceiro
Vitória em Actium. Otávio torna-se único mestre do 32-25 a.C. Redação e publicação do De Architectura de Vitrúvio, dedicado a
31 a.C. Consulado de
imperium Romanum. Augusto.
Otávio
Otávio é
28 a.C. designado
Princeps Senatus
Otávio é
Otaviano recebe o governo de várias províncias,
denominado
27 a.C. entre elas as hispânicas.
Augusto pelo
Senado romano
26 – 25 a.C. Augusto Guerras Cantábricas .
Fundação de Augusta Emerita (Mérida), com os veteranos das guerras
25 a.C.
cantábricas.
Continuação das guerras astures-cantábricas. M.
24 – 19 a.C.
Agripa dirige as operações.
Décimo
24 a.C. Consulado de Dedicação do teatro de Augusta Emerita.
Augusto
Augusto recebe
o pleno poder
23 a.C. tribunicio e
abandona o
Consulado
16 a.C. Conclusão da conquista da Península Ibérica.
Segunda visita de Augusto à Hispania e criação da
16 – 15 a.C. nova divisão provincial: a Hispania Ulterior é
dividida em Bética e Lusitânia.
Augusto torna-se
Pontífice
12 a.C.
Máximo
368
Primeiros desenvolvimentos da urbanização romana do extremo ocidente
Primeira metade Dinastia Júlio-
peninsular.
do século I a.C. Cláudia
Augusto torna-se
2 d.C.
Pai da Pátria
4 d.C. Augusto adota Tibério.
Morte de
Augusto.
14 d.C.
Tibério assume o
poder.
Morte de
Tibério.
37 d.C.
Calígula assume
o poder.
Assassinato de
Calígula.
41 d.C.
Cláudio assume
o poder.
Segunda
metade do Dinastia Flávia Incremento do processo de municipalização das cidades hispânicas.
século I a.C.
Morte de
Cláudio.
54 d.C. 50-65 d.C. Período provável da construção do Capitólio de Baelo Claudia.
Nero assume o
poder.
Suicídio de Nero.
68 d.C. Galba assume o Sublevação de Galba na Tarraconense.
poder.
Ano dos 4
imperadores:
Galba, Oto e
Vitélio.
69 d.C.
Vespasiano
assume o poder.
Início da Dinastia
Flaviana.
Primeiro
70 d.C. Consulado de
Vespasiano.
Anos 70 d.C. Construção do Santuário Provincial do Culto Imperial em
71 d.C. Tito acede à tribunicia potestas.
Tarragona.
Sob Vespasiano, concessão do Direito Latino
(latium minus) a todas as cidades peregrinas da
Censura de
Hispânia (direito que regula a relação entre
73-74 d.C. Vespasiano e Reorganização das províncias orientais.
cidadãos romanos e peregrinos, i. e., indígenas de
Tito.
condição livre, mas que não possuíam a cidadania
romana).
Morte de
Vespasiano.
79 d.C. Erupção do Vesúvio, com a destruição de Pompeia, Herculano e Stabiae.
Inicio do reinado
de Tito.
Morte de Tito.
81 d.C. Domiciano
assume o poder.
Assassinato de
Domiciano.
96 d.C.
Nerva assume o
poder.
Morte de Nerva.
Trajano assume Nascido em Italica (na Bética, perto de Sevilha),
98 d.C. o poder. Início Trajano é o primeiro imperador de origem
da Dinastia provincial.
Antonina.
Morte de
Trajano.
117 d.C.
Adriano sobe ao
poder.
121-125 d.C. Primeira viagem de Adriano às Províncias.
128-134 d.C. Segunda viagem de Adriano às Províncias.
Morte de
Adriano.
138 d.C.
Antonino Pio
assume o poder.
Meados do séc.
Construção do Anfiteatro de Italica.
II d.C.
Morte de
Antonino.
161 d.C.
Marco Aurélio
assume e se
369
associa a Lúcio
Vero no poder.
Morte de Lúcio
169 d.C.
Vero.
177 d.C. Cômodo associa-se ao Império.
Morte de Marco
Aurélio.
180 d.C.
Cômodo assume
o poder.
Assassinato de
192 d.C.
Cômodo.
Pertinax torna-se
imperador.
Assassinado, o
193 d.C.
poder é
assumido por
Dídio Juliano.
Sétimo Severo
torna-se único
imperador.
193 d.C.
Inicia-se o
Período
Severiano.
Clódio Albino
196 d.C. declara-se
imperador.
198 d.C. Caracala torna-se Augusto.
Realização da Forma Urbis severiana (a planta de mármore de Roma, fixada
205-208 d.C.
na parede do Forum Pacis).
209 d.C. Geta torna-se Augusto.
Morte de Sétimo
Severo.
Caracala e Geta
211 d.C. tornam-se co-
imperadores.
Geta é
assassinado.
“Constituição Antoniniana”, ou édito de Caracala,
212 d.C. que concede a cidadania a todos os habitantes do
Império.
Assassinato de
Caracala.
217 d.C. Macrino torna-
se único
imperador.
Morte de
Macrino.
218 d.C. Heliogábalo
torna-se
imperador.
Assassinato de
Heliogábalo.
222 d.C. Alexandre
Severo torna-se
imperador.
Assassinato de
Alexandre
Severo.
235 d.C.
Maximino
proclamado
imperador.
Diocleciano
Império é dividido em quatro partes governadas
292 d.C. inaugura a
separadamente.
Tetrarquia
Máximo desenvolvimento da economia rural e criação dos grandes
“latifúndios”.
Séc. III-IV
Forte desenvolvimento das Indústrias de salga e conserva de peixe e
exportação massificada.
Nova divisão provincial da Hispânia, em 5
províncias: Tarraconense, Bética, Cartaginense,
305 d.C.
Lusitânia e Galécia, e há a inclusão da Mauritânia
Tingitana.
Teodósio, novo
imperador
379 d.C.
hispânico, reina
no Oriente
Germanos invadem a Península Ibérica. Na
407 – 418 d.C. impossibilidade de os combater, o Império negocia
sua instalação nas províncias ocidentais. Somente a
370
Tarraconense permanece sob o domínio romano.
Desenham-se duas realidades políticas distintas na
Século V península Ibérica: um reino Suevo , a noroeste, e
um reino Visigodo no restante do território.
371