Saude Das Gestantes

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 8

DOI: 10.1590/1413-812320182410.

31192017 3889

Não realização de consulta odontológica entre gestantes no

temas livres free themes


extremo sul do Brasil: um estudo de base populacional

Non-performance of dental consultation among pregnant women


in southern Brazil: a population-based study

Dionizio José Konzen Júnior (http://orcid.org/0000-0002-5028-3382) 1


Luana Patricia Marmitt (http://orcid.org/0000-0003-0526-7954) 1
Juraci Almeida Cesar (https://orcid.org/0000-0003-0864-0486) 1

Abstract The scope of this study was to measure Resumo Este estudo teve por objetivo medir a
the prevalence and identify factors associated prevalência e identificar fatores associados à não
with the non-use of dental care among pregnant utilização de assistência odontológica entre ges-
women living in the municipality of Rio Grande, tantes residentes no município de Rio Grande,
RS. In 2013, previously trained interviewers ap- RS. Em 2013, entrevistadores previamente trei-
plied a single, standardized questionnaire within nados aplicaram questionário único, padronizado
48 hours after childbirth to all puerperal women em até 48 horas após o parto à todas puérperas
living in this city. The chi-square test was used to residentes neste município. Utilizou-se teste do
compare proportions and, for multivariate anal- qui-quadrado para comparar proporções e, da
ysis, Poisson regression with robust variance ad- análise multivariável, regressão de Poisson com
justment was used to obtain the prevalence ratio. ajuste robusto da variância para a obtenção da
Among the 2.653 puerperal women included in razão de prevalências. Dentre 2.653 puérperas
this study, 60.1% (95% CI: 58.2% - 61.9%) did incluídas neste estudo, 60,1% (IC95%: 58,2% –
not use any type of dental service during gesta- 61,9%) não utilizaram qualquer tipo de serviço
tion. After adjustment, the probability of not us- odontológico durante a gestação. Após ajuste, a
ing these services was significantly higher among probabilidade de não uso destes serviços foi signi-
pregnant women of lower age, income and school- ficativamente maior entre gestantes de menor ida-
ing, who lived with more people at home, who de, renda e escolaridade, que viviam com maior
performed a smaller number of prenatal consul- número de pessoas no domicílio, que realizaram
tations, who had prenatal care in the public ser- um menor número de consultas de pré-natal, que
vice, and who were not attended under the Family fizeram pré-natal no serviço público, e que não
Health Strategy (FHS). Encouraging pregnant foram atendidas pela Estratégia Saúde da Fa-
women with this epidemiological profile to look mília (ESF). Incentivar gestantes com este perfil
for dental services during prenatal consultations epidemiológico a procurar por serviços odontoló-
1
Programa de Pós-
Graduação em Ciências and to expand the FHS on offer are measures with gicos durante as consultas de pré-natal e ampliar
da Saúde, Faculdade de great potential to increase coverage for this type of a oferta da ESF são medidas com grande potencial
Medicina, Universidade service in the location studied. de elevar a cobertura para este tipo de serviço na
Federal do Rio Grande. R.
Visconde de Paranaguá 102, Key words Pregnant women, Dental care, Prena- localidade estudada.
Campus da Saúde. 96203- tal care, Oral health Palavras-chave Gestante, Assistência odontológi-
900 Rio Grande RS Brasil. ca, Cuidado pré-natal, Saúde bucal
dioniziokonzenjunior@
bol.com.br
3890
Konzen Júnior DJ et al.

Introdução calizado no extremo sul do estado do Rio Grande


do Sul, a 317 km da capital Porto Alegre. Seu pro-
O atendimento odontológico realizado durante duto interno bruto (PIB) per capita, em 2012, foi
a gravidez é essencial à promoção da saúde e à R$ 45 mil, o quarto maior do estado8. Neste mes-
prevenção de doenças. As patologias bucais po- mo ano, o município ocupou o 8º lugar no Índice
dem levar a ocorrência de desfechos desfavorá- de Desenvolvimento Socioeconômico (0,744) e o
veis como, por exemplo, prematuridade e baixo 15º em termos de indicadores de saúde dentre
peso ao nascer1,2. os 18 municípios gaúchos com mais de 100 mil
As alterações hormonais e fisiológicas pró- habitantes9. Segundo dados do Departamento
prias da gravidez, bem como o aumento no con- de Atenção Básica – DAB-SUS10, o município
sumo de alimentos e a frequência insuficiente de apresenta 35 Equipes de Saúde da Família (ESF)
escovação dental podem predispor ou agravar implantadas, tendo cobertura populacional esti-
doenças bucais3. Os altos níveis de estrógeno mada em 57,2%. Destas ESFs, apenas 10 contam
podem levar à inflamação periodontal, edema, com Equipes de Saúde Bucal implantadas. Além
alta sensibilidade e tendência ao sangramento, disso, o município não possui Centros de Espe-
possibilitando que uma gengivite pré-existente cialidades Odontológicas.
piore se o biofilme dental (placa bacteriana) não O delineamento utilizado foi do tipo trans-
for removido4. Além disso, o aumento do volume versal e incluiu todas as puérperas residentes no
uterino, durante a gestação, comprime o estôma- município (zonas rural e urbana), que tiveram
go levando ao aumento no número de refeições. filho nas duas únicas maternidades do município
Isto, somado à falta de cuidados com a higiene entre 01/01 e 31/12/2013 e cujo recém-nascido
bucal, aumenta a probabilidade de desenvolvi- alcançou pelo menos 20 semanas de idade gesta-
mento de cárie dentária entre gestantes3. cional e/ou peso igual ou maior que 500 gramas.
Apesar disso, apenas 35% das gestantes nos O cálculo de poder amostral foi realizado a
Estados Unidos consultaram com cirurgião- partir dos seguintes parâmetros: prevalência de
dentista durante a gestação5, na Austrália apenas não utilização de serviços odontológicos duran-
30%6 e, na região metropolitana de Vitória, ES, te gravidez de 60%, nível de confiança de 95%,
foi de 21% para assistência preventiva e 17% para perdas de 3,0% e margem de erro de, no máxi-
serviços curativos7. mo, 2 pontos percentuais. Isto resultou em um
Há poucos estudos sobre o padrão de utili- “n” de 2.653, valor este passível de obtenção neste
zação de serviços odontológicos entre gestantes inquérito. Em relação ao estudo sobre a identifi-
no Brasil. Destes, a quase totalidade se dedica a cação de fatores associados, os parâmetros utili-
conhecer o perfil e identificar fatores associados à zados foram: erro alfa de 0,05; erro beta de 0,20;
utilização deste tipo de serviço durante o pré-na- razão não expostos/expostos de 91/09; prevalên-
tal. Por certo que isto é importante, mas deve-se cia do desfecho entre não expostos de 53%; razão
considerar que estas gestantes estão frequentan- de riscos de 1,2 e acréscimo de 15% para con-
do os serviços de saúde. Sobre as gestantes que trole de potenciais fatores confundidores; e 3,0%
realizam pré-natal, mas que não buscam por para perdas. Para estes valores, o estudo deveria
serviços odontológicos, muito pouco ou quase incluir pelo menos 2.512 puérperas.
nada se sabe sobre elas. E são exatamente estas As informações foram coletadas por meio de
que apresentam maior probabilidade de serem questionário único pré-codificado com pergun-
acometidas por problemas bucais, assim como o tas fechadas na sua quase totalidade. Este ques-
seu recém-nascido. tionário era aplicado na maternidade em até 48
O presente estudo teve por objetivo medir a horas após o parto, por entrevistadoras previa-
prevalência e identificar fatores associados a não mente treinadas. As informações investigadas
utilização de serviços odontológicos durante o diziam respeito às características demográficas,
pré-natal entre gestantes residentes no município socioeconômicas, história reprodutiva, padrão
de Rio Grande, RS, e que tiveram filho ao longo de morbidade no período gestacional, hábitos
do ano de 2013. de vida e tipo de assistência recebida durante a
gestação e o parto. O desfecho deste estudo foi a
não utilização de assistência odontológica no pe-
Métodos ríodo gestacional, avaliado por meio da seguinte
pergunta: “A Sra. foi ao dentista durante esta gra-
Este estudo foi desenvolvido em Rio Grande, videz?” As respostas possíveis eram “sim”, “não” e
município com cerca de 210 mil habitantes, lo- “não sabe/não lembra”.
3891

Ciência & Saúde Coletiva, 24(10):3889-3896, 2019


Quatro entrevistadoras foram treinadas e (paridade) e o uso de serviços de saúde no perío-
selecionadas para aplicar os questionários. Duas do gestacional (trimestre de início do pré-natal,
delas trabalhavam de segunda a sexta-feira, uma número de consultas realizadas, tipo de serviço
entrevistadora cobria finais de semana e feriados, utilizado – público ou privado e se foi atendida
enquanto a última delas ficava disponível para a na ESF). No modelo utilizado, as variáveis foram
eventualidade de alguma substituição ou auxílio controladas para aquelas do mesmo nível ou de
quando o número de nascimentos ficava muito níveis anteriores cujo p-valor tenha sido de até
além do esperado. 0,20. Neste caso, a variável era mantida no mo-
As entrevistadoras procuraram diariamente delo a fim de controlar possível efeito de confun-
no livro de registros da maternidade a lista de dimento.
nascimentos ocorridos no dia anterior. Ao en- O controle de qualidade foi feito por telefone
contrar alguma puérpera, e sendo esta residente em até 14 dias após o parto, com 7% das puér-
em área rural ou urbana do município de Rio peras selecionadas de forma sistemática, usando
Grande, explicava-se a ela sobre o estudo, lia-se algumas questões previamente aplicadas pela
o termo de consentimento livre e esclarecido e, entrevistadora quando a mãe se encontrava ain-
em caso de concordância, este termo era por ela da na maternidade. O objetivo desta etapa era
assinado. Feito isso, realizava-se a entrevista. Este comprovar a realização da entrevista bem como
questionário era, em seguida, codificado e revi- verificar concordância entre respostas. Para tanto,
sado em sua totalidade ao final de cada dia de utilizou-se o índice Kappa de concordância, que
trabalho pelas próprias entrevistadoras, revisa- variou entre 0,63 a 0,78, sendo que os maiores
dos por profissional contratado especificamente índices obtidos foram para as variáveis “idade”
para este fim e, então, enviado para revisão final e “cor da pele”, enquanto os menores foram para
e digitação. Todos os questionários eram dupla- “trimestre de início do pré-natal” e “escolaridade”.
mente digitados por digitadores independentes. Este projeto de pesquisa foi submetido e
Os erros provenientes da comparação das digi- aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas na
tações eram listados e imediatamente corrigidos. Área da Saúde (CEPAS) da Universidade Federal
Estas etapas foram realizadas através do software do Rio Grande – FURG, e da Santa Casa de Mise-
livre Epidata 3.111. No passo seguinte, os dados ricórdia de Rio Grande.
eram transferidos para o pacote estatístico Stata
14.1, onde eram verificados (e corrigidos) valores
inesperados. Em seguida, foram categorizadas e Resultados
criadas as variáveis derivadas12.
A análise descritiva constou da obtenção da Segundo o Sistema de Informação sobre Nasci-
medida de frequência para todas as variáveis, dos Vivos (SINASC) houve 2.761 nascimentos
enquanto na análise multivariável utilizou-se re- de mães residentes no município de Rio Grande
gressão de Poisson com ajuste robusto da variân- em 2013. Deste total, foi possível obter informa-
cia. A medida de efeito utilizada foi a razão de ções para 2.685 delas, o que representa taxa de
prevalências13. Nas variáveis categóricas ordinais resposta de 97,0%. Considerando que este estudo
foi reportado o valor “p” do teste de tendência li- incluiu apenas mulheres com gestações únicas, a
near, enquanto nas demais variáveis foi utilizado amostra final contou com 2.653 mulheres.
o teste de Wald para heterogeneidade14. A Tabela 1 mostra que cerca de um terço das
A análise ajustada obedeceu ao modelo hie- puérperas possuía 30 anos ou mais de idade, 68%
rárquico previamente estabelecido15. Este mode- eram de cor da pele branca e 86% viviam com
lo possuía três níveis, sendo as variáveis do nível marido ou companheiro. Dentre as puérperas
distal sobre determinantes em relação àquelas estudadas, 60% haviam concluído pelo menos o
do nível intermediário, e estas sobre as variáveis ensino médio, 34% possuíam renda familiar de
proximais. O primeiro nível constou de variáveis até dois salários mínimos mensais (SMM) e 44%
demográficas (idade, cor da pele e se vive com haviam exercido trabalho remunerado durante a
marido ou companheiro) e socioeconômicas (es- gravidez. Cerca de dois terços residiam com até
colaridade da mãe, renda familiar mensal – em três pessoas no domicílio e 47% eram primípa-
salários mínimos e se exerceu trabalho remune- ras. Em relação ao uso de serviços de saúde, 86%
rado durante a gestação), enquanto o segundo realizaram seis ou mais consultas de pré-natal,
nível incluiu variável ambiental (número de mo- com 78% delas tendo iniciado estas consultas
radores no domicílio). No terceiro e último ní- ainda no primeiro trimestre. Cerca de 30% rea-
vel entraram as variáveis de história reprodutiva lizaram pré-natal em Unidades Básicas de Saúde.
3892
Konzen Júnior DJ et al.

Tabela 1. Características demográficas, socioeconômicas, reprodutivas e de utilização de serviços de saúde entre


puérperas residentes no município de Rio Grande, RS, em 2013.
Variável n Percentual
Idade (em anos completos)
13 a 19 460 17,4%
20 a 24 704 26,5%
25 a 29 637 24,0%
30 a 34 526 19,8%
35 ou mais 326 12,3%
Cor da pele
Branca 1752 66,0%
Parda 592 22,3%
Preta 309 11,7%
Vive com marido ou companheiro 2275 85,8%
Escolaridade da mãe (anos completos)
1a4 162 6,1%
5a8 894 33,7%
9 a 11 1186 44,7%
12 ou mais 411 15,5%
Renda familiar mensal (salários mínimos)
Até 0,99 143 5,4%
1 a 1,99 758 28,6%
2 a 3,99 1052 39,6%
4 ou mais 700 26,4%
Trabalharam durante a gestação 1158 43,7%
Número de moradores no domicílio
1a3 1714 64,6%
4 ou mais 939 35,4%
Paridade
Primípara 1255 47,3%
1 786 29,6%
2 ou mais 612 23,1%
Trimestre de início do pré-natal (n = 2583)
Primeiro 2028 78,5%
Segundo 509 19,7%
Terceiro 46 1,8%
Número de consultas realizadas do pré-natal (n = 2583)
1a3 109 4,2%
4 ou 5 257 10,0%
6 ou mais 2217 85,8%
Tipo de serviço utilizado no pré-natal
(n = 2583)
Unidade básica de saúde 773 29,9%
Ambulatório público 515 19,9%
Convênio 1076 41,7%
Médico particular 167 6,5%
Outro 52 2,0%
Uso da Estratégia de Saúde da Família (n = 773)
Sim 704 91,1%
Não 69 8,9%
Não fizeram uso de serviço odontológico durante a gestação 1593 60,1%
Total 2653 100,0%
3893

Ciência & Saúde Coletiva, 24(10):3889-3896, 2019


A prevalência de não utilização de serviços odon- utilização de serviços odontológicos durante a
tológicos durante a gestação foi de 60,1%. gestação foi de 69,5%6, 86,3%4 e 71,0%16, respec-
A Tabela 2 apresenta a prevalência do des- tivamente. Isto decorre, principalmente, da falta
fecho de acordo com cada categoria de variável de conhecimento quanto a importância deste
independente e as análises bruta e ajustada. A tipo de serviço, não somente por parte da mãe,
prevalência de não utilização de serviços odon- mas, também, por parte dos profissionais de saú-
tológicos na gestação variou de 51% entre as mu- de, que muitas vezes desconhecem ou ignoram
lheres com 12 anos ou mais de escolaridade a 83% os sinais e sintomas clínicos orais relatados pe-
entre aquelas que realizaram de 1 a 3 consultas de las gestantes, tampouco prezam pela prevenção
pré-natal. A análise ajustada mostrou que a RP destes problemas. Soma-se, ainda, o mito de que
de não utilização de serviços odontológicos du- a mulher grávida não pode realizar tratamento
rante a gestação para mulheres com 35 anos ou odontológico, o medo de sentir dor ou receio do
mais de idade foi de 1,12 (IC95%:1,00-1,25) em tratamento afetar seu bebê, além do despreparo
relação àquelas com 13 a 19 anos, enquanto que a dos cirurgiões-dentistas para atender as gestan-
RP para escolaridade entre 1 a 4 anos foi de 1,43 tes, por considerarem estas pacientes de risco17,18.
(IC95%:1,25-1,64) quando comparada àquelas Na Colômbia, onde a saúde oral faz parte do cui-
com 12 anos ou mais de estudo. Puérperas com dado pré-natal desde o ano de 2008, dispondo,
renda familiar menor que 1 SMM tiveram RP = inclusive de um guia de atenção à saúde oral da
1,21 (IC95%:1,05-1,40) em relação à puérperas gestante, a taxa de não utilização dos serviços
com 4 SMM ou mais. A RP para parturientes que odontológicos foi de apenas 17%19. Fica evidente
viviam com quatro ou mais pessoas no domicí- que a inclusão deste cuidado no pré-natal levaria
lio foi de 1,07 (IC95%:1,01-1,15) em relação às a melhor reconhecimento pelas mulheres e me-
demais. Realizar de 1 a 3 consultas de pré-natal lhor preparo dos profissionais de saúde.
implicou RP = 1,20 (IC 95%:1,07-1,34) em rela- Este inquérito revelou que quanto maior
ção a seis ou mais consultas. Por fim, puérperas a idade da gestante, maior será a probabilida-
que realizaram o pré-natal no serviço público e de dela não utilizar o serviço odontológico. Da
em unidades básicas de saúde sem ESF mostra- mesma forma, nos Estados Unidos, as gestantes
ram RP = 1,15 (IC95%:1,06-1,25) e RP = 1,38 com mais de 40 anos tiveram chance quatro ve-
(IC95%: 1,17-1,62) de não buscar por cuidado zes maior de não terem suas necessidades bucais
odontológico em relação àquelas que fizeram atendidas na gravidez comparadas àquelas me-
pré-natal no serviço privado e em unidades com nores de 20 anos20. As gestantes mais jovens ten-
ESF, respectivamente. dem a apresentar maior interesse pela aquisição
de hábitos saudáveis, sendo mais facilmente in-
fluenciadas a participar de atividades educativas
Discussão e a procurar determinado atendimento quando
referenciado21.
Seis em cada 10 gestantes participantes deste es- Ao que se refere à escolaridade materna,
tudo não realizaram consulta odontológica du- quanto menor a escolaridade, maior o risco da
rante a gravidez. Após ajuste para confundidores, gestante não utilizar esse serviço. Semelhante-
a maior probabilidade de não utilização deste mente, a chance de não realizar nenhuma visita
serviço se deu entre puérperas de maior idade, ao dentista foi 1,5 vezes maior pelas gestantes
com maior número de moradores no domicílio, menos escolarizadas em amostra de 21.732 ges-
de menor escolaridade e renda familiar, que rea- tantes nos Estados Unidos5. A escolaridade ma-
lizaram um menor número de consultas de pré- terna está estreitamente relacionada ao melhor
natal e que foram atendidas em unidades básicas entendimento das necessidades em saúde e dos
de saúde que não ofereciam ESF, sugerindo forte benefícios da assistência pré-natal na sua com-
influência do nível socioeconômico e carência de plexidade, o que inclui o cuidado bucal22.
acesso aos serviços de saúde bucal da ESF nesta A menor renda familiar foi diretamente as-
população. sociada ao não uso dos serviços odontológicos.
O cuidado odontológico é frequentemente Este dado é consistente com outros estudos6. A
negligenciado durante a gravidez. Sessenta por baixa procura por serviços dentários durante a
cento das parturientes residentes neste municí- gravidez pode ser atribuída ao custo destes ser-
pio não foram sequer uma única vez ao cirur- viços. Em estudo realizado na Austrália, o custo
gião-dentista no período gestacional. Na Aus- do atendimento foi uma barreira destacada por
trália, Turquia e Malásia, a proporção de não 30% das gestantes6. O limitado acesso ao serviço
3894
Konzen Júnior DJ et al.

Tabela 2. Análises bruta e ajustada para fatores associados à não utilização de serviço odontológico entre
puérperas residentes no município de Rio Grande, RS, em 2013. (n = 2.653).
Prevalência de não Razão de prevalências e IC
utilização de serviços de 95%
Nível Variável
odontológicos
Bruta Ajustada
durante a gestação
1º Idade (anos completos) p = 0,915* p = 0,019*
13 a 19 63,5% 1,00 1,00
20 a 24 57,7% 0,91 (0,83-1,00) 0,99 (0,90-1,08)
25 a 29 60,1% 0,95 (0,86-1,04) 1,07 (0,98-1,18)
30 a 34 58,0% 0,91 (0,83-1,01) 1,05 (0,95-1,17)
35 ou mais 63,5% 1,00 (0,90-1,11) 1,12 (1,00-1,25)
Cor da pele p = 0,014 p = 0,406
Branca 58,4% 1,00 1,00
Parda ou preta 63,3% 1,08 (1,02-1,15) 1,03 (0,96-1,09)
Vive com companheiro p = 0,005 p = 0,306
Sim 59,0% 1,00 1,00
Não 66,1% 1,12 (1,03-1,21) 1,05 (0,96-1,14)
Escolaridade da mãe (anos completos) p < 0,001* p < 0,001*
1a4 79,0% 1,55 (1,37-1,76) 1,43 (1,25-1,64)
5a8 67,1% 1,32 (1,19-1,47) 1,25 (1,11-1,41)
9 a 11 55,3% 1,09 (0,98-1,21) 1,06 (0,94-1,19)
12 ou mais 50,9% 1,00 1,00
Renda familiar mensal em salários p < 0,001* p = 0,004*
mínimos
Até 0,99 72,0% 1,39 (1,23-1,57) 1,21 (1,05-1,40)
1 a 1,99 65,3% 1,26 (1,15-1,38) 1,14 (1,03-1,26)
2 a 3,99 60,1% 1,16 (1,06-1,26) 1,09 (1,00-1,20)
4 ou mais 51,9% 1,00 1,00
2º Número de moradores no domicílio p < 0,001 p = 0,030
1a3 56,7% 1,00 1,00
4 ou mais 66,1% 1,17 (1,09-1,24) 1,07 (1,01-1,15)
3º Paridade p < 0,001 p = 0,609
Primípara 56,6% 1,00 1,00
1 58,1% 1,03 (0,95-1,11) 1,00 (0,92-1,09)
2 ou mais 69,6% 1,23 (1,15-1,32) 1,05 (0,94-1,18)
3º Trimestre de início do pré-natal** p < 0,001 p = 0,193
Primeiro 56,6% 1,00 1,00
Segundo 67,4% 1,19 (1,11-1,28) 1,06 (0,98-1,15)
Terceiro 78,3% 1,38 (1,18-1,62) 1,14 (0,96-1,35)
Número de consultas** p < 0,001* p = 0,028*
1a3 83,5% 1,38 (1,18-1,62) 1,20 (1,07-1,34)
4 ou 5 64,6% 1,19 (1,11-1,28) 1,01 (0,90-1,10)
6 ou mais 57,3% 1,00 1,00
Tipo de serviço** p < 0,001 p = 0,001
Público 63,2% 1,15 (1,08-1,23) 1,15 (1,06-1,25)
Privado 54,8% 1,00 1,00
Uso da Estratégia de Saúde da Família p < 0,001 p < 0,001
(n = 773)
Sim 53,6% 1,00 1,00
Não 73,9% 1,38 (1,18-1,61) 1,38 (1,17-1,62)
*Teste de tendência linear. **Dados para 2583 mulheres que realizaram pré-natal.
3895

Ciência & Saúde Coletiva, 24(10):3889-3896, 2019


público foi outro fator salientado na investigação. ma tiveram probabilidade maior de não realizar
Desta forma, a gestante mais favorecida econo- a visita ao dentista. Este achado se deve ao dife-
micamente tem como opção a utilização de ser- rencial destas unidades formadas pelas equipes
viços odontológicos privados, não dependendo multiprofissionais além da efetiva aplicação dos
única e exclusivamente dos serviços públicos, princípios da ESF, que se caracteriza pela atenção
que, no Brasil, costuma ser sinônimo de grandes primária e prevenção das patologias, o que inclui
filas e agendamentos de longa espera. a saúde bucal. A maior parte destas equipes in-
O número de moradores no domicílio é ou- clue o cirurgião dentista, que muitas vezes está
tro fator associado significativamente ao desfe- indisponível nas unidades de saúde de modelo
cho deste estudo. Gestantes que residiam com tradicional. Dessa forma, a gestante não necessita
quatro ou mais moradores no domicílio tiveram ir em busca deste tipo de cuidado em outro ser-
uma probabilidade de 1,07 (IC95%:1,01–1,15) viço de saúde26.
comparadas àquelas que residiam com até três Na interpretação dos resultados deste estudo
pessoas. Estes números podem ser explicados em é importante considerar a presença de algumas
função de a mãe dispender de maior tempo para limitações. O autorrelato do comportamento em
cuidar dos afazeres domésticos, em geral, nesta saúde bucal e informações do período gestacio-
situação, o número de crianças pequenas que nal são passíveis de viés de informação. Como
requer cuidado materno é maior, o que reduz o foi realizada uma abordagem única com as puér-
seu tempo para cuidar de outras necessidades, o peras, por estudo transversal, estas podem ter
que inclui a busca por serviços de saúde23. Além esquecido ou omitido alguma informação, uma
disso, a mãe tem dificuldade de sair da residência, vez que foram questionadas sobre situações que
pelo fato de não ter com quem deixar seus filhos aconteceram durante a gravidez. Contudo, não
menores24. Outro fator a ser considerado diz res- há razão para pensar que tenha afetado o estudo
peito à renda familiar restrita em famílias maio- de forma significativa.
res, que pode ser um limitante para a realização Os resultados aqui apresentados refletem a
das consultas odontológicas, uma vez que estas existência de lacunas na utilização da assistência
famílias teriam demais necessidades. odontológica na gravidez. Dentre estas, destaca-
Quanto menor o número de consultas rea- se a necessidade de incentivar as gestantes a pro-
lizadas de pré-natal, maior será a probabilidade curarem pelos serviços odontológicos e também
da gestante não procurar por atendimento odon- de ampliar o acesso, especialmente às mulheres
tológico neste período. Este achado condiz com de baixa renda e escolaridade e que realizam pré-
os resultados encontrados no trabalho de Santos natal no serviço público. A inserção de cuidados
Neto et al.7, desenvolvido na região metropolitana odontológicos no pré-natal parece ser efetivo na
de Vitória, com 1032 puérperas. O maior número utilização destes serviços. Grande contribuição se
de consultas possibilita maior contato com o ser- observa aqui em relação a ESF, que tem contri-
viço de saúde, o que favorece a busca de cuidados buído de forma importante para a universaliza-
odontológicos, sobretudo no período gestacional. ção deste tipo de cuidado até então negligenciado
Além disso, as gestantes que realizaram o pré- pelos gestores dos serviços de saúde. A ampliação
natal no serviço público tiveram probabilidade da cobertura de Equipes de Saúde Bucal na ESF é
maior de não utilizar serviços odontológicos de fundamental importância para qualificar ain-
em relação às demais participantes do estudo. da mais o acesso e a atenção à saúde bucal das
Esta mesma constatação pode ser verificada nas gestantes.
pesquisas realizadas por Marchi et al.5 e Cor-
chuelo-Ojeda e Pérez19. De acordo com estudo
desenvolvido por Batistella et al.25, as gestantes
que utilizaram serviço público receberam menos
informações sobre saúde bucal. Assim, a gestante
usuária do serviço público recebe menos infor- Colaboradores
mações sobre saúde bucal e, consequentemente,
desconhece a importância do acompanhamento DJ Konzen Júnior foi responsável pela análise de
odontológico neste período. dados e redação final do artigo; LP Marmitt au-
Por fim, que quando as gestantes que reali- xiliou na análise de dados e contribuiu na reda-
zaram as consultas de pré-natal em unidades ção final do artigo; JA Cesar foi responsável pelo
básicas de saúde foram avaliadas quanto a pre- delineamento do estudo e auxiliou na análise de
sença da ESF ou não da unidade, as desta últi- dados e redação final do artigo.
3896
Konzen Júnior DJ et al.

Referências

1. López NJ, Smith PC, Gutierrez J. Higher risk of pre- 16. Saddki N, Yusoff A, Hwang YL. Factors associated with
term birth and low birth weight in women with peri- dental visit and barriers to utilisation of oral health
odontal disease. J Dent Res 2002; 81(1):58-63. care services in a sample of antenatal mothers in Hos-
2. Boggess KA, Madianos PN, Preisser JS, Moise Junior pital Universiti Sains Malaysia. BMC Public Health
KJ, Offenbacher S. Chronic maternal and fetal Porphy- 2010; 10:75.
romonas gingivalis exposure during pregnancy in rab- 17. Lopes FF, Ribeiro TV, Fernandes DB, Calixto NRV, Al-
bits. Am J Obstet Gynecol 2005; 192(2):554-557. ves CMC, Pereira ALA, Pereira AFV. Conhecimentos e
3. Martins RFM, Azevedo JAP, Dourado CRL, Ribeiro práticas de saúde bucal de gestantes usuárias dos servi-
CCC, Alves CMC, Thomaz EBAF. Oral health behaviors ços de saúde em São Luís, Maranhão, 2007-2008. Epi-
and dental treatment during pregnancy: a cross-sec- demiol e Serviços Saúde 2016; 25(4):819-826.
tional study nested in a cohort in northeast Brazil. Pesq 18. Silveira JLGC, Abraham MW, Fernandes CH. Gestação
Bras Odontoped Clin Integr 2014; 14(1):5-11. e saúde bucal: significado do cuidado em saúde bucal
4. Ozen B, Ozer L, Başak F, Altun C, Açıkel C. Turkish por gestantes não aderentes ao tratamento [Internet].
women’s self-reported knowledge and behavior to- Rev APS 2017 [acessado 2017 Dec 9]; 19. Disponível
wards oral health during pregnancy. Med Princ Pract em: https://aps.ufjf.emnuvens.com.br/aps/article/view
2012; 21(4):318-322. /2559
5. Marchi KS, Fisher-Owens SA, Weintraub JA, Yu Z, 19. Corchuelo-Ojeda J, Pérez GJ. Socioeconomic determi-
Braveman PA. Most pregnant women in California nants of dental care during pregnancy in Cali, Colom-
do not receive dental care: findings from a popula- bia. Cad Saude Publica 2014; 30(10):2209-2218.
tion-based study. Public Health Rep 2010; 125(6):831- 20. Singhal A, Chattopadhyay A, Garcia AI, Adams AB,
842. Cheng D. Disparities in unmet dental need and dental
6. George A, Johnson M, Blinkhorn A, Ajwani S, Bhole care received by pregnant women in Maryland. Matern
S, Yeo AE, Ellis S. The oral health status, practices and Child Health J 2014; 18(7):1658-1666.
knowledge of pregnant women in south-western Syd- 21. Moimaz SAS, Rocha NB, Saliba O, Garbin CAS. O aces-
ney. Aust Dent J 2013; 58(1):26-33. so de gestantes ao tratamento odontológico. Revista de
7. Santos Neto ET, Oliveira AE, Zandonade E, Leal MC. Odontologia da Universidade Cidade de São Paulo 2007;
Acesso à assistência odontológica no acompanhamen- 19(1):39-45.
to pré-natal. Cien Saude Colet 2012; 17(11):3057-3068. 22. Gigliotti MP, Theodoro D, Silva SMB, Machado
8. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) MAAM, Oliveira TM. Relação entre nível de escolari-
[Internet]. 2015 [acessado 2015 Out 1]. Disponível em: dade de mães e percepção sobre saúde bucal de bebês.
http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang = Salusvita 2007; 26(2):69-77.
&codmun = 431560&search = rio-grande-do-sul|rio- 23. Souza NA, Queiroz LLC, Queiroz RCCS, Ribeiro TSF,
grande|in fograficos:-informacoes-completas Fonseca MSS. Perfil epidemiológico das gestantes aten-
9. Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel didas na consulta de pré-natal de uma unidade bási-
Heuser (FEE/RS) [Internet]. Govoverno Estadual do ca de saúde em São Luís - MA. Rev Ciênc Saude 2013;
Rio Grande do Sul 2015 [acessado 2015 Nov 29]. Dis- 15(1):28-38.
ponível em: http://www.fee.rs.gov.br/perfilsocioecono- 24. Albuquerque OMR, Abegg C, Rodrigues CS. Percepção
mico/municipios/detalhe/?municipio = Rio+Grande de gestantes do Programa Saúde da Família em relação
10. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Departamento de a barreiras no atendimento odontológico em Pernam-
Atenção Básica – Sistema Único de Saúde (DAB-SUS) buco, Brasil. Cad Saude Publica 2004; 20(3):789-796.
[Internet]. 2016 [acessado 2016 Nov 3]. Disponível em: 25. Batistella FID, Imparato JCP, Raggio DP, Carvalho AS.
http://dab.saude.gov.br/dab/historico_cobertura_sf/ Conhecimento das gestantes sobre saúde bucal – na
historico_cobertura_sf_relatorio.php rede pública e em consultórios particulares. RGO 2006;
11. Lauritsen JM. EpiData Data Entry, Data Management 54(1):67-73.
and basic Statistical Analysis System [Internet]. Odense: 26. Moimaz SAS, Carmo MP, Zina LG, Saliba NA. Associa-
EpiData Association; 2008. [acessado 2016 Nov 3]. Dis- ção entre condição periodontal de gestantes e variáveis
ponível em: http://www.epidata.dk maternas e de assistência à saúde. Pesq Bras Odontoped
12. StataCorp. Stata Statistical Software: Release 14.1. Col- Clin Integr 2010; 10(2):271-278.
lege Station: StataCorp LP; 2014.
13. Barros AJ, Hirakata VN. Alternatives for logistic regres-
sion in cross-sectional studies: an empirical compar-
ision of models that directly estimate the prevalence
ratio. BMC Med Res Methodol 2003; 3:21.
14. Kirkwood BR, Sterne JAC. Essentials of medical statis-
tics. 2nd ed. Massachusetts: Blackwell; 2003.
15. Victora CG, Huttly SR, Fuchs SC, Olinto MT. The role
of conceptual frameworks in epidemiological anal- Artigo apresentado em 10/08/2017
ysis: a hierarchical approach. Int J Epidemiol 1997; Aprovado em 26/03/2018
26(1):224-227. Versão final apresentada em 28/03/2018

CC BY Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons

Você também pode gostar