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Libras

Organizado por Universidade Luterana do Brasil

Libras

Fabrício Mähler Ramos


Ingrid Ertel Stürmer
Sandro Rodrigues da Fonseca
Vinicius Martins Flores

Universidade Luterana do Brasil – ULBRA


Canoas, RS
2016
Conselho Editorial EAD
Andréa de Azevedo Eick
Ângela da Rocha Rolla
Astomiro Romais
Claudiane Ramos Furtado
Dóris Gedrat
Honor de Almeida Neto
Maria Cleidia Klein Oliveira
Maria Lizete Schneider
Luiz Carlos Specht Filho
Vinicius Martins Flores

Obra organizada pela Universidade Luterana do Brasil.


Informamos que é de inteira responsabilidade dos autores
a emissão de conceitos.
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida
por qualquer meio ou forma sem prévia autorização da
ULBRA.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei
nº 9.610/98 e punido pelo Artigo 184 do Código Penal.

ISBN: 978-85-5639-116-2
Dados técnicos do livro
Diagramação: Jonatan Souza
Revisão: Paula Fernanda Malaszkiewicz
Apresentação

O aprendizado da Língua Brasileira de Sinais demanda mais do que


decorar vocabulário em outra língua, demanda conhecer e reco-
nhecer todo um universo cultural surdo muitas vezes completamente novo
para o universo ouvinte. Esta obra tem como objetivo propiciar aos alunos
a oportunidade de aprender mais sobre os aspectos linguísticos, históricos
e culturais dos surdos.

Para atingir esse objetivo, montou-se uma equipe de professores com-


posta por surdos e ouvintes com um histórico de promoção de práticas
para a inserção da língua de sinais e da cultura surda na nossa sociedade
como: o ensino de libras, a formação de professores para surdos, a forma-
ção de intérpretes Libras/ Língua Portuguesa, além da pesquisa acadêmica.
Em suma, esta equipe tem em seu histórico o engajamento político neces-
sário para pensar e praticar a inclusão de surdos respeitando o seu lugar
como parceiros na luta e protagonistas do processo.

Esta obra deseja provocar nos acadêmicos que estão começando a


sua trajetória de aquisição do conhecimento sobre a Libras a refletir sobre
a teoria e também se engajar em práticas culturais que promovam a cultura
surda e a sua integração por meio do conhecimento de sua língua. As te-
máticas foram organizadas de forma a discorrer sobre a Libras do ponto de
vista histórico, linguístico, político, contemplando suas questões culturais e
os métodos de ensino que a ela devem estar atrelados. Muito além da sim-
ples transmissão de informações, o intuito maior deste trabalho é promover
a consciência de que o conhecimento aqui proposto pode fazer a diferença
tanto na vida da comunidade surda quanto dos ouvintes que aprendem a
reconhecer os seus traços e contornos culturais.
Sumário

1 Estudos em Libras: Conhecendo a História da Língua.............1


2 Estudos Linguísticos da Libras...............................................23
3 Cultura e Comunidade Surda..............................................47
4 Políticas Educacionais e Educação de Surdos........................65
5 Políticas Linguísticas e a Língua de Sinais.............................88
6 Ensino em Libras como Primeira Língua para Surdos..........110
7 Ensino de Língua Portuguesa para Surdos..........................130
8 Pesquisas em Línguas de Sinais..........................................147
9 Saúde e Libras...................................................................163
10 Língua de Sinais: Estudos Interdisciplinares........................183
Vinicius Martins Flores1

Capítulo 1

Estudos em Libras:
Conhecendo a História
da Língua 1

1 Doutorando em Letras – Psicolinguística (UFRGS); Mestre em Letras – Linguística


Aplicada (UFRGS); Especialista em Aquisição da Linguagem e Alfabetização (FEE-
VALE); graduado em Letras Libras – Bacharelado (UFSC) e em Pedagogia – Licen-
ciatura (ULBRA); participa do Grupo de Pesquisa Educação e Processos Inclusivos
(GPEPI) da UERGS – Litoral Norte; atua como docente de Libras na ULBRA (Cano-
as/RS) e na UERGS (Osório/RS)
2   Libras

Introdução

Na atualidade, a Língua Brasileira de Sinais (doravante, Libras)


vem sendo reconhecida em diferentes espaços, ganhando no-
vos espaços, principalmente no meio educacional. Portanto,
faz-se necessário conhecermos mais sobre essa língua e os as-
pectos históricos que entremeiam a Língua de Sinais ao longo
dos tempos.

É importante ressaltar que o presente estudo propõe fazer


uma apresentação do que é um sujeito bilíngue e o concei-
to de bilinguismo, bem como conhecer sobre a Libras. Nesse
contexto, a presente seção tem como objetivo conceituar e dis-
cutir características da educação bilíngue, bem como explorar
as possibilidades da constituição do sujeito bilíngue e os as-
pectos gramaticais da Língua Brasileira de Sinais.

1 Bilinguismo e o bilíngue

Compreender o que é o bilinguismo e principalmente quem


é o bilíngue é fundamental para iniciar os estudos sobre a Li-
bras. O sujeito surdo, usuário de Libras, é um sujeito natural-
mente bilíngue, quando nascido em uma família de ouvintes,
e que tem em seu próprio lar duas línguas, sendo a Língua
Brasileira de Sinais sua primeira língua e o Português Brasilei-
ro a segunda.

Para muitos, o bilinguismo é algo já estabelecido onde


existe uma pessoa que sabe duas línguas; para outros, o bi-
Capítulo 1    Estudos em Libras: Conhecendo a História da Língua    3

linguismo é ter proficiência nas duas línguas. Por esse motivo,


o conceito do bilinguismo será revisado por nós, já que é um
conceito de um fenômeno complexo e que a literatura o apre-
senta com diferentes formatos.

Nas primeiras pesquisas registradas em 1923, Saer apre-


senta que o bilinguismo é algo ruim, que acarreta prejuízo
cognitivo e de aprendizagem. Ao mesmo tempo pode ser bom
para as pessoas, já que aumenta a tolerância e a habilida-
de de adaptação, conforme relatam Kielhöfer e Jonekeit em
1983. Na busca ainda de compreender o fenômeno do bilin-
guismo, Titone, em 1972, publicou um estudo em que observa
o papel do bilinguismo na sociedade, visualizando o quanto
somos bilíngues e como utilizamos essas línguas.

Considerar os estudos anteriores é necessário, já que as


pesquisas de Mackey (1972) corroboram com os estudos atu-
ais de bilinguismo surdo. Mas o que é um bilinguismo surdo?
Vamos explorar mais adiante essa ideia. Nesse momento, con-
tinuaremos com a proposta de Mackey (1972), que conside-
ra o sujeito bilíngue como aquele que alterna duas ou mais
línguas, ou seja, que usa duas ou mais línguas conforme a
necessidade de comunicação. Ele estabelece que, conforme o
uso, existem medidas e graus para o mesmo.

Portanto, Mackey (1972) propõe que o sujeito não pode


ser bilíngue apenas por saber duas línguas, que o saber duas
línguas seja o único requisito para ser bilíngue estaria equivo-
cado. O bilinguismo deve ser visto como um todo, considerar
o grau, função, alternância e interferência das línguas. Veja-
mos, o grau está relacionado ao quanto o sujeito conhece
4   Libras

das duas línguas, tanto na produção quanto na compreensão


da língua. Ou seja, o sujeito bilíngue poderá ter uma maior
habilidade na escrita ou somente na leitura, ou nas quatro ha-
bilidades da língua (leitura, escrita, produção e compreensão).

O item Função, para Mackey (1972), determina as finali-


dades de uso da língua, considera as circunstâncias em que é
utilizada as línguas pelo bilíngue, e a Alternância é a possibili-
dade de trocas de língua, essa possibilidade do bilíngue poder
determinar a partir da função e do grau de conhecimento das
línguas, o momento e com quem pode usar determinada lín-
gua. Como percebe-se, o bilíngue é um sujeito que pode ser
mais proficiente em uma língua e menos na outra, já que pode
escolher onde, quando e qual língua usar.

Esse conceito de que o bilíngue não é altamente proficiente


nas duas línguas é algo que podemos dizer ser recente, já que
surge através dos estudos de Fischman (1972) e os estudos de
Grosjean (1985, 1989) corroboram para que entendamos o
que seria ser bilíngue. Nesses estudos, defende a concepção
de domínios de uso da língua, desconsiderando a proposta
de que para ser bilíngue o indivíduo teria que ser usuário de
duas línguas da mesma forma. Enfatiza que existe sim dife-
rentes níveis de uso das línguas considerando contextos e as
necessidades de uso.

Dessa forma, Grosjean (1994) inicia as discussões sobre a


noção de “contínuo”. Este conceito é uma variável importante
para ser considerada na educação de surdos, já que o bilin-
guismo é peça fundamental para pensar a educação bilíngue.
O contínuo pode ser compreendido em duas extremidades: a
Capítulo 1    Estudos em Libras: Conhecendo a História da Língua    5

primeira seria de explicar sobre os bilíngues sem habilidade de


alternar as línguas, mas que possuem uma proficiência baixa
em uma das línguas em alguns contextos de comunicação; a
segunda seria que o bilíngue possui habilidade de alternar as
línguas em diferentes contextos e domínios de uso, portanto os
bilíngues podem apresentar-se de formas diferentes a partir de
suas experiências com as línguas.

Destaco que ser bilíngue não é ter dois monolíngues em


uma pessoa, mas sim, a habilidade de poder usar as línguas
conforme a necessidade de comunicação que o contexto pro-
porciona. Compreender a função de cada língua é essencial,
por exemplo, o sujeito surdo tem um contexto específico, onde
95% das crianças surdas nascem em lares onde os pais são
ouvintes e desconhecem a Libras (STROBEL, 2007). Nesse
caso, o bilinguismo é imposto socialmente, já que a própria
família é composta por pessoas que usam outra língua que
não a sua. Nós ouvintes, quando desejamos, podemos fazer
uma escolha de língua para o contexto de trabalho, outra para
conversar com amigos, sendo que o uso de uma ou outra em
contextos/situações diferentes pode ser definido por diversos
fatores, e um desses fatores pode ter sido uma decisão pessoal
livre. No caso dos surdos brasileiros, é uma escolha imposta
sob a Lei Federal 10.436/2002, que estabelece que o surdo
deve ser bilíngue, utilizando a Libras, e o português brasileiro
na modalidade escrita como segunda língua.

O contexto de aquisição das línguas é importante, podendo


definir o quanto e como o bilíngue poderá utilizar as línguas,
conforme Chin e Wigglesworth (2007). Os autores defendem
que a aquisição das línguas sofre influência social, gerando a
6   Libras

percepção que os bilíngues possuem do uso das duas línguas.


Há duas formas de comunidades linguísticas, sendo a primeira
endógena, onde a segunda língua é presente na comunidade,
e a segunda a exógena, que é quando a segunda língua não
está presente no contexto em que o indivíduo se insere. Por
exemplo, quando a língua é utilizada somente na escola, po-
derá gerar um efeito sobre o grau de bilinguismo individual, já
que a segunda língua não é utilizada diariamente e em diver-
sos contextos. O surdo, nesse caso, é da comunidade exóge-
na, pois a Libras é uma língua que não é amplamente utilizada
nos meios de comunicação e pela sociedade como um todo.

Outro ponto para pensarmos o bilinguismo é a idade de


aquisição da Libras. Chin e Wigglesworth (2007) distinguem
entre bilíngues precoces e bilíngues tardios. Os bilíngues pre-
coces são caracterizados por serem indivíduos submetidos a
duas línguas antes da adolescência, ao passo que os bilín-
gues tardios são aqueles submetido à segunda língua após
a adolescência. Questões relacionadas à idade de aquisição
seguidamente surgem nas discussões relacionadas ao bilin-
guismo, principalmente devido à forte associação que existe
entre idade de aquisição e nível de proficiência na segunda
língua. Há estudos que apontam para a ideia de que o bilin-
guismo precoce possa oferecer vantagens, principalmente no
que se refere à aquisição de aspectos fonológicos da segunda
língua. Por outro lado, existem estudos que defendem que os
indivíduos maduros, os bilíngues tardios, estão em vantagem
para adquirir a segunda língua de forma mais rápida do que
crianças, por demonstrarem atitude, aptidão, motivação dife-
renciados e, principalmente, por compreenderem e analisarem
as estruturas complexas das línguas.
Capítulo 1    Estudos em Libras: Conhecendo a História da Língua    7

O que uma criança surda perde em aprender a Libras tar-


diamente? A resposta pode ser simples e complexa, já que
quando adulta poderá aprender Libras e ter sucesso na sua
aprendizagem. Mas o fato de não ter uma língua estabelecida
e clareza na comunicação com seus familiares e com todos
que o cercam poderá acarretar uma perda de informações de
sua comunidade cultural, informações familiares, conhecer a
si e aos que a rodeiam. Enfim, poderá ser uma pessoa estra-
nha em um espaço familiar, já que não consegue demonstrar
seus sentimentos de forma clara para com todos.

2 Bilíngue bimodal

O sujeito surdo, usuário de Libras, como visto anteriormente,


não nasce em lares bilíngues, os mesmos nascem na sua maio-
ria em famílias que aprenderão a Libras junto com a criança
surda, outras não aprenderam a Língua de Sinais, outras rejei-
tarão a Libras e optarão por um método oralista de comunica-
ção, onde a criança surda fará leitura orofacial (leitura labial)
para comunicar-se.

Nesse cenário diverso, deve-se considerar que a educação


de surdos começou no Brasil em 1857, com a criação do Insti-
tuto Nacional de Educação de Surdos (INES), que inicialmente
foi chamado de Instituto Nacional de Surdos-Mudos. E, logo
em 1880, o Brasil participou do Congresso de Milão, onde se
estabeleceu que a Língua de Sinais deveria ser proibida e que
o método oralista fosse adotado em diversos países, incluindo
o Brasil. O INES inicia, portanto, a proibição da Libras, utili-
8   Libras

zando a oralização como meio de comunicação. Sem êxito,


por volta da década de 80, inicia o método de Comunicação
Total, que estabelece uma comunicação com diferentes meios,
sendo uma mescla de Libras com oralização, podendo usar de
mímica e qualquer outro recurso comunicativo.

O método bilíngue começa a ser aplicado por volta do ano


de 1986, surgindo a filosofia bilíngue na década de 90, que
concebe o uso de duas línguas no espaço escolar para surdos,
evidenciando a primeira língua, que é a língua de sinais (GOL-
DFELD, 1997).

A alternância de línguas para os surdos brasileiros so-


mente é possível quando sua escolarização é baseada
verdadeiramente nos princípios de uma educação bilín-
gue de qualidade. Que se responsabiliza pelo desenvol-
vimento linguístico e cognitivo do seu alunado, de forma
a proporcionar a aquisição da língua de sinais como pri-
meira língua e, por meio, dela o ensino dos conteúdos e
a produção de conhecimento na escola, incluindo o en-
sino do português, na modalidade escrita. (SANTIAGO;
ANDRADE, 2013, p. 160)

O bilinguismo precisa ser discutido e tratado com muito


cuidado, poderá ser a forma de conceituá-lo que poderá fazer
a diferença. Vejamos que para Swanwick (2000) existem três
modalidades de língua presentes nos estudos de bilinguismo:
(1ª) a modalidade oral-auditiva, que abrange as línguas orais;
(2ª) a modalidade visual-gráfica, que compreende ao regis-
tro da língua; e (3ª) a modalidade visuoespacial, que abarca
às línguas de sinais. Quando discorremos sobre bilinguismo,
Capítulo 1    Estudos em Libras: Conhecendo a História da Língua    9

portanto, esse pode ser unimodal, quando se utiliza uma mo-


dalidade de língua, ou bimodal, no qual um indivíduo utiliza
línguas de modalidades diferentes, sendo uma língua na mo-
dalidade oral-auditiva e a outra na modalidade visuoespacial.
Que, no caso de surdos, o normal é o bilinguismo bimodal,
por serem raras as situações em que o surdo estará em si-
tuação de bilinguismo unimodal (utilizando duas Línguas de
Sinais).

3 Fenômenos linguísticos

Existe o mito de que a Língua de Sinais é composta por mí-


mica, gestos e que seria universal. De fato, são mitos, já que
a Língua de Sinais é uma língua que possui uma gramática
independente da língua de modalidade oral e cada país pos-
sui uma ou mais Línguas de Sinais. No Brasil, temos a Língua
Brasileira de Sinais – Libras, que é uma língua urbana, usada
nos grandes centros e nas cidades, e a Língua Urubu-Kappor,
que é utilizada por índios surdos em aldeias em alguns estados
brasileiros.

A Libras possui algumas características peculiares, como


por exemplo, poder falar em Libras e Português Brasileiro ao
mesmo tempo, já que outro bilíngue usuário de duas línguas
na modalidade oral-auditiva não conseguirá produzir as duas
línguas simultaneamente, visto que na oralidade os sons são
produzidos em um mesmo espaço articulatório. Da mesma
forma, não é possível que um bilíngue utilize duas línguas de
sinais simultaneamente, pois as duas são da mesma modali-
10   Libras

dade, o que torna inviável produzi-las ao mesmo tempo. En-


tretanto, é comum vermos situações em que um bilíngue utiliza
duas línguas de diferentes modalidades de forma alternada,
podendo expressar-se em uma língua na modalidade oral-
-auditiva ao mesmo tempo que registra sua produção em uma
modalidade visual-gráfica de outra língua.

Vemos que a produção da fala em língua oral e em lín-


gua de sinais (LS) realiza-se de maneiras bem distintas.
Nas LS, diferentemente das orais, a produção da fala
articula-se de maneira externa ao corpo do falante, as
partes do corpo é que se articulam e dão forma à língua.
Nesse sentido, o falante torna-se fisicamente visível na
produção da fala. Além disso, tem-se na produção das
LS dois articuladores independentes e iguais – as mãos
– as quais permitem uma diversidade de combinações e
construções simultâneas. Portanto, se nas línguas orais,
os articuladores da fala são internos, ficando, quase to-
talmente, ocultos, nas línguas de sinais eles se destacam,
sendo aparentes e explícitos. Assim, tanto a produção,
quanto a recepção se dão de formas distintas nessas
duas modalidades e isso tem implicações. (RODRIGUES,
2013, p. 129)

É imprescindível registrar que falar o Português Brasileiro e


Libras ao mesmo tempo é possível fisicamente, e é totalmen-
te inviável cognitivamente produzi-las de maneira simultânea.
Sendo duas línguas com gramáticas distintas, onde a estrutura
sintática, o uso do verbo, a organização do discurso ocorre de
forma diferente, faria o bilíngue eleger uma língua como do-
Capítulo 1    Estudos em Libras: Conhecendo a História da Língua    11

minante e a outra língua ficaria prejudicada, gerando prejuízo


para uma delas. Contudo, devemos observar um fenômeno
que pode ocorrer tanto em surdos como em ouvintes, o code-
-blending, conhecido como mistura de códigos. Esse fenôme-
no, que é muito comum e se caracteriza pela produção de duas
línguas ao mesmo tempo, com sobreposição de uma à outra,
somente é possível por serem as duas línguas de modalidades
distintas, sendo que a estrutura sintática de uma das línguas
ficará preservada (GROSJEAN, 2008). O code-blending difere
de outro fenômeno comum entre os bilíngues que dominam
duas ou mais línguas de modalidade oral-auditiva, o code-
-switching, nome dado à inserção de palavras ou expressões
de, por exemplo, duas línguas orais em uma mesma frase,
sendo que a estrutura sintática de uma das línguas é sempre
preservada (língua base) e algumas palavras ou trechos da
frase são substituídos por expressões da outra língua.

O fato de a modalidade das línguas Português Brasileiro e


Libras ser distinta fica evidente quando estudamos a gramática
da Libras, que por sua vez possibilita que possamos compre-
ender a estrutura de um signo (palavra) em Libras, bem como
uma frase estruturada nessa língua.

4 Conhecendo a Libras e sua estrutura

Primeiramente, apresento a datilologia, conhecido como Al-


fabeto Manual, que é a configuração de mão que representa
uma letra do alfabeto do Português Brasileiro. Veja:
12   Libras

A B C Ç D E F G H

I J K L M N O P Q

R S T U V W X Y Z

Percebe-se que cada letra é representada por uma configu-


ração de mão, ou seja, para cada letra a mão ganha um for-
mato específico, com ou sem movimento, assim simbolizando
uma letra do nosso alfabeto do Português Brasileiro. Deve-se
observar que o uso do alfabeto manual (datilologia) não é o
todo da Libras, e sim apenas um recurso no qual o Português
Brasileiro ganha forma, portanto, utilizar apenas o alfabeto
manual é estar empregando a Língua Portuguesa.

Para cada palavra em Português Brasileiro pode existir um


sinal equivalente ou um sinal próximo do sentido desejado;
caso não exista, o usuário de Libras terá que buscar outros re-
Capítulo 1    Estudos em Libras: Conhecendo a História da Língua    13

cursos que a Língua de Sinais oferece para se expressar, como


por exemplo o uso dos Classificadores ou, em alguns casos,
o uso do alfabeto manual, quando não existe outra forma de
traduzir um determinado termo.

O sinal em Libras é o equivalente a uma palavra em Por-


tuguês Brasileiro; dessa forma, um sinal é composto por parâ-
metros fonológicos como as palavras, portanto, um sinal não
pode ser criado ou feito sem critérios. As restrições para com-
por o sinal segundo Quadros e Karnopp (2004) são: configu-
ração de mãos, locação, movimento, expressões não manuais
e direção.

A configuração de mãos podemos dizer que é a forma


que a mão ganha ao fazer o sinal. Existem estudos que in-
dicam 61 configurações de mãos. A locação é o lugar onde
é produzido o sinal. O movimento pode ser externo, ou seja,
o movimento que a mão faz, ou interno, por exemplo, se a
mão abre e fecha. E a expressão não manual é relacionada
com as expressões de corpo e rosto que compõem o sinal e,
em muitas situações, pode definir se a palavra é uma expres-
são afirmativa ou negativa, por exemplo. E por último, e não
menos importante, é a direção, que pode definir o sentido da
palavra. Para elucidar esse parágrafo, segue a demonstração
com alguns sinais para visualizarmos os parâmetros e o papel
que cada um desenvolve.

Exemplos dos parâmetros fonológicos:


14   Libras

Configuração de Mãos: mãos


abertas
Locação: frente ao corpo
Movimento: leve movimento
Expressão não manual: rosto
Direção: para frente e para trás

POR FAVOR
Configuração de Mãos: em “S”
Locação: ao lado do rosto
Movimento: sem movimento
Expressão não manual: olhos
fechados
Direção: palma da mão
encostada no rosto

DORMIR
Configuração de Mãos: mão
aberta
Locação: peito
Movimento: sem movimento
Expressão não manual: não é
necessário
Direção: palma da mão em
contato com o corpo

MEU
Capítulo 1    Estudos em Libras: Conhecendo a História da Língua    15

Configuração de Mãos:
primeiro em dedos flexionados
e segundo em “L”
Locação: ao lado do corpo
Movimento: leve movimento
Expressão não manual: rosto e
lábios
QUAL Direção: para o lado

No quadro anterior, podemos perceber que cada sinal pos-


sui singularidades específicas, portanto, os parâmetros fonoló-
gicos podem se repetir, mas a combinação entre eles não se
repete, constituindo, dessa forma, um sinal único. No entanto,
é possível ter sinais iguais, que com o contexto de uso muda
o sentido.

Imagem 1

O sinal da Imagem 1, dependendo do contexto poderá ser


entendido como a palavra SÁBADO ou como LARANJA (fruta
ou a cor); o que definirá o sentido será o contexto de uso.
16   Libras

Não vamos explorar as questões de morfologia, sintaxe e


outras questões linguísticas, mas cabe a reflexão que a Língua
de Sinais, por ter uma gramática independente e por ser de
modalidade visuoespacial, já significa que tantas outras ques-
tões da língua são diferentes da estrutura do Português Brasi-
leiro. Findar esse assunto é inviável, mas é importante destacar
que estudar uma língua é algo contínuo e necessário por toda
vida.

Conclusão
A discussão sobre a história da Libras não era para organizar
uma linha do tempo, mas compreender que para entender o
que é a Libras, precisamos compreender o que é um sujeito
bilíngue bimodal. A diferença de modalidades e as diferen-
ças entre línguas oportunizam que a comunidade surda seria
como estrangeiro em nosso país, já que, mesmo sendo usu-
ários do Português Brasileiro escrito, eles utilizam uma língua
distinta da nossa em território brasileiro.

Recapitulando

O bilinguismo bimodal é quando temos um sujeito que utiliza


duas línguas de modalidades diferentes, no caso do surdo,
Libras e Português Brasileiro. Portanto, é essencial buscarmos
compreender que as línguas são distintas e independentes, já
que o bilíngue pode ter mais habilidade ou conhecimento em
uma língua que em outra. Assim, o surdo nem sempre será
Capítulo 1    Estudos em Libras: Conhecendo a História da Língua    17

proficiente da mesma forma nas duas línguas, podendo ser


mais em uma que em outra.

Referências

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Capítulo 1    Estudos em Libras: Conhecendo a História da Língua    19

Atividades

1) Analise as afirmações abaixo referentes aos estudos de bi-


linguismo.

I – O bilinguismo bimodal é quando o registro escrito de


uma das línguas é unimodal.

II – O bilinguismo bimodal é quando há duas modalidades


de língua.

III – O monolinguísmo é quando há duas línguas.

Quais estão corretas?

a) Apenas I.

b) Apenas II.

c) Apenas III.

d) Apenas II e III.

e) I, II e III.

2) O code-blending também é conhecido pelo termo:

a) Mistura de elementos

b) Código binário

c) Mistura de Código

d) Uso errado da língua

e) Gestos da língua
20   Libras

3) A língua de sinais e a língua portuguesa são de modalida-


des distintas.

Assinale V para as afirmativas verdadeiras e F para as fal-


sas, considerando a assertiva acima.

(  ) A língua portuguesa é visuoespacial, portanto é dife-


rente da língua de sinais.

(  ) Falar o Português Brasileiro e Libras ao mesmo tempo


é possível fisicamente, e é totalmente inviável cogniti-
vamente produzi-las simultaneamente.

(  ) A Libras possui características diferentes das línguas


orais, mas a gramática, principalmente a fonologia, é
idêntica.

A sequência correta de preenchimento dos parênteses, de


cima para baixo, é

a) V – V – V

b) V – F – F

c) F – V – V

d) F – V – F

e) F – F – F

4) Nesse cenário diverso, deve-se considerar que a educação


de surdos começou no Brasil em ______, com a criação
do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), que
inicialmente foi chamado de Instituto Nacional de Surdos-
-Mudos. E logo em ______, o Brasil participou do Congres-
Capítulo 1    Estudos em Libras: Conhecendo a História da Língua    21

so de Milão, onde se estabeleceu que a Língua de Sinais


deveria ser proibida e que o método oralista fosse adotado
em diversos países, incluindo o Brasil.

A alternativa cujas as datas completam corretamente as la-


cunas da frase acima é

a) 2002 – 2005

b) 1857 – 1880

c) 1960 – 1986

d) 1880 – 1986

e) 1857 – 2002

5) O sujeito surdo, usuário de Libras, não nasce em lares bilín-


gues; nascem, em sua maioria, em famílias que aprenderão
a Libras junto com a criança surda.

I – A língua de sinais é uma língua oral-auditiva utilizada


pela comunidade surda e que possui um status de lín-
gua comercial.

II – A língua de sinais é um misto de gestos e fragmentos da


língua portuguesa.

III – Sujeito surdo é naturalmente bilíngue quando possui


em seu próprio lar duas línguas, sendo a Língua Brasi-
leira de Sinais sua primeira língua e o Português Brasi-
leiro a segunda.

Quais estão corretas?

a) Apenas I.
22   Libras

b) Apenas II.

c) Apenas III.

d) Apenas II e III.

e) I, II e III.
Sandro Rodrigues da Fonseca1

Capítulo 2

Estudos Linguísticos
da Libras 1

1 Mestre em Letras: Linguística Aplicada (UFRGS); Postgraduate Certificate in Deaf


Studies pelo Centre of Deaf Studies (University of Bristol) no Reino Unido e especiali-
zação em Estudos Culturais e Educação (ULBRA); Bacharel em Letras – habilitação:
Tradutor de Português e Inglês (UFRGS); licenciado em Pedagogia (ULBRA).
24   Libras

Introdução

Neste capítulo, você terá a oportunidade de conhecer, de for-


ma introdutória, a organização e o uso da Libras, a Língua
brasileira de sinais. Para lhe ajudar a atingir esse objetivo, se-
rão utilizados como lente teórica os estudos linguísticos.

A reflexão proposta aqui tem como objetivo ajudar os alu-


nos que estão dando os seus primeiros passos no aprendizado
da Libras por mostrar a mudança de concepção em torno da
forma como os surdos se comunicam. Parte-se do passado
histórico, onde se considerava a comunicação gestual como
sendo não apropriada, sendo até mesmo proibida e conside-
rada inicialmente como parte de um problema clínico.

Atualmente, porém, essa concepção foi alterada por lin-


guistas e educadores que estudam a língua e a cultura das
comunidades surdas no mundo, o que culminou no recente
status como língua natural, comparável a qualquer outra lín-
gua no mundo, seja ela uma língua oral como o Português ou
o Inglês, entre outras línguas. Essa mudança de paradigma
com respeito às línguas de sinais ocorreu devido a uma série
de estudos, que comprovaram, entre muitos aspectos, que a
sinalização obedece a princípios linguísticos comuns a todas
as línguas humanas, bem como apresenta aspectos inovado-
res propiciados pela modalidade diferenciada das línguas de
sinais.

Para compreendermos como essa mudança de status e o


consequente reconhecimento linguístico se deu, são usadas
as seguintes questões: como podemos compreender a Libras
Capítulo 2   Estudos Linguísticosda Libras    25

como uma língua natural? Existe algum tipo de estrutura ou


padrão no ato de sinalizar que possa ser semelhante ao ato
de falar?

As perguntas norteadoras servirão de fio condutor para a


aprendizagem. É importante, portanto, manter em mente a im-
portância de entender bem como a mudança de paradigma
linguístico ocorreu entre os pesquisadores e como isso é im-
portante para a sua formação. Portanto, mais do que expor
conhecimento sobre estudos linguísticos, o capítulo convida
você a acompanhar essa mudança, saindo de concepções
equivocadas sobre a Libras, e levar esse conhecimento para
o seu processo de aprendizagem da Libras, seja rm um nível
teórico inicial ou prático.

Nesse sentido, é importante fazer uma breve pausa para


pensar sobre os benefícios de você estar adquirindo conhe-
cimento acerca das características linguísticas da Libras e as
consequentes mudanças de paradigma que ocorreram na his-
tória. Olhando do ponto de vista social, podemos destacar a
possibilidade de você reconhecer na prática os surdos enquan-
to cidadãos usuários de outra língua que também é brasileira
e merece respeito. Portanto, o conhecimento aqui propiciado
poderá lhe conferir a oportunidade de refletir sobre formas
mais interessantes de planejar a sua comunicação primeira-
mente por enriquecer a sua maneira de entender a Libras e,
consequentemente, as pessoas que a usam. Além disso, você
também poderá agregar o conhecimento aqui oferecido de
forma mais específica dentro de seu campo profissional. Os
usuários da Libras, assim como as pessoas ouvintes, fazem uso
de serviços educacionais, clínicos, sociais, bem como midiáti-
26   Libras

cos. Isso nos instiga no sentido de pensar melhores formas de


comunicação e respeito linguístico dentro dos diversos espa-
ços de interação entre surdos e ouvintes.

1A
 Libras: o que significa ser um usuário
de uma língua de sinais?

O primeiro passo para uma reflexão linguística sobre a Libras


envolve pensar exatamente sobre o que está envolvido no
processo de desenvolvimento de um indivíduo dentro de uma
língua. Se você nasceu em um espaço sem histórico de pro-
blemas de linguagem ou de conflitos sociais em torno de sua
língua, talvez você ainda não tenha parado para refletir sobre
a complexidade do que está envolvido no simples fato de fa-
lar uma língua. Além disso, ao se falar sobre os surdos ou a
Libras, talvez a imagem mais forte esteja associada a um con-
junto de conceitos clínicos como a surdez como um problema
clínico, dificuldade de fala, ou ainda de certa falta em geral.

Essa imagem não contribui para o conhecimento da Libras


como uma língua e dos surdos como uma comunidade linguís-
tica minoritária. A raiz desse pensamento pode ser encontrada
em fatos históricos sobre o discurso clínico acerca da surdez.
De acordo com essa forma de pensar, os surdos são vistos sob
a ótica da falta, da deficiência, e o princípio da restauração
da audição ganha força. Ladd (2003) coloca que essa forma
de ver os surdos escondeu as questões da cultura e da língua
das comunidades surdas e que, embora houvesse discursos e
atos clínicos que resultaram até mesmo na proibição do uso
Capítulo 2   Estudos Linguísticosda Libras    27

da língua de sinais por longos períodos, as comunidades sur-


das lutaram pelo direito de usar a sua língua e passaram a sua
cultura através de gerações de surdos, mesmo quando isso era
considerado como tendo menor valor ou até mesmo quando
era proibido.

Para entendermos o quão normal e desafiador o cotidiano


linguístico da comunidade surda usuária de uma língua de
sinais pode ser, vamos compará-lo com um tipo de contexto
normalmente não associado com questões clínicas. Imagine
o seguinte cenário linguístico. Os genitores de uma família
com duas crianças, todos falantes unicamente do Português,
exceto por um dos adultos, recebem um convite irrecusável
para trabalhar na China. Ao aceitar a oferta de trabalho e
imediatamente se mudar para o outro país eles, que em sua
maioria não são falantes do mandarim, a língua majoritária
daquele lugar, colocam-se em um desafio antes não vivencia-
do. Por entender que a imersão direta na língua e na cultura
poderia ser a melhor opção, as crianças são matriculadas em
uma escola juntamente com os nativos e passam a enfrentar
obstáculos na sua aprendizagem, não devido à falta de conhe-
cimento ou capacidade cognitiva, mas simplesmente por não
terem acesso à língua dos seus pares.

A pessoa adulta da família que não domina a língua tam-


bém enfrenta desafios semelhantes. Agora, coisas que antes
eram resolvidas de forma simples, como fazer compras, en-
tender placas de trânsito e interagir em lugares como bancos,
hospitais ou reuniões na escola com os professores dos filhos,
passam a ter um desafio a mais: a compreensão do idioma lo-
cal. Para resolver esse problema, a primeira solução pensada
28   Libras

pela família é utilizar os serviços de tradução do membro da


família que já possui conhecimento do mandarim. Essa solu-
ção, no entanto, passa a acrescentar uma tarefa a mais para
essa pessoa, pois ele deverá somá-la às suas atividades de
trabalho a função de tradutor e intérprete de sua família. Isso
significa não ter mais horas de lazer, pois até mesmo o entre-
tenimento, como assistir a um filme na televisão local, significa
trabalhar como tradutor.

Como esta família poderia contornar os problemas encon-


trados? O que você faria se estivesse no lugar deles?

Um dos fatores que os levou a organizar a sua vida nesse


outro país dessa forma foi a concepção que demonstraram ter
sobre a língua. Pensar na imersão direta como sendo a única
maneira de se aproximar de outra língua pode não ser neces-
sariamente exatamente a melhor maneira. Isso vai depender
de uma série de fatores, como o conhecimento prévio sobre a
língua ou o tipo de estrutura e metodologia de ensino, entre
outros.

Voltando ao contexto oferecido como base para reflexão,


ao verem que houve uma precipitação na forma de organizar
as suas atividades por não levarem em consideração a diferen-
ça da língua e da cultura, os membros dessa família resolvem
mudar de atitude. Os filhos passaram a estudar em uma es-
cola especializada em trabalhar com filhos de estrangeiros. A
pessoa adulta que não dominava a língua passou a frequentar
um curso de mandarim e todos utilizaram os serviços de intér-
pretes profissionais quando precisavam consultar um médico
ou algum serviço altamente especializado e potencialmente
Capítulo 2   Estudos Linguísticosda Libras    29

perigoso no caso de haver uma falha grava de comunicação.


O que você acha das decisões tomadas por essa família?

Como destacado anteriormente, a situação acima apresen-


ta alguns paralelos que podem ajudar a entender o contexto
linguístico das pessoas surdas que utilizam a Libras. A família
apresentada acima se mudou para um país onde a sua língua
nativa não é falada pela maioria da população ou não é a lín-
gua majoritária. Da mesma maneira, os surdos vivem em um
contexto onde a língua majoritária não é a sua língua de si-
nais. A necessidade de profissionais para intermediar momen-
tos importantes de comunicação também ou de profissionais
bilíngues com alta proficiência também é essencial. Esse é o
caso do atendimento médico, de locais públicos ou até mesmo
da mídia. Portanto, um intérprete profissional será necessário,
e não simplesmente alguém com alguma fluência, como um
membro da família. Em outros casos, um profissional bilíngue
poderá se comunicar com pessoas surdas que usam a Libras.
Essa configuração linguística onde existe a comunicação por
meio da Libras acontece à medida que existe a mudança de
concepção sobre o seu status linguístico.

O reconhecimento da experiência linguística dos surdos


que usam a Libras passa pelo entendimento de como o status
linguístico das línguas de sinais foi se construindo. Historica-
mente, isso significou uma mudança radical de concepção em
diferentes períodos e com consequências diversas. Os primei-
ros registros do uso de línguas de sinais já apontam para um
conflito entre uma concepção negativa e a percepção de que
elas poderiam ser utilizadas, mesmo que ainda não com status
linguístico plenamente garantido.
30   Libras

Alguns estudiosos acreditavam que elas poderiam indicar


a falta de capacidade de pensamento. No meio religioso, ain-
da havia a ideia de que o indivíduo que se comunicasse de
forma que não a oral auditiva estaria impossibilitado de se
confessar, o que traria a impossibilidade de ter o perdão dos
seus pecados. Essa forma de ver a sinalização foi associada
a percepções de falta com respeito à pessoa com deficiência
e não avaliavam os aspectos linguísticos trazidos pelo uso do
que hoje é compreendido claramente como sendo as línguas
de sinais.

Em muitas culturas, uma das formas de se lidar com a des-


coberta da deficiência física em alguma criança, por muito
tempo, foi o seu extermínio. Visto que a surdez seria descober-
ta somente depois que a criança já estivesse se desenvolvendo,
os surdos obteriam uma possibilidade de desenvolvimento não
pensada para outras crianças com deficiência. Uma das for-
mas de se tratar uma criança com deficiência seria colocá-la
sob os cuidados de um tutor, normalmente algum religioso.
Embora houvesse ainda a premissa de que a oralidade deveria
ser o padrão a ser alcançado, surgiram na Europa algumas
oportunidades para a educação de surdos por meio do uso de
língua de sinais. Um dos lugares de maior sucesso da educa-
ção por meio da sinalização foi o Instituto de Surdos-Mudos
de Paris. O seu destaque se deu por ser a primeira escola
para surdos onde a língua de sinais não somente foi permiti-
da, como também incentivada enquanto forma de instrução.
Alguns alunos da instituição até mesmo completaram os seus
estudos e passaram a assumir a posição de professores, for-
mando assim novas gerações de surdos. O reconhecimento
da sinalização como uma língua, no entanto, não era uma
Capítulo 2   Estudos Linguísticosda Libras    31

unanimidade. Em 1880, um congresso de educadores e es-


pecialistas tomou como decisão principal a implementação da
oralidade como meio único a ser utilizado por professores da
educação de surdos. O reconhecimento das línguas de sinais
como línguas de fato só ocorreu mais tarde, na década de
1960, por meio do trabalho como o de William Stokoe. Os
aspectos que sustentam o entendimento do status linguístico
das línguas de sinais são descritos a seguir.

2 L ibras: o estudo da sua estrutura


linguística

Para entender o status linguístico da Libras, precisamos refle-


tir primeiramente sobre o que significa estudar uma língua.
Podemos estudar uma língua por meio do conhecimento de
sua estrutura. Dessa maneira, busca-se encontrar padrões de
organização dentro da língua, bem como similaridades entre
os padrões encontrados dentro de uma língua com outras lín-
guas.

As línguas de sinais nos oferecem, nesse sentido, uma par-


ticularidade interessante. Diferentemente das línguas orais, ela
se faz presente na modalidade visoespacial. Isso significa que
sua articulação acontece de forma visual e que os interlocuto-
res usam o espaço ao seu redor como processo natural de co-
municação. O estudo linguístico, quando pelo viés da forma,
ocupa-se normalmente das seguintes categorias: fonologia,
morfologia, semântica e pragmática. As línguas de sinais, in-
cluindo a Libras, são analisadas de acordo com essas catego-
32   Libras

rias de análise. A seguir, serão descritos alguns dos resultados


principais desses estudos, juntamente com algumas reflexões
sobre como esse conhecimento pode ajudar no respeito à e no
aprendizado da Libras.

2.1 Fonologia
Embora possa parecer estranho encontrar a fonologia dentro
dos estudos de uma língua sinalizada, as pesquisas encon-
traram paralelos interessantes que nos mostram como línguas
como a Libras possuem uma arquitetura e organização seme-
lhante, mesmo no nível fonológico.

A fonologia é originalmente considerada como o estudo da


relação entre os sons de uma língua com a distinção de senti-
do. Esse conceito foi estendido também para as línguas de si-
nais. Mais especificamente, o aspecto que permite pensarmos
em uma fonologia da Libras, por exemplo, diz respeito ao es-
tudo dos pares mínimos de uma língua. Esses são os fonemas,
ou sons que individualmente não são provocam diferença de
sentidos, mas que quando comparados com os de outras pa-
lavras, ocasionam a mudança de sentidos entre elas. Podemos
tomar como exemplo os fonemas das palavras pala e mala. A
diferença está no primeiro fonema, portanto, ele é contrastivo.

A Libras também produz sinais a partir do mesmo princípio


fonológico. Para entender como isso se dá, precisamos pri-
meiramente entender como se dá a construção de um sinal.
O princípio básico está no seguinte padrão de organização:

ÂÂConfiguração de mão: a forma como a mão está arti-


culada;
Capítulo 2   Estudos Linguísticosda Libras    33

ÂÂLocação: o local onde a configuração de mão é coloca-


da para a articulação do sinal;

ÂÂMovimento: o movimento do sinal ou movimento interno


do mesmo.

Ainda existem alguns aspectos importantes na formação


do sinal chamados de expressões não manuais, que podem
incluir a expressão facial, a direção do olhar, entre outros.
É importante que se lembre desses parâmetros básicos para
a formação do sinal, visto ser comum os estudantes de Libras
cometerem erros na sua articulação por falta de consciência
de sua organização.

Portanto, os três primeiros parâmetros mencionados, confi-


guração de mão, locação e movimento, são responsáveis pela
articulação do sinal. Assim como em línguas orais como o
Português, a troca de um parâmetro da articulação acarreta
na mudança do seu sentido. Isso é observado em pares de
sinais realizados de forma quase idêntica, a não ser por um
parâmetro. Por exemplo, podemos notar a diferença entre os
sinais DESCULPA e VERDE. Os dois sinais podem ser realiza-
dos no mesmo local e com o mesmo movimento, porém com
a configuração de mão diferente.
34   Libras

A partir dos estudos com línguas de sinais, o conceito de


fonologia então passa a ser compreendido como o estudo das
unidades mínimas sem sentido em uma língua e como a sua
mudança pode causar a mudança de sentido de uma pala-
vra. Na prática, esse conhecimento é importante para que se
aprenda a diferenciar os sinais, tanto no momento em que se
percebe a sua formação como no momento em que se precisa
produzi-lo. A mudança de um dos seus parâmetros pode mu-
dar o sentido ou fazer com que o sinal fique completamente
incompreensível. O sinal em Libras também pode ser com-
preendido pela sua morfologia. A seguir, serão dados alguns
exemplos de organização morfológica da Libras.

2.2 Morfologia
A Libras também se organiza de acordo com padrões estuda-
dos da morfologia. Esta área do estudo linguístico se ocupa
Capítulo 2   Estudos Linguísticosda Libras    35

das unidades mínimas responsáveis por sentidos específicos,


e são assim importantes para a produção do léxico, ou seja,
o seu conjunto de sinais. Por meio dos estudos morfológicos,
podemos entender quando uma palavra designa o feminino,
como em menina; o masculino, como em menino; o singular
ou o plural, pela presença ou ausência de s. Além desses ca-
sos, também há estudos sobre quando esse mesmo padrão
não é obtido dentro do léxico de uma língua. A seguir, você
poderá compreender como alguns desses aspectos são mar-
cados em Libras.

2.2.1Gênero em Libras
A Libras também tem uma forma para marcar o gênero mas-
culino e feminino quando necessário. O sinal MULHER e
HOMEM normalmente é utilizado para os casos onde o sinal
anterior não marcar gênero. Um bom exemplo é o sinal PRO-
FESSOR, que em si não marca gênero, e isso pode ser sucedi-
do pelo sinal HOMEM ou MULHER.

2.2.2 Número em Libras


A organização das informações por número indica se o refe-
rente de um enunciado é singular ou plural. A Libras possui
alguns mecanismos para a disposição de informações nesse
sentido. A repetição do sinal no espaço em frente ao sinaliza-
dor é um exemplo desse mecanismo. Quando se busca o que
em português seria o plural da palavra Casa, um sinalizador
faria a repetição desse sinal no espaço.
36   Libras

2.2.3 Sinais compostos versus sinais simples


Alguns sinais podem ser organizados de forma a permitir a
produção de ampliação do léxico da Libras. Exemplos interes-
santes desse fenômeno são o sinal de ESCOLA e de IGREJA.
O primeiro sinal é a soma do sinal de CASA com o sinal de
ESTUDAR. Isoladamente eles são sinais simples, mas podem
ser unidos para a formação de sinais compostos. O segundo
exemplo, é a soma do sinal de CASA com CRUZ, produzindo o
sinal de IGREJA. Esse recurso é um dos utilizados para permitir
a ampliação do léxico, ou seja, permitir que a comunidade
surda tenha cada vez mais vocabulário dentro de sua própria
língua. Esse aumento de vocabulário acontece à medida que
seus usuários participam de experiências de interação entre
si e com o mundo. A escolaridade é um fator decisivo nessse
campo. A morfologia é uma área de estudos que permite uma
ampla gama de tópicos para a compreensão dos aspectos lin-
guísticos envolvidos no uso da língua de sinais. Aprendizes de
Libras se beneficiarão em conhecer mais sobre ela, pois pre-
cisam aprender as regras de formação do sinal para atingir
fluência.

2.3 A sintaxe da Libras


A sintaxe é a área de estudos linguísticos que analisa como as
frases são organizadas. A diferença mais significativa na forma
como a Libras organiza as suas frases está no uso da moda-
lidade visoespacial. Enquanto as línguas orais auditivas usam
o aparelho fonador como articulador principal, as mãos são
o principal meio de línguas como a Libras. Assim, elas podem
Capítulo 2   Estudos Linguísticosda Libras    37

articular o seu discurso no espaço a sua frente, fazendo rela-


ção aos referentes. A isso se chama campo anafórico.

A consciência da forma como a Libras organiza a suas fra-


ses é importante para quem vai começar a aprender a se co-
municar com surdos. É comum esperar que eles façam as suas
frases na mesma estrutura do Português. Isso não corresponde
à realidade das línguas, visto haver diferentes formas de orga-
nização sintática. O aprendiz deve conhecer mais sobre como
as frases são feitas para poder melhorar a sua comunicação.
Uma dica interessante é prestar atenção no tipo de verbo uti-
lizado. Um exemplo são os verbos direcionais. Esse tipo de
verbo utiliza o espaço à frente do sinalizador e faz com que
a configuração de mão percorra uma trajetória. Assim para
dizer “Eu avisei a você”, é necessário usar o sinal AVISAR e
direcioná-lo ao interlocutor a frente e, para dizer o contrário,
– “Você me avisou”–, você deverá fazer o caminho inverso,
trocando não somente a direção do sinal, mas a orientação
da mão, invertendo-a.

2.4 Semântica e pragmática


Assim como nas línguas orais, as línguas de sinais também
possuem padrões de organização semântica e pragmática.
Quando se estuda a semântica de um sinal ou de uma pa-
lavra, o objetivo maior é compreender que sentidos podem
haver dentro de uma frase. Por outro lado, quando associamos
a nossa busca ao contexto onde ela é dita, estamos colocando
a pragmática. Um exemplo clássico acontece quando alguém,
em uma sala, pede para outra pessoa fechar a janela devido
ao frio. Isso pode ser dito diretamente como em: “por favor
38   Libras

fecha a janela”. Ou então pode ser dito por meio do contexto


pragmático, olhando para a janela e dizendo: “Está frio hoje,
não”. A outra pessoa pode entender que deve fechar a janela,
mesmo que dentro do enunciado não haja a palavra frio ou
fechar. Esse sistema de organização também é visto em línguas
sinalizadas como a Libras, o que implica na necessidade do
buscar o sentido dentro do contexto e não apenas por meio da
localização e uso de sinais individualmente.

Outra questão semântico-pragmática que é importante


lembrar ao se conhecer a Libras diz respeito à existência de
sinais idênticos para sentidos diferentes. Esse é normalmente
o caso do sinal LARANJA e SÁBADO. Os dois sinais são feitos
com a mesma configuração de mão, locação e movimento. O
sentido pode normalmente ser visto no contexto da interlocu-
ção. Isso nos remete para importantes questões frequentemen-
te levantadas por alunos que estão começando a aprender a
língua de sinais. Muitos argumentam que o sentido poderia
ser único para evitar confusões e ser mais fácil o aprendizado.
No entanto, é importante lembrar que a Libras se trata de uma
língua natural e que, assim, ela passa por fenômenos seme-
lhantes a elas, sejam da modalidade oral como o Português ou
outra língua na modalidade sinalizada.

2.5 O léxico da Libras


Quando falamos do léxico da Libras neste capítulo, estamos
tratando do conjunto do vocabulário que essa língua usa para
propiciar a comunicação. Esse pode ser composto por sinais já
estáveis na língua, isto é, sinais já presentes e conhecidos entre
os seus usuários. Por outro lado, também há a possibilidade de
Capítulo 2   Estudos Linguísticosda Libras    39

produção de novo vocábulo, como já mencionado. É comum


alunos questionarem se esse processo deveria ser acelerado
ou, então, controlado para fins de universalização. É impor-
tante lembrar novamente que isso não pode e não deve ser
contido, visto a Libras não ser uma língua artificial. Por outro
lado, a criação de novos sinais depende do conhecimento que
os indivíduos possuem das regras de formação de sinais, bem
como da sua experiência linguística, educacional e de traba-
lho, entre outras.

O léxico da Libras também pode fazer uso de elementos


do Português, como o alfabeto manual. A isso chamamos em-
préstimo linguístico. O alfabeto manual, também chamado
de datilológico, corresponde às letras do alfabeto. É comum
pensar que esse alfabeto corresponde a todos os sinais utili-
zados pelos surdos, ou que para se comunicar com os surdos
basta simplesmente usá-lo soletrando cada letra do alfabeto
manual. Isso pode ser complicado para a sua comunicação.
Os surdos que usam a Libras possuem um vocabulário próprio
dentro da sua língua de sinais. As palavras do Português cor-
respondem ao vocabulário de outra língua, e os surdos podem
não ter tido acesso a esse vocabulário. O fato de os surdos
compartilharem a identidade de brasileiros e conviverem en-
tre textos escritos em Português não significa automaticamente
que eles tenham conhecimento pleno do vocabulário dessa
língua. Para que a comunicação aconteça com qualidade, é
importante respeitar o vocabulário do léxico da Libras, apren-
dendo os seus sinais e utilizar o alfabeto manual para momen-
tos onde não houver um sinal comum, respeitando o fato de a
palavra não ser do léxico da língua de sinais.
40   Libras

2.6 Variação linguística da Libras


A variação linguística é o processo pelo qual as línguas mu-
dam ao longo do tempo ou de uma determinada região em
comparação com outra região. Na Libras, também é possível
encontrar o fenômeno da variação linguística. Por exemplo, o
sinal PESSOA utilizado no estado do Rio Grande do Sul não
é o mesmo encontrado em outras regiões do Brasil. Enquanto
esse sinal é articulado no tórax do sinalizador, em outras par-
tes do Brasil esse conceito é sinalizado na região superior da
cabeça.

Para que se conheça a língua, é importante aprender a


respeitar a sua variação sociolinguística. Isso não significa que
se deva aprender todas as formas de um sinal já de início. Um
lugar interessante para se conhecer a variação linguística da
Libras é a internet. O site Youtube contém vídeos de diversas
partes do Brasil. Em se tratando de línguas de sinais de outros
lugares do mundo, o site também é um ótimo lugar para a
busca. No entanto, é importante usar de critérios para a busca
e o conhecimento de línguas de sinais na internet, visto que o
aluno pode estar aprendendo uma variação que não pertence
a sua região. A orientação de um profissional do ensino da Li-
bras é importante para que se possa aproveitar da melhor ma-
neira o conhecimento disponibilizado em vídeos na internet.

2.7 Especificidades das línguas de sinais


Existem questões que são tratadas como especificidades das
línguas de sinais. Uma propriedade que chama a atenção é a
sua iconicidade. Ela diz respeito ao fato de alguns sinais refle-
Capítulo 2   Estudos Linguísticosda Libras    41

tirem a forma do referente que está sendo tratado ou da forma


como o indivíduo lidaria com ele em uma situação real. Um
bom exemplo é o sinal CASA, pois pode lembrar facilmente
as características da imagem que se tem de uma casa. Essa
habilidade foi durante muito tempo usada como argumento de
que as línguas de sinais não seriam línguas reais, mas simples-
mente mímica ou não mais do que a comunicação por gestos.
Para os padrões linguísticos iniciais, uma língua poderia ser
somente arbitrária, ou seja, as suas palavras não deveriam
refletir a forma dos seus referentes. No entanto, as línguas de
sinais se mostraram como sistemas linguísticos no mesmo nível
de complexidade das línguas orais. A sua modalidade de arti-
culação visoespacial nos traz alguns questionamentos do real
funcionamento da língua, inclusive a questão da iconicidade.
Hoje, entende-se que essa propriedade está presente em lín-
guas orais, embora de forma diferenciada. As línguas de sinais
não devem ser confundidas com mímica ou simplesmente uma
linguagem ou forma de comunicação não gramatical.

2.8 Outras formas de se conhecer a Libras


É interessante notar que as línguas podem ser estudadas de
outras formas dentro dos estudos linguísticos. Uma das funções
de uma língua é organizar o conhecimento que se tem sobre o
mundo. Isso pode ser visto na forma como ela categoriza, por
exemplo, as partes do corpo ou estados sociais das pessoas.

Quanto a partes do corpo, podemos ver que existe dife-


rença na forma como a anatomia humana é categorizada em
português e japonês. Em português, podemos encontrar uma
palavra específica para pé e outra para a parte que o ante-
42   Libras

cede. Em japonês não existem duas palavras equivalentes es-


pecíficas, mas sim uma palavra para designar a mesma parte
do corpo humano. Outro exemplo é a palavra bachelor do in-
glês. Ela é utilizada para apontar o status social de um homem
não casado, mas com uma vida noturna agitada, entre outras
características. A língua portuguesa não possui uma palavra
específica para esse mesmo estado social, mas pode falar dela
por meio de outras palavras como a tradução “solteirão”. Essa
categorização pode ser problemática dependendo do contex-
to, mas as línguas possuem sistemas de paráfrase para que se
chegue ao sentido desejado.

O mesmo acontece com a Libras. As línguas de sinais po-


dem fazer categorizações semelhantes ou diferentes às línguas
orais. A aparente falta de um vocabulário específico não indi-
ca um problema da língua, mas, sim, uma característica nor-
mal das línguas humanas.

Além disso, da mesma forma que as línguas orais, as lín-


guas de sinais são utilizadas para a constituição de sujeitos.
Esse posicionamento linguístico olha para a língua não como
um instrumento ou algo que aponta para objetos no mundo.
Ao contrário, ele indica um aspecto interessante da relação
entre a língua e os indivíduos, contribuindo para o processo
de construção de sua identidade. Desse ponto de vista, a lín-
gua tem um papel importante na constituição de sujeitos. Esse
processo acontece ao se levar em consideração a história dos
grupos linguísticos. É por meio das lutas históricas que se for-
mam novos conceitos dentro de uma língua. Podemos ver isso
marcado em alguns sinais da Libras que narram a trajetória
das comunidades surdas.
Capítulo 2   Estudos Linguísticosda Libras    43

Considerações finais
O objetivo desse capítulo foi considerar foi propiciar um mo-
mento de aprendizagem, ainda que de forma introdutória, so-
bre como a Libras está organizada e é utilizada pela comuni-
dade surda. Além disso, a intenção também se deu no sentido
de possibilitar que o conhecimento aqui discutido dessa base
para o aluno que está começando a estudar a Libras. Para con-
cretizar o objetivo proposto, foi oferecido um panorama dos
estudos linguísticos acerca da história das línguas de sinais,
bem como as suas formas de análise. Consideramos questões
relacionadas a organização da estrutura linguística das línguas
de sinais, bem como da Libras. Esperamos que o aluno pos-
sa aproveitar o conhecimento aqui propiciado no sentido de
compreender como esses estudos contribuíram para a mudan-
ça de paradigma sobre o status linguístico da Libras.

Recapitulando

A Libras é uma língua como todas as outras. Isso é comprova-


do pelo fato de ela ter uma estrutura fonológica, morfológica,
sintática e semântico-pragmática. A fonologia da Libras cor-
responde ao estudo das partes que ajudam na construção de
um sinal, a saber: a configuração de mão que corresponde à
forma da mão, a locação que corresponde ao local onde o si-
nal é articulado e o movimento do sinal. Além desses aspectos,
um sinal também é composto por aspectos não manuais, que
são a expressão facial e o movimento dos ombros.
44   Libras

Referências

LADD, P. Deaf Culture In search of Deafhood. London: Mul-


tilingual Matters, 2003.

LANE, H. A Máscara da Benevolência: A comunidade Surda


Amordaçada. Lisboa: Instituto Piaget, 1992.

QUADROS, R; KARNOPP, L. Língua de Sinais Brasileira: Es-


tudos Lingüísticos. Editora Artmed: Porto Alegre, 2004.

Atividades

1) A Língua de Sinais é uma língua complexa e de modalidade


visuoespacial, que independe das línguas orais.

I – A variação de sentido da Libras depende do vocabulário


que o sujeito bilíngue possui.

II – Na Libras também é possível encontrar o fenômeno da


variação linguística.

III – Na Libras é possível encontrar traços de fonologia da


língua portuguesa.

Quais estão corretas?

a) Apenas I.

b) Apenas II.

c) Apenas I e II.
Capítulo 2   Estudos Linguísticosda Libras    45

d) Apenas II e III.

e) I, II e III.

2) O alfabeto manual também é conhecido pelo termo:

a) Soletrar das mãos

b) Mãos de surdos

c) Datilografia

d) Datilológico

e) Gestos

3) Considere os estudos sobre fonologia da Língua de Sinais e


verifique as afirmações abaixo.

I – A Libras também produz sinais a partir do mesmo prin-


cípio fonológico.

II – O sinal possui três princípios básicos na sua formação:


configuração de mãos, locação e movimento.

III – O sinal é composto por movimentos e pela configura-


ção da locação que define o formato da mão.

Quais estão corretas?

a) Apenas I.

b) Apenas III.

c) Apenas I e II.

d) Apenas II e III.
46   Libras

e) I, II e III.

4) Os sinais LARANJA e SÁBADO, apresentados ao longo do


estudo, possuem:

a) Mesmo sentido

b) Mesmo contexto

c) Mesma configuração de locação

d) Mesma configuração de mão

e) Nenhuma das alternativas

5) A partir de estudos linguísticos sobre a Língua de Sinais,


podemos afirmar que:

a) As línguas de sinais se mostraram como sistemas lin-


guísticos no mesmo nível de complexidade das línguas
orais.

b) As línguas de sinais se mostraram dependentes dos sis-


temas linguísticos das línguas orais.

c) As línguas de sinais possuem uma fonologia simplifica-


da em que o léxico não é produzido.

d) As línguas de sinais produzem sons por serem de mo-


dalidade oral-auditiva.

e) As línguas de sinais são línguas perplexas por terem


propriedades únicas que envolvem sintaxe e semântica
das línguas orais.
Fabrício Mähler Ramos1

Capítulo 3

Cultura e Comunidade
Surda 1

1 Mestrado em Educação – Estudos Culturais (ULBRA) em andamento; graduado


em Licenciatura Plena em Educação Física (ULBRA) e em Licenciatura Plena em Le-
tras Libras (UFSC); atua como professor de Língua de Sinais – na Educação Básica
e no nível superior.
48   Libras

Introdução

É importante ressaltar que o embate sobre escolas bilíngues


ou escolas de inclusão não será abordado de forma exausti-
va neste capítulo. O objetivo deste relato é proporcionar uma
ampla concepção sobre os diferentes pontos sobre a Libras e
a Comunidade Surda. Nesse contexto, a presente seção tem
como objetivo conceituar e discutir, bem como explorar, as
possibilidades da constituição do sujeito bilíngue.

1E
 studos sobre cultura e comunidade
surda

Nos estudos de cultura e comunidade surda, faz-se necessário


observarmos um primeiro conceito, que é o multiculturalismo.
Para compreender o multiculturalismo, façamos um paralelo
em que um ser humano tem identificação e crenças que po-
dem transcender a razão. Por exemplo, uma pessoa estrangei-
ra empenha-se para se integrar à sociedade de um país. Nem
todos conseguem atingir esse objetivo, por diversos motivos:
o sujeito pode sentir que não pertence àquele país, já que a
cultura local e a cultura que carrega consigo são distintas em
diferentes aspectos.

A história individual de cada sujeito necessita ser valori-


zada, bem como a história da sociedade em que pertence.
Ponderar as diferentes visões de mundo é insubstancial: não
precisamos sermos iguais em etnia, gênero e religião, não é
preciso termos uma única visão em nossa sociedade mundial.
Capítulo 3   Cultura e Comunidade Surda   49

Já na Europa pós-colonial e nos Estados Unidos, tanto


os povos que foram colonizados quanto aqueles que os
colonizaram tem respondido à diversidade do multicul-
turalismo por meio de uma busca renovada de certezas
étnicas. (SILVA, 2014, pag. 23)

Existe uma dinâmica no cotidiano em que as pessoas se


empenham para manter sua cultura e seus valores pessoais
e sociais, que incluem as atitudes e o comportamento. Cabe
lembrar que a cultura social pode ser modificada, já que o
processo é constante; dessa forma, as influências são mútuas,
tanto do cidadão para com a sociedade, como da sociedade
para o indivíduo. Além disso, existe um ponto negativo em
nossa organização social, em que buscamos um padrão de
comportamento, gerando uma tendência em termos uma ide-
alização de atitudes aceitáveis.

A sociedade contemporânea é multicultural. Com a imi-


gração, por exemplo, as comunidades da Europa e das Amé-
ricas se misturam; dessa forma, passam para outras gerações
sua cultura familiar e aos poucos adquirem novos costumes,
comportamentos e atitudes. Formam-se novas formas culturais
híbridas, oportunizando que as línguas se misturem. Pensar em
língua é extremamente importante, já que uma geração utiliza
a língua de uma forma e a próxima já tem uma mistura da
mesma com outras línguas. O vocabulário pode ser preserva-
do, mas pode haver ressignificação de sentidos das palavras,
já que os contextos se modificam com o passar dos anos.

O patrimônio cultural familiar é abalado com as influên-


cias do contexto social e pelo multiculturalismo existente na
sociedade, influenciando a educação e a estrutura familiar.
50   Libras

A identidade social para integrá-lo à sociedade não é um só


“eu”, mas sim, pode ter vários em grupos no “entra e sai” de
membros de grupo: as diferentes facetas de um mesmo indiví-
duo, como o modo de pensar, sentir, fazer. O sujeito faz parte
de um grupo; portanto, o estar só e estar em coletivo gera a
identidade social, buscando a valorização de sua identidade.

Tem a ver não tanto com as questões “quem nós somos”


ou “de onde nós viemos”, mas muito mais com as ques-
tões “quem nós podemos nos tornar, “como nós temos
sido representados” e “como essa representação afeta a
forma como nós podemos representar a nós próprios”.
(SILVA, 2014, pag.109)

Não pode afirmar que existe um padrão dentro de uma


comunidade, já que as diferenças entre sujeitos são existentes,
considerando que a identidade cultural é algo constituída no
individual sob influência do coletio. A multiculturalidade é uma
marca da atualidade, o ser único é possível, mesmo quan-
do existem outros iguais a mim. O coletivo pode gerar uma
comunidade minoritária dentro da majoritária, sendo que as
comunidades reconhecem as suas diferenças e similaridades,
mas o fator importante nesse contexto é que o respeito pela
multiculturaliedade aconteça de forma mútua. Muitas pessoas
são multiculturais e tem tendência a viver a seu modo, outros
são iguais. Usufruir da maior oportunidade estabelecida na
multiculturaliedade é quando os sujeitos apoiam as trocas de
experiências, o processo dinâmico, aceitam as diferenças den-
tro da cultura em diferentes níveis sociais.
Capítulo 3   Cultura e Comunidade Surda   51

A representação da sociedade é demonstrada através do


padrão estabelecido pelos sujeitos que a compõem, mas não
significa que os mesmos componentes possuem de forma line-
ar as características recorrentes no grupo. Podem compartilhar
as mesmas atitudes, comportamentos e língua, mas não signi-
fica que o pensamento é padronizado.

2 Comunidade surda

A comunidade surda, de maneira geral, é composta por dois


elementos: o primeiro é a cultura surda, e o segundo é a Língua
Brasileira de Sinais – Libras. A cultura da comunidade surda não
é medida pela surdez, não é percebida pela falta de audição,
mas pela forma de comunicação estabelecida. O ponto princi-
pal é a visualidade que fica em evidência, sendo que a Libras
tem uma característica marcante: o uso das mãos na comuni-
cação, que a diferencia, por exemplo, das pessoas falantes da
língua portuguesa, que utilizam como recurso a voz.

O espaço cultural oportuniza construir significados e in-


fluencia nossas ações, com as quais podemos nos identificar,
construir uma identidade enquanto surdo, e dar sentido aos
significados como grupo ou como povo. Em outra forma de
percepção, em um olhar clínico, provoca a comunidade sur-
da para transformar sua cultura em uma cultura de ouvinte,
ameaçando a língua de sinais, que é o maior símbolo da co-
munidade surda. A perspectiva clínica percebe a surdez como
algo negativo, subjugando a cultura surda com um discurso
de opressão. Já na perspectiva cultural surda, a representação
52   Libras

surda apresenta com destaque a Língua de Sinais como forma


de comunicação, podendo o ouvinte e o surdo viver bem com
uma comunicação bilíngue.

É importante que as pessoas compreendam e respeitem a


forma de cada cultura. Nessa ideia, a comunidade surda, em
seus subgrupos, busca reconhecimento e organizar a identida-
de cultural com direito ao uso da Língua de Sinais. Favorecer
a cultura e língua é a melhor maneira de os surdos integrarem
a sociedade, de se viver e estar em contato com os surdos. É
de vital importância para qualquer sujeito surdo que a iden-
tidade se constitua de forma plena, reconhecendo-se como
sujeito participante de sua comunidade e contendo traços cul-
turais que possa alimentar sua subjetividade na percepção de
mundo. Para as crianças surdas, é de extrema importância,
por exemplo, ter contato com adultos surdos para interpretar
o mundo e as questões de diferença cultural entre surdos e
ouvintes.

A cultura surda possui crenças, valores e comportamentos,


tendo a Língua de Sinais como principal forma de comunica-
ção, transmitindo a identidade de uma geração para outra. A
visão da comunidade surda é a experiência humana ensinada
através da Libras para outras gerações, ser surdo é uma cons-
trução social. Um dos principais desafios é o de saber o que
os surdos adultos estão dizendo para as crianças surdas sobre
os seus próprios pontos de vista e experiências, mas essa é
a forma como as pessoas surdas adquirem conhecimento e
como elas aprendem.
Capítulo 3   Cultura e Comunidade Surda   53

Possuir uma identidade cultural nesse sentido e estar


primordialmente em contato com um núcleo imutável
e atemporal, ligando ao passado o future e o presente
numa linha ininterrupta. Esse cordão umbilical e o que
chamamos de “tradição”, cujo teste e o de sua fidelidade
as origens, sua presença consciente diante de si mesma,
sua “autenticidade”. E, claro, um mito — com todo o
potencial real dos nossos mitos dominantes de moldar
nossos imaginários, influenciar nossas ações, conferir
significado as nossas vidas e dar sentido a nossa história.
(Hall, 2003, pag. 29)

A comunicação e autoconfiança são importantes para ter


sucesso na vida; dessa forma, é essencial considerar a educa-
ção como prioridade para os surdos para que possam atingir
os seus objetivos. A educação, a cultura e a identidade são ex-
tensão do conhecimento que pessoas surdas adquirem através
de suas experiências visuais, pautadas nessa multiculturalieda-
de existente entre culturas.

A globalização, entanto, produz diferente resultados em


termos de identidade. A homogeneidade cultural promo-
vida pelo mercado global pode levar ao distanciamento
da identidade relativamente à comunidade e à cultura
local. De forma alternativa, pode levar a uma resistên-
cia que pode fortalecer e reafirmar algumas identidades
nacionais e locais ou levar ao surgimento de novas posi-
ções de identidade. (SILVA, 2014, p. 21)

Como podemos identificar alguns valores e práticas da


cultura investigada? Ao verificar as diferentes variáveis dentro
de uma gama de fatores, observamos que o indivíduo é da
54   Libras

comunidade, mas que circula entre outras comunidades, ou


seja, o sujeito é único, mas sua constituição é a partir de uma
diversidade; para tanto, cabe investigar as outras culturas e os
valores agregados que ficam desconhecidos em um primeiro
olhar. Normalmente, percebe-se nas diferentes comunidades
as questões linguísticas e comportamentais.

3 Cultura da comunidade surda

As culturais nacionais, ao produzir sentidos sobre “a na-


ção”, sentidos com os quais podemos nos identificar,
constroem identidades. Esses sentidos estão contidos nas
histórias que são contadas sobre a nação, memórias que
conectam seu presente com seu passado e imagens que
dela são construídas. (HALL, 2011, pag. 51)

A percepção é diferente de cada representação de co-


munidade, de cada pessoa e realidade, como seu poder de
compreender a vida. Os mundos das pessoas são diferentes
pela cultura e convivência, assim como pelas percepções que
despertam a atenção de suas interações, desde a teoria até a
prática, como a forma de comunicação, capacidade de adap-
tação e mudança. Perspectiva cultural de várias pessoas no
mundo multicultural é o jeito de pensar sendo diferente e si-
multâneo, gerando pessoas idênticas com atitudes parecidas a
partir da convivência social.

A complexidade da pessoa multicultural pode transparecer


pelo empoderamento que ela sofre, pelas influências culturais
Capítulo 3   Cultura e Comunidade Surda   55

e pelo ambiente. O aceitar quem sou, de poder ser, de viven-


ciar e o como agir fornecem características que, quando vistas
em uma comunidade, podem gerar um parâmetro para poder
conhecer o grupo. Em comunidades em geral, percebemos
que existem padrões estabelecidos para fazer parte do grupo;
assim ocorre com a comunidade surda, mas não significa que
todos sejam dessa ou daquela forma, mas que existe uma re-
corrência de atitudes e comportamentos similares.

Para encontrar a cultura surda, é preciso buscar o lugar


onde se materializam os hábitos e costumes. Ela pode ser en-
contrada em escolas de surdos, nos clubes para surdos, es-
paços esses que unem as pessoas surdas pela língua e pelas
características em comum, como a visualidade. Nesses espa-
ços para pessoas surdas, percebe-se um conjunto de práticas
referentes às comunidades surdas, como a Literatura Surda,
teatro, cinema, piada (humor surdo), esporte, lazer.

O cinema pode ser um reflexo dessa comunidade surda


que é complexa, já que os filmes sobre surdos aumentam a
cada dia, tendo como elenco atores surdos, possibilitando que
os ouvintes conheçam mais as peculiaridades dessa comuni-
dade. Registro que, mesmo com crescimento de filmes, os ma-
teriais são escassos nessa área de entretenimento ou maior
ainda a falta de materiais educacionais sobre cultura surda.

Como anteriormente vimos, a multiculturaliedade está pre-


sente em nossa sociedade, e a comunidade surda não é di-
ferente nesse aspecto. A comunidade surda é composta de
uma variedade de sujeitos, e conforme Strobel (2008) define,
a Cultura Surda é o jeito de o Surdo entender o mundo e de
56   Libras

modificá-lo a fim de torná-lo acessível e habitável, ajustando-


-o às suas percepções visuais, que contribuem para a defini-
ção das identidades surdas e das “almas” das comunidades
surdas. Isso significa que ela abrange a língua, as ideias, as
crenças, os costumes e os hábitos do povo Surdo.

A comunidade surda não é composta apenas por surdos,


mas pelos ouvintes que compartilham a Língua de Sinais, po-
dendo ser familiares, profissionais e amigos. Essa inclusão do
sujeito ouvinte na comunidade surda é importante, visto que
a comunidade se fortalece quando apoiados e reconhecidos
enquanto comunidade. A experiência visual do surdo, somada
às experiências linguísticas, colocam o surdo em um mundo
mais visual, já que o meio comunicacional é através dos olhos.
Somando as experiências entre culturas, entre ouvintes e sur-
dos, pode-se dizer que os surdos e ouvintes que compartilham
das experiências linguísticas e culturais são considerados bi-
culturais.

A Libras é a língua da comunidade surda brasileira, ou


seja, de todos que fazem parte dessa comunidade, seja surdo
e ouvinte, e que vem se expandindo a cada dia. O espaço que
a Libras vem ganhando na sua difusão e uso é uma conquista
da comunidade surda, que luta por reconhecimento da sua
língua e cultura. Mas o que seria a Cultura Surda? Para res-
ponder, é necessário pensarmos nas palavras cultura e surda.
Capítulo 3   Cultura e Comunidade Surda   57

4 Movimento surdo

Falar de comunidade surda e cultura é reconhecer a união en-


tre sujeitos, os interesses enquanto grupo, é ver a organização
de uma comunidade. O movimento surdo vem conquistando
diferentes vitórias pelo mundo; um desses movimentos foi ba-
tizado de Setembro Azul, que ocorre em diferentes países no
mês de setembro. A origem desse nome se deu pelo fato de
mês corresponder à data comemorativa do dia dos surdos (26
de Setembro); o azul simboliza a comunidade surda e, o laço,
o conceito de ser surdo.

No Brasil, o movimento busca melhorar as políticas edu-


cacionais para surdos, busca acessibilidade comunicacional,
recursos educacionais adequados em escolas bilíngues e, prin-
cipalmente, melhorar a qualidade de vida dos sujeitos surdos.
Portanto, esses movimentos surdos são compostos pela comu-
nidade surda, sendo a Libras o maior elo entre os sujeitos,
independente de etnia ou religião, sempre com aliados per-
tencentes à comunidade, que são os familiares, professores,
Tradutores/Intérpretes de Libras e outros colaboradores.

Hoje, com o advento da tecnologia, as redes sociais são


ferramentas importantes para divulgar esse evento, já que “Se-
tembro Azul” ocorre sem patrocínios e a divulgação é realiza-
da através da internet, postando imagens, filmagens, comen-
tários e convocações para participar em eventos ligados ao
movimento.

(...) o contexto digital (Internet) é um espaço favorável


que pode propiciar um novo encontro social de partilha,
58   Libras

onde as relações de poder e autoridade são dissolvidas


nos/pelos contatos virtuais. Nesse espaço não há lugar
para estigmas, rotulações e preconceitos, pois, envolvi-
dos nas tramas da Rede, somos todos participantes so-
ciais de uma mesma comunidade, a comunidade digital,
sem fronteiras, constituída pelos bits e regida sob nova
forma de organização social. As oportunidades de comu-
nicação oferecidas pelas tecnologias digitais permitem
novas possibilidades de interagir e de aprender com mui-
tos outros, diferentes e singulares, que se somam, com-
partilham e coexistem na imensa diversidade que institui
a sociedade em rede. (ARCOVERDE, 2006, p. 254)

A vantagem da rede virtual é que os surdos podem es-


colher a melhor forma de se comunicar, sem muitas regras
de postagens. Ela possibilita, além do registro escrito, o re-
gistro em vídeo, no qual a comunicação em Libras é utilizada
sem restrições, facilitando o entendimento e a comunicação.
Dessa maneira, pode-se perceber que os movimentos surdos
estão articulados e organizados. Um exemplo é o Decreto-Lei
5.626/05, que foi uma conquista da comunidade surda.

A experiência surda possibilita reconhecer a comunidade


a partir de suas características. Lopes e Veiga-Neto (2006, p.
82) indicam alguns marcadores que têm sido utilizados para
fazer referência à cultura e identidade surda. Eles afirmam que

além da língua de sinais, da arte, do teatro e da poe-


sia surda, a noção de luta, a necessidade de viver em
grupo e a experiência do olhar são marcadores que nos
permitem falar de identidades surdas fundadas em uma
alteridade e uma forma de ser surdo.
Capítulo 3   Cultura e Comunidade Surda   59

Ao falar de marcadores da cultura surda, não se pretende


defender que exista uma essência surda, mas indicar que ser
surdo está relacionado a uma experiência construída no/em
relação ao mundo que, conforme os autores, é “vivida no co-
letivo, mas sentida de maneiras particulares”.

Os diversos grupos possuem seus marcadores culturais, e


a comunidade surda tem a Cultura Surda, que é marcada pela
questão comunicacional. A questão que liga a comunidade
surda é exatamente a língua na qual se comunica, sendo de
modalidade diferenciada, trazendo consigo marcas linguísti-
cas significativas, sua maneira de expressão, sua maneira de
dar significados às coisas do mundo, de viver e de relacionar-
-se com os demais. Muitas vezes, essa cultura surda sofre in-
fluência da cultura predominante de seu país, afinal a comu-
nidade surda está inserida dentro de outra cultura e costumes,
quebrando conceitos de culturas.

A identidade surda se constrói dentro de uma cultura vi-


sual. Este aspecto da diferença precisa ser entendido não
como uma construção isolada, mas como uma constru-
ção multicultural. A ideologia da diversidade cambaleia
nestas posições essenciais da cultura surda. (PERLIN,
1998, p. 57)

Em uma diversidade cultural existente em nosso país, te-


mos que respeitar as dierenças. No caso dos surdos, temos a
maneira de se expressar, utilizando piadas, metáforas, brinca-
deiras, a escrita; utilizam-se do mundo de forma visual, que
difere dos demais que usam da audição com base cultural. Os
60   Libras

surdos precisam conviver com a biculturalidade, onde ficam


no limite do mundo visual e do som.

Em primeiro lugar, as línguas de sinais apresentam-se


numa modalidade diferente das línguas orais: são lín-
guas espaço-visuais, ou seja, a realização dessas línguas
não é estabelecida através dos canais oral auditivos, mas
através da visão e da utilização do espaço. (QUADROS,
1997, p. 46)

Através do contato com a comunidade, das trocas, do con-


vívio, é que se fortalece e constrói uma identidade enquanto
grupo e indivíduo. Os sentidos acabam sendo substituídos pe-
los olhos; como não se tem audição, os olhos fazem o ouvir
e as mãos, o falar. Mas não é por ter uma cultura e identida-
de que o surdo deixa de participar de lugares ouvintes: eles
compartilham boates, passeios, esportes e os diversos espa-
ços existentes, mas sempre de maneira visual. Isso fortalece a
cultura dentro do grupo e não no indivíduo apenas, sendo o
mesmo responsável pela sua identidade.

Conclusão
A discussão sobre comunidade e cultura surda é de extrema
pertinência, já que não se pode dissociar a cultura da língua,
e um aprendiz de Libras ou um profissional que atenderá sur-
dos terá que conviver com possíveis hábitos e comportamentos
diferentes.

A diferença máxima entre ouvintes e surdos é a forma de


absorver o mundo; as vivências são de aprender e expressar-
-se através da experiência visuais, acarretando um olhar dife-
Capítulo 3   Cultura e Comunidade Surda   61

renciado para as coisas e situações que ocorrem no convívio


social.

Recapitulando

A cultura surda pode se definir pelo jeito de o Surdo entender o


mundo e de modificá-lo a fim de torná-lo acessível e habitável,
ajustando-o com as suas percepções visuais, que contribuem
para a definição das identidades surdas e das “almas” das co-
munidades surdas. Isso significa que ela abrange a língua, as
ideias, as crenças, os costumes e os hábitos do povo Surdo. E
quando olhamos para a comunidade surda, temos que despir
do olhar clínico, já que este vê somente o quanto o sujeito
ouve e não qualifica a Libras como uma língua.

Referências

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interativo na produção escrita dos surdos. Caderno Cedes,
Campinas, vol. 26, n. 69, p. 251-267, maio/ago. 2006.
Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br>. Acesso
em 21set. 2011.

BAUMAN, Z. Comunidade: a busca por segurança no mundo


atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar E., 2003.

HALL, S. Da Diáspora: Identidades e Mediações Culturais.


Organização Liv Sovik; Tradução Adelaine La Guardia Re-
62   Libras

sende, Belo Horizonte: Editora UFMG; Brasília: Represen-


tação da UNESCO no Brasil, 2003.

________. A Centralidade da Cultura: notas sobre as revo-


luções culturais de nosso tempo.

LOPES, M. C.; VEIGA-NETO, A. Marcadores culturais surdos:


quando eles se constituem no espaço escolar. Perspectiva,
Florianópolis. v. 24. n. Especial. p. 81-100, jul./dez. 2006.
Disponível em htlp:JJwww.perspectiva:ufsc.br, acesso em
21 de julho de 2015.

QUADROS, R. M. Educação de surdos: a aquisição da lin-


guagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

Silva, T. T. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos


culturais / Silva, T. T. (org.). Hall, S; Woodward K. 14. Ed. –
Petropolis, RJ: Vozes, 2014.

SKLIAR, C. (org.) A Surdez: um olhar sobre a diferença. Porto


Alegre: 1998.

Strobel, K. As imagens do outro sobre a cultura surda. Flo-


rianopolis, Ed: da UFSC, 2008.

Atividades

1) A comunidade surda está inserida na nossa sociedade bra-


sileira, sendo que:

I – Aa comunidade surda não é composta apenas por sur-


dos, mas pelos ouvintes que compartilham a Língua de Sinais.
Capítulo 3   Cultura e Comunidade Surda   63

II – 
A comunidade surda é formada apenas por surdos
adultos e crianças que ficaram surdas no nascimento.

III – A comunidade surda é composta por surdos e deficien-


tes auditivos, sendo a oralidade o artefato cultural mais
utilizado.

Quais estão corretas?

a) Apenas I.

b) Apenas II.

c) Apenas I e II.

d) Apenas II e III.

e) I, II e III.

2) Qual a língua da comunidade surda brasileira?

a) Libras – Língua de Sinais Brasileira

b) Libras – Linguagem Brasileira de Sinais

c) Libras – Língua Brasileira de Sinais

d) Libras – Linguagem Brasileira de Surdos

e) Libras – Linguagem Brasileira de Surdos-Mudos

3) Com os movimentos da comunidade surda, surge no Brasil o:

a) Movimento Outubro Rosa

b) Movimento Novembro Azul

c) Movimento Setembro Verde


64   Libras

d) Movimento Setembro Azul

e) Movimento Setembro Surdo

4) 
A cultura surda é composta por artefatos culturais, mas
______________________ é o que predomina como marca
da comunidade surda.

A alternativa cuja palavra completa corretamente a lacuna


da frase acima é:

a) A Língua de Sinais

b) As mãos

c) As caretas

d) A fonologia

e) A política

5) A comunidade surda é composta basicamente por dois ele-


mentos:

a) Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa

b) Língua Brasileira de Sinais e cultura surda

c) Cultura surda e oralidade

d) Surdez e oralidade

e) Língua Brasileira de Sinais e a gestualidade


Ingrid Ertel Stürmer1

Capítulo 4

Políticas Educacionais e
Educação de Surdos 1

1 Mestre em Educação (UFRGS); Especialização em Educação Especial – Atendi-


mento Educacional Especializado (UFC); graduada em Normal Superior – Licencia-
tura – Habilitação em Magistério Anos Iniciais do Ensino Fundamental (FEEVALE) e
em Letras Libras – Bacharelado (UFSC).
66   Libras

Introdução

Neste capítulo, veremos um panorama atual das políticas edu-


cacionais no que se refere à educação de surdos. Veremos
que há uma política educacional instituída que afirma que a
educação é um direito de todos. Nesse sentido, o Ministério
da Educação (MEC2) publicou, em 2008, a Política Nacional
de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, na
qual se afirma que a Educação Especial perpassa transversal-
mente3 todas as modalidades de ensino da Educação Básica,
além de que todos os alunos devem estar matriculados, prefe-
rencialmente, na rede regular de ensino.

Nessa política, é assegurada “a inclusão escolar de alu-


nos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento
e altas habilidades/superdotação” (BRASIL, 2008, p. 14). De
acordo com a mesma, os alunos surdos fazem parte do pú-
blico de alunos com deficiência e possuem o direito a uma
escolarização bilíngue, devendo esta acontecer de forma pre-
ferencial no espaço da escola comum.

2 Embora os discursos aqui analisados sejam provenientes de Secretarias do MEC


– da antiga Secretaria de Educação Especial (SEESP) e, após, da Secretaria de Edu-
cação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) – opto, neste
texto, por utilizar a sigla MEC quando me referir aos documentos produzidos por
tais Secretarias, pois ambas estão ligadas a esse Ministério.
3 A LDB em 1996 já apontava esse redimensionamento da Educação Especial.
Capítulo 4    Políticas Educacionais e Educação de Surdos    67

No entanto, o movimento social surdo4 coloca que, para


que o surdo acesse a educação de fato, é imprescindível pro-
piciar condições para o acesso primeiro à língua de sinais – no
caso do Brasil, a Língua Brasileira de Sinais (Libras5) – e so-
mente através dela os surdos conseguirão acessar seu direito
à educação. A partir da publicação da Política (2008), o movi-
mento surdo começou a focar sua luta por uma educação bi-
língue que proporcione um ambiente linguístico favorável para
a educação de surdos.

Percebe-se que o entendimento de educação bilíngue é


diferente para MEC e movimento surdo, pois enquanto um
compreende a surdez pelo viés da educação especial, o ou-
tro a compreende como uma diferença inserida no âmbito da
cultura. Dessa forma, esses dois segmentos apresentam po-
larizações nos sentidos atribuídos à educação bilíngue. Essa
polarização é verificada em documentos que foram elabora-
dos pela Federação Nacional de Educação e Integração dos
Surdos (FENEIS6), que representa o movimento surdo, ou pelo
MEC. Esses documentos apresentam orientações sobre a edu-

4 Este, constituído por surdos e ouvintes, acadêmicos ou não, que lutam pelos
direitos da comunidade surda, tem importante papel articulador na busca por mu-
danças de perspectivas linguísticas e educacionais, principalmente no que se refere
à educação de surdos.
5 Libras – Língua Brasileira de Sinais: em conformidade com as convenções da lín-
gua portuguesa, é possível utilizar apenas a inicial maiúscula nessa sigla, pois ela é
composta por mais de três letras que, reunidas, podem ser pronunciadas como uma
palavra (TERRA, 2011). No caso das citações discutidas neste capítulo, manter-se-á
a representação escrita da sigla que é utilizada no material empírico.
6 A maior parte dos documentos não só estão diretamente relacionados à FENEIS,
como também foram produzidas pela Instituição.
68   Libras

cação bilíngue para surdos desde 2008 (ano de publicação


da Política) até 2014 (ano de publicação do Relatório sobre a
Política Linguística de Educação Bilíngue – Língua Brasileira de
Sinais e Língua Portuguesa). Parte desses documentos são no-
tas e cartas trocadas entre MEC e movimento surdo. A seguir,
passamos a olhar para alguns excertos desses documentos e
problematizar questões pertinentes para pensarmos a educa-
ção de surdos.

1 Educação bilíngue em pauta

Passamos, agora a problematizar como é pensada a organi-


zação da educação bilíngue a partir de documentos elabora-
dos por segmentos (MEC e movimento surdo) que apresen-
tam posicionamentos opostos devido aos diferentes princípios
político-ideológicos7.

Orientações legais sobre a educação bilíngue constam


pela primeira vez no Decreto 5.626/2005, documento escrito
no embate político entre MEC e movimento surdo. Em 2008,
também há uma breve orientação sobre a educação bilíngue
na Política de Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva, documento em que se afirma:

Para a inclusão dos alunos surdos, nas escolas comuns,


a educação bilíngue – Língua Portuguesa/LIBRAS, desen-

7 Tomo emprestado o termo “princípios político-ideológicos distintos” utilizado por


Lodi (2013) no artigo “Educação Bilíngue para Surdos e Inclusão segundo a Política
Nacional de Educação Especial e o Decreto n 5.626/05”.
Capítulo 4    Políticas Educacionais e Educação de Surdos    69

volve o ensino escolar na Língua Portuguesa e na língua


de sinais, o ensino da Língua Portuguesa como segunda
língua na modalidade escrita para alunos surdos, os ser-
viços de tradutor/intérprete de Libras e Língua Portuguesa
e o ensino da Libras para os demais alunos da escola. O
atendimento educacional especializado é ofertado, tanto
na modalidade oral e escrita, quanto na língua de sinais.
Devido à diferença linguística, na medida do possível,
o aluno surdo deve estar com outros pares surdos em
turmas comuns na escola regular. (BRASIL, 2008, p. 17)

No entanto, essas orientações de 2008 sobre a educação


bilíngue, atreladas ao ensino na escola comum, através do
Atendimento Educacional Especializado (AEE), causam maior
impacto no movimento surdo pois, para o MEC, o espaço da
escola de surdos caracteriza-se como segregacionista, uma
vez que a proposta bilíngue:

Deve fortalecer estratégias pedagógicas que considerem


as especificidades dos estudantes na aquisição da Língua
Brasileira de Sinais – Libras e da Língua Portuguesa es-
crita, de forma que a educação bilíngue não seja condi-
cionada a espaços organizados pela condição da surdez,
mas vinculada a uma organização curricular que possi-
bilite o ensino e o uso das línguas de forma transversal,
nas diferentes etapas e modalidades. (BRASIL, 2012, p.
2) [grifo meu]

Nesse sentido, principalmente no ano 2011, o movimento


surdo realizou grandes mobilizações para evitar o fechamento
70   Libras

do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES8) e de es-


colas de surdos em todo o Brasil9.

Podemos compreender o movimento surdo como um mo-


vimento de uma minoria linguística, que busca um reconheci-
mento linguístico e cultural que vem se afastando dos discursos
da Educação Especial que entendem a surdez como deficiên-
cia. Esse afastamento pode ser visto como um dos motivos
centrais que produzem a tensão entre o movimento surdo e os
movimentos da Educação Especial,

uma vez que o campo da educação de surdos problema-


tiza a lógica da deficiência, que se sustenta em processos
de normalização que vem caracterizando historicamente
a Educação Especial e, atualmente, as políticas inclusi-
vas. (MORAES, 2014, p. 37)

Por isso, é possível entendermos que quando há posicio-


namentos advindos de princípios político-ideológicos distintos,
criam-se diferentes modos de pensarmos a educação bilíngue
de surdos. Podemos ver nos excertos a seguir um primeiro
exemplo de proposições de espaços diferenciados de educa-
ção bilíngue:

8 Fundado em 1856, “é considerado o patrimônio cultural e símbolo máximo de


resistência do povo surdo” (FENEIS, 2011a, p. 20). De acordo com informações
da Revista da FENEIS (2011), o INES oferece, por meio do Colégio de Aplicação,
Educação Precoce (de zero a três anos), Educação Infantil, Ensino Fundamental e
Médio. Também possui o curso de Pedagogia Bilíngue, que formou a primeira tur-
ma de licenciados em 2011. O Instituto é referência em pesquisas, em materiais di-
dáticos e na capacitação de profissionais da área de educação de surdos no Brasil.
9 O Rio Grande do Sul (RS) foi um dos estados mais resistentes ao fechamento
das escolas de surdos no Brasil e conseguiu permanecer com suas escolas abertas.
Capítulo 4    Políticas Educacionais e Educação de Surdos    71

A Política orienta os sistemas de ensino para garantia do


ingresso dos estudantes com surdez nas escolas comuns,
mediante a oferta da educação bilíngue, dos serviços de
tradutores intérpretes de Libras/Língua Portuguesa e do
ensino de Libras (BRASIL, 2011, p. 1) [grifo meu]

[o movimento surdo] reivindica uma política educacional


mais condizente com as especificidades linguísticas e cul-
turais dos surdos e que atenda à pluralidade dos surdos
brasileiros, principalmente por meio da legitimação e im-
plantação de escolas públicas bilíngues (FENEIS, 2012,
p. 3) [grifo do autor].

Vemos acima maneiras de pensar a educação bilíngue:


uma do MEC e outra do movimento surdo. Pensando, primei-
ramente, sobre as proposições do que circulam no MEC, a
educação bilíngue deve pautar “a organização da prática pe-
dagógica, na escola comum, na sala de aula comum e no
AEE”, ou seja, deve permear “todo o processo educativo” (AL-
VES et al., 2010, p. 9). Porém, em muitos dos excertos de do-
cumentos do MEC, o processo educativo é contemplado com
o atendimento do surdo no Atendimento Educacional Especia-
lizado (AEE) e, na sala de aula, a acessibilidade ocorrerá com
a presença do Tradutor e Intérprete de Língua de Sinais (TILS).

A Resolução nº 04/2009 institui as diretrizes operacionais


para o AEE. Esse atendimento é ofertado aos alunos incluídos
na escola comum e ocorre no turno contrário, sendo realizada
a complementação à escolarização. Esse atendimento “iden-
tifica, elabora e organiza recursos pedagógicos e de acessi-
bilidade que eliminam as barreiras para a plena participação
dos alunos, considerando as suas necessidades específicas”
72   Libras

(BRASIL, 2008, p. 16). Ao professor que atua no AEE, além de


atender ao aluno no espaço da Sala de Recursos Multifuncio-
nal (SRM), compete:

[...] elaborar o plano de atendimento individual do es-


tudante, tendo como base seu conhecimento prévio da
Libras, da língua portuguesa e do contexto social e fa-
miliar. Além disso, compete ao professor do AEE reali-
zar a interface com os demais professores e tradutores/
intérpretes, visando à estruturação da educação bilíngue
na proposta curricular, bem como propor a articulação
intersetorial de políticas públicas, a fim de garantir outras
medidas de apoio necessárias à sua escolarização. (BRA-
SIL, 2012, p. 4)

No AEE, a educação bilíngue se dá em três momentos di-


dático-pedagógicos: o AEE para ensino da Libras, o AEE em
Libras e o AEE para o ensino da língua portuguesa, sendo
assim definidos:

No AEE de Libras: o AEE deve ser planejado com base na


avaliação do conhecimento que o aluno tem a respeito
da Libras e realizado de acordo com o estágio de desen-
volvimento da língua em que o aluno se encontra. Após
a avaliação inicial, o professor de Libras precisa pensar
na organização didática que implica o uso de imagens
e de todo tipo de referências. (ALVES et al., 2010, p. 17)

O AEE em Libras fornece a base conceitual dos conte-


údos curriculares desenvolvidos na sala de aula. Esse
atendimento contribui para que o aluno com surdez par-
ticipe das aulas, compreendendo o que é tratado pelo
Capítulo 4    Políticas Educacionais e Educação de Surdos    73

professor e interagindo com seus colegas. (ALVES et al.,


2010, p. 12)

A proposta didático-pedagógica para se ensinar portu-


guês escrito para os alunos com surdez orienta-se pela
concepção bilíngue – Libras e português escrito, como
línguas de instrução destes alunos (ALVES et al., 2010, p.
20). O objetivo desse atendimento é desenvolver a com-
petência linguística, bem como textual, dos alunos com
surdez, para que sejam capazes de ler e escrever em lín-
gua portuguesa. [...] O professor do AEE avalia e analisa
o estágio de desenvolvimento linguístico dos alunos, em
relação à leitura e escrita, tendo por base suas próprias
produções e interpretações de textos, dialógicos, descriti-
vos, narrativos e dissertativos. (ALVES et al., 2010, p. 22)

Esses três momentos didático-pedagógicos deveriam10 ser


ofertados diariamente de acordo com orientações do MEC.
Podemos observar que são determinados momentos específi-
cos para aprendizado e uso da Libras, devido à organização e
distribuição de tempo e de espaço para a língua de sinais na
escola. Além disso, Camatti e Gomes (2011) apontam que a
Libras é posicionada como um recurso:

a língua de sinais é retirada da ordem discursiva produ-


zida na questão da escola, entendida a partir da orienta-
ção cultural, e acaba sendo capturada através de outra

10 O MEC aponta que o atendimento no AEE ao aluno surdo deve ocorrer diaria-
mente, no entanto, a realidade das escolas e alunos muitas vezes inviabiliza isso,
sendo oferecidos um ou dois atendimentos na semana.
74   Libras

racionalidade, que a toma como uma língua-metodolo-


gia ou uma língua-recurso. (p. 166)

Podemos evidenciar essa afirmação ao olhar, por exemplo,


para as orientações do AEE para ensino da língua portuguesa:

[...] o professor não utiliza a Libras, a qual não é indi-


cada como intermediária nesse aprendizado. Entretanto,
é previsível que o aluno utilize a interlíngua na reflexão
sobre as duas línguas, cabendo ao professor mediar o
processo de modo a conduzi-lo a diminuição gradati-
vamente deste uso. [...] Como o canal de comunicação
específico para o ensino e a aprendizagem é a língua
portuguesa, o aluno pode utilizar a leitura labial (caso
tenha desenvolvido habilidade) e a leitura e a escrita.
(ALVES et al., 2010, p. 20)

Como vimos no excerto acima, alguns momentos a Libras


não precisaria ser utilizada. Para Fernandes e Moreira (2014),
isso ocorre devido a significados distintos dados a língua de
sinais: para uns, essa língua representa a produção histórico-
-cultural de uma comunidade minoritária e, para outros, a
Libras faz parte de um conjunto de recursos físicos, técnicos
e materiais que constituem as tecnologias assistivas11, o que
revela um enorme distanciamento dos princípios do bilinguis-
mo. As mesmas autoras apontam que, no âmbito das políti-
cas de inclusão, até se verifica um reconhecimento da língua

11 Para os surdos, entre as tecnologias assistivas estão, por exemplo, o aparelho


FM (para captação de voz em ambientes com interferências acústicas), os materiais
com acessibilidade em Libras (CDs, DVDs e outros formatos digitais), o Implante
Coclear, entre outros.
Capítulo 4    Políticas Educacionais e Educação de Surdos    75

de sinais; no entanto, esse reconhecimento “não cria espaços


efetivos para seu uso e desenvolvimento” (FERNANDES; MO-
REIRA, 2014, p. 59).

Na perspectiva da educação inclusiva, pressupõe-se que,


ao incluir a Libras na escola comum, os surdos serão incluí-
dos, e que a presença do TILS12 resolve a diferença linguística.
Esse profissional, reconhecido pela Lei Nº 12.319/2010, é um
mediador da comunicação e da interação entre surdos e ou-
vintes. Porém, além dele, é necessário que o professor planeje
e desenvolva suas aulas considerando, neste caso, a cultura
visual dos surdos e os processos de tradução-interpretação das
línguas em uso na condição bilíngue dos alunos.

A Feneis aponta que “não há intérprete para a maioria das


classes ditas inclusivas” (FENEIS, 2011b, p. 5). Sabe-se que
ainda há poucos profissionais capacitados para atender a uma
grande demanda e em diferentes localidades, principalmente,
em regiões de interior. Como argumento contrário ao mode-
lo de inclusão, o movimento surdo aponta que “a presença
de intérpretes/tradutores de português/Libras não define uma
educação bilíngue para surdos, muito menos quando a oferta
se detém a serviços de tradutores e intérpretes de Libras/língua
portuguesa” (FENEIS, 2011b, p. 4).

Nos excertos de documentos do MEC, verificamos que o


bilinguismo será alcançado ao se “promover o acesso dos alu-
nos com surdez ao conhecimento escolar em duas línguas: em

12 Lacerda e Bernardino (2009) realizaram um estudo acerca do intérprete edu-


cacional. As autoras apontam algumas especificidades nesta atuação, as quais
merecem ser melhor compreendidas.
76   Libras

Libras e em língua portuguesa” (ALVES et al., 2010, p. 10). No


entanto, não está definido o status linguístico das línguas en-
volvidas, nem se especifica a modalidade (oral ou escrita) de
uso da língua portuguesa. Sobre isso, o movimento surdo po-
siciona-se, definindo a educação bilíngue da seguinte forma:

A aquisição da Libras como L1, pelos alunos surdos,


deve ser garantida na proposta pedagógica para todos
os níveis e séries da Educação Básica (Educação Infantil,
Ensino Fundamental e Ensino Médio).

O ensino do português escrito como segunda língua – L2


deve estar presente na proposta pedagógica para todos os
níveis e séries da Educação Básica (Educação Infantil, En-
sino Fundamental e Ensino Médio). (FENEIS, 2012, p. 6)

Em geral, propõe-se um espaço linguístico diferenciado,


sobretudo em escolas bilíngues:

As escolas bilíngues são aquelas onde a língua de instru-


ção é a Libras e a língua portuguesa é ensinada como
segunda língua, após a aquisição da primeira língua;
essas escolas se instalam em espaços arquitetônicos pró-
prios e nelas devem atuar professores bilíngues, sem me-
diação de intérpretes na relação professor – aluno e sem
a utilização do português sinalizado. As escolas bilíngues
de surdos devem oferecer educação em tempo integral.
Os municípios que não comportem escolas bilíngues de
surdos devem garantir educação bilíngue em classes bi-
língues nas escolas comuns (que não são escolas bilín-
gues de surdos). (BRASIL, 2014, p. 5)
Capítulo 4    Políticas Educacionais e Educação de Surdos    77

Nesse sentido, vemos nos documentos do movimento sur-


do a argumentação por um espaço que proporcione aos sur-
dos uma imersão linguística na Libras, já que a maioria dos
alunos surdos são filhos de pais ouvintes. Mas, para além da
questão linguística, o movimento aponta a importância de sua
educação estar marcada por traços da cultura surda13, pois
esta é inseparável da educação bilíngue:

Se a cultura surda não estiver inserida no ambiente edu-


cacional, os surdos dificilmente terão acesso à educação
plena como lhes é de direito e acabam por abandonar
a escola.

A inserção do indivíduo numa cultura propicia o desen-


volvimento e a afirmação de identidades. A cultura surda
e a pedagogia do surdo, um jeito de ensinar ao surdo,
partem de experiências sensoriais visuais, da língua de si-
nais, dos educadores surdos, do contato da comunidade
com os pais, com as crianças, com a história surda e com
os estudos surdos. (BRASIL, 2014, p. 14)

Na perspectiva dos Estudos Surdos, amparados nos estu-


dos linguísticos, entende-se que, para haver a aquisição da
língua de sinais, as crianças surdas devem ter contato com
outras crianças e adultos surdos. Esse contato deve se dar o
mais cedo possível, para não se perder a fase mais importante

13 De acordo com Lopes e Veiga-Neto (2010), a cultura surda pode ser entendida
como um conjunto de práticas capazes de ser significadas por um grupo de pes-
soas que vivem e sentem a experiência visual, no caso dos surdos, de uma forma
semelhante. A relevância dos aspectos visuais traz como consequência a invenção
de artefatos culturais que usam a visão, como a língua de sinais, a imagem, o le-
tramento visual ou a leitura visual.
78   Libras

de aquisição da língua. Assim, também é possibilitado que a


identidade surda e os processos de subjetivação se desenvol-
vam a partir de um viés cultural.

Sabe-se que, em grande parte dos casos, as famílias de


surdos passam anos investindo na oralização das crianças sur-
das, negando-lhes a aquisição da língua de sinais no contato
com outros surdos. Consequentemente, o contato com a Libras
acaba ocorrendo na escola que, muitas vezes, constitui-se na
primeira comunidade linguística dos surdos. A Carta-Denúncia
(2011c) da FENEIS aponta as consequências da falta de aces-
so à língua de sinais:

[...] hoje muitos dos surdos brasileiros não têm língua


nenhuma, muitos têm conhecimento apenas de um res-
trito e pantomímico código familiar ou local, incapaz
não apenas de oferecer as condições de uma socializa-
ção mais ampla, mas também, et pour cause, de níveis
de abstração e organização complexa do pensamento.
Esses surdos ficam quase completamente à margem da
vida social, civil e cultural nacional, completamente de-
pendentes de seus familiares e, por isso mesmo, sujeita-
dos permanentemente às vontades alheias. É-lhes nega-
do o direito a decidirem sobre si mesmos, negação esta
com base numa suposta inferioridade civil, que a aliena-
ção linguística parece dar razão. A rigor, os surdos sem
língua não desenvolvem a possibilidade de transformar
desejo em vontade conscientemente expressa e universal-
mente argumentável, experiências e afetos em símbolos
socialmente reconhecíveis. (pp. 5-6)
Capítulo 4    Políticas Educacionais e Educação de Surdos    79

O movimento surdo acredita que “ações inclusivas podem


ser feitas de forma que a inclusão social aconteça sem que
seja rechaçado o direito dos surdos à sua inclusão primeira,
que deve acontecer na comunidade que fala a mesma língua,
no caso, a Língua de Sinais Brasileira” (FENEIS, 2012, p. 10).
No que se refere à organização da educação de surdos no
espaço da escola comum, o movimento surdo aponta que este
espaço não contempla a diferença surda:

A chamada sala de aula dita “comum” permanece assim


conforme as características gerais dos alunos cuja tipici-
dade é majoritária; portanto, ela não é comum a todos
os alunos, em suas diferenças e especificidades [...] isso
quer dizer que no turno principal os alunos surdos, bem
como os demais que mantêm diferença com relação a
essa tipicidade majoritária, devem adequar-se a esta úl-
tima, com graves prejuízos, no caso dos surdos, para o
gozo de seus direitos humanos linguísticos e educacio-
nais. (FENEIS, 2011c, p. 28) [grifo do autor]

Quanto à inserção do aluno surdo no ensino regular, mui-


tos aspectos não são contemplados nas experiências inclusivas
em desenvolvimento, pois, frequentemente,

a criança surda não é atendida em sua condição socio-


linguística especial, não são feitas alterações metodoló-
gicas que levem em conta a surdez, e o currículo não é
repensado, culminando em um desajuste socioeducacio-
nal. (LACERDA; LODI, 2009, p. 15)
80   Libras

Lodi e Lacerda (2009) apresentam uma proposição14 de


inclusão na abordagem bilíngue, ou seja, no espaço da escola
comum, como contemplado na proposta do MEC. Em 2003,
foi realizada uma parceria entre a Universidade e a Secretaria
Municipal de Educação/Setor de Educação Especial de Piraci-
caba para implementação do programa educacional bilíngue
em duas escolas municipais: uma de Educação Infantil, outra
de Ensino Fundamental.

A realização desse programa em apenas duas escolas jus-


tifica-se porque,

[...] quando se pretende oferecer condições iguais (in-


clusivas) de aprendizagem e desenvolvimento a alunos
surdos, estes precisam ser acolhidos em ambientes bilín-
gues, no qual circulem a Libras e a língua portuguesa.
Esta condição particular não pode ser alcançada se o
aluno surdo não tiver pares e educadores competentes
em Libras para se relacionarem com ele e, neste caso, se
fosse permitida às crianças surdas a matrícula em esco-
las perto de suas residências, a implantação de classes
inclusivas bilíngues se tornaria inviável tanto financeira-
mente quanto pela falta de profissionais e pares fluentes
em Libras. (LODI; LACERDA, 2009, p. 19-20)

De acordo com essas afirmações, a educação bilíngue não


é tão simples de ser alcançada, pois depende de uma estrutura
que vai muito além do AEE e da presença do TILS em sala de

14 A experiência desta proposta e seus resultados encontra-se no artigo “A inclusão


escolar bilíngue de alunos surdos: princípios, breve histórico e perspectivas” – vide
referências.
Capítulo 4    Políticas Educacionais e Educação de Surdos    81

aula. Documentos do movimento surdo apontam a necessida-


de de:

[...] ambientes linguísticos para a aquisição da Libras


como primeira língua (L1) por crianças surdas, no tem-
po de desenvolvimento linguístico esperado e similar ao
das crianças ouvintes, e a aquisição do português como
segunda língua (L2). A Educação Bilíngue é regular, em
Libras, integra as línguas envolvidas em seu currículo e
não faz parte do atendimento educacional especializado.
O objetivo é garantir a aquisição e a aprendizagem das
línguas envolvidas como condição necessária à educa-
ção do surdo, construindo sua identidade linguística e
cultural em Libras e concluir a educação básica em situa-
ção de igualdade com as crianças ouvintes e falantes do
português. (BRASIL, 2014, p. 6)

Portanto, há diferentes modos de pensar e organizar a


educação bilíngue de surdos. É fundamental adequarmos a
escolarização desses sujeitos às necessidades dos mesmos,
buscando nas políticas educacionais e nos Estudos Surdos e
Linguísticos as bases para melhor implementar a educação bi-
língue.

Recapitulando

Vimos, neste capítulo, que há proposições nas formas de or-


ganização dos tempos e dos espaços na escolarização dos
surdos: a escola comum e a escola bilíngue. Essas proposições
82   Libras

posicionam os surdos e a língua de formas diferentes. Na po-


lítica de inclusão, muitas vezes a Libras é posicionada como
um recurso de acessibilidade. Prevalece a visão da educação
especial na qual os surdos são compreendidos como deficien-
tes. Na escola bilíngue, na qual prevalece a visão da diferen-
ça linguística e cultural dos surdos, estes são compreendidos
como pertencentes a uma minoria linguística, sendo a língua
de sinais primordial na constituição desses sujeitos.

Não cabe aqui afirmar qual é o certo e o errado, mas é ne-


cessário compreendermos que a maneira como entendemos o
surdo e a surdez irão definir a educação que daremos a esses
sujeitos e vice-versa.

Curiosidades:
ÂÂPara saber mais sobre o tema deste capítulo, leia a disser-
tação de Mestrado da autora no link: http://www.lume.ufr-
gs.br/bitstream/handle/10183/115739/000964765.
pdf?sequence=1

ÂÂAs várias reivindicações do movimento surdo posterio-


res à Política, assim como a busca por um espaço de
discussão junto ao MEC, são iniciativas que resultaram
na criação de um Grupo de Trabalho (GT) designado
pelas Portarias nº 1.060/2013 e nº 91/2013 do MEC/
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Di-
versidade e Inclusão (SECADI). No início de 2014, foi
publicado o Relatório sobre a Política Linguística de Edu-
cação Bilíngue – Língua Brasileira de Sinais e Língua Por-
tuguesa, último documento publicado sobre educação
Capítulo 4    Políticas Educacionais e Educação de Surdos    83

bilíngue até o momento. Este visa orientar a construção


de uma futura política bilíngue, considerando as especi-
ficidades na educação dos sujeitos surdos. Veja este do-
cumento no link: http://www.bibliotecadigital.unicamp.
br/document/?code=56513

ÂÂAtualmente foi publicada a Lei nº 13.146, de 6 de ju-


lho de 2015, instituindo a Lei Brasileira de Inclusão da
Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Defi-
ciência). Veja no link: http://www.planalto.gov.br/cci-
vil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Lei nº 9394/1996. Diretrizes


e Bases da Educação Nacional. Brasília: MEC, 1996.

______. Política Nacional de Educação Especial na Pers-


pectiva da Educação Inclusiva. Brasília: MEC/SEESP,
2008. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br>. Acesso
em 12 mar. 2013.

______. Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Re-


gulamenta a Lei nº10.436, de 24 de abril de 2002. Dispo-
nível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-
2006/2005/Decreto/D5626.htm. Acesso em: 8 mai.
2011.

______. Resolução nº 4/2009. Institui Diretrizes Operacio-


nais para o Atendimento Educacional Especializado
84   Libras

na Educação Básica, modalidade Educação Especial,


2009. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/dmdocu-
ments/rceb004_09.pdf Acesso em 09 dez. 2014.

______. Lei Nº 12.319 de 1º de setembro de 2010: Regu-


lamenta a profissão de Tradutor e Intérprete da Língua
Brasileira de Sinais – LIBRAS. 2010. [on-line]. Disponível
em: http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1025011/lei-
12319-10. Acesso em 10 dez. de 2014.

______. Nota Técnica nº 05/2011. Sobre Implementação da


Educação Bilíngue. Ministério da Educação. Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclu-
são. Brasília, 2011. Disponível em: http://inclusaoja.com.
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-nota-tecnica-052011-mecsecadigab/. Acesso em 15 ago.
2014.

______. Nota Técnica nº 34/2012. Sobre a Política Nacional


de Educação Bilíngue para Surdos. Ministério da Educa-
ção. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão. Diretoria de Políticas de Educação
Especial. Brasília, 2012.

BRASIL/MEC/SECADI. Relatório do Grupo de Trabalho de-


signado pelas Portarias nº 1.060/2013 e nº 91/2013.
Subsídios para a Política Linguística de Educação Bilíngue
– Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa – a ser
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Capítulo 4    Políticas Educacionais e Educação de Surdos    85

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de língua de sinais nas etapas iniciais de escolarização.
In: LODI, A. C. B; LACERDA, C. B. (Org.). In: Uma Escola
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de sinais nas etapas iniciais de escolarização. Porto Alegre:
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creto nº 5.626/05. In: Educação e Pesquisa, São Paulo,
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grama de Pós-Graduação, Faculdade de Educação, Uni-
versidade Federal de Pelotas, 2014.

TERRA, E. Curso Prático de Gramática. São Paulo: Scipione,


2011.
Capítulo 4    Políticas Educacionais e Educação de Surdos    87

Atividades

1) Como você descreveria a educação de surdos pelo viés da


política inclusiva do MEC?

2) Como você descreveria a educação de surdos que o mo-


vimento surdo aponta?

3) Você conhece a realidade da educação de surdos no seu


município? Há escola de surdos ou os alunos estão incluí-
dos na escola comum? Os alunos são acompanhados por
Tradutor Intérprete de Língua de Sinais (TILS)?

4) Pesquise como seu município está conduzindo a educação


dos alunos surdos matriculados na rede.

5) Converse com uma professora que tenha aluno surdo


e faça uma pequena entrevista, procurando se informar
sobre os avanços e dificuldades enfrentadas no ensino e
aprendizagem e, se houver TILS, questione sobre o traba-
lho junto a este profissional.
Vinicius Martins Flores1

Capítulo 5

Políticas Linguísticas e a
Língua de Sinais 1

1 Doutorando em Letras – Psicolinguística (UFRGS); Mestre em Letras – Linguística


Aplicada (UFRGS); Especialista em Aquisição da Linguagem e Alfabetização (FEE-
VALE); graduado em Letras Libras – Bacharelado (UFSC) e em Pedagogia – Licen-
ciatura (ULBRA); participa do Grupo de Pesquisa Educação e Processos Inclusivos
(GPEPI) da UERGS – Litoral Norte; atua como docente de Libras na ULBRA (Cano-
as/RS) e na UERGS (Osório/RS).
Capítulo 5    Políticas Linguísticas e a Língua de Sinais    89

Introdução

A Libras – Língua Brasileira de Sinais, a partir do ano de 2002,


quando ganha o status de segunda língua oficial do nosso
país, abre muitas discussões acerca do tema. Hoje, as dis-
cussões avançaram, pesquisas emergem, portanto, a proposta
deste capítulo é abarcar as relações das políticas linguísticas
com a formação de professores que atuaram na educação
de surdos, bem como englobar outras questões relacionadas,
como os direitos linguísticos da comunidade surda em diferen-
tes espaços educacionais.

1 Contexto social e a Libras

O sujeito surdo usuário de Libras é pertecente a uma minoria


linguística por não ter sua língua em meios de comunicação,
por não encontrar serviços públicos ou privados que atendam
em Libras. Esse fato de não ter acessibilidade comunicacional
na maioria dos espaços já causa uma diferença de igualda-
de entre ouvintes usuários de Língua Portuguesa e os surdos
usuários de Libras. A reflexão, considerando a história social
do sujeito surdo e suas implicações, apresenta a Libras não
somente como um meio de acessibilidade:

Contudo, a LIBRAS não pode ser reduzida unicamente a


um meio de acessibilidade. Os debates acalorados dos
últimos anos sobre a tensão entre inclusão e educação
especial passaram necessariamente por esta questão.
Desde a constituição federal de 1988, o Estado tem
90   Libras

afirmado sua preferência pela educação de alunos com


deficiência nas escolas regulares, o que se denomina
“Inclusão”. Contudo, a legislação sobre LIBRAS, o movi-
mento social Surdo e diversos intelectuais têm promovido
e defendido a educação bilíngue, a LIBRAS como pri-
meira língua, e o português, em sua modalidade escri-
ta, como segunda. Neste modelo, a escola bilíngue ou
sala bilíngue são vistas como mais efetivas para garantir
a igualdade linguística entre surdos e ouvintes (LACER-
DA, 2006). Deste modo, a LIBRAS não seria somente um
equivalente da rampa, do braile, ou seja, um instrumento
de acessibilidade na escola inclusiva. Em verdade, ela
seria a primeira língua na educação bilíngue, condição
para a equiparação Libras em estudo: política linguística
entre os modos de educar Surdos e ouvintes. Em síntese,
apesar de a LIBRAS ser meio de acessibilidade, este não é
o seu papel exclusivo, justamente por ela ser uma língua.
(ZOVICO; SILVA, 2013, p. 140-141)

Os autores defendem que que a Libras não pode ser trata-


da apenas como um acessório de acessibilidade e corroboram
a discussão na área de educação bilíngue, apontando que
a Libras não é apenas um meio de comunicação, mas uma
língua integrante da escola, que deve ser respeitada por ser a
primeira língua do aluno.

Com a organização de movimentos políticos da comuni-


dade surda, o avanço na legislação a favor da Libras e em
prol da acessibilidade comunicacional, surgem outros desa-
fios, como por exemplo, as questões educacionais que estão
intimamentes relacionadas às políticas linguísticas: definir o
Capítulo 5    Políticas Linguísticas e a Língua de Sinais    91

que é educação bilíngue é essencial. A grande discussão é


sobre a melhor escola, tendo defesa para que seja uma escola
inclusiva, onde o aluno surdo estaria incluido em um espaço
ouvinte, e de outro lado, uma escola específica para surdos,
onde a primeira língua seria Libras.

Em função desta distorção conceitual acerca do bilinguis-


mo, vem se observando, nos últimos anos, um movimen-
to, envolvendo a antiga Secretaria de Educação Especial
(SEESP) / atual Secretaria de Educação Continuada, Al-
fabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) em parce-
ria com o Ministério de Educação, em direção ao fecha-
mento das escolas de surdos, pois se acredita que sejam
escolas segregadoras e que não atendem aos princípios
básicos de uma escola inclusiva, conforme Programa de
Educação Inclusiva (MEC, 2006). Assim, surdos e ouvin-
tes militantes da causa continuam lutando em defesa, até
os dias de hoje, da importância e permanência das esco-
las bilíngues para surdos que são espaços próprios que
valorizam a língua do surdo, sua constituição, pois estas
viabilizam a compreensão de mundo, são instrumento
para interpretação dos discursos utilizados em diferentes
esferas da vida, instrumento de acesso ao conhecimento
e de comunicação com os pares surdos por meio da lín-
gua de sinais. (SANTOS; CAMPOS, 2013, p. 29)

Nesse sentido, o embate não deve ser relacionado à qual


escola, se na inclusiva ou na bilíngue, deve ocorrer a edu-
cação de surdos. A meu ver, os espaços devem priorizar a
educação bilíngue, reconhecendo suas necessidades e pecu-
liaridades. Assim, a necessidade de domínio de uso de Libras
92   Libras

por parte dos professores no contexto escolar é inquestionável


se considerarmos que:

A utilização de uma mesma língua entre sujeitos é essen-


cial, pois é por meio dela que o sujeito apropria-se dos
conhecimentos que são conduzidos ao plano intrapesso-
al (operação interna), para, assim, orientar e controlar
seu próprio comportamento. Ao internalizar os conheci-
mentos que foram significados pelo outro, produz em si
uma reconstrução interna de uma operação externa (in-
terpessoal) propiciada pela linguagem. (FERREIRA; ZAM-
PIERI, 2009, p. 99)

O docente bilíngue usuário de Libras e Português Brasileiro


possui um papel fundamental ao intermediar a construção de
conhecimentos e a aexpressão de ideias do discente surdo no
espaço escolar. Sua formação, entretanto, é ainda bastante de-
ficitária no Brasil. Os cursos de Licenciatura oferecem apenas
uma disciplina obrigatória de Libras, e quando são ofertadas
disciplinas em continuidade nos estudos de Libras, é em crité-
rio optativo. Seguindo o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro
de 2005, e a legislação vigente não especifica as habilidades
em Libras que devem ser estimuladas ou o nível de proficiência
mínimo que deve ser exigido dos professores em formação.
Segundo Almeida (2012), sabe-se que as universidades estão
realizando uma leitura semelhante da legislação e estipulando
uma disciplina de quatro créditos (em média de 60 a 72 ho-
ras/aula) de Libras, o que, a meu ver, representa uma carga
horária muito aquém da necessária para que o professor em
formação adquira conhecimento sobre Libras e sobre a edu-
cação de surdos. Essa carga horária dificilmente proporciona
Capítulo 5    Políticas Linguísticas e a Língua de Sinais    93

oportunidade para que um professor se torne proficiente em


Libras e capacitado para ministrar conteúdos escolares tendo
esta como língua de instrução.

A formação docente bilíngue deve, ainda, levar em consi-


deração um contexto maior, no qual os futuros discentes são
também ouvintes, que por sua vez terão como professores indi-
víduos ouvintes de mesma cultura ou de, pelo menos, mesma
língua.

É evidente que nossa cultura ouvinte está habituada a su-


por que o processo de entrada de regras gramaticais de
uma língua para o indivíduo se dá através da exposição
ao mundo da modalidade oral desta língua. Embora este
seja o processo natural para o mundo dos ouvintes, isto
não quer dizer, obrigatoriamente, que deve ser o processo
natural para o mundo dos surdos. (SKLIAR, 1999, p. 96)

Conforme Lodi e Lacerda (2010, p. 100), “atribuir à lin-


guagem função meramente comunicativa também ocorre nas
salas de aula, em consonância com a formação tradicional
de professores”. Portanto, diferentes autores demonstram essa
preocupação com a formação dos professores ouvintes na
educação de surdos.

Muitas vezes, portanto, torna-se difícil para um ouvinte


aceitar que os mecanismos mentais que levam à estrutu-
ração do domínio da língua encontram outras bases para
desenvolver-se que não estão pautadas na exposição so-
nora. Negar esta premissa é negar uma evidência cien-
tífica. Afirmar, no entanto, que este é o único caminho,
é anticientífico, do mesmo modo, pois os pressupostos
94   Libras

que regem o domínio da gramática de uma língua oral-


-auditiva não são apenas estes, mesmo para os ouvintes.
Outro engano é supor que domínio de língua está auto-
maticamente ligado à escrita e à oralização. Dominar a
língua é dominar regras gramaticais, e os mecanismos
cerebrais responsáveis por esse processo não estão es-
cravizados à leitura ou à escrita e tampouco ao ouvir ou
falar concretamente. (SKLIAR, 1999, p. 96-97)

Defendo a necessidade de refletir sobre a formação docen-


te, no caso de professores ouvintes que atuam em escolas de
surdos, principalmente dado o fato de o ensino formal aconte-
cer essencialmente na língua dominante do país, o Português,
e devido ao fato de o Brasil não possuir uma tradição de esco-
las ou currículos bilíngues em geral, e menos ainda no caso de
crianças surdas. Nessa perspectiva, a Libras aparece como um
forte aliado, uma ferramenta de ensino, podendo ser um gran-
de diferencial para a educação de surdos e, principalmente,
uma forma de contemplar e diferenciar o ensino bilíngue no
caso de alunos surdos.

Além disso, como enfatiza Santos (2012, p. 78), “o sucesso


escolar do aluno não é definido a partir do tipo de oferta edu-
cativa.” Nessa discussão, a autora defende que:

A escola especial para o surdo não se sustenta a partir


dos argumentos de que “seu contrário” – a escola regular
– fracassou diante do aluno surdo. E a escola regular não
garante seu espaço diante do discurso de inclusão. Assim,
ambas se afastam da discussão do processo educativo
dos seus alunos, do currículo, do trabalho coletivo da es-
cola e dos objetivos educacionais. (SANTOS, 2012, p. 78)
Capítulo 5    Políticas Linguísticas e a Língua de Sinais    95

As discussões necessitam avançar para além dos espaços


físicos, das nomeações das escolas, e assim adentrar um cam-
po de práticas bilíngues onde os sujeitos possam interagir e se
comunicar em Libras, sem barreiras e limitações. Os docentes
carecem de um suporte para o aprendizado de Libras, os dis-
centes almejam um espaço bilíngue, e as políticas de forma-
ção não levam em consideração as necessidades escolares de
capacitar novos professores bilíngues para o ensino de surdos.

Com os estudos de educação bilíngue, percebe-se que, nas


escolas, nasce uma necessidade de eleger uma língua como
a principal e norteadora, ou até mesmo como uma língua que
anula a outra. É essencial ressignificar conceitos e mitos em
torno da questão da dita língua materna, que aqui na pesquisa
é colocada como primeira língua, por concordar que

[...] descrever língua materna como um conceito dinâmi-


co que varia conforme um conjunto de traços relevantes
que engloba, em uma situação normal, válida para um
determinado momento da vida do falante, a) a primei-
ra língua aprendida pelo falante, b) em alguns casos,
simultaneamente com outra língua, com a qual c) com-
partilha usos e funções especificas, d) apresentando-se
porém geralmente como língua dominante, e) fortemente
identificada com a língua da mãe e do pai, e, por isso,
f) provida de um fator afetivo próprio. Em relação ao
bilinguismo precoce e simultâneo, é pertinente admitir
a possibilidade de falantes com duas línguas maternas,
contendo os traços mencionados acima. (ALTENHOFEN,
2002, p. 159)
96   Libras

A complexidade de definir o conceito de língua materna é


grande, mas necessária para compor uma escola que respeite
as línguas e contribua para os processos comunicacionais nos
atos de ensino e aprendizagem. A posse desse conhecimento
auxilia o professor na sua organização pedagógica e nas es-
colhas dos procedimentos metodológicos que serão adotados,
como nas aplicações de tarefas e nas avaliações.

Língua materna é a língua que o sujeito utiliza como pri-


meira língua, que nem sempre será a língua que a mãe ou o
pai utilizará como primeira ou segunda língua. Dessa forma,
o sujeito surdo poderá estabelecer sua primeira língua sendo
Libras, já que é a língua de modalidade visuoespacial que fica
de acordo com sua condição de não ouvir.

2 L egislação e a Libras: formação de


professores

A legislação referente à Libras no Brasil está bem estruturada,


já que aborda diferentes setores, como educação, saúde, aces-
sibilidade comunicacional e outras. Contudo, observaremos al-
guns pontos que carecem sazonar ao longo do tempo. Nesse
momento, as transições nem sempre têm sido satisfatórias.

No entanto, faz-se necessário avançar para a execução


daquilo que tem se desenhado sobre educação bilíngue
de surdos. E o Brasil tem vivido atualmente essa transi-
ção, mesmo que a passos vagarosos: a das elucubrações
teóricas relacionadas ao bilinguismo para uma efetiva
Capítulo 5    Políticas Linguísticas e a Língua de Sinais    97

aplicação e construção prática dessa proposta educa-


cional. Por essa razão, operacionalizar a construção da
escola bilíngue para surdos e todos os desdobramentos
para que ela aconteça – e isso envolve constitutivamente
a formação de professores bilíngues para as séries iniciais
– implica em transitar dos aspectos macros, que de cer-
ta forma já estão delineando e marcando espaço sobre
as idealizações da educação de surdos, para os pontos
micros que se apresentam, diante desse contexto, ainda
como problemas a serem questionados, problematizados
e resolvidos. (NASCIMENTO; BEZERRA, 2014, p. 60)

As questões macros da educação bilíngue começam a ter,


segundo Nascimento e Bezerra (2014), um encaminhamento,
e as questões micros necessitam ser questionadas e explora-
das para uma discussão que possa abranger, por exemplo, a
formação do professor bilíngue. Nesse sentido, observa-se que
que existe legislação normatizando a educação bilíngue para
surdos, bem como há estudos e pesquisas que contribuem para
o fortalecimento do campo dessa educação bilíngue, mas que
a formação do professor bilíngue necessita ganhar mais aten-
ção na tentativa de qualificar esses espaços bilíngues.

A seguir, é apresentado um panorama de legislação relati-


va à educação bilíngue para surdos, buscando-se verificar de
forma objetiva os documentos relativos às pessoas com defici-
ência auditiva/surdos usuários de língua de sinais. São anali-
sados documentos internacionais, leis e decretos que contêm
informações sobre a formação de professores ouvintes para
atuar na educação de surdos. O objetivo desta seção é contri-
buir para uma reflexão acerca do que são as orientações/re-
98   Libras

gularizações de formação docente nesse âmbito. As perguntas


que norteiam essa análise são: A educação de surdos é direito
da comunidade surda? E qual a orientação que a formação de
professores de surdos deve seguir?

Tabela 1  Documentos
Declaração dos Direitos das Declara que:
Pessoas Deficientes / ONU –
1975 Deve ser assegurada a educação para a pessoa
deficiente, no item seis. (p. 2)
Declaração Mundial sobre Apresenta que:
Educação para Todos – 1990
A educação fundamental deve ser universal, garantir a
satisfação das necessidades básicas de aprendizagem
de todas as crianças, e levar em consideração a
cultura, as necessidades e as possibilidades da
comunidade. (p. 5)
Declaração de Salamanca/ Apresenta orientações no item 19:
UNESCO – 1994
Políticas educacionais deveriam levar em total
consideração as diferenças e situações individuais. A
importância da linguagem de signos como meio de
comunicação entre os surdos, por exemplo, deveria ser
reconhecida e provisão deveria ser feita no sentido de
garantir que todas as pessoas surdas tenham acesso à
educação em sua língua nacional de signos. Devido às
necessidades particulares de comunicação dos surdos e
das pessoas surdas/cegas, a educação deles pode ser
mais adequadamente provida em escolas especiais ou
classes especiais e unidades em escolas regulares. (p. 17)
Convenção Interamericana para a Apresenta:
eliminação de todas as formas de
discriminação contra as pessoas Reafirmando que as pessoas portadoras de deficiência
portadoras de deficiências/ têm os mesmos direitos humanos e liberdades
Guatemala – 1999 fundamentais que outras pessoas e que estes
direitos, inclusive o direito de não ser submetidas a
discriminação com base na deficiência, emanam da
dignidade e da igualdade que são inerentes a todo ser
humano (p. 2)
Capítulo 5    Políticas Linguísticas e a Língua de Sinais    99

Declaração Internacional de Evidência:


Montreal sobre inclusão – 2001
O acesso igualitário a todos os espaços da vida é um
pré-requisito para os direitos humanos universais e
liberdades fundamentais das pessoas. (p. 2)
Convenção sobre os Direitos das Coloca que:
Pessoas com Deficiência – 2007
 “Língua” abrange as línguas faladas e de sinais e
outras formas de comunicação não falada. (p. 17)

A
 ceitar e facilitar, em trâmites oficiais, o uso de
línguas de sinais, Braille, comunicação aumentativa
e alternativa, e de todos os demais meios, modos e
formatos acessíveis de comunicação, à escolha das
pessoas com deficiência. (p. 27)

 Reconhecer e promover o uso de línguas de sinais. (p. 27)

 Tornar disponível o aprendizado da língua de sinais e


promoção da identidade linguística da comunidade
surda. (p. 29)

 A fim de contribuir para o exercício desse direito, os


Estados Partes tomarão medidas apropriadas para
empregar professores, inclusive professores com
deficiência, habilitados para o ensino da língua de
sinais e/ou do Braille, e para capacitar profissionais
e equipes atuantes em todos os níveis de ensino.
Essa capacitação incorporará a conscientização
da deficiência e a utilização de modos, meios e
formatos apropriados de comunicação aumentativa
e alternativa, e técnicas e materiais pedagógicos,
como apoios para pessoas com deficiência. (p. 29)
Leis e decretos nacionais
Lei 10.436, de 22 de Abril de Dispõe:
2002
Art. 4º O sistema educacional federal e os sistemas
educacionais estaduais, municipais e do Distrito Federal
devem garantir a inclusão nos cursos de formação de
Educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério,
em seus níveis médio e superior, do ensino da Língua
Brasileira de Sinais – Libras, como parte integrante dos
Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs, conforme
legislação vigente.
100   Libras

DECRETO 5.626 de 22 de Dispõe e estabelece:


dezembro de 2005.
Regulamenta a Lei no 10.436 e o art. 18 da Lei no
10.098, de 19 de dezembro de 2000.

Estabelece sobre diversos itens referentes a formação


de profissionais, atendimento na área da saúde e
educação.
DECRETO Nº 6.094, DE 24 DE Apresenta sobre formação inicial e continuada de
ABRIL DE 2007. professores a implementação do Plano de Metas
Compromisso Todos pela Educação.
Decreto Nº 7.611, de 17 de No artigo primeiro, parágrafo segundo consta:
novembro de 2011
No caso dos estudantes surdos e com deficiência
auditiva serão observadas as diretrizes e princípios
dispostos no Decreto no 5.626, de 22 de dezembro de
2005.
Nota Técnica – MEC
NOTA TÉCNICA Nº 24 / 2013 / Apresenta:
MEC / SECADI / DPEE
Lei nº 12.764/2012, estabelecidas no art. 2º,
destacam-se aquelas que tratam da efetivação do
direito à educação – Formação de professores para
o atendimento educacional especializado e demais
profissionais da educação para a inclusão escolar. (p.
2)
NOTA TÉCNICA Nº 04 / 2014 / Apresenta a necessidade de ofertar entre outros, o
MEC / SECADI / DPEE serviço de tradução e interpretação da Língua Brasileira
de Sinais e do atendimento educacional especializado.

Fonte: Elaborado pelo autor.

Percebe-se que os documentos listados não ofertam in-


formações diretas sobre uma orientação ou direcionamento
relacionado especificamente à formação dos professores ou-
vintes bilíngues, mas que no geral determinam a garantia do
indivíduo surdo ao acesso a uma educação que leve em con-
sideração suas necessidades. A partir da análise dos docu-
mentos, percebe-se que o Decreto 5.626, de 22 de dezembro
de 2005, que propositalmente não foi apresentado no quadro
Capítulo 5    Políticas Linguísticas e a Língua de Sinais    101

anterior, é o único que estabelece um item de formação de


professor bilíngue.

CAPÍTULO II

DA INCLUSÃO DA LIBRAS COMO DISCIPLINA CURRI-


CULAR

Art. 3º A Libras deve ser inserida como disciplina curri-


cular obrigatória nos cursos de formação de professores
para o exercício do magistério, em nível médio e supe-
rior, e nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de
ensino, públicas e privadas, do sistema federal de ensino
e dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios.

§ 1º Todos os cursos de licenciatura, nas diferentes áreas


do conhecimento, o curso normal de nível médio, o curso
normal superior, o curso de Pedagogia e o curso de Edu-
cação Especial são considerados cursos de formação de
professores e profissionais da educação para o exercício
do magistério.

§ 2º A Libras constituir-se-á em disciplina curricular opta-


tiva nos demais cursos de educação superior e na educa-
ção profissional, a partir de um ano da publicação deste
Decreto.

Podemos perceber, a partir desse excerto do Decreto


5.626/2005, que a formação de professores ouvintes bilín-
gues deve acontecer, mas não existe detalhamento sobre de
que forma essa formação deve acontecer, ficando a cargo da
102   Libras

universidade/instituição de ensino decidir como desenvolver


essa formação em Libras.

Art. 10. As instituições de educação superior devem in-


cluir a Libras como objeto de ensino, pesquisa e extensão
nos cursos de formação de professores para a educação
básica, nos cursos de Fonoaudiologia e nos cursos de
Tradução e Interpretação de Libras – Língua Portuguesa.

Art. 11. O Ministério da Educação promoverá, a par-


tir da publicação deste Decreto, programas específicos
para a criação de cursos de graduação:

I – para formação de professores surdos e ouvintes, para


a educação infantil e anos iniciais do ensino fundamen-
tal, que viabilize a educação bilíngue: Libras – Língua
Portuguesa como segunda língua; (DECRETO 5.626,
2005)

O decreto institui a obrigatoriedade de Libras na formação


do professor bilíngue nas diferentes frentes da Universidade
como, por exemplo, na extensão universitária. Entretanto, a
promoção de cursos de formação docente em nível de gradu-
ação que forme indivíduos para atuar como professor bilíngue
na educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental
ainda não é uma realidade em nosso Estado, acontecendo
apenas em poucas universidades da região sudeste e centro-
-oeste.

No artigo 22 do Decreto 5.626/2005, temos a garantia de


escolas e classes de educação bilíngue abertas a alunos sur-
dos e ouvintes, com professores bilíngues, na educação infantil
Capítulo 5    Políticas Linguísticas e a Língua de Sinais    103

e nos anos iniciais do ensino fundamental. No parágrafo pri-


meiro desse mesmo artigo, está disposto que deve ser propor-
cionado aos professores acesso à literatura e a informações
sobre a especificidade linguística do aluno surdo. Portanto, o
direito de acesso à escola bilíngue fica claro e garantido, mas
não determina que tipo de formação bilíngue os profissionais
devem ter.

A Lei 10.436/02, que dispõe sobre a Língua Brasileira de


Sinais – Libras e dá outras providências, em seu parágrafo úni-
co, apresenta que: A Língua Brasileira de Sinais – Libras não
poderá substituir a modalidade escrita da língua portuguesa.
Nesse ponto, fica claro que o bilinguismo constitui-se em duas
modalidades, sendo uma sinalizada e, outra, escrita da língua
portuguesa. E perfazendo a leitura do todo, verifica-se que a
disciplina de Libras e a formação em Letras-Libras ou Letras-Li-
bras e Língua portuguesa como segunda língua é destacada,
mas a formação bilíngue dos profissionais de outras áreas do
conhecimento não é contemplada. Fica a cargo da disciplina
de Libras a responsabilidade de formar um professor bilíngue.
Outro ponto interessante é que a escrita de sinais, conheci-
da como signwriting (STUMPF, 2003; PEREIRA, 2006), não é
contemplada na legislação, mesmo sendo um importante ins-
trumento de ensino do aluno surdo, demonstrando resultados
positivos quando utilizada pelo professor ouvinte em sala de
aula.

O recente o uso de Libras como língua de instrução de alu-


nos surdos, bem como a concepção de que a Libras deve ser
mantida como a primeira língua para alunos surdos e segunda
língua para professores ouvintes, pode ser o motivo para que
104   Libras

não tenhamos ainda resposta para muitas questões. Por isso, é


comum constatarmos que o único critério utilizado para deci-
dir sobre a contratação de professores que atuem nas escolas
de surdos é ser um adulto surdo, a fim de que ele possa se
tornar uma referência linguística para os discentes surdos. As-
sim, o adulto surdo, que inúmeras vezes não possui formação
como professor, passa a ser o responsável pela língua de sinais
dentro do espaço educacional. Essa constatação é discutida
no excerto abaixo.

Nos últimos cinco anos, a língua brasileira de sinais vem


recebendo cada vez mais atenção por parte de pesqui-
sadores e educadores, bem como é crescente o núme-
ro de adeptos e defensores do seu uso. As escolas que
atendem alunos surdos estão contratando adultos surdos
para responder pela exposição dos alunos à língua de
sinais, e as escolas regulares, em seus diferentes níveis,
começam a contratar intérpretes, buscando obter resul-
tados mais eficientes na relação professores ouvintes –
alunos surdos. (PEREIRA, 2012, p. 236)

Conclusão
Na próxima década, teremos quem sabe superado essa dis-
cussão que circula na área educacional sobre formação de
professores e já começaremos a discutir outras possibilidades,
para que a comunidade surda possa ter acesso ilimitado em
nossa sociedade. Portanto, hoje a situação ainda é complexa,
com poucas respostas, mas com certeza já evoluiu muito des-
de 2002 com a oficialização da Libras, e de 2005, quando o
decreto-lei 5.626 entrou em vigor.
Capítulo 5    Políticas Linguísticas e a Língua de Sinais    105

Recapitulando

O status da Libras é condicionado à deficiência, já que para


muitos e, até mesmo em leis, coloca-se a Libras como lín-
gua dos surdos, diferente da Língua Inglesa, que é vista como
língua de negócios, por exemplo. Essa situação provoca um
olhar de inferioridade para a Língua de Sinais; mesmo sendo
reconhecida como a segunda língua oficial do Brasil, ainda
precisa ser reconhecida como uma língua e ser valorizada, já
que pode ser uma língua para trabalho, negócios e turismo.

Referências

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implicações para o bilingüismo (em alemão e portu-
guês). Martius-Staden-Jahrbuch, 2002. 141-161

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BRASIL. Decreto nº. 5626. Regulamenta a Lei nº. 10436, de


24 de abril de2002, e o artigo 18 da Lei no 10.098, de
19 de dezembro de 2000. Brasília: SEESP/MEC, 2005.

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106   Libras

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Capítulo 5    Políticas Linguísticas e a Língua de Sinais    107

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linguística. (Org.) ALBRES, N.A.; GRESPAN, S. São Paulo:
FENEIS, 2013.

Atividades

1) Qual decreto ou lei oferta orientação ou direcionamento


relacionado especificamente à formação dos professores
ouvintes bilíngues?

a) Decreto Nº 7.611, de 17 de novembro de 2011.

b) Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Defi-


ciência – 2007.

c) Decreto Nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005.

d) Lei 10.436, de 24 de abril de 2002.

e) Declaração de Salamanca/UNESCO – 1994.

2) A Lei 10.436/02, que dispõe sobre a Língua Brasileira de


Sinais – Libras e dá outras providências, em seu parágrafo
único, apresenta que:

a) A Língua Brasileira de Sinais substitui o registro escrito


em qualquer circunstância.
108   Libras

b) A Língua Brasileira de Sinais é uma ferramenta que uti-


liza de gestos para facilitar a comunicação do sujeito
surdo.

c) A Língua de Sinais Brasileira diferencia-se das demais


Língua de Sinais por ser de modalidade diferente.

d) A modalidade escrita da Libras poderá em casos espe-


cíficos substituir a língua portuguesa.

e) A Língua Brasileira de Sinais – Libras não poderá subs-


tituir a modalidade escrita da língua portuguesa.

3) A Língua Materna foi apresentada como:

a) A língua em que o sujeito utiliza como primeira língua.

b) A linguagem desenvolvida pela mãe e a criança.

c) A língua que é utilizada na escola.

d) A linguagem que a mãe passa para o filho através do


contato na infância.

e) A língua que a criança apresenta melhor proficiência.

4) No artigo 22 do Decreto 5.626/2005, temos

a) A garantia de escolas regulares com foco bilíngue,


para os alunos surdos e ouvintes, com professores ca-
pacitados em Libras, somente na educação infantil e
nos anos finais do ensino fundamental.

b) A garantia de classes especiais para surdos, com pro-


fessores bilíngues, na educação infantil e nos anos ini-
ciais e finais do ensino fundamental.
Capítulo 5    Políticas Linguísticas e a Língua de Sinais    109

c) A garantia de escolas inclusivas para alunos surdos e


ouvintes, com Intérprete de Libras nos anos iniciais do
ensino fundamental.

d) A garantia de escolas inclusivas abertas a alunos sur-


dos e ouvintes, com professores bilíngues, nos anos
iniciais do ensino fundamental.

e) A garantia de escolas e classes de educação bilíngue


abertas a alunos surdos e ouvintes, com professores
bilíngues, na educação infantil e nos anos iniciais do
ensino fundamental.

5) A partir da leitura do texto, elabore uma proposta de edu-


cação bilíngue para atender a uma criança surda nos anos
iniciais do Ensino Fundamental.
Ingrid Ertel Stürmer1

Capítulo 6

Ensino em Libras como


Primeira Língua para
Surdos 1

1 Mestre em Educação (UFRGS); Especialização em Educação Especial – Atendi-


mento Educacional Especializado (UFC); graduada em Normal Superior – Licencia-
tura – Habilitação em Magistério Anos Iniciais do Ensino Fundamental (FEEVALE) e
em Letras Libras – Bacharelado (UFSC).
Capítulo 6    Ensino em Libras como Primeira Língua para Surdos    111

Introdução

Como já sabemos, a Libras está oficializada no Brasil desde


2002 através da Lei 10.436, na qual aponta-se esta língua
como

forma de comunicação e expressão, em que o sistema


linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gra-
matical própria, constituem um sistema linguístico de
transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades
de pessoas surdas do Brasil. (BRASIL, 2002, p. 1)

Para o movimento surdo, a “condição primeira para o acesso


e permanência da criança na escola é a instrução dada em
sua língua natural, língua que ela fala e com a qual ela pensa
e organiza seus conhecimentos”. (FENEIS, 2011, p. 9)

Sendo assim, a Libras é a língua na qual os professores e


demais integrantes da comunidade escolar necessitam se co-
municar e ensinar aos surdos. Este capítulo possibilitará refle-
tirmos sobre a prática de ensino na língua de sinais para este
público.

Primeiramente, iremos conhecer o ambiente linguístico des-


ses alunos e, após, veremos algumas questões pertinentes para
pensar o ensino em Libras e a avaliação do processo educacio-
nal.
112   Libras

1C
 ontextualizando o ambiente linguístico
dos surdos

Se considerarmos o ambiente linguístico familiar da criança


surda, são poucas que nascem de pais surdos, o que faz pen-
sar sobre as formas de comunicação que se estabelecem no
ambiente familiar. Muitos surdos não têm acesso à Libras, de-
senvolvem uma comunicação gestual caseira utilizada para a
satisfação de necessidades e relatos de acontecimentos fami-
liares e, geralmente, somente a família entende essa comuni-
cação. Sendo assim, a criança surda não chegará à escola
com as mesmas habilidades de vocabulário, formação de sen-
tenças e conhecimento de mundo que o sujeito ouvinte.

Como vimos no Capítulo 4, a escolarização de alunos


surdos pode acontecer no ambiente da escola regular, sen-
do ofertado o atendimento no Atendimento Educacional Es-
pecializado (AEE) no contraturno. No entanto, muitas vezes o
espaço da escola comum relega a Libras a um aprendizado
complementar ou suplementar e não principal, como a legis-
lação ordena.

A escola precisa constituir-se em uma comunidade linguís-


tica adequada através do uso da língua de sinais como primei-
ra língua de produção cultural e instrução acadêmica. Nesse
sentido, há o espaço da escola bilíngue2, na qual a língua de
instrução é a Libras e a Língua Portuguesa é ensinada como

2 Há escolas comuns que já implementaram ou estão em processo de implementa-


ção da proposta de ensino bilíngue para surdos, adequando sua estrutura, currícu-
lo, profissionais etc. para possibilitar uma efetiva inclusão na educação de surdos.
Capítulo 6    Ensino em Libras como Primeira Língua para Surdos    113

segunda língua, onde atuam profissionais bilíngues. Quando


o espaço escolar e sua organização não estão adequados
para proporcionar a comunicação e aprendizado dos surdos,
muitas vezes, estes acabam por abandonar a escola.

O ambiente linguístico no qual o surdo está inserido de-


terminará ou não o atraso na aquisição da língua. A aqui-
sição da primeira língua (L1) é fator decisivo nos processos
de aprendizagem de outras línguas (por exemplo, a Língua
Portuguesa), além do seu desenvolvimento cognitivo, social
e cultural. Quanto mais tarde ocorrer esse acesso, e quan-
to mais precário for a qualidade e a quantidade de estímulo,
mais comprometido será todo o desenvolvimento do aluno.

Para Giordani (2005, p. 94-95), seria interessante que os


professores de alunos surdos fossem, preferencialmente, pro-
fessores surdos com um perfil bilíngue, bicultural, com habili-
dade dos distintos recursos linguísticos que derivam do domínio
competente da língua de sinais. Atualmente, há poucos profes-
sores surdos nas escolas, pois muitos estão atuando nas univer-
sidades, ensinando Libras para ouvintes. Quando o professor
for ouvinte, é importante uma imersão na comunidade surda,
objetivando, além de uma competência em língua de sinais,
uma compreensão da gramática e das questões culturais.

Porém, cabe ressaltar que a fluência na Libras não é o úni-


co fator para pensarmos o ensino de surdos. Além disso, nem
sempre haverá professores bilíngues nas instituições de ensino,
sendo necessária a mediação da comunicação através do Tra-
dutor Intérprete de Língua de Sinais (TILS). Ou seja, quando
atuamos com o público de alunos surdos, devemos pensar
114   Libras

para além da comunicação e ensino em Libras, questão que


veremos no tópico 2 deste capítulo.

Quando se trata do ensino em língua de sinais, há alguns


complicadores que demonstram a falta de reconhecimento so-
bre o status da Libras na educação de surdos. Um primeiro
fator é que a Libras é utilizada mais como língua de tradução
de conteúdo do que uma língua que carrega com ela uma
cultura e produza e transmita significados.

O segundo fator é que apesar do reconhecimento da lín-


gua de sinais como a primeira língua (L1) dos surdos, ela
ainda continua, em muitos espaços escolares, em posição de
subordinação à língua nacional majoritária, ou seja, com um
status de recurso pedagógico para facilitação da aprendiza-
gem do Português. É fundamental que se pense de forma mais
abrangente, a partir do entendimento que o sujeito surdo pos-
sui identidade e cultura próprias e que a língua é um elemento
constituidor dos mesmos.

Um terceiro fator, de acordo Lodi (2002, p. 40), é que a


língua de sinais ainda não é considerada, em muitos espaços
educativos, como própria para o desenvolvimento e a apro-
priação dos conhecimentos veiculados social e culturalmente.

Um grande problema enfrentado na educação de surdos


como um todo é a falta de conhecimento e fluência na língua
de sinais, tanto por parte do professor como de muitos alunos,
causando um déficit na comunicação entre professor e aluno.
Cabe salientar a situação de alunos surdos incluídos na escola
regular, onde a maior parte dos professores nunca teve con-
tato com surdos e nem ao menos conhecem sua língua. Estes
Capítulo 6    Ensino em Libras como Primeira Língua para Surdos    115

professores, desconhecendo a importância da língua de sinais


para o ensino e desenvolvimento intelectual do surdo, acabam
ensinando em Língua Portuguesa na sua modalidade oral e
escrita. Felizmente, há professores que percebem que seu alu-
no não está aprendendo, procurando verificar ao longo do
processo o que pode ser aprimorado na sua prática docente.

Porém, também há professores que entendem que o “pro-


blema” está no aluno surdo, que ele é incapaz de aprender. E
isso não acontece somente nas situações em que alunos sur-
dos estão incluídos com alunos ouvintes, mas também é uma
problemática nas escolas específicas para surdos.

Levando em consideração os aspectos apresentados nes-


te tópico, veremos a seguir algumas questões relevantes para
que o aluno surdo desenvolva o conhecimento através da ins-
trução em língua de sinais.

2 Ensino em Libras: questões a considerar

A Libras é a língua que possibilitará ao aluno surdo o acesso


e construção do conhecimento. Ela privilegia sua experiência
visual, já que a modalidade visual-espacial da língua atende à
especificidade de como o surdo capta a informação, constrói
o conhecimento e expressa suas ideias, sentimentos e ações.
Atuar na educação de surdos requer refletir sobre essa ques-
tão, procurando caminhos pedagógicos, intervenções e me-
diações necessárias para promover a qualidade no ensino e
na aprendizagem destes alunos.
116   Libras

A relevância dos aspectos visuais na educação de surdos


requer pensarmos um currículo diferenciado que atenda a es-
sas especificidades. A pedagogia visual leva em consideração
o jeito surdo de ensinar e aprender e requer a invenção de
artefatos culturais que usam a visão, como:

A língua de sinais, a imagem, o letramento visual ou lei-


tura visual. Esses artefatos são importantes para criar o
ambiente necessário ao desenvolvimento da identidade
surda e requerem o uso de mecanismos adequados para
sua presença acontecer, tendo em vista que se diferencia
constituindo significantes, significados, valores, estilos,
atitudes e práticas. (BRASIL/MEC/SECADI, 2014, p. 13)

Ao refletirmos sobre uma pedagogia adequada ao ensino


em Libras para surdos, a metodologia funcionará como um

Conjunto orquestrado de elaborações desenvolvidas ou


reconhecidas pelos surdos ou construídas a partir da cul-
tura surda que produz efeitos de sentidos mais signifi-
cativos para essa comunidade. Dentro de um currículo
que está sempre aberto e em movimento para atender
a realidade que se apresenta, o campo metodológico é
um contínuo repensar das relações pedagógicas. (BAS-
SO, STROBEL, MASUTTI, 2009, p. 10)

Nesse sentido, não há uma fórmula pronta para o ensino


de surdos. Cada contexto e situação exigirão estratégias dife-
renciadas, levando-se em consideração, por exemplo, o nível
linguístico e intelectual do aluno, o ambiente no qual está inse-
rido (escola comum ou escola bilíngue), a necessidade ou não
da presença do TILS, entre outros.
Capítulo 6    Ensino em Libras como Primeira Língua para Surdos    117

Para Basso, Strobel e Masutti (2009), uma pedagogia visu-


al exige pensarmos sobre a intencionalidade (objetivo claro),
a reciprocidade (como o aluno se envolve no processo peda-
gógico) e a mediação dos significados (como os significados
são construídos com o aluno). Estes demandam criatividade
na composição dos elementos que serão determinantes para o
êxito no processo de aprendizagem dos surdos nos diferentes
níveis de ensino.

A atuação na educação infantil exige um olhar muito es-


pecial, levando-se em conta que esta fase é crucial para aqui-
sição e desenvolvimento da língua e, consequentemente, do
desenvolvimento social e cognitivo. Muitas vezes, os alunos
chegam nos anos iniciais de escolarização ainda necessitan-
do desenvolver questões que deveriam estar consolidadas na
educação infantil, como a comunicação para realizar ações
da vida diária, a interação com colegas e professores etc. Sem
o desenvolvimento dessas questões básicas, fica muito mais
complicado iniciar o aprendizado formal dos conhecimentos
que a escola trabalha.

A atividade do brincar e do imitar auxiliam nesse desen-


volvimento nos primeiros anos de escolarização, uma vez que
toda atividade lúdica perpassa pela linguagem. Por meio do
brincar, inicia-se o processo de autoconhecimento da criança,
pois através da utilização do brinquedo ela pode explorar o
mundo. Como resultado,

desenvolverá suas capacidades motoras e cognitivas e


terá a ampliação de seu processo de socialização, o que
facilitará, posteriormente, sua aproximação com outras
118   Libras

crianças e com os adultos e, portanto, a apropriação


dos bens culturais de seu meio social. (LODI; LUCIANO,
2009, p. 35)

O ato de brincar também possibilita o desenvolvimento da


imaginação, uma vez que, nesta ação, a criança coloca seus
desejos e reproduz situações reais do cotidiano. Da mesma
forma, na brincadeira de imitação o sujeito começa a compre-
ender o mundo e as ações realizadas pelo outro.

A contação de histórias diversificadas para as crianças e


por elas também é uma grande aliada para promover a apren-
dizagem. Pela história, os alunos desenvolvem a imaginação,
as relações com a realidade, a organização sequencial de fa-
tos e o próprio uso da língua de sinais e seus recursos linguísti-
cos, como o uso do espaço, o direcionamento do olhar, o uso
de referentes, as expressões faciais e corporais etc.

Os alunos que estão nas etapas finais de escolarização


ainda necessitam ser estimulados para o raciocínio dos conte-
údos na sua língua, por exemplo, através de debates, apresen-
tações, relato de fatos etc.

Em suma, é fundamental que o ensino em Libras focalize


o uso da língua em diferentes contextos, além de possibilitar
uma variedade de atividades e interações interpessoais para
que o aluno desenvolva a organização dos pensamentos, pla-
neje suas ações, imagine situações e histórias e represente
objetos em sua mente de maneira diferente da realidade dos
mesmos (LODI; LUCIANO, 2009). É pelo meio e contexto inte-
racional que os alunos surdos podem estruturar seus discursos
narrativos.
Capítulo 6    Ensino em Libras como Primeira Língua para Surdos    119

As experiências e competências linguísticas desenvolvidas


pelo aluno possibilitarão não somente acessar o conhecimen-
to, como também, transformar este conhecimento de forma
crítica e ativa.

O letramento visual dos surdos depende de variados ma-


teriais visuais e concretos que incluem imagens (fotografias,
desenhos), objetos, cartazes, jogos, filmagens, construção de
maquetes, cenas de teatro, dramatizações, contação de his-
tórias em língua de sinais, literatura surda etc. que contribu-
am para a compreensão e construção de conceitos. Devemos
atentar também para o cuidado com o excesso de estímulo
visual que, por vezes, pode mais atrapalhar do que ajudar.
Por exemplo, salas de aula com muitos cartazes deixam o am-
biente com uma poluição visual e podem tirar a atenção dos
alunos. Quando materiais ficam expostos por longo período
sem necessidade, acabam sendo ignorados. Nada como um
ambiente de ensino organizado e acolhedor para estimular a
aprendizagem de todos os alunos.

Quando do uso de vídeos sinalizados em Libras, estes


contribuem significativamente para o letramento dos surdos.
Conhecer, assistir e analisar outros discursos, outras realida-
des que não somente daqueles com quem convive, deve fazer
parte de sua construção enquanto sujeito histórico e crítico.
Atualmente, o acesso à internet e às redes sociais contribuem
significativamente para essa construção.
120   Libras

O letramento dos surdos envolve também a leitura de tex-


tos em Libras escritos3:

A escrita da Libras é uma forma de registro que utiliza


grafemas (visemas) que representam constituintes da pró-
pria língua. A leitura e escrita da língua de sinais podem
motivar os estudantes surdos a lerem e escreverem tam-
bém na Língua Portuguesa. A leitura e escrita em Libras
deve estar inserida no currículo escolar, considerando a
importância da escrita para o desenvolvimento da cultura
da humanidade4. (BRASIL/MEC/SECADI, 2014, p. 10)

Essa forma de registro ainda é pouco conhecida pelos pro-


fissionais da educação de surdos e pelos próprios surdos, por-
tanto, seria necessário maior investimento de tempo e estudo.

Quando do ensino nos anos iniciais e finais de escolariza-


ção, a preocupação passa a ser cada vez maior com relação
ao conhecimento de amplo vocabulário na língua de sinais,
uma vez que as disciplinas e conteúdos apresentam termos
muito específicos.

O ensino em Libras passa, constantemente, pelo processo


de tradução da língua da Língua Portuguesa, uma vez que
muitos textos e atividades são passados desta língua para a
Libras. Na educação de surdos, as línguas estão em relação
permanente e, segundo Karnopp (2004),

3 No Brasil, em fase de desenvolvimento, por exemplo, o SignWriting e a ELiS.


4 Veja a tese: STUMPF, Marianne. Aprendizagem de Escrita de Língua de Sinais pelo
sistema SignWrinting: Línguas de Sinais no papel e no computador. Tese de Douto-
rado. Porto Alegre: Ufrgs, 2005.
Capítulo 6    Ensino em Libras como Primeira Língua para Surdos    121

utilizar tanto a língua de sinais quanto a língua portu-


guesa na escola e possibilitar o estudo dessas línguas
pode significar o acesso à expressão, à compreensão, e
à explicitação de como as pessoas (tanto surdas quanto
ouvintes se comportam quando pretendem comunicar-se
de forma mais eficaz e obter êxito nas interações e nas
intervenções que empreendem. Aqui o acesso à palavra
(em sinais e na escrita) é traduzido como uma forma de
acesso das pessoas ao mundo social e linguístico, sendo
condição mínima e necessária para que o aluno possa
participar efetivamente da aula, entendendo e fazendo-
-se entender. (p. 106)

Ao planejar sua aula é fundamental que o professor bus-


que se informar previamente sobre os sinais que desconhece,
isto é, vocabulários específicos da sua área. Uma boa estra-
tégia é conversar com professores e alunos surdos de outras
escolas para pesquisar sobre estes sinais. Quando não há o
sinal específico de que necessita, pode-se combinar um sinal
para determinado termo e, em último caso, utilizar a datilolo-
gia, pois sabe-se que ainda há campos semânticos que não
foram explorados.

Quando há atuação do TILS em sala de aula, esta tarefa


pode ser compartilhada com este profissional, mas não so-
mente recair sobre ele. Essa parceria no uso da língua de si-
nais pode render grandes aprendizagens, não apenas para os
alunos, mas para o professor e o TILS. Mas para o sucesso no
trabalho, é necessário planejamento prévio. O professor tam-
bém deve passar para o intérprete o material da aula, assim,
garante-se a qualidade na tradução e interpretação.
122   Libras

3A
 avaliação do processo de ensino e de
aprendizagem

O processo de ensino e aprendizagem não se dá de forma


vertical, ou seja, o professor não é o detentor do conhecimen-
to e único responsável em transmitir aos alunos. É fato que o
conhecimento, muito mais que transmitido, é construído na in-
teração social e comunicacional. Assim sendo, esta construção
acontece de forma horizontal, estando em todas as etapas do
processo, nas relações aluno-aluno e aluno-professor.

Em sua pesquisa sobre a avaliação na educação de surdos,


Stürmer (2009) constata que alguns professores não se sentem
seguros ao verificar o processo de ensino e aprendizagem de
alunos surdos. Isso porque, nas situações de interação em sala
de aula, nem sempre o professor consegue captar a comuni-
cação entre seus alunos, a troca de ideias sobre os conteúdos
que estão sendo desenvolvidos. Contudo, esses momentos de
interação são extremamente ricos para o desenvolvimento lin-
guístico e cognitivo dos alunos.

A dificuldade do professor em captar e mediar essas in-


terações se deve, principalmente, à falta de conhecimento e
fluência na língua de sinais. Como já vimos no tópico anterior,
este fator é primordial para o ensino em Libras e, consequen-
temente, para sua avaliação. Para Stürmer (2009):

a comunicação em língua de sinais, a interação existente


nessa língua no dia a dia de sala de aula e as atividades
de tradução-interpretação proporcionadas pelo profes-
Capítulo 6    Ensino em Libras como Primeira Língua para Surdos    123

sor serão fatores determinantes para efetivar a aprendi-


zagem de qualidade dos alunos surdos. (p. 94)

As avaliações em Libras irão contemplar a maneira como os


surdos captam e expressam seus conhecimentos. Sobre como
realizarmos o registro das avaliações, o recurso que melhor
contempla a estrutura viso-gestual da língua é, sem dúvida
alguma, a filmagem. Não apenas para registro, este recurso
pode servir também como instrumento de ensino. O professor
pode, por exemplo, proporcionar aos alunos momentos para
que assistam aos seus vídeos e verifiquem o que podem me-
lhorar. Não somente com relação aos conteúdos aprendidos,
organização de ideias na maneira de fazer suas colocações,
mas também, ao uso da língua de sinais (classificadores, uso
do espaço, uso de referentes, etc.). Como sugere o Relatório
(2014):

Os instrumentos de avaliação dos estudantes surdos de-


vem manter o foco na verificação da apropriação con-
ceitual e do conteúdo abordado pelo estudante surdo
e não na forma escrita. Dessa forma, provas na língua
de sinais gravadas em vídeo configuram uma forma de
avaliação bastante apropriada. (p. 14)

Quando as avaliações prevalecem acontecendo na Língua


Portuguesa (segunda língua do surdo), estas acabam por ava-
liar o conhecimento desta e não o conhecimento e relações
construídos sobre os conteúdos trabalhados. Sem dúvida al-
guma, as ideias dos alunos serão melhor expressas na sua
primeira língua.
124   Libras

Outra questão a considerar é que todo e qualquer proces-


so de ensino e aprendizagem requer uma constante autoava-
liação. Esta possibilita verificar se nossos métodos e instrumen-
tos de ensino estão adequados e cumprindo sua função de
promover o desenvolvimento dos alunos.

Em suma, o professor necessita refletir e rever constante-


mente sua prática pedagógica e, na mesma direção, propor-
cionar ao aluno a percepção de seus avanços e superação de
obstáculos.

Recapitulando

Como vimos neste capítulo, o processo de ensino e aprendi-


zagem dos alunos deve perpassar pela Libras, língua que per-
mite, de fato, a construção de conceitos pelos sujeitos surdos.
Nesse sentido, o professor, além de desenvolver a fluência na
língua, necessita realizar adequações na sua maneira de ensi-
nar e avaliar.

Refletir sobre o ensino em Libras para surdos pode contri-


buir para pensarmos sobre o que está sendo produzido nas
relações pedagógicas e, consequentemente, qualificarmos o
fazer docente e a educação do aluno surdo.
Capítulo 6    Ensino em Libras como Primeira Língua para Surdos    125

Saiba mais:
ÂÂOs fascículos5 Atendimento Educacional Especializado:
Pessoa com Surdez (2007) e A abordagem bilíngue na
escolarização de Pessoas com Surdez (2010) apresentam
ideias sobre um dos momentos didático-pedagógicos do
AEE para surdos: o AEE em Libras. As informações conti-
das neles, bem como ilustrações com ideias, contribuem
com algumas dicas para o planejamento e ensino, que
também podem ser utilizadas em sala de aula.

ÂÂO documento Orientações Curriculares e Proposição de


Expectativas de Aprendizagem para a Educação Infantil
e Ensino Fundamental Língua Brasileira de Sinais – LI-
BRAS6, da Secretaria Municipal de São Paulo, contribui
com discussões e sugestões sobre o que os estudantes
precisam aprender, a partir do pressuposto de que a Li-
bras é a língua de instrução dos alunos surdos.

ÂÂKarnopp e Klein (2005) apresentam algumas sugestões


de atividades e conteúdos para o ensino em Libras:

– Para possibilitar aquisição da linguagem e vivência das


culturas surdas: atividades e rotina em sinais; brincadei-
ras e jogos em sinais; realização de experiências em si-
nais; hora do conto em sinais; passeios conduzidos por

5 Os fascículos encontram-se disponíveis nos seguintes links: http://portal.mec.


gov.br/seesp/arquivos/pdf/aee_da.pdf; file:///C:/Users/User/Downloads/fascicu-
lo_4.pdf.
6 Documento disponível em http://portalsme.prefeitura.sp.gov.br/Documentos/Bi-
bliPed/EdEspecial/OrientaCurriculares_ExpectativasAprendizagem_EdInfantil_Ens-
Fund_Libras.pdf
126   Libras

adultos surdos; atividades diversas com as comunidades


surdas locais; palestras dadas por outras pessoas surdas
das comunidades locais ou de outras comunidades.

– Para possibilitar o acesso às diferentes funções e usos


da linguagem: conversas com diferentes pessoas da co-
munidade; jogos dramáticos; mini palestras; aulas em
vídeo; jornais televisionados, etc.; relato de histórias;
hora do conto; poesias; conversas sobre fatos históricos
da comunidade surda e da sociedade brasileira.

Referências

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MÁZIO, Mirlene Macedo. A Educação Especial na Pers-
pectiva da Inclusão Escolar: abordagem bilíngue na es-
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SUTTI, Mara. Metodologia do Ensino de Libras – L1.
Texto Base do Curso Letras Libras – Licenciatura. UFSC:
Florianópolis, 2009.

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bre a Língua Brasileira de Sinais – Libras e dá outras provi-
dências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_
03/LEIS/2002/L10436.htm. Acesso em: 8 mai. 2011.
Capítulo 6    Ensino em Libras como Primeira Língua para Surdos    127

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signado pelas Portarias nº 1.060/2013 e nº 91/2013.
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– Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa – a ser
implementada no Brasil, 2014.

FENEIS. Carta-denúncia dos surdos falantes da Língua de


Sinais Brasileira (Libras) ao Ministério Público Federal
sobre a Política de Educação Especial na Perspectiva
da Educação Inclusiva imposta à educação de surdos
pela SECADI. 2011.

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KARNOPP, Lodenir; KLEIN, Madalena. A Língua na Educação


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KARNOPP, Lodenir Becker. Língua de sinais na educação de


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LODI, Ana Claudia Balieiro; LUCIANO, Rosana de Toledo. De-


senvolvimento da linguagem de crianças surdas em língua
brasileira de sinais. In: LODI, Ana Claudia Balieiro; LACER-
DA, Cristina Broglia de. In: Uma escola duas línguas:
letramento em língua portuguesa e língua de sinais nas
128   Libras

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MÁZIO, Mirlene Ferreira Macedo. Atendimento Educa-
cional Especializado: Pessoa com Surdez. Brasília/DF:
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SMED-SP/Diretoria de Orientação Técnica. Orientações cur-


riculares e proposição de expectativas de aprendiza-
gem para Educação Infantil e Ensino Fundamental:
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SME/ DOT, 2008. 128p.

STUMPF, Marianne. Aprendizagem de Escrita de Língua de


Sinais pelo sistema SignWrinting: Línguas de Sinais no
papel e no computador. Tese de Doutorado. Porto Alegre:
Ufrgs, 2005.

STÜRMER, Ingrid Ertel. Avaliação na educação de surdos: o in-


quietante processo de ensino-aprendizagem do português
como segunda língua. In: Currículo e Avaliação: a dife-
rença surda na escola. THOMA, Adriana da Silva; KLEIN,
Madalena (orgs.). Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2009.

Atividades

Reflita e responda às questões abaixo:

1) Como deve ser o ambiente de aquisição e uso da língua


de sinais pelo aluno surdo?
Capítulo 6    Ensino em Libras como Primeira Língua para Surdos    129

2) Destaque pontos importantes sobre o ensino em Libras


para surdos.

3) Fale um pouco sobre o papel do professor de surdos e


sobre o papel do tradutor intérprete de Libras no ensino de
surdos.

4) Em qual nível de ensino (ano/série) você leciona ou pre-


tende lecionar? Destaque alguns pontos importantes a
considerar para o ensino de surdos neste nível.

5) Elabore um plano de aula para ensinar em Libras no ní-


vel de ensino escolhido acima. Neste planejamento, deve
constar:

ÂÂO conteúdo que será desenvolvido em Libras;

ÂÂUm objetivo geral;

ÂÂAté três objetivos específicos;

ÂÂDescrever as atividades que serão desenvolvidas;

ÂÂComo será avaliado o desempenho dos alunos;

ÂÂRecursos que serão utilizados.


Vinicius Martins Flores1

Capítulo 7

Ensino de Língua
Portuguesa para Surdos 1

1 Doutorando em Letras – Psicolinguística (UFRGS); Mestre em Letras – Linguística


Aplicada (UFRGS); Especialista em Aquisição da Linguagem e Alfabetização (FEE-
VALE); graduado em Letras Libras – Bacharelado (UFSC) e em Pedagogia – Licen-
ciatura (ULBRA); participa do Grupo de Pesquisa Educação e Processos Inclusivos
(GPEPI) da UERGS – Litoral Norte; atua como docente de Libras na ULBRA (Cano-
as/RS) e na UERGS (Osório/RS).
Capítulo 7    Ensino de Língua Portuguesa para Surdos    131

Introdução

O presente capítulo apresenta uma discussão acerca do ensi-


no de língua portuguesa para surdos, com uma proposta de
pensar as relações do espaço inclusivo, como as relações pes-
soais, o uso do português escrito e a intermediação do TILS
(Tradutor/Intérprete de Libras) no espaço inclusivo.

1 Incluir ou excluir?

Para muitos surdos, a condição de uso da língua portu-


guesa é o meio através do qual se tem acesso à escolari-
zação, dado os aspectos avaliativos convergentes a uma
escrita nessa língua. (KARNOPP, 2012, p. 5)

Quando se pensa em inclusão escolar de alunos surdos,


percebe-se que há uma preocupação com a língua de re-
gistro, que a língua portuguesa será um meio de poder para
que esse discente de outra língua possa, então, ter acesso ao
conhecimento e as práticas pedagógicas escolares. Proponho
pensarmos sob outra perspectiva, onde os mesmos discentes
surdos, além de ler e escrever em outra língua, necessitam
interagir com a comunidade escolar composta por colegas ou-
vintes, professores ouvintes, mas sempre com a intermediação
de um TILS (Tradutor/Intérprete de Língua Brasileira de Sinais).

Quando se insere um intérprete de língua de sinais na


sala de aula, abre-se a possibilidade de o aluno surdo
poder receber a informação escolar em sinais, através de
132   Libras

uma pessoa com competência nesta língua. O acesso e


o contato com essa língua na escola podem favorecer o
desenvolvimento e a aquisição de novos conhecimentos
de forma ampla e adequada pelo aluno surdo. (LACER-
DA, 2009, p. 65)

Além do TILS como ferramenta de inclusão, buscar cone-


xão com o espaço inclusivo é uma tarefa difícil para ambas
as partes envolvidas nesse processo, por isso sugiro pensar no
livro didático, no caderno (de anotações de sala de aula), e
sobre pequenos momentos em que o professor escreve na lou-
sa ou usa recursos tecnológicos como Slides, ou ainda projeta
apresentações. Momentos nos quais a LP (Língua Portuguesa)
é utilizada. Os demais momentos são interações conversacio-
nais diretas com o aluno, mas como fica o aluno surdo? Quais
seriam as interações diretas com o professor ouvinte? Como
é esse espaço bilíngue escolar? Como fica a relação entre as
línguas nesse espaço?

Estamos, na educação bilíngue para surdos, diante de


línguas com histórias diferentes em que a língua portu-
guesa apresenta vasta tradição escrita, prestígio social,
modalidade oral-auditiva, obrigatoriedade de uso nas
escolas, sendo privilegiada e ensinada durante a vida es-
colar dos alunos. Em contrapartida, a Libras, língua de
modalidade visual-gestual, tradicionalmente ágrafa, com
recente uso da escrita na comunidade surda e também
na escolarização de surdos, apresenta uma história de
proibição e intolerância. Parece-me que historicamente
assistimos a movimentos de omissão da língua de sinais
na educação de surdos e também de redução da mesma
Capítulo 7    Ensino de Língua Portuguesa para Surdos    133

a uma perspectiva tecnicista, de apoio, de subsídio, de


transição para o desenvolvimento da língua falada ou da
língua portuguesa. (KARNOPP, 2012, p. 15)

Conforme os estudos de Karnopp (2012), podemos perce-


ber que o status linguístico da Libras apresenta uma inferiori-
dade em relação à LP, e novamente estamos com a inquietação
de como é a interação comunicativa entre discentes surdos e
os personagens que compõem a comunidade escolar. Para
ilustrar esse ponto de discussão do status linguístico, reporta-
remos as discussões de políticas linguísticas, área de estudo
que ainda é nova, e que contribui com discussões significativas
sobre o “poder” que as exercem línguas uma sobre a outra e
com as discussões de direitos linguísticos (CALVET, 2007).

Sobre status político, temos que repensar, não aceitar que


nossas políticas linguísticas sejam tão estreitas, desinformadas,
fantasiosas, obtusas. Demonstrar que as línguas, independen-
te de quem as usas, possuem o direito de estar circulando em
diferentes espaços sem proibição, por serem línguas de comu-
nidades que interagem entre si e com os outros. Assim, con-
siderando e respeitando a Libras nos espaços educacionais,
devemos sim abrir espaço para que o ambiente seja bilíngue
sem medo de que uma ou outra seja prejudicada, mas que os
sujeitos possam expressar sentimentos e teorizar com a língua
que fazem se sentir melhor, podendo ser denominado a língua
do coração ou língua de trabalho (HEYE, 2006).

O poder da língua nessa discussão não seria em torno do


poder de comando, mas sim do sujeito ter a condição de op-
tar pela língua e o local que vai utilizá-la, pois essa liberdade
pode auxiliar na criatividade e, principalmente, nas interações
134   Libras

entre os personagens da comunidade escolar. Um exemplo


que tomamos pode ser o referido por Marchesi (1995), que
apresenta a resistência pela inclusão de surdos no ensino re-
gular como a marginalização da língua de sinais em função
da preferência à língua oral (Língua Portuguesa). O surdo usu-
ário de Libras, quando em um espaço inclusivo, tende a ter
que buscar recursos para incluir-se, mas a política é de inclu-
são, então o espaço deveria adequar-se também a esse sujeito
de língua diferente.

As políticas educacionais e linguísticas deveriam conversar


e estar de acordo com os seus objetivos, buscar um espaço
consistente para criar ambientes sólidos para uma inclusão de
qualidade. O currículo escolar é um reflexo das políticas edu-
cacionais, como vemos no PNE (Plano Nacional de Educação)
– Lei Nº 10.172/2001, que aborda sobre o direito de pessoas
com necessidades especiais receberem a educação preferen-
cialmente na rede regular de ensino, mas na mesma Lei no
espaço de objetivos e metas tem um pequeno desacordo com
as políticas linguísticas:

1.1 Implantar, em cinco anos, e generalizar em dez anos,


o ensino da Libras para alunos surdos e, sempre que pos-
sível, para seus familiares e para o pessoal de unidade
escolar, mediante um programa de formação de monito-
res, em parceria com ONG. (PNE – Lei Nº 10.172/2001)

Com esse trecho da legislação educacional, percebemos


que nomeamos os usuários da Libras sendo apenas surdos,
esquecendo que a comunidade escolar deve também ter esse
conhecimento de língua, para assim efetivar a inclusão escolar
Capítulo 7    Ensino de Língua Portuguesa para Surdos    135

e social do indivíduo. Quanto ao termo “sempre que possível”,


entende-se que não é obrigatório, ou pelo menos interessante,
que o todo tenha o uso da Libras. A discussão nesse espaço
necessita ser amplamente debatida para que possamos aplicar
as políticas linguísticas já existentes.

Na escola inclusiva, pode ocorrer uma mistura dos papéis


dos profissionais que atuam, já que muitos desconhecem a
Libras, o TILS (Tradutor/Intérprete de Libras), o que seria um
professor de Libras ou até mesmo o que seria um surdo usuá-
rio de Libras. Atualmente, existe uma carência de profissionais
para atuar nas diferentes áreas da Educação de Surdos, per-
mitindo, portanto, que em algumas localidades a mistura de
papéis seja uma forma de solucionar o problema imediato,
mas que pode gerar um grande problema futuro para o aluno
surdo, que perderá em não ter um profissional qualificado em
seu processo educacional.

A própria declaração dos direitos linguísticos proclama a


igualdade de direitos linguísticos, sem distinções entre línguas
oficiais/não oficiais; nacionais/regionais/locais/majoritárias/
minoritárias; ou modernas/arcaicas (OLIVEIRA, 2003, p. 15).
A mesma DDL (Declaração de Direitos Linguísticos) prevê na
Seção II, que trata sobre Educação, a garantia à comunidade
escolha da língua que deseja para receber instruções educa-
cionais e para fazer parte do ensino-aprendizagem em todos
os níveis educacionais. Os artigos 23 e 29 da DDL contam
com um item valioso e importante em que a pessoa tem direito
de aprender qualquer língua. Portanto, não é obrigado e sim
tem direito de aprender uma língua qualquer, como o mesmo
136   Libras

sujeito tem direito de aprender a língua do território onde re-


side.

Na DDL, no artigo 28, devemos destacar um item para a


escola inclusiva e seus gestores/professores repensarem:

Artigo 28 – Toda comunidade linguística tem direito a


uma educação que permita aos seus membros a aqui-
sição de um conhecimento profundo de seu patrimônio
cultural (história, geografia, literatura e outras manifesta-
ções da própria cultura), assim como o máximo domínio
possível de qualquer outra cultura que desejem conhecer.
(OLIVEIRA, 2003, p. 34)

A DDL (Declaração de Direitos Linguísticos) nos proporcio-


na uma reflexão aos currículos em escolas inclusivas, que não
é o objetivo direto desse capítulo, mas que tem um papel im-
portante quando falamos de línguas diferentes e culturas dife-
rentes dentro de um mesmo espaço. Seria necessário ter uma
disciplina ou momento para que os surdos possam ter acesso
a esse conhecimento cultural e de identidade da comunidade
surda de qual faz parte.

Machado (2008) afirma que deve ser privilegiado o uso da


língua de sinais em prol da cultura e identidade surda, assim
como Strobel (2008) apresenta estudos sobre artefatos da cul-
tura surda, buscando nortear as discussões sobre a existência
da cultura surda, como o artefato cultural de experiência vi-
sual que é o perceber o mundo de forma diferente (STROBEL,
2008):
Capítulo 7    Ensino de Língua Portuguesa para Surdos    137

Os sujeitos surdos, com a sua ausência de audição e do


som, percebem o mundo através de seus olhos, tudo o
que ocorre ao redor dele: desde os latidos de um cachor-
ro – que é demonstrado por meio dos movimentos de sua
boca e da expressão corpóreo-facial bruta – até de uma
bomba estourando, que é óbvia aos olhos do sujeito sur-
do pelas alterações ocorridas no ambiente, como os ob-
jetos que caem abruptamente e a fumaça que surge; [...]
(STROBEL, 2008, p. 39)

Na comunidade surda, o surdo não reconhece outro surdo


pelo grau de perda auditiva, mas o diferencia entre surdos
e ouvintes, assim fazendo distinção no pertencimento cultural
(STROBEL, 2008). O surdo não evidencia o que a pessoa não
tem, que neste caso é a audição, mas sim as experiências visu-
ais. Esse fato já transforma as relações entre surdos e ouvintes.

No bojo dessa discussão, temos que repensar o processo


de inclusão, principalmente quando falamos de projetos que
complementam a formação do aluno surdo. Percebe-se que a
Libras, no ano de 2016, ainda busca espaço para ser respei-
tada como L1 (primeira língua) e LP como L2 (segunda língua)
para os surdos, e esse fator não poderia ser diferente por ser
o Brasil que acredita ser monolíngue por tantos anos, mesmo
possuindo tantas línguas indígenas e de migração transitando
em diversas regiões do país (CUNHA, 2008).

Em síntese, compreende-se que, no processo de inclu-


são, cabe à escola se adaptar às condições dos alunos
e não os alunos se adaptarem ao modelo da escola. In-
fere-se, portanto, que a inclusão exige rupturas no atual
sistema educacional, pois estabelece o acesso à esco-
138   Libras

la sem discriminações, sem excluir ninguém do infinito


significado do conceito de educar. Essa postura ainda
será mais ética se superar o falar e o decidir pelo outro,
comportamento tão comum nas práticas sociais que en-
volvem pessoas diferentes. (MACHADO, 2008, p. 160)

Essa faceta da escola como um todo, adaptar-se para re-


ceber o aluno surdo, deve ser planejada, antecipando as ne-
cessidades linguísticas e culturais. Pensar o ensino de Língua
Portuguesa específico para surdos é vital para o desenvolvi-
mento do sujeito surdo, tanto em nível de sala de aula como
na produção de materiais acessíveis em Libras, ou adaptações
do ensino de língua portuguesa como segunda língua. Esse
já seria o primeiro passo de organização para receber esses
discentes usuários de Libras.

É preciso avançar com a escola inclusiva, entendendo


que essa prática se baseia na aceitação das diferenças
individuais, na valorização de cada pessoa e na apren-
dizagem por meio da cooperação. Portanto, a escola
tem que rever seu papel, seu currículo, suas concep-
ções.... Isto não deve significar novamente uma impo-
sição – como a política oficial de integração/inclusão,
mal trabalhada e imposta de cima para baixo -, mas sim
o resultado da transformação do ensino. (MACHADO,
2008, p. 162)

A escola inclusiva carece de compreender as possibilidades


do que significa ser um sujeito bilíngue, de como as línguas em
contato constituem o sujeito. Os planos educacionais estão li-
gados às políticas linguísticas e, principalmente, voltados para
Capítulo 7    Ensino de Língua Portuguesa para Surdos    139

as necessidades da comunidade que a escola recebe em seu


espaço de ensino-aprendizagem.

O bilíngue, conforme Megale (2005), pode ser conceitua-


do de diversas formas, assim como há pelo menos três possi-
bilidades de educação bilíngue, como: (1) Bilinguismo transi-
cional, (2) Bilinguismo monoletrado e (3) Bilinguismo parcial
biletrado. Difícil definir uma única forma de bilíngue; o que
podemos pensar é que o sujeito surdo é bilíngue e tem pecu-
liaridades distintas, não tendo um modelo padrão de bilinguis-
mo surdo, mas um uso das línguas, dependendo de uma série
de fatores como aquisição, exposição e formas de uso das
línguas L1 e L2 (MEGALE, 2005).

Este estudo evidencia a necessidade do ato de planejar


projetos que considerem as línguas envolvidas e objetivos di-
ferenciados para sujeitos que, por sua condição, sejam dife-
rentes. Poder realizar essa reflexão permite problematizar, em
outro momento, as práticas que se aplicam e às formações
que são oferecidas por instituições de ensino formadoras de
docentes, já que muitas desconhecem a educação de surdos e
seus componentes.

O papel do professor como facilitador desta transição da


língua materna para a segunda língua é crucial, princi-
palmente na criação de contextos significativos em que
a língua seja utilizada de forma realista e relevante para
que o aprendiz possa fazer essa passagem de forma na-
tural e segura. Um outro fator, que necessita ser levado
em consideração para o sucesso de programas bilíngues,
é o papel da família e da comunidade. O sucesso de
140   Libras

uma criança na escola não acontecerá se ela não tiver


o suporte familiar necessário para alcançar este sucesso.
(NAIDITCH, 2007, pp. 14-15)

A família, em 95% dos casos, é composta por pessoas ou-


vintes que não são usuárias de Libras (STROBEL,2007); por
esse motivo, a importância do envolvimento dos mesmos no
processo educacional. Aprender Libras será essencial, já que
o aluno surdo terá que se comunicar em diferentes situações
sociais através da escrita; a casa, sendo um espaço bilíngue,
poderá ser um local de aprendizagem.

A língua no contexto social manifesta-se na atividade dis-


cursiva, em que os interlocutores pressupõem um conhe-
cimento compartilhado e atualizam recursos expressivos,
cujos efeitos de significação são interpretados de acordo
com fatores psicossociais, em um momento histórico.
(SALLES, 2004, p. 124)

Com a aprendizagem além da escola, o aluno surdo po-


derá adquirir experiências nas duas línguas, aumentando, por
exemplo, o vocabulário, possibilitando desenvolver a arte de
arguição, organização de texto, entre outras questões relacio-
nadas ao uso das línguas.

Conclusão
O ensino de português para surdos é um estudo complexo,
que nesse capítulo pontuou apenas algumas direções de como
ponderar e planejar o mesmo. A busca em conhecer mais so-
bre o tema poderá ser expandida a partir da análise de ou-
tras variáveis que não foram discutidas neste capítulo, como a
Capítulo 7    Ensino de Língua Portuguesa para Surdos    141

comparação de proficiência dos professores ouvintes usuários


de Libras, os tipos de materiais didáticos produzidos e/ou utili-
zados pelos professores.

Poderão, ainda, ser analisadas as diferentes variáveis que


existem na questão sobre a aquisição de Libras, como por
exemplo, a idade de aquisição por parte do professor ouvinte
e também pelo aluno surdo. Trabalhar com bilinguismo exige
uma dimensão maior e mais complexa de entender e compre-
ender as línguas envolvidas, o que pode ser proporcionado
quando as línguas estão em contato e o que acarreta uma
comunidade bilíngue.

Recapitulando

Para a educação de surdos e a educação inclusiva, temos que


pensar na comunidade escolar como um todo, resgatar a famí-
lia para estar nesses projetos pensados para haver uma educa-
ção bilíngue ampla, lembrando que a maioria desses discentes
surdos são oriundos de famílias ouvintes (STROBEL, 2008).
Sem um apoio e sem comunicação na escola e na família, os
projetos bilíngues não atingirão os objetivos, que normalmente
é de aprender duas línguas simultaneamente, para dessa for-
ma atingir a longo prazo uma educação bilíngue satisfatória.
142   Libras

Referências

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janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e
dá outras providências.

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Brazil. Revista Educar. Curitiba: Ed. UFPR, 2008, n32 p.
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HEYE, J. Sobre o conceito de diglossia. In: GORSKI, Edair Ma-


ria & COELHO, Izete Lehmkuhl (orgs.). Sociolingüística e
ensino: contribuições para a formação do professor de lín-
gua. Florianópolis : Ed. da UFSC, 2006. p. 69-81.

KARNOPP, L. B. Educação bilíngue para surdos: ao que es-


tamos sinalizando? In: Débora Freitas; Sandra Cardozo.
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MACHADO, P. C. A política educacional de integração/


inclusão: um olhar do egresso surdo. Florianópolis: Ed. da
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MEGALE, A. H. Bilingüismo e educação bilíngüe – discutindo


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OLIVEIRA, G.M. Declaração Universal dos direitos linguís-


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STROBEL, K. As imagens do outro sobre a cultura surda.


Florianópolis: Ed. da UFSC, 2008.

Atividades

1) O pensar o uso da língua no espaço escolar pode ser uma


tarefa complexa, portanto faça uma análise da importância
da língua portuguesa na sua vida escolar.

2) A escola:

a) Deve adaptar os materiais pedagógicos, sem a neces-


sidade de ter outros elementos de apoio na língua do
aluno surdo.
144   Libras

b) Deve elaborar um plano de ensino de língua materna


para que a língua portuguesa seja ensinada para o
aluno surdo, desconsiderando o bilinguismo.

c) Deve adaptar-se para receber o aluno surdo, deve ser


planejada, antecipando as necessidades linguísticas e
culturais.

d) Deve adaptar-se na medida do possível e utilizar ma-


teriais com acessibilidade na linguagem dos sinais.

e) Deve dispor de acessórios pedagógicos afim de pro-


porcionar que o aluno surdo tenha acesso à parte do
conteúdo desenvolvido na escola.

3) Considere os estudos sobre o ensino de português para


alunos surdos.

I – A Libras será a segunda língua do aluno surdo.

II – A escola inclusiva carece de compreender as possibili-


dades do que significa ser um sujeito bilíngue.

III – O surdo não reconhece outro surdo pelo grau de per-


da auditiva, mas o diferencia entre surdos e ouvintes.

Quais estão corretas?

a) Apenas I.

b) Apenas III.

c) Apenas I e II.

d) Apenas II e III.
Capítulo 7    Ensino de Língua Portuguesa para Surdos    145

e) A I, II e III.

4) A partir da leitura sobre a Declaração de Direitos Linguísti-


cos, podemos afirmar que:

I – A comunidade têm garantia de escolha da língua em


que deseja receber as instruções educacionais

II – A comunidade majoritária decide quais línguas devem


ser ensinadas, fazendo uso normalmente de línguas de
modalidade oral-auditiva.

III – A comunidade têm garantia de escolha da língua para


seu ensino-aprendizagem em todos os níveis educa-
cionais.

Quais estão corretas?

a) Apenas I.

b) Apenas III.

c) Apenas I e III.

d) Apenas II e III.

e) I, II e III.

5) A declaração dos direitos linguísticos proclama a igualdade


de:

a) Direitos linguísticos, com restrições entre as línguas ofi-


ciais e as arcaicas.

b) Direitos linguísticos, sem restrições somente entre as


línguas não oficiais e as locais.
146   Libras

c) Direitos linguísticos para modalidades de registros es-


critos das línguas.

d) Direitos linguísticos, sem distinções entre Línguas de


Sinais e a Língua Portuguesa, considerando as línguas
oficiais e as não oficiais.

e) Direitos linguísticos, sem distinções entre línguas ofi-


ciais/nãooficiais; nacionais/regionais/locais/majoritá-
rias/minoritárias; ou modernas/arcaicas.
Sandro Rodrigues da Fonseca1

Capítulo 8

Pesquisas em Línguas de
Sinais 1

1 Mestre em Letras: Linguística Aplicada (UFRGS); Postgraduate Certificate in Deaf


Studies pelo Centre of Deaf Studies (University of Bristol) no Reino Unido e especiali-
zação em Estudos Culturais e Educação (ULBRA); Bacharel em Letras – habilitação:
Tradutor de Português e Inglês (UFRGS); licenciado em Pedagogia (ULBRA).
148   Libras

Introdução

A busca pelo conhecimento faz parte da atividade profissional


em todas as áreas do saber. No caso dos estudos sobre as lín-
guas de sinais, como a Libras, essa premissa também se mos-
tra verdadeira. A pesquisa linguística atua como ação de extre-
ma importância para todos os casos onde a aprendizagem é
necessária. Em alguns contextos, ela envolverá a realização de
uma verificação de publicações sob um tema específico, seja
ela pura ou aplicada. Em outros, além da revisão de literatura,
os sujeitos deverão engajar no trabalho como pesquisadores,
ir a campo a fim de estabelecer uma visão clara sobre o seu
tema e responder à questão que motiva a sua busca pelo co-
nhecimento. Em ambos os casos, o ato de compartilhar o co-
nhecimento adquirido significa dar um passo adiante na multi-
plicação dos estudos linguísticos das línguas de sinais.

Todos podem ser beneficiados de diversas maneiras pelo


estudo da operacionalização de pesquisas linguísticas sobre as
Línguas de Sinais. É natural haver certo questionamento quan-
to da real necessidade desse tópico visto que nem todos acre-
ditam que seguirão suas atividades profissionais no trabalho
com surdos ou com a linguística. No entanto, todas as pesso-
as usam a língua para articular o seu trabalho e, de alguma
forma, poderá haver a necessidade de tomar uma posição
quanto à alguém relacionado direta ou indiretamente com a
comunidade surda. Esse pode ser o caso de professores, mé-
dicos, advogados, assistentes sociais e psicólogos, bem como
de comunicadores na mídia e profissionais de diversas áreas.
Capítulo 8    Pesquisas em Línguas de Sinais    149

Nesse sentido, podemos começar a nossa reflexão utilizan-


do o questionamento do professor doutor surdo Paddy Ladd
(2003) quanto aos danos causados pela filosofia comunica-
cional oralista. Essa forma de pensar sobre a língua acarretou
até mesmo na proibição do uso das línguas de sinais, tra-
zendo prejuízos em termos sociais, contribuindo para o atual
desconhecimento não somente sobre as línguas sinalizadas,
mas também como para questões educacionais, como a pró-
pria pedagogia surda, sugerida pelo autor. Diante do contexto
deixado pelas filosofias oralistas, em que o retorno ao uso e
incentivo das línguas de sinais se deu somente por volta da dé-
cada de 1960, muitas perguntas foram feitas: como funciona
o processo de organização da língua de sinais? Como se dá
a sua aquisição e desenvolvimento em crianças e adultos sur-
dos? Como funciona o processo de uso por parte de ouvintes
adultos, seja para atuar como professores ou como tradutores
e intérpretes? Como funciona o processo de expressão da cul-
tura por meio da arte, ou seja, é possível haver uma literatura
surda?

Este capítulo tem como objetivo propiciar ao leitor uma


introdução a algumas indagações concernentes aos estudos
linguísticos da Libras. De maneira mais específica, a intenção
aqui é oportunizar conhecimento básico acerca de temas de
pesquisa recorrentes olhando para a sua operacionalização e
dando uma visão geral de questões pesquisadas. Para cumprir
com esses objetivos, o capítulo está organizado de forma que
você possa se beneficiar com orientações sobre procedimentos
de pesquisa e um breve aprofundamento por meio da exem-
plificação de estudos que tocam em áreas distintas dentro dos
estudos linguísticos.
150   Libras

1A
 pesquisa em Línguas de Sinais:
questões de método e contexto

A pesquisa de excelência exige conhecimento e tato para li-


dar com a comunidade onde o pesquisador se insere. Isso se
aplica também ao trabalho com surdos ou ouvintes usuários
de uma língua de sinais. Visto se tratar de buscar conhecimen-
to sobre a língua de sujeitos, o pesquisador ou pesquisadora
precisa estar atento às questões da cultura surda. Nesse sen-
tido, é importante que se entenda que os locais, tais como as
associações de surdos ou as escolas de surdos, são espaços
valiosos de troca cultural.

Nesse contexto, o pesquisador pode ser visto como um in-


truso se não respeitar a língua e os valores da comunidade.
Esse respeito pode ser indicado pelo aprendizado da Libras,
por exemplo, antes de visitar um espaço de surdos, ou por
ser acompanhado por alguém devidamente qualificado, como
uma intérprete de Língua de Sinais, para que haja comunica-
ção efetiva. Os líderes surdos também podem ser consultados
e até mesmo colaborar com o trabalho do pesquisador. Con-
tudo, não existe uma obrigatoriedade nesse sentido, tanto da
parte dos líderes como dos demais surdos, em um determina-
do espaço.

Lembre-se de que talvez muitas pessoas queiram fazer pes-


quisa com surdos e o número limitado de espaços pode sig-
nificar a interrupção constante de suas atividades. Além disso,
talvez nem todos os pesquisadores tenham dado retorno da
pesquisa lá conduzida, o que pode contribuir para a não cola-
boração por parte da comunidade surda.
Capítulo 8    Pesquisas em Línguas de Sinais    151

A participação de surdos dentro dos momentos de pesquisa


também pode ser vista de forma a colocá-los em posições de
sujeitos ativos e não somente como informantes. Ladd (2003)
coloca a necessidade de a pesquisa ser conduzida por surdos
para que se possa ter a sua contribuição sobre a forma como
os conceitos e as explicações dos fenômenos sociais e linguís-
ticos acontecem. Essa participação pode ser encorajada desde
o início da carreira acadêmica dos surdos. Em muitos casos,
a sua contribuição é imprescindível. Tomemos como exemplo
pesquisas em que os participantes podem ser influenciados na
forma de o ouvinte sinalizar em uma entrevista. Esse acento
corresponde ao popular “sotaque estrangeiro” e pode influen-
ciar as respostas dos participantes. Dessa forma, a presença
surda não só deve ser usada em instrumentos de pesquisa para
melhorar os resultados, mas também encorajada para que os
surdos sejam também autores e tenham o seu ponto de vista
representado. A seguir, consideraremos brevemente alguns te-
mas importantes recorrentes em estudos linguísticos sobre as
Línguas de Sinais.

2T
 emas recorrentes em pesquisas com
Línguas de sinais

De certa maneira, a palavra linguística pode ser vista como um


termo guarda-chuva, pois abarca uma gama de possibilidades
no que concerne a linhas teóricas e perguntas de pesquisa. A
seguir serão esclarecidos alguns dos temas recorrentes. Para
fins didáticos, os aspectos serão detalhados quanto à questão
152   Libras

do tipo de pesquisa abordada, os possíveis mitos ou concep-


ções equivocadas esclarecidas, os avanços proporcionados
para o campo de estudos e as contribuições para a comunida-
de surda ou a sociedade em geral.

2.1 Estudos sobre a forma das Línguas de sinais


Algumas pesquisas se ocupam da descrição linguística da
forma como os sinais são articulados. Esse tipo de trabalho
detalha aspectos da formação do sinal, seguindo categorias
específicas paralelas às línguas orais. Por exemplo, existem es-
tudos sobre a organização fonológica, morfológica, sintática
e semântico-pragmática das línguas de sinais. Esses níveis de
análise desempenham um papel importante para o esclareci-
mento do status real das línguas de sinais enquanto línguas
legítimas e não simplesmente métodos de comunicação de
apoio à língua falada ou a sua versão nas mãos do sinalizan-
te. Portanto, embora sejam articuladas em uma modalidade
visoespacial e não oral auditiva, as línguas de sinais também
possuem organização estrutural em todos os níveis de análise
acima citados. Além disso, elas podem dar insights sobre o
funcionamento e organização de uma língua de modalidade
diferente.

A compreensão dessa estrutura traz benefícios de várias


formas. De maneira geral, para a comunidade surda, o pri-
meiro efeito positivo foi visto na sua autoestima. Anteriormente
vistos como fazendo gestos sem valor linguístico, muitos sina-
lizantes foram procurados para se conhecer as características
linguísticas, históricas e culturais veiculadas ao sinal. Muitas
práticas educacionais e sociais foram ofertadas para as comu-
Capítulo 8    Pesquisas em Línguas de Sinais    153

nidades surdas utilizando a sua própria língua a partir do seu


reconhecimento linguístico.

Além disso, professores, intérpretes e a comunidade ou-


vinte em geral pode se beneficiar por conhecer mais sobre
a organização linguística da língua de sinais do seu país. A
consciência a respeito desse tema é necessária para que pro-
fissionais bilíngues possam desempenhar o seu trabalho me-
lhor por meio de uma comunicação quando em interação com
a comunidade surda. Uma parcela especialmente beneficiada
foi a das crianças surdas. Professores e pais de crianças surdas
puderam compreender melhor questões relacionadas com a
sua aquisição da primeira língua, bem como pensar sobre for-
mas para garantir o seu desenvolvimento.

2.2 Estudos sobre aquisição e desenvolvimento


O período de aquisição e desenvolvimento da primeira língua
de uma pessoa é muito importante. Esse processo é vital para
que ela possa ter sucesso no seu aprendizado, nas suas rela-
ções interpessoais e como sujeito. Estudos sobre esse tópico
conduzidos em línguas orais, como o Português, mostram-nos
como funcionam as etapas do desenvolvimento do conheci-
mento linguístico da criança. Assim, os estudos conduzidos
em sinais servem de base para educadores, psicólogos e pais
interessados no bem-estar das crianças surdas. O não enten-
dimento do funcionamento da língua de sinais pode ocasionar
uma lacuna quanto a quais práticas de ensino ou de atendi-
mento são necessárias para o caso de haver algum problema
no desenvolvimento da linguagem. Visto que o reconhecimen-
to das línguas de sinais é recente, ainda existe necessidade de
154   Libras

se compreender melhor como as crianças surdas se desenvol-


vem, olhando não com uma visão clínica, mas sim linguísti-
ca. Além da aquisição da língua, outras questões importantes
sobre como ela se manifesta dentro das comunidades surdas
requerem um olhar global investigado por meio da sociolin-
guística.

2.3 E
 studos sobre uso, variação e
multilinguismo em Línguas de Sinais
A língua de sinais não é universal. Essa afirmação com frequ-
ência parece desapontar a muitos, porém, ela trata de uma
verdade simples compreendida após o estudo sociolinguístico.
A ideia de uma universalização ou padronização da língua
vem de uma concepção que pensa a comunicação do surdo
como algo não natural, mas produzida para chegar até o alvo
maior: a língua oral. As línguas de sinais são línguas naturais,
o que significa que o seu desenvolvimento é profundamente
influenciado pela experiência de suas comunidades.

A diversidade humana se mostra na manifestação das lín-


guas. Esses processos se refletem na forma como os sinais se
mostram diferentes dependendo da idade do sinalizador, da
região de moradia e até mesmo do seu país. Esse conheci-
mento nos ajuda a respeitar ainda mais as línguas de sinais,
pois é mais uma evidência de que elas possuem status lin-
guístico equivalente ao das línguas orais. A compreensão da
variação linguística é importante tanto para aprendizes quanto
para bilíngues proficientes. A sua comunicação é enriquecida
pelo conhecimento das várias formas de sinalizar o mesmo
referente e não o contrário.
Capítulo 8    Pesquisas em Línguas de Sinais    155

Essa manifestação da língua é uma entre tantas demonstra-


ções das culturas dos povos surdos. Enquanto organismos vi-
vos, as línguas são expressões manifestadas de várias formas,
como a poética, entre outras formas literárias, como conside-
rado a seguir.

2.4 E
 studos sobre a Literatura Surda nas
Línguas de Sinais
A cultura surda se manifesta de várias formas e em vários gê-
neros. Isso percebido pelo estudo da literatura e da performan-
ce em línguas de sinais. Essa forma de se estudar a língua olha
para como ela se organiza em gêneros, como por exemplo, o
humor, os contos, as narrativas de si e a poesia surda. O cam-
po literário é mencionado aqui, pois se trata de uma janela in-
teressante para se observar questões da cultura. Um dos temas
da cultura surda encontrado com frequência nas narrativas e
poesias surdas é a luta surda para usufruir de sua língua, bem
como da convivência com outros surdos em face da pressão
pelo uso da língua oral como única forma de comunicação em
detrimento da Língua de sinais.

Os benefícios do conhecimento sobre os gêneros literários


são inúmeros. Os surdos podem trabalhar questões como as
dificuldades de comunicação da vida diária com os ouvintes,
as crianças podem se desenvolver melhor linguisticamente por
aprender a contar histórias. Profissionais como professores po-
dem também se beneficiar por aprender mais sobre a Língua
de Sinais por meio de sua literatura. A literatura surda também
favorece a formação de tradutores e intérpretes de Libras, uma
156   Libras

área que se beneficia também do conhecimento propiciado


pelos estudos linguísticos.

2.5 E
 studos sobre a tradução e a interpretação
envolvendo as Línguas de Sinais
Tradicionalmente, o termo tradução pode ser considerado
como a atividade de reconstrução de um texto impresso do
léxico de uma língua para outra. Essa atividade permite que
se faça pesquisa, bem como consulta a materiais ou profissio-
nais especializados. Em contrapartida, o termo interpretação
se refere à atividade de intermediação da comunicação entre
duas pessoas que falam línguas diferentes por meio do traba-
lho de um intérprete. Embora possa haver alguma preparação
anterior se essa atividade for feita de forma simultânea, como
em uma cabine no caso de línguas orais, não haverá tempo
para consulta. Se ela for feita de forma consecutiva, embora
o intérprete possa fazer verificações extremamente breves, ele
também não terá como contar com a consulta da mesma for-
ma que um tradutor faria. Essa atividade é bastante utilizada
em línguas de sinais em vários contextos. Um exemplo recente
de cenário que conta com a presença recorrente de intérpretes
de Libras é a educação.

A tradução e a intepretação se beneficiam dos estudos


linguísticos para elucidar alguns mitos, bem como entender
melhor como o processo de comunicação interpretada pode
ocorrer de forma mais efetiva. Nesse sentido, a neutralidade
é uma questão interessante discutida com frequência. Embora
um dos pressupostos seja o de que o intérprete deva ser fiel a
mensagem, s linguagem em si é carregada de sentidos e, por-
Capítulo 8    Pesquisas em Línguas de Sinais    157

tanto, nunca é neutra durante uma interação. Uma nova pos-


tura a partir dessa perspectiva sugere que o intérprete suavize
o impacto da sua participação durante o seu trabalho e que
não se tente se esvaziar como algumas propostas anteriores
sugerem.

Consideramos algumas questões importantes com respeito


da metodologia de pesquisa com línguas de sinais, bem como
alguns temas recorrentes. A seguir, observaremos como alguns
autores utilizam os princípios acima destacados.

3E
 xemplos de estudos linguísticos sobre
as Línguas de Sinais

Nesta seção, consideraremos alguns estudos de natureza lin-


guística sobre as línguas sinalizadas. Os tópicos destacados
darão ênfase a questões da Libras como a aquisição de parâ-
metros específicos, de como ouvintes podem manifestar dife-
rentes graus de proficiência, de como intérpretes de língua de
sinais acessam informações sobre o léxico e, por fim, como a
literatura surda exibe valores da cultura por meio da Libras.

3.1 A
 Consciência fonológica de crianças surdas
em Língua de Sinais
O trabalho de Quadros, Cruz e Pizzio (2012) é um exemplo
de estudo que olha para o conhecimento que as crianças têm
sobre a língua de sinais. O aspecto analisado diz respeito
à memória fonológica. Neste caso, as autoras compararam
158   Libras

crianças ouvintes fluentes em Libras por serem filhos de pais


surdos e crianças surdas usuárias de um mecanismo para o
restabelecimento da audição chamado de implante coclear.
Para fazer essa comparação, elas utilizaram testes padroniza-
dos de memória fonológica. Os resultados apresentaram uma
vantagem no caso das crianças que tinham acesso irrestrito à
língua de sinais em comparação com as que não a utilizavam.
O trabalho traz uma contribuição importante para os estudos
da linguagem, visto haver o senso comum de que a tentativa
de recuperação de audição poderia solucionar todos os pro-
blemas de comunicação e trazer benefícios. Os resultados, por
outro lado, mostram que o cenário é complexo, pois existem
benefícios ao se utilizar uma língua de sinais.

3.2 A
 proficiência linguística em professores
ouvintes
Um dos aspectos mencionados com frequência em pesquisas
sobre o que os surdos acham necessário para a melhora da
sua educação diz respeito ao nível de proficiência em Libras
por parte dos professores. O trabalho de Flores e Finger (2014)
relata exatamente uma forma de fazer a avaliação do nível de
proficiência por meio de um questionário de autoavaliação.
O instrumento consistiu em uma série de perguntas referentes
à formação dos participantes, o seu tempo e contexto de uso
da Libras, e conhecimentos sobre parâmetros da Libras. Ele foi
aplicado em professores ouvintes que trabalham com surdos
e buscou aperfeiçoar formas para saber como eles usam a
língua e que relação isso pode ter com a sua sinalização. Os
resultados nos dão uma ideia da complexidade e do desafio
Capítulo 8    Pesquisas em Línguas de Sinais    159

que o uso ou a falta de uso da Libras pode trazer para a pro-


ficiência linguística.

3.3 O
 acesso lexical em tradutores e intérpretes
de Libras
O acesso lexical corresponde à forma como o indivíduo retira
informações linguísticas da palavra ou do sinal para poder
construir sentido. Essa teoria busca verificar formas em que o
indivíduo analisa e resolve a competição entre as palavras ou
sinais dentro do léxico mental, que corresponde ao conheci-
mento do inventário linguístico na mente de uma pessoa. O
trabalho de Fonseca (2015) analisa o acesso lexical de in-
térpretes de Libras e tem como objetivo verificar se a relação
semântica entre os referentes influencia na forma como o lé-
xico se organiza na mente. Algumas teorias colocam que o
léxico seria organizado de forma separada de acordo com a
língua, mas outras indicam que ela não teria essa forma de
separação. Para realizar essa pesquisa, foi utilizado o méto-
do quase experimental. Os participantes responderam a uma
tarefa apresentada em um computador, onde observaram um
vídeo em Libras seguido de uma palavra em Português. A sua
tarefa era pressionar a tecla N para dizer que a palavra não
corresponderia à tradução ou S para dizer que corresponderia.
O resultado desse trabalho indicou que intérpretes demora-
ram mais tempo para responder ao instrumento quando havia
relação semântica entre o sinal e a palavra, sugerindo que
a organização do léxico acontece de forma independente da
língua do indivíduo.
160   Libras

3.4 A Literatura Surda


O trabalho de Sutton-Spence (2006) apresenta uma análise
da poesia feita na Língua de Sinais Britânica. As histórias ana-
lisadas dão uma ideia da experiência bilíngue e bicultural dos
surdos, além dos conflitos coma comunidade ouvinte na vida
diária. O estudo da linguagem, mais especificamente da lite-
ratura surda, nos dá uma ideia de como a identidade surda se
compõem em um espaço de fronteiras. A autora evidencia que
esse processo é muito semelhante entre surdos de países dife-
rentes ao comparar a produção de um poeta surdo brasileiro
e outro poeta surdo inglês.

Considerações finais
Este capítulo considerou algumas pesquisas conduzidas sobre
as línguas de sinais. Foram discutidas questões importantes
relacionadas a aspectos metodológicos que podem orientar
pesquisadores que tenham interesse em produzir conhecimen-
to acerca da Língua de Sinais. Também foram considerados
alguns temas e conhecimentos importantes que foram fruto
desses estudos, bem como relatou algumas pesquisas recen-
tes sobre áreas diversas alcançadas pelos estudos linguísticos.
O conhecimento sobre a língua de sinais está aumentando e
você está convidado a estudá-lo por meio do que já foi pu-
blicado ou, ainda, a ingressar no time de pesquisadores de
línguas de sinais.
Capítulo 8    Pesquisas em Línguas de Sinais    161

Recapitulando

As pesquisas sobre as línguas de sinais abrangem uma série de


tópicos importantes para o conhecimento sobre a Libras. Esse
conhecimento é importante para os surdos, bem como para
pais ou profissionais como professores, psicólogos e intérpre-
tes de Língua de sinais. Os temas mencionados no capítulo
abrangem questões da organização do sinal por meio da sua
descrição linguística, da forma como a língua de sinais pode
ser adquirida por crianças surdas, como intérpretes podem se
beneficiar pelo entendimento da tradução durante o seu tra-
balho e da literatura surda. Essa última corresponde à forma
como a Libras expressa o conhecimento sobre a identidade
dos surdos, sejam eles no Brasil ou em qualquer outro lugar
do mundo.

Referências

FLORES, V; FINGER, I. Proposta de questionário de histórico


da linguagem e autoavaliação de proficiência para pro-
fessores ouvintes bilíngues Libras/Língua Portuguesa. Sig-
num: Estudos da Linguagem, v. 17, p. 278, 2014.

FONSECA, S. Bilinguismo bimodal: um estudo sobre acesso


lexical em intérpretes de Libras/ Língua Portuguesa. Disser-
tação de mestrado. 2015

LADD, P. Deaf Culture In search of Deafhood. Multilingual


Matters: London, 2003.
162   Libras

QUADROS, R. M.; SUTTON-SPENCE, RACHEL. Poesia em Lin-


gua de Sinais: Traços da identidade surda. In: R. Quadros.
(Org.). Estudos Surdos 1. 1. ed. Petropolis, Rio de Janeiro:
Editora Azul, 2006, v. 1, pp. 110-165.

QUADROS, R. M.; CRUZ, C.R.; PIZZIO, A.L. Memória fonoló-


gica em crianças bilíngues bimodais e com implante cocle-
ar. Revista Virtual de Estudos da Linguagem, v. 10, pp.
185-212, 2012.

QUADROS, R; KARNOPP, L. Língua de Sinais Brasileira: Es-


tudos Lingüísticos. Editora Artmed: Porto Alegre, 2004.

Atividades

1) Qual a importância dos estudos linguísticos sobre as línguas


de sinais?

2) Que mitos as pesquisas sobre as línguas de sinais ajudaram


a derrubar?

3) Quais cuidados são importantes no momento de planejar a


sua pesquisa junto com a comunidade surda?

4) O que as pesquisam indicam sobre o papel do tradutor e


intérprete de Língua de sinais?

5) Como as pesquisas nos ajudam a conhecer mais sobre a


cultura e a identidade das pessoas surdas do Brasil e de
outros países?
Vinicius Martins Flores1

Capítulo 9

Saúde e Libras 1

1 Doutorando em Letras – Psicolinguística (UFRGS); Mestre em Letras – Linguística


Aplicada (UFRGS); Especialista em Aquisição da Linguagem e Alfabetização (FEE-
VALE); graduado em Letras Libras – Bacharelado (UFSC) e em Pedagogia – Licen-
ciatura (ULBRA); participa do Grupo de Pesquisa Educação e Processos Inclusivos
(GPEPI) da UERGS – Litoral Norte; atua como docente de Libras na ULBRA (Cano-
as/RS) e na UERGS (Osório/RS).
164   Libras

Introdução

O presente capítulo propõe apresentar conceitos relacionados


a área da surdez com um enfoque cultural, buscando com-
preender a importância da Libras na vida do sujeito surdo. O
tema saúde é sempre um desafio, sendo recente a implemen-
tação da disciplina de Libras na formação de médicos (em
nível de graduação) e de profissionais da área da saúde (como
enfermagem e fonoaudiologia).

1 Criança surda e a aquisição da Libras

A criança surda normalmente nasce em uma família ouvinte


(STROBEL, 2008), gerando uma relação de dependência en-
tre os pais e as crianças, já que o meio não utiliza Língua de
Sinais, forçando que um ou os dois cuidadores tenham que
desenvolver o papel de intérprete do filho(a) em diferentes mo-
mentos da vida. Portanto, em casa, a aceitação pode ocorrer
caso os pais estejam devidamente orientados por profissionais,
pois o comum é a rejeição por serem surdos. De mesma forma,
na escola, a criança surda também perpassa por situações de
ser rotulada como indisciplinada, já que sua língua não é, na
maioria das vezes, utilizada no espaço escolar.

Para compreender esse contexto em que a criança surda


está inserida, vamos compreender o processo de aquisição de
linguagem e o que é o bilinguismo, assim possibilitando uma
reflexão acerca das diferentes realidades a que a criança surda
é exposta desde o nascimento.
Capítulo 9   Saúde e Libras   165

1.1 Bilinguismo
As pesquisas realizadas até 1960 indicavam, na sua maioria,
que o bilinguismo tinha mais efeitos negativos do que posi-
tivos, propondo que os monolíngues seriam superiores aos
bilíngues, já que os testes de inteligência apontavam melhor
desempenho para os que sabiam apenas uma língua. Os estu-
dos de Saer (1923) demonstram que os bilíngues eram “trans-
tornados”, mas é importante considerar as pesquisas de Baker
(2006) e Chin e Wigglesworth (2007), que demonstram o mo-
tivo que levou a considerar o bilinguismo como algo negativo.
A questão foi o controle das variáveis, já que os monolíngues
possuem uma regularidade no uso da língua; já o bilíngue
precisa ter alguns itens verificados, como a idade de aquisição
da segunda língua, o domínio de uso e a frequência que usa
as duas línguas.

As primeiras pesquisas sobre bilinguismo não considera-


vam as diferentes variáveis; a disparidade nos métodos e o
descuido metodológico afetou os resultados. Na atualidade, a
metodologia de pesquisa com bilinguismo tem maior contro-
le das variáveis, assim conseguindo realizar descobertas mais
seguras. Agora sabe-se que o bilinguismo não é ruim, bem
como existem sim diversos fenômenos linguísticos dentro dele.

Para Baker (2006), o sujeito que adquiriu uma língua terá


facilidade para adquirir a segunda, já que existe um efeito
de transferência de conhecimento linguístico de uma língua
para outra. Os construtos adquiridos automaticamente serão
pensados em duas línguas, sem necessidade de o bilíngue ter
que aprender o mesmo conteúdo em ambas. Essa é ideia de
bilinguismo mais atual e usada em pesquisas bilíngues, que
166   Libras

considera que existe uma área central em que a língua é ma-


nipulada, mas que, quando se expressa, o sujeito escolhe em
qual vai se comunicar.

O termo bilingualidade e bilinguismo são considerados si-


nônimos para Hamers e Blanc (2000), já que o bilíngue seria
uma pessoa com aspectos individuais composto por habilida-
des únicas daquele indivíduo. E, ainda, os autores dividem o
bilinguismo em três medidas, sendo: o bilinguismo infantil, o
bilinguismo adolescente e o bilinguismo adulto. O primeiro
tipo de bilinguismo é o infantil, que se subdivide em bilinguis-
mo simultâneo, quando a criança tem acesso e aprendizagem
em duas línguas ao mesmo tempo. O segundo é o bilinguismo
consecutivo, no qual a criança aprende uma e depois a outra
língua.

O bilinguismo adolescente ficaria entre os 11 aos 17 anos,


e o bilinguismo adulto a partir dos 18 anos, mas essas duas
divisões são complexas e consideram apenas a idade. Consi-
derar os estudos de Bialystok (2001) faz-se necessário, pois a
autora propõe que precisamos definir proficiência, lembran-
do que o sujeito bilíngue não necessariamente tem a mesma
proficiência nas duas línguas, que a idade nem sempre é o
que define o sucesso de aprendizagem, e que outras questões
estão envolvidas, como por exemplo, a necessidade comuni-
cacional e o uso das línguas.

Portanto, a particularidade de cada sujeito é fundamental


para compreender o quanto bilíngue ele é, e então valorizar
as experiências bilíngues individuais, como por exemplo, como
foi o processo de aquisição das línguas envolvidas, as línguas
Capítulo 9   Saúde e Libras   167

que acercam, formas e necessidades de uso, tempo e frequ-


ência de uso e outros que possam dar um panorama geral do
domínio e uso das línguas.

1.2 Aquisição de Libras por crianças surdas


Os resultados sobre aquisição da linguagem por crianças sur-
das demonstram que, mesmo entre línguas de modalidades
diferentes, as crianças surdas e ouvintes perpassam pelos mes-
mos estágios de aquisição da língua. Esse dado demonstra
que as crianças surdas expostas à Libras desde o nascimento
possuem a mesma capacidade de aquisição, independente
de modalidade (KARNOPP, 1994, 1999; QUADROS, 1995;
1997).

Os lares das crianças surdas na maioria dos casos são de


famílias ouvintes, acarretando que a criança tenha um contato
tardio com Libras. Isso poderá gerar prejuízos para a criança,
pois existe evidências de que a aprendizagem tardia da Língua
de Sinais gera desvantagem no desempenho de tarefas linguís-
ticas e também nas tarefas que avaliam desempenho cognitivo
e emocional, quando comparados aos surdos com aquisição
da linguagem precoce.

A importância de que no ato da descoberta da surdez o


agente de saúde possa orientar que a criança surda tenha con-
tato e aprenda Libras é fundamental, não com intuito de des-
cartar outras possibilidades de comunicação, mas de colocar
a Libras como primeira língua. Estimar pela aquisição precoce
poderia auxiliar que a criança surda tivesse mais possibilidades
168   Libras

de ser bilíngue, já que estaria com uma língua adquirida na


primeira infância.

As crianças surdas, mesmo as que não são expostas à


língua de sinais e não recebem nenhuma forma de tra-
tamento fonoaudiológico para adquirir a língua oral,
adquirem alguma forma rudmentar de linguagem, elas
simbolizam e conceituam pois convivem socialmente, in-
teragem e se comunicam de alguma forma. A diferença é
que, não tendo acesso a uma língua estruturada, a qua-
lidade e a quantidade de informações abordados são
muito inferiores àqueles que os ouvintes, em sua maio-
ria, recebem e trocam. Os surdos, nestas condições só
conseguem expressar e compreender assuntos do aqui e
agora. Para falar de situações passadas, lugares diferen-
tes e, principalmente, sobre assuntos abstratos é quase
impossível – se realmente não o for. Parece, então, que a
função planejadora da linguagem não é dominada intei-
ramente pelos surdos com atraso de linguagem. (GOL-
DFELD, 2002, p. 62)

A criança surda necessita ter essa inserção em Libras para po-


der experienciar o mundo, criar bagagem de conhecimento e es-
tabelecer relações afetivas com as pessoas que estão a sua volta.

2 Educação bilíngue

A área da saúde, em um contexto geral, deve contemplar as


questões bilíngues do paciente surdo antes de buscar soluções
Capítulo 9   Saúde e Libras   169

paliativas para a surdez. O sujeito surdo pode ter uma vida


normal, mas em outra língua, e essa língua é o que normal-
mente assusta muitas pessoas. Vejamos a educação bilíngue
no Brasil: o Relatório MEC/SECADI (BRASIL, 2014) deixa claro
o perfil do aluno que é surdo usuário de Libras como primeira
língua. Nas metas operacionais, que são compostas por 21
sugestões para nortear a implementação da educação bilín-
gue, destaco algumas metas gerais relacionadas diretamente
com a Libras, como:

2) Inserir os princípios da Educação Bilíngue de surdos


nos Projetos Políticos Pedagógicos da educação básica.
4) Implantar a política da educação bilíngue escolar e de
formação de licenciados bilíngues para a educação de
surdos de acordo com os princípios definidos na Política
Nacional de Educação Bilíngue de Surdos. 6) Elaborar e
implantar as Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos
de Pedagogia Bilíngue, Letras Libras, Letras Língua Por-
tuguesa como L2 e Tradução e Interpretação de Libras
e Língua Portuguesa. 19) Fomentar a formação inicial e
continuada de professores surdos, professores bilíngues,
professores de Língua Portuguesa como L2, professores
de Libras e tradutores e intérpretes de Libras. 20) Criar
cursos presenciais de Pedagogia Bilíngue nas universi-
dades públicas de cada estado da federação e Distrito
Federal. (BRASIL, 2014, p. 19)

Os itens selecionados são voltados para a formação e para


práticas bilíngues na educação de surdos, que por sua vez
estabelecem um norte de como será a educação de surdos e
a necessidade da mesma. O item seguinte do Relatório MEC/
170   Libras

SECADI (BRASIL, 2014) estabelece as metas referentes às lín-


guas na educação bilíngue, apresentadas em 9 de um total de
19 itens.

Criar um ambiente linguístico bilíngue (Libras e Portu-


guês) no espaço educacional. 2) Criar programas de
imersão precoce para aquisição da Libras na educação
infantil, com interlocutores fluentes em Libras, priori-
tariamente surdos. 6) Criar os Centros de Atendimento
Bilíngue a pais e a bebês surdos, nas escolas bilíngues
de surdos. 7) Propiciar às crianças surdas no período da
educação infantil interações na Libras e contato com a
escrita da Libras e da Língua Portuguesa de forma lúdi-
ca e criativa, prioritariamente com professores surdos; 8)
Garantir que a criança surda aprenda a ler e escrever na
Libras, como forma de consolidar a relação com a escri-
ta. 9) Garantir o ensino da leitura e da escrita da Língua
Portuguesa utilizando metodologia de L2 e M2 (segunda
modalidade). 10) Garantir que a Libras seja a língua de
instrução dos estudantes surdos, por meio de professores
bilíngues fluentes na Libras, prioritariamente surdos. 14)
Garantir que as avaliações sejam realizadas em Libras
(modalidade em sinais e/ou escrita). 15) Garantir que as
avaliações sejam disponibilizadas em português escrito.
(BRASIL, 2014, pp. 20-21)

Assim como outras pesquisas e conforme o próprio docu-


mento, as orientações seguem em busca do reestabelecimen-
to das discussões micros que são necessárias para compor o
espaço macro da educação bilíngue. Ou seja, existe concor-
dância do movimento surdo e dos estudos surdos sobre a im-
Capítulo 9   Saúde e Libras   171

portância da educação bilíngue, mas é pertinente pensar que


a criança surda necessita ter acesso à Libras desde bebê para
que possa usufluir dessa educação planejada para a comuni-
dade surda.

3 Legislação

O Decreto 5.626 do ano de 2005 estabelece, no artigo 25,


que a partir da publicação, o SUS (Sistema Único de Saúde) e
as empresas detêm concessão ou permissão de serviços públi-
cos de assistência à saúde, prevê a garantia de atendimento
prioritário para alunos surdos/deficientes auditivos matricula-
dos na rede básica de ensino, usuários ou não de Libras, dan-
do total atenção integral, nos diversos níveis de complexidade
e especialidades médicas, efetivando:

I – ações de prevenção e desenvolvimento de programas


de saúde auditiva; II - tratamento clínico e atendimento
especializado, respeitando as especificidades de cada
caso;  III - realização de diagnóstico, atendimento pre-
coce e do encaminhamento para a área de educação;
IV - seleção, adaptação e fornecimento de prótese audi-
tiva ou aparelho de amplificação sonora, quando indi-
cado; V - acompanhamento médico e fonoaudiológico e
terapia fonoaudiológica; VI -  atendimento em reabilita-
ção por equipe multiprofissional; VII - atendimento fono-
audiológico às crianças, adolescentes e jovens matricu-
lados na educação básica, por meio de ações integradas
com a área da educação, de acordo com as necessida-
172   Libras

des terapêuticas do aluno; VIII  - orientações à família so-


bre as implicações da surdez e sobre a importância para
a criança com perda auditiva ter, desde seu nascimento,
acesso à Libras e à Língua Portuguesa; IX - atendimento
às pessoas surdas ou com deficiência auditiva na rede de
serviços do SUS e das empresas que detêm concessão ou
permissão de serviços públicos de assistência à saúde,
por profissionais capacitados para o uso de Libras ou
para sua tradução e interpretação; e X - apoio à capaci-
tação e formação de profissionais da rede de serviços do
SUS para o uso de Libras e sua tradução e interpretação.

A partir desse decreto, podemos estabelecer que o aten-


dimento à criança surda ou ao sujeito surdo é realizada por
equipe multiprofissional, respeitando o uso da Língua de Sinais
e dando suporte clínico quando necessário. Para reflexão, pro-
ponho olharmos o item III, que estabelece o encaminhamento
para a área de educação, da necessidade de realizar parcerias
entre as escolas e hospitais, afim de criar um elo de parceria
e cumplicidade no atendimento em prol de proporcionar uma
qualidade de vida para a criança surda desde os primeiros dias
do seu nascimento ou do momento da descoberta da surdez.

Outro ponto interessante é o X, colocado sobre formações,


que podemos retomar o ponto III, nessa parceria entre esco-
la e hospital, podendo nascer um projeto de formação entre
equipes. Assim, todos podem compartilhar conhecimentos at-
ravés de um grupo de estudos, já que o propósito é atender à
mesma pessoa surda.
Capítulo 9   Saúde e Libras   173

A Lei 10.436 do ano de 2002, que reconhece a Libras


como meio legal de comunicação e expressão da Comuni-
dade Surda brasileira, estabelece no artigo 3º que:

As instituições públicas e empresas concessionárias de


serviços públicos de assistência à saúde devem garantir
atendimento e tratamento adequado aos portadores de
deficiência auditiva, de acordo com as normas legais em
vigor. 

Os direitos estão garantidos para todos os surdos/defieci-


entes auditivos, usuários ou não de Libras. A grande discussão
deverá ser a formação desses profissionais para atender os
surdos, discorrer esse tema é fundamental, já que a habilidade
de comunicação interpessoal são primordiais no atendimento
de pacientes, em qualquer situação ou língua.

As ações e procedimentos dos profissionais da área da


saúde são efetivadas através do ato comunicativo, que inde-
pende da língua, já que se faz necessário buscar informações
do paciente ou orientá-lo para realizar procedimentos. A
relação entre sujeitos é a base nessa interação entre surdo
e o profissional da saúde, e a questão de reflexão é o como
proceder nessa situação, onde o sujeito é surdo e usuário de
Libras?

Esse questionamento sobre comunicação é um exercício


de reflexão, que não temos uma proposta pronta, mas alter-
nativas. Uma alternativa muito aplicada é ter profissionais com
conhecimento mínimo de Libras, mas surge essa questão de
medida, pois, o que é o mínimo em Libras? Cada área de
atendimento terá então que ter formações específicas, os vo-
174   Libras

cabulários são diferentes para cada situação, e prever esse


vocabulário seria um desafio.

Outra alternativa é centralizar o atendimento em um local


da cidade, mas seria inviável, pois nem sempre as especial-
idades clínicas estão concetradas em um hospital ou centro
de saúde. E ainda há outra alternativa, talvez mais viável, de
se ter uma central de intérpretes de Libras no munícipio para
atender a demandas de urgência, emergência e outros, a fim
de dar suporte de interpretação simultânea para os pacientes
surdos em diferentes áreas da saúde. Dessa forma, os surdos
seriam atendidos nas suas necessidades. Mas a melhor alter-
nativa não será proposta aqui, mas sim através de pesquisas,
em que chegaremos em uma forma que tenha qualidade para
atender a comunidade surda, pois somente verificando o im-
pacto que cada forma de atendimento tem poderemos futura-
mente definir qual é a mais adequada para ser definida como
melhor alternativa.

4 ABNT

A Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT publicou,


em 2008, a NBR 15599:2008, que apresenta a acessibilida-
de como possibilidade e condição de alcance para utilização
do meio físico, meios de comunicação, produtos e serviços
por pessoa com deficiência. Vejamos como a ABNT entende e
orienta a área da saúde para que o atendimento de uma pes-
soa com surdez seja efetuado em hospitais, clínicas e demais
instituições de assistência à saúde:
Capítulo 9   Saúde e Libras   175

a) prover a seus médicos, enfermeiras e atendentes co-


nhecimentos sobre as necessidades e limitações na co-
municação de pessoas com deficiência visual, auditiva/
surdez, surdo-cegueira, deficiência múltipla ou dificulda-
de de fala, e devem fazer constar as necessidades do pa-
ciente, nas fichas e demais listagens; b) identificar o aten-
dimento especial em Libras com o símbolo internacional
da surdez, na edificação, nos materiais e no uniforme
dos atendentes; c) prover atendimento com apoio de in-
térprete de Libras e guia-intérpretes para surdo-cegos,
em consultas, internações e atendimentos de emergência
por convênio, plantão ou meios eletrônicos.

Conforme a ABNT – NBR 15599:2008, a estrutura física e


recursos humanos devem estar adequados para dar assistên-
cia ao atendimento do sujeito surdo, e fica claro que o sujeito
surdo será atendido em sua primeira língua, que no caso dos
surdos é a Libras. Isso demonstra que a ABNT e a legislação
vigente estão em sintonia para poder criar um espaço apropri-
ado e acessível.

Ainda a mesma NBR prevê que Hospitais, clínicas e demais


instituições de assistência à saúde devam dispor de sistemas
distintos para chamada do paciente para o atendimento, vi-
sando atender ao princípio da redundância na informação,
utilizando placas de comunicação visual, eletrônicas ou não,
onde conste a senha ou o nome do paciente, para chama-
da de pessoas surdas e surdocegas. Dessa maneira, o sujeito
pode ter autonomia e receber um atendimento de igualdade
em relação aos demais cidadãos.
176   Libras

Na atualidade, desejamos que as ações adotadas sejam


de bem-estar e conforto e, principalmente, humanizadas, para
dessa forma atender às necessidades do desenvolvimento inte-
gral do ser humano. Portanto, poder visualizar um atendimento
em um local acessível com profissionais com formação ade-
quada não deverá ser um sonho da comunidade surda, mas
uma realidade. A comunidade surda pertence a uma minoria
social que sempre esbarra nas limitações comunicacionais e
fazer com que a realidade mude é um compromisso social.

A surdez não deve ser vista como um limitador, afinal a de-


ficiência auditiva é a única deficiência que gerou uma língua e
cultura para uma comunidade nomeada de comunidade sur-
da. A Libras não pode ser apenas uma acessibilidade, mas um
direito garantido e que deverá, nos próximos anos, ser utiliza-
da por muitos ou, quem sabe, por todos.

Conclusão
Os desafios aqui retratados devem ser (re)discutidos de dife-
rentes formas, mas as questões linguísticas urgem ser elenca-
das nos debates sobre o atendimento na área da saúde para
caminharem ao lado da educação bilíngue. Assim, serão apri-
moradas as possibilidades de o profissional da área da saúde,
seja o médico/agente de saúde, tornar-se um verdadeiro elo
entre dois “mundos” linguísticos para que as pessoas surdas
possam conceber e estabelecer aprendizagens concretas, res-
peitando as diferenças entre as línguas. As diferenças culturais,
por sua vez, estarão respeitadas quando os diferentes ficam
em um território de comunicação clara e estabelecida.
Capítulo 9   Saúde e Libras   177

Recapitulando

Os direitos estão garantidos para todos os surdos/defiecientes


auditivos, usuários ou não de Libras; a grande discussão deve-
rá ser a formação desses profissionais para atender os surdos.
Discorrer sobre essa tema é fundamental, já que a habilidade
de comunicação interpessoal é primordial no atendimento de
pacientes em qualquer situação ou língua, bem como, tornar
os espaços acessíveis em nível comunicacional.

Referências

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gualism. 4. ed. Multilingual Matters, 2006.

BIALYSTOK, E. Bilingualism in Development: Language,


Literacy, and Cognition. New York: Cambridge University
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Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2
002/L10436.htm. Acesso em: 17 fev. 2015.

BRASIL. Decreto nº. 5626. Regulamenta a Lei nº. 10436, de


24 de abril de2002, e o artigo 18 da Lei no 10.098, de
19 de dezembro de 2000. Brasília: SEESP/MEC, 2005.

BRASIL. Ministério da Educação. Relatório do Grupo de


Trabalho, designado pelas Portarias nº1.060/2013
178   Libras

e nº91/2013, contendo subsídios para a Política Lin-


guística de Educação Bilíngue – Língua Brasileira de
Sinais e Língua Portuguesa. Brasília, DF. MEC/SECADI,
2014.

CHIN, N. B.; WIGGLESWORTH, G. Bilingualism. An ad-


vanced resource book. USA: Routledge, 2007.

GOLDFELD, M. A criança surda – Linguagem e cognição


numa perspectiva sociointeracionista. São Paulo: Plexus Ed-
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HAMERS, J.; BLANC, M. H. A. Bilinguality and bilingualism.


2. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2000.

KARNOPP, L.B. Aquisição do parâmetro configuração de


mão na Língua Brasileira dos Sinais (LSB): estudo sobre
quatro crianças surdas, filhas de pais surdos. Dissertação
de Mestrado. Porto Alegre: Instituto de Letras e Artes. PU-
CRS,1994.

______. Aquisição fonológica na língua brasileira de si-


nais: estudo longitudinal de uma criança surda. Tese de
Doutorado. Porto Alegre: Instituto de Letras e Artes, PUCRS,
1999.

QUADROS, R.M. As categorias vazias pronominais: uma


análise alternativa com base na língua de sinais brasileira e
reflexos no processo de aquisição. Dissertação de Mestra-
do. Porto Alegre: PUCRS, 1995.

__________. Educação de surdos: a aquisição da linguagem.


Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
Capítulo 9   Saúde e Libras   179

SAER, O. J. The effect of bilingualism on intelligence. British


Journal of Psychology, v. 14, pp. 25-28, 1923.

Atividades

1) Analise as afirmações abaixo referentes aos estudos sobre a


NBR 15599:2008.

I – A Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT


apresenta a acessibilidade como possibilidade e
condição de alcance para utilização do meio físico,
meios de comunicação, produtos e serviços, por pessoa
com deficiência.

II – A Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT


reconhece somente a acessibilidade arquitetônica.

III – A Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT


desconhece a variedade de ofertas de acessibilidade.

Quais estão corretas?

a) Apenas I.

b) Apenas II.

c) Apenas III.

d) Apenas II e III.

e) I, II e III.
180   Libras

2) Qual deficiência que possui uma língua e cultura específi-


cas:

a) Deficiência Intelectual

b) Deficiência visual/cegueira

c) Deficiência motora

d) Deficiência Física

e) Deficiência Auditiva/Surdez

3) A NBR 15599:2008, estabelece orientações de acessibili-


dade.

Assinale V para as afirmativas verdadeiras e F para as fal-


sas, considerando a assertiva acima.

(  ) A Libras possui características diferentes das línguas


orais, mas a gramática, principalmente a fonologia, é
idêntica.

(  ) Prevê que hospitais, clínicas e demais instituições de


assistência à saúde devam dispor de sistemas distintos
para chamada do paciente para o atendimento.

(  ) O princípio da redundância na informação, utilizan-


do placas de comunicação visual, eletrônicas ou não,
onde conste a senha ou o nome do paciente, para
chamada de pessoas surdas e surdocegas deve ser
aplicada.
Capítulo 9   Saúde e Libras   181

A sequência correta de preenchimento dos parênteses, de


cima para baixo, é:

a) V – V – V

b) V – F – F

c) F – V – V

d) F – V – F

e) F – F – F

4) 
Os direitos estão garantidos para todos os
__________________, usuários ou não de ___________;
a grande discussão deverá ser a formação desses profis-
sionais para atender os surdos. Discorrer sobre essa tema
é fundamental, já que a habilidade de comunicação
_________________ é primordial no atendimento de paci-
entes, em qualquer situação ou língua.

A alternativa cujas as palavras completam corretamente as


lacunas da frase acima é

a) Deficientes auditivos/mudos – Libras – intrapessoal

b) Surdos-Mudos/Deficientes auditivos – Libras – inter-


pessoal

c) Deficientes – Libras – intrapessoal

d) Surdos/defiecientes auditivos – Libras – interpessoal

e) Surdos/deficientes auditivos – Linguagem dos Sinais –


interpessoal
182   Libras

5) Os lares das crianças surdas, na maioria dos casos, são


de famílias _________, acarretando que a criança tenha
um contato ____________ com Libras. Isso poderá gerar
prejuizos para a criança, pois existem evidências de que a
aprendizagem tardia da Língua de Sinais gera desvantagem
no desempenho de _____________.

A alternativa cujas as palavras completam corretamente as


lacunas da frase acima é:

a) Surdas – imediato – tarefas da linguagem

b) Surdas-mudas – imediato – tarefas linguísticas

c) Deficientes – tardio – tarefas subjetivas

d) Ouvintes – tardio – tarefas linguísticas

e) Ouvintes – tardio – tarefas de memória


Vinicius Martins Flores1

Capítulo 10

Língua de
Sinais: Estudos
Interdisciplinares 1

1 Doutorando em Letras – Psicolinguística (UFRGS); Mestre em Letras – Linguística


Aplicada (UFRGS); Especialista em Aquisição da Linguagem e Alfabetização (FEE-
VALE); graduado em Letras Libras – Bacharelado (UFSC) e em Pedagogia – Licen-
ciatura (ULBRA); participa do Grupo de Pesquisa Educação e Processos Inclusivos
(GPEPI) da UERGS – Litoral Norte; atua como docente de Libras na ULBRA (Cano-
as/RS) e na UERGS (Osório/RS).
184   Libras

Introdução

Os estudos sobre Libras – Língua Brasileira de Sinais são diver-


sos, apesar de a Língua de Sinais no Brasil ter sido reconhe-
cida em 2002, ou seja, recém estamos completando 14 anos
desde sua publicação. Contudo, a Língua de Sinais no mundo
já é pesquisada há muitos anos.

Em torno de 1960, aconteceu a grande pesquisa que deu


base para dar uma direção nos estudos da Língua de Sinais:
o pesquisador Stokoe verificou que os sinais que compõem a
língua de modalidade visuoespacial não são imagens, mas
que possuem uma complexidade na sua estrutura. Com essa
pesquisa de extrema importância, outros pesquisadores em-
basaram-se para investigar a Língua de Sinais. Com essa pro-
posta, o capítulo versará sobre as diversas pesquisas na área
da Língua de Sinais, contudo, obviamente não será possível
registrar todas as pesquisas, mas será observada as que forem
relacionadas com aquisição da linguagem, educação bilíngue
e linguística.

1P
 esquisas em linguística da língua de
sinais

Os ouvintes são acometidos pela crença de que ser ou-


vinte é melhor que ser surdo, pois, na ótica ouvinte, ser
surdo é o resultado da perda de uma habilidade “dis-
ponível” para a maioria dos seres humanos. No entanto
Capítulo 10    Língua de Sinais: Estudos Interdisciplinares    185

essa parece ser uma questão de mero ponto de vista.


(SALLES, 2007, p. 36)

Acreditar sem aprofundar-se na pesquisa deixa uma ideia


distorcida do que de fato cientificamente é comprovado. Para
evitar novos mitos sobre a Língua de Sinais, vamos ver as
pesquisas na área da linguística e suas subáreas. Uma obra
importante para os estudos da Língua de Sinais no Brasil foi
produzida pelas pesquisadoras Quadros e Karnopp (2004),
intitulado: "Língua de Sinais – Estudos Linguísticos". Esta obra
apresenta aspectos da fonologia, morfologia, sintaxe, semân-
tica e pragmática da Libras, e em alguns trechos apresenta
comparativos entre Língua Portuguesa e Libras.

O interesse em relação ao estudo das línguas de sinais


é crescente, pois, até bem pouco tempo, as concepções
e investigações acerca da linguagem humana eram pro-
porcionadas pelo estudo das línguas orais. Entretanto,
as línguas de sinais, podem fornecer novas perspectivas
teóricas sobre as línguas humanas, sobre os determinan-
tes da linguagem e o processo de aquisição e desenvolvi-
mento de uma língua que apresenta certas particularida-
des em relação às línguas orais. (QUADROS; KARNOPP,
2004, p. 37)

Nesse estudo sobre gramática, temos Ferreira (2010) com


uma colaboração enorme, demonstrando as especificidades
da Língua de Sinais de forma minuciosa.

Os estudos linguísticos das línguas de sinais podem for-


necer dados para que essas línguas sejam ensinadas e
aprendidas por surdos e ouvintes desejosos de comuni-
186   Libras

cação gratificante e eficiente com as pessoas surdas: a)


explicitando as regras gramaticais próprias da língua;
b) documentando a língua de sinais para que esta seja
aceita como língua; c) elaborando material didático-
-pedagógico que possibilitará um ensino sistemático da
língua. (FERREIRA, 2010, p. 15)

Nessa direção, a importância da pesquisa nessa área sem-


pre será fundamental, ponderar sobre língua e a cultura que a
envolve é ajustar e vigiar a pesquisa, pois a comunidade surda
carece sempre de aliados para provar que Libras é uma língua.

Uma língua, por ser a manifestação de imposições de


estruturas linguísticas dos indivíduos ao universo, é re-
sultado de uma inteligência coletiva. Ao mesmo tempo,
sua estrutura especifica, assim como os universais lin-
guísticos, impõem restrições a seus usuários. Um usuário
nativo nem se arrisca a introduzir mudanças em seu sis-
tema linguístico, limitando-se quase que apenas à intro-
dução de neologismos que poderão ou não ser aceitos
pela comunidade que a usa. Muito menos, terão sucesso
aqueles usuários não nativos que atribuem interferência
de sua língua nativa às línguas que não lhes pertencem
como língua materna. A única saída viável é a aceitação
sem restrições das línguas de sinais. Aceitar o surdo im-
plica a aceitação de sua língua. (FERREIRA, 2010, p. 17)

Para essa aceitação acontecer, as Línguas de Sinais estão


sendo constantemente pesquisadas em diferentes níveis de sua
estrutura gramatical ou em outras dimensões, como na área da
psicolinguística que investiga o processamento da linguagem,
ou na análise do discurso para aferir sobre as possibilidades e
Capítulo 10    Língua de Sinais: Estudos Interdisciplinares    187

status da língua no campo de aplicação social e outras tantas


áreas, como a literatura surda.

Cabe ressaltar que as produções culturais de pessoas


surdas envolvem, em geral, o uso de uma língua de si-
nais, o pertencimento a uma comunidade surda e o con-
tato linguístico e cultural com pessoas ouvintes, que pode
proporcionar uma experiência bilíngue/bicultural a essa
comunidade, ou seja, experiências que se dão no campo
visual. Assim, esta pesquisa realiza a coleta e o mapea-
mento das produções culturais das comunidades surdas
brasileiras nas diferentes regiões do país, com ênfase nos
espaços em que há um movimento surdo. (KARNOPP;
KLEIN; LUNARDI-LAZZARIN, 2011, p. 18)

O humor, a poesia e a literatura infantil para surdos podem


dar pistas linguísticas de comportamento social e outras que
ajudam a aprimorar o ensino e atendimento para a comuni-
dade surda. Assim sendo, a Literatura Surda e a Cultura Surda
são objetos de pesquisa interessantes, visto que a Libras, até
o advento do Youtube, não tinha uma circulação em massa,
até mesmo porque a escrita de sinais é muito recente em li-
vros impressos, já que os registro das produções culturais são
em filmagens, na maioria das vezes. Desse modo, a literatura
produzida e/ou consumida pela comunidade surda veio sendo
investigada na busca de se conhecer mais o sujeito e a comu-
nidade surda.

É a língua, como sistema de signos, que permite a inte-


ração entre indivíduos e o partilhar de uma mesma cul-
tura. É também pela linguagem e na linguagem que os
188   Libras

conhecimentos são construídos, pois, ao partilharem um


sistema de signos constitutivos de uma língua, estes su-
jeitos podem, além de desenvolverem uma compreensão
mútua, colocar em circulação os múltiplos sentidos pre-
sentes na linguagem, configurando, assim, a polissemia
constitutiva desta. É também pela linguagem que as ca-
tegorias conceituais podem ser construídas, organizando
suas experiências, numa atividade mediadora entre os
sujeitos e os objetos do conhecimento. (LACERDA; LODI,
2009, p. 13)

Dissociar a língua da cultura é inviável, já que as relações


entre essas são intrínsecas, que geram novas experiências, e
possibilitam que o pesquisador possa olhar para a comuni-
dade e perceber que existem outras indagações. A Libras, por
ser uma língua viva e dinâmica, podemos perceber que possui
características das línguas orais. Uma dessas características é
a variação linguística regional, que deve sempre ser considera-
da, já que como dito anteriormente no texto, o Youtube iniciou
há pouco tempo, e esta ferramenta tem sido uma forma de as
variedades serem conhecidas por todos.

A variável, variação linguística, deve estar atrelada em to-


das as pesquisas, para que, dessa forma, os resultados pos-
sam estar mais próximos da realidade do contexto real de uso.
O que busco ilustrar, que devemos considerar, por exemplo,
em um instrumento de avaliação linguística, é que a resposta
de um grupo para outro pode ser influenciada pelo estímulo
realizado em Língua de Sinais, tendo a Libras uma variação de
sinais tanto pelo fator idade, como pela questão de localidade.
Capítulo 10    Língua de Sinais: Estudos Interdisciplinares    189

Outra questão importante é a Iconicidade da Libras, que


sempre vem sendo debatida, ocasionando discussões interes-
santes, e vem sendo investigada por diversos estudos (WIL-
COX, 2005; TOMASZEWSKI, 2006; PAGY, 2012; COSTA,
2012) que sugerem que um sinal icônico é aquele que de-
monstra uma similaridade entre a forma linguística e a coisa/
conceito representada por ele. Para Costa (2012), os sinais
com grau maior de iconicidade podem se transformar em si-
nais mais arbitrários com o passar do tempo, seja por questões
de influência linguística ou social, considerando que a língua
se transforma a partir de convenções de uso.

O estudo de Karnopp e Quadros (2004) apresenta os es-


tudos de Jordan e Battison (1976), que concluíram após pes-
quisa com surdos monolíngues de sete países que a língua de
sinais não possui transparência e inteligibilidade, já que, em
uma língua de sinais, um determinado sinal é altamente icôni-
co, mas em outra não possui iconicidade nenhuma. A arbitra-
riedade é convencional, pois quando um grupo seleciona um
traço como uma característica do sinal, outro grupo pode se-
lecionar outro traço para identificá-lo (KARNOPP; QUADROS,
2004, p. 32).

A pesquisa desenvolvida por Bosworth e Emmorey (2010)


sobre a iconicidade, envolvendo usuários de Língua de Sinais
Americana (ASL- American Sign Language), não revelou vanta-
gens em termos de acurácia na tradução dos sinais icônicos na
tarefa de reconhecimento de tradução. Esse resultado nos leva
a crer que o sinal icônico não é uma característica da Língua
de Sinais que tende a facilitar o reconhecimento do léxico no
ato tradutório; por conseguinte, podemos afirmar até o mo-
190   Libras

mento que a Iconicidade não é um fator que ajude o usuário


de Libras a aprender de forma mais rápida ou de identificar os
sinais pelo grau de Iconicidade.

2 Pesquisas em aquisição da linguagem

Na perspectiva de aprofundar o campo da aquisição da lin-


guagem, Goldfeld (2002) realiza um essencial apanhado de
conceitos indispensáveis para a compreensão sobre a aqui-
sição de Libras pela criança surda, corroborando diferentes
áreas, principalmente a educação de surdos.

O desenvolvimento da criança passa sempre por duas


etapas: primeiro em nível interpsíquico, para depois ser
internalizado e vivido intrapsiquicamente. Estas pressu-
posições são fundamentais para garantir uma visão mais
ampla e cientifica a respeito da criança surda. Esta visão
provoca uma reflexão mais profunda sobre as dificulda-
des da criança surda, pois a cultura, a linguagem e o
diálogo são fatores essenciais para o desenvolvimento
infantil. (GOLDFELD, 2002, p. 16)

Apropriar-se do processo de aquisição da linguagem por


crianças e adultos surdos é um diferencial para poder qualificar,
por exemplo, a educação de surdos. Nessa direção de capa-
citar os processos de ensino, Quadros e Cruz (2011) elabo-
raram um instrumento de avaliação de Língua de Sinais (IALS)
com objetivo de contribuir para a investigação sobre o processo
de aquisição de linguagem, auxiliando profissionais da área a
Capítulo 10    Língua de Sinais: Estudos Interdisciplinares    191

identificar o nível de desenvolvimento da linguagem (compreen-


siva e expressiva) nos participantes surdos (2011, p. 14).

Trata-se de um instrumento formal de avaliação da lin-


guagem que pode e deve ser complementado por avalia-
ção informal, o que possibilitará ao profissional a obten-
ção de mais informações sobre o processo de aquisição
da linguagem e sobre o nível de desenvolvimento lin-
guístico do sujeito. A informação informal permite a ob-
servação do comportamento linguístico dos sujeitos em
diferentes contextos linguísticos e em situações de intera-
ção natural com diferentes interlocutores. (QUADROS;
CRUZ, 2011, p. 10)

Quando o processo de aquisição da linguagem é desco-


berto, identificando as etapas de aquisição, a possibilidade
de poder criar instrumentos de avaliação linguística existe. O
mesmo poderá fornecer informações que poderá auxiliar o su-
jeito investigado. Esse auxílio será no sentido de poder dar
suporte linguístico específico que o sujeito bilíngue necessita.

Além das coletas longitudinais, os estudos de aquisição


da linguagem têm desenvolvido, também, a adoção de
procedimentos metodológicos mais controlados, como
a técnica de produção eliciada de dados – quando, por
exemplo, a criança é solicitada a repetir uma frase dita
pelo pesquisador -, tarefas que envolvem julgamentos
de gramaticalidade e de identificação e/ou manipulação
de imagens ou objetos a partir de frases proferidas pelo
pesquisador. Através do emprego de técnicas experimen-
tais controladas, o investigador tem condições de criar
192   Libras

contextos linguísticos que possibilitam verificar o nível de


compreensão de certas estruturas linguísticas pela criança,
bem como provocar a produção de estruturas especificas
que estão no estudo. (FINGER; QUADROS, 2008, p. 10)

Portanto, as pesquisas em aquisição de linguagem ganha-


ram uma dimensão diferente a partir das novas metodologias
de coleta de dados, já que a manipulação do objeto (língua) é
controlada, mas sempre mantendo o contexto. Pesquisar nessa
área não é tarefa simples, visto que montar um instrumento
de investigação linguística exige controlar diferentes variáveis,
manipulando, por exemplo, vocabulário na primeira e segun-
da língua, forma de registro da língua e, principalmente, man-
ter um protocolo bilíngue.

3 Pesquisas na educação bilíngue

A comunidade surda compartilha de um artefato cultural que


é a Língua de Sinais, e esse artefato precisa ser sempre inves-
tigado, mas o cenário onde acontece a educação de surdos
carece de investigações contínuas. O tema educação bilíngue
é extremamente amplo e possui desdobramentos diversos. Em
concordância com Garcia e Woodley (2015), entretanto, en-
fatizo que a educação bilíngue e multilíngue continuará sendo
um desafio, pois os sistemas educacionais devem refletir so-
bre os processos de ensino bilíngue, sem priorizar somente a
língua majoritária, mas compreendendo que vivemos em um
país multilíngue e que demanda práticas de ensino dinâmicas
e abrangentes.
Capítulo 10    Língua de Sinais: Estudos Interdisciplinares    193

Esse entendimento sobre como proceder uma educação bi-


língue está relacionado diretamente ou indiretamente à com-
preensão do conceito utilizado no ensino bilíngue. Segundo
Cummins (2007), quando duas línguas estão em uso de forma
isolada na escola, essa situação é nomeada de “as duas so-
lidões”. Altenhofen (2002) destaca que “a partir de pesquisas
de aquisição de linguagem, existe uma tendência de que as
crianças adquiram a língua essencialmente de outras crianças,
ou de seus pares de mesma idade” (ALTENHOFEN, 2002, p.
148). Com esse argumento, podemos pensar na importância
da educação bilíngue e da escola bilíngue, na importância da
oportunidade de o estudante compartilhar suas línguas com
pares, de ter acesso através de seu professor aos conteúdos
nas duas línguas e d poder estudar sua língua minoritária na
escola.

Nesse sentido, o embate não deve ser relacionado à qual


escola, se na inclusiva ou na bilíngue, mas sim que deve ocor-
rer a educação de surdos. A meu ver, os espaços devem prio-
rizar a educação bilíngue, reconhecendo suas necessidades e
peculiaridades.

A utilização de uma mesma língua entre sujeitos é essen-


cial, pois é por meio dela que o sujeito apropria-se dos
conhecimentos que são conduzidos ao plano intrapesso-
al (operação interna), para, assim, orientar e controlar
seu próprio comportamento. Ao internalizar os conheci-
mentos que foram significados pelo outro, produz em si
uma reconstrução interna de uma operação externa (in-
terpessoal) propiciada pela linguagem. (FERREIRA; ZAM-
PIERI, 2009, p. 99)
194   Libras

Parece não existir um consenso sobre o conceito de bilin-


guismo escolar, o que corrobora o trabalho de Garcia (2010)
e das autoras Campos e Santos (2013). Pensar no que é bilin-
guismo reporta a diferentes conceitos. As definições podem ser
como a de Grosjean (1989), que conceitua bilinguismo como
um contínuo, desde a não consciência da existência de outras
línguas até uma fluência completa em duas línguas. Ou de
Cook (2002), que defende que ser bilíngue é ter um sistema
linguístico de maior complexidade, podendo utilizar as línguas
com finalidades distintas e, dessa forma, desenvolver as habili-
dades e capacidades conforme suas necessidades. Já Fishman
(1972) e Chin e Wigglesworth (2007) argumentam que os bi-
língues possuem domínios de uso, dependendo do contexto
em que estão inseridos. Cabe à escola de surdos refletir e ob-
ter um consenso sobre qual conceito de bilinguismo adotar,
para que as práticas comunicativas em sala de aula estejam
plenamente de acordo com a filosofia educacional adotada.

Diante da complexidade de compreender a educação bi-


língue, pode-se conhecer mais sobre uma ferramenta que a
escola inclusiva tem adotado para inserir o aluno surdo na es-
cola regular, que é o TILS (Tradutor/Intérprete de Libras). Qual
seria o impacto da educação intermediada por um TILS? Qual
o processo de ensino aprendizagem que melhor se adapta a
uma sala onde existam alunos que usam línguas de modalida-
des distintas? Quais recursos didáticos devem ser empregados
em uma sala inclusiva?

São tantos os questionamentos que vou ilustrar com a pes-


quisa da professora Albres (2015), intitulada "Intérprete Educa-
cional – políticas e práticas em sala de aula inclusiva". A obra
Capítulo 10    Língua de Sinais: Estudos Interdisciplinares    195

compartilha reflexões sobre o serviço de interpretação educa-


cional na atual perspectiva de educação inclusiva de alunos
surdos, relatando a complexidade das relações interpessoais
entre professor, aluno e TILS. A possibilidade de estabelecer
uma reflexão acerca desse tema pode auxiliar, por exemplo,
em determinar os papéis dos atores no cenário da educação
de surdos, como formação inicial e continuada dos profissio-
nais, ações relacionadas para com a organização da profissão
de TILS, entre outras providências que podem ser elencadas a
partir das pesquisas.

Para atender à política inclusiva, o intérprete educacio-


nal é o profissional que trabalhará na mediação da co-
municação entre o aluno surdo e o contexto educativo.
Trabalho em prol do acesso ao ensino, auxiliando para
a adequação das condições pedagógicas para o desen-
volvimento da aprendizagem do aluno surdo. (ALBRES,
2015, p. 14)

Podemos verificar que o Intérprete de Libras fica como


objeto central, no qual se investiga o papel deste dentro do
espaço escolar inclusivo, tendo uma discussão que é sempre
recorrente: a ética. Essa discussão permeia os estudos sobre a
interpretação de Libras, já que o TILS é um sujeito em contato
direto com o aluno surdo no espaço escolar, ou mesmo fora
desse local, o TILS vivencia momentos únicos de seu clien-
te surdo, gerando, assim, uma preocupação sobre o sigilo e,
principalmente, a imparcialidade.
196   Libras

Conclusão
O presente estudo teve como objetivo geral demonstrar um
panorama de pesquisas na área de educação de surdos, de-
monstrando a necessidade de continuidade das pesquisas.
Principalmente, buscarmos nelas as informações para dar su-
porte às práticas educacionais. Conhecer mais sobre a Libras
– Língua Brasileira de Sinais e a educação bilíngue para sur-
dos é substancial para uma análise de diferentes variáveis que
podem ser o diferencial para compreender o universo bilíngue
bimodal.

Os atuais estudos da educação de surdos podem ser ex-


pandidos por ser um assunto instigante e necessário para atu-
alidade das discussões na perspectiva da educação inclusiva
e/ou da educação bilíngue. Espero que os futuros cursos de
formação de docentes, de intérpretes e de outros profissionais
façam gozo de mais informações produzidas a partir de pes-
quisas das diferentes áreas.

Recapitulando

Na educação de surdos, as pesquisas giram em torno de al-


guns conceitos necessários como o de bilíngue e bilinguismo,
já que conhecer as questões bilíngues corroboram o processo
de educação de surdos, que é pautada na educação e ensino
bilíngue. No entanto, as pesquisas também dão suporte para
que a Libras tenha uma aceitação. Mesmo com tantas pes-
quisas, ainda a Libras é vista com um status inferior às demais
línguas orais, já que para muitos é uma língua para surdos.
Capítulo 10    Língua de Sinais: Estudos Interdisciplinares    197

Para essa aceitação acontecer, as Línguas de Sinais estão sen-


do constantemente pesquisadas em diferentes níveis de sua
estrutura gramatical ou em outras dimensões, como na área
da psicolinguística, que investiga o processamento da lingua-
gem, ou nos estudos da tradução, para dimensionar o papel
da Libras nos processos educacionais inclusivos.

Referências

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Leite. Petropólis/RJ: Arara Azul, 2005.

Atividades

1) Qual a importância de estudar o processo de aquisição da


linguagem?

2) Existe possibilidade de pesquisar língua e cultura de forma


separada?

3) O que é um sinal icônico?

4) Qual variável deve ser observada em todas as pesquisas


que envolvem a Língua de Sinais?

5) Escreva sua opinião sobre o motivo de a Libras ter um status


negativo.
200  Gabaritos

Gabaritos

Capítulo 1
1) a  2) c  3) d  4) b  5) c

Capítulo 2
1) b  2) a  3) c  4) d  5) a

Capítulo 3
1) a  2) c  3) d  4) a  5) b

Capítulo 4
1) Percebe-se que o entendimento de educação bilíngue é
diferente para MEC e movimento surdo, pois enquanto
um compreende a surdez pelo viés da educação espe-
cial, o outro a compreende como uma diferença inseri-
da no âmbito da cultura.

2) Considerar as reivindicações e a carta denúncia da FE-


NEIS para a elaboração da resposta.

3) Resposta que depende da realidade de seu município.


Boa pesquisa!

4) Averigue como é a organização de estrutura funcional,


como por exemplo, se existe sala de AEE, intérprete de
Libras, professores com formação em Libras e outros da-
Gabaritos  201

dos que julgue necessário. Cada munícipio apresentará


informações diferentes conforme organização própria.

5) Aproveite para fazer relação entre prática e teoria, lem-


brando que as realidades são diversas.

Capítulo 5
1) c  2) c  3) a  4) e

5) Sua proposta deverá ter considerado o uso da Libras


como primeira língua, a Língua Portuguesa na moda-
lidade escrita como segunda língua. E, no caso de ser
uma escola inclusiva, deve constar o Intérprete de Libras,
além de adaptação de materiais pedagógicos e outros
possíveis itens.

Capítulo 6
1) Considerar na resposta todas as indicações de uso visual,
uso de Libras e qualidade de estímulo linguístico.

2) Considerar o ponto dois do capítulo para formular sua


resposta.

3) 
A resposta deve conter como delimitador o professor
como responsável do ensino-aprendizagem e o Tradutor/
Intérprete de Libras o responsável pela intermediação da
comunicação.
202  Gabaritos

4) Resposta que depende de sua realidade; caso não atue


com educação, faça um exercício de reflexão de como
seria esse processo a partir das leituras.

5) Para apoiar seu planejamento, acesse o livro do MEC –


Libras em Contexto, que contém sugestões de temas e
estruturas de aulas.

Capítulo 7
1) Reflexão da história pessoal, considerando que, na expe-
riência de um surdo, a Língua Portuguesa na modalida-
de escrita é a segunda língua.

2) c  3) d  4) c  5) e

Capítulo 8
1) Eles nos permitem conhecer a estrutura e funcionamento
dos sinais, o que pode contribuir para a aprendizagem e
a melhora na produção da Libras.

2) As línguas de sinais não são universais, a neutralidade


não corresponde à realidade da língua.

3) É importante respeitar a comunidade surda, dar o retor-


no de pesquisa, saber Libras antes de fazer a pesquisa
ou ter uma intérprete qualificada para auxiliar, além de
ter a ajuda de líderes surdos.

4) O intérprete não é neutro na comunicação interpretada,


mas deve suavizar o efeito de sua participação.
Gabaritos  203

5) O estudo da literatura surda nos mostra que ela evi-


dencia a identidade surda. As questões de comunicação
dos surdos, bem como o desenvolvimento da identidade
surda, são tópicos frequentes na literatura surda.

Capítulo 9
1) a  2) e  3) c  4) d  5) d

Capítulo 10
1) Apropriar-se do processo de aquisição da linguagem
por crianças e adultos surdos é um diferencial para po-
der qualificar, por exemplo, a educação de surdos.

2) Dissociar a língua da cultura é inviável, já que as relações


entre essas são intrínsecas, gerando novas experiências,
possibilitando que o pesquisador possa olhar para a co-
munidade e perceber que existem outras indagações.

3) Um sinal icônico é aquele que demonstra uma similari-


dade entre a forma linguística e a coisa/conceito repre-
sentada por ele.

4) A variável, variação linguística, deve estar atrelada a


todas as pesquisas para que, dessa forma, os resultados
possam estar mais próximos da realidade do contexto
real de uso.

5) O status da Libras é influenciado pela forma como as


pessoas percebem a surdez, dando uma conotação ne-
gativa pelo fato de o sujeito não ouvir.

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