Poema - A Roda Da Lua Cheia - Lucas Teixeira

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A RODA DA LUA CHEIA

Capoeira!
Deu bobeira?
Rasteira...
Hai! Cai, caiu e nem viu.
(Mestre Vagalume)

Vagalume, o mestre, ilumina


Ouça voz a cantar assim a sina
Tem nas mãos berimbau de pau e corda
Tch tch tom tocadores tomam forma
Porongo gunga manda belo som
Violinha afina bem o tom
Pedrinha ou vintém faz de dobrão
Baqueta faz tchim tom tchim no cordão
Caxixi sacudindo o chiado
Pr’entrar na roda tem que ter gingado
Cabaça, arame e verga de bom pau
Quem joga o jogo segue o berimbau
Vagalume, o mestre, ilumina
Ouça voz a cantar a sina assim

Eu não sou capitalista


Nunca vi cor de dinheiro
Como pode um papel
Controlar o mundo inteiro
Também não sou comunista
Desconfio do Estado
Até hoje eu carrego
Chagas dos grilhões passados
É por isso que eu canto
Não posso ficar calado
Uns me chamam de anarquista
Tanto “ista”, nem sei mais
Olha, eu sou capoeira
Luto contra o capataz
Que vai fazer, camará
Iê, que vai fazer, camará
Iê paga pra ver
Iê, paga pra ver, camará
Iê, aquinderreis
Iê aquinderreis, camará
Iê a malandragem
Iê, a malandragem, camará.
Iê que vais fazer?
Iê, que vai fazer, camará.
Iê deus de papel
Iê, deus de papel, camará
Berimbau chama o coro, atenção
O axé pediu jogo de irmão
Valentão trocou pé pela mão
Nem pediu pra jogar, pronto pr’ação
E então intimou a Catarina
Só acaba o jogo se termina
Anda logo, menina, sai do mato
E vá ver Idalina, deu um salto
Virou iúna, pediu por proteção
Um clarão do luar, confirmação
Vamos ver pangaré baixar a crina
Ele nunca nem viu a Catarina
Guaiamu, Água no fogo, sinhá
Gunga deu sinal, moço vai cantar

Eu nasci de 7 meses
É a história da minha vida
Na minha casa a gente era em 13
Sempre faltava comida
Quando a mãe punhava a mesa
Começava o entrevêro
Sempre que a farinha é pouca
A gente quer seu pirão primeiro
Farinha é pouca!
Meu pirão primeiro
Oh, Farinha é pouca!
Meu pirão primeiro
Quem vai ser contra?!
Meu pirão primeiro

Escreveu e não leu, o pau comeu


Catarina, a Iúna, respondeu
Agachou-se no pé do berimbau
Mandigueira, olhou pro coiso e tal
Lua cheia brilhava no horizonte
Roda de Capoeira, não tem quem conte
Eu te juro que eu estava lá
Eu vi tudo de perto, vou lhe contar
Plá plá plá ecoavam palmas nuas
Fervilhava o sangue que circula
Catarina estalou língua na boca
A navalha que rasga mente oca
Repetiu o corrido do pirão
Com a chula nervosa fez canção

Ele nasceu de 7 meses


Essa é a história da sua vida
Na sua casa eram tudo 13
Matavam até por comida
Quem chorar pelo burrego
Não vai pastar nem recheio
Cabra que berra, bocada que erra
Ouça-me bem, companheiro
Sempre que a farinha é pouca
A gente quer seu pirão primeiro
Oh, farinha é pouca!
Meu pirão primeiro
Eu boto contra!
Meu pirão primeiro
Não dormi de toca
Meu pirão primeiro
Oh, Farinha é pouca
Meu pirão primeiro

Vagalume tocava berimbau


E mantinha a gira como tal
Deveria na roda se manter
Trabalhou pr’o axé permanecer
A menina saiu, foi num rolê
O marmanjo tentou pagar pra ver
Esquivou e pensou “não tem dendê”
Encostou a mão boba na guria
Quando uma risada se ouvia
Foi porquê o danado não queria
Dar o beijo no chão, pós-arrastão
Mas depois da rasteira ele tenta
Puxar ar, regular a sua lenta,
Descansar e cantar provocação:

Não mexe comigo, moça, que eu não mexo com ninguém


Tu não sabe o quanto custa pra ganhar o meu vintém
Nunca pise nos meus calos que longa data já tem
Não mexe comigo, moça, que eu não mexo com ninguém
Não mexe comigo, moça, que eu não mexo com ninguém
Se coloque em meus sapatos pra saber como eles vem
Eu não plantei camélia no jardim que você tem
Não mexe comigo, moça, que eu não mexo com ninguém
Não mexe comigo, moça, que eu não mexo com ninguém

A menina, a iúna, preparada


Sua boca não vai ficar calada
Com os olhos ardendo fogo, brasa
Desaforo não leva para casa
Catarina então não se conteve
Respondeu ao chuleio como deve
Tinha nem chance pra um valentão
Sua voz tomou conta da canção
O rapaz deu-se conta da encrenca
Ao ouvir uma voz que arrebenta
Improviso de versos sem parar
Cantaria até o sol raiar
Se não fosse, assim, o fim da noite
A patrulha chegando com açoite

Não mexe comigo moço que eu não mexo com ninguém


Teu vintém não vale nada, não compra nem xerém
O senhor pise mansinho, ou dói os calos do neném
Não mexe comigo moço que eu não mexo com ninguém
Não mexe comigo moço que eu não mexo com ninguém
O prego no meu chinelo fala muito sobre quem
Relaxe esse seu ego, não me olhe com desdém
Não mexe comigo moço que eu não mexo com ninguém
Não mexe comigo moço que eu não mexo com ninguém

Não mexa comigo moço, quando eu falo, eu falo sério


Irritada sou terror, pergunte em qualquer ministério
O meu tapa é hospital, o meu chute é cemitério
Não mexa comigo moço, quando eu falo, eu falo sério
Não mexa com ela moço, quando fala, fala sério
Não fica em pé quem me pisa, ajo sem nenhum critério
Em político safado já dei muito revertério
Não mexa comigo moço, quando eu falo, eu falo sério
Não mexa com ela moço, quando fala, fala sério
Eu te rogo uma praga, eu conheço os mistério
Professo poesia pra poeta ficar ébrio
Não mexa comigo moço, quando eu falo, eu falo sério
Não mexa com ela moço, quando fala, fala sério

Não mexa comigo moço, que eu sou ponta de agulha


Quem mexer comigo moço, vai parar na sepultura
Você pode botar contra, não me mixo pra um pulha
Não mexa comigo moço, que eu sou ponta de agulha
Não mexa com ela moço, que ela é ponta de agulha
Se chegar mais perto eu corto, a navalha te debulha
Meu sangue é tão quente que às vezes borbulha
Não mexa comigo moço, que eu sou ponta de agulha
Não mexa com ela moço, que ela é ponta de agulha
Tu não vem dar o ar da graça aqui na minha tertúlia
Eu te jogo uma praga e teu estômago embrulha
Não mexa comigo moço, que eu sou ponta de agulha
Eu já vou indo me embora, pois lá vem a patrulha

É hora grande, a maré já deu passagem


Vamo embora, olha, vamo embora, adeus, adeus
Boa viagem.

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