Dilatacao Termica Uma Abordagem Matematica em Fisi

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Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, vol.

38, nº 1, 1701 (2016) Notas e Discussões


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DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1806-11173812101 Licença Creative Commons

Dilatação térmica: Uma abordagem matemática


em fı́sica básica universitária
Thermal expansion: A mathematical approach in basic university physics

Paulo Machado Mors∗


Instituto de Fı́sica, Campus do Vale, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil

Recebido em 22 de agosto de 2015. Aceito em 30 de setembro de 2015

Comenta-se sobre a oportunidade que o tema da dilatação térmica nos oferece para ressaltar as
consequências de aproximações matemáticas no tratamento de um sistema fı́sico simples.
Palavras-chave: dilatação térmica, ensino superior, aproximações matemáticas.

It is shown that teaching thermal expansion is a good opportunity to stress the consequences of
mathematical approximations when studying a simple physical system.
Keywords: thermal expansion, college teaching, mathematical approximations.

1. Dilatação térmica: Um comentário ma- se nela é feito um furo circular, depois de aquecida
temático a lâmina, o furo terá aumentado ou diminuı́do?
Nosso tratamento, aqui, será macroscópico; ou
No nı́vel médio de ensino o tema da dilatação térmica seja, a visão microscópica das interações moleculares
é tratado, geralmente, restringindo-se ao que é apre- não é, de momento, nosso foco.
sentado nos livros-texto [1, 2]. Para o aluno, o as- A solução imediata é apresentada argumentando-
sunto não costuma apresentar maiores dificuldades, se que, se o disco metálico retirado ao se perfurar
já que o que lhe é exigido raramente ultrapassa a a lâmina sofrer, separadamente, a mesma variação
simples substituição de valores em fórmulas previ- de temperatura que a submetida à lâmina, então se
amente apresentadas. No nı́vel superior de ensino, pode concluir que o disco deverá continuar se encai-
textos de fı́sica universitária, tanto os tradicionais xando perfeitamente no furo, ou seja, terá sofrido a
manuais estrangeiros quanto os de autores brasilei- mesma expansão que teria sofrido se nunca tivesse
ros mais consultados, também não levam o assunto de lá sido retirado (isto é, se o furo não tivesse sido
muito mais adiante [3-5]. feito). Logo, se a lâmina se expande, então o furo
Trazemos, aqui, uma sugestão de tratamento da também aumenta.
dilatação térmica que pode servir de motivação Levando adiante a discussão, o professor pode
para discussões mais instigantes, relacionando um sugerir aos alunos que calculem o quanto o furo
fenômeno fı́sico com seu tratamento matemático teve sua área aumentada, em função da variação
usual. da temperatura. Como a área do furo é a mesma
A discussão pode começar com a colocação de do disco metálico de lá retirado, quando promovida
um problema clássico, logo depois de apresentados a mesma variação de temperatura, então trata-se
os primeiros conceitos sobre dilatação de sólidos simplesmente de calcular o aumento da superfı́cie
e lı́quidos. O problema é a tradicional pergunta, do disco. Chamemos de α o coeficiente de dilatação
encontrada em todos (ou quase todos) os manuais linear1 do material de que é feita a lâmina. Se o
de fı́sica térmica básica: dada uma lâmina metálica, diâmetro do disco, originalmente, era d 0 , então,
1
Deve-se ter o cuidado de chamar a atenção para o fato de que

Endereço de correspondência: [email protected]. a expressão coeficiente de dilatação linear refere-se à dilatação

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1701-2 Dilatação térmica: Uma abordagem matemática em fı́sica básica universitária

após a variação positiva de temperatura ∆θ, o novo não se dá a devida importância ao fato de que as ex-
diâmetro do disco, d, será pressões (1) e (5) são aproximações, onde termos de
ordem superior estão sendo desprezados. Realmente,
d = d0 (1 + α∆θ), (1)
(1 + α ∆θ)2 ≈ (1 + 2α∆θ), (6)
onde estamos trabalhando em região de temperatu-
ras em que, supostamente, o coeficiente de dilatação se α ∆θ  1. Este é sempre o caso, o que torna
é mantido constante. a questão, na prática, irrelevante. Gaspar [2], Nus-
Assim, a área S do disco circular, após a expansão, senzveig [4] e Chaves [5] chamam a atenção para o
valerá fato, quando desprezam termos de ordem superior,
mas sem se estenderem em maiores considerações.
d π Isto tem sua importância, se atentarmos para o fato
S = π( )2 = d20 (1 + α∆θ)2 , (2)
2 4 de que nosso propósito, ao ensinar fı́sica no inı́cio
ou seja, (1 + α∆θ)2 vezes a área inicial, S0 = π4 d20 : do curso universitário, não é apenas o de fornecer
“fórmulas que funcionam na prática”. Deixar que os
S = S0 (1 + α ∆θ)2 . (3) alunos ocupem um tempo discutindo, entre si, qual
dos dois resultados é o “melhor”, pode ensejar uma
O aluno pode, também, escrever a expressão para rica interação entre eles. Minha experiência é a de
a nova área do disco diretamente a partir da relação que, com muita frequência, dessa discussão acaba
de dependência do acréscimo de superfı́cie com a saindo a “solução” do falso paradoxo, quando os alu-
variação da temperatura, já que lhe é ensinado que, nos concluem que a Eq. (6) é justificada, lembrando
em analogia com a Eq. (1), a expansão superficial é o binômio de Newton e sua expansão, e as apro-
regida por uma constante de dilatação superficial β ximações daı́ decorrentes quando o segundo termo é
tal que muito menor do que a unidade.
A partir daı́ podemos continuar, apresentando a
∆S = S − S0 = β S0 ∆θ . (4) definição do coeficiente α como sendo
Se estamos trabalhando com um sólido isotrópico,
1 d`
temos então que seu comportamento frente a uma α= , (7)
` dθ
variação de temperatura é o mesmo ao longo de
a variação relativa do comprimento ` com a tem-
qualquer direção escolhida. Adotando o par ortogo-
peratura. O quanto esse coeficiente é, realmente,
nal x - y de eixos coordenados no plano da lâmina
constante, já é tema de outra discussão. Aqui, es-
concluı́mos, então, que o coeficiente de dilatação
tamos considerando constante o coeficiente, o que
linear ao longo da direção x é o mesmo coeficiente
pode ser válido em faixas relativamente pequenas
de dilatação linear ao longo do eixo y. Logo, β = 2α
de temperatura.
na suposição de um material isotrópico2 :
Podemos voltar à Eq. (6), chamando a atenção
para o fato de que, no limite α∆θ → 0, os dois lados
S = S0 (1 + 2α ∆θ). (5)
dessa equação são, efetivamente, iguais
Aqui, fica evidente um falso paradoxo, na com-
paração entre as Eqs. (3) e (5), cujo surgimento o
professor pode forçar, ao induzir os alunos a segui- lim (1 + α ∆θ)2 =
α∆θ→0
rem os dois caminhos de determinação da superfı́cie lim [1 + 2α ∆θ + α2 (∆θ)2 ] = (1 + 2α ∆θ).
do disco dilatado. O falso paradoxo se cria quando α∆θ→0

ao longo de uma direção espacial, não tendo nenhuma relação


Podemos estender a análise, escrevendo a Eq. (7)
com o caráter linear de qualquer expressão. como d` = α ` dθ. Integrando:
2
Essa relação é demonstrável lembrando que, analogamente
à definição (7), apresentada logo adiante, para o coeficiente Z f Z f Z f
de dilatação linear, tem-se a definição β = S1 dS

para o coefi- d` = α ` dθ ⇒ ∆` = α ` dθ, (8)
ciente de dilatação superficial. Se tomamos um retângulo i i i
d(`x `y )
do material de lados `x e `y , então β = `x1`y dθ = onde i e f referem-se ao inı́cio e ao final do processo
h i
1 d`y d`x 1 d`y 1 d`x
`x `y
`x dθ
+ dθ y
` = `y dθ
+ `x dθ
= αx + αy = 2α, de aquecimento, respectivamente. Este resultado
já que, por isotropia, αx = αy = α. pode ser escrito como

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isto é, a derivada de uma função de várias variáveis


∆` = α ` ∆θ, (9) em relação a uma dessas variáveis. Para funções
de uma variável, f(x), por exemplo, a derivação é
com ` representando o valor médio (em tempera-
denotada por df /dx. No caso de uma função de
tura) do comprimento ` durante o processo. Lem-
várias variáveis, seja f(x,y), denota-se a derivada
bremos que ∆` = `f − `i e que ∆θ = θf − θi . Assim,
parcial de f em relação a x, por exemplo, por ∂f /∂x.
se adotamos como aproximação a substituição de `
Os ı́ndices p,N junto ao operador indicam que, para
por `i , então obtemos a expressão usual
a medida do coeficiente de dilatação, mede-se a
variação do volume com a temperatura, mantendo-
`f = `i (1 + α∆θ), (10)
se constantes as demais variáveis.
que foi utilizada para escrever a Eq. (1). A Eq. (10) Outro tópico relacionado é a dilatação térmica da
é uma linearização da Eq. (9), muito conveniente e água que, contrariamente aos casos em que a linea-
justificável, dados os valores com que normalmente rização é uma boa aproximação, com coeficientes de
trabalhamos. Portanto, não há por que evitar a dilatação positivos – perfis lineares de volume versus
menção clara do caminho adotado. Esta certamente temperatura com inclinação constante -, apresenta
é uma boa oportunidade de se falar em aproximações um comportamento anômalo entre as temperaturas
e seus limites de validade. de 0 e 4 graus Celsius. Nesta faixa de temperaturas,
Se a turma de universitários estiver suficiente- na transição da estrutura cristalina do gelo para
mente motivada, pode-se comentar que a Eq. (7) é a fase lı́quida sem estrutura cristalina definida, a
uma equação diferencial, como muitas que eles en- curva volume versus temperatura decai, e, portanto,
contrarão estudando fı́sica, esta de facı́lima solução. tem-se aı́ uma região de coeficiente de dilatação
O professor pode mostrar, por substituição, que volumétrica não constante e negativo.
a solução real mais geral para a Eq. (7) é uma Livros didáticos de fı́sica térmica apresentam tabe-
exponencial, las de valores numéricos de coeficientes de expansão
térmica. Nessas, pode-se observar que os lı́quidos
`(θ) = `0 eα(θ−θ0 ) , (11) apresentam coeficientes de expansão da ordem de
cem vezes maiores que os dos sólidos. Ademais, fato
com θ = θf , θ0 = θi , `0 sendo o comprimento ini-
muito importante no estudo dos gases, estes pos-
cial `(θ0 ). Lembrando aos alunos a expansão da
suem coeficientes muito próximos uns dos outros.
exponencial em série de potências,
Valores de coeficientes de expansão podem ser encon-
x2 x3 trados na página eletrônica WebCalc – Calculadoras
ex = 1 + x + + + ..., (12) On-Line [6].
2! 3!
Procuramos, aqui, mostrar que um assunto sim-
a linearização da solução (11) é imediata: se α(θ − ples e muitas vezes subestimado em seu conteúdo,
θ0 ) = α∆θ  1 (o que costuma ser o caso), torna-se como é o caso do estudo da dilatação térmica, pode
válida a aproximação `(θ) = `0 (1 + α ∆θ), equiva- ensejar uma abordagem estimulante e esclarecedora
lente à Eq. (10). sobre aproximações, em fı́sica, e o papel da ma-
Resta-nos mencionar alguns tópicos que merecem, temática em seu tratamento.
a critério do professor, ser mencionados por ocasião O conteúdo deste trabalho foi enriquecido a partir
do tratamento acima exposto. Um tópico digno de de comentários feitos pelo árbitro, a quem o autor
nota é o tratamento da dilatação volumétrica de agradece.
fluidos isotrópicos, com uma definição análoga à Eq.
(7). Na termodinâmica, é usual definir-se, para um
gás, o coeficiente de dilatação
Referências
1 ∂V
 
γθ = . (13) (13) [1] A. Máximo e B. Alvarenga, Curso de Fı́sica (Scipi-
V ∂θ p,N
one, São Paulo, 2006), v. 2.
Na Eq. (13), V é o volume do gás, p é sua pressão [2] A. Gaspar, Fı́sica (Ática, São Paulo, 2003), v. 2.
e N é o número de moles constituindo uma amostra. [3] P.A. Tipler e G. Mosca, Fı́sica para Cientistas e
A medida da variação do volume com a temperatura, Engenheiros (LTC, Rio de Janeiro, 2009, 6. ed.),
aqui, é apresentada através de uma derivada parcial, v. 1.

DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1806-11173812101 Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, vol. 38, nº 1, 1701, 2016
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[4] H.M. Nussenzveig, Curso de Fı́sica Básica (Edgar


Blücher, São Paulo, 1983), v. 2.
[5] A. Chaves, Fı́sica (Reichmann & Affonso, Rio de
Janeiro, 2001), v. 4.
[6] http://www.webcalc.com.br/engenharia/
dilat_alfa.html e http://www.webcalc.com.
br/engenharia/dilat_gama.html, conforme
consultadas em 22 de setembro de 2015 em
http://www.webcalc.com.br/.

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