Dilatacao Termica Uma Abordagem Matematica em Fisi
Dilatacao Termica Uma Abordagem Matematica em Fisi
Dilatacao Termica Uma Abordagem Matematica em Fisi
Comenta-se sobre a oportunidade que o tema da dilatação térmica nos oferece para ressaltar as
consequências de aproximações matemáticas no tratamento de um sistema fı́sico simples.
Palavras-chave: dilatação térmica, ensino superior, aproximações matemáticas.
It is shown that teaching thermal expansion is a good opportunity to stress the consequences of
mathematical approximations when studying a simple physical system.
Keywords: thermal expansion, college teaching, mathematical approximations.
1. Dilatação térmica: Um comentário ma- se nela é feito um furo circular, depois de aquecida
temático a lâmina, o furo terá aumentado ou diminuı́do?
Nosso tratamento, aqui, será macroscópico; ou
No nı́vel médio de ensino o tema da dilatação térmica seja, a visão microscópica das interações moleculares
é tratado, geralmente, restringindo-se ao que é apre- não é, de momento, nosso foco.
sentado nos livros-texto [1, 2]. Para o aluno, o as- A solução imediata é apresentada argumentando-
sunto não costuma apresentar maiores dificuldades, se que, se o disco metálico retirado ao se perfurar
já que o que lhe é exigido raramente ultrapassa a a lâmina sofrer, separadamente, a mesma variação
simples substituição de valores em fórmulas previ- de temperatura que a submetida à lâmina, então se
amente apresentadas. No nı́vel superior de ensino, pode concluir que o disco deverá continuar se encai-
textos de fı́sica universitária, tanto os tradicionais xando perfeitamente no furo, ou seja, terá sofrido a
manuais estrangeiros quanto os de autores brasilei- mesma expansão que teria sofrido se nunca tivesse
ros mais consultados, também não levam o assunto de lá sido retirado (isto é, se o furo não tivesse sido
muito mais adiante [3-5]. feito). Logo, se a lâmina se expande, então o furo
Trazemos, aqui, uma sugestão de tratamento da também aumenta.
dilatação térmica que pode servir de motivação Levando adiante a discussão, o professor pode
para discussões mais instigantes, relacionando um sugerir aos alunos que calculem o quanto o furo
fenômeno fı́sico com seu tratamento matemático teve sua área aumentada, em função da variação
usual. da temperatura. Como a área do furo é a mesma
A discussão pode começar com a colocação de do disco metálico de lá retirado, quando promovida
um problema clássico, logo depois de apresentados a mesma variação de temperatura, então trata-se
os primeiros conceitos sobre dilatação de sólidos simplesmente de calcular o aumento da superfı́cie
e lı́quidos. O problema é a tradicional pergunta, do disco. Chamemos de α o coeficiente de dilatação
encontrada em todos (ou quase todos) os manuais linear1 do material de que é feita a lâmina. Se o
de fı́sica térmica básica: dada uma lâmina metálica, diâmetro do disco, originalmente, era d 0 , então,
1
Deve-se ter o cuidado de chamar a atenção para o fato de que
∗
Endereço de correspondência: [email protected]. a expressão coeficiente de dilatação linear refere-se à dilatação
após a variação positiva de temperatura ∆θ, o novo não se dá a devida importância ao fato de que as ex-
diâmetro do disco, d, será pressões (1) e (5) são aproximações, onde termos de
ordem superior estão sendo desprezados. Realmente,
d = d0 (1 + α∆θ), (1)
(1 + α ∆θ)2 ≈ (1 + 2α∆θ), (6)
onde estamos trabalhando em região de temperatu-
ras em que, supostamente, o coeficiente de dilatação se α ∆θ 1. Este é sempre o caso, o que torna
é mantido constante. a questão, na prática, irrelevante. Gaspar [2], Nus-
Assim, a área S do disco circular, após a expansão, senzveig [4] e Chaves [5] chamam a atenção para o
valerá fato, quando desprezam termos de ordem superior,
mas sem se estenderem em maiores considerações.
d π Isto tem sua importância, se atentarmos para o fato
S = π( )2 = d20 (1 + α∆θ)2 , (2)
2 4 de que nosso propósito, ao ensinar fı́sica no inı́cio
ou seja, (1 + α∆θ)2 vezes a área inicial, S0 = π4 d20 : do curso universitário, não é apenas o de fornecer
“fórmulas que funcionam na prática”. Deixar que os
S = S0 (1 + α ∆θ)2 . (3) alunos ocupem um tempo discutindo, entre si, qual
dos dois resultados é o “melhor”, pode ensejar uma
O aluno pode, também, escrever a expressão para rica interação entre eles. Minha experiência é a de
a nova área do disco diretamente a partir da relação que, com muita frequência, dessa discussão acaba
de dependência do acréscimo de superfı́cie com a saindo a “solução” do falso paradoxo, quando os alu-
variação da temperatura, já que lhe é ensinado que, nos concluem que a Eq. (6) é justificada, lembrando
em analogia com a Eq. (1), a expansão superficial é o binômio de Newton e sua expansão, e as apro-
regida por uma constante de dilatação superficial β ximações daı́ decorrentes quando o segundo termo é
tal que muito menor do que a unidade.
A partir daı́ podemos continuar, apresentando a
∆S = S − S0 = β S0 ∆θ . (4) definição do coeficiente α como sendo
Se estamos trabalhando com um sólido isotrópico,
1 d`
temos então que seu comportamento frente a uma α= , (7)
` dθ
variação de temperatura é o mesmo ao longo de
a variação relativa do comprimento ` com a tem-
qualquer direção escolhida. Adotando o par ortogo-
peratura. O quanto esse coeficiente é, realmente,
nal x - y de eixos coordenados no plano da lâmina
constante, já é tema de outra discussão. Aqui, es-
concluı́mos, então, que o coeficiente de dilatação
tamos considerando constante o coeficiente, o que
linear ao longo da direção x é o mesmo coeficiente
pode ser válido em faixas relativamente pequenas
de dilatação linear ao longo do eixo y. Logo, β = 2α
de temperatura.
na suposição de um material isotrópico2 :
Podemos voltar à Eq. (6), chamando a atenção
para o fato de que, no limite α∆θ → 0, os dois lados
S = S0 (1 + 2α ∆θ). (5)
dessa equação são, efetivamente, iguais
Aqui, fica evidente um falso paradoxo, na com-
paração entre as Eqs. (3) e (5), cujo surgimento o
professor pode forçar, ao induzir os alunos a segui- lim (1 + α ∆θ)2 =
α∆θ→0
rem os dois caminhos de determinação da superfı́cie lim [1 + 2α ∆θ + α2 (∆θ)2 ] = (1 + 2α ∆θ).
do disco dilatado. O falso paradoxo se cria quando α∆θ→0
Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, vol. 38, nº 1, 1701, 2016 DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1806-11173812101
Mors 1701-3
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1806-11173812101 Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, vol. 38, nº 1, 1701, 2016
1701-4 Dilatação térmica: Uma abordagem matemática em fı́sica básica universitária
Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, vol. 38, nº 1, 1701, 2016 DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1806-11173812101