Apontamentos PT Fernando Pessoa

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Temáticas do ortónimo:

• fingimento artístico.
• a dor de pensar
Poesia do ortónimo – •

o sonho e a realidade
a nostalgia da infância

Fernando Pessoa
:O fingimento artístico
Fernando Pessoa escreve duas categorias de
obras: as ortónimas e as heterónimas. Na linguagem corrente, atribuímos regularmente
um valor negativo à ideia de fingimento, quando
As primeiras correspondem à poesia que o
qualificamos alguém como uma pessoa fingida;
autor assinou com o seu próprio nome. neste caso, fingir é praticamente o mesmo que

As segundas estão de acordo com a estética enganar, usando falsidade ou um comportamento

da despersonalização. maldosamente artificial. Em Fernando Pessoa não é


assim.
Na poesia de Fernando Pessoa (ortónimo)
O fingimento está diretamente ligado
coexistem 2 vertentes:
à origem da palavra (fingir = “fingere”) e ao
poesia do facto de ela ser da mesma família de ficção.
ortónimo
Portanto, fingir não é mentir, mas sim
modelar artisticamente, gerar e desenvolver
Tradicional: Modernista:
mostra influências de dá a conhecer a voz do ficção. Por isso, não devemos identificar a
Garrett, do poeta da modernidade, na
Sebastianismo, algum qual, a despersonalização, a figura poética/sujeito poético que diz o
saudosismo e nostalgia. fragmentação do “eu”, a
intelectualização do sentir e poema com a pessoa real do poema (autor).
o tom racional são bem
visíveis. Esta temática configura uma
verdadeira e nova arte poética, afastando-se
Assim, o seu percurso será sempre pautado em absoluto do romantismo que exacerbava o
pela busca da unidade (plenitude), tendo por poder do sentimento na arte e a valorização
base um conflito entre o pensar e o sentir. da espontaneidade no momento da criação
poética.
No caminho percorrido entre a experiência do
sensível / sentir / sensibilidade / emoção / Pessoa prescreve/valoriza, em alternativa, o
sentimento e a inteligência, encontramos as fingimento e a capacidade de fingir ligada à
temáticas privilegiadas pelo ortónimo: a dor de intelectualização do sentir e à razão.
pensar; o sonho e a realidade; a nostalgia da Na modernidade, a obra de arte deve
infância; o fingimento artístico. expressar-se com objetividade e repudiar
conjeturas subjetivas .
Na realidade, esta afirmação parece incluir uma
Análise do poema aplicação universal (todos os verdadeiros poetas
são fingidores).

“Autopsicografia” As ideias expressas nos poemas desenvolvem-se


em 3 partes lógicas, sendo que cada uma delas
Forma corresponde a uma estrofe.

Trata-se de uma redondilha maior dividida • Ao assumir, na 1ª quadra, a criação poética


em quadras e com um ritmo regular e popular. como um ato puramente intelectual, o s.p.
Estamos, pois, perante o paradoxo de uma assinala o intervalo existente entre a
forma tradicional como base para expor um vivência da dor e o momento dessa
pensamento elevado, uma teoria de alto nível criação. Através da transfiguração da dor
intelectual. pela imaginação, o poeta torna
convincente essa dor fingida que, apesar
A rima cruzada evidencia a importância
de partir da dor real (“a dor que deveras
das duas vertentes da criação poética, os
sente” v.4), se eleva ao plano da arte para
sentimentos (coração/dor) e o fingimento
se tornar verdadeira poesia
(razão/fingidor).
• Na 2ª quadra, o sujeito introduz uma outra
Título
variável no ato da criação poética: o leitor.
Remete para um processo de E de que forma se estabelece uma
autocaracterização do sujeito construtor de cumplicidade entre quem escreve e quem
poemas que, através de um movimento de lê? De acordo com o poema, o leitor não
autorreflexão tenta explicar a natureza da sente a dor inicial que o poeta
elaboração de um texto poético (processo de supostamente sentiu, nem a dor que
criação de um poema). imaginou enquanto construtor do poema.
Pode (o leitor) ter uma dor real, mas
Análise
quando lê o poema, sente apenas a dor
O sujeito poético nunca usa o pronome “eu” ou
que advém da sua interpretação. (“Na dor
se refere a algo que se passa consigo próprio,
lida sentem bem”)
aspeto que é reforçado logo pelo primeiro verso
• A 3ª quadra constitui uma espécie de
“O poeta é um fingidor”.
conclusão, na qual o s.p. utiliza a metáfora
do comboio de corda para designar o
coração, ou seja, o sentimento como
entretenimento. Assim, estamos na
presença das vertentes do processo de
criação poética: o coração (que se
relaciona com a dor realmente sentida) e
a razão (a transfiguração da dor pela
imaginação).

Em todo este processo, o poeta é a


entidade que eleva as sensações ao nível da arte
poética, transformando-as em objeto artístico e
objeto de fruição (prazer) para os leitores.

Relação entre o fingimento poético e esta


imagem

Fernando pessoa quer levar as pessoas a pensar


ao criar os seus poemas.

“Nem tudo o que parece é”, é a representação


de um cachimbo, não é uma realidade. Que é o
que acontece com Fernando Pessoa. É uma obra
de arte pois o que ele descreve é a realidade,
mas são apenas representações (intelectualização
dos sentimentos).
Título
Análise do poema “Isto”
O título é composto por um pronome
demonstrativo, cujo referente é o próprio poema.
Este parece constituir a reflexão do s.p., como se
Dizem que finjo ou minto
de uma realidade exterior se tratasse e motivasse
Tudo que escrevo. Não (1). 1,2
Eu simplesmente sinto o distanciamento necessário para o exercício da
Com a imaginação. razão.
Não uso o coração.
“Isto” - o pronome demonstrativo refere-se ao

Tudo o que sonho ou passo, poema construído com base no fingimento


O que me falha ou finda, poético.
É como que um terraço 3
Mundo sensível vs. Mundo inteligível (Platão)
Sobre outra coisa ainda.
Essa cousa é que é linda.

Por isso escrevo em meio


Mundo sensível Mundo inteligível
Do que não está de pé,
Livre do meu enleio, 4
Sério do que não é.
(o que fernando pessoa
Sentir? Sinta quem lê! (2) 5 Emoções, mundo quer) conhecimento
material, das sensações absoluto, mundo
(1) O sujeito poético refuta as acusações abstrato,
dos outros que lhe são feitas - mentir:
reação à teoria de criação poética, que
foi apresentada no poema
autopsicografia (teoria do fingimento • Na primeira estrofe, o sujeito refuta a
poético).
(2) O leitor - é a este que está reservado o acusação que lhe é feita, sublinhando a
papel de se emocionar, no momento
ideia que a criação poética tem por base
da leitura do poema
uma emoção intelectualizada e não ditada
pelas exigências do coração. Assim as
Poema emoções são matéria prima que só
Na sequência do poema “Autopsicografia”, depois de pensadas, ficcionadas, se
este texto explicita, de forma clara o papel materializam em poesia, fruto de um
desempenhado pela inteligência e pelo coração no trabalho intelectual. Encontramos, pois,
ato da criação poética. Trata-se de uma resposta explanadas duas concessões opostas
a possíveis reações à teoria da criação poética relativamente ao ato de escrever poesia:
expressa anteriormente (no poema anterior). a que acredita que se confessa quando
escreve e a que defende uma visão da Forma
poesia como produto da imaginação e da O poema é constituído por 3 quintilhas,
inteligência. formadas por versos hexassilábicos (6 silabas
• Na segunda estrofe, o s.p afirma que as métricas). Quanto à rima estamos na presença da
emoções negativas de frustração e cruzada e emparelhada.
insucesso (“o que me falha ou finda” v.7),
e as positivas de anseio e desejo (“tudo o
que sonho ou passo” v.6), constituem uma
espécie de “terraço” na construção do
poema. E é no poema que se reside a
beleza (“essa coisa é que é linda” v.10) pois
é o produto perfeito (que resulta) da
intelectualização das emoções

• A terceira estrofe constitui a conclusão do


poema. Nela, o s.p. apresenta-se
consciente de que a criação poética só se
concretiza através do distanciamento da
realidade emocional do coração, do
“terraço” e do mundo material, e da
libertação de todas as perturbações
emocionais (“livre do meu enleio” v.13)
através do fingimento (“sério do que não
é” v.14). O último verso introduz, através
do uso da interrogação retórica, um novo
interveniente no processo de construção
dos sentidos do poema: o leitor. É a
ESTE que cabe o papel que cabe
emocionar-se na leitura do poema.

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