Questões em Historiografia
Questões em Historiografia
Questões em Historiografia
Questões em
historiografia
da linguística
Homenagem a
Cristina Altman
Revisão: Dos Autores
Diagramação: Telma Custódio
Q54
Questões em historiografia da linguística [recurso eletrônico] :
homenagem a Cristina Altman / [Pierre Swiggers ... [et al.] ; organização
Ronaldo de Oliveira Batista, Neusa Barbosa Bastos. - 1. ed. - São Paulo
: Pá de Palavra, 2020.
recurso digital
Formato: epub
Requisitos do sistema: adobe digital editions
Modo de acesso: world wide web
Inclui bibliografia e índice
ISBN 978-65-88519-04-2 (recurso eletrônico)
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PÁ DE PALAVRA
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ISBN: 9
78-65-88519-04-2 (e-book)
© do texto: Ronaldo de Oliveira Batista & Neusa Barbosa Bastos, dezembro de 2020
SUMÁRIO
5
A questão da metalinguagem na Historiografia da Linguística............ 125
Maria Carlota Rosa
O tema da influência em Historiografia da Linguística........................ 137
Ricardo Cavaliere
DA LINGUÍSTICA
A coletânea de textos que se
apresenta é uma homenagem
a Cristina Altman. Seu nome,
7
Os primeiros anos de minha formação coincidiram com fatos que marcaram
minha geração: as reviravoltas políticas dos anos sessenta, os movimentos de
contracultura, a urbanização desregrada das principais capitais do país e a po-
pularização dos voos internacionais, que colocou o mundo ao alcance de todos.
Dividida entre Alegria, Alegria, o descompromisso dos Beatles e o mistério dos
livros que começava a conhecer, logo tive contato com os valores que marcariam
o início da minha formação e despertariam a vocação e a dedicação à vida
acadêmica que eu desenvolveria mais tarde, na vida adulta.1
Esse interesse pelo aspecto social e histórico dos acontecimentos, como ela
mesma afirma, não se apagou por completo. Encontrou seu espaço na vida aca-
dêmica quando ela decidiu empreender uma pesquisa de doutorado na área da
Historiografia da Linguística. Para isso, aproximou-se de dois dos grandes nomes
da área, que reconhece serem seus mestres: Konrad Koerner e Pierre Swiggers.
Com eles, aprendeu os princípios teóricos que regem a disciplina e o
campo da linguística que procura descrever, analisar e interpretar a história
do conhecimento sobre a linguagem produzido ao longo dos tempos. Além
disso, compreendeu também os caminhos tortuosos que definem os proce-
dimentos metodológicos da pesquisa historiográfica, sempre na linha tensa e
tênue da subjetividade e da objetividade.
Desse aprendizado, uma obra fundamental nasceu: A pesquisa linguísti-
ca no Brasil (1968-1988). Livro publicado em 1998 (com 2a. edição em 2004)
pela Editora Humanitas, retomando sua tese de doutorado, que a inseriu
definitivamente na Historiografia da Linguística. Uma busca pelo nome de
Cristina Altman na internet revela facilmente a relevância desse trabalho,
citado por inúmeros pesquisadores.
1
Os trechos em itálico e com recuo transcrevem textos de Cristina Altman apresentados no seu Memo-
rial para o Concurso de Professor Titular da Universidade de São Paulo (2007). O texto não foi oficial-
mente divulgado, mas tivemos acesso a ele pela cortesia de Cristina em nos enviar o texto. ALTMAN,
Cristina. Memorial. [Apresentado à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade
de São Paulo, como exigência parcial para o Concurso de Professor Titular junto ao Departamento de
Linguística, área de Historiografia da Linguística]. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2007.
Referências
ALTMAN, Cristina. Memorial. Apresentado à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, como
exigência parcial para o Concurso de Professor Titular junto ao Departamento de Linguística, área de
Historiografia da Linguística. São Paulo: Universidade de São Paulo, Ms., 2007.
ALTMAN, Cristina. História, estórias e Historiografia da Linguística brasileira. In: BATISTA, Ronaldo de
Oliveira (Org.). Historiografia da Linguística. São Paulo: Contexto, 2019. p. 19-43.
1
Os pesquisadores são indicados em ordem alfabética e são nomeados de acordo com suas indicações. To-
dos os nomes que aparecem nesta lista são de pesquisadores que autorizaram seu uso para a homenagem.
• Frederick J. Newmeyer, Professor da University of British Columbia, Simon Fra-
ser University e University of Washington (Canadá)
• Gerda Haßler, Professora da University of Potsdam (Potsdam, Alemanha)
• Gonçalo Fernandes, Professor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro,
Centro de Estudos em Letras (Trás-os-Montes e Alto Douro, Portugal)
• John E. Joseph, Professor da University of Edinburgh (Londres, Reino Unido)
• José Borges Neto, Professor Titular da Universidade Federal do Paraná (Curitiba,
Brasil)
• Leonardo Gueiros, Professor da Universidade Federal da Paraíba (João Pessoa, Brasil)
• Maria Carlota Rosa, Professora Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(Rio de Janeiro, Brasil)
• Maria Filomena Gonçalves, Professora Associada com Agregação, Universidade
de Évora (Évora, Portugal)
• Marli Quadros Leite, Professora Titular da Universidade de São Paulo (São Paulo,
Brasil)
• Marta E. Luján, Professor Emeritus, The University of Texas at Austin (Austin,
Estados Unidos)
• Mercedes Saraiva Hackerott, Professora da Unip, Pesquisadora do IP/PUC-SP
• Miguel Cuevas-Alonso, Professor da Universidade de Vigo (Vigo, Espanha)
• Milagros Fernandéz Pérez, Professora Catedrática da Faculdade de Filologia, Uni-
versidade de Compostela (Santiago de Compostela, Espanha)
• Nancy dos Santos Casagrande, Professora da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (São Paulo, Brasil)
• Neusa Barbosa Bastos, Professora Titular da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (São Paulo, Brasil) e da Universidade Presbiteriana Mackenzie (São
Paulo, Brasil)
• Otto Zwartjes, Professor da Université Paris 7-Didérot (Paris, França)
• Pierre Swiggers, Professor da Katholieke Universiteit Leuven (Leuven, Bélgica)
• Piet Desmet, Vice-Reitor da Katholieke Universiteit Leuven (Leuven, Bélgica)
• Ricardo Cavaliere, Professor Associado da Universidade Federal Fluminense (Ni-
terói, Rio de Janeiro)
• Rogelio Ponce de León, Professor Associado Universidade do Porto (Porto, P ortugal)
• Rolf Kemmler, Professor Agregado do Centro de Estudos em Letras, Universida-
de de Trás-os-Montes e Alto Douro (Vila Real, Portugal), Sócio Correspondente
Estrangeiro da Academia das Ciências de Lisboa (Lisboa, Portugal)
• Ronaldo de Oliveira Batista, Professor Adjunto da Universidade Presbiteriana
Mackenzie (São Paulo, Brasil)
• Toon Van Hal, Professor da Katholieke Universiteit Leuven (Leuven, Bélgica)
TABULA GRATULATORIA
17
“HISTORIOGRAPHIA
1. Onde e quando tudo
começou: olhando para trás 1
LINGUISTICA IN
Tendo tido a oportunidade2
de contribuir para esta ma-
nifestação de apreço pelo
UM DEPOIMENTO
de pesquisa e ensino — no
campo da historiografia da
linguística, gostaria de co-
1
Tradução de Ronaldo de Oliveira Batista (UPM, CNPq) e Antonio Ackel (PG-DLCV-USP).
2
Gostaria de agradecer a Ronaldo de Oliveira Batista o convite paraa contribuir neste empreendimento
coletivo em homenagem a Cristina.
de recursos documentais para a sua dissertação, especialmente uma grande
quantidade de artigos publicados em revistas brasileiras de linguística da
segunda metade do século XX.
Alguns meses depois, Cristina conseguiu obter uma bolsa do CNPq, o
que lhe permitiu passar um ano, ou até um pouco mais, em Leuven, a fim
de colocar sua pesquisa nos trilhos e avançar na análise de seus materiais
originais. Quando se estabeleceu em Leuven, acompanhada pela sua família,
Cristina já tinha constituído o corpus de textos-fonte para sua tese.
3
V. Altman (1993, p. 5): “É nesta problemática que se situa o presente trabalho. A detecção das várias for-
mas em que se apresentou o conhecimento lingüístico no seu processo histórico; os principais meios de
difusão e propagação; as possíveis razões para seu sucesso ou fracasso; os critérios de seleção e solução de
problemas; as relações com práticas científicas e humanas mais gerais definem-se como os principais ei-
xos a partir dos quais se desenvolve a presente reflexão sobre a produção lingüística brasileira no período
1968–1988. Trata-se, pois, de conceber o trabalho historiográfico como interessado também pelo aspecto
dinâmico da produção do saber lingüístico e não só pelos seus resultados, pelo que está pronto e acaba-
do. A formulação, organização e recepção do trabalho lingüístico também fazem parte da sua história”.
4
V. KUHN (1962, 2. ed. 1970; trad. bras., 1987).
20 Pierre Swiggers
3. A tese de doutoramento: olhando para além
Em maio de 1993, Cristina defendeu a sua tese8. Além da relevância de suas
conclusões sobre o status das ciências da linguagem no Brasil na segunda me-
tade do século XX9, o trabalho levantou questões fundamentais sobre a epis-
temologia da linguística e sobre a história e filosofia da ciência (por exemplo,
continuidade vs. descontinuidade de interesses; aplicabilidade das noções de
‘paradigma’ e ‘revolução’).
A pesquisa de doutorado de Cristina, e a tese resultante, marcou o iní-
cio da institucionalização da historiografia linguística no Brasil. O papel de
Cristina no processo foi crucial. Primeiro, seu trabalho ofereceu um modelo
de enquadramento metodológico e questionamento epistemológico na his-
toriografia da linguística brasileira contemporânea. Seguindo os passos de
Cristina, vários de seus alunos, assim como colegas de São Paulo e de ou-
tras universidades brasileiras, engajaram-se no estudo das tensões teóricas e
empíricas da história recente da linguística brasileira10. Além disso, a inicia-
tiva de Cristina de entrevistar importantes linguistas teóricos e descritivos
ou filósofos da linguagem foi acompanhada por ela mesma e por alguns de
seus alunos. Isso resultou no projeto de Depoimentos [Primeira Pessoa do
Singular], ou seja, relatos pessoais, baseados em entrevistas com linguistas
brasileiros, sobre sua carreira, seu ensino, suas estadas no exterior, sua visão
do campo da linguística, suas aspirações, seus enganos etc. Os Depoimen-
tos constituem documentos epi-historiográficos altamente interessantes, em
‘primeira pessoa do singular’,11 e são peças fascinantes da ‘memória-mosaico’
8
A tese (ALTMAN, 1993) contém XX + 342 pp. e vários apêndices não paginados. Os títulos dos capí-
tulos são: I. Unificação e diversificação na ciência da linguagem; II. Método; III. A Lingüística no Brasil
pré-68: Processos de institutionalização e cientifização; IV. Os lingüistas; V. Em busca da especialização
profissional. A instalação dos programas de pós-graduação; VI. Estudos lingüísticos. Revista brasileira de
lingüística teórica e aplicada; VII. Revista brasileira de lingüística; VIII. Cadernos de estudos lingüísticos;
IX. Cadernos de lingüística e teoria da literatura. Ensaios de lingüística; X. Revista de Documentação de
estudos em lingüística teórica e aplicada; XI. Os primeiros vinte e cinco anos da lingüística no Brasil. A
tese foi revista para publicação em livro (ALTMAN, 1998; 2. ed., 2004). Para uma boa apresentação em
inglês dos principais resultados da tese de doutorado, v. Altman (1996a).
9
A saber, como uma disciplina ‘policromada’, dividida entre uma tradição filológica, a influência du-
radoura do estruturalismo e a rápida sucessão de teorias e modelos pós-estruturalistas importados do
exterior, dando origem a duas posições estratégicas diversas, uma de polêmica e outra de (tentativa de)
reconciliação.
10
Ronaldo de Oliveira Batista, a quem devemos uma introdução bem documentada à historiografia da
linguística (BATISTA, 2013), conduz atualmente uma pesquisa sobre os debates ‘forma’ vs. ‘função’ na
linguística brasileira contemporânea.
11
Cf. o título do subprojeto de uma proposta mais ampla Histórica/Historiografia da Linguística Brasilei-
ra (1994): A Linguística no Brasil: estórias e histórias em primeira pessoa do singular.
12
V. Altman (1996b) para uma apresentação geral; para exemplos de Depoimentos, v. Altman ( 1999c,
2000, 2001, 2002).
13
Especialmente os regulares “MiniEnapol de Historiografia Linguística”.
22 Pierre Swiggers
o segundo “International Conference on Missionary — Colonial Linguistics
(1492-1850)”, no qual foram apresentados muitos trabalhos sobre a história
do estudo das línguas nativas do Brasil14. Em 2005-2006, Cristina dirigiu o
projeto de pesquisa Para uma história das práticas linguísticas. A descrição das
línguas gerais sul-americanas abriu o caminho para um projeto abrangente
de documentação e pesquisa, coordenado por Cristina e Olga Coelho: Docu-
menta Grammaticae et Historiae. Projeto de documentação linguística e histo-
riográfica. O folheto de uma exposição15 descreve o projeto da seguinte forma:
5. Conclusão
É certo que é um pouco inapropriado falar de uma “conclusão” sobre o ensino
e a pesquisa de Cristina: professora inspiradora, orientadora de dissertações e
teses e organizadora científica, colega infalivelmente solidária e pesquisadora
estimulante do pensamento, Cristina explora continuamente, e exorta estu-
dantes e colegas a explorar, mais e melhores caminhos de pesquisa. Desde o
seu trabalho de doutorado, sua pesquisa, que beira a historiografia linguística,
a história cultural, a metodologia e a epistemologia da ciência, tem avançado
muito além do Brasil18, e muito além do período contemporâneo, chegando ao
início do Período Moderno. Além disso, o trabalho de Cristina está presente
de forma proeminente no de seus ex-alunos e colegas de trabalho. É indiscu-
tível que o seu ensino e a sua pesquisa já têm uma história própria.
Referências
ALTMAN, Cristina [Altman, Maria Cristina Fernandes Salles]. Unificação e diversificação na linguística:
pesquisa documental de produção linguística brasileira contemporânea (1968—1988). Tese apresentada
à área de Pós-Graduação em Linguística, do Departamento de Linguística da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Doutor. São Paulo:
Universidade de São Paulo, 1993.
ALTMAN, Cristina. A Pesquisa Linguística no Brasil (1968—1988). São Paulo: Humanitas, 1998. [2. ed., 2004]
17
Um dos destaques do projeto de divulgação científica (em interação com o CEDOCH) foi a organi-
zação de uma exposição sobre “O conceito de gramática na tradição de descrição ibero-americana do
século XV ao XIX”, com cópias originais de obras que foram marcos na história da linguística latino-
-americana, e em particular da linguística luso-brasileira, a saber:
Elio Antonio de Nebrija, Gramática castellana, 1492.
Fernão de Oliveira, Grammatica da Linguagem portugueza, 1536.
João de Barros, Grammatica da língua portugueza, 1540.
José de Anchieta, Arte de grammatica da lingua mais usada na costa do Brasil, 1595.
Amaro de Roboredo, Método grammatical para todas as linguas, 1619.
Pedro Dias, Arte da lingua de Angola, 1697.
Jerónimo Contador de Argote, Regras da lingua portugueza, espelho da lingua Latina, 1721.
Antonio José dos Reis Lobato, Arte da grammatica da lingua portugueza, 1770.
Antonio de Morais Silva, Epitome da Grammatica Portugueza, 1806.
Jerónimo Soares Barbosa, Grammatica philosophica da lingua portugueza, 1822.
Andrés Bello, Gramática de la lengua castellana destinada al uso de los americanos, 1847.
Julio Ribeiro, Grammatica Portugueza, 1881.
Maximino Maciel, Grammatica Descriptiva, 1894.
18
Cristina coorganizou a conferência paulista sobre o legado do pensamento de Saussure, realizada
em São Paulo em outubro de 2013; recentemente, ela organizou, com Lygia Testa-Torelli, um volume
temático sobre o Cours de Linguistique Générale de Saussure (ALTMAN; TESTA-TORELLI (ed.), 2017).
24 Pierre Swiggers
ALTMAN, Cristina. Linguistic Research in Brazil (1968—1988). In: Jankowsky, K. (Ed.). Multiple Perspecti-
ves on the Historical Dimensions of Language. Münster: Nodus, 1996a. p. 163-170.
ALTMAN, Cristina. Memórias da Linguística na Linguística Brasileira. Revista da ANPOLL, n. 2, p. 173-
189, 1996b.
ALTMAN, Cristina. 1999a. Between Structure and History: The Search for the Specificity and the Originali-
ty of Brazilian Linguistic Production. In: Joseph J.; Niederehe, H.-J.; Embleton, S. (Ed.). The Emergence
of the Modern Language Sciences: Studies on the Transition from Historical-Comparative to Structural
Linguistics in Honour of E.F. Konrad Koerner. Amsterdam/Philadelphia: J. Benjamins, 1999a. p. 245-257.
ALTMAN, Cristina. From ‘Insula Vera Crux’ to ‘Terra Brasiliensis’. History, (Hi)Stories and Historiography
of Brazilian Linguistics. In: Cram, D.; Linn, A.; Nowak, E. (Ed.). History of Linguistics 1996. Amster-
dam/Philadelphia: J. Benjamins, 1999b. p. 71-80.
ALTMAN, Cristina. Sílvio Elia, por Sílvio Elia. [Editado a partir de entrevista concedida por S.E.]. Boletim
do CEDOCH, n. 4, p. 33-46, 1999c.
ALTMAN, Cristina. Aryon Rodrigues, por Aryon Rodrigues. [Editado a partir de entrevista concedida por
A.R.]. Boletim do CEDOCH, n. 5, p. 9-28, 2000.
ALTMAN, Cristina. Ataliba de Castilho, por Ataliba de Castilho. [Editado a partir de entrevista concedida
por A. de C.]. Boletim do CEDOCH, n. 6, p. 11-53, 2001.
ALTMAN, Cristina. Depoimento de Carlos Franchi em ‘primeira pessoa do singular’. [Editado a partir de
duas entrevistas concedidas por C.F.]. Revista do GEL, nº especial Em memória de Carlos Franchi (1932-
2001), p. 23-35, 2002.
ALTMAN, Cristina. Memorial. [Apresentado à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Univer-
sidade de São Paulo, como exigência parcial para o Concurso de Professor Titular junto ao Departamento
de Linguística, área de Historiografia da Linguística]. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2007.
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ALTMAN, Cristina. História, estórias e historiografia da linguística brasileira. Todas as Letras, n. 14, v.1, p.
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ALTMAN, Cristina; TESTA-TORELLI, Lygia (Ed.). Por ocasião do centenário do Curso de Linguística Geral
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ALTMAN, Cristina; ZWARTJES, Otto (Ed.). Missionary Linguistics II / Lingüística Misionera II. Orthogra-
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LAKATOS, Imre; MUSGRAVE, Alan. (Ed.). Criticism and the Growth of Knowledge. Cambridge: Cambridge
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LAKATOS, Imre; MUSGRAVE, Alan. (Ed.). A crítica e o desenvolvimento do conhecimento. Trad.: Octavio
Mendes Cajado. São Paulo: Cultrix, 1979.
MURRAY, Stephen O. Group Formation in Social Science. Carbondale-Edmonton: Linguistic Research, Inc., 1983.
MURRAY, Stephen O. Theory Groups and the Study of Language in North America: A Social History. Ams-
terdam-Philadelphia: J. Benjamins, 1994.
COOPERAÇÕES
cipalmente a obra do padre espanhol
1 Pedro de Alcalá, autor do primeiro
dicionário e gramática missioná-
ria impressa. Para contextualizar os
Otto Zwartjes seus escritos, a sua metodologia e as
suas abordagens, precisei alargar o
meu foco. Incluí no meu corpus as
primeiras gramáticas escritas em espanhol e português de línguas “exóticas”,
como o Quechua (1560), escrito por Domingo de Santo Tomás, Aymara, com-
posto por Ludovico Bertonio (1603 e 1612), Nahuatl, de Andrés de Olmos
(1547), Alonso de Molina (1571), Antonio del Rincón (1595), e a gramática
de José de Anchieta do Tupinambá (1595), a língua indígena mais usada na
costa do Brasil.
Durante um workshop organizado na Universidade de Nijmegen por
Kees Versteegh, fiquei impressionado com outros estudiosos que trabalha-
vam com diferentes tradições (árabe, hebraico, copta, siríaco, greco-latina),
e para mim era óbvio que compartilhávamos tantas questões de pesquisa.
Como eu era um recém-chegado neste período comecei a conversar com
um dos participantes, Adel Sidarus (Universidade de Évora) que me sugeriu
um nome de uma estudiosa brasileira que trabalhava nesta área e que já ti-
nha estabelecido seu nome durante vários eventos pioneiros, sessões especiais
dedicadas à linguística missionária no ICHOLS, mas também com contribui-
ções para outras conferências importantes dos anos 1990 do século XX, como
ANPOLL, ALFAL, NAAHoLS, Henry Sweet Society, SEHL, e muitas outras.
O nome desta brasileira era Cristina Altman. Depois do meu projeto de
pós-doutorado na Universidade de Nijmegen, mudei-me para a Universidade
de Oslo em 1999. Já tinha contato regular por correio com Cristina Altman
há alguns anos, mas em 22 de maio de 2000, ela me convidou para visitar a
1
Tradução de Ronaldo de Oliveira Batista (UPM, CNPq) e Antonio Ackel (PG-DLCV-USP).
Universidade de São Paulo, a fim de dar uma palestra, intitulada “As gramáti-
cas das línguas do Brasil nos séculos XVI e XVII e as gramáticas hispânicas”.
Na Noruega trabalhei de perto com Even Hovdhaugen, mas, geralmen-
te, o número de estudantes participantes dos meus seminários de pesquisa
nunca ultrapassou o número de cinco. Quando vim para São Paulo, fiquei
impressionado, não só pelo número de alunos e colegas, mas também pelo
entusiasmo do grupo, suas boas perguntas, o nível, a sólida formação em me-
todologia e, por fim, mas não menos importante, o bom ambiente e a atitude
aberta dos membros do grupo paulistano. É óbvio que o clima positivo foi o
resultado do entusiasmo de sua coordenadora, Cristina Altman, que fundou
esse grupo de estudos em historiografia linguística em 1994.
Com o próprio Hovdhaugen, que visitou a Universidade de São Paulo
várias vezes, comecei a trabalhar no que resultou na fundação do OsProMil
(Projeto Oslo de Linguística Missionária), visando diversos projetos de mes-
trado, doutorado e pós-doutorado, financiado pelo Conselho Norueguês de
Pesquisa. Uma das ideias foi organizar uma conferência internacional em
Oslo em 2003, onde estudiosos apresentaram comunicações sobre fontes mis-
sionárias em todo o mundo. O futuro ainda não estava claro, mas quando
terminei meu discurso após o jantar no centro de conferências Holmenkol-
len, de repente vi Cristina Altman de pé, pronunciando as palavras que ja-
mais esquecerei: “Próximo ano em São Paulo”. Eu coorganizei com Cristina
Altman a Segunda Conferência Internacional sobre Linguística Missionária
(Colonial) (os trabalhos selecionados desta conferência apareceram na série
SiHoLS de John Benjamins em 2005). Graças ao entusiasmo de Cristina, esta
iniciativa teve um futuro; estas conferências ainda existem.
Logo depois, comecei a trabalhar mais de perto com Cristina Altman,
que veio para Amsterdã como pesquisadora visitante. Como coordenado-
ra do Centro de Documentação em Historiografia Linguística (CEDOCH/
USP) desde 1994, Cristina Altman teve a experiência em documentação his-
toriográfica, que foi posteriormente estabelecida e desenvolvida em um de
seus projetos intitulado Documenta Grammatica et Historiae (Projeto de do-
cumentação linguística e historiográfica), que, entre outros objetivos, visa a
criação de um corpus de textos representativos acessível eletronicamente. O
grupo de pesquisa de Cristina Altman e OsProMil compartilham interesses
comuns: entre esses, avançar no estudo, análise e compreensão das primeiras
descrições modernas das línguas não industriais no mundo colonial espanhol
28 Otto Zwartjes
PARTE II
QUESTÕES
EM HISTORIOGRAFIA
DA LINGUÍSTICA
HISTÓRIA E
Introdução
Ao abrir as reflexões e dire-
HISTORIOGRAFIA DA
trizes propostas neste livro,
o mapa de orientação que
se oferece aos leitores tem
LINGUÍSTICA: UM
como objetivo apresentar o
que se compreende como o
campo da Historiografia da
1
Como afirma Batista (2013, p. 16): “Não é isenta de discussões a nomeação da área como Historiografia da
Linguística. [...] Tal discussão não é aqui retomada [...], e considera-se a denominação da área de pesquisa
que aqui se explicita como de fato Historiografia Linguística ou Historiografia da Linguística sem fazer dis-
tinções entre as duas formas de nomeação, como faz Koerner (1995) ao comentar sobre os termos Linguistic
Historiography e Historiography of Linguistcs. A perspectiva que se procura delinear articula-se em diálogos
com estudos que se denominam parte de áreas reconhecidas como História das Ideias Linguísticas, História
da Linguística, História dos Estudos sobre a Linguagem ou, ainda, História do Conhecimento Linguístico”.
2
Para informações sobre a constituição histórica do campo da HL, v. Altman (1998, 2019), Batista (2013),
Swiggers (2019).
3
A expressão instrumentos linguísticos refere-se a obras que têm por finalidade, em perspectiva des-
critiva, histórica, pedagógica ou explicativa (sem que uma necessariamente exclua a outra), descrever,
analisar, interpretar, catalogar dados e fenômenos linguísticos sobre as línguas.
4
“História e Historiografia da Linguística têm, pois, estatutos e dimensões diferentes. Principalmente
não são coextensivas. Suas relações são comparáveis àquelas existentes entre uma gramática descritiva
Para essa apresentação introdutória do campo que pretende reconstruir
interpretativamente (e não apenas descrever em forma de crônica5) as ideias
linguísticas6, este capítulo compreende a seguinte trajetória, configurando
o mapa pretendido: em primeiro lugar, trata-se do conceito polissêmico de
história e da questão interpretativa do registro historiográfico; em segundo
lugar, trata-se da noção de ciência e, especificamente, da ciência da lingua-
gem; na sequência, definições e modos de procedimento metodológico da
pesquisa em HL são explicitados; uma conclusão reflete sobre a necessidade
e importância da HL como disciplina e campo do conhecimento7, principal-
mente na formação dos profissionais de letras, dos estudos da linguagem/
comunicação e da filosofia da linguagem.
e a língua que ela descreve [...]. Assim como o linguista não esgota (nem pretende esgotar) a língua sob
descrição em toda sua complexidade, o historiógrafo também efetua um recorte sobre o continuum his-
tórico, cujos fatos procura compreender e reconstruir.” (ALTMAN, 2019, p. 38)
5
Para uma discussão em língua portuguesa sobre essa distinção, v. Batista (2013) e diferentes textos em
Batista, org. (2019).
6
Sem vinculação teórica e metodológica restrita com a área reconhecida como História das Ideias Lin-
guísticas, entende-se por ideias linguísticas reflexões, descrições e explicações sobre dados e fenômenos
linguísticos. Para uma explanação sobre os campos, v. Leite (2019).
7
“Olhando para o passado recente da pesquisa historiográfica em linguística, pode-se dizer que muito
trabalho tem sido feito no campo, nas últimas décadas, no sentido de criar as condições necessárias ou
suficientes para uma compreensão (mais) adequada das formas de conteúdo (dos tipos de textos, tipos de
técnicas e abordagens), das configurações contextuais (ou seja, autores, instituições, entidades políticas,
contextos socioculturais e político-econômicos, situações linguísticas) e da dimensão dinâmica [...] do
conhecimento linguístico.” (SWIGGERS, 2019, p. 73)
8
A nomeação do item retoma, com substituição lexical, a expressiva afirmação de Aviezer Tucker, em
Our Knowledge of the Past, de que um historiador nunca entra nu em um arquivo (TUCKER, 2004).
9
Para seguir com rigor a distinção feita no parágrafo precedente, o historiógrafo (termo a par de histo-
riografia) é aquele pesquisador que descreve e interpreta a história. No entanto, não se pode ignorar o
massivo uso do termo historiador para caracterizar essa figura intelectual. Em nossas reflexões, como
é costume na HL, vamos manter a distinção entre história (conjunto de fatos e eventos) e historiografia
(trabalho de construção de uma interpretação sobre fatos e eventos históricos). Assim, também como
usual na HL, adotaremos o termo historiógrafo para aquele envolvido na atividade historiográfica. Antes
de delinear especificamente o campo historiográfico em linguística, usaremos o par historiador/histori-
ógrafo para referência ao pesquisador.
10
Sobre a problemática das fontes, v. Schaff (1995[1971]) e, em específico na História das Ciências, Kragh
(2001).
11
Para uma reflexão crítica, cabe retomar Pucci (2016, p. 49-50): “Ajena al positivismo en cualquiera de
sus versiones, la disciplina histórica construyó sus normas epistémicas en paralelo con el desarollo de la
ciencia y de las ideas modernas, a partir de la revolución científica de los siglos XVI y XVII. La ruptura
epistemológica que marcó ese renacimiento de la historia como disciplina moderna implicó la sustición de
una epistemologia basada en el principio de autoridad, o en la fe, por una epistemología fundada en la do-
cumentacíon”. [“Sem conhecer o positivismo em nenhuma de suas versões, a disciplina histórica construiu
suas normas epistêmicas paralelamente ao desenvolvimento da ciência e das idéias modernas, a partir da
revolução científica dos séculos XVI e XVII. A ruptura epistemológica que marcou esse renascimento da
história como uma disciplina moderna implicava a substituição de uma epistemologia baseada no princípio
da autoridade, ou na fé, por uma epistemologia fundamentada na documentação”, tradução livre]
12
O limite temporal na década de 1960 não implica que jamais tenha havido em tempos anteriores refle-
xões sobre a natureza objetiva ou subjetiva das interpretações historiográficas.
13
“El modelo de conocimiento histórico se funda en una vasta gama de documentos que combinam
al mismo tiempo todas las gradaciones de la opacidad y de la claridad, y nos permiten construir un
conocimiento nunca perfecto del pasado, pero el único posible.” (PUCCI, 2016, p. 51) [“O modelo de
conhecimento histórico é baseado em uma vasta gama de documentos que combinam todas as gradações
de opacidade e clareza ao mesmo tempo e nos permitem construir um conhecimento nunca perfeito do
passado, mas o único possível.”, tradução livre]
14
Algumas considerações retomam o que foi por mim apresentado em Batista (2018, p. 147-149).
15
“Têm surgido muitas propostas no sentido de estabelecer uma definição de objectividade que seja apro-
priada à história. Alguns autores, incluindo pensadores tão diferentes como Max Weber e Karl Popper, têm
defendido um ponto de vista ‘perspectivista’, cujo fulcro é que a formulação de um problema – as questões que
são colocadas, as fontes que são seleccionadas, os factos que são aceites como sendo históricos, etc. – é subjec-
tiva e inacessível a uma crítica racional. Porém, os postulados que têm sido formulados podem ser avaliados
objectivamente, sem que seja necessário aceitar a pespectiva que lhes deu origem.” (KRAGH, 2001, p. 64)
16
“La información está en las fuentes, o no está; en ningún caso el historiador puede inventar la informa-
ción acerca del pasado; puede, sí, llegar a inferir – siguiendo las reglas de la lógica – otros datos a partir
de los datos que proporcionan las fuentes, pero no puede inventar libremente.” (PUCCI, 2016, p. 63) [“A
informação está nas fontes, ou não; em nenhum caso o historiador pode inventar informações sobre o
passado; pode sim inferir — seguindo as regras da lógica — outros dados dos dados fornecidos pelas
fontes, mas não pode inventar livremente.”, tradução livre]
17
Batista (2019c) discute como a ciência e os pronunciamentos discursivos dos cientistas definem uma
retórica própria do fazer científico.
18
Podemos citar como exemplo, volumes da revista Pesquisa – Fapesp, publicada pela Fundação de Am-
paro à Pesquisa do Estado de São Paulo. No volume de novembro de 2019, ano 20, número 285, as páginas
iniciais da revista apresentam reportagem sobre legados acadêmicos contestados. O destaque vai para
a prestigiosa instituição inglesa King’s College, que afirmou, após análise de comitê de investigação,
que trabalhos de um de seus mais respeitados pesquisadores (morto há mais de 20 anos) não apresen-
tam resultados confiáveis. O volume de março de 2020, ano 21, número 289, da mesma revista, discute
boas práticas acadêmicas questionando citações manipuladas que têm por objetivo inflar o número de
citações para nomes de pesquisadores. Esses exemplos nos fazem desconfiar de que a ciência é sempre
feita com honestidade, integridade e confiabilidade. Ao contrário, ciência é empreendimento social, em
que os pesquisadores estão em busca de reconhecimento e legitimidade social, mesmo que isso implique
práticas científicas altamente reprováveis.
19
“O estatuto de uma disciplina está estreitamente ligado a seu domínio próprio e à constituição, através
da história, desse domínio. Sua delimitação é tanto mais complexa quanto maior for a dificuldade de
se atribuir à disciplina um limite máximo e um limite mínimo de inclusão [...]. Com efeito, a primeira
dificuldade daquele que se lança à tarefa de escrever a história da linguística é estabelecer o que deve ser
incluído no escopo do termo ‘linguística’ – e suas variantes – sem o que qualquer tentativa de historiciza-
ção não encontra seu(s) objeto(s) material(is) de observação e qualquer tentativa de periodização se torna
inexequível. O primeiro desafio do historiógrafo da linguística reside, pois, na explicitação dos limites do
seu domínio e na enumeração dos seus objetos possíveis.” (ALTMAN, 2019, p. 26)
20
Esta seção retoma, com modificações e acréscimos, reflexões presentes em Batista (2013, 2017a/b,
2019b).
21
A indicação desses aspectos já esteve presente em outros textos meus.
22
“Como uma disciplina cientificamente ‘fundamentada’ [...], a Historiografia da Linguística tem de
cumprir princípios, regras e condições de pesquisa científica, assegurando (a) controle dos procedimen-
tos de investigação, (b) transparência na comunicação dos resultados de pesquisa e (c) verificabilidade
dos resultados formulados.” (SWIGGERS, 2019, p. 56)
23
A partir deste momento, refiro-me ao pesquisador da HL apenas como um historiógrafo, como cor-
rente no campo.
24
“O objeto da Historiografia Linguística é construído, no sentido de que é uma representação dos conhe-
cimentos que temos a respeito da história, com que mantém uma relação de iconicidade parcial. Conse-
quentemente, o objeto varia conforme nossos conhecimentos da história – das diferentes épocas históricas
e dos meios sociais e étnicos diferentes. A pertinência e o valor do acontecimento são funções não apenas do
objeto selecionado, mas, igualmente, do historiógrafo que opera a seleção.” (ALTMAN, 2019, p. 40)
25
“A natureza de uma historiografia linguística, não poderia ser de outra maneira, está diretamente
ligada ao(s) tipo(s) de material a partir do qual se erige. Uma das estratégias, portanto, para circunscre-
vermos seu domínio seria interrogar-nos sobre quais tipos de materiais poderiam lhe servir de fonte. E
esses ultrapassam em muito as formas de conhecimento sobre a linguagem que tradicionalmente se de-
signam por gramáticas, vocabulários ou textos teóricos metalinguisticamente elaborados. Malkiel (1969)
chamou a atenção para autobiografias, memoriais, prefácios, correspondências, resenhas, elenco ao qual
Swiggers (1982) ainda acrescentou os arquivos orais e fotográficos, especialmente no que concerne aos
séculos XIX e XX.” (ALTMAN, 2019, p. 28-29)
26
“Historiographic evidence as well comes in all shapes and sizes, including factual, explanatory, and
general propositions found in documents, statistical records, and material objects, such as artifacts or
the boundaries of fields. There are no observation sentences of history in historiography. Historians do
not observe historical events. Historiography is not a study of the past as such, but of the presence effects
(traces, remains, etc.) of the past.” (TUCKER, 2004, p. 92-93) [“A evidência historiográfica também vem
em todas as formas e tamanhos, incluindo proposições factuais, explicativas e gerais encontradas em
documentos, registros estatísticos e objetos materiais, como artefatos ou limites de campos. Não existem
frases de observação da história na historiografia. Os historiadores não observam eventos históricos. A
historiografia não é um estudo do passado como tal, mas dos efeitos da presença (vestígios, restos, etc.)
do passado.”, tradução livre]
27
Como sutilmente aponta Tucker (2004, p. 11): “All historians and reasonable people would agree that
the French Revolution took place in 1789, but their interpretation of it may depend on their nationali-
ty and political opinions”. [“Todos os historiadores e pessoas razoáveis concordariam que a Revolução
Francesa ocorreu em 1789, mas sua interpretação pode depender de sua nacionalidade e opiniões políti-
cas.”, tradução livre]
28
“O essencial [...] é que se tem de estabelecer uma distinção entre ‘factos do passado’ e ‘factos históricos’.
Enquanto no primeiro grupo se inclui tudo o que realmente aconteceu no passado, o segundo respeita
aos dados aceites pelo historiador como sendo fiáveis e de interesse de forma a figurarem na literatura
histórica. Só algumas ocorrências do passado atingem o estatuto ‘histórico’. Esse estatuto é-lhes atribuí-
do pelo historiador. Os dados históricos, em si, não se vão encontrar no passado, mas antes são resultado
de uma interpretação.” (KRAGH, 2001, p. 48)
29
Nesse sentido, o alerta de Aviezer Tucker é bastante relevante: “Historiography makes no observation
of historical events, but presents descriptions of such events in the presence of evidence. There are no gi-
ven historical facts that historians can select to compose their narratives more or less objectively. [...] The
immediate, primary, subject matter of historiography is evidence and not events” (TUCKER, 2004, p. 17).
[“A historiografia não faz observação de eventos históricos, mas apresenta descrições de tais eventos na
presença de evidências. Não há fatos históricos que os historiadores possam selecionar para compor suas
narrativas de maneira mais ou menos objetiva. [...] O assunto imediato, primeiro e primário da historio-
grafia é evidência e não eventos.”, tradução livre]
30
“Pessoalmente, não consigo separar a reflexão epistemológica, ou metodológica, sobre o conhecimento
linguístico do momento histórico e do contexto intelectual e social em que ele foi formulado e se desen-
volveu. Tal perspectiva me faz entender como tarefa básica da Historiografia Linguística, por consequ-
ência, a descrição (não normativa) dos princípios e métodos (bem ou malsucedidos) em determinado
momento, inevitavelmente histórico.” (ALTMAN, 2019, p. 32)
32
A indicação dos elementos já esteve presente em outros textos meus sem, no entanto, acompanhar em
termos explicativos a configuração visual proposta.
33
Swiggers (2019, 2020 e também em capítulo neste livro) apresenta o conceito e os tipos de camada per-
tinentes para uma análise em HL.
34
“El conocimiento histórico se propone explicar los eventos del pasado en el tiempo, dimensión tempo-
ral que impone la técnica narrativa de exposición, pese a que algunos filósofos sostuvieran que el tiempo
es una ilusión: el tiempo, con su ineluctable dirección desde el pasado hacia el futuro, gobierna la vida
humana y toda la materia animada e inanimada en el cosmos. Pero no se trata tan sólo de la direcionali-
dad de la flecha del tiempo inscripta en las cosas mismas, puesto que el tiempo interviene en otro sentido
para producir inteligibilidad de los acontecimientos pasados [...].” (PUCCI, 2016, p. 121) [“O conheci-
mento histórico se propõe a explicar os eventos do passado no tempo, uma dimensão temporal imposta
pela técnica narrativa da exposição, apesar de alguns filósofos sustentarem que o tempo é uma ilusão:
o tempo, com sua direção inelutável do passado para futuro, governa a vida humana e toda a matéria
animada e inanimada do cosmos. Mas não se trata apenas da direcionalidade da flecha do tempo inscrita
nas próprias coisas, uma vez que o tempo intervém em outro sentido para produzir inteligibilidade dos
eventos passados [...].”,
tradução livre]
35
“El historiador nunca debe apegarse a una sola fuente primaria, a menos que esté obligado por la ine-
xistencia de otras, circunstancia lamentable que habrá de afectar la calidad del conocimiento producido.
Por el contrario, debe ocuparse de corroborar y contrastar la información obtenida mediante la apelación
a otras fuentes. La habilidad técnica del historiador consiste, entre otras cosas, en ocuparse de saber cómo
llegó a existir una fuente determinada, quién la produjo y para qué, así como los códigos particulares de
sua lenguaje.” (PUCCI, 2016, p. 77) [“O historiador nunca deve se ater a uma única fonte primária, a me-
nos que esteja condicionado à inexistência de outras, uma circunstância infeliz que afetará a qualidade
do conhecimento produzido. Em vez disso, deve se preocupar em corroborar e contrastar as informações
obtidas através do apelo a outras fontes. A habilidade técnica do historiador consiste, entre outras coisas,
em como uma determinada fonte surgiu, quem a produziu e para quê, bem como os códigos específicos
de sua linguagem.”, tradução livre]
36
“Explicar los acontecimientos históricos implica entretejer los argumentos interpretativos con la des-
cripción de esos acontecimientos, lo que suele denominarse como narrativa, que no es una simple for-
ma de exposición, sino además una explicación. La narración histórica verdaderamente satisfactoria es
aquella que guarda un armónico equilibrio entre interpretación e información, sin proliferar en elabo-
raciones abstractas carentes de contenido empírico.” (PUCCI, 2016, p. 109) [“Explicar eventos históricos
envolve entrelaçar argumentos interpretativos com a descrição desses eventos, o que geralmente é cha-
mado de narrativa, que não é uma forma simples de exposição, mas também uma explicação. A narrativa
histórica verdadeiramente satisfatória é aquela que mantém um equilíbrio harmonioso entre interpre-
tação e informação, sem proliferar em elaborações abstratas sem conteúdo empírico.”, tradução livre]
37
Barros (2019) faz uma interessante provocação a respeito dos desafios para a historiografia do novo mi-
lênio. Entre esses, está a necessidade de rever em termos criativos os modos de exposição historiográfica.
38
As diretrizes metodológicas foram propostas por Cristina Altman para o desenvolvimento de vários
projetos de pesquisa no CEDOCH-DL-USP, grupo do qual fiz parte durante minha formação, desde o
ano 2000, no mestrado e no doutorado (que se encerrou em 2007). Retomar essa proposta de método é
mais uma forma de homenagear o trabalho intenso de Altman na elaboração de projetos inovadores e
originais e também na formação de jovens pesquisadores. Minha retomada, no entanto, não é exata-
mente uma citação do que Altman propõe, pois acrescentei ou modifiquei pequenos elementos que não
alteram de modo algum a ideia original dela.
Referências
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ALTMAN, Cristina. História, estórias e Historiografia da Linguística Brasileira. In: BATISTA, Ronaldo de Oli-
veira (Org.). Historiografia da Linguística. São Paulo: Contexto, 2019. p. 19-44.
BARROS, José D’Assunção. Seis desafios para a historiografia do novo milênio. Petrópolis, RJ: Vozes, 2019.
BATISTA, Ronaldo de Oliveira. Introdução à Historiografia da Linguística. São Paulo: Cortez, 2013.
LINGUÍSTICA E O
diálogo com a abor-
dagem feita no capí-
tulo anterior, propõe
OBJETO DE ANÁLISE:
bre modos de análise
da história do ensino
de línguas no escopo
1
Este capítulo retoma agora em conjunto, para maior circulação de posicionamentos anteriormente di-
vulgados, considerações apresentadas em Batista; Tocaia (2018), Batista (2020), Batista (2019b), Batista;
Bastos (2019), Vasconcelos; Batista (2017).
2
V. Batista, org. (2019a), que apresenta textos meta-historiográficos com discussões de princípios teóri-
cos e métodos em Historiografia da Linguística.
3
Reforçamos aqui a necessidade de compreender o termo linguística referindo-se a todo conhecimento
produzido sobre linguagem e as línguas em diferentes recortes temporais.
ensinar língua, então, também são objetos analíticos do historiógrafo quando
este observa e interpreta historicamente, entre outros elementos, a elaboração
e circulação de livros, tratados, dicionários e gramáticas, diretrizes públicas e
leis voltadas para a educação. Podem ainda ser objetos de análise: represen-
tações e atuações da figura docente; relações entre professores e alunos (não
importando a denominação pela qual esses agentes4 do processo educacional
são reconhecidos historicamente).
Sendo assim, as práticas de ensino e a produção de material didático
(não necessariamente reconhecidas por essa denominação em diferentes
recortes temporais) quando historicamente localizadas interessam à HL,
que, nesse sentido, preocupa-se não apenas com produtos encerrados em
si mesmos, mas coloca em perspectiva analítica uma dinâmica de produção
de objetos como gramáticas, dicionários, materiais utilizados no processo
de ensino, diretrizes públicas entre outros elementos relacionados a esse
universo educacional.
4
Nomearemos de agente(s) os diferentes indivíduos que assumem um papel no processo de ensino-apren-
dizagem, desde professores e alunos até profissionais administrativos, coordenadores e responsáveis por
outros serviços que demandam os diferentes ambientes nos quais se processam práticas educacionais.
5
Seguimos Swiggers (1990). Nossa abordagem não se limita a uma paráfrase, pois acrescentamos alguns
elementos às diretrizes propostas pelo historiógrafo belga, tendo em vista trabalhos anteriores com a
história do ensino de língua portuguesa (v. BASTOS; PALMA, org., 2004-2018).
6
Planos de ensino (ou outros materiais com diferentes nomeações e mesmos propósitos) são objeto de
análise porque materializam anseios e diretrizes de uma prática de ensino. Indicam seleção de conteú-
dos, de materiais de apoio didático, de estratégias de transmissão pedagógica, de formas de avaliação.
Elementos como esses permitem depreender a presença histórica de formas de ensino. Neste texto, em
razão dos limites de extensão, não trataremos desse material.
7
Esses elementos vão se configurar de modo distinto de acordo com sua inscrição temporal, a ponto de
nem poderem talvez ser descritos exatamente por meio desses termos.
8
“O método gramatical aplicável a todas as línguas era uma proposta nova de ensino do latim e uma
crítica ao método do jesuíta Manuel Álvares até então utilizado e que despendia muitos anos de estudo
por ensinar gramática latina em latim. As explicações em língua materna tornavam, segundo Roboredo,
mais rápido o aprendizado das línguas clássicas – daí a defesa que fazia da criação ‘de uma cadeira de
língua materna ao menos nas cortes e universidades’.” (FÁVERO, 1996, p. 42)
9
Bastos; Palma (2004, p. 45-73) analisam com detalhes esse trabalho de Roboredo.
10
Citações de Roboredo são feitas a partir da edição on-line disponível em http://clp.dlc.ua.pt/Corpus/
Prologo_PortaLinguas.aspx.
11
Seu trabalho se dava em perspectiva oposta ao dos demais de sua época, no sentido de que seu método
para todas as línguas contrariava a concepção fortemente latinista de ensino de língua e gramática.
12
“A obra de Amaro de Roboredo tem mais uma característica inovadora: este autor deve ser apreciado
como um dos pioneiros no ensino de línguas estrangeiras segundo princípios modernos. Antes de mais
nada, é preciso destacar que os textos linguísticos de Roboredo representam todo um conjunto de li-
vros indispensáveis para o estudo inicial da língua: manuais de gramática [...], colectânea de textos [...].”
(KOSSARIK, 2002, p. 16)
[S]erá mui accõmodado aos mestres para mostrar logo com o dedo os fun-
damentos de todas as palavras, que a cada passo se oferecem, nos autores,
porque mais palavras totalmente diversas se encerrão nos limites de tres folhas
de papel, que em algum grande volume [...]: isto recuperará as breves limita-
ções de tempo aos occupados com varios negocios, como são embaixadores
de Príncipes, para aprenderem a linguagem estrangeira: isto recompensará
em parte aos criados honrados dos nobres a perda de não acudir ás Escolas
publicas: isto aproveitará muito para forrar gastos aos que não soffrem bem
gastar tantos annos nas letras humanas: isto tambem espertará para os estu-
dos aos nobres, que de boa mente tomarão o trabalho meão, mas o comum,
e enfadonho, mal, ou escassamente: servirá também a todos aquelles que por
causa da necessidade, ou de honesta recreação deverão aprender as linguas
mais necessarias, e mais nobres, como são a Italiana, Castelhana, Germani-
ca, e Francesa, feita tambem compreensão de todas as palavras em sentenças.
(ROBOREDO, 1623, citação da edição on line, p. 1 do Prólogo)
15
Não no sentido que a expressão adquire na tradição da linguística histórico-comparativa do século XIX.
Tambẽ algũs verbos ſe hão de deſcreuer com dous, ij, hum conſoante, ou-
tro vogal depois do artigo & não com, gi, vt aıjquî, aıjboˆ. Porque tendo o
accuſatiuo expreſſo, ou, o reciproco, & outras partes, (vt infra latius) perdem
o primeiro, i. vt pirá ibómo, peixe frechando: & ſe ſe eſcreuera cõ, gi ouuera
de dizer, piragibómo. (ANCHIETA, 1990[1595], p. 33)
c) Livros didáticos
16
Com Batista (2011, 2019b) e Batista; Tocaia (2018), entende-se que a definição de livro didático como
gênero é problemática, pois o livro contém diferentes gêneros (texto explicativo, exercícios, tabelas, gra-
vuras, instruções, sumários etc.). Assume-se essa classificação para que se possa perceber que o livro
didático exerce uma função específica em um processo comunicativo delimitado e caracterizado por seu
funcionamento.
18
“O sistema educacional era marcado pela influência dos acordos MEC/Usaid, que serviram de sustentá-
culo às reformas do Ensino Superior e, posteriormente, do ensino de 1o. e 2o. grau. Em 1968, houve uma
reforma universitária (Lei 5.540/1968), que, somada a uma segunda Lei, já na década de 1970, a 5.692/1971
– Lei de Diretrizes e Bases da Educação, promulgada em agosto de 1971 trazia indicativos de mudanças
sociais e econômicas, mas a ampliação do regime de governo, militar e autoritário, e o recrudescimento
da ditadura e do modelo econômico desta década impediram condições de realização efetiva dos avanços
contidos em tais reformas. A década foi tão importante que vários autores a analisaram e a discutiram, sob
vários ângulos, como os pedagógicos, os educacionais e os sociais.” (PALMA; FRANCO, 2016, p. 51)
19
Para as quatro primeiras séries do 1o. grau, a nomeação era “Comunicação e Expressão”. Nas quatro
últimas séries (na organização escolar oficial da década de 1970), a disciplina chamava-se “Comunicação
em Língua Portuguesa”. Para o ensino 2o. grau, a nomeação era Língua Portuguesa e Literatura Brasileira.
cultivo de linguagens que ensejam ao aluno o contato coerente com seus se-
melhantes e a manifestação harmônica de sua personalidade, nos aspectos fí-
sico, psíquico e espiritual, ressaltando-se a Língua Portuguesa como expressão
da Cultura Brasileira. (Art. 3o. da Lei 5.692/71)
Art. 4o. — As matérias fixadas nesta Resolução serão escalonadas, nos currí-
culos plenos do ensino de 1o. e 2o. graus, da maior para a menor amplitude
do campo abrangido, constituindo atividades, áreas de estudo e disciplinas.
[...]
§ 2o.— Nas áreas de estudo, formadas pela integração de conteúdos afins, as
situações de experiência tenderão a equilibrar-se com os conhecimentos siste-
máticos para configuração da aprendizagem.
§ 3o.— Nas disciplinas, a aprendizagem se desenvolverá predominantemente
sobre conhecimentos sistemáticos. (Art. 4o. da Lei 5.692/71)
20
Disciplinas matrizes que geraram a concepção do ensino de língua na década de 1970 no Brasil.
Esta seção retoma com alterações e em forma de síntese análise de Vasconcelos; Batista (2017).
21
Esse anseio encontrava eco na Lei de Diretrizes e Bases de 1971, que era paradoxal diante do que nor-
22
Essa foi a figura reafirmada em Alves, que com suas palavras reproduzia
um momento da educação brasileira que via a transição de regimes políticos,
os anseios de liberdade e a crença na educação como mola propulsora para
uma sociedade justa e desenvolvida, ancorada, entre outros elementos, na
importância de um docente que fosse um educador e não apenas reprodutor
de conhecimentos desvinculados da sociedade e da capacidade reflexiva, es-
sencial para a formação dos novos cidadãos nos espaços sociais.
Está no texto de Alves, o ethos do docente que não apenas ensina conteú-
dos e os avalia em provas. O que se privilegia é a imagem do docente preocupa-
do com sua profissão e vocação, inscrito em práticas sociais transformadoras.
Uma produção intelectual não é desvinculada de um clima de opinião que
a legitima. A reflexão de Alves se situa em um domínio contextual específico: a
tensa transição entre duas décadas que materializa a mudança política e social
de um país, trazendo questões fundamentais para a alteração de rota que uma
nação iria empreender. Não é fato casual que o livro em que está publicada a
reflexão de Alves, Conversas com quem gosta de ensinar, faça parte de um pro-
jeto editorial intitulado “Coleção Polêmicas de Nosso Tempo”.
Na pauta da época, os rumos que a sociedade deveria tomar, inclusive
na educação. O breve ensaio de Alves, em alguns momentos, parece nos levar
a uma reflexão de outra natureza, a que coloca no centro de sua preocupação
modos de agir na sociedade por meio da linguagem. A uma crise na ação so-
cial corresponderia em essência uma crise na linguagem, pois os cidadãos já
não reconheciam seu exercício de agentes sociais por meio do uso da língua,
por isso o chamado de Alves para uma reaprendizagem do falar.
Insinua-se no texto um pensar sobre o uso da linguagem próprio de
uma época de repressão e reafirmação de necessidades básicas dos indiví-
Conclusão
Considerar o ensino de língua em sua dimensão histórica permite ampliar
o escopo de atuação da HL. Tal vertente é destaque em diferentes reflexões
historiográficas (são muitos, por exemplo, trabalhos de pesquisadores brasi-
leiros, portugueses, espanhóis, franceses) e se constitui como uma das mais
produtivas no cenário contemporâneo da retomada crítica e histórica dos
estudos sobre a linguagem.
Sem dúvida, o universo didático-pedagógico, por assim dizer, co-
loca questões importantes para a compreensão de como a língua, sua
estrutura, seu uso e transmissão educacional (em diferentes formatos),
faz parte de uma sociedade e de uma cultura, condicionada por todo um
Referências
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FÁVERO, Leonor L. As concepções linguísticas no século XVIII. Campinas: Editora da Unicamp, 1996.
FIGUEIRA, Pe. Luis. Arte da Lingva Brasilica. Lisboa: Manoel da Silva, 1621(?).
FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: Unesp, 2000.
KOSSARIK, Marina. Introdução. In: ROBOREDO, Amaro de. Methodo grammatical para todas as Linguas.
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MAMIANI, Pe. Luis V. Arte de Grammatica da Lingua Brasilica da Naçam Kiriri. Rio de Janeiro: Biblioteca
Nacional, 1877[1699].
PALMA, Dieli V.; FRANCO, Maria Ignez S. O ensino de redação na década de 1970 sob múltiplo enfoque:
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(Org.). História entrelaçada 7: língua portuguesa na década de setenta — linguística, gramática e edu-
cação. São Paulo: Terracota, 2016. p. 49-75.
DA ANÁLISE
os princípios propostos
por Koerner (1996) para
a análise historiográfica,
A CONTRIBUIÇÃO DE
rão aqui conceituados e
discutidos consideran-
do-se a atuação de Cris-
LINGUÍSTICA NO BRASIL
cionalização nos estudos
linguísticos brasileiros,
ao longo de mais de
30 anos. Este trabalho
será desenvolvido em
Dieli Vesaro Palma
uma perspectiva meta-
Nancy dos Santos Casagrande
historiográfica, tal como
propõe Swiggers (2017,
p. 53), que assim a con-
ceitua: “A meta-historiografia é o domínio definido por todos os tipos de
atividades reflexivas, tendo como objeto a prática e os produtos de historio-
grafia; tem assim um status de dicto”.
Swiggers (2017, p. 53) considera ainda que a meta-historiografia envolve
três tarefas ou níveis: a construtiva, a crítica e a especulativa ou contempla-
tiva. Entendemos que este estudo se insere na segunda modalidade, uma vez
que objetivamos avaliar “ao nível da documentação e dos princípios meto-
dológicos e epistemológicos, produtos existentes da prática historiográfica
linguística” (SWIGGERS, 2017, p. 53).
Nesse sentido, as questões que orientam nossa exposição são:
(a) como se deu a instalação da Historiografia (da) Linguística no Brasil;
(b) qual foi a contribuição de Cristina Altman nesse processo de instalação
e de institucionalização dessa disciplina;
(c) quais foram os desdobramentos da institucionalização dessa disciplina
no estudo de um caso específico, o do Grupo de Pesquisa em Historio-
grafia Linguística da PUC-SP?
O capítulo estrutura-se em quatro partes, além dessas Considerações
iniciais e das Considerações finais. Na primeira, focalizamos a constituição
da Historiografia (da) Linguística e sua chegada ao Brasil, trazida por Cristina
Altman. Na segunda, traçamos o percurso da Historiografia (da) Linguística
no Brasil e a contribuição de Cristina Altman no processo de sua institucio-
nalização; na terceira abordamos os princípios metodológicos propostos por
Koerner (1996) e na quarta desenvolvemos o estudo de caso sobre o Grupo
de Pesquisa em Historiografia Linguística da PUC-SP, no que diz respeito à
observação dos princípios metodológicos de Koerner.
Os princípios da análise historiográfica e a contribuição de Cristina Altman para a Historiografia da Linguística no Brasil
75
dessa altamente complexa disciplina—a-se-constituir e a subsequente funda-
ção de uma metodologia sólida de investigação e apresentação. (KOERNER,
1978, p. 60, apud SWIGGERS, 2017, p. 46)
Os princípios da análise historiográfica e a contribuição de Cristina Altman para a Historiografia da Linguística no Brasil
77
O livro que se vai ler revela, em páginas densas, porém elegantemente escritas,
por que a Linguística Brasileira é como é. Indiretamente, ele propõe a ins-
talação da Historiografia da Linguística em nosso meio, e este será, estou
seguro, mais um de seus méritos. (grifo nosso)
Os princípios da análise historiográfica e a contribuição de Cristina Altman para a Historiografia da Linguística no Brasil
79
Outro veículo dessa institucionalização da Historiografia (da) Linguís-
tica no Brasil foram as publicações sobre esse tema e, como exemplificação,
selecionamos alguns dos trabalhos publicados por Altman. O primeiro deles
é o artigo “Memórias da Linguística na Linguística Brasileira”, lançado na
Revista da ANPOLL, em 1996. Nele, a autora descreve o modo como con-
ceituados pesquisadores brasileiros, em suas áreas de especificidades, em ma-
nuais sobre linguística, abordaram os objetos históricos, relacionando-os ao
desenvolvimento da disciplina linguística. Nesse trabalho, houve um especial
destaque à seleção dos fatos, ao foco, às motivações, ao tipo de orientação
dado pelos autores aos seus textos. Após descrever e analisar de forma deta-
lhada os pontos destacados, abordando questões sobre o fazer historiográfico,
Altman finaliza seu trabalho concluindo que
Os princípios da análise historiográfica e a contribuição de Cristina Altman para a Historiografia da Linguística no Brasil
81
para o estágio atual de uma área de conhecimento é um viés que deve ser
evitado; negar a contribuição de tradições anteriores para o estágio atual de
desenvolvimento de um campo científico não é uma visão razoável e o fato
de o conhecimento produzido não ser resultante da simples acumulação de
conquistas passadas e progressivas não significa, necessariamente, que tenha
havido só rupturas, uma vez que “o passado informa o presente” (ALTMAN,
1998, p. 27), afirma a autora. Por fim, ela destaca que, se cabe à historiogra-
fia linguística (re)estabelecer os pressupostos adotados pelos linguistas do
passado em seu fazer científico e as consequências de suas proposições para
o conhecimento que o historiógrafo produz sobre a linguagem e as línguas,
a investigação das condições de produção e de recepção do conhecimento
linguístico é um elemento importante para o conhecimento do historiógrafo
dos “traços constitutivos da(s) ciência(s) da linguagem contemporâneas(s),
e das suas metodologias” (ALTMAN, 1998, p. 28). Finalmente, conclui que
Esse princípio é responsável por situar uma obra e seu autor num quadro
de reflexão mais amplo, considerando que a produção e a recepção de ideias
não se dão de forma isolada, uma vez que os diferentes campos dos estudos
da linguagem, exatamente por lidar com o componente que ajuda a definir
o homem diante de outras espécies, encontram-se em relação constante com
outros horizontes de reflexão sobre o que constitui o homem e sua produção
Os princípios da análise historiográfica e a contribuição de Cristina Altman para a Historiografia da Linguística no Brasil
83
intelectual e social nos diferentes recortes históricos. Encontra-se, nesse prin-
cípio, a vocação interdisciplinar que define a Historiografia da Linguística
como uma observação analítica sobre eventos dos estudos da linguagem situ-
ados historicamente.
1
http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/7293527498554039 (acesso em 03 set 2019)
2
Esta publicação tem edições bienais; em 23 anos de existência do grupo, a partir de 2004, foram lança-
dos 8 volumes, estando o 9º no prelo com previsão de lançamento para 2020.
Os princípios da análise historiográfica e a contribuição de Cristina Altman para a Historiografia da Linguística no Brasil
85
Língua Portuguesa”, traz exatamente essa reflexão a que se refere Swiggers,
quando Bastos e Palma (2004, p. 10) afirmam ter cumprido
Os princípios da análise historiográfica e a contribuição de Cristina Altman para a Historiografia da Linguística no Brasil
87
tigativos” que serviram como base na análise da produção linguística. Vale
ressaltar que tais passos surgiram dos princípios estabelecidos por Koerner
(1996) e Swiggers (2010) e assim se apresentam em quatro momentos: sele-
ção, ordenação, reconstrução e interpretação.
Num primeiro momento, ocorreu a seleção de documentos gramaticais
que seriam objetos de estudo, privilegiando-se os mais representativos nos sé-
culos que se buscava estudar, quais sejam: XVI, XVII, XVIII, XIX e XX. A par-
tir daí, procedeu-se à ordenação e, de acordo com Bastos e Palma (2019, p. 9),
Os princípios da análise historiográfica e a contribuição de Cristina Altman para a Historiografia da Linguística no Brasil
89
ções biográficas sobre o gramático em análise, uma vez que “sua história de
vida tem relação direta com a visão que assume quanto ao ensino da língua
e à concepção de gramática, representando continuidade ou descontinuidade
nos estudos gramaticais de sua época” (BASTOS; PALMA, 2006, p. 13-14).
Em relação ao princípio da imanência, a reflexão voltou-se para o objeto
de estudos no sentido de reconhecê-lo como metalinguístico ou não meta-
linguístico. Nessa medida, ficaram assim descritas as diferenças entre um e
outro objeto e os procedimentos para análise do corpus, de acordo com as
autoras (BASTOS; PALMA, 2008, p. 14-15):
Considerações finais
Retomamos as perguntas que orientaram a elaboração deste texto, a saber:
“a) como se deu a instalação da Historiografia (da) Linguística no Brasil;
b) qual foi a contribuição de Cristina Altman nesse processo de instalação
e de institucionalização dessa disciplina; c) quais foram os desdobramentos
dessa institucionalização dessa disciplina no estudo de um caso específico, o
do Grupo de Pesquisa em Historiografia Linguística da PUC-SP?” Quanto à
primeira, podemos afirmar que ela se inicia com a defesa da tese de douto-
ramento de Cristina Altman, prossegue com a criação do GT de Historio-
grafia na ANPOLL, firma-se com a oferta e institucionalização de disciplinas
na Pós-Graduação da USP, amplia-se com os encontros no GT da ANPOLL
e nos eventos realizados em instituições universitárias e espalha-se com a
criação de Grupos de Pesquisa, que vêm desenvolvendo estudos de diferente
natureza nessa área.
Os princípios da análise historiográfica e a contribuição de Cristina Altman para a Historiografia da Linguística no Brasil
91
No que diz respeito à segunda pergunta, vamos enfatizar, mais uma vez,
que ela se concretizou graças ao empenho e aos esforços de Cristina Altman,
que, desde a década de 1980, por mais de 30 anos, batalhou para que ela fosse
conhecida nos meios acadêmicos brasileiros e neles criasse raízes. Foi um
processo longo, que ainda está em desenvolvimento e que tende a crescer e a
angariar cada vez mais pesquisadores.
No que tange à terceira questão, podemos afirmar que o Grupo de His-
toriografia Linguística da PUC-SP iniciou seu percurso pautado nos ensina-
mentos de Koerner e Altman e que, a partir deles, ampliou aspectos relacio-
nados a questões metodológicas, visando a atender a sua agenda de pesquisa.
Em síntese, podemos afirmar que a Historiografia (da) Linguística no
Brasil está consolidada como uma disciplina científica, interdisciplinar, com
princípios metodológicos reconhecidos, com vertentes de trabalho definidas,
graças à persistência e contribuições de Cristina Altman. É o que ocorre com
o Grupo de Pesquisa em Historiografia Linguística da PUC-SP, que, além de
pautar-se pelos princípios metodológicos de Koerner, desenvolve seus estu-
dos em três vertentes: aquela cujo objeto de estudo é metalinguístico, a que
focaliza objetos não-metalinguísticos, tendo, portanto, como foco a lingua-
gem e a que aborda questões lusófonas. Temos ainda de destacar a vertente
de investigação que vem sendo desenvolvida pelo professor doutor Ronaldo
de Oliveira Batista, cujos estudos têm focalizado a análise retórica (BATISTA,
2019). Ao finalizar este percurso de reflexão sobre o conhecimento historio-
gráfico produzido no Brasil, constatamos que a semente plantada por Alt-
man, em 1983, vingou, criou raízes e tornou-se uma árvore vigorosa e viçosa.
Referências
ALTMAN, Cristina. Memórias da Linguística na Linguística Brasileira. Revista da ANPOLL, n. 2, p. 173-
189, 1996.
ALTMAN, Cristina. A Pesquisa Linguística no Brasil — 1968-1988, São Paulo: Humanitas, 1998.
ALTMAN, Cristina. História, Estórias e Historiografia da Linguística Brasileira. Todas as Letras — Revista
de Língua e Literatura, v.14, n.1. São Paulo, p. 14-37, 2012.
BASTOS, Neusa Barbosa; PALMA, Dieli Vesaro (Org.). História Entrelaçada A Construção de Gramáticas e
o Ensino de Língua Portuguesa do Século XVI ao XIX. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004.
BASTOS, Neusa Barbosa; PALMA, Dieli Vesaro (Org.). História Entrelaçada 2 A Construção de Gramáticas e
o Ensino de Língua Portuguesa na primeira metade do Século XX. Rio de Janeiro: Lucerna, 2006.
BASTOS, Neusa Barbosa; PALMA, Dieli Vesaro (Org.). História Entrelaçada 3 A Construção de Gramáticas
e o Ensino de Língua Portuguesa na segunda metade do Século XX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
BASTOS, Neusa Barbosa; PALMA, Dieli Vesaro (Org.). Historiografia Linguística; um percurso. Caderno de
Pós-Graduação Verbum — Dossiê Historiografia Linguística, v. 8, n. 1, 2019.
Os princípios da análise historiográfica e a contribuição de Cristina Altman para a Historiografia da Linguística no Brasil
93
O FAZER
Introdução
Para refletir sobre a pluralidade de
HISTORIOGRÁFICO:
maneiras de se fazer um estudo his-
tórico/historiográfico, parece-nos
relevante apontar, através dos tem-
PARÂMETROS
mentos e lugares diversos, iniciando
uma reflexão pelo saber histórico.
Considera-se, entre todos os
EXTERNOS E
saberes de relevância para os su-
jeitos inseridos em uma socieda-
de, o saber histórico, como uma
No século XVIII, a história, de acordo com o mesmo autor (2016) era vis-
ta como uma narrativa, sempre ligada a um objeto que fazia parte dela, o que
cente a uma coleção da EDUC (Editora da PUC/SP), intitulado: Língua Portuguesa em calidoscópio. São
Paulo: EDUC/FAPESP, 2004. p. 73-83.
5
Por história cultural, entendemos um estudo das práticas culturais, sejam elas quais forem (econômicas
ou culturais) dependem das representações utilizadas pelos indivíduos para darem sentido ao mundo.
Por história das mentalidades, entendemos um estudo das atitudes e comportamentos coletivos pela sua
quantificação num espaço de tempos mais longo, buscando contato com outras ciências humanas.
[...] como parte da história intelectual [...] como a história de esquemas con-
ceituais que os autores utilizam, consciente ou inconscientemente, assumida
ou implícita, para explicar a experiência passada. Neste sentido, isto é, da
historiografia como parte da história intelectual, procura utilizar uma abor-
dagem ao mesmo tempo “internalista” e “externalista”; em outras palavras,
procura ver o movimento das ideias como desenvolvimento e transformação
de correntes de pensamento pretéritas e, ao mesmo tempo, procura verificar
de que modo os contextos (social, nacional, internacional) condicionam (ou se
relacionam) aquelas ideias e sua transformação. (MOURA, 1995, p.14)
6
Grifo nosso para apontar a relação com os nossos objetivos referentes às dimensões externas e internas
na Historiografia Linguística.
[...] uma disciplina de vocação científica que tem como principais objetivos
descrever e explicar como se produziu e desenvolveu o conhecimento linguís-
tico em determinado contexto social e cultural, através do tempo. Dito de ou-
tra maneira, o trabalho historiográfico das ciências da linguagem deve focali-
zar não só a dimensão cognitiva do desenvolvimento da disciplina, a chamada
dimensão interna, mas também a sua dimensão social, externa se quisermos.
A atividade de escrever a história da Linguística presume, pois, a tarefa de re-
construção dos fatos a partir dos quais o historiógrafo constrói seu sistema de
referências, mas pressupões também a tarefa de selecionar e interpretar como
os problemas linguísticos se constituíram, se formularam, e se reformularam
ao longo da história. O que pressupõe uma atividade fundada em princípios
bem definidos, cuja precisão e cujo rigor podem ser comparáveis não apenas
Afirma Koselleck (2006, p. 115) que “os estudos linguísticos têm por
fundamento universal a constatação de que cada significado lexical tem um
alcance que atrapalha aquela singularidade que, por sua vez, pode ser atribuí-
da ao acontecimento histórico”. E continua asseverando que as palavras, cada
uma delas, atesta as suas possibilidades linguísticas “para além do fenômeno
particular que ela caracteriza e/ou denomina em certo momento”. Da mesma
maneira, os conceitos históricos vão além do seu momento, unindo concei-
tualmente experiências complexas.
Apontada a relação intrínseca entre a história/historiografia e a linguís-
tica, podemos assegurar que a relação entre os estudos linguísticos e os estu-
dos de áreas (sociologia, filosofia entre outras) que influenciam a produção
linguística desemboca nas correntes da historiografia das ciências: o interna-
lismo e o externalismo, duas das mais fortes correntes da historiografia das
ciências entre as décadas de 1930 e 1960 que foram capazes de sugerir uma
solução alternativa à proposta epistemológica dos positivistas.
Permiti-me destacar, dentre as várias abordagens, a disputa entre fatores
internos e fatores externos na explicação do desenvolvimento da ciência, o
Uma vez que apenas a filosofia poderia alcançar o que verdadeiramente im-
portante havia para se saber sobre as ciências, restava decidir entre fazer uma
história do percurso das ideias científicas (perspectiva internalista) totalmente
apartada de uma história das relações institucionais, financiamentos, filiações
políticas ou pela extração social (perspectiva externalista). (ÁVILA, 2013, p. 29)
Não pretendo com isso reduzir a perspectiva internalista aos valores do libe-
ralismo e da lógica de mercado; ou o externalismo ao socialismo e à planifica-
Corolário este que se relaciona, principalmente nos itens (iii) (vi) e (v),
aos princípios até aqui tratados sobre a necessidade de se estudar o clima
Conclusão
Toda e qualquer narrativa traz o passado para o presente, eliminando, dessa
forma, as diferenças temporais que tematiza, buscando compreender os fe-
nômenos linguísticos presentes no texto ou textos selecionados, respeitando
sempre o fazer historiográfico que busca metodologias em ciências sociais,
filosofia e demais saberes já constituídos, que contribuem com os princípios
norteadores do processo em questão.
A ciência linguística é um produto de interações locais, históricas, instá-
veis e mutantes, podendo ser apropriada em diferentes contextos, ser adapta-
da para diversos usos, permanecer ao longo de várias configurações históri-
cas e o objeto da ciência linguística não é dado pelas fontes, mas construído
pelo historiador a partir das solicitações do presente e podemos afirmar que
nosso objetivo foi o de refletir sobre a pluralidade de maneiras de se fazer
um estudo histórico/historiográfico, com responsabilidade intelectual, para
Referências
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Oliveira (Org.). Historiografia da Linguística. São Paulo: Contexto, 2019. p. 19-43.
AUROUX, Sylvain. A revolução tecnológica da gramatização. Trad.: Eni Puccinelli Orlandi. Campinas: Edi-
tora da UNICAMP, 1992
ÁVILA, Gabriel da Costa. Epistemologia em conflito: uma contribuição à história das Guerras da Ciência.
Belo Horizonte: Fino Traço, 2013.
ÁVILA, Gabriel da Costa. Historiografia e historicidade das ciências no século XX. Boletim 11 da SBHC
(Sociedade Brasileira da História da Ciência), 2019. Disponível em https://www.sbhc.org.br/conteudo/
view?ID_CONTEUDO=973
BARROS, José Costa D’Assunção. Os historiadores e o tempo: a contribuição dos Annales. Cadernos de
História, Belo Horizonte, v. 19, n. 30, p. 182-210, 2018.
BASTOS, Neusa Barbosa. O fazer historiográfico em Língua Portuguesa. In: BASTOS, Neusa Barbosa
(Org.). Língua Portuguesa em calidoscópio. São Paulo: EDUC/FAPESP, 2004. p. 73-83.
BATISTA, Ronaldo de Oliveira. A Historiografia da Linguística e a retórica dos linguistas: a força das pa-
lavras e seu valor histórico. Filologia e Linguística Portuguesa, São Paulo, v. 18, n. 2, p. 301-317, 2016.
BATISTA, Ronaldo de Oliveira (Org.). Historiografia da Linguística. São Paulo: Contexto, 2019.
UMA TEXTURA
ca5: a questão da explicação
1
Tradução de Ronaldo de Oliveira
Batista (UPM/CNPq) e Antonio
DE “CAMADAS”
Ackel (PPG-DLCV/USP).
2
Uma versão deste texto foi pu-
blicada na revista Todas as Letras,
em 2020. Esta versão apresenta
ANOTAÇÕES META-
modificações. O tema e a aborda-
gem são retomados com objetivo
de atingir um público mais amplo.
HISTORIOGRÁFICAS
Este capítulo retoma um texto
1 2
3
meta-historiografia também foram tratadas por Konrad Koerner; ver os artigos orientados teoricamente
em seus estudos coletados (KOERNER, 1978, 1989, 1995, 1999, 2004).
6
Sobre as origens do termo (e o seu conteúdo original), ver Swiggers (1996, com mais referências biblio-
gráficas).
7
Para uma visão geral da concepção e prática da linguística no século XIX, ver Swiggers (2011).
8
Para uma introdução e visão geral do campo da historiografia linguística, ver Batista (2013).
9
A “não mudança” ou retenção deve ser incluída no conceito geral de mudança: é “mudança amorfa” ou
“mudança sem substituição” (cf. HOENIGSWALD, 1960, p. 14).
15
O modelo de três camadas de Galison é, em essência e em espírito, muito diferente do modelo tripar-
tido de Laudan (1984).
16
Para uma breve visão geral do domínio, ver Swiggers (1998).
17
Como tal, a relação específica entre ‘observação’, ‘descoberta’ e ‘explicação’ nas ciências naturais (cf.
HANSON, 1958, 1971) não pode ser transposta para a linguística.
18
A coexistência integrada das quatro camadas dentro de uma configuração científico-institucional é
adequadamente capturada pela noção de cinosura (cynosure) de Hymes (ver HYMES, 1974).
19
Para uma visão crítica sobre a aplicabilidade do modelo de Kuhn à história da linguística, ver Percival (1976).
Referências
BATISTA, Ronaldo de Oliveira. Introdução à historiografia da linguística. São Paulo: Cortez, 2013.
BATISTA, Ronaldo de Oliveira. Retórica de ruptura e descontinuidades nas ciências da linguagem: um
estudo pela Historiografia da Linguística. Confluência, n. 49, p. 119-141, 2015.
20
Não posso entrar no problema da incomensurabilidade (e da possível incomparabilidade; não equacio-
no ambos os termos) das teorias linguísticas (ver TEN HACKEN, 1997), nem na forma como esta pode
ser tratada em termos do modelo de três camadas. Para a visão modificada de Kuhn sobre incomensura-
bilidade, ver Kuhn (1989, p. 10-12); ver também Swiggers (2004, p. 135-136). Alguns filósofos da ciência
(por exemplo, Feyerabend) não consideram importante a questão da (in)comensurabilidade.
21
A abordagem historiográfica das ideologias no trabalho implica uma complexa rede de fatores, e tem que
apelar para uma conjunção de ferramentas analíticas, que vão desde a argumentação racional / análise do
discurso, documentação histórica institucional, análise das relações de poder, a análise retórica, todos os
quais têm de ser fundamentados em pontos de vista sobre a sociologia e psicologia (incluindo psicopatolo-
gia) de personalidades e comunidades. Isso exige um quadro de análise sociopragmática abrangente. Para
estudos de caso interessantes, ver, por exemplo, Harris (1993) e Batista (2015). Sobre a complexidade das
ideologias da linguística, juntamente com as ideologias da linguagem, ver Swiggers (2019b).
METALINGUAGEM
conhecimento implica o estabe-
lecimento de conceitos, vocabu-
lário e metodologia. Como par-
DA LINGUÍSTICA
dominar a língua dessa especia-
lidade; sua produção acadêmica
dirigida aos pares demonstrará
Maria Carlota Rosa esse domínio.
Mas ... e se a área de pes-
quisa é a Historiografia da
Linguística, que tem por tarefa
“observar a produção, difusão e recepção de ideias linguísticas ao longo dos
tempos” (BATISTA, 2019, p. 9)?
Qual o problema? É que vêm à memória as palavras de Kuhn: novos
paradigmas acabam por incorporar parte do vocabulário do paradigma tra-
dicional (KUHN, 1991 [1962], p. 189) e, assim sendo, um termo que era
compartilhado pela comunidade científica passa a responder a uma nova
estrutura conceptual: rejeitam-se as antigas acepções, substituídas pelas do
novo paradigma. O termo é o mesmo e não é, necessitando de definição a
cada emprego cujo público ultrapasse os limites do grupo de pesquisa cons-
tituído no âmbito do novo paradigma.
Nesse cenário kuhniano, a comunidade científica é fundamental:
5
No original: “Greeks and Romans neither compartmentalize knowledge nor always broker out gramma-
tical phenomena as we do. They do, however, create a vast array of technical terms, but that terminology
is, for much of the time, in the process of evolving and does not become fixed until late in the tradition;
consequently many authors employ the language of everyday intellectual discourse, often embellished by
notable metaphors, rather than an established metalanguage when articulating their linguistic theories
and practices. So both the availability of texts and the contents of those texts pose historiographical proble-
ms of some magnitude”. (TAYLOR, 2006, p. 2, 432)
6
No original: “La seule chose que nous puissions dire, c’est que nous n’avons pas trace d’un tel métalangage
dans des textes antérieurs au quatrième siècle. C’est seulement avec Platon que les « noms » vont explicite-
ment éclater en noms et en verbes”. (LALLOT, 1988, p. 13)
7
No original: “There are twelve kinds of Latin. Of them, one is in common use, and in it the Latins write all
their works. To give you a sample of the twelve types, I shall demonstrate them using a single noun.
1 In the Latin in common use ignis ‘ fire’ takes first place, igniting everything through its essential nature; 2
It is called quoquihabin [which Virgilius declines in full] because it has the power of cooking raw food; 3 it
is called ardon because it burns ardently; 4 calax calacis from its heat (calor); 5 spiridon from its blast (spi-
ramen); 6 rusin from its ruddy colour (rubor); 7 fragon from the crackling (fragor) of its flames; 8 fumaton
from the smoke (fumus); 9 ustrax from burning (urendo); 10 vitius in that it revives near-dead limbs with
its vigour; 11 siluleus because it leaps from the flint (de silice sileat); hence, nothing deserves the name silex
Ele [Virgílio da Ásia] escreveu um esplêndido livro sobre os doze latinos, que
ele chamou por esses nomes:
I O primeiro é o tipo de uso comum na eloquência romana.
II Assena, ou seja, estenografia, que representa uma palavra inteira (fonum)
com uma única letra em uma forma prescrita.
III Semedia, ou seja, nem totalmente estranho nem totalmente familiar, como
a monta glosa, que é mons altus ‘montanha alta’ e gilmola para gula esôfago.
IV Numeria tem seus próprios números: nim 1, dun 2, tor 3, quir 4, quart 5,
ses 6, sen 7, onx 8, amin 9, ple 10, que é assim chamado de ‘plenitude’; e desta
maneira de nimple 11 a plasina 20, torlasin 30, quirlasin 40, até bectan 100, e
em até colephin 1000, etc.
V Metrofia, ou seja, referente ao entendimento, por exemplo dicantabat ‘co-
meço’, bora ‘força’, gcno ‘utilidade’, sade ‘justiça’, teer ‘par conjugal’, rfoph
‘veneração’, brops ‘piedade’, rihph ‘hilaridade’, gal ‘reino’, fkal ‘religião’, cli-
tps ‘nobreza’, mrmos ‘dignidade’, fann ‘reconhecimento’, ulioa ‘honra’, gabpal
‘conformidade’, blaqth ‘luz do sol’, mera ‘chuva’, pal ‘dia e noite’, gatrb ‘paz’,
biun ‘água e fogo’, spadx ‘longevidade’. O mundo inteiro é governado por estas
coisas e prospera nelas.
VI Lumbrosa, ou seja, excessivamente longa, quando uma frase inteira é escri-
ta para uma única palavra comum. Aqui estão alguns exemplos: gabitariuum
bresin galsiste ion para ‘ler’; similarmente nebesium almigero pater panniba
para ‘vida’.
VII Sincolla, ou seja, excessivamente curto, é o oposto: toda uma frase comum
está contida em uma palavra, como nos seguintes exemplos: gears ‘consertar
seus caminhos e amar as coisas boas’; similarmente biro, ‘não é conveniente
abandonar seus pais’.
VIII Belsavia, ou seja, de cabeça para baixo, quando os casos de substantivos
e humores de verbos são alterados, como nestes exemplos: lex para legibus,
legibus para lex, rogo para rogate, rogant para rogo.
‘ flint’ unless a scintilla ‘spark’ jumps from it; 12 aeneon from the god Aeneas who lives in it, or by whom
breezes are wafted to the elements”. (A I 57-77, In LAW, 1995, p. 53-54)
8
No original: He [Virgilius of Asia] wrote a splendid book on the twelve Latins, which he called by these
names:
I The first is the kind in common use in Roman eloquence.
II Assena, i.e. shorthand, which represents a whole word (fonum) with a single letter in a prescribed form.
III Semedia, i.e. neither wholly strange nor wholly familiar, like monta glosa, which is mons altus ‘tall
mountain’ and gilmola for gula ‘gullet’.
IV Numeria has its own numbers: nim 1, dun 2, tor 3, quir 4, quart 5, ses 6, sen 7, onx 8, amin , ple 10, which
is so called from ‘plenitude’; and in this manner from nimple 11 to plasin 20, torlasin 30, quirlasin 40, up
to bectan 100, and on up to colephin 1000, etc.
V Metrofia, i.e. pertaining to the understanding, e.g. dicantabat ‘beginning’, bora ‘fortitude’, gcno ‘utili-
ty’, sade ‘justice’, teer ‘conjugal pair’, rfoph ‘veneration’, brops ‘piety’, rihph ‘hilarity’, gal ‘kingdom’, fkal
‘religion’, clitps ‘nobility’, mrmos ‘dignity’, fann ‘recognition’, ulioa ‘honor’, gabpal ‘compliance’, blaqth
‘light of the sun’, mere ‘rain’, pal ‘day and night’, gatrb ‘peace’, biun ‘water and fire’, spadx ‘longevity’. The
whole world is ruled by these things and prospers in them.
VI Lumbrosa, i.e. excessively long, when a whole phrase is written for a single common word. Here are
some examples: gabitariuum bresin galsiste ion for ‘to read’; similarly nebesium almigero pater panniba
for ‘life’.
VII Sincolla, i.e. excessively short, is the opposite: a whole common phrase is contained in one word, as
in the following examples: gears ‘mend your ways and love good things’; similarly biro, ‘it is not expedient
to abandon one’s parents’.
VIII Belsavia, i.e. upside down, when the cases of nouns and moods of verbs are altered, as in these exam-
ples: lex for legibus, legibus for lex, rogo for rogate, rogant for rogo.
IX Presinay i.e. comprehensive, when one word-form signifies many normal words, like sur, which means
‘field’ or ‘gelding’ or ‘sword’ or ‘stream’.
X Militana, i.e. manifold, when many words are used in the place of one common word-form, as for
example for ‘running’, gammon, saulin, selon, rabath.
XI Spela, i.e. extremely humble, which always speaks about earthly matters, e.g. sobon ‘hare’, gabul ‘fox’,
gariga ‘crane’, lena ‘hen’. Ursinus used this kind.
XII Polema, i.e. supernal, which treats of higher matters, e.g. affla for ‘soul’, spiridon for ‘spirit’, repota
for certain ‘supernal virtues’, sanamiana anus for the ‘unity of God on high’. Virgilius always used this
kind. (In LAW, 1995, p. 112-113)
Virgílio Maro elenca inúmeras fontes, que dão autoridade a seu discur-
so, como Cícero, Quintiliano, Varrão — mas, aponta Law (1997, p. 225), as
citações não podem ser encontradas nas obras que nos chegaram. A autori-
dade também é buscada em outros autores: uma mulher de nome Fassica, a
par com outros nomes também desconhecidos como Glengus, Balapsidus,
Galbungus, Sufphonias...
4. As armadilhas do texto-fonte
A metalinguagem empregada (ou não) nas fontes de pesquisa antigas colo-
ca o historiógrafo da Linguística diante de um problema, como já apontou
Koerner (2014 [1993]): ao mesmo tempo tornar o texto accessível a um leitor
moderno e não distorcer o passado, descobrindo nele exemplos avant la lettre
das teorias atuais. É possível traçar aproximações terminológicas com teorias
recentes, de modo a facilitar a compreensão? Sim, mas, como nota Koerner
(2014 [1993]), sem deixar de destacar para o leitor de quem partiu a aproxi-
mação terminológica.
9
No original: “By anyone’s standards, much of his doctrine is bizarre. He talks about words which sim-
ply don’t exist — at any rate in normal Latin. Alongside the ordinary verb ‘to see’, for example — uideo
uidere — he creates a new verb, uido uidare. He produces forms based on recognisable Latin word, but
which bear no resemblance to the ‘correct’ forms you would expect to find in a grammar. For instance,
he mentions the verb forms dixi and lego, and then introduces reduplicated variants: dixixi and legego.
But he carefully qualifies these and similar curiosities as belonging to latinitas inussitata, ‘the Latin that
is not in common use’”. (LAW, 1997, p. 225)
INFLUÊNCIA EM
Uma das premissas pacíficas nos es-
tudos sobre o percurso da arte e da
ciência, das ideias políticas e religio-
1
Não raro, também, a transmissão de uma ideia que ocupa um “vazio ideológico” decorrente da absoluta
falta de opinião sobre dado tema ou conceito.
133
(1963, p. 37), as experiências decorrentes de fatos naturais, tais como um
furacão ou um terremoto, e até mesmo ligadas a fatos sociais que não se
tenham originado de um ato deliberado, por exemplo, um estado de estag-
nação econômica ou um contato cultural fortuito, não se ajustam ao sentido
de influência que se quer aplicar à História da Arte ou à História da Ciên-
cia. Dizer que a cultura brasileira sofre influência da cultura africana não
está errado, decerto, mas aqui o sentido de influência reside em outro plano
semântico, em que talvez apropriadamente se possa vinculá-lo ao de causali-
dade. No plano da investigação científica, a influência é uma forma de intervir
nas atitudes e opiniões dos outros através de ações intencionais (embora não
necessariamente racionais), cujo efeito pode ou não ser o de mudar convicções
ou impedir sua possível mudança.
Verifica-se, pois, que os conceitos de influência no plano artístico e em
esfera científica distinguem-se no tocante à intencionalidade e sua conse-
quente busca de resultados. Parsons idealiza uma relação dialética no cons-
tructo da influência em que necessariamente figuram um ego, que aqui po-
demos designar como influenciador, e um alter, aqui designado influenciado
(1963, p. 42). Em suas razões, Parsons admite que o influenciador atue de-
liberadamente na órbita decisória do influenciado, seja pela persuasão ou
pela indução, de tal sorte que logre obter um fim desejado. Nesse intuito,
não se descarta a ação do influenciador mediante sanções para que o fim
colimado seja afinal atingido, de que decorre uma perpetuação das ideias
do influenciador na ação do influenciado como satisfação de interesses ou
preservação de crenças. Essa hipótese teórica talvez se aplique bem no estudo
das relações sociais que regulam o mercado financeiro ou a administração de
grupos corporativos — isto é, os aspectos mais diretamente relacionados à
interação social, de que se ocupa Parsons —, mas não nos parece cabível no
plano da influência científica, já que os inúmeros exemplos de que dispomos
nessa área revelam uma relação em que o influenciado (alter) segue as ideias
do influenciador (ego) por livre arbítrio e convicção de que está no caminho
certo para o sucesso em sua atividade profissional.
Por outro lado, a relação entre influenciador e influenciado pode efe-
tivamente falsear o livre-arbítrio a tal ponto que ambos sequer se dão conta
de que o processo de transferência ideológica se deveu mais pela pressão
do influenciador do que pela persuasão epistemológica. Isto efetivamente
ocorre no meio acadêmico, em que a necessidade de participação em gru-
1. A influência consciente
Uma das questões que circundam o estudo da influência tanto no campo da
arte quanto no da ciência diz respeito à consciência de sua existência. Uma
conhecida tese do crítico literário Harold Bloom, que se estende pelas páginas
de seu A angústia da influência (1991[1973]), sustenta que todo autor literário
tem consciência de ter-se influenciado por seus antecedentes, fato que pode
criar óbices de difícil superação no processo criativo a ponto de o próprio autor
influenciado julgar inidôneos os caminhos trilhados pelas sendas já abertas em
obras literárias anteriores. Essa tese trabalha com os conceitos de influência
consentida, que pode ser explícita ou camuflada, e de influência rejeitada. A
influência consentida explícita expressa-se em referências diretas à obra de um
artista antecessor, conforme se observa, no âmbito da cinematografia, na obra
de Brian de Palma em face da genialidade de Alfred Hitchcock (1899-1980)2.
Essa atitude explícita, em que o influenciado remete o leitor da obra artística a
um mestre que lhe serviu de parâmetro ou modelo pode, decerto, não passar
de uma forma de elogio, mas aos olhos do leitor atento o efeito será sempre o
2
Fato que se observa, especialmente, em Vestida para matar (Dressed to kill), lançado em 1980.
3
Pressupostos aqui no sentido proposto por Ducrot (1977).
4
Em órbita literária, cite-se a presença de James Fenimore Cooper (1789-1851) em José de Alencar (1829-1877)
5
Estas e outras referências encontram-se em http://todoprosa.com.br/dez-escritores-brasileiros-abrem-
-o-jogo-da-ma-influencia/
6
No original: “la co-présence des connaissances est une modalité nécessaire de l’horizon de rétrospection”
(AUROUX, 2006, p. 108).
7
Entre as exceções, cite-se a cuidadosa referência bibliográfica indicada por Maximino Maciel em sua
Gramática descritiva (1922 [1894]).
8
Observe-se o que diz Konrad Koerner, a respeito, ao tratar do princípio da imanência (KOERNER, 2014,
p. 58-59)
9
São eles Alfredo Borges Teixeira (1878-1975), Bento Ferraz (1865-1944), Caetano Nogueira Júnior (1856-
1909), Ernesto Luiz de Oliveira (1875-1938) e Vicente Themudo Lessa (1874-1939).
10
Leia, a respeito, Cavaliere (2014).
11
Entenda, aqui, contato acadêmico em sentido lato, decorrente do compartilhamento do saber, seja na
esfera do contato profissional direto, seja pela leitura da literatura científica.
14
No original: “That Cavell, a philosopher mainly concerned with ethics and aesthetics, should have rea-
ched conclusions quite so congruent to my own has been a constant source of stimulation and encourage-
ment to me”. (KUHN, 1970[1962], p. XIII)
4. Os perigos da pseudoinfluência
Em suas considerações sobre o tratamento que se deve atribuir à in-
fluência nos estudos historiográficos, Konrad Koerner adverte-nos quanto à
necessidade de aprofundar a pesquisa acerca de influências tidas como evi-
dentes na história da linguística, não propriamente no sentido de desmisti-
ficá-las ou mesmo contradizê-las, mas no sentido de relativizá-las em uma
análise mais acurada dos fatos (1989, p. 33). As dificuldades que ordinaria-
mente se impõem na tarefa de estabelecer com exação que tipo e dimensão
15
Nesta linha, veja o conceito de episteme em Foucault (1969).
16
A hipótese da influência de Herder em Humboldt, proposta por Hans Aarsleff (reeditada em 2016) é
objeto de fundamentada contradição em Sweet (1988).
17
Nesta mesma linha, Percival (1987) e Davies (1987).
Referências
AARSLEFF, Hans (com LOGAN, John L.). An essay on the context and formation of Wilhelm von
Humboldt’s linguistic thought. History of European Ideas, n. 42, v. 6, p. 729-807, 2016.
BEISER, Frederick C. The German historicist tradition. New York: Oxford University Press Inc., 2011.
BLOOM, Harold. A angústia da influência: uma teoria da poesia. 2ª ed. Rio de Janeiro: Imago, 1991[1973].
CÂMARA JR., Joaquim Mattoso. Estrutura da língua portuguesa. Petrópolis: Vozes, 1970.
CAVALIERE, Ricardo. A gramática no Brasil: ideias, percursos e parâmetros. Rio de Janeiro: Lexikon, 2014.
DAVIES, A. M. “Organic” and “organism” in Franz Bopp. In: HOENIGSWALD, H.; WEINER, L. F. (Org.).
Biological metaphor and cladistic classification: an interdisciplinary perspective. Philadelphia: University
of Pennsylvania, 1987. p. 81-107.
DUCROT, Oswald. Princípios de semântica lingüística: dizer, não dizer. São Paulo: Cultrix, 1977.
DURKHEIM, Émile. Les règles de la méthode sociologique. 7ème ed. Paris: Librairie Félix Alcan, 1919 [1894].
FOUCAULT, Michel. L’ Archeologie du Savoir. Paris: Gallimard, 1969.
JAKOBSON. Roman. Main trends in the science of language. London: George Allen & Unwin Ltd, 1973.
JAKOBSON. Roman. Selected writings: word and language. Paris: Mouton & Co., 1971.
JUCÁ (Filho), Cândido. Categorias gramaticais (adjetivos determinativos). Rio de Janeiro: Livraria Acadê-
mica, 1953.
KOERNER, Konrad. On the problem of ‘influence’ in linguistic historiography. In: KOERNER, Konrad.
Practicing linguistic historiography: selected essays. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins Pu-
blishing Co., 1989. p. 31-46.
KOERNER, Konrad. Quatro décadas de historiografia linguística: estudos selecionados. Prefácio de Carlos
Assunção, seleção e edição de textos de Rolf Kemmler e Cristina Altman. Vila Real: UTAD 2014. p.
45-63.
18
No original: “the distinction between two linguistic attitudes – synchronic and dischronic – was cle-
arly outlined and exemplified by Baudouin de Courtenay throughout the last third of the nineteenth
century”.
DA LINGUÍSTICA
ro Fundamentos da linguística contempo-
rânea, um dos itens abordados por Ed-
ward Lopes, seu autor, trata da “linguís-
DA CIÊNCIA
para sua posição, Lopes recupera uma
citação do linguista Bertil Malmberg
(1913-1994), que afirma ser a ciência
algo unitário, sem fronteiras, uma vez
Ronaldo de Oliveira Batista que teorias se superpõem e dialogam de
forma muito próxima. Se um amplo es-
paço de relações é delineado, Lopes tam-
bém não deixa de pontuar a autonomia da ciência da linguagem, vista como algo
que não minimizaria o “relacionamento interdisciplinar” (LOPES, 1995[1973], p.
24), concretizado em diferentes direções que estabelecem aplicações, penetrações
e empréstimos entre teorias, seleções de objetos teóricos e métodos de análise.
Essa posição de Lopes não é isolada na história dos estudos sobre a
linguagem22, pois faz eco (em meio a diversos outros autores e teóricos) a
19
Reflexões deste capítulo retomam – com modificações, acréscimos e supressões – considerações apre-
sentadas em Batista (2013a/b) e Batista; Bastos (2015).
20
A 1a. edição do livro é de 1973. Após essa edição, a obra teve várias reimpressões e edições até o mo-
mento, tornando-se um clássico entre os manuais introdutórios de linguística.
21
Parte-se do princípio de que a linguística pertence ao ramo das ciências (cf. FRANCHI, 2003). O campo
das humanidades também inclui áreas de natureza científica como a linguística. Uma distinção possível
entre ciências humanas e ciências exatas e naturais (que são mais imediatamente reconhecidas como
ciência de fato) estaria no grau de consenso compartilhado entre os pesquisadores em torno de suas aná-
lises e objetos de estudo. Esse consenso entre seleção de objeto, teorias e métodos seria bem menos pre-
sente nas humanidades. Ainda sobre a distinção, seguimos Ziman (1979, p. 36): “Por conseguinte, manter
uma intransponível linha divisória entre Ciência e Humanidade é incorrer em grave malentendido [...]. A
História, as Artes e a Poesia da Humanidade são merecedoras não só da apreciação do espírito quanto de
estudos de alto nível, seja por leigos, em cursos universitários, seja por especialistas que a isso dedicam a
sua vida. Em muitos aspectos, esses estudos podem comparar-se perfeitamente com o estudo científico
dos elétrons, moléculas, células, organismos e sistemas sociais; os conhecimentos poderão ser adquiridos
tanto sob a forma de fatos isolados quanto sob a de explicações já aceitas pelo consenso”.
22
Relembramos ainda que embora a denominação do campo como Historiografia da Linguística em
sua constituição lexical seja aparentemente restritiva consideramos linguística em lato sensu, como
qualquer conhecimento produzido sobre línguas e linguagem ao longo do tempo. As considera-
ções que serão feitas, portanto, sobre ciência devem ser o tempo todo ampliadas para uma noção de
uma afirmação de Ferdinand de Saussure (1857-1913), no inaugural Curso
de linguística geral, que apontava que “a linguística tem relações estreitas com
outras ciências, que tanto lhe tomam emprestados como lhe fornecem dados.
Os limites que a separam de outras ciências não aparecem sempre nitidamente”
(SAUSSURE, 1995[1916], p. 13).
Essas relações da ciência23 da linguagem com outras áreas acabam por con-
tribuir para a pluralidade da linguística, em seus diferentes recortes teórico-me-
todológicos. A partir dessa perspectiva de diálogos, proximidades e fronteiras,
o que pretendemos destacar neste texto é como esse espaço de intermediações
que caracteriza os estudos linguísticos pode ser observado em um recorte mais
específico, em um campo dos estudos linguísticos, aquele reconhecido como
Historiografia da Linguística e que tem como objetivo a descrição, análise e
interpretação de episódios da história dos estudos da linguagem.
A atividade historiográfica na ciência da linguagem, nessa perspectiva,
é configurada epistemologicamente em termos de diálogos e fronteiras, que
ora se delimitam, ora se confundem em busca de interpretações para os pro-
blemas que define como objeto de observação.
A posição de Pierre Swiggers24 permite compreender como a Historio-
grafia da Linguística estabelece suas dimensões analíticas em espaços de in-
termediações, assim como a própria linguística fez e faz ao traçar seus limites
e possibilidades de expansão:
produção do conhecimento (como atividade intelectual e/ou pedagógica e/ou especulativa) em dife-
rentes recortes temporais.
23
A própria concepção do que seja uma teoria científica é algo complexo. Laudan (1977, p. 71-72) aponta
duas formas de definir o que seria uma teoria. Uma deles é o uso referente a uma teoria como um conjun-
to relacionado de doutrinas, de axiomas, de princípios compartilhados. Esse conjunto orienta e formata
um determinado número de pesquisas, que são então reconhecidas como parte de uma teoria específica.
Num outro sentido, uma teoria é vista como um conceito muito mais abrangente, muito menos estável,
englobando um espectro de diferentes teorias individuais. Quando me refiro a teorias neste trabalho,
estou fazendo alusão a uma teoria no primeiro sentido determinado por Laudan, como um conjunto de
postulados e de práticas de descrição e análise linguística.
24
Swiggers não é o único historiógrafo a tratar da relação entre Historiografia da Linguística e Sociologia
da Ciência/do Conhecimento. Um texto clássico é o de Kurt Wolff e Barrie Thorne, de 1974. Konrad
Koerner (1995) também apresenta a relação, ainda que mantenha ceticismo em relação aos ganhos da
pesquisa historiográfica com abordagens sociológicas, pois a confluência permitiria apenas verificar a
importância de fatores externos à produção do conhecimento, algo já pertinente para a própria Histo-
riografia da Linguística. Outro clássico, na história da ciência, quando se pensa na relação é o de Kuhn
(2000[1962]) e sua consideração dos colégios invisíveis como grupos que permitem relações e ações de
legitimação da produção do conhecimento entre cientistas.
1. A Sociologia da Ciência
Um dos primeiros nomes da sociologia da ciência, em um momento paralelo
ao que se articulava na filosofia da ciência racionalista (como a de K. Po-
pper), é o do sociólogo norte-americano Robert Merton (1910-2003), autor
da obra clássica The Sociology of Science, escrita em 1949.
26
Ziman (1979) e Shapin (2010) são exemplos de sociólogos da ciência que apontam o descaso dos cien-
tistas com os campos metacientíficos, como a história e a sociologia da ciência. Tal distanciamento não é
incomum ao campo acadêmico e científico brasileiro.
27
Um exemplo magistral de aplicação do conceito de Murray é a análise de Cristina Altman para a
formação e o desenvolvimento da linguística brasileira na obra considerada como a que inaugurou a
Historiografia da Linguística no Brasil: A pesquisa linguística no Brasil (1968-1988); livro publicado em
1998 pela Editora Humanitas, a partir de sua tese de doutorado.
Conclusão
Na pesquisa historiográfica em linguística, o diálogo com uma sociologia
da ciência (ou do conhecimento) torna-se relevante28 na medida em que já
é ponto pacífico que nenhum conhecimento é produzido no vácuo, mas em
contextos definidos, sejam contextos de produção do conhecimento, sejam
contextos de validação desses conhecimentos produzidos.
Assume-se aqui ser uma das funções da historiografia — numa posição
contrária à daqueles que veem a disciplina como mera reconstrução do pas-
sado por ele mesmo — a análise, guiada por um ou mais eixos definidos, de
afirmações, descrições e interpretações em determinados objetos de análise,
com o objetivo de acompanhar de forma crítica argumentações propostas por
autores que as construíram, as quais, de uma maneira ou de outra, acabam por
validar (ou não) descrições e análises linguísticas e suas possíveis conexões com
outros trabalhos que chegaram a semelhantes problemas em períodos diversos.
A observação de natureza sociológica, no entanto, deve ser dosada e re-
querida na medida certa para que a historiografia não invada (ou ultrapasse)
o espaço da sociologia da ciência. É necessário verificar em que medida a
observação sociológica interessa a uma análise historiográfica. Tendo limites
e alcances em vista, é preciso colocar em pauta uma questão problemática: o
que é sociológico no campo da história dos estudos da linguagem?
A história, como conjunto de eventos temporalmente localizados, colo-
ca-se em ação num eixo social e ideológico, daí a consideração de aspectos
sociais numa historiografia. Em linhas gerais, costuma-se dizer que à his-
toriografia interessa investigar, além das teorias, o contexto de formação e
divulgação dessas teorias.
28
Ainda que Koerner (1995) não veja grandes vantagens na relação, assumimos aqui, em posição contrá-
ria, que a confluência é extremamente produtiva para a Historiografia da Linguística.
29
Sobre análise da retórica dos linguistas, v. Batista (2019).
Referências
BATISTA, Ronaldo de Oliveira. Introdução à Historiografia da Linguística. São Paulo: Cortez, 2013a.
BATISTA, Ronaldo de Oliveira. Historiografia da Linguística: reflexões sobre a área. In: Congresso Nacional
Mackenzie Letras em Rede — Anais, CD-ROM. São Paulo: Mackenzie, 2013b.
BATISTA, Ronaldo de Oliveira; BASTOS, Neusa Barbosa. Linguística e história: limites e interseções nas
fronteiras da Historiografia Linguística. In: BARROS, Diana Luz Pessoa de; HILGERT, José Gaston;
MOURA NEVES, Maria Helena de; BATISTA, Ronaldo de Oliveira (Org.). Linguagens e saberes: estu-
dos linguísticos. São Paulo: Annablume, 2015. p. 19-38.
BATISTA, Ronaldo de Oliveira. Historiografia da Linguística e um quadro sociorretórico de análise. In: BA-
TISTA, Ronaldo de Oliveira (Org.). Historiografia da Linguística. São Paulo: Contexto, 2019. p. 81-113.
E FILOSOFIA DA Preliminares
LINGUÍSTICA
Como já disse em outro lugar2, enten-
do a Filosofia da Linguística como um
ramo da Filosofia da Ciência que se
José Borges Neto dedica ao estudo específico das ciên-
cias da linguagem3. É, portanto, uma
aplicação de métodos filosóficos a
problemas filosóficos que surgem no
contexto dos estudos linguísticos, particularmente no estudo dos construtos
teóricos propostos pelos linguistas.
Entre as questões que a Filosofia da Linguística enfrenta está a de esta-
belecer o que se pode entender por ciência nos conhecimentos sobre a lin-
guagem e até que ponto podemos entender a linguística como um campo de
investigações unitário ou como um conjunto de campos de investigação autô-
nomos que só se unificam porque têm a linguagem humana como seu objeto
de estudos, isto é, a linguística tem um objeto próprio ou é um conjunto de
“ciências” mais específicas (Fonologia, Sintaxe, Psicolinguística, Sociolinguís-
tica, Aquisição da Linguagem, Análise do Discurso etc.), cada qual com seu
objeto e seus métodos próprios de investigação (cf. DASCAL; BORGES Neto,
1991; BORGES Neto, 2004a, p. 31-65).
A noção de ciência sofreu muitas alterações no decorrer dos séculos.
O termo ciência, no sentido largo de “conhecimento”, é usado desde a An-
tiguidade. Até o século XVII, o termo denotava um conhecimento organi-
zado sistematicamente, e “ciência” e “filosofia” eram termos praticamente
1
No original: “Philosophy of Science without history of science is empty; history of science without philoso-
phy of science is blind”. (LAKATOS, 1980, p. 102)
2
V. Borges Neto (2012).
3
Ao lado da Filosofia da Física, da Filosofia das Ciências da Vida, Filosofia da Matemática etc.
equivalentes4. A existência de um tipo de conhecimento que poderíamos
chamar de ciência — e que não se confundia com filosofia — só passa a ser
identificado a partir da “Revolução Científica”, que atinge seu ápice no século
XVII,5 embora o termo ciência, aplicado de forma restrita a esse conhecimen-
to, só vá aparecer no século XIX.
Desde o início do século XVII, a busca pela determinação do que é
ciência e do que não é, as tentativas de distinguir um conhecimento cientifi-
camente válido de outros tipos de conhecimento, acabou por criar uma nova
área de investigação filosófica: a Filosofia da Ciência.6 Essa busca de princí-
pios definidores do que seria a atividade científica, deu à filosofia da ciência
um caráter essencialmente normativo, ao menos até a metade do século XX.
Voltarei a essa questão mais adiante.
É interessante destacar desde já que os estudos sobre a linguagem, desde
a Antiguidade até o século XIX, podem ser em grande parte reunidos sob o
rótulo de gramática e que, previsivelmente, antes desse século, só podemos
falar em linguística (em oposição a gramática) de forma anacrônica. É pre-
ciso notar, também, que linguística e gramática sobrevivem — supostamente
como áreas de investigação paralelas — até os nossos dias, embora se possa
colocar em questão a caracterização da gramática como uma verdadeira área
de investigação.7
A Historiografia da Linguística (ou Historiografia Linguística8), por sua
vez, seria o ramo dos estudos históricos que investiga o desenvolvimento dos
estudos linguísticos no eixo temporal. Assim como a Filosofia da Linguística
4
Por exemplo, o que chamaríamos, hoje, de “ciências naturais” (física, biologia etc.) era chamado de
“filosofia natural”.
5
Essa “revolução científica” foi um conjunto de desenvolvimentos, particularmente nas ciências naturais
(física, astronomia, biologia, química etc.), que alteraram substancialmente a visão que a sociedade da
época tinha da natureza. Entre os trabalhos que estão incluídos nessa ‘revolução’ estão a obra, pioneira,
De revolutionibus orbium coelestium, de Nicolau Copérnico, publicada em 1543, a publicação, em 1632,
do Diálogo sobre os dois sistemas máximos do mundo Ptolemaico e Copernicano, de Galileu Galilei e,
também de Galileu, os Discursos sobre as duas novas ciências, publicados em 1638. Considera-se que a
‘revolução’ se completa com a publicação, em 1687, da obra Princípios matemáticos da filosofia natural,
de Isaac Newton.
6
Um dos pioneiros dessa ‘nova área’ de estudos foi Francis Bacon (1561-1626), com seus trabalhos sobre
o método científico.
7
Modernamente, o termo gramática se aplica de forma restrita aos estudos da sintaxe, particularmente
no quadro teórico do gerativismo. Obviamente, não é nesse sentido que uso o termo gramática aqui. A
gramática a que me refiro, antes de ser área de investigação, tem finalidades predominantemente peda-
gógicas em nossos dias.
8
Como parece preferir Konrad Koerner (cf. Koerner 2014, p. 33), um dos iniciadores e mais importantes
historiógrafos da linguística, assim como alguns historiógrafos que seguem suas propostas metodológicas.
11
Sobre o sentido grego do termo teoria, é interessante ver o que diz Engler (2013).
13
Cf. Murcho (2006, p. 50).
14
Koerner (2014) é uma coletânea de textos escritos por Konrad Koerner. O ensaio de onde este trecho foi
retirado intitula-se, na coletânea, “Ainda sobre a importância da historiografia linguística”, foi publicado
originalmente em 2002 e traduzido para o português por Rolf Kemmler e Susana Fontes.
15
Losee não usa o termo historiografia, mas a sua História da Ciência tem que ser vista como uma in-
terpretação, seletiva, dos eventos do passado da ciência (equivalente, portanto, ao que se convencionou
chamar de historiografia).
Tornar-se filósofo consiste, entre outras coisas, em adquirir uma atitude men-
tal particular que conduza à avaliação tanto dos problemas como das técnicas
importantes da respectiva solução. Aprender a ser um historiador consiste
também em adquirir uma atitude mental especial, mas o resultado das duas
experiências de aprendizagem não é o mesmo [18]. E penso que também não
é possível um compromisso, porque apresenta problemas do género como o
do compromisso entre o pato e o coelho do bem conhecido diagrama do ges-
taltismo. Embora a maior parte das pessoas possa logo ver o pato, e o coelho
alternadamente, nenhuma acumulação de exercício ocular e esforço inferirão
um pato-coelho. (KUHN, 1989, p. 32)
Mas essa analogia proposta por Kuhn não parece adequada. Embora
seja inegável que cada uma das duas disciplinas possua uma certa autonomia,
já que é perfeitamente possível trabalhar com a filosofia da ciência (e, por
extensão, da linguística) sem incorporar o olhar diacrônico, assim como é
possível fazer estudos históricos sem maiores preocupações epistemológicas,
duas coisas parecem claras: (1) para fazer historiografia (da ciência ou da
16
O original, em inglês, é de 1977. A tradução portuguesa – que uso – não é datada, mas foi impressa em 1989.
17
O ensaio de Kuhn chama-se As relações entre a história e a filosofia da ciência e foi originalmente uma
conferência proferida na Michigan State University em 1968.
18
Fiz uma pequena correção no trecho citado: na tradução portuguesa encontramos: “mas o resultado das
duas experiências de aprendizagem não é a mesma” (cf. KUHN, 1989, p. 32).
A partir dos anos 1920 se tornou lugar comum para os filósofos da ciência a
construção de teorias científicas como cálculos axiomáticos a que se dá uma
interpretação observacional parcial por meio de regras de correspondência.
Dessa análise, designada comumente com a expressão A Concepção Herdada
das Teorias, se ocuparam amplamente os filósofos da ciência ao tratar de outros
problemas de filosofia da ciência. Não é exagero dizer que, virtualmente, cada
resultado significativo obtido na filosofia da ciência entre os anos 1920 e 1950
empregou ou supôs tacitamente a Concepção Herdada. (SUPPE, 1979, p. 15-16)
20
Norwood R. Hanson (1924-1967), por exemplo, em (HANSON, 1958/1985, no capítulo intitulado
“Classical particle physics” – p. 93-118, no original, e p. 193-228, na versão espanhola), livro que clara-
mente influenciou o pensamento de Kuhn, propõe uma filosofia da física em que o filósofo apresenta os
vários usos das leis científicas feitos pelos cientistas, numa perspectiva claramente descritiva.
21
A publicação original é de 1962.
22
Nas propostas anteriores da gramática gerativa, a proposição de um universal linguístico era facilmen-
te falseável: bastava encontrar uma língua que não o apresentasse para que a proposta estivesse falseada.
Na teoria de Princípios e Parâmetros essa verificação se tornava muito difícil, na medida em que a noção
de universal não dependia mais do reconhecimento de características sintáticas observáveis nas línguas:
dependia de mecanismos internos ao construto teórico, não-observáveis. Portanto, por mais bem fun-
damentados que fossem os argumentos, os universais deixavam de ser estabelecidos a partir de proprie-
dades das línguas e passavam a ser estabelecidos a partir dos construtos teóricos criados pelos linguistas
(dependiam de propriedades das gramáticas, portanto).
23
Usei, basicamente, a Metodologia dos Programas de Investigação Científica de Imre Lakatos (v. LAKA-
TOS, 1980) para o estudo. Destaque-se que essa metodologia trata a história e a filosofia da ciência como
áreas intimamente conectadas (cf. citação em epígrafe neste trabalho).
Numa sempre muito citada carta a Meillet, escrita em 1894, Saussure dizia
estar cada dia mais consciente da “imensidão do trabalho necessário para
mostrar ao linguista o que ele faz” (cf. citação em Escritos de linguística geral,
p. 15). Nessa carta, Saussure não identificava seu trabalho como voltado ao
objetivo de oferecer ao linguista um modelo formal para sua prática analítica,
mas o identificava como voltado ao objetivo de mostrar ao linguista o que ele
24
Agraço a Carlos Alberto Faraco o envio de suas anotações referentes à comunicação e a autorização
para incluí-las neste trabalho.
25
É só pensar em Aspects of the Theory of Syntax (Chomsky 1968), em que a primeira parte é claramente
filosófica, com a explicitação de fundamentos, e a segunda parte é técnica, com a exposição de mecanis-
mos teóricos. Os filósofos só leem a primeira parte; os linguistas preferiam a segunda.
26
V., entre outros, Swiggers (2004, 2010, 2012, 2013 e 2015).
27
V. Lakatos (1980).
28
Em linhas gerais, um programa é progressivo enquanto está aumentando seu conteúdo empírico, ou
seja, enquanto está prevendo fatos novos; o programa será degenerativo na medida em que esgota seu
poder de previsão, isto é, quando seu desenvolvimento se faz a partir de reanálises de fatos previstos por
outros programas.
Conclusão
As disciplinas científicas, definidas tradicionalmente, nem sempre correspon-
dem a articulações do conhecimento dadas pela natureza. A natureza não diz
como quer ser segmentada. As disciplinas resultam de trabalho humano e es-
tão sujeitas às delimitações contingenciais dos interesses e das limitações dos
seres humanos. A existência de áreas interdisciplinares, transdisciplinares ou
multidisciplinares — biofísica, bioquímica, físico-química, sociobiologia, psi-
copedagogia, sociolinguística, neurolinguística etc. — demonstra a frequente
necessidade de superar os limites disciplinares tradicionais.
Referências
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LAKATOS, Imre. The methodology of scientific research programmes (Vol. 1). (J. Worrall & G. Currie, Ed.)
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LINGUÍSTICA ENTRE OS
p. 2) e Fortes (2016, p.
54) a falta de percep-
ção do valor intrínse-
E MEDIEVAIS:
e Idade Média levou
a comunidade cientí-
fica, por muito tem-
E INTER-RELAÇÕES
positórios de informa-
ções que poderiam ser
úteis para a Filologia,
Alessandro Beccari por exemplo, como
testemunhos de obras
literárias perdidas na
escuridão do passado
ou, mais atualmente, de dados que interessariam à Linguística Histórica, já
que registram construções e léxico típicos de estados pretéritos do grego e do
latim, bem como de outras línguas.
Na primeira parte deste capítulo, serão apresentados exemplos de gru-
pos de pesquisadores que desenvolvem trabalhos relacionados ao valor in-
trínseco de elaborações teóricas de natureza linguística que surgiram durante
a Antiguidade e o Medievo. Nesse sentido, serão mencionados os esforços
que vêm sendo feitos nesse sentido, no Brasil, desde os anos 1980.
Na segunda parte, serão apresentados alguns bosquejos para uma his-
tória panorâmica da teoria do caso nominal, de modo a sugerir como a
historiografia de teorias antigas e medievais pode ser feita da perspectiva
de uma área interdisciplinar, que atualmente já congrega elementos dos
Estudos Clássicos e Medievais e o quadro teórico-metodológico da Histo-
riografia Linguística.
183
Além das explorações do valor extrínseco, tradicionalmente atribuído a
textos gramaticais, em obras como as de Varrão (séc. II AEC1) e as gramáticas
de Donato (séc. IV EC) e Prisciano (séc. VI EC), verifica-se também, a partir
do final do séc. XVIII, esforços em prol de uma reconstrução teleológica da
história dos estudos sobre as línguas e a linguagem, em que o pensamen-
to antigo e o medieval culminariam automaticamente na Linguística como
fora entendida a partir daquele período (COELHO; HACKEROTT, 2012, p.
385-387). Nesse sentido, por exemplo, Platão e Aristóteles, os estoicos e os
sofistas, Apolônio Díscolo (séc. II EC), Prisciano, Cassiodoro (séc. VI), Elfric
(séc. X), Pedro Helias (séc. XII), Tomás de Erfurt (séc. XIII), Nebrija (séc.
XV-XVI), Sanctius (séc. XVI), os gramáticos de Port-Royal (séc. XVII) fariam
parte da pré-história da Linguística: tiveram intuições quiçá extraordinárias e
foram mestres de elaborações instigantes, porém sem o rigor e a autonomia
do genuíno fazer científico inaugurado pela Linguística histórico-comparati-
va; seu pensamento seria, portanto, pré-científico.
Em tempos relativamente mais recentes, em especial com a publicação
da obra Linguística Cartesiana de Noam Chomsky (1972 [1966]), observa-se
um tipo novo de história da Linguística, que vai além do reconhecimento da
atribuição de um valor extrínseco ao trabalho dos gramáticos e pensadores
da Antiguidade, Medievo, Renascimento e os racionalistas do séc. XVIII, res-
tringindo-se, nesse caso, ao Ocidente. Sem abrir mão do aspecto teleológico,
essa nova história vê os autores de textos gramaticais do passado não apenas
como detentores pré-científicos de boas ideias, mas também como prede-
cessores heroicos (ou profetas) de assunções teóricas atuais. Essas assunções
normalmente são as mesmas assumidas pelos próprios historiadores nas pes-
quisas que desenvolvem em diferentes áreas da Linguística (COELHO; HAC-
KEROTT, 2012, p. 387-389). Segundo Coelho e Hackerott (2012, p. 388-399),
apesar de seu revisionismo apologético, esse tipo de história dos estudos da
1
“EC” é a abreviatura para “Era Comum”, um termo alternativo para “d.C.” (depois de Cristo). Com
“EC”, mede-se o tempo a partir do primeiro ano do calendário gregoriano. Portanto, V EC lê-se como “o
século cinco da era comum” ou “o quinto século da era comum”. Nesse sentido, “AEC” equivale a “Antes
da Era Comum”, sendo um termo alternativo para “a.C.” (antes de Cristo). Neste capítulo, utilizam-se
“EC” e “AEC” no lugar de “a.C.” e “d.C.” porque, como é sabido, os períodos que a historiografia oci-
dental denomina Antiguidade, Antiguidade Tardia e Idade Média não foram exclusivamente cristãos
em extensas regiões dos espaços que hoje são denominados Europa, Norte da África, Escandinávia e
Oriente Médio, entre outros. De fato, esses territórios comportaram culturas e religiões tão diversas entre
si quanto a dos gregos e romanos, o paganismo eslavo e escandinavo, a religião dos celtas e as tradições
judaica e muçulmana. Assim, reconhecida essa diversidade, optou-se neste capítulo pelas mencionadas
abreviaturas alternativas.
2
Castilho cita como cronistas da Linguística “Preti (1981, 1987), Cunha (1985), Callou (1999), Dias e
Moraes (1994), Salles (2001) [...] Castilho (1967, 1971a, 1971b, 1972-1973, 1981a, 1981b, 1988, 1989, 1990,
1994, 1995, 2000, 2002, 2005, 2007, 2009, 2017a, b)” (2018, p. 33).
3
No original: “the discipline (within the field of [general] linguistics) that aims at providing a scientifically
grounded descriptive and explanatory account of how linguistic knowledge (i.e. what was accepted at a
given time as knowledge, information and documentation on language-related issues) was gained, and
what has been the course of development of this linguistic knowledge, since its beginnings to the present”.
uma possibilidade de retorno aos textos gramaticais gregos para pensar não so-
mente seu lugar na história da tradição conceitual antiga, mas também suas re-
lações com os saberes modernos, no caso, o da constituição daquilo que já esteve
mais em voga de se combater nas frentes linguísticas: a assim chamada ‘gramá-
tica tradicional’. (FORTES; ROCHA; FREITAS; MORAIS; SILVA, 2016, p. 62)
Constantinopla, por volta do ano de 500 d.C., gozava ainda do prestígio de ser
a ‘Nova Roma’, tal como chamada pelo seu fundador, o imperador Constanti-
no, no ano de 330 d.C. De fato, a relação dos constantinopolitanos com Roma
é muito mais de continuidade que de ruptura. Conforme destaca Robins
(1993, p. 3), os bizantinos viam-se, de fato, como romanos [...], embora, em
sua maioria, fossem falantes de uma variedade do grego antigo. Nesse período,
o adjetivo ‘helênico’ [...], por outro lado, não mais se referia ao status presente,
mas ao passado — a ‘Grécia Clássica’ e seu legado, que, embora associados
ao paganismo, eram profundamente valorizados, seja por romanos, seja por
gregos. Os ‘romanos’ de Constantinopla se tornaram, portanto, os verdadeiros
guardiões da civilização clássica greco-romana, fato que, sem dúvida, explica
a profusão de gêneros enciclopédicos: comentários, gramáticas, dicionários,
livros didáticos. Robins (1993, p. 9) salienta, ainda, que o enfraquecimento
do lado ocidental impôs à nova capital três responsabilidades principais: 1)
garantir a sobrevivência do antigo Império Romano; 2) a defesa e propagação
do Cristianismo; e 3) a preservação das artes e culturas antigas grega e latina.
Como mostra Fortes em sua tese (2012), foi por meio de comparações e
contrastes entre o grego e o latim que Prisciano elaborou um discurso teórico
que resultou em uma síntese entre as gramáticas das duas línguas. Segundo o
autor, a finalidade dessa síntese foi produzir uma reaproximação simbólica en-
tre o oriente (grego) e o ocidente (latino). Nas palavras de Fortes (2012, p. 34),
4
No original: “Hoc enim etiam de literis tradita ratio demonstrauit, quae bene dicuntur ab Apollonio pri-
ma materies uocis esse humanae indiuidua. Ea non quocumque modo iuncturas ostendit fieri literarum,
sed per aptissimam ordinationem, unde et ‘literas’ uerisimiliter dicunt apellari, quasi ‘legiteras’, quod le-
gendi iter praebeant ordine congruo positae. Nec non etiam auctiores literis syllabae idem recipiunt, cum ex
eis coeuntes iuncturae pro debito dictionem perficiunt. Igitur manifestum, quod consequens est, ut etiam
dictiones, cum partes sint per constructionem perfectae orationis [...]”.
Este mesmo qui (“que”) muitas vezes é posposto ao nome como, para os gre-
gos, hós. É proferido necessariamente não só com relação ao nome precedente,
mas também ao verbo posposto, como em: virum cano, qui venit (“canto o
homem que vem”). Se ao nominativo adjunge-se outro nominativo, os verbos
referem-se a mesma pessoa: homo venit, qui scripsit (“o homem que vem, es-
creve”); porém, se são dois os termos em caso oblíquo, a transição dos verbos
é feita para a outra pessoa ou de maneira recíproca, como hominem, quem
vitupero, accuso (“acuso o homem a quem censuro”) et memet, quem uitupero,
accuso (“acuso a mim mesmo, a quem censuro”); se, porém, um termo é nomi-
nativo e o outro é oblíquo, não se faz a transição do verbo para o nominativo
de uma pessoa para a outra, mas é feita para o oblíquo, como: homo venit,
quem accuso (“vem o homem a quem acuso”) ou: hominis misereor, qui venit
(“tenho piedade do homem que vem”).
No entanto, todas as coisas que podem ser feitas transitivamente, podem ser
feitas também de maneira reflexiva, e assim como qui e suas formas oblíquas
referem-se bem aos nominativos de todas as palavras casuais, como: Virgi-
lius, qui scripsit (“Virgílio que5 [NOM.] escreveu”); Virgilius, cuius scripta
extant (“Virgílio de quem [GEN.] sobrevivem os escritos”); Virgilius, cui
5
Grifos do autor do capítulo.
6
No original: “Hoc idem, id est qui, quotiens subiungitur nomini, quomodo hós apud Graecos, necesse est
non solum ad nomen praepositum, sed etiam ad id subiunctum alterum uerbum proferri, ut uirum cano,
qui uenit. Si nominatiuo nominatiuus adiungitur, ad eandem personam uerba referuntur: homo uenit, qui
scripsit; sin duo obliqui sunt, ad aliam personam transitio fit uerborum uel in se reciprocatur, ut hominem,
quem uitupero, accuso et memet, quem uitupero, accuso; sin alterum sit nominatiui, alterum uero obliqui,
ad nominatiuum non fit transitio uerbi ab alia persona ad aliam, ad obliquum uero fit, ut homo uenit,
quem accuso uel hominis misereor, qui uenit. Omnia tamen quae in transitione fiunt, possunt etiam in
reciprocatione fieri.
Et quomodo qui et eius oblique omnes ad nominatiuos omnium casualium bene referuntur, ut Vergilius
qui scripsit; Vergilius cuius scripta extant; Vergilius cui gloria contingit; Vergilius quem laudant; Vergilius
quo docente bene proficitur, sic et ex contrario nominatiuo eius omnes aliorum casus bene adiunguntur, ut
qui scripsit bucolica Vergilius magnus poeta fuit; qui scripsit Aeneida Vergilii sunt georgica; qui scripsit Ae-
neida Vergilio gloria contingit; qui scripsit Aeneida Vergilium laudo; qui scripsisti Aeneida, Vergili, uiuis
memoria; qui scripsit Aeneida Vergilio florent studia. Licet autem et praepostere haec dicere”.
9
As sentenças desta coluna são concluídas na coluna seguinte.
10
Na Grammatica Speculativa de Tomás de Erfurt (fl. 1300-1320), o caso vocativo “é o modo de significar
de acordo com a propriedade do término da ação que depende de uma ação estimulante ou impelidora,
sem o acréscimo de nenhuma das propriedades adicionais mencionadas acima (a respeito dos outros
casos). Isso significa que, por exemplo, ao se dizer “Ó Henrique!” (o Henrice), esse vocativo só tem a
propriedade de terminar a ação enquanto é dependente dessa ação estimulante ou impelidora” (XIX,
32). Nesse sentido, Tomás de Erfurt distinguia actus exercitus (“ação impelidora/estimulante”) de actus
significatus (“ação significada”). O ato de chamar é performativo: o uso da interjeição em associação com
o vocativo realiza esse ato – o Henrice. A ação significada faz parte do constativo correspondente: voco
Henricum “Chamo Henrique”. Para Tomás de Erfurt, o vocativo é o término de uma ação estritamente
estimulante porque o vocativo não tem nenhum significado (função) adicional além da realização do
estímulo mental que o acionou (“enquanto é dependente dessa ação estimulante ou impelidora”). Como
o vocativo não tem o mesmo estatudo ontológico dos outros casos, para Tomás de Erfurt, não possui
reprentação pronominal.
13
O autor utiliza uma seta ligando a coluna dos verbos à das preposições e sobrepõe chaves ao primeiro
elemento de ambas colunas, o que não é reproduzido na citação.
Direto Indireto
eu me mim
tu te ti
14
Por exemplo, o uso atual de termos calcados na metalinguagem greco-romana para a designação das
classes de palavras (DEZOTTI, 2013).
se si
se si
1 2 3 4
15
Os pronomes, antecedidos ou não de preposição, foram grifados pelo autor do capítulo; as partes em
negrito estão desse modo no original.
Ressalte-se que não se trata aqui de “uma manifestação discursiva que” advoga “por descontinuidade
16
em relação” ao quadro teórico-metodológico da GT (BATISTA, 2019, p. 83-84). Aliás, Castilho faz interes-
Considerações finais
Nas discussões sobre a natureza do pronome em Prisciano, nos debates me-
dievais que deram origem ao desenvolvimento de uma teoria do caso em que
formas pronominais foram utilizadas como expoentes de relações sintáticas,
e, por fim, no emprego de procedimentos e noções aristotélicas na tradição
gramatical posterior ao Medievo, inclusive na linguística contemporânea, há,
sem dúvida, bons motivos para acreditar que os Estudos Clássicos e Medie-
vais possam contribuir significativamente para o progresso da Historiografia
Linguística no Brasil e no mundo. Essas contribuições podem se concretizar
na forma de novas edições e traduções de gramáticas e outras fontes de na-
tureza linguística, provenientes da Antiguidade e Medievo, ou análises de
teorias e procedimentos atuais que talvez repitam inadvertidamente as des-
cobertas ou noções que se perderam nas trevas do passado.
Ao concluir este capítulo, fica a impressão da admirável tenacidade da
teoria do caso nominal latino e sua longevidade no clima de opinião atual, o
santes considerações a respeito das contribuições dos linguistas antigos, renascentistas, modernos e con-
temporâneos para a compreensão do que chama de estatuto categorial dos pronomes (2014, p. 472-476).
Referências
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BACK, Eurico; MATTOS, Geraldo. Gramática construtural da língua portuguesa. v. 1. São Paulo: FTD, 1973.
DA LINGUÍSTICA E
plantação, por força do parecer
no 283/62 emitido pelo Conselho
Federal de Educação, da matéria
PORTUGUESA:
decorrência desse acontecimento,
houve o início de um desloca-
mento epistemológico tanto nas
À TRADIÇÃO
ca, “ensino de língua” equivalia a
“ensino de gramática” e pautava-se
nos eixos da análise metalinguísti-
[...] mais do que uma terminologia, o que os gregos criaram foi uma teoria
para o estudo da língua grega: o reconhecimento de um conjunto de entidades
teóricas (palavras, orações, relações de concordância e dependência etc.) e de
uma grade classificatória para elas que, nomeadas, vão resultar numa termi-
nologia. Ou seja, mais do que cunhar termos como nome ou verbo (ōnoma
e rhēma, respectivamente), o que os gregos fizeram foi identificar “elementos
linguísticos” que, por suas propriedades morfológicas e sintáticas, podiam ser
reunidos e chamados de nomes ou de verbos na língua grega. [...] E, da mesma
forma, os séculos posteriores não ficaram apenas reaplicando a “terminologia”
grega aos dados de outras línguas — particularmente o latim — mas inter-
pretando os dados de suas línguas à luz da teoria da linguagem criada pelos
gregos, usando suas noções e traduzindo os nomes dados a elas.
Mais uma vez, podemos nos perguntar por que essa teoria das línguas se
mantém firme nos espaços pedagógicos, a despeito das críticas a tal tradição
e a emergência, desenvolvimento e consolidação de uma outra tradição, a
sociodiscursiva (TSD). Essas críticas, em geral bastante razoadas e pertinen-
tes, atacam duramente o que podemos chamar de diretrizes epistemológicas
da gramática tradicional.
Compreender a constituição histórica de tais diretrizes não só elucida
os componentes que fazem de um instrumento linguístico de qualquer época
uma “gramática tradicional”, mas também ajuda no delineamento de novas
propostas para o ensino de língua portuguesa no Brasil. Vejamos cada uma
dessas diretrizes separadamente, nas cinco subseções a seguir.
Ênclise pronominal
Colocação dos pronomes depois do verbo.
Regra geral — Na língua portuguesa coloca-se o pronome pessoal, oblíquo,
átono, depois do verbo de que é complemento. [...]
Consequências da regra geral:
1) Não se começa oração ou frase com pronome oblíquo [...] (BUENO, 1951, p.
423-424 — Itálicos são nossos).
4
Eis dois excertos: “Cumpre notar que, principalmente no Brazil, vai-se estabelecendo o uso de construir
as sentenças interrogativas em ordem direta, deixando-se o seu sentido de pergunta a cargo somente da
inflexão da voz, ex.: << Tu queres vir almoçar comigo? >>.” (RIBEIRO, 1881, p. 221); “Em algumas provin-
cias do Brazil, como Bahia, Minas, não duplica-se, ex.: << Não posso, não. Não dou, não >>” (RIBEIRO,
1881, p. 260).
5
Na verdade, registros que desabonam o português do Brasil já se encontram em gramáticas ainda mais
antigas, como a Epitome da grammatica da lingua portugueza, publicada em 1806, em Lisboa, mas es-
crita pelo brasileiro Antonio de Moraes Silva (1755-1824) e terminada no Engenho novo da Moribeca,
em Pernambuco. Veja-se a seguinte proscrição, em nota de rodapé: “Eu lhe amo, lhe adoro: são erros das
Colonias [...]” (MORAES SILVA, 1806, p. 92).
6
Casos dos nomes da 1a declinação latina (singular, plural): nominativo (regina, reginae), genitivo (regi-
nae, reginārum), dativo (reginae, reginīs), acusativo (reginam, reginās), vocativo (regina, reginae) e abla-
tivo (reginā, reginīs).
7
Defende Said Ali (1908) que, analisar Compra-se o palácio de um jeito (palácio como sujeito) e Morre-se
de fome de outro (sujeito indeterminado) seria caso de flagrante incongruência, pois, nesses exemplos, o
pronome se sugere a ideia de alguém que compra e de alguém que morre, sendo esse pronome o efetivo
sujeito em ambas as orações, independentemente da transitividade verbal. “O sistema de análise há de
portanto ser um só; não podemos admitir dois pesos e duas medidas”, argumenta Said Ali (1908, p. 119).
Por consequência, a concordância seria desnecessária: “o verbo, quer intransitivo, quer transitivo, tende-
rá a ser usado uniformemente no singular, ainda quando o nome esteja no plural” (Said Ali, 1908, p. 111).
9
Cf. Mendes de Almeida (2010, p. 537).
10
In: Platão (1972, p. 195-196).
11
Definição retirada da tradução da Tékhnē Grammatik ē, de Dionísio (século 1 a.C.), realizada em Cha-
panski (2003, p. 26).
12
Periodização proposta por Cavaliere (2000, 2002).
13
Dentre muitas análises nesse sentido sobre a 37a edição da Moderna Gramática Portuguesa (ou edição
posterior), destaca-se a excelente reflexão presente em Mulinacci (2016).
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Embora não publicado em livro, mas na Revista de Cultura Vozes, merece nota o trabalho Tarefas da
sociolinguística no Brasil (Vandressen, 1973). Esse texto foi de suma importância para a divulgação, ainda
na primeira metade da década de 1970, do panorama dos estudos sociolinguísticos brasileiros.
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O NURC nasce como uma extensão ao Brasil do Proyecto de Estudio Coordinado de la Norma Lingüís-
tica Culta de las Principales Cidades de Iberoamérica y de la Península Ibérica, desenvolvido no México
e idealizado pelo professor Juan Miguel Lope-Blanch, em 1964. O propósito do Proyecto era descrever,
numa perspectiva dialetológica, a norma culta espanhola falada em grandes centros urbanos, mais espe-
cificamente nas cidades de Bogotá, Buenos Aires, Caracas, Havana, Lima, Madrid, México, Puerto Rico
e Santiago.
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Reconhecemos as especificidades que demarcam as fronteiras entre abordagens enunciativas e discur-
sivas, num sentido mais específico de cada termo. Todavia, compreendemos que, a despeito de diferenças
conceituais, discurso e enunciação residem num mesmo domínio epistemológico em que são debatidas
questões atreladas aos sujeitos de linguagem e às condições de produção das práticas interlocutivas.
Considerações finais
A complexidade que reside na compreensão da discussão sobre ensino de
português promovida no Brasil reflete a complexidade da língua como ob-
jeto teórico e como objeto de aprendizagem escolar. Buscamos analisar neste
capítulo como se constituem duas diferentes tradições a partir das quais se
desenvolvem reflexões teóricas e práticas sobre ensino de língua. Ao término
dessa longa incursão historiográfica, podemos afirmar que a narrativa aqui
desenvolvida reforça que estamos tratando de uma história de deslocamentos,
não de rupturas.
Negar a forte presença da GT nas diferentes esferas de discussão sobre
língua (inclusive na Linguística contemporânea) equivale a acreditar que a
ainda jovem TSD promoveu, efetivamente, uma virada na Linguística, uma
ruptura absoluta com a tradição a que deliberadamente se opõe. Encara-
Referências
ALMEIDA, Napoleão M. de Gramática Metódica da Língua Portuguesa. 46. ed. São Paulo: Saraiva, 2010 [1944].
ALTMAN, Cristina. A pesquisa linguística no Brasil (1968-1988). 2. ed. São Paulo: Humanitas, 2004.
ARGOTE, Jerônimo C. de. Regras da lingua portugueza, espelho da lingua latina. Lisboa: Officina da musica,
1725.
ARNAULD, Arnauld; LANCELOT, Claude. Gramática de Port-Royal ou Gramática geral e razoada. São Paulo:
Martins Fontes, 1992 [1660].
AUROUX, Sylvain. A revolução tecnológica da gramatização. Campinas, SP: Unicamp, 1992.
AZEREDO, José C. de. Gramática Houaiss da Língua Portuguesa. 4a ed. revista e ampliada. São Paulo: Publi-
folha, 2018.
BAGNO, Marcos. Gramática pedagógica do português brasileiro. São Paulo: Parábola, 2012.
BARBOSA, Jerônimo S. Grammatica Philosophica da Lingua Portugueza. Lisboa: Typographia da Academia
das Sciencias, 1822.
BARROS, João de. Grammatica da lingua portuguesa, 1540.
E AUTORES
Professor Adjunto do Programa de
Pós-Graduação em Letras da Univer-
sidade Presbiteriana Mackenzie. Bol-
sista Produtividade do CNPq.
Autores
Alessandro Beccari
Professor Doutor da Unesp-Assis, onde atua também no Mestrado Profissio-
nal em Letras.
Leonardo Gueiros
Professor Adjunto da Universidade Federal da Paraíba, onde atua no Depar-
tamento de Língua Portuguesa e Linguística.
Maria Carlota Rosa
Professora Titular do Programa de Pós-Graduação em Linguística da Univer-
sidade Federal do Rio de Janeiro.
Otto Zwartjes
Professor da Université de Paris e da Université de la Sorbonne Nouvelle/
França. Membro do Laboratoire Histoire des Théories Linguistiques.
Pierre Swiggers
Professor da Katholieke Universiteit Leuven/Bélgica. Diretor do Center for
the Historiography of Linguistics.
Ricardo Cavaliere
Professor Associado do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Lingua-
gem da Universidade Federal Fluminense. Membro da Academia Brasileira
de Filologia.
Organizadores
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A coletânea de textos que se apresenta é uma homenagem a Cristina Altman. Seu
nome, quando pronunciado ou lido, produz efeito de autoridade no que diz respeito
aos estudos sobre a história do conhecimento produzido sobre a linguagem ao longo
dos tempos.
Nos anos finais da década de 2010, Cristina Altman decidiu se aposentar da vida
acadêmica. Não foram poucos os sinais de desalento dos pesquisadores que muito
aprenderam com ela como compreender a linguagem a partir de uma perspectiva
que privilegia o conhecimento produzido sobre a linguagem, em uma atividade meta-
científica, que antes dos anos 1990 não tinha espaço no Brasil em termos de pesqui-
sa e institucionalização acadêmica.