Adolescentes em Psicoterapia Demandas PDF

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A demanda por psicoterapia na adolescência: a visão dos pais e dos filhos

A demanda por psicoterapia na adolescência: a visão


dos pais e dos filhos

Flávia Angelo Verceze

Maíra Bonafé Sei

Carla Maria Lima Braga

Universidade Estadual de Londrina

Resumo: Objetivou-se investigar, por meio de uma pesquisa qualitativa, a


demanda por psicoterapia de adolescentes junto a um serviço-escola de
Psicologia, no olhar de pais e adolescentes envolvidos nos atendimentos. Foram
consultados dados dos adolescentes atendidos, incluindo a queixa trazida pelos
pais no momento da triagem, comparando-os aos relatos dos estagiários
responsáveis pela psicoterapia para melhor compreensão dos sintomas dos
adolescentes e suas necessidades. Observou-se que as queixas apresentadas
pelos pais, relativas a questões como o desempenho acadêmico, não
apresentavam grande consonância com as queixas dos próprios adolescentes,
aspecto que aponta para uma dificuldade dos pais em compreenderem seus
filhos e para o papel que a psicoterapia pode ter um junto a esta população.
Palavras-chaves: Adolescência; sintomas; psicoterapia; Winnicott.

The demand for psychotherapy in adolescence: the view of parents and


children

Abstract: This study aimed to investigate, through a qualitative research, the


demand for psychotherapy of adolescents with a service-School of Psychology,
in the eyes of parents and adolescents involved in attendance. It were consulted
data from adolescents attended, including the complaint brought by the parents
at the time of triage, comparing them to the reports of the interns responsible
for psychotherapy for better understanding the symptoms of adolescents and
their needs. It was observed that complaints made by parents, concerning
issues such as academic performance, did not present great consonance with
the complaints made by adolescents themselves, an aspect that points to the
parents' difficulty to understand their children and to the role that
psychotherapy can have with this population.
Key-words: Adolescence; symptoms; psychotherapy; Winnicott.

Revista de Psicologia da UNESP 12(2), 2013. 92


Flávia Angelo Verceze, Maíra Bonafé Sei & Carla Maria Lima Braga

Introdução
Os problemas da adolescência são compreendidos por Winnicott (1961/2001)
como inerentes à saúde, referindo-se à imaturidade e às mudanças no processo da
puberdade. Diante dos conflitos suscitados na adolescência, Winnicott afirma que os
adolescentes estão preocupados com o fato de como se sentirem reais e como ser
alguém em algum lugar.
Para alcançar a fase adulta, o indivíduo deve passar por um processo de
desenvolvimento normal, começando o seu caminho da estaca zero, na descoberta de
saber quem é ele. O adolescente busca uma cura imediata para as suas angústias, mas ao
mesmo tempo rejeita todas as “curas” que encontra, pois as considera falsas, talvez por
não serem suas próprias soluções para as suas angústias. Winnicott denomina este
período de busca de ‘zona de calmarias’ (Winnicott, 1961/2001) compreendendo-a
como uma fase na qual os adolescentes sentem-se fúteis e ainda não se encontraram.
Questiona se a sociedade em questão está pronta para esperar, juntamente com seus
adolescentes, este momento das ‘calmarias da adolescência’ passar sem atropelos, sem
agir ativamente a ele, sem a tentativa de ‘curar’ o adolescente, mas de ir ao encontro
deste.
Na adolescência há uma mistura de comportamento de rebeldia e de dependência.
Nesta etapa, os pais vivenciam toda a agressividade em um momento e, em outro, os
filhos parecem crianças, manifestando padrões de dependência que lembram os
primeiros anos de vida. Quanto às necessidades manifestadas pelos adolescentes, pode-
se elencar as seguintes necessidades: evitar a falsa solução para os seus problemas;
sentir-se real, ou de não tolerar a falta de sentimento; ser rebelde em um contexto que
também possa ser acolhido quando dependente; afrontar a sociedade (Winnicott,
1961/2001). Estas necessidades vêm de encontro com a luta que o adolescente vive
consigo mesmo.
Por outro lado, a imaturidade irresponsável do adolescente pode ocasionar
benefícios a toda a sociedade e não apenas problemas. Traz aspirações, idealismo e o
pensamento criativo que, de certa forma, apresenta o novo à sociedade. Como ainda não
estabeleceram a desilusão por completo, apresentam soluções criativas para
experimentar a liberdade de pensar e reformular ideias já constituídas pela sociedade.
Neste sentido, lança desafios que devem ser enfrentados pela sociedade e, para
Winnicott (1975, p. 202) "onde houver um desafio do rapaz e da moça em crescimento,
que haja um adulto para aceitar o desafio. Embora ele não seja belo, necessariamente".
Tem-se uma necessidade saudável do adolescente de não conformidade e uma
preocupação real de estar no mundo e fazer parte dele. Os adolescentes sofrem com as
decepções que vão tendo à medida que crescem e se aproximam do mundo adulto,
decepções com os seus pais e com a sociedade. Além de suas próprias mudanças
relativas à puberdade, devem tolerar suas mudanças no que se referem as suas próprias
ideias sobre a vida.
Mesmo que os pais tenham cumprido de forma satisfatória a tarefa de cuidar de
seus filhos enquanto pequenos, certas dificuldades são inerentes aos estágios
posteriores. Para Winnicott (1968/1999), o adolescente pode estar em concordância com
as regras familiares, mas na sua fantasia inconsciente crescer é um ato agressivo. E este
sentimento assusta, uma vez que aquilo que estava no plano da fantasia pode se tornar

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realidade concreta: um poder de destruir, de matar, enlouquecer com drogas ou suicidar-


se. A agressividade, assim como a sexualidade, assusta o adolescente na potência
inicial. O adolescente, neste momento, pode tanto matar como engravidar alguém, estes
atos saem do plano da fantasia para a possibilidade real (Winnicott, 1975).
Como exposto, Winnicott questiona se a sociedade está preparada para esperar a
calmaria da adolescência acontecer, com tolerância, reagindo e acatando aos desafios,
mas sem a tarefa de curá-la. Afirma ainda que os maiores desafios colocados pelos
adolescentes aos adultos atinge aquela parte de dos indivíduos que não viveu em
verdade sua própria adolescência. Desta forma, o adulto privado de sua própria
adolescência não gosta de ver meninos e meninas florescendo ao seu redor.
Deve-se considerar a dificuldade de estar com adolescentes que lutam para
libertar-se. A sua alternância de estado de humor e de comportamento deixa também os
adultos confusos sem um espaço para comunicação. Estas alternâncias dizem respeito a
sentimentos opostos, muitas vezes no mesmo dia, como amar e odiar os pais; ser
rebelde e ao mesmo depender intensamente deles; sentir envergonhado da mãe ou do
pai e, em outro momento, reconhecê-los em público; ser idealista, amante da arte, da
música e criticar em demasia as atitudes dos pais, ser desinteressado, algumas vezes e
altamente controlador em outras; ser extremamente rigoroso moralmente quando diz
respeito aos seus pais e exigir flexibilidade. Estas flutuações são consideradas normais
quando são vividas pelos adolescentes na época em que são adolescentes. Para que estas
questões sejam vividas plenamente, os adolescentes necessitam dos adultos que deem
uma sustentação que facilitem essa passagem da vida de criança para a vida adulta.
Apesar de todo o isolamento e o consequente processo natural de afastamento da
família em busca de si mesmo, o adolescente necessita do acolhimento familiar para as
suas descobertas. Com relação a esta situação, Winnicott aponta "é um sofisticado jogo
de esconder em que é uma alegria estar escondido, mas um desastre não ser achado"
(1963/1983, p. 169).
Esta proposta teórica na qual este trabalho se apoia afirma que muitas das
dificuldades encontradas nos adolescentes dizem respeito aos seus conflitos e seu
processo de identificações, conflitos que se apresentam dentro do campo da saúde, pois
o crescimento traz questionamentos de si. Muitas das dificuldades são amenizadas se o
adolescente encontra ambiente favorável aos seus questionamentos e mudanças. O
ambiente, muitas vezes, vive constantes ataques por parte dos adolescentes e o
entendimento da família e da escola é que os adolescentes são difíceis e apresentam uma
série de queixas de seus comportamentos e mudanças, muitas vezes resultando em
tratamentos medicamentosos, abandono afetivo ou travando uma batalha diária nas
famílias.
A partir deste panorama, que discorre, por um lado, sobre o processo de
adolescência e suas implicações e, por outro, sobre a capacidade da família e ambiente
em geral que circunda o adolescente em acolhê-lo nesta etapa de vida, almejou-se
conhecer as queixas trazidas pelos adultos quanto aos seus filhos adolescentes diante de
uma demanda de psicoterapia junto a um serviço-escola de Psicologia, em contrapartida
com a aquilo que é trazido pelo próprio adolescente.

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Método
Este estudo pautou-se no paradigma da pesquisa qualitativa, compreendendo-se
que nesta modalidade de investigação, o distanciamento e a neutralidade do pesquisador
não são priorizados, pois são produtos da investigação juntamente com o pesquisado
(Turato, 2005). Há uma postura de uma escuta clínica do indivíduo e do grupo,
privilegiando a presença do pesquisador e a sua participação efetiva, sem desconsiderar
os fenômenos da transferência e contratransferência que permeiam o campo.
Participaram desta pesquisa adolescentes entre 12 a 17 anos, atendidos em
psicoterapia de orientação psicanalítica, a partir do referencial winnicottiano. Os
atendimentos foram realizados em um serviço-escola de Psicologia, com frequência
semanal e duração aproximada de 50 minutos.
Quanto à apresentação e análise dos dados, foram organizados os principais dados
dos adolescentes atendidos, com as seguintes informações: dados de identificação, tais
como data de nascimento, idade, data de triagem, início do tratamento, número de
sessões, encaminhamento, uso de medicamento, queixa na data da triagem, diagnóstico
médico. Posteriormente, foram consultados os dados advindos dos relatos dos
estagiários a partir dos casos atendidos pelos mesmos para uma compreensão dos
sintomas dos adolescentes e de suas necessidades.
No que concerne os aspectos éticos envolvidos na investigação desenvolvida,
ressalta-se que o presente trabalho insere-se dentro do projeto de pesquisa "A clínica
winnicottiana: um estudo sobre a teoria do amadurecimento emocional e o manejo
clínico", aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da
Universidade Estadual de Londrina, a partir do parecer n° 237/2010.

Resultados e Discussão
Dentro da amostra estudada, 79% são do sexo feminino e 21% do sexo masculino,
a maioria de idade aproximada de 16 anos. 64% fazia uso de medicação durante o
período analisado. O número de sessões psicoterapêuticas realizadas variou de 5 sessões
a 65.
Quanto às queixas trazidas pelos pais, foram apontadas as seguintes questões:
dificuldade no âmbito escolar decorrente de problemas da aprendizagem e/ou de
comportamento, transtornos alimentares, mau comportamento, depressão, insegurança,
retração, problemas de relacionamento familiar, falta de higiene pessoal, hetero e
autoagressão, comportamentos antissociais, como furtos, mentiras, uso de drogas,
comportamento sexual exacerbado.
Para análise do material clínico advindo dos relatos dos estagiários, optou-se por
escolher quatro casos para uma compreensão mais aprofundada acerca das queixas
trazidas pelos pais e/ou responsáveis destes em comparação com as demandas
explicitadas pelos próprios adolescentes. Escolheu-se tecer considerações gerais sobre o
caso seguidas de uma discussão acerca do material clínico exposto.

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A demanda por psicoterapia na adolescência: a visão dos pais e dos filhos

Caso A
Considerações gerais
A é do sexo feminino e tinha 16 anos quando iniciou o atendimento. Foi
encaminhada por um projeto neuropsicopedagógico que a diagnosticou com prejuízo de
ordem cognitiva, com limitação intelectual tanto na área verbal quanto na não verbal. A
queixa inicial trazida pela mãe era dificuldades na escola, ansiedade e comportamento
de comer compulsivamente. Fazia uso de medicamentos anticonvulsivos, antialérgicos e
inibidores de apetite.
O atendimento consistiu em escuta terapêutica, além de alguns recursos
mediadores da comunicação no setting terapêutico, como por exemplo, o desenho-
história (Trinca, 1997) e desenho-história com tema (Aiello-Vaisberg, 1997). No que se
refere ao desenho-história com tema, tem-se um recurso que se configura como uma
adaptação de um instrumento, o desenho-história, originalmente delineado para a
investigação clínica da personalidade. Na versão adaptada, solicita-se que o indivíduo
realize um desenho com um tema determinado. Em seguida, pede-se ao examinando que
conte uma história a partir daquele desenho (Aiello-Vaisberg, 1997).
Ao longo do atendimento foram percebidas melhoras no que se refere ao controle
da ansiedade e no comportamento compulsivo relacionado. Porém o mau desempenho
escolar não se alterou, culminando em uma reprovação no final do ano. Nas últimas
sessões do ano a terapeuta observou uma postura diferente por parte da adolescente, que
passou a verbalizar mais sobre suas vivências e seus sentimentos frente as suas
dificuldades.

Discussão
Tal caso assemelha-se a muitos outros atendidos pelo projeto em questão, no que
se refere à queixa inicial, a questão escolar. Entretanto apresenta como diferença dos
demais que tal queixa não foi apenas apresentada pelos pais, mas também pela
adolescente que se sentia muito deprimida por não conseguir melhorar nos estudos.
Outro diferencial do caso é a presença do distúrbio de ingestão apresentado pela
adolescente. De acordo com Winnicott (1990), a alimentação não se estabelece
simplesmente a partir de reflexos. Assim para o estudo de tal tema são necessários a
cooperação e o entendimento dos aspectos somáticos e dos aspectos psicológicos. Ainda
segundo tal autor, os distúrbios alimentares estão relacionados ao início da vida do
indivíduo e a maneira como seu ambiente lidou com o período de lactância.
Informações sobre o princípio da vida do indivíduo são importantes para uma
compreensão mais aprofundada de cada situação, que implica na escolha de diferentes
estratégias e posicionamentos por parte do terapeuta. Contudo, nem sempre o terapeuta
consegue obter tal tipo de informação. No presente caso, A justificava seu
comportamento de comer compulsivamente devido a uma grande ansiedade. Para
Winnicott (1990), a ansiedade não é o anormal. O anormal é a incapacidade do
indivíduo de utilizar várias defesas, ou a tendência especial para utilizar uma única.
Assim podemos supor um atraso no desenvolvimento emocional de A, pois esta não
apresenta um padrão pessoal na organização das defesas contra as ansiedades que é
esperado que aconteça no indivíduo adolescente.

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Flávia Angelo Verceze, Maíra Bonafé Sei & Carla Maria Lima Braga

Caso B
Considerações gerais
B é do sexo masculino, tinha 16 anos quando iniciou o atendimento e não fazia
uso de medicamentos. A queixa inicial foi trazida pelo pai, que consistia em mal
relacionamento com a mãe. Os pais de B são separados e o adolescente possui muita
mágoa em relação a esta, além de apresentar comportamentos considerados antissociais,
como mentiras e pequenos furtos.
O atendimento consistiu em escuta terapêutica, além de alguns recursos
mediadores da comunicação no setting terapêutico, como por exemplo, o desenho-
história (Trinca, 1997) e desenho-história com tema (Aiello-Vaisberg, 1997)
anteriormente apresentados. Também apresentou dificuldade de relacionamento na
escola, chegando a se envolver em brigas. Depois disto começou a desenvolver um
quadro depressivo e passou a ter ideações suicidas. Passou a ser acompanhado por um
psiquiatra e a fazer uso de medicação para controlar seus sintomas. Nas últimas sessões
do ano manifestou desejos de morar sozinho e relatou uma melhora em seus sintomas
quando seguia de forma correta o acompanhamento psiquiátrico e psicológico.

Discussão
Tal caso apresenta um diferencial dos outros apresentados, tendo em vista a
questão de quem busca o atendimento para o filho é o pai e não a mãe. A este respeito
podemos elencar algumas reflexões, como por exemplo, qual seria o papel exercido por
esta mãe e por este pai e qual o vínculo do filho com ambos. Segundo dados do
terapeuta, o pai exercia a função de cuidador, enquanto a mãe se fazia ausente e
negligente desde o início da vida de B. O que nos leva a entender a mágoa sentida por B
em relação a sua mãe, que pode estar relacionada ao desenvolvimento de sua depressão
e posteriormente a suas ideações suicidas.
Vale indicar, no entanto, que a presença do quadro depressivo de B não
necessariamente indica algo completamente negativo. Na visão de Winnicott
(1963/1999), a depressão tem seu valor, isto é, a pessoa só é capaz de sentir-se
deprimida se esta se tornou uma unidade, se é capaz de sentir o “eu sou”. Ou seja, seu
ambiente foi capaz de lhe proporcionar o progresso do processo maturacional inato do
indivíduo. No entanto, também é claro que as pessoas deprimidas sofrem, podendo
machucar a si mesmas e por isso devem ser acompanhadas e tratadas. Ainda segundo
Winnicott (1963/1999),

A depressão nos indivíduos saudáveis, geralmente é um estado de humor


passageiro, que se relaciona com o luto, com a capacidade de sentir culpa e com o
processo de maturação. A depressão sempre implica força do ego; assim, tende a sumir
e a pessoa deprimida tende a se recuperar para a saúde mental. (p. 62)

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O presente caso parece demonstrar esta característica da depressão defendida por


Winnicott. Assim com o devido acompanhamento da terapeuta e da medicação, B
estava conseguindo superar seus sintomas depressivos e apresentando queixas mais
relacionadas à adolescência, ou seja, voltando a um estado de saúde.

Caso C
Considerações gerais
C é do sexo masculino e tinha 16 anos quando iniciou o atendimento. Tinha o
diagnóstico de dislexia e de outros transtornos de aprendizagem. Já frequentava
atendimento psicopedagógico, quando a mãe procurou o atendimento psicológico. Não
fazia uso de medicamentos. A queixa inicial apresentada pela mãe indicava a presença
de constantes mentiras e pequenos furtos.
O atendimento consistiu em escuta terapêutica, além de alguns recursos
mediadores da comunicação no setting terapêutico, como por exemplo, o desenho-
história, jogo do rabisco (Winnicott, 1964-1968/1994), entre outros, devido à
dificuldade do paciente em se comunicar por meio do discurso verbal. Durante o
atendimento apresentou sintomas de conteúdo persecutório, como sonhos e alucinações
visuais. Nas últimas sessões da psicoterapia C já conseguia manter maior contato verbal
com a terapeuta.

Discussão
Este caso assemelha-se aos outros na questão da queixa inicial. Isto é, quase todos
os adolescentes que buscaram o atendimento no serviço-escola de Psicologia vieram
encaminhados por apresentarem problemas de aprendizado e dificuldades na escola. Tal
queixa geralmente é uma demanda dos pais e não apresenta muita concordância com os
sintomas apresentados pelos filhos adolescentes.
Entretanto C foi um caso atípico, pois apresentou sintomas de conteúdo
persecutório, como sonhos e alucinações visuais, que não são característicos de uma
estrutura neurótica. Desta maneira, segundo o relato da terapeuta a psicoterapia de C se
diferenciou um pouco das demais, já que apresentava, no início, muita dificuldade de se
comunicar verbalmente e um comportamento muito regredido. Assim muitas de suas
sessões consistiam em jogos e brincadeiras.
Tal panorama fez com que a terapeuta levantasse a hipótese de uma estrutura
afastada da neurose, talvez borderline. Este tipo de organização da personalidade é
definido por Winnicott (1968/1994, p. 172) como

o tipo de caso em que o cerne do distúrbio do paciente é psicótico, mas ele possui
sempre suficiente organização psiconeurótica para ser capaz de apresentar uma
psiconeurose ou transtorno psicossomático quando a ansiedade psicótica central ameaça
irromper de forma grosseira.

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Para um apontamento mais aprofundado acerca do quadro psicopatológico


apresentado pelo adolescente, pensa-se que seria interessante empreender uma
investigação acerca do início da vida de C. Ademais, nestes casos o trabalho do
terapeuta se diferencia daquele que trabalha com o paciente neurótico. Neste sentido, o
paciente borderline é aquele que vive próximo a uma fronteira que separa a psicose da
neurose, de maneira que a psicoterapia, compreendendo as intervenções verbais e o
próprio manejo do terapeuta em geral na sessão devem ser adequados a esta condição.
Acredita-se que diante de um quadro borderline, é necessário que o terapeuta
tenha uma postura menos interpretativa e realize um holding característico da fase
inicial do desenvolvimento. Ou seja, o terapeuta vai desempenhar uma função materna
"suficientemente boa", já que o quadro borderline, segundo Winnicott indica um
distúrbio nas primeiras fases do desenvolvimento emocional.
Outro ponto relevante a se discutir a respeito do manejo do terapeuta é a
importância do trabalho com o ambiente que este adolescente está inserido. Este
trabalho se mostra relevante nos casos em que o adolescente vivencia sintomas
característicos de um quadro sadio e esperado na adolescência. Mas no caso de
indivíduos que vivenciam sintomas patológicos, como o presente caso, tal trabalho é
essencial. O terapeuta deve auxiliar o ambiente para que este "sobreviva" a este
adolescente e consiga dar suporte a ele. Cabe apontar que sobreviver na teoria
winnicottiana não se refere apenas ao sentido estrito da palavra, que é continuar a viver,
mas sim a uma característica de suportar e continuar a exercer o papel de um ambiente
suficientemente bom. De acordo com Winnicott (1960/2001) muitas famílias se
desfazem devido à carga da psicose sobre um de seus membros, e que por isso pede-se
adoção de medidas preventivas, de maneira que a família sobreviva e o quadro do
indivíduo identificado não se agrave.

Caso D
Considerações gerais
D é do sexo feminino, tinha 16 anos quando iniciou o atendimento. Fazia uso de
antidepressivos e de medicação para dormir. A queixa inicial foi trazida pela mãe, sendo
esta a depressão da filha e as dificuldades desta na escola, que a fizeram repetir um ano,
além de "crises nervosas" sofridas por D. O atendimento consistiu em escuta
terapêutica, além do emprego de alguns recursos com a função de mediação da
comunicação no setting terapêutico tais como o desenho-história (Trinca, 1997),
desenho-história com tema (Aiello-Vaisberg, 1997), dentre outros.
Durante algum tempo D evitou falar sobre suas questões, prendendo-se a assuntos
triviais. Contudo, no meio do atendimento a mãe de D faleceu, fato que levou a uma
piora de seu quadro. Após o falecimento D desenvolveu transtorno do pânico, além de
voltar a ter um quadro depressivo grave e apresentar grandes oscilações de humor.
Transcorrido um tempo da psicoterapia D passou a trazer questões importantes como a
perda da mãe e do pai, sua sexualidade e ambivalências emocionais em relação à irmã e
à nova responsável.

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A demanda por psicoterapia na adolescência: a visão dos pais e dos filhos

Discussão
O presente caso se destacou frente aos demais casos atendidos pelo projeto, por
sua natureza complexa. Embora D apresentasse um quadro de depressão como muitos
outros adolescentes atendidos, seu quadro era preocupante e foi agravado depois da
morte da mãe, que se sucedeu durante a psicoterapia. Segundo Winnicott (1963/1999), a
depressão está muito associada ao processo de luto e desta maneira apresenta um valor.
Ou seja, apenas o indivíduo que se tornou uma unidade, tornou-se capaz de sentir “eu
sou”, é capaz de sentir-se deprimido. Para tal autor a depressão é potencial, pertence ao
âmago da personalidade e se constitui numa evidência de saúde.
Em relação à morte, Winnicott (1968/1999) refere que quando esta ocorre na
experiência emocional de uma criança que já tenha alcançado a capacidade para os
relacionamentos interpessoais, mesmo que a situação familiar se rompa, ainda assim a
criança poderá ser capaz de sair-se relativamente bem, caso seja encontrado um
substituto para o lar e a confusão total seja evitada. No presente caso, depois da morte
da mãe, D, que já havia perdido o pai, foi morar com um casal de amigos da família.
Embora o lar substituto não se apresentasse de modo totalmente satisfatório, conseguiu
acolher D e sua irmã mais nova, dando a possibilidade de uma reestruturação da
adolescente. Dessa maneira, fez-se necessário que a terapeuta fizesse também alguns
encontros com este casal, a fim de facilitar este processo de adaptação, permitindo que
D elaborasse seu luto e vivesse sua depressão. Assim foi verificado nas últimas sessões
do ano que D estava melhorando seu quadro depressivo e trazendo queixas mais
relacionadas à adolescência.
Neste ponto, é interessante trazer à discussão a problemática das queixas naturais
da adolescência, para aqueles que perderam os pais. Pois, de acordo Winnicott
(1963/1983), crescer não depende apenas da tendência herdada, mas também do
entrelaçamento deste potencial com o ambiente facilitador. Crescer significa tomar o
lugar dos pais. “Se a criança está se tornando adulta, é às custas do corpo morto de um
adulto que esta mudança é conseguida” (Winnicott, 1968/1999, p. 154). É claro, que
aqui Winnicott se refere à fantasia inconsciente e por isso faz-se interessante refletir
sobre os casos de adolescentes que perdem seus pais, isto é, nos quais a morte passa a
ser concreta e pode gerar fantasias e culpas a este, que precisam ser trabalhadas e
elaboradas.

Considerações finais
Tal como inicialmente exposto, o objetivo geral do presente trabalho era
compreender os sintomas dos adolescentes e suas necessidades e compará-los com as
demandas apresentadas pelos pais dos mesmos no momento da triagem. É possível
concluir que as queixas apresentadas pelos pais como motivo para o atendimento do
filho não apresentam grande consonância com as queixas e os sintomas apresentados
pelos próprios adolescentes. Os pais parecem se preocupar muito com questões mais
concretas em relação aos filhos, como por exemplo, o desempenho acadêmico.
Negligenciam muitas vezes as reais necessidades dos filhos e tal tipo de percepção pode
contribuir para uma reflexão acerca de como o ambiente pode constituir-se em um
ambiente de holding, de acolhimento às diversas necessidades apresentadas por seus
integrantes diante de um panorama de pouca empatia e compreensão.

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De forma similar, outra questão importante percebida por meio desta investigação
foi o quanto os pais consideram as características da adolescência saudável como
sintomas patológicos. Muitos não entendem que a adolescência é um momento de
perturbação, que apresenta a imaturidade como característica marcante. Compreende-se
que a saúde relaciona-se com a maturidade esperada para determinado momento do
desenvolvimento e, neste sentido,

o adolescente é imaturo. A imaturidade é um elemento essencial da saúde durante


a adolescência. Só existe uma cura para a imaturidade – a passagem do tempo e o
crescimento para a maturidade que o tempo pode trazer. (Winnicott, 1968/1999, p. 156-
157)

Como apontado, diante desta imaturidade passageira do adolescente, seria


importante que o ambiente sobrevivesse à adolescência do filho, proporcionando-lhe o
holding necessário ao longo deste processo. Nos casos apresentados foi percebido o
quanto esta tarefa é difícil aos pais, que muitas vezes pecam em sua função, abdicando e
transferindo responsabilidades aos adolescentes que se tornam prematuramente velhos,
perdem a espontaneidade, os jogos e o impulso criativo. Ou seja, tornam-se adultos por
meio de um processo falso, em que há ausência de saúde. Assim, em virtude do que foi
mencionado, é possível refletir o que é uma situação esperada da adolescência e o que
passa a ser preocupante.
A depressão foi um sintoma que ganhou destaque nos casos analisados. Assim
faz-se necessário discutir o que é saudável e o que é patológico neste campo. Na visão
de Winnicott (1963/1999), a depressão tem seu valor, ou seja, o indivíduo só é capaz de
sentir-se deprimido, se foi capaz de sentir o “eu sou”, se se tornou uma unidade capaz
de conter as pressões e os estresses gerados na realidade interna. Com isso, é possível
concluir que os casos de depressão relatados não apresentam prognósticos ruins, pois
para tal autor a depressão é potencial, pertence ao âmago da personalidade e se constitui
numa evidência de saúde. Entretanto, é preciso salientar que a depressão não deve ser
considerada saudável e que quando ela existe deve ser acompanhada e tratada, pois o
indivíduo deprimido sofre, podendo machucar a si mesmo ou dar cabo de sua própria
vida.
Desta maneira, podemos considerar que a adolescência é um período na vida do
indivíduo em que ele precisa de grande apoio, já que nesta fase acontecem grandes
transformações. O indivíduo começa a perceber que aquilo que era mera possibilidade
na infância e que fazia parte apenas da fantasia, passa a ser passível de acontecer, como
por exemplo, a gravidez, o suicídio e o homicídio, principalmente dos pais. Isto é, agora
o adolescente se vê como realmente potente em realizar suas fantasias. A partir disso,
entende-se a relevância de um ambiente suficientemente bom, visto que é necessário o
acolhimento das questões juvenis e não submeter os jovens à repressão. Ou seja, a
adolescência é uma fase que deve ser efetivamente vivida e é uma fase de descoberta
pessoal. O que justifica um atendimento psicológico a esta população, acolhendo este
indivíduo em processo de mudança e promovendo saúde através da minimização de
agravos maiores.

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Bibliografia
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Recebido: 21 de outubro de 2013.


Aprovado: 13 de novembro de 2013.

Revista de Psicologia da UNESP 12(2), 2013. 102

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