Zona Torrida

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ZONA TÓRRIDA

certa pintura do Nordeste 1


Estamos na dourada habitação da luz. Do alto do céu todo o vasto

continente brasileiro aparecerá como um diamante a cintilar nas

sombras do Infinito... A terra é perpetuamente vestida de luz. A sua

refulgência abre no silêncio dos espaços uma claridade inextinguível,

fulva, ardente, branda ou pálida. Tudo é sempre luz. Descem do sol as

luminosas vagas ofuscantes, que mantêm na terra a quietação profunda.

A luz tudo invade, tudo absorve. Chapeia nos cimos das montanhas,

derrama-se pelos vales, [...] [a vida] vibra, fulgura o ar incandescido,

a terra se volatiza numa pulverização de luz. Desmaiam as cores do

mundo e tudo se torna da cor da luz.1

– Graça Aranha. A estética da vida, 1921.


2
Ministério da Cultura, Santander e Santander Cultural apresentam

ZO NA TÓ R R IDA
certa pintura do Nordeste

curadoria [ curatorship ]

Paulo Herkenhoff e Clarissa Diniz

patrocínio [ sponsorship ] produção [ production ] realização [ presentation ]

santander cultural
Recife, 28 de março a 20 de maio de 2012 | 28 March – 20 May, 2012
C
om a mostra Zona Tórrida, certa pintura do Nordeste, o Santander atende a
uma de suas premissas na área da cultura: a valorização das questões regionais
contextualizadas por um olhar global. Assim, a exposição transita pelo tema
das identidades locais e sua representação por meio da arte e da cultura.
A hipótese de que a luminosidade do Nordeste – situado na zona tórrida do globo – 
é capaz de conduzir a grandes estridências cromáticas mobiliza o curador geral, Paulo
Herkenhoff, na seleção dos mais de cinquenta trabalhos de autoria de artistas reconhe-
cidos que ocupam todo o espaço expositivo do Santander Cultural. Reunindo obras do
princípio da modernidade aos dias atuais, a exposição oferece um significativo panorama
da produção pictórica, com artistas do Maranhão, do Ceará, de Alagoas, da Paraíba, de
Pernambuco e da Bahia. Dentre as obras, destaca-se o painel Eu vi o mundo... Ele começa-
va no Recife (1926-29), de Cícero Dias, pela primeira vez exposto na cidade cuja história
é seu fio condutor. Marco da presença da produção artística nordestina no modernismo
brasileiro, a apresentação da obra ao público pernambucano atende, assim, à necessidade
de pensar criticamente a cultura local, compromisso assumido com empenho pelo San-
tander Cultural.
O catálogo de Zona Tórrida, por sua vez, complementa os propósitos da exposição,
constituindo um relevante documento sobre as relações entre ambiente, arte e indiví-
duo. Além de ensaio inédito de autoria dos curadores Paulo Herkenhoff e Clarissa Diniz,
foram também republicados três textos que discutem a questão da luz na pintura do
Nordeste. As ideias de Gilberto Freyre, Mário Pedrosa e José Cláudio acerca das espe-
cificidades dessa relação ganham, assim, fôlego na atualidade, demarcando também a
contribuição histórica da discussão.
Zona Tórrida convida o visitante a explorar as singularidades da produção artística
feita a partir do Nordeste, atentando para a força da cor das obras e sua relação com as
características ambientais e culturais da região, diálogo contextual profícuo que costuma
ser retomado em diversos momentos históricos, revelando-se capaz de, continuamente,
alimentar as pulsões de vida e de criação.
Santander Cultural
6
sumário s
a dv e r t ê n c i a 9  Paulo Herkenhoff e Clarissa Diniz
e s t é t i c a da v i da 10
v i r g i n da d e s 12
f r u ta r i a 15
e c o lo g i a 19

Algumas notas sobre a pintura no Nordeste do Brasil 23  Gilberto Freyre

lu l a c a r d o s o ay r e s 32
bandeira ígneo 36
t r ó p i c o / t r o p i c o lo g i a 40
vicente do rego monteiro 43
recalque 44
c o n g á c o n s t r u t i vo r u b e m va l e n t i m 49
m o n t e z m ag n o 51
almandrade 54
delson uchôa 56

Pernambuco, Cícero Dias e Paris 61  Mário Pedrosa

c a ry b é 65
lu z e s s a z o n a i s 67
josé cláudio 74
t h i ag o m a r t i n s d e m e lo 79
bruno vilela 81
pau lo m e i r a 82
a n to n i o d i a s 84
e c o lo g i a - lu z 87

Não há Nordeste 91  José Cláudio

english version 92
8
Paulo Herkenhoff e Clarissa Diniz

a dv e r t ê n c i a

Pintura não é “produto agrícola”, adverte o pintor José Cláudio. Nela, a cor tem ecologia
própria. Daí a fotossíntese não obedecer à luz do cânon. Pintura dubitante: isso é moça
ou castanha de caju? Galo ou abacaxi? Contra o behaviorismo estético, um olhar se lança
a pensar as relações entre luz equatorial e a pintura que emerge dos trópicos. O olho
esquiva-se de Newton e Goethe porque “a luz que penetra [na pintura] não se mede com
fotômetro”.2 O en plein air produz sentido quando é captura de luz latitudinal. Seria a luz
a energia capaz de “absorção do ser na unidade cósmica” pensada por Graça Aranha?3
A zona tórrida – área do globo que se estende entre o Trópico de Câncer e o Trópico de
Capricórnio, mediada pela Linha do Equador – é uma circunscrição cegada pela extrava-
gância de luz. Zona tórrida guarda uma distância longitudinal estratégica de Greenwich,
Paris, Jerusalém, São Petersburgo, ou qualquer outra referência. Longitude é convenção
arbitrária. Nosso Norte não é o Sul, como no mapa invertido de Torres-Garcia, nem corre
sob Capricórnio, como vendeu Mário de Andrade. Romper com a orientação teocêntrica,
heliocêntrica, caipirocêntrica, capricornicêntrica. Na zona tórrida, o Norte é o Nordeste.
Vicente do Rego Monteiro O pintor aspira a mácula original da latitude.4 Borrados os limites das latitudes, é na
A mulher e a corça, 1926
Óleo sobre tela [Oil on canvas]
direção oposta àquela do risco de configuração de um regime óptico para certa pintura
91,3 × 64,1 cm do Nordeste que se mapeia esta zona tórrida. O Brasil, ou qualquer uma de suas regiões,
Coleção [Collection] Museu do Estado
de Pernambuco, Recife é irredutível a um único sistema de cor.
11
e s t é t i c a da v i da

O mesmo acontece com a pintura no Nordeste em seus múltiplos sistemas. Nos anos
1980, diz Delson Uchôa que sua preocupação era fazer uma pintura que tivesse uma iden-
tidade, e não era nem uma questão de uma identidade brasileira, ou latino-americana,
como é percebida hoje em meus trabalhos, mas uma preocupação bem localizada: eu queria
que minha pintura remetesse ao Nordeste.5 Latitude sem a densidade da cultura concreta é
só lugar geográfico e explicação física da luz. A estética da vida, do escritor Graça Aranha,
é o marco que introduz uma vontade autônoma e própria de cor, pensando uma fenome-
nologia da luz no Brasil.
Graça Aranha foi moderno apesar do modernismo. O escritor problematiza a cor com
um regime cultural e projeta uma possível fenomenologia não separada da dimensão et-
nológica. Graça Aranha deplora a falta de comunhão da “alma brasileira” com a natureza
por decorrência do artificialismo das “três raças”: a “melancolia portuguesa”, a “metafísi-
ca do terror” dos índios (enchendo de fantasmas os espaços entre o espírito humano e a Em A estética da vida, Graça Aranha afirma que a natureza é uma prodigiosa magia.
6
natureza) e a “infantilidade africana” (“terror cósmico”). O maranhense planta os fun- E no Brasil ela mantém nas almas um perpétuo estado de deslumbramento e de êxtase.
damentos do projeto de cor modernista como modo de enunciação da cultura nova de [...] No Brasil, o espírito do homem rude, que é o mais significativo, é a passagem moral,
um país complexo. Urgia transformar sensações da paisagem em arte – cor, linha, planos, o reflexo da esplêndida e desordenada mata tropical. Há nele uma floresta de mitos.8 Em
massas. No projeto de A estética da vida, existe a unidade e não o império de qualquer Delson Uchôa
1923, rompidos com Graça Aranha, os dois Andrades não escapam de emular A estética
província cultural sobre as demais. Na diversidade geográfica do continente brasileiro, a Curral da praia, 1988 da vida em Paris e São Paulo. Tarsila do Amaral recebia em Paris a lição de Léger quanto
Intervenção na praia do Carababa, Alagoas
unidade moral, política e histórica da Nação é o efeito espiritual da unidade de raça que [Intervention on Carababa Beach, Alagoas] à aplicação da “couleur local”.9 Numa conferência marota na Sorbonne, Oswald apoia-se
Esmalte sintético sobre papel kraft (cortes
é o princípio criador do País. As várias regiões do País são disparatadas e tendem todas a geométricos) e lona de algodão [Synthetic enamel
no tripé étnico da formação brasileira conforme Graça Aranha. Por conta disso, Bene-
diferentes destinos geográficos, e nenhum aço de ordem geológica as funde para formar com on Kraft paper (geometrical cuts) and cotton tarpaulin] dito Nunes argumentou, Oswald operou “uma inversão parodística da filosofia de Graça
160 × 100 cm
7
elas um só todo físico. No disparate entre as regiões, o próprio Nordeste é muitos. Coleção do artista [Artist’s collection], Maceió Aranha”, em que a metafísica bárbara é recuperada em antropofagia.10
12 13
v i r g i n da d e s

Em novembro de 1923, quando Tarsila do Amaral embarcava para São Paulo, um Mário
de Andrade inspirado em Graça Aranha convocava a artista a retornar de Paris e a pintar Para Gilberto Freyre, em 1925, a virgindade da pintura moderna era outra: “não temos
em brasileiro: “volta para dentro de ti mesma. […] Abandona Paris! Tarsila! Vem para a ainda produzido um pintor verdadeiramente nosso: a paisagem e a vida do Nordeste
11
mata virgem”. brasileiro se acham apenas arranhadas na crosta. Nos seus valores íntimos continuam
Mata-virgismo é a tradução/tradição da “metafísica do terror” e da couleur local. virgens.” 13 Wilson Martins apontou o “célebre tópico” na história da literatura brasileira,
Mário pensa a pintura como silvicultura. José Cláudio não pensa como Mário. Tarsila o “irreconciliável antagonismo que opunha o mestre pernambucano aos escritores pau-
aplica a lição de Léger tão logo volta ao Brasil: Morro da favela e Carnaval em Madureira listas”.14 Com ânsia de totalização, a pintura pau-brasil não dava conta do Brasil, fosse ela
(1924). A receita légeriana ecoa na paleta empírica de Oswald do Manifesto da poesia fundada no léxico cromático do Rio, de Minas Gerais ou de São Paulo.
pau-brasil (1924): “A poesia nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da Desde o século XIX, a zona tórrida contava com a vigorosa pintura de Telles Júnior
Favela, sob o azul cabralino, são fatos estéticos.” Definitivamente, em fevereiro de 1924, dedicada aos Atlânticos – mata e mar. O território mais urgente para uma invenção sim-
o vernáculo da primeira cor pau-brasil de Tarsila e a ambiência do Manifesto da poesia bólica do lugar envolvia atmosferas mais luminosas opostas a um regime de sombras: o
pau-brasil são urbanos e cariocas na temática e na paleta. sertão, o mar e os manguezais. Na zona tórrida, adotar cegamente a ideia de cor caipira é
Na operação do modernismo paulista, a cor política deveria passar de pau-brasil a aceitar um enlatado como outro qualquer.
caipira, e esta, de regional a símbolo nacional. Já convertida ao projeto, Tarsila, doze anos A sensibilidade cromática do regionalismo nordestino (“a seu modo, moderno”, como
depois de pintar Morro da favela e Carnaval, reescreve a história e informa que encontrou ressaltava Freyre) seria eminentemente mais tórrida que o regionalismo paulista da cor.
em Minas as cores que adorava em criança. Ensinaram-me depois que eram feias e caipiras. Ou não tinha mistura de branco (como no Cícero Dias abstrato) ou era excesso de bran-
Segui o ramerrão do gosto apurado. Mas depois vinguei-me da opressão, passando-as para co (como na pintura de Vicente Leite). O “mortífero derrame de luz15 equatorial geraria,
as minhas telas: azul puríssimo, rosa violáceo, amarelo vivo, verde cantante, tudo em gra- Cícero Dias diferentemente da nitidez caipira percebida por Tarsila na região de Minas Gerais e São
Paisagem praieira (o mar visto da praia), 1948
dações mais ou menos fortes, conforme a mistura de branco. Pintura limpa [. . . ]. Contornos Pintura sintética [Synthetic painting] Paulo, “um escândalo de sangue fresco [...]; amarelos e roxos espessos, oleosos, gordos,
12 572 × 110 cm
nítidos, dando a impressão perfeita da distância que separa um objeto de outro. Tudo isso às vezes dando vida a formas que são meios-termos grotescos entre o vegetal e o huma-
Paisagem praieira (a praia vista do mar), 1948
é Léger à brasileira que já estava no Morro da favela: a cor local vernacular, a técnica da Pintura sintética [Synthetic painting] no”.16 Assim, à “perfeita distância que separa um objeto de outro” criada por Tarsila em
572 × 110 cm
formação da cor e o princípio do “contraste das formas” (quando o contorno nítido dos pinturas de elementos bem definidos, que não se misturam – senão coabitam a imagem –,
Mural da Secretaria da Fazenda do Estado de
volumes separa um dos outros). Pernambuco, Recife o pernambucano Cícero Dias responderia com uma mais radical hibridização.
14 15
f r u ta r i a

Cícero Dias desponta no Rio de Janeiro nos anos 1920 com incontrastável frescor. Suas
aquarelas eram os sonhos eróticos de um menino de engenho fascinado pela metrópole,
lugar de realização do desejo. Aparece com seus arranha-céus, transatlânticos, Pão de
Açúcar, aqueduto, trânsito e a demanda de um equilíbrio precário do mundo. O desenho
deslocou o desejo para uma zona da fantasmática. Cícero Dias veio ao mundo para de-
sandar a cor caipira, a paleta que Mário de Andrade quis ver, a partir de Tarsila, como
alavanca para seu projeto bandeirante de predomínio simbólico de São Paulo na for-
mação do Brasil modernista. Já na década de 1920, as aquarelas desse Chagall selvagem
rejeitavam o reducionismo do escritor.
Há dois Cíceros Dias fundamentais na zona tórrida: o surrealista ingênuo das décadas
de 1920 e 1930, e o geométrico indomável de fins da década de 1940. Depois, no retorno
à figuração, o pintor torna-se caipira, a custo da perda da solaridade nordestina. O desa-
fio geral da cor tórrida, anticaipira, sempre esteve mais na fenomenologia da cor do que
em seu caráter ilustrativo da temática de pintura de gênero prevalecente no modernismo.
Mário de Andrade foi apegado a Dias, de quem possuía treze obras (inclusive três
cartas ilustradas) que datam de até 1930. Em 1931, Cícero expôs o impactante desenho
Eu vi o mundo... Ele começava no Recife (1926-29) no Salão Revolucionário. Mário recal-
Cícero Dias cou a obra com silêncio tático, pois nela pode ter percebido uma oposição a seu projeto
Cena vegetal, 1944
Óleo sobre tela [Oil on canvas] geopolítico, já que Dias configurava uma geografia excêntrica. Já em 1928, para o Mário
80 × 60 cm ideológico, o problema de Cícero era não ser paulista, pois lhe faltava “bandeirismo: o
Coleção [Collection] Roberto Marinho,
Rio de Janeiro longe vago buscado”.17
16 17
Ícone de sua pintura moderna de sexualidade explícita,18 como também de sua rela- aquarelas – como Condenação dos usineiros (1930) – introduzem contundente críti-
ção com o Nordeste e com a história social, o painel Eu vi o mundo... Ele começava no ca ao sistema oligárquico e diferenciam-se da sociologia de conciliação de Tarsila do
Recife (1926-1929) vivenciaria a temerosa reação do público à libido exposta pelo artista Amaral e de Gilberto Freyre. Na volta a Pernambuco, o artista paulatinamente deixa a
pernambucano. Parcialmente depredado quando exibido no Salão Revolucionário, o pai- aquarela pela pintura. Desaparece o traço potente do desenho tosco suplantado pelo
nel de aproximadamente doze metros, em sua transparência de forma e tema, profanava empaste da pintura.
o distanciamento da arte diante das sensações e narrativas mais ordinárias. Na grande A trajetória de Cícero Dias, exposta em retrospectiva de 1948 na Faculdade de Direito
pintura de Dias – realizada sobre papel kraft, já indício de profanação do métier –, a lu- do Recife, incluía quatro pinturas que (con)fundiam imagens e sentidos através de um
minosidade tropical se transforma em clareza do enunciado e, assim, se o pretexto inicial surrealismo de eixo linguístico: Guarda-chuva ou instrumento de música (1943), Galo
da obra era o de contar a história de Joaquim Nabuco, inevitavelmente metamorfoseou-se ou abacaxi (1946), Moça ou castanha de caju (1946) e Mamoeiro ou dançarino (década
por uma enxurrada de imagens do cotidiano: “Tudo se mexia na minha cabeça. Imagens de 1940). São justaposições conforme a lógica do Conde de Lautréamont (“encontro ca-
do começo da minha vida. Tantas coisas: mulheres, histórias fantásticas, escada de Jacó, sual de uma máquina de costura e um guarda-chuva numa mesa de operações”). Esses
19
as onze mil virgens. Levaria todas essas imagens para dentro de um grande afresco?” quadros-paradoxos substituíam o fortuito encontro de coisas da sociedade industrial por
O intuito épico é atravessado pela experiência da vida; ordinário e mítico se fundem no frutas tropicais – o título, uma espécie de dissimulação verbal do significante, desestabi-
corpo do artista transformado numa carnalidade pictórica capaz de atrair e repelir, seduzir lizava e ativava a recepção. A ambivalência da forma inquietou o Recife.22
e revoltar. Cícero Dias sabia que “passava pelo seu corpo toda a história de um Nordeste”.20 Para Mário Pedrosa, não havia abstracionismo nessas situações, em que o assunto já
O início do diálogo entre Gilberto Freyre e Cícero Dias foi em 1932, quando o pintor Cícero Dias perdia importância ou desaparecia: “dos temas regionais só restou o que era realmente do
Eu vi o mundo... Ele começava no Recife, 1926-1929
retorna a Pernambuco: “Estaria eu participando de suas ideias?”, pergunta o pintor, “o Guache e técnica mista sobre papel, colado em tela
domínio plástico: certas formas vegetais e arquitetônicas tiradas da paisagem pernambu-
notável sociólogo jamais poderia encontrar uma pintura onde as afinidades literárias e [Gouache and mixed media on paper, glued on canvas] cana, sobretudo recifense e certas cores locais, azuis e amarelos que resistem a qualquer
198 × 1.186 cm
21
sociológicas estivessem tão perto das artes plásticas”. Os fantasmas sociais das novas Coleção [Collection] particular, Rio de Janeiro luz.” 23 Os trópicos reacendiam a pintura de Dias em seus mais luminosos quadros de alusão
18 19
vegetal, que retomavam um verde que ele atribuiria à experiência ecológica nordestina,
em consonância com o pensamento freyreano: Teria sido Gilberto o primeiro a mostrar-me
os verdes que empregava nos quadros? Os verdes dos mares pernambucanos, quando
todos os pintores pernambucanos convencionalmente olhavam os mares azuis. Curioso
que os pintores copiadores da natureza ao retratar os verdes os faziam azuis.24 Ademais,
Cícero de então compreendia “a pintura na América” como “demasiadamente anedó-
tica”.25 Autocentrado, esqueceu-se da antropofagia de Tarsila e mesmo do surrealismo
vegetal entre alguns mexicanos. Em evocação a Graça Aranha, ele advoga que para cons-
tituir o signo pictórico de um lugar (no caso, Pernambuco), “há elementos pictoriais de
primeira ordem [. ..], em cores e em formas.”26
O raciocínio intuitivo de Cícero Dias, afetado pela guerra, indica que a abstração
geométrica surgia-lhe como sintoma da crise do sujeito do inconsciente que emergiu
nos anos 1920. No pós-guerra em Paris, ele deixa o surrealismo para ser o mais francês
dos geométricos brasileiros e posicionar-se à distância da lógica do suprematismo, do
neoplasticismo e da arte concreta. Longe da razão construtiva, atuava conforme a ideia
de composição geométrica como lugar da cor. Compunha como francês, coloria como
brasileiro. Sua geometria é quase-caos. A cor tem surpreendente espontaneidade das e c o lo g i a
aquarelas dos anos 1920 com sua base intuitiva, quase inculta, inclassificável, indomável.
Tinha caráter em seus experimentos estridentes. A paleta retomara a solaridade da obra Já em 1925, Gilberto Freyre pede às artes que atentem para “a paisagem e a vida do Nor-
juvenil e uma audácia antieconômica frontalmente antineoplástica. deste brasileiro” e para não “resvalarem para o caipirismo ou para o separatismo literário
Em São Paulo, Waldemar Cordeiro, o concretista, foi ácido: “julgamos hedonista o ou artístico. Nem para o patriótico, anedótico ou apologético – perigos a evitar nessa fase
não figurativismo do sr. Cícero Dias porque cria ‘formas novas de princípios velhos’”. 27
nova de abrasileiramento da nossa arte e da nossa literatura”.29 Seu pensamento social
Cordeiro não lhe tolerava as relações cromáticas arbitrárias ou o “gosto gratuito”. O pin- e cultural aborda a mestiçagem.30 O processo cultural não se estanca em identidades
tor nordestino justificava-se de outra forma: “a abstração atende a meu lado espiritual, é rígidas – seu movimento é da dinâmica relacional: “precisamos cada vez mais pensar em
Almandrade
28
preciso lembrar a relação que Santo Agostinho já fazia entre a arte e o número.” Cícero Uma tarde de verão, 2011
termos de inter-relação das coisas”.31 Em longa trajetória, Freyre libera o regionalismo
Dias, o precursor, já era geométrico em 1946, época em que, paradoxalmente, Cordeiro Acrílica sobre tela [Acrylic on canvas] da vinculação única com a região Nordeste. Regionalismo e ecologia confluem-se em
80 × 80 cm
ainda era “figurativo” e ainda não pensara a cor com o vigor da década de 1960. Coleção do artista [Artist’s collection], Salvador suas teorias sobre as relações – biológicas, geográficas, sociais, culturais – que imbricam
20 21
n ota s

1 ARANHA , Graça. A estética da vida (1921). In: Obras 21 DIAS , Cícero. Eu vi o mundo: Cícero Dias. Op. cit., p. 69-70.
Completas. Rio de Janeiro: INL, 1968, p. 625.
22 Cf. Revista Região. Recife, dezembro de 1948.
2 CLÁUDIO , José. Não há Nordeste. Diário da Noite. Recife, 13
23 PEDROSA , Mário. Pernambuco, Cícero Dias e Paris.
jun 1961.
Revista Região. Recife, dezembro de 1948.
3 ARANHA , Graça. A estética da vida (1921). In: Obras
24 DIAS , Cícero. Eu vi o mundo: Cícero Dias. Op. cit., p. 69.
Completas. Op. cit., p. 625.
25 ASSIS FILHO , Waldir Simões de (org.). Cícero Dias – 
4 A mácula reúne a maior densidade de células cone do olho,
uma vida pela pintura. Curitiba: Simões de Assis, 2002, p. 146.
responsáveis pela percepção das cores.
26 Idem.
5 UCHÔA , Delson. Delson Uchôa. Milão: Charta, 2009, p. 29.
civilização e ambiente. O “homem do Nordeste” não interessará a Freyre por possíveis
27 CORDEIRO , Waldemar. Ruptura. Correio Paulistano.
6 ARANHA , Graça. A estética da vida (1921). In: Obras
características culturais “próprias” ou “essenciais”, mas, sobretudo, pelo modo como con- Completas. Op. cit., p. 620-621.
São Paulo, 11 jan 1953, p. 3.

tinuamente responde às especificidades de seu contexto natural, social e cultural – nas 7 Idem


28 Entrevista a Napoleão Saboia. Pintura de Cícero Dias
32 alimenta-se de música e poesia. O Estado de São Paulo.
palavras do autor, como “homem situado”. Sob um regime ético-político, o “homem 8 ARANHA , Graça. A estética da vida (1921). In: Obras São Paulo, 24 jul 2001.
Completas. Op. cit., 1968, p. 621.
situado” de Freyre alcança uma tríplice dimensão que entrevê a ecosofia de Félix Guattari, 29 FREYRE, Gilberto. Algumas notas sobre a pintura do
33 9 LÉGER , Fernand. Notes sur la vie plastique actuelle (1923). Nordeste do Brasil. In: FREYRE, Gilberto et al. Livro do Nordeste,
a articulação das três ecologias: o meio ambiente, as relações sociais e a subjetividade. In: Fonctions de la peinture. Paris: Gallimard, 1997. comemorativo do centenário do Diário de Pernambuco: 1825-1925.
O “homem situado” é um pintor tão diverso quanto Lula Cardoso Ayres, Rubem Valen- 10 NUNES , Benedito. Prefácio a Obras completas de Oswald de
Op. cit.

Andrade, vol. VI. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, p. XXXII. 30 “São vários os exemplos desse vigor híbrido que nos permite
tim, Montez Magno, Delson Uchôa, Paulo Meira ou Thiago Martins de Melo.
ver na floração artística do Brasil de hoje não a negação mas
11 ANDRADE , Mário. Carta de 15 de novembro de 1923,
O pensamento ecológico de Gilberto Freyre34 diferencia-o da perspectiva folclorista apud Aracy Amaral. Tarsila, sua obra e seu tempo. São Paulo:
a afirmação de vantagens culturais da mestiçagem tal como a
que se vem praticando no nosso país desde os tempos coloniais.
de Mário de Andrade ao desestabilizar a concepção regionalista para além do caráter Perspectiva, 1975, vol. 1, 369.
Mestiçagem, miscigenação, interpenetração de culturas”. FREYRE ,
12 AMARAL , Tarsila. Pintura pau-brasil e antropofagia. In: Gilberto. Portinari. O Jornal. Rio de Janeiro, 16 dez de 1942.
dogmático do modernismo: O que o Regionalismo criou [. . . ] foi apenas uma espécie de Revista Anual do Salão de Maio, nº 1. São Paulo, 1939. Revista
31 FREYRE , Gilberto. A favor da arte popular regional.
atmosfera nova, que fez [ ...] ver sob uma nova luz a gente e as coisas, a paisagem e o passo editada por Flávio de Carvalho.
Diário de Pernambuco. Recife, 27 fev de 1972.
de sua região e do seu país; e também os problemas do seu tempo. E essa nova visão, a um 13 FREYRE , Gilberto. Algumas notas sobre a pintura do
32 FREYRE , Gilberto. Algumas notas sobre a pintura do
Nordeste do Brasil. In: FREYRE , Gilberto et al. Livro do Nordeste,
Nordeste do Brasil. In: FREYRE , Gilberto et al. Livro do Nordeste,
tempo regional e universal, da vida e dos problemas humanos, é uma nota identificadora comemorativo do centenário do Diário de Pernambuco: 1825-1925.
comemorativo do centenário do Diário de Pernambuco: 1825-1925.
Recife: Off. do Diário de Pernambuco, 1925.
de alguns dos trabalhos mais sérios saídos do Nordeste nos últimos vinte ou vinte e poucos Op. cit.
14 MARTINS , Wilson. Leituras brasileiras (?). Disponível
anos. [. . . ] Nenhum deles é sectariamente, regionalista. Nenhum deles traz a marca ou o em http://www.jornaldepoesia.jor.br/wilsonmartins068.html.
33 GUAT TARI , Félix. As três ecologias. Trad. Maria Cristina
F. Bittencourt. Campinas: Papirus, 1990.
Acessado em 29 de fevereiro de 2012.
carimbo nítido e inconfundível de uma seita, de uma escola, de um movimento sistemati-
34 [. . .] procuramos realizar estudos concretos de ecologia
15 ALMEIDA , José Américo. A Paraíba e seus problemas. 3ª ed.,
zado, de um nome de mestre ou chefe absorvente de uma data certa de convenção ou de rev. (1ª ed., 1923). João Pessoa-Paraíba: Secretaria de Educação e
social e não apenas divagar ou delirar a respeito. O ponto de vista
da ocupação humana do espaço não nos permite ser rigorosamente
primeira comunhão literária aos pés de um novo messias literário. Mas em todos aqueles Cultura-A União, 1980.
fisicistas ou naturalisas no estudo sociológico de uma região: de
16 FREYRE , Gilberto. Algumas notas sobre a pintura do Nordeste
trabalhos há um critério ou sentido regional da vida ou da cultura humana que se faz do Brasil. In: Gilberto Freyre et al. Livro do Nordeste, comemorativo
suas inter-relações. O critério antropocêntrico nos leva a considerar
como valores – valores do ponto de vista humano e relativos a
mais adivinhar do que aprender.35 Mais universal, o pensamento social, que incluía uma do centenário do Diário de Pernambuco: 1825-1925. Op. cit. condições regionais de vida e economia – rios, composições de solo,
animais, vegetais, minerais. FREYRE , Gilberto. Nordeste: aspectos
agenda estética mais complexa, não preconiza uma “questão central” nem reduz a pauta 17 ANDRADE , Mário de. O turista aprendiz. “29 de novembro,
da influência da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste do
10 horas [1928].” São Paulo: Duas Cidades, 1983, p. 204.
Brasil. 6ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1989, p. 27.
cromática a uma única versão, fosse caipira ou tropical. Gilberto Freyre não pretendeu
18 “Não cultivo a penumbra, mas a resplandecência. Nada é
35 FREYRE , Gilberto. A propósito de “regionalismo”,
alcançar respostas, senão sublinhar “o problema das relações do pintor – do pintor, do obscuro na minha obra”, anota Cícero Dias em sua biografia.
“modernismo” e “romance social”. Diário de Pernambuco. Recife,
In: DIAS , Cícero. Eu vi o mundo: Cícero Dias. São Paulo:
escultor, do arquiteto – com a luz regional [ . . . ] : até que ponto é a arte independente das Cosac Naify, 2011, p. 74.
14 set 1947.

condições regionais de meio físico e de meio sociocultural em que se desenvolve ou em 19 DIAS , Cícero. Eu vi o mundo: Cícero Dias. Op. cit., p. 55.
36 FREYRE , Gilberto. A propósito de Francisco Brennand,
pintor, e do seu modo de ser do trópico. In: Vida, forma e cor.
que se desenvolve o artista?” 36 20 Idem. Rio de Janeiro: José Olympio, 1962.

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Algumas notas sobre a Gilberto Freyre

pintura no Nordeste do Brasil

Aquele interesse pelas coisas na razão inversa de sua proximi- rebrilhante dos cerros de esquartzito, do desordenado eston-
dade que Lafcadio Hearn encontrou na Martinica encontraria teador das matas, do dilúvio tranquilo e largamente esparso
também entre nós. dos enormes rios, ou do misterioso quase bíblico das chapadas
Vem dessa tirania da distância sobre os nossos olhos e sobre a bíblicas...”
nossa imaginação o não termos ainda produzido um pintor ver- Na pintura especialmente tem sido assim. Nossos pintores
dadeiramente nosso: a paisagem e a vida do Nordeste brasileiro têm vivido alheios à paisagem, que os desorienta sem dúvida
se acham apenas arranhadas na crosta. Nos seus valores íntimos pela dessemelhança de cor e de luz da europeia em cujo contato
continuam virgens. sua técnica se oficializa languemente. E dão ideia de uns como
É que as tintas capazes de interpretar a paisagem do Nordeste, castrati, incapazes de fecundar os ricos assuntos que se oferecem,
ora de um ocre todo seu, que exige incisões de traço e até asce- virgens e nus, tanto aos pintores como aos escritores de tendên-
tismo de cor e repele carícias de esfuminho e agrados de tintas cias pictóricas.
macias; ora de uma exuberância lubricamente tropical, parecen- Ainda não apareceu pintor com a coragem, as tintas, o ritmo
do querer chupar tintas e cores com a fome de um mata-borrão épico, a bravura de traço capazes de interpretar a paisagem do
imenso – não são por certo os entretons corretamente acadêmi- Nordeste, nos seus contrastes de verticalidade – a da palmeira,
cos dos velhos gramáticos da Pintura; nem as cores carnavales- a do visgueiro, a do mamoeiro – e de volúpias rasteiras – a do
camente brilhantes dos “impressionistas” – isto é, daqueles cujo cajueiro, a do mangue, a da jitirana. O mesmo se passa com a
“impressionismo” é preciso farpear de aspas. paisagem amazônica, com a do Brasil Central, com a do Paraná,
Mesmo quando a pintura se tem aproximado, no Nordeste, com a do Vale do Rio Doce. Mas aqui me limitarei a falar da do
da paisagem regional tem sido para a sacrificar, por um desses Nordeste, embora sob o critério de região e de tradição pudesse
processos, à tirania da distância. Tem sido para escrever em generalizar e estender a maior parte destes reparos ao conjunto
mata-borrão como se escrevesse em papel de linho. brasileiro de paisagens regionais – quase todas ainda tão virgens
Já Euclydes da Cunha, a propósito de ser a geografia física do de pintores que as revelem quanto o Nordeste.
Brasil um “livro ainda inédito”, escrevera: “Alheamo-nos desta No Nordeste, esperam ainda pintores com a coragem e as
terra. Criamos a extravagância de um exílio subjetivo, que dela tintas para as pintar, rudezas do alto sertão e do “agreste”, vio-
nos afasta enquanto vagueamos como sonâmbulos pelo seu seio lentamente rebeldes ao acadêmico dos mestres convencionais
desconhecido”. E mais adiante: “As nossas mesmas descrições como ao carnavalesco dos contramestres “impressionistas”; todo
naturais recordam artísticos decalques, em que o alpestre da esse “mortífero derrame de luz”, descrito por José Américo de
Vicente do Rego Monteiro Suíça se mistura, baralhado, ao distendido das ‘landes’; nada do Almeida em página vigorosa, e que, além de vertente ocidental
O atirador de arco, 1925
Óleo sobre tela [Oil on canvas]
arremessado impressionador dos itambés a prumo, do aspecto de Borborema, “transforma as campinas num cinzeiro”; esses
65 × 81 cm
Coleção [Collection] Museu de Arte Moderna
Aloisio Magalhães, Recife

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maciços de caatingueiras, salpicadas nos tempos de chuva de desenho – a mata com o seu bafejo perfumado, a sua atmosfera Do grosso das pinturas de Telles pode-se dizer que parecem acachapados, cenas de trabalho caracteristicamente regionais;
vermelhos sensuais que brilham depois, nos primeiros dias de de calor úmido, o seu estremecimento de fecundação e a sua pul- ilustrações para um compêndio de geografia física; e não paisa- danças de negros; flagrantes de xangôs, em que se prolongam os
sol, com um escândalo de sangue fresco; salpicadas também de sação de crescimento, é o que particularmente fascina aquela pa- gens para um livro de geografia humana. Os coqueiros existiam gestos de semear, de colher, de plantar cana.
amarelos e de roxos espessos, oleosos, gordos, às vezes dando lheta vibrante”. E ainda: “ele nunca se sente mais à vontade do que mais para ele do que os homens; as mangueiras mais do que as A técnica da produção do açúcar oferece, com efeito, elemen-
vida a formas que são meios-termos grotescos entre o vegetal e refletindo e fixando as ladeiras de barro vermelho sobre o qual ro- mulheres; os morros mais do que os sobrados; as moitas mais tos para uma pintura tão nossa que é verdadeiramente espantoso
o humano, verdadeiros plágios da anatomia humana, do sexo de das de carros de bois deixam sulcos profundos nas porções mais do que os mucambos. Os próprios animais aparecem pouco nos o fato de sempre lhe terem sido indiferentes os pintores da terra;
homem e da mulher. Formas no verão alto chupadas pelo sol de enxutas, entre as poças escuras; as túmidas várzeas de massapê seus quadros. É raro uma pintura de Telles como Domingo no espantoso que Post – um estrangeiro – tenha sido o maior, quase
todo esse sangue, de toda essa cor, de toda essa espécie de carne; cobertas de canas, tão apertadas as plantas que não têm quase campo: avermelhada por uma briga de galo. Sua cor é o verde. o único pintor do trabalho e da dança do trabalhador nos cana-
e quase reduzidas aos ossos dos cardos; a relevos duros, ascéticos, espaço para agitar suas folhas laminadas, de que emergem como Seu vermelho, o do barro. O elemento de sua predileção é o arvo- viais e nos engenhos do Nordeste.
angulosos, assexuais. penachos as frechas pardacentas; as capoeiras emaranhadas em redo com uma ou outra mancha encarnada ou azul: o massapê, a A plástica da mineração e da tecelagem, que o grande pintor
Não haverá, talvez, paisagem tropical como a do Nordeste que a vegetação brota irregularmente, alguma mais viçosa, outra água dos rios, a água do mar das costas de Pernambuco, uma saia que é Diego Rivera vai interpretando no México com uma nota
brasileiro, tão rica de sugestões para o pintor; nem animada mais vagarosa, toda ela de um tom verde-claro de esperança; mas de lavadeira, um xale de negra. Seus quadros mais característicos épica nessa interpretação, não é por certo mais poética nem mais
de tantos verdes, tantos vermelhos, tantos roxos, tantos ama- que tudo, as matas propriamente, com suas árvores linheiras, a são aqueles em que aparecem coqueiros; aqueles em que o pintor rica em sugestão de beleza – beleza viva, forte, masculina e até
relos. Tudo isso em tufos, cachos, corólulas, folhas, de recortes procurarem por um natural instinto os raios de sol, erguendo os se delicia em surpreender os efeitos dos ventos de agosto sobre as mesmo (pode-se dizer fazendo paradoxo) “feia e forte” – que a
os mais bizarros como os cachos vermelhos em que esplende a troncos enlaçados pelos cipós, sobre um chão forrado de folhas palmas dos coqueiros velhos das praias do Nordeste; aqueles em plástica da indústria do açúcar, do trabalho nos engenhos tradi-
ibirapitanga ou arde o mandacaru; como as formas heráldicas secas e limpo de garranchos que não logram medrar na sombra que estão retratadas estradas de subúrbios do Recife: Madalena, cionais do Nordeste; e hoje nas usinas – embora estas reduzam
em que se ouriçam os quipás; como as folhas em que se abrem eterna. São estas árvores elegantes e frondentes que Telles Júnior Remédios, Aflitos, Campo Grande, Caxangá. Quase tudo que é ao mínimo o elemento humano, a cor humana, local ou regional,
os mamoeiros; como as flores em que se antecipam os maracujás; decididamente prefere às árvores menos alteosas, tortuosas e verde regional ele apanhou: desde o verde azulado do alto-mar o ritmo tradicional, brasileiro, afro-brasileiro, do braço operário.
como as coroas-de-frade. Coroas-de-frade que, no silêncio de pouco densas da caatinga ou do sertão. ao verde doentio dos mangues. Mas as casas, os homens, as bar- Já o francês Tollenare, visitando, em 1816, um engenho per-
igreja dos meios-dias do “agreste” e do sertão, parecem recordar Preso à “mata” como se tivesse nascido para a pintar, para fixar caças, as jangadas, o interior dos engenhos – isso nunca interes- nambucano de roda de água, observava nos escravos africanos
os frades mártires e os padres heroicos que o Nordeste tem dado os verdes de suas árvores e os vermelhos do seu massapê, Telles sou vivamente a Telles Júnior. e afro-brasileiros que deitavam canas na boca das moendas a
ao Brasil. É como se a paisagem tivesse ao mesmo tempo alguma Júnior não a interpretou: apenas a fixou. Estava aí sua insufici- Surpreende como uma técnica de produção que era toda um elegância de movimentos. Os que conhecemos o processo de fa-
coisa de histórico, de eclesiástico e de cívico; e participasse das ência: não ser a sua pintura, de interpretação. O interesse das encanto para os olhos – a de fazer açúcar nos banguês ou nos brico de açúcar nos banguês, sabemos como se sucedem em ver-
tradições da região, associando-se pelas suas formas vegetais aos telas de Telles Júnior está principalmente na documentação que engenhos de almanjarra, contemporâneos da meninice de Pe- dadeiro ritmo os efeitos plásticos do trabalho de fazer açúcar à
feitos humanos: aos sacrifícios e aos heroísmos dos homens que oferecem – documentação exata, quase fotográfica – de uma fase dro Américo e de Telles – tenham sempre escapado ao interesse maneira tradicional da região. Não é só a entrega de cana à boca
a tornaram essencialmente brasileira e católica. da paisagem nordestina: a da natureza “já assenhoreada pelo ho- dos nossos pintores. Só os hóspedes da terra procuraram fixar da moenda. Há ainda as figuras pretas, pardas ou amarelas de
Entretanto, da paisagem do Nordeste, só a “mata” achou, até mem e defendendo a custo a sua integridade selvagem e as suas a beleza ingênua da provinciana indústria animadora da nossa homens que se debruçam sobre os tachos de cobre onde se coze
hoje, quem a fixasse com gosto, ainda que com insuficiência; e opulências florestais”; a da natureza tropical perturbada nas suas paisagem. Frans Post, principalmente. Dele nos restam, como se o mel para o agitar com as enormes colheres e para o baldear
esse raro pintor brasileiro com o senso regional intensamente últimas volúpias selvagens pelos avanços civilizadores da cana- sabe, desenhos e pinturas deliciosas, fixando aspectos da vida de com as gingas; e ante as fornalhas onde arde a lenha, para avivar
especializado foi Jerônimo José Telles Júnior. de-açúcar. Porque em certos trabalhos do pintor pernambucano engenho do Nordeste. o fogo; e esses corpos meios nus em movimento, oleosos de suar,
De Telles Júnior escreveu uma vez Oliveira Lima que não era chegam a branquejar, à distância, casas de engenho; chegam a Era então a indústria de fazer açúcar o esforço que hoje nos se avermelham à luz das fornalhas; e assumem, na tensão de al-
um artista vagamente brasileiro, mas “um artista essencialmente fumegar ao longe bueiros de banguês. parece quase brinquedo de meninos grandes, dos engenhos mo- gumas atitudes, relevos de estátuas de carne. Parecem de bronze.
pernambucano”; e mais do que isso: “pintor da mata, não o pin- Mas o elemento humano local, animador dessa paisagem de vidos a mão, a roda de água ou a giro de animais. Aos desenhos Há em tudo isso sugestões fortes não só para a escultura mo-
tor do sertão”. Pintor de uma zona e não de uma região inteira. “A “mata”, Telles sempre o desprezou na sua pintura descritiva. Nos de Frans Post animam figuras de negros trabalhando no meio numental como para a pintura. Imagino às vezes os flagrantes
mata – são palavras de Oliveira Lima, escritas em 1905, quando seus quadros – à exceção de um ou outro – a vida de engenho ape- daquelas fábricas de aquedutos de pau ou tangendo os carros mais característicos do trabalho de engenho fixados em largas
ainda vivia em Pernambuco, quase ignorado, o pintor pernam- nas se adivinha de longe, por aqueles sulcos de rodas dos carros de bois cheios de cana madura. Nas suas pinturas aparecem pinturas murais, num palácio, num edifício público. Isto é que se-
bucano, a quem tive anos depois como meu mestre particular de de bois no vermelho das ladeiras, observados por Oliveira Lima. casas-grandes; figuras de senhores de engenho; e sob telheiros ria pintura verdadeiramente brasileira pelo seu sentido humano

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e social; e não os quadros patrióticos, convencionais, cívicos, É verdadeiramente curioso ter sido preciso haver uma guerra que vitoriano do tempo de Dom Pedro II  – como quadros “sem deles tenha sido homem de gênio. Pintores de fidalgos e bispos,
artificiosos, que ornam as paredes das sedes estaduais ou muni- no Paraguai para o Nordeste do Brasil produzir um pintor: Pedro nenhum merecimento artístico”, são os painéis interessantíssi- de mestres-de-campo e de patriotas, houve alguns. Mas não há
cipais de governo entre nós. Quadros que são vãs tentativas de Américo. Entretanto não faltava no Nordeste onde se exercessem mos do forro da Igreja da Conceição dos Militares, do Recife; e os evidências nem mesmo memória de um pintor português ou
ensinar história moral e civismo aos meninos brasileiros. o gosto épico e a eloquência de animador de conjuntos de Pedro da Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres e da Matriz de Iguaraçu. luso-brasileiro dedicado, nesta ou noutra parte do Brasil, à pin-
A civilização brasileira de produtores de açúcar e de traba- Américo, contemporâneo ainda da escravidão. Ele precisou do O primeiro representando a Batalha dos Guararapes e mandado tura descritiva – e não apenas alegórica – do indígena, do negro,
lhadores de engenho já devia ter encontrado sua expressão na estímulo de uma luta internacional ou entre Estados – ou antes, pintar pelo governador José César de Meneses em 1781; os de do escravo, do mulato, do caboclo, da gente do povo. Esta quase
pintura; e a decoração mural dos edifícios públicos deveria ser a entre o Brasil e um caudilho da América do Sul – para pintar qua- Prazeres, representando as duas batalhas luso-brasileiras contra só aparece em nossa velha pintura regional como soldado, como
primeira a fazer sentir à criança, ao adolescente, ao estrangeiro, dros eloquentes. Seus olhos não se impressionaram com outras holandeses, a de 1648 e a de 1649; os de Iguaraçu – onde tam- miliciano, como henrique, nos painéis patrióticos; ou em qua-
à gente do povo, o esforço humano, a vitória portuguesa e depois lutas. Com as lutas que o pintor viu desde menino na sua própria bém foram pintados quadros e painéis sobre assuntos piedosos, dros de ex-votos ou de milagres de santos.
brasileira sobre a natureza dos trópicos. A luta, a dor, a alegria terra: do homem com a natureza; de escravos contra senhores. principalmente franciscanos – relativos a episódios da história Quando a verdade é que o Nordeste da escravidão foi um luxo
que essa civilização condensa. Pedra Bonita, Palmares, a Guerra dos Cabanos, o Quebra-Quilos, local. Dos painéis da Conceição dos Militares – que podem ser de matéria plástica que a pintura brasileira não soube aproveitar.
Imagino uma decoração mural de proporções épicas que nos a Revolta Praieira, 1817, 1824 – nada disso teve repercussão so- hoje admirados nessa igreja – foi autor, artista da terra, a quem Matéria plástica não só lírica como dramática. E não apenas ane-
recordasse os quatrocentos anos de produção de açúcar: desde a bre a sensibilidade de Pedro Américo. em 1863 – lembra Pereira da Costa – Muniz Tavares, em discur- dótica e ostensivamente sentimental.
fase primitiva, com escravos criminosos atados a corrente à boca Quase o mesmo pode dizer-se de Victor Meirelles, autor de so, referiu-se nestes termos: “O pincel não é de Rafael, de Urbino Logo o desembarque das massas de africanos, que às vezes
das fornalhas incandescentes e senhores de engenhos de barbas um quadro famoso, A Batalha dos Guararapes, ligado não só pelo nem de Correggio, foi porém de um artista pernambucano, pa- chegavam aqui podres de pústulas, escorrendo sangue, manando
ainda medievais, até as usinas de hoje, grandiosas e formidáveis, assunto como pelo material em que o pintor se baseou, às tradi- trioticamente inspirado...” pus, restos de homens grotescamente reduzidos a cabeças bam-
máquinas monstruosas, claridades de luz elétrica, maravilhas de ções do Nordeste. Em 1709 mandara a Câmara de Olinda pintar Pintores de assuntos piedosos, houve vários no Recife, no bas de bonecos dizendo sim, a ventres inchados sobre mulambos
técnica . Numa como que vingança de técnica do homem contra três grandes painéis sobre madeira, para decoração do Paço Mu- século XVIII e desde os fins do XVII , após a Restauração: um de pernas – logo o desembarque dos escravos acompanhados
a natureza, nas usinas são as máquinas que imitam o vegetal, o nicipal: painéis representando a Batalha de Tabocas e as duas dos destes, Aristides Tebano, que pintou vários quadros na primeira dos “conhecimentos” para os caixeiros verificarem a mercadoria,
animal, o humano; que tomam o lugar dos negros, outrora “mãos Guararapes para – diz a resolução oficial daquele ano – “notícia Igreja do Livramento em 1695. Do século XVIII , é João de Deus era alguma coisa de horrivelmente pitoresco. Alguma coisa com
e pés do senhor de engenho”, na fase célebre do cronista. dos que nascerem nos vindouros séculos [...] tendo para maior Sepúlveda, autor – dizem os historiadores – das pinturas no for- um ar estranho de dança macabra que se prestava a pinturas ain-
Todo um mundo de cambiteiros, de banqueiros, de negros honra, louvor e glória de Deus e nossa, Amém”. Esses painéis fo- ro da nave da Igreja de São Pedro do Recife; mas não – acrescen- da mais dramáticas que as de batalhas e de revoluções.
de fornalha, de metedores de cana, de mestres de açúcar –  ram efetivamente pintados e, segundo o cronista Pereira da Cos- tam – do quadro do altar-mor: obra de Francisco Bezerra. Do Oliveira Martins recorda, em página célebre, o que era os ne-
recordaria aquela pintura mural ao fixar o passado da economia ta – em notas mss. – confiados pela Câmara de Olinda a Victor mesmo século é Luís Alves Pinto, que pintou o forro do coro gros ao desembarcarem: “à luz clara do sol dos Trópicos aparecia
açucareira do Nordeste, contrastando depois esse esforço huma- Meirelles para estudos necessários à pintura de sua tela. E foram da mesma igreja. E do século XIX : Sebastião Canuto da Silva uma coluna de esqueletos cheios de pústulas com o ventre pro-
no com a vitória das máquinas modernas. Todo um mundo de tão úteis – os painéis – àquele pintor de telas patrióticas, que em Tavares, que informam os historiadores ter pintado os painéis tuberante, as rótulas chagadas, a pele rasgada, comidos de bichos,
homens brancos e de cor e também de animais – bois, bestas, ofício de 26 de março de 1874, dirigido à Presidência da Provín- das igrejas de Madre de Deus, Santo Antônio, Santa Rita, Con- com o ar parvo, esgazeado e idiota”.
cavalos. Os animais que a indústria do açúcar fez sofrer ao lado cia, Meireles confessava: “de nenhum merecimento artístico são vento de São Francisco do Recife, Recolhimento de Iguaraçu. E Mas pintor nenhum no Brasil dos tempos coloniais ou do
dos negros e dos brancos. aquelas pinturas; entretanto se atendermos à sua antiguidade que ainda: Arsênio Fortunato da Silva. Não está rigorosamente de- Império sentiu a dramaticidade dessas cenas ou soube pintá-las.
Já deveríamos, na verdade, ter passado a idade passivamente se lê da respectiva explicação com a data de 1709 e aos costumes terminado é quem tenha sido o preto “muito orgulhoso de seus Limitavam-se todos a pintar santos e figuras de anjos no teto ou
colonial de decorar edifícios públicos com as figuras das quatro ali pintados, que me parecem ser reproduzidos com alguma fi- dotes”, a quem o inglês Koster, escrevendo no começo do século nas paredes das igrejas; Nossas Senhoras; retratos de capitães-mo-
estações do ano que não representam aspectos da nossa vida delidade, tornam-se por isso não só dignas de apreço como tam- XIX , chamou “o mais afamado pintor de igreja de Pernambuco”. res e depois barões, viscondes, bispos, uma vez por outra contra
nem regional nem mesmo brasileira; com os Mercúrios; com bém de utilidade para o trabalho de que me acho comissionado Recentes pesquisas de mestre Gonçalves de Melo vêm esclare- sugestivos fundos ou cenários regionais. Material, todo esse, sem
os eternos leões felpudos e as eternas moças cor-de-rosa e de pelo Governo Imperial”. cendo muito fato interessante, ligado às artes, em geral, à pintura, dúvida, de interesse para a reconstrução e a interpretação do pas-
barrete frígido – convenções tão distantes da realidade da nos- Do mesmo sabor dos painéis da Câmara de Olinda, um tanto em particular, no Nordeste. sado brasileiro, em geral, e do da região, em particular. Mas é para
sa história social, da realidade da nossa flora, da realidade da arbitrariamente classificados pelo pintor Meireles – nisso bem do Pintores de anjos, de santos, de Nossas Senhoras, não nos lamentar que o material mais dramático, mais cheio de interesse
nossa etnologia. seu meio e da sua época, o Rio de Janeiro convencional e como faltaram, na era colonial e durante o Império, embora nenhum humano e de significação social, tenha sido desprezado pelos

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artistas mais antigos do Nordeste. Por outro lado, é em pinturas desgraçados estão acocorados no chão e mastigam com indife- cipalmente didática. Nem fez obra de criação ou interpretação, claros atirados sobre os ombros. Henderson admirou a plástica
ingênuas de ex-votos nas igrejas, em quadros pintados para regis- rença pedaços de cana que lhes dão os compatriotas cativos que nem se interessou pelos negros, pelos caboclos e por outros tipos dos negros remadores do Capibaribe. E Tollenare fixou como
trar milagres de Nossa Senhora ou dos santos – e não nos pintores encontram aqui. Grande número dentre eles padece de moléstias regionais. nenhum outro viajante da primeira metade do século XIX  – sem
mais ilustres – que vamos encontrar sugestões da vida cotidiana da pele e está coberto de pústulas. [...] As raparigas conservam os Entretanto, os negros no Recife de outrora estavam em toda esquecer Koster – os encantos de corpo e as graças de movimen-
da região no que ela oferecia de mais característico: o trajo, o va- contornos graciosos da adolescência: a cor preta em pouco pre- a parte. E é esse Recife de outrora, cheio de negros, de pretas- tos das negras e mestiças de engenhos do Nordeste.
silhame doméstico, o mobiliário, a cor da gente mestiça, as cores judica o encanto das suas gargantas de Hebe e dos seus seios; aos -minas, de mulatas, que não teve infelizmente pintores. Nem Notou-lhes de feio a flacidez dos seios; seios caídos, moles,
folclóricas predominantes no trajo e na decoração das casas. seus olhos não falece uma certa expressão voluptuosa e traduzem nos séculos coloniais nem no século imperial. às vezes murchos. Porém um feio, esse, que as raparigas disfar-
Os mercados de negros deviam ser um vivo pitoresco ao com ingênua timidez o desejo de serem compradas por quem as Cheio de negros e de mulatos só, não: cheio também de pro- çavam com certa arte, servindo-se de pano azul ou vermelho.
lado de revelações de forte beleza humana: a beleza que resistia observa com mais interesse”. Descrição ótima. É pena que o fran- cissões e de festas de igreja; de frades esmoleiros e de soldados; “Apertam-se abaixo das axilas – escreve o francês – com pedaços
em homens, em mulheres, em adolescentes, em crianças, aos cês Tollenare não fosse pintor: com o seu poder de interpretação de irmãos das almas e de sinhazinhas brancas a caminho da de pano azul ou vermelho que lhes desenham bem o talhe e os
maus-tratos das viagens. Porque entre os negros esverdeados psicológica nos teria deixado quadros de um interesse humano missa. A pintura, mesmo a simplesmente descritiva, ou a inge- rins e fazem um grande nó que oculta a deformidade que acabo
pelas potemas, moleques acinzentados pelas doenças, pretos considerável e até de algum vigor dramático; e não simplesmente nuamente anedótica, deixou essa riqueza de vida e de cor quase de assinalar”. E dos movimentos do corpo das negras observa:
alongados pela fome em figuras de El Greco, exibiam-se belos flagrantes de pitoresco colonial. sem registro. “são todos suaves e cheios de graça; não há um só que um artista
adolescentes cheios de viço, negras ainda moças, fêmeas de Pintores de formação francesa desgarrados ou fixados no Ficaram quase sem registro aquelas mucamas enfeitadas de ou uma dançarina possa desdenhar”.
peitos e nádegas arredondadas, molecas de formas sedutoras Nordeste foram Vauthier, Lassailly, Berard; os filhos de francês laços de fitas e de estrelas-marinhas de prata que davam certa A comistão de sangue vem produzindo no Nordeste efeitos os
ou simplesmente saudáveis – todos deixando-se passivamente Mavignier e Gadault. Todos do século XIX : do meado e do fim. pompa oriental às ruas do Recife dos tempos coloniais; aquelas mais diversos e interessantes, tanto de forma como de cor, sem
apalpar pelos compradores; moles às suas exigências; saltando, Mas quase não pintaram senão retratos de gente ilustre, embo- pretalhonas com tabuleiros de arroz-doce, de cabeções picados que a pintura da terra, eternamente colonial no sentido parasi-
tossindo, rindo, escancarando as dentaduras às vezes magnífi- ra Vauthier tivesse bem agudo o sentido da paisagem regional de renda e reluzindo de miçangas, esplendendo de vermelhões, tário de viver da Europa, dos motivos europeus, das convenções
cas; mostrando a língua; estendendo o pulso. Tudo isso como e dele – de Louis Léger, não de Pierre – devam existir alguns cheias de ar místico que hoje as rainhas de maracatu caricaturam greco-romanas, se aperceba de alguns, pelo menos, dos encantos
se fossem bonecos, desses que guincham e sacodem os braços flagrantes artísticos de natureza pernambucana ao lado dos seus pelo carnaval; os minas carregadores de palaquim; as negras ven- regionais mais vivos, de figura ou forma humana. A pintura da
ao menor aperto dos dedos de um menino. Havia moleques de desenhos técnicos de casas e pontes que apodrecem nos arquivos dedeiras de caju e de mangas; os haúças enormes, quase gigantes, terra continua a procurar para os seus nus, seguindo o exemplo
tórax mais franzino, que se davam de “quebra” aos compradores oficiais de Pernambuco. com o corpo coberto de tatuagens; os pretos carregadores de dos Amoedos e dos Antônios Parreiras, a convencional nudez
de “lotes”; havia – como os anúncios de jornais indicam – pretos Quanto a Gadault, discípulo na Europa de Léon Coinet, seu fardos, de caixas e dos clássicos “tigres” (que às vezes largavam a cor-de-rosa dos modelos europeus. Mulheres brancas, louras,
raquíticos de pernas cambadas, cabeças achatadas e peito de entusiasmo era pela pintura de igreja: pintou um Jesus e a Sa- tampa, emporcalhando-lhes a nudez oleosamente suada). Toda ruivas até. Desprezamos a prata – ou antes o ouro – de casa.
pombo; havia doentes. Mas não devia ser pequeno o número maritana para a Matriz da Boa Vista; pintou uma Morte de Abel; uma multidão que passa pelos livros de viagens – infelizmente Nenhum pintor moderno se dedica, no Nordeste, a pintar mu-
de negros sãos e de formas eugênicas, dos quais um bom pintor pintou um Beijo de Judas. Mas pintou também um pôr de sol bem menos ricos de ilustrações sobre a vida e a gente do Nordes- latas, caboclas, negras. Dos mestres da segunda metade do século
teria feito quadros de conjunto magníficos. Enquanto um pintor pernambucano. te da última fase colonial que os álbuns sobre o Rio de Janeiro e XIX apenas Aurélio de Figueiredo – que esteve por algum tempo
igualmente bom mas com pendor para fixar o patológico teria De estrangeiros, o pintor que se apresenta com maior interesse do Brasil das fazendas de café; que passa principalmente pelos no Recife, onde deu lições de pintura a Teles Júnior – saiu-se um
pintado quadros impressionantes de magotes de negros doentes, regional é, depois de Post, Lassailly, que andou fixando muito anúncios com descrições tão meticulosas de negros fugidos que, dia dos seus cuidados de alegorista e deixou os motivos ilustres de
maltratados, supliciados. trecho característico da paisagem pernambucana no século XIX : ainda hoje, por meio deles, um pintor de imaginação e de cultura sua arte – Estrela-d’alva, Lavoura, Comércio, Duas noivas – para
O olhar fino e um tanto lúbrico de Tollenare pousou sobre os Olinda, a Várzea, o Beberibe. Mas sem se aventurar nunca à pin- histórica poderia reconstruir cenas inteiras e tipos completos, pintar A mameluca: uma mestiça espreguiçada na sua rede.
mercados de escravos do Recife com uma certa volúpia, ainda tura dos tipos regionais, das mulatas do Recife, dos negros, dos em quadros que seriam arte e ao mesmo tempo bom material Nem ao menos coleção fotográfica dos nossos tipos cruzados,
que no bom do negociante francês existisse a indignação moral escravos. antropológico e histórico. Por meio deles e por meio das descri- dessas que se vendem em cartões-postais em Martinica e em Gua-
contra o comércio humano. E ele assim nos descreve um merca- Quanto ao espanhol Manoel Pelaez, diplomado – segundo do- ções de viajantes. dalupe – capresses, chabines, quadroons, octoroons – possuímos
do de pretos na velha capital de Pernambuco: “Grupos de negros cumento oficial – pela Escola de Belas-Artes de Madri e que no A Maria Graham, senhora inglesa que esteve no Recife em ou procuramos organizar. Que eu conheça, as únicas tentativas
de todas as idades e de todos os sexos, vestidos de uma simples fim do século XIX deu aulas de desenho e pintura na Repartição 1821 e a quem não faltava queda para o desenho, encantaram as nesse sentido são as de Ulisses Freyre, em excursões regionalistas
tanga acham-se expostos à venda diante dos armazéns. Estes de Obras Públicas de Pernambuco, parece que sua ação foi prin- raparigas de cor que viu de cestos de frutas à cabeça e xales azuis- e tradicionalistas que temos realizado juntos, aos domingos, pelo

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Recife ou pelas praias e pelo interior de Pernambuco, parando nos Dessas “raridades das Índias”, constavam quadros de tipos Interpretação, destaque-se bem: e não simples descrição etnográ- próprias coisas. No que não haverá diminuição para os mesmos
engenhos, nas feiras, nos lugarejos mais característicos da região. mestiços ou indígenas do Nordeste dos quais se encontra relação fica ou anedótica. artistas, mas intensificação de sua personalidade artística, do seu
Entretanto a quadraruna do Nordeste, a octoruna, a mulata, a minuciosa, publicada pela Revista do Instituto Arqueológico e Nem ao menos o Ceará, “terra predestinada à arte pela dor”, poder, de sua força.
cabocla, tão decantadas nas trovas pelo requeime de sua carne e Geográfico Pernambucano, no seu no 33. Já não estão elas no Lou- segundo Tristão de Ataíde, e a região onde o Brasil mais se apa- Ninguém, por certo, menos regionalista, no sentido sistemáti-
pela graça de suas formas, já poderia ter produzido, na pintura, vre, porém dispersas. Sabe-se, por uma carta do próprio Nassau renta à Rússia dolorosa dos romances, achou – antes dos mexi- co ou de escola, do que o grande pensador católico dos nossos dias
alguma coisa como a Maja desnuda dos espanhóis. Essa Maja ao Marquês de Pompone, que os quadros representavam “todo canos – expressão plástica para o intenso de sua vida e de sua que é Jacques Maritain, a quem se deve a atualização da filosofia
desnuda que é a sublimação do afrodisismo peninsular. o Brasil por meio de figuras, a saber: a nação e os habitantes do paisagem. Nem ao menos alguma coisa de parecida às fotografias estética de São Tomás. Católico nos dois sentidos da palavra: no
Restam-nos – é certo – do tempo dos holandeses, não dois país, os quadrúpedes, os pássaros, os peixes, frutas, plantas, tudo com que a Red Cross faz a réclame dos horrores das fomes na religioso e no outro. Pois é no professor Maritian, universalista
ou três, mas vários retratos, acabados ou em borrão, de tipos de tamanho natural, bem como a situação do dito país, cidade e Armênia tem resultado das grandes secas cearenses. dos mais puros, que muito claramente se lê que a arte “par son
índios, negros e mestiços que aqui se depararam à volúpia fortalezas com os quais retratos se pode formar uma galeria, o Só depois daquela década  – 1920-1930 – alguns pintores sujet et par ses racines [...] est d’un temps et d’un pays”,1 E ainda:
do exótico dos pintores europeus trazidos ao Brasil pelo con- que seria uma cousa mui rara, que se não encontra no mundo, mais jovens começaram a se apresentar, no Brasil, animados “Voilà pourquoi dans l’histoire des peuples libres les époques de
de Maurício de Nassau. Retratos, alguns deles, em tamanho pois eu tive ao meu serviço durante o tempo que vivi no Brasil por um ritmo novo de imaginação; libertos da sentimentalidade cosmopolitisme sont des époques d’abâtardissement intellectuel.
natural, referindo-se, é claro, ao século XVII. Alguns são de seis pintores, cada um dos quais pintava aquilo para que era mais convencionalmente romântica e também dos abafos de técnica Les oeuvres les plus universelles et les plus humaines sont celles
A. Eckhout; outros não trazem assinatura, como o quadro da apto; e se um curioso vir essa tapeçaria, não terá necessidade de acadêmica; o poder criador em livre e vibrátil tensão; meio re- qui portent les plus franchement la marque de leur patrie”. 2 E é
dança, no Museu Etnográfico de Copenhague, que representa atravessar os mares para contemplar o belo de quarenta quadros voltados contra a pintura simplesmente anedótica ou cenográfi- de Maritain esta citação da Maurras: “l’attique est plus universel
oito homens executando uma dança de guerra, todos de flecha os quais poderão servir de modelo para uma tapeçaria”. ca. E procurando os assuntos brasileiros. Os regionais. Os locais. à proportion qu’il est plus sévèrement athénien.” 3
e maça. “Duas mulheres revestidas [...] de cinturas de folhas Convém referir as ilustrações de Frans Post, orlando mapas, Não os evitando como outrora – quando só por desfastio um É o que modernamente se observa num romancista como
estão colocadas à direita, debaixo de uma árvore, enlaçadas e ta- no livro de Barlaeus; e os estudos de tipos regionais do Brasil Aurélio de Figueiredo deixava suas figuras alegóricas para pin- Thomas Hardy: ninguém mais inglês nos assuntos e nas raízes.
pando os narizes”, informa Paul Ehrenreich, no seu Sobre alguns Norte-Oriental que ilustram a obra científica Historia Naturalis tar uma autêntica mameluca estendida na sua rede do Ceará; e Seus romances não parecem somente trazer o selo inglês, porém,
antigos retratos de índios americanos, publicado em tradução Brasiliae. Porque Post não se limitou a pintar cenas do Nordeste, Arsênio da Silva – pintor que teve grande voga no fim do século mais claro ainda, estampado sobre o selo, o carimbo de Wessex,
portuguesa pela Revista do Instituto Arqueológico e Geográfico em quadros: foi um ilustrador copioso de livros. XIX  – abandonava os assuntos piedosos para fixar, em tela que com a data. Entretanto esse romancista tão regional e tão do seu
Pernambucano, no seu no 65. Em Copenhague há também, se- Trabalhos, todos esses, de hóspedes do assunto tanto quanto ficou célebre, a cachoeira de Paulo Afonso. Isto sem nos esque- tempo é o autor da obra de ficção mais universalmente humana
gundo o mesmo Paul Ehrenreich, dois retratos de negros brasi- o foram da terra; e não é curioso que depois deles, só na década cermos do paulista Almeida, no Sul, e Telles Júnior, no Norte. que a Inglaterra produziu neste último meio século.
leiros; e no Zoobiblion, “representações de uma dança de negros, de 1920-1930, pintores do Norte, jovens pintores, começaram Com esse grupo jovem de pintores, o Nordeste já deixou de Não há perigo nas tendências regionais que se vêm desenvol-
de um mercado de escravos em Pernambuco e de uma aldeia a voltar ao assunto? Em Fédora do Rego Monteiro, em Carlos ser como o Portugal de Antônio Nobre: um país onde não se vendo nos jovens pintores do Nordeste. Ou nos seus novos ro-
de brasilienses (tupis)”. São talvez trabalhos do pintor Zacharias Chambelland e Vicente do Rego Monteiro vamos encontrar tipos sabe “que é dos pintores que não vêm pintar”. Vem surgindo uma mancistas, poetas, escritores: alguns deles com alguma coisa de
Wagner. Trabalhos encomendados por Nassau. regionais de negros, de caboclos e de mestiços aproveitados com pintura de interpretação da vida e da paisagem do Nordeste, ao pintores no seu modo de ser escritores e de interpretarem as for-
Os cronistas referem que em 1679, no dia 22 de agosto, o rei autêntico interesse artístico, em pintores que marcam o início, lado de outra, de romancistas e de poetas. Pintores com o sen- mas e as cores do Homem situado nesta parte tropical do mundo.
Luís XIV da França visitou no Louvre os quadros de assuntos no Nordeste, de um bom regionalismo na arte brasileira, mar- tido telúrico da sua arte vêm versando assuntos regionais, sem
brasileiros – rigorosamente, do Nordeste do Brasil – que o con- cado também pelas estilizações de caju, por Joaquim Cardozo e perderem o sentido brasileiro e universal das coisas, dos fatos, Vida, forma e cor. Rio de Janeiro, José Olympio, 1962.
de Maurício de Nassau lhe oferecera. Oferecera propriamente, de folhas de mamoeiro, por Joaquim do Rego Monteiro; e pelos das pessoas: das relações entre as pessoas; sem resvalarem para o
não, pois há do sagacíssimo conde germânico – cuja figura está admiráveis desenhos de 1925 de Manuel Bandeira. caipirismo ou para o separatismo literário ou artístico. Nem para
para sempre ligada à história das ciências e das artes no Novo Mais feliz com os pintores do que o Brasil foi, antes dessa re- o patriótico, anedótico, o apologético – perigos a evitar nessa
Mundo – uma carta ao ministro do rei da França, em que insinua novação e da paulista – que culminaria em Portinari –, o México. fase nova de abrasileiramento da nossa arte e da nossa literatura. 1 Por seu assunto e por suas raízes [...] é de um tempo e de um país.
recompensas: “Avisam-me, e Vossa Excelência terá sem dúvida Mas não só o México: o Uruguai, também, com o seu Figari. Só Num país exageradamente sensível ao prestígio como que 2 Eis porque na história dos povos livres as épocas de cosmopolitismo são épocas de
bastardia intelectual. As obras mais universais e as mais humanas são aquelas que carregam mais
ouvido dizer, que o rei quer fazer a mercê das Índias que eu tomei depois de Portinari e do de Rivera: com um trabalho igual de místico do exótico e do distante como o Brasil, é preciso exci- francamente a marca de sua pátria.
a liberdade de oferecer a Sua Majestade”. interpretação nacional ou regional da vida e da gente brasileira. tar o entusiasmo criador dos artistas novos em torno das nossas 3 O ático é mais universal em proporção que ele é mais severamente ateniense.

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lu l a c a r d o s o ay r e s

Enquanto Gilberto Freyre imaginava uma pintura do Nordeste que trouxesse a memória
canavieira das “fornalhas onde arde a lenha, para avivar o fogo [. . . ], e os corpos meio
nus em movimento, oleosos de suar, [que] se avermelham à luz das fornalhas, e assumem,
na tensão de algumas atitudes, relevos de estátuas de carne”,37por sua vez, Lula Cardoso
Ayres, filho da aristocracia canavieira de Pernambuco, escolhe outra abordagem para
a relação entre corpo e fogo. A carne tocada pelo pintor será – na esteira da paleta de
terracota marajoara de Vicente do Rego – a da cerâmica popular produzida no Alto do
Moura, em Caruaru, cuja cor e forma são reencenadas pictorialmente.
O desenho tátil de Vicente – informado por sua prática escultórica inicial – é ressig-
nificado pela obra de Lula Cardoso Ayres de muitas maneiras. O desejo de efetivamente
“pôr a mão” nas imagens nordestinas cujas “crostas achavam-se apenas arranhadas” leva-
ria Lula a frequentar a partir de 1932, no Recife e arredores, terreiros e outros espaços
de manifestações populares, bem como a fazer viagens e passeios de pesquisa pela Zona
da Mata, registrados em fotografias de caráter antropológico. O método eminentemente
vivencial de Lula –que o diferenciava da abordagem de Vicente, baseada em pesquisas
realizadas em museus e livros –conferiria uma carnalidade especial às suas pinturas e de-
senhos, mais espontâneos do que a ordenação estruturadora da obra de seu conterrâneo.
Os desenhos que o pintor canavieiro realizara no princípio dos anos 1930, a partir de
suas visitas aos xangôs locais, participariam do I Congresso de Estudos Afro-Brasileiros
(proposto por Freyre em 1934) e paulatinamente configurariam um repertório imagé-
tico e metodológico depois retomado por Abelardo da Hora no Ateliê Coletivo (1952),
quando levava os artistas do grupo aos terreiros, mangues, canaviais e periferias com
a intenção de que fossem representados por meio de um desenho ágil e performativo,
numa técnica que denominou como pose-rápida.
Assim, Lula Cardoso Ayres implicaria o corpo do artista na pintura. Tal relação entre
carnes, não sendo libidinal como aquela explorada pelo Cícero Dias surrealista ou em
Carybé, ou por um pintor da atualidade como Tiago Martins de Melo, delineava, toda- Lula Cardoso Ayres
Carnaval, 1950
via, uma carnalidade francamente social, típica de um modelo estética e culturalmente Óleo sobre tela [Oil on canvas]
ecológico: “[...] olhos transferidos para as pontas dos dedos […]. Olhos-dedos de pintor 89 × 122 cm
Coleção [Collection] Luiz Cardoso Ayres Filho,
discípulo de ceramistas rústicos. Descobrindo novas relações entre luz tropical e forma. Recife

34 35
Entre luz tropical e cores. Entre luz tropical e gentes”.38 É o caso de Frevo (1945), cuja
área central do quadro é tomada por um redemoinho de gente, sombrinhas, pés, gestos
e cores, que surgem misturados como os híbridos vegetais de Cícero Dias, numa tempe-
ratura que, sendo a do calor carnavalesco, é também a da forja da memória de Antônio
Bandeira. Ainda que a pintura de Lula Cardoso Ayres pareça tangenciar algumas das
soluções do cubismo no que diz respeito à coabitação de múltiplos pontos de vista, o
artista não opta por uma decomposição matemática de seu “objeto”. Corpo cúmplice da
experiência da cultura popular, a lógica de construção de Frevo será menos uma relação
espacial racionalizada, e mais o desejo de trazer à luz a organização dos corpos na ba-
gunça de uma multidão de carnaval. O sujeito – inseparável do “objeto” de sua pintura – 
está em cena, alimentando a balbúrdia que emerge sobre um cenário de cidade esvaziada,
cuja tranquilidade arquitetônica de traços europeus é abalada pela zona do frevo que se
intensifica sob um amarelo luminoso de sol nordestino.
Em Frevo, as cores primárias (amarelo, vermelho e azul) abundam, balizadas pelo
branco que, tomado pelo reflexo da intensidade das cores vizinhas, vai se azulando ou se
esverdeando. O jogo de variação entre as primárias – presente nas peças das roupas, nas
listras das camisas ou nas sombrinhas de frevo – será visto também em outras pinturas
de Lula Cardoso, como nos quadros dedicados aos caboclos de lança, figura central do
maracatu de zona rural pernambucano. As faixas de tecido e fita – que, absolutamente vi-
brantes, identificam as guiadas (lanças) e os chapéus (cabeleiras) dos caboclos – surgem,
nessas pinturas, como estrutura da imagem. Criando uma padronagem que quase se
repete entre figura e fundo, diferenciando-se apenas por uma mudança de direção e pela
variação do curto repertório cromático, as faixas ritmam o olhar que percorre a pintura,
Lula Cardoso Ayres alternando seu foco entre os caboclos e o fundo, descentrado por entre o excesso de cor e
Frevo, 1945
óleo sobre tela [Oil on canvas]
de luz. Desse modo, Lula Cardoso Ayres aproxima a experiência da contemplação de sua
109 × 85 cm pintura da própria relação travada diante de um maracatu, cujo esbanjamento cromático
Coleção [Collection] Luiz Cardoso Ayres Filho,
Recife ao mesmo tempo seduz e espanta.
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bandeira ígneo

Em termos da estética de Gilberto Freyre, Bandeira é um artista ecológico. O vínculo


ambiental travado em suas cidades é demografia explodida, cartografia de diferenças
sociais, desequilíbrio climático e memória subjetiva. Na convivência com os artistas abs-
tratos Camille Bryen e Wols, em Paris, Bandeira vivia a ideia de margem. Ele se via um
pintor retirante nordestino e considerava que Wols estivera interno num hospital nazista
por quatorze meses. Bryen encontrava em Wols o esforço da improvável totalização da
humanidade marcada pelos desastres do nazismo: “ali começa a unidade de um homem
habitado pela unidade do mundo” 39 (Pour Wols).40 Há uma trama na obra dos três que
justifica o éthos humanista entre eles e o sentimento de resistência à exclusão. A trajetória
de Bandeira tem algo daquela busca de unidade através do quadro, forjado mediante a
manipulação da matéria. O signo pictórico experimental de Bandeira – pincelada, chapis-
Antônio Bandeira
co, estêncil, carimbo com objetos como latas, atos ideogramáticos ou escorrimento – é a Círculo de fogo, 1965
Óleo sobre tela [Oil on canvas]
escrita do sujeito e obra do pintor como homo faber. A experimentação material de Ban-
81 × 100 cm
deira constituiu um sistema de montagem racional do quadro. Sua inteligência pictórica Coleção [Collection] Hecilda e Sergio Fadel,
Rio de Janeiro
trabalha a malha desregulada como a cidade. O excesso de sobreposições – como na expe-
riência urbana marginal no Brasil – impede uma geometria matematicamente concebida, Fundição, ca. 1946
Nanquim e grafite sobre papel [China ink
alusão à sua vivência entrópica na capital cearense. As linhas de tinta escorrida são a and graphite on paper]
39,7 × 49,4 cm
escritura do real através da gravidade, como nas favelas do Rio de Janeiro. É assim com
Coleção particular [Private collection],
La grande ville bleue (1953), uma paisagem ideogramática. A pintura de Bandeira, como Rio de Janeiro

38 39
a de Guignard, está baseada no senso da verticalidade. Por vezes, a matéria pictórica não
aspira à representação da gravidade porque o discurso simbólico parece desafiar a orga-
nização gravitacional do quadro, pois tal qual em mocambos e favelas, a precariedade é
parte da lógica do abrigo.
A torridez em Bandeira não é unívoca, pois ora é dispêndio, como a energia empregada
no trabalho, ora é entropia e violência, movimentos que perpassam, com força inaugural,
o rubor orgânico e metalúrgico de Flamboyant (1949). Como o centro da pintura Cercle
de feu (1965), a vermelhidão de Flamboyant é o lugar onde o olho arde e a vista se abrasa.
A fenomenologia da visão em Bandeira forjou-se como experiência primal da luz através
do corpo vivido (corps vécu), tão próximo do pensamento de Maurice Merleau-Ponty.
No texto inédito A árvore da infância, o pintor descreve seu encantamento inaugural por
aqueles vermelhos e verdes que ancoram sua relação com a cor: “Quando me apaixonei
pelas tintas, meu amor pela árvore cresceu desmesuradamente”. 41 O informe não perde
a dimensão simbólica. A árvore, imagina Novalis, não é senão uma chama florescente.42
A tela revigora a revolta contra a derrubada de uma árvore da espécie que marcara a
infância do pintor. Mesmo sem o carvão ardente de Mata reduzida a carvão (c. 1841)
de Félix-Émile Taunay, ou a lenha de A derrubada (1913) de Pedro Weingartner, Flam-
boyant é fogo vivo na história transversal da arte brasileira no registro da desarmonia
com a natureza. A vermelhidão de Flamboyant constitui o locus de resposta à violência
da vida. A cor se irradia em veios para vivificar o espaço e ativar a memória corporal do
calor, da faísca, dando as bases para a pintura que, a partir dos anos 1940, desenvolve o
artista –“da fundição aprendi misturas que meu pai nem suspeita”. 43
A forja de Vulcano foi a lição de cor para Antônio Bandeira na infância: a luz ígnea
da oficina do pai se reacenderá em pintura como memória da luz e vontade material.
“De corpo e alma / ofereço / cadinho de ferro e bronze / (uma lembrança de meu pai) /
cadinho de corpo e alma / esse cadinho de raças / Fortaleza,” escreve num poema.44
A linguagem, quem diz é Gaston Bachelard sobre a fenomenologia do forjador, é uma
chama vermelha, pronta a trabalhar o ferro.45 A matéria em brasa da forja é o informe
em busca da forma. Cedo o crítico paraibano Rubem Navarra compreendeu a gestação
de uma fenomenologia nessa obra: “Bandeira está lutando entre a dissolução e a cons-
trução, a fluidez e a solidez”.46 A zona tórrida na tela Cidade queimada de sol (Home-
nagem a Fortaleza) (1959) tem calor e índice da forja e da seca, energia do homo faber
e drama social. Também em certa pintura de Jenner Augusto, como Campo vermelho
(1963), o quadro é vermelhidão tórrida e os acidentes do monocromo primário formam
a geografia da inclemência do Sol. O passo seguinte é compreender que, para Bandeira,
Antônio Bandeira a percepção fenomenológica é o acesso racional e afetivo à pintura: Antes era preciso
Comme des cerisiers au printemps, 1961
Óleo sobre tela [Oil on canvas] somente o ângulo visual para se olhar um quadro. Hoje necessitamos mais que isso, quere-
100 × 81 cm
mos também o ângulo do sentimento. Buscamos olhos não somente na cara, mas também
Coleção particular [Private collection],
Fortaleza no cérebro e no coração. 47
40 41
t r ó p i c o / t r o p i c o lo g i a

Houve tropicalismo antes do tropicalismo, porque a cultura brasileira é processo sólido e


não uma sequência de achados. É fato que Tropicália (1967) foi, segundo Hélio Oiticica,
a primeira “tentativa consciente objetiva, de impor uma imagem obviamente ‘brasileira’
ao contexto [...] da vanguarda e das manifestações em geral da arte nacional”,48 ante-
cedendo à cunhagem do nome para o movimento cultural que, com Caetano Veloso e
outros, articula a Bahia, o Rio e São Paulo.
No Recife, no entanto, já havia a Tropicologia (1965), que passara a tratar de maneira
científica o tropicalismo em seminário acadêmico.49 Formalizava-se academicamente
a constante preocupação, anterior aos anos 50, do pensamento ecológico de Gilberto
Freyre sobre uma região natural e espaço sociocultural. Entendida como “modo de ser
dos trópicos”, uma ecologia tropicalista regionalista alimentou leituras diversas acerca
das “soluções” do “homem situado”, a exemplo da análise de Freyre, em regionalismo
aberto às vanguardas, sobre as ações de Flávio de Carvalho, a quem atribuía uma experi-
ência valorosa no sentido da “solução do problema do vestuário ecológico para o trópi-
co”.50 Antes ainda, em A estética da vida lê-se na posição de Graça Aranha que “no Brasil,
o espírito do homem rude, que é o mais significativo, é a passagem moral, o reflexo da
esplêndida e desordenada mata tropical. Há nele uma floresta de mitos”.51
Para Freyre, no entanto, o tropicalismo são tropicalismos. O sociólogo mantém a irreduti-
bilidade das formas sociais a um modelo único, e muito menos a fronteiras políticas. Ademais,
à semelhança da expansão da ideia de regionalismo, que avança para além do “movimento
regionalista de 1926”, os tropicalismos também não se cristalizariam em “modos de ser”
fixos, existindo em deriva constante. Para o sociólogo, conceitos de tropicalismos estão sen-
do revistos, para que admitam autênticas expressões de arte tropical, que não correspondem
à ideia estereotipada de serem os artistas tropicais sempre mais do que exuberantes, em seu
abuso de cores violentas.52 Para o autor, não é preciso parecer tropical para ser tropicalista:
Nada de fazermos do tropicalismo, em geral, e do brasileiro, em particular, uma seita fora da
qual não haja salvação para os homens nascidos nos trópicos. O mundo é vasto e muito diverso
nas cores e nas suas formas, nos seus climas e nos seus ambientes. O puro fato de nascer um
indivíduo no Brasil tropical não o obriga a ser, como artista, um entusiasta do sol forte, da luz
crua e das cores quentes. O seu ideal de luz e de cor pode ser o boreal; e sua vocação pode ser
a pintura verlaineana, toda de nuances, de cinzentos, de azuis claros, de cores chamadas frias
Montez Magno
em oposição às quentes. O que sucede, porém, é que, revoltando-se contra o meio, eles realizam Da série Barracas do Nordeste
(I Ciclo – As Barracas na paisagem), 1973
obra de quem não se achando integrado com esse meio, é provocado, excitado, estimulado pelo Tinta a óleo sobre Duratex temperado
mesmo meio a reações como que antiecológicas.53 É nesse sentido que, desde cedo, Gilberto [Oil paint on tempered Duratex]
160 × 220 cm
Freyre reconhece o caráter ecologicamente tropical da obra de Vicente do Rego Monteiro. Coleção do artista [Artist’s collection], Recife

42 43
vicente do rego monteiro

Em 1922, não havia um ateliê no Brasil, no Rio ou São Paulo, com intensa invenção cul-
tural como naquele dos irmãos Vicente e Joaquim do Rego Monteiro em Paris.54 Motivos
indígenas, três pinturas de 1922 de Vicente exemplificam sua capacidade de substanciar
de modo abstrato um léxico cromático e uma paleta arquetípica do Brasil. Ele era então
o artista brasileiro da mais bem resolvida obra modernista com sólidos fundamentos em
pesquisa realizada nas coleções do Museu Nacional no Rio de Janeiro na década anterior.
A reduzida paleta terrosa, montada a partir da pauta cromática da cerâmica arqueoló-
gica amazônica tanto apresenta os nativos do Brasil (Motivos indígenas, 1922) quanto
a própria Paris (Torre Eiffel, 1922) através de um ensaio de escritura indígena. A cor
atávica finca o paradigma telúrico da brasilidade modernista; depois, Portinari emprega
a terra roxa em Café (1935) e Futebol (1935) para simbolizar seu universo de imigrante
na região cafeeira de São Paulo. Os irmãos Rego Monteiro pertencem à primeira geração
de artistas que sofre o impacto do telúrico trágico de Canudos (1896-1897) no interior
da Bahia, já que o drama social não mobilizou um pintor de gênero como Almeida Jr..
A ecologia da “pairagem impressionante” foi descrita por Euclides da Cunha em Os ser-
tões (1902): “as forças que trabalham a terra atacam-na na contextura íntima e na superfí-
cie, sem intervalos na ação demolidora, substituindo-se, com intercadência invariável, nas
duas estações únicas da região.”55A rudeza tórrida do lugar sustenta o discurso da terra
na obra de Vicente. De nada lhe bastaria a temática sem a elaboração de signos materiais
da pintura. A instância do significante definiria seu programa de brasilidade, segundo o
qual uma onça ou uma madona seria igualmente construída com um léxico visual atávico.
Além de registrar objetos da arqueologia amazônica no Museu Nacional, também leu
Barbosa Rodrigues e Couto Magalhães.56 Sua pesquisa resultou em dezenas de desenhos
e aquarelas que interpretam e representam lendas indígenas, exibidos no Recife, São Pau-
lo e Rio de Janeiro entre 1919 e 1921. O vasto corpus é o primeiro marco sólido da ideia
de brasilidade da geração de 22. Tal ângulo de ecologia de Vicente antecedeu o projeto
de Graça Aranha em A estética da vida (1921). Algumas daquelas aquarelas formaram a
base gráfica do refinado livro Légendes, croyances et talismans des indiens de l’Amazonie
(Paris, 1923), de P. L. Duchartre. A cerâmica está na gênese de sua pintura.
A partir do modelo da cerâmica amazônica, a terra crua e cozida, mais que crua, é
Vicente do Rego Monteiro o valor plástico de Vicente do Rego Monteiro em itens como paleta, desenho, volume,
Paisagem zero, 1943
Óleo sobre tela [Oil on canvas]
forma e redução estrutural da figura. O pintor revoga o modelo de índio do escritor
49,5 × 61 cm romântico francês Chateaubriand e de seus reflexos sobre a pintura indianista brasileira,
Coleção [Collection] Museu de Arte
Contemporânea de Pernambuco, Olinda como a tela Exéquias de Atalá (1878) de Augusto Rodrigues Duarte. As cores deste Rego
44 45
Monteiro evocam terra cozida e a pintura em engobo da cerâmica indígena. Suas figuras
emergem de uma vontade de volumetria como relevos de cerâmica na fatura de um artista
que tanto viu os bonecos de barro do Nordeste quanto o cubismo tubular de Fernand
Léger. É mesmo possível retraçar a relação concreta entre peças de cerâmica específicas
da Amazônia – a mais complexa em termos técnicos e formais no Brasil –  copia­das nos
desenhos dos anos 1910, e a reelaboração formal em sua pintura na década seguinte.
Em Madona e menino (1924), a anatomia da criança sai de uma cerâmica Santarém de
base lunar. Cabeça, orelha, seios, posição dos braços, as pernas dobradas, enfim a pose
hierática da senhora seguem os padrões das urnas ossuárias Tapajós-Trombetas de Mi-
racangueira vistas no museu. O hieratismo remete às madonas. As cabeças dos seus per-
sonagens religiosos de A crucifixão (1922) ou de O atirador de arco (1925) inspiram-se
nas tampas das urnas Maracá. Vicente do Rego Monteiro deve ser proclamado também
o inventor da ideia de projeto modernista de cor.

recalque

A zona tórrida aguarda por seu mapeamento que elimine regiões de uma rica terra incóg-
nita da arte brasileira: Hic sunt dracones.57 O desconhecimento sobre a obra de Joaquim
do Rego Monteiro (1903-1934) é grave problema historiográfico. Morto prematura­
mente em Paris, sua obliteração tem razões variadas, que vão de seu internacionalismo
à distância física e à escassez de obra. A crítica modernista praticamente viveu um des-
conhecimento de sua pintura, pois só expôs no Brasil em individual em 1924 e coletiva
em 1927. Joaquim, ademais esteve longe da temática regionalista e nacionalista. Por fim,
seu diminuto corpus conhecido gira em torno de quinze obras, fato que impede melhor
conhecimento e avaliação de seu significado. Portanto, Joaquim do Rego Monteiro é um
vácuo na zona tórrida para o modernismo latino-americano.58 Ausente de coleções pú- Joaquim do Rego Monteiro
Le Rotonde, 1929
blicas (as exceções principais são o Mamam no Recife e o IEB-USP ), seus quadros, no Óleo sobre tela [Oil on canvas]
entanto, estão em algumas das principais coleções de arte brasileira moderna: Gilberto 81 × 100 cm
Coleção [Collection] Museu de Arte Moderna
Chateaubriand, Sergio Fadel e Luis Antonio de Almeida Braga. Aloisio Magalhães, Recife

46 47
O diminuto corpus conhecido da produção deste Rego Monteiro inclui algumas paisa-
gens europeias, uma madona (1930, col. Fadel), duas pinturas com vontade de abstração
(col. Tuiuiú) e duas “paisagens” (1927, col. Mamam). Em Cais (1923), o desenho é feito
com objeto duro, como a ponta do pincel, para abrir sulcos na camada pictórica como
linhas conclusivas da imagem. Esse procedimento não canônico é raro no modernismo
brasileiro, pouco dado a experimentos com a materialidade do signo pictórico. Tendo
participado da mostra de arte moderna trazida por seu irmão Vicente ao Recife, Rio de
Janeiro e São Paulo em 1930, pode-se pensar que a pintura de Joaquim estivesse em acor-
do com o vocabulário pictórico do panorama então apresentado. Seus quadros América
do Sul e La Rotonde (1927, col. Mamam) sugerem um diálogo da pintura de Joaquim
do Rego Monteiro com a obra de seu irmão Vicente e de Joaquín Torres-Garcia. Desde
1917 que o bistrô está localizado em Montmartre e sempre foi frequentado por artistas.
La Rotonde, segundo Gilberto Freyre, era o café em Paris onde Vicente ganhou a vida
dançando.59 O espaço é raso, diagramático, destituído de alusões à perspectiva. Tudo cor-
re na superfície da pintura. A linguagem cartográfica e de plantas arquitetônicas evoca
o livro Quelques visages de Paris (1925) no qual Vicente trabalha a paisagem da capital
francesa com um vocabulário de signos. A cor chapada reduz o espaço a lugar de uma
escrita que corre verticalmente sobre a superfície do suporte. A cor do chão é de um mar-
rom telúrico. Aqui, Joaquim e Torres-Garcia se aproximam no desenvolvimento de um
léxico anatômico.60 Pessoas e coisas estão reduzidas a sinais, denotativos de suas ações
e funções na cena. Em La Rotonde, a anatomia mínima reduz os corpos em movimento
em sinais econômicos das ações desenvolvidas no trabalho (músicos, por exemplo) e
nas relações sociais (cumprimento e beijo) e uma provável galeria de arte. As pessoas se
situam na geometria dinamizada por planos geométricos de retângulos dos quadros e Joaquim do Rego Monteiro
América do Sul, 1927
dos círculos dos tampos das mesas. Dos referentes empíricos, este Rego Monteiro produz Óleo sobre tela [Oil on canvas]
73 × 92 cm
geometria com olhos de quem viu o neoplasticismo. Nenhum brasileiro parece ter tido
Coleção [Collection] Museu de Arte Moderna
uma articulação da superfície concreta do quadro tão radical quanto Joaquim. Aloisio Magalhães, Recife

48 49
c o n g á c o n s t r u t i vo r u b e m va l e n t i m

Nascido num período de repressão policial aos cultos de origem africana, Rubem Va-
lentim levou a arte brasileira a novo patamar simbólico e a novo plano ético.61 Valentim
não é um “primitivista”, mas um projeto de experiência moderna do sagrado. Ele era
Obá da Casa de Mãe Senhora e deixou a profissão de dentista para se dedicar à pintura
a conselho da Iyalorixá.62 Ele foi obsessivamente dedicado aos orixás. O machado duplo
de Xangô, que corta de dois lados, é a metáfora da arte que se pensa na modernidade
construtiva ocidental e incorpora genuinamente as raízes africanas do Brasil. Valentim
demarca seus princípios no Manifesto ainda que tardio: Intuindo o meu caminho entre o
popular e o erudito, a fonte e o refinamento – e depois de haver feito algumas composições,
já bastante disciplinadas, com ex-votos – passei a ver nos instrumentos simbólicos, nas
ferramentas do candomblé, nos abebês, nos paxorôs, nos oxés, um tipo de “fala”, uma
poética visual brasileira, capaz de configurar e sintetizar adequadamente todo o núcleo
de meu interesse como artista. O que eu queria e continuo querendo é estabelecer um
“design” (que chamo riscadura brasileira), uma estrutura apta a revelar nossa realidade.63
Poderíamos dizer que Valentim fez arte possuído pelos orixás. No entanto, ele já não

Rubem Valentim
Emblema Logotipo Poético de Cultura
Afro-brasileiro no 6, 1976
Acrílica sobre tela [Acrylic on canvas]
100 × 73 cm
Coleção [Collection] Paulo Darzé Galeria de Arte,
Salvador

Emblema carnaválico, 1980


Acrílica sobre tela [Acrylic on canvas]
50 × 70 cm
Coleção [Collection] Paulo Darzé Galeria de Arte,
Salvador

50 51
vive a nostalgia da África, mas busca a atualidade do presente afro-brasileiro. Luta no
interior de uma sociedade que sofria de um “complexo de inferioridade do passado
africano”, em que negro e africano tornaram-se sinônimos de escravo, conforme nota o
antropólogo Arthur Ramos.64
Rubem Valentim, depois dos vínculos com a espiritualidade ioruba, busca uma síntese
de símbolos espirituais de vários sistemas religiosos. “No Rio de Janeiro, conhece os pon-
tos riscados da umbanda, inexistentes no candomblé da Bahia”. 65 Tendo como referência
o texto Do espiritual na arte de Kandinsky, Valentim aprendeu com Torres-García que a
tela é campo da escritura do símbolo. Sua teogonia opera a redução radical dos símbolos
religiosos a elementos estruturais e geométricos. Giulio Carlo Argan explica a síntese
de Valentim: É necessário expor, antes que eles [os signos simbólicos-mágicos] apareçam
subitamente imunizados, privados das suas próprias virtudes originárias, evocativas ou
provocatórias: o artista os elabora até que a obscuridade ameaçadora do fetiche se esclareça
na límpida forma de mito.66 Um quadro é um texto cosmogônico contínuo, que mantém
seu sentido totêmico, imemorial e sincrético. A importância da obra de Valentim está
ainda no código semiológico para uma teogonia construtiva. Admitir o caráter simbólico m o n t e z m ag n o
da geometria aproxima-o dos princípios do neoconcretismo. O historiador Jaime Sodré
está desenvolvendo um trabalho de leitura estrutural das formas e cores na obra sacra de Montez Magno sempre alertou: “sou muitos”. A multiplicidade de obra e pensamento –
Valentim. A julgar por trabalho análogo A influência da religião afro-brasileira na obra que se estende para além da diversidade de linguagens, invadindo o campo mesmo da
escultórica do Mestre Didi (2006), o novo estudo representará um salto no conhecimento pluralidade dos modos de ver e de operar no processo de criação – dá as bases para
da obra de Valentim. uma relação eminentemente ecológica com o mundo. Ao artista não interessa se fixar
Rubem Valentim investigava uma escritura arquetípica, de fundamento junguiano de num tema ou numa identidade poética, mas transitar por entre caminhos múltiplos,
O homem e seus símbolos. Pela primeira vez, o espaço da arte brasileira tem uma dicção em contínua – e, por vezes, paradoxal – variação. Assim, reconhecendo ter sido “sem-
autêntica, autônoma e contemporânea da espiritualidade afro-brasileira. Sua estratégia pre camaleônico”, estará aberto e disponível ao mundo, travando com ele uma relação
foi criar uma forma moderna de inscrever esse sistema axiológico. Nesse sentido, antece- ambiental e de posicionamento político e estético ao longo de sua complexa trajetória.
deu Mira Schendel, e não foi menos rigoroso do que ela, ao tramar relações entre escri- Montez Magno não permitirá, portanto, encapsular-se na etiqueta “artista do Nordeste”
tura, linguagem e metafísica. Para Mário Pedrosa, Valentim “pertence à mesma família no que concerne a uma fixidez identitária, fato que o justifica como artista ecológico – 
67
espiritual de Volpi, de uma Tarsila”. Se tivesse analisado mais profundamente, Pedrosa em termos de Gilberto Freyre –, inclusive por fugir a quaisquer determinações espe-
teria notado a diferença entre Tarsila e Valentim. Seu paralelo modernista de autorrepre- cíficas como, por exemplo, a de uma possível “paleta de zona tórrida”. O artista com-
sentação do negro é Di Cavalcanti, que na década de 1920 pinta os gêneros musicais do preendeu que o tempo histórico do modernismo havia se concluído. Ciente de que sua
Rio de Janeiro. Com Valentim, a cultura negra no Brasil retoma seu sentido espiritual sensibilidade cromática pode variar do “lunar ao solar”, 69 do “vernacular” ao “erudito”,
original. As religiões afro-brasileiras passam a ser tomadas como sistema de valores, dei- o que importará ao artista, para as escolhas sempre pontuais de sua sintaxe estética,
xando de ser caso de polícia, superstição, objeto antropológico (Nina Rodrigues e Arthur serão as relações contextuais entre pintura, mundo, sujeito, história, geografia, política:
Ramos), cristianização (Tarsila) e diferença folclórica (Mário de Andrade). A África “o espaço-tempo e a cor-luz serão cada vez mais os elementos que os artistas utilizarão
Montez Magno
brasileira chega sem intermediações estilísticas, reificação ou apropriações políticas que Caixa, 1967 em suas obras”. 70 Se o “homem situado” pede uma força criadora em relação – exercício
renunciassem à identidade e a seu exercício. A alvura do monumental Templo de Oxalá Tinta sobre madeira [Paint on wood] constante de uma libertária produção de subjetividade –, a obra de Magno é um profícuo
20 × 20 cm
(1977) é um ato extremo da relação entre arte e metafísica na produção brasileira. Coleção do artista [Artist’s collection], Recife território de experimentações neste registro.
52 53
Sua produção dará conta, assim, da problematização das relações do capital no emer-
gente processo de globalização dos anos 1960 – do que são emblemáticos um objeto e
dois projetos de interpenetração das formas e das cores das bandeiras do Brasil e dos EUA,
de 1969 –, às questões de antropologia visual da cultura de um Brasil pouco conhecido,
esforço entrevisto em séries como Barracas do Nordeste (1977-1985), Teares de Timbaúba 
(1979-1998), Portas de Taquaritinga (1983) e Fachadas do Nordeste (1996), dentre outras.
Em qualquer direção, o trabalho é irredutível ao anedótico. Cor e forma impregnam-lhe
significado político preciso, pois Montez foi sempre avesso ao clichê midiático “que rara-
mente traz símbolos / e não é metafórico / mas incisivo e direto / sem rodeios, é o que é /
a palo seco, enxuta, / faca de ponta no olho / [. . . ] é o outro lado da medalha”.71
Instâncias privilegiadas do discurso político de Montez Magno, a cor e a forma serão in-
tensamente experimentadas num construtivismo que ocupa lugar singular na história da
arte brasileira. Seu projeto não se enquadra confortavelmente em categorias, movimentos
ou grupos, razão da singularidade de seu contributo à cultura contemporânea no Brasil,
de modo significativo. Em 1985, Aracy Amaral notou com precisão a particularidade cro- posição filosófica, da parte do artista (e também do público)  [...], [estendendo-se] a to-
mática das Barracas do Nordeste: as cores cálidas, intensas (os verdes e amarelos-bandeira dos e desenvolvendo a nossa capacidade perceptiva”. 75 Cria trabalhos participativos como 
combinados com vermelho intenso ou azul cobalto) a comunicar uma liberdade total da Caixas (1967), Escultura manipulável (1968 e 1970), Pela fresta (1972) e, em 1969, proje-
cor sem a preocupação do bom gosto “civilizado”, porém, atento ao rigor compositivo como tos arquitetônicos nunca construídos, como O ovo e Museu Mausoléu, dito MMMausoléu.
72
diretriz maior deste grande pintor do Nordeste contemporâneo. Na pioneira mostra “O Enquanto o pensamento pictórico da cor-luz é a base da concepção de suas Caixas – série
popular como matriz” (MAC-USP, 1985), Amaral articula a vontade visual antropológi- de apropriações de estojos escolares colados e pintados que, na manipulação do público,
ca de artistas da zona tórrida, como Rubem Valentim, Genilson Soares, César Romero, revelam cores e formas insuspeitas –, O ovo e MMMausoléu representam a negação ao
Emanuel Nassar e Montez Magno, e realça-lhes a dimensão no urgente papel social: “im- contato com a luminosidade, metáfora da tensa relação sujeito-mundo sob a ditadura.
portante [. . . ] forma de expressar uma realidade típica deste continente, em que a massa Arquitetura de isolamento e resistência à violentadora realidade, esses projetos denun-
73
é praticamente sem voz ou desprovida de articulação com as camadas dominantes”. De ciam a falência da liberdade nos estados de exceção.
fato, Montez e Nassar operam a partir da base vernacular do “Brasil profundo”. Sua obra múltipla resiste à sedução da tropicalidade reduzida à bandeira ideológica e
As dimensões ecológicas e políticas da obra de Montez Magno estão na pintura como de mercado. Contra a exotização da luz e da cultura brasileiras – ou nordestina –, Mon-
em outros experimentos. Dodeskaden (1977) expõe em fotografias as gritantes diferenças tez Magno mantém-se escorregadio, operando em registro que excede qualquer limite
sociais de uma favela de Olinda – com título do filme homônimo de Akira Kurosawa –, geopolítico. Tampouco é desatento à história da arte ocidental. Na série Morandi (1964),
e forma um corpus da exclusão com Tropicália de Oiticica, certas ações de Lygia Pape ele busca a serenidade cromática do mestre italiano. Antitético à geometria afrancesada
e algumas esculturas de Ascânio MMM. Atento ao índice do déficit social do capita- de Cícero Dias, pautada por estridente gama de cores “tropicais”, Montez estrutura sua
lismo, Dodeskaden sublinha contradições da metrópole a partir da economia, circuns- fluida maneira morandiana em suave ordenação racional para tocar a noção de geome-
crevendo-as em termos da esquizofrenia que se forma no sistema socioeconômico. A tria sensível 76 da América Latina, já que privilegia a regência da intuição. Italiana, a série
partir dos anos 1960, Montez explorou a dimensão participativa do outro na experiência Morandi torna visível o encantamento comovido em terra estrangeira do jovem Montez.
estética porque “a meta da arte é de se reintegrar com a vida, de tal forma que todos Montez Magno Nisso seu pertencimento está próximo da ecologia regional de Gilberto Freyre: “[...] eu
74 Da série Cromossons, 1994
possam participar criativamente de tudo o que for feito pelo homem para o homem”. Caneta hidrográfica sobre papel
não sou nacionalista, nem sou regionalista, nem sou bairrista. [.. .] Você pode fazer
No mesmo período político, Montez ressalta que uma característica da arte de então era [Felt-tipped pen on paper] coisas ligadas à região – como eu fiz. [...] Mas isso me interessa estando aqui ou, por
30 × 36 cm
seu “poder de levar o espectador a uma ação”, processo que “implica uma tomada de Coleção do artista [Artist’s collection], Recife exemplo, na Cisjordânia”.77
54 55
almandrade

A relação entre a luz da zona tórrida e a produção artística dessa região se dá também em
escala urbana, por meio de trabalhos que, instalados a céu aberto, criam uma inteligência
própria em diálogo com as condições atmosféricas, sociais e culturais de determinado
lugar. Contudo, talvez com alguns paradigmas como Sérvulo Esmeraldo em Fortaleza,
Abelardo da Hora no Recife e Mário Cravo Júnior em Salvador – artistas cujas esculturas
públicas habitam a cidade –, dada a rarefação econômica do campo da cultura no Nor-
deste do Brasil, parte significativa dessa inteligência encontra-se adormecida. Por entre
ateliês e instituições, restam desenhos e projetos de obras nunca concretizadas, pensadas
para o espaço público. É o caso do baiano Almandrade, artista com uma vasta produção
pictórica que, porém, adverte que a “escultura e a instalação [o] atraem mais”: “gostaria
de fazer trabalhos para dialogar com o espaço urbano, talvez pela minha formação de
urbanista”. 78 No entanto, Almandrade não teve essa oportunidade. A latente lógica ar-
quitetônica de sua obra sublinha, portanto, uma fundamental chave de leitura para o
seu trabalho: muitos dos objetos e esculturas de Almandrade devem ser compreendidos
como maquetes ou projetos para esculturas de dimensões urbanísticas. Assim é que, do
plano inclinado amarelo de uma de suas esculturas (2003), resta desconhecido seu pleno
potencial – somente uma vez instalada em Salvador, por exemplo, a obra revelaria sua
força de imenso rebatedor da luz tropical, instância da experiência sensível do trabalho
que, por ora, permanece silenciada, sobrevivendo apenas como projeção. Tal situação
de latência é, no entanto, apenas um dos muitos débitos do campo da arte diante da
produção de artistas do Nordeste – como, igualmente, de outras regiões do País. Ao
manter certo etnocentrismo, a historiografia brasileira não foi ainda capaz de dar con-
ta da contribuição, para o contexto construtivo e conceitual de nossa arte, de artistas
como Sérvulo Esmeraldo, José Tarcísio, Montez Magno, Paulo Bruscky, Daniel Santiago,
Rogério Gomes, Martha Araújo, Raul Córdula e Almandrade, dentre muitos outros.
Em suas trajetórias – cruzadas, visto que são interlocutores – Montez, Esmeraldo e Na recente pintura Uma tarde de verão (2011), por exemplo, à tensão do enfrentamento
Almandrade, por exemplo, criaram um lugar profícuo entre a construção e o conceito, de suas quase-simetrias de linhas e cores – que parecem esforçar-se por manter-se está-
irredutível aos genéricos enquadramentos teóricos de um ou outro. Essa posição singular veis sobre a imensidão de um amarelo vivaz que, como a luz atmosférica, tende a impri-
é evidente em Almandrade. Oriundo da poesia visual e do poema processo, na Salvador mir movimento – soma-se a instabilidade da sugestão semântica advinda com o título
de meados dos anos 1970, o artista dá início às suas incansáveis investigações, travando do trabalho. Como já anunciava em seu livro Linguagem (déc. 1970), no qual páginas se
uma relação de ambiguidade semântica com o espaço. Em muitas de suas pinturas, escul- sucedem transformando uma linha em onda, a onda em caligrafia, e a caligrafia na pa-
Almandrade
turas, objetos ou diagramas, a espacialidade será a base sobre a qual Almandrade proble- Sem título [Untitled ], 2003
lavra que intitula o trabalho, Almandrade está interessado em pôr em jogo as diferentes
matiza a relação entre significante e significado, constituindo experiências espaciais cujo Madeira policromada [Polychrome wood] forças que criam valores na e para além da linguagem, preocupação reforçada constante-
130 × 50 × 50 cm
instável equilíbrio físico de tantas vezes é o eixo sobre o qual se desequilibram os sentidos. Coleção do artista [Artist’s collection], Salvador mente também em sua atuação como crítico de arte.
56 57
delson uchôa

Em três décadas de pintura, a “experiência luminosa” de Delson Uchôa no ateliê era


resposta “muito natural” à hora afetiva do dia. A harmonia protegida não admitia tratar
de temperatura, contrastes ou antagonismos entre cores, mas cabia “adjetivá-las, para
humanizá-las”. Surge então, numa pintura que toma paredes, chão e teto da casa, “a
alegre luz da manhã, a austera luz do meio-dia, a saudosa luz da tarde, que dramatiza o
mundo, propicia os namoros”.79 Só depois, percebe a “luz calorosa” ou a “luz orvalhada”
em dimensões afetuosas de uma luz meteorológica. Já não se interessava pela ciência da
luz, pois a pintura não é exercício da física da luz. “Então, já não conversava mais sobre
luz, como um livro de física tentando explicar a luz”. Todo seu esforço de uma episteme
transversal da luz converge para a poiesis da luz. A corporeidade da cor toma, em reflexo
de sua formação em medicina, dimensão orgânica: vermelho venoso, vermelho arterial,
encarnado, verde biliar, amarelo lipoide, roxo cólera; azul linfa; [...] do cultivo do suporte
no chão; da reconstrução cirúrgica de minhas telas com transplantes, implantes, enxer-
Delson Uchôa
tos, retalhos de membranas, mucosas; a pele, o couro, o pigmento em coágulo, queloide.80 Bambeia pião, 2011
Se o pintor empresta seu corpo à pintura, conforme a poesia de Paul Valéry e a feno- Acrílica sobre lona de algodão
[Acrylic on cotton tarpaulin]
menologia de O olho e o espírito de Merleau-Ponty, o corpo é usina de cor na lição de 220 × 170 cm
Coleção do artista [Artist’s collection], Maceió
anatomia de Uchôa. Na mente, afirma o pintor, a cor é eletromagnética, fotoelétrica; os Cortesia [Courtesy] Luciana Brito Galeria, São Paulo
fótons não se deslocam no vácuo com a velocidade da luz, e não é a cor a sua matéria. Não
p. 58
se contempla a pintura num campo imaterial de luz, entre o visto e a visão. Acho que agora Roda pião, 2011
Acrílica sobre lona de algodão
começo a entender o que é a eletricidade da cor; ou não? Não importa, meu sonho colorido [Acrylic on cotton tarpaulin]
vem do espírito, do self. 81 No entanto, essa pintura é ainda mais densa de sentidos ao 220 × 170 cm
Coleção [Collection] Amparo 60 Galeria de Arte,
borrar os limites entre a zona tórrida instintiva e a possível ideia de norma culta da arte. Recife

58 59
n ota s

37 FREYRE , Gilberto. Algumas notas sobre a pintura do 53 FREYRE , Gilberto. Arte, ciência social e sociedade. 70 Trecho do “Testo e contesto”, texto de Montez Magno,
Nordeste do Brasil. In: FREYRE , Gilberto et al. Livro do Nordeste, Revista da Escola de Belas-Artes de Pernambuco. Recife: Escola publicado em folder de exposição individual do artista na
comemorativo do centenário do Diário de Pernambuco: 1825-1925. de Belas-Artes de Pernambuco, 1958, p. 17-30. Petite Galerie. Rio de Janeiro, 1970.
Op. cit.
54 Ver “1922, um ano sem arte moderna”. Paulo Herkenhoff. 71 MAGNO , Montez. Manuscrito para o livro inédito 
38 FREYRE , Gilberto. Prefácio. In: VALLADARES , Clarival do Arte brasileira na coleção Fadel: da inquietação do moderno à Barracas do Nordeste.
Prado. Lula Cardoso Ayres, revisão crítica e atualidade. Rio de autonomia da linguagem. Rio de Janeiro: CCBB , 2002, p. 30-67.
72 AMARAL , Aracy. O popular como matriz. São Paulo:
Janeiro-Recife: Spala, 1978, p. 11.
55 CUNHA , Euclides da. Os sertões (1902). Belo Horizonte: Museu de Arte Contemporânea da USP , 1985.
39 Permanecem muito frágeis as evidências da formação efetiva Itatiaia, 1998, p. 27.
73 Idem.
e produtiva do grupo Banbrywols que, composto por Bandeira,
Bryen e Wols (advém da junção das sílabas iniciais sobrenomes 56 Cf. Zanini, Walter. Vicente do Rego Monteiro, artista e poeta.
74 MAGNO , Montez. Depoimento. Folder de exposição
dos integrantes o nome do grupo), teria atuado entre 1947 e 1948. São Paulo: Marigo, 1998.
individual do artista. Rio de Janeiro: Ibeu, 1968.

40 BRYEN, Camille. “Pour Wols”. In: Wols. Paris: Galerie Drouin, 57 “Aqui há dragões”. Era a expressão para imaginar o que
75 Idem.
1945, não numerado. existiria em terras não mapeadas na cartografia do século XVI .
76 Cf. Exposição “Geometria sensível”, curadoria de Roberto
41 BANDEIRA , Antônio apud RIOS , Dellano. A árvore da 58 Cf. Artistas pintores no Brasil (São Paulo: Nacional, 1942,
Pontual, realizada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro,
infância (déc. 1930). In: RIOS , Dellano. Retratos do artista. p. 203). Teodoro Braga lista nessa obra quatro artigos sobre o artista.
em 1978.
Diário do Nordeste. Fortaleza, 30 set de 2007. Walter Zanini discutiu as causas do esquecimento do pintor.
77 Depoimento em entrevista a Clarissa Diniz, em 6 de março
42 NOVALIS . Les disciples à Saïs. Iéna: Éd. Minor, 1927, vol. II, 59 Introdução. In: BOGHICI , Jean (coord.). Vicente do Rego de 2009.
p. 216. Monteiro pintor e poeta. 5ª ed. Rio de Janeiro: Cor, 1994, p. 32.
78 ALMANDRADE . In: Almandrade, um olhar do artista sobre
43 BANDEIRA , Antônio. Diálogo sem censura. Revista de 60 A propósito das relações entre a obra dos irmãos Rego o seu trabalho. Catálogo de exposição homônima. Museu de Arte
Cultura Clã, n. 20, outubro de 1964, p. 109. Monteiro e Torres-Garcia, cf. Herkenhoff, Paulo. Vicente Moderna da Bahia, 2011.
do Rego Monteiro, o primeiro projeto modernista brasileiro.
44 BANDEIRA , Antônio. Fortaleza. Cidade queimada de sol. Recife: Mamam, 2006 (no prelo). 79 UCHÔA , Delson. Delson Uchôa. Milão: Charta, 2009, p. 17.
Poema de 1961.
61 Este ensaio foi parcialmente publicado em Pincelada: pintura e 80 Ibidem.
45 BACHELARD , Gaston. La Terre et les rêveries de la volonté. método no Brasil, projeções da década de 1950. São Paulo: Instituto
81 Delson Uchôa em e-mail a Paulo Herkenhoff, em 16 de abril
Paris: José Corti, 1947, p. 181. Tomie Ohtake, 2009, p. 185.
de 2011.
46 Um novo pintor se despede. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 62 Entrevista de Antônio Olinto ao autor, em 27 de maio de 1996.
24 mar de 1946.
63 O texto é datado como: Bahia, Rio, São Paulo, Brasília. Janeiro
47 BANDEIRA , Antônio. Depoimento. Originalmente 1976. In: Rubem Valentim. São Paulo: Bienal de São Paulo, 1977.
publicado por Walmir Ayala no Jornal do Brasil, em 1969.
Republicado no jornal O Povo, Fortaleza, 8 abr de 1995. 64 Ramos, Arthur. Arte negra do Brasil. Cultura, 2:189-212.
Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1949.
48 OITICICA , Hélio. Tropicália, 4 mar de 1968.
65 Depoimento do artista, apud MORAIS , Frederico. Rubem
49 O Seminário de Tropicologia foi criado por Gilberto Freyre
Valentim: construção e símbolo. Rio de Janeiro: CCBB , 1994, p. 45.
em 1965 para confrontar experiências heterogêneas então isoladas
nos especialismos. O seminário funcionou na UFPE desde 66 ARGAN . G. C. In: Rubem Valentim. Roma,1966. Apud
1966, passou pela Fundação Joaquim Nabuco e hoje está na Valentim, Rubem. 31 objetos emblemáticos e relevos emblemas.
Fundação Gilberto Freyre. Seminário e Instituto de Tropicologia Rio de Janeiro: MAM , 1970, não numerado.
mantêm o objetivo de contribuir para a compreensão do
67 Pedrosa, Mário. Contemporaneidade dos artistas da Bahia.
homem situado nos Trópicos, em seu contínuo desafio de criar
Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 29 jan 1967.
formas de vida e cultura sem afronta à ecologia. Ver Seminário
de Tropicologia. Disponível em http://www.fgf.org.br/ 68 Depoimento em entrevista a Clarissa Diniz, em 6 de março
seminariodetropicologia/seminariodetropicologia.html. de 2009.
Acessado em 12 de janeiro de 2012.
69 A minha pintura se divide em duas visões – uma lunar,
50 FREYRE , Gilberto. Arte e civilizações tropicais. outra solar. Lunares são séries como Morandi, Fachadas do
In: Vida, forma e cor. Rio de Janeiro: José Olympio, 1962. Nordeste, Desconstrução da geometria e Variações geométricas.
51 ARANHA , Graça. A estética da vida (1921). Solares, as séries Negra, Tantra e Barracas do Nordeste. São solares
In: Obras completas. Rio de Janeiro: INL, 1968, p. 621 porque são feitas com cores muito vibrantes, fortes, em que há uma
luminosidade muito patente. Na pintura lunar há uma paleta mais
52 FREYRE , Gilberto. Ouro como cor característica. clara, mais amena, mais tênue. Depoimento de Montez Magno em
O Cruzeiro. Rio de Janeiro, 24 abr de 1966. entrevista a Clarissa Diniz. Recife, 7 de março de 2009.

60 61
Pernambuco, Cícero Dias e Paris Mário Pedrosa

Revista Região | dezembro de 1948 | páginas 8-9

Cícero Dias está de passagem pelo Rio, de volta a Paris, após dia sem perguntar: afinal, trata-se de dançarino ou de ma­moeiro?
quase dois meses em Pernambuco. Em Recife, fez uma grande Um sentimento generalizado de frustração apoderou-se dos seus
exposição retrospectiva de vinte anos de trabalho, no salão da leitores. Ninguém conseguiu esclarecer o mistério. Não tendo
Faculdade de Direito. podido penetrá-lo, não se achavam no direito de gostar ou não
Viam-se ali desde os seus primeiros desenhos, ainda incertos, do quadro.
em que dominavam os temas e assuntos pitorescos ou poéticos, O pior é que nenhum de nós, nem Aníbal Machado, nem
às últimas produções parisienses, de caráter já rigorosamente Rubem Braga, nem Orígenes Lessa, nem eu, que fomos a Recife,
abstrato. a convite do Diretório Acadêmico de Direito e da Diretoria de
Nenhum pintor brasileiro fez evolução mais radical do que Documentação e Cultura, rever o amigo e ver sua retrospectiva,
esse menino de engenho pernambucano que se passou para pudemos decifrar o enigma. Aliás, fomos encostados à parede e
Paris. Os quadros das primeiras épocas, com os seus temas intimados a dar o nosso parecer, numa espécie de debate público
populares, suas cores puramente simbólicas de estados de alma, em que Cícero Dias fazia figura de réu e nós, de seus advogados,
não anunciavam o pintor desnudo, ortodoxo, todo entregue a tal e qual numa sala de júri. A plateia exigia definição, queria
problemas de cores, de luz, de formas que ele é hoje. saber a todo custo se aquilo era mamoeiro ou dançarino, ou se
Recife reagiu com vigor à experiência de Cícero. Um ilustre outra tela, com a mesma terrível ambivalência, era guarda-chuva
polígrafo da terra, o sr. Mário Melo, encabeçou a reação. Seus ou instrumento de música. Angustiosos momentos.
artigos diários encontravam eco por toda parte. As famílias bur-
guesas perderam o sossego; homens sisudos e pequenos burgue- * * *
ses moralistas não compreendiam como é que se havia aberto
o salão nobre da Faculdade de Direito, tão vetusta, guardiã das Os homens não gostam de viver na insegurança ou na incerteza.
mais respeitáveis tradições, àquelas garatujas e monstros. Para Também detestam tudo que os tira da rotina cotidiana. A socio-
a boa gente, Cícero era um pernambucano endiabrado, que se logia estética já chegou a deduzir, da constância do fenômeno, a
perdera em Paris em más companhias. lei de que tudo o que é novo parece feio. O gosto do público é
Houve, realmente, uma santa indignação. Chocava, ao lado das modelado pelo êxito das obras artísticas anteriores. Todo esforço
formas e das cores sem “significação” realista, a ambiguidade dos negando ou desmanchando essa cristalização de sensibilidade
títulos dos quadros. Muitos desses tinham, com efeito, designações que se faz em torno de obras já consagradas tende fatalmente
dúbias. Uma das telas chamava-se: “Ou mamoeiro ou dançarino”. a levantar as mais vivas oposições. A história de todas as artes
Cícero Dias O fato deu dor de cabeça a quase toda a população. O sr. Mário é uma sequência ininterrupta desses choques e reações. A assi-
Sem título [Untitled ], 1948
Óleo sobre tela [Oil on canvas]
Melo, com o séquito de seus discípulos, não deixava passar um milação nesses domínios é extremamente lenta. Por vezes, em
76 × 100 cm
Coleção [Collection] Maria Digna Pessoa de Queiroz,
Recife

62 63
certas épocas, as inovações acumulam-se com o aparecimento “representava” uma castanha de caju ou uma cabeça de moça. dotado de sensibilidade plástica inconsciente, pode sentir me- Sua paleta enriqueceu-se das cores mais vivas, que se sucedem na
simultâneo de grande número de artistas revolucionários e reno- Sem esta preliminar, ia-se o critério pelo qual estavam acostu- lhor um quadro moderno que um estudante culto de qualquer tela ou através de um branco ou de um cinza, ou por vezes direta-
vadores. Então, o desequilíbrio se agrava. Com efeito, a assimi- mados a aferir da boa ou má qualidade de uma pintura. Se a tela das nossas faculdades superiores. Eis o que os letrados tanto mente. Ele não teme sequer acordes de complementares os mais
lação é lenta precisamente porque não é cerebral, mas de ordem representava um caju, então tinha de ser bem direitinho; pois custam a compreender. simetricamente opostos, como verde e vermelho. Mostrou-me,
afetiva, sensível, por vezes simplesmente sensorial. caju é caju, e moça é moça. aliás, exemplos disso durante nossas excursões pelas estradas
É na música que o fenômeno é mais concreto e convincen- Só depois de tudo esclarecido, com a segurança do autor de * * * que saem de Recife.
te, justamente porque ela é entre as artes a menos redutível a tratar-se de caju, moça, cartola, guarda-chuva, mamoeiro ou Ficaram-lhe na memória visual para sempre. Daí a fidelidade
conceitos e ideias. Veja-se, por exemplo, Pelléas et Mélisande, de dançarino, é que os letrados darão licença ao povo de gostar ou Cícero Dias fez no Recife uma grande experiência. Do ponto de com que guardou no estrangeiro a atmosfera de certas paisa-
Debussy. Os que a ouviram pela primeira vez, no Teatro Muni- não da obra. Por isso mesmo, um dos presentes aos debates do vista cultural, essa experiência está destinada a ter a maior re- gens nordestinas, a luz vigorosa, as cores cantantes entrelaçadas
cipal do Rio, nos idos de 1920, recordam-se da reação hostil ou Recife propôs se fizesse ali um plebiscito para decidir, demo- percussão. Ele conseguiu traumatizar o gosto do público. E nada a formas que se aproximam cada vez mais dos triângulos, dos
negativa do público. Poucos, então, a sentiram na sua diáfana pu- craticamente, se o povo entendia ou não a pintura de Cícero. A mais fecundo para a iniciação artística. Fez ele, além disso, para círculos e dos quadrados de Kandinsky, o mestre e o teórico do
reza musical. Mesmo os que a defenderam, então ardorosamente, assistência deveria pronunciar-se, num ou noutro sentido. os recifenses, a demonstração da indestrutível continuidade his- abstracionismo.
contra a hostilidade do público às suas “dissonâncias” só perce- Ninguém deve rir-se de tais ingenuidades. A mesma coisa po- tórica da arte através dos séculos, revelando as afinidades entre a As casas recifenses, a fila de casinhas retangulares de um só
biam, naquela primeira audição, os seus aspectos superficiais, dia acontecer aqui. O público de Pernambuco é tão culto quanto velha arte, a arte perene e a chamada arte moderna. andar, aqui e acolá guardadas por altos coqueiros baloiçantes,
certos acentos e preocupações descritivos, certas modulações de o do Rio. O problema não é de cultura, de preparo intelectual, Realmente, com admirável senso didático, Cícero Dias colo- foram essencializadas, nas telas atuais, como meros quadrados
acordes imitando um ruído exterior, sugestões disso ou daquilo, que é o que geralmente se entende por cultura. A concepção cou, em sala separada da exposição, lado a lado, a reprodução coloridos. Os coqueiros, as bananeiras, os canaviais, as folhas,
tendo do conjunto apenas uma vaga impressão sonora. A forma artística do público letrado de Pernambuco é a mesma do nosso de um desenho índio de palmeiras, uma paisagem de coqueiros cajus, cocos, tudo foi reduzido ao essencial, a signos formais in-
propriamente musical, sua tessitura, seu lineamento, a beleza público carioca ou paulista. de Teles Júnior, uma reprodução de outra paisagem cubista de dependentes de qualquer sugestão natural, direta.
construtiva e melódica passaram despercebidos. Agora, vejam. Província ou metrópole, o público de lá como o de cá está Picasso com o mesmo tema e um quadro seu inspirado em idên- Cícero desligou-se da sociedade pernambucana. Já não é mais
É de uma transparência, de uma clareza de ópera italiana! … ainda em grande parte impermeável à arte, precisamente pela tico motivo. As palmas do artista acadêmico não tinham na com- o menino de engenho melancólico. Nada é mais regional em sua
A música, de todas as artes, é a mais afastada das solicitações cultura adquirida e não pela ausência dela. No domínio estético, posição a menor independência formal, mero detalhe anedótico, arte de hoje. O que ele conserva de Pernambuco é antes a terra, o
intelectuais: daí seu poder maior de penetração. O domínio da essa cultura está anacrônica de três séculos. Ela se rege ainda ao passo que o desenho indígena era de uma estrutura que se as- ar. Ele vê a terra de cima, como se estivesse trepado no alto de um
inteligência sobre o ouvido é bem menor do que sobre a vista, pelos cânones da Renascença, consagrados à glorificação dos semelhava à forma cubista do mestre espanhol, já extremamente coqueiro. A luz branca tropical que ficou nas suas telas de Paris
muito presa ainda ao trabalho discriminativo do intelecto. sentidos imediatos, do materialismo burguês triunfante. A aca- condensada, sem qualquer sujeição naturalista. As formas de vem desse ângulo de sua visão.
Na pintura, os cânones estéticos adquiridos em sedimenta- demia nasceu para conservar essa cultura. O que impede o aces- Cícero, no entanto, não eram mais do que o esquema do motivo Pode-se discordar ou não de sua pintura, mas sua importância
ção secular fecharam os espíritos às inovações. O academismo é so à sensibilidade artística não é a ignorância do tabaréu analfa- original, capaz de abranger, dentro de sua universalidade, outras é evidente para a nossa evolução pictórica. Ele recebeu a lição
o congelamento das receitas artísticas em vigor na Renascença. beto ou a inocência da criança. São os preceitos intelectualistas sugestões objetivas. universal de Kandinsky e Picasso, quando se havia já liberto das
Através desse congelamento, essas receitas constituem até hoje e acadêmicos que levam um escritor, um ministro, um cientista O pintor pernambucano não chegou de um salto ao abstracio- reminiscências infantis, do saudosismo regional, de qualquer
o aprendizado artesanal de uma corporação de indivíduos, cuja a admirar a contrafação pictórica de um Osvaldo Teixeira ou de nismo de sua fase atual. Há toda uma época intermediária em que sentimentalismo poético ou pitoresco dos primeiros tempos.
missão consiste em reproduzir ou imitar fielmente os objetos um Manoel Santiago, e a torcer a cara para uma tela de Pancetti o assunto vai perdendo importância até desaparecer por comple- Cícero é um artista brasileiro, mas já não sabe que o é quando
externos ou o real convencional. ou de Portinari. to. Dos temas ditos regionais, só restou o que era realmente do pinta suas paisagens. Hoje, o Pernambuco do artista são cores,
Se essas receitas não forem mais válidas, a corporação perde- Quando Cícero Dias fez uma exposição em Jundiá, na Esca- domínio plástico: certas formas vegetais e arquitetônicas tiradas uma atmosfera luminosa, formas que se movem no espaço.
rá sua última razão de ser. Eis por que o academismo é o maior da, ele queria precisamente varar essa crosta de prejuízos dos da paisagem pernambucana, sobretudo recifense, e certas cores São os materiais da sua linguagem plástica. Pela força comu-
obstáculo à verdadeira iniciação artística do povo. Eis também homens cultos da capital, para atingir a instintividade popular locais, azuis e amarelas, que resistem a qualquer luz. nicativa desta, responde uma sensibilidade apurada pela reflexão
por que o sr. Mário Melo e correligionários podiam afirmar falar de modesta aglomeração da roça, afastada das pugnas e defor- Certas cores simbólicas dos primeiros tempos, um abuso de e o cálculo, paradoxal num homem contraditório e instintivo
em nome da maioria do público pernambucano. Daí também mações ideológicas ou intelectuais dos grandes centros. É fato malvas e roxos, certos rosas convencionais, tudo espichado sobre como esse Cícero Dias, que emigrou de Pernambuco para sem-
a questão que faziam de saber se tal ou qual quadro de Cícero conhecido que um jovem vaqueiro ou pastor analfabeto, mas a tela, de matéria monótona, sem riqueza, foram postos de lado. pre, levando, porém, o que deste é eterno: ar, luz e cores.

64 65
c a ry b é

O discurso simbólico adquire ressonância inédita nas primeiras décadas do século XX


por sua capacidade de criar identidades regionais em disputa pela legitimidade nacional.
No contexto da publicação de teorias de formação do Brasil – dos quais se destacam
Casa-grande e senzala (1933), de Gilberto Freyre, e Raízes do Brasil (1935), de Sérgio
Buarque de Holanda –, a arte e a literatura do período inventam o País numa proporção
expandida pela política que antecede e, posteriormente, inaugura o Estado Novo. De-
pois do primeiro ímpeto modernista, no momento seguinte, Freyre tem papel central
na construção da ideia de Nordeste, como Jorge Amado ao mesmo tempo inventa e é
inventado pela Bahia. A produção artística que dialoga com essas concepções de Brasil
busca efetivar uma imagem – social, política, cultural, subjetiva – para a Nação e, mais
especificamente, para suas regiões. Rubem Braga, cúmplice desse intensificado poder
simbólico da arte, apontaria, em referência ao pintor argentino naturalizado brasileiro,
que, “na Bahia [...], de repente a gente vê um negro de camiseta branca ou uma baiana
de saia rodada ou um sobradinho de telhado escuro ‘imitando’ os desenhos de Carybé”,82
evidenciação da força de significação da imagem que Mirabeau Sampaio sintetizaria com
precisão: “nasci e me criei aqui em Salvador, e posso lhe afirmar: na Bahia, não existia um
negro, era uma coisa que ninguém tinha visto aqui, até a chegada de Carybé”.83
O caráter ideológico da arte e das versões de Nordeste que estavam se construindo cal-
cadas sobre o mito da democracia racial construído por Gilberto Freyre faria da pintura
de Cícero Dias, Lula Cardoso Ayres e Carybé um testemunho das virtudes apregoadas
por tal sociologia que, transbordando disciplinas, funda o romance de 30 e dá as bases
para a segunda geração modernista das artes visuais. No caso de Carybé, sua copiosa
produção protagoniza a naturalização da miscigenação e a tolerância racial (A morte de
Alexandrina, 1939) num tempo em que Sérgio Buarque de Hollanda concebe o homem
cordial. A contundente obra crítica de Carybé nos anos 30 o aproxima da pauta marxista
do muralismo mexicano ou da obra de seu compatriota Antonio Berni, pelo elogio à for-
ça de trabalho pós-escravagista (Beira-rio, 1939). A celebração da cultura afro-brasileira
passa pelo mito da sexualidade exacerbada (a ideia de vadiagem), pelos costumes do dia
a dia, pela alegria, pela festa (Vadiação, 1965). Os sistemas religiosos afro-brasileiros
recebem sua atenção de Carybé (Iconografia dos deuses africanos no candomblé da Bahia,
1981) e, em época de intensa representação simbólica por outros artistas da Bahia (Ru-
Carybé
Briga de cachorros, 1942 bem Valentim, Mário Cravo Júnior, Calasans Neto, Mestre Didi e Agnaldo), cumpriram
Óleo sobre tela [Oil on canvas]
papel central na legitimação dessa herança na esfera pública. Valentim e Mestre Didi
58 × 68,5 cm
Coleção particular [Private collection], Salvador produzem uma rigorosa poética sacra. Através dessa arte o legado africano vivo invade a
66 67
lu z e s s a z o n a i s

Existe uma neve nordestina em pintura. As areias alvas da Lagoa do Abaeté em dia
cidade e a mídia. Artistas e escritores, como Jorge Amado, em que pese sua singularidade, estival têm para Pancetti alguma coisa em comum com uma nevada para Cézanne. His-
foram apropriados na Bahia, sobretudo no governo de Antônio Carlos Magalhães, para toricamente, os fenômenos atmosféricos e lumínicos são problemas de pintura. Neve,
a transformação do “modo de vida” e das especificidades estéticas da zona tórrida em neblina e solaridade excessiva cobram luz do olhar do pintor. Pode-se pensar na paisa-
discurso oficial de baianidade em dimensão nacional. Para além da cultura do espetáculo, gem gelada de Geada (1885) de Claude Monet em contraste com a umidade atmosférica
a penetração social de Carybé – que, na comemoração dos 70 anos de Carybé, contou no na obra de Castagneto no Rio, nas franjas Luz tras mi enramada (1926) do venezuelano
Pelourinho com 15 mil pessoas em sua homenagem (1981) –, talvez apenas comparável Armando Reverón e, finalmente, em imagens da zona tórrida de José Pancetti, Vicente
à de Jorge Amado, que inclusive transformara o pintor em personagem de seu romance Leite e Flavio-Shiró. O historiador Charles Moffet tomou uma fotografia de E. Loydre-
Dona Flor (1966). A obra de Carybé, geralmente interpretada em hipótese consensual au (Effet de neige, 1853) como o ponto de partida para definir o padrão de paisagem
e cordial da cultura brasileira, os seus aspectos conflitivos – como alude Briga de cães invernal impressionista.84 Caspar David Friedrich (Mar de gelo: o naufrágio do Hope,
(1942) – e de dissenso da obra de Carybé restam ainda desconhecidos. O sistema de arte 1824) e Gustave Courbet – que pintou inúmeras paisagens (a partir da década de 1850) – 
aguarda a publicação da tese de Marcelo Campos (“Carybé e a construção da brasilidade: apontam caminhos ao impressionismo. Courbet concentrou-se em “efeitos da neve”
Carybé Raimundo Cela
arte e etnografia para uma análise para além das representações”, 2001) para que o valor Beira-rio, 1939 Jangadeiros empurram jangada para o mar, 1940 (effets de neige), uma forma particular de representar a luz, o ar, e as aparências da cor e
de Carybé, a partir das qualidades simbólicas e plásticas de seu trabalho, possa ser criti- Óleo sobre tela [Oil on canvas] Óleo sobre tela [Oil on canvas] do frio na paisagem. Os effets de neige povoam a obra impressionista de Monet, Renoir,
62 × 85 cm 48 × 65 cm
camente resgatado do limbo folclorista em que foi submergido. Coleção particular [Private collection], Salvador Coleção particular [Private collection], Fortaleza Guillaumin, Pissarro, Sisley e Caillebotte.
68 69
A solaridade da zona tórrida deve ser justaposta aos effets de neige da pintura mo-
derna. Na Europa, a homogeneização depois de uma geada pede sutilezas tonais; o sol
causticante do Nordeste desbota a paleta do real. Onde quer que estivesse, o branco lu-
minoso das praias de Vicente Leite mantém-se impregnado da luminosidade excessiva
e cegante de Fortaleza. José Pancetti pintando nas dunas da Lagoa do Abaeté opera com
uma cor severa em que o excesso de luminosidade, como no real, produz a perda do
relevo, tornando a pintura puro fenômeno da superfície material. A dita “série branca”
de Shiró (Ensemble, Titre cachê, Ser e Matéria X, Bahia, 1962) guarda uma evocação
da neve: “o Japão ficou, a vida toda, para mim como memória de cores – o branco da
neve – ou de certos sons – os pés de meu pai pisando a neve, quando me levava nas
costas, a caminho dos banhos públicos”. 85 O pintor revela uma precoce e aguda memória
sensorial, fator-chave no desenvolvimento de sua obra em frequência do tórrido. Justapor
as pinturas brancas de Shiró aos effets de neige parece mais paradoxal que surpreendente,
pois elas sempre mantiveram uma espessura atmosférica equatorial, referência ao calor
úmido de Tomé-Açu, que o crítico francês Georges Boudaille percebeu como umidade
amazônica em texto do final dos anos 50. O branco abafado nas pinturas brancas, com
luminosidade comedida e matizes cinzas, evoca o ensaio Elogio da sombra (1933)86 do
escritor Jun’ichiro Tanikazi. O Japão é eminentemente a cultura da sombra.
No entanto, há um efeito nordestino de neve que oscila entre o real e o simulacro.
Leonilson trabalha, em colaboração com Albert Hien, com a própria neve como matéria
de um vulcão esfumaçando. Tudo é transitório: a fumaça, a neve mesma e o degelo – a
própria economia da arte enfrenta um modelo crítico de volatilidade. Em crítica da im-
portação de cultura, Marepe ironiza com a neve tórrida simulada em algodão nas árvores
de Natal nos trópicos. A cegueira do excesso de luz é experimentada como excesso e
ausência já que no branco residem, potencialmente, todas as vibrações cromáticas. Essa
dupla neve nordestina trabalha a desterritorialização da luz cegante.
Na década de 1960, Flavio-Shiró viveu a solaridade na Bahia, que se converte em cor
Raimundo Cela
estridente e tórrida no retorno à França. Shiró experimentou o mais intenso processo Paisagem de Camocim (CE), 1937
de deslocamento físico-geográfico-cultural, como a figueira brava que se expande em Óleo sobre tela [Oil on canvas]
66 × 82,5 cm
três continentes e muitas ecologias: as memórias infantis da neve no Japão e a pintura Coleção particular [Private collection], Fortaleza

70 71
matérico-abstrata na França são entremeadas por muitos brasis. A pintura é seu multi-
culturalismo intrabrasileiro da infância na Amazônia dos cipós e taturanas em Tomé--
-Açu, da iniciação à arte em São Paulo e da luminosidade do Rio e na Pituba. Não são
mudanças de paisagem nem a busca de motivos regionais de um turista. Seu caldeirão
antropofágico incorpora diferenças porque sempre foi permeável a impactos e irredu-
tível à expressão de um único lugar para negociar símbolos, ideias plásticas, soluções
materiais e agenda conceitual.
Depois da estância na Bahia, Shiró elabora a cor tórrida dos Trópicos em Paris.
O vermelho assume-se como energia, dor, violência e morte. Há algo simultaneamente
tenebroso e político enunciado na passagem radical para fantasmas sociais inadiáveis. A
ditadura de 64, as guerras de descolonização da África, a ameaça atômica, o conflito da
Guerra Fria, maio de 68 promovem o pano de fundo de seu drama planetário. Por não
aludir a lugar algum, o drama se localiza por toda parte. Da estridência cromática de
Apocalipse (1966) à pauta ética em Máquina humana (1969), tudo funde meio ambiente,
processo social e comoção psíquica em seu corpus de pinturas. Nenhuma zona do quadro
se estabiliza e abundam dejetos políticos, sangramentos, bombas, superfícies impactadas,
velocidade. Tudo é pulsão pela vida.
Em 1965, Flavio-Shiró pintou o políptico As quatro estações. São muitas as Quatro
estações da história da cultura ocidental, do barroco à produção contemporânea em arte
ou música (com Vivaldi, Haydn, Delacroix, Kandinsky, Chagall, Piazzola e Cy Twombly).
No Brasil, enquanto Freyre advogava, em 1925, que “deveríamos, na verdade, ter passado
a idade passivamente colonial de decorar edifícios públicos com as figuras das quatro
estações do ano que não representam aspectos da nossa vida nem regional nem mesmo
brasileira”, quarenta anos mais tarde, o ciclo anual das estações de Flavio-Shiró possibilita
uma impossibilidade: reunir dimensões climáticas de três mundos, três continentes e
dois hemisférios – opostos simétricos e inconciliáveis no plano astronômico das esta-
ções – porque nesses quadrantes geográficos (Europa, Amazônia e Sudeste do Brasil e
França) o pintor encontrou os elementos culturais que formam sua pintura. Essas dis-
paridades climáticas são oriundas da vivência do pintor, pois as Quatro Estações (1965)
justapõem os sistemas temperados (Sapporo e Paris), equatorial (Tomé-Açu), subtropi-
cal (Rio de Janeiro e na São Paulo de Trópico de Capricórnio) e a zona tórrida (Pituba).
O ciclo anual não determina a longitude, mas opera uma profusão de fatos astronômi-
cos, geográficos e climáticos. Shiró articula temperaturas frias e quentes (inverno/verão,
José Pancetti zonas tórridas/zonas temperadas), cores selvagens e gestos naturais e cultos de um clima
Lavadeiras do Abaeté, 1956
Óleo sobre tela [Oil on canvas]
imaginário de convívio das diferenças e todas as Estações cabem num único país, nação,
37,5 × 45,5 cm etnia ou continente ou cultura. Cada uma é cheia de interstícios das demais, como um
Coleção [Collection] Coleção Hecilda e Sergio Fadel,
Rio de Janeiro caleidoscópio de lugares da cultura e da luz.
72 73
Flavio-Shiró
Primavera, 1965 / 191,5 × 126 cm
Verão, 1965 / 192 × 125 cm
Outono, 1965 / 192,5 × 115 cm
Inverno, 1965 / 190 × 110 cm
Óleo sobre tela [Oil on canvas]
Coleção [Collection] João Sattamini,
comodante [donated to ] Museu de Arte
Contemporânea de Niterói

74 75
josé cláudio

José Cláudio é um polissêmico na trajetória de seis décadas de ação. Sua formação foi
com Cravo Jr., Jenner Augusto e Carybé na Bahia, e Di Cavalcanti e Lívio Abramo em
São Paulo. São escolhas que indicam a proximidade com o ideário marxista, predomi-
nante nas iniciativas coletivas na época (e. g., Ateliê Coletivo no Recife, 1952), no arco
ideológico antagônico oscilante entre o trotskismo de Abramo e a orientação stalinista
do Partido Comunista aos clubes de gravura. Enquanto os Talleres de Gráfica Popular
mexicanos, sob a tutela de Leopoldo Mendez, davam as cartas à produção xilográfica
nesses ateliês, na representação do trabalho (Mulher fazendo telha, 1952), José Cláudio
exibe um monumentalismo anatômico de quem viu o muralismo mexicano. Na década
de 60, período de eclosão do pós-moderno, ele experimenta a expansão do campo e a
ruptura do cânon, como no uso de carimbos em ações sígnicas.
A pintura é a linguagem inatual de José Cláudio para além de noções de contempora-
neidade ou sincronia com pautas de qualquer natureza. A pintura é para ele urgência e
necessidade. A partir dos anos 80, três grandes nomes se encontram na ação expressiva
de pintor no Brasil: Flavio-Shiró, Iberê Camargo e José Cláudio. Shiró foi o pintor das
fantasmagorias da infância amazônica vertida em sentido trágico da história: taturanas
formam seu exército do armagedom atômico no contexto das disputas na Guerra Fria.
O olho da consciência é o olhar mais terrível do Angelus novus da história benjaminia-
na. Os dois outros tocam o patriarcalismo do Brasil. Camargo, depois de cometer um
homicídio, se retrata em trágica autocondescendência (série Hora, 1984). Tudo o que
virá depois é sintoma da incapacidade de estar com o Outro: o “vigor do real” se esvai na
impossibilidade de a pintura estabelecer como mal-estar coletivo aquilo que era processo
infértil de expiação da culpa pessoal. Daí a melancolia da pintura com pulsão de morte.
Com igual força de pincelada, convergência no tônus da pincelada, mas com exacerbada
torridez cromática, José Cláudio, no entanto, está em campo oposto ao de Iberê. O figural
em José Cláudio transfigura a matéria do real sustentada pela pulsão de vida. O pintor
em plena potência já não mais carrega a culpa social do Ateliê Coletivo nem parâmetros
de constrição ideológica. O agenciamento da arte engajada havia se esgotado diante da
avalanche autoritária de 64. A potência do sujeito desejante move agora numa pintura
José Cláudio
que ultrapassa o paradigma de erotismo da literatura de Jorge Amado. O signo material Helena, 1976
estará a serviço da libido; o quadro é uma região erótica da fantasmática. A carnalidade Óleo sobre Eucatex [Oil on Eucatex]
170 × 80 cm
da pintura de José Cláudio exsuda calor como o sujeito em estado de gozo. Coleção [Collection] Vera Magalhães, Recife

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José Cláudio José Cláudio
Olha o lance, 1976 Morto carregando o vivo, 1982
Óleo sobre Eucatex [Oil on Eucatex] Óleo sobre Eucatex [Oil on Eucatex]
80 × 122 cm 170 × 245 cm
Coleção [Collection] Carlos Augusto Lira, Recife Coleção [Collection] Cida e Ernesto Roesler, Recife

78 79
t h i ag o m a r t i n s d e m e lo

O desejo na obra de Thiago Martins de Melo – fora da simetria entre voyeurismo e exi-


bicionismo – só tem paralelo no Brasil na obra de Maria Martins (L’impossible, 1944),
Flávio de Carvalho (Nossa Senhora do Desejo, 1955) e Adriana Varejão (Filho bastardo,
1992). A fotografia de Alair Gomes, por exemplo, é o êxtase do voyeur e a produção de
Antonio Dias na década de 60 é a violência do voyeur – são dois regimes econômicos
do desejo visível. No entanto, a primeira instância na pintura de Martins de Melo é a
exposição de si mesmo. Por isso, a qualidade dessa explicitude não pode ser compara-
da à recatada Louise Bourgeois. Só Georges Bataille – Histoire d’oeil, Madame Edwarda
seguido de El Muerto, L’érotisme – daria conta de tanta complexidade. Fillette (1968)
de Bourgeois é o aparato genital do homem (para ela, “o frágil absoluto”) tão exposto
como o da mulher em L’origine du monde (1866) de Gustave Courbet e Iris (1890-91), de
Auguste Rodin. A exposição hiperbólica, direta e íntima, não é crueza da mecânica, mas
a relação afetiva e violenta com o alvo (o alvo sexual está sob o domínio de uma zona
erógena). Courbet pintou antes de Freud – a ciência apenas começava a compreender o
psiquismo do desejo. Thiago Martins de Melo põe Courbet, Rodin e Bourgeois em sua
cena pictórica. Bourgeois esculpe depois de se confrontar com a dúvida de Sigmund
Freud (a única pergunta que ele diz não saber responder seria o que deseja uma mulher)
e a afirmação de Jacques Lacan (a mulher não existe) e entendê-las a seu próprio modo.
A pintura de Martins de Mello desvela tais limites.
A pintura de Martins de Melo, como a obra de Antonio Dias ou Tunga, é campo da
fantasmática. Incorpora a carnalidade como o corpo sexualizado do pintor transferido à
pintura. Sem essa aparente redundância reiterativa da carne não se dará conta das instân-
cias do desejo e do corpo, do signo material da pintura e da relação fenomenológica entre
pintor e pintura lançada por Paul Valéry e conceituada por Merleau-Ponty. O pintor, para
Valéry e na fenomenologia de Merleau-Ponty de L’oeil et l’esprit, empresta seu corpo à pin-
tura.87 O corpo emprestado pelo pintor Martins de Melo é o corpo sem órgãos, a máquina
desejante.88 O desejo se encarna na vontade material. Essa temperatura de obra compõe
certa história do olho: afinal, L’origine du monde não pertenceu a Jacques Lacan? Afinal,
Lacan não se casou com Silvia, ex-mulher de Bataille? Esse Thiago, pintor-psicólogo que
descrê em pudor moralista em pintura, pode estar no lugar de Jacques ou de Georges, ou
dos dois? Não há como classificar o inclassificável. Não há o imencionável, o socialmen-
Thiago Martins de Melo te indizível por recato, privacidade ou moralidade, mas também não há autoexposição
O ouroboros do sebastianismo albino
(a Jodorowski), 2011
egótica: isto é o próprio território da fantasmática que não vem em imagens mentais
Óleo sobre tela [Oil on canvas] nem verbais, mas se encarna como pintura. O que se vê é a emergência do possível. Surge
260 × 180 cm
Coleção [Collection] Fortes D’Aloia, São Paulo com uma violência avassaladora, com uma urgência de visibilidade capaz de construir
80 81
afasia em resposta ao olhar. Despida de estratégias de dissimulação (a robe mouillée da
Vênus de Milo seria o oposto dessa estratégia de enunciação). Um quadro expande as
possibilidades visíveis do íntimo.
Diante do canibalismo melancólico de Pierre Fédida – o luto antecipado decorrente
da vontade de devoração do parceiro no coito89 – conclui-se ser preciso expulsar a mor-
te. É necessário espancar o esqueleto e não dançar com ele como em Ensor e em toda
Todtanz da cultura europeia nórdica. A batalha de tesouras e a linguagem das lâminas,
entre a castração e o rompimento do hímen. Sem culpa e sem qualquer vergonha, como
se personagens de Georges Bataille se tornassem vivos.90 Os sentimentos de culpa, ver-
gonha ou repulsa transferem-se para cada espectador, se for o caso. Não há estratégias de
choque, mas de presentificação da cena.
Fundamentalmente, Martins de Melo pinta dípticos. A separação entre duas telas não
decorre da intenção ingênua de produzir um díptico em que duas partes se conjugam
na formação de uma imagem, nem provém da penúria (não dispor de uma tela maior).
Isto é corte. Daí ser a cisão da superfície uma operação indissociável. A linha orgânica de
Lygia Clark reitera a separação do que se deseja unido e uno no quadro, o abismo da falta
e fenda da incompletude. Pulsões de vida, movimentos da libido, fantasmas de desejo – o
signo pictórico é trabalho libidinal, como na escultura de Bourgeois. O esforço do pintor
é manter a imbricação entre o inconsciente – um possível projeto de uma escrita na lin-
guagem do inconsciente e não sua ilustração – e a experiência pulsional do pictórico, do bruno vilela
inescapável confronto com o signo material da linguagem. Essa relação mantém a coesão
tramada entre significante, significado e significação. O universo pop, somado ao caráter catártico e autobiográfico, atravessa as experimen-
tações de Bruno Vilela, cuja intensidade do gesto pictórico é transposta para a colagem,
o risco, o pixo, a apropriação. O gesto de abrir e fechar – desvelar – é aludido na série
de maletas e livros (2000), que forra o interior desses objetos de referências da cultura
visual do mundo globalizado, sobrepostas a pequenas lembranças de sua vida – objetos de
infância, fotografias de família, roupas de sua filha. A intersecção entre esses universos se
dá de modo conflitivo: a demasiada presença tende a anular singularidades – diversidade
e poluição se confundem; os cortes são abruptos (rasgos e elementos sequestrados de seus
contextos de origem); a temática é a da derrocada da civilização, do indivíduo traumati-
zado. A cor – amarelos, pretos, vermelhos e roxos – será pano de fundo para as narrativas
incompletas e trágicas de Vilela, ao passo que configurará um vislumbre de redenção atra-
vés da beleza: agrupados também por meio de uma lógica cromática, os objetos pintados
Bruno Vilela do artista seduzem por seu escandaloso apelo visual. Diferentemente da antieconomia
Bruno Vilela Sem título [Untitled ], 2000
Sem título [Untitled ], 2000 Técnica mista sobre maleta
cromática de Cícero Dias, as cores do jovem artista se combinam numa gama reduzida de
Técnica mista sobre livro [Mixed media on book] [Mixed media on suitcase] nuances: o esbanjamento de virada de século de Bruno Vilela explora menos a saturação
25 × 20 × 5 cm 30 × 30 × 25 cm
Coleção [Collection] Leo Asfora, Recife Coleção [Collection] Rodrigo Braga, Recife da luz e mais a saturação dos sentidos, dos discursos, das verdades que se ficcionalizam.
82 83
pau lo m e i r a

A contemporaneidade da pintura realizada na zona tórrida do Brasil acontece a despeito


da “nordestinidade”, como também fora da pintura. Concerto para final de milênio (2000),
instalação laranja-rubro de Paulo Meira, será emblemática diante do percurso de des-
construção vivida na pós-modernidade: entre cabos de aço tensionados estão elementos
do fazer pictórico tradicional – pregos, molduras, telas – e índices daquilo que voa, asas
e hélices. Dispostos no espaço, os elementos a um só tempo aludem a um “ritmia” musi-
cal – concerto – e a uma desordem funcional, conserto, instaurando uma sensação de ins-
tante congelado no espaço-tempo, anúncio e expectativa de um milênio por vir. A força
de uma entropia interrompida – sensação de algo que fora implodido (partes por todos
os lados), porém apreendido antes da dispersão absoluta – falaria de uma subjetividade
em vias de transformação radical, mais ainda devedora de esquemas estruturantes?
Na atmosfera de movimento em suspensão de Concerto para final de milênio, o gozo
que se realiza é o do prazer da cor. A vermelhidão espacializada impregna o ar e o corpo
do outro, experimentando a força da monocromia mesmo quando destituída de seu pro-
jeto moderno de autonomia, sensação também atiçada por Coração para amassar (1966),
de Antonio Dias, cuja emulação de um semblante pop cria ambiguidades em torno dos
sentidos e usos do objeto vermelho, pretensamente macio, e em forma de coração. Pre-
sentes também em trabalhos como Alaranjado via e Os flutuantes (2001), a cor saturada
e a lógica pictórica da obra de Paulo Meira se mantêm como fundamentais na sua pro-
dução recente, inclusive em seus vídeos. Emblemática, nesse registro, é a personagem do
palhaço do filme Marco amador – sessão cursos (2007), cujo rosto caricatamente coberto
de tinta é retomado na pink pintura The painter, the model and the painting (2008), na
qual a face da personagem aparece sendo maquiada, enquanto encara o espectador – ou,
anteriormente, como sugerido no título de caráter velazqueano, o próprio pintor. Esse
jogo de forças – entre sujeitos, bem como entre a arte e o outro – adquire importância nos Paulo Meira
últimos trabalhos do artista. Em objetos feitos para a participação do espectador – como Concerto para final de milênio, 1998
Instalação: molduras, pregos de chumbo, hélices
o divertido e violento Omphalós (2008) – e por meio da ficção audiovisual, Paulo Meira de madeira, hastes e cabos de aço, encáustica,
asas de pombo e tinta laranja [Installation: frames,
dialoga com aspectos da cultura popular e midiática, relendo-os crítica e sarcasticamente lead nails, wooden propellers, steel rods and cables,

através de citações e versões que se apoiam, dentre outros aspectos, na alteração e na in- encaustic, doves’ wings and orange paint]
Dimensões variáveis [Variable dimensions]
tensificação da experiência temporal, espacial e cromática às quais estamos acostumados. Coleção do artista [Artist’s collection], Recife

84 85
a n to n i o d i a s

O macio e o violento, o despudor e a ética, a palavra e a censura, o amor e a dor, o tátil


e o adverso (em terrível estado de mútua reversibilidade), a história e o resto (o Angelus
novus contempla o futuro), o capital e o trabalho, o trabalho e o valor de troca (a mais-
-valia), o dilema da Bauhaus entre artesanato e produção industrial, GOD/DOG, duelo,
Moebius unilátero, João Cabral, Clarice e poesia concreta, conceitual e sensorial, o abjeto
sublime, objeto e sujeito em trânsito de reversibilidade, economia resolvida em densi-
dade, a cultura dos quadrinhos ágrafa. Talvez isso seja pouco para afirmar que Antonio
Dias, mais do que paradoxos, inventa contradições e o lugar temporal, entre o começo e
o fim especulares, da arte como o caminho mais difícil.
Desde seu aparecimento no início da década de 1960, Antonio Dias apresentou-se
como a mais veemente ruptura com a abstração geométrica. Com finura intelectual e
crueza semiótica, sua arte, no entanto, soube respeitar e dialogar com os desdobramen-
tos da produção dos artistas neoconcretos. Dias é o elo entre a tríade Lygia Clark, Hélio
Oiticica e Lygia Pape e a segunda tríade Cildo Meireles, Antônio Manuel e Barrio. Sua
saída do Brasil para a Europa em 1968, em voluntário exílio da ditadura, foi quase um
desastre para o ambiente. Sua presença no Rio teria potencializado ainda mais o grande
Molotov intelectual que foram aqueles tempos pós-AI 5. A dimensão materialista da obra
inicial de Antonio Dias fricciona pop e Cinema Novo como uma espécie de tropicalismo
trágico antecipado. A visceralidade e a carnificina nos anos 60 expõem a subjetividade
do afeto e a bruteza social e política. Essa é a beleza convulsa da obra. Esse é o modo
brechtiano de montar a cena.
Glauber Rocha viu Antonio Dias num ponto de fusão ético-estética da zona tórrida.
O eixo inaugural da obra de Dias foi sustentado por Hélio Oiticica e Mário Pedrosa.
O artista proclama que, do fundo da adversidade de que vivemos, Notas sobre a morte im-
prevista (1965), de Antonio Dias, é o turning point do campo pictórico-plástico-cultural
no contexto da sociedade brasileira em que formulam os princípios gerados no processo
da nova objetividade.91 Pedrosa, no artigo Do pop americano ao sertanejo Dias, foi agudo
na indicação de seu éthos ecológico: “o nordestino, seco e enxuto, que é Antonio Dias,
teme qualquer decaída nas concessões mundanas de teor elevado. Seu pensamento artís-
tico (e moral) foge às essências, para não fugir ao substancial”.92
Antonio Dias
Há sempre um Nordeste em Dias, algo imemorial como restos insepultos de Canudos, Coração para amassar, 1966
Acrílica sobre tecido, estofado e
passagens de Vidas secas, mas nunca o discurso do engenho. No predomínio do ver- lâmpadas coloridas [Acrylic on fabric,
melho e preto ressoa uma heráldica trágica de resistência à República Velha – em lugar upholstery and colored lamps]
113 × 103 × 15 cm
da afirmação NEGO , o vermelho e preto da bandeira da Paraíba, momento histórico Coleção [Collection] Nina Dias, Rio de Janeiro

86 87
e c o lo g i a - lu z

A zona tórrida brasileira se situa entre os paralelos de 07°12’35” e 48°20’07” de latitude


sul e entre os meridianos de 34°47’30” e 48°45’24” a oeste de Greenwich. Fotógrafo de
cinema, Mário Carneiro mede a luz do sol brasileiro: “você está com 8 diafragmas entre a
luz e a sombra! É um inferno”.93 Essa luz é o que não se deixa amansar. A Caatinga devora
cores. O regime ótico-político da luz em Glauber Rocha inclui a luz estourada do Ceará,
diz Eduardo Frota. O potiguar Abraham Palatnik, pioneiro da arte cinética, redefine o
objeto quadro: pinta por luzes projetadas por lâmpadas contra uma superfície translú-
cida. Diante da excessiva solaridade cegante, a luz só é possível se for artifício e artefato
industrial. O objeto estofado Coração para amassar (1966) de Antonio Dias resplende em
incandescência artificial. O semiárido abriu “uma fenda de luz, dando o abolicionismo
também aludido Made in PB  – feito em chumbo (2007), pintura do paraibano radica- para o Brasil,” aduz Frota, para quem “o lugar mais desassistido historicamente” anteci-
do em Pernambuco, Raul Córdula. A obra replica a bandeira do Estado de origem do pou a Abolição (1884), o que valeu a Fortaleza o epíteto de cidade luz (entrevista a Paulo
artista, transformando sua faixa negra em placa de chumbo, e suprimindo o N inicial Herkenhoff, 2009).
de “NEGO ”, problematizando assim o violento desejo de afirmação de parte dos sujeitos A plasticidade integra a poesia de Joaquim Cardozo e de João Cabral de Melo Neto; a
sociais de uma região que, em 1930, no seio do ambiente político que prenunciava a escritura, a poética visual de Lygia Pape e, logo, a de Schendel, Oiticica, Dias, Maiolino,
Revolução de 30, intempestivamente criaram uma nova imagem simbólica para a capital Duke Lee e Montez. O complexo texto, paisagem e persona em Voilà mon coeur (Eis meu
da Paraíba, então batizada de João Pessoa. coração, c. 1989) de Leonilson é um claro enigma drummondiano: o coração é a ecologia
A obra de Antonio Dias tem uma visitação política da margem – a zona tórrida é mar- da dureza, fragilidade e translucidez dos cristais como cor espectral, lágrimas de pedra e
gem no colonialismo interno brasileiro – onde quer que ela esteja. Suas franjas são as do gotas de luz em epifania do desejo e homoafetividade. No eixo de poder entre o artista e
capitalismo avançado e do capitalismo selvagem: KasaKosovoKasa, Nepal, o Nordeste o crítico, Leonilson mapeia seus limites (Leo não consegue mudar o mundo, 1989) e faz
mesmo. Por isso, a geometria do retângulo vira a bandeira do território econômico; é a encomiástica irônica da onipotência da crítica (Para quem comprou a verdade, 1991,
sempre o lugar da falta. Um monocromo amarelo é a biografia de Lin Piao. É ali que se inspirada em Ronaldo Brito). Para sobreviver à violência da crítica e dos afetos, o artista
inventa um país. Um monocromo vermelho – agora sem o preto da bandeira da Paraíba –  erige a “montanha interior protetora” (1989).
é o locus de invenção de um país e, necessariamente, de suas contradições e sem o he- O sistema de cor de Júlio César Leite transtorna a alfabetização visual ao instalar carta-
roísmo positivista. Todas as cores do homem, ou toda redução ou ampliação, é diálogo zes nas cidades com nome de cores escrita em outra cor que não ela própria: lê-se amarelo
“frictivo” ou é acomodação. A história em Antonio Dias é o presente vivido intensamente em letras garrafais rosa sobre um fundo numa terceira cor. A dissonância entre nome, cor
como violência exposta – neste ponto talhou sua tarefa de artista como agenciamento da e escrita desafia a percepção. O feixe de fótons desajusta a escritura no confronto entre a
história vivida. O pintor encontra duas duplas assimétricas, Brecht e Benjamin e (mas razão e o sensorial ao cindir a leitura sob uma barafunda cromático-mental. A cor vive
não ou) o opressor e o oprimido. “Esse rapaz só conhece um purismo – o da nua violên- a pane linguística com o corte da lógica entre significante e significado. O vocábulo não
cia”, nota Pedrosa. Não se fala com Deus em português. O pintor assumiu que a língua se autodefine cromaticamente. A paleta de deslocamentos toma cores indecomponíveis
Raul Córdula
franca do capital é o inglês. O monocromo preto promove a reversibilidade política entre Made in PB – Feito em chumbo, 2007 Leonilson para escrever as componíveis, lida com cores aditivas, subtrativas, quentes, frias, tórridas
Deus e cão, entre a metafísica e o real. O palindrômico caminho mais difícil: a reversão Chumbo e tinta acrílica sobre tela Leo não consegue mudar o mundo, 1989 e temperadas. O comprimento das ondas do espectro eletromagnético desajusta o léxico
[Lead and acrylic paint on canvas] Acrílica sobre lona [Acrylic on tarpaulin]
da língua e a operação emancipatória proposta por essa obra politicamente tórrida ao 100 × 230 cm 156 × 95 cm
visual. Se a palavra amarelo grava-se em rosa, a própria amarelidão do amarelo estará
olhar do sujeito da história. Coleção do artista [Artist’s collection], Recife Coleção [Collection] Projeto Leonilson, São Paulo deslocada em deriva por uma significação. A escritura-cor suspendeu a racionalidade
88 89
dos Remarks on colour de Wittgenstein porque o paradoxo da pintura é desconstruir a
cor-conceito no desajuste do ver/ler. As ambiguidades admitem e desconfirmam a cisão
porque sem ler não se obtém o jogo gestáltico em que a impressão cromática no sistema
nervoso não coincide com a operação cognitiva da leitura. A memória inaugural do re-
conhecimento das cores ressitua o sujeito em reaprendizado do legível.
O modo autobiográfico de Henry Miller expõe o eu de Trópico de Capricórnio no
quiasma entre existência e ação, diferindo do cogito cartesiano. “Fui o mau produto de
um mau solo”, escreve. Tal “eu” é o artista na tarefa de ruptura perturbadora do mundo.
A solaridade em Joaquim Cardozo e de João Cabral se situa em outra latitude: O cão sem
plumas deste pensa-se em estado de “um não saber sabendo” de um rio que, parecendo
ignorar a cor nominada, “nada sabia da chuva azul,/ da fonte cor-de-rosa” porque se
posiciona como acercamento ao indizível. Trata-se de uma exologia ibérico-nordestina
quase-wittgensteiniana. No regionalismo paulista de Mário de Andrade, Araraquara é
uma “natureza tão sincera” que desafia as metáforas. Contra a verdade unívoca no campo
do imaginário, a zona tórrida aponta, com Leonilson, que são tantas as verdades cro-
máticas. Quem comprou a verdade cromática? Não foi Gilberto Freyre que construiu
especificidades e relatividade socioambiental da cor, mas talvez o próprio Mário ao ar-
bitrar a cor caipira como emblema totalizante unívoco de um Brasil plural? A tragédia
de Canudos integra a mesma história de exclusão da escravidão na pintura de Almeida
Júnior. Ser escravo nas condições das obras desse pintor oficial de São Paulo era suave na
operação de controle ideológico da representação das bandeiras. Sua pintura legitimava
a exclusão dos vencidos da história. É por isso que a voz do Severino retirante no João n ota s
Cabral emancipatório sabe que o sangue “que usamos tem pouca tinta”.
A arte brasileira é uma rede de autonomias que escapa ao modelo geopolítico domi- 82 BRAGA , Rubem apud ARAÚJO , Emanoel (org.). As artes 89 FÉDIDA , Pierre. Le cannibale mélancholique in destins
de Carybé. São Paulo: Imprensa Oficial, 2009, p. 98. du cannibalisme de Nouvelle Revue de Psychanalyse. Paris:
nante. Filho de uma cearense e de um índio da Amazônia peruana, Chico da Silva nasceu
Gallimard, 1978, vol. 6, p. 123-127.
83 SAMPAIO , Mirabeau apud ARAÚJO , Emanoel (org.).
no Acre (1910) no ocaso da economia da borracha. Fez o caminho inverso: deixou os As artes de Carybé. Op. cit., p. 98. 90 BATAILLE , Georges. Guilty. Trad. Bruce Boone.
seringais do Acre pelo Ceará. A pintura deste “índio arigó” supera os limites da escra- 84 MOFFET , Charles. Impressionists in winter: effets de neige.
Venice: The Lapis Press, 1988, p. 13.

91 OITICICA , Hélio. Esquema geral da nova objetividade.


vidão seringalista e do olhar acadêmico sobre a arte. Com consciência da autonomia da Charles Washington, The Phillips Collection, 1998, p. 19.
In: Nova objetividade brasileira. Rio de Janeiro: Museu de Arte
85 Cf. Brandão, Ignácio Loyola. In: Flavio-Shiró pinturas.
pincelada, seu imaginário articula um bestiário arcaico de monstros míticos, animais da São Paulo: Galeria de Arte São Paulo, 1985, não numerado.
Moderna do Rio de Janeiro, 1967, não numerado.

Amazônia profunda e seres abissais atlânticos. Em Sociedade do espetáculo, Guy Debord 86 TANIKAZI , Jun’ichiro. In praise of shadows. Trad. Thomas
92 PEDROSA , Mário. Do pop americano ao sertanejo Dias.
In: AMARAL , A (org.). Dos murais de Portinari aos espaços de
aponta como a sociedade que elimina a distância geográfica reproduz a distância interna- Júlio César Leite
J. Harpter e Edward G. Seidensticker. New Haven: Leetee’s
Brasília. São Paulo: Perspectiva, 1981, p. 221.
Island Books.
mente como uma separação espetacular. Portanto, a dimensão ecológica da zona tórrida Existe azul mais bonito que o meu?, 2010
87 MERLEAU-PONT Y , Maurice. L’oeil et l’esprit. Paris:
93 Em entrevista a Lauro Escorel e Tuca Moraes para o site
Intervenção na Praça da Alfândega, Porto Alegre da ABC  – Associação Brasileira de Cinema. In: EBERT , Carlos.
recusa o exótico como espetacularização do espaço social. A pintura propõe processos de Gallimard, 1986, p. 16.
“Desafio da Luz Tropical”. Disponível em www.abcine.org.br.
[Intervention in Alfândega Square, Porto Alegre]
conhecimento tão convergentes quanto dissonantes na individualização de cada ecologia Vinílica sobre papel fixado em tapume
88 DELEUZE , Gilles e GUAT TARI , Félix. Anti-Oedipus:
capitalism and schizophrenia. Trad. Robert Hurley, Mark Seem e
porque são tantas as zonas tórridas. [Linoleum on paper set on construction site boarding] Helen R. Lane. Minneapolis: Minneapolis University Press, 1998.

90 91
Não há Nordeste José Cláudio

E quem vê o quadro por fora, e mede o quadro pela cor local, e Não é justo cobrar do homem daqui uma pintura x, porque
compara o quadro com a geografia e a história do lugar onde o a zona é de mata e de cana, porque o homem daqui é amigo do
quadro se produz, que idolatra uma pintura pelo simples fato de batuque e do cheiro de suor, porque somos mestiços e a nossa
ela espelhar dados literariamente acessíveis, folclóricos, ecológi- religião é mestiça, porque as árvores aqui têm as folhas sempre
cos, iconográficos, sem levar em conta que o quadro é um humor verdes, porque o barro do chão é vermelho cor de sangue e o
que sua das paredes da clausura, câmara indevassável, “cela de azul do céu é bem vivo, porque das árvores pulam, da noite
nós”, na expressão de Santa Catarina de Siena, onde não chega para o dia, frutas da casca encarnada, e os homens daqui co-
a luz do sol e que a paisagem exterior, física, não atinge, porque mem caco de quartinha e convivem com os bichos do mato:
nesse lugar, nessa casa de máquinas, os sentidos se frustram: é tudo isso não implica em pintura nenhuma.
ali que a individualidade está nua, e a luz que ali penetra não se O pintor é estrela, sem nada ter com raça, cozinha ou clima.
mede com fotômetro. É ali que habita o artista, e a crítica, mesmo Ele é uma exceção (como exceção são todos os homens), coma
que seja mesquinha, ou o elogio, mesmo que seja exaltado, só o que comer e se vista como se vestir. Ele é quem resolve se se
conseguem perturbá-lo quando ele não está lá, coeso dentro de quer de barro, ou de gesso, ou de ferro, ou de vidro, conforme
si, incapaz de ser tocado, mesmo que seu corpo seja serrado em seu alcance e a sua consciência. Dele é o mundo todo, e o acer-
dois e sua cabeça esmagada entre pedras. Porque o quadro para vo à sua disposição é tudo o que ele consegue enxergar; o seu
o pintor é o seu heroísmo, a sua santidade, e é sem pátria, região regime é tudo o que ele tiver dente para roer, venha de dentro
ou município. Equívoco é encará-lo como produto agrícola. Não ou de fora do Nordeste, sem se ligar importância para cascas:
há pintura tribal, ancestral, hereditária, que vem com a farinha rótulo, procedência, via.
que a gente come ou o sangue que a gente tem.

Lula Cardoso Ayres


Caboclos TUCHAU do carnaval do Recife, 1963
Óleo sobre tela [Oil on canvas]
96 × 96 cm
Coleção [Collection] Thomaz Lobo, Recife

92 93
english version W ith Zona Tórrida, certa pintura do Nordeste [Torrid Zone, a certain kind of
Northeastern painting], Santander is fulfilling one aspect of its cultural mission:
that of promoting regional issues in a global context. This exhibition therefore deals
wa r n i n g Paulo Herkenhoff e Clarissa Diniz
and disorderly tropical forest. It contains a forest of myths.8 In 1923, having broken with
Graça Aranha, the two Andrades did not shirk from emulating The Aesthetics of Life in
Paris and São Paulo. Tarsila do Amaral was learning in Paris from Léger how to apply
Painting is not an “agricultural product”, warns the painter, José Cláudio. Its color has
with local identities and their representation in art and culture. “local color”.9 In a witty speech at the Sorbonne, Oswald de Andrade based his argument
its own ecology. Photosynthesis thus does not obey the light of the canon. Ambivalent
The hypothesis that the natural light in the Northeast region of Brazil – which is on the ethnic trio that makes up Brazil according to Graça Aranha. Benedito Nunes thus
painting: is this a girl or a cashew nut? A rooster or a pineapple? Contrary to aesthetic
located in the torrid zone – can lead to the use of striking colors led the Chief Curator, argued that Oswald de Andrade effected “a parodic inversion of the philosophy of Graça
behaviourism, the eye reaches out to imagine the relations between equatorial light and the
Paulo Herkenhoff, to select more than fifty works by renowned artists for display in Aranha”, in which barbarian metaphysics is recovered by anthropophagy.10
the Santander Cultural exhibition space. Combining works from the early days of painting that emerges in the tropics. The eye dispenses with Newton and Goethe, because
modernity with those of the contemporary era, the exhibition provides an important “the light that enters [the painting] cannot be measure with a photometer”.2 The en plein
overview of painting, including artists from the States of Maranhão, Ceará, Alagoas, air produces meaning when it is captured by the latitudinal light. Could light be the energy virginities
3
Paraíba, Pernambuco and Bahia. The works on display include Cícero Dias’ striking capable of the “absorption of being in cosmic unity” imagined by Graça Aranha?
panel Eu vi o mundo... Ele começava no Recife [I have seen the world… It began in Recife] The torrid zone – the part of the globe that extends from the Tropic of Cancer to In November 1923, when Tarsila do Amaral set sail for São Paulo, a Mário de Andrade

We are in the gilded habitation of light. From high in the sky, the whole vast (1926-29), on display for the first time in the city that inspired it. Indicative of the the Tropic of Capricorn, bisected by the Equator line – is a circumscription blinded by inspired by Graça Aranha invited the artist to return from Paris and paint in the Brazilian
contribution of Northeastern art to Brazilian modernism, the exhibition of this piece the extravagance of light. The torrid zone keeps a strategic longitudinal distance from manner: “delve back into yourself. …Forget Paris! Tarsila! Come to the virgin forest”.11
Brazilian continent seems to sparkle like a diamond in the shadows of infinity... Virgin forest is the translation/tradition of the “metaphysics of terror” and “local
in Pernambuco is in keeping with Santander Cultural’s mission of encouraging critical Greenwich, Paris, Jerusalem, Saint Petersburg, or any other point of reference. Longitude
The earth is perpetually vested in light. Its sheen opens up an inextinguishable, thinking about local culture. is an arbitrary convention. Our North is not the South, as in the inverted map produced color”. Mário de Andrade sees painting in terms of forestry. José Cláudio does not agree.
The catalogue accompanying Torrid Zone complements the exhibition, providing by Torres-Garcia, nor is it ruled by Capricorn, as Mário de Andrade would sell it. Tarsila applied Léger teachings as soon as she returned to Brazil: Morro da Favela and
yellow, blazing or pallid clarity in the silence of space. Everything is always useful information on the relations between art, the environment and the individual. Carnaval em Madureira (1924). The Légerian recipe emanates from the empirical palette
Breaking with the theocentric, heliocentric, caipirocentric, capricornocentric orientation.
In addition to a previously unpublished essay by the curators, Paulo Herkenhoff and In the torrid zone, the North is the Northeast. The painter aspires to the original macula of Oswald de Andrade in the Manifesto da Poesia Pau-Brasil (1924): “Poetry in the facts.
light. Shining, obfuscating waves come down from the sun, which keep
Clarissa Diniz, the catalogue also contains new editions of texts that discuss the question 4
of latitude. Once the limits of latitude are blurred, the Torrid Zone is mapped in the The saffron- and ochre-colored hovels in the greens of the favela, under a Cabralesque
the earth in a profound quietude. The light permeates everything, absorbs of natural light in the painting of the Northeast. The ideas of Gilberto Freyre, Mário blue, are aesthetic facts.” Definitively, in February 1924, the vernacular of Tarsila’s first
opposite direction to a certain painting of the Northeast. Neither Brazil, nor any one of its
Pedrosa and José Cláudio regarding the specific features of this relation are viewed in pau-brasil color and the ambiance of the Manifesto da Poesia Pau-Brasil are urban and
everything. It settles on the mountain tops, spills out through the valleys, regions can be reduced to a single system of color.
a new, more contemporary light, showing how historical figures can contribute to this native to Rio de Janeiro both in color and theme.
[...] [life] pulses, lights up the incandescent air, the earth evaporates in a cloud discussion.
the aesthetics of life In São Paulo modernism, the political color was supposed to change from pau-brasil
Torrid Zone invites the museum-goer to explore the unique features of art produced in
1 to caipira, and the latter from a regional to a national symbol. Already converted to the
of light. The colors of the world fade away and everything is the color of light. the Northeast, drawing attention to the powerful colors and their relation to the cultural
The same occurs in the multiple systems of the painting of the Northeast. In the 1980s, project, Tarsila, twelve years after painting Morro da Favela and Carnaval, rewrote history
and environmental characteristics of the region, as part of a rich, ongoing dialogue that
Delson Uchôa said that he was concerned to produce painting that has an identity, and it was and claimed that she had found in Minas the colors that I adored as a child. They taught me
– Graça Aranha. A estética da vida [The Aesthetics of Life], 1921. has regularly re-emerged at various points in history to reinvigorate life and art.
not even a question of a Brazilian or Latin American identity, as it is perceived in my current later that they were ugly and countrified. I followed the monotonous run of the mill of refined
work, but a a very local concern: I wanted my painting to refer to the Northeast.5 Latitude taste. But later I got back at them for the oppression by starting to use them in my paintings:
Santander Cultural
without the density of concrete culture is just a geographical locus, a physical explanation of deep blue, purplish pink, bright yellow, singing green, all in quite strong hues, mixed with
light. Graça Aranha’s concept of the A Estética da Vida [Aesthetics of Life] is a framework that white. Clean painting […]. Clear outlines, giving the exact impression of the distance between
gives color its own autonomy, its own will, imagining a phenomenology of the light in Brazil. one object and another.12 All of this is Léger in a Brazilian vein, as was already in Morro
Graça Aranha was modern in spite of modernism. The writer questioned the idea of da Favela: the local vernacular color, the color production technique and the principle of
color as a cultural regime and imagines a phenomenology undetached from ethnology. “contrasting forms” (where the clear outlines of volumes are separate from one another).
Graça Aranha deplores the lack of communion between the “Brazilian soul” and nature For Gilberto Freyre, in 1925, the virgin nature of modern painting was of a different cast:
resulting from the artificiality of the “three races”: the “Portuguese melancholy”, the we have yet to produce a painter who is truly ours: we have only scratched the surface of the
“metaphysics of terror” of the indigenous Brazilians (filling the spaces between the landscape and the life of the Brazilian Northeast. We are still untouched by its intimate values.13
6
human spirit and nature with ghosts) and the “African infantilism” (“cosmic terror”). Wilson Martins pointed to the “notorious issue” in the history of Brazilian literature, the
Aranha lays the foundations for a modernist color project as a way of enunciating the “irreconcilable antagonism between the Pernambucan [Gilberto Freyre] master and the São
new culture of a complex country. He exhorts us to transform sensations of landscape Paulo writers”.14 In its zeal for totality, pau-brasil painting did not account for the whole of
into art – color, lines, planes, masses. The Aesthetics of Life project has a unity and does Brazil, whether it was basing itself on the chromatic lexicon of Rio, Minas Gerais or São Paulo.
not represent an imperious attitude on the part of one cultural province over others. In Since the 19th century, the torrid zone has had the vibrant painting of Telles Júnior
the geographical diversity of the Brazilian continent, the moral, political and historical unity dedicated to the Atlantic Forest and the Atlantic Ocean. The territory must urgently
of the Nation is the spiritual effect of the racial unity that is the founding principle of the requiring symbolic invention contained contrasts of light and dark: the semi-arid region,
country. The various regions of Brazil are disparate and tend towards different geographical the sea, and the mangroves. In the torrid zone, blindly accepting the idea of a rural hue is
destinations, and no steely geological order can fuse them into a single physical whole.7 In like accepting taking any other paint straight out of the can.
the disparity between the regions, the Northeast itself contains many. The chromatic sensibility of Northeastern regionalism (“modern in its own way”, as
In The Aesthetics of Life, Graça Aranha claims that nature is a prodigious act of magic. Freyre put it) would be eminently more torrid than the color of São Paulo regionalism.
In Brazil, it keeps souls in a perpetual state of bedazzlement and ecstasy... In Brazil, the spirit Either there was no mixing in of white (as in Cícero Dias’s abstract work) or an excess
of the ordinary man is the most important, the moral passage, the reflection of the splendid of white (as in the painting of Vicente Leite). The “the lethal outpouring of equatorial

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light”15 generates, differently from the rural clarity Tarsila found in Minas Gerais and sociologist could never find a painting where the literary and sociological affinities 8 ARANHA, Graça. A Estética da vida (1921). In: Obras Completas. Op. cit., 1968, p. 621.
e c o lo gy
São Paulo, “a scandal of fresh blood […]; thick, oily, plump yellows and purples, at times are so close to the visual arts”.21 The social phantoms of the new watercolors – such as 9 LÉGER, Fernand. Notes sur la Vie Plastique Actuelle (1923). In: Fonctions de la Peinture. Paris:
Gallimard, 1997.
giving life to shapes that are grotesque hybrids of the vegetal and the human”.16 Thus, Condenação dos Usineiros (1930) – introduced a powerful critique of the oligarchical
the Pernambucan artist Cícero Dias responds to “the precise distance that separates one system and differed from the sociology of reconciliation of Tarsila do Amaral and Gilberto In 1925, Gilberto Freyre called on the arts to pay attention to “the landscape and the 10 NUNES, Benedito. Prefácio [Foreword] a Obras Completas de Oswald de Andrade, vol. VI. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, p. XXXII.
object from another” established by Tarsila in paintings with clearly defined elements that Freyre. Following his return to Pernambuco, the artist gradually abandoned watercolor life of the Brazilian Northeast” and not to “slip into rusticity or literary and artistic
11 ANDRADE, Mário de. Letter of 15 November 1923, apud AMARAL, Aracy. Tarsila, sua Obra e seu
do not mix– except for cohabiting the same image – with a more radical hybridization. for oil painting. The powerful strokes of his rough-hewn drawings were replaced by pasty separatism. Nor into patriotism, anecdote and apologetics – dangers to be avoided in
Tempo. São Paulo: Perspectiva, 1975, vol. 1, p. 369.
paintings. this new phase in the Brazilianization of our art and literature”.29 His social and cultural
12 AMARAL, Tarsila. Pintura Pau-Brasil e Antropofagia. In: Revista Anual do Salão de Maio, nº 1.
fruit Cícero Dias’ output, of which a retrospective was exhibited in 1948 at the Recife thinking addressed the issue of mixed race.30 The cultural process is not bound by São Paulo, 1939. Periodical edited by Flávio de Carvalho.
Law Faculty, included four paintings that (con)fused images and meanings by way of a rigid identities – its movement is that of a relational dynamic: “we should increasingly 13 FREYRE, Gilberto. Algumas Notas sobre a Pintura do Nordeste do Brasil. In: FREYRE, Gilberto
Cícero Dias appeared in Rio de Janeiro in the 1920s with an incomparable freshness. linguistic surrealism: Guarda-Chuva ou Instrumento de Música (1943), Galo ou Abacaxi be thinking in terms of the interrelation of things”. 31 In his long career, Freyre freed et al. Livro do Nordeste, Comemorativo do Centenário do Diário de Pernambuco: 1825-1925. Recife: Off.

regionalism from being associated solely with the Northeast region. Regionalism and do Diário de Pernambuco, 1925.
His watercolors were the erotic dreams of a farm boy fascinated by the metropolis, the (1946), Moça ou Castanha de Caju (1946) and Mamoeiro ou Dançarino (1940s). These
ecology flow into one another in his theories regarding the biological, geographical, 14 MARTINS, Wilson. Leituras Brasileiras (?). Available at http://www.jornaldepoesia.jor.br/
place where desires are satisfied. It appears with its skyscrapers, its transatlantic ocean juxtapositions follow the logic of the Comte de Lautréamont (“a casual meeting of a sewing
wilsonmartins068.html. Consulted on 29 February 2012.
liners, the Sugar Loaf Mountain, the aqueduct, the traffic and the demand for precarious machine and an umbrella on the operating table”). These paradoxical paintings replaced social and cultural relations that fuse civilization and the environment. “Northeastern
15 ALMEIDA, José Américo. A Paraíba e seus Problemas. 3ª ed., rev. (1ª ed., 1923). João Pessoa-
equilibrium in the world. His drawing shifted desire into the realm of fantasy. Cícero the fortuitous juxtaposition of industrial objects with that of tropical fruit – the title, a Man” would not interest Freyre on account of any “particular” or “essential” cultural
Paraíba: Secretaria de Educação e Cultura /A União, 1980.
Dias was put in the world to push out the rustic color, the palette that Mário de Andrade kind of verbal dissimulation of the meaning, destabilized and activated the reception of characteristics, but, above all, because of the way he continually responds to the specific
16 FREYRE, Gilberto. Algumas Notas sobre a Pintura do Nordeste do Brasil. In: Gilberto Freyre et al.
wanted to see, through Tarsila, as the mainstay of his colonial project of ensuring the the work. The ambivalence of form troubled Recife.22 features of the natural, social and cultural context – what the author himself calls “the Livro do Nordeste, Comemorativo do Centenário do Diário de Pernambuco: 1825-1925. Op. cit.
symbolic domination of São Paulo in the building of a modernist Brazil. Already in the For Mário Pedrosa, there was no abstraction in these situations, in which the subject situated man”. In an ethical and political regime, Freyre’s “situated man” 32 attains a three- 17 ANDRADE, Mário de. O Turista Aprendiz. São Paulo: Duas Cidades, 1983, p. 204.
1920s, the watercolors of this savage Chagall were turning their back on the reductionism matter had already lost importance or disappeared: the only thing that remained of the fold dimension which foreshadows Félix Guattari’s ecosophy, the combination of three 18 “I don’t cultivate shadows, but resplendence. There is nothing dark in my work”, Cícero Dias notes
of the São Paulo writer. regional themes was the truly visual aspect: certain botanical and architectural forms taken ecologies: the environment, social relations and subjectivity.33 The term “situated man” in his biography. In: DIAS, Cícero. Eu Vi o Mundo: Cícero Dias. São Paulo: Cosac Naify, 2011. p. 74.

There are essentially two Cícero Dias in the torrid zone: the naive surrealist of the from the Pernambucan landscape, especially Recife, and certain local colors, blues and covers painters as diverse as Lula Cardoso Ayres, Rubem Valentim, Montez Magno, 19 DIAS, Cícero. Eu Vi o Mundo: Cícero Dias. Op. cit., p. 55.

1920s and 30s and the indomitable geometer of the late 1940s. Later, during the return to yellows that resist any kind of light.23 The tropics reignited Dias’ painting in his most Delson Uchôa, Paulo Meira and Thiago Martins de Melo. 20 Idem, p. 83.

figurative art, the painter became rustic and lost his sunny Northeastern style. In general, brightly-colored paintings of plants, in which he returned to using a green that he 34
Gilberto Freyre’s ecological thinking is different from the folk perspective of Mário 21 DIAS, Cícero. Eu Vi o Mundo: Cícero Dias. Op. cit., p. 69-70.

the challenge of the torrid, anti-rustic color always lay more in the phenomenology of color attributed to the ecological experience of the Northeast, in line with Freyre’s thinking: de Andrade in that it breaks down the concept of regionalism in a way that goes beyond 22 Cf. Revista Região. Recife, December 1948.

than in its illustrative character in relation to the themes that predominated in the genre Was it Gilberto who first showed me the greens that I used in the paintings? The greens dogmatic modernism: What regionalism created [...] was just a kind of new atmosphere, 23 PEDROSA, Mário. Pernambuco, Cícero Dias e Paris. Revista Região, Recife, December 1948.

painting of the modernist period. of the seas of Pernambuco, where all previous Pernambucan painters had seen blue. It is which cast a new light on people, and things, on the landscape and the pace of one’s region 24 DIAS, Cícero. Eu Vi o Mundo: Cícero Dias. Op. cit., p. 69.

Mário de Andrade was a devotee of Cícero Dias, thirteen of whose works he owned odd that painters who copied nature painted greens blue.24 Furthermore, the Cícero of and one’s country; and also the problems of one’s age. And this new viewpoint, at a regional 25 ASSIS FILHO, Waldir Simões de (Ed.). Cícero Dias – Uma Vida pela Pintura.

that period found “painting in America” to be “excessively anecdotal”.25 Centered on Curitiba: Simões de Assis, 2002, p.146.
(including three illustrated letters) dating back as far as 1930. In 1931, Cícero exhibited and universal tempo, of life and human problems, is the distinguishing mark of some of
his ground-breaking drawing Eu Vi o Mundo... Ele Começava no Recife (1926-29) in the himself, he forgot Tarsila’s anthropophagy and even the vegetal surrealism of some of 26 Idem.
the most serious works that have come out of the Northeast in the past twenty years or so
Revolutionary Salon. Mário de Andrade dug in with tactical silence, since he could see some the Mexican artists. Alluding to Graça Aranha, he advocates that the constitution of the 27 CORDEIRO, Waldemar. Ruptura. Correio Paulistano. São Paulo, 11 jan. 1953, p. 3.
[...] None of these is regionalist in a sectarian manner. None of them bear the clear and
opposition to his geopolitical project in its, since Dias had an eccentric view of geography. pictorial sign of a place (in his case, Pernambuco), “requires pictorial elements of the 28 Interview with Napoleão Saboia. Pintura de Cícero Dias alimenta-se de música e poesia.
unmistakable mark or stamp of a sect, a school, a systematic movement, the name of a master
26 O Estado de São Paulo. São Paulo, 24 jul. 2001.
In 1928, for the ideologically-minded Mário, the problem with Cícero was that he wasn’t first order [...] in terms of both shapes and colors.” or first literary communion at the feet of a new literary Messiah. But all these works contain
29 FREYRE, Gilberto. Algumas Notas Sobre a Pintura do Nordeste do Brasil. In: FREYRE, Gilberto
from São Paulo, since he lacked “the pioneering spirit: the vaguely sought distant horizon”.17 The intuitive reasoning of Cícero Dias, affected by the war, suggests that geometrical a regional criterion or sense of life and human culture that is divined rather than learned.35 et al. Livro do Nordeste, Comemorativo do Centenário do Diário de Pernambuco: 1825-1925. Op. cit.
An icon of his modern painting of explicit sexuality,18 and also of his relation to the abstraction had come to him as a symptom of the crisis of the unconscious subject More universal, social thinking, which includes a more complex aesthetic agenda, does 30 There are various examples of this hybrid vigor that allows us to see in today’s artistic flowering in
Northeast and social history, Eu Vi o Mundo... Ele Começava no Recife (1926-1929) would that emerged in the 1920s. In post-War Paris, he abandoned surrealism to become not address a “central question” or reduce the chromatic palette to a single version, be Brazil, not the negation but the affirmation of the cultural advantages of the miscegenation that has been
meet with a terrified reaction on the part of the general public to the libido exposed by the most French of the Brazilian geometric artists and distanced himself from the logic it rustic or tropical. Gilberto Freyre did not aim to provide answers, but to underscore practiced in our country since colonial times. Mixed race, miscegenation, an interpenetration of cultures.

the Pernambucan artist. Partially vandalized when exhibited in the Revolutionary Salon, of suprematism, neoplasticism and concrete art. Far from using constructive reason, FREYRE, Gilberto. Portinari. O Jornal. Rio de Janeiro, 16 Dec. 1942.
the issue of the relations of the painter – the painter, the sculptor, the architect – with the
the panel of approximately 12 meters in length, with its transparency of form and subject he worked on the basis of the idea that geometrical composition is a place for color. He 31 FREYRE, Gilberto. A Favor da Arte Popular Regional. Diário de Pernambuco. Recife, 27 fev. de 1972.
light of the region [...]: to what extend is art independent of the regional environmental
matter, challenged the distance between art and feelings and more everyday narratives. In composed like a French artist, but colored like a Brazilian. His geometry is almost-chaos. 32 FREYRE, Gilberto. Algumas Notas Sobre a Pintura do Nordeste do Brasil. In: FREYRE, Gilberto et
conditions and the sociocultural milieu in which it develops or in which the artist develops? 36 al. Livro do Nordeste, comemorativo do centenário do Diário de Pernambuco: 1825-1925. Op. cit.
Dias’s great painting – on Kraft paper, already indicating his irreverent approach to the The color has a surprising spontaneity in the watercolors of the 1920s based on intuition;
33 GUATTARI, Félix. As Três Ecologias. Trans. Maria Cristina F. Bittencourt. Campinas: Papirus, 1990.
métier –, the tropical light is transformed into clarity of expression and the initial pretext it is almost naive, unclassifiable, untamable. His palette had returned to the sun-drenched
34 […] we are aiming to carry out concrete studies of social ecology and not just waffle or rave about it.
for the work, that of telling the story of Joaquim Nabuco, inevitably metamorphosed into work of his youth and to an anti-economic audacity that confronted neoplasticism head on.
The point of view of the occupation of human space does not allow us to be rigorously physicist or
a swarm of images from everyday life: “It was all buzzing around in my head. Images from In São Paulo, Waldemar Cordeiro, the concrete artist, remarked acidly that: “we naturalistic in the sociological study of a region and its interrelations. The anthropocentric criterion leads
my childhood. So many things: women, fantastic stories, Jacob’s ladder, the 11,000 virgins. consider the non-figurativism of Mr. Cícero Dias to be hedonistic because it creates 1 ARANHA, Graça. A Estética da vida (1921). In: Obras Completas. Rio de Janeiro: INL, 1968, p. 625. us to consider rivers, soil compositions, animals, plants and minerals as values – values from a human

‘new forms out of old principles’”.27 Cordeiro could not tolerate his arbitrary chromatic point of view and relevant to regional living conditions and the economy. FREYRE, Gilberto. Nordeste:
Could I put all these images in a grand fresco?”19 The epic intention is shot through with real- 2 CLÁUDIO, José. Não há Nordeste. Diário da Noite. Recife, 13 jun. 1961.
Aspectos da Influência da Cana Sobre a Vida e a Paisagem do Nordeste do Brasil. 6th ed. Rio de Janeiro:
life experience; the ordinary and the mythical merge in the body of the artist transformed relations or his “gratuitous taste”. The Northeastern painter explained it in another way: 3 ARANHA, Graça. A Estética da vida (1921). In: Obras Completas. Op. cit., p. 625.
Record, 1989. p. 27.
into a pictorial carnality capable of attracting, repelling, seducing and disgusting. Cícero “the abstraction attends my spiritual side, one should remember the relation that Saint 4 The macula contains the highest density of cones in the eye, which are responsible for the perception of color.
35 FREYRE, Gilberto. A propósito de “Regionalismo”, “Modernismo” e “Romance Social”. Diário de
20 28
Dias knew that “the whole history of the Northeast coursed through his body”. Augustine made between art and numbers.” Cícero Dias, the precursor, had already 5 UCHÔA, Delson. Delson Uchôa. Milan: Charta, 2009, p. 29. Pernambuco, Recife, 14 Sept. 1947.
The dialogue between Gilberto Freyre and Cícero Dias began in 1932, when the been a geometrical artist in 1946, at which time, paradoxically, Cordeiro was still a 6 ARANHA, Graça. A Estética da vida (1921). In: Obras Completas. Op. cit., p. 620-621. 36 FREYRE, Gilberto. A Propósito de Francisco Brennand, Pintor, e do seu Modo de Ser do Trópico.
painter returned to Pernambuco: “Could I share his ideas?”, the painter asked, “the famous “figurative” artist and had not yet thought of color with the vigor of the 1960s. 7 Idem. In: Vida, Forma e Cor. Rio de Janeiro: José Olympio, 1962.

96 97
Some notes on painting in the Northeast of Brazil Gilberto Freyre
Tied to the “forest” as if he had been born to paint it, to fix the greens of its trees and the
reds of its massapê, Telles Júnior did not interpret it: he merely recorded it. Therein lay his
scenes of the sugar industry, of work done on the traditional plantations – and, nowadays,
in the mills – of the Northeast, although the latter play down the human element, local
insufficiency: in the fact that his painting was interpretive. Telles Júnior’s canvases are of or regional human color, and the traditional Brazilian or Afro-Brazilian rhythm of the
interest principally for their documentary quality – they are exact, almost photographic work force.
documents of a phase of the Northeastern landscape: that of nature “already mastered by In 1816, upon visiting a Pernambucan water wheel plantation, the Frenchman
That interest in things which is inversely proportional to their proximity and which caatingueiras,* splashed during the rainy season with sensual reds that later shine – on man and defending its savage integrity and its opulent forests at a cost”; that of tropical Tollenare remarked upon the elegant movements of African and Afro-Brazilian slaves
Lafcadio Hearn encountered in Martinique, he would also find among us. the first sunny days – with a scandal of fresh blood; splashed also with thick, oily, fleshy nature disturbed in its final savage ecstasies by the civilizing advances of the sugar cane. as they lifted sugar cane into the mouths of the grinders. Those of us familiar with the
The fact that we have not yet produced a painter we may truly call our own stems yellows and purples, occasionally giving life to forms that are grotesque compromises For in certain works by the Pernambucan painter white plantation houses may be seen in process of sugar production in the banguês know the rhythmic succession of aesthetic and
from this tyranny of distance which befalls our eyes and our gaze: we have but scratched between the vegetable and the human, veritable plagiarisms of the human anatomy, of the distance; smoke may be seen rising from the chimneys of faraway plantation furnaces formal effects of the labor of making sugar in the traditional way of this region. It is not
the surface of the landscape and life of the Brazilian Northeast. Its most intimate values the sex of men and women – forms which, in high summer, are sucked dry of all this and boiling pans. just the delivery of sugar cane to the mouth of the mill. There are also the Black, brown
remain untouched. blood by the sun, of all this color, of all this near-flesh; and reduced almost to the bones But Telles always despised the local human element that animates this “forest” or yellow male figures bent over the copper kettles in which honey is cooked, stirring it
landscape in his descriptive landscape. In his paintings – with few exceptions – plantation with enormous spoons and carrying it from one place to another with swinging strides;
The paint that would render the landscape of the Northeast – which occasionally of shepherd’s rods; to hard, ascetic, angular, asexual reliefs.
life may only be glimpsed from afar, in those very ox cart grooves in the red of the slopes standing before the furnaces in which lumber burns to keep the fires alive; and those half-
possesses an ochre hue all its own – requires incisions of line and even an asceticism of There may be no tropical landscape as rich in suggestions for the painter, nor one
that had been observed by Oliveira Lima. naked bodies in motion, oily from sweat, are reddened by the light of the furnaces; and
color that refuses the caresses of sfumato or the tenderness of soft colors; occasionally animated by as many greens, reds, purples or yellows as the of the Brazilian Northeast. All
Of the bulk of Telles’ paintings it may be said that they resemble illustrations for in the tension of certain stances, they appear to be reliefs – statues of flesh. They appear
of a lubricious tropical lushness, seeming to want to suck up paint and color with the of this in tufts, clusters, tiny flowers, leaves, bizarre outlines as the red bunches in which
a compendium of physical geography rather than landscapes for a book of human to be made of bronze.
hunger of a giant blotter – are surely not the correctly academic halftones of Painting’s old the ibirapitanga** blazes or the mandacaru cactus burns; like the heraldic forms in which
geography. The existence of coconut trees impressed him more than that of men; mango In all of this, there are strong suggestions not only for monumental sculpture but for
grammarians; nor the brilliant carnival colors of the “impressionists” – that is, of those the quipá *** cactuses bristle; like the open leaves of the papaya tress; like the flowers that
trees more than women; hills more than mansions; and shrubs more than shanties. painting. I sometimes imagine the most characteristic images of plantation work in large
whose “impressionism” must be set off by barbed quotation marks. announce the ripening of passion fruit; like the coroas-de-frade **** which, in the churchy
Animals appeared infrequently in his pictures. A Telles painting such as Domingo no mural paintings, in a palace, in a public building. This is what would be truly Brazilian
Even when painting in the Northeast has courted regional landscapes, it has done so noontime silence of the “agreste” and the sertão, seem to recall the martyred friars
Campo [Sunday in the Countryside] is a rarity, for it is reddened by a cockfight. His color painting through its human and social meaning; not the patriotic, conventional, civic,
in order to sacrifice it (according to one of these processes) to the tyranny of distance – to and heroic priests that the Northeast has bequeathed to Brazil. It is as if the landscape
is green. His red is that of clay. His favorite element is a grove with the occasional stain of artificial pictures that grace the walls of state or municipal seats of government [among
write upon a blotter as if it writing upon linen paper. possessed something simultaneously historical, ecclesiastical and civic; and participated
incarnadine or blue: the massapê, the river waters, the coastal sea waters of Pernambuco, us] – vain attempts to teach moral history and civic awareness to Brazilian children.
With regard to the physical geography of Brazil being a “book as yet unpublished”, in the region’s traditions, associating itself to human deeds through its vegetable forms: to
a washerwoman’s skirt, a Black woman’s shawl. His most characteristic paintings are The Brazilian civilization of sugar producers and plantation workers ought already to
Euclydes da Cunha wrote: “We are alienating ourselves from this land. We are creating sacrifices and heroic acts of men who made it essentially Brazilian and Catholic. those in which coconut trees appear; in which the painter delights in capturing the effects have expressed itself in painting; and the mural decorations of public buildings should be
the absurdity of a subjective exile, which makes us withdraw from the land while we However, to this day – in the Northeastern landscape – only the “mata”***** had ever of the August winds upon the ancient palm trees of the Northeastern beaches; the ones the first to make children, adolescents, foreigners, the common people the human effort,
wander like sleepwalkers through its unknown heart.” And farther ahead: “Our own found anyone to depict it with (albeit insufficient) taste; and that rare Brazilian painter that depict the suburban roads of Recife: Madelena, Remédios, Aflitos, Campo Grande the Portuguese and – after it – the Brazilian victory over the nature of the tropics. The
natural descriptions recall artistic copies in which the Swiss alps are entangled with the with an intensely specialized regional sense was José Telles Júnior. and Caxangá. He recorded almost every shade of regional green: from the bluish green of struggle, the pain, the joy that this civilization condenses.
distended ‘landes’ of the Swiss valleys); they have none of our reckless, impressive vertical Oliveira Lima once wrote of Telles Júnior that he was not a vaguely Brazilian artist, the high sea to the sickly green of the mangues.* But the houses, the men, the barges, the I imagine a mural decoration of epic proportions that would remind us of four
mountain ridges, nor the glitter of our small quartzite hills, nor the dazzling disorder of but “an essentially pernambucano artist”; and more than that: “a painter of the forest, rafts, plantation interiors – none of these ever truly interested Telles Júnior. hundred years of sugar production: from the primitive phase, with criminal slaves
our forests or the tranquil and widely scattered flood of our enormous rivers, or the near- not of the sertão”. The painter of a zone and not of an entire region. “The forest – these It is surprising how a production technique so charming to the eyes – that of making chained to the mouths of incandescent furnaces and plantation owners with medieval
Biblical, mysterious quality of the wide, flat tablelands…” are the words of Oliveira Lima, written in 1905, when he was still living in Pernambuco, sugar in the banguês ** or in the almajarra *** plantations of Pedro Américo and Telles’ beards, to the mills of today – large, formidable, monstrous machines, pools of electric
In painting especially it has been so. Our painters have largely ignored the landscape in near-anonymity, the pernambucano painter who later became my private drawing boyhood – should forever have eluded the interest of our painters. Only visitors to the light, technological marvels. In a sort of revenge of man’s technology against nature, it
which undoubtedly disorients them because of its dissimilarity to the colors and lights teacher – the forest with its perfumed whiff, its atmosphere of humid heat, its tremor of land sought to fix the innocent beauty of the provincial industry that animated our is machines that imitate the vegetable, the animal and the human in the mills; that take
of Europe, whence they languidly authenticated their technique. Some are like castrati, fecundation and its throbbing growth, is what particularly fascinates that vibrant palette”. landscape. Frans Post, principally. He bequeathed to us delightful drawings and paintings, the place of Blacks who were once “the plantation owner’s hands and feet”, to use the
unable to fecundate the rich subjects available – virgin and naked – to painters or writers And also: “he is never more at ease than when reflecting and fixing the red clay slopes fixing aspects of plantation life in the Northeast. chronicler’s famous phrase.
with pictorial tendencies alike. upon which the wheels of ox carts leave deep grooves in the driest parts of earth, between The sugar industry was then the undertaking that now seems to us almost a toy for A world of pack animal drives, of bankers, of Black stokers, of men who fed sugar
We have not yet had a painter with the courage, the paints, the epic rhythm, the dark puddles; the soft plains of massapê ****** soil covered with sugar cane, planted overgrown boys, of plantations driven by manual labor, by water or animal-driven wheels. cane into the mills, of sugar masters – was recorded by those mural paintings in their
bravura line that would enable him to interpret the landscape of the Northeast with its together so tightly that they are left with almost no room in which to wave their laminated Frans Post’s drawings are populated by Black figures working in those factories of wooden depiction of the Northeastern sugar economy of the past, later contrasting the human
vertical contrasts (those of the palm tree, the visgueiro, the papaya tree) and low-lying leaves, from which brown arrow-shapes emerge like plumes; the tangled vegetation of aqueducts or walking alongside ox carts loaded with ripe sugar cane. His paintings depict effort behind it with the victory of modern machinery. A whole world of white and Black
pleasures (those of the cashew tree, the mangrove swamp, or the jitirana flower). The the capoeiras ******** from which vegetation springs irregularly, some of it more luxuriant, plantation houses; plantation owners; and scenes of characteristically regional work men and of animals, too – oxen, mules and horses: the animals that were made to suffer
same thing happens with the landscapes of the Amazon, of central Brazil, of [the state of] other plant forms more slowly, all of them a light green hue of hope; more than anything, taking place under low-lying covered patios; Black folk dances; xangô **** depictions in alongside blacks and whites by the sugar industry.
Paraná, of the Vale do Rio Doce. But I shall limit myself to discussing that of the Northeast, the forests themselves, with their straight trees, searching for the sunbeams by natural which the gestures of sowing, reaping and planting sugar cane appear repeatedly. We should already have passed the passively colonial age of decorating public buildings
even though criteria of region and tradition would allow me to generalize and extend the instinct, raising the vine-encircled tree trunks upon soil covered in dry leaves and clear of To be sure, the technique of producing sugar cane offers elements for painting that with figures from the four seasons of the year that do not represent aspects of our regional
greater part of my remarks to the entire set of Brazilian regional landscapes – nearly all of shrubs that do not manage to thrive in eternal shade. Telles Júnior decidedly prefers these is so ours that the fact that our painters have remained indifferent to it is truly amazing; (let alone Brazilian) lives; with the statues of Mercury; with the eternal furry lions and the
them as unexplored by painters that might reveal them as the Northeast itself. elegant, leafy trees to the shorter, twisted or dense ones of the caatinga ********* or the sertão. amazing that Post – a foreigner – was the greatest, almost the only painter of the worker eternally pink maidens with Phrygian caps – conventions so distant from the reality of our
The Northeast continues to await painters with the courage and the paints to paint and the workers’ dance in the sugar cane fields and the plantations of the Northeast. social history, from the reality of our flora, from the reality of our ethnology.
the ruggedness of the high sertão* and the “agreste”, ** rebelling violently against the The scenes of mining and weaving that the great painter Diego Rivera depicts in Mexico It is truly curious that it took a war in Paraguay in order for the Northeast of Brazil to
academicism of the conventional masters and the carnivalesque quality of amateurish
* Stunted, sparse forest region covered with brushwood. [N. T.] with an epic note are surely no less poetic nor richer in their suggestion of beauty – living, have produced a painter: Pedro Américo. And yet the Northeast was not lacking in a taste
** From the Tupi language, meaning Redwood or Brazilwood, pau brasil. [N. T.] strong, masculine and even (one might paradoxically state) “ugly and strong” – than the for the epic and the eloquence with which Pedro Américo – who was a contemporary
“impressionists”; the whole of the “deadly hemorrhage of light” vividly described by *** Nopal cactus. [N. T.]
of slavery – depicted groups. He needed the stimulus of an international struggle or
José Américo de Almeida and which, in addition to being a Western tributary of the **** Melon cactus, literally “friar crowns”. [N. T.]
one between states – rather, between Brazil and a South American oligarch – in order
Borborema River, “transforms the prairies into a field of ashes”; those massifs of ***** Forest. [N. T.] * Marshy swamp lands. [N. T.]
****** Very fertile, marshy soil for cain growing, usually almost black in color. [N. T.] ** In a plantation, the furnaces, grindstones, and various other structures dedicated to the production of sugar. [N. T.]
to produce eloquent paintings. Man’s struggles against nature, the struggles of slaves
* Arid, remote backlands. [N. T.] *******Brushwood country. [N. T.] *** Wooden mill powered by animal traction for extracting sugar cane juice. [N. T.] against their masters – none such (which he had witnessed from childhood on) made
** The dry wilds. [N. T.] ********Brushwood forest land. [N. T.] **** African-based ritual. [N. T.] any impression upon him. Pedra Bonita, Palmares, the War of the Cabanos, the Quebra-

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Quilos, the Revolta Praieira, 1817, 1824 – none had any repercussion upon Pedro in regional painting as soldiers, as militiamen, as Henriques,* in patriotic panels; or in all sexes find themselves for sale, exhibited before the warehouses. These unfortunates (who sometimes dropped their lids [of their barrels], dirtying their oily, sweaty, naked
Américo’s sensibility. ex-voto pictures or depictions of miracles performed by saints. squat upon the ground and chew indifferently on pieces of sugar cane given to them by bodies). A multitude parades through the travel literature – unfortunately a good deal
Much the same might be said of Victor Meirelles, author of a famous painting –  When the truth is that the slavery in the Northeast was a luxury in terms of formal their captive compatriots they find here. Large numbers of them suffer from skin diseases less richly illustrated as regards the life and people of the Northeast’s late colonial period
A Batalha dos Guararapes [The Battle of Guararapes] –  linked to Northeastern traditions material that Brazilian painting was unable to put to good use. Not only lyrical but also and are covered in pustules. […] The young women preserve the gracious contours of than albums about life in Rio de Janeiro and the Brazil of the coffee plantations; one that
not only by subject matter but by the material upon which the painter based his work. In dramatic formal subject matter. And not only anecdotal but conspicuously sentimental. adolescence: their Blackness in no way detracts from the charm of their Hebe-like necks may be seen principally in the meticulous descriptions of advertisements for runaway
1709, Olinda’s City Hall commissioned three large panels on wood to decorate the Paço Hence the disembarkation of masses of Africans who sometimes arrived here rotting and their breasts; their eyes do not lack fail to convey a certain voluptuous expression, slaves that would, to this day, enable a painter with imagination and historical culture
Municipal: panels representing the Batalha de Tabocas and the two battles of Guararapes with pustules, dripping blood, exuding pus, remains of men grotesquely reduced to doll translating with ingenuous shyness a desire to be purchased by whosoever observes them to reconstruct entire scenes and complete types, in paintings that would be art and,
as – according to that year’s official resolution – “news for those born in centuries to heads limply nodding yes, to swollen bellies on raggedy legs – thus the disembarkation with greatest interest”. Excellent description. It is a pity that the Frenchman Tollenare simultaneously, good anthropological and historical material – through all of these and
come [...] for the greater honor, praise and glory of God and our own glory, Amen”. These of the slaves accompanied by “knowledge” ** were horribly picturesque, possessing the was not a painter: with his power of psychological interpretation he world have left us through the descriptions of travelers.
panels were actually painted and, according to manuscript notes by chronicler Pereira da strange air of a danse macabre that lent itself to paintings even more dramatic than battle
paintings of considerable human interest and even a certain dramatic vigor; and not Maria Graham, an Englishwoman who visited Recife in 1821 and who was not lacking
Costa, entrusted by the Câmara de Olinda to Victor Meireles for studies necessary to the scenes or revolutions.
merely picturesque glimpses of colonial life. an aptitude for drawing, was enchanted by the Young women of color that she saw
execution of his canvas. And the panels were so useful to that painter of patriotic canvases In a famous passage, Oliveira Martins remembers what the Blacks looked like upon
French-educated painters temporarily expatriated or living permanently in the bearing baskets of fruit on their heads and light blue shawls draped over their shoulders.
that, in a document dated March 26, 1874, directed to the President of the Province, disembarkation: “a column of skeletons appeared in the clear light of the tropical sun,
Northeast included Vauthier, Lassailly, and Berard; as well as Mavignier and Gadault, Henderson admired the bodies of Black men rowing on the Capibaribe [River]. And – like
Meireles confessed: “those paintings are of no artistic merit; yet if we attend to the covered in pustules, with protuberant bellies, their kneecaps wounded, their skin torn
born to French parents. All of them belonged to the middle and late nineteenth century. no other traveler in the first half of the nineteenth century, including Koster – Tollenare
antiquity that may be read of the respective explanation with the date of 1709 and of the and eaten by vermin, with a stultified air about them, at once crazed and idiotic”.
But they painted only pictures of people of importance, although Vauthier acutely fixed the delightful bodies and graceful movements of the Black and mestiça women of
customs painted there, which appear to me to have been faithfully enough reproduced, But no painter of Brazil in colonial or imperial times felt the dramatic quality of these
captured a sense of the regional landscape and by him – by Luis Léger [Vauthier], the Northeastern plantations.
they become for this reason not only worth of appreciation but also of usefulness for the scenes or soube to paint them. They all limited themselves to painting saints and angle
not by Pierre [Vauthier] – there must still be a few artistic examples of Pernambucan He noted the ugliness of their flaccid breasts; pendulous, soft and flabby. Yet it
work for which I find myself commissioned by the Imperial Government”. figures on the ceilings and walls of churches; Our Ladies; portraits of capitães-mores *** and,
Of the same flavor as the panels in the Câmara de Olinda, somewhat arbitrarily later on, of barons, viscounts, bishops, every so often posed against suggestive backgrounds nature alongside his technical renderings of houses and bridges which rot in the official was a kind ugliness that the girls disguised artfully with blue or red cloth. “They bind
classified by the painter Meireles – in this regard very much a man of his milieu or regional scenery. Undoubtedly, all this material was of interest to the reconstruction and archives of Pernambuco. themselves from the armpits down – the Frenchman writes – with pieces of blue or red
and age, the conventional and somewhat Victorian of the time of Dom Pedro II  – as interpretation of the Brazilian past (in general) and of the region (in particular). Yet it Gadault – a European disciple of Léon Coinet – was enthusiastic about church cloth that highlight their loins and tie a great knot that conceals the deformity I have just
paintings “utterly without artistic merit”, are the highly interesting panels on the ceiling is deplorable that the most dramatic material, the one most filled with human interest painting: he painted a Jesus e a Samaritana [Jesus and the Samaritan Woman] for the noted”. On the movements of Black women’s bodies he observes: “They are all smooth
of the Igreja da Conceição dos Militares, in Recife; and those of the Igreja de Nossa and social meaning, should have been disdained by the Northeast’s earliest artists. On the Mother Church of Boa Vista; the Morte de Abel [Death of Abel]; the Beijo de Judas [Kiss of and graceful; not a one would be disdained by an artist or dancer”.
Senhora dos Prazeres and the Matriz de Iguaraçu. The former representing the Battle of other hand, it is in naif paintings of ex-votos in churches, in pictures painted to record the Judas]. But he also painted a Pernambuco sunset. In the Northeast, blood mixture has produced the most diverse and interesting
Guararapes, commissioned by governor José César de Meneses in 1781; those of Prazeres, miracles of Our Lady or of the saints – and not by the most illustrious painters – that we After Post, the foreign painter who evinced the most interest in regional subjects was effects in form as well as in color, unheeded here by painting – which is eternally
depicting the two Luso-Brazilian battles against the Dutch (of 1648 and 1649); those of [will] find suggestions of the most typical aspects of the region’s everyday life: costumes, Lassailly, who depicted many a characteristic stretch of Pernambuco’s landscapes in the colonial in its parasitic relationship to European life, European motifs, Greco-Roman
Iguaraçu – where pictures and panels on pious (principally Franciscan) subjects were also domestic crockery, furniture, the color of the mestiços,**** the predominantly folkloric nineteenth century: Olinda, the Várzea, the Beberibe. Yet he never ventured to paint convention – where art does not appear to notice some – at least – of the most vivid
painted – regarding episodes of local history. It was a local artist who authored the panels colors in clothing and in home decorations. regional types, such as Recife’s mulattas or the Blacks or the slaves. regional charms of our own human figures or forms. Following the example of the
in Conceição dos Militares which may be admired in the church to this day. Pereira da The Black slave markets must have been lively and picturesque in their revelations of As for the Spaniard Manoel Pelaez, a graduate – according to an official document – of Amoedos and the Antônio Parreiras, nudes painted by local painters continue to aspire
Costa recalls that, in a speech delivered in 1863, Muniz Tavares referred to him in these powerful human beauty: beautiful men, women, adolescents, and children that resisted the School of Fione Arts in Madrid who, in the late nineteenth century, taught drawing to the conventional pink nakedness of European models: white, blond, even red-headed
terms: “Although the brush did not belong to Rafael, Urbino or Correggio, it belonged to the ill-treatment of the ocean crossings. For among Blacks turned green by sores, urchins and painting at the Repartição de Obras Públicas de Pernambuco, it would appear that his women. We have neglected our good house silver – indeed, our gold.
a patriotically inspired artist from Pernambuco...” turned grey by sickness, Blacks elongated by hunger in the figures of El Greco, there activity was principally didactic. His work was neither creative nor interpretive, nor was In the Northeast, no modern painter devotes himself to painting mulattas, caboclas,
There were several painters of pious subjects in Recife during the Eighteenth were fine, healthy adolescents, young Black virgins, females with rounded breasts and he interested in Blacks, caboclos or other regional types. Black women. Among the masters of the second half of the nineteenth century only
century and as of the end of the Seventeenth century, after the Restoration: one of these, buttocks, seductively shapely or merely healthy girls – all allowing themselves to be And yet the Blacks of Recife were everywhere in those times. And it was this Recife Aurélio de Figueiredo – who spent some time in Recife, where he gave painting lessons to
Aristides Tebano, painted a number of pictures in the first Igreja do Livramento in passively fondled by their buyers; moles to their demands; jumping, coughing, laughing, of yesteryear, filled with Blacks, pretas-minas,* mulattas, which unfortunately had no Teles Júnior – one day he set aside his careful allegories and departed from the illustrious
1695. In the Eighteenth Century, it was João de Deus Sepúlevedo who – according to showing their occasionally magnificent teeth; sticking out their tongues; holding out their painters in colonial centuries or in the imperial one. subject matter of his art – Estrela-d’Alva [Morning Star], Lavoura [Farming], Comércio
historians – authored the paintings on the ceiling of the nave of Recife’s Church of São wrists. All of this as if they were dolls, the kind that squeal and wave their arms at the
But not only filled with Blacks and mulattos: filled, also, with processions and church [Trade], Duas Noivas [Two Brides] – to paint A Mameluca [The Mameluke Woman]: a
Pedro; but not – they added – of the painting on the high altar, which was the work of slightest squeeze of a child’s fingers. Their ribs sticking out, skeletal children were given
festivals; begging friars and soldiers; penitents and pale sinhazinhas** on their way to mestiça reclining in her hammock.
Francisco Bezerra. Also from that century was Luis Alves Pinto, who painted the ceiling away for “free” to purchasers of wholesale “lots” of slaves; newspaper advertisements for
church. Even merely descriptive or ingenuously anecdotal painting left this wealth of life We were not even able to produce or attempt to organize photographic collections of
of the aforementioned church’s choir. And in the nineteenth century: Sebastião Canuto bow-legged, flat-headed, pigeon-chested and rickety Black men; there were the sick. But
and color practically unrecorded. our crossbred types – types that appear in post cards of Martinique and Guadalupe such
da Silva Tavares who historians tell us painted the panels in all of the following churches: there must have been no shortage of healthy Black men with eugenic figures, and a good
Nearly unrecorded, too, were the ribbon and silver starfish-bedecked mucamas *** who as capresses, chabines, quadroons, octoroons. To my knowledge, the only attempts at this
Madre de Deus, Santo Antônio, Santa Rita, Convento de São Francisco do Recife, and painter might have produced magnificent group portraits of them – even as an equally
imparted a sort of oriental pomp to the streets of Recife in colonial times; portly Black were the ones made by Ulisses Freyre, during our regionalist and traditionalist Sunday
Recolhimento de Iguaraçu. Also: Arsênio Fortunato da Silva. The identity of the Black good painter inclined to depictions of the pathological would have painted impressive
women carrying trays of sweet rice, their large heads pinned with lace and shiny beads of excursions throughout [the city of] Recife or the beaches and hinterlands of Pernambuco,
man who was “very proud of his skills” has not been rigorously established; writing of pictures of groups of sick, abused, and tortured Black men.
resplendent bright reds, imbued with a mystical air that the maracatu queens currently stopping at region’s most characteristic plantations, markets, and hamlets.
him in the eighteenth century, the Englishman Koster says that he was “the most famous Tollenare’s refined and somewhat lubricious gaze landed upon the slave markets of
church painter in Pernambuco”. Recent findings by Gonçalves de Melo have brought to Recife with a certain voluptuousness, even though the good French trader was morally make fun of during Carnival; West African blacks **** carrying litters; Black women selling Nevertheless, the Northeastern quatroon, the octoroon, the mulatta, the cabocla, as
light many an interesting fact about the arts in general and about painting, in particular, opposed to human traffic. And this is how he describes a Black slave market in the former cashews and mangoes; the enormous – near-gigantic – Hausas, their bodies covered with celebrated in verse for the warmth of their flesh and the grace of their figures, might
in the Brazilian Northeast. capital of Pernambuco: “Dressed in simple loincloths, groups of Blacks of all ages and tattoos; Black men carrying diverse types of burdens and boxes and the classic “tigers” ***** already have produced, in painting, something like the Spanish Maja desnuda – that
We wanted not for painters of angels, of saints, of Our Ladies during the colonial sublimation of peninsular Aphrodisianism [sic].
* Black soldiers, after Henrique Dias, who commanded a platoon of Black soldiers in the Battle of Guararapes, * West African female slaves noted for their elaborate costumes. [N. T.] To be sure, from the time of the Dutch we are left with not two or three but with several
era and during the Empire, although none of them was a man of genius. There were
1648-49. [N. T.] ** A colloquial form of treatment used to refer to the unmarried daughters of the landed aristocracy. [N. T.]
some painters of noblemen and bishops, of colonels and patriots. But there is neither portraits – finished or in rough drafts of Indian, Black and mestiço types captured by the
** Literal translation of “conhecimentos”, a euphemism for lists or inventories against which clerks would check *** Female slaves who looked after the household. [N. T.]
evidence nor recollection of a Portuguese or Luso-Brazilian painter dedicated – here or in passion for the exotic of those European painters brought to Brazil by Count Maurice
merchandise. [N. T.] **** The co-called minas. [N. T.]
any other part of Brazil – to descriptive (and not merely allegorical) painting of Indians, *** Captain-generals. [N. T.] of Nassau. Portraits – some of them life-size – that obviously refer to the seventeenth
***** Slaves charged with emptying barrels of dejecta onto the beaches; the tiger’s stripes were actual ribbons
Blacks, slaves, mulattos, caboclos and common people. These appear almost exclusively **** Half-castes. [N. T.] of excrement. [N. T.] century. Some are by A. Eckhout; others bear no signature, such as the painting of a dance

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that hung in the Ethnographic Museum in Copenhagen, depicting eight men engaged in Only after that decade – 1920-1930 – did some of the younger Brazilian painters l u l a c a r d o s o ay r e s multicolored frevo umbrellas—can also be found in other paintings by the same artist,
a war dance, bearing arrows and maces. “Two women dressed [ . . . ] in girdles made of begin to emerge, animated by a new rhythm of imagination; freed from conventionally such as those devoted to the caboclos de lança, who feature prominently in the maracatu
leaves may be seen to the right, underneath a tree, embracing and holding their noses”, romantic sentimentality and also from stifling academic technique; creative power in free, While Gilberto Freyre was imagining a Northeastern painting that would carry the culture of Pernambuco’s hinterland. The strips of fabric and tape – which, literally vibrant,
Paul Ehrenreich informs us in his Sobre Alguns Antigos Retratos de Índios Americanos vibrant tension; in some stage of revolt against simply anecdotal or scenographic painting. memory sugarcane plantations of the “furnaces where the firewood burns, fuelling the identify the lances and headgear of the caboclos – come to determine the structure of
[On Some Portraits of American Indians], a Portuguese-language translation of which was And seeking Brazilian subjects. The regional ones. The local ones. Not avoiding them as
fire…, and semi-naked bodies in movement, oily with sweat, [that] are reddened by the the image in these paintings. Creating a near consistency between the figure and the
published in the 65th issue [number] of the Revista do Instituto Arqueológico e Geográfico in the past – when it was only the absence of boredom that led Aurélio de Figueiredo to
light of the furnaces, and become, through the tension of some actions, statues made background, differentiated only by a change in direction and by the variation of the
Pernambucano. Also according to Paul Ehrenreich, there are two portraits of Brazilian set aside his allegorical figures in order to paint an authentic Mameluke woman reclining 37
of meat”, Lula Cardoso Ayres, for his part, son of a Pernambuco sugar-cane baron, narrow color palette, the strips make the eye dance over the painting, shifting focus back
Blacks in Copenhagen; and in the Zoobiblion, “representations of Black dancers, of a in her hammock in Ceará; and Arsênio da Silva – a painter who enjoyed a huge vogue at
adopted a different approach to the relation between body and fire. The flesh this painter and forth between the caboclos and the background, decentered by the excess of color and
slave market in Pernambuco and of a village of Brasilienses (Tupi Indians)”. They may be the end of the nineteenth century – rejected pious subject matter in order to fix – upon
the work of the painter Zacharias Wagner – works commissioned by Nassau. a canvas that became famous – the waterfall of Paulo Afonso. This without forgetting the deals with – on the Marajoan terracotta palette of Vicente do Rego – that of the popular light. In this way, Lula Cardoso Ayres approximates the experience of viewing his painting
Chroniclers relate that on August 22, 1679, King Louis XIV of France visited the paulista Almeida, in the South, and Telles Júnior, in the North. ceramics produced in Alto do Moura, Caruaru, whose colors and shapes are depicted to that of maracatu performance, whose riot of colors at once seduces and scares.
Louvre and saw paintings of Brazilian subjects – exclusively from the Northeast of With this group of young painters, the Northeast has already ceased to be like Antônio in painting.
Brazil – which Count Maurice of Nassau had offered him. Perhaps “offered” is not the Nobre’s Portugal: a country where one does not know “where [its] painters are”. There Vicente’s tactile drawing – influenced by his early work in sculpture – is given new fiery bandeira
word, for a surviving letter from the extremely shrewd German count – forever bound has been an emergence of painting that interprets the life and landscape of the Northeast, meaning by the work of Lula Cardoso Ayres in many ways. The desire to essentially “lay
to the history of science and art in the New World – to the King of France insinuates alongside with another type of interpretation by novelists and poets. Painters who have hands” on the images of the Northeast, whose “surface has only been scratched” would According to Gilberto Freyre’s aesthetics, Bandeira is an ecological artist. The
rewards: “I am told – and Your Excellency shall undoubtedly have heard – that the king a telluric sense of art have been approaching regional subject matter without losing bring Lula, from 1932 onwards, to Recife and its outskirts, and take him of research environmental connection in his cities is a demographic explosion, a cartography
would give up the Indies that I took the liberty of offering Your Majesty”. the Brazilian and universal meanings of things, facts, people: of relationships between trips to the Zona da Mata, which he registered into photographs of an anthropological of social differences, climatic imbalance and subjective memory. His contact with the
Among these “rarities from the Indies” were paintings of Northeastern mestiço and people; without catering to the unsophisticated, to “yokelism” – or to literary or artistic
nature. Lula’s deeply hands-on method – which differed from Vicente’s approach, based abstract artists, Camille Bryen and Wols, in Paris, gave Bandeira the idea of the margin.
indigenous types of which a detailed account was published in the 33rd issue of the Revista separatism. Nor to the patriotic, the anecdotal, the apologetic – dangers to be avoided
on research in museums and books – would give his paintings and drawings a special He saw himself as a painter who was a migrant from the Brazilian Northeast and took
do Instituto Arqueológico e Geográfico Pernambucano. They are no longer in the Louvre, during this new, Brazilianizing phase of our art and our literature.
carnal feel, more spontaneous than the structuring ordering of his fellow-Pernambucan. into account the fact that Wols had been interned in a Nazi hospital for fourteen months.
having been dispersed. It is known, because of a letter written by Nassau himself to the In a country as overly sensitive to the almost mythical prestige of the exotic and the
The drawings that the painter from the sugar-cane plantation produced in the 1930s, Bryen found in Wols the attempt to effect an improbable totalization of humanity marked
Marquis de Pompone, that the paintings represented “all of Brazil by means of figures, to distant as is Brazil, we must stimulate the creative enthusiasm of new artists with regard to
based on his visits to local candomblé centers, were included in the 1st African-Brazilian by the horrors of Nazism: “what begins here is the unity of a man inhabited by the unity of
wit: the nation and the country’s inhabitants, the quadrupeds, the birds, the fish, fruit, our own subject matter. For them, there will be intensification rather than a diminishing
plants, all of them in natural size, just like the situation of the country in question, the of their artistic personalities, of their power, of their strength. Studies Conference (put together by Freyre in 1934) and gradually became part repertoire the world”39 in “Pour Wols”, 1945.40 All three artists share a common feature of justifying
city and fortresses, pictures of which might make up a gallery, which would be a thing Surely, there is no one less regionalist (in the sense of a system or a school) than of images and methods that would be taken up by Abelardo da Hora at Ateliê Coletivo the humanist ethos and a sense of resisting exclusion. Bandeira’s career seeks to use
most rare, nowhere in the world to be found, for during the time I lived in Brazil I had six Jacques Maritain, the great Catholic thinker of our day, to whom we owe the updating (1952), when he took artists belonging to the group to African-Brazilian communities, the canvas to create some form of unity, by way of the manipulation of material. His
painters at my service, each one of whom painted that to which he was most suited; and of the aesthetic philosophy of Saint Thomas. Catholic in both senses of the word: in mangroves, sugarcane plantations and slums with the intention of depicting them in agile experimental pictorial signs – brush-strokes, plaster, stencil, stamps made out of objects
if a curious man would see this tapestry, he would have no need to cross the seas in order the religious one and in the other one. For it is in Professor Maritain, the purest of and performative drawings, using a technique that he called rapid pose. such as cans, ideograms and running paint – is the writing of the subject and the work
to contemplate the beauty of forty paintings which might serve as model for a tapestry”. universalists, that we very clearly read that art, “par son sujet et par ses racines [...] est Lula Cardoso Ayres would thus include the body of the artist in the painting. This of the painter as homo faber. Bandeira’s experimentation with materials assembles the
One should refer also to the illustrations of Frans Post, adorning the edges of maps d’un temps et d’un pays”, 1 And also: “Voilà pourquoi dans l’histoire des peuples libres les relation between different kinds of flesh, albeit not as lusty as that of the surrealist Cícero canvas in a rational manner. His pictorial sense works on the disorderly matrix like the
in the book by Barlaeus; and the studies of regional types from Northeastern Brazil that époques de cosmopolitisme sont des époques d’abâtardissement intellectuel. Les oeuvres Dias or Carybé, or a contemporary painter, such as Tiago Martins de Melo, nevertheless city. The excess of superimpositions – like the experience of living on the urban periphery
illustrate the scientific work Historia Naturalis Brasiliae. Because Post did not limit himself les plus universelles et les plus humaines sont celles qui portent les plus franchement
sketched a carnality that was candidly social, typical of an aesthetically and culturally in Brazil – blocks any mathematically construed geometry, in an illusion to his entropic
to painting scenes of the Northeast in pictures: he was a copious illustrator of books. la marque de leur patrie”. 2 And it is Maritain who quotes Maurras: “l’attique est plus
3 ecological model: “[…] eyes transferred to fingertips […] The finger-eyes of the painter existence in the capital of the State of Ceará. In the dripping lines of paint, the real writes
All of these works were by guests of the subject matter as much as they were of the universel à proportion qu’il est plus sévèrement athénien”.
who was a disciple of the rustic ceramic artists. Discovering new relations between using gravity, like the favelas of Rio de Janeiro. As in La Grande Ville Bleue (1953), a
land; and is it not curious that after them young painters from the North did not return This is what may be currently observed in a novelist such as Thomas Hardy: no one
tropical light and form. Between tropical light and color. Between tropical light and landscape of ideograms. Bandeira’s painting, like that of Guignard, is based on a sense
to the subject until 1920-1930? In Fédora do Rego Monteiro, in Carlos Chambelland and more English in his subject matter and his roots. His novels not only appear to bear the
Vicente do Rego Monteiro we shall find various regional types of Blacks, of caboclos and English Seal; more clearly still, stamped upon it is the seal of Wessex, bearing the date. And people”. 38 This is the case in Frevo (1945), which is dominated by a whirling mass of of verticality. Sometimes, the pictorial material does not aspire to the representation of
of mestiços depicted with authentic artistic interest, in painters that marked the beginning, yet this novelist who is so regional and belongs so much to his time is the author of the people, parasols, feet, gestures and colors, appearing all mixed together like the hybrid gravity, because the symbolic discourse appears to defy the gravitational organization of
in the Northeast, of a good regionalism in Brazilian art, marked also by Joaquim most universally human work of fiction that England has produced in this last half century. plants of Cícero Dias, in a temperature which is both the heat of carnival and the forge the canvas, since in slums and favelas, precariousness is a key part of the urban logic.
Cardozo’s stylized cashews and by Joaquim do Rego Monteiro’s papaya tree leafs; and by There is no danger in the regional trends that have been emerging in the young that Antônio Bandeira remembers. Although Lula Cardoso Ayres’s painting appears to The torrid is not unambiguous in Bandeira, because it is at times wasteful, like the
the admirable 1925 drawings of Manuel Bandeira. painters of the Northeast. Nor in its new novelists, poets, writers: some of whom have touch on some of the solutions of cubism regarding the coexistence of multiple points energy invested in the work, at others entropy and violence, movements that pervade,
Mexico was more felicitous with painters than was Brazil, prior to this renewal and to something painterly in their way of being writers and of interpreting the forms and colors of view, he does not opt for a mathematical decomposition of his “object”. In keeping with a foundational power, the organic and metallic redness of Flamboyant (1949). Like
that of São Paulo – which would culminate in Portinari. But not only Mexico: Uruguay, of man as he is situated in this tropical part of the world. with the experience of popular culture, Frevo is structured less in terms of rational spatial the center of Cercle de Feu (1965), the bright red of Flamboyant is the place where the
too, with its Figari, albeit not until after Portinari and Rivera: with an equal work of relations and more by the desire to bring to light the way bodies are organized in the eye blazes and sees itself burning. The phenomenology of visual perception in Bandeira
national or regional interpretation of Brazilian life and people. The word “interpretation” Vida, Forma e Cor [Life, Form and Color]. Rio de Janeiro, José Olympio, 1962.
disorderly multitude of carnival. The subject – which is inseparable from the “object” of was forged as a primal experience of light through the living body (corps vécu), as in
must be highlighted for it was no mere ethnographic or anecdotal description.
his painting – appears in the scene, fuelling the din that rises over an empty city-scape, the theories of Maurice Merleau-Ponty. In an unpublished text, The Childhood Tree,
Not even the state of Ceará, “a land predestined by pain to art”, according to Tristão
whose European-style architectural tranquility is shattered by the frevo dance zone that the painter describes his initial enchantment by those reds and greens that are the basis
de Ataíde, and the Brazilian region that most clearly resembles the painful Russia of 1 By its subject and its roots [...] it belongs to a time and a country.
intensifies under the bright yellow of the Northeastern sun. of his relationship to color: “When I fell in love with paints, my love for the tree grew
novels, found – before the Mexicans – formal expression for the intensity of its life and 2 That is why in the history of free people the eras of cosmopolitanism are times of intellectual bastardization.
In Frevo, primary colors (yellow, red and blue) abound, balanced by white, which, immeasurably”.41 The formless does not lose its symbolic dimension. A tree, Novalis
its landscape. Nora t least something resembling the resembling the photographs that The most universal and most humane works are those which bear most openly the distinguishing mark of their
the Red Cross the réclame of the horrors of famines in Armenia have resulted in the country. reflecting the intensity of the neighboring colors, appears blue or greenish. The play imagined, is nothing but a flame in bloom.42 The canvas reinvigorates the revolt against
great draughts of Ceará. 3 The Attic is the more universal in proportion as it is more austerely Athenian. of permutations of primary colors – present in the clothes, the striped shirts or the the cutting down of a kind of tree that made a great impression on the painter when

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he was a child. Even without the burning embers of Mata Reduzida a Carvão (c. 1841) into fixed “ways of being” derived from a constant. In Freyre’s view, “tropicalist concepts Following the model of Amazonian ceramics, raw and baked earth, more than raw, shallow, diagrammatic, stripped of allusions to perspective. Everything is on the surface
by Félix-Émile Taunay, or the timber in A Derrubada (1913) by Pedro Weingartner, are being revised to include authentic expressions of tropical art, which do not correspond is the plastic value of Vicente do Rego Monteiro in items such as the palette, drawing, of the painting. The language of cartography and architectural plans evokes the book,
Flamboyant is a living fire in the history of Brazilian art as a register of disharmony with to the stereotypical idea of tropical artists always being more exuberant in their abuse of volume, form and the structural reduction of figures. He abjures the Indigenous Quelques Visages de Paris (1925), in which Vicente worked with the landscape of the
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nature. The flaming red of Flamboyant is a locus for responding to the violence of life. vibrant colors”. He believes that there is no need to appear tropical to be tropicalist: We model of the French Romantic writer, Chateaubriand, and his reflections on indigenist French capital using a vocabulary of signs. The color reduces the space to make room for a
Color runs through the veins bringing the space to life and activating the bodily memory want nothing to do with turning tropicalism, in general, and Brazil, in particular, into a sect Brazilian painting, with Exéquias de Atalá (1878) by Augusto Rodrigues Duarte. The text that runs vertically over the surface of the support. The floor is an earthy brown. Here,
of warmth, of the spark, providing the groundwork for the painting which the artist was outside of which there is no salvation for human beings born in the tropics. The world is vast colors of this Rego Monteiro evoke the terracotta painting of indigenous ceramics. Joaquim and Torres-Garcia can be seen to be developing the same anatomical lexicon.60
developing from the 1940s onwards, – “from the foundry I learnt to mix colors that my and very diverse in terms of colors and forms, climates and environments. The simple fact of The figures emerge from a desire for volume as ceramic reliefs in the work of an artist People and things are reduced to signs, denoting the actions and the functions of the
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father could never have imagined”. being an individual born in the Brazilian tropics does not oblige one to be, as an artist, an who was familiar both with the clay figures of the Northeast and the tubular cubism scene. In La Rotonde, the minimal anatomy reduces the bodies in movement to economic
Vulcan’s forge was a lesson in color for Antônio Bandeira in his infancy: the fiery light enthusiast for strong sunlight, raw light, and vibrant colors. Your ideal light may be that of of Fernand Léger. It is even possible to retrace the concrete relation between specific signs of actions involved in work (musicians, for example) and social relations (greeting
of his father’s workshop would be reignited in painting as a memory and material desire. the Northern hemisphere; and you may be an adept of Verlainean painting, full of nuances, pieces of Amazonian pottery – the most complex, technically and formally speaking, in and kissing) and what is probably an art gallery. The people are set in a dynamic geometry
“Body and soul / I offer / a melting-pot of iron and bronze / (a memory of my father) / a grey tones, light blues, colors that are deemed cold. What happens, however, is that by Brazil – copied in drawings in the 1910s, and their formal reproduction in his paintings by the rectangular planes of the paintings and the circular tabletops. This Rego Monteiro
melting-pot of body and soul / this melting-pot of races / Fortaleza,” he wrote in a poem.44 rebelling against one’s environment, one produces work that is that of someone who does not of the following decade. In Madona e Menino (1924), the anatomy of the child is from produces a geometry from empirical references with the eyes of someone who has seen
The language is that of Gaston Bachelard on the phenomenology of the smith, a red flame, feel part of it, and is provoked, excited, stimulated by this environment to anti-ecological-like a lunar based Santarém piece of ceramics. The head, ear, breasts, the position of the neoplasticism. No Brazilian appears to have arranged the concrete surface of the painting
ready to work the iron.45 The material in the forge is the formless in search of form. The reactions.53 Thus, from an early stage, Gilberto Freyre recognized the ecologically tropical arms, the crossed legs, in short, the hieratic pose of Our Lady follow the patterns of the as radically as Joaquim.
Paraíban critic, Rubem Navarra, understood early on that a phenomenology was being character of the work of Vicente do Rego Monteiro. Tapajós-Trombetas ossuary urns from Miracangueira that he saw in the museum. The
developed in this work: “Bandeira is struggling between dissolution and construction, the hieraticism comes from the Madonnas. The heads of his religious figures in A Crucifixão c o n s t r u c t i v e a lta r : r u b e m v a l e n t i m
fluid and the solid”.46 The torrid zone in Cidade Queimada de Sol (Homenagem a Fortaleza) vicente do rego monteiro (1922) or in O Atirador de Arco (1925) are inspired by the lids of Maracá urns. Vicente
(1959) has the heat of the forge and of the dry land, the energy of the homo faber and of do Rego Monteiro should also be acknowledged as the inventor of the idea of the Born in a period when the police repressed cults of African origin, Rubem Valentim
the social drama. Also in a painting by Jenner Augusto, such as Campo Vermelho (1963), In 1922, no studio in Brazil, in Rio or São Paulo, was as intensely inventive as that of the modernist project regarding color. brought Brazilian art to a new symbolic and ethical level.61 Valentim was not a “primitivist”,
the canvas is a torrid bright red and the accidental primary monochromes make up the Brothers, Vicente and Joaquim do Rego Monteiro in Paris.54 Motivos Indígenas, three 1922 but engaged in a project involving the modern experience of the sacred. He was Obá da
landscape under the inclement sun. The next step is to understand that, for Bandeira, paintings of Vicente’s illustrate his capacity to give substance in an abstract fashion to a recalcitrance Casa de Mãe Senhora and gave up his career as a dentist to devote himself to painting on
phenomenological perception provides rational and emotional access to the painting: chromatic léxicon and an archetypically Brazilian palette. He was at that time the Brazilian the advice of an Iyalorixá.62 He was na obsessive devotee of the African deities. The double-
“Previously, one only needed the visual angle to look at a painting. Now we need more artist with the most well-established body of modern work solidly based on research in The torrid zone is waiting to be mapped in a way that eliminates regions of a rich terra sided axe of Xangô, which cuts on both sides, is the metaphor the art thinks in terms of
than that, we also need the emotional angle. We look not only at the face, but also into the Museu Nacional collections in Rio de Janeiro in the previous decade. The reduced incognita in Brazilian art: Hic sunt dracones.57 Ignorance of the work of Joaquim do Rego Western constructivist modernity but authentically incorporates Brazil’s African roots.
the heart and the mind”.47 earthy palette, based on the colors of Amazonian archaeological ceramics represents both Monteiro (1903-1934) is a serious historiographical problem. Dying prematurely in Paris, Valentim lays out his principles in Manifesto Ainda que Tardio: Feeling my path between the
native Brazilians (Motivos Indígenas, 1922) and Paris itself (Torre Eiffel, 1922) by of an he has been erased from history for various reasons, ranging from his internationalism popular and the erudite, the source and the refinement – and after having produced a number
t r o p i c a l / t r o p i c o lo g i a essay in indigenous writing. The atavistic color fixes the chthonic paradigm of modernist to the physical distance and the small quantity of his work. For modernist criticism, his of compositions, already quite disciplined, with votive offerings – I came to see in the symbolic
Brazilianism; later, Portinari would paint the Earth purple in Café (1935) and Futebol (1935) painting went practically unnoticed, with only one solo show in Brazil in 1924 and a tools of candomblé, in the abebês, the paxorôs, the oxés, a kind of “speech”, a Brazilian visual
Tropicalism existed before tropicalism, because Brazilian culture is a continuous process to symbolize his world of immigrants in the coffee-growing region of São Paulo. The Rego group show in 1927. He also shunned regionalist and nationalist themes. Finally, his small poetics, capable of configuring and adequately summing up the very core of my interests as an
and not a sequence of events. The fact is that Tropicália (1967) was, according to Hélio Monteiro brothers belonged to the first generation of artists to be impacted by the tragic extant corpus is confined to fifteen works, which makes it difficult to judge his importance. artist. What I wanted and continue to want is to establish a “design” (which I call Brazilian
Oiticica, the first “objective conscious attempt to put an obviously “Brazilian” face on earthiness of Canudos (1896-1897) in the rural parts of Bahia, since social drama did not Joaquim do Rego Monteiro is thus a vacum in the torrid zone so far as Latin American scribbling), a structure capable of revealing our reality.63 It could be said that Valentim
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the... avant-garde and national art in general”,48 pre-dating the coining of the term and the inspire a genre painter such as Almeida Jr. The ecology of the “impressive hovering” was modernism is concerned. Absent from public collections (the main exceptions being produces art in a state of divine possession. However, he has no nostalgia for Africa, but
cultural movement that Caetano Veloso and others built up in Bahia, Rio and São Paulo. described by Euclides da Cunha in Os Sertões (1902): “the forces that work the Earth attack the Recife Mamam and IEB-USP ), his paintings can, however, be found in some of the is rather searching for the contemporary African Brazilian present. A struggle with a society
In Recife, however, there had already been Tropicologia (1965), which aimed to it in its intimate web and on its surface, with no respite from the demolition, taking turns, principal private collections of Brazilian modern art: Gilberto Chateaubriand, Sergio that suffers from an “inferiority complex regarding the African past”, in which black and
address tropicalism in a scientific manner at an academic seminar.49 Before the 1950s with unvarying irregularity, according to the only two seasons in the region.”55 The torrid Fadel and Luís Antônio de Almeida Braga. African became synonymous with slave, according to the anthropologist, Arthur Ramos.64
the ongoing academic concern of Gilberto Freyre’s ecological thinking was emerging ruggedness of the place underlies the discourse regarding the Earth in Vicente’s work. The The small extant corpus contains some European landscapes, a Madonna (1930, col. Having established ties with Yoruba spirituality, Rubem Valentim sought to synthesize
regarding a natural region and a sociocultural space. Understood as a “way of being in theme would not be enough without the production of material signs of painting. The Fadel), two paintings moving in an abstract direction (col. Tuiuiú) and two “landscapes” the spiritual symbols of various religious systems. “In Rio de Janeiro, I discovered the
the tropics”, a tropicalist, regionalist ecology underlay various readings of the “solutions” instance of the signified defines his Brazilian program, according to which a jaguar or a (1927, col. Mamam ). In Cais (1923), the drawing is executed using a hard object, like scratched out points in Umbanda, which do not appear in Bahia’s Candomblé”.65 Taking
of the “situated man”, following Freyre’s example, in a regionalism open to the avant- Madonna are built up using the same atavistic visual lexicon. the handle of a paint brush, to open grooves in the layer of paint as the final strokes in as his point of reference Kandinsky’s On the Spiritual in Art, Valentim learnt from
garde, on the actions of Flávio de Carvalho, who conducted a valid experience regarding Apart from registering the Amazonian archaeological objects in the Museu Nacional, the image. This unconventional procedure is rare in Brazilian modernism, which was not Torres-García that the canvas is a field for writing symbols. His theogony involves a
“the solution to the problem of ecological clothing for the tropics”.50 Even earlier, in The he also read Barbosa Rodrigues and Couto Magalhães.56 His research resulted in dozens much prepared to experiment with the materiality of the pictorial sign. Having taken part radical reduction of religious symbols to structural and geometrical elements. Giulio
Aesthetics of Life it can be seen that for Graça Aranha “in Brazil, the spirit of the common of drawings and watercolors that interpret and represent indigenous legends, which in the modern art show his brother Vicente brought to Recife, Rio de Janeiro and São Carlo Argan explains Valentim’s synthesis as follows: [the symbolic magical signs] have to
man, who is the most important, is the moral passage, the reflection of the splendid and were exhibited in Recife, São Paulo and Rio de Janeiro between 1919 and 1921. His vast Paulo in 1930, it could be said that Joaquim’s painting was in keeping with the pictorial be exposed before they suddenly appear inoculated, deprived of their own originary virtues,
disorderly tropical forest. There is a forest of myths in him”.51 corpus is the first solid manifestation of the idea of Brazilianness of the 1922 generation. vocabulary of the panorama of modern art on show. América do Sul and La Rotonde be it evocative or provocative: the artist works on them until the threatening obscurity of
For Freyre, however, there are many kinds of tropicalism. He maintains that social Vicente’s ecological angle predated Graça Aranha’s project in The Aesthetics of Life (1921). (1927, col. Mamam ) suggest a dialogue between Joaquim do Rego Monteiro’s painting the fetish finds clarity in the clear form of myth.66 A painting is an on-going cosmogony,
forms cannot be reduced to a single model, still less confined to political boundaries. Some of these watercolors had provided the illustrations for P. L. Duchartre’s magnificent and the work of his brother Vicente and Joaquín Torres-Garcia. Since 1917 there has been which retains its totemic, immemorial, syncretized sense. The importance of Valentim’s
Moreover, like the expansion of the idea of regionalism, which has gone beyond the Légendes, Croyances et Talismans des Indiens de l’Amazonie (Paris, 1923). Ceramics lies at a bistrot in Montmartre that was always frequented by artists. La Rotonde, according to work also lies in the semiological codes of a constructive theogony. Acknowledging the
“regionalist movement of 1926”, the various forms of tropicalism have not crystallized the very genesis of his painting. Gilberto Freyre, was the Paris café where Vicente earned a living dancing.59 The space is symbolic character of geometry brings him close to the principles of neoconcretism.

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The historian, Jaime Sodré is working on a structural reading of the colors and shapes in averse to the media cliché “which rarely provides symbols / and is not metaphorical / but suave rational order as a way of addressing the notion of the sensitive geometry76 of Latin delson uchôa
Valentim’s religious work. Judging by the impact of a recent similar study, The Influence incisive and direct / without twists and turns; it is what it is / dried up, / a knifepoint in America, which gives pride of place to intuition. The Italian Morandi series shows the
of African-Brazilian Religion on the Sculpture of Master Didi (2006), this new study will the eye /... it is the other side of the coin”.71 young Magno’s touching enchantment in a foreign land. In this he is close to the regional In three decades of painting, the Delson Uchôa’s “experience of light” in his studio was
provide a great leap forward in our understanding of Valentim. As elements that hold pride of place in the work of Montez Magno, color and ecology of Gilberto Freyre: “...I am not a nationalist, or a regionalist; I don’t root for my “very natural” response to the feel of the time of day. The protected harmony did not
Rubem Valentim was investigating an archetypal kind of sculpture, based on Jung’s form will be intensively experimented with in a kind of constructivism that occupies neighborhood... You can produce work related to the local region – as I do.… But that allow him to deal with the temperature, contrasts or clashes between colors, but he
Man and His Symbols. For the first time, Brazilian art has the authentic, autonomous and a unique place in the history of Brazilian art. His project cannot be fitted comfortably interests me wherever I am, whether her, or in Palestine”.77 could “adorn them, as a way of humanizing them”. Thus, in a painting of the walls, floor
contemporary voice of African-Brazilian spirituality. His strategy was to come up with into categories, movements or groups and his significant contribution to contemporary and roof of the house, appears “the joyful morning light, the austere light of mid-day,
a modern way of inscribing this axiological system. In this he was a precursor of Mira Brazilian culture is thus unique. In 1985, Aracy Amaral noted an especially precise color almandrade the melancholy afternoon lovers’ light, that dramatizes the world”.79 Only later did he
Schendel, and was no less diligent than in tracing relations between writing, language and scheme in Barracas do Nordeste: the vibrant, intense colors (the greens and yellows of the notice the emotional effect of the meteorological “warm light” or “dewy light”. He is not
metaphysics. For Mário Pedrosa, Valentim “belongs to the same spiritual Family as Volpi Brazilian flag combined with bright red or cobalt blue) communicating a total freedom The relation between the light of the torrid zone and the art produced in the region can interested in the science of light, because painting is not physics. “So I stopped talking
and Tarsila”.67 Had he delved deeper, Pedrosa would have noted the difference between of color untrammeled by “civilized” good taste, although aware of the compositional rigor also be found in urban areas in open-air works that create their own way of entering into about light like a physics book trying to explain it”. All his efforts regarding a cross-cutting
Tarsila and Valentim. His modernist parallel in the self-representation of a black man which is the driving force in this great contemporary Northeastern artist.72 In the pioneering intelligent dialogue with the climate and the social and cultural context of a specific place. episteme of light are directed towards a poiesis of light. The corporeality of color, in view
is Di Cavalcanti, who, in the 1920s, painted the musical genres of Rio de Janeiro. With show, “O Popular como Matriz” [The Popular as Standard] (MAC-USP, 1985), Amaral Despite striking examples of this, such as Sérvulo Esmeraldo in Fortaleza, Abelardo da of the artist’s medical training, takes on an organic dimension: the red of veins and arteries,
Valentim, black culture in Brazil returns to its spiritual origins. The African-Brazilian articulates the anthropological visual will of artists from the torrid zone, such as Rubem Hora in Recife and Mário Cravo Júnior in Salvador – artists whose public sculptures incarnate, bilious red, lipid yellow, choleric purple; lymphatic blue; [...] the use of the floor
religions come to be seen as a value system, and no longer connected with police Valentim, Genilson Soares, César Romero, Emanuel Nassar and Montez Magno, and he inhabit the city –, the economic restrictions on culture in the Northeast of Brazil mean as a support; the surgical reconstruction of my canvases using transplants, implants, grafts,
investigation, superstition or anthropological research (Nina Rodrigues and Arthur gives them an urgent social role: “an important way of expressing a reality typical of this that a significant part of this brilliant work remains dormant, projects for public works shreds of membranes, mucus; skin, leather, coagulated pigment, scar tissue.80 If the painter
Ramos), Christianization (Tarsila) and folk art (Mário de Andrade). Brazilian Africa has continent, in which the masses go practically unheard and are not allowed to mix with the that have never been built tucked away in studios and institutions. This is the case of lends his body to the painting, as in the poetry of Paul Valéry and the phenomenology of
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arrived without stylistic intermediation, reification and the political appropriation that elites”. In fact, Montez and Nassar draw on a “deeply Brazilian” vernacular base”. Almandrade, a native of the State of Bahia, who has produced an enormous amount Merleau-Ponty’s Eye and Mind, the body is the color factory in Uchôa’s anatomy lesson. In
erases an identity and leads it to fall into disuse. The whiteness of the monumental Templo The ecological and political dimensions of the work of Montez Magno can be found of painting but who claims that he is “more attracted to sculpture and installations”; the mind, he says, color is electromagnetic, photoelectric; photons do not move in a vacuum
de Oxalá (1977) is an extreme act of relating art and metaphysics in a Brazilian context. in his painting and in other experiments. Dodeskaden  (1977) exposes in photographs and “would like, perhaps because I am trained as an urban planner, to produce work at the speed of light and color is not their material. Painting is not part of an immaterial
the glaring social differences of a favela in Olinda – its title borrowed from a film by that enters into dialogue with the urban environment”.78 For the time being, however, field of light, between the seeing and the seen. I think that I am now beginning to understand
montez magno Akira Kurosawa –, and forms part of a corpus of work on social exclusion that includes Almandrade has not had this opportunity. The underlying architectural logic provides the electricity of color; or maybe not? It doesn’t matter, my dream in color comes from the
Oiticica’s Tropicália, some of Lygia Pape’s interventions and some of the sculptures of the essential key to understanding his work: many of Almandrade’s objects and sculptures spirit, from the self.81 However, this painting is even denser in meaning in that it blurs the
Montez Magno always said  “I am many”. The variety of his work and thought – which Ascânio MMM. Aware of the levels of social disparity under capitalism, Dodeskaden should be seen as models or projects for public sculptures. The inclined yellow plane in boundaries between the instinctive torrid zone and any idea of an erudite artistic norm.
went beyond multilingualism, into the field of different ways of seeing and creating –  underlines the economic contradictions of the metropolis, circumscribing them in terms one of his sculptures (2003) does not reveal its full potential unless installed in Salvador,
laid the groundwork for an eminently ecological relation to the world. This artist is not of the schizophrenia that forms in the socioeconomic system. From the 1960s onwards, for example, where it would show its ability to stave off the tropical light, an example of
interested in establishing a theme or a fixed artistic identity, but moves on various paths, Montez explored the participatory dimension of the other in the aesthetic experience, the sensory experience of the work, which, for now, remains silent. This latent potential
in continual – and at times paradoxical – variation. Aware that he has always been “a since “the goal of art is to reintegrate itself with life, so that everyone can participate is, however, just one of the problems for artists in the Northeast – as in other regions of 37 FREYRE, Gilberto. Algumas Notas sobre a Pintura do Nordeste do Brasil. In: FREYRE, Gilberto et al.
chameleon”,68 he is open to the world, establishing an environmental, political and aesthetic creatively in everything that is made by human beings for human beings”.74 In the same the country. By retaining a certain ethnocentrism, Brazilian historiography has not been Livro do Nordeste, Comemorativo do Centenário do Diário de Pernambuco: 1825-1925. Op. cit.

relation to it throughout his complex career. Montez Magno would thus not allow himself political period, Montez pointed out that one of the characteristics of the art of that time capable of accounting for the contribution to the art world of artists such as Sérvulo 38 FREYRE, Gilberto. Prefácio. In: VALLADARES, Clarival do Prado. Lula Cardoso Ayres, Revisão Crítica e

to be labeled as a “Northeastern artist” as a fixed identity, and this justifies describing him was its “power to provoke the viewer to action”, a process that “the artist (and also the Esmeraldo, José Tarcísio, Montez Magno, Paulo Bruscky, Daniel Santiago, Rogério Atualidade. Rio de Janeiro-Recife: Spala, 1978, p. 11.

as what Gilberto Freyre calls an ecological artist, especially since he shuns any specific public) taking a philosophical position… [extending]  to everyone and developing our Gomes, Martha Araújo, Raul Córdula and Almandrade, to name but a few. 39 There is still little evidence on the formation and production of the Banbrywols group, comprising Bandeira,
75 Bryen and Wols that was supposedly in existence in 1947 and 1948.
identification, such as the “palette of the torrid zone”. Magno understood that modernism perceptive abilities”. He created participatory pieces, such as Caixas (1967), Escultura – 
Throughout their careers  which overlap, since they have contact with one
40 BRYEN, Camille. “Pour Wols”. In: Wols. Paris: Galerie Drouin, 1945, unnumbered.
as an historical epoch had come to an end. Aware that his sensitivity to color could vary Manipulável (1968 and 1970), Pela Fresta (1972) and, in 1969, architectural projects that another – Montez, Esmeraldo and Almandrade, for example, have found a fertile niche
41 BANDEIRA, Antônio apud RIOS, Dellano. A Árvore da Infância (déc. 1930). In: RIOS, Dellano. Retratos do
from the “lunar to the solar”,69 from the “vernacular” to the “erudite”, what matters for were never constructed, such as O Ovo and Museu Mausoléu, known as MMMausoléu. between concept and construction that cannot be reduced to either of these. This unique
Artista. Diário do Nordeste, Fortaleza, 30 Sept. 2007.
him, in his always ad-hoc choices of aesthetic syntax are the contextual relations between While the idea of color-light lies at the heart of Caixas – a series glued and painted school position is clear in the case of Almandrade. Starting out producing visual poetry and
42 NOVALIS. Les Disciples à Saïs. Iéna: Éd. Minor, 1927, vol. II, p. 216.
painting, the world, the subject, history, geography and politics: “space-time and light- pencil cases, which, when handled by the public, reveal unexpected colors and shapes –,  process poems in Salvador in the mid-1970s, he began tireless investigation that would
43 BANDEIRA, Antônio. Diálogo sem censura. Revista de Cultura Clã, n. 20, October 1964. p. 109.
color will increasingly be the elements that artists use in their work”.70 If the “situated O Ovo and MMMausoléu represent the very opposite of contact with light, a metaphor lead to his semantically ambiguous relation with space. In many of his sculptures, objects
44 BANDEIRA, Antônio. Fortaleza. Cidade Queimada de Sol. Poem of 1961.
man” seeks creative power in relation  – the constant exercise of the free production of of the tense relationship between the subject and the world under the dictatorship. An and diagrams, Almandrade uses space to raise questions regarding the relation between the
45 BACHELARD, Gaston. La Terre et les Rêveries de la Volonté. Paris: José Corti, 1947, p. 181.
subjectivity –Magno’s work is a prolific territory of experimentation in this regard. architecture of isolation and resistance to a violent reality, these projects denounce the signified and the signifier, providing experiences of space whose physical disequilibrium
46 “Um Novo Pintor se Despede”. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 24 Mar. de 1946.
His work thus addresses and questions the relations of capital in the emerging process lack of freedom in states of exception. leads to a disequilibrium of the senses. In a recent painting, Uma Tarde de Verão (2011),
47 BANDEIRA, Antônio. Depoimento [Statement]. O Povo, Fortaleza, 8 Apr. 1955. Published originally by Wlamir
of globalization in the 1960s. Clear examples of this are provided by one object and two This artist’s varied work refuses to be seduced by the kind of tropicality that is restricted for example, the tension of the almost symmetrical lines and colors – which appear to be Ayala in Jornal do Brasil (1969).
projects involving the interpenetration of the shapes and colors of the Brazilian and US to ideology and the market. Magno does not want to see Brazilian (or Northeastern) light struggling to remain stable atop the immensity of a vivid yellow, which, like atmospheric 48 OITICICA, Hélio. Tropicália. 4 Mar. 1968.
flags, from 1969. He also deals with issues regarding the visual anthropology of the culture and culture as something exotic, and continues to flit about from one style to another, light, tends to lend it movement – adds to the semantic instability suggested by the title of 49 The Tropicologia seminar was created by Gilberto Freyre in 1965 to deal with heterogeneous experiences then
of a side of Brazil that is not widely known, as can be seen in series such as Barracas do in a way that transcends geopolitical boundaries. Neither does he ignore the history of the work. As presaged in his book, Linguagem (1970s), in which a line is transformed into isolated among various specializations. The seminar was held at UFPE from 1966, moved to the Joaquim Nabuco
Foundation and is currently held at the Gilberto Freyre Foundation. The Tropicology Seminar and Institute still
Nordeste  (1977-1985),  Teares de Timbaúba  (1979-1998),  Portas de Taquaritinga  (1983) Western art. In the Morandi series (1964), he is searching for the chromatic serenity of a wave, the wave into calligraphy, and the calligraphy into the word that is the title of the
pursue the aim of contributing to the understanding of people living in the tropics, with their continual challenge of
and Fachadas do Nordeste (1996), among others. The work can in no way be reduced to the Italian master. Antithetical towards the Gallicized geometry of Cícero Dias, based on book, Almandrade is interested in playing with the forces that create values in and beyond creating ways of life and cultures that do not degrade the environment. See Seminário de Tropicologia. Available at
anecdote. Color and form give it a precise political meaning, since Montez was always the vibrant range of “tropical” colors, Montez structures his fluid Morandian manner in a language, a concern that appears constantly in his work as an art critic. http://www.fgf.org.br/seminariodetropicologia/seminariodetropicologia.html consulted 12 January 2012.

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50 FREYRE, Gilberto. Arte e Civilizações Tropicais. In: Vida, forma e cor. Rio de Janeiro: José Olympio, 1962.

51 ARANHA, Graça. A Estética da vida (1921). In: Obras Completas. Rio de Janeiro: INL, 1968, p. 621.
Pernambuco, Cícero Dias and Paris Mário Pedrosa
52 FREYRE, Gilberto. Ouro Como Cor Característica. O Cruzeiro. Rio de Janeiro, 24 April 1966. Revista Região | December 1948 | Pages 8-9
53 FREYRE, Gilberto. Arte, Ciência Social e Sociedade. Revista da Escola de Belas-Artes de Pernambuco. Recife:
Escola de Belas-Artes de Pernambuco, 1958. p. 17-30.

54 See “1922,Um Ano Sem Arte Moderna.” Herkenhoff, Paulo. Arte Brasileira na Coleção Fadel: da Inquietação After having spent nearly two months in Pernambuco, Cícero Dias is passing through and innovative artists. At these times, the imbalance becomes more pronounced. To be
do Moderno à Autonomia da Linguagem. Rio de Janeiro: CCBB, 2002, p. 30-67. Rio on his way back to Paris. In Recife he held an important retrospective exhibition sure, assimilation is slow precisely because it is affective, rather than cerebral – sensitive
55 CUNHA, Euclides da. Os Sertões (1902). Belo Horizonte: Itatiaia, 1998, p. 27. covering twenty years of his work in the main hall of the College of Law. and, occasionally, simply sensorial.
56 Cf. Zanini, Walter. Vicente do Rego Monteiro, Artista e Poeta. São Paulo: Marigo, 1998. On view were his earliest, still tentative drawings, dominated by picturesque or poetic It is in music that the phenomenon is most concrete and convincing, precisely
57 “Here be dragons”. This was the expression used to imagine what might exist in areas not marked on maps subject matter as well as his latest, rigorously abstract Parisian works. because – alone among the arts – it is the least reducible to concepts and ideas. See
in the 16th century. No Brazilian painter has evolved more radically than this plantation boy from Debussy’s Pelléas et Mélisande. Those who first heard it at Rio’s Teatro Municipal during
58 Cf. Artistas Pintores no Brasil (São Paulo: Nacional, 1942, p. 203). In this book, Teodoro Braga lists four articles on Pernambuco who moved to Paris. The early paintings, with their folk art subjects, their the 1920s recall the hostile (or negative) reaction of the public. At the time, its diaphanous
the artist. Walter Zanini discusses the reasons why this artist has been forgotten. colors purely symbolic of states of mind, did not herald the nakedly orthodox painter musical purity was appreciated by a very few. Even those who passionately defended its
59 Introdução. In: BOGHICI, Jean (coord.). Vicente do Rego Monteiro, Pintor e Poeta. 5th ed. Rio de Janeiro: fully consumed by problems of color, of light, of form that he is today. “dissonances” against the public hostility that greeted it were only able to perceive its
Cor, 1994, p. 32. Recife reacted vigorously to Cícero’s experiment and reaction was spearheaded by most superficial aspects during that first performance, certain descriptive accents and
60 On the relations between the work of the Rego Monteiro brothers and Torres-Garcia, cf. Herkenhoff, Paulo. Mr. Mário Melo, an illustrious local polygraph. His daily articles were talked about concerns, certain chord modulations that imitated an outside noise, suggestions of this
Vicente do Rego Monteiro, o Primeiro Projeto Modernista Brasileiro. Recife: Mamam, 2006 (in print).
everywhere. Bourgeois families were in a tizzy; serious men and moralist petit bourgeois or that, having absorbed but the vaguest impression of how the piece sounded as a whole.
61 Parts of this essay were published in Pincelada: Pintura e Método no Brasil, Projeções da Década de 1950.
could not understand how the main hall of the College of Law – that venerable guardian The musical form itself, its texture, its line, the beauty of its construction and melody went
São Paulo: Instituto Tomie Ohtake, 2009, p. 185.
of the most respectable traditions – was now housing the artist’s doodles and monsters. unperceived. Yet it now possesses the tranparency, the clarity of Italian opera!
62 Interview with Antônio Olinto conducted by the author, on 27 May 1996.
To those good people Cícero was a devilish pernambucano who had lost his soul in Paris Of all the arts, music is the one farthest removed from intellectual solicitations: hence
63 The text is dated Bahia, Rio, São Paulo, Brasília. January 1976. In: Rubem Valentim. São Paulo: Bienal
in bad company. its greater power of penetration. Intelligence is far less sovereign over the ear than it is
de São Paulo, 1977.
Truly, there was a holy indignation. The forms and colors devoid of realist “meaning” over eye, which is still very much bound to the discrimination of intellect.
64 Ramos, Arthur. Arte Negra do Brasil. Cultura, 2:189-212. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1949.
amid the ambiguity of the paintings’ titles were equally shocking. To be sure, many of In painting, centuries-old aesthetic canons have closed their ranks against innovation.
65 Statement by the artist, apud MORAIS, Frederico. Rubem Valentim: Construção e Símbolo. Rio de Janeiro: Centro
them possessed dubious designations. One of the canvases was titled “Either a Papaya Academicism is the crystallization of artistic recipes that were already in force during
Cultural do Banco do Brasil, 1994, p. 45.
Tree or a Dancer”. This fact brought on headaches to most of the population. Not a day the Renaissance. Through this crystallization, these recipes constitute to this day the
66 ARGAN. G. C. In: Rubem Valentim. Roma, 1966. Apud Valentim, Rubem. 31 Objetos Emblemáticos e
passed that Mr. Mário Melo and the retinue of his disciples did not ask: After all, is it a artisanal apprenticeship of a corporation of individuals whose mission consists in faithfully
Relevos Emblemas. Rio de Janeiro: MAM, 1970, unnumbered.
dancer or a papaya tree? A generalized sense of frustration gripped his readers. No one reproducing or imitating external objects or conventional reality.
67 Pedrosa, Mário. Contemporaneidade dos Artistas da Bahia. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 29 Jan. 1967.
quite managed to solve the mystery. Having been unable to penetrate it, they did not feel If these recipes are no longer valid, the corporation will lose its ultimate reason for
68 Statement in an interview with Clarissa Diniz, 6 March 2009.
they had the right to like the painting or to dislike it. being. This is why academicism is the greatest obstacle to the true artistic initiation of the
69 “My painting can be divided into two visions – one lunar, the other solar. Series such as Morandi, Fachadas do
What’s worse is that not one of us – neither Aníbal Machado nor Rubem Braga nor people. It is also the reason why Mr. Mário Melo and company were able to speak for the
Nordeste, Desconstrução da Geometria and Variações Geométricas are lunar, while the Negra, Tantra and Barracas do
Orígenes Lessa nor I – who had traveled to Recife at the invitation of the Law Students’ majority of the Pernambuco public. Hence, too, their insistence upon knowing whether
Nordeste series are solar. The latter are solar because they use very vibrant, strong colors, in which there is a very clear
luminosity. The lunar paintings use a lighter, softer, more subtle palette”. Statement by Montez Magno in an interview Union and of the Office for Documentation and Culture to be with our friend and see this or that painting by Cícero “represented” a cashew nut or the head of young woman.
with Clarissa Diniz. Recife, 7 March 2009. his retrospective was able to decipher the enigma. In fact, we were backed up against the Without this preliminary, there could be no criterion according to which they were used
70 Extract from Testo e Contesto, a text by Montez Magno, published in a leaflet accompanying the artist’s solo wall and summoned to present our opinions in a sort of public debate in which Cícero to assess whether a painting was good or bad. If the canvas represented a cashew, then it
show at the Petite Galerie. Rio de Janeiro, 1970. Dias was the defendant and we were his lawyers in a court of law. The audience demanded had to do so properly; for a cashew is a cashew and a young woman is a young woman
71 MAGNO, Montez. Manuscript of the unpublished book, Barracas do Nordeste. definition; they wanted to know at any cost whether that was a papaya tree or a dancer, Only after matters have been cleared up by the author’s assurance that it was a cashew,
72 AMARAL, Aracy. O Popular como Matriz. São Paulo: Museu de Arte Contemporânea da USP, 1985. or whether another canvas – with the same terrible ambivalence – was an umbrella or a young woman, top hat, umbrella, papaya tree or dancer, will the lettered men allow the
73 Idem. musical instrument. Moments of anxiety. people to like the work or not. For this very reason, one of those present at the Recife
74 MAGNO, Montez. Statement from folder accompanying the artist’s solo show in Rio de Janeiro: Ibeu, 1968.
debates proposed a referendum there in order to democratically decide whether the
people understood Cícero’s painting or not. One way or another, the audience must
75 Idem.
* * * pronounce itself.
76 Cf. The “Geometria Sensível” exhibition, curated by Roberto Pontual, at the Museu de Arte Moderna do Rio de
Janeiro, 1978.
No one should laugh at such ingenuities. The same thing could happen here. The
lettered public of Pernambuco is as educated as that of Rio. The problem is not one of
77 Statement from interview with Clarissa Diniz, 6 March 2009.
Men do not like living in insecurity or uncertainty. They also dislike all things that would culture, of intellectual preparation, which is what is generally understood by culture.
78 ALMANDRADE. In: Almandrade, um Olhar do Artista Sobre o Seu Trabalho. Catalogue accompanying the
exhibition of the same name. Museu de Arte Moderna da Bahia, 2011. steer them away from their daily routines. This phenomenon is so constant that it has The lettered public of Pernambuco’s concept of art is identical to that of our public in
79 UCHÔA, Delson. Delson Uchôa. Milão: Charta, 2009, p. 17.
already allowed aesthetic sociology to infer a law according to which all things new appear Rio or São Paulo.
to be ugly. The taste of the public is shaped by the success of previous artistic works. Any Whether provincial or metropolitan, there as here, the public is still largely
80 Ibidem.
effort at denying or shattering the crystallization of sensibility that takes place with regard impermeable to art, precisely by acquired culture rather than by its absence. Within the
81 Delson Uchôa in an email to Paulo Herkenhoff, 16 April 2011.
to works that have already been acclaimed tends inevitably to raise lively opposition. The realm of aesthetics, this culture has been anachronistic for three centuries. It is still ruled
history of all the arts is an uninterrupted sequence of such shocks and reactions. In these by the canons of the Renaissance, dedicated to a glorification of sensual immediacy, of
domains assimilation is extremely slow. Occasionally, during certain periods, innovations triumphant bourgeois materialism. The academy was born to preserve this culture. What
accumulate as a result of the simultaneous emergence of great numbers of revolutionary blocks access to artistic sensibility is not the illiterate yokel’s ignorance or the child’s

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innocence. It is intellectual and academic precepts that lead a writer, a minister or a colored squares. Coconut trees, banana trees, sugar cane fields, leaves, cashews,
carybé seasonal lights
scientist to admire pictorial imitations by Osvaldo Teixeira or Manoel Santiago and to coconuts – all of these have been reduced to essentials, to formal signs independent of
turn away from canvases by Pancetti or Portinari. any direct natural suggestion.
The symbolic discourse struck a special chord in the early 20th century owing to its There is a Northeastern snow in painting. The white sands of Lagoa do Abaeté on a
When Cícero Dias held an exhibition in [the] Jundiá [plantation], [in the township of] Cícero has estranged himself from Pernambuco society. He is no longer the
capacity to create regional identities competing for national legitimacy. At a time when summer day are deemed by Pancetti to have something in common with what a snowscape
Escada, he wanted precisely to sweep away this crust of prejudices of the capital’s learned melancholy plantation lad. There is no longer anything regional in his art. What he has
various theories of Brazil were being produced – in particular Gilberto Freyre’s Casa- meant to Cézanne. Historically, atmospheric phenomena and sunlight have been issues
men the better to reach the popular instinct of the modest countryside agglomeration, retained of Pernambuco is rather the earth, the air. He sees the earth from above, as if
Grande e Senzala (1933) and Sérgio Buarque de Holandas Raízes do Brasil (1935) –, the for painting. Snow, fog and excessive sunlight blind the painter’s eye. Imagine the icy
far removed from the and ideological struggles or intellectual deformities of the great he were sitting atop of a coconut tree. The white tropical light that remained in his Paris
art and literature of the period invented a country that had been expanded by the politics landscape of Claude Monet’s Frost (1885) compared with the humidity of Castagneto no
metropolitan centers. It is a well-known fact that young cowboys or illiterate pastors canvases comes from this angle of vision.
that preceded and then created the Estado Novo. After the first modernist impetus, Freyre Rio, on the fringes of Luz Tras Mi Enramada (1926) by the Venezuelan artist, Armando
endowed with an unconscious formal sensibility are better equipped to appreciate One may or may not disagree with his painting, but its importance to our pictorial
played a central role in building up the idea of the Northeast, just as Jorge Amado was at Reverón and, finally, in the images of the torrid zone produced by José Pancetti, Vicente
modern painting than the educated students in our universities. This is what the lettered evolution is evident. He learned the universal lesson of Kandinsky and Picasso after he
the same time inventing and being invented by Bahia. The artistic production that entered Leite and Flavio-Shiró. The historian, Charles Moffet took a photograph by E. Loydreau
men have such trouble understanding. had freed himself from childhood reminiscences, from regionalist nostalgia, from all
into dialogue with these conceptions of Brazil sought to produce a social, political, (Effet de neige, 1853) as the starting point for his definition of the impressionist winter
the poetic or picturesque sentimentality of the early days. Cícero is a Brazilian artist,
cultural, subjective image for the Nation and, more specifically, for its regions. Rubem landscape.84 Caspar David Friedrich (The Sea of Ice or The Wreck of Hope 1824) and
although he no longer knows he is when he paints his landscapes. Nowadays, the artist’s
Braga contributed to this intensification of the symbolic power of art and would point Gustave Courbet – who painted numerous landscapes from the 1950s onwards – pointed
* * * Pernambuco are colors, a luminous atmosphere, forms that move in space.
out, in reference to the Argentine-Brazilian artist, that, “in Bahia […] suddenly we can see the way towards impressionism. Courbet concentrated on the “effects of snow” (effets de
They are the materials of his formal language. Its communicative power comes from
a black man in a white shirt or a Bahian woman with a hooped skirt […] ‘imitating’ the neige), a particular way of representing light, air, and the appearances of color and cold in
a sensibility sharpened by reflection and calculation, paradoxical in as contradictory and
drawings of Carybé”,82 evidence of the power of the image that Mirabeau Sampaio would the landscape. Effets de neige can be found throughout the work of impressionist painters
Cícero Dias performed an important experiment in Recife. From a cultural perspective, instinctive a man as this Cícero Dias, who emigrated from Pernambuco for good, albeit
put his finger on: “I was born here in Salvador and I made myself here, and I can say that: such as Monet, Renoir, Guillaumin, Pissarro, Sisley and Caillebotte.
that experiment is destined to have the greatest repercussion. He succeeded in taking with him that which is eternal in it: air, light and colors.
In Bahia, there didn’t used to be any black people; it was something that no-one had seen The sunshine of the torrid zone should be compared to the effets de neige of modern
traumatizing public taste. And nothing could be more fertile for artistic initiation. Beyond
here, until the arrival of Carybé”.83 painting. In Europe, the homogenization of the landscape by frost requires subtle tones;
this, he demonstrated to the citizens of Recife the indestructible historical continuity of
The ideological character of the art and the versions of the Northeast that were the scalding sun of the Northeast fades the palette of the real. Wherever you are, the
art throughout the centuries, exposing the affinities between the old, perennial art and
being built on the myth of racial democracy created by Gilberto Freyre would make shining white of Vicente Leite’s beaches are impregnated with the excess of blinding light
so-called modern art.
Cícero Dias, Lula Cardoso Ayres and Carybé bear witness to the virtues preached by of Fortaleza. José Pancetti painting on the Lagoa do Abaeté dunes uses a severe color
With truly admirable didactic sense – side by side, in a separate exhibition room – 
this kind of sociology, which, crossing the boundaries between disciplines, would lay the in which the excess of light, as in reality, produces a loss of relief, turning the painting
Cícero Dias hung a reproduction of a drawing of palm trees drawn by an native Brazilian
foundations for the 1930s novel and the second modernist generation in the visual arts. into a pure material surface. Shiró’s so-called “white series,” (Ensemble, Titre cachê, Ser e
Indian, a landscape of coconut trees by Teles Júnior, a reproduction of a cubist landscape
by Picasso with the same subject and a painting of his own inspired by an identical motif. In the case of Carybé, his prolific oeuvre defended the naturalization of miscegenation Matéria X, Bahia, 1962), likewise evokes the snow: “Japan remained, throughout my life,
The academic artist’s palms did not reflect the slightest formal independence, a mere and racial tolerance (A Morte de Alexandrina, 1939) at a time when Sérgio Buarque a memory of colors for me – the white of the snow – or of certain sounds – my father’s
anecdotal detail, while the structure of the native Indian’s drawing resembled the Spanish de Hollanda was coming up with the idea of the “cordial man”. The thundering critical feet trudging through the snow, carrying me on his back to the public baths”.85 This
master’s already highly condensed cubist forms, devoid of any naturalist inference. work of Carybé in the 1930s brought him close to the Marxist agenda of the Mexican painter displays a precocious and sharp sensory memory which was a key factor in the
Cícero’s forms, though, were no more than outlines of the original thematic elements, muralists or of his compatriot Antonio Berni, in his praise for the post-slavery labor development of his work at a torrid frequency. Comparing the Shiró’s white paintings to
able to encompass other objective suggestions within their universality. force (Beira-Rio, 1939). The celebration of African-Brazilian culture runs from the myth the effets de neige would appear to be more paradoxical that surprising, since they always
The painter from Pernambuco did not arrive at the abstractionism of his current of exaggerated libido (the idea of promiscuity), to everyday customs, cheerfulness, retain an equatorial atmospheric depth that refers to the humid heat of Tomé-Açu, which
period in a single leap. There is an entire intermediary period in which the subject slowly and parties (Vadiação, 1965). African-Brazilian religious systems also caught the the French critic, Georges Boudaille, saw as Amazonian humidity in a text from the late
loses importance until it completely disappears The only thing that is left of so-called attention of Carybé (Iconografia dos Deuses Africanos no Candomblé da Bahia, 1981) 1950s. The stifling white in the white paintings, with measured light and gray hues, is
regionalist subject matter is what truly belongs to the realm of form: certain vegetable and, at a time of intensive symbolic representation on the part of other artists from redolent of the essay In Praise of Shadows (1933)86 by Jun’ichiro Tanikazi. In Japan, a
and architectural shapes drawn from the landscapes of Pernambuco (and, above all, from Bahia (Rubem Valentim, Mário Cravo Júnior, Calasans Neto, Mestre [master] Didi and culture of shadow prevails.
those of its capital city Recife) as well as certain local blues and yellows resistant to any Agnaldo), played a central role in the legitimization of this legacy among the general However, there is a snow effect in the Northeast that oscillates between reality and
sort of light. public. Valentim and Mestre Didi produced rigorous religious poetry. By way of this simulacrum. Leonilson, in collaboration with Albert Hien, has worked with snow itself as
Certain colors that were symbolic of the early days, a surfeit of mauves and art, the living African heritage invaded the city and the media. Artists and writers, such the material from a smoking volcano. Everything is fleeting: smoke, snow itself, and the
purples, certain conventional pinks that stretched drably and monotonously across the as Jorge Amado, despite their singular features, were appropriated by Bahia, especially thaw – the very economy of art in the face of the critical model of volatility. In a critique
canvas – these were set aside. His palette was enriched by brighter colors that succeed under the governorship of Antônio Carlos Magalhães, to transform the “way of life” of the importation of culture, Marepe mocks the torrid simulated cotton snow on tropical
one another upon the canvas – occasionally tempered by white or gray and, at other and the specific artistic features of the torrid zone in an official discourse of the nature Christmas trees. The blindness of the excess of light is experimented with as excess and
times, used directly. He is not even afraid to combine the most symmetrically opposed of being Bahian at national level. Beyond the culture of spectacle, the social reach of absence, since white has the potential to resist all chromatic vibrations. This double-sided
of complementary colors (such as green and red). In fact, he pointed out examples of Carybé – whose 70th birthday celebrations filled the Pelourinho district with 15,000 Northeastern snow addresses the deterritorialization of the blinding light.
this during our excursions through the roads that lead away from Recife. paying homage to him (1981) –, is perhaps comparable only to that of Jorge Amado, In the 1960s, Flavio-Shiró experienced the Bahian sunlight, which was converted into
They remained in his visual memory forever. Hence the fidelity with which he who, in fact, transformed the painter into a character in his novel, Dona Flor (1966). strident and torrid color on his return to France. Shiró experienced the most extreme
captured the atmosphere of certain landscapes of the [Brazilian] Northeast while he was Carybé’s work is generally interpreted in terms of the hypothesis of the consensual and physical, geographical and cultural displacement, like the wild fig-tree that expanded over
abroad – the strong light, the singing colors interwoven with forms that increasingly cordial Brazilian culture and the conflictual aspects – as alluded to in Briga de Cães three continents and and various ecosystmes: his childhood memories of the snow in Japan
resemble the triangles, circles and squares of Kandinsky, the master and theoretician of (1942) – and dissent continue to be overlooked. We are still awaiting the publication of and the abstract-material painting in France are intersperses with many different Brazils.
Abstractionism. Marcelo Campos’ thesis (“Carybé e a Construção da Brasilidade: Arte e Etnografia para Painting is his intra-Brazilian multiculturalism from his childhood in the Amazon of the
The houses of Recife, the row of little one story rectangular houses, guarded here and Uma Análise Para Além das Representações”, 2001) to rescue the symbolic and artistic creepers and caterpillars in Tomé-Açu, from his initiation into the art world in São Paulo
there by swaying coconut trees, have been essentialized in the current canvases to mere value of Carybé’s work from the limbo of folklore in which it has become submerged. and the sunlight of Rio and Pituba. These are not changes of landscape, nor tourist’s interest

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in regional motifs. His anthropophagic melting-pot incorporates differences, because it was Iberê Camargo and José Cláudio. Shiró was the painter of the ghosts of his Amazonian not believe in moralistic prudery in painting stand in the place of Jacques or Georges, or post-modernity: among tense steel cables there are elements of traditional painting – nails,
always open to impressions and could not be reduced to the expression of a single place, and childhood translated into the tragic sense of history: caterpillars made up his army of the both? There is no way of classifying the unclassifiable. There is no unmentionable, no social frames, canvases – and allusions to things that fly – wings and propellers. Arranged in
negotiates symbols, visual ideas, material solutions and a conceptual agenda. atomic Armageddon, in the context of the Cold War. The gaze of the conscience is the bashfulness, no privacy or morality, but, likewise, there is no egotistic self-exposure: this space, the elements at once allude to musical “rhythm” – concerto – and dysfunction,
After his stay in Bahia, Shiró developed the torrid color of the tropics in Paris. The most terrible gaze of Benjamin’s angel of history. The two others touch on the issue of is the very territory of fantasy that does not see mental or verbal images but is incarnated conserto [the Portuguese word for repairs which a homophone of concerto], providing
red appeared as energy, pain, violence and death. There is something at once shadowy patriarchy in Brazil. Camargo, after committing a murder, portrayed himself with tragic as painting. What one sees is the emergence of the possible. It arises with a devastating a sensation of a moment frozen in space-time, ushering in the expectations of the
and political in the radical passage to unavoidable social phantasms. The military coup of self-condescension (the Hora series, 1984). Everything that came later was a symptom violence, with an urgency to be seen capable of creating aphasia in response to the gaze. millennium to come. The power of an interrupted entropy – a sensation of something
1964, the wars of decolonization in Africa, the threat of nuclear war, the Cold War, May of this incapacity to be with the Other: the “vigor of the real” drains away into with the Stripped of dissimulation (the robe mouillée of the Venus de Milo is the opposite of this that has been blown up (parts everywhere), although captured before it disperses
1968 provided the backdrop to his planetary drama. By not alluding to any particular impossibility of the painting establishing what was once a fruitless process of expiation strategy of enunciation). A painting expands the visible possibilities of the intimate. completely – seems to speak of a subjectivity in the process of radical transformation
place, the drama is located everywhere. From the vibrant colors of Apocalipse (1966) to of personal guilt as a collective disorder. Hence the melancholy of painting with a death Faced with the melancholy cannibalism of Pierre Fédida 
– the mourning in while still owing something to structured schemes?
the ethical agenda of Máquina Humana (1969), the environment, social processes, and drive. With equally strong brushwork, but with excessively torrid colors, José Cláudio is, anticipation that derives from the desire to devour one’s partner during intercourse89 –, In the atmosphere of movement in suspension of Concerto Para Final de Milênio, the
psychological turmoil are mixed together in his corpus of paintings. No part of the canvas however, in the opposite camp to Iberê. The figurative in José Cláudio transfigures the it is concluded that death must be expelled. The skeleton must be beaten and not danced pleasure lies in the colors. The spatialized bright red imbues the air and the body of the
achieves stability and there is an abundance of political detritus, bleeding bodies, bombs, material of the real sustained by life. The painter working at his full potential is no longer with as in Ensor and the whole Northern European culture of the Todtanz. The battle of other, experimenting with the power of monochrome even when stripped of its modern
bomb craters, speed. Everything is pulsing with life. burdened with the social guilt of the Ateliê Coletivo nor the constricting parameters of scissors and the language of blades, between castration and the breaching of the hymen. project of autonomy, a sensation that is also aroused by Antonio Dias’ Coração para
In 1965, Flavio-Shiró painted the polyptych As Quatros Estações [The Four Seasons]. ideology. Engaged art has been exhausted by the authoritarian avalanche of 1964. The Without any guilt or shame, as if characters from Georges Bataille had come to life.90 The Amassar (1966), whose emulation of a semblance of pop creates ambiguities around the
There are many Four Seasons in the history of Western culture, from the Baroque to power of the desiring subject now moves in a painting that has gone beyond the eroticism feelings of guilt, shame or repulsion are transferred onto each viewer, if this is the case. meanings and uses of the red, supposedly soft, object in the shape of a heart. Also present
contemporary art and music (Vivaldi, Haydn, Delacroix, Kandinsky, Chagall, Piazzola of Jorge Amado. The material sign is now at service of the libido; the painting is an erotic There are no shock tactics, but the presentification of the scene. in pieces like Alaranjado Via and Os Flutuantes (2001), saturated color and pictorial logic
and Cy Twombly). In Brazil, while Freyre had advocated, in 1925, that “we should, in fact, region of fantasy. The carnality of José Cláudio’s painting exudes heat like a subject in a Martins de Melo basically paints diptychs. The separation of the two canvases does not remain fundamental in Paulo Meira’s recent work, including his videos. An emblematic
have outgrown the passive colonialism of decorating public buildings with images of the state of orgasm. derive from the naïve intention of producing a diptych in which two parts form a single figure is the clown in the film, Marco Amador – Sessão Cursos (2007), whose paint-daubed
four seasons that do not correspond to our regional or national life in Brazil”, forty years image, nor from penury (the lack of a larger canvas). This is a cut. And hence the cutting of face is picked up in the pink painting, The Painter, the Model and the Painting (2008), in
later, Flavio-Shiró’s anual cycle of the seasons achieved the impossible: uniting the climatic t h i ag o m a r t i n s d e m e lo the surface is an indissociable operation. Lygia Clark’s organic line reiterates the separation which the character’s face appears to be being made up, as he confronts the viewer – or,
conditions of three worlds, three continents and two hemispheres – symmetrically of what one desires to be united and one in the painting, the abyss of the lack and the previously, as suggested in the title reminiscent of Velazquez, the painter himself. This play
opposed and irreconcilable astronomically speaking 
– because it was in these The role of sex in the work of Thiago Martins de Melo – apart from the symmetry fissure of incompletion. The pulse of life, the movements of the libido, the phantoms of of forces – between subjects, and between art and the other – takes on great importance
geographical quadrants (Europe, the Amazon and the Southeast of Brazil, and France) between voyeurism and exhibitionism – can only be matched in Brazil by Maria Martins desire – the pictorial sign is the work of the libido, as in Bourgeois’s sculpture. The painter in the artist’s latest works. In objects made for audience participation – such as the playful
that he found the cultural elements of his painting. These climatic disparities derive (L’Impossible, 1944), Flávio de Carvalho (Nossa Senhora do Desejo, 1955) and Adriana strives to maintain the overlap between the unconscious – a possible project of a writing and violent Omphalós (2008) – and through audiovisual fiction, Paulo Meira enters into
from the artist’s life experience, since Quatro Estações (1965) juxtaposes the temperate Varejão (Filho Bastardo, 1992). The photography of Alair Gomes, for example, shows the in the language of the unconscious and not its illustration – and the experience of the dialogue with some aspects of popular and media culture, rereading them in a critical
(Sapporo and Paris), equatorial (Tomé-Açu), subtropical (Rio de Janeiro and the São ecstasy of the voyeur and the work of Antonio Dias in the 1960s shows the violence of the drives in the painting, the inescapable confrontation with the material sign of language. and sarcastic manner through versions and citations that rest, among other things, on the
Paulo of Trópico de Capricórnio) and the torrid zone (Pituba). The annual cycle does voyeur – are two economic regimes of visible desire. However, the prime feature in Martins This relation maintains the cohesion of the signifier, signified and signification. alteration and intensification of the temporal, spatial and chromatic experience to which
not determine the longitude, but governs a large number of astronomical, geographical de Melo is self-exposure. The quality of this explicitness cannot therefore be compared to we are accustomed.
and climatic features. Shiró brings together hot and cold (winter/summer, torrid and the retiring Louise Bourgeois. Only Georges Bataille – Histoire d’ Oeil, Madame Edwarda bruno vilela
temperate zones), savage colors and the natural and cultured gestures of an imaginary Seguido de El Muerto, L’ Érotisme – covered such complexity. Bourgeois’s Fillette (1968) antonio dias
climate where differences coexist and all the seasons are experienced in a single country, is the genital organ of a man (for her, “the absolute fragility”) as exposed as the genital Bruno Vilela’s experimental work is pervaded by the world of pop and a cathartic
nation, ethnic group, continent or culture. Each one contains the interstices of the others, organs of the woman in Gustave Courbet’s L’ Origine du Monde (1866) and Auguste autobiographical character, whose intensity of pictorial gesture is transposed into collage, The soft and the violent, ethics and lack of prudery, words and censorship, love and pain,
like a kaleidoscope of culture and light. Rodin’s Iris (1890-91). The exaggerated exposure, direct and intimate, is not the rawness of the scratch, the pixel, appropriation. The act of opening and closing – unveiling – is alluded the tactile and the adverse (in a terrible state of mutual reversibility), history and the
a mechanism, but the emotional and violent relation with the target (the sexual target lies to in the bags and books series (2000), in which he wraps the inside of objects that refer to remainder (the Angelus Novus contemplating the future), capital and labor, labor and
josé cláudio under the dominion of an erogenous zone). Courbet was painting before Freud – science the visual culture of the globalized world – objects from childhood, family photographs, exchange value (surplus value), the Bauhaus torn between craftsmanship and industrial
was only beginning to understand the psychology of desire. Thiago Martins de Melo puts his daughter’s clothes. The intersection between these two worlds gives rise to conflict: production, GOD/DOG, the duel, the one-sided Moebius strip, João Cabral, Clarice
José Cláudio has had a multifaceted career stretching over six decades. He studied under Courbet, Rodin and Bourgeois in his pictures. Bourgeois sculpts after being confronted the excessive presence tends to annul singularities – diversity and pollution are confused; Lispector and concrete poetry, the conceptual and the sensorial, the abject sublime, the
Cravo Jr., Jenner Augusto and Carybé in Bahia, and Di Cavalcanti and Lívio Abramo with Freud’s doubt (the only question that he said he could not answer would that of the cuts are abrupt (elements torn and ripped from their original context); the theme is object and the subject in reversible transit, economics resolve as density, the culture of
in São Paulo. These choices show that he was interested in Marxist ideas, especially in women’s desire) and Jacques Lacan’s statement that woman does not exist and came to the collapse of civilization, the traumatized individual. The colors – yellows, blacks, reds cartoons. Perhaps it does not go far enough to say that Antonio Dias invents contradictions
the collective initiatives of the time (e. g., the Ateliê Coletivo in Recife, 1952), on the understand them in her own way. Martins de Mello’s painting unveils such limits. and purples – form the backdrop to Vilela’s tragic and unfinished narratives and provide a rather than paradoxes and a temporal space, between the beginning and the end of the
antagonistic ideological spectrum that oscillated between Abramo’s Trotskyism and the The painting of Martins de Melo, like the work of Antonio Dias or Tunga, is a field glimmer of redemption in their beauty: the objects the artist paints, also grouped according spectacle, of art as the most difficult path.
Stalinist guidance the Communist Party provided for the engraving clubs. While the of the phantasmagoric. It incorporates carnality as the sexualized body of the painter to a logic of color seduce the viewer with their scandalous visual appeal. Different from the Since his appearance in the early 1960s, Antonio Dias made an abrupt break with
Mexican Talleres de Gráfica Popular, under the aegis of Leopoldo Mendez, invested in the transferred to the painting. Without this apparent reiterative redundancy of flesh one chromatic anti-economy of Cícero Dias, the young artist’s colors combine in a narrow geometrical abstraction. Intellectually refined and semiotically raw, his work, nevertheless,
production of woodcuts in these workshops and in the representation of workers (Mulher cannot take account of the instances of desire and of the body, of the material sign of range of nuances: the: the explosion of Bruno Vilela’s turn of the century explores not so knew how to respect and enter into dialogue with developments in neoconcrete art. Dias
Fazendo Telha, 1952), José Cláudio displayed the anatomical monumentalism of someone the painting and of the phenomenological relation between the painter and the painting much the saturation of light as the saturation of feeling, discourse and fictionalized truths. is the link between the Lygia Clark, Hélio Oiticica and Lygia Pape triad and the second
who had seen Mexican muralism. In the 1960s, the period when post-modernism proposed by Paul Valéry and analyzed by Merleau-Ponty. The painter, according to Valéry triad of Cildo Meireles, Antônio Manuel and Barrio. When he left Brazil for Europe in
exploded on the scene, he experimented with expanding the field and breaking with the and in the phenomenology of the Merleau-Ponty of L’ Oeil et l’ Esprit, lends his body to pa u l o m e i r a 1968, going into voluntary exile from the dictatorship, it was practically a disaster for
canon, as in the use of stamps. the painting.87 The body lent by Martins de Melo is a body without organs, a desiring the art world. His presence in Rio would have realized even more of the potential of the
Painting is José Cláudio’s innate language, which goes beyond any notion of the machine.88 Desire is incarnate in material will. The temperature of the work constitutes a Contemporay painting in the torrid zone of Brazil has been produced despite the great intellectual Molotov cocktail of the period following the AI 5 censorship laws. The
contemporary or adaptation to any kind of agenda. For him, painting is an urgent certain history of the eye: after all, did Jacques Lacan not own L’ Origine du Monde? Did not “Northeastern character”, as in other fields. Concerto Para Final de Milênio (2000), materialist dimension of Antonio Dias’ early work rubs shoulders with pop and New Wave
necessity. From the 1980s onwards, there were three great Brazilian painters: Flavio-Shiró, Lacan marry Silvia, Bataille’s ex-wife? Could this Thiago, a painter-psychologist who does and ruddy-orange installation by Paulo Meira, is typical of the deconstruction of Cinema as a kind of precursor of tragic tropicalia. The visceral nature and the carnage

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of the 1960s exposed the subjectivity of emotions and the social and political brutality.
Herein lies the convulsive beauty of his work. This is the Brechtian way of setting the stage.
light, giving abolitionism to Brazil,” remarks Frota, for whom “the place that has been
historically the most overlooked” abolished slavery before the rest of the country (1884),
Brazilian art is a network of autonomies that elude the predominant geopolitical
model. The son a woman from Ceará and an indigenous man from the Peruvian Amazon,
There is no Northeast José Cláudio
Glauber Rocha saw Antonio Dias as fusing ethics and aesthetics in the torrid zone. earning Fortaleza the epithet, city of light (interview with Paulo Herkenhoff, 2009). Chico da Silva was born Acre (1910) during the rubber boom. He travelled the route
Dias’ earlier work drew on Hélio Oiticica and Mário Pedrosa. He proclaimed that, in the The integral plasticity of the poetry of Joaquim Cardozo and João Cabral de Melo in reverse: he left the rubber plantations of Acre for Ceará. The painting of this “rustic And whoever sees painting from outside, and measures painting according to local color,
depths of the adversity in which we live, Antonio Dias’ Notas Sobre a Morte Imprevista Neto; the writing and visual poetics of Lygia Pape and soon thereafter that of Schendel, Indian” exceeds the limits of slavery on the rubber plantation and the academic view and compares painting to the geography and history of the place in which the painting
(1965) marks the turning point in the cultural field of visual arts and painting in a Brazilian Oiticica, Dias, Maiolino, Duke Lee and Montez. The complex text, landscape and persona of art. Aware of the freedom of the brush, he put together in imagination a bestiary is produced, which idolizes painting for the simple fact that it mirrors literally accessible,
society in which the principles of the new objectivity are being produced.91 Pedrosa, in his in Leonilson’s Voilà Mon Coeur (c. 1989) is a Drummondian clear enigma: the heart is of ancient mythical monster, animals from the depths of the Amazon rainforest and folkloric, ecological, iconographical facts, without taking into account that painting is
article, Do Pop Americano ao Sertanejo Dias, clearly noted this ecological ethos: “Antonio the ecology of the hardness, fragility and translucence of crystals as spectral color, tears creations from the Atlantic abyss. In The Society of Spectacle, Guy Debord notes how a a humor that sweats from the walls of the cloister, impenetrable chamber, “our cell” to
Dias, the dry and dusty Northeasterner, fears any fall into worldly concessions. His artistic of stone and drops of light in an epiphany of desire and homo-affectivity. In the power society that eliminates geographical distance reproduces distance internally in the form use Saint Catherine of Siena’s expression, inaccessible to sunlight and that the external,
(and moral) thinking shuns essences, so as not to avoid substance”.92 relation between the artist and the critic, Leonilson mapped his limitations (Leo não of spectacular separation. However, the ecological dimension of the torrid zone rejects physical landscape does not reach; for in this place, in this engine room, the senses are
There is always a Northeast in Dias, something immemorial like the unburied remains Consegue Mudar o Mundo, 1989) and paid ironic homage to the omnipotence of the critic the exotic as the spectacularization of social space. The painting proposes knowledge- frustrated: individuality is naked there, and the light that penetrates there cannot be
from Canudos, passages from Vidas secas, but never the language of the plantation. The (Para Quem Comprou a Verdade, 1991, inspired by Ronaldo Brito). To survive the violence acquisition processes that both converge and diverge in the individualization of each measured by a light meter. That is the artist’s dwelling-place and criticism (even when it
predominance of red and black is redolent of the tragic heraldry of resistance to the Old of the critics and of the affections, the artist sets up a “protective inner mountain” (1989). ecology, because there are so many torrid zones. is petty) or compliments (even when they are exaggerated) only succeed in disturbing
Republic – in the statement NEGO [I REFUSE], the red and black flag of Paraíba, and Júlio César Leite’s color system transforms the visual alphabet, by installing posters him when he is not there, cohesive within himself, incapable of being touched, though
point in history also alluded to in Ego (2007), by Raul Córdula, a painter from Paraíba in cities with the name of colors written in a different color: yellow is written in pink his body may be sawed in two and his head crushed between rocks. Because to the
who lives in Pernambuco. The piece reproduces the Paraíba State flag, transforming it on a background of a different color. The dissonance between the name, the color and painter painting is his heroism, his sainthood, and it has no homeland, no region or
black stripe into a lead plate and suppressing the initial letter N of the word “NEGO”, the written word challenges our perception. The bundle of photons disarranges the township. The mistake would be to see it as an agricultural product. No painting – tribal,
thereby the raising the question of the violent desire on the part of the social subjects writing in the confrontation between reason and the senses by splitting the reading with hereditary or ancestral – comes with the flour we eat or with our blood.
of a region which, in 1930, in the heart of the political setting that heralded the 1930 a chromatic-mental pandemonium. Color undergoes a linguistic breakdown when the It is not fair to ask x type of painting of the local man, because this is an area of
Revolution, a new symbolic image was created for the capital of the State of Paraíba, logic of the relation between signifier and signified is cut. The word does not define itself forests and sugar cane, because the local man enjoys the beat of a drum and the smell
renamed João Pessoa. chromatically. The palette of displacements takes colors that cannot be composed to of sweat, because we are half-castes and our religion is half-caste, because the leaves of
Antonio Dias’ work is visited by the politics of the periphery – the torrid zone lies on write those that can be composed, read as additional, subtracted, hot, cold, torrid and the trees here are always green, because the clay on the ground is blood red and the sky
the periphery of Brazil’s internal colonialism – wherever it is. His peripheries of advanced temperate colors. The length of the waves of the electromagnetic spectrum upsets the bright blue, because – overnight – fruit with incarnadine rind jumps from the trees and
capitalism and savage capitalism: KasaKosovoKasa, Nepal, the Northeast itself. Thus, the visual lexicon. If the word yellow is written in pink, the very yellowness of the yellow is set the men here eat jar shards and live side by side with forest animals: none of this implies
geometry of the rectangle becomes the flag of the economic territory; it is always a place adrift by signification. The color-writing has suspended the rationality of Wittgenstein’s painting of any kind.
of lack. The biography of Lin Piao is a yellow monochrome. It is there that a country is Remarks on Color, because the paradox of painting is to deconstruct the concept of color The painter is a star and this has nothing to do with race, cuisine or climate. He is
invented. A red monochrome – this time without the black of the Paraíban flag – is the in the disjunction between seeing and reading. The ambiguities admit and disconfirm an exception (as all men are exceptions), no matter what he eats and no matter how he
locus of the invention of a country and, necessarily, its contradictions, without positivistic the split because, without reading, one loses the Gestalt game in which the chromatic dresses. It is up to him to decide whether he would be made of clay, or of plaster, or of iron,
heroism. All the colors of man, every reduction or amplification, is a “dialogue of impression received by the nervous system does not coincide with the cognitive operation or of glass, according to his reach and his conscience. The whole world belongs to him
and the collection at his disposal is everything that he is able to see; his diet is anything
friction” or it is accommodation. History in Antonio Dias is present lived intensely as raw of reading. The inaugural memory of recognizing colors resituates the subject in position
that he has teeth to gnaw, whether it comes from within the Northeast or from outside it,
violence – at this point his art is hewn by action from living history. He finds two double of having to relearn the legible.
paying no mind to shells: label, provenance, way.
asymmetries, Brecht and Benjamin and (but not or) the oppressor and the oppressed. Henry Miller’s autobiographical mode exposes the self of Tropic of Capricorn in the 82 Braga, Rubem apud ARAÚJO, Emanoel (org). As Artes de Carybé. São Paulo: Imprensa Oficial, 2009. p. 98.
“This lad only knows one kind of purism – that of naked violence”, Pedrosa notes. You chiasmus between existence and action, differing from the Cartesian cogito. “I was the 83 Sampaio, Mirabeau apud ARAÚJO, Emanoel (org). As Artes de Carybé. São Paulo: Imprensa Oficial, 2009.
can’t speak to God in Portuguese. The painter has accepted that the lingua franca of evil product of an evil soil,” he writes. This “I” is the artist about the task of making p. 98.

capitalism is English. The black monochrome suggests the political reversibility of God an unsettling break with the world. The sunlight in Joaquim Cardozo and João Cabral 84 MOFFET, Charles. Impressionists in Winter: Effets de Neige. Charles Washington, The Phillips Collection, 1998,

and dog, of metaphysical and real. The most difficult palindromic path: the inversion of is from another latitude: O Cão Sem Plumas (João Cabral poem) thinks itself in a p. 19.

language and the emancipation that this politically torrid work proposes for the gaze of state of “knowing not to know” a river which, appearing to be unaware of the named 85 Cf. Brandão, Ignácio Loyola. In: Flavio-Shiró Pinturas. São Paulo: Galeria de Arte São Paulo, 1985,
unnumbered.
the subject of history. color, “knows nothing of the blue rain,/ the pink source” because it is positioned as the
86 TANIKAZI, Jun’ichiro. In Praise of Shadows. Trans. Thomas J. Harpter and Edward G. Seidensticker.
enclosure of the unspeakable. This is a quasi-Wittgensteinian Iberian-Northeastern
New Haven: Leetee’s Island Books, 1977.
e c o lo gy o f l i g h t exology. In the São Paulo regionalism of Mário de Andrade, Araraquara is a “natural
87 MERLEAU-PONTY, Maurice. L’ Oeil et l’ Esprit. Paris: Gallimard, 1986, p. 16.
environment so sincere” that it defies metaphor. In contrast to the unequivocal truth in
88 DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Anti-Oedipus: Capitalism and Schizophrenia. Trans. Robert Hurley,
The Brazilian torrid zone is situated between 07°12’35” and 48°20’07” S and between the field of the imagination, the torrid zone indicates, with Leonilson, that there are so
Mark Seem and Helen R. Lane. Minneapolis: Minneapolis University Press, 1998.
34°47’30” and 48°45’24” West of Greenwich. The cinema photographer, Mário Carneiro, many chromatic truths. Who bought the chromatic green? Perhaps it was not Gilberto
89 FÉDIDA, Pierre. Le Cannibale Mélancholique. Nouvelle Revue de Psychanalyse – Destins du Cannibalisme,
measured the light of the Brazilian sun: “you have eight diaphragms between light and Freyre, who built up specificities and a socio-environmental relativity of color, but Mário
6:123-127, 1978.
shade! It’s hell”.93 This light never ceases to tame. The Caatinga gobbles up colors. The de Andrade himself by making the rustic color the totalizing unequivocal emblem of
90 BATAILLE, Georges. Guilty. Trans. Bruce Boone. Venice: The Lapis Press, 1988, p. 13.
optical-political regime of the light in Glauber Rocha includes the exploding light of a diverse Brazil? The tragedy of Canudos belongs to the same history of exclusion of
91 OITICICA, Hélio. Esquema Geral da Nova Objetividade. In: Nova Objetividade Brasileira.
Ceará, Eduardo Frota says. Abraham Palatnik, from Rio Grande do Norte, a pioneer of slavery from the painting of Almeida Júnior. Being a slave in the conditions of the works Rio de Janeiro: Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, 1967, unnumbered.
kinetic art, redefines the painting as an object: he paints using lights projected by lamps of this official São Paulo painter was easy in the operation of ideological control of the
92 PEDROSA, Mário. Do Pop Americano ao Sertanejo Dias. In: AMARAL, Aracy (Ed.). Dos Murais de Portinari
on a translucent surface. In the face of the excess of blinding sunlight, light is only possible representation of flags. His painting legitimized the exclusion of the losers of history. aos espaços de Brasília. São Paulo: Perspectiva, 1981, p. 221.
if it is artificial or industrial. The wrapped object, Antonio Dias’ Coração para Amassar This is why the voice of the migrant, Severino, in João Cabral knows that the blood “we 93 In an interview with Lauro Escorel and Tuca Moraes for the website of the ABC – Associação Brasileira de
(1966) shines with artificial incandescence. The semi-arid regions opens up “a chink of use is thin on paint”. Cinema. In: EBERT, Carlos. “Desafio da Luz Tropical”. Available at www.abcine.org.br.

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BANCO SANTANDER (BRASIL) SANTANDER CULTURAL  RECIFE MANTENEDOR DO EXPOSIÇÃO CATÁLOGO
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Almandrade Margarida e Olavo Cabral Ramos Filho Coleção João Sattamini
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Jean Boghici Sylvia Dias with the production of the exibition.
João Sattamini Thereza Cristiana Pessoa de Queiroz
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Luiz Cardoso Ayres Filho

D A D O S I N T E R N A C I O N A I S PA R A C ATA LO G A Ç Ã O N A P U B L I C A Ç Ã O ( C I P )

Z871

Zona tórrida : certa pintura do Nordeste. – Recife : Santander Cultural, 2012.


116 p. : il. (algumas color.) ; 26,5 cm.
ISBN 978-85-99686-11-9
Catálogo da exposição realizada no Santander Cultural, em Recife,
de 28 de março a 20 de maio de 2012.
Santander Cultural
Curadoria: Paulo Herkenhoff e Clarissa Diniz.
Av. Rio Branco, 23, bairro do Recife 50030-310
Texto em português com tradução em inglês.
Recife, PE
1. Arte brasileira – Brasil, Nordeste - Exposições. I. Herkenhoff, Paulo, 1949-
tel. 81-3224-1110 | fax. 81-3224-0871 II. Diniz, Clarissa, 1985- III. Santander Cultural

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