Um General Na Biblioteca PDF
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um general
na biblioteca
Tradução
Rosa Freire d’Aguiar
Copyright © 1993 by Espólio de Italo Calvino
Proibida a venda em Portugal
Título original
Prima che tu dica “Pronto”
Capa
Jeff Fisher
Preparação
Eliane de Abreu Santoro
Revisão
Juliane Kaori
Flávia Yacubian
10-05490 cdd- 853.1
2010
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europeus. Havia uma única obrigação: a de mencionar no
texto uma bebida alcoól ica qualquer. A glaciação foi publicado
primeiro em japonês e depois em ital iano. Curiosos também
são a gest ação e o dest ino de O incêndio da casa abominável.
Havia um pedido, bast ante vago, da ibm: até que ponto era
possível escrever um conto com o comput ador? Isso se passava
em Paris, em 1973, e essas máquinas não eram de fácil acesso.
Sem se desencorajar, e dedicando-lhes muito tempo, Calvino
fez à mão todas as operações que o comput ador dever ia ter
exec ut ado. O conto term inou sendo publicado, depois, numa
edição ital iana da Playboy, o que, na verdade, não sign if icou
um problema para Calvino, pois ele o dest inara ment almente
ao Oulipo* como exemplo de ars combinator ia e desaf io às pró
prias capacidades matemát icas.
Quanto aos contos que abrem este livro, quase todos iné
ditos e muito curtos — Calvino os chamava raccontini, “cont i
nhos” —, pode ser útil saber que, numa nota de 1943, encon
trada entre seus papéis de juvent ude, ele escreveu: “O apólogo
nasce em tempos de opressão. Quando o homem não pode dar
forma clara a seu pensamento, exprime-o por meio de fábulas.
Esses cont in hos correspondem a uma série de exper iências
polít icas e sociais de um jovem durante a agon ia do fascis
mo”. Quando os tempos perm it issem, acrescent ava — ou seja,
depois do final da guerra e do fascismo —, o conto-apólogo
não seria mais necessár io e o escritor poder ia passar a outra
coisa. Mas os títulos e as datas de grande parte dos textos do
presente volume e de outros escritos não reun idos aqui pare
cem indicar que, apesar do raciocín io de juvent ude, Calvino
cont inuar ia a escrever apólogos ainda por muitos anos.
Foram incluídos neste livro alguns textos de difícil classif i
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cação, como O chamado da água; mesmo não sendo apólogos nem
contos no sent ido estrito, merecem ser trazidos aos leitores.
Em outros casos, textos que podem parecer únicos e iso
lados no conjunto de sua obra fazem parte de projetos que
Calvino tinha claros na mente mas não teve tempo de realizar.
Esther Calvino
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apólogos e contos
1943-1958
o homem que chamava teresa
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a julgar pela voz devia ter a cara cheia de sardas, perg untou: —
Mas vocês têm certeza de que ela está em casa?
— Eu não — respondi.
— Que conf usão — disse um outro. — Esqueceu a chave,
não é?
— Na verdade — disse eu —, estou com a chave aqui.
— Então — me perg untaram —, por que não sobe?
— Mas eu nem moro aqui — respondi. — Moro no outro
lado da cidade.
— Mas então, desculpe a curiosidade — perg untou cir
cunspecto o sujeito da voz cheia de sardas —, quem é que mora
aqui?
— Para falar a verdade, não sei — disse eu.
Houve um certo descontentamento ao redor.
— Mas então se pode saber — perg untou outro com a
voz cheia de dentes — por que está chamando Teresa aqui de
baixo?
— Por mim — respondi — também podemos chamar outro
nome, ou em outro lugar. Não custa nada.
Os outros estavam meio aborrecidos.
— O senhor não teria desejado fazer uma brincadeira
conosco? — perg untou o das sardas, desconf iado.
— Eu, hein! — disse, ofendido, e me virei para os outros
para pedir que conf irmassem m inhas boas intenções. Os outros
ficaram calados, most rando não terem captado a insinuação.
Houve um instante de const rang imento.
— Vejamos — disse um deles, bondoso. — Podemos cha
mar Teresa mais uma vez, e depois vamos para casa.
E chamamos mais uma vez — um, dois, três, Teresa! —,
mas já não deu muito certo. Depois nos dispersamos, uns por
aqui, outros por ali.
Eu já havia chegado à praça quando tive a impressão de
ainda ouvir uma voz que gritava: — Tee-reee-sa!
Alguém deve ter ficado chamando, obst inado.
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o raio
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digos, passeatas; e no entanto não me sent ia tranquilo, mas
atormentado.
— Desculpem — respondi. — Talvez eu é que tenha me
enganado. Tive a impressão. Mas está tudo no lugar. Desculpem.
— E me afastei entre seus olhares severos.
Mas, mesmo agora, toda vez (frequentemente) que me acon
tece não entender alguma coisa, então, inst int ivamente, me vem
a esperança de que seja de novo a boa ocasião para que eu volte
ao estado em que não entendia mais nada, para me apoderar
dessa sabedoria diferente, encont rada e perdida no mesmo ins
tante.
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