Brasil e Oriente Médio
Brasil e Oriente Médio
Brasil e Oriente Médio
2010
Definição de Oriente Médio como área geográfica e geopolítica: uma casa. “um teto:Turquia, Irã,
Afeganistão e Paquistão; um corpo da construção indo da Líbia ao Paquistão, compreendendo a
Líbia, o Egito, Israel, o Líbano, a Síria, a Jordânia, o Iraque, o Irã, o Kuwait, os Emirados Árabes
Unidos, a Arábia Saudita, Omã e Iêmen; um pátio, na parte terrestre, indo do Sudão, acentuando-se
no Chifre da África (Eritréia, Djibuti e Somália), na parte marítima o Golfo Pérsico, o Mar Vermelho, o
Oceano Índico, o Canal de Suez e o Mediterrâneo oriental” (Alexandre Roche)-A Grande Crise:a nova
(des)ordem internacional dos anos 80 aos 90. (Pág.175)
- JK foi o primeiro presidente de fato a estabelecer, de fato, relações comerciais com o Oriente
Médio: foram celebrados tratados com Israel, Irã e República Árabe Unida (RAU). Por outro lado, em
1956, o Brasil envia, a pedido da ONU, tropas para a região para compor a UNEF I (United Nations
Emergency Force I), que tinha como objetivo garantir o final das hostilidades entre tropas
israelenses, francesas, britânicas e egípcias na zona do Canal de Suez, além de supervisionar a
retirada das mesmas e, posteriormente, colocar-se como força de interposição entre tropas egípcias
e israelenses.1
- As relações entre Brasil e o Irã datam de 1903, mas se mostraram que poderiam ser promissoras a
partir de 1957, quando da assinatura do acordo cultural, que entraria em vigor em 28 de dezembro
de 1962. Este acordo marcava também a elevação da legação brasileira, em Teerã, à condição de
embaixada, em 1961. Em 1965, o monarca iraniano visitava o Brasil. O principal motivo deste
primeiro contato era promover a presença brasileira no Irã e no Oriente Médio através de livros,
filmes, intercâmbio de professores e intelectuais, além de peças teatrais. Isto se fazia necessário,
porque o Brasil havia se inserido tardiamente na região. Concretamente, o governo brasileiro percebia
que deveria aumentar o comércio bilateral com os países da região, uma vez que entre 1956 e 1960, os
números desta relação comercial apresentavam US$ 53,7 milhões (1956), com um acréscimo de 1,8%, em
1960, elevando para US$ 54,7 milhões apenas. 2 Posteriormente, novos documentos seriam assinados entre o
governo brasileiro e os representantes do Xá Mohamed Reza Pahlevi. O principal foi o acordo que estabelecia
a formação da comissão de cooperação econômica e técnica, em 1975.
- O Oriente Médio passou a atrair o interesse comercial brasileiro exatamente por este motivo: a
falta de petróleo, motivado pelo primeiro choque, em 1973, ocasionado por uma alta dos preços
pelos países árabes como uma forma de chamar a atenção contra a política dos EUA e Grã-Bretanha
e seus aliados pró-Israel. O Brasil, então dependente deste insumo, busca na Arábia Saudita um
fornecedor confiável, posteriormente passa a abrir embaixadas em vários países árabes e no Irã,
para comercializar o produto e abrir novas frentes para produtos industrializados brasileiros, sendo
que veículos, armamentos, alimentação e serviços eram os principais. Nota-se que a Petrobrás,
através do seu “braço” internacional, a Braspetro, passou a firmar lucrativos acordos de prospecção
1
Compunham a UNEF I: Brasil, Canadá, Colômbia, Dinamarca, Finlândia, Dinamarca, Índia, Indonésia, Noruega, Suécia e
Iugoslávia.
2
CALDAS, Ricardo Wahrendorf. A Política Externa do Governo Kubitschek. Brasília. Thesaurus. 1996. p.143.
1
na “África Árabe”. As principais embaixadas no Oriente Médio foram fixadas na Jordânia, Arábia
Saudita e Iraque, pois visavam atrair para o Brasil a maior captação de petróleo possível.
- O ano de 1973 foi marcado pelo Primeiro Choque do Petróleo e pela Guerra do Yom Kippur. Este
conflito, entre árabes e israelenses, opôs os aliados dos árabes (palestinos e africanos) contra os
aliados de Israel (África do Sul e países da OTAN). - O Governo Brasileiro percebeu que se
continuasse ligado a Portugal e à África do Sul sofreria sanções de países árabes e africanos
produtores de petróleo, Desta forma, gradativamente, foi crescendo a aproximação do Brasil com
os árabes e africanos, visando os interesses brasileiros.
- As relações brasileiras com a África e Oriente Médio passam por um momento difícil, relacionado
com a questão israelense-palestina. Os africanos passam a exigir uma resposta contra o
colonialismo português e contra o Apartheid da África do Sul. Este clamor também será dirigido à
problemática palestina. O Brasil buscará de forma pragmática atender os seus problemas, mesmo
que para isso condene o Sionismo como racismo, vote contra a África do Sul, passe a se colocar a
favor dos árabes nas Nações Unidas e consiga obter vantagens na África e Oriente Médio.
- A segunda metade da década de 1970 foi marcada pelo avanço brasileiro na área nuclear e pela
denúncia, pelo Presidente Geisel, do Acordo Militar Brasil-EUA. O Brasil, após este ato do
presidente, passou a ter, graças aos avanços da indústria bélica nacional, nos seus arsenais, 80% das
armas de fabricação nacional. A Alemanha passa a ser o parceiro nuclear brasileiro, que foi
escolhido pelo Iraque como seu aliado preferencial, visto que Bagdá fornecia todo o petróleo que o
País precisasse e, por outro lado, Brasília fornecia tecnologia nuclear avançada a Saddam Hussein,
técnicos, urânio e serviços de rastreamento deste insumo em áreas da África, principalmente no
deserto somali, que estava em litígio entre a Etiópia e a Somália, aliada do Iraque e membro da Liga
Árabe.
- A penetração brasileira no Oriente Médio deveu-se aos seus produtos industrializados, mas o
principal foco de atenção eram os acordos militares e venda de material bélico brasileiro. Aviões
iraquianos aterrisavam, em São José dos Campos, e levavam para Bagdá urânio enriquecido. O
Iraque solicitava que técnicos brasileiros desenhassem veículos militares, de acordo com as
necessidades daquele país, como por exemplo, o veículo de reconhecimento EE-4 “Ogum”,
fabricado pela ENGESA (Engenheiros Especializados S/A). Conforme Mark Pythian, (Boston, 1997-
Northeastern University Press), a indústria bélica brasileira foi baseada naquela desenvolvida na
2
África do Sul. Assim como a indústria sul-africana, a fabricação brasileira de armas seguia a suas
próprias necessidades.
- O Brasil buscava trazer do Iraque todo o petróleo, que precisasse, usando um tipo de comércio,
que se notabilizou com o nome de “countertrade”, isto é, conforme Eitti Sato, uma forma mais
sofisticada e moderna de escambo. Esta prática consistia em trazer grandes quantidades de insumo
iraquiano e trocá-lo por automóveis, armamentos e vários outros produtos exportados pelo País.
- Apesar do Segundo Choque do Petróleo (1979), o Brasil passou a produzir parte de sua demanda
através de financiamentos estrangeiros, porém ainda trazia do Oriente Médio 80% daquilo que
gastava. No ano de 1979, o Brasil exportava para o Oriente Médio US$ 975 milhões, mas ainda
enfrentava déficits constantes em função das grandes quantidades de petróleo que importava. Os
gastos com o produto naquele ano chegaram ao patamar de US$ 3,7 bilhões.
- Durante a Guerra Irã-Iraque (1980-88) a participação brasileira foi crucial e oportunista. Como
observador do G-77, Movimento dos Não-Alinhados, o País deveria vender armas aos dois
protagonistas do conflito. Desta forma, vendeu alguns blindados ao Irã e atuou decisivamente no
programa de mísseis iraquianos, sendo o Brigadeiro Hugo Piva o principal expoente do programa de
mísseis brasileiro. O agradecimento de Saddam Hussein veio com o oferecimento dos planos de
fabricação do míssil Scud soviético, que seria desenvolvido no Brasil, sob o código EE-600.
- Deve-se mencionar que a rivalidade Brasil-Argentina foi incentivada pela corrida armamentista
provocada pelo conflito Irã-Iraque. A Argentina viu, neste míssil fabricado no Brasil, um perigo
imediato, visto que poderia ser armado com ogiva nuclear. Por outro lado, os militares argentinos já
tinham um programa nuclear avançado e um veículo de lançamento: o míssil Condor, nos modelos I
e II, que foram fabricados no Iraque, por um consórcio egípcio-iraquiano-argentino. A Argentina,
como membro do G-77, passou a equipar os dois países no conflito, vendendo uma grande
quantidade de material bélico para o Irã.
- O Brasil influiu no equilíbrio de poder regional, de duas formas. (A) Convencional: armando o
Iraque com armamento convencional (blindados, aviões de treinamento e ataque ao solo, munição,
e etc.); (B) Não Convencional: agindo decisivamente no programa nuclear iraquiano, inclusive
preparando mísseis de fabricação iraquiana com know how brasileiro como Al-Hussein, Al-Abbas,
Al-Abid, Al-Ualfed, e Al-Nida. Esta interferência brasileira pode ser exemplificada, no equilíbrio de
poder, no Oriente Médio, com a construção do Al-Hijjara, que tinha um alcance de 600 Km,
podendo atacar Tel-Aviv e instalações nucleares de Israel.
3
- A relação com o Brasil aumentava, na área nuclear e bélica, à medida que a URSS, maior
fornecedora de equipamentos militares para Bagdá, se negava a enviar ajuda nas áreas nuclear e de
novas tecnologias militares, sendo que os militares iraquianos já viam o T-72 soviético como um
carro de combate obsoleto. Secretamente, vários emissários iraquianos procuraram britânicos e
estadunidenses para receber equipamento militar mais moderno que os soviéticos e treinamento
militar, no que obtiverem sucesso, muito antes do conflito com o Irã. A saber, o auxílio anglo-
estadunidense ao Iraque seguiu durante o conflito, enquanto Washington armava o regime dos
ayatollahs, através do episódio conhecido como Irã-Contras ou Irãgate, quando armamentos
estadunidenses, que deveriam seguir para a América Central, para equipar guerrilheiros anti-
sandinistas, passavam por vários países, incluindo Israel, indo rumo a Teerã para os arsenais
iranianos.
- No final da década de 1980, o Irã voltou a procurar o Brasil para receber ajuda na área nuclear,
visto que a Alemanha havia negado tal auxílio. O País tinha novamente a possibilidade de vender o
reator para o Irã, mas a Alemanha proíbe que a tecnologia repassada ao Brasil, seja transferida para
Teerã. O governo iraniano buscou, então, a parceria tecnológica junto à China.
- Exaurido economicamente em função do longo conflito com o Irã, o Iraque passa a sofre
cobranças dos países do Golfo e do Ocidente sobre os valores ofertados ao governo iraquiano para
apoiá-lo na guerra. Sem condições de honrar seus compromissos, o Iraque invadiu o Kuwait para
dominar os poços de petróleo, usando como subterfúgio, uma antiga reivindicação territorial, na
qual alegava que o país invadido seria a sua 23ª província. Os EUA lideram uma coalizão
internacional, que conta com apoio militar discreto da Argentina, enquanto o Brasil se limitava a
“buscar a resolução pacífica do conflito, aceitando que a força só fosse usada em último caso.”
- A atuação e o discurso equivocado de Fernando Collor de Mello colocaram sérias dificuldades para
a saída de 455 trabalhadores brasileiros, que estavam no Iraque. O Itamaraty, através do
Embaixador, Paulo Tarso Flecha de Lima, consegue com o governo iraquiano o visto para estes
trabalhadores saírem do Iraque. Por outro lado, o maquinário e equipamentos de Mendes Júnior
foram deixados em território mesopotâmico. O então presidente Collor ao se referir aos cientistas
brasileiros, que atuavam no Iraque, usava o termo “high tech mercenaries”. Outro ato simbólico e
teatral do presidente foi fechar o espaço de testes nucleares brasileiros na Serra do Cachimbo,
porém foi ludibriado e acabou cimentando o buraco errado.
- A subserviência do governo Collor aos EUA não atingiu níveis mais alarmantes, porque o então
Embaixador brasileiro na capital estadunidense, Marcílio Marques Moreira, se negou a informar os
códigos de disparo dos sistemas de foguetes Astros II, que equipavam o Exército Iraquiano, à
inteligência militar dos EUA. Uma nova remessa de Astros II para o Iraque foi embargada, de acordo
com a resolução da ONU, porém esta carga foi desviada para reforçar os arsenais sauditas, que já
haviam sido abastecidos pela AVIBRAS com este armamento.
- Tanto o presidente Collor, como seu sucessor Itamar Franco não se interessam pela África e
Oriente Médio, pois ambos lembravam, nas suas concepções errôneas, o passado que afastava o
Brasil do futuro ao lado dos países desenvolvidos. O sucessor de Itamar Franco, FHC, também não
mostrou, nos seus dois mandatos, muito entusiasmo em relação à África e ao Oriente Médio. Tanto
Collor de Mello como Itamar Franco e FHC, se limitaram a enviar contingentes militares para
integrar forças de paz da ONU em Angola e Moçambique.
- O Magreb estava em voga no primeiro governo civil brasileiro pós-regime militar. As empresas
brasileiras foram para a feira de Argel, com planos de estabelecer um pólo automobilístico na
Argélia. O Egito era o outro parceiro comercial preferencial da região, visto que já recebera
permissão da EMBRAER para fabricar sob licença o T-312 “Tucano”. Os acordos comerciais com este
país alcançam o valor de US$ 250 milhões. Este avião passou a equipar as forças aéreas do Iraque e
do Irã após a guerra entre estes países. Os pilotos iraquianos eram treinados em São Paulo,
enquanto os aviadores iranianos recebiam treinamento em Minas Gerais.
- A Arábia Saudita e o Iraque continuam sendo os principais parceiros comerciais do outro lado do
Canal de Suez. O governo saudita buscava firmar acordos na área militar, incluindo a instalação de
uma filial da ENGESA na Arábia Saudita, onde se fabricaria o novíssimo carro de combate Osório. O
valor do contrato seria de US$ 3 bilhões. O Iraque tinha acordos comerciais com o País que
somavam US$ 1 bilhão e 200 milhões, sendo que eram vendidos ao país mesopotâmico os mais
variados tipos de produtos, de implementos agrícolas a automóveis, de frango congelado a mísseis.
A Líbia buscou comprar armamentos brasileiros, sendo que a missão militar líbia foi recebida em
Brasília e os acordos foram firmados, com o País recebendo US$ 2 bilhões em petróleo. Houve o
repúdio formal dos EUA sobre este acordo. Há a suspeita que o Brasil tenha vendido tecnologia
nuclear ao governo de Kaddafi.
- Ainda no primeiro Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, após sua vitória nas eleições
presidenciais em 2002. No ano seguinte, o Presidente viajava a cinco países do Oriente Médio (Líbia,
Egito, Síria, Líbano e Emirados Árabes Unidos), desta forma o Brasil passou a contabilizar um
acréscimo de 49% nas exportações para a região. Entre os itens que constavam da pauta de
exportação estão: carne bovina e de frango, minério de ferro, açúcar, café, castanha de cajú e
veículos automotores de carga. Em 2004, o Brasil exportou, para estes cinco países, US$ 1 bilhão e
560 milhões.
-Sob a liderança brasileira, foi organizada a Cúpula Árabe-Sul-Americana, em Brasília, em 2005, que
contou com 22 países árabes e 12 sul-americanos, sendo que se previa a assinatura de acordos
entre o Mercosul e o Conselho de Cooperação do Golfo. A Empresa Brasileira de Aeronáutica
(EMBRAER) vendeu, durante a Cúpula, 15 aviões para a Arábia Saudita. No mesmo período, as
importações brasileiras para a África cresceram 48,4 %. A Cúpula, realizada em Brasília, gerou um
documento conjunto chamado “Carta de Brasília”, que tratava de temas como terrorismo,
fortalecimento da ONU, soberania, direitos humanos, ordem econômica e Oriente Médio. Por outro
lado, o Iraque pós-Saddam Hussein não anima os brasileiros, em 2005. As exportações brasileiras,
naquele ano, somaram US$ 49,9 milhões, aumentando para US$ 152,9 milhões, em 2006.
5
As ações foram intensificadas com a conclusão de acordo de livre comércio entre Mercosul e
Conselho de Cooperação do Golfo (CCG). As relações de neutralidade do Brasil, na região,
mostraram bons resultados, porém Farrokh Faradji Chadan, vice-presidente da Câmara de Comércio
Brasil-Irã, declarou que as relações bilaterais estão aquém das potencialidades. O mesmo dirigente
declarou que o país do Oriente Médio tem o maior mercado consumidor da região com
aproximadamente 70 milhões de pessoas, enquanto que os demais países da região apresentavam
30 milhões de consumidores. A Venezuela recebeu US$ 6 milhões como investimento, o que fez com
que o Brasil procurasse aumentar os investimentos daquele país do Oriente Médio em território
nacional.3
A política externa do Governo Luiz Inácio Lula da Silva mostra-se como uma postura assertiva, mais
enfática em torno da chamada defesa da soberania nacional e interesses nacionais em busca de
alianças privilegiadas no Sul, conforme Paulo Roberto de Almeida. 4 Por outro lado, existem críticas
oriundas de antigos membros do corpo diplomático brasileiro a respeito das relações com o Irã e de
setores acadêmicos e intelectuais estrangeiros. Os primeiros dizem que a busca da vaga de
permanente no Conselho de Segurança da ONU, com o apoio iraniano, é na verdade uma
desvantagem para o Brasil, pois aqueles que têm desconfiança com o país do Oriente Médio, como
europeus, estadunidenses, seus próprio vizinhos da região, australianos, canadenses, japoneses e
outros, veriam esta aproximação do Brasil com Ahmadinejad com muitas reticências. As
conseqüências não seriam apenas para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas para as pretensões
do Brasil na futura mudança na Organização.5
Há também este tipo de crítica entre alguns intelectuais estrangeiros em publicações brasileiras. Os
motivos para a contrariedade à política externa em relação ao Irã encontram-se nas questões de
direitos humanos, democracia e no campo nuclear. No primeiro caso, as suspeitas sobre as eleições
iranianas que deram a vitória para o segundo mandato de Ahmadinejad e as imposições de torturas
físicas como penitência religiosa. Na esfera nuclear, as tentativas de provar que o programa nuclear
iraniano desempenha fins pacíficos, quando o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva não
permite que as Nações Unidas faça uma inspeção completa nas suas instalações nucleares,
levantando suspeitas de outros atores internacionais, como os EUA, sobre as reais condições do
programa nuclear brasileiro, especialmente no que diz respeito ao enriquecimento de urânio. O
motivo que eleva estas suspeitas foi a recusa brasileira de endossar o mais recente protocolo do
Tratado de Não Proliferação. Este tipo de programa poderia trazer para o País uma série de
pressões, que, mais uma vez, colocaria em risco as aspirações brasileiras na reorganização da ONU. 6
Apesar das críticas contra a política externa brasileira no tocante ao Irã, o comércio com o Oriente
Médio mostra-se extremamente importante para o Brasil, pois entre 2003 e 2005, o intercâmbio
cresceu 47% , referente às exportações brasileiras. Somente o Líbano registrou um aumento de
102% na compra de produtos brasileiro, após a estabilização daquele país, que enfrentou 15 anos de
guerra civil. O Irã estabelece-se como o segundo importador de produtos brasileiros, na região. Em
2005, o montante pago pelas mercadorias brasileiras era de US$ 968 milhões. Desta forma, a agenda
externa brasileira estabelecia o diálogo como pauta de extrema importância.
As posições do Irã e do Brasil são de extrema importância nas suas regiões. Sendo que, na América
do Sul, a Argentina desempenha um papel relevante, que também é reconhecido pela república
3
Desde 2003, o resultado do fluxo comercial com o Oriente Médio mostrou os seguintes dados, em milhões de dólares: 3,9
(2003), 5,3(2004), 6,0(2005), 8,2(2006) e 8,6(2007), segundo Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior.
4
ALMEIDA, Paulo Roberto de. Uma Política Externa Engajada: a diplomacia do governo Lula. In Revista Brasileira de
Política Internacional. Vol.47. Nº1 pp. 162-184. 2004
5
SCHELP, Diogo. Diplomacia de palanque. Veja. São Paulo, ano 43, nº36, edição 2181, p.17-21. 8 set.2010. Entrevista com
o ex-embaixador brasileiro nos EUA, Roberto Abdenur, publicada na secção “Páginas Amarelas”.
6
HAKIM, Peter. O Brasil em ascensão: os desafios e as escolhas de uma potência global emergente. Política Externa. São
Paulo. Paz e Terra. Vol.19. Nº1 pp. 43-53 jun-jul-ago 2010.
6
islâmica. O governo iraniano define como prioritária as relações com a América Latina, que
poderiam servir de modelo para as relações no âmbito Sul-Sul. Desta forma, Brasília e Teerã
estabeleceram, desde 2000, um mecanismo periódico de consultas bilaterais em alto nível, que se
organizam alternadamente nas duas capitais, consolidando as relações entre os dois países em
várias áreas.7 Para o Irã a afinidade com o Brasil apresenta uma série de pontos em comum com na
agenda global de ambos os países. Há também a similaridade de posições independentes em
tomadas de decisões, na esfera regional e internacional.
A mudança no governo iraniano, que estava nas mãos de um reformista, Khatami, passando para a
tutela de um ultraconservador, Ahmadinejad, não alterou a perspectiva brasileira. Deve-se observar,
que mesmo antes da eleição de Mahmoud Ahmadinejad assumir como presidente iraniano e sua
reeleição em 2009, as relações do Brasil com aquele país já tinham mostrado um crescimento
excelente. A Petrobras já havia recebido permissão para explorar petróleo no Irã, desde 2003. Em
2004, os dois países assinaram um memorando de entendimento prevendo a intensificação das
comunicações e trocas comerciais. Não se trata de beneficiar o Irã de Ahmadinejad, mas se afirma a
condição de política externa multilateral do Brasil, que tem buscado constantemente valorizar as
posições do G-20.
A área econômica mostra capacidade de uma cooperação proveitosa de recursos naturais, enquanto
que no campo social, ambos mostram um vasto caminho a ser explorado. A capacidade mediana dos
dois países, em termos de desenvolvimento econômico, pode colocá-los em uma rota de
complementaridade, que pode aumentar a cooperação bilateral. No Oriente Médio, o Irã é
considerado como o maior parceiro comercial brasileiro, absorvendo 20% das exportações
brasileiras para a região. Se forem levados em conta os dados do comércio entre os dois países em
2005 e, nos dois primeiros meses de 2006, que mostraram um lucro de US$ 180 milhões,
correspondendo a 26% das exportações brasileiras para o Oriente Médio, não há porque afastar os
dois parceiros do caminho do intercâmbio comercial crescente. 8 De acordo com o Ministério da
Indústria e Comércio Exterior, o Brasil vem mostrando superávit desde 2002 até os dois primeiros
dois meses de 2010.9
No que diz respeito às questões do programa nuclear iraniano, o Brasil procurou valorizar em todos
os momentos a solução multilateral sobre o tema, no âmbito da Agência Internacional de Energia
Nuclear Atômica (AIEA), desta forma o País tem apoiado o trabalho da Agência na verificação do
7
Karmirian op. cit. p. 178
8
Karmirian op.cit. p.179
9
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Irã. Brasília. Disponível em
www.itamaraty.gov.br/temas/temas-politicos-e-relações-bilaterais/oriente-medio/ira. Acesso em 08.06.2010.
10
Lula leads 300-strong trade team to Tehran. Tehran Times on line. Teerã. 16.maio.2010.
7
cumprimento das obrigações do Irã originárias dos seus acordos de salvaguardas (TNP). Por outro
lado, a AIEA ainda não pode afirmar a capacidade exclusivamente pacifica do programa nuclear
daquele país do Oriente Médio, desta forma o Brasil espera que o governo iraniano mantenha a
cooperação transparente com a Agência. Estas ações brasileiras de mostrar o programa nuclear
iraniano como pacifico também procura afastar as criticas internas e externas do próprio projeto
nuclear brasileiro.
O Brasil, apesar de buscar a ação da AIEA, na questão do programa nuclear iraniano tem enfrentado
sérias críticas no âmbito internacional. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi a Teerã,
intermediando o acordo entre o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, e o primeiro-ministro
turco, Tayyq Erdogan. As bases deste acordo foram estabelecidas através da remessa de 1,2 mil
quilos de urânio iraniano para a Turquia, que seria responsável pelo armazenamento do produto,
enquanto a França e a Rússia enriqueceriam 20%, que seriam suficientes para fins pacíficos, porém
este percentual não alcançaria a quantidade necessária para a utilização em projetos nucleares
militares. Os temores sobre esta quantidade de urânio enriquecido são infundados, uma vez que
para a produção da bomba atômica é necessário um grau de pureza de 90%.
A perspectiva brasileira após firmar mediar este acordo reside em desenvolver uma parceria maior
com o Irã, que pode ser resumida desta forma pelo lado brasileiro: 1) aumentar das exportações; 2)
credenciar-se como mediador em conflitos internacionais; 3) mostrar que pode agir em fontes
distantes e complexas; 4) assinalar a incoerência da regulamentação nuclear. Por sua vez, o Irã teria
como benesses: 1) equilibrar o comércio favorável ao Brasil; 2) mostrar que não está encurralado ou
isolado do mundo; 3) adiar ou dificultar novas sanções da ONU; 4) apontar apoio para acesso
democrático à energia nuclear. As exportações de produtos brasileiros para o Irã, em 2008, eram
compostas de carnes, milho e açúcar, entre outros produtos, enquanto que aquele país do Oriente
Médio exportava para o Brasil produtos químicos, frutas secas e tapetes.
O Brasil colocou-se em papel importante de mediação, uma vez que havia a possibilidade de um
impasse que dificilmente mostraria uma solução em curto prazo. O governo iraniano alegava, que
não receberia o urânio, no acordo sugerido pela AIEA, para o enriquecimento na França e na Rússia.
Por sua vez, os governantes iranianos queriam fazer o processo no país. Deve-se também ressaltar a
importância e liderança turca na resolução do contencioso, em 2009. No mesmo ano, o governo
brasileiro recebeu três presidentes de países do Oriente Médio: Mahmoud Ahmadinejad, Mahmoud
Abbas e Shimon Peres. As visitas, com um intervalo muito curto entre elas, mostraram a
disponibilidade brasileira de diminuir as repercussões negativas causadas por possíveis encontros
em separado, especialmente no que diz respeito aos representantes do Irã e de Israel.
Ao receber as visitas destes líderes do Oriente Médio, o País mostrou a capacidade brasileira de se
colocar na condição de mediador dos conflitos que se desenvolvem naquela região. Por outro lado, o
posicionamento do presidente iraniano de negar o Holocausto, o não reconhecimento do Estado de
Israel e defesa do seu programa nuclear são temas que devem ser tratados e discutidos pelos
governantes e diplomatas iranianos para atenuar as críticas da comunidade internacional quando os
representantes de Teerã os debatam em público. O governo brasileiro não tem a responsabilidade
de fazer sugestões para solucionar ou corrigir o discurso iraniano. O Brasil deve estabelecer
condições de mediação, como as observadas na questão do enriquecimento do urânio do Irã.
A conferência na ONU, em maio deste ano, para a revisão do TNP (Tratado de Não Proliferação
Nuclear) mostrou como principal objetivo a discussão sobre o desenvolvimento de pesquisas
nucleares, principalmente evitando que algum país venha a desenvolver capacidade de estabelecer
programas nucleares com fins militares. O Brasil e mais 189 países enviaram suas delegações para
deliberar sobre o tema. O Tratado tem a função de buscar a diminuição e, até mesmo, a eliminação
dos arsenais nucleares das principais potências militares do planeta: China, Rússia, França, Grã-
8
Bretanha e EUA, que mesmo optando pela redução, ainda manteriam o maior capacidade nuclear
entre os seus pares. Estes cinco países, contraditoriamente ao que impunham ao Irã, não reduziram
seus arsenais. Existem outros países que detêm armas nucleares que não se candidataram a reduzir
seu potencial, como Índia, Paquistão, além das suspeitas sobre Israel, África do Sul e Coréia do
Norte.
O Brasil não nega que tenha um programa nuclear em andamento e vem aceitando as inspeções da
AEIA, que segundo as autoridades nacionais, tem desenvolvido investigações bastante minuciosas,
que seguidamente aproximam-se da condição de ingerência. Em 2004, o País apresentou restrições
às inspeções Agência, desta forma o governo brasileiro se solidariza com Irã, somente em função das
imposições e não no que diz respeito às inspeções feitas. O Brasil, inclusive, responde à ABACC
(Agência Brasil Argentina de Controle e Contabilidade de Armas Nucleares), desde 1991. As relações
Brasil e Irã respondem também pela a similaridade nos programas nucleares, que são vistos, pela
ótica brasileira, como projetos energéticos, uma vez que ambos demonstram utilização pacifica.
Apesar desta posição brasileira, o País não está imune às criticas recebidas em âmbito internacional,
uma vez que estreita suas relações com um Estado que aprimora o seu programa nuclear em uma
região, onde existe a tensão permanente entre Israel e Irã.
No tocante as questões da ONU, o Brasil não se afastou de sua tradição de respeitar as decisões dos
organismos internacionais. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, embora contrariado, assinou, neste
ano, o decreto que aumenta as sanções contra o Irã, aceitando as resoluções do Conselho de
Segurança das Nações Unidas (CSONU). O Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim,
esclareceu que as sanções não afetariam o País nas suas relações com o Irã. Por outro lado, o Brasil
as aceitou por ser, segundo o Chanceler brasileiro, um respeitador das leis internacionais.
Por outro lado, deve-se lembrar que o Brasil, anteriormente, votou contra as sanções impostas ao
país do Oriente Médio na Organização. O que o governo brasileiro decidiu foi manter-se fiel a sua
condição de membro das Nações Unidas e respeitar as deliberações do CSONU, porém o Ministro
das Relações Exteriores do Brasil não esconde a sua opinião sobre a questão, afirmando que acredita
nas negociações de cunho multilateral e não nas sanções impostas aquele país do Oriente Médio. De
acordo com o próprio Ministério da Ciência e Tecnologia do Brasil, o País não participa de projetos
que não seguem normas internacionais. Esta foi a resposta ao presidente Hugo Chávez da
Venezuela, que pleiteava uma possível unidade formada na área nuclear entre Brasil, Venezuela e
Irã.11
O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva não nega que deva existir uma reformulação na ONU,
para assegurar a construção de uma ordem política, econômica e mundial mais justa. Esta intenção
visaria às mudanças para uma melhor utilização dos recursos naturais e que a capacidade nuclear
não fosse usada como moeda de troca para o desenvolvimento econômico.
A questão dos direitos humanos tem gerado as maiores discussões nas relações Brasil e Irã. Os fatos
envolvendo a cidadã iraniana, Sakineh Mahammadi Ashtiani, colocou Ministério das Relações
Exteriores brasileiro em contato com o governo daquele país do Oriente Médio para estabelecer a
perspectiva de trazê-la para território brasileiro na condição de exilada. Por outro lado, o governo
iraniano alegou que pesa contra Sakineh a acusação de homicídio, além daquela de adultério.
Apesar da tentativa do governo brasileiro e das entidades internacionais de direitos humanos, a
condenação ao apedrejamento ou lapidação está mantida pela lei iraniana. Este tipo de condenação
gera algumas críticas ao governo brasileiro por manter relações estreitas com um país que ainda
11
FARAH, Douglas. Iran in Latin America: an overview. In ARNSON, Cynthia; ESFANDIARI, Haleh; STUBITS, Adam.
Iran in Latin America: threat or axis of annoyance. Woodrow Wilson International Center for Scholars-Latin American
Program. Disponível em www.wilsoncenter.org/topics/pubs/Iran_LA_pdf. Acesso em 08.06.2010.
9
aplique tais penas. Estas situações, que se fazem presentes nas relações brasileiro-iranianas, são
segundo a expressão de Luiz A.P. Souto Maior, desafios de uma política externa assertiva. 12
- Em termos estratégicos e geográficos, tensões e dilemas geopolíticos dos EUA, da Europa e da Ásia
sobrepõem-se e influenciam as Relações Internacionais do Oriente Médio e da Ásia Central. A projeção
das potências externas revela-se por meio de guerras como as do Iraque e do Afeganistão, da disputa
pelos recursos naturais eurasianos, tópicos que surgiram periodicamente nos itens anteriores, e que
igualmente estendem-se a localidades como o norte da África. Neste item, o foco de análise recai
sobre as dinâmicas do Oriente Médio e da Ásia Central que envolvem o processo de paz Israel e
Palestina, o Irã e uma sistematização dos conflitos estratégicos presentes.
O envolvimento das potências ocidentais na região do Oriente Médio data dos séculos XIX e XX como
parte do processo de expansão imperial russo, britânico e francês, redesenhando o mapa local a partir
do declínio do Império Turco Otomano. Esta presença européia, a partir do encerramento da Segunda
Guerra Mundial e do processo de descolonização dos anos 1960 e 1970, passou a ser contrabalançada
pela norte-americana, consolidando a posição dos EUA como principal poder externo no Oriente
Médio. As iniciativas autônomas da região como o Movimento dos Não Alinhados, o Nacionalismo
Árabe, do Terceiro Mundismo, o cartel petrolífero da OPEP e a Revolução Iraniana de 1979 são outros
componentes deste quadro complexo que, com o fim da Guerra Fria, oscila entre tendências de
progresso e profunda fragmentação.
No que se refere aos progressos, a década de 1990 foi palco de um dos mais relevantes
desenvolvimentos do processo de paz Israel e Palestina, com a assinatura e aplicação dos Acordos de
Oslo. Em termos de fragmentação, a Operação Tempestade do Deserto e a continuidade das crises
iraquianas, representam o aumento da presença militar dos EUA na região, depois da retórica otimista
da nova ordem mundial. Da mesma forma, os Acordos de Oslo sofrem uma inversão de seu signo
positivo mesmo antes de 11/09/2001.
Analisando especificamente esta triangulação processo de paz, EUA, mundo árabe, o ponto de partida
são, como mencionado, os Acordos de Oslo e a Operação Tempestade do Deserto. Ambos
acontecimentos encontram-se relacionados ao fim da Guerra Fria e ao descongelamento dos conflitos
regionais, que revelaram a fragilidade estrutural das monarquias árabes produtoras de petróleo, ao
risco do avanço do islamismo a partir do Irã e das pretensões regionais de Saddam Hussein pós-conflito
com este mesmo Irã (1980/1988) e os custos da instabilidade regional para os EUA. Tais custos
relacionavam-se não só a questões econômicas, mas políticas relativas ao apoio a Israel, ao vácuo
soviético, à dependência do petróleo do Golfo e as possibilidades de penetração norte-americana na
Ásia Central.
Posteriormente à Tempestade do Deserto, em uma tentativa de reenquadrar estes desenvolvimentos
estratégicos e impulsionar a construção de um novo cenário geopolítico na região, os EUA buscaram
reequilibrar suas políticas locais a partir de um diferenciado processo de paz Israel/Palestina, que
favorecesse sua posição diante dos países árabes e estabilizasse a região o que facilitaria a exploração
dos seus recursos energéticos. Indica-se que esta ação também correspondia a uma realidade de
desgaste regional, em particular de Israel e Palestina e nos países que compõem este conjunto do
Oriente Médio são Irã, Iraque, Israel (e os territórios palestinos), Jordânia, Kuwait, Líbano, Síria, Omã,
Turquia, Iemen, Omã, Catar, Egito, Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Turquia e Arábia Saudita.
12
SOUTO MAIOR, Luiz A. Desafios de uma política externa assertiva. In Revista Brasileira de Política Internacional.
V.46 Nº1 pp. 12-34. 2003.
10
Desde a criação do Estado de Israel em 1948, na sequência da Guerra Árabe-Israelense, e a não
implantação da resolução 181 da ONU de 1947 que previa a criação dos dois Estados, judeu e
palestino, a região viveu convulsionada por guerras. Travadas entre Israel e o mundo árabe, estas
guerras levaram à expansão territorial de Israel por regiões do Líbano, da Síria, do Egito e da Jordânia,
e áreas que corresponderiam ao Estado palestino.
A Guerra dos Seis Dias (1967) e a Guerra do Yom Kippur (1973) foram alguns destes conflitos, assim
como o do Líbano em 1982, a Guerra Irã - Iraque (1980/1988) e a Guerra do Afeganistão (1979/1988)
no âmbito regional (sem deixar de mencionar a Revolução Iraniana de 1979).
No caso específico de Israel e do mundo árabe, os embates dos anos 1960 e 1970 resultaram em
elevados custos humanos, econômicos e estratégicos ao longo do tempo. Globalmente, as crises do
petróleo de 1973 e 1979 também se interelacionam com este quadro de instabilidade que ganhou
novas dinâmicas com o pós-Guerra Fria. Para Israel, o desgaste derivava da elevada mobilização militar
da sociedade e de seu cansaço diante de décadas de conflito, que permitiram o surgimento de uma
postura moderada pró-negociação ao lado de um movimento de paz. No caso da Palestina, observa-se
quadro similar: o esgotamento da capacidade ofensiva da OLP e sua corrente política Fatah e o
respectivo crescimento dos radicais do Hamas, diante da prolongada crise com Israel e a ausência de
conquistas da OLP/Fatah. Havia uma razoável convergência de interesses entre os principais atores
que seriam envolvidos na negociação devido aos desgastes mencionados e a interelacionada tentativa
de manter poder com menores perdas.
Em 1991, os primeiros passos deste processo foram dados por George Bush pai com a Conferência de
Paz de Madri, que deu início a estas conversações sob esta nova lógica, seguindo uma série de
encontros diplomáticos abertos e secretos para a formulação dos novos planos de ação (os encontros
secretos tiveram lugar na Noruega). Em setembro de 1993, a já criada em 1969, a OLP visava a criação
do Estado Palestino por meios militares, a destruição de Israel e tinha no Fatah sua principal força
política. Com o prosseguimento do conflito com Israel e as limitações desta estratégia abandonou as
atividades militares em busca de uma inserção política.
Sob o comando da administração de Bill Clinton, os Acordos de Oslo foram anunciados, seguindo sua
implantação. Além de Bush pai e Clinton do lado norte-americano, as decisões políticas por parte de
Israel e Palestina couberam, respectivamente, ao Primeiro Ministro Ytzhak Rabin (Partido Trabalhista)
e Yasser Arafat (Shimon Peres, Ministro das Relações Exteriores de Israel igualmente desempenhou
papel relevante).
Em retrospecto, estes acordos foram considerados o mais importante avanço diplomático no processo
de paz envolvendo Israel e o Mundo Árabe desde as negociações entre Israel e Egito, que culminaram
em 1979 nos acordos de paz de Camp David. Em 1994, os Acordos de Oslo levaram Rabin, Arafat e
Shimon Peres a ganhar o Prêmio Nobel da Paz. De acordo com Oslo, israelenses e palestinos
reconheciam-se mutuamente, prevendo-se um cronograma para a devolução dos territórios ocupados
por Israel na Cisjordânia e na Faixa de Gaza e a gradual consolidação de regiões palestinas como áreas
autônomas controladas pelas lideranças da Autoridade Nacional Palestina (ANP). Estabeleceu-se que
estas zonas autônomas conviveriam com outras de administração mista, construindo-se nesta etapa
de transição o embrião do futuro Estado Palestino.
A fórmula de Oslo sustentava-se na equação “paz pela terra”. Israel, a partir da devolução dos
territórios ocupados e o conseqüente retorno a suas fronteiras originais, permitiria a criação de um
Estado Palestino. Por sua vez, os palestinos reconheceriam o direito à existência do Estado de Israel,
estabelecendo uma relação de coexistência. A coexistência englobaria a relação israelenses e
palestinos, e a de Israel com todo mundo árabe, consistindo-se em uma solução viável e aceita por
moderados de ambas as partes. Em 1994, Israel e Jordânia assinaram um acordo de paz com o
reconhecimento diplomático de ambas as partes. No ano seguinte, 1995, mais territórios da
Cisjordânia controlados por Israel passaram ao controle da ANP. Os próximos objetivos de negociação
eram focados nas negociações com Líbano e Síria por conta de territórios ocupados por Israel (as
Fazendas de Shebaa e as Colinas de Golã respectivamente).
11
O quadro partidário israelense tendeu a se polarizar entre o Partido Trabalhista e do Partido Likud. Nas
últimas duas décadas, partidos de menor porte ligados aos ortodoxos judeus têm desempenhado o fiel
da balança da formação dos governos pela conquista de cadeiras no Knesset (Parlamento Israelense).
Em 2005, uma dissidência do Likud liderada pelo então Primeiro Ministro Ariel Sharon criou o Kadima,
tentando avançar no quadro político do país. Além deste termo de 1992 a 1995, Rabin já havia
exercido o cargo de Primeiro Ministro de 1974 a 1977, e fora Ministro de Defesa de 1985 a 1990, e um
dos principais responsáveis pela vitória de 1967 na Guerra dos Seis Dias como Chefe do Estado Maior
do Exército.
Liderada por Arafat, desde 1993 a ANP vinha estabelecendo um razoável controle sobre os territórios
que haviam sido colocados sob sua responsabilidade, contando com significativa ajuda externa
financeira dos EUA e da UE. A construção de uma infraestrutura de serviços de saúde, educação e
segurança interna era resultado desta ajuda, como de um esforço concentrado de solidificação da
capacidade e autonomia da ANP. A este arcabouço governamental somava-se um similar de
governança social, com incremento da participação popular, desenvolvimento de uma mídia
independente e representação democrática. Redefinia-se, sob termos de equilíbrio e tolerância mútua,
a convivência com Israel. Parecia consolidar-se, se não uma era de paz na região, pelo menos de
estabilidade.
Em termos realistas, a situação permanecia instável devido a algumas contradições e problemas
pendentes de Oslo I e II e à pressão dos grupos radicais de ambos os lados. No que se refere às
contradições e problemas, um dos mais significativos foi a falta de continuidade geográfica entre as
partes que compunham o futuro Estado palestino e que se encontravam sob a administração da ANP.
Entre estas partes, a presença militar israelense mantinha-se, o que dificultava a unidade política
palestina como um território contíguo, com a ANP funcionando como autoridade central de diversos
enclaves.
Para Israel, esta era uma forma de manter controle militar sobre este espaço, enfraquecer
relativamente a estrutura deste Estado em construção, ao mesmo tempo em que transferia a
responsabilidade (e o custo econômico e militar) de zonas críticas de segurança à ANP. Esta questão
relacionava-se diretamente à soberania do Estado palestino em formação, levantando a seguinte
indagação: os territórios devolvidos poderiam, efetivamente, compor um Estado soberano no médio
prazo ou seriam mantidos sob o signo da autonomia nos moldes da ANP? Este dilema fazia parte de
uma agenda pendente desde as conversações de Madri que haviam sido colocadas de lado a fim de
avançar as negociações que resultaram em Oslo: o status de Jerusalém, o retorno dos refugiados
palestinos e a retirada dos assentamentos israelenses dos territórios ocupados. O objetivo dos
negociadores era voltar à mesa de discussões à medida que a aplicação inicial de Oslo caminhasse com
sucesso, o que facilitaria, em tese, novos saltos qualitativos diplomáticos.
Esta dinâmica já havia sido aplicada em negociações como as de Camp David em 1979 e mesmo na
passagem de Oslo I a II, e o desenvolvimento de 1993 a 1995 com a solidez do embrião do Estado
palestino via ANP e a conciliação com Israel liderada por Arafat e Rabin provava sua relevância. O
encaminhamento do processo, entretanto, desagradava os radicais ortodoxos em Israel que acusavam
o governo de concessões excessivas, ofereciam oposição à retirada dos assentamentos e alegavam que
os acordos não haviam elevado a segurança do país, pois os atentados continuavam (desmerecendo o
fato de que haviam diminuído consideravelmente e os territórios palestinos alcançavam situação de
normalidade). Em termos palestinos, Arafat sofria acusações similares dos radicais do Hamas que
contavam cada vez mais com a ajuda do grupo libanês Hezbollah (Partido de Deus, criado após a
invasão do Líbano por Israel em 1982, composto por fundamentalistas islâmicos), associadas a
suspeitas de corrupção de desvios de recursos de ajuda humanitária.
Quase no final de 1995, em Novembro, estas forças radicais conseguiriam sua primeira “vitória” no
que marca o começo do retrocesso do processo de paz e o retorno de uma postura conservadora em
Israel que exacerbaria as contradições de Oslo e as palestinas: o assassinato do Primeiro Ministro
Rabin e a subseqüente eleição de Benjamin Nethanyahu (Bibi) em Israel e a continuidade dos
atentados suicidas. Frente a estes acontecimentos que colocavam em risco o processo de paz, os EUA,
12
ainda sob a administração de Clinton, pressionaram Bibi e Arafat a não abandonarem as negociações,
em um padrão que se repetiu de 1996 a 2000. A ascensão de Bibi ao poder
deu-se em um cenário de extrema divisão na sociedade israelense, uma vez que sua eleição deu-se por
uma margem mínima sob Shimon Peres. Por sua vez, na ANP, Arafat e o Fatah sagraram-se vitoriosos
em eleições consideradas democráticas pela comunidade internacional demonstrando a solidez do
encaminhamento do processo palestino pós-Oslo.
De 1996 a 1998, Bibi e Arafat negociaram, a partir da mediação dos EUA, o Acordo de Wye Plantation.
Assinado em 1998, sob fortes críticas de suas bases domésticas, o Acordo estabeleceu que as forças de
segurança palestinas aumentariam a repressão ao terrorismo, enquanto haveria a retirada israelense
de 11% do território da Cisjordânia. Os avanços foram poucos, crescendo a oposição interna em Israel
a uma nova rodada de negociações e mesmo a continuidade de aplicação dos acordos. Mesmo assim,
em 1999/
2000, Clinton novamente convocou os líderes a negociar, Arafat ainda pelo lado palestino e Ehud Barak
do Partido Trabalhista pelo lado de Israel.
Estes encontros Clinton/Barak/Arafat realizados simbolicamente em Camp David aconteceram em um
momento de crise e fraqueza de ambos governantes. Apesar de ter ganho a eleição com um discurso
pró-segurança, Barak continuava sob pressão dos conservadores que, liderados por Ariel Sharon,
intensificavam sua postura anti-negociações. O ponto mais grave do período, que encerra a fase Oslo,
ocorre por intermédio de Ariel Sharon que, em Setembro de 2000, realiza uma visita à Esplanada das
Mesquitas em Jerusalém, território considerado sagrado também pelos muçulmanos.
Considerada provocativa, esta visita marca o início da Segunda Intifada (a primeira datava de 1987) nos
territórios palestinos e da intensificação de ataques contra Israel. Em meio à escala de violência,
Sharon sagra-se vencedor das eleições seguintes, assumindo o posto de Primeiro Ministro, que
exerceria até 2006 quando é afastado por problemas de saúde (encontrava-se em coma até 2009) e é
sucedido por Ehud Olmert.
Em 2001, a somatória da ascensão de Sharon ao governo em Israel, de George W. Bush nos EUA e dos
atentados de 11/09, inserem o processo de paz em uma lógica de retrocesso e agressão (um dos
argumentos da Al-Qaeda apresentados, posteriormente, pós 11/09 foi a defesa do Estado Palestino, ao
lado das conhecidas motivações de retirada das tropas dos EUA dos territórios sagrados). A GWT
(Global War on Terrorism) norte-americana e o apoio incondicional dos falcões a Sharon permite, sob a
justificativa da segurança, ações unilaterais de Israel que minam as possibilidades de negociação e
iniciam uma sistemática destruição do embrião do Estado Palestino sob a liderança da ANP. Em
2002, o Exército israelense avançou sobre os territórios palestinos em uma ação de reocupação em
uma ofensiva chamada de “Muro Protetor” (paradoxalmente, em Jenin, Sharon ordenou a retirada de
colonos israelenses).
Um dos episódios mais marcantes desta ação, além da maciça campanha militar em territórios
palestinos visando destruir a infraestrutura de apoio aos terroristas do Hamas apoiados pelo Irã e
Hezbollah, foi o cerco a Ramallah e a prisão domiciliar de Arafat. Além do Hamas, outros grupos
insurgentes (definidos como terroristas) são a Jihad Islâmica Palestina e a Brigada dos Mártires de Al-
Aqsa (ala radical do Fatah).
Com a saúde bastante debilitada (viria a falecer em Novembro de 2004), Arafat foi alvo de uma série
de acusações políticas de corrupção e desvios de recursos da ANP por parte do Ocidente os EUA
voltaram a incluí-lo na sua liderança. Além de fundador do novo partido Kadima, Sharon esteve nas
origens da criação do Likud e tornou-se uma das figuras mais conhecidas da política israelense por seu
radicalismo e militarismo.
Sobre ele, pesam diversas acusações por massacres de civis palestinos em operações militares (Qybia,
1953, Sabra e Shatila, 1982). Além de colocá-lo na lista de patrocinador do terrorismo sob alegação de
que estaria patrocinando o Hamas e, ter desconstruído como interlocutor, um viável e legítimo diálogo
em futuras negociações. Do ponto de vista interno, a ANP perdia autoridade diante de seus cidadãos,
incapaz de reagir à ofensiva israelense, o que permitiu o crescimento do Hamas. Arafat era
responsabilizado pela ofensiva e pelos atentados, mas já sem capacidade política de reagir a ambas as
13
situações gerou um vácuo de poder na liderança palestina. Esta liderança vem sendo exercida desde
2003 por Mahmoud Abbas, inicialmente como Primeiro Ministro da ANP, e a partir de 2005 como seu
Presidente, mas que não conta com o mesmo apoio e visibilidade que Arafat.
Ainda que justificada por uma motivação aparentemente conjuntural, o aumento dos atentados contra
Israel, esta ofensiva fazia parte de uma estratégia de longo prazo de Sharon e dos grupos mais
conservadores do país, contrários às políticas de Oslo (em detrimento da fórmula terra pela paz e
coexistência política, a opção é pela destruição sistemática do inimigo). O objetivo era abrangente no
sentido de deslegitimar as propostas de paz, as conquistas do acordo e remilitarizar o conflito,
seguindo a lógica da prevenção e da defesa ofensiva que contava com incondicional apoio dos EUA.
Diante da GWT (Global War on Terrorism) e da futura invasão do Iraque, o processo de paz no Oriente
Médio foi englobado pelas visões neoconservadores de mudança do mapa da região pelas
intervenções, das quais passaram a fazer parte as ações de Sharon.
Retoricamente, visitas de enviados especiais como George Tennet, Paulo Mitchell e Anthony Zinni,
afirmavam a prioridade da construção do Estado Palestino, em clara contradição à lógica militar. Como
resultado, além da reocupação dos territórios, houve a aceleração dos assentamentos de colonos
judeus em zonas de disputa diplomática e a construção do Muro Protetor Real, separando Israel da
Cisjordânia, isolando os territórios palestinos. Deve-se destacar que esta ofensiva foi ainda
acompanhada, em 2002, por duas propostas alternativas de negociação, o que evidencia a prevalência
do fator militar sobre o diplomático à medida que ambas não foram consideradas válidas por Sharon: o
Plano de Paz Saudita e a Resolução 1397 do CS da ONU, cujo núcleo reside na criação do Estado
Palestino, a devolução dos territórios ocupados e o reconhecimento de Israel pelo mundo árabe. Em
resposta à ofensiva, a ONU apresentou as resoluções que pediam a retirada israelense e o
questionavam a situação humanitária, igualmente sem repercussão positiva, como iniciativas da UE de
envio de observadores à região. A contrapartida dos EUA foi o seu Muro de Proteção na fronteira com
o México para barrar para barrar a entrada de imigrantes ilegais.
Associada à subseqüente operação dos EUA no Iraque e a continuidade da Guerra no Afeganistão, a
ação israelense teve um efeito desestabilizador significativo no Oriente Médio. Tal efeito estendeu-se à
dinâmica das relações intraregionais colocando em xeque países moderados do mundo árabe como
Egito e Jordânia com os quais Israel detém relações diplomáticas, favorecendo o radicalismo. No
Líbano e na Síria, também houve o aumento de influência dos fundamentalistas, como a intensificação
de tensões com Israel e os EUA.
No âmbito do projeto neoconservador norte-americano, deve-se lembrar que a Síria, assim como Irã
eram considerados alvos de futuras intervenções, o que não se concretizou devido à crise do Iraque.
No caso do Líbano, em 2006, Israel, já sob o comando de Olmert, efetuaria uma operação militar de
resultados discutíveis militarmente a fim de barrar o avanço do Hezbollah nas fronteiras, criando mais
um foco de instabilidade. Em termos globais, a explosão dos preços do petróleo foi um dos outros
subprodutos dos acontecimentos deste período.
No ano de 2003, este aprofundamento de instabilidades foi acompanhado por uma nova proposta de
paz dos EUA para o Oriente Médio, que retomava, em meio a uma situação crítica, o projeto de criação
do Estado Palestino.
Conhecida como “Mapa da Estrada” (Road Map), esta proposta era embasada na visão
neoconservadora de levar a democracia ao Oriente Médio por meio do processo de mudança de
regime empreendido por operações militares e tentava recuperar, no caso palestino-israelense, a
iniciativa diplomática dos EUA. Tal projeto resulta de esforços conjuntos do Quarteto de Madri (EUA,
UE, Rússia e ONU), estabelecido em 2002, que tentava retomar o diálogo regional. Como parte desta
ofensiva, o então Secretário de Estado Powell e a Assessora de Segurança Nacional visitaram a região.
Segundo o cronograma original do Mapa da Estrada previsto para 2003, os meses de janeiro a junho,
teriam como prioridade a obtenção de um cessar fogo entre as partes: enquanto a ANP se
comprometeria a coibir os ataques terroristas, denunciando o terrorismo radical e eliminando suas
facções, e a reformar seu sistema de governança (eleições livres, nova constituição), Israel se retiraria
dos territórios reocupados em 2000 e reverteria a colonização judaica. Atingidos estes objetivos, de
14
junho a dezembro seriam intensificadas as negociações políticas para que em 2004/2005 se realizasse
uma Conferência de Paz entre Israel e os países árabes e se lançasse o Estado Palestino.
A despeito de alcançar tréguas ocasionais e a retirada de alguns assentamentos judeus, o Mapa da
Estrada não atingiu seus objetivos. Desde sua origem, a viabilidade e a legitimidade do processo
surgiram como questionáveis, à medida que suas negociações continuaram sendo acompanhadas pela
ofensiva israelense e dos EUA (a Guerra do Iraque inicia em Março de 2003). Também era duvidosa a
possibilidade de que a ANP teria de retomar suas iniciativas, principalmente frente o Hamas, depois do
processo de desconstrução iniciado em 2000. Abbas não detinha força política para agir, e as forças
políticas associadas ao Hamas não eram reconhecidas como interlocutores pelo Ocidente mesmo
ganhando eleições democráticas nos territórios palestinos. As lideranças políticas do Hamas,
igualmente ao subirem ao poder, não demonstravam intenção de negociar ao anunciar que não
reconheceriam o Estado de Israel ou abandonariam a luta armada. No Líbano, o Hezbollah alcançava
sucessos eleitorais, mas o país se manteve razoavelmente estável até 2006 quando ocorreram ataques
israelenses a seu território.
Estes impasses somente se acentuaram de 2003 a 2008, atrelados ao aumento da violência e ao
insucesso relativo das operações militares dos EUA. Como mencionado, Israel em 2006 aumentou o
potencial de violência local com ataques ao Líbano para conter o que se definiu como apoio do
Hezbollah ao Hamas, também elevando sua retórica contra o Irã que, desde 2005, era governado por
Mohamadd Ahmadinejad. A ascensão de Ahmadinejad ao poder representa o endurecimento da
política iraniana diante das pressões de sua crise interna como dos avanços dos EUA na região, o que
levou a aceleração do programa nuclear do país e ao aumento das críticas a Israel, em declarações
polêmicas do novo presidente sobre o Holocausto.
As ofensivas israelenses, em particular no mandato de Olmert, são representativas de um debate
político interno, no qual cresce a influência das forças conservadoras e ortodoxas e das ações de
Sharon com a criação do Kadima. Figuras como Tipzi Livni, a volta de Bibi ao poder em 2009
representam esta linha dura e a necessidade de dar respostas à população. As incursões recentes de
2007/2008 correspondem a uma tentativa de marcar posição diante dos EUA, cuja política no final do
governo Bush caminhava a uma maior moderação e diante da eleição presidencial e a possível vitória
de Barack Obama que não compartilhava das políticas de apoio incondicional a Israel.
Diante da perspectiva da retomada de uma tentativa de equilíbrio como de Bush pai a Clinton, Israel
buscou consolidar posições antes da posse da nova administração que desde a campanha demonstrara
a intenção de retomar o processo de paz tendo como base a iniciativa do enviado especial George
Mitchell em alcançar um cessar fogo e de hostilidades entre Israel e a ANP.
Até outubro de 2009, contudo, estes esforços esbarram na posição de ambos estes interlocutores. Por
meio do Quarteto de Madri e de ações do comissário de política externa da UE Javier Solana, novas
rodadas de negociação tem sido propostas, com um papel efetivo da Turquia como mediadora entre o
ocidente e o oriente.
Do ponto de vista do mundo árabe, a questão do relacionamento com Israel é sensível desde 1948,
mas avanços no processo de reconhecimento mútuo foram sendo alcançados, vide os acordos com o
Egito e a Jordânia. O apoio à causa palestina e às críticas às ações dos EUA pró-Israel em particular na
Guerra Fria são mediadas pela dependência dos mercados ocidentais para a venda do petróleo. Trata-
se de uma dependência mútua entre consumidores e fornecedores que se revela em políticas
ambíguas dos EUA para a região, com a tolerância às práticas pouco democráticas e fundamentalistas
em questões sociais como as da Arábia Saudita, enquanto pressiona o Irã pelos mesmos motivos. A
Arábia Saudita, além disso, é apontada como um dos focos do patrocínio do terrorismo internacional
com as receitas do petróleo.
Politicamente, entretanto, iniciativas de autonomia surgem periodicamente por meio da Liga Árabe
(fundada em 1945), assim como de conciliação e mediação dos conflitos e tensões regionais (o Brasil é
observador da Liga desde 2003). Trata-se um organismo com potencial de unidade e crescimento, mas
que ainda apresenta fragmentações internas como outras instituições similares, agravadas pelas
15
condições geopolíticas locais, não só a inserção de Israel, mas o papel do Irã e os próprios desafios
sociais, econômicos e políticos que se impõem a seus membros.
B) O Irã
Tanto no que se refere à questão Israel-Palestina como aos desenvolvimentos das operações dos EUA
no Afeganistão e Iraque, o papel do Irã é central para a definição do cenário do Oriente Médio e da
vizinha Ásia Central. Tal papel revela-se ambíguo, frente às dinâmicas domésticas do país e à pressão
que sofre do exterior, em particular dos EUA. Ao mesmo tempo, o Irã tenta reforçar sua autonomia por
meio do programa nuclear e de alianças com nações como Rússia, China e Venezuela no campo
diplomático, energético e tecnológico. No campo da barganha, o petróleo mantém sua relevância
como elemento de poder nacional, com o país detendo a terceira maior reserva do mundo deste bem,
sendo o seu quinto maior exportador.
Examinando a trajetória do Irã no pós-Guerra Fria, é necessário recuar até 1979 quando ocorre a
Revolução Islâmica liderada pelo Aiatolá Khomeini. O movimento iraniano surge como ponto de
inflexão na relação do país com o ocidente, em seu papel como representante de um Estado islâmico
religioso fundamentalista na região e no mundo, resultante de contradições domésticas sempre
presentes entre a modernidade, a tradição, a religião e a secularização.
Antiga aliada dos EUA e da Grã-Bretanha, a República Islâmica do Irã nasce a partir da deposição do Xá
Reza Pahlevi e passa a simbolizar um movimento de autonomia diante do ocidente na região do
Oriente Médio e a recuperação dos valores tradicionais da sociedades locais. Segundo Fred Halliday
(1995), a revolução simbolizou um movimento político de conquista de poder, sustentado no discurso
fundamentalista. Halliday aponta em sua análise que a oposição ao Xá reuniu diversos grupos sociais
liberais e de esquerda ao clero liderado pelo Aiatolá Khomeini.
Dentre estes, encontram-se os mujahedin islâmicos e-Khalk, a guerrilha fedayin e-Khalk e o Partido
Tudeh de inspiração de esquerda, e a burguesia.
O clero supria com seu discurso e o carisma populista de Khomeini o elemento unificador que defendia
um projeto de autonomia externa e a recuperação da identidade e orgulho a partir da religião islâmica.
Os vícios da modernidade ocidental seriam superados pela adoção da sharia (lei islâmica), permitindo
a construção de uma sociedade mais justa, que respeitasse os preceitos fundamentais do Islã
amparados pelo Corão. Com o sucesso da Revolução estes grupos de oposição foram eliminados por
Khomeini (repressão e banimento) que passou a centralizar todo o poder decisório no clero
conservador. Esta dinâmica, assim como a descrição abaixo da estrutura de poder iraniana
estabelecida pela Revolução é relevante para que se possa compreender a dinâmica política interna do
país e suas disputas nos últimos anos.
Pahlevi contava com o apoio anglo-saxão desde sua ascensão ao poder em 1941. Em 1953, os EUA e a
Grã-Bretanha patrocinaram o golpe contra Mossadegh (Operação Ajax) que nacionalizara a indústria
petrolífera e depusera seu aliado Pahlevi. O projeto do Xá era reconstruir a Grande Pérsia e nos anos
1970 recebeu considerável ajuda militar dos EUA (Nixon/Kissinger), que, na administração Carter
retirou seu apoio devido aos abusos de direitos humanos cometidos por Pahlevi, um dos fatores que
facilitou a revolução. Alguns dos episódios mais marcantes da Revolução foram a invasão da
Embaixada estadunidense, em Teerã, e a crise dos reféns que perdurou por 444 dias e a construção da
imagem norte-americana como o “Grande Satã”, que ocasionou o rompimento das relações
diplomáticas bilaterais até setembro de 2009.
A Constituição da República Islâmica do Irã consolidou a unidade Estado/Religião e os principais lócus
decisórios são o Líder Supremo (Chefe Político e Espiritual, faqih) e o Conselho dos Guardiãos. A
população elege o Presidente e o Parlamento que se encontram subordinados a estas instâncias
religiosas. Outros órgãos são o Judiciário, o Controle de Discernimento e a Assembléia dos Peritos. Nas
relações internacionais e de defesa, as agências do Conselho de Segurança Nacional e Inteligência são
controladas pelo Líder Supremo, composto por um exército regular e a Guarda Revolucionária
Islâmica, que possui como tarefa proteger a revolução, assim como o Ministério da Inteligência e
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Segurança (MOIS). O MOIS, atualmente, é comparado a SAVAK, polícia secreta da época do Xá, pela
sua autonomia e caráter repressivo. Em 1981, esta estrutura encontra-se estabilizada, com Khomeini
como Líder Supremo e Ali Khamenei à frente da Presidência.
Frente a este regime, sua ação e discurso, para os EUA e o Ocidente de uma forma geral, a Revolução
foi definida vista como ameaça e representativa do início da disseminação da possível “onda verde
fundamentalista islâmica” pelo sistema (o patrocínio do terrorismo internacional e a força ideológica
da revolução inserem-se neste quadro de “exportação da revolução”), iniciando um processo de
contenção e isolamento da revolução por meio de pressões políticas e econômicas. A Guerra Irã-Iraque
(1980/1988) envolveu este objetivo de contenção e reafirmação do poder regional de Khomeini e
Hussein. Nos anos 1990, esta “onda verde” assumiu a face do “Choque das Civilizações”.
A capacidade do Irã em atuar internacionalmente é limitada por sua dependência da venda do
petróleo ao Ocidente (devido ao rompimento diplomático com os EUA, os principais mercados
iranianos passam a ser a Europa Ocidental e Ásia via Companhia Nacional Iraniana de Petróleo, NIOC).
Tal dependência estende-se as demais dimensões da sociedade iraniana, cujo desenvolvimento
econômico ainda não contempla uma abrangente modernização.
A URSS temia a expansão da revolução à Ásia Central muçulmana e a interferência do Irã em nações
como o Afeganistão a partir da ajuda militar e financeira aos talibãs.
O estopim da guerra é o rompimento por parte do Iraque do acordo bilateral de 1975 que estabelecia
a exploração conjunta de petróleo na região do Shatt al-Arab. Além da Guerra, em 1981, Israel
bombardeou unilateralmente o reator iraquiano Osirak, alegando que o Irã estaria desenvolvendo um
programa nuclear.
Estas pressões, a Queda do Muro e a morte de Khomeini inserem um importante ponto de inflexão na
República Islâmica, com a demanda de indicar um novo Líder Supremo que mantivesse a unidade
nacional. A tarefa coube a Ali Khamenei, com Hashemi Rafsanjani na Presidência, reeleito em 1993.
Antes de seu falecimento, Khomeini publica um decreto religioso (fatwa) condenando o escritor
Salman Rushdie à morte pela publicação do livro “Os Versos Satânicos”. Em 1990/1991, a Guerra do
Golfo criou um novo impasse para o Irã que passou a ser classificado como Estado bandido.
No primeiro mandato de Clinton, foi aplicada ao país (e ao Iraque) a política de dupla contenção. As
pressões diplomáticas foram acompanhadas da renovação do embargo econômico de 1995 a 2000. Foi
este mesmo governo Clinton que abriu negociações para um processo de descongelamento com o Irã
em seu último ano de mandato em resposta às mudanças da política interna iraniana a luz de
completar sua segunda década. Como parte deste projeto, a Secretária de Estado Madeleine Albright
reconheceu oficialmente a participação dos EUA no golpe de 1953 contra Mossadegh.
Estas mudanças correspondem a uma renovação da revolução, com base em suas conquistas de
aumento da participação popular democrática e acesso à educação. Estes pilares entraram em
contradição com o baixo desenvolvimento econômico e o tradicionalismo religioso, resultando na
eleição de Mohammad Khatami nas eleições presidenciais de 1997.
Definida como linha reformista, a corrente de Khatami defendia uma retomada de contatos
diplomáticos com o ocidente (além do comércio de petróleo) e buscava a construção de um Irã
moderno. Em oposição ao Choque de Civilizações de Huntington, Khatami propôs o Diálogo das
Civilizações, sendo definido pela imprensa ocidental como “Gorbachev do Oriente Médio”.
No ano de 2000, Khatami fez uma visita à Itália sinalizando a abertura e o Primeiro Ministro iraniano
Kamal Kharrazi foi recebido na ONU.
Internamente, o clero conservador manifestou seu desagrado com os esforços de aproximação com o
Ocidente que, contudo, continuaram, assim como avanço reformista nas eleições parlamentares e
municipais de 1999 e na reeleição de Khatami em 2000.
A reeleição do Presidente representou a consolidação do movimento reformista composto pelo
eleitorado feminino, jovens, intelectuais e profissionais liberais, de foco urbano e da gradual
reaproximação com o Ocidente. Este crescimento provocou uma reação conservadora, ainda que
tardia. Tal reação teve como objetivo barrar o avanço dos reformistas nos centros urbanos a partir de
uma aplicação mais rígida das leis eleitorais e de censura aos partidos políticas, mídia, revistas e
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associações, com o incremento da repressão da polícia religiosa. Nos pleitos que se seguiram a 2000,
promoveu-se a sistemática invalidação de candidaturas reformistas.
A ofensiva conservadora apoiou-se na cisão tradição e modernização que dividia as zonas interioranas
e urbanas do país e nas dificuldades de Khatami em cumprir seu programa de reformas internas e
externas, associado à crise econômica.
Além desta crise e da ofensiva do clero, os reformistas passaram a sofrer pressões externas depois da
eleição de Bush filho e dos atentados de 11/09.
A Guerra do Afeganistão (2001), a denúncia do programa nuclear iraniano pela ONU (2001), a inclusão
do Irã no Eixo do Mal (2002), a Doutrina Preventiva (2002) e a Guerra do Iraque (2003), validaram as
críticas domésticas às ações de Khatami e a percepção de “cercamento” do Irã. Síria e Irã eram
considerados pelos neoconservadores norte-americanos como futuros alvos de intervenções
preventivas, o que facilitou o discurso de endurecimento interno e a retomada do programa nuclear
iraniano (em 2003, como resultado de um acordo bilateral com a Rússia inicia-se a construção do
reator nuclear em Busher, ao qual se seguem os novos reatores em Natanz e Arak).
A retomada do poder pelos conservadores iranianos acontece nas eleições parlamentares e
presidenciais de 2003 a 2005, enquanto sustentavam-se protestos nas áreas mais modernas do país
contra o encarceramento e desqualificação de candidatos reformistas, associado à censura. A vitória
dos conservadores, porém, não foi somente resultado de sua reação, mas também do
aprofundamento da crise econômica e divisões entre a modernidade e a tradição. O candidato dos
conservadores à presidência Ahmadinejad se elege com apoio do clero linha dura, do interior do país,
sustentando-se em um discurso populista, prometendo a retomada do desenvolvimento econômico e
com críticas duras aos EUA, a Israel e ao Ocidente (a vitória acontece sobre Hashemi Rafsanjani que
representava uma postura mais moderada, não havendo um nome forte dos reformistas
anteriormente associados a Khatami).
Controversa e polêmica, a Presidência Ahmadinejad acelerou o programa nuclear em uma postura de
barganha e defesa ofensiva frente os EUA, acompanhando de uma retórica agressiva (uma das
posições mais criticadas de sua administração é a negação do holocausto e de qualquer retomada de
negociações com os EUA). Avançando além da retórica, somado ao programa nuclear, o Irã buscou
incrementar sua posição regional com a abertura e reforço de vias alternativas de sua política externa.
As parcerias com a Rússia e a China no campo nuclear e energético inserem-se neste quadro e
fornecem certa estabilidade política à autonomia do Irã. Ainda que defendam um processo de
negociação com o Irã sobre seu programa nuclear no âmbito multilateral (AEIA), China e Rússia barram
os esforços norte-americanos e europeus de fazer uso do CSONU para aumentar as pressões sobre o
país. Da parte iraniana, a posição pró-desenvolvimento nuclear sustenta-se na demanda de energia e o
direito ao desenvolvimento.
Outra aliança priorizada por Ahmadinejad foi com a Venezuela de Hugo Chávez, baseada no discurso
anti-americano, anti-hegemônico e de tentativa de retomar o movimento não alinhado no pós-Guerra
Fria. Estas conversações estendem-se à OPEP na qual os países desejam manter a elevação dos preços
do petróleo, sendo contrários ao aumento de produção muitas vezes defendido pelas nações árabes
devido às pressões dos EUA.
Esta ofensiva iraniana levou os EUA a considerar o país como o maior inimigo norte-americano e
patrocinador do terrorismo internacional. O agravamento de tensões bilaterais somente começa a se
alterar em 2007 com a contínua deterioração da situação do Iraque, que gera encontros bilaterais de
alto nível diplomático e a participação do Irã em conversações visando a paz regional. Esta
aproximação não elimina as controvérsias no campo nuclear e nem o projeto iraniano nesta área,
aumentando sua capacidade de enriquecimento de urânio (apesar de um relatório da divulgação de
um relatório da própria CIA que indicava que o Irã havia parado a produção de armas em 2003).
Paradoxalmente, as pressões e crises como as do Estreito de Ormuz (quando a marinha britânica é
acusada de violar águas iranianas) misturam-se às aproximações e negociações diplomáticas: em
janeiro de 2008, Khamenei menciona a possibilidade de reativar relações diplomáticas com os EUA e
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com a eleição de Barack Obama retomam-se as conversações para a reabertura da Embaixada norte-
americana em Teerã.
Em 2008, os EUA e a UE alternaram suas pressões ao Irã com a sinalização, principalmente por parte
da UE, de ofertas comerciais para que o país abrisse mão de seu programa nuclear. Embora tenha se
mostrado disposto a negociar maior transparência do projeto sob a responsabilidade da AEIA, o Irã
vem se recusando a abandonar o enriquecimento de urânio, o que preserva o impasse entre as partes.
Mesmo a citada eleição de Barack Obama, incluindo promessas de retomada de descongelamento e as
congratulações enviadas ao recém-eleito presidente não alteraram
profundamente a dinâmica destas relações. A manutenção da linha dura em Israel (ataques à Faixa de
Gaza), ameaças de repetição de bombardeio unilateral de reatores iranianos também não se alteraram
e a reeleição de Ahmadinejad em junho de 2009 inseriu um novo ponto de inflexão neste cenário.
Esta reeleição revelou a continuidade da cisão entre reformistas e tradicionalistas no país, pois embora
alijado da linha de frente do poder (parlamento e presidência) o movimento urbano manteve-se
latente nas universidades e entre mulheres e jovens. Pesquisas de opinião independentes antes do
pleito (não reconhecidas pelo governo) indicavam a possibilidade de realização de um segundo turno
entre Ahmadinejad e Mir Hossein Mousavi, que agregava o apoio do clero moderado e dos reformistas
ligados a Khatami.
A reeleição de Ahmadinejad foi confirmada no primeiro turno com cerca de 63% dos votos, o que
gerou inúmeras acusações de fraude dos que apoiavam Mousavi e a eclosão de protestos em Teerã.
Reprimidos pelo governo, estes protestos ganharam a mídia ocidental como prova da fragilidade do
regime dos aiatolás no trigésimo aniversário da revolução. Entretanto, não é possível desconsiderar
que Ahmadinejad conseguiu considerável apoio no interior do país, sua base eleitoral, com a
permanência de suas posições internas e externas.
Apesar desta instabilidade, a reeleição foi apoiada pelo Líder Supremo e validada pelo Conselho dos
Guardiões. Em Agosto de 2009, Ahmadinejad tomou posse para seu segundo mandato. Como
aparentes concessões aos reformistas, o Presidente indicou mulheres para cargos no Ministério, mas
com uma visão conservadora, o que manteve as críticas dos reformistas. As contradições presente no
Irã revelam a permanência da linha tênue entre a tradição e a modernização do país, produto do
sucesso de sua revolução, e que demandarão a reavaliação e ajustes de políticas.
Em termos externos, a posição do país é uma das mais relevantes no Oriente Médio e sua busca pela
estabilidade e reconstrução de equilíbrios, estando ainda dependente de novos arranjos diplomáticos
na região e no mundo (e, principalmente, nas relações com os EUA), e como uma possível ponte entre
o Oriente e o Ocidente, similar ao da Turquia.
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