Paisagem Ambiente 37 - Espaços Abertos
Paisagem Ambiente 37 - Espaços Abertos
Paisagem Ambiente 37 - Espaços Abertos
Publicação semestral da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP), vinculada aos laboratórios Quadro Supervisão Geral
do Paisagismo no Brasil (Quapá), Paisagem, Arte e Cultura (LabParc), ao Grupo de Disciplinas Paisagem e Ambiente (GDPA) do Departamento André Luis Ferreira
de Projeto e à Área de Concentração Paisagem e Ambiente do Curso de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP.
Tiragem
CREDENCIAMENTO E APOIO FINANCEIRO DO
PROGRAMA DE APOIO ÀS PUBLICAÇÕES CIENTÍFICAS PERIÓDICAS DA USP
500 exemplares
COMISSÃO DE CREDENCIAMENTO
OBJETIVO / SUBJEC T
2016
Semestral
n. 37 (2016)
ISSN 0104-6098 (Impresso) • ISSN 2359-5361 (Eletrônica)
Linha Editorial
Publicação semestral da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP),
vinculada aos laboratórios Quadro do Paisagismo no Brasil (Quapá), Paisagem, Arte e Cultura (LabParc), ao
Grupo de Disciplinas Paisagem e Ambiente (GDPA) do Departamento de Projeto e à Área de Concentração
Paisagem e Ambiente do Curso de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP.
Projeto Gráfico
Sóstenes Costa
Capa
Francine Gramacho Sakata
Praça Salgado Filho, Rio de Janeiro, RJ.
Foto: Acervo Quapá.
Contracapa: Jardins Nininha Magalhães, Rio de Janeiro, RJ.
Foto Silvio Soares Macedo, 2006.
Diagramação
Sóstenes Costa
Revisão de Texto
Valéria Diniz
[email protected]
Publicação
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo
Grupo de Disciplinas Paisagem e Ambiente / Departamento de Projeto
Rua do Lago, 876, Cidade Universitária
05508-080 São Paulo SP Brasil
Fone: (11) 3091-4544 e-mail: [email protected]
Distribuição
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo
Fundação para a Pesquisa Ambiental – Fupam
Rua do Lago, 876, Cidade Universitária
05508-080 São Paulo SP Brasil
EDITORIAL..................................................................................................................................... 5
PAISAGEM URBANA
PROJETO
PESQUISA
ENSINO
PAISAGEM
Parque Sara Kubitscheck, em Brasília (DF). Com projeto original de Roberto Burle Marx, ainda guarda no desenho
de suas águas e em parte de seus caminhos o traçado forte do paisagista, que elaborava formas curvilíneas com
elegância, marca registrada de seus projetos. Foto: Silvio Soares Macedo, 2015.
O Paisagismo vira uma atividade cotidiana, feito por equipes técnicas de pre-
feituras – que criam centenas de praças e parques –, por empresas de projeto de
paisagismo – que fazem milhares de jardins e áreas comuns de condomínios e lotea-
mentos fechados. Torna-se um ofício de arquitetos, e milhares de jovens estudantes
são iniciados em seus fundamentos nas mais de duzentas faculdades de arquitetura
Jardins e fonte do complexo corporativo Rochaverá, em São Paulo (SP). Projeto altamente elaborado, com
predomínio de plantas tropicais, de Sérgio Santana e equipe, um dos paisagistas mais renomados do Brasil.
Foto: Silvio Soares Macedo, 2015.
PAISAGEM URBANA
FORMA URBANA DE BELÉM E SEUS DESDOBR AMENTOS
PAR A A FORMAÇÃO DE UM SISTEMA DE
ESPAÇOS LIVRES ACESSÍVEL À POPULAÇÃO
BELÉM’S BUILT FORM AND ITS DEVELOPMENTS TO THE FORMATION OF A SYSTEM OF
OPEN SPACES ACCESSIBLE TO POPULATION
http://dx.doi.org/10.11606/issn.2359-5361.v0i37p11-34
RESUMO
Este texto apresenta uma caracterização do espaço construído de Belém, destacando sua
condição estuarina, fisiografia e evolução socioespacial, mas iluminando elementos de
desarticulação nas estratégias de operação dos agentes envolvidos na produção da cidade e
da gestão urbanística para a estruturação de um Sistema de Espaços Livres e a forma limitada
como os mesmos são apropriados pela população. O artigo baseia-se nas conclusões da
Oficina Quapá SEL realizada em Belém em maio de 2015, na qual professores e estudantes
da Universidade Federal do Pará e a equipe de professores e bolsistas da Universidade de São
Paulo realizaram a avaliação dos espaços públicos da cidade. Observou-se que há notável
diferenciação da paisagem da área central em oposição/contraposição à área de expansão
da cidade e comprometimento de Áreas de Preservação Permanente (APPs) nas margens dos
rios internos e das ilhas, principais espaços verdes do município e elementos de conexão com
o bioma amazônico que, embora possua potencial paisagístico, vem sendo apropriado de
forma socialmente desigual.
Palavras-chave: Belém. Espaços livres. Produção do espaço construído. Gestão urbanística.
ABSTR AC T
This paper presents a characterization of the built space of Belém highlighting, its estuarine condition,
physical geography and its economic, social and spacial development. It is based on Quapá-SEL Workshop
conclusions held in Belém, in May 2015, in which teachers and students from São Paulo and Pará Federal
Universities assessed the conditions of urban open spaces of the city. The results highlight a disarticulation
between real estate agents strategies and of urban management towards structuring an Open Spaces
System (SEL in Portuguese), as well as its limited appropriation by the population. There is a remarkable
differentiation between the landscapes of central area in opposition / contraposition to that at the city’s
expansion area. This debate showed how much permanent preservation areas on the banks of inland
rivers and islands (the main green spaces of the city and main linkage with the Amazonian biome), with its
landscape potentials, have been unevenly appropriated in the city, through gentrification.
Keywords: Belém. Open spaces. Built space production. Urban management.
1
Lei Complementar nº 14, de 8 de junho de 1973. Estabelece as regiões metropolitanas de São Paulo, Belo
Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, Curitiba, Belém e Fortaleza. Brasília: Presidência da República, 1973.
Diário Oficial, 11 jun. 1973, p. 5.585. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp14.
htm>. Acesso em: 11 jun. 2015.
2
O território do município de Belém formou-se, inicialmente, por meio da destinação de terras pela Coroa
Portuguesa em 1627, com a doação de uma légua de terra (cerca de 6.600 metros em linha reta do núcleo
de origem da cidade) mediante Carta de Doação de Sesmarias em favor do antigo conselho da Câmara. A
chamada “Primeira Légua Patrimonial” de Belém corresponde, atualmente, à porção mais central e de ocu-
pação mais antiga do município, onde anteriormente vigia o regime enfitêutico de gestão de tal patrimônio.
Em 1899, foi doada pelo governo do estado uma “Segunda Légua Patrimonial”, que nunca foi definitivamente
demarcada, correspondendo à atual área de expansão de Belém, a principal frente de valorização imobiliária
do município. (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM – PMB, 2000).
A Primeira Légua corresponde ao atual centro metropolitano e conta com uma quadrícula
como sistema de ruas em áreas altas, em termos relativos para o sítio de Belém (em média
entre 12 e 28 metros), e com prolongamentos dessas ruas em uma estrutura deformada
nas áreas de baixada. A prática dos aterros de quintais, e até de leitos de igarapés, foi
um dos fatores que levou ao desaparecimento ou tamponamento dos rios internos para
a população, enquanto as práticas econômicas assumiram as margens dos grandes rios
que limitam a cidade. A partir da década de 1990, essas margens tornaram-se lugares
preferenciais para a instalação de equipamentos públicos e espaços livres, com adaptação
de instalações portuárias (Estação das Docas), reforma e restauração de áreas históricas
(Feira do Ver-o-Peso, Conjunto Feliz Lusitânia) e tratamento de áreas públicas (Espaço
Ver-o-Rio, parque Mangal das Garças, aterro do Portal da Amazônia), somando novas
tipologias de espaços livres a praças e parques herdados na época da Borracha (figura 1).
Mapa 1 Belém e sua Região Metropolitana – Marcação da Primeira Légua Patrimonial e dos Eixos de Expansão.
Fontes: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 2010, e Companhia de Desenvolvimento e
Administração da Área Metropolitana de Belém (CODEM), 2003.
Figura 2 Avenidas Marechal Hermes e Boulevard Castilhos França, áreas de aterro que viabilizaram
áreas verdes e galpões do porto de Belém na virada do século XX. Estação das Docas e feira do Ver-o-
Peso ao fundo.
Foto: Silvio Soares Macedo, 2014.
Paisagem e ambiente: ensaios - n. 37 - São Paulo - p. 11 - 34 - 2016 15
A na C laudia D u ar t e C ar do s o, J o s é Julio Fer r eir a Lima , R aul Vent ur a N et o,
Rob er t a M eneze s Ro dr igue s , Julia no Pamplona X imene s , Tay nar a do Va le Gome s
2006). Esse problema, quando visto historicamente, em paralelo com a crescente fave-
lização das cidades metropolitanas a partir da ditadura entre os anos de 1964-1985,
demonstra uma paisagem em que as águas ora são objeto de retificação e acentuação
do risco e do impacto do alagamento, ora são contaminadas devido à ausência de
tratamento de esgotos e aos efeitos urbanísticos da moradia precária.
A diferenciação dessa área da cidade quanto a condições de mobilidade, de aces-
so a espaços públicos (ruas e praças) e maior grau de provisão de infraestrutura e
condições físicas (dimensões de ruas, quadras e lotes) na sua porção formal – e de
acessibilidade das baixadas – em que pesem a precariedade física e o processo gradual
de consolidação e inserção à cidade – garantiu por décadas a avaliação de melhor
qualidade da experiência urbana e motivou grande disputa pela exploração de seu
solo, particularmente das áreas altas e ocupadas formalmente, pelo setor imobiliário.
A partir de 2005, áreas que foram ocupadas informalmente na margem do rio Guamá
estão sofrendo intervenções (aterros) para gerar solo e viabilizar novos empreendimentos
de interesse do setor imobiliário e do setor de comércio e serviços (como é o caso do
aterro do Portal da Amazônia, no bairro do Jurunas.
A ação do governo federal na macrodrenagem do igarapé das Almas e na produção
de habitação popular, a partir da década de 1970, associou ações de remanejamento
e produção de conjuntos habitacionais financiados pelo Banco Nacional de Habitação
(BNH) para além do cinturão institucional, com a ocupação da Segunda Légua Patrimo-
nial, área de expansão da cidade. (LIMA; VENTURA NETO; LOPES, 2015; TRINDADE
JR., 1998). A ocupação imobiliária desse vetor de expansão interno à Segunda Légua
de Belém é, por sua vez, orientada por um dos ramais da antiga ferrovia que conec-
tava a capital ao nordeste do estado, posteriormente denominado rodovia Augusto
Montenegro, quando do encerramento da ferrovia e da pavimentação do antigo ramal.
A definição fundiária das terras na época da abertura do ramal ferroviário, prova-
velmente para uso em atividades agrícolas, condicionou a ocupação urbana de boa
parte da área de expansão e a consequente formação do sistema viário, resultando
numa estrutura de “espinha de peixe”, que tem a avenida Augusto Montenegro como
principal eixo de acesso a diversas tipologias/morfologias que emergiram nessa porção
da cidade.
Nessa área constituem-se processos de fragmentação e segregação diferentes dos
observados na Primeira Légua, onde a ação do poder público e do setor privado na
produção de conjuntos habitacionais alternou-se por décadas durante a produção de
loteamentos informais e as ocupações nos vazios deixados nos interstícios dos primeiros.
A partir da década de 1990, as maiores glebas de terra, lindeiras à avenida Augusto
Montenegro, foram ocupadas por condomínios fechados de alto padrão, murados e
arborizados por vegetação exógena. A partir da década de 2010, esses empreendimen-
tos passaram a articular condomínios verticais e torres comerciais a shopping centers,
constituindo novas subcentralidades – que esperam (ou, num discurso publicitário,
afirmam produzir...) rivalizar com as condições de moradia estabelecidas na Primeira
Légua Patrimonial.
3 MORFOLOGIA S
Habitações Formais Tecido urbano vernacular da 1a Légua Edificações em alvenaria com frente de até
Patrimonial. 8 metros.
Área Institucional Entre a 1ª Légua e a área de expansão, Áreas com poucos volumes edificados, com
avenida Perimetral (UFPA e outros). uso institucional, muitos espaços livres/
vegetação
Fonte: Produzido por José Julio Lima a partir das análises da base cartográfica do projeto Quapá-SEL e de imagens do Google
Earth elaboradas pelos participantes do Grupo de Trabalho durante a Oficina Quapá-SEL, Belém, 2015.
Mapa 2 Esquema síntese gerado pelo Grupo de Trabalho Identificação de Morfologias, onde é possível perceber
as manchas de predominância de tipologias de ocupação na cidade de Belém.
Fonte: Mapa produzido em 2015 por Taynara Gomes sobre imagens do Google Earth 2015 e croquis
elaborados pelo grupo de trabalho durante a Oficina Quapá-SEL, Belém, 2015.
Declividade média
População em
(mancha de
Bacia Taxa de Aglomerados
alagamento até a Localização
hidrográfica permeabilidade Subnormais
periferia)
(2010)
permeabilidade
Primeira légua
1. Estrada Nova 2.40% 4% 118.219
patrimonial
Primeira e
2. Una 1.80% 5% 187.987 Segunda léguas
patrimoniais
Primeira légua
3. Tucunduba 2.50% 7% 93.657
patrimonial
Segunda légua
4. Mata Fome 2.90% 27% 38.708
patrimonial
Segunda légua
5. Paracuri 2.30% 23% 62.221
patrimonial
Segunda légua
8. Maguarizinho 3.00% 19% 32.610 patrimonial e
Ananindeua
Segunda légua
9. Maguari-Açu 1.40% 21% 101.133 patrimonial e
Ananindeua
Primeira légua
10. Tamandaré 4.50% 7% 221
patrimonial
Primeira e
12. Val-de-Cães 0.62% 30% 6.057 Segunda léguas
patrimoniais
Primeira légua
13. Reduto 1.89% 6% -
patrimonial
Mapa 3 Mapa hipsométrico do município de Belém mostrando o relevo predominantemente plano, com baixa
altitude, e a penetração de cursos d´água.
Fonte: Idesp-PA (2009); IBGE (2010).
Vale ressaltar dois projetos com alto potencial de impacto para os espaços livres
da cidade, pois estão relacionados à melhoria da qualidade urbana, especialmente na
área central da cidade: a construção, pela Prefeitura de Belém, da área denominada
Portal da Amazônia – sobre aterro na margem do rio Guamá – e a implantação de
facilidades para uso público do Parque Ambiental do Utinga pelo Governo do Estado
do Pará. O primeiro projeto corresponde à urbanização de um trecho da orla fluvial da
cidade com extensão executada de 1,5 quilômetros até 2015, contando com diversos
equipamentos urbanos; o segundo, anunciado como projeto, objetiva a requalificação
do entorno dos mananciais de água no Utinga. Em ambos os casos, haverá uma possível
valorização dos terrenos em torno das novas avenidas e do parque. A intervenção do
Portal da Amazônia, mesmo carente de cobertura vegetal compatível com o contexto
local, aponta para uma reconfiguração substancial do perfil residencial na área e intensa
mudança de usos do solo. A localização do projeto na porção mais densa da RMB
tende a direcionar os eventuais benefícios do novo espaço público para a população
moradora recém-chegada, de maior renda, e para visitantes, como ciclistas.
Por outro lado, apesar de o governo federal ser o principal agente financiador da
maior parte dessas intervenções, por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES), suas intervenções em Belém têm caráter diverso e menor
impacto global sobre os espaços livres da cidade, como pode ser observado nas áreas
dos projetos de urbanização de favelas do Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC) e na construção de conjuntos habitacionais incluídos na faixa 1 do programa
Minha Casa, Minha Vida (MCMV). Ademais, é significativa a ação da ampliação da
UFPA, por meio da construção de um novo campus no município de Ananindeua, em
área limítrofe ao município de Belém.
Em relação aos agentes com alguma base imobiliária, a segmentação se deu pelo
tipo de produto imobiliário recentemente ofertado pelo mercado: condomínios horizon-
tais de alto padrão, condomínios clube verticais de alto padrão, condomínios verticais
de médio padrão, edifícios de escritório de alto padrão, edifícios de alto padrão com
vista para a baía do Guajará, condomínios do MCMV das faixas 2 e 3 e shopping
centers. Como pode ser visto, há certa variedade no perfil de empreendimentos imo-
biliários na cidade, o que condiciona vetores de expansão e diferentes impactos sobre
as características de bairro.
Em termos de impacto para os espaços livres da cidade, destacam-se os efeitos
provocados pelos condomínios horizontais de alto padrão – em especial o condomínio
Alphaville, construído na ilha de Outeiro a 14 quilômetros da área central da cidade,
em área de vegetação densa na orla do rio Maguari – e tendência de empreendimentos
dirigidos para grupos de renda média ocuparem as margens do rio Ariri, que separa os
municípios de Belém e Ananindeua, destruindo Áreas de Preservação Permanente (APPs)
e contrariando a legislação ambiental brasileira. Também se destacam os condomínios
de médio padrão que predominam na área central da cidade e que, na maioria dos
casos, foram implantados em antigos terrenos mantidos pelos proprietários fundiários
locais com fins de especulação imobiliária ou em áreas livres que correspondiam ao
Potencialidade de
Produtos Características Ambientais e
Agente Transformação e Dinâmica de
Realizados Potencial para o SEL
Produção
Fonte: Elaborado por Raul Ventura Neto a partir do produto da discussão realizada durante a Oficina Quapá-SEL, Belém, 2015.
quintal das antigas edificações, tipo de espaço livre outrora predominante na área central
de Belém. Ainda sobre os impactos na área central da cidade, destacam-se os edifícios
de alto padrão com vista para a baía do Guajará, que, apesar de não representarem
padrão hegemônico de lançamento imobiliário, tendem a influenciar negativamente os
espaços livres da cidade que possuem acesso visual à orla, na medida em que estimulam
a retenção especulativa dos terrenos remanescentes pelos seus proprietários. Esse tipo de
empreendimento imobiliário representa um dado relevante nas formas de apropriação
da paisagem urbana em Belém.
É possível supor que, apesar dos vetores imobiliários mais dinâmicos da cidade
já terem se consolidado em alguns bairros da área central, as obras de infraestrutura
urbana, capitaneadas pelo governo estadual e pela prefeitura em ruas e avenidas da
cidade, tendem a contribuir para a segregação socioespacial à medida que suas faixas
lindeiras são apropriadas por condomínios de alto padrão e estruturas de comércio e
serviço de luxo.
Com menor grau de impacto sobre os espaços livres da área central, estão os con-
domínios verticais de médio padrão construídos na mais recente fronteira de expansão
imobiliária na Segunda Légua patrimonial de Belém, classificada por alguns agentes
do mercado como “Nova Belém”. É nesse espaço da cidade que também predominam
os condomínios verticais do MCMV para as faixas 2 e 3. Nesse caso, pelo porte dos
empreendimentos, normalmente capitaneados por grandes incorporadoras nacionais
em atuação no circuito imobiliário local, a transformação sobre a área é intensa e
acelerada. Tais empreendimentos contam com relação entre densidade populacional e
área de espaços livres insuficiente, agravada pela restrição de acesso às estruturas de
lazer que oferecem.
Por último, com menor impacto direto, elencaram-se os dois shopping centers de
grande porte recentemente empreendidos ou em vias de finalização em Belém. Nos dois
casos, constatou-se que, apesar do impacto pela transformação das áreas livres ser,
em termos absolutos, inferior à maior parte da produção imobiliária voltada para o uso
residencial, a capacidade desses empreendimentos de consolidarem novas centralidades
urbanas é significativa. Em função disso, pode-se dizer que esse tipo de empreendimento
tende a gerar efeitos indiretos sobre os espaços livres da cidade, principalmente pelo
estímulo à especulação fundiária de grandes proprietários locais em áreas afetadas pela
nova centralidade criada, desestimulando, por exemplo, o adensamento ao longo das
principais rodovias de acesso a esses equipamentos (qQuadro 3 Produtos Realizados,
Características e Potencial para os SELs, Potencialidade de Transformação e Dinâmica de
Produção de Empresas de Base Imobiliária Identificados pelo Grupo Ação dos Agentes
Produtores do Espaço Urbano em Belém e a Paisagem).
No que diz respeito aos agentes sem base imobiliária, os empreendimentos de maior
vulto correspondem ao lançamento de hipermercados, em especial um edifício de grande
porte do grupo Carrefour, previsto para ser lançado na nova orla da cidade (Portal da
Amazônia) em um terreno de aproximadamente quatro hectares, que abrigava uma antiga
indústria têxtil local. Nesse sentido, é possível lançar a hipótese da consolidação de uma
Potencialidade de
Características Ambientais e
Produtos Realizados Transformação e Dinâmica
Potencial para os SELs
de Produção
Condomínio Club - Alto padrão Abrindo espaços livres privados. Sem fruição pública.
Fonte: Elaborado por Raul Ventura Neto a partir do produto da discussão realizada durante a Oficina Quapá-SEL, Belém, 2015.
Quanto aos agentes de produção da cidade dita informal, percebe-se que, apesar
de não haver ocorrido aumento considerável na migração urbano rural para o muni-
cípio de Belém, foi possível mensurar o aumento do número de domicílios na cidade
entre os Censos de 2000 e 2010, evidenciando aumento significativo em comparação
ao período de 1991 a 2000, passando de quatro mil para sete mil novos domicílios
a cada ano. Ao que tudo indica, parte considerável desse crescimento corresponde
a áreas da cidade que não estão incluídas no mercado formal de moradias, em que
Potencialidade de
Produtos Características Ambientis e
Transformação e
Realizados Potencial para os SELs
Dinâmica de Produção
Aumento de tráfego e
Supermercado Carrefour manutenção de centralidade;
Ocupação de lotes na
impedimento de acesso
rodovia Augusto Montenegro,
viário direto na ocupação da
supressão vegetal e
região da rodovia Augusto
Supermercado Líder impermeabilização de solo.
Montenegro; valorização do
(Augusto Montenegro)
solo urbano.
Fonte: Elaborado por Raul Ventura Neto a partir do produto da discussão realizada durante a Oficina Quapá-SEL, Belém, 2015.
5 LEGISL AÇ ÃO URBANÍSTIC A
Fonte: Google Earth 2015, Belém (1999; 2008). Produzido por Taynara Gomes a partir dos resultados de grupos de trabalho da
Oficina de Espaços Livres, Quapá-SEL, Belém, 2015.
urbana continental ainda ter resquícios do porte das massas vegetadas próprias da
região, há pouco acesso e disponibilidade deficiente e restrita. Em que pese a heran-
ça de vias arborizadas no início do século XX e de espaços de beira-rio, a ocupação
urbana limita, evidentemente, as possibilidades de usufruto.
Na área central há disponibilidade de espaços públicos e áreas verdes em praças
e parques, com qualidade e distribuição espacial acessível, embora ainda deficien-
te, tecnicamente, em relação à mancha urbana e às suas densidades demográficas.
Destaca-se a concentração de espaços livres que cresce na margem dos rios (novas
urbanizações). Nas áreas de ocupação informal, há grande carência de espaços livres,
uma vez que os espaços públicos disponíveis tendem a ser ocupados com pequenas
edificações, com lixo acumulado, mato, contribuindo para avaliações negativas sobre
tais espaços, onde a proximidade da centralidade principal de Belém, para as elites,
representaria um contrassenso. A área central e suas imediações deveriam, sob essa
ótica socialmente desigual, ter perfil elitizado. Um dos tipos de espaços livres e do
verde apreciados pela população de baixa renda são os balneários, pequenas estru-
turas construídas nas margens de igarapés (pequenos rios), que permitem o banho e
o lazer, assim como as praias de rio. Usualmente, estão localizados fora da área mais
urbanizada da Região Metropolitana, ou nas ilhas.
Existe um cinturão institucional que define o ciclo de ocupação da Primeira Légua,
composto por áreas verdes majoritariamente de instituições públicas, como as Forças
Armadas, instituições de ensino e pesquisa, autarquias federais. Eventualmente, a partir
dos corredores de tráfego da cidade de Belém, sua visibilidade e identificação de exten-
são são comprometidas; tais espaços verdes preservados pelos usos institucionais não
são frequentados pela população; neles não há parques implantados. Essa situação da
porção continental mais densa contrasta com o entorno insular, onde o verde ainda está
presente. Na área de expansão, predominam fragmentos de verde, que correspondem
às áreas reservadas para equipamentos e praças nos conjuntos habitacionais e às áreas
ainda sob o domínio do tipo de instituição listada anteriormente. Há grande potencial de
aproveitamento do miolo de quadras, ainda vegetado nas de bairros como o Tapanã,
com possibilidade de desmembramento de lotes e tratamento urbanístico. Costumam
ser esquecidas as funções ambientais que antigos quintais e massas vegetais pulveriza-
das e menores têm cumprido historicamente, e o quanto sua supressão onerará novas
redes de infraestrutura e comprometerá o desempenho ambiental da forma construída.
A atuação dos agentes consolida vetores imobiliários na porção mais dinâmica da
cidade, com prédios de alto e médio padrão, auxiliada pelo conjunto de novas vias e
alternativas de transporte público. Não se trata de novidade. A diferença é que, enquanto
os vetores estavam dentro da Primeira Légua Patrimonial, a paisagem de quadras de
uso misto e as centralidades de clara definição foram apoiadas pelo desenho urbano do
início do século XX. Já na concentração e interação dos agentes locais, que o mercado
chama de Nova Belém (área de expansão), há carência de espaços livres. O mapa 4
ajuda na visualização desse problema, facilitando a compreensão da visualização da
distribuição de praças na Primeira Légua, onde há melhor infraestrutura, da localização
das áreas institucionais, das áreas verdes com grande potencial para apropriação (como
parques) e do caráter residual das áreas verdes na área de expansão.
Na área de expansão, observa-se a concentração de lançamentos imobiliários em
áreas previamente reservadas, envolvendo uso residencial, de comércio e serviços,
que se constituem em novas centralidades, de acesso baseado no uso do automóvel
em detrimento do pedestre – uma nova realidade, antes só observada no entorno de
conjuntos habitacionais de grandes dimensões.
Isso deve influenciar decisivamente na sociabilidade dos novos moradores dessas
áreas, isolados em condomínios, consumindo comércio e serviços também isolados, em
esquemas arquitetônicos e acessos urbanísticos do tipo mall, com lazer dependente do
automóvel individual, destacando a necessidade de reflexão sobre o padrão urbanístico
criado na “Nova” Belém.
O confronto dos parâmetros urbanísticos do Plano Diretor com a situação em curso
na cidade mostra que o potencial construtivo, em alguns casos, não é todo utilizado em
função das exigências de mercado para tipologias do segmento econômico de área
para estacionamento e lazer. A solução arquitetônica é determinada pela necessidade
de adequação do projeto ao perfil dos compradores, e não pela restrição de potencial
construtivo. Por outro lado, a possibilidade de verticalização até o limite máximo, sem
ponderação sobre a capacidade de suporte da infraestrutura existente, ou mesmo a
cobrança de Outorga Onerosa como forma de arrecadar recursos para promover novos
investimentos em infraestrutura urbana, resultam em prejuízo para a qualidade urba-
nística e ambiental de Belém. Destaca-se, nessa perspectiva, que as exigências quanto
a áreas permeáveis são insuficientes para garantir melhores condições ambientais sem
distinção adequada entre zonas com maior densidade construtiva, ou correlação entre
manutenção de permeabilidade do solo ao desempenho efetivo da drenagem urbana,
conforme características da bacia hidrográfica em questão.
Há de ter especial consideração quanto à ocorrência de APPs nas margens dos rios
internos e nas ilhas, principais espaços verdes do município e elementos de conexão com
o bioma amazônico. O potencial paisagístico do bioma circundante (floresta tropical
e de várzea), ainda é invisível para a população, ou melhor, conta com significados
de invisibilidade distintos entre os diversos grupos sociais. Enquanto para uns os equi-
pamentos da orla descortinam o rio e trazem oportunidades de convívio, para outros,
são novos obstáculos para moradia e acesso democrático à cidade.
Mapa 4 Síntese da avaliação da qualidade das ruas e distribuição de espaços livres desenvolvida pelo Grupo de
Trabalho Identificação de um Sistema de Espaços Livres na cidade.
Fonte: Mapa produzido em 2015 por Taynara Gomes sobre imagens do Google Earth 2015 e croquis elaborados
pelo grupo de trabalho durante a oficina de espaços livres. Quapá-SEL, Belém, 2015.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BELÉM. Lei nº 7.709 de 18 de maio de 1994. Dispõe sobre a preservação do patrimônio histórico, artístico,
cultural e paisagístico do município de Belém. Diário Oficial do Município de Belém, nº 7.768, 18 mai. 1994,
2º caderno.
BELÉM. Plano Diretor do Município de Belém. Lei nº 8.655, de 30 de julho de 2008. Dispõe sobre o Plano Diretor
do Município de Belém, e dá outras providências. Diário Oficial do Município de Belém, 27 dez. 2013, p. 445.
BRASIL. Lei Complementar nº 14, de 8 de junho de 1973. Estabelece as regiões metropolitanas de São Paulo, Belo
Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, Curitiba, Belém e Fortaleza. Brasília: Presidência da República, 1973.
Diário Oficial da União, 11 jun. 1973, p. 5.585. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/
Lcp14.htm>.
Acesso em: 11 jun. 2015.
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Urbanismo) – Instituto de Tecnologia Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará, Belém, 2012.
Nota do editor
Submissão: 30 jul. 2015
Aprovação: 26 out. 2015
RESUMO
As ruas são espaços livres fundamentais para a vida urbana, e sua paisagem é condicionada
pela forma de ocupação e uso dos lotes que as delimitam. Contudo, o processo de urbanização
recente tem demonstrado mudanças na relação entre os espaços públicos e privados, entre
elas, as derivadas dos grandes condomínios horizontais fechados. Sua implantação resulta
em altos e contínuos muros, os quais rejeitam a interface com as ruas adjacentes, afetando,
de maneira negativa, a qualidade urbana. Este artigo objetiva apresentar uma possibilidade
para construir a interface entre os condomínios fechados e as ruas externas a eles. Para tanto,
será relatada a experiência, na cidade de Maringá, da implantação de condomínios cercados
por lotes voltados às ruas externas e de usos diversos. A aplicação desse tipo morfológico em
vários desses empreendimentos imobiliários tem demonstrado ganho considerável na qualidade
da paisagem da via pública.
Palavras-chave: Paisagem urbana. Morfologia urbana. Condomínios horizontais. Maringá.
ABSTR AC T
Streets are fundamental open spaces to urban life and their landscape is conditioned by the occupation form
and use of lots along it. However, recent urbanization processes have shown changes in the relationship
between public and private spaces. Among these changes are the large gated communities within the
urban fabric. They result in high and continuous walls, which reject the interface with the neighboring
streets, thus negatively affecting urban environment quality. This paper aims to present a possibility to
construct the interface between gated communities and outside streets. An experience of gated communities
surrounded by multi-purpose lots built in the city of Maringá, Brasil, will be reported. The application of
this typomorphology in several of these real estate enterprise has demonstrated significant improvement
in the quality of the street landscape.
Keywords: Urban landscape. Urban morphology. Gated communities. Maringá.
* Arquiteta pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), doutora em Arquitetura e Urbanismo pela
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP) e professora
associada da graduação e pós-graduação do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Estadual de Maringá (UEM). Avenida Colombo, 5.790, bloco 32, 87020-900,
Maringá, PR, Brasil.
[email protected]
** Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), doutora
em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São
Paulo (FAUUSP) e professora adjunta da graduação do Departamento de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Avenida Colombo, 5.790, bloco 32, 87020-900,
Maringá, PR, Brasil.
[email protected]
http://dx.doi.org/10.11606/issn.2359-5361.v0i37p35-49
Jane Jacobs, no clássico The death and life of great american cities, publicado
originalmente em 1961, estabelece que “as ruas são peças vitais para as cidades”. O
livro foi definido pela autora como uma verdadeira ofensiva contra os fundamentos
do urbanismo modernista, e sua grande repercussão equivale à simplicidade com que
apresenta um novo entendimento sobre a cidade. Nele, a autora defende a diversidade
de usos urbanos, a qual reflete a possibilidade de uma série de combinações rua-edifícios
e a promoção na interação entre estas e os pedestres.
Elemento abstrato da cidade, a rua ganha significado ao ser tomada como o “lo-
cal público por excelência”. A concretude desse elemento se faz na interface com os
elementos edificados que a delimitam – os próprios edifícios e os muros. Essa interface
é resultado da diversidade de usos, e, também, de uma diversidade arquitetônica e
paisagística.
Entre outros itens, a qualidade de uma rua é tanto maior quanto maiores as pos-
sibilidades de combinações com os edifícios (CARMONA et al., 2010). Com ela, há
tendência de aumento da utilização desse espaço público, da circulação de pessoas em
períodos diferentes do dia, o que promove sensação de segurança tanto aos pedestres
quanto aos moradores.
Paradoxalmente, desde as últimas décadas, a sensação de segurança vinculou-se ao
“fechamento” ou “isolamento” das casas em relação às ruas. A descrença numa efetiva
segurança pública fomentou a ideia de “proteção atrás dos muros” (TRAMONTANO;
SANTOS, 1999). Enquanto isso, as ruas residenciais passaram a ser espaços margi-
nalizados e lugares exclusivos para circulação, sobretudo a circulação do automóvel.
O processo de urbanização recente demonstra mudanças nas relações entre os
espaços públicos e privados que se mesclam ao uso privativo de propriedades públicas
e ao uso público, porém com acesso controlado, de propriedades privadas. Organizada
quase sempre para atividades coletivas ou para viabilizar a adoção de equipamentos
e serviços, também de uso coletivo, a apropriação de forma privativa dos espaços pú-
blicos ocorre de forma cada vez mais complexa. A organização condominial, seja ela
residencial ou comercial, como os shoppings, enseja novas formas urbanas ao tecido
tradicional. (REIS, 2006).
Nesse sentido, o modelo de expansão das grandes e médias cidades brasileiras,
que se destaca a partir da década de 1980, reafirma, em analogia ao que escreve
Francesco Indovina (2010), a organização de um território a partir da realização da
“condição urbana”, fora da cidade tradicional e compacta, que se configura dispersa
pelo território, mas com a presença inexorável dos condomínios horizontais fechados.
Estes configuram novo tecido dentro da mancha urbana dispersa, ou com tendência a tal.
Trata-se de um mosaico de formas condominiais, isoladas entre si, em que tende
a se transformar o tecido urbano contemporâneo, nas áreas de expansão urbana e
periferias, ou mesmo entremeando a malha tradicional, como no caso apresentado
neste artigo. Tais formas de “organização coletiva do tecido urbano” (REIS, 2006) são
respostas à maior exigência em infraestrutura e qualidade de serviços, especialmente às
2 A QUASE-LEGALIDADE
1
Sobre gated community, ver: LANG, Robert E.; LeFURGY, Jenifer B. Boomburbs: the rise of the America’s
accidental cities. Washington: The Brookings Institution, 2007.
[...] os conjuntos de habitações cercados por muros, com entrada única, geralmente
controlada por dispositivos como guarita. São conjuntos, como sugere a denomi-
nação, não verticalizados, nos quais as unidades habitacionais possuem acessos
independentes e geralmente estão dispostas em lotes definidos. Constituem uma
modalidade de ocupação do solo na qual verificam-se vários tipos de agrupamentos
das unidades habitacionais, desde unidades isoladas até blocos de unidades térreas,
de dois pavimentos ou sobrepostas, passando por unidades geminadas por um só
lado, podendo ser térreas ou de dois pavimentos.
Não obstante, na grande maioria das vezes, esses condomínios fechados são im-
plantados sem as unidades habitacionais, o que os caracterizariam como loteamentos,
no caso, loteamentos fechados. Dentro do Direito Urbanístico Brasileiro, segundo Silva
(1995, p. 315), tais “loteamentos fechados” não figuram como modalidade específica
de parcelamento do solo urbano, “[...] não há legislação que os ampare, constituem
uma distorção e uma deformação de duas instituições jurídicas: do aproveitamento
condominial do espaço e do loteamento ou do desmembramento”. Neles há uma
forma dos loteadores se desvencilharem das obrigações e ônus impostos pelas leis
federal e municipal. Uma vez que sua instituição não se faz em razão da incorporação
imobiliária ao lote, as ruas internas, conforme afirma Grau (1986, p. 199), “[...] não
podem ser cercadas ou bloqueadas[...]”, devendo ser de apropriação pública, e não
apenas coletiva dos “condôminos”.
A legalidade dessa prática passa pela legislação municipal, que pode discipliná-la
como uma modalidade de parcelamento do solo urbano ou, simplesmente, autorizar
o uso privativo das vias internas do condomínio para os moradores. (SILVA, 2008).
2
Maiores detalhes sobre entrevista feita com moradores de condomínios fechados de Maringá em: GALVÃO,
Altair. Condomínios horizontais fechados: segregadores ou segregados? Um estudo de caso no Municí-
pio de Maringá-PR. 2004. 200 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Estadual de Maringá,
Maringá, 2007.
para as vias urbanas. O condomínio figuraria, então, como uma ocupação de miolo de
quadra. Imaginava-se que, com a ocupação desses lotes externos, o muro do condo-
mínio ficaria escondido, e a vida da rua, preservada – o que de fato aconteceu, como
pode ser observado nas figuras 2 e 3.
Figura 1 Plano de Diretrizes Viárias, Maringá, 1979. Área escura: malha urbana existente.
Área mais clara: diretrizes viárias propostas dentro do perímetro urbano.
Fonte: Acervo da Prefeitura do Município de Maringá.
Figura 2 Condomínio Jardim Imperial, Maringá, 2009. Polígono amarelo: muro do con-
domínio fechado. Externo ao polígono: faixa de lotes não pertencentes ao condomínio (lotes
“abertos”), cujo objetivo é manter a mesma paisagem do entorno.
Fonte: marcação sobre foto feita pelas autoras. Foto: Oficina Quapá-SEL Maringá, 2009.
Figura 3 Interface entre o condomínio e a rua a ele externa: a paisagem da rua no limite do Condomínio Jardim
Imperial.
Foto: Karin Schwabe Meneguetti, 2015.
Figura 4 Condomínio fechado tradicional, cujo muro contínuo desenha a interface público-privada.
Foto: Karin Schwabe Meneguetti, 2012.
Figura 5 Condomínio Jardim Imperial, com a faixa de lotes “abertos” entre o muro e a rua.
Foto: Karin Schwabe Meneguetti, 2015.
urbana de Maringá, a qual deu origem a tipos morfológicos com diferentes relações
entre os muros de fechamento e a rua.
A abordagem tipomorfológica aqui adotada refere-se a uma maneira sistemática
de classificar porções do tecido urbano quase como “modelos para o projeto” ou
“ferramentas normativas” (MOUDON, 1989), e pouco tem a ver com a explicação do
processo de construção da cidade. A tipificação a partir da estrutura de parcelamento
dos condomínios contribui para a compreensão da paisagem gerada.
Figura 6 Tecido urbano, Maringá, 2015. Primeiro plano: faixa de lotes “abertos” de uso comercial contígua ao
condomínio fechado. Segundo plano: condomínio fechado. Terceiro plano: tecido habitacional resultante
de loteamentos.
Fonte: Marcação sobre foto feita por Gislaine Beloto, 2015. Foto: Gislaine Beloto, 2015.
4.1 TIPO 1
Figura 7 Inserção de condomínios fechados na malha urbana: Tipo 1 – condomínios com áreas reduzidas e
dispersos na malha urbana. Em amarelo: condomínios horizontais fechados. Em verde: loteamento. Pontilhado:
muro dos condomínios.
Desenho de Gislaine Beloto, 2015.
Figura 8 Paisagem derivada da dispersão de condomínios fechados na malha urbana: permanência dos
muros contínuos.
Foto: Gislaine Beloto, 2015.
4.2 TIPO 2
sentem, é reproduzida num cenário sem pessoas – onde de um lado está o muro do
condomínio e, do outro, a mata ciliar (figura 12). Esta, mesmo com potencial para a
constituição de parques lineares, é relegada ao acaso do poder público.
Figura 11 Paisagem formada pelo contínuo murado e pela área de proteção ambiental.
Foto: Gislaine Beloto, 2015.
Figura 12 Paisagem formada pelo contínuo murado, pela via paisagística e pela área de proteção ambiental.
Foto: Gislaine Beloto, 2015.
4.3 TIPO 3
Figura 15 Paisagem formada pelos lotes externos e contíguos ao condomínio fechado. Em rosa, pode-se ver o muro
do condomínio, com as residências em segundo plano. No primeiro plano, veem-se as edificações de uso comercial.
Foto: Gislaine Beloto, 2015.
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Nota do editor
Submissão: 27 ago. 2015
Aprovação: 21 jan. 2016
PROJETO
BURLE MARX NO RECIFE: RESTAURO DO
JARDIM DO AEROPORTO DOS GUAR AR APES
COMO BEM PATRIMONIAL
RESUMO
Este artigo apresenta a experiência do workshop “Restauro de Jardins Históricos”, ocorrida em
2012 na cidade do Recife, no Nordeste do Brasil, tendo como objeto o jardim do aeroporto dos
Guararapes, denominado de praça Ministro Salgado Filho, projetado pelo paisagista Roberto
Burle Marx em 1957 e que faz parte de um conjunto de jardins concebidos pelo paisagista
em Recife entre 1935 e 1958. O estudo desse jardim, que obteve recentemente o título de
patrimônio cultural nacional, pretende ser uma referência para futuras ações de restauro no
âmbito da conservação urbana no Brasil.
Palavras-chave: Jardim histórico. Restauração. Conservação.
ABSTR AC T
This paper reports a workshop on historic garden restoration that took place in the city of Recife, northeast
Brasil in 2012 by focusing the Guararapes airport garden called Ministro Salgado Filho square which was
http://dx.doi.org/10.11606/issn.2359-5361.v0i37p53-71
designed by Roberto Burle Marx in 1957. It is part of the set of gardens he designed in Recife from 1935
to 1958. The study of this garden, which was, recently, protected as a brazilian cultural heritage intends
to be a reference on garden restoration proposals in the future concerning urban conservation in Brasil.
Keywords: Historic garden. Restoration. Conservation.
1 INTRODUÇ ÃO
Roberto Burle Marx, com uma obra que começa nos anos 30 prosseguindo até os
dias de hoje, acha-se em posição privilegiada para ajudar-nos, a nós, europeus, a
retomar o fio da história dos jardins, a lançar pontes sobre a fratura de uma época
em que jardim e paisagem só tinham sentido para um número restrito de amadores.
Seu papel de intermediário cultural é constante. De um lado, ele leva para o Sul as
mensagens da Bauhaus, dos CIAM – e posteriormente a mensagem ecológica –,
do outro, enfatiza incansavelmente a especificidade da paisagem natural brasileira.
[...] Na medida de sua evolução, de seu conhecimento das plantas e da evolução da
ideia de natureza [...] aumenta ele sem cessar a paleta vegetal do jardineiro chegando
mesmo a tornar-se portador, em seu país, de um olhar ecológico [...] Mas o mais
surpreendente no modernismo brasileiro é que é um movimento-modernista-com-
-jardim. (RACINE, 1994, p. 114).
Na verdade, dos anos vinte aos dias de hoje, Burle Marx jamais deixou de pintar,
e o conhecimento de seu trabalho pictórico ilumina de modo esclarecedor suas
realizações paisagísticas [...] Burle Marx teria retransposto para a pintura a própria
experiência do jardim, experiência marcada ao mesmo tempo pela imposição das
caminhadas e a liberdade de evasão do olhar que dá ao corpo uma ubiquidade
imaginativa e sensível.
Na visão de Leenhardt, a obra de Burle Marx se faz do diálogo entre a arte da pintura
e a de fazer jardim (e vice-versa) como experiências que se cruzam e se engrandecem.
Aprofundar esses estudos torna-se cada dia mais necessário para divulgar o conteúdo
artístico e cultural desse modo de fazer jardins, passando a ser entendidos como jardins
históricos, ainda recentes, que precisam ser mantidos e protegidos dos males que o
crescimento urbano costuma infligir aos espaços abertos. Em 2000, Charles Birnbaum
coordenou as atas da Conferência Preserving the Modern Landscape, chamando aten-
ção para o perigo de perder essa herança, pois as “[...] estratégias para a preservação
e manutenção do patrimônio modernista criado durante o século XX não são uma
prioridade para as instituições responsáveis”. (CASTEL-BRANCO, 2004, p. 100-117).
Essa preocupação levou o Laboratório de Paisagem da Universidade Federal de
Pernambuco/UFPE a organizar jornadas de trabalho em torno do restauro dos jardins
modernistas de Roberto Burle Marx construídos no Recife para serem conservados como
jardins históricos. Referindo-se às questões que levaram ao aparecimento de uma peça
legal internacional, a Carta de Florença de 1981, que consigna as regras básicas do
restauro de jardins históricos, a especialista Carmen Añón Feliú afirma:
Sem dúvida que todas estas correntes estavam necessitadas de um apoio instrumental
oficial. O jardim tinha que atravessar a fronteira entre a prática e uns poucos eleitos
e a intervenção pública legislativa. […] Em primeiro lugar o estabelecimento de leis
precisas que incluíssem os jardins como bens a conservar. (ICOMOS, 2006, s/p).
3
Ministrado pela professora e arquiteta-paisagista Cristina Castel-Branco (Instituto Superior de Agronomia da
Universidade de Lisboa), que vem coordenando o restauro de jardins históricos em Portugal desde 1989; o
workshop aconteceu nos dias 3, 4 e 5 de dezembro de 2012.
4
O Inventário dos Jardins de Burle Marx no Recife, elaborado pelo Laboratório da Paisagem da UFPE, teve início
em 2008 e foi concluído em 2012. Trata dos seis jardins hoje tombados como Patrimônio Cultural Nacional
pelo Iphan.
5
“[...] associação entre os aspectos culturais e naturais [...] ilustrativas da evolução da sociedade humana e
seus assentamentos ao longo do tempo, sobre a influência de contingências físicas e/ou oportunidades apre-
sentadas pelo ambiente natural, bem como pelas sucessivas forças social, econômica e cultural, que nelas
interferem”. (RIBEIRO, 2007, p. 41).
6
Resultado de uma conferência realizada na exposição de Turim, em 1884, direcionada à arquitetura, pintura e
escultura.
O projeto da praça Ministro Salgado Filho foi concebido pelo paisagista Roberto
Burle Marx em 1957, como parte de um conjunto arquitetônico moderno juntamente
ao edifício do aeroporto dos Guararapes, o que viria a ser ponto de atração para
residentes e turistas. Naquele momento, Burle Marx formava um grupo com outros
profissionais, inclusive estrangeiros, que também ficou responsável por dois projetos de
grande impacto urbano: o do parque del Este, em Caracas, e o do parque do Flamen-
go, no Rio de Janeiro. O grupo reunia os arquitetos Fernando Tábora, John Sttodart,
Júlio Cesar Pessolani e Maurício Pesavento. O projeto do edifício do aeroporto ficou
sob a responsabilidade do arquiteto Arthur Mesquita, contendo, também, um painel do
artista pernambucano Lula Cardoso Ayres. Esse notável empreendimento, inaugurado
pelo prefeito Pelópidas Silveira em 1957, passou a ser uma das imagens identificadas
como cartões-postais do Recife. Nesse jardim, assim chamado por Burle Marx, havia,
segundo um dos depoimentos concedidos pelo prefeito, vários tipos de plantas regionais.
(DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 1957).
O projeto do conjunto compreendia uma unidade plástica de caráter modernista
que tinha como ponto focal o espelho d´água com vegetação aquática. Desse lago,
de formas curvas, configurou-se o traçado que inovava pela forma e surpreendia pelo
movimento e reflexo favorecendo a contemplação e permitindo bom crescimento das
espécies vegetais nos vários estratos e em diferentes pontos. Ao longo do tempo, a praça
permaneceu como referência, como um cartão-postal para os recifenses, pela beleza
artística de sua composição, tendo a vegetação e a água como elementos dominantes
e exercendo a função de ambiente de recepção para os visitantes e de convívio para
os residentes da cidade (figuras 1 e 2).
Figura 1 Fotografia do projeto original de ajardinamento do aeroporto Ministro Salgado Filho, 1957.
Foto: Acervo Burle Marx Escritório de Paisagismo.
deixou de existir, pois o acesso principal foi mudado. Com isso, o jardim – outrora tão
vivenciado pelo público – foi esquecido.
Figura 3 Praça Ministro Salgado Filho. Comparação entre dois momentos. Em A, projeto original (1957);
em B, projeto de remodelação elaborado pela Prefeitura do Recife (1974).
Desenho de Wilson de Barros Feitosa Júnior, 2015.
Nesse mesmo ano, por conta da falta de conservação de outros jardins de Burle
Marx, já restaurados, o Laboratório da Paisagem/UFPE decidiu solicitar ao Iphan o
tombamento de seis jardins projetados pelo paisagista, incluindo a praça Ministro Sal-
gado Filho, para se tornarem patrimônio cultural nacional.
O projeto de restauração concretizou-se somente em agosto de 2013, portanto,
após o workshop (ocorrido em dezembro de 2012), e tomou como ponto de partida
o projeto de 2009, no qual se priorizou a vegetação indicada no projeto original de
Burle Marx com especial atenção para as plantas aquáticas. Recompôs-se o desenho
do lago e dos canteiros no seu entorno e consolidou-se um caminho usado pelos que
trabalham nas proximidades, do terminal de ônibus até a edificação nova do aeroporto.
Em reuniões com técnicos da Prefeitura do Recife, foi ressaltada a necessidade de
elaboração e implantação de um Plano de Gestão da Conservação que definisse as
diretrizes e os procedimentos necessários.
Figura 5 6-step method.
Fonte: Freitas (2014, p. 41).
Figura 7 Visita técnica na praça Ministro Salgado Filho. Aspecto da falta de conservação da praça.
Foto: Joelmir Marques da Silva, 2012.
A análise dos elementos, dos processos e o seu diagnóstico tiveram continuidade nas
atividades realizadas em ateliê no dia seguinte e foram encerradas com a apresentação
das equipes, fazendo circular as informações referentes aos elementos do jardim histó-
rico e à unidade de conjunto, como salienta o Art. 10 da Carta de Florença de 1981:
5 CONCLUSÃO
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2006.
Nota do editor
Submissão: 6 out. 2015
Aprovação: 21 jan. 2016
RESUMO
Este artigo apresenta o projeto da Pista Multiuso para o campus da Universidade Federal
de Santa Maria (UFSM) desde sua fundamentação teórica, conceituação, espacialização
http://dx.doi.org/10.11606/issn.2359-5361.v0i37p73-100
num anteprojeto paisagístico e etapas futuras. O projeto da pista foi elaborado em 2014,
mesmo ano em que as obras de execução começaram. Desde então, a equipe de pesquisa
do Laboratório de Paisagismo e Arquitetura da Universidade Federal de Santa Maria (PARQ –
UFSM) tem acompanhado os resultados, proposto metodologias de análise pós-ocupação e
se concentrado no lançamento das próximas etapas da obra. O principal objetivo do projeto
é promover mobilidade alternativa e valorização do campus universitário como um parque
setorial em escala urbana. O presente artigo apresenta o desenvolvimento da proposta e
visa à divulgação do conceito de espaço compartilhado, a fim de que tal modelo possa ser
replicado em outros espaços livres para incentivar a mobilidade alternativa.
Palavras-chave: Mobilidade alternativa. Espaço compartilhado. Paisagismo. Espaços livres.
Planejamento urbano.
ABSTR AC T
This article presents the Multiuse Trail Project for the Campus of the Federal University of Santa Maria,
including the theoretical basis, conceptualization, spatialization of the landscape architecture project and
future steps. The multiuse project and construction was initiated in 2014 and since then the research group
of the Landscape Architecture Lab (PARQ – UFSM) has been following the results, proposing methodologies
of post occupation analysis and concentrating on planning the future expansion of the project. The main
goal of this project is to promote alternative mobility and increase the value of the university campus
by creating a sectorial urban park at an urban scale. The article presents the entire proposal process of
development, offering a new concept for shared spaces which can be replicated in other open spaces in
order to encourage alternative transportation.
Keywords: Alternative transportation. Shared space. Landscape architecture. Open spaces. Urban
planning.
1 INTRODUÇ ÃO
Figura 1 Vista aérea do campus da UFSM, abrangendo eixo principal da avenida Roraima.
Foto: Lauro Alves / Agência RBS, 2011.
2 REFERENCIAIS TEÓRICOS
Segundo definição de Queiroga (2011, p. 29): “[...] os espaços livres privados são
aqueles inseridos dentro das áreas particulares e cujo acesso não é, em geral, possi-
bilitado ao público”. Percebe-se que exemplares desse tipo de espaços estão inseridos
nos limites das propriedades privadas, como jardins, pátios e áreas de estacionamento.
Seu uso e controle são restritos à parte da população.
O autor identifica a rua como o “[...] principal espaço livre, fundamental para a cone-
xão na cidade, por onde ocorre grande parte da vida cotidiana da sociedade urbana.
Destaca-se os demais elementos como parques, praças, florestas urbanas, calçadões,
promenades, lagoas, praias, etc., como constituintes desse sistema”. (QUEIROGA et al.,
2011, p. 143). Os espaços livres públicos são os lugares mais prováveis onde pessoas
que vivem separadamente em seus espaços privados vão se encontrar.
A partir da compreensão do significado de espaços públicos, conforme definição dos
autores citados, é possível identificar a importância do campus universitário no cenário
dos espaços públicos de Santa Maria, devido à carência de equipamentos adequados
ao uso e apropriação pela população.
Figura 3 Mapa dos espaços livres intraurbanos de Santa Maria. Intervenção sobre imagem Quickbird cedida pelo
Laboratório de Análises Ambientais por Geoprocessamento (LAGEO-UFSM).
Fonte: Adaptado por Pippi e Weiss, 2010.
e sua dinâmica do que nas prescritas regras oficiais de circulação e conduta, e de que
sinais de trânsito corroboram a promoção de acidentes.
Nas vias de Drachten, seja através de fotografia, seja circulando pela cidade, percebe-
-se que o inusitado sistema prima pela comunicação visual entre as pessoas que nelas
passam – a pé, com bicicletas ou automóveis – e interagem no sistema viário, o que
é visto pelas atitudes cautelosas tomadas tanto por motoristas, quanto por pedestres e
ciclistas (figura 4). Monderman afirma: “[...] quando há separação, as pessoas pensam,
‘esse espaço é meu’. Sendo compartilhado, têm a consciência de dividir”. Cidades como
Bohmte (Alemanha), Ejby (Dinamarca) e Ostende (Bélgica) adotaram o conceito e, sem
restringir ou banir meios de locomoção, buscam integrar e equilibrar o trânsito atual.
De forma adaptada ao contexto local, tais princípios são trazidos como inspiração
para a proposição da Pista Multiuso no campus da UFSM. Com as mesmas diretrizes,
porém em menor escala, a pista busca integrar, dinamizar e transformar diferentes
usos, criando um espaço multiuso. Com funções de deslocamentos não motorizados,
como caminhar, correr, andar de bicicleta, de cadeira de rodas, roller ou skate, a pista
atende a demandas e necessidades apresentadas dentro do parque, mas não atendidas
adequadamente – até como local onde se pode descansar e desfrutar da paisagem
visual do entorno.
A cultura de compartilhamento de usos de vias não é comum no Brasil, contudo é
necessária e primordial para que dinâmicas mais saudáveis e prazerosas se estabeleçam
como alternativas de mobilidade no território nacional. Parte-se do princípio de que sua
implementação ocasionará (resultados parciais apontam para tal) mudanças de hábitos
dos usuários da universidade e do entorno. A execução do projeto da Pista Multiuso
triplicou, por exemplo, o número de venda de bicicletas nas proximidades do local,
3 M ATERIALIZ AÇ ÃO DO PROJE TO
linear, favorece fluxo rápido e distribuição eficiente dos usuários nas áreas de ensino
(figura 5). O percurso se estabelece em torno do mesmo eixo – conforme a organiza-
ção “espinha de peixe”, consequente do plano diretor da universidade. A ramificação,
que compreende o traçado secundário possibilita, de forma complementar, o acesso
a edifícios específicos no interior de cada área de ensino, recriando fluxos amenos,
conformados pela proximidade das edificações.
O início do circuito próximo ao acesso do campus favorece a conexão com vias
apropriadas e externas à cidade universitária, permitindo mobilidade direta e eficiente.
Na avenida Roraima – via de acesso ao campus da UFSM – foi construída a partir de
2011 uma ciclovia até então fragmentada (desvinculada da área da instituição), que
hoje se associa à Pista Multiuso, permitindo o desenvolvimento da mobilidade urbana
alternativa desde áreas próximas ao campus.
Figura 5 Mapa do sistema completo de mobilidade alternativa no campus da UFSM com traçado da Pista Multiuso
já executado e elementos complementares a serem implantados.
Fonte: Produzido por Alice Rodrigues Lautert, Paula Gabbi Polli e Luis Guilherme Aita Pippi, 2015.
3.2 Estares
obstrução da pista por parte dos usuários que querem descansar, como as de perma-
nência, ofertando locais de estar, repouso e contemplação.
Os estares serão construídos com madeira tratada de reflorestamento (eucalipto),
pois, além de reforçar os princípios de sustentabilidade intrínsecos à proposta, é material
durável e orgânico, que contribui e mimetiza o mobiliário com o ambiente natural. As
figuras 6 e 7 demonstram o mobiliário a ser inserido em área de estar primário.
Figura 8 Sinalização de alerta antes das interseções para avisar aos usuários da pista que precisam dar preferência
para os pedestres nas travessias.
Fonte: Maurício Picetti dos Santos, Felipe Segala Gravina, Alice Rodrigues Lautert e Luis Guilherme Aita Pippi, 2015.
3.4 Acessibilidade
Entende-se que espaços urbanizados como a área do campus da UFSM são ecos-
sistemas abertos e vulneráveis que priorizam a implantação de infraestruturas cinzas
(estacionamentos, vias para automóveis e superfícies impermeáveis), provocando impactos
negativos, como aumento de poluentes, maior consumo de energia, acumulo de água,
alagamentos e elevação da temperatura. Propõe-se uma intervenção paisagística – aliada
à infraestrutura verde – para mitigar os efeitos negativos dessa urbanização, contribuindo
com a implantação do sistema de mobilidade alternativa na Pista Multiuso (figura 10).
Figura 10 Proposta de infraestrutura verde para a Pista Multiuso. Trincheiras de infiltração para drenagem em áreas
sujeitas a acúmulo de água.
Fonte: Felipe Segala Gravina, 2015.
Para esta etapa do projeto, foi prevista uma intervenção paisagística abrangente
por toda a extensão da pista. Essa ação almeja obter resultados em médio prazo, com
o plantio de espécies ornamentais que instiguem os sentidos e ajudem na absorção
pluvial, e em longo prazo, mediante o sombreamento de áreas de estar e a recupe-
ração de áreas de preservação dentro do campus. Uma rede de drenagem natural
seria consolidada, apoiada em técnicas de infraestrutura verde que, por meio de
vegetações específicas para locais com problemas de infiltração e alagamento, criam
uma transição gradual entre espaço urbanizado e sistema natural. A infraestrutura
verde possibilita que as cidades diminuam esse ritmo ao proporcionar alternativas
que consomem menos energia, não emitem gases de efeito estufa, capturam carbono,
evitam a sedimentação dos corpos d’água, protegem e aumentam a biodiversidade,
fornecem serviços ecossistêmicos no local, previnem ou diminuem a poluição das
águas, do ar e do solo. (ELMQVIST, 2010).
No planejamento da Pista Multiuso, um projeto paisagístico adequado, aliado à
infraestrutura verde, tende a trazer uma série de benefícios ao público universitário,
Figura 11 Proposta de paisagismo e espécies sugeridas para trecho em frente ao Centro de Tecnologia.
Fonte: Maurício Picetti dos Santos, Felipe Segala Gravina, Alice Rodrigues Lautert e Luis Guilherme Aita Pippi, 2015.
Figura 12 Acúmulo de água proveniente da chuva sobre o passeio em um local onde seria implantada uma
trincheira de infiltração com vegetação adequada.
Foto: Luis Guilherme Aita Pippi, 2014.
Figura 13 Acúmulo de água sobre o gramado em um local onde foi prevista intervenção de paisagismo com
vegetação adequada para áreas alagadas.
Foto: Luis Guilherme Aita Pippi, 2014.
4 RESULTADOS
Figura 22 Apropriação da pista pelos usuários.
Foto: Luis Guilherme Aita Pippi, 2015.
como exemplo de bom uso e funcionamento desse tipo de sistema. Dessa forma, a
desconexão do pedestre em relação aos carros, em virtude do traçado independente
e afastado do leito viário, estimula os espaços de circulação a não serem apenas vias
monótonas, mas que se proponham ao convívio social, contemplação e exercício físico.
5 E TAPA S FUTUR A S
Forma de
interação com Direta Direta Sem interação Sem interação
os usuários
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Nota do editor
Submissão: 1 mai. 2015
Aprovação: 23 out. 2015
1
Parte deste trabalho foi apresentado no XII Congresso Internacional de Reabilitação do Patrimônio Arquitetônico
e Edificado – A dimensão cotidiana do patrimônio e desafios para sua preservação: DOBRY-PRONSATO, Sylvia
Adriana; BOUCINHAS, Caio; PESSOA, Denise Falcão.
Patrimônio histórico e paisagismo participativo: Aldeia de Carapicuíba e seu entorno – tantos olhares. In: CON-
GRESSO INTERNACIONAL DE REABILITAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO E EDIFICADO, 12, 2014,
Bauru, Anais... ISSN/ISBN: 978-85-99679, p. 374-382.
http://dx.doi.org/10.11606/issn.2359-5361.v0i37p101-117
RESUMO
Neste artigo discute-se o projeto do Parque Ecológico Aldeia de Carapicuíba, iniciado em
1994 e implantado em 2004. O processo entrelaçou diferentes temas quanto à recuperação e
consolidação de sentimentos de pertencimento a um lugar considerado patrimônio histórico e
ambiental, e sua valorização. Reflete-se, também, sobre a noção de participação da comunidade,
que possibilitou a implantação do parque e facilitou a preservação desse patrimônio histórico
e ambiental. O método participativo de projetá-lo possibilitou a articulação de diversos níveis
de ensino, resultado do trabalho conjunto entre arquiteto contratado pela prefeitura, alunos
da pós-graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo,
professores, funcionários e alunos da Escola Estadual de Primeiro Grau Professora Esmeralda
Becker Freire de Carvalho, localizada no patrimônio histórico Aldeia de Carapicuíba. Nesse
processo, a execução, ainda que parcial em relação ao projeto original, só foi possível pelo
envolvimento direto da comunidade, evidenciando que a relação arte-percepção, ao transcender
o simples observar, pode contribuir em ações que valorizem o sentimento de pertencimento aos
lugares de vida, nesse caso, o patrimônio histórico ambiental. Ao estimular a escola a ocupar
os espaços da arte, no desenvolvimento da percepção, abriu-se a probabilidade de maior
valorização do patrimônio histórico ambiental e cultural.
Palavras-chave: Parque. Arquitetura e urbanismo. Arte. Percepção e participação. Patrimônio
histórico.
ABSTR AC T
This article discusses the design project “Ecological Park in Carapicuíba Village”, which was started in 1994
and was implemented in 2004. The process put together different themes such as the recuperation and
consolidation of the feeling of belonging to a place considered a historical and environmental patrimony.
The study points out the community concept of participation in the design process, considering that, in
this case enabled the implementation of the park and strengthened the preservation of the historical and
environmental patrimony. The participative method for designing the park enabled the articulation of various
levels of teaching, and was accomplished by a team work involving an architect hired by the municipality,
graduate students of the FAUUSP (College of Architecture and Urbanism – University of São Paulo) and the
staff and high school students of the Esmeralda Becker Freire de Carvalho School, situated in the Carapicuíba
historical village. In this process the execution of the original project, even being partial, was only possible
because of the community involvement. The participative process also highlights that the relation between
art and perception, when goes beyond the simple observation, may contribute to the sense of belonging
to a place, and in this case, the preservation of the historical and environmental patrimony. By stimulating
the school to occupy the art spaces when developing its perception, it enabled a possibility of a greater
valuation of the historical, environmental and cultural patrimony.
Keywords: Park. Architecture and urbanism. Art. Perception and participation. Historical heritage.
1 INTRODUÇÃO
ambos os casos se relacionam com o fato de que “[...] o problema da arte [...] não é
o surgimento do indivíduo, mas o da comunicação”. (MERLEAU-PONTY, 1991, p. 85).
Assim, ao pensar o projeto de um parque também como processo de arte e tendo a
comunicação como dado prioritário, naquela ocasião o arquiteto optou por estabelecer
seu escritório na própria Aldeia, entendendo que dessa maneira conseguiria maior
inter-relação com a população do lugar, o que lhe permitiu acessar informações além
das que estão nos mapas:
[...] abandonado com seus 120.000 m2, [...] lugar de aventuras; pelo buraco do muro
temos acesso a um mundo mágico de águas puras, nascentes, vegetação exuberante,
[...] São Paulo, uma área de grande densidade populacional indígena, falava-se a
língua geral, ou tupi. Com o Diretório (1758), a língua portuguesa foi implantada
em São Paulo [...] A língua geral era falada nos arredores da Vila, área em que se
concentravam os aldeamentos indígenas. (OLIVEIRA, 2005, p. 1).
2
Segundo Barcellos, (2007, s/p.), “[...] guaianazes são guaranis”.
3
As varias opiniões a respeito da função dessa Aldeia demonstram que não há acordos, mas discutir essa ques-
tão foge ao escopo deste artigo.
4
Segundo Faccio (2010, p. 62), faz parte do Livro Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico da Secretaria
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, folhas 3, com número de inscrição sete, que o Conjunto Arquitetô-
nico e Urbanismo da Aldeia de Carapicuíba, situada no Município de Cotia, Estado de São Paulo, propriedade
da Prefeitura Municipal e outros, processo número 218/39, o registro do tombamento ex-officio de 13 de maio
de 1940.
5
Segundo Faccio (2010, p. 64), consta no Processo Condephaat n° 339/1973, fls. 9.
6
Luis Saia é um renomado arquiteto, engenheiro, colaborador do Departamento de Cultura e do então Serviço
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, onde substituiu Mario de Andrade na Chefia do 4º Distrito, cargo
que exerceu por quarenta anos.
Figura 2 Perspectiva da Aldeia de Carapicuíba realizada por Luís Saia (1938), que fez o primeiro estudo sobre a
Aldeia durante a gestão de Mario de Andrade.
Fonte: Andrade (2006, p. 24, apud FACCIO, 2019, p. 60).
[...] taipa de sopapo, com exceção da igreja e algumas paredes das casas, que são de
taipa de pilão; o pátio, retangular, de chão batido e inclinado como o terreno natural
[...]. Em frente à igreja, um plano horizontal com arrimos de pedra, dez palmeiras
jerivá [...] alinhadas em duas filas, da igreja até o cruzeiro; ao redor do pátio, as casas
onde funcionam o posto policial, dois bares, mercearia, frutaria, farmácia, correio, a
casa de cultura da Prefeitura, residências e vestíbulo de um restaurante. No entorno,
mais residências, alguns sítios de fim de semana, três indústrias; à jusante do pátio
passa o córrego Anhembi, poluído; à montante, atrás de muros altos, a área do antigo
Sanatório Anhembi, com muita vegetação e águas límpidas. Todas as paredes das
casas da Aldeia são caiadas de branco com barra azul-clara e portas e janelas com
seus batentes azul-escuros; no pátio, postes, fio elétrico, ônibus, caminhões, carros,
bicicletas [...] (BOUCINHAS, 2005, p. 48-49).
7
O que consta, segundo Faccio, (2010, p. 65) no Processo Condephaat nº 339/1973, fls. 4.
8
O trabalho fazia parte da disciplina de pós-graduação Projeto sensível, projeto tecnológico, suas relações,
ministrada pelo professor Sylvio Sawaya, com a consultoria do arquiteto Caio Boucinhas, uma equipe de arqui-
tetos (alunos de pós-graduação), formada por Denise Falcão Pessoa, Ely Ana de Oliveira Araujo, Paulo Chiesa,
Regina Cardarelli e Sylvia Adriana Dobry-Pronsato. Estes (exceto Paulo Chiesa) também participaram da pesqui-
sa sobre a Aldeia de Carapicuíba, realizada no Centro Universitário Nove de Julho (Uninove), coordenada pela
profa. dra. Maria José Feitosa, com consultoria do prof. dr. Sylvio Sawaya (FAUUSP) e a participação do prof.
dr. Carlos Eduardo Zahn (Uninove/FAUUSP), dos profs. Eliana Quartim Barbosa, Luiz Otavio de Faria e Silva,
Sergio Torres Moraes e dos arquitetos Maria de Lourdes Nogueira, Roberto Mello e Roberto Dantas Araujo. Essa
experiência realizou-se sob a coordenação pedagógica da profa. dra. Nidia Nacib Pontuschka, da Faculdade
de Educação da USP (FEUSP), sendo diretora da escola, na época, Maria Helena Scabelo.
Há um elo muito forte dos moradores e da vizinhança com a Aldeia; suas relações
vão surgindo, há mistérios, estórias sobrenaturais, milagres e há também conflitos
quanto ao destino da Aldeia: uns desejam que permaneça intocável, outros que seja
um centro turístico nacional, [...]; e outros, ainda, não se incomodariam se ela fosse
demolida e a malha urbana vizinha passasse por cima de tudo. Há também os que
a veem como área de valor histórico importante que precisa ser recuperada com
sensibilidade e respeito: nela não cabe sofisticação, nem lampiões, nem vegetação
9
Esta experiência de projeto participativo foi descrita com maior detalhamento em Dobry-Pronsato (2005).
Figura 3 Partido proposto em 1997, na época com o nome de Parque Ambiental Aldeia de Carapicuíba.
Fonte: Dobry-Pronsato (2005, p. 44).
10
A profa. dra. Nidia Nacib Pontushka, na primeira reunião, discorreu brevemente sobre o Estudo do Meio, que
priorizava a observação direta da realidade, substituindo o aprendizado entre as paredes da sala de aula. Ado-
tando esse método, a escola não pode ser entendida de modo isolado: organiza uma forma de ensino que inclui
a participação de muitos: alunos, diretores, professores, funcionários, moradores, pais. O Estudo do Meio, como
método interativo, pode criar expectativas que nos obrigam a pensar sobre o retorno do projeto à comunidade.
Ao longo de um ano realizaram-se reuniões mensais entre os arquitetos participantes e professores e funcionários
da escola. Os professores da escola, por sua vez, praticavam estudos do meio com seus alunos, transpondo os
conhecimentos interdisciplinares nascidos nas reuniões à sala de aula.
11
Como dito anteriormente, o arquiteto Caio Boucinhas cumpria função de assessor na disciplina de Pós-Gradu-
ação e também era contratado pela prefeitura para desenvolver o projeto.
Beuys enfatiza a relação antropológica da arte, não a considerando apenas como peça
de museu. Para ele a criatividade é a ciência da liberdade. Enfatiza que todo saber
humano provém da arte e que a ciência se desenvolveu a partir do criativo... Assim
a história pode ser vista de forma plástica. Assim a história é vista como escultura.
(DOBRY-PRONSATO, 2005, p. 132).
Da mesma maneira, pode-se entender a paisagem como arte, sendo ação dos
homens. Ao questionar a obra de arte singular, Beuys entende que, [...] o que mais
interessa é a educação artística do ser humano . (DOBRY-PRONSATO, 2005, p. 132).
Foi possível resgatar, por meio de relatos de avós e pais de alunos, memórias de
lendas indígenas mantidas por transmissão oral e a vivência da dança de Santa Cruz,
que inspiraram o desenvolvimento de poesias, desenhos, maquetes, que foram apre-
sentados em exposições em diversos lugares da Aldeia. No contexto da experiência
descrita, Valdomiro Rolim da Costa, um dos professores de português, realizou um
belo trabalho de poesia com alunos da 6ª série. Um deles escreveu:
[...] se anima nas proximidades das festas; as músicas, as cantorias, as danças são
aprendidas nos ensaios para as festas, enquanto são montados o pau-de-sebo e o
mastro de São João. No começo da noite o movimento de caminhões, carros, ônibus
vai rareando, a iluminação elétrica é deficiente; o pátio vai entrando num clima
mágico, de mistério e calma. Parece um lugar muito longe da agitação metropolitana.
(BOUCINHAS, 2005, p. 50).
Figura 5 A festa na Aldeia de Carapicuíba. Aquarela sobre tela, de Sylvia A. Dobry, 1997. Tamanho original,
0,40 m x 0,30 m.
Fonte: Dobry-Pronsato (2005, p. 135).
Figura 6 Reunião do Estudo do Meio na EEPG Professora Esmeralda Becker, com o historiador convidado, Miguel
Costa Jr., morador da região. Fonte: Dobry-Pronsato (2005, p. 42).
Fotos: Denise Pessoa, Ely Ana Araújo e Regina Cardarelli, 1997.
Na leitura contextualizada dos espaços urbano-paisagísticos estudados, conside-
rando-se a convergência entre o poder administrativo e a afetividade dos moradores,
é possível compreender a complexidade, a variabilidade e a diversidade de ações
abertas à participação da sociedade, permitindo aflorar o imaginário dos moradores
como base de fortalecimento do sentido de pertencimento ao lugar. Isso possibilitou
perceber a cidade como espaço de todos e direito de todos os seus cidadãos. Como
tal, demonstrou o dever de todos para a concepção e preservação dos espaços públicos
enquanto lugares de convivência e de construção do conhecimento – entendido não
somente como apropriação intelectual, mas como relação entre objeto conhecido e
sujeito cognoscente, como uma gnoseologia do lugar, que, em sentido amplo, permite
o estudo de todas as formas de conhecimento, inclusive o estudo do espaço urbano.
Nesse sentido, espaço urbano, imaginário social e conhecimento constroem e revelam
o genius loci, que dá autenticidade ao lugar.
Figura 7 Anteprojeto para o Parque Ecológico Aldeia de Carapicuíba. Desenho de Caio Boucinhas, 1994.
Fonte: Dobry-Pronsato (2005, p. 20).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Disponível em: <http://www.apagina.pt/?aba=7&cat=173&doc=13084&mid=2>. Acesso em: 24 jun. 2013.
BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. 422 p.
BOUCINHAS, Caio. Projeto participativo na produção do espaço público. 2005. 230 f. Tese (Doutorado em
Estruturas Ambientais Urbanas) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo,
2005.
DOBRY-PRONSATO, Sylvia Adriana. Arquitetura e paisagem: projeto participativo e criação coletiva. São Paulo:
Annablume/ Fapesp/Fupam, 2005. 148 p.
______; BOUCINHAS, Caio; PESSOA, Denise Falcão. Patrimônio histórico e paisagismo participativo: Aldeia
de Carapicuíba e seu entorno – tantos olhares. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE REABILITAÇÃO DO
PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO E EDIFICADO, 12, 2014, Bauru, Anais... ISSN/ISBN: 978-85-99679,
p. 374-382.
FACCIO, Neide Barrocá. A Aldeia Carapicuíba e sua resolução de tombamento. Topos, vol. 4, n° 2, 2010, p.
60-108. Disponível em: <http://revista.fct.unesp.br/index.php/topos/article/viewFile/2255/2064>. Acesso em: 26
jun. 2014.
LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira; MORI, Victor Hugo; ALAMBERT, Clara Correia d’. Antiga Aldeia de Carapicuíba.
In: SOUZA, Marisa Campos de; BASTOS, Rossano Lopes (Orgs.). Patrimônio 70 Anos. São Paulo: 90SR/Iphan,
2008. 352 p.
Nota do editor
Submissão: 8 ago. 2015
Aprovação: 29 fev. 2016
FUNDAMENTOS
ESPAÇOS ABERTOS E ESPAÇOS LIVRES:
UM ESTUDO DE TIPOLOGIAS
URBAN OPEN SPACES: A TIPOLOGY STUDY
Evy Hannes*
RESUMO
Este artigo apresenta uma discussão referente às tipologias de espaços abertos e de espaços
livres, conceituando-os brevemente e colocando questões relativas às esferas pública e privada.
Discute suas diferentes funções nas áreas urbanas, ressaltando as de caráter urbanístico, social,
recreativas, estético e ecológico. Tem como objetivo elencar os principais espaços livres de uso
público na escala urbana da cidade existentes no Brasil, definindo-os, fazendo referência ao
seu surgimento na história, evolução no contexto urbano, usos e desenho. Serão analisados
autores que percorrem as diversas facetas do urbano, como a morfologia urbana, a história,
percepção, memória e apropriação do espaço.
Palavras-chave: Espaços livres. Espaços abertos. Espaço público. Tipologia de espaços abertos.
Esfera pública.
ABSTR AC T
This article presents a discussion related to urban open space typology, briefly conceptualizing it and
reviewing the issues related to public and private spheres. It discusses their different functions in urban
areas, highlighting the urbanistic, social, recreation, aesthetic and ecological character. It aims to list and
describe the various types of open spaces in Brasil, at the city scale, referring to its appearance in the
history, evolution in the urban context, uses and design. An analysis of the authors, dealing with various
facets of urban contents as urban morphology, history, perception, memory and appropriation of space,
will be made.
Keywords: Open spaces. Public space. Open spaces typology. Public space realm.
1 INTRODUÇ ÃO
Este trabalho pretende discutir questões relacionadas aos espaços livres urbanos,
elencando as tipologias mais presentes ou que mais se adequam à utilização nas escalas
do bairro e da cidade. Serão abordadas as tipologias da rua, principal espaço livre
presente nas cidades, estruturador e articulador do espaço urbano, canal primeiro de
circulação e trocas; o calçadão, que se apresenta como rua exclusiva para pedestres,
http://dx.doi.org/10.11606/issn.2359-5361.v0i37p121-144
sendo uma tipologia bastante presente e aceita no Brasil; o woonerf, apresentado como
um tipo relativamente novo de espaço livre, ainda não tão presente no país – mas com
grande potencial de aplicação –, que vem sendo muito trabalhado nas faculdades de
arquitetura; o pátio também apresenta interessante característica de espaço, muitas
vezes privado, mas com forte potencial de apropriação pública e articulação entre
público e privado; a praça, espaço público de encontro por excelência, presente em
cidades dos mais variados tamanhos, apresentando modelos tão diversos e, muitas
vezes, distantes de seu conceito principal; o pocket parque, o segundo elemento ainda
não muito presente nas cidades brasileiras, mas que vem ganhando força como inter-
venção pontual na cidade de São Paulo, que demonstra o enriquecimento do espaço
aberto e grande aceitação e apropriação por parte do público; por último, coloca-se
o parque urbano como elemento de caráter natural, com grande potencial de usos
ligados a lazer e esportes.
Os temas e elenco de tipologias analisados foram escolhidos devido à ausência
de trabalhos acadêmicos que os coloquem conjuntamente. Grande parte dos traba-
lhos disponíveis percorre apenas modelos mais tradicionais, como a rua, a praça e
o parque. Outros apontam os elementos separadamente, em trabalhos de conteúdo
rico e detalhado, mas muito extensos. Essa lacuna foi percebida diante da dificuldade
de indicar aos alunos ingressantes nos estudos de projeto urbano e paisagismo apon-
tamentos bibliográficos que funcionem como base teórica introdutória ao tema, sem
que fosse necessário recorrer a um número extenso de publicações que o abordam
sob diferentes focos, dificultando o entendimento do assunto. Este trabalho faz parte
de um projeto de pesquisa que vinha sendo idealizado desde 2013 e que se inicia com
o desenvolvimento deste artigo.
Para o desenvolvimento da análise pretendida, serão abordados diferentes aspec-
tos relativos aos espaços livres e os autores mais conceituados em relação ao tema.
Na conceituação deste, das esferas pública e privada e da apropriação dos espaços
livres, serão utilizados estudos de Queiroga (2012), Magnoli (1982), Arendt (1991) e
Habermas (1984). A análise morfológica será orientada pela obra de Lamas (1993).
Para as questões ligadas à imagem e leitura dos espaços, serão utilizados conceitos de
Lynch (1997) e Cullen (1983); para entendimento da apropriação dos espaços, Gehl
(2013) e Jacobs (2000); para estudo do desenho dos espaços, Santos (1988); para
entendimento de áreas ligadas a questões naturais, como praças e parques, Macedo
(1999, 2003, 2011) e Kliass (1993).
espaços livres de um volume edificado, sendo estes públicos ou privados, como ruas e
calçadas, parques e praças, quintais residenciais, áreas livres de lazer em condomínios,
recuos de construções, pátios internos, estacionamentos descobertos, terrenos baldios,
rios, áreas verdes e outros.
Toda cidade tem um sistema de espaços livres, e esses espaços são fruto do pro-
cesso de urbanização e formação. (MACEDO, 2011). O parcelamento do solo, as
construções e o arruamento dão origem a inúmeras tipologias de espaços e diversas
formas de apropriação das mesmas. Tendo ou não sido criados para uso específico –
como os calçadões, que permitem melhor circulação de pedestres por vias densas de
comércio – o espaço livre, ou aberto, torna-se palco para diversas formas de expressão
da sociedade. São espaços de encontro, lazer, práticas esportivas e manifestações.
Como colocado por Leite:
impactado pela urbanização das cidades. Entre essas funções, ressalta-se neste trabalho
as consideradas de maior relevância, como as funções ecológicas, estéticas e sociais.
A função ecológica caracteriza-se pela presença de vegetação e solo não imperme-
abilizado, ou que permita algum grau de drenagem e percolação das águas de chuva.
O solo drenante ajuda a prevenir enchentes e contribui com a recarga do lençol freá-
tico. A vegetação também ajuda a combater enchentes – na medida em que as copas
das árvores diminuem a velocidade com que a água atinge o solo – a filtragem do ar,
a equilibrar a temperatura e umidade do ar, combatendo ilhas de calor e exercendo
importante papel como suporte de movimento da avifauna.
A função social está intimamente relacionada às características ligadas ao convívio
em comunidade e ao lazer. São espaços onde acontecem os encontros e trocas da
vida cotidiana, desde os mais simples, como conversas entre amigos, até expressões
culturais diversas – manifestações e apresentações ao ar livre. São espaços utilizados
para lazer, descanso, leitura, meditação, orações, para o brincar das crianças e es-
portes das mais variadas modalidades. Possuem, também, importante função estética,
encarregando-se da diversificação da paisagem construída e do embelezamento da
cidade. Atuam como integradores entre espaço construído e aberto, muitas vezes tendo
a função primeira de criar áreas para observação de obras arquitetônicas e permitir que
estas sejam observadas e admiradas por melhores ângulos e nas devidas proporções.
Os espaços vegetados têm papel especial na questão estética, já que o colorido das
árvores e sua mudança conforme as estações do ano acrescentam um toque especial
à composição da paisagem.
Existem dezenas (se não centenas) de tipos de espaços livres: alguns desenhados
pelo homem; outros, pela natureza. Considerando os espaços livres como os que não
são construídos, abertos, de livre acesso ou não à população, pode-se qualificar nessa
categoria todo o espaço natural constituído por rios, praias, mares, matas e florestas.
Como espaços desenhados pelo homem pode-se citar desde os campos de futebol
desenhados com cal em terrenos baldios até os parques mais elaborados por equipes
de arquitetos e ecólogos – mirantes, jardins, conjuntos esportivos, cemitérios, campi
universitários, unidades de conservação ambiental, parques, praças, ruas, calçadas.
Neste trabalho serão abordados apenas os espaços livres urbanos mais comuns e
presentes no Brasil e outros, ainda não tão difundidos aqui, mas que apresentam gran-
de potencial para tal, criando espaços inovadores e ricos. São eles: ruas, calçadões,
woonerfs, pátios, praças, pocket parks e parques.
4.1 A RUA
Jacobs (2000) entende que as ruas e calçadas têm funções que vão muito além da
circulação: são os órgãos vitais das cidades e conformam seu principal espaço público.
Consagra a conhecida expressão os olhos da rua, referindo-se ao fator de segurança
existente nas ruas onde o comércio está presente, onde os proprietários desses estabe-
lecimentos e os pedestres que circulam entre eles, ao ocuparem as calçadas, agregam
a estas movimento e segurança.
Gehl (2013, p. 19) prega a ideologia das cidades mais humanas, vivas, seguras,
sustentáveis e saudáveis, e coloca como “[...] pré-requisito para a existência da vida
urbana a oferta de boas oportunidades para se caminhar [...]”, abordando, novamente,
a rua como foco primário de configuração do urbano.
Entende-se, então, que a rua é o elemento estruturador do espaço urbano, com papel
primário de circulação e orientação, que garante a ligação entre os demais espaços
abertos da cidade, funcionando como articuladora de um sistema de espaços livres. É
o principal palco da vida cotidiana, permitindo encontro, troca e diversas manifestações
populares (figuras 1 e 2). É lugar carregado de simbolismo, espaço de permanência, de
brincar, socializar, de aprendizado para crianças e jovens. Estabelece a conexão entre o
público e o privado, sendo de vital importância para o desenho da cidade. Seu desenho
deve ser cuidadoso e atento, apresentando dimensões adequadas aos usos a que se
propõe, garantindo conforto, segurança e acessibilidade a pedestres, ciclistas e veículos,
com fluxos organizados, respeitando normas técnicas, utilizando materiais corretos e
eficazes, com arborização e iluminação corretamente especificadas e dimensionadas.
O termo calçadão tem sido usado no Brasil para definir as ruas exclusivas de pe-
destres. Os primeiros registros de que se possui notícia sobre o tema datam do período
entre guerras, quando algumas ruas alemãs são fechadas para o tráfego de veículos.
Em 1951, são projetadas as ruas Holstenstrasse e Kortumstrasse, ambas na Alemanha,
e desde então a prática foi crescendo e consolidando-se, principalmente após a década
de 1970, com a explosão da frota automotiva mundial e a necessidade de reorganização
entre o fluxo de automóveis e pedestres. No Brasil, o primeiro calçadão construído foi
o da rua XV de Novembro, ou calçadão das flores, em Curitiba (PR), como mostra a
figura 3. (JANUZZI, 2006). São Paulo (SP) apresenta a maior rede de calçadões do país.
Localizados na área central da cidade, fazem a ligação entre importantes equipamentos
urbanos e são servidos por estações de metrô.
Os projetos de implantação de ruas de pedestres têm início, em sua maioria,
com o fechamento do tráfego para veículos na via. Na sequência, são feitas refor-
mas de nivelamento de piso, troca de pavimentação, paisagismo e adequação de
mobiliário urbano. Segundo Januzzi (2006, p. 108), “[...] o modelo mais comum é
o que se assemelha a um shopping center, com a adição de equipamentos para dar
mais conforto ao usuário e tornar o espaço mais agradável, buscando renovação
do centro urbano.”
O uso dessa tipologia de espaço está comumente associado aos núcleos de comércio
dos centros urbanos, onde o fluxo de pessoas e as atividades comerciais são intensas
e apresentam conflitos de fluxos entre automóveis e pedestres. Tornam-se, geralmente,
importantes centros de compras e pontos turísticos – como a Stiklal Street (Istambul),
que, devido à sua grande extensão (3 quilômetros), implantou um bonde que facilita
a locomoção dos pedestres (figura 4). Muitos projetos de calçadões fazem parte de
operações de revitalização urbana que incluem renovação de fachadas, eliminação
da poluição visual e melhoria na qualidade do espaço. São espaços que permitem a
implantação de feiras de artesanato, a expressão de artistas de rua, o favorecimento
de interação social, incentivando, também, o consumo e a diversificação de uso local.
Devem prever o acesso de veículos de segurança e carga e descarga – como carros
de polícia, ambulância e bombeiros.
Gehl (2013) ressalta a transformação na qualidade urbana da cidade de
Copenhagen (Dinamarca) quando algumas ruas se tornaram exclusivas para pedestres
“[...] era mais confortável para caminhar e havia espaço para mais gente” e coloca a
“[...] melhoria sistemática da vida urbana e a movimentação de pedestres” como pontos
positivos associados ao projeto.
Algumas variações do modelo padrão de ruas de pedestres permitem o tráfego
controlado de veículos, como é o caso da Third Street Promenade, em Los Angeles,
Califórnia. Outras apresentam cobertura, propiciando o uso independente de condições
meteorológicas. Calçadões de praia e orlas marítimas são considerados tipologias
diferenciadas, que mais se encaixam no conceito de mall e promenade, já que apre-
4.3 O WOONERF
4.4 O PÁTIO
A forma do pátio é fruto das paredes que o conformam e sua forma está estreitamente
ligada à forma das quadras. Santos (1988) coloca-o como área non aedificandi, respi-
radouros onde os donos mantêm seus direitos de propriedade e como áreas utilizadas
pela comunidade como bem de uso coletivo com funções diversificadas, garantindo
vida, segurança e animação ao local.
Percebe-se que, de forma geral, os pátios apresentam três funções principais: nas
edificações de caráter religioso, configuram-se como espaços de oração e meditação,
apresentando forte caráter simbólico ligado ao jardim do Éden (paraíso), onde é possível
estar em contato com o céu. Outra função importante liga-se ao conforto térmico: são
locais que permitem ventilação dentro do bloco construído. A última delas, a que mais
interessa para este trabalho, é a de lugares de encontro, espaços com caráter coletivo,
onde acontecem trocas e tramas da vida cotidiana. Locais tranquilos, onde é possível
parar, tomar café com amigos ou apenas sentar para descansar e observar o entorno.
São espaços privados que transitam entre a esfera pública e a privada, portanto, de
interesse coletivo e com grande diversidade de usos, sendo que estes determinarão
o grau de constituição da esfera pública. Pátios ladeados por comércios e serviços
possibilitam a constituição de uma esfera pública, enquanto pátios em meio a edifícios
residenciais podem, no máximo, facilitar o acesso de pedestres entre quadras. Em am-
bos os casos, são espaços com grande potencial de enriquecimento para o ambiente
urbano e a vida em sociedade.
4.5 A PRAÇA
Lamas (1993), a praça é um elemento das cidades ocidentais que se traduz na intencio-
nalidade do desenho desses espaços: “[...] esta intencionalidade repousa na situação
da praça na estrutura urbana, no seu desenho e nos elementos morfológicos (edifícios)
que a caracterizam”. O autor também fala sobre as seguintes implicações:
[...] estreita relação do vazio (espaço de permanência) com os edifícios, seus pla-
nos marginais e as fachadas. Estas definem os limites da praça e caracterizam-na,
organizando o cenário urbano. A praça reúne a ênfase do desenho urbano como
espaço coletivo de significação importante. Este é um dos seus atributos principais e
que a distingue dos outros vazios da estrutura das cidades. (LAMAS, 1993, p. 102).
mentos públicos e áreas centrais, e influências inglesas nas praças voltadas às áreas
residenciais, como se vê na figura 10. (MACEDO; ROBBA, 2003). A praça moderna,
originada após a década de 1940, é fruto da escassez de espaços de lazer nas próprias
residências, já que estas cederam lugar às garagens para automóveis. (MACEDO, 1999).
Hoje muitas praças são originadas devido às normas de parcelamento do solo ur-
bano, que ditam a necessidade de porcentagens específicas de áreas verdes e de lazer
para novos loteamentos. Nesse caso, assumem caráter semelhante ao colocado por
Macedo e Robba (2003), ficando sua produção a cargo de empresas de loteamento
e incorporadores privados.
Dois tipos de espaços comumente associados às praças, mas que apresentam
funções diferenciadas, são os adros e os largos. Os adros podem ser considerados os
primeiros espaços livres públicos e constituem as áreas externas a edificações religiosas,
com finalidade de reunir as pessoas antes das práticas religiosas e criar espaço livre,
em frente à construção, que lhes confira caráter nobre e de grandeza arquitetônica. O
largo é definido como um alargamento dos sistemas viários, com estreita relação com
o traçado e a forma destes. Geralmente situados próximo a edifícios importantes, têm,
também, função de abrir espaço à visualização do mesmo.
O conceito de pocket park (na tradução literal, parque de bolso) surgiu em 1967,
em Nova Iorque, com a criação do Paley Park (figura 11). A área onde havia uma
casa noturna, com terreno de 13m x 30m, próximo à Quinta Avenida e no centro de
Manhattan – onde o valor do metro quadrado está entre os mais caros do mundo –, deu
lugar a um espaço verde, ao ar livre, de livre acesso à população, criando um tipo de
espaço de interesse público inédito na história da arquitetura. (COOPER; FRANCIS, 1988).
Esse tipo de parque são pequenas áreas de lazer, ou miniparques, inseridas na
malha urbana e que funcionam como pequenos oásis urbanos, onde é possível alcan-
çar a tranquilidade mesmo em locais densos e de trânsito congestionado. O conceito
previa a existência de cascatas que remetessem a questões da natureza e afastassem
a poluição sonora da cidade, mobiliário leve, de fácil movimentação pelo público,
máquinas de sanduíche e bebidas e fechamento noturno. Em relação ao desenho,
podem apresentar desníveis desde que não configurem separação física e visual do
espaço público e do passeio. Alguns possuem pergolados e coberturas que amenizam
a insolação e protegem de ventos e chuvas.
Muitos espaços como esses foram criados pelo mundo: alguns alterando as carac-
terísticas conceituais e dando origem a uma nova variedade de espaços de interesse
público; outros, privados. Servem como áreas para pequenos eventos, parques infan-
tis, áreas de encontro, áreas para lanches e cafés, sempre em pequenos lotes e com
alcance apenas da escala local. São frutos de parcerias público-privadas, mantidos
Figura 12 Pocket Park na rua Amauri, bairro do Itaim, São Paulo, SP.
Foto: Evy Hannes, out. 2015.
Sempre que as pessoas param um pouco, elas procuram lugares no limite do es-
paço, um fenômeno que pode ser chamado de efeito dos espaços de transição. [...]
esses espaços têm vários benefícios importantes: espaço à frente para ver tudo, as
costas protegidas de modo que não surja nenhuma surpresa [...] e bom apoio físico
e psicológico. (GEHL, 2013, p. 137).
Todo espaço de uso público destinado à recreação de massa, qualquer que seja o
seu tipo, capaz de incorporar intenções de conservação e cuja estrutura morfológica
é autossuficiente, isto é, não é diretamente influenciada em sua configuração por
nenhuma estrutura construída em seu entorno. (MACEDO; SAKATA, 2003, p. 14).
parque do Povo, espaço em escala menor, tem sido muito usado por equipes de corrida
que treinam no local, principalmente em horários diferenciados, como manhã e noite,
antes e após o horário comercial. Já o parque da Juventude, desenvolvido no antigo
espaço do complexo penitenciário do Carandiru, chama atenção devido ao belíssimo
projeto paisagístico, desenvolvido pela arquiteta Rosa Kliass (figura 14).
seus colchonetes e fazem alongamentos. Por ser fato intenso e presente no cotidiano,
prefeituras implantaram, nos últimos cinco anos, equipamentos de ginástica ao ar livre
em muitas praças e áreas residuais das cidades em todo o país. A mesma apropriação
informal acontece nas calçadas mais lisas e corrimãos de escadas quando invadidos
por skatistas (figuras 15 e 18) em busca de espaços que configurem obstáculos e pistas
que propiciem manobras. Tais exemplos mostram a gama de possibilidades existente
para apropriação dos espaços livres das cidades, seja em espaços desenhados para
tais funções, ou naqueles que se apresentam como fruto das apropriações espontâneas
da sociedade.
Figura 15 Skatista faz manobra sobre bancos da praça Roosevelt em São Paulo, SP, 2013.
Fonte: Folha de S. Paulo. Foto: Lucas Lima. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/
saopaulo/2013/09/1348192-um-ano-apos-reforma-praca-roosevelt-segue-na-preferencia-dos-skatistas.shtml>.
Acesso em: 26 set. 2015.
Figura 18 Moradores improvisam mesa de carteado sob sombra de árvore no bairro do Jaçanã, São Paulo, SP.
Foto: Evy Hannes, abr. 2015.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho pretende criar corpo teórico referencial que funcione como base
introdutória aos estudos sobre espaços livres, elencando e descrevendo as principais
tipologias de espaço que podem ser utilizadas em intervenções na escala urbana da
cidade. Não pretende desenvolver análise que simplifique ou resuma a complexidade
e riqueza teórica relativa ao tema, mas que aborde, de forma clara, a variedade de
interpretações e abordagens possíveis de desenvolvimento.
Os espaços livres estão presentes nas cidades desde os mais antigos assentamentos
humanos, onde configuravam espaço de trocas comerciais. Com o passar do tempo,
vêm se desenvolvendo conforme a evolução das cidades e os hábitos da sociedade,
configurando novas tipologias de espaços abertos, como pocket parks e woonerfs,
mais condizentes com as necessidades da sociedade e da cidade contemporânea. A
apropriação dos espaços também apresenta mudanças, o que fica evidente quando
canteiros centrais de avenidas passam a ser tomados por equipes de corrida.
Os elementos e tipos de espaço apresentados possuem caráter híbrido e exercem
diferentes funções no contexto da cidade – urbanas, arquitetônicas, paisagísticas, esté-
ticas, sociais – e são apropriados pelas pessoas das mais diversas formas. Mediante a
utilização da rua como elemento articulador, compõem sistemas de espaços livres que
estão presentes em todas as cidades, independentemente de seus tamanhos, apresen-
tando características distintas de acordo com localização, clima e cultura específicos.
Cada tipologia discutida no texto desempenha um papel diferenciado no sistema de
espaços livres da cidade, com inúmeras possibilidades de utilização e apropriação pelos
pedestres, configurando a riqueza de experiências e as diferentes formas de expressão
que podem ser realizadas nesses espaços fundamentais para o desenvolvimento da
vida cotidiana, das relações sociais e da vida em comunidade. Espaços que ajudam a
construir a cidadania e a memória afetiva dos habitantes com suas cidades.
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AGRADECIMENTOS
Nota do editor
Submissão: 13 jul. 2015
Aprovação: 19 out. 2015
PESQUISA
PARQUE ECOLÓGICO MONSENHOR EMÍLIO
JOSÉ SALIM , C A MPINA S ( SP) : CONTR ADIÇÕES
NA IMPLEMENTAÇ ÃO DE UM PARQUE URBANO
CONTEMPOR ÂNEO
ECHOLOGIC PARK MONSENHOR EMÍLIO JOSÉ SALIM, CAMPINAS (SP):
CONTRADICTIONS IN ESTABLISHING A CONTEMPORARY URBAN PARK
RESUMO
O presente artigo é resultado de uma pesquisa que buscou compreender os propósitos da
administração pública, nas instâncias estadual e municipal, ao implantar, no final da década
de 1980, o Parque Ecológico Monsenhor Emílio José Salim, na cidade de Campinas (SP).
Projetado pelo escritório Burle Marx, sua implantação tinha por objetivo a revitalização de
uma antiga fazenda, a recomposição da mata nativa em áreas ocupadas pelos cafezais e
a restauração do casarão, exemplar relevante da arquitetura do período do café. Quadras
esportivas, lanchonetes, mirante, restaurante, campos de futebol e áreas de passeio também
estavam no escopo do projeto. Embora o parque já tenha passado por dois processos de
tombamento – no nível estadual, pelo valor do seu conjunto arquitetônico, representativo da
arquitetura cafeeira e, no nível municipal, por seu valor como parque urbano de concepção
inovadora –, encontra-se atualmente sendo utilizado muito aquém do seu potencial como
espaço público. Esta pesquisa também teve por objetivo traçar um diagnóstico que apresentasse
os potenciais e as fragilidades desse equipamento urbano e diretrizes que pudessem auxiliar
num possível processo de recuperação do parque.
Palavras-chave: Parques. Paisagem urbana. Espaços verdes. Arquitetura paisagística.
*
Arquiteta e urbanista pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Es-
pecialista em Gerenciamento Ambiental pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da
Universidade de São Paulo (ESALQ). Mestre em Urbanismo pelo Programa de Pós-Graduação
em Urbanismo, Centro de Ciências Exatas, Ambientais e de Tecnologias (POSURB, CEATEC) da
PUC-Campinas. Arquiteta paisagista, diretora da Nossa Flora Jardins (Projeto, manutenção e
execução de jardins). Rua Dr. Miguel Penteado, 909, 13070-118, Jardim Chapadão, Campinas,
SP, Brasil.
[email protected]
**
Arquiteta e urbanista pela Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (EA/
UFMG). Mestre em Urbanismo pelo Programa de Pós-Graduação em Urbanismo, Centro de
Ciências Exatas, Ambientais e de Tecnologias (POSURB, CEATEC) da PUC-Campinas. Doutora
em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de são Paulo (FAUUSP). Professora do POSURB/CEATEC, PUC-
-Campinas. Rodovia D. Pedro I, km 136, 13086-900, Parque das Universidades, Campinas,
SP, Brasil.
[email protected]
http://dx.doi.org/10.11606/issn.2359-5361.v0i37p147-177
ABSTR AC T
This article is the result of a study that sought to understand the purposes of public administration on the
state and municipal levels to deploy implant in the late 1980s, the Ecological Park Monsignor Emilio José
Salim in the city of Campinas (SP). Designed by Burle Marx office, the implementation of the Ecological
Park aimed to revitalize an old farm, restore native forests in areas occupied by coffee plantations and
restore the main house, relevant example of the Coffee period architecture. Sports courts, coffee shops,
gazebo, restaurant, soccer fields and walking areas were also in the project scope. Although the park is
considered a heritage to be preserved – at the state level due to its architectural value (representative set of
coffee architecture) and at the municipal level for its value as an innovative urban park design - its current
use does not match its potential as a public space. The survey also aimed to outline a diagnosis that could
show the potential and the weaknesses of this urban space, and could provide guidelines that can help in
a possible recovery process of the park.
Keywords: Parks. Urban landscape. Green spaces. Landscape architecture (spaces).
1 INTRODUÇ ÃO
1
A fazenda Mato Dentro foi adquirida pelo Instituto Biológico do Estado de São Paulo em 1937, com o objetivo
de desenvolver pesquisas de sanidade animal e vegetal por meio de criação de suínos, equinos e bovinos e
campos experimentais de diversas culturas. Na mais recente reforma, a antiga Estação Experimental de Campi-
nas passou a ser denominada Centro Experimental Central do Instituto Biológico (CEIB), localizado estrategica-
mente num polo de alta tecnologia, a cidade de Campinas. Disponível em: <http://www.biologico.sp.gov.br/
centro_experimental.php>. Acesso em: 16 jul. 2015.
Emílio José Salim em parte da área anteriormente adquirida para o Instituto Biológico.
Projetado pelo escritório Burle Marx, sua implantação tinha por objetivo a revitalização
da antiga fazenda, a recuperação de lagos e cascatas, a recomposição da mata na-
tiva em áreas ocupadas pelos cafezais e a instalação de um programa de cultura nos
edifícios remanescentes do complexo cafeeiro.
A pesquisa sobre a instalação do Parque Ecológico Monsenhor Emílio José Salim
e sua relação com os processos fundiários envolvidos na conversão da antiga fazen-
da em loteamentos privados e área pública foi baseada em documentação primária,
como cartografia histórica, inventários, escrituras e registros de venda de terras. Os
processos de tombamento do parque pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural
de Campinas (Condepacc) e da sede da antiga fazenda pelo Conselho de Defesa do
Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) foram documentos
auxiliares da pesquisa. Para a análise do projeto paisagístico do parque, utilizou-se o
projeto original, disponibilizado pelo Escritório Burle Marx.
Figura 1 Sistema de parques no Plano de Remodelação da Cidade, de Prestes Maia, de 1829. Indicados os três
principais parques da cidade, o parque da Vila Industrial nunca chegou a ser implantado. A planta apresenta
anotações manuais assinadas por Prestes Maia. Documento apresentado por Luíz Cláudio Bittencourt, pertencente
ao Arquivo da Câmara Municipal de Campinas.
Fonte: Bittencourt, 2002, p. 135.
2
Conforme documentação levantada, a fazenda, inicialmente formada como engenho e plantação de cana-de-
-açúcar, data de 1806, originada a partir de uma gleba de terra desdobrada de uma sesmaria pelo tenente-
-coronel Joaquim Aranha Barreto de Camargo. Segundo Silva (2006), um dos primeiros bairros registrados em
Campinas foi Mato Dentro, citado em documento de 14/7/1774 como a área onde se localizava o engenho
de mesmo nome. Era um exemplar da ocupação fundiária e da produção agrícola da região no final do século
XVIII. A fazenda passa por desmembramentos que geram duas novas fazendas, a Mato Dentro de Baixo e a
Brandina. Essas novas fazendas foram posteriormente parceladas e transformadas em bairros: a Mato Dentro
de Baixo no bairro Vila Brandina, a fazenda Lapa no bairro das Palmeiras e o Clube Sociedade Hípica de Cam-
pinas. Com a crise de 1930 e a queda da comercialização do café nos mercados internacionais, a fazenda
foi vendida, em 1937, para o Governo do Estado de São Paulo, que a transformou na Estação Experimental
do Instituto Biológico de Campinas, abrigando laboratórios, residências de pesquisadores e trabalhadores e
pesquisas de novas culturas.
Figura 2 Parcelamentos da antiga fazenda Mato Dentro, localização do Parque Ecológico Monsenhor Emílio José
Salim, do Instituto Biológico e principais rodovias.
Fonte: Imagem elaborada pela autora a partir de foto aérea do Google.
Sul 5,99
Leste 11,02
Sudoeste 4,21
Noroeste 3,76
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Censo Demográfico de 1991. Sistematização dos
dados: Secretaria de Planejamento, Departamento de Planejamento e Desenvolvimento Urbano de Campinas (p.
36). Sumário de Dados – População Campinas e Região, 1998.
1991 1996 1991 1996 1991 1996 1991 1996 Total Urbana Rural
Leste 207.047 209.229 201.746 204.500 5.301 4.729 97,44 97,74 0,21 0,27 -2,26
Sul 223.480 228.434 218.812 223.446 4.668 4.988 97,91 97,82 0,44 0,42 1,33
Norte 163.293 163.848 158.026 158.731 5.267 5.117 96,77 96,88 0,07 0,09 -0,58
Sudoeste 180.339 217.696 177.331 206.291 3.008 11.405 98,33 94,76 3,84 3,07 30,55
Noroeste 73.128 88.547 68.701 85.975 4.427 2.572 93,95 97,10 3,90 4,59 -10,29
Total 847.287 907.754 824.616 878.943 22.671 28.811 97,32 96,83 1,39 1,28 4,91
Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 1991. Sistematização dos dados: Secretaria de Planejamento – Departamento
de Planejamento e Desenvolvimento Urbano. Disponível em: <http://www.campinas.sp.gov.br/governo/seplama/
publicacoes/sumario-dados-demograficos.php>. Acesso em: 23 jun. 2015.
Figura 3 Mapa do crescimento urbano. Em vermelho, a área aproximada do Parque Ecológico. Fonte: Secretaria
Municipal de Planejamento e Desenvolvimento Urbano (Seplan) da Prefeitura Municipal de Campinas. Disponível
em: <http://www.campinas.sp.gov.br/governo/seplama/publicacoes/planodiretor2006/mapas/mapa5.jpg>.
Acesso em: 23 jun. 2015.
Figura 4 Mapa com os loteamentos aprovados por décadas. Em vermelho, a área aproximada do Parque
Ecológico. Fonte: Secretaria Municipal de Planejamento e Desenvolvimento Urbano (Seplan) da Prefeitura Municipal
de Campinas. Disponível em: <http://www.campinas.sp.gov.br/governo/seplama/publicacoes/planodiretor2006/
mapas/mapa6.jpg>. Acesso em: 23 jun. 2015.
Figura 5 Mapa representando a renda média do responsável pelo domicílio em 1991. Fonte: Secretaria Municipal
de Planejamento e Desenvolvimento Urbano (Seplan) da Prefeitura Municipal de Campinas, a partir de dados
do censo de 1991 do IBGE. Disponível em: <http://www.campinas.sp.gov.br/governo/seplama/publicacoes/
planodiretor2006/mapas/mapa21.jpg>. Acesso em: 23 jun. 2015.
A partir dessa lista, pode-se observar como a área do Parque Ecológico Monsenhor
Emílio José Salim é maior do que a soma das áreas de todos os outros parques juntos.
Foi implantado num momento em que, principalmente o parque Portugal e o bosque
dos Jequitibás, estavam no limite de saturação, por atenderem toda a cidade.
A figura 6 mostra em sua legenda, entre outros, os três principais parques da cidade:
o Parque Ecológico Monsenhor Emílio José Salim (n° 17), o Parque Portugal (nº16) e
o Bosque dos Jequitibás (nº 8). Fica visível a diferença de tamanho destes em relação
ao Parque Ecológico.
Figura 6 Principais áreas verdes de Campinas segundo diagnóstico feito pela Prefeitura Municipal de Campinas em
2015. Fonte: Diagnóstico Preliminar SDVS/PMC, 2015. Disponível em: <http://campinas.sp.gov.br/arquivos/meio-
ambiente/diagnostico_preliminar.pdf>. Acesso em: 23 jun. 2015.
O Governo do Estado de São Paulo foi quem propôs o Parque Ecológico Monsenhor
Emílio José Salim para atender às demandas da cidade por um novo equipamento de
lazer e área verde. Ocupando 110 hectares de parte da área total de 285 hectares do
Instituto Biológico, foi implantado na área da antiga fazenda Mato Dentro, abrangendo
o conjunto histórico composto pela casa sede e tulha, tombados pelo Condephaat3.
O projeto foi desenvolvido pelo Escritório Burle Marx, e entre seus principais atrativos
estavam a implantação de um Arboretum com espécies nativas, a revitalização de um
lago, a transformação do estábulo em restaurante e da tulha em “café-concerto”. Se-
riam também instaladas quadras poliesportivas, um mirante, campos de futebol, áreas
de estar, área para piquenique, churrasco e um teatro de arena.
Na antiga casa sede, completamente restaurada, foi instalado o Centro Integrado
de Percepção Ambiental (CIPAM), que tinha como propósito “[...] estimular de maneira
inovadora e atraente a percepção do meio ambiente e das intervenções socioeconômicas
e culturais na qualidade de vida [...]”. (Cetesb,1990). Para tanto, dividia-se em quatro
eixos: cultura e meio ambiente, cosmos, biodiversidade e poluição.
3
Processo de tombamento número 00309/73 de 1982.
4
Antigo casarão da “Mato Dentro” será restaurado. Correio Popular, Campinas, 24 de setembro de 1988.
5
Empresa responsável pelo abastecimento de água (captação, adução, tratamento, reserva e distribuição de
água potável), coleta, afastamento e tratamento dos esgotos domésticos no município de Campinas.
Figura 7 Croqui do projeto paisagístico. Fonte: Prospecto distribuído pela Companhia Ambiental do Estado de São
Paulo (Cetesb) na inauguração do Parque Ecológico.
Projeto gráfico e desenho: Vallandro Keating, 1990.
Figura 8 Perspectiva do parque com seus principais equipamentos em fôlder promocional fornecido pelo Governo
do Estado de São Paulo (gestão Orestes Quércia). Fonte: Prospecto distribuído pela Companhia Ambiental do
Estado de São Paulo (Cetesb) na inauguração do Parque Ecológico. Projeto gráfico e desenho: Fernando Barreto,
1990.
Figura 12 Ripado.
Fonte: Cetesb. Desenho de Vallandro Keating, 1990.
Na montagem (figura 13) feita com o projeto paisagístico original sobre foto aérea de
2015 da cidade de Campinas, podemos ver a leste do parque sua divisa com o Instituto
Biológico, e a oeste os diversos condomínios de alto padrão. A figura 14 apresenta o
projeto paisagístico original fornecido pelo Escritório Burle Marx em uma prancha com
detalhe do paisagismo do complexo arquitetônico tombado (casa sede, tulha e capela).
Figura 13 Projeto original fornecido pelo Escritório Burle Marx e montado sobre foto aérea Google Maps, 2015.
Fonte: Escritório Burle Marx. Projeto de Roberto Burle Marx e Haruyoshi Ono. Desenho de Sônia, 1989. Projeto
gráfico: Daniela Andrade Lacreta, setembro de 2015.
Figura 14 Projeto de Roberto Burle Marx e Haruyoshi Ono. Desenho de Sônia, 1989.
6
Secretaria do Meio Ambiente lança livro com as pesquisas desenvolvidas em intervales. São Paulo Acontece:
Secretaria do Meio Ambiente, 1 de abril de 2001. Disponível em: <http://www.ambiente.sp.gov.br/acontece/
noticias/secretaria-do-meio-ambiente-lanca-livro-com-as-pesquisas-desenvolvidas-em-intervales/>. Acesso em:
20 mar. 2014.
7
SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO, 21 de julho de 2003. Disponível em: <http://
www.ambiente.sp.gov.br/acontece/noticias/alckmin-assina-protocolo-para-gestao-do-parque-ecologico-em-
campinas/>. Acesso em: 20 mar. 2014.
Burle Marx não havia sido instalado por completo. Para a Secretaria do Meio Ambiente,
ficou designada a contratação de obras de infraestrutura, segurança e recuperação
do complexo tombado. Já a prefeitura, se encarregaria de manter as áreas verdes do
parque, fornecer serviços de vigilância interna, da preservação dos novos equipamentos
instalados e da programação cultural e de lazer do parque.
8
FREGONESI, L. Revitalização e preservação no parque Monsenhor Emílio José Salim. São Paulo, Secre-
taria do Meio Ambiente, 25 de setembro de 2009. Disponível em: <http://www.ambiente.sp.gov.br/acontece/
noticias/revitalizacao-e-preservacao-no-parque-monsenhor-emilio-jose-salim/>. Acesso em: 20 mar. 2014.
falta de manutenção e não recebia mais de quarenta visitantes nos dias de semana. As
trilhas estavam intransitáveis; a sinalização, precária; o lago, sujo; os banheiros, inuti-
lizáveis. Quadras poliesportivas ficaram tomadas por mato, e os jardins tomados por
capivaras. Segundo reportagem9, embora a responsabilidade de manutenção fosse da
prefeitura, a limpeza do parque não estava sendo realizada há quase um ano, o que,
conforme o coordenador do parque, decorria de um problema de restrição orçamentária.
Em 2013, dois anos após a última reportagem apresentada, o parque ainda passa
por dificuldades, não recebe muitos visitantes durante a semana e suas instalações
estão inutilizadas por falta de manutenção. Ao longo dos anos, foi abandonado tanto
pela população, quanto pelo poder público, embora diversas propostas de melhorias
e revitalizações tenham sido apresentadas.
9
VERZIGNASSE, Rogério. Prefeitura de Campinas assumirá o Parque Ecológico em julho. Correio Popular, 24
abr. 2014. Disponível em: <http://correio.rac.com.br/_conteudo/2014/04/ig_paulista/170499-prefeitura-
-de-campinas-assumira-o-paque-ecologico-em-julho.html>. Acesso em: 25 abr. 2014.
ros acabam tornando-se elementos dispensáveis em grande parte das ocasiões. Não
existe avaliação quanto à necessidade do equipamento no local, ou às demandas da
população que vive no entorno. Por estarem descolados das propostas urbanísticas das
cidades, são “depositados” em terrenos vagos, que, na maioria das vezes, não possuem
o menor potencial de lazer. Não são pensadas soluções viárias que facilitem o acesso,
nem através do transporte público, nem com áreas adequadas para estacionamentos,
ciclovias e acesso para pedestres.
É necessário que o parque urbano contemporâneo volte a ser pensado como
elemento estruturador do espaço – não só fisicamente, mas como item indispensável
para o lazer e a cultura da população. Há falta de integração entre os agentes produ-
tores desses equipamentos. É necessária a multidisciplinaridade de especialistas, desde
os gestores urbanos, passando por equipes técnicas (arquitetos, paisagistas, ecólogos,
educadores, engenheiros) e, principalmente, a participação da população, para que
os parques sejam equipamentos que acolham e promovam o lazer e a reunião, e não
locais que segreguem e espantem os usuários.
Pode-se dizer que o Parque Ecológico Monsenhor Emilio José Salim é um divisor de
duas regiões com realidades bem diferentes. Ao redor da portaria principal, localizada
às margens da rodovia Heitor Penteado, estão os condomínios mais nobres da cidade.
Junto a outra portaria, localizada na avenida Manoel Afonso Ferreira, no Jardim São
Fernando, estão distribuídas casas de alto padrão, mas há também grande concentra-
ção de loteamentos clandestinos e favelas. A realidade da utilização do parque segue
a mesma ordem. É nítida a diferenciação dos usuários nos dois polos.
Na área da portaria principal, poucos usuários praticam caminhadas e exercí-
cios. Não se veem pessoas sozinhas, somente grupos que se reúnem para caminhar,
achando que assim estarão mais protegidos. Também há grupos que percorrem as
trilhas para a prática de mountain bike, com suas bicicletas caras, na pista implantada
recentemente. Já na área das quadras poliesportivas, próximo à portaria secundária,
são encontrados garotos descalços empinando pipas ou grupos de homens jogando
futebol nos campinhos, que mais se assemelham às peladas nas várzeas. Existe uma
distinção social muito clara entre os usuários do parque, e a linha invisível que divide
essas territorialidades distintas é percebida facilmente.
O parque só é acessado de carro ou de ônibus. Como sua portaria principal
localiza-se numa rodovia movimentada, torna-se praticamente impossível chegar a pé
ou de bicicleta, pois não existem ciclovias e faixas de pedestre que facilitem o acesso.
Na tabela 3, é possível ver as opções de transporte público fornecidas para o Parque
Ecológico Monsenhor Emílio José Salim em comparação ao Parque Portugal. Além de
contar com quantidade menor de linhas, apenas uma delas (3.97 Gramado/Circular
Centro) vem de outras regiões de Campinas. As demais linhas são provenientes dos
bairros do entorno e dos distritos de Sousas e Joaquim Egídio. A mesma tabela, com
as linhas que atendem o Parque Portugal, demonstra que as opções são maiores e
atendem diversos bairros distantes, principalmente aqueles em que a população tem
renda média baixa.
5. 2 PROJE TO E PROGR A M A
Embora a criação de parques urbanos tenha aumentado nos últimos trinta anos,
não se pode dizer o mesmo em relação à qualidade dos projetos desenvolvidos. Seja
por falta de planejamento adequado ou por amadorismo técnico, a verdade é que a
maioria dos parques produzidos carece de qualidade de projeto e apresenta programas
falhos. (MACEDO; SAKATA, 2003, p. 55). São projetos simples, apenas adaptando
antigas áreas abandonadas para os novos usos. Com o objetivo de manter custos baixos
e propiciar uso imediato, são instalados poucos equipamentos, alguns brinquedos e
simples trilhas para caminhada. Poucos são os casos nos quais o projeto é cuidadosa-
mente desenvolvido, focando na necessidade da população e na qualidade do espaço.
(MACEDO; SAKATA, 2003, p. 48).
A implantação desses parques também favorece a pouca qualidade do equipa-
mento. Muitas vezes, a administração pública responsável pela gestão do parque não
tem verba suficiente para total implantação do mesmo, fazendo a obra em etapas que,
na maioria das vezes, demoram anos para serem concluídas, ou cortando projetos de
quadras, banheiros e paisagismo para diminuir custos e implantá-lo mais rapidamente.
O desfecho são parques incompletos, que não atendem às demandas da população
e poucos atrativos possuem.
Em alguns casos, os projetos voltam-se apenas para o interesse imobiliário, não
visam ao atendimento das reais demandas dos usuários. São parques descolados da
realidade, que não beneficiam a comunidade da região onde estão inseridos. Por mais
belos e imponentes que sejam, pecam na artificialidade e na generalização de usos,
pois, na sua concepção, faltaram análises substanciais, que poderiam revelar os inte-
resses dos usuários. Como esses projetos partem de concepção meramente formalista,
oprimem o usuário, não causam interesse e nem curiosidade. (SERPA, 2007, p. 45).
O Parque Ecológico Monsenhor Emílio José Salim encontra-se, em 2015, inseguro,
sem atrativos esportivos e culturais e mal sinalizado. Embora o programa inicial tivesse
grande poder atrativo, contando com museu, restaurante, bar, quadras, mirante, espaço
de estar e festas, vistas panorâmicas e promoção de espaço educativo ambiental, o
parque conta somente com trilhas para bicicletas, algumas quadras em condição de
uso e espaços vazios tomados pelo mato, não havendo atrativos para frequência es-
tável de usuários. Os edifícios abandonados causam opressão e medo, e a prática de
caminhada pelas trilhas gera desconforto e insegurança. Na figura 16 estão localizadas
as principais atrações do parque e fotos de 2015 de seus pontos principais.
A intenção inicial de focar nas questões ecológicas, fazendo-o por meio da criação
do CIPAM, caracterizava o parque como alternativa cultural interessante, porém desde
o fechamento do CIPAM não existem motivos para visitar o parque. Os edifícios que
antes abrigavam o restaurante e o ripado são extremamente interessantes, porém,
como todos os demais equipamentos, estão abandonados. À beira do lago, proveem
sombra e uma bela vista, podendo ser utilizados de diversas maneiras. Já as edificações
que abrigavam banheiros e lanchonetes, encontram-se em ruínas, pichadas e sujas em
meio ao matagal. As figuras 17 a 19 apresentam o estado em que se encontravam os
equipamentos do parque em 2015.
Comparando o projeto original, obtido no Escritório Burle Marx, com o que existe
hoje no parque, ficou clara a distinção entre o que foi projetado e o que foi de fato
executado. Apenas parte do projeto paisagístico, tão importante para o sucesso do
parque, foi instalado; a maioria dos maciços de árvores, que proveriam sombra e am-
biente agradável, não foi implantada. Somente as fileiras de palmeiras e duas áreas de
matas e árvores de grande porte, previstas no projeto, foram instaladas. A comparação
evidencia que o projeto do parque não foi implantado por completo.
5. 3 GESTÃO
Entre os problemas mais comuns que afligem os grandes parques urbanos, é possível
citar a falta de políticas de gestão que sejam independentes do governante no mo-
mento. (MATIELLO, 2001). Em geral, parques estaduais têm porte maior em relação
Figura 16 Projeto paisagístico original, localização das principais atrações do parque e fotos de seus pontos
principais, 2015.
Projeto gráfico: Daniela Andrade Lacreta, 2015.
Figura 19 Lanchonete.
Foto: Daniela Andrade Lacreta,
11 jul. 2015.
É preciso que a gestão dos parques urbanos seja elaborada de forma a ser mais
autossustentável e participativa, em que agentes públicos, população e parcerias em-
presariais possam se envolver nas decisões relacionadas à administração e ao modo de
utilização mais adequado para a realidade da comunidade usuária. (MATIELLO, 2001).
A partir dos trabalhos de Macedo e Sakata (2003) e Serpa (2007), e também uti-
lizando a avaliação da sustentabilidade social no planejamento e gestão dos parques
elaborada por Matiello (2001), podem-se elencar as principais fragilidades carac-
terísticas dos parques urbanos contemporâneos. A monofuncionalidade (MATIELLO,
2001) – traduzida pela característica meramente ornamental e de imagem do poder
público – isola o homem do espaço. É a natureza operacionalizada e manipulada que
prioriza as formas, em detrimento dos conteúdos sociais. (SERPA, 2007). Há carência
de interdisciplinaridade nas equipes envolvidas na produção desses equipamentos, o
que resulta no privilégio dos interesses do poder público e do mercado imobiliário,
produzindo espaços que atendem somente às demandas financeiras e à visibilidade
dos empreendimentos, negligenciando a qualidade dos equipamentos.
A falta de parcerias adequadas na gestão dos parques transforma-os em grandes
fardos para os gestores públicos. Existem diversos casos, no exterior, onde os parques
urbanos possuem gestão compartilhada entre poder público e empresas privadas,
com ativa participação da população, que faz doações generosas para a manutenção
dos espaços. Restaurantes, lojas, feiras, espaço para eventos e cursos estão entre as
fontes de renda desses equipamentos, que auxiliam na manutenção de jardins, qua-
dras e infraestrutura e atraem a população. Os usuários se sentem parte importante e
responsável pelo espaço que utilizam, e é quase raro encontrar parques abandonados
e depredados.
Serpa (2007) defende que a soma dos processos de apropriação de um coletivo de
indivíduos não é suficiente para legitimar a noção de espaço público. O parque público
é um espaço aberto à população, acessível a todos, posto à disposição dos usuários,
mas essas características não são suficientes para defini-lo como espaço público. Esse
processo, por um lado, é o resultado da concepção (e da promoção) do parque público
como cenário destinado à fascinação dos futuros usuários, transformando-o em uma
espécie de imagem publicitária das administrações locais, sem nenhuma continuidade
de práticas sociais que pudessem oferecer algum conteúdo e significado. (ARANTES,
1998 apud SERPA, 2007, p. 37).
A partir do levantamento histórico sobre a instalação e funcionamento do Parque
Ecológico Monsenhor Emílio José Salim, pode-se constatar o quanto sua implantação
foi determinante para a promoção imobiliária de uma área nobre da cidade. Após sua
inauguração, no início da década de 1990, os bairros da região leste, como já visto,
consolidaram-se e se valorizaram.
Do ponto de vista da gestão, é possível observar que, enquanto os governos mu-
nicipal e estadual pertenciam a um mesmo grupo político partidário (na época de
sua instalação), o parque manteve administração estável e houve investimento para a
implantação de parte de seus equipamentos. O parque funcionou plenamente duran-
Figura 20 Antigo totem informativo na segunda portaria do parque. Nota-se a falta de caminhos para o
acesso aos equipamentos do local.
Foto: Daniela Andrade Lacreta, 11 jul. 2015.
pelos entrevistados como um dos principais da cidade. Entre os principais motivos dos
entrevistados para frequentar um parque, estão o esporte, a socialização e o ambiente
agradável. A pesquisa demonstrou que a gestão atual do Parque Ecológico não atende
a essas demandas da população de Campinas.
Conforme os gráficos (figuras 21 a 24) elaborados a partir de Oficinas Participativas
promovidas pela Secretaria Municipal do Verde, Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável (SVDS), em 2015, como parte do Diagnóstico Preliminar para o Plano
Municipal do Verde, fica claro que o Parque Ecológico não figura entre os parques
mais frequentados da cidade, sendo a principal razão citada a falta de estrutura, de
manutenção e de segurança.
Figura 21 Relação das principais áreas verdes frequentadas na cidade – citadas nas Oficinas Participativas,
promovidas pela Secretaria do Verde, como parte do Plano Municipal do Verde.
Fonte: Diagnóstico Preliminar SDVS/PMC, 2015. Disponível em: <http://campinas.sp.gov.br/arquivos/meio-
ambiente/diagnostico_preliminar.pdf>. Acesso em: 20 de jul. 2015.
Figura 22 Relação dos principais motivos para frequentar as áreas verdes na cidade – citadas nas Oficinas
Participativas promovidas pela Secretaria do Verde como parte do Plano Municipal do Verde.
Fonte: Diagnóstico Preliminar SDVS/PMC, 2015. Disponível em: <http://campinas.sp.gov.br/arquivos/meio-
ambiente/diagnostico_preliminar.pdf>. Acesso em: 20 de jul. 2015.
Figura 23 Relação das principais áreas verdes não frequentadas – citadas nas Oficinas Participativas promovidas
pela Secretaria do Verde como parte do Plano Municipal do Verde.
Fonte: Diagnóstico Preliminar SDVS/PMC, 2015. Disponível em: <http://campinas.sp.gov.br/arquivos/meio-
ambiente/diagnostico_preliminar.pdf>. Acesso em: 20 de jul. 2015.
Figura 24 Relação dos principais motivos para não frequentar as áreas – citados nas Oficinas Participativas
promovidas pela Secretaria do Verde como parte do Plano Municipal do Verde.
Fonte: Diagnóstico Preliminar SDVS/PMC, 2015. Disponível em: <http://campinas.sp.gov.br/arquivos/meio-
ambiente/diagnostico_preliminar.pdf>. Acesso em: 20 de jul. 2015.
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campinas-assumira-o-paque-ecologico-em-julho.html>. Acesso em: 25 abr. 2014.
Nota do editor
Submissão: 25 mai. 2015
Aprovação: 23 out. 2015
ENSINO
TEORIA DA PAISAGEM EM C ADERNOS DE BORDO :
UM A EXPERIÊNCIA NO ENSINO DE
ARQUITETUR A E URBANISMO
LANDSCAPE THEORY INTO LOGBOOKS:
AN APPROACH IN ARCHITECTURE AND URBANISM LEARNING
RESUMO
Este texto apresenta os resultados de uma experiência pedagógica do curso de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) na disciplina de Tópicos Especiais
em Teoria III. A disciplina visa introduzir ao aluno noções de teoria da paisagem. Parte-se da
noção de que nós somos integrantes da paisagem e, por isso, seu entendimento fundamenta-se
na percepção e na experiência, englobando aspectos subjetivos. A experiência pedagógica
consolida-se no exercício do Caderno de Bordo, elaborado individualmente pelos alunos,
onde as suas reflexões são apresentadas de maneira associada a fotografias ou desenhos de
paisagens produzidas por eles. A análise dos Cadernos revela maior sensibilização dos alunos
em relação à paisagem, despertando olhar crítico sobre o pensar e construir paisagens e
fornecendo bases que auxiliam no desenvolvimento de seus projetos de arquitetura, urbanismo
e paisagismo.
Palavras-chave: Ensino. Arquitetura e Urbanismo. Teoria da paisagem. Cadernos de bordo.
ABSTR AC T
This text presents an educational experiment adopted with undergraduate students of Architecture and
Urbanism at Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Our aim is to present to the students some
landscape theory impressions. It is assumed that we are a whole part of the landscape and that our
knowledge about it comes from how we perceive and experience it. The experiment is funded into logbooks
individually elaborated by the students. Their thoughts were presented among the pictures or the drawings
*
Mestre em Desenvolvimento Urbano pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professora
adjunta do Departamento de Arquitetura e Urbanismo, membro do Laboratório da Paisagem
(UFPE), responsável pelo grupo de pesquisa do Núcleo de Estudos sobre a Subjetividade na
Arquitetura (Nusarq). PhD em Sociologia da Cultura pela Université Paris Descartes/Sorbonne.
Pesquisadora do Centre d’Études sur l’Actuel et le Quotidien (CEAQ/Sorbonne). Centro de Artes
e Comunicação da UFPE – Laboratório da Paisagem. Avenida Professor Moraes Rego, 1.235,
50670-901, Cidade Universitária, Recife, PE, Brasil.
[email protected]
**
Aluna do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PIBIC/CNPq) entre 2014 e 2015. Centro de Artes
e Comunicação da UFPE – Laboratório da Paisagem. Avenida Professor Moraes Rego, 1.235,
50670-901, Cidade Universitária, Recife, PE, Brasil.
[email protected]
http://dx.doi.org/10.11606/issn.2359-5361.v0i37p181-196
of landscapes in which where produced by them. As such, we have aimed toward the students to develop
their critical thinking about the landscape in which they have been interacting. Finally the incorporation of
the students into the architecture practice, therefore reveals to be a promising practice for the Architecture,
the Urbanism, and the Landscaping Learning.
Keywords: Education. Architecture and Urbanism. Landscape theory. Logbooks.
1 INTRODUÇ ÃO
Este artigo refere-se a uma experiência pedagógica realizada entre 2012 e 2014
no curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE),
disciplina eletiva de Tópicos Especiais em Teoria III (TE Teoria III), cuja ementa trata
do problema da paisagem na discussão teórica da arquitetura, do urbanismo e do
paisagismo. Essa disciplina foi criada e faz parte do novo Projeto Pedagógico do Curso
de Arquitetura e Urbanismo em vigor desde 2010 (PPC2010). Entre as propostas do
PPC2010, está a articulação das disciplinas de um mesmo período a partir da integração
de conteúdos na disciplina Projeto de Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo. O PPC2010
buscou reforçar a indissociabilidade das disciplinas teóricas e práticas no aporte de
conceitos e métodos, o que ajuda os alunos a reconhecerem um mesmo objeto de
estudo e intervenção. A disciplina TE Teoria III foi construída pela equipe de professores
do Laboratório da Paisagem e tem sido ministrada pela professora Julieta Leite. Com
carga horária de 15 horas, destina-se aos alunos a partir do terceiro período do curso
e tem como objetivo construir um olhar crítico sobre o pensar e fazer paisagem.
A construção e a realização dessa experiência será apresentada em três momentos. O
primeiro trata da construção da disciplina e apresenta a base conceitual escolhida para
a introdução de noções teóricas sobre paisagem aos alunos do curso de Arquitetura e
Urbanismo. Em seguida, será apresentada a execução do plano de curso da disciplina,
os principais conteúdos discutidos e a elaboração do exercício dos Cadernos de Bordo,
que consistiu na produção individual de um caderno no qual os alunos precisaram
responder questões levantadas em sala de aula em forma de textos e registros de
paisagens. Por fim, este artigo apresentará os resultados dessa experiência didática,
registrada nos Cadernos de Bordo. Trata-se de um exercício criativo e de aproximação
com o objeto estudado, uma vez que se articula a paisagens vivenciadas pelos alunos
(figuras 1 e 2). O Caderno de Bordo consiste numa experiência metodológica de
ensino e no reflexo dos resultados da disciplina, sendo, portanto, o objeto de análise
e discussão deste artigo.
“A paisagem é algo mais do que o que se vê, é a captação do mundo tal como o
percebemos na experiência vivida, envolve todos os sentidos e assim acaba envolvendo
o observador. É uma das poucas artes que consegue tal fato.” (Reprodução do texto
da figura 2 da aluna Ana Ísis, 2014).
O termo “paisagem” tornou-se popular nos últimos anos, difundindo-se com diferentes
conotações no meio científico – como na filosofia e na história da arte – e nos discursos
das práticas de planejamento urbano, das políticas de meio ambiente ou de turismo.
As pessoas falam sobre paisagens naturais, paisagens culturais ou apenas paisagem.
Mas o que está por trás dessa palavra? Em ¿Por qué hablar ahora de paisaje?, Rosa
Barba (2000) discute tal questionamento:
3 PA SSO A PA SSO
Com carga horária de 15 horas, a disciplina de TE Teoria III foi distribuída em seis
unidades programáticas, que ocorreram uma vez por semana, no formato de aulas
Unidades Programáticas
Tema para exercício do Caderno de
Aula Tema
Bordo
1 O que é paisagem? Livre registro de paisagens.
Questão de enquadramento ou de
2 Como percebemos a paisagem?
sentimento?
Somos atores ou espectadores da
3 Por que a paisagem é importante?
paisagem?
O que garante a qualidade de uma
4 Por que a paisagem é importante?
paisagem?
Que traços a caracterizam como
5 Paisagem in situ: o bairro da Várzea
paisagem recifense?
Fechamento da disciplina:
6
entrega dos Cadernos de Bordo e discussão sobre os exercícios.
Fonte: Julieta Leite e Rafaela Souza, 2015.
A terceira aula lançou aos alunos a pergunta “por que a paisagem é importante?”,
tendo como objetivo convidá-los a pensar sobre os valores da paisagem e as formas como
atuamos sobre a mesma. Nessa aula a paisagem foi apresentada como componente
essencial do ambiente humano e como construção coletiva, tomando como referência
teórica o texto “A imagem da cidade”, de Kevin Lynch (1997).
Na quarta aula levantou-se a questão sobre “o que garante a qualidade de uma
paisagem?”. Desenvolveu-se uma visão de paisagem enquanto bem coletivo associado
à qualidade de vida. Nessa aula estimulou-se a construção de um olhar mais crítico
do aluno a partir de exemplos próximos à sua realidade.
A quinta aula aconteceu em contato direto com uma paisagem. Por meio de uma
visita de campo, pôde-se retomar conceitos trabalhados em sala de aula numa experi-
ência prática. A questão indicada para a realização do exercício do Caderno de Bordo
procurou explorar o olhar do aluno para visões de paisagem que fossem além dos as-
pectos morfológicos, incorporando fatores histórico-culturais, sentimentais, numa ideia
de paisagem enquanto transmissora de traços identitários (figuras 3 e 4). A sexta e
última aula destinou-se à entrega e apresentação dos Cadernos de Bordo, com uma
discussão coletiva sobre os resultados da disciplina.
“Do espírito bucólico, rural e aconchegante, do bairro nos limites da ‘cidade’. Assim
é a Várzea de engenhos e verde.” (Reprodução do texto do aluno Juan David, 2013).
Nos textos que se referem às imagens apresentadas no primeiro grupo, das “imagens
de cartões-postais”, o conteúdo expressou a preocupaçãodo dos alunos em descrever
o conteúdo da foto, mais do que buscar uma definição de paisagem. A exemplo das
palavras da aluna Thaís Chmelar (2012):
“Eu poderia me concentrar a falar da existência de apenas uma dessas paisagens, mas
é inevitável não se deixar envolver por todas elas. E isso prova a complexidade de se
experienciar e descrever uma paisagem, pois uma máquina não consegue registrar
a extensão e a qualidade do que vemos. E as palavras se tornam insuficientes para
se descrever tantas sensações.”
De forma muito expressiva, esse momento foi o mais rico em referências literárias,
poéticas, musicais e cinematográficas, o que demonstrou a necessidade de recorrer a
recursos metafóricos para descrição e representação de paisagens, muitas vezes, “interiores”.
“Nada mais chato que nos quererem mostrar uma paisagem. Quando compreenderão
que a gente as vê sem saber? É como se fossem elas que estivessem olhando para
nós.” (Mário Quintana, citado pela aluna Lara Moura).
“Com certeza aquela rua, aquela casa, aquela calçada são a minha história e hoje
ao representar esse lugar por meio de um desenho, fica claro a escolha dessa vista.
Eu poderia ter escolhido qualquer visão da rua da Matriz e seus belos casarões,
mas meus sentimentos, minha história, minha memória fizeram a escolha por mim.”
“A construção de uma paisagem não ocorre exclusivamente por conta dos elementos
naturais, mas também pelas intervenções que realizamos no território, por mais simples
e cotidianas que algumas delas possam parecer.”
“Tem a paisagem essa força de dizer quem somos, de nos inserir como parte dela e
trazer sentidos às experiências vivenciadas.” (Rafaela Souza).
“Essa paisagem faz parte de mim. É profundamente bela porque a vivi. Eu sinto na
alma seus significados.” (Marília Chaves).
“Temos que ser capazes de reconhecer a paisagem para continuar a atribuir valor [...]
O que garante a qualidade da perpetuação das características é o nosso cuidado
com a preservação da paisagem. E preservar não é impedir mudanças: é garantir
que as transformações respeitem o contexto existente e não alterem a essência dos
lugares.” (Marília Chaves).
que acompanha a praça delimitando seu espaço justamente com a abundante massa
arbórea, que é um dos aspectos marcantes do bairro.”
“Ao caminhar pelo bairro da Várzea com olhar mais crítico na percepção da paisagem
ofereceram-se outras possibilidades de descobertas e vivências. Acostumada com o
fluxo intenso de uma de suas avenidas principais – e limitada a observar o entorno
sempre com pressa – nunca tinha me detido nos vários detalhes contidos na paisagem
desse território.”
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Nota do editor
Submissão: 1 ago. 2015
Aprovação: 30 nov. 2015
PAISAGEM URBANA
“VERDE-AMARELO” EM PINDORAMA: A SOCIEDADE
BRASILEIRA, A APROPRIAÇÃO DO TERRITÓRIO
E O PATRIMÔNIO AMBIENTAL
“GREEN AND YELLOW” AT PINDORAMA – BRAZILIAN SOCIETY,
APPROPRIATION OF TERRITORY AND ENVIRONMENTAL HERITAGE
RESUMO
Em um país tropical de dimensões continentais, este texto faz uma reflexão sobre as trans-
formações, no tempo e no espaço, da sociedade brasileira em relação ao seu território
e ao patrimônio ambiental. Destacam-se aspectos essenciais e singulares de cada um
dos temas para entender a busca contemporânea pela cidadania, o empenho para a
articulação e integração do território e a evolução para o desenvolvimento sustentável.
Palavras-chave: Passado. Singularidade. Tropicalidade. Desenvolvimento sustentável.
ABSTRACT
In a tropical country of continental dimensions, this article is a reflection on the transformations of
brazilian society in time and space, as it relates to its territory and environmental heritage. Specific
aspects of each subject will be addressed in order to understand the persue of citizenship, the ende-
avour for articulating and integrating the territory and the evolution towards sustainable development
Keywords: Past. Singularity. Tropicality. Sustainable development.
INTRODUÇÃO
1
Nosso querido colega arquiteto, falecido em junho de 2014. Na ocasião, era Secretário de Planejamento do
Município de São José dos Campos. Como docente, contribuiu muito para a formação de alunos em nossa
área. Desde quando muito jovem, acompanhei sua carreira. Após o mestrado, fez um doutorado brilhante.
Com ele dividi ideias e ideais.
*
Arquiteta e professora titular de Paisagismo do Departamento de Projeto da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP). Rua do Lago, 876, 05508-080, Cidade Universitária,
São Paulo, SP, Brasil.
[email protected]
http://dx.doi.org/10.11606/issn.2359-5361.v0i37p199-239
Reli várias vezes o capítulo “Um cenário, duas leituras”, do texto de Caldeira (2009).
Esse “cenário” é situado “em torno de 1800”, na virada do século XVIII para o XIX. São
gentes que se deslocam, desde o Rio Grande do Sul, para Santa Catarina, Paraná e
São Paulo até a Feira de Sorocaba. Daí, espraiam-se em vários outros percursos, por
diversas formas de transporte – mulas, canoas, navios. Diferentes mercadorias – de
alimentação, pecuária, siderurgia e artefatos variados – eram objetos de trocas e ne-
gócios, e ainda surgiam novas atividades na agricultura e na indústria. À riqueza dos
muitos aspectos o “cenário” ainda acena para vários povoados que, no vale do Paraíba,
haviam se transformado em vilas. O “cenário” leva, especialmente, a questionar sobre
a existência de um mercado interno que crescia mais que o mercado da metrópole,
objetivo principal do livro.
As gentes, as trocas, a mobilidade por caminhos difíceis em que fluíam víveres de
um extremo a outro de um vasto território, em paisagens diversas de amplos espaços
abertos e pessoas, quase nômades, isoladas em ralos povoamentos muito distantes,
conduziram-me a outro aspecto da “leitura”. É a leitura do “cenário” que me leva aos
estudos de Reis (2000a) em busca da compreensão espacial da expansão urbana no
território. O autor mostra, a partir da política colonizadora de Portugal, que a política de
urbanização era muito importante; indica a organização do sistema urbano e a criação
de vilas e cidades da Coroa e os papéis dos centros urbanos na rede de cidades.
Em Reis (2000b), extenso conjunto de imagens traz a compreensão visual da forma-
ção e evolução das cidades, vilas, povoações e aldeias; os comentários finais são ricos
e pertinentes. Nestor Reis pesquisou, elaborou e reuniu documentação que comprova
a existência de uma atividade planejadora urbana regular na América Portuguesa.
Impressiona que alguns ainda desconheçam essa tese. Ele ordena os desenhos confor-
me os atuais estados do país. Para entender melhor, em espaço-tempo e ambiente, a
expansão e apropriação do território, ordenei a criação das cidades em ordem crono-
lógica, nos séculos XVI e XVII, e na condição de litorâneas ou interioranas; em algumas
cidades me detive em peculiaridades. No século XVIII, ordenei as cidades em função
dos atuais estados. A mobilidade das gentes, nas trocas a que Caldeira se referiu, levou
à configuração de uma rede capilar de circulação com áreas de povoamento disperso
mais ou menos estável, mesmo onde não havia vilas e cidades (imagem da expansão
e apropriação territorial se observa em Magnoli, 2012, p. 249).
Por outro lado, mesmo que só recentemente tenhamos um razoável, às vezes até
muito bom conhecimento das questões ambientais, a natureza ali estava aos olhos, às
vibrações e mentes dos portugueses no Novo Mundo (comentei na edição 15 desta
revista). Foi importante caracterizar – mesmo de forma muito limitada, apesar de cuida-
dosa –, na vastidão do território, sua característica de tropicalidade e a excepcionalidade
que caracteriza o litoral brasileiro. Os núcleos costeiros são criados em um litoral muito
diversificado; os núcleos internos, criados desde o século XVII, estavam também situados
em grande variedade de ecossistemas (definidos por Ab’Saber, 2001, 2006).
* No litoral leste: são fundadas na latitude 16,26S: Porto Seguro em 1535; Santa
Cruz em 1536 (atual Santa Cruz Cabrália); São Jorge dos Ilhéus em 1536 (atual Ilhéus).
Guardam especial caráter simbólico como testemunhos das primeiras páginas da história
do país. No espaço denominado Costa do Descobrimento, são oito as reservas naturais
em área de 111.930 mil hectares; é uma planície costeira com colinas em altitudes do
nível do mar até os 536 metros do Monte Pascoal. Na carta de Pero Vaz de Caminha
se expressa o encontro entre duas culturas. As ruínas da primeira igreja se encontram
em penhasco próximo de Porto Seguro.
Em Arraial d’Ajuda, a igreja surge em 1549; Trancoso, fundada em 1586, se origina
da aldeia São João Batista dos Índios; Coroa Vermelha, hoje Santa Cruz de Cabrália,
é o lugar onde foram rezadas as primeiras missas. Nesse litoral, na Costa do Desco-
brimento – Patrimônio da Humanidade – ficam os trechos mais importantes da mata
atlântica que restaram.
Salvador da Bahia de Todos os Santos – surge na latitude 12,59S em 1549 (atual
Salvador). Implantar a cidade de Salvador, “na esquina do oceano”, foi fruto de deci-
são política, tal como aconteceria em Brasília quase cinco séculos depois. O primeiro
marco da Bahia de Todos os Santos teria sido colocado em 1501, no local que hoje é
a Fortaleza de Santo Antônio, na Ponta do Padrão.
Em 1549 os jesuítas ergueram uma escola que deu lugar ao Colégio Maior; um
curso mais avançado foi criado em 1572, no Colégio de Salvador. Até a transferência
de seu posto político e econômico para o Rio de Janeiro, em 1763, Salvador foi a mais
importante cidade do mundo colonial português. Na Bahia de Todos os Santos, a cidade
sempre possuiu, em localização estratégica, um magnífico porto. Primeiro núcleo urbano
brasileiro concebido com trama regular que, no entanto, desde o início, se adaptou às
irregularidades da topografia do topo da crista onde se situou.
São Cristóvão é fundada em 1590 (no atual estado de Sergipe), entre dunas litorâneas.
Figura 2 Centro histórico de Salvador amoldando-se às reentrâncias das terras altas de tabuleiro,
a cavaleiro do mar.
Foto: Silvio Soares Macedo, 2014.
Olinda, no início Nova Lusitana, conserva igrejas barrocas e coloridas, casas antigas;
testemunho do ciclo da cana-de-açúcar e da invasão holandesa. Sediou o primeiro
curso jurídico do país.
É região costeira com faixas estreitas de praias arenosas em enseadas rasas e bor-
das de tabuleiros florestados; climas quentes com chuvas predominantes de inverno em
planícies costeiras reduzidas: é o litoral da Zona da Mata nordestina. Porém, em poucas
dezenas de quilômetros, se passa para matas ditas secas e, logo mais, se apresentam
as matas agrestes, na realidade, as caatingas arbóreas.
* No litoral sudeste: surge Espírito Santo em 1535 (atual Vila Velha); Nossa Senhora
da Vitória em 1551 (atual Vitória); São Sebastião do Rio de Janeiro – situa-se na
latitude 22,54S, em 1565 (atual Rio de Janeiro). A cidade, levantada no alto do Morro
do Castelo, deve sua transformação à descoberta do ouro na região do atual estado
de Minas Gerais.
Seu porto, na estratégica baía de Guanabara, adquire importância com a abertura,
em 1704, do chamado “caminho novo”, que ligava diretamente o território das minas
com o Rio; além do porto, a própria cidade eleva sua importância.
Em 1763, com a transferência da sede do governo colonial de Salvador para o Rio
de Janeiro, assume a sede do vice-reinado do Brasil; por fim sedia a Corte de um rei e
dos dois imperadores. Com a República, se transforma em Capital Federal.
É cidade de mais de quatrocentos anos de história, de crescente importância eco-
nômica e política; tudo contribuiu para uma cidade fascinante, curiosíssima no estilo de
vida e no aglomerado humano, que resulta de caldeamentos de brasileiros, portugueses
e africanos de todos os cantos, com sucessivos enxertos de franceses e ingleses, além
das gentes de muitas origens no século XX. E, ainda, é de fisionomia geral sedutora e
excepcionalmente valorizada pela natureza.
Figura 3 Entrada da
baía de Guanabara,
onde no interior,
pelo lado esquerdo,
desenvolveu-se a cidade
nos três primeiros séculos.
Somente a partir da
metade do final do século
XIX passa a ocupar a orla
oceânica.
Foto: Silvio Soares
Macedo, 2015.
Figura 4 Baía de Guanabara vista do oceano. A área ocupada pelo centro da cidade, com prédios altos, corres-
pondia à área ocupada pelo núcleo original, antes protegido por morros, charcos e florestas de mangue.
Foto: Silvio Soares Macedo, 2015.
* No interior: São Paulo de Piratininga surge em 1554 (atual São Paulo); latitude
23,37S e longitude 46,37O.
As caravelas portuguesas, ao chegarem na faixa litorânea da baía de São Vicente
e na barra grande de Santos, devem ter encontrado, com a população tupi-guarani,
ilhas e serras de exuberante natureza tropical. Antigo mapa português do século XVII
(AB’SABER 2001, p. 227) orienta os navegantes para a profundidade das entradas es-
tuarinas com as barras da Bertioga, Grande e de São Vicente; indica as ilhas de Santo
Amaro e São Vicente; nesta situa Erasmos, onde seria implantado o primeiro engenho
de cana. E ainda, serra acima, localiza a Vila de São Paulo.
São Paulo, situada em sítio original, nascida terra adentro, nem tão longe do litoral
mas acima da Serra do Mar, de 718 a 820 metros acima do nível do mar, em planalto
colinoso, nas cabeceiras de rios que dão as costas para o mar. Mais de centena de
córregos sulcam suas colinas; uma delas é escolhida para sítio de referência, catequese
e defesa da vila em tarefa estratégica dos jesuítas. É hoje o Pátio do Colégio.
Os primeiros navegantes em alto-mar que se dirigiram à parte sul do globo terrestre,
ao atravessarem a linha do Equador, encontravam uma natureza muito diferente da-
quela do hemisfério Norte. Muito tempo se passaria para sabermos que fazia diferença
o próprio fato de haver muito maior superfície de águas oceânicas no hemisfério Sul.
Não havia simetria entre os dois hemisférios em relação aos efeitos na natureza; e estes
seriam bem mais complexos no hemisfério Sul.
entre o mês mais quente e o mais frio, como era da experiência deles. As chuvas seriam
também outras; muitas vezes bem mais copiosas, distribuídas de maneira diversa entre
cada trecho da costa.
No século XVII, são criadas novas vilas no litoral da costa norte do continente; outras,
no litoral sudeste, complementam o povoamento já existente; no interior, penetra-se nos
ecossistemas Matas do Brasil Tropical Atlântico e Planalto das Araucárias (atuais estados
de São Paulo e Paraná). Utilizo Ab’Saber (2001, p. 54) para os três novos setores do
litoral e Ab’Saber (2006, p. 69) para os ecossistemas. Em ordem cronológica, foram
as seguintes:
Santa Maria de Belém é fundada em 1616 (atual Belém), Vila Souza do Caeté
em 1634 (atual Bragança), Vila Viçosa do Santa Cruz do Cametá em 1635 (atual
Cametá); Gurupá em 1639 (todos no atual Pará). Em 1668 é criada a Vila São José
do Macapá, atual Macapá, no Amapá.
Figura 10 Forte São José, em Macapá (vista geral), ainda guardando sua estrutura original em meio a um
parque urbano.
Foto: Silvio Soares Macedo, 2016.
O Forte São José do Macapá, na boca norte do rio Amazonas, em área próxima
ao rio Oiapoque e ao cabo Orange, na latitude 4ºN, extremo norte do território brasi-
leiro junto ao mar, foi ponto de apoio da expansão portuguesa na bacia do grande rio.
Completaram a proteção dessa costa norte com as construções dos Fortes do Tapajós,
Presépio, São Luís e Nossa Senhora do Amparo, este em Fortaleza.
Figura 12 Forte do Presépio de Belém, em 2015, fazendo parte de um complexo de lazer local.
Foto: Silvio Soares Macedo, 2015.
Figura 13 Forte do Presépio de Belém, em 2015, restaurado, ponto turístico de Belém do Pará.
Foto: Leonardo Coelho, 2015.
* No litoral sudeste: surge Cairu em 1608; Angra dos Santos Reis da Ilha Gran-
de em 1608 (atual Angra dos Reis), Nossa Senhora da Assunção do Cabo Frio em
1615 (atual Cabo Frio), Santo Antonio de Itabaiana em 1665 (atual Itabaiana) e
Santo Amaro das Brotas em 1697; e também São Sebastião em 1636; Exaltação de
Santa Cruz de Ubatuba em 1637 (atual Ubatuba); Nossa Senhora do Rosário de
Paranaguá em 1649 (atual Paranaguá); Rio de São Francisco do Sul em 1660 (atual
São Francisco do Sul); Parati em 1660; São Salvador dos Campos de Goitacazes
em 1677 (atual Campos); Guarapari, 1689 e Santo Antonio de Macacu em 1697
(atual Cachoeira de Macacu).
* No interior: é fundada Santana de Mogi das Três Cruzes em 1611 (atual Mogi
das Cruzes); Santana de Parnaíba em 1625; São João do Paraíba em 1677 (atual
São João da Barra, no atual estado do Rio).
O Brasil exibe o mais extenso litoral intertropical e subtropical do mundo, com 8 mil
quilômetros de extensão. A faixa costeira, onde se processa o contato entre o mar e a
terra, é exposta à quase permanente movimentação dos ares costeiros, amenizadores
do calor tropical.
Figura 15 Litoral norte da Bahia: praias extensas, dunas e barras de rio.
Foto: Silvio Soares Macedo, 2013.
Figura 16 Barreira de recifes de arenito e áreas de restinga vizinhas ao porto de Suape, nas imediações de Recife,
formações comuns nos litorais que se estendem do Rio Grande do Norte até Alagoas, conhecidas como Costa dos
Corais.
Foto: Silvio Soares Macedo, 2015.
No século XVIII criaram-se fortes, arraiais, vilas e cidades por todo o território,
em todo litoral e em todos os ecossistemas. O sentido territorial da expansão lusitana
na América moldou-se sobre a estratégia de controle das bocas de entradas fluviais
do continente. Visava, ao sul, à entrada pelo rio da Prata e, ao norte, à entrada pelo
Amazonas. No curso desse rio, a expansão partiu da fortificação portuguesa de Belém.
A expansão territorial lusitana pretendia ir muito além dos limites do Tratado de Tor-
desilhas. As ações deliberadas que ampliaram as fronteiras previstas nos tratados foram
* GOIÁS – Santa Ana, 1726 (atual Goiás), com o nome de Vila Boa em 1736, e
as Aldeias de Mossâmedes, 1774; Maria, 1782 e Santa Ana, entre 1775-1782, com
a descoberta do ouro na região em 1725.
Figura 18 No século
XVIII, houve aumento
expressivo da ocupação do
território, delineando-se,
já naquele tempo, a atual
configuração do território
brasileiro – em especial
nas regiões Nordeste e
Sudoeste e no atual estado
do Rio Grande do Sul.
Fonte: Mapa produzido
por Rafael Pecoraro, 2016.
Figura 19 O mapa
sintetiza toda a
expansão urbana
e territorial dos
três séculos da
Colônia, mostrando
as diversas etapas
de urbanização e
conquista de novas
terras.
Fonte: Mapa
produzido por Rafael
Pecoraro, 2016.
PATRIMÔNIO AMBIENTAL
A NATUREZA E OS INDÍGENAS
Um modo diverso de ver as coisas no século XVI levou-me a citar o registro de Jean
de Léry, em 1556, com um índio tupinambá. (MAGNOLI, 2015, p. 17-19). Para o indí-
gena, a natureza era um valor, e a preservação dos bens na Terra era importante para
deixar aos viventes de amanhã.
Na época em que o teólogo Léry, que dialogava com João Calvino a elaboração
da teoria protestante, o conhecimento que os índios brasileiros tinham da floresta e de
muitas de suas espécies surpreendia os europeus. Os primeiros habitantes da terra não
conheciam apenas as plantas da localidade que os vira nascer: aprendiam a observar,
aprendiam a olhar em torno, a improvisar. Enquanto os europeus conheciam cerca de
uma centena de espécies, os indígenas manipulavam por volta de três mil espécies.
Era um contínuo aprendizado na troca de observações e experiências um com o outro.
Desenvolveram remédios e drogas para muitos diferentes distúrbios, experimentaram
cruzamentos com novas maneiras de lidar com sementes e plantios e obtiveram grande
variedade de venenos, tônicos e estimulantes. Dedicaram-se a montar receitas, extratos
de ervas, drogas para diversos rituais e novas práticas com novas formas de uso. Reve-
laram muita plasticidade em face das diversas transformações da história que viveram.
Recomendo Kury (2013), bem ilustrado e elaborado por um grupo de historiadores que
se debruçou sobre esses conhecimentos.
A Corte nos trópicos, em 1808, chega ao Rio de Janeiro com cerca de 15 mil pes-
soas. Em 1815, D. João elevou a Colônia à categoria de Reino Unido de Portugal, Brasil
e Algarves, parte de uma união real com a metrópole. A abertura dos portos financiou
uma remodelação do Rio; criaram-se teatros, jornais, escola de música, biblioteca e
instituições como o primeiro banco, o Banco do Brasil.
D. João fica encantado com a paisagem, as florestas, morros e lagos. Para incen-
tivar a agricultura e experimentar diversas modalidades de cultivo criou, em 1808, o
Real Horto, origem do Real Horto Botânico do Rio de Janeiro – na prática, a primeira
Unidade de Conservação (UC) do país. Entre as primeiras plantas introduzidas, estava
Roystonea oleracea, palmeira plantada em 1809, que ficou mais conhecida do que as
da nossa flora.
Figura 21 Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Um parque urbano no século XXI, que sofreu sucessivas reformas ao
longo de sua existência, mas mantendo seu caráter de jardim botânico.
Foto: Josefina Capitani, 2014.
Em 1821, a contragosto, D. João volta a Portugal, deixando seu filho e herdeiro como
regente da parte americana do Reino Unido. O confronto com a Corte de Lisboa leva
à Independência, em 1822, e à criação do Império do Brasil. Apesar do entusiasmo,
que se generalizou entre a população, era preciso enfrentar problemas urgentes: fazer
a Constituição do Império, implantar uma política econômica para a nação e traçar a
estratégia de inserção do país no mundo.
A DIFÍCIL CONSTRUÇÃO
A SOCIEDADE BRASILEIRA EM BUSCA DO APERFEIÇOAMENTO
DA CIDADANIA
• do século XIX até 1940, altas taxas de natalidade e altas taxas de mortalidade
resultaram em uma população aproximadamente estável, com grande proporção
de jovens;
• de meados da década de 1940 até o final da década de 1960, mantiveram-
-se altas as taxas de natalidade, enquanto caiu a de mortalidade, levando ao
aumento populacional e ao aumento do contingente jovem;
• a terceira tendência, iniciada em meados dos anos 1960, combinou duas redu-
ções: da taxa de natalidade e da taxa de mortalidade, provocando o aumento
percentual dos contingentes de adultos jovens e idosos e a rápida queda do
crescimento populacional.
À medida que essa oleaginosa se adaptou às condições das latitudes mais baixas
do país, criaram-se as condições básicas para que o produtor brasileiro vendesse suas
propriedades do sul e sudeste e fosse para regiões com disponibilidade de terras mais
baratas. Ao contrário do que se costuma pensar, não há aí uma monocultura, mas um
rodízio de culturas que inclui a soja, principal produto agrícola da pauta de exportações
brasileira e, com igual importância, o algodão, o milho e outros grãos. É uma produção
agrícola considerada das mais eficientes. Outra vantagem dessa produção com plantio
direto na palha é a capacidade de gerar duas, às vezes até três safras na mesma área,
à diferença dos países de clima temperado, com uma só safra. No período de chuva,
plantam-se as culturas de maior rentabilidade, e, no período seco do ano, é a “safrinha”
com o plantio de outras culturas, como o milho, o milheto, o sorgo em lavouras irrigadas
por pivô central, sendo altas as produtividades obtidas. Nessas regiões também se tem a
integração da lavoura com a pecuária, silvicultura, fruticultura de ponta, genética animal.
Essas considerações mostram que um país continental se redescobriu, nos últimos
anos, como potência de agricultura tropical, que passou de importador a exportador
de alimentos, fibras, carnes e bioenergia. As condições logísticas, de infraestruturas que
poderiam ser suficientes no passado já não se prestam para as novas realidades. O
impacto dos volumes a transitar avança até sobre os portos regionais, especialmente
Santos (SP), Paranaguá (PR), Rio Grande (RS), Vitória (ES) e São Francisco do Sul (SC).
Figura 25 O porto de Suape, como outros tantos investimentos em infraestrutura portuária e ferroviária, demorou
muito tempo para ser construído e, mesmo em 2016, ainda não estava concluído. Após anos de atraso, inúmeros
investimentos não tinham saído do papel, aumentando muito as deficiências crônicas em infraestrutura do país.
Foto: Silvio Soares Macedo, 2015.
DO PATRIMÔNIO AMBIENTAL AO
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
A percepção da crise ambiental passou a exigir reflexões mais sérias e consistentes das
relações entre a natureza e seus recursos. Becker (2016, p. 356) afirma: “A natureza é
reavaliada e valorizada como informação sobre a vida e sobre os recursos potenciais,
mas a valorização dos elementos naturais se realiza num outro patamar, condicionada
por novas tecnologias.”
Apesar dos níveis globais de transformações, fluxos de informação, conhecimento e
financiamento, os estoques de natureza estão localizados em territórios de estados que
controlam as decisões sobre o uso dos territórios. Assim, os espaços geográficos territoriais
que contêm esses estoques significam capital natural, atual e futuro, tornando-se objeto
de novas disputas. A questão ambiental se politiza. Nesse processo de rápidas mudan-
ças globais, o ambientalismo também alterou seu foco inicial: de muito preservacionista
passou para o desenvolvimento sustentável, passando a reconhecer as condições sociais.
Essa tese é exposta por Becker (2016), de forma interessante e rica de ideias e pesquisas,
para o caso da Amazônia brasileira. A autora indica a implantação do ambientalismo
na Amazônia, as condições atuais, as demandas e desafios para o desenvolvimento
regional, e termina com uma proposta para o uso consciente da biodiversidade amazô-
nica, analisando a competência regional para viabilizá-la. A tese de Becker (2006) está
contida no título do artigo: “Da preservação à utilização consciente da biodiversidade
amazônica: o papel da ciência, tecnologia e inovação”.
O segundo caso é indicado no artigo de Helder L. Queiroz e Nelissa Peralta (2006)
– cujo título, “Reserva de desenvolvimento sustentável: manejo integrado dos recursos
naturais e gestão participativa”, incorpora aspectos importantes da tese. Os autores expõem
a criação, em 1996, no estado do Amazonas, de uma nova categoria de UC, voltada à
conservação da biodiversidade: a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS), que
em 2000 foi incorporada ao Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC).
O processo inicial remonta ao início dos anos 1990, com a cogestão da Estação
Ecológica Mamirauá (EEM) e a organização não governamental Sociedade Civil Ma-
mirauá (SCM). Lembro que Estação Ecológica é uma categoria de UC de proteção
integral que proíbe a permanência de populações residentes. As restrições dessa cate-
goria mostravam-se inviáveis em face da realidade de ocupação tradicional da área.
Os pesquisadores perceberam que sem a participação da população local, tanto no
manejo dos recursos, como na gestão da área, a UC não seria viável em longo prazo.
O objetivo básico dessa nova categoria, RDS, consiste em promover a conservação
da biodiversidade, assegurando as condições e meios necessários para a reprodução
social, a melhoria dos modos e qualidade de vida das populações tradicionais, por meio
da exploração racional e sustentada dos recursos naturais. Propõe valorizar, conservar
e aperfeiçoar o conhecimento e as técnicas de manejo do ambiente desenvolvido por
essas populações.
Resumo os tópicos principais do artigo de Queiroz e Peralta, que apresenta os pro-
cessos pelos quais o modelo se consolidou e identifica suas principais características.
Os autores iniciam com um breve histórico, indicam a ocupação humana e as demais
características principais da Reserva Mamirauá. Prosseguem com o modelo RDS de
CONSIDERAÇÕES
Este artigo, à procura do processo histórico de construção do país, lidou com três
temas – a sociedade brasileira, o território e o patrimônio ambiental – e suas transfor-
mações. Estas vêm procurando evoluir para a cidadania, a integração do território e
o desenvolvimento sustentável. Os três temas, suas mudanças e inter-relações foram
abordados em duas partes, que nomeei: “Singularidades da América Portuguesa” e “A
difícil construção”. Essa construção é a de um país cuja colonização deixou legados a
cultivar e outros a corrigir com escolhas decididas por brasileiros.
São legados: a interculturalidade, o empreendedorismo e o embrião da demo-
cracia. A América portuguesa expandiu o espaço apropriado pelos colonos; o Estado
Imperial tomou a si o processo e as ações exigentes para a construção da unidade
territorial brasileira.
A inserção do país no mundo surgiu com a Independência: a nova nação devia
traçar a política de internacionalização e suas estratégias. Necessários intercâmbios em
várias áreas, especialmente na era da mobilidade digital, que busca maior integração
diversificada de vários sistemas. Para muitos pensadores, parece importante sair do iso-
lamento por via de uma economia mais aberta e integrada nos mercados internacionais.
Pioneira na internacionalização é a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
São Paulo (FAPESP), com 136 acordos vigentes com 21 países. A presença internacional
Figura 26 Plano Piloto de Brasília: um exemplo atípico no Brasil de cidade planejada onde o controle vai do
parcelamento à volumetria construída.
Foto: Silvio Soares Macedo, 2015.
modo, investimentos produtivos foram atraídos para o Brasil central. Todo o território
assumiu uma nova configuração.
No nível local, o planejamento urbano, ao criar o Plano Piloto na área central e
as cidades-satélites na periferia, cresceu como cidade polinucleada: uma única aglo-
meração urbana dispersa territorialmente em diversos núcleos separados. A estrutura
espacial, como nas demais grandes cidades, manteve o contraste entre as áreas centrais
reservadas às classes média e alta, de um lado, e as periferias populares de outro. Os
preços dos terrenos no Plano Piloto e as rígidas disposições urbanísticas afastaram os
trabalhadores com menor qualificação da área central. A concentração de recursos
financeiros no Plano Piloto dinamiza a economia do Distrito Federal e atrai migrantes
para as cidades-satélites.
Figura 27 Vista de Águas Claras, um dos tantos espaços planejados do Distrito Federal, com configuração muito
similar à das demais cidades do país.
Foto: Silvio Soares Macedo, 2015.
lidar com visão sistêmica de toda bacia hidrográfica do rio Doce, incluindo todas as
conectividades e interações entre os componentes físicos, químicos, biológicos, sociais
e econômicos. Com esse desastre, agora pareceu-me um paradoxo comentar o legado
português, lembrar a Política Nacional de Meio Ambiente anterior à Constituição de
1988, e a ela incorporada, e ainda apresentar estudos que trabalham com o manejo
da biodiversidade com a população tradicional, a ciência e inovação tecnológica, ações
que criam e fazem funcionar a Reserva Mamirauá.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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revisada e ampliada).
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VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A inconstância da alma selvagem: e outros ensaios de antropologia. São
Paulo: Cosac Naify, 2011.
CONFIGURAÇÕES DO TEXTO
1 Página A4.
2 Margens superior e inferior: 3 cm. Margens laterais: 2 cm.
3 Uso de “aspas duplas” somente para citação no corpo do texto.
4 Uso de itálico para termos estrangeiros. Uso de negrito para títulos de livros e
periódicos (subtítulos, se houver, sem negrito).
5 Endereços de sites informados por meio de hiperlink.
6 Imagens, gráficos e tabelas no corpo do texto (e não em anexos no final do mesmo).
7 Legendas e créditos abaixo das imagens.
8 Títulos de mapas e tabelas acima dos mesmos.
1
O Digital Object Identifier do documento é a garantia de permanência deste na internet. Mais informações em:
<http://www.doi.org/>.
3 A apresentação do autor deve ser colocada no rodapé da página de abertura
do texto, indicada por asterisco (colocado anteriormente ao lado do nome do
autor). Deve conter um breve currículo, constando o nome da universidade/curso
em que se graduou e demais titulações, endereços postal e eletrônico.
4 Resumos em português e inglês, contendo 100 a 250 palavras e apresentando:
proposta geral da pesquisa, quadro teórico, objetivos e metodologias. Somados,
Resumo e Abstract não devem ultrapassar 2.500 caracteres.
5 Palavras-chave em português e inglês: devem constar de 3 a 6 palavras-chave,
inseridas abaixo de seus respectivos resumos e separadas por pontos. Devem
ser incluídos um ou dois termos de indexação do Vocabulário Controlado USP.
Disponível em: <http://143.107.154.62/Vocab/Sibix652.dll/Assuntos>.
6 Em caso de agradecimentos, devem constar na última página do artigo, após
as referências bibliográficas.
IMAGENS
1 A revista considera que, em um artigo ligado a área de Paisagismo, é desejável
a existência de ilustrações que esclareçam o leitor sobre os espaços e lugares em
pauta. O material, em formato JPG, deverá estar acompanhado de legendas de
identificação com resolução de 300 dpi e tamanho de 725X500 pixels.
2 Ao salvar a imagem, o autor deve certificar-se da boa qualidade da mesma
em função do seu tamanho, e, no caso de mapas, enviar legendas em arquivo
separado – para que, em eventuais reduções dos mesmos, possam ser incluídos
em tamanho maior, facilitando a leitura. Ainda no caso de mapas, lembrar que,
em papel, nem sempre serão publicados em cores – sendo imprescindível que
possam ser lidos em branco e preto.
3 Será permitida a inclusão de ilustrações que poderão ser impressas em cores
dependendo da disponibilidade de recursos para a impressão. As ilustrações
(fotos, desenhos, esquemas, croquis) poderão ocupar um número equivalente
de páginas daquelas ocupadas pelo texto. Todas precisam, necessariamen-
te, estar referidas no texto, devendo ser numeradas pela ordem de citação
no mesmo.
4 Caso as imagens não estejam em condições mínimas de editoração, deverão ser
substituídas imediatamente ou não serão publicadas, sendo que sua ausência
poderá inviabilizar a publicação do artigo. Na medida do possível, na edição
online, todas as imagens serão publicadas em cores.
5 Não é permitido o uso de reprodução de imagens publicadas em livros, revistas
ou periódicos sem a expressa autorização do(s) autor(es) das mesmas.
LEGENDAS
Todas as imagens – desenhos, croquis, mapas, gráficos, tabelas, fotos, esquemas –
devem possuir legendas explicativas, mostrando sua relação com o texto e autoria
conforme exemplos abaixo:
DESENHOS E CROQUIS
Autor e data. Caso sejam reproduções, devem ser indicadas as fontes de origem.
– Desenho. Ciclovia padrão na cidade de Utinga. Autor: João da Silva, 1995.
– Croqui de parque eclético. Fonte: Macedo (1999, p. 214).
– Desenho mostrando uma reprodução dos afrescos da vila de Cornelius Rufus em
Pompeia. Disponível em: <https://sites.google.com/site/ad79eruption/pompeii/
regio-viii/reg-viii-ins-4/house-of-cornelius-rufus>. Acesso em: 12 dez. 2014.
MAPA
– Mapa da verticalização em São Paulo, representada em azul. Em seu centro, uma
grande mancha se estende de norte a sul, sendo possível perceber sua presença
por toda a cidade, como mostram as centenas de pontos espalhados. Fonte:
Mapa produzido em 2016 por Mateus de Oliveira e Tiago Regueira sobre imagens
Google Earth, 2016, e sobre mapa de uso de solo da Emplasa.
– Mapa de parques em Itu, indicando a concentração dos mesmos ao longo do rio
Tietê, enquanto no restante da cidade praticamente não há parques, a não ser
a oeste, onde se encontram dois pequenos exemplares. Fonte: Mapa produzido
sobre imagem Google Earth, 2014, por João da Silva, 2015.
– O mapa da cidade de São Paulo, datado de 1887, mostra claramente o
envolvimento da cidade por um cinturão de chácara, destacando ao centro as
chácaras de dona Veridiana Prado no bairro de Higienópolis e a do conselheiro
Antônio Prado nos Campos Elíseos, ambas destacadas em amarelo. Fonte: Mapa
extraído da Coleção São Paulo IV Centenário, PMSP, 1954, e processado por João
da Silva.
GRÁFICOS E TABELAS
– Gráfico mostrando o crescimento do número de domicílios em São Paulo entre
2006 e 2016. Fonte: Produzido por João Fernando Meyer sobre dados dos Censos
2000, 2010, estimativas de domicílios para 2016 e dados da Embraesp, 2006.
– Tabela indicando o crescimento da frota de veículos em Araras, mostrando na
coluna 3 o predomínio do número de automóveis sobre o de ônibus e motos. Fonte:
Produzida por Silvio Macedo sobre dados do Denatran, 2011, e da Secretaria
Municipal de Transportes de Araras, 2012.
FOTOS
– Vista do alto do morro da Cruz, mostrando a área central de Florianópolis.
Foto: Sonia Afonso, 1998.
– Vista aérea de Macapá, mostrando a orla ainda bastante protegida por matas
ciliares.
Foto: Acervo Quapá, 2015.
– Recifes de coral no mar Vermelho, mostrando a diversidade de vida animal
encontrada, especialmente a grande quantidade de peixes-papagaio. Disponível
em: <http://pt.freeimages.com/premium/coral-reef-and-parrot-fish-at-the-red-
sea-763731>. Acesso em: 12 dez. 2015.
OBRA NO TODO
SOBRENOME DO AUTOR, Nome por extenso. Título da obra: subtítulo (se houver).
Número da edição (sendo 1 ed., não necessário). Cidade da publicação: Nome da
editora, data da publicação. Número total de páginas utilizando a abreviaturas p. Se
utilizada apenas parte da obra, colocar páginas de início e fim da mesma.
ABREU, Caio Fernando. A vida gritando nos cantos: crônicas inéditas em livro
(1986/1996). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012. 245 p.
Quando houver editor, organizador, coordenador, compilador, indicar após os nomes
dos mesmos: (Ed.), (Org.), (Coord.), (Comp.).
ROSS, Alex. Escuta só: do clássico ao pop. Tradução de Pedro Maia Soares. Revisão
técnica: João Marcos Coelho. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. 442 p.
TABACOW, José (Org.). Roberto Burle Marx: arte e paisagem - conferências esco-
lhidas. 2 ed. São Paulo: Studio Nobel, 2004.
CAPÍTULO
SOBRENOME DO AUTOR, Nome por extenso. Título do capítulo: subtítulo (se houver)
seguido da expressão “In:” Referência completa da obra (título da mesma em negrito),
páginas de início e fim.
RIBEIRO, Renato Janine. A glória. In: CARDOSO, Sérgio et al. Os sentidos da paixão.
São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 107-116.
Observação: a expressão “et al.” deve ser utilizada quando a obra ou o capítulo
apresentarem mais de três autores. Nesse caso, coloca-se apenas o nome do primeiro
exibido na obra.
PERIÓDICO NO TODO
TÍTULO. Local de publicação: Editora, Periodicidade, Ano do primeiro fascículo.
PAISAGEM E AMBIENTE: ENSAIOS. São Paulo: FAUUSP, Semestral,1986-
LEGISLAÇÃO
JURISDIÇÃO. Título, numeração, data. Descrição. Título e dados da publicação.
SÃO PAULO (Estado). Decreto nº 42.822, de 20 de janeiro de 1998. Dispõe sobre
a desativação de unidades administrativas de órgãos da administração direta e das
autarquias do Estado e dá providências correlatas. Lex: coletânea de legislação e
jurisprudência, São Paulo, v. 62, n. 3, p. 217-220, 1998.
BRASIL. Medida provisória nº 1.569-9, de 11 de dezembro de 1997. Estabelece multa
em operações de importação, e dá outras providências. Diário Oficial da República
Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 14 dez. 1997. Seção 1, p. 29514.
OBSERVAÇÕES FINAIS
O Conselho Editorial da revista Paisagem e Ambiente: ensaios é responsável por decidir
quais artigos, ensaios, conferências, debates, resenhas, relatos de experiências e notas
técnicas serão publicados, levando em conta a pertinência do tema em relação à linha
editorial da revista e a consistência teórica do trabalho2. Seguem as principais normas
a serem utilizadas na elaboração do mesmo3:
As condições dos originais são analisadas criteriosamente. Os trabalhos em desacordo
com as normas aqui descritas serão devolvidos para que se providencie sua regularização.
Os textos assinados são de inteira responsabilidade dos autores e não haverá alteração
de conteúdo sem prévia autorização. Os autores receberão três exemplares da edição
da revista na qual constar o seu artigo publicado.
2
Após a avaliação do conselho editorial, os artigos aceitos passam por revisão de texto realizada por profissional
da revista, que entra em contato com os autores sempre que necessário. A revista Paisagem e Ambiente:
ensaios adota a grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou
em vigor no Brasil em 2009.
3
Segundo a ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Coletânea de normas técnicas: elaboração
de artigos em publicações periódicas. Rio de Janeiro: ABNT, 2012.
Universidade de São Paulo
Reitor: Prof. Dr. Marco Antonio Zago
Vice-Reitor: Prof. Dr. Vahan Agopyan
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Seção Técnica de Produção Editorial
Diretora: Profa. Dra. Maria Angela Faggin Pereira Leite
Vice-Diretor: Prof. Dr. Ricardo Marques de Azevedo
Paisagem e Ambiente: ensaios Coordenação Didática
ISSN 0104-6098 Profa. Dra. Clice de Toledo Sanjar Mazzilli
N. 37 / 2016
Publicação semestral da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP), vinculada aos laboratórios Quadro Supervisão Geral
do Paisagismo no Brasil (Quapá), Paisagem, Arte e Cultura (LabParc), ao Grupo de Disciplinas Paisagem e Ambiente (GDPA) do Departamento André Luis Ferreira
de Projeto e à Área de Concentração Paisagem e Ambiente do Curso de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP.
Tiragem
CREDENCIAMENTO E APOIO FINANCEIRO DO
PROGRAMA DE APOIO ÀS PUBLICAÇÕES CIENTÍFICAS PERIÓDICAS DA USP
500 exemplares
COMISSÃO DE CREDENCIAMENTO