Paisagem Ambiente 37 - Espaços Abertos

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Universidade de São Paulo

Reitor: Prof. Dr. Marco Antonio Zago


Vice-Reitor: Prof. Dr. Vahan Agopyan
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Seção Técnica de Produção Editorial
Diretora: Profa. Dra. Maria Angela Faggin Pereira Leite
Vice-Diretor: Prof. Dr. Ricardo Marques de Azevedo
Paisagem e Ambiente: ensaios Coordenação Didática
ISSN 0104-6098 Profa. Dra. Clice de Toledo Sanjar Mazzilli
N. 37 / 2016

Publicação semestral da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP), vinculada aos laboratórios Quadro Supervisão Geral
do Paisagismo no Brasil (Quapá), Paisagem, Arte e Cultura (LabParc), ao Grupo de Disciplinas Paisagem e Ambiente (GDPA) do Departamento André Luis Ferreira
de Projeto e à Área de Concentração Paisagem e Ambiente do Curso de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP.

Editor / Editor Supervisão de Projeto Gráfico


Silvio Soares Macedo, Universidade de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Brasil José Tadeu de Azevedo Maia
Comissão Editorial / Editorial Board
Andréia Maria Bezerra de Araújo, Universidade de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Brasil Projeto Gráfico e Diagramação
Catharina Pinheiro Cordeiro dos Santos Lima, Universidade de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Brasil
Elaine Moraes Albuquerque, Universidade de São Paulo, Brasil Sóstenes Pereira da Costa
Eugenio Fernandes Queiroga, Universidade de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Brasil
Fany Galender, Quapá, Brasil
Francine Gramacho Sakata, Quapá, Brasil
Impressão Offset (capa)
Helena Napoleon Degreas, FIAMFAAM Centro Universitário. Coordenação Curso de Design de Interiores, Brasil Arnaldo Machado de Lima Jr.
Paola De Marco Lopes dos Santos, Universidade de São Paulo, Brasil Eduardo Antonio Cardoso
Comissão Científica / Scientific Consultants Jaime de Almeida Lisboa
Alina Gonçalves Santiago, Universidade Federal de Santa Catarina. Departamento de Arquitetura, Brasil
Ana Rita Sá Carneiro, Universidade Federal de Pernambuco. Departamento de Arquitetura e Urbanismo, Brasil
Ana Cecília de Arruda Campos, Quapá, Brasil Impressão Digital (miolo) Canon (ImagePRESS 1135+ / ADV C5051)
Andréia Maria Bezerra de Araújo, Universidade de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Brasil Francisco Paulo da Silva
Angelo Serpa, Universidade Federal da Bahia, Brasil José Tadeu de Azevedo Maia
Camila Gomes Sant’Anna, Universidade de Goiás, Brasil
Carlos Eduardo Verzola Vaz, Universidade Federal de Santa Catarina. Departamento de Arquitetura e Urbanismo.
Catharina Pinheiro Cordeiro dos Santos Lima, Universidade de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Brasil Acabamento
Eduardo Barra, Universidade Veiga de Almeida, Portugal
Elaine Moraes Albuquerque, Universidade de São Paulo, Brasil
Arnaldo Machado de Lima Jr.
Eneida Mendonça, Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil Ercio Antonio Soares
Eugenio Fernandes Queiroga, Universidade de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Brasil Mário Duarte da Silva
Fábio Robba, Universidade Nove de Julho, Brasil
Fábio Mariz Gonçalves, Universidade de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Brasil Roseli Aparecida Alves Duarte
Fany Galender, Quapá, Brasil Valdinei Antonio Conceição
Francine Gramacho Sakata, Quapá, Brasil
Glauco Cocozza, Universidade Federal de Uberlândia, Brasil
Gutenberg Weingartner, Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Brasil Secretária
Heitor de Andrade Silva, Universidade Federal de Campina Grande. Unidade Acadêmica de Engenharia Civil, Brasil Eliane de Fátima Fermoselle Previde
Helena Napoleon Degreas, FIAMFAAM Centro Universitário. Coordenação Curso de Design de Interiores, Brasil
Henrique Pessoa Pereira Alves, Politecnico di Milano. Dipartimento di Architettura e Studi Urbani, Itália
Jonathas Magalhães Pereira da Silva, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Brasil
Leonardo Loyolla Coelho, Universidade Anhembi Morumbi, Brasil
Lucimara Albieri de Oliveira, Universidade Federal do Tocantins, Brasil
Maria Angela Faggin Pereira Leite, Universidade de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Brasil
Maria de Assunção Ribeiro Franco, Universidade de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Brasil
Marieta Cardoso Maciel, Universidade Federal de Minas Gerais. Escola de Arquitetura, Brasil
Miranda M. E. Martinelli Magnoli, Universidade de São Paulo, Brasil
Mônica Bahia Schlee, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, Brasil
Rogério Akamine, Universidade Nove de Julho, Brasil
Rogério Goldfeld Cardeman, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
Rui Florentino, Escola Superior Gallaecia, Portugal
Sonia Afonso, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Composição, fotolitos, impressão offset e digital
Sonia Berjman, Universidad de Buenos Aires, Argentina
Stäel de Alvarenga Pereira Costa, Universidade Federal de Minas Gerais. Escola de Arquitetura, Brasil
Seção Técnica de Produção Editorial da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Vanderli Custódio, Universidade de São Paulo. Instituto de Estudos Brasileiros, Brasil da Universidade de São Paulo
Vera Regina Tângari, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
Vicente del Rio, California Polytechnic State University, USA Pré-matriz (capa)
Vitor Oliveira, Universidade do Porto, Portugal
Vladimir Bartalini, Universidade de São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Departamento de Projeto, Brasil Dolev 200 sobre filme IBF-Graphix – HN-FDL
Wilson Ribeiro dos Santos Junior, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Brasil
Wilton Medeiros, Universidade Estadual de Goiás, Brasil Tipologia
Futura Lt BT, no corpo 10 para o texto, Optima Demi Bold, no corpo 14 para os títulos,
Secretário
Sady Carlos de Souza Júnior
Optima Demi Bold, corpo 10 para os subtítulos, Futura Lt BT, no corpo 8 para as legendas (itálico)
e-mail: [email protected] e notas (normal), Futura Lt BT, no corpo 8 para as bibliografias.
Tel.: (11) 3091-4544
Papel
Periódico indexado na base Índice de Arquitetura Brasileira / Qualis B2 Report Premium Suzano 90g/m2
Papel Cartão Supremo 250g/m2

Tiragem
CREDENCIAMENTO E APOIO FINANCEIRO DO
PROGRAMA DE APOIO ÀS PUBLICAÇÕES CIENTÍFICAS PERIÓDICAS DA USP
500 exemplares
COMISSÃO DE CREDENCIAMENTO
OBJETIVO / SUBJEC T

Paisagem e Ambiente: ensaios. Periódico acadêmico dedicado à divulgação de


pesquisas, projetos e estudos sobre o paisagismo nos seus diversos campos de atuação:
do projeto de paisagismo aos planos de áreas livres, dos estudos históricos às experiên-
cias de ensino, das pesquisas acadêmicas – dos mais diversos portes – aos resultados
de eventos científicos, trabalhos teóricos e resenhas de livros.
Possui, como focos especiais, os espaços livres urbanos, a questão ambiental, o ensino
e o projeto de paisagismo, o desenho da paisagem e o da forma urbana, os fundamentos
teóricos e a pesquisa em paisagismo.
Publicação semestral da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade
de São Paulo (FAUUSP), vinculada aos laboratórios Quadro do Paisagismo no Brasil
(Quapá), Paisagem, Arte e Cultura (LabParc), ao Grupo de Disciplinas Paisagem e Ambiente
(GDPA) do Departamento de Projeto e à Área de Concentração Paisagem e Ambiente
do Curso de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP.

Paisagem e Ambiente: ensaios. Academic journal dedicated to the dissemination of


researches, design and studies on landscape architecture in its several fields of activities,
from garden design to plans of open spaces, from studies about history of landscape de-
sign to experiences of teaching, from academic researches of several bearings to results
of scientific events, from theoretical works to book reviews.
It has special focus on the urban open spaces, the environmental issue, the teaching
and the landscape design, and the urban form, the theoretical foundations and research
on landscape design.
Biannual publication of FAUUSP – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universi-
dade de São Paulo – and is linked to the laboratory Quapá – Quadro do Paisagismo no
Brasil –, to the Laboratory LabParc – Paisagem, Arte e Cultura –, to GDPA – Grupo de
Disciplinas Paisagem e Ambiente – of Department of Projeto and to the graduate course in
Architecture and Urbanism of FAUUSP, Concentration Area of Landscape and Environment.

2016

ISSN 0104-6098 (Impresso)


ISSN 2359-5361 (Eletrônica)
712
Paisagem e ambiente: ensaios / Universidade de São Paulo, Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo. – n.1 (1986) – São Paulo: FAU, 1986–

Semestral
n. 37 (2016)
ISSN 0104-6098 (Impresso)   •   ISSN 2359-5361 (Eletrônica)

1. Arquitetura Paisagística 2. Planejamento Ambiental. I. Universidade


de São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. II. Título

Serviço de Biblioteca e Informação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

Linha Editorial
Publicação semestral da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP),
vinculada aos laboratórios Quadro do Paisagismo no Brasil (Quapá), Paisagem, Arte e Cultura (LabParc), ao
Grupo de Disciplinas Paisagem e Ambiente (GDPA) do Departamento de Projeto e à Área de Concentração
Paisagem e Ambiente do Curso de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP.

Projeto Gráfico
Sóstenes Costa

Capa
Francine Gramacho Sakata
Praça Salgado Filho, Rio de Janeiro, RJ.
Foto: Acervo Quapá.
Contracapa: Jardins Nininha Magalhães, Rio de Janeiro, RJ.
Foto Silvio Soares Macedo, 2006.

Diagramação
Sóstenes Costa

Revisão de Texto
Valéria Diniz
[email protected]

Tiragem: 500 exemplares

Publicação
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo
Grupo de Disciplinas Paisagem e Ambiente / Departamento de Projeto
Rua do Lago, 876, Cidade Universitária
05508-080 São Paulo SP Brasil
Fone: (11) 3091-4544   e-mail: [email protected]

Projeto gráfico, diagramação e impressão


Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo
Seção Técnica de Produção Editorial
Rua do Lago, 876, Cidade Universitária
05508-080 São Paulo SP Brasil
Fone: (11) 3091-4528  e-mail: [email protected]

Distribuição
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo
Fundação para a Pesquisa Ambiental – Fupam
Rua do Lago, 876, Cidade Universitária
05508-080 São Paulo SP Brasil

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo


Assessoria de Eventos Culturais
Rua do Lago, 876, Cidade Universitária
05508-080 São Paulo SP Brasil
Fone: (11) 3091-4801  e-mail: [email protected]

CREDENCIAMENTO E APOIO FINANCEIRO:


PROGRAMA DE APOIO ÀS PUBLICAÇÕES CIENTÍFICAS PERIÓDICAS DA USP
COMISSÃO DE CREDENCIAMENTO
Sumário

EDITORIAL..................................................................................................................................... 5

PAISAGEM URBANA

FORMA URBANA DE BELÉM E SEUS DESDOBRAMENTOS PARA A FORMAÇÃO


DE UM SISTEMA DE ESPAÇOS LIVRES ACESSÍVEL À POPULAÇÃO .......................................... 11
BELÉM’S BUILT FORM AND ITS DEVELOPMENTS TO THE FORMATION OF A SYSTEM OF
OPEN SPACES ACCESSIBLE TO POPULATION
Verônica Robalinho Cavalcanti, Geraldo Majela Gaudêncio Faria, Viviane Regina Costa,
Luiz Gustavo Oliveira da Silva e Luan Rubens Dias de Moura

ENTRE A RUA E O MURO: A CONSTRUÇÃO DE UMA INTERFACE


NOS CONDOMÍNIOS HORIZONTAIS FECHADOS .................................................................. 35
BETWEEN THE STREET AND THE WALL: THE CONSTRUCTION OF AN INTERFACE
IN GATED COMMUNITIES
Karin Schwabe Meneguetti e Gislaine Elizete Beloto

PROJETO

BURLE MARX NO RECIFE: RESTAURO DO JARDIM DO AEROPORTO


DOS GUARARAPES COMO BEM PATRIMONIAL....................................................................... 53
BURLE MARX IN RECIFE: THE RESTORATION OF THE GUARARAPES AIRPORT GARDEN
AS CULTURAL HERITAGE
Ana Rita Sá Carneiro, Cristina Castel-Branco e Joelmir Marques da Silva

PISTA MULTIUSO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA: DO PROJETO À


MATERIALIZAÇÃO .................................................................................................................... 73
UFSM MULTIUSE TRAIL: FROM DESIGN TO MATERIALIZATION
Alice Rodrigues Lautert, Felipe Segala Gravina, Letícia de Fátima Durlo Coutinho,
Maurício Picetti dos Santos, Paula Gabbi Polli, Josicler Orbem Alberton, Luis Guilherme Aita Pippi

PARQUE ECOLÓGICO ALDEIA DE CARAPICUÍBA: PROJETO DE PAISAGISMO


PARTICIPATIVO VALORIZANDO UM PATRIMÔNIO HISTÓRICO ........................................... 101
ECOLOGICAL PARK IN CARAPICUÍBA VILLAGE: LANDSCAPE PARTICIPATIVE DESIGN
ENRICHING A HISTORICAL HERITAGE
Sylvia Adriana Dobry-Pronsato, Caio Boucinhas, Antônio Busnardo Filho e Denise Falcão Pessoa
FUNDAMENTOS

ESPAÇOS ABERTOS E ESPAÇOS LIVRES: UM ESTUDO DE TIPOLOGIAS ................................ 121


URBAN OPEN SPACES: A TIPOLOGY STUDY
Evy Hannes

PESQUISA

PARQUE ECOLÓGICO MONSENHOR EMÍLIO JOSÉ SALIM, ................................................. 147


CAMPINAS (SP): CONTRADIÇÕES NA IMPLEMENTAÇÃO DE UM
PARQUE URBANO CONTEMPORÂNEO
ECHOLOGIC PARK MONSENHOR EMÍLIO JOSÉ SALIM, CAMPINAS (SP): CONTRADICTIONS IN
ESTABLISHING A CONTEMPORARY URBAN PARK
Daniela Andrade Lacreta e Renata Baesso Pereira

ENSINO

TEORIA DA PAISAGEM EM CADERNOS DE BORDO:


UMA EXPERIÊNCIA NO ENSINO DE ARQUITETURA E URBANISMO ..................................... 181
LANDSCAPE THEORY INTO LOGBOOKS: AN APPROACH IN ARCHITECTURE
AND URBANISM LEARNING
Julieta Maria Vasconcelos Leite e Rafaela Rodrigues Alves Souza

PAISAGEM

“VERDE-AMARELO” EM PINDORAMA: A SOCIEDADE BRASILEIRA,


A APROPRIAÇÃO DO TERRITÓRIO E O PATRIMÔNIO AMBIENTAL ...................................... 199
“GREEN AND YELLOW” AT PINDORAMA – BRAZILIAN SOCIETY, APPROPRIATION OF
TERRITORY AND ENVIRONMENTAL HERITAGE
Miranda Martinelli Magnoli

NORMAS PARA PUBLICAÇÃO ................................................................................................ 241


EDITORIAL

A capa desta edição da Paisagem e Ambiente: ensaios mostra imagens do pre-


sente, mas também de restos intactos de um passado, de um tempo em que o Paisa-
gismo era privilégio das elites econômicas do país. De um tempo em que as praças
e os parques das principais cidades brasileiras eram objeto de projetos especiais.
Roberto Burle Marx era o paisagista oficial do Brasil, com obras de alta visibilidade
– parques, praças no Rio de Janeiro e em Brasília, jardins em palácios e mansões.
Não havia, nessa época, um paisagismo estruturado – nem como área de conhe-
cimento, nem como projeto – pois somente atuavam uns poucos autores, muitos de
qualidade, à sombra de Burle Marx, que com seu trabalho de qualidade excepcional
se tornou um dos maiores paisagistas do século XX.
Em 2016, faz 34 anos que Miranda Magnoli escreveu sua tese de livre docência,
“Espaços livres e urbanização: uma introdução a aspectos da paisagem metropoli-
tana”, na qual define os espaços livres como elementos fundamentais do paisagis-
mo, tornando-se referência para várias gerações de pesquisadores que atuam como
coordenadores de equipes de pesquisa e professores pelo país afora.
Não existe mais o paisagista oficial do país, que desenha e cria os jardins e par-
ques dos palácios, que se foi nos anos 1990, não tendo sucessores no seu posto.

Parque Sara Kubitscheck, em Brasília (DF). Com projeto original de Roberto Burle Marx, ainda guarda no desenho
de suas águas e em parte de seus caminhos o traçado forte do paisagista, que elaborava formas curvilíneas com
elegância, marca registrada de seus projetos. Foto: Silvio Soares Macedo, 2015.

O Paisagismo vira uma atividade cotidiana, feito por equipes técnicas de pre-
feituras – que criam centenas de praças e parques –, por empresas de projeto de
paisagismo – que fazem milhares de jardins e áreas comuns de condomínios e lotea-
mentos fechados. Torna-se um ofício de arquitetos, e milhares de jovens estudantes
são iniciados em seus fundamentos nas mais de duzentas faculdades de arquitetura

Paisagem e ambiente: ensaios - n. 37 - São Paulo - p. 1 - 8 - 2016 5


que existem no país. Muitos se dedicam exclusivamente a tal atividade na vida pro-
fissional.
Ainda há, é claro, paisagistas de renome nacional, que fazem projetos de grife
para magnatas e chefes de estado, alguns de qualidade excepcional.

Jardins e fonte do complexo corporativo Rochaverá, em São Paulo (SP). Projeto altamente elaborado, com
predomínio de plantas tropicais, de Sérgio Santana e equipe, um dos paisagistas mais renomados do Brasil.
Foto: Silvio Soares Macedo, 2015.

Paradoxalmente, apesar de todos esses avanços, o Paisagismo continua sendo


confundido por muitos como atividade de fazer jardins – e os espaços livres, em
geral, não são objeto de cuidados da população, das empresas e do poder público
em geral.
Por outro lado, as pesquisas em Paisagismo têm se expandido de modo inegável
por todo o país. Há produções diversificadas e consistentes, focos de diversos grupos
e pesquisas de iniciação científica, mestrados, doutorados e até projetos temáticos.
A própria existência desta revista, 37 números após seu lançamento no final da
década de 1980, é um fato importante, pois mostra um interesse constante pelo as-
sunto, que se expressa nas dezenas de artigos que têm chegado até nós, nos milhares
de acessos de interessados e na possibilidade de termos três edições anuais, todas
bilíngues, em 2017.

6 Paisagem e ambiente: ensaios - n. 37 - São Paulo - p. 1 - 8 - 2016


Pesquisadores brasileiros são compelidos pelos padrões de avaliação da Coor-
denação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) a escrever para o
exterior em revistas arbitradas, ao mesmo tempo em que se exige das nossas revistas
uma inserção internacional nem sempre possível.
Todos (ou quase todos) acabarão acatando tais padrões, enquanto a finalidade
básica da nossa pesquisa deveria ser, como sempre, criar referências conceituais e
metodológicas para os processos urbanos, paisagísticos e ambientais do nosso país,
um dos maiores do mundo em extensão territorial, em constante processo de expan-
são urbana, que tem produzido situações ambientais e paisagísticas que no mínimo
merecem avaliações críticas, senão valorações qualitativas.
A pesquisa1 tem nos levado a viajar pelo Brasil, propiciando novas parcerias com
grupos locais na Amazônia, em Macapá, Belém, Manaus, na Região Centro-Oeste
etc. Tem proporcionado a consolidação de velhas parcerias. Em cada viagem, a cada
oficina de pesquisa, temos trazido novos colaboradores para a revista. Neste número,
por exemplo, os artigos de Karen Meneguetti e Ana Claudia Cardoso são resultados
dessas novas parcerias e trabalhos conjuntos.
Na seção Paisagem Urbana desta edição, apresentamos os artigos Forma urba-
na de Belém e seus desdobramentos para a formação de um sistema de espaços livres
acessível à população, de Ana Claudia Duarte Cardoso, José Julio Ferreira Lima,
Raul Ventura Neto, Roberta Menezes Rodrigues, Juliano Pamplona Ximenes e Taynara
do Vale Gomes – resultado direto de uma oficina Quapá na Universidade Federal do
Pará – e Entre a rua e o muro: a construção de uma interface nos condomínios horizon-
tais fechados, de Karin Schwabe Meneguetti e Gislaine Elizete Beloto, que focaliza a
desvalorização do papel público da rua com o advento dos loteamentos fechados na
cidade de Maringá.
A seção Projeto expõe três artigos. O primeiro, de Ana Rita Sá Carneiro, Cristina
Castel-Branco e Joelmir Marques da Silva, intitulado Burle Marx no Recife: restauro
do jardim do aeroporto dos Guararapes como bem patrimonial, que apresenta a ex-
periência do workshop “Restauro de Jardins Históricos”, ocorrida em 2012 na cidade
do Recife, tendo como foco a praça Ministro Salgado Filho, projetada pelo paisa-
gista Roberto Burle Marx – um dos espaços paisagisticamente mais emblemáticos
da cidade. A professora Ana Rita é uma das especialistas em restauro e patrimônio
paisagístico no país, tendo importante papel no estudo e restauro dos jardins de Burle
Marx em Recife.
O segundo, Pista multiuso da Universidade Federal de Santa Maria: do projeto à
materialização, de Alice Rodrigues Lautert, Felipe Segala Gravina, Letícia de Fátima
Durlo Coutinho, Maurício Picetti dos Santos, Paula Gabbi Polli, Josicler Orbem Alber-
1
Aqui me refiro ao projeto temático “Sistemas de Espaços Livres e a Constituição da Forma Urbana Contempo-
rânea Brasileira”, em desenvolvimento desde 2011, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
de São Paulo (FAPESP) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), no labo-
ratório Quadro do Paisagismo no Brasil (Quapá) da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de
São Paulo (FAUUSP).

Paisagem e ambiente: ensaios - n. 37 - São Paulo - p. 1 - 8 - 2016 7


ton e Luis Guilherme Aita Pippi, mostra um trabalho interessante realizado pelo pro-
fessor Pippi, docente de Paisagismo da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM),
e sua equipe: uma pista multiuso projetada e construída no campus da universidade,
no estado do Rio Grande do Sul.
O terceiro artigo, de Sylvia Adriana Dobry-Pronsato, Caio Boucinhas, Antônio
Busnardo Filho e Denise Falcão Pessoa – Parque Ecológico Aldeia de Carapicuíba:
projeto de paisagismo participativo valorizando um patrimônio histórico –, mostra o
processo participativo na concepção de um parque localizado na área da antiga Al-
deia de Carapicuíba (no município de mesmo nome) na região Oeste da metrópole
paulistana.
A seção Fundamentos abrange uma compilação de conceitos em voga de es-
paços livres no artigo de Evy Hannes, Espaços abertos e espaços livres: um estudo de
tipologias, que busca discuti-los a partir de suas diferentes funções urbanas.
Em Parque Ecológico Monsenhor Emílio José Salim, Campinas (SP): contradições
na implementação de um parque urbano contemporâneo, na seção Pesquisa, Danie-
la Andrade Lacreta e Renata Baesso Pereira exibem uma boa análise sobre o projeto
do parque – concebido por Roberto Burle Marx e sua equipe na década de 1990 – e
a realidade construída, bem diferente da contida na intenção do projeto.
A seção Ensino, com o artigo Teoria da paisagem em cadernos de bordo: uma ex-
periência no ensino de arquitetura e urbanismo, de Julieta Maria Vasconcelos Leite e
Rafaela Rodrigues Alves Souza, apresenta uma experiência didática relativa ao ensino
do Paisagismo, que mostra anotações realizadas em campo, de caráter gráfico, feitas
por alunos da Universidade Federal de Pernambuco para a disciplina Teoria III, com
o objetivo de ter um entendimento consistente da paisagem urbana local. Apesar de
não ser uma disciplina exclusivamente dedicada ao Paisagismo, a experiência mostra
bons resultados na compreensão da paisagem urbana e mostra como em outras dis-
ciplinas é possível ministrar, de modo eficaz, conteúdos de Paisagismo.
Nosso último texto, “Verde-Amarelo” em Pindorama: a sociedade brasileira, a
apropriação do território e o patrimônio ambiental, na seção Paisagem, apresenta
reflexões da professora Miranda Martinelli Magnoli sobre a paisagem brasileira, sua
construção desde a descoberta do Brasil pelos europeus, buscando relacionar colo-
nos e povos com a construção da identidade nacional e o respeito ou desrespeito ao
meio ambiente que perpassa cinco séculos. Trata-se de um texto repleto de incisos e
notas que nos levam a pensar sobre as conquistas e perdas ocorridas nesses séculos
de evolução, permitindo ao leitor uma visão consistente do processo de construção
da paisagem nacional contemporânea em 2016.

Silvio Soares Macedo


Editor
Junho/2016

8 Paisagem e ambiente: ensaios - n. 37 - São Paulo - p. 1 - 8 - 2016


Avenidas Marechal Hermes e Boulevard Castilhos França, áreas de aterro que viabilizaram áreas verdes e galpões
do porto de Belém na virada do século XX. Estação das Docas e feira do Ver-o-Peso ao fundo.
Foto: Silvio Soares Macedo, 2014.

PAISAGEM URBANA
FORMA URBANA DE BELÉM E SEUS DESDOBR AMENTOS
PAR A A FORMAÇÃO DE UM SISTEMA DE
ESPAÇOS LIVRES ACESSÍVEL À POPULAÇÃO
BELÉM’S BUILT FORM AND ITS DEVELOPMENTS TO THE FORMATION OF A SYSTEM OF
OPEN SPACES ACCESSIBLE TO POPULATION

Ana Claudia Duar te Cardoso*


José Julio Ferreira Lima**
Raul Ventura Neto***
Rober ta Menezes Rodrigues****
Juliano Pamplona Ximenes*****
Taynara do Vale Gomes******

* Arquiteta urbanista pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará


(FAU-UFPA). Mestre em Planejamento Urbano pela Universidade de Brasília (UnB). PhD em Ar-
quitetura pela Oxford Brookes University. Professora associada do Programa de Pós-Graduação
em Arquitetura e Urbanismo na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal
do Pará (FAU/PPGAU/UFPA). Laboratório Cidades na Amazônia, Instituto de Tecnologia. Avenida
Augusto Corrêa, 01, 66075-110, Cidade Universitária, Setor Profissional, Belém, PA, Brasil.
[email protected]
** Arquiteto urbanista pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará
(FAU-UFPA). Mestre em Desenho Urbano pela Oxford Brookes University e PhD em Arquitetura pela
mesma universidade. Professor do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo na
FAU-UFPA. Laboratório Cidades na Amazônia, Instituto de Tecnologia. Avenida Augusto Corrêa,
01, 66075-110, Cidade Universitária, Setor Profissional, Belém, PA, Brasil.
[email protected]
*** Arquiteto e urbanista, mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urba-
nismo da Universidade Federal do Pará (FAU-UFPA). Doutorando em Desenvolvimento Econô-
mico pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Laboratório
Cidades na Amazônia, Instituto de Tecnologia. Avenida Augusto Corrêa, 01, 66075-110, Cidade
Universitária, Setor Profissional, Belém, PA, Brasil.
[email protected]
**** Arquiteta e urbanista pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do
Pará (FAU-UFPA). Mestre em Planejamento do Desenvolvimento pela UFPA – Núcleo de Altos
Estudos Amazônicos (NAEA). Doutora em Integração da América Latina pelo Programa de Pós-
-Graduação em Integração da América Latina da Universidade de São Paulo (PROLAM/FAUUSP).
Professora na FAU-UFPA. Laboratório Cidades na Amazônia, Instituto de Tecnologia. Avenida
Augusto Corrêa, 01, 66075-110, Cidade Universitária, Setor Profissional, Belém, PA, Brasil.
[email protected]
***** Arquiteto e urbanista pelo Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará
(FAU-UFPA). Doutor em Planejamento Urbano e Regional pelo Instituto de Pesquisa e Planeja-
mento Urbano da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR-UFRJ). Professor na Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo da UFPA. Laboratório Cidades na Amazônia, Instituto de Tecnologia.
Avenida Augusto Corrêa, 01, 66075-110, Cidade Universitária, Setor Profissional, Belém, PA, Brasil.
[email protected]
****** Arquiteta e urbanista pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do
Pará (FAU-UFPA). Mestranda em Arquitetura e Urbanismo no Programa de Pós-Graduação em
Arquitetura e Urbanismo da UFPA. Laboratório Cidades na Amazônia, Instituto de Tecnologia.
Avenida Augusto Corrêa, 01, 66075-110, Cidade Universitária, Setor Profissional, Belém, PA, Brasil.
[email protected]

http://dx.doi.org/10.11606/issn.2359-5361.v0i37p11-34

Paisagem e ambiente: ensaios - n. 37 - São Paulo - p. 11 - 34 - 2016 11


A na C laudia D u ar t e C ar do s o, J o s é Julio Fer r eir a Lima , R aul Vent ur a N et o,
Rob er t a M eneze s Ro dr igue s , Julia no Pamplona X imene s , Tay nar a do Va le Gome s

RESUMO
Este texto apresenta uma caracterização do espaço construído de Belém, destacando sua
condição estuarina, fisiografia e evolução socioespacial, mas iluminando elementos de
desarticulação nas estratégias de operação dos agentes envolvidos na produção da cidade e
da gestão urbanística para a estruturação de um Sistema de Espaços Livres e a forma limitada
como os mesmos são apropriados pela população. O artigo baseia-se nas conclusões da
Oficina Quapá SEL realizada em Belém em maio de 2015, na qual professores e estudantes
da Universidade Federal do Pará e a equipe de professores e bolsistas da Universidade de São
Paulo realizaram a avaliação dos espaços públicos da cidade. Observou-se que há notável
diferenciação da paisagem da área central em oposição/contraposição à área de expansão
da cidade e comprometimento de Áreas de Preservação Permanente (APPs) nas margens dos
rios internos e das ilhas, principais espaços verdes do município e elementos de conexão com
o bioma amazônico que, embora possua potencial paisagístico, vem sendo apropriado de
forma socialmente desigual.
Palavras-chave: Belém. Espaços livres. Produção do espaço construído. Gestão urbanística.

ABSTR AC T
This paper presents a characterization of the built space of Belém highlighting, its estuarine condition,
physical geography and its economic, social and spacial development. It is based on Quapá-SEL Workshop
conclusions held in Belém, in May 2015, in which teachers and students from São Paulo and Pará Federal
Universities assessed the conditions of urban open spaces of the city. The results highlight a disarticulation
between real estate agents strategies and of urban management towards structuring an Open Spaces
System (SEL in Portuguese), as well as its limited appropriation by the population. There is a remarkable
differentiation between the landscapes of central area in opposition / contraposition to that at the city’s
expansion area. This debate showed how much permanent preservation areas on the banks of inland
rivers and islands (the main green spaces of the city and main linkage with the Amazonian biome), with its
landscape potentials, have been unevenly appropriated in the city, through gentrification.
Keywords: Belém. Open spaces. Built space production. Urban management.

1 BELÉM : C AR AC TERIZ AÇ ÃO DO SISTEM A DE ESPAÇOS LIVRES

A cidade de Belém é polo de uma região metropolitana que articula características


regionais e atributos típicos das metrópoles brasileiras. A paisagem regional pode ser
vista em elementos naturais específicos, devido à sua localização em uma das mais
extensas regiões estuarinas do planeta, sob influência de grandes rios que circundam
a cidade, mas também de inúmeras bacias de rios internos com forte influência sobre
o sítio (composto por terras firmes e “baixadas” ou várzeas alagáveis) e sobre as for-
mações de vegetação (tropical, de grande porte e de ocorrência em grandes massas)
observadas em 2016, na sua forma original, nas cerca de quarenta ilhas que compõem
a porção rural do município.
As peculiaridades desse sítio geraram uma estratégia de ocupação espacial que
segue a margem do rio, em que pese a dependência histórica entre o modal fluvial
e as atividades mercantis associadas às práticas extrativistas que caracterizavam os
ciclos econômicos durante o período de isolamento da região. Mesmo já existindo,
desde a década de 1930, algum tipo de articulação mercantil com o mercado in-
terno, foi somente a partir do final da década de 1960 que a integração espacial
e econômica da região ao mercado nacional se aprofundou, agudizando desigual-

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dades socioeconômicas e produzindo transformações na rede urbana e no espaço


intraurbano da região.
É desse marco em diante que a antiga cidade primaz (CORRÊA, 1987) foi trans-
formada em região metropolitana1 e assumiu processos de ocupação e expansão
associados a eixos rodoviários, e não mais às margens dos rios, onde o protagonismo
da ação dos agentes produtores do espaço urbano capitalista dificulta a articulação de
processos fundiários e condições de legislação urbanística. Notavelmente, aprofundou-
-se uma lógica fundiária moderna, capitalista – nos moldes latino-americanos –, em
que a propriedade privada do solo urbano convive com índices altos de precariedade
da moradia e a administração pública se revela mais associada às elites econômicas
regionais do que a qualquer modalidade de interesse público.
O processo de formação da porção continental de Belém, como em qualquer cidade,
apresenta alguns condicionantes do sítio físico. No caso da cidade, etapas sucessivas
de ocupação de cotas mais altas do solo foram seguidas por drenagem das áreas
alagadas existentes nos interstícios entre as áreas inicialmente ocupadas. Assim foram
articulados os bairros da Cidade Velha e Campina, no início do século XIX, através
do aterro do Piri (CRUZ, 1973), ou os bairros do Reduto e Umarizal, após o aterro do
igarapé das Almas, nos anos 1960.
As áreas de baixada eram tidas como obstáculos à urbanização e limitaram a im-
plantação do plano de alinhamento do início do século XX, que orientou a ocupação
da Primeira Légua Patrimonial da cidade às áreas altas. A ocupação da referida Légua
só foi concluída nos anos 1960, quando já iniciados o processo de ocupação informal
das baixadas, a verticalização das áreas mais nobres da cidade e a substituição dos
fartos quintais por vilas nas áreas consolidadas. Esse plano de alinhamento demonstra
evidente tendência do urbanismo racionalista em ignorar aspectos do sítio físico e, ao
mesmo tempo, a insalubridade da moradia – o que a partir dos anos 1960 passava a
ser chamado de “vazio urbano”. (MARICATO, 2001). Um cinturão verde foi formado,
desde os anos 1940, limitando a Primeira Légua, estabelecido a partir de usos insti-
tucionais diversos – áreas militares, Universidade Federal do Pará (UFPA), Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), aeroportos, mananciais – que têm sido
preservados até o presente, mas que já começam a sofrer ameaça de desaparecimento
face à grande valorização da terra e à agressividade dos agentes imobiliários (mapa 1)2.

1
Lei Complementar nº 14, de 8 de junho de 1973. Estabelece as regiões metropolitanas de São Paulo, Belo
Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, Curitiba, Belém e Fortaleza. Brasília: Presidência da República, 1973.
Diário Oficial, 11 jun. 1973, p. 5.585. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp14.
htm>. Acesso em: 11 jun. 2015.

2
O território do município de Belém formou-se, inicialmente, por meio da destinação de terras pela Coroa
Portuguesa em 1627, com a doação de uma légua de terra (cerca de 6.600 metros em linha reta do núcleo
de origem da cidade) mediante Carta de Doação de Sesmarias em favor do antigo conselho da Câmara. A
chamada “Primeira Légua Patrimonial” de Belém corresponde, atualmente, à porção mais central e de ocu-
pação mais antiga do município, onde anteriormente vigia o regime enfitêutico de gestão de tal patrimônio.
Em 1899, foi doada pelo governo do estado uma “Segunda Légua Patrimonial”, que nunca foi definitivamente
demarcada, correspondendo à atual área de expansão de Belém, a principal frente de valorização imobiliária
do município. (PREFEITURA MUNICIPAL DE BELÉM – PMB, 2000).

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A Primeira Légua corresponde ao atual centro metropolitano e conta com uma quadrícula
como sistema de ruas em áreas altas, em termos relativos para o sítio de Belém (em média
entre 12 e 28 metros), e com prolongamentos dessas ruas em uma estrutura deformada
nas áreas de baixada. A prática dos aterros de quintais, e até de leitos de igarapés, foi
um dos fatores que levou ao desaparecimento ou tamponamento dos rios internos para
a população, enquanto as práticas econômicas assumiram as margens dos grandes rios
que limitam a cidade. A partir da década de 1990, essas margens tornaram-se lugares
preferenciais para a instalação de equipamentos públicos e espaços livres, com adaptação
de instalações portuárias (Estação das Docas), reforma e restauração de áreas históricas
(Feira do Ver-o-Peso, Conjunto Feliz Lusitânia) e tratamento de áreas públicas (Espaço
Ver-o-Rio, parque Mangal das Garças, aterro do Portal da Amazônia), somando novas
tipologias de espaços livres a praças e parques herdados na época da Borracha (figura 1).

Mapa 1 Belém e sua Região Metropolitana – Marcação da Primeira Légua Patrimonial e dos Eixos de Expansão.
Fontes: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 2010, e Companhia de Desenvolvimento e
Administração da Área Metropolitana de Belém (CODEM), 2003.

Em termos de periodização das formas de tratamento técnico ou apropriação da


água na região, pode-se associar às intervenções sob o padrão do Plano Nacional de
Saneamento (Planasa) a parte significativa da impermeabilização de taludes de cursos
d’água urbanos em Belém e municípios do entorno, com evidentes impactos sobre
o padrão de drenagem dos municípios metropolitanos – o já célebre fenômeno de
aceleração do pico de cheia a jusante, inevitável nesse tipo de concepção. (BUENO,

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Figura 1 Conjunto Feliz Lusitânia.


Foto: Silvio Soares Macedo, 2014.

Figura 2 Avenidas Marechal Hermes e Boulevard Castilhos França, áreas de aterro que viabilizaram
áreas verdes e galpões do porto de Belém na virada do século XX. Estação das Docas e feira do Ver-o-
Peso ao fundo.
Foto: Silvio Soares Macedo, 2014.

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2006). Esse problema, quando visto historicamente, em paralelo com a crescente fave-
lização das cidades metropolitanas a partir da ditadura entre os anos de 1964-1985,
demonstra uma paisagem em que as águas ora são objeto de retificação e acentuação
do risco e do impacto do alagamento, ora são contaminadas devido à ausência de
tratamento de esgotos e aos efeitos urbanísticos da moradia precária.
A diferenciação dessa área da cidade quanto a condições de mobilidade, de aces-
so a espaços públicos (ruas e praças) e maior grau de provisão de infraestrutura e
condições físicas (dimensões de ruas, quadras e lotes) na sua porção formal – e de
acessibilidade das baixadas – em que pesem a precariedade física e o processo gradual
de consolidação e inserção à cidade – garantiu por décadas a avaliação de melhor
qualidade da experiência urbana e motivou grande disputa pela exploração de seu
solo, particularmente das áreas altas e ocupadas formalmente, pelo setor imobiliário.
A partir de 2005, áreas que foram ocupadas informalmente na margem do rio Guamá
estão sofrendo intervenções (aterros) para gerar solo e viabilizar novos empreendimentos
de interesse do setor imobiliário e do setor de comércio e serviços (como é o caso do
aterro do Portal da Amazônia, no bairro do Jurunas.
A ação do governo federal na macrodrenagem do igarapé das Almas e na produção
de habitação popular, a partir da década de 1970, associou ações de remanejamento
e produção de conjuntos habitacionais financiados pelo Banco Nacional de Habitação
(BNH) para além do cinturão institucional, com a ocupação da Segunda Légua Patrimo-
nial, área de expansão da cidade. (LIMA; VENTURA NETO; LOPES, 2015; TRINDADE
JR., 1998). A ocupação imobiliária desse vetor de expansão interno à Segunda Légua
de Belém é, por sua vez, orientada por um dos ramais da antiga ferrovia que conec-
tava a capital ao nordeste do estado, posteriormente denominado rodovia Augusto
Montenegro, quando do encerramento da ferrovia e da pavimentação do antigo ramal.
A definição fundiária das terras na época da abertura do ramal ferroviário, prova-
velmente para uso em atividades agrícolas, condicionou a ocupação urbana de boa
parte da área de expansão e a consequente formação do sistema viário, resultando
numa estrutura de “espinha de peixe”, que tem a avenida Augusto Montenegro como
principal eixo de acesso a diversas tipologias/morfologias que emergiram nessa porção
da cidade.
Nessa área constituem-se processos de fragmentação e segregação diferentes dos
observados na Primeira Légua, onde a ação do poder público e do setor privado na
produção de conjuntos habitacionais alternou-se por décadas durante a produção de
loteamentos informais e as ocupações nos vazios deixados nos interstícios dos primeiros.
A partir da década de 1990, as maiores glebas de terra, lindeiras à avenida Augusto
Montenegro, foram ocupadas por condomínios fechados de alto padrão, murados e
arborizados por vegetação exógena. A partir da década de 2010, esses empreendimen-
tos passaram a articular condomínios verticais e torres comerciais a shopping centers,
constituindo novas subcentralidades – que esperam (ou, num discurso publicitário,
afirmam produzir...) rivalizar com as condições de moradia estabelecidas na Primeira
Légua Patrimonial.

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Grande transformação de uso ocorreu ao longo da avenida, sem haver mudança


nos espaços públicos ou atenção à consolidação de um sistema de ruas e espaços
livres compatível com a demanda por áreas públicas, ou sequer suficiente para atender
as necessidades de mobilidade da população, cada vez mais dependente de modais
individuais, em face da carência de sistema de transporte público. Nessa parte da
cidade, quando existem espaços públicos equipados com mobiliário adequado para
as diversas atividades humanas, estes são contidos em empreendimentos privados. A
forma urbana que parece decorrer desse novo padrão de expansão, em torno da rodo-
via Augusto Montenegro, apresenta condomínios residenciais, verticais ou horizontais,
com densidade moderada e empreendimentos em terrenos de porte relativo, sempre
atendidos por desenhos viários favoráveis a automóveis de passeio e seu estaciona-
mento. A alternância entre aglomerados de torres residenciais, casas, shopping centers,
supermercados, postos de gasolina, lojas de material de construção e demais tipos de
comércio, serviços e órgãos públicos, mostra paisagens urbanisticamente empobreci-
das, com sintaxe simplória e alguma vulgaridade morfológica, própria de periferias
urbanas em reconfiguração nos termos estritos do mercado imobiliário. O citado tra-
çado “espinha-de-peixe”, não projetado, sinaliza deficiências objetivas de integração
espacial no plano local (LIMA, 2001), isolando e segregando as numerosas ocupações
precárias situadas por acessos indiretos, posteriores à rodovia e à ocupação formal,
com crescente perfil de classe média no eixo da via.

2 ELEMENTOS DA DESARTICUL AÇ ÃO DO SISTEM A DE ESPAÇOS


LIVRES : MORFOLOGIA , AGENTES E LEGISL AÇ ÃO

A inserção de Belém em uma formação econômica periférica auxilia, em parte, a


compreensão de sua urbanização precária, marcada pelo atendimento deficiente de
direitos sociais e acesso à infraestrutura. Nesse sentido, são mais impactantes sobre
seu espaço urbano os períodos de estagnação entre ciclos econômicos, até o ponto
de reativação das fases de crescimento, que se aproveitam de possibilidades renovadas
de concentração da renda produzidas pelos setores da economia urbana local que
possuem alguma base imobiliária. (LIMA; VENTURA NETO, 2015). Em face dessa con-
dição, espaços livres e edificados da cidade têm incorporado à sua gênese reprodutiva,
de um modo ou de outro, os resultados dessa dinâmica cíclica, própria da formação
econômica brasileira.
O estado, particularmente, o poder local – que a princípio poderia servir como
mediador desse conflito – tem atuado de forma associada às coalizões urbanas locais,
interessadas em transformar a cidade numa Máquina de Crescimento: “[...] organiza-
ção de tipo empresarial voltada a aumentar o volume de renda agregada por meio
da intensificação da utilização da terra [...]”. (FIX, 2007, p. 24). Especificamente em
Belém, nota-se que a forma como a regulação urbanística é realizada apresenta, de
certo modo, indicativos desse comprometimento, definindo o desenho de macroparcelas
urbanas, explorando além do limite as condições oferecidas pelo sistema de ruas e o

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suporte físico (condições de permeabilidade do solo, de recarga, estabilidade do solo).


Nesse campo de disputa, que é a cidade capitalista – ainda mais as de formação
periférica –, o Sistema de Espaços Livres (SEL) fica dialeticamente condicionado pela
interação entre agentes produtores do espaço urbano, legislação urbanística e morfologias
existentes. A seguir, serão apresentadas observações recentes a respeito – iluminando
elementos de desarticulação nas estratégias de operação dos agentes envolvidos na
produção da cidade e da gestão urbanística para com a estruturação de um SEL e a
forma limitada como são apropriados pela população.

3 MORFOLOGIA S

Neste artigo o termo morfologias é utilizado para designar o conjunto de elementos


que compõe a paisagem urbana, tais como edificações, ruas, espaços livres, assim
como os processos sociais que envolvem suas dinâmicas de modificações, incluindo
a classificação do tecido urbano em função da concentração e dispersão da massa
edificada e dos padrões socioeconômicos da ocupação (quadro 1 e mapa 2).
O Grupo de Trabalho Identificação de Morfologias em Belém considerou importante
o processo de transformação que vem ocorrendo na área de expansão da cidade, mar-
cado pela implantação de condomínios fechados, conjuntos habitacionais e ênfase no
viário como forma de articulação da massa construída. Enquanto processo econômico,
tal fenômeno teria interdependência com a realidade da Primeira Légua em decorrência
da pressão do mercado imobiliário por terras urbanizadas onde áreas livres da periferia
se tornam locais propícios para atividades de incorporação imobiliária de larga escala.

Quadro 1 Síntese do Grupo de Trabalho Identificação de Morfologias

Morfologia Ocorrência Características

Habitações Informais 1a Légua Patrimonial, na paisagem da Edificações de pequeno porte com


baixada, nos terrenos com cotas abaixo de pequeno ou sem recuo e acabamento
quatro metros. precário; grande incidência do uso da
madeira.
Habitações Informais Eixos viários das áreas de baixada, em Idem anterior.
(com comércio) centralidades locais, adequadas para o uso
misto.

Palafitas Paisagem à beira-rio; orla da Baía do Edificações de pequeno porte construídas


Guajará. em madeira.

Habitações Formais Tecido urbano vernacular da 1a Légua Edificações em alvenaria com frente de até
Patrimonial. 8 metros.

Habitações Formais Distrito de Icoaraci Edificações em alvenaria com recuos em


(Icoaraci) todos os lados em grandes lotes.

Conjunto Área de expansão Conjuntos habitacionais construídos nas


Habitacional de décadas de 1970 e 1980 pelo BNH; há
Iniciativa Pública tipologias verticais e horizontais.

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Loteamento Área de expansão, ocupação lindeira à Condomínios fechados de alto padrão.


Horizontal Fechado avenida Augusto Montenegro (objeto da Casas soltas nos lotes, com sistema viário e
campanha publicitária Nova Belém). áreas verdes e de lazer.

Tipos variados Morfologia de transição na área de Edificações multifamiliares de pequeno e


expansão, que pode ser vertical ou médio porte; usos industrial e misto.
horizontal.

Quadras Mistas 1ª Légua Patrimonial Misto de edificações horizontais com até


dois pavimentos e lotes verticalizados
(com até quarenta pavimentos); quadras
onde casas originais estão sob pressão do
mercado imobiliário.

Quadra Condomínio Área de expansão Ocupação tipo “Barra da Tijuca”,


Vertical próxima ao shopping center; grandes
supermercados; altamente dependentes de
automóvel até que seja implantado o Bus
Rapid Transport (BRT) da avenida Augusto
Montenegro.

Edificações de Médio Orla da baía do Guajará Grandes galpões, em grandes lotes,


Porte destinados ao uso industrial; atualmente
sob pressão do mercado imobiliário, que
deseja liberar áreas na orla.

Área Institucional Entre a 1ª Légua e a área de expansão, Áreas com poucos volumes edificados, com
avenida Perimetral (UFPA e outros). uso institucional, muitos espaços livres/
vegetação

Fonte: Produzido por José Julio Lima a partir das análises da base cartográfica do projeto Quapá-SEL e de imagens do Google
Earth elaboradas pelos participantes do Grupo de Trabalho durante a Oficina Quapá-SEL, Belém, 2015.

A existência de praças e ruas arborizadas na Primeira Légua Patrimonial é indicador


das desigualdades social e espacial da cidade, uma vez que se opõe à maior ocorrência
de ocupações irregulares ou mesmo de empreendimentos privados na periferia, onde
prevalece a precariedade das áreas livres. Há privatização acelerada do espaço por meio
da construção de condomínios fechados e conjuntos habitacionais de altas densidades,
ocasionando a saturação das áreas livres disponíveis. Por outro lado, caso se aborde
o território do município de Belém, ou da Região Metropolitana, no recorte ambiental
das bacias hidrográficas, serão notadas diferenças adicionais: bacias periféricas ainda
relativamente próximo do centro têm permeabilidade de solo baixa, e outras, periféricas
e distantes, costumam ter mais solo disponível para percolação natural. A disponibilidade
espacial de locais públicos, entretanto, é favorável ao centro ou à Primeira Légua, e
não à periferia ou à Segunda Légua (tabela 1 e mapa 3).
As quadras de ocupação mista no interior da Primeira Légua Patrimonial, formadas
pela implantação de edifícios de apartamentos com até quarenta pavimentos e edi-
ficações horizontais remanescentes, passam por transformações em função do ritmo
de aquecimento do mercado imobiliário. Há tendência a remembramentos de lotes e
aumento de densidade, causando retenção de tráfego e sobrecarga de infraestrutura.
As modificações observadas em extensões específicas das orlas são destaques na
análise da paisagem. Ainda que a morfologia das quadras adjacentes não tenha sido
alvo de gentrificação maciça, observa-se que os parques e equipamentos nas orlas
vêm atraindo modificações na paisagem. Há um primeiro indício de mudança nas ruas
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adjacentes ao Portal da Amazônia, diferente do que ocorreu nas imediações do Com-


plexo Estação das Docas e Ver-o-Rio, onde a verticalização com gentrificação não se
deu no território imediato, mas no bairro do Umarizal – inclusive devido às restrições
espaciais no ambiente construído e na legislação de proteção do Centro Histórico de
Belém. A imobilização de capital na forma de reserva de infraestrutura, melhorias de
saneamento (construção da avenida Visconde de Souza Franco) e a implantação de
supermercados e shopping centers têm se constituído em catalisadores para as trans-
formações em curso na Primeira Légua de Belém.

Mapa 2 Esquema síntese gerado pelo Grupo de Trabalho Identificação de Morfologias, onde é possível perceber
as manchas de predominância de tipologias de ocupação na cidade de Belém.
Fonte: Mapa produzido em 2015 por Taynara Gomes sobre imagens do Google Earth 2015 e croquis
elaborados pelo grupo de trabalho durante a Oficina Quapá-SEL, Belém, 2015.

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Tabela 1 Declividade Média de Terreno, Taxa de Permeabilidade do Solo,


População em Aglomerados Subnormais (2010) de Treze Bacias
Hidrográficas que Compõem o Território mais Denso de Belém

Declividade média
População em
(mancha de
Bacia Taxa de Aglomerados
alagamento até a Localização
hidrográfica permeabilidade Subnormais
periferia)
(2010)
permeabilidade

Primeira légua
1. Estrada Nova 2.40% 4% 118.219
patrimonial

Primeira e
2. Una 1.80% 5% 187.987 Segunda léguas
patrimoniais

Primeira légua
3. Tucunduba 2.50% 7% 93.657
patrimonial

Segunda légua
4. Mata Fome 2.90% 27% 38.708
patrimonial

Segunda légua
5. Paracuri 2.30% 23% 62.221
patrimonial

6. Pau Grande 2.90% 93% 9.434 Marituba

7. Macajatuba 4.50% 65% 105.456 Marituba

Segunda légua
8. Maguarizinho 3.00% 19% 32.610 patrimonial e
Ananindeua
Segunda légua
9. Maguari-Açu 1.40% 21% 101.133 patrimonial e
Ananindeua

Primeira légua
10. Tamandaré 4.50% 7% 221
patrimonial

11. Magalhães Primeira légua


1.80% 15% -
Barata patrimonial

Primeira e
12. Val-de-Cães 0.62% 30% 6.057 Segunda léguas
patrimoniais

Primeira légua
13. Reduto 1.89% 6% -
patrimonial

MÉDIA 2.73% 26% 68.700

Fonte: Produzida por Juliano Ximenes e Ana Júlia Brandão, 2015.

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Mapa 3 Mapa hipsométrico do município de Belém mostrando o relevo predominantemente plano, com baixa
altitude, e a penetração de cursos d´água.
Fonte: Idesp-PA (2009); IBGE (2010).

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Morfologias da área de expansão revelam os processos de modificação acentuados,


marcados pela supressão de vegetação e manutenção de espaços verdes por meio de
dispositivos legais (parque do Utinga, parque do Conjunto Médici, Área da Marinha),
ao mesmo tempo em que ocorre a ampliação do sistema viário estrutural. Essa ocu-
pação é heterogênea: apresenta assentamentos precários, conjuntos habitacionais,
condomínios residenciais horizontais, áreas institucionais, estabelecimentos do baixo
terciário. (DURANS, 2013).
O acesso a um SEL é dificultado pela falta de capacidade de gerenciamento da
prefeitura e do governo do estado. Apesar de existirem medidas legais para a manu-
tenção das áreas, não há ações efetivas que garantam o acesso das pessoas às áreas
protegidas. O tratamento paisagístico e urbanístico de espaços livres em Belém, na
periferia, é frequentemente de qualidade inferior. Espaços livres constituídos no início
do século XX seguem como importantes referências de sociabilidade, e áreas ainda
verdes, mais extensas, são preservadas de modo precário, sem tratamento urbanístico
(não constituindo, portanto, parques urbanos) ou monitoramento e recuperação am-
biental (dificultando o desempenho das chamadas funções ambientais que tais espaços
poderiam ter).

4 AGENTES PRODUTORES DO ESPAÇO URBANO

O Grupo de Trabalho Ação dos Agentes Produtores do Espaço Urbano em Belém


e a Paisagem procurou lançar hipóteses a respeito de transformações futuras sobre o
tecido urbano de Belém. Foram selecionadas as principais intervenções urbanas re-
centes, capitaneadas por agentes que representam o estado (quadro 2), agentes cuja
reprodução do próprio capital possui alguma base imobiliária (quadro 3), entre outros
– cuja reprodução do capital ocorre sem prevalência de ativos imobiliários (quadro
4) – e, por último, agentes da produção do espaço dito informal.
Os agentes que representam o estado dividem-se de acordo com a esfera de
atuação à qual pertencem: governo federal, governo estadual e prefeitura. Até 2016,
predominam como forma de intervenção desses agentes as grandes obras de infra-
estrutura para melhoria da mobilidade urbana na Região Metropolitana de Belém
(RMB), particularmente a construção do sistema de BRT. Nesse aspecto, nota-se que,
enquanto as duas principais obras de mobilidade urbana capitaneadas pelo governo
estadual (prolongamento das avenidas João Paulo II e Independência e duplicação da
avenida Perimetral) possuem uma orientação que estimula o deslocamento urbano,
privilegiando o automóvel, a principal intervenção urbana da prefeitura privilegia o
transporte coletivo, com a construção de um sistema de BRT nas principais avenidas
troncais da cidade. Inicialmente, haveria articulação entre esses tipos de transporte,
contudo a expansão viária metropolitana teve o seu traçado geométrico revisto para
“redução de custos”, o que fez o eixo da via atravessar, no novo projeto, o Parque Am-
biental do Utinga, de modo a evitar a ocupação precária, horizontal e relativamente
densa de suas imediações.

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Vale ressaltar dois projetos com alto potencial de impacto para os espaços livres
da cidade, pois estão relacionados à melhoria da qualidade urbana, especialmente na
área central da cidade: a construção, pela Prefeitura de Belém, da área denominada
Portal da Amazônia – sobre aterro na margem do rio Guamá – e a implantação de
facilidades para uso público do Parque Ambiental do Utinga pelo Governo do Estado
do Pará. O primeiro projeto corresponde à urbanização de um trecho da orla fluvial da
cidade com extensão executada de 1,5 quilômetros até 2015, contando com diversos
equipamentos urbanos; o segundo, anunciado como projeto, objetiva a requalificação
do entorno dos mananciais de água no Utinga. Em ambos os casos, haverá uma possível
valorização dos terrenos em torno das novas avenidas e do parque. A intervenção do
Portal da Amazônia, mesmo carente de cobertura vegetal compatível com o contexto
local, aponta para uma reconfiguração substancial do perfil residencial na área e intensa
mudança de usos do solo. A localização do projeto na porção mais densa da RMB
tende a direcionar os eventuais benefícios do novo espaço público para a população
moradora recém-chegada, de maior renda, e para visitantes, como ciclistas.
Por outro lado, apesar de o governo federal ser o principal agente financiador da
maior parte dessas intervenções, por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES), suas intervenções em Belém têm caráter diverso e menor
impacto global sobre os espaços livres da cidade, como pode ser observado nas áreas
dos projetos de urbanização de favelas do Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC) e na construção de conjuntos habitacionais incluídos na faixa 1 do programa
Minha Casa, Minha Vida (MCMV). Ademais, é significativa a ação da ampliação da
UFPA, por meio da construção de um novo campus no município de Ananindeua, em
área limítrofe ao município de Belém.
Em relação aos agentes com alguma base imobiliária, a segmentação se deu pelo
tipo de produto imobiliário recentemente ofertado pelo mercado: condomínios horizon-
tais de alto padrão, condomínios clube verticais de alto padrão, condomínios verticais
de médio padrão, edifícios de escritório de alto padrão, edifícios de alto padrão com
vista para a baía do Guajará, condomínios do MCMV das faixas 2 e 3 e shopping
centers. Como pode ser visto, há certa variedade no perfil de empreendimentos imo-
biliários na cidade, o que condiciona vetores de expansão e diferentes impactos sobre
as características de bairro.
Em termos de impacto para os espaços livres da cidade, destacam-se os efeitos
provocados pelos condomínios horizontais de alto padrão – em especial o condomínio
Alphaville, construído na ilha de Outeiro a 14 quilômetros da área central da cidade,
em área de vegetação densa na orla do rio Maguari – e tendência de empreendimentos
dirigidos para grupos de renda média ocuparem as margens do rio Ariri, que separa os
municípios de Belém e Ananindeua, destruindo Áreas de Preservação Permanente (APPs)
e contrariando a legislação ambiental brasileira. Também se destacam os condomínios
de médio padrão que predominam na área central da cidade e que, na maioria dos
casos, foram implantados em antigos terrenos mantidos pelos proprietários fundiários
locais com fins de especulação imobiliária ou em áreas livres que correspondiam ao

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For ma Ur ba na de B elém e s eu s D e s dobr ament o s par a a
For maç ão de um Si s t ema de E spaço s Li v r e s Ace s sí vel à Populaç ão

Quadro 2  Produtos Realizados, Características e Potencial para o SEL,


Potencialidade de Transformação e Dinâmica de Produção dos
Agentes Governamentais Identificados pelo Grupo de Trabalho Ação
dos Agentes Produtores do Espaço Urbano em Belém e a Paisagem

Potencialidade de
Produtos Características Ambientais e
Agente Transformação e Dinâmica de
Realizados Potencial para o SEL
Produção

Dinâmica de produção média


Conjuntos habitacionais do Evitar ocupação de áreas
que incentiva loteamento no
programa MCMV 1. ambientalmente sensíveis.
entorno.
GOVERNO Criação de nova centralidade
Novo campus da UFPA em
FEDERAL e possível gentrificação do
Ananindeua.
Qualificação ambiental. entorno.
Urbanização de favelas
Lento.
(PAC1).
Prolongamento da av. João Contorno do parque do
Paulo II. Utinga; desafogar o trânsito.
Valorização em torno da
Prolongamento da av. Desafogar o trânsito da BR-
rodovia e redução do trânsito
Independência. 316.
na via do BRT.
Desafogar o trânsito de
Duplicação da perimetral.
caminhões na área central.
Valorização do entorno
imediato caso o terminal
Alternativa de modal de tenha sucesso como modal
Terminal hidroviário.
transporte. de transporte; caso contrário,
GOVERNO acentuará a segregação das
ESTADUAL áreas portuárias atuais.
Acessibilidade para o Parque
Pouco impacto em função da
Ambiental existente em lei, mas
Requalificação do Utinga. existência de via periférica ao
que não possui atrativos para
parque.
maior uso pela população.
Por ser em lote nas
proximidades de equipamento
Nova sede da Assembleia urbano gerador de Valorização do entorno
Legislativa do Pará. tráfego (Hangar Centro de imediato.
Convenções), aumentará o
trânsito.
Valorização imobiliária e
Orla Portal da Amazônia. Qualificação ambiental.
gentrificação.
Requalificação da av. Marquês
de Herval. Reforço de vetor imobiliário de
Qualificação ambiental da via.
Requalificação da av. Duque médio e alto padrão.
de Caxias.
Implantação do BRT: vias,
PREFEITURA Mudança radical nos espaços
faixas exclusivas, viadutos e Desafogar o trânsito.
das vias.
estações.
Valorização do entorno
imediato caso os terminais
Novos portos articulados ao Alternativa de modal de tenham sucesso como modal
BRT. transporte. de transporte; caso contrário,
maior segregação das áreas
portuárias atuais.

Fonte: Elaborado por Raul Ventura Neto a partir do produto da discussão realizada durante a Oficina Quapá-SEL, Belém, 2015.

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A na C laudia D u ar t e C ar do s o, J o s é Julio Fer r eir a Lima , R aul Vent ur a N et o,
Rob er t a M eneze s Ro dr igue s , Julia no Pamplona X imene s , Tay nar a do Va le Gome s

quintal das antigas edificações, tipo de espaço livre outrora predominante na área central
de Belém. Ainda sobre os impactos na área central da cidade, destacam-se os edifícios
de alto padrão com vista para a baía do Guajará, que, apesar de não representarem
padrão hegemônico de lançamento imobiliário, tendem a influenciar negativamente os
espaços livres da cidade que possuem acesso visual à orla, na medida em que estimulam
a retenção especulativa dos terrenos remanescentes pelos seus proprietários. Esse tipo de
empreendimento imobiliário representa um dado relevante nas formas de apropriação
da paisagem urbana em Belém.
É possível supor que, apesar dos vetores imobiliários mais dinâmicos da cidade
já terem se consolidado em alguns bairros da área central, as obras de infraestrutura
urbana, capitaneadas pelo governo estadual e pela prefeitura em ruas e avenidas da
cidade, tendem a contribuir para a segregação socioespacial à medida que suas faixas
lindeiras são apropriadas por condomínios de alto padrão e estruturas de comércio e
serviço de luxo.
Com menor grau de impacto sobre os espaços livres da área central, estão os con-
domínios verticais de médio padrão construídos na mais recente fronteira de expansão
imobiliária na Segunda Légua patrimonial de Belém, classificada por alguns agentes
do mercado como “Nova Belém”. É nesse espaço da cidade que também predominam
os condomínios verticais do MCMV para as faixas 2 e 3. Nesse caso, pelo porte dos
empreendimentos, normalmente capitaneados por grandes incorporadoras nacionais
em atuação no circuito imobiliário local, a transformação sobre a área é intensa e
acelerada. Tais empreendimentos contam com relação entre densidade populacional e
área de espaços livres insuficiente, agravada pela restrição de acesso às estruturas de
lazer que oferecem.
Por último, com menor impacto direto, elencaram-se os dois shopping centers de
grande porte recentemente empreendidos ou em vias de finalização em Belém. Nos dois
casos, constatou-se que, apesar do impacto pela transformação das áreas livres ser,
em termos absolutos, inferior à maior parte da produção imobiliária voltada para o uso
residencial, a capacidade desses empreendimentos de consolidarem novas centralidades
urbanas é significativa. Em função disso, pode-se dizer que esse tipo de empreendimento
tende a gerar efeitos indiretos sobre os espaços livres da cidade, principalmente pelo
estímulo à especulação fundiária de grandes proprietários locais em áreas afetadas pela
nova centralidade criada, desestimulando, por exemplo, o adensamento ao longo das
principais rodovias de acesso a esses equipamentos (qQuadro 3 Produtos Realizados,
Características e Potencial para os SELs, Potencialidade de Transformação e Dinâmica de
Produção de Empresas de Base Imobiliária Identificados pelo Grupo Ação dos Agentes
Produtores do Espaço Urbano em Belém e a Paisagem).
No que diz respeito aos agentes sem base imobiliária, os empreendimentos de maior
vulto correspondem ao lançamento de hipermercados, em especial um edifício de grande
porte do grupo Carrefour, previsto para ser lançado na nova orla da cidade (Portal da
Amazônia) em um terreno de aproximadamente quatro hectares, que abrigava uma antiga
indústria têxtil local. Nesse sentido, é possível lançar a hipótese da consolidação de uma

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subcentralidade na área da Nova Orla, o que poderia atrair lançamentos imobiliários


de alto e médio padrão pelo diferencial existente no valor da terra urbana no local e
pela possibilidade de lançamentos imobiliários residenciais com vista para o rio Guamá.

Quadro 3 Produtos Realizados, Características e Potencial para os SELs,


Potencialidade de Transformação e Dinâmica de Produção de
Empresas de Base Imobiliária Identificados pelo Grupo Ação dos
Agentes Produtores do Espaço Urbano em Belém e a Paisagem

Potencialidade de
Características Ambientais e
Produtos Realizados Transformação e Dinâmica
Potencial para os SELs
de Produção

Condomínio Alphaville - Alto


padrão
Incentivar degradação
Baixa.
ambiental.
Condomínio Miriti - Alto padrão

Condomínio Club - Alto padrão Abrindo espaços livres privados. Sem fruição pública.

Verticalização com pouco


Condomínios de Médio padrão espaço livre, afetando o Intensa.
microclima e o trânsito.

Edifícios de alto padrão (com


Baixa.
escritórios)
Verticalização com bloqueio da
vista para a baía.
Edifícios de alto padrão (com
Tendência média.
vista para baía)

Verticalização na área de Forte, com nova frente


MCMV (faixa 02 e faixa 03)
expansão. imobiliária.

Parque Shopping e Bosque Consolidação de nova Consolidação da nova frente


Belém centralidade. imobiliária (Nova Belém).

Fonte: Elaborado por Raul Ventura Neto a partir do produto da discussão realizada durante a Oficina Quapá-SEL, Belém, 2015.

Quanto aos agentes de produção da cidade dita informal, percebe-se que, apesar
de não haver ocorrido aumento considerável na migração urbano rural para o muni-
cípio de Belém, foi possível mensurar o aumento do número de domicílios na cidade
entre os Censos de 2000 e 2010, evidenciando aumento significativo em comparação
ao período de 1991 a 2000, passando de quatro mil para sete mil novos domicílios
a cada ano. Ao que tudo indica, parte considerável desse crescimento corresponde
a áreas da cidade que não estão incluídas no mercado formal de moradias, em que

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pese o fato de que o recorde de entrega de unidades novas de apartamentos em Belém


pelos agentes do mercado imobiliário ocorre somente em 2011 e não ultrapassa 3.500
unidades. (VENTURA NETO, 2012).

Quadro 4  Produtos Realizados, Características e Potencial para os SELs,


Potencialidade de Transformação e Dinâmica de Produção de
Empresas sem Base Imobiliária Identificados pelo Grupo Ação dos
Agentes Produtores do Espaço Urbano em Belém e a Paisagem

Potencialidade de
Produtos Características Ambientis e
Transformação e
Realizados Potencial para os SELs
Dinâmica de Produção

Aumento de tráfego e
Supermercado Carrefour manutenção de centralidade;
Ocupação de lotes na
impedimento de acesso
rodovia Augusto Montenegro,
viário direto na ocupação da
supressão vegetal e
região da rodovia Augusto
Supermercado Líder impermeabilização de solo.
Montenegro; valorização do
(Augusto Montenegro)
solo urbano.

Fonte: Elaborado por Raul Ventura Neto a partir do produto da discussão realizada durante a Oficina Quapá-SEL, Belém, 2015.

5 LEGISL AÇ ÃO URBANÍSTIC A

Para mensurar o impacto da legislação urbanística sobre o SEL de Belém, o Grupo


de Trabalho Análise da Legislação Urbanística realizou simulações de aproveitamento
de lotes a partir da legislação urbanística vigente no município, abrangendo o Plano
Diretor de Belém (Lei nº 8.655/2008), a Lei do Centro Histórico de Belém e seu en-
torno (Lei nº 7.709/1994) e a Lei Complementar de Controle Urbanístico – LCCU (Lei
Complementar nº 2/1999), observando o Zoneamento vigente, os modelos e quadro
de parâmetros de cada zona. As quadras/terrenos selecionados para simulação obe-
deceram aos seguintes critérios: quadras na área central de diferentes tipos; quadras
livres ou com capacidade de adensamento; terrenos localizados nos vetores de verti-
calização: na área central e na área de expansão; terrenos grandes com capacidade
de produção vertical. O quadro 5 apresenta uma síntese das simulações realizadas por
zona e conforme critérios de enquadramento do lote.
O desenvolvimento de cada simulação foi discutido para verificar as possibilidades
de adensamento a partir da elaboração dos cálculos dos parâmetros aplicados às áreas
selecionadas. Observou-se que não existe um coeficiente básico para cada Zona, mas
apenas o coeficiente mínimo e máximo – disso decorre o início da não regulamentação
da cobrança do instrumento Outorga Onerosa tanto do Direito de Construir, quanto
de mudança de uso do solo, caso estivesse prevista no Plano Diretor. É possível a uti-
lização do potencial máximo sem cobrança de Outorga. Ainda assim, é considerada
não computável grande quantidade de áreas, como estacionamentos, áreas de lazer,

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varandas e áreas de circulação, o que faz com que o coeficiente de aproveitamento


praticamente dobre em todas as zonas, sendo esse o parâmetro adotado. Deve-se
notar que na elaboração do Plano Diretor do Município de Belém, aprovado em 2008,

Quadro 5 Simulações Realizadas pelo Grupo de Trabalho Análise da Legislação


Urbanística para Diferentes Situações de Inserção na Cidade

ZAU 7 Setor 1 Área do lote (m2): 2000/-


(Bairro do Reduto Testada mínima: 20m
- Entorno Centro Recuo frontal: 5m
Histórico Recuo lateral para HK<13m: 2,5m
Recuo dos fundos: 5m
Coeficiente de aproveitamento: 3
Taxa de ocupação (H até 7m): 0.7
Permeabilização: 0.1

ZAU 6 Setor 1 Área do terreno: 12.000m2 (200x60)


(Bairro do Umarizal) Área construída: 1260m2
Área permeável: 2.400m2
Edificações multifamiliares – 33 pav. –
2 torres
Área da unidade 315m2
Área do pavimento-tipo 630m2
2 Uhs por pavimento -tipo 31
pavimentos
ZAU 6 Setor 2
(Bairro do Marco)

ZAU 6 Setor 4 M4 (Residencial)


(Bairro Parque •  Aproveitamento:
Verde - Av. Augusto •  147.5000,00 m2
Montenegro) •  552m2 (6 unidades por andar)
•  l 4 edificios
•  32 pavimentos-tipo
•  1 pavimento de estacionamento
•  1 pavimento de salão de festas
•  Altura: 108m
•  2688 Unidades
ZAU 6 Setor 4 Zona 6 SETOR 4.
(Bairro Tenoné Modelo mA.
- Av. Augusto Area do terreno: 38.976 m2. Área
Montenegro) construída: 96.900 m2. Parâmetros:
Cf. Aproveitamento: 2,5 - 97.440 m2
Taxa de ocupação: 0,5 - 19.488 m2;
Permeabilidade: 0,2 7.800 m2.
Edificação proposta: 5 torres de 53 pavimentos:
51 pavimentos tipos: 380 m2 cada com
4 unidades de 95 m2; 1 pavimento com salão
pavimento de pilotis (obrigatoriedade).

Fonte: Google Earth 2015, Belém (1999; 2008). Produzido por Taynara Gomes a partir dos resultados de grupos de trabalho da
Oficina de Espaços Livres, Quapá-SEL, Belém, 2015.

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Rob er t a M eneze s Ro dr igue s , Julia no Pamplona X imene s , Tay nar a do Va le Gome s

diversas regulamentações de parâmetros urbanísticos foram deslocadas para legislações


posteriores, incluindo as exigências de previsão de vagas de estacionamento em novos
empreendimentos. Parâmetros existentes na LCCU nº 2/1999, que regulamentavam o
Plano Diretor do Município de 1993, não mais válido, substituem, de modo juridicamente
irregular e distorcido, a ausência de conteúdo do atual Plano Diretor do Município.
Observou-se que o potencial construtivo é bastante alto em todas as zonas, na
medida em que não há limite intermediário estabelecido. Existe grande possibilidade
de verticalização em toda as zonas, com exceção na área do entorno do Centro His-
tórico, que possui limite de gabarito máximo. Também não há conexão entre potencial
construtivo e densidade construtiva ou populacional na quadra. Poucas referências são
feitas ao controle direto da densidade demográfica em áreas urbanizadas de Belém.
Por outro lado, os atuais índices urbanísticos permitem que zonas outrora de caráter de
preservação ambiental sejam urbanizadas no coeficiente mínimo para áreas urbanas do
município – ou seja, o novo Plano Diretor cria formalmente terra urbana. Essas permissões
não foram acompanhadas de implantação de nova infraestrutura para qualificar o solo
e torná-lo passível de ocupação urbana adequada.
Ao longo da avenida Augusto Montenegro, onde ainda há grandes lotes vazios ou
subutilizados, esses coeficientes possibilitam a produção de grandes empreendimentos
verticalizados com múltiplas torres. Ainda assim, observou-se que o potencial construtivo
não é todo utilizado em alguns casos, em função das exigências do mercado relacionadas
a certas tipologias para o segmento econômico, como o chamado condomínio-clube. Há
necessidade de destinação de área para estacionamento e lazer, limitados por questões
de adequação do projeto ao perfil dos compradores, e não pela limitação de potencial
construtivo. Ainda na área da chamada “Nova Belém”, regiões como o Jardim Sideral
são indicadas como áreas de Operação Urbana Consorciada sem que haja sequer
infraestrutura básica disponível.
A verticalização ocorre até o máximo permitido, sem que haja ponderação sobre a
capacidade de suporte da infraestrutura existente, ou mesmo a cobrança de Outorga
Onerosa como forma de arrecadar recursos para promover novos investimentos em
infraestrutura urbana. Disso resulta prejuízo à qualidade urbanística e ambiental da
cidade em praticamente toda as zonas estudadas, uma vez que a verticalização intensa
tende a saturar estruturas já comprometidas pela baixa cobertura de redes de serviços
e de infraestrutura urbana básica. Observou-se que as exigências quanto a áreas per-
meáveis também são insuficientes para garantir melhores condições ambientais para a
cidade sem que haja maior distinção dos parâmetros de permeabilidade do solo nas
zonas mais adensadas, ou que seja reconhecida a necessidade de manutenção de áreas
permeáveis para garantia da capacidade de drenagem eficiente das ruas da cidade.

6 CONSIDER AÇÕES FINAIS

A diferenciação da paisagem da área central, em comparação com a área de expan-


são de Belém, é o principal aspecto observado neste trabalho. Apesar de a paisagem

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urbana continental ainda ter resquícios do porte das massas vegetadas próprias da
região, há pouco acesso e disponibilidade deficiente e restrita. Em que pese a heran-
ça de vias arborizadas no início do século XX e de espaços de beira-rio, a ocupação
urbana limita, evidentemente, as possibilidades de usufruto.
Na área central há disponibilidade de espaços públicos e áreas verdes em praças
e parques, com qualidade e distribuição espacial acessível, embora ainda deficien-
te, tecnicamente, em relação à mancha urbana e às suas densidades demográficas.
Destaca-se a concentração de espaços livres que cresce na margem dos rios (novas
urbanizações). Nas áreas de ocupação informal, há grande carência de espaços livres,
uma vez que os espaços públicos disponíveis tendem a ser ocupados com pequenas
edificações, com lixo acumulado, mato, contribuindo para avaliações negativas sobre
tais espaços, onde a proximidade da centralidade principal de Belém, para as elites,
representaria um contrassenso. A área central e suas imediações deveriam, sob essa
ótica socialmente desigual, ter perfil elitizado. Um dos tipos de espaços livres e do
verde apreciados pela população de baixa renda são os balneários, pequenas estru-
turas construídas nas margens de igarapés (pequenos rios), que permitem o banho e
o lazer, assim como as praias de rio. Usualmente, estão localizados fora da área mais
urbanizada da Região Metropolitana, ou nas ilhas.
Existe um cinturão institucional que define o ciclo de ocupação da Primeira Légua,
composto por áreas verdes majoritariamente de instituições públicas, como as Forças
Armadas, instituições de ensino e pesquisa, autarquias federais. Eventualmente, a partir
dos corredores de tráfego da cidade de Belém, sua visibilidade e identificação de exten-
são são comprometidas; tais espaços verdes preservados pelos usos institucionais não
são frequentados pela população; neles não há parques implantados. Essa situação da
porção continental mais densa contrasta com o entorno insular, onde o verde ainda está
presente. Na área de expansão, predominam fragmentos de verde, que correspondem
às áreas reservadas para equipamentos e praças nos conjuntos habitacionais e às áreas
ainda sob o domínio do tipo de instituição listada anteriormente. Há grande potencial de
aproveitamento do miolo de quadras, ainda vegetado nas de bairros como o Tapanã,
com possibilidade de desmembramento de lotes e tratamento urbanístico. Costumam
ser esquecidas as funções ambientais que antigos quintais e massas vegetais pulveriza-
das e menores têm cumprido historicamente, e o quanto sua supressão onerará novas
redes de infraestrutura e comprometerá o desempenho ambiental da forma construída.
A atuação dos agentes consolida vetores imobiliários na porção mais dinâmica da
cidade, com prédios de alto e médio padrão, auxiliada pelo conjunto de novas vias e
alternativas de transporte público. Não se trata de novidade. A diferença é que, enquanto
os vetores estavam dentro da Primeira Légua Patrimonial, a paisagem de quadras de
uso misto e as centralidades de clara definição foram apoiadas pelo desenho urbano do
início do século XX. Já na concentração e interação dos agentes locais, que o mercado
chama de Nova Belém (área de expansão), há carência de espaços livres. O mapa 4
ajuda na visualização desse problema, facilitando a compreensão da visualização da
distribuição de praças na Primeira Légua, onde há melhor infraestrutura, da localização

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das áreas institucionais, das áreas verdes com grande potencial para apropriação (como
parques) e do caráter residual das áreas verdes na área de expansão.
Na área de expansão, observa-se a concentração de lançamentos imobiliários em
áreas previamente reservadas, envolvendo uso residencial, de comércio e serviços,
que se constituem em novas centralidades, de acesso baseado no uso do automóvel
em detrimento do pedestre – uma nova realidade, antes só observada no entorno de
conjuntos habitacionais de grandes dimensões.
Isso deve influenciar decisivamente na sociabilidade dos novos moradores dessas
áreas, isolados em condomínios, consumindo comércio e serviços também isolados, em
esquemas arquitetônicos e acessos urbanísticos do tipo mall, com lazer dependente do
automóvel individual, destacando a necessidade de reflexão sobre o padrão urbanístico
criado na “Nova” Belém.
O confronto dos parâmetros urbanísticos do Plano Diretor com a situação em curso
na cidade mostra que o potencial construtivo, em alguns casos, não é todo utilizado em
função das exigências de mercado para tipologias do segmento econômico de área
para estacionamento e lazer. A solução arquitetônica é determinada pela necessidade
de adequação do projeto ao perfil dos compradores, e não pela restrição de potencial
construtivo. Por outro lado, a possibilidade de verticalização até o limite máximo, sem
ponderação sobre a capacidade de suporte da infraestrutura existente, ou mesmo a
cobrança de Outorga Onerosa como forma de arrecadar recursos para promover novos
investimentos em infraestrutura urbana, resultam em prejuízo para a qualidade urba-
nística e ambiental de Belém. Destaca-se, nessa perspectiva, que as exigências quanto
a áreas permeáveis são insuficientes para garantir melhores condições ambientais sem
distinção adequada entre zonas com maior densidade construtiva, ou correlação entre
manutenção de permeabilidade do solo ao desempenho efetivo da drenagem urbana,
conforme características da bacia hidrográfica em questão.
Há de ter especial consideração quanto à ocorrência de APPs nas margens dos rios
internos e nas ilhas, principais espaços verdes do município e elementos de conexão com
o bioma amazônico. O potencial paisagístico do bioma circundante (floresta tropical
e de várzea), ainda é invisível para a população, ou melhor, conta com significados
de invisibilidade distintos entre os diversos grupos sociais. Enquanto para uns os equi-
pamentos da orla descortinam o rio e trazem oportunidades de convívio, para outros,
são novos obstáculos para moradia e acesso democrático à cidade.

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Mapa 4 Síntese da avaliação da qualidade das ruas e distribuição de espaços livres desenvolvida pelo Grupo de
Trabalho Identificação de um Sistema de Espaços Livres na cidade.
Fonte: Mapa produzido em 2015 por Taynara Gomes sobre imagens do Google Earth 2015 e croquis elaborados
pelo grupo de trabalho durante a oficina de espaços livres. Quapá-SEL, Belém, 2015.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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cultural e paisagístico do município de Belém. Diário Oficial do Município de Belém, nº 7.768, 18 mai. 1994,
2º caderno.
BELÉM. Plano Diretor do Município de Belém. Lei nº 8.655, de 30 de julho de 2008. Dispõe sobre o Plano Diretor
do Município de Belém, e dá outras providências. Diário Oficial do Município de Belém, 27 dez. 2013, p. 445.
BRASIL. Lei Complementar nº 14, de 8 de junho de 1973. Estabelece as regiões metropolitanas de São Paulo, Belo
Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, Curitiba, Belém e Fortaleza. Brasília: Presidência da República, 1973.
Diário Oficial da União, 11 jun. 1973, p. 5.585. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/
Lcp14.htm>.
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BUENO, Laura Machado de Mello. Qualidade de vida e ambiental: avaliação e monitoramento de intervenções
em assentamentos de interesse social. 81 f. Relatório de pesquisa – Pontifícia Universidade Católica de Campinas,
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COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO E ADMINISTRAÇÃO DA ÁREA METROPOLITANA DE BELÉM (CODEM).
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Urbanismo) – Instituto de Tecnologia Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará, Belém, 2012.

Nota do editor
Submissão: 30 jul. 2015
Aprovação: 26 out. 2015

34 Paisagem e ambiente: ensaios - n. 37 - São Paulo - p. 11 - 34 - 2016


ENTRE A RUA E O MURO : A CONSTRUÇ ÃO
DE UM A INTERFACE NOS CONDOMÍNIOS
HORIZONTAIS FECHADOS
BETWEEN THE STREET AND THE WALL: THE CONSTRUCTION OF AN INTERFACE
IN GATED COMMUNITIES

Karin Schwabe Meneguet ti*


Gislaine Elizete Beloto**

RESUMO
As ruas são espaços livres fundamentais para a vida urbana, e sua paisagem é condicionada
pela forma de ocupação e uso dos lotes que as delimitam. Contudo, o processo de urbanização
recente tem demonstrado mudanças na relação entre os espaços públicos e privados, entre
elas, as derivadas dos grandes condomínios horizontais fechados. Sua implantação resulta
em altos e contínuos muros, os quais rejeitam a interface com as ruas adjacentes, afetando,
de maneira negativa, a qualidade urbana. Este artigo objetiva apresentar uma possibilidade
para construir a interface entre os condomínios fechados e as ruas externas a eles. Para tanto,
será relatada a experiência, na cidade de Maringá, da implantação de condomínios cercados
por lotes voltados às ruas externas e de usos diversos. A aplicação desse tipo morfológico em
vários desses empreendimentos imobiliários tem demonstrado ganho considerável na qualidade
da paisagem da via pública.
Palavras-chave: Paisagem urbana. Morfologia urbana. Condomínios horizontais. Maringá.

ABSTR AC T
Streets are fundamental open spaces to urban life and their landscape is conditioned by the occupation form
and use of lots along it. However, recent urbanization processes have shown changes in the relationship
between public and private spaces. Among these changes are the large gated communities within the
urban fabric. They result in high and continuous walls, which reject the interface with the neighboring
streets, thus negatively affecting urban environment quality. This paper aims to present a possibility to
construct the interface between gated communities and outside streets. An experience of gated communities
surrounded by multi-purpose lots built in the city of Maringá, Brasil, will be reported. The application of
this typomorphology in several of these real estate enterprise has demonstrated significant improvement
in the quality of the street landscape. 
Keywords: Urban landscape. Urban morphology. Gated communities. Maringá.

* Arquiteta pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), doutora em Arquitetura e Urbanismo pela
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP) e professora
associada da graduação e pós-graduação do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Estadual de Maringá (UEM). Avenida Colombo, 5.790, bloco 32, 87020-900,
Maringá, PR, Brasil.
[email protected]
** Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), doutora
em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São
Paulo (FAUUSP) e professora adjunta da graduação do Departamento de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Avenida Colombo, 5.790, bloco 32, 87020-900,
Maringá, PR, Brasil.
[email protected]

http://dx.doi.org/10.11606/issn.2359-5361.v0i37p35-49

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1  DO PÚBLICO PARA O COLETIVO: NOVOS TECIDOS URBANOS

Jane Jacobs, no clássico The death and life of great american cities, publicado
originalmente em 1961, estabelece que “as ruas são peças vitais para as cidades”. O
livro foi definido pela autora como uma verdadeira ofensiva contra os fundamentos
do urbanismo modernista, e sua grande repercussão equivale à simplicidade com que
apresenta um novo entendimento sobre a cidade. Nele, a autora defende a diversidade
de usos urbanos, a qual reflete a possibilidade de uma série de combinações rua-edifícios
e a promoção na interação entre estas e os pedestres.
Elemento abstrato da cidade, a rua ganha significado ao ser tomada como o “lo-
cal público por excelência”. A concretude desse elemento se faz na interface com os
elementos edificados que a delimitam – os próprios edifícios e os muros. Essa interface
é resultado da diversidade de usos, e, também, de uma diversidade arquitetônica e
paisagística.
Entre outros itens, a qualidade de uma rua é tanto maior quanto maiores as pos-
sibilidades de combinações com os edifícios (CARMONA et al., 2010). Com ela, há
tendência de aumento da utilização desse espaço público, da circulação de pessoas em
períodos diferentes do dia, o que promove sensação de segurança tanto aos pedestres
quanto aos moradores.
Paradoxalmente, desde as últimas décadas, a sensação de segurança vinculou-se ao
“fechamento” ou “isolamento” das casas em relação às ruas. A descrença numa efetiva
segurança pública fomentou a ideia de “proteção atrás dos muros” (TRAMONTANO;
SANTOS, 1999). Enquanto isso, as ruas residenciais passaram a ser espaços margi-
nalizados e lugares exclusivos para circulação, sobretudo a circulação do automóvel.
O processo de urbanização recente demonstra mudanças nas relações entre os
espaços públicos e privados que se mesclam ao uso privativo de propriedades públicas
e ao uso público, porém com acesso controlado, de propriedades privadas. Organizada
quase sempre para atividades coletivas ou para viabilizar a adoção de equipamentos
e serviços, também de uso coletivo, a apropriação de forma privativa dos espaços pú-
blicos ocorre de forma cada vez mais complexa. A organização condominial, seja ela
residencial ou comercial, como os shoppings, enseja novas formas urbanas ao tecido
tradicional. (REIS, 2006).
Nesse sentido, o modelo de expansão das grandes e médias cidades brasileiras,
que se destaca a partir da década de 1980, reafirma, em analogia ao que escreve
Francesco Indovina (2010), a organização de um território a partir da realização da
“condição urbana”, fora da cidade tradicional e compacta, que se configura dispersa
pelo território, mas com a presença inexorável dos condomínios horizontais fechados.
Estes configuram novo tecido dentro da mancha urbana dispersa, ou com tendência a tal.
Trata-se de um mosaico de formas condominiais, isoladas entre si, em que tende
a se transformar o tecido urbano contemporâneo, nas áreas de expansão urbana e
periferias, ou mesmo entremeando a malha tradicional, como no caso apresentado
neste artigo. Tais formas de “organização coletiva do tecido urbano” (REIS, 2006) são
respostas à maior exigência em infraestrutura e qualidade de serviços, especialmente às

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Ent r e a Ru a e o M ur o : A C on s t r uç ão
de uma Int er f ace no s C ondomínio s Hor i zont ai s Fec hado s

que se relacionam à segurança, e que, devido à organização coletiva nos condomínios,


é possível que os usuários/proprietários tenham acesso.
No caso dos condomínios horizontais fechados, como o próprio nome diz, os muros
são os delimitadores da área beneficiada pela organização coletiva. Entretanto, um
dos maiores problemas urbanos causados por esses muros é o comprometimento da
qualidade paisagística da rua, externa aos mesmos. O conjunto dessas áreas muradas
oferece àqueles que transitam pelas ruas externas aos condomínios uma experiência
estéril.
Conforme defende Manuel de Solà-Morales (2001, p. 106), “[...] a cidade é preci-
samente o lugar onde o particular pode ser – e amiúde é – social: tanto ou mais que
o público, a boa cidade é aquela em que os edifícios particulares têm valores sociais
que os extrapolam, e nisso está seu modo de ser urbanos”. A total separação, e espe-
cificamente a separação visual, nega o espaço público – este que, para Solà-Morales,
é o principal responsável por dar condição para que o privado seja urbano. É essa
perspectiva, que interpola o privado e o público na constituição do espaço urbano e,
também, da paisagem da cidade, que será aqui abordada.
Apesar de o assunto abrir espaço para discussões como processo de urbanização,
legislação urbanística, novas infraestruturas, modo de vida urbano, entre outros tantos, o
principal objetivo deste artigo é apresentar a experiência da cidade de Maringá naquilo
que se refere a novas possibilidades de implantação de condomínios horizontais fechados
inseridos na malha urbana existente – de tal forma que permaneça a diversidade de
uso e ocupação ao longo das ruas e que a interferência da implantação na paisagem
urbana seja tanto menor quanto possível. Para isso, este artigo põe em evidência os
tipos morfológicos dos condomínios fechados que compõem parte do tecido da cidade
de Maringá e estabelece a narrativa histórica sobre a criação de um novo tipo.

2  A QUASE-LEGALIDADE

Os condomínios ou loteamentos fechados começaram a ser implantados nas gran-


des cidades brasileiras por volta dos anos 1980. Era a repercussão da implantação
Alphaville Barueri, a partir de 1973. Outra fonte de influência para a criação de tais
condomínios no Brasil foi a forma de constituição de condomínios norte-americana,
conhecida como Common Interest Development, que, a partir dos anos de 1960, seria
a nova fórmula encontrada para a viabilização do sprawl, por meio do sistema de co-
propriedade, o mesmo que, mais tarde, viabilizaria a produção das gated communities1,
conforme Souza e Silva (2014).
Facilmente, houve a transposição dessa forma de expansão urbana para as cidades
médias brasileiras, com a mesma e principal justificativa para sua implantação nas grandes
cidades, ou seja, a segurança como qualidade de vida aliada à qualidade paisagística

1
Sobre gated community, ver: LANG, Robert E.; LeFURGY, Jenifer B. Boomburbs: the rise of the America’s
accidental cities. Washington: The Brookings Institution, 2007.

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prometida para o intramuros pelo mercado imobiliário. Assim, os condomínios fechados


multiplicaram-se em todo o país, destinados às classes média e alta, como parte de um
mesmo movimento em que se conjugava o esvaziamento dos centros tradicionais pelo
uso residencial sob uma base paradigmática do zoneamento monofuncional.
Sob o ponto de vista normativo, a lei não pressupunha a figura do condomínio hori-
zontal fechado. A lei que regia, e ainda rege, à condição condominial no Brasil – Lei nº
4591/1964 – faz inferências apenas aos condomínios formados por unidades autônomas
de casas ou apartamentos com fração ideal do terreno, e cuja gleba, indivisível, não
necessita de abertura de novas ruas. Trata-se tão simplesmente dos edifícios verticais
ou de casas em série, paralelas ou transversais ao alinhamento predial, das quais as
áreas de circulação são partes integrantes do condomínio.
Sendo assim, na prática, o que se vem fazendo é um “loteamento fechado”, que,
por ser um instituto não regular na legislação brasileira e por ferir condições básicas
dos loteamentos instituídos pela Lei nº 6766/1979, como propriedades públicas das
ruas e praças implantadas, passa a ser nomeado “condomínio horizontal fechado” ou
apenas “condomínio horizontal”.
Na descrição de Tramontano e Santos (1999, s/p), os condomínios horizontais
fechados são:

[...] os conjuntos de habitações cercados por muros, com entrada única, geralmente
controlada por dispositivos como guarita. São conjuntos, como sugere a denomi-
nação, não verticalizados, nos quais as unidades habitacionais possuem acessos
independentes e geralmente estão dispostas em lotes definidos. Constituem uma
modalidade de ocupação do solo na qual verificam-se vários tipos de agrupamentos
das unidades habitacionais, desde unidades isoladas até blocos de unidades térreas,
de dois pavimentos ou sobrepostas, passando por unidades geminadas por um só
lado, podendo ser térreas ou de dois pavimentos.

Não obstante, na grande maioria das vezes, esses condomínios fechados são im-
plantados sem as unidades habitacionais, o que os caracterizariam como loteamentos,
no caso, loteamentos fechados. Dentro do Direito Urbanístico Brasileiro, segundo Silva
(1995, p. 315), tais “loteamentos fechados” não figuram como modalidade específica
de parcelamento do solo urbano, “[...] não há legislação que os ampare, constituem
uma distorção e uma deformação de duas instituições jurídicas: do aproveitamento
condominial do espaço e do loteamento ou do desmembramento”. Neles há uma
forma dos loteadores se desvencilharem das obrigações e ônus impostos pelas leis
federal e municipal. Uma vez que sua instituição não se faz em razão da incorporação
imobiliária ao lote, as ruas internas, conforme afirma Grau (1986, p. 199), “[...] não
podem ser cercadas ou bloqueadas[...]”, devendo ser de apropriação pública, e não
apenas coletiva dos “condôminos”.
A legalidade dessa prática passa pela legislação municipal, que pode discipliná-la
como uma modalidade de parcelamento do solo urbano ou, simplesmente, autorizar
o uso privativo das vias internas do condomínio para os moradores. (SILVA, 2008).

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Ademais, encontra-se em tramitação no Congresso Federal um substitutivo ao Projeto de


Lei nº 3057/2000 que revoga a Lei nº 6766/1979, denominada Lei de Responsabilidade
Territorial Urbana, a qual, entre outras providências, institui a modalidade condomínio
urbanístico – denominado, neste trabalho, condomínio horizontal fechado. O projeto
de lei que dá origem a esse substitutivo apenas busca regulamentar os condomínios
fechados com a inclusão do §2° no Art. 41 da Lei de Parcelamento do Solo Urbano.
Com a possibilidade da legalização de uma nova modalidade de parcelamento do
solo, o que ainda não foi posto em discussão é, mais uma vez, a qualidade do resto
da cidade diante dos condomínios fechados. Com a formação desses enclaves no
tecido urbano, como pensar o sistema de circulação, a expansão futura cada vez mais
segmentada e a paisagem que, cada vez mais monótona, reduz a experiência visual
ao continuum murado? Isso sem entrar no mérito das áreas destinadas a equipamentos
públicos e comunitários que provêm de doações dos loteadores ao aprovarem novos
empreendimentos.

3  CONJUGAÇÃO DA MALHA URBANA E CONDOMÍNIOS


     FECHADOS: A EXPERIÊNCIA DE MARINGÁ (PR)

Na cidade de Maringá (PR), esse tipo de empreendimento foi coibido em grande


parte pelo Plano de Diretrizes Viárias de 1979 (figura 1), que projetava vias configuran-
do quadras de aproximadamente 200 metros de lado, as quais seriam reparceladas
conforme o projeto do loteamento. Desse modo, o condomínio urbano ficava restrito às
dimensões da quadra máxima, com exceção dos que ocuparam as chácaras em lotes
de fundo de vale, de constituição estreita e alongada, o que ocorreu com os primeiros
condomínios horizontais até 1995.
Na década de 1990, após o primeiro período de intensa verticalização visto na
cidade, a expansão horizontal desta foi retomada e a figura do condomínio fechado
apareceu como alternativa de “segurança” para que se pudesse voltar a morar em re-
sidências térreas2. Em 1995, foi aprovado o loteamento denominado Jardim Imperial,
que parcelava boa parte dos lotes ainda rurais no norte da cidade. O interesse do
empreendedor era constituir um condomínio horizontal no interior do loteamento, mas
a previsão das diretrizes viárias emitidas pela prefeitura não possibilitava esse feito.
Após ampla negociação, foi suprimida uma via das diretrizes inicialmente planejadas
para que o condomínio fosse aprovado, condicionada a que se resolvesse o problema
urbano recorrente desse tipo de ocupação – os muros cegos de frente para as ruas
do entorno. A equipe técnica da prefeitura, liderada por Karin Schwabe Meneguetti,
considerando a relação com a rua a principal questão a ser resolvida, projetou uma
sequência de lotes “abertos” junto aos muros do condomínio, com as testadas voltadas

2
Maiores detalhes sobre entrevista feita com moradores de condomínios fechados de Maringá em: GALVÃO,
Altair. Condomínios horizontais fechados: segregadores ou segregados? Um estudo de caso no Municí-
pio de Maringá-PR. 2004. 200 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Estadual de Maringá,
Maringá, 2007.

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para as vias urbanas. O condomínio figuraria, então, como uma ocupação de miolo de
quadra. Imaginava-se que, com a ocupação desses lotes externos, o muro do condo-
mínio ficaria escondido, e a vida da rua, preservada – o que de fato aconteceu, como
pode ser observado nas figuras 2 e 3.

Figura 1 Plano de Diretrizes Viárias, Maringá, 1979. Área escura: malha urbana existente.
Área mais clara: diretrizes viárias propostas dentro do perímetro urbano.
Fonte: Acervo da Prefeitura do Município de Maringá.

Figura 2 Condomínio Jardim Imperial, Maringá, 2009. Polígono amarelo: muro do con-
domínio fechado. Externo ao polígono: faixa de lotes não pertencentes ao condomínio (lotes
“abertos”), cujo objetivo é manter a mesma paisagem do entorno.
Fonte: marcação sobre foto feita pelas autoras. Foto: Oficina Quapá-SEL Maringá, 2009.

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Figura 3 Interface entre o condomínio e a rua a ele externa: a paisagem da rua no limite do Condomínio Jardim
Imperial.
Foto: Karin Schwabe Meneguetti, 2015.

A partir dessa experiência, as normas urbanísticas da cidade passaram a exigir dos


empreendedores a provisão de faixas loteadas contínuas ao longo do perímetro do
condomínio, visando à diminuição do impacto causado pelos muros na cidade. Assim,
recolhendo-se os muros do condomínio para os fundos dos lotes abertos à rua, e crian-
do uma faixa de edificações ao longo da via, percebe-se uma mudança drástica no
impacto que era causado pelos altos muros. Se antes estes criavam uma divisão abrupta
entre o privado e o público, agora, os lotes que circundam os muros dos condomínios
restauram, além da imagem da cidade, a sensação de segurança da população que
trafega pela via. Essa diferença fica clara na comparação entre as figuras 4 e 5: a
primeira retratando o muro fechando a rua de um condomínio tradicional; a segunda,
com a nova modalidade de condomínio, com a faixa de lotes abertos voltados à rua.

Figura 4 Condomínio fechado tradicional, cujo muro contínuo desenha a interface público-privada.
Foto: Karin Schwabe Meneguetti, 2012.

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Figura 5 Condomínio Jardim Imperial, com a faixa de lotes “abertos” entre o muro e a rua.
Foto: Karin Schwabe Meneguetti, 2015.

A regulação dos propósitos do mercado imobiliário é uma constante na história do


planejamento de Maringá. (BELOTO, 2004). Diante da pressão pela aprovação dos
condomínios fechados dentro e fora do perímetro urbano, a Lei Complementar 334,
aprovada em 1999, considera esses empreendimentos imobiliários uma das modalidades
possíveis de parcelamento do solo. Adota o termo “condomínio horizontal” definindo-
-o como “[...] área fechada por muros, com acesso único controlado, em que a cada
unidade autônoma cabe, como parte inseparável, fração ideal de terreno correspon-
dente às áreas comuns destinadas a vias de acesso e recreação”. Acrescenta que não
será permitido interromper o prolongamento das diretrizes de arruamento previsto na
Lei do Sistema Viário Básico do Munícipio – aprovada por meio da Lei Complementar
333/99, em conjunto com a Lei de Loteamento – devendo os condomínios fechados
serem encaixados nessa malha projetada.

4  OS TIPOS MORFOLÓGICOS INSERIDOS


     NA MALHA URBANA DE MARINGÁ

A história da implantação e aprovação dos condomínios fechados retrata uma


articulação entre as normas urbanísticas e a disposição dos condomínios na malha

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urbana de Maringá, a qual deu origem a tipos morfológicos com diferentes relações
entre os muros de fechamento e a rua.
A abordagem tipomorfológica aqui adotada refere-se a uma maneira sistemática
de classificar porções do tecido urbano quase como “modelos para o projeto” ou
“ferramentas normativas” (MOUDON, 1989), e pouco tem a ver com a explicação do
processo de construção da cidade. A tipificação a partir da estrutura de parcelamento
dos condomínios contribui para a compreensão da paisagem gerada.

Figura 6 Tecido urbano, Maringá, 2015. Primeiro plano: faixa de lotes “abertos” de uso comercial contígua ao
condomínio fechado. Segundo plano: condomínio fechado. Terceiro plano: tecido habitacional resultante
de loteamentos.
Fonte: Marcação sobre foto feita por Gislaine Beloto, 2015. Foto: Gislaine Beloto, 2015.

4.1  TIPO 1

O primeiro tipo resulta da adaptação dos empreendimentos às diretrizes viárias


básicas de 1979, cuja malha aproximada, de 200m x 200m, obrigou que os condo-
mínios não ultrapassassem essa dimensão linear. Se por um lado tal diretriz desenhou,
de forma rígida e ortogonal, toda a expansão da cidade, por outro lado colaborou
com a implantação de uma série de pequenos condomínios intercalados por quadras
de parcelamento “aberto”, em vez de um único empreendimento de grandes dimen-
sões (figura 7). Assim, a experiência do pedestre, ao trafegar por essas ruas, ganha
contornos de alguma qualidade urbana com a possibilidade de combinações de
formas e espaços abertos e fechados que o lado oposto aos muros dos condomínios
permite. Não obstante a garantia de acessibilidade pelo controle das dimensões,
um muro contínuo – muitas vezes bastante alto e adornado por equipamentos de
segurança – contribui para a sensação de aridez e isolamento do lado do passeio
público (figuras 8 e 9).

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Figura 7 Inserção de condomínios fechados na malha urbana: Tipo 1 – condomínios com áreas reduzidas e
dispersos na malha urbana. Em amarelo: condomínios horizontais fechados. Em verde: loteamento. Pontilhado:
muro dos condomínios.
Desenho de Gislaine Beloto, 2015.

Figura 8 Paisagem derivada da dispersão de condomínios fechados na malha urbana: permanência dos
muros contínuos.
Foto: Gislaine Beloto, 2015.

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Figura 9 Paisagem derivada da dispersão de condomínios fechados na malha urbana.


Foto: Gislaine Beloto, 2015.

4.2  TIPO 2

O Tipo 2 se estabelece em áreas de fundo de vale e configura-se pela negação das


áreas de proteção ambiental. Essa negação ocorre pela simples separação da área
non aedificandi da área do condomínio propriamente dito por um muro (figura 10) ou
pela construção de uma rua no limiar da mata ciliar, denominada, em Maringá, de “via
paisagística”. No primeiro caso, a forma dos lotes rurais possibilitou uma sequência de
condomínios sem lotes lindeiros à rua e sem acesso público à área de fundo de vale (figura
11); no segundo, a indiferença pela área de fundo de vale que, em geral, os habitantes

Figura 10 Inserção de condomínios fechados


na malha urbana: Tipo 2 – negação das
áreas de proteção ambiental. Em amarelo:
condomínios horizontais fechados. Em
marrom: loteamento. Em verde: mata ciliar.
Pontilhado: muro dos condomínios.
Desenho de Gislaine Beloto, 2015.

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sentem, é reproduzida num cenário sem pessoas – onde de um lado está o muro do
condomínio e, do outro, a mata ciliar (figura 12). Esta, mesmo com potencial para a
constituição de parques lineares, é relegada ao acaso do poder público.

Figura 11 Paisagem formada pelo contínuo murado e pela área de proteção ambiental.
Foto: Gislaine Beloto, 2015.

Figura 12 Paisagem formada pelo contínuo murado, pela via paisagística e pela área de proteção ambiental.
Foto: Gislaine Beloto, 2015.

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4.3  TIPO 3

O terceiro tipo não se encaixa perfeitamente nas diretrizes básicas projetadas no


final da década de 1970. Com as dimensões lineares maiores, esses condomínios
têm proporções que chegam ao dobro do Tipo 1. São derivados de um único empre-
endimento (figura 13) ou de um conjunto de condomínios contíguos (figura 14). Em
compensação, os muros de fechamento não são totalmente visíveis a partir da rua. Ao
longo desses, uma série de lotes de uso comercial e/ou residencial busca formar uma
paisagem tal qual o entorno tradicional, como pode ser visto na figura 15. É o tipo
descrito anteriormente, a partir da experiência de 1995. Nesses tipos de condomínios,
quando da ocupação total dos lotes lindeiros, os muros são completamente escondidos
– e a vida da rua, mantida.

Figura 13 Inserção de condomínios fechados


na malha urbana: Tipo 3 – condomínios
implantados com uma faixa de lotes “abertos”
entre os muros desses empreendimentos e as ruas
a eles externas. Variação: um único condomínio.
Em amarelo: condomínios horizontais fechados.
Em verde: loteamento. Pontilhado: muro dos
condomínios.
Desenho de Gislaine Beloto, 2015.

Figura 14 Inserção de condomínios fechados


na malha urbana: Tipo 3 – condomínios implan-
tados com uma faixa de lotes “abertos” entre os
muros desses empreendimentos e as ruas a eles
externas. Variação: uma série de condomínios.
Em amarelo: condomínios horizontais fechados.
Em verde: loteamento. Pontilhado: muro dos
condomínios.
Desenho de Gislaine Beloto, 2015.

Paisagem e ambiente: ensaios - n. 37 - São Paulo - p. 35 - 49 - 2016 47


K ar in S c hwa b e M ene guet t i e Gi slaine Eli zet e B elot o

Figura 15 Paisagem formada pelos lotes externos e contíguos ao condomínio fechado. Em rosa, pode-se ver o muro
do condomínio, com as residências em segundo plano. No primeiro plano, veem-se as edificações de uso comercial.
Foto: Gislaine Beloto, 2015.

As diferentes maneiras com que os condomínios se inserem na malha urbana e as


diferentes configurações de seus parcelamentos em relação ao entorno dão forma à
interface entre o público e o privado. Por sua vez, é essa interface que qualifica o espaço
público, a rua. Há, no caso de Maringá, uma tentativa bem-sucedida de minimizar os
impactos negativos desses empreendimentos fechados nas ruas a eles adjacentes. A
proposta de “escondê-los” atrás de uma fileira de lotes “abertos” dá condição para
formação de uma paisagem mais diversificada e resolve parcialmente a questão da
inserção do empreendimento na malha urbana.

5  CONCLUSÃO: IDEIAS E AÇÕES DE PLANEJAMENTO

Os condomínios fechados introduzem uma relação dialética com a paisagem urbana


do seu entorno. Não são apenas as intervenções negativas da malha urbana, as quais
dificultam a circulação, são, também, as intervenções no desenho da paisagem, que
contradizem a ideia de urbanidade conhecida e reconhecida. No entanto, há pressões
constantes para a aprovação desse tipo de empreendimento, tanto dos empreende-
dores, quanto de seus futuros moradores, em busca do novo “modo de vida urbano”.
No intuito de reduzir os impactos dessas intervenções na cidade, e procurando
projetar uma paisagem com maior qualidade urbana, buscam-se soluções morfológicas
que se apresentem como alternativas viáveis para a produção desses empreendimentos.
A qualidade visual, por meio de diversidade de formas, e a sensação de segurança
que a complexidade de usos imprime ao espaço público são pontos relevantes que
tais soluções devem vislumbrar. É nesse sentido que se apresenta aqui o caso da cida-
de de Maringá. Contudo, é por meio de diálogos constantes entre o setor público, o
setor privado e a sociedade, bem como efetivas ações de planejamento, com estudos
específicos para a aprovação de grandes empreendimentos imobiliários – que as boas
ideias saem do imaginário para compor a paisagem da cidade.

48 Paisagem e ambiente: ensaios - n. 37 - São Paulo - p. 35 - 49 - 2016


Ent r e a Ru a e o M ur o : A C on s t r uç ão
de uma Int er f ace no s C ondomínio s Hor i zont ai s Fec hado s

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Nota do editor
Submissão: 27 ago. 2015
Aprovação: 21 jan. 2016

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Vista aérea da praça Salgado Filho, Recife (PE).
Foto: Silvio Soares Macedo, 2015.

PROJETO
BURLE MARX NO RECIFE: RESTAURO DO
JARDIM DO AEROPORTO DOS GUAR AR APES
COMO BEM PATRIMONIAL

BURLE MARX IN RECIFE: THE RESTORATION OF THE


GUARARAPES AIRPORT GARDEN AS CULTURAL HERITAGE

Ana Rita Sá Carneiro*


Cristina Castel-Branco**
Joelmir Marques da Silva***

RESUMO
Este artigo apresenta a experiência do workshop “Restauro de Jardins Históricos”, ocorrida em
2012 na cidade do Recife, no Nordeste do Brasil, tendo como objeto o jardim do aeroporto dos
Guararapes, denominado de praça Ministro Salgado Filho, projetado pelo paisagista Roberto
Burle Marx em 1957 e que faz parte de um conjunto de jardins concebidos pelo paisagista
em Recife entre 1935 e 1958. O estudo desse jardim, que obteve recentemente o título de
patrimônio cultural nacional, pretende ser uma referência para futuras ações de restauro no
âmbito da conservação urbana no Brasil.
Palavras-chave: Jardim histórico. Restauração. Conservação.

ABSTR AC T
This paper reports a workshop on historic garden restoration that took place in the city of Recife, northeast
Brasil in 2012 by focusing the Guararapes airport garden called Ministro Salgado Filho square which was

* Arquiteta pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professora do curso de Arquitetura e


Urbanismo, da pós-graduação em Desenvolvimento Urbano e coordenadora do Laboratório da
Paisagem da UFPE. Membro do Centro de Estudos Avançados da Conservação Integrada (CECI).
Conselheira da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco)
no Comitê Internacional de Paisagens Culturais. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq
nível 1C. Rua Jader de Andrade, 109, apt. 302, 52061-060, Casa Forte, Recife, PE, Brasil.
[email protected]
** Arquiteta paisagista pela Universidade de Lisboa (Ulisboa). Professora do curso de Arquitetura Pai-
sagística do Instituto Superior de Agronomia (ISA), da Ulisboa e da pós-graduação em Arquitetura
Paisagista e Ecologia Urbana, programa de doutorado entre as Universidades Técnicas de Lisboa,
de Coimbra e do Porto. Responsável pelo ACB Arquitetura Paisagística. Conselheira da Unesco
no Comitê Internacional de Paisagens Culturais. Rua da Correnteza, 1, 1400-077, Lisboa, PT.
[email protected]
*** Biólogo pela Universidade de Pernambuco (UPE). Mestre em Desenvolvimento Urbano pela Uni-
versidade Federal de Pernambuco (UFPE) e em Diseño, Planificación y Conservación de Paisajes
y Jardines pela Universidad Autónoma Metropolitana (UAM-Azcapotzalco), México. Doutorando
em Desenvolvimento Urbano pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Pesquisador do
Laboratório da Paisagem da UFPE. Bolsista CAPES e CNPq (Doutorado Sanduíche). Rua Ademar
de Barros, 220, Timbi, 54774-395, Camaragibe, PE, Brasil.
[email protected]

http://dx.doi.org/10.11606/issn.2359-5361.v0i37p53-71

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A na R i t a S á C ar neir o, Cr i s t ina C a s t el- B r a nco, J o elmir M ar que s d a Silva

designed by Roberto Burle Marx in 1957. It is part of the set of gardens he designed in Recife from 1935
to 1958. The study of this garden, which was, recently, protected as a brazilian cultural heritage intends
to be a reference on garden restoration proposals in the future concerning urban conservation in Brasil.
Keywords: Historic garden. Restoration. Conservation.

1 INTRODUÇ ÃO

A obra de Roberto Burle Marx é considerada um expoente da arquitetura paisa-


gística do período modernista. Michel Racine (1994), no artigo “Roberto Burle Marx:
o elo que faltava”, afirma:

Roberto Burle Marx, com uma obra que começa nos anos 30 prosseguindo até os
dias de hoje, acha-se em posição privilegiada para ajudar-nos, a nós, europeus, a
retomar o fio da história dos jardins, a lançar pontes sobre a fratura de uma época
em que jardim e paisagem só tinham sentido para um número restrito de amadores.
Seu papel de intermediário cultural é constante. De um lado, ele leva para o Sul as
mensagens da Bauhaus, dos CIAM – e posteriormente a mensagem ecológica –,
do outro, enfatiza incansavelmente a especificidade da paisagem natural brasileira.
[...] Na medida de sua evolução, de seu conhecimento das plantas e da evolução da
ideia de natureza [...] aumenta ele sem cessar a paleta vegetal do jardineiro chegando
mesmo a tornar-se portador, em seu país, de um olhar ecológico [...] Mas o mais
surpreendente no modernismo brasileiro é que é um movimento-modernista-com-
-jardim. (RACINE, 1994, p. 114).

Racine ressalta o domínio do conhecimento de Burle Marx não só no campo da


arquitetura como também no da botânica, fazendo com que o jardim moderno bra-
sileiro seja entendido como composição arquitetônica. Burle Marx caminhou ao lado
de Lucio Costa, referência maior da arquitetura moderna no Brasil, na concepção dos
espaços arquitetônicos de Brasília, como uma cidade moderna em que os jardins são
parte da criação arquitetônica e urbanística e representações da paisagem regional.
Sobre a afirmação de Racine aqui colocada, sobrepõe-se, ainda, a ideia de Burle
Marx de jardim-pintura, como obra de arte, tão bem sintetizada por Jacques Leenhardt
(1994, p. 9-13):

Na verdade, dos anos vinte aos dias de hoje, Burle Marx jamais deixou de pintar,
e o conhecimento de seu trabalho pictórico ilumina de modo esclarecedor suas
realizações paisagísticas [...] Burle Marx teria retransposto para a pintura a própria
experiência do jardim, experiência marcada ao mesmo tempo pela imposição das
caminhadas e a liberdade de evasão do olhar que dá ao corpo uma ubiquidade
imaginativa e sensível.

Na visão de Leenhardt, a obra de Burle Marx se faz do diálogo entre a arte da pintura
e a de fazer jardim (e vice-versa) como experiências que se cruzam e se engrandecem.
Aprofundar esses estudos torna-se cada dia mais necessário para divulgar o conteúdo

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B ur le M ar x no Rec i fe : Re s t aur o do J ar dim do
Aer opor t o do s Gu ar ar ap e s como B em Pat r imonia l

artístico e cultural desse modo de fazer jardins, passando a ser entendidos como jardins
históricos, ainda recentes, que precisam ser mantidos e protegidos dos males que o
crescimento urbano costuma infligir aos espaços abertos. Em 2000, Charles Birnbaum
coordenou as atas da Conferência Preserving the Modern Landscape, chamando aten-
ção para o perigo de perder essa herança, pois as “[...] estratégias para a preservação
e manutenção do patrimônio modernista criado durante o século XX não são uma
prioridade para as instituições responsáveis”. (CASTEL-BRANCO, 2004, p. 100-117).
Essa preocupação levou o Laboratório de Paisagem da Universidade Federal de
Pernambuco/UFPE a organizar jornadas de trabalho em torno do restauro dos jardins
modernistas de Roberto Burle Marx construídos no Recife para serem conservados como
jardins históricos. Referindo-se às questões que levaram ao aparecimento de uma peça
legal internacional, a Carta de Florença de 1981, que consigna as regras básicas do
restauro de jardins históricos, a especialista Carmen Añón Feliú afirma:

Sem dúvida que todas estas correntes estavam necessitadas de um apoio instrumental
oficial. O jardim tinha que atravessar a fronteira entre a prática e uns poucos eleitos
e a intervenção pública legislativa. […] Em primeiro lugar o estabelecimento de leis
precisas que incluíssem os jardins como bens a conservar. (ICOMOS, 2006, s/p).

A Carta de Florença, redigida pelo Comitê Internacional de Jardins e Paisagens Cul-


turais, que funciona como assessor da United Nations Organization for Education, Science
and Culture (UNESCO) para as paisagens culturais patrimônio mundial, foi instrumento
seminal para a consolidação da teoria e prática do restauro de jardins patrimoniais,
tendo papel fundamental na salvação de muitos jardins. Logo após a ratificação dessa
Carta, em 1984, a recuperação de jardins e a sua gestão converteram-se, em muitos
países, em uma disciplina universitária.1
No Brasil, a restauração e a conservação de jardins históricos começaram a ser
discutidas em 2001, com base na Carta de Florença, pelo Laboratório da Paisagem/
UFPE e pela Prefeitura da Cidade do Recife, tendo como objetivo a intervenção na
praça Euclides da Cunha (1935), na praça do Derby (1937) e na praça Faria Neves
(1958), todas projetadas pelo paisagista Roberto Burle Marx.
Para a Prefeitura do Recife, responsável pela manutenção dos jardins, a restauração
de jardins era algo incomum e, portanto, novo no planejamento. A restauração da praça
Euclides da Cunha foi concluída em 2004; a da praça Faria Neves em 2006; a da praça
do Derby em 2008. (SÁ CARNEIRO; SILVA, A.; VERAS, 2013). Além desses jardins,
também compõem a obra de Burle Marx no Recife, a praça de Casa Forte (1935), o
conjunto Jardim do Palácio do Campo das Princesas e praça da República (1936) e o
jardim do aeroporto dos Guararapes (1957), considerados os mais significativos pelo
seu estado de conservação2.
1
Em 1989 o curso de licenciatura em Arquitetura Paisagista do Instituto Superior de Agronomia (ISA) da Univer-
sidade de Lisboa iniciou a disciplina de Recuperação de Jardins Históricos.
2
Pernambuco conta com 58 projetos de Burle Marx, entre públicos e privados (SÁ CARNEIRO; SILVA, A.; SILVA,
J., 2013).

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Desse conjunto de jardins, tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico


Nacional (Iphan) como patrimônio cultural, o jardim do Aeroporto foi escolhido como
estudo de caso do workshop “Restauro de Jardins Históricos”3, organizado pelo Labo-
ratório de Paisagem/UFPE em 2012, envolvendo alunos e profissionais das áreas de
arquitetura e urbanismo, biologia, agronomia, engenharia florestal e engenharia civil,
totalizando vinte e quatro pessoas e uma banca examinadora de quatro arquitetos da
área de paisagismo e de patrimônio: Alexandre Campello, Luiz Vieira, Fabio Cavalcanti
e Inês Mendonça de Oliveira.
A praça Ministro Salgado Filho está situada no bairro do Ibura, no Recife, em frente
ao aeroporto Internacional dos Guararapes, com área de 1,6 hectares. No momento
do workshop, encontrava-se em quase abandono.
O workshop teve como objetivo discutir as regras e metodologias de restauro em nível
internacional, observando os problemas específicos do caso de estudo que serviriam
de referência para as intervenções nos jardins de Burle Marx no Recife. Baseou-se na
Carta de Florença, no Inventário dos jardins de Burle Marx no Recife4, na experiência
do Laboratório da Paisagem/UFPE relacionada à restauração de jardins do paisagista,
e considerou a conjuntura administrativa local a serviço desse patrimônio.
Os conceitos de restauração e conservação de jardins históricos foram abordados
no workshop de forma científica, no âmbito da preocupação e discussão sobre restauro
do patrimônio cultural que a UNESCO impulsionou ao ser instituída a categoria de pai-
sagem cultural5 como patrimônio da humanidade (1992), uma vez que nela se inserem
os jardins históricos. O jardim é mencionado na categoria de “paisagens claramente
definidas”, que são as desenhadas e criadas intencionalmente pelo homem por razões
estéticas, sociais e recreativas. (FOWLER, 2003). Como exemplo, menciona-se o Jar-
dim Botânico de Kew, na Inglaterra, e o Jardim de Versalhes, na França. Antes disso,
a intervenção no jardim estava subjugada à edificação histórica/monumento, que, por
ser o motivo principal, subordinava o jardim como entidade patrimonial menor.
A sistematização dessa experiência significa um momento de avaliação dos proce-
dimentos adotados e dos resultados obtidos para galgar outro nível de conhecimento
e rigor nas futuras solicitações. Isso implica em maior firmeza na consolidação de uma
equipe interdisciplinar, com profissionais treinados para elaborar planos de conservação
para os jardins tombados.

3
Ministrado pela professora e arquiteta-paisagista Cristina Castel-Branco (Instituto Superior de Agronomia da
Universidade de Lisboa), que vem coordenando o restauro de jardins históricos em Portugal desde 1989; o
workshop aconteceu nos dias 3, 4 e 5 de dezembro de 2012.
4
O Inventário dos Jardins de Burle Marx no Recife, elaborado pelo Laboratório da Paisagem da UFPE, teve início
em 2008 e foi concluído em 2012. Trata dos seis jardins hoje tombados como Patrimônio Cultural Nacional
pelo Iphan.
5
“[...] associação entre os aspectos culturais e naturais [...] ilustrativas da evolução da sociedade humana e
seus assentamentos ao longo do tempo, sobre a influência de contingências físicas e/ou oportunidades apre-
sentadas pelo ambiente natural, bem como pelas sucessivas forças social, econômica e cultural, que nelas
interferem”. (RIBEIRO, 2007, p. 41).

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2  RESTAUR AÇ ÃO DE JARDIM HISTÓRICO

A ideia moderna de restauração, construída no início do século XX, deve-se ao


arquiteto restaurador Camillo Boito, que, conforme Kühl (2008), teve participação
decisiva na elaboração de conteúdo para a historiografia da restauração, assumindo
posição moderada e intermediária entre o pensamento de Viollet-le-Duc e o de John
Ruskin. Em 1883, Boito participou do Congresso de Engenheiros e Arquitetos em Roma,
mas iniciou seu trabalho como restaurador em 1858, fazendo o estudo documental da
obra a partir de desenhos e fotografias, priorizando a forma e a técnica construtiva,
fazendo uso da observação.
Enquanto a opinião de John Ruskin era de respeitar a matéria original e deixar
seguir as transformações da obra ao longo do tempo, mas defendendo as precauções
de conservação para evitar a degradação, a de Viollet-le-Duc defendia a necessidade
de trazer de volta o aspecto inicial da obra sem basear-se em algo palpável, porém
mantendo o caráter de herança viva. No texto “Os restauradores”6, Boito criticou as
duas posições, observando que se deveria adotar a conservação do monumento na
sua forma original para evitar a restauração, mas admitindo-a como mal necessário,
enfatizando a necessidade de deixar distinta a expressão contemporânea de interven-
ção. (BOITO, 2008).
Contribui também, com grande repercussão no debate, o especialista italiano Ce-
sare Brandi (2004), autor de Teoria da restauração, lançado em 1963, que atrela
a condição de “obra de arte” ao objeto a ser restaurado. Como explica Giovani Car-
bonara, responsável pela introdução desse livro, a obra de arte pode ser uma pintura,
uma escultura, uma expressão arquitetônica, mas também um centro histórico ou uma
paisagem, que seriam analisados segundo as instâncias histórica e estética. Ao consi-
derar a paisagem, Brandi interpõe uma aproximação com o jardim histórico.
Em se tratando de jardins, Berjman (2011) afirma que já no século XVIII começa-
ram a restaurar os primeiros jardins antigos e, no século XIX, com base nos estudos
produzidos, o paisagista francês Edouard André propõe a criação da categoria “jardim
histórico”. Ainda em 1895, é criada a National Trust, na Inglaterra, com especialistas
em jardim e paisagem.
Em 1971, acontece o primeiro Congresso Internacional sobre jardins históricos, em
Fontainebleau, França (AÑON FELIÚ, 2005), e em 1972, é reelaborada a Carta de
Restauro Italiana, a partir do pensamento de Brandi, ampliando a noção de patrimônio
para jardins e parques.
A preocupação com a natureza específica do jardim histórico e sua restauração,
com o objetivo de protegê-la, é devidamente abordada na Carta de Florença, que
determina no Art. 2:

6
Resultado de uma conferência realizada na exposição de Turim, em 1884, direcionada à arquitetura, pintura e
escultura.

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O jardim histórico é uma composição de arquitetura cujo material é principalmente


vegetal, portanto, vivo, e, como tal, perecível e renovável. Seu aspecto resulta, assim,
de um perpétuo equilíbrio entre o movimento cíclico das estações, do desenvolvi-
mento e do definhamento da natureza, e da vontade de arte e de artifício que tende
a perenizar o seu estado.

Outro artigo da Carta enuncia a importância da fidelidade ao desenho original


do jardim como valor de patrimônio, conteúdo devidamente tratado nas discussões do
workshop realizado no Recife. Para a restauração do jardim “[...] é preciso aliar-se à marca
de quem o concebeu, de quem o construiu, e de quem o manteve, e respeitá-la como
um fator tão fundamental como os processos naturais, e certamente mais importantes
que a própria intervenção de restauro”. (MONTEIRO; CASTEL-BRANCO; FONSECA,
1999, p. 143). Isso significa possibilitar o reconhecimento da ideia do paisagista a partir
do resgate dos seus princípios projetuais e segundo os limites do material existente.
Assim, a ideia do paisagista estará mantida e, por isso, os ajustes justificam-se.
A especialista Carmem Añón Feliú (1995), que participou da elaboração da Carta
de Florença e que, conforme Berjman (2011, p. 34), “[...] estableció una metodología
de estudio y restauración de los jardines históricos que se há convertido en modelo”,
salienta o tempo como um elemento de composição do jardim, dada a sua efemeri-
dade. Conforme a autora, o paisagista fornece a matéria, permitindo ao tempo agir
sobre o jardim, o que não significa aceitar a sua descaracterização. Nesse sentido,
ressalta o caráter ético da restauração de um jardim, que traz à discussão as questões
da autenticidade e da integridade.
A autenticidade de um jardim avalia os componentes de origem, aspectos de com-
paração, dos materiais, das tecnologias, da simbologia e do entorno, no momento da
criação, e os efeitos da ação do tempo, incluindo uso e valor social até o momento
atual. (DELPHIM, 2005). No caso do jardim, é preciso lembrar sua condição de mate-
rial perecível e renovável, como destaca a Carta de Florença. Já a integridade, refere-
-se à completude do bem, no sentido do equilíbrio entre os elementos componentes.
(DELPHIM, 2005).
Para alcançar esse nível de complexidade do jardim, a Carta de Juiz de Fora (2010)
salienta a formação de profissionais e a interdisciplinaridade da equipe responsável
como necessidades primordiais para a elaboração do projeto de restauração, exigin-
do conhecimentos arquitetônicos, urbanísticos, biológicos, arqueológicos, artísticos e
históricos, e conhecimentos técnicos do executor, que é o jardineiro.
No caso da conservação dos jardins históricos, Michel Conan (2003) expressa
preocupação no que diz respeito aos ecossistemas e à componente histórica do jardim:

[...] o dilema que a conservação da história e da biodiversidade impõe às organizações


internacionais nas definições legais de conservação dos jardins. Em nome da história,
os jardins enquanto legado cultural devem ser protegidos da erosão e da invasão
das forças destrutivas da natureza; em nome da biodiversidade, os jardins enquanto
biótopos devem ser protegidos da interferência humana. (CONAN, 2003, p. 13).

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É frequente colocar esse dilema durante o processo de restauro de jardins históricos


– e ainda mais nos jardins de Burle Marx, com plantas tropicais e destaque para as
águas, nos quais a diversidade vegetal se sobrepõe aos elementos construídos.
A metodologia escolhida por Cristina Castel-Branco para direcionar a discussão
sobre as linhas gerais do projeto de restauração da praça Ministro Salgado Filho
baseou-se nos fundamentos propostos por Carmen Añón Feliú referenciados no texto
El jardín histórico: notas para una metodología previa al proyecto de recuperacíon, pu-
blicado no Journal Scientifique de 1993, com apoio do ICOMOS, no qual estabelece
quatro ideias fundamentais em toda restauração: i) ser fiel à origem do jardim, o que
exige observação intensa e estudos para descobrir seu próprio encanto; ii) respeitar o
tempo, entendendo-o como um elemento criador do jardim; iii) valorar os aportes, ou
seja, avaliar os elementos introduzidos e que passaram a fazer parte da composição
original; iv) evitar dissonâncias, para não interferir na composição estética e histórica.
Para a referida especialista, há quatro grandes fases para o desenvolvimento do
trabalho: i) análise e documentação – estudo do passado e do presente; ii) critérios;
iii) projetos; iv) atuações complementares, referindo-se a uma política de conservação
para assegurar sua mensagem. Tais fases corroboram com as especificações do Art.
15º da Carta de Florença de 1981, que diz:

Qualquer restauro e, com mais forte razão, qualquer reconstituição de um jardim


histórico só serão empreendidas após um estudo aprofundado, que vá desde as
escavações até a coleta de todos os documentos referentes ao respectivo jardim e
aos jardins análogos, suscetível de assegurar o caráter científico da intervenção.

O cumprimento dessas quatro fases dará segurança e profundo conhecimento do


jardim e de seus problemas, resultando em algo mais robusto quando chegar o momento
de executar o projeto. As quatro fases foram aplicadas durante o restauro do Jardim
Botânico da Ajuda (Portugal), obra na qual os princípios da Carta de Florença e os
postulados de Carmen Añón Feliú foram experimentados por Cristina Castel-Branco
entre 1994 e 1997. Essa nova abordagem científica para o restauro de jardins históricos
foi apresentada durante o workshop e na discussão das linhas gerais do projeto de
restauração da praça Ministro Salgado Filho, servindo de fio condutor.

3  O JARDIM HISTÓRICO ANALISADO : A PR AÇ A MINISTRO


      SALGADO FILHO NO AEROPORTO DOS GUAR AR APES

O projeto da praça Ministro Salgado Filho foi concebido pelo paisagista Roberto
Burle Marx em 1957, como parte de um conjunto arquitetônico moderno juntamente
ao edifício do aeroporto dos Guararapes, o que viria a ser ponto de atração para
residentes e turistas. Naquele momento, Burle Marx formava um grupo com outros
profissionais, inclusive estrangeiros, que também ficou responsável por dois projetos de
grande impacto urbano: o do parque del Este, em Caracas, e o do parque do Flamen-

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go, no Rio de Janeiro. O grupo reunia os arquitetos Fernando Tábora, John Sttodart,
Júlio Cesar Pessolani e Maurício Pesavento. O projeto do edifício do aeroporto ficou
sob a responsabilidade do arquiteto Arthur Mesquita, contendo, também, um painel do
artista pernambucano Lula Cardoso Ayres. Esse notável empreendimento, inaugurado
pelo prefeito Pelópidas Silveira em 1957, passou a ser uma das imagens identificadas
como cartões-postais do Recife. Nesse jardim, assim chamado por Burle Marx, havia,
segundo um dos depoimentos concedidos pelo prefeito, vários tipos de plantas regionais.
(DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 1957).
O projeto do conjunto compreendia uma unidade plástica de caráter modernista
que tinha como ponto focal o espelho d´água com vegetação aquática. Desse lago,
de formas curvas, configurou-se o traçado que inovava pela forma e surpreendia pelo
movimento e reflexo favorecendo a contemplação e permitindo bom crescimento das
espécies vegetais nos vários estratos e em diferentes pontos. Ao longo do tempo, a praça
permaneceu como referência, como um cartão-postal para os recifenses, pela beleza
artística de sua composição, tendo a vegetação e a água como elementos dominantes
e exercendo a função de ambiente de recepção para os visitantes e de convívio para
os residentes da cidade (figuras 1 e 2).

Figura 1 Fotografia do projeto original de ajardinamento do aeroporto Ministro Salgado Filho, 1957.
Foto: Acervo Burle Marx Escritório de Paisagismo.

A convergência para o lago valorizou a água e a vegetação e ofereceu abertura


para o reflexo do entorno e da edificação, confirmando a integração plena entre os dois
objetos urbanos como unidade. Distribuída em quatro estratos, a vegetação compõe
espaços e, sobre o lago, cria manchas em diferentes cores, texturas e escala, insinuando
uma pintura artística. Recantos que despertam as mais variadas sensações podem ser

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Figura 2 Jardim do aeroporto, 1958.


Foto: Acervo do Laboratório da Paisagem/UFPE.

desfrutados – seja quando degraus adentram o espelho d’água e permitem perceber o


formato escultural do conjunto de aninga (Montrichardia linifera), complementado, mais
ao fundo, pelas amplas copas dos abricós-de-macaco (Couroupita guianensis) –, seja
no ato de caminhar pelos caminhos ondulantes e perceber a diversidade de palmeiras,
como a macaibeira (Acrocomia intumescens), o açaí (Euterpe edulis) e o aricuri (Attalea
butyracea), que se entrelaçam por entre os ipês (Tabebuia heptaphylla), os paus-reis
(Basiloxylon brasiliensis) e as sibipirunas (Caesalpinia peltophoroides). A área da praça
complementava-se com um estacionamento bastante arborizado com indivíduos de
oiti (Licania tomentosa).
Em 1974, segundo projeto da Prefeitura do Recife, o estacionamento do projeto
original (figura 3) foi retirado e o espaço recreativo da praça foi ampliado com a im-
plantação de canteiros, área gramada e bancos semelhantes àqueles indicados pelo
paisagista no mesmo projeto (figura 3). Uma última intervenção, em 1993, manteve
os princípios do projeto de Burle Marx, mas sem recuperar o estacionamento e com
pequena substituição de algumas espécies vegetais. Desde a instituição da Lei Nº
16.414 de 1998, a praça está situada na Zona Especial do Aeroporto (ZEA) e, devido
ao tráfego aéreo, tem restrições de gabarito.
Em 2000, a ampliação do aeroporto resultou em obra de grande impacto pela
extensão da área construída, o que exigiu adequação do traçado viário, implicando
na construção de dois viadutos. O sistema viário do entorno do novo aeroporto Inter-
nacional dos Guararapes Gilberto Freyre transformou a praça numa ilha de tráfego
quase inacessível ao convívio social e a relação com o antigo edifício do aeroporto

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deixou de existir, pois o acesso principal foi mudado. Com isso, o jardim – outrora tão
vivenciado pelo público – foi esquecido.

Figura 3 Praça Ministro Salgado Filho. Comparação entre dois momentos. Em A, projeto original (1957);
em B, projeto de remodelação elaborado pela Prefeitura do Recife (1974).
Desenho de Wilson de Barros Feitosa Júnior, 2015.

A dificuldade de acesso e a falta de conservação restringiram seu uso às pessoas


que aguardavam os ônibus nos pontos de parada e àquelas que circulavam de modo
ocasional, muito provavelmente, apenas durante o dia. Por outro lado, esse uso pontual
e específico favoreceu a instalação de comércio informal e a apropriação da área por
moradores de rua que danificavam a vegetação arbórea por acender fogueiras junto
às arvores e guardar, nos troncos “ocos”, materiais de uso pessoal. Há o agravante
dos ruídos dos transportes nas vias de intenso tráfego interestadual e do aumento de
poluição, que provocam sérias ameaças à cobertura vegetal já bastante escassa.

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Mesmo tendo sido adotada pela Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária


(Infraero), de 2000 a 2008, o precário estado de conservação em que a praça se
encontrava até 2008 fomentou a elaboração do projeto de restauração pela Prefeitura
do Recife e pelo Laboratório da Paisagem/UFPE (figura 4).

Figura 4 Projeto de restauração da praça Ministro Salgado Filho, 2009.


Desenho de Wilson de Barros Feitosa Júnior, 2015.

Nesse mesmo ano, por conta da falta de conservação de outros jardins de Burle
Marx, já restaurados, o Laboratório da Paisagem/UFPE decidiu solicitar ao Iphan o
tombamento de seis jardins projetados pelo paisagista, incluindo a praça Ministro Sal-
gado Filho, para se tornarem patrimônio cultural nacional.
O projeto de restauração concretizou-se somente em agosto de 2013, portanto,
após o workshop (ocorrido em dezembro de 2012), e tomou como ponto de partida
o projeto de 2009, no qual se priorizou a vegetação indicada no projeto original de
Burle Marx com especial atenção para as plantas aquáticas. Recompôs-se o desenho
do lago e dos canteiros no seu entorno e consolidou-se um caminho usado pelos que
trabalham nas proximidades, do terminal de ônibus até a edificação nova do aeroporto.
Em reuniões com técnicos da Prefeitura do Recife, foi ressaltada a necessidade de
elaboração e implantação de um Plano de Gestão da Conservação que definisse as
diretrizes e os procedimentos necessários.

4  O DESENVOLVIMENTO DO WORK SHOP

Para atingir o objetivo proposto, a arquiteta paisagista Cristina Castel-Branco adaptou


ao projeto de restauro o método que o professor Carl Steinitz aplica ao ensino do projeto
em arquitetura paisagística na Universidade de Lisboa. O “6-step method” baseia-se em
seis modelos distintos que orientam uma equipe bem organizada a decidir por várias

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soluções, garantindo intensa participação. “É um método transdisciplinar que integra


não só a participação de profissionais, mas também do público. Esta metodologia [...]
consiste nas seis questões fundamentais que todo e qualquer projeto, independente-
mente da escala de aplicação, precisa responder.” (FREITAS, 2014, p. 41); (figura 5).
O método obriga a uma preparação prévia dos elementos cartográficos e da evo-
lução histórica do jardim, o que foi garantido pela equipe do Laboratório de Paisagem/
UFPE. A adaptação ao método incidiu sobre o fato de dividir o grupo em equipes,
como se tratasse de um ateliê, onde cada equipe conhece um setor da área. As cinco
equipes basearam-se nos itens que são essenciais ao jardim histórico, e as análises que
apresentaram ao fim de dois dias de trabalho foram notáveis.


Figura 5 6-step method.
Fonte: Freitas (2014, p. 41).

O workshop representou um momento oportuno para fomentar a reflexão e a dis-


cussão sobre o projeto de restauração da praça Salgado Filho elaborado em 2009,
reforçou a importância da conservação dos jardins históricos de Burle Marx em vias
de tombamento e intencionou contribuir com a capacitação necessária da equipe de
profissionais envolvida na elaboração de um projeto de restauração de um jardim
histórico e na sua conservação. Por essa razão, o Laboratório da Paisagem/UFPE con-
vidou ao evento membros do Iphan, da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico
de Pernambuco (Fundarpe), da UFPE e da Prefeitura do Recife, instituições envolvidas
com o compromisso de salvaguardar esse patrimônio paisagístico. Foram intercaladas

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atividades de exposição teórica sobre jardim histórico e métodos de restauração, de


visita de campo para conhecimento do objeto de intervenção e de trabalho prático em
ateliê para análise do jardim e elaboração de propostas de restauração.
O conhecimento do jardim marca o início do trabalho de restauração. A relevância
dessa etapa inicial está no fato de que, nas palavras de Cristina Castel-Branco, “[...] as
soluções para o restauro encontram-se dentro do jardim. É preciso estudá-lo antes de
começar a inventar soluções7[...]”, argumento reforçado pelo Art. 15 da Carta de Florença
de 1981 no que tange à necessidade de garantir o caráter científico da intervenção,
o que exige estudo aprofundado, incluindo escavações e coleta de documentação.
O método de Steinitz exige análise cuidadosa, que permita representar o jardim nos
seus múltiplos componentes – mobiliário, vegetação, água – e processos dinâmicos, para
depois fazer um diagnóstico. Esses três passos foram iniciados durante a visita realizada
pelas equipes, ensinando-as a “ver” com detalhe esses componentes, a relação com
o todo, e a registrar o que acontecia no espaço público.
Para maior eficiência do procedimento de análise da praça Ministro Salgado Filho,
os participantes foram divididos em cinco equipes, correspondendo às cinco dimensões
essenciais para a compreensão do jardim em sua completude: 1. Dimensão histórica;
2. Dimensão construtiva; 3. Dimensão botânica; 4. Dimensão hidráulica; 5. Dimensão
do entorno.
O conteúdo dessas dimensões aparece ao longo da Carta de Florença de 1981.
O Art. 8 relembra que “Um sítio histórico é uma paisagem específica associada a um
acontecimento memorável, como por exemplo: a celebração de um importante fato
histórico, um mito famoso; um combate épico; ou o motivo de um quadro célebre”.
Ou seja, o jardim tem uma dimensão histórica, que ficou a cargo da equipe A; o Art.
4 aborda a composição arquitetural do jardim histórico, com destaque para o plano e
os diferentes perfis do terreno, as massas vegetais – essências, volumes, jogo de cores,
espaçamento e alturas –, que ficaram a cargo da equipe B. Elementos construídos ou
decorativos couberam ao grupo C, e as águas moventes ou dormentes à equipe D. A
relação entre o jardim e o entorno imediato, mais precisamente a edificação, é abordada
no Art. 7, que ressalta que o “[...] jardim histórico não pode ser separado de seu próprio
meio ou ambiente urbano ou rural, artificial ou natural”. A equipe E encarregou-se de
estudar o entorno e os seus processos.
Dessa forma, a praça Ministro Salgado Filho foi analisada pelas cinco equipes, con-
templando as dimensões necessárias para a ampla compreensão do jardim. Munidas
da planta do projeto original e da planta baixa atualizada para fins comparativos, as
equipes foram a campo para realizar o levantamento de dados, observando também
o uso e a apropriação dos usuários. Sabiam que teriam só um dia de análise dos ele-
mentos e dos processos para depois apresentarem o diagnóstico em dez minutos, de
forma a garantir boa compreensão do problema a todo o grupo.
Na visita foram constatados problemas que ameaçavam a conservação da praça:
ineficiência do sistema de drenagem, mobiliário deteriorado, vegetação com proble-
7
Palavras proferidas durante a palestra de abertura do workshop 3 dez. 2012.

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mas fitossanitários, alteração do traçado original e ausência de grande quantidade da


vegetação originalmente proposta. Além disso, observou-se acentuado acúmulo de lixo
no espelho d’água, introdução de elementos arquitetônicos que não dialogavam com
a paisagem do jardim e implantação indiscriminada de cabeamentos na instalação
de redes para o aeroporto, que, somados ao desconforto sonoro e à insegurança de
quem permanece na praça, definem um quadro preocupante ligado a um bem cultural
que compõe parte das referências da história da paisagem recifense (figuras 6 e 7).

Figura 6 Visita técnica na praça Ministro Salgado Filho. Equipe do workshop.


Foto: Joelmir Marques da Silva, 2012.

Figura 7 Visita técnica na praça Ministro Salgado Filho. Aspecto da falta de conservação da praça.
Foto: Joelmir Marques da Silva, 2012.

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A análise dos elementos, dos processos e o seu diagnóstico tiveram continuidade nas
atividades realizadas em ateliê no dia seguinte e foram encerradas com a apresentação
das equipes, fazendo circular as informações referentes aos elementos do jardim histó-
rico e à unidade de conjunto, como salienta o Art. 10 da Carta de Florença de 1981:

Qualquer operação de manutenção, conservação, restauro ou reabilitação de um


jardim histórico, ou de uma das suas partes, deve tomar simultaneamente em con-
sideração todos os seus elementos. Isolar as várias ações poderia alterar a unidade
do conjunto.

Os diagnósticos apontaram, principalmente, para a fragmentação da relação en-


tre o jardim e o edifício do antigo aeroporto e a sensação de desconforto sonoro
procedente da circulação constante de veículos pesados e da interferência visual, que
será provocada pela futura implantação de uma passarela suspensa, interligando o
aeroporto à estação do metrô.
Após a exposição das análises e a discussão que se sucedeu, o método “6 step
model” prevê que novas equipes sejam formadas e passem à fase de “mudança”,
ou seja, desenvolvam livremente e separadamente as propostas. Sendo assim, foram
criadas cinco novas equipes, tendo cada uma delas um dos especialistas nos temas da
análise (A, B, C, D, E), formando equipes multidisciplinares. As equipes trabalharam
mais um dia com vistas a desenvolver, cada uma, uma proposta de restauro baseada
num conceito-chave, numa “ideia-força” para a alteração da praça Ministro Salgado
Filho, visando a possíveis soluções para os problemas desta e do entorno (figuras 8 e 9).

Os conceitos guia mencionados direcionaram a intenção projetual de cada equipe,


nomeando as propostas:

• um aeroporto com jardim: recompõe a relação entre o antigo aeroporto e


o jardim mediante reativação da edificação com o novo uso e define fluxos
e a requalificação nos usos das edificações adjacentes, como no caso das
concessionárias de automóveis em frente à praça, restabelecendo suas co-
nexões com o entorno;
• devolver o aeroporto ao jardim: teve como objetivo integrar o jardim com
o entorno imediato, nivelando as cotas e tornando mais fluido o acesso ao
antigo aeroporto; define como premissa oferecer espaços de permanência
que protejam o usuário da intensidade do ruído existente no local, o qual deve
servir como ponto de espera por ônibus;
• diálogo entre tempos: propõe o retorno do traçado original do projeto paisa-
gístico de Burle Marx e a criação de jardins de transição na área que separa
o jardim do novo aeroporto; a proposta de integração completa-se com a
reabilitação do antigo aeroporto, composto por novo programa arquitetônico
de usos, incluindo um restaurante-terraço com vista para o jardim;

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• integrar a memória de Burle Marx: agrega um projeto de comunicação vi-


sual – para divulgação da obra do paisagista – ao projeto paisagístico de
restauração, como exercício de educação patrimonial por meio da concepção
de totens informativos, localizados estrategicamente nos locais de circulação;
• praça para ser olhada: objetiva liberar as visadas para o jardim, explorando a
visibilidade; trata os novos elementos urbanos como aliados, visando à apro-
priação por parte da população; dessa forma, justapõe uma estrutura vertical
à nova passarela, construída para dar acesso ao aeroporto, possibilitando
ao pedestre sua utilização como um belvedere, de modo a valorizar o jardim.

Os resultados foram apresentados em powerpoints e plantas que esquematizavam


a solução de cada equipe para um júri especializado. O júri e os docentes avaliaram e
explicaram as vantagens e problemas que cada proposta lhes sugeria. O conceito que
teve mais sucesso foi o “Integrar a memória de Burle Marx”, que incluía um projeto de
comunicação visual, por despertar no grupo participante a possibilidade de realizar o
restauro do jardim fazendo homenagem mais significativa ao autor, com a divulgação
de sua obra para o grande público.

Figura 8 Atividades em ateliê. Elaboração das propostas.


Foto: Ana Rita Sá Carneiro, 2012.

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Figura 9 Atividades em ateliê. Apresentação e discussão das propostas.


Foto: Joelmir Marques da Silva, 2012.

Apesar das especificidades de cada proposta, todas coincidiam na necessidade de


retomar a relação com a edificação do antigo aeroporto, considerando que o projeto
paisagístico de Burle Marx de 1957 tinha relação direta com a edificação; na necessidade
de restaurar o lago, de repor as espécies botânicas especificadas no projeto original,
compreendendo a vegetação como elemento principal do jardim que é um “Monu-
mento Vivo” (CARTA DE FLORENÇA, 1981); na minimização dos impactos negativos
causados pela circulação de veículos em alta velocidade, indicando a implantação de
redutores de velocidade, e pela inserção da passarela. A criação de acessos diretos
para o jardim a partir da passarela foi proposta com a finalidade de fortalecer o uso
turístico. Também foi consensual a recomendação da criação de um bosque no lugar
do estacionamento, presente no projeto original para proteger o espaço interior dos
ruídos provocados pelos veículos, dada a ampliação do sistema viário.
Essa avaliação e a coincidência de elementos das várias propostas constituem um
programa de trabalho que poderia servir de base para um projeto de restauro. De fato,
um dos membros do júri, a arquiteta da Prefeitura do Recife, Inês Oliveira, durante o ano
de 2013 incorporou sugestões da discussão do workshop ao projeto de restauro para a
praça, elaborado em 2009, que permitiu recuperar o espelho de água e a vegetação
aquática como atrativos mais significativos e melhorar os passeios e a arborização,
criando ambiente mais acolhedor para os futuros usuários. Dessa forma, a restauração
do jardim, realizada em 2013, recompôs a vegetação recomendada pelo paisagista
para os canteiros e para o lago, mantendo a integridade desse jardim histórico.

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5 CONCLUSÃO

A experiência do workshop contribuiu para aprofundar as reflexões, incluindo novos


critérios de análise e métodos expeditos para alicerçar o projeto de restauração da
praça Ministro Salgado Filho de 2009. Representou, também, um momento de pensar
o restauro de jardins históricos fundamentando-o num método claro de restauração,
permitindo o input equitativo de várias áreas disciplinares com vistas ao estímulo de
ideias a serem discutidas, retidas ou eliminadas, mas todas debatidas para melhorar o
tratamento do jardim histórico.
A desconstrução do jardim do ponto de vista da Dimensão história, da Dimensão
construtiva, da Dimensão botânica, da Dimensão hidráulica e da Dimensão do entorno,
para proporcionar o conhecimento da sua totalidade, possibilitou a compreensão de
uma concepção de conjunto edifício/jardim como uma unidade. Cada dimensão foi
devidamente explorada, em diferentes aspectos, e as informações repassadas para os
demais grupos – o que desencadeava novas reflexões, buscando a articulação entre as
partes. Por sua vez, a localização do conjunto edifício/jardim em meio à malha viária
de tráfego pesado revelava duas partes isoladas, uma vez que o edifício estava ocioso,
de portas fechadas, e, portanto, o diálogo não mais se fazia. Ficou evidente a neces-
sidade de reativar o edifício para fazer renascer o uso social cotidiano a partir de uma
continuidade espacial. A experiência em pauta também proporcionou comparações
com as intervenções de restauração em outros jardins, realizadas entre 2004 e 2008.
O workshop significou, de forma relevante, um avanço para a conservação dos jardins
históricos no Recife e no Brasil.

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VIOLLET-LE-DUC, Eugène Emmanuel. Restauração. Tradução de Beatriz Mugayar Kühl. Cotia: Ateliê Editorial,
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Nota do editor
Submissão: 6 out. 2015
Aprovação: 21 jan. 2016

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PISTA MULTIUSO DA UNIVERSIDADE FEDER AL DE
SANTA M ARIA : DO PROJETO À M ATERIALIZ AÇ ÃO
UFSM MULTIUSE TRAIL: FROM DESIGN TO MATERIALIZATION

Alice Rodrigues Lauter t*


Felipe Segala Gravina**
Letícia de Fátima Durlo Coutinho***
Maurício Picet ti dos Santos****
Paula Gabbi Polli*****
Josicler Orbem Alber ton******
Luis Guilherme Aita Pippi*******

RESUMO
Este artigo apresenta o projeto da Pista Multiuso para o campus da Universidade Federal
de Santa Maria (UFSM) desde sua fundamentação teórica, conceituação, espacialização

* Aluna de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Bolsista no


Laboratório de Paisagismo e Arquitetura (PARQ). Avenida Roraima, 1.000, prédio 30, 97105-
900, Camobi, Santa Maria, RS, Brasil.
[email protected]
** Aluno de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Bolsista
da Pró-Reitoria de Infraestrutura. Rua Marechal Floriano Peixoto, 1.109, apart. 55, 97015-371,
Centro, Santa Maria, RS, Brasil.
[email protected]
*** Aluna de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Bolsista do
Laboratório de Paisagismo e Arquitetura (PARQ). Avenida Roraima, 1.000, prédio 30, 97105-
900, Camobi, Santa Maria, RS, Brasil.
[email protected]
**** Aluno de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Bolsista do
Laboratório de Paisagismo e Arquitetura (PARQ). Avenida Roraima, 1.000, prédio 30, 97105-
900, Camobi, Santa Maria, RS, Brasil.
[email protected]
***** Aluna de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Bolsista do
Laboratório de Paisagismo e Arquitetura (PARQ). Avenida Roraima, 1.000, prédio 30, 97105-
900, Camobi, Santa Maria, RS, Brasil.
****** Mestre em Arquitetura e Urbanismo, Professora Assistente do curso de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade Federal de Santa Maria, Professora Coordenadora do Laboratório de Paisagismo
e Arquitetura (PARQ). Avenida Roraima, 1.000, prédio 30, 97105-900, Camobi, Santa Maria,
RS, Brasil.
[email protected]
******* Arquiteto e urbanista, mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC). PhD CAPES/Fulbright, Dep. Landscape Architecture, College of Design, NC State
University (EUA). Doutor em Arquitetura e Urbanismo (Paisagem e Ambiente) pela Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP). Professor adjunto do Curso
de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e coordenador do
grupo de pesquisa nacional Quapá-SEL II, Núcleo Santa Maria. Rua Felix Mainardi, 65, 97110-
633, Parque Fiori D’itália, Camobi, Santa Maria, RS, Brasil.
[email protected]

http://dx.doi.org/10.11606/issn.2359-5361.v0i37p73-100

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A lice Ro dr igue s L au t er t , Felip e S e ga la Gr av ina , Let íc ia de Fát ima D ur lo C ou t inho,
M aur íc io Picet t i do s S a nt o s , Paula Ga bbi Polli , J o s ic ler O r b em A lb er t on e Lui s Guilher me A i t a Pippi

num anteprojeto paisagístico e etapas futuras. O projeto da pista foi elaborado em 2014,
mesmo ano em que as obras de execução começaram. Desde então, a equipe de pesquisa
do Laboratório de Paisagismo e Arquitetura da Universidade Federal de Santa Maria (PARQ –
UFSM) tem acompanhado os resultados, proposto metodologias de análise pós-ocupação e
se concentrado no lançamento das próximas etapas da obra. O principal objetivo do projeto
é promover mobilidade alternativa e valorização do campus universitário como um parque
setorial em escala urbana. O presente artigo apresenta o desenvolvimento da proposta e
visa à divulgação do conceito de espaço compartilhado, a fim de que tal modelo possa ser
replicado em outros espaços livres para incentivar a mobilidade alternativa.
Palavras-chave: Mobilidade alternativa. Espaço compartilhado. Paisagismo. Espaços livres.
Planejamento urbano.

ABSTR AC T
This article presents the Multiuse Trail Project for the Campus of the Federal University of Santa Maria,
including the theoretical basis, conceptualization, spatialization of the landscape architecture project and
future steps. The multiuse project and construction was initiated in 2014 and since then the research group
of the Landscape Architecture Lab (PARQ – UFSM) has been following the results, proposing methodologies
of post occupation analysis and concentrating on planning the future expansion of the project. The main
goal of this project is to promote alternative mobility and increase the value of the university campus
by creating a sectorial urban park at an urban scale. The article presents the entire proposal process of
development, offering a new concept for shared spaces which can be replicated in other open spaces in
order to encourage alternative transportation.
Keywords: Alternative transportation. Shared space. Landscape architecture. Open spaces. Urban
planning.

1 INTRODUÇ ÃO

A construção do campus da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), na década


de 1960, consolidou o crescimento do município de Santa Maria e do bairro Camobi,
no estado do Rio Grande do Sul. Localizada na porção leste da cidade, a instituição é
referência em produção de conhecimento e tecnologia para a região, configurando no
tecido urbano a importante função de ser uma centralidade municipal. Devido à sua
disposição, similar à de um parque urbano, supre parte das necessidades recreativas
e de lazer da comunidade e abrange um complexo espaço de relações intersociais.
O município de Santa Maria, inserido na região central do estado, apresenta ex-
tensão de 1.781,757 km² e população de 261.031 habitantes, segundo dados do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (IBGE, 2010). Composta por dez distritos
e cinquenta bairros, a cidade apresenta estrutura e economia voltadas para prestação
de serviço e comércio, destacando-se os serviços públicos relacionados à universidade
e os serviços militares.
Sendo polo atrativo de fluxo acadêmico e da comunidade, a infraestrutura urbana
do campus apresenta, em alguns aspectos, limitada organização para atender ao cres-
cimento da universidade. A configuração viária do local, especificamente, é insuficiente
ou pouco deliberada, gerando graves conflitos de fluxos de diferentes transportes –
veicular (veículos de passeio e ônibus), ciclista e pedestre –, agravados pelo traçado
viário único, que valoriza e incentiva o transporte veicular.

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Pi s t a M ult iu s o d a Uni ver sid ade Fe der a l de S a nt a M ar ia :
do Pr oj et o à M at er ia li z aç ão

Figura 1 Vista aérea do campus da UFSM, abrangendo eixo principal da avenida Roraima.
Foto: Lauro Alves / Agência RBS, 2011.

Figura 2 Espaços livres próximos ao Centro de Ciências Rurais.


Foto: Ronald Mendes / Agência RBS, 2014.

Diante dessa problemática, esta pesquisa apresenta o desenvolvimento de um plano


piloto e anteprojeto paisagístico de uma Pista Multiuso que abrangerá toda a extensão

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da universidade, direcionada exclusivamente para deslocamentos não motorizados,


conectando diferentes áreas do campus e valorizando a interface entre edifícios e
espaços livres (figuras 1 e 2). Buscou-se minimizar impactos e carências de mobilida-
de alternativa no parque universitário, atribuindo melhor funcionalidade por meio da
implantação de um sistema interconectado e eficiente de caminhos e atividades com
recantos de lazer e recreação.
Um dos objetivos da pista é suprir demandas encontradas na UFSM em função
dos tipos de utilização: circulação de estudantes, professores e funcionários em dias
úteis (caráter de atividades necessárias) e circulação de lazer e recreação, visto que a
universidade adquire a função de Parque Setorial (caráter de atividades opcionais e
sociais), conforme denominação de tipos de atividades realizadas em espaços públicos
categorizados pelo arquiteto e urbanista dinamarquês Jan Gehl (2011). Segundo o autor,
a apropriação do espaço e execução dessas atividades tornam-se convidativas quan-
do há boas condições de clima e de infraestrutura do espaço público. (GEHL, 2011).
Nesse sentido, o projeto de pesquisa e execução da Pista Multiuso da UFSM buscou
fundamentar-se para oferecer a devida infraestrutura aos usuários e, em etapa posterior,
poder analisar a ocupação e o impacto no ambiente universitário e no bairro Camobi.

2 REFERENCIAIS TEÓRICOS

2.1 Conceito de Espaço Livre

A fim de compreender o conceito de espaço livre aplicado à situação do campus


universitário no contexto do município de Santa Maria, buscou-se a definição desse
termo. Segundo Magnoli (2006, p. 179), espaços livres são aqueles não edificados:
“[...] quintais, jardins, ruas, avenidas, praças, parques, rios, matas, mangues, praias
urbanas ou simples vazios urbanos. Sua localização forma um complexo sistema de
conexões, com múltiplos papéis urbanos”. A autora conclui: “[...] o espaço livre público
é o espaço da vida comunitária por excelência”. (MAGNOLI, 2006, p. 182). Dessa
forma, os espaços podem ser classificados como privados ou públicos.

2.1.1 Espaços Livres Privados

Segundo definição de Queiroga (2011, p. 29): “[...] os espaços livres privados são
aqueles inseridos dentro das áreas particulares e cujo acesso não é, em geral, possi-
bilitado ao público”. Percebe-se que exemplares desse tipo de espaços estão inseridos
nos limites das propriedades privadas, como jardins, pátios e áreas de estacionamento.
Seu uso e controle são restritos à parte da população.

2.1.2 Espaços Livres Públicos

“Os espaços livres públicos constituem-se de todos aqueles de propriedade pública,


com diferentes graus de acessibilidade e de apropriação.” (QUEIROGA, 2011, p. 28).

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O autor identifica a rua como o “[...] principal espaço livre, fundamental para a cone-
xão na cidade, por onde ocorre grande parte da vida cotidiana da sociedade urbana.
Destaca-se os demais elementos como parques, praças, florestas urbanas, calçadões,
promenades, lagoas, praias, etc., como constituintes desse sistema”. (QUEIROGA et al.,
2011, p. 143). Os espaços livres públicos são os lugares mais prováveis onde pessoas
que vivem separadamente em seus espaços privados vão se encontrar.
A partir da compreensão do significado de espaços públicos, conforme definição dos
autores citados, é possível identificar a importância do campus universitário no cenário
dos espaços públicos de Santa Maria, devido à carência de equipamentos adequados
ao uso e apropriação pela população.

Figura 3 Mapa dos espaços livres intraurbanos de Santa Maria. Intervenção sobre imagem Quickbird cedida pelo
Laboratório de Análises Ambientais por Geoprocessamento (LAGEO-UFSM).
Fonte: Adaptado por Pippi e Weiss, 2010.

Segundo o grupo de pesquisa de Metodologia de Análise e Inventário dos Espaços


Livres Públicos na Paisagem Natural e Construída de Santa Maria (UFSM), foram iden-
tificados 81 espaços livres públicos na cidade. Entre eles, o campus da UFSM é o que
possui maior área e representatividade para a população, capaz de abrigar diversas
atividades simultaneamente (figura 3). Não apenas para o bairro Camobi, mas para
toda a cidade, representa o parque referencial de área de lazer e recreação.

2.2  Conceito de Espaço Compartilhado

Desde 2003 o conceito de shared space, ou “espaço compartilhado”, vem se dis-


seminando mundialmente. A primeira cidade a adotá-lo foi Drachten, na Holanda. O
engenheiro holandês Hans Monderman elaborou o primeiro projeto nesse sentido em
2004 (PROJECT FOR PUBLIC SPACES), pois criticava a infraestrutura tradicional de
trânsito, considerando-a perigosa ao invés de protetora. Em sua defesa, baseia-se na
premissa de que a harmonia do trânsito consiste mais na percepção do meio ambiente

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e sua dinâmica do que nas prescritas regras oficiais de circulação e conduta, e de que
sinais de trânsito corroboram a promoção de acidentes.
Nas vias de Drachten, seja através de fotografia, seja circulando pela cidade, percebe-
-se que o inusitado sistema prima pela comunicação visual entre as pessoas que nelas
passam – a pé, com bicicletas ou automóveis – e interagem no sistema viário, o que
é visto pelas atitudes cautelosas tomadas tanto por motoristas, quanto por pedestres e
ciclistas (figura 4). Monderman afirma: “[...] quando há separação, as pessoas pensam,
‘esse espaço é meu’. Sendo compartilhado, têm a consciência de dividir”. Cidades como
Bohmte (Alemanha), Ejby (Dinamarca) e Ostende (Bélgica) adotaram o conceito e, sem
restringir ou banir meios de locomoção, buscam integrar e equilibrar o trânsito atual.

Figura 4 Interseção no centro de Drachten sem semáforos e sinalização.


Fonte: Fietsberaad Crow, Holanda, 2012.

De forma adaptada ao contexto local, tais princípios são trazidos como inspiração
para a proposição da Pista Multiuso no campus da UFSM. Com as mesmas diretrizes,
porém em menor escala, a pista busca integrar, dinamizar e transformar diferentes
usos, criando um espaço multiuso. Com funções de deslocamentos não motorizados,
como caminhar, correr, andar de bicicleta, de cadeira de rodas, roller ou skate, a pista
atende a demandas e necessidades apresentadas dentro do parque, mas não atendidas
adequadamente – até como local onde se pode descansar e desfrutar da paisagem
visual do entorno.
A cultura de compartilhamento de usos de vias não é comum no Brasil, contudo é
necessária e primordial para que dinâmicas mais saudáveis e prazerosas se estabeleçam
como alternativas de mobilidade no território nacional. Parte-se do princípio de que sua
implementação ocasionará (resultados parciais apontam para tal) mudanças de hábitos
dos usuários da universidade e do entorno. A execução do projeto da Pista Multiuso
triplicou, por exemplo, o número de venda de bicicletas nas proximidades do local,

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segundo relatos informais de comerciantes. Da mesma forma, percebe-se o aumento


da prática de caminhadas, uso de skates, roller e bicicletas, principalmente nos fins de
semana, no espaço em que se encontra a pista e em suas adjacências.

2.3 Conceito de Escala Humana

Para propor as diretrizes do projeto da Pista Multiuso, foram analisados referen-


ciais teóricos relacionados ao estudo dos espaços públicos e de sua implantação nas
cidades. Um dos autores que serviu de base para estabelecer relações entre a teoria e
as formas de concretizá-la foi Jan Gehl, que analisa espaços públicos desde a década
de 1960. Gehl defende o conceito de que a cidade é feita para as pessoas, sendo
essencial pensar em espaços adaptados à escala humana.
O campus da UFSM constitui um espaço democrático, com potencial para tornar-
-se um ambiente mais humanizado. Para isso, a fundamentação teórica teve relevância
para orientar formas de explorar possibilidades. Segundo Gehl (2013, p. 17), “[...] o
fato de as pessoas serem atraídas para caminhar e permanecer no espaço da cidade
é muito mais uma questão de se trabalhar cuidadosamente com a dimensão humana
e lançar um convite tentador”. Em muitos momentos, simples instruções ajudam a
atingir a aceitação satisfatória desse convite. A tabela 1 expõe ideias de Gehl sobre as
relações entre espaços públicos qualificados e seus usuários, as quais foram aplicadas
nas diretrizes do projeto paisagístico da Pista Multiuso da UFSM.

Tabela 1 Relação entre Conteúdo Teórico e Diretrizes do Projeto Paisagístico

Autor Conteúdo Relações Diretriz

“A boa qualidade O planejamento Aliar áreas de estar


ao nível dos olhos urbano deve qualificadas ao longo
deve ser considerada preocupar-se com do percurso da Pista
como direito humano o todo, porém deve Multiuso para oferecer
básico. As cidades também dar atenção um leque completo
devem propiciar boas especial aos detalhes, de possibilidades ao
condições para que aos elementos usuário – caminhar,
as pessoas caminhem, próximo do usuário. parar, sentar-se,
parem, sentem- As necessidades mais olhar, ouvir e falar
se, olhem, ouçam simples de interação – a fim de facilitar a
Jan Gehl e falem. De todas social devem ser sociabilização.
as ferramentas de consideradas, por isso
planejamento urbano os detalhes dos locais
disponíveis, a mais de estar, descanso ou
importante é a escala passagem precisam ter
menor.” (2013, p. 118). qualidade.

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“Convidar requer Na tentativa de criar Propor trajetos sinuosos


vistas desobstruídas, espaços convidativos, nas áreas livres do
curtas distâncias, é preciso oferecer campus, pois são
baixa velocidade, oportunidades mais interessantes
permanência no pelas quais a do que longos
mesmo nível e paisagem desperte trechos, evitam a
orientação em direção a curiosidade do monotonia e diminuem,
ao que deve ser visto e usuário, instigando-o a principalmente,
experienciado.” (2013, permanecer e voltar. a velocidade das
p. 236). bicicletas.

Tirar partido de visuais


não explorados,
contemplados a partir
das áreas de estar ou
durante o percurso.

“Assentos secundários, Para não exagerar no Visto que o campus


como escadas, caixas, número de assentos tem caráter de parque,
muros, dão suporte convencionais (bancos), a grama já é usada
à demanda dos pois, quando vazios, para sentar. Propor
assentos convencionais transmitem aspecto novas estruturas de
e aproveitam as de local abandonado. apoio, como caixas de
perspectivas, no caso Pode-se pensar em madeira e decks nos
de degraus.” (2011, assentos diferenciados estares, enriquece as
p. 161). e funcionais, como alternativas de assento.
degraus, plataformas e
caixas.

“Combinações novas e Um espaço urbano Propor manchas de


atraentes são possíveis de qualidade deve vegetação ao longo
quando o espaço levar em consideração da Pista e nas áreas
urbano pode ser aspectos funcionais, de permanência,
ligado diretamente a porém sem aguçando os sentidos
superfícies aquáticas e desconsiderar os e a qualidade visual
beiras de cais, quando aspectos estéticos. do espaço. Usar a
o contato com parques, As condições básicas vegetação como
flores e paisagismo de segurança, clima, ferramenta para
fica garantido, conforto, aliadas à drenagem de áreas
quando os espaços qualidade visual, alagáveis.
podem ser orientados resultam em espaços
perfeitamente em de qualidade e design
termos de clima local.” urbano que instiga os
Desenvolver estares
(2013, p. 177). sentidos.
em áreas sombreadas,
para proteção contra o
calor intenso no verão,
porém sob vegetações
caducifólias, que
permitem a passagem
da luz solar no inverno.

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“Métodos de Conversar com os Desenvolver métodos


observação e usuários e observar de análise por meio
questionários seu comportamento de interação direta
providenciam dados após a implantação do e indireta com os
em vez de suposições projeto revelam efeitos usuários e observação
sobre o que realmente positivos/negativos do suporte físico-
está acontecendo.” da obra e auxiliam no -ambiental para obter
(GEHL; SVARRE, 2013, lançamento de etapas dados concretos sobre
p. 24). futuras por meio da o uso, a apropriação
consideração das do espaço e os seus
críticas. efeitos no ambiente do
campus.

Fonte: Alice Rodrigues Lautert, 2015.

A partir dessa análise, estabeleceram-se conexões entre o conteúdo defendido por


Gehl (2011) e por Gehl e Svarre (2013) e a concretização das ideias em diretrizes. Essa
ferramenta facilitou o lançamento do partido, fundamentado no conceito de espaços
compartilhados e da valorização da escala humana em espaços livres públicos. Foi
realizado levantamento dos condicionantes gerais da área e locação das espécies ar-
bóreas próximo ao trajeto da pista a fim de integrá-las ao circuito, não as retirando de
seu local original. Desenhos, croquis e estudos de referência de projetos com temática
semelhante auxiliaram na concepção do projeto, iniciado no primeiro semestre de 2014,
que teve a colaboração de três docentes e quatro acadêmicos do curso de arquitetura
e urbanismo da UFSM.

3  M ATERIALIZ AÇ ÃO DO PROJE TO

3.1 Estrutura da Pista

A Pista Multiuso apresenta, numa primeira etapa, extensão de aproximadamente


três quilômetros, configurada hierarquicamente em função do seu dimensionamento e
da sua disposição no espaço. A pista multiuso arterial apresenta três metros de largura,
disposta adjacente ao eixo principal norte-sul, que organiza o eixo de distribuição das
edificações por áreas de ensino no campus. O trajeto inicia-se nas proximidades do
Arco (no acesso ao campus), percorre centros educacionais e atinge o prédio da reitoria
na extremidade oposta, compondo a estrutura primária.
A pista multiuso secundária compreende ramificações do sistema e compõe a estru-
tura secundária. Apresentando 2,5 metros de largura, estabelece ligações específicas
no interior da cidade universitária, conectando-se à Biblioteca Central, ao Centro de
Educação Física e Desportos, ao Restaurante Universitário I (setor leste), estendendo-se
ao Restaurante Universitário II, à Casa do Estudante Universitário (CEU), ao Jardim Bo-
tânico e edifícios de educação que não se aproximam da estrutura arterial (setor oeste).
A distinção na organização e no dimensionamento das pistas surge a partir da análise
do fluxo no campus. O traçado principal (eixo norte-sul), de forma predominantemente

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linear, favorece fluxo rápido e distribuição eficiente dos usuários nas áreas de ensino
(figura 5). O percurso se estabelece em torno do mesmo eixo – conforme a organiza-
ção “espinha de peixe”, consequente do plano diretor da universidade. A ramificação,
que compreende o traçado secundário possibilita, de forma complementar, o acesso
a edifícios específicos no interior de cada área de ensino, recriando fluxos amenos,
conformados pela proximidade das edificações.
O início do circuito próximo ao acesso do campus favorece a conexão com vias
apropriadas e externas à cidade universitária, permitindo mobilidade direta e eficiente.
Na avenida Roraima – via de acesso ao campus da UFSM – foi construída a partir de
2011 uma ciclovia até então fragmentada (desvinculada da área da instituição), que
hoje se associa à Pista Multiuso, permitindo o desenvolvimento da mobilidade urbana
alternativa desde áreas próximas ao campus.

Figura 5 Mapa do sistema completo de mobilidade alternativa no campus da UFSM com traçado da Pista Multiuso
já executado e elementos complementares a serem implantados.
Fonte: Produzido por Alice Rodrigues Lautert, Paula Gabbi Polli e Luis Guilherme Aita Pippi, 2015.

3.2 Estares

As áreas de estar são partes importantes do projeto e seguem hierarquia de estares


primários e secundários. Foram previstas para serem dispostas ao longo da pista, vin-
culadas a cada centro educacional (estares primários), e, em outros pontos, distribuídas
pelo campus (estares secundários), complementando a eficiência do sistema.
Conformados na forma de decks, mirantes e bancos, essas áreas ou equipamen-
tos objetivam atender tanto às demandas de passagem, ao contribuírem para a não 
 
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Figura 6 Proposta de estar primário para o Centro de Tecnologia. Vista 1.


Fonte: Felipe Segala Gravina, 2014.

Figura 7 Proposta de estar primário para o Centro de Tecnologia. Vista 2.


Fonte: Felipe Segala Gravina, 2014.

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obstrução da pista por parte dos usuários que querem descansar, como as de perma-
nência, ofertando locais de estar, repouso e contemplação.
Os estares serão construídos com madeira tratada de reflorestamento (eucalipto),
pois, além de reforçar os princípios de sustentabilidade intrínsecos à proposta, é material
durável e orgânico, que contribui e mimetiza o mobiliário com o ambiente natural. As
figuras 6 e 7 demonstram o mobiliário a ser inserido em área de estar primário.   

3.3 Sinalização Vertical e Horizontal

Entendida como um subsistema, a sinalização é composta de linhas, marcações,


legendas e símbolos pintados sobre o pavimento. Com objetivo de aumentar a fluidez, a
sinalização orienta os usuários da pista e indica atenção aos condutores dos automóveis
nos momentos em que a pista intercepta ruas. Também informa os pedestres para que
tenham percepção e, principalmente, o entendimento das sinalizações, sem desviar a
atenção do movimento do entorno. A sinalização horizontal foi projetada para ser clara
e simples, podendo ser compreendida pelos usuários independente da frequência com
que utilizam a pista. Esse tipo de sinalização foi utilizado como auxiliar em relação à
sinalização vertical, empregada para contribuir com o esclarecimento do projeto. Áreas
de interseção com calçadas e caminhos devem ser pintadas em vermelho. Há triângulos
brancos antes dessas áreas, que requerem mais atenção (figura 8).

Figura 8 Sinalização de alerta antes das interseções para avisar aos usuários da pista que precisam dar preferência
para os pedestres nas travessias.
Fonte: Maurício Picetti dos Santos, Felipe Segala Gravina, Alice Rodrigues Lautert e Luis Guilherme Aita Pippi, 2015.

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do Pr oj et o à M at er ia li z aç ão

3.4 Acessibilidade

Com objetivo de aumentar a segurança e chamar atenção dos motoristas, o


projeto da Pista Multiuso previu faixas elevadas para travessias dos usuários em ruas e
avenidas da universidade. Tais elementos foram baseados no conceito de traffic calming,
que possui o objetivo de reduzir a velocidade dos veículos, aumentar a segurança dos
pedestres e melhorar a qualidade de vida nas áreas urbanas (PROJECT FOR PUBLIC
SPACES, 2013). Todas as faixas dessa primeira etapa já foram executadas e sinalizadas,
e vêm se mostrando como importantes instrumentos de acessibilidade, pois contribuem
de maneira expressiva no deslocamento dos pedestres, ciclistas e, principalmente, ca-
deirantes. Suas configurações estão representadas graficamente na figura 9.
Além de garantir a travessia segura, as faixas elevadas têm como função fazer com
que os motoristas diminuam a velocidade de seus veículos, já que o obstáculo colocado
à sua frente funciona como uma lombada. A preferência, anteriormente consolidada
dos motoristas, é revertida para as pessoas que atravessam sem veículo motorizado.
O maior benefício da faixa elevada reside no fato de que o usuário da pista, ao
atravessá-la, não precisa mudar de nível em relação à rua. Isso facilita a mobilidade,
principalmente, de pessoas com dificuldades físicas, crianças, idosos e cadeirantes.
Com a faixa, mantém-se o trajeto contínuo sem necessidade de descer e retornar à
calçada em seguida.

Figura 9 Detalhamento da faixa elevada na travessia da rua.


Fonte: Maurício Picetti dos Santos, Felipe Segala Gravina, Alice Rodrigues Lautert e Luis Guilherme Aita Pippi, 2015.

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3.5 Paisagismo e Infraestrutura Verde

Entende-se que espaços urbanizados como a área do campus da UFSM são ecos-
sistemas abertos e vulneráveis que priorizam a implantação de infraestruturas cinzas
(estacionamentos, vias para automóveis e superfícies impermeáveis), provocando impactos
negativos, como aumento de poluentes, maior consumo de energia, acumulo de água,
alagamentos e elevação da temperatura. Propõe-se uma intervenção paisagística – aliada
à infraestrutura verde – para mitigar os efeitos negativos dessa urbanização, contribuindo
com a implantação do sistema de mobilidade alternativa na Pista Multiuso (figura 10).

Figura 10 Proposta de infraestrutura verde para a Pista Multiuso. Trincheiras de infiltração para drenagem em áreas
sujeitas a acúmulo de água.
Fonte: Felipe Segala Gravina, 2015.

Para esta etapa do projeto, foi prevista uma intervenção paisagística abrangente
por toda a extensão da pista. Essa ação almeja obter resultados em médio prazo, com
o plantio de espécies ornamentais que instiguem os sentidos e ajudem na absorção
pluvial, e em longo prazo, mediante o sombreamento de áreas de estar e a recupe-
ração de áreas de preservação dentro do campus. Uma rede de drenagem natural
seria consolidada, apoiada em técnicas de infraestrutura verde que, por meio de
vegetações específicas para locais com problemas de infiltração e alagamento, criam
uma transição gradual entre espaço urbanizado e sistema natural. A infraestrutura
verde possibilita que as cidades diminuam esse ritmo ao proporcionar alternativas
que consomem menos energia, não emitem gases de efeito estufa, capturam carbono,
evitam a sedimentação dos corpos d’água, protegem e aumentam a biodiversidade,
fornecem serviços ecossistêmicos no local, previnem ou diminuem a poluição das
águas, do ar e do solo. (ELMQVIST, 2010).
No planejamento da Pista Multiuso, um projeto paisagístico adequado, aliado à
infraestrutura verde, tende a trazer uma série de benefícios ao público universitário,

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qualificando as áreas de estar e lazer e promovendo melhoramento microclimático


do campus, conforme exemplo de trecho de paisagismo proposto na figura 11. Tal
planejamento propicia a integração da natureza à cidade, incentiva a sustentabilidade,
favorece a mitigação de impactos ambientais e a adaptação para enfrentar problemas
causados pelas alterações climáticas, como chuvas intensas e frequentes, aumento de
temperatura, desertificação e perda de biodiversidade. (AHERN, 2009; HERZOG, 2010).

Figura 11 Proposta de paisagismo e espécies sugeridas para trecho em frente ao Centro de Tecnologia.
Fonte: Maurício Picetti dos Santos, Felipe Segala Gravina, Alice Rodrigues Lautert e Luis Guilherme Aita Pippi, 2015.

Figura 12 Acúmulo de água proveniente da chuva sobre o passeio em um local onde seria implantada uma
trincheira de infiltração com vegetação adequada.
Foto: Luis Guilherme Aita Pippi, 2014.

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Figura 13 Acúmulo de água sobre o gramado em um local onde foi prevista intervenção de paisagismo com
vegetação adequada para áreas alagadas.
Foto: Luis Guilherme Aita Pippi, 2014.

Até o momento, o projeto de paisagismo, bem como as trincheiras de infiltração,


não foi executado e sua necessidade já se faz presente em períodos de chuva. É possível
observar em locais onde a topografia é mais baixa, configurando áreas naturais de
drenagem, o acúmulo de água sobre o gramado e sobre o passeio ao lado da Pista
Multiuso (figuras 12 e 13).
A infraestrutura verde e o paisagismo têm sido um dos temas complementares ao
projeto, adaptando a área do campus para enfrentar eventos climáticos, mimetizando
o espaço edificado com sistema natural, trazendo benefícios aos universitários e trans-
formando a paisagem urbana monocromática em um espaço vivo. Essas são diretrizes
que privilegiam os transportes alternativos não motorizados, colaborando para a sus-
tentabilidade do ambiente.

4 RESULTADOS

Em julho de 2014, foram iniciadas as etapas de construção da Pista Multiuso (figuras


14 e 15). Inicialmente, foi construído o trajeto primário da proposta, implantado a partir
da entrada da UFSM, onde se localiza o arco de acesso, terminando junto ao prédio da
reitoria do campus. Com extensão de três quilômetros e largura de três metros na pista
multiuso arterial, e de 2,50 metros na pista multiuso secundária, o percurso referente à
primeira etapa do projeto foi executado em concreto e percorre os prédios de alguns
dos principais centros da universidade, como o Centro de Ciências Naturais e Exatas
(CCNE), o Centro de Tecnologia (CT) e o Centro de Artes e Letras (CAL). Destaca-se
a proximidade da Pista Multiuso ao Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM).

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Dessa primeira fase concluída, aproximadamente dois quilômetros correspondem à


pista arterial, e um quilômetro à pista secundária.

Figura 14 Execução da Pista Multiuso iniciada em julho. Vista 1.


Foto: Felipe Gravina, 2014.

Figura 15 Execução da Pista Multiuso iniciada em julho. Vista 2.


Foto: Felipe Gravina, 2014.

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Além do circuito, foram executadas as faixas elevadas, contínuas à pista e nas


interseções com as ruas, para garantir segurança aos usuários e demonstrar a prio-
ridade destes em relação aos veículos. Juntamente à execução da pista, foi realizada
a ampliação de uma ponte presente na entrada do campus, garantindo espaço ao
passeio público e à pista.
Após a conclusão do corpo das pistas arterial e secundárias, foram iniciados os
trabalhos de sinalização no percurso, começando pelas sinalizações horizontais no
eixo da pista (figuras 16, 17 e 18). Foram reforçados os locais de interseção entre dife-
rentes usos, como o encontro da pista com calçadas de uso exclusivo para pedestres
e a marcação da prioridade de usuário conforme meios de locomoção e atividades
realizadas no trajeto.
Como última intervenção realizada, em agosto de 2015, foram implantadas placas de
sinalização vertical a fim de esclarecer os usos prioritários da pista, visando ao convívio
agradável entre os usuários no decorrer do trajeto. Entre os elementos destacados na
sinalização vertical, é possível citar o encontro da pista com os eixos viários presentes
no campus, onde placas “dê a preferência” à pedestres e ciclistas foram implantadas
nas extremidades de cada interseção. No entanto, a implantação desses elementos

Figura 16 Sinalização de alerta em travessia.


Foto: Luis Guilherme Aita Pippi, 2015.

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de sinalização ocorreu independente do projeto inicial, de forma que a intenção de


proporcionar clareza de informação e uso acabou prejudicada por não dialogar com
a intenção inicial da proposta. Foram locados inúmeros postes com sinalização, resul-
tando em poluição visual e surgimento de barreiras físicas nas proximidades da pista,
levando a resultados insatisfatórios (figura 19). Dessa forma, está sendo trabalhada a
criação de um totem informativo – que surgirá como elemento único de sinalização
nas interseções do percurso – no qual serão concentradas as informações de usuários
e preferências de uso (figuras 20 e 21).
Desde o início das obras, a apropriação dos usuários da Pista Multiuso tem crescido
significativamente. Após a finalização de cada trecho, estudantes, funcionários e pro-
fessores passaram a usufruir da nova opção de percurso para satisfazer necessidades
de deslocamento, lazer e recreação. Assim, a partir de prévia observação comporta-
mental dos usuários, foi possível verificar que nos dias de semana o trajeto é utilizado
prioritariamente com a finalidade de conduzir a comunidade acadêmica a seus locais
de interesse.
A implantação da Pista Multiuso contribui para a utilização do campus como área
de lazer de abrangência municipal. Existe grande diversidade de usuários e atividades
ocorrendo na pista nos finais de semana, praticando atividades físicas e recreativas ao
longo do traçado da pista e em espaços a ela adjacentes, como ilustram as figuras 22
e 23.

Figura 17 Sinalizações horizontais de fluxos e usuários.


Foto: Luis Guilherme Aita Pippi, 2015.

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Figura 18 Faixa elevada na rua – prioridade aos usuários da pista.


Foto: Luis Guilherme Aita Pippi, 2015.

Figura 19 Sinalização vertical na pista.


Foto: Paula Gabbi Polli, 2015.

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Figura 20 Proposta de totem para sinalização vertical.


Fonte: Paula Gabbi Polli, 2015.

Figura 21 Proposta de totem para sinalização vertical e simulação na pista.


Fonte: Luis Guilherme Aita Pippi e Paula Gabbi Polli, 2015.

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Figura 22  Apropriação da pista pelos usuários.
Foto: Luis Guilherme Aita Pippi, 2015.

Figura 23 Apropriação da pista pelos usuários.


Foto: Luis Guilherme Aita Pippi, 2015.

A partir de depoimentos estabelecidos em abril de 2015, pode-se verificar a


influência da Pista Multiuso na apropriação do público do campus da UFSM – como
polo atraente de atividades – e a impressão dos usuários sobre o local. Segundo um

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dos entrevistados, a pista é caracterizada como “fluída, movimentada e estável”, sendo


o seu afastamento em relação à calçada e à rua o principal aspecto positivo. Para outro
usuário, a pista é utilizada para atividades de corrida e ciclismo nos finais de semana,
pois sua configuração e materialidade permitem tal atividade, impossível em outros
parques da cidade. A pista ainda representa “facilidade e rapidez de deslocamento,
integração entre espaços, melhoria do fluxo e segurança aos usuários”, que permitem
melhor apropriação do espaço.
Considerando que a Pista Multiuso surgiu como um espaço livre de mobilidade
alternativa, é possível verificar o surgimento de alguns conflitos de uso em sua extensão.
Alguns usuários ainda apresentam dificuldade em utilizar o percurso, compreendendo
o espaço como compartilhado entre meios de locomoção variáveis, e não apenas
uma ciclovia. Verificou-se o conflito entre alguns pedestres e ciclistas e a necessidade
de maior atenção de todos os usuários, incluindo veículos que trafegam pelas ruas do
campus nas interseções entre a pista e o sistema viário da universidade. Entende-se que
é uma questão de tempo para que os usuários se habituem, estando num momento
de adaptação a uma ideia ainda não popularizada. A mídia universitária também tem
contribuído para divulgar o projeto e seu conceito multimodal.
Em geral, a repercussão do projeto na comunidade acadêmica tem sido posi-
tiva. A questão da acessibilidade também está sendo abrangida – e só vem reforçar o
direito universal que todo cidadão tem de ir e vir. Usuários da universidade e visitantes
têm experimentado novos trajetos e valorizado os visuais que proporcionam. Com a
continuidade do projeto, a tendência é que o conjunto de pista e áreas livres do campus
qualifique ainda mais o parque universitário e incentive a mobilidade alternativa.

4.1 Orientações para Reduzir Conflitos

Alinhada com a implementação da Pista Multiuso, é visível a necessidade de di-


vulgar o uso adequado a fim de que não ocorram conflitos ou dúvidas quanto à sua
função. Dessa maneira, propôs-se, adicionalmente, a elaboração e distribuição de um
fôlder educativo com esclarecimentos sobre o que é a Pista Multiuso e seu conceito de
compartilhamento, sobre usuários, funções, dicas de sinalização (figura 24).
Alertas como manter-se à direita, atenção com os cruzamentos, respeito aos usuários
da pista – principalmente crianças, idosos e iniciantes –, sinalizar nas ultrapassagens,
buscar não obstruir locais de travessia, são algumas das recomendações presentes no
fôlder distribuído à comunidade presente no raio de atendimento universitário. Além
disso, pretende-se conscientizar, principalmente os usuários, a priorizar e ter cautela com
o próximo mais vulnerável em termos de segurança, de forma que o ciclista ou skatista
sempre procure atentar ao pedestre. Assim, acredita-se que os usuários do espaço se-
jam capazes de utilizá-lo de maneira adequada ao que ele se destina e prudente com
questões de segurança. Medidas como essas são importantes para o aproveitamento
da Pista Multiuso e para a compreensão do conceito de espaços compartilhados.
Com a proposição de projetos como o da Pista Multiuso da UFSM, pretende-se
que a implementação de espaços compartilhados se torne recorrente e possa servir

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como exemplo de bom uso e funcionamento desse tipo de sistema. Dessa forma, a
desconexão do pedestre em relação aos carros, em virtude do traçado independente
e afastado do leito viário, estimula os espaços de circulação a não serem apenas vias
monótonas, mas que se proponham ao convívio social, contemplação e exercício físico.

Figura 24 Fôlder educativo proposto com orientações em relação ao comportamento na pista.


Fonte: Letícia de Fátima Durlo Coutinho, Alice Rodrigues Lautert, Luis Guilherme Aita Pippi e
Paula Gabbi Polli, 2015.

5 E TAPA S FUTUR A S

5.1 Metodologia de Análise Pós-Ocupação

Paralelamente ao projeto da Pista Multiuso, o grupo do projeto de pesquisa Me-


todologia de Análise e Inventário dos Espaços Livres Públicos na Paisagem Natural e
Construída de Santa Maria, também da UFSM, vem desenvolvendo multimétodos para
análises pós-ocupação de espaços públicos. Esse grupo, pertencente ao Quapá-SEL II
do Núcleo de Santa Maria, vem buscando informações sobre a esfera pública dos Es-
paços Livres Urbanos (ELIUs) públicos da cidade quanto aos aspectos de caracterização
dos mesmos (ambientes naturais e construídos) e suas redes sociais. Serão levantados
dados contendo características físicas, ambientais, paisagísticas e sociais dos espaços.
Um dos espaços públicos analisados é o da Pista Multiuso no campus da UFSM.

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A equipe de pesquisadores do Quapá-SEL Núcleo de Santa Maria reformulou os


métodos de análise e apreensões dos ELIUs públicos, optando pela utilização de quatro
métodos (dois quantitativos e dois qualitativos) para análise.  Foram elaboradas planilhas
para a caracterização dos ELIUs públicos (encontrando-se a Pista Multiuso na categoria
de Espaços Livres Urbanos de Circulação – ELIUC) e planilhas para caracterização dos
usuários e interação com os mesmos por meio de questionários.
Segundo Zeisel (2006), Sommer e Sommer (2002) e Pippi (2014), quando a apli-
cação sistemática de diferentes métodos de abordagem para captar a essência e o
dinamismo da esfera pública dos espaços livres de lazer, recreação e circulação é
conduzida, pode-se registrar diversas informações para traçar o perfil da área e de
seus usuários. Percebe-se quem são eles, quais atividades realizam, quais as relações
espaciais e sociais ali estabelecidas. Tais respostas auxiliam na compreensão do uso
e da dinâmica do espaço analisado. Os multimétodos estão configurados em quatro
modos, conforme a tabela 2.
A metodologia, em sua íntegra, seguirá um protocolo de pesquisa estabelecido
especificamente para análise dos ELIUs públicos (variáveis temporais, climáticas, sociais
e de caracterização dos espaços livres públicos de lazer, recreação e circulação). O
grupo Quapá-SEL Núcleo de Santa Maria iniciou a aplicação de seus métodos nos
espaços públicos da cidade em abril de 2015. Seus integrantes, junto com a equipe da
Pista Multiuso, já tiveram contato com usuários da cidade universitária por meio dos
métodos 1 e 2 para obter opiniões a respeito do projeto. Os dados foram coletados
no decorrer do ano de 2015 e analisados para gerar vários cenários e um panorama
estruturado da apropriação do espaço pelos usuários. Essas informações irão auxiliar
na elaboração de etapas futuras do projeto da Pista Multiuso.

Tabela 2 Categorização dos Multimétodos

Método 1 Método 2 Método 3 Método 4

Forma de
interação com Direta Direta Sem interação Sem interação
os usuários

Tipo de análise Qualitativa Quantitativa Quantitativa Qualitativa

Survey com Caracterização Caracterização


Questionário com
Metodologia perguntas dos aspectos físico-ambiental
perguntas abertas
fechadas sociais da área
Frequência com Tipos de
Aspectos positivos Tipos de
Exemplo de dados que o espaço é atividades
e negativos da mobiliário urbano
levantados utilizado pelos realizadas pelos
área existentes na área
usuários usuários

Fonte: Fátima Durlo Coutinho, 2015.

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5.2 Infraestruturas Complementares

Em razão da primeira etapa de implantação da Pista Multiuso ter se mostrado bem-


-sucedida, os gestores da UFSM já confirmaram que as etapas futuras serão realizadas
na sequência. A próxima fase prevê a execução do mobiliário constituinte das áreas de
estar primário e secundário, seguida pelos demais elementos necessários para completar
a infraestrutura do conjunto: lixeiras personalizadas, bicicletários, bebedouros, mapas do
sistema, pontos de aluguel de bicicleta, iluminação e paisagismo. Certos componentes
já foram devidamente detalhados pela equipe de projeto, outros encontram-se em fase
de tratativas para definições finais, como o caso dos pontos de aluguel de bicicleta e
o projeto de iluminação.
Posteriormente, o circuito da pista será ampliado. Sua estrutura secundária se es-
tenderá pelo campus, alcançando o Restaurante Universitário – Unidade II, a Casa do
Estudante Universitário (CEU), o Jardim Botânico e demais prédios de educação que
não se localizam propriamente junto à estrutura primária. Aliada às novas ramificações
da pista, será implantada a infraestrutura complementar, como áreas de estar, lixeiras,
bicicletários e paisagismo adequado.
Outros itens foram conjuntamente analisados para as etapas futuras, mas ainda
necessitam de refinamento e novas discussões a respeito. Na busca de tornar o campus
um espaço cada vez mais abrangente e multicultural, prevê-se a implantação de uma
pista de skate e área de estar complementar para os praticantes dessa atividade. São
vistos como necessidades um playground para atender ao público infantil e áreas de
alongamento para os que realizam práticas esportivas. Outro elemento citado foi uma
concha acústica, visando a sediar eventos e atividades da comunidade acadêmica,
pensando nas diversas formas de manifestação cultural que ocorrem no campus. Tais
pontos precisam ser novamente discutidos para serem incluídos nas etapas seguintes de
projeto e analisadas as áreas mais viáveis para suas implantações e formas de conexão
com o circuito já existente.

6 CONSIDER AÇÕES FINAIS

O projeto da Pista Multiuso do campus da UFSM segue em andamento, atento


aos resultados positivos já alcançados, porém buscando diálogo com os usuários e
analisando os problemas in loco a fim de obter as soluções adequadas. Acadêmicos
e professores membros da equipe de projeto têm se reunido para elaborar as etapas
futuras de ampliação desse sistema, somando forças com outros grupos de pesquisa
da UFSM. Desse modo, é possível chegar a uma linguagem padrão entre os projetos
desenvolvidos para a cidade universitária.
Um dos objetivos do projeto da Pista Multiuso era viabilizar uma nova forma de
mobilidade alternativa, e acredita-se que esse propósito está sendo atingido. Diaria-
mente, são vistas pessoas utilizando a pista de várias maneiras – caminhando, correndo,
passeando, de bicicleta e skate. Ela tornou-se parte do trajeto até as salas de aula,

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local de prática de esportes e caminho para os estudantes que moram na universidade.


Verificou-se o aumento do número de ciclistas e pedestres no campus, indicando que
a Pista Multiuso tem incentivado deslocamentos não motorizados.
A boa utilização dessas áreas de passagem tem refletido na valorização das áreas
de permanência, mesmo que esse ponto ainda seja deficitário no campus. Este possui
um potencial como parque, que vem sendo explorado, pois além da área verde e dos
espaços naturais internos, é possível também aproveitar o visual do ambiente natural
externo ao campus, os morros a norte de Santa Maria. Essa combinação tem resulta-
do na apropriação do espaço, principalmente nos fins de semana e feriados, quando
a comunidade vem em grande número usufruir a área para piqueniques, atividades
físicas, tomar chimarrão, passear e encontrar amigos. Com a implantação da pista,
esse momento de lazer e recreação tem sido impulsionado a partir da possibilidade de
desfrutar novos caminhos e as áreas adjacentes. O conceito da escala humana posto
em prática tem aumentado as relações sociais diretas entre os usuários do parque uni-
versitário, algo relevante para o bom convívio em sociedade. Sendo assim, percebe-se
que a humanização dos espaços tem dado bons frutos e que mais resultados positivos
podem surgir do progressivo aperfeiçoamento do projeto da Pista Multiuso no campus
da UFSM.

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Nota do editor
Submissão: 1 mai. 2015
Aprovação: 23 out. 2015

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PARQUE ECOLÓGICO ALDEIA DE C AR APICUÍBA :
PROJETO DE PAISAGISMO PARTICIPATIVO
VALORIZ ANDO UM PATRIMÔNIO HISTÓRICO 1
ECOLOGICAL PARK IN CARAPICUÍBA VILLAGE: LANDSCAPE PARTICIPATIVE
DESIGN ENRICHING A HISTORICAL HERITAGE

Sylvia Adriana Dobr y- Pronsato*


Caio Boucinhas**
Antônio Busnardo Filho***
Denise Falcão Pessoa****

1
Parte deste trabalho foi apresentado no XII Congresso Internacional de Reabilitação do Patrimônio Arquitetônico
e Edificado – A dimensão cotidiana do patrimônio e desafios para sua preservação: DOBRY-PRONSATO, Sylvia
Adriana; BOUCINHAS, Caio; PESSOA, Denise Falcão.

Patrimônio histórico e paisagismo participativo: Aldeia de Carapicuíba e seu entorno – tantos olhares. In: CON-
GRESSO INTERNACIONAL DE REABILITAÇÃO DO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO E EDIFICADO, 12, 2014,
Bauru, Anais... ISSN/ISBN: 978-85-99679, p. 374-382.

* Arquiteta e urbanista pela Universidad Nacional de Córdoba (FAU-UNC), Argentina. Mestre e


doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universi-
dade de São Paulo (FAUUSP). Professora e pesquisadora no Curso de Arquitetura e Urbanismo
FIAM-FAAM Centro Universitário do Mestrado Profissional Stricto Sensu na área de Arquitetura
e Urbanismo: Projeto, Produção e Gestão do Espaço Urbano. Avenida da Liberdade, 749, 7°
andar, 01502-001, Liberdade, São Paulo, SP, Brasil.
[email protected]
** Arquiteto e urbanista pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG). Mestre e doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquite-
tura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP). Professor e pesquisador no Curso de
Arquitetura e Urbanismo FIAM-FAAM Centro Universitário do Mestrado Profissional Stricto Sensu
na área de Arquitetura e Urbanismo: Projeto, Produção e Gestão do Espaço Urbano. Avenida da
Liberdade, 749, 7° andar, 01502-001, Liberdade, São Paulo, SP, Brasil.
[email protected]
*** Arquiteto e urbanista pela Faculdade Farias Brito – Universidade de Guarulhos (UnG). Mestre e
doutor pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP). Professor e pesqui-
sador no Curso de Arquitetura e Urbanismo FIAM FAAM, no Mestrado Profissional Stricto Sensu
na área de Arquitetura e Urbanismo: Projeto, Produção e Gestão do Espaço Urbano. Rua Kari,
44, 07047-041, Jardim São João, Guarulhos, SP, Brasil.
[email protected]
**** Arquiteta e urbanista pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana
Mackenzie. Mestre em Arquitetura e Urbanismo, concentração em Desenho Urbano, pelo College
of Architecture and Urban Planning – The University of Michigan, USA. Doutora em Arquitetura e
Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP).
Professora e pesquisadora no Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Nove de Julho
(Uninove) e Centro Universitário Belas Artes. Rua doutor Louis Couty, 35, ap. 71, 05436-030,
Jardim das Bandeiras, São Paulo, SP, Brasil.
[email protected]

http://dx.doi.org/10.11606/issn.2359-5361.v0i37p101-117

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Sy l v ia Adr ia na D obr y- Pr on s at o, C a io B ouc inha s ,
A nt ônio B u snar do F ilho e D eni s e Fa lc ão Pe s s oa

RESUMO
Neste artigo discute-se o projeto do Parque Ecológico Aldeia de Carapicuíba, iniciado em
1994 e implantado em 2004. O processo entrelaçou diferentes temas quanto à recuperação e
consolidação de sentimentos de pertencimento a um lugar considerado patrimônio histórico e
ambiental, e sua valorização. Reflete-se, também, sobre a noção de participação da comunidade,
que possibilitou a implantação do parque e facilitou a preservação desse patrimônio histórico
e ambiental. O método participativo de projetá-lo possibilitou a articulação de diversos níveis
de ensino, resultado do trabalho conjunto entre arquiteto contratado pela prefeitura, alunos
da pós-graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo,
professores, funcionários e alunos da Escola Estadual de Primeiro Grau Professora Esmeralda
Becker Freire de Carvalho, localizada no patrimônio histórico Aldeia de Carapicuíba. Nesse
processo, a execução, ainda que parcial em relação ao projeto original, só foi possível pelo
envolvimento direto da comunidade, evidenciando que a relação arte-percepção, ao transcender
o simples observar, pode contribuir em ações que valorizem o sentimento de pertencimento aos
lugares de vida, nesse caso, o patrimônio histórico ambiental. Ao estimular a escola a ocupar
os espaços da arte, no desenvolvimento da percepção, abriu-se a probabilidade de maior
valorização do patrimônio histórico ambiental e cultural.
Palavras-chave: Parque. Arquitetura e urbanismo. Arte. Percepção e participação. Patrimônio
histórico.

ABSTR AC T
This article discusses the design project “Ecological Park in Carapicuíba Village”, which was started in 1994
and was implemented in 2004. The process put together different themes such as the recuperation and
consolidation of the feeling of belonging to a place considered a historical and environmental patrimony.
The study points out the community concept of participation in the design process, considering that, in
this case enabled the implementation of the park and strengthened the preservation of the historical and
environmental patrimony. The participative method for designing the park enabled the articulation of various
levels of teaching, and was accomplished by a team work involving an architect hired by the municipality,
graduate students of the FAUUSP (College of Architecture and Urbanism – University of São Paulo) and the
staff and high school students of the Esmeralda Becker Freire de Carvalho School, situated in the Carapicuíba
historical village. In this process the execution of the original project, even being partial, was only possible
because of the community involvement. The participative process also highlights that the relation between
art and perception, when goes beyond the simple observation, may contribute to the sense of belonging
to a place, and in this case, the preservation of the historical and environmental patrimony. By stimulating
the school to occupy the art spaces when developing its perception, it enabled a possibility of a greater
valuation of the historical, environmental and cultural patrimony.
Keywords: Park. Architecture and urbanism. Art. Perception and participation. Historical heritage.

1 INTRODUÇÃO

A proposta do Parque Ecológico Aldeia de Carapicuíba faz parte de um processo


iniciado em 1994 pelo arquiteto Caio Boucinhas, contratado pela prefeitura de Cara-
picuíba para o desenvolvimento do projeto de um parque que incluísse o quadrilátero
da Aldeia e seu entorno. Considera-se que um projeto participativo contém a necessi-
dade de assegurar a relação de pertencimento ao lugar, a identidade do usuário e sua
inclusão enquanto ser ativo e consciente na cidade. Para isso, é pertinente encontrar
metodologias e caminhos. Considerando que um projeto participativo paisagístico
pode ser produto de criação coletiva ou individual, dependendo das circunstâncias,

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Par que Ecológico A ldeia de C ar apic uí ba :
Pr oj et o de Pai s a gi smo Par t ic ipat i vo Va lor i z a ndo um Pat r imônio H i s t ór ico

ambos os casos se relacionam com o fato de que “[...] o problema da arte [...] não é
o surgimento do indivíduo, mas o da comunicação”. (MERLEAU-PONTY, 1991, p. 85).
Assim, ao pensar o projeto de um parque também como processo de arte e tendo a
comunicação como dado prioritário, naquela ocasião o arquiteto optou por estabelecer
seu escritório na própria Aldeia, entendendo que dessa maneira conseguiria maior
inter-relação com a população do lugar, o que lhe permitiu acessar informações além
das que estão nos mapas:

Os meninos utilizam o pátio e seus arredores empinando pipas, jogando pião e


bola de gude; os moradores só aos poucos vão confiando, [...] desvendando lugares
esquecidos: “aqui tinha uma bica aonde todo mundo vinha buscar água, da boa”;
“lá embaixo um lago onde a gente nadava: foram aterrando aos poucos e depois
fizeram barracos por cima”. [...] íamos descobrindo e catalogando caminhos e trilhas
já existentes [...]; o Pico do Jaraguá aparece inteiro a noroeste a partir dos fundos da
Igreja, área mal-assombrada, onde existia o cemitério; lá embaixo corre o Anhembi
rumo ao Ribeirão Carapicuíba, na divisa com Osasco, afluente do Tietê. Os afluentes
do Anhembi têm matas ciliares sombreando águas que parecem limpas e que surgem
através dos altos muros e gradis de condomínios fechados. (BOUCINHAS, 2005, p. 50).

Os moradores da região também se interessaram, debatendo o tema e expressando


diferentes opiniões. No decorrer do processo, realizaram-se reuniões, oficinas, visitas,
e foi criada a Fundação Aldeia de Carapicuíba, com a participação diversificada de
residentes da Aldeia e seu entorno: comerciantes, donas de casa, arquitetos, peda-
gogos, biólogos.
Durante o processo de desenvolvimento desse projeto, desde 1994 Boucinhas
atendeu às diretrizes e orientações do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Iphan). No entanto, verificou que os profissionais desse órgão se restringiam
a fazer apreciações e orientações concernentes ao Quadrilátero com suas edifica-
ções tombadas, sem considerar o entorno próximo, mobilidade, nascentes, córregos
e questões relativas à preservação ambiental da microbacia do córrego Anhembi,
onde se localiza o Quadrilátero da Aldeia. Desvendava-se, assim, um problema
recorrente, existente, muitas vezes, nos órgãos estaduais e municipais: a falta de co-
nexão entre as diversas secretarias em decorrência de uma forma de construção do
conhecimento que isola disciplinas e não abrange a necessária interdisciplinaridade
para perceber o mundo.
Nas adjacências da Aldeia de Carapicuíba, na década de 1960, surgiram condo-
mínios fechados com lotes grandes e loteamentos ocupados por moradores procurando
melhores condições de vida: verde, sossego e paz, somente a vinte quilômetros da
cidade de São Paulo. Perto da Aldeia, o antigo Sanatório Anhembi, atual Faculdade
da Aldeia de Carapicuíba (FALC), permanecia, na época:

[...] abandonado com seus 120.000 m2, [...] lugar de aventuras; pelo buraco do muro
temos acesso a um mundo mágico de águas puras, nascentes, vegetação exuberante,

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escadarias, caminhos, monumentos, capela e edifícios em ruínas. E, também, de


tráfico de drogas. (BOUCINHAS, 2005, p. 50).

No final da década de 1990, a Aldeia atravessava rápido processo de degra-


dação, e vislumbrava-se que seria comprometida por intensos impactos provocados
pela construção do rodoanel Metropolitano, cuja implantação estava em discussão
em diversas instâncias. Existia a expectativa sobre a ação dos poderes públicos para a
restauração das casas da Aldeia e a valorização das suas tradições culturais – danças,
cantos, violeiros, festas, ações que fazem parte do patrimônio histórico cultural – e a
realização de um parque em seu entorno. Mudanças político-administrativas, muitas
vezes, são impedimentos para o prosseguimento desses projetos.

2 O LUGAR E SUA HISTÓRIA

Com o intuito de melhor compreensão do tema, será feito, de modo resumido,


o histórico desse patrimônio. A Aldeia de Carapicuíba, fundada em 1580, é um
dos doze aldeamentos jesuíticos remanescentes do processo de urbanização de São
Paulo, criados para proteger a cidade e domesticar os índios guaianases2. Segundo
Francisco de Assis Carvalho Franco, citado por Lemos, Mori e Alambert (2008), Ca-
rapicuíba não foi uma aldeia criada pelos jesuítas, alocada para confinar indígenas
convertidos; surgiu como um depósito de índios caçados por Afonso Sardinha. Os
autores aludem, também, a Manoel da Fonseca, asseverando que Sardinha realizou
uma doação “testamentária” de parte de sua sesmaria para ali serem “aldeados”
somente índios libertos, e que aos escravizados, recém-chegados do sertão, dava-se
outro destino, atualmente ignorado3. Estava presente nesses aldeamentos, a conexão
entre duas culturas, o que se manifestava na comunicação oral desde os inícios da
colonização, já que em:

[...] São Paulo, uma área de grande densidade populacional indígena, falava-se a
língua geral, ou tupi. Com o Diretório (1758), a língua portuguesa foi implantada
em São Paulo [...] A língua geral era falada nos arredores da Vila, área em que se
concentravam os aldeamentos indígenas. (OLIVEIRA, 2005, p. 1).

A Aldeia de Carapicuíba é um marco arquitetônico e histórico da Região Metro-


politana de São Paulo (RMSP). Permanecem, em 2016, edificações remanescentes
do século XVIII, que a marcam. É patrimônio histórico4 declarado pela Secretaria do

2
Segundo Barcellos, (2007, s/p.), “[...] guaianazes são guaranis”.

3
As varias opiniões a respeito da função dessa Aldeia demonstram que não há acordos, mas discutir essa ques-
tão foge ao escopo deste artigo.

4
Segundo Faccio (2010, p. 62), faz parte do Livro Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico da Secretaria
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, folhas 3, com número de inscrição sete, que o Conjunto Arquitetô-
nico e Urbanismo da Aldeia de Carapicuíba, situada no Município de Cotia, Estado de São Paulo, propriedade
da Prefeitura Municipal e outros, processo número 218/39, o registro do tombamento ex-officio de 13 de maio
de 1940.

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Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), conceituado como exemplo espe-


cial de aldeamento paulista jesuítico. Seu valor permanece, sobretudo, na disposição
espacial original, definida por construções que sustentam sua volumetria em relação
com o patrimônio jesuítico. Ainda hoje (2016), é um marco nacional de importância,
que representa a memória do processo da colonização europeia no Brasil (ZAHN;
FEITOSA; SAWAYA, 2008). Apenas a capela de São João Batista5 foi tombada pelo
Condephaat, porém trata-se de um tombamento ex-officio, já que todo o conjunto foi
tombado em 1940 pelo Iphan, considerando os critérios que determinam um Núcleo
Histórico ao restituir-lhe os traços de 1736. (FACCIO, 2010, p. 64). O valor desses
núcleos existe no conjunto e não nos edifícios isolados, considerando-se que precisa
ser conservada a importância do todo. Na ocasião do tombamento da Aldeia pelo
Iphan, foram desenhadas uma planta e uma perspectiva aérea realizada por Luis
Saia6 (figuras 1 e 2):

Figura 1 Planta da Aldeia de Carapicuíba. (FACCIO, 2019, p. 60).


Fonte: Secretaria Regional do Iphan do Rio de Janeiro.

5
Segundo Faccio (2010, p. 64), consta no Processo Condephaat n° 339/1973, fls. 9.

6
Luis Saia é um renomado arquiteto, engenheiro, colaborador do Departamento de Cultura e do então Serviço
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, onde substituiu Mario de Andrade na Chefia do 4º Distrito, cargo
que exerceu por quarenta anos.

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Figura 2 Perspectiva da Aldeia de Carapicuíba realizada por Luís Saia (1938), que fez o primeiro estudo sobre a
Aldeia durante a gestão de Mario de Andrade.
Fonte: Andrade (2006, p. 24, apud FACCIO, 2019, p. 60).

Em 1698, os jesuítas destruíram a Aldeia de Carapicuíba, porém foi reconstruída


no mesmo lugar, em 1736, com base em três paredes de taipa que restavam do século
XVI, e que sobreviveram, da antiga capela de São João Batista – que, a partir de então,
chamou-se capela de Nossa Senhora da Graça. (FACCIO, 2010, p. 67). A destruição
pelos jesuítas teve a justificativa de que as terras de plantio estavam cansadas, para
que os índios as abandonassem e mudassem para a Aldeia de Itapecerica7. Condicio-
nada a esses remanescentes, a Aldeia de Carapicuíba evoluiu para uma arquitetura
caipira e desenvolveu-se em volta de uma praça retangular demarcada por casas de
taipa de mão (LEMOS; MORI; ALAMBERT, 2008, p. 93). Como diz Boucinhas, as
construções ainda são de:

[...] taipa de sopapo, com exceção da igreja e algumas paredes das casas, que são de
taipa de pilão; o pátio, retangular, de chão batido e inclinado como o terreno natural
[...]. Em frente à igreja, um plano horizontal com arrimos de pedra, dez palmeiras
jerivá [...] alinhadas em duas filas, da igreja até o cruzeiro; ao redor do pátio, as casas
onde funcionam o posto policial, dois bares, mercearia, frutaria, farmácia, correio, a
casa de cultura da Prefeitura, residências e vestíbulo de um restaurante. No entorno,
mais residências, alguns sítios de fim de semana, três indústrias; à jusante do pátio
passa o córrego Anhembi, poluído; à montante, atrás de muros altos, a área do antigo
Sanatório Anhembi, com muita vegetação e águas límpidas. Todas as paredes das
casas da Aldeia são caiadas de branco com barra azul-clara e portas e janelas com
seus batentes azul-escuros; no pátio, postes, fio elétrico, ônibus, caminhões, carros,
bicicletas [...] (BOUCINHAS, 2005, p. 48-49).

Consta que a atual avenida Inocêncio Seráfico é remanescente do caminho trilhado


pelos guaianases que habitavam Carapicuíba anteriormente à chegada dos coloniza-
dores portugueses. Esses índios, afastando-se do caminho de Cotia, desciam até o rio

7
O que consta, segundo Faccio, (2010, p. 65) no Processo Condephaat nº 339/1973, fls. 4.

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Tietê para pescar e banhar-se. Em suas andanças, aí se estabeleceram, construindo


uma taba, suas ocas, gérmen da atual Aldeia.
Ainda que tombada pelos órgãos de preservação, que definem que qualquer
obra, modificação ou reforma no local e no entorno, num raio de 300 metros, só
pode ser realizada com a aprovação desses órgãos, em 1997, com limitações, não
tinham condições de fiscalizar e manter os espaços e as edificações sob controle.
(BOUCINHAS, 2005, p. 49).

3 O PROJE TO PARTICIPATIVO COM BA SE


  NO ESTUDO DO MEIO INTERDISCIPLINAR

No decorrer de 1997, realizou-se uma experiência com caráter interdisciplinar,


da qual a maioria dos autores deste artigo participou, de maneira conjunta entre um
grupo formado majoritariamente por arquitetos, alunos da pós-graduação da Facul-
dade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP) e um grupo
de professores, funcionários e alunos da Escola Estadual de Primeiro Grau (EEPG)
Professora Esmeralda Becker Freire de Carvalho,8 na Aldeia de Carapicuíba e seu
entorno. Essa ação entrelaçou diferentes níveis de ensino na recuperação e construção
de sentimentos de valorização e pertencimento a um lugar considerado patrimônio
histórico e ambiental, relacionando-se com a noção de participação da comunidade,
o que possibilitou e facilitou a preservação de um patrimônio histórico e ambiental,
abrindo um espaço importante na articulação de níveis de ensino.
A experiência confirmou a importância da relação arte-percepção, que transcende
o mero observar ao transformar-se em um instrumento contra a alienação, da qual
faz parte o sentimento de não pertencimento aos lugares de vida, nesse caso, um
patrimônio histórico ambiental. Ao incentivar a escola a ocupar os espaços da arte
como desenvolvimento da percepção, também se abriu a possibilidade de maior va-
lorização do patrimônio histórico ambiental e cultural. Uma das ações efetivadas com
esse processo foi a execução, ainda que parcialmente em relação ao projeto original,
do hoje chamado Parque Ecológico Aldeia de Carapicuíba, que só foi possível pelo
envolvimento direto da comunidade.
Na primeira visita a campo, realizada na disciplina de pós-graduação, a Aldeia foi
apresentada, primeiramente, como perdida no tempo, sonolenta e em silêncio: que
segredos estariam escondidos naquele lugar histórico de São Paulo? Após andar pelas
encostas adjacentes à Aldeia à procura de informações, o grupo de estudantes de

8
O trabalho fazia parte da disciplina de pós-graduação Projeto sensível, projeto tecnológico, suas relações,
ministrada pelo professor Sylvio Sawaya, com a consultoria do arquiteto Caio Boucinhas, uma equipe de arqui-
tetos (alunos de pós-graduação), formada por Denise Falcão Pessoa, Ely Ana de Oliveira Araujo, Paulo Chiesa,
Regina Cardarelli e Sylvia Adriana Dobry-Pronsato. Estes (exceto Paulo Chiesa) também participaram da pesqui-
sa sobre a Aldeia de Carapicuíba, realizada no Centro Universitário Nove de Julho (Uninove), coordenada pela
profa. dra. Maria José Feitosa, com consultoria do prof. dr. Sylvio Sawaya (FAUUSP) e a participação do prof.
dr. Carlos Eduardo Zahn (Uninove/FAUUSP), dos profs. Eliana Quartim Barbosa, Luiz Otavio de Faria e Silva,
Sergio Torres Moraes e dos arquitetos Maria de Lourdes Nogueira, Roberto Mello e Roberto Dantas Araujo. Essa
experiência realizou-se sob a coordenação pedagógica da profa. dra. Nidia Nacib Pontuschka, da Faculdade
de Educação da USP (FEUSP), sendo diretora da escola, na época, Maria Helena Scabelo.

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pós-graduação deparou-se com a Biblioteca e a Casa de Cultura, cujos funcionários


sugeriram conhecer a escola. A diretora narrou histórias do dia a dia, da vergonha que
muitos sentem por serem descendentes de índios, dos migrantes, das ruas de barro,
das crianças, da vontade de crescer, dos jerivás (palmeiras nativas muito presentes em
São Paulo). Foi a partir desse contato que se originou a ideia de um Estudo do Meio,
inicialmente acadêmico, que se estendeu para fora dessa fronteira, compreendendo
um estudo para a implantação de um projeto participativo de revitalização urbana e
paisagística da área, denominado “Parque Ambiental Aldeia de Carapicuíba”. Durante
o processo de elaboração desse projeto, buscou-se entender o significado de uma
interferência urbano-paisagística, respeitando as contradições encontradas, em espe-
cial, as problemáticas com relação à população do lugar 9. Esteve sempre presente a
fragilidade e delicadeza evocadas pela Aldeia e a premissa de resgatar seu valor como
patrimônio histórico, por ser testemunha dos primeiros contatos que a colonização
portuguesa teve com a população indígena que residia na região. Entre os objetivos
a serem atingidos nesse trabalho interdisciplinar, os mais relevantes foram:

• desenvolver um estudo do meio interdisciplinar, tendo como eixo principal a


arte; recuperar e preservar a história, a cultura e os recursos naturais da Aldeia
de Carapicuíba;
• conhecer o lugar, o que poderia revelar seus moradores, seus sonhos, suas
ações no cotidiano;
• saber como a população de uma Aldeia remanescente da colonização jesuítica,
de origem indígena, apropriava-se de seus lugares;
• desenvolver um processo participativo com alunos, professores e moradores
da aldeia.

O partido proposto para o parque em 1997, como parte do trabalho desenvolvido


durante a disciplina de pós-graduação “Projeto sensível, projeto tecnológico, suas re-
lações”, ministrada pelo professor Sylvio Sawaya, com a consultoria do arquiteto Caio
Boucinhas, contemplou que a bacia do Ribeirão Carapicuíba e seus afluentes, que
compõem a bacia de Carapicuíba, se inclui no Quadrilátero da Aldeia de Carapicuíba.
As figuras 3 e 4 ilustram essa ideia.
As questões desse lugar e seu significado como patrimônio histórico foram surgindo
e definiram-se, entre outras, as marcas e lendas da cultura tupi:

Há um elo muito forte dos moradores e da vizinhança com a Aldeia; suas relações
vão surgindo, há mistérios, estórias sobrenaturais, milagres e há também conflitos
quanto ao destino da Aldeia: uns desejam que permaneça intocável, outros que seja
um centro turístico nacional, [...]; e outros, ainda, não se incomodariam se ela fosse
demolida e a malha urbana vizinha passasse por cima de tudo. Há também os que
a veem como área de valor histórico importante que precisa ser recuperada com
sensibilidade e respeito: nela não cabe sofisticação, nem lampiões, nem vegetação

9
Esta experiência de projeto participativo foi descrita com maior detalhamento em Dobry-Pronsato (2005).

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Par que Ecológico A ldeia de C ar apic uí ba :
Pr oj et o de Pai s a gi smo Par t ic ipat i vo Va lor i z a ndo um Pat r imônio H i s t ór ico

é um testemunho de um espaço jesuítico surgido neste lugar, naquele tempo, com


funções claras e hoje precisa que se criem condições para novos usos que a mantenham
viva. [...]. (BOUCINHAS, 2005, p. 50)

Figura 3 Partido proposto em 1997, na época com o nome de Parque Ambiental Aldeia de Carapicuíba.
Fonte: Dobry-Pronsato (2005, p. 44).

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A nt ônio B u snar do F ilho e D eni s e Fa lc ão Pe s s oa

Figura 4 Aldeia de Carapicuíba e entorno, fotos realizadas durante o Estudo do Meio.


Fotos: Denise Pessoa, Ely Ana Araújo e Regina Cardarelli, 1997.
Fonte: Dobry-Pronsato (2005, p. 41).

O Estudo do Meio10 foi uma experiência realizada na Aldeia de Carapicuíba por


alunos da pós-graduação da FAUUSP, professores, funcionários e alunos da EEPG
Professora Esmeralda Becker Freire de Carvalho, com a participação do arquiteto
Caio Boucinhas11. Nesse estudo, o processo da arte teve papel fundamental para o
desenvolvimento da percepção ambiental, integrando o projeto de intervenção paisa-
gística com a educação ambiental e a conscientização da importância de morar em
um lugar considerado patrimônio histórico e ambiental.
É necessário esclarecer que está se conceituando aqui o sentido ampliado da arte
cunhado por Joseph Beuys, para o qual todo ser humano é considerado artista, sem
querer dizer que todos fossem artistas profissionais. A ideia de arte ampliada, na visão
de Beuys, resgata a condição de criatividade inerente aos homens e a importância
de desenvolvê-la:

10
A profa. dra. Nidia Nacib Pontushka, na primeira reunião, discorreu brevemente sobre o Estudo do Meio, que
priorizava a observação direta da realidade, substituindo o aprendizado entre as paredes da sala de aula. Ado-
tando esse método, a escola não pode ser entendida de modo isolado: organiza uma forma de ensino que inclui
a participação de muitos: alunos, diretores, professores, funcionários, moradores, pais. O Estudo do Meio, como
método interativo, pode criar expectativas que nos obrigam a pensar sobre o retorno do projeto à comunidade.
Ao longo de um ano realizaram-se reuniões mensais entre os arquitetos participantes e professores e funcionários
da escola. Os professores da escola, por sua vez, praticavam estudos do meio com seus alunos, transpondo os
conhecimentos interdisciplinares nascidos nas reuniões à sala de aula.

11
Como dito anteriormente, o arquiteto Caio Boucinhas cumpria função de assessor na disciplina de Pós-Gradu-
ação e também era contratado pela prefeitura para desenvolver o projeto.

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Beuys enfatiza a relação antropológica da arte, não a considerando apenas como peça
de museu. Para ele a criatividade é a ciência da liberdade. Enfatiza que todo saber
humano provém da arte e que a ciência se desenvolveu a partir do criativo... Assim
a história pode ser vista de forma plástica. Assim a história é vista como escultura.
(DOBRY-PRONSATO, 2005, p. 132).

Da mesma maneira, pode-se entender a paisagem como arte, sendo ação dos
homens. Ao questionar a obra de arte singular, Beuys entende que, [...] o que mais
interessa é a educação artística do ser humano . (DOBRY-PRONSATO, 2005, p. 132).
Foi possível resgatar, por meio de relatos de avós e pais de alunos, memórias de
lendas indígenas mantidas por transmissão oral e a vivência da dança de Santa Cruz,
que inspiraram o desenvolvimento de poesias, desenhos, maquetes, que foram apre-
sentados em exposições em diversos lugares da Aldeia. No contexto da experiência
descrita, Valdomiro Rolim da Costa, um dos professores de português, realizou um
belo trabalho de poesia com alunos da 6ª série. Um deles escreveu:

Aldeia que se originou das cinzas dos índios.


Quase ninguém liga, que desespero!
Uma paisagem onde não se vê quase nada.
Uma aldeia perdida no ar da ignorância humana

Como já dito anteriormente, o processo de desenvolvimento da arte teve papel


central no desenvolvimento da percepção histórico-ambiental. Isso pode ser avalia-
do considerando-se que muitos dos professores da escola que participaram dessa
experiência interdisciplinar declararam que nela trabalhavam há muitos anos (entre
sete e dezessete) e não sabiam da história da Aldeia de Carapicuíba e nem da im-
portância da sua preservação. Disseram que todos os dias iam em seus carros ou
em ônibus, davam suas aulas e voltavam às suas casas sem olhar para esse lugar
em volta da escola.
Essas atividades foram modos de restituição da Aldeia à comunidade, da efetiva-
ção de outras ações de divulgação, como conferências a estudantes das unidades de
ensino abrangidas e universitários de arquitetura visitantes, oriundos da Holanda, e da
participação de pessoas que integravam o Movimento Ambientalista pelo Patrimônio da
Aldeia de Carapicuíba (Mapac). Assim, o processo de restituição da memória desven-
da o sentido de enraizar no passado o presente de uma comunidade que, ao mesmo
tempo, se reconstrói nas festas tradicionais da Aldeia de Carapicuíba, miscigenando
subsídios das culturas religiosas católica, negra e indígena (figuras 5 e 6):

Aí, todos os anos, em maio e outubro, se realizam as festas tradicionais da Aldeia


e aí, também, saem e chegam as romarias a cavalo para Santana do Parnaíba e
Aparecida. As festas são feitas de cantorias, danças e comilança – a feijoada do
sábado e a canja para os violeiros e seus acompanhantes na última madrugada.
(BOUCINHAS, 2005, p. 49).

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Cooperando com a conservação da tradição das festas, a Associação dos Mora-


dores da Aldeia de Carapicuíba, fundada em 1996:

[...] se anima nas proximidades das festas; as músicas, as cantorias, as danças são
aprendidas nos ensaios para as festas, enquanto são montados o pau-de-sebo e o
mastro de São João. No começo da noite o movimento de caminhões, carros, ônibus
vai rareando, a iluminação elétrica é deficiente; o pátio vai entrando num clima
mágico, de mistério e calma. Parece um lugar muito longe da agitação metropolitana.
(BOUCINHAS, 2005, p. 50).

Figura 5  A festa na Aldeia de Carapicuíba. Aquarela sobre tela, de Sylvia A. Dobry, 1997. Tamanho original,
0,40 m x 0,30 m.
Fonte: Dobry-Pronsato (2005, p. 135).

Com a urbanização, a palavra cultura abraçou também o sentido de quali-


dade de vida mais humana, assumindo que: “[...] cultura é o conjunto das práticas,
das técnicas, dos símbolos e dos valores que se devem transmitir às novas gerações
para garantir a reprodução de um estado de coexistência social.” (BOSI, 1992, p.
16). Esse conceito convive com outra ideia de cultura, entendida como consciência
de um presente com fortes desequilíbrios, que norteia desígnios para um futuro me-
lhor  –  porém a urbanização compreende também deslocamento das pessoas, o que,
na Aldeia, colaborou para o desaparecimento da memória. Revigorar essa memória
é, então, tarefa cultural relevante para cunhar o elo entre passado, presente e futuro,
essencial para a valorização do patrimônio histórico e paisagístico.

112 Paisagem e ambiente: ensaios - n. 37 - São Paulo - p. 101 - 117 - 2016


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Figura 6 Reunião do Estudo do Meio na EEPG Professora Esmeralda Becker, com o historiador convidado, Miguel
Costa Jr., morador da região. Fonte: Dobry-Pronsato (2005, p. 42).
Fotos: Denise Pessoa, Ely Ana Araújo e Regina Cardarelli, 1997.

Na leitura contextualizada dos espaços urbano-paisagísticos estudados, conside-
rando-se a convergência entre o poder administrativo e a afetividade dos moradores,
é possível compreender a complexidade, a variabilidade e a diversidade de ações
abertas à participação da sociedade, permitindo aflorar o imaginário dos moradores
como base de fortalecimento do sentido de pertencimento ao lugar. Isso possibilitou
perceber a cidade como espaço de todos e direito de todos os seus cidadãos. Como
tal, demonstrou o dever de todos para a concepção e preservação dos espaços públicos
enquanto lugares de convivência e de construção do conhecimento – entendido não
somente como apropriação intelectual, mas como relação entre objeto conhecido e
sujeito cognoscente, como uma gnoseologia do lugar, que, em sentido amplo, permite
o estudo de todas as formas de conhecimento, inclusive o estudo do espaço urbano.
Nesse sentido, espaço urbano, imaginário social e conhecimento constroem e revelam
o genius loci, que dá autenticidade ao lugar.

4 O PROJE TO DO PARQUE ECOLÓGICO


  ALDEIA DE C AR APICUÍBA

O projeto do parque procurou harmonizar os recursos naturais e a ocupação


humana desde a Aldeia Jesuítica de 1580 até as residências nas áreas das nascentes.
As premissas que orientaram o projeto foram:
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• destacar a importância de um parque no entorno da Aldeia de Carapicuíba


como cinturão protetor do patrimônio histórico e sua valorização, uma vez que
preserva a eleição original do sitio;
• recuperar as edificações tombadas da Aldeia;
• conectar o parque público com a área rica em recursos naturais – flora, fauna,
recursos hídricos – da grande chácara murada, onde estava sendo implantado,
com apoio da prefeitura, um centro universitário;
• acolher atividades de turismo gastronômico, histórico, cultural (ateliers de arte,
educação artística, capoeira, maracatu, esporte);
• valorizar e incentivar a percepção do pedestre, projetando caminhos que co-
nectem o ambiente histórico cultural e o ambiente natural.

Contemplou-se a necessidade de estacionamento para carros sem impactar a


estabilidade da Aldeia e de resolver as questões de drenagem de águas pluviais que
esburacavam o pátio.
Nos levantamentos e diagnósticos, vistorias e passeios com moradores, surgiram
histórias de um antigo lago, nascentes de onde tiravam água para beber. Combinou-se,
com moradores e técnicos, que as casas próximas às nascentes deveriam ser retiradas,
e o projeto contemplou a realização de dois lagos. Foi executado, até 2016, apenas o
da nascente, e não o que aproveitava a água do córrego e acolhia um deque, palco
de um teatrinho/cinema ao ar livre. O projeto desse lago levou em consideração a
topografia: a arquibancada/plateia do palco/deque sobre o lago desenvolvia-se no
suave talude existente (figura 7).
Em relação ao projeto de plantio, predominaram árvores nativas, levando em con-
sideração árvores existentes, de origem portuguesa, que foram reconhecidas na etapa
de diagnóstico, como os pés de castanha portuguesa (Castanea sativa), testemunhas
do período de colonização.
Do projeto proposto, foram executados: o piso do pátio central da Aldeia, com a
drenagem de águas pluviais, o trecho sul do parque, a casa das atividades educativas
e culturais – anexada a uma edificação tombada –, algumas trilhas, parte da vegetação
prevista (figura 8).
Hoje (2016) ainda que seu projeto original tenha sido executado parcialmente,
o parque, considerado imenso por seus frequentadores, possui capacidade para
80 mil pessoas, sendo o principal local de diversão e recreação da população.
Contém ciclovias, playground, praça de eventos e pistas para caminhadas, que
passam dentro de bosques ao redor do lago, mesas, bancos, churrasqueiras em
lugares agradáveis para acomodar da melhor maneira os frequentadores. O espaço
é aberto para o comércio de vendedores ambulantes e para os artesãos da região
exporem seus trabalhos. Também são armadas barracas de lanches, frutas, caldo
de cana e outros alimentos.

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Figura 7 Anteprojeto para o Parque Ecológico Aldeia de Carapicuíba. Desenho de Caio Boucinhas, 1994.
Fonte: Dobry-Pronsato (2005, p. 20).

Figura 8 Trecho do parque implantado.


Foto: Caio Boucinhas, fev. 2005.

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5 CONSIDER AÇÕES FINAIS

A metodologia de projeto participativo evidenciou a possibilidade de articulação


entre a ação pedagógica e a do arquiteto urbanista quando ambas entretecem um
modo interativo, dinâmico e dialógico. Confirmou-se que as escolas podem permitir
uma vinculação mais intensa entre os moradores e seus lugares de vida e, no caso
da Aldeia de Carapicuíba, toma maior importância ao se tratar de um lugar que é
patrimônio histórico e ambiental. Isso ocorre porque as escolas são lugares ricos em
energias, encontros, disposições a pensar e ver novas formas de perceber. Porém, as
escolas também são campos de conflitos e desvendam as contradições da sociedade.
Não obstante as falhas pedagógicas e físicas, devido muitas vezes ao desamparo a
que é relegado o ensino público no Brasil, as escolas têm probabilidades de se con-
verterem em ambientes de intercâmbio de conhecimentos, de focos que irradiam ações
coletivas e de mudanças, tais como a construção de sentimentos de pertencimento ao
lugar e valorização da identidade.
O processo vivenciado na Aldeia de Carapicuíba permitiu a participação da co-
munidade, o que possibilitou e facilitou a preservação de um patrimônio histórico e
ambiental, revelando o lugar, muitas vezes oculto, a cada um dos participantes. Significou
descortinar o lugar cotidiano, descobrir sentidos mais profundos e valores culturais, o
que possibilitou contribuir para a sua inserção na comunidade, e por sua vez, ampliar
horizontes de esperança na preservação histórica e ambiental e criação desses lugares,
confirmados pela implantação do projeto do parque – hoje com o nome de Parque
Ecológico da Aldeia de Carapicuíba –, ainda que parcialmente em relação ao projeto
original, pela Prefeitura, o que só foi possível pelo envolvimento direto da comunidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Disponível em: <http://www.apagina.pt/?aba=7&cat=173&doc=13084&mid=2>. Acesso em: 24 jun. 2013.
BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. 422 p.
BOUCINHAS, Caio. Projeto participativo na produção do espaço público. 2005. 230 f. Tese (Doutorado em
Estruturas Ambientais Urbanas) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo,
2005.
DOBRY-PRONSATO, Sylvia Adriana. Arquitetura e paisagem: projeto participativo e criação coletiva. São Paulo:
Annablume/ Fapesp/Fupam, 2005. 148 p.
______; BOUCINHAS, Caio; PESSOA, Denise Falcão. Patrimônio histórico e paisagismo participativo: Aldeia
de Carapicuíba e seu entorno – tantos olhares. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE REABILITAÇÃO DO
PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO E EDIFICADO, 12, 2014, Bauru, Anais... ISSN/ISBN: 978-85-99679,
p. 374-382.
FACCIO, Neide Barrocá. A Aldeia Carapicuíba e sua resolução de tombamento. Topos, vol. 4, n° 2, 2010, p.
60-108. Disponível em: <http://revista.fct.unesp.br/index.php/topos/article/viewFile/2255/2064>. Acesso em: 26
jun. 2014.
LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira; MORI, Victor Hugo; ALAMBERT, Clara Correia d’. Antiga Aldeia de Carapicuíba.
In: SOUZA, Marisa Campos de; BASTOS, Rossano Lopes (Orgs.). Patrimônio 70 Anos. São Paulo: 90SR/Iphan,
2008. 352 p.

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MERLEAU-PONTY, M. Signos. São Paulo: Martins Fontes, 1991, p. 39-88.


OLIVEIRA, Marilza de. Para a história social da língua portuguesa em São Paulo: séculos XVI-XVIII. Disponível
em: <http://dlcv.fflch.usp.br/sites/dlcv.fflch.usp.br/files/maril011.pdf>. Acesso em: 20 mai. 2016.
ZAHN, Carlos Eduardo; FEITOSA, Maria José; SAWAYA, Sylvio Barros. Aldeia de Carapicuíba: estudo histórico,
arquitetônico e urbanístico do único aldeamento jesuítico paulista remanescente. ECCOS, n° 1, vol. 2. São Paulo:
Centro Universitário Nove de Julho, 2000, p.135-141.

Nota do editor
Submissão: 8 ago. 2015
Aprovação: 29 fev. 2016

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Piazza Navona, Roma, Itália.
Foto: Evy Hannes, jul. 2014.

FUNDAMENTOS
ESPAÇOS ABERTOS E ESPAÇOS LIVRES:
UM ESTUDO DE TIPOLOGIAS
URBAN OPEN SPACES: A TIPOLOGY STUDY

Evy Hannes*

RESUMO
Este artigo apresenta uma discussão referente às tipologias de espaços abertos e de espaços
livres, conceituando-os brevemente e colocando questões relativas às esferas pública e privada.
Discute suas diferentes funções nas áreas urbanas, ressaltando as de caráter urbanístico, social,
recreativas, estético e ecológico. Tem como objetivo elencar os principais espaços livres de uso
público na escala urbana da cidade existentes no Brasil, definindo-os, fazendo referência ao
seu surgimento na história, evolução no contexto urbano, usos e desenho. Serão analisados
autores que percorrem as diversas facetas do urbano, como a morfologia urbana, a história,
percepção, memória e apropriação do espaço.
Palavras-chave: Espaços livres. Espaços abertos. Espaço público. Tipologia de espaços abertos.
Esfera pública.

ABSTR AC T
This article presents a discussion related to urban open space typology, briefly conceptualizing it and
reviewing the issues related to public and private spheres. It discusses their different functions in urban
areas, highlighting the urbanistic, social, recreation, aesthetic and ecological character. It aims to list and
describe the various types of open spaces in Brasil, at the city scale, referring to its appearance in the
history, evolution in the urban context, uses and design. An analysis of the authors, dealing with various
facets of urban contents as urban morphology, history, perception, memory and appropriation of space,
will be made.
Keywords: Open spaces. Public space. Open spaces typology. Public space realm.

1 INTRODUÇ ÃO

Este trabalho pretende discutir questões relacionadas aos espaços livres urbanos,
elencando as tipologias mais presentes ou que mais se adequam à utilização nas escalas
do bairro e da cidade. Serão abordadas as tipologias da rua, principal espaço livre
presente nas cidades, estruturador e articulador do espaço urbano, canal primeiro de
circulação e trocas; o calçadão, que se apresenta como rua exclusiva para pedestres,

* Arquiteta e urbanista, especialista em Arquitetura da Paisagem e Desenho Ambiental pela Univer-


sidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Mestranda da área de concentração Paisagem e Ambiente
do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP). Docente de Projeto Urbano e Paisagismo na
Universidade Paulista (UNIP).
[email protected]

http://dx.doi.org/10.11606/issn.2359-5361.v0i37p121-144

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Ev y H a nne s

sendo uma tipologia bastante presente e aceita no Brasil; o woonerf, apresentado como
um tipo relativamente novo de espaço livre, ainda não tão presente no país – mas com
grande potencial de aplicação –, que vem sendo muito trabalhado nas faculdades de
arquitetura; o pátio também apresenta interessante característica de espaço, muitas
vezes privado, mas com forte potencial de apropriação pública e articulação entre
público e privado; a praça, espaço público de encontro por excelência, presente em
cidades dos mais variados tamanhos, apresentando modelos tão diversos e, muitas
vezes, distantes de seu conceito principal; o pocket parque, o segundo elemento ainda
não muito presente nas cidades brasileiras, mas que vem ganhando força como inter-
venção pontual na cidade de São Paulo, que demonstra o enriquecimento do espaço
aberto e grande aceitação e apropriação por parte do público; por último, coloca-se
o parque urbano como elemento de caráter natural, com grande potencial de usos
ligados a lazer e esportes.
Os temas e elenco de tipologias analisados foram escolhidos devido à ausência
de trabalhos acadêmicos que os coloquem conjuntamente. Grande parte dos traba-
lhos disponíveis percorre apenas modelos mais tradicionais, como a rua, a praça e
o parque. Outros apontam os elementos separadamente, em trabalhos de conteúdo
rico e detalhado, mas muito extensos. Essa lacuna foi percebida diante da dificuldade
de indicar aos alunos ingressantes nos estudos de projeto urbano e paisagismo apon-
tamentos bibliográficos que funcionem como base teórica introdutória ao tema, sem
que fosse necessário recorrer a um número extenso de publicações que o abordam
sob diferentes focos, dificultando o entendimento do assunto. Este trabalho faz parte
de um projeto de pesquisa que vinha sendo idealizado desde 2013 e que se inicia com
o desenvolvimento deste artigo.
Para o desenvolvimento da análise pretendida, serão abordados diferentes aspec-
tos relativos aos espaços livres e os autores mais conceituados em relação ao tema.
Na conceituação deste, das esferas pública e privada e da apropriação dos espaços
livres, serão utilizados estudos de Queiroga (2012), Magnoli (1982), Arendt (1991) e
Habermas (1984). A análise morfológica será orientada pela obra de Lamas (1993).
Para as questões ligadas à imagem e leitura dos espaços, serão utilizados conceitos de
Lynch (1997) e Cullen (1983); para entendimento da apropriação dos espaços, Gehl
(2013) e Jacobs (2000); para estudo do desenho dos espaços, Santos (1988); para
entendimento de áreas ligadas a questões naturais, como praças e parques, Macedo
(1999, 2003, 2011) e Kliass (1993).

2 ESPAÇOS LIVRES, ESFER A PÚBLIC A E ESFER A PRIVADA

A conceituação de espaços livres é relativamente simples, mas ampla e conside-


ravelmente congruente no meio acadêmico quando aborda questões relativas ao espaço
público e ao privado. Magnoli (1982) define espaço livre como qualquer espaço livre
de edificação ou de urbanização e como espaços destinados ao trabalho dos arquite-
tos paisagistas. Podem, também, ser chamados de espaços abertos, e representam os

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E spaço s A b er t o s e E spaço s Li v r e s :
Um E s t udo de T ipologia s

espaços livres de um volume edificado, sendo estes públicos ou privados, como ruas e
calçadas, parques e praças, quintais residenciais, áreas livres de lazer em condomínios,
recuos de construções, pátios internos, estacionamentos descobertos, terrenos baldios,
rios, áreas verdes e outros.
Toda cidade tem um sistema de espaços livres, e esses espaços são fruto do pro-
cesso de urbanização e formação. (MACEDO, 2011). O parcelamento do solo, as
construções e o arruamento dão origem a inúmeras tipologias de espaços e diversas
formas de apropriação das mesmas. Tendo ou não sido criados para uso específico –
como os calçadões, que permitem melhor circulação de pedestres por vias densas de
comércio – o espaço livre, ou aberto, torna-se palco para diversas formas de expressão
da sociedade. São espaços de encontro, lazer, práticas esportivas e manifestações.
Como colocado por Leite:

[...] é a possibilidade de entrar em contato com uma extensa diversidade de situa-


ções e pessoas o que define a urbanidade, sugerindo, para que tal espaço possa
operar uma atividade pública, que ele permita, em primeiro lugar, a copresença de
indivíduos, fato intrinsecamente relacionado às condições de sua formação. (SORRE
apud LEITE, 1984, p. 2).

O termo espaço livre, muitas vezes, é confundido ou usado erroneamente para
denominar espaços públicos. O mesmo também acontece quando um espaço de pro-
priedade particular é tido como público devido à sua apropriação. Queiroga (2012),
em sua tese de livre docência, utilizada como embasamento teórico para o desenvol-
vimento deste capítulo, coloca a necessidade de conceituar e diferenciar os termos
espaço público e esfera pública, desenvolvendo ampla discussão sobre o assunto e
apontando a fragilidade do termo espaço público. Neste artigo, serão sintetizados,
brevemente, os conceitos de propriedade pública e privada do espaço, esfera da vida
pública e esfera da vida privada, sem prolongar a discussão acerca da definição dos
termos espaço e esferas da vida, para que a diferenciação entre as expressões seja
esclarecida sinteticamente ao leitor ou pesquisador iniciante.
Queiroga (2012) credita à Arendt (1991) a primeira construção dos conceitos de
esfera de vida pública e privada. A autora entende a esfera pública como a esfera de
vida correspondente às ações humanas (políticas). Habermas (1984) relaciona a esfera
pública às relações da sociedade, à comunicação e às discussões políticas. Segundo
Queiroga (2012, p. 46): “[...] para Habermas, a esfera pública é o espaço do trato co-
municativo de uns com os outros”. Dessa forma, pode-se entender como esfera pública
todo espaço onde se dão as relações da sociedade, o convívio público; todo espaço
onde as pessoas se encontram, onde acontecem as manifestações coletivas humanas.
Tais acontecimentos independem do tipo de propriedade do espaço em que ocorrem,
podendo acontecer em espaços públicos ou privados.
Sobre a esfera privada, Arendt (1991) enfatiza sua ligação com a família, enquanto
Habermas acredita que ela corresponde “[...] ao reino das necessidades e das transi-

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Ev y H a nne s

toriedades [...]”, visando a interesses privados. (HABERMAS, 1984 apud QUEIROGA,


2012, p. 41). Fica clara, então, a relação entre a esfera privada e os interesses privados
dos cidadãos, e não da coletividade.
Espaço de propriedade privada é aquele que pertence a uma pessoa física ou
instituição, podendo ser aberto ou não ao uso do público. Como exemplos de espa-
ços abertos privados podemos citar: quintais residenciais, pátios escolares, campos
de futebol particulares, áreas de lazer de condomínios, jóquei clubes e outros. São
espaços fragmentados, de tamanho e composição muito diversificados. Os quintais
residenciais são espaços de grande valor ambiental e paisagístico para a cidade, mas
sofrem constante transformação, perdendo esse potencial, já que frequentemente são
transformados em áreas cimentadas e cobertas, dando lugar a vagas de garagem e
edículas. (MACEDO, 1999, 2011).
Espaço público é aquele de uso comum, de propriedade pública. Eles podem
ser abertos e de livre acesso ao público, como as vias de circulação e áreas de lazer
– praças, parques e praias. Também podem ter acesso restrito ao público em geral,
como prefeituras, fóruns, instituições de ensino e hospitais. Queiroga denomina como
espaço público:

Todo aquele de propriedade pública, podendo se prestar ou não à esfera pública


[...]. Não se abre mão em designar como espaço público uma série de espaços de
propriedade pública que interessa assim serem caracterizados e chamados – espaços
públicos – salvaguardando sua natureza pública (de todos), ainda que não sejam
necessariamente espaços da esfera pública. (QUEIROGA, 2012, p. 58).

É importante ressaltar que espaços de propriedade privada podem ser de grande


interesse e apropriação pública e correspondentes à esfera pública da vida, como é
o caso dos estádios de futebol, universidades, parques temáticos e espaços livres de
edificações privados, como a praça do Brascan Century Plaza, no bairro do Itaim,
São Paulo, que possibilita a apropriação do espaço em determinados horários e com
certas restrições de uso. O quintal da Casa das Rosas, localizado na avenida Paulista
em São Paulo, que oferece, além da passagem entre a alameda Santos e a avenida
Paulista, espaços para descanso e até para café ou almoço nas mesas do restaurante
que se localiza em seu interior, também se enquadra nessa categoria, bem como a
praça sob o vão do Museu de Arte de São Paulo (MASP), com sua tradicional feira de
antiguidades. Todos esses espaços servem de exemplo para o que Queiroga denomina
espacialidades da esfera pública (QUEIROGA, 2012), que caracterizam os espaços
onde se praticam atividades em sociedade.

3 FUNÇÕES DOS ESPAÇOS LIVRES

Os espaços livres desempenham outros papéis, independentes de suas funções ca-


racterísticas, principalmente no que diz respeito à melhoria do ambiente excessivamente

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impactado pela urbanização das cidades. Entre essas funções, ressalta-se neste trabalho
as consideradas de maior relevância, como as funções ecológicas, estéticas e sociais.
A função ecológica caracteriza-se pela presença de vegetação e solo não imperme-
abilizado, ou que permita algum grau de drenagem e percolação das águas de chuva.
O solo drenante ajuda a prevenir enchentes e contribui com a recarga do lençol freá-
tico. A vegetação também ajuda a combater enchentes – na medida em que as copas
das árvores diminuem a velocidade com que a água atinge o solo – a filtragem do ar,
a equilibrar a temperatura e umidade do ar, combatendo ilhas de calor e exercendo
importante papel como suporte de movimento da avifauna.
A função social está intimamente relacionada às características ligadas ao convívio
em comunidade e ao lazer. São espaços onde acontecem os encontros e trocas da
vida cotidiana, desde os mais simples, como conversas entre amigos, até expressões
culturais diversas – manifestações e apresentações ao ar livre. São espaços utilizados
para lazer, descanso, leitura, meditação, orações, para o brincar das crianças e es-
portes das mais variadas modalidades. Possuem, também, importante função estética,
encarregando-se da diversificação da paisagem construída e do embelezamento da
cidade. Atuam como integradores entre espaço construído e aberto, muitas vezes tendo
a função primeira de criar áreas para observação de obras arquitetônicas e permitir que
estas sejam observadas e admiradas por melhores ângulos e nas devidas proporções.
Os espaços vegetados têm papel especial na questão estética, já que o colorido das
árvores e sua mudança conforme as estações do ano acrescentam um toque especial
à composição da paisagem.

4 TIPOS DE ESPAÇOS LIVRES

Existem dezenas (se não centenas) de tipos de espaços livres: alguns desenhados
pelo homem; outros, pela natureza. Considerando os espaços livres como os que não
são construídos, abertos, de livre acesso ou não à população, pode-se qualificar nessa
categoria todo o espaço natural constituído por rios, praias, mares, matas e florestas.
Como espaços desenhados pelo homem pode-se citar desde os campos de futebol
desenhados com cal em terrenos baldios até os parques mais elaborados por equipes
de arquitetos e ecólogos – mirantes, jardins, conjuntos esportivos, cemitérios, campi
universitários, unidades de conservação ambiental, parques, praças, ruas, calçadas.
Neste trabalho serão abordados apenas os espaços livres urbanos mais comuns e
presentes no Brasil e outros, ainda não tão difundidos aqui, mas que apresentam gran-
de potencial para tal, criando espaços inovadores e ricos. São eles: ruas, calçadões,
woonerfs, pátios, praças, pocket parks e parques.

4.1 A RUA

A rua é o elemento de estruturação mais importante do tecido urbano, pois, como


via de circulação principal de pedestres, ciclistas e veículos, promove a articulação entre

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os demais componentes da malha urbana. Muitos autores estudaram e trabalharam


em diferentes definições desse elemento, cada um na sua área de estudo, desde a
morfologia até a paisagem urbana. Entre eles, destaca-se Lynch (1997), que a coloca
como um dos diversos tipos de vias existentes na cidade, classificando-a como “[...]
canais de circulação ao longo dos quais o observador se locomove de modo habitual,
ocasional ou potencial”. O autor também destaca o valor atribuído às que apresentam
caráter individualizado, devido à concentração de certos tipos de atividades, como nos
casos, em São Paulo, das ruas 25 de Março, José Paulino e Augusta.
Quando abordada do ponto de vista morfológico, por Lamas (1993), é vista como
o elemento mais claramente identificável na forma da cidade, funcionando como regu-
ladora entre edifícios e quadras e de suma importância na orientação dos pedestres.
Santos (1988) aborda outros valores relativos à rua e destaca:

[...] ruas e elementos urbanos assemelhados (avenidas, travessas, ladeiras) são os


espaços públicos, abertos, que servem à circulação entre dois renques de edificações.
[...] Servem para ligar os diversos pontos de interesse particular ou semipúblico,
conformando uma rede de canais livres e de propriedade coletiva. Se não existis-
sem, não haveria troca de espécie alguma [...] são o palco onde se desenvolvem os
dramas e representações da sociedade. Aí acontecem desde a agitação de todos
os dias até as celebrações especiais: as procissões, a parada de Sete de Setembro,
o carnaval [...] (SANTOS, 1988, p. 91).

Jacobs (2000) entende que as ruas e calçadas têm funções que vão muito além da
circulação: são os órgãos vitais das cidades e conformam seu principal espaço público.
Consagra a conhecida expressão os olhos da rua, referindo-se ao fator de segurança
existente nas ruas onde o comércio está presente, onde os proprietários desses estabe-
lecimentos e os pedestres que circulam entre eles, ao ocuparem as calçadas, agregam
a estas movimento e segurança.
Gehl (2013, p. 19) prega a ideologia das cidades mais humanas, vivas, seguras,
sustentáveis e saudáveis, e coloca como “[...] pré-requisito para a existência da vida
urbana a oferta de boas oportunidades para se caminhar [...]”, abordando, novamente,
a rua como foco primário de configuração do urbano.
Entende-se, então, que a rua é o elemento estruturador do espaço urbano, com papel
primário de circulação e orientação, que garante a ligação entre os demais espaços
abertos da cidade, funcionando como articuladora de um sistema de espaços livres. É
o principal palco da vida cotidiana, permitindo encontro, troca e diversas manifestações
populares (figuras 1 e 2). É lugar carregado de simbolismo, espaço de permanência, de
brincar, socializar, de aprendizado para crianças e jovens. Estabelece a conexão entre o
público e o privado, sendo de vital importância para o desenho da cidade. Seu desenho
deve ser cuidadoso e atento, apresentando dimensões adequadas aos usos a que se
propõe, garantindo conforto, segurança e acessibilidade a pedestres, ciclistas e veículos,
com fluxos organizados, respeitando normas técnicas, utilizando materiais corretos e
eficazes, com arborização e iluminação corretamente especificadas e dimensionadas.

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Figura 1 Parada Gay na avenida Paulista, São Paulo, SP.


Fonte: Fashion Bubbles. Disponível em: <http://www.fashionbubbles.com/bubbles/parada-lgbt-de-sao-paulo-
realiza-concurso-cultural-para-escolha-do-tema-da-proxima-edicao/>. Acesso em: 26 set. 2015.

Figura 2 Jogo de taco na rua em Ribeirão Preto, SP.


Fonte: Folha de S. Paulo. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/
ribeiraopreto/2014/06/1463244-torneio-resgata-brincadeira-de-rua-no-centro-de-ribeirao-preto.shtml>. Acesso
em: 26 set. 2015.

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4.2 A RUA DE PEDESTRES – CALÇADÃO

O termo calçadão tem sido usado no Brasil para definir as ruas exclusivas de pe-
destres. Os primeiros registros de que se possui notícia sobre o tema datam do período
entre guerras, quando algumas ruas alemãs são fechadas para o tráfego de veículos.
Em 1951, são projetadas as ruas Holstenstrasse e Kortumstrasse, ambas na Alemanha,
e desde então a prática foi crescendo e consolidando-se, principalmente após a década
de 1970, com a explosão da frota automotiva mundial e a necessidade de reorganização
entre o fluxo de automóveis e pedestres. No Brasil, o primeiro calçadão construído foi
o da rua XV de Novembro, ou calçadão das flores, em Curitiba (PR), como mostra a
figura 3. (JANUZZI, 2006). São Paulo (SP) apresenta a maior rede de calçadões do país.
Localizados na área central da cidade, fazem a ligação entre importantes equipamentos
urbanos e são servidos por estações de metrô.
Os projetos de implantação de ruas de pedestres têm início, em sua maioria,
com o fechamento do tráfego para veículos na via. Na sequência, são feitas refor-
mas de nivelamento de piso, troca de pavimentação, paisagismo e adequação de
mobiliário urbano. Segundo Januzzi (2006, p. 108), “[...] o modelo mais comum é
o que se assemelha a um shopping center, com a adição de equipamentos para dar
mais conforto ao usuário e tornar o espaço mais agradável, buscando renovação
do centro urbano.”
O uso dessa tipologia de espaço está comumente associado aos núcleos de comércio
dos centros urbanos, onde o fluxo de pessoas e as atividades comerciais são intensas
e apresentam conflitos de fluxos entre automóveis e pedestres. Tornam-se, geralmente,
importantes centros de compras e pontos turísticos – como a Stiklal Street (Istambul),
que, devido à sua grande extensão (3 quilômetros), implantou um bonde que facilita
a locomoção dos pedestres (figura 4). Muitos projetos de calçadões fazem parte de
operações de revitalização urbana que incluem renovação de fachadas, eliminação
da poluição visual e melhoria na qualidade do espaço. São espaços que permitem a
implantação de feiras de artesanato, a expressão de artistas de rua, o favorecimento
de interação social, incentivando, também, o consumo e a diversificação de uso local.
Devem prever o acesso de veículos de segurança e carga e descarga – como carros
de polícia, ambulância e bombeiros.
Gehl (2013) ressalta a transformação na qualidade urbana da cidade de
Copenhagen (Dinamarca) quando algumas ruas se tornaram exclusivas para pedestres
“[...] era mais confortável para caminhar e havia espaço para mais gente” e coloca a
“[...] melhoria sistemática da vida urbana e a movimentação de pedestres” como pontos
positivos associados ao projeto.
Algumas variações do modelo padrão de ruas de pedestres permitem o tráfego
controlado de veículos, como é o caso da Third Street Promenade, em Los Angeles,
Califórnia. Outras apresentam cobertura, propiciando o uso independente de condições
meteorológicas. Calçadões de praia e orlas marítimas são considerados tipologias
diferenciadas, que mais se encaixam no conceito de mall e promenade, já que apre-

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sentam função e vocação diferenciadas, prestando-se ao passeio descompromissado,


à observação da paisagem e às práticas esportivas.

Figura 3 Rua XV de Novembro, a rua das flores, em Curitiba, PR.


Fonte: Guia geográfico da cidade de Curitiba. Disponível em: <http://curitiba.paises-america.com/bairros.
htmconcurso-cultural-para-escolha-do-tema-da-proxima-edicao/>. Acesso em: 26 set. 2015.

Figura 4 Rua Istiklal, em Istambul, Turquia.


Foto: Evy Hannes, jul. 2013.

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4.3 O WOONERF

Woonerf é um conceito holandês surgido na década de 1970 e significa rua viva


ou quintal vivo. Muito popular na Europa e nos Estados Unidos, vem sendo utilizado
com o nome de ruas completas, e, no Brasil, tem sido abordado com o nome de ruas
compartilhadas. Trata-se de uma rua, ou quadra, onde pedestres, ciclistas e automó-
veis convivem em harmonia sem a necessidade do desenho normal que separa leito
carroçável e passeio por meio de guias em desnível. É aplicado em ruas locais, sem
semáforos e sem sinalização de trânsito, uma vez que sua ideia imprime cautela e
cooperação por parte dos usuários. Apresenta medidas relativas a traffic calming, ou
atenuantes de tráfego, como desenho curvilíneo do espaço, onde carros e bicicletas
podem transitar, ou a colocação de canteiros e vasos no percurso, forçando os veículos
a diminuir sua velocidade. É utilizado como quintal comunitário, contando com áreas
para mobiliário fixo e móvel, áreas para as crianças brincarem e para o convívio social,
como se vê na figura 5. Seu principal objetivo é promover segurança e qualidade de
vida aos moradores, criando locais humanos e agradáveis onde os usuários convivem
sem separação e em igualdade de direitos.
Desde seu surgimento, o conceito evoluiu e passou a ser adotado em áreas centrais
como alternativa aos calçadões, criando áreas prioritárias para pedestres – onde veículos
são permitidos apenas com controle da velocidade –, estacionamento e cuidados espe-
ciais onde há travessia de pedestres. A figura 6 mostra um exemplo dessa tipologia na
rua Avanhandava, na cidade de São Paulo. O Vale do Anhangabaú também configura
um exemplo de espaço onde pedestres e veículos convivem em harmonia, eliminando
o uso do meio fio, já que foi projetado como espaço para uso prioritário de pedestres.

4.4 O PÁTIO

O conceito de pátio surgiu devido à necessidade do homem de estar em contato


com o exterior e, ao mesmo tempo, proteger-se do mesmo, que era considerado hostil.
Trata-se de uma abertura no seu espaço de proteção, de onde podem ser capturados
trechos de paisagem. São encontrados pátios na arquitetura de diversas civilizações ao
longo há história da humanidade. Nas construções do Império Assírio, desde o ano
540 a.C., como grandes espaços internos aos templos. Nas edificações residenciais
greco-romanas aparecem como reservados espaços internos, com uso voltado para
serviços diversos e desenvolvendo, posteriormente, usos referentes ao estar, onde eram
cultivados flores e frutos. Na arquitetura do Oriente Médio, assumem papel importante,
relativo a questões bioclimáticas, apresentando-se como espaços abertos necessários
à ventilação e onde foram acrescentados, com o passar dos anos, espelhos d’água
e fontes que refrigeravam os ambientes. Adquirem, nesse momento, importante valor
estético e paisagístico. Na cultura asiática, aparecem como espaços para meditação,
elevação espiritual e contato com a natureza em residências e grandes templos (figura
7). Nas construções religiosas da Idade Média, criadas sob influência da arquite-

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tura moura, representam espaços de quietude, oração e contemplação. (JELLICOE;


JELLICOE, 1995).

Figura 5 Woonerf, Londres, Inglaterra.


Fonte: Archinect.com. Disponível em: <http://la2b.org/2013/08/02/enforcement-engineering-action-plan-
program-series/>. Acesso em: 26 set. 2015.

Figura 6 Rua Avanhandava, São Paulo, SP.


Fonte: Google Street View. Disponível em: <https://www.google.com.br/maps/@-23.54994,-
46.645192,3a,75y,154.74h,74.2t/data=!3m6!1e1!3m4!1sITg58s6hYh3ZK2opo1WuWw!2e0!7i13312!8i6656>.
Acesso em: 26 set. 2015.

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Figura 7 Pátio interno da Mesquita Azul, em Istambul, Turquia.


Foto: Evy Hannes, jul. 2013.

Figura 8 Pátio interno em quadra da cidade de Barcelona, Espanha.


Foto: Evy Hannes, jul. 2014.

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No contexto urbano, os pátios, ou miolos de quadra, são muito usados e caracte-


rísticos da Europa, principalmente da cidade de Barcelona (Espanha). Foram previstos
no Plano de Cerdá para a expansão da cidade, em 1859, por meio do qual todas as
quadras deveriam apresentar centros livres que permitissem a travessia de pedestres
(figura 8). A ideia de manter o miolo das quadras livres para o público não aconteceu
como previsto devido aos interesses particulares dos moradores, e outros planos e in-
centivos do governo foram criados visando à abertura desses espaços para uso coletivo.
Cullen, em análise sobre a paisagem urbana, entende o espaço do pátio como:

Síntese da polaridade entre pés e pneus, entre a circulação de pessoas e veículos.


[...] Fora dele, o ruído e o ritmo apressado da comunicação impessoal [...] no in-
terior, o sossego e a tranquilidade de sentir que o largo, a praça, ou o pátio tem
escala humana. Lugar onde a luminosidade é atenuada, onde se fica apartado
do burburinho da rua e se desfruta, simultaneamente, o exterior, de um ponto de
observação bem situado e seguro”. (CULLEN, 1983, p. 27).

A forma do pátio é fruto das paredes que o conformam e sua forma está estreitamente
ligada à forma das quadras. Santos (1988) coloca-o como área non aedificandi, respi-
radouros onde os donos mantêm seus direitos de propriedade e como áreas utilizadas
pela comunidade como bem de uso coletivo com funções diversificadas, garantindo
vida, segurança e animação ao local.
Percebe-se que, de forma geral, os pátios apresentam três funções principais: nas
edificações de caráter religioso, configuram-se como espaços de oração e meditação,
apresentando forte caráter simbólico ligado ao jardim do Éden (paraíso), onde é possível
estar em contato com o céu. Outra função importante liga-se ao conforto térmico: são
locais que permitem ventilação dentro do bloco construído. A última delas, a que mais
interessa para este trabalho, é a de lugares de encontro, espaços com caráter coletivo,
onde acontecem trocas e tramas da vida cotidiana. Locais tranquilos, onde é possível
parar, tomar café com amigos ou apenas sentar para descansar e observar o entorno.
São espaços privados que transitam entre a esfera pública e a privada, portanto, de
interesse coletivo e com grande diversidade de usos, sendo que estes determinarão
o grau de constituição da esfera pública. Pátios ladeados por comércios e serviços
possibilitam a constituição de uma esfera pública, enquanto pátios em meio a edifícios
residenciais podem, no máximo, facilitar o acesso de pedestres entre quadras. Em am-
bos os casos, são espaços com grande potencial de enriquecimento para o ambiente
urbano e a vida em sociedade.

4.5 A PRAÇA

A praça é o espaço público de encontro por excelência. Espaço urbano de con-


vivência, permanência e lazer, acessível ao pedestre – e não aos veículos –, cercado
pelos edifícios, os quais dão forma à mesma, compondo a estrutura e a identidade das
cidades. Expressa os valores de uma civilização, sua história e seus ideais. Segundo
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Lamas (1993), a praça é um elemento das cidades ocidentais que se traduz na intencio-
nalidade do desenho desses espaços: “[...] esta intencionalidade repousa na situação
da praça na estrutura urbana, no seu desenho e nos elementos morfológicos (edifícios)
que a caracterizam”. O autor também fala sobre as seguintes implicações:

[...] estreita relação do vazio (espaço de permanência) com os edifícios, seus pla-
nos marginais e as fachadas. Estas definem os limites da praça e caracterizam-na,
organizando o cenário urbano. A praça reúne a ênfase do desenho urbano como
espaço coletivo de significação importante. Este é um dos seus atributos principais e
que a distingue dos outros vazios da estrutura das cidades. (LAMAS, 1993, p. 102).

A praça originou-se da ágora grega, primeiro espaço de convívio público e cívico


da sociedade – cercada por mercados, feiras livres, pelos edifícios públicos e governa-
mentais mais importantes da época – onde se praticavam a democracia, os debates
entre os cidadãos. (MACEDO; ROBBA, 2003). Na idade média, representa o principal
espaço público, estando presente junto aos mercados, às prefeituras e igrejas, num
momento em que seu desenho apresenta centro livre e conformado pelos edifícios
do entorno. No renascimento, surgem as praças cívicas, rodeadas pelos principais
edifícios públicos, adquirindo valores políticos e sociais (como na ágora grega), sendo
adornadas com monumentos, obeliscos e estátuas. Nesse momento, têm-se as Piazzas
Italianas como expoentes da expressão estética do espaço urbano; espaços secos, sem
nenhuma vegetação e de intenso uso até hoje pelo público (figura 9). Em Londres, no
século XVIII, surgem os Squares, jardins pequenos delimitados por edifícios residenciais
que, com o passar do tempo, dão lugar a pequenas praças vegetadas e cercadas, de
uso exclusivo da população local. No século XIX, algumas praças surgem como espa-
ços decorrentes (residuais) de grandes intervenções no sistema viário, como as praças
rotatórias de Paris, no Plano Haussmann, e as praças residuais das avenidas diagonais
do Plano Cerdá em Barcelona. (LAMAS, 1993).
O urbanismo moderno propõe novas configurações de estruturação do território
e das quadras, e a praça passa a ter papel secundário na criação do espaço. Nos
séculos XX e XXI, a praça aparece dissociada dos edifícios e isolada no tecido urbano,
trazendo caráter muito parecido com o das squares londrinas, assumindo no Brasil forte
caráter de espaço vegetado de lazer e práticas esportivas.
Lugar de permanência e encontro, apropriado por artistas de rua, músicos, vende-
dores ambulantes, mesas e guarda-sóis de cafés e restaurantes, a praça representa o
espaço de onde se pode observar a vida na cidade e perceber todo o encantamento (ou
o oposto) dos acontecimentos sociais. Palco livre das manifestações humanas, também
é frequentemente utilizada como local de embate e festividades.
As praças brasileiras apresentam papel de lugar de encontro com a natureza, já
que assumem caráter voltado ao lazer, às práticas esportivas e à contemplação. Desde
a pequena praça de bairro até as praças centrais, percebe-se o forte ecletismo e as
influências francesas e americanas nas mais imponentes, ligadas aos grandes equipa-

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mentos públicos e áreas centrais, e influências inglesas nas praças voltadas às áreas
residenciais, como se vê na figura 10. (MACEDO; ROBBA, 2003). A praça moderna,
originada após a década de 1940, é fruto da escassez de espaços de lazer nas próprias
residências, já que estas cederam lugar às garagens para automóveis. (MACEDO, 1999).

Figura 9 Piazza Navona, Roma, Itália.


Foto: Evy Hannes, jul. 2014.

Hoje muitas praças são originadas devido às normas de parcelamento do solo ur-
bano, que ditam a necessidade de porcentagens específicas de áreas verdes e de lazer
para novos loteamentos. Nesse caso, assumem caráter semelhante ao colocado por
Macedo e Robba (2003), ficando sua produção a cargo de empresas de loteamento
e incorporadores privados.
Dois tipos de espaços comumente associados às praças, mas que apresentam
funções diferenciadas, são os adros e os largos. Os adros podem ser considerados os
primeiros espaços livres públicos e constituem as áreas externas a edificações religiosas,
com finalidade de reunir as pessoas antes das práticas religiosas e criar espaço livre,
em frente à construção, que lhes confira caráter nobre e de grandeza arquitetônica. O
largo é definido como um alargamento dos sistemas viários, com estreita relação com
o traçado e a forma destes. Geralmente situados próximo a edifícios importantes, têm,
também, função de abrir espaço à visualização do mesmo.

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Figura 10 Praça Maurício Goulart, bairro Butantã, São Paulo, SP.


Foto: Evy Hannes, ago. 2015.

4.6 O POCKET PARK

O conceito de pocket park (na tradução literal, parque de bolso) surgiu em 1967,
em Nova Iorque, com a criação do Paley Park (figura 11). A área onde havia uma
casa noturna, com terreno de 13m x 30m, próximo à Quinta Avenida e no centro de
Manhattan – onde o valor do metro quadrado está entre os mais caros do mundo –, deu
lugar a um espaço verde, ao ar livre, de livre acesso à população, criando um tipo de
espaço de interesse público inédito na história da arquitetura. (COOPER; FRANCIS, 1988).
Esse tipo de parque são pequenas áreas de lazer, ou miniparques, inseridas na
malha urbana e que funcionam como pequenos oásis urbanos, onde é possível alcan-
çar a tranquilidade mesmo em locais densos e de trânsito congestionado. O conceito
previa a existência de cascatas que remetessem a questões da natureza e afastassem
a poluição sonora da cidade, mobiliário leve, de fácil movimentação pelo público,
máquinas de sanduíche e bebidas e fechamento noturno. Em relação ao desenho,
podem apresentar desníveis desde que não configurem separação física e visual do
espaço público e do passeio. Alguns possuem pergolados e coberturas que amenizam
a insolação e protegem de ventos e chuvas.
Muitos espaços como esses foram criados pelo mundo: alguns alterando as carac-
terísticas conceituais e dando origem a uma nova variedade de espaços de interesse
público; outros, privados. Servem como áreas para pequenos eventos, parques infan-
tis, áreas de encontro, áreas para lanches e cafés, sempre em pequenos lotes e com
alcance apenas da escala local. São frutos de parcerias público-privadas, mantidos

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por organizações de bairro ou por comerciantes próximo ao local, que se beneficiam


do seu uso (figura 12).

Figura 11 Palley Park, New York, USA.


Foto: Tatiana Daher Rocha, out. 2011.

Figura 12 Pocket Park na rua Amauri, bairro do Itaim, São Paulo, SP.
Foto: Evy Hannes, out. 2015.

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A importância do pocket park no contexto urbano se dá pela apropriação pública


dos espaços livres, pela criação de áreas de descanso em meio a ambientes densamente
urbanizados, como áreas de estar, pela oportunidade de permanência, por serem lu-
gares protegidos, em que é possível ficar, fazer uma pausa, atender o telefone, checar
um endereço, olhar um mapa ou cumprimentar um conhecido. Como bem apontado
por Gehl:

Sempre que as pessoas param um pouco, elas procuram lugares no limite do es-
paço, um fenômeno que pode ser chamado de efeito dos espaços de transição. [...]
esses espaços têm vários benefícios importantes: espaço à frente para ver tudo, as
costas protegidas de modo que não surja nenhuma surpresa [...] e bom apoio físico
e psicológico. (GEHL, 2013, p. 137).

4.7 O PARQUE URBANO

Existem variados tipos de parques e, na contemporaneidade, diversos complexos


voltados ao lazer ganharam esse nome: parques de diversão, parques aquáticos, parque
zoológico, parque ecológico e parque botânico, podendo ser públicos ou privados.
De forma geral, pode-se dizer que parques são grandes áreas criadas para proteger
áreas de interesse paisagístico e cultural, funcionando como espaço de recreação,
esportes, turismo e contemplação da natureza. Este trabalho vai abordar o contexto
do parque urbano, por ser o que mais se adequa ao recorte estudado, da escala do
bairro à da cidade.
Segundo Kliass (1993), os parques urbanos são: “[...] espaços públicos com dimen-
sões significativas e predominância de elementos naturais, principalmente cobertura
vegetal, destinados à recreação.” Macedo e Sakata o definem como:

Todo espaço de uso público destinado à recreação de massa, qualquer que seja o
seu tipo, capaz de incorporar intenções de conservação e cuja estrutura morfológica
é autossuficiente, isto é, não é diretamente influenciada em sua configuração por
nenhuma estrutura construída em seu entorno. (MACEDO; SAKATA, 2003, p. 14).

Os mesmos autores o colocam como produto da era da cidade industrial. De fato,


os parques surgiram na época da Revolução Industrial devido à necessidade de criar
locais de lazer, recreação e contato com a natureza para a população, que vivia em
condições insalubres e trabalhava em horários que muito excediam o comum nas fábri-
cas inglesas. Para isso, a Coroa Inglesa abriu alguns dos jardins privados dos palácios
para uso do público, criando o embrião do que se tornariam os parques urbanos. O
Birkenhead Park foi o primeiro parque público projetado. Quem o projetou foi Joseph
Paxton, em 1843. Na sequência, muitos parques foram criados em Londres, nos Estados
Unidos e na Europa (figura 13). Nos Estados Unidos, surge uma figura de destaque
na arquitetura paisagística, Frederick Law Olmsted, que cria parques e outros espaços

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E spaço s A b er t o s e E spaço s Li v r e s :
Um E s t udo de T ipologia s

únicos com inspiração na Escola Inglesa. O Central Park é um de seus projetos de


maior visibilidade, criado com seu sócio, Calvert Vaux, em 1857. Olmsted introduz um
novo conceito de paisagismo urbano, criando um espaço em larga escala, mas rico em
pequenos detalhes. Dividido em áreas temáticas, foi pensado para ser visto de dentro
para fora. (JELLICOE; JELLICOE, 1995).

Figura 13 Hyde Park, Londres, Inglaterra.


Foto: Evy Hannes, jul. 2014.

Os parques são estruturas independentes do entorno, possuindo, muitas vezes,


acesso controlado e horários de abertura e fechamento determinados pelo seu mante-
nedor. Eles permitem o desenvolvimento de atividades diversas, desde a contemplação
da paisagem até as mais variadas práticas esportivas, sendo estas livres, como uso de
bicicletas, corridas e até as que se apoiam em equipamentos oferecidos pelo espaço,
como pista de skate e quadras esportivas; possuem infraestrutura de apoio – administra-
ção, banheiros, depósitos e, às vezes, lanchonetes e lojas de souvenirs. Têm sido muito
procurados e valorizados na contemporaneidade, especialmente nas grandes cidades –,
nas quais se trabalha muito e os deslocamentos são longos –, onde as pessoas buscam
qualidade de vida e espaços para relaxamento e práticas esportivas.
As cidades brasileiras apresentam grande número de belos projetos de parques
urbanos, com grande variedade de estilos, notando-se predileção pelo estilo inglês.
A cidade de Curitiba (PR) tem destaque nesse cenário, pois apresenta um sistema de
parques bastante amplo, que compreende parques maiores e temáticos nas bordas da
cidade e parques menores, de bairro; ao longo dos largos canteiros centrais das avenidas,
há parques que fazem ligação com outros. Em São Paulo, o parque Ibirapuera ainda é
o mais procurado pela população, devido à sua grande área e à oferta de atividades
– mas outros parques têm surgido e chamado atenção pelo seu uso ou desenho. O

Paisagem e ambiente: ensaios - n. 37 - São Paulo - p. 121 - 144 - 2016 139


Ev y H a nne s

parque do Povo, espaço em escala menor, tem sido muito usado por equipes de corrida
que treinam no local, principalmente em horários diferenciados, como manhã e noite,
antes e após o horário comercial. Já o parque da Juventude, desenvolvido no antigo
espaço do complexo penitenciário do Carandiru, chama atenção devido ao belíssimo
projeto paisagístico, desenvolvido pela arquiteta Rosa Kliass (figura 14).

Figura 14 Trecho do “passeio da muralha” no parque da Juventude, São Paulo, SP.


Foto: Evy Hannes, dez. 2010.

4.8 ESPAÇOS INFORMAIS DE APROPRIAÇÃO PÚBLICA

Por meio da observação do comportamento das pessoas, é possível perceber as


mais interessantes formas de apropriação do espaço. Canteiros e muretas fazem papel
de bancos; escadarias comportam-se como grandes salas de estar; espreguiçadeiras e
sombrinhas ocupam áreas de caminhar, montando praias urbanas e áreas de piquenique
(figuras 15, 16 e 17). O espaço livre é um grande palco para o desenrolar da vida e
dos encontros da sociedade.
Nesse sentido, Queiroga (2001, p. 238) desenvolve o conceito de pracialidade, que
categoriza espaços onde acontecem as funções que caracterizam o espaço da praça,
como encontro e convívio social. O autor integra nessa categoria usos como manifes-
tações em ruas e avenidas, jogos de futebol em espaços improvisados, praias urbanas.
É muito comum, nos últimos anos, com o aumento das questões ligadas a cuidados
com a saúde e à qualidade de vida, ver canteiros centrais de avenidas sendo usados
como pistas de cooper e corrida. Pracetas e espaços residuais do sistema viário tornam-
-se verdadeiras academias ao ar livre, onde personal trainers e esportistas estendem

140 Paisagem e ambiente: ensaios - n. 37 - São Paulo - p. 121 - 144 - 2016


E spaço s A b er t o s e E spaço s Li v r e s :
Um E s t udo de T ipologia s

seus colchonetes e fazem alongamentos. Por ser fato intenso e presente no cotidiano,
prefeituras implantaram, nos últimos cinco anos, equipamentos de ginástica ao ar livre
em muitas praças e áreas residuais das cidades em todo o país. A mesma apropriação
informal acontece nas calçadas mais lisas e corrimãos de escadas quando invadidos
por skatistas (figuras 15 e 18) em busca de espaços que configurem obstáculos e pistas
que propiciem manobras. Tais exemplos mostram a gama de possibilidades existente
para apropriação dos espaços livres das cidades, seja em espaços desenhados para
tais funções, ou naqueles que se apresentam como fruto das apropriações espontâneas
da sociedade.

Figura 15 Skatista faz manobra sobre bancos da praça Roosevelt em São Paulo, SP, 2013.
Fonte: Folha de S. Paulo. Foto: Lucas Lima. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/
saopaulo/2013/09/1348192-um-ano-apos-reforma-praca-roosevelt-segue-na-preferencia-dos-skatistas.shtml>.
Acesso em: 26 set. 2015.

Figura 16 Piquenique em frente ao rio Sena, em Paris, França.


Foto: Evy Hannes, jul. 2014.

Paisagem e ambiente: ensaios - n. 37 - São Paulo - p. 121 - 144 - 2016 141


Ev y H a nne s

Figura 17 Praia urbana no bairro La Defense, em Paris, França.


Foto: Evy Hannes, jul. 2014.

Figura 18 Moradores improvisam mesa de carteado sob sombra de árvore no bairro do Jaçanã, São Paulo, SP.
Foto: Evy Hannes, abr. 2015.

142 Paisagem e ambiente: ensaios - n. 37 - São Paulo - p. 121 - 144 - 2016


E spaço s A b er t o s e E spaço s Li v r e s :
Um E s t udo de T ipologia s

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho pretende criar corpo teórico referencial que funcione como base
introdutória aos estudos sobre espaços livres, elencando e descrevendo as principais
tipologias de espaço que podem ser utilizadas em intervenções na escala urbana da
cidade. Não pretende desenvolver análise que simplifique ou resuma a complexidade
e riqueza teórica relativa ao tema, mas que aborde, de forma clara, a variedade de
interpretações e abordagens possíveis de desenvolvimento.
Os espaços livres estão presentes nas cidades desde os mais antigos assentamentos
humanos, onde configuravam espaço de trocas comerciais. Com o passar do tempo,
vêm se desenvolvendo conforme a evolução das cidades e os hábitos da sociedade,
configurando novas tipologias de espaços abertos, como pocket parks e woonerfs,
mais condizentes com as necessidades da sociedade e da cidade contemporânea. A
apropriação dos espaços também apresenta mudanças, o que fica evidente quando
canteiros centrais de avenidas passam a ser tomados por equipes de corrida.
Os elementos e tipos de espaço apresentados possuem caráter híbrido e exercem
diferentes funções no contexto da cidade – urbanas, arquitetônicas, paisagísticas, esté-
ticas, sociais – e são apropriados pelas pessoas das mais diversas formas. Mediante a
utilização da rua como elemento articulador, compõem sistemas de espaços livres que
estão presentes em todas as cidades, independentemente de seus tamanhos, apresen-
tando características distintas de acordo com localização, clima e cultura específicos.
Cada tipologia discutida no texto desempenha um papel diferenciado no sistema de
espaços livres da cidade, com inúmeras possibilidades de utilização e apropriação pelos
pedestres, configurando a riqueza de experiências e as diferentes formas de expressão
que podem ser realizadas nesses espaços fundamentais para o desenvolvimento da
vida cotidiana, das relações sociais e da vida em comunidade. Espaços que ajudam a
construir a cidadania e a memória afetiva dos habitantes com suas cidades.

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resgata-brincadeira-de-rua-no-centro-de-ribeirao-preto.shtml>. Acesso em: 26 set. 2015.

AGRADECIMENTOS

Agradeço aos professores Eugênio Fernandes Queiroga e Catharina Pinheiro Cordeiro


dos Santos Lima por despertarem o interesse e estimularem o estudo sobre os espaços
livres, acrescentando importante contribuição ao meu desenvolvimento profissional
como docente e pesquisadora.

Nota do editor
Submissão: 13 jul. 2015
Aprovação: 19 out. 2015

144 Paisagem e ambiente: ensaios - n. 37 - São Paulo - p. 121 - 144 - 2016


Projeto para o Parque Ecológico Monsenhor Emílio José Salim, 1989.
Arquivos do Burle Marx Escritório de Paisagismo e de Daniela Lacreta.

PESQUISA
PARQUE ECOLÓGICO MONSENHOR EMÍLIO
JOSÉ SALIM , C A MPINA S ( SP) : CONTR ADIÇÕES
NA IMPLEMENTAÇ ÃO DE UM PARQUE URBANO
CONTEMPOR ÂNEO
ECHOLOGIC PARK MONSENHOR EMÍLIO JOSÉ SALIM, CAMPINAS (SP):
CONTRADICTIONS IN ESTABLISHING A CONTEMPORARY URBAN PARK

Daniela Andrade Lacreta*


Renata Baesso Pereira**

RESUMO
O presente artigo é resultado de uma pesquisa que buscou compreender os propósitos da
administração pública, nas instâncias estadual e municipal, ao implantar, no final da década
de 1980, o Parque Ecológico Monsenhor Emílio José Salim, na cidade de Campinas (SP).
Projetado pelo escritório Burle Marx, sua implantação tinha por objetivo a revitalização de
uma antiga fazenda, a recomposição da mata nativa em áreas ocupadas pelos cafezais e
a restauração do casarão, exemplar relevante da arquitetura do período do café. Quadras
esportivas, lanchonetes, mirante, restaurante, campos de futebol e áreas de passeio também
estavam no escopo do projeto. Embora o parque já tenha passado por dois processos de
tombamento – no nível estadual, pelo valor do seu conjunto arquitetônico, representativo da
arquitetura cafeeira e, no nível municipal, por seu valor como parque urbano de concepção
inovadora –, encontra-se atualmente sendo utilizado muito aquém do seu potencial como
espaço público. Esta pesquisa também teve por objetivo traçar um diagnóstico que apresentasse
os potenciais e as fragilidades desse equipamento urbano e diretrizes que pudessem auxiliar
num possível processo de recuperação do parque.
Palavras-chave: Parques. Paisagem urbana. Espaços verdes. Arquitetura paisagística.

*
Arquiteta e urbanista pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Es-
pecialista em Gerenciamento Ambiental pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da
Universidade de São Paulo (ESALQ). Mestre em Urbanismo pelo Programa de Pós-Graduação
em Urbanismo, Centro de Ciências Exatas, Ambientais e de Tecnologias (POSURB, CEATEC) da
PUC-Campinas. Arquiteta paisagista, diretora da Nossa Flora Jardins (Projeto, manutenção e
execução de jardins). Rua Dr. Miguel Penteado, 909, 13070-118, Jardim Chapadão, Campinas,
SP, Brasil.
[email protected]

**
Arquiteta e urbanista pela Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (EA/
UFMG). Mestre em Urbanismo pelo Programa de Pós-Graduação em Urbanismo, Centro de
Ciências Exatas, Ambientais e de Tecnologias (POSURB, CEATEC) da PUC-Campinas. Doutora
em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de são Paulo (FAUUSP). Professora do POSURB/CEATEC, PUC-
-Campinas. Rodovia D. Pedro I, km 136, 13086-900, Parque das Universidades, Campinas,
SP, Brasil.
[email protected]

http://dx.doi.org/10.11606/issn.2359-5361.v0i37p147-177

Paisagem e ambiente: ensaios - n. 37 - São Paulo - p. 147 - 177 - 2016 147


Da niela A ndr ade L ac r et a e Renat a B ae s s o Per eir a

ABSTR AC T
This article is the result of a study that sought to understand the purposes of public administration on the
state and municipal levels to deploy implant in the late 1980s, the Ecological Park Monsignor Emilio José
Salim in the city of Campinas (SP). Designed by Burle Marx office, the implementation of the Ecological
Park aimed to revitalize an old farm, restore native forests in areas occupied by coffee plantations and
restore the main house, relevant example of the Coffee period architecture. Sports courts, coffee shops,
gazebo, restaurant, soccer fields and walking areas were also in the project scope. Although the park is
considered a heritage to be preserved – at the state level due to its architectural value (representative set of
coffee architecture) and at the municipal level for its value as an innovative urban park design - its current
use does not match its potential as a public space. The survey also aimed to outline a diagnosis that could
show the potential and the weaknesses of this urban space, and could provide guidelines that can help in
a possible recovery process of the park.
Keywords: Parks. Urban landscape. Green spaces. Landscape architecture (spaces).

1 INTRODUÇ ÃO

Observa-se hoje, no Brasil, diversos casos de parques públicos implantados de


modo inadequado ou com problemas de gestão. A conscientização de que os parques
devem ser valorizados, promovidos pelo poder público, respeitados e aproveitados
pela população, está longe de ser ideal. Casos de depredação, invasão e descaso
são observados em diversos parques urbanos pelo país. (MACEDO; SAKATA, 2003,
p. 54). Seja por problemas relacionados ao projeto e programa, à localização e aces-
sibilidade e principalmente à gestão, a verdade é que, embora tenha havido aumento
quantitativo desses equipamentos, não se pode dizer o mesmo sobre a qualidade dos
parques instalados.
À luz da literatura que investiga a produção de parques urbanos no Brasil, novos
estudos de caso podem contribuir para avançar na discussão do tema. Este artigo apre-
senta, portanto, um estudo de caso do Parque Ecológico Monsenhor Emílio José Salim,
localizado na região leste de Campinas (SP), às margens da rodovia Heitor Penteado,
composto por 110 hectares de área. O parque foi inaugurado em 1991, em parte
das terras da fazenda Mato Dentro, estabelecida como engenho de açúcar em 1806
pelo tenente-coronel Joaquim Aranha Barreto de Camargo. Na segunda metade do
século XIX, o engenho é convertido em fazenda de café, destacando-se como uma das
principais unidades produtoras da cidade. Com a crise do café, na década de 1930,
parte da fazenda é vendida ao estado de São Paulo para a implantação do Instituto
Biológico – IB (unidade de Campinas)1. A partir de então, os parcelamentos das áreas
remanescentes da antiga fazenda Mato Dentro deram origem a diversos bairros na
região leste de Campinas. No final da década de 1980, a Secretaria de Meio Ambiente
do Estado de São Paulo (SMASP) promove a criação do Parque Ecológico Monsenhor

1
A fazenda Mato Dentro foi adquirida pelo Instituto Biológico do Estado de São Paulo em 1937, com o objetivo
de desenvolver pesquisas de sanidade animal e vegetal por meio de criação de suínos, equinos e bovinos e
campos experimentais de diversas culturas. Na mais recente reforma, a antiga Estação Experimental de Campi-
nas passou a ser denominada Centro Experimental Central do Instituto Biológico (CEIB), localizado estrategica-
mente num polo de alta tecnologia, a cidade de Campinas. Disponível em: <http://www.biologico.sp.gov.br/
centro_experimental.php>. Acesso em: 16 jul. 2015.

148 Paisagem e ambiente: ensaios - n. 37 - São Paulo - p. 147 - 177 - 2016


Par que Ecológico M on s enhor Emí lio J o s é S a lim , C ampina s ( SP ) :
C ont r adiçõ e s na Implement aç ão de um Par que Ur ba no C ont empor â ne o

Emílio José Salim em parte da área anteriormente adquirida para o Instituto Biológico.
Projetado pelo escritório Burle Marx, sua implantação tinha por objetivo a revitalização
da antiga fazenda, a recuperação de lagos e cascatas, a recomposição da mata na-
tiva em áreas ocupadas pelos cafezais e a instalação de um programa de cultura nos
edifícios remanescentes do complexo cafeeiro.
A pesquisa sobre a instalação do Parque Ecológico Monsenhor Emílio José Salim
e sua relação com os processos fundiários envolvidos na conversão da antiga fazen-
da em loteamentos privados e área pública foi baseada em documentação primária,
como cartografia histórica, inventários, escrituras e registros de venda de terras. Os
processos de tombamento do parque pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural
de Campinas (Condepacc) e da sede da antiga fazenda pelo Conselho de Defesa do
Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) foram documentos
auxiliares da pesquisa. Para a análise do projeto paisagístico do parque, utilizou-se o
projeto original, disponibilizado pelo Escritório Burle Marx.

2 C A MPINA S E SEUS ESPAÇOS LIVRES PÚBLICOS

Campinas nasceu de um pouso às margens do caminho aberto pelos paulistas em


direção às “minas dos Goiases” na segunda metade do século XVIII. A região logo
desenvolveu-se a partir da produção de açúcar, e após ser um bairro rural, pertencente
à Vila de Jundiaí, em 1774 torna-se Freguesia de Nossa Senhora da Conceição das
Campinas do Mato Dentro e, em 1797, Vila de São Carlos. A produção açucareira e,
posteriormente, cafeeira da cidade logo enriqueceu algumas famílias donas de grandes
fazendas, como a família Souza Aranha, dona da fazenda Mato Dentro, local onde foi
instalado o Parque Ecológico Monsenhor Emílio José Salim na década de 1990
Graças ao prestígio do café, diversos melhoramentos urbanos foram implementados
na cidade, que, embora tenham auxiliado o seu desenvolvimento, atendiam prioritaria-
mente os interesses das famílias aristocráticas. Essa elite, portadora de diversos títulos
imperiais, direcionou os investimentos para a valorização dos terrenos pertencentes
às antigas sesmarias (SANTOS, 2002, p. 162) e para o “aformoseamento” da cidade,
criando praças e jardins públicos. (LIMA, 2000, p. 31). Os jardins implantados na cidade
modificaram sua dinâmica, mudando os costumes da população e impulsionando a
“cultura” de jardins, que levou Campinas à notoriedade. (LIMA, 2000, p. 37).
Ao longo dos anos, intervenções com caráter saneador, como a de Saturnino de
Brito no fim do século XIX, e alterações modernizadoras da cidade, durante os mandatos
dos prefeitos Orozimbo Maia (1908-1910, 1926-1930, 1931-1932) e Heitor Penteado
(1911-1920), trazem modificações importantes na tipologia de praças, jardins e ave-
nidas. São instalados bulevares arborizados, os jardins públicos se abrem à cidade e
as praças conectam-se às ruas, completamente arborizadas. (LIMA, 2000, p. 102).
Com a crise do café, a cidade até então agrária busca assumir uma fisionomia
ligada à indústria e aos serviços. O crescimento intenso, gerado principalmente pela
migração, tornou indispensável um plano urbanístico que direcionasse o desenvolvi-

Paisagem e ambiente: ensaios - n. 37 - São Paulo - p. 147 - 177 - 2016 149


Da niela A ndr ade L ac r et a e Renat a B ae s s o Per eir a

mento da cidade, e, em 1938, o urbanista Prestes Maia propõe um amplo conjunto


de ações voltado a reordenar as vocações urbanas, a circulação e o crescimento
de Campinas.
No plano, as antigas praças e jardins públicos tornam-se pontos importantes no
processo de reestruturação e embelezamento da cidade. Prestes Maia traz para a
cidade novo modelo paisagístico, similar ao proposto anteriormente para São Paulo
e à luz dos preceitos do Movimento City Beautiful. Direcionando suas propostas princi-
palmente para os problemas de circulação que a cidade já enfrentava, define espaços
públicos – integrados ao que denomina sistema de áreas verdes – como pontos focais
da reestruturação da cidade. Praças, jardins e parques integram-se como um sistema,

Figura 1 Sistema de parques no Plano de Remodelação da Cidade, de Prestes Maia, de 1829. Indicados os três
principais parques da cidade, o parque da Vila Industrial nunca chegou a ser implantado. A planta apresenta
anotações manuais assinadas por Prestes Maia. Documento apresentado por Luíz Cláudio Bittencourt, pertencente
ao Arquivo da Câmara Municipal de Campinas.
Fonte: Bittencourt, 2002, p. 135.

150 Paisagem e ambiente: ensaios - n. 37 - São Paulo - p. 147 - 177 - 2016


Par que Ecológico M on s enhor Emí lio J o s é S a lim , C ampina s ( SP ) :
C ont r adiçõ e s na Implement aç ão de um Par que Ur ba no C ont empor â ne o

sendo os parques elementos fundamentais do modelo de Prestes Maia. O prefeito


propõe, baseado nesses preceitos, a instalação de três parques. Com caráter regional,
Prestes Maia cria o parque da Vila Industrial e o parque Portugal (Taquaral). O bosque
dos Jequitibás, antiga área de lazer da cidade, seria reestruturado e transformado em
parque para atender o centro da cidade. A proposta de Prestes Maia para Campinas
pode ser avaliada na figura 1.
Embora Prestes Maia não tenha acompanhado a instalação de seu plano, suas
propostas, parcialmente implantadas, nortearam as mudanças promovidas pela pre-
feitura municipal nas décadas de 1930 e 1940, influenciando modificações na cidade
nas décadas seguintes. (LIMA, 2000, p. 124). Novas avenidas foram criadas, assim
como as perimetrais, o parque Taquaral foi instalado e o bosque dos Jequitibás refor-
mado. Já o parque da Vila Industrial, justamente o que atenderia a uma região mais
necessitada, nunca saiu do papel. Ao ser instalado, o parque Taquaral valorizou essa
região da cidade, onde foram lançados loteamentos de alto padrão. Tal área tornou-
-se, na década de 1970, nova centralidade para a cidade, e o parque, de proporções
modestas para a quantidade de indivíduos que o frequentam, é o mais utilizado da
cidade atualmente.
A grande expansão industrial e populacional ocorrida na década de 1970 dá início
a um grande parcelamento do solo, seguido pela criação de novos loteamentos em
regiões cada vez mais dispersas e distantes do centro da cidade. A cidade, que na
década de 1960 ocupava área de aproximadamente 76 mil quilômetros quadrados,
passa a ocupar, em 1978, mais de 150 mil quilômetros quadrados. (PREFEITURA DE
CAMPINAS, 1991).
Parte da região leste de Campinas, onde se encontra o Parque Ecológico Mon-
senhor Emílio José Salim, desenvolve-se a partir do parcelamento da antiga fazenda
Mato Dentro2, como pode ser verificado na figura 2. Embora pouco urbanizada até a
década de 1990, a região leste possui, atualmente, a maior concentração de condo-
mínios horizontais e loteamentos fechados de alto padrão da cidade.
Na tabela 1, é possível verificar (em negrito) dados de 1991, referentes à renda
média mensal nominal dos chefes de família moradores da região leste de Campinas,
onde se localiza o Parque Ecológico Monsenhor Emílio José Salim. Pode-se observar
como a renda média mensal (em salários mínimos) da região é muito maior do que as
relacionadas a demais áreas da cidade.

2
Conforme documentação levantada, a fazenda, inicialmente formada como engenho e plantação de cana-de-
-açúcar, data de 1806, originada a partir de uma gleba de terra desdobrada de uma sesmaria pelo tenente-
-coronel Joaquim Aranha Barreto de Camargo. Segundo Silva (2006), um dos primeiros bairros registrados em
Campinas foi Mato Dentro, citado em documento de 14/7/1774 como a área onde se localizava o engenho
de mesmo nome. Era um exemplar da ocupação fundiária e da produção agrícola da região no final do século
XVIII. A fazenda passa por desmembramentos que geram duas novas fazendas, a Mato Dentro de Baixo e a
Brandina. Essas novas fazendas foram posteriormente parceladas e transformadas em bairros: a Mato Dentro
de Baixo no bairro Vila Brandina, a fazenda Lapa no bairro das Palmeiras e o Clube Sociedade Hípica de Cam-
pinas. Com a crise de 1930 e a queda da comercialização do café nos mercados internacionais, a fazenda
foi vendida, em 1937, para o Governo do Estado de São Paulo, que a transformou na Estação Experimental
do Instituto Biológico de Campinas, abrigando laboratórios, residências de pesquisadores e trabalhadores e
pesquisas de novas culturas.

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Figura 2 Parcelamentos da antiga fazenda Mato Dentro, localização do Parque Ecológico Monsenhor Emílio José
Salim, do Instituto Biológico e principais rodovias.
Fonte: Imagem elaborada pela autora a partir de foto aérea do Google.

Tabela 1 Renda Média Mensal Nominal do Chefe da Família

Renda Média Mensal Nominal do Chefe da Família


Município de Campinas – 1991
D.R.O. Diretório Regional Renda Média Mensal
de Operações (em salários mínimos)
Norte 7,32

Sul 5,99

Leste 11,02

Sudoeste 4,21

Noroeste 3,76

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Censo Demográfico de 1991. Sistematização dos
dados: Secretaria de Planejamento, Departamento de Planejamento e Desenvolvimento Urbano de Campinas (p.
36). Sumário de Dados – População Campinas e Região, 1998.

Na tabela 2, observa-se que a taxa de crescimento da região leste, onde se encontra


o Parque Ecológico, teve o maior crescimento da cidade na década de 1980, o que
comprova as informações apresentadas na figura 1.

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Par que Ecológico M on s enhor Emí lio J o s é S a lim , C ampina s ( SP ) :
C ont r adiçõ e s na Implement aç ão de um Par que Ur ba no C ont empor â ne o

Tabela 2 Taxa de Crescimento da População – Anos 1970, 1980, 1991 e 1996

População Grau de Urbanização % Taxas de Crescimento (% aa..)

D.R.0. Total Urbana Rural Total 1991-1996

1991 1996 1991 1996 1991 1996 1991 1996 Total Urbana Rural

Leste 207.047 209.229 201.746 204.500 5.301 4.729 97,44 97,74 0,21 0,27 -2,26

Sul 223.480 228.434 218.812 223.446 4.668 4.988 97,91 97,82 0,44 0,42 1,33

Norte 163.293 163.848 158.026 158.731 5.267 5.117 96,77 96,88 0,07 0,09 -0,58

Sudoeste 180.339 217.696 177.331 206.291 3.008 11.405 98,33 94,76 3,84 3,07 30,55

Noroeste 73.128 88.547 68.701 85.975 4.427 2.572 93,95 97,10 3,90 4,59 -10,29

Total 847.287 907.754 824.616 878.943 22.671 28.811 97,32 96,83 1,39 1,28 4,91

Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 1991. Sistematização dos dados: Secretaria de Planejamento – Departamento
de Planejamento e Desenvolvimento Urbano. Disponível em: <http://www.campinas.sp.gov.br/governo/seplama/
publicacoes/sumario-dados-demograficos.php>. Acesso em: 23 jun. 2015.

Na figura 3, o mapa de crescimento urbano apresentado pela Secretaria Municipal


de Planejamento e Desenvolvimento Urbano (Seplan) da Prefeitura de Campinas no
Plano Diretor de 2006, demonstra que o crescimento urbano no seu entorno imediato
se deu, basicamente, na década de 1980; nota-se crescimento também na década de
1990, (mesma década da instalação do Parque Ecológico).
Já o mapa da figura 4, desenvolvido juntamente com o mapa da figura 3 mostra
que, embora os lotes no entorno do parque tenham sido aprovados décadas antes –
com uma área aprovada na década de 1950 e outra na década de 1970 –, somente
a partir da década de 1980 essa região começa a abrigar novas residências.
Por fim, na figura 5, também parte do Plano Diretor de 2006, o entorno do Parque
Ecológico Monsenhor Emílio José Salim encontra-se circulado em verde. Pode-se ob-
servar a maior concentração de alta renda da cidade (vinte salários mínimos ou mais).
Ao sul do parque, onde se encontra a segunda portaria, são identificados focos de
habitação com rendas médias abaixo de cinco salários mínimos. A única barreira entre
essas duas regiões é o parque.
Em 1990, Campinas contava com área urbanizada de aproximadamente 200 qui-
lômetros quadrados. Segundo o Plano Diretor (2006) do município, 460 hectares eram
de áreas verdes urbanizadas, incluindo jardins, parques e praças, porém, nas regiões
mais periféricas e carentes da cidade, não foi identificada nenhuma área verde.
As propostas do Plano de Prestes Maia para a instalação de parques de caráter
regional ficaram pendentes nas administrações públicas seguintes. Somente com a
instalação do Parque Ecológico Monsenhor Emílio José Salim – quase quarenta anos
depois –, é que um novo parque, nas proporções pretendidas no Plano de Prestes
Maia, propõe-se a cumprir esse papel. No final da década de 1990, Campinas con-
tava com poucos parques capazes de atender a demanda da cidade, e os existentes
encontravam-se na área mais central nesse período. Os principais parques utilizados
eram os seguintes:

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• Bosque dos Jequitibás – 101.000 m² (1915);


• Parque Portugal (Taquaral) – 638.000 m² (1972);
• Bosque dos Guaratãs – 100.000 m² – sem data indicada;
• Parque Valença – 88.471 m² – sem data indicada;
• Parque Ecológico (estadual) – 1.100.000 m² (1987).

Figura 3 Mapa do crescimento urbano. Em vermelho, a área aproximada do Parque Ecológico. Fonte: Secretaria
Municipal de Planejamento e Desenvolvimento Urbano (Seplan) da Prefeitura Municipal de Campinas. Disponível
em: <http://www.campinas.sp.gov.br/governo/seplama/publicacoes/planodiretor2006/mapas/mapa5.jpg>.
Acesso em: 23 jun. 2015.

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Par que Ecológico M on s enhor Emí lio J o s é S a lim , C ampina s ( SP ) :
C ont r adiçõ e s na Implement aç ão de um Par que Ur ba no C ont empor â ne o

Figura 4 Mapa com os loteamentos aprovados por décadas. Em vermelho, a área aproximada do Parque
Ecológico. Fonte: Secretaria Municipal de Planejamento e Desenvolvimento Urbano (Seplan) da Prefeitura Municipal
de Campinas. Disponível em: <http://www.campinas.sp.gov.br/governo/seplama/publicacoes/planodiretor2006/
mapas/mapa6.jpg>. Acesso em: 23 jun. 2015.

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Figura 5 Mapa representando a renda média do responsável pelo domicílio em 1991. Fonte: Secretaria Municipal
de Planejamento e Desenvolvimento Urbano (Seplan) da Prefeitura Municipal de Campinas, a partir de dados
do censo de 1991 do IBGE. Disponível em: <http://www.campinas.sp.gov.br/governo/seplama/publicacoes/
planodiretor2006/mapas/mapa21.jpg>. Acesso em: 23 jun. 2015.

A partir dessa lista, pode-se observar como a área do Parque Ecológico Monsenhor
Emílio José Salim é maior do que a soma das áreas de todos os outros parques juntos.
Foi implantado num momento em que, principalmente o parque Portugal e o bosque
dos Jequitibás, estavam no limite de saturação, por atenderem toda a cidade.
A figura 6 mostra em sua legenda, entre outros, os três principais parques da cidade:
o Parque Ecológico Monsenhor Emílio José Salim (n° 17), o Parque Portugal (nº16) e
o Bosque dos Jequitibás (nº 8). Fica visível a diferença de tamanho destes em relação
ao Parque Ecológico.

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Par que Ecológico M on s enhor Emí lio J o s é S a lim , C ampina s ( SP ) :
C ont r adiçõ e s na Implement aç ão de um Par que Ur ba no C ont empor â ne o

Figura 6 Principais áreas verdes de Campinas segundo diagnóstico feito pela Prefeitura Municipal de Campinas em
2015. Fonte: Diagnóstico Preliminar SDVS/PMC, 2015. Disponível em: <http://campinas.sp.gov.br/arquivos/meio-
ambiente/diagnostico_preliminar.pdf>. Acesso em: 23 jun. 2015.

3  O PROCESSO DE PROMOÇ ÃO E INSTAL AÇ ÃO DO


   PARQUE ECOLÓGICO MONSENHOR EMÍLIO JOSÉ SALIM

O Governo do Estado de São Paulo foi quem propôs o Parque Ecológico Monsenhor
Emílio José Salim para atender às demandas da cidade por um novo equipamento de
lazer e área verde. Ocupando 110 hectares de parte da área total de 285 hectares do
Instituto Biológico, foi implantado na área da antiga fazenda Mato Dentro, abrangendo
o conjunto histórico composto pela casa sede e tulha, tombados pelo Condephaat3.
O projeto foi desenvolvido pelo Escritório Burle Marx, e entre seus principais atrativos
estavam a implantação de um Arboretum com espécies nativas, a revitalização de um
lago, a transformação do estábulo em restaurante e da tulha em “café-concerto”. Se-
riam também instaladas quadras poliesportivas, um mirante, campos de futebol, áreas
de estar, área para piquenique, churrasco e um teatro de arena.
Na antiga casa sede, completamente restaurada, foi instalado o Centro Integrado
de Percepção Ambiental (CIPAM), que tinha como propósito “[...] estimular de maneira
inovadora e atraente a percepção do meio ambiente e das intervenções socioeconômicas
e culturais na qualidade de vida [...]”. (Cetesb,1990). Para tanto, dividia-se em quatro
eixos: cultura e meio ambiente, cosmos, biodiversidade e poluição.

3
Processo de tombamento número 00309/73 de 1982.

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A obra foi dividida em três etapas, sendo a principal o projeto de restauro do


casarão sede da fazenda Mato Dentro, de 1810. A ideia não era somente restaurar
o casarão com detalhes da época, mas também transformá-lo num museu capaz de
resgatar a história de Campinas ligada ao ciclo do café4. Para o projeto de recupera-
ção da paisagem da antiga fazenda, foram revitalizados os cursos d´água existentes
para formação de lagos e cascatas. Havia, também, a proposta de recuperação da
mata nativa, anterior ao plantio do café, mediante a instalação de trezentas espécies
características da região de Campinas.
O acesso à portaria principal do parque se dá pela rodovia Heitor Penteado – im-
portante ligação entre o centro da cidade e os distritos de Sousas e Joaquim Egídio,
acesso à rodovia Dom Pedro I e ao anel viário Magalhães Teixeira. Um estacionamento
para aproximadamente quatrocentros carros fica logo à direita assim que se adentra
o parque, e a poucos passos encontra-se o lago – rodeado por palmeiras enfileiradas
–, o antigo estábulo, transformado em restaurante, o novo edifício do ripado, um es-
paço para exercícios e a administração. Num plano mais alto, à esquerda, uma longa
ladeira arborizada chega ao portão de entrada do antigo casarão, sede do CIPAM.
No tempo em que a fazenda era produtiva, observava-se todo o território da varanda
da casa sede. Ao lado desta há uma pequena capela – e logo atrás, a tulha, entre
árvores antigas e um jardim.
Voltando ao lago, seguindo em direção oposta, um extenso caminho sinuoso e
íngreme leva o visitante à área de lazer ativo, onde estão localizadas as quadras po-
liesportivas. Ao longo desse caminho, trilhas secundárias formam-se, terminando em
pátios projetados para festas, piqueniques e churrascos. Das quadras poliesportivas,
pode-se ver todo o parque abaixo; bem próximo, encontra-se o mirante. Nessa área
também ficam um teatro de arena, alguns sanitários e lanchonetes, instalados em
edifícios simples e rústicos.
Cortando toda a porção oeste do parque – onde estão os dois campos de futebol, o
edifício da bocha, outra portaria e outro estacionamento, bem no coração de um bairro
residencial – uma avenida dá acesso a um edifício da Sociedade de Abastecimento de
Água e Saneamento S/A de Campinas (Sanasa)5. O acesso para a outra parte do parque
é feito sob dois pontilhões. A característica mais marcante do paisagismo são os maciços
de árvores e, principalmente, as palmeiras de diversas espécies, distribuídas em linhas
sinuosas e imponentes, ou em maciços desenhados. Os caminhos e pátios, também
sinuosos, são característicos do traço de Roberto Burle Marx. A vegetação utilizada
é uma seleção de plantas nativas com plantas comuns da região e espécies exóticas.
As plantas de grande porte e o verde tomam conta da paisagem; não existem muitos
canteiros de forrações, nem variedades de cores comuns nos projetos do paisagista.

4
Antigo casarão da “Mato Dentro” será restaurado. Correio Popular, Campinas, 24 de setembro de 1988.

5
Empresa responsável pelo abastecimento de água (captação, adução, tratamento, reserva e distribuição de
água potável), coleta, afastamento e tratamento dos esgotos domésticos no município de Campinas.

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A figura 7 exibe a perspectiva em desenho do Parque Ecológico (apresentado  em


prospecto distribuído na época da inauguração do mesmo). O desenho mostra a
abundância vegetal e a sinuosidade características dos projetos de Burle Marx. O lago
sinuoso, com linhas marcadas por palmeiras imponentes, torna-se o objeto central
desse projeto.

Figura 7 Croqui do projeto paisagístico. Fonte: Prospecto distribuído pela Companhia Ambiental do Estado de São
Paulo (Cetesb) na inauguração do Parque Ecológico.
Projeto gráfico e desenho: Vallandro Keating, 1990.

Figura 8 Perspectiva do parque com seus principais equipamentos em fôlder promocional fornecido pelo Governo
do Estado de São Paulo (gestão Orestes Quércia). Fonte: Prospecto distribuído pela Companhia Ambiental do
Estado de São Paulo (Cetesb) na inauguração do Parque Ecológico. Projeto gráfico e desenho: Fernando Barreto,
1990.

Também partes do prospecto, as figuras 8 a 12 apresentam os diversos atrativos do


Parque Ecológico. Na figura 9, a antiga casa sede, completamente restaurada, abrigou
o CIPAM durante um período, onde eram proporcionadas ações educativas visando à
manutenção do meio ambiente. A figura 10 apresenta o antigo estábulo, reformado e
transformado em restaurante para duzentas pessoas, e a figura 12 apresenta o Ripado

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– estrutura aberta em aço e vigas de eucalipto tratado, para exposições de plantas e


venda de produtos ecológicos. Esse espaço foi o único novo edifício proposto para o
parque e seria responsável por abrigar feiras e exposições.

Figura 9 Casarão, sede do Centro de Percepção Ambiental (CIPAM).


Fonte: Cetesb. Desenho: Vallandro Keating, 1990.

Figura 10 Antigo estábulo da fazenda.


Fonte: Cetesb. Desenho: Vallandro Keating, 1990.

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Figura 11 Pontilhão de ligação entre as duas partes do parque.


Fonte: Cetesb. Desenho: Vallandro Keating, 1990.

Figura 12 Ripado.
Fonte: Cetesb. Desenho de Vallandro Keating, 1990.

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Na montagem (figura 13) feita com o projeto paisagístico original sobre foto aérea de
2015 da cidade de Campinas, podemos ver a leste do parque sua divisa com o Instituto
Biológico, e a oeste os diversos condomínios de alto padrão. A figura 14 apresenta o
projeto paisagístico original fornecido pelo Escritório Burle Marx em uma prancha com
detalhe do paisagismo do complexo arquitetônico tombado (casa sede, tulha e capela).

Figura 13 Projeto original fornecido pelo Escritório Burle Marx e montado sobre foto aérea Google Maps, 2015.
Fonte: Escritório Burle Marx. Projeto de Roberto Burle Marx e Haruyoshi Ono. Desenho de Sônia, 1989. Projeto
gráfico: Daniela Andrade Lacreta, setembro de 2015.

Figura 14 Projeto de Roberto Burle Marx e Haruyoshi Ono. Desenho de Sônia, 1989.

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4  CONSIDER AÇÕES SOBRE O FUNCIONA MENTO


   E A GESTÃO DO PARQUE AO LONGO DOS ANOS

O Parque Ecológico Monsenhor Emílio José Salim permaneceu sob a administração


do Governo Estadual de 1991, ano da sua inauguração, até 1995, quando passou a ser
administrado por uma gestão compartilhada entre a Prefeitura Municipal de Campinas
e a Secretaria Estadual do Meio Ambiente, convênio que durou até 2001. No período
em que funcionou o convênio, o parque sofreu com a degradação, a falta de recursos
e a gestão precária. O CIPAM foi extinto e a vigilância diminuída, ocasionando a de-
predação da infraestrutura e a destruição do sistema de energia elétrica. A extinção do
projeto de educação ambiental acarretou a falta de manutenção do viveiro de plantas
existente que, por sua vez, não forneceu mais as mudas para a reposição do paisagis-
mo do parque, comprometendo o projeto. A paisagem, nesse ínterim, caracterizava-se
pela invasão de gramíneas e o excesso de áreas áridas, causadas pela morte e não
reposição das mudas.
Após alguns anos de funcionamento e com o declínio de suas atividades, em 2001,
a Secretaria Estadual do Meio Ambiente anunciou a retomada total da administração
do parque. De acordo com o órgão, uma verba emergencial para obras de manu-
tenção do parque foi disponibilizada6, já que a prefeitura teria deixado de executar a
manutenção do parque no período de sua gestão. O objetivo da secretaria, a partir
desse momento, seria estabelecer parcerias com empresas privadas interessadas na
recuperação e manutenção do parque, como já havia sido feito no Projeto Pomar em
São Paulo. Esse projeto de recuperação foi orçado na época em R$4,9 milhões7 e tinha
o intuito de recuperar, restaurar e manter o complexo arquitetônico (casarão, capela,
anexo e tulha) tombado pelo Condephaat, como se pode observar na figura 15.
Em 2004, um Conselho de Orientação do Parque Ecológico é empossado com o
intuito de acompanhar a implantação e a execução do novo Sistema de Gestão Com-
partilhada (estado e município), analisar o Plano de Trabalho e os Relatórios de Gestão
de Controle, referendar o Regulamento Interno do Parque e suas possíveis alterações
e sugerir projetos que não haviam sido contemplados no convênio. O projeto, então
chamado “Projeto de Revitalização”, contou com a participação das empresas parceiras
Petróleo Brasileiro S.A (Petrobras), Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL) e Shell
do Brasil, responsáveis pela execução dos serviços e obras previstas – como cerca-
mento da área do parque, reforma de lanchonetes, sanitários, portarias, ambulatório,
equipamentos esportivos e de lazer, pavimentação e drenagem, equipamentos para a
escola técnica de jardinagem e obras de paisagismo – dado que o projeto original de

6
Secretaria do Meio Ambiente lança livro com as pesquisas desenvolvidas em intervales. São Paulo Acontece:
Secretaria do Meio Ambiente, 1 de abril de 2001. Disponível em: <http://www.ambiente.sp.gov.br/acontece/
noticias/secretaria-do-meio-ambiente-lanca-livro-com-as-pesquisas-desenvolvidas-em-intervales/>. Acesso em:
20 mar. 2014.

7
SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE DO ESTADO DE SÃO PAULO, 21 de julho de 2003. Disponível em: <http://
www.ambiente.sp.gov.br/acontece/noticias/alckmin-assina-protocolo-para-gestao-do-parque-ecologico-em-
campinas/>. Acesso em: 20 mar. 2014.

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Burle Marx não havia sido instalado por completo. Para a Secretaria do Meio Ambiente,
ficou designada a contratação de obras de infraestrutura, segurança e recuperação
do complexo tombado. Já a prefeitura, se encarregaria de manter as áreas verdes do
parque, fornecer serviços de vigilância interna, da preservação dos novos equipamentos
instalados e da programação cultural e de lazer do parque.

Figura 15 Orçamento proposto para a


revitalização do parque. Entre os custos
mais altos estão a recuperação da parte
elétrica do parque, a nova reforma
do casarão e a implantação de novos
equipamentos. Disponível em: <http://
www.ambiente.sp.gov.br/acontece/noticias/
alckmin-assina-protocolo-para-gestao-do-
parque-ecologico-em-campinas/>. Acesso
em: 20 mar. 2014.

Em 2009, nova notícia8 é publicada, afirmando que uma nova recuperação no


parque – principalmente do projeto paisagístico de Burle Marx e do restauro da sede
da fazenda Mato Dentro – seria executada. O restauro da casa sede coincidiu com a
exposição de arquitetura e decoração Casa Cor, que aconteceu no conjunto histórico.
Para a Secretaria do Meio Ambiente, a exposição trazia enorme valorização e prestígio
ao parque.
Em maio de 2013, chegou ao fim, mais uma vez, a parceria estado/município na
administração do parque. Fez-se um decreto que transferiu o parque por 99 anos ao
município. Nessa época, o parque ficou novamente abandonado. A área sofria com a

8
FREGONESI, L. Revitalização e preservação no parque Monsenhor Emílio José Salim. São Paulo, Secre-
taria do Meio Ambiente, 25 de setembro de 2009. Disponível em: <http://www.ambiente.sp.gov.br/acontece/
noticias/revitalizacao-e-preservacao-no-parque-monsenhor-emilio-jose-salim/>. Acesso em: 20 mar. 2014.

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falta de manutenção e não recebia mais de quarenta visitantes nos dias de semana. As
trilhas estavam intransitáveis; a sinalização, precária; o lago, sujo; os banheiros, inuti-
lizáveis. Quadras poliesportivas ficaram tomadas por mato, e os jardins tomados por
capivaras. Segundo reportagem9, embora a responsabilidade de manutenção fosse da
prefeitura, a limpeza do parque não estava sendo realizada há quase um ano, o que,
conforme o coordenador do parque, decorria de um problema de restrição orçamentária.
Em 2013, dois anos após a última reportagem apresentada, o parque ainda passa
por dificuldades, não recebe muitos visitantes durante a semana e suas instalações
estão inutilizadas por falta de manutenção. Ao longo dos anos, foi abandonado tanto
pela população, quanto pelo poder público, embora diversas propostas de melhorias
e revitalizações tenham sido apresentadas.

5  AVALIAÇ ÃO DO PARQUE ENQUANTO


  EQUIPA MENTO PÚBLICO

A ideia de que os parques públicos deveriam ser partes constituintes do ambiente


urbano é uma das mais importantes contribuições do urbanismo do século XIX. An-
tes, ou os parques simplesmente não existiam nas cidades, ou eram reservados para
o deleite de poucos. Em um momento em que o corpus disciplinar do urbanismo se
estruturava, o consenso dos ideais progressistas de engenheiros, arquitetos, jardineiros
e administradores era de que parques e jardins seriam elementos essenciais do espaço
urbano, e quando combinados com os sistemas de vias largas e retilíneas, preferencial-
mente arborizadas, se constituiriam em instrumentos de cura para os males da cidade
industrial. (HALL, 1997, p. 315).
No século XIX, as experiências pioneiras de ingleses e franceses constituem modelos
para diversos planos em cidades na Europa e nas Américas. A partir do projeto de
Nash para o Regent Park, em Londres, o desenho dos parques passa a ser integrado ao
desenvolvimento da estrutura urbana, representando, em muitos casos, a valorização
de áreas urbanas combinada à venda de lotes para novas edificações. A localização e
o status social dos usuários determinavam o caráter do parque: os que se localizavam
em bairros destinados a classes abastadas se distinguiam dos destinados às classes
operárias. Na elaboração dos projetos, a combinação de elementos naturais, como
topografia, vegetação e água, com outras estruturas – terraços, edifícios, pontes, fon-
tes, espaços para jogos e concertos ao ar livre – poderia ser amplamente variada, de
acordo com a escala e a localização do parque. Se a gama de soluções formais era
diversificada, esses espaços tinham em comum a função de prover a cidade de áreas
verdes e promover a educação estética e ética do cidadão. (HALL, 1997, p. 315).
Os parques urbanos contemporâneos ainda são criados com objetivos similares
aos dos parques do século XVIII e XIX. O papel de equipamento estruturador do tecido

9
VERZIGNASSE, Rogério. Prefeitura de Campinas assumirá o Parque Ecológico em julho. Correio Popular, 24
abr. 2014. Disponível em: <http://correio.rac.com.br/_conteudo/2014/04/ig_paulista/170499-prefeitura-
-de-campinas-assumira-o-paque-ecologico-em-julho.html>. Acesso em: 25 abr. 2014.

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urbano e, principalmente, o de requalificação de áreas degradadas, agora com obje-


tivos mais explícitos de valorização do território, aliam-se a novas questões de cunho
ecológico, sustentável e de preservação do patrimônio ambiental. Cria-se marketing
em torno das áreas verdes públicas como provedoras de qualidade de vida.
A característica mais definidora desse equipamento é a capacidade de abrigar um
programa misto, onde contemplação e recreação se casam por meio de novas solu-
ções espaciais elaboradas. (MACEDO; SAKATA, 2003, p. 43). Diversas áreas antigas
e parques tradicionais são revisados e reformados para atender às novas demandas
sociais, surgindo parques com novas características e novos programas, atributos esté-
ticos e funcionais mais livres. (MACEDO; SAKATA, 2003, p. 47). Essas áreas abrigam
projetos simplificados, e muitas vezes adaptados, envolvendo pouco investimento e
resultados rápidos. A utilização de edifícios desabrigados e deteriorados para novos
usos é comum, e grandes áreas abandonadas são transformadas em quadras, trilhas,
playgrounds e áreas específicas para esportes cada vez mais diversificados. Os parques
tornam-se peças chave da requalificação de ambientes degradados e da aceleração
da transformação do território. Zonas produtivas obsoletas, linhas viárias e ferroviá-
rias abandonadas e fragmentos de zonas rurais em meio às zonas urbanizadas são
transformados em grandes parques.
O enfoque na questão ecológica e na preservação do patrimônio ambiental nos
centros urbanos impulsiona a criação de novos parques a partir dos discursos ambienta-
listas vigentes. São delimitados, em todo o país, parques nacionais e estaduais, reservas
ecológicas e áreas de proteção ambiental com novos programas de uso, que priorizam
a preservação ecológica do local e a valorização dos aspectos rústicos da paisagem.
A partir do estudo da literatura recente sobre os parques brasileiros, levantaram-se
questões que contribuem para a discussão dos problemas e potencialidades do Parque
Ecológico Monsenhor Emílio José Salim. As questões abordadas são: localização e
acessibilidade, projeto e programa e gestão.

5.1 LOC ALIZ AÇ ÃO E ACESSIBILIDADE

A acessibilidade e a proximidade são os elementos mais importantes para o público


que frequenta parques urbanos, o que parece comprovar que os aspectos estéticos e
históricos do lugar não são as razões principais para o seu sucesso. (SERPA, 2007, p. 76).
A instalação de grandes parques acarreta, quase sempre, rompimento com a malha
viária, dificultando a possibilidade de articulação entre as vias. (MACEDO, 2012, p.
143). Por não serem pensados, na maioria dos casos, como sistemas de áreas verdes
projetados em conjunto com os processos de urbanização das cidades, acabam por
ocupar áreas que atendem a interesses imobiliários e de promoção política, com pro-
jetos desarticulados em relação às demandas da população e que contribuem para
ocupação urbana dispersa e fragmentada. (MACEDO, 2012, p. 94).
Com o intuito de investir em parques que gerem visibilidade ao poder público,
sem preocupação com a gestão do território e a infraestrutura, os parques brasilei-

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Par que Ecológico M on s enhor Emí lio J o s é S a lim , C ampina s ( SP ) :
C ont r adiçõ e s na Implement aç ão de um Par que Ur ba no C ont empor â ne o

ros acabam tornando-se elementos dispensáveis em grande parte das ocasiões. Não
existe avaliação quanto à necessidade do equipamento no local, ou às demandas da
população que vive no entorno. Por estarem descolados das propostas urbanísticas das
cidades, são “depositados” em terrenos vagos, que, na maioria das vezes, não possuem
o menor potencial de lazer. Não são pensadas soluções viárias que facilitem o acesso,
nem através do transporte público, nem com áreas adequadas para estacionamentos,
ciclovias e acesso para pedestres.
É necessário que o parque urbano contemporâneo volte a ser pensado como
elemento estruturador do espaço – não só fisicamente, mas como item indispensável
para o lazer e a cultura da população. Há falta de integração entre os agentes produ-
tores desses equipamentos. É necessária a multidisciplinaridade de especialistas, desde
os gestores urbanos, passando por equipes técnicas (arquitetos, paisagistas, ecólogos,
educadores, engenheiros) e, principalmente, a participação da população, para que
os parques sejam equipamentos que acolham e promovam o lazer e a reunião, e não
locais que segreguem e espantem os usuários.
Pode-se dizer que o Parque Ecológico Monsenhor Emilio José Salim é um divisor de
duas regiões com realidades bem diferentes. Ao redor da portaria principal, localizada
às margens da rodovia Heitor Penteado, estão os condomínios mais nobres da cidade.
Junto a outra portaria, localizada na avenida Manoel Afonso Ferreira, no Jardim São
Fernando, estão distribuídas casas de alto padrão, mas há também grande concentra-
ção de loteamentos clandestinos e favelas. A realidade da utilização do parque segue
a mesma ordem. É nítida a diferenciação dos usuários nos dois polos.
Na área da portaria principal, poucos usuários praticam caminhadas e exercí-
cios. Não se veem pessoas sozinhas, somente grupos que se reúnem para caminhar,
achando que assim estarão mais protegidos. Também há grupos que percorrem as
trilhas para a prática de mountain bike, com suas bicicletas caras, na pista implantada
recentemente. Já na área das quadras poliesportivas, próximo à portaria secundária,
são encontrados garotos descalços empinando pipas ou grupos de homens jogando
futebol nos campinhos, que mais se assemelham às peladas nas várzeas. Existe uma
distinção social muito clara entre os usuários do parque, e a linha invisível que divide
essas territorialidades distintas é percebida facilmente.
O parque só é acessado de carro ou de ônibus. Como sua portaria principal
localiza-se numa rodovia movimentada, torna-se praticamente impossível chegar a pé
ou de bicicleta, pois não existem ciclovias e faixas de pedestre que facilitem o acesso.
Na tabela 3, é possível ver as opções de transporte público fornecidas para o Parque
Ecológico Monsenhor Emílio José Salim em comparação ao Parque Portugal. Além de
contar com quantidade menor de linhas, apenas uma delas (3.97 Gramado/Circular
Centro) vem de outras regiões de Campinas. As demais linhas são provenientes dos
bairros do entorno e dos distritos de Sousas e Joaquim Egídio. A mesma tabela, com
as linhas que atendem o Parque Portugal, demonstra que as opções são maiores e
atendem diversos bairros distantes, principalmente aqueles em que a população tem
renda média baixa.

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Tabela 3  Rotas de Ônibus Oferecidas pela Cidade de Campinas para o


            Parque Portugal e o Parque Ecológico Monsenhor Emílio José Salim

Parque Ecológico Monsenhor Emílio José Salim


-3.90 – Joaquim Egídio Via Sousas
-3.91 – Nova Sousas
-3.92 – San Conrado
-3.95 – Notre Dame
-3.96 – Sousas
-3.97 – Gramado/Circular Centro
           Lagoa do Taquaral (Parque Portugal)
 -1.71 – Campinas Shopping / Shopping Dom Pedro
-2.30 – Ipaussurama
-2.49 – Jardim Flamboyant / Parque dos Eucaliptos
-3.32 – Terminal Barão Geraldo / Hospital das Clínicas
-3.38 – Terminal Barão Geraldo/Shopping Dom Pedro/Shopping Iguatemi
-3.45 – Jardim Carlos Lourenço / Estação Cidade Judiciária
-3.48 – Vila Marieta / Estação Cidade Judiciária
-3.51 – PUCC Primavera
-3.57 – PUCC - Jardim Santana
-3.59 – Jardim Esmeraldina/Cidade Judiciária
-3.62 – Parque Brasília I/Via Taquaral
-3.69 – Parque Imperador/Vila 31 de março
Fonte: Disponível em: <http://www.campinas.sp.gov.br/noticias-integra.php?id=1833>. Acesso em: 20 jul. 2015.

5. 2 PROJE TO E PROGR A M A

Embora a criação de parques urbanos tenha aumentado nos últimos trinta anos,
não se pode dizer o mesmo em relação à qualidade dos projetos desenvolvidos. Seja
por falta de planejamento adequado ou por amadorismo técnico, a verdade é que a
maioria dos parques produzidos carece de qualidade de projeto e apresenta programas
falhos. (MACEDO; SAKATA, 2003, p. 55). São projetos simples, apenas adaptando
antigas áreas abandonadas para os novos usos. Com o objetivo de manter custos baixos
e propiciar uso imediato, são instalados poucos equipamentos, alguns brinquedos e
simples trilhas para caminhada. Poucos são os casos nos quais o projeto é cuidadosa-
mente desenvolvido, focando na necessidade da população e na qualidade do espaço.
(MACEDO; SAKATA, 2003, p. 48).
A implantação desses parques também favorece a pouca qualidade do equipa-
mento. Muitas vezes, a administração pública responsável pela gestão do parque não
tem verba suficiente para total implantação do mesmo, fazendo a obra em etapas que,

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na maioria das vezes, demoram anos para serem concluídas, ou cortando projetos de
quadras, banheiros e paisagismo para diminuir custos e implantá-lo mais rapidamente.
O desfecho são parques incompletos, que não atendem às demandas da população
e poucos atrativos possuem.
Em alguns casos, os projetos voltam-se apenas para o interesse imobiliário, não
visam ao atendimento das reais demandas dos usuários. São parques descolados da
realidade, que não beneficiam a comunidade da região onde estão inseridos. Por mais
belos e imponentes que sejam, pecam na artificialidade e na generalização de usos,
pois, na sua concepção, faltaram análises substanciais, que poderiam revelar os inte-
resses dos usuários. Como esses projetos partem de concepção meramente formalista,
oprimem o usuário, não causam interesse e nem curiosidade. (SERPA, 2007, p. 45).
O Parque Ecológico Monsenhor Emílio José Salim encontra-se, em 2015, inseguro,
sem atrativos esportivos e culturais e mal sinalizado. Embora o programa inicial tivesse
grande poder atrativo, contando com museu, restaurante, bar, quadras, mirante, espaço
de estar e festas, vistas panorâmicas e promoção de espaço educativo ambiental, o
parque conta somente com trilhas para bicicletas, algumas quadras em condição de
uso e espaços vazios tomados pelo mato, não havendo atrativos para frequência es-
tável de usuários. Os edifícios abandonados causam opressão e medo, e a prática de
caminhada pelas trilhas gera desconforto e insegurança. Na figura 16 estão localizadas
as principais atrações do parque e fotos de 2015 de seus pontos principais.
A intenção inicial de focar nas questões ecológicas, fazendo-o por meio da criação
do CIPAM, caracterizava o parque como alternativa cultural interessante, porém desde
o fechamento do CIPAM não existem motivos para visitar o parque. Os edifícios que
antes abrigavam o restaurante e o ripado são extremamente interessantes, porém,
como todos os demais equipamentos, estão abandonados. À beira do lago, proveem
sombra e uma bela vista, podendo ser utilizados de diversas maneiras. Já as edificações
que abrigavam banheiros e lanchonetes, encontram-se em ruínas, pichadas e sujas em
meio ao matagal. As figuras 17 a 19 apresentam o estado em que se encontravam os
equipamentos do parque em 2015.
Comparando o projeto original, obtido no Escritório Burle Marx, com o que existe
hoje no parque, ficou clara a distinção entre o que foi projetado e o que foi de fato
executado. Apenas parte do projeto paisagístico, tão importante para o sucesso do
parque, foi instalado; a maioria dos maciços de árvores, que proveriam sombra e am-
biente agradável, não foi implantada. Somente as fileiras de palmeiras e duas áreas de
matas e árvores de grande porte, previstas no projeto, foram instaladas. A comparação
evidencia que o projeto do parque não foi implantado por completo.

5. 3 GESTÃO

Entre os problemas mais comuns que afligem os grandes parques urbanos, é possível
citar a falta de políticas de gestão que sejam independentes do governante no mo-
mento. (MATIELLO, 2001). Em geral, parques estaduais têm porte maior em relação

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a parques municipais. Nestes, a ação municipal é mais direta e objetiva, garantindo a


qualidade do espaço, mantendo viveiros e infraestrutura em bom estado. Já os parques
estaduais evidenciam má gestão, permanecendo diversas vezes e por longos períodos
abandonados. Mesmo os parques situados em áreas nobres da cidade apresentam
esse quadro de “insuficiência crônica”. (MACEDO; SAKATA, 2003, p. 54).

Figura 16 Projeto paisagístico original, localização das principais atrações do parque e fotos de seus pontos
principais, 2015.
Projeto gráfico: Daniela Andrade Lacreta, 2015.

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Figura 17 Antigo estábulo


que funcionou por um período
como restaurante, e, até a
data da visita, encontrava-se
abandonado.
Foto: Daniela Andrade Lacreta,
11 jul. 2015.

Figura 18 Ripado. Projetado


pelo Escritório Burle Marx para
espaço de exposição e lojas, e,
até a data da visita, também se
encontrava abandonado.
Foto: Daniela Andrade Lacreta,
11 jul. 2015.

Figura 19 Lanchonete.
Foto: Daniela Andrade Lacreta,
11 jul. 2015.

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É preciso que a gestão dos parques urbanos seja elaborada de forma a ser mais
autossustentável e participativa, em que agentes públicos, população e parcerias em-
presariais possam se envolver nas decisões relacionadas à administração e ao modo de
utilização mais adequado para a realidade da comunidade usuária. (MATIELLO, 2001).
A partir dos trabalhos de Macedo e Sakata (2003) e Serpa (2007), e também uti-
lizando a avaliação da sustentabilidade social no planejamento e gestão dos parques
elaborada por Matiello (2001), podem-se elencar as principais fragilidades carac-
terísticas dos parques urbanos contemporâneos. A monofuncionalidade (MATIELLO,
2001) – traduzida pela característica meramente ornamental e de imagem do poder
público – isola o homem do espaço. É a natureza operacionalizada e manipulada que
prioriza as formas, em detrimento dos conteúdos sociais. (SERPA, 2007). Há carência
de interdisciplinaridade nas equipes envolvidas na produção desses equipamentos, o
que resulta no privilégio dos interesses do poder público e do mercado imobiliário,
produzindo espaços que atendem somente às demandas financeiras e à visibilidade
dos empreendimentos, negligenciando a qualidade dos equipamentos.
A falta de parcerias adequadas na gestão dos parques transforma-os em grandes
fardos para os gestores públicos. Existem diversos casos, no exterior, onde os parques
urbanos possuem gestão compartilhada entre poder público e empresas privadas,
com ativa participação da população, que faz doações generosas para a manutenção
dos espaços. Restaurantes, lojas, feiras, espaço para eventos e cursos estão entre as
fontes de renda desses equipamentos, que auxiliam na manutenção de jardins, qua-
dras e infraestrutura e atraem a população. Os usuários se sentem parte importante e
responsável pelo espaço que utilizam, e é quase raro encontrar parques abandonados
e depredados.
Serpa (2007) defende que a soma dos processos de apropriação de um coletivo de
indivíduos não é suficiente para legitimar a noção de espaço público. O parque público
é um espaço aberto à população, acessível a todos, posto à disposição dos usuários,
mas essas características não são suficientes para defini-lo como espaço público. Esse
processo, por um lado, é o resultado da concepção (e da promoção) do parque público
como cenário destinado à fascinação dos futuros usuários, transformando-o em uma
espécie de imagem publicitária das administrações locais, sem nenhuma continuidade
de práticas sociais que pudessem oferecer algum conteúdo e significado. (ARANTES,
1998 apud SERPA, 2007, p. 37).
A partir do levantamento histórico sobre a instalação e funcionamento do Parque
Ecológico Monsenhor Emílio José Salim, pode-se constatar o quanto sua implantação
foi determinante para a promoção imobiliária de uma área nobre da cidade. Após sua
inauguração, no início da década de 1990, os bairros da região leste, como já visto,
consolidaram-se e se valorizaram.
Do ponto de vista da gestão, é possível observar que, enquanto os governos mu-
nicipal e estadual pertenciam a um mesmo grupo político partidário (na época de
sua instalação), o parque manteve administração estável e houve investimento para a
implantação de parte de seus equipamentos. O parque funcionou plenamente duran-

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te pouco tempo. Já no período em que prefeitura municipal e governo estadual não


pertenciam a mesma legenda, foi abandonado.
A despeito da execução parcial do seu projeto e programa, que acarretou problemas
de uso como caminhos interrompidos, dificuldade de acesso entre os setores, grandes
áreas vazias, pouca sombra, falta de banheiros, bebedouros, bancos, e das questões
relacionadas à localização e acessibilidade (figura 20) – grande distância dos bairros
carentes de espaços verdes, acesso feito quase exclusivamente por carro –, a escassa
utilização do parque agravou-se pelos problemas de gestão do equipamento.

Figura 20 Antigo totem informativo na segunda portaria do parque. Nota-se a falta de caminhos para o
acesso aos equipamentos do local.
Foto: Daniela Andrade Lacreta, 11 jul. 2015.

Administrado de forma compartilhada pelo Governo do Estado de São Paulo e a


Prefeitura Municipal de Campinas, nos seus primeiros anos, o parque recebeu pouca
verba para investimento em programas culturais e manutenção do que havia sido ins-
talado inicialmente. O problema já teve início na implantação do equipamento, que,
conforme levantado, não contempla todo o projeto paisagístico proposto e nem a in-
fraestrutura. Ao longo dos anos, faltou uma administração presente, que se dedicasse
exclusivamente ao parque, o que se observou com o declínio das atividades promovidas
e o fechamento de seus espaços.
Segundo diagnóstico feito pela Secretaria do Verde e Meio Ambiente Sustentável
da Prefeitura de Campinas (2015), como subsídio para a elaboração do Plano Muni-
cipal do Verde, o Parque Ecológico, mesmo sendo o de maior área, não é lembrado

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pelos entrevistados como um dos principais da cidade. Entre os principais motivos dos
entrevistados para frequentar um parque, estão o esporte, a socialização e o ambiente
agradável. A pesquisa demonstrou que a gestão atual do Parque Ecológico não atende
a essas demandas da população de Campinas.
Conforme os gráficos (figuras 21 a 24) elaborados a partir de Oficinas Participativas
promovidas pela Secretaria Municipal do Verde, Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável (SVDS), em 2015, como parte do Diagnóstico Preliminar para o Plano
Municipal do Verde, fica claro que o Parque Ecológico não figura entre os parques
mais frequentados da cidade, sendo a principal razão citada a falta de estrutura, de
manutenção e de segurança.

Figura 21 Relação das principais áreas verdes frequentadas na cidade – citadas nas Oficinas Participativas,
promovidas pela Secretaria do Verde, como parte do Plano Municipal do Verde.
Fonte: Diagnóstico Preliminar SDVS/PMC, 2015. Disponível em: <http://campinas.sp.gov.br/arquivos/meio-
ambiente/diagnostico_preliminar.pdf>. Acesso em: 20 de jul. 2015.

Figura 22 Relação dos principais motivos para frequentar as áreas verdes na cidade – citadas nas Oficinas
Participativas promovidas pela Secretaria do Verde como parte do Plano Municipal do Verde.
Fonte: Diagnóstico Preliminar SDVS/PMC, 2015. Disponível em: <http://campinas.sp.gov.br/arquivos/meio-
ambiente/diagnostico_preliminar.pdf>. Acesso em: 20 de jul. 2015.

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Figura 23 Relação das principais áreas verdes não frequentadas – citadas nas Oficinas Participativas promovidas
pela Secretaria do Verde como parte do Plano Municipal do Verde.
Fonte: Diagnóstico Preliminar SDVS/PMC, 2015. Disponível em: <http://campinas.sp.gov.br/arquivos/meio-
ambiente/diagnostico_preliminar.pdf>. Acesso em: 20 de jul. 2015.

Figura 24 Relação dos principais motivos para não frequentar as áreas – citados nas Oficinas Participativas
promovidas pela Secretaria do Verde como parte do Plano Municipal do Verde.
Fonte: Diagnóstico Preliminar SDVS/PMC, 2015. Disponível em: <http://campinas.sp.gov.br/arquivos/meio-
ambiente/diagnostico_preliminar.pdf>. Acesso em: 20 de jul. 2015.

6 CONSIDER AÇÕES FINAIS

Esta pesquisa demonstrou que, além de atender às demandas de espaços de lazer


para a cidade de Campinas e a certo modismo que ampliou a instalação de parques
ecológicos por todo o país – fruto da emergência das questões ambientais a partir da
década de 1970 –, a instalação do Parque Ecológico Monsenhor Emílio José Salim
também foi pautada por interesses imobiliários e de promoção de grupos políticos.

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Embora a escolha do local justifique-se, pela preservação e incorporação ao programa


do parque de um conjunto arquitetônico de valor patrimonial, esta também se revela
como uma escolha interessada, no sentido de garantir a baixa densidade de ocupação
e a qualidade paisagística de uma região da cidade visada pelo mercado imobiliário
de alta renda. A instalação do parque coincide com a consolidação de loteamentos
fechados e condomínios horizontais de alto padrão na região leste de Campinas.
A análise do projeto e dos mapas da fazenda demonstrou que a maioria dos edifícios
do complexo cafeeiro foi aproveitada para abrigar novos usos, e os antigos caminhos
que ligavam as áreas de plantio foram transformados em caminhos principais do par-
que. O projeto original previa o plantio de espécies nativas da região de Campinas,
combinado à vegetação exótica, que traria cor e sombra para os diversos pontos de
permanência, mas foi instalado apenas em parte. Consequentemente, o sentido de
uma área verde, densa e agradável e com canteiros sinuosos, característicos da obra
de Burle Marx, não se concretizou.
O parque carece de uma personalidade que o torne atrativo para toda a cidade,
como o CIPAM – instalado na casa sede da fazenda e desativado logo após a inau-
guração – com um programa contemporâneo que abranja cultura, educação e lazer.
Embora localizado em área de difícil acesso, esse não é o motivo para seu fracasso.
Com a promoção de transporte público e um programa adequado de atividades, o
parque atrairia visitantes de diversas partes da cidade.

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Nota do editor
Submissão: 25 mai. 2015
Aprovação: 23 out. 2015

Paisagem e ambiente: ensaios - n. 37 - São Paulo - p. 147 - 177 - 2016 177


Registro do exercício 1 da aluna Marília Chaves, 2014.

ENSINO
TEORIA DA PAISAGEM EM C ADERNOS DE BORDO :
UM A EXPERIÊNCIA NO ENSINO DE
ARQUITETUR A E URBANISMO
LANDSCAPE THEORY INTO LOGBOOKS:
AN APPROACH IN ARCHITECTURE AND URBANISM LEARNING

Julieta Maria Vasconcelos Leite*


Rafaela Rodrigues Alves Souza**

RESUMO
Este texto apresenta os resultados de uma experiência pedagógica do curso de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) na disciplina de Tópicos Especiais
em Teoria III. A disciplina visa introduzir ao aluno noções de teoria da paisagem. Parte-se da
noção de que nós somos integrantes da paisagem e, por isso, seu entendimento fundamenta-se
na percepção e na experiência, englobando aspectos subjetivos. A experiência pedagógica
consolida-se no exercício do Caderno de Bordo, elaborado individualmente pelos alunos,
onde as suas reflexões são apresentadas de maneira associada a fotografias ou desenhos de
paisagens produzidas por eles. A análise dos Cadernos revela maior sensibilização dos alunos
em relação à paisagem, despertando olhar crítico sobre o pensar e construir paisagens e
fornecendo bases que auxiliam no desenvolvimento de seus projetos de arquitetura, urbanismo
e paisagismo.
Palavras-chave: Ensino. Arquitetura e Urbanismo. Teoria da paisagem. Cadernos de bordo.

ABSTR AC T
This text presents an educational experiment adopted with undergraduate students of Architecture and
Urbanism at Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Our aim is to present to the students some
landscape theory impressions. It is assumed that we are a whole part of the landscape and that our
knowledge about it comes from how we perceive and experience it. The experiment is funded into logbooks
individually elaborated by the students. Their thoughts were presented among the pictures or the drawings

*
Mestre em Desenvolvimento Urbano pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professora
adjunta do Departamento de Arquitetura e Urbanismo, membro do Laboratório da Paisagem
(UFPE), responsável pelo grupo de pesquisa do Núcleo de Estudos sobre a Subjetividade na
Arquitetura (Nusarq). PhD em Sociologia da Cultura pela Université Paris Descartes/Sorbonne.
Pesquisadora do Centre d’Études sur l’Actuel et le Quotidien (CEAQ/Sorbonne). Centro de Artes
e Comunicação da UFPE – Laboratório da Paisagem. Avenida Professor Moraes Rego, 1.235,
50670-901, Cidade Universitária, Recife, PE, Brasil.
[email protected]

**
Aluna do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PIBIC/CNPq) entre 2014 e 2015. Centro de Artes
e Comunicação da UFPE – Laboratório da Paisagem. Avenida Professor Moraes Rego, 1.235,
50670-901, Cidade Universitária, Recife, PE, Brasil.
[email protected]

http://dx.doi.org/10.11606/issn.2359-5361.v0i37p181-196

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Juliet a M ar ia Va s concelo s Lei t e e R af aela Ro dr igue s A lve s S ou z a

of landscapes in which where produced by them. As such, we have aimed toward the students to develop
their critical thinking about the landscape in which they have been interacting. Finally the incorporation of
the students into the architecture practice, therefore reveals to be a promising practice for the Architecture,
the Urbanism, and the Landscaping Learning.
Keywords: Education. Architecture and Urbanism. Landscape theory. Logbooks.

1 INTRODUÇ ÃO

Este artigo refere-se a uma experiência pedagógica realizada entre 2012 e 2014
no curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE),
disciplina eletiva de Tópicos Especiais em Teoria III (TE Teoria III), cuja ementa trata
do problema da paisagem na discussão teórica da arquitetura, do urbanismo e do
paisagismo. Essa disciplina foi criada e faz parte do novo Projeto Pedagógico do Curso
de Arquitetura e Urbanismo em vigor desde 2010 (PPC2010). Entre as propostas do
PPC2010, está a articulação das disciplinas de um mesmo período a partir da integração
de conteúdos na disciplina Projeto de Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo. O PPC2010
buscou reforçar a indissociabilidade das disciplinas teóricas e práticas no aporte de
conceitos e métodos, o que ajuda os alunos a reconhecerem um mesmo objeto de
estudo e intervenção. A disciplina TE Teoria III foi construída pela equipe de professores
do Laboratório da Paisagem e tem sido ministrada pela professora Julieta Leite. Com
carga horária de 15 horas, destina-se aos alunos a partir do terceiro período do curso
e tem como objetivo construir um olhar crítico sobre o pensar e fazer paisagem.
A construção e a realização dessa experiência será apresentada em três momentos. O
primeiro trata da construção da disciplina e apresenta a base conceitual escolhida para
a introdução de noções teóricas sobre paisagem aos alunos do curso de Arquitetura e
Urbanismo. Em seguida, será apresentada a execução do plano de curso da disciplina,
os principais conteúdos discutidos e a elaboração do exercício dos Cadernos de Bordo,
que consistiu na produção individual de um caderno no qual os alunos precisaram
responder questões levantadas em sala de aula em forma de textos e registros de
paisagens. Por fim, este artigo apresentará os resultados dessa experiência didática,
registrada nos Cadernos de Bordo. Trata-se de um exercício criativo e de aproximação
com o objeto estudado, uma vez que se articula a paisagens vivenciadas pelos alunos
(figuras 1 e 2). O Caderno de Bordo consiste numa experiência metodológica de
ensino e no reflexo dos resultados da disciplina, sendo, portanto, o objeto de análise
e discussão deste artigo.

“A paisagem é algo mais do que o que se vê, é a captação do mundo tal como o
percebemos na experiência vivida, envolve todos os sentidos e assim acaba envolvendo
o observador. É uma das poucas artes que consegue tal fato.” (Reprodução do texto
da figura 2 da aluna Ana Ísis, 2014).

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Te or ia d a Pai s a gem em C ader no s de B or do :
Uma E xp er iênc ia no En sino de A r qui t et ur a e Ur ba ni smo

Figura 1 Capa do Caderno de Bordo da


aluna Ana Ísis, 2014.

Figura 2 Interior do Caderno de Bordo da


aluna Ana Ísis, 2014.

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2 POR UM A NOÇ ÃO DE PAISAGEM

O termo “paisagem” tornou-se popular nos últimos anos, difundindo-se com diferentes
conotações no meio científico – como na filosofia e na história da arte – e nos discursos
das práticas de planejamento urbano, das políticas de meio ambiente ou de turismo.
As pessoas falam sobre paisagens naturais, paisagens culturais ou apenas paisagem.
Mas o que está por trás dessa palavra? Em ¿Por qué hablar ahora de paisaje?, Rosa
Barba (2000) discute tal questionamento:

A respeito da paisagem, há quase uma impossibilidade de defini-la hoje de maneira


absoluta a partir de uma única perspectiva, visto a pluralidade das disciplinas que
se aproximam dela, a estudam, a fazem sua e a querer dizer muitas coisas. (BARBA,
2000, p. 14, tradução do autor).

Diversos conceitos de paisagem surgem entre variados campos de conhecimento, de


acordo com aspectos que lhes são relevantes, como ecologia, geografia e arquitetura.
Nos discursos sobre as questões urbanas contemporâneas, o termo paisagem tem sido
associado à preocupação com a qualidade de vida e dos territórios habitados. Nesse
panorama, uma nova abordagem da paisagem, em perspectivas teórica e prática, tem
se mostrado necessária e em processo de construção. Como aponta Jean-Marc Besse
(2014, p. 7-8): A paisagem constitui uma perspectiva nova para as questões ligadas
ao projeto urbano e à concepção de cidade. [...] Hoje, já surgem novas perguntas a
respeito da paisagem e, em particular, novas exigências teóricas e práticas são feitas
a seu respeito.
Diante dessa variedade de acepções, identificamos a importância da construção de
uma noção de paisagem para os estudantes de arquitetura e urbanismo tida não apenas
como objeto da disciplina e da formação e atuação profissional, mas como algo com
o qual interagem diariamente. Procurou-se, inicialmente, definir um viés epistemológico
para estruturar os conteúdos abordados na disciplina. Decidiu-se trabalhar três “entradas”
para a questão da paisagem: i) como construção cultural, intelectualizada, informada
principalmente pela pintura e cuja imagem é coletivamente partilhada: a paisagem como
uma invenção. (CAUQUELIN, 2000); ii) como experiência sensível vivida pelo sujeito,
percebida através da globalidade dos sentidos por meio de abordagem fenomenológica:
a paisagem como um estado de alma. (PARRET, 2005); iii) como direito associado à
qualidade de um componente de um território, eminentemente urbano, necessário para
garantia de habitabilidade. (MONTILLET, 2011). Salienta-se que essas “entradas” não
são excludentes; ao contrário, complementam-se.
Uma vez definida essa postura teórica, o desafio foi elaborar um modo de construir
tais noções com os alunos de maneira clara e pertinente. Não cabe, aqui, discorrer
sobre os argumentos acerca dessas três “entradas” ou problemáticas paisagísticas. O
objetivo é apresentar a construção do método de ensino e os resultados obtidos na
disciplina. Cabe, no entanto, colocar como foi apresentada aos alunos parte dos con-
teúdos teóricos.

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As “entradas” escolhidas para a introdução de noções teóricas sobre paisagem


foram trabalhadas com os alunos em aulas guiadas por um texto base. O texto escolhido
foi “We are the landscape: understanding the European Landscape Convention”, de
Cecilia Berengo e Sara Di Maio (2008), elaborado para divulgação da Convenção
Europeia da Paisagem (CEP, 2000). Com linguagem simples e convidativa, permitiu
trabalhar noções de paisagem que levaram os alunos a refletir sobre: a importância
das paisagens, paisagens cotidianas e extraordinárias, a participação dos cidadãos
enquanto atores e expectadores da paisagem.
Em sala de aula, os conteúdos do texto base foram explorados e desdobrados por
meio de referências teóricas previamente selecionadas, bem como a partir de exemplos
e ilustrações trazidas do cinema, das artes visuais e da literatura. Por exemplo, ao discutir
o conceito de paisagem apresentado pela CEP (2010, p. 25) – que a designa como “[...]
uma parte do território, tal como é percebido pelas populações, cujo caráter resulta da
ação e da interação de fatores naturais e ou humanos [...]” –, discutiu-se em que consiste a
percepção por meio da leitura de autores como Lynch (1997) e Berque (2010). Em Território
e pessoa, a identidade humana, Berque conta o episódio de quando retornou ao local
onde viveu com seus pais durante a infância e, ao vislumbrar novamente as montanhas
de Seksawa, disse: “[...] meu pai tornou-se paisagem”. (BERQUE, 2010, p. 14). Por meio
desse exemplo, discutiu-se como a paisagem é capaz de evocar lembranças e sensações
ligadas a lugares concretos. A partir de uma vivência pessoal, o autor apresenta uma
perspectiva filosófica a respeito da paisagem, que fundamenta uma noção conceitual e
abre margem à ampla discussão na disciplina de formação em arquitetura e urbanismo.
Diferentes noções de paisagem foram apresentadas aos alunos a partir das formas
de relação que os homens estabelecem com seus territórios, considerando a percepção,
a cultura, os sentidos, a memória e um conjunto de elementos subjetivos e coletivos em
contínua elaboração e transformação. Procurando trazer reflexões mais próximas ao fazer
do arquiteto, salientou-se que as intervenções elaboradas em seus projetos podem ressaltar
aspectos subjetivos que proporcionam ambientes ricos em experiências e sensações.
Ao final da disciplina discutiu-se sobre as ações de conservar, projetar e gerir
paisagens no contexto contemporâneo. Explorou-se a ideia da “[...] demanda por um
direito à qualidade da paisagem do qual todos podem desfrutar à vontade” (MONTILLET,
2011, p. 10) – num momento em que a cidade corre o risco de se tornar cada vez mais
inabitável e sem atrativos – e a ideia da necessidade de englobar igualmente outros
aspectos, pelos quais a natureza, a sociedade, a estética, o patrimônio e a economia
caminham em paralelo. A partir desses procedimentos e temáticas, construiu-se o
embasamento teórico sobre paisagem. A apreensão e os desdobramentos dessas noções
foram registrados pelos alunos no exercício dos Cadernos de Bordo, por meio do qual
se buscaram aproximações e reconhecimentos das paisagens vivenciadas por eles.

3 PA SSO A PA SSO

Com carga horária de 15 horas, a disciplina de TE Teoria III foi distribuída em seis
unidades programáticas, que ocorreram uma vez por semana, no formato de aulas

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expositivas e momentos de discussão. Este artigo reporta-se a uma amostra de cinquenta


cadernos, que representam a produção de três turmas entre 2012 e 2014.
Como já colocado, tomou-se como guia o texto de Berengo e Di Maio (2008),
“We are the landscape...”, cujos temas foram aprofundados por meio de outros textos,
previamente selecionados. Na aula 2, por exemplo, sobre “como percebemos a paisagem”,
foram trabalhados trechos literários de duas obras de Ítalo Calvino: As cidades invisíveis
(2010) e Marcovaldo: ou as estações na cidade (1994). Por meio das histórias e
personagens de Calvino, exploraram-se as descrições de paisagens, suas experiências
e o imaginário construído em torno delas.
Em cada aula expositiva, desenvolveu-se um tema de introdução à teoria da paisagem.
Ao final de cada aula, apresentava-se uma questão a ser respondida extraclasse, com
o objetivo de levar o aluno a refletir sobre os conteúdos trabalhados (tabela 1).

Tabela 1   Temas Abordados e Questões Colocadas para Elaboração


         dos Exercícios a Cada Aula

Unidades Programáticas
Tema para exercício do Caderno de
Aula Tema
Bordo
1 O que é paisagem? Livre registro de paisagens.
Questão de enquadramento ou de
2 Como percebemos a paisagem?
sentimento?
Somos atores ou espectadores da
3 Por que a paisagem é importante?
paisagem?
O que garante a qualidade de uma
4 Por que a paisagem é importante?
paisagem?
Que traços a caracterizam como
5 Paisagem in situ: o bairro da Várzea
paisagem recifense?
Fechamento da disciplina:
6
entrega dos Cadernos de Bordo e discussão sobre os exercícios.
Fonte: Julieta Leite e Rafaela Souza, 2015.

Na primeira aula, foi colocada a pergunta “o que é paisagem?”, com o objetivo de


levantar diversas definições de paisagem trazidas pelos alunos. Procurou-se levá-los a
refletir sobre a importância e a dificuldade da definição do objeto e sensibilizar olhares
em relação à paisagem ao redor.
A segunda aula se desenvolveu em torno da questão “como percebemos a paisagem?”,
bastante pertinente para a construção de um entendimento da paisagem relacionada à
questão levantada na primeira aula. Com apoio de textos de Yifu-Tuan (1983), Calvino
(1994; 2010) e do texto de Berengo e Di Maio (2008), “We are the landscape...”,
procurou-se compreender a paisagem a partir de seu componente sensível.

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A terceira aula lançou aos alunos a pergunta “por que a paisagem é importante?”,
tendo como objetivo convidá-los a pensar sobre os valores da paisagem e as formas como
atuamos sobre a mesma. Nessa aula a paisagem foi apresentada como componente
essencial do ambiente humano e como construção coletiva, tomando como referência
teórica o texto “A imagem da cidade”, de Kevin Lynch (1997).
Na quarta aula levantou-se a questão sobre “o que garante a qualidade de uma
paisagem?”. Desenvolveu-se uma visão de paisagem enquanto bem coletivo associado
à qualidade de vida. Nessa aula estimulou-se a construção de um olhar mais crítico
do aluno a partir de exemplos próximos à sua realidade.
A quinta aula aconteceu em contato direto com uma paisagem. Por meio de uma
visita de campo, pôde-se retomar conceitos trabalhados em sala de aula numa experi-
ência prática. A questão indicada para a realização do exercício do Caderno de Bordo
procurou explorar o olhar do aluno para visões de paisagem que fossem além dos as-
pectos morfológicos, incorporando fatores histórico-culturais, sentimentais, numa ideia
de paisagem enquanto transmissora de traços identitários (figuras 3 e 4). A sexta e
última aula destinou-se à entrega e apresentação dos Cadernos de Bordo, com uma
discussão coletiva sobre os resultados da disciplina.

Figura 3 Capa do Caderno de Bordo do aluno Juan David, 2013.

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Figura 4 Interior do Caderno de Bordo do aluno Juan David, 2013.

“Do espírito bucólico, rural e aconchegante, do bairro nos limites da ‘cidade’. Assim
é a Várzea de engenhos e verde.” (Reprodução do texto do aluno Juan David, 2013).

4 REGISTROS NOS C ADERNOS DE BORDO

Apesar do caráter teórico da disciplina – desenvolvido a partir de aulas expositivas,


leituras de textos e discussões –, o exercício teve cunho mais prático. Tomou a forma de
um Caderno de Bordo em que as respostas às questões colocadas ao final das aulas
deveriam ser apresentadas como texto e imagem de uma paisagem escolhida pelo
aluno, com a qual interagiu. Mais do que ilustrar os cadernos, as imagens participaram
da construção das respostas para cada questão. Nas duas primeiras experiências da
disciplina, os alunos registraram a paisagem em fotografia. Nos períodos seguintes,
passou a ser solicitado o registro feito em desenho, levando-os a exercitar essa forma
de expressão e a dedicar mais tempo ao exercício de observação e comunicação da
paisagem. Por meio desse exercício, os alunos foram levados a retomar as noções
teóricas e conceituais levantadas em classe num contexto de contato direto com a
paisagem, questionando e refletindo sobre a mesma.
Embora tenha sido colocada a pergunta “o que é paisagem?” logo no primeiro dia da
disciplina, o tema do exercício do caderno foi livre. Observou-se, nos primeiros registros,
clichês ou ideias comuns sobre paisagem. As imagens representadas reportavam-se, em
sua maioria, a paisagens urbanas, podendo ser classificadas em dois grupos principais:

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o primeiro, com referência a imagens de cartões-postais (figura 5); o segundo, com


cenários do cotidiano (figura 6). Tanto num grupo como no outro, as imagens faziam
parte de paisagens com as quais os alunos interagiam.

Figura 5 Registro do exercício 1 da aluna Laryssa Araújo, 2014.

Figura 6 Registro do exercício 1 da aluna Marília Chaves, 2014.

Nos textos que se referem às imagens apresentadas no primeiro grupo, das “imagens
de cartões-postais”, o conteúdo expressou a preocupaçãodo dos alunos em descrever
o conteúdo da foto, mais do que buscar uma definição de paisagem. A exemplo das
palavras da aluna Thaís Chmelar (2012):

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“Eu poderia me concentrar a falar da existência de apenas uma dessas paisagens, mas
é inevitável não se deixar envolver por todas elas. E isso prova a complexidade de se
experienciar e descrever uma paisagem, pois uma máquina não consegue registrar
a extensão e a qualidade do que vemos. E as palavras se tornam insuficientes para
se descrever tantas sensações.”

Já no segundo grupo de imagens, que se reportou a “cenários do cotidiano”, as


descrições apresentaram conteúdos bastante relacionados aos sentidos e à experiência
pessoal, como se observa nas palavras do aluno Talys Medeiros (2014):

“Retratei a vista do pôr-do-sol enquadrada pelo pano de cobogós da escada da


minha casa. Através desse enquadramento eu podia admirar o momento que, para
mim, é o mais belo do dia, tendo como cenário a cidade onde vivo, Moreno, com
suas colinas tão características e marcantes.”

De forma muito expressiva, esse momento foi o mais rico em referências literárias,
poéticas, musicais e cinematográficas, o que demonstrou a necessidade de recorrer a
recursos metafóricos para descrição e representação de paisagens, muitas vezes, “interiores”.

“Nada mais chato que nos quererem mostrar uma paisagem. Quando compreenderão
que a gente as vê sem saber? É como se fossem elas que estivessem olhando para
nós.” (Mário Quintana, citado pela aluna Lara Moura).

Nesse primeiro exercício, as paisagens apresentadas foram, em geral, associadas a


noções de pertencimento, de relação com os lugares vivenciados, deixando claro que
o componente subjetivo da paisagem é fundamental para sua apreensão. Por outro
lado, apesar de alguns alunos terem comentado sobre figuras humanas nas descrições
de paisagens, poucos cadernos representaram imagens de pessoas.
O segundo exercício questionou se a paisagem é “uma questão de enquadramento
ou de sentimento”, levando os alunos a discutirem sobre como se percebe a paisagem.
Observou-se, na maioria das respostas, que entenderam o questionamento como duas
noções que se complementavam: “Enquadramento está impregnado de sentimento, e
nenhuma percepção de paisagem é capaz de esgotá-la por inteiro. Há infinitas formas
de percebê-la.” (Marília Chaves).
Pôde-se notar que a ideia de enquadramento colocada pelos alunos estava, na
maioria das vezes, associada a sentimentos expressos em emoções, memória de lugares
e situações vividas. Alguns colocaram que fatores de ordem subjetiva moldaram suas
percepções da paisagem, influenciando na escolha de um ângulo de visão, como nas
palavras da aluna Maria Eduarda Pimentel (2014):

“Com certeza aquela rua, aquela casa, aquela calçada são a minha história e hoje
ao representar esse lugar por meio de um desenho, fica claro a escolha dessa vista.
Eu poderia ter escolhido qualquer visão da rua da Matriz e seus belos casarões,
mas meus sentimentos, minha história, minha memória fizeram a escolha por mim.”

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Com esse exercício, os alunos entenderam que o enquadramento (o visível) e o


sentimento (o invisível) das paisagens são carregados de informações intimamente
associadas. Constataram que, mesmo mantido um mesmo enquadramento, o conteúdo
ou informações das paisagens são muito dinâmicos. Nesses casos, o enquadramento
foi descrito como um quadro de referência que permitiu aos alunos acompanhar a
transformação da paisagem em diversas situações: ao longo das estações do ano,
da ação humana, das mudanças em seu estado de humor. Tal constatação foi motivo
para alguns recorrerem a representações sucessivas da paisagem segundo um mesmo
enquadramento (figuras 7 e 8).

Figura 7 Registro do exercício 2 da aluna Marília Lucena, 2014.

Figura 8 Registro do exercício 2 da aluna Jéssica Roosen, 2012.

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O tema do terceiro exercício reportou-se à importância das paisagens. A questão


levantada fez referência ao papel dos cidadãos: “somos atores ou espectadores?”. Tal
indagação levou os alunos a refletirem sobre suas relações com a paisagem – não só
como observadores, mas como agentes em seu processo de formação e transformação.
Nesse exercício a ação do homem sobre o território passou a ser incorporada às reflexões
sobre as paisagens, fossem excepcionais ou cotidianas. As imagens dos cadernos
passaram a representar maior número de figuras humanas (figuras 9 e 10).

Figura 9 Registro do exercício 3 da aluna Ingrid Lopes, 2014.

Figura 10 Registro do exercício 3 da aluna Juliane Bezerra, 2012.

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Em relação aos conteúdos das imagens, observou-se novamente, na maioria dos


cadernos, a escolha por representar lugares emblemáticos, como imagens de cartões-
-postais, vistas, panoramas sobre rios, pontes e casarios que marcam a imagem da
cidade onde vivem. Os alunos interpretaram esses elementos como parte de paisagens
coletivamente partilhadas, da qual o homem é ora espectador, ora ator. Nas palavras
do aluno Thalys Medeiros (2014):

“A construção de uma paisagem não ocorre exclusivamente por conta dos elementos
naturais, mas também pelas intervenções que realizamos no território, por mais simples
e cotidianas que algumas delas possam parecer.”

Alguns alunos reforçaram a importância das paisagens enquanto bens e produtos


coletivos, noção próxima à de patrimônio, expressa nos termos aplicados à paisagem
como “reflexo”, “espelho de quem a habita”, “código genético de uma região”, “traço
de uma história”. Em outro grupo de cadernos, observou-se entendimentos da paisagem
por meio de relações mais íntimas e individuais, expressas nas palavras “ser paisagem”,
“paisagem conquista”, “a paisagem existe em nós”:

“Tem a paisagem essa força de dizer quem somos, de nos inserir como parte dela e
trazer sentidos às experiências vivenciadas.” (Rafaela Souza).

“Essa paisagem faz parte de mim. É profundamente bela porque a vivi. Eu sinto na
alma seus significados.” (Marília Chaves).

Tais noções de paisagem – como elemento de identificação coletiva ou individual –


levaram os alunos a perceberem sua importância por intermédio de valores históricos,
rememorativos, ecológicos, educativos e literários; a paisagem como bem comum e
transmissora de significados. Nas respostas a esse exercício, começaram a esboçar
olhares mais críticos. Questionaram, por exemplo, a qualidade das paisagens de suas
cidades e as transformações pelas quais vêm passando.
O quarto exercício teve caráter peculiar, trazendo para sala de aula o debate em
torno da proposta de uso e ocupação do terreno do cais José Estelita, no bairro de São
José, sítio histórico na cidade de Recife. Esse projeto propõe, para a frente de água
da cidade, a construção de edifícios com mais de quarenta pavimentos, com usos que
vão de residencial a hoteleiro e centros comerciais. Tal proposta repercutiu num forte
movimento da sociedade civil em oposição à construção do empreendimento, tendo
como um dos pontos centrais de argumentação o “direito à cidade” e a “proteção da
paisagem cultural”. A partir desse exemplo, os alunos passaram a pensar sobre formas
de atuar sobre a paisagem, trazendo em seus cadernos questões sobre como garantir
a qualidade das paisagens enquanto direito e dever de todos. À luz de conceitos e
ideias vistos em sala de aula, exploraram-se as noções de vivência e apropriação como
formas de apreensão e, consequentemente, de valoração e conservação das paisagens:

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Juliet a M ar ia Va s concelo s Lei t e e R af aela Ro dr igue s A lve s S ou z a

“Temos que ser capazes de reconhecer a paisagem para continuar a atribuir valor [...]
O que garante a qualidade da perpetuação das características é o nosso cuidado
com a preservação da paisagem. E preservar não é impedir mudanças: é garantir
que as transformações respeitem o contexto existente e não alterem a essência dos
lugares.” (Marília Chaves).

Devido ao tema, desenhos, questionamentos e referências apresentados nos cadernos


trabalharam de forma mais significativa a conservação e preservação da paisagem
como forma de manutenção de estruturas que contam histórias das cidades. A maioria
das imagens apresentadas pelos alunos representava o cais José Estelita (figura 11).

Figura 11 Registro do exercício 4 da aluna Ana Ísis, 2014.

Interpretada como “reflexo de nós”, a paisagem foi apresentada nos comentários


dos alunos como direito que precisa ser garantido hoje e numa perspectiva futura, por
tratar-se de um bem cujos valores não devem ser reconhecidos por poucos indivíduos ou
grupos sociais, pois têm força coletiva. Essas questões chamam atenção para tomadas
de decisão do poder público em relação às paisagens excepcionais e às cotidianas.

“A existência de uma paisagem depende das influências do nosso olhar, da nossa


sensibilidade e da nossa cultura em relação a uma realidade espacial. Por isso ela é
o reflexo de nós mesmos (como sociedade), seja do que somos ou do que já fomos.”
(Talys Medeiros).

A quinta aula aconteceu numa visita ao bairro da Várzea, onde há presença


considerável de espaços livres e naturais, localizado próximo à universidade (figura 8).
O último exercício teve a intenção de levar os alunos a verem e sentirem uma paisagem,
interrogando-os se carregava traços identitários da cidade e de seus cidadãos.

“O bairro ainda é predominantemente horizontal. Mesmo a partir de certa distância


pode-se observar a torre de sua igreja matriz (do século XVI) ou a fileira de palmeiras

194 Paisagem e ambiente: ensaios - n. 37 - São Paulo - p. 181 - 196 - 2016


Te or ia d a Pai s a gem em C ader no s de B or do :
Uma E xp er iênc ia no En sino de A r qui t et ur a e Ur ba ni smo

que acompanha a praça delimitando seu espaço justamente com a abundante massa
arbórea, que é um dos aspectos marcantes do bairro.”

Em outros casos, observou-se nos alunos sensações de surpresa ao descobrirem


um lugar na cidade ou reverem, de outra forma, uma paisagem que fez parte do seu
cotidiano, mas apreendida apenas “de passagem”. É o que coloca a aluna Maysa Aquino:

“Ao caminhar pelo bairro da Várzea com olhar mais crítico na percepção da paisagem
ofereceram-se outras possibilidades de descobertas e vivências. Acostumada com o
fluxo intenso de uma de suas avenidas principais – e limitada a observar o entorno
sempre com pressa – nunca tinha me detido nos vários detalhes contidos na paisagem
desse território.”

O último dia de aula foi destinado à apresentação e entrega dos Cadernos de


Bordo. Tidos como objetos bastante íntimos, a apresentação dos cadernos iniciou-se de
forma tímida, mas logo deu espaço a ricos debates sobre as paisagens escolhidas e seus
conteúdos. Cada aluno apresentou um exercício, e, em seguida, abriram-se discussões.
Por fim, os cadernos circularam em sala de aula para que os alunos pudessem ver os
dos colegas e, assim, alimentar outros debates. No momento da apresentação oral,
os alunos tocaram em aspectos bastante pessoais sobre as paisagens representadas
nos exercícios, continuando a fazer referência aos textos e exemplos trabalhados em
sala de aula.

5 CONSIDER AÇÕES FINAIS

O objetivo da disciplina foi introduzir ao aluno do curso de Arquitetura e Urbanismo


noções teóricas sobre a paisagem e despertar um olhar sensível e crítico sobre o
território. Apesar de sua curta duração, as posições teóricas trabalhadas em sala de aula
procuraram estabelecer um quadro de reflexões e ações possíveis ao fazer paisagístico.
Enquanto postura teórica, relacionada a uma perspectiva contemporânea, optou-se
por explorar conceitualmente um entendimento da paisagem que perpassa a história
da arte e aponta para valores coletivos, quadros simbólicos, horizontes éticos e políticos
que fazem parte desse conjunto complexo e diversificado de preocupações com as
transformações territoriais.
O exercício do Caderno de Bordo permitiu registrar os resultados das noções
teóricas apresentadas em sala de aula – por vezes como provocação para o
reconhecimento de valores e significados das paisagens, sobretudo daquelas
vivenciadas pelos alunos.
Como então descrever, como dizer e representar esse espaço da paisagem que
nos envolve e nos transpassa, que nos desola e nos transborda? Como falar da
paisagem [...] e, mais exatamente como fazê-la, ou melhor, deixá-la falar? (BESSE,
2014, p. 52).

Paisagem e ambiente: ensaios - n. 37 - São Paulo - p. 181 - 196 - 2016 195


Juliet a M ar ia Va s concelo s Lei t e e R af aela Ro dr igue s A lve s S ou z a

Tais questionamentos de Besse, provavelmente, ficam ainda latentes para os alunos


ao final da disciplina. No entanto, com a ajuda do texto base do autor, “We are the
landscape...”, pôde-se trabalhar definições consensuais e, sobretudo, reforçar o argumento
de que a paisagem faz parte da vida das pessoas, de que nós somos a paisagem.
O exercício do Caderno de Bordo serviu não apenas para verificar a assimilação
dos conteúdos apresentados, mas também para ajudar a revelar a riqueza de conexões
construídas pelos alunos a partir das noções introdutórias da teoria da paisagem. A
análise dos cadernos vem revelando novas referências – trazidas pelos alunos – para a
interpretação da paisagem, na maioria das vezes vindas da poesia, do cinema e de outros
teóricos. Sendo uma disciplina aberta a diferentes períodos, notou-se que os alunos já
avançados no curso articulavam mais as noções da teoria da paisagem a conhecimentos
de outras disciplinas, como a de Estética. Entre os alunos do início do curso, pôde-se
observar que o conhecimento adquirido sobre a paisagem passou a contribuir com o
desenvolvimento de seus projetos de arquitetura, urbanismo e paisagismo. Tais alunos
apresentaram mais facilidade na análise da área de estudo e projeto, incorporando
os valores da paisagem de forma mais pertinente, e indicaram uma preferência por
trabalhar com temas ligados à paisagem em seus projetos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARBA, Rosa. ¿Por qué hablar ahora de paisaje? In: AA.VV. Rehacer paisajes: arquitectura del paisaje en Europa.
1994-1999. Catalogo de la 1a Bienal de Paisaje 1999. Barcelona: Fundación Caja de Arquitectos, 2000, p. 14-18.
BERENGO, Cecilia; DI MAIO, Sara. We are the landscape: understanding the European Landscape Convention.
Florença: Giunti progetti educativi, 2009. 64 p.
BERQUE, Augustin. Território e pessoa, a identidade humana. Desigualdade & Diversidade: Revista de Ciências
Sociais da PUC-Rio, n. 6, jan./jul., 2010, p. 11-23.
BESSE, Jean-Marc. O gosto do mundo: exercícios de paisagem. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2014. 234 p.
CALVINO, Ítalo. Marcovaldo: ou as estações na cidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. 144 p.
______. As cidades invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. 152 p.
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FLORENÇA. Convenção Europeia da Paisagem (CEP), de 20 de outubro de 2000. Dispõe sobre as ações de
proteção, gestão e planificação das paisagens europeias e organiza uma cooperação europeia acerca dos bens
paisagísticos. Disponível em: <http://www.culturanorte.pt/fotos/editor2/2000-convencao_europeia_da_paisagem-
conselho_da_europa.pdf>.
LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1997. 240 p.
MONTILLET, Philippe. Les trois âges du paysage. Projets de paysage, n. 6, set. 2011. Disponível em: <http://www.
projetsdepaysage.fr/fr/les_trois_ages_du_paysage>. Acesso em: 16 mar. 2012.
PARRET, Herman. Le sentiment de paysage. In: Paysages & valeurs: de la représentation à la simulation, Limoges,
nov. 2005. Actes de colloques. Farid Boumédienne e Nicolas Couegnas (dir.). Disponível em: <http://epublications.
unilim.fr/revues/as/3418>. Acesso em: 6 mar. 2012.
TUAN, Yi-Fu. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. São Paulo: Difel, 1983. 248 p.

Nota do editor
Submissão: 1 ago. 2015
Aprovação: 30 nov. 2015

196 Paisagem e ambiente: ensaios - n. 37 - São Paulo - p. 181 - 196 - 2016


Casario na cidade do Porto, Portugal.
Foto Silvio Soares Macedo, 2013.

PAISAGEM URBANA
“VERDE-AMARELO” EM PINDORAMA: A SOCIEDADE
BRASILEIRA, A APROPRIAÇÃO DO TERRITÓRIO
E O PATRIMÔNIO AMBIENTAL
“GREEN AND YELLOW” AT PINDORAMA – BRAZILIAN SOCIETY,
APPROPRIATION OF TERRITORY AND ENVIRONMENTAL HERITAGE

Miranda Mar tinelli Magnoli*


Homenagem ao colega Emmanuel Antonio dos Santos1.

RESUMO
Em um país tropical de dimensões continentais, este texto faz uma reflexão sobre as trans-
formações, no tempo e no espaço, da sociedade brasileira em relação ao seu território
e ao patrimônio ambiental. Destacam-se aspectos essenciais e singulares de cada um
dos temas para entender a busca contemporânea pela cidadania, o empenho para a
articulação e integração do território e a evolução para o desenvolvimento sustentável.
Palavras-chave: Passado. Singularidade. Tropicalidade. Desenvolvimento sustentável.

ABSTRACT
In a tropical country of continental dimensions, this article is a reflection on the transformations of
brazilian society in time and space, as it relates to its territory and environmental heritage. Specific
aspects of each subject will be addressed in order to understand the persue of citizenship, the ende-
avour for articulating and integrating the territory and the evolution towards sustainable development
Keywords: Past. Singularity. Tropicality. Sustainable development.

INTRODUÇÃO

“Verde-amarelo em Pindorama” é uma metáfora para a sociedade brasi-


leira, seu território e patrimônio ambiental. Contém, nas cores-símbolos,
os sentimentos e emoções que têm representado a sociedade em diversas
manifestações. Pedro I, desde a Independência, ostentava o laço verde
e amarelo para representar o país. Território e patrimônio ambiental
incorporam as gentes ao espaço em Pindorama – do tupi, a região das
palmeiras –, símbolo dos trópicos, difusa em diferentes domínios paisa-
gísticos do país, por babaçuais, butiás, carandazais, carnaubais, buriti-

1
Nosso querido colega arquiteto, falecido em junho de 2014. Na ocasião, era Secretário de Planejamento do
Município de São José dos Campos. Como docente, contribuiu muito para a formação de alunos em nossa
área. Desde quando muito jovem, acompanhei sua carreira. Após o mestrado, fez um doutorado brilhante.
Com ele dividi ideias e ideais.

*
Arquiteta e professora titular de Paisagismo do Departamento de Projeto da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP). Rua do Lago, 876, 05508-080, Cidade Universitária,
São Paulo, SP, Brasil.
[email protected]

http://dx.doi.org/10.11606/issn.2359-5361.v0i37p199-239

Paisagem e ambiente: ensaios - n. 37 - São Paulo - p. 199 - 239 - 2016 199


M ir a nd a M ar t inelli M a gnoli

zais. Os nativos nomeavam o país pela espécie tropical, impregnada do


passado da humanidade: na origem, a família das Palmáceas vem de
Palmyra, antiga cidade da Síria, sítio arqueológico a meio caminho entre
o Mediterrâneo e o rio Eufrates. É impregnada do nosso passado pelo
significativo papel do índio em nossa cultura.

Este ensaio parte de três temas – a sociedade brasileira, o território e o patrimônio


ambiental – e suas relações no processo histórico de construção do país. Os temas
são abordados em duas partes. Na primeira parte, refiro-me aos tempos da América
Portuguesa, selecionando aspectos singulares de cada um dos temas. Para a sociedade,
destaco a miscigenação, o empreendedorismo, o embrião da democracia. Para a apro-
priação do território, considero as políticas colonizadora e urbanizadora, o processo de
urbanização e a criação de um sistema urbano. Para o patrimônio ambiental, enfatizo a
tropicalidade e a biodiversidade na busca das povoações para encontrar uma relação
equilibrada com o ambiente em que viviam. Esse tema também vai se imiscuindo entre
a criação das vilas. Entre as duas partes do texto, aceno a um período de transição:
com a vinda da Corte Portuguesa, desenvolveu-se um processo político que levou à
Independência e à criação do Império do Brasil.
Na segunda parte, aceno a aspectos de mudança; no caso da sociedade, em
busca da ampliação e do aprofundamento da cidadania. Na apropriação do território,
seleciono questões que enfatizam a dificuldade para sua articulação e integração. No
caso do patrimônio ambiental, indico propostas mais recentes sobre as populações e a
biodiversidade no caminho para o desenvolvimento sustentável. Volto a questões que
apareceram na primeira parte e que, de diferentes maneiras, se transformaram.
Avaliei importante conhecer outros enfoques, de autores que dedicaram anos a pes-
quisas, a revisões na interpretação de aspectos importantes da nossa história. Dissentiram
e criticaram pontos de vista dominantes, quebrando tabus em torno de alguns temas.
A intensa dualidade radical que caracterizou extenso período do século XX dificultou
outras leituras, outras interpretações. Estas, em vez de sempre eivadas de confronto, de
conflito, poderiam também buscar revisões e alguma curiosidade intelectual para outras
leituras, mesmo que com estranheza inicial do leitor.
Por outro lado, cada um dos temas levantados é complexo e dinâmico – no tempo
e no espaço – e cada tema lida com conjuntos de relações. Adotei como relações
principais aquelas que buscam imbricar as gentes, os espaços e as paisagens. Por este
ensaio, busco compartilhar críticas e reflexões com os colegas e instigar a procura para
mudança, aprofundamento, aperfeiçoamento, visando a outras alternativas de pesquisas
e projetos para nosso presente e futuro.
Muitas foram as leituras, os estudos, as revisões, os diversos rascunhos para este
ensaio, porém limitei a bibliografia àqueles indispensáveis. Recomendo alguns, indicados
no texto, pois explicam este ensaio, principalmente, pelo fato de que este mesmo texto era
bem mais longo; fui reduzindo, podando, cortando, limitando, resumindo, abreviando,
porém, em cada frase, procurei resguardar o essencial.

200 Paisagem e ambiente: ensaios - n. 37 - São Paulo - p. 199 - 239 - 2016


“ Ver de - A mar elo” em Pindor ama : A S oc ie d ade B r a s ileir a ,
a A pr opr iaç ão do Ter r i t ór io e o Pat r imônio A mbient a l

SINGULARIDADES NA AMÉRICA PORTUGUESA

Reli várias vezes o capítulo “Um cenário, duas leituras”, do texto de Caldeira (2009).
Esse “cenário” é situado “em torno de 1800”, na virada do século XVIII para o XIX. São
gentes que se deslocam, desde o Rio Grande do Sul, para Santa Catarina, Paraná e
São Paulo até a Feira de Sorocaba. Daí, espraiam-se em vários outros percursos, por
diversas formas de transporte – mulas, canoas, navios. Diferentes mercadorias – de
alimentação, pecuária, siderurgia e artefatos variados – eram objetos de trocas e ne-
gócios, e ainda surgiam novas atividades na agricultura e na indústria. À riqueza dos
muitos aspectos o “cenário” ainda acena para vários povoados que, no vale do Paraíba,
haviam se transformado em vilas. O “cenário” leva, especialmente, a questionar sobre
a existência de um mercado interno que crescia mais que o mercado da metrópole,
objetivo principal do livro.
As gentes, as trocas, a mobilidade por caminhos difíceis em que fluíam víveres de
um extremo a outro de um vasto território, em paisagens diversas de amplos espaços
abertos e pessoas, quase nômades, isoladas em ralos povoamentos muito distantes,
conduziram-me a outro aspecto da “leitura”. É a leitura do “cenário” que me leva aos
estudos de Reis (2000a) em busca da compreensão espacial da expansão urbana no
território. O autor mostra, a partir da política colonizadora de Portugal, que a política de
urbanização era muito importante; indica a organização do sistema urbano e a criação
de vilas e cidades da Coroa e os papéis dos centros urbanos na rede de cidades.
Em Reis (2000b), extenso conjunto de imagens traz a compreensão visual da forma-
ção e evolução das cidades, vilas, povoações e aldeias; os comentários finais são ricos
e pertinentes. Nestor Reis pesquisou, elaborou e reuniu documentação que comprova
a existência de uma atividade planejadora urbana regular na América Portuguesa.
Impressiona que alguns ainda desconheçam essa tese. Ele ordena os desenhos confor-
me os atuais estados do país. Para entender melhor, em espaço-tempo e ambiente, a
expansão e apropriação do território, ordenei a criação das cidades em ordem crono-
lógica, nos séculos XVI e XVII, e na condição de litorâneas ou interioranas; em algumas
cidades me detive em peculiaridades. No século XVIII, ordenei as cidades em função
dos atuais estados. A mobilidade das gentes, nas trocas a que Caldeira se referiu, levou
à configuração de uma rede capilar de circulação com áreas de povoamento disperso
mais ou menos estável, mesmo onde não havia vilas e cidades (imagem da expansão
e apropriação territorial se observa em Magnoli, 2012, p. 249).
Por outro lado, mesmo que só recentemente tenhamos um razoável, às vezes até
muito bom conhecimento das questões ambientais, a natureza ali estava aos olhos, às
vibrações e mentes dos portugueses no Novo Mundo (comentei na edição 15 desta
revista). Foi importante caracterizar – mesmo de forma muito limitada, apesar de cuida-
dosa –, na vastidão do território, sua característica de tropicalidade e a excepcionalidade
que caracteriza o litoral brasileiro. Os núcleos costeiros são criados em um litoral muito
diversificado; os núcleos internos, criados desde o século XVII, estavam também situados
em grande variedade de ecossistemas (definidos por Ab’Saber, 2001, 2006).

Paisagem e ambiente: ensaios - n. 37 - São Paulo - p. 199 - 239 - 2016 201


M ir a nd a M ar t inelli M a gnoli

É muito importante notar que os novos povoadores, desde a ocupação do litoral e


nas penetrações, desde o norte até o sul, encontravam-se com a floresta atlântica, que
se distribuía em muito ampla diferença de latitudes (aproximadamente 20º), mas, ao
penetrar na Amazônia, os portugueses se deparavam com a floresta amazônica, que se
estende de leste para oeste em grande diferença de longitudes (aproximadamente 20º)
e bem menores diferenças de latitude.

Figura 1  Contrafortes da serra do Mar ainda ocupados – como no tempo colonial –


por uma mata atlântica em toda a sua integridade e diversidade.
Foto: Silvio Soares Macedo, 2010.

202 Paisagem e ambiente: ensaios - n. 37 - São Paulo - p. 199 - 239 - 2016


“ Ver de - A mar elo” em Pindor ama : A S oc ie d ade B r a s ileir a ,
a A pr opr iaç ão do Ter r i t ór io e o Pat r imônio A mbient a l

A política colonizadora de Portugal revela a importância da fundação de arraiais,


povoados, vilas e cidades para compreender a apropriação do território: é, na origem,
uma sociedade de matriz urbana. A Coroa Portuguesa, visando à expansão geográfica
para a sua soberania, ordenou a construção de fortes em locais estrategicamente sele-
cionados: em vista, contornar o perímetro exterior do território.
No século XVI, no litoral, foram criadas povoações diversas, desde Natal até Cana-
neia. As latitudes variaram de 5,47S a 25S. Essa face do longo litoral foi subdividida por
Ab’Saber (2001) nos três setores que utilizo para localizar as vilas. No interior, chegando
por trilhas indígenas, fundou-se a atual São Paulo, acima da muralha da serra do Mar.
Em ordem cronológica, foram as seguintes:

* No litoral leste: são fundadas na latitude 16,26S: Porto Seguro em 1535; Santa
Cruz em 1536 (atual Santa Cruz Cabrália); São Jorge dos Ilhéus em 1536 (atual Ilhéus).
Guardam especial caráter simbólico como testemunhos das primeiras páginas da história
do país. No espaço denominado Costa do Descobrimento, são oito as reservas naturais
em área de 111.930 mil hectares; é uma planície costeira com colinas em altitudes do
nível do mar até os 536 metros do Monte Pascoal. Na carta de Pero Vaz de Caminha
se expressa o encontro entre duas culturas. As ruínas da primeira igreja se encontram
em penhasco próximo de Porto Seguro.
Em Arraial d’Ajuda, a igreja surge em 1549; Trancoso, fundada em 1586, se origina
da aldeia São João Batista dos Índios; Coroa Vermelha, hoje Santa Cruz de Cabrália,
é o lugar onde foram rezadas as primeiras missas. Nesse litoral, na Costa do Desco-
brimento – Patrimônio da Humanidade – ficam os trechos mais importantes da mata
atlântica que restaram.
Salvador da Bahia de Todos os Santos – surge na latitude 12,59S em 1549 (atual
Salvador). Implantar a cidade de Salvador, “na esquina do oceano”, foi fruto de deci-
são política, tal como aconteceria em Brasília quase cinco séculos depois. O primeiro
marco da Bahia de Todos os Santos teria sido colocado em 1501, no local que hoje é
a Fortaleza de Santo Antônio, na Ponta do Padrão.
Em 1549 os jesuítas ergueram uma escola que deu lugar ao Colégio Maior; um
curso mais avançado foi criado em 1572, no Colégio de Salvador. Até a transferência
de seu posto político e econômico para o Rio de Janeiro, em 1763, Salvador foi a mais
importante cidade do mundo colonial português. Na Bahia de Todos os Santos, a cidade
sempre possuiu, em localização estratégica, um magnífico porto. Primeiro núcleo urbano
brasileiro concebido com trama regular que, no entanto, desde o início, se adaptou às
irregularidades da topografia do topo da crista onde se situou.

São Cristóvão é fundada em 1590 (no atual estado de Sergipe), entre dunas litorâneas.

* No litoral oriental do Nordeste: Igaraçu em 1536; Olinda em 1537; Filipeia de


Nossa Senhora das Neves da Paraíba em 1585 (atual João Pessoa), fundada por
espanhóis no período da União Ibérica; Natal em 1599, na latitude 5,47S, com o Forte
dos Reis Magos protegendo a costa.

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Figura 2  Centro histórico de Salvador amoldando-se às reentrâncias das terras altas de tabuleiro,
a cavaleiro do mar.
Foto: Silvio Soares Macedo, 2014.

Olinda, no início Nova Lusitana, conserva igrejas barrocas e coloridas, casas antigas;
testemunho do ciclo da cana-de-açúcar e da invasão holandesa. Sediou o primeiro
curso jurídico do país.
É região costeira com faixas estreitas de praias arenosas em enseadas rasas e bor-
das de tabuleiros florestados; climas quentes com chuvas predominantes de inverno em
planícies costeiras reduzidas: é o litoral da Zona da Mata nordestina. Porém, em poucas
dezenas de quilômetros, se passa para matas ditas secas e, logo mais, se apresentam
as matas agrestes, na realidade, as caatingas arbóreas.

* No litoral sudeste: surge Espírito Santo em 1535 (atual Vila Velha); Nossa Senhora
da Vitória em 1551 (atual Vitória); São Sebastião do Rio de Janeiro – situa-se na
latitude 22,54S, em 1565 (atual Rio de Janeiro). A cidade, levantada no alto do Morro
do Castelo, deve sua transformação à descoberta do ouro na região do atual estado
de Minas Gerais.
Seu porto, na estratégica baía de Guanabara, adquire importância com a abertura,
em 1704, do chamado “caminho novo”, que ligava diretamente o território das minas
com o Rio; além do porto, a própria cidade eleva sua importância.
Em 1763, com a transferência da sede do governo colonial de Salvador para o Rio
de Janeiro, assume a sede do vice-reinado do Brasil; por fim sedia a Corte de um rei e
dos dois imperadores. Com a República, se transforma em Capital Federal.
É cidade de mais de quatrocentos anos de história, de crescente importância eco-
nômica e política; tudo contribuiu para uma cidade fascinante, curiosíssima no estilo de
vida e no aglomerado humano, que resulta de caldeamentos de brasileiros, portugueses
e africanos de todos os cantos, com sucessivos enxertos de franceses e ingleses, além
das gentes de muitas origens no século XX. E, ainda, é de fisionomia geral sedutora e
excepcionalmente valorizada pela natureza.

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Figura 3  Entrada da
baía de Guanabara,
onde no interior,
pelo lado esquerdo,
desenvolveu-se a cidade
nos três primeiros séculos.
Somente a partir da
metade do final do século
XIX passa a ocupar a orla
oceânica.
Foto: Silvio Soares
Macedo, 2015.

Figura 4  Baía de Guanabara vista do oceano. A área ocupada pelo centro da cidade, com prédios altos, corres-
pondia à área ocupada pelo núcleo original, antes protegido por morros, charcos e florestas de mangue.
Foto: Silvio Soares Macedo, 2015.

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São Vicente é fundada em 1532; Santos em 1545; Nossa Senhora da Conceição


de Itanhaém em 1561 (atual Itanhaém); Nossa Senhora das Neves de Iguape em
1577 (atual Iguape); São João Batista de Cananeia em 1587 (atual Cananeia): nesse
século, na latitude 25S, é a última vila desse litoral.

* No interior: São Paulo de Piratininga surge em 1554 (atual São Paulo); latitude
23,37S e longitude 46,37O.
As caravelas portuguesas, ao chegarem na faixa litorânea da baía de São Vicente
e na barra grande de Santos, devem ter encontrado, com a população tupi-guarani,
ilhas e serras de exuberante natureza tropical. Antigo mapa português do século XVII
(AB’SABER 2001, p. 227) orienta os navegantes para a profundidade das entradas es-
tuarinas com as barras da Bertioga, Grande e de São Vicente; indica as ilhas de Santo
Amaro e São Vicente; nesta situa Erasmos, onde seria implantado o primeiro engenho
de cana. E ainda, serra acima, localiza a Vila de São Paulo.

Figura 5  Erasmos, no século XXI.


Foto: Silvio Soares Macedo, 2014.

São Paulo, situada em sítio original, nascida terra adentro, nem tão longe do litoral
mas acima da Serra do Mar, de 718 a 820 metros acima do nível do mar, em planalto
colinoso, nas cabeceiras de rios que dão as costas para o mar. Mais de centena de

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córregos sulcam suas colinas; uma delas é escolhida para sítio de referência, catequese
e defesa da vila em tarefa estratégica dos jesuítas. É hoje o Pátio do Colégio.
Os primeiros navegantes em alto-mar que se dirigiram à parte sul do globo terrestre,
ao atravessarem a linha do Equador, encontravam uma natureza muito diferente da-
quela do hemisfério Norte. Muito tempo se passaria para sabermos que fazia diferença
o próprio fato de haver muito maior superfície de águas oceânicas no hemisfério Sul.
Não havia simetria entre os dois hemisférios em relação aos efeitos na natureza; e estes
seriam bem mais complexos no hemisfério Sul.

Figura 6  Mapa produzido por Rafael Pecoraro, 2016.

De pronto, os olhos se surpreenderiam com a natureza luxuriante da floresta tropi-


cal, sempre verde, em muitos estratos de vegetação arbórea e muito densa em lianas
e epífitas. E mais, a natureza que se apresentava aos portugueses, ao moverem-se das
latitudes do Equador ao Trópico de Capricórnio, que passavam dos dias iguais às noites
aos diversos comprimentos; estranhariam as temperaturas: não haveria tanta variação

Paisagem e ambiente: ensaios - n. 37 - São Paulo - p. 199 - 239 - 2016 207


M ir a nd a M ar t inelli M a gnoli

entre o mês mais quente e o mais frio, como era da experiência deles. As chuvas seriam
também outras; muitas vezes bem mais copiosas, distribuídas de maneira diversa entre
cada trecho da costa.
No século XVII, são criadas novas vilas no litoral da costa norte do continente; outras,
no litoral sudeste, complementam o povoamento já existente; no interior, penetra-se nos
ecossistemas Matas do Brasil Tropical Atlântico e Planalto das Araucárias (atuais estados
de São Paulo e Paraná). Utilizo Ab’Saber (2001, p. 54) para os três novos setores do
litoral e Ab’Saber (2006, p. 69) para os ecossistemas. Em ordem cronológica, foram
as seguintes:

* No litoral equatorial amazônico: São Luís do Maranhão em 1612, e Santo An-


tonio de Alcântara em 1637 (atual Alcântara).
São Luís, com estratégica disposição, próximo à Europa, foi local de contínuas invasões
e conquistas. Caracteriza-se como a única capital brasileira que foi francesa, holandesa e
portuguesa. De início, tupinambás e portugueses ocuparam o sítio. Franceses fundaram
a cidade; em 1615, foram expulsos pelos portugueses; estes retornaram com colonos
dos Açores e escravos de Angola para o plantio de algodão e açúcar. Os holandeses,
expulsos de Olinda e Recife, assaltaram a cidade em 1641, ficando até 1644; daí, e por
fim, os portugueses recuperaram a cidade.
Os sobrados com paredes protegidas das intensas chuvas de verão por azulejos,
são particularmente significativos. Em Portugal, desde o tempo dos árabes, os azulejos
eram usados internamente ou em claustros protegidos. Em São Luiz as fachadas foram
revestidas com os mesmos azulejos.
E assim, no exterior e no interior, iriam de volta à metrópole, influenciando Lisboa
e Porto.

Figura 7 Casario azulejado em São Luís do Maranhão.


Foto: Fabio Mariz Gonçalves, 2009.

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Figura 8 Casario azulejado em Lisboa, Portugal.


Foto: Silvio Soares Macedo, 2013.

Figura 9 Casario na cidade do Porto, Portugal.


Foto: Silvio Soares Macedo, 2013.

Paisagem e ambiente: ensaios - n. 37 - São Paulo - p. 199 - 239 - 2016 209


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Santa Maria de Belém é fundada em 1616 (atual Belém), Vila Souza do Caeté
em 1634 (atual Bragança), Vila Viçosa do Santa Cruz do Cametá em 1635 (atual
Cametá); Gurupá em 1639 (todos no atual Pará). Em 1668 é criada a Vila São José
do Macapá, atual Macapá, no Amapá.

Figura 10 Forte São José, em Macapá (vista geral), ainda guardando sua estrutura original em meio a um
parque urbano.
Foto: Silvio Soares Macedo, 2016.

Figura 11 Forte São José, em Macapá.


Foto: Acervo Quapá, 2007.

O Forte São José do Macapá, na boca norte do rio Amazonas, em área próxima
ao rio Oiapoque e ao cabo Orange, na latitude 4ºN, extremo norte do território brasi-
leiro junto ao mar, foi ponto de apoio da expansão portuguesa na bacia do grande rio.
Completaram a proteção dessa costa norte com as construções dos Fortes do Tapajós,
Presépio, São Luís e Nossa Senhora do Amparo, este em Fortaleza.

210 Paisagem e ambiente: ensaios - n. 37 - São Paulo - p. 199 - 239 - 2016


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Belém, em localização estratégica, controla a entrada do estuário do rio Amazonas;


o Forte do Presépio de Belém foi construído um ano após a expulsão dos franceses de
São Luís, no limite do meridiano demarcatório do Tratado de Tordesilhas. Em 1621,
cria-se o estado do Maranhão e Grão-Pará, com controle direto da Coroa e sede em
São Luís; esta foi transferida para Belém em 1671.

Figura 12 Forte do Presépio de Belém, em 2015, fazendo parte de um complexo de lazer local.
Foto: Silvio Soares Macedo, 2015.

Figura 13 Forte do Presépio de Belém, em 2015, restaurado, ponto turístico de Belém do Pará.
Foto: Leonardo Coelho, 2015.

* No litoral setentrional do nordeste: surge Fortaleza de Nossa Senhora da As-


sunção em 1626 (atual Fortaleza); é região de elevada luminosidade e constitui grande

Paisagem e ambiente: ensaios - n. 37 - São Paulo - p. 199 - 239 - 2016 211


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exceção climática e paisagística de nossa costa; climas quentes e secos, variando do


semiárido moderado até o subúmido do tipo agreste; é o símbolo do “lugar onde a
semiaridez sertaneja chega ao mar”. (AB’ SABER, 2001, p. 113).

* No litoral oriental do nordeste: é fundada Vila Formosa em 1627 (atual Serinhaém);


Conceição de Itamaracá em 1630; Cabo de Santo Agostinho em 1634; Bom Su-
cesso de Porto Calvo (atual Porto Calvo) em 1636; Penedo do Rio de São Francisco
(atual Penedo) e Santa Maria Madalena da Alagoa do Sul (atual Marechal Deodoro).

* No litoral sudeste: surge Cairu em 1608; Angra dos Santos Reis da Ilha Gran-
de em 1608 (atual Angra dos Reis), Nossa Senhora da Assunção do Cabo Frio em
1615 (atual Cabo Frio), Santo Antonio de Itabaiana em 1665 (atual Itabaiana) e
Santo Amaro das Brotas em 1697; e também São Sebastião em 1636; Exaltação de
Santa Cruz de Ubatuba em 1637 (atual Ubatuba); Nossa Senhora do Rosário de
Paranaguá em 1649 (atual Paranaguá); Rio de São Francisco do Sul em 1660 (atual
São Francisco do Sul); Parati em 1660; São Salvador dos Campos de Goitacazes
em 1677 (atual Campos); Guarapari, 1689 e Santo Antonio de Macacu em 1697
(atual Cachoeira de Macacu).

* No interior: é fundada Santana de Mogi das Três Cruzes em 1611 (atual Mogi
das Cruzes); Santana de Parnaíba em 1625; São João do Paraíba em 1677 (atual
São João da Barra, no atual estado do Rio).

* No interior, no vale do Paraíba: São Francisco das Chagas de Taubaté em 1645


(atual Taubaté); Nossa Senhora da Conceição do Rio Paraíba em 1653 (atual Jacareí);
Santo Antonio de Guaratinguetá em 1651 (atual Guaratinguetá).

* No interior: Nossa Senhora do Desterro do Campo Alegre de Jundiaí em


1655 (atual Jundiaí); Nossa Senhora da Candelária de Outu em 1657 (atual Itu);
Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba em 1661 (atual Sorocaba).

* No interior, no planalto das Araucárias: Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de


Curitiba (atual Curitiba), em 1693. Também nessa data são fundadas: Nossa Senhora
da Ajuda de Jaguaribe (atual Jaguaribe); Nossa Senhora do Rosário de Cachoeira
(atual Cachoeira); São Francisco da Barra do Sergipe do Conde (atual São Francisco
do Conde).

Observa-se na imagem a rede de cidades e vilas adentrando o continente e já


ocupando as margens do Amazonas.

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Figura 14 Mapa produzido por Rafael Pecoraro, 2016.

O Brasil exibe o mais extenso litoral intertropical e subtropical do mundo, com 8 mil
quilômetros de extensão. A faixa costeira, onde se processa o contato entre o mar e a
terra, é exposta à quase permanente movimentação dos ares costeiros, amenizadores
do calor tropical.

Figura 15  Litoral norte da Bahia: praias extensas, dunas e barras de rio.
Foto: Silvio Soares Macedo, 2013.

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Figura 16  Barreira de recifes de arenito e áreas de restinga vizinhas ao porto de Suape, nas imediações de Recife,
formações comuns nos litorais que se estendem do Rio Grande do Norte até Alagoas, conhecidas como Costa dos
Corais.
Foto: Silvio Soares Macedo, 2015.

É um vasto painel de tropicalidade que se exibe com a ocorrência de praias arenosas


em cerca de 6 mil quilômetros de extensão; a maior parte é integrada aos ambientes
quentes e úmidos que dominam o território.
Dessa regra, fogem apenas a semiaridez que chega ao mar no Rio Grande do Norte
e Ceará e, ao sul, o litoral gaúcho e parte do catarinense, onde a média das temperaturas
anuais determina climas subtropicais de transição para ambientes temperados quentes,
açoitados no inverno pela incursão da massa polar atlântica por meio do vento minuano.

Figura 17 Dunas de Genipabu, nas vizinhanças de Natal.


Foto: Ana Cecilia Mattei de Arruda Campos, 2009.

No século XVIII criaram-se fortes, arraiais, vilas e cidades por todo o território,
em todo litoral e em todos os ecossistemas. O sentido territorial da expansão lusitana
na América moldou-se sobre a estratégia de controle das bocas de entradas fluviais
do continente. Visava, ao sul, à entrada pelo rio da Prata e, ao norte, à entrada pelo
Amazonas. No curso desse rio, a expansão partiu da fortificação portuguesa de Belém.
A expansão territorial lusitana pretendia ir muito além dos limites do Tratado de Tor-
desilhas. As ações deliberadas que ampliaram as fronteiras previstas nos tratados foram

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muitas, em longo tempo, de diferentes tipos e características. “Desde a Independência,


a política externa brasileira orientou-se pelo imperativo de construir a nação, o que
significava, essencialmente, moldar o seu território”. (MAGNOLI, 1997, p. 294). Face
à importância da formação do território como eixo estruturador da história brasileira,
sugiro a leitura do texto indicado.
Neste período julguei melhor localizar a criação de fortes, vilas e cidades pelos atuais
estados; reuni por regiões em que o povoamento ainda era novo; prossegui por aqueles
estados em regiões em que a ocupação foi sendo complementada.
A observar: a penetração pela Amazônia, que, sem dúvida, era território espanhol;
a intensa atividade urbanizadora de fronteiras pela administração de Pombal, com a
descoberta do ouro em Goiás; a ocupação por acampamentos, arraiais e vilas em
Minas Gerais na época da descoberta do ouro. Essa região, no centro do sudeste,
estava distante das cidades com maior disponibilidade de produtos; a nova condição
de riqueza no interior do território atraiu a articulação com as áreas de produção;
ampliou-se o mercado interno e, nessa região das minas, se intensificou a vida urbana,
caracterizando as paisagens urbanas coloniais. Fortes, vilas e cidades criados nesse
século são os seguintes:

No norte do país: adentrando pelo rio Amazonas se construíram os Fortes de Pauxis,


São José do Rio Negro, Tabatinga; mais ao norte do rio, os Fortes São Joaquim e São
José de Marabitonas.
* AMAPÁ – Nova Mazagão em 1770, atual Mazagão, no Amapá.
* PARÁ – Povoação de Alcobaça em 1780, no Pará.
* AMAZONAS – Aldeia de Mariauí, 1758; com o nome de Barcelos, foi a antiga
sede da Capitania de São José do Rio Negro, separada do Grão-Pará. Em 1791 a sede
moveu-se para a Barra do Rio Negro (atual Manaus) em face da localização estratégica
da vila, na confluência com o Amazonas. Silves e Serpa em 1759; Borba em 1790.
* RORAIMA – Forte de São Joaquim do Rio Branco, 1775 (baluarte extremo norte,
garantia de posse).

No centro-oeste e centro: posições estratégicas de fortes demarcam os limites do


Brasil ocidental.
* RONDÔNIA – Fortes da Conceição, depois de Bragança e de Príncipe da Beira,
além da Aldeia de São Miguel; Balsemão, 1768, e Palmela, Lionel e Lamel entre
1768 e 1772.
* MATO GROSSO – Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá, 1726 (atual
Cuiabá); os Arraiais de Santana, Pilar, São Francisco e São Vicente por volta de
1750; Vila Bela da Santíssima Trindade, 1771; Arraial de São Pedro d’El Rei, 1781
(atual Poconé); Casalvasco, 1782, usada como estância de veraneio graças ao clima
ameno; Cáceres, 1778.
* MATO GROSSO DO SUL – Forte e praça de Iguatemi, 1769 (atual Iguatemi);
Forte de Coimbra; Vila de Albuquerque, 1778 (atual Corumbá); Miranda em 1797.

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* GOIÁS – Santa Ana, 1726 (atual Goiás), com o nome de Vila Boa em 1736, e
as Aldeias de Mossâmedes, 1774; Maria, 1782 e Santa Ana, entre 1775-1782, com
a descoberta do ouro na região em 1725.

No centro do sudeste: as primeiras descobertas do ouro são de 1693, levando a


rápido povoamento em pequenos e precários arraiais a partir de acampamentos pro-
visórios. Um dos primeiros foi Sumidouro, em 1675, talvez criado por Fernão Dias Pais.
Com a mesma origem são os arraiais São Caetano e São Sebastião.
* MINAS GERAIS – Vila de Albuquerque, 1711 (atual Mariana); Vila Real de Sa-
bará, 1711 (atual Sabará); Vila Rica, 1711 (atual Ouro Preto); São João Del Rei, 1713;
Vila do Príncipe, 1714 (Serro); Vila Nova da Rainha do Caeté do Mato Dentro,
1714 (atual Caeté); Vila Nova do Infante, 1715 (atual Pitangui); São José Del Rei,
1718 (atual Tiradentes); Arraial do Tejuco, 1729 (atual Diamantina).

No sul: garantiu-se a posse do território além do meridiano de Tordesilhas. Muitos


foram os produtos e víveres que fluíram do espaço sulino até a feira de Sorocaba e daí
passaram a se dispersar em vários percursos; no final do século XVIII, a existência do
mercado interno é patente. (CALDEIRA, 2009).
* SANTA CATARINA – Laguna, 1712; Vila de Nossa Senhora do Desterro,
1726 (atual Florianópolis); Lages, povoada também com imigrantes de Açores e
Madeira – capela inicial; fortificações de porte Santa Cruz e Anhatomirim.
* RIO GRANDE DO SUL – Rio Grande de São Pedro, 1737; Porto dos Casais,
c.a.1740 (atual Porto Alegre); Forte Jesus-Maria-José; Vila de São José do Taquari
entre 1767 e 1777.

No nordeste: novas vilas complementaram povoamentos já existentes, especial-


mente em percursos às margens do rio São Francisco e seus afluentes.
* MARANHÃO – Santa Maria do Icatu, 1708 (atual Icatu).
* PIAUÍ – Vila do Môcha em 1718 (atual Oeiras); Vila de São João do Par-
naíba em c.a.1798.
* CEARÁ – São José de Aquiraz, 1700 (atual Aquiraz); Aracati.
* PERNAMBUCO – Santo Antonio do Recife, 1709 (atual Recife); Goiana, 1729.

No leste, sudeste e sul:


* BAHIA – Santo Antonio do Rio das Caravelas em 1701 (atual Caravelas);
Jaguaripe, 1705; Itapicurú, 1755; Vila Viçosa em ca.1769; Vila do Prado em
ca.1772; Portalegre em 1772; Vila de Alcobaça em 1774; Vila de Santarém e
Vila de Abrantes em 1794; estas antigas aldeias jesuíticas.
* RIO – Todas no Rio de Janeiro: São Fidelis da Sigmaringa em 1782, pouco
acima de Campos; Freguesia e Aldeia de São Pedro em 1786, antigo estabele-
cimento jesuítico, nas proximidades de Cabo Frio; Vila Nova de Magé em 1789;
Vila Real da Praia Grande em 1819, atual Niterói

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* ESPÍRITO SANTO – Linhares em 1819.


* SÃO PAULO – Nossa Senhora do Bom Sucesso de Pindamonhangaba,
1705 (atual Pindamonhangaba); Lorena e São José dos Campos, no vale do
Paraíba. No vale do Tietê, aproveitando a ligação fluvial, são criadas as aldeias de
Barueri e Arassariguama; Porto Feliz em 1765, então Freguesia de Araritaguaba;
facilita-se o acesso fluvial a Cuiabá. Ainda se criam as povoações de N. Sra. da
Conceição de Sabaúna da Lage, em 1765 (Sabaúna) e São José de Ararapira,
1767 (Arapira), no município de Cananeia; apoio aos viajantes que iam a Paranaguá.
* PARANÁ – Guaratuba, 1771; Antonina, 1797; Castro, 1798 – região desabitada
até o início do século XVIII; parte da Província de São Paulo sob a comarca de Itu.

Figura 18 No século
XVIII, houve aumento
expressivo da ocupação do
território, delineando-se,
já naquele tempo, a atual
configuração do território
brasileiro – em especial
nas regiões Nordeste e
Sudoeste e no atual estado
do Rio Grande do Sul.
Fonte: Mapa produzido
por Rafael Pecoraro, 2016.

Nesses três séculos de América Portuguesa se situaram as vilas e cidades de


Reis (2000b) nos litorais e ecossistemas de todo território (AB’SABER, 2001, 2006).
A expansão do território avançava pelas diversas regiões; o Império viria a elabo-
rar os processos e ações efetivas para constituir o território. (MAGNOLI, 1997). A
natureza, a partir de seu patrimônio ambiental, iria se transformando. (MIRANDA,
2003; KURY, 2013). É uma singular sociedade que, com sua intensa mobilidade física
por extensos espaços, foi criando as oportunidades de mobilidade social por meio
dos arranjos possíveis na colônia; o mercado interno brasileiro vai se consolidando.
(CALDEIRA, 2009).

Paisagem e ambiente: ensaios - n. 37 - São Paulo - p. 199 - 239 - 2016 217


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Figura 19 O mapa
sintetiza toda a
expansão urbana
e territorial dos
três séculos da
Colônia, mostrando
as diversas etapas
de urbanização e
conquista de novas
terras.
Fonte: Mapa
produzido por Rafael
Pecoraro, 2016.

Em 1819, as estatísticas oficiais disponíveis indicam que a população total brasileira


seria de 4,39 milhões de pessoas. Parte pequena da população livre era assalariada; a
maior parte era de “[...] produtores independentes, donos de seus meios de produção
e capazes de produzir por conta própria os meios de vida e acumulação de riqueza”.
(CALDEIRA, 2009, p. 15). Por outro lado, em 1800, sabia-se que o ritmo da economia
portuguesa dependia do desempenho colonial. Um mercado dinâmico se desenvolvia
na colônia. Os tupis e guaranis e os portugueses imigrados uniram-se em combinações
variadas de casamentos e tentativas de enriquecer, e seus filhos foram aumentando o
conjunto inicial. Ao longo de três séculos, o Brasil continuou a receber imigrantes por-
tugueses – indício de que havia, na América Portuguesa, um mercado interno valioso,
uma sociedade aberta, capaz de receber e abrigar pessoas dispostas a enriquecer, e
uma mobilidade social capaz de atrair índios e portugueses. Essa miscigenação, durante
o século XVIII, foi largamente ampliada pela presença de descendentes de africanos
entre os homens livres acelerando-se com a descoberta do ouro.

Do ponto de vista populacional, a mescla brasileira de raças formava a maioria


da população livre – uma característica apenas brasileira, ainda que houvesse es-
cravidão africana em todas as Américas – num outro indício de existência de uma
sociedade aberta, mesmo em face de um regime claramente escravista. (CALDEIRA,
2009, p. 19).

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Para entender a dinâmica concentrada na atividade interna, no mercado interno,


é preciso introduzir a figura do empreendedor como peça central. Essa análise é de-
senvolvida por Caldeira (2009). A definição de empreendedor empregada em seu livro
relaciona-se à carta de Pero Vaz de Caminha, que, além de dois degredados que ficaram,
cita no trecho final: “[...] com esses dois degredados ficam mais dois grumetes que se
saíram desta nau no esquife fugidos para a terra, e não vieram mais. E creio que ficarão
porque, prazendo a Deus, fizemos daqui partida”. (CALDEIRA, 2009, p. 168). Aos dois
degredados foi imposto pela força o desembarque e caberia a eles sobreviver no local
à própria custa. Os dois grumetes que se arrojaram em terra por sua conta, assumiram
decisões individuais, iniciando uma jornada que os levou para o desconhecido. Caldeira
mostra o entendimento, naquela época, do verbo “empreender”, a partir do Dicionário
da Língua Portuguesa, de Antônio de Moraes Silva: “Determinar-se a fazer alguma
ação laboriosa, e difícil; v.g. empreender a conquista, o descobrimento, uma jornada;
empreender qualquer justo perigo; expor-se”. (SILVA, 1813 apud CALDEIRA, 2009, p.
168). Empreender era a grafia da época.
Voltando aos nossos grumetes, ao lançarem-se para longe do mundo onde haviam
crescido, sem possibilidade de voltar, empreendiam em outro sentido: “[...] determina-
vam-se a realizar uma tarefa [...]”, conforme a compreensão que o dicionário explica.
Cortavam as amarras com a vida pregressa, buscavam novos caminhos não previstos
para a vida; criavam caminhos diversos.
Para lidar com a cultura tupi-guarani, Caldeira recorre ao antropólogo Eduardo
Viveiros de Castro. O longo contato pessoal com povos que não dominam a escrita
exige profissionais treinados e capazes. Nesse sentido, resumindo muito, é importante
entender que os tupis não eram exatamente um “povo sem religião”, como tão repetido.
Sua religião dispensava templos, o sagrado era presença no cotidiano, recebendo os
deuses em casa.
Receber os europeus era parte de sua própria jornada para novos conhecimentos.
A fusão entre povos diversos, receber o de fora em casa, era parte do modo de crescer
na jornada da vida. (VIVEIROS DE CASTRO, 2011, p. 206). Para os indígenas, perten-
cer a uma tribo equivalia a ter relações de parentesco com todos os seus membros. O
hábito tupi-guarani de ceder em casamento uma mulher da tribo para um estranho que
fosse aceito no grupo tornava-o parente de todo grupo. Dessa forma, fez-se o contato
entre os donos do conhecimento da natureza e os recém-chegados. O Brasil, além da
escravidão, constituiu-se em torno do casamento de pessoas de raças e culturas diversas:
“A história colonial do Brasil é a história da construção de alianças entre os grupos, já
não mais indígenas, mas mesclados, que vieram a se fixar na terra”. (CALDEIRA, 2015,
p. 192). Nesse processo, criava-se uma sociedade aberta, de população mestiça, em
uma aliança que transformava as duas partes: o nativo alterava seu modo de vida, e o
europeu abandonava sua origem.
A descendência de ambos e a continuidade desse processo criaram uma base
mestiça grande, em densas redes de alianças e negócios, com relações pessoais que
exigiam larga confiança na capacidade do outro. Caldeira (2015, p. 269) explicita o

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aparecimento de formas diversas pelas quais se fundiam negócios e famílias, concre-


tizando empreendimentos: “Fiado, dote, armação, quarta e empréstimos se comple-
mentavam como formas de disseminação da figura do empreendedor por todos os
poros da sociedade.”

VOTAR: UM VALOR DA SOCIEDADE MESTIÇA

Em 22 de agosto de 1532, Pero Lopes de Sousa, irmão de Martim Afonso de Sousa,


registra em seu diário de bordo a inauguração do primeiro governo legal no território do
atual Brasil. Naquele dia, na prática, foram as pessoas simples, analfabetas, rudes, que
habitavam aquele lugar ermo, a povoação recém-criada, que escolheram as autoridades
pelo voto. Aquelas pessoas eram os eleitores de São Vicente. Em 1553, o governador
Tomé de Sousa informa ao monarca D. João III que fizera João Ramalho – um líder
civil que comandava alianças – capitão da vila. A partir dessa data, também se iniciava
a eleição de vereadores para a Câmara de Santo André. A vila mudaria de nome em
abril de 1560, passando a chamar-se São Paulo.
Esse processo sucedeu-se em todas as vilas que se implantaram. Em Olinda, a partir
de 1541, aconteceram as primeiras eleições. Nessa vila, relacionou-se com a Câmara
também o donatário que tivera poderes concedidos pelo rei. Em Salvador, onde vivia
o Governador-Geral, representante do rei, as eleições aconteceram a partir de 1549.
Assim, as câmaras municipais estenderam-se em todas as vilas. Houve sempre eleições
regulares: os eleitos tomaram posse, deixaram o governo ao final do mandato de um
ano e transferiram o poder aos seus sucessores. Os vereadores escreviam as leis, co-
mandavam sua aplicação e chefiavam a aplicação da justiça nomeando juízes. Eram
representantes eleitos e tinham prerrogativas como definir preços de produtos, criar
impostos e até recusar funcionários nomeados pela Coroa.
Esses povos mestiços, praticamente todos analfabetos, distantes e isolados da me-
trópole lusitana, desde cedo exprimiam sua vontade ao votar e ao serem governados
pelos eleitos. Seguro que não poderíamos dizer que eram democratas no sentido que
hoje damos à expressão. Pior, defendiam a escravidão e, certamente, cometiam muitas
injustiças e usariam da condição em benefício próprio. Mas seria indispensável colocar
esse contexto na realidade dos feudos e senhores europeus da época.
Nas Câmaras, parte das construções iniciais de todas as vilas, instalaram-se os
governos locais, com estrutura de poder permanente, que caracteriza um traço cultural
essencial da realidade social. Caldeira (2015, p. 38-54) discorre sobre a base de valor
na história brasileira do voto e da democracia.

PATRIMÔNIO AMBIENTAL
A NATUREZA E OS INDÍGENAS

Um modo diverso de ver as coisas no século XVI levou-me a citar o registro de Jean
de Léry, em 1556, com um índio tupinambá. (MAGNOLI, 2015, p. 17-19). Para o indí-

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gena, a natureza era um valor, e a preservação dos bens na Terra era importante para
deixar aos viventes de amanhã.
Na época em que o teólogo Léry, que dialogava com João Calvino a elaboração
da teoria protestante, o conhecimento que os índios brasileiros tinham da floresta e de
muitas de suas espécies surpreendia os europeus. Os primeiros habitantes da terra não
conheciam apenas as plantas da localidade que os vira nascer: aprendiam a observar,
aprendiam a olhar em torno, a improvisar. Enquanto os europeus conheciam cerca de
uma centena de espécies, os indígenas manipulavam por volta de três mil espécies.
Era um contínuo aprendizado na troca de observações e experiências um com o outro.
Desenvolveram remédios e drogas para muitos diferentes distúrbios, experimentaram
cruzamentos com novas maneiras de lidar com sementes e plantios e obtiveram grande
variedade de venenos, tônicos e estimulantes. Dedicaram-se a montar receitas, extratos
de ervas, drogas para diversos rituais e novas práticas com novas formas de uso. Reve-
laram muita plasticidade em face das diversas transformações da história que viveram.
Recomendo Kury (2013), bem ilustrado e elaborado por um grupo de historiadores que
se debruçou sobre esses conhecimentos.

OS PORTUGUESES E A “AVENTURA DAS PLANTAS”

Os portugueses introduziram grande número de plantas tropicais de outros con-


tinentes, muitas vezes em competição com espécies nativas. Com essa “aventura das
plantas”, colonizaram-se diferentes regiões da América, promovendo-se, nas terras
brasileiras, o aumento da biodiversidade. As introduções transcontinentais de espécies
vegetais foram de muito sucesso: novas terras, semeadas por novas espécies, trans-
portadas em geral na forma de frutas e sementes, sem as principais pragas e doenças,
cresceriam melhor no Brasil do que nas terras da África e da Ásia. Assim, o cacau, o
abacaxi e a borracha, originários das Américas, viriam a ter ótimo desenvolvimento
ao serem introduzidos na África, Ásia e Oceania, livres de parte das pragas que aqui
os assolava. Os portugueses não sabiam que o sucesso se devia à natureza ecológica
das mudanças. (MIRANDA, 2003).
Uma nova paisagem se constrói com a vinda de animais e plantas da Europa, Ásia,
África e América Central. Imagens e hábitos estão entre as mudanças culturais significa-
tivas: a orla marítima, com coqueirais dos países do Oceano Índico, incorpora à visão
cultural brasileira uma nova “imagem-praia”. Dos índios se tomarão novos hábitos de
dormir e comer: as redes e a mandioca. Mais tarde, lado a lado, com plantas indígenas
medicinais e árvores frutíferas nativas, com nossos abacaxis e cajus, estarão também
legumes, hortaliças, flores e cereais “exóticos”: cana-de-açúcar, algodão, manga, ba-
nana, carambola, melão, melancia, arroz, feijão, trigo, aveia, sorgo, uva, coco, jaca,
café, pinha, graviola, abacate. A dieta habitual é de produtos de origem exótica trazidos
pelos portugueses. A troca transcontinental de espécies vai prosseguir por dois séculos
em processo de tentativa e erro; está na base das maiores transformações espaciais dos
ecossistemas originais.

Paisagem e ambiente: ensaios - n. 37 - São Paulo - p. 199 - 239 - 2016 221


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UM EMBRIÃO DE LEGISLAÇÃO AMBIENTAL

A exuberância da natureza tropical impressionou a Corte portuguesa, que estendeu


ao Brasil, ainda em 1532, as Ordenações Manuelinas – com a finalidade de proteger
a natureza (Miranda, 2003, faz referência a esse aspecto). Em relação ao número de
espécies da flora e da fauna conhecidas em Portugal na época, foram necessárias
mudanças de porte em vista da biodiversidade encontrada e daquela que os próprios
portugueses aumentaram. O elenco de proibição da caça de animais e da proteção
de árvores deveria ser ampliado. Também se atribuía valor à qualidade da madeira:
até hoje, é parte do nosso vocabulário a expressão “madeira de lei”. Sem dúvida, a
capacidade de fiscalização do imenso território era, na época, muito complexa, mas
mantidas as devidas proporções, hoje ainda é difícil fiscalizar a aplicação da legislação
ambiental. Ao vedar a caça em determinados lugares e impedir que fossem abatidas as
árvores, principalmente as frutíferas, dá-se ensejo ao zoneamento ambiental e à noção
de reparação por dano ecológico enquanto embrião de legislação ambiental.
Com a implantação, em 1548, do Governo Geral do Brasil, a preservação e con-
servação dos recursos naturais adquire feição local. Por meio das Ordenações Filipinas,
visto que Portugal estava, na época, sob domínio espanhol, é assinado por Felipe II, em
12 de dezembro de 1605, o Regimento do Pau-Brasil: visava racionalizar o extrativismo
da madeira e conservar as matas para as futuras explorações; seria a primeira lei de
proteção e gestão florestal sustentável. Eram previstas penas proporcionais para quem
excedesse a licença de corte do pau-brasil e dispunham-se critérios para a forma dos
cortes, de modo a garantir que voltassem a brotar. Vários detalhes dos controles constam
em Miranda (2003, p. 73). Contrariamente ao que se divulga, foi a fabricação industrial
de anilina, a partir de 1850, que retirou o pau-brasil do mercado; não foi a devastação
da mata atlântica. Tal devastação, infelizmente, deverá ser atribuída a nós, brasileiros.
Até os manguezais foram objeto de alvará real de proteção, em 10 de julho de 1760
notificado às Câmaras das capitanias.

Transição: uma ponte entre a América Portuguesa e o Brasil-Nação

A Corte nos trópicos, em 1808, chega ao Rio de Janeiro com cerca de 15 mil pes-
soas. Em 1815, D. João elevou a Colônia à categoria de Reino Unido de Portugal, Brasil
e Algarves, parte de uma união real com a metrópole. A abertura dos portos financiou
uma remodelação do Rio; criaram-se teatros, jornais, escola de música, biblioteca e
instituições como o primeiro banco, o Banco do Brasil.
D. João fica encantado com a paisagem, as florestas, morros e lagos. Para incen-
tivar a agricultura e experimentar diversas modalidades de cultivo criou, em 1808, o
Real Horto, origem do Real Horto Botânico do Rio de Janeiro – na prática, a primeira
Unidade de Conservação (UC) do país. Entre as primeiras plantas introduzidas, estava
Roystonea oleracea, palmeira plantada em 1809, que ficou mais conhecida do que as
da nossa flora.

222 Paisagem e ambiente: ensaios - n. 37 - São Paulo - p. 199 - 239 - 2016


“ Ver de - A mar elo” em Pindor ama : A S oc ie d ade B r a s ileir a ,
a A pr opr iaç ão do Ter r i t ór io e o Pat r imônio A mbient a l

Figura 20 Jardim Botânico do Rio de Janeiro.


Foto: Josefina Capitani, 2015.

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M ir a nd a M ar t inelli M a gnoli

Figura 21 Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Um parque urbano no século XXI, que sofreu sucessivas reformas ao
longo de sua existência, mas mantendo seu caráter de jardim botânico.
Foto: Josefina Capitani, 2014.

Em 1821, a contragosto, D. João volta a Portugal, deixando seu filho e herdeiro como
regente da parte americana do Reino Unido. O confronto com a Corte de Lisboa leva
à Independência, em 1822, e à criação do Império do Brasil. Apesar do entusiasmo,
que se generalizou entre a população, era preciso enfrentar problemas urgentes: fazer
a Constituição do Império, implantar uma política econômica para a nação e traçar a
estratégia de inserção do país no mundo.

A DIFÍCIL CONSTRUÇÃO
A SOCIEDADE BRASILEIRA EM BUSCA DO APERFEIÇOAMENTO
   DA CIDADANIA

A pintora Adriana Varejão expõe uma série de retratos – as cores da mestiçagem –


em que o próprio rosto assume diferentes tons de pele, declaradas por entrevistados em
pesquisa do governo. Apareceram 136 cores: branca-melada, branquinha, encerada,
rosa, mulatinha, morena-canelada, retinta, queimada, e por aí vai. Isso mostra que os
brasileiros são mestiços. Não são simplesmente as cores que se mesclam, mas, sim, as
culturas; a mestiçagem é muito mais ampla do que se avalia com as percepções derivadas
da cor da pele: é a interculturalidade que caracteriza o brasileiro. É com Gilberto Freyre,
em Casagrande e senzala, que a abordagem cultural transforma a mestiçagem em
valor positivo (MAGNOLI, 1997, p. 98-101, discorre sobre esse aspecto).

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a A pr opr iaç ão do Ter r i t ór io e o Pat r imônio A mbient a l

A adaptação a diferentes níveis de insolação define a cor da pele. A genética de-


cifra o DNA e afirma que raças não existem. A simplificação das classificações raciais
é desmontada no texto interessante de Cavalli-Sforza (2003, p. 93): “Sabemos que a
cor da pele é em grande parte determinada pela intensidade do sol.” Resumida, sua
argumentação esclarece que aqueles que vivem mais próximo do Equador, além da pele
mais escura, conforme as latitudes, adaptam traços corpóreos, como o feitio do corpo, o
tamanho das narinas, o tipo de cabelo. Por outro lado, o autor também explica que, em
geral, a mistura de raças aumenta a resistência a doenças e a sua própria viabilidade.
É o fenômeno conhecido como “vigor híbrido”, a vantagem do heterozigoto. Este é um
indivíduo que recebe do pai e da mãe formas diferentes de um gene. (CAVALLI-SFORZA,
2003, p. 71).
Barack Obama, presidente dos Estados Unidos desde 2008, ao definir-se como
mestiço, embaralhou as ideias para os americanos, pois, no censo e nas leis america-
nas, a mestiçagem não existe. Lá, ou você é branco, ou é negro. Para fazer leis raciais,
elimina-se a mestiçagem, definindo claramente a raça de cada um. E a mestiçagem é
a não raça, a indefinição. Nossas ações afirmativas copiaram os americanos, onde o
mestiço não existe!
Procurar eliminar o mestiço no Brasil é um absurdo; a miscigenação é da história do
país há quinhentos anos. Para instituir cotas raciais, é preciso eliminar o mestiço. Não há,
no Brasil, um conceito popular de que estamos separados por raças, como nos EUA. A
maioria dos brasileiros não interpreta o Brasil pelo prisma da raça; o estado brasileiro
nunca fez leis raciais ao longo da história, pelo contrário. Não há racismo no Brasil; há
racistas. Quando se manifestam, é uma vergonha, um escândalo: mostram o caráter
antirracista da nação. No fundo das mentes, tem-se uma só raça: a humana. O racismo
no Brasil está sempre ligado à questão socioeconômica, à desigualdade. A maioria dos
pretos e pardos está em regiões mais pobres do país, enquanto a maioria dos brancos
está nas regiões mais ricas. Há maior incidência de pobreza entre pretos e pardos. No
fim da escravidão, os descendentes de escravos não foram incluídos na sociedade que se
modernizava. Foram segregados econômica e socialmente por falta de reforma agrária
e de ensino público abrangente. A questão do ensino continua mal resolvida.
A qualificação dos direitos sociais universais é a chave para pensar a enorme lacuna
na educação básica e fundamental. É um engano conceder privilégios – ações afirmati-
vas, cotas, Prouni a grupos privados de ensino – a alguns poucos que se definem negros
e indígenas, como se não pudessem ter méritos próprios. Em vez de cotas raciais, são
necessárias cotas sociais e, principalmente, políticas de rápida melhoria das escolas
públicas.
Em busca de outro viés para a questão da educação recorri à abordagem dos
economistas Giambiagi e Schwartsman (2014), que num texto extremamente claro,
deixam explícito que educação é pressuposto do crescimento, e não mero resultado;
que o fortalecimento das políticas públicas, nos campos da educação e saúde, moradia
e transporte, é o meio mais indicado para combater as desigualdades extremas que
atravessam a sociedade brasileira. (GIAMBIAGI; SCHWARTSMAN, 2014, p. 117-133).

Paisagem e ambiente: ensaios - n. 37 - São Paulo - p. 199 - 239 - 2016 225


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A mobilidade social e os empreendedores – Com o Império e a República,


as migrações internas foram contínuas, porém, especialmente no final do século XIX,
vieram imigrantes diversos: alemães, italianos, espanhóis, libaneses; depois orientais,
japoneses e chineses; agora, na virada do século XX, chegaram bolivianos, peruanos
e outros povos latinos, em geral, indígenas que falam espanhol. Somaram-se a esses,
em 2014, haitianos que falam francês ou crioulo; os ganeses e congoleses e os sírios
são recentes. Reforçou-se a leva de pessoas em busca de oportunidades; muitas delas,
ou seus descendentes, casaram-se no Brasil; entre os novos chegados, também muitos
aqui se casarão. Concordo com Caldeira (2015, p. 269) ao afirmar que “[...] a vontade
de empreender, de correr riscos, não é apanágio de uma minoria”. A procura de mo-
bilidade social, a “jornada” dos dois grumetes em busca de oportunidades, é também
própria à grande maioria dos migrantes e imigrantes em todos os lugares e países. A
dinâmica social no país revela-se na ascensão de Lula (Luiz Inácio Lula da Silva), de
retirante nordestino que, saído dos fundões do sertão, chega ao patamar mais alto – de
Presidente da República.

A cidadania formal – Os Estados-nações usam os princípios de jus soli (lugar de


nascimento) e jus sanguinis (ascendência) para determinar o pertencimento à nação. A
cidadania brasileira foi claramente especificada no início da nação: “São cidadãos bra-
sileiros os que no Brasil tiverem nascido, quer tenham nascidos livres, ou libertos, ainda
que o pai seja estrangeiro e os filhos de pai brasileiro, e os ilegítimos de mãe brasileira,
nascidos em país estrangeiro, que vierem estabelecer domicílio no Império”. Assim, a
Constituição de 1824 (artigo 6) formulava a cidadania nacional em termos de jus soli
incondicional e jus sanguinis condicional. Essa formulação permanece essencialmente
inalterada até hoje. A inclusão caracteriza a cidadania; jus soli era includente e irrestrita.
A lei brasileira encorajava a mistura racial, não fazendo diferença entre índios e negros.
Estes, quando nascidos livres, eram cidadãos; os outros, nascidos no Brasil, quando
libertos, seriam automaticamente cidadãos. Vale observar que a cidadania americana
estabeleceu o jus soli em 1820, em alguns estados: em 1850, na maioria deles; em
1920, para as mulheres, e, no caso dos negros americanos, o jus soli incondicional é de
1965. (HOLSTON, 2013). Contextos extremamente diversos entre a situação brasileira
e americana questionam as cotas raciais, copiadas dos americanos.
Os anos 1980 do século XX, com a endêmica crise econômica e a inflação galopante,
tinham propiciado amplos debates e ensejado demandas pela ampliação da noção de
cidadania. Considerada uma “década perdida”, fora, ao contrário, altamente relevante
para o avanço democrático do país, com a irrupção de múltiplos movimentos sociais:
trabalhadores, camponeses sem terra, mulheres, negros, índios. Concluída a difícil tran-
sição democrática, a luta por eleições presidenciais diretas, uma nova Constituição, a de
1988, consagrou os direitos sociais sob a égide do estado e instaurou plenas liberdades
democráticas. Ao final, em 15 de novembro de 1989, as primeiras eleições diretas para
a Presidência da República contêm, como novo dispositivo constitucional, um segun-
do turno entre os dois mais votados. Seria acionado, em poucos anos, um dispositivo

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“ Ver de - A mar elo” em Pindor ama : A S oc ie d ade B r a s ileir a ,
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constitucional que constava na nova Constituição: o impeachment. Ao assumir, o vice-


-presidente deveria enfrentar o desafio do controle da inflação e a abertura do país ao
mercado internacional.
Desde as Câmaras Municipais, vereadores eleitos, atas das câmaras do início do
período colonial à virada do século XX, levantaram-se questões sobre a qualidade da
democracia, partindo da ideia de que a eleição é requisito fundamental – mas o inicial, e
não o suficiente. Cada vez mais se buscam nas instituições as características que viabilizam
a democracia: Imprensa livre, Congresso independente, Judiciário isento. Ao indivíduo,
cabe participar para estabelecer um governo democrático. Processo lento, exige diálogo
e respeito às diferenças. Oposição é importante; ninguém é melhor ou está mais certo
porque está no poder. Quem é eleito governa a todos e não apenas aos seus eleitores.
Os aspectos relacionados na América Portuguesa quanto à miscigenação, o empre-
endedorismo e o embrião da democracia até aqui se avaliaram pela busca de aprofun-
damento da cidadania. Aspecto novo diz respeito à mudança da estrutura demográfica.
Sintetizo três grandes etapas:

• do século XIX até 1940, altas taxas de natalidade e altas taxas de mortalidade
resultaram em uma população aproximadamente estável, com grande proporção
de jovens;
• de meados da década de 1940 até o final da década de 1960, mantiveram-
-se altas as taxas de natalidade, enquanto caiu a de mortalidade, levando ao
aumento populacional e ao aumento do contingente jovem;
• a terceira tendência, iniciada em meados dos anos 1960, combinou duas redu-
ções: da taxa de natalidade e da taxa de mortalidade, provocando o aumento
percentual dos contingentes de adultos jovens e idosos e a rápida queda do
crescimento populacional.

A transição demográfica indicada não é somente – mesmo que muito importante


– um problema de recursos financeiros da previdência, mas uma questão de mudança
de hábitos com consequências nos programas de cinema, televisão, teatro, turismo,
habitações, infraestruturas. E mais: um artigo de Colombo (2016) aponta para “[...] um
momento único na história da humanidade em que enormes quantidades de pessoas,
se têm condições para isso, optam por viverem sozinhas”. As mudanças a refletir são
de bem maior alcance, caráter e amplitude. Têm a ver com novas paisagens urbanas.

A ARTICULAÇÃO E INTEGRAÇÃO DO TERRITÓRIO

O território é uma construção social, histórica e política, que expressa os padrões


de apropriação de um espaço geográfico por uma sociedade.
Em 1822, o Império do Brasil considerou como prioridade política a construção da
unidade do território, que deveria ser delimitado por tratados de fronteira. Alguns levan-
tamentos sobre fronteiras tiveram início ainda antes da Independência, pelo Marquês de

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M ir a nd a M ar t inelli M a gnoli

Pombal. Seguiram-se muitos outros, de maior amplitude e profundidade. Foi conduzido


um consistente trabalho de política externa, de modo a transformar as delimitações dos
Tratados de Tordesilhas, Madri e Santo Ildefonso. Buscava-se consolidar as fronteiras do
país e garantir que não houvesse chance de litígio territorial com países vizinhos (esse
histórico é descrito em Magnoli, 1997). Por meio da Constituição de 1824, o Estado se
organizou como monarquia unitária, centralizando o poder no imperador; evitava-se
a formação de centros regionais concorrentes no poder. O território foi dividido em
Províncias e o imperador nomeava o presidente de cada uma.
Em 1889 organizava-se a República, baseada em um modelo federativo. As Províncias
foram convertidas em estados, com assembleias, com poderes legislativos e Constituições.
Os governadores passaram a ser eleitos, e tal modelo e autonomia se mantêm. Com
a Proclamação da República, definiu-se um projeto nacional de integração do vasto
território e de transferência da capital para o interior. A implantação de Brasília é uma
decisão política emblemática da integração. Articular e integrar o país, levando a capital
para o centro, conduz a novas formas de ocupação do interior. O povoamento mais
intenso das terras interiores demanda a implantação de serviços públicos e a presença de
órgãos da administração estadual para garantia de direitos sociais. Demanda, também,
diferentes infraestruturas de transporte – para mercadorias e pessoas – e infraestruturas
de comunicação para informações e intercâmbios de ideias e culturas.
Do complexo de temas inseridos na valorização do território, como energia, agricultura,
indústria, ao destacar a integração com o projeto nacional da República, selecionei o
espaço da agroindústria na medida em que veio a ocupar grandes áreas do interior com
exigências expressivas em infraestruturas. Simultaneamente, ao trazer nova configuração
regional, vem induzindo novos processos de urbanização e novas paisagens urbanas.

Figura 22 Estrada Pirenópolis/Eunápolis, antigos campos de cerrado transformados em culturas e cidades.


Foto: Silvio Soares Macedo, 2016.

A ocupação do interior no Centro-Oeste, no cerrado, com um modelo de agricultura


tropical, transformou as terras do cerrado em campos férteis. Os avanços tecnológicos

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em ciências da terra, desenvolvidos pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária


(Embrapa) e outras instituições, trouxeram uma expansão sem precedentes da agricul-
tura e da pecuária intensiva – porém na medida em que essa produção está no interior
do país, também está distante dos centros consumidores externos e internos. Essa ca-
racterística, em país de dimensões continentais, enfatiza a importância da questão do
transporte. Abordam-se, de forma muito resumida, os principais aspectos dessa questão;
recomendo o texto de Lovatelli e Amaral, “Mobilidade rural e urbana e a logística”, em
Interesse Nacional, n. 24, p. 51- 61.

Figura 23 Interior de Goiás, área vizinha a Eunápolis.


Foto: Silvio Soares Macedo, 2016.

A rápida expansão dos cultivos encontrou-se com duas décadas de investimentos


em infraestrutura muito aquém do necessário, e do progressivo desaparelhamento da
capacidade estatal de planejamento e gestão, enquanto manifestavam-se os benefícios
do ciclo de alta da demanda por commodities. A demanda deveria ter sido precedida
pela implantação de modais adequados ao volume e ao tipo de mercadoria a serem
transportados. Grãos e minérios, por exemplo, requerem modais com economias
crescentes de escala – como as ferrovias e hidrovias –, que se traduzem em custos
decrescentes de transporte por unidade de produto. É preciso organização, planeja-
mento e execução.
Lovatelli e Amaral (2014) mostram a formação dos preços das commodities agrícolas,
explicam a importância da logística, esclarecem como a atual infraestrutura prejudica a
economia. Analisam, também, a eficiência dos modais de transporte medida pelo con-
sumo de combustíveis e, ao identificarem as implicações dos transportes em hidrovias,
ferrovias e rodovias, deixam claro que seria muito mais inteligente investir em modais
mais eficientes do ponto de vista do consumo desse combustível. É preciso remontar às
formas de ocupação e ao plantio inicial da soja para entender as mudanças.

Paisagem e ambiente: ensaios - n. 37 - São Paulo - p. 199 - 239 - 2016 229


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À medida que essa oleaginosa se adaptou às condições das latitudes mais baixas
do país, criaram-se as condições básicas para que o produtor brasileiro vendesse suas
propriedades do sul e sudeste e fosse para regiões com disponibilidade de terras mais
baratas. Ao contrário do que se costuma pensar, não há aí uma monocultura, mas um
rodízio de culturas que inclui a soja, principal produto agrícola da pauta de exportações
brasileira e, com igual importância, o algodão, o milho e outros grãos. É uma produção
agrícola considerada das mais eficientes. Outra vantagem dessa produção com plantio
direto na palha é a capacidade de gerar duas, às vezes até três safras na mesma área,
à diferença dos países de clima temperado, com uma só safra. No período de chuva,
plantam-se as culturas de maior rentabilidade, e, no período seco do ano, é a “safrinha”
com o plantio de outras culturas, como o milho, o milheto, o sorgo em lavouras irrigadas
por pivô central, sendo altas as produtividades obtidas. Nessas regiões também se tem a
integração da lavoura com a pecuária, silvicultura, fruticultura de ponta, genética animal.
Essas considerações mostram que um país continental se redescobriu, nos últimos
anos, como potência de agricultura tropical, que passou de importador a exportador
de alimentos, fibras, carnes e bioenergia. As condições logísticas, de infraestruturas que
poderiam ser suficientes no passado já não se prestam para as novas realidades. O
impacto dos volumes a transitar avança até sobre os portos regionais, especialmente
Santos (SP), Paranaguá (PR), Rio Grande (RS), Vitória (ES) e São Francisco do Sul (SC).

Figura 24 Porto de Santos (acima e ao meio da imagem).


Foto: Silvio Soares Macedo, 2015.

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A situação da logística é analisada por Lovatelli e Amaral (2014), que identificam


os investimentos necessários para transportar os produtos pelo Canal do Panamá, que
estará com sua capacidade de transporte duplicada no início de 2016, podendo rece-
ber navios de maior capacidade de carga. Os autores se estendem em considerações
sobre as obras prioritárias, as mudanças necessárias na gestão pública, a necessida-
de de maior coordenação entre as autoridades envolvidas nos projetos. Comentam,
também, que são altos os recursos para arcar com os custos elevados da legislação
ambiental brasileira. Tal aspecto será abordado por Lovatelli (2016), que foca o tema
conciliação entre a produção de alimentos e legislação ambiental rigorosa, referindo-
-se ao Código Florestal de 2012, que prevê Áreas de Preservação Permanente (APPs)
de acordo com o tamanho da propriedade e Reserva Legal, que variam conforme o
bioma. No cerrado, a proteção oscila entre 20% e 35%; na Amazônia, o porcentual
é de 80% da propriedade rural. A integração das informações deverá acontecer com
a implementação, até maio de 2016, do Cadastro Ambiental Rural (CAR). Na medida
em que a União Europeia é importante importadora de produtos de valor agregado
do complexo soja e, simultaneamente, compradora exigente em relação à questão
ambiental, à qualificação ambiental em relação ao agronegócio.

Figura 25 O porto de Suape, como outros tantos investimentos em infraestrutura portuária e ferroviária, demorou
muito tempo para ser construído e, mesmo em 2016, ainda não estava concluído. Após anos de atraso, inúmeros
investimentos não tinham saído do papel, aumentando muito as deficiências crônicas em infraestrutura do país.
Foto: Silvio Soares Macedo, 2015.

Expus a articulação do território nas novas configurações regionais do cerrado no


Centro-Oeste brasileiro. A urbanização decorrente da moderna produção foi estudada
pelo colega Vicente Barcellos, pioneiro no tema, que analisou parte desse histórico
para compreender os aspectos relativos às novas paisagens urbanas, à sociabilidade
nos espaços livres públicos, no sistema de ruas, avenidas, praças e parques (consulta

Paisagem e ambiente: ensaios - n. 37 - São Paulo - p. 199 - 239 - 2016 231


M ir a nd a M ar t inelli M a gnoli

disponível em Paisagem e Ambiente: ensaios, n. 29, 2011, p. 227-246; n. 34, p. 61-79,


2014 e em Sistemas de Espaços Livres, 2011, p. 153-180).
A situação anterior da infraestrutura nos espaços da nova agricultura tropical poderia
ser específica e singular da mudança nessa realidade de grande porte. Para ter uma
avaliação atualizada sobre as deficiências da infraestrutura brasileira, sugiro a leitura
de Giambiagi e Schwartsman (2014, p. 101- 116).

DO PATRIMÔNIO AMBIENTAL AO
   DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Na Constituição de 1988, o país elevou o meio ambiente à condição de bem pú-


blico a ser protegido. A Política Nacional do Meio Ambiente de 1981 foi incorporada
à nova Constituição. A importância desse aspecto revela-se na medida em que, na
Carta Magna, vem junto com a ideia de cada vez mais evoluir para a construção de
um moderno Estado democrático, assegurando direitos civis e políticos e buscando a
universalização dos direitos sociais.
Nas transformações sobre as questões do ambiente para o desenvolvimento sus-
tentável, selecionei dois casos, aqui resumidos. São duas situações muito diversas, mas
em ambas se lida com o mesmo conceito: a valorização das populações e o elo com o
patrimônio natural. É significativo o “humano” da biodiversidade e a utilização “cons-
ciente” da biodiversidade.
O primeiro caso refere-se a um estudo de Becker (2006) sobre a Amazônia, no qual
coloca como premissa a impossibilidade de dissociar a proteção da biodiversidade – e
da natureza – de sua dimensão humana. Essa afirmativa baseia-se em várias razões:
os contextos históricos que explicam as políticas; o contexto das relações sociais, que
contém a diversidade da vida como fenômeno humano; os diferentes projetos para
a biodiversidade, conforme os significados para as diferentes sociedades; a ideia de
que a proteção da biodiversidade é tanto maior quanto maior for sua contribuição para
o sustento da população que com ela convive. A autora menciona as transformações
globais das últimas décadas do século XX, período em que se fortaleceram as políticas
de preservação da natureza, indicando: 1) a revolução científica e tecnológica, com a
informação e o conhecimento como matérias-primas da nova forma de produção criada
por essa revolução; 2) a interconexão crescente, em nível global, das arenas políticas
nacionais e internacionais; 3) a velocidade acelerada das mudanças, diferenciada so-
cial e territorialmente, conforme o acesso à tecnologia, aos recursos financeiros e às
iniciativas políticas; 4) a crise ambiental, que impôs novos padrões relacionais com a
natureza e seus recursos.
Notou-se que a natureza se tornara um bem escasso quando, pelo satélite, se viu
a Terra no cosmos. Perceber a unidade do globo nos fazia conscientes de que era
um bem comum; usá-la, passava a ser responsabilidade comum. Saltava aos olhos o
desafio ecológico: envolvia a sobrevivência da humanidade e a valorização do capital
natural. A questão ecológica entraria na agenda geopolítica global. (MAGNOLI, 2015).

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a A pr opr iaç ão do Ter r i t ór io e o Pat r imônio A mbient a l

A percepção da crise ambiental passou a exigir reflexões mais sérias e consistentes das
relações entre a natureza e seus recursos. Becker (2016, p. 356) afirma: “A natureza é
reavaliada e valorizada como informação sobre a vida e sobre os recursos potenciais,
mas a valorização dos elementos naturais se realiza num outro patamar, condicionada
por novas tecnologias.”
Apesar dos níveis globais de transformações, fluxos de informação, conhecimento e
financiamento, os estoques de natureza estão localizados em territórios de estados que
controlam as decisões sobre o uso dos territórios. Assim, os espaços geográficos territoriais
que contêm esses estoques significam capital natural, atual e futuro, tornando-se objeto
de novas disputas. A questão ambiental se politiza. Nesse processo de rápidas mudan-
ças globais, o ambientalismo também alterou seu foco inicial: de muito preservacionista
passou para o desenvolvimento sustentável, passando a reconhecer as condições sociais.
Essa tese é exposta por Becker (2016), de forma interessante e rica de ideias e pesquisas,
para o caso da Amazônia brasileira. A autora indica a implantação do ambientalismo
na Amazônia, as condições atuais, as demandas e desafios para o desenvolvimento
regional, e termina com uma proposta para o uso consciente da biodiversidade amazô-
nica, analisando a competência regional para viabilizá-la. A tese de Becker (2006) está
contida no título do artigo: “Da preservação à utilização consciente da biodiversidade
amazônica: o papel da ciência, tecnologia e inovação”.
O segundo caso é indicado no artigo de Helder L. Queiroz e Nelissa Peralta (2006)
– cujo título, “Reserva de desenvolvimento sustentável: manejo integrado dos recursos
naturais e gestão participativa”, incorpora aspectos importantes da tese. Os autores expõem
a criação, em 1996, no estado do Amazonas, de uma nova categoria de UC, voltada à
conservação da biodiversidade: a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS), que
em 2000 foi incorporada ao Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC).
O processo inicial remonta ao início dos anos 1990, com a cogestão da Estação
Ecológica Mamirauá (EEM) e a organização não governamental Sociedade Civil Ma-
mirauá (SCM). Lembro que Estação Ecológica é uma categoria de UC de proteção
integral que proíbe a permanência de populações residentes. As restrições dessa cate-
goria mostravam-se inviáveis em face da realidade de ocupação tradicional da área.
Os pesquisadores perceberam que sem a participação da população local, tanto no
manejo dos recursos, como na gestão da área, a UC não seria viável em longo prazo.
O objetivo básico dessa nova categoria, RDS, consiste em promover a conservação
da biodiversidade, assegurando as condições e meios necessários para a reprodução
social, a melhoria dos modos e qualidade de vida das populações tradicionais, por meio
da exploração racional e sustentada dos recursos naturais. Propõe valorizar, conservar
e aperfeiçoar o conhecimento e as técnicas de manejo do ambiente desenvolvido por
essas populações.
Resumo os tópicos principais do artigo de Queiroz e Peralta, que apresenta os pro-
cessos pelos quais o modelo se consolidou e identifica suas principais características.
Os autores iniciam com um breve histórico, indicam a ocupação humana e as demais
características principais da Reserva Mamirauá. Prosseguem com o modelo RDS de

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conservação da biodiversidade e os modelos de gestão participativa; os componentes


do modelo quanto à pesquisa científica, ao sistema de zoneamento, às normas de uso
dos recursos, às alternâncias econômicas. É extremamente interessante analisar, no ar-
tigo, os diferentes campos de trabalho e pesquisa multidisciplinar para elaborar os elos
entre recursos naturais específicos, a combinação do conhecimento tradicional com o
conhecimento científico, a participação ativa e deliberativa das populações locais, os
critérios para os assentamentos das comunidades, a formação e manutenção de forte
base científica e as inovações em programas que relacionam conservação e geração
de renda. Em um desses programas, inclui-se o ecoturismo. Nessa atividade, a hospe-
dagem é feita na Pousada Flutuante Uacari, no interior da Reserva. Os serviços, de alta
qualidade, são feitos por moradores da Reserva, treinados e aperfeiçoados no programa.
A Reserva Mamirauá está situada na confluência dos rios Solimões e Japurá, entre as
bacias do rio Solimões e do rio Negro. Sua porção mais a leste fica nas proximidades da
cidade de Tefé, no estado do Amazonas. Próximo do Parque Nacional do Jaú, A Reserva
Mamirauá é considerada uma área alagada de importância internacional, inscrita como
um dos sítios brasileiros da Convenção Ramsar das Nações Unidas, que protege áreas
alagáveis em todo o mundo. O alagamento sazonal do rio Solimões causa elevação
do nível da água, anualmente, de 10 a 12 metros da estação cheia para a seca. É a
dinâmica da água causada pelas chuvas das cabeceiras dos rios associada ao degelo
anual do verão andino. Em Ab’Saber (2006, p. 72-109), são muitas as ilustrações da
Reserva Mamirauá.

CONSIDERAÇÕES

Este artigo, à procura do processo histórico de construção do país, lidou com três
temas – a sociedade brasileira, o território e o patrimônio ambiental – e suas transfor-
mações. Estas vêm procurando evoluir para a cidadania, a integração do território e
o desenvolvimento sustentável. Os três temas, suas mudanças e inter-relações foram
abordados em duas partes, que nomeei: “Singularidades da América Portuguesa” e “A
difícil construção”. Essa construção é a de um país cuja colonização deixou legados a
cultivar e outros a corrigir com escolhas decididas por brasileiros.
São legados: a interculturalidade, o empreendedorismo e o embrião da demo-
cracia. A América portuguesa expandiu o espaço apropriado pelos colonos; o Estado
Imperial tomou a si o processo e as ações exigentes para a construção da unidade
territorial brasileira.
A inserção do país no mundo surgiu com a Independência: a nova nação devia
traçar a política de internacionalização e suas estratégias. Necessários intercâmbios em
várias áreas, especialmente na era da mobilidade digital, que busca maior integração
diversificada de vários sistemas. Para muitos pensadores, parece importante sair do iso-
lamento por via de uma economia mais aberta e integrada nos mercados internacionais.
Pioneira na internacionalização é a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
São Paulo (FAPESP), com 136 acordos vigentes com 21 países. A presença internacional

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da Fundação se alargou e não se limitou às áreas tradicionais. Buscou, também, novas


áreas de cooperação, facilitando aos pesquisadores a oportunidade de interagir com
colegas de outros países: é massa crítica estimulada em uma rede de pesquisadores
operando no mundo. Em particular, com foco na área ambiental, foram lançados dois
programas: um dedicado às mudanças climáticas, para avaliar o impacto das trans-
formações globais na América do Sul, e o Programa Bioen, para pesquisa na área de
energias renováveis. Neste privilegia-se o desenvolvimento do etanol – o mais barato dos
recursos de energia renovável do mundo, com especial significado na matriz energética,
levando em conta os vários aspectos do setor sucroalcooleiro, inclusive o emprego.
Enfatizo, ainda, alguns aspectos da sociedade brasileira em busca do aperfeiçoamento
da cidadania. A rica interculturalidade, decorrente da miscigenação desde a chegada
dos portugueses até os dias atuais, com a acolhida dos mais diferentes povos. Os por-
tugueses, um povo mestiço de latinos, africanos e árabes, desde a chegada no litoral
brasileiro, misturaram-se com os nativos e, após, com os africanos. Estes, de diversos
lugares da África, falando diferentes línguas, deslocados e separados de sua terra e sua
gente, resistiram à escravidão produzindo cultura, elaborando rituais, criando ritmos. A
musicalidade brasileira floresceu da semente mestiça e é cada vez mais rica.
Os arranjos dos empreendedores, isto é, as relações econômicas do período co-
lonial, eram o dote, a armação, a quarta, o fiado. (CALDEIRA, 2009). É curioso que
alguns aspectos ainda sobrevivam. Presente na colônia desde pelo menos o século XVIII,
o fiado ganhou importância imensa na formação brasileira e foi sobrevivendo até os
cheques pré-datados do século XX, os cartões eletrônicos do século XXI: é o costumeiro
crédito imediato com entrada só em noventa dias, como se anuncia em muitas lojas.
É uma forma de financiamento da produção e do consumo. Outro aspecto da economia
colonial era o valor da palavra empenhada. (CALDEIRA, 2009). O compromisso entre
as pessoas tinha como única garantia o hábito de arrancar um fio de bigode como sím-
bolo do contrato selado. Tal prática ainda era comum entre os pequenos empresários
da industrialização, em São Paulo, nas décadas iniciais do século XX. Corresponde ao
valor da credibilidade, atualmente tão procurado.
Vimos que o caráter empreendedor esteve no brasileiro desde seus primeiros tempos.
Pesquisa de 2015 do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) mostra que 46% da
população construiu sua própria moradia apenas com a ajuda de parentes e amigos e
equipa suas casas com os aparelhos básicos para seu conforto e lazer. Não falta aquilo
que depende apenas de seu trabalho, de seu empenho, economias e sacrifícios. Isso é
um retrato do espírito empreendedor do povo. São muito mais moradias que aquelas
dos tão divulgados programas oficiais. O poder público, só neste século, em vista de
favelas já consolidadas, deu início a alguns programas para urbanizá-las com arrua-
mento, iluminação pública e serviços básicos de educação e saúde.
Em países europeus, existem políticas públicas que facilitam as pequenas empresas.
Na Itália e Alemanha, elas respondem por mais de 60% do Produto Interno Bruto (PIB)
e são estimuladas a participar de consórcios que chegam a reunir mais de duzentas
empresas cada. Com isso, criam a massa crítica e a economia de escala necessária para

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enfrentar as grandes empresas em pé de igualdade. Na Colômbia e Bolívia, o microcré-


dito é facilitado. Em Londres, na Olimpíada de 2012, o governo local determinou que
a maior parte das contratações de serviços e obras fosse com pequenas empresas. Por
outro lado, sem dúvida, há diferença entre prestadores de serviço e empreendedores:
estes caracterizam-se pelo desejo de inovar e crescer continuamente. Nesse sentido, é
importante criar e estreitar conexões entre empresas e universidades, como ocorre nos
Estados Unidos.
A prática efetiva de eleição de autoridades, que começou em 1532 em São Vi-
cente, primeira vila fundada na colônia, era parte da municipalização com legislação
própria, criada pelos romanos na Península Ibérica. Ao longo desses quinhentos anos,
os municípios mantiveram-se com diferentes graus de autonomia. Desde a República, a
federação foi definida como forma de Estado, e os municípios passaram a fazer parte
da federação. Continuaram a legislar sobre os assuntos de seu peculiar interesse, mas
a concentração de recursos continuou com a União, repassando competências para
estados e municípios. Ora, o espaço físico ocupado primariamente pelo cidadão não
é a União, nem o estado, mas o município. Não adianta distribuir competências sem
recursos para cumpri-las. Além, entre os 5.565 municípios do país, há grande diversidade
de hábitos, costumes e necessidades.
Com essas diversidades locais, haverá alguns mais carentes, que necessitarão de
políticas nacionais de modo a reduzir as desigualdades regionais. São questões com-
plexas e polêmicas em curso, que visam à ampliação da cidadania e contam para a
qualidade da democracia com a premissa da legitimidade daquele que discorda de mim,
da capacidade de ouvir e discutir as ideias que mais detesto; os inimigos são aqueles
que querem impor suas crenças e normas como obrigação para todos.

Figura 26 Plano Piloto de Brasília: um exemplo atípico no Brasil de cidade planejada onde o controle vai do
parcelamento à volumetria construída.
Foto: Silvio Soares Macedo, 2015.

A criação da cidade-capital no centro do país foi chave para a articulação e integra-


ção do território. Conectou o Sudeste com regiões pouco povoadas do interior e, desse

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modo, investimentos produtivos foram atraídos para o Brasil central. Todo o território
assumiu uma nova configuração.
No nível local, o planejamento urbano, ao criar o Plano Piloto na área central e
as cidades-satélites na periferia, cresceu como cidade polinucleada: uma única aglo-
meração urbana dispersa territorialmente em diversos núcleos separados. A estrutura
espacial, como nas demais grandes cidades, manteve o contraste entre as áreas centrais
reservadas às classes média e alta, de um lado, e as periferias populares de outro. Os
preços dos terrenos no Plano Piloto e as rígidas disposições urbanísticas afastaram os
trabalhadores com menor qualificação da área central. A concentração de recursos
financeiros no Plano Piloto dinamiza a economia do Distrito Federal e atrai migrantes
para as cidades-satélites.

Figura 27 Vista de Águas Claras, um dos tantos espaços planejados do Distrito Federal, com configuração muito
similar à das demais cidades do país.
Foto: Silvio Soares Macedo, 2015.

E me pergunto, com intensa preocupação, face ao impressionante desastre ambiental


em Mariana em novembro de 2015: pouco se tem procurado, ou não se encontrou o
equilíbrio entre exploração de recursos naturais, desenvolvimento econômico e susten-
tabilidade? As dimensões do rompimento da barragem de rejeitos de minério de ferro
são múltiplas e complexas. Uma dessas dimensões de grande impacto é a deterioração
ambiental do rio Doce; a dimensão humana desse impacto é muito mais ampla do que
aquele que se apresenta no momento, já bem difícil. A avaliação do impacto terá que

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lidar com visão sistêmica de toda bacia hidrográfica do rio Doce, incluindo todas as
conectividades e interações entre os componentes físicos, químicos, biológicos, sociais
e econômicos. Com esse desastre, agora pareceu-me um paradoxo comentar o legado
português, lembrar a Política Nacional de Meio Ambiente anterior à Constituição de
1988, e a ela incorporada, e ainda apresentar estudos que trabalham com o manejo
da biodiversidade com a população tradicional, a ciência e inovação tecnológica, ações
que criam e fazem funcionar a Reserva Mamirauá.

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NORMAS PARA PUBLICAÇÃO
PAISAGEM E AMBIENTE: ENSAIOS

Paisagem e Ambiente: ensaios. Periódico acadêmico dedicado à divulgação de pes-


quisas, projetos e estudos sobre o paisagismo, nos seus diversos campos de atuação: do
projeto de paisagismo aos planos de áreas livres, dos estudos históricos às experiências
de ensino, das pesquisas acadêmicas – dos mais diversos portes – aos resultados de
eventos científicos, trabalhos teóricos e resenhas de livros. Possui, como focos especiais,
os espaços livres urbanos, a questão ambiental, o ensino e o projeto de paisagismo,
o desenho da paisagem e o da forma urbana, os fundamentos teóricos e a pesquisa
em paisagismo.
Publicação semestral da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São
Paulo (FAUUSP), vinculada aos laboratórios Quadro do Paisagismo no Brasil (Quapá),
Paisagem, Arte e Cultura (LabParc), ao Grupo de Disciplinas Paisagem e Ambiente
(GDPA) do Departamento de Projeto e à Área de Concentração Paisagem e Ambiente
do Curso de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP.

Paisagem e Ambiente: ensaios. Academic journal dedicated to the dissemination of


researches, design and studies on landscape architecture in its several fields of activities,
from garden design to plans of open spaces, from studies about history of landscape
design to experiences of teaching, from academic researches of several bearings to results
of scientific events, from theoretical works to book reviews. It has special focus on the
urban open spaces, the environmental issue, the teaching and the landscape design, and
the urban form, the theoretical foundations and research on landscape design.
Biannual publication of FAUUSP – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade
de São Paulo – and is linked to the laboratory Quapá – Quadro do Paisagismo no Brasil
–, to the laboratory LabParc – Paisagem, Arte e Cultura –, to GDPA – Grupo de Disci-
plinas Paisagem e Ambiente – of Department of Projeto and to the graduate course in
Architecture and Urbanism of FAUUSP, concentration area of Landscape and Environment.

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LEGENDAS
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devem possuir legendas explicativas, mostrando sua relação com o texto e autoria
conforme exemplos abaixo:

DESENHOS E CROQUIS
Autor e data. Caso sejam reproduções, devem ser indicadas as fontes de origem.
–  Desenho. Ciclovia padrão na cidade de Utinga. Autor: João da Silva, 1995.
–  Croqui de parque eclético. Fonte: Macedo (1999, p. 214).
–  Desenho mostrando uma reprodução dos afrescos da vila de Cornelius Rufus em
Pompeia. Disponível em: <https://sites.google.com/site/ad79eruption/pompeii/
regio-viii/reg-viii-ins-4/house-of-cornelius-rufus>. Acesso em: 12 dez. 2014.

MAPA
–  Mapa da verticalização em São Paulo, representada em azul. Em seu centro, uma
grande mancha se estende de norte a sul, sendo possível perceber sua presença
por toda a cidade, como mostram as centenas de pontos espalhados. Fonte:
Mapa produzido em 2016 por Mateus de Oliveira e Tiago Regueira sobre imagens
Google Earth, 2016, e sobre mapa de uso de solo da Emplasa.
–  Mapa de parques em Itu, indicando a concentração dos mesmos ao longo do rio
Tietê, enquanto no restante da cidade praticamente não há parques, a não ser
a oeste, onde se encontram dois pequenos exemplares. Fonte: Mapa produzido
sobre imagem Google Earth, 2014, por João da Silva, 2015.
– O mapa da cidade de São Paulo, datado de 1887, mostra claramente o
envolvimento da cidade por um cinturão de chácara, destacando ao centro as
chácaras de dona Veridiana Prado no bairro de Higienópolis e a do conselheiro
Antônio Prado nos Campos Elíseos, ambas destacadas em amarelo. Fonte: Mapa
extraído da Coleção São Paulo IV Centenário, PMSP, 1954, e processado por João
da Silva.

GRÁFICOS E TABELAS
– Gráfico mostrando o crescimento do número de domicílios em São Paulo entre
2006 e 2016. Fonte: Produzido por João Fernando Meyer sobre dados dos Censos
2000, 2010, estimativas de domicílios para 2016 e dados da Embraesp, 2006.
– Tabela indicando o crescimento da frota de veículos em Araras, mostrando na
coluna 3 o predomínio do número de automóveis sobre o de ônibus e motos. Fonte:
Produzida por Silvio Macedo sobre dados do Denatran, 2011, e da Secretaria
Municipal de Transportes de Araras, 2012.
FOTOS
–  Vista do alto do morro da Cruz, mostrando a área central de Florianópolis.
Foto: Sonia Afonso, 1998.
– Vista aérea de Macapá, mostrando a orla ainda bastante protegida por matas
ciliares.
Foto: Acervo Quapá, 2015.
– Recifes de coral no mar Vermelho, mostrando a diversidade de vida animal
encontrada, especialmente a grande quantidade de peixes-papagaio. Disponível
em: <http://pt.freeimages.com/premium/coral-reef-and-parrot-fish-at-the-red-
sea-763731>. Acesso em: 12 dez. 2015.

NOTAS E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


1  Serão aceitas desde que imprescindíveis e breves e devem ser colocadas, neces-
sariamente, no rodapé (e não ao final do texto).
2  Devem ser numeradas com algarismos arábicos, fonte Times New Roman, tama-
nho 10, digitadas com espaçamento 1,0 entre linhas.
3  As referências bibliográficas devem ser colocadas no final do artigo e em ordem
alfabética – relacionada com o sobrenome do autor. Títulos das obras em negrito
(subtítulos sem negrito). Caso o documento citado possua DOI, seu registro é
obrigatório no final dos dados da referência.
4 Ambas devem estar de acordo com as normas NBR 6023 e NBR 10520 da
Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) em vigor no ato da entrega
do trabalho.

OBRA NO TODO
SOBRENOME DO AUTOR, Nome por extenso. Título da obra: subtítulo (se houver).
Número da edição (sendo 1 ed., não necessário). Cidade da publicação: Nome da
editora, data da publicação. Número total de páginas utilizando a abreviaturas p. Se
utilizada apenas parte da obra, colocar páginas de início e fim da mesma.
ABREU, Caio Fernando. A vida gritando nos cantos: crônicas inéditas em livro
(1986/1996). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012. 245 p.
Quando houver editor, organizador, coordenador, compilador, indicar após os nomes
dos mesmos: (Ed.), (Org.), (Coord.), (Comp.).
ROSS, Alex. Escuta só: do clássico ao pop. Tradução de Pedro Maia Soares. Revisão
técnica: João Marcos Coelho. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. 442 p.
TABACOW, José (Org.). Roberto Burle Marx: arte e paisagem - conferências esco-
lhidas. 2 ed. São Paulo: Studio Nobel, 2004.
CAPÍTULO
SOBRENOME DO AUTOR, Nome por extenso. Título do capítulo: subtítulo (se houver)
seguido da expressão “In:” Referência completa da obra (título da mesma em negrito),
páginas de início e fim.
RIBEIRO, Renato Janine. A glória. In: CARDOSO, Sérgio et al. Os sentidos da paixão.
São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 107-116.
Observação: a expressão “et al.” deve ser utilizada quando a obra ou o capítulo
apresentarem mais de três autores. Nesse caso, coloca-se apenas o nome do primeiro
exibido na obra.

DISSERTAÇÃO, TESE E DEMAIS TRABALHOS ACADÊMICOS


SOBRENOME DO AUTOR, Nome por extenso. Título do trabalho: subtítulo (se houver).
Ano do depósito. Número de folhas. Categoria (grau) – Instituição, Cidade, Ano da defesa.
SAKATA, Francine Gramacho. O projeto paisagístico como instrumento de requa-
lificação urbana. 2004. 282 f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) –
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004.
MACEDO, Silvio Soares. São Paulo, paisagem e habitação verticalizada: os es-
paços livres como elementos de desenho urbano. 1988. 207 f. Tese (Doutorado em
Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de
São Paulo, São Paulo, 1988.

PERIÓDICO NO TODO
TÍTULO. Local de publicação: Editora, Periodicidade, Ano do primeiro fascículo.
PAISAGEM E AMBIENTE: ENSAIOS. São Paulo: FAUUSP, Semestral,1986-

ARTIGO PUBLICADO EM PERIÓDICO


SOBRENOME DO AUTOR, Nome por extenso. Título do artigo: subtítulo do artigo
(se houver). Título do periódico. Cidade da publicação: Nome da editora, volume,
número, mês, ano, páginas de início e fim.
PELLEGRINO, Paulo Renato Mesquita. Pode-se planejar a paisagem? Paisagem e
Ambiente: ensaios. São Paulo: FAUUSP, n. 13, 2000, p. 159-179.

ARTIGO E/OU MATÉRIA PUBLICADA EM REVISTA


SOBRENOME DO AUTOR, Nome por extenso. Título do artigo. Título da publicação,
cidade da publicação, numeração (volume e/ou ano, fascículo ou número, páginas de
início e fim.
SEKEFF, Gisela. O emprego dos sonhos. Domingo, Rio de Janeiro, ano 26, n. 1.344,
fev/2002, p. 30-36.

ARTIGO E/OU MATÉRIA PUBLICADA EM JORNAL


SOBRENOME, Nome do autor por extenso (se houver autor). Título do artigo. Título
do jornal, local de publicação, data, seção, caderno ou parte e paginação.
PAIVA, Anabela. Trincheira musical: músico dá lições de cidadania em forma de samba
para crianças e adolescentes. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 12 jan. 2002, Educa-
ção, p. 2.

EVENTO COMO UM TODO


NOME DO EVENTO, numeração (se houver), ano e local (cidade) de realização. Título
do documento (atas, anais, resultados), dados de local da publicação: Editora, data.
REUNIÃO ANUAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE QUÍMICA, 20, 1997, Poços de
Caldas. Livro de resumos. São Paulo: Sociedade Brasileira de Química, 1997.

TEXTO APRESENTADO EM EVENTO


SOBRENOME do autor, Nome por extenso. Título do trabalho. In: NOME DO EVEN-
TO, numeração do evento (se houver), ano e local de realização, título do documento
(anais, atas, tópico temático), local, editora, data de publicação, páginas inicial e final.
SOUZA, Luiz Roberto; BORGES, Antônio; REZENDE, José Otávio. Influência da corre-
ção e do preparo do solo sobre algumas propriedades químicas do solo cultivado com
bananeiras. In: REUNIÃO BRASILEIRA DE FERTILIDADE DO SOLO E NUTRIÇÃO DE
PLANTAS, 21, 1994, Petrolina. Anais... Petrolina: EMBRAPA, CPATSA, 1994, p. 3-4.

OBRA ACESSADA EM MEIO ELETRÔNICO


Seguir o formato de referência da obra, acrescentando, no final, informação relativa à
descrição física do meio eletrônico.
KOOGAN, André Breikmam; HOUAISS, Antonio (Ed.). Enciclopédia e dicionário
digital 98. Direção geral de André Koogan Breikmam. São Paulo: Delta: Estadão,
1998. 5 CD-ROMs.

OBRA CONSULTADA ONLINE


Não é recomendável utilizar material eletrônico de curta duração nas redes. Referenciar
a obra de acordo com exemplos já citados, acrescentando as informações: Disponível
em: < link >. Acesso em: dia, mês, ano. Se houver, registrar o DOI.
ALVES, Castro. Navio negreiro. Disponível em: <http://www.terra.com.br/virtualbooks/
freebook/port/Lport2/navionegreiro.htm>. Acesso em: 10 jan. 2002.

LEGISLAÇÃO
JURISDIÇÃO. Título, numeração, data. Descrição. Título e dados da publicação.
SÃO PAULO (Estado). Decreto nº 42.822, de 20 de janeiro de 1998. Dispõe sobre
a desativação de unidades administrativas de órgãos da administração direta e das
autarquias do Estado e dá providências correlatas. Lex: coletânea de legislação e
jurisprudência, São Paulo, v. 62, n. 3, p. 217-220, 1998.
BRASIL. Medida provisória nº 1.569-9, de 11 de dezembro de 1997. Estabelece multa
em operações de importação, e dá outras providências. Diário Oficial da República
Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 14 dez. 1997. Seção 1, p. 29514.

NORMAS PARA CITAÇÕES


1  Quando um trecho da obra é citado literalmente, deve aparecer entre aspas,
constando o sobrenome do autor e, entre parênteses, após o mesmo, a data da
publicação utilizada e página onde o trecho se encontra. Toda citação literal com
mais de três linhas deve ser destacada com recuo de 4 centímetros da margem
esquerda, não devendo estar entre aspas.
Segundo George (1985, p. 44), “[...] Oswald manipula a linguagem do amor [...]”.
Oliveira e Leonardos (1943, p. 146) dizem que a “[...] relação da série São Roque
com os granitos porfiroides pequenos é muito clara”.
2  Quando o sobrenome do autor estiver entre parênteses, deve ser grafado em
letras maiúsculas.
“Apesar das aparências, a desconstrução do logocentrismo não é uma psicanálise
da filosofia [...]” (DERRIDA, 1967, p. 293).
“Não se mova, faça de conta que está morta.” (CLARAC; BONNIN, 1985, p. 72).
3 Se um trecho do artigo for baseado na obra do autor consultado, mas não
literalmente retirado da mesma, devem constar o sobrenome do autor e a data
da obra consultada.
A ironia seria assim uma forma implícita de heterogeneidade, conforme a clas-
sificação proposta por Authier-Reiriz (1982).
Merriam e Caffarella (1991) observam que a localização de recursos tem um
papel crucial no processo de aprendizagem autodirigida.
Para efeito de estudo, as unidades podem ser subdivididas em subunidades, de
modo a permitir um detalhamento em outra escala. (MACEDO, 1997).
Diversos autores salientam a importância do “acontecimento desencadeador”
no início de um processo de aprendizagem. (CROSS, 1984; KONX, 1986; ME-
ZIROW, 1991).
4  Existindo dois e/ou três autores, colocar sobrenomes em ordem alfabética.
5  Se um autor for citado por outro, utilizar a expressão “apud” (citado por), informar
a data da publicação de ambos e página.
No modelo serial de Gough (1972 apud NARDI, 1993, p. 30), o ato de ler
envolve um processo serial que começa com uma fixação ocular sobre o texto,
prosseguindo da esquerda para a direita de forma linear.
Ressaltando as diversidades culturais das paisagens que se apropriam de sua
obra, Oiticica desdenha as ideias nacionalistas e reacionárias incutidas “[...]
de maior floresta do mundo, o maior rio do mundo, o maior não-sei-o-quê do
mundo [...]” (OITICICA, 1977 apud AMARAL, 2006, p. 124).

OBSERVAÇÕES FINAIS
O Conselho Editorial da revista Paisagem e Ambiente: ensaios é responsável por decidir
quais artigos, ensaios, conferências, debates, resenhas, relatos de experiências e notas
técnicas serão publicados, levando em conta a pertinência do tema em relação à linha
editorial da revista e a consistência teórica do trabalho2. Seguem as principais normas
a serem utilizadas na elaboração do mesmo3:
As condições dos originais são analisadas criteriosamente. Os trabalhos em desacordo
com as normas aqui descritas serão devolvidos para que se providencie sua regularização.
Os textos assinados são de inteira responsabilidade dos autores e não haverá alteração
de conteúdo sem prévia autorização. Os autores receberão três exemplares da edição
da revista na qual constar o seu artigo publicado.

2
Após a avaliação do conselho editorial, os artigos aceitos passam por revisão de texto realizada por profissional
da revista, que entra em contato com os autores sempre que necessário. A revista Paisagem e Ambiente:
ensaios adota a grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou
em vigor no Brasil em 2009.
3
Segundo a ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Coletânea de normas técnicas: elaboração
de artigos em publicações periódicas. Rio de Janeiro: ABNT, 2012.
Universidade de São Paulo
Reitor: Prof. Dr. Marco Antonio Zago
Vice-Reitor: Prof. Dr. Vahan Agopyan
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Seção Técnica de Produção Editorial
Diretora: Profa. Dra. Maria Angela Faggin Pereira Leite
Vice-Diretor: Prof. Dr. Ricardo Marques de Azevedo
Paisagem e Ambiente: ensaios Coordenação Didática
ISSN 0104-6098 Profa. Dra. Clice de Toledo Sanjar Mazzilli
N. 37 / 2016

Publicação semestral da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP), vinculada aos laboratórios Quadro Supervisão Geral
do Paisagismo no Brasil (Quapá), Paisagem, Arte e Cultura (LabParc), ao Grupo de Disciplinas Paisagem e Ambiente (GDPA) do Departamento André Luis Ferreira
de Projeto e à Área de Concentração Paisagem e Ambiente do Curso de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP.

Editor / Editor Supervisão de Projeto Gráfico


Silvio Soares Macedo, Universidade de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Brasil José Tadeu de Azevedo Maia
Comissão Editorial / Editorial Board
Andréia Maria Bezerra de Araújo, Universidade de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Brasil Projeto Gráfico e Diagramação
Catharina Pinheiro Cordeiro dos Santos Lima, Universidade de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Brasil
Elaine Moraes Albuquerque, Universidade de São Paulo, Brasil Sóstenes Pereira da Costa
Eugenio Fernandes Queiroga, Universidade de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Brasil
Fany Galender, QUAPA, Brasil
Francine Sakata, QUAPA, Brasil
Impressão Offset (capa)
Helena Napoleon Degreas, FIAMFAAM Centro Universitário. Coordenação Curso de Design de Interiores, Brasil Arnaldo Machado de Lima Jr.
Paola De Marco Lopes dos Santos, Universidade de São Paulo, Brasil Eduardo Antonio Cardoso
Comissão Científica / Scientific Consultants Jaime de Almeida Lisboa
Alina Gonçalves Santiago, Universidade Federal de Santa Catarina. Departamento de Arquitetura, Brasil
Ana Rita Sá Carneiro, Universidade Federal de Pernambuco. Departamento de Arquitetura e Urbanismo, Brasil
Ana Cecília de Arruda Campos, QUAPÁ, Brasil Impressão Digital (miolo) Canon (ImagePRESS 1135+ / ADV C5051)
Andréia Maria Bezerra de Araújo, Universidade de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Brasil Francisco Paulo da Silva
Angelo Serpa, Universidade Federal da Bahia, Brasil José Tadeu de Azevedo Maia
Camila Gomes Sant’Anna, Universidade de Goiás, Brasil
Carlos Eduardo Verzola Vaz, Universidade Federal de Santa Catarina. Departamento de Arquitetura e Urbanismo.
Catharina Pinheiro Cordeiro dos Santos Lima, Universidade de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Brasil Acabamento
Eduardo Barra, Universidade Veiga de Almeida, Portugal
Elaine Moraes Albuquerque, Universidade de São Paulo, Brasil
Arnaldo Machado de Lima Jr.
Eneida Mendonça, Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil Ercio Antonio Soares
Eugenio Fernandes Queiroga, Universidade de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Brasil Mário Duarte da Silva
Fábio Robba, Universidade Nove de Julho, Brasil
Fábio Mariz Gonçalves, Universidade de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Brasil Roseli Aparecida Alves Duarte
Fany Galender, QUAPA, Brasil Valdinei Antonio Conceição
Francine Gramacho Sakata, QUAPA, Brasil
Glauco Cocozza, Universidade Federal de Uberlândia, Brasil
Gutenberg Weingartner, Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Brasil Secretária
Heitor de Andrade Silva, Universidade Federal de Campina Grande. Unidade Acadêmica de Engenharia Civil, Brasil Eliane de Fátima Fermoselle Previde
Helena Napoleon Degreas, FIAMFAAM Centro Universitário, Coordenação Curso de Design de Interiores, Brasil
Henrique Pessoa Pereira Alves, Politecnico di Milano. Dipartimento di Architettura e Studi Urbani, Itália
Jonathas Magalhães Pereira da Silva, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Brasil
Leonardo Loyolla Coelho, Universidade Anhembi Morumbi, Brasil
Lucimara Albieri de Oliveira, Universidade Federal do Tocantins, Brasil
Maria Angela Faggin Pereira Leite, Universidade de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Brasil
Maria de Assunção Ribeiro Franco, Universidade de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Brasil
Marieta Cardoso Maciel, Universidade Federal de Minas Gerais. Escola de Arquitetura, Brasil
Miranda M. E. Martinelli Magnoli, Universidade de São Paulo, Brasil
Mônica Bahia Schlee, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, Brasil
Rogério Akamine, Universidade Nove de Julho, Brasil
Rogério Goldfeld Cardeman, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
Rui Florentino, Escola Superior Gallaecia, Portugal
Sonia Afonso, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Composição, fotolitos, impressão offset e digital
Sonia Berjman, Universidad de Buenos Aires, Argentina
Stäel de Alvarenga Pereira Costa, Universidade Federal de Minas Gerais. Escola de Arquitetura, Brasil
Seção Técnica de Produção Editorial da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Vanderli Custódio, Instituto de Estudos Brasileiros. Universidade de São Paulo, Brasil, Brasil da Universidade de São Paulo
Vera Regina Tângari, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
Vicente del Rio, California Polytechnic State University, USA Pré-matriz (capa)
Vitor Oliveira, Universidade do Porto, Portugal
Vladimir Bartalini, Universidade de São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Departamento de Projetos, Brasil Dolev 200 sobre filme IBF-Graphix – HN-FDL
Wilson Ribeiro dos Santos Junior, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Brasil
Wilton Medeiros, Universidade Estadual de Goiás, Brasil Tipologia
Futura Lt BT, no corpo 10 para o texto, Optima Demi Bold, no corpo 14 para os títulos,
Secretário
Sady Carlos de Souza Júnior
Optima Demi Bold, corpo 10 para os subtítulos, Futura Lt BT, no corpo 8 para as legendas (itálico)
e-mail: [email protected] e notas (normal), Futura Lt BT, no corpo 8 para as bibliografias.
Tel.: (11) 3091-4544
Papel
Periódico indexado na base Índice de Arquitetura Brasileira / Qualis B2 Report Premium Suzano 90g/m2
Papel Cartão Supremo 250g/m2

Tiragem
CREDENCIAMENTO E APOIO FINANCEIRO DO
PROGRAMA DE APOIO ÀS PUBLICAÇÕES CIENTÍFICAS PERIÓDICAS DA USP
500 exemplares
COMISSÃO DE CREDENCIAMENTO

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