T23 - ZANCHETI - Conservação Integrada
T23 - ZANCHETI - Conservação Integrada
T23 - ZANCHETI - Conservação Integrada
INTEGRADA E
PLANEJAMENTO URBANO:
UMA REVISÃO
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Desde então, foram poucas as tentativas de Caixa 1
categorizar o conceito de forma precisa. Por
exemplo, tem-se as seguintes tentativas: Princípios conservação integrada
A sistematização básica dos princípios da
"Modo de conservação, restauração e conservação integrada foi realizada em 1975 e
reabilitação de edifícios e sítios antigos que expressa na "Declaração de Amsterdã"? A
aponta para a sua readaptação às novas Declaração foi influenciada pelas idéias dos
planejadores bolonheses e pelo sucesso mundial
funções da vida moderna" (Choay)
de suas realizações na recuperação de áreas
"Conservação integrada é alcançada pela
históricas degradadas, habitadas por grupos de
aplicação de técnicas de restauração sensíveis baixa renda.
e pela escolha correta de funções apropriadas A Declaração de Amsterdã reúne os princípios
no contexto de áreas históricas, levando em da Cl. Esses podem ser resumidos segundo os
conta a pluralidade de valores, tanto econô- seguintes enunciados básicos:
micos como culturais, e visando julgamentos O patrimônio arquitetônico contribui para a
tomada de consciência da comunhão entre
equilibrados. (Jokilehto, 2002)
história e destino.
.0 patrimônio arquitetônico é composto de todos
A conservação integrada é uma dialética entre os edifícios e conjuntos urbanos que apresentem
a vontade de proteção e as necessidades de interesse histórico ou cultural. Nesse sentido,
planejamento, recorrendo a meios jurídicos, extrapola as edificações e conjuntos exemplares
administrativos, financeiros e técnicos espe- e monumentais para abarcar qualquer parte
cíficos para responderá complexidade dos pro- da cidade, inclusive a moderna.
blemas a serem enfrentados. (Habitat II) O patrimônio é uma riqueza sociat portanto,
sua manutenção deve ser uma responsabi-
lidade coletiva.
Nos casos de Choay e Jokilehto ob-
A conservação do patrimônio deve ser
serva-se um viés na compreensão da Cl considerada como o objetivo principal da
como uma abordagem para a adaptação planificação urbana e territorial.
de edifícios antigos a novos usos segundo As municipalidades são as principais instituições.
técnicas consagradas de restauro e de reu- responsáveis pela conservação; portanto,
tilização de imóveis de valor patrimonial. No devem trabalhar deforma cooperada.
caso da definição utilizada pelo Habitat II, A recuperação de áreas urbanas degradadas!
há uma forte aderência à abordagem deve ser realizada sem modificações substan-
onse-v4o intgnda
planejamento urbano: ciais da composição social dos residentes nas
urm revisão proposta pelo Manifesto e pela Declaração
áreas reabilitadas.
de Amsterdã, isto é, a Cl é uma abordagem - A conservação integrada deve ser calcada em
de integração do planejamento da cidade medidas legislativas e administravas eficazes.
contemporânea e de áreas urbanas pa- A conservação integrada deve ser apoiada por
iMo Mendes Zanchefi trimoniais para a sua utilização, segundo sistemas de fundos públicos que apóiem as
novos usos e necessidades sociais. iniciativas das administrações locais.
A conservação do patrimônio construído deve
ser assunto dos programas de educação,
especialmente dos jovens.
Deve ser encorajada a participação de
organizações privadas nas tarefas da conser-
vação integrada.
Deve ser encorajada a construção de novas
obras arquetônicas de alta qualidade, pois elas
serão o patrimônio de hoje para o futuro.
(Fonte: Declaração de Amsterdã, 1975)
109
Como será visto nas sessões seguintes, auxiliar na compreensão dos diversos
a abordagem da CI vem se modificando de sentidos que a Cl vem assumindo nos
acordo com o surgimento de novos para- últimos trinta anos e de sua aplicação em
digmas de planejamento, especialmente várias cidades em diversos países.
do desenvolvimento sustentável. Para
estabelecer um referencial de compreen-
são e discussão a partir de uma abordagem
atual da Cl, propõe-se que, neste texto seja 3. As principais abordagens da conservação
utilizada a seguinte formulação: integrada
"LII
isto é, "a substituição de uma população de (Deakin, Edwards, 1993), especialmente
classe mais baixa que ocupa um bairro daqueles protegidos por instrumentos
urbano, por outra de classe mais alta" legais de tombamento focalizados em
(Monteiro, 2002, p. 288). Em termos áreas centrais, e a sua conversão a usos do
políticos, a Cl representou a primeira grande terciário e quaternário moderno. A reabi-
tentativa de participação popular no pro- litação e revitalização formaram um dos
cesso decisório municipal, especialmente esteios das políticas neoliberais em nível
na Itália (Bandarin, 1979) e na Espanha (P01, municipal. Elas transformam a conservação
1993) e de enfrentar, de forma sistemática, urbana em uma estratégia de agregação
a especulação imobiliária em áreas cen- de valor à economia urbana das localidades
trais a partir de políticas públicas locais (De e em um instrumento poderoso de atração
Lucia, 1993). de investimentos privados supra-regionais
Do final dos anos 1970 até os meados ou internacionais.
dos 1980, a Cl foi paulatinamente expan- Essa apropriação dos princípios da Cl
dida para ser aplicada em outras partes das pelos partidários de 'soluções de mercado'
cidades, em especial em áreas resi- deve-se, fundamentalmente, ao sucesso
denciais modernas, como os grandes das políticas de recuperação de áreas
conjuntos habitacionais construídos nos centrais de cidades norte-americanas.
anos 1950 e 1960 nas periferias das Essas políticas tiveram origem diversa
cidades européias (Mattioli, 1985). Além do daquela das cidades européias, espe-
controle da gentrificação, passou-se a dar cialmente as italianas e espanholas. Elas
forte ênfase aos espaços públicos, às áreas surgem dos movimentos de recuperação
verdes e de recreação e à conversão de da main street e da criação de áreas de
grandes edificações, como conventos e shopping centers e malls e de recreação
quartéis, em equipamentos sociais de uso no interior das áreas urbanas centrais das
coletivo. Buscava-se, também, uma melhor cidades (Frieden, Sagalyn, 1994). No
integração das áreas periféricas aos centros interior dessas políticas e propostas, a
urbanos e aos locais de concentração de questão da iniqüidade social é deixada de
equipamentos coletivos, por meio de lado, ou pelo menos não enfatizada. Aceita-
políticas especiais de transporte coletivo de se que a "gentrificação" é inevitável e que
massa (por exemplo, o transporte coletivo os bons resultados quanto à recuperação
enservação intuwada
ianejamentouFbano:
gratuito em Bolonha). física, econômica e social das áreas
uma revisão degradadas compensam socialmente a
expulsão de habitantes e pequenos nego-
3.2. A abordagem de mercado ciantes.'
A Cl, na abordagem de mercado, passa
Mo Mendes Zandieti a ser um elemento importante de uma
Nos anos 1980 e 1990, a Cl foi utilizada,
também por políticas urbanas que pre- estratégia pública local de aumento do
conizavam o uso de mecanismos de produto da economia urbana e de com-
mercado e que minimizavam o aspecto petição com outras cidades para atrair
social" da revitalização. A conservação de investimentos externos de grande porte.
áreas históricas passa a ser encarada como Essa estratégia baseia-se, de um lado, na
uma forma de revitaliza ção ou reabilitação forma de provisão de infra-estruturas
de áreas centrais deprimidas ou obsoletas. produtivas regionais (rodovias, aeroportos,
Nesse sentido, as políticas urbanas de redes de comunicação, etc.) e, por outro
revitalização foram associadas a propostas lado, na conservação dos ambientes
de recuperação econômica e do valor naturais e as áreas urbanas patrimoniais
imobiliário dos estoques de construções de interesse cultural para criar um meio
111
urbano de alta qualidade. Tal conservação cipais. Apesar do declarado objetivo de
é encarada sob o ponto de vista da recuperar áreas urbanas para seus mo-
revitalização das áreas históricas centrais radores, essa abordagem também aceita
dos territórios, sendo que a cidade é vista um certo grau de gentrificação do processo
como um artefato composto por partes de reabilitação como inevitável e desejável.
heterogêneas, devendo ser transformada A introdução de novos grupos familiares, e
por meio de projetos de arquitetura urbana. de pequenos comerciantes e prestadores
Contudo, a tônica dessa abordagem está de serviços, é identificada como um fator
exatamente na aceleração da taxa de de rompimento do ciclo vicioso da de-
transformação dos ambientes das loca- gradação urbana (o sangue novo). Esses
lidades, imprimindo um forte viés espe- novos atores são, em geral, os mais
culativo sobre a terra urbana, com grandes engajados na continuação dos movimentos
obras de arquitetos renomados no "circuito comunitários de reabilitação (Gratz, 1994,
internacional". Os casos mais emble- p. 62-80). Os métodos de planejamento e
máticos dessa vertente são o conjunto das ação desses grupos comunitários são,
Docklands de Londres (Edwards, 1992) e também, baseados em análises de merca-
de Liverpool (Adcock,1984), Baltimore nos do e de marketing, seguindo de perto uma
EUA, a Vila Olímpica de Barcelona (80- tradição americana (Rypkema, 1991 e
higas, 1992) e recentemente de Bilbao. 1994).
Todos esses são exemplos de um plane-
jamento urbano baseado na "cultura do
agente público como empreendedor" e da 3.4. A abordagem ambiental e cultural
associação entre poder público e privado
nos processos de reabilitação e revita- Os anos 1990 foram um período de
lização (Deakin, Edwards, 1993). profunda transformação das abordagens de
Cl. Dois temas passaram a dominar o
debate teórico e prático do assunto: o
3.3. A abordagem comunitária (grass-roots) ambiental e o cultural.
O tema ambiental, apesar de ser uma
Os Estados Unidos também foram o preocupação existente desde os anos 1980
berço de um forte movimento de re- (Mattioli, 1985) nos partidários da abor-
Conserv4o integmd
cuperação de áreas centrais e bairros dagem reformista, vem a se tornar uma e puniiientO urban
residenciais (populares ou não) com base tendência dominante nos continuadores urm revisão
na organização comunitária local (os grass- dessa corrente. O impacto do conceito de
roots movements). Esse movimento teve 'desenvolvimento sustentável', formulado
como fonte de inspiração intelectual o pela Comissão Mundial de Desenvol-
SIM0 Mendes Linche
trabalho de Jane Jacobs (Jacobs, 1993) e vimento e Meio Ambiente (CMMAD, 1991)
seus seguidores (Gratz, 1994) (Gratz, Mintz, das propostas da Agenda 21 da 2" Con-
1998) mas, em termos sociais e históricos, ferência Mundial do Meio Ambiente (ECO
ele se origina na mesma reação aos 92, no Rio de Janeiro) foi enorme, pois
programas de renovação urbana finan- possibilitou, pela primeira vez, interligar o
ciados pelo Governo Americano dos anos conceito de Cl à idéia ampliada de am-
50/60, que inspiraram o maio street move- biente, segundo múltiplas dimensões
ment. Diferentemente da abordagem de (econômica, política, ambiental, cultural e
mercado, esse tipo de revitalização baseia- social). Também, a Conferência Mundial
se em iniciativas econômicas locais, de de Cultura e Desenvolvimento veio a colocar
pequenos e médios empreendedores, com a dimensão cultural como definidora de
algum apoio das administrações muni- qualquer processo de desenvolvimento
112
(Cuéllar, 1997), abordagem essa que justaposição dos resultados da sua ação
repercutiu nas concepções de desen- do que pelo cancelamento da herança do
volvimento sustentável e nas estratégias das passado (Gaiani, 1995). Em termos do
agências multilaterais de financiamento planejamento do território, a grande ques-
como o Banco Mundial (World Bank, 1999 tão que se coloca é como manter um
e 1999a) e o Banco Inter-Americano de processo de transformação do território que
Desenvolvimento (Rojas, Castro, 1998). não cancele essa herança e que inclua o
Para a abordagem reformista, desen- novo numa relação de 'harmonia' do ponto
volvimento sustentável e conservação de vista da cultura, do ambiente, das
integrada são conceitos, praticamente tradições construtivas e da forma. O ponto
seriam indissociáveis, isto é, qualquer central da discussão da conservação
política urbana atual para as cidades integrada nesse caminho é: como a ação
existentes será uma política de conservação pública planejada pode contrapor-se aos
ambiental, entendido o princípio da con- processos homogeneizantes do território (a
servação como o do controle da mudança estandardização dos artefatos e dos pro-
das estruturas ambientais urbanas (Zan- cessos) sem 'barrar' o processo de inova-
cheti, 1999, p. 9-11). Em termos de propo- ção. Assim, o conhecimento da cultura
sições práticas para a revitalização de áreas material local, em seu aspecto dinâmico,
urbanas, a abordagem ambiental e cultural isto é, o modo histórico de moldagem do
utiliza, basicamente, dois recursos metodo- território e de construção dos artefatos
lógicos complementares. culturais constitui o ponto de partida e o eixo
O primeiro recurso metodológico referencial do processo de proposição da
consiste na utilização dos prinbípios mais inovação. A conservação deve ser tomada
clássicos da Cl para uma leitura dos como a perspectiva de enfoque da ino-
territórios urbanos, entendidos como áreas vação.
de domínio de determinados padrões As implicações do uso desse recurso
culturais, ou que foram conformadas metodológico são muitas, pois existem
segundo culturas locais bem definidas (em vários fatores a ser considerados, desde as
oposição ao conceito de região, de forte transformações naturais, como mudanças
cunho economicista) e como o suporte do sistema de drenagem e da cobertura
básico para a formulação de propostas de vegetal, até os materiais com que são, por
onseação integrada ação (Gambino, 1997, p. 16-43). A atividade exemplo, construídas as pontes e viadutos
,ianejamento urbano:
unrnSso de planejamento deve partir do reconhe- das estradas. A relação dialética conser-
cimento de que a cidade, ou de uma rede vação/inovação torna-se o principio do
local de cidades, é o fruto de um longo processo de intervenção no território em
processo histórico de transformação que qualquer das suas dimensões ambientais.
i!vio Mendes Zanclieti deixa sinais de seu percurso no próprio Ainda como um desdobramento desse
território, como, por exemplo, a divisão das recurso, observa-se um retorno às con-
propriedades, a organização dos cultivos, cepções mais abrangentes do planeja-
os caminhos e estradas, a rede de dre- mento urbano, que assume uma escala
nagem, as construções, as cidades e suas territorial, e da relação território - cidade,
diferentes partes, entre inúmeros outros tendo como elemento central de orga-
artefatos humanos. Isto é, o território é o nização o ambiente cultural nas suas acep-
campo de manifestação e representação ções de natural e construído. O planeja-
da diversidade da cultura; é visto de uma mento urbano trata de diferentes tipos de
perspectiva antropológica, segundo um territórios, como o da urbanização difusa,
método arqueológico, no qual a ação das cidades em paisagens históricas e
humana se dá mais pela superposição e culturais, das regiões metropolitanas 7 , do
113
território abandonado pela grande indústria identifica esse tipo de planejamento como
e outros (Secchi, 1989, p. 93-106), todos a formulação atual do urbanismo reformista,
com uma forte ênfase no problema cultural dos anos 1960170. Ele a chama como a
e na conservação e recuperação das "terceira geração da urbanística", que
estruturas ambientais dos territórios.' assinala a "passagem da cultura da
O segundo recurso metodológico, na expansão urbana à cultura da trans-
verdade quase um desdobramento do formação" (Caixa 2).
primeiro, utiliza a CI para urna leitura da
cidade às análises morfológica e tipológica
(Gasparrini, 1994, p. 164-183). O tratamento
da cidade, do ponto de vista dessa leitura,
leva a que a ação de planejamento seja,
Caixa 2
também, desagregada, especifica e adap- A urbanística da ?erceira geração"
tada aos peculiares artefatos de cada
localidade urbana. O planejamento urbano
Mais especificamente, a terceira geração"
perde, assim, sua antiga característica de
identifica alguns problemas como centrais na
generalidade (toda a cidade), abandona a transformação qualitativa das cidades contem-
forma quantitativa de regulação (índices porâneas, como os seguintes:
urbanísticos) e começa a privilegiar a ação A descentralização industrial das grandes
localizada com potencial de transformação cidades, acompanhada da formação de novos
da área onde se insere. E um planejamento grupos de trabalhadores industriais nas cidades
que enfatiza o projeto urbano, isto é, a ação médias e pequenas, em regiões tradicio-
nalmente agrícolas;
sobre áreas específicas, ou então, busca
A criação de novas centralidades e a
fornecer procedimentos-padrão para a terceirização diferenciada dos lugares centrais
realização de projetos locais. O plano das grandes cidades, com a criação de serviços
urbano tem, desse modo, a forma de um privados elitizados em oposição a serviços
conjunto organizado e estruturado de sociais de massa;
projetos, com sentido estratégico de - O aumento da demanda produtiva e popular
direcionamento da mudança urbana em por transportes de massa (intra e interurbanos);
A reutilização do estoque de construções
uma determinada direção. Os exemplos
abandonadas ou subutilizadas e aproveitamento
mais marcantes dessa vertente são os dos interstícios vazios no interior das áreas
planos urbanísticos de cidades italianas urbanas, ou para utilização social ou para a
como Siena (Secchi, 1993), Piacenza criação de novas centralidades terciárias; Conservaço integnd.
(Gabrieli, 1990) e outras (Secchi, 1994). O aumento, a recuperação e a melhoria da e planelanlento uitan
qualidade das áreas "naturais' e de uso unia resisio
recreativo, ou reserva ambiental;
A crise do processo participativo na gestão
4. A gestão urbana na abordagem reformista
urbana e o aumento de grupos de pressão de
da Cl interesse setorizado e de abrangência supra- SiMoMendesZande
urbana tomam a gestão urbana dirigida para a
Pelo exposto acima, pode-se inferir que solução de problemas da produção da
a CI, na sua vertente mais reformista, é economia urbana, em oposição aos problemas
atualmente apresentada como uma nova "sociais";
abordagem para o planejamento das -O financiamento da reforma urbana local, cujos
cidades, e não somente para as áreas projetos de abrangência regional, nacional ou
global ultrapassam os limites de geração de
urbanas de interesse patrimonial ou his-
recursos locais;
tórico. O planejamento urbano que trata a cidade como
Uma reflexão sistemática e profunda uni todo diverso que requer ações diferenciadas
sobre esse novo tipo de planejamento e com investimentos concentrados em áreas
urbano foi realizada por Giuseppe Campos urbanas consideradas estratégicas.
(Campus Venuti, 1994, p. 41-46)
Venuti (1994, p. 41). Esse planejador
114
Por cultura da expansão o autor en- cipação' no processo decisório do pla-
tende, simplesmente, o planejamento nejamento urbano e o seu tratamento
urbano das quantidades que procurava segundo um processo de gestão de con-
responder aos problemas de crescimento flitos.
urbano e de infra-estrutura por meio da
criação de novas áreas urbanizadas, e por
cultura da transformação o reconhecimento 5. A gestão de conflitos
de que a cidade é um fato físico existente,
que pode e deve ser reutilizado mediante A proposta reformista inicial de Cl estava
processo de qualificação das estruturas alicerçada nas idéias de planejamento
urbanas existentes. Enfim, seria o urba- compreensivo, ou integral. Buscava-se
nismo da qualidade que substitui o das romper os estreitos limites da restauração
quantidades. e recuperação de monumentos para
De modo resumido, pode-se afirmar que abarcar o todo dos centros históricos. A Cl
a nova urbanística encontra-se voltada para era uma visão holística do processo de
um redesenho da economia urbana, que conservação do ambiente construído,
assume características supralocais, bus- dentro ainda dos paradigmas que pre-
cando maximizar a utilização dos recursos gavam a possibilidade de entender e agir
existentes como meio de aporte de recursos na cidade segundo um modelo analítico,
financeiros externos. Existe uma tônica de de cunho racionalista ou cartesiano, típico
melhoria geral dos recursos ambientais do planejamento urbano dos anos 1970.
locais e territoriais (construídos e naturais) Devido ao esgotamento histórico dessa
como maneira fundamental para se elevar abordagem, atualmente a CItem sofrido
a produtividade da economia local e a profundas mudanças no seu suporte teórico
formação de uma imagem urbana. Esta quanto a participação. A abordagem ho-
última é dada pela especificidade cultural lística, multissetorial continua presente,
local e manifesta-se nos recursos patrimo- mas baseada na concepção de gestão, em
niais construídos, principalmente os que que o controle da dinâmica de transforma-
apresentam valor de antiguidade. Por fim, o ção da cidade é transferido do adminis-
planejamento urbano passa a ser neces- trador de recursos para o gestor de inte-
sariamente, urna atividade de gestão que resses e conflitos intergrupais, ou interatores
:onwrvaço intgmda ultrapassa a escala municipal e se torna
,Ianejamento urbano: sociais.
urna re4so metropolitana, regional, nacional ou mes- A gestão é entendida como um processo
mo global, dependendo da circunstância de negociação entre atores públicos e
local e histórica, sendo que existe uma privados, capazes de intervir no processo
busca de redefinição dos papéis e modos de transformação das estruturas urbanas
IMoMendesZandieti de cooperação entre atores públicos e existentes, em busca de acordos (nível
privados (empresários, ONGs, associa- tático) sobre objetivos, métodos de atuação
ções de moradores e outras formas de e responsabilidades. A gestão ganha
organização da sociedade civil). posição central nas novas abordagens pelo
Nessa perspectiva, as idéias reformistas reconhecimento que técnicos, políticos e
da Cl têm um papel central nas formulações administradores públicos têm da neces-
da urbanística da terceira geração, pois sidade de formação de consensos parciais
fornecem um instrumental teórico e prático intergrupais (ou de atores), para tornar a
para a gestão e o planejamento municipal ação pública, sobre a estrutura urbana,
enfrentarem a parte significativa da agenda minimamente eficaz e eficiente, segundo
listada na Caixa. No centro dessa agenda algum modelo de avaliação de desem-
cabe destacar, então, a questão da 'parti- penho social e político (nível estratégico). A
115
busca de consensos significa a valorização Um terceiro caso, o de Lisboa, em
das tarefas de coordenação das ações dos Portugal, foi escolhido por representar uma
atores, reduzindo o papel da normalização abordagem heterodoxa (reformista e de
a prioridas ações dos deles (Morisi, Passigli, mercado) atuando segundo um sistema de
1994). gestão, como o apresentado acima.
A ação racional sobre o espaço urbano,
do ponto de vista da gestão, visa estabelecer
pactos restritos entre os atores para a reali- 6. 1. Conservação integrada reformista:
zação de todos os tipos de ações sobre a Bolonha, Ferrara e Brescia
cidade, como, por exemplo: a intervenção
no ambiente urbano, a análise do contexto A Cl foi pela primeira vez aplicada na
e o controle e monitoramento das ações cidade de Bolonha, no início dos anos 1970.
dos atores. As ações pactuadas são orga- Sua aplicação, enquanto estratégia de
nizadas segundo uma estrutura 'lógica' de ação pública sobre toda a cidade e não
inter-relacionamento possível entre as somente o seu centro histórico, iniciou-se
ações, segundo uma finalidade (holística) nos meados dos anos 1980, ainda em
geral pactuada no início do processo. Assim, Bolonha (Cervellati, Scannavini, 1973)
a gestão é o modo de realização da (Bandarin, 1979). Entretanto, enquanto
estratégia geral de inovação/conservação, modelo de ação geral da ação pública, a
e o plano estratégico é o instrumento de Cl alcançou seus melhores resultados em
racionalização das ações/pactos, espe- outras cidades do norte da Itália, como
cialmente da ação pública. foram o caso de Ferrara e Brescia.
A Cl que partiu de uma concepção da O caso de Bolonha, a 'pátria da con-
ação centrada no papel do estado, hoje se servação urbana', evidencia o impacto da
modifica para trabalhar com diversos tipos gentrificação quando políticas de Cl são
de relações entre os atores com capa- aplicadas a áreas residenciais centrais.
cidade de comando sobre os recursos Nessa cidade, a conservação iniciou-se nos
ambientais urbanos: pública e privado, bairros residenciais populares nas proxi-
público e não-governamental, privado e midades do centro histórico. A proposta de
não-governamental. Isso leva a uma recuperação do estoque construído para o
redefinição dos atores participantes dos uso dos habitantes locais, de classe social
Conservação invegracL
processos de conservação e, especial- de menor renda, foi a grande bandeira e planejame,ito ,jrba,',
mente, do que se entende por 'participação política dos administradores da muni- uma revisão
popular', um conceito fundamental na cipalidade e dos intelectuais urbanistas do
formulação inicial da Cl (Caixa 1). PCI.
O sucesso do projeto de conservação
Silvio Mendes Zanchei
nos primeiros anos depois de sua implan-
6. Exemplos de diferentes abordagens tação foi indiscutível. Os bairros recupe-
da Cl rados permaneceram residenciais até os
anos 1980. Contudo, a grande expansão
A seguir, serão expostos três breves do terciário sofisticado da cidade, nos anos
relatos de experiências de revitalização. As 1980 e 1990, e a forte expansão da
duas primeiras são casos emblemáticos de universidade, ocupando os grandes con-
duas das principais abordagens da Cl: a tenitores' dentro dos bairros recuperados,
reformista, onde são apresentados os provocaram um aumento considerável no
casos de Bolonha, Ferrara e Brescia, na preço dos imóveis na área do projeto. As
Itália, e a de mercado, com o caso de residências populares foram transformadas
Lowell, nos EUA
116
em residências estudantis ou de profes- público e dos edifícios de valor notável
sores da universidade. As áreas térreas, por (monumentos). A segunda fase foi a exten-
sua vez, foram ocupadas por restaurantes, são da CI para o tecido urbano renas-
bares, livrarias, clubes de música, galerias centista contido no interior das muralhas.
de arte, enfim, por todo o tipo de comércio Esse tecido permaneceu em grande parte
e serviço ligado à vida intelectual da desocupado, do século XIV ao final do XIX.
universidade. O centro histórico de Bolonha, Nessa etapa, foram resgatadas grandes
um dos mais sofisticados da Itália, expandiu- áreas verdes, que compunham jardins
se fortemente nessas duas décadas finais senhoriais e hortos de conventos, para o
do século, avançando sobre a área recu- uso urbano. Foram, também, implantadas
perada de residência popular, reforçando o políticas de transporte, para reduzir o
processo de gentrificação. número de veículos no interior das muralhas
Na atualidade, a política de recu- e um dos mais bem-sucedidos programas
peração da área histórica de Bolonha aceita europeus de uso de bicicletas no interior
a gentrificação, buscando somente mini- da área histórica. A recuperação da porção
mizar seus impactos em famílias mais renascentista foi paralela à criação de novas
pobres e em idosos. As políticas de Cl não áreas de expansão urbana fora da cidade,
foram suficientes para enfrentar a espe- as quais reuniam áreas para habitação,
culação imobiliária das áreas revitalizadas. indústria e um grande parque de expo-
Os melhores resultados da Cl estão sendo sições (a Feira de Ferrara). Os subúrbios
obtidos nas periferias residenciais (os históricos, isto é, pré-século XX, receberam
conjuntos operários) e nos conjuntos o mesmo tratamento da Cl das áreas
habitacionais construídos depois da Se- centrais.
gunda Guerra. Nos anos 1990, a CItem sido estendida
Bolonha é um dos centros dinâmicos para todo o território municipal, buscando
da moderna economia italiana. A sua área manter a paisagem da Emitia Romana
central tornou-se um dos principais pólos (planície com cultivos de frutas, grãos e
da economia de serviços da Itália. O vinhas e pecuária nobre para queijos),
processo de desregulação econômica tentando diminuir o impacto da moderna
atingiu fortemente as áreas históricas dos indústria flexível e da agroindústria. O mais
centros urbanos dinâmicos do país, es- ousado programa de conservação atual é
integrada a transformação da área estuarina do rio
,Ianejanrnto urbano:
pecialmente após o abalo do poder político
urna "são da esquerda nas administrações muni- Pó, que é um parque nacional, em área
cipais, ocorrido nos anos 1990. Houve um histórica Patrimônio Mundial que será uma
claro 'abandono' dos centros históricos das primeiras áreas de conservação em
dinâmicos à gentrificaçâo, por parte das macroescala, com uma rede complexa de
IMo Mendes 7ancheti administrações municipais, o qual foi cidades.
compensado por um maior controle das Brescia, localizada perto de Milão,
cidades históricas médias e pequenas, no diferentemente de Ferrara, é uma cidade
interior do processo de urbanização difusa industrial com grandes subúrbios resi-
que cobre o território italiano. denciais que contornam a área histórica
O caso de Ferrara é bastante importante (anterior a 1870). O seu plano de con-
para uma compreensão das fases de servação foi bastante similar ao de Ferrara,
implantação da Cl e de seu desenvol- seguindo de perto a abordagem reformista
vimento. As primeiras ações, ainda nos anos da CI e quase o mesmo percurso de análise
1970, concentraram-se no centro histórico e intervenção utilizado em Bolonha (Lom-
de origem medieval e visaram à recu- bardi, 1989). Cabe ressaltar o notável
peração do conjunto residencial, do espaço sucesso na recuperação de conjuntos
117
residenciais populares que foram cons- públicos de uso coletivo, como, por exem-
truídos no início do século XX para tra- plo, teatros, bibliotecas, associações de
balhadores da indústria. idosos e outros de uso comunitário, além
O sucesso da Cl em Ferrara e Brescia de museus, centros culturais, depar-
pode ser atribuído à ocorrência de fatores tamentos de universidades, etc.
similares nas duas cidades.
Em primeiro lugar, cabe ressaltar que o
processo de gestão é centralizado no poder 6.2. Revitaliza ção segundo regras de
público municipal e as políticas de con- mercado: Lowell
servação são de sua iniciativa. Ambas as
cidades foram, por muitos anos, governadas A cidade de Lowell, na costa leste
pela esquerda italiana (especialmente o americana, é um dos bons exemplos de
Partido Comunista) que após os grandes projeto de revitalização urbana baseado
embates e derrota, nos anos 196011970, por numa abordagem da conservação inte-
uma reforma urbanística nacional, dire- grada orientada pelo mercado, segundo
ciona sua ação para a reforma admi- uma gestão tipicamente norte-americana
nistrativa e urbana das municipalidades. (Gittel, 1992, p. 65 - 93).
Bolonha, Ferrara e outras foram cidades LoweIl foi uma grande cidade industrial
onde o PCI trabalhou intensamente para no final do século XIX e início do XX. Nos
criar exemplos de 'bom governo local' e anos 1960, era uma área deprimida, sem
onde foram incentivadas as novas formas perspectiva de retomar a sua importância
de 'participação popular' na administração. enquanto centro econômico digno de
É importante enfatizar que durante mais de destaque.
duas décadas essa política recebeu grande No final dos anos 1970, um grupo de
apoio popular. políticos, intelectuais e empresários locais
Um segundo ponto importante foi o lança a idéia de revitalizar a vida econômica
direcionamento dos recursos de fundos da cidade, mudando o perfil setorial da
públicos (do Governo Central) para a economia local. A base deste plano foi a
construção de residência popular para as elaboração de um amplo inventário dos
políticas de recuperação do estoque bens ambientais e culturais do município e
residencial existente e das suas infra- uma ampla divulgação das informações
estruturas, serviços e espaços públicos. Isto sabre esse inventário e da história da
é, a conservação por meio da idéia de re- localidade. U" rSso
cuperação tornou-se a principal forma de Em vez de aderir aos programas de
intervenção da municipalidade na cidade. renovação urbana que o Governo Federal
Em terceiro lugar, a conservação foi patrocinava na época em todo o país, a
acompanhada por projetos de expansão municipalidade de Lowell decide recuperar SiMo
urbana e transformação da infra-estrutura o estoque de construções e de infra-
econômica, criando novas centralidades no estrutura do seu antigo parque industrial
território. Esse tipo de política buscou (grandes fábricas do século XIX, com
restringira terciarização das áreas históricas canais e estradas especiais), para que
e a sua gentrificação. fossem reutilizados por atividades de
Em quarto lugar, a conservação dos serviços e de apoio ao turismo cultural.
tecidos urbanos residenciais foi acom- A partir de iniciativas de políticos locais
panhada pela conversão dos grandes e de empresários, foi criado um fundo de
edifícios históricos, como conventos, reabilitação da economia local com
quartéis, velhos hospitais, em equipa- recursos privados, o qual seria utilizado nos
mentos (os contenitores') de serviços projetos de recuperação do estoque de
118
construções, e também elaboradas cam- tidores privados, na qual o poder público
panhas para atrair novas empresas para a realiza a melhoria do espaço público e
cidade. renova toda a infra-estrutura urbana de
Essa estratégia foi bem-sucedida, pois serviços, incluindo a infra-estrutura telemá-
Lowell tornou-se um grande ponto de tica. A gentrilicação constituiu o substrato
atração de turismo cultural (a arqueologia da ação planejada.
da indústria têxtil) e um grande pólo de alta Os bairros populares históricos (Alfama,
tecnologia (computadores e softwares). O Castelo, Bairro Alto e Madragoa), que
mais interessante tem sido a capacidade contornam as áreas centrais enumeradas
adaptativa da estratégia de desenvolvimento no parágrafo acima, receberam um trata-
inicial. Nos anos 1980, com a profunda e mento de Cl no sentido reformista. A
rápida transformação da economia da Câmara Municipal de Lisboa criou uma
informática, as empresas de computadores administração 'paralela' para trabalhar com
e software já eram obsoletas. A admi- essas áreas, a qual tem todo o poder de
nistração municipal de Lowell passou, ação sobre o espaço urbano desses bairros,
então, a cooperar na reestruturação eco- incluindo os estudos, a elaboração de
nômica dessas empresas para adequá-las projetos, a negociação com os atores e a
aos novos padrões tecnológicos e de implantação dos projetos. Existem es-
mercado. A alavancagem econômica critórios de reabilitação em cada bairro e
conseguida em outros ramos do terciário são eles coordenados por uma adminis-
(o turismo, por exemplo) permitiu um tração central, a direção de Reabilitação
redirecionarnento dos recursos públicos e Urbana. Nesses bairros, todas as ações da
privados para o setor da microeletrônica. municipalidade, são decididas no âmbito
Desse modo, em Lowell a gentrificação dos escritórios locais e da direção, inclusive
residencial e de atividades foi, prati- as obras de infra-estrutura e dos serviços
camente, um objetivo do processo de urbanos. A reabilitação desses bairros
revitalização realiza-se num ambiente político fortemente
influenciado por ideais da esquerda (Parti-
do Socialista Português e com o apoio dos
6.3. Uma abordagem heterodoxa: Lisboa comunistas), e a participação popular
continua sendo o principal esteio da ação
onservaçao integrada dessa administração.
planearnento urbano: O caso de Lisboa é muito interessante
uma revisão como um bem-sucedido processo de Nas áreas degradadas da periferia
recuperação urbana e econômica de toda urbana, foram implantados programas de
a cidade, baseado em uma abordagem renovação urbana e de revitalização, como,
múltipla, não ortodoxa. A recuperação por exemplo, o recinto da Expo 98 e as
Mo Mendes Zancheti urbana ocorreu em várias frentes, simul- docas de Alcântara.
taneamente (Roanet, 1998) (Câmara O ponto forte do processo de conser-
Municipal de Lisboa, 1993 e1992) vação e revitalização de Lisboa está na
As áreas históricas centrais da Baixa, forma institucional e nos instrumentos
do Chiado e da Av. da Liberdade foram urbanísticos utilizados. A municipalidade
objetos de um processo de recuperação e produziu um plano diretor e um plano
renovação de edificações para o uso de estratégico. O primeiro regulou a forma
comércio e serviços. Ali foram realizados geral de ocupação do solo em toda a
grandes projetos (de renovação e de novas cidade. O segundo identificou os projetos
edificações) com os arquitetos do circuito em que se poderiam formalizar pactos com
internacional. Existe uma clara parceria da a iniciativa privada e com a comunidade
administração municipal com os inves- dos bairros. Para cada tipo de projeto, foi
119
construída uma estrutura de gestão e de truído) e de grande significado simbólico
administração, relativamente indepen- para a população local, regional ou mesmo
dente, que pode acomodar os interesses nacional. Os projetos de revitalização
conflitantes dos atores envolvidos no buscavam melhorar a qualidade ambiental
processo total. Por exemplo, a conservação de áreas patrimoniais para a sua reversão
dos bairros populares, que se iniciou antes a usos de serviços de recreação e diverti-
da montagem dessa estrutura, foi aco- mento e serviços turísticos.
modada ao novo modelo de gestão, Em todas as experiências esteve pre-
reforçando o poder de decisão e nego- sente, também, uma estratégia de forma-
ciação da Diretoria de Reabilitação. ção de uma nova "imagem" da cidade. Em
Os condicionantes conjunturais globais nenhum caso, a gentrificação, em qualquer
foram bastante importantes em Lisboa. A de suas formas, foi considerada um pro-
Câmara Municipal foi suficientemente hábil blema.
ao perceber e potencializar as opor- Duas experiências brasileiras de revita-
tunidades abertas pela inclusão de Portugal lização urbana merecem maior destaque
na Comunidade Européia, especialmente devido a sua direta inserção em estratégias
a disponibilidade de fundos para infra- de desenvolvimento local: a do Pelourinho,
estruturas e a transformação de Lisboa em Salvador (BA), e a do Bairro do Recife,
numa nova 'fronteira' de investimento para no Recife (PE). 11 Em ambos os casos, a
as grandes empresas internacionais, revitalização fazia parte de políticas de
especialmente as européias. A segmen- desenvolvimento local implantadas de
tação da cidade, em áreas com diversos modo diverso: no caso do Pelourinho, pelo
tipos de projetos urbanos, permitiu a Governo do Estado, e, no caso do Recife,
realização dos investimentos em um clima pelo município.
de poucos conflitos, especialmente com a No caso do Pelourinho, por sinal um
inversão de vultosos recursos na con- projeto bastante polêmico, as avaliações de
servação das áreas populares e degra- impacto do projeto têm-se concentrado na
dadas. transferência da população tradicional de
baixa renda da área e na descaracterização
e perda de autenticidade do patrimônio
7 Exemplos no Brasil
urbanístico e arquitetônico (Sant'Anna,
Os anos 1990 foram ricos em expe- 2001). Pouco ainda foi analisado quanto ao
riências de revitalização no Brasil, desde impacto econômico dos vultosos recursos
Conservação in
os finais dos anos 1980 começaram a públicos aplicados na implantação do e planejamento
surgir planos de revitalização em im- plano e na estratégia de gestão baseada Unia revísão
portantes cidades do país (Zancheti, et alli., na sua condução pelo Governo do Estado.
1995). Essas experiências vieram como Nesse projeto, o Governo do Estado
uma resposta no interior de políticas locais obteve a propriedade dos imóveis mediante
de desenvolvimento, e objetivam criar novas a posse daqueles abandonados ou de
formas de agregação de valores na eco- contratos de comodato. Todo o inves-
nomia urbana local, utilizando uma forma timento de recuperação física das
especifica de riqueza ambiental: os bens edificações foi feito pelo governo, e os
urbanos patrimoniais (ou histórico-cultu- imóveis foram cedidos ou alugados a
rais). São projetos de desenvolvimento instituições culturais e empresas de serviço
econômico voltados, em geral, para a e comércio a preços abaixo do mercado.
revitalização de áreas urbanas deprimidas, Nos primeiros anos do projeto (cor-
subutilizadas, abandonadas ou ocupadas respondentes às três primeiras fases),
por grupos sociais de baixa renda, que ocorreu uma grande mudança no perfil dos
perderam sua vitalidade econômica, mas negócios instalados, devido à incapacidade
que são possuidores de grande qualidade de o mercado absorver os serviços
ambiental (no sentido do ambiente cons- ofertados. Os empreendimentos que
120
fracassaram foram, então, sendo subs- estrutura e na qualificação dos espaços
tituídos por meio de processos mais públicos, além da recuperação direta de
ajustados ao mercado imobiliário e de alguns poucos imóveis. O processo de
negócios de Salvador. Apesar dos ajustes e atração de investimentos privados tem sido
da mudança do projeto geral, com a realizado por meio de negociação conti-
inclusão de recuperações de edificações nuada da municipalidade com possíveis
para habitação, continua alta a taxa de investidores privados. O papel do poder
investimento público, relativamente à público tem sido o de facilitar a negociação
privada, e a transferência de fundos pú- entre proprietários de imóveis e investidores
blicos para negócios particulares. e ajustar o tipo e o cronograma de suas
O aparato institucional e instrumental ações sobre a infra-estrutura e o espaço
utilizado em Salvador não apresenta público, de modo a facilitar a execução de
grandes novidades, pois é um projeto quase projetos pactuados entre os investidores.
totalmente comandado e financiado pelo
Governo do Estado. Até 1997, a munici-
palidade estava excluída do processo de 8. Conclusões
revitalização. Somente com a eleição de
um prefeito alinhado com a tendência Atualmente a Cl é uma abordagem
política do Governo do Estado, foi que ela presente em inúmeras experiências atuais
iniciou a sua participação como uma das de planejamento de áreas urbanas con-
administradoras. Entretanto, mesmo com solidadas, incluindo as de interesse patri-
essa novidade, o projeto é comandado monial. A formulação inicial da abordagem,
segundo uma perspectiva centralista e não realizada nos encontros de Amsterdã, de
negociada, típica do planejamento urbano 1975, conseguiu sobreviver ao teste do
dos anos 1970. tempo, pois foi utilizada em, praticamente,
No caso do Bairro do Recife, a estratégia todas as importantes concepções de
de implantação do plano tem merecido planificação urbana surgidas no último
alguma atenção nos meios técnicos e quarto do século XX, sendo utilizada desde
acadêmicos. O grande diferencial, com propostas progressistas de 'esquerda' até
relação ao Pelourinho, está no fato de que as de mercado de 'direita'.
os investimentos públicos foram pequenos, Também, o impacto do desenvolvi-
mas tiveram um efeito multiplicador subs- mento sustentável sobre as concepções de
tancial, com forte resposta do setor privado planejamento urbano, especialmente das
onservaçio integrada
,ane,mnto urbano: (Zancheti et allii, 1998). Além disso, a gestão proposições relativas à importância do
uma revisão do processo de implantação foi conduzida ambiente e da cultura, reforçou e ampliou
de modo partilhado com o setor privado, o uso da CI. A transformação das propostas
sendo que o tempo para a implantação do iniciais de participação em modernos
projeto é muito mais longo que o caso de sistemas de gestão teve um papel impor-
iMo Mendes Zancheti Salvador (Zancheti, 2001). tante na continuidade e ampliação da Cl
No Bairro do Recife, o processo de ao longo desse anos.
revitalização partiu da premissa da trans-
Pode-se, assim, prever que a Cl conti-
formação dos usos existentes e da revi-
nuará como uma abordagem relevante e
talização de espaços urbanos subutilizados,
de reconhecimento ascendente para as
pois a área no início dos anos 1990 estava
propostas de planejamento urbano do início
praticamente vazia. A ação pública concen-
trou-se, basicamente, na melhoria da infra- deste novo século.
121
Notas
Deste ponto em diante, o termo revitalização será do Recife, isto é, um plano de conservação, em
utilizado como um substituto genérico de todos os escala territorial, abarcando mais de dez
outros tipos de projeto, como reabilitação e municípios e uma população de, aproxima-
requalificação. damente 3,5 milhões de pessoas (Fidem, 1998)
2 0 site w.archi.fr/SlRCHAL reúne um grande (Zancheti, et allii, 1999).
número de análises de casos de revftalização na revista italiana Urbanistica tem sido o principal
América Latina e no Brasil.
veículo de divulgação e discussão dessa
Essa declaração foi o produto final do "Congresso tendência.
sobre o patrimônio arquitetônico europeu"
realizado durante a reunião do Conselho da análise tipológica foi inicialmente elaborada por
Europa do mesmo ano. As idéias da conservação Saverio Muratore e desenvolvida por Caniggia
integrada foram, também, adotadas pelo e Maffei (1995). Basicamente, essa análise afirma
Conselho de Ministros do Conselho da Europa que a construção da cidade é feita em base a
e expressas na Gaita Européia do Patrimônio 'tipos' construtivos, que sempre expressam as
Arquitetônico. Ver: IPHAN, Cartas Patrimoniais, concepções de espaço, as práticas construtivas
IPHAN, Rio de Janeiro. e os materiais de construção de períodos históricos
determinados. Os tipos são parte do conhe-
As principais cidades foram: Modena, Reggio- cimento geral da sociedade (um elemento
Emilia, Imola, Ravenna e Ferrara. imaterial da cultura) e não somente de espe-
cialistas como arquitetos e engenheiros. A análise
gentrificação também pode ser entendida como morfológica, de origem italiana (a utilizada neste
"a conversão de uma área antiga, em um bairro texto), foi inicialmente formulada e empregada
mais afluente, pela reforma das habitações, por Giancarlo de Cario, no Plano de Urbino
resultando em um aumento do valor dos imóveis, (1960). Essa análise procura, em oposição à
e a expulsão da população original mais pobre." análise tipológica, apreender a invenção e a
(Monteiro, 2002, p. 288). Deve ser ressaltado inovação no espaço urbano. Para esses teóricos,
que o conceito de gentril icação pode, ainda, ser a construção do espaço urbano é um problema
utilizado para descrever um processo de único, devido às especificidades dos locais e dos
substituição de atividades urbanas de geração momentos históricos de sua criação. Não existem
de baixo valor agregado (como a pequena soluções que não contenham novidade, apesar
produção mercantil, os artesãos, o comércio local, de existirem regularidades em períodos culturais e planejaniei
etc.) por outras atividades com capacidade de relativamente homogêneos. Cabe á análise urna revisão
gerar maiores valores (empresas de serviços, revelar essa especificidade e indicarcomo a ação
comércio de luxo, etc.) planejada pode trabalhar com as especicidades
reveladas.
6 "...(G)eritrificação é um resultado inevitável da
revitalização de áreas históricas que estavam °Algumas experiências de revitalização urbana
deterioradas e obsoletas. A menos que os edifícios foram realizadas na década de 1980, como foram
estejam vazios, ocorrerá uma elemento de os casos do Corredor Cultural no Rio de Janeiro,
deslocamento e de gentrificação, porque assim o Projeto Reviver, em São Luis, e outros em
que uma área é revitalizada ela passará por um várias partes do pais. Entretanto, não podem
processo de aumento dos valores das pro- ser consideradas como planos locais de
priedades imobiliárias e atrairá usuários que desenvolvimento no sentido exposto acima. A
desejam pagar rendas mais altas." (Tiesdell, et revitalização urbana, como estratégia de
alli, 1996, p204). desenvolvimento local, aparece na cena
brasileira, basicamente, na década de 1990.
7 A Cl também foi utilizada como o princípio básico Hoje, constitui uma política do Governo Federal.
do novo plano de desenvolvimento metropolitano
122
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