Escrita Terapêutica em Contexto de Saúde: Uma Breve Revisão ( )

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Análise Psicológica (2008), 2 (XXVI): 327-334

Escrita terapêutica em contexto de saúde:


Uma breve revisão (*)

MARIA JOÃO FIGUEIRAS (**)


DÁLIA MARCELINO (**)

INTRODUÇÃO das ligações entre transtornos ou dificuldades, emoção,


linguagem e saúde (Slatcher & Pennebaker, 2007).
Nos últimos anos, assistiu-se a um rápido cresci- De acordo com Harber e Pennebaker (1992) a
mento da investigação que examina a relação entre expressão escrita sobre experiências adversas pode
a expressão emocional e a saúde. Um número signi- ajudar os indivíduos a reorganizar e assimilar estas
ficativo de estudos revelou relações entre expressão experiências. Neste sentido, a literatura sugere que
emocional escrita acerca de experiências adversas os indivíduos que confrontam as suas experiências
e melhorias na saúde física e psicológica (Mosher ou memórias traumáticas através da escrita se adaptam
& Danoff-Burg, 2006). Diversos estudos sobre melhor a acontecimentos stressantes (Pennebaker
escrita terapêutica sugerem que os indivíduos que & Beall, 1986; Pennebaker, 1997). Nas últimas décadas,
inibem a expressão emocional estão mais expostos os mesmos autores desenvolveram investigação
a problemas de saúde (ex. Berry & Pennebaker, nesta área e constataram que colocar em palavras
1993; King & Miner, 2000). Por outro lado, indivíduos escritas uma experiência marcante se traduziu em
que processam as suas experiências traumáticas melhorias do estado de saúde física e psicológica.
através da expressão escrita ou verbal, apresentam
melhores níveis de saúde (Greenberg, Wortman
& Stone, 1996; Pennebaker, 1993, 1997; Pennebaker O PARADIGMA DA ESCRITA
& Seagal, 1999). Um dos métodos que tem sido
usado para testar os efeitos da expressão emocional A investigação nesta área foi iniciada nos anos
é o uso da escrita terapêutica. Este método tem-se 1980 por James Pennebaker e colaboradores que
revelado bastante importante para a compreensão demonstraram que escrever sobre pensamentos e
sentimentos relacionados com acontecimentos stres-
santes pode ter um efeito positivo em diversos aspectos
da vida dos indivíduos. A técnica utilizada nos
(*) Agradecimentos: Queremos agradecer aos indivíduos
que contribuíram com os seus relatos para este trabalho. estudos de Pennebaker e Beall (1986) consistiu em
Os textos foram transcritos exactamente como os originais, pedir aos participantes que escrevessem sobre temas
incluindo a sua pontuação e eventuais incorrecções orto- traumáticos ou superficiais durante quatro dias,
gráficas. Alguns excertos dos textos foram omitidos, quinze minutos por dia. Os resultados indicaram
no sentido de não permitir a identificação de pessoas ou que o confronto das emoções e pensamentos sobre
locais.
(**) Unidade de Investigação em Psicologia Clínica assuntos pessoais significativos para os indivíduos
e da Saúde, Instituto Piaget, ISEIT, Almada. E-mail: tinha um efeito positivo na saúde física nos meses
[email protected] subsequentes. Estes resultados deram origem ao

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desenvolvimento de outros estudos em contexto das quais é difícil falar com outras pessoas (Pennebaker
de laboratório. Aqui o procedimento implicou a & Graybeal, 2001). Pennebaker, Zech e Rimé (2001)
distribuição aleatória dos indivíduos por grupo consideram que os indivíduos podem ter maiores
experimental e de controlo, em que os últimos escre- benefícios em escrever acerca de experiências trau-
veram sobre temas do quotidiano e os participantes máticas estigmatizantes do que em escrever acerca
no grupo experimental escreveram sobre experiências de experiências que são socialmente aceitáveis.
traumáticas. Estudos posteriores expandiram o Outros resultados sugerem que os membros de
leque de temas de escrita, incluindo eventos de grupos estigmatizados podem ser mais inibidos
carácter emocional ou experiências específicas, e, como tal, beneficiar mais da escrita terapêutica
como por exemplo a perda de um ente querido, o (Richards, Seagal, Pennebaker & Beal, 2000). Porém,
impacto de um diagnóstico, perder o emprego, ou num estudo de Pennebaker, Kiecolt-Glaser e Glaser
entrar na universidade. O tempo dispendido na tarefa (1988) verificou-se que imediatamente após escre-
de escrever variou entre dez a trinta minutos, durante verem, os sujeitos do grupo de trauma relataram
três, quatro ou cinco dias, mais do que uma vez mais sintomas físicos e um aumento do afecto
por dia, ou apenas uma vez por semana, durante um negativo. No entanto, apesar da escrita terapêutica
período que atingiu as quatro semanas (Pennebaker estar associada a estes efeitos de curto prazo em
& Chung, 2007). alguns estudos, não parece colocar a saúde dos
Berry e Pennebaker (1993) salientam que a participantes em risco, ou ser prejudicial a longo
expressão emocional se refere à expressão da emoção prazo (Hockemeyer, Smyth & Anderson, 1999).
“crua”, no contexto da escrita terapêutica revelar Esta abordagem revelou-se extremamente poderosa
emoções refere-se ao processo de transformar senti- no que respeita à revelação de sentimentos e emoções,
mentos e emoções em linguagem escrita (Smith relacionadas com um leque variado de experiências
& Pennebaker, 2001). De acordo com estes autores, de vida (ex. abuso sexual, luto, perda, doença, relações
este processo integra em si, aspectos cognitivos e íntimas), em participantes que variaram entre crianças,
emocionais, sugerindo que a expressão das emoções idosos, reclusos, estudantes e pacientes. De acordo
através da escrita oferece uma oportunidade para com os autores acima referidos, este tipo de abordagem
aumentar o insight, a capacidade de auto-reflexão, demonstra que quando é dada aos indivíduos a
e a organização da perspectiva do próprio sobre oportunidade de revelar sentimentos e emoções,
os eventos, em contraste com a simples revelação essa disponibilidade existe. Investigações mais recentes,
de sentimentos e emoções de forma espontânea. indicaram que este paradigma revelou resultados
No entanto, esta revelação de sentimentos e emoções promissores em estudos como por exemplo, utilizar
através da escrita, parece facilitar o ajustamento a escrita terapêutica através do e-mail (Sheese, Brown
apenas quando os indivíduos escrevem de forma & Graziano, 2004), uma intervenção para o stress
que lhes permita dar sentido às suas experiências, pós-traumático via internet (Lange, van de Ven
identificando eventuais obstáculos, dificuldades & Schrieken, 2000) e tarefas de escrita terapêutica
e formas de resolver conflitos. Em alguns indiví- em casais em terapia após uma relação extra-conjugal
duos, a expressão escrita pode facilitar o desenvol- (Snyder, Gordon & Baucom, 2004).
vimento da representação cognitiva de uma experiência
traumática, que promove o insight e estratégias de
coping adaptativas. Porém, noutros, pode promover ESCRITA TERAPÊUTICA
a ruminação do pensamento, que inibe o desen- E RESULTADOS NA SAÚDE
volvimento de estratégias adaptativas (Cameron
& Nicholls, 1998). Deste modo, parece que a escrita Na área específica dos contextos de saúde, este
terapêutica não é benéfica para todos, e levanta a paradigma também produziu resultados relevantes.
questão sobre em que medida a tarefa de escrever James Pennebaker e colaboradores (1986, 1993,
sobre tópicos traumáticos ou stressantes, deve ser 1997) verificaram que escrever sobre situações ou
modificada de forma a promover o ajustamento dos eventos stressantes, durante alguns minutos por
indivíduos que não beneficiam directamente apenas dia, produziu efeitos positivos na saúde. Os resul-
por revelar sentimentos e emoções. O paradigma da tados da investigação sugerem ainda que a inibição
escrita pode ser mais eficaz em pessoas que passaram de expressar emoções, definida como a tendência
por experiências particularmente traumáticas acerca para reprimir ou não expressar sentimentos, associados

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a eventos ou experiências significativas a terceiros, termos da contagem de palavras, que pode ser
pode ter um impacto negativo na saúde (Lepore, analisada em termos estatísticos. Existem três cate-
1997). Originalmente, no contexto da escrita tera- gorias principais: (1) a análise de conteúdo temática
pêutica, escrever foi conceptualizado como uma que recorre a “juízes” que identificam os temas
forma de permitir aos indivíduos o confronto com referidos com base em sistemas de codificação que
temas relacionados com experiências stressantes, são desenvolvidos empiricamente, (2) a análise de
reduzindo assim eventuais constrangimentos, ou padrões de palavras (análise semântica latente),
inibições associados com a não expressão de senti- que analisa como variam as palavras em grandes
mentos ou emoções. Especificamente, a expressão amostras de texto, e/ou determina semelhanças entre
emocional através da escrita permite uma tradução o conteúdo de textos, e (3) as estratégias para a
da experiência traumática, numa estrutura linguística contagem de palavras que se focam na análise de
que promove a assimilação e compreensão do evento, conteúdo (o que é dito) e no estilo (como é dito),
reduzindo o afecto negativo associado aos pensa- na contagem simples de palavras em termos de
mentos e conteúdos desse evento (Pennebaker, 1993; unidades gramaticais (pronomes pessoais e prepo-
Pennebaker, Mayne & Francis, 1997). De acordo sições), ou em dimensões da linguagem relacionadas
com os resultados descritos na literatura, o número com as emoções. Nesta última, e no âmbito dos
de visitas ao médico de família diminuiu (Pennebaker trabalhos de Pennebaker e colaboradores sobre escrita
& Beall, 1986; Pennebaker, Colder & Sharp, 1990; e expressão emocional, foi desenvolvido o “Linguistic
Pennebaker & Francis, 1996), a imunocompetência Inquiry and Word Count” (LIWC), que permite a
aumentou (Pennebaker, Kiecolt-Glaser & Glaser, análise das palavras em termos da sua classificação
1988; Petrie, Booth, Pennebaker, Davison & Thomas, gramatical (ex. artigos, pronomes, preposições,
1995), o absentismo ao trabalho diminuiu (Francis advérbios, etc.), categorias associadas a aspectos
& Pennebaker, 1992), aumentou a probabilidade psicológicos e cognitivos, conteúdos temáticos, e
de obter um novo emprego em indivíduos que tinham permite ainda a definição de outras categorias pelo
ficado desempregados havia pouco tempo (Spera, utilizador (Pennebaker, Francis & Booth, 2001).
Buhrfeind & Pennebaker, 1994), e melhoraram as Uma questão bastante frequente neste contexto
classificações em estudantes universitários do 1.º ano relaciona-se com a medida em que existem dife-
(Pennebaker, Colder & Sharp, 1990; Pennebaker & renças de género no uso da linguagem. Esta questão
Francis, 1996). Mais recentemente, verificou-se que decorre parcialmente do facto da linguagem ser
a escrita terapêutica pode também ter benefícios um fenómeno social e como tal fornecer dados
para doentes infectados com o VIH (Petrie, Fontanilla, importantes para a compreensão da forma como
Thomas, Booth & Pennebaker, 2004). No entanto, os homens e as mulheres abordam o seu mundo
verifica-se que a escrita terapêutica não afecta a social. Vários estudos têm referido que as mulheres
prática de comportamentos relacionados com a saúde, referem palavras de conteúdo emocional com mais
como por exemplo o exercício, a alimentação saudável frequência que os homens (Thomson, Murachver
ou o consumo de drogas ou álcool (Pennebaker et & Green, 2001; Mulac & Lundel, 1994). Mehl e
al., 1988). Pennebaker (2003) referem que as mulheres reportam
mais emoções positivas, enquanto os homens
expressam mais raiva. Estes resultados são consis-
“A PSICOLOGIA DAS PALAVRAS” tentes com o estereótipo relacionado com o género,
mas não generalizam um padrão de linguagem
A forma como as pessoas utilizam as palavras específico para homens e mulheres. Outros resultados
fornece uma grande quantidade de informação referem que o uso de pronomes pessoais na primeira
acerca delas próprias, e das situações que vivem. pessoa é diferente entre homens e mulheres (Mulac
As palavras utilizadas contribuem para fazer um & Lundel, 1994), e que os homens são mais directivos,
diagnóstico do seu estado mental, social, ou físico mais precisos, mas também menos emocionais no
(Pennebaker, Mehl & Niederhoffer, 2003). Existem uso da linguagem. No entanto, e independente-
diferentes abordagens no que se refere ao estudo mente do género, os indivíduos que utilizam a escrita
das palavras utilizadas na expressão escrita. Um terapêutica como forma de expressão emocional
exemplo disso é o estudo do estilo e do conteúdo relacionada com experiências marcantes, classificam
linguístico, outro é a abordagem quantitativa em o seu tipo de escrita como significativamente mais

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pessoal e emocional do que quando escrevem sobre que tinha que a ajudar. Durante esse período
temas banais. Transcrevem-se alguns excertos ilus- trocámos olhares e sorrisos. Soube aí que
trativos do tipo de linguagem usada por homens ia ser um grande dia.”
e mulheres, no que respeita a temas banais, ou signi-
ficativos. Pode verificar-se que o uso de palavras Sujeito 2 (sexo feminino)
“funcionais” (fiz, fui, almoçar, sair) é mais frequente “Bem… uma experiência emocionalmente
nos temas banais do que nos temas significativos, marcante… humm… sinto logo os meus músculos
onde se utilizam mais palavras associadas à emoção. a retraírem-se e a minha memória leva-me
para a minha infância. Sinto um misto de dor
e incompreensão. Esta experiência ocorreu
TEMAS BANAIS quando eu tinha 6 anos. Andava na primária
juntamente com um primo meu, primo que
Sujeito 1 (sexo masculino) considerava como irmão…. Estávamos
“Acordei de manhã, abri os olhos e dei de sempre juntos, brincávamos juntos, ríamos
caras com o meu cão. Lambia-me as mãos. juntos chorávamos juntos. Ele contava-me
Queria ir à rua (…) Seguiu-se uma conversa muitas coisas e eu compreendia-o. Ele já não
à porta do café sobre o jogo da véspera e tinha pai, o pai tinha morrido num acidente
sobre a semana que está para vir, com o de automóvel (…). Este meu primo confiden-
meu amigo B. Almocei em silêncio, olhando ciava-me vezes sem conta que queria morrer
para a TV e pensando que devia comer menos. como o pai. Muitas vezes brincávamos e ele
Saí de casa e vim para a escola.” fingia que morria. Até que um dia estava em
casa e ouvia a minha mãe e a minha avó a
Sujeito 2 (sexo feminino) chorarem…. O meu primo… o meu primo irmão
“Acordei com o gritar aflito do bebé do vizinho, tinha morrido… num acidente de automóvel.
resmunguei para as paredes mas já não consegui Não quis acreditar e não chorei. Ainda hoje
dormir. Paciência… lá me levantei fui acordar acho que as minhas iniciais significam um
o meu gato, mudar-lhe a areia e dar-lhe a descanso para ele.”
bela da comidinha. A seguir deleitei-me com
o meu pequeno almoço. Seguidamente dirigi-me
para o meu magnífico computador. Liguei-o ESCRITA TERAPÊUTICA E PARTILHA SOCIAL
e pus logo o messenger activo (…). Liguei
a minha aparelhagem e a música percorreu Perante situações adversas sentimos muitas vezes
a casa… pronto… (…) o meu humor já estava a necessidade de expressar os nossos pensamentos
no ponto. Almocei, estive mais umas horas ou sentimentos em relação a esses eventos (Rimé,
no computador e dirigi-me para a porta da 1995). Esta necessidade pode ser motivada pelo
rua… (…)” conforto associado à expressão dos sentimentos,
ou pode reflectir uma tentativa de dar sentido a
um evento, ou validar os nossos sentimentos através
TEMAS SIGNIFICATIVOS da partilha social. Qualquer que seja o motivo, parece
consensual que partilhar sentimentos e emoções
Sujeito 1 (sexo masculino) sobre eventos stressantes está associado a melhorias
“Estava sentado há demasiado tempo na significativas no bem-estar físico e psicológico
mesma posição. Decidi levantar-me e dar um (Pennebaker, 1993; Smyth, 1998). Partindo do pressu-
passeio pelas ruas do bairro. Enquanto descia posto que nem toda a expressão emocional se faz
as escadas do prédio, encontrei o carteiro a por via oral, tem havido um aumento do interesse
quem desejei os bons dias. Depois de comprar em explorar os benefícios da expressão emocional
o jornal olhei para o céu que ameaçava chuva. quando se escreve sobre acontecimentos signifi-
Desloquei-me inconscientemente para trás, cativos. O contexto social fornece indicações sobre
e dei um encontrão a uma jovem que corria em o tipo de emoções que devem ser expressas, por
direcção ao autocarro. Ela caiu, espalhou quem, e em que tipo de situações. Assim, podemos
as folhas que tinha nas mãos pelo chão. Senti dizer que as emoções são reguladas socialmente,

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e a sua expressão é orientada pelas normas do contexto minha opinião são pessoas que não pensaram
onde ocorre (Rimé, Herbette & Corsini, 2004). em ninguém e não tiveram qualquer tipo de
Em geral, todos temos uma atracção especial por sentimento pelas pessoas que simplesmente
histórias, ou acontecimentos com uma componente e por azar se encontravam tanto no WTC como
emocional. A partilha social das emoções pode no avião que embateu nas torres. Foi um
contribuir para a construção de uma memória sobre dia horrível que jamais esquecerei por tudo
a experiência, promove o processamento mental o que sucedeu naquele dia, naquela hora e
com o objectivo de encontrar um significado para o naquele momento.”
evento. Esta partilha tem o poder de actualizar e
reforçar as relações sociais. Quanto mais intensa Sujeito 2 (sexo masculino)
é a emoção, maior é a partilha. Esta ideia de que “O dia 11 de Setembro revelou em mim raiva
as experiências emocionais alimentam o conhe- dirigida aos autores do acidente. Desespero
cimento colectivo, vai no sentido de ilustrar que a das pessoas que passaram pela situação.
tendência para comunicar experiências de carácter Sofrimento, angústia, sem solução, … uma
emocional serve as necessidades de procura de um revolta interior. Um sentimento de perplexi-
significado, novas perspectivas sobre um evento, dade, devido ao facto de como ser possível
assim como a necessidade de informação por parte ter acontecido num país como os E.U.A.”
dos outros membros da comunidade. Transformar
essas emoções em linguagem escrita, pode facilitar
o processamento cognitivo e afectivo de um evento TSUNAMI
com grande impacto social. Exemplos disso são
acontecimentos como o “11 de Setembro de 2001”; Sujeito 1 (sexo feminino)
catástrofes naturais como o “Tsunami”, ou o “caso “O tsunami foi um fenómeno natural trágico,
Maddie”. Cada experiência emocional afecta a que roubou a vida a tantas pessoas. Infeliz-
forma como nos vemos a nós próprios e o mundo mente, os fenómenos naturais não podem ser
que nos rodeia, e abala o nosso “universo simbólico”. evitados. O homem tentou minimizar as conse-
Este universo tem uma arquitectura própria que quências, mas estas são na maioria desastres
nos transmite a sensação de ordem, segurança e naturais, desastrosas e trágicas. Quando se
significado para a vivência do dia-a-dia. Os episódios deu este acontecimento e vi as imagens na
emocionais podem abalar essa estrutura simbólica, TV, fiquei horrorizada com aflição visível
porque abrem “fissuras” que questionam as nossas em pessoas a tentar salvar-se a elas e aos
ideias sobre o mundo, e evidenciam a fragilidade outros, e pensei nas famílias dos que morreram.
dessa estrutura. Os relatos escritos sobre esses eventos Afinal, tantos dos que lá perderam a vida
traduzem esses sentimentos, significados e revelam estavam simplesmente a passar umas merecidas
conteúdos de forte carácter emocional. Os excertos férias, e já não voltaram para casa. Que senti-
seguintes ilustram alguns exemplos: mento terão as famílias destas pessoas? Raiva,
injustiça, tristeza, saudade, … Dá que pensar,
principalmente quando se vive perto do mar,
11 DE SETEMBRO como seria se acontecesse comigo ou com algum
familiar meu. Seria simplesmente horrível…”
Sujeito 1 (sexo feminino)
“O dia 11 de Setembro para mim foi um grande Sujeito 2 (sexo masculino)
choque pois nesse dia senti uma grande “O tsunami provocou em mim alguma tristeza
tristeza, tanto pelas vítimas que morreram quanto à catástrofe e à destruição de vidas
como pelas pessoas chegadas a elas. Quando que causou. Mas, ao mesmo tempo, fez-me
ocorreu essa tragédia também me senti revol- relembrar a força que a natureza tem. De
tada, dado que, as pessoas que não tinham tempos a tempos a natureza recorda-nos que
culpa de nada estavam a sofrer imenso com os seres humanos são apenas mais uma espécie
tudo o que se estava a passar nesse dia. Por que vive neste planeta e que no fim tem de
outro lado, senti um grande ódio por todos ceder ao que ela quer. Por mais que tentemos
aqueles que organizaram o ataque pois na dominar e controlar o meio em que vivemos

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não o iremos conseguir fazer, existem forças opiniões, políticos, rumor, vítimas, confronto
maiores que se sobrepõem a nós e sempre o diplomático, opiniões, políticos, investigação,
conseguiram fazer. (…)” policia, culpados, rumor, testemunhas, dinheiro,
influência, opiniões, rumor, políticos, confronto
diplomático, opiniões, políticos, investigação,
CASO MADDIE policia, vítimas… É impossível fugir. Maddie
estava em todo o lado e não estava em lado
Sujeito 1 (sexo feminino) nenhum. A distância do tempo permite avaliar
“Os McCann construíram um cenário Absoluto que julgava nada saber sobre a história de
que quase tomou o lugar da realidade. Isto Maddie, mas, ao me ser pedido para escrever
foi possível porque a nossa realidade é cada este texto, a história saiu naturalmente, como
vez mais construída como um cenário. A se sempre estivesse na minha cabeça. Não
realidade é a imagem dos McCann a serem precisei de informação exterior. Vendo a esta
recebidos pelo Papa, que vergonha… e se mesma distância reparo que fui juiz sem o
fosse uma criança portuguesa? Teria o mesmo querer ser. Opinei. Dei veredictos. Poucos,
impacto? Em quem acreditar? Tanto mais mas dei. Juntei-me ao circo quando estava
que já não é possível pensar em Maddie, no a fugir dele, sem o notar.”
seu sofrimento, sem pensar nos pais. Passamos
então a pensar nela como mais um caso de
narrativa mediática, o ‘caso Maddie’, como CONSIDERAÇÕES FINAIS
o fará sem dúvida a velocidade do nosso tempo
banalizador de imagens. Que aconteceu a Utilizar a expressão escrita como uma ferramenta
Maddie? A quem cabe a culpa do seu desapa- terapêutica pode ter grande potencial de utili-
recimento? Que investigação foi feita para zação em contextos de saúde. Esta metodologia é
a encontrar? Esta é uma obra de não-ficção extremamente simples e pode ser uma forma de
inteiramente fiel aos acontecimentos e aos
auto-ajuda, quando usada só ou em conjunto com
passos da investigação conduzida pela Polícia
outras técnicas terapêuticas (Baikie & Wilhelm,
Judiciária sobre o «CASO MADDIE», o maior
2005). Contuto, importa referir que esta técnica
fenómeno mediático mundial. Onde estás?
deve ser aplicada com flexibilidade, e que os indi-
É triste e quase impossível não pensar nesta
víduos podem deixar de a utilizar sempre que assim
criança mas ao mesmo tempo penso com
o entenderem. Por outro lado, podem utilizá-la com
tristeza e indignação será que pensamos nas
mais frequência do que a instrução standard, se
nossas crianças desaparecidas que mesmo
após este acontecimento da Maddie não teve sentirem necessidade. Independentemente dos seus
o mesmo impacto e noticiou-se nos jornais benefícios, a escrita terapêutica não substitui a
e telejornais e segundos mais tarde caiu no ajuda especializada, ou o tratamento necessário
esquecimento. Pensar pensar não adianta em diferentes contextos clínicos. No entanto, pode
temos que travar estes incidentes senão que ser utilizada como uma ferramenta adicional, quando
será do futuro das nossas crianças… temos aplicável, considerando sempre os resultados produ-
a alegria de criar estas crianças para depois zidos pela investigação. Esta breve revisão visa
estes bandidos nos tirarem estas doçuras para contribuir para divulgar e estimular a investigação
fazerem maldades é inevitável não sentir revolta nesta área da Psicologia da Saúde.
com todos estes acontecimentos.”

Sujeito 2 (sexo masculino) REFERÊNCIAS


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Effects of disclosure of traumatic events on illness
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sobre a utilização deste recurso. Esta revisão incide ainda
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sobre a forma como usamos as palavras na expressão
and clinical applications (pp. 29-42). Hove, UK and escrita e como estas podem traduzir informação impor-
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McManus, S. Newman, K. Wallston, J. Weinman, & da expressão escrita como uma ferramenta terapêutica
pode ter grande potencial de utilização em contextos de
R. West (Eds.), Cambridge Handbook of Psychology,
saúde pode ser uma forma de auto-ajuda, quando usada
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