Brasileiros.: Epico

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EPICO~

BRASILEIROS.

NoVa edição . ..,


184.5.. Brt 7. f
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L lS! OA : !U. U.t PKI: NSA fU. c t oNA I..
OURAGUAY.
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! ~ste 'IOtum• acha ·•e r•tlt4rlltlo
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num~r• iq'11_ _ _
..........
l do ane e ·~l~q!..-1.'1.=:.'1_~-
CANTO PBIJ.UEIBO.
Invoca9ão- Dedicatorin a Francisco Xa-
vier de Mendonya Furtad.o, capitâo·gene-
ral do Ma ranhão, e irmão do Marque:z de
Pombal- chegada de Catane o, mensageiro
de Iiespanba, com promeBsn de soocorros
-Revista dar. tropas - banquete dado pelo
Heroe Gomes Freire d ' Andrade - Caus as
da guerra e seu princípio .
F UniAnt ainda nas desertas praias
Lagos ile sangue tepidos e impuros,
Em que oncleam cadaveres despidos,
Pasto de .corvos. Dura iuda nos valies
O rouco som da irada arti lheria,
l\'lusa ! Honremos o He1·oe, que o povo rude- ·
llhj ugou do Uraguay, e no seu sangue
Dos rle<'.re.tos reaes lavou a aiTronta.
11 O U R AGUAl" .

· Ai tanto ,custas ami.Jiçã.o de imperio !


E- v6~ ;'. por quem o Maranhão pendura
Rotas ~;~d~as, e grilhões pezados,
Heroe e irmão de heroes, saudosa e triste,
Se ao longe a vossa Ameri ca vos lembra,
Protegei os meus versos. Possa em tanto
Acostumar ao vôo as novas azas,
Em que um dia vos leve. Desta sor te
M edrosa deixa o n~nho a vez primeira
Aguia, que depois foge á humilde tArra ,
E vai ver de mais perto no ar ''asio
O espaço azul, onde não chega o raio .
Já dos olhos o véo tinha rasgado
A enganada Madrid, e ao novo-mundo
Da vontade do R ei nuncio severo
Aportava Cataneo: e ao grande Andrade
Avisa que tem prompros os soccorros,
E qne em breve saía ao campo armado.
Nilo podia march:v por um deserto
O nosso General, sem que chegassem
As conducçõP,s, que ha muito tempo espera.
Já por. dilatadissimos caminhos
Tinha mandado de remotas partes.
Conduzir. os petrechos para a guerra
~s entretanto cuidadoso e triste •
Muitas cousas a um tempo revolvia
No inquieto agitado pensamento.
Q uando pelos seus guardas conduzido
Um indio com insí gnias de correio,
Com ceremonia es lra nlm lh e aprcsen'la
cANTo Pnnnnno.
Humilde as cartas, que primeiro toca.
Levemente na bocca e na cabeça.
Conhece a fiel mito, e já descança
O illustre General, que viu, rasgando,
Que na cera encarnada impressa vinha
A agu ia real do generoso Almeida.
Diz-lhe que está. visinho, e traz comsigo
Prm'uptos para o caminho e para a guerra
Os fogosos cavallos e os robustos
E tardos bois, que hão de soJTrer o jugo
"No pezado exercício das carretas.
"Não tem mais que esperar : e sem demora
Responde ao Castelhano qne partia,
E lhe determino11 lugar, e tempo
Para unir os 'soccorros ao seu campo .
.luntos em fim, e um corpo do outro á vista,
Fez desfilar as tropas pelo plano,
Por que ' 'isse o Hespanhol em campo largo
A nobre gente e as armas, que trazia.
'Yão passando as esquadras: elle em tanto
Tuuo nota de parte, e tudo o·bserva
Encostado ao bas!ilo . Ligeira e leve
~assou primeiro a guarda, que na guerra
~ primeira a marchar, e que a seu cargo
rem descubrir e segurar o campo.
De[lois desta se segue a ctue descreve,
E d(, ao campo a ordem e a figum,
E transporta e eçlifica em um momento
O leve tecto e as mo~•edi<;as casas, -
E a praça e as ruas da cidade erran te.
!O
Alraz dos forçosis 'mos cavallos
Quentes sonoros eixos vão gemendo
Co' peso da funesta artilheria.
Vinha logo de guardas rodeado,
Fonte de crimes, militar bhesouro,
Por quem deixa no ·rego o curvo a,rado
O lavrador, que não conhece a glória;
E vendendo a vil preço o sangme e a vida,
Move é nem sabe por que move a gucna.
Iutrcp idos e immoveis nas li leiras,
Com grandes passos, lirme a testa e os olhos,
Vão marchando os m iLrados granadeiros,
Sob re ligeiras rod as cO!lcluzindo ·
Novas esp ecies de fundidos bronzes,
Que amiud am de promptas m1'LOs servidos,
E mu ltiplicam pelo can\po a mo rte.
Quem é este, Cataneo perguntava,
Das brancas plumas, e de azul e branco
Ves tido, e de galões cuberto e cheio,
Q ue t raz a rica cruz no largo peito?
Gerardo, que os conhece, lhe responde:
É o illustre Menezes, mn,is que todos
Forte de bra~o, e forte de couselh o.
Toda essa guerreira infanteria,
A flor da mocidade e da nobreza,
Como elle, azul é branco e ouro vestem.
Quem é, continuava o Castelhano,
Aquelle velho v igoroso e for.te,
Que de branco e amarelo e de ouro ornado
Viem os seus artilheiros conrluzindo ?
CAliTO l'lll~IEino.

Vês o gramle Alp oim . Este o p rimeiro


E nsinou entre nós, por qu e caminho
Se eleva aos ceos a cUlTa e ::rrave bomba
P renhe de fogo; e com que ~força do alto
Aba te os tectos da cidad e e ~ança
Do roto se io envolta em fumo a morte.
'egniam j untos o paterno exemplo
b ig110S do grande pai ambos os filh os.
Justos ceos! E é forçoso, illus trc Vasco,
Que te preparem as soberbas ondas,
Lo nge üe mim, a morte e a sepu ltura I
Nynfas do ma r, que ' ' istes, se é que vistes,
O rosto esmorecido e os fri os braços,
~ohrc os olhos soltai as verdes trançnfi .
'L'risle objecto de magoa e de saudade,
Como em meu coraçilo, vh•c em meus versos.
Com os teus encarnados g-ranadeiros
TamiJem t e Tio naquell e Jia o cnmpo,
Famoso Mascarenhas, tu, que agora
Em doce paz, nos menos Grmes a nnos,
IJ!nalmente serv indo ao rei e á patria,
bielas as leis ao público socêgo,
lloma da toga, e glóri a elo senado .
:Nem tu , Castro fo rliss imo, escolheste
O descnn c;o da palria: o campo c as a rma,:
F i>.cram renova r no inclyto peito
'l'ollo o heroico valor dos tens passados
Os lJ\ limos, que em campo se mostraram,
l?onun fortes dragões de elmos peitos,
l) romplos para dous S'f:!llcros de gucrra 1
O Ull.\GU.lY.
Que pelej am a pe sobre as montanhas,
Quando o pede o terreno ; e quando o pede,
Erguem nuvens de po por todo o campo
Co ' h·opel dos magnanimos cavallos.
Convida o General depois da mostra,
Pago da militar guerreira imagem
Os seus e os Hespanhoes, e j:> recebe
No pavilhão purpureo, em largo gyro,
Os capitães a alegre e rica mesa .
Des terram-se os cuidados, derramando
Os vinhos eu ropeos nus taças de ouro.
Ao som da eburneu cylhara sonora
Arrebatado de furor divino
Do seu Heroe Mntusio celebrava
Altas emprezas dignas de memória.
Hon ras fu turas lhe promette, e canta
Os seus brazões, e so bre o forte escud o
Jú de então lhe afigura, e lhe descreve
As perolas e o titulo de Grande.
Levantadas as mesas, entretinham
O congresso de heroes discursos varios.
Alli Cataneo ao General pedia,
Que do p ri ncípio lhe d isst>sse as causas
Da nova guerra e do ftLtal tumulto.
Se aos pad res seguem os rebeldes pó vos ?
Quem os governa em paz e na peleja?
Que do premeditado occulto Imperio
Vagamente na Europa se falava.
Nos seus lognres cada qual immovel
Pende da sua bocca : atlende em rod1t
CAi'i'l'O PIIBlEIIIO.
'l'utlo em silencio, e dá princípio Anuratlc.
O nosso último rei, e o rei de Hespanba
Determinaram, por cortar d'um golpe,
Como sabeis, neste augulo da terra,
As desordens de povos confinantes,
Que mais certos signaes nos dividissem.
Tirando a linha, de onde a esteril costa
E o cerro de Castilhos o mar lava
Ao monte mais visinbo, e que as vertentes
Os t ermos do dominio assignalassem.
Vossa fica a Colonia ; e ficam nossos
Sete póvos que os barbaros habitam
Nnquella oriental vasta campina,
Que o fertil Uraguay discorre e banha.
Quem podia esperar que uns iudios rudes,
Sem disciplina, sem valor, sem armas,
Se atravessassem no caminho aos nossos,
:E que lhes disputassem o terreno l .
Em fim não lhes dei ordens para a guena :
Frustrada a expedição, em fim voltaram.
C'o vosso General me determino
A entrar no campo juntos, em chegando
A doce volta da es tação das flores.
Não solfJ·em tanto os lndios atrevidos:
Juntos um nosso forte em tanto assaltam:
E os pa(lres os incitam e acompanham.
Que, á sua discrição, só elles podem
Aqui mover, ou socegar a guerra.
Os indios, que ficaram prisioneiros,
Ainda os podeis ver neste meu caml~l'.
O UR .\ GUAY.

Deixados os quarteis, em fim partimos


Por di versus eslTadas, procu mndo·
Tomar no meio os rebelados povos.
Por muitas leguas de aspero camin ho,
Por lagos, bosques, valles e montanhas,
Chegámos onde nos impetle o passo
A rrebatado e caudaloso rio .
Por toda a opposta margem se descobre
De Barbaros o número infinito,
Que ao longe nos insulta e nos espera.
P reparo curvas balsas e pelotas,
E em uma parte de passar aceno,
Em quanto em ouh·a passo occulto as troJ>IlS.
Q uas i toca1'a o fim da empreza, quando
])o vosso General um 1nensageiro
IVIe alfirma que se havia retirado.
A discipl ina mil itar dos Indios
T inha esterilizado aquelles campos.
Que eu tambem me retire me aconselha
Até que o tempo mostre outro cam inho.
Irado, não o nego, lhe respondo :
Que para traz não sei mover um passo.
Venha quando podér que eu firme o espero.
Porém o Tio e a f6rma do terreno
Nos faz não 1'ista c nunca usada guerra.
Sae furioso do seu seio e toda
Yai alagando com o desmedido
Pezo das aguas a plauicie in)mensa.
As tendas levantei, primeiro aos troncos.
Depois aos altos ramos : pouco a pouco
CJ.NTO l'IIBI ELRO . i 11

Fomos tomar na região do ''ento


A habitação aos Ie1•es passn.rinhos.
Tece o enmrunhadissim o arvo redo
Verdes, irreg ulares e torcidas
Ruas e praças de umn e de ontra bunda,
Cruzadas de canôas . Taes podemos
Co' 'a mistura das luzes e das sombras
Ver por meio de um vidro transplantados
Ao seio de Ad ria os nobres edificios.
E os j a rdíns, que prolluz outro elemento,
E batidas do remo e navegaveis
A.s ruas da marítima Veneza.
Duas vezes a Lua pmtcachl
Cnr1•ou no Ceo sereno os alvos cornos,
E ~nda continuava ·a grossa enchente.
Tudo nos falta no paiz deserto
1'urda1· dev ia o Hespanl10l soccorro.l
E de si nos lançava o rio e o tempo:
Cedi : e retirei-me {ts nossas terras.
Deu fim á narração o inv ic to Andrade,
E <~ntes de se soltar o juramento';
Co111 os reg ias poderes, qne occnllára,
Snrrremle os seus e os animas alegra,
Enchenuo os postos tod os do seu campo.
O corpo de dragões a Almeida entrega,
E campo das mercês o Jogar chama.
Marcha contra o inimigo- Os pr1S10•
neiros postos em liberdade - Dois par-
lamentarias índios, Cacambo e Cepé, que
nada negaceiam - Preparativos para •e
dar batalha, e viotoria ganha pelo Heroe.
.,Dm•ors tle haver marchatlo muitos dias,
~ltl fim junto a um ribeiro, qn e atravessa
:'iercno e manso um cu rvo e fresco valle,
Acharam, os que o campo descohrinm,
litn cavallo anhelanle e o peito e as anca s
~llherlo de suor e branca esrmma.
I Plllos p e1·to o inimigo : aos seus dizill
() •·sperto General : sei qu e costumum
O URAGUAY.
Trazer os imlios um voluvel laço ,
Com o qual tomam no espaçoso campo
Os cavallos, que encontram; e rendidos
Aqui e ali coni o continuado
Galopeàr, a quem ]ll'imeiro os segue
D eixam os se us, que em tanto se restauram.
Nem se enganou; porque ao terceiro dia
Formados os achou sobre uma larga
yantajosa colina, qu e de um lado
E cuber ta de um bosqu e, e do outro lado
Cone escarpada e sobranceiTa a um rio.
N otava o General o sitio forte,
Quando Menezes, que visinl10 estava,
Lhe diz: Nestes desertos encontrâmos
Mais do que se esperava, e me parece
Que so por força de armas poderemos
I nteiramente sujeitar os povos. .
Torna-lhe o General : T entem-se os meios
De brandura e de amor ; se isto não basta,
Farei a meu p ezar o Último esforço.
l\'Iandou, diz endo assim, que os índios todos,
Que tinha prisio neiros no seu campo,
Fossem ~resti dos das formosas cores,
Que a inculta gente simples tanto adora.
Abraçou-os a todo ~, como filhos,
E deu a· todos liberdade. A legres
Vão buscar os paren tes e os amigos,
E a nns e a outros contam a gramleza
Do excelso coração e peito nobre
Do Geueml famoso, Ínvicto Andrade .
f.AN1'0 SEGUNDO.

Já para o nosso campo vem descendo,


Por mandado dos seus. dous dos mais nobres,
Sem arcos, sem aljavas ; mas as testas
De varias e altas pennas coroadas,
E cercadas de pennas as cinturas,
E os pés e os braços e o pescoço. Enl.t·[,nt
Sem mostras nem signal de cortezia
Cepé no pavilhão. Porém Cacambo
Fez, ao seu modo. cortezia estranha ,
E começou : Ó General famoso,
l'tt tens {, vista quanta gente bebe
Do soberbo Uraguay a esquerda margem.
~em que os nossos av6s fossem ctespojo
a perúdia de Europa, e daqui mesmo
C'os não vingados ossos dos parentes
Se vejam branque.jar ao lon ge os valles,
~l\ desarmado e s6, buscar-te venho.
b~nto espero de ti. E em quanto as armas
ao lagar {L razão, Senhor, vejâmos
Se se p6de sajvar a vida e o sangue
~e tantos desgraçados. Muito tempo
Óde ainda tardar-nos o recurso
Com o largo Oceano de permeio,
Em que os' snspiros dos vexados povos
~er~letn o alento. O dilat~r-se a eutre.ga
I s~a nas noss~s mãos, ate que um dm
nt orrnados os reis nos restituam
.A. doce antiga paz. Se o rei de Hespanha
~o teu rei quer dar terras com mãu larga,
lle lhe dê Bnenes Ayres e Co rrentes,
O UBAGOAY,
E outras, que tem por estes vastos elim:ts ;
Porém n1lo JlÓdc clar~llle os nossos povos,
E inda no caso que podesse da-los,
Eu n1lo sei se o t en Rei sabe o que troca ;
Porém tenl10 rece io que o ni'í.o saiba.
Eu j á vi a Colonia Po rtugueza
Nu tema idade. U.os primeit'os a nnos,
Quando o meu velho pai c' os nossos >trcos
As sitiadoras tropas castelh anas
Deu soccorro, e med[u comvosco a~ armas.
E quere rão deixar os Por tuguczes
A Praça, que avassalla e que domin:t
O g igante das aguas, e com ella
Toda a navegação do la rgo ri o,
Q ue parece que poz a natureza.
Para servir-v os de limite e raia?
Será.; mas não o creio. E depo is dia to :
As campinas, que v~s, e a nossa terra
Sem o nosso suor e os nossos braços,
De que serve ao teu rei? A<;~.u i não temo~
Nem a ltas minas, nem os cau dalosos
R ios de a r~as de ouro. Essa riqueza,
Que cobre os templos dos bemdi tos padres
li' t·ucto da sua iudnstria, e do commeréio
Da folha e Jlelles, é riqueza sua.
Com o arbítrio dos corpos e das almas
O ceo lha deu em sor te. A nós somente
Nos loca arar e cultivar a terra ,
Sem ontm paga mais que o reparlitlo
Por mãos escaçnB misero sustento.
CANTO SEGUNDO.
Pobres choupanas e algodões tecidos,
E o arco, e as settas e as vistosas peunas
Siio as nossas fantasticas riquezas.
M:uito suor, e pouco ou nenhum fasto.
Volta, senhor, não passes adiante.
Q11e mais queres de nós? Não nos obrigues
A resistir-te em campo aberto. Póde
Custar-te muito sangue o uar um passo .
:Nilo queiras ver se cortam nossas frexa~.
Vê que o nome dos reis não nos assusta.
O leu es tá mui longe; e nós os i ndios
Não temos outro rei mais elo llUe os padres.
Ac~bou de fallar; e assim responde ,
O.tllustre G eneral: Ó alma gra nd e,
~tgna ele combater por melhor causa,
ê que te enganam ; risca da me mo ria
!nns, funestas imagens, que alimeutnm
"'"llvelllecidos mal fundados odios.
~or ruim te falia o rei ; ouve-me, altende,
verás um a vez núa a verclade.
Fez-vos ·li vres o ceo · mas se o ser liv res
E . '
S ra viver errantes e di sp ersos,
Cern companheiros, sem amigos, sempre
1' orn as ~trmas na mão em dura guerra,
y7l' por justi ~a a fur~!L, e })elos bOSCJUCS
tver do acaso, eu julgo que inda fora
~elhor a escravidão qne a li berdade.
as nem a escravidão nem a miseri a
~llcr o benig no R ei qne o fructo srj"
n sua protecção. Esse absoluto
U UllAGUAY.
JmjJerio illimilado, que exercitam
~m vós os pn.d1~es, como vós, vassallos,
E imperio tyrannico, que usurpam.
Nem são senhores, nem vós sois escrm•os.
O rei é vosso pai : quer-vos felic es.
Sois lines como eu sou; e sereis li vres,
Não sendo aqui, em outra qualquer parte.
Mas deveis en tuegar-nos estas terras.
Ao bem público cede o bem privado.
O socego de Em·opa assim o ped e.
Assim o mant1a o rei. Vós sois rebeld es,
Se não obedeceis; mas os rebeldes,
Eu sei que não sois vós; são os bons padres,
Que vos diz em a tot1os, que sois livres,
E se servem de vós, como de escravos.
Armados de orações vos põem no caro IHJ
Contra o fero trovão da arttiheria,
Que os muros arrebata, e se contentam
De ver de longe a guerra; sacrificam
Avarentos do seu o vosso sangue.
Eu quero á vossa vista despoj ai-os
Do tyranno domínio destes climas,
De que a vossa innocencia os fez senhores.
Dizem-vos que não temles rei? Cacique,
E o juramento de fidelidade?
Porque es t{, longe, julgas que não póde
Castigar-vos a vós, e castigai-os ?
Generoso inimigo, é tudo engo.no.
Os reis estão na Europa; mas adverte
Que estes braços que vês, si!o o~ seus l.m.u;os
CANTO SEGUNDO.

n enb·o de pouc'o ·témpo um meu aceno I t •.•


Vai cubrir·este monte e e~sas campinas
D e senli•v;i,•os palpitante!l corpos,
D e mí seros mortaes, que inda não sal.Jem
Por que causa o sen 8angu e ''ai agora
Lavrar a terra, · e recol hér-se em lagos.
Nã.o me cbaJmes cruel: em quau~o e•tempo
Pensa e resolve ; e pela mito tom ando '
Ao nobre embaixador o illustre And rade 1·
I ntenta r eduzil-o por brandura.
E o índio, um pouco pensativo, o braço
E a mão retira; e suspi rimuo, disse:
Gentes de E uropa, nunca vos trouxern
O mar e o ven to a nós. Ah ! nilo debalde ,.
- Estettdeu cn bre nós a natureza ·
Todo esse. plano es paço i mmeuso lle agua8 ..
Pt·oseguia talvez; mas o imterrompe-:
C~pé, nue entra no meio, e diz: Cacam:bó
Fez mais do qu e de,•ia; e todos sab·em ' ·
Que es tas terras, que pizas, o Ceo 'li vres
D eu aos nossos avós ; nós tambem li-vres·
As rece bemos dos antepas sados. ' ·· lo
~i v res as hão de herdar os nossos filhos. .
esconltecemos, detestil.mos jugo,
Que não sej a o do ceo, por mão elos p adres. ·
As fre:ms partirão nossas contendas '
Dentro de pouco tem po ; e o vosso mundo,
~e nelle um resto houver de humanidacl.e,
nl;;ará entre nós ;' se defendêmos '
'fu a injustiça, e nós o D'e os' e a pht rià.
O VliAGUAl',

Em fim queJ>eis a guerra e tereis guerra,


Lhe torna o General : podeis parti r-vos,
Que tendes livre o passo. Assim dizendo ,
Manda dar •a Cacambo rica espada
De tortas guarniç.ões de prata e ouro,
A qne inda mais val<!ll" dera o trabalho.
Um bonl'ado clwpeo e larga cinta
Verde, e capa de verde e fino )Janno,
Com bandas ,amarelas e encarnadas.
E mandou que a Cepé se désse um arco
De pontas de marfim, e ornada e cheia
De novas settas a famosa aljava:
A mesma a]j}lva que <leixára um <lia,
Quando envolto em seu sangue e vivo apena!l
Sem arco e sem cavallo, foi tt>aziclo
.Prisio neiro de guerra ao nosso campo.
Lembron-se o i-uclio da passada injúria,
E sobraçando a ,conhecida alj ava,
Lhe disse: Ó General, eu te agradeço
· As sebtas que me clús, e te prometto
Mandar-t:as bem depressa uma por uma,
Entre nuvens de pó no ardor da guerra.
Tu as .conhecerás pe las feridas,
Ou porque rompetn com mais fô trça os ares.
D.espediram-se os iodios, e as esquadras
Se vão dispoiulo em ordem de peleja,
Cou1o mandava o General. Os lados
Cobr(lrit as tl>opns de cava.lhtJlia;
E estão no cenLro firmes os infantes.
Qual fém bocca de 'lib reo raivoso
r..\1\'TO SEGUNDO. 27
De lisos e alvos uentes g~aruec~da .
Os in di os ameaça a nossa frente
De agudas bayonetas rodeada.
Fez a trombeta o som da guerra. Ouviram
.A.quelles montes pela vez primeira
O som da caixa portugueza; e viram
P ela primei ra vez aquelles ares
Desenroladas as reaes bandeiras.
Saem das grutas pelo chão cavadas. .
Em que atéli de indústria se escondia m,
Nuvens de índios, e a vista duvidava
Se do terreno os bar.baros nasciam.
Qual já no tempo antig·o o errante Cadmo
Dizem que víra da fecunda terra
Brotar a cruelissima seúra.
E1·guem todos um barbaro alarido,
E sobré os nossos cada qual encurva
:Mil vezes e mil vez es solta o a rco
"Om chuveiro de settas despedindo.
Gentil mancebo presumido e nescio,
.1\. qu em a popular lisonja engana,
\l'aicloso pelo campo discorri a,
Fazendo ostentação dos seus pennachos ,
Impertinente e de famí lia escnru;
Mas ctne Linha o favor dos santos padres:.
Contam, não sei se é certo, q\Je o tivera
A estcril mãi por oru.ções de Balda.
Chamaram-no Baldella por memúrüL.
'rinha nm cavallo de manchada pelle
l'iin.is vis loso (l\le forte : <L natureza
" .
!!3 O URAGUAY.

Um ameno jardim por todo o corpo


Lhe debuxou , c era j ardim chamado .
O padre na saudosa despedida
D eu-lh'o em signal de amor, e nelle agora
Girando ao Jar!!O com incertos tiros
Muitos fería, e- a todos inqui etava.
Mas se e ntii.o se cnbriu de eterna infamia,
A glôria tua foi, nob re Geranlo .
Tornava o indio j actanc ioso, quando
Lhe sae Gerarelo ao me io ela carreira :
Disparou-lhe a pis tola , e fez-lhe a um tempo
Co ' reflexo elo sol luzir a espada.
Só de vel-o se assusta o indio, e fica
Qual quem ouve o trovão e espera o raio.
Treme, e o cava llo aos seus volta, e peutlenle
A um lado e a outro de caír acena.
Deixando aqui e a lli por todo o campo
Entornadas as setlas; pelas costas
F luchmvam as pennas ; e fu g indo
Sôltas da mii.o as recleas ondeavam.
I nsta Gerarclo, e qunsi o ferro o alcança,
Quando T atú-Guaçú, o mais valente
De quantos indios viu a nossa idade,
.A.rrnado o peito da escamosa pelle
D e nm Jacaré disforme, que mat!.ra,
Se atravessa diaute. Intenta o nosso
Com a outra pis tola ab rir cami nho,
E em ' 'ãO o intenta : a verdenegra p elle,
Que ao indio o largo peito orna e defende,
Formou a na tureza impenetravel.
CANTO SEGUNDO.

Co' a espada o fere no hombro e na cabeça,


E as pennas córta, de que o campo espalha .
Separa os dous fortíssimos guerreiros
.A. multidão dos nossos, que atropela
Os indios fugitivos : tão depressa
Cobrem o campo os mortos e os fericlos,
E por nós a victróia se declara.
Precipitadamente as armas deixam;
Nem resistem mais tempo ús espingardas.
Yale-lhe a costumada ligeireza;
Debaixo lhe desapparece a terra;
E voam, que o temor aos pés põe azas,
9Iamando ao ceo e encommenda.ndo a vida
a.s~ orações dos padres. Desta sorte,
Talvez, em outro clima, quando soltam
.A. branca neve eterna os velhos Alpes,
Arrebata a cOITente impetuosa
Co' as choupanas o gado. Afflicto e triste
Se salva o lavrador nos altos ramos,
E vê levar-lhe a cheia ós boi&, e o arado .
Poucos indios no campo mais famosos,
Servindo de reparo aos fu gitivos,
Sustentam todo o peso da batalha,
Apesar da fortuna. De uma parte
Tahí-Guaçú. mais forte na desgraça
Já banhado em seu sangue pertendia
Por seu braço elle só pôr termo á guerra.
Cnihltú de outra parte altivo e forte
~Jlpn~ha o peito á furia do inimigo,
• scrna de muro á sua gente.
30 O ll!IAGUAY.
Fez proezas Cepé naquelle di a.
Conhecido de todos, no perigo
Mostrava descoberto o rosto c o- peito,
Forçando os seus co' exemplo e co' ns pahwras.
Já tinha despejado a aljava toda,
E destro em atimr e irado e forte
Quantas sctlas da mão voar fazia,
Tantas na nossa gente ensanguentava .
S ettas de novo à!!ora receb ia,
Para dar on tro. ~ez princf pio :í. gueJTa.
Quando o illustre Hes}Janhol, qu e gm•ernavn
Montevidio, alegre, airoso e prompto
As redeas volta ao J"npido cavallo,
E por cimn ele mortos e feridos,
Que Juctavam co' a morte, o indio aiTronta.
Cepé, que o viu, tinha tomado a lança,
E atraz dei tando a um t~po o corpo e o braço,
A despediu. Por entre o braço e o corpo
Ao ligeiro Hcspanbol o ferro passa :
Rompe, sem fa>~er damuo, a terra dura,
E treme fóra muito tempo a hastea ;
Mas ele um golpe a Cepé na testa e peito
Fere o governador e as redeas córta
Ao ca\•allo feroz . Foge o cavallo,
E leva involunlario c ardendo em ira
Por todo o campo a seu senhor; e ou fosse
Que regada de sangue aos pés cedia
A terra, ou que puzesse as mã os em fal so,
Rotlou sobre si mesmo, e 11a ca[cla
Lançou longe a Cepé. Renclc-tc ou mone,
' Co\N'l'O SEGUNDO. :>1
Gi-ita o governador; e o Tape all ivo,
Sem respo nder, encul'l'a o arco, e a setta
D espede i e nella prepara a morte.
Enganou-se es ta vez. A setta um pouco
Declina, e acou ta o rosl·o a le,•e plu ma.
Nilo q11iz defxur o vencimento incerto
P ur ma is tempo o Hespanhol i e ancbatado
Com a pistola lhe fez tiro aos peitos.
Era pequ eno o espaço , e fez o tiro
No co rpo desarmado es trago horrendo.
VIam-se drnlro pelas rotas costas
Palpitar as entranhas. Quiz lres vezes
L evantar-se do chão : caín trcs ,,~es.
E os olhos já nadando em fria morte
Lhe cubriu sombra escura e ferreo somno.
Morto o grande Cepé, já não resistem
.A.s tímidas esq\I adras . Não conhece
L eis o temor. D ebald e está di ante
:manima os seus o mpido Cacambo .
Tinha-se retirado da pelej a.
c,1i tu tú mal ferid o ; e do seu corpo
b~ ixa Tatú-Guaçú por onde passa.
Rios ele san«ue. Os 01 1tros ma is valentes
Ou eraur m ~rtos , ou fe ridos. P ende
O feri·o vencedo r sobre os vencidos .
.A.o número ao valor cede Cacambo:
Salva os inchos, que póde e se retira.
tJASTO TERCEIRO.
O Heroe avao9a-V1sao de Cacautbo,
movido pela qua l lanço. fogo ao acampa-
mento daquelle- :Epir.odio de Lindoya-
Morte de Cacambo --Prantos da. Lindoya
·- Visões por virtude da feiticeira Tana-
jura, que lhe deixam ver Li•boa, seu ter-
remoto e reedificação, o o.sso.ssino d 'elrei
D. J osé e a expulsão dos Jesuítas.
,rinha
J,{voltaclo
a uossa do mundo úllirna. p;trle
a ensann·ucntuda fronte
.!o cent1·o luminar, qu~ndo n campnnlm
S~tnenda de mortos c insepultos
"Vnt desfazer-se a um tempo a ,.iiJa erraute
.!o som de caix.as. Descontente e triste
~archnva o General: não so!Tre o peito,
0 0lpadecido e generoso, a vista
:56 O URAGUAY.

Daquelles frios e sangrados corpos,


Vic'timas da ambição de injusto irnperi o.
'Foram ganhando e descobrindo' terra
Inimiga- e infiel ; até que um dia
e
l?izeram alto se acamparam, onde
Incultas vargeas, por espaço immenso,
Enfadonhas e estereis acompaulmm
Ambas as margens d'urn profundo Tio.
Todas estas vasti~simas cu,mpinas
Cobrem palustres e t ecidas cannas,
E leves juncos do .calor tostados,
Prompta materia de voraz irícendio.
O índio habitador de quando em qua ndo
Com estra nha cultura entrega ao fogo
Muitas leguas de campo : o incendio dura,
Em quanto dura e o favorec e o vento.
Da herva que renasce se apascenta
O immenso gado, que dos montes desce~
E 1·enovando incendios desta sorte
A arte emenda a natmeza; e podem·
Ter sempre nedio o gado, e o campo verd.c.
M!tS agora sabendo por espias
As nossas marclms, conservavam sempre
Seccas as torradissimas campinas ;
Nem consentiam, por fazer-nos guerra,
Que a chamma bemfeitora e a cinza fria,
Fertilizasse o arido terreno.
O cavallo atéli forte e brioso;
E costumado a não te1' mais sustento,
Naquelles climas do que a verde relva
CANTO TERCillllO . :57

Da mimosa campina, desfallece .


Nem mais, se o seu senhor o afTaga, encun·"
Os pes e cava o chão co' as mãos, e o valle
Rinchando atrôa, e açonta o ar co' as clinas.
Era alta noute, e carrancuclo e triste
Negava o ceo envolto em pobre manto
A. luz ao mundo, e murmurar se ouvia
~o longe o rio e menear-se o vento.
fj_espirava descanco a natureza.
Só. na ou tra margem ~ão podia em tanto
O Inquieto Cacambo achar socego .
No perturbado interrompido somno,
i_alvez fosse illusão, se lhe apresenta
p· lrtste imagem de Cepé des]Jido,
llllado o rosto do temor da morte,
Banhado em negro san!l:ue, que c01-ria
fo peito aberto, e nos' pizados braços
snda os signaes da misera calda.
A.ern adorno a cabeça, e aos pés calcada
Q rota aljava e as descompostas pennas.
uanto diverso do Cepé valente,
~ue no meio dos nossos espalhava,
0 e Po, de sangue e de ~uor cubert?,
E> espanto, a morte I E dtz-lhe em tnstes vo<~.es ;
Toge, foge Cacambo. E tu descanças,
'l' endo tão perto os inimigos ? Torna,
·/rna aos teus bosques, e nas patrias g mlas
ua fraqueza e desventura encobre,
0
0 8u se acaso inda vivem no teu peito
desejos de gl6ria, ao duro passo
O URAGUAY.
Resiste ''aloroso ; uh tu, <JUC podes !
E tu, que podes, põe a muo nos peitos
Á fortuna de Europa: agora é tempo ,
Que descu idados da ontra parte dormem.
Envolve em fogo e fumo o campo , e pa~uem
O teu sangue e o meu sangue. Assim dizendo
Se perdeu entre as nuvens, sacud indo
Sobre as tendas no ar fumante tocha;
E assignala com chnmmas o caminho.
Accorda .o índio valeroso, e salta
Longe da curva rêdc e sem demora,
O arco e as settas arrebata, e fere
O chão com o pe: quer sobre o Largo rio
Ir peito a peito a contrastar co' a morte.
Tem diante dos olhos a ligura
Do caro amigo, e inda lhe escuta as vozes.
Pendura a nu1 verde tronco as vúrias penna!í
E o arco e as settas e a sonora alja\'a;
E onde mais mauso e mais qui eto o rio
Se estende e espraia, sobre a. ruivo. arêa,
Pensativo e turbado en tra; c com ugmt
Já por cima do peito as mãos e os olhos
Levanta no ceo, que elle não via, e ás ondas
O corpo entrega. Já sabía em tanto
A nova emprcza na li mosa. gruta
O patrio rio; e dando um geito {t urna,
F ez que as aguas corressem· mais serenn s ;
E o indio aiTortunado a praia opposta
Tocou sem ser sentido. Actui se apo.rt.a
Da margem g•.1arneoida c mansamente
CANTO 1' EIICE!RO.

Pelo [silencio vai da 110itej escura


Buscando a parte donde vinha o venlo.
Lá como é uso do paiz, roçando
Dous lenhos entre si, desperta a chamma,
~ue já se atêa nas li geiras palhas,
~elozrneute se propaga. Ao vento
Detxa Cacambo o resto e foge a tempo
Da perigosa luz ; porém na margem
Do rio, quando a chamma abrazadoru
C?meça. a alumiar a noite escura,
Ja sen tido dos guardas não se assusta,
E tem eraria e venturosamente,
Fiando a vida aos animosos bragos,
De um alto prec ipí cio ús negras ondas
Outra ' 'ez se tauçon, e foi d'nm salto
ao fundo rio a ·visitar a ar&.
Debalde gr itam, e debalde ús ma,r~·ens
Corre a gente apressada. Elle entfe tanto
Sacode as pernas e os nervosos braços :
Rompe as espumas assoprando, e a um tempo
~~spendido nas mãos, voltando o rosto,
Dia nas agoas trémulas a imagem
o arrebatado incendio e se aleg-rava.
~11? de outra sorte o etwteloso Ulysses ,
~tlloso da ruiua, que caus~ra,
V"tu abrazar de Troya os altos rumos,
~ n Pm"ji.tra cirlmle envolta em fumo
ncostar-se no chão, e pouco a pouco
~e~maiar sobre as cinzas. Cresce em Lnnlo
1l1cendio furioso, e o irado vrnto
./lO O URAGUAY •

Arrebata: 1Ís mi'í.os cheias vivas chammas,


Que aqui e a lli, pela campina espalha.
Communica-se a um tempo ao largo campo
A chammfl abrazadora, e em breve. espaco
Cérca as barracas da confusa gente.
Armado o General, como se achava,
Sa(u do pavilhão e prompto atalha,
Que não prosiga o voador incendio.
Poucas t endas entrega ao fogo, e mflncla
Sem mais demora abrir largo caminho,
Que os separe das chammas. Uns jú cortam
As combustíveis palhas, outros trazem
Nos promptos ,vasos. as visinhas ondas.
Mais ni'í.o espera o barbaro rutrevido.
A todos se adianta; e desejoso
De levar a notícia ao grande Balda,
Naquella mesma noite o passo estende.
Tanto se ápressa que na quarta a urora.
Por veredas occultas viu de· longe ,
A doce patria, e os conhecidos montes
E o templo, que tocava o ceo co' as grimpas.
Mas não sabía que a fortuna em tanto
Lhe preparava a última ruína.
Quanto seria mais ditoso '! Quanto
Melhor lhe fôra o acabar a vida
Na frente do· inimigo, em campo aberto ,
Ou sôbre os restos de abrazadas tendas,
Obra · do seu valor l Tinha Cacambo
Real esposa a senhoril Lindaya,
De costumes suav.issimos e honestos
CANTO TERCEIRO.

!m verdes annos : com ditosos laços


mor os tinha unido ; mas apenas
~s tinha unido, quando ao som primeiro
.A.ns trombetas Ih' o arrebatou elos laços
E glória enganadora. Ou foi que Balda
ngenhoso e subtil qu.iz desfazer-se
~a presença importuna e pel"igosa
S 0 IUdio generoso ; e desde aquella
audosa manhã, que a despedida -
Presenciou dos dous amantes, nunca
~onsentiu que outra vez tornasse aos braços
a formosa Lindoya, e descobria
~empre novos pretextos da demora.
Fo~nar não esperado e victorioso
°
0
1 todo o seu delicto. Não •consente
Chcnuteloso Balda que Lindoya
egue a falar ao seu esposo ; e manda
~ue Uma escura prisão o esconda e aparte
"Na luz do sol. Nem os reaes parentes,
)) em dos amigos a piedade e o pranto
))a enternecida esposa abranda o peito
0
)) obstinado juiz : até que á força
p·e desgostos, de mágoa e de saudade,
·Qor llleio d'um licôr desconhecido,
J ue Ih~ deu. compassivo o santo padre, ,
Uz· 010
o !Ilustre Cacambo : entre os gentios
)) ~, que na paz e em dura guerra,
C e nrtude e valor deu claro exemplo.
))horado occultamente e sem as honras
e regio funeral, desconhecida
.u O URAGUAY.
Pouca terra os honrados os~os cobre,
Se é que os seus ossos cobre alguma t erra.
Crueis ministros, encobri ao menos
k ·funesta notícia. Ai que já sabe
A assustada amanlissima Lindoya
O successo infeliz. Quem a soccone!
Que aborrecida de viver procura
Todos os meios de encontrar a morte.
Nem quer que o esposo longamente a espere
No r eino escuro, aonde se nilo ama.
Mas a enrugada Tanajura, que era
Prudente e experimentada, e qu e a seus peito>
Tinha c reailo em mais •ditosa idade
A miíi da m1ii ela mísera Lindoya,
E lia pela histó11ia do futuro,
Visionaria, supersticiosa,
Que de abertos sepulcros recolhia
Nuas caveiras e esburgados ossos,
A urna medonha gruta, onde awderu sem]Jre
Verdes candeias, conduziu clwraudo
Lindoya, a quem ama como fiiJm;
E em ferrugento vaso licor puro
De viva fonte Tecolh eu. Tres ' 'ezes
Girou em roda, e mnl·murou Ires vezes
Co' a parcomida bucca, ímpias j)t)lavras,
E as lli!'Oas assoprou : depois com o dedo
Lhe impõe silencio, e faz que as aguas note.
Como no mar azu l, quan~lo 11ecolhe
A lisonjeira viração as azas,
Adormecem as ondas e retratam
CAl'iTO TEUCEinO.
Ao natuml as debJ:uçadas ]Jenltas,
O capado arvoredo e as nuv.cns altas.
Nilo el e outra sor.te á tímida Lincloya
Aquellas aa-uas fielmente pintam
o. rio, a p~·aia, o valle e os montes, onde
Ttnba sid o Lisboa; e vin Lisboa
Enb·e despedaçados ecli flcios,
Com o so lto cabello descomposto,
Tropeçando em rui nas encostar-se ,
De~atnparada dos lmLitadores
A Rainha do T ejo, e solitaria
No tneio de sepulcros procurava
Com sens olhos soccorro ; c com seus olhos
Só descu bria de um e de · outro lado
~endentes muros e inclinadas torres.
I' ê tnais o luso Atlante, que fo1:ceja
or sustentar o peso clesmedido
~os roxos hombros . Mas do ceo sereno,
~ ?rnnca nuvem próvida clonzella
)) Ptdamente desce , e lhe apresenta
n sua mão, espírito constan te,
Genio de Alcides, qu e de negros monstros
Despej a o mundo, e enxn~tn o pranto á pntrin.
~etu por despojos cabellu~as p,elles
li: e ensanguen lados e fam tntos lolJos,
~ngidas raposas. Manda e logo
O tnceodio lhe olJedece, e de repente
~or onde quer que elle encam inhe os passos,
lluo loga1' as ruinas. Viu Lindoyw
0
tneio dellns s6 :t 11m fiP.U aceno ,
44 O URAGUAY.

Saír da terra feitos e acabados


Vistosos edificios. Já mais bella
Nasce Lisboa de .entre as cinzas : gl6ria
Do grande Conde, que co' a mão robusta
Lhe firmou na alta testa os vacillantes
Mal seguros castellos. Mais ao longe
Promptas no Téjo, e ao curvo ferro aladas
Aos olhos dão de si terrível mostra,
Ameaçando o mar, as poderosas,
Soberbas náos. Por entre as cordas neQ:ras
Alvejam as bandeiras : geme atado ~
Na popa o vento ; e alegres e vistosas
Descem das nuvens a beijar os mares
As flamulas guerreiras. No horizonte
Já sobre o mar azul apparecia
A pintada Serpente, obra e trabalho
Do novo-mundo, que de longe vinha
Buscar as nadadoras companheiras;
E já de longe a fresca Cintra e os montes,
Que inda não conhecia, saudava.
Impacientes da fatal demora,
Os lenhos mercenarios junto á terra
Recebem no seu "Seio e a outros climas,
Longe dos doces ares de Lisboa,
Transportam a ignorancia e a magra inveja,
E envolta em negros e compridos ]>annos
A discordia, o furor. A torpe e velha
Hypocrisia vagarosamente
A traz delles caminha; e inda duvída
. Que houvesse mão, que se atravesse a tanto.
CANTO TEIICEIRO.
O povo a mostra com o dedo ; e ella
Com os olhos no chão da luz uo dia
~oge, e cubrir o ~osto inda procura
OUl os pedaços do rasgado manto .
Va1, filha da ambiç:"to, onde te le1•am
O vento e os mares : possam ttlUS alumnos
Andar errando sobre as aguas : possa
Negar-lhe a bella Europa abrigo e porto.
Alegre deixarei a luz do dia,
~e chegarem a ver meus olhos, que Adria
'r a alta injúria se lembra e do seu seio
e lança: e que te lançam do seu seio
~alUa, lberia e o paiz bello, que parte
P .A.penino e cinge o mar e os Alpes.
areceu a Lindoya, que a partida
~estes monstros deixava mais serenos,
' ~ais puros os ares. Já se mostra
II'Iats distincta a seus olhos a cidade.
~as viu, ai vista lastimosa ! a um lado
r a fidelidade portugrieza
~anchados os purissimos vestidos
Ce roxas nodoas. Mais ao longé estava
Norn os olhos vendados, e escondido
as roupas um punhal banhado em sangne,
0
1J Fanatismo, pela mão .guiando
Gm Ctu·,,o e branco velho ao fogo e ao laço .
â~me o[eudida a natureza; e geme
I Ül! illUÍto tarde a credula cidade.
li: 8 olhos põe no chão n Igreja irada,
(lcsconhece e desapprova e vinga
O lii\AGUAY,
O delicto cmtel, e a mão baslanlu .
E mbebida na magictL Jlintura
Gmm as imagens vuns, e nil.o se a treve:
Lindoya a p erg unta r., Vê destr.uida
A R epubl ica. ~nJame, e bem vingada
A morte de Cacambo; e aUtet\la e immol•cl
Apascentava os olhos e o desej o, ·
E nem tudo entendia ; qnando a velha
Bateu co' a mão, e fez tremer as aguns.
D esapparecem as fingid as torres
E os verdes ca mpos ; nem já tlelles •·esta
Leve signal. D ebaléle os olhos buscam
...~s náos: já não são n;Íos; netn mar, ne tn tnonLe
Nem o lugar, oncle estiv eram . Torna
Ao pranto a saudosissi ma Lindoya,
E de novo outra vez suspirn. e geme ,
Até que a noute compassiva e attenta ,
Que as magoadas lástimas lhe onvírn,
Ao par tir saoudiu dns fuscas rL~ms,
Envolto em frio orvalho , um leve somno,
Suave esquecimen to de seus wales.
VANTO QUARTO.
O Heroe atalha o inoêndio, salva a!
t.ropac e pro•egue a mar oba - Da fim o
episodio de Lindoya- chegam á cidade
dos indios, que estes abandonam, reduzido
a cinzas.
A SALVAS as tropas do nocturno incendio,
l)
08
~ovos se avisinha o grande Andrade,
Qepo1s de alfugentar os índios fortes,
]!; Ue a subida dos montes defendiam,
O r?tos muitas vezes e cspaU1ados
8
l) l'apes cavalleiros, que arremeçam
1!: Uas Causas de morte em úma lança,
cn1 largo gyro todo o cumpo escrevem.
~o O URAGUAY.
Que negue agora a perfida calúmnia
Que se ensinava aos barbaros gentio~
A disciplina militar, e negue
Que mãos traidoras a distantes }JOvos
Por asperos desertos conduziam
O po sulfureo e as sibilantes lJallas,
E o bronze, que rugia nos seus muros.
Tu que vis te e pizaste, ó Blasco insigne,
Todo a.qu elle pniz, tu só podeste,
Co' a mão, que dirigia o ataque horrendo,
E aplanava os caminhos á victória,
Descrever ao teu z·ei o s[tio e as armas
E os odios e o furor e a incrível guerra.
Pisaram finalmente os altos riscos
De escalvada montanha, que os infernos
Co' o peso O]lprime e a testa altiva esconde
Na reg ião, que não perturba o vento . .
Qual vê quem foge {L terra, pouco a pouco
Ir crescendo o horizonte, que se encurva,
Até que com os ceos o mar confina,
Nem tem á vista mais que o ar e as ondai:
Assim quem olha do · escarpauo cume
Não vê mais elo que o ceo, que o mais lhe encobre
A tarda e fria nevoa, escúra e densa.
lVIas quando o sol de 1{1 do eteruo e fixo
Pnrpureo encôsto do dourado assento,
Co' a creadora mão desfaz e corre
O veo. cinzento <le óndeadas nuvens,
Que alegre scena para os olho; ! Podem
Daqw:lla altura, por eS]Jaço immenso,
UNTO QUARTO.
Ver a~ longas campinas retalhadas
De lremulos ribeiros; claras fontes
E lagos cristallinos, onde molha
As leves azas o lascLvo vento. ·
~ngraçudos outei.ros, fundos valles
E arvoredos capados c confusos,
V'erde theatro, onde se admira quanto
Produziu a superflua Natureza.
â. terra soffredora de cultura.
l'vrostra o rasgado seio ; e as várias plUillas ;
Dando as mãos entre si, tecem compridas
lluus, por onde a vista saudosa
~e estende e perde. O ·vagaroso gado
aia[ se move no campo, c se divisam
Por entre as sombras da verdura, ao longe"
A~ casas branquejanclo e os altos templos .
.AJuntavam-se os índios entre tanto
NQo lugar mais visinho, onde o bom padre
ueria dar Lindoya por esposa
.âo seu Baldetta, e segurar-lhe o posto
~ a régia authoridade de Cacambo.
stão patentes as douradas portas
Do grande templo, e na visinha praça
Se Vão dispondo de uma e de outra baudR
As vistosas esquadras diJierentes.
~?' a chata frente de Urucú tingida.,
lnlta o indio Kobbé disforme e feio,
QUe sustenta nas mi'los pesada maça
Con1 q11e abate no camJ10 os inimigos
Co1no abale a ~ct'tra o rijo vento.
ç •
O URAGUAY.
Traz comsigo os selvagens da montanha
Que comem os seus mortos ; nem consentem
Q,ue j ámais lhes esconda a dura terra
No seu avaro seio o frio corpo
Do 'doce pai, ou suspirado amigo.
Foi o segundo, que de si fez mostra,
O mancebo Pindó, que succedêra ,
A Cepé no Jogar: inda em memória
Do não vingado irmão, que tanto amava,
Leva negros pennachos na cabeça.
São vermelhas as outras pennas todas,
Côr, que Cepé usúra sempre em guerra.
Vão com elle os sens Tapes, que se affrontam
E que têm por injúria morrer velhos.
Segue-se Caitutú de re"io sangue.
E de L indoya irmão. Não muito fortes
São os que elle conduz ; mas silo tão destros
No excrcicio da frexa, que :u·rebatam
Ao verde papagaio o curvo bico,
Voando pelo ar. Nem dos seus tiros
O peixe prateado está seguro
No fundo do ribei ro. Vinham logo
Alegres Guamnís de amavel gesto . ·
Esta fo i de Cacambo a esquadm ant iga.
Pennas da côr do eco trazctn vestidas ;
Com cintas amarelas: e Balde lia
Desvanecido a bella esquadra ordena
No seu jardim: até o meio a lançiL
Pi ntada de ve rmelho, c a testa e o corpo .
Todo cuberto de am<trelati plumas .
CANTO •QUARTO.

Pendente a rica espada de Cacambo,


E pelos peitos no través lançada,
Por cima do Jwmbro esquerdo, a verde faxa.
De donde ao lado opposto a aljavn desce.
N'um cavallo da côr da noite escura
Entrou na grande· praça derradeiro
Tntú-Guaçú feroz, e vem guiando
Tropel confuso de cavnlleria,
Que combate desordenadamente.
Trazem lanças nas mãos, e lhes defendem
l>elles de monstros os seguros peitos. .
llevia-se em Baldettn o santo padre ;
~ fazendo profunda reverencia,
6ra da grande porta recebia
O esperado Tedêo activo e prompto,
A quem acompanhava vagaroso
~orn as chaves no cinto o irmão Patusca,
J e pezndn, enormíssima banign.
~mais a este o som da dura guerra
Ttnha tirado as horas do descanço.
ge indulg·ente moral e brando peito,
S ne penetrado da fraqueza humana
otrre em paz as delicias desta vida, ·
~aes e quaes no!-as dão. Gosta das cousas '
E:orque gosta; e contenta-se do effeito:
â.nern sabe, nem quer saber as causas.
C11lda que talvez, em falta de outro,
G0 :U grosseiras acções o povo exhorte,
Qntando sempre e sempre repetindo,
ne do bom pai Adão a triste raça
O URAGUAY.

For degráos degenera, e que este mundo


Feiorando envelheçe. Não faltava,
Fara .se dar princípio á estranha festa,
Mais que Lindoya. Ha muito lhe preparam
Todas de brancas pennas revestidas
Festões de flores as .gentis don~ellas.
Cansados de esperar, ao seu retiro
Vão muitos impacientes a buscai-a.
Estes de crespa Tanajum aprendem
Que entrára no jardim triste e chorosa,
Sem consentir que alguem a acompanhasse.
Um frio susto corre pelas veias
'De Cailutú, que deixa os seus no campo;
E a irmã por entre as sombras do arvoredo
:Busca co' a vista, e treme de enc<mtral-a.
Entram em fim na mais remota e interna
Parte de antigo bosque, escuro e negro,
Onde ao pé de uma lapa cavernosa
Cobre uma rouca fonte, que murmura,
Curva latada de jasmins e rosas.
Este Jogar delicioso e triste,
Cansada de viver, tinha es~olhido
Fara morrer a mísera Lindoya.
Lá reclinada, como que dormia,
Na branda relva e nas mimosas flores,
Tinha a face na mão, e a mão no tronco
De um funebre cipreste, que espalhava
Melancolica sombra. Mais de perto
D escobrem qne se enrola no seu corpo
Verde serpente, e lhe passeia e c_ingc
CAK'l'O QU.\1\TO.
:Pescoço e braços, e lhe lambe o seio.
~agem de a ver assim sobresalrados,
E param cheios de temor ao longe;
nem se at revem a chamai-a, e temem
~ue ~lisperte assustada ~ irrit e o monstro,
ft~ja e apresse no fu~tr a morle.
~orem o destro Cail<Jll\, que treme
0
perigo da irmã, sem mais demora
])Sobrou as ponlas do arco, e quiz tres vezes
0 liar o Nro, e vacillou lres vezes

Entre a ira e o temor. Em fim sacode


O arco, e faz voar a aguda setta,
Que toca o peito de Lindoya, e fere
~ ~crpenle na testa, e a boca e os dentes
.A. etxou cravados no visinho tronco.
Çouta o campo co' a ligeira cauda
O Irado monstro, e em tortuosos giroll
ie enrosca no cipreste, e verte envolto
'm negro sangue o lil•ido veneno.
Leva nos braços a infeliz Li ndoya
g desgraçado irmão, que ao despertàl-a
Oon~eçe, (com qu e dor l) no frio rosto
:p 8 Stgnaes elo veneno, e vê ferido
elo dente subtil o brando peito.
0
Cs ~lhos, el;ll que amor reinava um dia,
hctos de morte; e muda aquella língua,
~lle ao surdo vento e aos écbos tantas ''ezes
Nontou a lnrga histó ria de seus males.
É os olhos Caitutú não soffre o pranto,
rompe em profundíssimos suspiros,
O URAGUAY,
Lendo na testa da fronteira gruta
De sua mão já trémula gravado
O alheio crime, e a voluntaria morte.
E por todas as partes repetido ,
O suspirado nome de Cacambo.
Inda conserva o pallido semblante
Um não-sei-quê de magoado e triste,
Que os coracões mais duros enternece.
Tanto era b~lla' no seu rosto a mor·te!
Indifferente admira o caso acerbo
Da esh·auha novidade ali trazido
O duro Balda; e os índios, que se achavam,
Corre co' a vista e os animos observa.
Quanto p6de o temor l Seccou-se a um tempo
Em mais de ü rosto o pranto ; e e mais de ü peito
Morreram sulfocados os suspiros.
Ficou dP.súmparada na espessura,
E exposta ás feras e ás famintas aves,
Sem que algum se atrevesse a honrar seu corpo
De poucas flores e piedosa terra.
Fastosa Egypcia, que o maior trinmfo
Temeste honrar do vencedor Latino!
Se desceste inda livre ao· escu ro reino,
Foi vaidosa talvez da imaginada
.Barbara pompa do real sepulcro.
Amavel Indiana ! Eu te prometto
Que e breve a iniqua patria envÓlla e challltJ13S
Te sirva de urna, e que misture e leve
A tua e a sua cinza o irado vento.
Confusamente mnrmmava em tanto
CANTO QUARTO . 51

n? caso atroz n lastimada gente.


Dizem que 'I;a.najura lhe pintám
Suave aquelle gene1~o de morte,
E talvez lhe mostrasse o sítio e os meios.
Balda, que ha muito espera o tempo e o modo
De ~lta vingança, e encobre n dor no peitó,
Excita os póvos a exemplar castigo
Na desgraçada velha . .Alegre em roda
Se ajunta a petulante mocidáde
Co• as armas, que o acaso lhe offerece.
:td:as neste tempo um índio pelas ruas
Com gesto espavorido vem gritando,
Soltos e arrepiados os cabc!los :
Fugí, fugí da mal segura terra,
Que estão já sobre nós os inimigos !
~u mesmo os vi, que descem do alto monte,
'\>"·vem cobrindo os campos; e se ainda
Ivo chego a trazer-vos a notícia,
~os meus ligeiros pés a vida eu devo.
~balde nos expomos neste sítio,
~Iz _o activo Tedêo: melhor conselho
aJuntar as tiopas no outro povo:
~erca-se o mais, salvemos a cabeça.
~mbora seja assim : faça-se em tudo
"\r ~ontade do ceo ; ruas entre tanto
eJam os contumazes inimigos
~u~ não tem qne esperar de nós ~espojos.
al~e-lhe a melhor parte ao seu tL>mmfo.
~ss111l discorre Balda; e em tanto ordena
Ue todas as esquadras se retirem,
'
O UnAGUAY.

Dando a-11 cazas primeiro ao fogo c b templo.


Parte, deixando atatla a triste :vellm
D entro de uma chonprum, e vingativo
Qui;>; que por ella começasse o incemlio.
Ouviam-se de longe os altos gritos
Da miseravel Tanajura . .A.os ares
Yão globos espessissimos de fumo,
Que deixa ensanguentada a luz 'do dia.
Com as grossas camaldulas á porta,
Devoto e penitente os esperava
O irmão Patusca, que ao rumor primeiro
Tinha sido o mais prompto a pôr-se em salvo,
E a desertar da perigosa terra.
Por mais que o nosso General se apresse,
Não acha mai s que as cinzas inda quentes, '
E nm deserto omle ha pouco era a cidade.
TinhaJ11 ardido as míseras choupana~
Dos pobres índios; e no chão caidos
Fumegavam os nobres ediJicios,
D eliciosa habitação dos padres.
Entram no grande templo, e ' 'êem por terra
As imagens sagradas. O aurco Lhrono, .
· O tbrono, em que se adora um Deus immenso ,
Que o sotfre e não castiga os temerarios,
Em pedaços no chão. Voltava os olhos
Turbado o General: aquella vista
Lhe encheu o p eito de ira e QS olhos de agua.
Em rod a os seus fortíssimos guerreiros
Admiram espalhailos a grandeza
Do rico templo, e os desmedidos arcos. ·
f.Al'\1'0 QUARTO ,
Ás bases !las firmi ss imas colLimuas
E os vultos animados, qhe resp iram .
Na abobeda o artifice famoso
Piutára .. . mas que intento ! as roucas vozes
Segl!ir nilo pódem do·. pincel os rasgos.
Genio da inculta America·, que inspiras
-!'; meu peito o furor que me tr11nsporta!
1 u 1ne levantas nas seguras azas;
Serás em pa"'a ouvido no meu canto. ·
E te prometto que pendente um dia
.A(torne a minha. Iyra os teus altares.

I
(JAlfTO 91JINTO.
Descripção da pintura. na abobeda do
t emplo índio, em que ·o poeta fa>: ver os
male• aausado·s pela Companhia de Jesus
-- Segue o Heroe em demanda do inimi·
go, e o surprehende na visínhn J:lovoaçii.o,
onde rendido se •ubmette.
NA vasta. e curva abobeda piutára
A destra mão de arLifice famoso
Em breve espaco villas e cidades
E Províncias I! 'reinos. No alto solio
E~tava dando lei s ao mundo inteiro
~ .Co~panhia: Os sceptros e as coroas,
as haras e as purpurus em torno
Se1neadas no chão. Tinha de um lado,
6/i O URAGU!Y.

Dadi1ras corruptoras: do outro lad o


Sôbre os brancos altares suspeudidos
Agudos ferros que gotejam sangue.
Por esta mão ao pé dos altos muros
Um dos Henriques perde a vida e o reino.
E cahe por esta mão, oh Ceos ! debalde
Rodeado dos seus o outro Henrique,
D elícia do se u povo e dos humanos.
Príncipe~ ! 0 seu sangue é vossa offensa.
Novos crimes prepara o horrend o mon~tro .
Armai o braço vingador : descreva
Seus tortos sulcos o luz ente arado
Sôbre o seu throno ;- nem aos tardos netos
O Jogar em que foi mostrar-se possa.
Viam-se ao longe errantes e espalhados
Pelo mundo os seus filhos ir !arreando
Os fund amentos do es perado im perio,
De dous em dous : ou sobre os coroados
Montes do 'l'ej o ; ou nas remotas praias,
Que habitam as pintadas Amazonas,
Por onde o rei das aguas espumando
Foge da estreita t erra e insulta os mares ;
Ou no Ganges sagrado ; ou nas escuras ,
Nunca de humanos pés trilhadas, serras,
Onde o Nilo tem, se é que tem fonte.
Com um gesto innocente aos pés do throno
Via.se a liberdade americana,
Que arrastando enormíssimas cadeias
Suspira, e os olhos e a inclinada testa ...A
Nem levanta, de humilde e de medrosa.
f
CANTO QUIN1'0.
Tem diante ·riquíssimo tributo,
Brilhante pedraria e prata e ouro,
Funesto preço por que compra os ferros .
.Ao longe o mar azul e as brancas vélas,
Com estranhas divisas nas bandeiras,
Denotam que aspirava ao senhorio
E da navegação e do commercio.
Outro tempo, outro clima, outros co~tnmes.
Mais além tão diversa de si mesma
V'estida em .larga roupa fluctt:aute,
~ue distinguem barbaricos lavores,
.uespira no ar chinez o mole fasto
De _asiatica pompa; e grave e lenta
~etmitte aos honzos, apezar de Roma,
o seu legislador o indigno culto .
.Aqui entrando no Japão fomenta
~omésticas discordias. Lá passea
o meio dos estragos, ostentando
O~valhadas de sangue, as negras ronpas.
Ca desterrada em fim dos ricos portos
V'oltando a vista ás terras, que perdêrn,
Quer pizar temeraria e criminosa ...
Oh Ceos l que negro horror ! tinha ficado
Imperfeita a pintura e envolta em sombras.
ireroeu a mão do arHfice ao fingil-a.
desmaiaram no pincel as côres.
~a parte oppo~ta, nas soberbas praias
ll rica. Londres tragica e funesta,
Ensanguentado o Ti\misa esmorece
V' eJu!o a conjuração pedida e negra,
(l6 O UllAGUAY.
Que se prepara ao crime; e intenta e espera
Erguer aos ceos nos inflammados hombros,
E espalhar pelas nuvens denegridos,
Todos os gra ndes, e a 'famCJsa sala.
Por eutre os troncos de umas plantas negras,
Por obra sua, viam-se arrastados
A's ardentes arêas Africanas
O valor e alta glória portugneza.
Ai mal aconselhado, quando forte,
Generoso mancebo I E ternos lutos .
P reparas á chorosa Lusitania.
Desejado dos Leus, a incertos cl imas
Vás mendigar a morte e a sepultura.
Já. satisfeitos do fatal desígnio,
Por mão de um dos Filippes alfogavam
Nos abysmos do mar, e emudeciam
' Que ixosas línguas e sagradas boccas,
E m que a inda se ouv ia a voz da patria.
Crescia o seu poder e se firmava
Entre surdas vingam;as. Ao mar largo
Lança do profanado occullo seio
O irado Tejo os frios nadadores.
E deixa o barco e foge para a praia
O ]Jescador, que attonito reco lhe
Na longa rede o p{,Jido cadaver
Privado de sepulcro . Em quanto os nossos
Apascen tam a vista na pintura,
Nova cmpreza e outro genero de guerra
Em si revoh•e o General famoso.
Apenas esperou que ao sol brilhante
C.-I.NTO QUINTO 67
D'
P~ss~ ~s costas de todo a opaca terra ;
F ~Clpttou a marcha, e 'IIO outro povo
~0 1 surprender os indios. O cruzeiro,
.Aonslellação dos Emopeos não vista,
As horas declinando lhe assignala.
C c6raua manhã ~erena e pura
Q0 1Deçava a bordar nos horizontes
Ceo de bmncas nm•ens po1•oado,
~uando abertas as portas se descobrem
Qrn trages de caminho ambos os padres,
Due ntansamenle do log;nr fugiam,
Desamparando os roiseraveis índios,
L epois de expostos ao · furor das armas.
"Mob? voraz, que vai na sombra escura
p Cdtlando tnâções ao manso gado
"N;rsegnido dos cães e descoberto,
:a:,o arde em tan ta colera como ardem
Cé da e Tedêo. A soldadesca alegre
rca em roda o fleu!!"matico Pal11Sca,
~tlc próv ido de longe~ os ucompanba,
:p toa! se move no jumento tardo.
cndem-lhe dos arções de um lado e ·de ou tro
Q
p s pa·Ios sab orosos e os vermelhos
l resuntos europeos; c a tiracolo
Dseparavel companheira antiga
Ee seus cam i nl~os a borraxa pende.
Qn~r<t no povo e ao templo se encaminha
ll. 10Voicto Andrade : e generoso em tanto
Cepnmc a militar licença, e a todos
0
a grande sombra ampara: alegre e brando
O URAGU.o\.Y,
No m"eio da vict6ria. Em roda o cercam,
(Nem se eng-anaram) procurando abrigo
Chorosas mãis e filhos innocentes,
E curvos pais e tímidas donzellas.
Socegado o tumulto, e conhecidas
.As vfs astucias de Tedêo e Balda,
Cae a infame republica por terra.
Aos pés do General as toscas armas
Já tem deposto o rude Americano,
Que reconhce as ordens e se humilha,
E a imagem do seu Rei prostrado adora.

Serás lido Uraguay. Cubra " os meus olhos


Embora um dia a escura noite eterna.
Ttt vive e goza a luz serena e pui-a.
Vai aos bosques de .Arcadia : e não receies
Chegar desconhecido áquella arêa.
A li de fresco e'ntre as sombrias murtas
Urna triste a Mirêu não todo encerra.
Leva de estranho ceo, sobre ella espalha
Co' a peregrina mão barbaras flores.
E busca o successor, que te encaminhe
Ao teu Jogar, que ha 'muito que te espera.

Fm.
O CARAUURÚ.
POR
UANTO PRJtNIEIRO c
~:<posição do assumpto- Invocação--:
Dedicatoria ao Principe do Brasil D . Jose
- Naufragio do Eeroe , Diogo Alvnre~, juo·
to á Bahia- Salva-se elle e mais seis com·
panheiros - O gentio devol'a o cadaver
de um ·delle., San cho , e ceva o n outros
para lhe servir de pasto- o HeroP. salva
a espingarda e munições - Fernando nortll
a origem da estatua da Ilha à.o corvO•
que apontava para a Amerioa- Prepara·
se o gentio a consumar o sacrificio dos ooJ11'
panheiros do Heroe, que disso se livraJ11•
caindo em guerra no poder dos do prio·
cipal Sergipe, seDl haver mais novas deJieS•
Dn um varão em mil casos agitado\
~ue as praias discorrendo do Occidente,
l) C~CUbriu O reconcavo alfarnado
l) a C;tpital brasilica potente:
0
" filho do trovão, denominado,
~ue o peito domar soube á fera gente,
l> yato~ can La rei na adversa sorte ; ,
01
S so conheço heroe quem nella e forte.

"
O CARAMURÚ.

!2.
Santo esplendor, que do grão padre manas
Ao seio intacto de urna virgem bella;
Se da enchente' de luzes soberanas
Tudo dispensas pela il'Iài :Qonzella ;
Rorn pendo as sombras de illusões humanas,
Tudo do grão caso a pma luz revéla;
Faze que em ti comece e em ti conclua
Esta grande obra, que por fim foi tua.
3.
E vós, Príncipe excelso, do ceo dado
Para base immortal do luso throno ;
Vós, que do aureo Brasil no principado,
Da real successlto sois alto abono:
Em quanto o imperio tendes descançado
Sobre-o seio da paz com doce somno,
Não queirais dedignar-vos no meu metro
De pôr os ollws, e admittil·o ao sceptro.,
4.
Nelle vereis nações desconhecidas,
Que em meio dos sertões a fé não d·oma ;
E que podéram ser-vos, convertidas,
Maior imperio que houve em G recia ou Roma;
Gentes vereis e terras esco ndidas,
Onde se um raio da verdade assoma,
Amansando-as, tereis na turba immensa
Outro l'eino maior qne a Europa extensa.
CiNTO PRUJEIRO.

5.
E Devora-se a infeliz misera gente;
sempre reduzida a menos terra,
~irá toda a extinguir-se infelizmente,
end? em campo menor maior a guerra.
Olhat, Senhor, com refiexã.o clemente
~ara tantos mortaes, que a brenha encerra;
.que livrando desse abysmo fundo,
Ytreis a ser monarca de outro mundo.
6.
. Príncipe do Brasil, futuro dono,
A. llllii da patria, que administm o mando,
~~nde, excelso Senhor, aos pés do throno
""" desgraças do povo miserando :
~ar!l tanta esperança é o justo abono
Cosso titulo e nome, que invocando,
'Dhamará, como a outro o Egypcio povo,
· José salvador de um mundo novo.
7.
:N-Nem podereis temer que ao santo intento
lto se nutram heroes no luso povo,
~ue o antigo Pol'lugal vos apresento
y 0 ~rasil renascido, como em novo.
Nerçts do domador do Indico assento
}i; as guerras do Brasil alto renovo,
C!lle os seguem nas bellicas idéas
0 5 Vieiras, Barretos e os Corrêas.
D •
16 O CARAlllURÚ.

8.
Dai por tanto, Senhor, potente impulso,
Com que possa entoar sonoro o met1·o
Da hrasilica gente o invi c to pulso,
Que augmeuta tanto im pedo ao vosso sceptro :
E · em quanto o povo do Brasil convu lso
E!Q. nova Iyra canto, em novo .pletro ;
l~azei que fidelissimo se vej a
O vosso thron'o em propagar-se a igreja.
9.
Da nova L usitania o vasto espaço
Ia a povoar D iogo, a quem bisonho
Chama o B rasi l, temendo o fo rte braço,
Horrivel filho do trovão medonho :
Quando do abysmo por cortar-lhe· o espaço,
Essa fur ia saíu, como supponl10, ,
A quem dei inferno o paganismo (alumno,
Dando o imperi<1 das aguas, fez Neptuno.
10.
O grão tridente, com que o mar commove,
Cravou "dos Orgã.os" na montanha horrenda1
E na escura caverna, adonde jove
(0utro esp irito) espalha a luz tremenda,
Relampagos mil faz, coriscos chove;
Bate-se o vento em horrida contem1a:
A rde o ceo, zune o ar, treme a monta nlu1,
E ergue-lhe o mar em frente outra tamanl!a.
CANTO PRU!ETRO. 7í

11.
p O " filho do trovão , que em baixei ia
or passadas tormentas ruinoso,
Vê que do grosso mar na travessia
ie son•e o lenho pelo pégo uudoso;
I em que constante, n mmte não t emia.
nvoca no perigo o ceo piedoso,
~o ver que a fnria horrh•el da procella
Olllpe a mío, quebra o leme e arranca a véln.
1~ .

'I' Lança-se ao fundo o igni1•omo instrumento:


p 0 do o peso se alija ; o passageiro\
ara nadar no tumido elemento,
~ lnboa abraça, que encon trou primeiro:
Uem se arroja no mar tememlo o vento ;
~U?l se fia a um batel; quem a um madeiro,
Ate que sôbre a penha, que a embarat;a,
QUilha bate, e a iláo se despedaça.
13.
V Sete s6mente do batel perdido
êm á praia cruel, luctando a nado;
0
:S fi'crece-lhe um soccqrro femen tido
ll:arbara multidão ; que acode ao brado :
ll ao ver na praia o bemfeitor fin gido,
'I' ende-lhe as mãos o naufrago enganado :
cflstes ! qne a ver algum qual fim o espera
om quanta sede a morte não bebêra ?
78 O CA1\Al\1URÚ.

.14.
Já estava em terra o infausto naufragante
Rodeado da huba americana;
Vem-se com pasmo ao pôrem-se diante,
E uns aos outrps nã.o crêem da especie humana :
Os cab,ellos, a côr, barba e semblante
Faziam crer aquella gente insana,
Que alguma especie de animal sería
Desses, que no seu seio o mar trazia.
15.
Algum chegando aos miseros, que á arêa
O mar nrroja extinctos, nota o l'Ulto;
Ora o tenta despir, e ora recea
Não seja astucia, com que o assalte occulto.
Outros do jacaré tomando a idéa
Temem que acorde com violento insulto;
Ou que o somno 1l.ngindo os arrebate,
E entre as prezas crueis no fundo os mate.
16.
Mas vendo a Sancho, um naufrago que espirn,
Rota a cabeça n'uma penha aguda,
Que ia trémulo a erguer-se, e que caíra,
Que com voz lastimosa implora ajuda :
E vendo os olhos, que elle em bra,nco ' 'ira;
Cadaverica a face, a boca muda,
.Pela experiencia da commmv sorte
Reconhecem tambe1n que ac1uillo é mo1-te.
CANTO PRIMEillO. 79

17.
E Correm depois de crei-o ao pasto hor~·endo ;
"\T J:etalhando o corpo em mil pedaços,
a1 cada um famelico 1Tazenúo,
~llal um pé, qual a mão, qual outro os braços:
Utros na crua carnP iam comendo ;
Tanto na infame o-ula eram devassos:
Taes ha, que as a~sam nos ardentes fosso~,
<\iguns torrando est•iio na chamma os ossos.
1.8 .
Que hmTor da humanidade ! ver tragada
~a propria especie a carne já corrupta!
. Uanto não deve a Europa abençoada
~-fé do redernptor, que humilde escuta 1
S !10 era aquella infamia. praticada
llo dessa gente miseranda e bruta :
J=tm~ e Carthago o sabe no nocturno
orrtvel sacrifi.cio de Saturno.
19.
C Os sete em tanto, que do mar com vida
l> hegnram a tocar na infame ar~a,
<\asmam de ver ua turba recrescida
-1\. brutal ca ladura, horrida e fêa:
]) côr vermelha em si, mostram tingida
l> e outra côr difTerente, que os afTêa:
Qeclras e páos de embiras enfiados,
tte lla face e nariz trazem furados.
ao O CARAl\IURÚ.

20.
Na bocca, em carne humana ensanguentada,
Anda o beiço inferior todo caído ;
Porque a tem toda em roda esburacaaa,
E o !abro de vís pedras embutido:
Os dentes, que é belleza que lhe agrada ,
Um sôbre outro desponta recrescido:
Nem se lhe v~ na~cer na barba o pello,
Cha1a a cara e nariz, rijo o cabello.

Vê-se no sexo recatado o pejo,


Sem mais que a an.tiga gala que Eva usava ,
Quando por pena de um voraz desejo
1 Da f~a desnudez se envergonhava :
Vilo sem pudor com barbaro despejo
Os homens, como Adão sem Clllpa andava;
Mas vê-se, alma natura, o que lhe ordenas ;
Porque no sacrificio usam de Jlennas.
22..
Qnal das bellas araras, traz vistosas
Lom·as, brancas, purpm·eas, verdes plumas :
Outros põem, como tunicas Justr!,Jsas,
Um verniz de balsamicas espumas:
Nem temem nelle as chuvas porcellosas,
Nem o frio 'figor de asperas brumas; t
Nem se receam do mordaz bisouro,
Qual anta ou qnal tatú dentro em seu conro.
c.\NTO Pnnrmno. Sl

23.
Por nrmas, frechas, arcos, peil ras, bés las ;
A. espada do páo ferro, c por escudo
As redes de algodão nada molestas,
Onde a ponta se embace ao ilardo agudo :
l>or capacete nas guerreiras testas
Cintos de pennas com galhardo estudo ;
Mas o vuln-o no bellico amea('0
N·ao te mais
" q unha ou dente, ou
. punho ou braço.
!24.
besta arte armada a multidão confusa
1nveste o naufragante enfraquec ido,
Que ao ver-se despojar, nada recusa;
~?r que se enxugue o madido vestido :
anto mais pelo mimo, que se lhe usa,
~Uando a barbara gente o vil rendido :
{ouxemm-lhe a batata, o coco, o inhame;
11
as o que crêem piedade é gula infame.
~5.

b Cevavam desta fórma os desditosos


I> as fadigas mar ítimas desfeitos;
Sor Pingues ter os pastos horrorosos ,
Fendo nas carnes míseras refeitos:
l'::rus ! mas feras não ; cjue mais monstruosos
iJt 0
da nossa alma os barbaros e[eitos ;
' em corrupta 'razão mais furor cabe,
Que tanto um bruto imaginar não sabe.
32 O CARAlilURÚ.

!26.
Não mui longe do mar na penha dura
.A.. bocca está de um antro mal .aberta,
Que horri11el dentro pela sombra escura,
Toda é f6ra de ramas encuberta :
Alli com guarda á vista se clausma
A infeliz companhia, estando alerta,
E por cevallos mais, dito-lhe o recreio
De .ir pela praia em pla(údo,pa.sseio.
27.
Diogo então que {, gente miseranda,
Por ser de nobre sangue precedia,
Vendo que nada, entende a turba infrunda,
Nem do fenreo mosquete usar sabia;
Da rota náo, que se descobre 1í banda,
Poh•ora e lJÇJ.la em cópia recolhia;
E corno enfermo, que no passo lard.1.,
Serviu-se por bastão de nm11- espingarda.
:28.
Forte sim, mas de temp~ra delicada,
Aguda febTe traz desde a tormenta;
Falido o rosto, e a côr toda mudada;
A carne sobre os ossos macilenta:
Mas foi-lhe aquella doença affmtunada,
Porque à gente cruel guardai-o intenta,
Até que sendo a si restituído,
Como os mais vão comer, seja comido.
C.\NTO l' lU:liEIRO.

!2!).
Barbarie foi , se-crê, da antiga idatlc
~ propria prole devorar, nasc ida;
Cstle que essa cruel voracidade
Fôra ao velho Saturno attribu ida :
Fingimento por fim, mas é em verdade
In,•enç;1o do diabol ico homicida,
~ue uns cú se matam, e outros lá. se comem :
1anto aborrece aquella furin ao homem ....
30.
n Mas já tres vezes tinha a lua enchido
0
vasto globo o luminoso aspecto,
Quando o chefe dos barbaros temido
Futnlina contrn os seis o atroz decreto :
Ordena ·que no altar seja om!reciclo
~ brutal sacrificio em sangue infecto,
li:endo a cabeça ás victirnas quebrada,
a gula infunda de os comer saciada.
31.
li:lll tanto que ~e ordena a brutal festa,
Nada sabiam na marinha .,.nttn
Os habitantes da prisão f~nesta ;
~ue ardilosa lli'? esconde a g~nle bruta:
, em quanto a fera! pompa ja se apresta,
1
:N'Jda a pemL em favor se lhe commuta ;
S elll parecem ter dado a menor ordem,
en[o que comam, e comendo engorde111.
84 O CAUAUURÚ.

Mimosas ca-rues mandam, doces frutas


O araçá, caj ú, côco e mangaba ;
Do bom maracujú lhe enchem as grulas
Sôbre rimas e 1·imas cte guaiaba :
Vasilhas põem de vinho n,unca enxutas,
E a immunda catimpoeira, que da baba
Fazer costuma a barbara patrulha,
Que só de ouv il-o o estomago se embrulha.
33 .
Um dia pois que :Í •ombra desejada
Se repousam, passando a calma a1·dente,.
Por dar allívio á dor Feconcentrada,
De ver-se escravos de lão fera gent e; .
Fernando, um delles, diz, que aos mais agrada
Por cantigas, que entôa docemente,
Que em cithara, C[Lle o mar na terra lança, •
S'e divirtam ela funebre lembra nça.
34 . .
Mancebo em Fernando mui polido,
Do11to em lettras e em prendas celebrado,
Que nas ilhas elo Atlantico nascido,
T inha muito co' as Musa& conversado:
Tinha elle os n1mos do Brasil seguido,
Por ver o monumento celebrado
De uma estatua famosa, que n'um pico
Aponla do Brasil ao paiz rico.
CAi'i'l'O l'IH~!EJRO , 8!.1

35.
P ed ira-lhe Luiz, cpte isto escu l(, ra,
De profelica es taLua o conto inteiro,'
Se foi verdade, se invenção foi clara
De gent~ rude ou. povo noveleiro :
Fernando então, qu'.l em metro j á canlára,
O successo, que attesta verdade iro,
Toma na·; mãos a cithara suav.e,
E entoando, começa em canto grave :
36 .
" Occulto o tempo foi, incerta a era,
~lll que o grão caso contam succed ido ;
as em parte é sem dúvida sincera
~ bella _hist6~ia, que a. escutar conv ido;
..,ehz fot o dttoso e fellz era
Quem tan to foi do ceo favorecido;
iois em meio ao corrupto gentilismo
ferecer soube a Deos o seu baptismo.
37
"Incerto pelas brenhas cam inhava
gm varão santo, que perd êra a via,
Uaudo pelos cabellos o elevava
O anjo aonde o sol já se escond ia ;
~ Um selvagem lhe mostra, que se Üchava,
lias i luctaudo em última agonia:
0 llve, lhe diz, o justo agonisanle,
E: llllla estrada ele luz tomou brilhante.
IHl O CA II AõlUI\Ú,

30.
" Auréo, que assim se chama o sacro envimlo,
E ncostando ao velho ti túbiante,
Por ignorar-lhe o idioma não falado,
No seu diz, de que o enferm o era ignorante:
E ouve-se responder, caso admirado!
N ' uma língua de todo estravagante,
Que sênifo em tudo extraordinaria e bru ta,
l?az-se entender, e entende-o no que escuta.
39 .
"Do grande creador por mensageiro
A benção (d iz) te o!Tereço; homem d itoso !
N este mund o ignorado em o primeiro ,
Quer que o seu nome escutes glorioso :
D o eterno pai, de um filho verdadeiro,
D o espírito tamb em, laço amoroso,
Quer que o mysterio saibas da verdade :
São tres pessoas n'uma só unidade.
40.
"Um só senhor qu e todo o ser governa,
Que só com dizer seja o fez de nada;
Q ue á natureza desde a idade eterna,
Certa é poca fixou de ser creada :
Que abrindo liberal a mão paterna.
Toda ·a cousa alJençôa, que é animada : ,
Q ue sua imagem nos fez ; e sem segumlo,
Q uer que o homem reine sobre o vasto mu ndo.
C.I;-;TO PRUl~JRO, 37

41.
N "Que havendo em mil delicias collocado
p ossos primeiros pais n'um paraiso,
o.r homenagem desse imperio dado,
Pnvou de um p omo com severo aviso:
~ue Yendo o seu respeito profanado,
Igual satisfacão sendo preciso,
~o duro lenho' a poz, no ferreo cravo,
deu o filho por salvar o escravo.
42.
"Este do seio pois de virgem pura,
1nvocada no nome de Maria,
~edemptor,
1
mestre e luz da c'J'eatura,
asceu, prégou, riwrreu na cruz impia:
~onq~eu do abysmo a immovel fechadura;
li:1 epo1s resurge no t erceiro dia i .
no ceo sub indo em lim , donde commanda,
.A.os fin s da terra os mensageiros manda.
43.
S "Um destes venho a ti: lavar-te intento,
li:e queres acceitar meu catecismo i
1
S<!rvindo de porta o sacramento,
~ncorpar-te ao santo christianismo.
urga o teu coração, teu pensamento,
Por chegar puro ás aguas do baptismo,
gnde se entras com dor elo mal primeiro,
e Jesus Christo morrerás coherdeiro.
33 O CAR ,\ DIU II Ú.

44.
" Aos primeiTOs acceutos, que escutára
Guaç tí , quê este é o seu nome, a frente empena. ;
A Ltenta ao que ouve a orelha., e lixa a c..ra,
Senilo que co' a cabeça a tudo acena :
Dos olhos mal se serve, que cegi•ra,
Bem que a vista pareça ter serena;
As mitos de quamlo em quam1o es tende e loca,
E pende attento da sagrada bocca.
45.
"Bom ministro, respo nde, do piedoso
Excelso grão Tupá., qúe o ceo modera,
Nilo me. vens nov·o, hão : que tive . o goso
De ouvi r-te em sonho já; quem ver podera !
Se a image m tens, que o ·som no fabuloso
Ha muito, que de ti 'na mente gera !
Senís, disse, e na bar9a o vai tocando,
Homem com barbas, branco e venerando.
46.
Louvores a. Tupú, que em fim chegas te ;
u
Que o caminho me ensinas, do nde elejo
Buscar logo o grilo Deos que m'aununciaste,
Que desde a infaucia com anlor desejo :
Nru1ca so.ube, llSsim é, quanto contaste;
Mas.nilo sei , como o que ouço e quasi vejo
Se ntta, como elll sombTa mal formada ;
Não que o crêsse ainda assim, mas por toada.
CANTO PRinffiiRO . 8 1)

47.
"Vendo desse universo a mole immensa,
Sem ser de ainda mai or enlendimenl&-
~allricad a a não cri : qu e ell e o di spensa,
f ero, rege e guarda, infere o pensamento :
~ue repu gna á creatura estar suspensa,
EeU! Último fim ter , notava a ttento:
]: este ente, que me fez um deos segundo,
o grão Tupá, fabricador do mundo.
48.
'~Vi as chagas da propria na1~reza,
i 1gnorancia, a malícia, a variedade,
bem reconheci, qu e esta torpeza
~ascer não póde da eterna! bondade.
Nnde, sem o saber, cFi, que era acceza
este incendio commum da humanidade
Antiga charnma, donde o mal nos veio ;
Crer que taes nos fez D eos ... eu tal não creio.
49.
J) '~ Tambem vi qo grão Deos, que o mundo cria,
e1xar nunca quizera em tanto estrago
~ humana. na~reza.; e que a mão pia
· e taes m1sen as ao profundo lago
ll:avia de estender; como o faria I
· Suspenso fiqu ei sempre incerto e ' 'ago ;
~as nunca d1Jvid ei que al guem se visse,
11
e de tantas miserias nos remisse.
90 O CARUIUI\ÍI.

50.
"E como era a maior, que experimentava,
O ver que livremente o mal seguia;
Que a suprema bondade se aggra,•ava,
Donde um homem de bem se aggravaria :
Vendo que a a[ronta, que esta acçã.o causava,
S6 se houvera outro D eos, se pagaria;
E impossível mais de um reconhecendo .. .
Daqui não· passo, e cégo me susp endo.
51.
" Agora sim, que euten<lo a gril ' 'erdade,
Que um s6 Deos se fez homem sem defeito
E send o tres pessoas na unidade,
J;>o filho ao pai podia haver respeito :
A pessoa segunda da Trindade,
Novo hom,ern, como nós , de terra feito,
A paz do homem com D eos fundar procura i
Redernptor pio da mortal creatura.
52.
"Este creio, este adoro, este confesso ;
E esta santa mensagem venerando,
Por meu D eos e senhor firm e o rouheço,
A qu em da -terra e ceo 11ertence o mando :
D es te o baptisrno santo hoj e te peço,
Onde na porta celestial en trando,
S uba o espírito á glória que deseja,
E com estes meus olhos ainda o veja.
CANTO PRllilEII\0. 91

53.
"Disse o ditoso velho; e acompanhando
~om devoto suspiro a voz que exprime,
em mostra que no peito o está tocando
.A. Ocçnlta nnç1ío do Espírito sublime:
is mãos ao ceo levanta lagrimando ;
tanto ardor na face Ee lhe imprime,
§ue acompanl1ar parece o humilde rôgo
1!1 diluvio de agua, oulTo de fogo.
54.
"Então o bom ministro : É justo, amigo,
Que chores, lhe dizia, o teu peccado ;
Por não amar a Deos; ser-lhe inimigo,
Se o blasfemaste ; de o não ter honrado ;
~e não servir t~us pais ; de um adio antigo;
S se não foste honesto, ou tens roulmdo;
F~ em mulher, bens, ou fama em caso feio
' 1Zeste damno, ou cubiçaste o 'alheio.

55.
"N·~ Esta a lei santa é, que em nós impressa
1nguem ofl'ende, que mereça escusa;
0 nde no que faltaste a Deos confessa,
~Ue tan:'l de,•e quem peccando abusa :
l:>uer-se n sntisfação com a promessa
e. melhor vida, no que a lei te accusa :
~Ois quem quer que peccou, que assim não faça,
cc~be o sacramento, mas não graça.
9!! O CABAi\!URÔ.

56. ·
"Eu, disse o Americano, antes de tudo
Amei do coração quem se r .me dera ,
Seu nome ignoro, mas honrai-o estudo;
E com fé o adorei sempre sincera :
Em certos dias recolhido e mudo
Cuidava em venerar quem tudo impera,
Matar não quiz, nem morto algum comia,
Pois que a mim mo fizessem não queria.
57.
"Mulher tive, mas uma, persuadido
Que com uma se pó de; acção impura
Melteu-me sempre horror; tendo entendido,
Que só no matrimonio era segura :
Qualquer outro prazer fôra prohibiclo,
Porque se entanto abuso se co11jura ,
Quem segundo esse jnstinfo do demonio,
Se pudéra lembrar do matrimonio 1
53 .
"Nunca roubei, temendo ser roubado:
Por conservar a fama, honrei a alheia :
Não me lembra de ler calumniado,
Nem de outrem disse mal, que é cousa fêa;
E quem houvesse de outros murmurado,
Que outro tanto lhe façam certo crêa;
Não tive in1•eja do que alguem consiga,
Por ver que quem a tem, seu mal cailiga.
CANTO PlUniiURO. 95

59.
S "Em fim, corri meus anuos desde a infa!'lcia
Sem oiTender, que eu sniba, esta lei justa,
1'e1n ter a cousa boa repugnancia,
Nudo mercê da mão de D eos augusta.
?:.r? 8 meus males sómente a tolerancia
R os fazia passar a menor custo :
sta a minha ancia foi, este o meu zelo,
8aber quem era Deos; tratai-o e vê-lo.

60.
C "bizendo o velho assim, tanto se accendc,
ll.0tn? se n' alma se lhe ateára um fogo:
Eecl~na a humilde fronte, e a voz suspende ;
C caindo em deliquio neste aiTogo,
Eo~re o ministro, que ao successo attemle,
.A. Uscando agua, que o baptize Jogo ;
l>Pe?as Felis diz, eu te baptizo,
arhu feliz d ' um vôo ao paraizo.
61.
l> '' ~ui dava em sepultal-o Auréo saudoso ;
0°ren1 de espe&sa nevoa, que o ar comlensa 1
l.. Uve Um coro entoando harmonioso
li:0 ll"or eterno á magestade immensa :
l..una ,alhmosfera ali do ar nebuloso,
'\>'' z arraiando, que a ali um ia intensa;
.A.Iu FerIs, que na glona,
' , que o ves t'111 7
graça b<tptismal lhe agradecia.
94 O CARAMURÚ.

6~.

<;!ue te conceda Deos, minis tro justo,


oc
Diz-lhe a alma venturosa, o premio eterno ;
Pois vens do antigo mundo a tanto custo
A liber tar-me do poder do inferno.
Dos ceos em tanto o dominante augusto,
Que tornes manda ao ninho teu paterno ;
E sobre a nevoa em nuvem levantada
Vás navegando pela aeria estrada.
63.
"E quer na novem prop'ria, que te indico,
Que esse co.daver meu vá transportado,
E na ilha do Corvo, de alto p ico
O vej am n' uma ponta cGllocado ;
Onde acene ao paiz do metal rico, ·
Que o ambicioso europeu vendo indicado,
Dará logar, que ouvida nelle seja
A dou trina do ceo e a voz da igreja.
64.
"Disse; e cessando a vez e a visão bella,
Viu ela nuvem Auréo, que' o rodeava,
'Transformar-se a uella alma em clara estrell 11 >
E viu que a nm•em sôbre o mar voava;
O caclavet· tam1Jem sublime nella,
Ao cume do grão pico já. chegava ;
Onde a nevou, Cjue no alto se sulllima,
Depõe como uma es tatua o corpo em cima-
CANTO PRIMEIRO.

65.
b" Ali batido do nevado vento,
li!~ ~oi, de gelo e chuva penetrado,
Ê etto natural , e não portento
tr ~'el-o, qual se vê, .petrificado.
b lll arco tem po r bellico instrumento,
Oe Pluma um cinto sobre a frente ornado:
S lllro onde era decente: em côr vei-rnelho,
elll pello a barba tem ; no aspecto é vel110,
66 .
]) ''Voltado es lava ás partes do occidente,
Conde o au reo Brasil mostrava a de<lo,
QOIIJo ensinando á lusita na gente,
])lle .ali devia navegar bem cedo :
.â.esltno foi do ceo omnipotente,
.Á fi~u que sem receio ou torpe ll.ledo
li: Piedosa empre~a o povo corra; -
que quem .morrer nella, alegre mona. "
67.
}!aCa~ou enb1~ Fernando, mas nuo cala
() Ct1hura dotn•ada oulm h armoni ~L,
li: DI1e Parece a mão, qnc tambem faln
Sa~IIJ quaqto a voz disse, repetia:
Qu a Nn tanto um barbaro a escutai-a;
•r01e1 encantado ela doce melod ia,
·r0 ~ a tias n11tos o musico instrumento;
a-o sem aTte e salta de contento .
O CARAMURÚ .

68.
Não póde ver uos nossos o congresso
Tanta rudeza sem t entar-se. a riso;
Que por ma is que um pezar se t enlm impr esso,
Não d{, logm· a prev('ução ao siso :
E sendo inopinado algum successe,
Onde é nos homens quasi o rir preciso ,
Tal p essoa b.a que chora apaixonada,
E passa do gemido a uma risada.
6~.

Diogo então que dentl'O em si medía


Da cruel gente a condição damnosa ,
Não socega de noite, nem de dia,
Antevendo a desgraça lastimosa :
E vendo rir os mais com alegria,
Pela acç<'"ío do selvagem graciosa,
Estranhou-lhe o praz.er mal concebido,
Arrancanclo do peito este gemido.
70.
" Oh triste condiçil.o da humana vida !
Que tanto em breye do seu mal se esquece;
Pois vendo a liberdade em fim p erdida,
Sentimos menos, quand0 a dor mais cresce :
Ve_mos desd' a a gua ;ís praias despedida
A ~nfeliz gente, que no mar p erece ;
E que o brutal gentio na mesm'hora ,
Ainda bem os não vê, Jogo os devora.
CAN1'0 PRIMEIRO.

71.
., Quem sabe, se o cuidado, que destina
<el}r-uos assim mimosos <Je sustento,
Nã.:. é por ter de nós grata chacina
~.esse horrível burbarico alimento I
~anta attr:mçã1.1 (lUC tem mal se combina,
em mostrar-se o maligno pensamento ;
Que quem os provrios mortos brutal come,
Como é crivei que aos vivos mate a fom;?
72.
n 1'empo fôra, aflligidos companheiros,
e levantar dos ceos ao rei supremo
~Uillilcles vozes, votos verdadeiros,
~~ro.o quem lucta no perigo ex Lremo :
s vós, que agora rides prasenteiros.
0
Qh quanto, amigos meus, oh quanto temo,
l? Ue essa gente cruet só nos namore,
or cevar mais a preza, que devore I
. 73.
"Voltemos antes com fervor piedoso
0E 8 tristes olhos ao ethereo espa<;o;
sreraudo de Deos um fim ditoso,
0 Ude .a morte se ávista. a cada passo.
C
l 0 lllncto o peito, o coração clwroso,
Q'Plore a protecção do excelso bra<;o ;
ue o c~ração me diz, que por desdita
0
Cruel sacrilicio se medita. ,
93 O · CARAJ\lURÚ.

·74.
Em quanto assim dizia o Heroe pnalente,
Commovido qualquer do temor justo,
Levanta hum il de as mãos ao ceo clemente ,
Vendo o fu turo com p resago susto:
.Tá cni"da a crüe\ morte ver presente;
Já vê sobre a cabeça o golpe inj usto:
Batem no peito; e levantando as palmas,
Fazem victima a Deós 'das proprias almas .
l75.
Já numerosa t urõa ús praias ' 'i•nha,
E os seis levam ao cono miseraudo,
Onde a plebe cruel formada tinha
A pompa do espectaculo execrando :
E mal a gente bruta se conti nha,
Que em quanto as tristes m1'Los lhe vão ligando
No h umano corpo pelo susto exangue
Não vão vivo sorvendo o infeliz sangue.
76.
Qual se da Lybia pelo campo estende
O mouro caçador um leão ''asto,
Em longa nuvem devorai-o emprende
O sagaz corvo sempre attento ao pasto,
Negro parece o chão; negra., onde pende .
A planta, em que do sani\"uc explora o rasto>
Ate que avista a preza, e em chusma voa,
Nem de ixa parte, que voraz não rôa.
Cá.N1'0 PRIM•E lRO. 99

77,
E 'l'al do caboclo foi a furia iufanda,
' o fanatismo, que na mente o cega,
faz que tendo esta acção por veneranda,
;voque o grão Tupá, que o raio emprega :
° meio vê-se que em mil voltas anda,
0 eleito matador, éomo quem prega
.A. brados, exhortando o povo insano
J\. ensopar toda a mão no sangue lmmauo.
7B.
~ Á roda á· roda a multidão fremente
~Otn gritos corresponde á infame idéa;
lllll quanto o fero em gesto de valente .
Eate o pe, fere o ar, e um páo manea:
Ergue-se um e outro lenho, onde o paciente
F ntre prizões d'embira se encadea;
Eogo se accende nos profundos (ossos,
lU que se torrem com a ca,rne os ossos .

79.
Q Dentro de uma estacada extensa e vasta,
E ue a numerosa plebe em torno borda,
Cntram os principaes de cada casta
O0111 bellas plumas, onde a côr disco1·da;
n''lros, que a grenha tem com fera! pasta
°
0 s~ngue humano, que ao matar trasborda,
Ch tugromantes são; que em ,•ão conjuro
anuun as sombru~; desde o al'erno escuro .
••
~00 · O CA II.AlUURÚ ,

00 .
Companheiras de officio tão nefandó
Seguem de um cabo a turm a, e de outro cabO
Seis tnrpissimas velhas, a parando
O sa ngue sem um l eve menoscabo :
Tão feas são, que a face est{t pintando
A image m propriissima do Diabo;
Tinto o•corpo em verniz todo amarello,
Rosto ·tal, que a Medu sa o faz ter helio.
81.
T em no collo as crueis sacerdotisas,
Por conta dos fu nestos sacrificios,
Fios ele dentes, que lhe silo rUvisas,
De mais ou menos t empo em taes olHcios;
Gratos ao ceo se c rêm, de que indivisas
Se inculcam por tarlareos malefici os;
E em testemunho do mister neütudo,
Nos seus cocos com facas vem tocando.
8!il.
Quem pó de reputar, que dor traspassa
A miseranda iJ1fausta co mpanhi a,
Y endo taes feras rodear a praça,
Que o san!!'ue com os olhos lhe bebia 1
Ver que o; dentes lhe range por negaça,
·Senão é que os agita a fome impía,
.E dizer lá comsigo : "Ein poucas hor as
"Sou pasto destas feras tragacloras. ,
CA!\'TO Pllll.IFEIIIO. 101

83 .
-nM:as põe-lhe a vista o Padre omnipotente,
a desgraça cruel compadecido;
E envia um anjo desde o ceo clemente,
Que deixe ta11lo horror des,•anecido:
~ faça que o espectacu lo presente
enba por fim a ser sonho fi n~ido ;
~ue qu em recorre ao ceo no ;nnl_que geme,
ogo que teme a Deos, nada mais teme .
84.
l. Seis então dos infames ni gromantes
Eançaram mão elas ' ' Íclimas pacientes,
11
! seis lenhos falaes . que ergueram d'antes,
:p~alll crueis as mãos dos innocentes:
Castos no ceo os olhos lagrimantes
Q lll lembrar-se das penas vehementes,
l> ue. soiTt·eu D eos na cruz, nelle fiados
edia~n-lhe o perdão dos seus peccados.
85.
C Fernando ali, qne em discrição precede,
C~~ Voz sonora a companhia anima :
li: eto de viva fé soccorro p ede;
Gr~uanto a dor permilte, qne se ex prima:
-4. il senhor, diz, ele quem luclo procede
Q glória, a pena, a confusão e a estima,
]ltue .iunto dás as graças e os castigos,
•a dor alívio, amparo nos perigos !
102 O CARAl\IURÚ .

86.
Vida não peço aqui, morte não temo,
Nem menos ch6ro o caso desgraçado:
O que me doe, que sinto, o que s6 gemo
É, p iedoso Deos, o meu peccado :
.Feliz serei, G rão Padre, se no extremo
For da tua bondade perdoado;
Pelo calix amargo, que aqui bebo,
Pela morte cruel, que hoje recebo.
87.
Mas, grande Deos, que vês nossa fraqueZ"
No duro transe desta cruel hora,
Não soffras que essas féras com crueza
Hajam de devo1·ar a quem te adora :
Porque estremece a fragil natureza,
Vendo a gula brutal, que emprende agora
Sacrificio fazer ao torpe abysmo
Destas carnes tingidas no baptismo.
88.
Ouviu o ceo p iedoso a infeliz gente ;
E quando o fero a maça já levanta,
Que esmague a fronte ao mísero paciente,
Trovão se ouve fatal, que tudo espanta:
Treme a montanha, e cae a roca ingente,
E na ruína as arvores quebranta ;
Mas o que mais os brutos confundia,
Era o rumor marcial, que então se onvia.
ONTO PR!Mii:IJIO. 105

89 .
. Pe?ras, frechas e darqos de anremeço
gubr:am todo o ar; porque o inimigo,
ue atraz se poz de um proximo cabeça
~guarda ex pre6sament e aqu ~lle artigo:
.A. e um lado e outro desde um mato espesso
llleaça o furor, cérca o perigo;
E a gente crua transformada a sorte,
Quando cuidou matar, padece a tnorte.
90.
'N Era Sergipe o príncipe valente
\1 a ~squadra valerosa, que atacava;
arao entre os seus bom, manso e prudente,
~ue com justiça os povos commandava:
C rmava o forte chefe de presente
S 0 1ltra Gupeva, que cru el reinava,
'Nabre as aldêas, que em tal t empo havia
0
reconcavo ameno da Bahia.
91.
Jt Por .toda a parte o lJabiense é prezo ;
à1: l~uc1dado o bruto nigromante,
ll. llltos lançados são no fogo accezo,
11olca~a
e~dem-se os mais ao vencedor possante :
em vida, todavia illeso
li llllsero europt::o, que ali em fragante
Á.az desatar o bom Sergipe, e manda
escravidão no seu puiz mais branda.
i0-1 O CARAn!URÚ.

9~.

Mas a gente infeliz no sertão vasto


~or matos e montanhas dividida,
E fama, que uns de tigres foram pasto;
Outra parte dos barbaros comida ;
Nem mais houve notícia, ou leve rasto
Como houvessem perdido a amada vida ;
Mas ha boa suspeita e firme i'lldício,
Que evadiram o infame sacrificio.
fJ.&l'iTO SEGIJIWDO.
Prantea o Heroe a falta dos seus e de·
termina "Vingai-os - Arma -se e vai ao gen·
tio, que fica timorato de o vêr, e é e><hor·
tado a que abandone a anthropofagia--:'
Gupeva pa•rna de o vêr ar:mado- Convs·
da os seus a presenteai-o com caça e fru·
ctas- quadro da virgem perante o qual
oram.- ca9 ada em que o Heroe dá uo>
tiro, que faz o gentio appellidal-o CARA-
MURÚ- Recuo a o Hero<l o culto que Ih6
querem pr-estar - Exige de todos obedie ll"
cia a Gupeva de quem se declara an~igo-­
Pede Gupeva ao Heroe que escolha oast>
no paio:-·- Descripção de uma aldeia do
gentio e seus costumes - Hospedagern , d 0
Heroe - A bel la Paraguaçú - o Her0 6
lhe ofi'crece a mão ole espoao se receber 0
baptismo, e ella acceita.
]) E ILi a h ora, em que o sol na gra
~ .
carreu~
li: 0 torrido zenith vibra igualmente,
N ql!e a sombra dos corpos corupanlteira ,
Qa. terra extingue, com o raio ardente;
::; Ua1ldo, ao partir a t urba carniceira,
E~t"'u Diogo só na praia ingente,
Qu re lllil pensamentos, mil terrores,
e a dor faz grandes, e o temor maiores.
103 O C.UIHIURÚ,

2.
Parecia-lhe ver de gente insana
O barbaro furor , a fome cFna,
A ag_onia dos seus na acçilo tyraruJa ;
E temendo a dos mais, presume a sua:
Quizera oppôr-se á em preza deshumana;
Pensa em arb ítrios mil, com que conclua :
Se fu girá? mas donde? se os invada?
Porém enfermo e s6 não vale a nada.
3.
Oh ! mil vezes, dizia, alrortunados,
Os que entregues á furi a do elemento
Acabaram seus dias socegados,
N em viram tanta dor como experimento!
Que estavam finalm ente a mim guardados
Est e espanto, este horror, es te t oTmento !
Que escapei, ·santos ceos! desse mar vasto
Para a feras servir de horrível pasto !
4.
E h ei de agora., infel iz ! ver fraco e inerme,
Que dos meus vá fazer um pasto horre ndo
Essa patrulha v il ! qu e agora enfenue !
Que me veja sem força em febre ardendo,
Ah ! se pudéra em meu vigor j á ver-me !
Que ardor sinto em méu peito ·de ir rompendo,
A turba ,,il faz endo em mil pedaços,
Truncar pescoços, mão ~, cabeças, braços.
CANTO SEGUNDO. f09

5.
Não póde, é certo, a debil nahJreza;
Porém que esperas mais, mísero Diogo?
~u: pó de resultar da forte em p~eza?
era mal moner já, se ha de ser logo ?
~altam-me as forças sim ; sinto a fraqueza:
T~as o espírito o snpre, e neste affogo
tra forças occultas da nossa alma,
Qtle ella não mostra ter, vivendo em calma.
6.
E como quer em fim que o mande a sorte ,
~orra-se; qn e talvez se não desuna
successp feliz de uma acção forte;
~ue acaso um temerario achou fortuna;
E CJ.uanclo irado o ceo me envie a morte,
~ que a mão do senhor meus er ros puna,
Mecebo o golpe que me for mandado;
orrerei, assim é, porém viugado.
7.
Nem deixo de esperar que a gente bruta,
~~ndo o estrago da espada e do mosquete,
~ao se encha de pa\'Or na estranha luta,
S força maior creia que a accommette :
Ee tomo , as armas, que salvei na gruta,
p sendo, cota, mallía e capacete,
Eosso esperar que um só me não resista;
' antes que o ferro, m'os sometta a vista.
uo O CARAl'tlOI\Ú.

8.
D isse: e entrando na soli~a caverna,
Cobre de ferro a valerosa fronte ;
Um peito d'ac;o de firmeza · eterna,
E o escudo, onde a frecha se dispoute
Dispõe de modo, e em fórma tal govema,
Que nada teme já, que em campo o affronte:
Nas mãos de ferro t inha uma alabarda,
A espacla á cinta, aos hombros a es~ ing·a.nla .
9.
Saía assim da gruta., quando o monte
Cuberto vê da barbu,ra caterva;
E no que infere da turbada fronte,
Signaes de fuga e de derrota observa:
A algum obriga o medo, a. que trasmonte:
Outros · se escondem pelo matto ou hervà ;
Muitos fu g·indo vem com medo á morte,
Crendo achar na caverna um lugar forte .
10.
Mas o prudente Diogo1 que entendi a
Não pouca parte do idioma escuro,
Por alguns mezes, em que altento o ouvia,
Elege um posto a combater seguro :
Attento a toda a voz, que ouvir podia,
Por escu tar dos seus o caso duro,
Entre esperanc;as e receio intenso
Sem susto estava sim, porém suspenso.
C.i.NTO SEGuNDO. :Ut

11.
Gupel'a então, que aos mais se ad iantava ,
"Vendo das armas o medonho '' u lto,
Incerto do que vê, suspenso estava,
Nem lllais se lembra do inimigo insulto ;
.A.lgum dos anhangás imaginava,
~ue dentro ao grão fanta sma vinha occulto,
~~vista do espectaculo estupendo
atu por t erra o mísero tremendo ;
12.
N Caiu com elle junta a brutal gente ;
'\Tem sabe o que imagin e da figura.,
endo-a brandir com a alabarda ingente,
~olhando ao morrião , qne o transfigura:
CUve-se um rouco tom de voz fr emente
ll:0 1Il que espantai-os mais o Heroe procura ;
F Porque temam de ma ior ruiua,
'az-lhes a voz mais horrenda uma bosina
] 3.
l'>Etn tanto a gente barbara prostrada
ao f6ra de si está por cobardia,
~~e sem sentido estúpida, assombrad a,
Q. lllostra viva es tar, ·porque tremia:
S Uaes verdes varas de ar vore capada,
})e assopra a I' Íração do meio dia,
J\ e urna par te á ou tra parte se ,maneam;
551In de medo os vís no chão perneam.
ff2 O CAR!MORÚ.

14.
Mas Diogo naquelles intervallos,
Suspendendo o furor do duro Marte ,
Esperança concebe de amançal-os,
Uma vez com terror, outra com arte:
A viseira levanta, e vai buscai-os,
Mostrando-se risonho em toda a parte :
Levantai-vos, lhes diz, e assi m dizendo,
.Ta-os, co' a propria mlio, da terra erguendo.
15.
Gupeva, que no traje mais dislincto
Parecia· na turba do seu povo,
O principal no mando, meio extincto,
Pelo horror de espectaculo tão novo ;
Tremendo em pé ficou, sem voz e instincto,
E caíra sem dúvida de novo,
Se nos braços Diogo o nilo tomára ,
E d'agua ali corrente o borrifára.
16,
Nilo tP.mas, disse aiTavel ; cobra alento ,
E supprindo-lhe acenos o idioma,
Dá:lhe a entender que todo esse armameule
Protege amigos, se inimigos doma:
Que os nilo oiTende o bellico instrnmento,
Quando de hnmana carne algum niio coma:
Que se a comerdes, tudo em cinza ponho ...
E isto dizendo, bate o pé, medonho.
CANTO SEGUNDO. HZ

17.
T To.ma nas mãos: lhe diz, ve~ás que nada
:p~ hao de fazer de mal ; e ass1m falando,
ue-lhe na mão a parlasaua e espada,
~.v~i-lhe á fronte o morrião lança ndo.
E111H.nne-se o horror ua alma assombrada,
! ~a1-se ponco a pouco recobrando,
te que a si tornando reconhece
0 nde está, com quem fala, e o que lhe off'rece.

18.
Se d'além das montanhas cá t'enYia
0 grão Tupá, lhe diz, que em nuvem negra
Es
curece com sombra o claro clia,
~ manda o claro sol, que o mundo alegra;
l:le vens d'onde o sol dorme, e se á Bahia
.<\.e alguma nova lei trazes a regra;
charás se gostares, na cabana
àtulberes, caça, peixe e carne humana.
19.
! carne lmmana ! replicou Diogo,
~ como póde, explica em voz e aceno :
-/ "!r que come algum, botarei fogo ;
:Pa~e1 que inunde em sangue esse terreno.
o1s se os bichos nos devem comer logo,
0 Barbaro lhe oppõe com desempeno,
~ ~6s faz-nos horror, se elles nos comem ;
e menos triste que nos trague um homem.
116 O CARA!UJRÚ.

26.
Acceza a luz na lôbrega ca,•erna,
V e-se o que Diogo ali da n:'to levára. ;
Roupas, armas, e em par te mais interna,
A polvora em barriz, que trausportára:
Tudo vão venuo á luz de uma lanterna,
Sem que o appeteça a ge nte nada avara,
Ouro e prata, que a inveja não lhe atiça :
Nação feliz ! que ignora o que é cubiça.
27 .
Mas entre objectos varios a que atlende,
Nota Gupeva extatico a pintura,
Que n'um precioso quadro , que ali pende,
Representava a mãi da formosum :
Se seja consa viva, não entende;
Mas suspeita bem pela figura,
Digna a pessoa, de qne a imag·em era,
De ser ruãi de Tupá, se clle a tivera.
28.
Ésta, pergunta o barbaro, tão bell a,
Tão linda face, acaso representa
Alguma formosíssima clonzella,
Que esposa o grão Tu pá faz er intenta 1
On por ventura qn e nusce~se della,
Esse, que sobre os ecos no sol se assrmtn'
Quem p6de geração saber tão alta?
Mas se ha miii, que o gerasse, ésta é sem fa!ID·
CANTO SEGUNDO. 1J1

~9.

D Encantado es tá o pio lusitano


E e ouvir em rude bocca tal verdade;
;I>adorantlo o myslerio soberano,
1.1'u ter não póde, disse, a divindade.
1!: as sendo D cos eterno , fpz-se humano ,
J\. sem lesão da propria ''irgindade,
])·donzella o gerou, que piza a lua
1
lrUa mãi de Tupá, mãi minha e tua .
30.
QPeçamos pois, que é mã i, que nos defenda ;
Eue te dê para. ouvir doei! orelba,
])·COtnligo o leu povo recommenda,
Glzendo o Heroe assim, devoto ajoelha.
EUpeva o mesmo faz com voz estupenda;
L Pendente ele D iogo, que o aconselha,
Eeranta as mão~ , como elle levautaya;
Vendo-o lagrima r, tambem chorava.
31.
Q'M:as crendo rude, como então vivift,
QUe fosse cousa viva a imagem santa;
1, ue Por mã.i de Tu pá tudo sabía,
ll.en(lo poder conforme a glória tanta ;
Eepete o que ouve a Diogo com voz pia,
t u lllãi de Deos o coração lcl•anta .
1' encostando entre os rogos a cabeça ,
az··a 11oi te e o desvello que auormeça .
O CARAlliURIÍ.

3!2.
Já no purpureo, trémulo horizonte, '
Rosas parece que espalhava a au rora;
E o sol que nasce sobre opposto monte,
A bell a luz derrama creadora.:
Ouvem-se as avesinbas junto á fonte ,
Saudando a manhã com voz sonora;
E os mortaes j á do somno desatados
Tornavam novamente aos seus cuidados.
33.
Quando Gu peva manso e differentc,
Do que antes fôra na fereza bruta,
Convoca a ouvil-o a multidão fremente,
Que á roda estava da profunda gruta:
Posto no meio da confusa gente;
Que toda delle pen de e a'ttenta escuta ~
Valentes P aiaiás , diz desta sorte,
Que herdais o brio da pro sapia forte !
34 .
Se hontem do vil Sergipe surprendidos,
Vimos o grão terreiro p os lo a sacco ;
Fomos cercados sim, mas não vencidos ;
Não foi vict6ria, foi tra·ição de um fraco.
Sabía bem por golpes repetidos ,
~om quant? esfor ço na peleija ataco,
E como sem traição fari a nada
Não tendo eu armas, vem com' mão a rmada'
CANTO SEGUNDO, 110

35.
N Santbm uo grão Tatú, de quem me ferve
estas veias o sano-ue · de quem b·ao-o
.A . . " , "
}) lOV!Cta geração, que em guerra serve
1? e espanto a todos; de terror, de estrago :
Earque a gl6ria a teu nome se consen•e,
Porque a cante da Bahia o lago,
11
Pandas de lá de donde o mundo acaba
nru o nosso soccorro este emboâba.
36.
1' Tu lhe mudaste em ferro a carne branda j
.Au ~azes que na mão se accenda e lhe arda
r, " 1~a chama, que Tnpá nos manda;
·c 1P<Lt que rege o ceo, que o mundo guarda.
Com elle hei de vencer por .qualqul!r hauda j
0 °rn elle em campo armado já me tarda
"\7· Co hard e inimigo, que a eucon tral-o,
Ivo, vi vo rue allÍmo a devorai-o.
37.
~ Sabeis, Tapuius meus, como morrendo
p ossos irmãos e país, que elles matavam l
"\rostos debaixo já elo golpe horrendo,
1'osso llome aos vingar tristes chamavam.
Qalllbem
Ue
vistes na .!l:l1erra combatendo,
~
E estrago nelles estas mãos causavam,
~!"~1
Vezes que vos dei no campo vaslo j
e lllil delles por saboroso pasto.
JU O CARAftiiJRÚ••

!W.
O corpo humano disse o Heroe prudente
Çomo o brutal não é : desde que nasce
E morada do e!ipirito eminP.nte,
Em quem do grão Tupá se imita a face .
Sepulta-se na t erra, qu al sement e,
Que se não apodrece, não renasce ;
T empo virá que aos corpos reunida,
Torne a noss'alma a respirar com Yida.
21.
,,
O lume da razl'. o condemna •a empreza,
Pois se o infando appetite o gosto adula,
Para extinguir a humana natureza,
Sem mais contraries, bastaria a gula.
Que se a malicia em vús em se a rudeza,
9 in&tincto tmi versa! de rt~do annulla,
E com tudo entre os mais causa temida,
Que outrem por vos comer, vos tire a viaa.
22.
Disse Diogo, e conduzia á gil'uta
O principal da barbara caterva;
Qne ali seguido pela gente bruta,
O lu~rar conhecido attento obse·rva ·
Gup ~va a tudo attende e tudo escuta;
Mas sempre o horror, que concebeu, conserv~;
E olhando ás armas, sem que a mais se arroJe,
Chega com mão furth•a, apalpa e foge.
CANTO SEGUNDO.

23.
i;inba a noite já então seu negro manto
espregando na Lúcida atmosfera,
~uando buscam socego ao , eu quebranto
E0 ninho as aves, e na toca a féra :
! quando o somno com suave encanto
A05 miseros mortaes a dor modera ;
l)ias não modera em Diogo a mordaz cura
e amansar o furor da gente dura.
íl4.
'r Por dissipar na gruta a sombra fria,
ll:01lla o ferreo fuzil, que o fogo atêa;
E ve~do a rude gente, que o accenclia,
~brilhar de improviso uma candêa;
~~tando a prompta luz, que no oleo ardia,
C~~ acaba de o crer de assombro chila:
O em por tanto que o fogo do ceo nasça,
u que Diogo nas mãos nascei-o faça.
25.
lt Era o costume do selvagem rude
Qoçar um lenho n'oulro com tal geito,
â.Ue vinha por eleb·ica viDtude
1\i accender lume, mas com tardo eJTeito.
E as observando, sem que o Lenho o aju'Je,
0 rn menos de um momento o fogo feito ;
Q mesmo imaginon, que a Grecia creu,
Uancto viu feri r fogo a Prometheo.
120 O CJ.RAMUllÚ.

38.
1\'Ias não come o estrangeiro, nem consente
Comer-se carne 1m mana ; e só teria
Outra carne qualquer por ionucente,
Aves, feras, tatús, paca ou co tia;
Receba pois de nós grato presente,
D e quanto houver nos mattos da Bahia i
Sáia"se á caça i e como lhe compete,
Prepare-se a hospedagem de um banquete.
39.
Separa-se o congresso em breve espaço ,
Dispõe-se em alas numerosa tropa :
Quem com laquáras donde pende o laço,
Onde avezinha cae, se incauta o topn: .0
Quem dos ·hombros suspende e quem do braÇ
Armadilhas differentes; outro insopa
Em visgo as longas ramas do palmito,
Onde improvido cáia o periquito.
4 0.
Os mais com frécha vão, que a um tempo 3ejn
T iro, que oiTenda a fugitiva caça;
Ou ar mas, se occo rresse, na pelcija,
Quando o inimigo de emboscad:t a faça:
Jj: porque aos mais presida e tudo veja,
A frente do . esquad rão Gupe1•a passa i
Nem fica Diogo s6, que tuclo via,
Mas segue armado a forte companhia.
CANTO SEGUNDO. 1 21

41.
1!: Mais arma não levou que uma espingarda;
' posto ao lado de Gupe1•a am igo,
i' 0 rnpto a todo o accident e e ]JOSto em guarda,
raz na cautela o escudo ao seu perigo.
~lll \anto a desLm gente a caça a.guaTda,
algum se affouta a penetrar no abrigo,
Onde esconde a panthera os seus cachorros,
Outro· a segue por brenhas e por morros.
42.
'
A.t~ que de Gupeva commandada,
li:m círculo se f6rma a linha unido, •
O_nde quanto ha de caça j á espantada
~rque no meio de um cordão cingido:
rez ali do estuondo amedrentada
~'um centro está de espaço reduzido:
"' mão mesmo se colhe : cousa bella !
Que dá mais gôsto ver do que comel-a.
43.
Não era assim nns aves fugitivas,
~Ue umas frechava no ar, e outras em laços
0
tJ lll arte o caçador tomava vivas :
}?.~a porém nos líquidos espaçes· .
J)az com a pluma as settas pouco achvas,
'l' en.:ando a liza penna 'os golpes lassos :
J)~rna.a de mira Diogo , e o ponto aguarda:
a-lhe um tiro, e derriba-a co'a es pingarda.

L
O CAllAD!UIIÚ •

4 4.
Estando a tmba ·tonge de cuidai-o,
Fica o barbaro ao golpe estremecido,
E cae por te rra no tremendo ..abalo
Da rhwmma , do fracasso e do estampido :
Qual do horrido trol'ão com raio e estalo
Algum junto áquem cae, fica aturdiáo,
Tal GupeVa ficou, crendo formada ·
No arcabu'll de Diogo uma tro-voada.
45.
Toda em terra prostrada exclama ·e grita
A turba rude em misero desmaio,
E faz o horror q11e estnpida rep·i~a
Tu pá! Caramurú ! temen'do um raio.
Pretendem teF -p-0r IDeos, quando o permilta,
O que est>ro vendo em pavoroso ensaio,
Entre hor.rh•eis trovões do mareio jogo,
Vomitar chammas e abrazar com fogo.
46.
Desde esse dia ·é fama, que '):l<ír nome
Do grão Caramurú Joi celeb'l'ado
O forte Diogo; e que escutado dome
Este appellido o barbaro esp'antado :
Indicava o Brasil na sobrenome,
Que era um dragão do's mares vomitado!
Nem d'ontra arte entre nós a antiga idade
Tem Jove, A:pollo e Mltl'te por deidade,
{;.lN'l'O SEGUNDO.

47 .
O l•'oram, qual ho3e o rude Americano,
valente Romano , o sabio Argivo;
~ern foi ue Sahnoneo mais torpe o engano
0 que oub·o r ei fiz era. em C reta alli.vo.

NSós que zombâmos deste povo insa no,


e bem cavarmos no solar nativo
Dos antin-os heroes dentro ás imagens
Não ach:remos mais que outros selvagens.
48 .
E facil propensão na brutal gente,
~llando em vida ferina admira uma arte ,
nharnar um fabro o deos da forja ingente;
Oar ao guerrei!l1o a fama de um deos !1.\:Iarte .:
1' U talvez por sulíureo fogo ardente,
ll:auto J ove se ouviu por toda a parte :
S e~cules e Theseos, Jasões no Ponto
enam. .cousas iaes, cemo ns que eu .co·nto,
49.
S Quante merece mais que em .dol)ta ly;ra
oe cante por heroe quem pio e justo,
~de a cega nação tanto delira 1
S duz á humanidade 11m povo injusto~!
e Por heFoe no mundo só se admira
~uern t:rranno ganhava um nome augusto i
llanto o será maior que o vil t)•ranno
Quern nas feras inf~mde um peito humano !
F •
f24 O CAUAUURÚ ~

/ 50.
Tal pensamento então n'alma volvia
O grão Caramurú, vemlo prostrada
A rude multidão, que Deos o cria,
E qne espera desta arte achar domada:
· Política infeliz da idolatria,
Donde a antiga cegueÍI'a foi causada;
Mas Diogo, que nbomina o feio insulto,
Quando augQlenta o terror recusa o culto.
51.
De Tupá sou, lhe disse, omuipotente
Humilde escravo, e como vós me humilho ;
Mas do ho.rrendo trovão, que arrójo ardenle1
Este raio mostra que eu sou filho.
Disse: e outra vez dispara em continente:
Do meio do relampago, em que brilho,
Abrazarei qualquer, que inda se atreva
A negar a obediencia ao grão Gnpeva.
52.
Deu logo a amiga mão com grato aspecto
Ao mísero Gupeva, que convulso
No horror daquelte igni~omo prospecto,
Jazia sem sentido e já sem pulso :
Niio temas, diz-lhe, amigo que eu prometto·
Que do meu braço se não mova impulso,
Senão con·tra quem for tão temerario,
Que sendo-te eu amigo, é teu contrária.
CANTO SEGO!'iDO.

53.
, R~cobra o bo m Gupeva um novo alento,
~nhndo a grata mão, que á vida o chama ;
DCm póde duvidar pelo exprimento,
, e quanto Diogo com fineza o ama;
~as sempre com receio do instrumento
em:
ll: que outra vez lance a horrível .chamma,
:!ir deixa-o no erro Diogo, a fim que mcerto,
enhuni pelo pavor se cheg~e ~ perto.
54.
n·Mas por deixar incerta a gente infida,
ll: a-lhe astuto o arcabuz, que não tem carga;
1' quem (diz) é fiel, póde com vida
:pel-o na mão sem horrida descarga;
SOrém se algum fa ltasse á fé devida,
Centirá da traição por pena amarga,
ll.om proprio damno seu, com mortal risco,
elampago e trovão, fogo e corisco.
55.
~r·~ue eu acordado esteja, ou que adormeÇa,
ll: lgta em guarda minha o fogo occulto:
1a traição pagará com a cabeça
~Uem tentasse fazer-me um leve insullo.
p ~rém se eu mal não quero que aconteça_
ll:Ode UI~ meuino como póde o adulto,
'l' 0 tna1s fraco, qne houver na vossa gente,
er o trovão nas mãos, sem que arrebente.
O CARA~tUlltJ .

56.
Porém gnardai-v.os, v6s. que só no peito,
S6 n'alma, que tenhais tenção maligna,
Yereis que trovão faz por meu respeito,
E qne vem no estampido a vossa ruína.
Treme Gupeva, ouvindo este conceito,
E humilde a fronte ao grão Diogo inclina:
Certo de, não faltar na fé que rende,
Donde o raio e t~ovrLO crê que depende.
51.
Convoca em taqto o principal temido
As esquadras da turba, então dispersa,
E ao grão Caramurú pede rendido
Que eleja casa no paiz diversa ;
E que a gruta deixando, suba unido,
Onde em vasta cabana o povo versa ;
Nem duvide que a gente fera e brava
O sirva humilde, e se sujeite escrava.
58.
No reconcavo ameno um pôsto havia
De troncos immortaes cercado á rocla,
Trincheira natural, com que impedia,
A quem que1· penetrai-o, a entrada toda :
Um plano vasto no seu centro abria,
Aonde edificando á patria moda,
De troncos, varas, ramos, vimes, canas
Formaram como em quadro oito cabana&.
qN1'0 SEGllNnO . 127

59.
Qualquer dellas com mole volumosa
Corre direita em linhas parallelas;
_E_mais comprida aos lados-que espaçosa,
l'lao tem paredes ou columnas bellas :
!;m angulo no cnme a faz vistosa,
.o!. cuberta de palmas amarellas,
~obre arvores se estriba, altas, e boas,
e seiscentas capaz ou mil pessoas.
60.
Qual o velho Noé na immensa barca,
~ue a barbara cabana em tudo imita,
erozes animaes pr6vido embarca,
~nde a turba brutal tranquilla habita :
a_l o rude Tapuia, na grand'arca,
~~~ dorme, ali come, ali medita; .
"h se faz humano, e de amor molle
.Alimenta a mulher, e atraga a prole.
6l.
l> Dentro da grã c oupana a cad11 paSBI)
• ende de lenho a lenho a rede extensa'
""- 1 ~ dcscanço_toma o corpo !asso ;
.!h se esconde a marital licença :
ltepousa a filha nu materno abraço
Ent rede especial, que tem suspensa :
~enbum se ' 'ê, que é raro, em tal vivenda,
Que a mulher de outrem, nem q á filha offenda.
128 O CARAnJURÚ.

6~ .

Ali chegando a esposa fecundada


A termo já feliz, nunca se omitte
De pôr na rede o pai a prole amp.da,
Onde o amigo e parente o felicite :
E como se a mu lher solirêra nada,
Tudo ao pai reclinado então se admi<lte,
Qual fôm, tendo sido em l,llOdo serio
Seu proprio , e não elas mltis o puerperio.
63.-
Quando na rede encosta o tenro infante
Pinta-o de negro todo e. de vermelho ;
Um pequeno arco põe, frecha volante,
E um bom cutelo ao lado ; e em tom de velbO
Com discurso patetico e zelnnte,
Vai -lhe insp irando o paternal conselho;
Que seja forte di7. , como se ouvisse,
Que se saiba vingar, que não fugisse.
64.
D á-lhe depois o nome, que apropria
Por s~milhança que ao in fante iguala,
Ou com que o espera célebre algum dia ~
Se nlto é por defeito que o assignala:
A algum na fronte o nome se imprimia,
Ou pintam no verniz, que tem por gala;
E segundo a figura se lhe observa,
Duo-lhe o nome de fera, fructo ou herva.
CANTO SEGUNDO,

65.
Q 'I' raballia em tanto a mãi sem I}OVa cura,
S Uanuo o parto conclue, e em tempo bre\•e,
Sem mais arte que a próviua natura,
Fen.te-se !es ta e sã, robusta e leve:
'ehz gente, se unisse com fé pura
..4. sóbria educação, que simples teve !
Que o que a nós nos faz fracos, sempre estimo,
Que é mais que pena ou dor, melindre e mimo .
66.
'\lai com o adulto filho á caça ou pesca
0 Solicito }Jai pelo alimento:
~ peixe á mulher traz e a carne fresca,·
-..4. a tenra prole a fructa por sustento:
E 11?va provisã? sempre refrésca,
da nesta fad tga um documento
~u~ quem nega o sustento a quem deu vida,
U1z ser pai, por fazer-se um parricida.

67.
C Que se acontece que a enfermar-se \'enha,
li:Oncorre com piedade a turba amiga;
C Por dar-lhe um remedío, que convenha,
:B011sultam-no entre si com gente antiga;
Qllscam quem de herva saiba ou cura tenha,
Ue possa dar alívio ao que periga, •
0 11
::S !nlvcz sangram n'uma febre ardente,
crvindo de lanceta um fino dente.
O CARAJIIOUÚ,

c;s.
Mas vendo-se o mortal já na agonia,
Sem ter para o remeu'io outra esperança,
Estima a bruta gente, acção mui pia,
Tirar-lhe a vida com a maça ou lança ;
Se morre o 1enro filho, a mãi sería
:E;stima~1a cruel, quando a criança,
Que pouco antes ao mundo del\a veio ,
Não torna ao seu lagar no proprio seio.
69.
Tal era o povo mde e tal usança
Se lhe vl! praticar no vício illuso :
Tudo nota Diogo, na esperança
De corrigir por fim tão cego abuso.
No· logar da cabana em que descança
MP-nos da gente e multiuão confuso,
Põe-lhe a rede Gupeva, que o convida
De rica e mole pluma entretecida.
70.
Mas eis que um grande número. o rodea
De emplumados feissimos selvagens:
Ouve-se a casa de clamores chea;
Costume antigo seu nas hospedagens.
Qualquer chegar-se a Diogo ainda receia,
PQr ter visto as horríficas passagens ;
Mas mai1· ma apad?t de longe explicam,
E bem, vindo o cstmngeiro significam.
, I

'I:A.N'r() SEGCNDO.

7•! .
Por costumado obsequio os mais luzidos
1'omam Diogo nos braços; e no peito
.!_ frente lhe apertavam comedidos:
St_gnal entr'elles do hospi tal respeito.
~tram-lhe em pressa as roupas e vestidos;
-1!. Pondo-o sobre a rede, como em leito,
Sem mais dizer-lhe nada e sem o11vil-o,
'l'ndo se affasta e deixam-no tranquillo.
72.
ll' Co m maior ceremonia outra visita
estiva celebrava o seu cortejo;
Feminea turba, que o cõstume incita
~ offerecer-se honesta ao seu desejo ;
enta-se sobre os pés e felicita,
~ob~indo o rosto a mão, como por pejo ;
Cshdas vem de folhas tão brilhantes
'tue o que falta ao valor, tem de galantes.
73.
lJ Parece ser da mesa o dispenseiro
m selvagem, que o nome lhe pergunta ;
~ tetu fome, lhe diz ; ou se primeiro
S Uereria. be)ler ? e logo ajunta,
;m mais resposta ouvir, sobre o terreiro
l>- comida que trouxe em c6pia munta:
!Coe-se-lhe uiçú de peixe e carne crua;
0 mimoso cauin, que é paix1Lo sua.
J;5 2 O CARAnn:n~ .

74..
Todos com gu la comem furiosa ,
Sem olhar, sem falar, nem distrahir-se:
Tanto se absorbem na paixão gu losa
Que mal pudéra ao ' 'êl-o distinguir-se
Se são féras ou homens. Vergonhosa,
Triste miseria humana! confw1dir-se
Um peito racional c'um bruto feio
No hon-endo ''Ício, donde o mal nos veio.
75 .
Acabada a comida, a tru·ba bruta
O estranyei?·o bem vindo outra vez grita;
E a tropa fem inina, que isto escuta,
Cobre a face com as mãos, e o pranto imita :
Gupeva pois cp1e o hospede reputa,
Causa do seu prazer e autor da di ta;
O sacro fogo á roda lhe ateava,
Ceremoni_a hospital, que o povo mava.
76.
Bem presumia Diogo, no que explora,
Que algum mysterio se occultava interno;
Lembra-lhe a charuma, que o Caldeo adorll;
O fogo das Veslaes recorda eterno ;
Nem duvidava que de origem fôra
Costume da naç:1o, rito paterno ;
Trazido, se é possível que se crêa,
Na dispersão das gentes, da Caldea.
O~TO SEGL'iDO.

77.
?vi Perguntai-o dos barb~ros q uiz~ra ;
as como o acceno e hngua mUito engana,
.A.caso soube que a Gupeva 1•iera
Certa dama gentil brasiliana :
~ue em Taparica um dia comprendêra
oa parte da lingua lusitana;
~ue portuguez escravo ali tratára,
e quem a lingua, pelo ouvir, tomára.
78.
B Paraguaçú gentil, tal nome teve,
em di versa de gente tão nojosa ;
~e côr tllo alva como a branca neye ;
donde nllo é neve, era de rosa :
g nariz natural , bocca mui breve,
nlhos de bella luz, testa espaçosa:
e algodão tudo o mais, com manto espesso,
Quanto honesta encobriu, fez ver-lhe o preço.
79 .
.A. Dm pr•inci pai das tenas elo contOrno
:N" bella america na tem por filha ;
S obre sem fasto, ama~el sem adô rno_ ;
Sem gala enca nta, e sem concôrto hnlha :
he·r~· ia aos Carijós, que tinha em Lôrno,
nlals que de amo_r,_de objeclo a maravilha:
Se uno desdem lao gentil, que a quem olhaYa,
e mh·ava immodesto, horror causava.
1:5.11 6 CAnA ,UUIIU.

80 .
}'oi destinada de seus pais valentes,
Esposa de Gupeva ; mas a dama
Fugia de seus olhos imp acientes,
Nem prenda lhe acceitou, porque o nã o ama:
Nada sabem de amor barbaras ge ntes ,
Nem a rde em peito rude a amante chamma;
Gupeva, que J1ii.o sen te o seu despeito,
Tratava-a sem amor; mas com respeito.
81.
D eseja vel-a o forte lusitano ;
Porque interp réte a lingua. que entendia;
E toma por mercê do ceo sob'rano
Ter como entenda o idioma da Bahia:
Mas quando esse J:lrodigio avis ta humano,
Contempla no semblante a louça nia :
Pára um, l>enclo o outro , mudo e quedo,
"Qual junto de um penedo outro penedo . "
32.
S6 lu, tutelar anjo, que o acompanhas,
Sabes quanto a virdude ali se a rrisca, ·
E as furias da paixão, que accende estranhaS
Essa de insano amor doce faisca :
.4-ncins no coração sentiu tama nhas,
Aocias, que nem na morfe o tempo risca
Que houvera de perder-se naquell ' hora,
Se não fôra christão, se Heroe não fôra..
f; .H\TO SEGUNDO.

83.
Mas desde o ceo a santa intelligeucia
Com doce inspiração mitig-a a chamma;
~lllle a amante paixão ceda á prmlencia,
., a razão póde mais que a ardente flamma:
!!.m Deos, na natureza e na consciencia
ionhece que quer mal quem assim ama;
que fôra sacrílego episodio
Chamar á culpa amor, não chamar-lhe odio,
84.
E No raio deste heroico pensamento
mtanto Diogo reflectiu comsigo,
~er para a língua um commodo instrumento
o ceo mandado na donzella amigo :
~ por ser necessario ao saneio intento,
studa no remedio do perigo:
Que póde ser? sou fraco: ella é formosa ...
Eu livre ... ella donzella .. será esposa,
85.
1' l3eUa, lh e disse então, gentil menina,
S Ornando a si do pasmo, em que estivera
'\7°tte huma na não é, mas é divina;
er.me a ó1irn ,. yer-te a ti .na nont esfera :
~lia. a fra se, em que falo, aqui te ensina;
trila, se não mEl enga'lla o que alma espera,
li: 1t1 fogo em nós accende, que de , resto
terno haja de arder, se arder honesto,
8ti.
D esde hoj e se a meus olhos corres pond c
O meigo olhar das lúcitbs pupilas;
Se amor é ... porque amor quem é que o escomlc.:,
Se por elle essas lág rimas d istillas:
Com que chammas meu peito te re.sponde,
Com miio de esposa. pode rÍLs se ntil-as ;
Disse : estendendo a mão , oiTerece -lh a :
E lla, que nada diz, sorriu-se, e deu-lha .
87.
Põe-lhe de fu ga os olhos, que abaix{~ra;
E ou de, amante ou tambem de vergonhosa ,
Um tão bello rubor lhe tinge a cara,
Como qnando entre os lirios nnsce a rosa :
Tres vezes quiz fal ar, lrcs se cal{tra;
E ficou do soçubro t(LO formosa
Quanto elle ficou cégo; e em tal porf1a
Nem um, nem outro ent:lo de si. sauía.
sã.
Mas relleclindo logo o Heroe prudente,
Fixou no coraç;.1o com fé segura,
Não cumprir as promessas de presente,
Antes que entre n'alma a formosura:
Rende-lhe o seu amor, mas innocente,
E faz-lhe p romelter, que com fé pura,
Em quanto se não ln\'a e regenera,
Em continencia vivi rão sincera.
C.\NTO SEGUNDO. 137

139.
G E ésta fé , diz-lhe, esposa em Deos querida,
Uurdnr-te hoje prornetto em laço eterno,
Até banhar-te n'agua promeltida,
~or candida afTeição de amor fraterno :
mor, que sobreviva {, propria ,,ida;
Amor, que preso em laço sempiterno,
Arda depois da morte em maior chamma ;
Que assim trata de amor quem por Deos ama.
90.
~Esposo, a bella diz, teu nome ignoro ;
s não teu coração, que no meu peito
~~sde o momento, em que te vi, que o adoro:
Ar.ao sei se era amor já, se era respeito ;
Qas sei do que então vi, do que hoje exploro,
Ue de d'ous corações -um s6 foi feito.
~Uero o baptismo teu, quero a tua. ·igreja,
eu povo seja o teu, teu Deos meu seja.
91.
~-~er-me-has, caro, ter-me-has sepre a teu lado:
.à.lgia tua, se te occupa o somno;
l'~lllada sairei,. ven~o-te ar~ado;
ao fiel nas pnsões..como u um throno :
l'0 Ultem não temas, que me seja amado :
1'u só serás, senhor, Lu s6 meu dono :
11:auto lhe .diz Diogo e ambos juraram ;
' em fé do juramento, as mãos tocaram.
fJA.NTO TERCEIRO.
O Heroe inquire Gupeva, servindo-lhe
Peraguaçú d'intérprete sobre as crenças,
usos e leis do gentio- Gupevo. é avisado
de que o inimigo se aproxima - o aeroe
aconselha-o, e lhe promette o s~ocorro da.
sua espingarda. ,
}) JÁ nos confins extremos do horizonte
C01trava o sol no occaso rubicundo
ll: l!J. libio raio a ciJ;na do alto monte;
0

l as sombras !!áem sôbre o valle fundo :


:Ê l!l.orrendo a côr no prado e fonte;
"l<l a noite, que voava no novo mundo,
Oas azas traz com viração suave
descanço aos mortaes no somno gt·a,•e,
O GARAMUUÚ.

2.
Só com Gupeva a dama e com Diogo
Gostosa aos dous de intérprete servia;
E perguntado sôbre o sacro fogo,
A qual fim se lnventárn? a que servia?
Deu-lhe simples razão Gupeva logo;
Suppre dc ' noite, disse , a luz do dia;
E como Tnpá ao mundo a luz acceude,
Tanto faze r-se aos hospedes emprende.
3.
Se peccando o máo espírito solevas,
Snccede que talvez crnel se enoje ;
E como é pai da noite e autor das trevas,
Tanto aborrece a luz que em vendo-a foge:
Porém se á luz eterna o peito elevas,
Não ha furia do averno que se arroje ;
Tah•ez por l,he excitar tristes idéas
Das chammas, que tiveram por cadêas:
4.
Admira o .pio He~oe, que ass im conhe~a
A nafii'í.O rucJ:e as legiões do averno ;
Nem já duv.ída que do ceo lhe desça
Clara •luz de um princípio sempiterno.
Dize-me huspede amigo se professa
Este teu povo, diz, com culto externo
Adorar algum Deos ? qual é ? onde ande? I
Se seja .um Deos s6ruente, rou .qne @!ltros Jna"it.le
CANTO TllUCEillO.

5.
Q Dm D eos, diz, um Tupá, nm set possante
nem poderá negar que reja o mundo,
Ou vendo a nu vem fulminar tonante,
Ou vendo enfurecer-se o ma r profundo?
~uem enche o ceo de tanta luz brilhante?
Ellem borda a terra de um matiz fecundo?
~ aqu ella sala awl, vasta, infinita,
e não está lá Tu pá, quem é que a .habita?
6.
.A chuva 1 a neve, o vento, a tempestade
~Uem a rege? a quem segue? ou quem a move!
QUem nos dervàma a bella claridade?
Eueu1 tantas trevas sobre o mundo chove?
l 'H.este espirilo amante da verdade,
C •n·•go do mal, q1te o bem promove,
Sousa 1::1o grande, corno fQra obFada,
e não lhe dera o ser, quem vence o nada?
7.
1' ~Uem seja este grande Ente e qual seu nome 1
1'.e •z qu em saber ~pó de ! Eu cego o ignoTo ;
s/em que a em preza de sabel-o torne,
N1 que é quem tudo faz e humilde o adoro I
QCU! duvido que os ceos e terra dome,
b u~Udo nas nu ve ns com terror o exploro,
Ae'~ando o mortal peito em vil desmaio 1
nlcaçar no trovão, punir no raio.
O c.U\AJ\IURL',

8.
Só pasmo se nos fez, como não veio,
Devendo amar o que OQra de mão sua,
Ao mundo de anhangás cercado e cheio
A livrar o homem dessa bêslu crua!
Como é possível que não désse um meio
Com que a mente ignorante, enfl!nna e nua
Tratar com elle possa, quando é claro
Que o pai não deixa- o filho em ~lesam paro 1
9.
Sinto bem remorder dentro em meu peito
Lem brançu que me accusa : por mim fica
Se mais bem do que faz, me não tem feito,
Que é nescio quem o ingrato benefíca.
Outro povo talvez mereça eleito
A assistencia dos ceos de graças rica ;
Nem contra Deos se justifica a queixa,
Que. costume deixar quem o não deixa.
10.
Mas se do throno celestial e eterno
Apesar da malícia nos visita;
Quem sabe se poT zêlo hoje paterno
A nosso bem mandar-te aqui medita.
Pois creio bem que contra o fogo averno
Trazes a chamma, que a do raio imita,
Ou que \'ens como luz, do ell\ereo· asseuto,
Por levar-nos comligo ao firmamento.
CANTO TEI\CBIRO.

11.
C l>asma va o lusitano da eloquencia
}i0 U\ tão alto pensar n'uma alma rude;
;\. otando como a eterna sapiencia
E face a todos moslTa da virtude.
Q reputava por maior clemencia
}iUe a quem, se a fé conhece, ingrato a illude,
l> egasse Deos a luz, que os outros viam;
orquc tendo•a maior, mais cegariam.
12.
n·Nào deixa nunca os seus o eco piedoso,
Ar'ogo respondeu, que ú. terra indigna
Qa~da o seu unigenito glorioso,
hrue oiTereça, a quem o invoca, a mão benigna :
s:
tJ as antevisse no homem pernicioso
p llla hvre eleição sempre maligna,
'F;or dar-lhe menos pena em menor falta
ll\ sombra, como á voz, deixa tão alta.
13.
Ql'enctes em tanto um claro sentimento,
Sille espírito immortal se nos concede .. .
Qlll, diz Gupeva, que o decide altento
11
hr ell\ Indo quanto ·sente parte, ou mede:
1,r~8 lllirando ao seu proprio pensamento,
~;e 'lUe a medida sempre intacto excede;
Cosendo indivisível desta sorte,
1110
P.ót!e a razão ~otrrer a morte I
G
O C!I\.I.MURÚ.

14.
Quantas vezes em mim, se ser pod.esse,
Um pensam ento d'alma eu dividíra ;
Que todo o mal em fim qu e o homem padece,
V em d'imagem cmel, que dentro gim.
Mas a interna impressão ta nto mais cresce,
Quanto o peito anciado mais suspira :
E vejo que ba em mim mes mo occulto c interno
Entre ,a mente e a verdade um laço e tewo.
15.
Sendo a mente mortal, tornám ao nada ;
Ao apagar-se a luz no ex tremo dia;
E antes de ser punida ou premiada,
l:Jma alma justa ou ré pereceria;
Sempre em desejos, nunca saciada;
Má sem castigo, e sem fortuna pia ;
::;>em chegar ao seu fim p erder a essençia ...
Como é crirel, que Deos tem providencia 1
16.
Se o fim do inerte bruto se inquirisse,
No contexto das obras respondêra,
Que fôra feito porqu e nos servisse,
E que eterno destino não tivera :
Ond e era bem qu e a morte des lruisse
Quem para immorlal fim nunca nascêra;
Porque lh e dera a tel-a, o eco divino
Outro corpo, outra fórnm , outro desti no.
CANTO TERCEIRO. U7

17.
n Que o bruto elege, }Jensa, que discorre
11
°que o vemos obrar fica evidente:
Sias cada especie a um curto fim concorre,
em orgãos e aptidão com qne outro intente.
0
·r homem tudo quer, por tudo cow::,
lnelll_ orgãos para tudo e tudo sente; ·.
~· G_ntto em pensar, e 11o que vejo
fator que no pensar no seu desejo.
"19.
S Tudo domina só, tudo governa,
{íTJ. que a outro animal servir costume;
li:oua oubra especie á sua é su baltema,
A 8 ~ immortal nasc~ra fôra um nnme:
C:bt[rio 1111iversal, razão 'eterna,
li:apuz de rec"eber o immenso lume,
Qfôra mais, se a morte o dissipára,
Qe se ceo, terra e inferno anniquilára,
• 19.
~tasmado Diogo do que attento escuta,
p 0 c1·ê que a. singular fuosofia
~assa ser da invenção da gente bruta:
Qas a intéTJHete bella lhe advertia,
ll Ue a antiga tradição nunca interrupta
l)rn cantigas, que o povo repetia,
ll esde a idade infantil todos com prendem,
que llos pais e mil.is cantando o aprendem.
<> •
f43 O GAilAMURÚ.

20.
Que emm pedaços das canções, que entonnl
.As que ouvia a Gupe,,a, e talvez tudo
Que em poetico es tilo doces soam,
Feitas por sal>ios ele sublime es LIJdo.
Que alguns entre elles com tal estro voam,
Que involvendo-se o barmonico no a!!'ndo,
Parece que lhe infiamma a fantazia ·-
Algum nume, se o ha , da poesia.
21.
T~ndo Paragu açú dito discreta,
Prosegue então Gnpe1•a os seus assumptos;
Que se as almas morressem, que indiscreta.
A memória sería dos defuntos I
A que servíra a lei, que nos decreta,
Que no sepulchro se lhe ponham juntos
Comidas, arcos, frechas? quem resiste
A quem depois da morte não subsi~te?

O inimigo anlmng{t;-logo que deixa
A nossa alma es ta carne, em furia a invade1
E do mal, que cá fez, cruel se queixa,
Até que em ~qmbras entre ou claridade :
O rito do sepulchro exp resso deixa,
Que enterrando-se em pé, na eternid ade
O fim buscâmos, a que D eos nos cria;
E . que antes de ó alcançar, se sec-uP. a ,.ja,
CANTO TllJICJ!IUO. 140

!i!3.
N J?'este principio nasce, que com prantos
Olte e dia se chora o seu decesso ;
Louvam-se nos con"ressos como santos,
E -
1' Poe-se " um marco expresso :
no sepulchro

! antas rnem6rias pois, officios tantos


que fim se a alma acaba, eu uão conheço :
S expiação e obsequio era frustrado,
e ella não vive, ou purga algum peccado.
§!4.
Costumes são da occulta antiguidade,
~ue o grão Tamandaré desde alta origem
'r8 gentes ensinou, com que á piedade
Odas no mundo as almas se dirigem:
: quando algum conteste esta ''erdade,
]>ro;am-na os anhangás, que nos aflligem,
Ned1ndo aos Nigromantes que a alma vendam,
· 0 que uma alma immortal nos recommendam.

:25.
QQue é dêsde nossos pais fama constante,
liUe aonde o sol se põe nessas montanhas
O:r um fundo logar, de que é habitante
Perfido a nhmwá com cru eis sanhas:
~li de enxofre 'a" escuridão fumante
0
1ll portas encerrou Tupá tamanhas,
~Ue as não póde forçar, nem todo o inferno:
morte é a chave, e o cadeado ~ eterno.
O CARAMURÚ .

26.
Dentro nada se vê na sombra escura ;
Mas no v islumbre funebre e tremendo
Distingue-se eom l' Ísta mal segura,
Um antro vasto, t enebToso e Jwn-endo:
Orrlem nenhuma tem : tutlo conjura
Ao sempiterno horror, qu e ali compr~ndo :
Mutuamente mordendo-se de envólta,
Um n'outro agarra, se o primeiro o sólta .
27.
Se vjste onda sobre onda procellosa
Quando bate espumando a arêa funda,
Como esta aquella engolle ; e mais furi osa
Montanha d 'agua vem, que ambas a[unda:
Tal na caverna lobrega horrorosa
Onda e onda de fogo os máos innunua :
.Este sobe, este desce, e um cataclysrno
Alaga as nuvens, e descobre o abysmo.
28.
Aqui o fero anhangá caiu, se conta,
Quando do grão Tup{L rompia o jug-o;
E \' em dos astros , que soberbo monta,
A ser em pena vil, do homem l'enlugo :
Ali com mão cruel, com furia 'prompta
Pune de nossa especie o ' 'il refugo ;
·E em ' 'ez de mãos as misera ndas gentes
Enrosca em laços de crueis serpentes.
CANTO 'fERCEIRO . 151

29.
Ali do grão Tupá por lei 'se..vera,
~o incendio est{,, que o tempo não apaga,
QUem torpe incesto faz ; quem adultera:
Cllem he réo da lascivjiJ. infame e vaga :
ada um como a culpa commettêra
~anto e no proprio membro o crime paga:
~zre.se a q•1em feriu ; mas o homicida
porque reorr:;t mais, não per~e a vida .
.30.
:B Sentada em meio da morada horrenda,
l tanca de cans, e immovel na manobra,
nllltnensa sombra faz, que a cauda prenda
Centro na bo.ca, horrível umn.cobra :
otn rouca voz, e in timaç:'lo t •·emeuda
4n? tempo prezo na viperea dobra
o'Z, .retumbandO em éco a cavidade:
h Vida! oh tempo! oh morte! oh eternidade!

31.
! Iém da grã mon'tan ha, em que se occulta
0
l:l Car~ere da~ som bras horroroso ;
Q~ lll! l ?eli~ias n'nm terreno exulta .
N> em v1ve JUsto, ou quem moneu p1edoso:
QijQ Se aclm imagem nes ta terra Íllculla,
0 ~e seja sombra do paiz ditoso:
~ emplo a li da paz foi levantado,
Ctnpre aberto ao prazer, e {t dor fechado ,
1!1!.! O CMI.HIUR W.

32.
Ha do ameno jardim na vasta entmda
Uma grã poria de safiras bellas,
Onde da elherea lnz reverberada,
Se pinta em vasto fundo um mar de eslrellns ·;
Toda ella em torno, em torno decornda
De Jloridas bellissimns capellns:
Junto voragem ba de um precipicio, , .
Que sorve a quem se encosta infecto em ViCIO·
33.
Vem-se den1ro campinas deleitosas,
Geladas fon tes, arvores clipadas ;
Outeiros de crystal , ('ampos de rosas,
Mil fructiferas plantas delicadas :
Cuberto o chão das fructas mais mimosas,
Com mil formosas côres matizadas,
E á maneira, entre as flores, de serpentes
Vão volteando .as líquidas correntes.
34.
Latadas de martyrios ha sombrias,
Que com a rama e flor formam 11asseios;
Onde passam sem calma os claros dias,
Gozando sem temor de mil recreios :
Chuvas ali não ha, nem brumas frias,
Nem das procellas horridas receios;
Nem l1a na primavera, e verdes Maios
Quem receie o trovão, nem lema os raios -
CANTO 'l'EuCE!RO.

35.
I:I Eutre o susu:-ro ali das fontezinlms,
Car monica se escuta a voz sonora,
, Ul que mil innocentes a~esinhas
0

"-llloam a alvorada á fresca aurora :


~Uitas com t•ôos vão ao ceo ' •isinhas;
l];Utra segue o consorte, a quem namora.
}) lllit doces requebros gorgeando,
e raminho em raminho vai soltando.
36.
()tinia ave entre outras ha que se discorre,
li farua cerla sej a ou voz fingida,
~ue do j ardim a nós, de nós lá corre,
b~lllo fiel correio da outra vida:
ElZeru que vôa, quando algum cá morre,
O C)(prirue no seu canto eut;.rnecida.
E que alrua passa nas etermdades,
que nos leva e traz doces saudades.
37 .
.1\ Neste ameno jardim vivem contentes
lti almas, que no mundo valerosas
Ohsauta lei guardara~ dilige?tes
08 rando acções na vida glonosas : .
1;: que foram na guerra mais vulentes,
E a J:latria com acções guardam honrosas ;
'l' 08 que em bellico horror com peito forte
CllJem mais uma alfronta, tio que a morte.
O CAILUIURÚ.

38.
Aqui do grão Topá uo amado seio
Conversam, dançam, jogam sem fastio;
Uns dos males }lassados sem receio
Cantam dn. crua guerra o caso impío:
Outros da propria morte o golpe feio,
Recordam ,sem pavor, contam co1n brio,
Que o recordar um mal. que é já passado,
Dá depois mais prazer, que então cuidado.
39.
I
Ali dos ilais as almas venturosas
Unidas sempre estão ao filho amado;
E o premio das faà·jgas laboriosas
Gozam no seio um d'oubro sem cuidado:
A mãi alJraça ás filhas amorosas;
Como o esposo a consorte em puro agrado;
Sem guerra, sem contenda, sem por.üa
Passam tranquilla a noite e alegre o dia.
40 .
. Mas o que é mais suave, o que é mais doce,
E gozar-se entre,.da nta amenidade
De todo o bom desejo a i•nteir!IJ posse;
Nem ter el e cousa vã necesssidade:
Oh quem de tanto bem possessor fosse!
Grato púz ! amavel liberdade !
Onde por graça de Tupá infinita
Ningnem padece, teme ou necessita.
CANTO 'J'J\IlC"I!JIIO.

41.
. lilizeutlo assim, Gupe,•a enterneceu-se,
• .entindo a força, que o mortal levai) ta
-!'- bemaventnranç•t: com moveu-se
.r~mbem Diogo, vendo que em luz tanta
l'"o pouco de Deos sabe : a todos deu-se
O eterno lume, cópia da lei santa ;
.à{as bem qu e de esplendor inunde um pégo,
Quem é indigno de Deos, li<la mais cego.
4!2.
J Qne valem, disse ao barbaro ignorante,
nrct,ns, fiares, dilicias e prazeres,
li'111tando o objecto em fim mais importante,
~lle é a face- de Tupá·l J?Ois de a ~i'lo veres,
l' 0 do outro bem, que gozes por bnlhante,
)l or belto, por maior, que o enuceberes,
Ênra a nossa cubiça mal saciada,
' Vil, é vílo, é pouco, é fumo, é nada.
43.
))•Finge que possa o homem gozar junto
Q estes bens cá da terra um vasto rio ;
uanto Deos crear póde, tudo e munto ;
~llem delle mlo gnsar, fica vasio :
Qe o mundo a uma alma basta, eu não pergunto;
Uc ella goze infinitos, sempre eu fio ;
Que ljllal hydropesin verdadeira,
Quantos mais possuir, tantos mais queira.
O CARAMURÚ .

44.
Tuda essa glórü>, que me tens pintado,
Sem mais q um bem do mundo circumscripto,
Não é, Gupeva meu , mais que um bocado
Para quem só se farta do infinito :
E quando tudo o mais se haja log rado,
Se é um bem transiturio, se é finito,
EJ;li breve bas <fe sentir, e sem remed io
Do futuro ânsia , e do passado tedio.
\
4 5.
D eos, caro amigo meu, é Deos sómente
Quem p6de saciar nossa vontade :
Chegar á parte aonde o ver contente,
E vel-o ali po.r to.da a eternidade:
Todo o bem nelle está summo e eminente
~onra, glória, grandeza, magestade:
Esta é, se discoJ',reres em bom siso,
A idéa, que has de ter de um paraíso.
4 6.
Porém narra-me em tanto o que ~e p ensa
Entre vós dos princípios deste mundo :
Quando? como? por quem na idéa immensa
Se tomou a medida ao ceo profundo?
Qual foi o homem primeiro, e de qual crensn?
Ou se noticia tens do A.dão segundo ?
De qual origem sois, ou de qual gente?
Ou quem veio a pov'ar tal continente ?
CAN'l'O TERCEIRO.

47.
Memúria nunca ouvi, Gupcva disse,
Onde o homem nascesse; ruas com prendo _.
Que houve princípio em fim que o produzisse,
~ue sem fim e prindpio eu nada entendo.
Como o creou não sei : e bem que o visse,
:Não pudéra entendei-o ; conhecendo
Que entre o nada e o ser ha tal distí\ncia,
Que a ti te creio igual nesta ignorancia.
48.
O primeiro homem na geral lembrança,
A tradição elos velhos mais antigos,
.ântes do grilo diluvio não alcança:
Sabemos só que uns homens inimigos,
Do forte braço na fallaz confiança,
Encheram todo o mundo de perigos,
E deram causa, que o diluvio extenso
:N 'um pégo sepultasse a terra immenso.
49.
Do renovado mundo o patriarcha
Desde o alto monte, onde espapou, descendo,
Depois que a gril canoa e imrnensa barca,
Em que ao alto subiu, foi fundo lendo;
:Na prole immensa dominou monarca,
E as várias tribus dividido havendo
l'or continentes e ilhas do mar fundo,
De toda a gente é pai, que habita o mnndo.
O C.\ILH1UUÚ .

50.
Predisse o justo velb.o o grilo castigo,
E os b.omens exb.ortando [, penilencia
Nem á vista do proximo perigo
C hamai-os pôde á justa obediencia:
Cançado .então Tup{• da paz am igo
Do cruel la trocínio e da violencia,
Quiz por vingar-se o padre omn ipotenle
Com aguas apagwr a eb.amma ardente.
51.
Faz que se abram do ceo, que aguas euce rra
As catadupas, como immensos rios,
E que a face innundando-se da terrà,
Se aiToguem bons e máos, justos e irmpíos:
Os elementos em desfeita: guerra
Confundem-se em medonhos desafios ;
Cae um mar desde o ceo, e na mesma hora
Manda a terra tlo centro outro mar fóra.. '
5'2 •
• .Já rôta a ma\lgem, que nas brancas praias
As ondas posto tinha o grilo soberano,
Passam as aguas das extremas raias,
Onde se ajunta com o monte o plano:
O peixe nadador nus altas f<11ins
No ninlio está do aligero tucano;
E em se io~ as balilas ve r pudéras,
Covis dos tiS'res, e aut ros de pantheras.
(:.1.1\TO TEfiCElRO. 1aa
53.
Iam em tãttto os homens misemnclos
De 'um monte a outro por fugir das aguas,
E sem destino algllm bandos e bandos
Correndo gritam com pi edosas mágoas:
E QS ceos ueprecam, qu e •OS escutem brandos:
Mas a ira de Tup{L com justas fragoas
Fultui nando sentelhas e coriscos
Faz maiore~ os damnos elo que os riscos.
54.
Via-se em longa tal.Joa' mal segma
N'atlar sobr'agua a mã i desve nturada;
E tendo ao collo appensa a crealura,
Ora é n'ag na abatida, orn elevada ;
QuelU destle o alto das casas se pendura ;
Quem fabrica de lenhos a jangada;
Qnal da fome mortal horror concebe
E crê que é menos mal, se a morte bebe.
55.
'ramandaré porém ue Tup{t amigo,
Em quanto a grã proceUa horrível soa,
Salva o nÍLIJfrago mundo pelo abrigo,
Que aos filhos procurou Jta g-rã canoa :
E a barca por memó ria do castigo
Elc,·ada cl.eix:ou sobre a corôa
~as altas serras, qne na fama chtras,
1 em nome similhanle ao das araras.
f60 o cArunrunú.

56.
Daqui por várias terras espalhados
Os homens foram, que seus netos cremos ; ·
Uns que a fronte de nós deLxou queimauos
O claro sol, que nasce em seus extremos :
Outros, que habitam climas apartaclos,
Dessa côr branca, que em teu rosto vemos ;
Divididos do mar, por onde as proas
Endireitam a nós vossas canoas.
57.
Se sois de nós, se nós das vossas gentes,
São causas, que nós todos ignoramos ;
Pois do paterno chão sempre contentes,
D'outras terras e tempos não cuidilmos:
Mas vós, que os mares passeais ingentes,
Podereis inferir, 5e os que aqni estamos,
Depois que de um pai só todos nascemos,
Com alguns entre yÓs nos parec;mos.
5B • .
Que se em vós liouve, ou ha quem assim Lrat1' ;
Quem se governe assim, quem edifique,
Ou quem com armas, como nos comi>ate, ·
Quem todo á caça, como nós se applique:
Se ha quem devore os homens, quando os mate!
A q11em o feroz vulto imberbe fique,
Desde Tamamlaré, que é pai das gentes,
Podêmos crer. que são nossos parentes.
CA!'iTO TERCEIRO. tGI

59.
, Conserva-se n'um poyo o antigo rito,
Se ·o não altera o rito do estrange iro ;
E sempre a1gum ves tígio fica escriplo
:Por tradição do seculo .primeiro.
"Vós Sllbereis, se n história tenha dito
Que houve tempo, em q o mundo quasi inteiro,
Sem sabermos uns d'outros se habitasse;
E como nós errâmos, tudo errasse.
60 .
.se os "mares nunca d'antes navegados"
Discorrestes por climas di!ferentes;
Sabereis d'outros hom ens separados,
Descobertos talvez das vossas gentes:
Que por estreitos, póde ser , gelados,
l'ransil11ram nos nossos continentes:
~~s <)i reis, se homens ha nn roxa aurora
Us e pintaaos, como nós agora?
61.
E porque saibas nlllis nosso costume,
Onde julgues melhor dn antiga origem,
bir-te-hei como, segu indo o impresso lume,
As prudentes nações cú. se dirigem :
Nero do vício de muitas se presume
Conh·a nquellas, que sú.bias se corrigem;
Que hlm bem entre vós creio se escuta,
Qt1ero tem boas leis, tem má conducln.
tG!! O CARAnlURÚ.

62.
De Tupá, que o tvovão co~ fogo manda,
Trememos, como vês, espa,>oritlos;
Mas quando vemos que a procella abranda,
I<'icam os boinens de l'u p{t esquecidos : '
E bem suspeito que ness'outm banda
Succeda assim, se o .horror vem dos sentidos;
E que entre v6s tambem gente se veja,
Que não temem Tu1•á se não iPoveja.
63.
Quem o blasfeme, affronte ou quem o chame
A ser-lhe testemunha, quando mente,
Nunca se om•e entre nós com fnria infame,
E sú de o imàginar se assombra a gente.
É raro quem o adore ou quem o ame;
Mas mais ;raro será quem insolente
Tenha do snmrno ser tão• céga iucuria,
Que trate o nome seu . com tanta injúria.
I 64.-
De externo culto a Deos ba pouco indício;
Se u1lo é uo qne esli mas bruto eng<l!no
De fazermos cruento sacJ>ificio,
Não do sangue brutal, porém clo humano.
Vejo á luz da razão, que é feio vicio,
Que ao inslincto repugna por tyranno;
Mas matar quem nos mais o crime atiça,
Não é viclima digna da justiça? ·
CANTO TEDCEJilO, 16:;

65.
A. justiça· do ceo reconhecemos
Coutra quem deli nquente a profanasse;
~Ondo _supplici o~ c?ntra os má?s ex tremos,
em ]usto ·sacnficio a pena da-se,
O malfeitor, o réo, quando o prendemos.
Com sacro rito a ceremonia faz-se:
Que quem no sangue impío a Deos ' 'indica,
Este o aplaca sómente e sacriuca.
66 .
.A. fórma do governo por abuso
~nnrchico entre nús sem lei se off'rece;
as nos que fazem da razflo bom uso,
Justa legislação reinar parece : ·
~em nos tomes por vovo tão confuso
lllle um público poder não conhecesse;
a senado entre nós sabio e prudente,
A. quem o nobre cede e a humilde gente.
67 .
.,..> Vagâmos sempre, e nunca um firme assento
~~os deixam ter da caca os exercícios:
lluscâ mos nella os pn;prios ali meu tos,
: habitârnos onde a ha, on della indícios:
nestes são de ordinario os fundamentos
e occupar-nos em bellicos ofllcios:
~cr.ís as gentes em contínuo choque
Sohre' a qu em o terreno ou praia to•Jnc.
O CARAMUIIÚ.

~B.

Em várias castas e nações diversas


Dividido o serl1Lo vagar costuma;
E bem que 1'agubundus e dispersas,
Confederam-se as tabus de cada ;ina:
Em guerra e paz, e em sedições preversas
Ao patrio nome não se nega alguma ,
E se o senado o quer por justos modos
Põein·se todos em paz e &rmam-se todos .
69 .
Slí.o nos senados membros e cabeças
Os velhos sabios, capitães valentes;
Os que tem soccorddo em .grandes pressas
Com conselhos !Í. patria mais prudentes:
D'êstes as ordens dimanando expressas,
Um só se não ver à nas Jlossas gentes,
Que rompa, não cedemlo a potestade,.
Este laço da humana sociedade.
70.
D'êstes uns da suprema divindade
Ministros são, que nos festivos dias,
Fazendo-se qualquer solemnidade,
O povo exhortam com lembranças pias:
Honram cantando a eterna mageslade,
Com sons, qne para 'nÓs sã.o melodias:
Cousas, que se anhangá corrompeu tanto,
Vê-se que nascem de princípio santo.
CANTO TEIICEUIO. :IUIJ

71.
Estes chefes do culto venerando
~untem-nos a oblaç.1o do povo crente:
~Lo mestres santos, e por nós orando,
lume da razão mostra evidente
~ue, em tão sublime oll'ício ministrando,
~ê~tn direito a que o públieo os sustente:
DOis nelles é mais justo que a lei valha
e comer cada um donde trabalha.
72.
Punimos o homicídio : quem mutila,
~uem bate ou fere, não evita a pena :
&entença elle a dA. Deve subil-a
Qual foi a culpa. com justiça plena:
~Uem matou, morrer deve: assim s~ estilfL
Qor lei sagrada, que a equidade ordena:
·~°Cm, cortou pé ou mão, braço ou cabeça,
0
pe, no braço e mão tanto padeça.
73 .
.! fé do matrimonio bem declara
~ue o vago amor a lei o!Tenderia,
Qe se pudéra usar sem que um cas{tra,
DUem. é que neste mundo casaria 1
S eve morrer quem quer que adulterára;
li:elll isso quem seu pai conheceria?
Q0 que extermi na a patria potestade,
Uem não vê que repugna a humanidade.
j (JIJ . O GAl\A&IUIIÚ.

74.
Quem pai ou mãi conhece com incesto,
Ou quem corrompe a irnlil, padece a morte :
Nos ofiicios dos pais é m01nifesto
Que con f osão nascilra desta sorte :
Ser a filha mulher, não fôra honesto, .
Dominando em seu pai como consorte:
Se o irmão no matrimonio á irmã s eg uí~a,
Sempre o genero humano mal se unira.
75.
Deve a humana geral sociedade,
Pará gosar da paz com doce laço,
Vi ncnlar dos mnrt:ies a vari edade
De um conscrrcio feliz no caro abraço ·;
Deu-me o çeo por orgão da amisade,
Deu-nos como outra mão, como entro braço
A consorte, em que o amor com fé excite.
Não por pasto brutal de um appetite.
. '
76'.
E houvera sem prizão, que é tão suave,
Dominando entre os homens desde o averno
e
A discordia cruel a inveja g1•ave,
A conter-se o hymineo no ' amor fraterno:
Nasce do amor a paz ; o amor é a chaYe ;
É o doce grilhão, vinculo eterno,
Que se o vil interesse algum desune,
Os peitos abre, e os corações nos une.
CANTO TEI\CEJllO, 167

77 .
Movidos deste fim por são costume
Julgaran1 nossos pais na antiga idade, .
Qne se ofl'ende no incesto o impresso lume,
ion10 contrário á paz da sociedade:
se do ceo preside o santo uame,
ilo socego da ~riste humanidade;
Quem duvída que estime pouco honesto
Conhecer-se os 1rmãos com feio incesto 1
78.
:p Entre n6s quem elege a esposa amada,
':_de ao pai ou parente; e sem pedil-a,
~ao se julgára a femea desposada,
Q0 t deixar a fam ili a assim tranquilla :;
SUe se orfií fosse acaso abandonada,
'I!;ó Pertence ao visinho o peumiltil-a;
Ji convindo ou seu pai, ou seu parente,
sem mais matrimonio de pTesente. ,
79.
O F1urtu entre n6s,não ha; de que ha de havei-o?
lJ qu~ ha come-se logo ; e sem que o enfade,
'I!; lll tn·a d'outro o qne acha, por comel-o;
.anda ao pé da pobreza a caridaàe :
~ calúmnia, a traição, o amargo z~lo
tn
1 por pena a çounnua inimisade:
Qem ha , se o en tendo bem, maior castig·o1 _
Ue o mundo todo ter por inimigo.
lU li O C.I.RAMURÚ.

80.
Outra lei depois desta é fama antiga 1
Que observada j{L foi das nossas gentes;
Mas ignonlmos hoje a que ella obriga,
Porque os nossos maiores pouco crentes,
Achando-a de seus vícios inimiga,
Recusaram guardai-a mal contentes:
Mas na memória o tempo não acalm
Que a pregára Sumé santo Emboaba.
81.
Homem foi de semblante reveretido,
Branco de côr, e como tu, barbado,
Que desde donde o sol nos vem nascendo 1
De um filho de Tu pá vinha mandado:
A pé sem se alfundar (caso estupendo I)
Por esse vasto mar tinha chegado ;
E na ~anta doutrina, que ensinava,
Ao cami,11ho dos ceos todos chamava.
8~.

Com grande mágoa ignora-se o que disse ;


Mas não se ignora, que da santa bocca
Um conselho utilíssimo se ouvisse
De plantar e moer a mandioca:
Que havia de to'rnnr, tambem predisse,
Desde o ceo, a qne amigo nos convoca,
E na terra ou no ceo, que elle estivera,
Eu o iria a encontrar, se elle não viera.
CANTO TEIICEÍRO, ' 169

83.
Contam que quando aos nossos ca prégava,
Poder mostrára tal nos elementos, '
Que as onúas punha lei, se o mar se irava,
E rle um aceno só domava os ventos'
Os mattos se lhe abriam quando entrava,
E os tigres feros a seus pés at!entos,
:Pareciam ouvir, como a outra gente-,
Festejando-o co'a cauda brandamente,
84.
As aguas donde quer, em r·io ou lago 1
~,e as chegava a tocar com pé ligeiro,
'~ilo pareciam do elemanto vago,
~Ias pedra dum, ou solido terreiro:
Só com chamar seu nome, cessa o estrago
Se o furacão com horrido chuveiro,
Quando na nuvem negra se levanta,
Ou derriba a cabana, ou quebra a planta,
85.
,)>orém negando ás prégações o ouvido,
• 1nha o caboclo do sertão mais bruto
Contra o justo Sumé de Deos querido
A matai-o e com el-o resoluto:
Puuéra elle fazer, sendo offendido,
~Ue elles colhessem da cegueira o fruto;
Eias pede só prostrado a D eos que o c'roe,
que a ignorancia aos míseros perdoe,
H
O C.4.RAil\lURÚ.

86,
Os feros pois na furia contumazes
Tomam a~ frechas, e !bramindo atiram;
Mas quanto pelos tens, Tupã, 1\ão fazes!
Contra quem atirou pelo ar se vira:m:
E nem assim se mostr-am mais capazes
Dos annuncios de paz, qqe em tanto ouviraDJ·,
Deixa-os Sumé, e um rio aberdn cheio ;
~ -só com pôr-lhe um pé partiu-o ao meio.

87.
Contam, e a 'vista faz que a gente crea,
Que onde as correntes d'agua arrebatauas
Se vão bordando com a branca arêa,
Ficaram de seus pés qua,tro pégndas -~
Vem-se claras, patentes, sem que a veia
As tenha d'agua, no seu ser mudadas•:
E enxerga-se m'ui bem sôbre os penedos
Toda a fórm11 do pé com planta ·e dedos.
OB.
Assim Gupeva éoncluiu, •dize11do :
Nem mais tempo ao discurso •haver' podia
Por aviso, que os campos vem batendo
'l_'urba inimiga em vasta é'empmihia:
As armas, grita, {ts armas ! E o éco horrendO
Retumbando nas arvóres sombrias
Fez 'q ue as miiis, escutando os murmurinhosl
Apertassem no peite os seus •filhinhos.
CANTO TERCEIRO. 17l

89.
Não te espantes, diz Diogo; não alteres
A Paz dentro as cabanas bellicosas;
~m quanto novas certas não souberes,
asta pôr guardas nos confins forçosas :
De noite não te empenhes, se temeres
Que te invadam com tropas numerosas,
Põe-te na defensiva; e bem que freme,
Quem te busca de noite, é quem te teme.
90.
1
Quanto mais que o trovão nas mãos preparo
~ontra teus inimigos neste afl'ôgo;
etn duvides que logo qne o disparo,
~~do em chammas não vá, tudo arda em fogo :
l)~sse, e ao favor saíu de um luar clar\1 1
Elsparn.ndo o mosquete em mareio jôgo ;
P em quanto atira, todo o bosque a.troa
elo horror da bozina, com que soa.
91.
~ual dos monos talvez tropa nojosa
iaiU do interior matto em negro bando ;
E se a frecha um derriba, vai medrosa
' m fuga pelas arvores saltaudo :
l'ai ouvindo a bozina pavorosa,
~ o arcabuz com trovão relampagueando,
borrem, caem, despenham-se na estima
c que o ceo todo lhe caía em cima.
i •
I

,,,

·. .
·:..-·
CJA.NTO Q,lJ AB,T O.
Gupevn, oggredido por Joraráco e seus
alliados, fica victorioso pelo auxílio do
Heroe e de Pnraguaçú, que elle tnmbell'
onlva de perigo.- Jararáoa recolhe-se fe-
rido celebretnente.- Descreve-se a orgB·
nioa1'ão dos doia exerci\os e narram-se of
combates.
'l' ERA o invasor nooturno um chefe errante,
e!ror do sertão vasto e da marinha,
~rtncipe dos Çae1és, nação possante,
ue do !!"Tão Jararáca o nome tinha:
~ste de Paraguaçú perdido amante,
l om ciumes dª donzella, ardendo vinha :
lnpeto que á razão, batendo as azas,
Apaga o ci<?-ro lume !l acoende as brazai.
t7e O CAR.UlURÚ.

2.
Dormindo estava Paragua'JÚ formosa 7
Onde um claro ribeiro á sombra corre ;
Languida está 7 como ella, a branca rosa,
E nas plantas com çalma o vigor morre:
1\>las buscando a frescura deleitosa
De um grilo maracujá, que ali discorre,
Recostava-se a bella sôbre -um pôs to,
Que encobrindo-lhe o mais descobre o rosto
3.
Respira tiío tranquilla, tiío serena,
E em languor tão suave adormecida,
Como quem livre de temor ou pena,
Repousa, dando pousa á doce vida :
Ali passar a ardente sésta ordena
O bravo Jararúca, a quem convida
A frescura do sítio e sombra amada,
E dentro d'agua a imagem da latada.
4.
No diafano reflexo da onda pnra
Avistou dentro d'agua buliçosa,
Tremulando a bellissima figura :
Pasma, nem crê que imagem tão ' formosa
Seja cópia de humana crea~ura: '
E remirando a face prodigiosa,
Olha de um lado e d'outro, e busca atlento
Qnem seja original deste portento.
CANTO QUAllTG. f-117

5.
Em qua.uto l!ulo explora com cuidado ,
V~t dar co' os olhos na gentil donzella;
Ftca sem nso d'alma arrebatado,
Qttc loda quanta tem se occupa em vel-a:
Ambos fóra de si, desacordado
Elle mais de observar cousa t.lo belln,
li:Ha absorta no somuo em que pegára,
Elie encantado a contemplar-lhe a cara.
6.
P Quizera bem falar, mas niio accerta,
or mais que dentro em si fazia es tudo :
~lia de um seu suspiro olhou desperta ;
~lle daquelle olhar ficou mais mudo :
evanta-se a donzella mal coberta : -
~ 0 11lando a rama POJ modesto escurlo ;
C0 Z-lhe os olhos entào, porém tão feru,
0
mo nunca a belleza ser pu<léra.
7.
.\ "Y-8a, ni'to co~re, pelo denso matto
buscar na cabana o seu retiro ;
~ indo elle a suspirar, ve que n' um acto,
' lll meio ella fugiu do seu suspiro :
~em torna o triste a si por longo trato,
p lé que dando á magoa algum rcSjJiro,
Sor saber onde habite ou quem seja ella,
eguiu, voando, os passos da donzella.
118 o CAMUURV.

8.
De Taparica um príncipe possante,
Que domina e dá nome á fertil ilha,
Veio em breve a sabe~ o cego amante
Ter nascido a fonfiosa maravilha:
Pediu-lha Jnrar{tca, vendo diante,
Ao lado de seus pais, a Lella filha:
Convem todos; mas ella não consente;
Porque a mais .a guardava o ceo potente ..
9.
Ardendo, parte o bravo Jararáca
D'ânsia, de dor, de raiva, de despeito;
E quanto encontra, embravecido ataca
Com sombras na razão, fúrias no peito :
E vendo a ,chamma, o pai, que não se aplaca,
Por dar-lhe espôso de maior conceito,
Por consorte Gupeva lhe destino.,
Com quem no sangue e estado mais confina.
10.
Logo que por cem boccas vaga a fama
Do espôso eleito a condição divulga,
Irado o Caeté, raivando brama;
.Arma todo o se~tão, guerra promulga,
Tudo accendenclo em bellicosa chamma,
Investir por surprezn astuto julga,
Com que a causa da guerra se conclua,
Ficando Paraguaçú ou morta ou sua.
CANTO QUARTO.

IL
t Mas sendo de improviso em terror posto,
E' ouvindo do arcabuz a fama e effeito,
Não permitte que o susto assome ao rosto,
Mas reprime o temor dentro em seu peito :
Convoca um campo das nações comp osto,
iom ~1uem tinha alliança em guerra faito;
exc ttando na plebe a ''oraz sanha,
CQbre de legiões toda a campanha.
12.
1' ~ut seis brigadas da vangnarda armados,
crtnta mil Caetés vinham rail·osos,
Nom mil talhos horrendos deformados,
C 0 • nariz, fac e e bocca monstruosos :
lUtdava a bruta gente que espanta<los
li' 0 ~os de vel-os, fu gi rito medrosos ;
etos como demonios nos acenos,
Que certo se o não são, são pouco menos.
13.
c n .a gente fera e do brutal commandÓ
p"Pttão Jararáca eleito veio;
li:arque na catadun e gesto infando
Qntre outros mil horrendos é o mai's feio:
ÊUe ttma horrível fignra peleijando
li: nos seus bnn·os militar aceio;
Q traz entt·e elles gala de valente,
Ucnn só co'a cara faz fu gir a gente.
O ·CARAMUJ\'\Í'.

14.
Dez mil a negra cor trazem no aspecl~>
Tinta de escura noite a fronte impura ;
Negr~ja-lhe na testa um cinto preto,
Negras as armas são, negra a figura.
São os feros Margates, em que Alecto
O averno .pinta sôbre a sombra escura ;
Por timbre nacional cada pessoa
Rapa no meio do cabello a coroa.
15.
Cupaiba, que empunha a fera! maça,
Guia o bruto esquad rão da crua gente,
Cupaiba, que os miseros que ltbraça,
Devora vivos na batalha ardente:
Á roda do pescoço um fio enlaça,
Onde, de quantos come, enfia um dente;
Cordão, que em tantas voltas traz cingido,
Que 4 já mais que cor.dão longo vestido.
16.
Urubú, monstro horrendo e cabelludo,
Vinte mil Ovecates fero doma;
Por toda a parte lhc..encubria' tudo
Com terrivel figura a hirsuta coma: ·
Monstro disfo~me, horrendo, alto e membrudo,
Que a imagem do leão rugindo toma,
Tão feio, tão horr~vel por extremo,
Que é formoso a par delle um Polyfemo.
C!NTO QuAllTO. I !li

li .
. Fogem todo o commercio da mais gente ;
Ou se se vissem a trata r forcados,
Que lhe possam chegar nenhum consente,
Senão trinta ou mais passos ã portados :
Se alguns se chegam mais, por imprudentes,
Como leões ou tigres esfaimados,
Mordendo investem os que incautos foram,
E a carne crua, crua lhe devoram.
1.8 .
Sambambnia outrn turma conduzia,
QQue as aves no frechar tão certa vexa,
ue nem voando pela e therea via
ihe erral'am tiro da Yolante frecha:
nra de pluma o munto, que o cubria;
E e Pluma um cinto, que ao redor se fecha ;
até grndando as plumas pela cara,
Nova especie de monstro ex~ogitúm.
19.
Seguem-no dez mil Maques, gente dura, ,
~~e eqJ_ cultivar mandioca exercitada,
ao menos util é na agricultura,
~ue valente em batalhas com a espadil _:
Domaram estes, como proprio cura,
e viveres prover a gente a rmada;
~llaes, torravam o aipí; quem mandiocas;
Ulros na cinza as candidas pipocas.
Jll!.l

~0.

O bom Sergipe aos mais confederado


Comsigo conuuzia os Petigunres;
Que havenuo pouco d'antes triu·mfado,
Tem ilo dente inimigo amplos collaves:
Seguem seu nome em guerras decantado
De gentes valerosas der. milhat·es,
Que do ferreo madeiro usando o estoque,
Disparavam com balas o bodoque.
2!.
Nem tu faltaste ali, grão Pecicava,
Guiando Carijó das aureas terras ;
Tu que as folhetas do ouro, que te orna,•a,
Nas margens do teu rio desentt>rras:
Torrão, que do seu ouro se nomeava,
Por crear do mais fino no pé das serras ;
Mas que feito em fim baixo e mal prezado,
O 'nome teve de ouro inficionado.
22.
MuitÓs destes é fama que traziam
Desde alto cerro, que habitavam d'antes,
Com ·pedras, que nos beiços embutiam
Formosos e bellissimos diamantes:
Outros aureos topasios lhe "ingeriam;
Alguns safiras e ruhins flammantes;
Pedras, que elles desprezam, nós am~mos:
Nem direi quaes de nós nos enganAmos.
CiNTO QUARTO.

23.
O feroz Sa.barA move animoso
Dos de Agirapiranga seis mil arcos;
liomens de peito em armas valeroso,
~u~ de sangue em batalhas nada parcos,
~IXaram seu terreno dele itoso,
Por mattos densos, pantano · OS charcos;
li: OIIYindo (J"os canhões o horrendo estouro,
Passaram desde o mar ás minas do ouro.
!24.
Seguia-se nas fôrças tão robusto,
~Uanto no aspecto feio, e em traje horrendo,
]) In, que com fogo .sobre o torpe busto,
ous tigres esculp[ra combatendo:
~ste é o bravo Tutú, que enche· de susto
' Ettdo, c'o grão Tucupe accommettendo:
]) que mil cutiladas dando espessas,
crriba troncos, braços e cabeças.
25.
n Debaixo do seu mando em dez fileiras
S oze mil Itatis formados iam
CUrdos; porque habitando as cachoeiras,
l> oro o grão rumor d'agua ensurdeciam:
nendem os seus ma.rraques por bandeiras
S e longas nstes, que pelo ar batiam ,
G11 Pprindo nos inconrlilos rumores
tllldo dos bellicos tambores.
!!!6.
Em guerreiras columnas, feroz geute,
Que no horror da figura assombra tudo,
Traz em por armas uma massa ingente,
Tendo de duro legho um fo1·te escudo:
, Frechas e arco no braço a.rmipotenle;
Nas mãos um dardo de pflo.santo agudo ;
Sobre os hombros a rede, {, cin·la as cuias,
Tal era a imagem dos crueis Tapuias.
27.
Quarenta mil de côr todos vermelha,
Conduz ao campo o forte Sapucaia:
Dez mil qu e tem furada a longa orelha,
~ão · Amazonas de feminea la ia;
E o amo r conjugal que lhe aconselha
~A descer dos st>rtões á vas ta praia,
Por achar-se nos lances mais temidos,
Ao lado sem temor dos seus maridos.
28.
Brava matrona de coragem cheia,
A. quem o mareio jugo não perturba,
Na fórma bella, mas por arte feia,
Vai com mandando na feminea turba:
D eram-lhe o nome os seus da g rã Baleia ;
Nome, que ouvido, os barbaros disturba;
De namorados uns, que a tem por bella;
1\ias outros, com mais causa, por temel-a.
CANTO QU!UTO, 181>

29.
Ouve-se rouco som, que o ouvido atroa,
Retumbando com éco a voz horrenda
ge um grosseiro ins~rumento, que n arma soa,
E om que se inflam ma entre elles a contenda:
'p qu.ando o horrh•el som mais desentoa,
b az que no peito mais furor se accenda;
b c relorcidos pú.os são as cornetas;
e ossos humanos frautas e trombetas.
30-•
• ~om batalhões a espaços separados
~flplicado cordão se vê oomposto ;
em silencio admira,•el ordenados,
~o reaor vão do outeiro em meio posto ;
Eostuma um orador falar-lbe a brados,
~ardendo-lhe mil furias sôbre o rosto,
ar ~o'a espada furibundo corta,
E a combater valente a turba exorla.
31.
A. Jararáca no mando então primeiro,
0
sacro e civil rito pres idia,
~ no mais alio do ·sublime outeiro
Antre Um senado ancião se distinguia:
Áos Ol1tros ua esta lua sobranceiro
bs costas de um Tapuia, que o trazia ,
li: e um lado a ou Lro magestoso corre,
·com geral silencio assim discorre:
f86 O CARt.MUI\Ú,

3j!,

" Paiaiás generosos., hoje é o dia,


Que aos ' 'indouros devemos mais honrado;
Em que mostreis que a vossa valentia
Não receia o trovão, subjuga o fado:
Sabeis que de Gupeva a cobardia.
Por filho do trovão tem acclamado,
Um Emboaba, que do mar viera,
Por um pouco de fogo que, accendl!ra.
33 .
Prostrado o vil aos pés dess~ estrangeiro,
Rende as armas com fuga vergonhosa, '
E corre voz que o adora lisongeiro;
E até lhe cede com o scep tro a espôsa :
E que p6de nascer do erro g·rosseiro,
Senão que em companhia numerosa
As nossas gentes o estrangeiro aterre,
E que a uns nos devore, outros desterre?
34(.
Se o sacro ardor, que ferve no meu peito,
Não me deixa enganar, vereis que um dia,
Vivendo esse impostor, por seu respeito
Se encherá de Emboabas a Bahia:
Pagarão os T~Jpis o insano feito,
E vereis entre a belliNl porJia
Tomar-lhe esses estrEJnho_s j:L visinhos,
Escravas as mulheres c' QS filhinhoil.
CANTO QUARTO. 187·

- 35.
Vereis as nossas gentes desterradas
Entre os tigres viver no sertão fundo,
Captiva a plebe, n~ tabas. aFiombadas;
Levando para além do mar profundo
Nossos filhos e filhas desgraçadas;
Ou quando as deixem ca no .nosso mundo,
l'oüeremos sofrrer, Paiaiás bravos,
"Ver filhos, mãis e pais feitos escravos?
36.
Mas' teme o seu trovão : e tanto opp~ime
O medo áquelle vil, que não pondera
~ue por ess-e trovão, que não repuime,
..ua de ver cheia de tro:viles a esfera?
~ue. gvanue mal será, se o raio imprime?
e o mundo por um raio se perdêra,
~nst? podéra ter, cobmr espanto:
or~orn morre de medo, e é outro tanto.

37. -
Eu s6, eu proprio no geral il.esmaio
.A.o relampa,g-o irei sem mai"s soccorro;
E quando elle dispare o falso raio,
Ou descubro a impostura, ou forte morro:
Ser:í de nigromancia um tenpe ensaio,
~Otn que O astuto pertende, ao que discorro,
~azer que a nossa tropa desfalleça,
ntes que a causa do terror conheça.
183 O CA.JL\ltJUHÚ,

38.
Que se far, que o não creio, o estrondo infundo
Do sublime ·Tu pá triste ameaça,
Fará como costuma, trovejando,
Que matando um ou outro a mais não passa:
Se eu vir que o raio horrível vai vibrando 1
A um homem como eu nada embaraça:
Se for mortal quem causa tanto aballo,
Por meio ao proprio raio irei matai-o.
39 .
Sú, V~!_lentes! sú, bravos companheiros I
Temai coragem : que será no extremo?
Embora seja um raio verdadeiro :
Se não é Deos que o lança, eu nada temo.
Seja quem quer que for o autor primeiro,
Como não seja o creador supremo,
Não ha forças creadas que nos domem;
Que sôbre tudo o mais domina o homem."
40.
D isse o grain chefe' assim, e entre furores,
Com a mão, que já tinha levantada
:Bate na espadoa aos princi pes maiores,
E dá-lhes, "Orsú" dizendo, uma palmada:
Uns nos outros as deram não menores,
Que assim se incita a multidão armada :
Vinguemo-nos, gritando, companheiros,
Bem que foram seus raios verdadeiros.
CANTO QUAilTO. :189

4L
J'aran{ca depois, que é sacro rito,
Lança furioso as mãos a quanto abrange;
E abrindo a eno~me bocca em fero grito,
E espuma e fre!Jie• e ruge e os dentes range ;
Como do mal herculeo o enfermo a.fflicto
A. convulsão a retroced~~ constrange :
Depois, falando aós príncipes, bafeja,
E o espírito de f<hça lhes deseja.
4~.

Ceremonia ésta foi do pabrio uso,


Vestígio nacional da antiga idade;
Que acaso corrompeu magico abuse,
iendo talvez pr.incjpio na piedade:
etumba do marraquc o som confuso ;
1j: Pondo ,em alto o seu, com gra·vidade,
:A. insígnia, no chão. tudo se inclina,
Como a signal de cousa mais dh<ina.
43.
b Corresp.onde o bellig~ro ·insbruniento
n fera! frauta ao batbaro marraque ;
~ Promulgando a marcha áqueUe accento
·Udo, em ordem se pôz ao fero ataque :
:Marcham contra Gupeva, com intento
be metter nas éabanas tudo a saque ;
~porque tudo assombrem com terrores,
ompem o ar e<o_m bellicos clamore~ . . , .
190 O CARAJ!IU1l.Ú.

44.
Em tanto no arraial do bom Gupeva,
Sendo a invasão noeturna rechaçada,
Con1•ocam reclutas, fazem leva
De tropa nacional e da alliada.
Em quanto Diogo, a quem a acção releva ,
Toma na gruta a polvora guardada,
E em varias fogos, que arrojou volantes,
Imita o raio em bombas fulminadtes.
45.
Era a Bahia então, donde imperava
O bom Gupeva, povoada em rada
Pelos Tupinambás, de quem contava
Trinta mil arcos, brava gel\te toda:
Taparica seis mil valente armava ;
E por cumprir-se a promeltiua boda,
Mil Amazonas mais á guerra manda !
Paraguaçú gentil todas commanda.
46.
Paraguaçú, que de Diogo espôsa,
Porque mais Jararáca se confunda,
Ia a seu lado a combater briosa,
N em teme a ,multidão, que o campo inuuua:
Usa eom ella a tropa bellicosa
Da vulgar setta, do bodoque e funda ;
L eva a Amazona ~tm rígido colete,
E co'a espada de ferro o capaéete.
CANTO QO.Hl'l'e 191

47.
, Com estas fôrças sõ, que mais recusa,
Sae Diôgo á campanha guamecido,
Nem sofl're a fórma do mrurcha·F ~onfu~a ;
Mas tudo tem com ordem repartido :
Outro corpo maior ·de que não usa
Deixa em guarda das tabas prevenido ;
Tupinaquis, Yiatanos, Poquiguaras,
Turnimv.ís, Tamviús, Canucajatas .
• 418.
Não mais, de duas leguas adiantando,
O arraial se alojava de Diogo;
Quando o ardente planeta vai queimando
. .A. torrida região com vivo fogo;
~ em quanto espira no ar zefiro brando,
nscando n'uma ·sombra o desaJTôgo,
1liedita· a -grrunde acção, mede o perigo,
Nern despreza por barbaro o -inimigo.
.4!1,
~ Vê bem que ffspan to causa a -invenção .nom;
tas que o tempo consome a novidade;
~em sim um peito d'aço feito á prova;
.Qlas vende do ~nimigo a imm'ensidade,
~or mais que bállas o mosquete chova;
T econhece em vencer difficuldade ;
endo notado já na bruta gente,
Q116 era ~ão conJ:uma>z, como vàletrte.
192 O C1R.I.MURÚ.

50 • .
Pensava assim com reflexão madum,
Quando ú roda do outeiro divisava
Densa nuvem de pó, que em sombra escura
A multidão confusa levantava;
Não cessa um p~nto mais : tudo assegura,
E sem temer a turba que observava,
Marcha a ganhar o alto i e posto ú fronte,
Deu á tropa em cordiio por centro o monte.
51.
.Tá se avistava barbaro tumulto
Das inimigas tropas ew.. redondo;
E antes que emprendam o primeiro insulto,
Levanta·se o ·infernal medonho estrondo :
Os marraques, napis e o brado inculto
Todos um só rumor, juntos compondo,
Fazem tamanha b1Jiha na esplanada,
Como faz na. tormenta uma trovoada·.
52.
. Tu, rapido Pagé, foste o primeiro,
De quem o negro sangue o campo inunda ;
Que com seres no salto o mais ligeiro,
:M;ais ligeira te colhe a cruel funda:
Paraguaçú lh'atira désde o outeiro i
Chovem as pedras, de que o monté abundu i
E do lado e de cima do cabeço,
Tudo abatem com tiros de arremeço,
C/d'i 11'0 QUARTO.

53.
Não ficou no combate em tanto ociosa
A fréxa do inimigo, que o ar encobre;
Com<oça Jararáca a acção furiosa,
Dando es tímulo ousado ao valor nobre,
E a turba de Diogo receosa
Foge do grão Tacápe, onde o descobre:
Que tanto estrago faz que qualquer fera
Maior entre os cordeiros ,nã.o fizera.
54.
Mas quando tudo com terror fugia ,
O bravo Jacaré se lhe põe diante :
J~caré, que se os tigres combatia,
'l'tgre não ha 1 que lhe estivesse amnte !
Treme de J araráca a companhia,
Vendo a f6rma do barbaro arrogante,
Que com pelle cuberto de panthera ,
ltuge com mais furor que a propria fera.
55.
D ~vista-s~ um com outro: a massa \ltrdente
etxam catr com baubaro alarido;
Correspoude o clamor da bruta gente,
F. treme a terra em roda do mu!!ido:
.A.purou Jacaré no escudo ingente
~tl\ duro golpe, que o deixou partido ;
Q ent quanto 'Jararáca se desvia,
Itcbra a massa no chão, com que o batia..
O CARA~lURÚ.

56.
Nem mais espera o Caeté furio&o 1
E qual onça no ar, quando destaca,
Arroja-se ao contr{orio impetuoso,
E um sobr'outTo co'as mãos peleja a taca~
Não p6de discernir-se o mais forçoso ;
E sem mover-se em \Ôrno n gente fraca,
Olham luctnndo os dous no fero abraço,
Pé com pé, mão com mão, braço com braljO•
57 .
Porém em quanto a lucta persistia,
No sangue em terra lubrico escorrega
O infeliz Jacaré; mas na porfia
N em assim do ndversario se despega:
Sôbre o chão um com o ou tro ás voltas ia :
E qual o dente, qual o punho emp rega,
Até que Jararáca. um golpe atira,
Com que rôta n cabeça o triste expira.
58.
Nem ~"ilais espera de Gupeva n gente 1
Porque voltando em ra.pida fugida,
Deixam nas mãos do barbaro potente
'.roda a batalba n'uma acçào vencida:
Não ta nJa mais Diogo já presente;
E tendo ao lado a esposa protegida,
Do outei ro desce, donde tudo obscn·a 1
E invade armado a lJarbara t'aterva ,
CANTO QUARTO. 19!;

5\l.
Quem .poderá uizer da turba imbelle
Quantos a forte mão talha em pedaços?
Paraguaçú valente ao lauo clélle
Muitos mandava aos lugubres espaços:
~eineauuo por onde o golpe impelle
1 roncos, bustos, ca beças, pernas, braços ;
Nem um momento a fraca gente aguarda,
v-enuo-a brandir a lucida alabarua.
60.
O membrudo pai com tres potentes
llob'ustos filhos degollou co 'a espada ;
~ a dous nobres Caetés dos mais ·valentes,
feildo a mão para o golpe levantada;
Co?J dous re,•ezes, que lhe abira a rdentes,
~e1xou pendentes no ar co'a mão cortada ;
Cabú de um talho que a assaltal'a veio,
o'a cabeça iicou partida ao meio.
61.
Muitos sem .nome despo.jou da <vidà,
]: a quanto encontra o ferro não per.doa :
Qual se os cachorros pevde embravecida,
~o caçador se arroja a fera leoa ;
]: entre mil da!ldos, de que a tem cingida,
b<~ndo-lhe azas a (lor, saltando voa,
~ ruge e _mor~e, e no qu_e en~ontra. emlmrra !
011de 11ao pode dente, 1mpnme a garra.
I Ô
i96 O CARAnn.;nú :

62:
Tal a forte donzella move a espada,
Ou talvez lança mão do dardo agudo,
E de mil e mil golpes fulminada,
Rebate todos no colete e escuuo :
As Amazonas, de que vem rodeada,
Vendo sôbre a heroina correr tudo;
Onde, quer que os contrarias se apresentam,
Accommettem, degollam e a!Jngentam.
63.
Por outro lado o valeroso Dio2:o
A mullitlão dos barbaros subjug,;:;
E uns precipita no tartareo fogo, ·
Outros obri2:a com terror á fu2:a:
Mas uns det~m co'a espada, o~tros com rôgo
Urubú, que do sangue a fronte en~nga;
E oppondo-se entre os mais a Diogo ardente 1
Restitue a batalha, e anima a gente.
64.
UrulJú• que na brenha exercitado
Um tigre, que na caça á mãi roubára,
Tenuo-o junto de si domesticado,
A combater comsigo acostumá.ra :
Lança-o a Diogo: o monstro arrebatado
Entre as prezas crueis, que arreganhám,
Ia apesar dos feFreos embaraços,
Com garra e dente a pol-o em mil peda<;os,
CANTO QUARTO. t97

65.
Mas o Heroe bem que de outros investido,
Em quanto a fera no ar saltando tarda,
T~ndo-se ao fero assalto prevenido,
Dispara-lhe na fronte uma espingarda :
E qual raio da nuvem despedido,
Quando a fera que o impeto retarda,
Trémufa ao golpe a vacillar começa,
Salta-lhe em cima e corta-lhe a cabeça.
66 .
..
. Ao estrepito, ao fogo, ao golpe horrendo,
A fumaça do tiro occasionada;
~o ver o busto sobre o chão tremendo,
a terrível cabeça sôbre a espada;
A immensa multidão que o estava vendo,
Cae por terra sem ll.nimo assombrada;
E alguns, que em pé tremendo se suspendem,
A. o grão Caramurú todos se rendem.
67.
O Jararáca entre tanto que seguíra
p s que fugiram no primeiro insulto,
or encontrav Gupeva tudo gira,
~ue nas cabanas se emboscára occulto :
a-o buscando o barbaro, que ouvíra
Daquella parte o bellico tumulto,
~m tenção de expugnar a taba ingente,
atar Gupeva, e captivar-lhe a gente.
O CAflAl\IUnÚ

68.
Na toca algum <las arvores immensas,
Algum om meio as ramas se escondia;
Muitos se cmlJOscum pelas selvas tlensns,
Outro em covas profundas que snbía :·
Porque andando em contí nuns desavenças,
Qualquer ao noto nsylo recorria ;
Onde entrando o inimigo, sem prevel-o,
Saem de toda a Jlarte a accommettel-o.
69.
Em quanto ll selva passeava escura
De immortaes arvoredos rodeada,
Foi Jararltca que a cuidou segum,
Ferido sobre o pê de uma frechada :
Ficou-llle a planta sôbre a terra dura,
Em tal maneira com o chão cravada
Que por mais que arrancai-a dnli próve,
Despedaça-se o pé, mas n1to se move.
70.
Corre a turba a salval-o, e em continente
Voam mil settas desde a espessa rama ,
:E cad'arvore ali do bosque ingente
Um chuveiro de tiros lhe derrama:
Cada tronco é um custello : ao lado e frentP.
A occulla multidão brnniindo clama; ·
E o resto, que em eu'•ernas se cscoudia,
Ao rt1111or tla victória concorria.
CANTO QU .\ IITO. !99

71.
Já mal resiste o Caeté cercado ;
E o bom Gupeva, que ao mmor concorre,
Um corpo de reserva trouxe armado,
Que á inclinada batalha im,iclo corre .
.Tararúca, que o pé tinha encra vado,
Vendo que onh·o remerlio o nii.o soccorre,
Por ter a. Yidn e li berdade frau:n,
Deixa parte do pé, e n setla arranca.
72.
Nos braços vai dos seus mal defendido;
Mas com a massa, que menêa horrenda ,
R eprime forte o barbaro atrevido,
Porque nii.o haja •quem se acoste, c o prenda;
E tendo a sorte o caso decidido,
Cede raivoso da cruel contenda;
E ao sertão retirado nílo descança,
Maquinando em furor nova vingança.
73.
Paragnaçú porém de glória avam
Seguia na victória o genio activo;
E incau ta de Diogo se apartára,
Cortando a reti rada ao fu gitivo:
A.nima a ruultidii.o, que se emboscára,
Pessicava potente, por motivo,
::le prevalesce a fôrça do contárrio,
De ~cudir ao soccoFro necessario.
200 O CAllAMUn Ú.

74.
Este vendo a donzella valerosa
Turbar com furia a gente amedrontada,
Desde o alto lança de arvore frond osa
Grosso ramo, que cae de uma pancada.
D ebaixo delle a heroína valerosa,
Co' grande pezo pe-lo chão proslracla,
Ficou falta de alento e semiviva,
Nas mãos do cruel barbaro captiva.
75.
CQrre a turba feroz contra a donzell'a,
Que depois que das arm~s deixa Q pe)Jo,
Descobre a todos a J>resença bella,
E fica quem a prende ainda mais prezo.
Da rude multidão, que eorre a vel-a,
Ha quem de a ver tão linda fica accezQ,
Outro que de a ter visto em guerra armada,
.Ainda a teme com vel-a desmaiada.
76.
Logo que respirou, novo ar tomando,
Sente no coração mais d esaffôgo,
E alento pouco a pouco vai cobrando,
Até que entrando em si, chama o seu Diogo:
Mas na turba que a cérca reparando,
Conhece-se captiva, e desde logo
N'outro fero desmaio fi1:a absor.ta,
E cuida quem a vê que ficou morta,
CANTQ QUARTO. i OI

77.
Selvagem l1a que cuida de comel-a,
Nem mui lo se está morta se assegura;
E: com fnria voraz contra a donzella, ·
A gula accende com a chamma impura :
Nem prezar-se costuma a fórma beiJa
No fero coração da gente dura;
E em morrendo qualquer mulher ou homem,
Choram muito, e depois assam-no e comem.
78.
Paté com este intento a degollára,
Se a bella Mangarita que isto via
Desde o matto escondida o não frechára,
Deixartdo-lhe suspensa a mão que erguia :
Um troço de Amazonas volta ·a cara,
E a peleja de novo se a.ccendia ;
Sendo Paraguaçú, que jaz no meio,
O preço da victória neste enleio.
79.
Cotia, que marchára sempre ao lado
Da desmaiada heroína em paz ou guerra,
Por vingar ou remir o corpo amado,
Co• fulmineo Tacape o campo aterra;
Piâ, Cipô, .A.çu deixou prostrado,
E faz que a gril Balêa morda a terra,
llal~a, que accommette vingativa,
Por guard<~~r a donzella semiviva.
202 O CARAnrunÚ.

80.
Nem tu, Guarapirauga, á mão formosa
Pudeste evadir na horrível lucta,
Que em qua~to a inubia soas l!OFI'Orosa,
Com que ás ai'mas se accende a gen te bNita .
Cotia com a espada ' 'alerosa,
A musica fera! que se te escuta,
~os antros ret1,1mbar te Ia• do Averno;
Melodia, qt1e é digna só do inferno.
Ol.
Tudo cede á Amazona, e já salvava
Paraguaçú mortal da gen te fera,
Quando o grão Pesslcava, que ohsenvava
O estrago, que a Amazona ali fizera:
Accommette o esquadrão com furia brava·,
E tudo affugentaudo o tempo espera,
Em que a impulso do braço alcance forte
Degolar a Cotia de um s6 corte.
82.
Espera ella sem medo, apenas víra
Do barbaro feroz o golpe incerto ;
E veloz a uma toca se retira,
Que t1nba em duro tronco o tempo al>erlo :
Porém repete ali eom maior ira
Pessicava outro golpe e .por acerto
Na valerosa Paca imprime o tiro,
Que tomou com Cotia es te retiro.
CANTO QU .I kTO .

83 .
Em rpmnto entrava o barlmro c.: '"' luda
Oru e outro se a braça, o forte Diogo
Que o caso da sua bella infausto escuta ,
Toma a espin:rarda, e parte em furia lo;;u :
Qual polvora ~ncerrada dentro iÍ. gru ta,
Quando na occulta mina se deu fogo,
~rroja penha e monte, e o qu e t em diante ;
lal se env ia em furor o a fflicto amarlle.
84.
Ti nha a rrogado P essicava em tanto
A Amazona infeliz , e a mão lançava
J{, de P a raguaçú, que no quebranto
Apenas levemente respirava;
E eis-que in ventando Diogo um novo espanto,
Traz um tambor, que horri sono soaYa ;
E log<J que o arca buz com bala a ti ra,
Cue Pessicava, e morde o chão com ira.
85.
Mais ni'ío espera a tímida manada
Ouvindo o es trondo e os lwrridos cll"eitos :
Quem parte logo em fm·ia declarad a ;
E quem lhe rende humilde os seus respeitos:
~aragu açú porém desassomb rada,
Sendo os conlrarios com terror des feitos,
Acordou n' nm suspiro, e solta vin-sc ;
:E conhecendo Diogo, olhou-o, e riu-se.
CANTO QUil'fTOa
Prá·tica do lleroe enolareoeudo l'ara -
guaçu sôhre a summa bondade de Dcos - ·
'!'ratos com os prisioneiros - Trama o gen-
tio o extermiojo do Heroe por mar, ata-
cando o seu futuro sogro, principal de Ta-
parioa- Fie~ este t~ i ctol'ioso e salvo oom n ·
•norte que dá a Jararáca o Heroe- Dez
mensageiros de unções do sertão chegnm
n prestar humenngem n este Último.
D .llDlL em tanto a luz sobre o horizonte,
Os seus trémulos raios apagava,
E desde o occiuental immenso mont<>,
A l1oite pelas terras se es palhava:
r.-torfeo deixando os antros de Aqucroulc,
~o seio dos mortaes se derramava;
I,as da barbara gente que fugia,
So s'entregava ao somno a que morria.
208 O CARA~IURÚ,

2.
Fatigado Diogo ao lado estava
Da bella espôsa n'uma gFã floresta;
Nem ao preciso somno logar da1•a
Na attenção de a guardar da gente infesta:
Um de outro os successos escutava,
Nutrindo em, novo fogo a chamma honesta;
Que depois que um lriumfa do inimigo
Faz-se doce a memória do perigo.
3.
Ao resplendor da lua que saía, .
Misturava-se o horror com a piedade ;
Porque em lagos 1de sangue só se via
Sangu·inplenla horrível mortandade:
O valle igual ao monte parecia,
E do esh·ag-o na vasta- immensitlade
o outeiro estava, donde foi o assalto,
Com montes de cadaveres mais alto.
4.
Não póde vel-o a bella Americana,
Sem que a tocasse um triste sevtiniento;
E ou fosse condição da gente humana,
Ou do seu sexo um proprio movimento,
Chorou piedosa a sorte deshumana
Dos que apartados do terreno assento
Jaziam, como ouvíra de Diogo,
Nas lavaredas de um etérno fogo.
CANTO QUINTO. 209

5.
E como, compassiva disse: E' crivei
Que um Deos, como me pintas, bom e amavel ,
Sabendo o que ha de ser, e o que é possível,
Nos crie para fim tão miserm•el?
Antevendo um successo tão terrivel,
N~o parece cFue!tlade inescnsavel
Dar-lhe o ser dar-lhe a vida, dar-lhe a mente
Para vel-os a;der eternamente ?
\

6.
Quantos crear podéra que o servissem,
Deixande de crear quem o aggravasse;
Onde todos a vel-o ao ceo su bi>sem.,
~ as obras que produz todas salvasse 1
ossos pais se dos filhos d:al previssem,
~uant o fôra cruel quem os gerasse 1
creremos da excelsa grã bondade
Que ceda a. nossos pais na humanidade 1
7.
Segredos são, diz Diogo, da inscrutavel
:Mngestade de .Oeos : que saberemos
Do seu medo de obrar sempre ineffavel,
Se o que somos e obrâmos não sabemos?
Faltando-nos razão clara e provavel
~os conselhos de DP.os, que occultos vemos,
E bem que toda a dúvida se acabe;
Porque elle p6de mais do que o homem sabe.
210 o CAUUIURU.

8.
Mas se ha Jogar ft humana conj ectura
Dos possiveis na longa immensidade,
Não se podia achar uma creafi:Jra,
Que goze d'impeccaYel liberdad e :
TJma firme innocencia é graça pura;
E mercê liberal da DiYindade;
E quem em tanto a perguniar se alTeve
Porque lh'a não '!uiz dar quem lh'a n>io deve 1
9.
Desde a origem da immensa eternidade
Que tudo sem princípio o11clena e rege,
Devemos presumir da di.vindade
Que onde o optimo encontra, em tudo o elege ;
E sendo em nós tão grande a iniqui'd ade,
Não t emos consa que a qualquer se inveje;
Onde se os mais possiveis vendo .fores,
Nós fomos os eleitos por melhores.
10.
Embora seja assim, disse a donzella,
Mas que culpa tem estes que o ignoravam ?•
Não cuida acaso Deos, eu pouco zela
As almas, que entre nós se condemnavam ?
E senão, porque causa aos mais revela
As doutrinas, que aos nossos se occullavam ?
Distava mais do ceo a nossa gente,
Porque meMa o mar d'éste a poente?
CANTO QUINTO, 2fl

11.
Tornai a culpa a vós, e a vós sómcnte:
O Reróe ij·esponde assim: se com estudo
:Procurais sôbre a terra o bem presente,
Porqu e não procurais o auto r de tudo?
Pâra o mais tendes lume, instincto e mente ;
Somente contrru Deos buscais o escudo
Em a voss~ i!!'noPancia á brutal culpa!
Essa i gnoran~ia é crime, e nào desculpa.
12.
Porém já da fadiga desvelada
Cerrava Panaguaçú seus olhos clm·os,
!enuo-a Diogo na fé mais confirmada ,
Com responder pr.udente aos seus reparos:
Etu quanto a bruta gente aprizionadn ,
~ostrauilo-se da vida nada avaros,
ansum e bebem com tri'jlndio forte,
E esperam, como boda, a cruel morte.
13.
Gupeva triumfante na gr'ã.taba
O infausto prizioneiro {, morte guia,
E anteveJido que a vida se lhe acaba,
A. lnul!ter cada um lhe ofTeJ,ecia:
'l'razem-lhe o peixe, as cames, ril, mangaba :
:Brindando-lhe o licor, que a t:xca enchia :
A.té que, qunn~í'o menos se reco;,da, ·
bous selvagens o prendem n 'uma corda.
212 O CARAMUUÚ.

14.
Sôltas as mãos lhe ficam, que manêa,
Nem o tem mais que em meio da cintura
A soga ue algodão como cadêa,
Que de uma parte e de outra os aRsegura:
Qual leoa feroz na malll'a arêa,
Quando o laço no ventre a tem segura,
Toda da fronte á cruuda se retorce,
E mge e vibra a garra, e o corpo torce.
15.
Muitos então da furibunda gente
Dizem injúrias mil, com mil insultos,
Que elle se esforça a rebruter valente,
Sem que recêe os barbaros tumultos :
Algum ali chegando ao paciente,
(Que têem por causa vil morrer inultos,)
Dá-lhe um cesto de pedras ~ecalcado,
Com que atirando aos mais, morra vingado.
16.
Embiára e Mexira, dous possantes
Mancebos Caetés de um parto vindos,
Que Ainubá dera á. luz tão similhantes,
Como tenros na idade, e em gesto lindos:
1\'Iuitns donzellas, que os amaram dantes,
Os bellos dias seus choravam findos ;
Mitigando o desgosto de perdel-os
Com a inten,ção que tinham de comel-os.
CANTO QUINTO. 215

17.
Estes na corda lêem os da Bahia,
Dispos tos a morrer no torpe abuso
De celebrar com sann-ue o fausto dia
Das victimas lriumfa~s ao pa lrio uso:
Embiára, que com arte a pedra envia ,
1\iuitas no povo disparou confuso,
E apesar dos escml os, que põe diante ,
Algu ns feriu da turba circnmslante.
18.
Uma grã pedra ao ar nas mãos levanta ;
E e1·guendo os braços sôbre a front e a atira:
Lança por terra alguns, outros qu ebranta ,
E esmaga com o pezo o g rão Tapira :
Outras tres arrojou com furia tanta
Que se d'atorno a gente n1io fugíra,
Com os tiros, que o bravo lhe dispara ,
Em vin gança cruel no chão fic {o ra .
19.
Mexira n'outro lado era detido
Com o duro cordão ; porém sem<medo,
Ao barbaro Pyri, que o tem c i ogido,
~sntigalha a cabeça c 'um p ene?o:
0 ge o povo com pedras rebatido;

1\ias Mexira na co1·da atado e quedo ,


ColU tres p edaço& de uma ingente roca,
Uns dP.rriba no chão , e outros pro voca .
O CAUA!llUIIÚ.

~u.

Sae então Tojucáne em campo ardente,


E ao som dos sens marniqnes aplaudido l ·
Um cinto tem de plumas sôbre a frente,
Manto ao hombro de pluma entretecido :
Tinto de negro rtodo, a côr somente
Traz natural no vulto enfurecido i
E por metter no horror maior respeito 1
Com o beiço inferior varrJa o peito.
~1 .

A cara, peito, braços (vista horrenda!)


'l'raz com golpes cmeis acuHiados:
Golpes, com que o valor se recommenda,
F eitos da propria mlto com talhos dados:
Orule se a chaga apodreceu tremenda,
Em meio do aseo e horror desfigurados,
Vendo a gente br·utal que um riào se doe,
E;te enl1í.o 1 que ign0raocia ! é. o seu heroe.
!22.
Dest'arte Tojucúne armado vinha;
Pôsto aa vel-a em sile.naio, em pasmo tudo !
Atira-lhe Embiára,· que ainda o biuha,
Um penedo, qu e rompe o forte escudo:
O tncápe elle entào desemba inha,
Que de pl lD!nas urnou com bello es•tuclu ;
E enéosta.udo-se uusaclo á louga corda,
Aos dous fortes irmilos falamlo aborda : ·
CANTO QUINTO. 21ü

23.
Não sois vós, uisse o barbaro, traidores,
Os que a matar-nos com furor viestes,
E 5em respeito aos míseros clamores,
~s nossos tenros filhos já com estes?
>:>amos, disseram, nós: os teu s furores
~em o laço, em que agora nos prendestes;
Souberamos domar : e assim captivo·,
A ver-me sôlto, te comdra vivo .
. :24.
Vivo nem morto a mim me não tocá ras ,
Porque se braço a braço ~e mediras,
Ou immovel de espanto em pé ficá.ra~,
Ou de um ~ó golpe, diz, [JQ chão caíras :
Verias bem, se agora nos soltáras,
C~mo logo, responde, me fugíras;
l'fuo qu eira de valente sen lon\'ado,
Quem pretende triumfar de um desarmado.
~5.

Esse vão pensamento melhor fôra


Que o tiveras, como eu, no campo, bravo j
Mas tu, diz Tojocáne, na mesma. hora
'l'e viste combalido e foste escravo:
Como te atreves a gloriar-te agora
Co1n vil jactancia , com soberbo gavo?
A quem de res istir falta n constancial
Não llca mwis logur para• a jactunci•1•
216 0 CARUIURU.

!26 .
Dizendo assim· na fronte a espada ingente
Deixa o fero c·a ír com golpe horFendo;
Cae por terra Em!Ji{.ra, ainda vivente;
Mexira morto já, porém tremendo :
Mprdéu aquelle o chão cum furia ardente,
E em cima o matador co' pé batendo:
Morre, soberbo, diz, e serás vasto
Para nosso tropheo vingança e pasto.
27.
Qual se diz que a '11ifeo subjuga um monte,
Tal a planta cruel Embiára opprime ;
E como a cobra faz, se ~~mto á fonte
Toda em nós quebrantada se comprime:
Retorcendo em mil voltas cauda e fronte,
Que ergue, vibrando a lingua, no ar sublime,
Tal o infeliz monendo em voltas anda,
E o espirito exhalando ás sombras manda.
S!8.
Chega ás cruentas victimas chorosa
Feminea tropa, que com dor lamenta i
E urlando todas com a voz maviosa,
'11udo vai tepetindo a plebe attenta :
Depois daquella lástima enganosa,
Qualquer junto aos cadaveres se assenta,
E vão talhando pés, cabeças, braços,
. • E as vi climas fazendo em mil. pedaç.os.
CANTO QUINTO. Ui

29 .
Chamam moquem as carnes que se cobrem,
~ a fogo lento sepultadas assam;
1 udo em cima com terra e rama entobreml
Üttde o fogo depois com lenha façam :
Em tanto as l'Oltam, cobrem e descobrem
.Até que do calor se lhe repassam :
Detestavel erupreza, que escond iam
Da indignação de Diogo, a quem temiam,
30.
Foi avisado o Heroe do acto execrado;
llorrivel pasto da nação preversa,
E a maneira opportuna meditando
D~ barbara funcção deixar dispersa :
1\'ill fogos de artificio ia espalhando,
De horrível fórma e de iuvenç.io diversa:
Treme a vil turba. e sem que a mais se arroje
' Deixa o pasto cruel, e ao matto foge.
31.
Confusa a infame gente do successo,
Do grão Caramurú temia a vista,
l 1oge Gupeva de terror oppresso;
Nem sabe em que maneira ao mal resista;
M:as o novo pavor na genle ' impresso
Mitiga Paraguat;ú, que o damno avista,
Se, como teme, o povo de espantado
O terreno deixasse abandonado.
K
O CARA~IUUÚ .

3~.

Jararáca entre tanto conllnzillo


Dos bravos Caetés á taba nota,
Diligente cu rava o pé ferirlo ,
E em reparar cu idava a gril derrota : -
E hav endo no conselho a liga unillo,
As fôrças representa, os meios nota,
E nigromante crê por perda tant,a
O grão Carumurú, que o fogo encan!a.
33.
Já na grã taba os barbarcis se ajuntam ,
Onde co ntra Diogo arte se estud e,
E por magos famosos, que pe~guntam, ·
Recorriam de encantos {, virtude :
Os nigromantes vem que os corpos untam ,
E nos susurros rlo seu cauto rude
Esperam que tambem ao forte Diogo
Matando privem do temido fogo.
34,
Um !lelles, que por sabio se acredita,
:Não Im, disse, quem possa a ardente fragoa
Apagar no trovão, que o raio excita,
Lastimosa occasião da nossa mágoa :
Que se o antidoto ao fogo se medita,
Mais natllral não lm que l an~nr-lhe ngua:
Dentro n'agua se apaga o fogo ardente:
E este .! o meio, que occorre' de presente.
CANTO QUINTO. 2 -tD

35.
Contra as vossas canoas não se atreve
O filho do trovão, se desce ao porto :
"V ó_s o vereis sem força em tempo breve
s~lr, qual Já saíu, das aguas morto:
N1nguem ha que niio saiba como esteve
Quando o cncontrámos náufrago no p8rto :
Nem usou do trovão, que espanta em terra,
Nem fez com fogo n'agua horrivel guerra.
36.
São n'agua, terra e mar mui dilTerentes
Os anhangás, que reinam divididos:
Dos, que só no ar e fogo são potentes,
Causam ventos, trovões, raios temidos >
O terremoto e pestes s8bre as gentes
Movem out-ros na terra conhecidos :
Este porém, que ao estrangeiro acode,
N'agua não poderá, se em .fogo pódc.
37.
Parece á rude gente este discurso,
Segundo os seus princi pios concludente ·;
E ouvido com applauso no concurso,
"Votam na execução concordemente.
Toma a guerra por tanto um novo curso1
E ao mar se envia a bellicosa gente;
Nem capitão ba mais nem ha pessoa
Que llllOse embarque em rapida CUilotL,
".
O .CAR,l•IIIURÚ.

38.
Chamam canoa os nossos nesses mare:t
Batel de um V[\Sto lenho construido,
Que excav.ado no mejo, por dez pares
De remos on de mais, v0,a imp.ellido:
Com tropas e petrechos militares,
Vai •de impulso tão rapiçlo movido
Quç• ou fuja da batalha ou a ,accommella,
Parece. mais .lig.eiro que uma setta.
S9.
Conconendo as naqõ~s do sertão juilto 1
Trezentas ou mais arma '.Tararáca ;
E tendo escolha1 porque o pol'o é munto,
Deixa em ter-ra das gP.ntes a !Úais fraca .
E sendo da Ballia tão conjuncto
O ilheo ela Taparicu, este se ataca,
Na esperança que Diogo acudivia,
Vendo o sog~o em: perigo, que 9 Tegí_~"
40:
Repousava sem snsto 'il'aparica;
E confiado em Diogo e na victória,
Gozava ele uma paz tranqnilla e rica,
Depois que a guerU'a terminou com glória 1
E quando a rouca inul»a arma Jmblíca,
Tão longe tinha as armas da memória,
Que ignorando em soc&go os seus perigos 1
Nas mãos se fo.i melter dos inimigos.
CANTO QUJNT0.

41.
Prendem o inerme chefe de improviso,
A.ccommeltendo a taba descuidada:
A. cbammn e fumo dão infausto aviso
.Ao bom Diogo da barbara assaltada:
Ne m impulso maior lhe era preciso,
Vendo a ilha dos baTbaros tomada:
Occnpa em pressa as armas e as canoas,
Sem mais que Paraguaçú com cem pessoas.
4!2.
Vinte bombas de polvora tem cheas,
De que uma parte já das n{tos salvára;
Quatro ferreos canhões, que e11tre as arêas
Por nadadores bons do mar tirárn :
l'detralhas, palanqnetas e cadêas,
:Pistolas e fusis, que pre:parára;
Canoas tres de polvora e resina,
Que lançar nas contrárias determina.
43.
Forma-se em ' meia lua a vasta armada, '
Cuidando de encerrar Diogo em meio,
E com nuvem de frechas condensada
A. nurea luz do sol a impedir \•ei o:
Finne estava do Heroe a turba irada;
E coalhando-se o mar de lenhos cheio,
ll-e tumba o eco na Bahia toda
Peta gente brutal, que urla,•a em roda.
6 CAitA~UR·Ú .

44,
Até que a tiro os vê de bronze lwnemto ;
E sem mals esperar•, dispara fogo,
. Que tudo com metralha ia varrendo,
E a pique de3 canoas metteu logo :
Saltam muitos tle horror no mar, tremendo;
Alguns deixando o remo; as mãos de Diogo
Com bombas ardem, que feroz lhe lll;ru;a ;
Outros a es,p ada de visinho alcança.
45.
Confusas entre si vão fluctu;~ndo
As canoas, que a gente ~ilo regía;
E uma vai sobr'outrn& em].ll~rrando
Na desordem, que todas confundia:
As tres incendiárias anojando,
Um diluvio ile fego r:r'agua qrdia.,
Com tal fumaça na~ ardentes fr11gons,
Que eubrindo-se o ar, fervem as aguas.
46.
Qual, se na selva densa o fogo atêa.,
Em columnas de fumo Yoa a clmmma,
E a lavareda, que pelo ar ondea,
Traspassando se vai dé rama em rama :
'l'al na Bahia de canoas- chea
Um diluvio tle fogo se derrama;
E o barbaro de horrov, de espanto e mág·oa
Foge á morte cito fogo , e escolhe n d'ngua.
CANTO QOI:'iTO.

47.
Jararúca entretanto em terra eslava,
Donde prendêra o incauto 'J1aparica,
E raivoso das praias observaya
Toda a frota naval, que em cinzas fica:
Foge dispersa a tropa, que levava;
E logo que a victórire se pull!íra,
Toda a ilha, que as ·armas arrebata,
O tímido Caeté subjuga ou mata.
48.
Nem já dos in imigos se descobre
Drna canoa só no lago ingente;
E o mar de mil cailaveres se cobre,
Sem que saiba aonde fuja a infeliz gente.
Que Gupeva enlre·tanto a praia encobre,
' Embaraçando a fuga ao continen te;
Grande parte desde a agua o braço estende,
E a liberdade com a vida rende.
49.
Não as;:im Jararáca, que na praia
Põe por escudo u infausto Taparica;
E ameaça malai-o, quando sáia
Ern terra Diogo, que suspenso fica.
~ê o transe a filha, e sôbre as mãos desmaia
E o caro espôso, e pelo pai suppl[ca :
• Yê-se Diogo em lance embnraçado,
Sem saber oomo salve o desgraç~do.
O CAR.\1\fURÍJ .

50.
Atirar-lhe quizera; mas duv.fda ,
Na intenção ue matai-o vacillanle,
Vend.o do .sogro ameaçada a vida,
E quasi sem alento a espôsa amante :
Tres vezes poz a mira dirigida;
Tres vezes se tleteve a mão constante ;
E em terra a um tempo a acção retarcln,
.Tararúca ao bastão ; elle á espingflrda.
5!.
Que mais espero, diz, feril-o é incerto,
Mas é claro na mão d'esse inimigo, ,
Que em qualque!" caso em fim o damno é certa,
E cresce na tardança o seu perigo:
Disse, e toma por alvo descuberto
A fronte do contrflrio, e neste artigo
Dispara o tiro.; e a ·baila lhe atra:vessa
De uma parte á outra parte da cabeça.
,52.
Cae Jararr.ca em terra ao mesmo instante,
Qual penhasco, que do alto se derroca,
Quando o raio, que o arr.oja fulminante,
Desde cima o arrancou da excelsa roca:
N'um rio a terra ,se banhou fumante
Do negro sangue, donde pondo a bocca ,
Morde raivoso a artla, em que caíra,
E o torpe alento com a vida espira .
C.\N1'0 QUINTO . 22iS

53.
, .J{, nes te tempo se encontrava amigo
.l'apurica e Diogo em terno abraço,
Vendo por terra o pedido inimigo,
Que tremendo occupava um vaslo espaço ;
~araguaçú, que afi'licta do perigo
Sem sentido ficou no horrível passo,
1'orna a si do desmaio, e vê piedoso
O pai, que a tem nos bra<toa, com o cspuso.
54.
Alegre vem do opposto continente
F.ru canoas Gupeva a Taparica,
Congralular-se com o Heroe valente,
Que morto Jararúca, em calma fica;
Pasma de ver o estrago 11 insana gente,
Que os arcos nbatendo a paz snpplíca;
E respeitando 11 sup'rior potencia,
Compensavnm a paz co'n obediencia.
55.
Chegaram do sertão dez mensageiros
Ern nome elas nações, qne em guerra andavam,
Cortfirmando cóm pactos verdadeir-os
.A. inteira suJeição, que ao luso davam ;
~cru eulr'elles os príncipes primeiros,
li: _com os ritos, que na patria usavam ,
Pnnci pc acclama'm com festivo modo
O filho do trovão, do .sertão lodo .
O C.U\.I~lU 11 Ó,

5G.
Nem cluviuou Diogo imaginando
Quanto domar importa a gente bruta.
Acceitar das nações o excelso m0:ndo,
E comsigo prudente os fins ~·ep uta:
Ouve-se em nome seu pttllli co bando,
Que a barbara caten'a humilde escuta,
Em que todo o homiciclio se prohibe,
E com pena de morte a culpa inhibe.
57.
Julga porém ao ver inveterada
A barbaru paixão na ge nte cega,
Que a grave pena ao crime decretada
Co nv em dissimular, se ao caso chega :
A Ludo a ge ute bal"!mra humilhada,
S6 na gul a cruel a emenda nega,
Por barbara. vingança ct•rniclúra.,
Que tanto p6de a educaçilo primeira.
58.
Nã.o tardou logo a occasií'lo de vel-o;
Porque apenas deixúra a companhia,
O proprio 'l'aparica sem lemel-o
Ao convite crnel se pJievenia:
Bambú, que f0 1ra ao ponto el e prenclel-o,
Quem lhe lançárn as mflos com ousadia,
Prezo em canôa o rég·ulo conserva,
Por pasto infanclo á barbnra caten'a.
C.lNTO QUINTO.

59.
Estam u uestliloso encadeado,
E ex posto a mil inscc tos qu e o mordiam,
Nem se lhe via o corpo cusanguentado,
Que lodo os mnriúondos lhe cubriam:
Corria o negro sangue dernunudo
Das crncis picadurus, que lhe abriam ;
E clle immovel em tanto em tosco asscnll'l,
Pnrecü( insensível no tormento.
60.
Vendo Diugo o infeliz, quanto padece
No mod o de penar mais deslmmauo;
llruio r a tolerancia lhe parece
l )o qne possa caber n'um peito humano:
1~ como autor do crime r eco nhece
bo cruel sogro o coraçã.o tyranuo ;
~ITerece a .Bambú, qnc a morte amettÇ!l,
occorro amigo na cruel desgraça.
61.
Perdes comigo o tempo, tlisse o fero ,
A.o .que vlls , c ainda a mais vivo disposto :
A hhcrda<l c, qu e me dús, não quero;
li: da dor , que tolero, fa<;o gôs to ;
~~~in1 vingntr-tne do inimigo espe ro :
1
• ssc: c sem se mudar do anllgo pôslo ,
~s picadas crueis l1lo firme atura
omo se penha fôru. ou rocha dn m.
!!2!1 O CAJ\It.llURÚ·.

6~ .

. Se o motivo, diz Diogo, porque temes


E p01:que escravo padecer receias ;
E tens por menos mal este em qne gemes
Do que uma vida em míseras cadeias :
D eJJÕe o susto que se m causa tremes:
Penhor te posso dar por onde creias ,
Depondo a obstinação do torpe m edo,
Que a vida e liberdade te concedo.
63. ,
Aqui da fronte o barbaro desvia
Dos insectos co'a mão a esp essa banda;
E a Diogo, que assim se condoia,
Um sorriso em resposta alegre mai1da.
De que te admiras tu? Que serviria
Dar ao vil corpo condição mais branda?
Corpo meu não é jft, se anda comigo,
Elle é corpo em verdade do inimigo.
64.
o espírito, a razão, o pensamento
Sou eu e nada ma is : a carne immunc[a/
Forma-se cada dia do alimento,
E faz a nutdç1lo que se confunda:
Vês tu a carne aqui, que mal sustento ?
Nilo a r eputes minha: s6 se funda
Na que tenho comido aos adversarios;
Donde rninlm não . é, mas dos contrarias.
CAN'l'O QULNTO.

65.
Da carne me pustei continuamente
De seus filhos e pai: uellu é composto
Este corpo, que animo de presente,
Por isso dos tormenLos faço gôsto.
E quanllo maior pena a came sehte,
Então mais me consólo, no snpposto
De me ver llo inimigo bem vingado,
Neste corpo, que é seu, Lào mal tratado.
66.
Impossível parece ao sabio Heroe
O que vê e o que escuta, e que assim possa,
Quuudo a carne mortal tanto se doe,
Vencer-se a llor da fantasia nossa :
llrugoudo interiormente se condoe
De ver que no ic1feliz nada faz móssa;
llrostmudo na brutal rara constancia,
Com tal valor, tão barbara ignorancia.
6.7.
Tinham disposto em "tanto no terreiro
.A.s nações do sertão pom pu festiva,
Creunclo Diogo principal primeiro
Co01 applauso geral da comitiva.
"~·Sf) Ol"llacio Ue plumas O guerreiro,
~como em triillllfo a mullidão captiva,
E sobre os mais n'um tllrono levantado
Cingem de ,pluma o vencedor c'ro~do.
250 O CAII.IBJURÚ.

tiU.
Á roda, como em círculo, poslt•mlo~
Sesse nt a principaes das nações feras
E m nome de sens povos humilhudos ,
S ubmissões rendem com temor sincera;;:
Tujúcupápo, estando os mui s calados,
G rito filh o do trovão , di sse, que imp e ra.~
E m terra e mar, com glóri a combatendo,
Tndo domaste com o raio horrendo.
li9.
Não te cedêra não dos nossos peitos
A varonil constancia em guerra humana ;
Nem da morte teme mos os effeitos,
Se a contend a não fôra sObre humana :
Rend emos-te fieis nossos respeitos,
Depois fli ie o leu valor nos desengana
Q ue em teus combates todo o eco te ass iste;
E a quem socco rre o ceo quem llle resiste?
70.
As nações do sertão j{L conYeucidas,
' Põe a teus pés os arcos e as espadas :
Sus pende o raio teu; prolcge as vidas
Desde hoj e ao teu imperio suj eitadas:
"E se te ns, como creio, sullmettidas ·
As p•·ocellas, as chuvas e as trovoadas ,
Não espantes com fogo a humilde gente ;
Mas faz e-nos gozar da paz clemente.
C,\NTO QUJNTO. 251

I ' 71.
A teu oommantlo es tão sem rcplicar·Lc
Os povos des te va>to continente ;
E far(& s cum teu nome em qualqu er panle
Que te obedeça a valcrosa ;;e nte.
Faze com o Juvur qu e haja de nmar-tc,
Como a teus com t e rro r fe i~o obed iente;
Que se troveja o ceo na es fe ra escnl'a,
A luz ma nda lambem formosa e pura.
72 .
Não foi acaso , disse u Heroe prud e nte,
R es pon de nd o ao di sc urso, foi destilw
Querer o gTão Tupá qu e a vossa genle
A. mão conheça do poil.el" divino:
Do ceo, qu e sOb re vós brilha luz ente ,
Se. recebe rdes o Slt"ntdo
o ensino·,
L., l\•res com ~;lória do lymnno ave rno
Sô bre elle reinnreis n'um soHo eterno.
73 .
Porém por se rdes na ignorancin rude,
Incapazes de ouvir o mai s, em tanto
:Buscai com a razão mai o r virtude,
lll!plorand o o favo r do lhrono sn nto :
'f!: quando a vossa fé p edil-o es tude,
-"erc is da a nliga serpe no quebranto
Florcce r nes ta pa tria d'improviso
U llla imagem do ameno paraíso.
O C.Ut.\IIIUJ\Ú,

74.
Disse o Heroe generoso; a turba immensa
Em sinui de ]Jruzcr com gruta dança,
V:'lo em fileiras com a mão ex tensa,
Fazendo com os pés vúria. mudança :
Uma perna bailhundo tem suspensa,
, .E turma sobre turma em modo avança,
Que idéa dão dos bellicos al!tques,
Retumbando entre tanto os seus marraqucs .
75.
Os nigromantes, que o Brasil rcSJJeila,
Um mnrruqne descobrem venerado;
Insignia da nação, que no povo ncceita,
Consideram por s/mbolo sagrado :
O sncerdocio, cumo turma eleita
No minislerio ao culto dedicado,
Poz o barbaro termo á fuuc<;<1o toda,
Bafejando uos príncipes á roun .

.
Os priuoipaes dao na9Ões do interior tra-
zem presente9 1 e ambi'oionam aparentar·
se oom o Heroe, que como e.spôsa só ama
Poragua"çú - Contra a vida desta tramnJII
suas rivae~- Lapa na margem do rio s.
Franoiooo- Crê o Heroe ver ali erigido
um tentplo e <;>ra -Desce pelo rio etn
demanda do Reoooonvo - Ajudado do gen·
tio salva e agazalha a •!quipagem de uJII
navio que naufrogára sôbre a o os t a - i:.
informado pelo chefe dos naufrago• de
quem são, e corno ali vieram- Soe corre·
o9, e em breve se fazem elles de véla
- Emborca-se oom Paraguaçú em uma
náo franoeza que ahi chega, e parteJJI
para a Europa -Episodio de Moema ···- Per-
guntado pelo oommandante do• Franoezes
narra o Heroe a bordo o descobrimento do
Brasil, e de~oreve as suas pro'v inoias.
D ESC ANÇ AVA no seio então Diogo,
lCxtinctn a g-n erra, de uma paz dourada,
~ o pavor do snlfurco honi·vel fogo
I razia n genté barbara assombrada:
As remotas na ções conco rrem logo,
~esde a interna região mais a partada ;
~ . lend o-o do trovão por viva imagem,
v lllha toi!o o sertiío dar- lhe lJOm ennge m.
2il6 O CAIIA~lURÚ,

!2.
Muitos delles, dos povos subjugado~,
Que o efTeito viram da terrível chamma;
Outros vinham somente convocados
Das heroicas acções, que conta a fama :
Trazem plumas e balsamos presados
E outra rude opulencía, qrie o povo ama,
E com os dons da america na Ce res
Offerecem-lhe as fi lhas por mulheres.
3.
Era antigo dos barbnros costume,
Quando algum capitão foi bravo em guerra,
Ou se julgavam que o regía u1n nun1e,
Emparental-o aos principaes da terra:
Qualqner que de nob reza então presume,
Do grão Caramu rú, que tudo aterra,
Procura, como nobre preem i1tencia,
Ter na sua prosapia a descendencin.
4.
T nibaé, dos Tapuias éhefe an tigo,
Tiap(ra lhe ofTerece celebPmla;
E com a mão da filha deilii.IJ amigo
Uma ill ustre alliança confirmada:
Xerenimb6 traz ia-lhe comsi!!O
A fo rmosa Moema j{t negada
A muitos principaes, por daT-Ihe e~pôso
Dig no do tronco de seus pais famoso.
CANl'O SEX'fO,

5.
Muitas outras donzellas brasilianas
.A. mão do claro Diogo pertendiam,
Ou por prendas, que notam soberanas,
On por g rand es ac~ões, que delle ouviam:
.A. todos ell e deu mostras humanas
Seru a fé lhe obrigar, que pertenci iam ;
Mus por não o[ender as brutas gen tes,
Trata os pn is e os i r mitos como parentes.
6.
, Paragua~.ú porém com fé de espôso
Parecia es timar dislinctamente,
Mostrando-lhe no a[eclo cttrinhoso
..4. sincera u[eiç·ilo que n'almu sente:
.A.mava nella o peito valeroso,
E o genio doei!, com que á. fé consente;
Amor qu e occasionou, como é costume,
Enl alguinas inveja e n'outras ciume.
7.
Todas {, bella dama aborrecendo,
Conspiram féras em tirar·lhe a vida:
Mas ella que o proj ecto alcança horrendo,
Deixar pertende a putria aborrecida:
E na viagem de Europa discorreudo,
Deseja renascer á melhor >ida ,
!~Pulsu santo, qu e com justa idéa
"lOve Diogo a deixnr aquella ar~u.
O C;~ llAl\IlJllÚ.

3.
Agitado do vário ]Je n~amento,
Na margem se entranl10u do vasto riu ,
Que invocando o serafico portento,
C hama de S . Francisco o luso pio;
E estando o sol no seu maior uugmento ,
Quando sítio no ardor busca sombrio,
N'uma lapa, que esconde alto mysterio,
Foi achar para a calma o re friger io .
9.
Por mil passos a penha milagrosa
Estenle em roda o gyro dilatado)
Obra da natureza prodigiosa,
Q~ando o globo terraqueo foi crendo:
Concttvidade ha ali vasta, espaçosa,
O nde tinha o Creador delineado,
Com capella maior, nave e cruzeiro,
Um templo, como os nossos, verdadeiro.
lO.
J,argo trinta e tres passos se es tendia
O g rão cruzeiro : a long ~tucle da mole
Por mais de outros oitenta 'c1iscorria;
Logar que uí'í.o pizára hnnmna prole ;
O prospecto ex lerior ele pcdraría,
O interior pavimento é terra molle:
De jaspe se levanta a grit portada,
E ntre torres nmrmorcas fabricada.
CA N'JIO SEX'I'O,

11.
D cnLI'O vílem-sc magníficas capellas
Sustentadas de es plendidn s columnas ;
:Pelo lcc to entre nuvens gy rmu es trell ns,
E sô ure o rio a nm lado tem tribunas,
Que servindo•lhe a um te mpo de j a ncllas,
Dito luz a todo o templo ; e quand o lhe uuus
Qua ntos prodí gios o lugar ence rra,
Maravilha maior nã o cobre a terra .

Ca p ella ali se ~· @ de entalho nobre,


Übral[o com desenho estra nho e vá rio,
~nde e ffi giado em munnore se cobre
u 1n natural bclli ssimo Cn lvar io :
Yê-se a base tla c ruz, mas nada sOb re;
De j asp e ainda melhor qu e egy pcio on purio :
E ao lado um p ôs to em p roporçilo distincta ,
Onde a m11.i e disci pulo se p inta.
13.
Chegad o Diogo a ver prodi gitJ tanto,
P elo estranho esp ectaculo suspenso ,
~enetra-se no p eito de h orror sa nto,
lO r não se i que sag rad o occulto senso :
Dcpoj~ rompenrlo n'um de\·o to p ranto,
~rostrado em te rra , udom o D eos immeu3o 1
ollc .quando ser !10 mztr e á terra da1'a,
alicerce á grã rubrica la nçava .
O 'CAR,UIURÚ.

14.
Eis-aqui preparado, disse, o templo,
Falta a fé, falta o culto necessario ;
E quanto Cl'U de Deos feito contemplo
Tudo o que é de salvar meio ordinario;
Desta inten<;<io parece ser exemplo
Este insigne prmligio extraordinario;
Onde parece que no templo occulto
Tem disposto o lugar, e espera o culto.
15.
Quiz mostrar nesta imagein por ventura
Que esta gente brhtnl não desampara r
E que a qualquer humana creatura
O remediu da cruz justo prepara:
Que a estes do seu sangue dera a cura,
Se aos instinctos, que tem, nã.o repugnára ;
Que advogada nos deu de empreza tanta,
Preparando o logar á ViFgem santa.
16:
Oh queira, grã.o Senhor, vossa bondade
Supprir nelles e em mím tanta misêria;
Pois de todos salvar tendes vontade,
Que por este signal mostrais tiío séria:
Que se olhais para a nossa iniqu,idade,
Achareis de punir tanta materia,
Que a antiga culpa pelos seus abrolhos
A ninguem deixa Jiusto aos vossos olhos,
G!NTO SEXTO, 2U

17.
D'ali surcando o rio caudaloso,
~ai o noto reconcavo buscando,
or ver se inchada a vela o pégo undoso
~ rumo oriental vai navegando :
em temeria o pélago espaçoso
~r na leve canoa atravessando,
~e o perigo, que immenso considera,
•elo damuo da espôsa não temêra.
18.
Ergue-se sôbre o mar alto penedo,
Que uma angra á raiz tem, das náos amparo 1
0 nde das ramas no intrechado enredo
?a.usa o verde prospecto um gôsto raro :
..,.h morro cuberto de arvoredo,
~_quem passeia o mar, serve de pharo;
nao-lhe nome da costa os ex p erien~es,
o glorioso apostolo das gentes.
19 .
O .Aqui vê Diogo um •Casco, q~e encalhára,
]l Ude n'agun se oc~ulta horrida P.~nha, .
Sor(!lle ignoranqo a costa se arroJara,
Ve;u que esperança de soccono tenh~,:
c, como a chusma em terra se salvttra,
~llc a brutal gente a captivar se empenha;
~ Jll'esu mindo o que era, na. canoa
A defender os seus remando vôa.
O CARAMURÚ.

20.
E temendo que cedam enganado~ ,
Ao barbaro cruel es nuuf~agantes,
Ou que fiquem sem armas caplivmloH
Na~ mãos desses penhascos ambulantes,
Faz-lhes signaes, e deixa-os avisados,
Fazendo ver as armas rutilanfes,
Da arila infida e ele cruel perigo,
.E o seu soccorFo lhe oJT'rece amigo.
lill.
E quande u .tiro de canhão se via,
Fez que se ouvisse a forrnidavel tromba,
E ao éco do tambor que lhe batia, ·
Dispara ,ao tempo mesmo a hordvel bomba·:
'freme de espanto o bavbaro, que ouvia;
E este' pasma, outm foge, aquelle tomba 7
E d grã Caramurú j:\. divisando,
Correm todos humildes ao seu mando.
22.
Unidos do bom Diogo :\. cemiti1m
Soccorrem com presteza a véla rota ;
Onde a gente das aguas semiwi\'a,
Vüo leves conduzindo a praia nata :
Salvou-se-lhe a equipagem toda viva;
]~ putn os prepnr1~r a grã derrota,
F:az que a barbara gente dando ajuda
A ;Lil'licla mul~id1ío piedosa acuda.
'Cl N''l'O SllX'I'O.

23.
Pnragua~~·í porém com pio aviso
Cu ida em prove~ de 1•oupas .c sustento,
li: quanto lhe é possível, de improviso
Restabclcce-llte as forçn.s 'Co'alimento.
D~pois que se saciaram do preciso,
D1ogo qúe 0 caso seu recorda attenlo,
l.ogo que a turba vê contente ·e junta,
Donde vem ? aonde vão ? quem são 1 pergunta.
24.
Um entre outJros, que o ehefe parecia
li: sôbre os mais da chusma domiuava,
~epois de agradecer-lhe a cortezia
S a castelhana lingua, em que fallava,
' 0 1llos, disse, d1~ nobre Andaluzia,
Onde, o chão Hispalense o Betis l.ava,
~<>cios se ouviste o nome de Arelbano 1
A!. desde o reino viemos peruano.

25.
, Se a fama a vós chegou do valoroso
~Olllador das províncias peruanas ;
<!. se Pisarro no orbe tão famoso
:Nilo se ignora das gentes lusitanas :
Fomos dcllc mandados Jlelo nodoso
~ri'lo rio, que em correntes desce insana'S 1
.A. es(!c a. grã, cordilheira, que imminenle
. f[UI separa o occaso do oriente.
L O
O CA IU.DIURÚ.

26.
Novas ilhas buscando,· e novos ~ares
Depois d<J longos dias naveg•imos ;,
Já com procellas, já com brandos ares,
Ao conh ec ido Oeea'no clle)!ámos:
Os perigos, os casos singulares,
Qtle por mais de mil leguas tol eriimos,
Não contára depois que no mar érro
A te1· p eito de aço e a voz de ferro.
27.
De sessenta e mais li nguas dilferentes
Vimos, desce11do o rio, em ,,:n rso immenso 1
lucognitas nações, barbaras gen tes
E um povo inmimeravel, vasto e denso.
Montanhas vimos, campos mil pate n~es
E um terreno nas margeus tti.o ex tenso,
Que poderá elle só neste hemisferio
Formar com tanto povo um vasto imp erio.
SR.
Mil vezes com canoas bellicosas
Comuatemos no rio, e mil em terra;
P erseguidos ele tropas numerosas,
Que occnpavam talvez o va.lle e a serra ~
Nem cess~. ,. a. nas margens perigosas
De mil bravas naçÕ!!s a dura guerra
Até que entrando nas ardentes zonas ,
C hegá mos á 1·egião das An1azonas . .
CA N'I'O S EX1'0.

!l9.
Discorre com furor pela ribeira
'Vasto esqunclr1to de tropa feminina,
Que em postura e cont e nto de guerreira,
As~alt a r nossa fruta de te rmina
Sôbre o sexo viril, turba g i'Osseira,
O feminino sexo ali domina,
Onde no rio, porqu e a 'fama o conte,
llecordí.mos o anti go Thermodonte.
30 .
E já o hispano leão domado houvera
Das Amazonas o terreno infausto,
Se no clima infeliz nos não morrêra
De mil fa digas Arelbano exha usto.
~_gente pois que o capiliio perd êra,
no pod e ndo esperar successo fau stv,
Sôbre esse he1·gantim, qu e ali se adorna,
Ao solar patrio , navegad o torna.
31.
D Não duvid eis, respond e o B eroe clemente ,
e achar em mim soccorro pode roso;
Que achai s quem como vós do mar fre me nte
~Prend eu na rl esg rnça a se r pied oso:
endes nnli!!a milo, madeira e ~!e nt e,
~ 0 m que o casco, que vedes ruinoso,
•}-eformando-se torne do ceo nosso
1\ <l_csejada H espanlm e Betis vosso.
.!!.tG O CARU'IUit Ú •

3!2.
Disse: e ordenando a tu ~ ba americana ,
Assiste ao fabro na navaÍ fadi ga ;
E quanto ·lhe ]lermibte a for~a huma·na,
Faz que em breve o baixei seu rumo siga :
Nem se dernGta mais l'l· gente hispana,
Que a convi éla a monçã.o, e o vento obriga·:
, Soltam a branca véla ao fresco vento,
E vão rnspan~lo o liquido elemento·.
.33.
Felices vós, diz iDiogo, alfortunados.
A quem da cara pal1ria é concedido
Tornar hoje aos braços deseja<los,
Depois de -tanto tempo a ter perdido l
Em quanto eu nestes ·climas a>partados
Me vejo de segui-r-vos impedido;
Que tillr terno de tão deb il lenho
Outra vida, que em mais que u pro,pl'ia tenhO•
34.
Dizendo assim, •com Mima :vê lnotlllndo
Formosa niÍ.o de 1gallica )Jandeira,
Que a 1erra ao parecer vinha buscanDo,
E a prôa met·te sôb1·e •a propr-i11 este-i ra :
Vem seguindo a canoa, •e si unes ·dando,
Até que aborda a emtlarcação veleira, •
E de paz dando a mostra conhecida,
Ás praias <In Bahia a náo convidn.
"CANTO SEXTO. 5147

35.
.A. Gupeva entretanto e Tapar ica
Dava o último abraço: e ú fo rte espôsa
4 intenção de leral-a significa
4 ver de Europa a 1rcgião famosa:
Suspensa entre alvoroço f: pena fica
Paraguaçú con tente, mas sa11 tlosa;
E quando o pranto na sentida fuga
Começava ?-saudade , amur lh'o emmga . •
36.
]) É fama en tão que a mu ltidão fo1·mosa
ns damas, que Diogo pertendiam,
~endo avançar-se a núo na via undosa,
E que a esperança de o a lcançar perdiam:
N ntre as ondas cotu flncia f uriosa
adando, o espôso pelo mar seguiam,
E nem tanta agua que llnctua vaga
o nruor que o peito tem, banhando apaga.
37.
. Copiosa mu ltidão da núo franceza
Co_rre a ver o espectaculo as~ombrada ;
~ 1gnorando a occasião da estranha empreza,
nlStlJa da turba ,feminil, que nada:
:N~ 1 u, qne Íts mais precede em gentileza,
ll: llo viuha menos bella do que irada:
Er~_M:oema, que de inveja geme,
' Jlt visiulla ú náo se apega a{) leme.
O CAltAmJRÚ .'

33.
"Barbnro, a bella diz , ti gre e não homem .... ·
Porém o ti gre, por crnel qne brame,
Acha fôrças amor, qu e em fim o ilomem :
S6 a ti não domou, por mais que eu l'e ame:
Farias, raios , coriscos, que o ar co nsomem,
Como não consumia aquelle infame?
Mas pagar tanto amor com tedio e asco'....
A h que o corisco és t u ... raio . . . penhasco .
39.
Bem puderas, cruel, ter sido esquivo ,
Quando eu a fé rendia no teu engano ;
Nem me ~ rrend ílras a escutar-me al!ivo,
Que é favor, dado a tempo, um desengano:
Porém deixando o coração capt ivo
Com fazer-te a meus Fogos sempre humano
Fugiste-me, traiiloT, e desta sorte
Paga men fino amor tão crnn morte?
40.
Tão dura ingratidão •me~os sen.bíra,
E es te fado cruel doce me fôra,
Se a meu despeito triumfar não víro.
Essa indigna, essa infame, essa traidora :
Por serva, por escrava te segu ira,
Se não te mêra de clmmar se nhora
A vil ParagtJaçú, qne sem que o oreia,
Sôbre ser-me infPri or, é 11escin e Jeia .
C,INTO SEXTO.

41.
l ~ m úut, lcns cora!j''to de ver-me afllicla,
l•'lnctu ar muribund a entre estas ond as;
:Nem o pass;{do amor teu peito incita
.A um ai so~1eute , com qu e aos meus responrlas :
Barbaro, se es ta ft! teu peito irrita,
bissc vendo-o fugir, ah não te escont.las;
Dispara sob.re mim teu cruel mio .. ·"
E indu a dizer o mais, cae n'um desmaio.
42.
Perde o. lume dos olhos, pasma e treme,
Pittida a cOr, o aspecto mnribumto,
~om milo j á SP.m vigor, soltando o leme,
,._;:, nl rc as salsas espumas desce ao fundo :
:'!as na onda do mar, que irado fr eme,
l onmudo a apparecer desde o profuuclu;
"A h Diogo cruel! " Disse com mágoa,
E sem mais vista ser, sorveu-se n'agua.
43.
Choráram da Bahia as nymfas be\las,
~ue nadando a Moema acompanlmvam;
1 Vend o que sem dor navegam detlas,
;\ branca pra ia com furor tornavam :
~elll pód e o claro Heroe se m pena vel-as,
:N° 1ll tantas provas, que de amor lhe davam ;
S elu 1uais lh e lembra o nome de Moema,
em que ou amante a chore, ou grato gema.
O C: Ali.HHJI\li.

44.
Voava em tantu a núo na az ul corr<:nte,
l mpellida d~ um Zefyro sereno,
E do brilhante ruM· e espaço in ge nl ~
Um campo parecia igual e am eno:
Encrespava-se a onda docemente,
Qual aura leve, qu ando ruo1•e o feno;
E como o p~ado ameno Fir costuma,
Imitava as boninas com a espuma.
45.
Du Plessis, qn e os frnncezes govern a~·a,
.E m uma noute c!OJra [, pupa estando,
Os casos de Diogo, que escutava,
Adm ira no nau•fragio memerrundo:
Depo is .do He roe prud ente pergunhwa
Quem achára o Brusil, o como e quando
Gunhám no recondi to hemisferio
Tanto thesouro o lusitano i:mpetio?
46 .
Dous Monarcas, responde o lu sitano, ' ·
.Tá sabes que no occnso e no oriente
Novos mundos buscaram p elo oceano,
D~pois de hav er domado a Lyi.J ia, a rd en te :
E que, onde não ch egou gr.ego, 0 11 romano
e
Pnssea o forte hispnno a lusa ge nte;
Que • insbru~~los na nautica cem arte,
Descubriram do mundo! eutrw gvã pnrlc.
/

47 .
Du T éjo :w cbin<L o portu g u c~ iUlpera,
De um pólo ao ouLro o castelhano voa,
E os dons ex tremos dn redonda esfera,
D epend em de Sevilha e el e Lis llon:
Mas depois que Colon signaes trouxera, ,
Colon de qllem no mundo a fama voa ,
Deste novo ndmiravel continente
Discorda com Cas.tella o luso ardcnLc.
4B .
Jú. se dispunha a guerra sanguinosn ;
l'llrém o commum pai aos dous inlíma
.Arbítrio na contenda 0.uvi<losa,
~ue a parte competente aos, reis' es tima .
esde Roma Alexandre imperiosa,
~eixaudo ambos em paz {L emprcza anima,
P uma linha lançando ao Ceo profundo,
or Fernando e João repatte o 1\IIundo.
49. I

Na vasta divisão, que <tO luso veio,


~ precioso ·Brasil con tido fica:
a1z de gentes e prodígios cheio,
Da. America feli1. porção mais rica :
~qui elo vasto Oceano no meio
°~ horrivPl tormenta a pFOa appli c<L
:S0 •Ilustre Cabral, com fausto acaso
obre g níos dcz cscis do nosso occas•J.
50 .
Du nova região, que all ento ollsenu,
Admira o clima doce, o campo ameno,
E enlr(\ urvoreuo immcnso, a fcrh l herva
Na' viçosa extensão uo aureo terreno :
.C ube rta a pmia está de grl'í. caterva
D e incognita nação, qne com o aceno,
Porque a lingua ignor:wa, á paz convida,
Ergendo-lhe o lroféo do autor da vüla.
51.
Era o tempo, em que alegre resusc ita
A vei·de planta qu e !lllnrchou no ~nveruo ;
E quando a solar méta o tempo excita,
Em qn e o rei triumfon da morte eterno:
'fào sag- rada Inem61'ia a fl'ola incita
A celebrar ao vencedor do inferno
O sacrificio dond e a fé venera,
A paixão que em t al tempo succeMru.
5!2.
Em frond.osa ramada o lusitano
Um alta r f'J,br icou no pmdo ex tenso,
Donde assista ao mysterio so berano
Da lusitana esqua dra o povo immenso:
Ao rei lriumf•ulte do infernal tyranno
Oclori fero fuma o sacro incenso,
lj: a viçtima do Ceo, que a paz indica
A gente e nova terra sancli fica.
CANTO SE~'I ' O,

:3 3 .
Notar o americano aÍi contendc
Do sacros11nlo altar o acto sublime;
E tanto a simples ge nte o aceno entenij e,
Que parece qu e a acçilo por santa es time:
Algum que olhava ao celebranle, emprende
O ges to arre meda~ qtle orando exprime,
E as mãos une e le,'anta e talvez sólta,
E quando o vê voltar tam!Jem se volta .
54r:
Como as nossas acções talvez esp ia
O pell oso a nimal qne o matto hospéda ,
E qiJanlo vã faze r, corno '[t porfia,
Tudo pôsto a observar, logo arremeda:
Tal o gen ti o simples prurecia,
Qu e nem 11m pé, nem passo d' a li arreda,
E ao san to sacri,ficio aLtento e mudo, ·
O que aos mais viu faz er, fazia-o tudo.
55 .
Aqui depois qn e :.ís turbas eloquente
Die ta o sacro orador pio conceito,
E <L ré dispensa no animo vàl ente
Do nob re povo a própag·al-a eleito :
Pn,· fi cipn da cen n chrislii gente,
E o dom recebem com fiel rcspeibo;
E é fama que Cabral, que os co nvocára,
Montando sôbrc um alto, assim fnlám.
·o CA ntoniUJtú.

5.6.
Gloriosa nação, que a te rm vas ta'
Vais a li vrar <10 pagani smo immuu<lu,
A quem esse orbe a trtig·o j {L nii.o bas ta ,
' Nem a imme nsa ex tensão do inar profuutl u ·:
Neste .occu-1!0 p ruiz, qu e o ma r· affi:tsla ,
Tem .teu zi)J·o p 0r callllpo nm no,vo mundo;
E- qua ndo tanta fB seus termos s0nde,
Ou tro mundo. acha"Í•s , se. ou bro se esce ucl.e .
5.7 .
0 1) profund o conselh o ! A b:rsmor imm enHo
Do p odêr e saber do O mn•i1p otenle !I
Q ue esti vesse escoudid a ne orbe ex tenso
T a nta parte• do mun do Ít sábia gente !
C in coe11ta e c inco secnl os sem Reuso
Das niLÇÕes desLe v as lo .cont in ente,
E em tanta indagação dos srubl 0s, fe ita,
Não ca ír-nos na. mente• nem susp.ei lr& !
58.
Mas combi11e-se o d ia , o temr o, ru hora,
E m que a alta pFovidenc ia aqui. nes gui a;
Q uand o {, ignorn nc ia (}hrislo o p et•dão om;
Quando morre na cruz, no- pnopr io diia:
Na bnmle il·a do mar tri!Jinfmlora
'l~ l'e m o Utm os as cha.!ras com fé pia,
E uellas quiz {" gref, IJ l!C e 1ru sombras langue_
V ir nes te rl'ia àJ olferecer sem sangue.
CANTO Sll XTO. .a r•
fl ~· .>

!H'l.
Goza de. tanto. bem, terra bemdita,
E ela Cruz do Senhor teu nome seja;
E quanto a luz mais tarde de visita,
Tanto mais abundante em ti se Yeja:
Terra de Santa Cruz tu sejas dita,
M:aduPo fructo ela paixão na igreja
Da fé reno,•o pelo fpuclo nobre,
Que.o dia nos mostrou que te descobre·.
60.
Dizendo assim, ajoelha; e cruz em tanto
1
Sublime n'um outeiro se colloca; '
O exercito foi·mado ao si!rnal santo
Se prostn humilde, pondo em terra a hocca :
:Pasma o gen tio e admira com espauto
.A. melodia, com que o ceo se invoca,
liymno entoando á Cruz pios calltal•es,
E respondendo as tropas e os tambores.
6!.
Terra porém depois chamou a gen te
Do Brasil, não da Cruz; poFque allrahida
D'outro lenho nas ti ntas excellente, \
Se lembra menos do que o foi da vida.:
Assim nma o mortal o bem presente;
.A.ssim o nome esquece, que o convida
Aos interesses da ,futura glória,
.A.os bens nttento só da transitaria.
..

62.
Observa o bom Cabral lodo o prospelo
Da iuuncnsa cos ta : e pelo clima puro,
Pe lo abôrdo t ranquill o e ma r q ui e t o~ ,
Chama o seio, em que en trou Po rt o Seguro:
E olhando com sau dade o doce ohj ec lo
Do sen des tino, se la menta escuro
Que pela empreza, a qu e ma m'lacl o fôfra,
Não permitte na un nada outm demora .
63.
Ma nda dep.o is ao lu so' dominante
U m av iso do clima desc uberto ;
Ne m h•rda Manoel en ti'í o rei•1mnte
A envia r um~ Cos m og rafo, qu e ex perto
Da .escol;b fô ra, q ue o famoso I nfaul e
Para a nau Li ca sc iencia tinha aberto:
E A merico di spõe que ao Bras il pa rl;t,
De que m deu nome ao co ntinente a ca rta .
641.
E por ter quem a os nossos int erpréle
Do ig.norado idi oma a escura sorte,
A lguns em terra co nclemnndos melte ,
Dev 1dos p or delic io {, cru a morte :
A vida co mo premi o lhe prome tte,
Qna,udo com p eito se a ttrevessem fo rte
A esperar no sertão nova viag·em,
. A pre nd end o os rodeios da linguage m.
C.INTO SRI'l'tl . 2H7

G5.
Com acenos depois .~ gente bruta
Os seus, que lhe deixava, recommendn,
E no claro perigo, em que os rep uta,
Armas lhe deixa, qu e na guerra ofTenda:
Dá-lh'a especie, que ali bem se commuta,
Em que possam tratar por compra e venda;
1~spelh os, cascnveis, anzoes, culell os,
Campainhas, fuzís, serras, marlellos.
66.
Nem se demora mais a· forte armada;
E convidando o vento, es tende a véla,
Corre a barbara gente amontoada
Ao embarque nas náos da tropa belln:
E, no qu e póde entender-se, magoada
Por saudade, que tem de mais não vêl-a,
Com acenos e voz enternecida
Faziam a seu. modo a despedida.
\
67.
Mais saudosos os tristes desterrados,
Correndo immensn risco a lingua aprendem, '
R ecebemlo alimentos commutados
P elas especies, qu e ao gen tio vendem :
Talvez os tem co' a cithnra em:antndos;
Talvez com cascaveis todos suspenclem ;
~'lns o objecto que, a vista mais lb 'assombr a
E ver dentro rlo espelho a proprin sombra.
2!~8 O CAUA\\IUilÚ.

68 .
.Extatico qualquer notando admira,
D entro ao ierso crystal a horrível cara :
P ergunta-lhe quem é, como se ouvíra;
E crendo estar no im•prso o que énxergám,
De uma parte a outra parte o espelho víra;
E não topando o vu lto nn luz clara,
Tal ha que o vidro quebra, por ver dentro
Se a imagem acha, que observou no centro.
69.
Mns em quanto estes er-ram vagabundos,
Americo Vespucci e o forte Coelho,
A longa costa e os seios mais profundos
Demarcavam no nautico conselho : ,
Descubr(dor tambem dos novos mundos
Foi Jaq1ues na marinha experto e velho,
De quem já demarcado em carta ouvimos
Esse ameno reconcavo, que vim<?a.
70.
En depois destes na occasii'ío presente,
Quanto o vasto sertã.o nos encubria,
D escu!Jri pondo em fu ga a bruta gente
O rcconcaro interno da Bahia:
Notei na vasta terra a turba ingeJ}te,
Que mais Europa toda não teria,
Se da gr't cordilheira ao mar baixando,
Desde a Prata ao Pará se for contando.
'•
CANTO SF.XTO. 21)9

71.
. Dá princípio na America opulenta •
.As Jli'Ovincias do imperio lusitano
~ grão Par{t, que um mar nos representa,
.l!.mulo em meio á terra do 0cenuo :
Foi descuberto já, como se intenta,
Por. onlem de Pisurro, de Arelhano;
Paiz, que a linha equinocial tem demtro,
Onde a torrida zona estende o centro.
72.
Em nove legoas s6 de comprimento,
Vinte seis de circuito se. espraia
' :No vasto Maranhão d'agua opulento,
Uma ilha beBa, que se estende á nrnia:
ll.egam-llle quinze l'ios o assento,
Ep• um breve estreito, que lhe f6rma a raia,
óde passar por isthmo, que a encadea
.A.' terra firme por mui breve arêa.
73.
O Cea,r á depois, pro:vincia vasta,
Sem portos e commercio jaz inculta;
~eJ~tio immenso, que em seus campos pnsfn ,
ats fero que outros o estrangeiro insulta:
gom violento curso ao mar ~e .arrasta
~ um lado do serllio, de qu e resulta
lt1o onde pescttm nas profundas minas
.1\.s brnsi licns pedras mais finas .
!!!lO O CAIIAnrun U.

74.
Da fcrtil Para[ba uão occorre
Que informe a ,zente vossa, se nilo emprc?.a
Do commercio fmncez, ' qne ali concorre
A lenhos carregar, qne a Europa préza;
Não mui longe da custa, que ali corre,
Uma ilha vêdes de menor grandeza,
~ue amena, fertil, rica e povo ada
E d'Ilnrnnracá de nós chamada.
75.
A oito gráos do eqninocio se dilata
Pernambuco, proviucia delici osa,
A pingue caça, a pesca, a fructa grata,
A madeira entre as outras mwis preciosa,
O prospecto que os olh os arrebata
Na ve rduru das arvores frondosa,
Faz que o erro se escuse a meu aviso
De.. c rer que Ji\ra um dia o paruiso.
76.
Serzipe então d'elre i; logo o tel'reno
De qu e viste a bellezn e prospectiva;
N em cu ido que outro visses mais ameno,
Nem clonde com mais gôs to a !lente viva:
Clima saudavel, ceo semp re se reno,
Mitigada na névoa a calma ac tiva ;
Palmns, mangues, mil plantas na espessura.··
Não ha depnis do eco mais formosura.
CAN'l'Q . SEX't'U. IIGI

77.
A quinze gráos do sul na foz extensa
De um vasto rio, por ilheos cortado,
?ntra provincia de cu iLum immensa
fem dos proprios ilb cos nome tomado ;
D epois Porto Segmo a quem compensa
O espaço da provinc.ia limitado ; ·
Outra de ambilo vasto, que se assoma,
E dp Espirito Santo o nome toma.
78.
Nh ileroi dos Tamoyos ltabitndu,
\or largas terras seu clominio estende,
l• amosa região peltl enseada, -
Qu e uma gr11. barra dentro em si com prende :
.Esta praia dos vossos frequentada,
Que pomo de discordia entre nós pende,
Cus.tar:í, se presago nflo me engano,
Mutlo sangue no francez e aq lusitano.
79.
'
. . S. Viccllte e S. Paulo os nomes deram
~s extremas· províncias, que occup{•mos:
em qt1e ao Rio dtl Prata se eslenclêram
~s que com proprio marco assignalámos ;
beporMarco
memoria de que nossas eram, .
o nome no lu gar deixamoa,
:Povoação que aos viudolll'os significa,
Onde o lermo hes punhol c o luso fica.
I •


VAIWTO SETIJYIOo
Chegada ao Senn- Admiração de Pa·
raguaçú vendo París- Sào recebidos pelo
rei e a rainha de França -Falia o Heroe
ao rei que lhe responde por interpretes
- A rainha promett e ser madrinha de Pa·
raguaçú - Daptismo dn mesma - É-lhe
dado o nornc de Catharina - Recebe o
cri• ma e de•posa-se com ·o Heroe- são
banqueteados no paço os doio esposoo, e
recebidos em audienc,ia particular- O rei
inquire · o Heroe 5Ôbre as terra•, animaes c
plantas do Brasil, e elle descreve circuiD'
stonoiadameote cada uma destas parteS· ·
..

. EaA o tempo, cru que o sol na vasta esfera


O claro dia com a noite iguala·,
E o velho outomno, que o calor modera,
l:>e seus .pnrnpanos tece a verde gala;
~ quando todo o monte Baccho altera,
'. os capazes toneis na adega abala,
locava a franca náo' do claro Sena
Na deliciosa foll a praia amena.
~.

Na grã Lutecia, capital do estado,


A li geira falúa dava fundo,
E esse orbe 1na ciclacle al>brev iado,
Enchia Diogo !le um prazeT jucun!lo:
Templos, torres, palacios, ca~as, prado,
O famoso Atheneo mestre elo mundo,
A côrle mais augusto. que se o.vista,
Enche-lhe o coração, e assumbm a vista.
3.
Paraguaçú porém que já mais vfra
Especlo.culo igual, suspensa p{Lra :·
Nem fala,, nem se volta, nem respira,
Immovel a· pestano. e fixa a co.ra :
E cheia u fantasia do que adm ira,
Causa-lhe ta nt o pasmo a visão ra ra
Que es tu pida parcee t er perdido ,
O discurso, a memória, a voz e o ouvido.
4.
Qual pende o .:tenro infante ao collo d'amu,
Se um novo e bello objector tem p resente 1
Que nem 1\ doce •mui que ao peito 0 chama 1
Nem os mimos do pai pasmado sente:
Tod ' a alma no que vil fixo derrama
E s6 parece pelo 0lha.r v. i.vente :
Não foi da americana 'o a r dive1rso,
Vendo em París a aumma do universo ,
CAN'\'0 SETI~IO.

5.
Por fama que se ouviu da novidade
A. admirar o expectaculo se ajunta
Curiosa do successo a gr1i cidade;
E um se admira, outro o conta, algum pergunta:
Cresce o vago rumor sobre a verdade;
:E: a plebe, que a Diogo acode juntn,
Delle e da espôs1l divulgada ti·nha
Que era o rei dó Brasil c ella a rainha.
6.
E já avistavam elo palacio augusto
EU! beiJa perspectiva o régio espaço,
E o atrio vendo de troféos onusto,
Entram do fl',!lnco rei no excelso paç·o :
Cinge as portas exercito robusto,
ll.rilhante. ~uarila, de que o invicto braço
A.o lado sempre da real pessoa,
Sustenta as lises, e defende a e'roa.
I

7.
Era ali christianissimo reinante
Entre os francezes o segundo Henrique-,
M~ta então do germano fulminante,
Qtle oppôz de Carlos {,s viclórins dique:
Orthodoxo monnrcha, da fé amante,
Que faz que em toda a França immorel fique
O anligo culto e religião pntemu,
Que iuYadiu de Calvino a furia averna .
M '
o cA!tA~runú .

B.
I
S enta-se a@ regio lado a grã ·princeza
Formosa Lis, que elo amo ' florenbino
Tmuxe 11- Fr;nn<? um thesour<il de belle;m,
E ou lro maior no engenho peroegrino :
I~ormoso , pa~ que n sál~ i a nabureza.
N~o sem ipstioncto conjugou div.ino;
Porque roubanclo H enrique a dura morte,
Sustente F r.àuça Calharinjt a forte.
9.
·Ao throno christian issimo postrado
A régia mão ilos dois' monarcas \)ei,ja
O bom Diogo, 1endo, a espôsa ao lo.clo,
E faz que o. I ten la toda o. côrte esteja ;
E havendo por Ires vezes humilhado
~ fronte aos ne is- que Tes pe illar deseja,
E fama, que com gesto revel'eute
Falára cleste .modo ao rei potente.
10.
Tendes a vossos pés, Sire, ilrv'ocandi:>
No thrçmo da g·randeza a magestade,
E stes dois pe regri'nos, .que sbrc<~ndo
Do proce)loso mar a immensidade,
No irnperio, que n '<geis com sabio niando, ,.
Buscam asy;lo na real pi edade;
E a vós e ao vosso reino se •d irigem,
Donde 1.em Portugal o n ~;me e a origem ,
C,INTO SE'I'IHO. 2()1)

11.
O Bz•asil, Sire, infunde-me a confiança
Que ali renasÇIIi o portuguez imperi o,
Que es tendendo-se ao Cabo da Esperança,
l'em descuberlo ao mundo outro hemisferio: :
Tempo virá, se o vaticínio o alcança,
Que o cadente esplendor do nome Hesperio
O seculo em que e~tá recobre de ouro,
E lhe cinja o Brasil mais nobre louro.
1!2.
E tu , qtle ao luso reino um germe augusto
No grão Burgundo a propagar mandaste,
Contempla, 6 França heroica, o imperio justo,
Como ramo! do teu, que ali plantaste :
E se o· inculto Brasil, se o cafre adusto
Por teus famosos netos subjugaste,
Admi tte ao tl1rono do solar pniineino,
Este teu não indigno av.entureiro. .
13.
E ésta, que ao lado meu teu sceptro beija,
l>riuceza do Brasil, qu e um tempo fôra,
No seio da christã piedosa igreja,
Çomo mit~ pia regenera agora.
E bem que a mãi primeira o Brasil veja,
~ond e a gente nasceu, que lb e é senhora;
!J: quando a Lusilania lhe é Rainha,
ron1c o Brasil a França por madrinha.
' ' 270 O Ct\RAl\luRU.

14. '
'
Disse 'o Heroe genevos0, e.'o rei potente,
Recordando os annaes da antiga histél'ir. ;
.Com vista mag·estosa, ma~. clemente,
Deu sinal de agradaF-Ihe ésta memória ;
· Com susnrro entre tanto a anlica ~rente
Celebra, como propria , a l11sn glcSrin;
E impoJldo-lhe silencio alt0 respeito,
Respondem com os olhes e co' pei<to.
15. ,
Mongomery, que ;erve na assembléa
De intérJlrele do rei, falou benig-·no ;
Canforme na resposta Íl justa idéa, '
De que· o •bom Diogo se mostrou tão digno:
Nem v~ndo a iLysia de conquistas cheia
Lhe inspira a impplso da ambiçi'i0 mal:igno,
A invejar-lhe já mais rtrofeos tamanhos,
Que em prole s1m não Feputa ·estranhos.
lS.
'ld'e , d'isse a rainha, 6 pa,r ditoso,
Qpe o banho ·santo, donMe a culpa am:hn,
Se apague nesse peito generoso,
Comigo a Frapça apadrinhar prepara. '
É quando o s~>l seu curso luminoso
Tres vezes Fepetk na esfe ra clara,
Será das nouoas do truttareo abysmo
],avada a b!!lla da!Da no l1nptismo .
CANTO Sll:rll\10. 27l

1~.

Era o dia, e1u que é farnllJ, que o ·homem. feito


De terra , foi na; estutua preciosa,
Em que D eos lhe infundira no seu peito
Do soberano ser cópitl formosa ; • I'
Dia do nosso rito ao culto eleito ~
De Simi'io e Thadd eo, quando formosa
Entrou Paraguaçú com feÚz sorte
No han~10 santo, rodeando-a a côrte.
18.
Á roda o real dero •e grão Jemrca
Fórma em meio á capella a augusta linha;
Entre os pn r~s S<l{l'llia o bom monarca,
E ao lado da .neefy.ta a rainha.
Vê-s e cópia de lumes nada parca,
E a turba immensa, que das guardas ~inha;
'E clando e nome !I! tnugustn á nobre dama•,
Põe-lhe o seu propr.io, e Calhnrina a chama.
19.
Banhada a fo~mosissima donzella. .
No sancto cbrisma, qne os Chr.isliios confirma,
Os dosp osorios nw real capella .
Com o vnlente .Dioa-o MllatJle firma: ·
CathJtri na A h·' res i e nomea a bella,
De quem a glória no trofeo se affirma,
Com que a Bahia, qn e lhe lhe foi senhora,
' N'uutro 4empo, a confessa, e fund a dor-a.
!! 7 ! O CA RA niURÚ.

~o.

Prepara-se nm banquete com grnnder.a,


Em que a cópia compita co'a elcgannia ;
E aos dous consortes se dispõe a mesa
No magnanimo paço em Jégia estancia:
Nem se dedigna a soberana alteza,
Depois de os regalar com abundancia,
De da r rainha e rei, de ouvir curiosos,
Uma audiencia privada ·aos dons esposos.
21.
Depois, disse o monarca, que informad;o
De meus ministros tenho a histó ria ouvido,
Como foste das ondas agitado,
Cómo da gente barbara temido :
Sabendo que os· se rtões t ens visitado,
E o centro do Brasil reconhec ido,
Quero das terras, dos vivent es, plantas,
Que a llistória contes de províncias !antas.
22.
Mandas-me, rei augusto, que te ex ponha,
Diz· cheio el e nespeito o Heroe prud en~e ,
E aos olhos tens em um compend io )Jonba
A l1istória na tural da occulta gente :
Se es peras de mim, Sire, que cop1ponha
Exacta narrnç:l.o da cópia ingente,
Emprez.a tanta é, quando ohmleça,
Que faz que o tempo falte, e a ' ' 07. falleça.
dNTO SETJ.\!0,

23.
l\1rl c cincoeuta c seis lcg·uas ue custa~ '
De vnll es e ano reuos rer es tiu<L,
Tem a terra Brasilica, cornposttL
De montes de g ramleza desmedida:
Os Gua r1an•pes , Borboremu posta
Sobre as uuYens nu cima recresciqa,
A serra de A imorés, que ao pólo é raia,
A.s de Ibo-ti-catú e Ltatiaia.
!il4.
Nos vastos rios , e altns ala;;oas
Mares deu tro das terras representa ;
Cuberto o g rão Pará de mi l canoas
'rem na es pantosa foz legoas oitenta.
Por dezese lc se desug.ua boas
O vasto Mara nhão; legoas quarenta
O Jaguaribe dista.; outro se e ng rossa
De S. Francisco com que o mar se adoça.
25.
O Serzipe, o Real de licor puro,
Que com vinte o serlílo rega ndo con em ;
Santa 'C ru z, que no porto entra Seguro,
Depois de trinta, que no mar concorrem:
Logo o das Contas, o T aigipe impuro,
Que abrindo n vas ta foz no Oceano morrem,
O rio Doce, a Cananea, a Prata,
l!: outros cincoenta mais, com qu e arremata.
274 O CAl\AlllUI\ Ú.

26 .
. O mais rico e importa nte vegetal'el
.E a doce cana, donde o assucar brota,
Em pouco ás nossas canas comparavel ;
Mas nas do milho proporção se no ta:
Com manobra exped ita ~ pra Licavel,
Espremido em moenda o sueco hota,
Que acaso a antiguidad e imaginava,
Quando o nec tar e ambt1osin celebrava.
!27 .
Outra planta de muitos desej ada,
Por frngra nci a que o olfacto ucti va sente,
Erva santa dos· nossos foi chamad a ,
Mus ta baco .cl e poi~ ela hr:>spwna gente.
Pelo franco Nicot manipulada
Ex pelle a bil e e o cerebro, cadente
Soccorre em modo tal, qu e em quem o toxile,
Parece o impulso de o tomar qu e é fome.
~8.

É sustento commum, raiz prezada,


Donde se exl'rahe com a rte util farinha,
Que s•ruclavel ao corpo, ao gôsto agnu]a
E por ' dili!:ia dos brasis se tinha .
.D epuis qu e 1em bolamleLms foi ralada,
No tapilí se espreme e se convinha;
Fazem a puba então e a tnpioca,
Que é todo o mime e flor dll mundlleca.
t:.IN'J'O i>flTiniO. !! 7 11

~9 .

Chama u agricultor miz gostOSIL


Aipi por nome; e em gôs to se parece
,Co m a molle castanha saborosn,
De t(lte tim o paiz vári o interesse.
Op limo arroz em cópia prodigios>L,
Sem cultu ra nos campos appureec ,
No Pará, C uiab{t, por modo feílo,
Que igual!l nà bondade o ma is perfeito.
30 .
, , E rvi lhas , feijão, favas, milho c Lri"o,
~lltlo a term produz, se se transplaula;
l! ruta lambem, o pomo, a )lera, o figo
Com bi fera colheita, e em cópia tanta
Que mais q ue no paiz que o dera antigo,
~o .B rasi l fru etifica 1pHLlquer planta;
8
Sip l nos deu a Persia e Lybin ardente,
Os que a nós trnnsplantámos de outra gente.
31. \

l'tns comes tíveis erva s é louvalltt


0 quiabo, o giló, os maxb:eres,
J\. tnani çoba peitoral prezada,
~ lai6ba agradavel nos comeres,
Palmito de folh a delicada,
~Outras mil ervas qu e se usar fJIIi·tcrcs,
'Sl C( laras
' mt opulenta' na tu reza
empre com mimo preparada a meia.
!! 7 (;

I
St'nsivel clmma-se ' e rva pnuiuunda,
Q ue t[tmmlo a mão chega ndo alguem lhe ponha·,
. Parece qu e do la olo se con f:unda , ·
E qu e fuja o qu e a .loca por vergouhn.
Nem toma a si el a eon fu são profunda,
•Quando ausenLe o agg re~so r se lhe não ponha,
Docum ento {,alma casta, qu e Utc ind ica,
Que qu em can~a ni:(o fo i, llllnca é pudica.
33.
D'ervas rned ici:naes cópi a tão 11·ara.
Tem 11u matte o Braz il e m• camp ina
Que qu em toda a virtud e lh e exp loFlÍra,
Por demais recourêra á me cl,ic inru.
Nasce a gda1Ja a li , a. sene anmra ,
O Jilnpouio, a rnalva., 0 púo ' da C hina ,
A caroba, a cap eba, e mil qll e ago ra
Conhece a bruta gente, e w nossa ignom.
34.
T em {nimosos legumes, qtle não cedem
Aos qu e usilmos na Europa mai s prezados,
G ing ibre, gergelim, que os mais excedem
M e ndubim, maogal6, qn e usa m gu izudos:
A lguns me,d icinaes, com qt)e des ped em
Do pe ito es Lilicidi os ·rad icados;
Tem o curá, o inhurn e, e ·em c 6pia grata
~a n gurús,. muugarites e batata.
CA:XTO SJ:TlnlO. 277

3:) .
. Das Jlores na turacs pelo ar i.JI'ilhan te
E com causa entre as mais rajnha a rosa,
, Branca sa indo a aurora rutilante,
1~ ao meio dia tinta em côr lu str·osa:
Porém crescendQ n chnmma ruti lante,
É )lurpurea de tarde a c8r formosa;
Iv.raravilha qu e a Clicie competíra,
Veudo que muda (l cor quando o sol gyra.
36.
Outra engmçadn flor, que em ramos pe nile,
Chamam de S. J olio , por bella pa~sa
J\llais que quanl•s o prado all cumprênde,
-Seja na bella cór, seja na graça :
Entr·e a copada mmu, que se es tende
En1 v.istosa uppurenc iu ll 1l0r se en laça,
Dnuuo a ver pur diante e nus espaldas,
Cachos de ouro com verdes esmeraldas.
37.
Nem Lu me esquecerús, Jlôr admirada,
Em quem não sei, se a graça, se a natura
~ez da paixão do redemptor sagrada 1

rna formo sa e natural pintura:


l'er1de com pomos mil sôbre a lataila,
A.ureos na côr, redo ndos na figura,
O âmago fresco, doce e rubicuudo,
Que o sangue in,dica, qne salvitm o mundo .
O C~R.IMIJRÚ.•

38.
Com densa cópia a folha se den ranla,
Que muito á vulgar hera é parecida,
Entresachrundo p ela verde mma
Mil Cluaúros da .paixão do autor da . vid~:
Milagre natural, que a mente chama ,
Com impulsos da graça, que a couvida,
A pintar sobre a flôr aos nossos olhõs
A crnz de Christo, as chagas e os alJ.rolllos.
39.
É na fórma redomla qual diadema
De pontas, com@ espinhos, rodeal1a,
A columua no m eio e mu claro emblemUJ
Das 'chagas S<hntas e (la Cl'llZ sagrada:
Vem'se os crn \' OS e na p!LI'te ex brenm
Com arte a cruel lança figurada; ,
A côr é branca, mas !Je um roxo exsanguc,
Salpicada recorda o pi.o sangue.'
40.
Prodígio raro, esÚ·anha 1!\al'l:wil•ha ,
Com que tanto ucysterio se rebnhta I
Onde em meio clas trevas a fé bvilha,
Que tanto d esconhece a gente ingrata :
Assim do lado seu nascendo filh a
A humana especie, E>cos pi e~loso ~rala,
E faz q\1e qmmdo a ,graça em si despreza,
rJhe pre;;ue co 'esta flôr a na1urezt~ . .
CANTO SEl'I~IO. 2í9

4 1.
Outras flores suaves e admiraveis
Bordam com vária côr campinas bellas,
E em vi1ria multidão po~ agradnveis,
A vista encantam, transportada em yel-as:
Jasmins Yermelhos ha, que innumeraveis
Cobrem pa redes, tectos e j anellas :
~ sendo por miud os mal distinctos ,
ntretecem purpurcos labynutos.
42 .
, {\s ass ucenns slio talvez fragrantes ,
Culllo as nossas na folha organisadas;
Algumas no candor lu stram brilhantes,
Outras na cOr reluzem nacaradas.
Os llredos namorad os ru Lil antes,
~s flores de couraua celebradas;
~ outr,is sem conto pelo prado immenso,
Que deixam quem as vê como suspenso .
43.
~Das fructas do paiz a mais loumda
' o regi o ananaz, fructa Lito boa,
Que a mesma natureza namorada
~:liz como w rei cingil ·n da corôa:
~uo grato cheiro dí< que uma talhada
QU!·preud e o o! facto de qualqu er pessoa;
l' Ue a n1lo Le r .do ananaz distinclo aviso,
'ragrnncia a cuidará do paraíso.
!lCO O CAR.lillG!ll:.

44.
As fra:;ru nlcs pilomuus delicada~
São, cotno ge1nmas d'ovos na fi gu ra ;
As pitanll"as com côrcs l!"olpiadas
Dão r~.frigerio na febril seccuru:
As formo sas gun iabas nacara<.las,
As bananas famosas na do,;u m,
Frucla, que em cachos pende; e cuida a gente
Que fúra o figo da cruel scr}Jcnte.
45.
Dislingue-sc en~re as mais na fórma ,c gõ!l)u,·
Pendente de alto ramo o côco duro,
Que em grande casca uo ex terior composto,
Enche .o vaso interior de um licor pmo:
J~icor, que {, competencia sendo posto,
Do antigo ncctar fUra o uo111c escu ro:
Dentro tem cume branca, como a amcmlon,
Que a alguns enfermos foi vilul, comendo-a.
46.
Não são menos qne as outras saborosas
As várias fructns do Brasil campestres.
Com gala de 011ro e pmpu rn vistosus,
Brilha a mangaba e os mocuj és silvestres:
Os •namões, moricis e outras famosas,
De que os ru\les raboclos· Iomm mestres,
Que eosinarnm os nom es, que se estillam;
Janipupo e cnjú vinhos dis lillam.
47.
Nus preciosas arvores se conta
O cac{to, droga em H espanha tão commua ;
Pouco n'altura mais que' arbusto monta,
E rende novo fructo em cada lua·:
A baunilha nos sipós desponta ,
Qu e t em no chocolate a part e sua,
Nasce em bainhas, como púos de lacre,
ne um sueco oleosb , 'grato o cheiro e acre.
48.
Optimo anil de plllinta pequenina
Entre as brenhas incultas se recolhe ;
l'ece·se a roupa do algodflO mai s fin a,
Que em cópia abundanli~sima se colhe ;
q,u e se a abundancia á indu stria se combina,
~essando a iuercia, que mil lucros tolhe,
ouvem no algodão, qne ali ,se topa,
Roupa, com que vestir-se toda a Europa.
49.
O nrucú, frncto d'an·one pequ ena,
Como lima, em pyra mid e elevada,
b c que um extraclo a clili ge ncia ord ena,
Qu e a escnrla ta produz mais nacarada :
b e im~uortal tronco a tato9ubiu amena
~en~e nvnm:ea côr dos belgas desejada ,
C pao Bras1l, de qu e o enge nhoso N orte
ostumn cxtrahir côr de torla a SCl rle. 1
~32 O CAII.~MUU Ú .

.50.
Ha de balsnmos arvores, ·copndas,
Qtie por l·egoas e legoas se dilatam;
!<'olhas cinzentas, como a rnu.r ta, obradas,
E em grfl lO itroma os troncos se desatam,
Se nelles pelas ,luas são sangradas :
E uso vário faz.endo os que contratam,
Lavram J'emed.ios. mil, e obras lustrosas,.
Contas de cheM"o e caixas preciosas.
I

.51. '
A copaibn em curns ruppl11ildid'a,
Que a médica sci (! ncia esbim•\ ta nto,
A !Jicuiba no oh:o conhecid m,
A almecega, que se usa no qu ebranto.
A preciosa ruadeiFa appetecida,
Que o nome nos meFece de piÍo santo,
O salsafraz chei~toso, de que. as p~taças
Se vem cubcr tas com form~sas taças.
52.
Quaes rica s ~egetaveis amethystàs
As aghas do violele eru ,vária casta,
O a nreo piq'uiá com claras· vistas ,
Q ne n'ou tros lenhas por matiz se engasta:
O vinhaLico páo, que .quando a\'istas,
Massa de ouro pa rece ex'tensa e vasta:
O (l nro pÍLo, que ao ferro compelira,
Angeli1n, tntnipeva, e snpopira .
CANTO SE'fJBIQ,

53.
I •
1'1:oncos va1tios em c8r e qualidade,
Que intei·riças nos fazem as canoas,
Dandó ri gróssura ·Lal caplncidade,
Que andam ~emes quârenta e cem ·pessoas:
E ha por todo o Brasil em quanLidade
Ma dei r as para fábricas tilo bons, .
Que trazendo-as ao mar por vastos rios,
Pó'de .encher toda a Europa de navios, ,
' '
'5 4.
iNnJtre a vasta região , raros !Viventes
!E:m número sem conto, e 'em nnltureza
Dos nossos animqes t1í:o differen·tes,
Que enchem a vista da maior surpFeza:
Os que tem mruis communs as nossas gentes,
Ignora , esta potçilo da vedondeza: 1
O bui, cavallo, a ovelha, a cabra e o c1to;
Mas levados ali sem conto silo.
55.
Todo . animal é f~ro ali ; levado
Donde tilnha o seu pasto c.mnpetenle;
~em era lugar pFoprio o:o nosso gado,
Que fôra o bruto· manso e fera a gente :
Como entre nós é o tigre an:ebaludo,
Cruel a onça, o 1javali fremente,
Feras as antas são americanas, ·
E proprins elo Brasil ~s suçumnas,
O C.\HA~lUI\Ú.

56..
Vem·se cobras terríveis monstruosas,
Que affngenlmn co' u vis ta a ge n t.e fraca ;
As giboi as, que cingem volnm osns
Na· caud a um touro, quando e dente o a taca:
Voa entre outras com fôrças hor.rorosas,
Batendo a aguda cau@a a j nrar~ca
Co m veneno, a qu em fere tão present e,
Que logo em convulsão moner se sente.
57.
Entre QU•tros ,bichos, de que o bosque abnnda,
Vê-se o espelho da gente,. fi( Ue é remi ssa
No animal torpe de fi gura ÍiJ11m unda,
A que o nome puz emos da priguiça:
Mostra no aspecto a lentidão JilriDfuudn;
E quando mruis se bate, e ma is se a,t iça,
Co nser\'a o tardo impulso (lOT tal moCio
Que em poucos ,passos metle um dia tocl.o.
'58.
Vê-se o camaleão, que não se observa ,
Que lenha, .como os mais, por alimento
Ou folha, ou frncto, ou nota came, ou erva:,
·Donde a fllehe aillnnou, qu e pasta em vento ·:
Mas . endo certo, que o ambiente ferva
De infinitos iusectos, pm:sus;tento
C reio bem que se· nu brru na cnmpttnhn
De quantos delles, respirnmlo, r~~pa nh a . n
CA-NTO SETJftlO,

51! .
. Gira o sarehué, como pirata,
l?a creação dom.;stica inimigo;
A canção da guariba sempre ingrata
Responde o guass inin, que o segue amigo.
Da vúria caça, que o caboclo mata,
A. narração por longa não prosigo,
Veados, capivaras e cuatias,
Pneus, teús, periás, tatús, coLias.•
60.
O mono, que a espessura habita astuto,
De um ramo n'outro buliçoso salta ;
E para não se crer que nasceu bruto 1
Parece que o falar. s6mente falta:
O riso imita e contrafaz o luto ;
E a tonto sôbre os mais o instiucto cxtilltt,
Que onde a especie brÚtal chegar-lhe véda,
1'em arte h.a tural, com que o arremeda.
61.
Entre as volateis caças mais mimosa,
4 zabeté, que os francolins imita.
E ue carne suave e deliciosa,
QuP. ao lnpuia voraz a gula incita:
l.ogo a en ha·popé, carne preciosa,
De que a tilela mais o gôsto irrita,
Pomuas verás lambem nesses paizes,
Que em sabo r1 fórma e gôsto são penlizcs ,
!HHJ O CAR.AMUIIÚ.

6~.

Jurilfs., parari,s, tenras e gorilú,


A hin~ponga no gôsto regaln.da,
As marr ecas, I'[Ue ao rio ench!!m as berdas,
· As jncutinga~ , e a ' araciln ·r reza1la:
E se do lago na rLbeira abordas
De galeirões ~ patos habitada,
Verás, · correndo as a.guns na canoa,
A turba aquntil, que nada11do :voa.
63.
Negou ás aves do ar a nat~rez&,
Na maior par,te a musica harmonía ;
Mas compensa-se a vista 'na belleza,
Do que póde faltar na melodia:
A penrla do tocruno mais se préza,
Que feita de ouro line se diria, ·
Os guarazes pelo astro tão luz idos,
Que parecem de purpura vestidos.
64.
Vão pelo ar loquazes papagaios,.
Como nuvens ''oando em, cópio; ingente,
lguaes na formosura. aos verdes maios,
P roferindo pnla.ovrns, como. a' ge n~e;
Os periquitos com iguaes ensaios,
O canirtdé, qual [ ris reluzente;
Mas falam ·ruen,9s, ila pronúncia r~vara!,
Grilando as·formosissimas nmra5.
CANTO SETU(O,

65.
Como melros são negros os bicudos,
M:ais destros e tlfrl"ndav eis no seu canto.
:Na terra os snbiás sempre são mudos ;
J\!Ins junto d'agua tem a voz, que é encanto;
Os coleirinhos no entoar agudos,
A.s patati bns, que o saudoso pranto
lnlitam, req uebrando com sons \ln.rios,
Os colibris e barmonicos canarios.
66.
, , Das especies 'maritimas de preço
I etuos pcrolas nelas prec iosas,
:Netu melhores aljofares conheço,
Que os das ostras bmsilicas famosas :
A1nbar-griz db melhor, •mais denso e espesSO)
~as cos tas do Ceaná se v~ espaçusus,
"!üdre-perolas, conchas delicadas,
Umas parecem de ouro, outras prateadas.
67 •
., Piscoso o mar de peixes mais mimosos,
. ~ntre nós conhecidos rico abunda,
Linguados, SaYei~, meros r··eciosos,
! Rl(ulha, de que o mn.r Lodo se inunda:
~~abalos, salmonetes deliciosos,
~ xcme, o voador, que n 'ngua aiTunda,
escadas, gnllo, arruias e tainhas,
Carapúos, en~arrocos e surdiuhas. ·
O CAHAniO IIÚ

GB.
Outros pad x~s qu e proprios são do cli:ua,
Bejupirás, vermelhos e o garôpa,
Pampanos, corimás, que o vulgo estima,
Os dourados, que préza. a nossa Europa:
CarapelJas, parus , nem desestima ·,
A grande c6pia, que nos mares topa,
A mu ltidão vulgar do charco vasto, .
Qne á~ pobres gentes subministm o ,pnslu.
69 .
De junl10 a ou tubro para o mar se ahtrga ,
Qual gigante ma1>itimo a balêa,
Que palmos v in te seis conta de larga,
Se ten ta de comp uido, horrenda e fei [l, :
Oppríme as aguus com a horrivel carga,
E de oleosa gol'clura em roda cheia, '
Co nvida o pescador, que ao mar se deite,
Por fazer, derretendo-a, util azeite.
7.0.
•"
Tem por espinhas·ossos desmarcados,
O fe rro as duras p~ll es represe nta m,
Donde pend em mil bus ios apegados,
Que de quanto lhe chupam se sustentam:
Ntio pa recem da fronte separados
Os vastas corpos, que na a rêa assentam,
E nt•·e os olhos medonhos sé e rg ue a tromoa,
'Q ue oud as vomita, como arpyt~i l bomba. ·
CANTO SETI JIIO,

7 1.
Na bocca h orrivel, co mo Yas ta grufa ,
Doze palmos compri da a língua pende,
Sem den tes; mas da bocca immensa e brtHa
l3arba ta nas qu arenta ,ao longo e&tende ·:
Com ellas para o es f-o mago transmuta,
Quanto ·po r :rlimento n'agua prende,
O peix e ou htlvez carne, e do elemento
-~ fez immumln, que lhe ,1{, sustento.
72.
Duns nzns nos b ombros tem p or braços,
Que aos lados vinte palmos se dilfnndem,
Com nza e cauda os lí quidos espaços
llatendo remam, qu a ndo o mar conf unde m :
E excitand o no JJélngo fracaços,
Chorros d'agua nas uáos de longe i nfundem ;
E a ndand o o monstro sô bre o mar boiante,
Crê qu e é ilha o inexperto nuvegnJJle.
73.
Brilha ·O materno am or no monstro lwrrendo,
Que vendo prevenida a gente armada,
Matar se deixa n 'agua combatendo,
Por dar fu ga', morrendo, á prole amada:
Onde no fillto -o arpão caçam mettendo,
Cotn qu e a ltrahin do n mã i dentro á enseada,
Desde a longa canoa se alancêa,
J\.o ladGJ de seus Jilhos a bulêa .
,
.o CAllAMURÚ.

74.
Sô brc a costa o marisco appelecido
N o arrecife se colh e, e nas ribeiras
As lagostas e o polvo re torcido,
Os Iagoslins, santólas, sapateiras:
OstraS' famosas, camarão crescido,
Curangueijos lambem de mil mn-neiras,
l'or entre os mangues, donde o tino perde
A humana vista em lnbyrintho verde.
VA.NTO OIT.4. VO.

1'1 ..
Estsda. em França e regresso ao Brasil
- Du-Plessis olfere oe o o Heroe auxílio pa-
ra fazer ,p assar o Brasil a.o dc~oio da
França - aecu~a elle p o r leald.ade ao seu
rei, e se embarca para a Bahia- Nave -
ll\'ando perto da Linha tem Paraguoi.'Ú um
sonho en1 que vê os suocessos futuro• do
llra•il, e oomeçundo a 'narrai-o, é o navio
aooomu:>ettido d'uma Íormento .
T obliqll~l
RJlS l'ezes tinhi1 o sol DO srm
.A carreira dos trbpicos voltado,
E tres de Europa pelo clima aprico,
~riulm as plantas o abril resuscitado:
l;>epois que do Brasil se tinha rico ,
.1\ França o nobre Diogo transportado ,
"Buscaudo nas viugens meio e lume,
Colil que reforme o burbaro costume.
O CARAMUIIÚ.

!i!.
Mas da mísera gente na lembrança,
Que lhe exc ita da espOsa a cara imagem.
Meditava deixar a am iga França,
Repelindo a brasi licn viagem :
Na generosa empreza não descança
De instruir a rnd ezn do salvngem,
E cuida com razão que é Jwmanidade
Amansar-lhe a cruel barbarid1ide.
3. \

Em quant-o nft o e embarque negoceia,


Do ami go Du-Pless is soli citado,
Foi-lhe elo rei frnn çez propos ta a idéa
De erguer as lizes no pniz buscado :
Terás. llle disse, ~ é facil que se crea
Que lh 'o dizia do seu rei mandado,
Terás da França auxilío e tropa immensa,
E maior que o serv iço a recom pensa.
4.
Que se o empenl10 te occupa generoso
De amansar do ge ntio a mente impía,
Tra1.endo a França um povo !mmeroso,
Melhor se a mansará na companhia :
Que engano ' fôra Ít Europa p ernicioso,
Q uando colonias dcrramaud o en., •ia,
Extinguir sem remed io a infeliz gente 7
E despov11ar-se com a tropa ausente.
C.\NJI'O OITAVO,

5.
Desta arte Roma o imperio seu fazia.,
Que as coloui as pelo orbe derramando,
Do paiz' conquistado outras unia,
Co1u que ia a falta propr.ia reparando:
N"'um seculo, que• o baTbaro· vivia
N"a gr1t Romtt romano ia· ficando,
E neste avbi lPio de pensar profundo,
Foi mundo Roma, e foi romano o mtludo.
6.
Es te meio por tanto eu te suggiro,
Que se a tm1 prudencia hoje executa,
."Verás em pouco tempo, como asp iro,
F ranceza pelo b·ato a gen te bruta :
Vive semp re brutal no seu retiro
Quem ninguem conununica· e nada escuta,
N"em o salvagem tirthas da toca
Se ou tro paiz nito trata, e o seu não troca.
7.
E em tanto que o terreno nosso habita
'f rausmigrada a infel iz genlilidade,
.A. ge nte que' perdemos infinita
Snpprirá com commua -utilidade:
Assim a agricultura mais se excita,
C1·esce a plebe no campo e ua cidade,
E a lttrba inerte, que co rrompe a terra,
Ou _se deixa emendada ou se des terra.
O• Cli,RAnUJl\Ú,

a·.
D isse o rnancez prud ente , e o nehre Ji)iwgo
J,eal á amada pa lrifL res·po ndentlo:
Sabio projec lo d,;s , rep l·icou logo,
Subre a -popul ação;. n11cla o co nt 11ndo:
1\:Ias não posso conv ir ne exposto nôgo,
Sendo fiel ao re i, piD rl•uguez se nd o,
Qua ndo o lu so mona rcha jnlgo Ct·!rlo·
Senhor de qnan to ,deixa c1escu be rt0.
9.
Vivendo e:u leg e um povo na nn01rquia,.
•rem cli reÍ·Io o vísi.nho a suj eítal-o,
Q ue a natureza mesma insp im11ia ,
Ao que fosse mais prox imo a amansai-o:
Deixo que o ceo parere q.ue o que ria ,
Dando a Cabral o. inst inc to ele buscai-o,
E o ser em caso In! co mmuni cunre il o
Que q,uem p rimei ro o occLlpa te m tli rei•lo.
10 .
. E sem que ofTenda {L l"mnça a minha escusa,
E hem qu e és la conqu ista a Lys ia faça;
J\lllls em qua nto a B <11hi a o nilo rec usa,
Ser-vos- ha no com mcrci o a 1Ílelhor praça:
Cóph de drogas ac ha reis pro fu sa,
E o lenho p rec ioso a li de g·raça;
:E du raude eu na pa !l·ia obed ienciu,
Serei fruucez na obrigação e agencia.
CAN1'0 OITAV-O. 9.97

11.
Admirou Du-Plessis no peito nobre
O generoso ardor e o patrio zêlo,
Que a i/lustre condição no obrar descobre,
No,·o motivo para mais querel-o:
Sem mais receio que o contr{orio elle obre ,
Na nova expedição quer socio tel-o;
Mas antes de emba·rcar-se o Heroe [·lruà enl.ll
AYisa o lusu rei da empreza ingente,
1~ .

.Ta pelo ·salso oceano navega


A franca náo, e .o cabo se d•ivi.sa ,
D'onde a Europa no occaso ao termo ch ega,
'rido do nl'ltigo nauta 1lOr ba:lisa:
A terra ali se ve, que o Minho réga,
Correndo a costa da feliz Galliza:
E o rumo en tão seguindo do oecidente,
Ao meio dia se navega ardente.
13.
N1lo longe do Equador o mar cortnv.a
Quando Puragnaçú, ja Cttthari na,
Como era seu costume a1tenta orava,
lltlplorando o favor da m1lo divi na:
E eis gue {t vista da turba, que a observa·l'a,
.E,n quanto adom a Magestade trina,
Eon somno .fiea suspendida e absorta,
E algum cuida -que clorme, o«tro q11e é mortil.
14.
.BrilhOi no aspecto um ar do aiTecto interno;
1\'Tas em funda abstraoç1ío co m doce calma,
Bem se lhe ve pelo semblante externo
Que occu,p a em gvande objecto a feliz alma :
V e-se nella a rra ia r do lum e eterno
Que no ceo. goza quem já logra a palma;
Admiravel vislumbre, que suspende,
E infunde um pio utTec lo em quem o attcmle •
.15.
Assim por longas horas abstrahida
Deixava o caro espôso na anxiedade
Se. era som no em que eslava suspcmlida,
Se era ciTe i to de crnel enferm idade : ,
Ora susp~ita que perigue a vida,
Orn na celes tial tm nquillidade
Crê qu\)· do claro Empyreo habitadora,
Jmmor tal sôbrt< o ceo reinan;lo mora.
w.
Até (i!ue a si tornada docemente,
Corre a tmba co'a ''ista em grato gyro;
E como quem és ta ama ingrata sente,
Rompe os lon gos silencioq n'um suspiro:
Oh doce, disse, oh paLria permanente !
Que escuro este ar parece, que respiro!
;Feliz quem con !em piando o ceo 'formoso,
Vive no seio do celeste espOso I
CAN'llO OIT.AV,O,

17.
Pasmado Diogo e a multidilo, qne il. ouvia1
Caiam todos no assombro de mlmirauos;
Nem ja duvidam que vis~o sería,
Em que ouv[ra o~ mysterios revelados:
Quando occu ltos segredos Deos confia,
Não devem ser, diz Diogo. propalados:
Mils se em parte, como este, é manifesto.,
'J'en1erario nilo sou, se inquiro o resto.
18.
Narra-nos, feliz alma, a visito ·bella,
Qnem sabe se por ti nos ma,nda aviso
A Providencia, que ao g·ovêruo vela
Do mortal nos seus Iins sempre indeciso:
Não nos cales em tanto o que revela
Por nosso lume, o excelso paraíso,
E _a nossos rogos com memória prompta,
D1zendo quanto viste, tudo conta.
19.
Calaram todos com ou1•ido attenlo,
Pendendo da expressão de CaHJarina;
E to1nando na popa em roda assento,
Duo-lh'o sôbre um canhão, qneao bordo inclina 1
Mandais-me, a dama disse, que o portento
llnja de expor-vos da impressão divina;
Que1u poderá contar cousa ti'io alta,
Quando o lume cessou, a scieneia falta 1
-.:>o o O CARAJ\rtJRÚ.

2Q.
·Nem •inculco em meu sonbo um instine>to
Que tudo fingir p6de a f~ntnsia;
Porqne a imagem .talvez que n'alma ,pinll>,
Por força natural se fingiria:
Póde ser, se pr.esaga.a idéa ~i-nlo,
Que sem extraor(jinaria ·]lrof€cia
· Ante:.·eja o sue cesso, o -tempo e o pruso,
,E depois não succeda, ou seja acaso.
21.
Vi, uão sei s'era impulso imngina.rio,
U m globo <le diama,nte claro e !immenso;
E nos seus fundos fi~rurar-se ''ário
Um paiz opulento, rico .e .extenso.:
E applicnndo o cuidado neeessario1
Em nada do meu proprio o di!Iercnço-;
Era o. mueo B Pasil tão vasto e ~mulo,
·Que parecia .no diamnnte.um mundo.
212.
Fixo os olhos attenta no estupend()
Milagroso espectaculo, que via,
E em tres legoas de b 0cca vi correndo
Por doze de cHametro a lilahia.
Seis rios pelo golfo discorrendo,
Engenhos, povoações, que descu:tlr'i a,
,Eram cómo ornamentos da cidade,
]De que se ergue no plano a magestade..
CANTO OI'U.V O. ,;;ol

23.
Parecia em se is bai~ros dividida,
Com duas praças de extensão formosa;
Fortaleza ali \'Í na barra erguida,
Outra á parte de terra mages tosa:
A enseada por oito dcJendida,
E outra em Tapari.ca poderosa;
b~aa casas de pol voru; e na entmda
Y1-me a mim de uma dellas retratada.
24.
)) Dentro a um .templo magnífico se ''ia
e seus prelado~ turma numerosa,
ge que um ás mãos dos bnrbaros morria,
'11' U ~ro a espada cingia vale rosa :
c1tutos de alta virtndc os mnttos ·via,
0
1ll caridade discorrer rilelosa,
~em poupar tempo, es tudo., ou ~·ida, 011 gasto,
or propagar a fé no sertão vasto,
25 .
?\To grão palacio em tintas retratados
0 s ~.nc . o governo do Brasil ti.veram:
0 8 Sonsas na .Bahia decantados,
~s nob res ,Costas , que. de-pois ''ieram :
P as entre ou tros na guerra celebrados
1~r 1t·ofeo~, que vencendo merecllmm,
Q endo de Sá de gloriosa fama,
lie pai da pntria no Brasil se acclallla.
O' CAllAnlUllU •

!26.
Deste era prole o intrepido Fernando,
Que ali vi fulminando a forte espada;
E contra a feroz gente peleijando,
Deixou a morte com valor 'l 'ingada:
Mâs da Bahia os olhos levantundo,
Vi discorrer no mur potente armada,
Que as ilhas occupando e a vusta terra,
Movia no Bra~il funesta guerra.
27.
Parecia-me a frota bellicosa
Franceza gente, que o Brasil tentava
P edro Lopes de Sonsa em furiosa
Nm•al' batalha o mar lhe centesta.,•a:
N'outra acção com esquadra numerosa
Luiz de Mello e .Sil1•a pelcijavu:
Christovam Jaques, que este mar corrin,
Dous navios lhe afunda nu Bahia.
28.
Era de FFançn sim a ad1•ersa gente;
Mas por culto inimigo ao rei contn'tria,
E ao rito culvinislico ndherente,
Er1viava ao Brasil tropa adversaria:
E protegida da fucção potente
Com as fi)rças e urmada necessa,riu ,
. Queriam puro. in f anda eeremonia
l•'ubricur a Calvino uma colonia.
Ç.\NTtl OI'r! VO.

~9.

OnvaHejr.ô de Malta, e r.ranco nol.H'e


l!1rn Villagnlhon de forte pei to,
Soldado anligo, qu e o valor descobre,
]!] entre os hu gnotes do maior respeito :
b e mil promessas o parlido cobre,
llnvendo·o á em preza do Brasil eleito;
~ ,abonada de um chefe de es perança,
ll·lhe a mão a heresia em toda a França.
30.
E ste vi navegando a Cabo-Frio,
~eguido de outras náos na forte empreza;
~ que tratando atTavel co'genlio,
~:Xplorn va do síti o a natureza ;
Elostra~a aos naluraes il.nin10 pio;
l argtundo-lh' a gente portu guez a,
;duz a nação bruta a qu e lhe assista
a empreza do commercio e da conquista.
31.
l' Voltou n França o cabo d ili ge nle,
endo de ricas drogas carregado;
~ convocando ás náos armada gente,
Norna de turba inge nte acompanhado:
])ent tarda do sertão cópia ]Joten te
]> e 11m povo, qu e nas armas alliado,
~r atuigo esHmawa mais úncero,
e11os inculto sim, porém mais fero.
'0 ClRAMUUÚ,

3!t •
. Ali Villagalhon, qn e o troço aluja,
A~ gentes do sertão se confedera;
E toda a costa a dominar se arroja,
De donde os nossos expulsar jA cs pem :
Do seu commcrcio o portu gnez despoja,
Na fertil Parufba, em que util era;
Nem ha na costa do Brasil enseada,
Que o hu gonote nilo tenha bloqnea<la.
33.
Mcndo de Sá, qn e adverte no perigo,
Tres m'LOs, que em guerra cuidadoso armúra,
Com oito de .:omm crcio tem comsigo,
Além das qne em soccorro convocftra:
E por ler fôrça igual ás do inimigo,
Sôb re longas canoas, que aJJJnl{tra,
Guia contra os t:Lmoios pre polenles
Do brai'O carij6 tttrmas valcnteB.
3;!.
Nhighe·teroi se chama n ~'aBla ensc:uln ,
Que estreita bocca, como barra encerra ,
Fec hando em vasto porto á grande armada
U m lago, que em reclondo cinge a terra~
Ve-se ilha penhnscosa sôbre n entrada ,
Com fortaleza, ~1ue di sposta e1u guerra,
Por boccn (]os canhões rumor fazendo.
Fechava a barra ao ya[eroso Mcmto.
C,tNTO OIT,l VO,

35.
l<~ra a ilha de rochas guarnecida,
' Q\ip e m tôrno tem nuturul muralua,
·~onde á força das ballos rebatida,
l<nz inuti l dos lu sos a butallw. :
'l'res d ias foi €l'os nossos combalida,
Sern que o fogo incessante a1Js nossos valha ,
Até qu e fa tigado o ilnicto Memlo,
l~vaue {, escala vi sta o forte horrendo.
36.
Entre as freclms e balas destemido
~n penha o porluguez trepando salta;
·"' deixando o frunc ez esmorec ido,
~egol!a, ma~a, fere, ÍHvade e ass.alta:
cieltl do antigo valor cede esquec1do
franc ez animoso, até que falta
~c sangue a brava gente na contenda,
'"z a perda e cansaç.o que a ilha renda.
37.
Nent mais demora teve o invicto Mendo
>\o Ver a ooent·e adversa dissi·p ada,
E a excel s~'l fortulezn desfuzendo,
A costa visitou na forte armada:
lj: Indo ao nome seu snj ei.to ha·vendo,
J\ Bahia tomou, que illuminadn
~ntre o som d o clarim e alegre trompa,
rn trium(g a Mendo 11ec:e beu com pompa ..
O CA.RAl\IURÚ,

33.
Míls a facção d'o Hug'no!e enfurecida
Yillagalhon potente ao Brasil manda,
Que a ilha recobrando já perdida,
Guerra intenta fazer por toda a banda:
V e-se a nossa marinha combatida,
E a forte esqmulra, que o francez commaudnr
Dominante no oceano por modo
Que impedia o commercio ao Brasil todo.
39.
l\Iais não tolera a lusa monarc!tia,
Que no rei ch~i s~ianissimo adlJerente,
Co nlra a rebeltle hereticn porfia
Armada põe na America potente:
Chefe Estacio de Sn pruden te envia,
De válidos galeões com forte gente,
Que o herege expulsando da enseada,
Deixa -nova cidade ali fundada.
40.
Obsequioso abraçava o cl!.H' O Mendo
Q valeroso chefe sett conjuncto,
As fôrças da Bahia unido tendo
As que trouxera sôbre o mesmo assumpto;
Contra os esforços do tamoio horrendo
Accommette o rebelde em liga junto,
Incorporando {, armada lusitana
Vasto esquadrão da turba ameri€nna.
CANTO OI <r AYO, .

41.
Chama-se Pão d' Assucar o penedo,
l!:m pyram id e ;\s nuvens levantado,
Onde de um salto linha j{, sem medo
~ lurba militar desembarcado:
~ndava pelo mar vasto a rv oredo
o gentio em canoas habi tndo;
li: uo ardente fmncez lnzida tropa,
Que habil n'arle de guerra fez a Europa.
42.
Destes o luso campo accommelliclo
~e dardos, freclms, bailas se embaraça,
~111 sombra o seio todo escurec ido,
~s núos occultr.un nuvens de fmnaca :
~ ao echo dos cnnflães en-tre o ruido,
~11do está cego e surdo em campo e praça ;
r,. no horrivel relam pago das peças
oUetn por terra os bustos sem cabeças.

43.
, Voam as náos de clmmmas occupadas,
~nchendo a ens eada do infernal estrondo,
8 canoas dos nossos abordadas,
g os galeões, qu e em linha se vito pondo:
o8·golpes , que retinem das es padas,
li: golfo, qu e arde em cfmrnmas em redondo 1
Drntu na terra e mar em sangue tinto
111 abysmo, um inferno, um labyrintho.
O CARAMURÚ.

44.
Depois que largo tempo em mareio jílgo-
Dura a batalha com commum perigo,
Cessando o impulso do conbrário fogo,
Todo o estrago apparece do inimigo:
Tinha cedido cla contenda logo
Receoso o tamoio do castigo ;
E os fmncezes, que as náos mal sustentavam,
Entre as penha·S ? 'asylo procuravam. ·
45.
Não cessa o bravo Sá contra o gentio,
E a forte tropa pelo ma !lo avança; .
Porque abatendo o orgulho e insano brio,
Se apartasse o sertão da alliança ;
Nem receia. o tamoio o desafio,
Tendo no seu val()r tanta confiança,
Que fugindo da nldêa ao matto e gruta,
A li berdade ao portu'guez disputa.
46.
Em aspero o combate e lenta a guerra,
E ~em efTeito o assédio ao ffancez pôsto;
E o bnrbaro, embrenhado dentro a terra,
Tinha emboscada ao por!Jugmez disposto:
Mendo, que n'alma o grão cuidado encerro.,
Tendo de Es tacio ;occorrer JlfOposto,
Foz levas, busca náos e ·a.. gente incita,
E ern auxílio dos seus partir medita,
C!NTO OITAVO,

417.
, ~á uobra o •Frio-Calw a esquadra ingente,
li. a vista do penhasco lança a amarra:
Pasma o rebelde, vendo a armada á frente
gccupar numeuosa a estreita barra ._:
ne-se a .. frota ali da lusa gente;
~ os mutuas casos vanglorioso narra ,
rmão a, inu1ío, e o .filho ao pai, fes:tivo
l'or ter chegado são, e achai-o . :v ivo.
48.
» Chega aos braços de Estacio O· forte Met-Ido,
.C. , Por fes tivru salva es trepitosa,
Faz que vom i.t e o bn:mze. o fogo horrendo
~ontra ,a, ilha, que avistam penhascosa:
L largamente consultado .ha1•endo
gs çlous .che.fes da em preza gloriosa,
0 lltra o pened'J tentam no :m ais alto,

A Peito descubcrto, U!ll · fero assalto.


49.
)1) V'!lll-se entre as penhas formida:veis>Õoccas
l!i e canh(?es e mosquetes trovejando;
b nas qu ebradas espantosas rocas,
0
~1. _ b~~:rbaro tamoio o infame bando:
V>Ullos ali das asperas barroca~
'10 os. nbssos fuzis pFeci pitando,,
0Clitros da rôta penha em meio .ls gr~tas,
Ubruam conh:a .n6s todo o .ar de settns. :
uo; O C,\R!MURÚ.

5@.
Não cessava o rebelde bellicoso
Com vivo fogo o assalto rebatendo,
Em quanto sobe o luso valeroso,
Trepando em furia no penedo horrendo :
Quem, no meio do impulso impetuoso,
Cae na ruina, o proximo im•olvendo,
Quem, ferido d'a frecha ou iVeloz baila,
Do mais alto da penha ao mar res\•ala.
51.
Todo o pen·hasco em fogo se fundia,
Em quatllo o mar em roda em .c!mmmas ferve i
Entre o fFacaço e fumo que saía;
De nada o ouv.ido vale e a vista serl'e":
A terra toda em roda estremecia;
E sem que a agna do incendio se preserve,
Parecia ferver do fogo insano,
Escondendo a cabeça o pad;re oceano.
52.
Qual do Yesuvio a bocca pavorosa,
.Quando rios de fogo ao mar derrama,
Arroja ao ar ·com fuda impetuosa
Parte do vasto monte in volta em chamma:
A cinza cobne 1> ceo caliginosa,
Muge o chão, treme a terra, o pégo brama,
.E o mortal espantado e· tremebundo, ,
C rê que o ceo dia1 e que se funda o mundo•
,CANTO OITAVO :>H

. 53.
'l'al de Villagalhon na penha dura,
Do horrifico trovão freme a tormenta,
~a .chamma entre a fmnnça J10rrenda e escma
o Infernal lago as furnas representa:
l'orém do proprio fumo na espessura
.1\. Pontaria, que o rebelde intenta,
E:vita o porluguez, que ataca incerto
.1\. escala vista e a peito descullerto,
54.
E jú. no grão penedo tremulavam
.A..s lusas quinas pelo -forte Esl;LCio,
E as lizes do penhasco se arrancavam,
~onde a Villagalhon se ergue um palacio;
ela roca os tamoios se arrojavam,
E o Valor luso danúo inveja ao Lacio,
~ guarnição frtanceza investe Íl espada,
' obriga em .duro choque Íl .retirada.
55.
J {~ valente francez, que a b)lllica arte
Ôcom valor na Europa professára,
E Peito á fuga or.põe por toda a parte,
. ' faz que volte o fugiti~to a cara:
~Vendo Estaci.o so junto ao estandarte,
CU~ por ,chefe dos lusos se declara,
'NUtcla de um golpe terminar a em preza,
0 general da geQ.te portngueza.
O· CARAI\IURÚ.

56 . .
Não desfallece o capitão Yalenle;
E de um e de outro laúo accommeltitlo,
Re bate as balas sobre o escud o ingen te,
E arroj a~se ao rebelde enfurec ido:
Lebrun despoja do mosquete ardente,
Com que muitos de um golpe tem ferido,
Ou tros (]O ín greme pôslq ao mar despenha, ·
E algu ns expulsa da soberba penha.
57.
E jú fu gia a .tímida caterva,
Q uanúo Roc)!efuc6, que a pugna iguala ,
.Donde a viseira deseuberlu observa,
Lhe apon ta desde longe ardente bala.
Caindo o hcr.oe na espada, que conserva,
Adora humilde a cruz, e perde a fala:
Banha-se em sangue o chão, e em tanta glóri~
Regada a terra pr.oduzi u victória.
50.
Porque em quanto em seguil-o divertido,
Abandona o francez a fortal eza,
Tinha parte do exérci to subítlo,
A dar fim com victória {, forte em preza;
Admira Mendo o braço esclarecido ;
E bem que do sobrinho o valor. pérza,
No juvenil 1\rdor notou· magoado
O tomrtr chefe us partes de soldado.
Cli.NTO OJT,\ VO,

59.
,Á patria 1 o nobre S1í diz la grima nclu 1
V,ctima irí1s da fé, iht li berdad e,
Vigor no sangue heroico á terra dand o,
Donde se erg-a immortal nova cidade:
O caso nceri)o nos pos te ros contand o,
l'enham seus cidadãos da hero icidade
Clara lição no fundador primeiro,
Olória e terna do .Rio de Janeiro.
60.
Tnl nome deu .'i. enseada uo rec~rdo
Do mcz , qu e illu stre. foi por caso tanto ;
E á cid ade dei,xou com justo aco rdo
'~ clara invocação de 11m 1\iarlyr Sa nto •
li: ha vendo as tropas recolhid o a bonlo,
~escançadas do bellico qu ebranto,
l·n~ immor taes no tempo transitorio
Os Corn~as e Sús , no nov o ernporio,
61.
E m tanto do ta moio a gente bruta,
~ais feroz sempre nn marcial contenda,
Contra a nova cidade e m fera luta
Movia guerra pelo mal' tremend a :
Mas Mendo pa ra a ba rba rn di sputa
~<'az qu e um chefe ta ptlia o mar tlefenda:
.A.rar,igboia aos seus nomeia a fatnn,
Murtim Alfonso por chrislão ·se chuma.
o
O CARAJIIURÚ •.

62.
}>rincipe foi nas tabas respeitado,
f~ue ao nome portuguez na guerra addicto,
Tinha com Mendo os seus capitaneado,
Sempre contra o tamoio em campo invicto:
Quatro guerreiras naos tinha avançado
O rebelde, depois do grão conflicto,
E em oito lanchas Ararig buscando,
Do Cabo-Frio !\ ponta iam dobrandq.
63 .
::lnltam da noite no silencio escqro
As bellicosas mangas guarnecidas,
De immensas chusmas do tamoio duro,
Que obrar deviam na ca,mpanha unidas ;
E em quanto tem o campo po1· seguro,
Jaziam pelas praias estendidas
Para investir co'a luz , que ja raiava,,
A alclea de Ararig, que os espcrav11.
64.
Mas o bravo tapni\' bellicoso,
Antevendo o descuitlo do .i nimigo,
]3usca o manlo da noite insidioso,
Para investil-os no noclurno abrigo :
Co nvoca os seus guerreiros animoso;
I~ sem dizer-lhes mais do seu perigo,
Depois \lue um brev.e espaço os olhou mutlo.
Disse cheio cje ardqr, batendo o escudo;
CANTO OITAVO.

65.
Sú valerosa, in trepida calerva!
Que esperilmos no JhJSSO al oj amento P
Acuso até que o campo e1u chusma ferva,
E nos busque o franc ez no proprio assento i'
Sei por es pia, que o seu campo observa,
Que dorme sôbre as praias desa trento,
Onde se o ;mrprendermos üe improviso,
S~n!irão todo o damno antes do aviso .
•G6 .
.Basta que em marcha prooeduis quie,ta ,
E que invadindo a turba desc uidada,
Não cuideis de emp rega r a bala ou setta,
Mas qu e ~u(lo leveis á pura espada :
E quando o vasto campo se accom.mella,
Deixando-lhe ás canoas livre entrada,
á.tlles que o ferro vibre os sens revezes,
Desarmai, se puderdes, os francezes
67.
Chamam corpo da guarda, onde o soldado
Co_stuma pôr as armas nus vi gias;
á.lt correi com ímpeto apressado,
Seguindo o p~sso sempre das esp ias:
Que nada o francez póde desarmado,
~·sem as cluimmas que de rrama impías ,
'tcurú desde o impeto primeiro
:Nall mlios da nossa Uopn prisioneiro.
o •
Z. 1G O CARAMURll•

68.
Disse o astuto A rarig, e a.lento pass,o
Cada um .pela brenha vai dispe rso,
Devendo a dado tempo e a certo espaço
Qualquer unir-se em Qlltalbão diverso:
E achando em so mno descuidado e las~o,
Sem scutinellas ter, o ca(npo .adve rso,
Um a u,m , pé ante .pé, em II!nrpha tard.<\,
.Assaltam juutos a sop ita g uarda.
Q9 .
.JuJJtas as rtJrmas de imp.royiso .apa11ha11:1,
lliatando as gua rdas meio-adormecidas ;
E depois que a armar(a tod a ganham ,
Quantos as vem buscar perdem as vidas;
O som.no com as mortes acompanham;
J!: outros vendo sem armas as pa1·tidas,
]>orque a causa .nilo sabem do tumulto,
:Buscam as )anchlls, FOr fugir do, instjltç.
7.0 •
•lrarigboia, · corqo um ra,io ar~ ente.,
Uns dormindo dego lla pela ar~a,
• Outros sem armas, que rendidos ~en.te,
Prisioneiros com cordas eucadea :
A iiel tropa pela praia ingente
Toda dei'xa a campanha de horror cheia,
C ubrindo de cadaveres o plano,
· .,Alagado co'a espada e~~~: sangue .Imma,qq,
CANTO OIT.l VO.

71.
E ' j11. nos ceos· risonha ·apparecia '
.A. estrella d'alva as trevas •apartando,
E .com trémula luz u incerto dia,
No· extremo do horizonte ia arraiando:
Quando o estrago da noute apparecia,
E prezo ou morto o frarfco demonstrando ,
Nem as lanclms· se- sah•am, ·que ·a · vasanle
Em ~8cco as poz, na mil.o do triumfante.
7!2.
1\ Nilo cessava MartiTQ contra a espantada
.,iultidão de tamoios, que se em brenha ;.
-1!. deixando-lhe a aldêa derribada,.
~ã~ se lhe esconde algum no malto on brenha:
]' tu ~os no· a \'e mo lança· com -a · espada,
NUgtndo outros · ao mar n'agua des11enha,
em fulminando a massa a algum perdoa
0 CCIJlto na cabana ou na canoa.
73 .
.Ã. Fez este marte do Brasil constante
Q nação dos tamoi os tanta guerra, ·
ue elle só com a espada fulminante
~h~ ·e~tingue o nome, . e despovoa a terra :
Uts não ousa o rebelde marian·te,
~m quanto Ararigboin no campo erra ,
esemba rcar· na costa, sem que o bravo
0 dei.xe combatendo, ou morto ou escravo,,.
. O CAR AJIItRÚ.

7'1.
Vi que do excelso t11r.ono\ vinha em tanto
Uma augusta donzella adormecida,
De quem brilhava sôiJre o aspecto santo
A piedade, a abundancia, a •sciencia, a vida:
Do seio derramava do aureo manto
A opulencia no mundo appetecida;
E logo que foi vista sôbre a terra,
Submergiu-se no averno a infausta guerra.
75.
Era a divina paz, que o ceo nos manda,
Premio de um sceptro, que da fé zelante
Propaga o sant·o culto, onde commanda,
E as ·Jeis defende da justiça amante; ·
Sem estragos de 11ma guerra infunda
Gozará o Brasil de paz constante,
Por setenta annos de um governo justo,
Tendo tranqu!lla a terra, e o mar sem susto.
76.
Nem mais a espada e bomba pavorosa
Se ouvirá na marinha e sertão vasto,
A voz só do evangelho poderosa,
Simples, sem artificio, indústria ou fasto:
A semiféra gente viciosa
No jugo conterá de um temor casto;
E {,s mãos dos seus nposlolos se avista,
Com as armas da cruz f~ita p. conquista.
CANTO OITAVO, :519

'J7.
I
Mas vi' em lauto o lasitano imperio
Na Libya ardente em srungue subm.erg ido ,
E o seu domínio no indico l1emis ferio
bo batavo nas aguas invadido:
E, ou por descuido do governo hesperio,
Ou de mil contra-tempos combaLido,
Cedeu no vasto mar por toda a l>anda
Q• imperio do Brasil á fria J[ollanda.
7!!.
Úezeseis longos seculos contando,.
C~nr annos viule qnatro a vulgar Era,
V'1 a balava esquadra o mar surcando,
Onde Willekens general modeFa:
~elre Petrid os mares assombrando,·
1>or Ahni'rante aos nauticos· se dera
oder que ~ India navegar fingia,
E contra ru expectação veio á Bal1in~
19.
A (ronte descubni da- excelsa pFaça,
ÁQs armas governando o bom Furtado.,
, Ue antevendo os eJJei los da desgraça,
rudo dispunhá com valor frustrado :
~onvoca quanto encontra, e tudo abra(_;a
or oppôr-se ao ·p erigo ameaçado;
was e! issipa-~e a gente sem ~atalha,.
or faltar nao valor, mas Vttualha ..
o cAn.munú.
80.
Dispunha assim o batavo experiente,
Antevendo qnc a turba mal unida,
Sem cauta providencia que a sustente,
Ji:s friando no ardor toma a fugida:
E vendo a multidão menos frequente,
E a plebe na tardan ça esmorecida,
Q Qando menos o es pera a chusma fraca,
Occupando um castello, o povo ataca.
·Bl ·
Ruiter e Dncbs com legião potent·e
.A porta inraclem de S. Bento em furia:
Ma;; rebatidos de impress;.1o valente,
Cessam, fugindo da ~ntentada injúria:
}\'Ias tllo funesto horror concebe a gente,
Que a guerra ignora com profunda incurin,
Que quando faz que Ruiler não se arroje,
Deixa o terreno, e do vencido foge.
32.
Furtado de Mendonça, qne ní'to ,·fra
J{, mais do medo vil a fronte eseu ra,
Com setenta s6mente a face víra,
E sem mais que o seu pei to a p raç.a mnra :
O ·amor da palria, <Jile o furor lhe inspira,
l~az que da ''ida, desprezando a cura,
Se ar roj e o lu so ao batavo, que o inunda,
E nm fira, um despedace, outro confnnda.
83.
Mas vendo na mnnl!1i, qne o ceo descobre
A. cidade do povo nbtmdonnda,
Nem mais que o peito de Furtado nobre
Com poucos "tios setenta na es planadn :
1'eu1e que n'um só peito o valor súbrc,
E que 'deixando a emprezn retardaria ,
Soccorro venha, donde bom partido
Ao bravo chefe se offereceu rendido.
84. .
Não tnrrla a fama a divul!w.r voando
ba capital brasilica o succes~o,
En1 quanto o belga, que lhe occnpa o mandt~ ,
ll.ecolhe da victória o immenso pre<;o;
'treme em Madrid o tiJrono , receando
Que o belgico leão, com tanto excesso,
~ostre o de liespanha, e como o vulgo narra,
o lHexico c Perú. lhe imprima a garra.
85.
~ Cobre-se o mar de esquadras numerosas, ·
iove-se a lusa c hispana fidal guia,
, i'io-se embarcando leg iões famosas,
fodo em nautica chusma o mar fer~·ia:
~adrique as naos h.ispnaas p.oderosas,
\ lenezes as de Lys1a pre,•ema,
'endo-se terra e mar no caso incerto,
be (letrechos, canhões .e armas c!lberto.
Il6 .
.Ta pela :barra entrava 1da Bahia,
Com sessenta e seis naos soberba a armada,
Doze mil homens de alta valentia.
Occupnvam sôbre ellas a enseada:
De tanto nome em militar porfia,
Que a guarnição da praça de assombratla 1
.B em q.ue finja valor nesta conquista,
Antes que ao ferro, se lhe abate á vista.
87.
•D ispõe-se em meia lua a armada inteira,
Cerrando )!- fu&a ao belga esmorecido,
Occupa o forte exército a ribeira
Em dons quarteis aos lados dividido:
Mas o batavo Kyf na a.cção primeira,
Tendo o campo n !Fadrique accommettido,
Com sortida deixou no ardor insana
;')usjJensa a lusa gente, e rôta a hispana.
88.
Cheio o belga de orgulho na acção brava,
Porque mais pr6ve pela palFia .o zelo,
Contra a esquadra, que os muros vnrejava,
J~m dous baixeis arroja liiD mongibelo :
Crtl que é fuga o Menezes, que observava,
E move toda a esquadra sem preveJ-o,
E parece que Deos o im;pulso inspira,
Dom que do occulto incendio as n!Íos retina.
CANTO OITAVO,

89.
Um gyro a lua fez na azul esfera,
Ern quanto os belgas de valor já faltos ,
Ceder dispunham ná cantenda féra
J\o furor incessante dos assaltos :
~ quando mais soccorro não se espera,
,endo que os mares se empollavam altos ,
Cede o batal'O humilde ao luso hispano
-~ capital do imperio americano.
90.
,
1
Falando proseguia Cat]).ari~a ,
tendo a assemblea no discurso attenta,
Quando com furia o bordo ao mar inclina
~ nao, batida de horrida tormenta:
Uclo <i manobra o capitão destina;
E Vendo que onda horri1•el' se apresenta,
~nnça-se o marinheiro :í vela em pressa,
• Cod.:; iDiogo, e Cabharina cessa,
_(JANTO NOl\'0.
Amainado o tempo, pro5egue Pa.ragua-
çú a oua hiotória - É a continuação du
guerroo contra oo hollaodezes até á ex-
l'uhão dette1.
na
)" D.EI'OIS que o tempo tema benacçese,
noite vem tranquilla em branda ca~ma,
., c ouvir o mais do sonho portentoso
~e nccende a todos o desejo n'nlma :
no empenho do belga bellicoso,
~csejaudo escutar quem teve a palma,
~1 PPlicam Catllarina que prosiga
r a unrmção do sonho, e tudo diga.
O CAnAMUnÚ.

2.
Vi, proscgne a matrona, em Marte duro
Confundi r-~e o Brasil, vagar potente
O batavo feroz i e o reino escuro
Encher Plutão da desditosa gen te:
'[i descendo as milícias do eco puro,
A plebe inerme com o zelo ardente,
Infundir valor tal, que conte a hi st6rin
Por milagre do ceo cada victória.
3.
Petríd e Joio, raios da marinha,
Com esquadras do pélago senhoras,
Qualquer do lado seu queimado tinha,
Com clmmmas o Brasil desoladoras i
Petrid a frota. que das Indias vinha
Com procellns de fogo nhrazadoras,
E nas naos lavra, de thesouroij cheias,
Ao infausto Brasil novas ~adeas.
4.
1\i{Lqninas move o belga ambiciosas,
SuppTindo nos gastos com a immensa prata i
E armando em guerra esquadras numerosas,
Occupar Pernambuco no luso trata :
Nem ús fôrças da Hollnndn poderosas
Oppõc o hispano com a nol'a ingrata
Tal soccorro, que a praça na contenda
Do :;-rào poder dos batavos defenda.
CANTO NO~O. :.>ll9

5.
R.e:re de Pernambuco a terra extensa
O int;·epido Albnqn erqu e, a tudo a ltento:
Guarnece a pmça, os Psqn a drões condensa,
bispõe ao fogo o belli co instrumento:
Quando á ma neira d e llorcsta densa
Se viu cuberlo o líquido element·o,
Onde prnas se tent a o mar rompi am,
E o Warclenburgo general seguiam.
6.
C hamam Púo-amarello ·um sítio ao lado
ba cidade, qu e a frob accommP.tlin,
Commodo ao desemba rqu e, e mal guardado
b e Albuquerque, que as praias defendia :
-~li com qu a tro leg iões formado,
J\ heUa Olinda o bataYo se e nvia,
?ntle com turmas tle in experta gente
Se op.poz o luso chefe ao b elga ardente.
7.
Nem muito dura ·ao fogo desusado
O tí mido esquadrão da gente lusa,
Que 'do insolilo horror preoccupndo,
A. fuga emprehemle em muiLidão confusa:
llm sObre outro a fn p;ir p reci p itado,
l:ender-se ao fero belg·a não recusa ;
lC a cida de infeliz de ixando a berta,
Qualquer se sah•a tl onde mai s o acerta.
õõo O CARABIUliÚ.

O.
Entra o hollamlez na praça ahandonnda,
E quando de riqueza a cuidou cheia,
li;m triste solidão desamparada;
E acha sem premio a cubiçosa ideia.
Vingam nos· templos a in(enção malvada,
E o alfar profanam com iufamin feia,
'1'ra!a!ldo o pio· rito e o sanfo culto
Coro sacrilega mente e horrendo insulto.
9.
Mns não soffre da fuga o torpe meda
O valente fortissirno Ternudo;
E tendo ao lado o intrepido Azevedo,
A espada empunha, embraçando o escudo· i
Ao ver do saco no funesto enrêdo
A f6rma do hollandez turbar-se em tudor
Une alguns, que odiando a vil fugida,
Dão por preço da gl6ria a heroica vidar
10.
Ó, disse, honra immortal do nome luso,
Corações valerosos, que em tal sorte
Fazeis ela doce vida o melhor uso,
Comprando a gl6ria com a invicta morte:
Vedes sem f6rma o batavo confuso,
Da valerosa espada exposto ao c6rte:
Corra-se t.s armas, que se os não vencemoll,,
Sem a palria vingar não morreremo~.
C.ll'\1'0 NONO.

u.
D.isse; e empregando a fulminante espada ,
Uma esq uadra in1•adin que discorria,
Com cnlices ela igreja profanada,
Que com insullo em derisiio mettia;
De uns a front e no chiio deixou truncada ;
. De outros o peito com o ferro enfia;
~?e algum, qne insano aocomrnettendo freme,
J aU1ado o braço sô !Jre a terra treme

u.
.Azevedo, entre os mais que no chão lança,
'rendo das !Jalas emprl'gado o impulso,
Com fero golpe de alabarda alcança
De Rui ter, que o accommette o horrível pulso:'
Despoja-o ela arma, e furioso amnça,
Deixu~do-o em terra com tremor convulso;
Cornelislen derriba; e o ferro empTega
Em Blá, que todo o chão com sangue rega.
13.
Com furia igual e impulso destemido
In,•ade contrru o batavo a cale1·va;
E bem que a legião em corpo unido,
Em roda ao ·luso disparando ferva:
Resiste o portuguez nunca rend ido,
Em quanto a vida com ''i·g or conserva,
.A.té que sôb·e os belgas uerribados,
Cnjrau1 mortos sim, porém vingado~.
O CARHIÇRÚ.

l 't;
. 1'em por nome .Arrecife um forte pôsto,
Que nm islh.ma separou do continente.
Donde o Caslello de S. ·Jorge, op'posto,
Defende o passo ao transito· imminente:
Ali' fúzia aos ·inimigos rosto ·
O bravo Lima, qne do belga avdente,
Sem' mais que trinta invictos defensores,
Trezentos sacrifica aos seus furores.
15.
Pasma de assombro Wardenburgo insano;
Nem púde crer, se o não convence a vista,
Que com força tã.o ponca o lusitano
De tlous· mil belgas··ao furor resista:
Sae com todo a poder, e· occupa o plano,
E em· fúvma regn lar tenta a conquista;
R nem assim o· bi-m á ao fogo cede,
Em• qHanto auxíl io ao general não. pedc.-
16.
Recobrava-se· em tanto valerosa
Do primeiro terror a lusa gente, .
Que inexperta da pugna bellicosa,
Cedêra no impróviso.• d·o accidente:
E acompanhando em troj!la ·numerosa
Do inlre-pido Albuquerque o ardor valente, ..
O belga usn rpador l' elas r i bei rns ·
Cercaram- com rednctos e trinch e ira~ .-
C.\tiTO NONO.

17.
}) P~antam depois um forte acampamento,
onde se in~ulte o ba tavo inimigo;
lV~m deixavam que um só pnd e~se isento
Su1r se m uamno ao. ca mpo , ou sem perigo:
~ortam-lhe o p asso, e impcdem-lhe ,o snste•~to ,
Een1 lhe conc~dem .no . terreno .abrigo ;
' occupando-lhe o gy ro dila lCldo,
0 . helga cercador ll eixam c ercado .
18.
C Dous. mil dos seus g·nerreiros. escoU1idos
1.tontra Atpuquctque Wardcnburgo avança.;
}) as achavam os lLtsos prevenidos
C0. seu vnlor na nobre confiança:
})nurru d (tS trincheiras reba tidos
E0 fogo os belgas, ou da espada e lança;
}lJ sem que combatendo a ~uai s se anojem,
'lU desordem do campo á praça fogem.
19.
S C\lm quatro companhias n'uma armada
Ji'o~corro de Lisboa 1·.ecebe!lllo,
C01 outra v~z a tropa refon;ada
M~~u gente e mllnições n 'outra de Oquenuo :
}V 1 11\osquetciros, tropa exe1:citada,
S 0 duro jogo de Mavorte horrendo,
~ Feltce conduz mestre de guerra ;
ns menos Uj>lo na .que, usa,vn .a . terra.
O C.\RAMURÚ.

20.
Com soccorro maior de Hollanda armado
Co ntra Itamaracá corre o inimigo:
Duas vezes porém foi rechaçado
<; om perda o belga para o noto abrigo:
A Paruíba e Rio-Grande enviado
Mudava de lugar, nilo de perigo;
F~ já menos bisonha a lusa tropa,
Põe em fuga o hollandez, se em campo o topa·
21.
A Wardenbnrgo, no hollandez imperio
S uccedél ra Rimbach em guerras noto,
Que es timando dos belgas vituperio
Ser cada dia pelos nossos roto :
Em quanto celebrava attenlo e sério
.A pascoa o campo em procissão devoto,
Com todo o poder bala\'O accommelte,
E o campo em confusão, batlendo, meLle.
2!iL
Não se interrompe a ccremonia augus\a,
Oranrlo o clero com o sexo pio,
Sae o orlhodoxo contra a turma injusta,
Tomando por sagrado o desafio :
E fundando no ceo confiança justa,
Peleijam com tal f8, com <tanto brio,
Que matando Rimbach em feio estrago,
Deram nos belgas da blasfemia o pago.
C .~NTO NONO.

23.
Mas o ceo, ~ue o flagello d es ~inava,
Poder tão grande aos batavos concede
Que nada Vaneshcop, que os moderava,
~-epois desta Cflmpanha o curso impede:
li leu Itamaracá de Hollanda escrava,
Desfaz-se o campo, a Paraíba cede,
Perde-se o Rio-Grande, e n'outra emprew,
Itende o luso, 0 Pontal e a Fortaleza.
24.
Salva-se o Festo cla facção perdida,
:Nas Alagoas, sitio defensavel,
Onde do fero belga perseguida,
.AsyJo busca a turba miseravcl :
1\ras foi da Hespauha em breve soccorritla
Com brava tropa em f1·ota respeitavel ;
Itoxas de Borja a _pern:unbuco enviado,
De A.lbuquerqne o bastlto tomou deixado.
25.
]) Roxas prompto no obrar, pôs to em 1m talh a
e Vaneshcop as ~ropas investia:
~as o belga Articho'fe a maTcha atalha
0
• 1Il soccorro· que v{tlido trazia:
Com tenebrosa sombra os lutos talha
~ · nontc, que começa, {, morte impfa,
E15 Pondo Roxas em de l'ensa armado,
5
Perar o soccorro convocado,
O C.\RAMUUÚ.

!26.
Mas logo que a manhã mostrou formosa
Da batalha in imiga a fórum nnida ,
Mais não socega a cbamma g ene rosa,
E investe a rdente a balava partida:
Cobre os ceos a fumaça tenebrosa ,
Perde o hispano e o hollandez na em preza a .-ida,.
E nem este, nem o ou-tro ali vencêra,
Se o temerario Roxas não morrêra.
27.
S. Fclice .na guerra meslrc astu to,
Succcde .no governo ao bra·vo hi~pauo,
O brasilico l?abio em tanto loto
Salvou na retirada o lu sitano :
Foi das palmas balavicas producto
Go,·ernar o paiz . pemambucano
O conde de Nassau , qu e o .belga envia,
General das ·Conqu-istas que em prendia.
21J .
Era Nassau nas armas cel el~rnilo,
Com que illustrava o excelso nascimento,
Príncipe· então no imperio respeitado,
Nutrindo igual ao stu1g ue o pensa men to:
Entrou de forte armada acompanhado,
E no Arrecife situando o assen to,
Levantou fot•tes, e em pnizes be llos
Guameccn as colonias com.•cas tellos.
CAN'l'O \(ONO.

29.
Mas usp irando a cmp rP.za memoravel,
'l'odo o exército e armada prevenia,
E achando Pernambuco defensavel,
fnvadiu no reconcavo a Bahia:
S. F elice com resto miseravel
.A li novo soccorro no rei pedia,
Quando ao bravo Nassau d.ispu nha. a aor lc
(][u chefe nclle oppor prud ente e forte.
30.
Tudo dispunha o conde em fónna c n,rlc
De rebater do batavo a interp reza,
Dispõe pela cidade em toda a parte
Os meios e instrumentos da defeza:
Faz grossas levas, e esquad rões repar te,
• E tudo preparando á forte em preza,
:Nada esqueceu de quanto na milicirt
Inventa a militar sábia perícia.
31.
E nt1·ava em tanto pela \"llSla enseada
Nassau, que as praias enche da Bahia,
Com a terrível mages tosa armada,
Que com quarenta naos li nha faz ia:
E ao som da t rompa marcial tocad<t
Ern gratos écos de horrida harmonia,
Enche a horrenda procella em taes ensaios
A. enseada de troYões, e o ceo de raios.
õ:;a O CAl\ADIUIIÚ .

3!2 .
Em tanto o claro Silva qu e occupava
Do supremo govêrno o excelso mando,
A S. Felice o pôsto renuncia,·a,
F icando por soldado ao seu COI)llllando:
Heroica acção, que pela palria obrava,·
Maior perícia em outrem confessando ;
E merecendo uella em tan ta empreza
Da cô rte acclamações, do re i g nmdeza.
33.
Desem barca Nassau com turba ingente
Junto de Tapagipe; e emprende o outeiro,
Que nomear cos tuma a vu lgar gente
Do antigo habitador, Patl1·e Ribeiro:
Mas S. F elice, que o anteviu prudente,
D e pôs to o ba te, que occupou primeiro ;
E depois que seisce ntos destro mala,
Em. grande parte o belga disbarata.
34.
L a rgos dias Nassau bate a trincl1eira,
Qne lhe oppoz ao quartel Banholo ú frente;
Mas o b elga em ba talha verdadeira
Por mui tos dias se avancava a rde nte:
Cobre-se a t erra em hor;ida ma nei ra
De um monte de cadnveres in gente,
' Vendo os belgas ca ir, sem que des ista
Nas9au com tantQ ,wangue da CQnquisra.
I':ANT O NONO.

3S.
E já desfeito o exército se via,
l~erido o official e a gente morta,
Sem que cessasse o a t·dor nos da Bahia,
Que o S. Fel.ice rege e o Silva exhortn :
Pede tregous Nassau nesta porfia,
.E tudo com a tropa as núos transporta,
li'ugindo .do perigo o infausto effeito,
Com perda igual de gente e de co ttceito.
36.
Dous dias na enseada por vingança
Bate a esquadra• a cidade sem perigo, ·
Com bailas e granadas, que em vão lança,
Parecendo mais salva que castigo:
Sobreveio ao Brasil nova esperança
De expugnar com mais fôrças o inimigo ;
llias foi o effeito das promessas ·vário,
Impedindo o soccorro o mar contrário.
37 .
Vi neste tempo em confusão pasmosa
A. monarquia em Lysia dominante,
E a casa de Bragança gloriosa
Nos qua tros imper ios triumfar reinante :
4. Bahia com pompa mag·eslosa
Festejar o monarc:1 tviumfa nte,
E o Pernambuco de desgntças farto ,
l11vocar Pai da P<~Lria D . João Quarto.
r •
3-iO o CAI\A~IUHÚ.

3U.
T ratava o novo J'ei com fé provada
A batavica paz, que sem justiça,
Deixava ao mesmo tempo quellrunlada
O belga injusto pela vil cobiça:
Occupa o MaPanhllo batava armada,
E outra esquadra em Sc rzi pe o incendio atiça,
Per tendendo o ccu par com fal so engano
Toda a AfPica e Brasil ao lusitano .'
39.
Cede-do seu govilrno de affrontado
O general Nassau, tornando a Hollanda,
Tendo o conselho do Arrecife armado
Mil artificios de calúmnia infanda:
Nem contra os habitantes moderado
O duro freio no govêrno abranda,
Onde a plebe aggravada que o ex perimenta,
O jugo sacudir com glóri a intenta.
40.
João F ernandes Vieira foi na empreza
O insll'umento da palria liberdad e,
Heroe que soube usar da grã riqueza,
Libertando o Drasil desla impiedade:
De amigos e parentes na defeza
T entou furtivamente a sociedade,
E como a pedra a es talua de Nabuco,
O belga derribou de Pernambuco .
CAN'l'O NONO,

41.
Nomeou cabos, tropas, companhias ,
Pediu soccorros e invocou prudente,
Expondo do hollandez as tyrnnoias
O go1•êrno brasilico potente :
.A.visa sem demora Henrique Dias,
Capi tão dos elbiopes va lente,
E o forte Camar1lo, que em guerrn tanta,
Com os seus carijós o belga espanta.
4!2 .
Ouve o hollamlez com susto o movimento ;
E querendo opprimir nascente a cbamma,
Com dous mil homens previnia atte~to
.A. no1•a guerra, que o Vieira Ülflamma:
Deixára o luso chefe o alojamento,
E os belgas, qne á cilada occulto chama,
Empe11hou de um togrur nas durus rocas,
.A. que o monte chamaram "das Ta bocas."
43 .
Entre arbustos e canas <le improviso
Dispara o lu so sObre a incauta gente;
E precedendo o rlamno antes elo aviso ,
Disbarata o Jwllande7. com furia ardente :
Suspende a marcha o bnlavo ind ec iso,
E sem ver o inimigo, o golpe sente,
~té que vendo o es trago dos sold ados,
Ce<tem o campo, e fogem de•tm<;ndos.
O CAIIAJ\tunÍJ,

44.
Hollauda em potente, e o luso <dlliclo ,
Onde enchendo Lisboa de ameaças,
Por ter 110tícia do infeliz conilicto,
Meditava ao Brasil novas desgraças ;
Mas por guardar os seus o rei invicto,
Dispoz piedoso nas províncias )assas
Providencias, que IÍ paz chamar podessem
O tumulto, em que os nossos permanecem.
45.
Vão com dons regimentos destacados
O Moreno e Negreiros da Bahia
A dar paz ,se é possível ,destinados
Na guerra, que o Vieira então movia:
Viram veigas e campos abrazados
E o colono infeliz, que perecia
Com lástima da tropa que observára
Todo o e2trago, que o belga ali causAra.
46.
Avistado o Negreiros e o Vieira,
Venho ,disse o primeiro, a prizão dar-vos ,
Por haver provocado a ira estrangeira
A uma guerra; que acabe de assolar-vos :
É justo que eu tambem prender-vos queira ;
Mas seríl ,disse o Heroe, com abraçar-vos ;
E assim dizendo alegre move o passo,
E os dons recebe com festivo abraço.
CAN'l'O NONO.

47 .
Outro tanto fazia a tropa unida
Ao invicto esquadrão pemambucano;
E applaudindo a victória conseguitla,
Detestam do hollanciez o enorme engano;
Nem muito tarda a gente fementida
Que não abraze a esquadra ao lusitano,
Onde embarcado pela paz chegára,
Como o I.Jatavo proprio o convidára.
43.
Ouvem-se em tanto os miseros clamores
De turba femenina, que invocava
O soccorro dos seus libertadores
CoJJLTn o belga cruel, que as captivava:
lliais não cessa o Vieira e sem rumores ·
O engenho, aonde incauto descançava
O belga general cercado, bate;
~ rendendo-o á prizão, vence o combate.
49.
' Henrique H us do Arrecife commandante
Era o cabo dos belgas prisioneiro,
.Biac rendido tambem, chefe importante,
Subalterno nas armas do primeiro:
Foge do luso o batayo arrogante,
~spalhando os fuzis no grão terreiro,
L a chamrna teme, que no horrendo empenho,
anç;Íra o Vie ira pelo vasto engenho.
O CAHA~tui\Ú.

50.
Com fama de victória t!Lo brilllan le
Toma as armas a plebe; e o belga i·m•atle .
.Serinhat>m tomou, villa possante,
O )Jartido commmn da liberdade;
Segue Itamaracá com fé const:mte,
Porto-Cul·vo c es contornos da cidade,
Deixando ne Arrecife sem remedio,
Encerrado o hollandez com duro assedio.
51.
Mas não cessa na Hollanda a companhia,
E ao numeroso exército, que ordena,
Sigismundo Van-Schop por chefe envia,
Munido em guerra de potencia plena;
Do experto ge!leral, que desconfia
O premio ao valeroso, ao fraco a pena,
E emprendendo com fôrças o combate,
O ini-migó Vieira ou prenda on mu-le.
5~.

Abordando o Arrecife então cercado,


A iuelcin dos seus chefes reprehende,
Nem mtMo tardn, que r1o campo armado,
Não s{tia a Olinda, qDe expugnar em prende>
Em assnlto a accommette duplicado,
E a brava tropa, que ao presídio nttendc,
Com tanto alento o batavo rechaça,
Que ferido Van-Schop se acolhe á r>raça .
CM'i'l'O NONO.·

53.
Sem que desista da passada iuslancia,
'l'enta de novo a empreza da Bahia;
Mas notando nos lusos a constancia,
Que injúria do poder lhe parecia:
Consome do Rcconcavo a abundancia
Com frequentes sortidas, que em prendia;
E porque cresça na ciclaclé o tédio,
Occupa Taparica, e põe-lhe o assédio .
54.
Telles em .t a n~o, que exp ulsar -per.temle,
Sem igual fôrça o batavo contrário,
Contra o eommum conselho o ataque empremio
E tudo expõe no impulso temerario:
lVIns vendo o luso rei, que a nada altende,
? belga nos seus pactos sempre vário,
'~landa armada a.o Brasil, que poderosa
A. batava naçií.o dome, orgulhosa.
55.
Teme o goli>C Van-Schop ; e desampara
l'or guardar o Arrecife Taparica,
.A.ntevendo que a esquadra se prepara
~ontra a praça, que auxílio lhe suppllca:
})•trreto de Mene~es, qu e chegúra
c novo general patente indica,
~ eru Pernambuco sublimado ao mando,
Conl pruclencio. e valo r foi govenmudo.
O CAUADIUilU.

56.
Nove mil homens, tropa valerosa,
E com frequentes palmas veterana,
Manda o batavo a empreza perigosa,
Que ú. guerra ponha fim pernambucana •
Occupa o n1ar armada poderosa ;
E dominando a praia americana,
Usurpa em mar e terra alto domínio,
Ameaçando dos lusos o e~terminio.
57.
Põe-se em campanha o batavo terrível,
Com sete mil de veterana tropa,
Vão densos bandos de get1tio hoJTivel,
Com destro gas tador vindo ua Europa:
E estimando a potencia irresis ti vel,
Cede ao belga a Barreta, c quanto to1m,
Em quanto em defensiva o luso fica,
E o campo contra o belga fortifica.
50 .
Sigismundo porém, que os bastimentos
Em Moribeca assegurar procura,
Dispunha ali tomar alojamentos,
Estimando a vict6ria já segura:
'Mas Barreto e Vieira a tudo attentos,
Na justiça, que a causa lhe assegura,
Confiam que na empreza o ceo lhes vallta,
E tudo vão dispondo a uma batalha.
CANTO NONO. 341

59.
Nem com tanto poder Schop recusa,
Decidir n'uma ac<;<'to toda a contenda,
J\ntevendo, se a pe1·de a gente lusa,
Que outra fôrça não tem q a guerra em prenda;
li: já. na marcha a multidão confusa,
.J\ acção começa pelo fogo horrenda,
E turbando dos belgas toda a f6rma,
CoruLatem com valor, porém sem norma.
60.
Nos montes Guararapes se alojava
l~
E armado o portuguez, que o belga espera ,
1
, a escaramuça, que emprendêra brava,
~raz a s[tio o hollandez, que adverso lhe era;
C esde alto monte o luso fogo obrava,
0111 rui na dos 'bala vos tão fera
~ue ou seja ao lado, ou na espaçosa fronte,
e cubriu de cadaveres o monte.
61.
ll: Reune os batalhões Vau-Schop irado,
.; á. fronte com valor da linha pôsto 1
e~ta desalojar elo alto occupado ·
~ Invicto Camarão, que lhe faz rosto ;
l> ns cou1 chuva de balas rechaçado,
1!:e1:~e tres vezes o ganhado pôs to ;
~ J t~ rerido com mil morlos cede,
lU Vil fuga, !J.Ue a noite lhe concede.
O C.IRAMURÚ.

62-.
Noventa dos seus perde o lusitano ;
E em qua nto o belga se retira incerto, •
D escobre a aurora todo o monte e plano
D e bandeiras, canhões e a rmas cuberto:
Muitos ali do batavo tyranno,
Perdidos pela noite em campo aberto,
D eixa o dia , inexp ertos nos rolei ros,
Nas mãos da nossa tropa prisioneiros.
63.
Horrorisa-se Hollamla, pasma Europa,
Exalta Portugal, canta a Bahia,
Vendo-se triumfar tão pouca tropa
Da terrivet potenci a, qne a invadia :
Nada ele humano o pensamento topa,
Que em tudo a mão de Deos clara se via,
Pois sempre elege para os seus portentos
Os mai s fracos, e humildes instrumentos.
~4 .
Tinha exhausla a ambição, ma s não cançada
A cubiç.osa Hollanda en1 tal conquista;
E pam novo empenho a,pparelhada,
Escolhe os capitães e a ge nte alista;
Mas do britnnno íis armas pmvocada,
Sôbre interesse qn e mais alto avista,
Suspend e o influ xe na famosa ern preza,
Deixando em Pernambuco a guerra ncceza.
CAN1'0 NONO.

65.
!Brinc a este tempo, coronel \•alente,
Impelra de Van-Schop tr-opa luzida,
Com pel-recbos e número potente,
Que em batalha cruel tudo decida:
ginco mil hom ens de escolhida gente,
e canhões e petrechos guarnecida,
foe no campo assombrado da polencia,
gualando o valor co'a diligencia.
66.
Com dous mil e seiscentos veteranos
l!'ez-lhe frente Barreto, e o belga im•ade;
Correm de toda 11 parte os lusitanos
.A sustentar a patria. liberdade :
~loja o luso sôbre os mesmos planos,
Onde fôra 11 passada mortandade ;
belga na montanlia se distingue,
lln1 que o esbrago renove, Olllro que o vingue.
67.
Mas Brinc a tudo atteulo desde o cume
Con1 peric ia guerreira occupa <>- monte,
O~de segundo a milit<Lr cosLume,
~a fórma ú retaguarda, e ordena a fronte :
Qern tão ousado o porluguez presume
E Ue em vantajoso posto o belga affronte,
J;)8 Perando a occasiiio dali opportuna,
e Poder atacar com mais fortuna .
o CU\AMt!RÚ.

68.
Reconhece Barreto o sítio e fónna;
E vendo o ardor da lusitana gente,
Que habil no passo da sulJida o informa,
l?az que o bravo Vieira a taque ardente:
E cubrindo a i11vasão com sábia norma,
Com o fogo protege o assalto ingente,
Até que por mil casos duvidosos,
Vil sôbre o monte os campeões briosos.
69.
Nova batalha ali com fogo vivo
Move impavido o belga, e firme insiste;
E por mais que o Vieira invada acLivo,
Onde um corpo vacilla, outro resiste:
Tal ha que ainda combate semi vivo;
Tal que cadaver já na morte triste,
A terra morde, e em raiva enfurecida,
Blasfemando do ceo, ' despede a vida.
70.
A toda a parte voa o grão Barreto,
E um anima, outro ajuda, outros exhorta:
E , excitando no luso o patrio all"eclo,
Incita o forte, o invalido conforta:
Bramava o fero Brinc em sangue infecto,
Entre a balava turba oppressa e morta,
Assalta horrendo um batalhão potente,
E outro reprime com ferocia ardente,
CAN'l'O NONO.

71.
.M:us o iuveucivel Camarão, que o nota
lJm forte troço da reserva abala ;
E suspendendo a misera derrota,
tuuça o belga por terra de uma bala :
ogo o almirante da soberba frota,
Vendo invalido Brinc cair sem fala,
~ccupa o mando, que já vago estima,
"- o batavo á peleiju altivo aníma.
7:2.
b Não solfre H~nrique Dias, que o observava
Eo novo chefe a imtimaçilo constante :
' de um tiro que fero lhe apontava,
berriba morto o intrepido almirante:
~ern con1mandante o belga trepidava,
b de um e ouh:o lado vacilante,
ma vil fuga tímido declara,
1!.: o campo com desordem desampam.
73.
O estandm•te soberbo dos Estados,
~~lidas, peças, bandeiras numerosas,
)l ll .e trezentós mortos numerados,
!I{J~Loneiros, bagagens preciosas,
.â. Utl~s centos na fuga degollados,
Cutxa militar, armas custosas,
~oram nesta occasião de tanta glmria
merecido premio da viclória.
1,.

O CARAlUUIIÚ.

74.
C inge o Anecife de um assedio estreito
Com promp!a cura o chefe lusitano;
Mas tendo longa g uerra o belga feito,
Era continuo sim, mas muhuo o damno :
A té que .Taques ao commando eleito
N o campo se avistou pem ambucano,
Conduzindo por for tuita denota
Para o luso commercio a usada frota.
?5.
Por mar e terra sitiada a praça,
Depois do lcmgo assédio de DO\\e a nnos,
Com mil desastl'es fa Li ga.da e !assa,
Cedeu todo o Biasil aos lusitanos;
Mercê clara do ceo, 'pa tente graça,
Que a tilo poucos e misems paizm10s
Cedesse uma nação, que enchia em guena
De armadas todo o ma r, de espanto a terra.
76.
Assim modera o Padre omnipotente
Do ignorante mortal a inceFta sorte,
Por faz er com taes casos el'idente
Que n1io é qu em mais póde o que é mais forte :
T udo rege na tena a milo potente ;
Delle a victória pende, a vida, a morte ;
E sem o seu favor , que o di s~ribu e,
Todo o humano pode r nada conclu e.

o
CAN'fO NONO,

77 .
, , 'frimufou Portugal; mas castigado,
leve em tal permissão severo ensino,
Q11e só se lograr(, feliz rein ado,
IIonrando os reis da terra ao rei divino:
E que o Brasil aos Lusos confiado,
Será, cumprindo os fins do alto destino,
~strumento tal\'ez neste hem.isfe:io, .
e recobrar no mundo o ant•go 1mpeno.
78.
Vi no sonho mil casos differentes,
Que no curso vi ruo de outras idad es :
~! províncias notaveis e potentes,
1 nascer no Brasil aureas cidades:
11'amosos vice-reis e illuslres gentes,
l'antos successos, tantas variedades,
Que ~óme nte pintado, como em sombra
Co.nfnnde o pensamento, a vista assombra.
79.
Prelados vi de exce lsa jerarquia;
E entre outros da maior celebridade
g claro Leu!os, (fll~ enriqu eç~ um din
Ee novas sc1encms a Untvers1dade:
'lle ornar(, •l epo is a acad em i~
iom construcções de excelsa mages tade ,
ern doutrina a farú com sabia modo
0 alheneo mais famoso do orbe lodo.
t.l CAIIMIURÚ .

80.
Deu Catharina fim, e arr~batacla
N'um extase ficou, vibrando ardores;
Corriam pela face em luz banhada
Lagri!fias bellus, como orvalho em flores :
Fica u pia assemblea esperançada
De outros successos escutar maiores ;
E dando t~mpo ao somno mil;;tg)'oso,
No al~raço a deixam do celeste espôso .
I

CA.l'WTO DEtlJ:IJIO.
Conclue Paragunçú a narrativa do visiio•
-Encontro junto á Bahia d e uma embo~·
cação hespanhola, que vinha a oompr•·
menta r o Heroe - Chegada á Bahia- po•
raguaçú reconhece n 'uma imagem roubado
do navio nquello que em sonho lhe apparc·
oêra, e a ella é dedicada uma igreja_..
Chega o Governador Thomé de Sousa colll
urna esquadra - E dondo-lhe a posse do
Govê rno o Heroe a todos rnostra no synr
bolo da paz as armas da Bahia.
CHEIA tle assombro a turba a dama admira
iornada a si da suspensão pasmosa ;
da nova ''isão, que ali senlíra, . ,
~~segue a ou;vir-lhe a narração gastosa :
li: a1s bella. que esse sol, que o mundo gyra,
\,.com côr, disse, de pnrpurea rosa,
1 forma~-se no ceo nuvem serena,
Qual nasce a aurora ern 1nadrugada a1uena.
2.
Vi luzeiros de clmmma rutilante
Sôbre a esfera tecer claro diadema,
De materia mais pura que o diamante,
Que obra parece de invençílo suprema:
Luz ia cada estrella tílo brilhante,
Que parecia um sol, precioso emblema
De admiravel bell issima pessoa,
Que á. roda da cabeça cinge a corôa.
3.
De ouro fino os cabellos pareciam,
Que uma aura branda aos ares espallmva,
E uns dos outros talvez se dividiam,
E ou~ra vez um com outro se enredava,
Frechas voando mais não feri riam,
Do qtle um só tlelles n'alma penetrava;
Cabellos tão gentís que o espôso amado
Se queixa que de um delles foi chagado.
4.
A tlrente bella, candida, espaçosa,
Cheia de celesbial serenidade,
Visl umbres dava pela luz formosa
Da immovtal soberana claridade ,:
Vê-se ali mansidão reinar piedosa,
E im,olta na modestia a suavidade
Com grac;a, a quem a olhava tão serena
Que excitamlo prazer, destcrm a pena
C.I.N1'0 Dl>CinlO.

5.
Dos dou s olhos não ha na terra idea
Que as tros, flores, diamantes escurecem;
Ou na belleza de mil graças cheia,
Ou nos agrados, que brilhando offerecem :
N'um olhar seu toda alma se encadea, ·
E mil votos á roda lhe a pparecem
Dos que a sen culto glorioso a lista,
Outorgando o remedio n'uma vista.
6.
Das faces bellas, se na terra houvera
l.illagem competente que a pintára,
·.As flores mais gentis da primavera
Pelo encarnado e branco eu comparára:
llius flor nito nasce na terrena esfera,
Nuo ha es trella no ceo tão bella e clara
Que não seja , se a oppor-se-lhe se arFisca,
Menos que á luz do sol breve faisca.
7.
Da bocca formosíssima pendente
Pasma em silencio todo o ceo profundo :
llocca, que um Fiat pronunciou potente, ·
Coill mais elfeito, que se creasse um mundo :
Odorífero cheiro em todo o ambiente
Do !abro se es palhava rubicundo;
Fragancia celestial que amante e pia
}{o filho com mil osculas bebia.
O C!R,\M UIIÚ.

Todos suspe nde em pasmo rc~ p e ilu~o


O amavel formosíssimo sem blante;
E mais nelle se ostenta pod eroso
O soLerano autor do ceo brilhaule :
Pois quanto tem o Empy reo de formoso,
Quanto a a ngelica luz de l'lltilante,
Quanto dos serafin s.o a rdente incendio,
De tudo aquell e r-osto era um compendio .
9
Nas brancas mãos, que angelicas se estendeP1•
U m desmaiado azul nas ' 'eias tinto,
Faz parecer aos qlhos, quando o at.tendem,
Alabastro com fund os de j acinto :
A mbas com doce ab t•aço ao seio prendem
Formosura maior, que aqui não pinto ;
Porque para pincel me não bastúra,
Q uanto Deos já creou , quanto creá ra.
10.
Mas se não se ded igna o ''erbo santo
Por nosso amor, de symbolo rasteiro ;
Dentro parece do virgi neo manto,
Pascendo em lJraocos líri os um cordeiro :
Os olhos com suavíssimo qu ebranto
~he occupa um doce somoo lisongeiro,
A roda os serafi n s,N~e o estrondo impedeP1 •
Para o não dispertar silenc io pedem.
C c~NTO DECIMO. Z Gf

lL
Aos pés da mili piedosa superadn
Vê-se a antiga serpente insidiosa,
De que a ~route na culpa levantada,
Quebra a planta viflginea gloriosa:
E enroscando os mortaes já quebrantada~
Ao eco s6 da Virgem -poderosa,
No mais fundo do abysmo se -submerge,
E o fera! antro do veneno asperge.
12.'
Ao ver belleza tanta o pensamento,
Que a linda imagem sorwend'i a absorto,
Ouve no centro d'alma um doce accento,
Que o peito encl1ia: de ·vital conforto :
E como inf~nde Íts planti}S novo alento
O matuti no ov.valho em ferlil horto,
'l'al dos doces inlluxos na abundancia
Dentro d'alma eu senti nava constancia.
13.
Catharina, me diz, .verás ditosa
Outra \'ez do Brasil a terra amada ;
li'aze que a if11agem minha. gloriosa
Se restitua de vil mão roubada:
E assim dizendo, nuvem lum inosa,
Como véo, cobve a face des('j ada;
E faz que na memoria firm e exis ta
Entre amor e saude a doce \'ista.
Q
362 O CARA!UURÚ.

14.
Assim conclue Catharina, enchendo
De duvidoso assoml.Jro a companhia:
Que image m fosse aquella, iam dizendo,
Ou qual delles acaso a roubaria?
Se a Mãi de Deos mysterios inv,olvendo,
D'outra cópia interior o entenderia?
Ou queria talvez que em sa nto trato
Se restitua n'alma o seu retrato.
15.
Mas véla em tanto appareceu l>oiante,
Que junto da Bahia o mar cortava,
Onde em ba ndeira, que lançou flamm'lnte,
O leão das Hespanhas tremu lava:
Vem á fãla com salva. fulminante;
E a franc a náo, que á terra velejava,
Pôsto á capa o hespanhol, cortez visita,
E o claro Diogo a visital-o incita.
16.
E depois que em festivo amigo abordo
O bom Gonzales o hospede festeja,
E xci tou-se nos dous claro recôrdo
• De quem o hispano foi, quem Diogo seja:
Ambos nos braços de commnm acõrd<D ,
;Um a outro mil ditas se deseja;
Reconhecendo o luso o nobre hispano,
Por um dos companheiros de Arelhano.
CAN'l'O JJI~CIUO . ;j63

.1:7.
Carlos o g;rande, o lmperadot famoso 1
G.rato, p-or müu a sauêí.ar-te emia;
Disse a Diogo o hispano generoso
Soccorrido .a outr.o tempo na, Bahia:
Ouviu o invicto Cesar gracioso
O teu obsequio á hispana monarchia,
E o serviço, que grande considera,
Por mim no seu agrado remunera.
18.
E porque possa em ·caso equi.valente
Retribuir-te aqudla acção piedosa,
Salva aqui te offereço a infausta gente,
Perdida nessa praia desà<itosa :
De caliveiuo barbaro e inclemente
Vivda na 01lpressão laboriosa,
Até que destas armas protegida,
Remiu na libendattle a infausta vida,
19.
Garcez então da gente lusitana
O mais distincto, que o discurso ouvia,
Confessa o ,beneficio á força hispana,
E a bistoria de. seus c"asos p~inci1pia:
Depois qne a gente abandonaste insana1
Com teu aviso, a lusa monarquia
Gentes aqui mandou, m\os poderosas,
Qtle as nações sujeitassem bellicosas.
Q •
O CARUIUJ\Ú,

QO.
Foi Pereira Coutinho o destinado
A fazer da Bahia a grã conquista ;
Heroe no indico imperio celebrado,
Em quem nova espeFança o luso avista.
Tudo tinha o bom chefe preparado,
Formosas núos ajunta, e gente alista;
E á grã população, que meditava
De um sexo e d'outro as• gen~es convidava.
Sl.
E sem dem'ova as praias occupando,
Foi dos Tupinambús, com teu recôrdo,
As potentes aldeas visitando,
Com amiga alliança em firme ncôrdo.
Do sertão vasto em numeroso bando
Desciam, festejando o nosso abordo,
Os carij6s, tapuias e outras gentes,
Por fama do, teu nome obedientes.
22.
Gupeva e Taparica celebrados
Entre os Tupinambás, nação que hn"bita
Os campos da Bahin dilntados,
Antes de outros Coutinlto solicíla:
E por vel-as comtigo emparentados,
Povoar o Reconcavo medita
Da gente, que o teu nome reconhece
Onde de di11 a dia o povo cresce.
CANTO DECIJUO.

23.
Todo o fertil terreno utilizando,
Donde riqueza se ofJerece tanta,
Engenhos vai tle nssucar fabricando,
Aldeas, casas, m{tquinas levanta;
E as drogas preciosas corumutando,
A. mandioca, arrqz e a cana planta :
Nem duvícla que sej a em tempo breve
A colonia melhoF que Europa teve.
24.
Escôlha .(az nas· tabas numeroslls
Dos "que acha no trabalho mais ac~ivos;
Mas guarda para emprezas bellicosas
Os que em ferocia reconhece altivos :
A. todos com maneiras àmoiosas
Propõe da fé ch!listã claros motivos;
E a condiç:1o notando em cada raça,
lJns doma com terror, outros com graça.
25.
Sabe que em gente tal nada se colhe,
Depois de end urecer na idade adulta,
Onde na puericia os mais escolhe,
Por dar-lhe em, breve a educação mais culta:
Nem dos pais, violen to algum recolhe;
Mas do proveito que de alguns resulta,
In/luz a gente barbara que o segue,
Que a prole á educaç:1o gos tosa entregue.
:õGG o CAM~IURÚ .

26.
Em cuidadosa escola o temor santo,
Antes das artes a qualquer se ensina;
Dão-lhe lições de ler, contar, de canto,
E o cathecismo da christil doutrina:
Vendo-os o rude pai, concebe espanto,
E pelo filho a mãi á fé se inclinli,
Nem de meio entre nós mais apto se usa,
Que aqnella gente barbara redmm.
27.
IE estes serão, se a idéa não me engana,
Meios á grande empreza necessarios,
Que em breve a gente rude fôra humana,
Com escólas e re·gios seminarios:
Foge, sem se domar a gente insana,
Se em rarçns é poder nos vê contrarias ,
Mas educada em tenra mocidade,
Dilataria o reino e a christandade.
~a.

Mas no meio das bellas esperanças,


Com que a nova colonia fiorecia,
Move a serpfi infernal desconfianças
Entre os tupinatí1bás e os da Bahia:
Foi a causa infeliz destas mudanças
Um interesse vil de get'lfe impía,
Que os póvoa ofTendendo em paz amigos,
Cobriram toda a terra de inimigos..
CAN'IIO. DECil\10. 367

5il9.
Gupeva foi dos seus abandonado;
'l'aprurica foi morto ; a lusa gente
Do gentio nos mattos rebellado,
Contínua perda nas lavouras sente:
Quimada a planta foi, perdido o gado,
E cercado o arraial em continente,
· Viu Coutinho por .barbara v.iolencia
Perdido o seu thesouro e diligencia.
' 30.
Na geral affiic~1lo do luso povo
A logar se recorre mais tranquillo;
Buscúmos nos llbeos um sítio novo
Contra a turba feroz, seguro asylo:
E já Cou(inho se dispõe de novo,
Vendo manso o gentio, a reduzil-o,
Fabricando colouia de mais dura, ,,
Menos fecunda sim, ·mas mais segura.
31.
Mas os tupinll!mbás, melhor cuidando,
Com promessas os nossos convidavam,
Com mil amiga& provas protestando
De conservar a paz, que antes guardavam.
Creu o infeliz Coutinho, celebrando
Pactos, que segnvança a todos davam;
E sem temor de mais, voltar queria
Ao Reconcavo antigo da Bahia.
3611 O CAUA~IUUÚ.

3~.

E já no mar a ~rola se esquipava,


E cada um de nós na ernpreza absoFto,
Sem temor, ou receio só cuidava
EnÍ fazer ao Reconcavo transporto :
Navegúmos o espaço, que distava;
E tendo ú vista o desejado porto,
Com furia o mar aos astros se levanta,
Em cerração do Ceo, que ú vista espanta.
33.
O ar caliginoso e em nevoa impuro.
Tirou-nos to11a a vista, e sem destino
Batemos cegos n'um penhasco duro,
Sem termos do lugar noLlcia ou tino:
Neste momento horrível, transe escuro,
Supplicando o favor do ceo divino,
Vemos a náo, com honidos fracaços,
Desfazer-se na penha em mil pedaços.
34.
Ficúmos; como o entendes, alagados, '
Nadando em meio da procella horrenda;
Uns das ondas se affogam devorados,
Outros na praia em confusão tremenda:
E eis-que os crueis tupís encarniçados
Com fred1as se empenharam na contenda,
Por levar-nos da arêa sem ivivos
.Á sorte dos seus míseros captivos.
C.ll'íil'O llll CnJO,

35.
Muitos vimos dos barbaros comidos,
Alguns dispostos ao funes ta occaso,
Affiictos tod os nós e esme recidos,
E es per(lndo, qualquer seu tJds te praso:
Mas de ti sô bre tud o co.ndoidos,
Triste Coutinho, que no acenbo caso, .
Depois de ~ niumfar d' .A.sia assombrada,
Perd'es te infelil'lmente a vida amada.
36.
Tu, qu e mil 'Vezes no remoto Or,iente
L evantaste troféos de gl6ria onuslos;
A quem cedêra o Mala bar potente
Em arm adas e exercitas robustos :
Tu, que foste o ter.roF da fndica ..g·enle,
Que da Lysia humilhaste aos reis augustos;
Lá estava em tanto a tua sorte escrip,ta
'De 'Vires a acabar nesta desdita.
37.
Ma,is proseguir não pôde suffocado
O bom Ga~cez em ama rgoso pra.nlo ;
E condoeu-se Diogo, recordado
De ver-se em outr.o tempo em caso tanto :
E havendo os nau:firagantes consolado :
Não sou, diz, insensível, li!lle se i quanto
Acerbo o caso é, ct uel o artigo,
E a piedade ap rendi no meu peri go.
:no O CARUlURÚ.

3B.
Recebei entr.e tanto valerosos
Com magnanimo peito a adversidade;
Conseguireis por transes peri gosos
Fazer-vos dignos da immortalidade.
Deixareis monumentos .,.lori osos
A uma longa e feliz po~teridade ;
E ganhando obtereis com tanta glória
Um nome .eterno nos padrões da história.
39.
Disse o piedoso Herqe, reconhecendo
Ao hispano monarca pelo enl'iado
O distincto favor, ' e á me·rcê tendo
4char mem61'ia no real agrado:
A IIIÍO depois os socios recolhendo,
No Reconcavo entrava desejado,
Onde a vista formosa tia Bahia
Com prespecliva amena a,pparecia.
40.
A ver na estranha náo, que gente aporte,
Desde o interior sertão tuFba recresce,
E bem que diJTerenle em trage e porte,
Catharina dos seus se reconl1ece:
Entre anplausos recebe a nação forte
O grilo Caramunl, como merece,
Mostrando pelo amor e reverencia ·
No antigo affecto a ·nova obediencia.
C:lNifO DECOlO. :11i

4L
Carrega em tanto o lenho desejado
A. núo de Du-Piessis, que Diogo estuda:,
Que seja em toda a terra obsequiado,
Dando-lhe ao talho da madeira n~uda:
tT1n carijó porém nisto empregado,
Em ~uanto a carga em toda· a nfto se muda,
lima imagem roubou formosa e bella,
Que a n:í.o venera na interior capella.

Observou-a Diogo na ·c abana


l'rutada dos tu•pÍs com reverencia,
Estimando-a por cousa mais que bumaua,
'Que excedia dos seus a intelligencia :
Surprendeu-se da imagem soberana
O lusitano Heróe ~ e á com petencia
Co~ elles venerando a mãi divina,
Chama a vel-a a piedosa CaUharina.
43.
Paz-lhe os ol·hos' a dama ; e transportada :
Esta é, disse, é esta a grã Senhora,
Que vi no doce sonho arrebatada,
Nrais que o sol pnra, mais gentil que a a urom.
~is-aqui ! es ta é a imagem venerada: ,
Este era aquelle roubo: entendo agora:
Üh minha grande sorte! Oh imJ.Uensa dita I
Isto me quiz dizer a mãi bemdila.
, a CAR lDfU RÚ.

44.
Dizendo assim com wncia fervorosa,
Postrada ab raça a imagem veneranda :
Beija, a perta-a , c de gôsto lagrimosa
Mil saudosos ais ao ceo lhe manda :
Aqui vos venho achar, mãi pi edosa,
N o meio, disse, desta gente infand a !
Infunda, como eu fui, se o vosso lume
Não me emendára o bavbaro costume.
45.
Olha em tanto suspensa a gente bruta;
E os excessos, que vê, cuidaJiclo, adm ira,
Nem concebe nas vozes, que lhe escuta,
Se prazer seja, se de dor susp ira:
Mas como a imagem celes tial reputa;
Quanto á dama pi edosa obrando víra.
Qualquer á imitação fazer deseja, ·
E este a adora, outro a abraça, e aquelle a beija.
46.
O lusitano e franco relig ioso
Veneraram com fé prodigio tanto,
],embrando-se do son'ho portentoso
Com claro indício do presúgio santo:
Em quanto o brutal povo numeroso ,
'fuuo nota em um exlase de espanto,
Até qne a um templo em' pompa Yeneranda
A pia multidão a imagem manda.
C:ANTO DRCi niO,

47.
Por santa inYocação foi acclamada
A Senhora da Graça, e com fé pia
Foi desde aquelle dia venerada
Singular protec tora da Bahia :
Igreja primitira dedicada
Em meio as tréYas dessa gente impí n,
-:lliemoravel, se a fama é Yerdade ira,
Porque em todo o Brasil fôra a primeira.
4B ..
N este fes tejo a plebe se eulretinha,
F. eis·lllle uma srrlva se ouve es tr'epitos:v
be gra nde armada, qu e es tendendo Yinha
Galhardeies e Jlamulas lus~rosa :
'fucto ao rumor da fvota se encaminha,
Vendo a ba ndeira tremnlat1 fam osa,
Que no bruzão da s quinas representa
.i\ redempç;i.o, qu e o ceo na terra intenta.
49 .
Era Tlwmé de Sonsa o commandante,
Qne ali !!"vl•ernador fôra mandado
/
Com multidão lle gentes abundante,
Para dar fórma ao povo começado :
N'um sí tio com mil manf("u es verd ej ante,
Que o g rão Caramurú tinha habitado,
Da colonia, que ás tabas se assemelha,
O nome nos ficou de Yilla- V:elha.
() CA R.UlUil Ú.

50.
Ali por principal consbiluido
Foi dos tupinambús o cla-ro Diogo ;
Das tabas do sertão reconhecido,
Como dragão do mar, filho do fogo:
Catharina por sangue esclarecido
Herda de seus avés o imperio logo,
Convocando á Bahia nesta idéa
Dos seus tupinambús toda a nssembléa.
51.
Á taba de Gupeva já habitada,
Omle hoje he Villa-Velha, a turba corre;
Das outras tabas toda a gente armada
Com os seus principaes a ouvir concorre:
'J;oda a cidade em corpo con~regadu
A grande casa concorreu da Torre:
Paço de Catbarina, que na empreza
Presidia aos tupís, como princeza.
5!2.
A seu lado Diogo, e Sousa armado,
Á Carnara preside da Bahia :
O clero santo a Deos tendo invocado,
Ouviu-se dos clarins doce harmonia ':
A tropa portugueza occupn um lado ;
Todo o outro espaço o barbaro cubria:
E em meio a cada casta ali presente,
Brilha emplumado o principal potente.
CJ.NT(!) DECifttO.

53.
D e varões apostolicos um bando
íl'em de innocentes o esquadrão disposto,
Que iam na santa fé disciplina ndo ,
l'odos assistem com modesto rosto :
O cal11ecismo em cantico entoa ndo,
No idioma brasilico composto
bo exército, que lgnacio á igreja alista,
l>ara emprender a barbara conquista.
54.
Sen tiu dru pahia o público proveito
O lllonurca piissimo, que impera;
E estes varões famosos tinha eleito
A. instruir o Brasil na fé sincera :
~lles toda a conquista houveram feito,
<!. o immenso gentio á fé Yiera,
Se cuidasse fervente o santo zêlo,
Sem humano interesse em convertel·o.
55.
São desta especie os opern,rios santos,
~ue com fadiga dura, intenção recta,
adecem pela fé trabalhos tantos :
~ Nobrega famoso, o cla ro Anchieta:
or meio ele perigos e de es pantos,
~,em teme r do ge ntio a cruel se tta,
lll0 do o vasto sertão tem penetrado, '
a fé com mil trabalhos propagado.
56.
Muitos destes ali, velando pios,
Dentro ás locas das arvores occultos,
SoJTrem' riscos, trabalhos, fomes, frios,
Sem recear os barbaros insultos :.
P enetram malitos, atravessam r ias ,
Buscando nos terrenos mais incnltos
Com immensai fadiga e pio gwtiho
.Esse perdido mísero rebanho.
57.
Mais de ·um vetás pela C!!'m panha vasta
Derramar pela fé ditoso sangue;
Quem mor lo ás chamtl}as a ' gentio arrasta,
Quem deixa a settn com o tiro exsangue :
Vel-os-has tlis<!Orfler de casta em casla,
Ou de o rud e pagão nas trevas langue;
E ao ceo lucrantlo as miseraveis almas,
Carregados subir de ínclitas palmas.
50.
Com côrte tanta no sublime paço,
Que a gríl Casa da Torre se appellida,
Orando Catharina um breve espaço,
O tbrono occupa, e as altenções convida:
Tinha emplumada a fronte, e o forte braqo,
Como insígnia de imperio conhecida,
Um marraque por sceptro sustentava,
Que toda a turba com respeito ol.Jtava.
C,\NTO DECI!\10. 377

59.
_V"euturosos paizanos, que o ceo ama,
nlsse a dama real, povo disperso,
~ue elle ao reuanho seu piedoso chama,
~esde o antigo diluvio em sombra immerso:
oje vos quer livrar da averna chamma,
~enuo arrastar-vos do dragão perverso,
'sse grilo Deos, que de uma cruz subUme
.A. pena satisfaz, e a culpa opprime.
60.
Da antig~ Lusilania o rei potente,
~c?mpauhando o sol no gyro immenso,
at rodeando todo o globo ingente,
~esqe o aurífero Tago ao china extenso:
or elle a fé recebe toilo o Oriente,
0 mouro cede de pavor suspenso,
ll: Europa aclmiFa pelo mar profu·ndo, ,
Que o seu reino menor subjugue um mundo.
61.
Deste grande monarca é tanto o imperio,
~ue aonde a pwpria luz nilo se enéaminha,
os limites extFemos do hemisferio
0 lusitano exéfcilo caminha.
A. .A.frica e ilhas, o arabe Cimerio,
~Uas vezes passando a immfJnsa 'linha,
s~ssue tantos povos, que a contai-os
' llo mais que os porlnguezes seus vassallos..
O C!IIAMUllÚ.

6íl.
'
Este rei glorios'o foi o eleito
Por providencia da eterna! bondade,
A fazer do Brasil um povo acceito,
E digno de a gozar na eternidade:
Pudéra desta gente o forte peitC?,
Tendo n' Asia opulenta immensidáde,
Estes nossos sertões trocar incultos
Por nações ricas, e terrenos cultos. ,
63.
Pudéra com as forças, que aqui manda,
Com pouca utilidade, ou mais que fôra,
Domar o 1·oxo mar por toda a banda,
E o reino todo possuir da aurora.
Mas a piedade faz, com que commanda,
Que antepondo o Brasil a tudo agora,
1\;lostre aos homens, que o impulso que o doD1in~
E propagar no mundo a fé divina.
64.
Generoso pensar 1 sagrada em preza I
Longe da vll polílica de estado,
Que se a milicia, se o commercio preza
Nllo tem da Santa Fé menor cuidado.
Mas o que rege a vasta redondeza,
E a sorte dos imperios tem fixado,
Lá virá tempo em fim que o zelo pague,
·E em ouro o Tago do Brasil se alague.
CANTO DBCUIO. 379

65.
lJm rei, se não me engana occulto instincto 1
Qu;~ndo o quarto remir as lusas quinas,
bepois do sexto Affonso e Pedro extincto,
i\ brirá no sertílo famosas minas:
Far{, de ou..l'o Lisboa D. João quinto,
.â.ltas disposições de ceo divinas I
Pois no tremor e incendio, que a ameaça,
Pre}mra este subsidio {, grã desgraça.
66.
Tempo virá, que a dama magestosa
l'or soberana a Lysia reconheça,
~Poca rillllStre, insigne e ventm·osa,
lll que tenha uma santa por cabeça.
~escerá sobre o reino a paz formosa,
-<!. com a paz fará que a glória desça ;
Atlantes tendo do seu l'egio estado,
Quatro sabias e um ínclito prelado.
67.
E tu, ]Donarca justo, do ceo vindo,
~enha-te a palma sobre o empyreo tarda,
' Pai da patria ao reino presidindo,
iom zelo a antiga fé nos nossos gtw•rcla :
'nchc o grão nome, ns portas reprimindo
bo monstro avel'no: que nos fundos arda;
Que deixe Portugal que na fé medra,
F: Christo firma sôbl'e a immovcl pedra.
:;ao O C.\Ri\DlUR Ú .

6!1.
Esta insigne progenie o ceo promette,
Brasil agora rude, aos teus vindouros,
O cóllo humilde em tanto ao rei submette,
E ofi'erece·lhe contente os teus thesouros :
Ji: entre tantas nações, ,que ao jugo melte
A sombra Portugal dos verde:; louros,
Sem provares da guerra o fmror vário,
Chega ao ,throno a humilhar-te volunlario.
69.
E se princeza me chamais sublime
Dos vossos princi paes nascid~ herdeira,
Se ao grilo Carnmunl, que o raio imprime,
Jura~te V1\SSallngem verdadeira :
Elle da sujeição tudo hoje exime,
Cedendo ao throno luso a poss~ inteira ;
.E eu do monarca na real pessoa
Cedo todo o direito, e entrego a c'r<la.
70.
Dizendo assim a dama generosa,
Desce do throno, e o csplendido diadema
Entrega ao Sousa; e toma magestosa
Um baixo assento com módeslin extrema:
Pasma o tupinambú, vendo a formosa
Nobre Paraguaçú de claro estema,
Que o seu regio marraque ao Sousa dando,
Despia ,a pompa do real com mando,
CANTO DECIDI O.

71.
Logo o Cnramurú na língua e estilo
~os naturaes falando ao chefe novo,
Ôslo tudo em silencio para ouvil-o,
O escudo da Bahia mostra ao povb :
A pompa de Noé, que ao noto asylo
Com ramo de oliveira vem de novo,
bando a enlcnrlcr a paz que {, crua gente
Com a fé dispensava o rei clemente.
7~ .

Este é o titulo, disse, verdadeiro,


Co1u que occupa o Brasil nesta anarquia
O muito nl!o senhor D. João terceiro,
~ fim que em paz se tenha a turba impía ;
ll.orque ao supremo ser e ente primeiro
li: econheça o sertão, sirva a Bahia;
' porque propágada a fé se veja
No novo imperio, que conquista á igreja.
73.
Disse Diogo, e as quinas tremulando,
:eal, Real com voz clama expressiva,
:p o.r D. João monarca venerando,
tncipe do Brasil, que faus to viva.
1
Cesponde a turba os vivas replicando,
li:0 ll1 !<lo alto clamor, quo o ouvido priva 1
C ao rumor dos canhões e das cornetas
orrespondem a bellicas trombetas .
'O CAR1~IUI\Ú.

74.
Então sentado sôbre o solio ingente,
Que já desoccupára a dama bellq,,
Como governador da lusa gente
Thomé de Sousa cortejado della ;
Toma posse legitima e patente
Da Bahia e sertão, e sem querélla
Do habitante, que os campos ~esoocupa,
Em nome dos seus reis a terra oocupa.
75.
Depois ao povo, e illustre magistrado
Por leis do novo imperio manifesta,
Que seja o nome santo venerado,
Que cesse nos sePtões a guerra infesta;
Que o homicídio se veja castigado,
Que o antrop6fago atroz, que a lei detesta\
Que a embaixada evangelica, que envia, ,
Se ouça com paz; que se ltonre o qu'a anunCI 9'
76.
Que o i11digena seja,ali empregado,
E que {, sombra das leis tranquHlo esteja;
Que viva em liberdàde conservado,
Sem que oppFimido dos éolonos seja:
Que ás expensas do rei seja educado
O nt!olito, que abraça a santa igFeja;
E que na santa empreza ao missionario
Submip.istre subsidio o regio oraria, '
CANtO DECI~tO.

77.
Por Jlm pubHca do monarca recto,
Em favor de Diogo e Catharina,
Um real honorifico decreto, ,
Que ao seu merecimento honras destina:
~ em recompensa do leal afJeclo,
Com que a coroa a dama lhe consigna 1
Manda honrar na colonia lusitana
Diogo Alvares Correa de Vianna.

liJM.
NOTAS. -



, 'NOT ICl i\. ·

DF.

.JOSÉ'BASILiO DA .GAMA.

Uni iesses muitos ar raiaes, ao depoiscon·


VeJ•tid os em villas e cidades, levantados d'im-
l>roviso e como por encanto no seculo passado,
ao pé ele cada mina d'oiro, que sem cessar to-
}lavmn os exploraclores elos sertões elo Brasil,
leve a gl6ria de servir de berço ao cantor do
tiraguay. Foi no arraial, hoje villa ele S . José
do Rio elas Mortes, duas leguas ao NO. ele S.
João d'EllRei em Minas @eraes,_ qu e nasceti o
' nosso · poeta pelos a nnos lle 1740. Ignorilmos
de quem era fi lho ; mas sabemos cju e sen pai
lhe faltou Jogo a os primeiros annos, e que José
llasilio a briu por assim dize r os olhos da razão,
Presenci ando a ·pobreza de sua míli, n'uma terra
Onde o oiro sería talv ez o genero mais f,:Ommum.
Esta mesma pobreza foi porém a orige m da sua
curreira ele és tndos, e por tanto da re]mlação
que hoj e· tem o seu nome.
Um religioso leig·o frnncisc '\no, po1· caridade
JlUI'<t com a desgraçnlla viu va,,tronxe-lhe o filho
!>ara o R io de Janeiro, oncle ja se achava em
..
! 754, quando ahi chegaram os índi os prisioneiros
~
·,
383
do RioPardo, com qu em elle conversou sA bre os
j esuítas do Paraguay (Urag. '1. 11 ed. p. 14)·
Caindo nas graças de certo bemfeitor Eque, ]Jn
justos motivos · par.. crer fosse o Brigadeiro
Alpoim) o Lomôu este {L sua conta, fazendo- o es tn:
dar nas aulas dos j esuít as, e1ll1lo nessa cidade quasl
as unicas bem organisadas, e qu e tambem fre·
quentava por essa epoca Ignacio .losé el e AI·
varenga P eixoto ae depois ouvidor da camurça
do Rio das Mortes, patria do seu amigo. •
Não tardaram · estes, sagazes ádvogados de
attrahir á sua ordem os moços que nas aulas
davam mos tras de mais talento, d e angariar
por lodos os mod os o joven discípulo; ap~·
zar do seu genio iuquie'L.o e boliçoso acllDJ'
tiram-no no noviciado, pouco tempo antes de
se lavrar o decreto da ex tinç1'LO da Companhia.
Esse decreto de desterro e desnatnrali sação para
os padres professas, co nced ia liberdade e uma
congrua de cem reis diarios a os ind a não pr0 1
fessos, que preferi ssem deixar o habito. - José
Basilio aproveitou-se da concessão, e pela vocn·
çilo, qu~ já para os es tudos Linha, quiz continuar
• Complicado ultimamente na rcvo],l ção do TitW
Dentes, c rcmcttido em $csrcdo para o prcsi dio d'Ambm:n,
onde faleceu, foi este sem dúvida dos pocLntl llo sccuiO
p11ss ndo o nmcric~no, que a.baixo do s 'no ssos dons cpi .,o~,
melhor enca rou , a propriedade c in spi •·nçõcs da pocsl 11
hr:uilcira, jó no cnnto c{>ico no nasci men to de uu1 govcr'
nndor de Minas, já no Sonho que vem imp1·csso no pr in'
uípio do Pamnso B1·;uilciro.
AO UB,\GUAY • . õ39

em Philosophia no Semina,rlo do Rio ele .Ta-


ueiro.- Sobrevindo a infeliz morte do seu he-
roe Homes. Freire, e querendo talvez aquella
alma dila tar-se p elo nwndo de qu e tantas coisas
havia liclo, e mb1u~o u - se para Lisboa, e dahi
)lara Roma opc)e foi empregado em um Semi-
nado, dizem os jesuítas qu e por influencia del-
les ; mas quanto a n6s , quem tinha o seu me-
~ ito possuía em si mesmo bastante recommenda- ,
ção, até para, independente de protecções
enLntr, como ent rou , na A rendia Romana, sob o
nome de Termindo•Si]lilio. Se bem interprell\mos
as suas expressões, foi neste periodo que elle teve
a pri·meira lembrança da sua e pop ea ao ver
que" muitas pessoas o buscavam s6 para saberem
com fuiulamerito not[clas de Urag·uay, t e ste~u­
uha•udo um es tranho contentamento de encontra-
rem ·u m americano que os podia informar miuda-
mente de tudo o succedido. A admirm;ão qu e c,au-
sava a es tranheza de factos entre nó• tão conheci-
dos (acrescenta o nosso poeta) fez nasceras pri-
mei rãs id eas d este poema» (Urag. 1." ecl. p.
[2). E nlreta:nto ce ~lo se enfasti ou José ;Basilio
dos seus ap oque ntacJos, e pro vavelmente tini for-
Ines e mon otonos, encargos do SeminaJ:io 'Ro-
tnano, «l mpro••isamenle se J'e Lirou para Napoles, ·
''eio a Lisboa, e el e Lisboa partiu ;para o Brasil,"
Olld e se ndo accusado de ex-j espita foi preso e
remettido p111ra Portugal. C heganllo a , Lisboa,
ohrigaram.no em o" Tribunal da Inoonfidencia,"

..
390 NOTAS
a faz e r t·ermo d_e ·i r para o reino de A ngola ,
degredo a ql}e elle1conecguiu escopar-se por urn
e pi thalam io, qne então compoz a llJila ftllw. ue
Pombal, D. Maria A malia, impresso no Par-
JJazo Brasileiro, no meio do qual soube com
arte introdnzir elog ios á famitia llo primeiro
mi n isl.ro, agoi rando-Jhc boa descendenc ia:
Ntio 1bcs mo6Lr cs na Patr i a a cs Lt•anho. Lcr,rn.,
Os anti~o s illu ~ Lrc s {j110 pas s o ram, '
1\Tostrli - lht: o {;f lllldC AvO, em 'cplcl:rl se cnccra-n
Qunulo os hcrocs da ontisnidadc obr:uól.m;
r~ b:. sta-lh c na paz, c em dull n SIJCrra.
Qu e so Jcmbrcm um dia, que bcijarmn
A mão, scgut·o nrrimo da cCJron,
A. mão que da ruína ergueu Lisboa .

Depois de vária8 recriminações aos ,j esuilas,


e de exultar pelos beus 'tla ,sua expulsão, diz
na pcnultima estancia:
Eu não verei pnss::Jt' teus doces nonos ,.
Alma de amOl' e de pi~dadc cbcia:
E:~pc ram -m c os des er tos lffi·icanas
A!:!pcra, inculta c monsL-ruo sa ar~o :
A h! ltl faze ccs s~r os. b·istcs tlnmno s .. , !

A SlljJplica foi ouvida por modo que Pom·


bal, longe de o qu"el-er de si distante, o aclmil·
Liu á ·sua con/jaJJÇa. E para a merecer devia
bn~lar a .José Basilio a publicação do sen poe;
mu l'Jraguay, IJUe priucipalmenle nas notas e
a prõjjssão de fé anti-j esuila mais decidida:
llne pucleria ex ig ir o primeiro ministro do reJ
NO URAGU.AY . 391

D. José, i·esumida na epigraphe em que com-


para a Compauhia á cova de Caco.
At sp ocus , ct Cu.ci detecta :rp)>arui t ingcos
U.cgia, ct umlnos.c pcnit11 s p:t,Lucrc cavcrnre.
Yirg . .IEncid. Lr:b., viii.
'
Além ele que, José ~as ilio dedicando 3 poe-
lna a um irmão elo primeiro ministro, que co-
mo go vernador qu~ tinha sido na Amet'il:a com
mais razão podia ser jn iz e apre9iadOI" de uma
obra americana, não se descu·idou de tributar
igualmente tio niesmo pri•meiro minisbro a home-
nagem de 'sua venemç~o, assim dmanle o poe-
ma, como ainda amtes, por meio do seguinte
sone re : ' '
' !E q;uc de jaspe um1 globo a.l vo' c rotundo,.
E e'rll cima a cstn tun de um Hc1'oc perfeito;
Ma s não lhe lavre!! nome em campo C$LJ.:ci t o"
Que o s cu nome enche a terra c o mar profundo.
l\1os L\':t no jn svc, nrli (i cc f.t cundo,
E m 11"11Ua his ióda tanto i llu strc feito,
Pnz . jn ~ lliça, nbundaucia e :fit·mc peito,
Is to u os basta ;t nós c ao nosso mundo .
1\ia o v orquc p ódc em s ccu lo fnluro,
Pc re:;1·ino 1 que o mm· d e nó s :1fl'asLa ,
D uviU ~ r qncrn anima o jn spc duro,
1\Io s La·~ - JI.J c mai s Li.sli 9. a l'i c n c vasLn,
E o Commcrcio, c em lui;:u· l'Ctnolo c cscul·o,
Chorando a H ypocrisin. I s to l~tc lint~ L ~ .

Ao lnesDlo irmão elo mini stro promette o poe-


t~ na cletjicatoria•outra e pop ea, (que nunca rea-
lizou) sôbre o qtle pratidrra como governacl@F
39!1 NOTAS I

do Par{~ e Maranhão para· igual repressão dos


abusos dos jesuítas,- dando apenas como eu·
saio esta, que lhe dedicava : '
Protegei os meus versos~ Possa em tanto
Acostumnl' no voo ns novns nzns,
Em quo um din vos leve . Desta sorte
:Medro s a clci xn o uiullo a vez primeira
Aguia, qub depois foge á hum.ildc terra
E vai ver de mais pct·Lo no nr vnsio
O csp..nço azul, onde niio cllcga o raio.

Pela reedificação de Lisboa dedicou o nosso


poeta ao jú. então Marqnez uni canto com doze
estanéias, que antes hav.ia composto. Seguiram•
se " Os Campos Elyzios "-curto epithalamio offe-
recido aos Condes da Redinha, que como se sabe
se enlaçaram com a fam ilia Pombal, afórn uma
irnmensidadt;: ,de sonetos dispersos, todos do
cunho e fôrça deste au thor, e cuja recopila~ão
devemos, corno das outras suas composições, ao
laborioso zelador da~lettras brasileiras e collector
de seu Parnaso, o Sr. Conego JanuaJlio da C.
Barboza.
Em 1772 com poz em versos alexandrinos
com o nome de "Declamação Tragica" um
poema dedicado ás pellas· artes, que se pode di-
zer serem antes lições de declàmaçlto dadas a
uma primeira dama. Está impresso na princi-
Jlio do !2. ° Cauerno uo Parnaso Brasileiro, com
uma epislbla sôbre a mesma compo,sição de
Manoel lgnacio da Silva Alvarenga.
Ad Ullá'G·0 ,\1'.
José Basilio trabalhou na Sccre1a11ia com o
Marquez de Pombal, e como officinl de Secreta-
riu se conservou até {t morte, que sem dúvida
succedeu no anuo de 1795, por quanto ha1•endo
elle sido udruittido pura sacio correspondente
da Acad emia das Sciencias de Lisboa em 11
tle. Fevereiro de 17•95, deh:a de aparecer nos
nlmanacks da mesma Academia, logo desde o
anuo seguinte por diante. Mora••a em J_,isboa
para a banda de B elem, perto das Secretarias
que então eram no Pateo das Vaccas, e na fre-
guezia proxima jazerão seus ossos co~fumli dos
com os ohlros .
Bem natural é de julgar-se qL!e não lhe cor-
t•et·atn os annos da vida aprasi veis. - Em pe-
queno pobre, orfào de pwi , e afastado dos cari-
nhos maternnes ; na adolescencia inconstautP.,
enrante e sem futuro ; na jnvcnl11de
c1 •• , ••••• pcrisri·nando
Novos pnizca ,:cndo o novos dnmuos, ,,

an como ell e proprio diz com Virgilio ( ./Ent!ill.


V'ii-i.) '
. , , , .. Srovis.,,. 11cl'iclís
Scrvnti facimu s .

e a final quando os annos lhe pediam descanço


d'animo, na epocn. de Maria !1.. "', reaccionaria
de tudo quanto era do Marqnez de Pombal, a
ver o seu poema nas mãos de todos os adula-
dores e invejosos cortczãos, a falar-lhe delle
NOTAS
mais com intençi:ío de o humilhar <lo q11e de
adm irar-l he o genio. - Ah ! Avalie-se quanto
não dev ia isso ser·lhe acerbo !
· O nulo r da R~sposta Ap~ log et-ica, anil ou ~o m
pouca generosidad e apparecendo com a sua
verrina .cliJJamatoria 17 auuos depois, em 1785
em qu e já bastavam os seus r eceios e tormcn·
tos ele ficar sem subsistencia, pelos proprios
instrumeytos da sua gloria ! Todavia apesar
desse descontentamento ainda elte compoz, em
llns ele 1791 o Q•1titnlria, poema de pouco me·
reei meu to, e cujo heroe é um valente-conqnislador
negro contemvoraneo, c1ue até elte vin em L is-
lJoa.
O juizo sobre a epopea elo TJraguay já mais
imparciaes e melhores avaliadores do qu e nós o
de1'am.- TranscreveFemos pois as prop rias pa-
lavras dos do:s primeiros poetas portuguezes con-
temporáneos:
"O U rnguay ele José Basilio ela Gama (diz
o Sr. Garrelt) é o moderno poema que mais
ruerito t em na minha opinião. Scenas nalLll'aes
mui bem pintadas, ele grande e bella execução
descriplÍ\'a; plirase pura e sem affec taç>to, ver-
sos naturaes sem ser prosaicos, e qu ando cum-
pre sublimes sem se r guindados, não são quali-
dades communs. Os brasileiros principalmeute
lhe devem a melhor cororu de sua poes ia, que nelle
é verdadeiramente nacional, e legi tima rumeJ•i·
cana. ,
AO UIIAGU.(I.Y •
• • • , " O autor do Uraguay (d isse ainda lw.
dias o 81;. ' Cashilho) é tanto mais udm iravel
•em nos capli1•ar com a sna narrativa, quanto o
aspecto que no, seu bifronle assumpto preferiu,
não era, como facilmente se compreende, nt'm
0 mais fecundo, nem 11 ma is sympa lhic o : -

]>elo que bem podemos d izer --que em tudo


Com que nos enamora, s6 O consegUe pela fôr-
Ça de seu proprio talento, pelos seus recursos
tndi viduaes, e esses passos nem silo poucos nem
de pottca monta. O ,terremoto de Lis\Joa e a
expulsão dos j esuitas, mostrados na ag ua d.o
Vaso mysterioso p ela feiticeira Tanaj rtra, a mor-
te da vir~uosa Cleopatra a,mericaua, a amavcl
L incl oya, bastariam sós per s i para grangearem
ao a utor assento eutre os bons poetas .
" Outro é porémo verdadeiro lollvor de Ba-
sili o. da Gam!t. ' Foi el1e o que estreou, primeiro
em Portugal e elos primeiros na Eut•opa, a
Poesia do mu nd o novo .. .. T antas e tão contra-
~ostas mara vilhas como a natureza e a fortun11
~~~ rnitos cbeias disparsiram nessa t erra, hontem
~' Lrgem, j{, hoj e desposada com o mundo velho
e Pejada <le uma nova ctvilisaçuo, hüo-de vir a
~e r a final um e mui tos cantores, que as cele-
renr !'! as façam cobiçadas: onde ha o grande
e o bello appu.rece logo a poesia.
G" Então porém é que os nomes de Basilio dtt
ama, e de Fr. José de S. R. Durüo, depois
de eclipsados os seus poemas por muitos de
396 , NOTAS

maior valia absoluta, hão-de receuer o devid.J


apreço : os seus mesmos vencedores lhe!' cederão
parte das suas palmas; não entraram ús delicias
da terra·da promissão; mas condusiram paro. lá
Cil povo por meio do deserto e, como o capitão
propheta dos hebreus, expiraram depois de \.h 'a .
ter mostrado. "
A acção d.o poema não chega, a durar meio
anuo, desde il7 de Janeiro .de 1 '1156, dia em
que se faz a promoção no campo das Mercês
até meado 'do mesmo anuo ; e se acha toda his·
'toricamente desenvolvida por Soulhey na cap.
39 da sua obra, . e pelo Sr. Visconde de S.
Leopoldo no cap. 3. 0 dos Annaes do Bío
Grande. O heroe, quejá pertencia a familia •de·
J1eroes, foi um dos homens mais virtuosos do•se·
cu\ o passado ; o assumpto é nada menos do que o
facto que mais contribuiu para a'total extincção
da companhia de Jesus, o que tudo faz que seja
o poema de interesse universal; por isso nos aba·
Jançâmos a vaticinar que mais tarde on mais
cedo passará elle ás llnguas es trangeiras, com·
pletando o ' 'aticinio do proprio poeta, CJUando
· ousa dizer, com o maior vigor de uma elevada
immodestia, nascida da intima convicção, com
que aplaudia a poetica emanação da divindade,
que lhe visitava a alma :
\C Scr&s lido flraguny. Cuhrn os meus olhoG.
EmborA um dia n escura noiLc cLcma
Tu vivc 1 c gosn a luz serena c p"u1•n, )) 1
AO Ul\AGII.I.Y.
c n 'outro logar:
fi Gcnio da in culln Ahu:•·ica 1 que in sphns
A meu peito o furo•· que me Ll'<UHpOrtn;
Tu. me levantas na s sc~nras az.;.ts:
Scrlu em paga ouvido no mcll cnnto.
E Lc promclto qoc J1Cndcntc um t..lia
AtlÕrnc a minha 1f1'tl •OI teus nltal'CS. ,,
Remataremos esta notícia com a corôa, que
na fómm costumada no seculo passado, lh e te-
ceram dois poetas sens amigos, e q11e não ha
tnotivo para que fique de fóra nesta edição.
' Se fossemos a com prehender aqui toda a cor-
respondencia poelica, não. sobejaria o logai'
Para mujtas das composições,quedo 'RiodeJa-
neiro lhe dirigia o outro A ll•arenga (Manoel lgna-
cio daSilva - ), tambem filhodoRiodasMortes
(villa de S . Joãod'ElRei) . Eoprimeirodosso-
netos que public&mos., composição do Dr. J. I.
de Seixas Brandão, formado em Muntpellier e
depois medico das Caldas :
Pn rccc - mc que vejo a sroasa enchente,
E a villn era-ante, que nns ,·agnas boin:
D c tc5-LO os crimes dll infornal tramoia:
Cbó ro a Cncambo c n Ccpé va lente .
Não é J>rcssngio vão : Jcl'á n sente
A guerra do Urnguny, como , a de 'l'roya,
E o lagrimoso ·caso de Lindoya
l•"ar tÍ sentir o peito, que não sent e.
Ao longe, n inveja um pniz ermo c bronco
l.ufcctc com scn haliLo pcrvet·so,
Qu e n ti s ó ch ega o mal di~t i ncto ronco.
Ah ! consente que o meu pmlo no Leu ve1".50
Qtaal ft·:tca ,..ide, qu e se nni1nn a um tronco
Tnmbcm ,. ~ djsconcr pelo Universo.
NO'I'.\8
c o seg·u ndo do Dr. I. J . de Ah'ttrenga :Peixo·
lo 1 já mencionado .
Entro pelo Urasuny: vejo n. cultura
Dns novas :.crrlls por engenho cloli"O ~
~ns c h c~;o õi O temp lo n•nq•;s tow, c p aro
Embe bido n os t·ns~os daJf•i n LUNt .
Vejo c\·gucr·sc n. Rcpublicn 11crjura
SObre nl icerccs de u rn dozninio uv:u·o~
Vejo disttinctamcntc, se rcpnro,
De CaCo us urpador n cov•• csc ul'a.
F.:unoso A J c i dc~ , no t eu h •·n~:o f'o •·Lc
Tocn vi ngnr os sccplros c os a l tares~
Ât•t·anca a es pada, dusca•·rcga o cÓ •·lc.
E tu , Tct·mindo, Jc\' :t p elos at·cs
A s r an dc acç,üo ~ j~í. que t e cou!Jc em sol'tc
A. gl01· i osn }Jarle de a cant.nrcs.
AO UUAGUAY,

C'ANTO 1.o

l'11g. Í6 v. lo. -Caetano ou Cattaneo é prova-


velmen te uma co Jüracciio de Caetano : as-
sim se ap eliclou o auto'r de umas caTLas em
fl·ancez sobre estes acontecimentos do Para-1
§'llay, que o poeta devia conheceT, pois que
foram pub Ji ca~as em 17 56 . - E em allemão
se p11 blicarum ella sues se mesmo anno na obra
de 1J!bt1'cttOI't?tS.
lb. :v. ib. - .Amlrade' - É o hexpe do poe-
ma Gomes F reire ele Apdrade, ao depois
Conde de Bobadellru, que faJllece u no priltci-
1' pio do anuo ele 1761.
ag: 9 v. 6- - A lmeida (O Coronel José Igua-
9o ele-)
l'ag. J.O Y. 14. =
"Novos cspcc ies de fundidos b1·on.zcs,
Ct Que amiuilam eLe. ''

llefere-se o poeta ás prim eiras pe~as de-


lb anlludar, qn ~ en1ão passaram ao Bras 1l. •
·v. !22 . -Menezes (O Coronel Frallclsco An-
tonio Curclozo de-), que no depois foi Go~
l' veruado r ela Colouia.
!tg·.u v.l. -A lpolm (.To~é Fel'll::tttcles Pin-
to-), ao de pois ~ rigucleiro, director de v{,.
NOTAS '
rias obras e edificios 'do Brasil v. g. rlus pa·
lacios do Governo no Rio de Janeiro e na
capital de Minas, e A. dos dois livros Ea;tt·
me de Bombeiros 'e E:vame ele A1·l'ilheiros,
que se .i ulgum impressos no Ri9 de Janei.ro,
se bem que nelles se lêjl ter siilo a impressão
feita em Mndricl.
Lb. v. !J. - Vasco ( - FrrnandeR Pinto Alpoi1n)
, filho de precedente, e amigo do poeta, que
morreu moço em 1m1a embarcaç~o, perdida
vindo da. Colonia para o Rio .
Ib. v. 19. -Mnscaranhas (Fernando-), Cw
piti'io ele granadciros, que na epoca da pu·
.blicação do poema (1769) servia no SenadO·
Lb . v.24 . - Castro. Refere-se ao Tenente Co·
I'Onel Gregorio de castro Moraes.
Pag. l:Bv. 14. - Pena é que o autor, entre
htntas exp licações que faz nos não diga quenl
é este poeta Matuzio, e, ljlle nos obrigue 11
recorrer a uma satyra um ta11to rasteira • '
para justificai· que foi crmüura que exis~iu .

• Referimo-nos :Ís Ca.d tu Chilmws, nn ]ll'i1llcirlt


das quacs &C rcdiculariza um certo 1\'lnluz.io criot.ur:l dll
Govç1·nador do Rio de Janeiro que d:í. o assumplo á t~:l,:
tyu das cn.rtns, ns quncs em no sso cntcntlcr por modo aisu~
se podem ntta·il.Jttir no poeta Dirceu, Jclicad.amcntc :tp"·' ·
xonudo pcln sua I\!nri.lln, sem g rave injustiça IÍ IHCIYIJr•."
de Gon~nga; tanto mftis, quando o mc:nho A. qnç se i.uw
Lula Critillu, parece q.nc uos c1ui z tia·a l' d.'c!losu chí.vHittl
visto que nn carta :;,a, notes <icf:u:ermcnçãodcsi, l'cfc rt: ~
se ao mc:.mo GouznHa, neste~ versos~
I
AO UU .\GUAY.

Pa~t. 14 v. 1.. - A partida do Heroe do Rio


Grande, segundo lemos em um officio seu,
ao Marquez de Pombal de ~3 de Setembro
de 1754, e.Hectuou"se a ~8 de Agosto (não
J u~ho) dc:sse anno.
lb. v. 7 - E o Rio Jacuy. ,.
lb.v.ll-Bnlsas e pelolas-Vej. a Est. 51
do Brésil de Denis, e pag. 169 no texlo.
São especies de barcas feitas ele ·couros de
boi, puxadas adiante por nadadores inclios
que as tiram por um cabo que levam nos
dentes. Chamam-se bangnés nas provincias
de Piauhy, Ceará ele.

O nosso bom Dirceu tnlvcz que catcjn


Com os pés escondidos no cnpoxo
McLLido no colpoto n ler gostozo
O seu Virgílio, o acu Cumõcs c Tasso.
É provavcl que todos cstc5 nomes ele il:latuzia, Crir.i11o,
0 proprio Dirceu, c os mnis mcncionndos una Cnrta..s como
lloro~br:u, AILimidontc, Floridoro coa outros fossem os de
Sllf:rt·n dn Academia dos Sele c tos fundada na R ia de J a-
llci•·o em f 7 52.
E seriam as Cartas Chilenas na sntyrna injustns feitas ao
Conde de Dobnclclln ~elo vcrsc j ndor Domingos Barbozn
Cnldns, qnc fornm cnusn do degredo dcato cooa praça_ n•-
'?ntc para a Nova Colou in? O ntntuzio quer dizer que
&nn, joí que pnra 1\'Iincz-io só ·moi longe se vai achar um
!~cnczcs. Os papeis que cx.istcmdn Sociedade dos Sc1ec&os
tr.~o tah·cz melhor qucn1 era Cri ti}lo.
1
!lO!! !'lOTAS

CANTO :2 . 0

Pag. 1 B-O nome Cepé encontramos nos his·


toriadores ma is vezes esc ri pto Sepé . E pa·
rece qne verdadeimmente es te índio se cha·
mava José Tyarayú. - No te-se que acção a
qne se alludc neste argumen to não foi pro·
priameule commallllada pelo Heroc, mas ape·
nas travada por 300 homens seus, entre Sánta
Tecla e Bal"ovi- Vej . ./1mt. ele 5'. Pedro
pag. 76 e 77.
Pag. 22 v. 24- Com as expressões de " com·
mercio da folha e pelles " allude o poeta {L
erva rlo matp, que se vende e exporta eJ]I
snrrões lle couro .
Pag: !27 v. 27 - Balda (O paçlre Lourenço - ),
cura do Po<"o de S. Miguel, e um dos chefes
mais tenazes elos indios.- ·
Pag. 30 v. 11- O tal Go,·ernador de Montev i·
Çcu era J?· José Joaquim Viana. ·Vej. Sou·
{hey (3, 479)- .
Pa~r3tv . B.-Eslc facto conürmaEcha\oaTfl
~!2, 231J).
CANTO 3. 0

Pag. 44 v. Í6 - S01]Jente era o nome ele uu1n


n{lll feita no Rio de Janeiro com madeirus
embutidas de muitas côres e qualidades etc.
Ao lançar-se ao mar compoz José Basili 0
405

um soneto que ''em impresso no 1. T. do 0

Parnaso Brasileiro (3, 25). Chamou-se depois


a mesma n(lll- S. Sebnsti1ío.
Pag. 45 v. 26 -Refere-se ao P. Gabriel Ma-
lagrida, cnjo tragico e iuquisitorio fim é
bem conhecido.

CANTO 4. 0
Png. 48 :.__Chama-se cidade para ir com o poe-
ta; trata-se do povo de S. Miguel dos I n-
dias, onde entmram a 16 de Maio de 1756.
Pag. 53 v. 15- O nome Tedl!o seguimos sem-
pre como fôra escripto p elo poeta; melhor
se esc revêra Tharltle?t, pois que se quer no-
mear o jesuíta Thatld en Ennis, cura <lo po-
vo de Santo Stanisláo, e A. d 'um dia rio dês ta
guerra esc ripto em latim.
Pan-1• 50 v. 8 . ....:. B !asco era o Marechal D. Mi-
guel Angelo Blasco, depois Engenheiro mo1·
do R eino.
CANTO 5. 0
Pag. 64 ''· 5 c 7. - R eferejlCia aos Hcnriqnes
3. 0 e 4. 0 de :França.
P.ag:65v.4e5 .-Com estas c<lmmcas vé las,
com estranhas tlivisas nas bandeiras" a Ilude
o p or ta a um galeão ou fra gata que_ os j~suitas
possuíam no l3rnsil, a titulo de ser para as
visitas do P rov incial ; porém quena.realidade
40-t 1\"01'.\S AO URAGUAY.

se occupava do commercio de cabqtagem, c


por tal modo .que quando se achava á car·
ga, " est!lvam ociosas todas as outras em·
barcações," apezar de serem os fretes da je·
suitica mais caros, a titulo de ir a fazenda
mais segura , attenta JJIDa profecia do venera·
' 'el Anchieta, que elles fiz eram espalhar, de
que nunca o seu 11avio iria ao fundo. E para
não perdere;m esse prestigio, que ja tinham
alcançado , quando por ' 'e)ho o fiz eram en·
calhar , mandaram pregar alg>umas elas taboas
como reliquia, no que de no.vo mandaram cons·
tTuir. Traz ia fiam ui a e bandeira da Campa·
nliia ; tinha excell ente arlilheria ; ao entrar
e sair dos portos era sah•ado com cinco tiroS
a que COITespondia ~;om tres, e nas alfand e·
gas não 'pagava direitos. O poeta diz que o
viu mtútas vezes e até o visitou (J. Bas. 1. •
éd. p ag: 94 e 95 e R. A ]J'olog. pag . ~40
e seg. ) . '
Ib. v. pen. - Tílmjsa emendámos nós ·; pois s6
a engano se pórle atlJ·ibuir o chamaT-se-Ihe
T amega, q11e é rio de Portugal.
Ib . v . ult. - Nesta conjuração allude aos Pa·
clres Garnet e Eduardo Oldecorne - (Pag.
99 da 1." ed., · e pag. 281 e segu intes da B•
Apo/og.)
NOTICIA

DE

Fn. JOSÉ DE S. RITA DURÃ,O;

I s~ Ulll dOS lllOClernOS arraiaes da Jlf017iDCÍa


de Minas foi o henjo elo poeta e pico do BraRil, que
'J)rimeiro se fez conhecido, em outro simillmnte
nrrayal tambem dos mesmos sertões, havia já.
akuns annos antes vil• to a luz o cantor do Cara-
m~u·ú. Nem que a providencia quiz esse logo
presentear com dois genios essa porção ele ter-
rilorio de ·constituição talvez m11is antig11 (se-
gundo os factos geologicos recentemente obser-
vados) do que todo o restante da terra visitada,
territorio que j(t a mesma prov.iclencia dotú.ra
de tanto oiro, - e que, livre de proguosticos, se
p6de hem. asseverar ser o devido foco p,ara a
.concentraçuo da nacionalidade e civilisação bra-
sileira, " qn e clahi racliai:ia melhor para toda a.
.. Não é es te o lagar proprio para tratar do nssumpto,
que se vai cztcnbcçnr com a da mel boa· situaç5o da futura.
Uuivcrsidadc brasilci'Ta; requer cllc multissimo desenvol-
vimento para ser dprcscntntlo com toda a evidencia~ dci-
x:cmos po1· ora só em' p1·orecia que scnclo Minas o C$lO-
rnago do Drasil, nuuc.'l será vigorosn c gcnuina litlcrn-
ltu·.l, que Uahi não t.irc !lS fô,·gas, o Yigor, a origem.-
Com cfi'ci Lo se cst;Í a·cccbido em thc~c que em pnize'
l.í06. NOTAS
parte, descendo conf' as agnas dos grandes rio~
que Já tem seu berÇo e cabeceiras, e depois
crescem a tomam corpo, e es tendem possantes
hxaços pai'a direções opp ostas .
José D mão eua nas.cido na Cata-Preta, arraial

uopicncs nns chadas ou rcchnnos elevados tem os


l1õtbitantcs mnis actividadc, c o clima ~c presta mai .s
aos lrnbalhos do cspidto, o que até COI)Ipl·ov;,n·;un ns in-
dígenas nmcricGnos, no l\icxico, Pcrú etc. - a nenhuma
provín cia do Bl'asi1 tocar.í mdhor o apana ~; i o dess e roca de
lcttras c sciencia s, dessa Lão ti ndispcns~l\· c l UniHrsidndc, do
que a 1\iin:u, a té pela excessiva abundancia c baratcza do
ncccssario á vjda. - Neste caso o samlavc l c p1·ospc1'b
local, c n maior rn ciliüadc d.c comn'\unicaçõcs em todo s
os rnios, apontam vara S. João d'Ell\c i . '
Qual Uar:'a mais g.:t r anLia Uc (uttu·as fe ições uacionacs
, nma ci.llndc n o cca·a cfio do estad o, O tl outrt1 mot·iLima
scmpr'c tle'snac ionali s~da pelo conll'uuo apar ec im ento d e
vasos com · b_nmleir11s diffcrcntcs c pronúncia de lí ngua s
es tran ge ira s l - Onde ha vcr:í mais especialidade t.lc um
cornctcr proprio no s cam,po s c mattos f.Cm i gua cs, ou ao
pé da agua ~a l gnda que vai laml!cr as prai as de totlo o
mundo?- No sct·Luncjo de po ucbc, c bota minei r :~ , ou no
dandy vestido :Í in glcza c p~nlcad 'o c pcl'fumado :Í fl'an-
ccza? De mais em t'C{p·a. quttlqncr estado, quando n ão fo1· •
primeira potcncia pw 1·itima , tem mais scgut·:.t& .c Ji,•rcs as
cidades do serLiio do que os marit.imas, de in s ultos c pro-
Vocnç.õcs cs t!'an geiras . •• A inLroU n cção dos cam inh os
ele (crt·o c o tem p o dicidi1·ão mesmq se ni"t o cotwir:Í. u
muito que o Rio de Junciro, conscn~IU d o CO iliO é impos('
:;ivcl que não conSCl'VC p nra scmpl•c, o empada do oom ..
mcrcio, , cc d :! :por vantagem s ull c d o impcrio que a era -
pita~ ..• •• l\ias nn ch Uc n os mcltennos c rn quc!iLÕes que
n ão tcl·'iío de cct·Lo csc:J:pado ;', mcditaçüotlos homens tl' cs~
tado) c que nem s à o pa1·n nqni, n em da nossa compe-
&cucia. ·
AO CARADIUl\tJ. 401
de N. Senhora da Nazarelh do Infeccionado,
quo.lro leguas ao norte da cidade episcopal de Ma-
ria nna. Iguorâmos porém a filiação, a uno do
nascimento c primeiros estudos do A . do Cara-
murú ; e o seu nome e natUTalidade conhecemos
t alvez só poTque elle os p ub licou no seu li v1•o.
Tambem sabemos, por elle assim o declarm•,
que era religioso professo na ordem dos erenü-
tás d<! San to Agostinho, isto é, graciano; mas
ig nóril.mos se essa p rofissão fez a ntes ou depois
de 1756, a nn o em que se douto rou em Theo-
log ia na universiilade de Co imbra, segundo in-
for mação que· a tal respeito obti,•emos de um
eruclito lente da mesm« uuiversidade o Snr. ·
D r. Nunes de Ca rvalho : mas é certo que se
não linha j íi. p rdressado, como é muito natu ral,
o fez logo, po is que em 1758, na sé de Lei-
Tia pn!gou elle em acção ele graças pelo resta-
belecimento do rei D. José~ escapo da myste-
l'Íosa sccna de 3 de Setembro, "' u m sermiio
que lhe gmngeo u pú blica nomeada.
T inha premeditado uma viagem {, Ilaliu,
quamlo para a realisar se lhe proporcionou
nma occasião, obrigada seg undo se crê. Em
176!2 appn1·eceu em Leiria uma pns toml do
bispo D . João da C nnha f ul min ando os j es ui-
tas expu lsos, e diz-se que o nosso poeta se
• O testo de que se serviu foi : t: Bancàicltu Deus lrt-
tlS tpti con clu.ri t hominf!s, qu.i lcvavenm t manr4s suas cott-
'.ra Dominwn "me um fie ge": . 11
-i Oli N'O'fAS
esqueceu de modo que o bispo era it•mãb do
seu provincial Fr. Carlos da Cunha, qne pÚn•
n!lo ser por este perseguido te1•e de sair do
reino. Quaes fossem os motivos para essa pre·
meditada perseguiçilo nilo sabemos ao certo.
:E>iz-se que foi a indiscriçilo do talentoso theo·
logo' noviço de. revelar e até jactar-se haver
elle sido .autor da pastoral assignada pelo
prelado .
Duvidílmos que éssa fosse a causa, jt. pOI"que
nilo reputílmos no caracter do noss(:) epiéo essa
deshonrosa revelação, arrogando-se uma obra
de que não careceria para sua· rep1,1tação, já
porque dos s.eus versos (C. X, est. 53 e.seg.)
colligimos que elle nutria a respeito dos jesui·
tas sentimentos oppostos aos do seu -coutem-
JlOraneo A. do Uraguay. E mais provavel achâ·
mos que elle criticasse e ' não compozesse wua
p11-sloral contra jesuítas, e que essa critica
lhe trouxesse receios de perseguição dos agl:m·
tes do Marquez de Pombal. O ce.~:to é que
passando-se a Hespanha com intentos ·de se·
guir para Italia, foi preso por espia ao
atravessar aquelle reino, qne acabava de decla·
rar a Portugal, essa guerra, ·que terminou logo
depois com o pacto de família, assignado em Pa·
rís em principios do anuo seguinte.
,Apenas o soltaram seguiu para o seu destino
Lle ir ~· isilar a Italia; no que pod~mos acredi-
tar quanto interesse devia pôr ,tanto elle como
AO CAI:AMtJilÚ .

G seu patricia José Basilio, ambos tão segui-


r!ures de Vil·gilio, e tão !idos ambos ua l i llera-
lura de
~ · . . . . . . . . .. ... . .. .. . . il Lei pacsc
Ch' Ap cnnin parte, il nta1• circond a c I'A lpe.
rl elinição da Italia deixada por P elra rclut, que -
serve de epi " ra pàe á Cori<na, e qu e o nosso
]Jacta José B asili o adapta (cant. 3 ° pag. 45.)
Em 1772 reformou-se a universidade de Coim-
bra e fui nomeado reitor D. Francisco de Le-
lllos seu oonl·empora neo, "ompatricio, e ami:ro
pelo modo como d ~ ll e se te' mbra o poe ta ( C. X .
es~. 79)- E ou es ta numeaç!'i,o , ou a lguma outra
circnmsla ncia qne fez a Durã o deõl'illr os seus
receios , o troux e de novo a P ortu gal, e veio
propor-se a um concurso de o pposi tur em lbeo-
log itt. Em 1778 devia ter sido recentemente
admiltido na mesma uni1•ersidade, pois fo i no
lllenciunado anno GJ.ll em reei lou a oração ,de
sap ienc ia na aber lu ra, o qu e ele onli navio loca
aos opposilores mais modernos . D'es'e interes-
sante t.lisenrso impresso no mesmo anuo, em
4 ", cum o titulo =Jos Pphi Dttram Theologi
C011imúricensis O. E. S. A. JII'O nnnua stu-
llionun instam·at-ione oratio= se confirmam
as s uas viagens a !tal ia. Se bem que ás ' 'ezes
empolado e com nma ou ou tra .hy perbole, passa
p or urna das mais eloquenles peças em latim,
qu e se tem proferido em lal acto de oslentaçi'lo
solemne. Por vezes é sublime ; algumas em-
4{0 N.O'I'AS

prega tal concisí'í.o, que em poucas palavra!


encerra muita belleza e philosophia. Tal é a
pintura que faz dos melhores reis portu guezes,
que longe de se conservarem sempre na sua
corte, ,,isitavam <le contínuo as [erras inte rio·
r es do seLI reino, comd um bom pai de fwmi·
lias que vai ver seus filhos j{, hom ens, deile
I I
apartados para crear e felicitar novas fami·
lias. " lfwc indoles, hwc jfiC'ies, hwc prime·
va gentis nost1·w lea: e1·at " diz depois o ora·
dor-poeta.- ~foca nas sciencias com variada
lição e de não vulgar conceito, e em referen-
cia aos antigos descobrimentos 11ortuguezes .diz
que pelos exforços do príncipe navegauor, na s·
ciam no seu tempo " ilhas com o nascev doS
ll.ias .. "
Foi provavelmen te só depois deste anuo que
Durão começou o poema Caramurú impresso
em 1781 - e que· consta por tradição ter sido
concluído em.·. muito pouco. ifosé Agostinho
de Macedo, que então o conheceu e foi até
11eU confrade, t es temunhou a muita facilidade
com que Durão comptmba, de ordinario desca n•
çando em um sibinl de pedra junto á ribeira de
Cozelhas, que passava na cl!rca uo seu con·
~·ento, a que per\encia esse ameno valle CJII ~
ainda não ha muito, fomos de novo visitar. Ahl
•e ra visto muita 1oez dictando com a maior facili·
·dude ao amanuense, certo pardo liberto qne elle
trouxera corusigo do Brasil, e a quem no ac•
i O CARA3lURÚ. Ul
cento patrio, que nunca perdeu, clmmava Bé,-,.
nardo. Veio assim o Caramurú aappareccr doze
nnu us depois doU raguay , e pó de bem crer-se que
este último concorreri a a lem brar a composi-
ção daqnelle, ao menos na rnixtura e têmpera
das côres. Nenhuma referencia faz porém a
isso Durão. D epois da epigraphe tirada d'OI•i-
dio (Metam. XV),
• 'Et tluoniam Deus ora movct, acqunr ora movenlem.
Rile Dcum JJ

diz apenas=" Os successos do Brasil não me-


reciam menos um poema qu e os da lndia. In-
citou-me a êScrcve r este o amor da pat ria. S ei
qu e a minha profissão exigi ria de mim out1ros
es tudos i mas estes uào são indignos de um re-
ligioso, porque o não fora m de bispos e bispos
santos i e o qu e ma is é, de Slt ntos padres· romo
S. Gregorio Nuzianzeno, S .'Paulino e outros . "
Se bem que foi o lil'reiro Du-Beux quem
tratou dessa primeira edição com a imprensa,
segundo consta da escri ptu ração des ta casa,. cre-
mos que durante ella se achava o puetn já em
Lisboa, por quanto nesta cidade fal eceu elle
pouco depois no hosp íci o do CollFgi11ho, perten-
cente á Graça, na rua dos Cavnlleiros. Na
Igreja do mesmo hospício foi en !errado, pro.
ximo dos degrnos que da capella m6r vilo para
o clau~tro ; segundo o testemunho do honrado
P. M. Fr.João de Saavedra, hoje com 77 annoa
s •
NO'!' AS

de idade, e que era noviço quando no inverno de


1 7!lil a 1784, segundo sua !Pmbrnnça , ve io o
meslre dos nuvi~o~ pedir um P. N. e lllll lt A.
M. <peJa 11lma do Padre Mcs b11e Fr. J.osé de Sa n-
ta Rita, que acabava de full ecer. Pu r inf<) rmação
de oulro reli gioso da m esma ord em, o R ev. P.
M . Fr. José de LimJI, que vive e m Cuimbr~~;
com oile nla e tantos a nnos, consta que. em mãos
d e sens confrades ex istiam cópias de mui tos so-
·netos, versos lyr icos e até j ocosos do mes mo Dn·
r ão, qu e es te não consentira que foss em impres-
sos, e que nnturalmente se perd eram com a sttp·
pressão dos Conven tos.
-1\ . maio,r prova elo geni o do au tor do C<!!li:,t'-
murú ru d{, eli e quanto a nós na ma neira, como
soube levan lat· e tornar e pica. e heroica unut
acção e um indi vidno, que o não e ram. A d ic-
ção do poema é sempre elegante e clara: a melri-
ficnção facil e na l·ural ; e em touos os elementos
n ecessari os ao poéta se mos lrn Durão merece-
dor de tratar dos mais sublimes assnmpl·os.
'todavia o am.o1· da, ~11tl1·ia, como elle m e~ mo
diz, ?ncita ~a-o a esc reve1· um poema, e m qne
tmlasse,dos snccessos do B1·a.sil ; e percorren·
do a Hisloria não achou elle asw mplo ma is di :rno
J>arà a sua B~nasiliar/a do qu e o de " nm heroe
na ar! versa sor•te. " O (neto marav ilh oso do Ca ra-
mnr\ú a inda e ntã.o não corria averig uado, e
honve ,mesmo qu em ultimamente combatesse o
ten acontecido, o que só depois de muilo Ira•
AO CARA!fU.RÚ.

balho conseguimos provar n'uma dissertação , in-


titulada O C a r a m u r 1Í p e r a' n t e a H i s -
t o r i a, de qn e daremos abaixo um excer pto.
Em a l!!nmns circum slaoc ias da fa bula ~ e ''ení.
o pu e J~Ja, apesar de gui ado se u A. por Vas-
concell os, B rito Freire e Pilta, arredado do
qu e aver iguamos; mas todas essas diffe renças
podêmo' nós hoj e tomar como li berdades poeti-
cas, se m aLtend ermus ás inLcnções do au tor. Jú.
não ass im nos ep isod ios em que o mesmo poeta
se conve1·Le :\s vezes como o ~ rand e Camões em
um his toriador em verso, d 'orclinari o minucioso
em demas ia, embora no" dtê elle tudo amenisa-
do «· com a viveza que linha de imag inação, pa-
ra. nos se rvirmos das ex pressões com que o con-
ce ilua o Sr. Casti lho " com a alma affecluosa
qu e o a nimava, com o seu estylo fac iI e ao mes-
mo nobre, e com a su ;t versificação commumen-
le boa e ás vezes muito boa ..•. ,
Em nossa opinião o acolhim euto público, a
popula ridade, ainda não fez jus tiça ao merito d()
Ca ramurú. E oxa J{, tenham sido disso origem
s6 a causas que hoj e procnrttmos remover.
T odavia a ind a assim tão pouco tem hal'ido n
seu res peito indiffe reuça dos bons juizos, que
f>Lça desilb nlla r o yir para o fuLuro a sen bão
popular como 1nerece. José Agoslin ho aprecin-
"a-o tanto que cheo-o n a ser accusado pelo seu
a ntago nis ta Pato 1\'Ioniz de o ler a.l ogares imi·
lado; -Bocnge, segundo o tes temunho lle nosso
NO'rAS

amigo e consocio o Sr. Do4tof Fr.ancisco F.rei-


·r e de Cnr.'Jalho, ainda pouco antes de fallecer
contava o Carnmm•Ú, como um dos lh•ros mais
queridos da sua minguada livraria; - o Sr. Yi- '
cente Pedro Nolasco da Cunha, autor de tal)tas
obras em verso, a n6smesrnos no l-o recomm endou
como .o pr.imeiro ep ico porl uguez abaixo de Ca-
mões.
E pasmndo a invoc·ar authnrida!les dos que
vh•em : o Sr. Eng-ene Garny de Mon gla,le tradu-
r-iu-o em franc ez; o Sr. Ferdinancl J) Pnis. é de
opinião que indicando ell e jll entilo bem a ten-
tlencia da poesia am ericana, é uma " epopéa
na.çional hrasileira que inLeressa e enl eva; " o
Sr . .GaHetl escreve que " o nele o poeta se con-
t@lrl:on com a simp les expressuo dt~ verdade hn
oibm•as· belíssimas, ainda sublim es "·
· ; E pois que o nosso fraco juizo se .não póde
JHOferir ao pé .dos de tantas summidad es. li lle-
l'nrias, Ousâ.mos invocar a me moria do mais
fino critico em litteratura elos tempos mod er-
Jibs, lde Schlegel, e pelos laços de nacionalidade
que •u nem os nossos nomes, quiz eramos e"utre-
cala.r enere as snas linhas os qu e onsllmos formu-
lar segundo os seus principias. Porventura Schle-
~gel qne recommenda as estancias de Tasso pelo
sen'timento cavall eiroso de honra, de que estão re-
passa,las ; e as de Camões pela.in1lpiração ardente
d'o heroismo nacional, não estremaria as de Durão
pela nncção edifiçnnte, e pintma qo amor casto?·
AO CARA~IURU.

Não ·imaginlimos creatum mais r eligiosa do qu"


Diogo Alvares, nem mais castidade do que a
de sua espôsa, ' 'irtuosa Eva de Milton, terna
como a Hermiuia de Tusso. E serão semtlre
lidas com prazer as pinturas çlo naufragio, do
homem civilisado a par do selvágem, do muri-
bunrlo, da anlhropophagia, dos dez manda-
mentos, e os prepl!rnlivos para um sacrificio
do cauto 1. 0 ; a descri pçi'io de uma ulden de in-
digcnu.s no canto S!. 0 (est. 50 a 68); a exis-
tencia de Deos no canto 3. 0 ; além das mui
conhecidas passage ns do episodio de Moema,
e das descripções da cana d'assucar, do tabaco,
da mandioca, da sensitiva, do annmís, do coco,
da priguiça, do camaleão, etc.

O CARAMURÚ PERANTE A IUSTORIA.

(Fragmento.)

QuAst to<lns as Nações oiJerecem exemplos,


nos primeiros tempos dn hisloria da sua civili-
sação, de contos marav ilhosos, qne as acalen-
taram no berço, c depois entretiveram a fnn-
NOTAS
tasia de seus povos, em q1 anta estes não tinham
de si ml\ito qnc dizer. Ha nesses contos quasi
sempre mu fun do verdadeiro : nem era possível
n quem linha ponco de que hi sto riar esquecer-se
de 11m feito extraordinario praticado por homens
mais em in entes de corpo ou de espirito, ou oriun-
dos de gen te de maior· illustração, qu e os sim-
plices ahorigenas sell'a.,ens deviam de Ler vene-
nulo co mo cn~nt nras de outra especie, -como
deuses otl semi-d euses.
Formado assim um l'erdadei ro mylho beroico,
propaga -se lo man do corpo de g·er'a<;ão (' ffi gera-
ção ; frequentes vezes se Lem até fundi(lo no nome
de um só individuo os successus nota veis occo:rri-
dosadilTerenlcs pessoas. O povo n1to est.t{, es pera
de que apàreç.am chrunistas e hislorindores cum
esta ..:alhe~roria, para publicar um Jitci·o que lhe
aguce a curios idade. - D epuis d' elle succed ido,
conta-o, t orna-o a contar : a p oesia o 1•a i en-
feitando, a iml}crinn~ão enriquecendo, associando,
e no fim de annos t em a llistôria saído desse
elmos - dessa Babel de Iinguas jA outra, - sem-
pre paru mais maravilhosa e esl11penda. E tun-
to mais o fôr tanlo maior eertezn. terí< de fe-
rir a imaginação e tocar os corações,- espe-
cialmente elo sexo qlle recolhe ma is intimas es-
tas sensações, e que d.epois nol-as trunsmitle
com o leite. O hi stori ador s6 aparece mais tarde,
qunndo j á o povo se lem constituído e n.diantado
em cil'ilisrrção; mas desse facto t}Ue ao poYo
..1.0 CARUWUÚ . :!i1 7

interess.:.u, e pela fórma que ll1e interessou, já


elle tem registada a historia n' um arch i vo muito
nnis pupulo.r, e não menos duradouro que os
documentos escriptos em pergam inho :-é o
da tcmliçii.o.
· Qnant Js exc mpl·os nii.o poderamos citar d'e
crenças destas, lradicionaes, das quaes algumas
já clerrnbadas pela justa e sev,et·a critica entre
o p eq ueno n!Jm'ero dos que n ' uma nação frc-
q.u e.nt(Lm os li vros, se conservam toda1•ia e con-
servarão para sempre no vulgo ; e até parn•
mais nos con.JÇões desses mesmos a quem a cou-
vicçii.o e n razão estão doutrinando em contrário I
QnanrJu as crenças se radicam uma ''eZ, não
é fac il e.üirpar-lh e as raizes. F azem uma reli-
g·iii.o, cujos sectarios se uão achass em terra' que
Jb.es servisse d e patria, preli.ririam antes peri gri-
Jmr errantes como os discipulos de Mo~·sés
do qu e deixa r-se extenuiuar p elos iutolerunles
desc1·entes da sua seita. -O Rei A1'Lhur, Car-
los l\lf1tgno e seus doze pares, O Cid ca mpeador
e até o R ei D. Sebastião vivem para n. histó ria
e
di l'ferentemcJltll du qu e pn.ra a poes ia creuça
p o.p ular. Succede como ua i\'lylh olog ia: todos
s:tbemos que h[L uesl[L uma parte bistorica, e
Oltl1:a im ag ina~il'a; a prendemos até nas escolas
a clistingu il-as: entretanto quando lemos um
p oe ta classico acreditamos com igual fé assim
ns entidad es que tiveram uma ex istencia hiato-
rica, co1uo as pr.opri am ente fabulosas. Quem
NOTAS
nos dá a verdadeira fé é a magia do poeta, que
melhor sabe tocar-nos vibrundo-nos as cordas
do .sentimento ... ·
- ExpoPemos prim.eiro o que de documenros '
authenticos constar, deixando á natura l e
~ingela exp~essão delles e á luz da critica
guiar o resto, e quanclo evidentemente seja ·
provada a exislencia do denomihado Cara-'
murú, o que até agora tem corrido entre dú-
l•iilas e mal provado ; ptocmaremos esclarecer
até c:mde nos •for possível a questão especial da
sua decantada viagem á França .•.•.
· Desem!Jaracemonàs pois de quaesquer pre-
juízos, que nos t enham deixado as lei'fturas dos
nossos historiadores a tal respeito, em quanto os
não . passamos a analysar ; ponhamos ·Lam8em ·
de parte ainda com maioF razão, as imagens e·
invenções do poema, e vamo,s desprevenidos
p'rescrutar documentos que serão tanto mais se-
guros quanto concordes e bons accus'adores· dos·
desvios por qne se encaminharam ,aquelles ou•
tros incoherentes e anachronicos.
A notícia majs antiga que possuímos ares-
p eiVo ela existencia de um clÍl·istào res idi ndo s6
na B ahia de todos os Santos, oiTerece-nos na
sua importante collecção ('F. 5. o Doc. X) o
Snr. (hoje fall eciclo) Navnrrele, na relação que
publica ele Francisco cl' A vila, elo que passou
a náo S. Gabriel da conseFVa de Gàrcitt de
Loaisà (de que fazem menção iBaFros D ec . ·1·"'
AO CARADIUitÚ. 1Hfl

pnrt. 1 ... liv. ~. cnp. 2. , e Couto D ec. 4 ...


0 0

p art. 1.a li v. 3. 0 cnp . 3. 0 ) , em quanto ainclo.


junta com D . R odri go da Cunha, entrando na
d ita Bahia no l. • de Julho de 152 6, da qual qnan·
do saía observa ([bicl . pag. 23l)que~ehatlátHt~
boca " de la Bakia ma clwistiano qnc decio que
« lwbia 15 am~os que &e lwbia perdido all i co1~
"una náo .,
S co;:ue-se p ela ord em chronologica o teste·
munho do nos o dona.tario P edro L opes m~ d i-
ta B ania entrado com se u irmão Marlim A IT.:>nço
a os 13 de Março de 153 1, e qu e se e x:prcss1~
dcsle m ; d o : " Nesta Bah ia ncllámos nm llome1n
" portuguez, qu e ha via 22 ann os que es lava
" nesla terra; e deu razão larga do que nella
" havia." tt
V em depois- pela menci onada ordem o teste-
munh o de H errera (V,- 8, - !l) , re ferindo-se
ab anno de 1535 : " En la B ahia áe lo s Sm,.
" tus hallm·on un porlugnez qnc diwo q1te avia
" 25 annos IJ11e es la!Ja antre lo s imlios. " I
Eis pois tres documeutos, cada um de fonl~
diversa apurand o o facto de qu e desde os tem-
p os de 15 10 até o ele 1 535 estivera na Bahia.
entre os indios um christào porluguez , perdido
de um naufragio . Mas note-se que nenhum dos
tres escl"iptores usa se quer de alguma expres-
são que' deixe a menor dú vida de que o men-
cionado europ eu tivesse interro mpido. esses 25
a.nn os com alguma saída ou viagem á EurQpa:
?iOT.lS
1lclo contr{,rio silo nes te ponto beril exp r essos,·
1>riucipalmente os dois ul~imos que s6 falam de
es laêla 011 persistenciu na t erra e enlrc os ir1dios ;
e• d~ certo qne se ti vesse h a,•ido ciJUrante esse
t empó al)ruma viagem pura França, nenh um del-
les "ind~:~ dep ois, deixaria ele o menciomn .
Por tanto já daqui tinhamos wovas dll tanta
ev idencia, quanta se póde exigir na hi stória,
sem cair no vicioso sceptiscismo, 1 de que esse
tal chrislilo até o anno de 1535, não tinha itlo
nem para••F rança nem para paiz algum, mas pelo
conlráuio vi v era sempre com os índios desde o
anno d'e 1510, em que ahi ficára de algum nau-
fragio., que não admira ti~<esse logar, quando ilá
a costa era ~iio f~ equenlada de navios no tralo
do pau brusil, trafico de escravos indí genas, aves
e aniinaes do paiz ; se bem que a res peito, do
m odo ct>mo elle ahi podia ter fic ado apresente
o Snr . Navarrete (ua nota da pag. 170 do T.
5 . 0 ) uma opinião, que não deixa ele merecer
t oda a acceitaçi'lo. Diz es te sabio hi stor iado r
que no archivo gera l das Indias ele Sevilha ,
ent ~e os papeis trazidos ele Simnncas (Lega-
, j o 3. 0 elos rotulados=De 1·elaciones y des-
c1'iciones) existe mal bratada uma relação
origi.na;l feita 11c1o ca pitão genera l Dio.g-o de
Ga.r cia das derrotas e navegações , qu.e fez na
!2. a wiag-em ao Rio da Prata desde a sua sn ída
da CortÍnha em 15 ~!e Jarwit•o de 1526; e nella
m enciona como na 1. a viagem q 11e fiz era 15
AO CARA lUURÚ . 421

aunos antes, p erd êra uma cnravella. Ora se elle


nessa JHÍineira viagem la mbem partia da Gnl-
liza , poderia a tal caravc lla s.e m dillicu ldade
ter ·receb ido a seu bordo D iogo Alvares, que
não só até hoj e era tido como minhoto e na -
tural de Viannll (ni'to sabe;!llo.s com que funda -
mento) ; UJHS até eucon tràmos, \llll documento,
em qne vemos que elle pelos primeiros colonos.
era bratndu com a alcunha de Gattego, e pillwlo
com que os das prov íncias merid ionaes, de Pol·-
lu gal apodam os filh os das do Nude, compre-
hend endo os pmprios Purtuenses, que se des-
linguem por uma pronúncia agallegada, a qual
esp ec ialm ente se manifesta nas brot;as da arti-
cu!Hçãu b em v e vice-1•ersa . •
No Brasil como a mai or fôrca de colonos
emigrantes de Punlugal são os qu~ vão do Mi-
nho, fu i ampliad!L a accepção do vocabulo,
chamando-se muita vez indislinctamente gallegos
nos filh os elo R eino.
M <lS o Diogo Alvares pode ser mesmo que
jns liücasse a alC\IUha eom a assistr.:ncia, qne te-
ria tid'J na Galliza, se é que 1{, se emburc:.ra.
O document o, em 'JIIe como di ssemos se d.t a
Diugo Alya res a alc unha de G<~ ll eg o, é uma carta
do rl unatai'Í o Peru du Cam po T uu rinlw, esc ripla
ao rei D , J uào 3. 0 de Pu rto Seguro aos 2!! de
Julho d e J !'145, e ex istente em Lis boa no Ar-
ch il'o ua 'J.'o rre do Tombo (Par L. 1." maç. 7.8,
D.- 45 do Corp. Chron .), a qual revela, ma ia
NOifAS
algumas circumstancia de que nesta dissertaÇl10
aproveitaremos: na integra desta carta qu e pas-
samos a ~ra n sc r eve r dispensar-nos-hemos dos·
escrupulos em seguir a ortho.!!rafia antiga, que
faz endo aquella men•JS inlelli g il•el, p a ra o nosso
fim, lh e não podiam ~ar m1lis aut l1e nticidatle'
uma vez que apontí\mos onde se pode ver o
authografo, e tliz as• im:
u Senhor. A, B<Lhia, capit!lll,ia de Francisco
" Pereira Coutinho, se des povoou per razà.o tio
" ge ntio delln lhe dar guerra haverá um anno,
' 'e elle se veio aqui onrle om está, sem nunca
,) pôr nenhuma t1i li gencia ace rca• <le a povoar;
" e ora sou in.fürmadú por um Diogo Alvares,
u o gall ego , língua, qu e 1.t e ra morado r, que
" daqui fui em um curav elllto á dita Bahia,
" qu e se fora dahi uma ná u de Franca havia
"dous ou lres dias, os quaes fi ze ra m ~mi sade
" com os Brasis, e lenJU toda a artilheria e
" fazenda qu e ahi ficou e concertaram com os
" Bras is d e tornarem dahi com quatro ou cinco
u naus annadas, e muita ~e nte a pov oar n terra
· " por ca11sa elo Brasil e a lgodões que nella ha,
" e reedifica rem as faz endas e engenlws que
" eram fe itos, e por o tal nã.o se1· serviço de
" Deos, ne m prov ei lo de V. A., a ntes des trui-
" çiio de· todo o Brasi l, eu mandei ao dito
"Francisco Pereira da parte de V. A. - lógo
use embarcar para esse Reino, e fazel-o saber
"a V. A.: e por não ir o faço saber a V ..
J.O CAR ,\Dii'iRÚ.
"A ., e lh e mando um iu s~r Uf\I C Uto disso 'parlL
"com b rev idade prover como for seu se rviço .
" E para gua rda c conservação do Brasil e
"de toda es ta costa fi z j/c M:anuel Ribeiro,
" portad or capitão do mar por ser pes>oa apta
" e pa ra o tal habil e pertencent e e para o
"serviço e cousns que ctunprem a V. A. muito
"diligente .
. " Beija rei as mãos de V. A. por ser cousa
u que ta nto cumpre a sen serviço provei-o de
" artilheria, polvora, de muni<;ão de guerra,
u que para o tal se rviço é muito necessar io;
" porqu e ainda agom ao j>rese nte se mos tra
.~ tão pobre qne não p odemos faze r naila se m
" ter favor e ajuda sua: e taato qn e os en)!e-
" nhos se acabarem, es pero em Deos, - V.
" A. ter aqui um novo reino, e muit a renda,
" em ])reve tempo. As mais novas desln terra
u por o portado r será V. A. na verdade infor-
" muüo por ,ser pnrn i~so. - Desle Porto Regu-
" ro, onde fico 'Lcijnndn suas R P<tes M:tos.-
" Hoje l O ui as de Julho 1546. - Pe1·o do Ca.mpo
Tourinho. ="
DeixauOo pois de parte n qu eslii.o de como
iria ter á Bahia o seu primeiro povoador eu-
rop eu " por data dos senh ores tln terra natu-
rnes e d ireito das ~!'entes "como celebreme nte se
ex press • o Padre Simão de Vasconcellos, é cer-
to que desln cnrla de Tourin ho se Yê que fôm
em 1545 tlue Francisco Pereira Coutinho do-
NOT.\S

na tnrio da B.thia " por data tl' elrei e dire ito


real" nban clo uou na mesma. o logn r fortilicnrlo
qu e ahi tinh a, e o qual d <·pois se chamou Yilla
Ydha. Ora segundv G a bri el Soa res (P 1 ...
cap. 28. 0 ) o mes mo P e rei ra hahit{,ra es te la-
gar com us mais col unas , p or tempo d e se le Oll
oilo unnos cunsecttti1•os; Jl " n es ta conta vem o
m es mo dunatari o a ter dad o principio {,sua co-
lou in, indo a ella,p elos antlt>S de 1538 ou 1537,
ep ooa es ta cuja fixação nos iu teressa I' a mui to ,
por quanto, uii.u é ct·ivel qne o colono europe u
c christiio, •tu e por .tanto tempo habitúra soú-
nho e nlre indios cnnibaes, houv esse de saír
da terra justame nte na occasião da chegada
dos seus patrici u~, qu e lhe vinh a m ofTe rece r ~o c­
C9 rros, merct?s es piritua es e corporu.es, e que
muito de pe ndiam corno dC' pentl e mm das s uas
infurmaçõe.s e aux ílios , e com os qu aes se poz:
em la n!a harmon ia. l~çpu;;na {, raziio que ~
servi çal acolhedor dos outros portn g uezes l'it!sse
a lll t! lt er-se e m um n ~tv i o fra ncez, consid erado
corsa ri o, cu mo fn ;!ido, pois apenas <.I e ta l ma ne ira
p ode ria nell c ent ra r impun eme nte , sú para vol-
tar {. Enr"pa, quando j.'. a terra era ma is fre-
qu entada de nal'i us da sua naçitu, e que elle
<.levi a. prefe ri•· poder ve r an tes a s ua lerm na-
tal, os se us parent es e o seu R ei, do que ou tro
pa iz on<.le nunca estivem, e cuja lingua de via
ig norar.
Tamberu se manifes ta da carta transcriplll
AO CA RAJUURÓ .
ac ima qne D iogo Alvares partíra da Baltia para
Porto Seguro, d'onde co mo bom lingna e bem
aparen tado uaquella terra, voltou novamente a
ella em um caravellno eni' Íarlo, ao que parece,
para sondar as noviu<\des. Tambem na mesma
carta se descobre a rep~•gnancia qne encoulrava
Francisco P ereira de ''ollar [, Ba hia , nem que
o co ruçilo lhe presag iasse seu Jesas troso fim.
" Tão es forçado cavalleiro que não hav ia m
pod id o rend ev os Itumes e Mal1tbares na Jndia,
como se ex preSsa o exaclo e minucioso Soares ,
o'U

C1 Depoi s de Triumfaa· da As in nssombrada n

como diz DÍ!rilo (x., 35) sentia rtn ehran tar-se -


lhe o fi nim o com a id ea de se 1•er em comba te
com an th ropu llil ag-os, ·ameaçnilo de niio ler seu
col'po sepu llu l'a em 8:agrado, senão nns ra uces de
homens fe ras; e nem as instnncias, nem os amea-
ços de Pero do Campo seu par,·o faziam sa í r da
Capitan ia uos I lheos, onde dava g-raças a Deus de
ter che;rudo com vida . Instava Pero Ca nqJO que
fosse' para o Re ino; mas na turalmente le1·aclo
do ca pricho recusou, e a nimou-se lle resoltlção
para voltar de novo á sua ca pitania, com•id aclo
tambem para isso, segundo Seares, p elo pro-
prio genti o, a titulo de que para o resgate viam
agora como lhe interessava ler taes visin.hos.
Assim o descreve o poeta no Canto x est. 31.
A!!G

l'lns os lup inambú s, melho1· cu iJnndo,


Com pt·omcssas os nossos con,·idavnm,
Com mi l am isas pl'ovas prolcsta11do
De CODSCl'VIIl' a puz que antes sunrdnvarn.
Creu o infe li z Co utinho, ce lebrando
Pal'los , qu e SCHIIl'nnça a lodos dav,am ~
E sem temor de ninis, ''o lt nt· queria
Ao Ucconcavo olnli so U.a Duhia.

Re•olven-se pois a embarcar em companhia


de Diogo Ah •a res, e ao entnar na Bah ia tP.ve a
des)!rnca de da,r á costa sobre os baix os da Ilha
de Tapa rica; e l~ndo conseguido esca par á
furia dos mares , indo .p ara terra não escapou
'' dos desleaes Tupinambazes, qn e o assassina-
ram e a 011tros ma is do cararavell1io," do qae
" esca110n Diogo A lvares com os seus com boa
" Ung,jagem " segundo o mesmo Gabriel Soares
(P. J." cap. 28), que accrescenla n'outro Jogar
2:
(P. !il."cap. 0 ) ~omo depois deste naufrag ioc e-
lebr(tra o mesmo Diogo Alvares• conlracto com
9 gentio,. para ir de novo llflbilar o sí tio em
que vivia " onde se fortificou e recolheu com
" cinco genros qn e Linha, e outros homens que
" o acom'panharam os qna es ora com armas,
" ona com boas ra.'Zóes se foram defend endo e
" suslenlanclo. " .
Este modo de ex pressar de um autor Lão di-
gno de conceito, e o succe$SO em si, cli'io-nos
todas as probabilidades de que ~ es ta occa-
sião e não á sua ptimeira chegada á Bahia em
1510, é que se refere a acção, ·heroicamente
.\0 CAR.\AIORÚ. .427

cantada, que o immortalisou sob o nome de


Cammmú, e q11e até o poe ta Durão suppõe
ter sido " feila quasi no meado do seculo
XVI."- E á propria epopea convem qu e se-
j a es ta op ini ão acceite, pois nii.o a contrarinn·
do em circumstancia nl!!'umn, ant es ~a nh a mais
em se r n durarão detl a de obra de Ires nn-
nos elo qne de· 39; um a vez que o de 1549
ela che!'nda el e Tbomé de Sousa , te rmin a
o poema. se não adoptassemos o princí-
pio da acçiio maravilham d'este naufru!'io de
1547 , vi riamos remontar necessariamente ao
de 1510.
O ce rto é que este nome Caramurú s6, deste
naufragio de Franci~co Pereira em diante co-
meça a a pparece r, e nada emharg-a a pode r-se
assevera r que elle s6 então praticaria o facto
do tiro da arma de fogo que E:span tou e imp o~
ta nto terror aos indí genas . Nem se nos opponha
qu e j!t e ntã o o es tampid o d11quella não podia
fazer muita novidade, por se deverem ter a el-
le famiti arisado nos se te ou oito auuos, qu e ahi
estivera Francisco Perriru Coutinho; visto qu e
o caso se podia ter passado com outra horda
rece mchP!!ada do certão, onde andavam filo
nómadns 'Como ainda hoje, em alguns dislrictos
em que vivem no es tado selva gem. Muito mais
tanle diz Vasconcellos (Chron. n . 52) que os
índios se havi am retirado " parte com o espan-
~<to t/1!$ armas de Jngo (q1u clles admirmn),
428 NOTAS

"parte com razões efficazes tle eloqueules li n-


u g uas c lc4,
Sabemos que o triste fim de Francisco P e-
reira lendo fe it o derolver á Coroa a sua capi-
tani a , D. ·.Toão 'J. 0 tal vez in s truid o por infor-
ma ções vocaes elo tal Capitão do mur Manuel
Ribeiro recomm e nd ado po r T ourinho, resol-
' 'e u toma r a si a cotonisação da Bahia, en-
vi:lndo-lhe Thom é de Sous:L, com os prim e iros
j es uítas qu e passaram ao Brnzil em a frota
que tá chegou em Março de 154,9, e achou ( se-
gundo o citado Soares) ao Caramurú com os
seus companheiros, que ahi se tinham sustenta -
do contra os indios.- E no mez logo imm edia-
io ao dessa chegada M an uel da Nobrega ,
principal daqueii Ps padres ( a qu em denomina-
' 'a lll o gf/gO por de feito qu e Linha na fal a ) es-
crevia uma carta, que com outras ex is te por
cópia n' um impor la ntissimo li vro dellas ex is-
te nte na Bibli utbeca Nacional do Rio de Ja-
neiro; na qual diz o mesmo para o Reino que con-
tava aprend er n liuj!Ua. indi ge na .... . " cmn ·
" um homem que nes ta terra ( Bahia) se criou
"de m oço , h o qual ago ra anda muy OCll pado
"e m ho que ho Governador lhe manda, e não
"está aqu i. Este ho mem com )1um seu g-enro
u he ho q11 e mais confirma as pazes com esta
"~e nt e , por serem elles seus amigos anti gos.
u Tambem achamos hum principa l delles ja
u chrislão baplizado, etc.
AO CA.RA~IUI\Ú. ~29

Semelhantemente se confirma em ou tra ca r-


ta, que es tá impressa nn colleção qu e se pn-
blicou, sem dP.clarar-se o loga r un imp ressão,
mas provn1•elm ente em CoimuPa, no ànno de
1 55 1, ( • ) na •Junl Re lê a foi. ll v.
u En esta capitnuia bail e un hõhre de bu e•
"nas p artes a nti go en la ti erra, .y tenia dõde
" esc r e v i r la le.!!lua de los i nd ios , que fu e p era
"rui g ra nd e cuusolacion."
Em quanto Jlào prodnz[ mos adiante mais
um docum ento da mesma ori!!'em, pam tirar d e
t odo os c>crupu los com a desi!!'na çào ex pressa
elo seu nome, {,r.eraa da dúvida ile id entidad e
<lo nosso beroe no homem, a quem alludem os
dois trechos acima , não passaremos sem faze r
H os neccssarios 'com meut os no primeiro del-
les . Em primeiro lo!!'ar aquellas muitas occu-
pnções re feridas por Nubrega são co mprovadas
p elo teF temunho do tantas vez es citado Soareg
qu e diz (P. 1.a C:ap. 1°), qu e por mandado
de Th o mé de Sousa o mes mo " Di ul!'o Alvares
"quietou o genti o e o fez dar ouediencia ao

("' ) Eis, ficlmcnLc o t 1tulo dc5la l'Oll ccçiio: Cnpia (ic


rmn..f cnl'ltu Cnrbindll.f dd Brn :rf 1 po1· cl p(/ drr. rwb ,. ~g a.
J,. In cnmp,n llln d~t Jestts : )' o lros p11d•·cs- que I'~ '"" dc -
bn:rn de ,f/t obt>rlieu c irt: nl tJfult·c, mestre Simn11 prl'posifo

de In dic{w COII'Jiatlin cn P r,.tu grt.l: .rr rt. los pnd,·c .r lter-


mann.r de J e:uJ de Coimbra. T'rc~lnduc[,,.f de Porlu gu.e~
'-" Crrslcllann R ecebfcft,S e l mlr1 ele Jll.D.LI. " ~ go lb•co).
Ha th:llas urn cx.emplnr na Bi1>. Pub . de Li s bo:~. (U .-.
iO -50.)
NOil'AS
"go,•ernador e offerecer-se · ao servir, o qhal
"gentio em seu tempo (de Alvares) viveu
"um i to qui eto e recolhid o, andamlo ord inaroia•
<<'mente .tvaballuu1do na fort ifi cação da cidade
ua troco do res~ate qu e por isso ll he dàva m. "
Em segundo lagar o fala v-se e.m '"um ge?u:o •l
indica qu e j a em 1549 o Cwramurú Linha p elo
m enos uwa filha casada.; por tanto mai or dos
13 a nnos, o que faz re montar a união a 1535,
e poca em qu e o diari o po~: qu e se g ui ou H er·
rera nada accusa de have re m os sens pais
abnndonado a te rra. D os geUI'os do Caramnrú
t emos os nomes de Alfonso 1II:odri!rues natural
de Obi0os , marido de Ma!!dalena AJlvares, Pau·
lo d·ias Arlorno 1 di to• de Fili.pa :4.l.v ares (Jaboa-
tão, Chron. Cap. 7, 0 p. 1 4) , e de João de
Figu e iredo Mascaran has , dito de Appollonia
Alvares. (Moem. da Bahi·a do Sr. Accioli T,
3. 0 p. !235).
Em Último logar reg·iste mos na lembran ça o
fim do pe rí odo acima para ficarmos Rabe ndo
qu e j:, antes da ch egad a de Th omé de S ousa,
tinha ha vid o na Bahia g-ente da te rra ba ptisa-
du, e por tanto · qn em •ba pl izasse. (
R ecapitulando quando liav ern os d ~se nvoh~ i~
do tirare mos em res umida conclusão:
·1. 0 Que Diogo Alvare~· . domiciliaclo na
Bahia desde os annos de 1510, â hi res idira.
en ~ re os intlios consec uti vamente até ,, l 535 .
2. 0 Que desde 1538, em. que a.G mo,i~ ta1•-
AO CAliAntuRÚ. Ul

dar chegou á Bahia a colonia do seu Donatario,


repugna igualmente que elle desamparasse os
seus palricios, que ·lhe tinham vindo tmzer so•
ciahilidade, e tão depentl enles estavam do seu
auxílio e co nhecim ento da lin.!{na e da terra.
3. 0 Q11e tal n•pn!!nancia ang.mentn, a con•
verter-se em ev id encia, a cuntar do anno de
lf>46 em ti iante , quando o ,·e mus fip1rar co-
mo mensage iro ele Pero do Campo {, Bahia,,
salvar-se ahi do nanfragio e m que ficou o Do-
n<l•tario, e depeis paliando "on\ com armns, ora
com boas razões" estar ainda incolume á che-
gada do Govennmlor Thomé de So·usa em ~549 .
4. ° Finalmente qne continuando elle ,de~ te
anno em diante, a pres tar aos j esuilas os bons
officios, que estes se n>lo esquecem de nwrnorar,
succeue que. nesta occasião a culonia se assen•
se ntou ali por uma \'ez, e nen'hum navio de
franc eZt's, freqnentanuo embora outros portos
do Brazil, se atrev eu mais a af1·ontar o t.la ca-
pital do estado de mnn e i ~a que durante os oito
anuos que se segnetn nlé {t sua mo·rle, toman.1
do-a como ~ncced'ida na epôca em qne assevera
Casal de 1557, não podia elle po.r fórmq. al-
guma ter-se emba rcado na Bahia em um navio
franc ez.
Por esla excluslio de partes parece vir a fi.
car só aos tres annos destle 1535 a 15:38 a
possibilidaue de ter elle saido fóra da Bahia,
afun ·de ir a França para se ca~ar com a india
NOTAS

reginula lia terra e sua amante, nos Paços


rcaes desse R ein o , ten tlo por pad rinho e ma•
drinha os sdberanos . como se tem querido as-
se verar: tudn.via é jns lam e nte para es te pe río-
do e os armos se~ uint~s, e ntrando pelos <lo ' rei-
nado d t; H en r.icpr e !2. 0 qu e te m maior npplita-
ção um arg ume nto, qu e não deix arú de produ ..
a
zir igualm e nte afim e cor robora r a neg'l\ ti•·aqne
j ú concluímos pura os a nn os ant e ri o res mais
proxim os : refe rimo-nos ú falta total de ais u-
m a no tíci a ou infurm at;ão, qn e mP.ncion e ou in-
diQue 11111 faclo ; o qual ali{,s d e via faze r-se nula-
vt>l llaqu e ll~L cô'rtc pam exc itar , nã o só a cu rio•
sidad e de alL!'Uill minucioso 1111rrador ê h ronis la
francez co m' Bdltty, mas a ind a mais o ciu•
m e, rivalid a de e ressPntime nto dos agentes por-
tu guezes e ntão res ide ntes em França, os qu aes,
desde o emba'ixador até arJ infun o es pi a, es ta-
vam todos int e ressad os erc. to ma r niJ ta de um
facto como er.a :iir a chegnliiL d e lim nav io fran-
ccz vind o 1d o Braz il, e o aco lhim e nto d ec idid.o
d;u lu a nm sen habi tante d e ta nt os u nn os, quan-
to ma is d essas cs tm nd osns cere monias d e ca-
sam,ent o e l1a plisado que tão ~n s p e it osn s se
lh es deviam torn;tr. Cor re ndo porém a imnr e n-
sidadr de despachos, officios, cadns partícula~
r es, infor mes e mais papeis que se escreveram
de Frunr;a res pecli••us ús minimns occorrenc ias,
qu e e nt ão se passava m {lce rcn elas negoc iações
pendentes daqu ellc R eino com Portu gal, e que
AO CAR1)1 UI\Ú.

na melhor parte tinham por mira a susten tação


da posse inauferi1•el do Brasi l (comec;atl a ru d is-
putar pelos mesmos meios, que a mesma nação
ainda nos ullimos tempos, contra todo o direi-
lo r eco nheciqo por e! la mesma 1 fez com a
Guyeua) é que se colli ge a impossibilidade da
e,d stencia de tal acontecimento que ninguem con-
testou; quamlo se tivesse succedido, tão noto-
rio era elle, que de1·eria apparecer noticiado
por mais de uma pessoa, e em mais lle uma
carta; comGJ vemos a respeito de outros de mc'-
nos importa ucia n'esses mesmos tempos.
P ela lei tura desses papeis chegámos a estar
quasi diariamente presenciando tudo quanto
' ácerca de objectos nnalogos se~ passflva em
França. E justamente no anuo de J 535, o dia
1. o de Agosto foi o apresentado por l?rancis·
co 1. 0 para a reunião dos dois ju izes de cada
lado 1 destinados a julgar das reclamações das
duns partes, os quaes todavia s6 d epois se po-
deram juntar. Por esse tempo e depois es tava
ordina riamente em Lyão o embaixador Ruy
Fernandes : em París e depois em Bordeus vi-
giava zelosamente o incansavel \Doutor Diogo
de Gouvea, qne' pelas suas muitas relações, let-
trns, e e lima naquella côrte onde fôra. educa-
do, e pe l ;~ posi ç;.i.o soe ia! qne lhe dava ahi a
regencia de um coll eg io, audava sempre mui to
bem informado de quanlo oecorria, e não era
-descuidado na. sua correspondcncia e deveres
N01'AS

P'\ra com a sua patria . Da Rochela communi-
cal•a o que ltavi a Fernão Rodrigues Pereira, e
1ão minuci o-so costuma ser que não occultaria
um só boato, que a tal respeito corresse. Pouco
depois instalou-se em Bayona o ju izo ou com•
missiio mixta , e n:ío é provavel que nem •os
juizes commissarios, uew os de seu seq uit o ü-
vessem de lanttJs requerentes portu guezes al-
g nm, qu e contasse os aparatosos receb imen tos.
-Ha de mais no Real Archi<•o de Lisboa
(Corp. Chr. P. 3 .a l\'t. 14 B. 3i) uma carta
d e um J oão l<ernanclcs Lagarto (que uiz de si
que com es ta última alcunha se licú ra chaman-
do por escapa r ao perigo de um tal rept il) es-
cl'ipla a D. João 3. 0 em seis folhas de papel
na qual lhe rela ta muita co isa que víra na côr-
te do Rei de França, a qu em faltira ácerca de
nav egação do ullrnmar, mappas, terra dos Ba-
calhaus (Te t:ra Nova) ele., e não deixaria de
dar do Brnzilnolícia lão curiosa, quando a til•es -
se presenciado ou ouvido. Taes corresponden-
cias continuam a suste nta r-se ás vezes p or no-
vos in divíduos dttranle os annos seguintes, e
em nenhuma lemos até hoj e encoo Irad o uma
tiÓ rre ferenci a a tal resp eito. Om lodos 'estes
argttmentos negaltvos teem em boa crítica a
fôrça dos positivos, uma vez que não appnrece
um s6 individuo, • utm~ só memória esc ripla,
que a presente em coolp{,rio uma afirmativa,
que faça a rgumento positivo, e~se nci al de ser
AO C!RA~lURÚ. 431S

combatido por outros igualmente positivos. O


mes mo dizemos a proposito dos annos antenio-
res mais proximos, em que o silencio, a res pei·
to das particula ridad es em questão, qtLe guar-
daram os ua ••ega utes que accusa m ter encon-
trado na Bahia o Caram urú, é re forçado pelo
õas corr~spontlencias de .facome Monteiro en·
vindo a F ra nça pelo rei D. Man uel, das do
mencionado Qonvea, dos despachos do emba i-
xador Joãó da S ilveira, de Gaspar Vaz, e das
car tas de lautos outros que figuram nas primei-
ras qu es tões a res peito de piratarias dos fran•
tezes no Brasil, ele. ele. ' · 1
Consen•1l.mos porém ainiln de reserva um do•
cumento qu e a nosso vêr é mais termin ante·;
pois que em tempos posteriores (pelos nonos
de 1555) se diz uelle que lmvía 40 a 50 annos
que o Caramurú, "'elho hon ra do ; auda1•a ent11e
vs indios, sem nada se mencionar de la I fac to,
como em natural ja pela sua notoriP.dade, ja
porque esclarecia que se devia abruter J nesta
conla al ~ un s an tlOS de estada , fóra em .urna
'' ingem {~ Europa, etc., e le. É es5e @.oc.umen-
to uma carta escrip la tambent da Bahia por
m andado cl'o mesmo N.o urez.a existente n'uma
collecçi'í.o da Bi bliolhec<u P{tbiica d' Elvora, a qual
teve a IJondatle d,e nos submini strar o uossu amj•
go o Sr. !Ri vara , e póde ser se .ach e igual·
mente Lra nsc ripta no volume do Rio de Janeiro:
.diz ass im o per iodo qne nos seriVe a foi. 189;
~· /
o
i'iO 'l'A'S

<<Ü Padre Nobriga ·ordenou com o bispo


"que fizesse com Diógo Ai veres (porliug-ua rios
~dmlios .Cm·amolu), a ho qJm.l Item gr:rnde cre-
" dito os lndios por auer corenta. a siuquoeuta.'
" ãnos que anda nutre elles e ser 'l(e[ho hom.Ta-
" do, que andasse p ellas aldeas com os patlres
"prometendo-ll1e ordenado delrej, o que ao
"bis pó pareceu muito bem e logo ho poz em
"obra e lhe falou e assi se fara e esta concer-
<dado ir hum dia destes por todas as ald eas a
"'' pregau contra ha nbusilo .. que esta semead a
« aulre ell es e declarar-lhes a verdade e neles-
" se.r (ita) pai dos que se converterem. " •
A vista do exposto vcmo~nos obrigado• n
confessar que acredi tando sem n mínima clÚ-
vida na existencia do Caramurú, que até agora
pela falta de conhecimento dos docufrie\1tos
muitos contestnvam, temos ·cada vez mais mo-
tivos para crer que essa viagem a França, que
a seu respeito espalhou a tuadição devia tel'
a lgum fundamento. A. tradição é vaga, com-
põe, associa, romancea, despreza o cluonolo-
gia, reune ás vezes dois entes em 11iu so, creané
do monsliros, mas poucas vezes inventa. Ora
convem saber-se que houve com elfeito um eu-
•ropeu, língua dos índios, que foi lévrrdo a Fran-
-ça em certa náo desta nação, e que delle faz
4!ambem.. mcmÓl'in o mesmo Gnbriel Soares;
que é dos antigos o -quem nos transmiltiu mais
nssenladas notícias do Caramurú : div. pois
A.O CARAitlURÚ . ,

~quelle benemeTilo escripto1· quinhentista no


Cap. 9. 0 da P. 1.a:
"Neste Rio GJ·ande achou Diogo Paes de
"Pernambuco, lingua do genlio,. um Castelha-
" no entre os Piliguares, com os beiços furados
~' corno elles, entre os quaes anelava havia mui:.
"to Uempo, o qual se embat•cóu em uma náo
'"JiH:>ra Flrança , po~qu e · ser v ia ele lingua aos
"Francezes entre o gen io nos seus resgates. "
Aqui est{t .quanto a nós explicada á tal en-
feili çacla viagem do Cal!amurú a França : Um
mysterioso Castelhano anojacJ.o, sabe D eos co-
m<i, e desde quando, no Rio Grande ' do Norte
era língua do gen~io :vislnho, com quem ' os
Firanceze·s ficaram trala:ndo, ainda depois da
colonisaçí'ío portugueza na Ba-hia,.. e outros' pon-
tos i e a~gum navio destes o !levou a F1rança.
A tradiçã0 com o tempo registou só o facto i
lembrou-se do que succed~pá a um lingua do
gentio ; mas esqueceu-se do nome d0 indiiViduo
e da .data do sudcesso, e confundiu. Eis o caso
jft correU:le e intcllig·i y.e] a érro. Mas nilo 'dei-
xamos 'escalyila-r mais um ur.gumento que . rieste
Jogar nos occorre. Soaves disLingu e bem dois
iml h·:illuos, qua ndo explicen que este Castel11a·
no se fiz era botocudo, o que ninguemudisse nun-
ca do CaramnFÚ;- ora se elle den importan-
e ia e menc-iona a circumstancia ~la id a ru Fran·
ça daquelle, nila a contauiR tambem "deste 's~
ella til'esse tido Ioga r? '
... . ... .................................. .
~
NOT.ÃS'

I f'

CANTO 1 .•

Est. 1. ",v. 3.- Que .Diogo Alvares fosse o pri-


meiro a exp lol)llr e descobrir o Reconcavo da
Bahia; .como melhor se explica rio Cnnt. 6. 0
Est. 70, é qiJ,asi impo>sivel de conte•tar-se;
pllrém a propria Bahia não ; que és ta fôru
descoberta em 1502.
7,"-v. 5. e S\!guin bP,s - 0 poeta nllud e aos
·· nomes. de Ma thias d' Albuqu erque, João Fér-
' nande~ Vieira, Barr'eto (]e Menezes, e os Cor-
. reas,i e , Sá's, to~os célebres nas g uerras do
-1. ~ras~l,, com.o··adtante t~nta.
10." :-'- v1• S. - A Serra dos 01·_qtíos é um ramo
da eXile n ~a ,Cordi lh e irl,l que orla ·a Costa Era-
, si.li ca, e fica pelas as immediações ·do Rio de
J 'a ueiro. 1
32 -,-. .v. 15t e. 6-. Chama o poeta vinho as be-
bidàs ferme.ntadns de sumo de cajú, côco,
etc.! e Catimpoe'ira a bebida fe ita do milho fer-
men tad o etc..
34--'-v:9-r-Esle episodio (até est. 66) sôbre
a metnQJorphose da esta tua ua Ilha de Corvo,
leve tfu ndameo to no .i ocontesta vel fncto de
haver sid o achnua na di ta Ilha a mesma estatua
na occasifí.o de seu ,t]esco brrmento . Era esta,
equestre á vis ta tln! provns dn da5 pelo teste7
AO CARAMURÚ.

mnnho de Damião de Goes (Chr . elo Princ. D.


João ca p. 9), P . Ant. Co rdeiro (Hisl. Jns.
li v. 9, G~P· 5. 0 ) , Severim U I~ Faria e lc.-Vej .
O Espect . Pm·t. ue José Agost. de .Mnc. T.
2 . 0 p. 137 e 11l3 ; e na R ev. Lilt. do Porto
de ·15 de Nov . de J 33 8 , um art. do deluulo
Pa lri archa de L isboa .
45 ·-v.':!-Tupá era o nome qu e os inui ge-
.nas ua1•a m ao trovão, que elles temi am , e
tomavam por ente todo poderQ.,,o, que os
podia castigar. Era a sua divind ade; de
modo qne serviu depois prurn tliraduzir na tin-
·gua clelles a iuea de Deu·s .
,,
C~4.NTO 2.o .~

E st . 11 v. 5 -Anhangá · enLre os indígenas si-


g nificava o en te malfazejo, ou diabo.
13 v. 1. 0 -Aiém das montanhas colloca o
poeta ~uto ri sauo em .Mnrt iniere, , o paraíso
dos indígenas.
33 v . 7 - Paicútis nome que corresponcle a no-
bJ'es 0 11 principn es.
35--.. 7 - Emboaba ou lmbonba ern o ape-
lido, com que a gen te da lerrn denominal'a
o •em a lg um as prov·incias ainda •se denominam
os Europ,eos. Quer <lizer cal<;udo, por ser o
ves tuari o das p ernas o q\le mais novidade fez
aos indi ge na u.
.uo
45- e 46- C ttrtUJIUI'tÍ é u 0 Brasil uma espe-
cie de tremelga muito grande (de dez e mais
palmos de comprido) cuja morde(lura é pe-
rigosa • a ponto de fazer apodrecer e gan-
grenar as mãos e pernas dos que della são
feridos. Assim não admi ra que os indígenas,
que bempre guardavam certa propriedade
nas alcunhas, designasem figuradamente com
tal nome a primeira espingarda que viram ;
era esta .outro oiTensor tambem esguio e de
analogo comprimento, igualmente saído do
mar, e fazendo estremecer llulo quanto ofTen-
dia. A espingarda lhes fazia, pelo som e vi-
uraçãu do ar, eiJeilo analogo ao da descarga
eleclt ica da tremdga: por ampliação pode-
riam depois applicnr o nome do instrumento
ao seu portador. - Etymologicame nte não
pode Caraumrú significar nem Filho tlo tro-
váo, nem dragão do mar. Trovão diz-se
tupií; filho, tay1·a; de modo que Filho do
t1·ovcio fôra 1lnpc1 taym. Dragão era coisa de
que nem tinham idea os pobres indígenas.
J.O - v. 7 - Mai1· ma apad11 escreve Martinié-
re, ser o Mlve dos indígenas; porém deve

• 11 Il y <~ I c earamourou nssca acmblablo Ô. 1' Ao-


tuille, Jong d'vnc bnuc CL dcmic e&. groa h p•·oporLlon:
il se trouue auui ordinaircmcnL aoubs les rochcrs; il
t:al fort bon, moia u mot'l nr e ca l bicQ daugcrcmc. •
(llist. de ln ftfisJion dcs Pcnu Capvcins etc. par lu R.
J'. Cl. cl' dbbo uil/u; Puris, l 6~4 :f. 246 .)
AO Cllt.UIUllÚ . Hl

notar-se que esse era o usado para ()~ fran-


cezes, que os indi genas cham ava m .Mni1·.
A os portuguezcs denominava;m e l,les l'erós.
13- v. 7 e 8 - Uiç1t de 11eixe era uma especia
de farinha de peixe ; •e caui n, uma beuida
como a que n' outro Joga r se chamou caLim·
poeira.
CANTO 3. 0

Est. ~4 v. 2 - Tamandar e na tradicção indí-


gena correspondia a um Noe.
36 v. 1 - E sta ave a qn e o poeta fhLdo pro-
vavelmente em MartinÍthe atribue essas mis-
sões de correio, é segu nclo e lle diz o beija flor.
60-v4-Taba é palav-ra. brasilica que si-
gnifica a ld ea .
7~ v . 3 - Ainda que não quebraremos lanças
pelo nosso poeta d efend endo-o como exlre-
mauo e escrupuloso puritano nos \·oca bulos,
la mb em não desejaremos qu e o condemnem,
pelo uso de uma ou outra -palavra que s6 a
discussão poste rior tem fe ito banir. O verbo
nt.bir no senLido de soiTrer, se bem qu e re·gei-
tado pelo iJ.Iu stre philologe, cnja p erda e hon~
ro;a amisade ainda lamentâmus, 1•em do l<L·
lim snáeo.
110 v· IJ -Smné era o noJ:lle de ceri:J> crealura
que em tempos a ntigos apa recêra e ntre os
intligenas, e os instruíra entre o\tlras cousa:<
110 preparo da mandioca . Os Jesuítas com ali
NOTAS

idens dl! ·S. Tlwmé de IVlelinpor, quizeram


que elle la mbem tivesse estado no Brasil: e
por que úizi(.lm llevenúo os apostolüs pré-
gar pe lo mundo lodo para obedecer a Je.
•&U~ Chrislo, só S. Th.umé podiá ter i elo:\. Ame.
rica; e ahi se~unuo ellcs deixou pégaJas
em varios lugares.

CANTO 4. 0

Est. 14 v. 5 - Este nome ll!Iargates, bem como


al g un s outros que n este canto se seguem tle
Ovecales, Tamviàs, etc.; os quaes parece qne
sofreram adulleraçiio (talvez sendo linuloo úe
frnncez Marliniére, que jÍL os leria apro-
veita~o de algum livro la tino, que alteravam
muita§ vezes nomes proprios) provalvelme n·
te dizem referencia aos Jl{argaiâH, Onél-
acds, e Tamoios.- Jltaqncs, VialfiJWS e Tu-
71linwis não sabemos quaes nações fos. em.
21 - Nesta oilnva quiz o poeta fazer memória
da sna terra, querendo que üe lá viessem
tnmbem balulhues de intli ge nn s á Bahia.
!1!4-v. 6-0. A. não nos diz tl ouúe soube
este nome Tacape, para signiücnr u espada
indígena, afim de pode rm os confirmar SI! em
prosa o.leve ler accenluatla a Última sy llaiJa:
por quanto o Dicc. Bras. (p. 37) chama lh e
AltÍJL!fapéma., e Vascouc. (Liv. :il. 0 N." 17)
Tangapéma.
.i O CABA!lURÚ.

'25 - ". 5.- •lfarmque era uma especie de


chocalho ou cabaÇa 'cl1 eia de pedras, ele. que
faúa de instrumento. ,Jn ll'hl1'acci?
Uapi era segundo o .A. oulro ins-
-40- v . 4 lrmn enlo deguerra, e i1mbitt u,ma
80 -v. 3
[ trombeta, que o D.icc. Brns. p.
77 designa por .memüy.

C.AN'l'O 6. 0 ·r r

Est.!:9-1• .3. -Contenho diz a l." Ed. em


vez de contento; e não podia deixar de se1·
e rro typograpbico.

CANTO 7 . 0

Est. 49- U1·uçâ e ta1·ajaba se lê enadamenle


na primeira edição por U1·ucú e tat'flj'llba.
55- v. B- Tambem erradamente se 18 S'ltl·a-
t·anas por suçnranas ou sttçuaranas . Vej. Pilla.
(p. 36), Cazal (I, ti6), e Cor. Paraense
pag·. 26.
, liiiJ- Por bentJJÍras emendá mos ontro sim bPju-
pil·ús, peixe que bem conhece toda a pessoa
qne cslc no Brasil.
Tambem devíamos talvez emendar7Jampanos
em prmpanás; mas nlio ousámos na dúvida
'de haver tambem aquelle nome: a 11anpaná é
o conhecido peixe martello, especie de sq11a-
l·us.
NOJ'AS

CANTOS 8. 0 , 9. 0 e Io.o·
Em toda a .hist6ria do Brasil nes tes cantos ex-
plicada, seguiu o poeta a Simão de Vascon-
cellos, Francisco de Brito Freire e Sebastião
da Rocha PíLta. -Entretanto para qnalquer
dúvida ou curiosidade poderá o leitor con-
sultar com mais vantagem a história de Rob.
Sout~ey.
AP0STILLA

ACERCA. DESTA EDJÇ.(O.

r Não foram ambições vr:S de sermos edito-


res de obras ja. impressas a causa mai desta
edição . Nem tão pouco a annuepciaa Í\}Lenções
semilhantemeutc inglorias ele outm ordem lhe
foi madrnsla, nem sequer tocou ele madrinha
no titlilo novo, sob que aparecem compreileu-
didas as duas primeiras e popeas de assumptos
brasileiJ'OS e autores filhos elo Brasil. Tambem
não podemos afi rmar ser da mesma edição ori-
gem a míngua, que dos mesmos poemas,ilouvesss
no gyro <ligamos bibliopolico; quando lodos
sabem que de um e outro já se tem feito tres
edições completas, não contalltlo impressõt•s de
excerptos, lr acluçóes etc . - Do U ragu a y foi
publicada a I."' edição em 1769, a 2.n em
1811, e a 3.a em 182!2; sendo és la Última e
n prim eira em Lisboa, e n !2'• no Rio de Ja
neir•o. O C a r a ru !I r ú esta111pndo em dois mil
exemplares em 17111, estava ultimamente raro
quando a um lempo recebeu dnasreimpresFões;
a de 11836 em Lisboa e a de 1837 nu Ba!Jin.-
A ~ sim bem é <le \'er qne esla quarta edição de
um e outro apar~ce Lambem sern prelenções á
e~peculução. Que incentivos, que pretextos 011
causas plausiveis a promoveram 1 [,1\ vamos.
4'l>OSTWL.~ I.
Sem deixarm os de notar que apezar de não
sere~>! rams , . nem ~1m nem on_lro dos dois
.poemas, estava cada um cl ell es r(com detrimento
da popularidade de seus autores) menos ao al-
ca nce de todaa as posses do que fica1·á este li-
vro contendo amlJos, confe~sarcmos qn ll o mais
poderoso incentivo que tivemos· para esta em-
preza', foi o desejo ele concorrermos para maior
glí)ria e brilho dos doiF' poetas, apresent~ml o ·o s
livres de certa prosa mesquinha CJliC os e mpoei•
rava. Foi uoconveniencia, quejulgámos da maior
limportm1cia , de fazer ouv ir os allos sons ~a
tnua heroica da conqu i ~ta e •pacificação do
U ragu a r, sem o aco1o,P.nnhamento fastidioso
de um rouco mnracá, sií'cuditlo, na C?pocu da,
guerra contra os j esuítas, por um seu olumno
reuell ado, e sem a desafinação contínua da ce-
garrega da lisonja para a família Pombal, cujo
chefe nessa epoca, por assim dizer e111punhavu
o scep tro. Foi a pena, a 1t1:igon, o teu io de que
nos poss uíamos cadu ve.z que abriu mos o C n-
rum u r ú (nas tres primeirns edições e m Lu do
iguaes), ' 'enol o o poeta religioso, que vclú~a
por nos e•lilicar cóm seus v.ersos, !kscido das
alturas em que fazia soar a Lrumbeta e pi cR, a
vir 0111 prosa peu ir ao povo penlào por lprég>ar
sem ser no pulpito, 011 por usar das palavras
peregrinas de que carecia, tratando assumptos
tão novos. Não fal emos já em quererem ambos
explicar.nos u~ significações de mate, jacaré,
'
ÁC ERCJ DI!S'U ll DfO,.:ÃO . H7
em birn, mandioca, etc. qu e hoje encontnlmos
mel hot' em 1\>Iuraes, que ta miJem era filh a • do
B ras il, e neste então ja reino preparon uma
uns edições do se u Diccion,tr io, cum gra nd e l'a u-
lngem para as ex p!ica<iÕes de coisas brasileiras,
q ne uell e introduziu .
.A inda mais. Ha nestes dois poemas toques
e m po ntos de licado s, qu e o vago da poesia 11ão
cousculiu qu e os versos ferissem no mais me-
lin J roso; a o pa,so qne logo qu e a prosa a_e in-
lromettc cnm al~uma nota o!T~nue tudo. Quando
por morte de ~1arquez ue Pumilal a influ encia
dos j esuítas oom eçon a qu e re r levuntar· se tle
11o1•o , e julgo u dever atacar o U ra g u a y depois
de passados deze'sete annos sem se defcnderen1
de tantos ataques, o A. da Resposta ,Jpoft,gelica,
lon ge de ir ao texto, viu ma is favoravel a nller-
tura de brech a p elas notas. E: no C a r a m u-
r ú nomes h a de tal mod o escriplos e acc~ ot ua-
dos, e pe.ssage ns de tal fúnna narradas, que pre·
ci sam da sa lva-guarda el a liberdade poe lica ,
qu" na prosa se taxa ri a de erro .
Ma'S- para que can çar o lei tor com o desen-
volvimento de toJo o nosso se ntir a tal rc.· pei -
to, <pt a.nd o talvez já ellc o • in~a do mes mo modo
ou ainda com mai s ftlrçrt? Propentlemo~ a assim
ju l.!!:tr ; p oi.s é provave l qu e todos estejam pre-
' 'enidos cum as expressões ele um conhecido es-
criplor da epoca, o qual como bom poe ta que
é, de1'e ter a favor da sua autoridade a pro·
U'O"Sl'ILLA

pria ex·periencia . Ei~ pois o qu e a la'l re speit o


nos revela em um de seus exce ll entes prolugos
o Sr. Ca sti lho :
" S upp os lo, p or a lgumas vi as, possa co nvir
a um esoripto r e da r rasão de si, e de se u es·
cripta , se mpre com tut! o é inegav:c l, qu e nesse
humauar- se e descer á fa milia rit! a tle de toda a
g- nte , com o qu e de>a utoriza, e , em gra nd e
pa rt e a nulla o se rt proprio person-agem poe lico.
Quando de um g.ra nJ e. vadio só nos fica ram oa
seus versos , cria·se e ama-se uma illusão mnra·
v ilh osamen ~e fa voravel á sua glória; por quanta
toda a '' il eza e mesl!!tiÍ uhez da proza., que ert
a parte miseravel e cad uca , por onde se uppo,
r.entava com o pó, co m o I'Ul !!:o , e com a v•ida
desn ppa rece; e só fi ca , para n os represe ntar (
sen nomP. a part e noiJilissima, e~h e rea , immor
la I do ser t suj eito, - o genío. ,
9esejavamos que o pcrio<iu tra nscripto foss
o sello d' oiro, com q ue• e nce rrassemos esta no'
S<l Apos lill a ; mas é preciso •dizer muis tlu a
pala vras sôbre el la mesma, as quaes serdr ã
de eeo cl ic ilio, cuuten<lo ·o ·ma is q ue haj a a di zer
Qe ~u so pensado niío qu,iz emos e ra p ro logc ·
nem e m anteprologos , em ,prefacias e ad verteL
cias , em proe mi os o p roteg'o men os , aparece ,
peran te os leito res ·benevol os e não 1Jenevo!o1
to ma ndo d ianleira aos nossos Fecommendados
preferimos dAixnl-os ostenta r prim eiro sós e s
carltanL!o, ainda que para nos justificarmos di ss
ÁCERC.\ DESTA EDIÇÃO. H9
i preciso introduzir apostilln, ú falta de post-
!Cios e t>oslloaos.- No entregar os poemas ú
:impressão recommenúúmos que a orthogra·
1 aia (alias já irregular nas primcirus etlições) ros·
· a mais usada e commoda para a maioria dos
itóres d'hoje, com a accentuacção nos casos
Jvidosos, se bem que por em quanto muita vez
nda esqueceu. Os· argumentos que precedem
• odos os canlos são redig·iúos pelo nosso com-
tlricio maranhense o Sr. A. J. da Serra Go·
es , que se dignon associ ar-se comnosco nesta
nprezn. As biogrnpl1ias e notas, insignificantes
•mo são, levaram-nos tempo, qtle diremos
mpre bem consumido, por havermos apurado
t _;11us exnc tos esclarecimentos, principalmente
ercu da história até agora quasi mytbologica
Caramurú.
l!O de Julho de 1845.

F. A. ri• Ynrnhngen.

F'UI.
CORRECÇÓES ESSENCTAES A F.IZER·

A rcr.g. ün. .emende- se:


~S - 2 }Jnrdim
, 1_,2 -nnlcp.
·
76 - 19 - Jovc
82-7 e! 7-ccvnl·OS. ·• télmpt!rn
sG- 2 -encostando-se ·
8 7 - 20 -Incorporar-te
•171:; - 1> -P 1 rngunçú
.1St:....._ !i -Se nlõumsccbegamo.ia,porimprudtmlc,
.227 - 1' - immo\·cl c tanto
.2 42- 8 - oJTcrccc
•260 - ~O - ondo
288 - 7 -chnrrlo
õt7 - t 7 - M:,rto
•0-ill - 1:; -que dé canGa,
<i 4 7 - f - ran-S chop
•37'S. - ult. -Brnsillhc alague
:599 - t - Pag. 8-v. 16
409 - t2 -C. IX.
412~ 7 -1·ive no Porto
1.11;';- 11 -no mesmo tempo
.-1:i2- J O -como
~.IJ.S- 20 -esteve ,

Em pontuac;?lo corTijam-se as (altas mooiresta6 a


png. 8 - lin. 1!3 c !!4; IS2 - f !S; BIS-o; f l l -
:f 6; etc. -As sete umcndns precedidas de • s3o indica-
doa, pelo nppnrccimcnto de uma erra_ta á i .• edição do
Cnrnmurú, em folha nppcnsa que só ultimamente co nst:-
guimos ver~ por se achar ern mui poucos exemplares.
'- '

c•

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