EDUARDO GALEANO Veias Abertas Al p1 4 e 40 Ate 43
EDUARDO GALEANO Veias Abertas Al p1 4 e 40 Ate 43
EDUARDO GALEANO Veias Abertas Al p1 4 e 40 Ate 43
AMÉRICA LATINA
EDUARDO GALEANO
W W W.INVENTATI.ORG/SABOTA G E M
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Galeano, Eduardo
As Veias Abertas da América LAtina: tradução de
Galeano de Freitas, Rio de Janeiro, Paz e Terra,
(estudos latino-americano, v.12)
Do original em espanhol: Las venas abiertas da
America Latina
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comerciais no todo ou em parte, além de ser liberada sua distribuição, preservan-
do o nome do autor.
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Francisco levantou para ela um castelo, com um jardim de plantas exóticas e cascatas
artificiais; em sua honra dava opíparos banquetes regados pelos melhores vinhos, bailes
noturnos de nunca acabar e funções de teatro e concertos. Ainda em 1818, Tijuco festejou
o grande casamento do príncipe da corte portuguesa. Dez anos antes, John Mawe, um
inglês que visitou Ouro Preto, assombrou-se com sua pobreza: encontrou casas vazias e
sem valor, com letreiros que as colocavam infrutuosamente à venda, e comeu comida
imunda e escassa71.Tempos atrás tinha explodido a rebelião, que coincidiu com a crise na
comarca do ouro. Joaquim José da Silva Xavier, o Tíradentes, tinha sido enforcado e
despedaçado, e outros lutadores pela independência tinham partido de Ouro Preto rumo
ao cárcere ou ao exílio.
A busca do ouro e da prata foi, sem dúvida, o motor central da conquista. Porém, em
sua segunda viagem, Cristóvão Colombo trouxe as primeiras raízes de cana-de-açúcar,das
ilhas Canárias, e as plantou nas terras que hoje ocupa a República Dominicana. Uma vez
semeadas, brotaram com rapidez, para o grande regozijo do almirante1. O açúcar, que se
cultivava em pequena escala na Sicília e nas ilhas Madeira e Cabo Verde e se comprava, a
preços altos, no Oriente, era um artigo cobiçado pelos europeus, que até nos enxovais das
rainhas chegou a figurar como dote. Vendia-se nas farmácias, era pesado por grãos2.
Durante pouco menos de três séculos a partir do descobrimento da América, não houve,
para o comércio da Europa, produto agrícola mais importante que o açúcar cultivado
nestas terras. Ergueram-se os canaviais no litoral úmido e quente do Nordeste do Brasil;
posteriormente, também as ilhas do Caribe - Barbados, Jamaica, Haiti, Guadalupe, Cuba,
Dominicana, Porto Rico -, Veracruz e a costa peruana foram sucessivos cenários propícios
para a exploração, em grande escala, do “ouro branco”. Imensas legiões de escravos
vieram da África para proporcionar, ao rei açúcar, a força de trabalho numerosa e gratuita
que exigia: combustível humano para queimar. As terras foram devastadas por esta planta
egoísta, que invadiu o Novo Mundo arrasando as matas, desgastando a fertilidade natural
e exigindo o húmus acumulado pelos solos. O longo ciclo do açúcar deu origem, na Amé-
rica Latina, a prosperidades tão mortais como as que engendraram, em Potosí, Ouro Preto,
Zacatecas e Guanajuato, os furores da prata e do ouro; ao mesmo tempo, impulsionou
com força decisiva, direta ou indiretamente, o desenvolvimento industrial da Holanda,
França, Inglaterra e Estados Unidos.
A plantação nascida da demanda de açúcar no ultramar era uma empresa movida
pela ânsia de lucro de seu proprietário e posta ao serviço do mercado que a Europa ia
articulando internacionalmente. Por sua estrutura interna, entretanto, levando em conta
que em boa parte se bastava a si mesma, alguns de seus traços predominantes eram
feudais. Utilizava, por outro lado, mão-de-obra escrava. Três idades históricas distintas -
mercantilismo, feudalismo, escravidão - combinavam-se assim numa só idade econômica
e social, porém era o mercado internacional que estava no centro da constelação de poder,
integrado desde cedo pelo sistema de plantações.
Da plantação colonial, subordinada às necessidades estrangeiras e financiada, em
muitos casos, do exterior, provém em linha reta o latifúndio de nossos dias. Este é um dos
gargalos da garrafa que estrangulam o desenvolvimento econômico da América Latina e