Orixás Do Dique
Orixás Do Dique
Orixás Do Dique
“ORIXÁS DO DIQUE”:
ESTUDO SOBRE RELIGIÃO E ESPAÇO PÚBLICO EM
SALVADOR-BAHIA
SALVADOR, BA
ABRIL DE 2019
ALEXANDRE SAN GOES
“ORIXÁS DO DIQUE”:
ESTUDO SOBRE RELIGIÃO E ESPAÇO PÚBLICO EM
SALVADOR-BAHIA
SALVADOR, BA
ABRIL DE 2019
2
Texto
3
4
AGRADECIMENTOS
RESUMO
O presente trabalho tem por finalidade apresentar o caso relativo aos “Orixás do
Dique”. Trata-se de um caso emblemático cujo foco é o Dique do Tororó, espaço
público da cidade de Salvador, onde estão instaladas desde 1998 esculturas
nomeadas de orixás confeccionadas pelo artista Tatti Moreno em parceria com
o Governo da Bahia. Para executar esta tarefa foi necessário recuperar os
registros históricos que indicam sua condição de território negro historicamente
constituído e utilizado pelos cultos afro-brasileiros. Foi necessário também
recuperar a chamada "Bahia afro", isto é, o circuito intelectual, artístico e político
de exaltação de alguns elementos afro-brasileiros impressos na cultura baiana e
codificados numa linguagem propícia ao turismo e ao entretenimento.
Igualmente necessário foi ter explorado o conflito religioso que se procedeu a
partir da crítica evangélica encaminhada em âmbito legislativo contra as
esculturas. Pondo ênfase na dimensão dos problemas que o caso evoca (tais
como a dessacralização espacial, a folclorização dos símbolos afro-religiosos e
a censura artística por “intolerância religiosa”), apresentamos resultados que
indicam um público afro-religioso, cujo desafio maior é se aglutinar
politicamente para determinar os rumos dos problemas que então o aflige.
8
ABSTRACT
The purpose of this paper is to present the case related to the "Orixás do Dique".
This is an emblematic case which focuses on Dique do Tororó, a public space in
the city of Salvador, where since 1998 the sculptures named orixás made by artist
Tatti Moreno have been installed in partnership with the Government of Bahia.
In order to perform this task, it was necessary to recover the historical records
that indicate its status as a black territory historically constituted and used by the
Afro-Brazilian cults. It was also necessary to recover the so-called "Bahia afro",
that is, the intellectual, artistic and political circuit of exaltation of some Afro-
Brazilian elements printed in the Bahian culture and encoded in a language
favorable to tourism and entertainment. It was also necessary to explore the
religious conflict that proceeded from the evangelical criticism sent to the
legislative council against the sculptures. Emphasizing the scale of the problems
that the case evokes (such as spatial desacralization, the folklorization of Afro-
religious symbols and artistic censorship for "religious intolerance"), we present
results that suggest an afro-religious audience whose political agglutination to
determine the course of the problems that afflict it.
9
S U M Á R I O
INTRODUÇÃO...................................................................................................................................10
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................151
REFERÊNCIAS.....................................................................................................................155
10
INTRODUÇÃO
1
A exemplo da caminhada de imigrantes mulçumanos na cidade de Luton (interior da Inglaterra), com os
gritos de protestos “vá para o inferno o Reino Unido e a polícia britânica...”. O caso europeu de conflito
com os imigrantes é, ainda mais, abrangente: quer entre Alemanha e países do leste europeu; quer entre
França e países do continente africano.
2
A Parada do Orgulho Gay e a Marcha da Maconha são exemplos notáveis. O primeiro constitui caso dos
mais destacados de eventos ao ar livre que agora expõem publicamente o que outrora se restringia aos
limites dos guetos. A roupagem de divertimento traz visibilidade positiva aos movimentos LGBT’s, mas
também estimula redes de turismo e entretenimento que se beneficiam diretamente ou indiretamente destas
Paradas. Por sua vez, a Marcha da Maconha se aplica ao movimento de pressão, com fins claros para
influenciar o debate público por mudanças na legislação, visando alterar a regulamentação do comércio e
do uso da substância cannabis.
3
O que está a ocorrer... no Brasil contemporâneo, sem dúvidas, é a crescente proliferação de igrejas
evangélicas neopentecostais, que salienta o crescimento de eventos como a Marcha para Jesus, cultos
empreendidos em locais públicos.
4
A presença pública afro-religiosa em Salvador se expressa em múltiplos âmbitos, da participação crucial
nas festas populares da cidade à sua toponímia formal e informal. Esta particularidade religiosa local está
conectada ao fato de a história da formação social baiana ter recebido larga contribuição das religiões afro-
12
brasileiras. Embora tenham sido marginalizadas, por inicialmente remeterem ao cotidiano de negros
escravizados, conquanto aspectos dessa religiosidade passaram a ser progressivamente valorados
socialmente, os cultos afro-brasileiros obtiveram relativo prestígio – ainda que se tenha permanecido a
condição de negativamente privilegiados da maior parte dos seus aderentes.
13
5
Em cidades tão distintas como são Paris (França), Rio de Janeiro (Brasil) e Baga (Nigéria) por exemplo.
Os ataques ocorridos na sede do jornal francês Charlie Hebdo pela organização paramilitar islâmica, as
agressões a adeptos do candomblé em favelas do Rio de Janeiro dominadas por “traficantes evangélicos”,
os ataques a cristãos promovidos em Baga pelo Boko Haram, todos esses três casos, mesmo que muito
diferentes, compartilham, para além da definição de situação de “intolerância religiosa”, o fato de terem
sido escândalos públicos. Na França, a sede do jornal Charlie Hebdo, acusado de veicular expressão
xenófoba e racista em publicações que retratavam Maomé, foi vítima de ataque terrorista que vitimou
dezenas de pessoas. A “intolerância religiosa” foi compreendida, por um lado, como praticada por
religiosos islâmicos, em revanche à laicidade francesa, por outro lado, como praticada por laicos franceses,
cuja princípio de expressão pública é explicitamente antirreligiosa. O debate da liberdade de expressão é
aqui estruturador, e de fato orienta a discussão. O polo de conflito está entre laicos e religiosos islâmicos.
Noutro turno está o caso da Nigéria e do Brasil, que apresentam uma situação a qual os polos de conflito é
são religiosos. No caso do atentado em Baga, foram atentados comandados por um grupo radical islâmico,
tendo cristãos como vítimas. O caso do Rio de Janeiro é exemplar para os conflitos acontecidos em todo o
Brasil, onde evangélicos neopentecostais aparecem sempre como agressores, tendo como vítimas adeptos
afro-brasileiros do Candomblé e da Umbanda.
14
como os problemas que lhes orbitam estão inseridos num processo simétrico de
emergência.
Nosso intuito aqui é reconstruir as mediações fundamentais para o público
emergente conduzido por problemas públicos, mas que também os conduz, relacionados
de algum modo aos cultos afro-brasileiros em Salvador. Queremos com isso qualificar o
fato político talvez dos mais relevantes no Brasil contemporâneo que é o que legitima e
recepciona em âmbito político formal as reinvindicações políticas de religiosos afro-
brasileiros. Voltando ao episódio da Alvorada dos Ojás, consideramos como digno de
nota que a titular da Secretaria do Promoção da Igualdade Racial do Governo da Bahia,
Fabya dos Reis, tenha participado da experiência com os ojás das árvores no Dique.
OUTUBRO DE 2017
As águas do Dique do Tororó exalavam odor malcheiroso, forte
o suficiente para fazer das experiências com o lugar um
recorrente gesto de autocensura olfativa. No fluxo de
automóveis das vias movimentadas e engarrafadas que
margeiam o espelho d’água, de dentro das habitações
populares que se aglomeram e preenchem as encostas dos
arredores, o transeunte e o morador, todos próximos ao Dique
se viram afetados pela paisagem.
Tão logo a situação se fez crítica, fez-se também escândalo
midiático a reproduzir histórias de desconforto com o lugar. O
passageiro de um ônibus a indagar sobre os motivos do mau
cheiro. O motorista deste mesmo ônibus a fazer uso de máscara
hospitalar nas sete voltas diárias pelo Dique que lhe obriga o
seu itinerário. O dono do restaurante instalado no píer a
reclamar da fuga da clientela. O barqueiro a rememorar a
antiguidade da poluição no Dique. O turista desavisado...
A situação, incontornável a qualquer dos transeuntes, dominou
a atmosfera por semanas, sem que nenhuma das autoridades
públicas reivindicassem a solução do problema. Ao contrário,
foi notícia, transformada na polêmica “De quem é o Dique? ”,
o jogo de responsabilidades entre órgãos da administração
pública municipal e estadual. Adeptos civis se manifestaram.
Um dos grupos foi de religiosos do Candomblé, liderados pela
AFA (Associação de Proteção Afro-ameríndia), que
organizaram o protesto Ato em Defesa das Águas Sagradas do
Dique.
Nesta oportunidade, o Jornal Correio estampou manchete: “A
fedentina exalada pelo Dique nas últimas semanas tem
atrapalhado até mesmo os rituais religiosos”. O sacerdote do
Terreiro Vodun Zo, o Doté Amilton Costa, foi entrevistado por
esta reportagem destacando que fazia oferendas no Dique há
mais de 43 anos, mas que este ano, por causa do mau cheiro,
não iria cumprir o ritual no local: “Faço isso desde quando me
entendo por gente e fiz até quando o Dique estava sendo
restaurado. Mas, como é que vai colocar oferenda com aquele
mau cheiro? Tá tudo sujo e a natureza vai rejeitar, porque pra
gente precisa que tudo esteja despoluído”.
A sacerdote do Terreiro Ilê Asé Omo Omin Tundê, Mãe Rita de
Oxum, também foi ouvida explicando que “com aquele mau
cheiro gritante, não tem como colocar as oferendas, porque os
orixás se sentem incomodados”. Ocorrido no dia 20 deste
mesmo outubro, o Ato em Defesa das Águas Sagradas do Dique
foi transmitido ao vivo pela Rede Bahia de Televisão em seu
telejornal matutino. O presidente da AFA, também ogã da Casa
de Oxumarê, o Leonel Monteiro, foi o porta voz do evento.
Comentou que: “esse mau cheiro vem nos preocupando, porque
20
Neste capítulo propomos pensar o Dique do Tororó, com ênfase na sua condição
de território negro 6 historicamente constituído. O Dique é um lugar público de Salvador
cuja configuração atual dá-se muito em função do que foi dinamizado à paisagem na
intervenção urbanística finalizada em 1998 – quando finalmente lhe fizeram vitrine
oficial para o turismo e atrativo para o lazer dos locais –, mas também em função de um
itinerário ainda mais longínquo. A tarefa de biografar este Dique requer o registro das
7
trajetórias mutualmente transformadas pelo tempo, que, memórias da paisagem, são
histórias da cidade de Salvador e de seus habitantes, muitos dos quais negros oriundos
das tradições afro-brasileiras.
Com base numa literatura historiográfica, estudos como o Jussara Dias (2006) têm
recorrido à classificação funcional para exemplificar quais usos territoriais o Dique tivera
ao longo da história urbana da cidade. Três funções territoriais básicas são caracterizadas:
1- como área de proteção, sobretudo entre os séculos XVII e XIX, destinada a isolar a
cidade construída em seu limite oriental e impedir possíveis invasões estrangeiras; 2-
como área utilizada pelos cultos afro-brasileiros através do recolhimento de espécies
vegetais, oferendas e rituais desempenhados principalmente nas águas; 3- como área
dedicava para fins turísticos e recreativos, a partir do último quartel do século XX.
6
O termo território negro desenvolvido por Raquel Rolnik para pensar a situação espacial da população
negra nas cidades brasileiras.
7
O que chamamos aqui de trajetórias mutualmente transformadas refere-se ao argumento, a ser
desenvolvido mais adiante, sugerido pelo antropólogo Tim Ingold (2015), dos processos formativos e
transformativos referentes à totalidade dos seres vivos e da paisagem enquanto partes integrantes à
autotransformação do mundo. Para este autor: “é somente por causa de sua imersão comum nos fluxos do
meio que pessoas e paisagem podem se envolver” (INGOLD, 2015: 199).
21
nutrição das algas..., por que experiência de descarte inadequado de lixo nas águas. São
estas experiências formadas pelo encontro de trajetórias que mutualmente se
transformam. São experiências que reforçam e orientam outras experiências 8. Um
exemplo: a Aula Pública no Dique promovida pela Universidade Federal da Bahia
(UFBA).
Os seis microscópios montados pelos professores do Instituto de Biologia da UFBA
estavam dispostos uniformemente num dos decks do Dique, prontos para despertar a
atenção dos transeuntes. Numa aula que mais pareceu aventura de investigação
microscópica, os participantes foram convidados a ser testemunhas daquilo que estava
submerso: o contínuo de vida, de crescimento e decomposição, das microalgas, esses
organismos ativos no sistema hídrico do Dique, correlacionado à urbanização de
Salvador.
Tal como sugere Tim Ingold (2015), refletindo sobre a formação da paisagem,
consideramos fundamental descartar a explicação convencional da transformação
histórica da natureza como uma sucessão de superfícies materiais que se substituem uma
após outra. Há algo nesta explicação que é de uma perda irrecuperável, que é a descrição
das relações transformativas da própria superfície, que por sua vez não é superfície do
mundo, mas no mundo. O argumento de Ingold afirma que “as formas da paisagem –
como as identidades e capacidades dos seus habitantes humanos – não são impostas sobre
um substrato material, mas surgem como condensações ou cristalizações de atividade
dentro de um campo relacional” (2015: 90).
8
Fundamental aqui retomar a noção de experiência de John Dewey, no que permite compreender que “é
tanto quanto na natureza [is of as well as in nature]. Não é a experiência que é experienciada, e sim a
natureza – pedras, plantas, animais, doenças, saúde, temperatura, eletricidade e assim por diante. Coisas
interagindo de determinadas maneiras são a experiência” (DEWEY, 1958: 4).
23
indicou espaços que seriam destinados a atividades comerciais (tais como lojas de venda
de flores, artesanato e restaurantes); a construção de passarelas que ligariam “pelo alto”
bairros como Brotas, Tororó e Garcia. Esse projeto quis ainda reorganizar as pedras
portuguesas da calçada segundo mosaicos de desenhos inspirados no leque de Oxum e no
cajado de Oxalá (opaxorô).
1994 – O Bloco Apache do Tororó, criado na década de 1970, apresenta projeto às
administrações municipal e estadual de recuperação do Dique. A ideia básica do projeto
era a ligação entre recuperação ambiental e a transformação do local em área para cultura
e lazer. Sua participação no projeto seria de coordenação dos eventos culturais. A sede
do Bloco está na Avenida Costa e Silva, na chamada Praça do Folclore.
1995 – A administração estadual através da CONDER propôs projeto de revitalização do
Dique pelo Programa Bahia Azul (com visou conduzir para as redes de drenagem todo
esgoto antes despejado no Dique, contou com auxílio da EMBASA para construção de
bacia de contenção). A segunda etapa deste projeto previu recuperação de praças do local,
sobretudo a área do Jardim baiano.
1996 – Início das obras de Recuperação ambiental e instalação de equipamento de lazer
pela CONDER. / Organizada a 1ª Lavagem do Dique, por blocos carnavalescos de afoxés
(Filhos de Gandhy, Hare Krishna, Filhas de Oxum, Apache do Tororó).
1997 – Inauguração da etapa de despoluição do projeto da CONDER. O evento foi
marcado pelo ato simbólico, tanto quanto prático de autoridades, como o prefeito e o
governador, lançando 11 mil filhotes de peixes.
1998 – Inauguração da última etapa da Reforma empreendida pela CONDER: deck para
pesca, pista de cooper e a Fonte Luminosa dos Orixás do artista Tatti Moreno. A festa de
inauguração contou com apresentações de blocos afro e cantores do Axé Music, como
Margareth Menezes, com o hit “Toda cidade é d’Oxum”. Evangélicos organizaram
protesto com ato-símbolo de “abraçar o Dique”, numa malsucedida intervenção para que
as 12 esculturas que compõem a Fonte Luminosa de Moreno não permanecessem no
Dique.
2006 – Plantio da árvore Baobá, defronte a escultura que representa o orixá Ossain. Foi
inciativa da Casa de Oxumarê em parceria com a Secretaria Municipal da Reparação
(SEMUR) e o Centro de Estudos Afro-orientais (CEAO).
2008 – A Caminhada do Povo de Santo pela primeira vez ocorre no local, com o ato-
símbolo de “abraço ao Dique”. Esta mobilização que visa lutar contra a intolerância
religiosa com o pedido de “respeito ao povo de santo” aconteceu no Dique em sua 4ª
32
edição, sendo repetidos nos anos de 2011, 2012... Têm o apoio de diversos órgãos
governamentais.
2015 – A Câmara Municipal de Salvador aprovou a proposta de indicação ao prefeito da
vereadora Cátia Rodrigues para colocação de uma Bíblia na Dique do Tororó. Não foi
executado, haja vista o prefeito Antônio Carlos Magalhães Neto ter aplicado veto ao
projeto.
2016 – Projeto de Indicação da Câmara Municipal de Salvador ao Governo da Bahia para
criação do Projeto Parque Aquático do Dique do Tororó, que consiste basicamente na
adequação do Dique para a prática do Remo. Trata-se de um projeto de resgate à tradição
comum em meados do século XX da atividade de regatas.
2018 – Volta da interdição do tráfego de veículos aos domingos, das 8h às 13h, no Dique
do Tororó para a realização do Projeto Rua De Lazer. Em 2015, este projeto vigorou em
fase experimental por alguns meses.
* 2019 – Previsão para ser instalado um novo circuito do Carnaval de Salvador: na área
interna do Estádio da Fonte Nova e no perímetro da Avenida Costa e Silva.
hídrico, quanto os inúmeros aterros que sucederam e conformaram o Dique atual são
momentos da autotransformação do mundo.
Nos próximos tópicos, discutiremos como se deu o dinamismo da paisagem do
Dique ao longo da história de Salvador.
Essa região foi mantida distante da cidade construída até finais do século XIX. Nela
abundava vasto volume hídrico e diversificada vegetação atlântica, até então “invisíveis”
à administração colonial. Foi efetivamente uma barreira vegetal e aquífera da cidade
construída. O caminhar por este solo e navegar por estas águas somente foram
descortinados ao mundo europeu graças aos relatos dos viajantes naturalistas do século
XIX. Nestes relatos eram constantes referências aos “encantos e mistérios”. Conforme
novamente Habsburgo:
“Voltamos, novamente, ao caminho aberto da mata, cuja beleza
e riqueza me levaram à convicção de que os teólogos quebraram
a cabeça, em vão, quanto à natureza do Paraíso perdido. Para que
refletirem tanto, se os próprios olhos podem informa-los? Se eles
fizessem um único passeio pela mata virgem brasileira, não mais
poderiam duvidar de como era o Paraíso. Sob um céu como esse,
cercado do aroma de plantas como essas, numa paz verde como
38
Uma breve nota sobre a expansão urbana da cidade se faz necessária. Tendo
finalizado o ciclo do açúcar brasileiro, as cidades do recôncavo baiano entram em
decadência, logo também a cidade da Bahia, como assim era conhecida Salvador.
Deslocado o eixo de importância para Minas Gerais, local onde abundava o recém
descoberto ouro, a capital do país é transferida de Salvador para o Rio de Janeiro. Tal
situação histórica repercutiu diretamente na estrutura urbana de Salvador a partir do
século XIX, pois novos itinerários urbanos foram oficialmente desbravados. Se a
população economicamente privilegiada, outrora residente nos casarões do Pelourinho,
migrou para a região da Vitória – num trajeto do centro antigo para a zona sul –, aquela
de economicamente desprestigiados cresceu e ocupou a parte Norte da cidade, justamente
para o arrabalde já conhecido como Dique do Tororó.
Antes de prosseguirmos na descrição do dinamismo que caracterizou o Dique no
século XX e aquele que atualmente o anima, convém apresentar alguns projetos de
intervenções “oitocentistas” que, embora não tivessem sido executadas, balizaram a ideia
do Dique como espaço para lazer.
local grande fluxo que surgiu da ligação entre os bairros do centro e alguns da orla
atlântica tal, como o Rio Vermelho. A facilidade de acesso ao Dique, pela Avenida Vasco
da Gama, foi sintomática.
Na década de 1960, as principais mudanças ocorridas na infraestrutura da cidade
tiveram o respaldo e o estímulo do exponencial crescimento da população. Baseado nos
estudos do engenheiro Mário Leal Ferreira e do Escritório do Plano de Urbanismo da
Cidade de Salvador (EPUCS), novas avenidas foram criadas destinadas a recepcionar o
crescimento populacional e de automóveis. Foram as chamadas Avenidas de Vale: a
Avenida Centenário, o Vale do Barris e o Vale do Canela.
O ano de 1969 é especialmente marcante para o Dique, pois foi quando se construiu
a avenida que o cerca, a Avenida Costa e Silva. Deste modo, o Dique passou a ser
margeado pelas Avenidas Costa e Silva e Vasco da Gama, e ao sul convergente para a
Avenida Centenário e o Vale dos Barris. Conforme já mencionado, a construção da
Avenida Costa e Silva foi problemático na vida das lavadeiras do Dique. Afetou também
outros usos cotidianos do local. A devastação das matas e aterramento das águas
comporão aspectos da discussão quando formos falar dos processos de sacralização e
dessacralização do espaço.
Na década de 1970, a parte oeste do Dique foi entulhada para a construção da
Avenida Contorno. Fez-se necessário conectar as Avenidas Vasco da Gama e Centenário.
O Dique torna-se então encruzilhada para avenidas iluminadas, espaço de exposição. Na
gestão do governador Luís Viana Filho, constrói-se no Dique ancoradouro, cais submerso
e implanta-se pedalinhos. A inauguração foi festa com estilo com estilo veneziano a
coincidir com o aniversário do governador. Show pirotécnico e música ao vivo. No
entanto, as obras de saneamento ficaram incompletas, não resolvendo o problema do
esgoto despejado no Dique, oriundo das casas que avolumaram ao entorno das avenidas,
tornando as águas impróprias para banho. Automóveis abandonados nas margens levaram
o Dique à década de 1980, considerada “década perdida”. Este cenário é decorrente das
obras viárias e do boom populacional em Salvador ocorrido ao longo da segunda metade
do século XX.
41
dificuldades para o desfile. A quadra do bloco foi construída na parte oeste do Dique, e
até hoje lá permanece como principal ponto de encontro dos foliões.
Na trajetória da paisagem do Dique, é possível destacar festas patrocinadas pelo
poder público. A festa Alavontê- uma volta no Dique, já na quarta edição, integra o
Festival da Cidade e é promovida pela Prefeitura Municipal. A festa Caminhada Raízes
da Bahia no Dique do Tororó, na edição ocorrida faltando poucos dias para o carnaval de
2016, teve a presença de 1200 participantes/ artistas, que tiveram o apoio do Governo do
Estado – através das Secretarias de Segurança Pública (SSP), da Comunicação Social
(Secom), do Turismo (Setur), da Cultura (Secult) e da Promoção da Igualdade Racial
(Sepromi). O coordenador executivo de publicidade e propaganda da Secom, Braz Neri
Júnior, argumentou que “Estamos trazendo alguns grupos de Salvador, Recôncavo, Baixo
Sul, justamente para que possamos oferecer ao cidadão e às famílias que querem reviver
este momento de grandiosidade dos valores de raiz, que sabemos que o baiano tem”. A
Secult apresentou ala intitulada Ouro Negro, mesmo nome temático do Carnaval daquele
ano. Esta ala trouxe o Balé Folclórico, os Filhos de Gandhy, o Ilê Aiyê, o Muzenza, o
Olodum, dentre outros afoxés.
Reflexos da folia de dentro e fora do estádio, a “carnavalização” do Dique é
crescente. Em 2019, está previsto para o Dique constituir novo circuito oficial do
Carnaval de Salvador.
Na próxima seção iremos discutir o uso do Dique pelos cultos afro-brasileiros, como
o transformam e os impactos das transformações da paisagem nestes processos de
sacralização do lugar.
9
Todo indivíduo é filho de um orixá, que é dono de sua cabeça (ori). Além desse orixá, que é considerado
como o da frente, o indivíduo está conectado também a uma série de outras divindades – a serem
determinadas, quando necessário, no jogo de búzios). Cada orixá geral se apresenta também de acordo com
uma série de qualidades e, além disso, se singulariza no orixá pessoal de cada ser humano – que é uma
manifestação única e insubstituível do orixá geral.
47
sobre aqueles espaços externos ao terreiro que são também considerados sagrados, ou
sacralizáveis, e por isso passíveis para fins litúrgicos.
Roger Bastide foi quem primeiro argumentou que “o espaço do candomblé é
realmente o espaço sagrado e os outros espaços não adquirem caráter místico senão na
medida em que se puserem, de uma maneira ou de outra, em participação com o primeiro”
(BASTIDE, 1961: 91). Nesta argumentação clássica fica já expresso a afirmativa de que
o candomblé é fundamentalmente o seu movimento contínuo à sacralização. Isto quer
dizer que os espaços sacralizados pelo candomblé assim o são pelo que lhe aparecem em
composição, pelos elementos neles contidos e identificados com o sagrado.
A multiplicidade contida na relação que constitui a pessoa no candomblé e o seu
orixá pessoal ocupa também diferentes espaços da cidade para sacralizados, conforme as
predileções de cada orixá e as necessidades de tal relação constituída. A feitura da pessoa
no candomblé, por que implica sempre espaços abertos à multiplicidade de seres, sugere
o envolvimento contínuo com uma diversidade de becos, ladeiras, matas, encruzilhadas,
mares, largos e lagos.
do mar são ligadas a Yemanjá, cuja principal função é cicatrizante, dar fertilidade e calma.
As águas de minas estão ligadas a Oxum e a Nanã, no que representam força e vitalidade,
sendo muito utilizadas em quartinhas (espécie de moringa) e em assentamentos. As águas
do encontro do rio com o mar estão ligadas a Ewá, cujo recolhimento contribui para a
independência, bom senso e humor. As águas das chuvas estão associadas a Nanã e
Oxum, com função principal de limpeza e descarrego. As águas das cachoeiras estão
ligadas a Oxum e a Xangô, cujo recolhimento fornece alegria e jovialidade. As águas dos
rios quando recolhidas trazem determinação e bons pensamentos, e estão ligadas a Oxum,
como é o caso das águas encontradas em correntezas, e Obá, como é o caso das águas das
margens. As águas provenientes do poço estão ligadas a Nanã, cujo recolhimento serve
para trazer resistência e sabedoria. As águas de lagos e lagoas estão ligadas a Oxumarê,
que fornece os traços da inventividade e imaginação. As águas oriundas do orvalho
servem aos propósitos de Oxalá, e trazem fecundidade, calma e paciência. Todas
movimentam a energia vital que é o axé.
Os orixás femininos são classificados genericamente pelo termo iabás. Três iabás
estiveram mais particularmente vinculadas ao Dique do Tororó, no que faz ser conhecido
como a Bacia de Oxum, Nanã e Yemanjá. Oxum é a divindade por excelência relacionada
ao movimento das águas, por esse motivo vinculada à fecundidade. É regente das águas
doces – rios, fontes e lagos. Nanã está associada à terra, às águas, à lama, aos fundos do
rio. É considerada a orixá mais velha de todos, vinculada à doença e à morte, bem como
à fertilidade. Yemanjá é conhecida pela regência das forças do oceano. É considerada a
mãe de todos os orixás, cujo elemento de fecundidade também está presente. Estas
divindades estão relacionadas por laços de criação, do poder das águas.
A força do ebó
Na cosmologia afro-brasileira, os orixás também se alimentam. “Dar de comer ao
orixá” constitui pressuposto o básico das sacralizações no Candomblé. De acordo com
Bastide (1961): a cozinha é um espaço de ritos, em que as preferências e repugnâncias de
cada divindade se manifestam para a escolha de alimentos fundamentados nos mitos da
vida da divindade. A elaboração dos alimentos sagrados segue o rigor dos cultos, pois,
conforme argumenta Raul Lody (1992: 61), “é na preparação dos quitutes das mesas dos
deuses africanos que constatamos a necessária utilização do dendê, juntamente com as
favas e frutos de origem africana, importantes na realização dos alimentos rituais,
garantindo assim sua eficácia e destinação cultual”.
50
Chamados pelo termo “ebó”, este ritual pode ter composição múltipla, a depender
da finalidade e do orixá – suas preferências e repugnâncias – diferentes elementos podem
compô-lo. Cada divindade tem seus animais, frutas e ervas para o sacrifício. Conforme
Santos (1976: 161): “Toda a dinâmica do sistema Nagô está centrada em torno do ebó, da
oferenda. O sacrifício em toda a sua vasta gama de propósitos e de modalidades,
restituindo e redistribuindo axé, é o único meio de conservar a harmonia entre os diversos
componentes do sistema, entre os dois planos da existência, e de garantir a continuação
da mesma”.
O sacrifício às divindades é responsável por movimentar o axé, de criar espaço.
Sodré (1988: 96) quem argumenta que o axé é fundamentalmente o criador de espaço,
por exemplo, o espaço de um Terreiro, que se vê fundado não sem antes ter reunido uma
multiplicidade de sacrifícios. Bodes, galinhas, pombos, cabras, carneiros, galos, dentre
outros animais, servem aos propósitos do orixá, que se alimenta da moela, do fígado, do
coração, dos pés, das asas, da cabeça e – principalmente – do sangue. É a reunião de
sangue dos animais oferecidos a cada um dos orixás que instaura o espaço sagrado do
Candomblé. Para Bastide (1961: 131): os sacrifícios sangrentos são os principais para a
constituição do axé, pois o sangue é o princípio da vida e “as divindades não podem passar
sem ele”.
O ebó tem sempre qualidades específicas. Para as Iabás geralmente são: para Oxum,
milho branco, xinxim de galinha, ovos, peixes de água doce; para Yemanjá, peixes do
mar, arroz, milho, camarão com coco; para Nanã, milho branco, aros, feijão, mel e dendê.
Neste processo de dar de comer à divindade, conforma nota Rabelo (2015: 245), o apelo
à “composição de conjunto” sempre atrai outros materiais fazendo do rito da oferenda um
processo efetivamente múltiplo.
desempenhadas pelo Candomblé: “Havia barcos que encurtavam o trajeto até o centro e
serviam também para transportar os presentes destinados a uma Yemanjá de águas doces,
cujo local de residência desapareceu sob o aterro da nova avenida que contorna
atualmente o Dique”. (Verger, 2005: 39). Que um local sacralizado tenho sido extinguido
por conta de um novo elemento da paisagem, é sinal que a contingência contida nestes
encontros de trajetórias pode mesmo inviabilizar um uso em detrimento de outro.
De acordo com Dias (2006: 68), e seguindo sua terminologia: os espaços sagrados
do candomblé podem ser territórios contínuos ou territórios descontínuos. Eles podem
efetivamente ser transferidos de endereços físicos por uma diversidade de motivos. Nos
territórios contínuos, isto é, nos espaços do próprio Terreiro, estes podem ser obrigados a
abandonar o espaço. Alguns casos são reflexos diretos do adensamento das áreas verdes
da cidade onde originalmente estavam instalados. Nos territórios descontínuos, isto é, nos
espaços da cidade utilizados para rituais que não podem se passar dentro do Terreiro, a
transferência está também condicionada a diversas contingências espaciais.
Esse encontro de trajetórias, das experiências urbanas do Dique com aquelas
experiências de sacralização pelo candomblé, tem sido problematizado por literatura
especializada como Duarte (2000), Dias (2006) e Velame (2009).
Para Everaldo Duarte (1998): “Em todo lugar onde se encontrem os sinais da
criação, as árvores, os rios nas suas nascentes, os lagos e a fauna em plena liberdade, aí
estarão em harmonia as representações das Divindades da religião Afro-Brasileira”
(Duarte, 1998: 19). Este autor sinaliza haver duas dimensões fundamentais na relação da
pessoa do Candomblé com tais sinais da criação: uma dimensão contemplativa do espaço,
outra da finalidade ritualística, conforme já apontamos. A dimensão contemplativa dos
sinais da criação teria sido o aspecto que mais prejudicado com o acréscimo de processos
urbanos no Dique, conforme reconstrução mitológica deste mesmo autor:
“Havia quem visse Oxum desfilar, majestosa, por sobre as
baronesas que, no verão, floriam todas em seu louvor. Ora
mergulhava, ora flutuava sentada a pentear longos cabelos que se
confundiam com os talos da baronesa. De vez em quando, ela
seduzia um afoito que, sem se dar conta, mergulhava em território
proibido, a bacia que ainda é dela, e não voltava à superfície antes
do terceiro dia; e quando voltava era bem distante, do outro lado
do dique, na bacia dos Eguns, onde os Ancestrais se reúnem para
receber e conversar com os recém chegados no Orum.
(...)
Hoje o dique não é mais o mesmo. Modificou-se dando lugar a
um dos mais belos locais da cidade. A população realmente estava
carente de uma área de lazer tão bonita e ordenada como a que se
52
humanos. Uma multiplicidade de agentes se revelam importantes para que essa oferenda
se encaminhe. Que vai desde o momento quando o jogo de búzios é acionado, para revelar
detalhes importantes do presente, até a entrega em alto mar, formando o que Roger
Bastide definiu como “candomblé marítimo”. Dentre esta multiplicidade de agentes,
distribuídos em acontecimentos vinculados a diferentes espaços do Terreiro e da cidade,
destacaremos um outro evento, que antecede a poucas horas o presente entregue na
Alvorada, o presente para Oxum no Dique do Tororó.
A tradição do presente a Yemanjá no Rio Vermelho foi originalmente empenhada
devido a uma situação de escassez de peixes no ano de 1923. Alguns pescadores foram
convencidos que deveriam fazer uma oferenda a Yemanjá, no que então jogaram flores,
espelhos, batom, dentre outros artigos considerados tipicamente pertinentes às qualidades
femininas das iabás. Esse presente foi entregue no 2 de fevereiro daquele ano, mas não
na praia do Rio Vermelho, sim nas águas do Dique do Tororó. À época, a recomendação
de que deveria ser no Dique foi da Ialorixá Júlia de Bogun, responsável por preparar todo
o alimento oferecido na obrigação religiosa.
Essa história contada por diversos pescadores vem sempre com uma espécie de
lição aprendida e compromisso firmado; a fartura da pesca em 1924 motiva a repetição
do agradecimento e renovação dos laços com Yemanjá. Curiosamente, antes de dar-se
configurada a homenagem a Yemanjá no Rio Vermelho a partir 1924, uma Yemanjá de
água doce era presenteada no Dique do Tororó, conforme apontaram em seus relatos
Pierre Verger (na descrição aqui já citado) e Edison Carneiro na sua obra Religiões
Negras de 1936. Como já foi dito, o Dique se transformou e o local onde se costumava
presentar àquela Yemanjá de água doce foi aterrado. Feito a transferência para o Rio
Vermelho, os festejos foram repetidos ano a ano, se popularizando a cada oferenda. O
evento, frequentado inicialmente somente por pescadores, depois por veranistas e
moradores da cidade, atualmente é destino turístico para estrangeiros de todo o mundo.
Contudo, há vínculos confiados a alguns adeptos do Candomblé que passam ao
largo do conhecimento geral do público da festa, talvez muito em função da parte profana
ter dominado e expandido os limites originários da festividade. Alguns destes vínculos se
revelam no fluxo de exposição, mas continuam reservados à comunidade religiosa. O
exemplo mais marcante disso é o presente para Oxum no Dique: é preceito religioso da
festa agradar com oferendas não somente Yemanjá, mas também Oxum e Nanã. Somente
nos últimos anos que o presente para Oxum no Dique conquistou o interesse midiático e
54
Figura 9: “Mãe de santo Aíce depende de troca de cheque para preparar oferendas” © foto: Ag. A TARDE
tudo que ela fazia dentro daquela cultura, da forma como o mundo
via mãe Aíce, mas que a Bahia virava as costas. Ela herdou da
mãe de santo dela esse fazer do presente, que ficou confuso nos
últimos tempos, eu senti que ela já estava bastante sofrida com os
rumos que o presente de Yemanjá estava tomando. Mas ela jamais
deixou de fazer o outro presente (de Oxum) que é tão importante
quanto. É mais um presente ao qual a Bahia vira as costas, e quase
sai atropelando todo mundo no Dique do Tororó, um dia antes do
presente de Yemanjá. O que é realmente perigoso, fora a falta de
atenção, é a velocidade que os carros descem ali com tantas
senhoras Ialorixás passando. Por que estou falando isso? Ela me
pediu para delatar isso muitas vezes, e agora que ela está ausente,
sua voz continua através dos filhos que ela cuidou. Mãe Aíce é
também a pessoa responsável por cruzar Barra e Ondina, nunca
deixamos de fazer as oferendas, só não vamos aonde o Gandhi faz
o seu padê e dá a sua comida. Esse é o nosso comprometimento
com a realidade e com o cuidado da espiritualidade na Bahia. Ela
tem um terreiro muito bem feito, muito edificado, mas que corre
o risco de desmontar. O mais curioso é quando chego no terreiro,
no dia 2, encontro autoridades, a BBC de Londres,
documentaristas, gente fazendo de tudo. Ela sempre teve esse
poder atrair as pessoas para perto. Mas o maior poder dela, sendo
uma força de Oxóssi, é um dia, em uma quinta-feira (dia do orixá)
nos deixar, mas nos deixa com uma fé ativa, de que há esperança,
de que no nosso desespero sempre podemos encontrar uma
Ialôrixá para nos dar um conselho, para nos conduzir a calma.
Mãe Aíce deixará essa saudade, essa lacuna de alguém que faz o
papel da mãe que não está presente, que está trabalhando ou que
Deus já levou. Ela está no Orum e nós confiamos, vamos tentar
seguir seu legado, porque o presente de Oxum no Dique, não pode
parar. ”
entreaberta, mas era pelo corredor lateral que se fazia a passagem para o local preparado
para recepção. O corredor é estreito, mas prolongado, a linha de bandeirolas azuis
suspensas no alto foram ziguezague até os fundos da casa.
A tranquilidade da rua é contrastada com o movimento de pessoas e coisas que
circulam neste ambiente da casa denominado de Barracão. Os balaios a serem ofertados
já estão prontos. Um adornado com panos azuis e outro adereçado com panos amarelos
brilhosos, no que se destacam a exposição de arranjos compostos por muitas flores de
diversos tipos. Os arranjos se destacam de todos os outros elementos da cena; de fato, são
convidativos aos olhos e ocupam posição de centro. A figura de Mãe Aíce está de um
modo tal concentrada nos balaios que suas mãos aparecem sempre coladas e dispostas a
ajeitar todo o tempo a composição das flores.
É Carlinhos Brown quem puxa alguns cânticos, que se entrelaçam ao som dos
atabaques. Em volta dos balaios, cantos e danças para Oxum formavam um xirê de
pessoas devidamente paramentadas enquanto adeptos da religião, mais afastados, porém
ainda em volta, estava um aglomerado que assistia todo o enlace para com o centro. Um
momento particular de agitação foi num cântico específico:
Oro mi má
58
Oro mi maió
Oro mi maió
Yabado oyeyeo
Oro mi má
Oro mi maió
Oro mi maió
Yabado oyeyeo
Parte dos presentes pronunciou este canto. O acréscimo de palmas forneceu maiores
vibrações para aquela atmosfera já completamente tomada de entusiasmo. No que de
repente cessaram os sons dos atabaques, os versos daquele cântico não mais se repetem
restando apenas o som metálica emitido pelo instrumento agogô. Uma pausa de segundo
para um novo cântico, que marca também o início ritmado de levantar os balaios. Mãe
Aíce não desaparece, acompanha muito proximamente os balaios que logo segue em
procissão pelo corredor estreito.
Acontece tudo muito rápido e simultâneo: os balaios postos zelosamente num carro
de carroceria, onde já estão os atabaques e o movimento de toque contínuo; outros que há
pouco lotavam o Barracão se distribuem noutros carros e numa micro-ônibus. Num dos
automóveis, o silêncio cultivado pelos passageiros era de todo contrastante ao que se
poderia ver em outros carros da procissão que se estendeu pelas ruas do bairro. A agitação
no caminho partia sobretudo da comunidade do Terreiro, no que foi possível acompanhar
a partir de uma transmissão on-line em tempo real da rede social de um dos adeptos.
Efetivamente um clima de festa, com cânticos dos mais diversos.
Saindo do bairro, os carros seguiram em direção ao Dique do Tororó. Um dos
primeiros a chegar foi o que justamente fez o translado dos balaios, de Mãe Aíce e do
movimento sagrado dos atabaques. Aquela configuração espacial do Barracão, do
pequeno aglomerado ao redor dos balaios, volta a ser reproduzida numa das margens do
Dique. Mas desta vez os atabaques ficam ainda mais próximos e as mãos de Mãe Aíce
ainda mais zelosas. Embora já tivessem passado das 1 da manhã, havia certo movimento
no Dique. Em cima de algumas mesas e cadeiras de plástico algumas latas de cervejas já
vazias evidenciavam que outro aglomerado de gente estivera à espera da chega dos
balaios. Rapidamente, os olhares curiosos e com admiração se multiplicaram em volta do
presente que logo breve viria a ser ofertado para Oxum.
O efeito visual do amontado daqueles que participavam do pequeno xirê se
destacava pela maioria dos presentes estar trajada de branco ou amarelo, no que
prolongava o brilho dos panos que enlaçavam os balaios. Poucos minutos depois, o balaio
foi então depositado no barco de nome “Pai Oxalá”, comandado por um senhor negro que
59
Os “fundamentos” do Balaio de Oxum não são expostos por que devem ser
confiados apenas àqueles que participam de todo o processo de sacralização, coautores
da sacralidade instituída pelo sacrifício, que antecede o balaio pronto, e que é sempre
anterior ao que deve ser exposto. Assim, o balaio de Oxum é muito mais um investimento
de processos religiosos postos em envolvimento com a paisagem, do que um cesto com
uma coleção de coisas. Conforme síntese de Rabelo:
Voltando ao balaio de Oxum feito por Mãe Aíce, mais precisamente à lembrança
do filho de santo do Terreiro Ilê Axé Odé Mirim, Luis de Oxossi: “ela cumpria todos os
fundamentos sempre com o coração aberto e depois outro terreiro assumiu o preparo dos
presentes. Mas, espiritualmente, ela ainda os preparava”. É Luis quem lembra o que não
podia faltar no balaio de Mãe Aíce: omolocum (feijão fradinho cozido, refogado com
cebola ralada, pó de camarão defumado, sal, azeite de dendê), ipeté (inhame, camarão
seco, cebola, azeite de dendê) e acaçá (milho branco ralado e cozido). O presente de Oxum
no Dique é fundamentalmente uma experiência de dar de comer ao orixá em sua morada,
a bacia de Oxum.
10
Em decorrência de conflitos fundiários que ameaçavam o terreiro, uma campanha para tombar o terreiro
foi desenvolvida. O antropólogo Gilberto Velho, membro do Conselho do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional e relator do referido processo de tombamento, concluiu recomendado “o tombamento de todo o
sítio, uma área de aproximadamente 6.800m2, com as edificações, árvores e principais objetos sagrados,
acompanhado de todas as medidas necessárias que efetivamente garantam a segurança desse patrimônio”
(VELHO, 2006: 238).
66
conceito de patrimônio, que, outrora limitado à propriedade “de pedra e cal”, passou a
abranger conteúdos culturais.
Três institutos de proteção cultural têm o poder de conferir “patrimônios”. São eles:
o IPHAN, da esfera federal; o IPAC (Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da
Bahia, da esfera estadual) e a Fundação Gregório de Matos (FGM), da esfera municipal.
É digno de nota que os três institutos têm conferido “patrimônios negros”, ou seja,
reconhecido em sua diversa expressividade a herança africana no Brasil, e no sentido mais
particular em Salvador. Participam deste movimento representantes das comunidades de
terreiros, tais como a Associação Nacional Cultural de Preservação do Patrimônio Bantu
(ACBANTU), a Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro-Ameríndia (AFA)
e a Federação Nacional de Culto Afro (FENACAB).
Trata-se de uma história de encontros que nos impõe a tarefa de reconstruí-la, com
o entendimento retrospectivo de que as esculturas e o Dique se entrelaçaram de um modo
tal que efetivamente possuem trajetórias mutuamente transformadas12. Com efeito,
reconstruiremos a trajetória do monumento dos Orixás do Dique que, bem cultural
instalado num espaço público de intensa circulação de pessoas, foi entrelaçado às
trajetórias das políticas culturais baianas e das artes públicas afro-brasileiras, submetido
aos influxos de valorização e crítica, a envolver transações que afetam os cultos afro-
brasileiros. Para tanto, insistiremos naquilo que tão bem notou Emerson Giumbelli
(2014), de que, no Brasil, o que vem sendo definido como “cultura” é fruto do
entrelaçamento produtivo entre religiões e espaço público.
11
Os termos “monumento” e “esculturas”, associados ou não à expressão “... orixás do Dique”, são aqui
equivalentes da Fonte Luminosa dos Orixás do Dique.
12
Tal como apontamos na seção 1.1 desta dissertação, o enunciado “trajetórias mutuamente transformadas”
continua a fazer referência aos argumentos propostos pelo antropólogo Tim Ingold (2015), para o qual os
caminhos de qualquer coisa são como “lugares por onde vários acontecimentos tornam-se entrelaçados”.
(INGOLD, 2015: 307). Voltaremos à Ingold na seção 2.2, quando formos mencionar sua definição de obra
de arte, ou melhor, sua recusa a trata-la como “objeto” senão como “coisa” que se desdobra no mundo. A
esta altura já teremos exposto parte da multiplicidade de trajetórias responsáveis pelo desdobrar das
esculturas do Dique.
70
Falar num processo político das esculturas dos orixás do Dique, como aqui
pretendemos, quer dizer o mesmo que registrar o modo particular pelo qual o Governo da
Bahia pôde legitimá-las enquanto bens culturais da Bahia, mais precisamente da “Bahia
afro”.
Seguindo o itinerário de reflexão do Sansi (2005), optamos por peregrinação de
entendimento sobre a Fonte Luminosa dos Orixás num quadro maior de políticas culturais
do Governo da Bahia na década de 1990. Esse quadro pode ser expresso conforme dois
aspectos do estímulo oficial fundamentalmente necessários para a produção do
monumento. Por um lado, o estímulo ao valor da cidadania, já que o monumento foi
apenas um dos componentes da intervenção urbana que visou alterar a situação de
degradação presente no Dique da década de 1980. Por outro lado, o estímulo ao valor da
identidade cultural, por se tratar de uma homenagem explícita às entidades religiosas dos
cultos afro-brasileiros.
Assim, lançamo-nos à tarefa de investigar as condições que viabilizaram a
instalação do monumento no Dique, bem como o modo pelo qual sua permanência tem
sido assegurada, ainda que muitas mudanças na condução da política institucional baiana
nos últimos vinte anos tenham sido processadas.
“Existe uma cultura baiana com características próprias, originais? ”, essa pergunta
feita retoricamente pelo escritor baiano Jorge Amado foi respondida pelo próprio: “Creio
que sim. Aqui toda cultura nasce do povo, poderoso na Bahia é o povo, dele se alimentam
artistas e escritores. Essa ligação com o povo e com seus problemas é marca fundamental
da cultura baiana”. (AMADO, 1977: 18). Essa originalidade da “cultura baiana”
enaltecida constitui talvez o aspecto mais distintivo de todo a obra literária de Amado.
Neste sentido podemos destacar Jorge Amado como o dos principais responsáveis
por criar certo imaginário de “baianidade” que inclui religiões afro-brasileiras como parte
da “cultura baiana”, imaginário fundamental na inspiração de inúmeros intelectuais
baianos (incluindo estrangeiros naturalizados como Pierre Verger e Carybé). No capítulo
3 do Bahia de Todos-os-Santos..., intitulado de “Turismo na Bahia de Todos os Santos:
realidade e mistérios nos becos e encruzilhadas”, o romancista apresenta inúmeras
estratégias para que o leitor transite imaginativamente pela cidade, oferecendo razões para
a visita presencial Foi exatamente o que ocorreu com Verger e Carybé, ambos foram
seduzidos a conhecer Salvador após terem lido o romance de Amado intitulado de
“Jubiabá”.
signo da Bahia ainda que com perseguições oficiais – tais como aquelas que exigiam para
de todos os candomblés, para que pudessem funcionar, o registro, o pagamento de taxa e
a obtenção de licença da Delegacia de Jogos e Costumes.
Santos argumenta que é fundamental não perder de vista a mudança no olhar das
autoridades sobre o candomblé nas décadas de 1950 e 1960, afinal é bastante significativo
que tenha se tornado “assunto de Estado”. Investigando as matérias publicadas pela
imprensa, Santos percebe determinados padrões de notícias que vão desde queixas de
vizinhos pelo funcionamento de terreiros às relações promissoras do candomblé com o
turismo. A ambiguidade do período denota como as práticas oficiais e de imprensa nestas
duas décadas foram reformuladas em expressão tanto das dificuldades como do
entusiasmo da redescoberta da Bahia como berço da tradição africana no Brasil.
Neste sentido, Santos argumenta que na década de 1970 o vínculo entre o Estado
da Bahia e o candomblé já havia sido estabelecido, transformando a religião em “imagem
força” da Bahia. Trata-se de uma concepção de Bahia afro, ou seja, a Bahia enquanto
“nação” sob critérios estritamente culturais. Seguindo este autor, consideramos
fundamental ressaltar que as políticas de valorização das manifestações afro-brasileiras
74
foram desenvolvidas muito pelo retorno político e econômico que se esperou ao efetivar
a Bahia, mais particularmente Salvador, como polo turístico.
O monumento dos orixás do Dique se destacou por ter levado o poder público a
justificar a obra em termos de fomento à identidade étnico-cultural. Esta justificativa foi
importante pois explicitou a ação estatal de legitimar o componente étnico afro-brasileiro
como crucial para a identidade de todos os baianos. Contudo, de acordo com Sansi (2005),
é preciso levar em consideração para o fato de que as esculturas não teriam sido feitas
somente para os baianos, mas também e principalmente para os turistas. Suscetíveis à
indústria cultural e do turismo, as esculturas do Dique foram desenvolvidas como
expressão da “cultura baiana”, tanto quanto o aproveitamento desta cultura como
componente para o desenvolvimento turístico, produzindo olhares que a classificavam
quase sempre como “exótica”.
13
Dito pelo próprio artista em entrevista que nos concedeu por telefone, em julho de 2016.
77
presidente do IPHAN- RJ, Glauco Campello, que visitou o Dique no final de fevereiro de
1998, revertendo o embargo e autorizando a conclusão da instalação. Os argumentos
utilizados por Campello no parecer foram:
I- O conjunto das esculturas – de caráter popular e alusivas
aos cultos afro-brasileiros – em torno de um esguicho d`água, tem
caráter cenográfico compatível com as características paisagistas
e simbólicas do local;
II- Sua presença não prejudica nem altera a visibilidade do
bem, podendo ser considerada, pelo contrário, um elemento de
sublinhamento de seu uso ritualístico – popular, além de uma
atração a mais para fruição do bem tombado;
III- Ainda que a implantação das esculturas exija a execução de
fundações e estrutura suplementar submersa, para dar a impressão
de estarem pousadas na água, elas podem ser a qualquer momento
removidas;
IV- A presença de uma assembleia de Orixás está em harmonia
com o projeto urbanístico para a área e se acrescenta ao trabalho
realizado pela prefeitura, de agenciamento urbano e despoluição
do Dique. Sendo assim, não nos opomos à sua realização.
(INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO
NACIONAL, Rio de Janeiro, 4/02/1998. Apud DOURADO,
2009: 86)
As críticas legislativas ao projeto e o modo como ACM lidou com a situação serão
examinadas no próximo capítulo, em razão do direcionamento evangélico.
O argumento utilizado por Rubim é que neste primeiro momento o carlismo baiano
foi extremamente dependente da política nacional militar. Findado o período que
compreende o regime militar, teve alguns reveses a partir das derrotas nas eleições
municiais de Salvador nos anos 1985, 1988 e 1992 e nas eleições estaduais para o governo
em 1986. Para Rubim, o modo como ACM reverteu o quadro de derrotas deveu-se ao fato
de passar a dispor de “cargos federais” já no regime democrático de pós 1985. A
continuidade das conexões com o governo federal neste período de transição foi
determinante para a manutenção do poder de influência de ACM na política baiana,
mesmo que o carlismo tenha se tornado oposição nos períodos que compreenderam as
referidas derrotas eleitorais.
Conforme descreve Nunes (2014), o carlismo atuou como força política justamente
por conta do diálogo com a conjuntura nacional, muito em função do protagonismo do
líder ACM:
“no governo (1985-90) ocupando o Ministério das
Comunicações; mantendo relações e dando suporte ao governo
Collor (1991-92), e sendo determinante para a consolidação da
aliança entre PFL e o PSDB em 1994 – tornando-se um dos
principais grupos regionais a dar suporte político ao primeiro
mandato de FHC no Congresso Nacional, tendo grande
participação na composição de governo. O ápice desse período
79
O estético-religioso no Candomblé
destacar como indivíduos com seus estilos pessoais perfeitamente reconhecíveis”. Mas:
“a ideia religiosa não se ‘objetiva’ na peça artística e nem esta é uma mera ‘função’ do
religioso. São antes linguagens diferentes que expressam planos complementares de
significados, ou seja, são fatos sociais estético-religiosos. ” (SILVA, 2008: 99).
Para este autor, na arte religiosa afro-brasileira há duas formas possíveis para
classificar objetos estéticos-religiosos, ambas relacionadas de algum modo ao corpo:
objetos que constituem a ligação entre o orixá pessoal e seu filho e objetos que sinalizam
a presença imanente do orixá na forma de altar individualizado ou coletivo. Um que é
exibido durante as cerimônias públicas, por exemplo expresso na indumentária do orixá
manifestado através da possessão; outro que é ocultado para a composição dos pejis
(altares), formando tudo que diz respeito ao próprio orixá pessoal.
Já os objetos da segunda categoria costumam ser mais desconhecidos, uma vez que
se encontram em quartos ou espaços do terreiro de acesso restrito aos iniciados. De acordo
com Silva:
Trata-se de uma produção artesã e comercialização que até hoje é feita por pessoas
com elevado conhecimento da religião, dos seus códigos e regras de produção. Assim,
cores, formas e materiais são selecionados conforme as prescrições e preferências de cada
orixá. Conforme descreve o autor:
No primeiro subgrupo estão situadas obras de artistas que se deslocam tanto pelo
espaço sacralizado dos cultos afro-brasileiros como pelo espaço legitimado por curadores,
colecionadores, críticos de arte etc. Estes artistas expressam em analogias e reflexões da
vida religiosa, uma recomposição de cenas de rituais, insígnias, desenhos e esculturas
representando os orixás, não obstante a distância que nutrem com os iniciados na religião.
De acordo com Vagner Silva (2008: 109) foi o diálogo entre o terreiro e a sociedade
brasileira abrangente que propiciou o surgimento de artistas cujas produções embora por
vezes seguissem de perto os princípios estéticos deste sistema religioso reelaboram a
experiência religiosa em outros termos, numa nova linguagem que se aproximam ou se
afastam em diferentes graus. Conforme o autor:
14
Disponível em: http://www.museuafrobrasil.org.br/pesquisa/indice-
biografico/movimentosesteticos/arte-afro-brasileira. Acessada em ago. 2018.
86
Podemos destacar primeiro Nina Rodrigues com o artigo As Bellas Artes dos
Colonos Pretos (1904), que empreendeu valorização inédita do que embrionariamente
constituiu a arte afro-brasileira, ainda que em seu pensamento houvessem considerações
que a inferiorizavam ante outras produções pretensamente mais “civilizadas”. Também
podem ser destacados Gilberto Freyre com o artigo O Negro na Arte Popular e Doméstica
de Pernambuco apresentado no Congresso Afro-Brasileiro de Recife (1934); Roger
Bastide com os artigos intitulados Estética Afro-Brasileira que foram publicados no
Jornal Folha de São Paulo, em 1945. Coube ao intelectual e artista Abdias do Nascimento,
organizar exposição para o Museu da Imagem e do Som (MIS/RJ), em 1968, depois de já
ter organizado o I Congresso do Negro Brasileiro (1950). E, assim, deu-se a exposição
que inaugurou a “arte afro-brasileira”, conforme argumento do Índice biográfico, numa
“busca pela ‘estética da negritude’ que (...) passou da pena do intelectual aos arautos da
prática de expor esses objetos. ” (MUSEU AFRO BRASIL)
Convém notar que a distinção entre manifestações artísticas acadêmicas e populares
foi responsável por aproximar a chamada Arte Afro-Brasileira às manifestações
populares; o que só viria a ser revertido a partir de um conjunto de exposições que
explicitamente fez irrelevante a oposição entre o popular e o erudito. É possível destacar
três destas exposições que acrescentaram considerável relevo à Arte Afro-Brasileira: A
Mão do Povo Brasileiro, sob curadoria da Lina Bo Bardi (MASP, 1969), que apresentou
Agnaldo dos Santos, Aurelino dos Santos, Madalena dos Santos Reinbolt, Mestre
Vitalino, Zé Caboclo, entre outros; A Mão Afro-Brasileira (1988), sob curadoria de
87
Emanoel Araujo, que divulgou Wilson Tibério, José de Dome, Rubem Valentim, Hélio
Oliveira, Ronaldo Rêgo, Edival Ramosa, Izidório Cavalcanti, entre outros; o módulo
"Arte Afro-Brasileira" da Exposição 500 anos, sob curadoria de Kabenguele Munanga,
Marta Heloísa Leuba Salum (Lisy) e curadoria geral de Nelson Aguilar, que apresentou
os trabalhos de Pedro Paulo Leal, Heitor dos Prazeres, Niobe Xandó, Mestre Didi, Rubem
Valentim, Agnaldo Manoel dos Santos, Ronaldo Rêgo, Emanoel Araujo, Rosana Paulino.
O monumentalismo afro-baiano
Graças aos trabalhos de artistas como Carybé, Carlos Bastos, Mário Cravo Jr.,
Juarez Paraíso, entre outros, é possível afirmar que esse movimento foi proeminente em
Salvador. Conforme dizer de Mário Cravo Jr., referindo-se à sua própria trajetória como
artista:
O exemplo da escultura do Cristo Exu de Mário Cravo Jr. sinaliza bem o que sua
obra artística pretendeu ser. A dupla referência a Exu (entidade das mais importantes nos
cultos afro-brasileiros) e a Cristo (o principal nome do Cristianismo) faz do trabalho de
Cravo Jr. um manifesto político, que visa justamente provocar a atenção do público.
Ainda que em algumas obras a inspiração seja mais periférica, inspirar-se na temática
afro-religiosa caracterizou muitos dos trabalhos de Cravo Jr. tais como as esculturas da
Sereia de Itapuã (1958) e as com representações dos orixás Oxalá, Yemanjá e Exú na
Agência Central dos Correios do bairro da Pituba (1984), em Salvador.
Octavio de Castro Moreno Filho, mais conhecido como Tatti Moreno, nasceu na
cidade de Salvador em 1944. Família de classe média, moradora do bairro da Graça, era
composta por mãe, irmã e irmão. A mãe atuou na poetisa, sua irmã como pianista e seu
irmão como músico. Quanto a Moreno, teve contato com as artes já no ramo escultural,
aos treze anos, quando manipulava bonecos feitos com distintos materiais. Seu processo
de composição de obras é baseado em experiência com diversos materiais. Em geral
primeiro utiliza argila para modelagem, depois repassa para o gesso ou madeira, e por
último funde em resina de poliéster, com verniz e resina.
As esculturas
Até finalmente ficarem prontas, as esculturas criadas por Tatti Moreno lhe
demandaram trabalho de três anos completos. Utilizou o galpão da antiga Usina do Dique
como local de confecção da obra. Mesmo com a proximidade do local de confecção ao
local de instalação, foi necessário logística para transporte de fez uso de uma carreta de
quase 20 m de comprimento.
15
Baseado nas informações obtidas em entrevista concedida pelo artista em junho de 2016.
90
16
Disponível em: http://www.foradecontroleproducoes.com.br/index.php/tvforadecontrole/colunas/tatti-
moreno. Acessado em: ago. 2018.
91
Indagando sobre a relação de um monumento com o tempo, Sansi (2005) nos brinda
com questão efetivamente interessante ao propor uma comparação entre o monumento
dos orixás do Dique e os assentos do candomblé. Consideramos interessante ao menos
por duas razões: primeiro, pois, tendo sido as esculturas inspiradas em experiências
estéticas baseadas no estético-religioso afro-brasileiro, é necessário compreender como o
fiel afro-religioso então as recepciona; a segunda razão se prolonga à primeira, e é sobre
a “agência” do monumento e do assento, do que são capazes de influenciar em seu próprio
devir de possibilidades tanto da preservação como da perda de sua integridade –
progressiva ou derradeira.
o supracitado artigo em favor de uma descrição e análise sobre as esculturas dos orixás
do Dique que sejam atentas à “irredutível materialidade” ou “territorialidade” do
monumento.
Devemos reconhecer que ainda pouco foi dito sobre a colaboração entre os
materiais que dão vida às esculturas, para lhes fornecer “irredutível materialidade” tal
como sugere Sansi. Sem dúvidas, um relato mais rico sobre obras de artes, bem como
quaisquer coisas, é aquele que torna evidente as relações que lhes constituem; ou seja, é
descrição da reunião de materiais utilizados pelo artista na composição da obra.
No entanto, não nos será possível, por falta de material empírico – de conhecimento
técnico sobre a fundição de materiais e de um detalhado registro do processo de
composição o qual Tatti Moreno precisou remeter. Essa experiência de reunião de
materiais que, juntos, fazem diferença na impressão de um certo estilo da obra, nos
permite tangenciar numa questão cara aos estudos antropológicos da cultura material.
Seguindo os passos embrionariamente sugeridos por Sansi (2005) fomos amparados pelo
projeto antropológico de Tim Ingold (2015), que, curiosamente, enfrenta alguns dos
pressupostos da teoria da agência defendida por Alfred Gell.
Ingold entende que mesmo a noção de “agência” é problemática. Para o autor, Gell
e outros teóricos da cultura material utilizam a noção de “agência” numa lógica
“retrospectiva” (da abdução), isto é, partindo do objeto em direção ao projeto ou intenção
de quem o produziu ou pôs em atividade (segundo o pressuposto de que este seria a fonte
da agência). Essa lógica da abdução (que também conduz a uma determinada leitura da
criatividade) toma o vínculo entre artista e objeto artístico como relação de causa e efeito.
Segundo Ingold, uma análise como a de Gell tem como pressuposto implícito que estamos
lidando com objetos acabados, índices das intenções do artista.
Neste ponto a recusa de Ingold a tratar da obra de arte como “objeto” senão como
coisa, encontramos ressonância nas ideias de Dewey. Ou melhor, na prevalência do seu
conceito de experiência formulado por Dewey, subordinando inclusive o que concebe
como arte: aquilo que o produto faz com e na experiência.
Já dissemos que a colaboração de Mãe Creuza ao projeto das esculturas foi percebida
por Tatti Moreno como solução do problema inicial da flutuação dos materiais. Sem
dúvida, o jogo de búzios foi utilizado pelo artista para envolver aquela comunidade
religiosa buscando com isso legitimação da obra. Com esse mesmo sentido, deu-se a
participação da Federação Nacional do Culto Afro-Brasileiro (FENACAB). O artista
solicitou autorização e acompanhamento da obra por uma comissão dessa Federação, o
que foi prontamente atendido. À época presidida por Luís Sérgio Barbosa, a FENACAB
apoiou e justificou a instalação das esculturas conforme associação entre o processo
religioso do candomblé na paisagem do Dique.
que muitas das práticas afro-religiosos não precisassem ser anuladas ante o predomínio
católico.
Não à toa que a Prefeitura Municipal criou, em 1960, o Centro Folclórico com o
objetivo de congregar manifestações classificadas como folclóricas tais como o samba de
roda, a pescada de rede, a capoeira, o maculelê e o candomblé.
“ (...) Não podemos pensar, nem deixar que nos pensem como
folclore, seita animismo, religião primitiva como sempre vem
ocorrendo neste país, nesta cidade, seja por parte de opositores,
detratores: muros pichados, artigos escritos – “Candomblé é coisa
do Diabo”, “Práticas africanas primitivas ou símbolos litúrgicos
consumidos na confecção de propaganda turística e ainda nossas
casas de culto, nossos templos, incluídos, indicado, na coluna do
folclore dos jornais baianos”. (apud ILÊ AXÉ OPÔ AFONJÁ,
2008: 02)
Tanto foi que críticas foram elaboradas às esculturas enfatizando justamente esse
ponto. Um exemplo notável foi Makota Valdina, liderança religiosa e comunitária do
Terreiro Tanuri Junsara, que afirmou concordar com os termos urbanísticos da reforma
de "revitalização" do Dique, com exceção das esculturas. Valdina foi a principal voz
crítica a associar as imagens de orixás das esculturas à exploração turística e
mercantilização do candomblé. Nesta mesma direção vai a crítica do pesquisador Fábio
Velame (2009). Para ele, a mercantilização dos símbolos afro-brasileiros está inserida
num processo maior de dessacralização que:
Vimos nos tópicos anteriores como o monumento da Fonte Luminosa dos Orixás
do Dique fez parte do processo de consolidação, na década de 1990, da Bahia Afro,
construção intelectual da década de 1940 que foi retomada pelo Governo do Estado entre
as décadas de 1970 e 1990.Vimos que Jorge Amado soube bem lançar as linhas mestras
desse imaginário de “baianidade” comum a artistas como Mário Cravo Jr. e que ainda é
explorado por Tatti Moreno.
Pudemos notar que as esculturas de Moreno se inserem numa trajetória de arte afro-
brasileira, ligada ao movimento monumentalista na Bahia, que efetivamente legou ao
espaço público de variadas cidades brasileiras obras de arte afro-brasileira. Sem dúvida,
esse aspecto da visibilidade pública forneceu especificidade a esse tipo de arte, o que
permitiu que as esculturas dos orixás fossem inscritas num movimento político
institucional que tanto viabilizou processo de patrimonialização como ataques e críticas.
Como forma de concluir este capítulo, iremos fazer conectar as experiências, que
vimos referidas no monumento dos orixás do Dique, a partir do exemplo de outros bens
culturais afro-brasileiros. De início, pontuaremos o trajeto de ataque, censura artística e
também religiosa à produção artística afro-brasileira. E, finalmente, faremos o registro do
processo de patrimonialização destes bens culturais e as repercussões recíprocas deste
fato ao processo de emergência do público e seus problemas.
O artigo As Bellas Artes dos Colonos Pretos que Nina Rodrigues publicado em
1904 constituiu feito pioneiro para os estudos das artes afro-brasileiras, até mesmo na
opção que fez pelo uso do termo “arte”, ao invés de “cultura material” afro-brasileira.
Neste artigo Rodrigues apresenta na introdução fotografia de oito esculturas relacionadas
a orixás, que, esse ponto aqui nos interessa, provavelmente foram apreendidas pela polícia
das primeiras décadas da República. Num período marcado por ataques e censuras aos
terreiros, esculturas como aquelas comentadas por Rodrigues foram visibilizadas em
contextos de acervo viabilizado pelas repressões policiais, conforme atestado por Arthur
Valle, no texto Arte sacra afro-brasileira na imprensa: alguns registros pioneiros, 1904-
1932 (2018), a partir do que foi publicado em jornais e revistas. Enquadrados pelo Código
Penal de 1890, tais peças dos cultos afro-brasileiros foram apreendidas em batidas
policiais.
105
De acordo com Fonseca, a partir dos anos 70 houve uma mudança sensível nas
políticas de preservação que passaram a pontuar não somente aspectos materiais, mas
aspectos relativos à cidadania política, aos direitos de identidades coletivas.
Foram implantadas a Igreja Anglicana (em 1811), a Igreja Luterana (em 1824), a
Igreja Congregacional (em 1855), a Igreja Presbiteriana (em 1859), a Igreja Batista (em
1882) e a Igreja Metodista (em 1890). De acordo com a historiadora Elizete da Silva
(2010), os primeiros a chegar na Bahia foram os anglicanos e em 1821, como
comerciantes, banqueiros, pessoal especializado na construção de ferrovias. Os cultos
eram todos ministrados em inglês.
assemelhassem ao proselitismo. Sem dúvida, não foi sem ambuiguidade que o culto
protestante no Brasil foi iniciado, afinal o posicionamento que lhe coube era sempre
assimétrico ante o poder oficial do catolicismo.
Foi somente no século XX, com o anticlericalismo católico das elites militares da
República, que Estado brasileiro se tornou mais aberto à possibilidade do chamado
“protestantismo missionário” desenvolvido nos Estados Unidos da América. Neste
protestantismo de missão reproduzia-se a tendência norte-americana ao pentecostalismo,
movimento que faz remissão ao gesto presente no episódio do Pentecostes – da descida
do Espírito Santo sobre os seguidores de Jesus Cristo. A Congregação Cristã no Brasil
(em 1910) e a Assembleia de Deus (em 1911) se tornaram marcos expressivos dessa
renovação em retorno aos postulados da Igreja primitiva.
Não iremos aprofundar essa polêmica, pois o nosso objetivo consiste em apenas
situar o quão problemático é classificar univocamente os protestantismos brasileiros,
mesmo o pentecostalismo. Uma revisão de literatura como essa seria por demasiado
extensa e pouco nos serviria. Destarte, selecionamos preliminarmente dois autores que
consideramos para o nosso debate: Paul Freston e Antônio Gouvêa Mendonça. Nos
próximos dois tópicos continuaremos numa apresentação de alguns dos argumentos da
literatura, acionando outros autores para os nossos pontos específicos.
Paul Freston foi o cientista político inglês que legou aos estudos do pentecostalismo
brasileiro a metáfora das três ondas. Freston (2004) credita a expansão pentecostal no
Brasil a três momentos históricos: o primeiro entre os anos 1910 e 1950 sobretudo na
zona rural das regiões Norte e Nordeste, no que prevaleceram a Assembleia de Deus e a
Congregação Cristã do Brasil. O segundo momento compreende os anos de 1950 a 1970,
114
concomitante à urbanização acelerada cujo polo irradiador foi a cidade de São Paulo,
prevalecendo a Deus é Amor e a Igreja Quadrangular. E finalmente, ao menos por
enquanto, o terceiro momento foi iniciado em finais da década de 1970 no Rio de Janeiro
com a IURD, incorporando sem volta a forma de um proselitismo eletrônico, ou seja,
decididamente de comunicação para massas.
A terceira onda é a que este autor centrou maior atenção. Trata-se da onda do
neopentecostalismo, que cruza elementos tanto de ruptura e inovação como de
continuidade. Segundo Freston (1994):
“evangélico”, isto é, que pode fazer referência a três grupos de fieis: os históricos, os
evangelicais e os pentecostais.
São históricos todos aqueles ligados à Reforma, pelo fato de Lutero ter utilizado o
conceito mais do ponto de vista normativo e até equivalente a cristão. Há outra vertente
para entender este conceito. Ao movimento de Oxford, que tentou o caminho de volta à
Igreja de Roma, deu-se em resposta o crescimento da ala conservadora nomeada de
“evangélica” que se movia quase sempre com o receio de um retorno vitorioso à Igreja
Católica. (MENDONÇA, 2006: 93)
de uma população que “se serve” do protestantismo, fazendo com que este se torne um
“pentecostalismo de serviços” bem distante daquele de tipo clássico.
obra do diabo” – passou a ser utilizado pelos veículos midiáticos para caracterizar
justamente a ação pentecostal tanto de expansão religiosa como de conflito religioso.
Recuperando as contribuições de Luiz Eduardo Soares, Milton Bortoleto observa
que neste período de pós reabertura política e promulgação da Constituição Federal de
1988 “a ‘guerra santa’ é tomada como dividendo de um possível novo rearranjo social
brasileiro”, expresso pela diminuição do poder da Igreja Católica e do fortalecimento da
gramática pentecostal com relação aos estratos mais baixos da população brasileira.
(SOARES, 1993 apud BORTOLETO, 2014: 21). De acordo com este autor:
“O argumento central do trabalho de L. E. Soares repousa sobre
a ideia de que na história brasileira anterior aos eventos políticos
de 1964 a argamassa oriunda da cosmovisão da igreja católica
ajudou a solidificar a noção de um Brasil, onde elite e
subalternos eram católicos e o Estado um grande aliado da Igreja
Católica Romana, processo que o autor chamou de projeto de
integração com segmentação vertical. Entretanto, após os
eventos políticos ocorridos na década de 1980, surge, já no
começo da década de 1990, um Brasil menos católico e
crescentemente pentecostal, sintoma de que a Igreja Católica já
não consegue mais aliar elite e subalternos dentro de uma
mesma cosmovisão neste ‘novo cenário democrático e de hiper-
espoliação social’. É neste contexto que outras denominações
religiosas surgem no âmbito das próprias classes subalternas,
evidenciando uma nova característica dos grupos populares, que
‘voltam-se crescentemente para seus sócios de infortúnio,
criando suas próprias redes de solidariedade e competição,
aliança e disputa”. (BORTOLETO, 2014: 27)
história política brasileira, como, por exemplo, atesta a historiadora Elizete Silva (2010)
nos seus estudos sobre a agitação e o entusiasmo dos batistas na Bahia durante a chegada
da República instaurada em 1889.
Da atividade legislativa
da chamada esquerda protestante Celso Dourado; Eraldo Tinoco, de uma das Igrejas
Batistas; e Milton Barbosa da Assembleia de Deus, os dois últimos vinculados
diretamente ao grupo político local chefiado por Antônio Carlos Magalhães. A IURD
elegeu Zelinda Novaes como deputada estadual em 1990, 1994 e 1998. José de Arimateia
foi eleito em 1998.
Álvaro Martins foi um radialista, vinculado a uma das Igreja Batista, atuante como
vereador de 1989 a 2000. A maior parte da sua produção legislativa esteve relacionada à
concessão de títulos de cidadão soteropolitano para lideranças religiosas ou proposição
da condição de "Utilidade pública" para Igrejas e centros de assistência social
administrados por instituições religiosas. É de sua autoria o projeto que renomeou um
logradouro público de Jesus de Nazaré (através do Projeto de Lei 396/ 1991) e outra como
Praça da Bíblia (através Lei n. 246/ 1995). Paradoxalmente, o vereador Martins
apresentou o Projeto de Lei 75/ 1996 que proibiria as nomeações religiosas dos
logradouros públicos. Justificando a contradição inerente com relação a seu histórico de
produção legislativa alegou que os nomes relacionados aos cultos afro seriam ofensivos.
Convém destacar que o vereador Martins foi autor do projeto de lei a proibir o sacrifício
de animais em cerimônias religiosas em 1992, no que tentou apoio do IBAMA, PF e SSPE
não bem-sucedido.
122
Domingos Bonifácio atuou como vereador de 1989 a 2002, ocupando por diversos
momentos a mesa diretora da Câmara. Também se destacou na concessão de “Utilidade
pública Municipal" à IURD (através da PL 266/90). Concedeu moção 06/97 à Rede
Record de Televisão pela implantação da emissora na Bahia. Concedeu a medalha Thomé
de Souza ao Bispo da IURD Marcelo Nascente Pires, que já havia sido honrado com o
título de cidadão soteropolitano dado pelo vereador Geraldo Alves Ferreira. Em 1997
apresentou 2 projetos de lei: PL 06/97 com sugestão da Semana da Consciência
Evangélica.
Eliel Santana iniciou legislatura em 1992. Pedro Melo iniciou legislatura em 1989.
Beto Gaban exerceu mandato da legislatura de 1997 a 2000. Alexandre Bittencourt
Madureira foi eleito em 1996. Explorando as atividades parlamentares destes é possível
verificar expressiva concessão de "Utilidade pública" a Igrejas evangélicas, menções de
honra a personalidades evangélicas, dentre outras ações responsáveis por visibilizar as
instituições religiosas, os atores tanto midiáticos como políticos evangélicos. Foram
diversos os casos de concessão da medalha Thomé de Souza, a mais importante que o
legislativo municipal de Salvador pode conceder.
Trata-se, aliás, de uma interpretação muito particular dos evangélicos, pois como
vimos em capítulos anteriores, o processo das esculturas difere do processo propriamente
afro-religioso que ocorre no Dique, não obstante as mediações estabelecidas entre religião
e arte. Efetivamente, os rituais afro-brasileiros que ocorrem no Dique nada estão
relacionados às esculturas, senão com as divindades das águas a que dedicam em
oferendas.
Do reposicionamento da IURD
dizer que ao ter que “reconhecer” a natureza artística das esculturas, assim o fez negando
o argumento que utilizava anteriormente de que as esculturas de Moreno seriam entidades
religiosas.
Prefeitura de Salvador, ainda que não tenham sido eleitos nesta oportunidade. A crítica
às esculturas desapareceu por completo do discurso dos candidatos da IURD.
A questão levantada por esta candidatura refere-se no final das contas à proibição de
qualquer serviço público e/ou bem público que beneficie qualquer religião, com dinheiro e
atenção pública. Podemos interpretar tais argumentos como um discurso tipicamente cínico,
pois seria possível expandir mais a defesa da laicidade com crítica às concessões de TV,
doações de terrenos públicos, apoios financeiros e isenção de impostos que beneficiam as
igrejas evangélicas. Não deixa de ser relevante a observação de que esse discurso de
128
O caso do Pastor Sargento Isidorio pode também ser apresentado como ilustrativo de
uma carreira na qual a crítica aos “orixás” alimentou sua projeção no cenário político.
Isidorio tem o perfil de performance populista: em seus primeiros discursos na tribuna
levava sempre um botijão de gás de isopor pintado de azul em alusão a uma das suas
bandeiras de campanha, que é redução do preço do gás de cozinha. Foi inicialmente eleito
deputado estadual pelo PT com mandato de 2003 a 2007; depois eleito pelo PSB com
mandato de 2011 a 2015 e reeleito pelo PSC em 2015. Em 2018 se candidatou à Câmara
Federal, sendo o deputado federal mais votado na Bahia.
balanço da produção acadêmica sobre o tema, Milton Bortoleto (2014) observa que os
processos de mutabilidade do próprio fenômeno do conflito foram sintomáticos para a
mutabilidade ocorrida também nos estudos científicos. Para este autor, podemos
distinguir na bibliografia sobre o tema três momentos, que podem ser pensados à luz
dos acontecimentos factuais que mobilizaram o debate público brasileiro.
O primeiro momento pode ser definido pela forma ensaística, num
prolongamento das questões postas por setores da imprensa. O segundo momento pode
ser definido pelo foco nas “novas igrejas pentecostais”. O terceiro momento pode ser
caracterizado pelo foco nas respostas afro-brasileiras. Os dois últimos momentos se
expressam em abordagens que revelam a diversidade de análises e referenciais da
sociologia da religião no Brasil, no que a atenção ao conflito é apenas uma das variáveis
a pesar acerca das instituições religiosas.
Em finais da década de 1980, os pesquisadores da religião no Brasil se
defrontaram com o noticiário sobre o “crescimento desenfreado” das “novas igrejas
pentecostais” e dos ataques públicos às religiões afro-brasileiras. Parte da imprensa
transformou estes ataques em escândalos midiáticos através do uso frequente do termo
“guerra santa”. Foi neste contexto que surgiram os autores do primeiro momento,
destacados como pioneiros da abordagem sobre o conflito religioso no Brasil
contemporâneo. Podemos citar os estudos de M. C. Soares (1990), além do já
mencionado L. E. Soares (1993), que estabeleceram as bases para agendas de pesquisas
vindouras.
A autora M. C. Soares (SOARES, M. C, 1990: 75-76) advogou no início da década
de 1990 que a terminologia da “guerra santa” devesse ser compreendida enquanto
fenômeno articulado ao proselitismo evangélico, em que pese o uso categoria de
“libertação” e o combate sistemático aos malefícios deste mundo, e ao motivo de os
cultos afro-brasileiros terem se tornado o alvo preferencial daquelas ações e
demonstrações proselitistas. Conforme a autora:
“A libertação e a conversão são elementos fundamentais na
construção da identidade desses novos evangélicos. (...) O que
vem sendo denominado de ‘guerra santa’ não são propriamente
os cultos de libertação, que já são uma prática bastante antiga,
existindo rituais semelhante inclusive entre os pentecostais. A
novidade implantada por estas igrejas é o hábito de sair pelas
ruas abordando pessoas e tentando invadir terreiros para
expulsar o demônio no seu próprio reduto. Finalmente, a
chamada ‘fogueira santa’ é o ritual, no qual, uma vez convertido,
o antigo ‘macumbeiro’ queima diante da comunidade – como
131
consideramos válida a afirmação de Bortoleto (2014: 46) que esse acúmulo acadêmico
fez com que a abordagem do conflito sob a perspectiva das religiões afro-brasileiras
permitiu que se pudesse acionar uma quantidade extraordinária de estudos antropológicos
e sociológicos.
O fato interessante do ponto de vista sociológico da vida acadêmica é que um
conjunto de autores que outrora se dedicavam quase que exclusivamente à mitologia e
aos ritos afro-brasileiros passaram a abordar em suas pesquisas o conflito religioso. Dessa
bibliografia responsável por reorientar a abordagem do conflito para este terceiro
momento podemos destacar os autores: Oro (1997) e Silva (2007). Optamos por reter as
contribuições destes dois textos, que, não por acaso estão situados em intervalos de dez
anos, fazem registro de percurso que vai da inércia ao engajamento afro-brasileiro.
O artigo de Ari Pedro Oro Neopentecostais e Afro-Brasileiros: Quem vencerá esta
guerra? (ORO, 1997) é de fato original, demarcador de uma nova orientação de pesquisa,
diferente dos autores da abordagem anterior que se restringiam basicamente aos
neopentecostais. De acordo com o Mariz (1997: 96), Oro vai mais além quando se
pergunta “por que a reação dos membros das religiões afro-brasileiras aos ataques que
vem sofrendo é relativamente débil? ”.
Considerado o que Oro notabiliza observa, ao menos à época de quando escreve esse
texto, há uma inércia das religiões afro-brasileiras que deve ser explicada. Pois:
Uma primeira reposta dada pelo autor é que o ataque às religiões afro-brasileiras tem
sido mais direcionado contra “o povo de santo” em geral que contra indivíduos em
particular. Seguindo uma perspectiva apontada inicialmente por Prandi, Oro observa que
os adeptos das religiões afro-brasileiras tendem a se comportar conforme sua relação
individual com o seu orixá. Por esse motivo, subordinam a qualificação negativa e o
suposto “mal”, atribuídos pelos evangélicos, à vontade das divindades, cabendo a eles
133
Esses dois últimos aspectos são os que o autor considera mais significativos para a
então debilidade das respostas afro-brasileiras. Numa conclusão, o autor argumenta que
as práticas de “intolerância religiosa” são melhor entendidas como situadas em meio aos
casos de heterofobia, que é a fobia do outro conduzindo à agressividade.
II- Nos cultos afro-brasileiros, isto é, as práticas de violência dirigidas aos terreiros e
seus integrantes, que sugere investigação de tipo quase jornalístico policial, mas também
135
IV- Na urbis, que sugere investigação do fluxo da vida religiosa na cidade. Trata-se
de acompanhar as práticas religiosas na cidade que desenrolam de modo conflitivo.
VI- No âmbito específico das instituições políticas e judiciais com ênfase na reação
afro-brasileira, que sugerem atenção ao engajamento afro-religioso na política formal
visando responder institucionalmente as agressões que remetem às situações referidas nos
pontos anteriores.
O Estatuto da Igualdade Racial estatuiu ainda, através do artigo 26, que o Poder
Público seja obrigado a adotar as medidas necessárias para o combate à intolerância com
as religiões de matrizes africanas, com vistas a:
Essa Constituição apresentou ainda, no artigo 275, como dever estatal a garantia da
preservação dos valores afro-brasileiros, se comprometendo a:
Esse plano foi lançado em 2007. Mas antes foi criado em 2006 a Secretaria de
Promoção da Igualdade Racial do Estado (SEPROMI) com poder para implementá-lo.
Pode-se ainda destacar a Rede de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa do
Estado da Bahia, criada sob coordenação da SEPROMI. Trata-se de uma instituição
142
Podemos destacar que o Centro atua nos espaços públicos, inclusive como nos
plantões nas festas de rua de Salvador como no Carnaval. O acolhimento das vítimas é
sempre oferecido por profissionais especializados, outro ponto és biblioteca de relações
raciais itinerante sob guarda do Centro. A lista de eventos organizados pelo Centro é
extensa: conta com oficinas, palestras, sessão de cinema e debates, que visam aproximar
a população das discussões e das iniciativas da Rede e do Centro.
Essa mudança institucional basicamente pode ser referida sob três aspectos
fundamentais: Um aparato institucional vem sempre acompanhado de mais outros dois
aspectos fundamentais deste novo cenário institucional: a construção de um fundo de
recursos e a possibilidade de um quadro técnico que torna viável a implementação das
políticas públicas elaborada conforme os marcos legais.
143
17
Trata-se de uma tendência mundial, iniciada com as Constituições de Portugal (1976) e Espanha (1978),
no qual a Constituição passa a compreender inúmeras matérias que antes eram deixadas para o processo
político majoritário e para a legislação ordinária.
18
Segundo Barroso (2009:02): “o sistema [brasileiro] de controle de constitucionalidade é híbrido ou
eclético, ele combina aspectos de dois sistemas diversos: o americano e o europeu. Assim, desde o início
da República, adota-se entre nós a fórmula americana de controle incidental e difuso, pelo qual qualquer
juiz ou tribunal pode deixar de aplicar uma lei, em um caso concreto que lhe tenha sido submetido, caso a
considere inconstitucional. Por outro lado, trouxemos do modelo europeu o controle por ação direta, que
permite que determinadas matérias sejam levadas em tese e imediatamente ao Supremo Tribunal Federal”.
145
Por fim, o Coletivo de Entidades Negras (CEN), que foi criado em 2003. Umas das
ações do CEN é a Caminhada do Povo-de-Santo. Em 2008, já ocorrendo em IV edição, o
CEN propôs articulação com um conjunto de organizações nacionais, no que resultou a
“Carta de Salvador”, que, dentre outros posicionamentos de estímulo à união, apresentou
a campanha visando o Censo 2010 intitulada de “Quem é de Axé diz que É!”. Tais
articulações possibilitaram que essa Caminhada do Povo-de-Santo se tornasse a partir de
então Caminhada Nacional pela Vida e Liberdade Religiosa.
religioso expresso no âmbito estatal. Com a entrada de organizações religiosas surge uma
rearticulação de religiosos com o estado, estimulada por marcos jurídicos
imprescindíveis. Vimos que a criação de um aparato institucional com organizações
governamentais e do sistema judicial permitiu que afro-brasileiros e aliados pudessem
desenvolver uma linguagem jurídica que se contrapõe ao poder de influência e de crítica
parlamentar evangélica.
Para concluir este capítulo, discutiremos brevemente algumas conexões com outro
caso de conflito expresso em âmbito estatal, mais precisamente no legislativo.
Em 2017, o então deputado estadual Pastor Sargento Isidorio foi responsável por
iniciar controvérsia na ALBA envolvendo outro monumento. Isidorio propôs à Mesa
Diretora da Assembleia da qual fazia parte a instalação do painel ao “Deus de Israel”. O
painel foi orçado em R$ 30 mil reais e de fato instalado no plenário da ALBA para a
surpresa de um bom número de deputados. O monumento faz representação de uma arca
e uma pomba branca.
A deputada Luiza Maia (PT) afirmou na tribuna que a instalação do painel
Deus de Israel foi um equívoco da Mesa Diretora da Assembleia, que se trata de uma
Casa Legislativa e que o Estado laico não permite uma manifestação como essa no
plenário. O deputado estadual Bira Coroa (PT) ironicamente ameaçou levar
representação de mães-de-santo, pais-de-santo, negros e caciques tupinambás exigindo
da Mesa Diretora da Assembleia que também exponha 13 orixás do candomblé,
inquices e voduns e as imagens de Buda e de Tupã em painéis no plenário da Casa. A
justificativa do deputado foi no mesmo sentido daquela utilizada por Isidorio para
aprovar o painel Deus de Israel, a Arca da Aliança e a Bíblia. O deputado afirmou que
se o Estado é laico não apenas os evangélicos devem ser protegidos de discriminação,
mas quaisquer outros segmentos religiosos. Coroa argumentou ainda que, uma vez
mais próximos do povo baiano e de sua cultura, os painéis em homenagens aos orixás
merecem também estar presentes. Isidorio respondeu acusando os colegas de
“intolerantes”. Sua argumentação era a de que a crítica ao “Deus de Israel” fere o princípio
isonômico do Estado laico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
europeização dos centros urbanos brasileiros, mas também sinaliza para uma política de
controle territorial mais eficaz para a ameaça externa, mas também para a ameaça interna,
principalmente pela rebeldia escrava incorporada no “negro fujão” e os expulsos de toda
sorte do projeto urbanístico de Salvador. Os aterramentos do Dique no século XIX
permitiram a construção das estradas de acesso conectando as vias de integração da
cidade. Desta data em diante o que venceu foi o Projeto Urbano para Salvador que
dizimou a Mata Atlântica, com consequências políticas notadamente antiecológicas. Em
contraposição, temos o interesse ecológico afro-brasileiro oriundo do olhar o Dique como
a Bacia de Oxum, onde sacralizações se fazem carregadas de significação – a exemplo da
alvorada dos ojás, ocorrida em novembro de 2018, expressa mais abaixo pelas fotografias
de Diogo Andrade.
153
154
155
REFERÊNCIAS
DEWEY, John. A filosofia em reconstrução. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1958.
DEWEY, John. Democracia e Educação. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1952.
DIAS, Jussara C. Rego. Territórios do candomblé: a desterritorialização dos terreiros na
Região Metropolitana de Salvador, Bahia. GeoTextos, vol. 2, n. 2, 2006, 31-85.
DIAS, Jussara C. Rego. Territórios do Candomblé: A Desterritorialização dos Terreiros na
Região Metropolitana de Salvador. Dissertação de Mestrado. UFBA. Salvador, 2003.
DUARTE, Everaldo. “O terreiro do Bogum e o Parque de São Bartolomeu”. In: Memorial
Pirajá Historia, Natureza e Cultura. Parque Metropolitano Pirajá. Salvador: Editora do
Parque, 1988.
DUARTE, Everaldo. Religiosidade no Cotidiano Baiano-O Dique do Tororó. In:
MARTINS, Cleo.; LODY, Raul (orgs). Faraimará - O Caçador traz Alegria: Mãe Stella, 60
anos de Iniciação. Rio de Janeiro: Palias, 2000.
FERRETI, S. F. Sincretismo, religião e culturas populares. Goiânia: Ellos, 2004.
FLEXOR, Maria Helena Ochi. A migração e a arte moderna na Bahia. In: A Cor das
Letras, Feira de Santana: Editora UEFS, 1997, v. 1, p. 173-180.
FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo. Rio de Janeiro: UFRJ/Iphan,
1997.
FRESTON, Paul. Protestantes e política no Brasil: Da constituinte ao impeachment.
Campinas, Universidade Estadual de Campinas, 1993. Tese de doutorado em Ciências
Sociais.
FRESTON, Paul. “Breve histórico do Pentecostalismo brasileiro”. In: ANTONIAZZI,
Alberto et alli. São Paulo, Petrópolis, Vozes, Nem Anjos, Nem Demônios, interpretações
sociológicas do Pentecostalismo 1994.
FRESTON, Paul. Protestant Political Parties: A Global Survey. Aldershot: Ashgate, 2004.
GIUMBELLI, Emerson. Símbolos religiosos em controvérsia. São Paulo: Terceiro Nome,
2014.
GODOFREDO; REBOUÇAS, D. Salvador da Bahia de Todos os Santos no Século XIX.
Salvador: Odebrecht, 1996.
HABSBURGO, Maximiliano de. Bahia 1860. Esboços de Viagem. Tradução: Antonieta da
Silva Carvalho e Carmem Silva Medeiros. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; Bahia:
Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1982.
HILL, Henry. Comércio do Brasil em 1808. Salvador: Banco da Bahia S.A., 1964.
IBGE. Censo 2010: população do Brasil é de 190.732.694 pessoas. Disponível em:
http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1766
157
INGOLD, Tim. Estar vivo: ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2015.
LÉPINE, Claude. Os estereótipos da personalidade no candomblé nagô. In: MOURA, Carlos
E. M. da. (org.) Candomblé: religião do corpo e da alma: tipos psicológicos nas religiões
afro-brasileiras. Rio de Janeiro: Pallas, 2000.
LODY, Raul. Tem Dendê, tem Axé: Etnografia do dendezeiro. Rio de Janeiro: PALLAS,
1992.
LODY, Raul. O Negro no Museu Brasileiro: Construindo identidades. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2005.
MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil.
Edições Loyola, 1999.
MARIZ, Cecília Loreto. Reflexões sobre a reação afro-brasileira à guerra santa. Debates do
NER, v. 1, n. 1, 1997.
MASSEY, Doreen. Pelo espaço: Uma Nova Política da Espacialidade. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2005.
MENDONÇA, Antonio Gouvêa. Evangélicos e pentecostais: um campo religioso em
ebulição. In: TEIXEIRA, Faustino Luiz Couto; DE CASTRO MENEZES, Renata. As
religiões no Brasil: continuidades e rupturas. Editora Vozes, 2006.
MONTEIRO, Yara Nogueira. Pentecostalismo no Brasil: os desafios da pesquisa. Revista
de Cultura Teológica, v. 13, p. 7-20, 1995.
MUSEU AFRO BRASIL. Índice biográfico. (verbete "A 'pré'-história do conceito de Arte
Afro-Brasileira" de "Movimentos estéticos").
MUNANGA, Kabengele. Arte afro-brasileira: o que é, afinal? In: Catálogo Mostra do
Redescobrimento – Brasil 500 é mais. São Paulo: Associação Brasil 500 anos Artes Virtuais,
2000.
NASCIMENTO, Íris da Silva Salles. O espaço do terreiro e o espaço da cidade. Dissertação
(Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo,
Universidade Federal da Bahia, 1989
NOGUEIRA, Rita de Cássia Cordeiro Nogueira. Dique do Tororó – Proposta e Intervenções
em um Espaço Público. Dissertação de Mestrado em Arquitetura na Universidade Federal da
Bahia. Salvador, 2000.
NOVAES, Regina. A divina política. Notas sobre as relações delicadas entre religião e
política. Revista USP, (49), 60-81. 2001. Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.2316-
9036.v0i49p60-81
158
SOARES, M. C. Guerra Santa no País do Sincretismo. In: LANDIM, L. (org.) Sinais dos
tempos: Diversidade Religiosa no Brasil. Cadernos do ISER n. 23. Rio de Janeiro, p. 75-104,
1990.
SODRÉ, Muniz. O Terreiro e a Cidade. A Forma Social Negro-brasileira. Petrópolis. Ed.
Vozes, 1988.
SOUZA, Marcelo. J. L. O território: sobre espaço e poder, autonomia e desenvolvimento.
In: Geografia: Conceitos e Temas. Rio de Janeiro, Editora Bertrand Brasil, 1995.
TEIXEIRA, Marli Geralda. Os batistas na Bahia, 1882-1895: um estudo de historia social.
1975. Tese de Doutorado. Universidade Federal da Bahia.
VALLE, Arthur . Arte sacra afrobrasileira na imprensa: Alguns registros pioneiros, 1904-
1932. 19&20 (RIO DE JANEIRO) , v. XIII, p. n. p., 2018.
VELAME, Fábio Macêdo. Orixás nos espaços públicos de Salvador: um processo de
dessacralização–estetização–espetacularização do patrimônio afro-brasileiro. 2009.
VELHO, Gilberto. Patrimônio, negociação e conflito. Mana [online]. 2006, vol.12, n.1,
pp.237-248
VERGER, Pierre. Retratos da Bahia: 1946 a 1952. Salvador: Corrupio, 2005.
VERGER, Pierre. Orixás: deuses iorubás na África e no Novo Mundo. Salvador: Editora
Corrupio Comércio, 1981.