2015 Marinoni Luiz Tutela Contra Art 497 CPC 2015

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TUTELA CONTRA O ILÍCITO

(ART. 497, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC/2015)

Luiz Guilherme Marinoni*

1 – A TUTELA CONTRA O ILÍCITO NO CPC/2015

A
mais importante forma de tutela jurisdicional do novo Código de
Processo Civil está prevista no seu art. 497, parágrafo único. Diz esta
norma: “Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer
ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica
ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resulta-
do prático equivalente. Parágrafo único. Para a concessão da tutela específica
destinada a inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito, ou
a sua remoção, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da
existência de culpa ou dolo”.
O art. 497, parágrafo único, do novo Código de Processual Civil consagra
a necessidade de tutela jurisdicional contra o ato contrário ao direito, ou melhor,
de tutela jurisdicional contra o ilícito. A norma elenca duas formas de tutela
jurisdicional contra o ilícito: i) a tutela inibitória, que pode ser voltada contra
a prática, a repetição ou a continuação de um ilícito; e ii) a tutela de remoção
do ilícito, direcionada à remoção dos efeitos concretos da conduta ilícita.
Mais do que isso, a norma afirma a dissociação entre ato contrário ao direito
e fato danoso, deixando claro que tais tutelas não têm como pressuposto o dano
e os critérios para a imputação da sanção ressarcitória, ou seja, a culpa e o dolo.

2 – A TUTELA RESSARCITÓRIA PELO EQUIVALENTE COMO


RESPOSTA DE UM ESTADO NÃO PREOCUPADO EM GARANTIR
A INTEGRIDADE DOS DIREITOS
Existe um dogma – de origem romana – no sentido de que a tutela ressar-
citória é a única forma de tutela contra o ilícito. Isso quer dizer que a unificação

* Professor titular da Universidade Federal do Paraná.

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entre as categorias da ilicitude e da responsabilidade civil, já realizada no direito


romano, percorreu a história do direito, inclusive do direito processual civil,
sem suscitar maior inquietude de parte da doutrina. Pior do que isso: chegou-se
a identificar o ilícito com o ressarcimento em dinheiro.
Portanto, é preciso perceber não apenas os motivos que conduziram à
unificação entre o ilícito civil, o fato danoso e o ressarcimento em dinheiro, mas
também como eles repercutiram sobre o processo civil. Embora essa história
seja bastante antiga, é oportuno considerar a questão a partir do direito liberal
clássico. Nessa época, diante da ideia de equivalência das mercadorias, o bem
objeto do litígio era visto como uma “coisa” dotada de valor de troca. Assim
como o valor da lesão era passível de aferição em pecúnia, entendia-se que os
direitos podiam ser adequadamente tutelados por meio do ressarcimento em
dinheiro1.
Não se pode deixar de perceber que, dentro da lógica do liberalismo
do século XIX, há um claro nexo entre o princípio da abstração das pessoas e
dos bens e a tutela pelo equivalente. Se os bens são equivalentes e, assim, não
merecem tratamento diversificado, a transformação do bem em dinheiro está
de acordo com a lógica do sistema, cujo objetivo é apenas sancionar o faltoso,
repristinando os mecanismos de mercado. Por outro lado, se o juiz não pode dar
tratamento distinto às necessidades sociais, nada mais natural do que unificar
tal forma de tratamento, dando ao lesado valor em dinheiro.
Se todos são iguais – e essa igualdade deve ser preservada inclusive no
plano do contrato –, não há razão para admitir uma intervenção judicial mais
incisiva diante do inadimplemento para a obtenção da prestação in natura.
Se o princípio da igualdade formal atua da mesma forma diante do contrato e
do processo, bastaria ao juiz conferir ao lesado a tutela pecuniária. A sanção
pecuniária teria a função de “igualizar” os bens e as necessidades, pois se tudo
é igual, inclusive os bens – os quais podem ser transformados em dinheiro –,
não existiria motivo para pensar em tutela judicial específica. No direito libe-
ral antigo, os limites impostos pelo ordenamento à autonomia privada são de
conteúdo negativo, gozando dessa mesma natureza a tutela pelo equivalente2.
Portanto, as perdas e danos seriam necessários não só para conservar o
dogma da “neutralidade” do juiz, como também para manter em funcionamento
os mecanismos de mercado. No “mercado” pouco importam as qualidades do
sujeito ou as dos bens, de modo que a tutela pelo equivalente, ao expressar

1 SALVI, Cesare. Legittimità e “razionalità” dell’art. 844 Codice Civile. Giurisprudenza Italiana, 1975,
p. 591 e ss.
2 MAZZAMUTO, Salvatore. L’attuazione degli obblighi di fare, p. 37.

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apenas o custo econômico do valor da lesão, mantinha íntegros os mecanismos


do próprio mercado, sem alterar a sua lógica3.
Sendo o princípio da igualdade formal imprescindível para a manutenção
da liberdade e do bom funcionamento do mercado, não há como pensar em
forma de tutela que tome em consideração determinados interesses socialmente
relevantes – ou em “técnica processual diferenciada” –, a revelar a necessidade
de conferir “tratamento diferenciado” a situações e posições sociais diver-
sas. A tutela ressarcitória pelo equivalente não se importa com as diferentes
necessidades e espécies de bens ou mesmo pressupõe qualquer programa de
proteção das posições sociais mais frágeis. Esta forma de tutela jurisdicional,
na medida em que desejava apenas conservar em funcionamento o mercado na
perspectiva do princípio da igualdade formal, ignorava as características e as
necessidades socialmente diversificadas, limitando-se a exprimir a equivalência
das mercadorias4.
Se as pessoas e os bens não precisam ser tratados de forma diferenciada,
também não há razão para pensar em tutela preventiva – e, muito menos, em
tutela contra o ato contrário ao direito –, que assume importância apenas em um
contexto de Estado preocupado em cuidar de maneira diferenciada de determi-
nadas situações. Recorde-se que os direitos fundamentais, no constitucionalismo
liberal-burguês, eram vistos somente como direitos de defesa contra o Estado.
O direito liberal se importava com a defesa da liberdade contra as eventuais
agressões da autoridade estatal e não com as diferentes necessidades sociais
do grupo. O Estado não dirigia uma política destinada a garantir determinadas
necessidades sociais, não interferindo na sociedade e no processo econômico
de modo a tutelá-las.
A confusão entre tutela contra o ilícito e tutela ressarcitória pelo equiva-
lente, portanto, tem raízes na monetização dos direitos, acentuada pelos valores
do Estado liberal antigo, em que o equivalente em pecúnia, sem pôr em risco
a liberdade, mantinha em funcionamento os mecanismos do mercado. A tutela
jurisdicional não tinha qualquer preocupação de fazer valer o desejo das nor-
mas ou de tutelar os direitos – garantindo a sua integridade ou repristinação –,

3 Como observa Adolfo di Majo, “le dottrine giuridiche dell’Ottocento, dopo la parentesi medioevale,
recuperano appieno il principio romanistico (della prevalenza) della condemnatio pecuniaria, dovendo
apparire, questa prevalenza, come la più funzionale alle esigenze del mercato. Nel mercato, com’è
noto, non contano le qualità dei soggetti né quelle dei valori od interessi in esso presenti (astrattezza
dei valori). In presenza di atti e/o di fatti che comportano inadempimento di obblighi e/o violazioni di
diritti, la linea tendenziale è di imporre al responsabile il mero ‘costo economico’ di sifatti compor-
tamenti, tendendosi in tal modo a riprodurre i meccanismi di mercato alterati” (MAJO, Adolfo di. La
tutela civile dei diritti. Milano: Giuffrè, 1993. p. 156).
4 MAZZAMUTO, Salvatore. L’attuazione degli obblighi di fare, p. 38.

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mas apenas de prestar um equivalente ao sinal da lesão, o que significa dizer


que a jurisdição não tinha como meta primária a tutela dos direitos. A sanção
do faltoso pressupunha a intangibilidade da sua vontade e a equivalência dos
bens a evidenciar a liberdade individual e o equilíbrio do mercado como limite
e justificativa de uma tutela jurisdicional de natureza negativa.

3 – PRIMEIROS PASSOS EM TORNO DO FUNDAMENTO DA TUTELA


CONTRA O ILÍCITO

Uma das mais importantes conquistas da doutrina, para efeito de tutela


jurisdicional adequada, está na distinção – elaborada a partir de uma revisão
do conceito de ilícito civil – entre ato ilícito e fato danoso5.
A necessidade de uma tutela antecedente ao dano levou os estudiosos a
tentar explicar o fundamento e a finalidade desse tipo de tutela. Se a tutela não
visa reparar o dano, qual seria o seu fundamento e escopo? Esta pergunta foi
respondida, no curso da evolução da doutrina, de várias formas.
Afirmou-se, em doutrina elaborada há bastante tempo, que a “ação”
(física), em alguns casos, pode não resultar em um evento danoso; lembrou-se,
ainda, que podem ser praticados atos preparatórios voltados a uma finalidade,
sem que a ação seja praticada e, também, que a ação pode ser apenas anunciada
como propósito, sem que qualquer ato seja praticado. Muito embora não veri-
ficado o dano ou mesmo praticada a ação, entendeu-se que a prática da ação,
dos atos preparatórios ou o simples anúncio da ação como conteúdo de um
propósito não poderiam deixar de ter significado. Foi aí que surgiu a distinção,
realizada no interior da categoria da ilicitude civil, entre o “ilícito de perigo”
e o “ilícito de lesão”6.
Essa distinção, realizada por Candian, é uma das tentativas iniciais de
se explicar a diferença entre tutela preventiva e tutela ressarcitória, a primeira

5 “Com’è noto, a partire dalla metà degli anni 60 un consistente orientamento dottrinale ha posto in luce
l’importanza della distinzione tra illecito (come condotta antigiuridica) e danno, come fatto storico,
materiale, che può essere (eventuale) conseguenza dell’illecito, o può derivare da fatti non suscettibili
di tale qualificazione” (Michele Mòcciola, Problemi del risarcimento del danno in forma specifica
nella giurisprudenza. Rivista Critica del Diritto Privato, 1984, p. 367). E eis o que diz Salvi: “Il ri-
ferimento all’art. 2043 codice civile ha un significato innovatore, se si traggono tutte le conseguenze
dalla revisione che la dottrina più recente ha operato dell’intera materia dell’illecito civile. Uno dei
più proficui risultati di tale revisione appare, infatti, la netta distinzione tra atto illecito e fatto dannoso
da cui deriva la responsabilità civile” (SALVI, Cesare. Legittimità e ‘razionalità’ dell’art. 844 Codice
Civile. Giurisprudenzaitaliana, 1975, p. 590).
6 CANDIAN, A. Nozioni istituzionali di diritto privato. Milano: Giuffrè, 1946. p. 119.

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voltada contra o ilícito de perigo e a segunda dirigida contra o ilícito de lesão7.


Candian, ao mencionar uma série de casos que configurariam exemplos de tutela
contra o ilícito de perigo, agrupou em uma mesma categoria a tutela cautelar e
a tutela inibitória, realizando uma sensível ampliação da noção tradicional de
ato conservativo8. Porém, transparece da doutrina de Candian uma clara preo-
cupação em evitar o dano e não o ato contrário ao direito; quando Candian fala
em ilícito de perigo, como categoria contraposta à de ilícito de lesão, fica claro
que o ilícito de perigo diz respeito a um perigo de dano. É evidente, portanto,
que a elaboração de Candian não pode ser aceita como adequada à explicação
de tutela contra o ilícito9, já que marcada por uma preocupação em evitar o
dano e não o ato contrário ao direito10.
Lodovico Barassi, outro conhecido civilista italiano, tratando da “pre-
venzione del fatto danoso”, perguntou se é possível admitir uma ação destinada
“a prevenir as lesões jurídicas”. Segundo Barassi, uma ação desse tipo objetiva
fazer cessar um estado atual de coisas que necessariamente deve conduzir a
uma futura lesão; uma ação dirigida sobretudo a obter que uma pessoa desista
de um determinado comportamento, ou mesmo o modifique11. Ao descrever
alguns casos que constituiriam exemplos de tutela preventiva, adverte Barassi
que as situações às quais as ações preventivas fariam referência constituiriam
o ilícito de perigo, que se distinguiria, assim, do ilícito de lesão12.
Barassi deixa transparecer com toda nitidez que a tutela preventiva é vol-
tada a prevenir o dano, o que não o impede, portanto, de aderir à terminologia
utilizada por Candian, e de falar de “ilícito de perigo” e de “ilícito de lesão”.
A tutela dirigida a fazer cessar uma atividade ilícita (ilícito de perigo) teria na-

7 Idem, ibidem.
8 Idem, ibidem, p. 120-121.
9 Ver, nesse sentido: FRIGNANI, Aldo. Azione in cessazione. Novissimo digesto italiano, 1980, p. 654;
RAPISARDA, Cristina. Inibitória. Digesto delle discipline privatistiche, v. 9, p. 480.
10 É interessante ressaltar, porém, que Candian fala em prevenção do ilícito como princípio geral do
ordenamento jurídico: “Quanto alla ragione determinante delle autorizzazioni e delle iniziative, rispetti-
vamente impartite e consentite dall’ordinamento, essa risiede in una immanente esigenza di economia.
A parte, infatti, le ipotesi in cui il danno è per sua natura (come quello proveniente dalla insolvenza
del debitore) insuscettibile di riparazione, l’ordinamento manifesta, con numerose disposizioni, la
tendenza a preferire le misure della prevenzione, dovunque siano possibili, a quelle della riparazione
o della pena o del risarcimento, cioè in genere alle misure repressive (inteso il termine in senso lato).
Appunto la varietà delle situazioni alle quali, con le numerose norme citate, ed altre ancora, si è voluto
provvedere, dà per certo che non tanto si tratta di singole disposizioni da applicare ai casi di volta in
volta preveduti, quanto di un principio generale dell’ordinamento giuridico: di un principio, appunto,
inspirato alla ora cennata esigenza economica” (CANDIAN, A. Nozioni istituzionali di diritto privato,
cit., p. 121).
11 BARASSI, Lodovico. La teoria generale delle obbligazioni. Milano: Giuffrè, 1964. p. 429.
12 Idem, ibidem, p. 429.

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tureza preventiva, porque destinada a impedir um futuro dano. De acordo com


Barassi, a tutela preventiva pode ser utilizada para impedir a continuação de um
estado atual de coisas que já provocou um dano, mas que ainda pode provocar
outro, e mesmo para impedir a continuação de um estado atual de coisas que,
ainda que não tenha causado algum dano, provavelmente pode ocasioná-lo13.
A posição de Barassi merece a mesma crítica que foi endereçada à dou-
trina de Candian. Barassi, ao falar em ilícito de perigo, alude a um estado atual
de coisas (uma atividade ilícita) que pode causar dano. A tutela contra o ilícito
de perigo, portanto, seria uma tutela contra o perigo de dano.

4 – O TEMA DA TUTELA CONTRA A CONCORRÊNCIA DESLEAL


O tema da tutela contra a concorrência desleal contribuiu para a dou-
trina italiana estabelecer a diferença entre ilícito e dano para efeito de tutela
jurisdicional. Para que se perceba a razão pela qual a doutrina foi obrigada
a aprofundar o estudo do conceito ilícito é necessário considerar a estrutura
normativa italiana da tutela contra a concorrência desleal, que deu origem a
diversas espécies de tutelas voltadas à proteção do empresário14.
O Código Civil italiano, ao tratar do assunto, além de estabelecer quais
são os atos que configuram concorrência desleal, prevê três espécies de tutela
jurisdicional: a tutela inibitória, a tutela reintegratória e a tutela ressarcitória.
Afirma o art. 2.599 que a sentença que declara a existência de atos de concor-
rência desleal inibe a sua continuação e confere as providências necessárias a
fim de que sejam eliminados os seus efeitos. O art. 2.600, complementando o
leque da tutela jurisdicional contra a concorrência desleal, dispõe que, se os
atos são praticados com dolo ou culpa, o seu autor fica obrigado a ressarcir
o dano. Note-se que o art. 2.600, ao disciplinar a tutela ressarcitória, exige a

13 Idem, ibidem, p. 430.


14 Sobre a problemática da tutela contra a concorrência desleal, ver: BENUCCI, Eduardo Bonasi. Atto
illecito e concorrenza sleale. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1957, p. 563 e ss.;
SPOLIDORO, Marco Saverio. Le misure di prevenzione nel diritto industriale. Milano: Giuffrè, 1982;
ASCARELLI, Tullio. Teoria della concorrenza e dei beni immateriali. Milano: Giuffrè, 1957; SANTINI,
Geraldo. Concorrenza sleale ed impresa. Rivista di Diritto Civile, 1959, p. 125 e ss.; JAEGER, Pier
Giusto. Valutazione comparativa di interessi e concorrenza sleale. Rivista di Diritto Industriale, 1970,
p. 38 e ss.; GHIDINI, Gustavo. La repressione della concorrenza sleale nel sistema degli artt. 2598 ss.
cod. civ. Le sanzioni. Rivista di Diritto Civile, 1970, p. 329 e ss.; FRANCESCHELLI, Remo. Studi
sulla concorrenza sleale. La fattispecie. Rivista di Diritto Industriale, 1963, p. 269 e ss.; AULETTA,
Giuseppe. Divieto di concorrenza e divieto di concorrenza sleale. Diritto e giurisprudenza, 1956, p. 279
e ss.; MINERVINI, Gustavo. Concorrenza e consorzi. Milano: Vallardi, 1965. p. 51 e ss.; SERTORIO,
Marco. Illecito civile, concorrenza, prescrizione. Archivo della responsabilità civile e dei problemi
generali del danno, 1964, p. 122 e ss.; MOSCO, Luigi. La concorrenza sleale. Napoli: Jovene, 1956.
p. 188 e ss.

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culpa ou o dolo, enquanto o art. 2.599, ao disciplinar a tutela inibitória e a tu-


tela que tem por fim remover os efeitos dos atos praticados, prescinde de tais
elementos subjetivos.
O art. 2.043 do Código Civil italiano afirma que qualquer fato doloso
ou culposo, que ocasione a outrem um dano injusto, obriga ao ressarcimento
do dano. Uma vez que a tutela contra a concorrência desleal, fora a tutela res-
sarcitória, não requer dano, culpa ou dolo, tornou-se necessária a separação
das tutelas inibitória e reintegratória contra a concorrência desleal da tutela
contra o dano (por ela produzido), que até então era vista como a única tutela
contra o ilícito.
Parte da doutrina, ainda ligada à ideia de que o dano constitui elemento
imprescindível à configuração do ilícito, chegou a propor uma dicotomia dos
atos de concorrência desleal, os quais, quando culposos e danosos, ficariam
enquadrados no conceito de ato ilícito, e em hipótese diversa, classificados de
modo totalmente autônomo15.
Uma outra parte da doutrina, porém, distanciou conceitualmente o ilícito
que abre ensejo para as tutelas inibitória e reintegratória do ilícito que requer
necessariamente o dano. Esta doutrina estabeleceu algumas premissas que são
fundamentais dentro do esforço de revisão do conceito de ilícito. Afirmou-
se que o art. 2.043 do Código Civil não descreve o ilícito – como supunha a
doutrina mais antiga –, mas apenas configura a responsabilidade pelo dano.
Deduziu-se, nesta linha, que a tutela ressarcitória não é a única forma de tutela
contra o ilícito16 e que a culpa é uma condição (geralmente) necessária para o
ressarcimento do dano, mas não para a ilicitude do ato17.
Para evidenciar que o dano não é elemento constitutivo do ilícito,
argumentou-se que, quando se diz que não há ilícito sem dano, identifica-se

15 Ver: BENUCCI, Eduardo Bonasi. Atto illecito e concorrenza sleale. Rivista Trimestrale di Diritto e
Procedura Civile, 1957. p. 565. Ver, também, MOSCO, Luigi. La concorrenza sleale. Napoli: Jovene,
1956. p. 188 e ss.
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É o que admite Bonasi Benucci no mais importante trabalho sobre o ilícito dentro do tema da concor-
rência desleal: “Ci sembra indubbio che l’art. 2043 si limiti a porre in forma generalissima le condizioni
cui è sottoposta l’insorgenza dell’obbligo a risarcire il danno conseguente all’illecito, ma che esso non
descriva l’illecito, né esaurisca la specificazione dei mezzi di tutela che l’ordinamento offre a colui che
sia vittima dell’illecito stesso” (BENUCCI, Eduardo Bonasi. Atto illecito e concorrenza sleale. Rivista
Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1957, p. 567).
17 “Essendo quindi anche la colpa una condizione normalmente necessaria (salvo eccezioni che si vanno
facendo sempre più numerose, ma che, appunto per il loro carattere di eccezioni, non capovolgono
ancora il principio generale) della risarcibilità del danno e non della illiceità dell’atto, illiceità che si
perfeziona con la mera violazione della norma quale consegue all’atto stesso” (BENUCCI, Eduardo
Bonasi. Atto illecito e concorrenza sleale. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1957,
p. 567).

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o ato contra ius com aquela que é a sua normal consequência, e isto ocorreria
apenas porque o dano é o sintoma sensível da violação da norma. A confusão
entre ilícito e dano seria o reflexo do fato de que o dano é a prova da violação
e, ainda, do aspecto de que entre o ato ilícito e o dano subsiste frequentemente
uma contextualidade cronológica que torna difícil a distinção dos fenômenos,
ainda que no plano lógico18.
Bonasi Benucci distinguiu perigo e dano, argumentando que o dano é
uma consequência normal da periculosidade do ilícito e de sua capacidade de
provocar dano. O perigo, nesta concepção, é elemento constitutivo do ilícito
(o ilícito é sempre de perigo), enquanto o dano, por ser uma consequência
meramente eventual da violação, é um elemento extrínseco a sua fattispecie
constitutiva19.
Note-se que esta elaboração doutrinária difere daquela construída por
Candian20, já que a concepção de Benucci fala apenas em ilícito que guarda
em si o perigo de dano. Há uma unidade conceitual para o ilícito, que seria, em
poucas palavras, o ato contra ius que pode causar dano21.
Bonasi Benucci, contudo, ao inserir o perigo na constituição do ilícito,
refere-se ao perigo como uma “potencialidade danosa”, concluindo que a tu-
tela contra o ilícito – que seria diferente da tutela contra o dano – é uma tutela
contra o perigo de dano22.
Nessa dimensão, embora o tema da tutela contra a concorrência desleal
tenha permitido identificar um ilícito que não se confunde com o ilícito dano-
so, a tutela contra o ilícito foi compreendida como tutela contra o perigo de
dano, o que significa que a tutela contra o ilícito não chegou a ser inteiramente
dissociada do dano.

18 BENUCCI, Eduardo Bonasi. Atto illecito e concorrenza sleale. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura
Civile, 1957. p. 569.
19 Idem, ibidem, p. 575.
20 CANDIAN, A. Nozioni istituzionali di diritto privato, cit., p. 119 e ss.
21 Giuseppe Auletta, ao analisar a estrutura normativa da tutela contra a concorrência desleal, igualmente
conclui que o requisito do dano é substituído pelo de perigo de dano (Attività. Enciclopedia del Diritto,
v. 3, p. 987).
22 “La individuazione dell’elemento della potenzialitàdannosa come completamento della fattispecie
costitutiva dell’illecito civile consente di riunire in unica categoria quelle molteplici ipotesi di illecito
in cui il danno non è ancora occorso, ma sussiste già una situazione di pericolo determinata da atti la
cui prosecuzione o ripetizione porterà (secondo un calcolo di probabilità) alla produzione di un dan-
no, se non tempestivamente interrotta ed inibita con rimozione altresì di quegli effetti già determinati
dall’atto e che potrebbero essere fonte autonoma di danno” (BENUCCI, Eduardo Bonasi. Atto illecito
e concorrenza sleale. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1957, p. 575).

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5 – A PROTEÇÃO NORMATIVA AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS


A função das normas de proteção dos direitos fundamentais facilita ain-
da mais a distinção entre ato contrário ao direito e dano para efeito de tutela
jurisdicional adequada. Quando o Estado assume novas preocupações sociais
e, assim, passam a importar a proteção, entre outros, do meio ambiente, da
saúde, da educação e da posição do consumidor no mercado, surgem normas
que, objetivando tutelar estas situações de direito substancial, passam a impor
condutas positivas e negativas.
O direito do consumidor, por exemplo, constitui direito fundamental que
requer proteção normativa. Perceba-se que o direito ambiental também pode
ser pensado – dentro da multifuncionalidade dos direitos fundamentais – como
um direito à proteção, ou melhor, o bem ambiental, visto como fundamental
para a organização social, deve ser protegido por meio de normas impositivas
e proibitivas de condutas.
Para a efetiva proteção desses direitos, ou melhor, para a realização das
normas que objetivam lhes dar proteção, é indispensável a tutela contra o ato
contrário ao direito, ou seja, a tutela da norma vista como tutela jurisdicional
destinada a inibir a violação da norma ou a remover os efeitos concretos deri-
vados da sua violação. Ora, se o ordenamento jurídico dos dias de hoje deve
proteger determinados bens mediante a imposição de certas condutas, e por
esta razão são editadas normas de direito material, é necessário que o processo
civil seja estruturado de modo a atuá-las.
Perceba-se, enfim, que a possibilidade de se requerer uma tutela inde-
pendentemente da existência de dano tem relação com o próprio conceito de
norma jurídica, uma vez que se a única sanção contra o ilícito fosse a obri-
gação de ressarcir, a própria razão de ser da norma estaria comprometida. Só
isso demonstra a necessidade de o processo abandonar a indevida associação
entre ilícito e dano, que até hoje faz pensar que a tutela contra o ilícito futuro é
tutela contra a probabilidade de dano e a tutela contra o ilícito passado é tutela
ressarcitória23.

6 – TUTELA INIBITÓRIA DE ILÍCITO E TUTELA DE REMOÇÃO DOS


EFEITOS CONCRETOS DERIVADOS DA CONDUTA ILÍCITA
Como já dito, imaginou-se que a lei, por obrigar quem comete um dano
a indenizar, não diferenciasse ilícito de dano, ou melhor, considerasse o dano

23 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inhibitoria. Madrid: Marcial Pons, 2014. p. 65 e ss.

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como elemento essencial e necessário da fattispecie constitutiva do ilícito24.


Entretanto, o dano não é uma consequência necessária do ato ilícito. O dano é
requisito indispensável para o surgimento da obrigação de ressarcir, mas não
para a constituição do ilícito25.
Se a tutela contra o ilícito danoso não exclui a tutela para evitar o dano,
como se viu mediante as elaborações doutrinárias que inicialmente se preocu-
param em explicar o fundamento da tutela contra o perigo de dano, também
não há motivo para associar tutela contra a probabilidade de dano com tutela
contra a probabilidade de ato contrário ao direito.
A tutela contra a probabilidade de ilícito não é apenas a tutela contra
a probabilidade do ilícito danoso, embora o dano costumeiramente aconteça
no instante da violação do direito. Se da revisão do conceito de ilícito exsurge
indiscutível a importância da distinção entre ato contrário ao direito e dano para
efeito de tutela civil dos direitos, não há qualquer razão para pensar que tutela
contra o ilícito futuro é necessariamente tutela contra a probabilidade de dano.
Na verdade, o dano é realmente o sintoma ou o indicativo da probabili-
dade do ilícito e importa para efeito de tutela voltada para o futuro apenas por
constituir a evidência concreta do ato contrário ao direito, ou seja, não é correto
imaginar que não há interesse de agir em obter tutela preventiva quando o dano
é uma mera possibilidade do ato contrário ao direito e não uma probabilidade
indissociavelmente ligada a ele. Se fosse assim, haveria apenas pretensão à
inibição do dano e não pretensão à inibição do ilícito. Note-se que o titular de
marca comercial tem o direito de inibir que terceiro a utilize, pouco impor-
tando eventual dano derivado da infração. Do mesmo modo a tutela inibitória
pode ser requerida para impedir a comercialização de produto com substância
proibida por norma, não tendo qualquer relevo perguntar sobre provável dano
ao consumidor.

Ora, se o dano não é elemento constitutivo do ilícito, podendo este último


existir independentemente do primeiro, não há razão para não se admitir uma
tutela que leve em consideração apenas o ilícito, deixando de lado o dano. A
moderna doutrina italiana já deixou claro que a tutela inibitória tem por fim

24 FRIGNANI, Aldo. L’injunction nella common law e l’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 413.
25 Idem, ibidem.

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prevenir o ilícito e não o dano26. Frignani27 e Rapisarda28, que possuem as prin-


cipais obras a respeito da tutela inibitória na Itália, não vacilam em afirmar que
a inibitória prescinde totalmente dos possíveis efeitos concretos do ato ou da
atividade ilícita e que a sua dependência deve ficar circunscrita unicamente à
possibilidade do ato contrário ao direito (ilícito)29.
Embora a probabilidade do ilícito possa constituir a probabilidade do
próprio dano, já que muitas vezes é impossível separá-los cronologicamente,
para a obtenção da tutela inibitória não é necessária a demonstração de um dano
futuro, embora ele possa ser invocado até mesmo para se estabelecer com mais
evidência a probabilidade do ato contrário ao direito.
Pois bem, se o dano é uma consequência meramente eventual do ilícito
e não há pretensão preventiva apenas em face do dano, mas também em face
do ato contrário ao direito, a tutela inibitória não pode ser compreendida como
uma tutela contra a probabilidade do dano, mas como uma tutela contra o perigo
da prática, da repetição ou da continuação do ilícito – visto como ato contrário
ao direito que prescinde da configuração do dano30. O parágrafo único do art.
497 do CPC/2015 bem compreendeu o ponto, pois fala claramente em “tutela

26 FRIGNANI, Aldo. L’injunction nella common law el’inibitoria nel diritto italiano, cit., p. 417 e ss.;
RAPISARDA, Cristina. Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 108 e ss.
27 Frignani, referindo-se à distinção, formulada por Candian, entre ilícito de perigo e ilícito de lesão, diz
o seguinte: “Secondo questa impostazione ogni contravvenzione della legge dovrebbe risolversi in un
illecito di danno o in un illecito di pericolo (di danno). Come si vede, il danno rimarrebbe il metro
di misura, il perno centrale di tutto il sistema della responsabilità. Ma non sembra corretto impostare
il problema in questi termini, perché il danno è una conseguenza soltanto eventuale, anche se la più
frequente, della violazione di una norma e perciò sbaglierebbe chi volesse indurre l’illecito soltanto
dalla presenza del danno” (Azione in cessazione. Novissimo digesto italiano, 1980, p. 654).
28 RAPISARDA, Cristina. Inibitoria. Enciclopedia Giuridica Treccani, v. 17, p. 7; RAPISARDA, Cristina.
Profili della tutela civile inibitoria, cit., p. 108 e ss.
29 De acordo com Frignani, “l’elemento del pericolo entra in gioco anche nell’inibitoria, ma ad altri fini.
Mentre nella distinzione di cui sopra esso era riferito al danno, qui il pericolo è riferito alla lesione.
In questo senso, l’inibitoria presuppone sempre un pericolo: che l’illecito sia continuato o ripetuto, se
già è stato comesso o che l’illecito venga commesso, se ancora non si è verificato. Questo è il senso
veramente penetrante in cui si dice dell’inibitoria che è un’azione essenzialmente preventiva” (Azione
in cessazione. Novissimo digesto italiano, 1980, p. 654).
30 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������
Frignani, analisando a teoria de Bonasi Benucci, diz o seguinte: “Alle stesse critiche può essere sotto-
posta anche la teoria che, nel tentativo di superare la dicotomia candiana tra illecito di danno e illecito
di pericolo, ha ritenuto che l’illecitto sia sempre individuato dalla sua ‘potenzialità danosa’; in altri
termini, anche questa dottrina imposta il suo ragionamento sul danno, seppure eventuale o possibile.
(...) A prima vista tale formulazione sembra presentare una notevole aderenza alla realtà, ma la sua
debolezza sta nel considerare l’id quod plerum que accidit come elemento essenziale di una fattispecie,
e non invece come elemento accidentale. Non si tiene però in considerazione che il legislatore con-
templa tanti tipi di condotta, proibiti dal diritto e perciò costituenti una fattispecie di illecito, che non
porteranno necessariamente ad un danno, e dove perciò l’illeceità prescinde anche dalla potenzialità
dannosa” (Azione in cessazione. Novissimo digesto italiano, 1980, p. 655).

Rev. TST, Brasília, vol. 81, no 4, out/dez 2015 91


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específica destinada a inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um


ilícito”.
Além disso, há ilícito que, já praticado, reclama tutela jurisdicional
independentemente do dano. A conduta ilícita pode produzir efeito concreto
que não significa dano, mas a realidade que a norma proíbe para que o dano
não se configure. Nesse caso, o ilícito não se exaure com a prática da conduta
contrária à norma; o ilícito, visto como realidade concreta que se desliga da
conduta humana, tem eficácia continuada. Por conta dessa eficácia continuada
do ilícito torna-se necessária tutela jurisdicional voltada a remover os seus
efeitos concretos. Perceba-se que esta forma de tutela jurisdicional não se des-
tina a inibir o ilícito, uma vez que o ilícito já foi praticado, mas também não se
dirige contra o dano. A tutela jurisdicional se destina a remover ou a eliminar
a realidade concreta que a norma proíbe para que o dano não ocorra.
No caso em que a norma proíbe a exposição à venda de produto com
determinada substância, a tutela jurisdicional direcionada à busca e apreensão
do produto não é tutela contra a probabilidade de ato contrário ao direito (ini-
bitória), tutela de reparação do dano (ressarcitória), nem muito menos tutela
contra a probabilidade de dano ao consumidor. É tutela jurisdicional destinada
a fazer valer o desejo da norma violada, ou seja, é tutela de remoção dos efei-
tos que não estariam presentes na realidade se não fosse a violação da norma.
Tem a mesma natureza a tutela voltada à retirada de cartazes publicitários ou à
busca e apreensão de propagandas que configuram concorrência desleal. Nessa
última hipótese a tutela jurisdicional também não se volta contra um ilícito ou
um dano futuro, nem contra um dano já ocorrido. Atinge, isso sim, os efeitos
concretos derivados da concorrência desleal, constituindo tutela jurisdicional
que não requer dano nem culpa ou dolo. Mais claramente: trata-se de tutela não
preocupada em ressarcir um dano, para o que o critério da culpa ou do dolo é
importante, mas de tutela destinada a remover os efeitos concretos de um ato
contrário ao direito.
A decisão que determina a demolição, em caso de construção realizada
em desacordo à legislação urbanística, já foi qualificada de tutela ressarcitória na
forma específica ou de tutela reparatória in natura na Itália31 e de tutela cautelar
no Brasil, em conformidade com o próprio art. 888, VIII, do CPC de 1973. Na

31 “Così nella nota sentenza delle sezioni unite della cassazione penale, relativa alla legittimazione del
comune a costituirsi parte civile in processi per reati di abusivismo edilizio, a proposito dell’ordine di
demolizione, la Suprema corte definisce quest’ultimo ‘misura risarcitoria in forma specifica di restitutio
in prestinum del turbato assetto urbanistico del territorio comunale’” (MÒCCIOLA, Michele. Problemi
del risarcimento del danno in forma specifica nella giurisprudenza. Rivista Critica del Diritto Privato,
1984, p. 378).

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raiz dos equívocos das doutrinas italiana e brasileira está a confusão entre os
conceitos de ilícito e de dano. Ora, a construção que desrespeita a legislação
urbanística é, simplesmente, uma conduta contra ius, de modo que a determi-
nação de demolição, nessa hipótese, não objetiva ressarcir o dano sofrido em
virtude da construção irregular nem tutelar contra a probabilidade do dano,
mas simplesmente remover o ilícito32. Note-se que, se construir em desacordo
com a lei é ilícito, as consequências que daí decorrem é que configuram dano33.
A tutela de remoção do ilícito objetiva remover ou eliminar a causa do
eventual dano. A tutela pressupõe apenas a transgressão de um comando jurídico,
pouco importando se o interesse privado tutelado pela norma foi efetivamente
lesado ou se ocorreu um dano34. Como diz Michele Mòcciola, em ensaio publi-
cado na Rivista Critica del Diritto Privato, a consequência lógica da distinção
entre dano e ilícito conduz à formulação do critério segundo o qual todas as
vezes em que a intervenção judiciária tem por objeto a fonte do dano não há
tutela ressarcitória35. Há aí tutela de remoção (dos efeitos concretos) do ilícito.
O parágrafo único do art. 497 igualmente percebeu a necessidade desta
tutela jurisdicional e, por isso, depois de fazer menção às três modalidades de
tutela inibitória, descreveu a tutela destinada à “remoção” do ilícito. Portanto,
a diferenciação entre ato contrário ao direito e dano não só evidencia que tutela
contra o ilícito não é sinônimo de tutela ressarcitória. No direito brasileiro, tal
distinção permitiu a configuração de tutelas jurisdicionais que, sem nada dever
ao dano, dirigem-se contra os ilícitos futuro e passado.

7 – A IMPOSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO DE CULPA OU DOLO


Supunha-se, exatamente porque se fazia uma identificação entre ilíci-
to e dano, que o elemento psicológico (dolo ou culpa) fosse absolutamente
necessário para a configuração do próprio ilícito. Na verdade, se o ilícito é
compreendido na perspectiva da responsabilidade civil, torna-se natural não só

32 MÒCCIOLA, Michele. Problemi del risarcimento del danno in forma specifica nella giurisprudenza.
Rivista Critica del Diritto Privato, 1984, p. 379. Ver também: SFORZA, Gianfrancesco. Ordine di
cessazione dall’illecito e risarcimento in forma specifica. Foro Italiano, 1978, p. 615-619.
33 MÒCCIOLA, Michele. Problemi del risarcimento del danno in forma specifica nella giurisprudenza.
Rivista Critica del Diritto Privato, 1984, p. 380.
34 Ver GIORGIANNI, Michele. Tutela del creditore e tutela “reale”. Rivista Trimestrale di Diritto e
Procedura Civile, 1975, p. 853 e ss.; SCOGNAMIGLIO, Renato. Il risarcimento del danno in forma
specifica. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1957, p. 201 e ss.; MÒCCIOLA, Michele.
Problemi del risarcimento del danno in forma specifica nella giurisprudenza. Rivista Critica del Diritto
Privato, 1984, p. 367 e ss.
35 MÒCCIOLA, Michele. Problemi del risarcimento del danno in forma specifica nella giurisprudenza,
Rivista Critica del Diritto Privato, 1984, p. 380-381.

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a confusão entre ilícito e dano, mas também a exigência da culpa ou do dolo


como componente do ilícito36.
Entretanto, dentro da noção de ilícito antes delineada, que se afasta da
ideia de dano, não há razão para se cogitar sobre culpa ou dolo. De lado a res-
ponsabilidade objetiva, o ato do homem é fonte da obrigação de ressarcir porque
é culposo ou doloso37. Esses elementos constituem critérios para a imputação
da sanção ressarcitória38.
O próprio Barassi, ainda que ligando a tutela inibitória à probabilidade
de dano, percebeu que “la colpa è imposta per il risarcimento del danno attua-
le, non per la sua prevenzione”39. Como é óbvio, a tutela jurisdicional pode
impedir alguém de praticar um ato contrário ao direito sem qualquer cogitação
sobre culpa40.
É importante sublinhar que os tribunais brasileiros têm decidido que a
tutela inibitória prescinde de culpa ou dolo. Assim, por exemplo, o Tribunal de
Justiça de São Paulo declarou ser irrelevante, para efeito de tutela da marca, “a
existência de dolo ou culpa de comerciante que utiliza em seu nome comercial
marca registrada de outrem”41.
O dano e, por consequência, a culpa e o dolo não integram a causa de
pedir das ações contra o ilícito. Não estão presentes não só na causa de pedir
da ação inibitória – voltada contra o ilícito futuro –, mas também na causa de

36 “Il motivo per il quale la dominante dottrina intravede nella colpa un elemento costitutivo dell’illecito
civile va ricercato, a nostro avviso, nel fatto che l’illecito si è sempre esaminato sotto l’angolo visuale
della responsabilità per i danni ad esso conseguenti: e poiché la sussistenza della responsabilità per tali
danni è normalmente condizionata alla colpa (art. 2.043 c.c.), si è costruito l’illecito su base soggettiva
ossia sulla base della colpa dell’agente.” (BENUCCI, Eduardo Bonasi. Atto illecito e concorrenza sleale.
Rivista trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1957, p. 579)
37 Remo Franceschelli, estudando a tutela contra a concorrência desleal, observa que a tutela que tem
por fim inibir a continuação do ilícito, ao contrário da tutela ressarcitória, prescinde da culpa: “Se
nonostante che si sia accertato che un atto di concorrenza esiste, colui che lo ha compiuto provi che
egli è esente da colpa, ciò avrà per effetto che si escluda il risarcimento del danno. Ma l’attività potrà
pur sempre essere fatta cessare e il giudice potrà pur sempre dare i provvedimenti necessari o utili
perchè ne vengano eliminati gli effetti” (Studi sulla concorrenza sleale, La fattispecie. Rivista di Diritto
Industriale, 1963, p. 273).
38 “Parlando di presupposti della inibitoria, dottrina e giurisprudenza sono ormai concordi nel rilevare
che essa prescinde dal dolo o dalla colpa dell’agente e dall’essersi verificato un danno nel patrimonio
del soggetto passivo.” (SPOLIDORO, Marco Saverio. Le misure di prevenzione nel diritto industriale,
cit., p. 161-163)
39 BARASSI, Lodovico. La teoria generale delle obbligazioni, cit., p. 431.
40 Segundo Rapisarda, a ação inibitória, por ser voltada ao futuro, exclui a possibilidade objetiva de se
valorar preventivamente os elementos subjetivos do comportamento ilícito futuro (RAPISARDA,
Cristina. Inibitoria. Digesto delle discipline privatistiche, v. 9, p. 479).
41 TJSP, Ap. 83.073-1, Rel. Des. Moretzsohn de Castro, Jurisprudência Brasileira, v. 132, p. 181/182.

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pedir da ação de remoção do ilícito. Com efeito, quando se deixa claro que
a tutela de remoção do ilícito visa eliminar o ilícito, e assim não tem relação
com o dano, esclarece-se, igualmente, que esse tipo de tutela, à semelhança da
tutela inibitória, não tem entre os seus pressupostos a culpa ou o dolo. Como
escreve Cesare Salvi, a tutela ressarcitória (seja pelo equivalente ou na forma
específica) pressupõe que o ofendido prove a responsabilidade do sujeito ao
qual o dano é imputado (a não ser, obviamente, nos casos de responsabilidade
sem culpa), o que não acontece no outro âmbito de tutela, em que está presente
a tutela que visa liminar o ilícito42.
O juiz, para prestar tutela de remoção, não precisa, nem pode, indagar
sobre culpa ou dolo. A culpa ou o dolo não apenas não precisam ser alegados,
como não podem ser questionados pelo réu e investigados pelo juiz. Precisa-
mente não há como determinar prova sobre dano e, bem por isso, a respeito de
culpa ou dolo nas ações voltadas contra o ilícito. É nesse sentido que deve ser
interpretado o parágrafo único do art. 497 quando diz que, “para a concessão
da tutela específica destinada a inibir a prática, a reiteração ou a continuação
de um ilícito, ou a sua remoção, é irrelevante a demonstração da ocorrência
de dano ou da existência de culpa ou dolo”.

42 SALVI, Cesare. Il risarcimento del danno in forma specifica. Processo e tecniche di attuazione dei
diritti. Napoli: Jovene, 1989. p. 587.

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