Flaubert e Marx
Flaubert e Marx
Flaubert e Marx
Flaubert e Marx
Dagmar Manieri
Kesse D. V. Cardoso
Diagramação: Marcelo A. S. Alves
Capa: Carole Kümmecke - https://www.behance.net/CaroleKummecke
Arte de Capa: Henry Singleton – Prise de la Bastille
http://www.abecbrasil.org.br
Flaubert e Marx: modernidade literária e revolução na França [recurso eletrônico] / Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso
-- Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2019.
176 p.
ISBN - 978-85-5696-732-9
1. Modernidade Literária; 2. Iluminismo Estético; 3. Revolução de 1848; 4. Capitalismo; 5. Gustave Flaubert; I. Título.
CDD: 100
Índices para catálogo sistemático:
1. Filosofia 100
Sumário
Introdução ................................................................................................................. 8
1
Karl Marx e a revolução na França ........................................................................... 16
2
Sartre: uma interpretação de Flaubert.................................................................... 32
O artista e a questão da subjetividade ................................................................................. 33
O niilismo de Flaubert ........................................................................................................... 38
O ser-de-classe em Flaubert ................................................................................................. 44
3
Iluminismo estético e modernidade parisiense do Século XIX .................................52
O Iluminismo estético de Kant e Schiller ............................................................................ 53
O Iluminismo de Goethe: Fausto e Wilhelm Meister .......................................................... 61
A modernidade de Paris ........................................................................................................ 70
4
O subtexto histórico de A educação sentimental ...................................................... 81
Psicanálise e o conceito de subtexto..................................................................................... 82
O subtexto em A educação sentimental ............................................................................... 88
5
O conceito de determinação ................................................................................... 102
6
Sobredeterminação e literatura: o radicalismo de Flaubert.................................. 124
Madame Bovary e a felicidade ideal .................................................................................... 127
Frédéric Moreau: o Ideal estético em um contexto de revolução ....................................138
A modernidade desencantada de Flaubert .........................................................................149
que outras interpretações, além das suas, são possíveis”. 4 Então, são
novas possibilidades de narrativas, como a micronarrativa, que Burke
afirma “ter vindo para ficar”. 5 A história em sua tarefa de aperfeiçoamen-
to da linguagem precisa aprender com as “técnicas” da literatura; esta
última auxilia “os historiadores em sua difícil tarefa de revelar o relacio-
namento entre os acontecimentos e as estruturas e apresentar pontos de
vista múltiplos”. 6
Além do mais uma das fecundidades da literatura está na apreensão
do mundo social. Ao se referir a Flaubert, Pierre Bourdieu acentua sua
capacidade de “concentrar e de condensar na singularidade concreta de
uma figura sensível e de uma aventura individual” a “complexidade de
uma estrutura social”. 7 Neste caso, o realismo de Flaubert é flagrante;
através de uma história (literária) ele apreende “a estrutura mais pro-
fundamente enterrada” de uma sociedade. Mas este mostrar-se, na
literatura, ocorre através da ilusão literária. A obra literária diz o social
“de um modo que não o diz realmente”. 8
Essa ideia de Bourdieu é importante, pois permite a compreensão
da literatura como uma forma de pensar o contexto social. De uma forma
geral, a personagem na literatura pode receber uma gama variada de
interpretações. Segundo a perspectiva adotada, a personagem surge
como portadora de uma significação singular. No exemplo do marxismo,
György Lukács trouxe para a interpretação literária um modelo teórico
do marxismo ortodoxo. O objetivo de Lukács era formatar uma estética
marxista, consciente do papel de figuração em torno da literatura. Ele
comenta das “complexas interações de causas e efeitos”; desse modo, a
4
Ibid., p. 337.
5
Peter Burke enfatiza a necessidade de novas formas de narrativa mais adequadas às novas histórias: “Estas novas
formas incluem a micronarrativa, a narrativa de frente para trás e as histórias que se movimentam para frente e
para trás, entre os mundos público e privado, ou apresentam os mesmos acontecimentos a partir de pontos de
vista múltiplos” (Ibid., p. 347).
6
Ibid., p. 348.
7
Bourdieu, 1996, p. 39.
8
Em Bourdieu, ver esta passagem: “A formalização que ele [escritor] opera funciona como um eufemismo
generalizado e a realidade literariamente desrealizada e neutralizada que propõe permite-lhe satisfazer uma
vontade de saber capaz de contentar-se com a sublimação que lhe oferece a alquimia literária” (Ibid., p. 48).
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9
Para tanto, verificar esta passagem de Lukács: “A função criadora do sujeito se manifesta, por conseguinte, no
fato de que o homem se cria a si mesmo, se transforma ele mesmo em homem, por intermédio do seu trabalho,
cujas características, possibilidades, grau de desenvolvimento, etc., certamente, determinados pelas circunstâncias
objetivas, naturais ou sociais” (Lukács, 2011a, p. 91).
10
“A meta de quase todos os grandes escritores foi a reprodução artística da realidade: a fidelidade ao real, o
esforço apaixonado para reproduzi-lo na sua integridade e totalidade, tem sido para todo grande escritor
(Shakespeare, Goethe, Balzac, Tolstoi) o verdadeiro critério da grandeza literária” (Ibid., p. 102).
11
Ibid., p. 104.
12 | Flaubert e Marx
12
Ibid., p. 111.
13
“O personagem conceitual não é o representante do filósofo, é mesmo o contrário: o filósofo é somente o
invólucro de seu principal personagem conceitual e de todos os outros, que são os intercessores, os verdadeiros
sujeitos de sua filosofia” (Deleuze; Guattari, 2013, p. 78).
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14
Ibid., p. 79.
15
Idem.
16
Ibid., p. 80.
17
Ibid., p. 81.
14 | Flaubert e Marx
18
Ibid., p. 197. Ver também esta passagem: “O objetivo da arte, com os meios do material, é arrancar o percepto
das percepções do objeto e dos estados de um sujeito percipiente, arrancar o afecto das afecções, como passagem de
um estado a um outro” (Idem).
19
Harvey, 2015, p. 124.
20
Harvey se pauta no trabalho de Priscilla Ferguson, Paris as revolution.
21
Ibid., p. 126.
22
Idem.
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23
Idem.
1
1
Em O antigo regime e a revolução, Alexis de Tocqueville registra essa ruptura histórica: “Os franceses fizeram, em
1789, o maior esforço no qual povo algum jamais se empenhou para cortar seu destino em dois, por assim dizer, e
separar por um abismo o que tinham sido até então do que queriam ser de agora em diante. Com esta finalidade
tomaram toda espécie de precaução para que nada do passado sobrevivesse em sua nova condição e impuseram-se toda
espécie de coerções para moldar-se de outra maneira que seus pais, tornando-se irreconhecíveis” (1979, p. 43).
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2
Albert Soboul comenta que os girondinos correspondiam à burguesia mercantil: “O alicerce do poderio dessa
burguesia mercantil reside na prosperidade dos portos: Marselha, Nantes, sobretudo Bordeaux, centros vitais do
capitalismo desse tempo, essencialmente comercial (1976, p. 59).
3
Soboul, 1976, p. 73.
18 | Flaubert e Marx
plena da emancipação política, a qual, portanto, não anula nem busca anular
a religiosidade do homem. 4
4
Marx, 2010, p. 42.
5
“Por fim, o homem na qualidade de membro da sociedade burguesa é o que vale como homem propriamente dito,
como o homme em distinção ao citoyen, porque ele é o homem que está mais próximo de sua existência sensível
individual, ao passo que o homem político constitui apenas o homem abstraído, artificial, o homem como pessoa
alegórica, moral. O homem real só chega a ser reconhecido na forma do indivíduo egoísta, o homem verdadeiro, só
na forma do citoyen abstrato” (Ibid., p. 53).
6
Michel Löwy expõe de forma clara a concepção de sociedade civil em Marx: “(...) a bürgerliche Gesellschaft
(sociedade burguesa) é ao mesmo tempo a categoria da sociedade civil, isto é, um modo “individualista” de encarar
as relações sociais, e a sociedade burguesa quer dizer, sociedade capitalista, em que a burguesia é, ou tende a
tornar-se, a classe dominante” (2016, p. 146).
7
Marx, 2011c, p. 328.
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reprodução. 8 Os anos que Marx reside em Paris permitem que ele pre-
sencie de perto os movimentos sociais e políticos da classe trabalhadora.
Aqui, estamos em uma fase de industrialização, com a formação do ope-
rariado. Michel Löwy acompanha esses anos de Marx na França e a
evolução do pensamento deste último em torno do comunismo. Löwy
acentua que Marx é influenciado pelo ativismo francês e identifica um
“Marx materialista francês do fim de 1844”, justamente à época da reda-
ção (com Engels) de A sagrada família. 9 Século XIX que já presencia a
classe operária; neste caso, Marx se admira do ativismo dos operários da
França e Inglaterra. Em A sagrada família já há a referência à “missão
histórica” que deve desempenhar a classe operária. Notar, assim, que na
França desde Buonarroti e Babeuf, já se introduz a ideia de comunismo,
uma alternativa mais radical comparada àquela dos sans-culottes.
Além do operariado comunista, outra tendência que se forma na
França ainda em fins do século XVIII é o bonapartismo. A ascensão de
Napoleão Bonaparte como líder militar se dá no próprio processo de defesa
do movimento revolucionário. Sua campanha na Itália em 1797 lhe dá a
fama que tanto anseia. Diante da formação da Segunda Coligação (1799) de
países em oposição à França, a figura de Napoleão é alçada como o grande
defensor das conquistas da Revolução Francesa. Este é o período do Consu-
lado, ilustrado com a vitória da França sobre a Segunda Coligação. Desse
instante em diante, cada vez mais o líder militar corso assume a liderança
política da França até sua queda em Waterloo, em 1815.
Na mentalidade (política) dos franceses a figura de Napoleão Bona-
parte permaneceu como símbolo de Estado forte, protetor. Esta
8
Observar esta passagem da Contribuição à crítica da economia política na qual Marx define o capital: “O dinheiro, que
é valor de troca adequado resultante da circulação, que se tornou autônomo mas volta a entrar na circulação para aí se
perpetuar e se valorizar (para aí se multiplicar) graças à própria circulação é capital. No capital, o dinheiro perdeu a sua
rigidez e, de objeto tangível, tornou-se processo. O dinheiro e a mercadoria tomados em si, assim como a circulação
simples, só existem agora para o capital enquanto fases particulares, abstratas, da sua existência, nas quais ele se
manifesta sem cassar, para passar de uma à outra e desaparecer com a mesma constância” (Ibid., p. 357).
9
Michel Löwy comenta: “Esse momento “materialista francês” – de negação da “identidade mística”, de afirmação
da primazia do “coração”, isto é, do material, do objetivo, do prático, das “circunstâncias” – é uma etapa da
evolução teórica de Marx, etapa necessária, que representa a reação radical à etapa neo-hegeliana anterior, mas
que permanece parcial, “metafísica”, porque é ainda incapaz de restabelecer a unidade não mística entre o
“coração” e a “cabeça” ” (2016, p. 139).
20 | Flaubert e Marx
mentalidade foi explorada por seu sobrinho, Luís Bonaparte, eleito Presi-
dente da França em dezembro de 1848. Este último segue o modelo do
tio, transformando a França em um regime imperial. A derrota dos fran-
ceses em Sedan (1870) põe fim ao governo de Luís Bonaparte e acirra as
lutas de classe, coroada com a instauração da Comuna de Paris em março
de 1871.
No período de 1799 a 1870 pode-se dizer que o bonapartismo repre-
senta uma corrente política importante. Por parte de Marx, o
bonapartismo recebe dois tratamentos, segundo seus líderes. No exemplo
de Napoleão Bonaparte, Marx o interpreta como uma força que consolida
as conquistas da burguesia:
Napoleão, por seu lado, criou na França as condições sem as quais não seria
possível desenvolver a livre concorrência, explorar a propriedade territorial
dividida e utilizar as forças produtivas industriais da nação que tinham sido
libertadas; além das fronteiras da França ele varreu por toda parte as insti-
tuições feudais, na medida em que isto era necessário para dar à sociedade
burguesa da França um ambiente adequado e atual no continente europeu. 10
10
Marx, 1974, p. 18.
11
“Os franceses (...) não podiam livrar-se da memória de Napoleão, como provaram as eleições de 10 de dezembro
(...). Não só fizeram a caricatura do velho Napoleão, como geraram o próprio velho Napoleão caricaturado, tal
como deve aparecer necessariamente em meados do século XIX” (Ibid., p. 20).
12
Ibid., p. 36.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 21
13
Ibid., p. 115.
14
Ibid., p. 116.
15
Idem.
16
Marx deixa claro que o setor dos pequenos camponeses que apoiam o bonapartismo são os conservadores: “A
dinastia de Bonaparte representa não o camponês revolucionário, mas o conservador; não o camponês que luta
para escapar às condições de sua existência social, a pequena propriedade, mas antes o camponês que quer
consolidar sua propriedade; (...)” (Ibid., p. 116).
22 | Flaubert e Marx
(...) a revolução que eclodiu nos primeiros meses de 1848 não foi uma revo-
lução social simplesmente no sentido de que envolveu e mobilizou todas as
classes. Foi, no sentido literal, o insurgimento dos trabalhadores pobres nas
cidades – especialmente nas capitais – da Europa ocidental e central. 17
17
Hobsbawm, 2016, p. 467.
18
Marx, 2012, p. 37.
19
“Ao ditar a república ao governo provisório e, por meio do governo provisório a toda a França, o proletariado
ocupou imediatamente o primeiro plano como partido autônomo, mas, ao mesmo tempo, desafiou toda a França
burguesa a se unir contra ele. O que ele conquistou foi somente o terreno para travar a luta por sua emancipação
revolucionária, mas de modo algum a própria emancipação” (Ibid., p. 44).
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 23
20
Ibid., p. 61.
21
Ibid., p. 71.
22
“A França passou a ter, ao lado de uma Montanha, um Napoleão, prova maior de que ambos eram apenas as
caricaturas sem vida das grandes realidades cujos nomes portavam. A paródia que Luís Napoleão, com o seu
24 | Flaubert e Marx
chapéu de imperador e a águia, representava do velho Napoleão não era menos miserável do que aquela que a
Montanha, com sua fraseologia emprestada de 1793 e suas poses demagógicas, representava da velha Montanha”
(Ibid., p. 81).
23
Ibid., p. 103.
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A revolta operária então iniciada, que entraria para a história com o nome de
Jornadas de Junho, teve como traço mais evidente a espontaneidade. A pala-
vra de ordem lançada por Pujol era abstrata e romântica (“liberdade ou
morte”), mas a motivação social era bem concreta: os operários que devido à
crise estavam desempregados e viviam de abono público, entraram em de-
sespero quando o abono foi suspenso. 25
24
Agulhon, 1991, p. 50.
25
Ibid., p. 74.
26 | Flaubert e Marx
26
Ibid., p. 209.
27
Idem.
28
Marx, 1974, p. 119.
29
Ibid., p. 120.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 27
O poder do Estado foi assumindo cada vez mais o caráter de poder nacional
do capital sobre o trabalho, de uma força pública organizada para a escravi-
zação social, de uma máquina do despotismo de classe. Após toda revolução
que marca uma fase progressiva na luta de classes, o caráter puramente re-
pressivo do poder do Estado revela-se com uma nitidez cada vez maior. 30
30
Marx, 2011a, p. 55.
31
Ibid., p. 63.
28 | Flaubert e Marx
32
Ibid., p. 130.
33
Marx, 1974, p. 133.
34
Idem.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 29
35
Furet, 1989, p. 25.
36
Ibid., p. 96.
37
Ibid., p. 97.
38
Marx, 2011a, p. 170.
30 | Flaubert e Marx
39
Ibid., p. 171, 172.
40
Ibid., p. 178.
41
Ibid., p. 182.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 31
42
Hobsbawm, 2011, p. 107.
43
Michel Löwy em A teoria da revolução no jovem Marx reproduz um texto deste último, datado de 1860:
“Publicávamos ao mesmo tempo [em Bruxelas] uma série de panfletos impressos ou litografados. Submetíamos a
uma crítica impiedosa a mistura de socialismo ou comunismo anglo-francês com filosofia alemã que então formava
a doutrina secreta da Liga; estabelecíamos ali que somente o estudo científico da estrutura econômica da sociedade
burguesa podia fornecer uma sólida base teórica; e , por fim, expúnhamos, numa forma popular, que não se
tratava de pôr em vigor um sistema utópico, mas de intervir, com conhecimento de causa, no processo de
transformação histórica que se operava na sociedade” (Apud 2016, p. 163).
44
Shaw, 1979, p. 77.
45
Observar esta passagem (crítica ante o pensamento de Marx) em William Shaw: “O fato de o socialismo não
ocorrer nos países capitalistas avançados só pode mostrar que Marx subestimava a capacidade do capitalismo de
ajustar o desenvolvimento das forças produtivas, e não que as forças produtivas não sejam determinantes do seu
modo de produção” (Ibid., p. 153).
2
Sartre:
uma interpretação de Flaubert
1
“E nota-se que tal tarefa se faz necessária como decorrência do próprio pensamento de Sartre, ou dos pressupostos de
sua filosofia: se o ser é o em-si, o para-si só pode ser alcançado na ontologia de noda” (Bornheim, 1971, p. 143).
2
Ibid., p. 111
3
Na interpretação da filosofia de Sartre por Gerd Bornheim, ao se fugir da liberdade ingressa-se neste estado:
“Como tentativa de apreender a si próprio como um ser-em-si, e tomar os móveis e motivos por entes
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 33
determinantes, conferindo-lhes permanência; habitada por móveis e motivos, a consciência seria como que
reificada e adquiriria uma pseudo plenitude. A realidade humana encontraria, dessa forma, a sua justificativa em
Deus, ou na natureza, ou em “minha natureza”, ou na sociedade” (Ibid., p. 112).
4
Ibid., p. 112.
5
Apud Bornheim, 1971, p. 113.
6
“A liberdade se revela absurda porque é escolha de seu ser sem ser o seu fundamento; ela não tem razão de ser, já
que inaugura toda razão de ser e todo fundamento” (Bornheim, 1971, p. 113).
7
Gerd Bornheim ao interpretar Sartre, não deixa de levantar uma objeção ante a metafísica deste último: “E nosso
autor apresenta a sua tese como se dotada de um valor absoluto, supra-histórico: ele não atenta ao fato de que, se a
liberdade é fazer, tal fazer é necessariamente histórico, não só porque supõe a historicidade como rasgo essencial
do homem, como também porque a determinação histórico-metafísica do que seja o homem determina inclusive a
essência da liberdade” (Ibid., p. 114).
34 | Flaubert e Marx
(...) a criança não vive somente sua família, ela vive também – em parte através
dela, em parte sozinha – a passagem coletiva que a circunda; e é ainda a gene-
ralidade de sua classe que lhe é revelada nesta experiência singular. 12
11
Ibid., p.68.
12
Idem.
13
Assim, apreender a “objetivação” no objeto (singular) é descrita por Sartre, desta forma: “Não consideramos
estas variações como contingências anômicas, acasos, aspectos insignificantes: muito pelo contrário, a
36 | Flaubert e Marx
singularidade da conduta ou da concepção é antes de tudo a realidade concreta como totalização vivida, não é um
traço do indivíduo, é o indivíduo total, apreendido no seu processo de objetivação” (Ibid., p. 114).
14
Ibid., p. 119.
15
Sartre, 2015, p. 100.
16
Sartre, 1972, p. 74.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 37
quase uma natureza”. 17 Deve-se, assim pensa Kant, “fazer um uso público
da sua razão em todos os elementos”. 18 Assim, neste “uso público” nasce
uma espécie de nova consciência (social). Ao se referir ao sacerdote que
ensina em sua igreja, Kant comenta sobre sua atuação (como maiorida-
de) no espaço público:
Em seguida, ele tira toda a utilidade prática para a sua comunidade de pre-
ceitos que ele próprio não subscreveria com plena convicção, mas a cuja
exposição se pode, no entanto, comprometer, porque não é de todo impossí-
vel que aí resida alguma verdade absoluta. 19
O niilismo de Flaubert
22
Lukács, 2012, p. 357.
23
Idem.
24
Ibid., p. 376.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 39
coisas (...)”. 25. Mas para se viver é preciso um assentimento ante a apa-
rência. Arcesilau introduz o termo eulogon (razoável) que indica a forma
de se orientar na vida prática. Mesmo assim, algumas objeções ao ceti-
cismo se referem ao fato de que esta filosofia possa retirar o ânimo do
ser humano. Como afirma Gazzinelli, “o cético orienta-se pelos costumes
e valores de sua sociedade tal qual o dogmático, posto que os tome por
convencionais”. 26 O ataque mais incisivo parte de Arístocles:
25
Gazzinelli, 2009, p. 92.
26
Ibid., p. 117.
27
Ibid., p. 132.
28
Landesman, 2006, p. 85. Charles Landesman cita uma pequena passagem de Sexto Empírico no qual o pensador
enfatiza que a “suspensão é um estado de descanso mental devido ao qual não negamos nem afirmamos nada.
“Quietude” é uma condição imperturbada e tranquila da alma” (Apud Landesman, 2006, p. 85).
29
Sobre esse ideal (supremo), no estoicismo há uma figura do sábio que contrasta com o homem insensato. Mas
onde está um sábio verdadeiro, histórico? Raquel Gazolla comenta: “Sexto Empírico e o próprio Plutarco afirmam
que os estoicos consideram o sábio um ser não-encontrável, não sabendo se existiu, existe ou existirá, o que
corrobora, claramente, a intenção paradigmática de Zenão” (Gazolla, 1999, p. 71).
40 | Flaubert e Marx
Chega o tempo em que nós temos de pagar por termos sido cristãos durante
dois milênios: perdemos o peso que nos deixava viver, - não soubemos, du-
rante um período, para que lado nos virar. Precipitamo-nos inopinadamente
em valorações opostos com a mesma medida de energia, (...). 35
30
Nietzsche, 2008, p.27.
31
Ibid., p. 31
32
Nietzsche resume o niilismo: “Extirpamos de nós as categorias “fim”, “unidade”, “ser”, com as quais incutimos
um valor no mundo – e então o mundo aparece como sem valor...” (Nietzsche, 2008, p. 32).
33
Em A vontade de poder, Nietzsche confessa: “Que até agora eu tenha sido radicalmente niilista, eis o que só há
pouco me confessei: a energia, a nonchalance (negligência, indolência) com a qual eu, como niilista, fui adiante
iludiam-me a respeito desse fato fundamental” (Ibid., p. 37).
34
Ibid., p. 34.
35
Ibid., p. 39.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 41
36
Ibid., p. 67,68.
42 | Flaubert e Marx
37
Vattimo, 2010, p. 57.
38
Ibid., p.57.
39
Ferry, 1994, p. 220.
40
Ibid., p. 241.
41
Idem.
42
Sartre, 2014, p. 1558.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 43
43
Ibid., p. 1473.
44
Ibid., p.1495.
45
Apud Sartre, 2014, 1496.
44 | Flaubert e Marx
Que me importa o mundo? Bem pouco me importunarei com ele, vou deixar-
me levar pela corrente do coração e da imaginação, e, se gritarem alto de mais,
talvez me volte como Fócion, para dizer: que barulho é esse de gralhas? 46
O ser-de-classe em Flaubert
46
Ibid., p. 1507.
47
Aqui, há um elogio de Sartre ante este movimento de Flaubert de se constituir como artista: “Com o
aparecimento da reflexão, a escrita-saciação perde o caráter onírico e torna-se escrita–arrazoado: a totalização na
interioridade absorve sua singularidade, que se universaliza, tornando-se a apercepção adequada da realidade”
(Ibid., p. 1509).
48
“Assim Gustave é feito, mas não por uma experiência consciente, e sim por um conjunto de processos que
precedem e condicionam a experiência” (Ibid., p. 1516).
49
Merleau-Ponty, 2006a, p.148.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 45
Ponty) “nunca reflete sobre esse ajuste da ação à situação”, pois utiliza
uma “perspectiva de racionalista puro (...). 50 A objeção de Merleau-Ponty
refere-se ao distanciamento de Sartre ante o fundador do marxismo:
Sartre esta hoje longe tão longe de Marx quanto na época em que escreveu
matérialisme et révolution e não há nele nenhum inconsequência: o que ele
desaprovava nos comunistas era o materialismo, a ideia, bem ou mal formu-
lada, de uma dialética que é material. 51
50
Ibid., p.149.
51
Ibid., p.160.
52
Ibid., p.197.
53
Merleau-Ponty remete Sartre junto aos anarquistas: “É o absoluto do sujeito que se refaz quando ele [Sartre]
incorpora o ponto de vista dos outros, que arrastava atrás de si como um mal, e, depois da digestão, ele reaparece
confirmado em si mesmo, reforçado pela prova. Para Sartre, assim como para os anarquistas, a ideia de opressão
sempre predomina sobre a de exploração” (Ibid., p. 201).
46 | Flaubert e Marx
54
Em uma passagem do Manifesto Comunista de Marx e Engels (2005, p. 44) há esse caráter “universal” da classe
dominante. Em Razão e revolução, Herbert Marcuse comenta: “Os conceitos universais empregados são, de início,
as formas hipostasiadas da existência humana a que se aspira – por exemplo, os conceitos da razão, liberdade,
justiça e virtude, ou os de Estado, sociedade, democracia. Todos estes consideram que a essência universal do
homem, ou está materializada nas condições sociais dominantes ou, além delas, numa esfera supra-histórica”
(1969, p. 260).
55
Sartre, 2014, p.. 1355.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 47
56
Ibid., p.1375
57
“No entanto, é o Homem que eles encarnam, uma vez que os meninos atados, despolitizados, reduzidos ao autismo
reivindicam que valorizem ao mesmo tempo sua liberdade fundamental e a impotência à qual o contra-ataque dos pais
os reduziu; em outros termos, o herói romântico é o Homem na medida em que o leitor, projetando-se nele, nele
encontra sua facticidade na forma de necessidade, e seu ser na forma de dever-ser” (Ibid., p. 1385).
58
Ibid., p. 1394.
59
Ibid., p. 1398. Em O idiota da família, Sartre enfatiza: “O herói romântico é um soldado perdido, que quer fazer
da própria vida uma epopeia de solidão como lembranças das vitórias que os ancestrais obtiveram de verdade nos
campos de batalha; é um nobre exilado na sociedade dos burgueses que mataram o seu rei” (Ibid., p. 1400, 1401).
48 | Flaubert e Marx
Os bagunceiros estão feridos, sofrem por saberem que são burgueses e con-
tinuarão burgueses até a morte em seus pensamentos, afeições e condutas
reais: melhor fugir para o nada, pois eles têm horror de si mesmos. Param
de enxergar, de se enxergar, e põem todas as faculdades da alma a serviço de
um absenteísmo que se mantém mais facilmente porque os “retornos desa-
nimadores” à realidade lhes dão medo. 60
60
Ibid., p.1425.
61
Na interpretação de Sartre, ser burguês é “fundamentar o ser no ter”, ou seja, “alienar o proprietário à sua
propriedade e, consequentemente, o homem à coisa”. Enfim, “o burguês (...) anuncia o que é pelo que possui; (...)”
(Ibid., p. 1433).
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 49
62
Ibid., p. 1481.
63
Ibid., p. 1486. Eis, então, esse sinistro determinismo (de classe) que Sartre lança sobre Flaubert: “Mas o que fazer
para escapar à sua destinação se até mesmo as atitudes que a recusam contém em si o ser-de-classe que pretendem
superar?” (Ibid., p. 1487).
50 | Flaubert e Marx
O que se deve notar, por ora, é que ele passa do imediato ao mediato, do irre-
fletido à reflexão, do espontâneo à atitude crítica. Reconhecendo, de algum
modo, que lhe é impossível discernir o indivíduo acidental de seu indivíduo
de classe, ele usa os dados imediatos de sua consciência como material para
usinar; já não adere a eles, observa-os de cima e procura o proveito que pode
tirar. 64
70
Ibid., p. 1581.
71
Idem.
72
Em Gerd Bornheim a crítica ao existencialismo sartriano ocorre como “a insuficiência fundamental de todo o
existencialismo de Sartre” está “no desmesurado destaque ontológico que atribui à dicotomia sujeito-objeto” (1971,
p. 271).
73
Para um melhor aprofundamento deta crítica à fenomenologia de Husserl, ver especialmente: Adorno, 2015 e
Ricoeur, 2009, p. 253-291.
3
1
Kant, 2015, p. 19.
2
Ibid., p. 28.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 53
3
Idem.
4
Locke, 2012, p. 790.
5
Ibid., p. 791.
6
Ver essa passagem do Ensaio sobre o entendimento humano: “Sem a evidente dependência e conexão entre duas
ideias de qualidades coexistentes num objeto, a certeza de coexistência depende da experiência de nossos sentidos”
(Ibid., p. 599).
54 | Flaubert e Marx
7
Kant, 2005, p. 40.
8
Ibid., p. 142.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 55
9
Ibid., p. 142.
10
Ibid., p. 143.
11
“Pode-se dizer do interesse empírico por objetos do gosto e pelo próprio gosto que, pelo fato de que o gosto se
entrega à inclinação, por mais refinada que ela ainda possa ser, ele deixa-se de bom grado confundir com todas as
inclinações e paixões que alcançam na sociedade a sua máxima diversidade e seu mais alto grau, e o interesse pelo
belo, quando está fundado nele, pode fornecer somente uma passagem muito equívoca do agradável ao bom”
(Ibid., p. 144).
12
Ibid., p. 151.
13
Ibid., p. 159.
56 | Flaubert e Marx
Pois em toda arte bela o essencial consiste na forma, que convém à observa-
ção e ao ajuizamento e cujo prazer é ao mesmo tempo cultura e dispõe o
espírito para Ideias, por conseguinte o torna receptivo a prazeres e entrete-
nimentos diversos; não consiste na matéria da sensação (no atrativo ou na
comoção), disposta apenas para o gozo, o qual não deixa nada à Ideia, torna
o espírito embotado, o objeto pouco a pouco repugnante e o ânimo insatisfei-
to consigo e instável pela consciência de sua disposição adversa a fins no
juízo da razão. 15
17
Ibid., p. 194.
18
Ibid., p. 196.
19
Ibid., p. 199.
58 | Flaubert e Marx
O que faz homem, porém, é justamente não se bastar com o que dele a natu-
reza fez, mas ser capaz de refazer com a razão e regressivamente os passos
que ela nele antecipa, transformar a obra da necessidade em obra de sua li-
vra escolha e elevar a determinação física à determinação moral. 23
20
Ibid., p. 200.
21
Em sua Introdução às Cartas sobre a educação estética da humanidade, Anatol Resenfeld comenta que “Schiller
desenvolveu em larga medida as idéias de Kant”. Isto quer dizer que muitas das idéias de Kant sobre a estética,
tornam-se em Schiller, “uma verdadeira “práxis” educativa e mesmo política” (Apud Schiller, 1991, p. 21).
22
Schiller, 1991, p. 37.
23
Ibid., p. 39, 40.
24
Este caráter ativo e formador em torno do homem transparece na Carta III: “[Ele] forma em Ideia um estado
natural que não lhe é dado na experiência, mas é posto como necessário pela sua determinação racional, empresta-
se nesta situação ideal uma finalidade que não conhecera em seu verdadeiro estado natural, (...)” (Ibid., p. 40).
25
Ibid., p. 47.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 59
certa forma, rompe com a cultura aristocrática: “Em pleno seio da socia-
bilidade mais refinada o egoísmo fundou o seu sistema, (...)”. 26 Então,
trata-se de dar sequência a tudo que os gregos fundaram, agora em uma
nova unidade: a humanidade. Mas Schiller não deixa de constatar a ten-
dência moderna, capitalista em si, da divisão do trabalho. Ele enfatiza o
erro da “delimitação” dos negócios que perturbou as “forças harmonio-
sas. Eis, dessa forma, que o Iluminismo tem a consciência de sua função.
Idealisticamente, o movimento crê que pode corrigir as distorções pro-
vindas do capitalismo:
26
Ibid., p. 49.
27
Ibid., p. 52, 53.
28
Ibid., p. 57.
29
Eis, aqui, a própria concepção schilleriana de seu tempo histórico: “Nosso tempo é ilustrado; vale dizer que
foram encontrados e tornados públicos os conhecimentos que seriam suficientes, ao menos, para a correção de
nossos princípios práticos; o espírito da livre investigação destruiu os conceitos fantasiosos que por muito tempo
vedaram o acesso à verdade e minou o solo sobre o qual erguiam seu trono a mentira e o fanatismo; a razão
purificou-se das ilusões dos sentidos e dos sofismas enganosos, e a própria filosofia, que a princípio nos rebelara
contra a natureza, chama-nos de volta para seu seio com voz forte e urgente – onde a causa de, ainda assim,
continuarmos bárbaros?” (Ibid., p. 61).
60 | Flaubert e Marx
com a arte, deve contribuir para formar este homem moderno. O Ilumi-
nismo erige o Ideal como supremo objetivo humano. Isto é importante
porque este Ideal conjuga o possível com o necessário. Há, neste sentido,
um dever-ser apropriado ao programa do Iluminismo que se sente livre
para ultrapassar a natureza, bem como os erros do momento social ime-
diato: “Vive com teu século, mas não sejas sua criatura; serve teus
contemporâneos, mas serve-os no que precisam e não no que louvam”. 30
O que se evidenciam nas Cartas sobre a educação estética da huma-
nidade é a positividade e a centralidade em torno do homem. No
Iluminismo estético o homem surge como um ser agente, não dominado
por forças heterônomas. Na Carta XI esta concepção de homem não dei-
xa de se mostrar em toda sua riqueza e idealidade:
Para não ser apenas mundo, portanto, é preciso que ele dê forma à matéria.
Para não ser apenas forma é preciso que dê realidade à disposição que traz
em si. Ele realiza a forma quando cria o tempo e à identidade contrapõe a
modificação, quando opõe à eterna unidade de seu Eu a multiplicidade do
mundo; ele forma a matéria quando volta a negar o tempo, quando mantém
a identidade na variação e submete a multiplicidade do mundo à unidade de
seu Eu. 31
30
Ibid., p. 66. Há, então, essa ânsia de superação no Iluminismo: “Onde quer que os encontrares [os prazeres, o
arbítrio, a frivolidade e a brutalidade], cerca-os de grandes, nobres e espirituosas formas, envolve-os de símbolos
da excelência até que a aparência supere a realidade e a arte a natureza” (Ibid., p. 67).
31
Ibid., p. 75.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 61
32
Ibid., p. 99.
33
“A cultura estética (…) [alcança] a possibilidade natural de fazer ele de si mesmo aquilo que quiser, já que lhe é
devolvido completamente a liberdade de ser o que deve” (Ibid., p. 112).
34
Ibid., p. 119.
35
Berman, 1992, p. 41.
62 | Flaubert e Marx
36
Apud Berman, 1992, p. 41.
37
Marshall Berman salienta esta primeira característica de Fausto: “Este é o sentido da relação de Fausto com o
diabo: os poderes humanos só podem se desenvolver através daquilo que Marx chama de “os poderes ocultos”,
negras e aterradoras energias, que podem irromper com força tremenda, para além do controle humano. O Fausto
de Goethe é a primeira e ainda melhor tragédia do desenvolvimento” (Berman, 1992, p. 42).
38
Ibid., p. 49.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 63
39
“[Gretchen é o] símbolo de tudo o que de mais belo que ele [Fausto] havia abandonado e perdido no mundo. Ele
se deixa enfeitiçar por sua inocência infantil, sua simplicidade provinciana, sua humildade cristã” (Ibid., p. 53).
40
Ibid., p. 58.
41
Ibid., p. 67. Observar as palavras que Lady Macbeth endereça ao esposo: “Tens medo de ser na ação e no valor o
mesmo que és no desejo? Queres ter aquilo que estimas como o ornato da existência, e te mostras em tua mesma
estima um covarde, dizendo “Não me atrevo”, depois de “Quero”, como o pobre gato do provérbio, que quer comer
o peixe mas sem sujar as patas” (Shakespeare, 1997, p. 28).
64 | Flaubert e Marx
42
Berman, 1992, p. 71.
43
Ibid., p. 72.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 65
Indignado, Wilhelm responde que o teatro não é algo inútil; ele re-
jeita a visão de mundo burguesa que não dá valor àquilo “que não nos
põe de pronto dinheiro nos bolsos, que não nos proporciona um patri-
mônio imediato”. 45 Observar, desde modo, como neste diálogo de
Wilhelm com sua mãe o confronto de dois mundos. Aqui é importante
ressaltar a função da arte no mundo da aristocracia. Em Os anos de
aprendizado de Wilhelm Meister fica evidente a importância da arte na
formação do ser aristocrático; mas na segunda metade do século XVIII, já
temos a presença dos valores do utilitarismo burguês. 46
Wilhelm abraça a vida teatral, mesmo contra a tendência de seu
meio familiar. De início com uma postura otimista, o herói sente a tenta-
ção burguesa de um “garantido futuro burguês”. A arte para ele possui
um valor formativo; o narrador nos mostra o sentimento de Wilhelm
ante os atores:
48
Ibid., p. 104.
49
Ibid., p. 114.
50
“Wilhelm começa a pôr em dúvida que o que se passa no mundo era diferente do que havia imaginado. Via de
perto a importância e significativa vida dos nobres e dos grandes e se surpreendia com o modo como sabiam
infundir-lhe um fácil decoro. Um exército em marcha, com um heroico príncipe à sua frente, tantos guerreiros
participantes, tantos servidores solícitos exaltavam sua imaginação” (Ibid., p. 184).
51
Sobre o tema da “bela alma”, observar as palavras de Wilhelm em relação ao amor: “(...) hei de resistir a toda
inclinação passageira e guardar em mim mesmo as mais sérias; mulher alguma haverá de ouvir de meus lábios
uma declaração de amor, se eu não puder consagrar-lhe toda minha vida!” (Ibid., p. 275).
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 67
52
Em uma fala de Wilhelm há o seguinte comentário: “Deixo o teatro e me junto aos homens, cujo contato haverá
de me conduzir, em todos os sentidos, a uma pura e sólida atividade” (Ibid., p. 467).
53
Ibid., p. 479.
54
Ibid., p. 494.
55
Ibid., p. 505.
68 | Flaubert e Marx
[Para ele] a obra de arte deve agradá-lo pouco mais ou menos como uma
obra da natureza, e os homens creem que os órgãos com que se desfruta
56
Ibid., p. 512.
57
Ibid., p. 514.
58
Ibid., p. 539.
59
No Posfácio (escrito por Lukács) em Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister há o seguinte comentário: “As
aludidas teorias do abade são teses do próprio Goethe, que estão estreitamente relacionadas com toda sua
concepção da dialética do movimento da natureza e da sociedade” (Ibid., p. 597).
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 69
uma obra de arte formaram-se por si mesmos, como a língua e o palato, que
se julga uma obra de arte como se julga uma comida. Não compreendem que
se carece de uma outra formação para se elevar até à verdadeira fruição ar-
tística. 60
Por isso para o abade, o homem cultivado deve “deixar agir dentro
de si” uma “espécie de distinção”: eis a própria faculdade de julgar de
Kant. O abade também vê nas “formações unilaterais” um erro; ele co-
menta sobre a “atividade múltipla” que o homem deve cultivar – ele deve
ter uma “fruição múltipla”. Não se deve almejar (na fruição) “tudo o que
é externo a si mesmo”: isso nos leva ao infinito e faz o homem um ser
insatisfeito. Como um verdadeiro programa Iluminista ao estilo kantiano,
o abade se refere ao gozo puro:
60
Ibid., p. 543.
61
Idem.
62
Idem.
70 | Flaubert e Marx
A modernidade de Paris
63
Harvey, 2015, p. 29.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 71
64
Ibid., p. 139.
65
David Harvey comenta: “Menos de um ano após a declaração do Império, mais de mil pessoas estavam
trabalhando no canteiro de obras das Tulherias; outros milhares estavam de volta ao trabalho construindo
ferrovias; e as minas e forjas, ainda abandonadas em 1851, eram apressadas para satisfazer a florescente demanda”
(Ibid., p. 149).
66
Ibid., p. 154.
67
Ibid., p. 153, 154.
72 | Flaubert e Marx
Quem quer que pretenda ver a história com clareza deve antes de mais nada
desfazer-se dessa luz traiçoeira [a ideia de progresso]. Essa ideia grotesca,
que floresceu no solo da fatuidade moderna, desobrigou cada homem dos
seus deveres, desobrigou a alma de sua responsabilidade, desatrelou a von-
tade de todas as cauções impostas a ela pelo amor à beleza. (...) Tal obsessão
é sintoma de uma já bem visível decadência. 70
68
Apud Harvey, 2015, p. 29.
69
Notar como Charles Baudelaire antecipa uma das características do capitalismo tardio: o efêmero. Em Gilles
Lipovetsky, o sentido pós-moderno trata-se da “consagração das frivolidades (...)” (2016, p. 70). É o homo frivolus
acentuado por Lipovetsky. Para um aprofundamento desta fase do capitalismo, ver também: Lipovetsky; Serroy, 2015.
70
Apud Berman, 1992, p. 135.
71
Idem.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 73
72
Apud Berman, 1992, p. 136.
73
Ibid., p. 137.
74
Kant permanece atento ao “amor a si mesmo”, bem como o desejo a objetos. Nele, a razão deve determinar a
“vontade por si mesma (não a serviço das inclinações)”. Neste caso a razão funda “uma verdadeira faculdade de desejar
superior, à qual está subordinada a faculdade de desejar patologicamente determinável, (...)” (Kant, 2016, p. 41).
75
Berman, 1992, p. 138.
74 | Flaubert e Marx
go. Baudelaire deseja obras de arte que brotem do meio do tráfego, de sua
energia anárquica, do incessante perigo e terror de estar aí, do precário or-
gulho e satisfação do homem que chegou a sobreviver a tudo isto. 76
Remords Posthume
Lorsque tu dormiras, ma belle ténébreuse,
Au fonde d’um monument construit em marbre noir,
Et lorsque tu n’auras pour alcôve et manoir
Qu’um caveau pluvieux et qu’une fosse creuse;
Quand la Pierre, opprimant ta poitrine peureuse
Et tes flancs qu’assouplit um charmant nonchaloir,
Empêchera ton Coeur de batter et de vouloir,
Et tes pieds de courir leur course aventureuse,
Le tombeau, confident de mon rêve infini
(Car le tombeau toujours comprendra le poëte),
Durant ces grandes nuits d’où le somme est banni,
Te dira: “Que vous sert, courtisane imparfaite,
De n’avoir pás connu ce que pleurent lês morts?”
- Et le ver rongera ta peau comme um remords. 77
76
Ibid., p. 155.
77
Baudelaire, 1996, p. 63.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 75
78
Seigel, 1992, p. 110.
79
Apud Seigel, 1992, p. 112.
80
Seigel, 1992, p. 113.
81
Apud Seigel, 1992, p. 113.
82
Jameson, 2006, p. 41.
76 | Flaubert e Marx
83
Seigel, 1992, p. 125.
84
Ibid., p. 127.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 77
85
Heidegger, 2008, p. 83.
86
Nietzsche, 2005, p. 66.
87
Adorno, 2009, p. 185.
88
Idem.
78 | Flaubert e Marx
89
Ibid., p. 186.
90
“O exílio da moral na sóbria unidade da razão era o sublime com tons burgueses de Kant, apesar de toda a falsa
consciência que continha a objetivação da vontade” (Ibid., p. 201).
91
Jameson, 2005, p. 46.
92
Ibid., p. 126.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 79
93
Ibid., p. 145.
94
“O que é decisivo é antes a interiorização da narrativa, que agora não apenas dirige-se para o interior da obra de
arte, como se transforma na estrutura fundamental desta última. O que era diacrônico agora se tornou sincrônico,
e a sucessão de eventos no tempo se transformou inesperadamente na coexistência de vários elementos, cujo ato de
reestruturação é apanhado e preso, como nalguma “sequência congelada” (para não mencionar a “dialética da
imobilidade” de Benjamin)” (Ibid., p. 147, 148).
95
Ibid., p. 149.
96
Ibid., p. 204.
97
Habermas, 2007, p. 37.
80 | Flaubert e Marx
98
Rancière, 1995, p. 114.
99
Idem.
100
Rancière, 2009, p. 37.
101
Idem.
102
Ver esta passagem de A partilha do sensível, na qual Rancière se refere à literatura de Flaubert: “Quando são
publicados, Madame Bovary ou A educação sentimental são imediatamente percebidos como “a democracia em
literatura”, apesar da postura aristocrática e do conformismo político de Flaubert. Até mesmo sua recusa em
confiar à literatura uma mensagem é considerada como um testemunho da igualdade democrática. Ele é
democrata, dizem seus adversários, na sua opção por pintar em vez de instruir. Essa igualdade de indiferença é
consequência de uma opção poética: a igualdade de todos os temas, é a negação de toda relação de necessidade
entre uma forma e um conteúdo determinados” (Ibid., p. 19).
4
1
Jameson, 1992, p.10.
82 | Flaubert e Marx
2
Ibid., p.11.
3
Ibid., p.12.
4
Rancière, 2009, p.44.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 83
5
Eagleton, 2006, p.228.
6
Idem.
84 | Flaubert e Marx
que se vinculem a um valor social e que são “bem vistas” pela sociedade.
Dessa forma, a humanidade surge como civilização, quando nossas pul-
sões são transferidas para a criação de atividades que contribuem para a
efetuação de metas superiores: uma dessas metas é a literatura como
forma de arte.
Na dimensão teórica a literatura recebe várias interpretações. Com
o auxilio da teoria de Fredric Jameson percebe-se como ela foi influencia-
da pelos estudos de Freud. Uma das interpretações psicanalíticas da
literatura indica que o autor de uma obra pode ocultar desejos, preten-
sões e projeções em seu texto. Até o final do século XIX, uma parte das
abordagens literárias se voltava especificamente para aspetos de “fora da
obra” 7 como a dimensão histórica, sociológica e biográfica. Nessas for-
mas, a análise do texto intentava uma forma de significação de acordo
com os elementos externos à obra. Entretanto, com os avanços da teoria
psicanalítica e sua expansão para o mundo das ciências humanas, houve
a possibilidade de um tipo de análise ressaltando os aspectos latentes da
obra. 8 Com essa abordagem, Eagleton afirma que a crítica literária pode
se dar de quatro maneiras: ela pode se voltar para o autor, para o conte-
údo, para a construção formal e, por ultimo, para o leitor.
Especificamente, quando a análise se volta para o autor, busca-se
aspectos de sua infância, procurando assim suas “intenções” mais pro-
fundas. Na psicanálise do “conteúdo” a materialidade da obra adquire
destaque ao se apreender as “fantasias” do escritor. Também temos a
análise da construção formal. Assim Eagleton enfatiza sobre essa forma
de análise (do conteúdo) pela psicanalise:
7
Cf. Darcoso, 2010.
8
Cf. Coutinho, 1976.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 85
10
Eagleton, 2006, p. 268.
11
Idem.
12
Ibid., p. 272.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 87
texto-sonho. Esses fatores nos levam a observar não só o que o texto diz
(ou afirma), mas como ele funciona em seu nível mais profundo.
Na Teoria estética de Adorno há uma ênfase na boa arte no sentido
em que ela adota uma posição determinada em relação ao sensível. Po-
rém, ao mesmo tempo, camufla essa posição de modo
“inconscientemente polêmico contra a sua situação a respeito do mo-
mento histórico”. 13 Isso se deve em grande parte à historicidade de uma
obra, que busca “questionar” a estrutura vigente de seu tempo: seu am-
biente social na qual emerge. Assim, o enfoque da teoria psicanalítica da
escritura abordada por Eagleton adquire forma ao evidenciar esses traços
relacionados ao sensível. Como enfatiza Adorno:
13
Adorno, 1993, p. 16.
14
Idem.
88 | Flaubert e Marx
15
Ver, especialmente, a personagem de Antoine Roquentin em A Náusea, de Sartre.
16
Idem.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 89
Sénecal lhe parecia maior do que supunha. Lembrou-se dos sofrimentos dele,
da sua vida austera; não sentindo por ele o entusiasmo de Dussardie, expe-
rimentava contudo aquela admiração que inspira sempre o homem que se
sacrifica por uma ideia. Pensava que, se o tivesse auxiliado, Sénécal não teria
chegado a aquela situação; e os dois amigos procuravam laboriosamente
uma combinação que lhes permitisse salva-lo. 17
17
Flaubert, 2015, p.248.
90 | Flaubert e Marx
18
Ibid., p, 213.
19
Idem.
20
Hobsbawm, 2017, p.41.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 91
21
Jameson, 1992, p.72.
22
Flaubert, 2015, p.58.
23
Evidentemente que a função da arte em Flaubert passa por vários estágios. Desde a afirmação de que a arte é
mais necessária que as ferrovias, até a consciência de que “a felicidade para as pessoas de nossa raça [ou seja, os
artistas] está da Ideia, em nenhum outro lugar” (Apud Sartre, 2014, p. 2063).
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 93
24
Flaubert, 2015, p.60.
25
A noção de escritura em Rancière implica em uma força de reinscritura que trabalha com a posição do Real
através do ato ficcional e, ao mesmo tempo, este Real fundamenta o ato ficcional permitindo que a realidade social
externa ao texto seja problematizada. Letra que é livre, mas que procura por seu corpo: “Ela [literatura] tem seu
ato no gesto que desfaz a relação estabelecida da realidade e da ficção, ou da filosofia e do poema, para devolver
toda matéria de ficção ou todo ritmo poético ao estatuto da letra abandonada: letra emancipada que apaga a divisão
de legitimidade na comunidade indiferente dos seres falantes, letra órfã à procura de seu corpo de verdade. E talvez
essa dupla figura do abandono dê à literatura sua tensão específica” (Rancière, 1995, p. 41).
94 | Flaubert e Marx
26
Adorno, 1993, p. 254.
27
Flaubert, 2015, p. 70.
28
Para um melhor aprofundamento sobre o “regime de sensibilidade”, a obra de Rancière A partilha do sensível:
estética e política (2009a), esclarece de forma interessante essa passagem do modelo estético associado aos
períodos histórico-políticos.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 95
29
Flaubert, 2015, p. 126.
96 | Flaubert e Marx
to: o presente se impôs como o eixo temporal que rege uma face superficial
mas prestigiosa da vida das elites. 30
Neste caso, uma das categorias que permite uma análise do tema
“moda” é o efêmero. Neste último, o valor como um bem de consumo
apresenta uma breve duração, ele logo ingressa no “desuso sistemático”.
A própria lógica do mercado permite um entendimento do fenômeno do
efêmero:
A lei é inexorável: uma firma que não cria regularmente novos modelos per-
de em força de penetração no mercado e enfraquece sua marca de qualidade
numa sociedade em que a opinião espontânea dos consumidores é a de que,
por natureza, o novo é superior ao antigo. 31
gem de Flaubert acaba por sofrer uma normatização e tem seu trabalho
restringido, já que para sobreviver tem que se submeter às diretrizes
impostas por seu patrão (Arnoux). Dessa forma, a arte de Pellerim se vê
limitada, prejudicada por sua conjuntura: Pellerim é um artista atrelado
à prática comercial de Arnoux. Este último é parte de um mundo que não
seria proveitoso para o sistema democrático na concepção de Sénécal;
mais tarde Pellerim irá destacar sua posição ao afirmar que “(...) a mo-
narquia era a forma de governo mais favorável para as artes”. Essa
afirmação comprova o confronto de visões de mundo entre a liberdade
criativa da arte e as injunções sociais: o artista com seu ideal e as neces-
sidades de sobrevivência.
Flaubert em A educação sentimental evidencia a perda de autonomia
da arte no contexto capitalista. Essa problemática foi indicada por Adorno
que adverte sobre a utilização da arte como instrumento de reprodu-
ção/ampliação de valores de mercado. Na Dialética do esclarecimento,
Adorno e Horkheimer advertem sobre o tema da arte e sua incorporação à
força do capital. É a cultura que ao girar em torno do capital contribui para
a “disseminação de bens padronizados”. Adorno e Horkheimer reconhe-
cem que na era do capital a obra cultural que compartilha dos valores
mercadológicos não mais é “o veículo da Ideia”. Então, na indústria cultu-
ral o fim último é proporcionar diversão. 32 Com isso, a arte da indústria
cultura perde um elemento indispensável da arte suprema:
Divertir significa sempre: não ter que pensar nisso, esquecer o sofrimento o
sofrimento até mesmo onde ele é mostrado. A impotência é a sua própria ba-
se. É na verdade uma fuga, mas não, como afirma, uma fuga da realidade
ruim, mas da última ideia de resistência que essa realidade ainda deixa sub-
sistir. A libertação prometida pela diversão é a libertação do pensamento
como negação. 33
32
“A verdade em tudo isto é que o poder da indústria cultural provém de sua identificação com a necessidade
produzida, não da simples oposição a ela, mesmo que se tratasse de uma oposição entre a onipotência e impotência. – A
diversão é o prolongamento do trabalho sob o capitalismo tardio” (Adorno; Horkheimer, 1985, p. 128).
33
Ibid., p. 135.
98 | Flaubert e Marx
34
Ibid., p. 147.
35
Marx, 2017, p. 110.
36
Adorno; Horkheimer, 1985, p. 153.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 99
É uma dimensão que nos faz pensar sobre a arte como formadora
do “homem sensível”; ele é um sujeito estético (a promessa de felicidade,
em Frédéric) que está presente na literatura de Flaubert, especialmente
em A educação sentimental. Ver, particularmente como o escritor francês
explora o tema da consciência em Frédéric em relação à eclosão dos mo-
vimentos revolucionários de Paris. Quando o evento ocorre o herói se
dirige para Fontainebleu. Aqui, ele passa momentos de grande deleite ao
lado de Rosanette, outra amante de Frédéric. Porém, quando descobre
que Dussardie havia sido ferido, Frédéric adota uma nova postura: ele
volta para Paris com a intenção de auxiliar o amigo. Aqui, presenciamos
mais uma vez a sensibilidade social da personagem. Apesar de envolvido
com o mundo das paixões, Frédéric possui um apreço por seus amigos e
é sensível quanto aos seus sofrimentos. Em outra obra (Madame Bovary)
Flaubert mostra uma personagem que se vê “iludida” por suas paixões e
acaba por não ter ou receber um ideal de amor semelhante ao que ima-
gina. Diferentemente de Emma, Frédéric possui uma consciência social
mais aguçada, por mais que esteja apaixonado. Em certo momento há
uma pequena desilusão em relação a Sra. Arnoux, no instante em que ela
justifica as punições que Sénécal aplica a uma operária da fábrica do
marido. Como se pode averiguar, embora Frédéric tenha muitas vezes
um comportamento semelhante ao caráter burguês, ele não compartilha
do individualismo característico desta classe.
A obra de Flaubert é permeada pelos elementos revolucionários de
seu contexto; além disso, aborda as problemáticas sociais sempre com a
intenção de esconder (portanto, problematizar) o seu ponto de vista ou a
sua posição com relação aos movimentos revolucionários de seu tempo
histórico. Até mesmo a condição sobre o papel da mulher durante esse
processo tem seu espaço na obra nos diálogos entre Rossanet e Vartnaz.
Neste caso, ambas evidenciam duas perspectivas sobre esse papel. Ros-
sanet crê que as mulheres deveriam se manter submissas aos homens,
enquanto Vartnaz enfatiza a emancipação da mulher, juntamente com os
operários. Observar como a obra de Flaubert apresenta-nos as diversas
100 | Flaubert e Marx
37
Jameson, 1992, p. 74.
38
Idem.
39
Ibid., p. 75.
40
Idem.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 101
41
Ibid., p. 76.
5
O conceito de determinação
1
Hegel, 2005, p. 60.
2
Ver, particularmente, esta passagem na Fenomenologia do espírito: “(...) no pensar conceitual o negativo pertence
ao conteúdo mesmo e – seja como seu movimento imanente e sua determinação, seja como sua totalidade – é o
positivo. O que surge desse movimento, apreendido como resultado, é o negativo determinado e portanto é
igualmente um conteúdo positivo” (Ibid., p. 62).
3
Ibid., p. 77.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 103
4
Taylor, 2014, p.330.
5
Idem.
6
Ibid., p. 331.
7
Kojève, 2014, p. 191.
8
Ibid., p. 193. Observar esta passagem em Alexandre Kojève: “Mas a realidade-essencial absoluta não é o indivíduo
humano (o particular). Porque o homem-isolado existe de fato tão pouco quanto o homem-fora-do-mundo ou o
mundo-sem-o-homem. A realidade-essencial do real é a humanidade considerada no conjunto espaciotemporal. É
o que Hegel chama Objektiver Geist (Espírito objetivo), Weltgeist (Espírito do mundo), Volksgeist (Espírito do
povo), mas também Geschichte (história) ou – de maneira mais concreta – Staat, o Estado considerado como
Estado, a sociedade considerada como tal” (Ibid., p. 191).
9
Adorno, 2013, p. 75.
10
Ibid., p. 77.
104 | Flaubert e Marx
Por ser determinado, porém, a sua forma é uma forma finita, a sua existên-
cia de uma existência unilateral, limitada. A Ideia como o interno deve
demolir esta forma, destruir a existência unilateral, para a si conferir a forma
absoluta, idêntica ao conteúdo. Nesta dialética de infinito em si da Ideia, a
11
Hegel, 2005, p. 80.
12
“A consciência, ao abrir caminho rumo à sua verdadeira existência, vai atingir um ponto onde se despojará de
sua aparência: a de estar presa a algo estranho, que é só para ela, e que é como um outro” (Ibid., p. 82).
13
Hegel, 2015, p. 103.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 105
qual existe na forma unilateral e deve ab-rogar esta existência, é que reside o
elemento condutor. 14
Então, esta história da filosofia (como seus momentos) deve ser de-
terminada pela Ideia. Mas isto não é fixo; cada “filosofia singular”
representa a “forma da Ideia” mais elevada para cada época. Na fase
posterior, o princípio desta “filosofia singular” é preservado em uma
filosofia mais apropriada à sua época. Por isso, quando uma determinada
filosofia refuta a anterior, a antiga determinação se torna subordinada à
nova determinação. 15 Nas palavras de Hegel, uma filosofia superada tor-
nou-se “particular”, diante do fato que outrora “era universal”. Então, a
determinação deve ser apreendida no movimento histórico. A progressão
está nos princípios; o mais recente (princípio) “constitui somente uma
determinação ulterior do precedente”.
No entendimento sobre a determinação em Hegel, há um termo
importante: o concreto. Quando nos referirmos ao desenvolvimento,
visa-se ao concreto. Na expressão de Hegel, “o concreto é o que é em si e
para si a unidade do ser-em-si e do ser-para-si”. 16 Nesta progressão, o
que está no início é mais abstrato e simples que aquilo que está na fase
posterior:
O que constitui o começo ainda não progrediu, não chegou ainda a nenhum
outro. O segundo é o para-si, o terceiro o em-si e para-si. O mais concreto é,
pois, o mais tardio. Surge assim a diferença de que o primeiro é o mais abs-
trato, o mais indigente, o mais pobre em determinações, ao passo que o mais
avançado é o mais rico. 17
14
Idem.
15
“No Espírito, também existe esta sucessão, esta refutação, mas de modo tal que os estágios anteriores
permanecem na unidade. A última e mais recente filosofia deve, pois, conter em si os princípios de todas as
filosofias anteriores, por conseguinte, ser a mais elevada” (Ibid., p. 104).
16
Ibid., p. 114.
17
Ibid., p, 114, 115.
106 | Flaubert e Marx
18
Ibid., p. 117.
19
Marx, 2017, p. 122.
20
Perceber que em Hegel há uma saída de ordem subjetiva. Segundo Marx: “Toda reapropriação da essência
objetiva estranhada aparece, então, como uma incorporação na consciência-de-si; o homem apoderado de sua
essência é apenas a consciência-de-si apoderada da essência objetiva” (Ibid., p. 125).
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 107
(...) é claro que ele [Marx] acredita não apenas que as sociedades constituem
totalidades integradas, mas que esses todos funcionalmente relacionados são
determinados por sua base econômica. Razões econômicas não são a única
força nos acontecimentos históricos, mas a maneira como a esfera econômica
estrutura o mundo social explica em grande parte por que as motivações
humanas eram o que eram. 24
21
Ibid., p. 132.
22
Marx, 2005, p. 30.
23
Ibid., p. 31.
24
Shaw, 1979, p. 67, 68.
108 | Flaubert e Marx
25
Marx, 2017, p. 80.
26
Idem.
27
Neste caso, Marx esclarece que o estranhamento (na sociedade capitalista) está no próprio processo de trabalho:
“Mas o estranhamento não se mostra somente no resultado, mas também, e principalmente, no ato da produção,
dentro da própria atividade produtiva. Como poderia o trabalhador defrontar-se alheio ao produto da sua atividade
se no ato mesmo da produção ele não se estranhasse a si mesmo? O produto é, assim, somente o resumo da
atividade da produção. Se, portanto, o produto do trabalho é a exteriorização, então a produção mesma tem de ser
a exteriorização ativa, a exteriorização da atividade, a atividade da exteriorização. No estranhamento do objeto do
trabalho resume-se somente o estranhamento, a exteriorização na atividade do trabalho mesmo” (Ibid., p, 82).
28
Williams, 2011, p. 44. Raymond Williams comenta sobre a determinação em Marx: “Ele está se opondo a uma
ideologia que insistia no poder de certas forças fora do homem, ou, em sua versão secular, em uma consciência
determinante abstrata. A própria proposição de Marx explicitamente nega isso e coloca a origem da determinação
nas próprias atividades dos homens” (2011, p. 14).
29
Ibid., p. 46.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 109
30
Ibid., p. 50.
31
Ibid., p. 51.
32
Ibid., p. 53.
33
Ibid., p. 54.
34
Idem.
110 | Flaubert e Marx
38
Ibid., p. 63.
112 | Flaubert e Marx
É difícil dizer mais claramente que a ganga mística não é senão a forma mis-
tificada da própria dialética, ou seja, não um elemento relativamente exterior
à dialética (como o “sistema”), mas um elemento interno, consubstancial à
dialética hegeliana. 39
Mas não se pode, contudo, pretender com todo o rigor que essas “contradi-
ções” e sua “fusão” sejam apenas seu puro fenômeno. Elas dependem das
relações de produção, que são um dos termos da contradição, mas, ao mes-
mo tempo, sua condição de existência; depender das superestruturas,
instâncias que dela derivam, mas têm sua consistência e eficácia próprias;
dependem da própria conjuntura internacional, que intervém como deter-
minação desempenhando seu papel específico. 41
39
Althusser, 2015, p. 73.
40
Ibid., p. 78.
41
Idem.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 113
Neste tipo de lógica (da história) não há como saber sobre as condi-
ções de verdade da prática de poder. 47 Daí a afirmação de Zizek de que “a
estrutura do stalinismo é inerentemente teológica”. A invenção desse
sentido objetivo da prática do poder não ocorreu no campo hegelo-
marxista; foi uma descoberta de Nicolau Maquiavel que aplicou uma
concepção técnica (fundamentada em “forças sociais”) nas relações de
44
Zizek, 2013, p. 340.
45
Idem.
46
Zizek, 2015, p. 235.
47
Esta é, também, a tese de John Stuart Mill em Sobre a liberdade: “O mal alarmante não é o conflito violento entre
partes da verdade, mas sim a tácita supressão de metade dela; [se isto ocorrer] a própria verdade deixa de ter o
efeito de verdade, ao ser tão exagerada que deixa de ser verdade” (2011, p. 86).
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 115
São bem empregadas as crueldades (se é legítimo falar bem do mal) que se
fazem de uma só vez pela necessidade de garantir-se e que depois não se in-
siste mais em fazer, mas rendem o máximo possível de utilidade para os
súditos. Mal empregadas são aquelas que, ainda que de início sejam poucas,
crescem com o tempo, ao invés de se extinguirem. 51
da pelos efeitos, ou seja, pela objetividade (em seu caso, a gênese do Es-
tado moderno na Itália) capaz de trazer um determinado bem social. 54
Posteriormente, foi no campo hegelo-marxista que surge com in-
tensidade o sentido objetivo da história. A dialética, neste caso,
desempenhou uma função primordial ao explicar o mecanismo que im-
pulsiona a história. O que em Hegel assumia uma forma lógico-abstrata,
na dialética marxista torna-se um “movimento concreto real”. 55 Para
Marcuse, no marxismo a fase de superação da sociedade capitalista cor-
responde a uma suspensão da dialética (na história):
54
Aqui, não podemos nos esquecer do momento histórico em Maquiavel. Ele ainda não possui o sentido de
progresso (da história). Em Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio ele afirma: “(...) penso que o mundo
não se modificou substancialmente: que sempre guardou igual parte de bem e de mal. O bem e o mal, contudo, têm
passado de um país a outro, como nos indicam as informações que temos hoje dos reinos antigos – que a variação
dos costumes tornava diferentes uns dos outros, embora o mundo, como um todo, permanece imutável” (1979, p.
196). De verdade, Maquiavel concebia sua época como uma fase decadente: “(...) antigamente os povos eram livres;
hoje, vivem como escravos” (Ibid., p. 206). Ver especialmente a peça teatral de Maquiavel, A mandrágora. Aqui, não
há espaço para “homens excelentes”: ora temos pessoas ingênuas, como Nícia, ora uma astúcia individualista,
como Calímaco. O público que ri nessa comédia está rindo da decadência de seu próprio mundo social.
55
Marcuse, 1969, p. 286.
56
Ibid., p. 286.
57
Slavoj Zizek ao comentar sobre o stalinismo indica essa necessidade histórica: “O verdadeiro político stalinista
ama a humanidade, mas ainda assim faz expurgos e execuções horríveis; seu coração se parte quando os faz, mas
não pode se impedir, é seu Dever para com o Progresso da Humanidade. Essa é a atitude perversa de adotar a
posição de instrumento puro da Vontade do grande Outro: a responsabilidade não é minha, não sou eu que
efetivamente faço isso, sou mero instrumento da mais elevada Necessidade Histórica” (2015, p. 233).
58
Jameson, 1997, p. 296.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 117
59
Habermas, 2016, p. 220.
60
“A resposta que eu gostaria de sugerir é a seguinte: a espécie não aprende somente na dimensão do saber
tecnicamente utilizável para o desdobramento das forças produtivas, mas também na dimensão da consciência
prático-moral, determinante para as estruturas da interação. As regras da ação comunicativa se desenvolvem
certamente em reação às transformações no domínio da ação instrumental e estratégica, mas seguindo aí uma
lógica própria” (Ibid., p. 233, 234).
61
Jameson, 1997, p. 315.
118 | Flaubert e Marx
62
Ibid., p. 308.
63
Adorno, 2009, p. 19.
64
Ibid., p. 63. Ainda na Dialética negativa, Adorno afirma: “Socialmente, a consciência subjetiva dos homens está
por demais enfraquecida para explodir as invariantes nas quais ela está aprisionada. Ao invés disso, ela se adéqua a
essas invariantes, apesar de lamentar a sua ausência. A consciência reificada é um momento na totalidade do
mundo reificado; a necessidade ontológica é sua metafísica, mesmo se essa metafísica, segundo seu conteúdo
doutrinal, explora a crítica à reificação, uma crítica que se torna barata” (Ibid., p. 88).
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 119
65
Ibid., p. 127.
66
Ibid., p. 130. Ver esta passagem da Dialética negativa: “O pensamento identificador objetiva por meio da
identidade lógica do conceito. A dialética visa, segundo seu lado subjetivo, a pensar de tal modo que a forma do
pensamento não mais torne seus objetivos coisas inalteráveis que permanecem iguais a si mesmas; a experiência
desmente que eles o sejam” (Ibid., p. 134).
67
Ibid., p. 140.
68
Ibid., p. 141.
120 | Flaubert e Marx
69
Löwy, 2007, p. 14.
70
Ibid., p. 15.
71
Ibid., p. 18.
72
Löwy acrescenta sobre o conteúdo desta crítica : “(...) a transformação dos seres humanos em “máquinas de
trabalho”, a degradação do trabalho a uma simples técnica, a submissão desesperadora das pessoas ao mecanismo
social, a substituição dos “esforços heroico-revolucionários” do passado pela piedosa marcha (semelhante à do
caranguejo) da evolução e do progresso” (Ibid., p. 20).
73
Idem.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 121
74
Löwy comenta sobre essa virada em Benjamin: “A partir de 1936, essa espécie de “parêntese progressista” se
fecha, e Benjamin vai reintegrar cada vez mais o momento romântico em sua crítica marxista sui generis das
formas capitalistas da alienação” (Ibid., p. 27).
75
Löwy; Sayre, 2015, p. 31.
76
Ibid., p. 41.
122 | Flaubert e Marx
77
Ibid., p. 43.
78
“O indivíduo romântico, por outro lado, é uma consciência infeliz, perturbada pela cisão, procurando restaurar
os laços felizes, únicos capazes de realizar seu ser. Isso dito, é preciso reconhecer que, em uma sensibilidade
romântica assim constituída, podemos encontrar também expressões bem desenvolvidas de afirmação
individualista. O que não muda o fato de que o verdadeiro núcleo do valor para os românticos é a união com os
homens e com o universo natural” (Ibid., p. 49).
79
Apud Löwy, 2007, p. 65.
80
Idem.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 123
Sobredeterminação e literatura:
o radicalismo de Flaubert
1
Adorno, 1993, p. 259.
2
Idem.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 125
3
“A imanência da sociedade na obra é a relação social essencial da arte, não a imanência da obra na sociedade.
Porque o conteúdo social da arte não está estabelecido fora do seu princípium individuationis, mas é inerente à
individuação, ela própria um elemento social, é que à arte está velada a sua própria essência social e só pela sua
interpretação pode ser apreendida” (Ibid., p. 261).
4
Ibid., p. 262.
5
Ibid., p. 259.
6
Ibid., p. 258.
7
Lukács, 2011b, p. 71. No Prefácio (datado desde a cidade de Moscou de setembro de 1937) de O romance histórico,
Lukács comenta: “E este trabalho pretende mostrar como a gênese e o desenvolvimento, a ascensão e o declínio do
romance histórico são consequências necessárias das grandes convulsões sociais dos tempos modernos, e provar
que seus diferentes problemas formais são reflexos dessas convulsões histórico-sociais” (Ibid., p. 31).
8
Ibid., p. 79.
126 | Flaubert e Marx
9
Ibid., p. 72, 73.
10
“Ele [Balzac] identificou, com uma clareza que nenhum de seus contemporâneos literários conseguiu igualar, a
profunda contradição entre as tentativas da restauração feudal e absolutista e as forças do capitalismo em rápida
ascensão” (Ibid., p. 109).
11
Ibid., p. 119.
12
Ibid., p. 214.
13
Frase de Flaubert, citada pelo próprio Lukács (Ibid., p. 228).
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 127
14
Ibid., p. 234.
15
Ibid., p. 237.
16
“(...) ele odeia de fato o presente capitalista, mas seu ódio não tem nenhuma raiz nas grandes tradições populares
e democráticas do passado ou do presente e, por isso, nenhuma perspectiva de futuro” (Ibid., p. 239).
17
Löwy; Sayre, 2015, p. 148, 149.
128 | Flaubert e Marx
18
Flaubert, 2011, p. 327.
19
Idem.
20
Ibid., p. 328.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 129
dizer que a obra adquire uma polifonia: no caso de Emma Bovary, a narra-
ção é sensível ao seu mundo da vida. A narrativa transmite ao leitor seus
sentimentos, com toda a riqueza do lirismo romântico. No instante em que
irrompe em Emma um profundo amor por Rodolphe, o narrador nos
transmite esse clima incomum:
O céu ficara azul. As folhas não se mexiam. Havia grandes espaços plenos de
urzes em flor; e lençóis de violetas alternavam com o emaranhado das árvo-
res, que eram cinzentas, fulvas ou douradas, segundo a diversidade das
folhagens. Frequentemente ouvia-se, por debaixo das moitas, fugir um bati-
mentozinho de asas das moitas, ou o grito rouco e suave dos corvos, que
saiam voando nos carvalhos. 21
21
Ibid., p. 259.
22
Ibid., p. 380.
23
Idem.
130 | Flaubert e Marx
24
Atentar para esta passagem em Mikhail Bakhtin: “Dentro do plano artístico de Dostoiévski, suas personagens
principais são, em realidade, não apenas objetos do discurso do autor mas os próprios sujeitos desse discurso
diretamente significante. (...) A própria consciência do herói é dada como a outra, a consciência do outro mas ao mesmo
tempo não se objetiva, não se fecha, não se torna mero objeto da consciência do autor. Neste sentido, a imagem do
herói em Dostoiévski não é a imagem objetivada comum do herói no romance tradicional” (1997, p. 4, 5).
25
Huizinga, 1966, p. 112.
26
Observar esta passagem em Madame Bovary: “(...) queimada com mais força por aquela chama íntima que o
adultério avivava, ofegante, comovida, toda em desejo, abria a janela, aspirava o ar frio, espalhava ao vento a sua
cabeleira por demais pesada e, olhando as estrelas, desejava amores de príncipe” (Flaubert, 2011, p. 409).
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 131
Antes de se casar, ela achava ter amor; mas não tendo chegado a felicidade que
deveria resultar desse amor, era preciso que bela tivesse se enganado, pensava.
E Emma buscava saber o que exatamente se entendia na vida pelas palavras fe-
licidade, paixão e embriaguez, que lhe tinham parecido tão belas nos livros. 29
Ele tinha vivido na corte e dormido na cama de rainhas! Foi servido cham-
panhe no gelo. Emma ficou com a pele toda arrepiada ao sentir aquele frio
27
Ibid., p. 101.
28
Em Madame Bovary isto é evidente: “A mediocridade doméstica a levava a fantasias luxuosas, a ternura
matrimonial a desejos adúlteros” (Flaubert, 2011, p. 201, 202).
29
Ibid., p. 114.
132 | Flaubert e Marx
na boca. Nunca tinha visto romãs nem comido abacaxi. Mesmo o açúcar em
pó pareceu-lhe mais branco e mais fino do que em outros lugares. 30
Então a lembrança dos Bertaux lhe voltou. Reviu a fazenda, o charco lama-
cento, o pai em manga de camisa sob as macieiras, e reviu-se a si mesma,
como outrora, desnatando com o dedo as terrinas de leite na leiteria. Mas, às
fulgurações da hora presente, a vida passada, tão clara até então, desvanecia-
se toda, e ela duvidava quase de tê-la vivido. 31
30
Ibid., p. 131.
31
Ibid., p. 134.
32
Em Madame Bovary, o marquês de Andervilliers é descrito como um homem associado à vida política:
“Secretário de Estado sob a Restauração, o marquês tentando entrar na vida política, preparava de antemão a sua
candidatura à Câmara dos Deputados. Fazia, no inverno, numerosas distribuições de lenha e, no Conselho Geral,
sempre reclamava com exaltação estradas para o seu departamento” (Ibid., p. 127).
33
Ibid., p. 226.
34
Ibid., p. 227.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 133
[Rodolphe se dirige à Emma] - Porque não se luta contra o céu, não se resis-
te ao sorriso dos anjos! A gente deixa-se arrastar pelo que é belo, encantador,
adorável!
Era a primeira vez que Emma ouvia dizer essas coisa para ela; e o seu orgu-
lho, como alguém que relaxa numa sauna, estirava-se mole e inteiramente ao
calor dessa linguagem. 35
Em teoria o Roman de la Rose não nega o ideal da cortesia. O jardim das delí-
cias é inacessível exceto aos eleitos regenerados pelo amor. Aquele que deseja
entrar lá tem de estar insento de ódio, de traição, de vilania, de avareza, de
inveja, de tristeza, de hipocrisia, de pobreza e de velhice. Mas as qualidades
35
Ibid., p. 255.
36
“Ia finalmente possuir aquelas alegrias do amor, aquela febre da felicidade de que já tinha perdido as esperanças.
Estava entrando em algo de maravilhoso onde tudo seria paixão, êxtase, delírio; (...)” (Ibid., p. 263).
37
Ibid., p. 263.
38
Huizinga, 1966, p. 116.
134 | Flaubert e Marx
positivas que ele tem de opor-lhe deixaram de ser éticas, como no sistema do
amor cortês, e têm simplesmente um caráter aristocrático. São a ociosidade,
o prazer, a alegria, o amor, a beleza, a riqueza, a liberalidade, a franqueza e a
cortesia. 39
39
Ibid., p. 118.
40
Flaubert, 2011, p. 272.
41
Atentar para o fato de que essa desilusão em Emma se aprofunda no instante em que Charles não alcança êxito
na operação do pobre Hippolyte (que é obrigado a amputar uma das pernas). Flaubert nos mostra os sentimentos
de Emma para com o esposo: “(...) diante dele, olhava-o; não partilhava a sua humilhação [diante do insucesso da
operação], ela experimentava outra: era de ter-se imaginado que tal homem pudesse valer alguma coisa, como se
vinte vezes já ela não tivesse suficientemente percebido a sua mediocridade” (Ibid., p, 288).
42
Ibid., p. 306.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 135
43
Ibid., p. 159, 160.
44
Rancière, 2014, p. 75.
136 | Flaubert e Marx
45
Rüsen, 2010, p. 104.
46
“As histórias cristalizadas na vida humana, como realidades por si (ou seja: “objetivamente”, como monumentos,
exposições históricas, diretrizes curriculares para o ensino de história), lançam uma ponte, dos dados históricos
presentes nas circunstâncias da vida concreta, para o dado documentado das experiências históricas. Uma ponte,
da história que vale, antes de qualquer memória, como conjunto das condições da vida prática, para a história
“escavada” dos arquivos da memória e tornada conteúdo da consciência mediante o aprendizado” (Ibid., p, 107).
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 137
Mas essa exaltação deliciosa, que faz ao mesmo tempo o seu encanto e o seu
tormento, impediu-a de entender, adorável mulher que você é, a falsidade de
nossa posição futura. Eu tampouco, não tinha refletido sobre isso de início, e
repousava à sombra dessa felicidade ideal, como à da mancenilha, sem pre-
ver as consequências. 50
47
Ibid., p. 107, 108.
48
Flaubert, 2011, p. 307.
49
Ibid., p. 309.
50
Ibid., p. 309.
138 | Flaubert e Marx
51
Rüsen, 2010, p. 113.
52
“A compensação das coerções para agir, no campo da formação histórica, leva com frequência a uma relação
estética abstrata com a experiência da alteridade do passado. Ela se refugia numa espécie de descompromisso com
respeito às exigências pragmáticas do presente. A experiência da alteridade histórica, apropriada ao longo da
formação, pode perder-se na compensação estética das coerções a agir. Com isso, a formação degenera para algo de
deslocado no quadro de orientação da vida prática. A liberdade da experiência histórica própria pode conduzir à
desvinculação estética do mundo, como se um véu encobrisse o olhar histórico que buscasse perscrutar a
temporalidade intrínseca às circunstâncias atuais da vida” (Idem).
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 139
53
Flaubert, 2015, p. 22.
54
Ibid., p. 21.
55
Lembrar que a Sra. Arnoux tem semelhanças com a Sra. Schlésinger, a única paixão de Flaubert.
56
Ibid., p. 23.
140 | Flaubert e Marx
ele procure obter a amizade de Jacques Arnoux. Ele chega a visitar o Art
industriel três vezes até se encontrar com Arnoux; quando o episódio
ocorre, este dá pouca atenção a Frédéric. A partir desse acontecimento,
Flaubert começa a descrever com mais detalhes as fantasias amorosas de
seu personagem. Este chega até a admirar uma sombra na rua, pensando
ser o indício da presença da Sra. Arnoux. Ainda nessa parte do romance,
Flaubert expõe as sensações de Frédéric diante de locais que traziam a
lembrança de sua paixão: “(...) todas as vezes que atravessava as Tulhei-
ras, o coração palpitava-lhe, na esperança de encontrá-la”. 57
Nesse primeiro momento da obra, Fréderic está iniciando seu en-
volvimento de forma mais intensa. Até mesmo se sente frustrado quando
alguns de seus amigos não compreendem sua forma de vida. Isso ocorre
com Baptiste Martinon, como relatado na obra, não consegue entender
“suas lamentações sobre a existência”. As fantasias de Frédéric adquirem
força tamanha a ponto de em suas caminhadas pela cidade de Paris con-
fundir diversas mulheres com a Sra. Arnoux.
Apesar de estar inserido em um ambiente cujo personagem princi-
pal fica fortemente representado pela paixão, o romance de Flaubert
apreende a questão histórica e o ambiente social. Isso está entrelaçado
com as descrições que Flaubert faz de seus outros personagens que com-
põem a atmosfera da obra. Sénécal é uma das personagens que retrata
muito bem o ambiente sócio-político do romance. Flaubert o descreve
como “um homem de cabeça solida e com convicções republicanas, um
futuro Saint-Just (...)”. 58 Ao fazer menção a Saint-Just, Flaubert faz o
leitor transitar pelo ambiente político francês de pós-Revolução Francesa
(1789) na qual as perspectivas republicanas estão em voga. Dessa forma,
ao mesmo tempo em que retrata as desilusões amorosas pela qual passa
seu personagem, Flaubert consegue fazer com que o leitor sinta os gran-
des conflitos desta época.
57
Ibid., p. 41.
58
Ibid., p. 43
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 141
Para uns é negra, para outros é azul, para a multidão é estúpida. Nada menos
natural do que Miguel Ângelo, e nada mais forte! A preocupação com a ver-
59
Ibid., p. 70.
60
Evidentemente, Flaubert faz de Sénécal um modelo de revolucionário republicano jacobino. Com a virada final
conservadora de Sénécal, Flaubert realiza uma crítica ao moralismo político dos radicais.
61
Ibid., p. 65.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 143
62
Ibid., p. 64, 65.
63
Ibid., p. 65. [“sans l’Idée, rien de grande!”] (Flaubert, 1998, p. 72).
64
Flaubert, 2015, p. 304.
65
Ibid., p. 305.
144 | Flaubert e Marx
Entretanto, esse fato também demonstra como faltava à revolta dos traba-
lhadores qualquer compromisso socialista substancial: em todos os casos,
depois de eclodir, o movimento caiu suavemente sob a hegemonia da ideolo-
gia “burguesa” padrão (liberdade política, propriedade privada, soberania
nacional, etc.). 68
66
Zizek, 2015b, p. 128.
67
Ibid., p. 129.
68
Ibid., p. 130.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 145
- Ah! Que felicidades, meus rapazes! (...) Venho de lá! Tudo vai bem! O povo
triunfa! Os operários e os burgueses confraternizam-se! Ah! Se tivesse visto
o que eu vi! Que valentes! Como é belo! (...) Está proclamada a República!
Agora vamos ser felizes! Uns jornalistas que ouvi conversar a pouco, diziam
69
Lyotard, 1986, p. 57. A tradução é de Dagmar Manieri.
70
Ibid., p. 60.
71
Ibid., p. 306.
146 | Flaubert e Marx
72
Ibid., p. 307.
73
“O magnetismo das multidões entusiásticas contagiara-o. Aspirava voluptuosamente o ar de tempestade,
impregnado de cheiro de pólvora; e ao mesmo tempo estremecia sob os eflúvios de um amor imenso, de uma
suprema e universal comoção, como se o coração da humanidade inteira lhe batesse no peito” (Ibid., p. 308).
74
Ibid., p. 314.
75
“Esta [Sra. Vatnaz] era uma das celibatárias parisienses que, todas as noites, depois de terem dado as suas aulas,
ou de terem procurado vender os seus desenhinhos, de colocar pobres manuscritos, voltam para casa com lama
agarrada às saias, fazem o seu jantar, comem-no sozinhas, e depois, com os pés sobre uma escalfeta, à luz de um
candeeiro sujo, sonham com um amor, uma família, um lar, uma fortuna, tudo aquilo que lhes falta. Assim, como
muitas outras, ela tinha saudado na Revolução a hora da vingança; - e dedicava-se a uma propaganda socialista
desenfreada” (Ibid., p. 313).
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 147
76
Ibid., p. 348.
77
Ibid., p. 383. Observar que a versão final de A educação sentimental é datada de 1869. Portanto, a história dos
acontecimentos de 1848, bem como do golpe de Luís Bonaparte surgem realmente como “história” significada,
narrada e pensada por um observador “historiador”.
78
Idem.
148 | Flaubert e Marx
79
Apud Bourdieu, 1996a, p. 54.
80
Bourdieu, 1996a, p. 18.
81
Ibid., p. 26.
82
Ibid., p. 27.
83
Ibid., p. 36.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 149
Nunca vira um tal esplendor de pelo morena, sedução igual à daquela cintu-
ra, nem dedos tão finos como os dela, que a luz atravessava. Olhava com
pasmo para a cestinha de costura, como se fosse uma coisa extraordinária.
Como se chamaria, onde morava, qual seria a sua vida, o seu passado? Dese-
java conhecer os móveis do quarto dela, todos os vestidos que ela usara, as
pessoas que frequentava; e o próprio desejo carnal da posse desaparecia pe-
rante uma aspiração mais profunda, numa curiosidade dolorosa que não
tinha limites. 84
84
Flaubert, 2015, p. 23.
150 | Flaubert e Marx
cimento já que a partir deste instante, sua vida se transforma. É bom lem-
brar que Frédéric é um esteta, ou seja, sua visão de mundo corresponde ao
mundo da arte. Assim, em meio às incertezas de um jovem provinciano na
Paris moderna, Flaubert nos mostra seu instante subjetivo ao pensar na
Sra. Arnoux: “Imaginava-a, no meio das outras, num desses pequenos
cupês, semelhantes ao da Sra. Dambreuse”. 85 Ele até intenta compor um
romance com uma linda história de amor entre ele e sua amada Sra. Ar-
noux. 86 Na segunda etapa, presenciamos um Frédéric com uma intensa
imaginação (romântica); ele sente uma intensa paixão e compreende que
seu Ideal estético se realiza na Sra. Arnoux. Quando Pellerin comenta sobre
o Ideal estético, percebe-se também o assentimento de Frédéric. O primei-
ro comenta que “a preocupação com a verdade exterior é um sinal da
baixeza contemporânea” e que a arte não pode se rebaixar. Para o pintor, a
finalidade da arte está em promover “uma exaltação impessoal”. A arte
promove a Ideia, pois sem esta última “não se faz nada de grande! Sem
grandeza, não há belo!”. 87 Observar que enquanto Pellerin expressa seu
pensamento estético, “Frédéric contemplava a Sra. Arnoux. As palavras
caíam-lhe no espírito como metais numa fornalha, juntavam-se à sua pai-
xão e transformavam-se em amor”. 88
Frédéric anseia por uma aproximação ante a Sra. Arnoux. Em uma
das primeiras conversas com ela, ele sente que é a primeira vez que fa-
lam sobre um assunto sério. Aqui estamos na terceira etapa; nesta fase,
ele conheceu “as antipatias e os gostos dela”. É neste instante que o ro-
mance insere a Sra. Arnoux e Frédéric em um contexto burguês (a
quarta etapa). Jacques Arnoux decide abrir uma fábrica de louças. Então
como se tornaria seu ideal amoroso neste novo contexto da burguesia
85
Ibid., p. 42.
86
“Pôs-se a escrever um romance, que Sylvio, le fils du pêcheur. A coisa passava-se em Veneza. O herói era ele
próprio; a heroína, a Sra. Arnoux. Ela chamava-se Antonia; e para possuí-la, ele assassinava diversos gentis-
homens, incendiava uma parte da cidade e cantava-lhe debaixo da janela, onde a brisa fazia palpitar os cortinados
de damasco vermelho do Bulevar Montmartre. Deu conta do excesso de reminiscência e desanimou; não foi avante,
e a sua inércia agravou-se” (Ibid., p. 43).
87
Ibid., p. 65.
88
Idem.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 151
89
Ibid., p. 126.
90
Ibid., p. 151.
91
Grespan, 2019, p. 173.
92
Idem.
152 | Flaubert e Marx
Que tenho eu a fazer neste mundo? Os outros lutam pela riqueza, a celebri-
dade, o poder! Eu não tenho posição, a senhora é a minha única ocupação,
toda a minha fortuna, a finalidade, o centro da minha existência, dos meus
pensamentos. Viver sem a senhora é tão impossível quanto viver sem o ar do
céu! Não sente a aspiração da minha alma subir até a sua? Não vê que ambas
têm que fundir-se, e que isso me mata? 95
93
Idem.
94
“Tinha vindo algumas vezes à casa de Frédéric, mas sempre com Arnoux. Agora, estavam a sós – sós, na própria
casa dele – era um acontecimento extraordinário, quase uma aventura” (Flaubert, 2015, p. 202).
95
Ibid., p. 284.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 153
aliás, tão bom e tão novo! Que abismo entre a grosseria de Arnoux e as
adorações de Frédéric”. 96 Aqui estamos próximos do paroxismo do rela-
cionamento amoroso entre Frédéric e a Sra. Arnoux.
Gustave Flaubert transforma esse paroxismo amoroso do casal em
uma impossibilidade estrutural (a sétima etapa). A Sra. Arnoux resolve
se encontrar com Frédéric; este, por sinal, aluga um pequeno quarto para
se enamorarem na intimidade. Mas duas ocorrências impedem que se
consume a relação sexual: primeiro, a doença do filho da Sra. Arnoux;
segundo, a Revolução de 1848. Na perspectiva da Sra. Arnoux, a doença
do filho fora um sinal divino ante seu desvio de conduta. 97
Desde este instante, presenciamos a falência dos negócios de Ar-
noux; Frédéric intenta salvar a precária situação da família Arnoux, sem
sucesso. São alguns anos difíceis para a família. Arnoux tinha envelheci-
do em demasia; Frédéric “pensava na pobre Sra. Arnoux, imaginando a
aflitiva mediocridade do seu lar”. Neste instante, Frédéric se entristece (a
oitava etapa) só de pensar na situação de vida da Sra. Arnoux:
Que iria ser dela? Mestra, dama de companhia, criada de quarto, quem sabe?
Estava abandonada a todas as vicissitudes da miséria. A ignorância sobre o
seu destino torturava-o. Devia ter-se oposto a essa fuga, ou partir em sua
perseguição. Não era ele o seu verdadeiro esposo? E, pensando que nunca
mais a encontraria, que tudo estava acabado, e ela irremediavelmente perdi-
da, sentia todo o ser dilacerado; as lágrimas que vinham acumulando desde
manhã transbordaram. 98
96
Ibid., p. 287.
97
“De súbito, a ideia de Frédéric apareceu-lhe de forma nítida e inexorável. Era um aviso da Providência. Mas o Senhor,
na sua misericórdia, não a quisera punir inteiramente! Que expiação, mais tarde, se ela persistisse naquele amor! Sem
dúvida, seu filho seria insultado por causa dela; e a Sra. Arnoux viu-o, moço, ferido num duelo, trazido numa maca,
moribundo. De um salto, precipitou-se para a cadeirinha; e, com todas as suas forças, elevando a alma às alturas,
ofereceu a Deus, como holocausto, o sacrifício da sua primeira paixão, da sua única fraqueza” (Ibid., p. 296).
98
Ibid., p. 420, 421.
154 | Flaubert e Marx
Assim foram desaparecendo [no leilão], uns após outros, o grande tapete
azul matizado de camélias, que os seus pés delicados pisavam quando vinha
ao encontro dele, a poltroninha estofada em que se sentava sempre diante
dela, quando estavam sós; (...) Era como se fossem levando pedaço a pedaço
o seu coração (...). 99
99
Ibid., p. 426.
100
Neste caso se atentar para a descrição dos objetos da residência da família Arnoux. Para Frédéric, são objetos
encantados.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 155
101
Grespan, 2019, p. 244.
102
Ibid., p. 262.
103
“Mas a apresentação meramente formal do capital se valorizando por si mesmo e arrastando em seu impulso o
fazer dos agentes individuais é o único aspecto visível da sua “experiência”, restrita à esfera privada; ela condena
esses agentes à representação das formas e das “superfícies” ” (Ibid., p. 265).
156 | Flaubert e Marx
Frédéric suspeitou que ela tivesse vindo para se oferecer; e teve um desejo
dela mais forte que nunca, furioso, enraivecido. Entretanto, sentia algo inex-
primível, uma repulsa, como o pavor de um incesto. Outro receio o deteve, o
de mais tarde sentir nojo. Aliás, que complicação seria! – e, ao mesmo tempo
por prudência e para não degradar o seu ideal, deu meia volta e pôs-se a en-
rolar um cigarro. 104
104
Ibid., p. 435.
105
Na Crítica da razão prática, Kant afirma: “A determinação da causalidade dos seres no mundo sensível nunca
podia ser, enquanto tal, incondicionada e, no entanto, tem de haver necessariamente, para toda série das condições,
algo incondicionado e, por conseguinte, também uma causalidade que se determina totalmente por si mesma”
(2016, p. 74).
106
Daí as consequências imprevistas da recuperação de Kant por parte de Jürgen Habermas e John Rawls, na
medida em que o formalismo (na Ideia e no princípio de autonomia) obscurece a radicalidade da crítica kantiana ao
mundo concreto (empírico). Em Rawls, particularmente, fica evidente essa intenção. Ao elogiar Dewey, ele enfatiza:
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 157
“Um dos objetivos de Hegel era ultrapassar os inúmeros dualismos que, segundo ele, deturpavam o idealismo
transcendental de Kant, e Dewey, ao longo de toda a sua obra, compartilhou essa preocupação, sublinhando com
muita frequência o caráter contínuo daquilo que Kant havia separado de maneira tão radical” (Rawls, 2002, p. 46).
107
Nesta noção de “discurso estético”, entende-se que o narrador não é simplesmente o “autor”. Este último pode,
também, utilizar-se de outros personagens para expressar sua concepção de mundo. O “discurso estético” está
fragmentado, disperso, por toda a obra e só a análise interpretativa pode reconstituí-lo.
108
Em O idiota da família II, Jean-Paul Sartre comenta: “Diversos trechos anteriores da Correspondência indicam
que Flaubert tinha aversão cada vez maior a pôr-se em seus escritos” (Sartre, 2014, p. 2014).
109
Aqui, associar com o poema de Baudelaire, “Remorso póstumo” de As flores do mal que interpretamos no
capítulo 3.
158 | Flaubert e Marx
110
Leites, 1987, p. 89.
111
Apud Leites, 1987, p. 94.
112
Mulher burguesa dedicada à família, aos filhos e ao amor familiar: “Uma mulher deveria confiar nos
sentimentos de amor de seu marido e em sua preocupação para com ela e com os filhos, e tais sentimentos
deveriam ser vistos como a fonte das ações dele com relação àqueles” (Leites, 1987, p. 99).
113
Ricoeur, 2010c, p. 363.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 159
114
Como enfatizou José Carlos Reis sobre o historicismo: “Cada sociedade e época, em sua diferença e verdade, são
“históricas”, ou seja, são plenamente o que podem ser. Não são relativas, mas históricas, pois pertencem
absolutamente à sua época” (Reis, 2006, p. 219).
115
Ibid., p. 221.
116
Ibid., p. 223.
117
Ibid., p. 224. Observar, também, uma face positiva (hoje) do historicismo indicada por José Carlos Reis:
“Retorna, de certo modo, a tese da historicidade da razão, da pluralidade dos projetos de vida, da diversidade das
formas de saber, da multiplicidade dos modelos de ação, da definição cultural dos valores, a discussão da relação
entre valores, ação política e ciência social” (Ibid., p. 225, 226).
160 | Flaubert e Marx
Não é isto que ocorre com Frédéric? Neste caso, o Iluminismo estético
deste último se confronta com o historicismo do século XIX. Descobre-me
(bem como o “mundo”) através dos erros: perspectivismo e historicismo
irão impregnar toda A educação sentimental. Frédéric na ordem da apa-
rência é burguês (a herança), mas também um romântico que se
entusiasma com a revolução; mas na ordem mais profunda (preservada
segundo a persistência do Ideal) ele não deixa de ser um radical que rompe
com os valores de mercado. O que permite a Frédéric realizar esta ruptura
é a permanência da Ideia, que promete a utopia da humanidade.
Como podemos verificar o tratamento dado por Flaubert ao seu
personagem principal (Frédéric) é essencialmente historicista. Nesta
perspectiva, a realidade surge como fenômeno (histórico). Zizek comenta
que esta realidade fenomenal é “estritamente correlata à subjetividade”.
Assim, tal realidade surge como “inconsistente” e “autolimitada”; daí a
incapacidade do sujeito de “experimentar o Em-si transcendental da
maneira como ele “realmente é” ”. 119 Zizek complementa:
118
Ricoeur, 2010c, p. 350.
119
Zizek, 2013, p. 127.
120
Idem.
Dagmar Manieri; Kesse D. V. Cardoso | 161
121
“ – Como! Então não se vai lutar? – disse Frédéric a um operário. O homem de avental respondeu-lhe: - Só se
fôssemos loucos é que nos íamos fazer matar por amor aos burgueses! Eles que se arranjem!” (Flaubert, 2015, p. 429).
122
Zizek, 2013, p. 229.
123
Idem.
124
“Em outras palavras, o passo de Hegel não é “superar” a divisão kantiana, mas antes reafirmá-la “como tal”, é
abandonar a necessidade de sua “superação” para a “conciliação” adicional de opostos: de mostrar uma perspicácia
de como (por meio de uma mudança paraláctica puramente formal), ao postular a distinção “como tal”, já se
alcança a “conciliação” buscada. A limitação de Kant não está em ter permanecido dentro dos limites de oposições
finitas, em sua incapacidade de alcançar o Infinito, mas, ao contrário, na própria busca de um domínio
transcendente além do reino das oposições finitas: Kant não é incapaz de alcançar o Infinito, ele é incapaz de ver
que já tem o que está procurando” (Zizek, 2014, p. 45).
125
Ao comentar sobre o hegelianismo, Zizek afirma: “Nosso saber é irredutivelmente “subjetivo” não porque somos
para sempre separados da realidade em si, mas precisamente porque fazemos parte dessa realidade, porque não
podemos sair dela e a observarmos “objetivamente”” (Zizek, 2013, p. 239).
162 | Flaubert e Marx
126
Zizek, 2014, p. 45.
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