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Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, v. 36, n.

4, 4602 (2014)
www.sbfisica.org.br

Isaac Newton e a dupla refração da luz


(Isaac Newton and the double refraction of light)

Breno Arsioli Moura1


Centro de Ciências Naturais e Humanas, Universidade Federal do ABC, Santo André, SP, Brasil
Recebido em 23/5/14; Aceito em 12/7/14; Publicado em 3/10/2014

Este artigo apresenta uma abordagem histórica sobre a dupla refração da luz, especialmente sobre as ideias
de Isaac Newton. Inicialmente, são discutidos os estudos de Erasmus Bartholinus, que descobriu o fenômeno e
o descreveu em 1669, e de Christiaan Huygens, que elaborou um modelo explicativo baseado em uma concepção
vibracional para a luz em seu Tratado sobre a luz (1690). Em seguida, analiso em detalhes o conceito de lados
da luz elaborado por Newton para explicar o fenômeno, descrito nas “Questões” de seu Óptica (1704). Com isso,
pretende-se delinear outros elementos da óptica newtoniana ainda desconhecidos por acadêmicos e educadores.
Palavras-chave: Newton, óptica, dupla refração, polarização, história da ciência.

This paper presents a historical approach about the double refraction of light, especially the ideas of Isaac
Newton. Initially, I discuss the studies of Erasmus Bartholinus, who discovered and described the phenomenon
in 1669, and also the studies of Christiaan Huygens, who developed an explanatory model based on a vibration
conception of light in his Treatise of Light (1690). Next, I analyze the concept of sides of light elaborated by
Newton to explain the phenomenon and described in the “Queries” of the Opticks (1704). Through this analysis,
I intend to outline other elements of Newtonian optics not yet known by scholars and educators.
Keywords: Newton, optics, double refraction, polarization, history of science.

1. Introdução “lados da luz”, descrito nas “Questões” do Livro III do


Óptica. Atualmente, o fenômeno é considerado um caso
Os estudos em óptica de Isaac Newton (1643-1727) de polarização da luz e, assim, explicado por meio de
são geralmente celebrados como grandes conquistas da uma concepção ondulatória moderna, que não existia
história da ciência. Sua teoria sobre luz e cores, seus na época.
experimentos com prismas e sua concepção corpuscu- A dupla refração foi descrita pela primeira vez por
lar para a luz influenciaram uma geração de filósofos Erasmus Bartholinus (1625-1698) em 1669, ao analisar
naturais no século XVIII, contribuindo para consolidar a estranha refração produzida pelo cristal-da-Islândia.2
uma imagem idealizada de seu legado [1, 2]. Porém, Um raio de luz incidente na superfı́cie refratora
até os dias atuais, o conhecimento sobre a óptica new- deste cristal sofria uma refração ordinária, respeitando
toniana é quase restrito às partes mais popularizadas a lei de Snell-Descartes, e uma extraordinária, que não
de seu Óptica, publicado originalmente em 1704, espe- conseguia ser explicada por essa lei. Posteriormente,
cialmente aquelas que enfatizaram o viés indutivista de o fenômeno também foi estudado por Christiaan Huy-
Newton [3]. gens (1629-1695), para o qual ofereceu uma minuciosa
Nos últimos anos, tem havido um crescente interesse explanação em seu Tratado sobre a luz, publicado em
dos historiadores da ciência pelas partes da obra newto- 1690.
niana ainda pouco examinadas, tais como seus estudos Newton conhecia os estudos de Huygens, mas re-
em quı́mica, alquimia e religião, bem como de elementos jeitou suas explicações baseadas em uma concepção vi-
de sua obra cientı́fica que não são aceitos atualmente. bracional para a luz [8]. Para tratar da dupla refração,
Na literatura especializada, já é possı́vel encontrar tra- ele pensou que a luz tivesse “lados”, uma propriedade
balhos que exploram essas perspectivas [4-7]. original e imutável que faria com que os raios fossem re-
Este artigo insere-se na proposta de estudar ideias fratados ordinária ou extraordinária. Os “lados” foram
newtonianas não mais aceitas, analisando sua ex- concebidos a partir de uma teoria corpuscular para a luz
plicação para a dupla refração por meio do conceito de – que Newton implicitamente defendeu nas “Questões”
1 E-mail: [email protected].

Copyright by the Sociedade Brasileira de Fı́sica. Printed in Brazil.


2O cristal-da-Islândia é uma variedade da calcita
4602-2 Moura

do Óptica – e utilizados para reprovar concepções vi- cujo objetivo seja promover o conhecimento
bracionais como a de Huygens. [...]. [13]
A análise crı́tica do conceito de “lados da luz” pre-
Inicialmente, Bartholinus referiu-se às carac-
tende mostrar, por um lado, como Newton foi capaz
terı́sticas fı́sicas do cristal, tais como sua forma e
de explicar um fenômeno atualmente enquadrado em
aparência. Segundo ele, a aparência externa do cristal
uma concepção ondulatória utilizando uma teoria cor-
seria semelhante a do floco de neve, do sal e de outros
puscular, que considerava a luz como uma bola de bi-
minerais e cristais. Ele era constituı́do por superfı́cies
lhar e detentora de uma gama de propriedades origi-
planas e lados equidistantes uns dos outros, na forma
nais e imutáveis. Por outro, o estudo assinalará que
de um prisma romboide.5 Bartholinus notou que se o
este conceito apresentou alguns aspectos problemáticos
cristal fosse quebrado, as partes resultantes manteriam
relevantes, que poderiam ser alvo de crı́ticas na época,
a mesma forma do original (Fig. 1).
mas não foram.
O artigo está dividido em quatro partes. Na pri-
meira delas, comentarei sobre os relatos originais fei-
tos por Bartholinus, buscando entender como ele des-
creveu o fenômeno da dupla refração e suas principais
caracterı́sticas. Em seguida, analisarei brevemente os
estudos de Huygens. Na terceira parte, discutirei em
detalhes os trechos do Óptica de Newton que tratam
da dupla refração, no sentido de compreender seu con-
ceito de “lados” da luz. Na quarta parte, tecerei alguns
comentários mais especı́ficos sobre este conceito.

2. A descoberta da dupla refração por


Bartholinus Figura 1 - Representação de Bartholinus para retratar a forma
do cristal-da-Islândia. Retirada de Lohne [10, p. 108].
A dupla refração foi descrita por Bartholinus em um Após descrever outras caracterı́sticas do cristal, tais
breve ensaio publicado em latim em 1669 e intitu- como suas propriedades elétricas e sua rigidez, Bartho-
lado Nova Experimenta Crystalli Islandici Disdiaclas- linus procedeu à análise da dupla refração dos objetos
tici. Há, pelo menos, duas traduções do texto para o vistos por meio dele.
inglês: uma parcial, disponı́vel em A Source Book in
Physics [9] e outra integral, realizada pelo historiador [...] objetos que são vistos através do cristal
da ciência J. A. Lohne [10]. Utilizei esta última para não mostram, como no caso de outros cor-
fundamentar a análise que segue. Os trechos foram tra- pos transparentes, uma única imagem refra-
duzidos livremente para o português. tada, mas uma imagem duplicada. [14]
No Experimenta, Bartholinus abordou algumas par- Bartholinus descreveu o fenômeno da seguinte ma-
ticularidades das refrações produzidas pelo cristal-da- neira: suponhamos que dois objetos A e B de tama-
Islândia. Este sólido é atualmente caracterizado pela nhos quaisquer sejam colocados sob a superfı́cie inferior
sua anisotropia ótica, que faz com que um raio de luz LMNO do cristal (Fig. 2). Ao olharmos para os obje-
incidente seja duplamente refratado. Por isso, qualquer tos através da superfı́cie superior RSPQ, verı́amos A
objeto visto por meio deste sólido estará duplicado. em DE e B em G e H. No caso do objeto A, ele expli-
Além do cristal-da-Islândia, apresentam este compor- cou porque a imagem DE tinha seu meio mais escuro e
tamento o gelo, o quartzo e a siderita.3 suas extremidades mais claras.
Bartholinus buscou estabelecer propriedades gerais
do cristal e do fenômeno produzido e não apresentou Quando o objeto A é duplicado pelo cris-
modelos para explicá-lo. Ao todo, ele descreveu deze- tal e se move com o prisma, as duas ima-
nove experimentos.4 gens devem coincidir em algum momento,
tal como DE, onde elas se sobrepõem parci-
Após admirá-lo [o cristal] por um longo almente. Contudo, uma vez que cada uma
perı́odo, eu comecei a examiná-lo com ex- das imagens é mais fraca que o objeto A, to-
perimentos que podem se mostrar úteis das as partes sobrepostas serão mais escuras
e agradáveis a mentes nobres e aplicadas que as extremidades, pois onde as imagens
3 Paraum estudo mais detalhado das explicações atuais para a dupla refração, ver Halliday e cols. [11].
4 Há
diferenças no número de experimentos entre a versão impressa e o manuscrito inicial de Bartholinus. Segundo Lohne, Bartholinus
teria percebido a importância de alguns novos experimentos para a conclusão de que o fenômeno era causado pela refração e não pela
reflexão e, então, os incluı́do na versão final do Nova Experimenta. Ver Lohne [12].
5 O romboide é um paralelogramo cujos lados adjacentes possuem tamanhos diferentes. Diferencia-se, dessa forma, do losango, cujos

lados têm o mesmo tamanho.


Isaac Newton e a dupla refração da luz 4602-3

diluı́das se encontram elas emitirão uma cor


mais intensa. [15]

No caso do objeto B, Bartholinus percebeu que as cores


das imagens pareciam mais diluı́das que a cor original
e também notou que uma das imagens de B se movia,
enquanto a outra permanecia fixa se movimentássemos
o cristal. Nos experimentos seguintes, ele argumentou
mais detalhadamente sobre esta questão.
Segundo ele (Fig. 3), se posicionássemos nosso olho
no ponto O e olhássemos para um objeto A colocado
sob o cristal, verı́amos suas duas imagens em C e B.
Bartholinus notou que a imagem que se movia sem-
pre estava na direção das partes inclinadas do cristal,
ou seja, na direção DE. Caso girássemos o prisma, a
imagem B se moveria no cı́rculo desenhado na figura,
rodeando a imagem fixa C.
As descrições de Bartholinus são bastante claras e
objetivas. Ele buscou descrever de modo sucinto as Figura 3 - Representação de Bartholinus para ilustrar o giro da
imagem B ao redor da imagem C, ambas do objeto A. Retirada
principais propriedades do cristal e do fenômeno, sem, de Lohne [10, p. 121].
contudo, se preocupar em explicá-las. Restava um pro-
blema que deveria ser solucionado: o que ocasionava
a duplicação da imagem? Atualmente, não terı́amos Portanto, eu concluı́ que neste caso ocorreu
nenhuma dificuldade em dizer que o fenômeno é resul- uma dupla refração. Entretanto, uma vez
tado de uma dupla refração provocada pela estrutura que nós observamos que as duas imagens no
cristalina particular do cristal-da-Islândia, que polariza cristal-da-Islândia são diferentes, [pois] en-
a onda luminosa incidente. Na época, contudo, essa quanto uma sempre permanece fixa, mas a
explicação não existia. outra é móvel, eu decidi distinguir as duas
refrações por nomes diferentes. Aquela que
Bartholinus parece ter concluı́do que o fenômeno se- refrata a imagem fixa ao olho eu chamarei
ria um caso de refração, pela semelhança com a refração de velha refração, mas aquela que refrata a
comum da luz por sólidos transparentes. imagem móvel do objeto ao olho [eu chama-
rei de] nova refração.6 [16]

Atualmente, denominamos as duas refrações de or-


dinária e extraordinária. A atribuição de nomes di-
ferentes às refrações não foi por acaso, uma vez que
Bartholinus percebeu que o raio refratado ordinaria-
mente (velha refração) obedecia às leis conhecidas, en-
quanto o raio extraordinário “apresenta, eu acho, uma
refração não conhecida e não sujeita às suas leis usu-
ais” [16].
Para balizar sua conclusão, Bartholinus descreveu o
seguinte experimento (Fig. 4): suponha que se coloque
um objeto A sob um cristal NPRQTBS. Posicionando
o olho em M , perpendicular à superfı́cie NPRQ, vemos
o objeto em V , sem desvio, uma vez que, pelas regras
comuns da refração, o raio refratado continua perpen-
dicular à superfı́cie. Entretanto, como a imagem do
Figura 2 - Bartholinus discutiu a formação de duas imagens dos objeto A é duplicada, também a vemos no ponto X,
objetos A e B, colocados abaixo da superfı́cie inferior do cristal. resultado de um desvio provocado pela refração extra-
Retirada de Lohne [10, p. 114].
ordinária. Se estivermos em M e vemos a imagem em
6 Bartholinus alterou os termos posteriormente para refração “comum” e “incomum” (ou, em inglês, usual e unusual). Ver Lohne

[16, nota 24].


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X, Bartholinus conclui que ela não poderia ser causada naturais como Robert Hooke (1635-1703), Huygens e
senão por uma lei da refração desconhecida, diferente Newton logo tomassem conhecimento do cristal e de
das leis comuns. suas propriedades.
Essa conclusão seria corroborada se observássemos
o objeto A pelo ponto O. Nesse caso, verı́amos o raio
sendo desviado em Y (não indicado na figura), e, por-
3. Os estudos de Huygens
tanto, obedecendo às leis da refração, e o raio sendo
Huygens começou a estudar o estranho fenômeno da du-
propagado sem desvio em Z, resultado da refração ex-
pla refração por volta de 1672, realizando seus primeiros
traordinária.
experimentos no final deste mesmo ano e obtendo uma
explicação para ele em meados de 1677 [18]. Os resul-
tados de sua investigação sobre o tema foram descritos
em seu Tratado sobre a Luz, publicado em 1690. Para o
estudo que segue, utilizei a versão em português publi-
cada nos Cadernos de História e Filosofia da Ciência,
em 1986 [19].
O Tratado é um extenso estudo geométrico e ma-
temático da natureza fı́sica da luz e de seu comporta-
mento. Por meio de uma concepção vibracional7 para a
luz, Huygens analisou a propagação da luz, a refração,
reflexão, a refração na atmosfera e, por fim, a dupla
refração8 . Seu discurso é conciso e muito elucidativo,
denotando sua destreza em tratar matematicamente os
fenômenos ópticos.
Para Huygens, a luz seria um movimento da
matéria. Esse movimento seria iniciado na fonte
primária da luz e propagado pela matéria adjacente
em todas as direções. Não havia a ideia de periodi-
cidade, sendo os pulsos de luz transmitidos a distâncias
aleatórias da fonte luminosa. Para ele, um único
corpúsculo de matéria luminosa poderia servir de meio
de propagação de vários pulsos, sem influência de uns
sobre os outros.
Nesse modelo mecânico, Huygens admitiu que a in-
tensidade do pulso luminoso fosse se perdendo à me-
dida que ele se propagasse continuamente pela matéria.
Figura 4 - Representação de Bartholinus para ilustrar que o raio Porém, como poderı́amos admitir que a luz do Sol, por
extraordinário não obedecia às leis usuais da refração. Retirada exemplo, conseguisse se espalhar a tão longa distância
de Lohne [10, p. 130]. da Terra? Para solucionar esta questão, ele elaborou
Embora tenha percebido que o fenômeno era cau- um pressuposto básico, que seria conhecido posterior-
sado por outro tipo de refração, Bartholinus não ela- mente como “princı́pio de Huygens”.
borou um modelo explicativo no Nova Experimenta. O “princı́pio de Huygens”9 estabeleceu que um
Entretanto, sua descrição simples e objetiva das ca- pulso gerado por um ponto luminoso originava pulsos
racterı́sticas básicas do cristal-da-Islândia e da dupla secundários, os quais, compostos, contribuı́am para re-
refração provavelmente possibilitou a rápida difusão da forçar o pulso original (Fig. 5). Isso explicaria porque
descoberta. Segundo Lohne [17], a campanha de di- a luz do Sol conseguiria se propagar a grande distância
vulgação feita por ele na época fez com que filósofos até a Terra sem se extinguir.
7 Embora a concepção de Huygens seja usualmente classificada como ondulatória, alguns historiadores têm apontado que esta deno-

minação não é adequada. Shapiro [20], por exemplo, prefere utilizar o termo continuum theory of light para teorias como a de Huygens.
Hakfoort [21], por sua vez, afirma que uma teoria realmente ondulatória veio apenas com Leonhard Euler (1707-1783) em meados do
século XVIII, optando por classificar a concepção de Huygens como uma “teoria de pulsos”. Por fim, Cantor [2] chama esta teoria de
“vibracional”. Em geral, estes autores afirmam que a teoria de Huygens não pode ser considerada ondulatória por ele não ter atribuı́do
à luz elementos caracterı́sticos desta teoria, tais como frequência ou comprimento de onda. Neste trabalho, utilizarei o termo de Cantor,
mas manterei a palavra “onda” nas citações de Huygens, conforme está escrito na tradução para o português do Tratado.
8 Não cabe neste trabalho discorrer sobre toda a teoria sobre luz de Huygens. Para uma análise mais detalhada deste assunto, sugiro

a leitura da tradução comentada para o português feita por Martins [19] e os textos de Silva [22] e Krapas et. al. [23]. Na literatura
internacional, há excelentes trabalhos que analisam em detalhes as concepções de Huygens, tais como Sabra [24] e Shapiro [18].
9 Historiadores da ciência indicaram alguns problemas em relação ao “princı́pio de Huygens” e sua argumentação no Tratado, tais

como suas dificuldades em explicar a intensidade da luz ou o papel das ondas secundárias. Para um exame melhor dessas questões,
recomendo Martins [25] e Shapiro [26].
Isaac Newton e a dupla refração da luz 4602-5

Assim, se DCF é uma onda emanada do


ponto luminoso A, que é seu centro; a
partı́cula B, uma das que estão compreen-
didas na esfera DCF, produzirá sua onda
particular KCL, que tocará a onda DCF em
C, no mesmo momento em que a onda prin-
cipal, emanada do ponto A, tenha chegado
a DCF. É claro que a onda KCL tocará a
onda DCF apenas no lugar C, que está na
reta traçada por A e B. Da mesma forma
as outras partı́culas compreendidas na es-
fera DCF, como bb, dd, etc., terão cada
uma produzido sua onda. Mas cada uma
dessas ondas não pode ser senão infinita-
mente fraca comparada à onda DCF, para
cuja composição todas as outras contribuem
pelas partes de suas superfı́cies que estão
mais afastadas do centro A. [27]

Figura 5 - Ilustração do Tratado sobre a luz utilizada para discu-


A explicação dos fenômenos da refração e reflexão
tir o que hoje é conhecido como ”princı́pio de Huygens”. Retirada seria uma aplicação direta do “princı́pio de Huygens”.
de Martins [19, p. 23]. Por meio dele, Huygens demonstrou a validade das leis
ópticas conhecidas, estabelecendo, ao mesmo tempo,
um modelo mecânico para a concepção vibracional
da luz (Fig. 6).

Figura 6 - Ilustrações do Tratado sobre a luz, em que Huygens explica como seu princı́pio de ondas secundárias pode ser utilizado para
explicar a reflexão (a) e a refração (b). Retiradas de Martins [19, p. 25 e 33].

A dupla refração foi discutida no quinto e último oria, uma vez que duas refrações aparentemente sem
capı́tulo do Tratado. O fenômeno desempenhou um pa- relação uma com a outra poderiam ser enquadradas em
pel fundamental na teoria sobre luz defendida por Huy- um mesmo modelo teórico.
gens, uma vez que a explicação da refração irregular de-
veria concordar com seu “princı́pio”, descrito e aplicado Huygens iniciou abordando algumas caracterı́sticas
nos capı́tulos anteriores [28]. Se o “princı́pio de Huy- do cristal e do fenômeno. Ele diferenciou as duas re-
gens” servisse para explicar tanto a refração ordinária frações no cristal, destacando a irregularidade de uma
quanto extraordinária seria uma evidência importante delas. Assim como Bartholinus, ele descreveu vários
para comprovar a validade e aplicabilidade de sua te- experimentos com o cristal e as maneiras de observar a
dupla refração dos raios (Fig. 7)
4602-6 Moura

ele percebeu o papel decisivo do cristal para a produção


da dupla refração.
Pelo trecho anterior, nota-se que ele resolveu “ex-
perimentar” a consideração de ondas esferoidais para
tentar explicar o fenômeno. Isso reforça a alegação de
Shapiro [31], que destaca duas fases na investigação de
Huygens sobre a dupla refração: primeiramente, ele de-
veria verificar se as ondas esferoidais seriam capazes de
explicar a refração irregular para, em segundo lugar,
investigar como a forma e a posição destes esferoides
poderiam ser determinados. Para este autor, Huygens
confrontou um pesado desafio matemático e experimen-
tal para estabelecer as caracterı́sticas dos esferoides e
suas orientações em relação ao cristal.
A partir da análise da dupla refração sofrida por
um raio incidente perpendicular à superfı́cie do cris-
tal, Huygens concluiu que as ondas esferoidais serviriam
para explicar o fenômeno.
Figura 7 - Ilustração do Tratado sobre a luz, em que Huygens
analisa o fenômeno da dupla refração do cristal-da-Islândia. Re-
tirada de Martins [19, p. 49]. Considerei AB como o lugar descoberto da
Nas partes seguintes, Huygens expôs sua explicação superfı́cie. Como um raio perpendicular a
para o fenômeno. Ele parece ter concluı́do que o fato de um plano, vindo de uma luz muito distante,
uma refração não respeitar as leis conhecidas indicava não é, pela teoria precedente, mais do que
que havia duas formas de emanação das ondas dentro a incidência de uma parcela de onda para-
do cristal. Enquanto a refração ordinária seria causada lela a esse plano, supus que a reta RC, pa-
por ondas esféricas, a extraordinária seria causada pela ralela e igual a AB, fosse uma porção de
propagação de ondas esferoidais pelo cristal. onda luminosa, cujos infinitos ponto RHhC
viessem encontrar a superfı́cie AB nos pon-
Como existiam duas refrações diferentes, tos AKkB. Portanto, no lugar de ondas par-
concebi que haviam também duas diferentes ticulares hemisféricas que em um corpo de
emanações de ondas de luz e que uma po- refração ordinária deveriam propagar-se de
dia ocorrer na matéria etérea espalhada no cada um desses últimos pontos – como expli-
corpo do cristal. [...] Atribui essa emanação camos acima ao tratar da refração – deveria
de ondas à refração regular que se observa surgir aqui hemisferoides, dos quais suporei
nessa pedra, supondo que essas ondas tives- que os eixos ou então os maiores diâmetros
sem a forma esférica ordinária [...]. Quanto são oblı́quos ao plano AB.
à outra emanação que deveria produzir a
refração irregular, experimentei verificar o
que ocorreria com ondas elı́pticas, ou me- [Huygens analisa a propagação da onda es-
lhor, esferoidais. Supus que elas se propa- feroidal ilustrada na Fig. 8]
gassem indiferentemente tanto na matéria
etérea distribuı́da dentro do cristal quanto
nas partı́culas que o compõem, conforme [...] E foi assim que compreendi o que
a última maneira pela qual expliquei a re- me havia parecido muito difı́cil: como um
fração. [29] raio perpendicular a uma superfı́cie pode
sofrer refração ao entrar no corpo transpa-
Como aponta Sabra [30], Huygens supôs que as duas rente; pois vi que a onda RC, proveniente
emanações passassem em meios diferentes. Enquanto a da abertura AB, continuava a partir de lá
refração ordinária seria causada pela propagação das a propagar-se entre as paralelas NA e BQ,
ondas no meio etéreo que preencheria o cristal, a extra- permanecendo no entanto ela própria sem-
ordinária seria devido à propagação das ondas tanto no pre paralela a AB, de modo que aqui a luz
éter quanto na própria matéria do cristal. Isto prova- não se propaga por linhas perpendiculares
velmente pareceu plausı́vel a Huygens, uma vez que, se às suas ondas, como na refração ordinária,
as duas se comportam de maneira distinta, devem per- mas essas linhas cortam as ondas obliqua-
correr meios distintos. Além disso, podemos supor que mente. [32]
Isaac Newton e a dupla refração da luz 4602-7

pagação de ondas esferoidais pelo cristal-da-Islândia. Retirada


de Martins [19, p. 55].

No caso de uma incidência obliqua dos raios, Huy-


gens também conseguiu adequar as ondas esferoidais
à explicação do fenômeno, verificando que “a demons-
tração disso é completamente semelhante à de que nos
servimos ao explicar a refração ordinária” [33]. Além
disso, percebe-se que ele assumiu a correspondência das
explicações para as refrações ordinária e extraordinária
como elemento importante de sua argumentação.
Na parte final de sua análise da dupla refração,
Huygens comentou sobre um efeito novo, não notado
por Bartholinus e descoberto por ele pouco após sua
análise descrita nos trechos anteriores. Ao colocar dois
cristais-da-Islândia um acima do outro, com suas seções
principais paralelas entre si, Huygens percebeu que os
raios ordinário e extraordinário surgidos no primeiro
cristal permaneciam com este comportamento no se-
Figura 8 - Ilustração do Tratado sobre a luz mostrando a pro-
gundo (Fig. 9).

Figura 9 - Ilustração do Tratado sobre a luz utilizada por Huygens para discutir o comportamento dos raios de luz na passagem por
cristais sucessivos. Retirada de Martins [19, p. 73].

Se as seções dos cristais inferiores fossem giradas [...] parece que somos obrigados a con-
a 90◦ em relação às seções dos cristais superiores, um cluir que as ondas de luz, por haver pas-
fenômeno ainda mais estranho ocorria: o raio que sofreu sado pelo primeiro cristal, adquirem certa
uma refração ordinária no primeiro cristal apresentava forma ou disposição pela qual, ao encon-
uma refração extraordinária no segundo e vice-versa. trar a estrutura do segundo cristal em cer-
Caso as seções fossem colocadas em outras posições tas posições, podem colocar em movimento
aleatórias entre si, os raios ordinário e extraordinário as duas matérias diferentes que correspon-
vindos do primeiro se dividiam novamente no segundo, dem aos dois tipos de refração; e ao en-
originando mais duas refrações. contrar esse segundo cristal em uma outra
4602-8 Moura

posição, elas só podem nele mover uma des- Em seu caderno de anotações – intitulado Quæstiones
sas matérias. Mas não encontrei até agora Quædam Philosophicæ 10 – ele já se dedicava a enten-
nada que me satisfaça para indicar como der os fenômenos da luz e das cores, produzindo seus
isso ocorre. [34] pensamentos iniciais sobre o assunto. Nos anos seguin-
tes, Newton escreveu um ensaio especı́fico sobre as co-
Huygens parece ter encarado a descoberta como um res (“Das Cores”11 ) e em 1672 publicou seu primeiro
grande problema a ser resolvido e adequado à sua ex- artigo, a “Nova teoria sobre luz e cores” [38], provo-
plicação anterior, utilizando ondas esféricas e esferoi- cando uma sucessiva onda de crı́ticas por parte de seus
dais. Ele provavelmente notou que atribuir unicamente coetâneos, tais como Hooke e Huygens [39]. Em 1675,
ao cristal a causa da dupla refração não seria sufici- ele escreveu outros dois textos, a “Hipótese da luz”12 e
ente para explicar este novo fenômeno, sendo levado a um sem tı́tulo, mas conhecido como “Discurso das Ob-
admitir também um efeito no próprio pulso de luz. servações”13 , que marcam o inı́cio de um hiato de quase
Para Shapiro [35], a explicação de Huygens para o trinta anos de estudos até o Óptica, sua principal obra
fenômeno da dupla refração, juntamente com sua inter- sobre o tema, publicada pela primeira vez em 1704.
pretação cinemática do fenômeno, formaram uma real Nos textos escritos antes do Óptica, não há menção
sustentação para a teoria vibracional da luz. Para o sobre o fenômeno da dupla refração. Além disso, não
autor, isto fez com que essa concepção se tornasse uma se sabe ao certo quando Newton começou a estudar o
alternativa viável para explicar os fenômenos ópticos fenômeno, apenas que em meados de 1689 ele já havia
conhecidos na época. Contudo, segundo Martins [36], analisado a estranha refração do cristal-da-Islândia e
o novo comportamento da luz na dupla refração des- discutiu o fenômeno em uma reunião da Royal Society
coberto por Huygens foi um dos principais argumentos de Londres, na qual Huygens estava presente [8].
contra sua teoria e isto só poderia ser resolvido se in-
No Óptica, Newton reservou às “Questões” do Li-
cluı́ssemos uma nova propriedade à luz, o que Newton
vro III a discussão acerca do fenômeno. As “Questões”
fez em seu Óptica.
compõem uma das mais interessantes partes de seu li-
Os apontamentos de Shapiro e Martins e o breve
vro, uma vez que nelas ele especulou abertamente sobre
estudo do modelo explicativo de Huygens levam a uma
vários temas controversos e não estudados completa-
conclusão singular sobre seu trabalho: ao mesmo tempo
mente por ele. Por meio de afirmações em forma de
em que sua explicação para a dupla refração represen-
perguntas, ele buscou defender implicitamente várias
tou um forte argumento a favor da concepção vibraci-
ideias que ainda não haviam sido formalizadas, ou seja,
onal, visto que ela poderia ser empregada tanto para a
que ainda guardavam um caráter hipotético inaceitável
refração ordinária quanto extraordinária, um caso par-
para seu método de pesquisa sobre o mundo natural,
ticular do fenômeno contribuiu para demolir a essência
embora muitas hipóteses tenham exercido papel funda-
de toda a argumentação construı́da no Tratado sobre
mental em algumas de suas concepções sobre a luz [42,
a natureza vibracional da luz. Anos mais tarde, no
43, 44]. Isso fez com que Newton ficasse livre para deba-
Óptica, Newton buscou resolver a questão, adotando
ter seu modelo explicativo para o fenômeno, mas dentro
uma teoria corpuscular para a luz e contrapondo forte-
de suas próprias regras metodológicas, este modelo não
mente qualquer teoria vibracional para explicar a dupla
poderia ser considerado senão uma hipótese.
refração.
Ao longo das edições do Óptica, a quantidade de
“Questões” e seu conteúdo passaram por algumas mu-
4. A dupla refração no Óptica de New- danças [45]. As “Questões” referentes à dupla refração
ton apareceram na edição em latim do livro, publicada em
1706. Não se sabe ao certo por que Newton não incluiu
A óptica ocupou a mente de Newton desde o inı́cio a análise desse fenômeno na edição original de 1704 [46],
de sua vida acadêmica, por volta da década de 1660. uma vez que ele já o conhecida pelo menos desde 1689.
10 Em português: Algumas Questões Filosóficas. O conteúdo do caderno foi publicado por McGuire e Tamny [37] e atualmente está

disponı́vel no site do The Newton Project (http://www.newtonproject.sussex.ac.uk).


11 Este ensaio também está publicado em McGuire e Tamny [37] e disponı́vel no site do The Newton Project

(http://www.newtonproject.sussex.ac.uk).
12 Publicado em português em Cohen e Westfall [40].
13 Publicado em inglês em Cohen e Schofield [41].
14 Há outra tradução do Óptica para o português, mas incompleta. Ela foi publicada na coleção Os Pensadores, lançada pela editora

Nova Cultural em 1987 [48]. Nessa versão, estão traduzidos os trechos correspondentes ao estudo de Newton sobre a dupla refração. Há
algumas divergências com os termos utilizados na versão da EDUSP, que serão apontados à frente.
15 Originalmente, Newton utilizou o termo unusual refraction para denominar a estranha refração do cristal-da-Islância no Óptica.

Na edição em português da EDUSP, este termo foi traduzido para “refração extraordinária”. Na coleção Os Pensadores, o termo foi
traduzido para “refração incomum” [48]. Embora a tradução mais correta seja esta última, preferi seguir o texto da EDUSP, por ser
uma versão mais completa e atual. Dessa forma, assim como no caso de Huygens e o uso da palavra “onda” (ver nota 7), citarei os
trechos conforme eles estão descritos na versão utilizada, sem alterações. No entanto, o leitor deve estar atento para esta questão,
evitando uma interpretação anacrônica da análise de Newton.
Isaac Newton e a dupla refração da luz 4602-9

Na edição em português do livro [47], utilizada nessa Seja ADBC a superfı́cie refratora do cristal,
análise,14 o fenômeno é tratado nas questões 25 e 26 C o maior ângulo sólido nessa superfı́cie,
e mencionado nas questões 28 e 29.15 Discutirei es- GEHF a superfı́cie oposta e CK uma per-
pecificamente o conteúdo das duas primeiras, fazendo pendicular traçada sobre essa superfı́cie.
referências às outras duas, quando oportuno. Essa perpendicular forma com a borda do
Para Newton, a dupla refração seria ocasionada por cristal CF um ângulo de 19◦ 3’. Ligue KF,
uma propriedade original e imutável da luz, os “lados”. e, nela, tome KL, de modo que o ângulo
Na Questão 25 do Livro III, ele abordou mais direta- KCL seja 6◦ 40’ e o ângulo LCF 12◦ 23’. E,
mente esse ponto. se ST representa qualquer feixe de luz que
incide em T em qualquer ângulo sobre a su-
Não há outras propriedades originais dos perfı́cie refratora ADBC, seja TV o feixe re-
raios de luz, além daquelas já descritas? fratado determinado pela porção dada dos
Exemplo de outra propriedade original, senos 5 para 3, de acordo com a regra usual
temo-lo na refração do cristal-da-islândia, da óptica. Trace VX paralelo e igual a KL.
descrita primeiro por Erasmus Bartholinus Trace-a desde V da mesma forma que L é
e depois, com mais exatidão, por Huygens traçada desde K; e, ao ligar TX, essa linha
em seu livro De la Lumière [Tratado sobre TX será o outro feixe refratado levado de T
a Luz]. [50] até X pela refração extraordinária. [51]
Essa foi uma refutação imediata ao modelo de Huy- A regra descrita por Newton não é correta [52]. Pro-
gens, que pregava a modificação dos raios de luz pelo vavelmente, ele procurou estabelecer uma explicação
cristal, ou seja, enquanto este afirmava que a luz sofria mais fácil que os esferoides de Huygens – cujo modelo
uma transformação e essa originava o fenômeno, se- para a refração extraordinária está correto – com in-
gundo Newton, a tendência para que a dupla refração tuito de mostrar que a ideia de que o fenômeno seria
ocorresse já estava na própria luz. A dupla refração uma manifestação de uma propriedade original da luz
seria uma evidência contra as concepções vibracionais, levava a teorizações mais simples que os complexos ar-
que sugeriam a modificação da luz de alguma forma gumentos da concepção vibracional.
pelo corpo refrator. Nos trechos seguintes da questão 25, Newton abor-
Nos trechos seguintes da questão 25, Newton pros- dou o fenômeno descoberto por Huygens, a respeito do
seguiu descrevendo as caracterı́sticas gerais do cristal, fato dos raios ordinários e extraordinários manterem
assim como fizeram Bartholinus e Huygens, e identifi- seus padrões de refração quando incidiam sobre a su-
cou as duas refrações observadas, ordinária e extraor- perfı́cie de outros cristais-da-Islândia colocados parale-
dinária. Mais adiante, ele apresentou uma regra para lamente abaixo deles.
se traçar a trajetória do raio extraordinário (Fig. 10). Há, portanto, uma diferença original nos
raios de luz por meio da qual alguns raios
nessa experiência são constantemente refra-
tados da maneira usual e outros da ma-
neira extraordinária; pois se a diferença não
fosse original, mas resultasse de novas mo-
dificações impressas nos raios em sua pri-
meira refração, ela seria alterada por novas
modificações nas três refrações seguintes, ao
passo que não sofre alteração, mas é cons-
tante e tem o mesmo efeito sobre os raios
em todas as refrações. [53].
O trecho apresenta uma crı́tica explı́cita à concepção
vibracional da luz e indiretamente à própria explicação
de Huygens. Como essa concepção pressupõe que a luz
é resultado da propagação de um movimento por um
meio – muitas vezes, o meio etéreo –, os fenômenos
ópticos seriam explicados por modificações dos corpos
sobre a luz. Para Newton, o fato do raio de luz manter
um padrão de comportamento passando de um corpo
a outro seria uma evidência contrária a essa concepção
Figura 10 - Ilustração do Óptica utilizada por Newton para mos- vibracional e só poderia ser explicado pensando que a
trar sua regra para se traçar a trajetória do raio extraordinário. luz seria dotada de caracterı́sticas próprias e não modi-
Retirada de Newton [47, p. 261].
ficáveis com a passagem pelos corpos refratores.
4602-10 Moura

A crı́tica à concepção vibracional da luz foi mais


explı́cita na Questão 28, em que ele perguntou: “Não
são errôneas todas as hipóteses segundo as quais a
luz consistiria em pressão ou movimento propagados
através de um meio fluido?” [54]. Na mesma questão,
Newton aproveitou o discurso de Huygens sobre
sua incapacidade de compreender o fenômeno recém-
descoberto para dizer que este seria uma evidência de
que realmente seu modelo vibracional para a luz não
poderia dar conta da dupla refração.

Até aqui ninguém tentou (que eu saiba) ex-


plicar a refração extraordinária do cristal-
Figura 11 - Possı́vel representação dos lados da luz. Os lados
da-islândia pela pressão ou movimento pro-
indicados com a letra ”O”fariam com que o raio tendesse a so-
pagados, exceto Huygens, que para esse fim frer uma refração ordinária. Os lados de letra ”E”, por sua vez,
imaginou dois meios vibratórios distintos ocasionariam uma refração extraordinária.
dentro desse cristal. Mas, quando exami- Os “lados” estariam nos raios de luz desde sua pri-
nou as refrações nos dois pedaços sucessi- meira emissão dos corpos luminosos, ou seja, essa não
vos desse cristal e encontrou-as tal como seria uma propriedade adquirida ao entrar no corpo re-
está mencionado acima, confessou-se em- frator. Para ele, o fato de um raio ser refratado or-
baraçado para explicá-las. [...] não pôde dinariamente no primeiro cristal e extraordinariamente
dizer que modificações poderiam ser essas, em segundo cristal cujo plano de refração perpendicular
nem imaginar qualquer coisa satisfatória so- está a 90◦ em relação ao primeiro seria explicado pela
bre esse ponto. [55] posição dos seus lados quanto aos cristais.

A dupla refração seria, assim, explicada pelo ad- Se os lados dos raios são posicionados da
vento de uma propriedade nova da luz, os seus “lados”. mesma maneira em relação a ambos os cris-
Na questão 26 do Óptica, ele perguntou: tais, ele é refratado da mesma maneira em
ambos; mas se o lado do raio voltado para
Não têm os raios de luz vários lados, dota- o lado da refração extraordinária do pri-
dos de várias propriedades originais? [53] meiro cristal17 estiver a 90 graus do lado do
mesmo raio voltado para o lado da refração
De acordo com Newton, não haveria dois tipos de extraordinária do segundo cristal [...], o raio
raios, mas duas possı́veis orientações dos “lados” dos será refratado de maneiras diversas nos di-
raios em relação ao cristal. É difı́cil saber exatamente versos cristais. [59]
como Newton pensou a representação visual destes “la- No trecho em destaque da citação, vemos que New-
dos”,16 mas é possı́vel delinear alguns parâmetros que ton também pensou na existência de um lado de re-
facilitem o entendimento de sua explicação. fração extraordinária no cristal. O raio seria refratado
Os raios de luz teriam quatro lados ou quatro quar- de maneira ordinária ou extraordinária de acordo com
tos, dois fazendo com que o raio fosse refratado ordina- a orientação dos seus lados em relação a este lado de
riamente e dois causadores da refração extraordinária. refração extraordinária do cristal. Curiosamente, não
Cada um desses “lados” responsáveis pelo mesmo tipo há menção sobre a existência de um lado de refração
de refração seria oposto ao outro. Para tentar compre- ordinária do cristal.
ender a argumentação de Newton, podemos pensar que Para facilitar o entendimento do possı́vel raciocı́nio
a seção reta de um raio de luz seja um quadrado, con- de Newton, podemos imaginar este como um cubo,
forme a Fig. 11. Cada par de “lados” opostos faria com sendo duas de suas faces os lados da refração extra-
que o raio tendesse a sofrer um tipo de refração. ordinária (Fig. 12).
16 Edmund Whittaker, na introdução da edição em inglês do Óptica, publicada pela Dover, ofereceu uma possı́vel representação para

os lados da luz. Segundo ele, “um raio obtido por dupla refração difere de um raio de luz ordinário da mesma maneira que uma haste
longa cuja seção reta é um retângulo difere de uma haste longa cuja seção reta é um cı́rculo: em outras palavras, as propriedades de
um raio de luz ordinário são as mesmas com respeito a todas as direções em ângulos retos a sua direção de propagação, enquanto que
um raio obtido por dupla refração tem propriedades relacionadas a direções especiais em ângulos retos a sua própria direção” [56].
17 Na edição em inglês do Óptica, este trecho em negrito está escrito da seguinte forma: “But if that side of the ray which looks

towards the coast of unusual refraction of the first crystal [...]” [57]. É possı́vel observar que os lados dos raios são denominados sides e
o lado do cristal chamado de coast. Na edição em português não há essa diferenciação e ambos os termos foram traduzidos como lados.
Na tradução em português da coleção Os Pensadores, foi utilizado o termo “costa” para denominar o lado do cristal [58]. Por meio de
uma análise da etimologia das palavras coast e side no Online Etymology Dictionary [http://www.etymonline.com], concluı́ que as duas
palavras tem significados parecidos e que a tradução de ambas por lados é adequada. Contudo, o fato de Newton utilizar dois termos
para os lados dos raios e do cristal indica, provavelmente, que ele não acreditava que os dois tinham as mesmas caracterı́sticas.
Isaac Newton e a dupla refração da luz 4602-11

Figura 12 - Os lados de refração extraordinária do cristal-da-


Islândia.

Newton comentou em seguida sobre como ocorria a


dupla refração dos raios no cristal. Aparentemente, os
raios incidiriam na superfı́cie do cristal com os lados
orientados aleatoriamente em relação ao seu lado de re-
fração extraordinária. Os lados dos raios tenderiam,
assim, a se orientar em direção ao lado de refração ex-
traordinária do cristal. Dependendo de qual lado do Figura 13 - Dois raios de luz incidindo sobre um cristal-da-
raio se orientava, um tipo de refração ocorria. Islândia. A orientação de seus lados em relação ao lado da re-
fração extraordinária no cristal determina qual refração ele sofre.

Portanto, todo raio pode ser considerado O padrão de refração mantido pelos raios ao atra-
como tendo quatro lados ou quatro quar- vessar a superfı́cie de dois cristais-da-Islândia colocados
tos, dois dos quais, opostos um ao outro, um diretamente abaixo do outro seria uma evidência de
fazem com que o raio tenda a ser refratado que os lados existiriam e seriam uma propriedade origi-
da maneira extraordinária, na medida em nal da luz e que haveria uma relação entre eles e o lado
que ambos são girados em direção aos lados do cristal.
da refração extraordinária; e os outros dois,
sempre que ambos são girados em direção ao E, como os raios apresentavam essas dis-
lado da refração extraordinária, não fazem posições antes de incidir sobre a segunda,
com que ele tenda a ser refratado de outra terceira e quarta superfı́cie dos dois cris-
maneira que não a usual. Os dois primeiros tais e não sofreram alteração (até onde se
podem, portanto, ser chamados de lados da pode observar) pela refração dos raios ao
refração extraordinária. [59] passar através dessas superfı́cies, e os raios
foram refratados pelas mesmas leis em todas
Dessa forma, Newton estabeleceu ser possı́vel girar as quatro superfı́cies, parece que essas dis-
os lados dos raios, de acordo com o lado do cristal. Po- posições se encontravam originalmente nos
demos assumir que em um facho de luz incidente sobre raios, não tendo sofrido alteração pela pri-
a superfı́cie do cristal-da-Islândia houvesse raios cujos meira refração, e que em virtude dessas dis-
lados estivessem orientados aleatoriamente. Alguns te- posições os raios foram refratados ao incidir
riam seus lados de refração extraordinária orientados sobre a primeira superfı́cie do primeiro cris-
em direção ao lado de refração extraordinária do cris- tal, alguns deles de maneira usual, outros da
tal, ocasionando esse tipo de refração, tal como o raio maneira extraordinária, segundo seus lados
1 da Fig. 13. Outros, com seus lados de refração or- de refração extraordinária estavam virados
dinária orientados em direção ao lado de refração ex- para o lado da refração extraordinária desse
traordinária do cristal, sofreriam a refração comum, tal cristal ou se apresentavam obliquamente em
como o raio 2 da Fig. 13. relação a ele. [59]
4602-12 Moura

A orientação dos lados do raio em relação ao lado da sobre o segundo cristal. Pois nesse caso, os
refração extraordinária do cristal em sua passagem pela raios em cada um dos feixes terão, uns seus
primeira superfı́cie seria mantida nas seguintes, conse- lados da refração extraordinária, outros os
quentemente, o raio sofreria o mesmo tipo de refração seus lados voltados para o lado da refração
nos outros cristais. extraordinária do segundo cristal. [60].
Por meio desse modelo, também era possı́vel expli-
car por que o giro em 90◦ do plano refrator do segundo A atribuição de lados à luz tornaria a explicação
cristal em relação ao primeiro ocasionava a mudança no da dupla refração aparentemente mais simples e obje-
padrão da refração dos raios, sem o surgimento de uma tiva. Não seria necessário, segundo Newton, pensar que
nova dupla refração. Nesse caso, como os lados do cris- o cristal alteraria caracterı́sticas dos raios luminosos;
tal foram invertidos, ocorreria também uma alteração bastaria assumir que existiria uma propriedade original
na refração sofrida por cada raio (Fig. 14) da luz que seria responsável pelo fenômeno e que ela
teria algum tipo de associação com as propriedades do
cristal. A partir disso, Newton soube explicar não so-
mente a dupla refração em si, mas também o fenômeno
descoberto por Huygens com o uso de dois cristais-da-
Islândia.
Newton também utilizou a dupla refração para de-
fender uma concepção corpuscular para a luz. A ideia
de que a luz tem quatro lados ou quatro quartos im-
plica, quase necessariamente, na suposição de ela tem
uma forma e dimensão definidas. Em uma concepção
vibracional ou ondulatória, não podemos imaginar la-
dos opostos um ao outro ou raios de luz sendo girados,
pois esses são caracterı́sticas e efeitos de corpos mate-
riais. Além disso, o fato da luz ter uma propriedade
inata e imutável não poderia ser explicado se a consi-
derássemos uma vibração ou onda, uma vez que essas
podem ter caracterı́sticas modificadas quando passam
de um meio para outro. Na Questão 29, Newton per-
guntou:

Os raios de luz não são corpos minúsculos


emitidos pelas substâncias que brilham?
[61]

Na mesma questão, Newton associou essa carac-


terı́stica material à luz a um possı́vel motivo para que
os lados da luz girassem a fim de se orientarem com o
lado da refração extraordinária do cristal. Segundo ele,
os lados dos raios e do cristal pareciam possuir uma
virtude atrativa entre si, que resultaria na orientação
Figura 14 - Com um segundo cristal em uma nova orientação, as
refrações sofridas pelos raios serão diferentes. O raio 1 sofrerá dos primeiros em relação ao segundo.
uma refração ordinária, enquanto o raio 2 uma refração extraor-
dinária. E, desde que o cristal, por sua disposição
No caso do plano refrator do segundo cristal ser gi- ou virtude, não age sobre os raios, a não ser
rado a outros ângulos, novamente terı́amos uma dupla quando um dos seus lados de refração extra-
refração de todos os raios, ordinária se volta para esse lado, isso prova
uma vez que seus lados tenderiam outra vez a se que há uma virtude ou disposição nesses la-
orientar em relação ao lado da refração extraordinária dos dos raios que respondem e simpatizam
do cristal. com aquela virtude ou disposição do cris-
tal como os polos de dois imãs respondem
Se os planos de refração perpendicular dos um ao outro. [...] Não digo que essa vir-
dois cristais não forem nem paralelos nem tude seja magnética: ela parece ser de ou-
perpendiculares um ao outro, mas contive- tro tipo. Digo apenas que, o que quer que
rem um ângulo agudo, os dois feixes de luz ela seja, é difı́cil conceber como os raios de
que saı́rem do primeiro cristal serão cada luz, a não ser que sejam corpos, podem ter
qual divididos em mais dois feixes ao incidir uma virtude permanente em dois de seus
Isaac Newton e a dupla refração da luz 4602-13

lados e não nos outros, e isso sem ter ne- O plano inicial de Newton previa a elaboração de
nhuma relação com suas posições relativas quatro livros para o Óptica, e não três, como foi pu-
ao espaço ou meio através do qual eles pas- blicado. O quarto e último livro seria destinado ao
sam. [62] tratamento dinâmico dos fenômenos ópticos, em uma
espécie de união entre a mecânica e a óptica newto-
A associação que Newton fez entre a dupla refração niana [67, 68]. Segundo Westfall [69], o plano não se
e os efeitos mútuos dos polos de imãs deu origem ao concretizou e Newton acabou organizando a obra na
termo “polarização da luz”, até hoje utilizado [63]. É forma como conhecemos atualmente. O conteúdo desse
interessante que ele reforçou a ideia de que não seria suposto quarto livro acabou sendo distribuı́do em várias
possı́vel compreender o fenômeno sem pensar na luz partes do Óptica, mas especialmente na Questão 31,18
como corpos com poderes atrativos, interagindo com o a última e mais longa do texto [71].
lado da refração extraordinária do cristal. Certamente, Newton não gostaria de ter encerrado
A dupla refração foi tratada por Newton nas partes o Óptica com questões e provavelmente essa foi uma
finais do Óptica. Assim como Huygens, ele inicialmente decisão tomada após seu plano inicial não ter tido êxito
discutiu caracterı́sticas básicas do cristal-da-Islândia e, [72]. É razoável supor que Newton pretendesse incluir a
em seguida, apresentou uma regra para traçar o raio ex- dupla refração no cerne da discussão sobre a existência
traordinário, considerada errada atualmente. Para ele, de forças entre luz e matéria, uma vez que ele conhe-
o fenômeno seria uma evidência terminante de que a cia o fenômeno desde pelo menos o ano de 1689. A
luz possuiria mais uma propriedade original, os lados. análise de sua argumentação evidencia que ele conside-
Por meio dessa ideia, ele foi capaz de explicar os diver- rava o fenômeno exclusivamente a partir de uma con-
sos comportamentos dos raios ao passarem por cristais cepção corpuscular para a luz. Porém, dado que a ideia
sucessivos e, ao mesmo tempo, criticar a concepção vi- de completar o Óptica com um tratamento mecânico
bracional e defender a materialidade da luz. para a luz não foi à frente, a análise da dupla refração
também não deve ter prosseguido, embora o conceito
5. Alguns comentários sobre o conceito de lados pudesse tornar-se um relevante argumento a
favor da materialidade da luz.
de “lados da luz” de Newton
À parte dessas suposições e apreciando apenas o que
Os lados dos raios luminosos não foram as únicas pro- Newton escreveu no Óptica, também cabem alguns co-
priedades originais e imutáveis da luz discutidas por mentários. Os argumentos apresentados são, em si, obs-
Newton no Óptica. Nos livros I e II, ele propôs ou- curos, não permitindo uma visualização mais precisa de
tras propriedades, tais como as cores [64] e os estados como ele entendia o conceito de lados. A inexistência
de fácil transmissão e fácil reflexão [7, 42], construindo de figuras ao longo de sua argumentação nas questões
sua argumentação com base em diversos experimentos 25 e 26 dificulta o entendimento de sua argumentação.
e observações. Newton dedicou quase inteiramente o A única figura apresentada referiu-se à apresentação de
conteúdo dos livros ao estudo destes temas. Porém, sua regra (errada) para traçar os raios ordinários e ex-
ele foi bem mais sucinto para a dupla refração. Foi traordinários.
apresentada apenas uma discussão essencialmente ex- Nas discussões precedentes, busquei criar uma re-
perimental – a que tratou da regra para traçar o raio presentação visual tanto para os lados dos raios quanto
extraordinário –, sendo o restante formado por argu- para o lado da refração extraordinária do cristal, mas
mentos teóricos sobre o comportamento da luz baseados certamente há limitações. Outras representações dife-
no conceito de lados. As razões para essa exposição su- rentes podem ser feitas, tais como a colocada por Whit-
perficial sobre o fenômeno podem ser suscitadas a partir taker (nota 16), mas como Newton não detalhou suas
de uma breve investigação da elaboração do Óptica no ideias, qualquer uma delas será limitada.
final do século XVII. Além disso, a explicação por meio do conceito de
O conteúdo e a estrutura do Óptica passaram por lados da luz é deficiente em relação à explicação de
modificações significativas até sua primeira publicação Huygens. Como aponta Hall [73], os lados parecem
em 1704. Segundo o próprio Newton, parte de seu uma “analogia mecânica imperfeita” com os polos de
conteúdo começou a ser escrita em meados de 1675, “a um imã, se a compararmos com o estudo sofisticado de
pedido de alguns cavaleiros da Royal Society” [65]. Pos- Huygens no Tratado sobre a Luz. Este último inves-
sivelmente, ele se referiu aos textos “Hipótese da luz” e tiu em uma complexa argumentação geométrica para
“Discurso das observações”, enviados para a sociedade descrever o fenômeno e suas principais caracterı́sticas,
naquele ano. Após esse perı́odo, Newton teria retor- enquanto Newton utilizou poucos parágrafos para fazer
nado aos estudos em óptica apenas no final da década o mesmo.
de 1680, logo após a publicação dos Principia [66]. A crı́tica que Newton fez à explicação do fenômeno
18 Nesta questão, Newton perguntou no inı́cio: “Não têm as pequenas partı́culas dos corpos certos poderes, virtudes ou forças por

meio dos quais elas agem a distância não apenas sobre os raios de luz, refletindo-os, refratando-os e inflectindo-os, mas também umas
sobre as outras, produzindo grande parte dos fenômenos da natureza?” [70].
4602-14 Moura

por meio de uma concepção vibracional também é limi- para compreendermos mais claramente os estudos so-
tada. Segundo ele, a manutenção do padrão de refração bre luz e cores de Newton e o próprio contexto de sua
dos raios de um cristal para outro seria uma evidência época.
de que a luz não seria uma vibração, uma vez que se-
ria modificada sucessivamente pelos cristais. Contudo, 7. Agradecimentos
pode-se pensar que o cristal imprime uma modificação
na luz na sua primeira incidência e esta se mantém nas Agradeço aos pareceristas pelas sugestões colocadas e
passagens sucessivas por outros cristais.19 à Profa . Cibelle Celestino Silva (IFSC-USP) pela ori-
Por fim, mesmo que Newton tenha rejeitado uma entação em uma versão inicial deste trabalho, realizada
concepção vibracional por ela supor que os raios se- em 2003. Por fim, agradeço ao auxı́lio de Barbara B.A.
riam modificados pelo cristal, ele pareceu notar que Forato com as Figs. de 11 a 14.
este último tinha um papel fundamental no fenômeno.
O fato dos lados da luz serem girados em direção aos
lados do cristal – assim como os polos de um imã se Referências
orientam em relação aos polos de outro imã – implica [1] P. Fara, Newton – The Making of Genius (Columbia
que o cristal age efetivamente sobre o raio. Embora University Press, New York, 2002).
seja perfeitamente plausı́vel supor, de acordo com as
[2] G.N. Cantor, Optics After Newton – Theories of Light
concepções de Newton, a existência dos lados desde sua
in Britain and Ireland 1704-1840 (Manchester Univer-
primeira emissão do corpo luminoso, a dupla refração sity Press, Manchester, 1983).
só ocorreria por conta de uma interação do raio com o
[3] C.C. Silva e B.A. Moura, Revista Brasileira de Ensino
cristal que resulta em uma situação favorável ou não à
de Fı́sica 30, 1602, 2008.
dupla refração.
[4] J.Z. Buchwald & I.B. Cohen, Isacc Newton’s Natural
Philosophy (MIT Press, Cambridge, 2001).
6. Conclusão [5] T.C.M. Forato, in: Estudos de História e Filosofia das
Ciências: Subsı́dios para Aplicação no Ensino, editado
No final do século XVII, Newton tomou conhecimento
por C.C Silva (Editora Livraria da Fı́sica, São Paulo,
de um estranho fenômeno descoberto por Bartholinus, 2006).
a dupla refração da luz. Provocada pelo cristal-da-
[6] J.E. McGuire and P.M. Rattansi, Notes and Records
Islândia, a estranha refração não conseguia ser expli-
of the Royal Society of London 21, p. 108-43 (1986).
cada segundo as leis conhecidas na época. No mesmo
perı́odo, Huygens dedicou-se a estudar o fenômeno, [7] B.A. Moura e C.C. Silva, in: Filosofia e História da
apresentando um complexo modelo baseado em esfe- Ciência no Cone Sul: Seleção dos Trabalhos do 5◦ En-
contro, editado por R.A. Martins, C.C. Silva, J.M.H.
roides para explicá-lo em seu Tratado sobre a Luz, pu-
Ferreira e L.A-C.P. Martins (Associação de Filosofia e
blicado em 1690.
História da Ciência do Cone Sul, Campinas, 2008).
Newton abordou o fenômeno nas questões 25 e 26
do Óptica, mencionando-o em outras subsequentes. Sua [8] A.E. Shapiro, Notes and Records of the Royal Society
of London 43, 223 (1989).
abordagem diferenciou-se significativamente de Huy-
gens, pois não só apresentou uma proposta mais sim- [9] W.F. Magie, A Source Book in Physics (Harvard Uni-
ples, como também a utilizou para defender uma con- versity Press, Cambridge, 1963).
cepção corpuscular para a luz. Embora o conceito de [10] J.A. Lohne, Centaurus, 21, p. 106-48 (1977).
lados da luz tenha sido logo esquecido pelos seus segui- [11] D. Halliday, R. Resnick e K.S. Krane, Fı́sica 4 (LTC,
dores do século XVIII [75], ainda assim, a menção de Rio de Janeiro, 1996), p. 115-118.
que o fenômeno seria semelhante à orientação de polos [12] J.A. Lohne, op. cit., p. 106-7.
de imãs uns em relação aos outros perdurou, fazendo
[13] J.A. Lohne, op. cit., p. 109.
com que até hoje denominemos a dupla refração como
um caso de polarização da luz. [14] J.A. Lohne, op. cit., p. 113.
O estudo apresentado buscou analisar em detalhes [15] J.A. Lohne, op. cit., p. 115.
o conceito de lados da luz que Newton elaborou para [16] J.A. Lohne, op. cit., p. 129.
explicar a dupla refração. Embora seus estudos sobre
[17] J.A. Lohne, op. cit., p. 145.
a heterogeneidade da luz branca e seus experimentos
com prismas sejam os mais conhecidos por acadêmicos [18] A.E. Shapiro, Archives for History of Exact Sciences,
11, 240 (1973).
e educadores, sua principal obra sobre o tema, o Óptica,
contem discussões sobre muitos outros fenômenos. A [19] R.A. Martins, Cadernos de História e Filosofia da
análise destas ideias pode mostrar aspectos da óptica Ciência, suplemento 4, p. 1-99 (1986).
newtoniana ainda pouco estudados, sendo subsı́dios [20] A.E. Shapiro, op. cit. (1973).
19 Um argumento semelhante foi discutido por Sabra [74], sobre o experimentum crucis de Newton em sua “Nova teoria sobre luz e
cores” (1672).
Isaac Newton e a dupla refração da luz 4602-15

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Paulo, p. 44-8. [75] A.R. Hall, op. cit., p. 132-3.

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