Análise Interna e Externa

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Multiletramentos e as Novas Tecnologias de Informação e

Comunicação nas práticas de leitura e escrita da Educação


Básica

Lucineia Pavão Santiago1


Profª. Drª. Nívea Rohling2

RESUMO

Este artigo é resultado da implementação do Projeto de Intervenção Pedagógica


“Multiletramentos e as Novas Tecnologias de Informação e Comunicação nas práticas
de leitura e escrita da Educação Básica” e foi desenvolvido junto aos estudantes de 9º.
Ano do Ensino Fundamental, do Colégio Estadual Elias Abrahão EFM, no município de
Quatro Barras, Esse trabalho teve como objetivo principal analisar as práticas de
letramentos em contextos multissemióticos desse grupo. Demonstrando a importância
de reavaliar os discursos com as práticas docentes presentes na escola, associando a
leitura das mídias digitais sociais ao desenvolvimento do letramento crítico, o que
levou a produção de novos saberes e sentidos. Este artigo ancora-se teoricamente em
estudos sobre letramentos em Kleiman (2002, 2006 e 2007), sobre multiletramentos
em (Rojo 2009, 2013) e sobre linguagem online em Barton e Lee (2015). O enfoque da
análise centra-se em aspectos multimodais e multissemióticos avaliados nas práticas
de leitura e escrita dos estudantes participantes do projeto.

Palavra-chave: Mídias-sociais; Multiletramentos; Multimodalidade; Tecnologia.

1
Professora da Rede Estadual de Ensino. Núcleo Regional Área Metropolitana Norte.
Licenciada em Letras-Português, pela PUC-Pr. Especialista em Leitura de Múltiplas
Linguagens pela PUC-Pr. E-mail: [email protected].
2Orientadora do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE. Doutora em Linguística
pela UFSC. Docente do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens do
Departamento Acadêmico de Linguagem e Comunicação, da Universidade Tecnológica
Federal do Paraná/Campus Curitiba. E-mail: [email protected].
1. INTRODUÇÃO

Este artigo faz parte de uma das metas do Programa de


Desenvolvimento Educacional (PDE), da Secretaria de Estado de Educação do
Paraná (SEED – PR). O projeto foi desenvolvido no Colégio Estadual Elias
Abrahão EFM, no município de Quatro Barras, realizado no primeiro semestre
de 2016. A pesquisa aqui apresentada, teve como objetivos analisar a
necessidade de mudanças nas práticas de leitura e escrita de alunos da
educação básica, destacando a importância dos multiletramentos no cotidiano
escolar.
Nos últimos anos a sociedade tem passado por constantes
transformações nos âmbitos sociais, culturais, econômicos e históricos em
decorrência do surgimento das Tecnologias de Informação e Comunicação
(TICs) e de outros fatores que modificaram a convivência social, a organização
do trabalho e o sistema educacional.
O uso dos computadores e da internet na escola tem se tornado uma
constante sendo, pois, decorrência de uma sociedade cada vez mais
hipersemiotizada. A inserção das tecnologias no contexto escolar trouxe para a
escola uma reflexão sobre seus métodos e práticas escolares cotidianas.
Segundo Oliveira (2012), a introdução das TICs na escola pode ser associada
ao desenvolvimento crítico dos alunos e à qualidade dos conteúdos veiculados
na rede, fazendo-se necessário o trabalho com as diferentes semioses,
analisando sua função na construção de sentido do texto.
A associação dessas mídias e de suas semioses tem a função de gerar
significados múltiplos, que são influenciados pelas interações entre os variados
gêneros textuais presentes na escola e que envolvem seus sujeitos.
(OLIVEIRA, 2012).
Essa variedade de contextos interacionais são características muito
presentes nas mídias digitais sociais, tematizadas no Projeto de Intervenção
Pedagógica, que serviu de base para esta pesquisa, pois trata das práticas de
leitura e de escrita de textos multissemióticos produzidos em contextos de
Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTICs). Em outras
palavras, neste contexto multissemiótico e hipertextual das mídias digitais, esse
projeto, problematizou os textos multissemióticos no contexto de ensino e
aprendizagem na disciplina de Língua Portuguesa, desenvolvendo letramentos
críticos e protagonistas nos estudantes de 9º. Ano, do Ensino Fundamental
acerca dos sentidos e das condições de produção/circulação dos textos
contemporâneos.
Para tanto, observou-se aspectos relacionados aos novos modos de
produzir linguagem e sentidos em contextos multissemióticos e hipertextuais
das novas mídias digitais, por meio de propostas de atividades que envolveram
práticas de leitura e escrita de contos, microcontos, e leitura crítica de imagens
produzidas/geradas nessas novas mídias. Além disso, foram identificadas e
descritas as práticas de letramento dos estudantes de 9º. Ano, participantes
deste projeto. Observadas situações de seu cotidiano, visando o
reconhecimento do contexto social em que estavam inseridos. Esse
reconhecimento trouxe novos conhecimentos teóricos e práticos acerca do uso
de recursos tecnológicos promovendo uma mudança na prática discente e
docente.
Vale destacar que o letramento crítico, não é resultado apenas das
mudanças cognitivas provocadas pelo uso da escrita nas representações
desses estudantes, mas também das mudanças que foram capazes de fazer e
que, de fato, fizeram com a escrita, quando as usaram em práticas sociais
situadas.
Este artigo apresentará primeiramente o referencial teórico que serviu
como embasamento e articulação deste estudo, na sequência os métodos de
pesquisa utilizados, para a análise de dados e experiências. No próximo tópico
um relato das atividades desenvolvidas durante a aplicação do projeto com
docentes e discentes. Finalizando com as considerações sobre o trabalho e os
avanços educacionais produzidos.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

Esta seção dedica-se à apresentação das principais contribuições


teóricas que embasaram o desenvolvimento do projeto de intervenção. Para
tanto, são discutidos conceitos como: letramento, multiletramentos, letramentos
críticos e multissemióticos, bem como a discussão sobre mídias digitais sociais
e gêneros discursivos que emergem na cultura digital.
2.1. Do letramento aos multiletramentos

Os estudos sobre letramento surgiram em meados dos anos 1980, numa


tentativa de separar os estudos sobre o impacto social da escrita dos estudos
sobre alfabetização, pois as ideias recorrentes na aprendizagem da escrita
sobre alfabetizar estavam relacionadas a competências individuais. Por outro
lado, o letramento visou o desenvolvimento social que acompanhou a
expansão dos usos da escrita desde o sec. XVI. Surgiram então a formação de
identidades nacionais, mudanças socioeconômicas por força da revolução
industrial, o desenvolvimento das ciências, a tentativa de padronização de uma
variante da linguagem, questões ideológicas e de poder social relacionadas à
escrita. Esses estudos tentavam determinar e descrever os efeitos das práticas
de letramento em grupos que não estavam diretamente relacionados a esses
fatores de expansão (KLEIMAN, 2002[1995]).
O letramento tem como objeto de reflexão os aspectos sociais do uso da
escrita nas diferentes esferas de atividades humanas. Para Soares (2014
[1998]), assumir como objetivo o trabalho na perspectiva dos estudos do
letramento no contexto da escola implica adotar no ensino da língua materna,
uma concepção social da escrita, em contraste com uma concepção tradicional
que considera a aprendizagem de leitura e produção textual como a
aprendizagem de habilidades individuais. Isso porque, “(...) o conceito de
letramento envolve um conjunto de fatores que variam de habilidades e
conhecimentos individuais a práticas sociais e competências funcionais e,
ainda, a valores ideológicos e metas políticas”. (SOARES, 2014[1998], p. 81).
Sendo assim, a perspectiva do letramento não se exime de focalizar o
impacto social da escrita, particularmente as mudanças e transformações
sociais decorrentes das novas tecnologias e novos usos da escrita. Esse foco
amplia a concepção do que venha a ser a escrita, antes reservada para os
textos literários, passando a incluir os textos do cotidiano e as novas
concepções de estudo da língua.
Segundo Teixeira (2012), desde o início do século XXI vem acontecendo
muitos debates em relação aos estudos da linguagem no Brasil, em especial
nas áreas antropológicas, semióticas e linguísticas. Destaca-se, nesse
contexto, a importância do uso de novas tecnologias, como novos conceitos de
letramento. Esses conceitos têm como base a coexistência entre as
tecnologias tipográficas e digitais de leitura e escrita na sociedade atual,
combinando imagens estáticas ou em movimento, com áudios, cores, links,
tanto nos ambientes digitas ou em mídias impressas. Visando assim novas
propostas de ensino e aprendizagem que levem em conta os “letramentos
múltiplos, ou multiletramentos, abrangendo leitura crítica, análise e produção
de textos multissemióticos em enfoque multicultural”. (ROJO, 2013, p. 8).
Na perspectiva dos multiletramentos, é importante trabalhar com uma
grande variedade de linguagens e de discursos para criar uma maior interação
entre as linguagens. Seja por meio da interpretação ou de diversos contextos,
nos quais a gramática não é utilizada apenas como norma padrão, mas algo
que permite a busca por novos horizontes, mostrando as mudanças nessas
diversas modalidades (ROJO, 2013). Os textos contemporâneos, segundo Dias
(2012), exigem do aluno e do professor novas habilidades de leitura, que
ampliaram as noções de letramento para múltiplos letramentos, contribuindo
para a compreensão das diversas semioses: visual, sonora e verbal. O que
trouxe à tona o surgimento de novos gêneros nos contextos midiatizados,
combinando diversos modos de significar. Esses conceitos são características
marcantes atribuídas ao multiletramento, conforme discutido por Rojo (2013, p.
14).
A adição do prefixo ‘multi’ ao termo letramento não é uma questão
restrita à multiplicidade de práticas de leitura e escrita que marcam a
contemporaneidade: as práticas de letramento contemporâneas
envolvem, por um lado, a multiplicidade de linguagens, semioses e
mídias envolvidas na criação de significação para os textos multimodais
contemporâneos e, por outro, a pluralidade e diversidade cultural trazida
pelos autores/leitores contemporâneos a essa criação e significação.

Para Lima (2013), a pedagogia dos multiletramentos precisa de uma


compreensão das manifestações e do funcionamento social para dar conta das
diversidades culturais e semióticas que podem ser manifestadas no
ciberespaço, porque estes combinam linguagem e críticas sociais com
sentimentos de conexão com outras pessoas.
2.2 Cultura digital e novas mídias

Com o surgimento das tecnologias digitais, houve um distanciamento


dos meios impressos e uma intensificação, diversificação, diminuição das
distâncias temporais, bem como o crescimento de novas possibilidades
multimidiáticas e hipermidiáticas no texto eletrônico. Tudo isso levou a escola a
repensar suas práticas de leitura e escrita, ao perceber novas possibilidades de
letramento crítico e democrático, que visem os letramentos multissemióticos
exigidos pelos textos digitais contemporâneos, capacitando os estudantes para
lidar com discursos simples e neutros, a fim de perceber seus valores, suas
intenções, suas estratégias, seus efeitos de sentido, suas ideologias e
significações. (ROJO, 2009).
A partir das NTICs surgem novas culturas, novas mídias que agregam
uma nova visão ao que existia anteriormente. Ao que Lima apud Santaella
(2013 p. 39) classifica como “(...) hipercomplexidade midiática, com seis tipos
de lógicas culturais: a cultura oral, a cultura escrita, a cultura impressa, a
cultura de massas, a cultura das mídias e a cibercultura”, destacando novas
possibilidades de autoria, interação e colaboração. Com o surgimento da
internet, há novos espaços de colaboração e participação propiciando uma
variedade e uma quebra de superioridade nos discursos, geralmente
silenciados pela diversidade cultural e pelo grupo social. Lima (2013 p. 46)
descreve que:
As práticas de letramento na hipermídia permitem aos jovens comparar
experiências de vida, eventos e situações de diferentes pontos de vista:
de sua sociedade de origem e da sociedade em que vivem. A
bifocalidade não é desenvolvida exclusivamente por jovens migrantes
em práticas de letramento na hipermídia, mas por todos, a partir do
acesso a discursos de diferentes perspectivas.

Por isso a importância de uma nova visão dos currículos escolares,


pautada na ideia de pluralidade e identificação dos aprendizes, para a
construção de conhecimento. Pois, segundo Neto et al (2013), é preciso
repensar os modos de aprendizagem, os conteúdos, contextos e o grupo
envolvido. As diferentes identidades e culturas trazem em si a ideia de
colaboração com as diferenças. Essa nova cultura de interação e colaboração
surge com os compartilhamentos presentes nos ambientes virtuais, colocando
esses novos letramentos menos individualizados e menos autorais, que os
letramentos tradicionais.
As tecnologias digitais mais recentes transformaram nossa maneira de
observar nosso cotidiano, nosso trabalho e as formas de aprendizagem. Temos
uma nova visão sobre a leitura e a produção de imagens, sobre as formas de
comunicar, de interagir em família e receber informações. As pessoas se
acostumaram com essa transformação digital, apesar das dificuldades de
acesso, isso tem se tornado rotina, tornando-se prioridade no cotidiano de
muitos. Novos estudos na área da linguística e dos letramentos digitais surgem
por exigência dessas mudanças, ao destacar estudos sobre a escrita online,
que nas últimas décadas aproximadamente, desenvolveu duas tradições de
pesquisa com suas próprias terminologias, quadros teóricos e metodologias,
identificando e descrevendo características e estratégias linguísticas não
encontradas em outros meios de comunicação, que no início não levavam em
conta os contextos comunicativos e discursivos. Além disso, com base nessas
pesquisas3 pode se perceber que a comunicação mediada por computador
(CMC), não pode separar os gêneros escritos de seus usuários e contextos
sociais, posto que a linguagem é modificada por esses fatores e por ideologias
sociais. Essa linha de pesquisa também destaca que os diferentes usuários de
CMC assimilam novas formas de escrita para diferentes propósitos e
transformam seus discursos a partir de contextos ideológicos. Um exemplo
disso são os sites de redes sociais como o Facebook, o twiter e as centrais da
Web 2.04, onde as pessoas se comunicam e interagem pela palavra escrita e
outros conteúdos multimodais. (BARTON e LEE, 2015).
De acordo com Barton e Lee (2015), com a comunicação online surgem
também mitos e críticas ao chamado internetês cujo entendimento é que
linguagem online pode afetar as habilidades de letramento dos jovens,
responsabilizando o uso das tecnologias pela queda na leitura de livros e o uso
dessas novas mídias como fonte da falta de concentração. No entanto, Barton
e Lee (2015) contestam essa ideia, pois essas opiniões não foram embasadas
em pesquisas e sim em observações superficiais. Isso tem gerado constantes

3 HYLAND, 2002; HERRING, 2002; GILTROW E STEIN, 2009.


4
Quando usamos o termo Web 2.0 estamos nos referindo a características particulares de
design dos sites, tais como conteúdo autogerado e interatividade, que tendem a ser mais
comuns nos meios de comunicação “mais novos”. (BARTON e LEE, 2015, p. 22).
visões antagônicas entre pesquisadores e os que não são estudiosos da
linguagem online.
Para os pesquisadores, a vida cotidiana é cercada de leitura e escrita, e
a compreensão dessa linguagem online se inicia com a noção de texto como
tema central no estudo dessas linguagens. Portanto é preciso esclarecer que
as noções de texto são usadas de maneiras distintas em diferentes disciplinas.
Ou seja, as expectativas originais dos criadores de uma tecnologia, nem
sempre vão de encontro com a necessidade de utilização de seus sujeitos,
como por exemplo, foi o caso do Facebook, inicialmente criado para que
estudantes universitários de Harvard interagissem em uma rede social, hoje
utilizada como plataforma de aprendizagem em muitas escolas.
Assim, na visão de Barton e Lee:
As virtualidades são socialmente construídas e mudam à medida que as
pessoas atuam sobre seu ambiente. As virtualidades afetam o que pode
ser feito facilmente e o que pode ser feito convencionalmente com um
recurso. (...) As virtualidades emergem o tempo todo, e novas
possibilidades são criadas pela criatividade humana. (BARTON e LEE,
2015, p. 45).

Essa visão aponta para uma percepção de linguagem que trabalha de


modos diferentes podendo ser comunicativos ou semióticos, também
chamados de multimodais. As práticas multimodais não são novas e já
aparecem há algum tempo em materiais impressos, como revistas, jornais,
anúncios, entre outros. No entanto, foi nas mídias digitais sociais que essa
multimodalidade ficou mais evidente. (BARTON e LEE, 2015).
Destacamos, por exemplo, o aplicativo Facebook que se estrutura em
torno de perfis de usuários, disponibilizando vários espaços de escrita como
forma de atualizações de status, chamados de posts, usadas com uma ampla
gama de funções discursivas, criando inúmeras formas de interação, gerando
novas formas de utilização para a linguagem seja ela verbal ou não-verbal. E
principalmente nos levam a refletir sobre as novas formas de letramento que
são abordados a partir dessas novas práticas de linguagem.
A mudança tecnológica está no centro da globalização, destacando a
linguagem online como um dos fatores de transformação da vida
contemporânea, política e social, impactando a linguagem e as práticas
comunicativas. No entanto, a palavra escrita ainda é central para toda a
interação e criação de conteúdo, mesmo com toda multimodalidade desses
espaços de escrita online. (BARTON e LEE, 2015).

2.3 Gêneros Multissemióticos

Os estudos sobre a cultura contemporânea têm mostrado que nossa


sociedade se tornou sobretudo visual. Historicamente, a análise do discurso
teve como foco a linguagem verbal nas modalidades oral e escrita, e
recentemente se buscou o gênero multissemiótico e suas multimodalidades
como objeto dos estudos linguísticos, abarcando os recursos que o compõem
nessa chamada sociedade da imagem. Sendo que nas novas propostas de
estudo desses gêneros é preciso integrar o material visual, sonoro e verbal
para compreensão das significações do texto. (MOZDZENSKI apud KRESS e
VAN LEEUWEN, 2001).
Se os gêneros possibilitam novas interações e significações, é
necessário que o professor promova práticas de linguagem que permitam uma
progressão no domínio dos gêneros trabalhados na escola. Para que a
linguagem aconteça por meio de uma visão semiótica e linguística situada
numa esfera de prática social.
Como sintetizado no diagrama a seguir:

Figura 1 – Elementos da teoria bakhtiniana sobre os gêneros discursivos


Fonte: ROJO (2013, p. 27)
Nesse diagrama, Rojo (2013) explica que as práticas de linguagens ou
enunciações são situações comunicativas contextualizadas e que são definidas
pelas esferas ou campos de circulação em que estão inseridas. Variando de
acordo com o tempo histórico e as culturas locais. Mas isso não acontece de
forma mecânica, pois a esfera social pode mudar a significação acrescentando
novos valores, a partir da visão de seus interlocutores. Essas práticas podem
ocorrer com o uso do computador como ferramenta de leitura, de escrita e de
pesquisa. Trazer os estudantes para o ambiente do ciberespaço, da
hipermodalidade e da hipermidialidade, faz com que eles compreendam de
forma mais clara esses textos, além de motivá-los e dar-lhes possibilidades de
desenvolver habilidades de forma mais contextualizada.
As mídias digitais trazem essa nova perspectiva, pois aceitam uma nova
gama de semioses, ao mostrar em seus discursos diferentes recursos
semióticos e diversas combinatórias possíveis para atingir uma nova finalidade
e novos temas que provocam mudanças nos gêneros discursivos e nos termos
de multimodalidade (ROJO, 2013), como vemos no novo diagrama:

Figura 2 – Elementos da teoria bakhtiniana sobre os gêneros discursivos revisitados


Fonte: ROJO (2013, p. 30)

Ao cotejar as figuras 1 e 2 podemos perceber que as esferas


comunicativas se valem de diferentes mídias, selecionando diferentes recursos
semióticos e diversas combinações para atingir sua finalidade, o que provoca
mudanças nos gêneros, tanto impressos como digitais. Portanto, a composição
na forma de circulação e no estilo dos enunciados das mídias e tecnologias são
selecionadas de acordo com as possibilidades multissemióticas. Não existe
uma grande mudança entre os dois diagramas, isso porque ambos se ancoram
na teoria bakhtiniana de gêneros discursivos, mas há uma articulação entre
suas semioses, visando à significação ao invés da fragmentação ou do
formalismo de outras propostas. (ROJO, 2013).
Segundo Dias (2012, p. 97), o trabalho desenvolvido com gêneros vem
destacar essas possibilidades, pois:
Os gêneros – transmitidos social e historicamente – são “estáveis”
porque não são criados a cada vez que um sujeito, se vê envolvido em
uma situação de interlocução e interação. Por outro lado, os gêneros
são definidos como “relativamente estáveis” porque os sujeitos da
interação, por meio de seus enunciados, os concretizam de forma
ímpar, contribuindo para sua contínua renovação e modificação.

A ideia de gênero como algo que sofre constantes modificações é


confirmada por Dionísio (2011), quando argumenta sobre o fato de que os
gêneros textuais orais e escritos e as ações sociais são fenômenos
multimodais. Atualmente essa interação ocorre pela proximidade entre o
discurso e as inovações tecnológicas ao criar novas formas para leitor e texto
interagirem, porque ao utilizarmos a linguagem realizamos ações individuais e
sociais que se solidificam por meio dos gêneros, em diferentes níveis de
representação. Mas é importante ressaltar que essa representação não
abrange somente a junção de palavras e imagens num texto e sim uma
aprendizagem multimodal cognitiva que se baseia em alguns princípios
apontados por Dionísio apud Mayer (2011).
De forma resumida, segundo a pesquisadora, estudantes aprendem com
mais facilidade quando podem relacionar o texto visual e escrito
simultaneamente, buscando um conhecimento que gera complexidade
gradativa, de acordo com suas especificidades. Por isso a interação desses
estudantes precisa estar particularmente configurada a nova realidade escolar
brasileira, ampliando as práticas de letramento, com novas semioses e mídias
que circulam em textos relacionados ao mundo digital.
3. METODOLOGIA DA PESQUISA

O projeto de intervenção pedagógica analisado neste artigo se pauta na


abordagem da pesquisa qualitativa-interpretativista. Minayo (2013, p. 16)
entende a pesquisa como:
Atividade básica da ciência na sua indagação e construção da
realidade. É a pesquisa que alimenta a atividade de ensino e a atualiza
frente a realidade do mundo. Portanto, embora seja uma prática teórica,
a pesquisa vincula pensamento e ação. Ou seja, nada pode ser
intelectualmente um problema se não tiver sido, em primeiro lugar, um
problema da vida prática. (grifo da autora)

Um dos materiais de pesquisa desse projeto, foi a imagem, encontrada


nas mídias digitais por meio de textos multissemióticos como: fotografias, posts
e memes5. De acordo com Loizos (2015), as imagens têm em sua
manipulação, mesmo que de forma mais sutil e oculta, uma visão ideológica
nem sempre percebida por todos em sua plenitude. Além de tudo, a imagem
oferece um documento restrito, mas importante das ações temporais e dos
acontecimentos reais, não necessitando de palavras escritas para sua
compreensão. Por fim, a imagem tem influenciado de forma significativa os
meios de comunicação em que vivemos atualmente, exercendo papel
importante na vida social, política e econômica.
Outro ponto importante analisado foram os debates em sala de aula e
online, tendo como base de estudo os grupos criados para esse fim: grupos de
E-mail, Facebook e Whatsapp. Além disso, a produção e estudo dos gêneros
textuais propostos neste projeto de intervenção foram utilizados como material
de estudo para compreensão da formação de sentidos nas práticas de leitura e
escrita dos estudantes.
A pesquisa apesar de suas limitações é um instrumento valioso para os
processos de ensino aprendizagem, fornecendo provisoriamente, subsídios

5
O denominado Meme é um termo criado pelo escritor Richard Dawkins, em seu livro The
Selfish Gene (O Gene Egoísta, lançado em 1976), cujo significado é um composto de
informações que podem se multiplicar entre os cérebros ou em determinados locais como,
livros. A síntese de seu livro é sobre o meme, considerado uma evolução cultural, capaz de se
propagar. O Meme pode ser considerado uma ideia, um conceito, sons ou qualquer outra
informação que possa ser transmitida rapidamente. Em referência ao campo da informática, a
expressão Memes de Internet é utilizada para caracterizar uma ideia ou conceito, que se
difundi através da web rapidamente. Disponível em:
http://www.infoescola.com/comunicacao/memes/. Acessado em: 06 jun 2016.
para a tomada de decisões de problemas que envolvem o sistema educacional.
(ENGEL, 2000).

4. RELATO DE EXPERIÊNCIAS

O projeto de intervenção pedagógica, que servirá como base para o


estudo desse artigo aconteceu de forma prática com o desenvolvimento da
Produção Didática, produzida no formato Caderno Pedagógico apresentando
um conjunto de atividades que envolveram práticas de leitura e de escrita de
textos multissemióticos com vistas a potencializar letramentos críticos aos
estudantes de 9º. Ano, do Colégio Estadual Elias Abrahão, no município de
Quatro Barras.
Essa produção foi composta por 6 unidades, totalizando 54 aulas. Cada
unidade apresentava os objetivos a serem alcançados durante o
desdobramento das atividades planejadas. Sendo que estas aconteceram
durante os meses de fevereiro a maio de 2017.
No primeiro dia o projeto foi apresentado aos professores da escola,
bem como as concepções que envolviam a prática pedagógica e os
desdobramentos desta prática. Os docentes apoiaram e perceberam a
importância do projeto, por meio de elogios às ideias apresentadas e
destacando como as formas de multiletramento poderiam ser trabalhadas em
sala de aula. Na sequência veio o primeiro dia de aula e o projeto PDE foi
apresentado aos alunos, de forma oral, pois o projetor não funcionou. Os
alunos entenderam as ideias apresentadas e se mostraram bastante
motivados. Alguns demonstraram receio em relação a seriedade dos colegas
com o trabalho, devido ao uso das mídias sociais. Mas perceberam que haveria
monitoramento em relação as atividades, criando uma visão mais ampla de
seus horizontes de expectativas.
Nas aulas que se seguiram ouvimos a música “Pela internet” de Gilberto
Gil6, e os estudantes pesquisaram as expressões desconhecidas de seu
vocabulário. A atividade teve como objetivo analisar o conhecimento prévio dos

6
Disponível em: https://www.vagalume.com.br/gilberto-gil/pela-internet.html
alunos sobre os termos relacionados as mídias digitais sociais, presentes na
canção. Tivemos alguns problemas devido ao mau funcionamento da internet,
pois os estudantes deveriam fazer uso de seus celulares, o que não foi
possível naquele moemnto. O problema foi resolvido com a transferência
destes para o laboratório de informática para continuação da pesquisa. Muitos
computadores não estavam funcionando e tivemos que adaptar a atividade
reunindo grupos.
Durante mais quatro aulas continuamos o estudo do vocabulário e das
significações da canção de Gilberto Gil. Os alunos demonstraram um pouco de
dificuldade em compreender o que foi solicitado. A maioria buscou as
informações básicas, sem se aprofundar mais na compreensão do texto.
Criamos um debate sobre as inferências, intertextualidade e intencionalidade
da canção e os estudantes demostraram pouco conhecimento sobre os termos
técnicos utilizados na internet e dificuldade em interpretar as inferências e
subjetividades do texto. Houve pouca participação no debate. Depois da
discussão inicial na aula anterior, os alunos participaram mais ativamente das
discussões que se seguiram, demonstrando que se faz necessário o incentivo
do professor nessas práticas para que os estudantes coloquem suas visões de
mundo de forma coletiva e crítica, pois “A prática social é compatível com o
trabalho analítico necessário para a sistematização, domínio e controle dos
saberes, inclusive o conhecimento dos gêneros envolvidos nessa prática (...)”.
(ROJO. 2013, p. 35).
A próxima atividade implicou num trabalho de pesquisa sobre a história
da fotografia que embasou todo o estudo do projeto. A pesquisa teve como
foco principal as concepções e significações da fotografia ao longo da história.
Os alunos se organizaram em grupos e houve poucas dúvidas sobre a
organização e apresentação do trabalho. Iniciamos os debates e
compartilhamento de informações nos grupos do Facebook, Whatsapp e E-
mail. Concomitantemente com as pesquisas, outros temas foram debatidos nos
grupos de mídias sociais criados para esse fim. Uma das questões foi a
reforma do Ensino Médio e a diferença entre o sistema de ensino nas redes
públicas e particulares. Alguns alunos participaram com contribuições e
opiniões bem embasadas em sua visão de mundo e nos conhecimentos
adquiridos na escola e no seu cotidiano. Dando prosseguimento, fizemos o
primeiro debate em sala de aula sobre as postagens e comentários dos alunos
nos grupos de Whatsapp e Facebook. Muitos alunos participaram contribuindo
com suas opiniões e contrapondo os argumentos dos colegas. Fizeram
inferências entre o que já sabiam sobre o tema “Reforma do Ensino Médio” e
as ideias apresentadas nos grupos online. Alguns educandos conseguiram
relacionar o conhecimento adquirido até o momento, com a importância da
pesquisa, com outras disciplinas e seu cotidiano escolar e social. Para
Passarelli (2012, p. 185).
É preciso lembrar que apesar do o discurso se apresentar por meio de frases,
não se reduz a um amontoado de frases estanques. Discurso é linguagem em
interação, isto é, linguagem relacionada às suas condições de produção que
implicam: interlocutores, situação, contexto histórico-social.

A fase seguinte foi o início de um seminário sobre a história da


fotografia. Os primeiros grupos fizeram boas apresentações, mas percebemos
uma dificuldade dos alunos em relação aos conteúdos solicitados. Os mesmos
se mostraram despreparados para a escolha de materiais relevantes para a
apresentação. Muitas vezes trazendo temas com pouso embasamento teórico
e que dificultaram o entendimento dos colegas em relação ao que foi
apresentado. Este é um fato a ser repensado pelos docentes, que em
depoimentos, muitas vezes reproduzem essa mesma prática em suas aulas.
Dando continuidade ao seminário continuamos as apresentações.
Alguns estudantes tiveram dificuldades no trabalho em grupo, demonstrando
falta de comunicação e desconhecimento no uso das tecnologias e das redes
sociais. Percebe-se que alguns ainda não sabem fazer uso das redes sociais
para comunicação e apropriação de conhecimento. Fizeram pesquisas pouco
aprofundadas por não saber valorizar a importância e relevância dos temas
versados.
Enquanto as apresentações aconteciam em sala de aula, os debates on-
line no Whatsapp se tornaram cada vez mais interessantes e enriquecedores.
Figura 3 - Debate online sobre as mudanças no Ensino Médio, tendo como base a charge

Figura 4 – Debates online sobre as mudanças no Ensino Médio e suas relações com as
manifestações de estudantes

Nas figuras 3 e 4, os estudantes analisaram uma charge que


caracterizava a influência das mudanças no Ensino Médio e sua comparação
entre escolas particulares e públicas. Nesse momento expuseram suas
opiniões pessoais sobre o tema e debateram com outros colegas
Os estudantes começaram a sugerir temas de seu interesse, sempre
relacionados a questões sociais. A participação nos debates aumentou. No
entanto alguns alunos tiveram dificuldade de relacionar e compreender os
temas apresentados por falta de conhecimento para fazer as devidas
inferências. Neste momento percebeu-se a necessidade do letramento na
escola. Alguns ainda não sabem como colocar suas ideias sem fugir do tema
proposto e relacionando-o a outros temas.
O debate regrado em sala de aula, foi também uma outra atividade
proposta no Caderno Pedagógico, tendo como base as discussões sugeridas
pelos estudantes, uma delas foi a igualdade de gênero na escola. O debate
iniciou-se com um vídeo de Leandro Karnal7, discutindo questões sobre a
“Cultura do estupro” no Brasil e a necessidade de se discutir igualdade de
gênero na escola. Alguns alunos demonstraram desconhecer o tema em sua
amplitude, descaracterizando o assunto e limitando sua importância, pois
achavam que questões de gênero estavam relacionadas apenas a
homossexualidade. Após esclarecimentos, os alunos perceberam a importância
do tema e foram trabalhadas habilidades relacionadas a argumentação. Muitos
alunos durante a continuação desta atividade tiveram possibilidade de
argumentar de forma embasada e convicta. Outros fugiram do tema
demonstrando dificuldades em se expressar na oralidade e na defesa de seus
próprios argumentos, tornando-se repetitivos e evasivos. Nas aulas seguintes
aconteceram outros debates que complementaram os debates iniciais sobre
educação, igualdade de gênero, valores e convívio familiar, com vistas a
compreender essas relações com o cotidiano escolar e a sociedade.
“Diferentes modos de aprender e de se relacionar com o conhecimento têm
surgido a partir das redes sociais e das comunidades de prática. Com elas,
emerge a necessidade de novos letramentos e de outras formas de construção
de conhecimento “. (GOMES, 2016, p. 87)
Após os debates seguimos para a próxima atividade que tematizava a
análise de charges, memes e foto-legendas. Sempre relacionando esses textos
multissemióticos à todas as atividades anteriores, por meio de pesquisas que
buscaram referenciar a produção dessas multissemioses. As inferências
relacionadas a notícias políticas não foram reconhecidas pelos alunos,
revelando que eles se interessam muito pouco por esses temas.

7
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=fjgh_t12nV0
Iniciamos a produção de fotos para exposição final, em nossa primeira
aula de campo. O trabalho foi desenvolvido no entorno da escola, na
comunidade onde os estudantes estão inseridos. Caminhamos e produzimos
as fotografias com o uso de celulares e de acordo com o que mais chamava a
atenção dos estudantes. Cada um pode explorar seu olhar e suas percepções
sobre o que observava. Os alunos demonstraram bastante interesse na
atividade, porém percebeu-se que eles tinham pouco conhecimento técnico ou
artístico sobre a imagem e sua representação. Alguns estudantes conseguiram
fazer inferências com a pesquisa inicial sobre a história da fotografia e outras
análises multissemióticas.
Nas aulas que se seguiram os alunos iniciaram a produção de memes e
foto-legendas. Não foi necessário trabalhar as características dos memes com
os estudantes, pois a partir da análise de conhecimentos prévios, percebemos
que eles dominavam o conteúdo. Houve uma troca de informações entre os
próprios estudantes, em relação as tecnologias utilizadas para produção
desses dois gêneros. As mídias sociais serviram de apoio e de referência para
o trabalho. Os estudantes se mostraram criativos e empenhados em fazer um
trabalho bem embasado e que pudesse ser partilhado entre os colegas e a
comunidade escolar.

Figura 4 Figura 5
Figura 6

Nas figuras 4, 5 e 6, podemos observar que os estudantes


demonstraram conhecimento prévio e fizeram as inferências mais facilmente,
pois relacionaram as questões popularmente conhecidas nas mídias sociais
com seu cotidiano. Reconheceram as características do gênero meme e sua
forma de linguagem crítica e subjetiva. Relacionando as multissemioses que
envolvem esse gênero: linguagem verbal e não verbal, imagem, ideias
implícitas, humor, clichês e estereótipos presentes nas mídias sociais.
Iniciamos então, os estudos sobre conto contemporâneo, conto
fantástico e microcontos, suas características, estrutura linguística e sequência
textual. Foram repassadas informações em sala de aula sobre o tema para que
os alunos compreendessem como esse gênero está relacionado ao nosso
cotidiano e como a análise crítica de imagens será usada com vistas a
produção escrita desses gêneros. O primeiro texto a ser analisado foi um conto
de Dalton Trevisan, “Uma vela para Dario”8. Os estudantes demonstração
reações de afetividade em relação ao tema do texto. A análise foi feita de forma
coletiva. E na sequência os estudantes fizeram suas análises em duplas, com
um conto de Machado de Assis, “A Cartomante”9. Observando a
intencionalidade, intertextualidade e inferências com a realidade cotidiana.
Durante a explicação sobre as características do microconto os estudantes
ficaram fascinados com a estrutura, a linguagem figurada e o contexto de

8
Disponível em: http://novaescola.org.br/fundamental-2/vela-dario-634329.shtml
9
Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000257.pdf
produção das obras. Na sequência a explanação com a leitura de uma
reportagem sobre a comparação entre o Twitter e a produção de microcontos:
“Microcontos na era do Twitter”10. Em seguida os estudantes tiveram
oportunidade de apresentar suas próprias análises sobre os microcontos.
Houve debate com os colegas sobre suas impressões em relação aos textos
apresentados. Alguns alunos tiveram dificuldade em fazer as inferências, por
falta de um repertório de conhecimentos prévios. Percebeu-se um horizonte de
expectativas bastante restrito em relação aos textos literários e a
intertextualidade. Depois disso houve a análise do conto fantástico “A morta” de
Guy de Maupassant11. Os estudantes demonstraram facilidade na
compreensão das características do conto fantástico. O tema chamou muito
atenção por ser um suspense com interpretação bastante ambígua.
A partir desses estudos os alunos criaram seus contos e microcontos.
No começo alguns alunos tiveram dificuldades em relacionar as histórias com
as imagens retratadas nas fotografias produzidas na aula de campo. Mas na
sequência perceberam que o conhecimento adquirido até o momento podia
contribuir para a produção escrita. Assim o aprendizado foi sendo construído.

Figura 7 – Imagem produzida durante a aula de campo

10
Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/educacao/carta-fundamental-
arquivo/microcontos-na-era-dotwitter
11
(MAUPASSANT, Guy de. Contos fantásticos: O Horla & outras histórias. José Thomaz Brum.
Porto Alegre: L & PM, 1999. p. 121-127)
Figura 8 – Microconto produzido a partir da leitura da figura 7

Nas figuras 7 e 8 notamos a produção de multissemioses coexiste entre


imagem e texto. Nesse trabalho os estudantes demostraram reconhecer as
características do gênero microconto, sua característica sintética e sua
subjetividade.
“O compartilhamento de informações, o falar de si, o desejo de
visibilidade e a disponibilidade de sons, imagens e vídeos, dentre outras
razões, propiciaram novos usos da escrita nas quais, muitas vezes a imagem
passa a ter função central na construção de sentidos”. (GOMES. 2016, p.86).
Notamos que os estudos realizados durante o projeto foram inseridos
nas práticas de leitura e escrita desses estudantes.
Outro exemplo disso é a produção dos contos. No conto, “A casa 16”. o
dialogismo entre imagem e a produção escrita ficam bem aparente.

A casa 16

Por Taiana e Emily

Há alguns meses atrás começaram uma obra em frente a minha casa.


De início achei que fosse um prédio. Mas para que construir um prédio nesse fim de
mundo?
Quando a obra acabou vi que minha previsão estava errada, não era um
prédio, era uma casa, um casarão. Muito bonito, com um vasto terreno.
Todos os dias eu passava em frente à casa laranjada, e via pessoas junto a um
homem de terno e gravata, entrando e saindo, mas ninguém comprava a casa, e eu
ficava me perguntando o porquê. A casa era muito bonita, mas ninguém fechava
nenhuma proposta.
Até que um dia estava passando novamente como de costume em frente à
casa, e vi o homem de novo, mas ele não estava sozinho. Havia com ele um casal.
Logo julguei que não iriam comprar a casa, como as outras pessoas, que vinham,
entravam, saiam e, não compravam. Alguns dias depois o casal voltou, mas dessa vez
com duas crianças e um caminhão de mudanças. Acho que ganhei novos vizinhos!
Três meses depois, o casal foi embora depressa, não sei o porquê, só sei que
estavam com muita pressa para ir embora, praticamente jogavam as malas e móveis
no caminhão. Entraram no carro e foram embora.
A casa ficou desocupada por alguns anos. Até que novamente apareceu um
novo morador que não foi embora por conta dos boatos de que a casa era mal-
assombrada, como a outra família. Não ficou nem três meses.
Um dia parecendo estar apavorado entrava e saia da casa, com malas para
serem colocadas dentro do carro. Eu via tudo da varanda de casa, e corri até ele antes
que fosse embora e perguntei:
- O que tem de errado com a casa?
Ele demorou a me responder, estava muito nervoso, somente olhou para a
casa e depois para mim e disse:
- Nunca entre nesta casa!
Entrou no carro rapidamente e foi embora. Quando me virei para olhar a casa,
havia uma mulher, muito pálida colocando um cartaz na porta. Ela nem precisou abrir
a porta para entrar, passou entre ela e desapareceu como um vulto. O cartaz dizia:
ESTA CASA NÃO ESTÀ A VENDA!
Até hoje não sei se era um fantasma ou minha imaginação, só sei que nunca
irei entrar naquela casa.

Figura 8 – Imagem produzida durante a aula de campo

Nesse escrito observamos que o texto foi construído por meio de uma
leitura da figura 8. A história foi construída com base na imagem e nos
possíveis sentidos que ela representava. Isso mostra que o texto seja ele
verbal ou não verbal, tem relação direta com o interlocutor, que traz seu
conhecimento de mundo ressignificando aquilo que está posto e significado.
Pois para o produtor da fotografia os sentidos e simbolismos eram outros.
Nas atividades que se seguiram percebeu-se naturalidade no uso do
celular e seus aplicativos, no entanto houve dificuldade no uso do E-mail,
ferramenta usada para compartilhar os textos produzidos pelos estudantes, que
ao final desta atividade perceberam a necessidade dessas tecnologias na
busca do conhecimento e na reflexão dos sentidos promovidos em seu
aprendizado.
A atividade final foi a produção de uma exposição para toda a
comunidade escolar, com apoio da Equipe Pedagógica e Diretiva da escola,
contando ainda com visita do Núcleo Regional de Educação e a seleção do
trabalho para exibição na TV Paulo Freire. Neste momento os estudantes
puderam expor os trabalhos desenvolvidos durante toda a prática pedagógica,
abrangendo os textos multissemióticos como: memes e fotolegendas, suas
fotografias, seus contos e microcontos. Após o encerramento da exposição
cada estudante pode oralizar seu depoimento sobre todo o Projeto de
Intervenção Pedagógica, por meio da produção de áudio-visuais. Suas
impressões mostraram que:
A escola nos dias atuais, é desafiada a compreender o mundo complexo e
caótico das relações humanas no trabalho e na educação e se reinventar,
para continuar mantendo sua importância, que vai além da acreditação e
da distribuição de diplomas”. (GOMES, 2016, p.89).

Apesar das dificuldades que foram encontradas durante a aplicação


deste Projeto, em relação principalmente, ao uso das tecnologias, os
estudantes se sentiram muito motivados e compreenderam as muitas formas
de reinventar o conhecimento, de socializá-lo e ressignificá-lo. Este trabalho
trouxe um novo olhar para as práticas de leitura e escrita e enfatizou a
importância dos multiletramentos na escola. A finalização do trabalho pode ser
encontrada do Blog do Colégio: Mundo do Elias.com12.

4.1 Socialização do projeto com os docentes

A disseminação do Projeto de Intervenção Pedagógica e da Produção


Didática, para os docentes da Rede Estadual de Ensino, aconteceu por meio
de um curso on-line denominado Grupo de Trabalho em Rede (GTR), nos
meses de abril a maio de 2017, no qual professores e professoras da área de
Língua Portuguesa e outras áreas afins, puderam analisar, debater e por em
práticas as atividades propostas.
Durante os debates os docentes destacaram como a revolução digital
nos obrigou a estar inseridos num ambiente de tecnologia, que segundo os
professores e professoras é dominado por nossos estudantes, os quais se
tornaram seres questionadores em relação ao que tem sito ensinado nas
escolas atuais. Outro ponto importante é o fato de que esse poderia ser um dos
motivos do desinteresse pelo ensino tradicional na Educação Básica. Alguns

12
Disponível em: http://eliasabrahao.blogspot.com
pontos importantes foram destacados, como a ideia de poder articular a teoria
e a prática em sala de aula, criando um dialogismo entre aquilo que se ensina e
a multipluralidade de metodologias propostas por novas formas de
conhecimento.
Alguns docentes se mostraram desconfortáveis com o uso da tecnologia,
devido ao acesso restrito de alguns estabelecimentos e com a pouca formação
ofertada nessa área, por parte da Secretaria Estadual de Educação. Sendo que
muitos destes profissionais desconhecem o uso das mídias digitais sociais
como um possível método de ensino. Apesar disso destacam a importância de
sua utilização como forma de estudo dos textos multissemióticos tão presentes
em nosso cotidiano.
Os professores e professoras participantes do GTR destacaram a
significância deste projeto para as práticas de leitura e escrita da Educação
Básica, por apontar métodos, sugerir possibilidades e propiciar uma nova visão
sobre o sistema educacional, colocando em discussão a necessidade de
mudanças e aprimoramento nesse sistema. Se faz necessário epensar as
práticas diárias e indicar como as novas tecnologias de comunicação e
informação podem ajudar nossos estudantes e docentes a rever o
conhecimento adquirido de forma mais protagonista e crítica.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A fundamentação teórica deste projeto foi baseada em leituras de


diversas obras e de vários pesquisadores que ofereceram contribuição e
reflexões a respeito da importância dos multiletramentos e do trabalho com
multissemioses, auxiliando na formação de cidadãos que sejam capazes de
agir, posicionando-se de maneira criativa e crítica, tendo autonomia de fazer as
escolhas que conduzirão as suas ações no cotidiano.
Durante as atividades, percebeu-se que essa articulação contribuiu para
despertar nos discentes o interesse, a motivação, o envolvimento e o prazer ao
realizar as atividades e reflexões propostas. Verificou-se que houve poucas
dificuldades quanto à realização das atividades práticas, observando-se um
grande envolvimento por parte dos estudantes em relação ao domínio das
mídias digitais sociais e ao uso das tecnologias, pois eles demonstraram
conhecimentos básicos dos recursos pela relação direta com seu cotidiano.
Todas as atividades sugeridas foram realizadas e os resultados obtidos durante
a implementação foram muito positivos, atendendo às expectativas previstas.
Acreditamos que o docente deve ser também um pesquisador e que
este deve sempre estar atento à novas metodologias e tecnologias para que
em seu trabalho possa utilizar-se de novas formas para melhorar a qualidade
do processo de ensino/aprendizagem, para isso faz-se necessário instigar a
curiosidade do estudante e orientando-lo a ser protagonista de seu
conhecimento, por meio das novas tecnologias que continuarão a surgir e que
precisam estar presentes no cotidiano da escola.

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