Didática

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Esta obra discute como a didática pode contribuir para os processos de ensino

Didática
e aprendizagem, levantando reflexões sobre a não neutralidade do fazer educativo.
O campo de estudo da didática propicia a reflexão sobre concepções e práticas
realizadas nas escolas e possibilita rever e superar encaminhamentos que não
contribuem com o sucesso dos alunos.
Nesse viés, esta obra permite ao futuro professor analisar as práticas pedagógicas Regiane Laura Loureiro
e propor planejamentos e estratégias que corroborem com a visão de sujeito que se

Didática
deseja formar: cidadãos reflexivos, críticos e autônomos.
Com base em uma pedagogia crítica, de processos de ensino que garantam o
direito à aprendizagem, são propostos, além dos métodos de ensino e de estratégias
a serem utilizadas pelos docentes, encaminhamentos didático-pedagógicos que
consideram cada um dos estudantes em sua integralidade.

Regiane Laura Loureiro

Código Logístico Fundação Biblioteca Nacional


www.iesde.com.br ISBN 978-85-387-6411-3

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58083 9 788538 764113
Didática

Regiane Laura Loureiro

IESDE BRASIL S/A


2019
© 2019 – IESDE BRASIL S/A.
É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor
dos direitos autorais.
Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: BongkarnThanyakij/iStockphoto

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
L931d Loureiro, Regiane Laura
Didática / Regiane Laura Loureiro. - 1. ed. - Curitiba [PR] :
IESDE Brasil, 2019.
114 p.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-6411-3

1. Planejamento educacional. 2. Prática de ensino. I. Título.


CDD: 370.71
19-57050
CDU: 37.02

Todos os direitos reservados.

IESDE BRASIL S/A.


Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200
Batel – Curitiba – PR
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Regiane Laura Loureiro
Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Pela mesma
instituição, é especialista em Organização do Trabalho Pedagógico e graduada em Pedagogia.
Possui experiência como professora na educação infantil, no ensino fundamental e no ensino
médio, e como pedagoga em escolas que ofertam educação básica. Atua na formação continuada
de professores e pedagogos em cursos, palestras e na elaboração de materiais que os subsidiem
na melhoria dos processos pedagógicos.
Sumário

Apresentação 7

1 A sociedade, a escola e a didática  9


1.1 O que é didática?  9
1.2 Reflexões sobre a didática no Brasil  12
1.3 Contextos histórico-culturais e a didática  16

2 Tendências pedagógicas e a construção do conhecimento  23


2.1 Tendências pedagógicas e concepções de ensino e aprendizagem  23
2.2 Relação entre professor e estudante nas tendências pedagógicas
progressistas 31
2.3 Função do pedagogo nas tendências pedagógicas progressistas  34

3 Planejar para quem?  41


3.1 O sujeito da aprendizagem  41
3.2 Os desafios na construção do conhecimento  45
3.3 O papel do professor na gestão de sala de aula  48

4 Avaliação da aprendizagem: possibilidades de reorganização do


planejamento 53
4.1 Avaliação e planejamento ou planejamento e avaliação?  53
4.2 Planejando a avaliação  56
4.3 Reflexões sobre processos avaliativos  58

5 Projeto Político Pedagógico e os processos de ensino e de


aprendizagem 63
5.1 Concepções do PPP e práticas pedagógicas  63
5.2 A consolidação das aprendizagens e o PPP  66
5.3 O PPP e os desafios da BNCC  69
6 Elementos constitutivos do planejamento  77
6.1 Planejamento educacional e suas interfaces com a aprendizagem  77
6.2 Construindo planejamentos eficazes  79
6.3 Planejamento de ensino, plano de aula e a BNCC  81

7 Reflexões sobre métodos de ensino  89


7.1 Uma conversa sobre metodologias de ensino  89
7.2 A ludicidade no planejamento do professor  97
7.3 Trilhando caminhos para a consolidação das aprendizagens  99

Gabarito 105
Apresentação

Esta obra discute como a didática pode contribuir para os processos de ensino e
aprendizagem, levantando reflexões sobre a não neutralidade do fazer educativo. O campo de
estudo da didática vai além dos métodos de ensino e de estratégias utilizadas pelos docentes,
propicia a reflexão de concepções e práticas realizadas nas escolas e possibilita rever e superar
encaminhamentos que não contribuem com o sucesso dos alunos.

Nesse viés, no primeiro capítulo discorremos sobre o conceito do termo didática e


suas implicações no contexto escolar, diferenciando a didática instrumental da reflexiva.
Tais esclarecimentos permitem ao futuro professor analisar as práticas pedagógicas e propor
planejamentos e estratégias que corroborem com a visão de sujeito que se deseja formar.

A didática não apenas prepara o professor para atuar em sala de aula, ela também lhe
possibilita inter-relacionar suas ações à visão de sujeito, de homem, de aprendizagem, de ensino e
de sociedade que se deseja, buscando coerência entre concepções e processos de ensino.

No segundo capítulo, tratamos das tendências pedagógicas ou teorias do ensino, além das
concepções de ensino e de aprendizagem. Autores que defendem uma visão emancipatória e
reflexiva sobre os processos educativos serão nosso fundamento.

O terceiro capítulo propõe reflexões sobre a importância da elaboração de planejamentos,


de modo a consolidar a função social da escola: o direito à aprendizagem. Nesse sentido, o
professor deve ajustar seu planejamento às necessidades de seus alunos, propondo atividades
diversificadas e diferenciadas, buscando atingir as diferentes formas de aprender e os ritmos
de aprendizagem de cada estudante.

Diante da importância de aprimorar continuamente os processos de ensino com base em


encaminhamentos metodológicos que venham ao encontro dos objetivos educacionais de formar
sujeitos reflexivos, autônomos e críticos, são propostas, no capítulo quatro, discussões sobre a
necessidade de consolidar ações avaliativas que conduzam a esses objetivos. Assim, a avaliação
deve ser formativa, processual e diagnóstica, para que o replanejamento, tendo em vista o direito à
aprendizagem, se efetive.

No capítulo cinco, tratamos da necessidade de o professor remeter-se às concepções


dispostas no documento da escola para fundamentar suas ações. Refletimos sobre a importância
da utilização desse documento como instrumento teórico-prático, propondo a superação da
concepção do Projeto Político Pedagógico (PPP) de gaveta. Consecutivamente, no capítulo seis
analisamos a correção entre o planejamento de ensino e o plano de aula, que devem estar em
harmonia com as concepções dispostas no PPP.
8 Didática

No último capítulo, abordamos a necessidade de os professores reconhecerem as tendências


pedagógicas e seus pressupostos, a fim de que suas metodologias estejam de acordo com os objetivos
de aprendizagem e de que haja sempre encaminhamentos lúdicos.

Com base em uma pedagogia crítica, de processos de ensino que corroboram com a garantia
do direito à aprendizagem, nesta obra são trazidos encaminhamentos didático-pedagógicos que
consideram cada um dos estudantes em sua integralidade.

Bons estudos!
1
A sociedade, a escola e a didática

Neste capítulo, situaremos a didática para além dos métodos e das técnicas de ensino,
refletindo sobre a visão difundida no senso comum, que entende que, por exemplo, determinado
professor não tem didática, ou ainda que aquela professora tinha um jeito diferente de passar o
conteúdo, de modo que todos aprendiam.
Para ampliar e aprofundar o assunto, discutiremos o que é, afinal, a didática, contextuali-
zando-a como uma área da pedagogia com objeto de estudo próprio: os processos de ensino.
Enfatizaremos a não neutralidade desse fazer pedagógico, trazendo um histórico da construção
desse campo de estudo, relacionando-o à visão de sociedade, de homem, de sujeito, de escola e de
ensino e aprendizagem de acordo com o contexto político, econômico e social da época.
Para isso, além de destacarmos alguns fatos históricos da sociedade brasileira, traremos
pensadores com seus ideários para discutirmos como o campo da didática foi se construindo e
influenciando os processos de ensino no Brasil.
Com a finalidade de realizar uma síntese dessas reflexões, trataremos da importância
de o professor realizar questionamentos sobre a sua própria prática, pois estes contribuem
para a compreensão da não neutralidade do fazer pedagógico. As perguntas, fundamentadas
em Libâneo (2002), permitem ao docente o entendimento da necessidade de se realizar
encaminhamentos pedagógicos que contribuam para a construção de uma escola e de uma
sociedade efetivamente democráticas.
Assim, neste capítulo buscaremos responder às seguintes questões: o que ensinar? Para que
ensinar? Quem ensina? Para quem se ensina? Como ensinar? Sob que condições se ensina?

1.1 O que é didática?


Guardamos na memória, desde o início de nossa escolaridade, a lembrança de diversos
professores que passaram por nossas vidas. Podemos nos lembrar de situações que nos fazem
afirmar, por exemplo, que “aquela professora era muito boa, ela tinha um jeito especial de passar o
conteúdo” ou “aquele professor sabia o conteúdo, mas não sabia ensinar”.
Esses comentários tão comuns são remetidos à didática, que, embora tenha como objeto
de estudo os processos de ensino, metodologias e técnicas de transmissão dos conteúdos,
não está isolada das concepções de estudante, escola, sociedade e sujeito que se deseja formar.
Dessa maneira, não há didática sem objetivos educacionais mais amplos, pois, se há ensino, ele
ocorre em determinado contexto sociopolítico.
De acordo com Libâneo (2006), a didática não é uma atividade restrita à sala de aula, ela
tem por intuito investigar os objetivos, os métodos, os conteúdos e os contextos dessas formas
de ensinar, considerando as intencionalidades educacionais, ou seja, não há neutralidade no
10 Didática

campo da didática. Portanto, essa área proporciona ao professor conhecimentos teóricos e práticos
que o incentivam a não utilizar métodos e técnicas sem intenção, pois a didática diz respeito às
intervenções pedagógicas do professor realizadas de modo a considerar qual sujeito se deseja
formar para a sociedade.
Nesse sentido, quando o professor se debruça sobre os conhecimentos da didática para
realizar seu planejamento e as mediações necessárias para que os estudantes aprendam, é necessário
que também se insira nos campos da história da educação, da filosofia, da psicologia educacional
e da sociologia, entre outros saberes da pedagogia e de outras ciências, como economia, direito e
biologia. A Figura 1 ilustra isso.
Figura 1 – Didática e outras disciplinas da área da pedagogia

Currículo e
Planejamento

Sociologia Didática
Educacional

Pedagogia
História da Psicologia
Educação Educacional

Filosofia Biologia
Educacional Educacional

Fonte: Elaborada pela autora com base em Libâneo, 2006.

Só assim, fundamentando-se em diversos campos do conhecimento, o professor terá um


arcabouço teórico para questionar os rumos educacionais, o porquê de utilizar um encaminhamento
metodológico em sala de aula em detrimento de outro, como trabalhar determinado conteúdo,
considerando a fase do desenvolvimento dos estudantes e as marcas que serão deixadas na vida
deles ao terem acesso a determinadas formas de ensinar.
Quando o professor considera esses saberes e busca na didática elementos para organizar o
trabalho pedagógico, ele tem condições de se autoavaliar, de analisar os motivos da consolidação ou
não das aprendizagens, de refletir sobre a organização de suas aulas, sua relação com os estudantes,
suas formas de propor a organização dos grupos de alunos, se está atingindo os objetivos do
planejamento e do Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola. Isso porque a didática:
A sociedade, a escola e a didática 11

trata dos objetivos, condições e meios de realização do processo de ensino,


ligando meios pedagógico-didáticos a objetivos sociopolíticos. Não há técnica
pedagógica sem uma concepção de homem e de sociedade, como não há
concepção de homem e sociedade sem uma competência técnica para realizá-la
educacionalmente. (LIBÂNEO, 2002, p. 5)

Assim, as intervenções pedagógicas do professor se tornam mais conscientes, uma vez que
as mediações realizadas com os estudantes são feitas de modo a considerar quem são eles, quais
seus interesses, seus pontos de vista e seus contextos, levando em conta também de que forma
atingir esse público, o que deve ser ensinado e em quanto tempo será ensinado.
Como afirma Libâneo (2006), muitas pessoas acreditam que, para ser professor, basta a
pessoa “levar jeito” ou ter um dom, porém isso não é verídico, pois a formação profissional docente
requer estudo teórico e também muita prática, o que permite se articular com as exigências da
sociedade em formar sujeitos em sua dimensão cognitiva, mas também nos aspectos físico-motor,
social, emocional, artístico e espiritual.
Se desejamos formar cidadãos em sua integralidade, precisamos também formar professores
que busquem em si mesmos essa integralidade, relacionando teoria e prática em um movimento
dialético entre agir-refletir-agir. Nesse viés, a didática orienta os professores a agir com base
em situações concretas, na busca pela consolidação das aprendizagens de todos os estudantes
(LIBÂNEO, 2002).
Na didática voltada à formação para a cidadania e para as lutas democráticas, o docente busca
estratégias metodológicas que sejam coerentes com essa concepção. Nesse sentido, ao organizar o
trabalho pedagógico, lança mão de encaminhamentos que promovam a aprendizagem de todos
os estudantes, acompanhando o processo de construção do conhecimento de cada um deles. Para
aqueles que não atingiram os objetivos a serem consolidados no período planejado, o professor
retoma as suas estratégias, revê suas ações e organiza atividades desafiadoras considerando as
individualidades, a fim de que nenhum estudante seja excluído do seu direito de aprender.
A didática, portanto, tem um papel fundamental na luta contra o fracasso escolar, pois a
permanência do estudante e seu sucesso têm uma intrínseca relação com a forma como os objetivos
educacionais são delineados e com as concepções dispostas no PPP.

Exemplo:
No PPP de uma escola, verificou-se que havia uma concepção de
aprendizagem voltada à discriminação daqueles que tinham menor
poder aquisitivo. Ao ser observada tal situação, houve um retorno para
a escola sobre a inconstitucionalidade desse aspecto considerando que
isso afetava o direito de todos os estudantes. A escola precisou rever
o documento, no entanto, após algum tempo, verificaram-se casos de
estudantes que estavam sendo reprovados, mesmo tendo condições de
serem aprovados, com o discurso de que determinadas famílias não
eram merecedoras da aprovação.
12 Didática

As concepções direcionam os encaminhamentos metodológicos, a visão de homem,


sociedade, sujeito, cidadania, educação e da função social da escola. Nesse sentido, se escolhemos
ser professores, não podemos compactuar com injustiças de qualquer natureza. Assim, quando o
direito à aprendizagem é ferido de qualquer forma, precisamos nos posicionar e defendê-lo.
A escola tem uma função social a ser cumprida, que não cabe a nenhuma outra instituição.
É ela que possibilita o acesso aos conhecimentos socialmente elaborados pela humanidade, que,
segundo Saviani (2007), são os saberes científicos, históricos e culturais. Dessa forma, não se
justifica repassar a sua função à família ou a outra instituição. Somos os profissionais e precisamos
considerar que todos os alunos são capazes de aprender, independentemente de sua condição
econômica ou social.

1.2 Reflexões sobre a didática no Brasil


Quando falamos que, no ato de ensinar, o professor leve em conta o respeito aos sentimentos
da criança, valorize os interesses dos estudantes e que o trabalho pedagógico seja menos enfadonho
e haja acesso de todos à escola, talvez pareça que nos referimos a um dos pensadores mais
modernos da área da pedagogia. Entretanto, estamos nos referindo às ideias de Comenius (1592-
1670) surgidas ainda no século XVI.
Comenius foi um educador protestante que nasceu na Morávia (atual República Checa) e
em 1649 publicou seu mais famoso livro, A didática magna, no qual destacava o papel do professor
nos processos de ensino, bem como os métodos e as técnicas que levam à solidez do conhecimento.
Para o autor, era possível ensinar tudo a todos, e ele questionava o uso da simples memorização
dos conhecimentos (COMENIUS, 2001). Nessa concepção, a educação visa ao bem-estar do ser
humano e da sociedade.
Porém, mesmo hoje esse pensamento não é realidade em algumas escolas brasileiras, uma
vez que ainda há professores que reproduzem as formas tradicionais de ensino a que tiveram
acesso na época em que eram estudantes. Permanecem ensinando com base na cópia do livro
didático e na repetição, como se esse tipo de atividade levasse à aprendizagem, desconsiderando
muitas vezes o que é previsto no PPP da escola e até o seu próprio discurso de que se deseja
formar um estudante crítico, reflexivo e partícipe da vida em sociedade. Um questionamento
ecoa diante dessa postura: como formar cidadãos críticos mantendo uma postura conservadora
e silenciadora das vozes dos estudantes?
Muitas vezes, a prática pedagógica está mais próxima do que predominou no Brasil entre 1549
e 1789, época da Ratio studiorum ou plano de estudos, que era o método pedagógico dos jesuítas,
elaborado por Santo Inácio de Loyola em 1552, fundador da Companhia de Jesus. Essa companhia
tinha como função a evangelização e o desenvolvimento de regras para a vida, promovendo um
plano geral de ensino a ser utilizado nos colégios jesuíticos.
Os jesuítas foram os principais educadores do Brasil no período colonial, em uma sociedade
baseada na economia agrário-exportadora e explorada pela metrópole: Portugal. A tarefa
A sociedade, a escola e a didática 13

educacional era fundamentada na catequização dos indígenas, mas, segundo Veiga (2011), para a
elite colonial havia uma educação de outro tipo, voltada para o ensino geral e enciclopédico.
Na Ratio studiorum, as verificações avaliativas eram realizadas por provas escritas e orais, nas
quais os alunos deveriam demonstrar o que aprenderam (VEIGA, 2011). A metodologia explícita
no plano continha o trinômio: estudar, repetir e disputar.
Em 17591, o Marquês de Pombal (primeiro-ministro de Portugal de 1750 a 1777) expulsou
os jesuítas do Brasil, com o objetivo de abolir o domínio desses religiosos sobre os indígenas,
principalmente nas fronteiras do país (MACIEL; NETO, 2006).
Pombal pretendia que os indígenas libertos da escravidão e do domínio dos religiosos se
miscigenassem e fossem utilizados na mão de obra do Brasil Colônia. Com ideias iluministas,
o marquês estabeleceu, com base no Alvará de 28 de junho de 1759,
total destruição da organização da educação jesuítica e sua metodologia de
ensino, tanto no Brasil quanto em Portugal; instituição de aulas de gramática
latina, de grego e de retórica; criação do cargo de “diretor de estudos” –
pretendia-se que fosse um órgão administrativo de orientação e fiscalização do
ensino; introdução das aulas régias – aulas isoladas que substituíram o curso
secundário de humanidades criado pelos jesuítas; realização de concurso para
escolha de professores para ministrarem as aulas régias; aprovação e instituição
das aulas de comércio. (MACIEL; NETO, 2006, p. 470)

Assim, com ideias iluministas, que se difundiam por toda a Europa, o marquês acreditava que
a educação exigia um novo homem que poderia ser formado apenas por intermédio da educação.
E esta deveria ser laica, ou seja, livre dos pensamentos religiosos, tanto que instituiu professores
régios, que eram pagos com honorários vindos da Coroa portuguesa, ocorrendo pela primeira vez
uma educação custeada pelo Estado.
Quanto aos métodos utilizados, o marquês pretendia substituir aqueles tradicionais de
ensino, instituindo os que considerassem a formação desse novo homem que utilizava a razão para
resolver as questões do cotidiano. No entanto, conforme Maciel e Neto (2006), a reforma foi mais
no conteúdo do que no método, e continuavam as formas de ensinar por meio da memorização e
da repetição.
Em meados de 1870, suprime-se o ensino religioso confessional das escolas públicas do
Brasil, após a reforma de Benjamin Constant, sob a influência do positivismo2, definindo-se
assim a laicidade3 das escolas públicas. Segundo Zanatta (2005), essa reforma utilizava-se
do método intuitivo, inspirado em Pestalozzi (1746-1827). Esse educador, nascido na Suíça,
retomou os pressupostos defendidos por Rousseau (1712-1778), que tinham a educação como
processo, considerando que seria o contato da criança com o mundo o que despertaria suas
potencialidades naturais.

1 Nessa época, o Brasil ainda era colônia de Portugal.


2 Auguste Comte (1798-1857) é o principal nome do positivismo. Essa doutrina filosófica afasta a teologia
definitivamente do conhecimento científico. O único conhecimento verdadeiro seria o científico.
3 Diz respeito à imparcialidade do Estado em assuntos religiosos, sem apoiar ou discriminar qualquer crença religiosa.
14 Didática

Outra preocupação colocada por Pestalozzi em seu método era o de aprender fazendo,
pois era a atividade que levaria ao desenvolvimento das habilidades cognitivas e físicas. Para o
educador, era necessário o contato dos alunos com os objetos, precedendo o uso de figuras para
que ocorresse a aprendizagem.
Conforme Veiga (2011), o professor era o centro dos processos de ensino e de aprendizagem
e o responsável por transmitir o conhecimento enciclopédico aos estudantes.
Essa concepção de ensino tradicional seguia os passos delineados pelo educador alemão
Johann Friedrich Herbart (1776-1841), que entendia o estudante como uma tábula rasa e delegava
ao professor o governo, a instrução e a disciplina (VEIGA, 2011).
No governo, o professor agiria para controlar a agitação natural das crianças, formando-as
para o mundo adulto e possibilitando a instrução, esta é o foco da educação e é por meio dela que o
docente verifica qual é o interesse dos estudantes. Grande importância também é dada à disciplina,
que ensina os estudantes a permanecerem no caminho da virtude e da moral. É uma escola com
disciplina e métodos de ensino rígidos.
Para Herbart, o aluno é um ser passivo que apenas recebe as informações do professor.
A didática centra-se no intelecto e é fundamentada em regras lógicas, instrucionais. Ao estudante
cabe o silêncio e por meio da disciplina se mantém a atenção ao conteúdo transmitido (VEIGA, 2011).
De acordo com Marzari (2011), no final da década de 1930 a disciplina de didática começa a
ser ministrada em cursos de formação de professores, constituída, ainda, de métodos e técnicas de
ensino descolados de outras discussões sobre contextos históricos, políticos e econômicos, como
se houvesse neutralidade na ação pedagógica.
Entre 1930 e 1945, houve um cenário de mudanças no campo educacional brasileiro
decorrente da reorganização dos aspectos econômico e político do país. Após a Revolução de 1930,
liderada por Getúlio Vargas, que permaneceu no poder até 1954, é criado o Ministério da Educação
e da Saúde Pública e em 1931 é implantada a Reforma Francisco Campos.
É na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo que se tem
a didática como disciplina em cursos de graduação, cujo foco era a qualificação do ensino
(MARZARI 2011).
O discurso liberal escolanovista começa a chegar ao Brasil em meados de 1920, mas é em
1932, no Manifesto da Escola Nova, que esse movimento se consolida. Na Escola Nova, diferente
da escola tradicional, cujo foco era o professor, o centro é o estudante. Essa bandeira também foi
levantada pelo Manifesto dos Pioneiros, de Lourenço Filho, Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo
e outros.
Nesse manifesto, a educação científica é estabelecida como método, fundamentando-se em
Pestalozzi, Froebel, Dewey, entre outros educadores que defendiam a expansão do ensino público,
a laicidade e a valorização do estudante como centro do processo educativo.
Segundo Gadotti (1996), na Escola Nova a aprendizagem deveria ser ativa, pois assim a
criança aprenderia a aprender. Nessa pedagogia, a didática ocorre pela ação do estudante e não pela
instrução, como na escola tradicional.
A sociedade, a escola e a didática 15

Conforme Veiga (2011), a maior dificuldade da Escola Nova foi a não consideração da
realidade e da influência econômica, política e histórica nos processos educativos, pois para essa
pedagogia os problemas e as dificuldades da escola deveriam ser sanados por ela mesma, visto que
os desafios a serem enfrentados eram técnicos.
De 1945 a 1960, a economia brasileira passou por uma fase de aceleração advinda da
substituição das importações e da inserção do capital internacional no país. O modelo político
esteve fundamentado nos pressupostos democráticos e era crescente a participação da população
na sociedade. Mesmo nesse contexto, a didática perdeu espaço e foi introduzida a disciplina de
Prática de Ensino, que tinha uma concepção menos abrangente dos processos (VEIGA, 2011).
No período posterior a 1964, os rumos políticos do país se alteraram. Buscava-se a aceleração
do crescimento econômico e a educação tinha um papel fundamental nesse processo. Nesse viés, o
tecnicismo assumido pelo grupo militar e burocrático foi instaurado como concepção de trabalho
(VEIGA, 2011).
Assim, a pedagogia tecnicista via a didática sob a perspectiva ingênua de que os métodos
e as técnicas utilizados no contexto educacional eram neutros. Diante dessa concepção, o mais
importante eram os planos, os objetivos instrucionais. O professor era considerado um mero
executor do que já tinha sido previamente determinado.
Na década de 1980, instala-se a Nova República e com ela a ascensão do governo civil ao
poder, pondo fim ao governo militar. A luta pela democracia atinge todas as instâncias da sociedade,
inclusive a escola.
A partir da Constituição de 1988 e da LDB n. 9.394/1996, garante-se ao cidadão brasileiro o
direito não apenas à matrícula em uma escola, mas também a nela permanecer.
Nesse contexto, a didática contribui para que o professor se politize, não reproduza métodos
e técnicas em sala de aula desvinculados de contextos. Procura-se refletir sobre os contextos
histórico, político e culturais da sociedade, da comunidade educativa e dos estudantes, buscando
analisar as contradições de forma dialética, ou seja, a escola é influenciada pela sociedade, mas
também a influencia (SAVIANI, 2007).
Já a contemporaneidade, segundo Gadotti (2013), é marcada pelo projeto neoliberal, que
se consolida nacional e internacionalmente, ampliando a exclusão social e cultural. O centro da
política neoliberal é o mercado e a não interferência do Estado na economia, assim, abre-se mão de
um projeto social transformador para formar um sujeito para o mercado de trabalho.
A escola, nessa concepção, forma o homem com competências para se adequar ao mercado
e não para o trabalho. A didática, nesse contexto, não é reflexiva, mas reproduz métodos e técnicas
empresariais que visam à qualidade total e não à qualidade educacional dos processos de ensino e
de aprendizagem. De acordo com Veiga (2011), essa didática prepara para o fazer, para o executar,
e não para que o sujeito questione a ordem vigente.
Na atualidade, várias são as concepções e também vários os encaminhamentos que decorrem
dos modos de se conceber a educação, o sujeito, o estudante, os métodos de ensino e as formas de
aprender. Logo, a didática comprometida com a transformação social, segundo Candau (2012),
16 Didática

procura contextualizar o processo de ensino e de aprendizagem, explicitando pressupostos e a


visão de homem, sociedade e sujeito que se deseja formar.
Esse autor estabelece diferenças entre a didática instrumental, que tem como pressuposto as
pedagogias tradicionais, e a didática reflexiva, conforme demonstra o Quadro 1.
Quadro 1 – Diferenças entre a didática instrumental e a didática reflexiva

Didática instrumental Didática reflexiva

Professor Executor Mediador

Estudante Mão de obra futura Sujeito partícipe, cidadão.

O método considera o contexto histórico-cultural do sujeito.


Não há neutralidade. Utiliza o método ou a técnica tendo em
Método/técnica Pretensa neutralidade
vista a visão de estudante, de aprendizagem, de sociedade,
entre outros.

O professor contextualiza os saberes a que o estudante tem


Conteúdo Instrucional e tem utilidade
direito.

Garantia do direito à aprendizagem, não apenas do acesso


Escola Forma indivíduos competentes.
ao espaço escolar.
Fonte: Elaborado pela autora com base em Candau, 2012.

Assim, é de máxima importância que os professores estejam cientes do papel da didática


no processo de ensino e de aprendizagem e que a compreendam como elemento essencial na
construção de uma escola e de uma sociedade mais democráticas. Uma didática reflexiva permite
ao professor analisar sua prática pedagógica, fornecendo-lhe elementos para uma autoavaliação e
também para replanejamento de ensino, de aula, bem como possibilidades de buscar novos saberes
sobre a profissão docente.

1.3 Contextos histórico-culturais e a didática


Como vimos, o campo da didática não é neutro, mas permeado pelos avanços e pelas
contradições da sociedade. Nesse viés, desmistificar os pressupostos das ações educacionais
permite ao professor tomar consciência sobre seu trabalho, o que lhe respalda na (re)tomada das
suas decisões em prol do processo de ensino e de aprendizagem.
Assim, quando o docente toma consciência de que as suas decisões no contexto de sala de
aula não estão isoladas do contexto macro da sociedade, tem a possibilidade de planejar de maneira
que o conhecimento socialmente construído e sistematizado seja acessível a todos os estudantes.
Nessa perspectiva, segundo Libâneo (2002; 2006), a didática tem o grande valor de garantir
aos sujeitos da aprendizagem a consolidação e a apropriação do conhecimento. Não está, portanto,
isolada, mas inter-relacionada à visão de homem, de sociedade, de sujeito, de criança, de processo
de ensino e de aprendizagem.
Logo, se objetivamos formar um sujeito autônomo, reflexivo e participativo, os enca-
minhamentos metodológicos precisam coadunar com o sujeito que se deseja formar. O PPP da
escola deve ser o norte do professor, pois é nele que estão sistematizadas as concepções a serem
colocadas em prática nas diferentes ações pedagógicas no cotidiano da instituição.
A sociedade, a escola e a didática 17

Nesse contexto, o objeto de estudo da didática diz respeito à intencionalidade pedagógica


nos processos de ensino, podendo estar relacionado:
• a uma disciplina de formação que permite ao docente organizar seu trabalho pedagógico
em sala de aula, discutindo a intencionalidade do processo de ensino;
• ao estudo dos processos de ensino, abrangendo os métodos, as técnicas, as estratégias,
o conteúdo a ser ensinado, considerando quem é o sujeito da aprendizagem;
• aos contextos históricos, políticos e econômicos que trazem o pano de fundo para que
o professor, de forma crítica, reflita sobre a função social da escola, tendo em vista o
sujeito que se quer formar. A didática trará ao docente possibilidades de desvelar a não
neutralidade do ato educativo: as ações que realiza em sala de aula não estão desvinculadas
de um contexto maior;
• ao papel do professor na educação contemporânea, de mediador dos processos de
aprendizagem, uma vez que, se não houve aprendizagem, não houve ensino;
• a possibilitar ao docente condições técnicas de não apenas dominar o conteúdo a ser
ensinado, mas encontrar as melhores estratégias de ensinar os estudantes de forma que
eles aprendam. Como afirma Libâneo (2002, p. 12): “para saber História, não basta saber
História.”;
• “à didática como teoria e como processo de ensino” (LIBÂNEO, 2002, p. 19).

Libâneo (2002) sintetiza os propósitos da didática por meio de perguntas, as quais trazem
elementos para a compreensão do que essa disciplina significa para a formação do professor,
conforme exposto na Figura 2.
Figura 2 – Categorias do objeto de estudo da didática

Para que ensinar?

Sob que
condições se O que ensinar?
ensina?

Didática

Como ensinar? Quem ensina?

Para quem
se ensina?

Fonte: Elaborada pela autora com base em Libâneo, 2002.


18 Didática

Essas reflexões fornecem ao professor condições de contextualizar os processos de ensino,


dirimindo qualquer dúvida sobre a não neutralidade da ação pedagógica no ambiente educativo,
o que amplia a responsabilidade do fazer docente.

Exemplo:
O professor verifica que no PPP de sua escola a concepção de formação
humana busca a integralidade do sujeito. Nesse sentido, ao propor
atividades para o desenvolvimento da habilidade compreensão leitora,
referente à língua portuguesa, ele deve decidir de que forma organizará
em seu planejamento estratégias a fim de que o estudante realize leituras
não apenas fluentes, mas que vão além do texto lido. Para desenvolver
a habilidade, que é direito de aprendizagem do estudante, o professor
tem a possibilidade de não apenas utilizar os conteúdos referentes ao
componente curricular de Língua Portuguesa, mas de relacionar outros
saberes e outras leituras referentes a outras linguagens e outras áreas
do conhecimento.

Dessa forma, a didática proporciona ao docente uma leitura ampliada dos contextos de
aprendizagem, não limitando os processos de ensino a uma suposta neutralidade e ao uso de
métodos e técnicas. O que não quer dizer que o professor não lance mão de múltiplas estratégias
que contribuam para a consolidação da aprendizagem dos estudantes.

Considerações finais
Em síntese, o campo da didática é o ensino, porém, este não se resume a estratégias
metodológicas e técnicas isoladas de um contexto histórico, cultural e econômico.
Assim, quando o professor organiza seu planejamento de ensino e seu plano de aula (que
trataremos nos próximos capítulos) e escolhe os melhores caminhos para a consolidação dos
processos de aprendizagem, não está isolado das ideologias, dos conflitos, das tensões e dos
propósitos da sociedade em que está inserido.
Quando ciente de que seus encaminhamentos metodológicos podem coadunar ou não
na formação de sujeitos autônomos, críticos e partícipes da vida em sociedade, o professor tem
mais condições de escolher as melhores formas de ensinar os conteúdos aos quais os estudantes
têm direito.
Nesse sentido, não há neutralidade na ação do professor e no campo da didática,
considerando que a ação de ensinar se faz com algum propósito, pois a escola é lugar de planejar,
de aprender, de partilhar conhecimentos, de interagir, de questionar e de contribuir para a
formação de sujeitos integrais.
A sociedade, a escola e a didática 19

Ampliando seus conhecimentos


• LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 2006.

O autor situa a didática no contexto de outros conhecimentos pedagógicos a serem


adquiridos pelo pedagogo e traz excelentes reflexões sobre a diferenciação entre educação,
instrução e ensino. Destaque para as discussões sobre a importância da educação escolar,
uma vez que por meio dela há democratização do conhecimento, independentemente
da origem social dos estudantes. O livro defende não apenas o acesso à escolarização,
mas também a permanência dos estudantes na escola e a consolidação das aprendizagens.

• O NOME da rosa. Direção: Jean Jacques Annaud. Produção: Bernd Eichinger. Intérpretes:
Sean Conery, F. Murray Abraham, Cristian Slater. 1986. 130 min. son., color.

O filme retrata como na Idade Média a busca pelo conhecimento e a sua difusão passavam
obrigatoriamente pela Igreja católica. Detentora de muitos livros, a ordem religiosa decidia
quais deveriam ser de acesso aos monges e quais que eram proibidos.

• A SOCIEDADE dos poetas mortos. Direção: Peter Weir. Produção: Tom Schulman.
Intérpretes: Robin Williams, Robert Sean Leonard, Ethan Hawke. 1989. 128 min. son., color.

Fundamentada em quatro pressupostos ‒ tradição, honra, disciplina e excelência ‒,


a Academia Welton, uma tradicional escola norte-americana frequentada apenas por
garotos, pouco valoriza as expressões artísticas dos estudantes, limitando-os aos manuais
de ensino. O professor John Keating questiona esses princípios e traz aos seus alunos
possibilidades de serem livres pensadores.

Atividades
1. Por meio da figura a seguir, explicite como estas questões ilustradas podem contribuir para
a compreensão do professor sobre o campo de estudos e de atuação da didática.

Para que
ensinar?

Sob que O que


condições se ensinar?
ensina?

Didática

Como Quem
ensinar? ensina?

Para quem
se ensina?

Fonte: Elaborada pela autora com base em Libâneo, 2002.


20 Didática

2. Considerando o quadro abaixo, descreva como o professor realizaria um planejamento


de ensino e de aula tendo em vista as duas concepções: didática instrumental e didática
reflexiva.

Didática instrumental Didática reflexiva

Professor Executor Mediador

Estudante Mão de obra futura Sujeito partícipe, cidadão.

Método/técnica Pretensa neutralidade Considera quem são os sujeitos da educação.

O professor contextualiza os saberes a que o estudante


Conteúdo Instrucional, tem utilidade.
tem direito.

Garantia do direito à aprendizagem, não apenas do


Escola Forma indivíduos competentes.
acesso ao espaço escolar.

Fonte: Elaborado pela autora com base em Candau, 2012.

3. Segundo Veiga (2011), na concepção de que o aluno é um ser passivo que apenas
recebe informações, tendo como centro o intelecto, a didática será fundamentada em
regras, lógicas e instruções. Nessa forma de ensino, cabe ao estudante o silêncio, que se
consegue por meio da disciplina e da atenção ao conteúdo a ser transmitido. Discorra
sobre a concepção de homem, sociedade e sujeito da aprendizagem que se deseja formar,
analisando se as práticas educativas presentes nessas formas de ensinar ainda são uma
realidade nas escolas brasileiras.

Referências
CANDAU, Vera Maria. A didática e a formação de educadores – da exaltação à negação: a busca da relevância.
In: CANDAU, Vera Maria (org.). A didática em questão. Rio de Janeiro: Vozes, 2012.

COMENIUS, Iohannis Amos. Didática magna. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2001.

FERRARI, Márcio. Ovide Decroly, o primeiro a tratar o saber de forma única. Revista Nova Escola, 2008.
Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/1851/ovide-decroly-o-primeiro-a-tratar-o-saber-de-
forma-unica. Acesso em: 16 mar. 2019.

GADOTTI, Moacir. História das ideias pedagógicas. São Paulo: Ática, 1996.

GADOTTI, Moacir. Qualidade na Educação: uma nova abordagem. Florianópolis: Congresso de


Educação Básica (COEB), 2013. Disponível em: http://www.pmf.sc.gov.br/arquivos/arquivos/pdf/14_02
_2013_16.22.16.85d3681692786726aa2c7daa4389040f.pdf. Acesso em: 15 mar. 2019

LIBÂNEO, José Carlos. Didática: velhos e novos temas. Goiânia: Edição do autor, 2002.

LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 2006.

MACIEL, Lizete Shizue Bomura; NETO, Alexandre Shigunov. A educação brasileira no período pombalino:
uma análise histórica das reformas pombalinas do ensino. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.32, n.3, p. 465-
476, set./dez. 2006. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ep/v32n3/a03v32n3.pdf. Acesso em: 16 mar.
2019.
A sociedade, a escola e a didática 21

MARZARI, Marilene. A didática na formação de professores no Brasil. Revista Instrumento. Juiz de Fora,
v. 13, n. 2, jul./dez. 2011. Disponível em: http://ojs2.ufjf.emnuvens.com.br/revistainstrumento/article/
view/18723/9837. Acesso em: 10 maio 2019.

SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. Campinas: Autores Associados, 2007.

VEIGA, Ilma Passos Alencastro. Didática: uma retrospectiva histórica. In: VEIGA, Ilma Passos Alencastro
(org.). Repensando a didática. São Paulo: Papirus, 2011.

ZANATTA, Beatriz Aparecida. O método intuitivo e a percepção sensorial como legado de Pestalozzi para
a geografia escolar. Cad. Cedes. Campinas, vol. 25, n. 66, p. 165-184, maio/ago. 2005. Disponível em: http://
www.scielo.br/pdf/ccedes/v25n66/a03v2566.pdf. Acesso em: 13 maio 2019.
2
Tendências pedagógicas e a
construção do conhecimento

Neste capítulo, discutiremos as tendências pedagógicas e suas concepções de ensino e de


aprendizagem. Como fundamento para essas reflexões, utilizamos as ideias de autores como
Libâneo, Saviani e Luckesi, que defendem uma visão emancipatória e reflexiva sobre os processos
educativos.
Abordaremos como as tendências pedagógicas se revelam no cotidiano escolar, pois,
embora no discurso de muitos Projetos Políticos Pedagógicos (PPPs) sejam defendidas pedagogias
progressistas, as ações educativas ainda permanecem enraizadas em pedagogias liberais.
Assim, as tendências pedagógicas progressistas analisam criticamente as realidades
sociais, o que reverbera em uma organização do trabalho pedagógico que considere os seguintes
pressupostos: democracia, direito à aprendizagem, conhecimento, aprendizagem de todos, mediação
e participação. Esses fundamentos repercutem na organização de um professor comprometido
com a superação dessa fragmentação entre teoria e prática pedagógica, que assume seu papel de
mediador no processo de ensino e de aprendizagem.
Também destacaremos a função do pedagogo – na gestão democrática – como coordenador,
mediador e partícipe na defesa de uma escola que coloque em ação pedagogias que considerem os
estudantes como seres capazes, com história, com saberes e com cultura.

2.1 Tendências pedagógicas e concepções


de ensino e aprendizagem
Quando um profissional da educação se debruça sobre as tendências pedagógicas e suas
inter-relações com as concepções de ensino e de aprendizagem no ambiente escolar, ele tem
possibilidades de se aprofundar nos pressupostos, nas variáveis, nos contextos sociais, históricos e
políticos que influenciam os rumos educacionais. Além disso, tem melhores condições de analisar
seu próprio trabalho e redirecioná-lo em prol do direito à aprendizagem.
Tal direito ultrapassa as questões de acesso e permanência dos estudantes na escola. Refere-se
a um desenvolvimento pleno, integral, com consolidação dos conhecimentos científicos, históricos
e culturais, permitindo o exercício pleno da cidadania.
Nesse sentido, o direito à aprendizagem possibilita o acesso do sujeito a outros direitos,
pois lhe possibilita exigir do poder público que se faça cumprir a legislação no que tange ao direito
a saúde, alimentação, cultura, lazer, dignidade, respeito e convivência familiar e comunitária
(BRASIL, 1990).
24 Didática

Assim, profissionais comprometidos com uma escola em prol da emancipação e da


formação humana na sua integralidade buscarão combater o fracasso escolar, posicionando-
se contra tendências pedagógicas que não contribuam para o sucesso de todos os estudantes,
independentemente da origem social, gênero ou etnia.
Os processos de ensino e de aprendizagem sempre estarão presentes em contextos educativos
escolares, sendo necessária a organização sistemática e também formal do trabalho pedagógico
desenvolvido.
Dessa forma, a educação, que é, segundo Saviani (2015), um fenômeno próprio dos seres
humanos, no espaço escolar tem a tarefa de proporcionar aos sujeitos a aquisição de saberes
elaborados (científicos) que os faça ultrapassar o senso comum. De acordo com o estudioso,
o senso comum é o saber da experiência, das observações do mundo e da sabedoria adquirida
nas vivências. Já o conhecimento científico, que está no cerne do trabalho da escola, é sistemático,
organizado e metódico.
Isso não quer dizer que os métodos de ensino devam ser tradicionais, mas que ao organizar
as ações pedagógicas a serem desenvolvidas com os estudantes, o professor não deve perder o foco
do que é essencial no trabalho pedagógico: democratizar o processo de ensino e de aprendizagem.
Ou seja, nem todos os estudantes devem ser ensinados da mesma forma, sendo necessário
encontrar caminhos diferentes pelos quais a aprendizagem se efetive para cada um, a fim de que a
função social da escola se concretize.
Para Libâneo (2013), a escola é lugar também de aprendizagem para o professor, tendo em
vista que ela não é estática, pois, situada historicamente, é carregada de tensões e conflitos da
sociedade em que está inserida. O professor que deseja fazer cumprir a sua função no processo
de ensino deve continuamente atualizar-se, a fim de não reproduzir com os seus alunos o que
vivenciou na época de escolarização.
A escola e o professor da atualidade não podem ser os mesmos de tempos atrás, não devem se
limitar a repassar informações. Para pensar seus papéis hoje, precisamos refletir em que sociedade
vivemos e qual é a sociedade que queremos, quem é o estudante que hoje está no espaço educativo e
quem é o estudante que queremos formar, que conhecimentos os estudantes já trazem para, a partir
deles, problematizar e superar os saberes de senso comum e, assim, consolidar conhecimentos
científicos, portanto, mais elaborados.
As escolas da atualidade, que estejam a favor da democracia e da equidade1, precisam
conduzir seu trabalho de maneira que seus estudantes desenvolvam a autonomia intelectual, a qual,
segundo Libâneo (2013), reduz a distância entre a ciência, que adquire cada vez mais complexidade,
e uma formação humana integral em que o aluno é o sujeito da aprendizagem. Nesse viés, temos
uma concepção de didática emancipadora, na qual o ensino ocorre não para vencer os conteúdos
dispostos em uma grade curricular, mas que acontece em função dos direitos de aprendizagem dos
estudantes e em favor da interação e da articulação com as práticas sociais.

1 O direito à educação exige a intervenção do Estado em políticas equânimes, pois, assim como saúde, previdência
social, proteção à infância, é um direito fundamental do ser humano. Nas políticas de equidade, busca-se intervir para que
aquele que não tem igualdade de condições tenha seus direitos garantidos.
Tendências pedagógicas e a construção do conhecimento 25

Nessa perspectiva, o professor necessita sempre questionar-se, avaliando se suas ações


educativas têm consolidado sua função no processo de ensino e de aprendizagem. Piletti (2004)
lança algumas questões que norteiam essa autoavaliação. Fundamentados nas proposições desse
autor, ampliamos e aprofundamos essas perguntas no Quadro 1 a seguir.
Quadro 1– Autoavaliação do professor

Questões norteadoras
Para que ensino?

Estou considerando o PPP da escola para planejar meu trabalho?

Há estudantes que não aprenderam? Diante desse diagnóstico, o que fazer para que
todos aprendam, sem culpar o estudante e seu contexto familiar, social etc.?

A forma como estou realizando minha prática contribui para que o estudante aprenda?

Tenho considerado os impactos das tecnologias e mídias nos processos de ensino e de


aprendizagem?

Fonte: Elaborado pela autora com base em Pilleti, 2004.

Esses questionamentos podem levar a outras perguntas sobre a organização do trabalho


pedagógico realizado, pois, à medida que o docente e o coletivo escolar se questionam sobre os
rumos do que vem se ensinando na escola, se o ensino vem se efetivando ou não, se esse ensino
tem contribuído para a formação integral do sujeito, abre-se o leque para outras possibilidades de
reflexão e de retomada do planejamento. Todas essas discussões estão fundamentadas no princípio
fundamental da escola: que todos aprendam.
De acordo com Libâneo (2006), a didática tem um papel fundamental na democratização
do ensino, pois subsidia o professor, contextualizando suas ações pedagógicas nos processos de
ensino, e lhe possibilita redirecionar suas ações, quando estas não vão ao encontro da consolidação
das aprendizagens.
A fim de situar as discussões até aqui levantadas como elementos de uma tendência
progressista da educação, trazendo o direito à aprendizagem para o centro do fazer educativo,
apresentaremos as tendências pedagógicas de acordo com as sistematizações realizadas por
Libâneo (1992).
Esse autor defende que o professor reconheça os pressupostos teóricos e metodológicos que
o embasam em suas ações. Segundo ele, a maioria dos professores guia seus procedimentos por
suas vivências e não pelos conhecimentos que a Didática – disciplina da pedagogia – lhes outorga.
Objetivando contribuir para a superação desse problema, apresentamos uma síntese das
tendências renovadas e das tendências progressistas, que são fundamentadas em concepções
pedagógicas.
Primeiramente, discutiremos as pedagogias ou tendências progressistas refletindo sobre
suas intencionalidades: tendência progressista libertadora, tendência progressista libertária
e tendência crítico-social dos conteúdos. Na sequência, abordaremos as tendências liberais:
tendência liberal tradicional, tendência liberal progressivista, tendência liberal não diretiva,
tendência liberal tecnicista.
26 Didática

Quadro 2 – Organização das tendências ou pedagogias presentes nas escolas

Pedagogias progressistas Pedagogias liberais


Tendência progressista libertadora Tendência liberal tradicional

Tendência progressista libertária Tendência liberal progressivista

Tendência progressista crítico-social dos conteúdos ou Tendência liberal não diretiva


pedagogia histórico-crítica.

Tendência liberal tecnicista

Fonte: Elaborado pela autora com base em Libâneo, 1992.

Essas tendências que veremos a seguir não são apresentadas nas ações educacionais de forma
pura, mas se intercruzam em alguns momentos e se distanciam em outros (LIBÂNEO, 1992).

2.1.1 Pedagogias progressistas


A didática fundamentada nas pedagogias progressistas faz uma crítica à sociedade e,
portanto, à organização escolar que não contribua para que o direito à aprendizagem se efetive.
Nesse sentido, essas pedagogias ou tendências oferecem ao professor elementos para a compreensão
do contexto escolar, pois a escola é parte da sociedade e, como tal, a reflete. A escola é influenciada
pela sociedade, mas também a influencia.
Uma escola que constrói seu PPP com base em teorias progressistas objetiva formar sujeitos
autônomos, críticos, reflexivos e espera que o conhecimento científico tenha relação com a vida
em sociedade. Libâneo (2013) elenca cinco objetivos a serem atingidos para que essa concepção
se consolide:
• promover o desenvolvimento cognitivo dos estudantes por meio dos conteúdos escolares;
• proporcionar aos estudantes desenvolver-se culturalmente, valorizando seu contexto
cultural e construindo possibilidades para que um currículo multicultural se solidifique;
• possibilitar aos sujeitos o acesso à sociedade tecnológica e comunicacional, o que reflete na
construção de habilidades como realizar tomadas de decisão, realizar análises, interpretar
dados, trabalhar em equipe etc.;
• formar para a cidadania crítica, de modo que os sujeitos sejam partícipes da vida em
sociedade, em que a opinião de todos e de cada um é respeitada;
• desenvolver atitudes humanistas e solidárias.
Podemos, portanto, observar que as pedagogias progressistas trazem em seu bojo a luta
pela democracia e o acesso ao conhecimento historicamente acumulado pela humanidade,
indo contra as pedagogias da adaptação, pois, ao contextualizar e historicizar a escola, os
profissionais questionam: qual a origem do conhecimento a ser ensinado na escola? Posso ensinar
de outras formas determinado saber, visto que nem todos compreenderam? Qual a função do
professor e do estudante na escola? A forma como tenho desempenhado minha função na escola
tem contribuído para que o direito à aprendizagem se consolide?
Tendências pedagógicas e a construção do conhecimento 27

Essas questões e outras podem ser levantadas na busca de aprimorar continuamente o


trabalho pedagógico, superando as perspectivas de um ensino tradicional pautado em repetição,
memorização e falta de diálogo.
Libâneo (2013) destaca três tendências ou pedagogias progressistas, as quais abordaremos
na sequência: tendência progressista libertadora, tendência progressista libertária e a tendência
progressista crítico-social dos conteúdos.
• Tendência progressista libertadora: essa tendência, fundamentada em Paulo Freire
(1921-1997), defende que a escola trabalhe em prol da transformação da realidade.
Para isso, o ensino exige dialogicidade, afetividade e problematização, superando uma
educação em que o estudante é o depositário de informações, o que chamou de educação
bancária. O estudante é sujeito ativo e o professor considera seus saberes e vivências para
realizar o processo de ensino.
• Tendência progressista libertária: o foco dessa tendência é o antiautoritarismo e,
portanto, a resistência. O professor e o estudante têm a mesma importância e desenvolvem
um ambiente de grupo que se autogestiona. Dá-se ênfase às atividades em grupo, reuniões
e assembleias, e a intenção é que o estudante leve para a vida o que aprendeu.
• Tendência crítico-social dos conteúdos: fundamentada em Dermeval Saviani,
defende que a escola tem a função de assegurar a todos os estudantes o acesso ao saber
historicamente acumulado e elaborado pela humanidade (ciência). O método defendido
é o dialético, valorizando o diálogo entre professor e estudante, mas, sobretudo, o diálogo
com o conhecimento. Considera-se a historicidade dos conteúdos a serem trabalhados
com os alunos.

2.1.2 Pedagogias liberais


A palavra liberal muitas vezes pode nos remeter à formação para a autonomia, para a
liberdade e para a democracia, porém, conforme Libâneo (1992) destaca, esse não é o sentido desse
termo quando se trata de pedagogia.
A pedagogia liberal vem ao encontro da política do estado mínimo defendida pelo
liberalismo econômico e social. Nesse modelo, o estado pouco interfere nos rumos da economia
(laissez-faire2), deixando que o mercado defina e consolide regras em prol do lucro máximo.
Segundo Peres e Silva (2006), durante a história do capitalismo, os ideais de liberdade,
igualdade e fraternidade proclamados pela Revolução Francesa se reduziram a liberdade e
propriedade: liberdade para o lucro máximo, sem compromisso com a população, e liberdade para
o acúmulo de propriedades, inclusive dos meios de produção, para a exploração de mão de obra
sem maiores qualificações.

2 Laissez-faire é uma expressão francesa que significa “deixar fazer, deixar passar”, utilizada no século XVIII para
defender o livre comércio, sem taxas alfandegárias.
28 Didática

A pedagogia liberal tem a função de preparar os indivíduos para essa sociedade, não
buscando encaminhamentos metodológicos em que o conhecimento científico, histórico e cultural
sejam alicerce para a criticidade. Ao contrário, os alunos são preparados para ocupar lugares
meritocracia: predeterminados na sociedade. Há ênfase na igualdade de oportunidades, porém a meritocracia
estabelece uma
inter-relação entre
subsidia esse discurso. Se o aluno não conseguiu aprender, é porque não se esforçou, não porque
mérito e poder.
não lhe foram dadas as condições para a aprendizagem.
Pensemos em uma educação fundamentada no princípio da meritocracia. Ela defenderá
que as crianças têm sempre as mesmas oportunidades, sejam elas de famílias que as negligenciem
ou pertencentes a famílias presentes em sua educação, que garantam sua matrícula e frequência
na escola e contribuam para seu desenvolvimento pleno. Nessa visão, não são consideradas as
condições de suprimento das necessidades básicas dos estudantes, tampouco a marginalização e a
exclusão já existentes na sociedade.
Segundo Valle e Ruschel (2010), a palavra meritocracia é composta da junção entre mérito +
cracia (que significa governo), assim, o termo refere-se, essencialmente, à hierarquia social, política
e burocrática justificada nas lutas individuais.
As pedagogias liberais se baseiam na meritocracia, pressupondo que nem todos são capazes
de aprender, pois acreditam na responsabilidade de cada um por suas próprias conquistas. Se o
indivíduo não conseguir, a culpa é exclusivamente dele.
Segundo Libâneo (2013), são quatro as tendências pedagógicas que se fundamentam nesse
princípio, as quais explicitaremos a seguir.

2.1.2.1 Tendência liberal tradicional


Prepara os indivíduos para determinadas funções sociais e o conhecimento trabalhado na
escola não tem relação alguma com a vida em sociedade. O ensino é voltado para as disciplinas
humanistas, com as regras do bem falar e do bem escrever: o foco é a gramática normativa.
O professor tem o domínio do conteúdo, os saberes dos estudantes não são considerados.

2.1.2.2 Tendência liberal renovada progressivista


A ênfase é na utilidade dos conteúdos para aplicá-los na vida em sociedade. Os métodos
são ativos: experiências, pesquisas e solução de problemas, estimulando o interesse dos estudantes.
O foco é o aluno, ao contrário da tendência liberal tradicional. Essa tendência é fundamentada no
pragmatismo e, segundo Libâneo (1992), dominou as escolas brasileiras entre as décadas de 1950 e
1960, embora o movimento em prol da Escola Nova tenha se iniciado em 1932 com o Manifesto da
Escola Nova. Nessa tendência, o estudante aprende de forma experimental por meio da pesquisa.

2.1.2.3 Tendência liberal não diretiva


De acordo com Libâneo (1992), essa tendência preocupa-se mais com aspectos psicológicos
do que pedagógicos, de modo que a função da escola está mais relacionada à formação de atitudes
para a convivência em sociedade. Os conteúdos são estabelecidos em função das experiências
vivenciadas pelos sujeitos, assim o professor é o especialista em relações humanas, propondo
técnicas de sensibilização que visam ao autoconhecimento do indivíduo. Segundo Luckesi (1994),
Tendências pedagógicas e a construção do conhecimento 29

o ausentar-se do professor era a melhor forma de respeito e de aceitação do estudante de forma


plena. Seu principal precursor foi o psicólogo Carl Rogers, em seu livro Liberdade para aprender.
No Brasil, alguns pedagogos e psicólogos se fundamentaram nessa tendência para desenvolver o
trabalho no ambiente escolar.

2.1.2.4 Tendência liberal tecnicista


Nessa tendência, o professor utiliza-se de manuais para repassar o conteúdo aos estudantes,
este conteúdo é considerado neutro. Há ênfase na formação técnica para exercer uma função no
mercado de trabalho. A Lei de Diretrizes e Bases n. 5.692/1971 implantou e implementou essa
corrente pedagógica no Brasil. O aluno passa a ser um mero reprodutor dos conteúdos, não há
propostas que prevejam reflexão. Essa tendência influenciou a educação nos anos 1970 e 1980,
porém ainda hoje vemos ações educativas que remetem a essa pedagogia.
Para melhor situar e contextualizar as tendências pedagógicas liberais e as tendências
pedagógicas renovadas, organizamos um quadro com os elementos essenciais de cada uma delas.
Quadro 3 – Tendências pedagógicas

Tendência Papel do estudante Construção do


Papel da escola Metodologia
pedagógica e do professor conhecimento
Método expositivo.
Professor: centro do
Preparar o indivíduo De forma mecânica, O aluno demonstra
Tendência fazer educativo.
para desempenhar sem reflexão e sem que aprendeu por
liberal Estudante: submisso,
funções definidas na considerar quem são meio de avaliações
tradicional recebe o conteúdo
sociedade. os estudantes. que não servem para
ensinado.
o replanejamento.

Atender aos interesses


Com atividades
da sociedade.
Professor: auxiliar do adequadas ao
Tendência O conhecimento deve
desenvolvimento do desenvolvimento do Experimentos,
liberal servir para algo.
estudante. estudante e ao seu pesquisa e
renovada O aluno deve
Estudante: centro do interesse. Pedagogia problematização.
progressivista desenvolver
processo educativo. do aprender a
competências para
aprender.
adequar-se ao meio.

Professor: facilitador,
ajuda o estudante a Aprender é modificar Técnicas de
Tendência organizar-se. Deve as próprias sensibilização, tendo
Adequação do
liberal “ausentar-se” das percepções. O aluno em vista melhorias
indivíduo à vida em
renovada não interferências. aprende o que estiver no relacionamento
sociedade.
diretiva Estudante: deve ter relacionado a essas pessoal e na vida em
motivação intrínseca percepções. sociedade.
para aprender.

Aprender é modificar Métodos e técnicas


Professor: administra
o desempenho. que possibilitem
as condições para
Modeladora do Aprender para a mensuração,
Tendência passar a matéria aos
comportamento desempenhar um a objetividade e
liberal estudantes.
humano, por meio de papel no mercado de o controle. Uso
tecnicista Estudante: espectador
técnicas e manuais. trabalho. Aprender de tecnologias
frente ao que lhe é
é um processo de educacionais de
repassado.
condicionamento. forma instrucional.
(Continua)
30 Didática

Tendência Papel do estudante Construção do


Papel da escola Metodologia
pedagógica e do professor conhecimento
Diálogo e
problematização
Aprende-se por que consideram
Vincula a educação à
Tendência temas geradores os saberes dos
luta contra a opressão Professor e aluno:
progressista retirados do contexto educandos, para,
das classes menos relações horizontais.
libertadora social e vivencial dos a partir deles,
favorecidas.
estudantes. ampliar, aprofundar
e contextualizar o
conhecimento.

Não há diretividade,
assim, o professor É na vivência em
Gera transformação é um orientador, se grupos que os
Tendência Atividades
nos estudantes, mistura ao grupo estudantes aprendem
progressista em grupos e
tornando-os de estudantes para e podem utilizar o que
libertária assembleias.
autogestionários. refletir sobre as aprenderam em novas
temáticas escolhidas situações.
para os debates.

Parte-se da prática
social, identificam-
É na escola em que
se os problemas,
há apropriação dos
instrumentalizam-se
saberes sistematizados
os sujeitos de forma
(ciência).
teórica e prática.
A educação tem
O aluno, com sua Posteriormente
papel transformador
experiência imediata, vem a etapa da
social. A escola é
Tendência Professor: mediador. confronta seus catarse, que é a
contextualizada
progressista Estudante: saberes com os compreensão do
historicamente e tem
crítico- participante do conhecimentos problema com uma
consciência dos seus
social dos processo de sistematizados, o que nova forma de vê-lo.
condicionantes,
conteúdos aprendizagem. causa ruptura com Por último, temos a
por meio dos
os saberes pouco etapa denominada
conteúdos
elaborados. de prática social,
instrumentaliza os
em que o estudante
sujeitos para uma
volta ao ponto
participação ativa
inicial, porém
em uma sociedade
tem condições
democrática.
instrumentais de
mudar a realidade.
Fonte: Elaborado pela autora com base em Libâneo, 1992 e Luckesi, 1994.

Como pudemos observar, as pedagogias progressistas trazem uma perspectiva crítica sobre
as questões sócio-políticas; já as tendências liberais trazem em seu cerne a reprodução, objetivam
formar um sujeito que se adeque às realidades sociais em nome de uma pretensa neutralidade e da
negação das ideologias presentes na sociedade.
Com o intuito de aprofundar essa discussão, refletiremos sobre como as tendências
pedagógicas progressistas podem contribuir para a construção de uma escola em que professores
e estudantes dialoguem, em que o professor realize mediações no processo de construção
de conhecimento, de forma que os estudantes superem o conhecimento do senso comum e se
Tendências pedagógicas e a construção do conhecimento 31

apropriem do conhecimento científico. As pedagogias progressistas vão apontar também para uma
relação de sala de aula em que a ética, o respeito às diferenças, a inclusão, a participação e o direito
à aprendizagem se consolidem de forma a buscar uma gestão democrática em todos os segmentos
da sociedade, inclusive na escola.
Vale ressaltar que a gestão democrática não equivale a realizar o que se deseja, mas diante
da legislação vigente, do PPP da escola, do regimento escolar e do compromisso com uma escola
de qualidade, organizar propostas e encaminhamentos que garantam aos estudantes condições de
serem conscientes de seus direitos e deveres.

2.2 Relação entre professor e estudante nas


tendências pedagógicas progressistas
A função da didática é fundamentar o professor em sua práxis educativa e, dessa forma,
lhe trazer subsídios em que os objetivos de ensino e de aprendizagem se articulem e para que os
métodos, os recursos e as formas como organiza sua aula garantam ao estudante aprendizagens
significativas (LIBÂNEO, 2006).
Saviani (2009) afirma que práxis educativa não é apenas a relação entre teoria e prática −
é a atividade humana que transforma a sociedade. Mas, para isso, o professor precisa ser consciente
de seu papel diante do processo de ensino e de aprendizagem, que não se esgota em sala de aula,
mas se desdobra em práticas sociais globais.

Exemplo:
Um professor de Ciências percebe que os estudantes não separam o lixo
na escola. Decide, então, promover discussões sobre sustentabilidade.
Organiza, para isso, um projeto envolvendo todos os estudantes e outros
professores. Eles pesquisam em sites científicos, o professor traz notícias
sobre o tema. No jornal da escola, os estudantes publicam entrevistas
com moradores mais antigos da comunidade, que falam como era o
rio próximo da escola antes de ter sido contaminado. Os estudantes
aprendem sobre reciclagem e levam panfletos para casa. Nesses panfletos
produzidos por eles, há a intenção de contar aos responsáveis sobre a
importância de reciclar. A pedagoga, com o apoio da equipe gestora,
organiza um ciclo de minipalestras sobre esse tema. Os estudantes vão
até uma usina de reciclagem para observar o processo de separação e
transformação dos materiais e fazem entrevistas. Nos murais da escola,
são expostas produções dos estudantes sobre as aprendizagens realizadas.
Eles passam a separar lixo na escola e em casa, incentivando as famílias
a fazerem o mesmo.
32 Didática

Nesse exemplo, podemos observar que quando o estudante não apenas tem acesso a
informações, mas de fato aprende, ele agirá conscientemente, utilizando esses saberes em
seu cotidiano e provando que houve superação de um saber de senso comum, espontâneo.
Dessa forma, apropria-se do conhecimento elaborado e sistematizado (científico).
A tendência progressista crítico-social dos conteúdos, que se fundamenta no materialismo
histórico-dialético de Marx3 (1818-1883), utiliza-se da dialética para compreensão e atuação nos
processos educacionais.
No método dialético (Figura 1), defendido por Saviani (2009), o professor terá os seguintes
passos para concretizar, com a ressalva de que eles não seguem uma ordem, podendo o docente ir e
vir pelos passos até que o estudante tenha domínio do saber científico e historicamente acumulado
pela humanidade.
Figura 1 – Passos do método dialético

Prática social:
ponto de partida

Prática social:
Problematização
ponto de chegada
Professor
mediador do
processo educativo

Catarse Instrumentalização

Fonte: Elaborada pela autora com base em Saviani, 2009.

A prática social é o ponto de partida e o ponto de chegada, como no exemplo do planejamento


sobre sustentabilidade. Partiu-se de um problema do contexto social e voltou-se para o mesmo
contexto de maneira reelaborada. Antes não havia separação do lixo na escola e nas casas da
comunidade. Após a atuação da escola, com o conhecimento científico, os saberes sobre a prática
social foram ressignificados.
Antes, o saber era fragmentado, os estudantes assistiam na TV a campanhas sobre
sustentabilidade, mas não viam sentido em separar os materiais. Quando foram instrumentalizados
com o saber científico, incorporaram na catarse esses conhecimentos, dando sentido à sua atuação
sobre a realidade. Assim, quando os alunos estudam, pesquisam e interagem mediados pela escola,
esses saberes fazem sentido em suas vidas e na atuação sobre a realidade.

3 Karl Marx foi um filósofo, sociólogo, jornalista e estudioso das teorias econômicas. Suas teorias versam sobre
história, filosofia, economia e sociologia.
Tendências pedagógicas e a construção do conhecimento 33

Portanto, para a tendência progressista crítico-social dos conteúdos, não há neutralidade


na ação educativa, mas questionamentos e busca por uma atuação social cidadã e também crítica.
Quando falamos em criticidade, isso não significa que haverá em sala de aula defesa de
determinado partido político, absolutamente não. Ao trabalharmos com o método dialético,
trazemos conhecimento científico ao estudante e contribuímos para que faça uma leitura crítica da
realidade, instrumentalizando o estudante para atuar de forma reflexiva sobre ela.

Exemplo:
Um professor de 5º ano verifica que, conforme o currículo da escola, ele
precisa trabalhar com o conteúdo rios. O docente observa que próximo à
escola há um rio poluído. Se fosse um professor fundamentado em uma
tendência liberal tecnicista, ele abriria o livro didático, em determinada
página, as crianças também poderiam utilizar alguma tecnologia para
memorizar o conteúdo e posteriormente seria proposto um exercício
de fixação. Já um professor que embasa suas ações em tendências
progressistas, como a pedagogia histórico-crítica, problematizaria a
situação do rio, coletaria (com instrumentos próprios) amostras desse
rio, faria a análise dessas amostras, buscaria a história do rio, como
ele era antes de ser poluído, o que o levou ao atual estado e por quê.
Traria textos científicos para os estudantes, incentivaria a pesquisa,
poderia realizar entrevistas com antigos moradores e, em conjunto com
a comunidade educativa, buscaria possíveis soluções.

Nesse sentido, diferentemente de algumas tendências liberais, o professor tem um papel


fundamental no processo de mediação da aprendizagem, não é o dono do saber que deposita o
conhecimento sobre o estudante, como na tendência liberal tradicional, mas é aquele que faz uma
ponte entre o conhecimento fragmentado e o conhecimento científico.
Segundo Gasparin (2009), a tarefa do educador que organiza seu trabalho com base na
pedagogia histórico-crítica é tornar o objeto do conhecimento interessante aos alunos. Para isso,
o estudante precisa ser desafiado e sensibilizado, de tal forma que o conteúdo faça sentido em sua
vida cotidiana, criando um clima favorável à aprendizagem.
Os conteúdos não são trabalhados de forma neutra, meramente retirados de uma grade
curricular, mas são relacionados à vida em sociedade. Assim, o ponto de partida é a realidade e
a volta é a realidade social. Isso não quer dizer que o professor não trabalhará o currículo oficial,
pois é direito dos estudantes obter esse conhecimento. O que se orienta nessa pedagogia é que o
conteúdo não seja fragmentado, desvinculado da vida e sem reflexão crítica sobre a sociedade.
Os conteúdos necessitam contribuir para que o estudante melhor compreenda as condições de
produção da vida humana (GASPARIN, 2009).
34 Didática

As demais tendências progressistas também podem inspirar ações para a prática docente,
pois se desejamos formar um sujeito crítico, reflexivo e atuante na vida em sociedade, buscando a
superação das desigualdades, necessitamos construir pedagogias que, no cotidiano escolar, tragam
esse resultado.
Dessa forma, quando o professor se remete à tendência pedagógica progressista libertadora,
ele tem condições de buscar a superação de uma “educação bancária”, que, conforme Freire (1996),
não considera os saberes dos educandos, “depositando neles os saberes” em forma de exercícios de
repetição, seguindo prescrições.
O professor, em uma concepção libertadora, segundo Freire (1996), não compreende os
sujeitos como seres vazios de saberes, mas será problematizador dos contextos sociais, questionando
a realidade social por meio do diálogo e da análise do objeto do conhecimento. Assim, o educador se
modifica enquanto educa, pois “os homens educam-se em comunhão, mediatizados pelo mundo”
(FREIRE, 1996, p. 63).
A tendência progressista libertária, fundamentada em Célestin Freinet4 (1896-1966),
é uma pedagogia antiautoritária, que questiona as estruturas do sistema e os mecanismos
institucionais burocráticos. Segundo Luckesi (1994), a aprendizagem ocorre com o agrupamento
dos estudantes em organizações como assembleias, reuniões, conselhos, grêmios estudantis etc.
Embasado nessa tendência, o professor, na defesa de uma escola pública gratuita e de
qualidade, poderá levar ao colegiado escolar reflexões sobre a necessidade de organizar com a
comunidade educativa mecanismos em que haja participação dos estudantes, possibilitando-lhes
ter voz na organização e nas decisões da escola.
Ao não dar ênfase às tendências libertárias, não queremos dizer que não há elementos
que possam ser úteis ao trabalho docente, como na tendência liberal tecnicista, que se utiliza de
técnicas e de recursos tecnológicos para subsidiar sua ação pedagógica. Essa pedagogia se utilizava
desses mecanismos de forma acrítica. Porém, quando um professor tem seus pressupostos voltados
à formação humana na sua integralidade, utilizará esses recursos de forma a contribuir para a
construção do conhecimento científico de forma reflexiva.

2.3 Função do pedagogo nas tendências pedagógicas progressistas


Conforme Becker (2003), aquele que é formador de formadores (o pedagogo ou o coordenador
pedagógico) necessita romper com concepções presentes em muitas das escolas brasileiras,
que ainda reproduzem métodos de ensino pelos quais esse profissional aprendeu quando ainda
era estudante.

4 Célestin Freinet foi um educador francês que acreditava ser necessário transformar a escola por dentro, por meio da
cooperação e da interação entre professor e estudante. Para o educador, o objetivo da educação era transformar o meio
e emancipar o sujeito.
Tendências pedagógicas e a construção do conhecimento 35

Assim, o pedagogo necessita diagnosticar na escola em que trabalha quais as concepções


que perpassam a prática docente, a fim de selecionar estratégias formativas para que os professores
analisem a sua própria prática educativa e busquem superar aquelas que não levam à formação de
sujeitos reflexivos, críticos, autônomos e atuantes na vida em sociedade.
Becker (2003) exemplifica: ao entrar em uma sala de aula, na maioria das vezes se encontrará
ali um professor à frente da turma, aguardando o silêncio para poder falar. As carteiras estarão
enfileiradas, uma atrás da outra, evitando que os alunos se olhem, conversem e interajam. Se os
estudantes começarem a falar, certamente o professor os repreenderá, para que ele possa retomar a
palavra. “Como é essa aula? O professor fala, e o aluno escuta. O professor dita, e o aluno copia. O
professor decide o que fazer e, em geral, decide o mesmo de sempre, e o aluno executa. O professor
‘ensina’, e o aluno ‘aprende’” (BECKER, 2003, p. 14).
De acordo com o autor, é comum justificar que um professor realize o trabalho pedagógico
dessa forma, pois aprendeu a ensinar assim. Ele ressalta que essa explicação está correta, mas vai
além dela. Para o autor, o professor age de forma tradicional porque acredita que o estudante
aprende por meio da transmissão. O docente se baseia em determinada epistemologia5 segundo a
qual o aluno é uma tábula rasa, que não sabe nada, e somente ele – professor – lhe transmitirá o
conhecimento.
Outros professores justificam sua atuação pedagógica não diretiva dizendo que o estudante
não aprendeu porque ainda não estava pronto, que ele precisa se despertar, amadurecer e/ou trazer
à consciência o conteúdo. Essa epistemologia, presente na justificativa de professores, traz em seu
bojo o apriorismo, ou seja, acredita-se que o conhecimento já pertence ao estudante, bastando a ele
transitar naturalmente pelas fases de desenvolvimento.
Segundo Becker (2003), para superar essas epistemologias, é preciso criticá-las, o que
é possibilitado pela epistemologia relacional. Nesta, o professor age como mediador, concebe o
estudante como alguém que tem algum saber e dinamiza os processos de ensino e de aprendizagem,
por meio de desafios, problematizações e questionamentos. O estudante também questiona,
interage com os colegas, expressa sua opinião, revê, retoma, reorganiza seus conhecimentos e,
assim, avança nos processos de aprendizagem.
O pedagogo, ciente dos diversos discursos e práticas educativas presentes na escola,
necessita, nos momentos de planejamento (organização, ação e avaliação), levantar reflexões com
os professores, a fim de que o projeto educativo da escola se consolide, construindo convergências
entre o que determina o PPP e o que é realizado no cotidiano da instituição.
Assim, o pedagogo tem uma função primordial de auxiliar os professores a desvelar as
epistemologias do fazer educativo, pois muitos deles utilizam-se de justificativas para perpetuar
sua forma de ensinar, sem se dar conta de que estão abrindo mão de sua função de mediar o
processo de aprendizagem dos estudantes.

5 Conceito que explica a origem e o desenvolvimento do processo de construção do conhecimento.


36 Didática

Segundo Libâneo (2006), a escola da atualidade tem muitos desafios, dentre eles repensar
os processos de ensino e de aprendizagem na sociedade do conhecimento. Os estudantes têm
múltiplas informações, têm acesso às tecnologias digitais, porém, sem a mediação do professor,
os pressupostos da tendência liberal tecnicista continuarão em voga.
Assim, não basta aos professores possibilitarem o acesso a novas tecnologias, é necessário
superar paradigmas que ainda vigoram em nossas escolas. Caso contrário, o professor pode
incentivar os estudantes a utilizar um tablet em sala de aula, mas para as mesmas atividades de
cópia de informação.
O pedagogo, em uma perspectiva pedagógica progressista, assume o compromisso com o
coletivo escolar de exercer sua função na organização do trabalho pedagógico, buscando garantir
o alcance do conhecimento científico a todos os estudantes. Assim, se esse profissional verifica
que há professores distanciados desse compromisso, sua função é encontrar estratégias para que
o planejamento, bem como seus encaminhamentos em sala de aula e as inter-relações com os
estudantes e com os demais profissionais da escola, estejam de acordo com o previsto na proposta
pedagógica da instituição.
Segundo Libâneo (2006), nada mais pode ser improvisado na escola, todas as ações
precisam estar de acordo com o PPP da instituição educativa e os pressupostos ali sistematizados.
Nesse sentido, todas as ações realizadas estão inter-relacionadas ao currículo escolar. Assim,
se o coletivo escolar estiver fortalecido, o pedagogo não buscará de forma individualizada soluções
para as tensões que ocorrem no cotidiano escolar, mas com a comunidade educativa encontrará
estratégias que visem à consolidação do direito à educação.
O pedagogo, enquanto intelectual comprometido com esse direito e com a construção de
uma sociedade efetivamente democrática, viabilizará na escola articulações que promovam o
trabalho coletivo, no qual todos os envolvidos busquem a melhoria do ambiente educacional tendo
em vista a aprendizagem significativa dos estudantes. Para exemplificar essa questão, citamos uma
situação vivenciada em certa escola.

Exemplo:
O pedagogo notou que a professora estava trabalhando conforme
descrito no currículo: habitação na Grécia Antiga. A educadora,
em determinado dia, usou os livros didáticos para explorar o tema,
as crianças desenharam e falaram sobre o assunto. De repente, os
alunos começaram a fugir desesperadamente. O motivo: viram seus
móveis sendo jogados para fora de suas casas, construídas em local
irregular. No dia seguinte, a professora continuaria com a matéria
que foi interrompida. No entanto, refletiu-se sobre a melhor forma de
possibilitar o acesso ao conhecimento histórico, sem perder de vista a
realidade social dos estudantes. Assim, o planejamento foi reelaborado
Tendências pedagógicas e a construção do conhecimento 37

de forma que o assunto habitação fosse contextualizado, relacionando


ao conceito de cidadania da Grécia Antiga. Quem era o cidadão grego?
Quais eram seus direitos e deveres? Quais os modos de produção da
existência? E na atualidade, quem é o cidadão brasileiro? Quais são seus
direitos? E seus deveres? Como o direito à habitação está previsto na
Constituição brasileira? As crianças já têm cidadania ou são cidadãos
do futuro?

O problema habitacional não foi solucionado. No entanto, a partir do envolvimento com a


temática, a pesquisa e as discussões, a aprendizagem foi significativa.
A função de pedagogo traz consigo a responsabilidade de desenvolver uma visão ampla
dos processos educativos, mas também minuciosa, pois diante do desafio de garantir o direito à
aprendizagem a todos os estudantes, não pode eximir-se de se posicionar, de intervir, de mediar os
processos reflexivos e de formação continuada dos professores, de participar das avaliações e dos
planejamentos institucionais, mas sem se tornar um burocrata. Antes, o pedagogo deve ser aquele
intelectual que, mais do que relacionar teoria e prática educacional, busca coletivamente efetivar o
movimento dialético da práxis educativa.

Considerações finais
Ao refletirmos sobre a função social da escola de garantir o direito à aprendizagem e ao
nos posicionarmos na defesa dos pressupostos democráticos como condição para o trabalho
pedagógico, objetivando a formação integral dos estudantes, precisamos nos remeter aos
pressupostos das tendências pedagógicas progressistas, pois são elas que nos fundamentam para
sermos profissionais crítico-reflexivos e assim buscarmos uma prática pedagógica que esteja em
consonância com o PPP da escola em que atuamos.
As formas como o trabalho pedagógico na escola é organizado e colocado em ação pelos
diferentes profissionais que lá atuam (professores, pedagogos, coordenadores pedagógicos, diretores,
entre outros) são fundamentadas em tendências pedagógicas, mesmo que esses profissionais não
se posicionem ou se digam neutros.
Dessa maneira, explícita ou implicitamente, há concepções pedagógicas que balizam o
trabalho educativo e, quando há o discurso da neutralidade, o profissional constrói o seu fazer
pedagógico sob o pressuposto das tendências pedagógicas liberais, que não assumem, segundo
Libâneo (2006), um compromisso com a transformação da sociedade, defendendo apenas a
adaptação dos indivíduos a ela.
Assim, se desejamos formar para a autonomia, para a reflexão e para a busca de uma
sociedade mais igualitária, necessitamos nos debruçar sobre as tendências pedagógicas e rever
continuamente a nossa prática educativa à luz das teorias.
38 Didática

Ampliando seus conhecimentos


• VIDA Maria. Direção de Joelma Ramos e Márcio Ramos. Produção de Márcio Ramos.
Roteiro: Márcio Ramos. Ceará, 2006. (9 min.). Disponível em : https://www.youtube.
com/watch?v=yFpoG_htum4. Acesso em: 30 abr. 2019.
O curta-metragem lançado em 2006 mostra a rotina de Maria, uma criança que se diverte
aprendendo a escrever seu nome. Sua mãe, porém, a repreende e a obriga a realizar
trabalhos domésticos. Maria cresce, se casa e tem uma filha, que também quer aprender
a escrever. Este vídeo demonstra o grande desafio que a sociedade tem em ofertar escola
para todos.

• SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. Campinas: Autores Associados, 2009.


Neste livro, o professor Dermeval Saviani discute as teorias pedagógicas com base na
criticidade, dividindo-as em teorias críticas e não críticas. As teorias não críticas têm
como pressuposto que o papel da escola é reproduzir a sociedade e formar os cidadãos
para ocupar papéis predefinidos. Já as teorias críticas trazem em seu bojo a visão de que
a escola tem o papel fundamental de instrumentalizar os estudantes com conhecimentos
científicos, que são contextualizados, não neutros e trazem saberes para lhes permitir
problematizar, compreender e atuar de forma crítica na sociedade em que vivem.

Atividades
1. Para Saviani (2009), a práxis educativa não apenas deve relacionar teoria e prática, mas é a
atividade humana que transforma a sociedade. Como o professor que busca fundamentar
suas ações nessa perspectiva pode organizar seu planejamento?

2. Quais as diferenças entre as tendências pedagógicas liberais e as tendências renovadas


progressistas?

3. Destaque pontos essenciais do trabalho do pedagogo que têm como fundamento as


pedagogias relacionadas à tendência renovada progressista.

Referências
BECKER, Fernando. Modelos pedagógicos e modelos epistemológicos. In: BECKER, Fernando. Educação e
construção do conhecimento. Porto Alegre: Artmed, 2003.

BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 16 jul.
1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm. Acesso em: 22 mar. 2019.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

GASPARIN, João Luiz. Uma didática para a pedagogia histórico-crítica. São Paulo: Autores Associados, 2009.
Tendências pedagógicas e a construção do conhecimento 39

LIBÂNEO, José Carlos. Democratização da escola pública: a pedagogia crítico-social dos conteúdos. São
Paulo: Loyola, 1992.

LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 2006.

LIBÂNEO, José Carlos. Organização e gestão da escola: teoria e prática. São Paulo: Heccus, 2013.

LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da educação. São Paulo: Cortez, 1994.

PERES, Claudio Afonso; SILVA, João Carlos. Educação e liberalismo: O público e o privado no ensino
superior em questão. Revista HISTEDBR On-line: Unicamp, 2006. Disponível em: http://www.histedbr.
fe.unicamp.br/acer_histedbr/seminario/seminario7/TRABALHOS/C/Claudio%20afonso%20peres.pdf.
Acesso em: 23 mar. 2019.

PILETTI, Claudino. Didática geral. São Paulo: Ática, 2004.

SAVIANI, Dermeval. Sobre a natureza e a especificidade da educação. Germinal: marxismo e educação


em debate, Salvador, v. 7, n. 1, p. 286-293, jun. 2015. Disponível em: https://portalseer.ufba.br/index.php/
revistagerminal/article/view/13575. Acesso em: 22 mar. 2019.

SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. Campinas: Autores Associados, 2009.

VALLE, Ione; RUSCHEL, Valle Elizete. Política educacional brasileira e catarinense (1934-1996): uma
inspiração meritocrática. Revista Eletrónica de Investigación y Docência, v. 3, p. 73-92, 2010. Disponível em:
https://revistaselectronicas.ujaen.es/index.php/reid/article/viewFile/1162/984. Acesso em: 23 mar. 2019.
3
Planejar para quem?

Neste capítulo, discutiremos a necessidade do planejamento, considerando os saberes a


serem ensinados, sem perder de vista o sujeito da aprendizagem.
Falaremos da importância de sistematizar e também registrar antecipadamente o que será
realizado em sala de aula, pois esse registro é um instrumento de trabalho do professor. Do mesmo
modo, a dialogicidade, a interação, a problematização e a empatia configuram-se como aliados do
docente, tendo em vista a superação de um ensino transmissivo e autoritário.
Também discutiremos a importância de um planejamento cujo objetivo seja que todos
aprendam e que preveja uma avaliação, de forma processual e diagnóstica, para verificar quando
algum estudante não avançou no processo de construção do conhecimento. Nesse caso, é necessário
que o professor retome, reveja, se autoavalie e proponha atividades diferenciadas para que o direito
à aprendizagem seja consolidado.

3.1 O sujeito da aprendizagem


Planejamos quando antecipamos mentalmente nossas ações cotidianas, fazemos escolhas,
redimensionamos e confirmamos as trajetórias a partir das decisões tomadas. O planejar está
presente em várias esferas da vida em sociedade, pois é um processo de racionalização do que
será feito, permitindo organização, otimização do tempo, articulação entre diferentes pessoas com
vistas à consolidação dos objetivos delineados.
Assim, conforme Vasconcellos (2011), planejar não é apenas algo que se realiza antes de agir,
é também realizar a ação de acordo com o que se pensou. Podemos afirmar que planejar é próprio
do ser humano na busca por melhores possibilidades na concretização de uma ação. No que
tange à educação formal no espaço escolar, o planejamento não pode ocorrer de forma intuitiva,
pois diante da função social de garantir o direito à aprendizagem a todos os estudantes, existem
o compromisso e a obrigação de que os profissionais da escola realizem suas ações educativas
mediante o uso de registros formais de sistematização dos encaminhamentos didáticos.
Ao registrar o planejamento, o professor sistematiza os objetivos educacionais a serem
atingidos com os estudantes, antevê o tempo destinado para que as estratégias pedagógicas sejam
desenvolvidas, como também os recursos, os espaços, os critérios de avaliação da aprendizagem e
os seus instrumentos de verificação. Segundo Vasconcellos (2011), o planejamento educativo deve
ser compreendido como um instrumento de trabalho do professor, pois lhe possibilita uma atuação
reflexiva sobre a sua própria prática, a autoavaliação e, consequentemente, o replanejamento.
42 Didática

Nesse viés, não se trata de preencher um formulário e entregá-lo a determinado profissional


da escola, ao contrário, o planejamento é de uso efetivo de quem o pensou, organizou e registrou.
Segundo Gesser (2011), é instrumento teórico-metodológico de intervenção e mudança, pois não
basta organizá-lo, é necessário colocá-lo em ação.
Podemos afirmar que no planejamento feito pelo professor há três momentos que se inter-
relacionam, como se verifica na Figura 1 a seguir.
Figura 1 – Momentos do planejamento

Avaliação Elaboração

Concretização

Fonte: Elaborada pela autora com base em Libâneo, 2013.

Observa-se que o planejamento deve ser dinâmico. Se o professor avaliar que sua organização
pedagógica não está atingindo os objetivos propostos, terá de redimensionar o trabalho. Portanto,
não se avalia apenas a aprendizagem do estudante, mas sobretudo o ensino realizado pelo professor.
O processo de autoavaliação é, pois, fundamental para que os objetivos educacionais propostos
sejam concretizados.
Um dos elementos essenciais para a concretização dos objetivos educacionais propostos no
planejamento é a efetivação de atividades significativas aos estudantes, que promovam reflexão e
desafios considerando a heterogeneidade da turma. Em cada turma há estudantes que aprendem
em ritmos e de formas diferenciadas, cabendo à escola organizar tempos e espaços que contemplem
todos, uma vez que todos são capazes de aprender. Isso não significa que o professor deva fazer
um planejamento para cada estudante. Precisa, porém, considerar cada um deles e suas diferentes
formas de aprender.
As pessoas são únicas e, mesmo que fosse possível criar de forma artificial uma turma
com conhecimentos semelhantes e, portanto, homogênea, pouco tempo depois as diferenças
apareceriam:
é inevitável encontrarmos heterogeneidade nos níveis de conhecimento dos
estudantes, não só no primeiro ciclo, como em todas as etapas da escolarização.
Exatamente porque as pessoas humanas são únicas, mesmo que criássemos,
artificialmente, uma turma de alfabetizandos começando o ano letivo com
níveis de conhecimento muito semelhantes (no que diz respeito à língua escrita
e à sua notação), pouco tempo depois iríamos nos defrontar com a visível
diferenciação nos conhecimentos agregados por aqueles estudantes, na mesma
área de linguagem. (CURITIBA, 2018, p. 7)
Planejar para quem? 43

Sabemos que realizar adequações no planejamento é um desafio, mas se defendemos uma


escola que forme para a democracia, não exclua, acolha, cumpra com sua função social, precisamos
encontrar encaminhamentos didático-pedagógicos que se coadunem às nossas convicções. Utilizar
atividades diferenciadas e diversificadas é um meio de consolidar esses objetivos.
Em atividades diversificadas, o professor busca diferentes estratégias para ensinar o mesmo
conteúdo a todos os estudantes. Utiliza jogos, materiais didáticos diversos, brincadeiras, leituras de
textos (individuais e coletivas), desafios, entre inúmeras outras possibilidades, tornando o assunto
interessante e considerando as diferentes formas de aprender dos estudantes (HOFFMANN, 2005).
Em atividades diferenciadas, o professor verifica que determinado estudante não consolidou
a aprendizagem em certo conteúdo. Considerando os pressupostos legais e baseando-se em uma
concepção de ensino e de aprendizagem segundo a qual todos são capazes de aprender, organiza,
então, uma proposta de trabalho específica para esse estudante, de modo que ele seja contemplado
em suas necessidades de aprendizagem. É a individualização de encaminhamentos metodológicos.
Também com respeito àquele aluno que já consolidou seus conhecimentos em determinado
conteúdo, o professor necessita diagnosticar em que momento da aprendizagem ele está, para propor
novos desafios e problematizações de modo que ele possa continuar avançando (HOFFMANN,
2005). O Quadro 1, a seguir, apresenta as diferenças entre as atividades diversificadas e as atividades
diferenciadas.
Quadro 1 – Atividades diversificadas e diferenciadas

Atividades diversificadas Atividades diferenciadas

Estratégias diversificadas utilizadas pelo professor para Organização de um grupo de estudantes com o mesmo
contemplar uma turma em relação à apresentação e ao nível de conhecimento.
aprofundamento do conteúdo.

Atividades que, de diferentes maneiras, abordam o O professor personaliza um jogo para os estudantes
mesmo conteúdo. para atender a necessidades específicas.

Atividades organizadas tendo em vista as necessidades


de cada um dos estudantes.
Fonte: Elaborado pela autora com base em Hoffmann, 2005.

O professor, diante do currículo oficial (prescrito), dos documentos legais e do PPP da


unidade educativa, que embasam o trabalho na escola, deve organizar seu planejamento de ensino
e de aula, considerando quem são os estudantes e seus interesses.
Assim, o trabalho escolar garante a aprendizagem dos conhecimentos sistematizados
(científicos, históricos e culturais) a que os alunos têm direito, sem deixar de ser sensível aos
sujeitos da aprendizagem.
Nesse sentido, é inconcebível que o professor, enquanto mediador dos processos de ensino
e de aprendizagem, não planeje seu trabalho considerando seus estudantes, levando em conta seus
saberes, suas experiências e a sua pluralidade cultural, com vistas à ampliação e à sistematização do
conhecimento científico a que têm direito.
44 Didática

Como vimos nos capítulos anteriores, ao tratar da história da didática e das tendências
pedagógicas, observamos que não há neutralidade no fazer pedagógico. Dessa forma, se temos uma
concepção humanista de educação e, portanto, de formação humana, a qual defende a integralidade
do sujeito, ao organizar um planejamento precisamos considerar tais questões.
Nessa concepção, a escola buscará formar o sujeito não apenas na dimensão cognitiva,
mas também nas dimensões afetiva, físico-motora, ética, social, lúdica, estética, entre outras,
conforme apresentado na Figura 2.
Figura 2 – Dimensões de um sujeito integral

Dimensão
cognitiva

Dimensão Dimensão
lúdica social

Sujeito
integral

Dimensão Dimensão
estética afetiva

Dimensão
ética

Fonte: Elaborada pela autora com base em Moll, 2013.

Perceba, na Figura 2, que as diferentes dimensões a serem desenvolvidas no espaço


escolar com o sujeito de aprendizagem não são fragmentadas, mas se integram. A esse respeito,
Moll (2013) ressalta a necessidade de a escola reconectar o seu tempo organizacional aos tempos
de aprendizagem e aos tempos de vida do estudante, possibilitando que estes sejam organizados em
função do processo de aprendizagem dos estudantes.
Dizer que a escola deve respeitar os tempos de vida, expressão também utilizada por Arroyo
(2009), significa que ela deve prever os sujeitos da aprendizagem, sua fase de desenvolvimento, suas
vivências, sua cultura e sua história de vida. Durante o planejamento, ao considerar os tempos de
vida, a criança não será tratada como um adulto em miniatura ou um “vir a ser”. No tempo em que
está vivendo, ela já é uma cidadã e tem direito a ter vez e voz no espaço educacional.
Planejar para quem? 45

Para a criança, o seu tempo vivido não é fragmentado em grades horárias e o conhecimento
dividido em aulas de cinquenta minutos não lhe faz sentido. Assim, se a escola busca formar para
a integralidade do sujeito, necessita buscar planejamentos em que a curiosidade, a imaginação,
o desafio, a criatividade e o diálogo sejam suas premissas.
Esse tempo continuum é o tempo relacionado à vida dos estudantes, em que não há a
preocupação em vencer os conteúdos previstos para determinados períodos ou com o número de
componentes curriculares a serem aprendidos. Nesse sentido, Moll (2013) ressalta a importância
de aproximar o tempo do relógio, dos cronogramas e dos calendários escolares aos tempos de
vida dos estudantes, pois a escola precisa cumprir esse tempo institucional – regido culturalmente
pela sociedade e pela legislação –, mas não pode perder de vista sua finalidade e o público a que
se destina. Para colocar essa concepção em prática no cotidiano escolar, é preciso:
• considerar quem são os estudantes para os quais ensinamos;
• elaborar planejamentos que considerem os diferentes tempos de aprendizagem;
• contextualizar os conhecimentos a serem ensinados, de forma que os estudantes se sintam
desafiados a aprender;
• planejar atividades diferenciadas e diversificadas;
• avaliar o planejamento e, se necessário, replanejar;
• considerar os espaços educativos como elementos curriculares a serem planejados e
mediados na organização do planejamento;
• observar os estudantes e com eles dialogar, não se posicionando de forma autoritária.
Outras ações podem ser sugeridas a fim de efetivar uma proposta que escute e observe
quem são os sujeitos da educação. É essa reflexão que traremos a você na próxima seção, na qual
trataremos dos desafios do professor na construção do conhecimento com os estudantes.

3.2 Os desafios na construção do conhecimento


Como já destacamos anteriormente, não basta ao professor registrar o que pretende realizar
com seus estudantes para que avancem nos processos de aprendizagem. É necessário que coloque
em prática o que registrou, avalie seu planejamento continuamente e, se preciso, realimente,
reorganize e retome suas proposições.
O professor comprometido com concepções progressistas de educação é engajado na luta
contra o fracasso escolar. Ao organizar seu trabalho pedagógico e colocá-lo em prática, terá uma
postura acolhedora com todos os estudantes, independentemente de sua origem social, etnia
ou gênero.
A didática, segundo Candau e Koff (2015), sempre interagiu com os contextos históricos e
com as diferentes teorias que buscavam explicar como as crianças aprendem e como o professor
deve ensinar. Em nosso país, principalmente após a reabertura democrática, nos anos 1980,
desenvolveu-se uma perspectiva crítica em defesa do direito à educação.
46 Didática

De acordo com Ferreira e Souza (2018), do jornal O Globo, houve uma queda no número
de matrículas no ensino fundamental, que, segundo os estatísticos do Ministério de Educação
e Cultura (MEC) entrevistados, é explicada pela mudança no perfil demográfico da população,
ou seja, há menos estudantes ingressando na etapa. Para o MEC, o ensino fundamental está
universalizado em 99%, o que traz à educação brasileira outros desafios: o direito à matrícula
está quase consolidado, necessitamos conquistar a efetivação do direito à aprendizagem.
Ao pensarmos na qualidade dos processos de ensino ofertados a esses estudantes, ainda
temos muito a conquistar em nosso país. Nós, educadores, precisamos compreender que a escola
da nossa infância, com suas concepções, metodologias e formas de ensino fundamentadas em
pressupostos tradicionais, em que o controle, a disciplina, o silêncio e o exercício de repetição e de
memorização eram imperativos já não mais funciona.
Conforme Arroyo (2009), é necessário quebrar a imagem que temos da infância e de nossa
postura profissional, pois muitas vezes repetimos uma imagem romantizada da docência: somos
aqueles que regam a plantinha do conhecimento ou que moldam as massinhas em transformação.
Os estudantes seriam as plantinhas, sensíveis, quietinhas e prontas para serem cuidadas.
Essa imagem, segundo o autor, não mais define a infância nem a adolescência.
Diante desses conflitos, para Arroyo (2009) há um mal-estar fecundo, pois, ao enfrentá-
-los, podem-se construir novas configurações para docentes e discentes: estudantes reais, com
seus tempos de vida, com suas vivências e com suas culturas. Sim, os estudantes têm cultura!
E elas são múltiplas! Relatamos, a seguir, uma experiência com formação continuada de professores.

Exemplo:
Recebemos um convite para falar a docentes sobre indisciplina na escola.
A queixa era de que os estudantes não prestavam atenção, não faziam
tarefas e não se comportavam. Refletimos com os profissionais sobre o
PPP da escola, levantando questões relativas a planejamento, currículo e
avaliação. No início, indignação: “Como assim? Não há fórmulas mágicas
nem receitas de contenção de estudantes?” Esperavam um milagre, uma
apostila, o que não houve. Precisamos olhar para a realidade, realizar
diagnósticos sobre a comunidade local e a comunidade educativa,
traçar objetivos, metas, questionando-nos: qual a nossa função
diante desse diagnóstico? O planejamento se faz após uma avaliação
diagnóstica. A indignação deu lugar à reflexão sobre os tempos e os
espaços organizados e mediados para aprendizagem. O saldo final foi
positivo: após a discussão coletiva, compreendeu-se que cabe à escola
oferecer estratégias organizacionais sem fundamentar-se em pedagogias
tradicionais: silêncio, atividades repetitivas, contenção e culpabilização
dos estudantes.
Planejar para quem? 47

Conforme Arroyo (2009), é necessário trazer os estudantes para o centro do nosso olhar e
superar a imagem de alguém que está pronto a obedecer, dócil e que se não fizer a atividade estará
pronto a aguardar uma punição. Se o professor ainda tiver essa concepção, os conflitos em sala
de aula serão maiores. O estudante da atualidade já não aceita mais um professor disciplinador,
autoritário e que exige silêncio absoluto.
O silêncio, em uma perspectiva progressista, ocorrerá de acordo com as propostas do
professor: haverá os momentos de pesquisa, que vão exigir silêncio, e os momentos de trabalho em
grupo, quando ocorrerá diálogo e movimento do estudante.
Como podemos superar esse imaginário e cumprir nossa função diante do desafio de
garantir o direito à aprendizagem?
Arroyo (2009) ressalta que há escolas que vêm encontrando possibilidades variadas de se
aproximar de imagens mais reais de quem sejam seus alunos: oficinas, dias de encontro, comunidade
na escola, entre outras. O importante é mudar o olhar, pois só assim a didática muda também.
Hoje, conforme Libâneo (2013), é necessário que os professores eduquem para o diálogo e
para a democracia, considerando a heterogeneidade das turmas e possibilitando encaminhamentos
didático-pedagógicos que privilegiem as diferenças entre os estudantes e suas múltiplas culturas e
formas de aprender.
Luckesi (1994) discute a função do professor na práxis pedagógica. Para o autor, ele é o
mediador entre a cultura elaborada pela humanidade (saber científico) e o estudante (que tem
saberes também). O docente deve, então, ser capacitado a compreender sua própria realidade,
a sociedade em que vive, suas contradições e injustiças e suas possibilidades de transformação.
Ainda segundo Luckesi (1994), além de dominar os conhecimentos científicos a serem
ensinados aos estudantes, o professor necessita ter compromisso político, caso contrário, ao
realizar os encaminhamentos metodológicos, ele se limitará a reproduzir o conhecimento já posto
sem relacioná-lo aos contextos históricos e sociais. Assim, o professor tem o desafio de buscar
permanentemente a competência teórica e a competência técnica.
Cabe, ainda, destacar a importância da mediação do professor, fundamentada na teoria de
Vygotsky (1991), conforme esquematizado na Figura 3.
Figura 3 – Importância da mediação do professor

Mediação

Zona de Zona de Zona de


desenvolvimento desenvolvimento desenvolvimento
real proximal potencial

ZDR ZDP

Fonte: Elaborada pela autora com base em Vygotsky, 1991.


48 Didática

O professor mediador atua na zona de desenvolvimento proximal, que é a distância entre


a zona de desenvolvimento real e a zona de desenvolvimento potencial. Ao mediar, lançando
desafios, problematizações, auxiliando o estudante a avançar no processo de consolidação das
aprendizagens, o professor contribui para que o estudante tenha autonomia e desenvolva suas
potencialidades.
Esse processo de aprendizagem no espaço escolar é permanente e sistemático, pois
conforme o estudante consolida aprendizagens e desenvolve-se, o professor organiza outras
mediações para que o estudante avance de maneira sucessiva.
• Zona de desenvolvimento real: o estudante realiza sozinho.
• Zona de desenvolvimento proximal: o professor atua a fim de consolidar aprendizagens.
• Zona de desenvolvimento potencial: o estudante realiza, com a mediação do professor,
aquilo que não conseguiria realizar sozinho. É uma perspectiva das aprendizagens que se
consolidarão no futuro.

Para o teórico, a aprendizagem começa muito antes de a criança frequentar a escola. Logo,
quando o professor planeja algo a ser trabalhado, esse saber já tem uma história prévia. Vygotsky
(1991) explica que o professor, ao ensinar as operações matemáticas, muitas vezes não considera
que a criança teve experiências com elas sem que houvesse uma sistematização: ao brincar com os
colegas ou ao realizar uma compra com a família, por exemplo. O professor realizará intervenções
para que o estudante ultrapasse o conhecimento vivencial de senso comum, rumo a um
saber científico.
Outro ponto relevante da teoria de Vygotsky (1991) refere-se à função da escola.
Segundo ele, um ensino direcionado para o que a criança já sabe é ineficaz, pois não a faz
avançar. Assim, um bom ensino se adianta ao desenvolvimento, uma vez que a aprendizagem
gera desenvolvimento. Cabe ao professor organizar situações estratégicas para que o estudante
se desenvolva continuamente.

3.3 O papel do professor na gestão de sala de aula


A gestão de sala de aula pressupõe que o docente organize seu trabalho fundamentando-se
no PPP da escola, que prevê concepções de ensino e de aprendizagem a serem colocadas em prática
por meio das intervenções do docente.
Este, comprometido com a visão de sujeito que deseja formar, planeja seu trabalho em prol
da emancipação, da autonomia, da reflexão sobre a prática educativa e da contextualização do
conhecimento a ser ensinado. Assim, estabelece pontes entre os saberes advindos da cultura local
dos estudantes e o saber socialmente elaborado, cumprindo sua função social de mediador no
processo de ensino e de aprendizagem.
Ao pautar o trabalho pedagógico em Freire (1996), para quem ensinar não é transferir o
conhecimento, mas criar condições para a aprendizagem, o professor planejará um ambiente
educativo em que o diálogo esteja presente, considerando quem são os estudantes e o conhecimento
a ser ensinado a eles.
Planejar para quem? 49

Dessa forma, quando não há avanço no processo de construção do conhecimento por


algum estudante, reorganiza-se o trabalho pedagógico. Assim, avaliação e planejamento são
correlacionados. Planeja-se e, caso não haja aprendizagem, o que é verificado na avaliação,
replaneja-se, pois o objetivo é garantir o direito de aprender.
Nessa perspectiva, o professor será aquele que, diante do objeto do conhecimento, instiga o
estudante para que possa ter curiosidade, ao mesmo tempo que respeita os saberes que ele trouxe
de suas vivências.

Exemplo:
O professor verifica que na Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
os estudantes de 2º ano devem estar alfabetizados. Diante dessa
determinação do documento, o docente organiza um ambiente educativo
propício à alfabetização e ao letramento. Assim, realiza avaliações
diagnósticas para verificar quem ainda não consolidou as aprendizagens
necessárias para o ano em curso e organiza estratégias a fim de que
todos continuem avançando no processo de apropriação da leitura e da
escrita. Realizando essas ações técnico-pedagógicas, o professor também
não pode deixar de lado o vínculo com seus estudantes, a alegria da
convivência, da descoberta e da dialogicidade, apregoada por Freire
(1996). Na gestão de sala de aula em que há esse vínculo professor-aluno,
os saberes advindos dos estudantes serão considerados.

Vasconcellos (2011) também chama atenção para a necessidade de o professor criar vínculos
com os estudantes, tendo em vista que o processo de ensino-aprendizagem é um encontro que gera
crescimento para ambos, já que ao ensinar, o professor também aprende. Empático e sensível à
realidade dos estudantes, o docente buscará colocar em prática um currículo emancipador.
Sem essa postura, o professor tenderá a agir de forma autoritária e atribuirá a não
aprendizagem dos estudantes à falta de atenção, a problemas de saúde, à estrutura familiar,
entre outras explicações de senso comum que desconsideram o sujeito. Na Figura 4, a seguir,
podemos observar diferenças entre professores autoritários e professores com autoridade
pedagógica.
Figura 4 – Autoritarismo x Autoridade do professor
Stokkete/Shutterstock

wavebreakmedia/Shutterstock

×
Fonte: Elaborada pela autora.
50 Didática

Ao observarmos a Figura 4, podemos nos remeter à nossa história como estudantes,


com certeza tivemos as duas experiências. O professor à esquerda representa docentes autoritários,
que não aceitam a opinião dos estudantes, não admitem erros, procuram meios de justificar a
reprovação dos estudantes e não suas aprendizagens. À direita, vemos um professor que tem
autoridade pedagógica sobre o conhecimento a ser ensinado, como também sobre a turma.
Vê o erro como uma oportunidade para retomar o conteúdo, reavaliar sua metodologia e explicitar
os avanços dos estudantes.
Quando decidimos ser professores, precisamos ser guiados por exemplos inspiradores,
além do conhecimento teórico e prático a ser conquistado nessa trajetória.
Ensinar, portanto, não é uma questão de dom ou de levar jeito. Ensinar, segundo Freire
(1996), exige rigorosidade metódica, ou seja, há necessidade de organizar o ensino, de maneira que
o estudante se sinta instigado a saber mais, a questionar, a comparar, a superar seus conhecimentos
advindos de outros grupos sociais.
Para o autor, ensinar não pode se distanciar da pesquisa, pois como aguçar a curiosidade dos
estudantes para que procurem outras formas de chegar à mesma resposta se o professor também
não exercer a “curiosidade epistemológica” (FREIRE, 1996)? É a superação da visão ingênua sobre
o conhecimento, a sociedade, o ensino e a aprendizagem.
Schön (1992) definiu princípios fundamentais para que os profissionais desenvolvam
uma prática reflexiva sobre o seu trabalho, trazendo-nos elementos para discutirmos a formação
continuada de um professor pesquisador e, portanto, reflexivo. Vejamos esses princípios na
Figura 5 a seguir.
Figura 5 – Princípios fundamentais para um professor pesquisador reflexivo

Conhecimento
na ação

Professor
pesquisador
e reflexivo
Reflexão Reflexão
sobre a na ação
reflexão na ação

Fonte: Elaborada pela autora com base em Schön, 1992.

Nesse viés proposto por Schön, o professor necessita gerir a sala de aula com conhecimento
sobre a ação pedagógica, assim como deve ter conhecimento da especificidade do componente
curricular a ser ensinado. Para alfabetizar os estudantes, além de conhecer teorias sobre
alfabetização e letramento, necessita saber como colocar esses saberes em prática, construindo
um ambiente alfabetizador propício à aprendizagem e considerando aquilo que os alunos
já sabem.
Planejar para quem? 51

No momento em que está colocando em prática seu planejamento, o professor necessita


buscar na interação com os estudantes encontrar a melhor maneira de se comunicar com eles, de
interagir e de propor encaminhamentos, a fim de que aprendam. Ao refletir na ação, o professor se
analisa, avaliando se a forma como propôs os encaminhamentos didático-pedagógicos foi a mais
adequada ou se poderiam ser diferentes, com outras configurações.
Finalmente, ao refletir sobre a reflexão na ação, o professor se distancia do seu próprio fazer
pedagógico, analisando se poderia ter pensado de outra forma, se não há outros elementos da
prática ou da teoria que possam ser revistos, retomados ou reorganizados.

Considerações finais
O professor, quando pautado por concepções progressistas em educação, não apenas
organiza seu planejamento, com propostas desafiadoras e problematizadoras, mas interage com os
estudantes de modo que a dialogicidade esteja presente em todos os seus encaminhamentos.
Interagindo com os estudantes, reconhece-os como sujeitos da aprendizagem, que não
apenas assimilam o conhecimento, mas o transformam e o relacionam à vida em sociedade.
Para propiciar essa ação sobre o objeto do conhecimento, o professor necessita pautar-se em
ações reflexivas, que, segundo Schön (1992), ocorrem em três momentos: conhecimento na ação,
reflexão sobre a ação e reflexão sobre a reflexão na ação, permitindo ao docente uma gestão de sala
de aula que ultrapasse o fazer técnico.

Ampliando seus conhecimentos


• HOFFMANN, Jussara. Avaliação: mito e desafio – uma perspectiva construtivista. Porto
Alegre: Mediação, 2003.
É o primeiro livro escrito por Hoffmann e traz discussões sobre a importância de uma
avaliação dialógica em que o professor também se avalia ao longo do processo de ensino.
Traz questionamentos para a reflexão do professor, tais como: o professor tem refletido
sobre as atividades realizadas pelos alunos? Como utiliza essas reflexões em prol das
aprendizagens dos estudantes? Ao planejar, considera-se a avaliação da aprendizagem
e sua autoavaliação? Essas e outras reflexões que envolvem a concepção de avaliação
mediadora defendida pela autora, trazem ao leitor a perspectiva de que a avaliação deve
ocorrer em função da aprendizagem e não da exclusão.

• MOLL, Jaqueline (org.). Os tempos da vida nos tempos da escola: construindo possibilidades.
Porto Alegre: Penso, 2013.
Este livro, organizado por Jaqueline Moll, propõe-se a debater e refletir sobre possibilidades
de se considerar os tempos de vida dos estudantes na organização pedagógica da escola.
A obra reúne a produção de diferentes educadores que investigaram possíveis caminhos a
serem trilhados, tendo em vista a consolidação da educação integral no país.
52 Didática

• ALIKE. 2017. 1 vídeo (8 min). Publicado pelo canal MindEduca. Disponível em: https://
www.youtube.com/watch?v=UATPH44jRSw. Acesso em: 7 maio 2019.
O filme retrata a necessária sensibilidade e interação para educar uma criança. Paste,
um menino alegre que gosta de desenhar e de ouvir música, quer mostrar ao pai Copi o
que aprende e o que faz. Porém, o pai, envolvido nas obrigações no dia a dia, preocupa-
-se em fazer o filho seguir regras, sem interação e sem reflexão, o que torna Paste uma
criança triste.

Atividades
1. Como o professor pode organizar seu planejamento pautando-se na teoria da zona de
desenvolvimento proximal de Vygotsky?

2. Por meio dos aprendizados adquiridos com a leitura deste capítulo, contra-argumente a
seguinte afirmação: “leva jeito para ensinar, nasceu com o dom!”

3. Compare atividades diferenciadas e atividades diversificadas.

Referências
ARROYO, Miguel G. Imagens quebradas: trajetórias e tempos de alunos e mestres. Petrópolis: Vozes, 2009.

CANDAU, Vera Maria Ferrão; KOFF, Adélia Maria Nehme Simão. A didática hoje: reinventado caminhos.
Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 40, n. 2, p. 329-348, abr./jun. 2015. Disponível em: http://www.scielo.
br/pdf/edreal/v40n2/2175-6236-edreal-46058.pdf. Acesso em 1 maio 2019.

CURITIBA. Secretaria Municipal de Educação. Integrando saberes: aproximação entre Língua Portuguesa e
Matemática. Curitiba: SME, 2018.

FERREIRA, Paula; SOUZA, André. Censo escolar 2017: cai o número de matrículas da educação básica.
O Globo, 31 jan. 2018. Disponível em: https://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/censo-escolar-2017-
cai-numero-de-matriculas-na-educacao-basica-22347576. Acesso em: 29 mar. 2019.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra,
1996.

GESSER, Verônica. O planejamento educacional: da gênese histórico-filosófica aos pressupostos da prática.


Curitiba: CRV, 2011.

HOFFMANN, Jussara. Avaliar para promover: as setas do caminho. Porto Alegre: Mediação, 2005.

LIBÂNEO, José Carlos. Organização e gestão da escola: teoria e prática. São Paulo: Heccus, 2013.

LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da educação. São Paulo: Cortez, 1994.

MOLL, Jaqueline (org.). Os tempos da vida nos tempos da escola. In: MOLL, Jaqueline. Os tempos da vida
nos tempos da escola: construindo possibilidades. Porto Alegre: Penso, 2013.

SCHÖN, Donald. Formar professores como profissionais reflexivos. In: NÓVOA, António. (org.). Os
professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992.

VASCONCELLOS, Celso dos S. Currículo: a atividade humana como princípio educativo. São Paulo:
Libertad, 2011.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991.


4
Avaliação da aprendizagem: possibilidades de
reorganização do planejamento

Neste capítulo, primeiramente situaremos as três dimensões ou níveis de avaliação


educacional: avaliação de sistema ou de larga escala, avaliação institucional e avaliação da
aprendizagem, explicitando a inter-relação entre elas e suas especificidades.
Em seguida, abordaremos as características da avaliação da aprendizagem em uma
perspectiva emancipatória e democrática, o que permite ao professor realizar mediações tendo em
vista a consolidação das aprendizagens.
Com base na avaliação que considera o estudante como sujeito histórico e que, portanto,
chega com conhecimentos prévios sobre os saberes científicos trabalhados na escola, refletiremos
sobre a importância de o professor mediador organizar seu planejamento diante de propostas
avaliativas diagnósticas e formativas.
Nesse sentido, o professor precisa planejar a avaliação da aprendizagem e decidir quais
instrumentos de verificação utilizará para analisar os avanços dos estudantes, bem como suas
dificuldades, tendo em vista a retomada de seus encaminhamentos e a premissa de que todos são
capazes de aprender.

4.1 Avaliação e planejamento ou planejamento e avaliação?


A avaliação, de acordo com Freitas et al. (2009), sempre impacta as pessoas, pois,
independentemente dos espaços sociais em que ocorram e da intencionalidade, podem gerar
mudanças positivas, qualificação ou exclusão e julgamento.
Em uma perspectiva emancipatória, a avaliação e o planejamento têm uma relação intrínseca,
pois, ao realizar uma avaliação diagnóstica, o planejamento ocorrerá, tendo em vista a efetivação de
ambientes educativos em prol do direito à aprendizagem. Colocado em prática, esse planejamento
será avaliado, a fim de ser realimentado, revisto e redimensionado. Dessa forma, avalia-se não
apenas o estudante, mas também os processos de ensino.
Portanto, a avaliação educacional, segundo Freitas et al. (2009), ocorre em três níveis
ou dimensões: avaliação em larga escala ou de sistema, avaliação institucional e avaliação da
aprendizagem.
Os três níveis convergem, mas cada um mantém sua especificidade. Enquanto a avaliação
de sistema ou de larga escala opera em nível macro, a avaliação institucional e a avaliação da
aprendizagem ocorrem dentro do espaço escolar. Leia, a seguir, a explicação de cada nível de
avaliação educacional, fundamentada em Freitas et al. (2009).
54 Didática

• Avaliação de sistema ou de larga escala: avalia os processos de ensino de forma macro,


o que permite a reorientação ou o planejamento de políticas públicas. É instrumento
global de avaliação das redes de ensino e, segundo Freitas et al. (2009), possibilita
verificar tendências ao longo do tempo. Quando utilizada de maneira não classificatória
ou excludente, permite ao Estado análises diagnósticas sobre a qualidade do trabalho
educativo e do investimento público para melhoria dos processos educacionais.
• Avaliação institucional: deve estar pautada no modo como o Projeto Político Pedagógico
coloca em ação a sua concepção de ensino, de aprendizagem, de avaliação, de gestão
democrática, de ambiente educativo, entre outros elementos essenciais do trabalho
educativo, tendo em vista a consolidação das aprendizagens. Assim, a comunidade
escolar (professores, pedagogos, funcionários, famílias e estudantes) avalia a organização
do trabalho pedagógico realizado pela escola, discutindo e articulando os elementos
avaliados a um diagnóstico da unidade educativa, o qual possibilita gerar um plano de
ação coletivo em que se estabelecerão responsabilidades, objetivos, estratégias, recursos,
tempos e espaços para melhoria do trabalho educacional.
• Avaliação da aprendizagem: é organizada pelo professor com vistas a verificar como os
estudantes estão aprendendo o que lhes é ensinado. Nesse nível, o docente deve também
realizar uma autoavaliação, pois, ao analisar sua turma e o percurso de aprendizagem de
cada estudante, pode verificar a necessidade de replanejamento do ensino.

Segundo Luckesi (2018), a avaliação da aprendizagem não pode mais ser a tirana, se
desenvolvida em uma perspectiva acolhedora, trará dados para os profissionais da escola
reorganizarem o trabalho pedagógico. Se o estudante não aprendeu, avalia-se também o ensino,
as estratégias, os encaminhamentos e a organização do ambiente educativo, a fim de retomar o
planejamento e as ações dele decorrentes.
O autor destaca a diferença entre avaliação e verificação. Enquanto a avaliação direciona-se
para o futuro, para a mediação do professor e com vistas à aprendizagem, na verificação há apenas
constatação de como o estudante está naquele determinado momento.
Um dos equívocos mais comuns no processo de ensino e de aprendizagem é deixar a avaliação
apenas para o final de um conteúdo trabalhado. Nessa perspectiva, o planejamento é realizado
somente no início e a avaliação ao término do trabalho, como se não houvesse possibilidade de
retomadas no meio desse caminho. No processo de execução do planejamento, se o professor
percebe que seus encaminhamentos não estão surtindo os efeitos desejados, ele deve retomar seu
trabalho; caso contrário, a tendência é culpar o estudante por não ter aprendido.
Para Freitas et al. (2009), o ato avaliativo dentro de sala de aula deve estar inter-relacionado
ao Projeto Político Pedagógico da escola. Se a instituição se pauta por uma visão emancipatória
de sujeito da aprendizagem, a avaliação não pode ser classificatória. Essa relação pode ser vista na
Figura 1 a seguir.
Avaliação da aprendizagem: possibilidades de reorganização do planejamento 55

Figura 1 – Relação entre o Projeto Político Pedagógico e a avaliação da aprendizagem

Avaliação da aprendizagem: diagnóstica e


Estudante: aprende de forma ativa, é um formativa.
cidadão. Todos são capazes de aprender. Avalia-se para intervir, mediar, retomar o
Professor: mediador, organiza o planejamento planejamento.
e a avaliação de modo a colocar em prática as Avalia-se para que a aprendizagem aconteça.
concepções dispostas no PPP.
Avalia-se para incluir, pois todos são capazes
Gestão: democrática de aprender.
Sociedade que se deseja: democrática, O professor também se avalia e é avaliado, não
superando todo tipo de discriminação e para buscar rótulos, mas para que se aprimore
exclusão social. Sociedade inclusiva. e busque formação continuada e apoio na
equipe gestora.

Fonte: Elaborada pela autora com base em Luckesi, 2018.

Ao observar essa correlação, reforçamos a necessidade de coerência entre o que está disposto
no PPP da escola e o que se coloca em prática nos processos de ensino e de aprendizagem. Dessa
forma, se no PPP da escola consta que o estudante é aquele que aprende de forma ativa, o professor
é mediador, a avaliação da aprendizagem é formativa, diagnóstica e processual, cabe ao professor
realizar encaminhamentos pedagógicos coerentes com o que o documento maior da escola afirma.
Caso se verifique que o professor está agindo de forma contrária ao direito à aprendizagem dos
estudantes, cabe à equipe gestora redirecioná-lo para que se fundamente no PPP da unidade
educativa.
A avaliação escolar é um meio e não um fim em si mesma; está delimitada por
uma determinada teoria e por uma determinada prática pedagógica. Ela não
ocorre num vazio conceitual, mas está dimensionada por um modelo teórico
de sociedade, de homem, de educação e, consequentemente, de ensino e de
aprendizagem, expresso na teoria e na prática pedagógica (CALDEIRA, 1997,
p. 122).

Dessa forma, está ao alcance do professor desenvolver uma postura avaliativa condizente com
a proposta educativa que supere a classificação e o rótulo. Ao propor avaliações em uma perspectiva
emancipatória, o professor concretiza as diferentes funções da avaliação da aprendizagem.
• Avaliação diagnóstica: ocorre não apenas no início do ano letivo, mas em diferentes
momentos, para que o professor avalie se o seu planejamento tem atingido os estudantes.
Considera o conhecimento prévio destes, que se deve levar em conta nos encaminhamentos
pedagógicos a serem realizados, tendo em vista o avanço na construção do conhecimento.
Realizam-se diagnósticos para que seja possível a mediação e, assim, o avanço do estudante
e não a sua reprovação. O foco é a aprendizagem, superando a mera verificação.
56 Didática

• Avaliação formativa: ocorre ao longo do processo, continuamente. Pressupõe o diálogo


permanente entre professor e estudante, pois este deve estar ciente do que já avançou
e o que ainda precisa consolidar em suas aprendizagens. O erro é visto como percurso
para as aprendizagens e não como parte do julgamento para a exclusão ou classificação.
O professor se vale de inúmeros instrumentos avaliativos a fim de acompanhar e intervir
no processo de aprendizagem do estudante (ESTEBAN, 2004). A avaliação formativa é
regulatória dos processos de ensino, o que, de acordo com Perrenoud (1999), pressupõe
organizar encaminhamentos didático-pedagógicos diferenciados aos estudantes, de
acordo com suas necessidades.
Observa-se que não basta utilizar diferentes instrumentos de verificação ou de análise das
aprendizagens, é necessário que a concepção de ensino e de aprendizagem favoreça a democracia
e, dessa forma, também o direito à aprendizagem. Caso contrário, os diferentes instrumentos de
verificação apenas servirão para comprovar que alguns estudantes não conseguem aprender.

4.2 Planejando a avaliação


Para assumir um caráter mediador e transformador, a avaliação da aprendizagem não pode
ocorrer aleatoriamente. Deve ser organizada pelo professor, com apoio da equipe pedagógica,
de maneira planejada e articulada com os demais processos de ensino.
O olhar avaliativo na perspectiva mediadora, segundo Hoffmann (1991), exige do professor
observar o percurso de aprendizagem de cada estudante, o que pressupõe uma concepção de
educação como direito e não como favor, em que o docente registra os avanços e os desafios a
serem superados e reflete sobre os caminhos a serem seguidos.
O registro do professor, guiado pelo direito à aprendizagem, será base para o replanejamento.
Assim, essas observações não são direcionadas com base na nota do estudante, pois esse número
não revela o que ele sabe ou o que ainda precisa aprender. As observações registradas dizem respeito
ao que já está consolidado no processo de aprendizagem e o que ainda precisa de mediação para
se consolidar. Servem também para que o professor, ao refletir sobre seus registros, reorganize sua
prática pedagógica.
Assim, avaliação é, segundo Hoffmann (1991), reflexão transformada em ação, pois não se
avalia para fazer julgamentos, mas para acompanhar o estudante em sua aprendizagem. Avaliar é
estar lado a lado do aluno, orientando, mediando e intervindo a fim de promover a construção do
conhecimento. O professor, portanto, buscará conhecer as estratégias do pensamento do estudante,
observando, registrando e refletindo sobre como ele resolveu os desafios propostos, contribuindo,
assim, para que a escola seja inclusiva e de qualidade.
Fundamentando-se nesses pressupostos, o professor pode organizar e planejar diferentes
instrumentos avaliativos que gerem registros de acompanhamento da aprendizagem dos
estudantes: provas, trabalhos individuais e coletivos, debates, exposições orais, painéis, registros
individuais ou coletivos sobre as estratégias utilizadas para a resolução de desafios propostos,
entre outros. Isso significa que o professor não pode pautar a avaliação da aprendizagem em
Avaliação da aprendizagem: possibilidades de reorganização do planejamento 57

um único momento de análise ou de correção de atividades. Ele precisa investigar como o


estudante pensa sobre os conhecimentos científicos e, então, realizar as mediações.
Utilizando diferentes instrumentos avaliativos, o professor tem mais possibilidades de
registrar o avanço dos estudantes e realizar seu replanejamento. Uma das formas mais eficazes
de acompanhar o percurso da aprendizagem é o portfólio, que, segundo Zílio (2010), é o
instrumento de registro que permite superar a visão de que o professor é o “examinador” e
o estudante, o “examinado”.
Com esse instrumento de registro, o estudante tem condições de refletir sobre seu próprio
processo de aprendizagem, verificando o quanto já avançou e os desafios que ainda precisa superar
para consolidar conhecimentos. Professor e estudante podem comparar as primeiras atividades
com as últimas, analisando o resultado do trabalho de ambos.
O trabalho com o portfólio tem se apoiado em seis princípios básicos: a
construção pelo próprio aluno, possibilitando-lhe fazer escolhas e tomar
decisões; a reflexão sobre as suas produções; a criatividade, porque o aluno
escolhe a maneira de organizar o portfólio e busca formas diferentes de aprender;
a autoavaliação pelo aluno, porque ele está permanentemente avaliando o seu
progresso; a parceria professor-aluno e entre alunos, eliminando-se ações e
atitudes verticalizadas e centralizadoras; a autonomia do aluno perante o
trabalho (VILLAS BOAS, 2005, p. 295).

Dessa forma, ao organizar registros sobre o percurso da aprendizagem dos estudantes


por meio de portfólios, o professor precisa desconstruir posturas autoritárias e verticalizadas de
avaliação da aprendizagem.
Na concepção emancipatória e mediadora de avaliação da aprendizagem, observa-se,
registra-se e medeia-se. Há desenvolvimento da autonomia, da reflexão, do compartilhamento de
informações, da criatividade do estudante e do uso de diferentes linguagens para expressar o que
vem sendo consolidado.
Para elaborar portfólios que não se limitem a organizar os diferentes materiais produzidos
pelos estudantes, sugerimos alguns elementos balizadores com base em Villas Boas (2005) e em
Shores e Grace (2001):
• Identificação: nome do estudante, da escola, dos professores e ano letivo. O estudante
pode personalizar essa capa.
• Organização das atividades: em conjunto com o estudante, decide-se como serão
sistematizadas as propostas a serem colocadas no portfólio, se por área do conhecimento,
por projetos, por atividades etc. Nem todas as atividades realizadas serão contempladas
no portfólio. Será selecionado o que é significativo para compor uma amostragem do que
foi desenvolvido pelo estudante.
• Demonstração do percurso: datas das atividades, consigna das atividades (breve resumo
do objetivo da atividade selecionada), registro do estudante sobre a escolha da atividade
para compor o portfólio.
58 Didática

• Flexibilidade: se o estudante escolher uma atividade considerada significativa para


demonstrar seu percurso de aprendizagem, mas após um período realizar outra demons-
trando que ele está no mesmo patamar e comunica com mais clareza sua aprendizagem, o
estudante, em diálogo com o professor, tem autonomia para realizar a substituição.
• Fichas de autoavaliação: o estudante pode registrar como enxerga seu percurso de
aprendizagem.

Quando nos propomos a elencar esses elementos na organização dos portfólios, não estamos
afirmando que são passos a serem seguidos. O que esperamos é criar instrumentos de registro
de avaliação que permitam ao professor e ao estudante se autoavaliarem. O estudante avalia seu
percurso de aprendizagem e o professor, seu processo de ensino.
É importante destacar que uma avaliação por meio de portfólios não exclui outras formas de
registro de acompanhamento da aprendizagem do estudante, como fichas avaliativas de observação
e cadernos de registro do professor, imagens, filmagens, autoavaliação do estudante, avaliação do
que este produz em seu caderno, entre outros.
É claro que todos esses elementos podem compor o portfólio, porém, como esse é um
instrumento que pressupõe certa autonomia, cabe aos envolvidos no processo educativo analisar
se ele cumpre sua função como avaliação processual e formativa. Se percebem que essa avaliação
não alcança os propósitos de consolidar a concepção emancipatória, é necessário revê-la.
O portfólio é um instrumento que possibilita visualizar as aprendizagens. Caso o docente
ainda esteja apegado a notas ou a médias escolares, é um meio de ele sensibilizar o olhar para as
diferentes estratégias que os estudantes elaboram ao resolver uma situação-problema ou mesmo
reconhecer seus “erros”.
Olhar o erro dos estudantes de forma reflexiva desencadeia um questionamento a respeito
dos processos de ensino, o que possibilita ao professor rever suas estratégias didáticas, de modo
que haja avanços nos processos de aprendizagem (HOFFMANN, 1991).

4.3 Reflexões sobre processos avaliativos


A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN n. 9.394/1996) determina que a
avaliação da aprendizagem ocorra de forma processual e formativa, com os aspectos qualitativos
sobrepondo-se aos aspectos quantitativos. Dessa forma, os sistemas de ensino e as escolas buscam
encontrar políticas e estratégias para que a aprendizagem seja o foco do fazer educativo.
A legislação vigente e os estudos sobre avaliação pautados em concepções emancipatórias
buscam superar as concepções classificatórias de avaliação em que o rótulo, a exclusão e a
dificuldade de aprendizagem estão no discurso e no fazer pedagógico.
Quantos professores ainda hoje utilizam a avaliação da aprendizagem como instrumento
de poder e de coação, atribuindo notas ou conceitos que, segundo Luckesi (2018), padronizam
os estudantes? Muitos professores afirmam ser necessário que os estudantes aprendam com
um sistema classificatório, com a finalidade de integrá-los à sociedade, pois esta utiliza-se
de mecanismos para classificá-los enquanto indivíduos. Para esses docentes, as avaliações
Avaliação da aprendizagem: possibilidades de reorganização do planejamento 59

excludentes selecionam os indivíduos para o mercado de trabalho, um concurso público ou


o vestibular. No entanto, é preciso entender o objetivo real da avaliação. Se o estudante está
na escola, cuja função é garantir a aprendizagem, seria contraditório utilizar-se de elementos
organizativos do trabalho pedagógico que resultem na exclusão desse direito.
Hoffmann (1991) questiona as justificativas que alguns professores utilizam para manter
uma avaliação pautada em exames, sem considerar o percurso de aprendizagem dos estudantes:
• Os alunos são imaturos.
• Os alunos são desinteressados.
• Os alunos não têm comportamento adequado, logo não merecem passar de ano.
A autora pondera que essa perspectiva de avaliação educacional está fundamentada em
uma concepção comportamentalista da educação, pois supervaloriza as informações transmitidas
aos estudantes e supõe que eles devam responder do mesmo modo, reproduzindo o que lhes foi
transmitido. O aluno é um receptor passivo dos conteúdos que são sistematizados pelo professor.
Se não houve resposta adequada do estudante nos exames, foi ele que não se esforçou e não estudou.
Hoffmann (1991) ressalta que essa concepção tem raiz na filosofia positivista de Auguste Comte
(1798-1857), segundo a qual a sociedade pode ser estudada de forma objetiva, como as ciências
exatas, o que pressupõe neutralidade no que se refere aos processos educativos e à avaliação
educacional.
Sabemos que não há neutralidade nas ações educativas, nem homogeneidade na escola, pois
ela reflete as contradições e as diferenças da sociedade. Porém, quando as avaliações são pautadas
em pressupostos positivistas, não é considerada a heterogeneidade dos sujeitos presentes na escola,
assim como suas múltiplas formas de aprender e seus diferentes ritmos de aprendizagem.
Já em uma visão crítica, a avaliação deixa de ter uma perspectiva de julgamento, cobrança
e controle, para ser uma aliada no processo educativo, pois o foco não está nos resultados, mas,
segundo Afonso (2007), em princípios como a solidariedade, a empatia, a justiça, a equidade,
a igualdade de condições e a qualidade pedagógica. O Quadro 1, a seguir, apresenta as diferenças
entre as perspectivas democrática e autoritária na avaliação da aprendizagem.
Quadro 1 – As perspectivas democrática e autoritária na avaliação da aprendizagem

Perspectiva democrática Perspectiva autoritária

Considera a heterogeneidade das aprendizagens e Considera que os estudantes aprendem de forma


das culturas. homogênea.

Utiliza-se de diagnósticos para intervir e mediar no O diagnóstico existe para classificar os estudantes.
processo de aprendizagem.

Princípios: solidariedade, empatia, justiça, equidade, Princípios: julgamento, exclusão, cobrança e controle.
igualdade de condições e qualidade pedagógica.

Ensino fundamentado na interação. Ensino fundamentado na transmissão.

Aprendizagem fundamentada na interação e na Aprendizagem fundamentada na memorização


reelaboração dos conhecimentos socialmente e na reprodução.
construídos.

O estudante realiza ações sobre o objeto do O estudante objetiva notas para passar de ano. Reproduz
conhecimento com vistas à aprendizagem. o que foi transmitido pelo professor.
Fonte: Elaborado pela autora com base em Hoffmann, 2001 e Perrenoud, 1999.
60 Didática

Nesse comparativo, fica clara a importância de sempre refletirmos sobre a avaliação da


aprendizagem que estamos efetivando na escola, muitas vezes a avaliação tradicional ou clássica
utiliza-se de vários instrumentos avaliativos, como se o número de exames ou avaliações pudesse
superar uma concepção excludente.
Dessa forma, ao buscar uma autoavaliação permanente sobre os processos de ensino e de
aprendizagem, nós, professores, devemos refletir sobre a finalidade das avaliações que praticamos,
se as realizamos para padronizar e justificar a não aprendizagem ou para mediar, retomar e intervir
com vistas à democratização da escola, buscando garantir o acesso, a permanência do estudante e
a qualidade do ensino.

Considerações finais
A avaliação da aprendizagem não é algo meramente técnico, exigindo do professor apenas
o domínio na organização de questões avaliativas ou de outros instrumentos de verificação do que
foi ensinado. Ao contrário, na avaliação não há neutralidade em seus procedimentos nem mesmo
no que a fundamenta.
Ao organizar atividades avaliativas que produzem informações sobre o percurso de
aprendizagem dos estudantes, o professor, fundamentado em uma concepção emancipatória,
organizará ou realimentará seu planejamento tendo em vista a aprendizagem de todos.
Nesse sentido, a avaliação não serve para classificar, julgar ou determinar o destino dos
estudantes. A avaliação mediadora, como afirma Hoffmann (1991), pressupõe acompanhar, rever,
retomar e intervir para que todos os estudantes avancem.
Com vistas a sugerir possibilidades de trajetórias aos docentes adeptos dessa concepção
inclusiva, reafirmamos a necessidade de se planejar a avaliação, os instrumentos de avaliação e
os instrumentos de registro de avaliação, como o portfólio. Por meio da construção de portfólios,
todos os envolvidos no processo de ensino e de aprendizagem podem refletir sobre suas ações:
o professor sobre a organização e a efetivação do seu trabalho e o estudante sobre o registro do que
já conquistou em suas aprendizagens e do que ainda precisa atingir.

Ampliando seus conhecimentos


• LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação em educação: questões epistemológicas e práticas.
São Paulo: Cortez, 2018.
O livro, lançado para comemorar os cinquenta anos de estudos em avaliação de Luckesi
(2018), traz discussões sobre pressupostos epistemológicos do ato de avaliar e o uso de seus
resultados, que possibilitam diagnósticos e intervenções aos profissionais da educação.
A obra traz, ainda, conceitos e práticas relacionados à avaliação da aprendizagem, e auxilia
nas discussões voltadas à avaliação em larga escala (de sistema).
Avaliação da aprendizagem: possibilidades de reorganização do planejamento 61

• ESCRITORES da liberdade. Direção: Richard LaGravenese. Estados Unidos: MTV Filme,


2007. 122 min.
O filme, baseado em uma história real, narra a história da professora Erin Gruwell,
que trabalha com estudantes considerados problemáticos. Esses alunos não acreditam
em seu potencial e nem mesmo a professora, mas, aos poucos, a docente decide quebrar
as barreiras e lutar por esses alunos sem o apoio da direção. Ela percebe que o seu
planejamento não é eficaz para aqueles estudantes e, a fim de cumprir sua função no
processo de ensino e aprendizagem, aproxima-se dos alunos, conhece suas histórias e
coloca em prática planejamentos que consideram esse contexto.

Atividades
1. Diferencie os níveis de avaliação educacional, trazendo reflexões sobre como eles se
inter-relacionam.

2. Como a elaboração de portfólios pode contribuir para uma concepção de avaliação de


aprendizagem formativa e diagnóstica?

3. Diferencie a avaliação em uma perspectiva emancipatória de uma avaliação em perspectiva


autoritária.

Referências
AFONSO, Almerindo Janela. Avaliação em educação: perspectivas de emancipação social ou regulação
gestionária? In: AFONSO, Almerindo Janela et al. Avaliação na educação. Pinhais: Editora Melo, 2007.

CALDEIRA, Anna M. Salgueiro. Avaliação e processo de ensino-aprendizagem. Presença Pedagógica, Belo


Horizonte, v. 3, p. 53-61, set./out. 1997.

ESTEBAN, Maria Tereza. Pedagogia de projetos: entrelaçando o ensinar, o aprender e o avaliar à


democratização do cotidiano escolar. In: SILVA, Janssen Felipe; HOFFMANN, Jussara; ESTEBAN, Maria
Teresa (orgs.) Práticas avaliativas e aprendizagens significativas: em diferentes áreas do currículo. Porto
Alegre: Mediação, 2004.

FREITAS, Luiz Carlos de et al. Avaliação educacional: caminhando pela contramão. Petrópolis: Vozes, 2009.

HOFFMANN, Jussara Maria Lerch. Avaliação: mito e desafio – uma perspectiva construtivista. Educação e
Realidade, Porto Alegre, 1991.

LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação em educação: questões epistemológicas e práticas. São Paulo: Cortez,
2018.

PERRENOUD, Phillipe. Avaliação: da excelência à regularização das aprendizagens: entre duas lógicas. Porto
Alegre: Artmed, 1999.

SHORES, Elizabeth; GRACE, Cathy. Manual de portfólio: um guia passo a passo para o professor. Porto
Alegre: Artmed, 2001.
62 Didática

VILLAS BOAS, Benigna Maria de Freitas. O portfólio no curso de Pedagogia: ampliando o diálogo entre
professor e aluno. Educação e Sociedade, Campinas, vol. 26, n. 90, p. 291-306, jan./abr. 2005. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/es/v26n90/a13v2690.pdf. Acesso em: 6 abr. 2019.

ZÍLIO, Cátia. Uma proposta para (re)significar a avaliação na formação de professores. Cinted – UFRGS.
Novas Tecnologias na Educação, v. 8, n. 3, p. 1-9, dez. 2010. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/renote/
article/download/18089/10665. Acesso em: 6 abr. 2019.
5
Projeto Político Pedagógico e os processos
de ensino e de aprendizagem

Neste capítulo, discutiremos a importância de se construir um Projeto Político Pedagógico


(PPP) de modo democrático, contando com a participação de toda a comunidade educativa.
No PPP estarão sistematizadas as concepções de sociedade, escola, estudante, ensino
e aprendizagem que se deseja consolidar, a partir da leitura da realidade. Logo, será necessário
realizar um diagnóstico, a fim de desvelar as características, necessidades e potencialidades dessa
comunidade educativa.
Para melhor compreender a relação entre o PPP e as práticas desenvolvidas no cotidiano
escolar, refletiremos sobre a necessária utilização desse documento como instrumento teórico-
prático, sendo imprescindível superar a concepção de um PPP como documento de gaveta.
Também abordaremos a importância de um PPP emancipatório para a construção de
planejamentos que levem em conta os saberes da comunidade local e de cada um dos estudantes,
para se avançar no processo de construção do conhecimento.
Nesse viés, traremos os desafios de atualização dos PPPs diante da Base Nacional Comum
Curricular – BNCC.

5.1 Concepções do PPP e práticas pedagógicas


O Projeto Político Pedagógico (PPP) é o plano maior da instituição, dele decorrem todas as
ações que a escola efetiva e, como afirma Vasconcellos (2002), é uma sistematização, embora não
definitiva, das intenções da unidade educativa a partir da leitura da realidade.
Para realizar a leitura dessa realidade, a equipe gestora (direção, pedagogos e coordenadores)
necessita organizar instrumentos que possibilitem o levantamento de dados sobre a comunidade
educativa. Após esse movimento, é preciso realizar a tabulação dos dados e a sua interpretação,
o que permitirá à escola considerar o contexto de vida dos estudantes, para, então, sistematizar o
trabalho com o conhecimento científico.
Tendo em vista a função social da escola de garantir o direito à aprendizagem, a comunidade
educativa levantará pressupostos a serem considerados em todo o fazer pedagógico. Assim, se a
escola registra que os estudantes aprendem de forma ativa e os professores são os mediadores
do processo de aprendizagem, é preciso encontrar encaminhamentos que consolidem esses
pressupostos.
Dessa forma, os envolvidos no processo educativo devem buscar a efetivação entre o que
está descrito no documento e os encaminhamentos realizados no dia a dia da escola. Se o seu
intuito é formar estudantes com uma visão crítica da sociedade em que vivem, exercendo seus
64 Didática

direitos e deveres de forma reflexiva, você deve organizar sua ação pedagógica de modo que eles
possam vivenciar a democracia no cotidiano da instituição.
Não há coerência no PPP quando a escola se considera democrática e tem o objetivo de
formar para o exercício da criticidade, mas, em sala de aula, o professor não realiza as mediações
necessárias com vistas ao avanço dos processos de aprendizagem.
Segundo Luckesi (1994, p. 55), nessa pedagogia, os conteúdos e os procedimentos didáticos
não têm “nenhuma relação com o cotidiano do aluno e muito menos com as realidades sociais. É a
predominância da palavra do professor, das regras impostas”.
Kramer (1997) propõe questionamentos na análise do PPP a serem colocados em prática
pela comunidade educativa a fim de superar relações autoritárias no espaço escolar.
• O PPP tem um diagnóstico que possibilita aos envolvidos no processo educacional
analisá-lo e propor ações para compreender a realidade local e agir sobre ela?
• Esse diagnóstico permite aos professores inter-relacionar o planejamento educacional e
o currículo a ser trabalhado com os estudantes, considerando a comunidade em que a
escola está inserida?
• Há compromisso com a democratização do acesso, da permanência e das aprendizagens
dos estudantes?
• Quem são as crianças, os adolescentes, os jovens e os adultos da comunidade escolar e
como são considerados no PPP da escola?
• Há uma concepção de ensino e de aprendizagem que leve em conta os diferentes
tempos de aprendizagem dos estudantes de modo a garantir a mediação necessária ao
desenvolvimento de cada um?
• Desde a entrada dos estudantes na escola, como ocorre a consolidação do PPP?
Há acolhimento ou frieza? Há diálogo ou silêncio?
• Como são os encaminhamentos metodológicos dos professores e sua relação com os
estudantes?
• Quais são as estratégias que a escola utiliza a fim de assegurar as condições necessárias
para que todos aprendam?
• Como são organizados os tempos e os espaços escolares? O tempo é qualificado ou os
estudantes ficam imóveis o dia todo, realizando exercícios sem significado? Os espaços de
sala de aula são utilizados para contemplar diferentes propostas de trabalho do professor,
organizando os estudantes de acordo com o objetivo a ser alcançado (individual, dupla,
trio etc.)?
Como se pode perceber, o PPP é um instrumento de máxima importância para construir a
identidade da escola. Além de registrar as concepções de homem, sociedade, escola, aprendizagem
e ensino, traz possibilidades de a comunidade educativa colocar em prática o que foi discutido,
decidido e sistematizado pelo coletivo escolar.
Projeto Político Pedagógico e os processos de ensino e de aprendizagem 65

Dessa forma, quando o PPP é alicerçado em uma concepção democrática e, portanto,


participativa, há uma construção coletiva. Do mesmo modo, sua efetivação é realizada por todos
os profissionais da escola, que buscam consolidá-lo em todas as suas ações.
Figura 1 – Elaboração do PPP e sua efetivação

Sensibilização da comunidade
Análise do contexto educacional e da
educativa e compreensão da
comunidade educativa.
importância do PPP.

Levantamento de referencial
Sistematização do PPP, concretização
teórico, estudo coletivo, definição de
das propostas expressas pelo coletivo.
concepções e propostas.

Fonte: Elaborada pela autora com base em Vasconcellos, 2002.

É relevante que a equipe gestora da escola sensibilize toda a comunidade educativa para
a importância da participação coletiva no PPP. Dessa forma, o documento será resultado do
envolvimento, da discussão, do estudo e do planejamento não apenas de uma equipe diretiva,
mas também de professores, pais/responsáveis, pedagogos, funcionários e estudantes.
Os envolvidos na elaboração do PPP devem produzir um diagnóstico do contexto
socioeconômico da comunidade educativa por meio da aplicação de questionários.
Esse diagnóstico permite identificar como a função social da escola vem sendo vivenciada pelos
estudantes e percebida pelas famílias e pelos profissionais da escola. Deve-se, também, averiguar
qual é a formação acadêmica das famílias/responsáveis e dos profissionais da escola, com isso, é
possível identificar quais são os recursos financeiros da unidade educativa, como é o seu ambiente
educacional e quais são as características do seu entorno.
Essencial também é a análise dos processos educacionais da escola pela comunidade
educativa, considerando dados advindos das matrículas, da evasão escolar, das reprovações e do
acompanhamento das avaliações de aprendizagem realizadas, assim como da avaliação institucional
e das avaliações em larga escala (como Saeb, por exemplo).
Desenvolvendo processos de ensino e de aprendizagem fundamentados em concepções
críticas, as quais permitem aos envolvidos no processo educativo engajarem-se em prol de uma
escola democrática, a comunidade educativa necessita de pressupostos teóricos que possam
responder aos questionamentos e aos desafios propostos no diagnóstico.
Conforme Kramer (1997), toda proposta é situada em determinado contexto e traz seus
valores, seus objetivos e suas ideologias, não havendo neutralidade. Logo, é necessário haver uma
base teórica que sustente a prática educativa de modo a garantir o direito à aprendizagem.
66 Didática

Cabe destacar que a escola é o espaço formal para o acesso dos estudantes aos saberes
socialmente construídos e, dessa forma, ao serem definidos os marcos teóricos que devem constar
no PPP, estes precisam proporcionar aos professores, aos pedagogos e à equipe gestora subsídios
para atuarem em prol da garantia das aprendizagens dos educandos.

5.2 A consolidação das aprendizagens e o PPP


Um PPP emancipatório, termo utilizado por Veiga (2003), não é apenas um documento a
ser utilizado para cumprir a legislação vigente. Seu objetivo primordial é mobilizar a comunidade
educativa para que a função da escola seja cumprida: consolidação das aprendizagens de todos
os estudantes, preparação para o exercício da cidadania e desenvolvimento pessoal e social
do sujeito.
Assim, um PPP emancipatório precisa ir além da elaboração participativa (que o caracteriza
como democrático): deve ser posto em prática por todos os envolvidos no processo educativo,
norteando o trabalho de professores, pedagogos, da direção e dos demais funcionários da escola.
Nessa perspectiva, o PPP é voltado para a inclusão dos estudantes e de sua família/
responsáveis nos processos educativos e nas decisões tomadas na escola, uma vez que a emancipação
humana pressupõe diálogo, participação, solidariedade e questionamentos sobre a realidade.
Formar para a emancipação pressupõe, segundo Silva (2013), a criação de condições para se
reconhecer o outro como importante em vez de subestimá-lo como alguém incapaz ou com menos
condições de agir sobre a realidade ou de aprender, opinar e se fazer ouvir.
Esse pressuposto não é válido apenas para os profissionais da escola e suas famílias, mas
sobretudo para os estudantes, que necessitam ter voz e vez no fazer educativo.
Os discentes precisam ser ouvidos no cotidiano da escola, pois podem colaborar na
organização desta, no acesso aos materiais para a aprendizagem dos conhecimentos socialmente
construídos, nas condições estruturais da escola, nas relações com o professor, bem como entre
os alunos.
Segundo Formosinho e Araujo (2008), é preciso acreditar na competência das crianças,
posto que se desenvolvem cognitiva, moral, social, emocional, física e racionalmente.
O desenvolvimento global da criança exige dos envolvidos no processo educativo um
trabalho em duas dimensões: intencional e, ao mesmo tempo, sensível. Isso porque, ao colocar em
prática o planejamento, a intenção é que os conhecimentos aos quais os estudantes têm direito lhes
sejam acessíveis e, com isso, alcance-se uma dimensão técnico-pedagógica. Na dimensão sensível,
garantem-se espaços de escuta e de mediação, de acordo com cada sujeito da aprendizagem.
O Quadro 1, a seguir, compara as duas dimensões do trabalho do professor.
Projeto Político Pedagógico e os processos de ensino e de aprendizagem 67

Quadro 1 – Dimensões do trabalho do professor com vistas à formação emancipatória

Dimensão técnico-pedagógica Dimensão sensível


Planejamento de estratégias e encaminhamentos O professor ouve e observa o estudante, percebe seu
didáticos que considerem o nível de aprendizagem dos desenvolvimento, suas potencialidades e necessidades
estudantes e os leve a avançar. educacionais para, a partir desses elementos, planejar.

Planejamento tendo em vista os conhecimentos a que O professor considera os saberes que os estudantes têm
os estudantes têm direito. e manifestam sobre o conhecimento que será trabalhado
na escola.

Garantia de que o PPP está sendo consultado e O PPP é vivenciado por professores e estudantes. Se no
colocado em prática nos propósitos educativos. documento está sistematizada a necessidade de diálogo,
não há um clima de obediência dentro de sala de aula,
mas de respeito e de construção do conhecimento.

Utilização de diferentes estratégias que considerem o Utilização de estratégias diferenciadas e diversificadas


nível de desenvolvimento dos estudantes. tendo em vista os diferentes ritmos de aprendizagem
e as diversas formas de se aprender, com base na
observação e no registro de avaliação dos estudantes.

Avaliação da aprendizagem utilizando-se de diferentes A avaliação, como afirma Hoffmann (2014), ocorre
instrumentos de registro de avaliação e variados na perspectiva da mediação, quando se observam
momentos de verificação. os caminhos de construção das aprendizagens dos
estudantes, a fim de que o professor possa intervir,
retomar e replanejar.
Fonte: Elaborado pela autora.

Assim, é necessário que o professor fundamentado em um PPP emancipatório e democrático


se paute nessas duas dimensões para realizar seu trabalho educativo, pois necessita tanto ter
domínio de instrumentos e metodologias que lhe permitam planejar e praticar o planejamento,
quanto um olhar sensível e humano para com os estudantes.
Perrenoud (2001) destaca a importância de o professor ser um profissional reflexivo, que
exerça autocrítica sobre sua prática, o que prevê uma permanente análise metódica de seu trabalho,
buscando compreender-se como um sujeito que também aprende enquanto ensina, assim como uma
análise de seu percurso profissional. Ou seja, um profissional que revê e retoma ações necessárias à
aprendizagem dos estudantes, dialoga com a comunidade educativa, com outros professores e com
os estudantes, superando suas dificuldades nessa trajetória e desenvolvendo habilidades que lhe
permitam relacionar as dimensões técnica e humana de sua profissão.
A prática reflexiva leva o professor a questionar-se e é feita com leitura, estudo, discussão
coletiva sobre o trabalho docente e planejamento sobre a própria formação. Se desejamos que
os estudantes aprendam, avancem no processo de construção do conhecimento, não podemos
continuar a reproduzir com eles as formas de ensino a que tivemos acesso. Precisamos articular
nosso entendimento sobre o que é ser professor com nossa prática em sala de aula.
Nessa trajetória profissional, o professor não pode parar no tempo, pelo contrário,
deve estudar sempre, atualizar-se constantemente, não se limitar à formação inicial. Assim,
o professor realiza análises e reflexões críticas sobre a sociedade, o contexto político, histórico e
econômico em que a escola está inserida, evitando tendências pessimistas em relação a seu próprio
trabalho e seus estudantes.
68 Didática

Uma escola de sucesso em uma concepção tradicional, segundo Hoffmann (2014),


é aquela em que os estudantes respondem às verificações da aprendizagem (normalmente provas),
utilizando-se da memorização. Já uma escola de sucesso, em uma concepção que acredita nas
crianças, em seu potencial e no seu futuro, respalda-se nos questionamentos que a autora propõe
para analisar e refletir sobre a qualidade do trabalho pedagógico ofertado:
— Os alunos desenvolvem-se moral e intelectualmente?
— Estão ativos, curiosos, felizes nesses ambientes?
— Quais os seus avanços, as suas conquistas?
— Que oportunidades de refletir sobre a vida a escola lhes oferece?
— Que projetos de vida eles anunciam?
— Em que medida a escola vem contribuindo para que os seus projetos se
tornem possíveis? (HOFFMANN, 2014, p. 36.)

Dessa forma, uma escola que se envolve no sucesso dos estudantes busca construir um
ambiente acolhedor, compreendendo cada sujeito da aprendizagem como capaz, como um ser
humano único, com suas subjetividades, potencialidades e necessidades educativas.
Hoffmann (2014) chama atenção para a necessidade de o professor observar as diferenças
individuais dos estudantes, sem tentar homogeneizar a turma em seus encaminhamentos, buscando
responder ao desafio de pensar projetos educativos que vão ao encontro do que cada estudante
precisa para avançar no processo de aprendizagem.
Assim, a fim de efetivar o sucesso da escola em uma perspectiva democrática, podemos
delinear uma proposta de trabalho com base nas concepções presentes no PPP, conforme a Figura 2.
Figura 2 – Articulação entre o PPP e os processos de ensino e de aprendizagem

PPP: defesa de uma escola de


qualidade, inclusiva, gerida
democraticamente, que considere
que todos os estudantes são
capazes de aprender e que o
professor é um mediador.

Articulação com a prática educativa:


Atividades que considerem os
planejamento, avaliação, organização
saberes dos estudantes, os desafios
dos espaços e tempos
e as problematizações.
de aprendizagem.

Organização de propostas
que levem em conta os saberes dos
estudantes e considerem o professor
um mediador.

Fonte: Elaborada pela autora.


Projeto Político Pedagógico e os processos de ensino e de aprendizagem 69

A mediação do professor é essencial no processo de aprendizagem do estudante, o que


significa que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar condições para que o aluno aprenda
FREIRE (1996).
Nesse sentido, é importante que o professor reconheça quais são os conhecimentos que os
estudantes detêm sobre o que será trabalhado, assim, os sentidos para essas aprendizagens terão
novos significados.
Os conhecimentos que o aluno possui não são um obstáculo para a
aprendizagem, mas o requisito indispensável para ela – os alunos e alunas não
aprendem apesar de seus conhecimentos prévios, mas por meio deles –, e a
compreensão da realidade é um processo gradual, que ocorre simultaneamente
ao enriquecimento desses conhecimentos prévios, pois não se trata de suprimi-
-los, mas de usá-los, revisá-los e enriquecê-los progressivamente. (MAURI,
2009, p. 98)

Quando o professor ouve, observa e considera quem são os estudantes e suas aprendizagens
anteriores, proporciona-lhes condições de revisitar os saberes que já possuem e os desafia
a reelaborar, enriquecer e compreender a realidade de forma mais elaborada, consolidando
aprendizagens. Assim, cabe ao professor organizar encaminhamentos didáticos de modo que os
estudantes explicitem seus saberes anteriores e possam reorganizá-los, conferindo a esses novos
saberes mais ordenação.
Mauri (2009) considera que, para que esse movimento de reelaboração seja progressivo,
é importante que o professor preste atenção ao que se denomina como “erro” dos estudantes.
Se esses “erros” forem analisados pelo docente, mostrarão as estratégias utilizadas pelos alunos
para responderem aos desafios. Dessa forma, podem-se organizar outros encaminhamentos
metodológicos que levem os alunos a aplicarem o conhecimento de modo mais bem-sucedido e,
assim, consolidar aprendizagens.

5.3 O PPP e os desafios da BNCC


O PPP traz a sistematização dos anseios de uma comunidade educativa, se construído
coletivamente, como afirma Veiga (2003), é um processo elaborado de dentro para fora,
no qual são definidas as trajetórias a serem seguidas em busca da consolidação de uma escola de
qualidade.
A qualidade defendida em uma escola democrática é aquela que pressupõe o direito à
aprendizagem como foco do trabalho educativo, ou seja, princípios como a equidade, a igualdade,
a inclusão, a participação de todos e a transparência nas decisões são considerados.
A gestão democrática no Brasil foi institucionalizada legalmente na Constituição Federativa
do Brasil em 1988, em cujo art. 26, inciso VI, consta que o ensino público em todo o país precisa
ser gerido sob essa forma de organização.
A LDBEN n. 9.394/1996, seguindo a Lei maior do país, regula a gestão democrática
em seu art. 3º, cabendo aos sistemas de ensino e às escolas públicas serem estruturadas e
regulamentadas seguindo as normas desse princípio organizacional. As escolas passam,
70 Didática

então, a ganhar, segundo Carvalho (2015), certo grau de autonomia nas decisões nos âmbitos
pedagógico, administrativo e financeiro, contando com a participação da comunidade educativa
nessas decisões. Os estabelecimentos de ensino passam, com isso, a ter a incumbência de
elaborar e cumprir o seu PPP, conforme o art. 12, respeitando as normas da lei.
O Plano Nacional de Educação (PNE) de 2001 estabeleceu metas a serem implementadas
em relação à gestão democrática. Da mesma forma, o PNE (2014-2024), define, em seu art. 2º,
inciso VII, a promoção desse princípio como uma diretriz. Na meta n.º 19 do PNE (2014-2024),
há diferentes estratégias que visam consolidar esse princípio nas escolas públicas do país, da qual
destacamos a 19.6, que versa sobre a necessidade de se incentivar a participação da comunidade
educativa na elaboração e na execução dos PPPs e dos currículos.
Quando trazemos essa breve retrospectiva histórica da instituição da gestão democrática no
ensino público do país e, mais especificamente, a participação de toda a comunidade educativa na
elaboração do PPP, objetivamos reafirmar que, mesmo com todo esse respaldo legal para exercer
a democracia, ainda temos o desafio de superar a visão desse documento como algo meramente
burocrático.
O PPP, como afirma Vasconcellos (2002), é instrumento teórico-metodológico para a atuação
na realidade educativa, tendo como pressuposto o compromisso coletivo com a emancipação
humana, pautada no acesso ao conhecimento científico dos estudantes, superando os saberes de
senso comum.
Um PPP burocrático servirá apenas para a normatização da escola. Não haverá participação
genuína das diferentes pessoas que fazem parte da comunidade educativa, mas somente uma
pseudoparticipação, isto é, os envolvidos no processo educacional são chamados para reuniões
apenas para validar o que já foi decidido pela equipe diretiva anteriormente.

Exemplo:
No PPP está explícito que os estudantes aprendem de forma ativa,
participativa e o professor é o mediador no processo de construção do
conhecimento. O Conselho de Escola é chamado para decidir sobre uma
verba recebida. Os participantes têm dúvida de como aplicá-la: se em
um passeio para os estudantes de 5º ano, que irão para outra escola no
ano seguinte; ou investir na biblioteca, cujos livros estão deteriorados.
Embora os estudantes do 5º ano tenham o direito de visitar os diferentes
espaços da cidade, essa decisão implicaria retirar destes e dos demais
alunos o acesso a uma biblioteca com um acervo de qualidade.
O Conselho de Escola decidiu, então, que a escola optaria pelo
investimento na biblioteca.
Projeto Político Pedagógico e os processos de ensino e de aprendizagem 71

Diferentes teóricos, como Vasconcellos (2002), Veiga (2003) e Kramer (1997), defendem que
o PPP deve contextualizar a realidade local, contendo diagnóstico que possibilite à comunidade
educativa intervir coletiva e intencionalmente nessa realidade, de modo a contribuir para a
melhoria da qualidade educacional. Por isso, não se tomam decisões democraticamente com base
em decisões individuais.
O PPP, como afirma Kramer (1997), não é um lugar, é um caminho. É flexível, sendo
necessário retomá-lo, revisitá-lo e realimentá-lo constantemente, uma vez que nas discussões,
estudos e decisões coletivas pode-se verificar a necessidade de se fazer modificações que atendam
aos objetivos da comunidade educativa.
Gerir uma escola com base em seu PPP rompe com uma visão fragmentada de conhecimento,
pois assim podem-se valorizar os saberes da comunidade educativa a fim de possibilitar aos
estudantes o acesso ao conhecimento científico, propiciando a vivência de um currículo
democrático.
A Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017) –, documento homologado em 22
de dezembro de 2017, no que se refere à educação infantil e ao ensino fundamental, e em 14 de
dezembro de 2018, no que concerne ao ensino médio – traz, para todas as escolas do país, públicas
e particulares, a normatização para se trabalhar e garantir o ensino dos conhecimentos essenciais
a todos os estudantes. Conforme o próprio documento, a BNCC se insere como referência para a
elaboração dos PPPs e dos currículos dos sistemas de ensino e das escolas, estabelecendo os pontos
de chegada para os estudantes. A relação entre os três documentos é apresentada na Figura 3.
Figura 3 – A BNCC, os currículos e os PPPs

BNCC

Adequação dos
currículos

Adequação dos
PPPs

Fonte: Elaborada pela autora.

Embora a BNCC aponte os saberes e as dez competências a serem consolidadas, fazendo


com que os currículos sejam adequados considerando-se esses conhecimentos essenciais, os
quais são direitos de aprendizagem de todos os estudantes do país, assim como a cultura e as
especificidades das diferentes regiões brasileiras, os PPPs devem ser produzidos ou reelaborados
pelas comunidades educativas sem perder de vista a realidade local. Ao final da educação básica,
as competências comuns a todos os componentes curriculares devem ser consolidadas.
72 Didática

Figura 4 – Educação básica e as dez competências gerais

10 competências

Ensino
Educação infantil Ensino médio
fundamental
10 competências
10 competências
consolidadas

Fonte: Elaborada pela autora com base em Brasil, 2017.

Desde a educação infantil – primeira etapa da educação básica –, as competências são


trabalhadas, dando-se continuidade em todo o ensino fundamental e consolidando-se ao final do
ensino médio – última etapa da educação básica.
Na BNCC,  competência  é definida como a mobilização de conhecimentos
(conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e
socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da
vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho.
(BNCC, 2017, p. 8.)

Os currículos dos sistemas de ensino e os PPPs das escolas devem ser atualizados até 2020,
segundo a BNCC, considerando as indicações para o trabalho com os direitos de aprendizagem
presentes no documento. Assim, tem-se com a BNCC um patamar comum a todos os estudantes e
escolas brasileiras, enquanto os currículos e os PPPs são múltiplos.
• BNCC: documento normativo para todas as escolas que ofertam educação básica no país,
no qual constam as aprendizagens essenciais a que todos os estudantes têm direito. É a
referência para a elaboração ou reelaboração dos currículos e dos PPPs (BRASIL, 2017).
• Currículo: conforme Moreira e Candau (2007), é o coração da escola. Nele se concentram
as relações entre educação e sociedade. Nessa concepção, currículo não é apenas um
documento com a indicação dos conteúdos a serem trabalhados em cada ano letivo, mas,
sobretudo, um dispositivo em que há um campo de disputa sobre que tipo de sujeito
que se deseja formar em determinada sociedade. Para formar esse sujeito, há não só
conhecimentos que são considerados essenciais, como também formas de se ensinar esses
saberes, de se avaliar, de utilizar os livros didáticos, de formar professores e, sobretudo,
de políticas públicas a serem seguidas. Não há neutralidade no campo curricular, pois
sempre haverá interesses: formar para o mercado de trabalho (que é instável e excludente)
ou formar integralmente (para a emancipação humana e para a democracia). As teorias
críticas e pós-críticas de currículo defendem a importância de valorizar não somente a
cultura produzida no campo das diferentes ciências, mas também as múltiplas culturas
dos diferentes sujeitos pertencentes à comunidade educativa.
• PPP: como afirma Vasconcellos (2002), é o plano global da escola. Em uma perspectiva
emancipatória e democrática, deve-se considerar a realidade local para avançar no
processo de construção do conhecimento com os estudantes. É instrumento teórico-
Projeto Político Pedagógico e os processos de ensino e de aprendizagem 73

-prático que possibilita à comunidade educativa consolidar a identidade da instituição.


A partir da sistematização do PPP, podem-se avaliar os processos educacionais ofertados
à comunidade educativa, fornecendo-se, assim, subsídios para o replanejamento da escola.

Quanto à reelaboração dos PPPs, tendo-se em vista a BNCC, será necessário considerar
não só os conhecimentos essenciais descritos nesse documento, como também as habilidades
específicas que são desenvolvidas de acordo com cada componente curricular e as dez
habilidades gerais.
Ao realizar essa adequação, não se pode perder de vista o direito de serem incluídos,
no currículo local, elementos da cultura da própria escola e da região em que ela está inserida.
Também se destaca que, ao se optar por uma concepção de currículo crítico e/ou pós-crítico,
haverá no cotidiano escolar a defesa de uma escola pública gratuita e de qualidade para todos;
logo, o princípio é democrático e inclusivo.

Considerações finais
O PPP fundamentado na emancipação é um projeto de vivência da democracia e, dessa
forma, não está fechado para as sugestões da comunidade educativa, para a inovação nas formas
de ensinar e para os saberes que os estudantes já detêm.
Nessa perspectiva, os professores e os demais profissionais da escola necessitam considerar
a realidade local e o que consta no PPP para planejar ações que contribuam para a melhoria da
qualidade educacional.
O PPP construído de forma participativa evidencia a identidade da comunidade educativa
e envolve todos na busca por uma escola inclusiva que cumpra sua função social de assegurar o
direito à aprendizagem.
A BNCC é um documento normativo para os sistemas de ensino e escolas que ofertam
educação básica. Com base nela, os currículos e os PPPs devem ser adequados, garantindo
os saberes essenciais que constam no documento. Assim, enquanto a BNCC dispõe sobre os
conhecimentos e as habilidades que todos os estudantes devem desenvolver, os currículos e
os PPPs trazem as especificidades locais a serem consideradas no fazer pedagógico.

Ampliando seus conhecimentos


• PERRENOUD, Philippe. A prática reflexiva no ofício do professor: profissionalização e
razão pedagógica. São Paulo: Artmed, 2001.
O autor traz valiosas discussões sobre o trabalho do professor, afirmando a necessidade
de o profissional construir um conjunto de saberes que lhe permita dominar, além dos
conteúdos a serem ensinados aos estudantes, conhecimentos didáticos e transversais.
Para que ocorra aprendizagem, não basta ao professor repassar conteúdos, é necessário
que ele organize situações didáticas com atividades que tenham sentido e desafiem
os estudantes.
74 Didática

• QUANDO SINTO que já sei. Direção: Antonio Sagrado, Raul Perez e Anderson Lima.
Despertar Filmes, 2014. (78 min).
O documentário aborda as possibilidades que escolas brasileiras encontraram de efetivar
propostas inovadoras na educação. Conta com o depoimento de estudantes, familiares,
professores e diretores sobre como concretizaram experiências educacionais que
romperam com o modelo tradicional de ensino.

• VEIGA, Ilma Passos Alencastro. Inovações e projeto político-pedagógico: uma relação


regulatória ou emancipatória? Cad. Cedes, Campinas. v. 23, n. 61, p. 267-281, dez. 2003.
Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v23n61/a02v2361.pdf. Acesso em: 12
abr. 2019.
A autora traz ao leitor possibilidades de questionar a função do PPP na escola: se vem
cumprindo apenas uma função burocrática, se é um documento regulador ou se tem
sido vivenciado pela comunidade educativa de forma emancipatória. O PPP construído
coletivamente e na perspectiva democrática tem como foco a melhoria da qualidade
educacional, de modo que os estudantes tenham acesso a uma formação que lhes
possibilite exercer plenamente a sua cidadania.

Atividades
1. A partir da ilustração, descreva como se dá o processo de elaboração do PPP e a sua efetivação
em uma perspectiva democrática.

Sensibilização da comunidade
Análise do contexto educacional e da
educativa e compreensão da
comunidade educativa.
importância do PPP.

Levantamento de referencial
Sistematização do PPP, concretização
teórico, estudo coletivo, definição de
das propostas expressas pelo coletivo.
concepções e propostas.

Fonte: Elaborada pela autora com base em Vasconcellos, 2002.

2. Diferencie BNCC, currículo e PPP e descreva como as escolas deverão atualizar seus PPPs
diante da BNCC.

3. Sistematize um quadro, diferenciando um PPP construído democraticamente e um PPP


organizado de forma burocrática.
Projeto Político Pedagógico e os processos de ensino e de aprendizagem 75

Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Poder
Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em: 14 abr. 2019.

BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF,
23 dez. 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm. Acesso em: 14 abr. 2019.

BRASIL. Ministério de Educação/Secretaria de Educação Básica. In: MOREIRA, Antônio Flávio; CANDAU,
Vera Maria Ferrão. Indagações sobre o currículo: currículo, conhecimento e cultural. Brasília: Ministério da
Educação, 2007. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Ensfund/indag3.pdf. Acesso em:
13 abr. 2019.

BRASIL. Lei n. 13.005, de 25 de junho de 2014. Diário Oficial da União, Poder legislativo, Brasília, DF, 26 jun.
2014. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13005.htm. Acesso
em: 14 abr. 2019.

BRASIL. Ministério da Educação. Resolução CNE/CP, de 22 de dezembro de 2017. Disponível em: http://
basenacionalcomum.mec.gov.br/images/historico/RESOLUCAOCNE_CP222DEDEZEMBRODE2017.pdf.
Acesso em: 14 abr. 2019.

CARVALHO, Jeferson Luís Marinho de. PNE (Plano Nacional de Educação) 2014-2024: A gestão democrática
na educação se faz presente? Holos, ano 31, v. 8. Disponível em: http://www2.ifrn.edu.br/ojs/index.php/
HOLOS/article/view/3355. Acesso em: 1 maio 2019.

FORMOSINHO, Júlia Oliveira. ARAUJO, Sara Barros. Escutar as vozes das crianças como meio de (re)
construção de conhecimentos acerca da infância: algumas implicações metodológicas. In: FORMOSINHO,
Júlia Oliveira (org.). A escola vista pelas crianças. Porto: Porto Editora, 2008.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

HOFFMANN, Jussara. Avaliação mediadora: uma prática em construção da pré-escola à universidade. Porto
Alegre: Mediação, 2014.

KRAMER, Sonia. Propostas pedagógicas ou curriculares: subsídios para uma leitura crítica. Educação e
Sociedade, ano XVIII, n. 60, dez. 1997. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/es/v18n60/v18n60a1. Acesso
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LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da educação. São Paulo: Cortez, 1994.

MAURI, Teresa. O que faz com que o aluno e a aluna aprendam os conteúdos escolares. In: COLL, César
et al. O construtivismo na sala de aula. São Paulo: Ática, 2009.

PERRENOUD, Philippe. A prática reflexiva no ofício do professor: profissionalização e razão pedagógica.


Porto Alegre: Artmed, 2001.

SILVA, Luiz Etevaldo. O sentido e significado sociológico de emancipação. Revista e-Curriculum, São Paulo.
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VASCONCELLOS, Celso dos S. Coordenação do trabalho pedagógico: do projeto político-pedagógico ao


cotidiano da sala de aula. São Paulo: Libertad, 2002.

VEIGA, Ilma Passos Alencastro. Inovações e projeto político-pedagógico: uma relação regulatória ou
emancipatória? Cad. Cedes, Campinas. v. 23, n. 61, p. 267-281, dez. 2003. Disponível em: http://www.scielo.
br/pdf/ccedes/v23n61/a02v2361.pdf. Acesso em: 12 abr. 2019.
6
Elementos constitutivos do planejamento

Neste capítulo, discutiremos a importância do planejamento para a organização do trabalho


a ser desenvolvido em sala de aula. Quando sistematizamos e registramos o que desejamos efetivar
com os estudantes, o processo de ensino e de aprendizagem pode ser avaliado à medida que é posto
em prática. Assim, não apenas os estudantes são avaliados em seu percurso de aprendizagem, mas
também os profissionais, havendo possibilidade de retomar, rever e replanejar o trabalho educativo.
O planejamento educacional não pode estar à mercê do acaso, pois a escola é o lugar que deve
garantir o direito à aprendizagem. Nesse sentido, trataremos também neste capítulo, dos elementos
constitutivos que são essenciais para um planejamento eficaz, diferenciando o planejamento de
ensino e o de aula, e discutiremos a inter-relação necessária entre ambos.

6.1 Planejamento educacional e suas


interfaces com a aprendizagem
Planejar é parte da vida de todos os seres humanos. Quando tomamos decisões, mesmo as
mais simples do nosso cotidiano, precisamos nos organizar mentalmente para agir de acordo com
essas definições. Assim, podemos avaliar se tomamos a decisão acertada ou não e, se necessário,
realizar um replanejamento.
Desse modo, o planejamento é um direcionador e um facilitador das ações humanas,
permitindo ao sujeito qualificar suas ações e diminuir o improviso. Para Libâneo (2006), quando o
planejamento é aplicado à organização dos processos de ensino e de aprendizagem, os profissionais
conseguem articular a atividade escolar ao contexto educacional, objetivando a melhoria contínua
da qualidade da educação.
Tendo em vista a consolidação das aprendizagens dos estudantes, que é a finalidade da
escola, o planejamento não pode acontecer de maneira informal, mas sistemática, detalhada e com
registros, a fim de efetivar os objetivos educacionais elencados.
Quando não há planejamento nos processos educativos ou se lida com ele apenas de forma
técnica, sem considerar os contextos econômicos, políticos e sociais, os profissionais da educação
ficam à mercê do acaso ou dos interesses das classes dominantes, pois não há neutralidade
na educação.
O planejamento é um guia das ações, não sendo absoluto, pois há possibilidades de
flexibilização. Flexibilizar, porém, não é sinônimo de desconsiderar diagnósticos realizados e agir
sem levar em conta quem são os sujeitos da aprendizagem. Ao contrário, com um planejamento
minucioso, observando os interesses, as necessidades e o direito à aprendizagem, organiza-se
para esse fim e, caso se verifique que os objetivos não estão sendo efetivados, reorganizam-se os
encaminhamentos, possibilitando que todos venham a ter seu direito à educação respeitado.
78 Didática

Para Vasconcellos (1992), Gandin (1994), Gesser (2011) e Libâneo (2006), há diferentes
níveis de planejamento, cada um com sua especificidade, porém há inter-relação entre eles,
como mostra o Quadro 1.
Quadro 1 – Níveis de planejamento nos processos educacionais

Planejameno de ensino
Planejameno educacional Planejameno institucional
e plano de aula

Diz respeito ao planejamento dos Está relacionado à organização do Envolve a racionalização dos
sistemas de ensino: nacional, PPP da escola, que é construído de saberes a serem ensinados aos
estadual e municipal. acordo com o princípio democrático, estudantes. No planejamento de
coletivamente, com a participação ensino, com base no currículo e
dos diferentes segmentos da no PPP da escola, seleciona-se o
comunidade educativa. O plano de que será ensinado por período de
ação da escola elaborado anualmente tempo estabelecido pelo regimento
necessita estar articulado ao PPP da unidade (bimestral, trimestral,
da instituição. semestral ou anual). Já no plano de
aula, há o detalhamento do que será
trabalhado.
Fonte: Elaborado pela autora com base em Vasconcellos, 1992; Gandin, 1994; Gesser, 2011 e Libâneo, 2006.

O planejamento educacional no Brasil é reflexo das políticas públicas para a educação e,


por isso, o direcionamento ocorrerá de acordo com a legislação que regulamenta essas políticas.
Nesse sentido, o planejamento educacional diz respeito à intencionalidade do Estado na gestão das
escolas do país, estado ou município.
O planejamento institucional ocorre no interior da escola com a participação da comunidade
educativa. O PPP da instituição é o planejamento global da escola, como afirma Vasconcellos
(1992), construído de acordo com um diagnóstico contextual, um estudo sobre os pressupostos
teórico-metodológicos a serem utilizados como balizadores das ações educativas. Já o plano de
ação da escola, organizado anualmente, necessita elucidar minuciosamente como o PPP será
colocado em prática.
O planejamento do trabalho pedagógico da instituição educativa pode ser realimentado
conforme a avaliação institucional realizada pelas famílias, professores, funcionários da escola e
equipe gestora, analisando dificuldades e avanços a fim de propor novos encaminhamentos que
venham a contribuir para a organização escolar e resultem na melhoria dos processos educativos.
Quando o plano de ação é articulado ao PPP, possibilita-se à escola traçar estratégias mais detalhadas
de como se consolidarão as concepções e os objetivos traçados nesse documento. Enquanto o PPP
tem uma duração maior, geralmente de três ou quatro anos, dependendo da comunidade educativa
e da orientação dos sistemas de ensino para sua reelaboração, o plano de ação tem uma duração
menor e atribui ao coletivo escolar o seu monitoramento.

Exemplo:
No PPP de uma escola, há uma concepção de ensino e de aprendizagem
a ser efetivada pela comunidade educativa. Na avaliação institucional
realizada, verificou-se que a avaliação da aprendizagem é praticada
Elementos constitutivos do planejamento 79

de modo tradicional: os professores aplicam uma única prova para


lançar uma nota para os estudantes, sem considerar o que estava
acordado no PPP, ou seja, que a avaliação seria diagnóstica e formativa.
Nesse sentido, no plano de ação da escola para aquele ano letivo, registrou-
-se a necessidade de se realizarem estudos com os professores a fim de se
resgatar a concepção de avaliação educacional, bem como oficinas para
auxiliar a organização dos portfólios dos estudantes. No plano de ação,
é necessário estabelecer prazos, responsáveis pelos encaminhamentos,
estratégias e recursos, a fim de que haja o monitoramento das ações
definidas pela comunidade educativa.

O planejamento de ensino, segundo Libâneo (2006), refere-se à previsão dos objetivos


de ensino-aprendizagem a serem alcançados pelos estudantes, sendo nele também incluídos as
metodologias, os critérios de avaliação da aprendizagem, os prováveis instrumentos de verificação
da aprendizagem e os recursos a serem utilizados. O planejamento de ensino precisa estar articulado
ao PPP da unidade, seguindo as concepções nele presentes.
Para realizar o plano de aula, o professor precisa pautar-se primeiro na organização do
planejamento de ensino, pois aquele é um detalhamento deste. Enquanto no planejamento de ensino
tem-se a previsão dos conhecimentos a serem ensinados por dois, três ou seis meses (dependendo
do PPP da escola e do seu regimento), o plano de aula é elaborado para, no máximo, 15 dias.
Ao colocar em prática o plano de aula, trazendo minuciosamente o que estava proposto no
planejamento de ensino, há mais condições de se refletir sobre os avanços e as dificuldades dos
estudantes, possibilitando ao professor replanejar seus encaminhamentos com vistas a promover a
aprendizagem de todos.

6.2 Construindo planejamentos eficazes


O planejamento escolar não pode ser apenas uma ação formal, como afirma Luckesi (1994),
mas uma ação que gera organização nos processos educativos. Essa organização não é burocrática,
mas sistematizadora de decisões pedagógicas que objetivem a consolidação das aprendizagens.
Para o autor, o planejamento não pode ser um ato ingênuo de preenchimento obrigatório
de formulários. Deve ser uma ação intencional que permita ao docente cumprir sua função de
mediador no processo de aprendizagem, lançando desafios e problematizações aos estudantes
de modo que estes superem o conhecimento de senso comum e se apropriem de saberes científicos,
aos quais têm direito.
Quando há planejamento, evita-se a monotonia de aulas sem vida e sem dinamismo.
Sem ele, desconsideram-se os sujeitos da aprendizagem, desvalorizando-os. Por isso, o planejamento
e a avaliação devem caminhar articuladamente. Se a equipe gestora (direção e pedagogos) e os
professores concluírem que as ações previstas no planejamento, quando executadas, não geram o
efeito desejado, é necessário reorganizar os encaminhamentos.
80 Didática

Para melhor visualizar o que cabe ao planejamento de ensino e ao plano aula, sistematizamos
o Quadro 2, que traz elementos constitutivos de ambos, explicitando suas diferenças.
Quadro 2 – Elementos constitutivos do planejamento de ensino e do plano de aula

Planejamento de ensino Plano de aula

Objetivos de ensino-aprendizagem: propósitos definidos Objetivos de aprendizagem: registra-se o que o


a partir do currículo escolar. Referem-se ao que deve ser estudante deverá saber, após a efetivação do plano de
ensinado e ao que deve ser aprendido em um período aula. Conforme Libâneo (2006), esses objetivos devem
mais longo, de acordo com o PPP e o regimento da ser claros e demonstrar aonde se quer chegar com o
escola (bimestral, trimestral ou semestral). O professor trabalho a ser desenvolvido. Ao organizá-lo, o professor
pode se questionar: o que ensinarei para que o aluno necessita consultar o planejamento de ensino, para que
aprenda neste período de trabalho pedagógico? Qual fique claro aonde quer chegar com sua aula ou com o
é o objetivo do ensino-aprendizagem em que estarei conjunto de suas aulas.
envolvido neste tempo?

Conteúdo: segundo Libâneo (2006), é o conjunto de Conteúdo: constitui o objetivo de aprendizagem a


conhecimentos a serem apreendidos pelos estudantes. ser trabalhado pelo professor. Mesmo que diferentes
Pode se referir a habilidades, atitudes, princípios e conteúdos perpassem a aula, há um foco principal.
processos. No planejamento de ensino, constarão todos
os conteúdos a serem trabalhados no decorrer do tempo
previsto.

Metodologia: é a forma como o professor encaminhará o Metodologia: o professor detalha as formas como
trabalho. Ele registra a metodologia, mas sem detalhá-la. trabalhará o conhecimento a ser apreendido pelos
estudantes, sistematizando passo a passo seus
encaminhamentos e estratégias.

Avaliação da aprendizagem: o professor prevê como a Avaliação da aprendizagem: o professor registra como
avaliação formativa, cumulativa e diagnóstica acontecerá. avaliará a apreensão do conhecimento pelo estudante,
Descreve elementos para a análise do processo de em consonância com o PPP e com o plano de ensino.
aprendizagem. Aqui, o registro pode ser mais amplo, pois Por exemplo: análise do portfólio do estudante;
no plano de aula registram-se as especificidades. prova; trabalho em grupo; organização do caderno do
estudante para verificar o que ele aprendeu sobre o
conhecimento trabalhado.

Avaliação do planejamento de ensino: o professor, à Avaliação do plano de aula: como já afirmamos


medida que coloca em ação o planejamento de ensino anteriormente, o plano não é um engessamento
nos planos de aula, tem a possibilidade de analisar se do trabalho do professor. Caso se verifique que o
o que propôs foi apreendido pelos estudantes. Caso conhecimento ainda não foi consolidado, o professor
verifique que seus objetivos de ensino-aprendizagem precisa avaliar seu plano de aula, propondo outras
não foram consolidados, há a necessidade de retomar o estratégias, ampliando o tempo de trabalho – se
planejamento de ensino. necessário – e organizando outras atividades
diferenciadas e diversificadas, para que todos
aprendam.
Fonte: Elaborado pela autora com base em Libâneo, 2006 e Gesser, 2011.

É importante organizar o trabalho pedagógico por meio do planejamento de aula com


base no planejamento de ensino – que é fundamentado no PPP e no currículo oficial do sistema
de ensino ao qual a escola pertence –, sem esquecer quem é o estudante, seus conhecimentos,
sua cultura local e seus interesses.
A dialogicidade, defendida por Freire (2005), reside na articulação dos encaminhamentos
pedagógicos pelo professor, pois essa ação permite ao docente e aos estudantes aproximarem-
-se. O professor precisa ouvir os estudantes para saber quais são os seus conhecimentos sobre os
Elementos constitutivos do planejamento 81

conteúdos trabalhados no contexto escolar e eles devem ouvir o professor, pois este é o responsável
pela organização dos desafios, problematizações e demais estratégias para que os estudantes
evoluam em suas aprendizagens.
Para Freire (2005), as pessoas são seres inacabados e, assim, sempre estão aprendendo umas
com as outras. Dessa forma, o professor que dialoga com os estudantes aprende novas formas
de ensinar e entende o que eles pensam sobre o desafio proposto. Nesse viés, o planejamento é
necessário, sem se perder de vista a construção de um ambiente propício às aprendizagens.
Quando, portanto, reiteramos a importância do planejamento e sua eficácia, não estamos
defendendo uma concepção pedagógica tecnicista, cujo foco era a formação de mão de obra
para o mercado de trabalho e cujas estratégias e encaminhamentos metodológicos previstos no
planejamento não propunham reflexões críticas sobre o conhecimento trabalhado em sala de aula.
O que importava era que o conteúdo fosse transmitido e o planejamento cumprido, havendo uma
suposta neutralidade do planejamento e dos métodos de ensino.
Atualmente, não podemos deixar de defender a necessidade do planejamento no contexto
escolar, de modo a organizar o trabalho educativo do professor e garantir que os conhecimentos a
que os estudantes têm direito lhes sejam acessíveis. Porém, ao colocar em prática o plano de aula,
o professor precisa considerar a integralidade do estudante, suas dimensões cognitiva, afetiva,
física, espiritual, histórica, artística, entre outras, pois fazê-lo não é propor ao estudante cópias do
livro didático, ou deixá-lo quatro horas diárias sentado sem permitir que dialogue com os colegas.
Os estudantes aprendem também uns com os outros.
Assim, superamos a concepção de uma suposta neutralidade do planejamento, pois ele
deve ser organizado em função da aprendizagem dos estudantes. Além disso, o professor deve
questionar os conhecimentos, levando os estudantes a perceberem a historicidade e o contexto da
produção científica. Conforme Saviani (1989), os conhecimentos necessitam ser reavaliados diante
das realidades sociais e do avanço da ciência.
Defendemos, portanto, as pedagogias sociocríticas, ou seja, aquelas em que, segundo
Libâneo, Oliveira e Toschi (2012), a escola se posiciona contra as desigualdades sociais e
econômicas e busca encontrar metodologias e encaminhamentos que assegurem a todos os
estudantes o acesso aos conhecimentos científicos. Conforme esses autores, quando o professor
realiza o planejamento de ensino e de aula fundamentado nessas tendências pedagógicas,
precisa incorporar as discussões sobre o meio ambiente, os problemas da vida urbana e o
respeito às diferenças culturais entre os sujeitos, combatendo toda forma de preconceito e
discriminação.

6.3 Planejamento de ensino, plano de aula e a BNCC


A BNCC, como já afirmamos, é um documento normativo a ser implementado em todas
as escolas que ofertam educação básica no país até 2020. Todos os sistemas de ensino e as escolas
públicas e particulares terão de cumprir o que a BNCC determina quanto à revisão ou construção
dos currículos e dos PPPs e, articuladamente, orientar os planejamentos de ensino e de aula dos
professores.
82 Didática

Tendo em vista a consolidação das dez competências gerais propostas na BNCC que
permearão o trabalho com os conhecimentos essenciais dos diferentes componentes curriculares e
áreas do conhecimento, é notório que, para planejar, o professor considere como essas competências
serão trabalhadas no cotidiano de sala de aula.
Os conhecimentos essenciais, segundo a BNCC (BRASIL, 2018), referem-se ao conjunto
de saberes organizados, de forma progressiva, que todos os estudantes devem dominar até o final
da educação básica. Assim, a todos os discentes do país, da educação infantil ao ensino médio,
deve-se assegurar o direito à aprendizagem, respeitadas as especificidades de cada região e de
cada escola.
Em outras palavras, é necessário que todas as escolas trabalhem com os conhecimentos
essenciais previstos na BNCC e considerem no seu fazer pedagógico os conhecimentos advindos
de cada cultura local para organizar seus planejamentos, haja vista que o processo de ensino e de
aprendizagem não ocorre de forma transmissiva ou por acúmulo de conhecimentos.
A BNCC elucida a organização dos conhecimentos e assegura o que deve ser trabalhado
em todo o país. Com base nesse direcionamento, os sistemas de ensino organizam seus currículos
formais. De modo articulado, as escolas reelaboram o seu PPP. Neste, considera-se o diagnóstico
sobre a comunidade educativa e elencam-se os elementos para a organização dos planejamentos
de ensino e de aula.
Para formulá-los, o professor deve ter em vista os conhecimentos essenciais a serem
trabalhados pelo estudante, as avaliações diagnósticas e o PPP da escola, que contemplará as
concepções de ensino e de aprendizagem definidas no seu coletivo, como podemos observar na
Figura 1 a seguir.
Figura 1 – BNCC, PPP, currículos, planejamentos de ensino e plano de aula

BNCC

Currículos organizados
pelos sistemas de ensino

PPP de cada escola

Planejamento
de ensino

Plano de aula

Fonte: Elaborada pela autora.


Elementos constitutivos do planejamento 83

Por meio dessa análise, podemos concluir que o trabalho do professor não é isolado em
uma sala de aula, mas articulado a uma concepção de sujeito que se deseja formar. Ciente dos
propósitos de formação humana, o professor, ao organizar seu planejamento, pode se posicionar
em prol de uma organização com vistas à formação de sujeitos autônomos, reflexivos e críticos,
coerentemente com o que está previsto no PPP da escola em que trabalha.
Assim, ao trabalhar com um conhecimento essencial a que o estudante tem direito,
o professor o faz sem desconsiderar os saberes que ele já tem e sem se omitir de sua função de
mediador no processo de ensino e de aprendizagem. Esse docente deve, então, organizar-se por
meio de um planejamento que valorize a formação humana integral. O que significa isso?

Exemplo:
Ao planejar, o professor organiza tempos e espaços que levam em
conta quem são os estudantes e sua fase de desenvolvimento. Se são
alunos da educação infantil, a interação e a brincadeira devem se fazer
presentes, pois é por meio destas que eles aprendem, desenvolvem-se e
se socializam. Dessa forma, ao sistematizar um planejamento de ensino
e de aula, o docente precisa pensar: por quanto tempo as crianças estarão
envolvidas nessa proposta? Qual é o espaço disponível para realizá-la?
Como organizar o espaço para a atividade? Os materiais são adequados
à faixa etária? Será preciso repetir essa proposta em outro momento
ou apenas uma vez será suficiente para os alunos compreenderem a
atividade e, além disso, aprenderem sobre o conhecimento envolvido
na atividade?

Com esse exemplo, não queremos dizer que apenas na educação infantil a interação e a
brincadeira devem ser contempladas. Nossa intenção é propor ao professor questionar o seu
planejamento, de modo que este não se torne linear ou um mero preenchimento burocrático,
esquecendo-se de quem são os seus estudantes.
Planejar não é uma ação fria e neutra, mas ocorre com base nas concepções de ensino e
de aprendizagem. Se o professor, por exemplo, acredita que o sujeito não tem nenhum saber
e que deve dominar as habilidades previstas na BNCC, certamente organizará atividades de
treino, sem reflexão crítica sobre o conhecimento a ser ensinado. Ao contrário, se o profissional
se fundamenta em uma concepção sociocrítica, organizará seu planejamento e colocará em
prática, de modo contextualizado, os conhecimentos essenciais determinados na BNCC, além de
selecionar metodologias e organizar tempos e espaços adequados à aprendizagem dos estudantes,
sem desmerecer os saberes que estes já possuem sobre o mundo.
Em uma concepção sociocrítica de educação, o planejamento do professor não é uma
ação solitária. Prevê a participação de outros docentes e da equipe gestora, que colaboram
com as discussões sobre os processos de ensino e de aprendizagem; as metodologias de ensino;
84 Didática

as concepções presentes no PPP; as avaliações institucional e da aprendizagem; entre outros


estudos e reflexões que sejam pertinentes à organização do trabalho pedagógico, vislumbrando
planejamentos de ensino e de aula que atinjam os objetivos educacionais.
Para que o professor organize os seus planejamentos de ensino e de aula e contemple as
dez competências previstas na BNCC no seu fazer pedagógico, é necessário que ele tenha essas
competências. Assim, uma equipe escolar comprometida em desenvolver nos estudantes o que está
previsto no documento norteador dos currículos, buscará uma formação continuada em que esses
saberes se consolidem.

Exemplo:
Vamos tomar como exemplo a 10ª competência: “agir pessoal e
coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência
e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos,
democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários” (BRASIL, 2018, p. 10).
Essa competência deve perpassar o planejamento de ensino e de aula do
professor, caso isso não aconteça, o estudante não saberá agir de acordo
com o que ela objetiva. Além disso, o professor deve ter essa competência
ou não proporcionará vivências no ambiente educativo de forma a
desenvolvê-la no estudante. Por isso, é importante haver reflexões sobre as
necessárias competências do professor para que estas sejam desenvolvidas
nos alunos.

Dessa forma, a relação entre teoria e prática deve estar presente no trabalho docente.
Se desejamos formar para a integralidade, precisamos buscar essa integralidade em nossas ações e
na dialogicidade com os estudantes.
Como afirma Freire (2005), o ser humano é um ser da práxis, logo, pode refletir sobre seus
fazeres e, caso perceba que não há coerência entre o que afirma e o que pratica, tem condições
de rever sua trajetória e redirecioná-la. Assim, um professor, quando se autoavalia e verifica
distanciamento entre o que ensina e o que concretiza em suas ações, tem capacidade de transformar
seu fazer pedagógico como também a si mesmo, enquanto sujeito que pensa sobre sua prática e
sobre sua própria formação, com autonomia e responsabilidade para modificar-se.

Considerações finais
Planejar é próprio dos seres humanos. Se planejamos, podemos, em vez de agir ao acaso,
prever os passos de nossas ações e, com isso, avaliar se tomamos acertadamente nossas decisões ou
não. Ao sistematizar o planejamento, não precisamos esperar o final de sua execução para realizar
avaliações, podemos fazê-las ao longo do percurso.
Elementos constitutivos do planejamento 85

No caso do planejamento no âmbito educativo, diante da função social da escola,


os profissionais envolvidos na organização do trabalho pedagógico devem realizá-lo com
comprometimento e ética. O planejamento organizado comprometidamente terá objetivos claros,
encaminhamentos didáticos que considerem quem são os estudantes, tempos e espaços definidos
para que os conhecimentos científicos sejam trabalhados e desafiem os estudantes a aprenderem.
A ética dos profissionais estará presente à medida que os princípios da democracia se
consolidem no planejamento e em sua execução, havendo o cuidado para que, caso algum estudante
demonstre dificuldade em compreender determinado conceito, haja a retomada e a reorganização
das estratégias de explicitação do conhecimento, consolidando-se o direito de todos aprenderem.
O trabalho coletivo não se efetiva apenas estando-se presente no momento do planejamento,
mas quando todos os profissionais da escola se envolvem no sucesso do estudante.

Ampliando seus conhecimentos


• FERREIRA, Francisco Whitaker. Planejamento sim e não: um modo de agir num mundo
em permanente mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
No livro, com prefácio de Paulo Freire, o autor trata das ações que os profissionais deveriam
realizar antes de colocar seu planejamento em prática. Traz discussões essenciais para
os educadores, como a necessidade de fundamentar-se em três principais pontos para a
realização do planejamento: preparação do plano (pesquisa, discussão e sistematização),
efetivação do que foi descrito e avaliação.

• NENHUM a menos. Direção:  Zhang Yimou. China: China Film Group Corporation,
1999 (106 min.).
O filme retrata o drama de uma menina chinesa de 13 anos que é convidada a substituir
seu professor, pois este precisa se ausentar das aulas para cuidar de sua mãe doente.
Determinada a cumprir o desafio de ser professora, a menina não pode deixar nenhum
estudante desistir. Como ainda é muito jovem, muitas vezes ela age como se não fosse a
docente e tem dificuldades em assumir uma postura de autoridade diante dos alunos.

• BRASIL. Ministério da Educação. As 10 competências gerais da BNCC. Disponível em:


http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_AS_DEZ_COMPETENCIAS.
mp4. Acesso em: 21 abr. 2019.
O vídeo apresenta didaticamente as dez competências gerais que perpassam os
conhecimentos essenciais a serem trabalhados na educação básica e consolidados ao final
do ensino médio.
86 Didática

• SILVA, Andréa Villela M. A pedagogia tecnicista e a organização do sistema de ensino


brasileiro. Revista HISTEDBR On-line, Campinas. n. 70, p. 197-209, dez. 2016. Disponível
em: https://www.researchgate.net/publication/316901276_A_pedagogia_tecnicista_e_a_
organizacao_do_sistema_de_ensino_brasileiro. Acesso em: 20 abr. 2019.
O artigo traz uma perspectiva histórica do tecnicismo no Brasil, contextualizando como
essa tendência pedagógica ainda está presente na organização escolar, uma vez que o
sistema capitalista de produção exige da sociedade uma formação humana que responda
aos seus interesses e uma mão de obra que se ajuste às suas demandas.

Atividades
1. Explicite a diferença entre a flexibilização da ação docente diante do planejamento e o
improviso do professor sem compromisso com a organização desse documento.

2. Diferencie planejamento de ensino e plano de aula.

3. Observe a imagem e discorra sobre os níveis de planejamento nos processos educacionais.

BNCC

Adequação dos
currículos

Adequação dos
PPPs

Fonte: Elaborada pela autora com base em Vasconcellos, 1992; Gandin, 1994; Gesser, 2011 e Libâneo (2006).

Referências
BRASIL. Ministério da Educação. As 10 competências gerais da BNCC. Disponível em: http://
basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_AS_DEZ_COMPETENCIAS.mp4. Acesso em: 21 abr. 2019.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular: educação é a base. 2018. Disponível em:
http://download.basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em: 21 abr. 2019.

FERREIRA, Francisco Whitaker. Planejamento sim e não: um modo de agir num mundo em permanente
mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
Elementos constitutivos do planejamento 87

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.

GANDIN, Danilo. A prática do planejamento participativo. Petrópolis: Vozes, 1994.

GESSER, Verônica. O planejamento educacional: da gênese histórico-filosófica aos pressupostos da prática.


Curitiba: CRV, 2011.

LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 2006.

LIBÂNEO, José Carlos; OLIVEIRA, João Ferreia; TOSCHI, Mirza Seabra. Educação escolar: políticas,
estrutura e organização. São Paulo: Cortez, 2012.

LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da educação. São Paulo: Cortez, 1994.

SILVA, Andréa Villela Mafra da. A pedagogia tecnicista e a organização do sistema de ensino brasileiro.
Revista HISTEDBR On-line, Campinas. n. 70, p. 197-209, dez. 2016. Disponível em: https://www.researchgate.
net/publication/316901276_A_pedagogia_tecnicista_e_a_organizacao_do_sistema_de_ensino_brasileiro.
Acesso em: 20 abr. 2019.

SAVIANI, Dermeval. Educação: do senso comum à consciência filosófica. São Paulo: Cortez, 1989.

VASCONCELLOS, Celso dos S. Coordenação do trabalho pedagógico: do projeto político-pedagógico ao


cotidiano da sala de aula. São Paulo: Libertad, 1992.
7
Reflexões sobre métodos de ensino

Neste capítulo, explicitaremos a importância de selecionar metodologias que coadunem


com a concepção de ensino e de aprendizagem defendida no Projeto Político Pedagógico (PPP)
da escola, pois se nele há a defesa de um sujeito crítico, reflexivo e partícipe da sociedade,
as formas como ensinamos e as relações entre professor e estudante precisam estar de acordo com
essas proposições.
Destacaremos a importância de nós, professores, reconhecermos as tendências pedagógicas
que fundamentam as ações no processo educativo, pois muitas vezes acabamos por reproduzir a
maneira como fomos ensinados em nosso tempo de estudantes, ainda que em nosso discurso haja
certa criticidade. É necessário buscar a coerência entre a concepção e a prática educativa.
Outro assunto a ser discutido é a importância de realizarmos o planejamento de ensino e
de aula, registrando critérios de ensino-aprendizagem, objetivos, metodologias e sistematizando
também as estratégias e os recursos a serem empregados, objetivando a aprendizagem de todos
os estudantes.
Para a sistematização e a organização de planejamentos coerentes, que explicitem objetivos
de ensino e de aprendizagem e encaminhamentos metodológicos que promovam a apropriação
e a reelaboração dos conhecimentos científicos a que os estudantes têm direito, discutiremos
também a importância da ludicidade, incluindo jogos, brinquedos e brincadeiras na organização
do trabalho pedagógico.
Também refletiremos sobre a concepção de ambiente educativo necessária à organização de
tempos e espaços de aprendizagens significativas.

7.1 Uma conversa sobre metodologias de ensino


Como já vimos anteriormente, as concepções de homem, de sociedade, de ensino e de
aprendizagem direcionam os encaminhamentos em sala de aula. Muitas vezes o professor tem um
discurso crítico, mas ao colocar em prática seu planejamento, não há efetivação de uma proposta
que vá ao encontro do que apregoa.
Nesse sentido, precisamos retomar as concepções de ensino e aprendizagem e enfatizar o
“como” realizar em sala de aula, a fim de que possamos proceder a uma avaliação permanente do
nosso fazer pedagógico, buscando uma coerência entre os objetivos estabelecidos no planejamento
e a metodologia utilizada.
Assim, a metodologia diz respeito ao caminho utilizado até a efetivação do objetivo
estabelecido, são os processos necessários para que as aprendizagens se consolidem. A fim de atingir
os objetivos educacionais, podemos nos remeter a diversos métodos de ensino; esse conjunto de
90 Didática

métodos é a metodologia. No entanto, ao utilizarmos essa metodologia, não podemos esquecer as


concepções que embasam nossas ações.
Segundo Mizukami (2003), é necessário pensar na intencionalidade do projeto educativo,
quando se apregoa uma teoria deve-se ter em mente uma prática, uma forma de encaminhar o
trabalho pedagógico que coaduna com essa abordagem e busca explicar os processos de ensino e
de aprendizagem.
Na concepção tradicional, o professor está no centro do processo, a pedagogia é transmissiva,
o estudante não tem saberes prévios, logo, a metodologia utilizada não dará voz ao que ele já
sabe de suas aprendizagens em outros espaços educativos. Busca-se sempre o silêncio absoluto,
as carteiras e cadeiras enfileiradas, com estudantes sentados um atrás do outro. O professor
transmite aos estudantes o que está previsto no bimestre, trimestre ou no ano sem se preocupar
com a aprendizagem deles. Nesse contexto, são comuns frases como: “Eu ensinei, ele que não se
esforçou!”, “Eu fiz minha parte, ele que reprovou sozinho!”, “A matéria é essa. Se ele não aprendeu,
a culpa não é minha!”, “Na minha disciplina ele está reprovado, pois não sabe nada.”
Outras afirmações que carregam concepções de ensino e de aprendizagem excludentes
são frequentes no cotidiano escolar, buscando justificar as não aprendizagens dos estudantes.
Conforme Mizukami (2003), a concepção de ensino tradicional é externa ao aluno, que precisa
ser capaz de acumular informações, enfatizando a preocupação com a apresentação dos conteúdos
em detrimento da compreensão dos processos. A aprendizagem, em uma metodologia tradicional,
tem as seguintes características:
• Método expositivo em que o professor fala e o estudante ouve.
• O trabalho intelectual do estudante acontece após a explicação do professor.
• O ambiente educativo não é planejado pelo professor.
• Um estudante senta-se atrás do outro.
• A avaliação é tradicional, portanto, excludente e classificatória.

Para Becker (1993), o produto desse tipo de encaminhamento metodológico será alguém
que abre mão do seu direito de pensar; é a morte da crítica, da criatividade e da curiosidade.
Para que pensar, se tudo já está pronto? Para que saber como funciona a sociedade? Para que
saber de onde vem o conhecimento se apenas quero estudar para arrumar um emprego? A
subserviência está decretada.
De acordo com Saviani (2013), na pedagogia tradicional o centro do fazer educativo
é o intelecto, prescindindo de todas as outras dimensões humanas. O conhecimento é passado
como verdade absoluta, professor e estudante não interagem com os saberes científicos, pois
estes têm uma suposta neutralidade. Ao professor, cabe transmiti-los; aos alunos, memorizá-los
sem reflexão.
Assim, o conhecimento seria ensinado ao estudante, mas o questionamento, a reflexão,
a historicidade dos saberes científicos não seriam explicitados.
Reflexões sobre métodos de ensino 91

Exemplo:
Em uma aula de Matemática tradicional, uma professora ensinaria
o sistema de numeração decimal (SND) de forma transmissiva, sem
reflexão, propondo aos estudantes que cobrissem os pontilhados para
aprender o traçado dos números, ligassem o número à quantidade,
escrevessem do número um ao dez e assim por diante. Se o currículo
do primeiro ano previsse que os estudantes dominassem, até o final
do ano letivo, os números de um a cem, esse encaminhamento se
repetiria, os estudantes estariam sentados sempre um atrás do outro
e o professor proporia atividades de cópia dos números, de completar
com sucessor e antecessor para reforçar o conteúdo, entre outras. Já um
professor fundamentado em uma proposta crítica, cujo objetivo é formar
sujeitos que refletem sobre o contexto social em que estão inseridos,
primeiramente buscaria ensinar de forma prática e concreta a base 10,
que é o fundamento do SND, para não reproduzir com os estudantes
a forma como obteve esse conhecimento. Também reconheceria que
esse sistema foi elaborado e sistematizado pela humanidade, e mesmo
a Matemática, uma ciência exata, seria contextualizada historicamente.
Dessa forma, poderia iniciar seu planejamento contando a história dos
números e estimulando os estudantes a contarem nos dedos e fazerem
a inter-relação com a vida em sociedade. Os jogos e a problematização
estariam presentes, partindo do pressuposto de que todos são capazes
de aprender. Como a avaliação é processual e diagnóstica, o professor
observaria, no decorrer do ano, o avanço dos estudantes no processo de
construção do conhecimento. Diante da dificuldade de algum estudante,
haveria a necessidade de reelaboração do planejamento e de elaboração
de novas estratégias, de modo que se consolidassem as aprendizagens
necessárias para aquele ano letivo.

Ao organizar o trabalho pedagógico contextualizando e historicizando os saberes, de forma


com que os estudantes reelaborem seus saberes adquiridos em suas vivências, o professor tem
condições de levantar questionamentos, de instigar os sujeitos a buscarem novas soluções para as
problematizações relacionadas aos conhecimentos científicos.
Como podemos observar, não há neutralidade nas metodologias de ensino, pois se o
professor se fundamentar em uma pedagogia tradicional, não haverá criticidade nem historicidade,
mas reprodução. Essa forma de ensinar, segundo Saviani (2013), está relacionada a uma visão
hegemônica, a qual traz em seu bojo a manutenção de uma sociedade excludente e classificatória,
92 Didática

o que corrobora com um fazer educativo que não considera as diferenças entre os estudantes e
suas diversas formas de aprender. Dessa maneira, se há estudantes que não atingem os objetivos
propostos pela escola, há culpabilização desses sujeitos, o que acaba impedindo a busca por
estratégias que venham possibilitar a aprendizagem a que todos têm direito.
A corrente pedagógica renovada, também chamada de Escola Nova, surgida na Europa e
nos Estados Unidos no século XIX, toma força no Brasil entre as décadas de 1920 e 1930, fazendo
severas críticas à escola tradicional e principalmente a seus métodos de ensino. Para seus
defensores, essa escola não ensinava a pensar, mas apenas a copiar (GADOTTI, 1996).
Essa corrente pedagógica teve como marco o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova,
um documento elaborado por 26 educadores, como Anísio Teixeira (1900-1971), Fernando de
Azevedo (1894-1974), Lourenço Filho (1897-1970), entre outros nomes da educação nacional.
Esse documento oferecia novas diretrizes para a educação do Brasil e defendia a adaptação da
escola à nova fase de desenvolvimento produtivo do país (GADOTTI, 1996).
Defendia-se que a escola não deveria ser privilégio de alguns, mas ser de acesso a todos, e,
portanto, laica, gratuita e obrigatória. Nesse sentido, houve avanços na concepção de uma escola
democrática.
No entanto, Saviani (2013) denomina a pedagogia da Escola Nova de pedagogia
da existência, para o autor, essa tendência tira o foco dos conteúdos escolares e, portanto,
do conhecimento científico, trazendo para o cerne da escola o aprender a aprender. Segundo
Saviani, essa concepção privilegia o individualismo e a meritocracia. Se o sujeito não for ativo, não
buscar aprender, não realizar as atividades propostas e não se esforçar, ele não aprenderá, pois o
professor é apenas um facilitador. A metodologia de uma escola que fundamentasse suas ações na
pedagogia da Escola Nova teria as seguintes características:
• Métodos ativos: os estudantes têm autonomia para descobrir os conhecimentos ‒
trabalhos em grupo, dinâmicas e pesquisas.
• Tem como base o pragmatismo: aprender fazendo.
• O professor é o facilitador: o ambiente educativo é planejado pelo professor, porém o
estudante tem autonomia para nele agir.
• O estudante aprende de acordo com seus interesses: precisa ter experiências por meio
das atividades propostas pelo professor.
É preciso frisar que entre 1964 e 1985 o Brasil passava pela ditadura militar. Nesse contexto,
os objetivos educacionais voltavam-se para a formação de um homem produtivo e eficiente,
mas que não questionasse, fosse subordinado à ideologia dominante (SAVIANI, 2013).
A pedagogia tecnicista, que segundo Saviani (2013) também é tradicional, valorizava
os objetivos instrucionais, os recursos audiovisuais, a produtividade do estudante, as técnicas
e os manuais. O professor era aquele que aplicava atividades sem refletir ou discutir com os
estudantes. O que se priorizava era o saber fazer, não o saber pensar sobre o conhecimento.
Reflexões sobre métodos de ensino 93

Enquanto na pedagogia tradicional o professor era o centro do processo, na pedagogia


tecnicista tira-se dele esse papel, pois o docente se torna um executor dos manuais. O filme
Tempos modernos, de Charlie Chaplin, traz um retrato dessa visão de homem e de sociedade que
espera que os sujeitos apenas reproduzam o que está posto na sociedade. O sujeito apenas deve
saber a técnica, sem diálogo, sem reflexão e reproduzir ações. Nessa perspectiva, o trabalhador
não tem o domínio do conhecimento sobre o processo de elaboração do seu trabalho. O que
cabe a ele é fazer muito bem uma parte do produto, portanto, não se espera da escola a formação
crítica desse homem trabalhador.
Essa pedagogia ainda está muito presente nas escolas brasileiras, mas não contribui para a
formação de um sujeito que questiona, reflete, se posiciona sobre a sociedade em que vive. Logo,
o método de ensino é a instrução, em que o estudante está sendo preparado para ocupar o mercado
de trabalho, o que Saviani (2013) denomina de mecanicismo. Destaca-se que a metodologia utilizada
no tecnicismo tem as seguintes características:
• Foco no planejamento burocrático e não no planejamento pensado, tendo em vista quem
é o estudante e as aprendizagens a que tem direito.
• Nem o aluno nem o professor são o centro do fazer educativo e sim as técnicas, os materiais
e os objetivos. Há um discurso em prol da neutralidade dos métodos de ensino.
• O aluno tem que assimilar passivamente o saber dos manuais de ensino, os quais
transmitem o saber científico, que não é historicizado.
• Não há dialogicidade entre professor e estudante.
• A formação é voltada para o mercado de trabalho e para a técnica, sem reflexão, pois o
objetivo é cumprir as novas demandas da sociedade capitalista.
Segundo Luckesi (2003), o interesse era formar sujeitos competentes e, assim, a escola deveria
ter métodos voltados à racionalização e à objetividade, com professores que eram responsáveis
por passar a verdade científica aos estudantes, garantindo de forma eficaz (por meio de métodos,
técnicas, livros, manuais, recursos tecnológicos, objetivos instrucionais) o conhecimento que
deveria ser aprendido pelos discentes.
A avaliação na pedagogia tecnicista é excludente, pois aqueles que não se adaptavam à suposta
neutralidade, objetividade e racionalidade dos métodos eram reprovados e marginalizados, o que
gerava altos índices de abandono escolar.
Paulo Freire (1921-1997) questionava o ideário tecnicista. Para ele, o sujeito não deveria
apenas estar no mundo, mas refletir sobre ele, de forma que pudesse interagir, dialogar, se apropriar
do conhecimento e das diferentes culturas, mas também as construir.
Freire (1997) defendia que os professores assumissem uma postura crítica, em que
predominasse o diálogo com os estudantes, o que os levaria a uma postura inquieta sobre a sociedade
vigente, com questionamentos e crítica sobre ela. Paulo Freire levantava reflexões profundas sobre
a necessidade de uma educação humanizadora e, para isso, seu método de alfabetização de adultos
tinha como características:
94 Didática

• respeitar o educando e seus saberes;


• pensar criticamente a sociedade – o sujeito está na sociedade e tem possibilidades de agir
sobre ela;
• considerar os contextos dos sujeitos e suas culturas para alfabetizar;
• superar o que denomina de consciência mágica para uma consciência crítica.
Os educandos podem questionar a sociedade que é historicamente construída;
• trabalhar, na alfabetização, com palavras que tinham significado para os trabalhadores.
Estas eram contextualizadas e posteriormente o aluno era apresentado a elas, pois para
Freire (1989, p. 9): “a leitura de mundo precede a leitura da palavra.”;
• combater o mito da neutralidade educacional. De acordo com Freire (1989), a suposta
neutralidade negava o caráter político da educação. A educação é sempre voltada a favor
de algo, de quem ou do quê;
• buscar, por meio da dialogicidade, a superação da educação bancária, em que o professor
depositava e os estudantes recebiam.
O processo de abertura democrática, que ocorreu em meados dos anos 1980, consolidando-
se na Constituição Federal de 1988, possibilitou a ascensão dos movimentos de estudo, discussão,
reflexão e reivindicação dos educadores brasileiros em prol do acesso e da permanência dos
estudantes na escola como também o direito à aprendizagem. Nesse sentido, as pedagogias contra-
hegemônicas ganharam força (SAVIANI, 2008).
Com isso, a denominada pedagogia crítico-social dos conteúdos de Saviani (2008) ganha
força, defendendo o ensino de conteúdos vivos, concretos e que fazem sentido para os sujeitos
na sua vida em sociedade. Os conteúdos a serem ensinados são os conhecimentos científicos,
históricos e culturais sistematizados pela humanidade, a que os estudantes têm o direito de ter
acesso no espaço da escola. Os conteúdos são patrimônio de todos os homens e não apenas de uma
elite e, se foram sistematizados pelos homens, podem ser historicizados e, portanto, questionados.
Para a pedagogia crítico-social os conteúdos devem ser analisados e trabalhados à luz da
história e das realidades sociais (SAVIANI, 2008). O professor, nessa tendência, é um mediador e
seleciona metodologias que possibilitem ao estudante se apropriar dos conhecimentos:
• O método a ser selecionado levará em conta os contextos histórico-políticos e sociais dos
estudantes, a fim de aproximar o conhecimento científico à vida destes.
• O aluno tem saberes advindos de sua experiência imediata e o professor organiza
o ambiente educativo e a sua intervenção pedagógica com vistas à apropriação do
conhecimento científico.
• A aprendizagem significativa parte do que o estudante já sabe para o que ele ainda não
domina, mas será ensinado pelo professor.
• Vale-se de modelos de ensino em que se destaca a relação entre conteúdos de ensino
e as vivências sociais, articulando-se o político e o pedagógico, pois, para a pedagogia
histórico-crítica, não há neutralidade no ato educativo.
Reflexões sobre métodos de ensino 95

• Utiliza-se da dialética, o que prevê a ação-reflexão-ação como balizadora das ações


educativas.
Diante dessas reflexões, a pedagogia histórico-crítica entende que a educação é mediadora
entre os saberes advindos do senso comum dos sujeitos e os conhecimentos sistematizados
(científicos), logo todos os saberes partem da prática social global e voltam para ela.
Ao pensar nos recursos, estratégias e encaminhamentos metodológicos a serem utilizados
pelo professor em seu trabalho pedagógico segundo essa tendência pedagógica, não se exclui a
possibilidade de contemplar o trabalho em grupo, a utilização das tecnologias digitais, de diferentes
livros, laboratórios e equipamentos que possibilitem aos estudantes reelaborar o conhecimento
científico, ultrapassando o senso comum.
Ainda é muito comum nas escolas os professores recriminarem os estudantes pelo uso das
tecnologias digitais em sala de aula. No entanto, é preciso mudar a concepção para que a prática
nesse ambiente seja modificada, se os professores continuarem a combatê-la, perderão uma
importante aliada no trabalho educativo.
Um professor pode permitir o uso de tecnologias digitais em sala de aula sem abrir mão de
sua função de mediador se mantiver uma postura aberta ao diálogo com os estudantes, tirando
dúvidas sobre o conteúdo trabalhado ou mesmo lançando perguntas sobre a pesquisa a ser feita,
incentivando a turma a novos desafios.
A tecnologia é produto da ciência e o professor deve aceitar o desafio de utilizá-la em sala de aula,
mas de forma contextualizada e mediada. Caso contrário, estará apenas utilizando novos recursos
que podem até contribuir para que os alunos fiquem silenciosos e disciplinados, mas o docente
perderá a oportunidade de problematizar os conhecimentos científicos aos quais os estudantes
têm direito. Assim, apenas treinamentos sobre o uso de novas tecnologias não são suficientes.
É preciso levar aos professores possibilidades de construção de novos paradigmas educacionais, nos
quais as novas tecnologias sejam parte de um currículo vivo, reflexivo, inclusivo e com dialogicidade.
Os diálogos entre professor e estudantes, estudantes e estudantes, escola e comunidade necessitam
estar presentes.
Segundo Masseto (2006), a tecnologia precisa ser utilizada de acordo com os objetivos
de ensino-aprendizagem, sendo coerente com as concepções presentes no currículo da escola
e no PPP. Se nesses documentos há a proposta de uma pedagogia crítica, não cabe utilizar nos
encaminhamentos didáticos tecnologias digitais que não promovam a reflexão e a construção
de novos conhecimentos. Dessa forma, “precisarão estar coerentes com os novos papéis tanto
do aluno, como do professor: estratégias que fortaleçam o papel de sujeito da aprendizagem do
aluno e o papel de mediador, incentivador e orientador do professor nos diversos ambientes de
aprendizagem” (MASSETO, 2006, p. 143).
A criticidade também deve estar presente nas metodologias de ensino que se utilizam das
tecnologias, pois se o estudante não é aquele que repete o que foi ensinado, não cabe ao professor
transferir o seu papel de transmissor – da pedagogia tradicional – a uma tecnologia digital.
96 Didática

Para Masseto (2006), é necessário que o professor incentive a participação ativa dos
estudantes no processo de aprendizagem e, para isso, deve planejar situações em que haja interação,
assim como a pesquisa, o debate e o diálogo, sem abrir mão da ética, do respeito às outras opiniões
e ao outro, da historicidade, da criticidade e da sensibilidade.
Se o objetivo é a formação integral do sujeito, considerando-o em todas as suas dimensões,
como apontam Guará (2006), Moll (2008) e Coelho (2009), não se podem negar ao estudante
possibilidades de frequentar uma escola construída e ressignificada tendo em vista uma perspectiva
emancipadora e reflexiva. Algumas dessas dimensões podem ser percebidas na figura seguinte,
mas não se limitam a estas. O que queremos destacar é a inter-relação entre essas dimensões, pois
o ser humano é integral.
Figura 1 – Dimensões humanas e o processo de aprendizagem

Criativa

Lúdica Sociocultural

Aluno
Fisico-motora
Estética

Cognitiva Ética

Fonte: Elaborada pela autora com base em Guará, 2006; Moll, 2008 e Coelho, 2009.

Diante de uma concepção humanizadora de estudante e de sujeito histórico e partícipe


da vida em sociedade, temos uma escola que, buscando garantir sua função social, necessita se
atualizar e se apropriar das tecnologias digitais da informação e da comunicação (TDICs), mas sem
deixar de lado a ludicidade nos seus encaminhamentos metodológicos, pois esse recurso possibilita
a formação para a sensibilidade, para a empatia, para o diálogo e para a criatividade.
A ludicidade, que trataremos com mais detalhes na seção seguinte, é uma dimensão humana
que tem sido muitas vezes preterida no espaço escolar. Quando, porém, esse elemento perpassa
o planejamento do professor, traz possibilidades de uma pedagogia que valoriza os saberes dos
estudantes, não sendo indiferente a eles.
Reflexões sobre métodos de ensino 97

7.2 A ludicidade no planejamento do professor


A ludicidade está presente na vida dos seres humanos desde a sua tenra idade. Por meio dela,
a criança se expressa e se apropria da cultura em que está inserida.
Vygotsky (2010) traz em seus estudos a importância do brincar para o desenvolvimento
infantil, pois nessa ação a criança demonstra um comportamento mais avançado, sendo, dessa
forma, base para comportamentos mais elaborados no futuro.
Para Leontiev (2010), a ludicidade é a atividade principal da criança, que se utiliza dessa
forma de expressão para resolver conflitos internos e cumprir desejos que são impossíveis de
realizar no momento. O estudioso cita o exemplo de uma criança que vislumbra dirigir um carro,
porém não pode fazê-lo na realidade. Nessa impossibilidade, utiliza-se do lúdico para realizar o
seu desejo.
Os dois teóricos trazem a nós, educadores, possibilidades de empregar esses fundamentos
sobre a aprendizagem e o desenvolvimento humano na organização do trabalho pedagógico,
selecionando metodologias que venham a contribuir para a consolidação da função social da
escola na garantia do acesso aos saberes mais elaborados.
Segundo Vygotsky (2010), o bom ensino é aquele que se adianta ao desenvolvimento.
Nesse sentido, ao realizar nosso planejamento, podemos estruturar encaminhamentos
metodológicos que venham desafiar os estudantes de forma lúdica a realizarem ações que
impulsionem sua aprendizagem e, por conseguinte, seu desenvolvimento. Para o autor,
a aprendizagem gera desenvolvimento.
Dessa forma, o jogo e a brincadeira, enquanto possibilidades estratégicas do professor para
o ensino, não podem ocorrer de forma assistemática, mas sim planejada e organizada, de modo a
garantir novos desafios aos estudantes e, assim, novas aprendizagens.
Se o professor propõe essas ações apenas quando sobra algum tempo na aula, não será
possível aumentar os desafios nem acompanhar os avanços dos estudantes. No jogo e na brincadeira,
as crianças entram em contato com o conhecimento científico enquanto socializam, dialogam e
expressam seus pontos de vista.
Vygotsky (2012) questiona o ensino realizado de forma transmissiva, pois ocorre
artificialmente e por meio de exercícios de memorização, resultando em aversão das crianças ao
ensino e não proporcionando resultados satisfatórios no processo de aprendizagem.
Dessa forma, quando o professor propõe encaminhamentos metodológicos que se
fundamentem na ludicidade, não está perdendo seu tempo nem preenchendo o tempo dos
estudantes, está possibilitando interação, descobertas e autonomia.
Para demonstrarmos como a ludicidade se constitui em um dos elementos a serem
considerados na metodologia do professor, vamos primeiramente entender a diferença entre jogo,
brinquedo e brincadeira.
• Jogo: acontece em tempos e espaços determinados e pressupõe regras. Estas podem ser
construídas anteriormente por determinados grupos sociais, sendo fruto da cultura de
98 Didática

um povo ou elaboradas no momento do jogar. Se o professor escolher utilizar jogos para


ensinar o conteúdo, necessita descrevê-lo no planejamento: como é, suas regras, o tempo
necessário e os objetivos. Eventualmente, o professor deve propor várias vezes o mesmo
jogo, dependendo do grau de dificuldade de suas regras, para que os estudantes possam,
além de aprender a jogar, apropriar-se do conhecimento que o jogo lhes proporciona.
Um jogo de tabuleiro pode ser utilizado pelo professor para ensinar conteúdos, por
exemplo: um jogo cooperativo cujo objetivo seja que todos os jogadores cheguem ao final
salvando uma floresta dos perigos do desmatamento, articulando, portanto, conteúdos da
disciplina de Ciências. Já o tradicional jogo de xadrez desenvolve, segundo Toledo (2008),
o raciocínio lógico, a autonomia, a interação, a concentração e o pensamento analítico.
• Brinquedo: possibilita à criança um substituto dos objetos reais, colocando-a na presença
de sua reprodução, que, segundo Kishimoto (2008), pode ser o que existe na natureza,
no cotidiano e nas construções humanas. Os brinquedos disponibilizados aos estudantes
no contexto escolar precisam ser selecionados com cuidado, considerando segurança,
diversidade de materiais e possibilidades de aprendizagens.
• Brincadeira: as brincadeiras tradicionais são transmitidas oralmente e garantem
ludicidade. Segundo Toledo (2008), se a escola separa momentos “sérios” de aprender
dos momentos de ludicidade, a criança vai relacionando a aprendizagem a algo sempre
penoso e difícil. Se as crianças aprendem na brincadeira, por que não considerar essa
possibilidade na escola? Essa autora ainda questiona: “Por que as crianças precisam deixar
de brincar para serem transformadas no adulto? Por que o adulto não pode brincar?”
(TOLEDO, 2008, p. 12).
Segundo a Base Nacional Curricular Comum (BNCC), brincar é um direito de aprendizagem
na educação infantil, o que pressupõe a diversificação e o planejamento de brincadeiras pelo
professor, ampliando os saberes das crianças sobre as brincadeiras tradicionais, bem como
possibilitando que elaborem ou reelaborem novas formas de brincar.
No ensino fundamental, mesmo que o direito ao brincar não conste na BNCC,
as brincadeiras também podem ser utilizadas para contextualizar conteúdos, espaços e tempos de
vivências de aprendizagens. Por exemplo: no quarto ano, a professora vai trabalhar um conteúdo
relacionado à vinda dos imigrantes para o Brasil. A fim de iniciar a discussão, realiza uma pesquisa
com as famílias dos estudantes para descobrir de que povos são descendentes. A docente pode
partir de sua própria história de vida, explorar sua árvore genealógica, para depois investigar as
dos estudantes. Ela pesquisa uma brincadeira típica de seus avós, ensina-a às crianças e as estimula
a buscar outras brincadeiras junto a seus pais e avós para explorar aquelas trazidas por eles.
De posse dessas informações, a professora apresenta o mapa-múndi e localiza os países de origem
desses familiares, comenta sobre a cultura desses antepassados e sobre a contribuição deles na
cultura brasileira. A docente também constrói com os estudantes um mural com as informações
sobre esses povos e sobre sua influência na cultura brasileira. Há muitas experiências de escolas no
país que inseriram projetos de resgate do uso de brinquedos, de brincadeiras e de jogos no recreio,
tendo excelentes resultados na diminuição da violência nesse tempo/espaço de vivência escolar.
Reflexões sobre métodos de ensino 99

Planejar as metodologias de ensino, trazendo a ludicidade como elemento essencial na


condução do processo de ensino e de aprendizagem, possibilita ao professor organizar ambientes
de aprendizagem em que a brincadeira, o brinquedo, o jogo e os materiais didáticos sejam utilizados
de forma a proporcionar aos estudantes ferramentas de ampliação cultural, ao mesmo tempo que
lhes fornecem desafios e mediações que lhes permitam consolidar aprendizagens.

7.3 Trilhando caminhos para a consolidação das aprendizagens


Para Vygotsky (2010), o que o estudante faz hoje com auxílio dos adultos poderá fazer
amanhã com autonomia, pois a mediação realizada lhe possibilitou aprender e, assim, avançar no
desenvolvimento.
Dessa forma, o estudo sobre a zona de desenvolvimento proximal1 permite ao professor
planejar situações didáticas em que o estudante realize com auxílio o que ainda não consegue
sozinho, porém, ao fazê-lo com apoio do professor ou dos colegas, avança no processo de
aprendizagem e adquire autonomia.
Segundo Vygotsky (2010), o bom ensino se adianta ao desenvolvimento. Desse modo,
ao organizar o trabalho pedagógico, o professor precisa pensar em diferentes estratégias para que
todos os estudantes evoluam em suas aprendizagens e se desenvolvam.
Essa teoria nos leva a pensar sobre a importância do professor no processo de aprendizagem
e de desenvolvimento dos estudantes. Assim, ao mediar, intervir, propor, organizar, questionar,
oportunizar discussões, reflexões, comparações, pesquisas, entre outras ações que possibilitem ao
estudante não apenas estar em um ambiente, mas nele interagir e aprender, o professor estará
cumprindo seu papel de mediador, contribuindo para que a escola se efetive como um lugar único
e propício à construção do pensamento científico e de acesso a ele.
Ao organizar o ambiente educativo, não basta o professor colocar nas paredes um
alfabeto ou um quadro numérico. É preciso que construa um ambiente vivo e interacional entre
estudante e estudantes e estudante e professor, pois a educação não pode estar à margem da vida.
Para Vygotsky (2010), sem esse movimento, sem o diálogo e sem o questionamento, a escola torna-
-se como a combustão sem o oxigênio, é como respirar no vácuo.
Assim, um ambiente educativo propício às aprendizagens pode ter alfabetos, quadros
numéricos, textos, jogos e demais materiais didáticos necessários aos encaminhamentos
pedagógicos. No entanto, sem a mediação do professor que leve o estudante a interagir nesse
ambiente, avançando no processo de aprendizagem, esses recursos perdem o sentido.
De acordo com Forneiro (2008), para que o professor planeje ambientes educativos
adequados à concepção de sujeitos autônomos, criativos, capazes de aprender e participantes da
vida em sociedade, é necessário se preocupar com as diferentes dimensões do espaço educacional.

1 O nível de desenvolvimento proximal (ZDP), segundo Vygotsky (2010), é a distância entre a zona de desenvolvimento
real (ZDR) e a zona de desenvolvimento potencial. É na ZDP que o professor mediador deve atuar, pois, ao fazê-lo, o
estudante consolida aprendizagens: o que fazia antes com auxílio, o que revela o seu potencial (com auxílio), passa a
fazer com autonomia (ZDR).
100 Didática

Primeiramente, a autora diferencia espaço escolar de ambiente educativo, como podemos


ver no Quadro 1.
Quadro 1 – Diferença entre espaço escolar e ambiente educativo

Espaço escolar Ambiente educativo


O espaço é uma das dimensões que compõe o ambiente
Definido como algo físico.
educativo.

Os objetos também compõem o ambiente educativo,


Relacionado aos objetos que compõem o ambiente:
porém são planejados tendo em vista o processo de
carteiras, cadeiras e mural.
ensino e de aprendizagem.

Em uma concepção tradicional de ensino, o espaço é É considerado elemento curricular e, portanto, em uma
inflexível. Não é modificável de acordo com a proposta concepção crítica, possibilita aos educadores planejá-lo
de trabalho realizada pelo professor. de acordo com os objetivos educacionais.

Não objetiva a neutralidade, pois será organizado de


Tem uma pretensa neutralidade.
acordo com sua concepção e objetivos.

Possibilidade de uma estrutura de oportunidades aos


O espaço é o lugar onde se ensina.
estudantes.
Fonte: Elaborado pela autora com base em Forneiro, 2008.

Ao objetivarmos a consolidação das aprendizagens dos estudantes e, assim, optarmos por


uma concepção de ambiente educativo que promova a interação, o desafio, a problematização,
a pesquisa, a elaboração, a criticidade e o questionamento, as metodologias de trabalho não
promoverão o silêncio, mas o diálogo. Dessa forma, o ambiente educativo será coerente com a
metodologia a ser desenvolvida em sala de aula. Se planejamos ensinar um conteúdo e utilizamos
um jogo de tabuleiro como uma das estratégias de trabalho, não haverá silêncio absoluto, pois as
crianças estarão sentadas em grupos e buscarão estratégias para jogar com assertividade. Os murais
da sala não serão os mesmos o ano inteiro, pois trarão registros do que está sendo produzido pelos
estudantes naquela semana ou naquele mês.
O ambiente educativo, nessa perspectiva, é muito mais do que um lugar para armazenar as
coisas, pois condiciona a dinâmica do trabalho também às aprendizagens. A forma como a escola
dispõe e planeja o ambiente educativo diz muito sobre a sua concepção de estudante, de ensino e
de aprendizagem. Poderíamos também dizer: “diga-me como organiza o espaço de sua aula e lhe
direi que tipo de professor(a) você é e que tipo de trabalho você realiza” (FORNEIRO, 2008, p. 238).

Considerações finais
As metodologias de ensino selecionadas pelo professor para colocar em prática o planeja-
mento de ensino e de aula revelam as suas concepções de ensino e de aprendizagem.
Dessa forma, é de máxima importância que os profissionais da escola busquem superar as
concepções relacionadas às teorias pedagógicas tradicionais, pois elas consideram o professor como
um transmissor de conhecimentos e o estudante como alguém que não tem conhecimento algum.
Reflexões sobre métodos de ensino 101

O professor precisa saber o que vai ensinar, dominando o conteúdo e as metodologias, para
que possa intervir no processo de construção de conhecimento, o que lhe confere autoridade em
sala de aula. No entanto, a autoridade não pode ser confundida com o autoritarismo, pois este não
auxilia o desenvolvimento da autonomia dos estudantes, a criticidade, a ética, a reflexão sobre o
contexto histórico e cultural e a consolidação da democracia.
A autoridade do professor lhe concede legitimidade na gestão de sala de aula. Assim, mesmo
que a metodologia escolhida tenha o objetivo de instigar e fomentar o diálogo, a pesquisa e o
debate, isso não lhe tira de sua função de mediador no processo de aprendizagem dos estudantes;
ao contrário, esse papel é consolidado. Autoridade tem a ver com admiração; já o autoritarismo,
com submissão.
Que sejamos professores que conquistem a autoridade em sala de aula, pois assim seremos
referências positivas para nossos estudantes.

Ampliando seus conhecimentos


• MACHADO, Silvia Cota. Análise sobre o uso das tecnologias digitais da informação e da
comunicação (TDICs) no processo educacional da geração internet. Revista RENOTE,
Porto Alegre, v. 14, n. 2, dez, 2016. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/renote/article/
view/70645/40070. Acesso em: 3 maio 2019.
O artigo destaca a necessidade de os professores da atualidade superarem a forma unilateral
e rígida de ensinar. O modelo de aprendizagem centrado no acúmulo do conhecimento
ou na transmissão do conteúdo do professor ao estudante não contribui para que a
aprendizagem colaborativa aconteça. A autora traz um breve histórico da tecnologia e de
seu uso pela geração que é nativa digital, contrastando sua utilização pelos professores.

• GASPARIN, João Luiz. Uma didática para a pedagogia histórico-crítica. Campinas:


Autores Associados, 2009.
O livro apresenta possibilidades para se colocar em prática a pedagogia histórico-crítica.
Primeiramente, situa essa tendência pedagógica no contexto histórico-social brasileiro
e, em seguida, ressalta a importância do acesso dos estudantes ao saber sistematizado –
científico. Destaca a função do professor como mediador do processo de aprendizagem
dos estudantes, como também a concepção metodológica decorrente da tendência
pedagógica, o que pressupõe a dialética como caminho a ser trilhado.

• DRAGO, Rogério; RODRIGUES, Paulo da Silva. Contribuições de Vygotsky para o


desenvolvimento da criança no processo educativo: algumas reflexões. Revista FACEVV,
Vila Velha, n. 3, p. 49-56, jul./dez. 2009. Disponível em: https://docplayer.com.br/254096-
Contribuicoes-de-vygotsky-para-o-desenvolvimento-da-crianca-no-processo-
educativo-algumas-reflexoes.html. Acesso em: 2 maio 2019.
102 Didática

O texto, fundamentado em Vygotsky, traz valiosas contribuições para propor


encaminhamentos didático-pedagógicos aos estudantes em idade escolar. Os autores
defendem a ideia de que o ser humano está em permanente desenvolvimento e é por meio
da mediação e da cultura que nos educamos e, portanto, nos humanizamos. Abordam a
questão do brincar e sua função no desenvolvimento de funções psicológicas superiores,
que são próprias dos seres humanos: percepção, memória, afetividade, imaginação,
linguagem, dentre outros conceitos.

Atividades
1. De que forma o professor que se fundamenta na teoria da zona de desenvolvimento proximal
pode realizar seu trabalho pedagógico?

2. De que maneira a tecnologia pode estar presente nos encaminhamentos metodológicos do


professor?

3. Organize um quadro explicitando as diferenças entre as metodologias utilizadas nas


tendências pedagógicas tradicionais e nas tendências pedagógicas progressistas.

Referências
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BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular: educação é a base. 2018. Disponível em:
http://download.basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em: 2 maio 2019.

COELHO, Lígia Martha C. da Costa. História(s) da educação integral. Em Aberto, Brasília, v. 22, n. 80, p.
83-96, abr. 2009. Disponível em: http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/view/2222/2189.
Acesso em: 2 maio 2019.

GADOTTI, Moacir. História das ideias pedagógicas. São Paulo: Ática, 1996.

FORNEIRO, Lina Iglésias. A organização dos espaços na educação infantil. In: ZABALZA, Miguel A.
Qualidade em educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2008.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez, 1989.

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.

GUARÁ, Isa. É imprescindível educar integralmente. Cadernos Cenpec, n. 2, p.15-24, 2006. Disponível em:
http://cadernos.cenpec.org.br/cadernos/index.php/cadernos/article/view/168. Acesso em: 2 maio 2019.

KISHIMOTO, Tizuko Morchida (org.). Jogo, brinquedo, brincadeira e educação. São Paulo: Cortez, 2008.

LEONTIEV, Alexei. Os princípios psicológicos da brincadeira pré-escolar. In: VYGOTSKY, Lev S. Linguagem,
desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone, 2010.

LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da educação. São Paulo: Cortez, 2003.


Reflexões sobre métodos de ensino 103

MASSETO, Marcos T. Mediação pedagógica e o uso da tecnologia. In: MORAN, José Manuel; MASSETO,
Marcos T.; BEHRENS, Maria Aparecida. Novas tecnologias e mediação pedagógica. São Paulo: Papirus, 2006.

MOLL, Jaqueline. Conceitos e pressupostos: o que queremos dizer quando falamos de educação integral? In:
BRASIL. Ministério da Educação. Salto para o futuro: Educação Integral, 2008. Disponível em: http://www.
ufrgs.br/projetossociais/Biblioteca/4_TV_Escola_Educacao_Integral.pdf. Acesso em: 2 maio 2019.

MIZUKAMI, Maria da Graça Nicoletti. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: EPU, 2003.

SAVIANI, Dermeval. Teorias pedagógicas contra-hegemônicas no Brasil. Foz do Iguaçu, Revista Ideação, v. 10,
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Acesso em: 11 maio 2019.

SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. São Paulo: Cortez, 2013.

TEMPOS Modernos. Direção: Charles Chaplin. Estados Unidos: Continental, 1936. 87 min.

TOLEDO, Cristina. O brincar e a constituição de identidades e diferenças na escola. In: II CONGRESSO


INTERNACIONAL COTIDIANO: diálogos sobre diálogos, 2008, Niterói. Anais [...]. Niterói: Grupoalfa,
2008.

VYGOTSKY, Lev. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 11. ed. São Paulo: Ícone, 2010.

VYGOTSKY, Lev. Obras escogidas. Tomo III. Moscou: 2012.


Gabarito

1 A sociedade, a escola e a didática


1. Conforme Libâneo (2002), essas questões são fundamentais para refletir sobre a
didática em um propósito emancipador, pois não há neutralidade nos processos de
ensino. A Didática é uma das disciplinas da pedagogia e contribui para a formação do
professor e a ação docente na medida em que trata das condições e dos meios para
a efetivação dos processos de ensino, o que responde à pergunta “como ensinar?”
Já a pergunta “para quem se ensina?” permite ao professor ir além dos conhecimentos
a serem ensinados e olhar o estudante como sujeito ativo nos processos de ensino,
com interesses, cultura, uma identidade e uma história de vida que precisam ser
considerados. A pergunta “o que ensinar?” diz respeito ao conteúdo a ser trabalhado
pelo professor, ou seja, é necessário que se faça cumprir a função social da escola na
garantia do direito à aprendizagem, aos conhecimentos científicos, históricos e culturais
selecionados no currículo para o trabalho com os estudantes. O questionamento “para
que ensinar?” traz os propósitos e os fins da educação: garantir que todos os estudantes
aprendam. O professor necessita planejar estratégias diferenciadas e diversificadas
para que os diferentes ritmos e formas de aprender sejam respeitados e, assim,
as aprendizagens sejam consolidadas. A pergunta “sob que condições se ensina?” traz
ao professor reflexões sobre o contexto social, político e econômico em que a escola está
inserida. Assim, o objetivo dessa reflexão não é apenas chegar a uma mera constatação
e justificativa para a não aprendizagem dos estudantes; ao contrário, deve-se analisar o
contexto e verificar as dificuldades, estas servem como diagnóstico para que o trabalho
pedagógico aconteça. A crença de que todos são capazes de aprender é fundamental para
o trabalho do professor. As discussões sobre “quem ensina?”, por sua vez, permitem ao
docente olhar para si, para sua formação inicial e para a necessidade de buscar formação
continuada no decorrer de sua carreira. Essa questão contribui para a autoavaliação
permanente do professor, apontando para o replanejamento do processo de ensino
quando se verifica que há dificuldades na aprendizagem dos estudantes.

2. Na didática instrumental, que tem como pressuposto as pedagogias tradicionais,


o professor é um mero executor do que já foi determinado em um currículo prescritivo.
Ou seja, o docente não é visto como alguém que reflete sobre sua prática nem como um
profissional reflexivo, que revê, retoma e replaneja seu trabalho. Assim, nessa concepção,
ele aplica métodos e técnicas sem perceber o estudante como um sujeito de direitos,
pois este será um depositário das informações que são transmitidas. Logo, o conteúdo
a ser ensinado, assim como as formas de ensino, são carregados de uma pretensa
neutralidade, sem uma compreensão dos contextos em que foram produzidos. A escola
106 Didática

tem o propósito de formar indivíduos competentes, para exercer um papel no mercado de


trabalho.

Já na didática reflexiva o professor é o mediador dos processos de aprendizagem dos


estudantes e, para isso, lançará desafios, problematizações e intervenções de modo que todos
aprendam, pois o aluno é o sujeito da aprendizagem. Ele não é o cidadão do futuro, pois já
é cidadão. Os processos de ensino serão pensados, tendo em vista o que se deseja ensinar,
para quem se deseja ensinar, como se deseja ensinar, possibilitando ao docente a retomada
contínua do planejamento e dos encaminhamentos realizados. Os conteúdos ensinados são
contextualizados, a fim de que o estudante relacione os saberes aprendidos com a vida em
sociedade.

3. Nessa concepção, o sujeito da aprendizagem é visto como alguém sem voz ativa no processo
de aquisição do conhecimento, uma tábula rasa, e cabe ao professor depositar o conteúdo a
ser apreendido. Se o estudante não aprender, é culpabilizado. A culpa pode recair sobre seu
comportamento desatencioso, sobre seu contexto familiar, sobre a situação econômica da
família, entre outras formas de justificar a não aprendizagem. Assim, tem-se uma didática
que se fundamenta na meritocracia, pois aprenderão apenas aqueles que se esforçam,
que têm condições para assimilar o conhecimento, que têm famílias que os incentivem
etc. Os que não se adequam ao que a escola tem para oferecer são excluídos. A sociedade
que se deseja nessa concepção, embora o discurso propagado seja, por vezes, em prol da
emancipação, é a sociedade que marginaliza os menos favorecidos, aquela que incentiva a
competitividade, que propõe a pseudoparticipação como forma de mascarar a democracia
prevista na legislação.

Essa didática instrucional e tradicional ainda está presente nas escolas brasileiras, que em
seus PPPs anunciam uma concepção mais avançada de ensino e de aprendizagem, no entanto,
ainda trazem em muitas de suas ações pedagógicas vestígios de uma escola que deseja a
disciplina, o silêncio absoluto, vencer o conteúdo sem considerar se houve aprendizagem.
A didática reflexiva permite ao professor rever esses encaminhamentos, proporcionando-
-lhe condições de se autoavaliar e avaliar os processos pedagógicos dos demais membros
do colegiado, a fim de que a escola – como determina a legislação vigente – seja de fato
democrática.

2 Tendências pedagógicas e a construção do conhecimento


1. A práxis educativa, segundo Saviani (2009), não é apenas a relação entre teoria e prática,
mas a atividade humana que transforma a sociedade. Para que isso seja possível, o professor
precisa ser consciente de seu papel diante do processo de ensino e de aprendizagem, que não
se esgota em sala de aula, mas se desdobra em práticas sociais globais. No método dialético
defendido por Saviani (2009), o professor terá os seguintes passos para concretizar, com a
ressalva de que eles não seguem uma ordem, podendo o docente ir e vir pelos passos até que
o estudante tenha domínio do saber científico historicamente acumulado pela humanidade.
Gabarito 107

Prática social:
ponto de partida

Prática social:
Problematização
ponto de chegada
Professor
mediador do
processo educativo

Catarse Instrumentalização

Fonte: Elaborada pela autora com base em Saviani, 2009.

2. As pedagogias liberais têm a função de preparar os indivíduos para essa sociedade,


não buscando encaminhamentos metodológicos em que o conhecimento científico,
histórico e cultural sejam alicerce para a criticidade. A intenção é preparar o indivíduo para
ocupar lugares predeterminados na sociedade. Há ênfase na igualdade de oportunidades,
mas baseada em uma ideia de meritocracia: se o aluno não conseguiu aprender, é porque
não se esforçou, não porque não lhe foram dadas as condições para a aprendizagem.
As pedagogias progressistas atuam na contramão das pedagogias liberais, pois instru-
mentalizam os estudantes com conhecimentos científicos ao mesmo tempo que possibilitam
aos envolvidos no processo de ensino e de aprendizagem realizar crítica à organização da
sociedade. Assim, ao organizarem o trabalho pedagógico, buscarão utilizar encaminhamentos
em que os estudantes tenham voz, sintam-se desafiados a aprender, mas tenham na figura
do professor (como na teoria crítico-social dos conteúdos) um mediador dos processos de
aprendizagem.
3. O pedagogo necessita diagnosticar na escola em que trabalha as concepções que perpassam
a prática dos docentes, a fim de selecionar estratégias formativas de modo que os professores
analisem a sua própria prática educativa e busquem superar aquelas que não levam à
formação de sujeitos reflexivos, críticos, autônomos e atuantes na vida em sociedade.
Esse profissional pode também encontrar estratégias para retomar o planejamento dos
professores que não estão atuando de acordo com os pressupostos em prol da emancipação
humana. Assim, o pedagogo pode intervir nos três momentos do planejamento: na sua
elaboração, no momento de sua execução e na avaliação como um todo.
Quando o pedagogo participa de momentos avaliativos do planejamento, ele auxilia a
consolidação de uma avaliação formativa, que tem o seu foco no processo de ensino e de
aprendizagem, ou seja, não é apenas o estudante que está sendo avaliado, mas também o
professor, com o intuito de promover a retomada dos processos de ensino.
108 Didática

3 Planejar para quem?


1. O professor que fundamenta seu trabalho na teoria de Vygotsky atua como um mediador
no processo de aprendizagem do estudante, contribuindo para seu desenvolvimento, pois de
acordo com esse teórico, a aprendizagem precede o desenvolvimento. Ao atuar na zona
de desenvolvimento proximal, que é a distância entre a zona de desenvolvimento real e a
zona de desenvolvimento potencial, o professor auxilia o estudante a fazer com autonomia
aquilo que não consegue fazer sozinho. Ao mediar, lançando desafios, problematizações,
auxiliando o estudante a avançar no processo de consolidação das aprendizagens,
o professor contribui para sua autonomia e para o desenvolvimento de suas potencialidades.
Esse processo de aprendizagem no espaço escolar é permanente e sistemático, pois à medida
que o estudante consolida aprendizagens, o professor organiza outras mediações, levando o
estudante a avançar.

2. Como afirma Paulo Freire (1996), para ser professor e ensinar é necessário rigorosidade
metódica, organizar o ensino de maneira que o estudante sinta-se instigado a saber mais,
a questionar, a comparar, a superar seus conhecimentos advindos de outros grupos sociais.
Para o autor, ensinar não pode se distanciar da pesquisa, pois como aguçar a curiosidade
dos estudantes para que procurem outras formas de chegar à mesma resposta, que não
se contentem com respostas prontas, se o professor também não exercer a “curiosidade
epistemológica” (FREIRE, 1996)? É a superação da visão ingênua sobre o conhecimento,
sobre a sociedade, sobre o ensino e sobre a aprendizagem. Outro ponto fundamental para
contra-argumentar a afirmação é a necessidade de o professor ser um profissional reflexivo.
Essa reflexão, segundo Schön (1992), deve ocorrer de forma articulada e contínua, por meio
do conhecimento sobre a prática, da reflexão sobre a prática e da reflexão sobre a reflexão
na ação.

3. Para ensinar determinado conhecimento aos estudantes, objetivando que todos aprendam,
o professor precisa realizar um planejamento que considere os diferentes ritmos de
aprendizagem dos estudantes e as diferentes formas de aprender. Assim, quando o
professor tem compromisso com um PPP emancipador, buscará diversificar as atividades.
Tornará o conhecimento trabalhado em sala atrativo a todos: jogos, materiais didáticos,
brincadeiras, leituras de textos são algumas estratégias de que o professor pode lançar mão
para que todos se sintam desafiados. Já nas atividades diferenciadas, o professor realiza
o planejamento de forma personalizada, pensando na dificuldade do estudante ou como
ele se sente desafiado. Se o estudante já consolidou seus conhecimentos antes dos demais,
o professor deve diagnosticar em que momento da aprendizagem ele está e propor novos
desafios e problematizações, para que possa continuar avançando.
Gabarito 109

4 Avaliação da aprendizagem: possibilidades de reorganização


do planejamento
1. Enquanto a avaliação de sistema ou de larga escala opera em nível macro, a avaliação
institucional e a avaliação da aprendizagem ocorrem dentro do espaço escolar.

Avaliação de sistema ou de larga escala: avalia os processos de ensino de uma forma


macro, o que permite a reorientação ou o planejamento de políticas públicas.
Avaliação institucional: avalia como o PPP é colocado em prática, a sua concepção de
ensino, de aprendizagem, de avaliação, de gestão democrática, de ambiente educativo,
entre outros elementos essenciais para o trabalho educativo, tendo em vista a consolidação
das aprendizagens. Assim, a comunidade escolar (professores, pedagogos, funcionários,
famílias e estudantes) avalia a organização do trabalho pedagógico realizado pela escola,
discutindo e articulando os elementos avaliados a um diagnóstico da unidade educativa,
o qual possibilita gerar um plano de ação coletivo em que se estabelecerão responsabilidades,
objetivos, estratégias, recursos, tempos e espaços para melhoria do trabalho educacional.
Avaliação da aprendizagem: refere-se à avaliação organizada pelo professor, com vistas a
verificar como os estudantes estão aprendendo o que é ensinado. Nesse nível de avaliação,
o professor também pode realizar uma autoavaliação, pois, ao analisar sua turma e o percurso
de aprendizagem de cada estudante, ele checa a necessidade de replanejamento de ensino e
de aula.
Enquanto a avaliação em larga escala é externa à escola, a avaliação institucional é interna.
Assim, quando o colegiado organizar-se coletivamente para refletir sobre esses índices, pode
inter-relacionar os dados advindos dos dois níveis de avaliação, possibilitando uma reflexão
sobre o ambiente educativo, o que resulta em mais possibilidades de organização do trabalho
pedagógico.

2. O professor tem mais possibilidades de registrar o avanço dos estudantes e replanejar a partir
da elaboração de portfólios que demonstram o percurso dos discentes. Esse instrumento
de registro permite superar a visão de que o professor seja o “examinador” e o estudante,
o “examinado”. Com esse instrumento de registro, o estudante tem condições de refletir
sobre seu próprio processo de aprendizagem, verificando o quanto já avançou e o quanto
ainda precisa superar para consolidar conhecimentos. Professor e estudante podem
comparar as primeiras atividades com as últimas, analisando o resultado do trabalho
de ambos. Dessa forma, é necessário desconstruir posturas autoritárias e verticalizadas
de avaliação da aprendizagem, em que o professor espera que o estudante responda
exatamente o que ele ensinou.

Na concepção emancipatória e mediadora de avaliação da aprendizagem, observa-se,


registra-se e medeia-se. Há desenvolvimento da autonomia, da reflexão, do compartilha-
mento de informações, da criatividade do estudante e do uso de diferentes linguagens para
expressar o que vem sendo consolidado.
110 Didática

3. Avaliação em uma perspectiva emancipatória: nessa concepção, considera-se a hetero-


geneidade dos estudantes, com suas múltiplas formas de aprender e diferentes ritmos
de aprendizagem. A avaliação diagnóstica é proposta pelo professor com vistas ao
planejamento de ensino e de aula, com atividades diferenciadas e diversificadas, objetivando
a aprendizagem de todos os estudantes. Os princípios que balizam essa perspectiva
emancipatória de avaliação são: solidariedade, empatia, justiça, equidade, igualdade
de condições para aprendizagem e qualidade pedagógica. O professor é o mediador no
processo de aprendizagem dos estudantes, organizando problematizações e propostas nas
quais estes interajam e sintam-se desafiados a aprender.

Avaliação em uma perspectiva autoritária: considera que os estudantes aprendem de forma


homogênea e devem adaptar-se ao que é proposto pelo professor. O currículo é visto como
uma listagem de conteúdos a serem ensinados. Os princípios que a embasam são a exclusão
daqueles que não se adequam ao ensino transmissivo, cobrança e controle. Avalia-se para
punir, controlar, passar ou reprovar e não para aprender.

5 Projeto Político Pedagógico e os processos de ensino


e de aprendizagem
1. É necessário que a equipe gestora mobilize a comunidade educativa para que esta compreenda
a importância do PPP como um instrumento teórico e prático que permite aos envolvidos no
processo educacional vivenciar a gestão democrática, como determina a legislação vigente.
Sendo o PPP o plano global da instituição, como afirma Vasconcellos (2002), recomenda-
se que seja elaborado não apenas pelos técnicos e especialistas das escolas ou da secretaria,
mas com a participação de professores, pais/responsáveis, pedagogos, direção, funcionários
da escola e estudantes. Em sua construção, devem-se levar em conta a realidade e o contexto
educacional para a organização e sistematização de um projeto educativo que vise ao direito
à aprendizagem. Após esse movimento de sensibilização, levantamento dos dados da
realidade educativa e sua análise, utiliza o referencial teórico na definição dos fundamentos
para a compreensão dos dados obtidos no diagnóstico, bem como na formulação do
planejamento das ações que contribuem para a melhoria da qualidade dos processos de
ensino e de aprendizagem. Ao terminar o documento, não se encerram as ações, pois ele não
deve ficar na gaveta, mas circular entre todos os envolvidos nas ações educativas, visto que
as discussões, as reflexões, as decisões e todas as ações realizadas no espaço escolar devem
estar respaldadas pelo PPP.

2. BNCC: documento normativo para todas as escolas que ofertam educação básica no país,
no qual constam as aprendizagens essenciais a que todos os estudantes têm direito. É a
referência para a elaboração ou reelaboração dos currículos e dos PPPs (BRASIL, 2017).

Currículo: conforme Moreira e Candau (1997), é o coração da escola e nele se concentram


as relações entre educação e sociedade. Nessa concepção, currículo não é apenas um
documento com a indicação dos conteúdos a serem trabalhados em cada ano letivo, mas,
Gabarito 111

sobretudo, um dispositivo em que há um campo de disputa sobre o tipo de sujeito que se


deseja formar em determinada sociedade. Para formar esse sujeito, há não só conhecimentos
considerados essenciais, como também formas de se ensinar esses saberes, de se avaliar, de
utilizar os livros didáticos, de formar professores e, sobretudo, de políticas públicas a serem
seguidas. Não há neutralidade no campo curricular, pois sempre haverá interesses: formar
para o mercado de trabalho (que é instável e excludente) ou formar integralmente (para a
emancipação humana e para a democracia). As teorias críticas e pós-críticas de currículo
defendem a importância de valorizar não somente a cultura produzida no campo das
diferentes ciências, mas também as múltiplas culturas dos diferentes sujeitos pertencentes à
comunidade educativa.
PPP: como afirma Vasconcellos (2002), é o plano global da escola. Em uma perspectiva
emancipatória e democrática, deve-se considerar a realidade local, para, a partir dela, avançar
no processo de construção do conhecimento com os estudantes. É um instrumento teórico-
-prático que possibilita à comunidade educativa consolidar a identidade da instituição.
Com a sistematização do PPP, pode-se avaliar os processos educacionais ofertados à
comunidade educativa, fornecendo, assim, subsídios para o replanejamento da escola.
Quanto à reelaboração dos PPPs, tendo-se em vista a BNCC, será necessário considerar
não só os conhecimentos essenciais descritos nesse documento, mas também as habilidades
específicas que são desenvolvidas de acordo com cada componente curricular e as dez
habilidades gerais.

3.

PPP democrático PPP burocrático

Elaboração Construção coletiva. Elaborado por especialistas.

Fundamenta as ações da comunidade Documento para regulamentar o


Funcionalidade
educativa. funcionamento da escola.

Organizado pelo coletivo da escola, O planejamento educacional não tem


Planejamento e ação tendo em vista os pressupostos relação com os pressupostos teórico-
presentes no documento. metodológicos descritos no documento.

É considerado na elaboração do O diagnóstico foi realizado apenas para


Diagnóstico da realidade local
planejamento da instituição. compor um documento obrigatório.
Fonte: Elaborado pela autora.

6 Elementos constitutivos do planejamento


1. Quando o professor se compromete com a consolidação das aprendizagens dos estudantes,
realiza os planejamentos de ensino e de aula articuladamente. Dessa forma, suas aulas não
estarão embasadas no improviso, mas fundamentadas na organização de espaços e tempos
elaborados com o objetivo de garantir a apropriação do conhecimento científico, previsto
no currículo da escola e no seu PPP. Quando existe planejamento, existe a flexibilização
deste, pois, ao colocá-lo em ação, o professor pode avaliar seu trabalho pedagógico à medida
que o executa, retomando e reorganizando seu planejamento quando necessário. Em um
112 Didática

planejamento minucioso, observam-se os interesses, as necessidades dos alunos e o direito à


aprendizagem, e, caso se verifique que os objetivos não estão sendo efetivados, reorganizam-
-se os encaminhamentos, possibilitando que todos venham a ter seu direito à educação
respeitado.

2. No planejamento de ensino, os professores do ano, fundamentando-se no currículo e no


PPP de sua escola, organizam coletivamente os critérios de ensino-aprendizagem que
serão trabalhados com os estudantes, assegurando metodologia, critérios de avaliação da
aprendizagem e recursos correspondentes. No planejamento de ensino, não se detalham
esses elementos, pois este é organizado para um período de tempo maior, o que depende
dos documentos orientadores da escola (bimestral, trimestral ou semestral). Já o plano
de aula é o detalhamento do plano de ensino, sendo organizado para um período de, no
máximo, 15 dias. O plano de aula, organizado pelo professor de cada turma, considera
as especificidades dos estudantes, sendo necessário verificar quais são suas dificuldades
e potencialidades, para que o docente possa diferenciar e diversificar as atividades.

3. O planejamento educacional diz respeito ao planejamento dos sistemas de ensino:


nacional, estadual e municipal. O planejamento institucional está relacionado à
organização do PPP da escola, que, de acordo com o princípio democrático, previsto
na Constituição de 1988, deve ser construído coletivamente, com a participação dos
diferentes segmentos da comunidade educativa. O plano de ação da escola, elaborado
anualmente, necessita estar articulado ao PPP da instituição. Os planejamentos de
ensino e de aula envolvem a racionalização dos saberes a serem ensinados aos estudantes.
No planejamento de ensino, com base no currículo e no PPP da escola, seleciona-se
o que será ensinado por período de tempo, o que é estabelecido pelo regimento da
unidade (bimestral, trimestral, semestral ou anual). Já no plano de aula, detalha-se o
que será trabalhado.

7 Reflexões sobre métodos de ensino


1. Para Vygotsky (2010), o que o estudante pode fazer hoje com auxílio dos adultos ele poderá
fazer amanhã com autonomia, pois a mediação realizada lhe possibilita aprender e avançar
no desenvolvimento. Para o estudioso, a aprendizagem precede o desenvolvimento. O estudo
sobre o nível de desenvolvimento proximal permite ao professor planejar situações didáticas
em que o estudante realize com auxílio o que ainda não consegue realizar sozinho, porém,
ao fazê-lo com apoio do professor ou dos colegas, avança no processo de aprendizagem
e adquire autonomia. Essa teoria nos leva a pensar sobre a importância do professor no
processo de aprendizagem e no desenvolvimento dos estudantes. Assim, ao mediar, intervir,
propor, organizar, questionar, propor discussões, reflexões, comparações, pesquisas, entre
outras ações que possibilitem ao estudante não apenas estar em um ambiente, mas nele
interagir e aprender, o professor estará cumprindo o seu papel de mediador, contribuindo
para que a escola se efetive como um lugar único e propício à construção do pensamento
científico e de acesso a ele.
Gabarito 113

2. A tecnologia é produto da ciência e o professor necessita aceitar o desafio de utilizá-la


em sala de aula, mas de forma contextualizada e mediada. Caso contrário, estará apenas
utilizando novos recursos que podem até contribuir para que os alunos fiquem silenciosos
e não demonstrem problemas de indisciplina, mas o docente perderá a oportunidade de
problematizar os conhecimentos científicos a que os estudantes têm direito de forma que
se sintam motivados e desafiados a aprender. Assim, não basta realizar treinamentos com
os professores sobre o uso de novas tecnologias, mas, para além de saber utilizar, levar a
eles possibilidades de construção de novos paradigmas educacionais, nos quais as novas
tecnologias sejam parte de um currículo vivo, reflexivo, inclusivo e com dialogicidade.
Os diálogos entre professor e estudantes, estudantes e estudantes, escola e comunidade
necessitam estar presentes. Segundo Masseto (2006), a tecnologia precisa ser utilizada
de acordo com os objetivos de ensino-aprendizagem, sendo coerente com as concepções
presentes no currículo da escola e no PPP.

3.

Tendências pedagógicas liberais Tendências pedagógicas progressistas


• Não há questionamentos, o professor • Diálogo entre educador e
é o centro do fazer educativo. educando.
• O estudante aprende ouvindo, • Valorização dos contextos e da
copiando e memorizando, logo o história de vida dos educandos.
professor utiliza o método expositivo,
Tendência • A leitura de mundo precede a
em que se objetiva transmitir
Pedagogia pedagógica leitura da palavra: levanta-
conteúdos.
tradicional libertadora de -se o universo vocabular dos
• Não há reflexão sobre o contexto educandos, para posteriormente
Paulo Freire
político, econômico e social da ensinar o código escrito.
escola, nem a historicização
• Organização dos círculos de
dos conteúdos trabalhados pelo
cultura
professor.
• Suposta neutralidade.

• Aprender a aprender. • Método dialético.


• O professor é um facilitador. • Ação-reflexão-ação.
• Valorização da aprendizagem pelos • Professor mediador.
sentidos. Tendência
Pedagogia da pedagógica • Estudante tem conhecimentos
• O centro do processo é o estudante. que são valorizados
Escola Nova crítico-social
• A motivação para a aprendizagem dos conteúdos nos encaminhamentos
precisa vir do estudante. metodológicos, com vistas
• Trabalho com centros de interesse, ao domínio do conhecimento
experiências. científico.

• Nem o estudante, nem o professor


são o centro do fazer educativo.
• Valorização do planejamento
Pedagogia burocrático.
tecnicista • Ênfase nas tecnologias, nos recursos,
nos objetivos instrucionais.
• Destaque para a eficiência e a
racionalidade.
Fonte: Elaborado pela autora com base em Saviani, 2013.
Esta obra discute como a didática pode contribuir para os processos de ensino

Didática
e aprendizagem, levantando reflexões sobre a não neutralidade do fazer educativo.
O campo de estudo da didática propicia a reflexão sobre concepções e práticas
realizadas nas escolas e possibilita rever e superar encaminhamentos que não
contribuem com o sucesso dos alunos.
Nesse viés, esta obra permite ao futuro professor analisar as práticas pedagógicas Regiane Laura Loureiro
e propor planejamentos e estratégias que corroborem com a visão de sujeito que se

Didática
deseja formar: cidadãos reflexivos, críticos e autônomos.
Com base em uma pedagogia crítica, de processos de ensino que garantam o
direito à aprendizagem, são propostos, além dos métodos de ensino e de estratégias
a serem utilizadas pelos docentes, encaminhamentos didático-pedagógicos que
consideram cada um dos estudantes em sua integralidade.

Regiane Laura Loureiro

Código Logístico Fundação Biblioteca Nacional


www.iesde.com.br ISBN 978-85-387-6411-3

facebook.com/iesdebrasil
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