Bianca Cardoso Batista
Bianca Cardoso Batista
Bianca Cardoso Batista
INTRODUÇÃO
A escrita e a leitura não são apenas atividades de entretenimento, produção
intelectual e trabalho, embora também possam ser. Escrever é mais do que simplesmente
jogar as palavras sobre o papel; ler é mais do que apenas buscar o sentido dessas palavras:
“Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em
nada... Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo
desabrochar de um modo ou de outro...”1 dizia Clarice. Há, no excerto, uma intenção,
uma finalidade em seu tema que ultrapassa a ideia de comunicar a fim de, mas alerta para
o autoconhecimento produzido pelo autor durante a escrita. É interessante refletir sobre
essa autodescoberta do leitor durante a leitura.
É possível pensar nos textos de Clarice como um modo de escrita sobre si, um tipo
de narrativa que se desdobra em descrever as memórias, experiências e epifanias do
próprio eu, uma escrita sobre o íntimo, sobre o que é pessoal. Nesta perspectiva, este
trabalho se propõe a identificar, em alguns textos de Clarice, essas marcas. Para isso,
primeiramente, será apresentada uma conceituação de autobiografia e de autoficção a
partir autores Philippe Lejeune (2008), Serge Doubrovsky (1977), Simon Harel (1992) e
Diana Klinger (2007) e uma complexificação sobre os tênues limites entre ficção e
realidade, com Doubrovsky (1977). O texto aborda, ainda, para fins de contextualização
do leitor, uma breve trajetória da obra de Clarice Lispector e, finalmente, realiza a
interpretação dos textos “Felicidade Clandestina”, “Medo da Eternidade” e “Dies Irae”,
levando em consideração os conceitos abordados anteriormente.
NARRATIVA AUTOFICCIONAL
A autoficção é uma forma de escrita de si que apresenta elementos estéticos
específicos, bastante recorrentes não apenas nas narrativas contemporâneas, mas no
comportamento social. Com o avanço das tecnologias e a proliferação das mídias e redes
1
Trecho de Entrevista concedida a Júlio Lerner. TV Cultura. São Paulo, fevereiro de 1977.
sociais, é possível perceber que o falar sobre si é uma tendência muito forte: o ser humano
não apenas gosta, mas, em alguma medida, tem necessidade de falar e escrever sobre sua
própria vida, o que o acontece. Uma das características marcantes deste tipo de narrativa
é que ela dá ao leitor a ideia de que ele está diante de algo que possa ter, verdadeiramente,
acontecido com o autor da obra.
Um dos autores que marca essa concepção de escrita que se faz em torno de
detalhes, fatos e episódios da vida do autor de uma obra é Philippe Lejeune (2008) que
propõe o modelo autobiográfico. O autor define que “para que haja autobiografia é
preciso que haja relação de identidade entre o autor, o narrador e o personagem”
(LEJEUNE, 2008, p. 14). De acordo com sua perspectiva, ao criar um nome fictício para
uma personagem, este anula a possibilidade de autobiografia, mesmo que o público tenha
todas as razões (semelhanças, fatos biográficos, informações) para acreditar que se trata
da vida do autor da obra. Isso ocorre em vista de que, para Lejeune, a autobiografia, em
primeiro lugar, exige que o escritor assuma uma identidade na enunciação – o pacto
autobiográfico. Neste sentido, qualquer similaridade que surja no enunciado é
completamente secundária (LEJEUNE, 2008, p. 25).
Embora os textos da autora não sejam por ela assumidos como autobiográficos, a
escrita possui, inegavelmente, semelhanças com fatos de sua trajetória. Neste sentido, a
teoria elaborada por Lejeune é pertinente a este estudo. Em relação à teoria do autor,
Serge Doubrovsky escreveu Fils (1977), obra na qual cria o conceito de autoficção e a
distingue da autobiografia:
2
No original: Autobiographie? Non, c’est un privilège reserve aux importants de ce monde, au
soir de leur vie, et dans un beau style. Fiction, d’événements et de faits strictement réels; si l’on
veut, autofiction, d’avoir confié le langage d’une aventure à l’aventure du langage , hors sagesse
et hors syntaxe du roman, traditionnel ou nouveau. Rencontre, fils de mots, allitérations,
assonances, dissonances, écriture d’avant et d’après littérature, concrète, comme on dit en
musique. Ou encore autofriction, patiemment onaniste, qui espère faire maintenant partager son
plaisir. (DOUBROVSKY, 1977, quarta capa).
Doubrovsky explica a diferença entre autobiografia e autoficção: na primeira,
conta-se a retrospectiva da vida de um autor desde seu nascimento, enquanto que, na
segunda, há a possibilidade de fazer recortes, dar mais ou menos ênfase a determinados
fatos e dar ao texto ares de romance, de ficção. Cabe aqui ressaltar que o segundo caso,
está mais próximo à narrativa: ao ato de contar algo e não, necessariamente, um
compromisso histórico-real. Além disso, a autoficção permite a pessoas comuns e
anônimas contarem suas experiências, diferentemente da autobiografia, gênero que é
destinado a pessoas de renome, famosos, etc.
Em sua tese de Doutoramento, Escritas de si, escritas do outro: o retorno do autor
e a virada etnográfica (2007), Diana Klinger apresenta reflexões sobre a autoficção como
uma tendência do contemporâneo, situada entre a mentira e a ficção, que aproxima o leitor
muito mais da verdade do que o mero relato documental. Para Klinger, a autoficção é
uma “máquina produtora de mitos do escritor” (KLINGER, 2007, p. 51). Ela avalia os
estudos de Doubrovsky, numa perspectiva psicanalítica, na qual o ato de escrever sobre
si faz com que o indivíduo crie um romance de sua vida.
Klinger entende a ficção como um processo no qual o indivíduo não dá sentido às
suas experiências antes de narrá-las, mas durante o ato de narrar: nesta ótica, o indivíduo
se constitui enquanto se narra. Assim, pode-se pensá-la como uma atividade intrínseca ao
ser humano: o sujeito, ao pensar e organizar o quer escrever, se auto-organiza, se
autoconstitui. A ficção por ele inventada não é verdadeira nem falsa, é apenas ficção.
Nessa linha de pensamento é importante ressaltar o psicanalista e teórico literário
Simon Harel (1992), que entende o ato de criação através da escrita como um processo
complexo no qual o autor, ao desenvolver os pensamentos, escrever e reler o material
produzido, passa por um frágil processo de autoanálise, que Harel denomina como uma
escrita reparadora. Neste sentido, a autoficção é vista como um método de cura, em que
o escritor se projeta, camufla-se, em suas personagens de forma confessional, como uma
ferramenta de cura na qual pode ser o analista e o analisado (HAREL, 1992).
Neste sentido, percebe-se que a autoficção não é algo contemporâneo, novo, que
foi inventado recentemente. O ser humano sempre buscou, de algum modo, narrar-se.
Isso pode ser observado, por exemplo, nas palavras de Lejeune: “Hoje sei que transformar
sua vida em narrativa é simplesmente viver. Somos homens-narrativas” (LEJEUNE,
2008, p.74).
FICÇÃO E REALIDADE
É impossível discutir a escrita de si, seja autobiográfica ou autoficcional, sem
mencionar as tensões entre o real e o ficcional. O mais interessante a ser observado é que
um dos desdobramentos que mais intriga o leitor acerca desse tipo de narrativa é seu
estatuto, ou seja, o leitor não sabe, exatamente, até que ponto o texto é, de fato, real ou
fictício. Isso significa dizer que o leitor se encanta, justamente, pelo que não sabe: o que
foi vivido (real) e o que foi inventado (ficção). É importante lembrar que esses limites
entre a realidade e a ficção são questionáveis e complexos, e não se pretende aqui
delimitar ou definir o que é biográfico nos textos de Clarice, mas, sim, problematizar os
conceitos abordados e apreciar a narrativa, independentemente de sua veracidade
biográfica.
Serge Doubrovsky complexifica a questão com propriedade, ao afirmar que “todo
contar de si é ficcionalizante” e que, para compreendê-lo, é preciso estar atento ao que
ele entende por ficção: “uma ‘história’ que, qualquer que seja o acúmulo de referências e
sua precisão, nunca aconteceu na ‘realidade’, e cujo único lugar real é o discurso em que
ela se desenrola” (DOUBROVSKY, 1988, p. 73, tradução minha).3 Pensando nessa ótica,
a autoficção até pode surgir de experiências vividas pelo autor, porém, ao narrá-las, ou
seja, ao selecioná-las, organizá-las e transformá-las em texto, o autor perde o domínio do
que é verdadeiro ou falso, real ou ficcional e o que é inventado, imaginado ou lembrado.
Neste sentido, pode-se pensar que nem mesmo o texto mais “objetivo”, do ponto
de vista histórico ou biográfico, consegue alcançar o real, já que ele inexiste num plano
discursivo. Mesmo uma história absolutamente apoiada em fatos é fruto de um ponto de
vista de um historiador e não contempla o fato em si. Complexificando ainda mais o
conceito de realismo, pode-se inferir que este, enquanto estratégica estética, é o mais
“mentiroso”, já que promete ou dá a ilusão de que “abarca um todo”, de que “apresenta
somente a verdade”, quando o que realmente faz é apresentar um ponto de vista ou em
casos mais extremos, ficcionalizar para produzir um “efeito de real”. Parece complexo, e
é: mesmo o biógrafo mais comprometido não conseguiria abarcar a vida inteira de outra
pessoa; nem ela mesma poderia fazer isso.
A TRAJETÓRIA DE CLARICE
3
No original: “une 'histoire' qui, quelle que soit l'accumulation des références et leur exactitude,
n'a jamais 'eu lieu' dans la 'réalité', dont le seul lieu réel est le discours où elle se déploie”.
(DOUBROVSKY, 1988, p. 73).
Com a finalidade de contextualizar o leitor e para compreender os textos a serem,
posteriormente, interpretados, é interessante conhecer, a trajetória de Clarice Lispector,
um grande nome da literatura contemporânea brasileira. Clarice nasceu em 10 de
dezembro de 1920, em Tchetchelnik, na Ucrânia. Sua família, de origem judaica emigrou
para o Brasil em março de 1922. Após três anos no País, ela e a família mudam-se para a
cidade de Recife.
Um dos momentos mais marcantes e sua vida é quando, aos 9 anos, ficou órfã de
mãe. Anos mais tarde, em 1937, mudou-se com a família para o Rio de Janeiro e
ingressou no curso de Direito, formando-se em 1943 – ano em que se casou com o colega
de turma Maury Gurgel Valente e estreou na literatura com o romance Perto do Coração
Selvagem. Após o casamento, Clarice sempre acompanhou Maury, diplomata do
Ministério das Relações Exteriores, em suas viagens. Em função da carreira do marido
teve a possibilidade de morar em diversos países, como Inglaterra, Estados Unidos e Suíça
– país em que, em 1949, teve seu primeiro filho, Pedro, e quatro anos depois, nos Estados
Unidos o segundo filho, Paulo. (RELEITURAS, on-line).
Em 1959, Clarice se divorciou e retornou para o Rio de Janeiro com os dois filhos.
Começou a trilhar sua trajetória no jornalismo, assumindo a coluna “Correio Feminino”,
no Jornal do Brasil. Os textos apresentados a seguir foram retirados da obra A descoberta
do mundo, publicada em 1984, que reúne todos os textos publicados no Jornal do Brasil.
Em 1960 lançou a coletânea de contos Laços de Família, que recebeu o Prêmio Jabuti da
Câmara Brasileira do Livro e, um ano mais tarde, publicou A Maçã no Escuro, pelo qual
recebeu o prêmio de Melhor Livro do Ano (em 1962) (RELEITURAS, on-line).
O ano de 1966 marcou uma tragédia em sua vida, quando, ao dormir com um
cigarro aceso, acabou sofrendo diversas queimaduras em seu corpo e na mão direita. Sua
recuperação se deu através de inúmeras cirurgias, o que provocou um isolamento, embora
continuasse, sempre, escrevendo. Em 1969, já possuía mais de dez volumes publicados e
as temáticas de seus textos eram, na maioria das vezes, em torno de personagens que,
alienadas e em busca de um sentido para a vida, adquiriam gradativamente consciência
de sua subjetividade, aceitando seu lugar num universo arbitrário e eterno.
No ano de sua morte, publicou A Hora da Estrela e o falecimento foi causado por
um tipo de câncer, na véspera de seu aniversário de 57 anos, no Rio de Janeiro, no dia 9
de dezembro de 1977. Seu corpo foi sepultado no cemitério Israelita do Caju.
INTERPRETANDO CLARICE
Após a contextualização sobre o conceito de autoficção e a compreensão deste
efeito estético ou narrativo não apenas como uma tendência contemporânea, mas também
como um impulso interno da condição humana, este artigo se propõe a interpretar e
discutir alguns textos publicados, primeiramente, aos sábados, no Jornal do Brasil e,
posteriormente, reunidos na obra A descoberta do mundo (1984), que apresenta todas as
publicações da autora, no periódico, entre agosto de 1967 e dezembro de 1973. Os textos
eram definidos como crônicas, entretanto, alguns foram republicados como contos anos
mais tarde. É importante esclarecer que este trabalho não almeja definir ou identificar os
escritos nessa nomenclatura, mas debruçar-se sobre o seu conteúdo, a fim de interpretá-
los, observando a escrita sobre si e as linhas tênues entre ficção e realidade.
O primeiro texto chama-se “Tortura e glória” e foi, inicialmente, publicado em 2
de setembro de 1967 no Jornal do Brasil, e, depois, como “Felicidade clandestina”, que
dá nome a um livro de contos publicado em 1971. O texto conta a história sob a
perspectiva de uma narradora, em primeira pessoa, uma mulher adulta que relembra uma
experiência de sua infância. Essa narradora-protagonista inicia o texto descrevendo uma
conhecida de sua escola: “Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente
crespos. Veio a ter um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. [...]
Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono
de livraria” (LISPECTOR, 1984, p. 16). Os relatos que seguem evidenciam que a tal
menina não apenas não aproveitava o acesso que tinha aos livros, mas também torturava
as crianças que gostariam de tê-lo:
Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de algum
livrinho, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. [...]
Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando
balas com barulho. [...] Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo
(LISPECTOR, 1984, p.16).
E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo
indefinido, enquanto o fel não escorresse de seu corpo grosso. Eu já começara
a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas,
adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer está
precisando que eu sofra.
Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Às
vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você não veio,
de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras,
sentia as olheiras se formando sob os meus olhos espantados (LISPECTOR,
1984, p. 17-18).
Afinal minha irmã juntou dinheiro, comprou e ao sairmos de casa para a escola
me explicou:
- Tome cuidado para não perder, porque esta bala nunca se acaba. Dura a vida
inteira.
- Como não acaba? - Parei um instante na rua, perplexa.
- Não acaba nunca, e pronto (LISPECTOR, 1984, p. 446).
A narradora explica que a ideia de algo que nunca acabava lhe transportara para
um mundo de fantasia. “Peguei a pequena pastilha cor-de-rosa que representava o elixir
do longo prazer. Examinei-a, quase não podia acreditar no milagre [...] de aparência tão
inocente, tornando possível o mundo impossível do qual eu já começara a me dar conta”
(LISPECTOR, 1984, p.446-447). O trecho evidencia uma reflexão sobre a tal pastilha
que prometia algo inacreditável e até então impossível para a menina: a ideia de
eternidade.
A narrativa desperta o leitor para o fato de que o chiclete, assim como a vida, não
pode ser eterno. Ele perde o gosto, se torna descartável. Mais do que isso, o texto alerta
para a sensação de medo que o indivíduo sente, muitas vezes, diante do que parece ser
infinito: o estranhamento que se tem diante do mar, de alturas extremas, ou de tudo que,
de alguma forma, pareça interminável – o peso da eternidade é o medo do desconhecido:
assustador. Neste sentido, a obra, além de metáfora, é, também, uma reflexão íntima da
autora. No conto, a menina logo se desfaz do chiclete voluntariamente e, inclusive, finge
desgosto para não contar à irmã que a experiência com a bala que nunca termina não
apenas fora desagradável, mas também, em alguma medida, assustadora. Diante do
ocorrido, a irmã lhe tranquiliza, afirmando que outras oportunidades de provar chicletes
aparecerão:
Não fique triste, um dia lhe dou outro, e esse você não perderá.
Eu estava envergonhada diante da bondade de minha irmã, envergonhada da
mentira que pregara dizendo que o chicle caíra da boca por acaso.
Mas aliviada. Sem o peso da eternidade sobre mim. (LISPECTOR, 1984,
p.447-448)
Assim como o primeiro texto, este também apresenta detalhes que se assemelham
à realidade de Clarice e que dão ao texto um tom autoficcional: a infância no Recife; as
condições financeiras desfavoráveis; a irmã mais velha que lhe explicava tudo, enfim. É
importante ressaltar que o texto é mais do que isso: é valioso na riqueza da metáfora, na
ingenuidade da infância e na complexidade do tema – o medo da eternidade.
O terceiro texto chama-se “Dies Irae” e foi publicado em 14 de outubro de 1967
no Jornal do Brasil. Este texto se difere dos anteriores por não ter, necessariamente, um
enredo com personagens. Ele mais parece uma espécie de desabafo sobre o papel. O título,
que significa “Dia de Ira”, remete ao famoso hino, em latim, do século XIII que, acredita-
se, tenha sido escrito por Tomás de Celano. Seu uso principal é dentro da liturgia do
réquiem, como sequência, na tradicional missa católica para os mortos.4 A letra do hino
revela um caos, assim como o caos do texto de Clarice:
Amanheci em cólera. Não, não, o mundo não me agrada. A maioria das pessoas
estão mortas e não sabem, ou estão vivas com charlatanismo. E o amor, em vez
de dar, exige. E quem gosta de nós quer que sejamos alguma coisa de que eles
precisam. Mentir dá remorso. E não mentir é um dom que o mundo não merece.
(LISPECTOR, 1984, p. 33)
4
Informações obtidas em: <http://www.catolicismoromano.com.br/content/view/1217/36/>.
Acesso em: 14 de set de 2018.
consciência, no qual Clarice parece ter se deixado, simplesmente, levar pelos sentimentos,
uma escrita íntima e pessoal: “Avisei a meus filhos que amanheci em cólera, e que eles
não ligassem. Mas eu quero ligar. Quereria fazer alguma coisa definitiva que rebentasse
com o tendão tenso que sustenta meu coração” (LISPECTOR, 1984, p. 33). O trecho
anterior expõe as semelhanças com fatos biográficos como o fato de que a escritora
possuía filhos e sua escrita possui um tom de sarcasmo e uma possível despreocupação
com a opinião alheia (RELEITURAS, on-line):
Não, não tenho pena dos que morrem de fome. A ira é o que me toma. E acho
certo roubar para comer. – Acabo de ser interrompida pelo telefonema de uma
moça chamada Teresa que ficou muito contente de eu me lembrar dela.
Lembro-me: era uma desconhecida, que um dia apareceu no hospital, durante
os quase três meses onde passei para me salvar do incêndio. Ela se sentara,
ficara um pouco calada, falara um pouco. Depois fora embora. E agora me
telefonou para ser franca: que eu não escreva no jornal nada de crônicas ou
coisa parecida. (LISPECTOR, 1984, p. 34)
REFERÊNCIAS
______. Entrevista a Júlio Lerner. TV Cultura. São Paulo, fevereiro de 1977. In:
Revista Shalon, n.296. São Paulo, 1992.