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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

FÁBIO LUIZ MACHIOSKI

UMA LUTA ULTRAMONTANA:


O DISCURSO DO PADRE PIETRO COLBACCHINI
E O FORJAR DA IDENTIDADE DOS IMIGRANTES ITALIANOS
EM CURITIBA NO FINAL DO SÉCULO XIX (1886-1901)

CURITIBA
2018





FÁBIO LUIZ MACHIOSKI

UMA LUTA ULTRAMONTANA:


O DISCURSO DO PADRE PIETRO COLBACCHINI
E O FORJAR DA IDENTIDADE DOS IMIGRANTES ITALIANOS
EM CURITIBA NO FINAL DO SÉCULO XIX (1886-1901)

Dissertação apresentada como requisito à obtenção do grau de


Mestre em História, no Curso de Pós-Graduação em História
do Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade
Federal do Paraná.

Orientador: Prof. Dr. Marcos Gonçalves.

CURITIBA
2018




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Machioski, Fábio Luiz.

Uma luta ultramontana: o discurso do padre Pietro Colbacchini e o forjar da


identidade dos imigrantes italianos em Curitiba no final do século XIX (1886-
1901). / Fábio Luiz Machioski. ± Curitiba, 2018.

201 p.

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Paraná. Setor de Ciências


Humanas Letras e Artes, Programa de 3yV*UDGXDomRHP+LVWyULD.
2ULHQWDGRU3URI'U0DUFRV*RQoDOYHV

,PLJUDQWHVLWDOLDQRV±3DUDQi+LVWyULD. 2. 3DUDQi±3RSXODomR+LVWyULD
I. *RQoDOYHV0DUFRV (Orient.). II. Título. III. Universidade Federal do Paraná.

CDD 929.2





MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
SETOR CIÊNCIAS HUMANAS
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

UFPR
U N IV E R S ID A D E FEDERAL D O P A R A N A
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO HISTÓRIA

TERMO DE APROVAÇÃO

Os membros da Banca Examinadora designada pelo Colegiado do Programa de Pós-Graduação em HISTÓRIA da


Universidade Federal do Paraná foram convocados para realizar a arguição da Dissertação de Mestrado de FABIO
LUIZ MACHIO SKI, intitulada: UMA LUTA ULTRAM O NTANA: O DISCURSO DO PADRE PIETRO
CO LBACCHINI E O FORJAR DA IDENTIDADE DOS IMIGRANTES ITALIANO S EM CURITIBA NO
FINAL DO SECULO XIX (1.886-1901), após terem inquirido a aluna e realizado a avaliação do trabalho, são de
parecer pela sua ” no rito de defesa.
A outorga do título de Mestre está sujeita à homologação pelo colegiado, ao atendimento de todas as indicações e
correções solicitadas pela banca e ao pleno atendimento das demandas regimentais do Programa de Pós-
Graduação.

Rua General Carneiro, 460, Ed.D.Pedro I, 7o andar, sala 716 - Campus Reitoria - CURITIBA - Paraná - Brasil
CEP 80060-150 - Tel: (41) 3360-5086 - E-mail: cpghis@ufpr.br


Em memória de minha nonna Aurora,


que muito me ensinou sobre italianidade.
Aos meus pais Miguel e Cleonice,
que sempre me incentivam a continuar.
Aos meus amores, Renata e Cecília,
que são a inspiração do meu viver.




AGRADECIMENTOS

Primeiramente, quero agradecer a Deus pelo dom da vida e pela oportunidade de me


renovar a cada dia, mesmo diante dos imprevistos que surgem durante o caminhar. Enfim, por
me ensinar que existe um tempo para cada coisa.
Ao meu orientador professor Marcos Gonçalves que acreditou na elaboração da presente
pesquisa e colaborou de várias maneiras, seja partilhando seu conhecimento por meio das
indicações de leituras e correções, ou mesmo, através de suas conversas e brincadeiras.
Agradeço pela sua acolhida, seu profissionalismo e paciência.
Ao CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, pela
concessão da bolsa de estudos durante este período de 2 anos.
A todos os professores do curso de Pós-graduação em História da UFPR, principalmente
aos que integram a linha de pesquisa Intersubjetividade e pluralidade: reflexão e sentimento na
História, por terem aceito o meu projeto. De maneira especial as professoras Karina Kosicki
Bellotti, Marionilde Dias Brepohl Magalhães e Renata Senna Garraffoni, e novamente ao
professor Marcos, pelo conhecimento dispensado por meio das disciplinas que pude frenquentar
durante o curso. Da mesma forma, ao professor visitante Paulo Augusto Tamanini pelas suas
aulas sobre religião e a construção das sociabilidades privadas. Também ao professor Sergio
Odilon Nadalin, que depois de ter me orientado na graduação, teve a oportunidade de fazer suas
contribuições ao presente trabalho junto à disciplina de Seminário I.
Aos professores Fábio Augusto Scarpim e Roseli Boschilia, dois grandes estudiosos da
história da imigração no Paraná, pelas valiosas observações, sugestões de leituras e indicações
de fontes oferecidas no momento da qualificação desta dissertação.
Aos colegas que tive a oportunidade de conhecer: Alexandre, Ana Luísa, Barbara,
Camila, Gabriel, Gilvani, Lourenço, Luan, Luis Felipe, Matheus, Naiara e Rhuan. Obrigado
pelo apoio, convívio, sugestões e trocas de ideias, tenham certeza que cada um me ajudou à sua
maneira. De modo especial a Barbara, Gilvani, Luan, Luis Felipe e Rhuan, por partilharem
momentos de expectativa e ansiedade diante das atividades a se cumprir.
Meu mais sincero agradecimento também ao padre Giovanni Terragni, responsável pelo
Arquivo Geral da Congregação Scalabriniana em Roma, que gentilmente disponibilizou o
acesso a sua obra que reuniu todos os escritos do missionário italiano Pietro Colbacchini. Grazie
Mille!





A Maria Cristina Parzwski que sempre foi muito atenciosa e prestativa em resolver as
questões burocráticas junto à secretaria da pós-graduação.
Aos meus colegas de trabalho do Departamento de Cultura da Prefeitura Municipal de
Colombo. Em especial a Lucile de Carvalho Motin por ter acompanhado de perto a elaboração
desta dissertação e me ajudado de todas as maneiras possíveis. Também a Bruno, Douglas,
Junior, Kauan, Lucas e Raul, estagiários que passaram pelo Museu Municipal Cristoforo
Colombo neste período.
Aos meus amigos Alexsandro, Guilherme, Roberson e Roberto por compreenderem
meus momentos de renúncias e torcerem por mim. A Amerisa que sempre esteve pronta a
escutar meus receios para depois dar sempre os melhores conselhos.
Aos membros da Associação Italiana Padre Alberto Casavecchia e da Associazione
Veneti nel Mondo ± Colombo. Sobretudo, agradeço a Bernadete, Caio, Maristela, Marta, Rafael
e Rosangela, pela dedicação em preservar a memória dos imigrantes italianos. De forma muito
especial, aos meus amigos e compadres, Edilson e Elaine, Diego e Francieli, pela paixão que
mantém pelo estudo da história e da cultura da imigração italiana, pelas leituras e sugestões,
por compartilharem suas fontes de pesquisa, meu muitíssimo obrigado. Com certeza o apoio, a
amizade e o exemplo de vocês se fez presente de muitas formas nas linhas deste trabalho.
Àqueles que eu considero minha segunda família, Renato e Cleide, Augusto e Madalena,
agradeço pelo respeito e incentivo de todas as horas.
Aos meus queridos e amados pais, Miguel e Cleonice, e meus irmãos Gian, Giovani e
Guilherme. Obrigado por me encorajarem, por acreditarem em mim, por me incentivarem a não
desistir, por partilharem dos momentos de angústia, incertezas e dificuldades. Obrigado por
toda dedicação e amor, graças a vocês pude chegar até aqui.
A minha amada esposa Renata que percorreu comigo todo o caminho em busca desta
realização. Agradeço pelo seu companheirismo, por estar sempre ao meu lado, por me
incentivar e sonhar os meus sonhos. Enfim, por tudo que vivemos neste tempo, principalmente
pela chegada de nossa filha, a pequena Cecília, a quem amamos a cada dia mais. Sem vocês
para amar nada disso teria sentido. Allora, attraverssiamo!





Na ação e no discurso, os homens mostram


quem são, revelam ativamente suas
identidades, pessoais e singulares, entram
como que no palco do mundo onde antes não
eram visíveis.
,EE,ZEd




RESUMO

A presente dissertação tem como principal objetivo investigar o processo de construção da


identidade etnocultural dos imigrantes italianos que se fixaram no entorno de Curitiba no final
do século XIX. Mais especificamente, almeja compreender como o discurso do padre Pietro
Colbacchini, missionário católico que exerceu a função de líder espiritual junto aos colonos de
origem italiana instalados na região, influenciou no processo de identificação coletiva dos
indivíduos que pertenciam a este determinado grupo étnico. Sendo assim, a elaboração deste
trabalho se deu, sobretudo, por meio do estudo dos escritos produzidos por este sacerdote
italiano durante os anos de 1886 e 1901. Nessa direção, foi adotada como metodologia de
pesquisa a análise do discurso, a fim de identificar qual modelo específico de identidade étnica
o referido representante do catolicismo difundia nas colônias italianas do Paraná. Desta
maneira, foi possível perceber as disputas que se deram por meio das relações de poder criadas
entre o discurso particular deste religioso e as demais formas de construção da italianidade que
também eram promovidas em meio a coletividade italiana de Curitiba naquele período. Assim,
pode-se constatar que a identidade etnocultural dos imigrantes italianos foi construída pela
afirmação da diferença, ou seja, pela produção de alteridade, da dicotomia nós/eles, tendo como
marca identitária a prática religiosa, que serviu como um signo de etnicidade para o grupo.
Contudo, ao verificar que existiram também outros modelos de representação discursiva de
como afirmar a identidade italiana na região, pode-se compreender, que mesmo a maioria dos
imigrantes dessa origem étnica tendo se apropriado do modelo de italianidade pautado na
catolicidade, isso não aconteceu de maneira passiva, mas sim por meio de um processo de
negociação e de resistências. Portanto, esta pesquisa histórica procurou demonstrar como o
discurso promovido por Colbacchini, que se apoiava na prática da religião católica e no
ultramontanismo, teve que disputar a adesão dos colonos italianos com outras formas de
representar a italianidade a fim de forjar a identidade cultural dos imigrantes que pertenciam a
este grupo étnico.

Palavras chaves: Discurso Ultramontano, Pietro Colbacchini, Imigração Italiana, Identidade


Etnocultural, Relações de Poder.





RIASSUNTO

La presente dissertazione ha come obiettivo principale quello di indagare sul processo di


costruzione dell'identità etnoculturale degli immigrati italiani insediati nei dintorni di Curitiba
alla fine del XIX secolo. Più specificamente, desidera capire come il discorso del prete Pietro
Colbacchini, missionario cattolico che ha esercitado la funzione di capo spirituale insieme ai
coloni di origine italiana installati nella regione, ha influenzato nel processo di identificazione
collettiva dei individui che appartenevano a questo gruppo etnico particolare. Così,
l'elaborazione di questo lavoro è avvenuta principalmente attraverso lo studio degli scritti
prodotti da questo sacerdote italiano tra gli anni 1886 e 1901. In questa direzione, l'analisi del
discorso è stata adottata come metodologia di ricerca per identificare qual¶q stato il modello
specifico di identità etnica che il suddetto rappresentante del cattolicesimo ha diffuso nelle
colonie italiane del Paraná. In questo modo, è stato possibile percepire le dispute che hanno
avute attraverso le relazioni di potere creati tra il discorso particolare di questo religioso e le
altre forme di costruzione dell'italianità che anche sono state promosse insieme il collettivo
italiano di Curitiba di quel periodo. Così, si è potuto vedere che l'identità etnoculturale degli
immigrati italiani è stata costruita dall'affermazione della differenza, cioè dalla produzione di
alterità, nella dicotomia noi/loro, avendo come indizio di identità la pratica religiosa, che ha
servito come segno di appartenenza etnica per il gruppo. Tuttavia, mentre si è verificato che
c'erano altri modelli di rappresentazione discorsiva di come affermare l'identità italiana nella
regione, si è potuto capire che la maggior parte degli immigrati di questa origine etnica si è
adattato al modello di italianità basato sulla cattolicità, ma che questo non è accaduto in modo
passivo, ma attraverso un processo di negoziazione e resistenze. Dunque, questa ricerca storica
ha cercato di dimostrare come il discorso promosso da Colbacchini, basato sulla pratica della
religione cattolica e nel ultramontanismo, ha dovuto di disputare l'adesione dei coloni italiani
con altre forme di rappresentazione dell'italianità al fine di forgiare l'identità culturale degli
immigrati che appartenevano a questo gruppo etnico.

Parole chiavi: Discorso Ultramontano, Pietro Colbacchini, Immigrazione Italiana, Identità


Etnoculturale, Relazioni di Potere.





LISTA DE MAPAS

MAPA 1 - REGIÕES SETENTRIONAIS ITALIANAS FORNECEDORAS DE


EMIGRANTES.........................................................................................................................68
MAPA 2 ± PROVÍNCIAS DA REGIÃO DO VENETO PÓS-UNIFICAÇÃO.........................72
MAPA 3 ± REGIÃO ITALIANA DO VÊNETO E SUAS PROVÍNCIAS................................92





LISTA DE TABELAS

TABELA 1 ± PROCEDÊNCIA DOS IMIGRANTES ITALIANOS DE COLOMBO..............93





LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 ± PROSPECTO DAS COLÔNIAS ITALIANAS DO PARANÁ...........................91


FIGURA 2 ± FOTO DE PADRE PIETRO COLBACCHNI....................................................102
FIGURA 3 ± &$3$'2³',6&2562',&21*('2´'(..........................................161
FIGURA 4 ± &$3$ '$ ³*8,'$ 63,5,78$/( 3(5 /¶,0,*5$72 ,7$/,$12´ '(
1896.........................................................................................................................................162





SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................13
1.1 A CONSOLIDAÇÃO DO ULTRAMONTANISMO NO SÉCULO XIX...................27
1.1 A Revolução Francesa e as raízes do pensamento ultramontano................................28
1.2 A unificação italiana e a Questão Romana....................................................................41
1.3 O ultramontanismo clássico e a afirmação do modelo tridentino de Igreja...............49
2. A IMIGRAÇÃO E A COLONIZAÇÃO ITALIANA NO PARANÁ...............................61
2.1 A grande emigração na região italiana do Vêneto.....................................................63
2.2 A colonização Vêneta no Paraná................................................................................78
2.3 Um missionário em favor dos vênetos em Curitiba.......................................................94
3. O DISCURSO ULTRAMONTANO DE COLBACCHINI E O FORJAR DE UMA
IDENTIDADE ITALIANA EM CURITIBA......................................................................108
3.1 Entre católicos e liberais: o confronto entre diferentes modelos de italianidade...109
3.2 O perigo do catolicismo brasileiro............................................................................126
3.3 A luta contra os inimigos da catolicidade imigrante................................................145
3.4 A construção da identidade entre representação e resistências..............................166
3.4.1 A negociação, a transitoriedade e a pluralidade da identidade imigrante....................179
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................182
FONTES.................................................................................................................................187
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................190
ANEXOS................................................................................................................................197





INTRODUÇÃO

A presente dissertação almeja ampliar a discussão historiográfica sobre os estudos


imigratórios, particularmente sobre a colonização italiana no Paraná. Mais especificamente, tem
como foco investigar como se deu o processo de construção da identidade étnica dos imigrantes
italianos que se instalaram no entorno da capital paranaense no final do século XIX.
Sendo assim, o principal objetivo desta pesquisa é perceber quais foram os confrontos
que se deram no campo discursivo que permitiram aos estrangeiros da referida origem étnica
se apropriar de um sentimento de identificação coletiva e, consequentemente, dessa forma
organizar a vida social no novo mundo. Em outras palavras, procurou-se detectar os meios pelos
quais se deu o forjar da identidade etnocultural desses italianos que imigraram para as terras
paranaenses.1
Podemos afirmar, que se trata de uma temática clássica para historiografia brasileira, já
que vários trabalhos se dedicaram ao estudo dos diversos grupos imigrantes que aqui se
instalaram. Particularmente, em relação aos italianos, muitas pesquisas abordando as mais
variadas temáticas foram e vem sendo realizadas, sobretudo nos estados de São Paulo e Rio
Grande do Sul, onde a imigração desses estrangeiros ocorreu em maior número.
No Paraná, de forma mais ou menos exaustiva, desde a década de 1970, os imigrantes
italianos, ao lado dos alemães, poloneses, ucranianos, e outros grupos étnicos, também são
objeto de investigação.2 A princípio esses estudos foram desenvolvidos por meio de análises
demográficas, pois havia naquele momento uma tentativa por parte da historiografia de
reconstituir a formação populacional da sociedade paranaense.3
De certa maneira, as reflexões que serão apresentadas no presente trabalho têm como
ponto de partida os resultados desses primeiros estudos realizados sobre o tema da imigração
regional. Isso porque, ao realizarmos uma pesquisa anterior, sobre a preservação da identidade
cultural dos imigrantes italianos que se instalaram nas colônias que deram origem ao município


1
Optamos pelo uso do termo etnocultural, pois, acreditamos ser um conceito que define o processo de identificação
social por meio do qual um grupo de indivíduos, de uma mesma origem étnica, constrói um sentimento de pertença
coletiva com o objetivo de se auto reconhecer e diferenciar em meio a diversidade existente em uma sociedade
multicultural. Sendo assim, estamos considerando, que a construção de uma identidade étnica, é uma forma, dentre
outras, de identificação sociocultural.
2
ANDREAZZA, Maria Luiza & NADALIN, Sergio Odilon. O cenário da colonização no Brasil Meridional e a
família imigrante. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 11, n.1: pp. 61-87, jan/jun. 1994, p. 62.
3
Sobre os estudos de imigração realizados no Paraná por meio da metodologia da Demografia Histórica, a partir
da reconstituição de famílias, podemos citar: NADALIN (1974); BALHANA (1977); RANZI (1996) e
ANDREAZZA (1999).
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de Colombo, na região metropolitana de Curitiba, também nós fizemos uso da metodologia da


reconstrução de famílias conforme é utilizada pela Demografia Histórica.4
Naquela ocasião, pudemos perceber como a religião foi o principal elemento para a
constituição da identidade étnica daquele grupo imigrante, fato que certamente serviu de
inspiração para elaboração do presente trabalho. Porém, o que se pretende é lançar um novo
olhar sobre o tema, problematizando o discurso religioso frente aos demais discursos que
estavam presentes no processo imigratório, a fim de perceber neles as disputas de poder que
proporcionaram o forjar da identidade dos italianos no Paraná.5
Especificamente, sobre a investigação histórica da presença italiana em território
paranaense, devemos destacar os estudos desenvolvidos pela historiadora Altiva Pilatti
Balhana, que do final dos anos 50 ao início dos anos 90, produziu diversos trabalhos sobre o
tema, tendo como espaço privilegiado de suas análises a colônia de Santa Felicidade em
Curitiba.6
Mais recentemente, ainda no que se refere a imigração italiana no Paraná, os estudos
elaborados por outros dois pesquisadores merecem ser citados. Primeiramente, podemos
destacar o trabalho desenvolvido pela professora Elaine Cátia Falcade Maschio, que tem se
dedicado à temática da educação nas colônias italianas instaladas no entorno da capital
paranaense.7 3RU PHLR GH VXD WHVH GHIHQGLGD HP  LQWLWXODGD ³$ HVFRODUL]DomR GRV
imigrantes e de seus descendentes nas colônias italianas de Curitiba, entre táticas e estratégias
de italianità e brasilità (1875 ± 1930), a pesquisadora analisou como se deu o processo de
escolarização nos núcleos coloniais criados na região.
Como resultado de sua pesquisa, Maschio constatou que se fizeram presentes vários
modelos de escolas entre os imigrantes italianos, entre elas instituições públicas, étnico-
comunitárias, italianas laicas e confessionais católicas. Essa realidade nos levou a considerar
que, consequentemente, haviam também uma variedade de discursos institucionais, entre eles

4
MACHIOSKI, Fábio Luiz. A preservação da identidade cultural em um grupo imigrante italiano, Curato
de Colombo, 1888-1910. Monografia (Graduação em História) - UFPR, Curitiba, 2004.
5
Segundo o historiador Paulo Augusto Tamanini, o discurso religioso tornou-VHµIRQWH¶HµGRFXPHQWR¶LPSRUWDQWHV
para a historiografia, pois permitem observar mecanismos de poder num contexto de dominação, vigilância,
normas, preceitos, na formação dos sujeitos. TAMANINI, Paulo Augusto. Silêncio que fala - discurso de
disciplinarização na formação religiosa institucional. In: FLORES, Maria Bernardete R.; BRANCHER, Ana Lice.
(Org.). Historiografia 35 anos. Florianópolis: Letras Contemporâneas Oficina Editorial Ltda, 2011, p. 164. 
6
Destacamos aqui os seguintes trabalhos da pesquisadora: BALHANA, Altiva Pilatti. Santa Felicidade: um
processo de assimilação. Curitiba: 1958; e Santa Felicidade: uma paróquia vêneta no Brasil. Curitiba: 1978; assim
como seus demais estudos reunidos nos três volumes de Un Mazzolino di Fiori, organizados por WESTPHALEN,
2002.
7
Como fruto de sua dissertação de mestrado a pesquisadora publicou o livro: MASCHIO, Elaine C. F.
Escolarização Pública e Imigração Italiana: A constituição do ensino elementar das colônias ao município (1882
± 1912). Jundiaí: Paco Editorial, 2014.
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o laico e o religioso, que por sua vez influenciavam a constituição identitária desses estrangeiros
alocados no entorno da capital paranaense.
É exatamente sobre os contrastes que existiram entre esses diferentes discursos, o
católico, especificamente a sua vertente ultramontana, e os seus divergentes, e
consequentemente, a influência que eles exerceram no processo de formação do sentimento de
pertença coletiva, que se deu entre esses imigrantes italianos vindos para o Paraná, que vamos
nos ocupar aqui. Entre os projetos divergentes podemos citar de antemão o modelo de
catolicismo brasileiro, que se afastava do modelo ultramontano difundido na Itália, como
também os discursos laicos com conotações fortemente nacionalistas, liberais e anticlericais,
também trazidos pelos imigrantes dessa origem.
Um segundo trabalho que queremos destacar é o realizado pelo historiador Fábio
$XJXVWR6FDUSLP5HFHQWHPHQWHHVWHSHVTXLVDGRUGHIHQGHXVXDWHVHLQWLWXODGD³2PDLVEHOR
florão da igreja: família e práticas de religiosidade em um grupo de imigrantes italianos (Campo
Largo ± Paraná, 1937- ´8 Neste estudo, o autor investigou o modelo de família adotado
pelos estrangeiros e descendentes desta etnia que se instalaram nas colônias criadas no
município paranaense de Campo Largo.
Em sua pesquisa, Scarpim percebeu a relevância que o discurso promovido pela Igreja
Católica teve durante o processo de reconstrução identitária do grupo imigrante. Segundo ele,
a vivência do modelo de catolicismo pregado pelos representantes da referida instituição
contriEXLXSDUDDUHFRQVWLWXLomRGRPRGHORGH³FLYLOL]DomRSDURTXLDO´WUD]LGRSHORVLPLJUDQWHV
da pátria de origem. Este modelo, reconstruído no local de destino, adquiriu características
pautadas no binômio fé/italianidade, que exerceu papel fundamental no processo de
identificação desses italianos instalados no Paraná.
Essas afirmações nos motivaram a investigar as especificidades do discurso religioso do
padre italiano Pietro Colbacchini. Como veremos, este missionário, mesmo não sendo o
primeiro, foi um dos mais expressivos representantes do catolicismo a atuar junto dos
imigrantes dessa origem, isso quando os mesmos ainda se fixavam no entorno de Curitiba.9


8
SCARPIM, Fábio Augusto. O mais belo florão da igreja: família e práticas de religiosidade em um grupo de
imigrantes italianos (Campo Largo ± Paraná, 1937-1965). Tese (Doutorado em História) ± UFPR, Curitiba, 2017.
9
Ao longo do texto, ao fazer referência a função desempenhada por Pietro Colbacchini, faremos uso de três termos:
padre, aquele que recebeu ordenação sacerdotal pela instituição católica, ou seja, sacerdote comum que foi
ordenado nesta igreja; sacerdote, autoridade ou ministro religioso, habilitado para dirigir ou participar em rituais
sagrados de uma religião, com poder instituído de administrar os ritos religiosos; e missionário, aquele que se
dedica a ensinar e pregar uma religião. Sendo assim, todo padre é sacerdote, e eventualmente, pode ser também
missionário, como veremos ter sido o caso de Colbacchini, mas nem todo sacerdote e missionário é padre. Portanto,
estamos conscientes de que se tratam de funções distintas, por isso alertamos os leitores que os mesmos não estão
ϭϱ



Nessa direção, começamos a nos questionar que modelo específico de discurso esse
sacerdote católico propagava, e se era aceito como hegemônico, ou de que maneira ele
disputava a adesão dos italianos com outros modelos discursivos presentes durante o processo
de construção da identidade etnocultural desses indivíduos.
Também nós, em um outro estudo realizado anteriormente, por meio de entrevistas com
descendentes dos italianos que se fixaram nas colônias de Colombo, pudemos constatar entre
eles um forte sentimento de pertença baseado na simbiose entre catolicidade e italianidade.10
Essa afirmação identitária, com base no binômio constituído pela religião e pela etnicidade,
estava presente no depoimento daqueles descendentes da seguinte maneira: católicos porque
italianos e italianos porque católicos. Em outras palavras, a manutenção da italianidade estaria
condicionada a prática da fé católica, e a vivência do catolicismo era uma característica
fundamental do sentimento de pertença para aquele determinado grupo étnico.
Paralelamente, as leituras de outras produções historiográficas sobre o processo de
construção da italianidade em terras brasileiras, especialmente no sul do país, também serviram
de motivação para este trabalho.11 Sobretudo o estudo de Claricia Otto, realizado em Santa
Catarina, que evidencia que a ideia de que o imigrante italiano caracterizado como
profundamente católico foi uma construção histórica, resultado do choque entre vários
discursos institucionais que tinham diferentes concepções sobre as bases da identidade étnica
desses indivíduos, despertou o nosso interesse em verificar como se deu esse processo na região
de colonização italiana do Paraná. Desta maneira, é que fomos conduzidos a conceber a presente
pesquisa.
Para realização da mesma, estabelecemos como baliza temporal inicial o ano de 1886,
data da chegada de Colbacchini em Curitiba, e consequentemente, do início da promoção de
seu discurso na região com o objetivo de fornecer assistência religiosa aos italianos que aí já
haviam se instalado em grande número. Porém, adiantamos que esse marco temporal não foi
adotado por nós de maneira rígida, já que a fim de visitar os antecedentes e perceber todo
processo imigratório, tivemos que recuar até a década de 1870, época em que se iniciou a


sendo usados como sinônimos, mas sim são intercalados pelo fato de Colbacchini ter acumulado em sua ação
religiosa as três atividades.
10
MACHIOSKI, Fábio Luiz. A prática da religião católica e a preservação da identidade étnica italiana no
Município de Colombo, Paraná, 1878-2008. Monografia (Especialização em Patrimônio Cultural) - UTP,
Curitiba, 2008. Parte da pesquisa foi publicada In: MASCHIO, Elaine C. F. (Org.). Memórias de uma colônia
italiana: Colombo ± Paraná (1878-2013). Porto Alegre: EST Edições, 2013.
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Entre elas podemos citar as obras: POSSAMAI, Paulo. 'DOO¶,WiOLDVLDPRSDUWLWL: a questão da identidade entre
os imigrantes italianos e seus descendentes no Rio Grande do Sul (1875-1945). Passo Fundo: UPF, 2004. Também
OTTO, Claricia. Catolicidades e italianidades: tramas e poder em Santa Catarina (1875-1930). Florianópolis:
Editora Insular, 2005.
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criação das colônias italianas no Paraná, primeiramente no litoral e logo depois no entorno da
capital da província.
Por sua vez, definimos o ano de 1901 como limite final para o nosso estudo, já que as
principais fontes que adotamos para a nossa investigação foram produzidas até esta data.
Tratam-se principalmente de cartas, relatórios, uma homilia e um guia espiritual, escritos pelo
próprio padre Pietro Colbacchini, sacerdote católico que, como já citamos, organizou a prática
religiosa dos imigrantes que se estabeleceram nas colônias italianas instaladas ao redor da
capital paranaense. O referido missionário, que chegou ao Paraná em meados da década de
1880, rapidamente se tornou o líder religioso dos italianos que se estabeleceram na região.
Nesse sentido, o principal objetivo desta dissertação foi analisar as relações de poder
que existiram entre o discurso deste legítimo representante de um modelo específico de
catolicismo, denominado ultramontano, e os discursos divergentes que também estavam
presentes no momento em que se dava a reconstrução da identidade etnocultural dos imigrantes
de origem italiana que se fixaram na região de Curitiba. Em outras palavras, buscamos
compreender como se deram as disputas de poder por meio dos diferentes discursos e de que
forma os indivíduos que viviam o processo de imigração se apropriaram, ou seja, fizeram uso
deles para construir sua etnicidade no novo contexto social no qual estavam se inserindo.
Sendo assim, a fim de investigar as relações de poder existentes naquele contexto,
utilizamos como método de pesquisa a análise do discurso nos moldes em que vem sendo
adotada pela historiografia, sobretudo pela Nova História Política. Estamos considerando, que
esta metodologia, na sua vertente francesa, fortemente influenciada pela linguística e pela
psicanálise, procura não somente compreender uma mensagem, ou seja, fazer uma análise das
palavras, mas antes, pretende reconhecer qual é o seu sentido, ou seja, perceber que ideologia
está presente em um determinado discurso, com o objetivo de analisar sua relação e sua
dependência com a sociedade na qual o mesmo foi produzido.
Nessa direção, estamos nos apoiando em Dominique Maingueneau, linguista francês
que se concentrou em desenvolver a análise do discurso como um método de estudo social. Este
autor nos apresenta a ideia de que há na sociedade produtores e receptores de discurso, ou seja,
enunciadores e enunciatários, e que é na relação entre eles que podemos encontrar as ações e
efeitos desejados pelos primeiros, assim como, perceber as práticas discursivas produzidas por
eles nos indivíduos pertencentes ao segundo grupo.12 Por essa razão, acreditamos que por meio
da análise do discurso, compreendida como metodologia útil também para a historiografia, foi


12
MAINGUENEAU, Dominique. Novas tendências em Análise do Discurso. São Paulo: Brasiliense, 1989.
ϭϳ



possível desenvolver nosso estudo sobre a construção da identidade dos imigrantes italianos,
empregando-lhes a condição de enunciatários, que foram fortemente influenciados pelo
discurso do padre Pietro Colbacchini, assumindo este último o papel de enunciador.
Junto desta ideia, estamos considerando também o que defende Eni Orlandi, que
classifica o discurso religioso como autoritário, onde o padre fala em nome de Deus, e por essa
razão adquire autoridade de produtor diante dos receptores de discurso. Segundo a autora, essa
relação, pautada pela religiosidade, é fortemente marcada pela não-reversibilidade, pois de um
lado está sempre a onipotência divina, e de outro, a submissão humana.13 Nosso desejo,
portanto, é perceber como essa autoridade estava presente no discurso católico empregado por
Colbacchini e como ela foi utilizada a fim de impor um modelo de identidade étnica aos
imigrantes italianos estabelecidos no Paraná.
Por sua vez, como já citamos rapidamente, estamos nos apoiamos também na Nova
História Política, que vem se desenvolvendo desde a segunda metade do século XX, e que
propõem a superação da história política tradicional, que se baseava no feito dos grandes
homens, demonstrando a necessidade de vincular ao trabalho do historiador o estudo das massas
e da coletividade. Esta vertente historiográfica defende que o político, não é uma categoria
isolada, mas sim que possui relações com os outros domínios, vinculando-se das mais variadas
formas a todos outros aspectos da vida coletiva. Assim, a noção de poder político, não se
constitui num setor separado, mas sim, uma modalidade da prática social. Nas palavras de René
5HPRQG³VHRSROtWLFRGHYHH[SOLFDU-se antes de tudo pelo político, há também no político mais
TXHRSROtWLFR´14
Nessa perspectiva, o político alcança a todos os indivíduos e se apresenta como um
elemento existente em todas as relações sociais, sejam elas de ordem econômica, cultural,
religiosa e ideológica. Essa abordagem nos permite analisar os diferentes discursos sociais
como instrumentos de ação política, ou seja, de disputa de poder. Da mesma forma, estamos
considerando que os discursos, sendo instrumentos políticos, também são meios utilizados para
o forjar da identidade coletiva de um determinado grupo social.
Cremos que essa nossa ideia encontra sustentação na noção de discurso elaborada pelo
filósofo e historiador Michel Foucault. Segundo este intelectual, que desenvolveu o que
podemos chamar de uma história dos discursos, não são as sociedades em si que devem ser
estudadas, mas sim os discursos que nela são produzidos e as práticas sociais decorrentes dos


13
ORLANDI, Eni Puccinelli. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. Campinas, SP: Pontes
Editores, 2006.
14
REMOND, René (Org.). Por uma História Política. Rio de Janeiro, Editora UFRJ, 1996, p.34.
ϭϴ



mesmos. Sendo assim, a noção de discurso passa a ser organização da sociedade, ou nas
SDODYUDVGRUHIHULGRDXWRU³DRUGHQDomRGRVREMHWRV>@QmRFRPRJUXSRGHVLJQRVPDVFRPR
UHODo}HVGHSRGHU´15
Por essa razão, é que adotamos como método para esta pesquisa a análise do discurso,
pois acreditamos que as relações de poder presente nas práticas sociais, ganham vida por meio
dos discursos. As práticas discursivas assumem uma importância fundamental nas disputas de
poder, pois assim como define Foucault se tornam

... um bem ± finito, limitado, desejável, útil ± que tem suas regras de aparecimento e
também suas condições de apropriação e de utilização; um bem que coloca, por
conseguinte, desde a sua existência (e QmR VLPSOHVPHQWH HP VXDV ³DSOLFDo}HV
SUiWLFDV´ DTXHVWmRGRSRGHUXPEHPTXHpSRUQDWXUH]DRREMHWRGHXPDOXWDHGH
uma luta política.16

Estamos assumindo, portanto, que o discurso é um instrumento de poder presente nas


relações sociais, que é ao mesmo tempo produto e produtor da sociedade. Este processo
dialético faz com que o discurso seja visto também como uma categoria constituinte de
identidade social, ou seja, um elemento utilizado para que se crie o sentimento de pertença de
um indivíduo a uma determinada coletividade. De acordo com Michel Foucault, isso acontece
porque

Por mais que o discurso seja aparentemente bem pouca coisa, as interdições que o
atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e com o poder. Nisto
não há nada de espantoso, visto que o discurso ± como a psicanálise nos mostrou ±
não é simplesmente aquilo que manifesta (ou oculta) o desejo; é, também, aquilo que
é o objeto do desejo; e visto que ± isto a história não cessa de nos ensinar ± o discurso
não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas
aquilo porque, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar.17

Assim, entendemos, que quando um sujeito se apodera de um discurso, ou seja, quando


assume uma prática discursiva específica, ele está definindo sua identidade social, porque
deseja se identificar com um grupo, ao mesmo tempo que, quer se afastar de outros. Em outras
palavras, os discursos criam processos de identificação, conforme nos explica Stuart Hall:

Parece que é na tentativa de rearticular a relação entre sujeitos e práticas discursivas


que a questão da identidade ± ou melhor, a questão da identificação, caso se prefira
enfatizar o processo de subjetivação (em vez das práticas discursivas) e a política de
exclusão que essa subjetivação parece implicar - volta a aparecer.18


15
FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. Petrópolis: Vozes, 1972, pp. 48-49. 
16
Ibidem., p. 139.
17
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Edições Loyola, 2014, pp. 9-10.
18
HALL, Stuart. Quem precisa de identidade? In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Identidade e diferença: a
perspectiva dos estudos culturais. Petrópoles: Vozes, 2000, p. 105. 
ϭϵ



Por essa razão, no presente estudo adotamos a ideia de que discurso é um instrumento
de luta presente nas relações de poder, que é usado para a construção e afirmação do modo
particular de existência de um grupo, ou seja, de uma cultura específica. Nessa direção, estamos
nos baseando também na ideia de identidade cultural formulada por Denys Cuche, que afirma
que as identidades culturais nascem de disputas e de contrastes, de relações sociais desiguais, e
que deixariam de existir se não houvesse esse choque entre elas, ou seja, se não ocorresse um
processo de inclusão e exclusão.19 2UHIHULGRVRFLyORJRDILUPDTXH³pSUHFLVRHQWmRID]HUXPD
análise polemológica das culturas, pois elas se revelam nos conflitos; elas se desenvolvem na
WHQVmRjVYH]HVQDYLROrQFLD´20
Nessa perspectiva, percebemos que o discurso é uma arma usada de forma estratégica
nos confrontos presentes nas relações de poder existentes entre instituições e grupos que
possuem ideologias divergentes. Ele pode ser usado de várias maneiras, para atacar, para se
impor, para defender, para marcar fronteiras, etc., como numa verdadeira guerra. Por esse
motivo, acreditamos que o discurso é usado para afirmar identidades, e consequentemente, pode
ser analisado para perceber o modo em que as mesmas se formaram.
Fica evidente que a ideia de identidade que estamos adotando aqui, não é aquela em que
ela é concebida como preestabelecida e estática, definida como algo dado, pronto e acabado,
que é passado de geração para geração dentro de um grupo social e preservada através do
isolamento do mesmo. Pelo contrário, a definição de identidade que assumimos para nossa
pesquisa é aquela que surge por meio da alteridade, ou seja, dos contrastes que aparecem por
meio dos contatos culturais que imprimem nela um caráter de mobilidade, conforme o contexto
social em que os indivíduos se inserem.
3RUWDQWRFRQFHEHPRVTXH³LGHQWLGDGHHHWQLFLGDGHVmRVHPSUHFRQVWUXo}HVKLVWyULFDV
e QmRKHUDQoDVUHFHELGDVFRPRSDUWHGHDOJXPWLSRGHHVVrQFLDFXOWXUDORXELROyJLFD´ 21 Nessa
direção, a etnicidade, ou seja, a identidade étnica de um grupo, é fruto dos contatos interétnicos.
Essa ideia é apresentada por Poutignat e Streiff-Fenart, que foram fortemente influenciados
pelo pensamento do antropólogo social Fredrik Barth. Esses autores afirmam que

[...] a etnicidade não se manifesta nas condições de isolamento, é ao contrário, a


intensificação das interações características do mundo moderno e do universo urbano
que torna saliente as identidades étnicas [...]22

ϭϵ
CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. Bauru: EDUSC, 1999, p. 177.
20
Ibidem., p. 144.
21
LESSER, Jeffrey. A invenção da brasilidade: identidade nacional, etnicidade e políticas de imigração. São
Paulo: Editora Unesp, pp. 20 e 21.
22
POUTIGNAT, Philippe & STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da etnicidade. São Paulo: UNESP, 1998, p.
124.
ϮϬ



Nessa direção, estamos considerando, que são exatamente as diferenças, que vêm à tona
por meio dos contatos culturais, que ativam os traços identificadores dos grupos étnicos através
da organização da dicotomia nós e eles. Cremos que é no processo de diferenciação, no qual os
sujeitos assumem, símbolos, marcas, práticas específicas como sendo suas, para criar fronteiras
com outros indivíduos, que surge a identificação étnica, e consequentemente, os grupos étnicos.
Assim estudar a etnicidade de um grupo é estudar

[...] processos variáveis e nunca terminados pelos quais os atores identificam-se e são
identificados pelos outros na base de dicotomizações Nós/Eles, estabelecidos a partir
de traços culturais que se supõe derivados de uma origem comum e realçados nas
interações [...]23

Acreditamos, portanto, que a identidade de um grupo étnico se estabelece por meio da


produção de fronteiras simbólicas que se formam ao assumirem práticas e representações
apresentadas por determinados discursos impregnados de traços e marcas específicas. Segundo
Chartier, as representações coletivas dos grupos sociais devem ser consideradas como as
matrizes de práticas que constroem o próprio mundo social.24 Assim, ao assumir uma
representação discursiva, determinado grupo social está agindo para estabelecer uma identidade
coletiva, uma forma de mundo social particular. De acordo com o mesmo autor, é por essa razão
que as representações sociais estão sempre postas

[...] num campo de concorrências e competições cujos desafios se enunciam em


termos de poder e de dominação. As lutas de representações têm tanta importância
como as lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um grupo
impõe, ou tenta impor, a sua concepção do mundo social, os valores que são seus, e o
seu domínio. 25

Nesta direção, são os próprios indivíduos, que ao apropriarem-se de determinada


representação social produzida por determinado discurso, definem a sua identidade.
Consequentemente, os sujeitos são disputados pelos modelos de representação identitária
produzidos pelos discursos. Porém, os sujeitos não assumem nenhum modelo sem antes
perceber quais as vantagens que tal identificação trará para eles. Portanto, os discursos que
geram representações identitárias são assumidos pelos indivíduos perante uma negociação
prévia.


23
Ibidem., p. 141.
24
CHARTIER, Roger. À beira da falésia: a história entre incertezas e inquietudes. Porto Alegre: Ed.
Universidade/UFRGS, 2002, p. 72.
25
CHARTIER, Roger. A história cultural ± entre práticas e representações. Lisboa: DIFEL, 1988, p. 17.
Ϯϭ



Dessa forma, a identidade dos sujeitos pode se deslocar conforme as necessidades


sociais dos mesmos. Nessa direção, Cuche vai afirmar que há uma estratégia de identidade,
explicada da seguinte maneira:

... a identidade é vista como um meio para a atingir um objetivo. Logo a identidade
não é absoluta, mas relativa. O conceito de estratégia indica que o indivíduo, enquanto
ator social, não é desprovido de uma certa margem de manobra. Em função de sua
avaliação da situação, ele utiliza seus recursos de identidade da maneira estratégica.
Na medida que ela é um motivo de lutas sociais de classificação que buscam a
reprodução ou a reviravolta das relações de dominação, a identidade se constrói
através de estratégias dos atores sociais.26

Diante disso, cremos que os discursos que produzem representações sociais precisam
disputar a preferência dos indivíduos, a fim de construir a identidade do grupo social de acordo
com os seus interesses particulares. Em outras palavras, para que determinada representação
identitária seja assumida ela precisa satisfazer os interesses tanto do produtor de determinado
discurso, como também daqueles que se apropriam das práticas discursivas que provêm do
mesmo.
Segundo Poutignat e Streiff-Fenart, essa relação entre discurso e apropriação dos
mesmos perante certa negociação pode ser percebida nos estudos sobre a constituição da
identidade dos grupos étnicos:

A análise situacional da etnicidade liga-se ao estudo da produção e da utilização das


marcas, por meio das quais os membros das sociedades pluriétnicas identificam-se e
diferenciam-se, e ao estudo das escolhas táticas e dos estratagemas que acionam para
se safarem do jogo das relações étnicas. Entre essas táticas figuram especialmente a
alternância de identidades.27

Sendo assim, ao possuírem a oportunidade de escolha estratégica de sua identidade os


indivíduos exercem o seu poder diante dos discursos que são impostos a eles. Aí cabe a
habilidade de cada discurso convencer os sujeitos da sua apropriação ou não, disputando com
outros a hegemonia, havendo o que podemos chamar de luta discursiva. Disso são decorrentes
as disputas de poder por meio dos discursos divergentes. Cada discurso apresenta o seu modelo
de representação identitária pronto e acabado, mas isso não se significa que os indivíduos ao se
apropriarem dele o façam de maneira integral. O sujeito pode apropriar-se de um discurso de
maneira parcial, dando lhe novos usos conforme os seus próprios interesses.


26
CUCHE, Roger. Op. Cit., p. 196.
27
POUTIGNAT, Philippe & STREIFF-FENART, Jocelyne. Op. Cit., p. 117.
ϮϮ



Dessa maneira, as fronteiras fixadas pelos discursos podem ser ultrapassadas e recriadas
pelos sujeitos que deles se apropriam. Segundo Silva, essa ação pode ser vista como uma quebra
GHEDUUHLUDVTXHHOHFKDPDGH³FUX]DPHQWRGHIURQWHLUDV´

$SRVVLELOLGDGHGH³FUX]DUIURQWHLUDV´HGH³HVWDUQDIURQWHLUD´GHWHUXPDLGHQWLGDGH
DPEtJXD LQGHILQLGD p XPD GHPRQVWUDomR GR FDUiWHU ³DUWLILFLDOPHQWH´ LPSRVWR GDV
LGHQWLGDGHVIL[DV2³FUX]DPHQWRGHIURQWHLUDV´HRFXOWLYRSURSositado de identidades
ambíguas é, entretanto, ao mesmo tempo uma poderosa estratégia política de
questionamento das operações de fixação de identidade.28

Com base em todos esses referenciais teóricos percebemos que, tanto os produtores de
discurso, como os indivíduos que deles se apropriam, têm um poder de escolha e de ação, que
são colocados em prática no momento da construção de uma determinada representação
identitária. Portanto, na nossa concepção existe uma luta discursiva, tanto entre discursos
divergentes, como também de convencimento e de negociação para que um discurso específico
seja assumido pelos indivíduos de um grupo social como sendo seu modelo identitário.
Assim, ao investigarmos esse processo no objeto da presente pesquisa, procuramos
perceber como se deram as disputas entre o discurso do padre Pietro Colbacchini e os demais
modelos discursivos, sobretudo os secularizados, que estavam presentes no momento de
construção da identidade dos imigrantes italianos que se instalaram em Curitiba.
Da mesma forma, contatamos que houve um processo paralelo de negociação que esse
discurso católico específico realizou com os indivíduos desse determinado grupo imigrante.
Consequentemente, percebemos que houve diferentes apropriações, como também resistências,
que os sujeitos de origem italiana faziam a esse discurso religioso que tentava se impor como
único modelo de representação identitária para o referido grupo étnico.
Nessa direção, nossos objetivos ao realizar essa investigação foram reunidos em dois
grandes eixos:

1. Analisarmos como se deram as relações de poder, os embates, os confrontos, as tensões,


entre as diferentes formas de pensamento de como devia se dar a constituição da
identidade etnocultural dos imigrantes italianos que se instalaram em Curitiba no final
do século XIX.


28
SILVA, Tomaz Tadeu da. A produção social da identidade e da diferença. In: ________. (Org.). Op. Cit., p. 89.
Ϯϯ



Para isso, primeiro foi preciso classificar qual era de fato o discurso religioso do padre
Pietro Colbacchini e de que forma ele pretendia impor seu modelo de representação
identitária.
Num segundo momento, houve a necessidade de detectar quais eram os contradiscursos,
ou seja, os discursos contrários ao modelo concebido pelo referido representante da
religião católica, que também se articulavam na tentativa de cooptar os imigrantes. Entre
esses últimos podemos citar: a italianidade apoiada no nacionalismo e em ideais liberais;
as demais formas de catolicismo, entre eles o brasileiro que contrastava com o modelo
italiano; e os partidos políticos que surgiam no Brasil naquele contexto.
2. Um outro eixo foi identificar as formas de adesão e de resistência que os imigrantes
italianos manifestaram em relação ao discurso promovido pelo missionário católico
Pietro Colbacchini. Aqui foi possível encontrar diferentes usos do discurso católico
promovido pelo sacerdote; a transitoriedade entre as formas de representações de
italianidade promovidas pelos discursos contrários; e modos diferenciados de
resistência àquele discurso religioso específico.

Tanto os contradiscursos, as formas de adesões, quanto também as resistências, foram


encontradas em meio aos próprios escritos elaborados por Colbacchini, no momento em que
ele denunciava e combatia os mesmos. Da mesma forma, esses contradiscursos e resistências
puderam ser encontrados em outras fontes que serviram de apoio para nossa pesquisa, sobretudo
notícias a respeito da organização da coletividade italiana que foram divulgadas nos jornais que
circulavam em Curitiba naquele período.29
Também pudemos complementar nossa investigação por meio de documentos
produzidos por outros representantes da Igreja Católica30, por autoridades civis da época31,
como também por membros de associações étnicas que existiram em Curitiba32.
Porém, salientamos novamente que os escritos do referido sacerdote foram, como já
citamos acima, as principais fontes para nossa pesquisa. Esta documentação, formada por mais


29
Os periódicos locais da época aos quais nos referimos são: Dezenove de Dezembro, Gazeta Paranaense, A
5HS~EOLFD2'HPRFUDWDH/¶,WDOLD7RGRVVHHQFRQWUDPQD+HPHURWHFD'LJLWDO%UDVLOHLUDDFHUYRPDQWLGRSHOD
Fundação Biblioteca Nacional e foram acessados pelo endereço eletrônico http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-
digital/ durante os anos de 2016 e 2017.
30
Os documentos pertencentes à Igreja Católica foram encontrados nos Arquivos da Cúria de Curitiba e de São
Paulo. Já as bulas e encíclicas papais foram acessadas por meio do site oficial do Vaticano,
http://w2.vatican.va/content/vatican/pt.html.
31
Tratam-se dos relatórios dos presidentes e da correspondência oficial da então Província do Paraná. Essa
documentação se encontra junto ao Arquivo Público do Paraná.
32
Aqui estamos fazendo menção ao acervo da Sociedade Italiana Giuseppe Garibaldi de Curitiba.
Ϯϰ



de 300 cartas, 2 relatórios, uma homilia e mais um guia espiritual, foram escritos entre os anos
de 1886 e 1901 (ver ANEXO 1). A primeira data, como já apresentamos, diz respeito ao ano
em que o missionário se estabelece entre os imigrantes italianos em Curitiba, e a segunda, ao
ano em que o mesmo falece, já distante das colônias em que atuou ao redor da capital
paranaense, mas ainda fazendo menções a elas.
A maior parte desse conjunto documental, composto sobretudo de missivas epistolares,
tão precioso para a elaboração do presente trabalho, encontra-se no Archivio Generale
Scalabriniano (AGS), localizado em Roma, Itália. Assim como a outra parte, em menor escala,
também foi recolhida junto a órgãos ligados à Igreja Católica e localizados na mesma cidade:
Archivio Segreto Vaticano (ASV), Archivio Affari Ecclesiastici Straordinari (AAES) e
Archivio Propaganda Fide (APF). Porém, recentemente o responsável pelo acervo da
Congregação Scalabriniana, o arquivista Giovanni Terragni, depois de um longo trabalho de
compilação e transcrição dos originais, reuniu-os em uma única obra.33 O acesso a esta
publicação, gentilmente cedida pelo seu organizador, foi o que possibilitou a realização de
nossa pesquisa.
Já a organização da escrita do presente trabalho se deu da seguinte maneira:
Um primeiro capítulo onde discutimos o surgimento e a consolidação do discurso
religioso do qual era adepto padre Pietro Colbacchini. Nesse momento, pudemos analisar como
se deu o nascimento e o fortalecimento do ultramontanismo no século XIX. Vimos como esse
discurso político doutrinário promovido pela Igreja Católica visava combater o liberalismo, a
modernidade e a secularização que se deram sobretudo no período pós-Revolução Francesa.
Analisamos como esse discurso religioso ganhou força com a promoção da romanização do
catolicismo e a reafirmação dos dogmas católicos elaborados no Concílio de Trento. Da mesma
forma, salientamos de maneira particular, como o pensamento ultramontano se fortaleceu
durante as lutas pela unificação italiana.
O segundo capítulo foi dedicado à análise do processo imigratório dos italianos para o
Paraná. Nele discutimos como ocorreu a partida dos imigrantes de sua pátria de origem,
analisando a influência que a religião teve na decisão de emigrar desses indivíduos. Também
pudemos perceber a origem regional desses colonos e quais eram os seus costumes e valores
no momento da emigração. Da mesma forma, analisamos como se deu a criação das colônias


33
Estamos nos referindo a TERRAGNI, Giovanni. P. PIETRO COLBACCHINI con gli emigrati negli Stati di
S. Paolo, Paranà e Rio Grande do Sul, 1884-1901, Corrispondenza e Scritti. Napoli: Gráfica Elettronica, 2016.
Ϯϱ



italianas em terras paranaenses e a vinda do missionário Pietro Colbacchini para prestar


atendimento espiritual a esses colonos.
No terceiro e último capítulo desta dissertação, por meio da aplicação metodológica da
análise do discurso, pretendemos detectar quais foram os discursos divergentes daquele de
Colbacchini e os embates que se deram entre eles. Dessa forma, visamos apresentar os
contrastes existentes entre as diferentes formas de representação identitária que foram
assumidas pelos imigrantes italianos que se instalaram na região de Curitiba. Neste momento,
buscamos evidenciar também as formas de adesão e resistência ao discurso religioso. Enfim,
nesta última parte do nosso trabalho tentamos compreender de fato como esses estrangeiros de
origem italiana construíram sua identidade étnica por meio de práticas e representações
discursivas, assumidas por meio da apropriação, porém sem antes passar por um processo de
negociação. Procuramos perceber, sobretudo, que papel teve o discurso de padre Pietro
Colbacchini nesse contexto.

Ϯϲ



A CONSOLIDAÇÃO DO ULTRAMONTANISMO NO SÉCULO XIX

µ1RLGXQTXHLQWDQWDperversità di depravate opinioni,


ben memori del Nostro apostolico ufficio e
massimamente solleciti dela santissima nostra
religione, della sana dottrina e della salute delle anime
affidateci da Dio, e del bene della stessa società
umana, abbiamo ritenuto di dovere nuovamente
HOHYDUHOD1RVWUDDSRVWROLFDYRFH¶ 3$3$3,2,; 34

Neste primeiro capítulo pretendemos apresentar, e ao mesmo tempo procuraremos


compreender, a voz da Igreja Católica Apostólica Romana que reverberou fortemente no século
XIX. Esse discurso político doutrinário, conhecido como ultramontanismo, determinou a forma
de pensar e de agir de muitos dos representantes do catolicismo Romano deste período, papas,
cardeais, bispos e padres, entre eles o sacerdote italiano Pietro Colbacchini, cujos escritos são
nosso objeto de estudo.
Sendo assim, nesta primeira parte do presente trabalho, tentaremos responder a algumas
indagações referentes ao aparecimento, a afirmação e a expansão desse discurso específico
promovido pela referida instituição religiosa, tanto anteriormente, como também durante o
período histórico estudado, a fim de perceber quais foram as suas características e as suas
finalidades. Cremos que percorrer este caminho se faz necessário porque, tanto o discurso como
a política, adotados pela instituição Católica Romana não foram sempre os mesmos durante os
seus mais de 2000 anos de existência.
Segundo aponta Augustin Wernet (1987), esses discursos e políticas se transformaram
de tempo em tempo, conforme as compreensões que a Igreja fazia de si mesma e a forma de
organização que ela assumia em determinados períodos no decorrer dos seus 20 séculos de
permanência. Essas variações e oscilações das autocompreensões do catolicismo, que estão
ORQJHGHVHUHPHVWiWLFDVHKRPRJrQHDV³GHPRQVWUam como cada uma delas tem características
HVSHFtILFDVSURGX]LGDVSHORVHXUHVSHFWLYRWHPSRKLVWyULFR´35 Essa realidade mostra como a
instituição Católica Romana se modificou ao longo da história. Em outras palavras, podemos


34
µNós portanto, diante de tanta perversidade de depravadas opiniões, bem conscientes da Nossa função apostólica
e maximamente comprometidos com a nossa santíssima religião, com a sã doutrina e com a saúde das almas
confiadas por Deus, e pelo bem da mesma sociedade humana, nos sentimos no dever de novamente levantar a
1RVVD DSRVWyOLFD YR]´ 3DSD 3LR ,; Quanta Cura, 18 de dezembro de 1864, pp. 4-5.
http://w2.vatican.va/content/pius-ix/it/documents/encyclica-quanta-cura-8-decembris-1864.html. Ao longo do
trabalho adotaremos sempre esse mesmo padrão: a citação original em italiano será apresentada no texto e a
tradução em português aparecerá em nota de rodapé.
35
MANOEL, Ivan A. O pêndulo da história: tempo e eternidade no pensamento católico (1800-1960). Maringá:
Eduem, 2004, p. 8.
Ϯϳ



dizer que não se tratou sempre da mesma Igreja, mas de modelos específicos assumidos
conforme as exigências de cada momento.
Nesta direção, entre as questões para as quais buscaremos respostas nesta primeira parte
do nosso trabalho estão as seguintes: de que modo essa voz específica, que ganhou o nome de
ultramontana, se formou na Igreja? Quais acontecimentos e contexto histórico fizeram com que
ela surgisse neste determinado período? O que fez com que essa voz adquirisse uma tonalidade
tão forte e característica? Quais objetivos esse discurso pretendia alcançar?36
Na intenção de encontrar respostas para essas e outras indagações, vamos investigar os
principais acontecimentos do período histórico que influenciaram o pensamento católico, não
só da Europa, mas de todo o Ocidente, e consequentemente contribuíram com a formulação do
discurso religioso que estudamos. Como afirmamos anteriormente, e constataremos mais
adiante, ele foi o tipo de discurso empregado pelo padre Pietro Colbacchini na defesa de um
modelo de catolicismo que acreditamos ter influenciado fortemente a construção da identidade
étnico cultural dos imigrantes italianos que se instalaram no Paraná.

1.1 A Revolução Francesa e as raízes do pensamento ultramontano

A Revolução Francesa é considerada, e com toda razão de ser, o marco do avanço do


pensamento liberal, que se iniciou no século XVIII, e que ganhou força no desenrolar do século
XIX. Sem sombra de dúvida, uma das principais inovações deste evento histórico, que o
caracteriza como revolucionário, foi o anúncio radical da ruptura dos laços entre o Estado e a
Igreja, que era uma das marcas do Antigo Regime vigente na Europa.37
De fato, o ideário revolucionário francês apresentou uma nova organização da
sociedade, que se definia como a-religiosa, ou seja, totalmente independente de instituições
religiosas e desapegada em relação ao passado e suas tradições. Esse ideário é bem explicado
por Alphonse Dupront:

O mundo do Iluminismo e da Revolução Francesa se apresenta como duas


manifestações (ou epifenômenos) de um processo maior ± o processo de definição de

36
O termo ultramontano, como veremos mais adiante, aponta para o reforço e a defesa do poder papal em matéria
de disciplina e de fé. Mesmo que os membros do Catolicismo Apostólico Romano, que adotaram as suas práticas
assim não se autodenominassem, o termo é usado por historiadores e demais estudiosos da Igreja para os classificar
devido as suas características conservadoras.
37
Isto desde que Teodósio tomou a decisão de fazer do cristianismo a religião oficial do Império Romano mediante
o Édito de Tessalónica de 380 d.C., tornando a religião cristã a única legitima e acabando com o apoio do Estado
à religião romana tradicional por meio da proibição da "adoração pública" dos antigos deuses.
Ϯϴ



uma sociedade de homens independentes sem mitos ou religiões (no sentido


tradicional do termo); uma socieGDGH³PRGHUQD´XPDVRFLHGDGHVHPSDVVDGRHVHP
tradições; [uma sociedade] do presente, totalmente aberta para o futuro. 38

Desse modo, as ideias que agitaram a França, e consequentemente toda a Europa, e que
trouxeram transformações definitivas para todo o Ocidente, questionaram as bases da tradição
contidas no pensamento da Igreja39 e da cristandade, pois acentuavam uma visão de mundo
extremamente secular, propondo uma reorganização da sociedade e do Estado sem os preceitos
da religião.
Tal discurso representava o caos para a instituição católica, já que era um desvio do
significado de mundo estabelecido por sua tradição, que até o momento era hegemônico entre
os europeus. A novidade era encarada como uma verdadeira heresia porque, conforme nos
explica Zulian, a cristandade sempre havia concebido, pelo menos até aquele momento
KLVWyULFR TXH ³VRFLHGDGH FLYLO H FRPXQLGDGH GRV ILéis formam um corpo único, agindo os
SRGHUHVFLYLVHUHOLJLRVRVHPtQWLPDFRODERUDomR´40
Em tal concepção da cristandade, que foi fortemente aplicada durante o Antigo Regime,
D ,JUHMD &DWyOLFD IXQFLRQRX FRPR XP VXVWHQWiFXOR GR DEVROXWLVPR Mi TXH QHOD ³R monarca
aparece como o chefe efetivo da sociedade sacral e assim é reconhecido pelas autoridades
HFOHVLiVWLFDV´41 Tratava-se, portanto, de um regime de união dos poderes civis e eclesiásticos,
no qual toda a sociedade era considerada sagrada, ou seja, era o sagrado o responsável pela
organização de todo o corpo social, englobando tanto o civil como o religioso, de maneira que
os dois se mesclavam e se completavam, pois havia o entendimento que a ordem terrestre seria
uma extensão, uma reprodução, do modelo celeste. É por essa razão que, Azzi vai afirmar que
³R DVSHFWR PDLV H[SUHVVLYR GD &ULVWDQGDGH p MXVWDPHQWH D VDFUDOLGDGH TXH SHUSDVVD WRGD D
RUJDQL]DomRVRFLDOGHVGHVHXVFKHIHVVXSUHPRVDWpRV~OWLPRVV~GLWRV´42
O fato é que, diante do abandono desta concepção de mundo sagrado, do processo de
dessacralização da sociedade, a instituição Católica Romana, que já vinha perdendo forças
desde a Reforma Protestante do século XVI e da constante propagação das ideias iluministas
nos dois séculos seguintes, se viu ainda mais enfraquecida e ameaçada. Dessa forma, podemos


38
DUPRONT, 1983, p. 21 Apud CHARTIER, 2009, p. 283.
39
Ao escrever Igreja com letra maiúscula ao longo do texto estaremos sempre nos referindo a instituição Igreja
Católica Apostólica Romana.
40
ZULIAN, Rosângela Wosiack. Entre o Aggionamento e a Solidão: práticas discursivas de D. Antônio
Mazzarotto, primeiro bispo diocesano de Ponta Grossa-PR (1930-1965). Tese (Doutorado em História) - UFSC,
Florianópolis, 2009, p. 34.
41
RAMBO, Arthur B. A Igreja da Restauração Católica no Brasil Meridional. In: DREHER, Martin N. Populações
rio-grandenses e modelos de igreja. Porto Alegre: Edições EST, 1998, p. 147.
42
AZZI, Riolando. O estado leigo e o projeto ultramontano. São Paulo: Paulus, 1994, p. 7.
Ϯϵ



afirmar que frente ao ideário e as ações revolucionárias francesas, que defendiam a promoção
da secularização, sobretudo a de afastar a religião do Estado e construir uma organização
sociopolítica separada de valores religiosos, a Igreja finalmente se deu conta de que seu poder
estava sendo minado.
Diante desse contexto, as lideranças católicas perceberam que estavam perdendo forças,
já que a religião vinha sendo colocada em segundo plano e direcionada para um caminho de
exclusão total, correndo o risco de perder a sua hegemonia. Dessa maneira, podemos
compreender, como descreve Souza, que a Revolução Francesa foi um marco decisivo para a
redefinição do status e do papel da Igreja, já que ela redirecionaria as ações políticas e
doutrinárias da instituição para combater essa nova concepção de mundo na qual se via
excluída.

Desde então, a hierarquia [da Igreja] trabalharia para garantir não os seus privilégios,
de acordo com ela, e sim aquilo que de acordo com a nova compreensão da ordem
social e política ela justificaria como sendo seu direito frente a sociedade que não só
se dessacralizava rumo à secularização, mas que propunha a liberdade de culto e de
crença. Neste sentido, a Igreja, que era contrária à liberdade de crença, afirmava que
a mesma liberdade de culto estava apenas no discurso, pois para ela o Estado destinava
perseguição, controle e exclusão.43

Portanto, frente ao discurso liberal dos revolucionários franceses, que se propunha laico
em oposição direta ao religioso, a Igreja se deu conta de que precisava se defender e reagir. As
formas de defesa e de reação encontradas foram a afirmação da doutrina e da identidade
católica, por meio de um conjunto de discursos políticos doutrinários que ficaram conhecidos
como ultramontanismo e romanização.44
Pelo fato desses pensamentos, o ultramontano e o romanizador, terem surgidos e sido
moldados sobretudo em decorrência dos acontecimentos da Revolução Francesa, acreditamos
que para entendermos suas origens e suas motivações precisamos partir das ideias
revolucionárias que incitaram a reação da Igreja por meio da promoção de tais discursos
políticos e doutrinários. O que pretendemos é perceber como surgiram tais discursos, frutos de
uma reorganização eclesial, que representava uma nova autocompreensão da Igreja frente a um

43
SOUZA, Wlaumir D. de. Imigração italiana e Igreja: ultramontanismo e neo-ultramontanismo. In: DREHER,
Martin N. (Org.). 500 anos de Brasil e Igreja na América Meridional. Porto Alegre: Edições EST, 2002, 280.
44
Ultramontanismo pode ser definido como o discurso claramente contrário a concepção de mundo moderno, de
Estado e de governo sem a participação da religião empreendidos pelo liberalismo, ao mesmo tempo que buscava
a recristianização e clericalização da sociedade. Romanização, por sua vez, caracteriza-se como discurso de
fortalecimento da instituição Católica, de sua doutrina e hierarquia. Processos distintos, que no intuito de fortalecer
ambos, foram colocados lado a lado no discurso da Igreja durante o século XIX. Segundo Souza, Ultramontanismo
e RRPDQL]DomRSRGHULDPVHUGHILQLGRVFRPR³DVGXDVIDFHVGHXPDPHVPDPRHGD´RXGHXPSURMHWR~QLFRHP
resposta às novas conjunturas da época. SOUZA, W. Op. Cit., pp. 75-76.
ϯϬ



contexto social específico. Qual era este contexto histórico, como e por que ele influenciou o
pensamento católico?
Primeiramente, pensamos ser importante salientar que o pensamento liberal não surgiu
somente no final do século XVIII em meio ao movimento revolucionário que eclodiu na França,
e que da mesma forma, o discurso de secularização não apareceu assim, de uma hora para outra.
Ambos oVPRYLPHQWRVIRUDPVHRUJDQL]DQGRGXUDQWHRVDQRVGRVHWHFHQWRVRXVHMD³no curso
de longo prazo das mudanças culturais que transformaram os atos e pensamentos dos franceses
do Antigo Regime´.45
Essas lentas transformações ocorreram paralelamente ao enfraquecimento do modelo de
cristianismo elaborado pela Reforma Católica. De início, a contrarreforma conseguiu impor a
vivência do catolicismo por meio do comparecimento nas missas dominicais e da
obrigatoriedade da participação nos sacramentos da confissão e da comunhão ao menos no
período da páscoa.

Essas práticas difundidas, por mais elementares que fossem, sem dúvida moldaram
uma identidade básica entre os fiéis, uma identidade em que a repetição dos mesmos
gestos implantava em todos uma consciência direta de pertencimento e embutia um
ponto de referência vital que emprestava significado ao mundo e à existência. 46

Essa vivência, imposta pela instituição Romana, tornava possível caracterizar a França
não só como cristã, mas como um dos países mais católicos da Europa. Segundo Roger Aubert,
HP PHDGRV GR VpFXOR ;9,,, R SDtV ³FRQWDYD FRP FHUFD GH  VDFHUGRWHV D VHUviço das
paróquias e havia também de 20.000 a 25.000 religiosos e de 30.000 a 40.000 religiosas. No
total RFOHURIUDQFrVHVWDYDIRUPDGRSRUXPDVSHVVRDV´47 Esse clero, que conservava
privilégios por meio de um foro eclesiástico, estava dividido em 135 dioceses, e possuía cerca
de 10 por cento do território de todo país.
Porém, a prática do catolicismo estava mais ligada a uma tradição cultural, sobretudo
nas regiões mais urbanas, do que a um fervor religioso, como queria a Igreja, de modo que o
zelo cristão dos franceses variava de região para região. Essa realidade demonstra a fragilidade
em que se encontrava a religião cristã na França pré-revolucionária, o que favoreceu o avanço
do processo de secularização, entendido como mudança de pensamentos e transformações
culturais. Conforme escreve Roger Aubert,


45
CHARTIER, Roger. Origens culturais da Revolução Francesa. São Paulo: Editora UNESP, 2009, p. 277.
46
Ibidem, p. 151.
47
AUBERT, Roger. La Iglesia Católica y la Revolución. In: JEDIN, Hubert. Manual de Historia de la Iglesia.
Tomo VII, La Iglesia entre la revolución y la restauración. Barcelona: Editorial Herder, 1978, p. 61.
ϯϭ



No cabe duda de que la gran multitud de la población cumplía todavia exteriormente


sus deberes religiosos. Sin embargo, la práctica religiosa era debida con frecuencia,
más que a verdadera convicción, a adaptación a una estrutura global de tradiciones de
la sociedad. Sobre todo la nobleza y la burguesia culta se emanciparon cada vez más
bajo el influjo de la ilustración.48

Nessa direção, devido à forte influência iluminista, o século XVIII foi um tempo difícil
para o cristianismo, onde muitas práticas e ritos católicos foram caindo em desuso, não só na
França, mas em toda a Europa. Um primeiro exemplo que podemos citar, é a decadência das
devoções ligadas a redução das penas no purgatório, sobretudo a doação de bens e pagamentos
em dinheiro para a realização de missas em favor das almas. Segundo Chartier, boa parte da
população francesa em meados do século XVIII divergia dessa crença imposta pela Reforma
Católica que colocava a Igreja na posição de intercessora capaz de expiar os sofrimentos após
a morte.
Da mesma forma, esse autor aponta o uso de práticas contraceptivas e um controle de
natalidade crescente entre os franceses no passar dos anos de 1700, que demonstram um
declínio de padrões de comportamento ligados a moralidade religiosa e ao controle clerical.
Portanto, estava ocorrendo um rompimento com a ética sexual católica, que defendia que o sexo
deveria servir unicamente a intenção da procriação. Na mesma direção, aumentaram as
concepções pré-nupciais e o nascimento de ilegítimos no século XVIII, que confirmam também
uma libertação por parte da população da moral cristã pregada pela Igreja.
Outro fator, que também indica o processo de fragilização que o catolicismo da França
sofria nesse período, é a crise das vocações religiosas e a consequente diminuição dos membros
das congregações, fraternidades e instituições católicas. Conforme aponta Roger Chartier, a
UD]mRIXQGDPHQWDOGHVVHVDFRQWHFLPHQWRVUHVLGH³QDVHFXODUL]DomRGDHVWrutura mental do povo,
TXHIH]TXHDVSHVVRDVDEDQGRQDVVHPRVFRPSURPLVVRVUHOLJLRVRVPDLVHYLGHQWHV´ 49 Porém,
esse processo não era geral, pois houveram regiões do país em que os preceitos tridentinos
inculcados pela Reforma Católica se mantiveram, sobretudo em áreas mais afastadas dos
centros urbanos.50
As mudanças de pensamento evidenciadas ocorreram primeiramente na capital e depois
nas províncias, assim como se deram antes nas cidades do que no campo. O que com certeza


48
Ibidem, p. 45.
49
CHARTIER, Roger. Op. Cit., p. 159.
50
Por preceitos tridentinos entendemos o conjunto de regras e princípios impostos pela Igreja a partir do Concílio
de Trento para uma boa vivência dos compromissos e da profissão da fé católica. Estes eram vividos, sobretudo,
por meio do comparecimento aos sacramentos e ritos sagrados da instituição, como também pela submissão ao
clero.
ϯϮ



colaborou com esse processo foi a produção e distribuição de material impresso. Houve um
forte declínio da circulação de livros religiosos e uma popularização de obras científicas e
filosóficas que continham textos que minavam ou ignoravam o cristianismo, e que
consequentemente abalavam as estruturas tradicionais e influenciavam o pensamento da
população.

É certo que durante as décadas finais do século XVIII o desenvolvimento de longo


SUD]RGHXPSURFHVVRGHVHFXODUL]DomRRX³FLYLOL]DomR´ WHUPRGDpSRFD DWLQJLXVHX
pico. Sua tendência básica foi exaurir os mitos sagrados, eliminar todos os mistérios,
GH PRGR D PDQLIHVWDU XPD VRFLHGDGH µFLYLO¶ SHUIHLWDPHQWH KRPRJrQHD RQGH D
quintessência do ato social devia se tornar pública.51

Dessa forma, os franceses foram rompendo lentamente com a forma de catolicismo que
era um dos fundamentos da tradição do Antigo Regime. A divisão da Igreja colaborou muito
com esse processo de descrédito e secularização. Da mesma forma, a série de conflitos que se
deram ao longo do século XVI entre católicos e protestantes, fenômeno conhecido como guerras
religiosas, contribuiu com o clima de desconfiança para com os representantes religiosos. Sendo
assim, tanto a Reforma Protestante e o aparecimento de várias vertentes do protestantismo,
como as divisões internas do catolicismo, fizeram crescer a descrença nas instituições cristãs.

... o caráter absoluto da crença transformou-se numa simples opinião que, uma vez
passível de contestação, podia ser rejeitada. A unidade da doutrina e da disciplina
perdeu-se de vez, abrindo caminho para incerteza, afastamento e rompimento. 52

Segundo Certeau, essas divisões, causadas pela pluralidade religiosa que surgiram neste
momento histórico, confirmam o desaparecimento de uma certa unidade, o que colocou em
dúvida a própria experiência dos crentes. Essa incerteza colaborou com o processo de
dessacralização e secularização nesse período, já que abriu espaço para o surgimento das ideias
UHYROXFLRQiULDVTXHSURSXQKDPGHL[DUGHODGRRUHOLJLRVRH³EXVFDUQDSROtWLFDRXPHVPRQD
cLrQFLDDOKXUHVDLQGDXPRXWURµPHLRGHXQLU¶TXHGHVHPSHQKDUiGDtSRUGLDQWHRSDSHODWp
HQWmRUHSUHVHQWDGRSHODUHOLJLmR´53
Além da divisão da Igreja, outra causa que corroborou com o processo de secularização
foi o declínio da paróquia como ponto de referência essencial para a vida das pessoas.54 Isso se

51
DUPRONT, 1983, p. 21 Apud CHARTIER, 2009, p. 161.
52
CHARTIER, Roger. Op. Cit., p.162.
53
CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p. 157.
54
A paróquia pode ser definida como um território no qual está inserido uma comunidade de fiéis subordinados à
liderança de um pároco, cura das almas, aos quais os fiéis estão subordinados. Ao afastar-se desse espaço físico,
consequentemente, o fiel se desliga da autoridade clerical por ele responsável. Cremos que a migração, sobretudo
para o meio urbano, desencadeou esse processo de desligamento do modelo paroquial.
ϯϯ



deu porque a segunda metade do século XVIII foi marcada por uma forte migração
populacional, na qual os indivíduos começaram a deixar as suas aldeias e se dirigir para a
cidades em busca de trabalho, tanto em caráter temporário como de forma definitiva.
Acreditamos que o deslocamento em busca da sobrevivência, ou mesmo de enriquecimento
fácil, levou as populações camponesas tradicionais a se preocuparem mais com o trabalho do
que com a religião, afastando-se do modelo ora et labora que estavam inseridos em suas aldeias
rurais.
De certa maneira, esse processo era imposto pelo novo contexto no qual o migrante era
inserido, sobretudo pelas novas conjunturas de trabalho impostas pela relação patrão e
empregado. Podemos verificar que essa preocupação estava presente no discurso de
Colbacchini ao criticar à imigração italiana para o trabalho nas fazendas cafeeiras do Brasil no
final do século XIX. O sacerdote, cujo discurso estamos investigando na presente pesquisa, vai
responsabilizar os fazendeiros pela promoção do esmaecimento da vivência religiosa dos
colonos, como podemos conferir no trecho a seguir:

Quanto al morale poi, non solo non se curano, la maggior parte dei fazendeiros, ma
non pochi coi loro mali esempi e colle parole trascinano i poveri coloni a perdere la
religione ed abbandonarsi alla licenza. [...] Ve ne sono anche che non permettono al
Sacerdote di occuparsi del bene spirituale del coloni, ché, dicono, sono nelle Colonie
per lavorare e non per fare i frati. In poche fazende è costruita la Chiesa. [...] Quanto
SRL O¶DYYHQLUH PRUDOH GL TXHVWH &RORQLH SXRVVL GLUH FKH VHQ]D OD SUDWLFD GHOOD
religione, nel giro di 6 o 8 anni, i coloni si abbandonerebbero alla vita del senso, e
perderebbero ogni sentimento di religione. 55

Portanto, cremos que o processo migratório contribuiu para que muitos abandonassem
a disciplina e quebrassem os elos de dependência criados nas áreas rurais com as obrigações
paroquiais sob a autoridade do clero local. O modelo de sociedade tradicional do campo,
atrelado ao clericalismo, foi sendo deixado de lado, pelo desencadeamento do processo de
secularização movido pelo capitalismo e pelo pensamento liberal.
Segundo Roger Aubert, em todos os lugares e extratos sociais haviam adeptos do
liberalismo, inFOXVLYH HQWUH D EXUJXHVLD UXUDO ³PDV IRL VREUHWXGR D SRSXODomR XUEDQD D TXH


55
Quanto a moral, não só não se interessam a maior parte dos fazendeiros, mas não poucos com seus maus
exemplos e com suas palavras levam os pobres colonos a perder a religião e a abandonarem-se a seu bel-prazer.
[...] Existem também aqueles que não permitem ao Sacerdote ocupar-se do bem espiritual dos colonos, porque
dizem que eles estão nas Colônias para trabalhar e não para se fazer frades. Em poucas fazendas foi construída a
Igreja. [...] Portanto, no que se refere ao futuro moral dessas Colônias, pode-se dizer que sem a prática da religião,
no prazo de 6 ou 8 anos, os colonos abandonarão sua vida aos seus caprichos, e perderão todo sentimento de
religião. (Tradução nossa). COLBACCHINI a SPOLVERINI, 18 de junho de 1889. In: TERRAGNI, Giovanni. P.
Pietro Colbacchini con gli emigrati negli Stati di S. Paolo, Paranà e Rio Grande do Sul, 1884-1901,
Corrispondenza e Scritti. Napoli: Grafica Elettronica, 2016, p. 173.
ϯϰ



começou verdadeiramente a distanciar-VH GD ,JUHMD´56 Os próprios clérigos do meio urbano


foram se diferenciando daqueles das zonas rurais, já que foram se afastando da política e do
modelo de catolicismo Romano e tridentino, o que evidencia, além de uma ruptura na Igreja,
um sinal do progresso e amplitude que a secularização estava atingindo. Esse processo também
é evidenciado nos escritos de Colbacchini ao se referir aos imigrantes italianos vindos para o
Brasil que se instalaram no meio urbano.

Nella città di S. Paulo sono più di 10.000 gli italiani, e ben pochi praticano la religione,
avegnaché i Padre Salesiani colà stanziati forniscano a loro comoda ocasione. Così in
Campinas di 6 a 8000 Italiani, quasi non se trova che compia gli atti di religione. Così
in Pelotas, Porto Allegro, S. Caterina, e nelle altre città. La nessuna cura che di loro
hanno i Sacerdoti, che se pur domandati si esimono dal prestar loro le cose della
religione; gli scandali che molti di loro danno, e la indifferenza e corruzione del
popolo col quale vivono frammisti fa loro dimenticare ben presto, e perdere, ogni
senso di religione. Il male, da questo lato, è quase insanabile.57

Portanto, o padre Pietro Colbacchini evidencia o abandono da religião vivido pelos


italianos que se instalaram no meio urbano ao emigrarem para o Brasil. Por esse motivo, o
referido missionário será um defensor da imigração para as colônias rurais criadas no Sul do
país no final do século XIX, sobretudo aquelas criadas no Paraná, como veremos mais adiante.
Por ora, queremos salientar a forte crítica que o sacerdote faz aos padres do meio urbano, como
expõe no escrito acima apresentado. Conforme aparece no texto, os clérigos presentes nas
cidades não prestavam o devido cuidado aos fiéis se comparados aos padres do meio rural das
comunidades de origem dos imigrantes. Essa diferenciação interna existente entre os próprios
membros da Igreja denota a crise que a mesma estava vivendo, inclusive internamente.
Portanto, o avanço do pensamento liberal, iniciado na Europa, havia criado um desconcerto e
uma confusão doutrinal que demonstrava a desintegração do catolicismo tradicional.58

Todo esto debía reforzar todavia en los contemporâneos la impressión de que el


catolicismo tenía que hacer frente a una crise doblemente seria, ya que a los ataques
venidos de fuera se añadía una grave desazón interna.59


56
AUBERT, Roger. Op. Cit., p. 62.
57
Na cidade de São Paulo são mais de 10.000 os italianos, e bem poucos praticam a religião, mesmo os Padres
Salesianos estando lá presentes e oferecendo para eles a cômoda oportunidade. Também em Campinas, onde há
de 6 a 8000 Italianos, quase não se encontra quem cumpra com os atos religiosos. Assim também em Pelotas,
Porto Alegre, Santa Catarina, e nas outras cidades. O nenhum cuidado que deles tem os Sacerdotes, que mesmo
sendo chamados se eximem de prestar a eles as coisas da religião; os escândalos que muitos deles dão, e a
indiferença e corrupção do povo com os quais vivem misturados faz com que eles se esqueçam bem rápido, e
percam, todo sentido da religião. Esse mal, é quase que irreparável. COLBACCHINI a SPOLVERINI, 18 de junho
de 1889. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 176.
58
Exatamente por essa razão que os discursos promovidos pela Igreja contrários a esse processo, o
Ultramontanismo e a Romanização, vão pautar também pelo fortalecimento da doutrina, sobretudo na formação
dos clérigos e das novas congregações religiosas.
59
Ibidem, p. 46.
ϯϱ



Essa realidade nos faz começar a compreender duas situações que apontam para o estado
de caos e de crise que o catolicismo enfrentou durante o processo de secularização
desencadeado no continente Europeu. Primeiro, a divisão que se deu em plena Revolução entre
padres constitucionais, adeptos do galicanismo e que estavam presentes sobremaneira no meio
urbano, e padres refratários, que permaneceram fiéis a Roma, negando-se a prestar o juramento
a constituição civil, que por sua vez conseguiram manter a religião católica viva nos cantões da
França. Segundo, que o processo de secularização de que estamos tratando e que tanto
ameaçava a Igreja, ao qual ela vai se propor a enfrentar com todas as suas forças, não significava
somente uma dessacralização total, entendida como o abandono da fé por parte dos fiéis, mas
sim uma negação do modelo de catolicismo que era estabelecido pela tradição Romana, em
outras palavras, se tratava de uma secularização que estava invadindo e dividindo a própria
instituição católica, abalando suas estruturas internas.
Nessa direção, assistia-se a um movimento de descentralização, e mesmo de
dispensabilidade da Igreja, da sua forma institucional, da sua hierarquia que pode ser traduzido
FRPRXPDµGHVFDWROL]DomR5RPDQD¶GRFULVWLDQLVPRRXDLQGDFRPRXPDµGHVURPDQL]DomRGR
FDWROLFLVPR¶eH[DWDPHQWHDHVVHVGRLVSURFHVVRVTXHRXOWUDPRQWDQLVPRHDURPDQL]DomRLUmR
combater, o primeiro externamente e o segundo internamente. Podemos considerar que, boa
parte destes movimentos contrários ao catolicismo eram impulsionados por influência da
Reforma Protestante, que propagava uma relação mais individual com a divindade, dispensando
a presença de um intermediador especializado, no caso da Igreja Católica, de padres e bispos.
Percebemos, portanto, que se havia instaurado na Europa, primeiramente entre os
franceses, um clima cultural sensível e propício para a secularização que foi empregada
lentamente pelo discurso liberal crescente, ameaçando a estabilidade da Igreja durante todo o
século XVIII. Porém, com a eclosão da Revolução Francesa no final do século, mais
especificamente em 1789, e as repercussões no transcurso dos anos seguintes, se iniciou um
período de combate ainda mais forte à Igreja Católica no geral e à Santa Sé em particular.
Assim, em agosto daquele ano, por meio da Assembleia Nacional Constituinte,
aboliram-se os direitos feudais e proclamaram-se os direitos do homem e do cidadão. Da mesma
maneira, movidos pelo programa dos ideários iluministas, a referida Assembleia, formada
sobretudo pela burguesia francesa, propôs o confisco e a venda dos bens da Igreja no dia 10 de
outubro do mesmo ano. Tal proposta foi aprovada em poucos dias, e dessa forma os bens
eclesiásticos foram tomados pelas mãos do Estado, que passou a leiloá-los a fim de financiar a
Revolução.

ϯϲ



Essa atitude do movimento revolucionário teve a intenção de enfraquecer ainda mais a


instituição Católica Romana na França, que passou a ser considerada pela burguesia como uma
inimiga, já que sempre esteve alLDGDDRVLQWHUHVVHVGDHOLWHDULVWRFUDWD'HVWDPDQHLUDD³,JUHMD
e a aristocracia estavam colocadas no mesmo nível, como inimigas da Revolução e, em poucos
meses, a riquíssima Igreja da França viu-VHGHVWLWXtGDGHVHXVEHQV´60
Já no início de 1790, a Assembleia francesa decidiu pela supressão das ordens religiosas
no país e em 12 de julho aprovou uma Constituição Civil para o clero. Apesar do protesto da
Santa Sé, na pessoa do papa Pio VI, esta nova Constituição, que iria estabelecer um novo
formato para a Igreja na França, passou a valer já em agosto do mesmo ano. O referido
documento estabelecia uma nova organização das dioceses, um estipêndio estatal aos ministros
do culto e a eleição popular dos bispos e dos párocos sem investidura canônica alguma por parte
do papa, ou seja, sem a necessidade de nenhuma confirmação por parte da Cúria Romana. Este
DFRQWHFLPHQWR GHQRWD R SURFHVVR GH ³GHVURPDQL]DomR GR FDWROLFLVPR´ TXH D ,JUHMD HVWDYD
enfrentando.
A diminuição do número de dioceses é um exemplo claro do prejuízo que essa nova
Constituição causava para a instituição católica. Segundo a nova organização estabelecida pela
$VVHPEOHLD1DFLRQDO&RQVWLWXLQWHIUDQFHVD³VRPHQWHKDYHULDELVSDGRVFRUUHVSRQGHQWHVDR
número de departamentos, o que implicava o desaparecimento de 52 dioceses, e uma forte
UHGXomR GR Q~PHUR GH SDUyTXLDV´61 O que demonstra, além da decadência de poder e de
influência que a Igreja vivia nesse momento, o tamanho do enfrentamento que a mesma estava
tendo com a nova forma de Estado que surgia na França. Esse último aspecto do confronto, fica
ainda mais evidente pela exclusão da autoridade do papa no momento da nomeação dos novos
bispos.

Consagrava-se [...] a tendência a uma igreja nacional, que pagava o preço, porém, de
uma grande subordinação da Igreja ao Estado. E tudo acontecia sem ao menos uma
tentativa de acordo com Roma, ou seja, de modo totalmente unilateral. 62

O próximo passo foi a imposição do juramento de fidelidade à Constituição Civil a todos


os bispos, párocos e demais membros do corpo eclesiástico. Diante dessa exigência, a maioria
dos bispos se recusou a cumprir com o juramento e deixou o território francês, enquanto que
metade do baixo clero se submeteu a nova ordem constitucional. Com a desaprovação do papa


60
BIASOLI, Vitor O. F. O catolicismo ultramontano e a conquista de Santa Maria (1870/1920). Santa Maria:
Ed. da UFSM, 2010, p. 24.
61
AUBERT, Roger. Op. Cit., p. 73.
62
MARTINA, 1996, p. 13. Apud BIASOLI, Op. Cit., p. 25.
ϯϳ



Pio VI aos padres que acataram as determinações dos revolucionários, o clero ficou dividido na
França, e as relações com a cúria Romana foram seriamente rompidas. Definitivamente Roma
se colocava como inimiga da Revolução, enquanto assistia à desestruturação da Igreja francesa.
Os padres que ficaram conhecidos como refratários, por se negarem a jurar fidelidade a
nova Constituição, eram destituídos de seus cargos e presos, deixando muitas paróquias vagas
ou ocupadas por párocos eleitos. Quando os refratários não eram encarcerados, eles fugiam para
o interior, onde escondidos mantinham uma espécie de igreja clandestina. Essa última realidade
fez com que o catolicismo romano se mantivesse vivo no território francês, sobretudo nas áreas
rurais mais afastadas.
De fato, o que se via mesmo era uma divisão, devido a coexistência de dois tipos de
clero na França, um que tentava se manter fiel a Roma e o outro ao Estado. Conforme Aubert,
essa divisão era profunda porque estava pautada em três aspectos, pois haviam razões religiosas,
socioculturais e políticas por trás de tal ruptura. Diante de tal conjuntura, o sumo pontífice
Romano foi obrigado a se pronunciar, o que fez em dois momentos:

El 10 de marzo de 1791, con el breve Quot aliquantum, condenó la constitución civil


del clero, pues con sus disposiciones relativas a la institución canónica de los obispos,
a la elección de los pastores de almas y a la institución de los consejeros episcopales
hería de muerte la constitución divina de la Iglesia. Y en un segundo breve, Caritas,
de 13 de abril declaraba sacrílegas las consagraciones de los nuevos obispos, prohibía
a éstos toda acción propia del cargo y amenazaba con suspensión a todos los
sacerdotes que hubiesen prestado el juramento y no se retractasen.63

O papa Pio VI aproveitou as oportunidades para condenar severamente a declaração dos


direitos do homem promulgada pela Assembleia Civil francesa. Segundo ele, os princípios
sobre a autoridade civil e a liberdade religiosa, contidos na declaração, estavam em total
contradição com a verdade, que por sua vez se encontrava na doutrina católica.
A partir dessas declarações a situação do clero se agravou ainda mais na França, e em
1792 por ocasião do assassinato de cerca de 1.100 presos que eram acusados de contra-
revolucionários, foram executados entre eles em torno de 300 padres e 3 bispos. Daí por diante
o pensamento liberal se radicalizou fortemente, e o Estado revolucionário que antes era somente
contrário a Igreja Romana, passou a considerar toda forma de religião cristã como sua inimiga.

Isso evidencia que a Igreja perdia a sua posição central na determinação dos princípios
socialmente aceitos e hegemônicos ou dominantes em algumas sociedades, frente ao
avanço da modernidade, da ciência, do pensamento liberal e a sua prática republicana
que enfatizava a liberdade individual e tinha como princípio de legitimação do poder
o povo e não Deus.64

63
AUBERT, Roger. Op. Cit., p. 78-79.
64
SOUZA, Wlaumir D. Op. Cit., p. 280.
ϯϴ



A partir deste momento se deparou realmente com uma tentativa de secularização total
da França. A pretensão da Revolução agora era que o cristianismRFHGHVVHOXJDUDXPDµQRYD
UHOLJLmR¶QDTXDODIpHVWDULDGHSRVLWDGDQDGHXVD5D]mRHQRQDWXUDOWDQWRTXHRFDOHQGiULR
cristão foi substituído por outro, no qual os meses do ano ganharam nomes correspondentes aos
ciclos da natureza. Com a abolição da monarquia e a instalação da República, em 21 de
setembro de 1792, foi oficializado o culto à Razão e ao Ser Supremo, assim muitas das igrejas
cristãs foram transformadas em espaços dedicados a essas novas devoções. O ponto máximo
desse processo de secularização e instalação desse novo tipo de culto, ocorreu em maio de 1794,
quando a Convenção Nacional da França designou o chefe do novo Estado republicano,
Robespierre, como sumo sacerdote da nova espécie de religião devotada ao Ser Supremo.

O resultado, na França, foi a divisão entre clericais e anticlericais ± na verdade, a


formação de duas culturas hostis: a nova cultura leiga e republicana militante da
burguesia liberal dominante e a profundamente arraigada contracultura ou subcultura
conservadora-católica, clerical e realista, depois papista da Igreja. A marcha da Igreja
Católica oficial para um gueto cultural começara.65

Na verdade, essa divisão era reflexo da separação do Estado e da Igreja que ocorreu por
meio da revolução. O Estado, agora laico, teria obrigação de garantir o bem-estar material do
cidadão, enquanto que a Igreja, por sua vez, caberia zelar pelo bem-estar espiritual dos fiéis.
Essa ideia de separação total, onde uma instituição não deveria interferir na ação da outra não
se deu por completo, pois ambas em determinados momentos tentavam se sobrepor e garantir
vantagens e privilégios em relação a outra.
Acreditamos, que a exposição dos episódios promovidos pela Revolução Francesa
demonstra a dimensão do impacto causado nas estruturas de pensamento e de ação da Igreja
Católica na Europa. Assim cremos, que os acontecimentos promovidos pelo ideário
revolucionário francês, causaram tamanha perplexidade para os católicos, sobretudo para os
líderes da instituição em Roma, que promoveram uma reflexão interna, e consequentemente
uma forte reação por parte da Igreja.
Por essa razão, defendemos que os combates ao catolicismo promovidos pela Revolução
de 1789 são as raízes de uma restruturação de pensamento e reorganização da Igreja Romana.
Foi por meio dos embates contrários a ela que a Igreja precisou se repensar, e dessa revisão
surgiu uma nova compreensão de si mesma, dotada por sua vez de novos discursos políticos


65
KÜNG, Hans. A igreja católica. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002, pp. 196 e 197.
ϯϵ



doutrinários pelos quais o catolicismo devia continuar sua missão. Nascendo dessa forma, o
que podemos classificar como a autocompreensão ultramontana da Igreja.
'HDFRUGRFRP0DQRHO³DVDXWRFRPSUHHQV}HVGD,JUHMDUHSUHVHQWDPDTXHOHVPRPHQWRV
em que uma determinada forma de organização, de tarefas auto-atribuídas e de auto-
entendimento se torna dominante e, durante um certo tempo, direciona toda a atividade
FDWyOLFD´66 Por sua vez, Wernet irá definir essas autocompreensões como

 µWLSR LGHDLV¶ RX VHMD µFRQVWUXo}HV PHQWDLV¶ RX µLPDJHQV PHQWDLV¶ SDUD FXMD
elaboração se faz necessário, exagerando elementos específicos da realidade,
selecionar características dela e as ligar entre si num quadro mental relativamente
homogêneo.67

Portanto, cremos que a Revolução Francesa influenciou o surgimento de uma nova


autocompreensão por parte da Igreja que foi pautada na promoção de uma forma de pensamento
com características homogeneizantes e centralizadoras que ficou conhecido como
ultramontanismo. Segundo Rambo,

Foi neste contexto que surgiu o conceito de Ultramontanismo. Ultramontanos (da


H[SUHVVmRµXOWUDPRQWH DOpPGDVPRQWDQKDV VmRRXIRUDPRVWHyORJRVRFOHro, os
religiosos e o povo em geral, que combatiam o galicanismo dos católicos franceses
que desejavam uma composição com o poder civil. Os ultramontanos reivindicavam
FRPR DXWRULGDGH Pi[LPD DTXHOD TXH WLQKD VXD VHGH µXOOWUD-montes, além das
PRQWDQKDV¶Rpapa em Roma.68

Assim, o termo ultramontano, que foi utilizado primeiramente no século XII, em


Bolonha na Itália, para designar o estrangeiro e fazer oposição aos citramontanos, que eram os
cidadãos locais, ganha outra conotação. No contexto pós Revolução Francesa, foi adotado para
definir o discurso político doutrinário elaborado pelos católicos em reação contrária ao avanço
do liberalismo e da modernidade. Trata-se de um posicionamento político-teológico de defesa,
criado pela Igreja para fazer frente ao mundo moderno e liberal, que irá perdurar por um bom
tempo, atravessando todo o século XIX até meados do século XX.
Augustin Wernet, que é um dos estudiosos adeptos da autocompreensão ultramontana
como instrumento de interpretação e análise da História da Igreja, define o termo da seguinte
maneira:

Etimologicamente falando, ultramontano ou outremontagne foi a expressão usada no


início do século XIX, na França e na Alemanha, para indicar, na rosa-dos-ventos, o


66
MANOEL, Ivan A. Op. Cit. p. 9.
67
WERNET, Augustin. A igreja paulista no século XIX. São Paulo: Ática, 1987, p. 12.
ϲϴ
RAMBO, Arthur B. Op. Cit., p. 148. 
ϰϬ



ponto escolhido de referência e fidelidade: ele está para lá das montanhas, além dos
Alpes. Seu nome é Roma, é Pedro, o papa.69

Da mesma forma, o autor aponta que:

A reação ultramontana se desenvolveu sobre um plano duplo: tendência a reconhecer


no Papa da Igreja uma autoridade espiritual total, e a reivindicação para a Igreja da
independência a respeito do poder civil, e mesmo de um certo poder ao menos indireto
sobre o Estado.70

Essa centralização política e doutrinária na Cúria Romana será umas das características
mais latentes do discurso ultramontano que repercutirá durante os anos do 1800. Ao lado desse
centralismo em Roma e na pessoa do papa, outra marca do ultramontanismo vai ser a rejeição
à filosofia racionalista e à ciência moderna. Ambas características, que na nossa concepção são
reações tanto aos ideários iluministas, como também ao movimento liberal, promovidos pela
Revolução Francesa, estarão fortemente presentes nos discursos da hierarquia e dos agentes
católicos ao longo do século XIX como veremos mais adiante.
Particularmente, no discurso do padre Pietro Colbacchini, tanto em seus escritos como
na sua atuação junto aos imigrantes italianos instalados no Paraná, a adesão ao discurso
ultramontano é evidente. Em muitos momentos o sacerdote vai declarar de maneira
entusiasmaGD ³$Q]L TXHVWD q OD PLD VSHUDQ]D ³OHYDYL RFXORV PHRV LQ PRQWHP XQGH YHQLHW
DX[LOLXP´PDGDLPRQWLGL5RPD´71 Cremos que o processo de unificação vivido pela Itália
no decorrer do século XIX, do qual trataremos a seguir, também influenciou a apropriação desse
discurso por parte do referido sacerdote.

1.2 A unificação italiana e a Questão Romana

Desde 1792, data da instalação da primeira república, o Estado francês promoveu uma
forte campanha de conquista na Europa. Essas campanhas se tornaram emblemáticas, pelo fato
de que não se limitaram simplesmente a conquista dos territórios e dos reinados europeus, mas
porque acima disso, estavam marcadas pela disputa ideológica. Ou seja, tratavam-se de batalhas
voltadas para o convencimento e a transformação da mentalidade dos povos do Ocidente, e


69
WERNET, Augustin. Op. Cit., p. 178.
70
Idem.
71
'HIDWRHVWDpDPLQKDHVSHUDQoD³HOHYRPHXVROKRVSDUDRPRQWHGHRQGHPHYHPDX[tOLR´PDVGRVPRQWHV
de Roma. (Tradução nossa). COLBACCHINI a SPOLVERINI, 26 de setembro de 1890. In: TERRAGNI,
Giovanni. Op. Cit., p. 287.
ϰϭ



principalmente de seus agentes políticos, do progresso e das vantagens que eram oferecidas
pelo novo modelo de governo liberal e constitucional que a Revolução havia inaugurado.
De fato, esta nova forma de governar fazia frente ao conservadorismo, representado pelo
absolutismo, que imperou durante todo o Antigo Regime e que ainda estava vigente na maior
parte da Europa. Dentro desse conservadorismo, que ainda se fazia presente, podemos incluir a
velha concepção de cristandade que unia Estado e Igreja. Essa característica tratou de
impulsionar ainda mais a ação dos republicanos e liberais, que tinham a intenção de libertar os
europeus da submissão imposta, tanto pelos soberanos absolutistas como pelos eclesiásticos, já
que ambos eram os maiores inimigos dos ideais revolucionários de liberdade, igualdade e
fraternidade.
Nessa direção, acreditamos que o lugar onde o combate ao Antigo Regime se tornou
mais característico foi na península italiana. Isso porque era na Itália que se localizava a Santa
Sé católica, onde estava o papa, o maior símbolo da união entre Estado e Igreja. De fato, lá o
sumo pontífice Romano, além de líder máximo da instituição religiosa, era também um
soberano europeu, um legítimo representante do absolutismo, pois possuía o poder temporal
sobre uma boa parcela do território italiano.72 Por acumular essas duas funções podemos afirmar
que a figura do papa representava o maior inimigo dos ideais surgidos com a Revolução.
Essa forte presença da Igreja fazia com que a maior parte da população italiana dessa
época fosse de fato portadora de uma mentalidade compatível com a ideia da cristandade, que
unia governo e religião católica. Porém, já haviam muitos italianos, adeptos dos ideais do
liberalismo propagados pela França, que almejavam reformas que contrastavam com os
princípios ultramontanos defendidos por Roma. Estes liberais italianos, acreditavam que com a
ajuda dos franceses poderiam, não só se ver livres da dominação estrangeira, mas também depor
os governantes locais absolutos e conservadores, porém sabiam que para isso precisariam da
adesão do povo católico.
Nessa direção, acreditamos que a separação entre Estado e Igreja na península italiana
vai ser um processo mais complexo, pois muitas vezes os novos estados constitucionais e
republicanos lá instalados vão aceitar a religião católica oficialmente em seus programas para
assim garantir o apoio popular de que precisavam. Por esta razão, desde os reflexos da
Revolução, quando vão se iniciar as intervenções francesas, na pessoa de Napoleão Bonaparte,


72
Os Estados Pontifícios eram formados por um aglomerado de territórios no centro da península italiana, que se
mantinham sob a direta autoridade civil dos papas, e cuja capital era Roma.
ϰϮ



por meio das instalações das primeiras repúblicas na Itália, esta preocupação com a catolicidade
do povo italiano esteve sempre presente. Conforme explica Aubert (1978),

... los militares franceses ± como, por lo demás, también muchos patriotas italianos
que querían introducir con su ayuda el sistema republicano de gobierno ± ponían
empeño en no exasperar a la gran masa de la población, pues sabían cuán adicta era
al catolicismo (si no por profunda convicción, al menos por adhesión a tradiciones
seculares).73

Por sua vez, na visão da Igreja, a instalação das novas formas de governo, que
culminariam no desejo da unificação italiana, representava unicamente uma coisa, a perda de
seu poder temporal. Nessa direção, acreditamos que o processo de unificação da península
italiana influenciará fortemente na consolidação da política de ultramontanismo promovida pela
instituição Católica. Ambos avançarão juntos durante o século XIX, pois conforme a unificação
da Itália se tornava mais real, mais a Igreja se fechava e fortalecia seu discurso conservador
ultramontano contrário ao nacionalismo. É por isso que cremos que visitar os acontecimentos
do Risorgimento italiano seja importante para a presente pesquisa.
Segundo o historiador John Gooch (1991), o domínio francês na Itália, que durou de
1796 até 1815, e o estabelecimento de algumas repúblicas na península deixaram um importante
OHJDGRSDUDRVSDWULRWDVLWDOLDQRV'HDFRUGRFRPHVWHDXWRU³DFRQVHTXrQFLDPDLVLPSRUWDQWH
do domínio francês foi implantar na cabeça das pessoas a ideia de que a Itália podia tornar-se
XP(VWDGRXQLWiULR´74 Porém, essa unificação teve de se dar com muita cautela e lentidão, pois
a Igreja, com sua influência, era contrária a esse processo que promoveria a extinção de muitos
reinos católicos, sobretudo o fim dos Estados papais.
Ainda em 1796, Napoleão Bonaparte, à frente das tropas francesas, obrigou o papa Pio
VI a ceder os territórios da Bolonha, Ferrara e Ancara, que faziam parte dos Estados Pontifícios.
Como ação contrária o sumo pontífice exortou os católicos franceses a permanecerem fiéis à
Cúria Romana. A situação apaziguou-se um pouco, quando Napoleão chegou à conclusão que
a religião católica poderia servir para um melhor governo do povo francês, isso porque boa
parcela da população e do clero da França atendeu ao apelo do papa e queria continuar católica
e fiel a Roma, sobretudo no campo.
Assim, houve uma renúncia do projeto de secularizar totalmente a França por parte de
Napoleão, que nesse momento estava interessado em obter um entendimento com os franceses
e com os líderes políticos dos outros países católicos da Europa. Por sua vez a Cúria Romana


73
AUBERT, Roger. Op. Cit., p. 101.
74
GOOCH, John. A unificação italiana. São Paulo: Editora Ática, 1991, p. 16.
ϰϯ



queria a oportunidade de recristianizar a população francesa. O encontro dessas intenções


resultou na assinatura de uma Concordata em 1801, entre o novo papa Pio VII e Bonaparte.
Segundo Martina (1996), esse acordo

... reconhecia o catolicismo como a religião da maioria dos franceses e o benefício


que lhe trazia o restabelecimento do culto católico e a particular profissão que dela
faziam os cônsules da República. A Santa Sé renunciava [...] à posição privilegiada
do Ancien Regime [...] [e] prometia não perturbar de modo algum os que tinham
comprado os bens eclesiásticos alienados.75

Porém, esse acordo limitava-se ao território francês e representava uma retomada de


diálogo com o catolicismo unicamente com aquele país e somente para aquele determinado
momento. O fato é que na Itália, que continuou sendo dominada pelas tropas francesas de
Napoleão, a situação era bem mais complexa. Essa realidade, fica mais evidente quando este
último se torna imperador, e depois de um período de entendimentos com Roma, vai travar um
forte conflito com Pio VII. Essa batalha chegou ao seu auge em 1809, quando novamente os
Estados Pontifícios são invadidos e anexados à França, Roma será então ocupada e o referido
papa será levado para Fontainebleau e só retornará ao Vaticano depois da queda definitiva de
Napoleão, em 24 de maio de 1814.

O conjunto desses acontecimentos revolucionários tornou-se matéria constante de


reflexão para os católicos: era preciso barrar o processo de desmoralização da Igreja.
Era preciso salvar o mundo do sagrado e sua maior instituição ± a Igreja Católica -,
assim como restabelecer o poder do Papa.76

Conforme aponta Biasoli (2010), as disputas napoleônicas com Roma só fortaleceram o


processo de formação e consolidação do discurso ultramontano. Isso porque, com a propagação
dos ideais revolucionários, que sacudiram a Igreja, era preciso robustecer a instituição guardiã
do catolicismo. Por outro lado, tais ideias foram capazes de despertar o início da luta pela
unificação.
Com a queda de Napoleão e a realização do Congresso de Viena em 1815, os Estados
Pontifícios foram restabelecidos na Itália, mas era por pouco tempo. Isso porque algumas das
várias revoltas e insurreições que surgiram na península italiana nesse período, além da luta
contra a dominação francesa e austríaca e os soberanos locais, assumiram também uma posição
fortemente anticlerical. Segundo John Gooch (1991), esse foi o exemplo dos Carbonari e as
ações por eles promovidas para libertar o Reino das Duas Sicílias nos anos de 1820 e 1821.


75
MARTINA, 1996, pp. 20-21. Apud BIASOLI, Op. Cit., p. 27-28. 
ϳϲ
BIASOLI, Vitor O. F. Op. Cit., p. 28. 
ϰϰ



Estes, além do desejo de se verem livres do exército Bourbon, tinham como alvo principal a
Igreja.77
Esse também seria o caso das revoltas promovidas pelo italiano Giuseppe Mazzini, que
funda a sociedade patriótica e revolucionária Giovani Italia em 1832. De acordo com Gooch,
esse líder revolucionário tinha forte crença no progresso e que os italianos podiam converter-se
num Estado-Nação, por isso seu programa de ação estava pautado nos seguintes objetivos:
³OLEHUWDUD,WiOLDGDRFXSDomRDXVWUtDFDGRFRQWUROHLQGLUHWRH[HUFLGRSRU9LHQDGRGHVSRWLVPR
SULQFLSHVFRGRSULYLOpJLRDULVWRFUiWLFRHGDDXWRULGDGHFOHULFDO´78
Neste interím, o Piemonte ganhava uma posição de destaque, onde seguindo os rastros
da Revolução FUDQFHVD ³DULVWRFUDWDV OLEHUDLV H EXUJXHVHV PRGHUDGRV FRQVSLUDYDP SDUD
introduzir um regime constitucional e unificar a província com a Lombardia e Venécia em um
reino da AOWD ,WiOLD´79 Num primeiro momento, esse grupo queria o apoio de Pio VII, pois
precisava que o povo católico dessas regiões estivesse de acordo com os seus ideais. Porém, o
maior representante da Igreja era defensor da monarquia tradicional e reconhecia nessa intenção
uma tentativa de iniciar um processo de unificação da península italiana. O historiador Vitor
Biasoli vai explicar esse momento da seguinte forma:

O papado ganhava fortes aliados entre as monarquias restauradoras, especialmente a


Áustria. No entanto, tinha que lidar com os grupos liberais que almejavam a
unificação da Itália, os quais pretendiam, num primeiro momento, ter no papa um dos
seus aliados. Roma, no entanto, não se sentia confortável nessa aliança. Sua simpatia
era pelas monarquias tradicionais, especialmente a da Áustria.80

Essa política conservadora da Cúria Romana será mantida pelo papa Gregório XVI,
sucessor de Pio VII, que assumirá uma postura fortemente contrária ao liberalismo e a
modernidade, reafirmando o ultramontanismo como o discurso de defesa adotado pela Igreja
Católica neste momento. Nessa direção, o movimento do Risorgimento, que almejava a unidade
italiana por meio de um enfretamento direto ao domínio austríaco, continuou não tendo o
pontífice Romano como um aliado, pois o novo papa também não se alinhou com os liberais
contrários a monarquia.
Quando Pio IX tomou posse do governo da Igreja Católica em 1846, os italianos liberais
ainda tinham certa esperança de conseguirem uma aliança com ele, e assim obter o apoio de
Roma para o projeto de unificação da Itália. Porém, com a Revolução de 1848, o novo sumo


ϳϳ
GOOCH, John. Op. Cit., p. 16.
78
GOOCH, John. Op. Cit., p. 18.
79
Ibidem, p. 17. 
80
BIASOLI, Vitor O. F. Op. Cit., p. 34.
ϰϱ



pontífice negou-se a prestar auxílio na disputa contra os austríacos, pois na sua concepção não
podia combater uma nação católica. Da mesma forma, condenou o projeto de unificação e pediu
para o povo fazer o mesmo.
Diante da não ajuda do papa os patriotas liberais, liderados por Mazzini e Giuseppe
Garibaldi, invadiram Roma pela primeira vez, e fizeram dela novamente uma república. O
pontífice teve de fugir para o reino de Nápoles, retornando a Roma somente em 1850, com o
apoio das tropas francesas de Napoleão III. Dessa forma, ficou evidente mais uma vez que o
papado era contrário à unificação, e daí por diante os revolucionários perceberam que para unir
a Itália precisavam fazer guerra a Igreja Católica.
Nessa direção, o processo de unificação da península italiana assumiu um caráter de
combate à Cúria Romana e ao clericalismo. Assim, os revolucionários se uniram em torno do
projeto de Vitorio Emanuelle II, rei do Piemonte, que passou a tomar várias medidas contra a
Igreja em seu território, acabando com os privilégios e extinguindo muitos conventos e
mosteiros. Rapidamente a luta pela unidade política da península ganhou um caráter
anticlerical, já que o papa permanecia ao lado da Áustria e era protegido pelos franceses.
Houve um período de certa estabilidade, onde a população dos Estados Pontifícios se
mostrava satisfeita com o governo paternalista de Pio IX. Ao contrário da burguesia, que não
suportava mais que os cidadãos civis não tivessem nenhuma responsabilidade política, já que
os cargos eram sempre abastecidos pelos clérigos. Tal era a situação que quando estourou a
*XHUUDGD,WiOLDHPSUROGDXQLILFDomRHP³YiULDVSURYtQFLDVH[LJLUDPVXDLQFRUSRUDomR
ao Reino do Piemonte, já que nele, desde o Norte até o Sul da península, depositavam sua
esperança todos aqueles que queriam ver uma Itália unida, governada conforme os modernos
SRVWXODGRVFRQVWLWXFLRQDLV´81
O Piemonte se apressou para tirar a maior vantagem possível da situação, e o rei Vitorio
Emanuelle tratou logo de requerer ao papa Pio IX que reconhecesse o domínio piemontês sobre
a região da Romagna, e que entregasse as de Marche e Umbria, sem a necessidade de uma
batalha armada. O pontífice Romano não só se negou a entregar esses territórios, como também
declarou como heréticos os que atentavam contra a soberania da Igreja Católica, tanto que
excomungou os promotores de tal afronta à Santa Sé.
Porém, a realidade dos acontecimentos políticos não era favorável aos Estados
Pontifícios, já que com o avanço do reino piemontês, Vitorio Emanuelle cada vez mais ganhava
o apoio da população. O fato é que, o rei do Piemonte, por meio da conquista dos territórios e


81
AUBERT, Roger. Op. Cit., p. 897.
ϰϲ



do apoio popular tornava cada vez mais real o sonho da unificação da Itália. Por outro lado, a
posição da Cúria Romana por meio do firme discurso da Igreja, que era radicalmente contrária
a esse processo, fez com que a figura do papa estreitasse cada vez mais os laços com os católicos
mais comprometidos.
Dando continuidade à guerra de unificação no Norte, Vitório Emanuelle conseguiu
anexar ao seu reino os territórios das regiões da Toscana, Emília e Lombardia, permanecendo
somente a Venécia sob o domínio austríaco.82 No Sul, Garibaldi e seu exército derrotaram os
soldados Bourbons e tanto a região da Sicília como de Nápoles foram anexadas ao Piemonte.
Segundo Aubert (1978), alguns meses depois da queda do reino de Nápoles, as tropas
piemontesas ocuparam os territórios das regiões de Marche e Umbria, reduzindo os Estados
SDSDLVDRWHUULWyULR5RPDQR³2(VWDGRSRQWLItFLRILFRXHQWmRUHGX]LGRD5RPDH seu contorno
(algo mais de 700.000 habitantes, frente aos 3 milhões de antes), e havia poucas esperanças de
YROWDUDUHFXSHUDURXWUDYH]DVSURYtQFLDVSHUGLGDV´83
De fato, em 17 de março de 1861, quando o Reino da Itália passou a existir formalmente,
Roma era a única cidade da região central da península que não pertencia ao novo reinado. O
novo estado nação que surgia declarava publicamente que Roma devia ser a capital italiana,
SRUpP³DEDUUHLUDDSDUHQWHPHQWHLQVXSHUiYHOSDUDLVVRHUDRIDWRGHRSapado não abrir mão de
VHXSRGHUWHPSRUDO´84 O papa Pio IX enxergava que a perda de Roma seria uma perda para a
religião, já que para ele a unificação se deu de uma forma violenta e sob a direção anticlerical
do Piemonte. O pontífice Romano considerava o conflito da seguinte maneira:

El conflicto entre Italia liberal y el poder temporal se transformaba a sus ojos en una
guerra de religión, en la que la resistencia contra lo que él gustaba más y más de
designar como la revolución, no era ya assunto de equilibrio de las fuerzas
diplomáticas, militares o politicas, sino una cuestión de oración y de confianza en
Dios.85

Portanto, para Pio IX a tomada de seu poder temporal era também uma derrota espiritual
para o catolicismo. Do outro lado, Vitório Emanuelle queria completar a unificação e só lhe
faltavam Roma e Venécia, esta última continuava sob o domínio austríaco. Assim, quando a
Prússia declarou guerra à Áustria em 1866, o rei da Itália viu nisto a sua oportunidade de
avançar com seu plano e conquistar o que lhe faltava no Norte da península.


82
A Venécia correspondia aos atuais territórios da província de Mantova, da região do Veneto e parte do que é
hoje a região de Friuli-Venezia-Giulia.
83
Ibidem., p. 899-900.
84
GOOCH, JOHN. Op. Cit., p. 58.
85
AUBERT, Roger. Op. Cit. p. 901.
ϰϳ



A guerra começou em junho daquele ano, e o exército italiano foi derrotado na batalha
de Custozza. Porém, a Itália recusou-se a interromper suas operações, pois almejava também
na oportunidade conquistar o Trentino, mas novamente foi derrotada em Lissa, o que fez com
que ela suspendesse sua participação na guerra. No entanto, com o Tratado de Paz de Viena, a
Áustria, sob influência política da França, cedeu a região de Venécia e reconheceu o novo Reino
da Itália.
Dessa forma, após a guerra de 1866, somente a questão Romana permaneceu num
impasse por conta da firme posição política adotada pelo papa, que considerava que o poder
temporal representava uma instituição imprescindível para o bem da Igreja. Por sua vez, a
população católica se encontrava dividida, haviam aqueles que permaneciam fiéis ao papa,
SRUpPPXLWRVVHWRUQDUDPVLPSDWL]DQWHVGDFDXVDGDXQLILFDomR³$WpRVVDFHUGRWHVLWDOLDQRV
que, em um doloroso conflito de consciência, se sentiam vacilantes entre suas aspirações
SDWULyWLFDVHDVGLUHWUL]HVGD,JUHMD´86
Diante desses fatos, depois de várias tentativas diplomáticas, Vitório Emanuelle II e
Garibaldi resolveram por um fim na questão Romana por meio da força. O único impedimento
HUDTXHSDUDLVVRWHULDPGHHQIUHQWDUDVWURSDVIUDQFHVDVTXHID]LDPDSURWHomRGRSDSD³2V
franceses afirmavam publicamente que a Itália jamais se apoderaria de Roma e os italianos
proclamavam que, mais cedo ou mais tarde, ela se tornarLDDFDSLWDOGD,WiOLD´87
A oportunidade de furar o bloqueio francês apareceu com a deflagração da guerra
franco-prussiana em julho de 1870, momento em que as tropas francesas se retiraram de Roma.
Encontrando-se a cidade sagrada dos católicos desprotegida, o exército italiano a dominou
facilmente na manhã de 20 de setembro daquele ano. Assim, Roma foi feita a capital italiana e
o papa se tornou prisioneiro do Vaticano.
Perante a narração do processo de unificação italiana, que consequentemente levou a
perda do poder temporal do papa, somos levados a refletir sobre a consolidação do discurso
ultramontano da Igreja do século XIX. Sem as suas terras, seus Estados Pontifícios, agora o
papa teria de buscar uma outra forma de impor-se, e para isso precisaria manter um discurso
voltado para o poder espiritual e doutrinário da Igreja. Isso era necessário, porque assim como
na França do final do século XVIII, a população italiana agora estava dividida entre clericais e
anticlericais, de forma que a instituição católica corria o risco de perder boa parte de seus fiéis.


86
AUBERT, Roger. Op. Cit. p. 902.
87
GOOCH, Roger. Op. Cit. p. 62.
ϰϴ



Entendemos que é por essa razão que a Cúria Romana vai intensificar o discurso ultramontano
nesse momento.
O que nos chama bastante a atenção também, é o fato de que a última região a ser
anexada ao Reino da Itália, antes da tomada de Roma, é a mesma região que vai fornecer a
maioria dos imigrantes italianos para o Brasil, sendo inclusive o local de origem de Pietro
Colbacchini, sacerdote do qual o discurso estamos estudando. Acreditamos que esse fator
intensificou a característica ultramontana antinacionalista desses personagens históricos.
Na nossa concepção, isso se deu porque a região do Vêneto manteve-se por bastante
tempo sob o domínio da Áustria, que como nação católica permitiu à Igreja, que era a sua fiel
aliada política na Itália, propagar ali fortemente o modelo ultramontano de catolicismo aos seus
fiéis. Por sua vez, a noção de identidade italiana que estará no discurso de padre Pietro
Colbacchini, não será aquela ligada a Itália como Estado-nação, mas pelo contrário, a
italianidade na concepção do sacerdote estará atrelada ao forte sentimento de catolicidade.

1.3 O Ultramontanismo clássico e a reafirmação do modelo tridentino de Igreja

Frente aos ataques sofridos, sobretudo no final do século XVIII, e que vai continuar
sofrendo ao longo do século seguinte, a Igreja se deu conta de que havia perdido a influência
sobre o poder temporal que antes possuía por meio da velha concepção de cristandade mantida
durante o Antigo Regime.
Dessa maneira, ao reavaliar-se, a instituição católica percebeu a necessidade de
empregar seus esforços na tentativa de buscar retomar uma posição de destaque, o que fez por
meio de um projeto pautado na recuperação dos seus aspectos doutrinários. Ou seja, já que
havia perdido o seu poder sobre o temporal a Igreja precisava redefinir-se sob outras bases, se
assim quisesse se manter viva, por isso resolveu reforçar o seu discurso de detentora do poder
espiritual e divino.
Essa foi a forma encontrada pelo catolicismo de reagir, de rever sua missão, de
reencontrar, ou poderíamos dizer, de recriar sua identidade, para assim combater os inimigos
que pretendiam não só sua exclusão, mas sua eliminação da sociedade moderna. Esses esforços
empregados culminaram na formação do catolicismo ultramontano propagado pelos líderes da
Igreja durante todo o século XIX, que vai perdurar até a metade do século XX. De acordo com
Ivan Manoel,

ϰϵ



&RP D H[SUHVVmR ³&DWROLFLVPR 8OWUDPRQWDQR´ D OLWHUDWXUD VH UHIHUH jTXHOD


autocompreensão da Igreja vigente entre o pontificado de Pio VII (1800-1823),
quando a doutrina conservadora e restauradora da Igreja inicia sua consolidação, e o
pontificado de João XXIII (1958-1963), quando o Concílio Vaticano II criou as
condições para a instauração de uma nova autocompreensão, que propiciou o
desenvolvimento de posicionamentos políticos e pastorais, na América Latina, que se
manifestaram na Teologia da Libertação HQD³RSomRSUHIHUHQFLDOSHORSREUHV´88

Portanto, o discurso batizado de ultramontano é conhecido como a voz que a Igreja


Católica reverberou por um período longo de sua história, cerca de 160 anos. Porém, por se
fazer presente durante todo este espaço de tempo, acreditamos que tal discurso não conseguiu
se manter sem sofrer algumas variações no seu conteúdo e na sua forma.89 Na nossa concepção,
essas mudanças dependeram de dois fatores: primeiro dos enfrentamentos que a Igreja estava
tendo diante dos acontecimentos externos de cada período e, segundo do caráter assumido por
sua liderança, sobretudo pelo seu líder máximo, o sumo pontífice Romano.
Nessa direção, Manoel (2004) vai afirmar que mesmo sendo um modelo fixo, construído
FRPR XP ³WLSR LGHDO´ RQGH Srevalecem as permanências, o ultramontanismo pode ser
subdividido em três fases. A primeira fase se inicia com Pio VII (1800-1823) e vai até Pio IX
(1849-1878), na qual houve a consolidação da doutrina conservadora da Igreja, voltada mais
para a afirmação do discurso do que para a ação; o segundo momento é marcado pelo
pontificado de Leão XIII (1878-1903), que por sua vez fortaleceu o discurso de doutrinação
contra a modernidade, porém, estabelecendo uma política que, ao partir para a prática, foi capaz
de intervir em realidades mais concretas e; uma terceira fase que vai de Pio X (1903-1914) a
Pio XII (1939-1958), na qual a Igreja deixou um pouco de lado o discurso e partiu para a práxis
de fato, desenvolvendo programas que ficaram conhecido como Ação Católica.90
Cremos que com essas diferenças, apresentadas assim de forma tão esquemática e
rígida, o referido autor teve a pretensão de pensar em uma subdivisão dentro do catolicismo
ultramontano. Isso fica mais evidente com a seguinte afirmação:

... não é de todo descabido pensar, diante das dificuldades arroladas, ser necessário
estabelecer-se um novo conceito o qual demonstre que, entre Pio X e Pio XII, o
catolicismo viveu uma fase de transição do Ultramontanismo para um catolicismo
mais progressista, uma fase em que muito do Ultramontanismo clássico [grifo nosso]
sobrevivia na doutrina e na prática da Igreja, mas que outras práticas ± a atuação do


88
MANOEL, Ivan A. Op. Cit., p. 11.
89
Portanto, defendemos a ideia de que cada sacerdote que adotou esse projeto se apropriou dele de maneira
diferente. Por essa razão acreditamos ser importante o estudo da especificidade de como o discurso ultramontano
adotado por Pietro Colbacchini se desenvolveu.
90
Cabe salientar que o combate ao modernismo nunca deixou de estar presente em todas as fases, somente adquiria
tonalidades variadas, adaptando-se as diferentes conjunturas. Ibidem, p.12.
ϱϬ



laicato e seu maior engajamento junto à população e seus problemas, por exemplo ±
acabaram por forçar mudanças doutrinárias e mesmo teológicas.91

Portanto, compreendemos que Ivan Manoel (2004) quis de fato separar a última fase do
ultramontanismo dos seus dois primeiros momentos, tanto que a esses últimos afirmou
pertencerem a um Ultramontanismo Clássico e mais adiante vai escrever sobre a possibilidade
GHFKDPDUDWHUFHLUDIDVHGHXPSHUtRGR³3yV-8OWUDPRQWDQR´
Nessa perspectiva, a segunda fase vinculada ao pontificado de Leão XIII, seria uma fase
de transição, que começaria inserida no modelo clássico de ultramontanismo, e terminaria
GDQGR OXJDU D XPD QRYD IRUPD GH GLVFXUVR 1DV SDODYUDV GH 6RX]D   ³/HmR ;,,, D
princípio seria um ultramontano transigente que superou inclusive essa postura ao abordar uma
relação mais dinâmica e política com o EstadRHDVRFLHGDGH´92
Acreditamos que tal proposição tem fundamento, porque tanto o citado papa Leão como
o seu sucessor, papa Pio X, eram mais transigentes sob alguns aspectos, e tiveram atitudes mais
diplomáticas em algumas ocasiões, sobretudo no campo da política, ou seja, houve uma maior
aproximação e aceitação das novas formas de governo que se estabeleceram durante o século
XIX, para com as quais os pontífices anteriores se fecharam ao diálogo, por vezes as criticando,
e outras inclusive as condenando.93 Nessa direção, o que se assiste de fato é uma transição,

... de uma posição apolítica, se não antipolítica, terminou a Igreja ultramontana-


romana a se enfronhar cada vez mais em tal arena, passando da perspectiva
ultramontana para a de cooptação do Estado Republicano e que, portanto, viabilizaria
a partir mesmo de Leão XIII a se falar em neo-ultramontanismo que culminaria com
a ação católica.94

Portanto, a ideia elaborada por Manoel (2004) vai ao encontro, em certa medida, com a
defendida por Souza (2002), que afirma que com a maior diplomacia presente no pontificado
de Leão XIII se inicia uma nova forma de ação da Igreja, mais aberta ao diálogo em relação aos
novos sistemas políticos. A essa nova fase, de um pós-ultramontanismo clássico, este último
autor vai chamar de neo-ultramontanismo. Segundo ele, a novidade ficaria por conta da
implantação de uma visão mais transigente e menos estremada.

O neo-ultramontanismo partiria como processo consolidador e unificador das


vertentes romanizadoras e ultramontanas em prol de maior transigência em relação,

91
Ibidem.
92
SOUZA, Wlaumir D. Op. Cit., p. 287.
93
Com isso não estamos afirmando que esses pontífices não foram intransigentes e reacionários em muitas de suas
ações, sobretudo no que diz respeito a rigidez referente a questões hierárquicas e conservadoras internas da
instituição católica. O que queremos evidenciar é que houveram diferenças dentro do discurso ultramontano.
94
Ibidem., p. 291.
ϱϭ



se não ao mundo moderno [grifo nosso], ao menos em relação à forma de estado


implementada, assumindo uma relação hierárquica na qual o padre deveria passar
obrigatoriamente pelo bispo, evitando alegações de romanização estremada onde por
vezes se tinha um impasse.95

Contudo, apesar de adotar algumas posturas mais transigentes, Souza, diferentemente


de Manoel, vai considerar que Leão XIII continuou a ser intransigente em relação ao mundo
moderno. É o que aponta também Roseli Boschilia (2002), ao afirmar que o referido pontífice
estabeleceu uma negociação com alguns aspectos da modernidade adaptando-se às
transformações da sociedade apenas como uma estratégia para garantir a sobrevivência
institucional da Igreja. Segunda a historiadora, com essa postura, aliada ao princípio de que
cultura e Estado eram entidades autônomas ao lado da Igreja, o papa modificou as relações
entre o Vaticano e a sociedade para obter uma série de conquistas morais.96
Com base nessa perspectiva, apresentada acima pelos três autores citados, acreditamos
ter existido, portanto, ao menos duas formas de discurso ultramontano intransigente, um
clássico e um estratégico. O primeiro, caracterizado pela intransigência estremada com relação
as inovações da modernidade, da política e do liberalismo, e por uma romanização radical, ou
seja, pela submissão direta e total a Cúria Romana; e o segundo modelo, que apesar de se abrir
ao diálogo em relação a alguns aspectos da modernidade, continuou sendo instrasigente à
maioria das ideologias surgidas com o mundo moderno.
Nosso interesse, em particular, ao investigar essas diferenças existentes no discurso
ultramontano, é perceber por qual dessas fases o padre católico que estudamos foi mais
influenciado. Tendo o padre Pietro Colbalcchini nascido em setembro de 1845 e morrido no
início de 1901, poderíamos afirmar de antemão que o sacerdote teria sido influenciado por
ambos os modelos de ultramontanismo. Porém, cremos que a influência exercida pelo primeiro
modelo superou a do segundo, isto porque no nosso entendimento o missionário teria definido
sua forma de discurso durante o período de seus estudos e formação, como também em seus
primeiros anos como sacerdote católico, e estes se localizam na década de 1860 e 1870.
Por sua vez, esse período corresponde ao pontificado de Pio IX (1846-1878), marcado
pelo forte discurso ultramontano intransigente. Por essa razão, acreditamos que o discurso do
missionário católico que estamos investigando pode ser definido como um exemplo de
ultramontanismo clássico, fortemente marcado pela intransigência e pela recusa das inovações
políticas da modernidade e do liberalismo.

95
Idem.
96
BOSCHILIA, Roseli T. Modelando condutas: a educação católica em colégios masculinos (Curitiba 1925-
1965). Tese (Doutorado em História) - UFPR, Curitiba, 2002, pp. 19 e 20.
ϱϮ



Dessa maneira, como veremos mais adiante, o discurso de Colbacchini era fortemente
marcado pela submissão rígida dos leigos ao sacerdote, que era o único que podia ditar as regras,
não podendo os primeiros agirem ou tomarem qualquer decisão na comunidade sem antes ter a
aprovação do padre. Da mesma forma, destaca-se no discurso do dito sacerdote uma
romanização estremada, de modo que ele não se submetia a autoridade do bispo local, mas sim
diretamente ao papa. Estas seriam algumas das características do ultramotanismo radical e
intransigente presentes no discurso de Pietro Colbacchini.
Para esse momento, cabe a nós afirmar a existência de um ultramontanismo clássico,
definido como discurso católico que começou a se colocar em prática desde o início do século
XIX, e que vai entrar em declínio somente no encerramento do mesmo. Discurso que, além da
forte negação da modernidade e da centralidade declarada em Roma, irá também ser
caracterizado por uma revitalização do modelo de Igreja definido pelo Concílio de Trento.
Esse concílio, que foi realizado entre os anos de 1545 e 1563, foi um marco para a
instituição Católica, pois ele possibilitou definir as ações de defesa e de combate, ou seja, de
Contrarreforma, diante da repercussão da Reforma Protestante do início do século XVI. Já no
século XIX, os desafios eram outros, a Igreja precisava reencontrar tais definições de si mesma
a fim de combater as ameaças do mundo moderno e do liberalismo advindas do Iluminismo e
da Revolução Francesa.
É com essa intenção, de enfrentar os novos obstáculos modernos e de reagir, que o
catolicismo vai resgatar e reforçar as decisões tomadas no Concílio de Trento. Essa atitude,
reforça a ideia de que a Igreja se colocava em uma posição contrária ao discurso de
modernização, pelo fato que ela se volta para o seu passado e sua tradição para então se
reorganizar, caminho exatamente inverso ao do Estado.
O fato é que, para superar tanto a crise interna, como também os ataques externos, pelas
quais estava passando, a instituição Católica Romana irá buscar recriar sua identidade por meio
da reafirmação da sua doutrina. Por isso que os discursos ultramontano e romanizador terão
como característica fundamental o fortalecimento das práticas doutrinárias definidas pelo
Concílio de Trento.
Por meio do resgate das decisões tomadas naquele concílio é que a Igreja irá reconstruir
sua identidade católica na tentativa de se fazer não só homogênea, mas também hegemônica, e
assim se fortalecer para combater os ideários modernos e liberais. Nas palavras de Zulian,
³7UHQWR funcionou como força aglutinante e elemento inspirador na tarefa de recriar a imagem

ϱϯ



da Igreja, empreendendo a construção de uma instituição sólida e compacta, capaz de suportar


as vicissitudes dos séculos´97
Portanto, o modelo tridentino de Igreja era um símbolo, na medida que ele representava
a identidade pela qual a instituição católica buscava não somente se manter perante os ataques
do mundo moderno, mas mais que isso, se sobrepor a ele, como também se impor aos seus fiéis.
Ao definir como o catolicismo devia ser vivido, a partir dos paradigmas definidos em Trento, a
Igreja pretendia se diferenciar e se opor a modernidade, e assim ditar a maneira de como os
seus adeptos deveriam se comportar, ou seja, ela almejava retomar o papel de condutora da
consciência dos povos. Essa posição adotada pela instituição lhe proporcionaria a reafirmação
de uma identidade própria e única.

Esse posicionamento da Igreja Católica fortalece na instituição uma identidade


SUySULD2³(X´,JUHMD&DWyOLFD$SRVWyOLFD5RPDQDH³RVRXWURV´RXVHMDRVPDOHV
advindos do mundo moderno. [...] Calcada em uma identidade que a diferenciava e a
encaminhou para o resgate de sua doutrina e tradição, a partir do século XIX, o ideal
da Igreja Católica foi romanizar seu rebanho, desviando-o dos caminhos trevosos do
mundo moderno.98

Dessa forma, a instituição Católica Romana se reerguia, se colocava em pé, com a


pretensão de inabalável, pronta para ser seguida pelos seus fiéis, que por sua vez, segundo as
regras dela, deveriam rejeitar aos desvios da verdade propostos pelo mundo moderno. Portanto,
por meio da sua autocompreensão ultramontana, impregnada do modelo tridentino, a Igreja se
auto afirmava como a detentora da verdade, a única responsável pela salvação do homem, o
único caminho a ser seguido.
Assim, a forma tridentina se torna dentro do discurso ultramontano a marca primordial
do catolicismo, ela se estabelece como a norma que mantinha a identidade da Igreja, ou seja, a
maneira pela qual ela se auto definia com a finalidade de se impor aos diferentes discursos
surgidos com o avanço do liberalismo e que se multiplicaram ao longo do século XIX.
Diante disso, podemos perceber que o ultramontanismo se utilizou do discurso de
normalização para reconstruir sua identidade ao mesmo tempo que se opunha a modernidade.
Segundo Silva (2014), a normalização é um processo pelo qual se busca estabelecer um poder
por meio da identidade e diferença. O autor explica o processo da seguinte maneira:


97
ZULIAN, Rosângela W. Op. Cit., p. 26.
98
VIEIRA, Matheus Machado. "Viciadas e perversas ou honestas e respeitosas?" A representação do
matrimônio, da mulher e da família no discurso religioso e judiciário: Ponta Grossa (1930-1945). Tese
(Mestrado em História) ± UFPR, Curitiba, 2014, pp. 23-24.
ϱϰ



Normalizar significa eleger ± arbitrariamente ± uma identidade específica como o


parâmetro em relação ao qual as outras identidades são avaliadas e hierarquizadas.
Normalizar significa atribuir a essa identidade todas as características positivas
possíveis, em relação às quais as outras identidades só podem ser avaliadas de forma
QHJDWLYD $ LGHQWLGDGH QRUPDO p ³QDWXUDO´ GHVHMiYHO ~QLFD $ IRUoD GD LGHQWLGDGH
normal é tal que ela nem sequer é vista como uma identidade, mas simplesmente como
a identidade.99

Acreditamos, portanto, que ao eleger o modelo tridentino de catolicismo como a sua


identidade a Igreja estava normalizando a sua forma de ser. E por esse processo passou a
identificar e a propagar a si própria como um modelo ideal, ou seja, passou a autocompreender-
se como um corpo místico perfeito, uma instituição única, acima das demais. Para isso
fortaleceu o apego a sua tradição e a sua doutrina que haviam sido formalizadas no Concílio de
Trento. Essa foi a forma encontrada pela instituição católica para se defender e se manter, frente
a nova sociedade ocidental que se estabeleceu no século XIX, e que estava calcada na separação
entre o Estado e a Igreja e na valorização da razão e da ciência.
Nessa direção, podemos afirmar que o ultramontanismo foi um discurso de
normalização pelo qual a Igreja buscou se colocar acima do Estado e do racionalismo moderno,
ou seja, sobre o poder temporal, reforçando o seu caráter espiritual e divino. Por meio do modelo
estabelecido em Trento é que a instituição Católica Romana auto reafirmou sua identidade de
legítima representante de Deus na terra, e sua missão de responsável pela recristianização do
mundo, e assim, pela salvação da humanidade.
Segundo Zulian, a Igreja se apegou a ideia de que era a única portadora da verdade,
conforme havia sido definido já no Concílio de Trento, por isso julgava que a salvação temporal
da humanidade e eterna do homem dependia da recristianização do mundo, e que essa tarefa
era de exclusiva competência da instituição católica.

O projeto católico, no caso, era o desdobramento da sua leitura de modernidade.


Entendendo esta como o ápice da perdição do gênero humano e se lhe atribuindo a
tarefa e o direito de resgatar a humanidade decaída, a alta hierarquia se propôs a
desmontar o mundo moderno, recristianizá-lo e reconstruí-lo em conformidade com
seus princípios.100

Portanto, percebemos que o discurso ultramontano tridentino colocava a tradição


católica como a única verdade pela qual a humanidade poderia alcançar a salvação, sendo que
o contrário, a perdição, estava posta nos ideais surgidos com a modernidade. A forma de se


99
SILVA, Tomaz Tadeu da. A produção social da identidade e da diferença. In: ________. (Org.). Identidade e
diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014, p. 83.
100
ZULIAN, Rosângela W. Op. Cit., p. 45.
ϱϱ



defender, de proteger os seus fiéis, dos males e dos erros modernos, foi se reorganizar em torno
de suas tradições. Entre essas tradições se destacou de sobremaneira a vivência sacramental,
conforme havia sido definida em Trento e, que o ultramontanismo do século XIX vai fortemente
propagar em seu discurso. Portanto, para o entendimento católico ultramontano era por meio
da vivência sacramental que os fiéis estariam a caminho da salvação e protegidos das ameaças
modernas.
Com base nas definições de Trento, os sacramentos, que para os protestantes eram só
dois, o batismo e a eucaristia, foram decretados sete para os católicos: batizado, eucaristia,
crisma, penitência, casamento, ordem e unção dos enfermos. Dentre eles, se deu maior ênfase
na eucaristia e na penitência (confissão), isso porque se reafirmou que o padre era o único que
poderia consagrar o pão e absolver os pecados dos homens.
Assim, a vivência da catolicidade, na sua forma tridentina, era sacramental e dependia
diretamente da presença de um sacerdote, que era o legítimo representante, não só da instituição
Romana e da catolicidade, mas de Deus. Dessa forma, a Igreja declarava que o seu clero era
detentor de um poder espiritual e divino. Com base, e por meio, desse poder clerical, os seus
padres deveriam atuar, tendo como meta a salvação das almas. Dessa maneira, como descreve
6RX]D  ³DRUGHPHUDXPSULYLOpJLRPLQLVWHULDOHKLHUiUTXLFRGDLJUHMDQmRDGPitindo o
VDFHUGyFLRXQLYHUVDOFRPSDUDQGRRFOHURDXPH[pUFLWRSURQWRSDUDDEDWDOKD´101
Esses postulados, que lá no Concílio de Trento tinham a intenção firme de combater a
Reforma Protestante, agora no século XIX, no intuito de fazer frente ao liberalismo moderno,
almejavam a ascensão do poder da instituição Católica Romana em meio a sociedade, assim
como a uniformização dos seus representantes e seus fiéis. Por essa razão, uma das
preocupações fortemente presente no discurso ultramontano dessa época vai ser a moralização
do clero, assim, como a formação dos mesmo por meio de uma submissão radical à hierarquia.

Tridentino e clerical eram termos que se colocavam um ao outro. Ser clerical era estar
atrelado aos princípios tridentinos de combater os hereges, repreender os eclesiásticos
em erro, fazer do clero modelo aos leigos por meio de uma formação adequada,
propiciada sobretudo em seminários e conventos, examinando-se os candidatos ao
sacerdócio antes da ordenação, e a obrigatoriedade da prática catequética e pastoral
para os padres...102

Dessa maneira, percebemos que o ultramontanismo defendia a Cúria Romana com todas
as forças, por meio do projeto de romanização da Igreja, que por sua vez eram definidos pela


101
SOUZA, Wlaumir D. Op. Cit., p. 279.
102
Ibidem., 280.
ϱϲ



imposição do catolicismo tridentino caracterizado como clerical. O reforço do clericalismo foi


a maneira que a Igreja encontrou para se opor aos discursos modernos e anticlericais que eram
propagados pelos liberais.
Outra característica da romanização presente no discurso ultramontano, resgatada das
definições do Concílio de Trento, foi o fortalecimento da devoção a Maria, mãe de Jesus.
Naquela ocasião, a intenção era fazer frente direta ao protestantismo, agora além disso, a ideia
era reafirmar a tradição popular em torno do culto a Maria, e assim criar uma unidade interna
entre as devoções populares. Cremos, que um bom exemplo de que a Igreja agiu para reforçar
a devoção mariana neste período foi a proclamação do dogma da Imaculada Conceição em 8
de dezembro de 1854 pelo Papa Pio IX. Dessa forma, o culto a mãe de Jesus representava
também ele, por meio da tradição que mantinha junto ao catolicismo, uma força contra os
avanços da modernidade. Hans Küng (2002) sintetiza bem essa ideia:

... a fortaleza católica medieval da Contra-Reforma agora era construída contra a


modernidade com todos os poderes disponíveis. A frieza da indiferença religiosa, a
hostilidade à igreja e uma falta de fé talvez imperem fora da igreja no mundo moderno.
Mas, dentro, o papismo e o marianismo disseminaram o calor do lar: segurança
emocional através de todo tipo de devoção popular, desde peregrinações, passando
pelas devoções pelas missas até as celebrações de maio, quando Maria é homenageada
com velas e flores.103

Portanto, podemos afirmar que parte do discurso ultramontano serviu para


homogeneizar e reorganizar a Igreja internamente, e que isso se fez por meio de um retorno as
suas tradições, conforme haviam sido definidas no Concílio de Trento, das quais ganharam
destaque a vivência sacramental, a importância clerical e a devoção a Maria, mãe de Jesus.
Assim, podemos dizer que a instituição Católica reencontrou sua identidade a fim de se
fortalecer e se defender, e que isso se fez por meio de uma tridentinização do catolicismo.
Mas, o ultramontanismo não ficou somente na ação defensiva, uma outra parte do seu
discurso partiu para o contra-ataque. A forma que a Cúria Romana encontrou para contra-atacar
foi por meio da elaboração de acusações e condenações, que eram feitas pelos seus sumos
pontífices no momento em que redigiam seus documentos oficiais. Dessa forma, ao longo do
século XIX, várias das bulas e encíclicas papais eram escritas para classificar as inovações da
modernidade e do liberalismo como verdadeiras heresias, e da mesma maneira condenar
aqueles que queriam rejeitar e excluir a religião católica da sociedade.


103
KÜNG, Hans. Op. Cit., p. 203.
ϱϳ



Com certeza o maior exemplo que podemos dar, dessa ação de atacar a modernidade,
que caracterizou o discurso ultramontano por meio das condenações feitas nos documentos
oficiais da Igreja, foi o elaborado pelo papa Pio IX. Este pontífice Romano, legítimo
representante do ultramontanismo clássico, publicou em 18 de dezembro de 1864 a encíclica
intitulada Quanta Cura, contendo um anexo intitulado como Syllabus errorum, onde continha
a acusação a aquilo que ele chamou de 80 erros do mundo moderno.
De fato, nestes documentos Pio IX reafirmou todas as acusações e condenações que a
Igreja já havia feito, por meio dele e de seus predecessores, aos ideais modernos propagados
durante o século XIX. O referido papa justifica a publicação da encíclica com as seguintes
palavras:

.... per dovere del Nostro Apostolico Ministero, seguendo le vestigia illustri dei Nostri
Predecessori, alzammo la Nostra voce e con parecchie Lettere Encicliche divulgate
per mezzo della stampa, con le Allocuzioni tenute nel Concistoro e con altre Lettere
Apostoliche condannammo i principali errori della tristissima età nostra...104

Portanto, o principal objetivo da Encíclica, conforme afirma Pio IX, era reforçar a
condenação dos principais erros da época, que já haviam sido elencados pelos papas anteriores,
e que já haviam sido novamente condenados durante o seu próprio pontificado. Por essa razão,
o anexo intitulado Syllabus errorum se tratava de um índice de diversos itens do mundo
moderno que já tinham sido condenados anteriormente nos discursos, cartas, palestras e
encíclicas pontifícias de Pio IX.
De fato, a Syllabus era uma espécie de catálogo que continha 80 erros considerados
LQDGPLVVtYHLV SHOD ,JUHMD &DWyOLFD FRQIRUPH GHL[D H[SOLFLWR VHX VXEWtWXOR ³>(OHQFR@ GHL
Principali EUURULGHOO¶HWjQRVWUDFKHVRQQRWDWLQHOOH allocuzioni concistoriali, nelle encicliche e
in altre lettere apostoliche GHO666LJQRU1RVWUR3DSD3LR,;´105 Segundo Roger Aubert (1978)
neste documento a Igreja Católica, por meio de seu líder máximo condenava:

... el panteísmo y el racionalismo, el indiferentismo que asigna igual valor a todas las
religiones, el socialismo que niega el derecho de propriedad y subordina la familia al
Estado, las ideas erróneas sobre el matrimonio cristiano, la francmasonería, el repudio
del poder temporal del papa, el galicanismo, que quiere que el ejercicio de la autoridad

104
... por dever do Nosso Apostólico Ministério, seguindo os ilustres passos dos Nossos Predecessores, levantamos
a Nossa voz e por meio de semelhantes Cartas Encíclicas divulgadas por meio da imprensa, com as Alocuções
feitas no Consistório e com outras Cartas Apostólicas condenamos os principais erros da nossa tristíssima época.
Papa Pio IX, Quanta Cura, 18 de dezembro de 1864, p. 2. http://w2.vatican.va/content/pius-
ix/it/documents/encyclica-quanta-cura-8-decembris-1864.html
105
Elenco dos Principais Erros da nossa época, que foram registradas nas alocuções consistoriais, nas encíclicas e
em outras cartas ĂƉŽƐƚſůŝĐĂƐ ĚĞ ^ƵĂ ^ĂŶƚŝĚĂĚĞ ^ĞŶŚŽƌ EŽƐƐŽ WĂƉĂ WŝŽ /y͘ Papa Pio IX, Quanta Cura, 18 de
dezembro de 1864, p. 7. http://w2.vatican.va/content/pius-ix/it/documents/encyclica-quanta-cura-8-decembris-
1864.html
ϱϴ



eclesiástica sea dependiente de la autorización por la potestad civil, el estatismo, que


insiste en el monopolio de la enseñanza y suprime las órdenes religiosas, el
naturalismo, que considera como progreso el que las sociedades humanas no estimen
la religión y que postula como ideal la laicización de las instituciones, la separación
entre Iglesia y el Estado y la absoluta libertad religiosa y de prensa.106

Nessa direção, percebemos que o discurso ultramontano carregava sobretudo um caráter


de combate a tudo aquilo que a Igreja Católica classificava como sendo as mazelas dos tempos
modernos, que tiveram suas bases lançadas com a Revolução Francesa. Em outras palavras, o
ultramontanismo combatia a tudo que negava ou limitava o poder da instituição Romana, seja
ele de ordem temporal ou espiritual e divina. Por isso é que, o movimento ultramontano reunia
forças para combater a todos os inimigos da Igreja por meio de um só discurso, na qual estava
contido a voz oficial de Roma. Assim, por meio de um discurso único, reconhecido na história
como ultramontanismo, o catolicismo Romano combatia o mundo moderno, o liberalismo, a
maçonaria, a república, o comunismo, o protestantismo, etc.
A fim de afirmar uma vez mais a adesão a esse discurso intransigente da Igreja presente
no modelo de ultramotanismo clássico transcrevemos a seguir o trecho de uma carta de Pietro
Colbacchini, escrita em 1890, onde fica evidente seu combate ao modernismo e suas mazelas
no momento em que a República estava sendo implantada no Brasil.

... mi ripromettevo che questa republica non fosse figlia di quella di Francia; fosse
sorta per un caso felice, colle vere intezione di prosperare il paese. Le prime promesse
ingannarono molti. È sePSUH O¶LGUDGHOODULYROX]LRQH ± la massoneria ± O¶DWHLVPR±
O¶DQWLFULVWRFKHSUHYDOH6LqFRPLQFLDWRHVLDQGUjDOODILQH,OFOHURqSRFRqGHEROH
e senza influenza sopra popolazioni che di religione hanno appena il nome. I mezzi
umani mancano tutti. C¶qO¶HOHPHQWRGHOODGLVWUX]LRQH QHOJUDGRLOSLHFFHVVLYRH
manca affato quello della ristorazione! Iddio abbia pietà di questa disgraziata
nazione.107

Percebemos que o sacerdote afirma que a república que estava sendo implantada no
Brasil era filha da Revolução Francesa. Com certeza ao fazer essa referência Colbacchini temia
que a separação Igreja e Estado trouxesse grandes danos a religião católica da mesma forma
que ocorreu na Europa. Da mesma maneira, ele acusa o novo modelo político de estar
impregnado da maçonaria, de ateísmo e do discurso anticristão, os inimigos clássicos do


106
AUBERT, Roger. Op. Cit., p. 963-964. 
107
Tentei me convencer de que esta república não fosse filha daquela da França; que tivesse surgido com um
propósito feliz, com verdadeiras intenções de fazer o país prosperar. As primeiras promessas enganaram a muitos.
Mas é sempre hidra da revolução ± a maçonaria ± o ateísmo ± o anticristo que prevalece. Se começou irá até o fim.
O clero é pouco, é fraco, e sem influência sobre a população que de religião tem apenas o nome. Os meios humanos
faltam todos. Existe o elemento da destruição no grau mais avançado; e falta de fato aquele da restauração! Deus
tenha piedade desta desgraçada nação. (Tradução nossa). COLBACCHINI a SPOLVERINI, 21 de julho de 1890.
In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., pp. 277-278.
ϱϵ



ultramontanismo, que provocariam a destruição da fé católica entre os brasileiros. Para o


referido missionário a presença desses elementos na política brasileira, que ele julgava como
como inimigos da Igreja, somada a exclusão da religião, causariam a ruína do país.
Nesse contexto, notamos que tudo que estava fora da aprovação da Igreja era visto por
ela como heresia e perdição. Esse também era o posicionamento de Colbacchini como
representante intransigente do modelo ultramontano. O único discurso verdadeiro a ser seguido,
segundo ela mesma, era o da instituição Romana, que por sua vez era promovido pelo seu
representante máximo. Esse discurso era perfeito e pelo seu caráter divino estava desprovido
de erros. Era exatamente isto que pensava a Igreja Católica, tanto que com Concílio Vaticano
I, realizado nos anos de 1869 e 1870, proclamou o dogma da infalibilidade papal.
6HJXQGR%LDVROL  ³FRm a decretação da infalibilidade papal, o concílio alcançava
seu ponto máximo: o papa adquiria o estatuto de governante absoluto, ápice da hierarquia da
,JUHMD H VXD DXWRULGDGH HUD LQTXHVWLRQiYHO´108 Com a proclamação do referido dogma da
infalibilidade a Cúria Romana consolidou o discurso ultramontano, na sua forma romanizada e
tridentina, como sendo a sua opção político doutrinária no século XIX.
Nos escritos de Colbacchini a adesão a infalibilidade papal também aparece como uma
forte característica do discurso ultramontano adotado por ele, como podemos perceber na
seguinte afirmação feita por ele de maneira HQWXVLDVPDGD³/DPLDFDXVDqTXHOODGHOOD&KLHVD
OD&KLHVDqUDSSUHVHQWDWDGDO3DSDHGLO3DSDLVSLUDWRGDOOR6SLULWR6DQWR´109
Enfim, ao verificarmos como o discurso ultramontano surgiu, assim como de que forma
se deu o seu fortalecimento na Igreja, sobretudo diante das particularidades vividas em território
italiano, cremos que podemos entender diante de quais contextos o sacerdote que investigamos
optou em fazer apropriação do mesmo. Cabe a nós agora, conscientes das características desse
discurso adotado por Colbacchini de maneira intransigente, analisar como sua atuação interferiu
na reconstrução da identidade étnica dos imigrantes italianos que se instalaram no Paraná no
final do século XIX.
Com que intuito o referido missionário veio para prestar atendimento religioso aos seus
conterrâneos que se instalaram no outro lado do oceano? Portanto, para dar continuidade a nossa
análise, precisamos compreender também, como se deu o processo de imigração e colonização
italiana no Paraná, tema do qual nos ocuparemos no segundo capítulo deste trabalho.


108
BIASOLI, Vitor O. F. Op. Cit., p. 39.
109
A minha causa é aquela da Igreja, a Igreja é representada pelo Papa, e o Papa inspirado pelo Espirito Santo.
(Tradução nossa). COLBACCHINI a SPOLVERINI, 30 de abril de 1891. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p.
306.
ϲϬ



A IMIGRAÇÃO E A COLONIZAÇÃO ITALIANA NO PARANÁ

µ1RQqJURVVDQRQqSHVDQWH
ODYDOLJLDGHOO¶HPLJUDQWH«
&¶qXQSR¶GLWHUUDGHOPLRYLOODJJLR
SHUQRQUHVWDUHVRORLQYLDJJLR«
Un vestito, un pane, un frutto,
e questo è tutto.
0DLOFXRUHQRQRQO¶KRSRUWDWR
nella valigia QRQF¶qHQWUDWR
Troppa pena aveva a partire,
oltre il mare non vuol venire.
Lui resta, fedele come un cane,
nella terra che non mi dà pane:
XQSLFFRORFDPSRSURSULRODVV«
PDLOWUHQRFRUUHQRQVLYHGHSL¶110

Na primeira parte do nosso trabalho, procuramos apresentar tanto o surgimento do


discurso ultramontano no final do século XVIII, como também o seu fortalecimento na Europa,
mais detalhadamente diante do processo de unificação da península italiana, no decorrer do
século XIX. Pudemos perceber, como esse discurso político e doutrinário surgiu, e como foi
sendo aperfeiçoado pela Igreja Católica, como uma forte reação, uma verdadeira luta, contra o
liberalismo e a crescente secularização presente no período pós-Revolução Francesa. Vimos
como o avanço do pensamento liberal obrigou a referida instituição a se reformular para assim
tentar manter sua hegemonia perante à sociedade.
Acreditamos ter evidenciado a especificidade do caso italiano, devido à forte influência
que o catolicismo exercia sobre a sua população. Cremos que sobretudo os camponeses, ou
seja, a população mais rural da península italiana, muitas vezes isolada em vales localizados
entre as regiões montanhosas, foi aquela que permaneceu mais ligada à Igreja e aos seus
preceitos religiosos. Da mesma maneira, consideramos que as últimas regiões a serem anexadas
ao novo reino da Itália foram, exatamente por essa razão, as que mais conservaram os valores
da catolicidade.
Tendo essa ideia em mente, neste segundo capítulo, pretendemos discutir sobre como a
população camponesa da região do Vêneto, que como sabemos, foi uma das últimas a ser

110
µ1mRpJUDQGHQHPpSHVDGDDPDODGRHPLJUDQWHTem um pouco de terra do meu vilarejo, para não ficar só
durante a viagem... Uma troca de roupa, um pão, um fruto, e isso é tudo. Mas o coração não, não o trouxe, na mala
não entrou. Muito sofrimento teria ao partir, além-mar não quer vir. Ele fica, fiel como um cão, na terra que não
me dá pão: um pequeno campo, bem lá no alto... mas o trem corre: não se vê mais. LA VALIGIA
'(//¶(0,*5$17(SRHVLDGH*,$11,52'$5,Il Treno delle Filastrocche. Roma: Ed. di Cultura Sociale,
1952.
ϲϭ



anexada ao reino italiano, manteve seu modelo de sociedade no período em que a península se
unificava e se declarava independente da Igreja Católica. Diante desse processo, teria a
instituição Romana conseguido manter viva a fé no catolicismo entre os camponeses vênetos?
A vivência da fé católica nesta região obedecia ao modelo ultramontano imposto pela Igreja
naquele momento? De que forma essa religiosidade influenciava a vida dessa população na
época da grande emigração?
Também objetivamos perceber quais foram as consequências da unificação e como elas
influenciaram o processo de emigração dos italianos dessa região. Ou seja, pretendemos elencar
as razões que fizeram com que uma grande parcela da população rural vêneta deixasse a
península italiana rumo à América. Da mesma maneira, almejamos apontar quais foram os
motivos que atraíram esses estrangeiros para o território brasileiro, em particular para as terras
paranaenses, e como eles aqui se instalaram e se organizaram.
Cremos que a história de populações que se deslocam, como é o caso do nosso objeto
de estudo, possuem sempre dois momentos cruciais que precisam ser investigados: o antes e o
depois do ato de migUDU³&DEHHQWmRDRKLVWRULDGRUVRFLDOHVVDWDUHIDFRPSOH[DHGHOLFDGDGH
reuni-las, porque debruçar-se sobre apenas uma delas seria correr o risco de uma avaliação
LQFRUUHWD´111
Sendo assim, procuramos traçar aqui a trajetória dos italianos que se fixaram no Paraná
no final do século XIX, desde o local de partida até a organização dos mesmos na terra de
adoção. Para isso, vamos adotar como fio condutor da história desses imigrantes o aspecto
religioso, a fim de perceber o papel deste durante os processos de expulsão e de atração.
Nossa preocupação é investigar de que forma a Igreja e seus representantes
acompanharam e influenciaram esse processo migratório. Como os portadores do discurso
católico do período agiram diante do deslocamento de parte significativa de seus fiéis da Itália
em direção à América? Teria a grande imigração contribuído com a propagação do
ultramontanismo nos lugares de destino? Como isso se deu com o grupo imigrante que
estudamos?
De forma mais específica, queremos evidenciar como esse processo foi encarado e
vivido por um dos representantes da compreensão ultramontana da Igreja Católica, que
acompanhou os imigrantes italianos no Brasil. Assim sendo, almejamos perceber com que
intuito o sacerdote Pietro Colbacchini também migrou e veio para o Paraná para prestar
atendimento espiritual aos imigrantes italianos que aqui se instalaram. Nossa maior intenção,


111
ALVIM, Zuleika M. F. Brava Gente! Os italianos em São Paulo (1870-1920). Brasiliense: 1986, p.11.
ϲϮ



portanto, é investigar como a religiosidade católica se fez presente, de que forma influenciou a
emigração, e posteriormente a construção identitária desses migrantes por meio do discurso do
referido missionário.

2.1 A grande emigração na região italiana do Vêneto

Antes de verificarmos quais os motivos que atraíram os italianos para o Brasil, e de


maneira específica para o Paraná, e junto com eles o missionário cujo discurso estamos
analisando, temos que evidenciar as condições que fizeram da Itália, e sobretudo da região do
Vêneto, um dos maiores fornecedores de imigrantes no final do século XIX. Da mesma
maneira, tentaremos ressaltar quais eram os hábitos e os costumes que pautavam a sociedade
desses homens e mulheres no momento em que partiram da terra natal.
O contexto em que a Itália expulsora se inseriu foi o do avanço do capitalismo e da
transição demográfica112. Neste período, em que os países europeus tornavam-se
industrializados, o grande avanço demográfico gerou uma série de desarranjos econômicos e
sociais. Foi devido à penetração do sistema capitalista, que proporcionou a modernização
agrícola, que muitos campesinos ficaram sem ocupação e foram expulsos do campo. Como
consequência, um dos principais problemas surgidos, foi que as áreas urbanas de países que
tiveram uma industrialização tardia como a Itália, que até este momento possuía uma população
majoritariamente formada por camponeses, foram incapazes de absorver o grande excedente de
mão de obra que provinha das áreas rurais.
Da mesma forma, o avanço do pensamento liberal e do capitalismo fez com que boa
parte desses campesinos afrouxasse os laços com as tradições que os ligava à terra de seus
ancestrais.113 Na verdade, ocorreu que as populações do campo se depararam com uma
conjuntura nova, fruto do avanço do liberalismo, que sacudiu as estruturas antigas sob as quais
pautavam muitos aspectos da sua vida social.
Até então, a sociedade camponesa das regiões setentrionais da Itália, como em muitos
outros lugares da Europa, caracterizava-se pelo trabalho familiar ligado à terra. Por sua vez, era

112
Transição demográfica é a designação dada ao fenômeno populacional que ocorreu inicialmente na Europa e
que se refere à passagem de uma sociedade que se equilibrava com níveis elevados de natalidade e mortalidade,
para uma fase que anunciava outro equilíbrio com níveis baixos de natalidade e mortalidade. Como a natalidade
manteve-se durante algum tempo nos antigos níveis, e a mortalidade diminuiu, o fenômeno gerou excedentes
populacionais na Europa. ANDREAZZA, Maria L. & NADALIN, Sergio O. Imigrantes no Brasil: Colonos e
Povoadores. Curitiba: Nova Didática Editora, 2000, p. 27. 
113
HOBSBAWN, Eric. A era do capital. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998, p. 245.
ϲϯ



a Igreja, por meio de seu representante local, que determinava a moral dessa sociedade, por
meio de normas que deviam ser seguidas à risca. Portanto, o guia dessas famílias que viviam
isoladas no campo não era nem o Imperador, nem o intelectual liberal, mas sim o padre da
aldeia, o líder religioso ligado à Igreja oficial, ou seja, à Roma, e a sua autoridade máxima, o
papa.114
De acordo com o historiador Renzo Grosseli, era sob os pilares da terra, família e
catolicidade que se apoiava a sociedade dos camponeses das regiões setentrionais da península
italiana deste período.

Uma sociedade, enfim, profundamente permeada de um espírito religioso totalizante


que se confundia, até o ponto de identificar-se, com moral e ética social e que, também
SRUHVVDUD]mRFRQILDYDjVHVWUXWXUDVHFOHVLiVWLFDVWDUHIDVTXHLDPDOpPGD³FXUDGDV
DOPDV´ H TXH HP ~OWLma instância, eram também administrativas e, mais ainda,
políticas.115

Portanto, a Igreja era para os italianos do campo o que o novo Estado nacional era para
a burguesia emergente, ou aquilo que os sindicatos e partidos políticos passaram a ser para o
proletariado do meio urbano. Em outras palavras, era no meio eclesiástico que se encontravam
as lideranças, ou seja, o quadro de dirigentes dos campesinos. Para esses últimos, o padre não
era somente um representante religioso, mas também um líder intelectual, social e político.
Enfim, a moral para essas comunidades rurais era a moral católica, na qual os clérigos eram as
verdadeiras autoridades da sociedade.116
Nesta direção, podemos afirmar que a apropriação do discurso católico também
influenciou fortemente na decisão de migrar desses camponeses. Queremos dizer, que aos
fatores sociais e econômicos, nós estamos acrescentando a forte ligação com a tradição católica,
na forma do discurso ultramontano e romanizado que existia na região, como promotora do
fenômeno emigratório. O fato é que, não aceitando, mas também não se revoltando diante da
situação imposta pelas novas conjunturas, a alternativa encontrada foi partir para o além-mar
com a esperança de reconstruir em outras terras o modelo de sociedade no qual queriam
permanecer. Sobre este aspecto Grosseli afirma:

$PRUDOFDPSRQHVDHUDDPRUDOFDWyOLFDGR³GiD&pVDURTXHpGH&pVDU´GR³DPD
WHXSUy[LPRFRPRDWLPHVPR´(D,JUHMDWLQKDHQVLQDGRDRFDPSRQrVDQmRUHEHODU-
se, porque isto sintonizava com os seus dogmas, substancialmente pacifistas e não
violentos... Os camponeses europeus emigraram porque a sociedade em que viviam

114
GROSSELI, Renzo M. Vencer ou morrer: camponeses Trentinos (Vênetos e Lombardos) nas florestas
brasileiras. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1987, p. 16.
115
Ibidem, p. 15.
116
3266$0$,3DXOR&pVDU³'DOO¶,WDOLDVLDPRSDUWLWLDTXHVWmRGDLGHQWLGDGHHQWUHRVLPLJUDQWHVLWDOLDQRV e seus
descendentes no Rio Grande do Sul (1875-1945). Passo Fundo: UPF, 2004, pp. 27-28.
ϲϰ



tinha assumido ou estava assumindo características tais que não mais permitiam a
sobrevivência de formas de vida e de valores que tinham sido os deles durante
séculos.117

Neste sentido, o referido autor vai inferir que a revolta dos camponeses ao ser contida
SHORGLVFXUVRFDWyOLFRGHVHQFDGHRXQDHPLJUDomR$VVLPD³UHYROXomR´FDPSRQHVDSRGHVHU
entendida como a recusa de uma sociedade e construção de uma nova, mas não sobre as ruínas
da sociedade recusada, e sim num contexto geográfico novo.118 Isto explica, em certa medida,
porque as tentativas de solucionar a questão da falta de trabalho por meio da migração interna,
do campo para a cidade, e da sazonal, aquela temporária, que ocorria somente em determinadas
épocas do ano, que até então bastavam para resolver o problema do ponto de vista econômico,
passaram a não surtir mais efeito.
Este fato nos permite afirmar que o fenômeno emigratório europeu, e o italiano em
particular, em direção à América, podem ser vistos tanto como uma continuidade da migração
continental do campo para a cidade, como também uma procura por novas terras onde o modelo
de sociedade tradicional campesina, apoiado na catolicidade, que se manteve intacto por
séculos, pudesse se refazer. Portanto, a solução encontrada foi a emigração intercontinental,
deixar definitivamente o país de origem e atravessar o Oceano Atlântico, partir rumo ao
continente americano em busca da posse da terra, de oportunidades de trabalho e da
reconstrução do modelo tradicional de sociedade.
Torna-se evidente, portanto, que o crescimento populacional, a modernização por meio
da expansão do capitalismo, da mecanização e da indústria, o contraste do pensamento liberal
com a sociedade tradicional camponesa e a grande emigração europeia formam um conjunto de
processos interligados igualmente no tempo e no espaço.
O próprio missionário Pietro Colbacchini, cujo discurso estamos investigando, em um
dos seus relatórios enviados ao Marquês Volpe Landi119, ao expressar sua opinião sobre o
fenômeno emigratório, citando os fatores elencados anteriormente como as principais causas
da grande emigração italiana, vai classificá-la como necessária, diante da conjuntura econômica
e social na qual a Itália se encontrava naquele momento:


117
GROSSELI, Renzo M. Op. Cit., p. 17.
118
Idem.
119
O referido relatório, sobre as condições dos emigrados italianos no Estado do Paraná, foi redigido pelo padre
Pietro Colbacchini, assim como a maioria de suas cartas, em Curitiba, e foi enviado em 13 de outubro de 1892
para o Marquês Giovanni Battista Volpe Landi, Presidente da Sociedade Italiana San Rafaelle de Patronato para
os Emigrantes italianos. Este documento foi pXEOLFDGRRULJLQDOPHQWHSRU)UDQFHVFR0DFRODQDREUD³/¶(XURSD
DOODFRQTXLVWDGHOO¶$PHULFD/DWLQD´9HQH]LD2QJDQLD
ϲϱ



+RVHPSUHWHQXWRSHUFHUWRHGLIDWWLPHORFRPSURYDQRFKHO¶HPLJUD]LRQHVLDSHU
O¶DFFUHVFLPHQWRGHOODSRSROD]LRQHVLDSHULOfatto delle macchine sostituite al lavoro
PDQXDOH H FKH KDQQR UHVD VXSHUIOXD O¶RSHUD GL PROWH EUDFFLD VLD SHU DOWUHUDJLRQH
G¶RUGLQHVRFLDOHHPRUDOHTXHUHQGRQRGLIILFLOHODYLWDQHOODQRVWUDEHOOD3HQLVRODq
divenuta una necessità ed una disposizione della Provvidenza a sollievo di molte
miserie.120

Portanto, na leitura que fazia Colbacchini, as razões de ordem social e moral também
influenciaram e corroboraram para o fenômeno, e mais que uma escolha, a emigração era uma
necessidade para os camponeses e havia surgido como uma providência divina diante da nova
conjuntura em que se encontravam. Ou seja, na visão do sacerdote católico, adepto do discurso
ultramontano, o fenômeno não tinha somente a aprovação de Deus, mas mais que isso, era
resultado da própria ação divina.
Por esse motivo, o referido missionário defendia que a emigração era um acontecimento
natural, que devia ser cuidado de perto, mas de forma alguma, impedido pelas autoridades
governamentais, como escreve em outro trecho de um de seus relatórios:

Quello che si è fatto fin qua direttamente del Governo, od indiretamente da particolari,
animati taluni da ottimi sentimenti ed altri da interessi peculiari, al fine di arrestare o
GLPLQXLUH OD FRUUHQWH HPLJUDWRULD LWDOLDQD YHUVR O¶$PHULca, ed in specie verso il
%UDVLOHVHEEHQHQRQDEELDFKHLQSDUWHRWWHQXWRO¶LQWHQWRDPHVHPEUDHVVHUHVWDWD
opera inconsulta, illogica, direta più al danno che al vantaggio della nazione e degli
emigranti.
Una legge di Provvidenza vige nel governo dei pRSROLFKHLSRWHULXPDQLHO¶LQIOXHQ]D
GHJOL LQGLYLGXL QRQ YDUUDQR D PXWDUH 9L VRQR GHL IHQRPLQL FRVu QHOO¶RUGLQH ILVLFR
FRPHQHOO¶RUGLQHVRFLDOHFKHQRQVLSRVVRQRLQWHQGHUHHPHQRLPSHGLUH 121
De fato, o governo italiano, assim como os de outros países europeus, não conseguiu
impedir a grande emigração, até porque poucas foram as ações dele voltadas para isso. O
discurso antiemigrantista do governo, que coadunava com o pensamento dos grandes
proprietários, ficava mais no âmbito das palavras do que da prática, sobretudo na primeira fase
do êxodo, que vai durar até meados da década de 1880.


120
Sempre tive por certo e os fatos me comprovam que a emigração, seja pelo crescimento da população, seja pelo
fato de máquinas substituírem o trabalho manual, e que tornaram supérflua a mão-de-obra de muitos braços, seja
por outras razões de ordem social e moral que tornam difícil a vida na nossa bela Península, se transformou em
uma necessidade e uma disposição da Providência em socorro de muitas misérias. (Tradução nossa).
COLBACCHINI, Pietro. Le condizione degli emigrati nello stato del Paranà in Brasile, (1892). In: TERRAGNI,
Giovanni. P. Pietro Colbacchini con gli emigrati negli Stati di S. Paolo, Paranà e Rio Grande do Sul, 1884-
1901, Corrispondenza e Scritti. Napoli: Grafica Elettronica, 2016, p. 554.
121
O que tem sido feito até aqui diretamente pelo Governo, ou indiretamente por particulares, animados alguns
por ótimos sentimentos e outros por interesses particulares, no intuito de parar ou diminuir a corrente emigratória
italiana em direção a América, e em especial rumo ao Brasil, embora tenha atingido o objetivo somente em parte,
no meu parecer foi ação imprudente, ilógica, que causa mais danos do que vantagens para a nação e para os
imigrantes. Uma lei da Providência impera no governo dos povos que os poderes humanos e a influência dos
indivíduos não conseguem alterar. Existem alguns fenômenos tanto de ordem física como de ordem social que não
podem ser promovidos, e menos ainda impedidos. (Tradução nossa). COLBACCHINI, Pietro. Intorno alle
FRQGL]LRQHSUHVHQWLGHOO¶HPLJUD]LRQHLWDOLDQDQHJOL6WDWL8QLWLGHO%UDVLOH  ,Q7(55$*1,*LRYDQQL2S
Cit., p. 582.
ϲϲ



Neste contexto, as diversas ondas emigratórias que surgiram no continente europeu, que
atingiram seu apogeu na passagem do século XIX para o XX, acompanharam, de certa forma,
o avanço da transição demográfica e do capitalismo, expandindo-se sucessivamente do
Noroeste para o Sul da Europa.122
Isso explica, no caso da emigração italiana, o fato de que entre as maiores levas que
primeiramente deixaram a península, durante o último quartel do século XIX, predominem
aquelas que saíram das suas regiões setentrionais.123 O Sul da Itália, por sua vez, assistiria a um
intenso fluxo emigratório de massa, somente anos mais tarde, já no início do século XX.124
Portanto, são das regiões do Norte e Nordeste italiano, sobretudo do Vêneto, que provém
a maioria dos imigrantes italianos instalados no Brasil, e particularmente no Paraná, durante o
período que estamos estudando, entre 1878 e 1901.125 De acordo com Angelo Trento, dos
emigrantes italianos que se destinaram para o Brasil durante este período, 53% saíram do norte
da península italiana, sendo que mais de 35%, o correspondente a 329.498, eram somente das
regiões do Vêneto e Friuli. Segundo o mesmo autor, já no ano de 1881, o censo dos italianos
no exterior apontava que de um total de 82.196 indivíduos dessa origem registrados no Brasil,
cerca de 50% eram de vênetos e lombardos.126
Essa forte emigração vêneta para o Brasil também pode ser constatada por meio dos
dados estatísticos apresentados pelo historiador Emilio Franzina. Estes apontam que, entre os
anos de 1876-1901, período que corresponde ao recorte temporal de nossa pesquisa, dos
431.617 emigrantes vênetos que deixaram a Itália, tendo como destino certo a América,
326.793, mais de 3/4 do total, dirigiram-se para as terras brasileiras. Destaque para os anos de
1888, no qual se registrou que de 85.944 emigrantes vênetos, 71.796 desembarcaram no Brasil,
e de 1891, que de 74.978 emigrados da mesma região, 70.010 tiveram como destino o solo
brasileiro.127 Estes números nos autorizam privilegiar a nossa análise sobre as particularidades
do processo emigratório que ocorreu naquela região.


122
ANDREAZZA, Maria L. & NADALIN, Sergio O. O cenário da colonização no Brasil Meridional e a família
imigrante. Revista Brasileira de Estudos de População, 11 (1): 61-87, jan/jun, 1994, p. 63.
123
As regiões setentrionais da Itália se dividem em duas partes, a Zona Norte Ocidental ou Noroeste, da qual fazem
SDUWH/LJXULD9DOOHG¶$RVWD3LHPRQWHH/RPEDUGLDHD=RQD1RUWH2ULHQWDORX1RUGHVWHDTXDOSHUWHQFHPD
Emilia-Romagna, Veneto, Trentino-Alto Adige e Friuli-Venezia Giulia.
124
A emigração do Sul italiano foi direcionada para a América do Norte, sobretudo para os Estados Unidos.
125
Mais adiante veremos que foi esta realidade que atraiu para o Paraná o missionário Pietro Colbacchini, também
ele tendo nascido na região do Vêneto.
126
TRENTO, Angelo. Do outro lado do Atlântico. São Paulo: Nobel, 1988, pp. 38 e 39.
127
FRANZINA, Emilio. A grande emigração: o êxodo dos camponeses italianos do Vêneto (1876-1902).
Campinas: Editora da Unicamp, 2006, p. 110-111. Conferir dados na tabela 11 - ³(PLJUDQWHVYrQHWRVSDUWLGRV
para a América no período de 1876-1901, GHDFRUGRFRPRVSDtVHVGHGHVWLQR´
ϲϳ



MAPA 1 - REGIÕES SETENTRIONAIS ITALIANAS FORNECEDORAS DE EMIGRANTES 128

Este último historiador italiano, que nos fornece esses dados estatísticos e que se dedicou
em evidenciar os motivos do êxodo que ocorreu no Vêneto, faz também um alerta importante
por meio de seus estudos. O pesquisador categoricamente afirma que, o arranjo econômico
formado pelo grande salto populacional e pela industrialização, que atingiu primeiramente a
parte setentrional da Itália, deve ser encarado como uma causa geral, mas não única e decisiva
para a emigração de massa. Essa indicação nos leva a considerar ainda mais o choque que
existiu entre o pensamento liberal e a sociedade tradicional camponesa, como também entre o
governo anticlerical e as comunidades conservadoras ligadas à Igreja, como fatores que
contribuíram decisivamente com a emigração vêneta.
Nesta perspectiva, podemos afirmar que além da conjuntura econômica, demográfica e
sociocultural, a forma como se deu o processo de unificação italiana, que foi impregnado de
um discurso liberal e anticlerical, também contribuiu e foi responsável por favorecer a grande


128
Mapa elaborado pelo autor. Destaque para as regiões do Trentino, que na época da grande emigração pertencia
ao império Austro-Hungaro, e do Veneto e do Friuli, que por sua vez formavam uma única região.
ϲϴ



emigração. Essa influência estava presente nas considerações que Colbacchini fazia sobre o
fenômeno, como podemos conferir no trecho a seguir:

La causa del sensibile aumento di popolazione ± sebbene presente ± mente non ultima
± non è la ragione precipua del movimento emigratorio cominciato fra noi dopo le
vicende del 1848. Furono esuli forzati o compromessi politici che salparono i primi
SHUO¶$UJHQWLQDLQTXHOWHPSRHGHVVLIXURQRFKHDSULURQRODYLDGHIDFLOHXVFLWDDJOL
spostati, che sempre più crebbero qui in Italia.129

Portanto, para o missionário católico, representante do clero ultramontano, as agitações


políticas do processo de unificação da península italiana influenciaram, tanto quanto o
crescimento demográfico, o surgimento de uma emigração de massa. O fato é que a soma desses
fatores criou um clima e um sentimento de crescente desconforto para muitos campesinos. Essa
opinião do sacerdote, fica muito clara na continuidade do relatório, no momento em que
Colbacchini escreve sobre quais foram as principais causas do fenômeno emigratório italiano:

Lo sviluppo delle arti e delle industrie coi progressi della mecanica, che in gran parte
VXSSOLVFH DOOD PDQR GHOO¶XRPR H SULYz WDQWL RSHUDL GL ORUR RQHVWD PHUFHGH OD
unificazione in un solo dei varii Stati italiani; le speciale condizioni politiche che
obbligarono il governo a gravissime spese e perciò ad imporre enormi balzelli di ogni
maniera che in molta parte colpiscono i meno favoriti della fortuna, ed esauriscono
PROWHIRQWLGLSURGX]LRQHO¶DOWUDQHFHVVLWj della leva militare che non risparmia quasi
SHUVRQDHFKHVRSUDWXWWRJUDYDVXLILJOLGHOSRSRORO¶LVWUX]LRQHSLGLIIXVDIUDOHPDVVH
che apri loro un orizzonte ignotaro e più vasto; la facilità delle comunicazioni e dei
WUDVSRUWLO¶HVWHQ]LRQHFKHSUHVHro le relazioni del commercio, i nuovi bisogni creati
RGLPSRVWLGDQXRYHFLUFRVWDQ]HO¶LQFRQWHQWDELOLWjVRUWDLQPROWLLQFXLODFRQGL]LRQH
umile e disagiata riesce insopportabile; e diciamolo pure ± giacché mi sono proposto
di dire la verità senza reticenze ± O¶LQILHYROLPHQWRQHOODIHGHHQHOODPRUDOHFULVWLDQD
che aperse il varco ad aspirazioni che non erano certo quella dei pacifici nostri vecchi,
i quali facilmente si sottometevanno alle disposizioni della divina Provvidenza, nella
speranza di mutare in meglio la loro sorte nella vita futura... e molte altre cause, che
non è necessario tutte enumerare, dopo queste precipue, influiscono e sempre più
influiranno a tener vivo in molti il desiderio, e spesso il reale bisogno, di abbandonare
la propria terra per cercarne una, a loro credere più clemente e benigna. 130

129
A causa do significativo aumento da população ± embora presente ± e importante ± não é a razão principal do
movimento emigratório que começou entre nós depois dos acontecimentos de 1848. Foram os exilados por força
ou os com comprometimentos políticos que partiram primeiro para a Argentina naquela época, e foram esses que
tornaram fácil o caminho de ida aos deslocados, que crescia cada vez mais aqui na Itália. (Tradução nossa).
&2/%$&&+,1,3LHWUR,QWRUQRDOOHFRQGL]LRQHSUHVHQWLGHOO¶HPLJUD]LRQHLWDOLDQDQHJOL6tati Uniti del Brasile
(1895). In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 583.
130
O desenvolvimento das fábricas e das indústrias com os progressos da mecânica, que em grande parte substitui
a mão do homem e privou tantos trabalhadores de seus honestos salários; a unificação em um só dos vários Estados
italianos; as especiais condições políticas que obrigaram o governo a gravíssimas despesas e por isso a impor
pesados impostos de todos os tipos que em muitos lugares afetam os menos favorecidos de bens, e dissipam muitas
fontes de produção, além da obrigação do alistamento militar que não dispensa pessoa alguma e que pesa sobre os
filhos do povo; a instrução mais difundida entre as massas que lhes abriu um horizonte ignorado e mais vasto; a
facilidade de comunicação e de transporte, a extensão que tomou as relações de comércio, as novas necessidades
criadas ou impostas pelas novas circunstâncias; o descontentamento surgido em muitos, para os quais a condição
de humildes e de desfavorecidos se tornou insuportável; e digamos também ± já que me propus a dizer a verdade
sem reticências ± do enfraquecimento da fé e da moral cristã que abriu a porteira à aspirações que com certeza não
eram aquelas dos nossos pacíficos velhos, os quais facilmente se submetiam as disposições da Providência divina,
na esperança de tornar melhor a sua sorte na vida futura... e muitas outras causas, que não é necessário enumerar
ϲϵ



Podemos perceber a complexidade do fenômeno, e que vários fatores, conforme


descreve o sacerdote, devem ser considerados como suas causas. Porém, fica evidente o clima
de insatisfação e de descontentamento de grande parte da população, causado pelas inúmeras
transformações decorrentes do avanço do pensamento liberal no período, sejam elas de ordem
política, econômica, demográfica, como também, de ordem ética, social, moral e religiosa.
Entre essas transformações, ainda no campo da política, as ações adotadas pelo governo liberal
italiano pós-unificação devem ser também somadas àquelas promotoras do êxodo, sobretudo
daquele que ocorreu na Região do Vêneto na primeira fase emigratória.

... estamos diante de fenômenos que abalaram toda a fisionomia demográfica e


econômica, toda a geografia humana do mundo contemporâneo e que, como tais,
transcenderam muito as capacidades e as possibilidades de ação e de reação dos
governos dos maiores países do mundo, inclusive as de um pequeno e frágil país como
a Itália.131

Nessa direção, é importante percebermos como a política adotada pelo novo Estado
italiano não só negligenciou o problema da crise agrária, como também o fortaleceu,
contribuindo para o aumento da miséria dos camponeses, e consequentemente, para o avanço
da emigração de massa. Como exemplos dessas ações políticas, podemos evidenciar que foi
depois da unificação e do advento do liberalismo, que houve um aumento das taxas tributárias
e a perda dos direitos comunais de pastagem e de recolhimento de lenha.132
Diante desses fatos, identificamos que o fortalecimento da emigração vêneta se deu
também devido às escolhas políticas feitas pelos governantes do recém-unificado Estado
italiano. Este último, de conotação liberal e anticlerical, criou um grande afastamento para com
a população camponesa, por sua vez caracterizada como tradicional e clerical.
O fato é que, a fim de gerir a máquina estatal, o novo governo necessitado de uma maior
quantidade de recursos financeiros, aumentou a carga tributária, atingindo diretamente a parcela
menos abastada da sua população. Um segundo fator, foi que a política italiana, no intuito de
conquistar o apoio das classes dirigentes e ricas, dedicou seus esforços em favorecer a indústria
e os latifundiários, em detrimento dos pequenos proprietários e trabalhadores do campo.133


todas, depois destas principais, influenciam e sempre mais influenciarão a manter vivo em muitos o desejo, e
mesmo a real necessidade, de abandonar a própria terra para buscar uma, que acreditam ser mais clemente e
benigna. (Tradução nossa). Idem.
131
GALASSO, 1975, p. 361 Apud FRANZINA, Op. Cit., p. 66.
132
POSSAMAI, Paulo César. Op. Cit., p. 43.
133
SCARPIM, Fábio Augusto. Bens simbólicos em laços de pertencimento: família, religiosidade e identidade
étnica em um grupo de imigrantes italianos (Campo Largo-PR, 1878-1937). Dissertação (Mestrado em História)
± UFPR, Curitiba, 2010, p. 16.
ϳϬ



Diante deste contexto, podemos compreender por que entre os primeiros a emigrar da
região italiana do Vêneto estavam os pequenos proprietários e os arrendatários. A princípio,
isso se deve a soma de dois fatores, primeiro pela penetração do sistema capitalista no campo
por meio da concentração e do estímulo dado a grande propriedade, que passou a ofertar
produtos a preços inferiores, eliminando a concorrência dos pequenos agricultores e, segundo,
como já citamos, pelas altas taxas de impostos cobradas pelo novo governo a estes últimos.134
A respeito desse último fator, ou seja, das cobranças sobre os produtos, que arruinaram
muitos pequenos proprietários que se viram obrigados a emigrar, podemos citar a cobrança do
macinato135. O não pagamento desta taxa tributária podia resultar na perda da terra. De acordo
com Trento, de 1875 a 1881 foram confiscadas cerca de 61.831 pequenas propriedades, e entre
1884 a 1901, em torno de 215.759 delas.136 Portanto, aqui cabe analisar também as
características físicas das propriedades rurais da região que forneceu o maior contingente
emigrante e de que forma elas estavam distribuídas geograficamente em seu território no
período da grande emigração.
Na prática, a região do Vêneto se dividia em duas: áreas mais isoladas entre colinas e
montanhas, nas províncias de Vicenza, Treviso, Belluno e Udine137; e áreas de planícies mais
próximas de centros urbanos, como Verona, Rovigo, Padova e Venezia. Por sua vez, a divisão
da propriedade obedecia ao seguinte critério: pequenas e médias propriedades nas regiões de
montanhas e colinas; e grandes propriedades, que rapidamente adquiriram características
capitalistas, nas regiões de planície.138


134
ALVIM, Zuleika M. F. Op. Cit., p. 22.
135
³2 PDFLQDWRHUD RLPSRVWRVREUHD PRDJHPGRVJUmRVHFHUHDLVHPJHUDODGRWDGRSHOR5HLQRGD,WiOLDHP
07/07/1868. Também chamado de dazio sulla macina foi criado com o objetivo de sanar o déficit da balança
comercial. Esta taxa calculada sobre os cereais moídos pelos moinhos foi introduzida em julho de 1868 e atingiu,
VREUHWXGRDEDVHGDDOLPHQWDomRSRSXODU´3266$0$,3DXOR&pVDU2S&LWS
136
TRENTO, Angelo. Op. Cit., pp. 31-32.
137
Atualmente a província de Udine integra a região de Friuli-Venezia Giulia.
138
ALVIM, Zuleika M. F. Op. Cit., p. 28.
ϳϭ



MAPA 2 ± PROVÍNCIAS DA REGIÃO DO VENETO PÓS-UNIFICAÇÃO139

Portanto, fica evidente que são originárias das pequenas propriedades e das médias
locações, existentes nas províncias mais montanhosas do Vêneto, as maiores cotas de
emigrantes que embarcaram rumo às Américas nas décadas seguintes a unificação, pois foram
exatamente essas as que mais sofreram e mais foram atingidas pela crise agrícola.140 Basta nos
aprofundarmos um pouco nas condições de vida que essa parcela da população italiana levava
nos anos pós-unificação para compreendermos por que preferiram partir de sua terra natal.
Segundo Alvim, os camponeses vênetos dessas províncias sobreviviam da terra e
também de indústrias domésticas, onde produziam através do trabalho de toda a família. Essa
forma de trabalhar, atrelada ao núcleo familiar, estava ligada a hábitos milenares que
caracterizavam a produção na pequena propriedade, o que criava a ilusão de independência para
esses camponeses. As famílias vênetas desse período contavam com doze a quinze membros,
compostos pelo chefe de família, seus pais, filhos, genros e noras, e netos. Esse grande arranjo
familiar se mantinha enquanto a propriedade fornecia os recursos necessários para a
manutenção de todo grupo.141
Toda essa população campesina se alimentava basicamente de polenta preparada com a
farinha de milho produzida na região. Quando a mesa era farta se tinha peixe, ovo, salame e
verduras. E quando se comia carne, era de aves, porco, carneiro ou cabrito, animais que eram
criados pela própria família. A carne de gado e a farinha de trigo, por seus altos preços, muito


139
Mapa elaborado pelo autor.
140
SCARPIM, Fábio Augusto. Op. Cit. p. 18.
141
ALVIM, Zuleika M. F. Op. Cit., p. 30.
ϳϮ



UDUDPHQWH DSDUHFLDP QR FDUGiSLR QHVVDV UHJL}HV $ EHELGD FRPXPHUD R ³YLQKHWH´ RX ³vin
picolo142´XPYLQKREHPLQIHULRUREWLGRDWUDYpVGDVHJXQGDSUHQVDGDVXYDV3DUDPDQWHUHVVD
dieta os pequenos camponeses tinham pouco dinheiro para gastar, em média, somente duas ou
três liras diárias.143
Também o vestir dessa população era precário. As roupas, tanto as dos homens como
das mulheres, eram grosseiras e tecidas em casa, geralmente feitas de lã mista ou algodão cru.
Os calçados, sapatos e tamancos, também eram de confecção caseira, feitos de madeira e um
pedaço de couro qualquer. A grande maioria vivia descalça e só cobriam os pés no inverno.144
Da mesma maneira, a moradia desses camponeses deixava muito a desejar, como podemos
verificar na descrição a seguir:

³FDVHEUHVEDL[RVFKHLRVGHIUHVWDVFDLQGRDRVSHGDoRVTXHGHL[DYDPWUDQVSDUHFHU
pelos buracos usados como janelas e pelas fissuras dos muros, a mais triste miséria;
no interior poucos cômodos imundos, onde se chega por escadas precárias e que quase
desmontam sob o peso do corpo (...), as paredes revestidas de pó secular, enegrecidas
e úmidas pelas chuvas que descem livremente do teto, infiltrando-se entre as pedras;
o chão do térreo é de terra ou de pedras mal ajustadas, aqui e ali arrebentadas ou
incompletas; o plano superior é formado por tabuleiros bamboleantes, as pequenas
janelas onde normalmente faltam os batentes são tapadas por vidros ou folhas de
papel, os únicos móveis são um leito ou dois sobre cavaletes, um baú e os utensílios
indispensáveis para cozinha e a agricultura. Alguns santos vermelhos ou azuis,
algumas vezes um calendário (...) o número de cômodos de uma casa é variável, mas
sempre muito inferior às necessidades da família (...) cada quarto serve a três ou quatro
pessoas, (...) O leito mais comum é uma enxerga ou catre cheio de casca de milho,
mais raramente, de palha. Quem pode, coloca sobre a palha um colchão de lã ou
SOXPD2FKDPDGRµEDQKHLUR¶QmRH[LVWHRKiELWRpID]HUDVQHFHVVLGDGHVFRUSRUais
QRPRGRTXH0DQWHJD]]DFKDPDµSRpWLFR¶PDVTXHSRUPDLVTXHFRQWHQKDDOX]GR
sol ± ou do astro prata ± e as carícias da livre aragem, não deixa de ser, por isso mesmo,
anti-higiênico para a medicina, indecente para a limpeza e ainda lúbrico para a moral
 $VVLPFRPRGHVFUHYHPRVVmRTXDVHWRGDVDVFDVDVGRVWUDEDOKDGRUHVGDWHUUD´ 145

Como consequência dessa precariedade e das duras condições de vida, da escassa


alimentação e da falta de higiene, surgiam ainda os problemas de saúde que também se somaram
aos motivos que provocaram o grande êxodo Vêneto. Portanto, junto da situação de miséria
apareceram, consequentemente, várias pestes e doenças que assolavam os pobres do campo
nesse período. Problemas de saúde como escrófula, raquitismo e bronquite alcançavam índices
elevados nessas regiões. A cólera, a malária e a pelagra eram doenças correntes, diretamente
ligadas às péssimas condições sanitárias e de má alimentação.


142
A tradução literal é vinho pequeno.
143
ALVIM, Zuleika M. F. Op. Cit., p. 31.
144
Ibidem, p. 32.
145
Cit. in: FRANZINA, E. Apud: ALVIM, Z., Op. Cit. pp. 31-32.
ϳϯ



A dieta restrita, composta quase somente de polenta, era a principal causadora de


diarreia, dermatite, demência, delírios e distúrbios motores e sensoriais, todos os sintomas
característicos da pelagra. Segundo dados informados pelo jornal La Gazzeta di Treviso,
SXEOLFDGRQRDQRGH³HPQR9rQHWRH[LVWLDPSHODJURVRVHVVHQ~PHURVREH
para 55.983 em 1881. Em toda a Itália os pelagrosos eram da ordem de 97.855 em 1879 e
HP´146
Diante dessa triste paisagem, o que observamos é que essa porção da população italiana
vivia num estado de total miséria e empobrecimento causado pela crise agrária, e que gastavam
todos os seus esforços unicamente na luta pela sobrevivência. Sendo assim, podemos imaginar
o porquê o mundo desses homens e mulheres ligados a terra era formado pelos limites da
comunidade, e que o ideal econômico dessa gente era o da autossuficiência. Consequentemente,
a organização social e familiar era estritamente local, onde o cotidiano variava do trabalho para
a Igreja. Era o discurso religioso católico que fornecia um alento para esses camponeses.
Portanto, a forma de viver que predominava no mundo rural vêneto era a do
campanilismo, ou seja, aquela onde a vida social se limitava ao paese de nascimento, na qual o
indivíduo se identificava com sua aldeia natal.147 Os valores que eram impregnados desde a
infância por essa vivência camponesa, eram sem dúvida, o amor a terra e a prática da religião
católica. Tais valores, que impulsionavam a existência desses camponeses, os faziam dedicar a
vida inteira para a manutenção de seu pedaço de terra e de sua família.
Porém, essa tarefa de manter a sobrevivência do núcleo familiar por meio da pequena
propriedade se tornou cada vez mais difícil. Além do descaso dos governantes, boa parte dessa
dificuldade era devida ao problema da divisão contínua da terra, pois esses pequenos
proprietários tinham há muito tempo o hábito de dividir a terra quando os filhos se casavam.
Porém, diante do novo contexto, muitos filhos se viram forçados a trabalhar como braccianti,
trabalhadores braçais nas grandes fazendas, ou a procurar ocupação em áreas urbanas.148 As
filhas, por sua vez, foram obrigadas a procurar ocupação junto às indústrias têxteis que surgiam.
Essa situação, somada à pobreza, era vista como calamitosa para os camponeses, pois
rompia com a ideia de independência que eles mantinham por séculos. Essa insatisfação levou
muitas famílias a decidir pela emigração transoceânica, sobretudo diante da propaganda da


146
SANTOS, Roselys Izabel Correa dos. Apud SCARPIM, Fábio A. Op. Cit. p. 22.
147
A palavra campanilismo faz referência à campanile, em português campanário, torre da Igreja, que normalmente
era enxergada de todos os pontos da aldeia e onde ficavam os sinos que chamavam os indivíduos para o
cumprimento de suas obrigações religiosas. 
148
Os braccianti eram trabalhadores temporários, aqueles que não possuíam um pedaço de terra, que trabalhavam
nas grandes propriedades alheias e que recebiam por dia ou por cota.
ϳϰ



existência de abundância de terra na América, em particular no sul do Brasil. Muitos vendiam


sua pequena propriedade e tudo que tinham na Itália, a fim de pagar a viagem para toda família,
na esperança de conseguir um pedaço de terra maior no além-mar, o que para eles traria a
sensação de liberdade e independência.
Portanto, não foram somente os que não tinham nada que emigraram, pelo contrário,
num primeiro momento foram os pequenos proprietários das regiões montanhosas do Vêneto
que partiram em busca de terra em abundância. Essa forma de emigração, dos não tão
miseráveis, mas que queriam melhorar suas condições, era incentivada por Colbacchini, como
podemos ver a seguir:

(...) Non intendo con ciò di affermare che solo i miserabili abbiano ad emigrare, quelli
cioè a cui tutto manca per poter vivere. Anche a coloro che gravati da numerosa
famiglia non possono ripromettersi i mezzi sufficienti per mantenerla onoratamente è
talora conveniente tentare migliore fortuna fuori della pátria.
A questa categoria appartengono molti agricoltori i quali o per avere terre
insuffiscienti a mantenerli, o per caro prezzo degli affitti, o per perversità di stagioni,
RSHUFUXGHOWjGLSDGURQLYHJJRQRIRVFRO¶avvenire.149

De fato, não foram os miseráveis que num primeiro momento deixaram a península
italiana rumo às províncias do sul do Brasil. Até porque, foi somente a partir de 1885, que o
governo brasileiro passou a subsidiar a vinda dos imigrantes. Mas foram sim, os pequenos
proprietários, movidos pelo desejo de adquirir maiores porções de terras no além-mar, e assim
oferecer melhores condições de vida aos seus familiares, que primeiramente partiram com a
esperança de reconstruir seu modelo tradicional de sociedade em solo brasileiro. Esse sonho de
fazer a vida na América foi fortemente influenciado pela propaganda que dela faziam os agentes
de emigração. Esses últimos retratavam os países americanos como verdadeiros paraísos, o que
só aumentava o vislumbre pelo enriquecimento fácil que se teria no outro lado do Atlântico.
Nessa direção, queremos evidenciar que também os padres das aldeias, que mantinham
de fato um vínculo de proximidade com os camponeses, exerceram uma forte contribuição na
divulgação da América como melhor alternativa para fugir da crise. Assim como os
recrutadores das agências de emigração, o baixo clero teve grande responsabilidade por
LQFHQWLYDU D ³IHEUH DPHULFDQD´ HQWUH RV SREUHV GR FDPSR 6HJXQGR 3RVVDPDL R FOHUR UXUDO,
assumindo o papel de legítima liderança desses camponeses, a fim de defender o seu rebanho

149
(...) Não pretendo com isso afirmar que somente os miseráveis devem emigrar, isto é, aqueles aos quais tudo
falta para poder viver. Também para aqueles que por serem possuidores de numerosa família não conseguem
garantir os meios suficientes para mantê-la dignamente se torna conveniente tentar melhorar sua sorte fora da
pátria. A essa categoria pertencem muitos agricultores os quais ou por terem terras insuficientes para se manter,
ou pelo caro preço do arrendamento, ou devido a rigorosidade das estações, ou pela crueldade dos patrões, assistem
a um futuro incerto. (Tradução nossa). COLBACCHINI, Pietro. Le condizione degli emigrati nello stato del Paranà
in Brasile, 1892. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 554.
ϳϱ



das ameaças da modernidade e do pensamento liberal, assim como dos abusos econômicos do
novo governo, encorajava a emigração nas áreas campesinas onde atuavam. De acordo com o
autor,

... o clero idealizava o Brasil meridional como o espaço onde era possível reconstruir
uma sociedade camponesa e clerical protegida do avanço das ideias liberais e
socialistas que progrediam na Europa, os emigrantes sonhavam encontrar na América
o país da fartura, onde todos se converteriam em proprietários. 150

Essa influência dos padres na decisão de emigrar dos pequenos proprietários das aldeias
rurais nas áreas montanhosas do Vêneto se deve tanto ao descaso que o governo italiano tinha
para com a situação de miséria dessa parcela da população, como também pelo discurso
contrário que a Igreja assumiu em relação ao novo reino da Itália. Embora, nessa primeira fase
do fenômeno, não houvessem ainda iniciativas oficiais por parte da cúpula da instituição
Católica Romana, o baixo clero soube catalisar esse sentimento, incentivando a emigração de
seus paroquianos.151
Por vezes, além de incentivarem os seus fiéis, os próprios padres serviam como agentes
ou subagentes de emigração. Em outras, abandonavam sua paróquia para conduzir eles mesmos
seu rebanho rumo à América. Nessas ocasiões, o elo que havia entre o sacerdote e os
camponeses se fortalecia ainda mais, aumentando o sentimento de segurança dos emigrantes
através da identificação que criavam com a catolicidade por meio do representante divino que
se colocava ao lado deles.
Como exemplo, desse tipo de ação dos sacerdotes no meio rural Vêneto, podemos
evidenciar a trajetória de Don Angelo Cavalli. Esse padre católico foi o responsável pelo
recrutamento de mais de 200 famílias emigrantes da região do ValBrenta, entre as cidades de
Bassano del Grappa e Arsié, nas províncias vênetas de Vicenza e Belluno. A atuação de Cavalli
é narrada pelo italiano Deliso Villa da seguinte maneira:

Em 1877, por iniciativa de uma estranha figura do padre-recrutador que tinha


montado sua central de recrutamento no canal do Brenta, perto de Bassano, haviam
sido encaminhados ao Brasil mais de 2000 camponeses daquela área. Formarão um
dos primeiros estabelecimentos italianos no Paraná, em Curitiba.152

Mesmo que a quantidade de emigrantes, que no final do citado ano embarcou rumo ao
Brasil, não tenha atingido o número apontado pelo referido autor, já que as famílias vênetas que


150
POSSAMAI, Paulo César. Op. Cit., p. 47.
151
Idem.
152
VILLA, Deliso. Storia Dimenticata. Porto Alegre: EST, 2002, p. 117.
ϳϲ



partiam naquele momento não eram tão numerosas assim, sabemos que esta leva tornou-se uma
das maiores a se estabelecer no Paraná, sendo responsável pela fundação das primeiras colônias
de italianos em torno de Curitiba, como veremos mais adiante.
Porém, o fato que nos interessa por ora, é que o padre Cavalli exercia a função de pároco
junto à localidade de Oliero, na comune de Valstagna, apenas alguns quilômetros de Bassano
del Grappa, cidade natal de Pietro Colbacchini. Segundo documentação estudada por Chiara
Cucchini, os camponeses da regLmR GHVFUHYLDP DTXHOH VDFHUGRWH FRPR ³XQ SDVWRUH ]HODQWH
assiduo al confessionale, premuroso ad assitere i poveri malati, ogni domenica fa la spiegazione
HYDQJHOLFDHLOFDWHFKLVPRSHULIDQFLXOLHJOLDGXOWLFRQOHIXQ]LRQLGLFRQVXHWXGLQH´153
Cremos que ao cumprir suas atividades, não só de cura das almas, mas também de líder
social, o referido padre diariamente ouvia os lamentos dos seus paroquianos, que devido à
situação de miséria que estavam enfrentando, procuravam uma alternativa para sobreviver.
Segundo relata Moletta, a própria família de Angelo Cavalli era da região e estava passando
por sérias dificuldades econômicas, fato que levou o sacerdote a fazer algo mais que
simplesmente incentivar a partida de seus fiéis em busca de melhores oportunidades. Resolveu
ele mesmo buscar informações e organizar a emigração dos camponeses da região, decidindo
ele próprio emigrar junto de sua família e seu rebanho.154 Neste contexto, vivido por este padre
em particular, percebemos claramente que além de motivos religiosos, os interesses econômicos
também motivaram membros do baixo clero italiano a emigrarem junto de seus fiéis.
O jovem imigrante vêneto Julio Lorenzoni, em suas memórias, descreve que padre
Angelo Cavalli atuou como recrutador, a serviço de Claudiomiro di Bernardis. Este último,
agente de emigração de Gênova, havia instruído o sacerdote a arregimentar o maior número de
famílias possível. Com esse intuito Cavalli passou a organizar encontros nas localidades
próximas a sua paróquia, descrevendo como se daria a viagem e as vantagens de emigrar,
sobretudo pela oportunidade de adquirir terras em solo brasileiro. Lorenzoni narra a atuação do
padre da seguinte maneira:

... comparava o Brasil a uma segunda Canaã, dizendo que lá a vegetação era
exuberante, que a terra produzia extraordinariamente, sem muito trabalho: que
superados os maiores obstáculos, depois do primeiro ano de instalação, uma família
poderia ficar descansada sobre seu bem-estar e prosperidade.155


153
Um pastor zeloso, assíduo no confessionário, atencioso em ajudar os pobres doentes, que todos os domingos
tem como hábito fazer a explicação do evangelho e ensinar o catecismo para as crianças e os adultos. (Tradução
nossa). CUCCHINI, Chiara. A Proposito di Agente di Emigrazione: La vicenda di Don Angelo Cavalli, Parroco,
Agente ed Emigrante (1872-1879). Università degli Studi di Padova, 1996-1997, p. 57.
154
MOLETTA, Susete. Da Itália para o Brasil. Porto Alegre: EST, 2002, p. 40.
155
LORENZONI, Júlio. Memórias de um Imigrante Italiano. Porto Alegre: Sulina, 1975, p. 16.
ϳϳ



Acreditamos, portanto, que é facilmente perceptível o grau de influência que a


religiosidade teve na emigração veneta, que por meio da atuação dos representantes da Igreja,
sobretudo do baixo clero, assumiu um papel de liderança e de direção, diante da negligência
dos governantes italianos, para com a situação de empobrecimento dos camponeses da região.
Assim, podemos entender melhor o porquê que ao se tornarem imigrantes, a maioria desses
vênetos, irá desejar, ou ao menos aceitar, negociar a reconstrução da nova identidade social em
torno da figura e do discurso de um sacerdote católico.

2.2 A Colonização Vêneta no Paraná

Depois de vermos os principais fatores que promoveram a saída de milhares de vênetos


da península italiana no final do século XIX, e evidenciarmos o papel que teve o discurso
católico nesse processo, cabe agora apresentarmos como se deu a atração e a instalação desses
imigrantes em terras paranaenses. Nessa direção, queremos aqui descrever como se deu a
formação da região de colonização italiana no Paraná, a qual foi o campo de atuação do
missionário Pietro Colbacchini e da promoção de seu discurso ultramontano junto ao processo
de identificação desses imigrantes em solo paranaense.
Com a emancipação política do Paraná, ocorrida no ano de 1853, a cidade de Curitiba
passou a gozar da condição de capital da então recém-criada província. Consequentemente,
começou a atrair um maior número de pessoas para o desenvolvimento do comércio, o exercício
das profissões liberais e, sobretudo, a produção de gêneros alimentícios.
Sendo assim, a cidade teve um enorme crescimento populacional, processo que se
fortaleceu ainda mais por meio das políticas imigratórias adotadas pelo governo provincial. Tal
dinâmica imigratória ganhou grande impulso a partir da década de 1870, quando os presidentes
da jovem província adotaram um plano de colonização baseado no assentamento de colonos
estrangeiros em núcleos agrícolas próximos aos centros urbanos.
Isso aconteceu porque os governantes da época acreditavam existir um desprezo
PDQLIHVWDGRSHOR EUDVLOHLURHSHOR SDUDQDHQVHHP SDUWLFXODUDRWUDEDOKRDJUtFRODDVVLP ³D
vinda de colonos morigerados e laboriosos passou a ser considerada como único meio adequado
SDUDVROXFLRQDURSUREOHPDGDFULVHGHHVFDVVH]HFDUHVWLDGHSURGXWRVDJUtFRODV´ 156 Essa falta


156
BALHANA, Altiva Pilati. História Demográfica do Paraná. In: Westphalen, Maria Cecília (Org.). Un
Mazzolino de Fiori. Vol I. Curitiba: Imprensa Oficial, 2002, p. 275.
ϳϴ



de produção de alimentos de primeira necessidade, que tomava conta de boa parte do país, era
um problema também no Paraná, como podemos observar através de um trecho do Relatório
do Presidente da Província do ano de 1858:

É para se lamentar que esta província, cujos terrenos produzem com abundância a
mandioca, o arroz, o café, a cana, o fumo, milho, o centeio, a cevada, o trigo e todos
os gêneros alimentícios, compensando tão prodigiosamente os trabalhos do agricultor,
receba da marinha e por preços tão exagerados a mor parte daqueles gêneros. Este
estado de cousas porém tenho que continuará e que só quando colonos morigerados e
laboriosos vierem povoar vossas terras vastas e fecundas, aparecerá abastança dos
gêneros alimentícios e abundantes sobras do consumo irão dar nova vida ao comércio
de exportação dos produtos agrícolas.157

Portanto, ao contrário de outras regiões do Império, como era o caso da província


paulista, onde a imigração se destinava a suprir a carência de mão de obra na grande lavoura de
exportação, sobretudo na de café - depois do esmaecimento do modelo escravista -, no Paraná,
a não ser a eventual introdução de trabalhadores para as obras públicas, sobretudo a construção
de estradas, o problema imigratório foi desde logo colocado no sentido de se criar uma
agricultura de abastecimento.158
Essa política imigratória adotada pelo governo da província do Paraná foi responsável
pela atração de famílias de estrangeiros que vieram exclusivamente para se dedicar à
agricultura. Por esse motivo, o solo paranaense passou a ser desejado pelos pequenos
proprietários que deixavam a Europa em busca de terra, como era o caso dos camponeses
italianos da região do Vêneto.159
Somada a esta questão, da necessidade de braços para a produção agrícola, a proposta
de introduzir o imigrante europeu, pacífico e trabalhador, visava também o branqueamento da
raça brasileira.160 Outros dois fatores, que também favoreceram a implantação de colônias em
terras paranaenses, assim como em toda a região Sul, foram as características de clima e de
solo, que aqui se apresentavam de maneira mais semelhante aqueles da Europa. Dessa maneira,
acreditamos que seja fácil compreender como o território da Província do Paraná se inseriu na
política imigratória brasileira.


157
Relatório do Presidente Francisco Liberato de Matos, apresentado na abertura da Assembléia Legislativa
Provincial, em 7 de janeiro de 1858. Curytiba, Typografia Paranaense, 1957, p.21.
158
BALHANA, Altiva P.; MACHADO, Brasil P. e WESTPHALEN, Cecília M. História do Paraná. 1º vol.
Curitiba: GRAFIPAR, 1969; p.162.
159
Apesar do desejo manifestado pela política governamental de atrair para a província imigrantes que se
dedicassem à agricultura de subsistência, também um bom número de europeus, entre eles os italianos, vieram
para o Paraná para se dedicar a atividades urbanas.
160
NADALIN, Sérgio Odilon. Paraná: ocupação do território, população e migrações. Curitiba: SEED, 2001, p.
74.
ϳϵ



Sendo assim, o governo da província paranaense desenvolveu uma política de atração


de estrangeiros, sempre visando à criação de núcleos coloniais voltados para a agricultura de
abastecimento, que atraiu uma diversidade de europeus, oriundos de diversas regiões.
Primeiramente vieram contingentes alemães, suíços, franceses e ingleses e, mais tarde, italianos
e poloneses e, finalmente, ucranianos e holandeses, entre outros. Dentre esses grupos, os que
mais se destacam na contribuição demográfica do Paraná, em termos de densidade, são os
seguintes: Poloneses (49,2%), Ucranianos (14,1%), Alemães (13,3%) e, finalmente, Italianos
(8,9%), formando as outras etnias apenas 14,5%.161
Segundo dados estatísticos, apresentados por Romário Martins, o Paraná recebeu, no
longo período de 1829 a 1934, cerca de 47.731 poloneses, 19.272 ucranianos, 13.319 alemães
e 8.798 italianos.162 Portanto, o grupo específico que estamos estudando, representado pelos
imigrantes italianos, é classificado por esse historiador paranaense como o quarto principal
contingente colonizador estabelecido no Estado.
Porém, acreditamos que em número de indivíduos a contribuição italiana seja um pouco
maior que a apontada por esses estudos anteriores. Isso porque somente durante o período
FRQKHFLGRFRPR³UXVFKLWDOLDQR´SRUWHUVLGRDTXHOHQRTXDOKRXYHPDLVHQWUDGDVGHLQGLYtGXRV
dessa origem, que durou apenas 4 anos, de 1875 a 1878, se fixaram no Paraná cerca de 4.350
italianos.163
O que fortalece essa nossa hipótese são os dados apresentados nos escritos feitos pelo
missionário Pietro Colbacchini. Em um deles, uma carta relatório escrita ainda no ano de 1889,
ao passar informações sobre a situação da imigração italiana no Brasil para o Núncio
Apostólico, representante da Santa Sé no país, o sacerdote afirma que às primeiras famílias
GHVVDRULJHPTXHDTXLVHHVWDEHOHFHUDPQDGpFDGDGH³VLFRQJLXQVHURSRLDOWUHQHJOLDQQL
successivi, fino a giungere alla cifra di circa 10.000 JOLLWDOLDQLRUDGRPLFLOLDWLLQ3DUDQj´164
Ainda segundo Martins, foi a partir de 1875 que os estrangeiros dessa origem
começaram a chegar em grandes levas, sendo a maioria italianos procedentes do Vêneto.165 No
que diz respeito a essa última questão, estamos de acordo com o autor, pois de fato a data
corresponde aos primeiros anos do processo emigratório de massa na citada região do norte da


161
BALHANA, Altiva P.; MACHADO, Brasil P. e WESTPHALEN, Cecília M. Op. Cit., p.184.
162
MARTINS, Romário. Quantos somos e quem somos. Dados para a história e a estatística do povoamento do
Paraná. Curitiba: Grafica Paranaense, 1941. p. 56.
163
Ibidem., p. 72.
164
... se ajuntaram depois outras nos anos sucessivos, até atingir a cifra de 10.000 italianos agora domiciliados no
Paraná. (Tradução nossa). COLBACCHINI a SPOLVERINI, 18 de junho de 1889. In: TERRAGNI, Giovanni.
Op. Cit., p.170.
165
MARTINS, Romário. Op. Cit., p. 176.
ϴϬ



península italiana. Antes do referido ano, foram poucas as famílias dessa origem a se
estabelecerem na província paranaense. As que o fizeram, foram colocadas em colônias mistas,
junto a imigrantes de outras nacionalidades, como as colônias Argelina, Pilarzinho e Assungui.
Esta última colônia por exemplo, que foi criada na década de 1860, contava com a presença de
somente 70 italianos no ano de 1874, em meio a alemães, ingleses, franceses e suíços.166
Nessa direção, podemos afirmar que, durante a primeira metade da década de 1870, as
poucas famílias procedentes da península italiana que se fixaram no Paraná, se instalaram ou
no centro urbano de Curitiba ou nas colônias mistas criadas no seu entorno. Por sua vez, os
primeiros núcleos coloniais, criados especificamente para acolher imigrantes italianos foram
localizados no litoral da província. Tratam-se das colônias Alexandra e Nova Itália,
respectivamente instaladas nos municípios de Paranaguá e Morretes, nos anos de 1875 e 1877.
A colônia Alexandra foi o primeiro empreendimento destinado exclusivamente aos
italianos. Ela surgiu como um núcleo colonial agrícola particular, por meio de um contrato
firmado, no ano de 1871, entre o governo provincial, cujo presidente era Venâncio José Lisboa,
e o agenciador e concessionário de terras Savino Tripoti.167 Tal empreendimento foi posto a 14
quilômetros do meio urbano de Paranaguá e contava com uma sede e mais três núcleos, São
Luis, Piedade e Toural. A proximidade do porto teria sido o motivo pelo qual o empresário
italiano resolveu investir em um núcleo agrícola no litoral, assim teria menos despesa com o
transporte dos colonos.
Segundo Maschio, os agenciadores como Tripoti enxergavam na imigração uma
oportunidade econômica muito lucrativa, por isso se responsabilizavam pela propaganda de
atração e pelo recrutamento de colonos, como também pela preparação dos lotes, instalação e
administração da colônia.168 Com esse intuito, o referido agenciador e proprietário da colônia
Alexandra, a fim de atrair para o seu empreendimento o maior número de imigrantes possível,
mandou distribuir na Itália cópias de uma carta intitulada ao ³$PLFR&RORQR´GDWDGDGHGH
julho de 1873, onde propagandeava de modo exagerado as vantagens que aguardavam esses
estrangeiros no Brasil.169
Assim, apesar de haver recebido algumas famílias avulsas anteriormente, 1875 foi o ano
em que a referida colônia recebeu a primeira leva de imigrantes de fato. Conforme afirma

166
Ibidem., p. 71.
167
CAVANHA, Jussara Nena. Colônia Alessandra. Curitiba: Progressiva, 2012, p. 39.
168
MASCHIO, Elaine Cátia Falcade. A escolarização dos imigrantes e de seus descendentes nas colônias
italianas de Curitiba, entre táticas e estratégias de italianità e brasilità (1875 ± 1930). Tese (Doutorado em
Educação) - UFPR, Curitiba, 2012, p. 49.
169
BALHANA, Altiva Pilatti. Santa Felicidade: uma paróquia vêneta no Brasil. Curitiba: Fundação Cultural de
Curitiba, 1978, p. 25.
ϴϭ



Balhana, os primeiros colonos italianos chegaram em fevereiro daquele ano, e um segundo


grupo somente em setembro de 1876.170 Neste ano a população do lugar já era de 307
italianos.171 Porém, o fato de o empresário ter apresentado falsas promessas, ou seja, uma série
de vantagens que não existiam no seu empreendimento, causou grande descontentamento entre
os imigrados, de forma que muitas reclamações chegavam à administração da província em
Curitiba, entre elas a de que muitos desejavam inclusive retornar para a Itália.
O governo provincial acusava Savino Tripoti da má administração da colônia. O
empresário, ao contrário, culpava a província pelo não pagamento do valor do repasse acertado
no contrato. Devido a estes desentendimentos e a insatisfação dos colonos, esse primeiro núcleo
colonial italiano não prosperou como desejado e o contrato foi rompido em 1877. Em virtude
desta questão, o governo da província do Paraná decidiu ele mesmo administrar a instalação
dos colonos italianos no litoral. Com esse intuito, criou no mesmo ano a Colônia Nova Itália,
tanto para receber aqueles que se recusavam a permanecer em Alexandra, como também as
novas levas de italianos que continuavam a chegar.
Esse novo empreendimento, agora governamental, tinha a sua sede em Morretes, nas
proximidades do porto de Barreiros, e se estendia até os municípios vizinhos de Antonina e
Porto de Cima. Portanto, era uma colônia com dimensões bem maiores que a primeira, pois
além da sede, possuía mais 12 núcleos coloniais: Rio do Pinto, Sesmaria, América, Sítio Grande
e Carí, Marques, Ipiranga, Entre Rios, Prainha, Rio Sagrado, Graciosa, Zulmira, Turvo e
Cabrestante. De acordo com Romário Martins, já no ano de sua criação, a Colônia Nova Itália
recebeu cerca de 2.300 imigrantes italianos, número que se elevou no ano seguinte para mais
de 800 famílias, ultrapassando 4.000 pessoas, procedentes em sua maioria da região do
Vêneto.172
Foi exatamente no mês de novembro de 1877, que desembarcaram no porto de
Paranaguá, tendo como destino os núcleos da Nova Itália, cerca de 730 italianos de origem
vêneta. Tratavam-se dos primeiros que vieram por meio do estímulo feito pelo padre Angelo
Cavalli, sacerdote do Canal do Brenta, que como vimos anteriormente serviu de recrutador de
famílias emigrantes naquela região.173 Sobre esse episódio Colbacchini escreve:

Nel novembre del 1877 sbarcarono i primi coloni italiani a Paranaguà, porto di Paranà.
In varie riprese ne vennero circa due mila, quase tutti per iniziativa di um sacerdote


170
Ibidem., p. 23.
171
MARTINS, Romário. Op. Cit., p. 71.
172
Ibidem., Op. Cit., p. 73-74.
173
AZZI, Riolando. A igreja e os migrantes. Vol. 1. A imigração italiana e os primórdios da obra escalabriniana
no Brasil, 1884-1904. São Paulo: Paulinas, 1987, p. 213.
ϴϮ



del Canal di Brenta, presso Bassano, il quale aveva stipulato contratto con una
Agenzia di emigrazione di Genova.174

Apesar de outras levas de imigrantes italianos terem se estabelecido anteriormente no


litoral, essa é descrita por Colbacchini como o primeiro grande grupo de estrangeiros dessa
origem a se fixar no Paraná. Acreditamos que essa afirmação se deve a 3 fatores: primeiro, pelo
maior número de indivíduos que compunham o grupo, cerca 2000 pessoas, que chegaram em
várias remessas entre o final de 1877 e o início de 1878; segundo, pela organização do mesmo,
já que era dirigido por um sacerdote católico, que serviu como recrutador e líder ainda durante
a sua formação em terras italianas, nos meses anteriores a partida; e terceiro, por se tratarem de
colonos provenientes da região do Vêneto, de lugarejos da província de Vicenza, próximos de
Bassano del Grappa, cidade de origem de Colbacchini, onde o exôdo deste grande grupo
certamente foi muito comentado.
A chegada desses italianos ao Paraná, que vinham acompanhados e tutelados por um
sacerdote católico, foi rapidamente divulgada, como podemos observar por meio do telegrama
que foi publicado já no segundo dia do acontecido:

"Telegramma - O Exm. Sr. Dr. Adolpho Lamenha Lins obsequiou-nos com o seguinte:
Estação de Curityba, 16 de Novembro de 1877.
Chegaram hontem a esta cidade 720 colonos lombardos que vão estabelecer-se na
colonia "Nova Italia". Todos são agricultores mais ou menos abastados e trouxeram
machinas e instrumentos agricolas. Dirige-os o padre Cavalli ex-cura da aldeia d'onde
emigraram. Não se avalia das manifestações de alegria que os colonos aqui residentes
fizeram aos recem-chegados. Com estes, eleva-se o numero dos colonos da "Nova
Italia" iFRQVWLWXLQGRIDPtOLDV´175

Nesse sentido, acreditamos que a figura do padre e a direção que ele oferecia aos
imigrantes, era reconhecida como uma liderança que unia e trazia identidade para o grupo, tanto
do lado interno, ou seja, entre os próprios recém-chegados, quanto do lado externo, ou seja,
pelos outros estrangeiros que já se encontravam na colônia, como também pela sociedade
receptora. Outra informação importante, que a fonte acima nos oferece, é que eram agricultores
mais ou menos abastados que possuíam já máquinas e instrumentos agrícolas, o que confirma
que se tratava de pequenos proprietários das regiões montanhosas do Vêneto.176


174
Em novembro de 1877 desembarcaram os primeiros colonos italianos em Paranaguá, porto do Paraná. Em
várias levas vieram cerca de dois mil, quase todos por iniciativa de um sacerdote do Canal do Brenta, junto de
Bassano, o qual tinha estabelecido contrato com uma Agencia de emigração de Gênova. (Tradução nossa).
COLBACCHINI, Pietro. Le condizione degli emigrati nello stato del Paranà in Brasile, (1892). In: TERRAGNI,
Giovanni. Op. Cit., p. 555.
175
DEZENOVE DE DEZEMBRO. Curitiba, 17 de Novembro de 1877.
176
Apesar do documento classificar os colonos como Lombardos sabe-se que eram imigrantes da região do Vêneto,
das províncias de Vicenza e Belluno. 
ϴϯ



Além do reconhecimento interno e externo da identidade clerical do grupo imigrante, o


próprio padre Angelo Cavalli tratou rapidamente de legitimar o seu papel de líder religioso de
todos os colonos italianos do litoral. Fez isso ao assumir a função de capelão da Colônia Nova
Itália, por meio da assinatura de um contrato com o governo, conforme afirma o expediente da
presidência da província do dia 27 de novembro de 1877, que foi divulgado no jornal Dezenove
GH'H]HPEUR³5HPHWRDYVSDUDILQVFRQYHQLHQWHVDLQFOXVDFySLDGRFRQWUDWRIHLWRFRPR
revm. Cavalli Sr. Angelo, para servir como capelão da colônia Nova ,WDOLDHP0RUUHWHV´177
Cremos, que com este ato, o referido sacerdote pode ser reconhecido oficialmente pelas
autoridades provinciais como representante daqueles imigrantes, ao mesmo tempo, que se
tornou um funcionário do governo, tendo direito a receber um salário mensal pelos serviços
religiosos que prestava a eles. Este último fato, aponta para a ideia de que muitos padres, como
era o caso de Cavalli, possuíam também interesses econômicos ao imigrar para América.
Fato é, que a vinda desse grupo específico, caracterizado pelo forte apego ao sentimento
religioso como fator de identificação e também pelo grande desejo de melhores condições
econômicas, determinou a maneira de como se conformaria o futuro da imigração italiana no
Paraná. Isso porque esse grupo imigrante, por estar mais organizado, consciente de seus
objetivos e contar com a liderança do padre Cavalli, foi o responsável por diversas reclamações
e revoltas na Colônia Nova Itália, o que levou os governantes da província a direcionarem a
implantação dos núcleos coloniais italianos também para o entorno da capital Curitiba.178
Conforme aponta Maschio, o governo provincial almejava a instalação dos italianos no
litoral pensando que estes poderiam desenvolver a produção açucareira na região, já que para a
produção dos gêneros alimentícios de primeira necessidade contava com os alemães e poloneses
já alocados no planalto curitibano. Porém, assim como na colônia Alexandra, o governo e os
nomeados para administrar o novo empreendimento colonial não deram conta de oferecer as
condições necessárias para que este plano prosperasse.
O atraso na medição e divisão dos lotes, que faziam muitas famílias imigrantes
permanecerem aglomeradas em barracões; a falta de estradas para ligar os núcleos; a má
distribuição da alimentação que era fornecida em pequena quantidade; a troca constante de
administradores; a falta de condições de higiene; etc., e sobretudo, a pouca chance de prosperar
economicamente, criaram um clima de instabilidade e de revolta entre os colonos que cobravam
uma rápida ação do governo provincial. O trecho da correspondência a seguir, enviada pelo


177
DEZENOVE DE DEZEMBRO. Curitiba, 5 de dezembro de 1877, nº 1864, p. 1.
178
MASCHIO, Elaine C. F. Op. Cit., p. 50.
ϴϰ



Inspetor da Colônia Nova Itália a administração da província no final de 1877, evidencia o


envolvimento do grupo liderado pelo padre e a tensão que se havia criado: ³ RV
distúrbios são feitos pela boa gente do Pe. Cavalli. Exigem entre muitos absurdos a minha
retirada. Mande força de linha que esteja amanhã bem cedo, pois cada vez cresce mais a
DQDUTXLD´179
Este último escrito nos revela que esses camponeses vindos do Vêneto, apesar de
UHOLJLRVRV QmR HUDP WmR ³PRULJHUDGRV´ GyFHLV H SDVVLYRV FRPR R JRYHUQR SDUDQDHQVH RV
imaginava. O fato é que, diante da situação de abandono que se encontravam no litoral,
reivindicavam melhores condições para que pudessem alcançar a terra, e dela a sobrevivência,
motivo que os havia feito abandonar a sua terra natal. O litoral se tornou um castigo, ao contrário
do paraíso que havia sido prometido para esses imigrantes.
No seu relatório, sobre as condições dos imigrados italianos no Estado do Paraná, escrito
em 1892, Pietro Colbacchini relatou a situação difícil que viveram os colonos que se instalaram
no litoral paranaense. Nele podemos perceber, que além da má administração, o clima, doenças
e os insetos também foram motivadores da revolta dos imigrantes que haviam sido instalados
nos núcleos coloniais litorâneos:

... gli intrighi degli speculatori, che non mancano in questa colonizzazione del Paranà,
fecero sì che non si ebbe riguardo alle condizioni climatiche ed igieniche dei luoghi
prescelti per quella prima colonizzazione.
Sono posti quei luoghi lungo il litorale, nei bassi fondi dello Stato: il clima è
HFFHVVLYDPHQWH FDOGR O¶DULD DPPRUEDWD FDJLRQD OH IHEEUL PROWH VRQR OH PROHVWLH
prodotte dalle zanzare e da altri insetti; le malattie frequente non esclusa quella che si
chiama mal della terra ± anemia e clorosi ± fatale agli adulti e spaventosa quando
colpisce i bambini.
Parlo con piena cognizione di causa, perché non ostante tante contrarietà, alcuni
italiani o per cupidigia di facili guadagni, o per soddisfazione di ignobili passioni,
forse alcuno per ignoranza o per inerzia, persistettero a risiedere in taluni di quei
nuclei, e più fiate, per ragione del mio ministerio, fui a visitarli.
[...] Questa la vera condizione di coloro, che abitano il litorale Paranà.
E perciò mi sento in dovere di gridare tanto alto, da essere udito al di là dei mari dai
miei connazionali: voi che emigrate per il Paranà, guardatevi dai luoghi infetti di
Paranaguà, Morretes ed Antonina e da tutto questo litorale, se pur volette evitare la
più grande disgrazia che mai vi possa incogliere.180

179
CORRESPONDÊNCIA OFICIAL DA PROVÍNCIA DO PARANÁ, 08 de dezembro de 1877. Ap. 517, doc.
97. Arquivo Público do Paraná.
180
... as intrigas dos especuladores, que não faltam nesta colonização do Paraná, fizeram com que não se
observassem as condições climáticas e higiênicas dos lugares escolhidos para aquela primeira colonização. Foram
colocados aqueles em lugares ao longo do litoral, nas baixadas do Estado: o clima é excessivamente quente, o
mormaço do ar é causador de febres; muitas são as moléstias ocasionadas por mosquitos e outros insetos; as
doenças são frequentes e não exclui aquela que se chama mal da terra ± anemia e clorose ± fatal aos adultos e
assustadora quando atinge as crianças. Falo com pleno conhecimento de causa, porque mesmo diante de tantas
contrariedades, alguns italianos ou pela cobiça de fáceis ganhos, o por satisfação hediondas paixões, talvez alguns
por ignorância ou por inércia, persistem em residir em alguns daqueles núcleos, e várias vezes, em razão do meu
ministério, fui visitá-los. Esta é a real condição daqueles que habitam o litoral do Paraná. E por isso me sinto no
dever de gritar bem alto, para ser ouvido do outro lado do mar pelos meus conterrâneos: vocês que desejam emigrar
ϴϱ



Portanto, Colbacchini nos revela a precariedade em que foram instalados os primeiros


imigrantes italianos no Paraná, o que nos leva a compreender porque desejaram abandonar as
colônias do litoral e remigrar para o planalto. Inclusive faz um grande alerta para que os
italianos que quisessem vir para as terras paranaenses não se dirigissem mais para as cidades
litorâneas.
Porém, da mesma maneira, o sacerdote escreve que algumas famílias de colonos de
origem italiana insistiram em permanecer em alguns dos núcleos do litoral paranaense. Em suas
cartas, como teremos oportunidade de observar mais adiante, o missionário irá escrever sobre
suas visitas pastorais a esses núcleos coloniais, que serão denominados por ele de colônias
marítimas.
No entanto, depois dessas experiências negativas com as colônias criadas no litoral, é a
região do entorno de Curitiba que será constituída como a maior região de colonização italiana
no Paraná. Segundo Balhana, entre os que chegaram no período forte da entrada de italianos no
WHUULWyULRSDUDQDHQVHGHD³IRLSHTXHQRRFRQWLQJHQWHTXHVHIL[RXHPGHILQLWLYRQD
região litorânea. Os demais por iniciativa própria, ou com o auxílio governamental, foram
transferindo-se para o planalto curitibanR´181
A instalação desses estrangeiros em Curitiba, a partir de 1878, deu-se de modo bem
variado. Um bom número de famílias se fixou no centro urbano, na região das ruas América,
São Francisco, Riachuelo, Presidente Farias e Aquibadan ou na região das Mercês, ou ainda, na
região sul da cidade, à rua Ivaí, Iguaçu, Silva Jardim e Sete de Setembro. 182 Também houve
famílias que se estabeleceram nas localidades do Ahú e Bigorrilho. Estes italianos que se
fixaram no meio urbano eram comerciantes, industriais ou profissionais liberais, o que contradiz
a ideia de que os imigrantes italianos vieram exclusivamente para trabalhar na agricultura.183
Porém, sabemos que a maior parcela era sim formada por camponeses, e por essa razão
se fixaram em núcleos coloniais agrícolas em torno da urbe curitibana. Esses núcleos eram

para o Paraná, evitem os lugares detestáveis de Paranaguá, Morrestes e Antonina e de todo esse litoral, se quiserem
evitar a maior desgraça que vos possa acontecer. (Tradução nossa). COLBACCHINI, Pietro. Le condizione degli
emigrati nello stato del Paranà in Brasile, 1892. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., pp. 556-557.
181
BALHANA, Altiva Pilatti. Santa Felicidade: um processo de assimilação. Curitiba: João Haupt & CIA, 1958,
p. 31.
182
Segundo Roseli Boschilia, os grupos étnicos que mais se destacaram na região central da cidade, no final do
século XIX, eram formados primeiramente por alemães, depois por luso-brasileiros, ocupando os italianos a
terceira posição. Em relação a esses últimos, especificamente entre a rua Riachuelo e a praça Generoso Marques,
se estabeleceram as seguintes famílias italianas: os Carnascialli, Farani, Petrelli e Riva (negociantes); os
Benvenuto, Grisolia e Muggiati (do ramo da sapataria); e os Guaita e Bevilaqua (profissionais liberais). Boletim
Informativo da Casa Romário Martins. Cores da cidade: Riachuelo e Generoso Marques. Curitiba: Fundação
Cultural de Curitiba, v. 23, n.110, mar. 1996.
183
VECHIA, Ariclê. Imigração e Educação em Curitiba (1853-1889). Tese (Doutorado em História) - USP, São
Paulo, 1998, p. 120.
ϴϲ



formados por meio da compra de terras feita pelo governo ou por um grupo de famílias
imigrantes, e foram localizados a distâncias que variavam de 2 a um pouco mais de 30
quilômetros do centro.
As colônias criadas em meados de 1878, exclusivamente para a instalação dos
imigrantes italianos, foram: Santa Maria do Novo Tirol (hoje Piraquara), Alfredo Chaves (hoje
Colombo), Senador Santas (hoje bairro Água Verde), Santa Felicidade e Antonio Rebouças
(Campo Largo). Já os núcleos coloniais mistos, nos quais haviam colonos de outras origens,
mas onde também os italianos se fixaram neste momento foram: Orleans, Argelina, Murici,
Inspetor Carvalho e Zacarias (estes três últimos em São José dos Pinhais).184 O trecho a seguir,
tirado do relatório do presidente de província de 1879, atesta essa remigração dos colonos da
Nova Itália para Curitiba:

Grande parte destes colonos, filhos de províncias do norte da Itália, não se podendo
acomodar com o clima de Morretes, foi por mim transferida para as novas colônias
Alfredo Chaves, Antonio Rebouças, Santa Maria do Novo Tyrol da Boca da Serra,
Muricy e Inspector Carvalho; e outra parte, não pequena, retirou-se por conta própria
para esta Capital, em cujo rocio se tem estabelecido.185

Cronologicamente, o primeiro núcleo italiano a ser formado no planalto foi a Colônia


Santa Maria do Novo Tirol da Boca da Serra, instalada na antiga localidade de Deodoro, que
pertencia a municipalidade de São José dos Pinhais, mas que a partir de 1890 foi elevada à
categoria de município, sendo denominado Piraquara. Esta foi criada em agosto de 1878 e se
diferencia das demais por ter sido formada por maioria de imigrantes tiroleses, provenientes da
região de Trento.186
No mês de setembro do mesmo ano, foram criadas as colônias de Alfredo Chaves,
Antonio Rebouças e Senador Dantas, compostas exclusivamente por imigrantes provenientes
da região do Vêneto. Assim como, a colônia de Santa Felicidade que por sua vez foi formada
em novembro daquele mesmo ano. Portanto, foi nessas últimas quatro colônias que o grupo
liderado pelo sacerdote católico padre Angelo Cavalli se dividiu e instalou ao reemigrar do
litoral paranaense. Dessa forma, cremos que esses italianos vênetos trouxeram para a região de
Curitiba o modelo de sociedade tradicional, fortemente caracterizada pelo clericalismo,
discurso do qual haviam se apropriado ainda em sua terra de origem.


184
MARTINS, Romário. Op. Cit., p. 72.
185
Relatório apresentado à Assembléia Legislativa do Paraná no dia 4 de junho de 1879 pelo Presidente da
Província Exmº Sr. Dr. Manuel Pinto de Souza Dantas Filho. Curityba: Typographia Perseverança, 1879, p. 44.
186
Confer. TOMAZ, Antonio. Colônia Imperial Santa Maria do Novo Tirol da Boca da Serra: 120 anos de
história: genealogia. Curitiba: Editare, 1998; GROSSELI, Renzo Maria. 'RYHFUHVFHO¶DUDXcaria: dal Primiero a
Novo Tirol. Trento: Effe e Erre, 1985.
ϴϳ



O fato é que, a fundação dessas cinco primeiras colônias exclusivamente para imigrantes
italianos reemigrados do litoral estabeleceu a área do entorno de Curitiba, de clima mais ameno
e próxima ao meio urbano, como a região de colonização italiana no Paraná. Assim, essa região
continuaria a receber imigrantes dessa origem durante o final do século XIX até o início do
século XX. Segundo consta em um dos relatórios do sacerdote Pietro Colbacchini, o número de
italianos que se fixaram nesta região foi de cerca 17.000, que somados aos que se fixaram
definitivamente nos núcleos remanescentes do litoral chegariam a quase 20.000 imigrantes
dessa origem no Paraná.187

Nello Stato del Paraná gli Italiani non giungono a 20.000 quasi tutti agricoltori
indipendenti e proprietari di lotti di terreno avuti del Governo, o procacciatisi colle
loro industrie mediante acquisti privati. Una parte di essi ± non più di 3.000 ± si
fermarono nel litorale, ed attendono specialmente alla coltivazione della canna da
]XFFKHURGDOODTXDOHHVWUDJJRQRO¶DFTXDYLWHFKHQHqTXDVLO¶~QLFRSURGRWWR
Gli altri 17.000 per la maggior parte hanno stanza nel circondario di Curityba, che è
la Capitale dello Stato, entro un raggio di 20 a 40 kilm., ed attendono ala coltura dei
cereali, degli ortaggi, della vite e dele frutta.188

Portanto, Colbacchini afirma que o entorno de Curitiba, num giro de no máximo 40


quilômetros, foi de fato a região de colonização italiana no Estado do Paraná. Evidentemente,
que o sacerdote católico está se referindo ao raio geográfico que ele percorria com frequência
a fim de prestar assistência religiosa aos imigrantes. Porém, assim como vimos anteriormente,
ele não descarta a presença de um bom número de colonos italianos que permaneceu no litoral.
De acordo com Romário Martins, entre a segunda metade da década de 1870 até meados
de 1890, foram criados nessa região cerca de 20 núcleos coloniais onde se fixaram os colonos
de origem italiana.189 Esse número de colônias se aproxima da quantidade de núcleos elencados
por Colbacchini no relatório enviado ao Núncio Apostólico do Brasil em 1889:

Nomenclatura dei Nuclei Coloniali Italiani


1º Agua Verde - ... a due Kil. da Coritiba, capitale della província; conta col
circondario 150 famiglie.
2º S.a Felicidade dista 9 Kil. da Coritiba, conta 130 famiglie.
3º Alfredo Chaves; dista 24 Kil. conta 74 famiglie.
4º S. Maria do Novo Tirol 45 Kil. conta 72 famiglie.

187
Cremos para chegar a cifra de quase 20.000 italianos, presentes no Estado em 1895, Colbacchini considerou
como tais também os descendentes já nascidos em terras paranaenses.
ϭϴϴ
 No Estado do Paraná os Italianos são pouco menos de 20.000, quase todos agricultores independentes e
proprietários de lotes de terreno obtidos do Governo, ou adquiridos com seu trabalho por meio de compra
particular. Uma parte deles ± não mais que 3.000 ± se fixaram no litoral, e vivem especialmente do cultivo da cana
de açúcar do qual extraem a água ardente, que é para eles o único produto. Dos outros cerca de 17.000 a maior
parte tem morada no entorno de Curitiba, que é a Capital do Estado, dentro de um raio de 20 a 40 quilômetros, e
se dedicam ao cultivo de cereais, de verduras, de videiras e de frutas. (Tradução nossa). COLBACCHINI, Pietro.
,QWRUQRDOOH FRQGL]LRQH SUHVHQWLGHOO¶HPLJUD]LRQHLWDOLDQDQHJOL6WDWL8QLWLGHO%UDVLOH  ,Q7(55$*1,
Giovanni. Op. Cit., p. 585-586. 
189
MARTINS, Romário. História do Paraná. Curitiba: Travessa dos Editores, 1995.
ϴϴ



5º Timbituva a 28 Kil. conta 53 famiglie.


6º Rondina a 35 Kil. conta 82 famiglie.
7º Campo Largo due nuclei nuovi contano 78 famiglie.
8º Campo Comprido a 9 Kil. conta 46 famiglie.
9º Argelina a 7 Kil. conta 23 famiglie.
10º Gabriella a 8 Kil. conta 19 famiglie.
11º Antonio Prado a 20 Kil. conta 50 famiglie.
12º Faria a 26 Kil. conta 62 famiglie.
13º Zaccaria a 30 Kil. conta 24 famiglie.
14º Moroxi ± 34 Kil. conta 16 famiglie.
15º S. José dos Pinhais a 20 Km. conta 80 famiglie.
16º Capivary a 36 Kil. conta 50 famiglie.
17º Nella Capitale circa 300 famiglie.
18º Disperse nei luoghi circonstanti circa 200 famiglie.
19º Morretes in vari nuclei circa 300 famiglie.
20º Paranaguá in vari nuclei circa 150 famiglie.190

Mais uma vez Colbacchini vai escrever que muitos italianos permaneceram no litoral,
somando cerca de 450 famílias nos núcleos remanescentes de Morretes e Paranaguá. Neste
mesmo documento, no qual elenca as colônias italianas, o referido sacerdote vai afirmar ainda
que tanto os colonos do planalto quanto do litoral se encontravam numa boa situação
econômica, o que os diferenciava era a saúde, que em torno de Curitiba era ótima, e péssima
nas proximidades do mar. Independente disso, acreditamos que é correto afirmar que a região
de colonização italiana no Paraná, apesar de ter se concentrado no planalto curitibano, também
engloba esses municípios do litoral paranaense.191
Um outro documento elaborado pelo religioso corrobora com essa nossa hipótese. Trata-
VH GH XP PDSD GHVHQKDGR SHOR SUySULR &ROEDFFKLQL LQWLWXODGR ³3URVSHFWR GDV &RO{QLDV
,WDOLDQDVGR3DUDQi´TXHDSUHVHQWDDORFDOL]DomRGRVQ~FOHRVLWDOLDQRVSDUDQDHQVHVTXHFRQWpP


190
Nomenclatura dos Núcleos Coloniais Italianos. 1º Água Verde ± ... a dois Km. de Curitiba, capital da província;
conta no seu entorno com 150 famílias. 2º Santa Felicidade distante 9 km. de Curitiba, conta com 130 famílias. 3º
Alfredo Chaves; distante 24 km. conta com 74 famílias. 4º Santa Maria do Novo Tirol, 45 km. conta com 72
famílias. 5º Timbituva a 28 km. conta 53 famílias. 6º Rondinha a 35 km. conta com 82 famílias. 7º Campo Largo,
os dois núcleos novos contam com 78 famílias. 8º Campo Comprido a 9 km. conta com 46 famílias. 9º Argelina a
7 Km. conta com 23 famílias. 10º Gabriela a 8 km. conta com 19 famílias. 11º Antonio Prado a 20 km. conta com
50 famílias. 12º Faria a 26 km. conta com 62 famílias. 13º Zacarias a 30 km. conta com 24 famílias. 14º Murici a
34 km. conta com 16 famílias. 15º São José dos Pinhais a 20 km. conta com 80 famílias. 16º Capivari a 36 km.
conta com 50 famílias. 17º Na Capital cerca de 300 famílias. 18º Dispersas em outros lugares ao redor cerca de
200 famílias. 19º Morretes em vários núcleos cerca de 300 famílias. Paranaguá em vários núcleos cerca de 150
famílias. (Tradução nossa). (Tradução nossa). COLBACCHINI a SPOLVERINI, 18 de junho de 1889. In:
TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., pp. 182-183.
191
Também podemos considerar como espaço de imigração italiana no Paraná a Colônia Bella Vista. Esse núcleo
foi formado em 1896, a 177 km de Curitiba, hoje parte do município de Imbituva, por italianos que reimigraram
das colônias dos arredores da capital paranaense e compraram terras formando naquela localidade uma colônia
particular. Porém, este núcleo colonial não chegou a ser visitado por Colbacchini, pois o mesmo já não se
encontrava no Paraná na data de sua formação. Confer: STADLER, Cleusi Teresinha Bobato. Colônia Bella Vista:
um espaço construído pelas práticas sociais dos imigrantes italianos em Imbituva-PR. 2015. Dissertação (Mestrado
em História) - Universidade Estadual do Centro-Oeste.
ϴϵ



tanto aqueles que se formaram no entorno de Curitiba, chamados colônias curitibanas, quanto
as colônias marítimas, forma como o missionário chamava aquelas existentes no litoral.
Da mesma maneira, este mapa mostra o itinerário do sacerdote católico, ou seja, onde
ele passava prestando atendimento espiritual aos colonos e espalhando o discurso ultramontano
que portava, e consequentemente, influenciando na construção identitária dos imigrantes
italianos instalados em solo paranaense.

ϵϬ



FIGURA 1 ± PROSPECTO DAS COLÔNIAS ITALIANAS DO PARANÁ192


192
Prospecto das Colônias Italianas do Paraná. Pasta Paraná. Arquivo da Cúria Diocesana de São Paulo.
ϵϭ



Ao percorrer as colônias italianas instaladas em terras paranaenses, a fim de prestar


DVVLVWrQFLD UHOLJLRVD DRV VHXV FRQWHUUkQHRV &ROEDFFKLQL ID]LD D VHJXLQWH FRQVWDWDomR ³/D
maggior parte dei coloni italiani del Paranà appartengono al Veneto, specialmente alle Diocesi
di Vicenza, Treviso e Padova. [...] In generale i coloni italiani si conservano religiosi, e data
RFFDVLRQHPRVWUDQRXQDIHGHIHUYRURVD´193 A religiosidade e a veneticidade caminhavam lado
a lado no discurso do sacerdote.
A origem regional desses imigrantes, provenientes da península italiana que se
instalaram no planalto curitibano, já foi várias vezes comprovada por estudos anteriores.
Normalmente essa comprovação, da região e da província de origem dos imigrados, foi possível
por meio da consulta dos registros dos casamentos nas colônias, onde a via de regra aparece o
local de nascimento dos noivos.
Em todos os estados do Sul do Brasil, onde houve imigração italiana, é sabido que a
maior parte dos imigrados dessa origem vieram da região do Vêneto, atingindo em muitos
lugares a representatividade de 90%.194 Por exemplo, em seu estudo na região de colonização
italiana do Rio Grande do Sul, Sabbatini constatou que os imigrantes procedentes das províncias
de Vicenza, com 32%, e de Treviso, com 26%, formaram os grupos mais numerosos.195

MAPA 3 ± REGIÃO ITALIANA DO VÊNETO E SUAS PROVÍNCIAS196


193
A maior parte dos colonos italianos do Paraná são provenientes do Veneto, especialmente das Dioceses de
Vicenza, Treviso e Padova. [...] Geralmente os colonos italianos se conservam religiosos, e em muitas ocasiões
apresentam uma fé fervorosa. (Tradução nossa). Idem. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 182.
194
BALHANA PILATTI, Altiva. Imigração italiana no Paraná. Curitiba: Revista Panorama, 1978, p.5.
195
SABBATINI, Mario. I Veneti in Brasile(GL]LRQL'HOO¶$FFDGHPLD2OLPSLFD9LFHQ]DS
196
Mapa elaborado pelo autor.
ϵϮ



De acordo com Balhana, a pesquisa realizada junto as atas matrimoniais dos jovens
imigrantes da colônia italiana paranaense de Santa Felicidade, revelou que a maioria dos
colonos que se estabeleceram naquele núcleo, eram oriundos sobretudo de Vicenza. Em escala
decrescente, quanto a contribuição numérica, esses eram seguidos por aqueles provenientes de
Padova, Treviso, Verona, Cremona, Belluno, Ceneda, Udine, Feltre e Veneza.197 Portanto, a
grande maioria era de imigrantes vênetos.
Por sua vez, ao analisar a origem dos colonos italianos que se instalaram nas colônias
de Campo Largo, também Scarpim constatou, por meio dos registros de casamento, que quase
a totalidade dos imigrantes que lá se instalaram eram oriundos do Vêneto, alcançando a taxa de
95% de representatividade, vindos sobretudo das províncias mais montanhosas de Vicenza e
Treviso.198
Também nós, em um estudo anterior, pudemos constatar que nas colônias italianas que
formaram o município de Colombo, na região metropolitana de Curitiba, a representatividade
dos imigrantes vênetos ultrapassou os 90%, conforme podemos conferir na tabela abaixo:

TABELA 1 ± PROCEDÊNCIA DOS IMIGRANTES ITALIANOS DE COLOMBO 199

Região PROVÍNCIA NÚMERO TOTAL %


Vicenza 80
Treviso 63
Vêneto Padova 41
Udine (Friuli) 17 208 93
Belluno 4
Venezia 3
Lombardia Mantova 8 8 3
Piemonte Torino 5 5 2
Trentino Trento 5 5 2
TOTAL 226 226 100
Fonte: Registros de Casamento da Paróquia Nossa Senhora do Rosário de Colombo.


197
BALHANA, Altiva Pilatti. Op. Cit., 1978, p. 56.
198
SCARPIM, Fábio A. Op. Cit. p. 17.
199
MACHIOSKI, Fábio Luiz. A preservação da identidade cultural em um grupo imigrante italiano curato
de Colombo, Paraná, 1888 ± 1910. Monografia (Graduação em História) ± UFPR, Curitiba, 2004, p. 10.
ϵϯ



Cremos, que assim como para as colônias de Colombo e Campo Largo, e para o núcleo
de Santa Felicidade em Curitiba, as demais colônias italianas do Paraná, com exceção somente
daquela de Santa Maria do Novo Tirol, foram formadas por um número sempre maior de
imigrantes vênetos. Sobretudo, provenientes das regiões montanhosas localizadas nas
províncias de Vicenza e Treviso. Acreditamos, que foi essa realidade que atraiu para cá, Pietro
Colbacchini, representante da Igreja Católica e portador do discurso ultramontano. Este
missionário, viria com o intuito de preservar o referido rebanho imigrante, já acostumado com
o clericalismo, dos perigos do liberalismo e da modernidade, e tentaria ajudá-los na manutenção
do modelo de sociedade tradicional à qual estavam habituados.

2.3 Um missionário em favor dos vênetos em Curitiba

Como todo imigrante, os de origem italiana também trouxeram consigo para o Brasil
suas tradições coletivas e seus ideais particulares. Para os italianos instalados nas colônias
agrícolas do meio rural, que na maioria eram camponeses oriundos de pequenas localidades da
região do Vêneto, a vida social girava em torno da religião católica e a privada se baseava no
trabalho familiar. Os vênetos, assim como os poloneses e outros europeus que se tornaram
imigrantes, eram católicos fervorosos a ponto de dedicarem a maior parte do tempo
principalmente para o trabalho e a religião.
Dessa forma, não é difícil compreendermos que, ao chegarem em uma terra
desconhecida, seriam esses valores que pautariam a construção de suas novas vidas. Isso porque
esses imigrantes encRQWUDYDP ³QD Ip UHOLJLRVD H QD DVVLVWrQFLD GH VHXV SDVWRUHV XP HOR GH
proximidade e de identificação cultural, que possibilitava ultrapassar o trauma da mudança e da
DGDSWDomR jV QRYDV FRQWLQJrQFLDV H HVWUXWXUDV´200 Foi o que constatou também Alvim ao
afirmDUTXH³HVVHVLPLJUDQWHVQmRGHVFDQVDYDPHQTXDQWRQmRFRQVWUXtVVHPXPDFDSHODHQmR
WLYHVVHP XP SDGUH SDUD UH]DU D PLVVD´201 Foi exatamente o que ocorreu na região de
colonização italiana dos arredores de Curitiba.
Nesse sentido, o primeiro passo depois de obterem uma pequena porção de terra para
construírem suas casas e desenvolverem sua atividade agrícola, era unir forças para a construção

200
BALHANA, Altiva Pilatti. Religião e Imigração no Brasil Meridional. In: Westphalen, Maria Cecília (org.).
Un Mazzolino de Fiori. Vol III. Curitiba: Imprensa Oficial, 2002, p. 295.
201
ALVIM, Zuleika. Imigrantes: a vida privada dos pobres do campo. In: SEVECENKO, N. (org.). História da
Vida Privada no Brasil: Da Bélle époque a era do rádio. Vol.3. São Paulo: Cia. das Letras, 1998, p. 261.

ϵϰ



de uma igreja na colônia. Este local serviria para o encontro dos moradores do núcleo colonial,
onde além de cumprirem com seus preceitos religiosos poderiam conversar a respeito do seu
dia-a-dia, trocar experiências, escapando assim do isolamento social.
Nessa perspectiva, podemos afirmar que esse processo unia os moradores de uma
determinada colônia e fortalecia os seus laços de vizinhança, criando assim uma identidade para
o grupo. Isso na realidade era uma retomada da vida coletiva que era desenvolvida nos seus
vilarejos de origem. Ou seja, através da prática religiosa os imigrantes queriam se reorganizar
social e culturalmente, mantendo seus valores étnicos. Além da língua de origem, o que criava
um sentimento de coletividade entre esses italianos e seus descendentes era o fato de que se
consideravam católicos, e essa catolicidade permitia que eles se identificassem uns com outros.
Os colonos vênetos que se estabeleceram no Paraná com certeza passaram por esse
processo. Isso pode ser comprovado pelo documento que se apresenta a seguir. Trata-se de um
abaixo-assinado no qual quarenta e um imigrantes italianos da Colônia Alfredo Chaves
solicitam ao Presidente da Província a construção de uma igreja e um cemitério:

Nós, abaixo assinados, colonos residentes na colônia Alfredo Chaves, pedimos a V.


Ex.ª que mande colocar a Igreja e o cemitério da dita colônia que muito precisamos
para conseguir a nossa religião, o que esperamos em V. Ex.ª esse benefício moral e,
outrossim, lembramos a V. Ex.ª que para a construção desses edifícios poderá o
governo utilizar-se das madeiras de dois barracões existentes nesta colônia. Colônia
Alfredo Chaves, 21 de janeiro de 1879.202

Por meio deste documento fica claro para nós que esses imigrantes consideravam
indispensável para o seu ‘benefício moral’ a existência de um local onde pudessem se reunir
em comunidade para ‘ter sua religião’ ,VVR VH H[SOLFD SHOR IDWR GH TXH ³R HVSDoR YLWDO GR
homem vai além das dimensões biológicas, ele amplia-se a um sistema de valores, ao qual
FKDPDPRVGHFXOWXUD´203 E a religião fazia parte do sistema cultural daquele grupo.
O que estamos propondo é, que ao escolher a religião católica como principal elemento
de pertença coletiva e forma de organização do seu novo mundo, esses imigrantes
demonstraram na verdade um forte apego a uma tradição cultural, um habitus religioso. Essa
tradição tinha como marca a vivência das práticas católicas, que seria uma herança medieval
trazida por esses italianos; ela extrapolava o campo espiritual e adentrava o social, onde a
religião era usada para organizar o mundo.


202
CORRESPONDÊNCIA OFICIAL DA PROVÍNCIA DO PARANÁ, Livro, 583, 1879, p. 20-21.
203
SANTIN, Silvino. Integração sócio-cultural do imigrante italiano no Rio Grande do Sul. In: DE BONI, Luis
Alberto (Org.). A presença italiana no Brasil. Vol. 3. Porto Alegre: Fondazione Giovanni Agnelli, 1996, p.599.
ϵϱ



Segundo o filósofo e historiador Michel de Certeau, essa forma de pensamento, que


reinou na Idade Média, admitia que a ética social, a moral e a religião têm uma mesma fonte,
RQGH³DUHIHUrQFLDDR'HXV~QLFRRUJDQL]DHPFRQMXQWRXPDUHYHODomRKLVWyULFDHXPDRUGHP
do cosmos; ela faz das instituições FULVWmVDOHJLELOLGDGHGHXPDOHLGRPXQGR´204
Dessa forma, entendemos que a prática religiosa preenchia não só um vazio espiritual
para esses colonos, mas também, e sobretudo, social e cultural, já que era por meio dela que
tais indivíduos pautavam seu modo de vida. Em outras palavras, acreditamos que esses
imigrantes italianos faziam uso da religião também para organizar a vida social, ou seja,
apropriavam-se de práticas espirituais dando-lhes uma função social. Pensamos, que essa
maneira de usar, seria um procedimento de consumo, conforme aponta Certeau, uma
UHXWLOL]DomR XPD IRUPD GLIHUHQWH GH ³XVR TXH RV PHLRV µSRSXODUHV¶ ID]HP GDV FXOWXUDV
GLIXQGLGDV H LPSRVWDV SHODV µHOLWHV¶ SURGXWRUDV GH OLQJXDJHP´ 205 Isso, na nossa concepção,
explica o porquê o discurso religioso serviu como elemento construtor da identidade cultural
para essa maioria de imigrantes italianos que se fixaram ao redor de Curitiba no final do século
XIX.
Portanto, estamos afirmando que era por meio da religião que, a maioria desses
estrangeiros de origem italiana vindos para o Paraná, compreendia suas existências e pautavam
suas relações sociais, ou seja, eram as práticas católicas que forneciam significado para suas
vidas e constituíam a cultura social do grupo. Isto porque entendemos quH ³SDUD TXH KDMD
verdadeiramente cultura, não basta ser autor de práticas sociais; é preciso que essas práticas
VRFLDLVWHQKDPVLJQLILFDGRSDUDDTXHOHTXHDVUHDOL]D´206
Em outras palavras, compreendemos que para haver verdadeiramente produção de
cultura em um grupo social, seus indivíduos devem dar sentido as suas ações, ou seja, não
devem se comportar como meros repetidores do que lhes é imposto, pelo contrário devem
conferir um significado a mais nas atividades que realizam, produzindo assim para si próprios
uma identidade cultural. Ou seja, apropriando-se de maneira proveitosa para si daquilo que lhes
é imposto por outros. Ou ainda, ressignificando, de forma subjetiva, aquilo que é já dado como
pronto.
Porém, toda essa dimensão e importância que a prática da religião tinha para o imigrante
vindo das regiões setentrionais do norte da Itália, que era manifestada por esse forte sentimento
de pertença à catolicidade, só fazia sentido se entre eles houvesse a presença de um


204
CERTEAU, Michel de. Op. Cit., p.153.
205
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2014, p. 39.
206
CERTEAU, Michel de. A Cultura no plural. São Paulo: Papirus, 1995, p.141.
ϵϲ



intermediário, que era o transmissor do discurso pronto que seria posteriormente ressignificado
pelos colonos. Esse personagem, indispensável para haver a ligação entre o grupo com a
catolicidade, e em última instância com Deus, era o sacerdote, responsável pela ministração dos
sacramentos católicos aos fiéis.
Como se apresentou anteriormente, uma grande parte do grupo específico de imigrantes
italianos que se fixou em Curitiba e que estamos analisando, cerca de 200 famílias vênetas da
região do Vale do Brenta na província de Vicenza, foi animada, e inclusive acompanhada, por
um religioso no ato de emigrar. Com certeza, o migrar do padre recrutador, o sacerdote Angelo
Cavalli, com o grupo imigrante foi uma razão a mais, algo decisivo, que fez com que muitas
famílias se encorajassem em deixar a terra natal e embarcassem rumo a sua nova pátria. Isso
porque, a vinda do mesmo aumentava a esperança de poder reorganizar a identidade social em
torno da vivência da religião católica.
A permanência deste sacerdote entre os italianos que se fixaram nas colônias dos
arredores de Curitiba pode ser comprovada por meio do extrato de fonte a seguir:

Fundada em setembro de 1878 por italianos do Padre Angelo Cavalli, que recusaram
estabelecer-se no Piraquara, está situada em terrenos de boa qualidade e a pouca
distância da Colônia Santa Cândida, arredores de Curitiba. Os colonos acham-se
satisfeitíssimos, a ponto de preferirem trabalhar em seus lotes, a aprontarem
estradas...207

Podemos perceber, portanto, que de fato o padre Angelo Cavalli esteve presente e teve
a oportunidade de exercer a função de líder espiritual e social junto ao grupo de imigrantes
italianos instalados primeiramente na colônia Nova Itália e depois nos arredores de Curitiba, de
forma que as suas práticas religiosas puderam ser mantidas nos primeiros anos após a chegada
no Brasil, ou seja, em 1877 e 1878.
Porém, o referido sacerdote pode consolar espiritualmente o rebanho composto pelos
seus conterrâneos por um período muito pequeno, já que um requerimento feito pela mãe do
religioso, em 24 de novembro de 1879, revela que o mesmo já se encontrava morto algum
WHPSRDQWHVGHVWDGDWD(LVRFRQWH~GRGHVWHUHTXHULPHQWR³$FRORQDYL~YD$QW{QLD&DYDOOL
estabelecida na Colônia Alfredo Chaves, depois da morte de seu filho Padre Dom Angelo e
depois de outras funestas desgraças, acha-se na miséria, vem humildemente suplicar a V. Ex.ª
TXHOKHFRQFHGDXPDX[tOLRTXDOTXHU´208.


207
CORRESPONDÊNCIA OFICIAL DA PROVÌNCIA DO PARANÁ, Livro 567, 1879.
208
CORRESPONDÊNCIA OFICIAL DA PROVÍNCIA DO PARANÁ, Livro 588, p. 57.
ϵϳ



De fato, o líder espiritual e social dos imigrantes vênetos estabelecidos no Paraná,


responsável pela vinda dos mesmos para o Brasil, havia falecido em maio daquele ano, como
confirma o conteúdo do atestado de óbito a seguir, encontrado no cemitério São João Batista
do Rio de Janeiro, onde o corpo do mesmo foi sepultado:

Eu abaixo assignado, doutor em medicina pela Faculdade de Medicina do Rio de


Janeiro:
Attesto que o Rmo. Pe. Angelo Cavali, de 30 anos de idade, italiano, morador no
Hospício de Jerusalém, à rua de Evaristo da Veiga, faleceu hoje as 5 e 3/4 horas da
manhã de febre amarela.
Rio de Janeiro, 29 de maio de 1879.
Dr. Antonio Luciano Mendes de Sá209

Como consta no atestado de óbito de Angelo Cavalli a sua causa mortis foi a febre
amarela. Nossa hipótese é que o referido sacerdote tenha contraído a doença no litoral
paranaense, no período em que prestava atendimento religioso naquela região, e ido se tratar da
mesma no Rio de Janeiro. O fato é que, com a morte de seu líder espiritual os imigrantes
italianos, instalados nos arredores de Curitiba, se viram desamparados, pois, passaram a sofrer
com a falta de um padre, e consequentemente, tiveram sua vivência da fé católica
comprometida, já que dependiam de um sacerdote católico para exercer as práticas
sacramentais. Desse momento em diante a participação nos sacramentos e a atualização da fé
desses colonos passou a depender de duas situações: ou da visita esporádica de um sacerdote
às colônias; ou da ida à paróquia de Curitiba, que se localizava a vários quilômetros dos núcleos
coloniais.
A essa realidade se referiu também o padre Giuseppe Martini em 1908, no momento em
que escrevia as memórias dos primeiros anos dos imigrantes italianos de outro núcleo colonial
da região de Curitiba que da mesma maneira foi fundado em 1878, a Colônia Santa Felicidade:
³FRORFDGRVHPWHUUDVLQFXOWDVHGHVDELWDGDVGLVWDQWHVGDVFLGDGes e das vilas, pareciam eles
estar exilados. Cheios daquela fé que distingue o povo vêneto, choravam a falta de igrejas e
VDFHUGRWHV´210
Várias ações foram tomadas por parte dos italianos na tentativa de reverter essa situação
calamitosa, que era a falta de um sacerdote católico para atender as necessidades espirituais do
grupo. Normalmente essas ações eram materializadas em forma de abaixo-assinados dirigidos
às autoridades da província do Paraná, como é o caso do documento que se apresenta logo a

209
Atestado de óbito de Padre Angelo Cavalli, 29 de maio de 1879. Arquivo do Cemitério São João Batista, Rio
de Janeiro. Segundo outro documento encontrado no local, o padre Angelo Cavalli, foi sepultado no mesmo dia
no quadro 2 do dito cemitério.
210
MARTINI, P. Giuseppe. Origine e sviluppo della colônia Santa Felicidade. Curitiba: 1908, p.6.
ϵϴ



seguir. Neste, um abaixo-assinado elaborado no dia 05 de maio de 1879, os colonos de origem


italiana dos arredores de Curitiba, que na ocasião já se encontravam desprovidos de assistência
religiosa, solicitam ao presidente da Província que designe um padre para atendê-los:


Tendo absoluta necessidade dos socorros espirituais e havendo encontrado na pessoa


do padre Antonio Joaquim Ribeiro não só um sacerdote zeloso e sim viva encarnação
do verdadeiro ministro de Cristo... vêm, como V. Exª verá inclusa, pedir a designação
do mesmo reverendo Ribeiro para nosso capelão...211

O que nos chama bastante atenção é o pedido se referir a um padre brasileiro, pois em
geral os italianos, sobretudo os sacerdotes, julgavam a vida social e religiosa do povo brasileiro
e seus padres como simplória e superficial e pouco convicta com relação à prática da fé.212 Para
eles a cultura italiana oferecia melhores condições para manter uma fé pura e uma consciência
ética e moral mais cristã. Contudo, cremos que não podendo ter um padre italiano, um brasileiro
serviria para que os sacramentos continuassem a serem praticados. Mas devido à escassez de
padres também para atender as paróquias brasileiras este pedido não pode ter uma resposta
positiva.
Dessa forma, a alternativa adotada pelo grupo de imigrantes italianos, enquanto não
podiam ter um sacerdote que se dedicasse exclusivamente a eles, foi participar das celebrações
e liturgias na paróquia de Curitiba. Esse fato é evidenciado em uma matéria encontrada no
jornal Dezenove de Dezembro do dia 05 de maio de 1880, que é apresentada a seguir:

Não é a primeira vez que temos assistido, nesta paróquia de Nossa Senhora da Luz de
Curitiba, a um dos atos mais consoladores e tocantes para a alma do católico sincero,
a um momento de gozos inefáveis para o sacerdote, para os bons pais de família...
Damos uma breve notícia de duas primeira comunhões havidas na Igreja do Rosário
que ora serve de matriz. Nos domingos, dias 18 e 25 de abril de 1880, o Revmo. Sr.
Cônego José Jacintho de Linhares, digno e zeloso vigário de Morretes, deu a Sagrada
Comunhão a um grande número de crianças de algumas das colônias italianas
próximas da cidade. Os pais dessas crianças também participaram do mesmo fervor...
O que mais impressionou-nos foi o canto do hino sacro Pange Lingua, entoado pela
melíflua voz dos colonos italianos, sobressaindo a bela voz de um tenor, que fazia
vibrarem, uma por uma, todas as fibras dos corações dos assistentes... Sirva de lição
útil o edificante exemplo que os estrangeiros católicos acabam de dar-nos.
Congratulamo-nos com os neocomungantes, saudamos os dois zelosos sacerdotes que,
com essa primeira comunhão, promoveram um grande bem a esses que, deixando sua
poética pátria, o belo céu azul da Itália, podem assim mais fácil e constantemente unir-
se a nós pelos sagrados laços da religião, à sombra benéfica da igreja católica que
ainda vive e floresce neste majestoso e augusto império dos palmares...213


211
CORRESPONDÊNCIA OFICIAL DA PROVÍNCIA DO PARANÁ, Livro 578, p. 80-81.
212
AZZI, Riolando. Fé e Italianidade: a atuação dos Escalabrinianos e dos Salesianos junto aos imigrantes. In: DE
BONI, Luiz A. (Org.). A presença italiana no Brasil. Vol. II. Porto Alegre: EST, 1990, p.79.
213
DEZENOVE DE DEZEMBRO, 05 de maio de 1880.
ϵϵ



Podemos comprovar, portanto, por meio desta notícia, que os colonos de origem italiana
que desejassem cumprir com os seus preceitos religiosos precisavam se deslocar até o perímetro
urbano de Curitiba. Sendo assim, era na paróquia de Nossa Senhora da Luz que os italianos dos
núcleos que estamos investigando celebravam os seus atos religiosos indispensáveis como
batizados e casamentos. Porém, sacramentos mais constantes, como a confissão e a comunhão
dominical, como também o da extrema unção, que também dependiam da presença de um
sacerdote católico, ficavam comprometidos por causa da distância dos núcleos coloniais em
relação à referida paróquia.
Como já citamos anteriormente, outra forma de solucionar o problema da falta de
assistência religiosa nas colônias eram as visitas esporádicas de sacerdotes a esses núcleos
agrícolas. Como exemplo de sacerdote, que costumava visitar esporadicamente as colônias
italianas do Paraná, podemos citar a pessoa do missionário italiano Giovanni Cibeo. Este padre
jesuíta que se deslocava de Santa Catarina para atender espiritualmente os conterrâneos
imigrados nos arredores da capital paranaense durante a primeira metade da década de 1880.
Essa situação de precariedade religiosa vivida pela ausência de um sacerdote designado
especialmente para suprir as necessidades espirituais dos colonos italianos da região de Curitiba
só mudou a partir de 1886, ano em que o missionário apostólico, padre Pietro Colbacchini,
passou a colocar em prática seu projeto de atendimento religioso dedicado aos vênetos
instalados nas colônias agrícolas do Paraná.
Isso se deu depois dele ter permanecido um ano e meio realizando seu trabalho em
fazendas da região de Jundiaí, São Paulo, nas quais haviam se estabelecido imigrantes italianos
provenientes da província de Mantova. O sacerdote descreve a experiência da seguinte forma:
³8Q¶DQQRH mezzo passai colà, con molto incomodo per mia parte, perche sai per alloggio che
per il vitto, appena avea le cose necessarie, e mi toccava passar la vita con quella gente rude e
WHVWHUHFFLDFKHVRQRL0DQWRYDQL´214
 Padre Pietro Colbacchini, era de origem vêneta, nasceu na cidade de Bassano del
Grappa, província de Vicenza, no dia 11 de setembro de 1845. Durante os anos de 1857 e 1862
realizou seus estudos junto aos seminários diocesanos de Vicenza e Padova. No ano seguinte,
tomou a decisão de entrar para a ordem dos jesuítas, à qual fez o pedido e foi aceito, de maneira
que iniciou o noviciado em novembro de 1863, na cidade de Verona.


214
Um ano e meio passei lá, com muito incomodo de minha parte, porque seja em relação ao alojamento como
também à alimentação, tinha apenas as coisas necessárias, e devia passar a vida com aquela gente rude e difícil
que são os Mantovanos. (Tradução nossa). COLBACCHINI a MANTESE, 28 de fevereiro de 1887. In.:
TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p.23.
ϭϬϬ



Segundo Terragni, foi nesse período que passou junto aos jesuítas que ele adquiriu as
características religiosas ultramontanas que marcaram sua atuação junto aos imigrantes
italianos no Brasil, e consequentemente, moldaram o projeto de congregação que ele tinha em
mente organizar. Os ensinamentos da congregação jesuíta da época eram pautados em uma
³UtJLGDGLVFLSOLQDFRPXPDIormação espiritual voltada ao intransigentismo e de indiscutível
ILGHOLGDGHDR3DSDHPWRGDVDVTXHVW}HVUHOLJLRVDVHSROtWLFDV´215
Portanto, com a idade de 18 anos Colbacchini ingressou na Companhia de Jesus, mas
por motivos de doença se retirou por duas vezes dos seus estudos junto a esta ordem religiosa,
sendo que a segunda vez foi em definitivo, antes mesmo de ter completado o noviciado.
³&RQWXGRDEUHYHSHUPDQrQFLDHQWUHRVMHVXtWDVIRLVXILFLHQWHSDUDOKHFRQVROLGDURXLPSULPLU
vários aspectos de sXDSHUVRQDOLGDGHHPSUHHQGHGRUDLQGHSHQGHQWHHDXWRULWiULD´216
Não podendo continuar sua formação religiosa junto aos jesuítas, Pietro Colbacchini
decide então retornar ao seminário diocesano de Vicenza onde conclui os seus estudos e é
ordenado sacerdote em 19 de dezembro de 1869, aos seus 23 anos de idade. Como padre exerce
seus primeiros anos de missão em duas localidades da sua diocese, na Igreja de Santa Corona
em Vicenza, e em Cereda, onde permanece como pároco até 1883. Desta data em diante se
torna livre dos afazeres paroquiais e se dedica exclusivamente as missões populares como
missionário apostólico, o que era, não só uma aspiração pessoal, como também, o que de fato
combinava mais com as suas características religiosas adquiridas durante sua formação junto
aos padres jesuítas, apesar de ter se tornado um padre secular.


215
TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p.6.
216
RIZZARDO, Redovino. Raízes de um povo. Porto Alegre: EST, 1990, p.9.

ϭϬϭ



FIGURA 2 ± FOTO DE PADRE PIETRO COLBACCHNI217

Esse anseio de ser missionário e não se fixar em uma paróquia é uma das importantes
características, que desde já podemos afirmar, estava presente no modelo de organização
religiosa que tinha em mente este sacerdote. Com certeza, foi este desprezo à vida paroquial e
o desejo de realizar sua missão nas Américas que fez com que Colbacchini decidisse emigrar
para socorrer espiritualmente os imigrantes italianos no Brasil. O momento desta decisão, como
podemos conferir adiante, é narrado por ele mesmo em uma de suas cartas enviada ao
representante da Santa Sé no Brasil, o internúncio apostólico Monsenhor Francesco Spolverini:



217
Foto do Acervo do Arquivo Geral Scalabriniano em Roma.
ϭϬϮ



Nel mese di Maggio de 1884 mi ritrovava in Feltre a predicare in quella Cattedrale.


Un buon Sacerdote di Campo di Quero, località vicina, venne a mostrarmi diverse
lettere che egli aveva ricevuto dai suoi compaesani che si ritrovavano nelle Province
di Rio Grande e S. Caterina del Brasile, che lo eccitavano vivamente a portarsi a dar
ORURO¶DLXWRGHOVXRPLQLVWHUR0LVWUD]LDURQRLOFXRUHLODPHQWLFKHLQTXHOOHOHWWHUHVL
IDFHYDQRGHOO¶DEEDQGRQRLQFXLVLWURYDYDQRWDQWLGLVJUD]LDWL,WDOLDQLHGHOSHULFRORLn
cui si versavano di perdere la loro fede. Da molti anni io aspirava alla missione italiana
nel Brasile, ma da una le difficoltà che prevedeva, mi facevano sospendere di
realizzare il mio desiderio, e le continue occupazioni di missioni in Italia mi
togliHYDQR G¶DOWUD SDUWH LO WHPSR HG LO PRGR D SHQVDUYL 4XHOOH OHWWHUH YHQQHUR D
scuotermi, a togliermi ogni dubbio a decidirmi di andare, ed al più presto. 218

Fica claro por meio desta carta que Pietro Colbacchini já planejava há alguns anos
emigrar parDR%UDVLODILPGHVRFRUUHUDRVLPLJUDQWHVLWDOLDQRVGRµperigo de perder a fé’, e
que não foi uma decisão de momento. O acontecimento narrado acima foi somente o empurrão
que estava faltando. Isso explica o porquê ele não se dirigiu às províncias brasileiras do Rio
Grande do Sul e nem de Santa Catarina citadas no documento acima, mas sim para a de São
Paulo, desejando chegar aos italianos que estavam instalados na província do Paraná, que na
época pertencia à jurisdição da diocese paulista. Esse desejo é explicitado por ele em uma de
VXDVFDUWDV GLULJLGDVDR SDGUH'RPHQLFR0DQWHVH ³$QFKHSULPDGL SDUWLUHGD ,WDOLDDYHDLQ
mente il Paranà; sapea che là doveano trovarsi molti nostri condiocesani; il mio desiderio era
VHPSUHDORURYROWR´219
Portanto, defendemos aqui a ideia de que o referido sacerdote sabia que nos arredores
da capital paranaense haviam se instalado imigrantes vênetos provenientes de localidades da
região do Brenta, ou seja, próximas de sua cidade de origem, Bassano del Grappa, e que era
para esses conterrâneos que ele tinha um projeto particular de assistência religiosa. Na nossa
opinião, esse seu desejo expressa o forte sentimento de pertença regional pelo qual os italianos
construíam seu processo de identificação cultural. No caso de Colbacchini, essa hipótese é
reforçada por esse ser um dos argumentos utilizados por ele, depois que já estava no Brasil, na


Ϯϭϴ
No mês de maio de 1884, eu me encontrava em Feltre, pregando na catedral local. Um bondoso sacerdote de
Campo di Quero, localidade vizinha, veio até mim apresentando-me diversas cartas recebidas de seus conterrâneos
dispersos nas províncias brasileiras do Rio Grande e de Santa Catarina, os quais lhes pediam insistentemente que
fosse até eles para lhes dar o auxílio de seu ministério. Cortaram-me o coração os lamentos que, nessas cartas,
faziam sobre o abandono em que jaziam tantos desventurados italianos, e o perigo em que se encontravam de
perder a fé. Havia muitos anos que eu aspirava à missão italiana no Brasil, contudo, as dificuldades presentes me
levaram a suspender a realização desse projeto, e as contínuas ocupações com missões na Itália me tomavam o
tempo e as preocupações. As cartas conseguiram sacudir-me e tirar-me qualquer dúvida, e decidi partir o mais
rápido possível. (Tradução nossa). COLBACCHINI a SPOLVERINI, 23 de junho de 1889. In: TERRAGNI,
Giovanni. Op. Cit., p. 143.
Ϯϭϵ
 Antes mesmo de partir da Itália tinha em mente o Paraná; sabia que lá deviam se encontrar muitos que
pertenciam a nossa diocese; o meu desejo esteve sempre voltado para eles. (Tradução nossa). COLBACCHINI a
MANTESE, 28 de fevereiro de 1887. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 23. 
ϭϬϯ



tentativa de arregimentar companheiros da diocese de Vicenza para sua missão. Isso fica
evidente em outra carta enviada a Domenico Mantese, pároco da localidade de Poianela:

Nel Paranà le colonie sono libere indipendenti. Dietro mio impulso in tutte le colonie
stansi costruendo le Chiese; sono composte di italiani quasi tutti della nostra diocesi
e delle limitrofe, tutta gente che sente molto della religione e che sofre molto della
privazione del sacerdote. [...] Voglia far il favore di interrogare o per iscritto o meglio
in persona i seguenti sacerdote che pur so avrebbero disposizioni per la S. opera: D.
Antonio Catelan Parroco di Lovertino, D. Pietro Micheli Curato a S. Vito di Bassano,
D. Angelo Quarzo pur di Bassano ed altri che conoscete del caso. Il Signore la pagherà
di tutto.220

Percebemos, portanto, que a questão geográfica e a identidade regional estava


fortemente presente no modelo de congregação religiosa que Pietro Colbacchini almejava
implantar, já que ele pretendia arregimentar colegas sacerdotes todos da diocese de Vicenza,
para que unidos a ele viessem atender aos imigrantes vênetos instalados no Paraná.221 Essa ideia
vigente na proposta do missionário estava relacionada também a fama de maus padres que os
sacerdotes seculares da região sul da Itália haviam adquirido no Brasil, chamados
JHQHULFDPHQWHGH³QDSROLWDQRV´HUDPIRUWHPHQWHFRQGHQDGRVSRU&ROEDFFKLQL³%RPHPDX
aqui tem sua definição baseada nas determinações do Concílio de Trento. O clérigo que atuasse
VHJXQGRHVVDVGHWHUPLQDo}HVHUDFODVVLILFDGRFRPR³ERP´DRSDVVRTXHRRutro, aquele que
QmRVHJXLVVHSOHQDPHQWHDVGHWHUPLQDo}HVWULGHQWLQDVHUD³PDX´´222
Essa consonância com o modelo tridentino de igreja, que se pautava na importância dada
aos sacramentos e na moral do sacerdote, mas sobretudo na fidelidade à Cúria Romana, ou seja,
ao Papa, era outra característica marcante presente na ideia de congregação que Colbacchini
planejava organizar, o que demonstra sua adesão ao discurso ultramontano intransigente. Essa
ligação com a Santa Sé e com seus representantes também era usada para tentar convencer os
colegas a se unirem a sua missão, como se confere em mais um trecho da carta que Colbacchini
dirigiu a Mantese em junho de 1886:


220
No Paraná as colônias são livres e independentes. Depois do meu impulso se estão construindo igrejas em todas
as colônias; são compostas de italianos quase todos da nossa diocese ou de seus limítrofes, gente que sente muito
a falta da religião e que sofre muito por estarem sem um sacerdote. [...] Me faça o favor de interrogar ou por escrito
ou melhor se pessoalmente os seguintes sacerdotes que também sei teriam disposição para esta santa obra: pe.
Antonio Catelan pároco de Lovertino, pe. Pietro Micheli, cura de San Vito di Bassano, pe. Angelo Quarzo também
de Bassano e outros se for o caso. O Senhor lhe pagará por tudo. (Tradução nossa). COLBACCHINI a MANTESE,
junho de 1886. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., pp. 19-20.
221
Em outras cartas Colbacchini cita o nome de outros dois sacerdotes, padres B. Cuccato e Luigi Rossi, também
ambos da diocese de Vicenza.
222
$/72e 9DOHULDQR 1DSROLWDQRV ³QXYHQV GH JDIDQKRWRV´ In: DE BONI, Luis Alberto (Org.). A presença
italiana no Brasil. Vol. 3. Porto Alegre: Fondazione Giovanni Agnelli, 1996, p. 444.
ϭϬϰ



Si tratterebbe ora di istituire nella città una missione permanente per i molti italiani
che appartengono pure alle Colonie seminate nel circondario, con Paroco
indipendente e missionari visitatori dele Colonie.
Mgr. Cocchia, Internunzio Pont.cio, aprova ed appoggia il mio progetto, e mi assicura
che se questo Vescovo (come si crede) volesse opporsi alla sua realizzazione, egli
otterrà per forza della S. Sede ciò che è giusto e necessário.
[...] V.R. dunque si disponga al sacrifício. La recompensa sarà ben grande. 223

Notamos, por meio do trecho da carta apresentado acima, que padre Pietro Colbacchini
pensava em organizar uma missão permanente, formada por um pároco independente das
paróquias brasileiras e missionários que se revezariam no atendimento espiritual dos núcleos
coloniais das redondezas de Curitiba. Tal intenção é melhor explicada numa segunda carta
dirigida ao mesmo sacerdote em 18 de agosto de 1886:

Sto ora per ottenere presso questo Ordinario di erigere una Parochia in Corityba per
gli Italiani onde trarli della dipendenza del Paroco brasilero dal quale non possono
sperare altro ajuto da quello di spendere molto denaro per le tasse dei battesimi e dei
matrimoni.
Mia intenzione sarebbe di costituire un sacerdote come Paroco, e che due o tre altri lo
coadiuvassero portandosi missionando nelle Colonie, nelle quali tutte si sta ora
fabbricando le Chiese.
>@9HQJDHOHSURPHWWRFKHODVXDSUHVHQ]DVDUjFHQWRYROWHSLXWLOHFKHQHOO¶DWWXDOH
sua parochia.224

Percebemos novamente, nesta outra carta, o caráter de independência em relação às


paróquias e aos clérigos brasileiros que Colbacchini gostaria de imprimir na organização
religiosa que queria implantar. Porém, diferentemente da carta anterior que falava de missão
permanente, esta última fala em uma paróquia independente só para italianos. Já em meados do
ano seguinte, o missionário declara ao seu fiel correspondente que se está referindo realmente
a ideia de uma congregação religiosa:

É sempre inteso, (il che è necessario) che i tre o quattro Sacerdoti che formeranno
questa missione, abbiano a formare un sol corpo, ossia uma Cong.ne religiosa, che più
tardi verrà approvata dalla Autorità Eccles.ca.


223
Tratar-se-ia agora de instituir na cidade uma missão permanente para os muitos italianos que pertencem as
colônias espalhadas na redondeza, com pároco independente e missionários visitadores das colônias. O internúncio
apostólico, Monsenhor Cocchia, aprova e apoia o meu projeto, e me assegura que se o Bispo (como se crê) quiser
se opor a sua realização, ele intervirá com ajuda da Santa Sé naquilo que for justo e necessário. [...] Vossa
reverendíssima portanto se disponha a este sacrifício. A recompensa será bem grande. (Tradução nossa).
COLBACCHINI a MANTESE, junho de 1886. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., pp. 19-20.
224
Estou agora por obter a ordem de erigir uma paróquia em Curitiba para os italianos, onde se poderá tirá-los da
dependência do pároco brasileiro do qual não podem esperar outra ajuda senão de gastar muito dinheiro com as
taxas de batizados e de matrimônios. Minha intenção seria a de constituir um sacerdote como pároco, e que dois
ou três outros o coadjuvassem missionando nas colônias, pois em todas se está construindo igrejas. [...] Venha e
prometo que a sua presença será cem vezes mais útil que na sua atual paróquia. (Tradução nossa). COLBACCHINI
a MANTESE, 18 de agosto de 1886. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., pp. 20-21.
ϭϬϱ



Nel primo tempo, sarà conveniente che io resti alla testa delle cose, per la conoscenza
che ho dei luoghi, delle persone e delle circostanze, ma a suo tempo si ellegerà altro
Superiore.225

Vemos claramente a postura de liderança que o referido sacerdote assume na tentativa


de organizar o atendimento espiritual dos italianos em Curitiba. Entretanto, a demora na vinda
dos padres da diocese de Vicenza, para colaborarem com o projeto de congregação religiosa de
Colbacchini, fez com que seu desejo não se concretizasse como o desejado.
Contudo, na mesma época em que ele pensava em fundar um instituto voltado para os
vênetos imigrados no Paraná, o bispo de Piacenza, Giovanni Battista Scalabrini, deu início a
um projeto análogo, porém, destinado a atender espiritualmente todos os imigrantes italianos
nas Américas.226 A notícia da criação desta nova congregação chegou por meio de uma carta
enviada pelo seu correspondente, padre Mantese, em 20 de novembro de 1887, e fez com que
Colbacchini aderisse prontamente a esse novo projeto, escrevendo logo à Scalabrini e se
colocando a sua disposição como se pode ler logo a seguir:

Io ultimo di tutti nel mérito, ho diritto di chiamarmi dei primi nel desiderio della fondazione
di questa necessaria missione.
[...] V. Eccellenza Rma si degnò comunicarmi che conta sulla mia cooperazione per la
IRQGD]LRQH GL XQD FDVD FHQWUDOH GL TXHVWD $VVRFLD]LRQH GL 0LVVLRQDUL SHU O¶$PHULFD LR
rispondo con tutto il cuore al suo desiderio, e mi faccio suo fedel servo per la vita e per la
morte in una causa che in tutto risponde al fine per cui qui mi trovo. 227

Podemos concluir, portanto, que o projeto de congregação, que Pietro Colbacchini


pretendia implantar em favor dos imigrantes italianos instalados no Paraná, seria caracterizado
pelos seguintes pontos que denotam as características de seu discurso ultramontano: uma total

225
Fica sempre entendido, (o que se faz necessário) que os 3 ou 4 sacerdotes que formarão esta missão, venham a
formar um só corpo, ou seja, uma congregação religiosa, que mais tarde será aprovada pela autoridade eclesiástica.
Num primeiro momento será conveniente que eu permaneça à frente das coisas, pelo conhecimento que tenho dos
lugares, das pessoas e das circunstâncias, mas no seu tempo se elegerá outro superior. (Tradução nossa).
COLBACCHINI a MANTESE, 29 de junho de 1887. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p.31.
226
O instituto organizado pelo Bispo de Piacenza, Giovanni Battista Scalabrini, para prestar assistência espiritual
aos italianos emigrados, foi oficialmente criado em 1887, primeiramente, não como fundação diocesana, mas como
uma obra vinculada à Propaganda Fide, órgão da Santa Sé. Somente em 1895 foi elevado à condição de Ordem
Religiosa com a aprovação do papa e a elaboração de um regulamento próprio pelo seu fundador. Pietro
Colbacchini, que antes era um sacerdote diocesano e missionário apostólico vindo para o Brasil com autorização
da Cúria Romana, aderiu a essa organização, ou seja, se tornou um scalabriniano, já em 12 de agosto de 1888, ao
fazer os votos religiosos quinquenais por meio das mãos dos primeiros padres enviados para o Paraná por
Scalabrini, Domenico Mantese e Giuseppe Molinari. Conf. TERRAGNI, Giovanni. Scalabrini e la congregazione
dei missionari per gli emigrati. Aspetti istituzionali 1887-1905. Roma: autorinediti, 2014.
227
Eu o último de todos no mérito, tenho o direito de colocar-me entre os primeiros no desejo de fundação desta
tão necessária missão. [...] V. Excia. Revma. dignou-se comunicar-me que conta com minha colaboração para a
fundação de uma casa central dessa associação de missionários para a América, e eu respondo com todo o coração
ao seu desejo, tornando-me seu fiel servo para a vida e para a morte, em prol de uma causa que em tudo corresponde
à finalidade pela qual aqui me encontro. (Tradução nossa). COLBACCHINI a SCALABRINI, 26 de dezembro de
1887. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., pp. 39-40.

ϭϬϲ



independência com relação às paróquias brasileiras, consequentemente, sem a participação do


clero brasileiro; um projeto voltado para as missões nas colônias locais, sobretudo, por meio de
visitas periódicas e construção de capelas; uma forte identidade étnica regional, voltada para os
LPLJUDQWHV YrQHWRV RX VHMD XPD ³YHQHWLFLGDGH´ H XP PRGHOR HP FRQsonância com o
catolicismo romanizado e tridentino, sobretudo no que diz respeito a moral dos sacerdotes e a
fidelidade à Santa Sé, o que reforçava o ultramontanismo intransigente adotado pelo
missionário.
Essas seriam as características presentes no discurso ultramontano de Colbacchini, além
do forte combate à maçonaria, à participação dos italianos na política, à vida social fora do
âmbito religioso, ao ambiente urbano, etc., como constataremos no próximo capítulo, onde
veremos de que forma esse discurso influenciou na constituição da identidade etnocultural dos
imigrantes italianos instalados em Curitiba no final do século XIX.
Por ora concluímos que, devido à demora em conseguir companheiros, Colbacchini
abriu mão de seu projeto inicial em favor de outro maior, fundado por Scalabrini. Porém,
podemos presumir que ele tentará imprimir as características apontadas anteriormente, que
estão fortemente presentes no seu discurso, à nova congregação religiosa dos escalabrinianos,
da qual ele passou a ser um dos primeiros representantes no Brasil.

ϭϬϳ



3
O DISCURSO ULTRAMONTANO DE COLBACCHINI
E O FORJAR DE UMA IDENTIDADE ITALIANA EM CURITIBA

µ credono perché amano Iddio, e lo amano perché i


ORURDIIHWLQRQVRQRFRUURWWLGDOO¶DOLWRSHVWLIHURGHOOD
moderna società che ha apostatato da Dio, perché
FUHGH GL SRWHU EDVWDUH D VH VWHVVD¶
(COLBACCHINI)228

Conforme foi apontado na introdução deste trabalho, neste terceiro capítulo


pretendemos investigar, por meio da análise do discurso, os embates que existiram entre o
modelo de italianidade concebido pelo sacerdote católico Pietro Colbacchini e as demais formas
de como se pretendia forjar a identidade etnocultural dos imigrantes italianos, no momento em
que estes ainda se fixavam na região de Curitiba no final do século XIX.
Nessa direção, iremos evidenciar como o discurso desse representante da Igreja
Católica, caracterizado como ultramontano e intransigente, pretendia controlar e moldar o
comportamento dos indivíduos por meio da imposição da vivência radical das práticas do
catolicismo como forma de combate as ideologias surgidas com o advento da sociedade
moderna, ao mesmo tempo que procurava impor também um modelo único de italianidade.229
Nosso objetivo é perceber como os imigrantes se apropriaram desse discurso, ou como fizeram
resistência a ele, ou seja, como por meio de estratégias de identidade foram capazes de assumir,
rejeitar ou cruzar as fronteiras da representação étnica que lhes eram impostas pelo religioso.
Com esse intuito, ao longo desse capítulo, adotamos duas estratégias metodológicas que
foram fundamentais para o êxito da nossa pesquisa. Primeiro procuramos encontrar os contra
discursos dentro do próprio discurso de Colbacchini, contidos nas críticas e condenações que
se fizeram presentes em seus escritos. Segundo, levantamos trajetórias individuais de alguns
dos imigrantes que foram citados nas cartas do sacerdote ou se envolveram em suas disputas, a
fim de investigar os diferentes comportamentos dentro do grupo étnico.


228
µ creem porque amam a Deus, e o amam porque os seus afetos não foram corrompidos pelo hálito pestífero
GD PRGHUQD VRFLHGDGH TXH DSRVWDWRX GH 'HXV SRUTXH FUr SRGHU EDVWDU D VL PHVPD¶ 7UDGXomR QRVVD 
COLBACCHINI, Pietro. GuiGDVSLULWXDOHSHUO¶HPLJUDWRLWDOLDQRQHOO¶$PHULFD,Q7(55$*1,*LRYDQQL
Op. Cit., p. 627.
229
Cremos que essa intenção está claramente exposta na epígrafe deste capítulo quando Colbacchini se refere ao
sentimento e a prática religiosa dos imigrantes italianos.
ϭϬϴ



3.1. Entre católicos e liberais: a disputa entre dois modelos de italianidade

Na primeira parte deste capítulo, vamos apresentar como se formaram os dois principais
modelos de representação de italianidade em torno da capital paranaense e os embates que
existiram entre eles. Isso porque, estamos considerando que os imigrantes italianos que se
estabeleceram em Curitiba eram portadores de diferentes ideais, ou seja, não se tratava de um
grupo homogêneo. Pelo contrário, havia diversidade de ordem social, regional, política,
econômica e sobretudo religiosa, o que determinou que os imigrantes instalados no meio urbano
e aqueles fixados em áreas rurais seguissem ritmos distintos de organização social e cultural.
Este fato, já nos permite afirmar que não estamos procurando encontrar, muito menos
defender, a existência de uma cultura singular entre os imigrantes de origem italiana, mas sim
perceber como se deu a construção de diferentes identidades, pautadas em várias formas de
italianidade, como também de catolicidade, sempre no plural. Essa nossa ideia se apoia no que
defende Beneduzi, que ao investigar a relação entre imigração e catolicismo na região de
colonização italiana do Rio Grande do Sul concluiu que

a partir de uma pluralidade de olhares divergentes, emerge a possibilidade da


construção de uma nova maneira de ser e de se expressar como cristão-católico.
Permite-se, a partir de então, vislumbrar expectativas diferentes entre os sujeitos, bem
como respostas diferentes, pois não são mais massas compactas.230

Portanto, queremos evidenciar que os imigrantes italianos não formavam uma massa
compacta e homogênea, ou seja, nem todos apoiavam a sua etnicidade na catolicidade, e que se
uma grande parcela desses indivíduos o fez, isso se deu de formas variadas, e não de maneira
normatizada, disciplinar e obediente como queria, e fez pensar que assim aconteceu, a Igreja e
seus representantes.
Ainda segundo o autor citado anteriormente, a observância do catolicismo e a fidelidade
à instituição católica constituem-se em uma das imagens criadas sobre a identidade do imigrante
italiano, construída como parte do imaginário da imigração. 231 Cremos que é tarefa do
historiador desmistificar essa ideia criada tanto pelo discurso católico como pela historiografia
tradicional. O que queremos é fazer ressoar o que ensinou Certeau em sua obra A Cultura no
PluralQDTXDOVHJXQGR/XFH*LDUGRDXWRUSUHWHQGHX³VXEVWLWXLUHVVDFXOWXUDQRVLQJXODUTXH


230
BENEDUZI, Luis Fernando. Imigração italiana e catolicismo: entrecruzando olhares, discutindo mitos. Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2008, p. 93.
231
Idem, p. 102.
ϭϬϵ



µLPS}H D OHL GH XP SRGHU¶ SRU XPD RXWUD FRQFHSomR FHQWUDGD QD µFXOWXUD QR SOXUDO¶ TXH
FRQFODPDLQFHVVDQWHPHQWHSHORFRPEDWH´232
Acreditamos que esta espécie de combate, de luta, de choque entre culturas plurais, pode
ser encontrada ao analisarmos mais de perto as relações de poder que existiram entre os dois
principais modelos de imigrantes italianos que surgiram em Curitiba no final do século XIX.
Um primeiro grupo, concentrado nas colônias rurais, apresentou uma italianidade que se
configurou por meio da apropriação do discurso religioso, já trazido da Itália e reforçado pela
atuação dos sacerdotes católicos junto aos imigrantes, sobretudo, como veremos aqui, pela ação
do padre Pietro Colbacchini. Já um segundo agrupamento, que se estabeleceu no meio urbano,
apoiou sua identidade étnica na nova conjuntura política italiana pós-unificação, na ideia de
estado nação, ou seja, sobre a noção de nacionalismo independente da religião, inclusive com
fortes características liberais e anticlericais.
Sendo assim, pretendemos apresentar as disputas que se deram entre esses dois
discursos, ou seja, entre as marcas de representação étnica que foram assumidas por meio da
criação e imposição de fronteiras, que geraram processos de inclusão e exclusão para que
houvesse o processo de identificação. Com isso, não queremos afirmar que na prática os
imigrantes italianos respeitassem cegamente a esse binarismo existente entre essas duas formas
de italianidade, somente almejamos perceber como esses discursos pretendiam impor cada qual
o seu modelo como sendo o único, o verdadeiro ou o melhor, em detrimento do outro.
De um lado havia a representação discursiva que apoiava a sua etnicidade na religião,
tendo como representante e líder um padre, que defendia como forma da preservação da
identidade dos imigrantes de origem italiana a vivência das práticas espirituais católicas e a
fidelidade a cúria romana. Do outro lado, os italianos de posição liberal e nacionalista, que se
identificavam etnicamente por meio dos símbolos da Itália recém-unificada e da instrução, e
que viam na ação do missionário católico junto aos imigrantes um esforço de impedir sua
conscientização política e social. Defendemos, que foi exatamente essa divergência, ou seja, a
alteridade criada por esses dois modelos de italianidade, que gerou embates, tensões e conflitos,
que permitiu que esses imigrantes vivenciassem um processo de identificação etnocultural na
terra de adoção.
Como se afirmou anteriormente, foi a partir de 1886, mais especificamente setembro
daquele ano, que os italianos instalados ao redor da capital paranaense passaram a contar com
a liderança, tanto espiritual como também social, do sacerdote católico Pietro Colbacchini. Esse


232
CERTEAU, Michel de. A Cultura no Plural. Campinas, SP: Papirus, 1995, p. 11.
ϭϭϬ



UHOLJLRVRGHVFUHYHQDVSULPHLUDVFDUWDVHVFULWDVDSyVDVXDYLQGDSDUD&XULWLEDTXH³QHO3DUDQj
HUDJUDQGHLOELVRJQRGLQXRYLSUHWLHFKHOH&RORQLHHUDQRWXWWHVSURYYHGXWWH´ 233 Segundo o
mesmo, os colonos italianos da região há algum tempo estavam carentes de assistência religiosa
e esperavam ansiosos pela vinda de um padre que fosse da mesma origem regional, tanto que
narra que a descoberta de sua chegada foi, além de comovente, muito comemorada por todos,
especialmente pelo grande grupo de vênetos vindo das cidades do entorno de Bassano del
Grappa, que o teriam recebido calorosamente.

La mattina seguente fui a dir messa. Un bassanese, in un naltro tempo dipendente


della mia famiglia, mi vide restò attonito, venne nella sagrestia, confuso piangente
senza poter parlare della commozione. Egli avvisò altri, questi, altri ancora. In tre
JLRUQL WXWWH OH &RORQLH G¶LQWRUQR VDSHYDQR GHO PLR DUULYR H YHQLYDQR LQ IUHWWD SHU
vedermi, per udirmi, per confessarsi ecc. Cominciai subito il giro delle 12 colonie.
Dappertutto sparse il Signore davanti e di dietro dei miei passi copiose benedizioni.
Quasi non resto un solo italiano senza ricevere i SS. Sacramenti, e sono più di 6000
G¶DWWRUQRD&XULWLED234

De acordo com a descrição anterior, Colbacchini afirma ter sido bem aceito por todos
os italianos fixados no entorno de Curitiba, os quais teriam ido rapidamente ao seu encontro,
desejando ouvi-lo e confessar-se com ele, chegando a escrever que quase não restou um
conterrâneo na região sem receber os sacramentos católicos. Notamos facilmente que tal
afirmação, feita no início de 1887, ou seja, poucos meses depois do estabelecimento do padre
na cidade, além de exagerada, foi feita de maneira precipitada, pois logo o próprio sacerdote
iria se dar conta que nem todos os imigrados de origem italiana, sobretudo aqueles instalados
no ambiente urbano da capital paranaense, estavam dispostos a escutá-lo e a submeter-se ao seu
discurso e aos seus ensinamentos morais e religiosos.
Por possuir um caráter ultramontano intransigente, pautado no discurso de romanização
e europeização que era mantido pela Igreja Católica da época, além de se manifestar sobre as
questões de fé, Colbacchini pretendia também doutrinar os imigrantes sobre o comportamento
político e social. Conforme afirma Souza ³D XOWUDPRQWDQL]DomR H URPDQL]DomR GD pSRFD
combatia ao mundo moderno, o liberalismo, a maçonaria, a república, o comunismo, os


233
...no Paraná era grande a necessidade de novos padres, e que as Colônias estavam todas desprovidas. (Tradução
nossa). COLBACCHINI a MANTESE, 28 de fevereiro de 1887. In TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 23.
234
Na manhã seguinte fui rezar a missa. Um bassanese [originário de Bassano del Grappa, mesma cidade de origem
de Colbacchini], que por um tempo foi dependente da minha família, me viu e ficou atônito, veio na sacristia,
confuso, chorando, sem poder falar por conta da comoção. Ele avisou outros, estes, mais outros. E em três dias
todas as Colônias do entorno sabiam da minha chegada, e vinham correndo para me ver, para me ouvir, para se
confessar, etc. Comecei logo a visita às 12 colônias. Por todo lugar espalhou o Senhor, antes e depois dos meus
passos, copiosas bênçãos. Quase não restou um só italiano sem receber os Santíssimos Sacramentos, e são mais de
6.000 no entorno de Curitiba. (Tradução nossa). Ibidem, p. 24.
ϭϭϭ



SURWHVWDQWHVHQWUHRXWURV´235 Enfim, tudo que havia surgido nos últimos séculos e que tirava a
hegemonia da referida instituição religiosa.
Nessa direção, cremos que ao se estabelecer em Curitiba, o referido sacerdote agiu de
prontidão para impedir que os imigrantes instalados na região de colonização italiana do Paraná
se envolvessem com tais ideologias, ao mesmo tempo que se apressou em organizar seu
governo pastoral, a fim de reforçar a catolicidade dos italianos ali fixados.236 Com esse intuito,
como ele mesmo narra, passou a visitar todos os núcleos coloniais da região, pregando e
ensinando, de maneira intensa, a vivência do catolicismo aos seus conterrâneos.

Quando non sono nelle Colonie lontane, tutte le domeniche predico nella città agli
italiani dei quali è sempre piena la Chiesa, perché i Brasileri vi vanno solo per
eccezione. Passo i giorni ora in questa ora in quella Colonia, predicando mattina e sera
facendo due volte al dì il catechismo. Passo da 8 a 10 giorni, o più secondo il bisogno
per ogni Colonia.237

Podemos notar, que Colbacchini almejava direcionar o seu discurso não só aos italianos
instalados nas colônias rurais, mas a todos os imigrantes dessa origem, inclusive os que haviam
se fixado no meio urbano de Curitiba, que segundo ele lotavam a igreja todos os domingos para
ouvir as suas pregações. Porém, sabemos que boa parte dos imigrantes italianos fixados no
centro da capital paranaense, mesmo incluindo também alguns católicos, se organizava social
e culturalmente não através da religiosidade, e sim por meio do amor pela pátria de origem, a
Itália recém-unificada. Sobre estes, Azzi HYLGHQFLDTXH³FDUUHJDYDPDEDQGHLUDGDLWDOLDQLGDGH
eram imigrantes de maior cultura, em geral maçons e liberais, e por vezes com espírito
declaradamente anticlerical´.238
Portanto, para esse grupo urbano, composto por comerciantes, intelectuais de diferentes
matizes políticas e ideológicas, liberais, carbonários, anarquistas e maçons, o sentimento de
italianidade tinha um cunho nacionalista e deveria ser mantido pela exaltação dos valores
patrióticos, e não por meio da catolicidade.


235
SOUZA, Wlaumir D. de. Op. Cit., p. 276.
236
De acordo com Foucault, a ideia de um governo dos homens é uma ideia cuja a origem deve ser buscada no
Oriente, num Oriente pré-cristão primeiro, e no Oriente cristão depois. E isso sob duas formas: primeiramente, sob
a forma da ideia e da organização de um poder de tipo pastoral, depois sob a forma da direção de consciência, da
direção das almas. FOUCAULT, Michel. Segurança, território e população: curso dado no Collège de France
(1977-1978). São Paulo: Martins Fontes, 2008, p.166.
237
Quando não estou nas Colônias distantes, todos os domingos prego na cidade para os italianos, dos quais a
Igreja está sempre cheia, porque os Brasileiros que vão são exceção. Passo os dias, ora nessa ora naquela Colonia,
pregando manhã e tarde, fazendo duas vezes por dia o catecismo. Passo de 8 a 10 dias, ou mais, segundo a
necessidade de cada Colônia. (Tradução nossa). COLBACCHINI a MANTESE, 28 de fevereiro de 1887. In:
TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 23. 
238
AZZI, Riolando In: DE BONI, Luiz A. (org.). Op. Cit., p.80.
ϭϭϮ



Sendo assim, também haviam em Curitiba imigrantes italianos que não estavam
dispostos a se apropriar do discurso de italianidade de Colbacchini, pois pautavam a sua
identidade étnica no nacionalismo trazido da Itália unificada, onde os valores a serem
preservados e exaltados eram a língua italiana culta, as datas comemorativas da pátria de origem
e os personagens da unificação, como Vittorio Emanuele e Giuseppe Garibaldi. Foi apoiado
sobre esses elementos simbólicos, ligados fortemente a ideia de nação, que esses italianos do
meio urbano construíram sua identidade etnocultural em terras brasileiras.
Segundo Stuart Hall, sociólogo que se debruçou sobre os estudos culturais, as narrativas
sobre a ideia de identidade de uma nação se apresentam como comunidades imaginadas,
conforme apresentou Benedict Anderson239MiTXHVHDSRLDPVREUHHOHPHQWRVTXH³IRUQHFHP
uma série de estórias, imagens, panoramas, cenários, eventos históricos, símbolos e rituais
nacionais que simbolizam ou representam as experiências partilhadas, as perdas, os triunfos e
RVGHVDVWUHVTXHGmRVHQWLGRjQDomR´240
De acordo com Constantino, dentre os símbolos nacionalistas italianos adotados pelos
imigrantes o de maior peso foi o culto a Garibaldi, considerado como herói da unificação
italiana.241 Esta afirmação se faz verdadeira para o caso estudado, ao observarmos que o famoso
líder, reconhecido como um vulto na história da unificação da Itália, ³HPSUHVWRX´ seu nome
para a sociedade étnica fundada em Curitiba no ano de 1883. Uma notícia sobre o fato,
veiculada em um jornal local da época, mais especificamente em julho daquele ano, revela,
além da data exata da fundação da referida sociedade, o nome de alguns dos imigrantes que
lideraram aquele momento de organização da coletividade italiana no Paraná:

Sociedade de Beneficiencia Italiana ± No dia 2 de junho, reunirão os italianos


estabelecidos nesta capital e organizarão uma sociedade de beneficiencia sob o título
de Giuseppe Garibaldi de Beneficiencia.
Foi eleito presidente o Sr. Giovanni Corghi.
Foi tambem eleito um conselho administrativo composto dos Srs. Antonio Carnaciali,
André Petrelli, Domingo de Luca.242

Outro exemplo da manutenção da italianidade, pelo viés patriótico e nacionalista, que


se realizava frequentemente entre os imigrantes fixados no meio urbano de Curitiba, era a
comemoração da conquista de Roma pelo exército italiano. Assim, ainda em 1883, os


239
ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e difusão do nacionalismo.
Companhia das Letras, 2008.
240
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005, p. 52.
241
CONSTANTINO, Núncia Santoro. O italiano da esquina; imigrantes meridionais na sociedade porto-
alegrense. Porto Alegre: EST Edições, 2008, p. 152.
242
GAZETA PARANAENSE. Curitiba, 16 de julho de 1883, nº 262.
ϭϭϯ



imigrantes pertencentes à recém-criada sociedade promoveram uma festa para comemorar o dia
20 de setembro. O evento foi assim registrado pela imprensa local:

A ilustre e patriótica Sociedade Beneficente Italiana desta capital, comemorando o


aniversário da triunfante entrada das tropas italianas em Roma, reuniu-se na tarde de
20 do corrente para festejar aquela data gloriosa para o povo italiano. [...] Presidia
aquela reunião o digno presidente da Sociedade Italiana de Beneficência, o Sr. João
Corghi. Durante o lunch a confraternização entre todos era a mais perfeita; parecia
que um sentimento íntimo de verdadeiro patriotismo prendia o coração de cada
conviva à ideia de um feito glorioso para a Itália. Durante a refeição muitos e
entusiásticos vivas foram erguidos; saudações diversas foram feitas e de cada coração
sentia-se irromperem-se radiantes chamas do mais puro patriotismo. Ali, debaixo da
maior ordem, comemorava-se uma gloriosa época para a Itália, cuja luz refletindo por
sobre o mundo inteiro, ainda hoje ilumina os povos civilizados. Pelo ilustre Dr.
Justiniano de Mello foi levantada uma saudação à memória do grande Garibaldi. Nesta
ocasião o entusiasmo foi delirante, e os Srs. Pedro Bruni e Affonso Netto cantaram
maravilhosamente o belo hino de Garibaldi.243

Podemos notar claramente, por meio da descrição do evento narrado por este outro
extrato do jornal local da época, que o grupo ligado à Sociedade Giuseppe Garibaldi, era de
fato formado pelos italianos de mentalidade liberal e nacionalista, fixados no centro urbano da
capital paranaense, e que se identificavam etnicamente por meio dos símbolos patrióticos da
unificação italiana. (VWDPRV SDXWDQGR HVVD QRVVD DILUPDomR QD LGHLD GH TXH ³DV FXOWXUDV
QDFLRQDLVDRSURGX]LUVHQWLGRVVREUHµDQDomR¶Ventidos com os quais podemos nos identificar,
FRQVWURHPLGHQWLGDGH´244. Da mesma forma, a notícia nos proporciona saber o nome de outros
componentes da referida sociedade, que preservavam a italianidade por meio do patriotismo
devotado à nação de origem, seja através dos vivas, ou do cantar do hino, dedicados a figura
heroica de Garibaldi (ver ANEXO 2).245
Assim, podemos afirmar que de fato o nacionalismo, referente à pátria de origem, a
Itália, foi o elemento escolhido por esse agrupamento de imigrantes italianos, instalado no meio
urbano de Curitiba, para construir seu processo de identificação cultural. Isso foi possível
SRUTXHVHJXQGRDILUPD6WXDUW+DOO³DQDomRQmRpDSHQDVXPDHQWLGDGHSROtWLFDPDVDOJRTXH
produz sentidos ± um sistema de representação cultural, onde as pessoas não são apenas
cidadãos/ãs legais de uma nação; elas participam da ideia da nação tal como representada em
VXDFXOWXUDQDFLRQDO´246


243
GAZETA PARANAENSE. Curitiba, 22 de setembro de 1883, nº 271, p. 4.
Ϯϰϰ
HALL, Stuart. Op. Cit., p. 5.
245
O “Inno di Garibaldi” é um hino patriótico surgido em meio ao contexto do Rissorgimento Italiano. Foi escrito
pelo poeta italiano Luigi Mercantini em 1858, a pedido do próprio Giuseppe Garibaldi, como uma homenagem as
lutas que se travavam contra o domínio do império Austríaco e se tornou um símbolo das aspirações libertárias
italianas, muito divulgado durante as comemorações da independência em 1871, e posteriormente, durante a
expulsão dos nazistas no contexto da 2ª Guerra Mundial.
246
HALL, Stuart. Op. Cit., p. 49.
ϭϭϰ



Dessa maneira, passaram a coexistir na capital da província do Paraná dois grupos


diferentes de imigrantes de origem italiana, que consequentemente, defendiam pensamentos e
formas distintas de como preservar a sua identidade étnica, um baseado na religiosidade católica
que se apoiava no discurso do padre Pietro Colbacchini, e outro no nacionalismo, que por sua
vez se organizou em torno de uma sociedade étnica.
Nessa direção, supomos que durante as visitas feitas às colônias italianas da região de
Curitiba, com intuito de prestar-lhes atendimento espiritual, Colbacchini adotou como
estratégia proferir discursos antiliberais contrários a Sociedade Giuseppe Garibaldi formada
pelo grupo de imigrantes do meio urbano, acusando-lhes de maçônicos e inimigos da verdadeira
italianidade, que na concepção do sacerdote deveria ser pautada primeiramente na catolicidade
e não no nacionalismo.
Acreditamos, que não só as diferenças ideológicas, mas a diversidade regional dos
membros da referida sociedade étnica também contribuiu para que o sacerdote adotasse tal
comportamento. Isso porque podemos notar em seu discurso um forte preconceito em relação
aos italianos provenientes das regiões centrais e meridionais da Itália. Pudemos constatar em
nossa pesquisa, que diferentemente dos colonos instalados na área rural, que eram originários
do norte da península italiana, sobretudo da região do Vêneto, entre os que se fixaram no espaço
urbano, e que se fizeram membros da referida associação étnica criada em Curitiba, havia um
grande número de imigrantes originários de regiões como a Campania, a Calabria, a Basilicada
e a Toscana (ver ANEXO 3).247
Porém, o que mais instigou o discurso ultramontano do padre Colbacchini contra os
italianos do meio urbano ligados a Sociedade Garibaldi, foi mesmo o fato de que entre eles
haviam muitos que defendiam ideologias liberais e anticlericais, e declaravam ter apoiado a
unificação italiana em detrimento do poder da Igreja Católica Romana e por essa razão não
estavam dispostos a se submeter à sua liderança religiosa. Como explica Azzi ³WUDWDYD-se
evidentemente daqueles que apoiaram e ou defenderam a unificação italiana consolidada em
1870, e contra os quais a Santa Sé havia respondido com ameaças e condenações
eclesiásticas´248


247
Conforme levantamento feito por nós junto ao acervo da Sociedade Italiana Giuseppe Garibaldi cerca de 40%
dos membros da referida associação étnica eram provenientes da parte central e meridional da Itália (ver ANEXO
4).
248
AZZI, Riolando. Op. Cit., p.76.
ϭϭϱ



Esta constatação se torna evidente diante do seguinte discurso, que foi proferido pelo
agente consular italiano Ernesto Guaita249 no dia 21 de julho de 1887, por ocasião do
lançamento da pedra fundamental do edifício que iria servir de escola e sede para o grupo da
Sociedade Italiana Giuseppe Garibaldi:

[...] Não posso deixar, nesta circunstância de deplorar como de passagem sobre o
horizonte de Curitiba uma nefasta ave notívaga, que, com perfídia jesuítica abusando
da influência que exerce sobre a ignorância, procura atravessar o desenvolvimento da
Sociedade Giuseppe Garibaldi, acusando-a de maçônica e afastando dela os que mais
precisam de instrução. [...]250

Percebemos claramente, por meio deste trecho do discurso público feito por Guaita, que
de fato Colbacchini adotava como estratégia acusar o grupo urbano de maçônico, e que fazia
isso para afastar os italianos das colônias rurais das atividades organizadas pelos indivíduos da
referida sociedade. Podemos perceber também, que por sua vez, no seu discurso anticlerical, o
agente consular adotou duas estratégias, a de negar a acusação feita pelo religioso, e ao mesmo
tempo, a de denegrir a imagem do sacerdote perante os imigrantes italianos de Curitiba.251
Da mesma forma, acreditamos que Ernesto Guaita, ao se referir aos estrangeiros de
origem italiana fixados nas colônias agrícolas como ignorantes necessitados de instrução,
estava entrando no campo pertencente ao inimigo, adotando então como tática a educação
escolar, a fim de atraí-los para o grupo da Sociedade Garibaldi. O que se torna evidente para
nós, é que entre Colbacchini e Guaita houve uma disputa de poder simbólico, pois cada qual
almejava ser reconhecido como o legítimo representante e porta-voz dos italianos instalados na
capital paranaense. Segundo Bourdieu,

O poder simbólico é um poder que aquele que lhe está sujeito dá aquele que o exerce,
um crédito com que ele o credita, uma fides, uma auctoritas, que ele lhe confia pondo
nele a sua confiança. É um poder que existe porque aquele que lhe está sujeito crê que
ele existe.252


249
Ernesto Guaita nasceu na cidade de Turim, na região do Piemonte, no ano de 1843. Diplomou-se como
engenheiro pela Academia Militar na cidade natal em 1867, ingressando na Artilharia como subtenente. Em 1870
dá baixa, para dedicar-se à arquitetura e, alguns anos após integra uma missão técnica italiana enviada ao Brasil.
Guaita não retorna para a Itália, fixando-se por volta de 1875 em Curitiba. Fazendo sociedade com Ludovico
Taddei em 1882, monta escritório de engenharia, e em 1891 é contratado pelo governador Generoso Marques dos
Santos para a construção do Palácio Rio Branco. Este trabalho fez de Guaita o arquiteto mais solicitado da cidade
naquele período. Conf. SUTIL, Marcelo. Arquitetura Italiana na construção de Curitiba. Curitiba: M.V. G.
Meschino, 2006.
250
GAZETA PARANAENSE. Curitiba, 30 de julho de 1887, nº168, p.2.
251
Segundo Maschio a Sociedade Italiana Giuseppe Garibaldi irá definir-se como uma loja declaradamente
maçônica somente no ano de 1917. Conf. MASCHIO, Elaine C. F. 2012, Op. Cit., p. 263.
252
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010, p. 188.
ϭϭϲ



Portanto, o que Guaita e Colbacchini disputavam era o crédito de principal autoridade à


qual os imigrantes de origem italiana na região de Curitiba deviam sujeitar-se. O primeiro,
apoiado no cargo de agente consular do governo italiano, disputava com o segundo, sacerdote
da Igreja Católica Romana, o domínio ideológico da coletividade dos italianos ali fixados. A
esta altura, podemos fazer nossas as palavras de Claricia Otto, que estudou as relações de poder
que existiram nas colônias italianas de Santa Catarina:

Ao tempo que um deles procura significar a realidade constituindo sujeitos católicos,


o outro procura incutir a ideia da italianidade, associada ao nacionalismo italiano. O
que está em jogo nessa construção de identidades são as lutas pelo reconhecimento de
autoridade. Os títulos, de cônsul, de padre, dentre outros, são propriedades simbólicas
que propiciam e dão o direito ao reconhecimento. Dessa forma, as identidades, a
começar pela identidade dos porta-vozes, são simbólicas e reais ao mesmo tempo
porque são histórica e socialmente construídas.253

Nessa direção, o que estava acontecendo na região de colonização italiana do Paraná era
a imposição de modelos de representação da italianidade que almejavam cooptar os imigrantes.
Assim, a declaração pública de Guaita serviu como estopim dessa guerra ideológica que
disputava os italianos no entorno de Curitiba, pois ela estabeleceu o grupo urbano nacionalista
ligado à Sociedade Garibaldi como inimigo declarado do modelo de italianidade defendido e
pregado pelo padre Pietro Colbacchini. Tanto que esse acontecimento gerou um contra-ataque
em forma de protesto, um abaixo assinado organizado pelos colonos fixados nos núcleos
agrícolas. Estes se manifestaram em defesa de seu líder espiritual, como podemos conferir no
discurso a seguir:

Os abaixo assinados imigrantes italianos estabelecidos nos núcleos coloniais dos


municípios da Capital, S. José dos Pinhais e Campo Largo nesta Província, tendo
notícia de haver o seu compatriota o sr. Ernesto Guaita feito alusões ofensivas e
manifestamente injustas e apaixonadas ao muito respeitável Missionário Apostólico
o sr. padre Colbachini, em um discurso que pronunciou no dia 30 de julho passado,
por ocasião de ser lançada a primeira pedra do edifício da escola italiana, cuja
construção promove nesta cidade a sociedade Giuseppe Garibaldi, vêm cumprir o
dever de protestar contra tão irregular procedimento do dito seu compatriota, que de
nenhum modo exprime os sentimentos dos abaixo assinados, que estão acostumados
a respeitar no padre Colbachini o verdadeiro apostolo da religião de Cristo por seus
sentimentos de caridade, de zelo, de desinteresse e amor ao próximo. [...] Os abaixo
assinados sabem também que o mesmo Sr. Guaita, juntamente com outros, quer
mostrar-se aqui e na Itália como representante da colônia Italiana desta província, e
por sua parte aproveitam a ocasião para protestarem contra este fato, pois não têm
esses senhores como seus representantes. E quando tivessem necessidade de se
fazerem representar, procurariam para esse fim, alguém cujas crenças religiosas
fossem idênticas as suas o que não se dá com os aludidos senhores. 254


253
OTTO, Claricia. Catolicidades e Italianidades: jogos de poder no Médio Vale do Itajaí-Açu e no Sul de Santa
Catarina. Tese (Doutorado em História) ± UFSC, Florianópolis, 2005, p. 75.
254
GAZETA PARANAENSE. Curitiba, 11 de agosto de 1887, nº 178, p.2.
ϭϭϳ



Esta manifestação pública em defesa de Colbacchini foi o contragolpe organizado em


pouco mais de duas semanas depois das ofensas feitas ao sacerdote. Ela foi assinada por
representantes das diversas colônias italianas do entorno da capital, de modo que o abaixo
assinado conteve 422 assinaturas, inclusive adentrando no campo do adversário, pois continha
cerca de 50 nomes de italianos do meio urbano. Podemos ler neste documento, antes
parcialmente apresentado, que os colonos adotaram também duas estratégias no referido
discurso, primeiro a de defenderem o proceder do padre, e segundo, a de repudiarem as
declarações de Ernesto Guaita, afirmando que este último, apesar de estar na função de agente
consular, não lhes representava, e que se necessitassem de algum representante escolheriam
alguém que tivesse as mesmas crenças religiosas que as suas, e não entre os membros da
Sociedade Garibaldi.
Com esta declaração os italianos das colônias agrícolas deixam evidente que
consideravam o referido padre como seu legítimo representante, e passam a assumir, ao menos
naquele contexto, a catolicidade como modelo de representação etnocultural. Notamos
claramente, que com esta ação, os colonos visavam na verdade estabelecer uma fronteira entre
os grupos por meio da religiosidade. Cremos que certamente essa iniciativa se deu sob a forte
influência do discurso de Colbacchini sobre os colonos. Esta nossa hipótese é comprovada pela
forma que o referido sacerdote descreve o acontecimento no trecho da carta a seguir:

Ora sto lottando terribilmente col Vice Console Italiano, certo Sr. Guaita Dr. Ing. il
TXDOHHEEHO¶DUGLPHQWRGLSURQXQFLDUHLQXQSXEEOLFRGLVFRUVRGLXQDLQDXJXUD]LRQH
di una società (massonica) intitolata Gius. Garibaldi, parole ingiuriose contro di me,
LPSORUDQGRO¶DMXWRGHOOH$XWRULWjSUHVHQWLSHURWWHQHUHODPLDHVSXOVLRQH&LzKDGDWR
causa a un pubblico protesto firmato da circa 1000 Coloni ital. il quale bastò a
mostrDUHODSHUItGLDGHO6U*XDLWDHVSHURFKHO¶DIIDUHWHUPLQHUjVHQ]DLQFRQYHQLHQWL
DYHQGR O¶DSSRJJLR GL WXWWL JOL RQHVWL VWDQGR JLj LQIRUPDWR SL GL WXWWR LO &RQVROH
Italiano di Rio Janeiro. Le dico questo per mostrarle che al diavolo non piace questa
missione e cerca di disturbarla [...] I nostri Coloni andrebbero alla morte in difesa mia
e della religione.255

Podemos ler, que Colbacchini associava a ação do seu oponente, o engenheiro Guaita,
com a do inimigo de Deus, ao escrever que por meio da ação do primeiro o diabo queria


255
Agora estou lutando terrivelmente com o Vice Cônsul Italiano, um tal Sr. Guaita, Dr. Engenheiro, o qual teve
o atrevimento de pronunciar em um discurso público na inauguração de uma sociedade maçônica intitulada
Giuseppe Garibaldi, palavras injuriosas contra mim, implorando a ajuda das autoridades presentes para obter a
minha expulsão. Este fato causou a publicação de um protesto assinado por cerca de 1000 Colonos italianos, o que
bastou para mostrar a perfídia do Sr. Guaita, e espero que a ação terminará sem inconvenientes, tendo eu o apoio
de todos os honestos, e estando já informado sobre tudo o Cônsul Italiano do Rio de Janeiro. Lhe digo isso para
lhe mostrar que o diabo não gosta desta missão e procura perturbá-la [...] Os nossos Colonos iriam até a morte em
minha defesa e da religião. (Tradução nossa). COLBACCHINI a MANTESE, 21 de agosto de 1887. In:
TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 34.
ϭϭϴ



atrapalhar a sua missão. Daí por diante, em várias de suas missivas o religioso será ainda mais
enfático, e ao se referir aos italianos do meio urbano ligados a Sociedade Garibaldi vai
classificá-los sempre como portati qui dal diavolo256. Certamente, esse argumento foi utilizado
pelo sacerdote para convencer os colonos a se posicionarem como seus defensores e contrários
a citada sociedade étnica. Da mesma maneira, percebemos que o sacerdote faz uma divisão
entre os italianos HVWDEHOHFLGRVHP&XULWLEDDRDILUPDUTXH³os nossos´RXVHMDRVFDWyOLFRV
que estavam submissos a sua liderança, seriam capazes de morrer em defesa dele e da religião
da qual ele era representante.
Nessa direção, a publicação desse abaixo assinado serviu para aumentar ainda mais a
divisão e a tensão entre os dois grupos, já que agora os italianos do entorno de Curitiba eram
conduzidos, por meio da disputa que se dava entre os representantes dos dois modelos de
italianidade, a escolher de que lado ficariam. Desse modo, poucos dias depois alguns dos
membros pertencentes à referida sociedade organizaram um contra protesto. Estes, por sua vez,
saíram em defesa do agente consular:

Tendo os abaixo assinados com a maior surpresa e indignação visto aparecer no nº


178 da Gazeta Paranaense as próprias assinaturas abaixo de uma verrina
estupidamente e indecorosamente escrita contra o Agente Consular da Itália sr. Dr.
Ernesto Guaita, protestam energicamente contra a forma pérfida e indecorosa com que
uma comissão composta dos Srs. Busato Francisco, Moletta Sebastião, Marco
Mocelin, Marco Feracin, Luiz Bonato e outros poucos obtiveram as nossas assinaturas
sem explicar o fim, perguntando apenas qual era a nossa religião, sem nem de longe
indicar que as ditas assinaturas deviam servir para ofender o tão digno patriota pelo
qual têm a honra de se ver nesta província representados e ao qual devem a mais
sincera gratidão e dedicação pela desinteressada, enérgica e filantrópica maneira com
que os auxiliou em qualquer circunstância.257

Neste documento, além de defenderem a moral do Sr. Ernesto Guaita, os 21 assinantes


afirmavam terem se surpreendido ao verem os seus nomes no protesto publicado contra o agente
consular. Afirmavam que se sentiam sim representados pelo Sr. Guaita, ao contrário do que
havia sido dito no protesto elaborado pelos colonos. Segundo eles, os apoiadores de
Colbacchini os extorquiram, pois não esclareceram o porquê colhiam as assinaturas, diziam
somente estarem recolhendo as firmas daqueles que se consideravam católicos.
Percebemos, por meio desta declaração, que este grupo urbano possuía indivíduos que
não viam nenhum problema em ser católico e, ao mesmo tempo, exaltar os símbolos da
unificação italiana junto dos imigrantes ligados a Sociedade Garibaldi. Certamente esses


256
Trazidos aqui pelo diabo. (Tradução nossa). Como exemplo podemos citar as cartas de COLBACCHINI a
SCALABRINI em 26 de dezembro de 1887 e em 26 de maio de 1888. Idem, pp. 42/62.
257
Chamamos atenção, sobretudo, para a citação dos italianos Sebastião Moleta e Francisco Busato como
defensores de Colbacchini. GAZETA PARANAENSE. Curitiba, 21 de agosto de 1887, nº 186, p. 3.
ϭϭϵ



italianos seguiam o catolicismo de uma maneira diferenciada do modelo imposto pelo discurso
ultramontano intransigente de Pietro Colbacchini, que condenava o apoio dos católicos à Itália
unificada. O fato é que, o que unia esses diferentes indivíduos em torno da referida associação
étnica era o sentimento comum de nacionalismo, independente da crença religiosa, podendo
inclusive, seus membros se declararem como católicos.
Esta realidade nos permite observar que não se está diante de um simples binarismo, e
que o grupo formado pelos italianos fixados no meio urbano pode, em certa medida, ser
classificado como multicultural ou híbrido. Isso é realmente provável porque, segundo aponta
Silva, o hibridismo surge frequentemente como resultado dos movimentos demográficos, como
migrações, diáspora e cruzamentos de fronteiras, que permitem o contato entre diferentes
identidades.258
Notamos também, que ao divulgarem a lista de cinco nomes, que foram acusados como
os responsáveis pelo abuso cometido e chamados de hipócritas e pretenciosos especuladores,
aparece mais uma vez no discurso a estratégia de denegrir o grupo opositor, agora com a
tentativa de atingir os seus líderes. Os assinantes que elaboraram este contra protesto afirmavam
DLQGDTXH³SRGLDPVHUUHFROKidas mais assinaturas nos diversos núcleos fora da cidade, mas é
inútil isto por ser notório que o abuso deu-VHQHVVHVQ~FOHRV´259
Percebemos aqui, que a tática usada foi a tentativa de entrar no campo inimigo, e
convencer aos italianos das colônias agrícolas dos arredores de Curitiba, que eles também
teriam sido extorquidos pela citada comissão. Também acreditamos que com a indicação dos
cinco nomes como responsáveis pela coleta de assinaturas dos colonos, o documento anterior
nos revela que era um grupo reduzido que se colocava inteiramente ao lado do discurso de
Colbacchini, e posteriormente, por serem vistos como amigos próximos do padre, tornavam-se
lideranças e agiam em nome dele, influenciando a opinião dos demais italianos dos núcleos
rurais.
O contra protesto exposto, estava acompanhado de uma declaração em favor do agente
consular Ernesto Guaita, que foi ainda assinada por outros 53 imigrantes italianos não citados
no protesto anterior. Junto a essas assinaturas, a maioria declarou também sua profissão, onde
aparecem muitos negociantes e artistas, e apenas um lavrador.260 Isto confirma que o


258
SILVA, Tomaz Tadeu da. A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, Tomaz Tadeu da.
(Org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 87.
259
GAZETA PARANAENSE. Curitiba, 21 de agosto de 1887, nº 186, p. 3.
260
Dos 53 signatários, 34 declararam sua respectiva profissão, havendo entre eles: 11 negociantes, 8 artistas, 3
canteiros, 2 agrimensores, 2 empreiteiros, 1 engenheiro, 1 proprietário, 1 industrial, 1 desenhista, 1 pedreiro, 1
alfaiate, 1 padeiro e 1 lavrador.
ϭϮϬ



agrupamento ligado a sociedade era formado por indivíduos instalados no centro urbano de
Curitiba, mas que estava aberto a participação dos colonos instalados nos núcleos rurais, fato
que aponta mais uma vez para a característica híbrida e multicultural deste grupo.261
Entendemos que este fato corrobora com a ideia de que o sujeito imigrante tem sua identidade
em trânsito, podendo cruzar fronteiras, não precisando obedecer aos limites impostos
artificialmente pelos discursos de representações identitárias.
Essa nossa afirmação se confirma ao constatarmos que alguns imigrantes assinaram
tanto o protesto a favor do padre, como o contra protesto, em defesa do discurso promovido
pelo agente consular. Este foi o caso dos imigrantes Giovanni Battista Antoniacomi 1º e
Giovanni Battista Antoniacomi 2º, cujo os nomes aparecem em ambos os abaixo assinados.
Estes dois últimos eram canteiros, cortadores de pedra, italianos provenientes da região de
Friuli, que pertenciam a colônia rural Santa Gabriela, mas pelo que parece simpatizavam com
a representação da identidade italiana promovida pelo grupo de imigrantes do meio urbano. Da
mesma forma que seu parente, Pietro Antoniacomi, que pertencia a outro núcleo rural, a colônia
Antônio Prado, mas que também aparece na lista do contra protesto, junto com os italianos do
centro urbano da capital paranaense.
Como já salientamos anteriormente, entre os italianos instalados no meio urbano haviam
também muitos imigrantes originários das regiões centrais e meridionais da Itália, o que
contribuía com o suposto hibridismo cultural do grupo. Essa realidade, se opunha ao processo
de normatização desejado por Colbacchini, e motivava ainda mais o preconceito dele em
relação àquele agrupamento, como podemos perceber no trecho a seguir no qual o religioso se
refere ao contra protesto elaborado por esses italianos do meio urbano:

Hanno stampato (con 104 sottoscrizioni di pochi italiani, molti napoletani, alcuni
EUDVLOHULHXQDGR]]LQDGLWHGHVFKLSURWHVWDQWL XQ¶DUWLFRORGLUHFODPHLQXQJLRUQDOH
GHOOD FLWWj GRYH GRSR GHSORUDWR O¶LQIDPH DEXVR FKH LR IDFFLR GHO PLR PLQLVWHUR
ricorrono al Poder competente perché con urgenti providenze lo arresti [...] Fin qua,
Qp IXURQR SXQLWL L WULVWH Qp F¶q SUHYLVLRQH FKH OR VLDQR 3HU TXHVWR GXUD
O¶LQTXLHWXGLQH GL WXWWL TXHVWL &RORQL ,WDOLDQL FKH DG RJQL PRGR QRQ YRJOLRQR
permettere che io mi sottragga da questa Provincia.262


261
Na lista de matrícula dos sócios da Sociedade Italiana Giuseppe Garibaldi, a qual tivemos acesso (ver ANEXO
3), dois dos seus membros também se declararam agricultores.
262
Publicaram (com 104 assinaturas de poucos italianos, muitos napolitanos, alguns brasileiros, e uma dúzia de
alemães protestantes) um artigo de protesto em um jornal da cidade, aonde depois de deplorado o infame abuso
que eu faço do meu ministério, recorrem ao poder competente para que com urgentes providencias o proíbam [...]
Até o momento, não foram punidos os tristes, nem há previsão que o sejam. Por isso dura a inquietação de todos
os Colonos Italianos, que de forma alguma querem permitir que eu me separe desta Província. (Tradução nossa).
COLBACCHINI a SCALABRINI, 11 de janeiro de 1889. In TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 102.
ϭϮϭ



Nesta última carta, ao fazer referência ao grupo de assinantes do citado contra protesto,
Colbacchini afirma que ele era composto de poucos italianos, e sim de muitos napolitanos. Isso
porque o referido religioso, preconceituosamente, não considerava os imigrantes procedentes
das regiões centrais e meridionais da Itália como sendo verdadeiros italianos, e classificava a
todos pejorativamente de napolitanos. Da mesma maneira, a fim de diminuir o efeito da ação
movida contra ele e os seus defensores, dizia que ela teria sido assinada também por brasileiros
e alemães protestantes, querendo que os colonos italianos, sobretudo católicos, não levassem o
seu conteúdo em consideração e continuassem a defender a sua permanência como liderança
religiosa em suas colônias.
Por sua vez, os cinco colonos acusados de organizar o abaixo assinado contra o agente
consular italiano, se sentiram golpeados e partiram mais uma vez para o contra-ataque, e em
apenas quatro dias elaboraram uma resposta ao contra protesto, na qual se defendiam das
acusações feitas a eles da seguinte maneira:

Nada do que expõem os contra protestantes, sobre o modo porque foram obtidas as
assinaturas é verdade. Os abaixo assinados afirmam que todos os que subscreveram o
aludido protesto, o fizeram espontaneamente, e estão prontos a provar isso em juízo,
ou por qualquer outro modo. Quem ignora que os colonos desejavam, por si, sem
sugestão de quem quer que fosse, protestar contra o ousado procedimento do Sr.
Guaita? A causa da religião era a do padre, contra o qual o Sr. Guaita dirigia tão
insólita provocação. Qual pois a necessidade de artificio ou engano para conseguir
assinaturas? [...] De mais não valia a pena virem em tão pequeno número manifestar-
se levianos e inconsiderados em público. A sua manifestação de quase nada poderá
servir ao Sr. Guaita pois que 21 nomes, tirados entre cerca de 400 importa em muito
pouco ou quase nada, para os efeitos do protesto, a que os retirantes, sem pensar
vieram dar toda a força. Diz-se em seguida as assinaturas do contra protesto que seria
fácil recolher outros nos diversos núcleos fora da cidade. É simplesmente uma
gabolice. Entre o dizer e o realizar vão grande distância. Se pelos meios que deram
em resultado as assinaturas já publicadas no contra protesto poderem angariar uma ou
duas dúzias de outras, nós poderemos oferecer ainda centenas em favor do protesto.263

Nesta resposta, assinada pelos colonos Francisco Busato, Sebastião Molleta, Marco
Mocelin, Marco Feracin e Luiz Bonato, nega-se a existência de uma comissão que recolheu os
nomes em favor de Colbacchini, e afirma-se que as assinaturas foram feitas todas
espontaneamente. Fica entendido também, que os colonos ficaram do lado do sacerdote, com o
argumento de que ele defendia a causa da religião. Mais uma vez a religiosidade é citada e
usada para estabelecer a diferenciação entre os grupos opositores. Fazem isso sobretudo no
momento no qual declaram que a maior parte dos imigrantes italianos estão sim do lado do


263
GAZETA PARANAENSE. Curitiba, 25 de agosto de 1887, nº 189, p. 3.
ϭϮϮ



religioso, ao afirmarem que conseguiriam ainda centenas de assinaturas em favor do protesto


contra Guaita.
Depois desses acontecimentos que se deram entre os meses de julho e agosto de 1887,
Ernesto Guaita foi deposto de seu cargo, e padre Pietro Colbacchini assumiu ainda mais em seu
discurso a postura de combate ao grupo de italianos com características patrióticas e
anticlericais do meio urbano ligados à Sociedade Garibaldi. Com essa atitude o sacerdote
almejava ser legitimado cada vez mais como principal representante da coletividade italiana da
região, ao mesmo tempo que induzia os colonos a assumirem uma italianidade pautada na
catolicidade ultramontana.
Porém, mesmo que aparentemente tendo se saído vitorioso diante da batalha que se deu
contra o citado representante consular, Colbalcchini se deu conta que devia enfrentar frequentes
oposições e perseguições. Diante deste fato, nossa hipótese é que o referido padre intensificou
ainda mais seu discurso antiliberal nas colônias, pois o religioso descobriu enfim, que não eram
todos os imigrantes de origem italiana que estavam dispostos a se submeter ao seu controle e
ao modelo de representação étnica baseado nos moldes do catolicismo ultramontano.
Consciente dessa realidade, em meados de 1888, o sacerdote escreveu ao representante da Santa
Sé no Brasil:

Fra i nostri, ve ne sono portati qui dal diavolo. Da cotestoro, ho sofferto e soffro
persecuzioni di RJQLIDWWD+RFRPEDWWXWRHYLQWRFRQWURO¶H[$JHQWH&RQVRODUHLO6HQ
(UQHVWR *XDLWD FKH LQ SXEEOLFR GLVFRUVR PL TXDOLILFDYD FRPH ³$YLV QRFWLYDJD
SHULFXORVD´D&RULW\ED8VFLURQRSDUHFKLDUWLFROLQHOJLRUQDOHHODILQHIXFKHYHQQH
imposto al Guaita di subire, e più tardi, di perdere il posto officiale che occupava, Ora
qua e colà vi sono che mi vogliono morto, o perche ho strappata la concubina, o per
avvisata la polizia delle turbolenze che inquietavano certe Colonie.264

Como declara Colbacchini, depois do enfrentamento vivido com o agente consular


Guaita no ano de 1887, surgiram vários inimigos que iriam agir para vê-lo morto, ou ao menos,
para afastá-lo de Curitiba. Essa situação de inimizade com parte da coletividade italiana do
Paraná vai perdurar enquanto o religioso permanecer na capital paranaense devido às diferenças
ideológicas que havia entre eles.


264
Entre os nossos, existem os trazidos pelo diabo. Da parte destes, sofri e sofro perseguições de todos os tipos.
Combati e venci o ex Agente Consular o Sr. Ernesto Guaita que em discurso público me qualificava como
³SHULJRVDDYHQRWtYDJD´SDUD&XULWLED6DtUDPYiULRVDUWLJRVQRMRUQDOHILQDOPHQWHIRLLPposto a Guaita de se
ausentar, e mais tarde, de perder o posto oficial que ocupava. Agora aqui e ali existem aqueles que me querem
morto, ou porque lhes tirei a concubina, ou por ter avisado a polícia das turbulências que inquietavam as colônias.
(Tradução nossa). COLBACCHINI a SPOLVERINI, 24 de maio de 1888. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p.
58.
ϭϮϯ



Em outras palavras, criou-se uma fronteira com marcas bem estabelecidas entre as
formas de representação de italianidade na região. Sendo assim, o referido sacerdote continuou
a atacar os italianos do meio urbano, com o intuito de afastar deles os imigrantes das colônias
rurais. Da mesma forma, que o religioso irá ser constantemente atacado pelo grupo liberal e
anticlerical que desejava denegrir a sua imagem diante dos colonos de origem italiana. Assim,
passou a haver uma disputa de quem representava a verdadeira Colônia Italiana do Paraná.
Essa nossa afirmação se torna evidente ao nos depararmos com os acontecimentos que
se deram durante as festividades de 20 de setembro de 1892. Naquela ocasião, as comemorações
da conquista de Roma ganharam um caráter especial em Curitiba, devido a visita do cônsul
italiano nomeado para os estados de São Paulo e Paraná à cidade.265 No citado dia houve vários
discursos, desfiles, festividades, incluindo a nomeação do italiano Giovanni Silva como novo
agente consular para a região, como também o envio do seguinte telegrama escrito pelo referido
&{QVXODRUHLLWDOLDQR³/DFRORQLDLWDOLDQDULXQLWDSHUFRmmemorare questa data storica prega
unanime per mio mezzo a Vostra Eccelenza far gradire a Sua Maestà amato Sovrano
HVSUHVVLRQHGLULVSHWWRVRHSURIRQGRDIIHWR5HDOHFKHSURFODPz5RPDLQWDQJLELOH´266
Se lermos este telegrama isoladamente, fica entendido que toda a coletividade dos
imigrantes de origem italiana estabelecidos no Paraná foi, de forma unânime, a favor da
unificação da península e reconhecia o rei italiano como seu soberano. Porém, sabemos que a
maior parcela dos colonos dessa origem, sobretudo os que habitavam as colônias rurais, sequer
participou dessa manifestação, e que o documento foi elaborado por poucos, e assinado por
somente 67 italianos, todos ligados a Sociedade Garibaldi.267
Diante do acontecimento, Colbacchini, que por sua vez também se considerava o
legítimo representante da italianidade na região de Curitiba, sentiu-se não só excluído, mas
profundamente ofendido, e referindo-se ao Cônsul escreveu ao seu superior:

Egli, anziché da Console fece da tribuno, e più rosso dei rossi, venne quì a far pompa
della sua irreligione e del suo sporciloquio contro il Papa ed i Preti.
Contro di me poi proferì le parole più villane, sdegnando di accetare il mio concorso
per poter avvicinare la vera Colonia Italiana del Paranà.268

265
Trata-se da figura diplomática do Sr. Conde Rozwadowski. A visita foi noticiada no jornal A REPUBLICA, de
24 de setembro de 1892.
266
A colônia italiana reunida para comemorar esta data histórica implora unânime por meio de mim que a Vossa
Excelência se agrade por Sua Majestade e amado Soberano das expressões de respeitoso e profundo afeto real que
proclamou Roma intangível. (Tradução nossa.) TelegUDPPDD6XD0DHVWj5HG¶,WDOLD&XULWLEDGHVHWHPEUR
de 1892. Acervo da Sociedade Italiana Giuseppe Garibaldi. 
Ϯϲϳ
Entre as assinaturas do telegrama destacamos as dos imigrantes Sebastiano Moletta e Basilio Bacalfi, sobre os
quais discutiremos mais adiante. 
268
Ele, em vez de Cônsul, se fez tribuno, e do mais vermelho entre os vermelhos, vindo aqui para fazer pompa da
sua irreligião e de sua retórica contra o Papa e os Padres. Contra mim proferiu as palavras mais vilãs, desdenhando
ϭϮϰ



Portanto, o sacerdote católico afirmou que o Cônsul não se aproximou da verdadeira


Colônia Italiana do Paraná, que na opinião dele era formada pelos italianos católicos
estabelecidos nas colônias agrícolas do entorno de Curitiba submissos a sua liderança, e não
pela minoria dessa origem fixada no meio urbano. Esses últimos, na concepção do religioso,
VHULDPIDOVRVHLQGLJQRVLWDOLDQRV³italiani solo di nome269´HQmRUHSUHVHQWDYDPDFROHWLYLGDGH
dos imigrantes da região. Da mesma forma, Colbacchini destacou a postura anticlerical do
diplomata ao participar das comemorações da tomada de Roma. Assim, no dia 26 de setembro
de 1892, escreveu ao Cônsul em tom de protesto e pedindo uma reparação:

Egregio Sig.r Conte. Mi dispiace di non aver potuto accostarmi alla sua persona,
QHOO¶RFFDVLRQHGHOODVXDYHQXWDHSHUPDQHQ]DLQ&XULW\EDHSLPROWRPLGLVSLDFH
di dover ora, come a Regio Console Italiano, richiederle una riparazione. [...] perché
egli abbia, di questi giorni, ricusato il mio intervento presso la maggiore e miglior
parte dei Coloni Italiani, al fine di poter egli avere una legittima rapresentanza che
potesse informarlo del vero stato e dei bisogni della stessa Colonia; [...] perché lo
stesso Sig.r Console, in onta ai sentimenti professati dalla quase totalità di questi
Italiani cattolici, abbia voluto scegliere od accettare di presiedere ad una
manifestazione odiosa ala Chiesa cattolica nel giorno 20-7bre, in Curityba; [...] per
aver egli ricevuto come rappresentanti della Colonia Italiana Paranaense, individui
che se ne arrogarono il mandato che non avevano ricevuto né avrebbero potuto
ottenere dalla vera Colonia Italiana.270

Percebemos claramente, que Colbacchini defendia que a verdadeira Colônia Italiana


do Paraná era formada pelos imigrantes católicos localizados nos núcleos rurais do entorno da
capital paranaense, que mantinham sua identidade cultural por meio da religiosidade. Da mesma
forma, afirmava que os italianos do meio urbano de Curitiba eram minoria e não representavam
a maior e melhor parcela dos colonos. Declarava também, que se o Cônsul, tivesse desejado
saber do estado e das necessidades da coletividade italiana do Paraná deveria ter escolhido a ele
como representante da mesma. O sacerdote encerrou a carta enviada ao referido diplomata com
as seguintes palavras:


de aceitar o meu convite para poder aproximar-se da verdadeira Colonia Italiana do Paraná. (Tradução nossa).
COLBACCHINI a SCALABRINI, 26 de setembro de 1892. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 352.
269
Italianos só de nome. (Tradução nossa). COLBACCHINI al CONSOLE DI SAN PAOLO, 26 de setembro de
1892. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 354.
270
Ilustre Sr. Conde. Me desagrada não ter sido possível me aproximar de sua pessoa, na ocasião da sua vinda e
permanência em Curitiba, e, muito mais, me desagrada de dever agora, como Régio Cônsul Italiano, pedir-lhe uma
reparação. [...] Porque vós tenha, naqueles dias, recusado a minha participação com a maior e melhor parte dos
Colonos Italianos, a fim de poder vós ter uma legítima representação que pudesse informa-lo do verdadeiro estado
e das necessidades da mesma Colônia; porque vós mesmo Sr. Cônsul, contrário aos sentimentos professados pela
quase totalidade desses Italianos católicos, tenha preferido escolher ou aceitar de presidir a uma manifestação
odiosa a Igreja Católica no dia 20 de setembro, em Curitiba. [...] por vós ter recebido como representantes da
Colonia Italiana Paranaense, indivíduos que se arrogaram o mandato que não receberam e nem poderiam obter da
verdadeira Colonia Italiana. (Tradução nossa). Idem.
ϭϮϱ



Se poi il mio reato, che mi suscita tante ignobili ire ed il nobile sdegno di V.S. Illma,
IRVVH TXHOORGHOWHQHUYLYR IUDTXHVWL,WDOLDQL O¶DPRUSDWULRDVVLHPHDOO¶DPRUHGHOOD
loro fede cattolica e del Papa, sappia che mi glorierei di questa colpa, e mi reputerei
IHOLFHGLWURYDUHQHOO¶RGLRGHLQHPLFLGL'LRHGHO3DSDODSLHVSOLFLWDVDQ]LRQHGHO
compimento dei miei doveri. Non sarei per niente Miss. Ap.o fra gli Italiani del
Paranà.271

Fica evidente, diante dessa última declaração de Colbacchini, que o mesmo, por meio
de seu discurso católico ultramontano, caracterizado pela total fidelidade ao sumo pontífice da
Igreja Católica e pelo combate às ideologias contrárias a ela, almejava incutir e fortalecer o
sentimento de italianidade baseado na catolicidade.
Dessa forma, compreendemos que a presença do referido padre foi responsável pelo
forjar da identidade etnocultural dos italianos da região de Curitiba, imprimindo nos colonos
ali estabelecidos um sentimento de pertença étnica por meio da fé católica. Em outras palavras,
o modelo de italianidade promovido pelo discurso do sacerdote influenciou o processo de
identificação dos imigrantes de origem italiana, sendo que boa parcela destes assumiu como
representação identitária a catolicidade. Porém, como vimos, isso ocorreu por meio da
alteridade, ou seja, da luta contra outro modelo de italianidade que coexistia na capital
paranaense, que por sua vez se apoiava no nacionalismo, independente de religião.

3.2 O confronto com o catolicismo brasileiro

Neste segundo momento, almejamos perceber como o discurso ultramontano de


Colbacchini, apoiado na romanização e no modelo tridentino de catolicismo, condenava a forma
como se dava a prática da religião católica no Brasil no final do século XIX. Dessa maneira, o
missionário considerava que o catolicismo à brasileira era um perigo para a preservação do
modelo de representação étnica que ele pretendia estabelecer entre os imigrantes instalados na
região de colonização italiana do Paraná. Sendo assim, como salientou Azzi, o referido padre
³DOpP GR FRPEDWH jV LGHLDV OLEHUDLV LQYHVWLUD WDPEpP FRP IRUoD FRQWUD DV IRUPDV GH
organização e expressão do catolicismo luso-EUDVLOHLUR´272


271
Pois se o meu crime, que suscita tantas repugnantes iras e o nobre desprezo de V. S. Ilustríssima, fosse aquele
de manter vivo entre estes Italianos o amor pátrio unido ao amor da sua fé católica e do Papa, saibas que me
gloriaria desta culpa, e me consideraria feliz de encontrar no ódio dos inimigos de Deus e do Papa, a mais explícita
recompensa do cumprimento dos meus deveres. Não teria sido em vão Missionário Apostólico entre os Italianos
do Paraná. (Tradução nossa). Ibidem, p. 355.
272
AZZI, Riolando. Op. Cit., 1987, p. 250.
ϭϮϲ



Nessa direção, pretendemos apresentar aqui as críticas feitas por Colbacchini à forma
de como a religião católica era praticada pelos nacionais, assim como os enfrentamentos que se
deram entre o religioso e os dirigentes da Igreja local. Queremos evidenciar as disputas de poder
que se deram entre ele e os clérigos nacionais, sobretudo a respeito da jurisdição das capelas
que se formavam nas colônias italianas do entorno de Curitiba. Da mesma forma, temos a
intenção de demonstrar, como o discurso do sacerdote italiano condenava a moral do clero
brasileiro, pois essa não condizia com a moralização dos representantes da Igreja conforme
pregava o ultramontanismo e a romanização da época.
Portanto, para que fosse preservada a italianidade dos imigrantes, Colbacchini entendia
que eles não poderiam viver o catolicismo da maneira como era praticado no Brasil, e por isso
acreditava ser necessário afastá-los das paróquias brasileiras e seus maus clérigos, que segundo
ele não eram capazes nem mesmo de atender as necessidades espirituais dos nacionais. Ao
escrever sobre a primeira impressão que teve do pároco de Curitiba, ao chegar no Paraná em
RUHOLJLRVRDILUPD³Il Paroco della città, che non è coadiuvato da nessun altro, non ha né
tempo né voglia per occuparsi dei brasileri, e meno ancora degli italiani, dai quali si limita
riscuotere le tasse dei battesimi e matrimoni, che sono enorme´273.
Percebemos, que ao se referir ao pároco da cidade o religioso italiano faz duas críticas,
que serão constantemente feitas por ele aos padres brasileiros, o descaso para com os fiéis,
sobretudo para com os imigrantes, e o forte apego ao dinheiro, deixando de lado as práticas
espirituais. A respeito dessa segunda acusação, Colbacchini vai escrever em março de 1888:

Però non posso far molto conto di ajuto da chi, come son tutti qui, non considera
QHOO¶RSHUDGHO6DFHUGRWHFKHXQEXRQPH]]RSHUYLYHUH1pSLQpPHQRVLSRVVRQR
considerare qui i parochi come impiegati governativi per i libri civili del movimento
della popolazione. La Messa la dicono quando loro piace o ne hanno impegno, e quasi
tutti se ne sbrigano in 10 o poco più minuti. Per confessare, neppure i moribondi. Su
100 muojono qui 99 sensa sacramenti, in città e fuori. Appunto in questo momento
sto aspettando persona che mi venne a chiedere di assistire una moribonda brasilera
che dimora due leghe di qua. Dai preti brasileri non si va neppure a notificare il caso
perche si sa che neppure si muove.274


273
O Pároco da cidade, que não é coadjuvado por nenhum outro, não tem nem tempo e nem vontade cuida dos
brasileiros, e menos ainda dos italianos, dos quais se limita a recolher as taxas de batismo e matrimônio. (Tradução
nossa). COLBACCHINI a MANTESE, junho de 1886. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 19.
274
Porém não posso esperar muita ajuda de quem, como são todos aqui, não considera na obra do Sacerdote mais
que um bom meio para sobreviver. Nem mais nem menos se podem considerar aqui os párocos do que empregados
governamentais para os livros civis de movimento da população. A Missa a dizem quando querem ou não
apresentam empenho, e quase todos terminam em 10 ou pouco mais minutos. Para confessar, nem menos os
moribundos. De 100 morrem 99 sem os sacramentos, na cidade e fora. Exatamente neste momento estou esperando
uma pessoa que veio me pedir para assistir uma moribunda brasileira que mora duas léguas daqui. Aos padres
brasileiros não se vai nem menos notificar o caso porque se sabe que nem se movem. (Tradução nossa).
COLBACCHINI a SCALABRINI, 10 de março de 1888. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 46. 
ϭϮϳ



Notamos, que Pietro Colbacchini faz uma generalização, pois considerava que todos os
membros do clero brasileiro só exerciam a sua função em razão do salário que recebiam do
governo. Da mesma forma, percebemos que ele critica a falta de zelo dos mesmos na
ministração dos sacramentos católicos, pois cita que celebravam a missa muito rapidamente,
não confessavam os fiéis e nem dispensavam a unção dos enfermos aos moribundos.
Ao fazer essas críticas, entendemos que o sacerdote italiano estava desdenhando o
catolicismo brasileiro em favor do modelo tridentino, que se apoiava principalmente na prática
sacramental, e que foi adotado pela compreensão ultramontana como modelo único de
catolicidade a ser vivido. Cremos, que ao impor esse modelo nas colônias italianas, ele almejava
cooperar com o processo de normatização do catolicismo, que era um desejo do projeto de
romanização da Igreja. Para que isso se tornasse realidade, esperava poder contar também com
a colaboração dos imigrantes, que nessa direção, não podiam se deixar contaminar pelos
brasileiros e deveriam assumir como expressão da religião a prática dos sacramentos e a
obediência a Roma.
Da mesma forma, fica subtendido, que o religioso italiano não via nenhum problema em
levar também os sacramentos aos nacionais, justificando que isso era necessário, pois, os padres
locais não cumpriam essa obrigação. Isso acontecia, porque na concepção de Colbacchini,
conforme podemos conferir no trecho de carta a seguir, a presença dele e dos colonos de origem
italiana, trazidos pelo fenômeno imigratório, é que iria salvar a Igreja do Brasil.

Io credo che Iddio nella sua misericordia abbia disposto di questa emigrazione italiana
nel Brasile, per suscitare in questo popolo quella fede che seminata um giorno dai
sudori e dal sangue dei PP. della Comp. di Gesù ha quasi perduto ogni vestigio. Non
si conosce qui pratica di religione. Un su cento va ad udir Messa alla festa, nessuno si
DFFRVWDDL666DFUDPHQWLHVRORTXDOFXQRSHUODSULPDHGXOWLPDYROWDQHOO¶RFFDVLRQH
del matrimonio.
In Coritiba che è città di 30.000 anime non si fanno 50 comunioni per anno. Ed i preti?
Cercano denaro e spassi, e poi! ... e poi! Che Iddio salvi questo Brasile! 275

É notório, que o sacerdote considerava a maneira como os imigrantes italianos


praticavam a fé católica superior a forma como os brasileiros viviam a religião. Ele evidencia
em seu discurso que isso acontecia por culpa do clero nacional, que não estimulava a prática
sacramental. Enquanto os colonos buscavam constantemente os sacramentos dispensados pelos


275
Eu creio que Deus na sua misericórdia dispôs desta emigração italiana no Brasil para suscitar neste povo aquela
fé que semeada um dia pelo suor e pelo sangue dos padres da Companhia de Jesus perdeu quase todo vestígio. Não
se conhece aqui a pratica da religião. Um em cada cem vai ouvir missa quando é dia de festa, ninguém se aproxima
dos Santíssimos Sacramentos, e somente um ou outro pela primeira e última vez por ocasião do matrimônio. Em
Curitiba que é cidade de 30.000 almas não se fazem 50 comunhões por ano. E os padres? Querem dinheiro e folga,
e depois! .... e depois! Que Deus salve esse Brasil! (Tradução nossa). COLBACCHINI a SCALABRINI, 26 de
outubro de 1887. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 42.
ϭϮϴ



padres, sobretudo a comunhão dominical, os nacionais não se apegavam a eles, e manifestavam


a sua crença católica de outras maneiras. Essa nossa afirmação fica mais evidente ao lermos a
VHJXLQWHFRQVWDWDomRGH&ROEDFFKLQL³WXWWRULFKLDPDODIHGHDO666DFUDPHQWRIHGHFKHSXU
troppo non si riscontra in questi paesi, dove si fa più conto di un S. Benedeto (nero) alto 10
centimetri che N. S. Sacramentato, FKHTXDVLSHUWXWWRq'LRLJQRWR´276.
Podemos afirmar, portanto, que para Colbacchini só havia um modelo de catolicismo,
aquele centrado nos sacramentos, e era esse que ele deveria manter entre os imigrantes, e assim,
mais tarde, esses últimos poderiam transformar também a maneira como os nacionais
praticavam a religião católica. Dessa forma, com a ajuda dos colonos, a Igreja alcançaria mais
facilmente o seu objetivo de romanizar o catolicismo brasileiro.
Com esse intuito, o referido missionário passou a exercer a direção espiritual das
colônias italianas da região pregando a vivência contínua das práticas sacramentais católicas.
Assim, os imigrantes italianos foram organizados por ele em torno de capelas comunais onde
quem ditava as normas de conduta era o sacerdote católico. Ou seja, era o padre, representante
e portador da voz de Deus quem detinha a autoridade, e consequentemente criava modelos de
comportamento que deveriam ser adotados pelos colonos.
Dessa maneira, o ponto alto das visitas aos núcleos coloniais, onde o sacerdote podia
propagar o seu discurso, tanto através da palavra como por meio dos ritos, eram os encontros
religiosos nas capelas. Nesses encontros, eram realizadas as missas e praticados os sacramentos,
de forma que o religioso podia falar a todos os fiéis, e na mesma oportunidade se dedicar há
alguns de maneira individual. Assim, tanto o discurso feito à coletividade por meio da homilia
da missa, como o discurso mais direto, exercido via sacramentos, eram realizados.
Por meio do sacramento do Batismo o missionário podia falar diretamente aos pais e
padrinhos. Através do sacramento do Crisma, que se dava após as aulas de catecismo, falava às
crianças e adolescentes. Pelo ato do matrimônio e da preparação para o casamento discursava
aos jovens e às famílias. Dessa forma, Colbacchini podia propagar seu pensamento
ultramontano e definir os modelos de comportamento de bons e maus italianos para todos os
indivíduos que integravam aquele grupo social. Portanto, podemos afirmar que os sacramentos
funcionavam como mecanismos de controle de conduta e ao mesmo tempo promoviam um
modelo específico de italianidade.


276
... tudo faz referência ao Santíssimo Sacramento, fé que infelizmente não se encontra por estes lugares, onde se
dá mais atenção a um São Benedito (negro) de 10 centímetros de altura que ao Nosso Senhor Sacramentado, que
quase por todos é o Deus ignorado. (Tradução nossa). COLBACCHINI a ROLLERI, 25 de julho de 1888. In:
TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 68.
ϭϮϵ



Entre os ritos sacramentais, os que eram mais enfatizados pelo catolicismo ultramontano
com conotações tridentinas, e que por essa razão foram os mais adotados pelo sacerdote italiano,
eram os da comunhão e da confissão. Segundo o mesmo, era principalmente nesses dois que,
tanto os leigos quanto os padres brasileiros, deixavam a desejar. O primeiro fazia com que os
fiéis participassem frequentemente da missa, e como consequência, ouvissem o discurso do
sacerdote de forma continuada. O segundo, permitia ao mesmo controlar o comportamento dos
sujeitos de maneira individual. Ambos caminhavam juntos, já que para uma boa comunhão a
regra católica mandava que primeiro fosse realizada uma boa confissão.
A crença, por parte dos fiéis, de que a comunhão e a confissão eram indispensáveis para
a conquista da salvação, tornava essas práticas obrigatórias para o bom e fiel católico, e por
essa razão esses sacramentos eram os mais valorizados, pois assim era possível impor regras e
modelos de comportamento. Podemos identificar essa valorização presente no discurso de
Colbacchini por meio do seguinte trecho de uma das correspondências enviada pelo referido
sacerdote ao seu superior, monsenhor Scalabrini:

Il giorno di S. Pietro femmo la inaugurazione della Chiesa di Agua Verde che per
decreto Vescolvile è scelta come sede parochiale di tutte queste Colonie. Il concorso
riuscì pieno. Circa 2000 italiani parteciparono alla funzione. La festa continuò tre
giorni e nel terzo, domenica, fuorono quasi 300 le SS. Comunioni, e sarebbero state
più che un doppio se ci fossero stati altri confessori. La Chiesa riuscì veramente
bellina. Misura 24 metr. per undici e con volto a calce, dipintivi i simboli della
Eucaristia.277

Percebemos que, ao relatar as festividades da inauguração da igreja da colônia Água


Verde, o ponto que o missionário mais enfatizou foi o número expressivo das comunhões e
confissões realizadas durante o evento. Da mesma maneira, vemos que ele descreve que a nova
igreja da colônia havia sido decorada com pinturas que faziam referência ao sacramento da
comunhão. Este último fato demonstra, que o discurso do religioso também era reforçado por
meio das pinturas e demais artes sacras presentes nos templos católicos que o sacerdote
inaugurou junto das colônias italianas da região.278


277
No dia de São Pedro fizemos a inauguração da Igreja de Água Verde que por decreto episcopal foi escolhida
como sede paroquial de todas as colônias daqui. A participação foi grande. Cerca de 2.000 italianos participaram
das atividades. A festa durou três dias, e no terceiro, domingo, foram quase 300 as Santíssimas Comunhões, e
seriam mais que o dobro se tivesse existido outros confessores. A igreja ficou verdadeiramente graciosa. Medindo
24 X 11 metros teve a abóboda pintada com os símbolos da Eucaristia. (Tradução nossa). COLBACCHINI a
SCALABRINI, 03 de julho de 1888. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 65.
278
Como exemplo podemos citar também as estátuas do Sagrado Coração de Jesus e Nossa Senhora que o
missionário italiano adquiriu para as capelas das colônias. A primeira foi destinada para a citada Igreja sede do
Água Verde, pois com essa devoção o religioso scalabriniano acreditava impulsionar ainda mais a frequência à
Eucaristia. Cf. AZZI, 1927. Op. Cit., pp. 229-232.
ϭϯϬ



Outra informação importante, sempre presente no discurso de Colbacchini, e posta


também no extrato de fonte apresentado anteriormente, é a regra católica de que o domingo
deve ser reservado como dia da semana que devia ser dedicado à participação nas celebrações
religiosas. Dessa forma, os colonos que se dedicavam a semana inteira aos trabalhos agrícolas
reservavam boa parte de seu dia de descanso ao cumprimento das suas obrigações cristãs.
Assim, percebemos que por meio deste discurso havia um controle sobre o tempo e os afazeres
semanais dos sujeitos, de modo que os imigrantes italianos eram conduzidos a preencher suas
existências somente com o trabalho e as atividades na capela rural, ou seja, seguiam a máxima
do catolicismo ora et labora.
Portanto, o domingo e outros dias de descanso deviam ser dedicados à Deus e não às
desordens e às festividades mundanas, de forma que mesmo o lazer e a diversão do bom
católico, e consequentemente do bom italiano, deviam ser vivenciados nas dependências da
Igreja e não em lugares profanos. Nessa direção, percebemos que o discurso do representante
do catolicismo que estamos investigando ultrapassava os fatores espirituais e religiosos,
visando controlar e regular aspectos de ordem cultural e social da vida cotidiana dos sujeitos.
Por meio, dessa nossa análise, da maneira como o padre Pietro Colbacchini pretendia
moldar a vida dos imigrantes italianos da região através da contínua prática dos sacramentos
católicos, cremos ficar evidente o porquê defendemos que a atuação do missionário influenciou
muito na construção da identidade etnocultural do referido grupo étnico. Apoiamos a ideia de
que a italianidade pautada no catolicismo difundida pelo referido religioso criou uma marca
identitária na qual o bom italiano devia ser necessariamente um bom católico, obediente e
praticante.
Porém, para que todo esse esforço alcançasse seu objetivo, o missionário considerava
necessário separar as colônias italianas das paróquias brasileiras, ou seja, era preciso que os
imigrantes não se submetessem a liderança espiritual dos padres locais. Esse desejo em grande
parte devia-se ao mal comportamento moral dos clérigos brasileiros, que muitas vezes não
respeitavam o celibato e mantinham mulheres, e até mesmo filhos, junto a casa paroquial. Sobre
essa realidade Colbacchini escreve ao Internúncio Spolverini:

Un certo R.mo P. José Joaquim do Prado (figlio sacrílego di Sacerdote) era Paroco di
Coritiba, e dava tanti scandali che la fede del popolo ebbe a patire gravíssimo danno.
Non assiste alle confessione, ed ai nostri italiani che ne lo richiedavano rispondeva:
não seja louco, não precisa de confissão!!! In 8 minuti diceva Messa, dico in otto
minuti, di che io fui testimonio. Prendeva caffe prima della Messa ± donne in casa,
sotto titolo di figliade, - YHFFKLRSDUDOLWLFRDYDURDOO¶XOWLPRHFFHVVR± OXSRQHOO¶RYLOH
[...] Qui invece perché il partito liberale lo chiede, il Vescovo lo concede come Pastore
di un popolo tanto necessitoso!
ϭϯϭ



Mgr. Mocenni mi diceva che la Chiesa del Brasile è un cadavere; ogni giorno più
accerto la di lui frase.
[...] Il vicario di S. José dos Pinhaes, che morì, aveva donna e figli in casa, conosciuti
da tutti (anche del Vescovo) e prima gli avea dato altri scandali, e questa donna ultima
era moglie con marito vivo... La Chiesa cadente ± paramenti laceri e immondi ± tutto
in pessimo stato.
Ora il Prado andrà a spargere la cenere sulla sepoltura di quella disgraziata
Parocchia!279

Na carta apresentada, escrita ao representante da Santa Sé no Brasil, o padre italiano cita


dois exemplos, que se deram na região de Curitiba, do que ele considerava como
comportamentos imorais dos clérigos brasileiros. Refere-se aos maus padres como lobos no
redil, pois além de não zelarem pela Igreja e pela prática dos sacramentos, mantinham mulheres
e também filhos em casa, ou seja, transgrediam a regra do celibato. Contudo, o que causava
ainda mais indignação em Colbacchini era o fato de que isso acontecia com o conhecimento de
todos, sobretudo do bispo local. Inclusive escreveu, que o mesmo mantinha o padre José
Joaquim do Prado na função de pároco por exigência do partido liberal. Diante desses fatos, o
missionário italiano vai passar a confrontar e desqualificar cada vez mais as autoridades
eclesiásticas brasileiras, classificando a Igreja do Brasil como um cadáver.
Portanto, a solução seria criar uma paróquia étnica somente para os imigrantes italianos,
sem a má influência do clero brasileiro. Porém, isso não era possível devido à distância dos
núcleos coloniais, e ao fato de que muitos deles eram colônias mistas, ou então, estavam
localizados em meio à população luso-brasileira. Diante desta realidade, o padre Colbacchini
propôs ao bispo da Diocese de São Paulo, à qual pertencia a paróquia de Curitiba, a criação de
uma Capelania Curada para os italianos, de modo parecido à que havia sido criada para os
poloneses da região. Segundo Francesconi, essa ideia era defendida também pelo superior
Monsenhor Giovanni Battista Scalabrini, que já havia solicitado até mesmo ao papa, por meio


279
Um certo Revmo. Pe. José Joaquim do Prado (filho sacrílego de sacerdote) era pároco de Curitiba, e dava tantos
escândalos que a fé do povo sofreu gravíssimo dano. Não atendia as confissões, e aos nossos italianos que lhe
solicitavam respondia: não seja louco, não precisa a confissão!!! Em 8 minutos rezava a missa, digo oito minutos,
coisa que eu fui testemunha. Tomava café antes da missa ± tinha mulheres em casa, sob o título de afilhadas, -
velho, paralítico, avaro ao último excesso ± um lobo no redil. Aqui ao invés, porque o partido liberal o pede, o
Bispo o aceita como Pastor de um povo muito necessitado! Monsenhor Mocenni me dizia que a Igreja do Brasil é
um cadáver; cada dia mais confirmo a frase dele. O Vigário de São José dos Pinhais, que morreu, tinha mulher e
filhos em casa, conhecidos por todos (também pelo Bispo) e antes ele já havia dado outros escândalos, e essa
última mulher era casada com marido vivo... A Igreja caindo ± paramentos dilacerados e imundos ± tudo em
péssimo estado. Agora o Prado irá espalhar as cinzas sobre a sepultura daquela desgraçada Paróquia. (Tradução
nossa). COLBACCHINI a SPOLVERINI, 27 de novembro de 1888. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., pp. 81-
82.
ϭϯϮ



da Propaganda Fide, que os italianos fossem assistidos espiritualmente pelos missionários da


sua congregação e não pelo clero das paróquias locais.280
O bispo de São Paulo, Dom Lino Deodato Rodrigues de Carvalho, após receber vários
pedidos referentes a instalação de uma capelania curada para os italianos em Curitiba, incumbiu
a tarefa de organizá-la ao padre João Evangelista Braga, que ocupava o cargo de Vigário Geral
Forense no Paraná.281 A autoridade eclesiástica alegava que o referido clérigo, legítimo
responsável por aquela jurisdição, resolveria a questão com maior proeza por conhecer melhor
a realidade daquela paróquia e das colônias paranaenses. Porém, acreditamos que Dom Lino
também não quis decidir a respeito da capelania porque era uma discussão que girava em torno
da questão territorial. Segundo aponta Terragni, os bispos brasileiros evitavam ao máximo tratar
das divisões espaciais para não se indispor com os seus párocos, isso porque o que estava por
trás das dimensões territoriais era o controle da população, sobretudo, das taxas pagas pelos
sacramentos.282
Por sua vez, Colbacchini considerava a atitude do referido bispo como um desprezo e
um descaso, tanto para com a sua pessoa e o seu ministério, como para com a assistência
religiosa aos imigrantes italianos. De qualquer forma, o decreto elaborado pelo então Vigário
Geral no Paraná, foi aprovado e assinado pelo bispo paulista em 14 de fevereiro de 1888. O
primeiro artigo deste documento episcopal definia a organização da Capelania Curada Italiana
da seguinte maneira:

1. Fica criada uma espécie de Capelania Curada ou eclesiástica, provisória como


aquela por Nós estabelecida na Província do Paraná, desta nossa Diocese, entre os
catholicos poloneses, e deve formar-se dos catholicos imigrados da Itália e seus filhos
domiciliados nos ex-núcleos coloniais ora emancipados que são os seguintes: Dantas
ou Água Verde, Santa Felicidade, Campo Comprido, e Alfredo Chaves da Parochia
de Nossa Senhora da Luz de Corityba; Antonio Rebouças ou Timbutuva e Jugica
Mendes da Parochia de Nossa Senhora da Piedade de Campo Largo; Santa Maria do
Novo Tyrol, Murici e Zacarias da Parochia do Patrocínio de São José dos Pinhaes da
comarca eclesiástica de Corityba da Província do Paraná, deste Bispado, que de sua
muito livre e espontânea vontade, se quiserem inscrever como aplicados ou
jurisdicionados nesta Cappelania.283


280
FRANCESCONI, Mario. Storia della congregazione scalabriniana. Vol.III (1888-1905). Roma: Centro Studi
Emigrazione, 1973, pp. 40-42.
281
Lembramos que ainda nessa época o Paraná fazia parte da diocese paulista e que não possuía um bispo próprio,
mas somente um Vigário Geral Forense. Este último tratava-se de um cargo específico dado a um padre, que
designado pela autoridade episcopal ficava responsável pela referida jurisdição.
282
TERRAGNI, Giovanni. Scalabrini e la congregazione dei missionari per gli emigrati. Aspetti istituzionali
1887-1905. Roma: autorinediti, 2014, p. 115.
283
Portaria de 14 de fevereiro de 1888, referente à Capelania Italiana, transcrita no Livro 2 da Vigararia Geral
Forense, p. 118. Arquivo da Cúria Metropolitana de Curitiba.
ϭϯϯ



No entanto, esse decreto episcopal que instituiu a Capelania Curada Italiana na


Província do Paraná, que possuía no total 27 artigos, causou muita revolta no missionário Pietro
Colbacchini. Apesar de, como ele queria, ter sido nomeado oficialmente como responsável pela
referida capelania, o mesmo percebeu que tanto sua jurisdição e o seu poder haviam sido
reduzidos por meio do documento, o que na sua opinião causaria graves danos a manutenção
da catolicidade entre os italianos instalados na região de Curitiba.
Um primeiro motivo que causava indignação no sacerdote italiano é que o decreto
classificou a capelania como provisória, e de acordo com o seu desejo devia ser permanente. A
segunda falha do documento é que, além de não falar dos limites das colônias que foram citadas,
ele havia deixado de fora metade dos núcleos compostos por imigrantes de origem italiana
localizados no entorno da capital paranaense, como também excluía os italianos fixados no
meio urbano. Nessa direção, Colbacchini, que almejava impor seu discurso a todos os italianos
GD UHJLmR YDL HVFUHYHU ³Ê QHFHVVDULR HVWHQGHUH D WXWWL L QXFOHL R GLUz D WXWWL JOL ,WDOLDQL LO
EHQHILFLRFKHVDUHEEHOLPLWDWRDSRFKL´284
Um terceiro ponto, que revoltava o religioso, era que o texto que estabeleceu a capelania
afirmava que os italianos da região teriam que inscrever-se na mesma se houvessem livre e
espontânea vontade. Sobre esse ponto o padre vai se manifestar da seguinte forma:

Qual è italiano religioso, che non voglia godere i vantagi di appartenere alla missione
italiana che gli somministra tutti i mezzi di salute? Se mai questo punto avea bisogno
GL UHVWUL]LRQH GRYHD HVVHUH FRVu IRUPXODWD ³ ± meno quegli Italiani che si
dichiarassero di voler coQWLQXDUHDVWDUVRJJHWWLDL3DURFLEUDVLOHUL´HIRUVHQRQFHQH
sarebbe stato uno solo, specialmente fuori dalla città. La eccezione, che forse non
esisterebbe, è presa in più considerazione della regola.285

Percebemos, que o que incomodava Colbacchini era que o decreto permitia que os
imigrantes italianos escolhessem pertencer ou não a capelania recém-criada, ou seja, podiam
optar de serem liderados religiosamente e moralmente por ele ou pelos párocos brasileiros.
Dessa forma, o missionário italiano entendia que seu projeto de forjar a italianidade dos
imigrantes por meio da catolicidade estava sendo ameaçado.
Outro ponto que reduziu o poder do religioso italiano, é que segundo o referido
documento as faculdades que ele possuía como Missionário Apostólico da Propaganda Fide,

284
É necessário estender a todos os núcleos, ou melhor, a todos os italianos o benefício que estaria limitado a
poucos. (Tradução nossa). COLBACCHINI a SPOLVERINI. Cinque anni di Missione agli Italiani nella Diocesi
di S. Paolo e Paranà in Brasile, 1889. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 158. 
285
Qual é o italiano religioso, que não queira gozar das vantagens de pertencer a missão italiana que lhe administra
WRGRVRVPHLRVGHVD~GH"6HQHVWHSRQWRKDYLDQHFHVVLGDGHGHUHVWULomRGHYLDVHUDVVLPIRUPXODGD³ ± menos
aquelHV,WDOLDQRVTXHGHFODUDVVHPTXHUHUFRQWLQXDUDHVWDUVXMHLWRVDRV3iURFRVEUDVLOHLURV´HWDOYH]QmRWHULDWLGR
um só, especialmente fora da cidade. A exceção, que talvez não existiria, recebeu mais consideração que a regra.
(Tradução nossa). Idem.
ϭϯϰ



adquiridas diretamente junto a Santa Sè, não valeriam mais a partir daquela data, pois seriam
substituídas pelo que constava na dita portaria. Dessa maneira, o religioso de caráter
ultramontano intransigente, que desejava estar submisso somente a Roma, foi colocado abaixo
da autoridade do Vigário Geral Forense no Paraná. De modo que, ele não poderia mais
inaugurar capelas e cemitérios, nem dispensar os jovens noivos da declaração e do pagamento
da taxa de estado livre, e muito menos continuar a prestar atendimento espiritual aos brasileiros,
e muitos outros atos dos quais ele se julgava no direito de fazê-lo.
O fato é, que depois da instalação da Capelania Italiana Curada, no ano de 1888,
Colbacchini se indispôs ainda mais com as autoridades eclesiásticas locais, sobretudo com os
padres que ocuparam o cargo de Vigário Geral Forense, pois entendia que esses últimos
barravam o seu projeto. O missionário italiano várias vezes mencionou que os vigários gerais
forenses do Paraná eram seus inimigos declarados, pois além de não desejarem a sua presença,
também eram contrários a existência de uma capelania que separasse os italianos das paróquias
brasileiras. A esse respeito, vai afirmar o seguinte sobre o padre Braga e a redação do texto da
portaria de 14 de fevereiro:

È detto per primo essere stato il Vicario Gen. Foraneo quello che ha mostrato al
Vescovo la convenienza e necessità di formare una Cappelania Italiana, mentre per
O¶RSSRVWR HJOL IHFH GHO VXR SRVVLELOH SHU Lmpedirla, e fu obbligato a redigerla o
formularla dal Vescovo per le replicate ed urgenti istanze che io continuava a
fargliene.286

Entendemos que, por ter sido redigida por um dos Vigários Gerais Forenses, e talvez
ainda a contragosto e por insistência do missionário italiano, o referido decreto procurou
fortalecer o poder da dita autoridade eclesial no Paraná, em detrimento do religioso estrangeiro.
Na nossa compreensão, o que passou a existir foi uma disputa de poder entre as lideranças
religiosas, mas ambas acreditavam estar colaborando com o processo de romanização proposto
pela Igreja da época. Se por um lado, o missionário italiano acreditava que por meio da
europeização, ou seja, da italianidade iria romanizar o catolicismo brasileiro, do outro, as
autoridades eclesiásticas locais imaginavam contribuir com o processo por outro viés, o da
rígida hierarquização. Cremos que essa divergência acentuou ainda mais a disputa já existente.


286
Foi dito antes ter sido o Vigário Geral Forense quem mostrou ao Bispo a conveniência e necessidade de formar
uma Capelania Italiana, enquanto que pelo contrário ele fez o seu possível para impedi-la, e foi obrigado a redigi-
la ou formulá-la pelo Bispo devido aos seguidos e insistentes pedidos que eu continuava a fazê-lo. (Tradução
nossa). Ibidem., pp. 157-158.
ϭϯϱ



Porém, queremos destacar que um dos maiores motivos por trás dos desentendimentos
HUDPHVPRDTXHVWmRHFRQ{PLFDUHIHUHQWHDTXHPILFDULDFRPRFKDPDGR³GLUHLWRGHHVWROD´287
Isso porque os párocos brasileiros viam com maus olhos a vinda do clero estrangeiro, pois
teriam que dividir com eles a renda que provinha das taxas recebidas pela administração dos
sacramentos nas colônias.288
Diante dessa realidade, cremos que o clero do entorno de Curitiba pressionava o Vigário
Geral Forense local, para que este afastasse Colbacchini da região, ou ao menos, diminuísse sua
jurisdição, ou seja, sua área de atuação juntos dos colonos, para que consequentemente, esses
últimos ficassem dependentes das suas paróquias. Nossa suposição é que esse foi o principal
motivo de muitas colônias que possuíam imigrantes italianos terem ficado de fora da Capelania
Curada organizada pelo padre João Evangelista Braga.
Por esta razão, o religioso italiano reclamava insistentemente à autoridade episcopal de
São Paulo que a portaria fosse revisada, mas a resposta de Dom Lino era sempre a mesma, que
tudo devia continuar como o seu representante no Paraná havia estabelecido. Sendo assim, o
referido padre Braga, que em meados de 1888 se tornou secretário do bispo paulista, vai ser
tachado em muitas cartas escritas por Colbacchini como seu declarado adversário, como na que
escreve a Spolverini em junho de 1889:

La causa di tutti i mali, è il P. Braga che continuò sempre a calunniare la mia persona,
presso il Vescovo e gli altri, ponendo in ridicolo la missione agli Italiani ecc.
[...] se la S. Sede, nel modo il più energico non provede, se al Conego Braga, non vien
tolta la maschera della ipocrisia e deposto dal suo carico, e sospeso dai ministeri, come
merita; se la S. Sede non mi dà facoltà speciali che possano essere riconosciute e
rispetatte dai Vescovi, la mia missione è qui finita.289


287
O direito de estola se referia ao sustento financeiro da paróquia confiada a cada sacerdote. A receita advinha
justamente das cobranças de taxas referentes aos batismos, casamentos, pedidos de celebrações de missas para os
fiéis defuntos, dízimos entre outros. SCARPIM, Fábio A. A atuação do missionário scalabriniano Pietro
Colbacchini e o contronto entre catolicismo brasileiro e imigrantes no final do século XIX. In: Anais Eletrônicos
do XXVIII Simpósio Nacional de História: lugares dos historiadores velhos problemas e novos desafios.
Florianópolis: Anpuh, 2015. v. 1. p. 5.
288
Segundo uma estatística referente ao número de batizados, casamentos e óbitos da paróquia de Curitiba no ano
de 1889, divulgada no jornal A REPUBLICA, de 03 de maio de 1890, podemos ter uma noção da porcentagem
das taxas que eram provenientes da realização dos sacramentos junto aos núcleos de imigrantes italianos e
poloneses instalados na região. Cerca de 25% do total, ou seja, ¼ provinha das colônias formadas por estes
estrangeiros. (Ver ANEXO 5).
289
A causa de todo mal é o Pe. Braga que continuou sempre a caluniar a minha pessoa, perante o Bispo e os outros,
pondo em ridículo a missão italiana, etc. [...] se a Santa Sé, de modo enérgico não intervém, se ao Cônego Braga,
não for tirada a máscara da hipocrisia e deposto do seu cargo, e suspenso dos ministérios, como merece; se a Santa
Sé não me dá faculdades especiais que possam ser reconhecidas e respeitadas pelos Bispos, a minha missão aqui
acabou. (Tradução nossa). COLBACCHINI a SPOLVERINI, 08 de junho de 1889. In: TERRAGNI, Giovanni.
Op. Cit., pp. 138-139.
ϭϯϲ



Notamos, que o missionário italiano acreditava que ele não tinha apoio do bispo pois
era caluniado por seu secretário, o já referido pe. Braga. Tanto que recorria ao representante da
Santa Sé, solicitando que ela intervisse, depondo o referido brasileiro do seu cargo e de sua
função de clérigo. E, ao mesmo tempo, solicitava faculdades especiais para si que fossem
reconhecidas pelos bispos.
Percebemos claramente, que na verdade Pietro Colbacchini não aceitava se submeter às
autoridades eclesiásticas brasileiras e almejava estar submisso diretamente ao alto clero
Romano, do qual ele se considerava um legítimo representante. Da mesma forma, o sacerdote
entendia que sua missão não poderia ficar limitada espacialmente pelo decreto episcopal, tanto
que fará várias visitas a São Paulo, pois pretendia organizar o atendimento religioso para os
milhares de imigrantes italianos que haviam se estabelecido também naquela província. Por
conta desse seu desejo, se indispôs também com o Cônego Barroso, o Vigário Geral de lá:

Credetti, non necessario, ma conveniente, presentarmi oggi a questo Vicario Gen.,


essendo assente e molto lontano il Vescovo. Egli mi trattò pessimamente; non volle
FRQFHGHUPLO¶HVHUFL]LRGLPLQLVWHURSHUTXHVWD3URYVRWWRSUHWHVWRFKHODPLD3RUWDULD
ha valore solo per la Prov. del Paranà, e perche io gli dicea con tutto il rispetto le mie
ragioni, mi disse mille impertinenze, che sono un osurpador, un especulador, un
napolitano, ecc.290

Além da limitação espacial imposta, o que mais incomodava o religioso italiano era o
fato de ser considerado pelas autoridades eclesiásticas brasileiras como um padre
³QDSROLWDQR´291 Tanto que diante de tal acusação, o mesmo se viu obrigado em responder ao
Vigário Geral da Província de São Paulo de que era um digno Missionário Apostólico e
Superior da Missão Italiana e que não podia permitir ser confundido com sacerdotes vindos
para o Brasil somente para ganhar dinheiro.292 Porém, o alto clero brasileiro entendia que os
religiosos italianos, sem nenhuma exceção, ou seja, independentemente de sua origem ou
congregação, deveriam se submeter as autoridades eclesiásticas locais e não diretamente à
Roma. Da mesma maneira, na contramão do que desejava Colbacchini, os bispos no Brasil


290
Acreditava, não necessário, mas conveniente, apresentar-me hoje a este Vigário Geral, estando ausente e muito
longe o Bispo. Ele me tratou pessimamente; não quis conceder-me o exercício do ministério para esta Província
sob pretexto que a minha Portaria tem valor somente para a Província do Paraná, e porque eu lhe dizia com todo
o respeito as minhas razões, me disse mil impertinências, que sou um usurpador, um especulador, um napolitano,
etc. (Tradução nossa). COLBACCHINI a SPOLVERINI, 3 de junho de 1889. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit.,
p. 133
291
Segundo Scarpim, havia, por parte da Igreja no Brasil, uma certa antipatia pelo clero italiano que era alimentada
por conta de muitos sacerdotes oriundos do Sul da Itália, chamados indistintamente de napolitanos, que
enxergavam a vinda para a América como uma oportunidade de enriquecimento, pois transgrediam o celibato e se
valiam da batina somente para obter benefícios e rendas financeiras. SCARPIM, Fábio A. 2015. Op. Cit., p. 5.
292
Conf. COLBACCHINI a MOLINARI, 3 de junho de 1889. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit. p. 132.
ϭϯϳ



defendiam a ideia de que os imigrantes deveriam receber o mesmo tratamento que os nacionais
e que teriam que se acostumar com o catolicismo brasileiro, e não o contrário.
Nessa direção, compreendemos que havia uma disputa de projetos referentes a forma de
como os italianos receberiam assistência religiosa, se por meio de padres da mesma origem ou
de párocos brasileiros. Consequentemente, entendemos que o forjar da identidade etnocultural
desses imigrantes estava em jogo, já que muitos deles, mesmo antes de imigrar, apoiavam o seu
sentimento de pertença etnocultural no seu modo de viver a catolicidade.
Já para Colbacchini, o que estava em jogo era a fé dos seus conterrâneos, tanto que,
enquanto permaneceu no Paraná ele continuou os seus embates com os demais vigários gerais
que para lá foram designados. Sendo assim, depois do já citado padre Braga e do seu sucessor,
padre Antonio Joaquim Ribeiro, o sacerdote italiano estabeleceu uma forte discórdia com a
pessoa do padre Alberto José Gonçalves. Este último, foi designado para a função de padre
colado293 da Paróquia Nossa Senhora da Luz em Curitiba ainda no ano de 1888 e, em 1890
assumiu o posto de Vigário Geral Forense.294
No caso do pe. Alberto, além da contínua disputa de poder referente a jurisdição, ou
seja, para saber quem controlava as capelas das colônias italianas da região, o embate irá se
agravar ainda mais por dois motivos: primeiro, pelo fato de que o referido clérigo brasileiro
mesclava sua função de sacerdote com a carreira política e, segundo, porque o mesmo tinha
pretensões de ocupar o cargo de bispo da nova diocese de Curitiba que estava para se criar.
A disputa se intensificou quando, em 16 de dezembro de 1890, Dom Lino Deodato,
bispo paulista, emitiu uma portaria concedendo faculdades extraordinárias a pe. Alberto. Uma
das determinações concedia poderes totais ao referido Vigário Geral para que ele controlasse o
atendimento religioso nas capelas estabelecidas junto aos núcleos coloniais de estrangeiros na
região de Curitiba. Este documento afirmava isso por meio das seguintes palavras:

Attendendo a urgentíssima necessidade em que achão as diversas parochias do Estado do


Paraná, G¶HVWDGLRFHVHGH6mR3DXORRQGHH[LVWHPQXFOHRVFRORQLDLVFRP capellães
curas das respectivas nacionalidades, de uma providencia energica e pronpta, que
determine a jurisdição parochial ou seja de taes capellães ou dos vigarios propriamente
ditos, fasendo-se cessar os conflitos e acabar de vez com as dissidencias,
recriminações e odiosidades que infelismente reinam entre os referidos curas e os
grupos facciosos a que se ligam, com grave escandalo dos fieis, violação da disciplina

293
Vigário colado ou padre colado foi o título de um cargo da Igreja Católica portuguesa e brasileira. Os vigários
colados eram sacerdotes indicados para assumir em caráter permanente uma paróquia canônica e legalmente
constituída. O cargo existiu durante o período monárquico, quando estava em vigor o sistema do padroado, em
que Igreja e Estado compartilhavam responsabilidades na administração da vida religiosa e civil, e foi extinto com
a proclamação da República no Brasil e depois em Portugal.
294
Cf. BALDIN, Marco Antônio. O pacificador beligerante: Alberto José Gonçalves um padre na política
paranaense da 1ª República (1892-1896). Dissertação (Mestrado em História) ± Unesp, Franca, 2006.
ϭϯϴ



ecclesiatica e serias dificuldades para a administração diocesana. Havemos por bem


de conceder ao Revdo Pe. Alberto José Gonçalves, Vigário Geral Forense do referido
Estado do Paraná, por tempo de 6 meses, se antes não mandarmos o contrário, plenos
poderes tanto quanto podemos delegar-lhe, afim de que faça a alludida reforma,
dependente de nossa ulterior approvação...295

Diante do que declarava o documento exposto, Colbacchini se via mais uma vez
obrigado a se submeter a uma autoridade eclesiástica brasileira, o que lhe causava muita
indignação, devido ao seu caráter de ultramontano intransigente. Nessa direção, diferentemente
do que almejava por meio dessa última portaria, que era o cessar com os conflitos entre os
capelães estrangeiros e os vigários locais, Dom Lino verá a disputa se acirrar ainda mais no
Paraná. O sacerdote italiano irá descrever a situação ao seu colega de congregação pe. Rolleri
da seguinte forma:

Ora però, no so se potrebbero continuare q. missione, perchè io stesso sto aspettando


la soluzione di certi ordini dati dal Vescovo al nuovo Vicario Generale, che ora è il
Paroco di Curityba, per prendere una decisione, che potrebbe essermi imposta dal
dovere, ma sarebbe funestíssima a questi poveri italiani. Si tratarebbe di rimettere le
Colonie sotto la immediata jurisdizione e direzione dei relativi paroci, concedendosi,
VRORSHUIDYRUHDL&DSSHODQLGHOOH&RORQLH HV¶LQWHQGHLQFOXVLYHSRODFFKLH,WDOLDQL 
di poter confessare e comunicare e assistere agli infermi, e battezzare e maritare solo
con previa licenza scritta dei Parochi risservando a questi ultimi tutti i diriti delle tasse
ecclesiastiche imposte per questi atti.296

Esta última carta, deixa claro mais uma vez que o interesse pelo controle do atendimento
religioso nos núcleos de imigrantes estava sim relacionado ao recebimento do pagamento das
taxas referentes a ministração dos sacramentos católicos. Entendemos que, por seguirem um
catolicismo que considerava a prática sacramental como caminho de salvação, os colonos
poloneses e italianos, eram vistos como fiéis com grande potencial em manter o sustento das
paróquias. Nessa direção, pe. Alberto tinha uma forte razão para acabar com as capelanias dos
estrangeiros em Curitiba, tanto que existe uma frase, que segundo Baldin é atribuída a ele: ³Já


295
CARVALHO, Lino Deodato Rodrigues de. Portaria de Faculdades extraordinárias concedida ao Revmo. Pe.
Alberto José Gonçalves, 16 de dezembro de 1890. In: Livro II de Registros da Vigararia Geral Forense, 1886 ±
1890, Folha Avulsa. Arquivo da Cúria Metropolitana de Curitiba.
296
Agora porém, não sei se poderá continuar esta missão, porque eu mesmo estou dependendo da resolução de
certas ordens dadas pelo Bispo ao novo Vigário Geral, que agora é o Pároco de Curitiba, para tomar uma decisão,
que poderá me ser imposta por dever, mas será funestíssima a estes pobres italianos. Se trataria de colocar as
Colônias sob a imediata jurisdição e direção dos respectivos párocos, concedendo-se, somente por favor, aos
Capelães da Colônias (e se entende inclusos os polacos e Italianos) de poder confessar e comunicar e assistir aos
enfermos, e batizar e casar somente com prévia licença escrita dos Párocos reservando a estes últimos todos os
direitos às taxas eclesiásticas impostas por estes atos. (Tradução nossa). COLBACCHINI a ROLLERI, 12 de
janeiro de 1991. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., pp. 296-297.
ϭϯϵ



é tempo de acabar com os europeus, todos devem tornar-se brasileiros, sob todos os aspectos.
Não precisamos de padres e paróquias de outras nacionalidades´297
Acreditamos, portanto, que o plano do citado vigário geral, era ficar com todos
pagamentos dos sacramentos ministrados aos imigrantes, de forma que os missionários
estrangeiros que atuavam nas colônias não tivessem como se manter e se retirassem da região.
Ao tratar da imposição do pe. Alberto em ficar com os lucros advindos das colônias Colbacchini
LUi HVFUHYHU ³9L HQWUD LQ EXRQD GRVH DQFKH O¶DXPHQWR FKH HJOL IDUHEEH GL UHQGLWD QHOOD
riscossione dei diritti parochiali, quasi non gli bastassero i circa 12 a 14 contos che, col suo
GROFHIDUQXOODHJOLJXDGDJQDDQQXDOPHQWHGDLVXRLSUHVHQWLSDURFKLDQL´298
Diante da situação, Pietro Colbacchini irá afirmar que se as capelas das colônias italianas
passassem para a direção dos párocos brasileiros, a missão dele não teria como continuar. Ainda
mais porque estas ficariam sob a liderança espiritual de pe. Alberto, a quem o religioso italiano
classificava, não somente como um péssimo padre, mas um verdadeiro lobo no redil. Essas
palavras contrárias do missionário italiano em relação ao Vigário Geral do Paraná foram várias
vezes remetidas às autoridades da Igreja na Itália, sobretudo quando este manifestou o desejo
de tornar-se o primeiro bispo do Paraná, o que segundo o estrangeiro arruinaria a catolicidade
dos italianos ali instalados.
Como já citamos anteriormente, tal julgamento de Colbacchini se dava em partes pela
forte atuação na política que o referido padre brasileiro mantinha. Sobre suas especulações
políticas, diante da eleição de Generoso Marques como governador do Estado do Paraná, o
italiano irá escrever ao Internúncio Spolverini:

Il. P. Alberto aderì al nuovo Governo subito GRSR O¶HOH]LRQH GHO 3UHVLGHQWH 'U
Generoso Marques, contro il quale diceva tutto il male possibile in prima, ed al quale
fece poi il più lusinghiero elogio e congratulazioni nel giornale in qualità di Vicario
Generale Forense. Ecco come sono gli uomini in questo paese.299

Portanto, além da disputa por jurisdição, o que desabonava mais ainda a pessoa do padre
Alberto e o seu ministério, perante o ultramontanismo do religioso italiano era o seu


297
BALDIN, Marco Antônio. Op. Cit., p. 160.
298
Ele está considerando muito também o aumento que terá com a renda do recolhimento dos direitos paroquiais,
como se não lhe bastasse os cerca de 12 a 14 contos que, com o seu fazer nada, ele ganha dos seus atuais
paroquianos. (Tradução nossa). COLBACCHINI a COCCHIA, 6 de novembro de 1891. In: TERRAGNI, Givanni.
Op. Cit., p. 335.
299
O pe. Alberto aderiu ao novo Governo logo depois da eleição do Presidente Dr. Generoso Marques, contra
quem dizia todo o mal antes, e ao qual desejou depois grande elogio e felicitações na qualidade de Vigário Geral
Forense. Veja como são os homens neste país! (Tradução nossa). COLBACCHINI a SPOLVERINI, 8 de setembro
de 1891. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 328.
ϭϰϬ



envolvimento na política. Para Colbacchini, os clérigos que participavam ativamente da


política, principalmente como candidatos, estavam em desobediência com a Igreja, pois não
seguiam à orientação do papa Leão XIII, que com o advento da República teria ordenado aos
integrantes do clero brasileiro que não aderissem à partidos políticos.
Nessa direção, o missionário religioso sentia-se na obrigação de denunciar a conduta do
brasileiro, ainda mais depois que o mesmo demonstrava interesse em ser designado bispo para
a nova diocese de Curitiba. Neste contexto, irá escrever ao Cardeal Simeoni em Roma,
deplorando o comportamento do então Vigário Geral do Paraná e pároco de Curitiba.

/¶DWWXDO 9LFDULR GHOOD &DSLWDOH-Curityba che in sè aduna anche il carico di Vicario


Gen. Forense, è peggio che una nullità, nel grave posto che occupa. Conta 32 anni di
età. [...] È buon parlatore, ma privo di sano criterio e digiuno delle scienze teologiche.
ÊYDQLWRVRILQRDOO¶HFFHVVR'DYDQWLDOXL FRVDIUHTXHQWHLQXQEUDVLOeiro) non vi ha
neppure il Papa. Egli si preconizza a tutti come il futuro vescovo del Paranà, dicendo
FKHQHVVXQ¶DOWURSXzDYHUHOHTXDOLWjFKHDOXLGDQQRODSUHIHUHQ]DÊFRVDTXHVWDFKH
non può credersi da chi sa con quanta prudenza cammina la S.Sede nella nominazione
dei Vescovi, e conosce solo un poco le qualità negative di questo soggetto.
Però nelle dificoltà in cui deve versare la S. Sede per riuscire a creare questa nuova
diocesi e darle un Pastore, potrebbe avvenire che il nome di questo Vicario (R.mo. P.
Alberto Gonçalves) fosse esibito alla S. Sede non mancando egli di protezione,
specialmente dal Vescovo di S. Paulo. È per questo che sento il dovere di prevenire
confidenzialmente V.E. la condotta da lui tenuta nei tre anni di sua dimora in Curityba,
non fu certo tale da ispirare fiducia.300

Portanto, ao desqualificar a pessoa do pe. Alberto perante às autoridades eclesiásticas


Romanas, Colbacchini acreditava estar fazendo um favor tanto para a Igreja, como também para os
imigrantes da região de colonização italiana do Paraná, pois ambos estariam livres de que o citado
clérigo se tornasse o primeiro bispo de Curitiba. Nessa direção, defendemos a ideia de que o
sacerdote italiano tinha esperança que a nova autoridade episcopal a ser nomeada ficaria ao seu lado
e defenderia o seu projeto para as colônias italianas, mas para isso era necessário afastar a
possibilidade do seu rival ocupar o novo cargo.
A disputa entre os dois clérigos irá perdurar pelos anos seguintes sem haver uma definição.
Nossa hipótese é que por questões políticas, tanto as eleições de 1892, na qual se elegeu deputado


300
O atual Vigário da Capital Curitiba que em si duplica também o cargo de Vigário Geral Forense é pior que
nada, mesmo importante posto que ocupa. Tem 32 anos de idade. [...] É bom orador, mas privado de são critério e
ignorante das ciências teológicas. É vaidoso até ao excesso. Diante dele (coisa frequente em um brasileiro) não
existe nem mesmo o Papa. Ele se apresenta a todos como o futuro bispo do Paraná, dizendo que nenhum outro
pode ter as qualidades que a ele dão a preferência. Isso é algo que não se pode crer a quem sabe com quanta
prudência a Santa Sé trata da nominação dos Bispos, e conhece somente um pouco as qualidades negativas deste
sujeito. Porém nas dificuldades nas quais deve se encontrar a Santa Sé para conseguir criar esta nova diocese e
dar-lhe um Pastor, poderia acontecer que o nome deste Vigário (Rvmo. Pe. Alberto Gonçalves) fosse exibido a
Santa Sé já que a ele não falta proteção, especialmente do Bispo de São Paulo. É por isso que sinto o dever de
prevenir confidencialmente Vossa Eminentíssima que a conduta tida por ele nos três anos de sua estada em Curitiba
não foi por certo tal para inspirar confiança. (Tradução nossa). COLBACCHINI a SIMEONI, 25 de outubro de
1891. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 330
ϭϰϭ



estadual, como a eclosão da Revolução Federalista, e também o fato de Colbacchini ter adquirido
certa simpatia e proteção junto aos novos governantes do Paraná, o pe. Alberto protelou a decisão
de tomar a direção das capelas italianas.
Porém, no ano de 1894, podemos dizer que após diversos embates, ambos alcançaram em
parte o seu objetivo de afetar o projeto alheio. A vitória do religioso italiano, e consequentemente,
a derrota do vigário do Paraná, se dará pela não nomeação deste último, e sim de Dom José de
Camargo Barros, como primeiro Bispo de Curitiba. Diante do fato, o missionário comunicava o seu
Superior:

Dopo tanta aspettazione finalmente oggi sono venuto a sapere che il Vescovo del
Paranà eletto è Mgr. Barros attualmente Parroco di Santa Ifigenia in S. Paolo. Di lui
io so solamente che era in voce zelante in S. Paolo quando fui là e non dubito che
abbia tutti i requisiti per ben avviare una Diocesi tanto bisognosa come questa del
Paranà.
[...] Certo non ritarderà la sua andata in Roma. Se il nuovo Vescovo vorrà apprezzare
i vantaggi che da questa missione Italiana ne ritrarranno tante migliaja de Italiani, che
senza questa resterebbero senza i mezzi della religione, e per lo stimolo del buon
esempio quelli che pure i nazionali ne potranno ricavare, bisognosi come sono di
imparare la pratica della religione, non può essere che non si mostri tutto propenso a
noi e ci porga i mezzi morali per consolidare quello che si è fatto e stabilirlo e
perpetuarlo.301

Percebemos, que Colbacchini tinha esperança de que o novo bispo de Curitiba viesse
apoiar a sua permanência como responsável pela assistência religiosa junto aos imigrantes
italianos no Paraná, como também o seu projeto de romanizar o catolicismo brasileiro com a
ajuda dos colonos. Enfim, o missionário acreditava que com a chegada da nova autoridade
eclesial ele teria liberdade de ação na região de colonização italiana do entorno da capital
paranaense.
Contudo, isso não foi possível, pois no início de 1894 o religioso scalabriniano sofreu
várias ameaças e um atentado de morte que o obrigaram a abandonar, mesmo a contragosto, a
sua missão junto aos italianos dos arredores de Curitiba. O motivo da saída de Pietro
Colbacchini não se deu devido aos enfretamentos com o clero local, mas sim pela proibição que
o mesmo impunha aos imigrantes de origem italiana de não participar das tropas que se


301
Depois de muita espera finalmente hoje vim a saber que o Bispo eleito para o Paraná é o Monsenhor Barros
atualmente Pároco de Santa Efigênia em São Paulo. Sobre ele eu sei somente que era considerado zeloso em São
Paulo quando eu estive lá e não duvido que tenha todos os requisitos para bem encaminhar uma Diocese tão
necessitada como esta do Paraná. [...] Por certo não demorará a sua visita a Roma. Se o novo Bispo deseja apreciar
as vantagens que por meio desta missão Italiana regeneram tanto milhares de Italianos, que sem esta ficariam sem
os meios da religião, e pelo estímulo do bom exemplo aquelas que também os nacionais puderam aproveitar,
necessitados como são de aprender a prática da religião, não pode ser que não se mostre todo propenso a nós e nos
ofereça os meios morais para consolidar aquilo já se fez, estabelecê-lo e perpetuá-lo. (Tradução nossa).
COLBACCHINI a SCALABRINI, agosto de 1894. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 374.
ϭϰϮ



formavam por conta da Revolução Federalista.302 Porém, essa seria uma vitória para o pe.
Alberto e os párocos locais que também desejavam a direção das capelas dos núcleos de
imigrantes, e por isso, há tempo queriam que o italiano deixasse a região.
Diante da perseguição que sofria, no mês de agosto daquele ano, o líder religioso dos
imigrantes italianos no Paraná teve que retornar para sua terra natal. Entretanto, nossa hipótese
é que o referido sacerdote não se daria por vencido, pois acreditava que sua saída da direção do
atendimento espiritual dos colonos de origem italiana do entorno de Curitiba seria somente
temporária e, que quando a Revolução Federalista terminasse ele poderia retornar para a região
e dar continuidade ao seu projeto. Esse seu desejo fica explícito no trecho da carta a seguir:

Proprio in questo dì dello Spirito Santo, ho rissolto definitivamente il mio ritorno in


%UDVLOHJLDFFKpO¶RVWDFRORGHOODLQIHUPDVDOXWHDOPHQRQHOODPDJJLRUSDUWHqWROWR
Ho scrito oggi stesso al Vescovo di Curityba D. José de Barros Cardoso, offrendole,
per ciò che posso a prò degli Italiani del Paranà e Sta. Caterina. Vedremo se le rivalità
e gelosie del noto P. Alberto Gonzalves (che tuttora, per necessità, è tenuto nel posto
di Vicario Generale in quella Diocesi) basteranno a distogliere quel buon Vescovo
GDOO¶DFFHWWDUHla mia offerta.303

Portanto, ao escrever para Dom José, bispo de Curitiba, Colbacchini demonstra seu
imenso desejo de retornar ao comando das colônias italianas paranaenses. Mas ao mesmo
tempo, afirma estar ciente que a autoridade episcopal já devia ter sido influenciada pelo seu
conhecido arquirrival, o pe. Alberto, que há muito tempo o queria distante do Paraná. O que o
sacerdote italiano não sabia é que desde meados de 1895, tanto o referido bispo como o citado
vigário geral já haviam informado ao representante da Santa Sé, que por sua vez também
investigava a atuação de Pietro Colbacchini no Brasil, que não desejavam que o mesmo
retornasse para a agora Diocese de Curitiba.

A respeito do Pe Colbacchini vou dizer o que penso. Não cheguei a conhecelo


pessoalmente, porque desencontramos sobre o mar. [...] Há aqui algumas igrejas e
capelas que mostram que é um padre zeloso, porém segundo tenho ouvido dizer, é
bastante orgulhoso e muito independente mesmo a respeito da autoridade
ecclesiastica. Sei que D. Lino, o Conego Barroso, vigário geral, os Pe Braga, Ribeiro
e Alberto, necessivamente Vigarios Foraneos deste Estado tiveram muitas e muitas


302
O atentado que rendeu a saída de Colbacchini da missão italiana em Curitiba será melhor apresentado no tópico
seguinte, onde discutiremos sua posição contrária ao envolvimento dos imigrantes italianos com os partidos
políticos.
303
Exatamente neste dia do Espírito Santo, resolvi definitivamente o meu retorno para o Brasil, já que o obstáculo
da enferma saúde, ao menos na maior parte, passou. Escrevi hoje mesmo para o Bispo de Curitiba D. José de
Barros Cardoso (Camargo), oferecendo-lhe aquilo que posso fazer em favor dos Italianos do Paraná e de Santa
Catarina. Vejamos se as rivalidades e ciúmes do conhecido pe. Alberto Gonçalves (que ainda, por necessidade, foi
mantido no cargo de Vigário Geral naquela Diocese) bastarão para atrapalhar o bom Bispo de aceitar a minha
oferta. (Tradução nossa). COLBACCHINI a CAVAGNIS, junho de 1896. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p.
451.
ϭϰϯ



contrariedades com o procedimento delle. [...] Por minha parte, francamente digo
apreciarei muito que ele não volte. + José Bispo de Curitiba.304

Nesta carta, o bispo de Curitiba declara que não gostaria que o missionário scalabriniano
retornasse para sua diocese. Afirma que um dos motivos para expressar seu desejo era a fama
de independência, ou seja, de insubmissão do religioso italiano. Nessa direção, afirma que as
autoridades eclesiásticas da região, citando o nome das que se relacionaram com ele, tiveram
muitas desavenças devido ao seu mal procedimento. Da mesma forma, ao escrever para o
representante da Santa Sé, o pe. Alberto irá se posicionar contrário ao retorno do sacerdote:

O Pe. Pedro Colbachini ...; fez diversas capelas e era sollicito no trabalho em bem das
almas, mas por causa do seu gênio inacessível e summamente orgulhoso, ocupando-
se demasiadamente de sua pessoa tornou-se incompatível com quase todas as colônias
e também com muitos nacionais. Como autoridade de usar com sua pessoa de certas
asperesas por causa de sua linguagem demais altiva e arrogando-se sempre uma
autoridade que não tinha. ... posso acrescentar que os colonos absolutamente não
desejam o regresso dele.305

Por sua vez, o vigário geral que sempre foi contrário a presença de Colbacchini na região
de Curitiba, usou como estratégia para afastar de vez o padre italiano a afirmação de que os
colonos também não desejavam mais o seu retorno. Sendo assim, o missionário scalabriniano
foi impedido de voltar ao comando da direção religiosa dos imigrantes italianos do Paraná. E
ao retornar para o Brasil em 1896, dirigiu-se para a região de colonização italiana do Rio Grande
do Sul. Porém, mesmo distante o sacerdote procurará controlar a atuação dos padres que irão
substituí-lo no atendimento espiritual dos colonos de origem italiana fixados no entorno da
capital paranaense.
Cremos, ter evidenciado, por meio da exposição das fontes, o embate vivido por Pietro
Colbacchini contra o modelo de catolicismo brasileiro e, sobretudo, com as suas autoridades
eclesiásticas. Percebemos, através dessa análise que a concepção de catolicismo que havia no
Brasil, mesmo tentando se adequar às novas diretrizes Romanas, chocava-se com os interesses
do missionário italiano. Este último, que desejava estar em total consonância com a Santa Sé,
acreditava que devia propagar o seu modelo de catolicismo a todos imigrantes italianos, como
também a população autóctone, não se conformando que os seus conterrâneos fossem dirigidos
pelo clero nacional.


304
Carta de Dom José de Camargo Barros ao Internúncio Apostólico Monsenhor Gotti. Curitiba, 29 de março de
1895. Archivio Segreto Vaticano, 77, Fasc. 374, pp. 157-158, Lettera 27.
305
Carta de Pe. Alberto José Gonçalves ao Internúncio Apostólico Monsenhor Gotti. Curitiba, 06 de abril de 1895.
Archivio Segreto Vaticano, 77, Fasc. 374, p. 150, Lettera 26.
ϭϰϰ



Já o episcopado brasileiro almejava aderir a romanização impondo uma rígida


hierarquização e, para que isso se concretizasse acreditava que era preciso acabar com a
independência das capelanias criadas para o atendimento dos imigrantes, deixando o clero
estrangeiro submisso as paróquias locais. Percebemos que, no caso estudado, o projeto de
catolicismo brasileiro tirou vantagem apenas aparentemente, pois acreditamos que no tempo
que esteve na região de Curitiba, cerca de 8 anos, Colbacchini conseguiu imprimir nas colônias
italianas o modelo de catolicismo romanizado que ele defendia.
Da mesma forma, a vinda de inúmeros outros sacerdotes italianos para atender os
imigrantes da referida origem fixados no entorno da capital paranaense, pertencentes a outras
congregações que também apoiavam a vivência sacramental como forma de expressão da
catolicidade, deram continuidade ao projeto iniciado pelo padre cujo o discurso estamos
analisando aqui. Cremos, que nesse sentido, a presença do clero italiano, sobretudo, depois da
passagem de Colbacchini, e o seu forte confronto com o modelo de catolicismo brasileiro,
deixou uma marca identitária em boa parte dos imigrantes por ele assistidos, como também nas
comunidades católicas das ex-colônias italianas da região de Curitiba que por ele foram
atendidas.

3.3 A luta contra os inimigos da catolicidade imigrante

Pretendemos apresentar aqui, no terceiro tópico deste capítulo, as críticas de Pietro


Colbacchini às situações que ele considerava prejudiciais à manutenção do modelo de
italianidade que o mesmo propagava e visava manter por meio da religiosidade católica. Da
mesma maneira, queremos evidenciar os embates do referido padre contra as práticas dos
imigrantes consideradas como imorais, e que na visão dele se constituiam como verdadeiras
inimigas da identidade italiana apoiada na representação de bom católico, obediente e
praticante.
Nessa direção, vamos evidenciar a rigidez com que o religioso exercia seu governo
pastoral na intenção de forjar a identidade etnocultural dos imigrantes italianos por meio dos
bons costumes e do regramento imposto pela prática da religião. Da mesma forma, temos a
intenção de perceber algumas das resistências que existiram ao seu discurso por parte dos
colonos fixados na região de colonização italiana do Paraná.
Segundo o sacerdote, entre os inimigos do modelo de italianidade ligado à catolicidade
estavam os fazendeiros, a maçonaria, os partidos políticos, o protestantismo, o patriotismo
ϭϰϱ



exacerbado, os padres napolitanos, a prática da blasfêmia, o ambiente urbano, a bebedeira, os


bailes e as festas e, o frequentar as vendas.
Ao chegar ao Brasil e se instalar primeiramente junto às colônias das fazendas de café
na província de São Paulo em 1885, Colbacchini identificou uma forte oposição dos
latifundiários à sua atuação religiosa. Diante do fato, o missionário passou a encarar os
fazendeiros como inimigos do modelo de religião católica que ele pretendia ofertar aos
imigrantes. Neste sentido, escreve a um de seus colegas, o padre Mantese, fazendo a seguinte
declaração:

Per le colonie di fuori (che tutte visitava di tre in tre mesi) meno in due i cui proprietari
avevano gusto della mia opera, dovea fare il bene per forza. Era, il mio, uno stato
precario che non potea continuare. Non potea costituire una vera missione adatta ai
bisogni di tanta gente, perché dovea stare al capriccio di Padroni i quali non aveano
la maggior parte altra religione da quella del denaro. Essi amavano che i loro coloni
fossero religiosi perché non rubassero, del resto vedevano a malincuore il poco tempo
che perdevano al lavoro per andare alla Chiesa.306

Portanto, o missionário declarava que ao tentar realizar sua missão entre os imigrantes
italianos instalados nas fazendas de café teve grande dificuldade, pois não contava com o apoio
da maioria dos fazendeiros. Segundo o mesmo, esses últimos não gostavam que os colonos
deixassem de trabalhar para se dedicar às atividades religiosas, por isso viam com reprovação
a presença do sacerdote nas fazendas. Também entendemos, que a crítica de Colbacchini deve-
se ao fato de que nessa situação ele ficaria dependente da autoridade do fazendeiro, ou seja,
disputaria com esse o controle dos imigrantes, de modo que a propagação de seu discurso ficava
então comprometida.
Outra forte crítica, que o religioso fez aos proprietários das fazendas, foi em relação às
“vendas”, as casas de comércio, instaladas em suas propriedades. Segundo ele, esses
estabelecimentos levavam os colonos ao endividamento, e consequentemente, os deixavam
privados de liberdade, pois eram impedidos de deixar aquela propriedade enquanto não
pagassem o que deviam. Essa situação foi denunciada pelo referido padre em 1895, ao escrever
seu relatório sobre as condições da imigração italiana no Brasil.


306
Nas colônias de fora (todas que eu visitava de três em três meses) menos duas cujos proprietários gostavam da
minha obra, precisava fazer o bem por força. Era, o meu, um estado precário que não podia continuar. Não podia
constituir uma verdadeira missão voltada para as necessidades de tanta gente, porque dependia do capricho dos
Patrões os quais não tinham, a maior parte, outra religião do que aquela do dinheiro. Esses amavam que os seus
colonos fossem religiosos para que não roubassem, de resto viam de malgrado o pouco tempo que faltavam ao
trabalho para ir à Igreja. (Tradução nossa). COLBACCHINI a MANTESE, 28 de fevereiro de 1887. In:
TERRAGNI, Op. Cit., p. 23.
ϭϰϲ



Queste vendas sono un vero tranello per gli inesperti coloni e offrono ai loro
proprietarii, che sono spesso gli stessi fazendeiros ocasione a lauti guadagni. I poveri
coloni, a cui non par vero questa libertà di provvedersi di ogni cosa bisognevole, non
giungendo a prevedere le consequenze dannose della troppa facilità di comperare
VHQ]¶REEOLJR GL SURQWR SDJDmento, non contenti di ciò che strettamente loro
abbisogna, si provvedono anche del superfluo gravando così, senza saperlo, la loro
partita per modo che il pattuito salario di alcuni anni appena basterà a soddisfare poi
il debito.307

Esta situação de endividamento, que acarretava a dependência dos colonos para com o
fazendeiro, levou o missionário italiano a concluir que eles viviam numa espécie de escravidão:

Sono tali le arti usate da certi fazendeiros per obbligare i coloni a non disertare dalle
loro terre ed allogarsi con altri patroni, e molto più per rendere loro impossibile di
rimpatriare, che dimostrano come veramente i nostri emigrati sieno ivi soggetti ad una
specie di schiavitù. In non poche fazendas i coloni, come gli antichi schiavi che sono
venuti a sostituire, non possono mai uscire dai possedimenti del padroni.
Non si permettono visite di parenti od amici, dimoranti in altre fazendas, proibito di
portarsi alla Chiesa, anche nei giorni di festa, per non trovarsi a contatto coi loro
connazionali, e perfino sovergliata la loro corrispondenza postale, e tradito il
segreto.308

Entendemos que esse contexto, sobretudo, o impedimento de oferecer assistência


religiosa de modo intenso e regular, foi também um forte motivo que levou Colbacchini a
preferir o Paraná como área de atuação. Da mesma maneira, os fatores expostos fizeram com
que o mesmo sugerisse às autoridades italianas que a emigração devia ser destinada para os
estados meridionais do %UDVLO³LROLPLWHUHLODHPLJUD]LRQHLWDOLDQDDJOL6WDWLGHO3DUDQjHGL5LR
*UDQGHGR6XO HLQ SDUWHDTXHOORGL 6&DWHULQD´309 Porém, dos três, o mais indicado pelo
religioso era o território paranaense, citando em seus relatórios até mesmo descrições do
viajante Saint-+\ODLUHTXHFODVVLILFRXR3DUDQiFRPR³LOSDUDGLVRGHO%UDVLOH´310


307
Essas vendas são uma verdadeira armadilha para os inexperientes colonos e oferecem aos seus proprietários,
que são frequentemente os próprios fazendeiros ocasião de enormes lucros. Os pobres colonos, a quem parece
mentira a possibilidade de adquirir tudo quanto precisam, não prevendo as consequências danosas da grande
facilidade de comprar sem a obrigação do pagamento imediato, não contentes com aquilo que realmente é
necessário, adquirem também o supérfluo impedindo assim, sem saber, a sua partida pelo fato de que o salário
referente a alguns anos apenas bastará para pagar a dívida. (Tradução nossa). COLBACCHINI, Pietro. Intorno alle
FRQGL]LRQHSUHVHQWLGHOO¶HPLJUD]LRne italiana negli Stati Uniti del Brasile, 1895. In: TERRAGNI, Giovanni. Op.
Cit., p. 589.
308
São tais as artes usadas por certos fazendeiros para obrigar os colonos a não desertar de suas terras e serem
contratados por outros patrões, e muito mais para tornar impossível a eles o repatriar, que demonstram como
verdadeiramente os nossos emigrados estão ali sujeitos a uma espécie de escravidão. Em não poucas fazendas os
colonos, como os antigos escravos que vieram substituir, não podem nunca sair das propriedades do patrão. Não
se permitem visitas de parentes ou amigos, moradores de outras fazendas, é proibido ir à Igreja, também nos dias
de festa, para não fazer contato com os compatriotas, e por fim são vigiadas as suas correspondências postais, e
impedido o segredo. (Tradução nossa). Ibidem., p. 590.
309
Eu limitaria a emigração italiana para os Estados do Paraná e do Rio Grande do Sul, e em parte aquele de Santa
Catarina. (Tradução nossa). Ibidem., p. 603.
310
Paraíso do Brasil. Ibidem., p. 605.
ϭϰϳ



Contudo, em terras paranaenses, mesmo estando livre dos obstáculos impostos pelos
fazendeiros paulistas para realizar sua missão junto dos imigrantes italianos, o missionário
encontraria outros inimigos que dificultariam a implantação de uma italianidade pautada na
catolicidade. Na compreensão do sacerdote um desses adversários seria a forte presença da
maçonaria. Nessa direção, em 10 de Maio de 1888, Colbacchini vai escrever ao seu recém-
chegado colaborador, o padre Francisco Bonato311, o seguinte:

Voi dite che Corityba non è una Zurigo protestante, ed io vi so dire che è molto peggio;
è una Ninive atea e pagana. A Zurigo, la educazione del popolo, fa che sieno rispetate
le opinioni; qui la ignoranza e la massoneria credono di aver diritto di ridersi di tutto
e di tutti. Alla vs. presenza non si dirà niente né si mostrerà segno di disprezzo, ma
poi nei circoli e nei negozzii si trae pretesto per metere in ridicolo il nostro
ministero.312

Atea e pagã, cheia de ignorância e maçonaria, assim Curitiba era descrita pelo religioso
italiano ao seu colega com a intenção de convencê-lo a se afastar do centro urbano da capital
paranaense e se ocupar somente de suas obrigações junto dos colonos fixados na área rural. Na
verdade, Colbacchini considerava que os habitantes do meio urbano, tanto os brasileiros como
os italianos liberais aí instalados, eram uma péssima influência para os indivíduos de origem
italiana, inclusive para o referido padre Bonato, pois, acreditava que muitos deles eram maçons,
e consequentemente, anticlericais.
Por essa razão, sempre que sofria alguma perseguição, por parte dos imigrantes que
faziam oposição a sua atuação e a sua concepção de italianidade, o missionário scalabriniano
associava este comportamento com o suposto envolvimento com a maçonaria. Isto fica evidente
na carta enviada ao seu superior em 11 de janeiro de 1889:

/¶DJLWD]LRQH q WDQWR JUDQGH FKH OD PLD SUXGHQ]D HG LO PLR VRSUDYHQWR TXDVL QRQ
bastano a frenare per impedire disordini, che sarebbero fatali per questa missione. Le
DXWRULWjSURPHWWRQRPDVLPRVWUDQRILDFFKHVRQRVRWWRO¶LQFXERGHOOD0DVVRQHULDFKH
è qXHOODFKHJRYHUQDLQTXHVWLSDHVL0ROWLGHJOLDYYHUVDULVLJORULDQRGHOO¶RQRULILFR
WLWRORGLPDVVRQL6RQRGHOODOHJD³*LXVHSSH*DULEDOGL´HQRQPLSRVVRQRSHUGRQDUH


311
Padre Francisco Bonato, natural de Valstagna ± Vêneto, chegou ao Paraná no início de 1888. Veio por influência
de sua irmã que havia imigrado anos antes e estava instalada na colônia do Água Verde. Foi acolhido por
Colbacchini como seu ajudante, tornando-se capelão das colônias italianas de Campo Largo, onde no mesmo ano
se instalou sua família, recém-chegada da Itália, o que será motivo de crítica por parte do missionário scalabriniano.
Cf. GABARDO, Diego e MACHIOSKI, Fábio L. El Pretin Gobeto: A história de Pe. Francisco Bonato, primeiro
pároco de Colombo. In: MASCHIO, Elaine C. F. (Org.). Op. Cit. pp. 79-103.
312
Você diz que Coritiba não é uma Zurich protestante, eu sei te dizer que é muito pior; é uma Nínive atea e pagã.
Em Zurich, a educação do povo que sejam respeitadas as opiniões; aqui a ignorância e a maçonaria creem ter
direito de rir de tudo e de todos. Em sua presença não se dirá nada, nem se mostrará sinal de desprezo, mas depois
nos grupos e nos negócios usam de qualquer pretexto para expor ao ridículo o nosso ministério. (Tradução nossa).
COLBACCHINI a BONATO, 10 de maio de 1888. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 55.
ϭϰϴ



O¶LQVXFHVVRSHUORURDYXWRGHOODHUH]LRQHGLXQDFDVDVFXRODFKHLQWHQGHYDQRIDUHSHU
rovinare la gioventù italiana.313

Portanto, ao descrever sobre a perseguição que sofria por parte dos italianos liberais
instalados no meio urbano de Curitiba e que eram ligados à Sociedade Giuseppe Garibaldi,
Pietro Colbacchini irá enfatizar que isso se dava, pois, os mesmos estavam à serviço da
maçonaria. Nesse sentido, o referido padre procurará manter seu ajudante, Francisco Bonato,
afastado dos imigrantes de origem italiana que habitavam o centro da cidade. Este último, por
sua vez, fazia resistência à ordem imposta e não via nenhum problema em manter amizades e
relacionar-se com os conterrâneos fixados no meio urbano, e por isso será muitas vezes
repreendido pelo diretor da missão italiana.

Siete stato visto da Mattana a bere con lui ed assitire al di lui sporquiloquio (sic).
Questo fatto è un codicillo ed una conferma della acusa che il Pe. Alberto vi fece
presso al P. Polacco di Campo Comprido, qualificandovi um padrinho a toa que beve
e brinca com os seus italianos (de màa vida) nas tavernas escandolezando a todos!
Sono queste le parole che di voi mi vennero riferite, con vostro e mio grande dolore.
Quello che mi spiace è che non sono calunie, perché di ciò ne avete dato motivo tante
volte, ad onta della proibizione che avevate di portarvi in città, e specialmente di
tenervi in rHOD]LRQHFRPTXDOO¶HPSLRFKHFKLDPDWHYRVWURDPLFR314

Percebemos, que Colbacchini, havia proibido seu colaborador de se dirigir à cidade,


para que esse não mantivesse contato com os italianos liberais. Porém, pe. Bonato continuou a
visitar periodicamente o centro urbano de Curitiba, inclusive frequentando várias vezes o
estabelecimento de Baldassare Mattana315, e conservando uma estreita relação de amizade com
o citado imigrante, pois ambos eram oriundos da mesma cidade vêneta, a comuna de Valstagna
na Província de Vicenza.316


313
A agitação é muito grande que a minha prudência e a minha posição, quase não bastam para frear e impedir
desordens, que seriam fatais para esta missão. As autoridades prometem, mas se mostram fracas; estão sob pressão
da maçonaria que é quem governa nesse lugar. Muitos dos adversários, se gloriam do honorífico título de maçons.
6mRHOHVGRJUXSR³*LXVHSSH*DULEDOGL´TXHQmRSRGHPPHSHUGRDUGRLQVXFHVVRSRUHOHVREWLGRQDHUHomRGH
uma casa escolar que pretendiam fazer para arruinar a juventude italiana. (Tradução nossa). COLBACCHINI a
SCALABRINI, 11 de janeiro de 1889. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 101.
314
Foste visto com Mattana a beber com ele e assistir ao seu mal comportamento. Este fato é a prova e a
confirmação da acusação que Pe. Alberto vos fez junto ao Pe. Polaco de Campo Comprido, classificando-o como
um padrinho à toa que bebe e brinca com os seus italianos de má vida nas tavernas escandalizando a todos! São
estas as palavras que sobre vós me foram referidas, para vossa e minha grande dor. Aquilo que mais me desagrada
é que não são calúnias, porque para isso deste motivo tantas vezes, contrariando a proibição que tinhas de dirigir-
se a cidade, e especialmente de manter contato com aquele ímpio que chamas de vosso amigo. (Tradução nossa).
COLBACCHINI a BONATO, 13 de maio de 1888. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 56.
315
Segundo notícia do jornal GAZETA PARANAENSE de 13 de janeiro de 1887, o imigrante italiano Baldassare
Mattana possuía uma casa de comércio situada na esquina da Rua São Francisco e a travessa do Rosário.
316
A cidade de origem do imigrante Baldassare Mattana pode ser confirmada por meio da lista de matricula dos
membros da Sociedade Italiana Giuseppe Garibaldi a que tivemos acesso (ver ANEXO 3).
ϭϰϵ



Acreditamos, que a proibição do diretor da missão italiana se dava pelo fato do referido
imigrante possuir uma venda, onde eram comercializadas bebidas e haviam jogos, mas
sobretudo porque Mattana era um dos membros da Sociedade Giuseppe Garibaldi, que
conforme notícia veiculada em um jornal da época chegou a ocupar o cargo de vice-presidente
da referida associação étnica no ano de 1894.317
Diante da desobediência, o superior da missão passou a fazer constantes repreensões à
Bonato, sobretudo, ameaçando impedir sua atuação junto dos colonos italianos da região, pois,
o mesmo não poderia, devido seu mal comportamento, fazer parte da Congregação
6FDODEULQLDQD ³6H YROHWH DSSDUWHQHUH DOOD &RQJUHJD]LRQH GRYHWH UDVVHJQDUVL a non por più
SLHGHQHOODFLWWjGL&RULW\EDDPHQRFKHLO6XSHULRUHQRQYHOSHUPHWWD´318
Nesse sentido, Colbacchini se opôs a entrada de padre Francisco Bonato na ordem dos
padres scalabrinianos, escrevendo várias vezes ao próprio Scalabrini, a fim de convencê-lo que
o referido clérigo não estava apto, devido a sua desobediência e ao seu apego familiar, a fazer
parte do instituto religioso fundado por ele.

Quanto a D. Franc. Bonato, ad onta del desiderio di V. Eccell. Rma e mio, non si può
riceverH DOPHQR SHU RUD  QHOOD &RQJUHJD]LRQH VWDQWH O¶DWWDFFDPHQWR FKH KD SHU
SDUHQWLHO¶LPSHJQRFKHVLSUHQGHSHULORURWHPSRUDOH0LIHFHXQDGLFKLDULRQHODSL
esplicita, in una ultima sua lettera, di voler pure sottomettersi alla mia direzione per
ciò che riguarda (come egli scrive) allo spirituale ed al morale, ma che, per altre cose,
HJOLLQWHQGHIDUHGDVq3HUTXHVWRHSHUDOWULVHJQLFKHP¶DGDWRSRVVRDUJXLUHFKH
GHOODYLWDUHOLJLRVDQRQKDDQFRUDDSSUHVRO¶DELFuSHUFLzQRQqSUXGHQWHQpGHOQRVWUR
LQWHUHVVHDJJUHJDUOR DOPHQRSHURUD DOO¶,VWLWXWR319

Fica evidente, que o missionário italiano, cujo discurso estamos investigando, pretendia
dirigir todos os aspectos da vida dos religiosos que se dispusessem a fazer parte da missão da
qual ele estava à frente, inclusive ditar quais os grupos e ambientes sociais que podiam ser
frequentados. Por isso, mesmo o padre Bonato declarando que pretendia estar submisso a sua
direção no que dizia respeito ao espiritual e a moral, Colbacchini considerava que o referido
clérigo não estava apto a entrar na Congregação Scalabriniana.

ϯϭϳ
A REPUBLICA. Curitiba, 1 de agosto de 1894.
318
Se queres pertencer a Congregação, deves resignar-se a não mais colocar os pés na cidade de Curitiba, a menos
que o Superior vos permita. (Tradução nossa). COLBACCHINI a BONATO, 25 de maio de 1888. In: TERRAGNI,
Giovanni. Op. Cit., p. 59.
319
Quanto ao padre Francisco Bonato, contrariando o desejo de Vossa Excelência Reverendíssima e meu, não se
pode receber (ao menos neste momento) na Congregação, devido ao apego que tem pelos parentes e ao empenho
com que se dedica as coisas temporais. Me fez uma declaração a mais explícita, em sua última carta, de querer sim
submeter-se a minha direção naquilo que se refere (como ele escreve) ao espiritual e à moral, mas que, para outras
coisas, ele entende que deve decidir sozinho. Por isso e por outros sinais que me deu, posso afirmar que para a
vida religiosa não adquiriu ainda os hábitos, por isso não é prudente nem do nosso interesse, agregá-lo (neste
momento) ao Instituto. (Tradução nossa). COLBACCHINI a SCALABRINI, 21 de agosto de 1888. TERRAGNI,
Giovanni. Op. Cit., p. 69.
ϭϱϬ



Entendemos, por meio desta afirmação, que o diretor da missão italiana no Paraná tinha
a intenção de moldar também o comportamento sociocultural dos padres que viessem a
trabalhar com ele, pois na sua concepção, os clérigos deviam ser os primeiros a viver a moral
católica a fim de dar exemplo aos demais imigrantes instalados na região de Curitiba. Sendo
assim, se dependesse de Pietro Colbacchini muitos outros sacerdotes também não tomariam
parte da sua missão e nem da congregação fundada pelo bispo Giovanni Battista Scalabrini,
sobretudo, os chamados napolitanos, ou seja, aqueles provenientes do sul da Itália, não deviam
ser aceitos na referida ordem religiosa. Sobre esta questão ele escreve já em uma de suas
primeiras cartas destinadas ao superior em Piacenza:

3HUSURYYHGHUHDLELVRJQLGHLQRVWUL,WDOOLDQLGHOO¶$PHULFDQRQFLYXROPHQRGLXQD
Cong.ne di Missionari, e la inibizione assoluta che altri Sacerdoti Italiani, specie
napoletani, abbiano ad introddursi in mezzo a questo gregge dove ora fanno (eccetto
pochi) più da lupi che da pastori.320

Além dos padres napolitanos, Colbacchini era também contrário à entrada, no novo
instituto religioso ao qual passou a pertencer, de padres muito jovens ou que tivessem prestado
serviço militar.321 Este fato demonstra claramente, como ele tentava impor sua compreensão
ultramontana na recém-criada ordem scalabriniana. Porém, o fundador da congregação,
Monsenhor Scalabrini era portador de uma visão mais conciliadora, caracterizada como
transigente em relação ao que defendia o ultramontanismo da época, tanto que aceitava também
VDFHUGRWHV ³QDSROLWDQRV´ FRPR VHXV UHOLJLRVRV como foi o caso de Pe. Giuseppe Venditti
enviado para o Brasil no início da missão junto dos imigrantes italianos no Espírito Santo.322
Para o missionário que atuava no Paraná esse era um dos grandes erros cometido pelo
fundador dos scalabrinianos, que na sua opinião devia buscar sacerdotes para suas fileiras nas
regiões setentrionais da Itália, sobretudo, no Vêneto, como defende no trecho de carta a seguir
HQYLDGRDRVHXVXSHULRUHPDEULOGH³VLFKHL6DFHUGRWLYHQHWLGRYUHEEHURPHJOLRGHJOL
altri prevedere i bisogni in cui devono trovarsi migliaja de persone che di là vennero a popolare
TXHVWLSDHVL´323

320
Para prover as necessidades dos nossos Italianos na América, não precisa menos que uma Congregação de
Missionários, e a inibição absoluta que outros Sacerdotes Italianos, especialmente napolitanos, venham se
introduzir no meio desse rebanho onde até agora se comportam (exceto poucos) mais como lobos do que como
pastores. (Tradução nossa). COLBACCHINI a SCALABRINI, 26 de dezembro de 1887. In: TERRAGNI,
Giovanni. Op. Cit., p. 39.
321
COLBACCHINI a SCALABRINI, 21 de dezembro de 1888. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 89. 
322
Cf. SIGNOR, Licea M. João Batista Scalabrini e a migração italiana. Porto Alegre: Pallotti, 1986; e
RIZZARDO, Redovino. Raízes de um povo. Porto Alegre: EST, 1990.
323
Sim que os Sacerdotes venetos deveriam melhor que os outros prover as necessidades nas quais devem se
encontrar milhares de pessoas que de lá vieram para povoar estas regiões. (Tradução nossa). COLBACCHINI a
SCALABRINI, 11 de abril de 1889. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 116.
ϭϱϭ



Para Colbacchini, a atitude de Monsenhor Giovanni Battista Scalabrini de aceitar padres


oriundos das regiões meridionais italianas, assim como outras ações consideradas menos
intransigentes e liberais, afastavam os bons clérigos vênetos de conotação ultramontana de sua
RUGHPUHOLJLRVD1HVVDGLUHomRHVFUHYHDRVHXFROHJD3H5ROOHULDILUPDQGR³,RVDSHYDFKHLO
Clero, specialmente Veneto, non prenderebbe parte nella ns. Cong.ne. Corre voce colà che la
Istituizione di Mr. Scalabrini abbia odore di liberalismo, da che fuggono come il diavolo
GDOO¶DFTXDVDQWDLVDFHUGRWHYHQHWL´324
Sendo assim, enquanto esteve à frente da missão scalabriniana no Paraná, Pietro
Colbacchini não aceitou padres oriundos do sul da Itália como seus coadjuvantes. Em 1889,
quando a congregação lhe ofertou a ajuda de um sacerdote originário da Comune de Bovino,
localizada na Província de Foggia na Região italiana da Puglia, o mesmo afirmou
FDWHJRULFDPHQWH³4XDQWRDPHTXHOORGL%RYLQRQRQORDFFHWWHUHLVRORSHULOSHFFDWRRULJLQDOH
FKHSRUWD´325
Portanto, para Colbacchini os padres napolitanos se igualavam aos clérigos brasileiros,
e da mesma maneira representavam uma ameaça ao seu projeto de manutenção da italianidade
por meio da vivência radical dos bons costumes e da moral católica. Por essa razão, o
missionário irá combater e denunciar o mal comportamento desses sacerdotes que também se
fizeram presentes na região de colonização italiana do Paraná, como foi o caso do pe. Domenico
Piacenti, que foi pároco de São José dos Pinhais, sobre o qual escreveu ao Internúncio
Spolverini em novembro de 1890:

Un certo Sacerdote ± D. Domenico Piacenti (napolitano!) ± venne qui da 5 mesi in


qualità di Coadiutore del Vigario di Curityba, ma in attesa di una Parrochia. Egli stesso
mi disse... Che la sua famiglia aveva debiti a pagare e che per questo ritornò in Brasile
al fine di ottenere una parochia rendosa... La ottenne, infatti, ed una importantissima
e sommamente bisognosa di buon Pastore. Appena entrato in Parochia per avidità di
GHQDURSRVHO¶DQDUFKLDRVVLDWHQWzGLSRUODQHOOHWUH&RORQLH,WDOLDQHDSSDUWHQHQWLDOOD
sua Parochia che insieme ad altre, di altre parochie, costituiscono la parochia italiana
DPHDIILGDWD(JOLSXEOLFzGDOO¶DOWDUHFKHHJOLHUDSDURFRDQFKHGHJOLLWDOLDQLFKHLO3
Colbacchini non avea più che fare con loro, e giunse a dire che i matrimoni da me
fatti, sono nulli.326


324
Eu sabia que o Clero, especialmente Veneto, não tomaria parte na nossa Congregação. Corre boato lá que a
Instituição de Monsenhor Scalabrini tem odor de liberalismo, do que fogem como o diabo da água benta, os
sacerdotes venetos. (Tradução nossa). COLBACCHINI a ROLLERI, 15 de julho de 1889. In: TERRAGNI,
Giovanni. Op. Cit., p. 202.
325
Quanto a mim, aquele de Bovino, não o aceitarei, somente pelo pecado original que carrega. (Tradução nossa).
COLBACCHINI a ROLLERI, 06 de março de 1889. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 110.
326
Um certo Sacerdote ± Pe. Domenico Piacenti (napolitano!) ± veio pra cá faz 5 meses na qualidade de Coadjutor
do Vigário de Curitiba, mas na espera de uma Paróquia. Ele me mesmo me disse... Que a sua família tinha dívidas
a pagar e que por isso retornou ao Brasil a fim de obter uma paróquia lucrativa... A obteve de fato, e uma
importantíssima e muito necessitada de bom Pastor. Apenas chegado na Paróquia, por cobiça de dinheiro impôs a
anarquia, o seja, tentou implantá-la, nas três Colônias Italianas pertencentes a sua Paróquia que junto a outras, de
ϭϱϮ



Percebemos, por meio do exemplo exposto, que além da imagem moral dos sacerdotes
italianos, a disputa com os padres chamados de napolitanos, assim como aquela que se dava
com o clero brasileiro, também dizia respeito a questão da jurisdição, ou seja, quem ficaria
responsável pelos imigrantes, e consequentemente, receberia deles as taxas referentes aos
pagamentos pela ministração dos sacramentos. Da mesma forma, o missionário scalabriniano
entendia que os referidos clérigos provenientes do sul da Itália, assim como os sacerdotes
brasileiros, só estavam preocupados com a renda paroquial e deixavam de lado a assistência
espiritual e as correções morais, sendo assim, os considerava como verdadeiros inimigos para
a manutenção da catolicidade imigrante.
Além da forte oposição da entrada de padres napolitanos na Congregação Scalabriniana,
Colbacchini também divergia em outros aspectos com o seu Superior. Segundo Azzi, a
intransigência deste último não se coadunava com a mentalidade de Scalabrini, que por sua vez,
pretendia restabelecer uma aliança entre os italianos patriotas e a fé católica através do
equilíbrio entre ambas. Já, na concepção do primeiro, os patriotas italianos deveriam se
submeter às diretrizes da Igreja, ou seja, a catolicidade deveria se sobrepor a pátria e não se
submeter a ela.327
Nesse sentido, o sacerdote scalabriniano irá defender a ideia de que os imigrantes
deveriam conservar o amor pátrio por meio do bom comportamento e da prática da religião, e
não através de um patriotismo exagerado. Sobre essa questão, afirmou categoricamente ao seu
VXSHULRUTXH³FROWLYDUHO¶DPRUSDWULRLWDOLDQRGLYHQWHUHROWUHFKHSHULFRORVRULGLFRORSHUTXHVWD
gente fuggita dalla sua terra per estrema miseria e per disgusti della persecuzione che il ns.
*RYHUQRIDDOODUHOLJLRQHFKHSURIHVVDQR´328
Nesta última declaração, notamos claramente um forte ressentimento do religioso em
relação ao governo italiano, considerado por ele como inimigo da religião daqueles que foram,
também por esse motivo, obrigados a emigrar para manter a sua fé. Nessa direção, entendemos
que Colbacchini irá incentivar os imigrantes italianos a preservar em primeiro lugar a
catolicidade, e só depois, ainda como consequência desta primeira atitude, e sem fanatismo, o
amor à pátria de origem. Sendo assim, ao escrever para os colonos vai declarar o seguinte:


outras paróquias, constituem a paróquia italiana a mim confiada. Ele anunciou no altar que ele era pároco também
dos italianos, que o Pe. Colbacchini não tinha mais nada a ver com eles, e acrescentou que os matrimônios feitos
por mim são nulos. (Tradução nossa). COLBACCHINI a SPOLVERINI, 7 de novembro de 1890. In: TERRAGNI,
Giovanni. Op. Cit., p. 291.
327
AZZI, Riolando. In: DE BONI, Luiz A (Org.). Op. Cit., p. 76.
328
Cultivar o amor pátrio italiano, seria além de perigoso, ridículo para esta gente fugida de sua terra por causa da
extrema miséria e por desgosto devido a perseguição que o nosso Governo faz a religião que professam. (Tradução
nossa). COLBACCHINI a SCALABRINI, 22 maio de 1889. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 130.
ϭϱϯ



$QFK¶LRYLLQVHJQRGLDPDUHODSDWULDHSUHIHULUHDGRJQLDOWUDODQD]LRQHLQFXLVLHWH
nati, ma non giungerò mai ad imponi come dovere che alla patria vostra abbiate a
sacrifLFDUH L YRVWUL WHPSRUDOL YDQWDJJL H PHQR SRL O¶LQWHUHVVL VXSUHPL GHOOH YRVWUH
DQLPH$QFKHUHVWDQGRYLQHOO¶$PHULFDYRLSRWHWHHGRYHWHIDYRULUHODYRVWUDSDWULDH
darle lustro o vantaggio, col farla stimare a mezzo dei vostri santi costumi, della vostra
vita intemerata, della vostra sagace attività, e collo scambio del vostro commercio. 329

Percebemos, portanto, que o missionário italiano defendia que o amor à pátria de origem
devia sim ser mantido pelos imigrantes, porém, não por meio de um patriotismo de cunho
nacionalista e exacerbado, mas sim pelo bom exemplo dado pela prática da religião, da
moralidade e da dedicação ao trabalho. É nítido, nessa última exposição, que o sacerdote através
do seu discurso contribuiu para a propagação da ideia clássica propagada pelos membros da
instituição católica de que os imigrantes italianos se caracterizavam como exemplo de bons
católicos morigerados e laboriosos.
Nessa direção, outra preocupação de Colbacchini, desde que chegou ao Paraná, foi
afastar os colonos de origem italiana do protestantismo, a fim de manter a catolicidade como
principal marca deste grupo étnico. Esta última questão é apontada por ele em uma de suas
primeiras cartas dirigidas ao pe. Mantese:

Ora sono 10 ore di notte e continuo fino alla fine, dovendo domani mettermi in viaggio
per una Colonia di Tirolesi distante tre giornate di cavallo, che non ho ancora visitato.
Mi dicono che un ministro protestante fu a tentare quella Colonia stabilita da 13 anni
e che mai vidde un missionário, e che non pochi deficiarono della fede. Il luogo
chiamasi Sanghy. Andrò ed il Signore e la Vergine SS. mi ajuteranno.330

Portanto, a passagem de um ministro protestante na Colônia do Assungui331 é relatada


como algo perigoso pelo referido sacerdote, pois o evento podia induzir aos colonos de origem
italiana a abandonar a fé católica trazida pelo grupo étnico no momento da emigração.
Entendemos, que o padre italiano considerava a situação perigosa para a manutenção da


ϯϮϵ
Também eu vos ensino a amar a pátria, e preferir entre todas as outras a nação na qual nasceram, mas nunca
chegarei a impor como dever que pela pátria vossa tenham que sacrificar as vossas vantagens temporais e menos
ainda os interesses supremos de vossas almas. Também permanecendo na América vós podeis e deveis favorecer
a vossa pátria, e dar-lhe brilho ou vantagem, fazendo-a estimada por meio dos vossos santos costumes, da vossa
vida imaculada, do vosso trabalho sagaz, e com o intercâmbio de vossos negócios. (Tradução nossa).
&2/%$&&+,1,3LHWUR*XLGDVSLULWXDOHSHUO¶HPLJUDWRQHOO¶$PHULFD,Q7(55$*1,*LRYDQQLOp. Cit.,
658.
330
Agora são 10 horas da noite e continuo até o fim, tendo amanhã que me colocar em viagem para uma Colônia
de Tiroleses distante três jornadas a cavalo, que ainda não visitei. Me dizem que um ministro protestante foi tentar
aquela Colônia fundada a 13 anos e que nunca viu um missionário, e que não poucos perderam a fé. O lugar se
chama Assungui. Irei e o Senhor e a Virgem Santíssima me ajudarão. (Tradução nossa). COLBACCHINI a
MANTESE, 28 de fevereiro de 1886. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., pp. 27-28.
331
Esta colônia mista, formada por imigrantes europeus e posteriormente famílias brasileiras, foi fundada no ano
de 1860, e não em 1873, conforme afirma Colbachini. Cremos que a referência a esta última data se refira a chegada
dos indivíduos oriundos da península italiana ao núcleo colonial, os citados tiroleses.
ϭϱϰ



catolicidade dos seus conterrâneos devido à característica mista daquele núcleo, que contava
com imigrantes alemães, ingleses e franceses, e também pela ausência de um representante da
Igreja Católica entre os italianos estabelecidos a considerável distância da capital.
Porém, o que mais consumia o tempo e a energia do religioso, e fazia com que ele
manifestasse a rigidez de seu discurso ultramontano intransigente, era o combate aos pecados,
ou seja, aos maus costumes e desvios morais existentes entre os imigrantes italianos. Conforme
defende Possamai, por meio da imposição de uma moral puritana os clérigos tentavam regrar o
comportamento dos colonos e imprimir-lhes uma imagem de bom católico. Sendo assim, o
mesmo autor vai afirmar que, a moral católica não era uma qualidade inerente do imigrante
italiano, mas algo imposto, ou seja, construído por meio do regramento clerical.332
Nessa direção, Colbacchini irá dedicar boa parte do seu discurso e da sua ação para
impor regras morais entre os colonos. Essa prática se dará por meio de um governo pastoral
pautado na vigilância e na punição que almejava a disciplinarização e a normatização do grupo
social ao qual o sacerdote católico pretendia impor um modelo de italianidade.333
Podemos perceber, ao analisar o discurso do sacerdote italiano, que para ele os
principais desvios de conduta que deviam ser combatidos eram a bebedeira e a blasfêmia, que
se davam principalmente ao frequentar os bailes e as vendas. De acordo com Scarpim,
historiador que também analisou parte dos escritos de Pietro Colbacchini, este último apontava
justamente as vendas, os bailes, as ocasiões de jogos e as bebidas como os mais sérios
problemas a serem combatidos nas colônias italianas, pois eram eles que propiciavam
momentos de fuga às normas religiosas, à sanidade, à moral e aos bons costumes católicos.334
Sendo assim, a luta contra esses desvios morais devia ser permanente para que fosse
impressa na mentalidade coletiva dos imigrantes italianos a noção de que para pertencer ao
referido grupo etnocultural era preciso manter a postura de bom católico, praticante e obediente.
Esse combate realizado pela autoridade religiosa acontecia por meio de repreensões e
proibições orais feitas à coletividade através das homilias da missa, mas também e,
principalmente de maneira individual, por meio do sacramento da confissão. Essa estratégia de


332
Cf. POSSAMAI, Paulo. Op. Cit., 2004, pp. 179-189.
333
Essa nossa afirmação está pautada nos estudos do filósofo Michel Foucault, sobretudo na terceira parte de sua
obra Vigiar e Punir. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Rio de Janeiro: Vozes, 1984.
334
Ao analisar o comportamento dos imigrantes e seus descendentes nas colônias italianas instaladas no município
de Campo Largo, Scarpim identificou que os bailes, o alcoolismo e os jogos formavam uma espécie de tríade
maligna que, segundo os sacerdotes, desviava os colonos da moral católica. SCARPIM, Fabio Augusto. O mais
belo florão da igreja: família e práticas de religiosidade em um grupo de imigrantes italianos (Campo Largo ±
Paraná, 1937-1965). Tese (Doutorado em História) ± UFPR, Curitiba, 2017, pp. 287-288.
ϭϱϱ



ação é perceptível na seguinte instrução que Colbacchini faz ao escrever à Bonato em 2 de


junho de 1888:

Sebbene non si possa giudicare reo di grave pecc. colui che pronuncia in vano il nome
GL'LRRGL0DULDRGLFRVHVDQWHSHUFKpODEHVWHPPLDq³YHUEXPFRQWXPHOLRVXPLQ
'HXP´ WXWWDYLD VL GHYH FRPEDWWHUH TXHVWR DEXVR FKH VSHVVR SHU OH FLUFRVWDQ]H R
GHOO¶LUDRGHOORVFDQGDORJLXQJHDGHssere peccato grave. Dire in Chiesa che il proferir
Ostia, Sacramento, Corpo, Cristo, Madonna, o per Dio, per la Madonna ecc. non è
peccato grave, sarebbe vera imprudenza, come sarebbe errore dire che è peccato
mortale. Nelle confessioni è necessário esortare, e se fa bisogno, star duri colla
assoluzione, quando il vizio fosse inveterato, e non si vedesse la volontà disposta a
dimetterlo.
Quanto ai disordini del bere, siate pur rigoroso, e non dite che il bere così da diventare
XQSR¶EULOOR DOOHJURFRPHdicono) non è peccato, essendo già in quello stato uscito
O¶XRPRGDOORVWDWRQRUPDOHGLVXDEXRQDUDJLRQH/¶DEXVRGHOYLQRHGHOODFDFLDVVDq
troppo frequente fra i nostri, speci, fra i vostri.335

Por meio do trecho desta carta enviada ao seu colaborador, percebemos que a homilia
e, principalmente, a confissão eram os instrumentos utilizados pelo missionário scalabriniano
para combater rigorosamente a prática da blasfêmia e da bebedeira, que como o mesmo aponta,
eram frequentes entre os imigrantes italianos vindos para o Paraná. A respeito do primeiro
desvio de comportamento de bom católico, o referido padre afirma que se fosse percebido que
o vício estava arraigado o indivíduo não deveria receber a absolvição, o que o manteria na
condição de pecador até que o mesmo mudasse de comportamento.
Sobre a segunda transgressão, o sacerdote revela que o abuso do vinho e da cachaça era
comum entre os colonos de origem italiana, e que também devia ser combatido de forma
rigorosa. Para este caso, se o indivíduo praticasse a embriaguez de forma constante e o vício do
mesmo se tornasse conhecido por todo o grupo étnico, ou seja, fosse ele reconhecido como um
pecador público, a punição podia chegar a exclusão dos sacramentos, como fica evidente no
que é relatado por Colbacchini a seguir:

/¶DOWUR JLRUQR SDUODQGR FRQILGHQ]LDOPHQWH FRQ OXL GL XQD FHUWDSHUVRQD FKH WHQHYD
scuola, in passato, nella Colonia di Santa Maria Novo Tyrol, e mostrandogli che non
meritava la confidenza che egli gli GLHGHQHOO¶RFFDVLRQHFKHVLSRUWzLQTXHOOD&RORQLD
per essere egli publicamente conosciuto come un malvaggio e bevone, egli mi disse
che avea avuto da lui promessa da confessarsi a Pasqua. Ed io a lui: che confessarsi a

335
Se bem não se possa julgar réu de grave pecado aquele que pronuncia em vão o nome de Deus ou de Maria ou
GDVFRLVDVVDQWDVSRUTXHDEODVIrPLDp³SDODYUDTXHLQVXOWDD'HXV´WRGDYLDVHGHYHFRPEDWHUHVWHDEXVRTXH
frequentemente pelas circunstâncias ou da ira, ou do escândalo chegam a ser pecado grave. Dizer na Igreja que
proferir Hóstia, Sacramento, Corpo, Cristo, Nossa Senhora, ou por Deus, por Nossa Senhora, etc. não é pecado
grave, seria verdadeira imprudência, como seria errado dizer que é pecado mortal. Nas confissões é necessário
exortar, e se preciso, ser duro com a absolvição, quando o vício estiver arraigado, e não se ver vontade disposta de
renunciá-lo. Quanto as desordens do beber, seja também rigoroso, e não diga que o beber somente para ficar um
pouco aceso (alegre como dizem) não é pecado, sendo que naquele estágio saiu já o homem do estado normal de
sua boa razão. O abuso do vinho ou da cachaça é bastante frequente entre os nossos, especialmente, entre os vossos.
(Tradução nossa). COLBACCHINI a BONATO, 02 de junho de 1888. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 63.
ϭϱϲ



Pasqua, gli replicai; è cosa facilHFRQIHVVDUVL PDqQHFHVVDULRO¶HPHQGDUVL,RO¶KR


SURYDWRGDPROWRWHPSRPDFRQWLQXDPHQWHHJOLDGDUHLVROLWLVFDQGDOLO¶XOWLPDYROWD
non gli ho dato i Sacramenti.336

Ao denunciar a falta de rigidez de um outro clérigo, que havia visitado a Colônia Santa
Maria do Novo Tirol, o missionário scalabriniano revela que um certo imigrante italiano, que
mantinha uma escola no dito núcleo colonial, era conhecido como um pecador público, pois era
XP³PDOYDGRHEHEHUUmR´337 De acordo com o relato exposto, o referido imigrante já tinha sido
exortado várias vezes, mas como não mudava de comportamento, Colbacchini decidiu pela sua
exclusão dos sacramentos. Cremos que essa decisão também levou em consideração tratar-se
de uma pessoa pública, pois o professor daquela colônia, exatamente pela função que exercia,
não podia dar mal exemplo aos demais colonos, sobretudo, às crianças daquela localidade.
Portanto, torna-se evidente para nós, que por meio do seu discurso pautado na
disciplinarização o sacerdote italiano impunha por meio da obediência aos seus ensinamentos
morais e religiosos um modelo de italianidade a ser vivido através das práticas e costumes
promovidos pelo catolicismo. Percebemos também, que além das repreensões orais, a forma
encontrada para punir e combater os desvios de conduta era a exclusão dos sacramentos
católicos, o que fica evidente ao fazermos a leitura do extrato da carta que apresentamos a
seguir:

Fra i nosWUL &RORQL GL WXWWL L QXFOHL HUD FRVu LQYDOVR O¶XVR GHO IUHTXHQWDUH OH vende
(osterie) specialmente nelle feste, che era divenuto come un bisogno per tutti grande
e piccoli. [...] Per farla finita mi sono rissolto di non ammetter più ai SS. Sacramenti
gli abituati alla venda...338

Acreditamos que, por meio dessas ações, o padre Pietro Colbacchini, mesmo diante de
frequentes resistências, conseguia impor um modelo de identidade étnica fortemente pautado
na moral católica, que era assumido como representação da italianidade pela maioria dos


336
Um outro dia falando confidencialmente com ele de uma certa pessoa que mantinha escola, no passado, na
Colônia de Santa Maria do Novo Tirol, e mostrando-lhe que não merecia a confiança que ele lhe deu na ocasião
em que se dirigiu àquela Colônia, por ser ele publicamente conhecido como um malvado e beberrão, ele me disse
que tinha dele uma promessa de confessar-se na Pasqua. E eu disse a ele: que confessar-se a Pasqua, lhe repliquei;
é coisa fácil se confessar, mas é necessário endireitar-se; Eu o experimentei por muito tempo, mas continuou ele a
dar os mesmos escândalos de sempre, a última vez não lhe dei os Sacramentos. (Tradução nossa). COLBACCHINI
a ROLLERI, 06 de março de 1889. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., 110.
337
Acreditamos que Colbacchini está se referindo a pessoa de Giovanni Battista Marconi, imigrante italiano que
por muitos anos exerceu a função de professor ao manter uma escola particular na Colônia Santa Maria do Novo
Tirol. Segundo o jornal A Republica de 11 de dezembro de 1889, o mesmo recebeu do governo uma subvenção
anual para exercer a instrução primária no citado núcleo colonial.
338
Entre os nossos Colonos de todos os núcleos havia se tornado costume frequentar as vendas (bares)
especialmente nas festas, o que era visto como uma necessidade por todos, adultos e jovens. Para acabar com isso
resolvi não mais admitir nos Santíssimos Sacramentos os habituados à venda... (Tradução nossa). COLBACCHINI
a SCALABRINI, 10 de janeiro de 1894. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 371.
ϭϱϳ



imigrantes dessa origem instalados ao redor de Curitiba. Porém, defendemos que esse processo
de identificação por meio da prática religiosa, não se dava facilmente, mas sim por meio de
uma luta contra os vícios a fim de forjar na região de colonização italiana do Paraná uma
identidade pautada na figura idealizada do bom católico. Cremos que isso fica evidente na
seguinte declaração que o sacerdote fez ao seu superior:

Sembravano miracoli le cose avvenute qui nel breve tempo di tre anni. Allora quasi
QHVVXQRV¶LPSRUWDYDSLGLUHOLJLRQHLYL]LLFomuni, per modo che chi non si ubriacava
e non bestemmiava, era tenuto come un uomo da nulla; il costume avea perduto il velo
di ogni pudore, e i balli e le tresche erano cosa di ogni casa, senza dire del resto. Ora
Chiesa in ogni parte (16 già costruite) non più si ode nelle colonie una bestemmia, né
si vede brancolar per le strade un ubriaco; il costume ridotto a tale risservatezza che
un giovane non ardisce accostarsi ad una ragazza, sebbene con buone intenzioni, senza
prima interpellare il mio consiglio 7DO GRFLOLWj LQ WXWWL QHOO¶DFFRPRGDUVL DOOH PLH
decisioni, da impedire litigi, a da far regnare una pace veramente cristiana nelle
famiglie e nelle Colonie, tal fervor di pietà da esser necessario spesse volte di frenarlo;
tal frequenza di Sacramenti, da consumare qui e colà circa 500 particole ogni
settimana.339

Ao escrever para Scalabrini, a fim de demosntrar a eficácia de seu ministério em meio


aos italianos do entorno de Curitiba, Colbacchini relata a retomada miraculosa dos bons
costumes nas colônias depois de três anos em que estava se dedicando a assistência religiosa
das mesmas. Porém, entendemos que mais uma vez o missionário fez conclusões um tanto
quanto exageradas ao afirmar que havia acabado totalmente com os bailes e as brigas e com a
prática da blasfêmia e da embriaguez entre os seus conterrâneos. Assim como, ao declarar que
todos os jovens antes de se aproximarem de uma moça recorriam aos seus conselhos, ou ainda,
que todos os colonos aceitavam com docilidade as suas decisões.
Essa nossa afirmação, de que havia exagero na declaração do religioso, se dá por meio
da análise dos próprios escritos do padre scalabriniano, que tratarão constantemente sobre esses
assuntos. Entendemos que as repetidas exortações contrárias a esses vícios e desvios morais
contidas em suas cartas, revelam que eles continuavam a ser praticados constantemente pelos
colonos italianos da região. Estamos afirmando, portanto, que os imigrantes italianos, mesmo


339
Pareciam milagres as coisas que se deram aqui no breve tempo de três anos. Antes quase ninguém se importava
mais com a religião, os vícios eram comuns, de modo que quem não se embriagava e não blasfemava, era tido
como um homem de nada; o costume tinha perdido todo tipo de pudor, e os bailes e as brigas eram coisas presentes
em todo lugar, sem dizer o resto. Agora Igreja por toda parte (16 já construídas) não mais se ouve nas Colônias
uma blasfêmia, nem se vê cambalear pelas estradas um bêbado; o costume se reduziu a tal observância que um
jovem não ousa se aproximar de uma moça, mesmo com boas intenções, sem antes pedir o meu conselho. Tal
docilidade de todos em aceitar as minhas decisões, para impedir brigas, e para fazer reinar uma paz
verdadeiramente cristã nas famílias e nas Colônias; tal fervor de piedade é tanto que por vezes chega a ser
necessário freá-lo; tal frequência nos Sacramentos, consumindo aqui e acolá cerca de 500 partículas toda semana.
(Tradução nossa). COLBACCHINI a SCALABRINI, 06 de maio de 1889. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p.
122.
ϭϱϴ



participando das atividades religiosas promovidas pelo missionário junto às capelas das
colônias, não eram tão dóceis e submissos, ou seja, por muitas vezes transgrediam sim os bons
costumes e as regras impostas pela autoridade eclesiástica. Em outras palavras, defendemos que
se havia o combate a determinados comportamentos é porque havia certa resistência e desvios
constantes por parte dos italianos ao modelo de bom católico, morigerado e obediente pregado
pelo sacerdote.
A fim de demonstrar como a repetição das exortações era necessária e se dava durante
todo o período, e até mesmo depois, que Colbacchini permaneceu à frente do atendimento
religioso das colônias italianas do Paraná, vamos apresentar na sequência dois momentos em
que o missionário teve de reiterar o combate a esses inimigos da boa moral católica imigrante.
O primeiro momento se deu no discurso promovido por ele a toda coletividade italiana reunida
na colônia de Santa Felicidade por ocasião da sua despedida de Curitiba em 1894, que como
veremos adiante foi forçada pelo embate que o mesmo teve contra os partidos políticos durante
a Revolução Federalista. Naquela ocasião o sacerdote exortou a todos os imigrantes italianos
por meio das seguintes palavras:

(G q SHU TXHVWR FKH LQ TXHVW¶XOWLPD RFDVLRQH FKH LR YL SDUOR VROHQQH LQVLHPH H
mestissima per me e per molti di voi, vi grido ancora una volta per quanto mi sento
cuore di padre per voi, per quanto desidero il vostro bene: Fuggite le vende! Fuggite
le vende! Voglio dire astenetevi da quei luoghi nei quali o vi trovereste con pericolose
compagnie, o in ocasione di intemperenze, di scialaqui, di disordini.
Se vi preme la vostra anima, la vostra salute, il vostro decoro, la pace e felicità nelle
vostre famiglie, rinunciate a quei divertimenti, che, non sono punto necessari, e che
per se stessi e per motivi particolari alle circostanze vostre, vi tornerebbero di sommo
pericoloso. Non vi fidate di voi. Chi si aprossima al fuoco si riscalda. Da quei luoghi
dove si beve e si tracanna, si giuoca e si bestemmia, si danza e si fa onta al pudore,
statevene lontani come fareste da un lazzaretto di lebbrosi. La lebbra voi contrereste
SHUO¶DQLPDHGLQVLHPHSHULOFRUSR>@)XJJLWHOHYHQGHHIXJJLUHWHLOGHP{QLR 340

Percebemos, que no momento em que o missionário scalabriniano precisou deixar a


região de colonização italiana do Paraná, depois de oito anos prestando assistência religiosa aos
imigrantes aí instalados, o mesmo continuava exortando os seus conterrâneos a respeito dos


340
É por isso que nesta última ocasião em que eu vos falo, solene e ao mesmo tempo muito triste para mim e para
muitos de vós, vos grito ainda uma vez fortemente aquilo que sinto no coração como vosso pai, e por quanto desejo
o vosso bem: Fujam das vendas! Fujam das vendas! Quero dizer, abstenham-se daqueles lugares nos quais
encontrareis com companhias perigosas, ou em ocasião de intemperanças, de esbanjamentos, de desordens. Se
apreciam a vossa alma, a vossa saúde, o vosso decoro, a paz e a felicidade nas vossas famílias, renunciem a estes
divertimentos, que não são necessários, e que por si mesmos ou pelos motivos particulares das vossas
circunstâncias, se tornariam um grande perigo para vós. Não confiem em vos mesmo. Quem se aproxima do fogo
se queima. Daqueles lugares onde se bebe e se traga, se joga e se blasfêmia, se dança e ofende o pudor, fiquem
longe como ficariam de um lazareto de leprosos. Lá vocês contrairiam a lepra para a alma e também para o corpo.
[...] Fujam das vendas e fugirão do demônio. (Tradução nossa). COLBACCHINI, Pietro. Discorso di congedo, 29
de julho de 1894. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p.572-573.
ϭϱϵ



mesmos desvios de conduta que passou a combater quando chegou em Curitiba em 1886.
Entendemos, portanto, que tais pecados, como a bebedeira, a blasfêmia, o frequentar bailes e
vendas, não haviam sido extirpados, pelo contrário continuavam recorrentes entre os colonos
italianos da região. Na nossa compreensão, isso revela como os imigrantes exerciam certa
resitência ao discurso moral e religioso de Colbacchini.
Por outro lado, notamos como o referido missionário, de caráter ultramontano
intransigente, insistia na luta de moldar a identidade étnica dos imigrantes italianos por meio
dos bons princípios morais católicos. Nessa direção, mesmo após o seu retorno para Itália, o
padre Pietro Colbacchini irá agir para manter e continuar a propagar o seu discurso religioso
entre os colonos de origem italiana do Paraná. Com esse intuito, irá mandar imprimir a referida
homilia proferida por ocasião da sua despedida para que ela fosse distribuída nas colônias
italianas do Paraná, como pede ao padre Francisco Bonato em setembro de 1894:

Avrete ricevuto non so se 5 o 6 pacchi del Discorso. Voi distribuitene le copie a chi
YL DJUDGD H FUHGHWH QH SRVVD DYHUH LO GLULWWR ,R O¶KR VWDPSDWR SHUFKp WXWWL L EXRQL
abbiano una memoria di me. Ne ho fato tirare 600 copie, per cui se ne mancheranno
dopo i vostri e quelli mandati ad altri, ve ne potrò ancora spedire.341

É notório, que o religioso desejava que todos os imigrantes italianos lessem


continuamente o conteúdo do seu discurso de despedida, pois nele continham exortações para
que os mesmos se afastassem dos inimigos dos bons costumes, e assim mantivessem a boa
moral católica como sua marca identitária. Ao escrever diretamente para o colono Giuseppe
9HQGUDPLQLGH6DQWD)HOLFLGDGHLUiHQIDWL]DU³/HJJLHSUDWLFDLO'LVFRUVRGLFRQJHGR´342


341
Recebeste não sei se 5 ou 6 pacotes do Discurso. Distribua as cópias a quem vos agrada e crês que possa ter
direito. Eu as imprimi para que todos os bons tenham uma lembrança de mim. Fiz tirarem 600 cópias, para aqueles
que faltar depois do vossos e aqueles outros a quem mandei, poderei expedir mais. (Tradução nossa).
COLBACCHINI a BONATO, 26 de setembro de 1894. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 385.
ϯϰϮ
Leia e pratique o Discurso de despedida. COLBACCHINI a VENDRAMINI, 24 de novembro de 1894. In:
TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 394.
ϭϲϬ



FIGURA 3 ± &$3$'2³',6&2562',&21*('2´'(343

Com o mesmo objetivo, de moldar a conduta dos italianos imigrados, Colbacchini,


durante o tempo que permaneceu no seu país de origem, antes de retornar para o Brasil, entre
os anos de 1895 e 1896, se dedicou a escrever uma obra para servir de manual prático para o
bom católico, que QDVSDODYUDVGHOHVHULDXP³JXLGDGLVDOXWHSHUO¶DQLPDHSHULOFRUSRGRYHQGR
HJOLIDUOHYHFLGHOPLVVLRQDULR´344 O sacerdote scalabriniano redigiu boa parte dessa obra, que
chamou GH³*XLDHVSLULWXDOSDUDRHPLJUDGRLWDOLDQRQD$PpULFD´SDUDUHWHLUDUDVUHJUDVGH
comportamento aos colonos de origem italiana instalados do outro lado do oceano.


343
Acervo do Arquivo Geral SCalabriniano em Roma.
344
Um guia para a saúde da alma e do corpo, que deve fazer a vez do missionário. COLBACCHINI, Pietro. Guida
VSLULWXDOHSHUO¶HPLJUDWRLWDOLDQRQHOO¶$PHULFD,Q7(55$*1,*LRYDQQL2S&LWS
ϭϲϭ



FIGURA 4 ± &$3$'$³*8,'$63,5,78$/(3(5/¶,0,*5$72,7$/,$12´ DE 1896345

Sendo assim, mais uma vez, os inimigos morais da catolicidade imigrante, como a
blasfêmia, a embriaguez, os desvios sexuais, o frequentar as vendas e os bailes serão atacados,
dessa vez de maneira mais detalhada, pois o referido manual, assim como o seu autor afirmou,
precisava fazer a vez do missionário.346 A fim de exemplificar o conteúdo da citada obra, segue
um trecho a respeito do rigoroso combate feito aos bailes contido nela:

Perciò dovete fuggire dagli spassi del mondo, e soppratutto da quelli che vi potrebbero
esporre a pericolo di contaminar ela vostra anima, e di toglierle la sua pace. Non
SUHQGHWHPDLSDUWHDLEDOOLTXDOVLDQVLO¶RFFDVLRQLSHUFXLVLIDQQRHOHFLUFRVWDQ]HGHO
luogo e delle persone. Se poi avete una qualque autorità, impedir dovete ad ogni costo
che in casa vostra si tengano festini, fosse pure per le nozze di un vostro figlio o
figlia.347


345
Acervo do Arquivo Geral Scalabriniano em Roma.
346
Cf. SCARPIM, Fábio Augusto. Um guia para a saúde do corpo e da alma: o ideal de catolicidade defendido
pelo padre Pietro Colbacchini para as regiões de colonização italiana no Sul do Brasil. Rever, vol.15, nº1, Jan/Jun
2015, pp. 93-110.
347
Por isso deveis fugir dos espaços do mundo, e sobretudo daqueles que poderiam expor ao perigo de contaminar
a vossa alma, e de acabar com a sua paz. Não participem nunca dos bailes, qualquer que seja a ocasião para que
sejam feitos, as circunstâncias do lugar e das pessoas. Se possuírem autoridade, devem impedir a todo custo que
em vossas casas se tenham festinhas, mesmo que seja para comemorar o noivado de vosso filho ou filha. (Tradução
nossa). COLBACCHINI, Pietro. Guida sSLULWXDOH SHU O¶HPLJUDWR LWDOLDQR QHOO¶$PHULFD  ,Q 7(55$*1,
Giovanni. Op. Cit., p. 647.
ϭϲϮ



Na nossa compreensão, a exortação permanente almejada pelo sacerdote por meio do


seu guia espiritual demonstra que os imigrantes italianos faziam contantes resistências ao
regramento imposto pela moral católica. Por exemplo, se o religioso escreve que os bailes não
poderiam se dar nem mesmo nas casas das famílias por ocasião do noivado dos filhos, é por
que essa era uma das ocasiões em que os colonos aproveitavam para transgredir a regra e
realizar uma festa regada a música e danças.
Da mesma maneira que fez com a homilia citada anteriormente, Colbacchini tratou logo
de fazer cópias do referido manual para que fossem entregues a todos os colonos fixados no
entorno da capital paranaense. Compreendemos que assim, o sacerdote queria dar continuidade
ao seu projeto de imprimir a catolicidade como principal marca da identidade etnocultural dos
imigrantes italianos instalados na região de Curitiba.
A fim de concluir esta parte da nossa análise, queremos evidenciar ainda, mais uma luta
que o sacerdote travou: aquela contra um último inimigo do seu modelo de italianidade, os
partidos políticos, pois, esse embate foi o responsável pela expulsão do missionário do Paraná
no ano de 1894. Segundo afirma Rizzardo, foi por fazer rígida oposição à incorporação dos
colonos nas tropas que se formavam durante a Revolução Federalista, nas quais já haviam se
alistado diversos italianos liberais, que o referido padre passou a ser ainda mais hostilizado
naquele contexto revolucionário que tomou conta da região.
O mesmo autor afirma, que alguns políticos queriam arregimentar os imigrantes com o
LQWXLWRGHRVOHYDUDWRPDUSDUWHDWLYDQDUHYROXomRPDVR³SH3HGUR´RS{V-se a tais tentativas,
chegando, numa só vez, a facilitar a fuga de sessenta homens, que já tinham sido obrigados a
trocar a enxada pelo fuzil.348 Por essa razão, os liberais tramaram a morte do padre por meio de
um atentado que ocorreu no dia 17 de fevereiro de 1894. O sacerdote italiano narra o
acontecimento ao seu superior da seguinte forma:

Finalmente corrono le corrispondenze dopo 6 mesi di sospensione per causa di questa


guerra fratricida che ha desolato questo Paranà. [...] La mia vita fu a sommo rischio.
/DQRWWHGHOIHEEUDMRSHURSHUDGLXQ¶LQGHJQRLWDOLDQREDQGLWRGD,WDOLDFROORQHlo
delle forze rivoluzionare, uomo sceleratissimo, furono assaltate le mie residenze di
$JXD 9HUGH H GL 6WD )HOLFLGDGH QHOO¶LQWHQWR GL XFFLGHUPL SHUFKp LR ULWUDHYD JOL
,WDOLDQLGDOO¶DUURODUVLVRWWROHEDQGLHUHGLTXHOIXUEDQWHFKHVLHUDGDWRDOODULYROuzione
SHUDYHUPRGRGLIRUPDUHXQ¶RUGDGLDVVDVVLQL,SULPLDGDUUXRODUVLIXURQRFLUFD
italiani anarchici di Curityba, gente fuggita dalla giustizia italiana e che stava
DVSHWWDQGRLOPRPHQWRSHUGHSUHGDUHHIDUOHSHJJLRUHFRVH4XHOO¶HPSLRVDSHYDFRsì
ben dire che alluccinava questi ignoranti coloni e li traeva facilmente alle sue reti, se
non era che io, visto il pericolo, non li avessi avvisati e disilusi. Due mesi ho dovuto


348
RIZZARDO, Redovino. João Batista Scalabrini. Petrópolis: Vozes, 1974, p. 273.
ϭϲϯ



vivere nascosto in fitta boscaglia e difeso da gente armata. Le ricerche di quei


masnadieri per avermi furono continue, ma non giunsero al loro fine.349

Ao relatar o atentado promovido contra sua vida, devido ao fato de que por meio de seu
discurso Colbacchini convencia os colonos de origem italiana da região de Curitiba a não
participar dos partidos políticos, e das tropas que se formavam com o advento da Revolução
)HGHUDOLVWDRPLVVLRQiULRLUiFXOSDUXPFHUWRLPLJUDQWHTXHFODVVLILFDFRPR³LQGLJQRHEDQGLGR
LWDOLDQR´ GH VHU R UHVSRQViYHO HP SURPRYHU WDO SHUVHJXLomR 1mR IRL SRVVtYHO SRU PHLR GH
nossa pesquisa, saber exatamente a quem o sacerdote se referia, somente podemos perceber que
se tratava de um italiano pertencente ao grupo de imigrantes do meio urbano, com
características liberais e anticlericais.
Nossa hipótese, é que mais uma vez o padre italiano estivesse se referindo a um dos
membros da Sociedade Giuseppe Garibaldi, ainda mais porque sabemos que nesse período, com
o fracasso da Colônia Cecília na região de Palmeira, o grupo de liberais que se organizava em
torno da referida sociedade étnica, passou a ser composto também por muitos imigrantes com
ideais anarquistas que de lá remigraram para capital paranaense.350
Mesmo não podendo saber ao certo a mando de quem Pietro Colbacchini sofreu o
atentado contra sua vida, sabemos que a perseguição feita a sua pessoa pelos liberais o obrigou
a deixar a missão italiana que havia constituído no Paraná e o fez retornar, mesmo que a
contragosto, para Itália.
Mas, como o tão intransigente sacerdote conseguiu escapar da morte planejada pelos
seus opositores, e consequentemente, pode voltar são e salvo para sua terra natal? Alguns relatos
contidos em memoriais de dois núcleos coloniais italianos da região, Santa Felicidade e Vila


349
Finalmente correm as correspondências depois de 6 meses de suspensão por causa desta guerra interna que tem
desolado este Paraná. [...] A minha vida correu maior risco. Na noite de 17 de fevereiro por obra de um indigno
italiano, bandido na Itália, coronel das forças revolucionárias, homem perigosíssimo, foram assaltadas as minhas
residências do Água Verde e de Santa Felidade, na intenção de me matar, porque eu impedia os Italianos de
colocar-se debaixo as bandeiras daquele enganador que se envolveu com a revolução para ter como formar uma
orda de assassinos. Os primeiros a se inscreverem foram 50 italianos anárquicos de Curitiba, gente fugida da justiça
italiana e que estava esperando o momento para depredar e fazer coisas piores. Aquele ímpio sabia tão bem falar
que iludia estes ignorantes colonos e lhes atraía facilmente as suas redes, se não fosse eu, vendo o perigo, os
avisasse e os desiludisse. Dois meses tive que viver escondido em meio ao bosque e defendido por gente armada.
As procuras destes assassinos para me encontrar foram contínuas, mas não conseguiram seu objetivo. (Tradução
nossa). COLBACCHINI a SCALABRINI, 21 de maio de 1894. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 372.
350
Sobre a vinda de muitos indivíduos com conotações anarquistas para Curitiba encontramos a seguinte notícia
MiQRILQDOGH³$QDUFKLVWDV6REHVWDHSLJUDSKHSXEOLFRXKRQWHPRµ'LiULRGR&RPPHUFLR¶DGHOLEHUDomR
tomada pelo Sr. Ministro da Justiça, autorizando a deportação dos anarchistas que apparecerem na Capital Federal.
E os daqui que estão inundando a nossa Curitiba? A REPUBLICA, nº 833, quinta-feira, 15 de dezembro de 1892.
A respeito da presença anarquista em Curitiba conf. VALENTE, Silza Maria Pazello. A presença rebelde na
cidade sorriso: contribuição ao estudo do anarquismo em Curitiba, 1890-1920. Londrina: Ed. UEL, 1997.
ϭϲϰ



Colombo (antiga colônia Alfredo Chaves), elaborados por meio de entrevistas orais concedidas
por imigrantes e seus descendentes, revelam o seguinte:

Por boa sorte, enquanto eles tramavam a conspiração e designavam as pessoas que,
naquela noite, deviam executá-la, estava ali escutando um amigo do Padre, um certo
Francesco Busato de Vila Colombo. Com urgência ele se dirigiu para a colônia para
avisar do iminente perigo que incumbia. Embora já fosse noite, o Padre, com toda a
pressa, mandou arrear um bom cavalo, entregou um crucifixo à doméstica (Luigia
Micheletto) dizendo-OKH³&RPHVWHQmRWHPDQDGD´HHVFROWDGRSRUDOJXQVFRORQRV
fugiu para os lados de Vila Colombo. [...] Depois de vinte dias voltou para casa, mas
não o deixavam tranquilo porque o General dos liberais, tendo conhecimento de seu
retorno, o mandou chamar e o obrigou a formar, na colônia, um corpo de guardas se
quisesse garantir a vida e os bens dos colonos. [...] Assim, voltou a ficar em perigo a
vida do Padre, o qual, embora sabendo estar escoltado e defendido pelos bons colonos,
decidiu voltar para a Itália...351

Pe. Pietro Colbacchini ± 1894 - Um acontecimento imprevisto abala a comunidade


italiana ordeira e laboriosa de Colombo: um fugitivo marcado para morrer está
pedindo abrigo. É um italiano, um padre: Padre Colbacchini, que teria feito ele?
Durante um bom tempo uma casa de família de Colombo é transformada em Igreja,
porque ali se instalou o fugitivo que num ímpeto de zelo apostólico enfrentou os
desmandos da autoridade civil em Curitba. Foi por acaso que sentados num
µUHVWDXUDQWH¶GDSUDoD7LUDGHQWHVGRLVLWDOLDQRVGH&RORPERHVFXWDUDPRSODQRGRV
assassinos. Voando em sua charrete Francisco Busato e seu companheiro João Tosin
correram até Santa Felicidade avisar o Padre Colbacchini do perigo que corria.352

Por meio dos dois relatos apresentados, podemos perceber que o missionário
scalabriniano contou com a ajuda dos seus fiéis colonos para assim conseguir escapar com vida
do atentado promovido contra ele pelos italianos liberais. Da mesma forma, é possível saber
quem foram os imigrantes, que ficaram sabendo do plano para executar o religioso, e que
agiram em sua defesa, avisando-o e providenciando rapidamente para ele um esconderijo
seguro. Tratam-se dos italianos Francesco Busato e seu companheiro Giovanni Tosin.
Porém, o que é mais curioso para nossa investigação histórica, é que os citados
imigrantes que eram colonos pertencentes ao núcleo rural Alfredo Chaves da Vila Colombo, só
puderam alertar o sacerdote, do perigo emitente que o mesmo corria, porque ouviram sobre o
atentado enquanto estavam em um negócio, ou seja, em uma venda, localizada no centro urbano
de Curitiba. Portanto, só foi possível livrar o padre Colbacchini da morte, porque dois dos seus
bons e fiéis católicos estavam transgredindo as regras de não permanecer muito tempo no
ambiente urbano e não frequentar as vendas para onde constantemente se dirigiam os italianos
com características liberais e anticlericais.


351
MARTINI, Pe. Giuseppe. Origem e desenvolvimento da colônia Santa Felicidade, Paraná. Santa Felicidade, 18
de março de 1908. In: GEREMIA & VIVIAN, Pes. Mário & Ervino. Santa Felicidade ± Curitiba, o início de
uma bela história. São Paulo: Edições Loyola, 2004, p. 29.
352
BUSATO, José. Outubro de 1995. Centenário da Paróquia Nossa Senhora do Rosário. Colombo:
Associazione Trevisani nel Mondo, 1995, p. 7.
ϭϲϱ



Apoiados nesse último exemplo, queremos afirmar mais uma vez, que mesmo os
imigrantes italianos que eram considerados bons católicos quebravam as regras impostas pela
autoridade sacerdotal. Entendemos que a figura do colono Francesco Busato caracteriza bem
essa realidade, pois além de frequentar as proibidas vendas, o mesmo também se envolveu com
a política, como apotaremos a seguir. Contudo, mesmo contrariando a autoridade de Pietro
Colbacchini, conservava com este uma relação de amizade.
Compreendemos, portanto, que até mesmo o referido sacerdote aceitava a certos desvios
cometidos por alguns de seus fiéis, o que demonstra que a italianidade propagada por ele, não
era aceita de forma passiva, mas sim se dava perante um processo de negociação entre ele, como
promotor do discurso, e os imigrantes italianos, que ressignificavam o mesmo conforme os seus
interesses.

3.4 A construção da italianidade entre representação e resistências

Na última parte deste capítulo, tentaremos dar voz aos imigrantes, ou seja,
procuraremos, através de alguns exemplos citados nas cartas escritas por Pietro Colbacchini,
perceber como os mesmos se comportaram diante da imposição do modelo de italianidade
apoiado na catolicidade ultramontana, que foi propagado pelo discurso do referido sacerdote, e
ao qual nos dispusemos a analisar na presente pesquisa. Pretendemos evidenciar como se deram
as formas de adesão e de resistência a esse modelo, ou seja, de que forma os imigrantes fizeram
uso desta forma de representação identitária que se apoiava na religião.
Nessa direção, queremos evidenciar como a apropriação dessa identidade era negociada,
pois mesmo os imigrantes que a assumiam não se apegavam a ela em sua totalidade, ou da
forma como pretendia Colbacchini, e como já vimos anteriormente faziam resistências ao seu
discurso. Portanto, almejamos apresentar como os italianos que se instalaram em Curitiba, por
meio de estratégias de identidade adotadas para se adequar ao novo espaço social e alcançar
seus objetivos e interesses, foram capazes de negociar com as representações de italianidade
que os cercavam, e dessa maneira mantiveram o caráter transitório e plural de sua identidade.
Um primeiro caso que queremos apresentar é um exemplo de resistência às imposições
e correções morais feitas pelo sacerdote aos imigrantes de origem italiana. Trata-se do rápito
de uma jovem brasileira por um italiano, como podemos conferir na narrativa a seguir:

ϭϲϲ



1HOO¶DQQRSDVVDWRWURYDQGRPLLRLQ&KLHVDQHOOD&RORQLD$OIUHGR&KDYHVXQDGRQQD
italiana mi presentò una giovenetta tredicenne che piangendo chiedeva il mio ajuto
per liberarsi dalla brutalità di un certo Vicenzo Lapolla, calabrese, che dopo averla
rubata a sua madre, sei mesi avanti, la maltratava in tutte le guise. Feci il mio dovere,
e fatta chiamare la sua madre a lei la consegnai colle dovute raccomandazioni. Intanto
io era partito della Colonia, quando tornò dai boschi (è mercante girovago) il detto
Vincenzo, e non trovata la fanciulla o sapendo della cosa, divenne furibondo contro
me giurando che mi avrebbe ucciso.353

Notamos claramente, por meio do trecho exposto, que o sacerdote foi avisado do desvio
de conduta do citado imigrante por meio de uma fiel daquela referida colônia. Entendemos que
esta italiana, que não sabemos o nome, como boa católica, pautava sua identidade étnica nos
ensinamentos morais e religiosos, tanto que denunciou o caso do rápito da jovem brasileira ao
maior representante deste modelo de italianidade, o padre. Ao fazer tal denúncia cremos que a
imigrante estava aderindo e reproduzindo o discurso ultramontano do líder religioso, pois agiu
no sentido de contribuir com o controle e a vigilância moral da coletividade italiana.
Da mesma maneira, é possível perceber que Colbacchini, fazia questão de marcar a
origem regional do autor do citado desvio de conduta, escrevendo que Vincenzo Lapolla era
um calabrês, ou seja, era oriundo do sul da Itália, fato que aumentava o preconceito do clérigo
para com o seu comportamento. Por sua vez, este último ao se revoltar contra o missionário
revelou se opor ao discurso controlador que definia os italianos como bons católicos e
morigerados. Tal característica, e o desejo de vingança, fez com que o citado imigrante se
juntasse ao grupo de italianos do meio urbano, que também eram inimigos declarados de Pietro
Colbacchini, e procurasse com o apoio destes pôr fim a vida do missionário.
Essa aproximação pode ser identificada por meio do relato sobre o andamento do caso
TXHRSDGUHVFDODEULQLDQRIH]DRVHXVXSHULRUDILUPDQGRRVHJXLQWH³VWDQWHODVXDVFKLDWWD
calabrese, la sua empietà e le seduzioni che riceverà; Si revelò manifestamente che la sua era
ira di religione, e che egli era il mancipio di tre o quattro persone italiane, atee nella città, che
YLYRRPRUWRPLYRJOLRQRYLDGLTXD´354 Da mesma forma, declarou a um de seus colegas de


353
No ano passado, encontrando-me na Igreja da Colônia Alfredo Chaves, uma mulher italiana me apresentou uma
jovenzinha brasileira de treze anos que chorando solicitava minha ajuda para libertar-se da brutalidade de um certo
Vicenzo Lapolla, calabrês, que depois de a ter roubado de sua mãe, seis meses antes, a maltratava de todas as
formas. Fiz o meu dever, e mandei chamar sua mãe e a ela a entreguei com as devidas recomendações. No entanto,
eu havia partido da Colônia, quando voltou dos bosques (pois é um mascate) o dito Vincenzo, e não encontrando
a menina ou sabendo do acontecido, ficou furioso contra mim jurando que teria me matado. (Tradução nossa).
COLBACCHINI a ROLLERI, 30 de dezembro de 1888. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 94.
354
Diante a sua linhagem, calabrês, seu caráter ímpio e as seduções a que se deixou levar; Se revelou claramente
que a sua ira era contra a religião, e que ele estava submisso a três ou quatro outros italianos, ateus da cidade, que
vivo ou morto queriam me tirar daqui. (Tradução nossa). COLBACCHINI a SCALABRINI, 24 de janeiro de 1889.
In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 103.
ϭϲϳ



FRQJUHJDomR³GHYRDFFUHVFHUHOHFDXWHOHSHUULSDUDUPLGDOOHLQVLGLHGi lui e dei suoi complici


VRQR&DODEUHVLHIUDTXHVWLXQ6DFHUGRWL ´355
Estas últimas declarações, sobre Vincenzo Lapolla, vão confirmar que o referido
imigrante se aproximou dos italianos com características liberais instalados no meio urbano de
Curitiba. Porém, ao reafirmar a origem calabresa de Lapolla e seus cúmplices, Colbacchini vai
também fazer questão de relatar que havia a presença de um sacerdote entre eles. Para nossa
pesquisa estas revelações são muito importantes, pois apontam para a existência de uma
multiplicade de representações de italianidade e catolicidade entre os imigrantes da referida
origem étnica que vieram para as terras paranaenses.
Entendemos, que o fato de negar a representação identitária imposta pelo modelo de
catolicismo ultramontano, adotada sobretudo pelos vênetos instalados nas colônias rurais, e se
aproximar do grupo com características liberais, não quer dizer que o imigrante calabrês não
pudesse viver o catolicismo de outra maneira, tanto que tinha ligação com outro sacerdote
católico, supostamente da mesma origem regional que a sua. Essa realidade demonstra que o
processo de identificação vivido pelos imigrantes italianos não respeitava a um simples
binarismo, pois, por meio do caso apresentado observamos um exemplo que não se encaixava
totalmente como anticlerical, mas também não aceitava viver sob o ultramotanismo pregado
por Pietro Colbacchini.
Um segundo caso de resistência ao discurso católico do missionário scalabriniano que
queremos apresentar, que também rendeu um atentado contra a sua vida, está relacionado a
assistência sacramental que o mesmo exercia na região de colonização italiana do Paraná. O
acontecimento se deu no ano de 1889, quando o religioso visitava um dos núcleos coloniais do
litoral paranaense.

... nel giorno 11 per accondiscendere al desisderio dei Coloni de S. Luiz, là mi portai
a passar due giorni con loro. Volle combinazione che da presso la casa che dovea
RVSLWDUPL P¶LQFRQWUDVVLFROIDPRVR-RVp$OELQRTXHOWL]LRFhe per 15 giorni stette
costì in Corityba sulle mie traccie per ammazzarmi. Non le posso dire quanto di rabbia
egli disfogò contro di me: ad ogni modo mi voleva gettare di sella, dicendo che era
venuto il momento della sua vendetta, con le bestemmie più orrende. Due volte mi
aferrò per il braccio; due volte mi abbrancò nel collo, ma io resistetti conservandomi
nella maggior quiete. Fuggì ed egli mi inseguì fino alla casa Vagnoni. Là entrato, egli
SXUHHQWUzHSHUWUHRTXDWWURRUHUHVWLVRWWRO¶LQFXERGLTuella belva vorace. La gente
di là, mezza cotta dalla caciassa, sebbene se ne stava pronta a diffendermi, non ardì di


355
... devo aumentar as cautelas para me proteger das insídias dele e de seus cúmplices (são Calabreses, e entre
eles um Sacerdote!). (Tradução nossa). COLBACCHINI a ROLLERI, 06 de fevereiro de 1889. In: TERRAGNI,
Giovanni. Op. Cit., p. 107.
ϭϲϴ



impedire questi fatti, perchè quel malvaggio, più colle sue bravate, che colla sua forza,
ha saputo incutere spavento a tutti di quella Colonia.356

Dias depois, já estando são e salvo em viagem à província de São Paulo, ao relatar o
caso ao seu superior, o scalabriniano revelou qual teria sido o motivo de tanto ódio que
ocasionou este segundo atentado contra sua vida.

In viaggio presi febbri biliose, forse in causa del malo incontro fatto in Paranaguà di
un uomo (lombardo) che mi afferrò per il collo e diceva di volermi uccidere, perchè
due anni or sono, sua moglie venne a confessarsi da me. 357

Os trechos das cartas apresentados nos revelam que, dentre a maioria dos italianos
instalados no núcleo colonial São Luiz, havia um que não desejava a presença do missionário
católico. Segundo a descrição do sacerdote já há algum tempo este imigrante o estava
perseguindo com a intenção de matá-lo, pelo fato de sua mulher ter se confessado com ele dois
anos atrás. Nossa hipótese é que na referida confissão Colbacchini tenha aplicado alguma
correção de ordem moral que veio a interferir no relacionamento do casal, talvez ocasionando
uma separação, não sabemos. Contudo, o fato demonstra como o padre agia para impor regras
de comportamento aos indivíduos por meio deste sacramento católico, e ao mesmo tempo como
alguns imigrantes não aceitavam esta ação que visava controlar e disciplinarizar o grupo étnico
por meio de normas de conduta.
É possível notar também, que mais uma vez o sacerdote italiano faz questão de marcar
a procedência regional do transgressor da ordem, informando que se tratava de um imigrante
lombardo, como se estivesse dizendo que não era um dos colonos oriundos da sua região de
procedência, o Vêneto. Entendemos, que estes últimos, por serem a maioria e se concentrarem
nas colônias rurais, eram o principal alvo do discurso do religioso, que os queria ter como
exemplo, e consequentemente, como ajuda para implantar o seu projeto de romanização do
catolicismo em terras brasileiras.

356
... no dia 11 para atender o desejo dos Colonos de São Luiz, lá me dirigi para passar dois com eles. Aconteceu
que próximo a casa em que deveria me hospedar eu encontrasse o famoso José Albino, aquele mesmo que por 15
dia permaneceu em Curitiba atrás das minhas pegadas para me matar. Não lhe posso dizer quanta raiva ele despejou
contra mim: de todas as formas queria me derrubar da sela, dizendo que tinha chegado o momento da sua vingança,
com as blasfêmias mais horrendas. Duas vezes me segurou pelo braço; duas vezes me puxou pelo pescoço, mas
eu resistí e me mantive na maior calma. Fugí e ele me seguiu para a casa dos Vagnoni. Lá entrei, mas ele também
entrou, e por três ou quatro horas fiquei diante do pesadelo daquela besta foraz. As pessoas de lá, já sob efeito da
cachaça, mesmo prontos a me defender, não ousaram impedir este fato, porque o malvado, mais com suas palavras,
que com sua força, soube incutir medo a todos daquela colônia. (Tradução nossa). COLBACCHINI a MOLINARI,
22 de maio de 1889. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 129.
357
Em viagem adquiri fortes febres, talvez por causa do terrível encontro que aconteceu em Paranaguá com um
homem (lombardo) que me segurou pelo pescoço e ameaçava me matar, porque dois anos fazem, sua mulher foi
se confessar comigo. (Tradução nossa). COLBACCHINI a SCALABRINI, 07 de junho de 1889. In: TERRAGNI,
Giovanni. Op. Cit., p. 136.
ϭϲϵ



Uma outra forma que os imigrantes encontravam de se opor ao discurso de Pietro


Colbacchini era a tentativa de denegrir a sua imagem de sacerdote, sobretudo, acusando o
mesmo de manter sua função somente para obter uma fonte de renda muito lucrativa através do
atendimento espiritual nas colônias. Um exemplo deste tipo de oposição à atuação do
missionário pode ser percebido no trecho da carta que ele enviou ao padre Bonato em 23 de
agosto de 1890:

Venne a mia notizia che certo Merchiorato Antonio impiegato nella sega e molino di
,XGLFD0HQGHVGH6DVSDUODPROWRGLPH FHUWRVRWWRO¶LPSXOVRGHOVXRSDGURQH H
giunge a dire cKH HJOL VD GL FRVD FHUWD FKH LQ TXHVW¶DQQR KR LR PDQGDWR DOOD PLD
famiglia la somma de 18 conti di reis. Fate il favore di chiamarlo, alla prima occasione,
e di dirgli da mia parte che se egli potrà provare aver io mandato un reis alla mia
famiglia in tutto il tempo dacché mi trovo in America (6 anni) io gli darò a premio un
conto per lui. Fategli conoscere la parte infame che egli rappresenta con queste calunie
che presso i semplici seminano scandalo e portano grave pregiudizio alla riputazione
che io devo godere per ottenere il fine del mio ministero. Ditegli che egli ha più
bisogno di Dio che Giudica Mendes, e che non ischerzi, perché Iddio è il vendicatore
delle ingiuste offese fatte ai suoi ministri... ad onta che io gli perdoni, se al più presto
e publicamente, cioé a presenza di testemoni, non confessarà essere stato di sua
LQYHQ]LRQHO¶DIIDUHGHLFRQWLRGLDYHUORDSSUHVRGDSHUVRQDPDOGLVSRVWDFRQWURGL
me.358

Notamos, que no caso apresentado, um dos colonos do núcleo Mendes de Sá de Campo


Largo, de nome Antonio Merchiorato, espalhava a notícia que o padre italiano juntava dinheiro,
por meio da função que exercia junto aos imigrantes, para enviar aos seus familiares na Itália.
Da mesma maneira, deduzimos que a ação do referido colono foi denunciada ao sacerdote por
aqueles italianos que viam nele o legítimo representante da italianidade apoiada no discurso
religioso, e por essa razão, não queriam ver a sua imagem e o seu ministério serem denegridos.
Fica entendido também, que Colbacchini associava a atitude do referido imigrante ao
fato do mesmo ser empregado do coronel Jugica Mendes359, com o qual, como é possível


358
Fiquei sabendo que um certo Antonio Merchiorato empregado na serraria e moinho de Jugica Mendes de Sá,
fala muito mal de mim (certamente sob influência de seu patrão) e anda dizendo que ele sabe com toda a certeza,
que neste ano eu mandei para minha família a soma de 18 contos de reis. Faça o favor de chamá-lo, na primeira
oportunidade, e de dizê-lo em meu nome que se ele puder provar ter eu mandado um só réis a minha família em
todo esse tempo no qual eu encontro na América (6 anos) eu lhe darei um conto como prêmio. Faça-o conhecer a
parte infame que ele representa com estas calúnias que junto dos mais simples semeiam o escândalo e trazem
graves prejuízos à reputação que eu devo gozar para obter a finalidade do meu ministério. Diga-o que ele tem mais
necessidade de Deus que de Jugica Mendes, e que não brinque, porque Deus é o vingador das injustas ofensas
feitas aos seus ministros... ao contrário que eu o perdoe, se o mais rápido e publicamente, isto é, na presença de
testemunhas, ele não confessar ser sua invenção essa história dos 18 contos, ou de tê-la ouvido de pessoa má
disposta contra mim. (Tradução nossa). COLBACCHINI a BONATO, 23 de agosto de 1890. In: TERRAGNI,
Giovanni. Op. Cit., pp. 284-285.
ϯϱϵ
colônia Mendes de Sá, também conhecida como Rondinha, foi fundada às margens da Estrada de Mato Grosso
por iniciativa particular dos irmãos Cel. José Olyntho e Cap. João Antonio Mendes de Sá. A área inicial de 280
hectares foi dividida em 35 lotes que foram adquiridos por italianos e poloneses. Conf. SCARPIM, Fábio A. 2017,
Op. Cit.
ϭϳϬ



perceber através do exposto, o sacerdote tinha certas divergências. Cremos que essas
divergências deviam se dar por conta da disputa pelo controle dos imigrantes pertencentes à
referida colônia, sobretudo por questões políticas, pelo fato do citado coronel pertencer ao
partido republicano, ao qual eventualmente, queria agregar, contra a orientação do padre
italiano, também os colonos pertencentes àquele núcleo.
Em outro extrato de carta, escrita já depois do seu retorno para a Itália, conseguimos
notar que a mesma estratégia para denegrir a imagem do missionário scalabriniano, perante os
imigrantes da região, era adotada também pelo grupo de italianos instalados no meio urbano.
1HVWHWUHFKRHVFUHYHRVDFHUGRWH³4XLQRQKRWURYDWRQpLQpLFRQWRVFKHLO0DWWDQDH
compagni EHOOL VRVWHQJRQR DYHU LR PDQGDWR DYDQWL´360 Portanto, ao se referir ao imigrante
Baldassare Mattana, que, como já vimos anteriormente, pertencia ao grupo ligado a Sociedade
Giuseppe Garibaldi, como também aos seus companheiros, o religioso revela que os italianos
anticlericais do meio urbano também o acusavam de atender espiritualmente as colônias
somente com o intuito de acumular riquezas.
Talvez tal acusação tivesse fundamento no fato do missionário ter adquirido com
dinheiro próprio uma propriedade na Colônia de Santa Felicidade, a qual, rapidamente,
procurou vender para a comissão daquela comunidade religiosa depois de seu afastamento da
missão de Curitiba, como podemos conferir a seguir:

Come ho scritto a Marco, sarà molto conveniente (e misura di economia) che i fabb.
comperino la mia residenza di S. Felicidade. Credetelo che il prezzo è mitissimo,
perché a me costò molto più. Sola la casa, oltre i lavori gratuiti, mi costò sopra due
contos. [...] Non per il mio interesse, ma per quello della missione, vorrei che la
&RORQLD QRQ ODVFLDVVH SDVVDU O¶RFFDVLRQH GL TXHVW¶DFTXLVWR. Io poi ho bisogno di
YHQGHUH TXHOOD FDVD SHU LPSHJQL FKH WHQJR 6H SRWHVVL IDUH O¶DYUHL GRQDWD DOOD
missione. [...] Marco è mio Procuratore, ha pieni poteri, che se la intendino con lui. 361

Portanto, o próprio Colbacchini revelou em seus escritos que possuía bens particulares
em seu nome e que queria vendê-los para a comissão da comunidade religiosa de Santa
Felicidade. Da mesma maneira, ele informou ter deixado um dos imigrantes, que identificamos
como Marco Mocellin, por este ser citado em várias outras cartas, responsável por cuidar de

360
Aqui não encontrei nem os 100 nem os 40 contos, que o Mattana e seus fiéis companheiros, sustentam eu ter
desviado. (Tradução nossa). COLBACCHINI a BONATO, outubro de 1894. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit.,
p. 389.
361
Como escrevi a Marco, será muito conveniente (e medida de economia) que os fabriqueiros comprem a minha
residência de Sta. Felicidade. Cria que o preço está baixíssimo, porque a mim custou muito mais. Só a casa, tirando
os trabalhos gratuitos, me custou mais de dois contos. [...] Não por meu interesse, mas pelo da missão, queria que
a Colônia não deixasse passar a oportunidade desta aquisição. Eu também tenho necessidade de vender aquela
casa por dívidas que tenho. Se pudesse fazer, a teria doado para missão. [...] Marco é meu Procurador, tem plenos
poderes, que se entendam com ele. (Tradução nossa). COLBACCHINI a BONATO, 20 de abril de 1895. In:
TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 420.
ϭϳϭ



seus interesses econômicos. Esse fato deixava uma brecha para que os colonos também
suspeitassem que ele estivesse interessado em acumular riquezas enquanto exercia sua liderança
espiritual nas colônias italianas. Diante de tal suspeita, antes de retornar para o Brasil em 1896,
o missionário tratou de escrever um testamento no qual declarava a Congregação Scalabriniana
VXDKHUGHLUDXQLYHUVDO³ODVFLRPLDHUHGHXQLYHUVDOHOD&RQJUHJD]LRQHGHL0Lssionari di S.
Carlo di Piacenza, non solo di quanto resterà dei miei beni immobili e mobili che possiedo in
Bassano, ma altresì di quanto fossi per possedere nei luoghi delle mie missione, al tempo della
PLDPRUWH´362
Assim, como no último exemplo apresentado, muitas das resistências ao discurso
promovido pelo religioso de caráter ultramontano que estamos investigando, foram possíveis
de ser identificadas depois que o mesmo deixou Curitiba, em 1894. Nesse período, enquanto a
Congregação Scalabriniana preparava novos missionários para enviar ao Paraná, ficou à frente
da missão italiana da região o já citado padre Francisco Bonato. Sendo assim, várias cartas de
Pietro Colbacchini foram dirigidas a ele, a fim de ditar as regras de como ele devia continuar o
atendimento espiritual junto aos imigrantes italianos. Nesta direção, Bonato recebia a seguinte
exortação em setembro de 1894:

Non dovevate poi benedire la venda dello Smaniotto, perché non si possono benedire
le case del demonio. Fu la vostra una scandalosa debolezza! [...] Non trattate cogli
empi, perché sarà più il vostro danno, che il loro vantaggio. Sono simulatori furbi che
vi trarrebero in qualche pastoja. Trattate bene con tutti, ma non vi fidate del canto
della Sirena.363

É possível notar, por meio deste pequeno trecho, duas formas de oposição ao discurso
de Colbacchini. Uma primeira foi exercida pelo citado colono Smaniotto, que além de manter
uma venda em uma das colônias italianas da região, não via nenhum mal que a mesma recebesse
a visita de um sacerdote, para que este benzesse o seu estabelecimento comercial. Este fato
revela que nem todos os imigrantes fixados nas colônias aderiam às imposições feitas pelo
scalabriniano. A segunda forma de oposição, se dá por parte do próprio padre Bonato que não
se recusou em atender ao pedido do referido imigrante.


362
³ GHL[R FRPR PLQKD KHUGHLUD XQLYHUVDO D &RQJUHJDomR GRV 0LVVLRQiULRV GH 6mR &DUORV GH 3LDFHQ]D QmR
somente do que restará dos meus bens imóveis e móveis que possuo em Bassano, mas o quanto puder possuir nos
lugares das minhas missões, antes da minha morte. (Tradução nossa). COLBACCHINI, Pietro. Pro memoria, 1896Ǥ
In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 473.
363
Não devias ter benzido a venda do Smaniotto, porque não se pode benzer as casas do demônio. Foi a vossa uma
escandalosa fraqueza! Não se misture com os ímpios, porque será maior o vosso dano, que a vantagem deles. São
dissimulados espertos que vos traíriam em qualquer banquete. Se dê bem com todos, mas não confies no canto da
Sereia. (Tradução nossa). COLBACCHINI a BONATO, 20 de setembro de 1894. In: TERRAGNI, Giovanni. Op.
Cit., p. 383.
ϭϳϮ



Mais uma vez também, é perceptível que havia uma rede de informantes presente nos
núcleos coloniais italianos, que na nossa compreensão, aderiram de tal forma ao
ultramontanismo implantado pelo missionário scalabriniano, que mesmo o representante deste
discurso tendo retornado para a Itália, faziam com que ele ficasse sabendo dos desvios de
conduta que aconteciam entre os imigrantes no Paraná. Tanto isso era verdade, que este último,
mesmo estando do outro lado do oceano, escreveu várias vezes na tentativa de controlar, não
só o comportamento dos colonos, mas sobretudo, do sacerdote que lhe substituía.
Umas das sérias acusações, feitas ao padre Francisco Bonato neste período, foi de ter
aceitado celebrar missa no oratório particular do imigrante Basilio Bacalfi. Este último, apesar
de ser um dos pioneiros do núcleo colonial de Santa Felicidade, aderira ao grupo de italianos
com características liberais que se concentrava na parte urbana da capital paranaense. Já em
1891, enquanto ainda estava em Curitiba, ao escrever ao internúncio Spolverini reclamando da
invasão de sua jurisdição por parte do vigário local, o já citado pe. Alberto, o missionário
scalabriniano relatava o caso da seguinte maneira:

... egli accettò di portarsi a S.a Felicidade a celebrare una Messa (con molta festa
EUDVLOHLUD  QHOO¶2UDWRULR YLFLQR DOOD &KLHVD QXRYD SURSULHWj GHO QHJR]LDQWH %DVLOLR
Bacalfi (mio dissidente), oratorio che non ha nessun motivo di esistere ora che si
funzionerà la Chiesa nuova, e che anzi deve necessariamente essere sopresso per i
gravi scandali che causa.364

Portanto, nessa descrição o sacerdote italiano faz questão de afirmar que o imigrante
Basilio Bacalfi divergia do seu discurso ultramontano, tanto que providenciou um oratório
particular, mesmo habitando ao lado da Igreja da Colônia de Santa Felicidade. Para ele essa
atitude, além de uma ofensa, era uma grande ameaça, pois, o modelo de catolicismo vivido por
Bacalfi poderia influenciar também os demais colonos daquele núcleo. Em maio de 1895,
escrevendo de sua terra natal a Bonato, Colbacchini voltou a combater o oratório particular do
referido imigrante:

Ho sentido con vivo dispiacere che voi vi siate mostrato così debole da accettare
O¶LQYLWRGLFHOHEUDU0HVVDGDO%DVLOLR/DVFXVDGLDYHUQHGRPDQGDWRDO9HVFRYROD
licenza non fa che aggravare la vostra colpa, perché il vostro dovere sarebbe stato di
SHUVXDGHUH DO 9HVFRYR OD FRQYHQLHQ]D GL VRSULPLUH TXHOO¶2UDWRULR >@ 9L GHYR
avvertire che fra gli italiani di Curitiba si è formata una logia massonica che fa di tutto


364
... ele aceitou ir a Sta. Felicidade celebrar uma Missa (com muita festa brasileira) no Oratório vizinho a nova
Igreja de propriedade do negociante Basilio Bacalfi (meu dissidente), oratório que não tem nenhum motivo de
existir já que agora funcionará a Igreja nova, e que ao contrário deve necessariamente ser suprimido pelo graves
escândalo que causa. (Tradução nossa). COLBACCHINI a SPOLVERINI, 26 de outubro de 1891. In:
TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 332.
ϭϳϯ



per arruolare i coloni dei vari nuclei; il Basilio ed altri già si sono iscritti. Pensate se
possiamo sperar bene da chi há giurato di distruggere religione e Dio.365

Percebemos, que o missionário se revoltou com o seu substituto, pois este último ao
invés de combater o modelo de catolicismo vivido pelo imigrante Basilio Bacalfi, deu-lhe uma
grande demonstração de apoio e legitimidade, ao aceitar celebrar uma missa no seu oratório
particular. Entendemos, que na compreensão do scalabriniano essa ação podia ser desastrosa,
pois incentivaria os demais colonos a abandonar o modelo de catolicismo implantado por ele
na região.
Nesta direção, o sacerdote ultramontano via a necessidade de Bonato convencer o Bispo
que o referido oratório particular devia ser interditado. A maior razão para isso, seria o
envolvimento de Bacalfi com os italianos do meio urbano, ligados à Sociedade Giuseppe
Garibaldi, a qual Colbacchini continuava acusando de ser uma loja maçônica que agia para
destruir a verdadeira religião de Deus. Nesse sentido, compreendemos, que para o missionário
os colonos do núcleo Santa Felicidade corriam grande perigo, pois, alguns dos seus membros
já haviam aderido ao projeto dos imigrantes italianos com conotações liberais fixados no centro
da capital paranaense.
Outro motivo para tal preocupação deve-se ao fato de que, assim como o núcleo do
Água Verde, a referida colônia era muito próxima da parte urbana de Curitiba. Por isso, o
religioso via a necessidade de que o discurso de italianidade pautado na catolicidade fosse mais
acentuado nessas colônias que em outras, como exorta Bonato em meados de 1895:

Mi parlate della Cap. Daldin. Non era proprio del caso di visitarla con tanto daffare
che avevate nelle Colonie, e poi come sapete non è provisionata. Perché siete stato un
mese intero senza visitare S.ta Felicidade? In tanto tempo il diavolo sa fare il suo
interesse.366

Notamos claramente, que Pietro Colbacchini pedia que seu substituto preferisse prestar
assistência religiosa no núcleo de Santa Felicidade, do que na Colônia Mergulhão de São José
dos Pinhais, onde localizava-se a capela Daldin. Acreditamos, que ele considerava que a


365
Soube com muita insatisfação que vós se mostraste tão fraco em aceitar o convite para celebrar Missa no Basilio.
A desculpa de ter pedido licença para o Bispo somente aumenta a vossa culpa, porque o vosso dever teria sido
convencer ao Bispo a conveniência e necessidade de suprimir aquele Oratório. [...] Vos devo advertir que entre os
italianos de Curitiba se formou uma loja maçônica que faz de tudo para cooptar os colonos dos vários núcleos; o
Basilio e outros já se inscreveram. Pense se podemos esperar bem de quem jurou destruir a religião e Deus.
(Tradução nossa). COLBACCHINI a BONATO, maio de 1895. In; TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., pp. 426-427.
366
Me fales da Capela Daldin. Não era necessário que a visitasse com o tanto de afazeres que tens nas Colônias, e
mais como sabes não é provisionada. Porque ficou um mês sem visitar Santa Felicidade? Em tanto tempo o diabo
saber agir em seu interesse. (Traduçao nossa). COLBACCHINI a BONATO, maio de 1895b. In: TERRAGNI,
Giovanni. Op. Cit., p. 427.
ϭϳϰ



primeira corria maior risco que a segunda, pois possuía mais imigrantes e estava muito próxima
dos italianos liberais, que na opinião dele estavam a serviço do inimigo de Deus.
Da mesma forma, percebemos que havia uma preocupação permanente do missionário
e um pedido constante para que o discurso católico fosse reforçado a todo momento. Cremos
que isso revela que a maioria dos imigrantes italianos continuava vulnerável aos desvios de
conduta e as demais formas de representação de italianidade existentes, pois, não assumiam
completamente e definitivamente a moral religiosa como sua marca identitária, ao menos não
da forma como almejava o sacerdote ultramontano.
Nessa direção, escreveu RVHJXLQWHD%RQDWRHPMXQKRGRPHVPRDQR³6WDWHDOOHJURLQ
Domino, e fate del vostro possibile, perché venendo i Padri non si scandalizzano nel trovare
tanti ferri di cavalo nelle imposte delle porte e dei balconi delle case dei nostro coloni (oh poveri
QRL ´367 Portanto, nesta última descrição, ao tratar da vinda dos padres que tomariam a frente
da missão italiana em Curitiba, o scalabriniano revela que um outro desvio da catolicidade
presente entre os colonos, e que precisava ser combatido, era apego às superstições, como por
exemplo, o uso de ferraduras de cavalo nas casas, crendo que isso traria sorte. Esta declaração
demonstra como os colonos não se submetiam totalmente ao discurso religioso, e inclusive,
mantinham tradições que eram contrárias as regras de comportamento de bons católicos ditadas
pela religião.
Sendo assim, havia a necessidade do reforço permanente da catolicidade, na tentativa
de garantir que a mesma fosse a forma de representação de italianidade adotada pelos
imigrantes. No nosso entendimento, essa insistência se dava exatamente por existirem muitas
resistências e desvios que eram manisfestados tanto pelos discursos contrários, como também
por parte dos próprios colonos. Foi o que constatou Colbacchini durante o último ano que esteve
à frente da missão italiana no Paraná:

Quello anzi che è stato osservato da molti, e che io constato ogni giorno, si è che i
coloni ultimi venuti da Italia, e pure dalle Diocesi venete e dalla nostra, si mostrano
meno religiosi dei primi quivi stanziati, e sono oggetto per loro di scandalo, specie per
le bestemmie e scurrilità di costumi.368


367
Permanece alegre no Senhor, e faças o vosso possível, para que chegando os Padres não se escadalizem ao
encontrar tantas ferraduras de cavalos nas portas e varandas das casas dos nossos colonos (oh coitados de nós!!!).
(Tradução nossa). COLBACCHINI a BONATO, 13 de junho de 1895. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p.
428.
368
O que foi observado por muitos, e que eu constato todo dia, é que os últimos colonos vindos da Itália, também
das Dioceses vênetas e da nossa, se mostram menos religiosos de que os primeiros aqui instalados, e são objeto de
escândalos para eles, especialmente pelas blasfêmias e grosseria dos costumes. (Tradução nossa). COLBACCHINI
a SPOLVERINI, 14 de fevereiro de 1893. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 361.
ϭϳϱ



Neste último trecho de carta que apresentamos, o padre italiano afirma que havia uma
parcela dos imigrantes, que ele identifica como os últimos que se fixaram na região, que
realmente não se mostrava tão adepta ao catolicismo como os primeiros que se instalaram no
Paraná. Da mesma forma, talvez pela primeira vez, o sacerdote irá admitir que tal resistência à
religião por parte dos recém-chegados se dava também por parte dos colonos oriundos da região
do Vêneto. Esse fato fazia com que o missionário entendesse que o seu discurso ultramontano,
que pretendia que a catolicidade fosse a marca identitária dos imigrantes italianos, precisasse
ser constantemente reforçado.
Acreditamos que essa constatação, de que os imigrantes viviam diante do perigo
permanente de perder a fé, foi um dos motivos que levou Pietro Colbacchini a retornar para o
Brasil em 1896, depois de dois anos de permanência em sua terra natal. Na ocasião, mesmo
tendo como destino o Rio Grande do Sul e sabendo que o bispo de Curitiba não desejava sua
volta, ele resolveu visitar as colônias italianas paraaenses.
Segundo os seus relatos sobre sua passagem pela região de colonização italiana do
Paraná, onde por cerca de oito anos havia propagado o seu discurso religioso, os imigrantes
estavam descontentes com o novo atendimento espiritual que estavam recebendo. Tal
descontentamento, de acordo com o sacerdote, se devia ao tratamento moderado e transigente
dos novos padres que haviam assumido a missão italiana. Nesse sentido, ele prontamente vai
escrever a Monsenhor Scalabrini denunciando o proceder dos seus novos substitutos:

Ora le esporrò le mie nuove impressioni sullo stato di queste Colonie, dopo la visita
delle principali. Del bene, grazie a Dio ne è restato. Però ho trovato i fanciulli molto
indietro nella dottrina. Questi Padri si limitano a far insegnare per mezzo di maestri la
dottrina, e credono ciò basti. [...] La predicazione che fanno ai grandi (specie il P.
Francesco) non corresponde al bisogno degli uditori. Così non si corregono dei loro
YL]LLHODEHVWHPPLDO¶XEULDFKH]]DJOLVFRQFLSDUODULFROUHVWRVRQRULGLYHQXWLYL]]L
generali. [...] Il Vescovo mi scriveva che a mezzo di questi missionari si è fatta la pace
nelle Colonie; come io prevedevo, era quella pace che non è pace. I cattivi non fanno
chiassi perché nessuno li combate.369

De acordo com este relato, o scalabriniano considerava que os seus colegas de


congregação, que agora eram responsáveis pela missão italiana em Curitiba, deixavam muito a


369
Agora lhe contarei as minhas novas impressões sobre o estado desta Colônias, depois de visitar as principais.
Algum bem, graças a Deus, restou. Porém encontrei as crianças muito atrasadas na doutrina. Estes Padres se
limitam a querer ensinar por meio de professores a doutrina, creêm que isto basta. [...] A pregação que fazem aos
adultos (especialmente o Pe. Francesco) não corresponde a necessidade dos ouvintes. Assim não se corrigem dos
seus vícios, e a blasfêmia, a embriaguez, as palavras indecentes, e todo o resto, tornaram os vícios generalizados.
[...] O Bispo me escrevia que por meio desses missionários se havia alcançado a paz nas colônias; como eu previa,
era aquela paz que não é paz. Os maus não causam confusão porque ninguém os enfrenta. (Tradução nossa).
COLBACCHINI a SCALABRINI, 09 de dezembro de 1896. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., pp. 489-490.
ϭϳϲ



desejar, pois, além de não ensinarem a doutrina as crianças e suas pregações não corrigirem os
desvios de comportamento dos colonos, os mesmos não combatiam os maus. Sobretudo, ele
criticou a pessoa do padre Francesco Brescianini, que havia sido designado, desde 1895, como
o novo superior para a referida missão. Nesse sentido, Colbacchini aproveitou-se de um desvio
moral cometido por Brescianini, para uma última vez tentar convencer, tanto o bispo local,
como o seu superior, que ele devia reassumir a direção do atendimento espiritual dos italianos
do Paraná. Tal tentativa pode ser percebida no trecho da carta que foi dirigida a Scalabrini:

2OWUHPLOOHODPHQWLGHLPLJOLRULGHL&RORQLGL6D)HOLFLGDGHHG¶DOWUHFRORQLHFRQWURLO
P. Brescianini mi venne esposto un fatto che in questi ultimi giorni ha occupato con
gravíssimo scandalo la Colonia tutta. Si venne a sapere, a mezzo prima di una
fanciulla, e poi per confessione della stessa complice, sebbene inocente, che il P.
Brescianini da ciUFD XQ¶DQQR DGGLHWUR FRPPLVH SHU WUH YROWH LQ YDULH HSRFKH OD
leggerezza di baciare una donna giovane in casa della quale egli si portava per
medicarne il marito ammalato. La donna spontaneamente venne da me a pregarmi di
riconsigliarla col marito, che più non vuol convivere con lei perché non può smettere
LOVRVSHWWRVRSUDGLXQ¶XOWLPRILJOLRDYXWR>@(JOLQRQQHJDLIDWWLSHUFKpVRQRWURSSR
provati, ma ripete che non si ricorda di baci. [...] Tornai dal Vescovo martedì... gli
mostrai la mia buona disposizione di prestarmi presso V. Ecell. per sostituire con
qualche altro buon Padre il Brescianini, se ne offese fortemente; mi disse che si
maravigliava che io ardissi di intervenire negli affari della sua Diocesi; che il Vescovo
era lui, e che neppure il Vescovo di Piacenza poteva prendere disposizione senza
consultarlo.370

Portanto, percebemos que, o missionário ultramontano ao tomar conhecimento do delito


cometido pelo novo superior da missão italiana de Curitiba, e desejando permanecer no Paraná,
vai agir no intuito de tentar retornar a função que antes era sua. Nesse sentido, ele procurará
delatar o caso do beijo do padre Brescianini, tanto para o seu superior, como para o bispo local,
na esperança que esses entendessem ser necessário o seu retorno para o cargo de superior da
missão italiana em terras paranaenses. Porém, Dom José de Camargo Barros, como já
discutimos anteriormente, já havia decidido que não queria a presença ultramontana de Pietro
Colbacchini em sua Diocese, e tratou logo de por fim nesta última tentativa do missionário de
permanecer na região.


370
Entre as várias reclamações feitas pelos melhores Colonos de Sta. Felicidade e das outras colônias contra o Pe.
Brescianini me foi exposto um fato que nestes últimos dias causou gravíssimo escândalo em toda Colônia. Se
descobriu, por meio de uma criança, e depois pela confissão da própria cúmplice, se bem que inocente, que o Pe.
Brescianini cerca de um ano atrás cometeu a leveza de beijar uma jovem mulher em casa da qual ía para medicar
o marido doente. A mulher espontaneamente veio a mim implorando que eu a reconciliasse com o marido, que
não quer mais conviver com ela porque não deixa de suspeitar sobre um último filho que tiveram. [...] Ele não
nega os fatos porque tem muitas provas, mas repete que não se lembra dos beijos. [...] Me dirigi ao bispo terça-
feira... e lhe mostrei a minha boa disposição de pedir a Vossa Excelência para substituir com um outro bom padre
à Brescianini, ele se ofendeu fortemente; me disse se espantava que eu pretendesse intervir nas questões de sua
Diocese; que o Bispo era ele, e que nem mesmo o Bispo de Piacenza podia dispor sobre o assunto sem consulta-
lo. (Tradução nossa). COLBACCHINI a SCALABRINI, 02 de outubro de 1896. In: TERRAGNI, Giovanni. Op.
Cit., p. 476-477.
ϭϳϳ



Não conseguindo se fixar novamente entre os italianos de Curitiba, o religioso


scalabriniano se dirigiu para o seu novo destino, que eram as colônias do Rio Grande do Sul,
onde procurou também implantar o seu modelo de italianidade pautado no catolicismo
ultramontano. Contudo, não desistiu de tentar controlar por meio de cartas a ação dos padres
que ficaram à frente do atendimento religioso das colônias italianas no Paraná. Nessa direção,
continuou a escrever frequentemente ao padre Bonato, que a partir de 1895, assumiu a direção
dos núcleos coloniais da região de Colombo, que no referido ano foram separados da capelania
italiana dirigida pelos padres scalabrinianos. Em uma de suas últimas missivas, destinada a este
sacerdote no início de 1900, escreveu:

In Brasile non siamo in Italia, come voi giustamente dite. Combattere la massoneria,
è darle vita e metterla nella lotta contro di noi. Qui tutti fanno quel che vogliono in
fato di religione, e dobbiamo di ciò ringraziare il Signore. Convertire i massoni è opera
solo di Dio, non nostra, e se tentassimo questo, no faressimo che dar loro importanza
ed averli a nemici.371

Nesta carta, percebemos que o padre Colbacchini continuará a criticar a forma de como
a religião era vivida no Brasil, sobretudo, vai evidenciar novamente a forte presença da
maçonaria no país como principal obstáculo para atuação dos sacerdotes católicos. Porém,
notamos que a essa altura o missionário apresentava um discurso mais moderado do que aquele
que costumava ter, tanto que aconselha ao padre Bonato de não combater diretamente aos
maçons, pois, isso só lhes daria importância e aumentaria a inimizade entre eles.
Acreditamos que o religioso, que muitas vezes combateu e incentivou o combate a
maçonaria no Paraná, não havia mudado de opinião, mas diante da constante luta que havia
travado, estava dando sinais de cansaço. Tanto é, que na última carta escrita para Francisco
Bonato, em 04 de janeiro de 19HVFUHYH³1RQSRVVRODVFLDUHGLDYRLGDUHODQRWL]LDGHOOD
PLDYLFLQDSDUWHQ]DGDTXHVWR%UDVLOH>@&RJOLDQQLV¶DFFUHVFRQRJOLDFFLDFKLHILQFKpVRQR
LQWHPSRKRGHFLVRGLWRUQDUHLQFLUFRVWDQ]HPLJOLRUHSHUO¶DQLPDHSHULOFRUSR´372 Porém, o
seu desejo de retornar definitivamente para Itália não se concretizou, pois, depois de vários
embates e enfrentamentos, que lhe renderam vários atentados contra a vida nas colônias


371
No Brasil não estamos na Italia, como vós justamente disse. Combater a maçonaria, é dar-lhe vida e colocá-la
na luta contra nós. Aqui todos fazem aquilo que querem em termos de religião, e devemos agradecer ao Senhor
por isso. Converter os maçons é obra somente de Deus, não nossa, e se tentássemos isto, não faríamos mais que
dar-lhes importância e tê-los como inimigos. (Tradução nossa). COLBACCHINI a BONATO, 01 de janeiro de
1900. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 525.
372
Não posso deixar de vos dar a notícia da minha partida deste Brasil. [...] Com os anos aumentam as doenças e
enquanto estou com tempo decidi retornar para circunstâncias melhores para a alma e para o corpo. (Tradução
nossa). COLBACCHINI a BONATO, 04 de janeiro de 1901. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 540.
ϭϳϴ



italianas do entorno de Curitiba, veio a falecer no dia 30 de janeiro na localidade de Nova


Bassano, na região de colonização italiana do Rio Grande do Sul.

3.4.1 A negociação, a transitoriedade e a pluralidade da identidade imigrante

Antes de encerrarmos a presente dissertação, queremos apresentar ainda uma pequena


análise a fim evidenciar que havia certa negociação e transitoriedade no processo de
constituição da identidade imigrante. Nessa direção, pretendemos apresentar o comportamento
de dois colonos de origem italiana que foram citados nos escritos do sacerdote cujo discurso
aqui analisamos. São eles os italianos Francesco Busato e Sebastiano Moletta, ambos oriundos
da região do Vêneto.
Pudemos acompanhar durante a pesquisa, sobretudo no primeiro tópico deste capítulo,
que estes dois imigrantes se envolveram na defesa do padre Pietro Colbacchini como o
verdadeiro representante da italianidade da qual eles afirmavam pertencer por meio da fé
católica. Entretanto, ao procurarmos informações sobre esses dois imigrantes italianos,
descobrimos que ambos já haviam até mesmo se naturalizado cidadãos brasileiros. A fim de
ilustrar nossa afirmação, segue abaixo o pedido de naturalização do imigrante Francesco
Busato:

Francisco Busato, filho de Antonio Busato, natural do reino da Itália, casado,


proprietário, de 32 anos de idade, residindo neste distrito há mais de 2 anos e tendo a
intenção de nele permanecer quer naturalizar-se cidadão brasileiro, e por isso vem
requerer a V. Ex. que lhe mande passar a respectiva carta de naturalização, tomando-
lhe o juramento de fidelidade à Constituição do Império. Curitiba, 19 de março de
1883.373

Segundo a documentação, encontrada no Arquivo Público do Paraná, a naturalização de


Francisco Busato foi concedida no dia 10 de abril de 1883 e o seu juramento a Constituição do
Império do Brasil se deu aos 30 de setembro de 1884, portanto, anos antes do protesto
apresentado anteriormente, no qual o referido imigrante saiu em defesa do modelo de
italianidade defendido por Colbacchini. Esse fato, segundo nossa compreensão, demonstra a
pluralidade da identidade deste italiano que se instalou em Curitiba, que mesmo tendo se
naturalizado cidadão brasileiro se envolvia em disputas simbólicas na intenção de defender a
preservação do seu sentimento de pertença étnica.


373
CORRESPONDÊNCIA OFICIAL DA PROVÍNCIA DO PARANÁ, Livro 702, Ano 1883, fl.23. 
ϭϳϵ



Ao investigarmos ainda mais a trajetória do indivíduo imigrante em questão,


descobrimos que o motivo que o levou a se naturalizar brasileiro foi seu interesse pela política.
Segundo as atas de instalação da intendência da Vila de Colombo, antiga colônia Alfredo
Chaves, Francisco Busato foi nomeado fiscal da mesma já em 05 de fevereiro de 1890, e
assumiu a sua presidência em 11 de novembro de 1891.
Esse fato nos mostra que, apesar de considerar o padre Pietro Colbacchini o legítimo
representante da sua italianidade, Busato não obedecia na íntegra as suas ordens. Isso porquê,
como já vimos, o referido sacerdote orientava os imigrantes italianos a não se envolveram na
política dos brasileiros, como podemos perceber na orientação feita por ele no trecho de um de
VHXVGLVFXUVRVGLULJLGRDRVILpLV³Vivete in pace con loro, come ospiti in loro casa, ma senza
involgervi nelle loro questioni e nei partiti politici, che non fanno per voi, e che vi
apporterebbero gravi danni.´374.
Ao constatarmos o envolvimento de Francisco Busato, italiano naturalizado brasileiro,
na política local, e consequentemente a sua desobediência àquele que o mesmo considerava o
representante da sua italianidade, percebemos que a identidade dos imigrantes italianos em
Curitiba não era fixa, rígida e imutável, mas sim que ela permaneceu em deslocamento, em
trânsito, obedecendo aos arranjos sociais dos diversos grupos que compunham a nova
sociedade, ou seja, o processo de identificação não se deu por meio da obediência a um discurso
único, e sim através de certa negociação.
É o que percebemos também ao investigarmos mais de perto a trajetória do outro
imigrante italiano citado acima. Segundo documentação encontrada no Arquivo Público do
Paraná, o colono de origem italiana Sebastiano Moletta também se naturalizou brasileiro, e
comparecendo na Secretaria do Governo Provincial no dia 30 de outubro de 1884, jurou
reconhecer o Brasil por sua pátria e fidelidade à Constituição e mais leis do Império. Porém,
mesmo tendo se naturalizado cidadão brasileiro, este último também se envolveu na defesa de
Colbacchini como o legítimo representante da identidade italiana em Curitiba. Tanto que foi
apontado como um dos organizadores do protesto em favor do referido sacerdote e contrário a
declaração feita por seu opositor Ernesto Guaita, agente consular e líder do grupo nacionalista
ligado à Sociedade Garibaldi.
Entretanto, ao investigarmos a trajetória do imigrante italiano Sebastiano Moletta,
pudemos descobrir que o mesmo se juntou ao grupo ligado à referida sociedade poucos anos


374
Vivam em paz com eles, como hóspedes da casa deles, mas sem envolver-vos nas disputas deles e nos partidos
políticos, que não servem para vós, e que vos trariam graves danos. (Tradução nossa) COLBACCHINI, Pietro.
Discorso di congedo, 29 de julho de 1894. In: TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 570.
ϭϴϬ



depois das disputas simbólicas a respeito da italianidade promovida por meio dos protestos e
abaixo assinados que evidenciamos no início deste capítulo. Este fato se confirma ao
encontrarmos no resultado das eleições para os cargos de dirigentes da Società Italiana di
Beneficenza Giuseppe Garibaldi, realizadas no dia 29 de julho de 1894, o nome de Sebastiano
Moletta eleito como conselheiro da referida sociedade étnica.375
Isso explica o fato de que em determinado momento, meados de 1891, Colbacchini
FRPHFHDVHUHIHULUD0ROHWWDFRPRVHQGRVHXRSRVLWRUHVFUHYHQGR³3HUODWHUUDGHOOD&KLHVD
di Agua Verde, insorgono sempre nuove dificoltà, e mi dispiace che le maggiori vengono per
SDUWHGLTXHO6HEDVWLDQR0ROHWWD  HGLVXRLSDUWLJLDQL´376 Ou quando declara ao pe. Bonato
TXHRUHIHULGRFRORQRHUDDSHVVRDPDLVSHULJRVDSDUDDPLVVmRLWDOLDQD³9oi siete andato in
FHUFDGHOOHSHFRUHOOHVPDUULWHHSHUODYRVWUDVHPSOLFLWjYLSDUHGLDYHUOHULFRQGRWWHDOO¶RYLOH
FRPHSHVLO0ROHWWDFKHqODSHUVRQDSLGDQQRVDDOODPLVVLRQH´377
Entendemos que, ao assumir esse e depois aquele discurso, ao se aproximar deste e
depois daquele grupo, passando de defensor a opositor do padre Pietro Colbacchini, o imigrante
italiano investigado estava vivendo o seu novo processo de identificação etnocultural.
Compreendemos assim que, ao cruzar as fronteiras identitárias impostas de maneira artificial
pelos discursos que eram promovidos pelos grupos sociais com os quais o referido italiano
estava em contato, o mesmo demonstra que sua identidade permaneceu em movimento, pois
apresentava um caráter móvel e plural.


375
Resultado publicado no Jornal A REPÚBLICA. Curitiba, 04 de agosto de 1894, p. 3.
376
Sobre as terras da Igreja do Água Verde, surgem sempre novas dificuldades, e me desagrada que as maiores
venham da parte daquele Sebastiano Moletta (...) e dos seus companheiros. (Tradução nossa). COLBACCHINI a
SPOLVERINI, 11 de maio de 1891. In; TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., pp. 311-312.
377
Vós fostes a procura das ovelhas perdidas, e pela vossa ingenuidade, vos parece que as reconduziu ao redil,
como por exemplo o Moletta, que é a pessoa mais danosa para a missão. (Tradução nossa). COLBACCHINI a
BONATO, 08 de agosto de 1895. In; TERRAGNI, Giovanni. Op. Cit., p. 432.
ϭϴϭ



CONSIDERAÇÕES FINAIS

A realização da presente pesquisa nos proporcionou verificar que realmente a religião


católica exerceu um papel fundamental no processo de identificação etnocultural vivido pelos
imigrantes italianos que se estabeleceram em terras paranaenses. Porém, o que procuramos
evidenciar, ao longo do trabalho, tanto por meio da revisão historiográfica, mas sobretudo,
através da análise das fontes, foi como se deu esse processo, ou seja, como os estrangeiros da
referida etnia se comportaram diante do discurso religioso quando se viram obrigados a
reconstruir o sentimento de italianidade em um novo contexto social.
Foi possível perceber, que a prática do catolicismo foi usada para estabelecer uma marca
étnica, ou seja, ela se tornou um signo utilizado para definir a identidade etnocultural dos
imigrantes de origem italiana. Nessa direção, a vivência católica foi estabelecida como uma
fronteira para identificar e diferenciar o grupo étnico na região de colonização italiana do
Paraná. Nesse sentido, podemos considerar que a religiosidade praticada pelos colonos italianos
foi um elemento unificador, mas ao mesmo tempo, diferenciador.
Entretanto, defendemos que esse processo não se deu naturalmente, mas sim de forma
direcionada, por meio da imposição do modelo discursivo promovido pela Igreja e suas
autoridades religiosas, no caso estudado, o sacerdote Pietro Colbacchini. Assim, procuramos
evidenciar como este agente religioso, que identificamos como produtor de um discurso
específico, pois, se considerava tanto o legítimo representante da verdadeira catolicidade, como
também, da verdadeira italianidade, agiu para impor o seu modelo de representação étnica.
Dessa maneira, conseguimos notar que o processo de identificação etnocultural se
construiu diante de um discurso de alteridade, no qual o referido religioso impunha a
QHFHVVLGDGHGDDILUPDomRGHXP³QyV´FRQVWLWXtGRSHORVLWDOLDQRVFDWyOLFRVRXPHOKRUSHORV
ERQVFDWyOLFRVTXHYLHUDPGDSHQtQVXODLWDOLDQDGLDQWHGRV³RXWURV´TXHHUDPRVLQGLYtGXRV
não católicos, ou ainda, os que praticavam a religião de uma outra forma. Entendemos, que a
apropriação desse discurso aponta para a procura de algo que proporcionasse um sentimento de
pertença, desencadeada por uma crise de identidade vivida pelo trauma do deslocamento
migratório. Portanto, compreendemos, que os próprios imigrantes buscavam construir uma
alteridade, por isso se reapropriaram do modelo de italianidade proposto pelo discurso
ultramontano de Colbacchini, que defendia que a identidade etnocultural dos colonos italianos
devia ser constituída por meio da prática de um modelo específico de catolicismo.

ϭϴϮ



É importante evidenciar nesse momento, que os imigrantes italianos, cumpriram um


papel fundamental nesse processo, porque a maioria já havia adquirido um habitus religioso em
sua terra de origem: eram católicos praticantes, que tinham como bens de salvação a contínua
prática dos sacramentos. Esses indivíduos, ao se instalarem no Brasil, a fim de manter a
religiosidade que trouxeram consigo, precisaram da presença de um sacerdote especializado,
que proporcionasse meios para darem continuidade na sua maneira de praticar a fé católica.
Em outras palavras, esses imigrantes precisaram de um indivíduo que fosse portador do
capital simbólico capaz de garantir a manutenção do exercício de suas práticas religiosas. Essa
necessidade dos imigrantes incentivou a atuação de Colbacchini, que pretendia manobrar os
colonos italianos, aproveitando-se do apego que tinham à religião, a fim de realizar o projeto
de recristianização e de combate à sociedade moderna, como também de romanização do
catolicismo brasileiro. Esses projetos faziam parte da compreensão ultramontana que a
instituição Católica adquiriu naquele período.
Dessa forma, o discurso religioso específico propagado pelo citado representante do
ultramontanismo, ao definir o estereótipo ideal de imigrante italiano como sendo aquele
praticante da religião católica, proporcionou a criação de uma fronteira identitária, que por sua
vez, permitiu ao referido grupo de estrangeiros viver seu processo de identificação. Nessa
direção, ao vivenciarem a catolicidade os imigrantes estabelecidos na região de colonização
italiana do entorno da capital paranaense estavam buscando encontrar uma representação
discursiva para a sua etnicidade.
Contudo, pudemos perceber que essa forma de representação da italianidade precisou
combater outros modelos, contrários a esse discurso católico específico, que também
disputavam a adesão dos imigrantes italianos que se estabeleceram na região. Portanto, foi
possível verificar que, mesmo a maioria desses estrangeiros tendo assumido a catolicidade
como marca identitária, esse processo se deu em meio a disputas de poder, negociações e
resistências.
Sobretudo, identificamos que houve a presença de um modelo de italianidade pautado
no amor à pátria de origem e no nacionalismo que surgiu durante o contexto histórico de
unificação da Itália. Constatamos que essa outra forma de representação da identidade étnica
italiana também esteve presente entre os italianos que se instalaram em Curitiba, principalmente
entre os imigrantes dessa origem que se fixaram no centro urbano da capital paranaense.
Diante disso, vimos que esses dois modelos de representação de italianidade tiveram
que disputar entre si os imigrantes dessa etnia que se alocaram na região. Assim, percebemos

ϭϴϯ



que, mesmo estando em terras estrangeiras no além-mar, criou-se um binarismo apoiado nessas
duas formas de expressar a identidade étnica italiana, uma espécie de reflexo do processo de
disputa que se deu entre a Igreja e o Estado italiano pós-unificação.
Porém, ao detectarmos a existência desses dois modelos de italianidade, o católico
ultramontano de Colbacchini e o nacionalista defendido por parte dos italianos com conotações
liberais e anticlericais, não estamos afirmando que essas foram as únicas formas de
representação etnocultural adotadas pelos colonos dessa origem. Pelo contrário, ao analisarmos
as fontes, percebemos que os imigrantes italianos reais não definiram sua identidade com base
nesse binarismo, constituído por essas fronteiras fixas.
Nessa direção, procuramos defender ao longo do texto a ideia de que a identidade do
sujeito imigrante não pode ser caracterizada como estável e única, pelo contrário, ela é definida
pelas características de transitoriedade e pluralidade. Buscamos nos orientar pelo debate pós-
estruturalista, procurando problematizar a questão da formação da identidade como um
processo histórico, afastando-nos da ideia de que as identidades são rígidas, essencializadas e
naturalizadas.
Da mesma maneira, buscamos nos afastar da concepção que defende que a construção
da identidade obedece a oposições binárias, baseada somente na inclusão e na exclusão, na
formação de grupos completamente fechados a transformações sociais. Pelo contrário,
acreditamos que nenhum grupo de indivíduos está fechado em uma identidade unidimensional
e que a fluidez que se presta a diversas interpretações ou manipulações é uma característica do
processo de identificação. É isso que cremos ter constatado ao evidenciar as resistências e as
negociações, promovidas pelo grupo de imigrantes italianos que investigamos, diante do
discurso religioso imposto por Colbacchini.
Percebemos, que esses indivíduos não obedeceram a um simples binarismo no momento
em que reconstruíam sua identidade etnocultural, mas que eles circularam entre os modelos de
identificação elaborados pelos grupos sociais com os quais estavam em contato. Sendo assim,
a identidade desses imigrantes não se fixou, mas transitou entre os modelos de italianidade e
catolicidade, e por meio desse movimento assumiu um caráter intersubjetivo e plural.
Entre os diferentes modelos de italianidade que foram impostos pelos grupos, o do meio
rural classificado como camponês/vêneto/católico e o do meio urbano visto como
liberal/italiano/nacionalista, existiram inúmeras outras combinações que definiram a
transitoriedade e a pluralidade da identidade desses imigrantes. Tanto que pudemos constatar a

ϭϴϰ



existência de imigrantes italianos católicos presentes no meio urbano, inclusive, pertencentes


ao grupo definido como liberal e anticlerical.
Da mesma forma, percebemos que houve imigrantes que mesmo pertencendo às
colônias rurais simpatizavam com o modelo de italianidade defendido pelos nacionalistas. Mais
ainda, pudemos ver que alguns desses imigrantes de origem italiana se fizeram cidadãos
brasileiros, mas continuaram se envolvendo em disputas simbólicas na intenção de legitimar
sua italianidade. Como também encontramos imigrantes que cruzavam as fronteiras
identitárias, pertencendo em um primeiro momento a um, e posteriormente a outro, tipo de
italianidade.
Portanto, constatamos que devido ao seu caráter móvel, a identidade do sujeito
imigrante possibilita ao mesmo viver um processo de identificação permanente. Dessa forma,
concluímos que por meio de estratégias e táticas de identidade, adotadas para se adequar ao
novo espaço social, e consequentemente, alcançar seus objetivos e interesses pessoais, os
imigrantes conseguiram fazer uso das diferenças, ou seja, foram capazes de negociar com as
múltiplas representações identitárias que os cercavam, e dessa maneira mantiveram o caráter
transitório e plural de sua representação étnica.
Nessa direção, defendemos a ideia de que os imigrantes italianos não podem ser
definidos como um grupo homogêneo, muito menos como um conjunto de indivíduos
absolutamente normatizados pela religião católica, pois, na sua coletividade foi possível
perceber uma pluralidade de sujeitos, portadores de múltiplas formas de se identificar, tanto
com a italianidade, como também com a catolicidade.
Cremos ser importante destacar, que o que possibilitou essas constatações que estamos
apresentando foram duas estratégias que desenvolvemos durante a pesquisa, que se deram por
meio da metodologia da análise do discurso. A primeira delas foi a de procurarmos encontrar
os contra discursos, sobretudo, as resistências em meio ao próprio discurso de Colbacchini.
Uma segunda, foi a de investigarmos o comportamento individual de alguns dos imigrantes que
foram citados nos escritos do sacerdote ou se envolveram nas disputas ocorridas entre os
modelos de representação étnica.
Gostaríamos de evidenciar também, que temos consciência que muitos aspectos
abordados ao longo deste trabalho, não foram aprofundados como mereciam. Porém,
acreditamos, que conseguimos apontar para novos temas de investigação a respeito da presença
italiana no Paraná. Dentre essas temáticas, que podem dar origem a novos estudos, gostaríamos
de elencar as seguintes: a investigação das especificidades dos grupos de imigrantes oriundos

ϭϴϱ



das áreas meridionais da Itália, como por exemplos os calabreses; uma análise mais apurada
sobre a composição dos italianos que se estabeleceram no meio urbano de Curitiba; um estudo
sobre o clero italiano que atuou no Paraná, elencando os diferentes comportamentos e discursos;
uma investigação mais atenta sobre as revoltas que ocorreram nas colônias italianas do litoral,
que levaram a maioria dos imigrantes dessa origem a remigrar para o planalto curitibano, e por
fim; a realização de um estudo biográfico sobre a figura histórica de Pietro Colbacchini. Ou
seja, entendemos que ainda há inúmeras possibilidades para avançar na compreensão do que
foi o fenômeno da imigração italiana em terras paranaenses e brasileiras.

ϭϴϲ



FONTES
Cartas do Padre Pietro Colbacchini

COLBACCHINI a BONATO, 10 de maio de 1888.


COLBACCHINI a BONATO, 13 de maio de 1888.
COLBACCHINI a BONATO, 25 de maio de 1888.
COLBACCHINI a BONATO, 02 de junho de 1888.
COLBACCHINI a BONATO, 23 de agosto de 1890.
COLBACCHINI a BONATO, 20 de setembro de 1894.
COLBACCHINI a BONATO, 26 de setembro de 1894.
COLBACCHINI a BONATO, outubro de 1894.
COLBACCHINI a BONATO, 20 de abril de 1895.
COLBACCHINI a BONATO, maio de 1895.
COLBACCHINI a BONATO, maio de 1895b.
COLBACCHINI a BONATO, 13 de junho de 1895.
COLBACCHINI a BONATO, 08 de agosto de 1895.
COLBACCHINI a BONATO, 01 de janeiro de 1900.
COLBACCHINI a BONATO, 04 de janeiro de 1901.

COLBACCHINI a CAVAGNIS, junho de 1896.

COLBACCHINI a COCCHIA, 6 de novembro de 1891.

COLBACCHINI al CONSOLE DI SAN PAOLO, 26 de setembro de 1892.

COLBACCHINI a MANTESE, 28 de fevereiro de 1886.


COLBACCHIN a MANTESE, junho de 1886.
COLBACCHINI a MANTESE, 18 de agosto de 1886.
COLBACCHINI a MANTESE, 28 de fevereiro de 1887.
COLBACCHINI a MANTESE, 29 de junho de 1887.
COLBACCHINI a MANTESE, 21 de agosto de 1887.

COLBACCHINI a MOLINARI, 22 de maio de 1889.


COLBACCHINI a MOLINARI, 3 de junho de 1889.

COLBACCHINI a ROLLERI, 25 de julho de 1888.


COLBACCHINI a ROLLERI, 30 de dezembro de 1888.
COLBACCHINI a ROLLERI, 06 de fevereiro de 1889.
COLBACCHINI a ROLLERI, 06 de março de 1889.
COLBACCHINI a ROLLERI, 15 de julho de 1889.
COLBACCHINI a ROLLERI, 12 de janeiro de 1891.

COLBACCHINI a SCALABRINI, 26 de outubro de 1887.


COLBACCHINI a SCALABRINI, 26 de dezembro de 1887.
COLBACCHINI a SCALABRINI, 10 de março de 1888.
COLBACCHINI a SCALABRINI, 26 de maio de 1888.
COLBACCHINI a SCALABRINI, 21 de agosto de 1888.
COLBACCHINI a SCALABRINI, 21 de dezembro de 1888.
COLBACCHINI a SCALABRINI, 11 de janeiro de 1889.
ϭϴϳ



COLBACCHINI a SCALABRINI, 24 de janeiro de 1889.


COLBACCHINI a SCALABRINI, 11 de abril de 1889.
COLBACCHINI a SCALABRINI, 06 de maio de 1889.
COLBACCHINI a SCALABRINI, 22 maio de 1889.
COLBACCHINI a SCALABRINI, 07 de junho de 1889.
COLBACCHINI a SCALABRINI, 26 de setembro de 1892.
COLBACCHINI a SCALABRINI, 10 de janeiro de 1894.
COLBACCHINI a SCALABRINI, 21 de maio de 1894.
COLBACCHINI a SCALABRINI, agosto de 1894.
COLBACCHINI a SCALABRINI, 02 de outubro de 1896.
COLBACCHINI a SCALABRINI, 09 de dezembro de 1896.

COLBACCHINI a SIMEONI, 25 de outubro de 1891.

COLBACCHINI a SPOLVERINI, 24 de maio de 1888.


COLBACCHINI a SPOLVERINI, 27 de novembro de 1888.
COLBACCHINI a SPOLVERINI, 3 de junho de 1889.
COLBACCHINI a SPOLVERINI, 8 de junho de 1889.
COLBACCHINI a SPOLVERINI, 18 de junho de 1889.
COLBACCHINI a SPOLVERINI, 23 de junho de 1889.
COLBACCHINI a SPOLVERINI, 21 de julho de 1890.
COLBACCHINI a SPOLVERINI, 7 de novembro de 1890.
COLBACCHINI a SPOLVERINI, 30 de abril de 1891.
COLBACCHINI a SPOLVERINI, 11 de maio de 1891.
COLBACCHINI a SPOLVERINI, 8 de setembro de 1891.
COLBACCHINI a SPOLVERINI, 26 de outubro de 1891.
COLBACCHINI a SPOLVERINI, 14 de fevereiro de 1893.

COLBACCHINI a VENDRAMINI, 24 de novembro de 1894.

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A REPUBLICA. Curitiba, 24 de setembro de 1892.

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GAZETA PARANAENSE. Curitiba, 22 de setembro de 1883.
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GAZETA PARANAENSE. Curitiba, 30 de julho de 1887.
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CORRESPONDÊNCIA OFICIAL DA PROVÍNCIA DO PARANÁ. Ano de 1879. Arquivo
Público do Estado do Paraná.
CORRESPONDÊNCIA OFICIAL DA PROVÍNCIA DO PARANÁ. Ano de 1883. Arquivo
Público do Estado do Paraná.
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abertura da Assembléia Legislativa Provincial, em 7 de janeiro de 1858.
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ϭϵϲ



ANEXOS

ANEXO 1 - ESCRITOS DO PADRE PIETRO COLBACCHINI (1886-1901)

CARTAS
NUMERAÇÃO NA
ANO QUANTIDADE TRANSCRIÇÃO
DE TERRAGNI
1886 2 1±2
1887 8 3 - 10
1888 34 11 ± 44
1889 59* 45 ± 103
1890 28 104 ± 131
1891 33 132 ± 164
1892 11 165 ± 175
1893 8 176 ± 183
1894 27 184 ± 210
1895 32 211 ± 242
1896 47 243 ± 289
1897 5 290 - 294
1898 9 295 ± 303
1899 8 304 ± 311
1900 14 312 ± 325
1901 4 326 ± 329
TESTEMUNHOS DE SUA MORTE
1901 5 330
RELATÓRIOS
1892/1895 2 331/333
HOMILIA
1894 1 332
GUIA ESPIRITUAL
1896 1 334
*Contém também pequenos relatórios e memoriais sobre sua atuação.



ϭϵϳ




ANEXO 2 - LETRA DO HINO DE GARIBALDI

ϭϵϴ



ANEXO 3 - MATRÍCULA DE SÓCIOS DA SOCIEDADE GIUSEPPE GARIBALDI

Società Italiana di Beneficenza Giuseppe Garibaldi ± Matricola dei Soci


Número Età Paese Data del Entrata Data del Uscita
G¶RUGLQH Nome e Cognome anni
1 Antonio Carnasciali 36 Pisa (Pisa/Toscana/Italia Centrale) 19 Novembre 1883 Negoziante
2 Domenico de Luca 35 Camerota (Salerno/Campania/Italia Meridionale) ³³³ ³
3 Andrea Petrelli 34 Rotondella (Matera/Basilicata/ Italia Meridionale) 15 Giugno 1884 Muratore
4 Gabriele Carnasciali 35 Pisa (Pisa/Toscana/Italia Centrale) 19 Novembre 1883 Negoziante
5 Giuseppe Reboli 34 S. Pietro di Barbozza-Valdobbiadene ³³ ³
(Treviso/Veneto/Italia Setentrionale)
6 Luigi de Luca 37 Camerota (Salerno/Campania/Italia Meridionale) ³³³ Lattoniere
7 Olivo Carnasciali 5 Coritiba (Paraná/Brasile) ³³³ Studente
8 Rainieri Carnasciali - Coritiba (Paraná/Brasile) ³³³ ³
9 Angelo Vendramin 38 Treviso (Treviso/Veneto/Italia Setentrionale) ³ ³³ Muratore
10 Giuseppe Carli 53 Rivalta±Rodigo (Mantova/Lombardia/Italia Setentrionale) 12 Dicembre 1883 Agricoltore
11 Ferdinando Carli 47 Rivalta±Rodigo (Mantova/Lombardia/Italia Setentrionale) ³³³ Muratore
12 Enrico Palermo 26 San Fili (Cosenza/Calabria/Italia Meridionale) ³³ + 1 Agosto 1892 Calzolaio
13 Pietro Manfredini 33 Cremona (Cremona/Lombardia/Italia Setentrionale) ³³³ Agricoltore
14 Francesco Castellani 32 San Fili (Cosenza/Calabria/Italia Meridionale) 1 Febbraio 1884 Falegname
15 Santo Blasio 28 San Fili (Cosenza/Calabria/Italia Meridionale) ³³³ Sarto
16 Giovanni Bleggi 24 Riva del Garda-Tirolo (Trento/Trentino-A.-A./ Italia Set.) 15 Maggio 1884 Lattoniere
17 Biagio Falci 50 Casaletto Spartano (Salerno/ Campania/Italia Merid.) 20 Novembre 1884 Sarto
18 Pietro Posdecimo 29 [Im]Bigolino- Valdobbiadene (Treviso/Veneto/Italia Set.) ³³ Muratore
19 Pietro Lazzarotti 42 Vicenza (Vicenza/Veneto/Italia Setentrionale) ³³³ Negoziante
20 Baldassare Mattana 37 Valstagna (Vicenza/Veneto/Italia Setentrionale) 20 Novembre 1885 ³
21 Antonio Lettieri 20 Sapri (Salerno/Campania/Italia Meridionale) 8 Giugno 1886 ³
22 Luigi Malvasori 36 Sesto ed Uniti (Cremona/Lombardia/Italia Setentrionale) 7 Agosto 1886 ³
23 Pietro Scarmoncin 55 Valstagna (Vicenza/Veneto/Italia Setentrionale) ³³ -
24 Giovanni Vello 34 Feltre (Belluno/Veneto/Italia Setentrionale) 6HWWHPEUH³ Falegname
25 Antonio Monastieri 34 Belluno (Belluno/Veneto/Italia Setentrionale) 30 Aprile 1887 Rientrato ³
26 Giovanni Sperandio 37 Vittorio Veneto (Treviso/Veneto/Italia Setentrionale) 1 Maggio 1887 ³
27 Luigi Salomon 31 Treviso (Treviso/Veneto/Italia Setentrionale) ³³ Negoziante
28 Eugenio Bardelli 35 Como (Como/Lombardia/Italia Setentrionale) ³³³ ³
29 Edoardo Canziani 28 Como (Como/Lombardia/Italia Setentrionale) ³³³ Muratore
30 Pietro Bianco 22 Verona (Verona/Veneto/Italia Setentrionale) ³³³ 1 Giugno 1894-R Scalpellino

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ANEXO 4 ± PROCEDÊNCIA REGIONAL DOS MEMBROS DA SOCIEDADE ITALIANA GIUSEPPE GARIBALDI

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ANEXO 5 ± ESTATÍSTICA DA PARÓQUIA DE CURITIBA ANO DE 1889

SACRAMENTOS NÚMERO NÚMERO E PORCENTAGEM NÚMERO E PORCENTAGEM NÚMERO E PORCENTAGEM


REALIZADOS TOTAL NAS COLÔNIAS POLACAS NAS COLÔNIAS ITALIANAS EM AMBAS AS COLÔNIAS
Batizados 1339 194 -14,5% 180 ± 13,5% 374 ± 28%
Casamentos 264 29 ± 11% 33 ± 12,5% 62 ± 23,5%
Óbitos 576 61 ± 10,5% 53 ± 9,5% 114 ± 20%
TOTAL 2179 284 ± 13% 266 ± 12% 550 - 25% = ¼
x Fonte: A REPUBLICA, 03 de maio de 1890.

ϮϬϭ



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