1932 - São Paulo em Armas! - João Paulo Martino
1932 - São Paulo em Armas! - João Paulo Martino
1932 - São Paulo em Armas! - João Paulo Martino
INTRODUÇÃO
PANORAMA DA SITUAÇÃO PRÉ 1930
OS PRINCIPAIS GRUPOS DE OPINIÃO
A Revolução de 1930 e o seu desenrolar em São Paulo
A Revolução de 30 em São Paulo
A Revolução de 30: a Revolução Traída
(Visão do P.D.)
Revolução de 30: Invasão de São Paulo
(Visão do P.R.P.)
A REVOLUÇÃO DE 32: OS PRINCIPAIS EVENTOS
O NOVE DE JULHO
O DESDOBRAR DAS POSIÇÕES
CONSTITUIÇÃO
DITADURA
FRENTE ÚNICA
O MOVIMENTO DE 1932: DIFERENTES VISÕES
VISÃO OPERÁRIA: ESQUERDAS
VISÃO DAS OLIGARQUIAS
FAVORÁVEIS À DITADURA
A VISÃO DOS TENENTES
A REVOLUÇÃO DE 1932: JUSTIFICATIVAS DA GUERRA
A NOBREZA DE UM IDEAL
A CRISE ECONÔMICA
TRAZER O BRASIL NOVAMENTE À PAZ E À NORMALIDADE
A LUTA DO BEM CONTRA O MAL
OS TÓPICOS EM SI
A QUESTÃO SEPARATISTA
TRADIÇÃO BANDEIRANTE
O DESDOBRAR DA ARGUMENTAÇÃO
OS MEIOS DE DIVULGAÇÃO
CONCLUSÃO
INTRODUÇÃO
Tendo passado mais de oitenta anos da chamada Revolução Constitucionalista, pouca gente sabe o que aconteceu em São
Paulo naquele inverno de 1932. Hoje, a população paulista vê em suas cidades, ruas e avenidas marcos que remetem aos
episódios de 1932. Que cidade do estado não possui uma rua 23 de maio ou uma avenida 9 de julho? Há alguns anos, o dia 9
de julho voltou a ser feriado em São Paulo. Que teria acontecido de tão importante nesta data?
Neste livro, pretendemos apresentar a Revolução Constitucionalista, evidenciando suas causas, bem como o desdobrar
dos seus acontecimentos. As diferentes visões sobre o movimento também serão abordadas.
Espero que com a leitura deste livro, o leitor tenha mais elementos para analisar por que comemoramos o 9 de julho em
São Paulo.
PANORAMA DA SITUAÇÃO PRÉ 1930
Os anos que vão de 1889 (Proclamação da República) até 1930 (Revolução de Outubro), a chamada República Velha,
foram marcados, entre outras coisas, pela predominância na política nacional dos interesses da oligarquia cafeeira.
Neste período, São Paulo e Minas Gerais, os principais produtores de café no Brasil, alternavam-se a cada quatriênio no
governo da República, fato que ficou conhecido como "Política do Café com Leite". Estados de menor expressão econômica
apoiavam, por meio de seus representantes no Congresso, os atos do Presidente da República, que, em troca, comprometia-se
a não interferir em questões políticas locais (Política dos Governadores).
Voto aberto, fraudes eleitorais, adulterações de toda espécie e tipo, concorriam para que a chapa oficial fosse sempre
vencedora nos pleitos. Com o apoio dos líderes políticos de um número de Estados suficiente para assegurar a maioria
eleitoral, o candidato indicado, amparado pelo regime vigente, temia pouco a derrota.
Tendo apoio assegurado no Congresso, o Presidente da República podia se dedicar à aplicação de seu plano de governo
que, muitas vezes, não estava de acordo com os anseios da nação e do povo como um todo. Segundo Barbosa Lima Sobrinho,
tal dissídio de interesses entre o governo e o povo se acentuaria entre os anos de 1922 e 1930.[1]
Arthur Bernardes (1922-1926), que no processo de sucessão a Epitácio Pessoa teve seu nome vetado pelo Rio Grande do
Sul, encontrando forte resistência popular à sua candidatura, acentuou em seu governo o descontentamento generalizado com
relação ao status quo.
O governo Bernardes foi marcado por medidas de caráter antipopular. Basta dizer que, no seu quatriênio, ele governou o
Brasil sob estado de sítio por três anos. Além disso, promoveu a reforma constitucional no sentido da restrição de garantias
jurídicas dos direitos individuais, bem como aconselhou a pena de morte, em declaração solene, nas mensagens presidenciais.
Como sucessor de Arthur Bernardes, Washington Luís (1926-1930) tinha como um dos principais planos a reforma
financeira. A ideia era manter o câmbio baixo. Estabilizar, e não valorizar, devia ser o lema brasileiro.
No início de dezembro, 18 dias após a posse do Sr. Washington Luís, o projeto de reforma monetária dava entrada na
Câmara dos Deputados, pela mão do Sr. Júlio Prestes, líder da maioria. Duas semanas foram suficientes para que o projeto
recebesse a chancela do legislativo, convertendo-se na lei n° 5.108, de 18 de dezembro de 1926.
A insistência em se manter a moeda brasileira sob uma taxa fixa de câmbio acabaria por descontentar parte dos
cafeicultores, pois provocava no setor exportador uma receita decrescente, à medida que caíam os preços do café no exterior.
Provocava-se, desta forma, uma divisão no seio do setor agrário-exportador, o qual não via com bons olhos a candidatura
de Júlio Prestes. Como candidato oficial do governo, daria continuidade à política econômica do Sr. Washington Luís.
As opiniões divergentes entre os cafeicultores, aliadas ao descontentamento generalizado do povo e parte do exército
com a política dos últimos presidentes, foram fatores determinantes para o sucesso do movimento desencadeado em outubro
de 1930.
OS PRINCIPAIS GRUPOS DE OPINIÃO
A República Velha, tão marcadamente caracterizada pela predominância das oligarquias tanto na política, quanto na
economia, também permitiu que se desenvolvessem inúmeras contradições que levariam à sua queda em 1930.
O descontentamento dos grupos alijados do poder era notório, mesmo dentro da própria elite dominante.
Para compreendermos melhor a Revolução Constitucionalista, bem como as causas que a motivaram, é necessário termos
uma noção dos grupos políticos e da organização social na República Velha. Em primeiro lugar, encontram-se as oligarquias
ligadas à terra, à produção de gêneros para exportação. Este grupo dominava politicamente o país, direcionando-o de acordo
com as suas conveniências. Em São Paulo, é representado pelo PRP (Partido Republicano Paulista).[2]
Evidentemente, o Partido Republicano constitui-se no partido das classes agrárias ligadas à monocultura do café. Por
toda a República Velha, seus representantes se esforçaram em atender os interesses e reivindicações deste grupo. Com a
Revolução de 30 e o desenrolar do Caso Paulista, o PRP tomaria, logo de início, uma postura radicalmente contrária ao
movimento outubrista.
O crescimento e a expansão contínua do café (principal produto de exportação) permitiram também o crescimento e o
aumento de importância das cidades, bem como o desenvolvimento da indústria. Quanto à origem destes capitais que iriam
alavancar o setor industrial, podemos dividi-los em dois grupos:
a) Imigrantes enriquecidos com o comércio, cujo centro está na atividade de importação e exportação.
Segundo Edgard Carone, "a oligarquia é a classe dominante e historicamente ela representa o elo de ligação com o
capitalismo internacional. Como classe, é responsável pela própria produção que abastece o mercado mundial de matérias-
primas, produzindo o superavit comercial que atende financeiramente as necessidades de importação para o mercado interno.
Sua atividade fundamental está ligada à terra, mas ela também ocupa funções urbanas: participa das economias suplementares
da sociedade, indústria e comércio".[3]
Representando parte das oligarquias cafeeiras, industriais e pequena burguesia, temos o PD (Partido Democrático).
Cumpre ressaltar que o PD não expressava o interesse de grupos modernizantes, ligados à indústria, mas sim uma aliança das
classes médias de São Paulo (setores liberais, pequenos comerciantes, etc.) com elementos descontentes do setor agrário. Em
seu livro A Revolução de 30 – História e Historiografia, Boris Fausto resume bem o problema sobre a origem e interesses
políticos dos democráticos, afirmando:
"A hipótese de que o PD teria surgido como representação política de setores novos supostamente dinâmicos, onde
estariam incluídos os industriais, ao lado de grupos financeiros e das classes médias, não tem maior consistência. Quando
Roberto Simonsen defendeu o protecionismo alfandegário na primeira reunião do Centro das indústrias de São Paulo em junho
de 1928, o jornal dos democráticos, em artigo assinado por Mário Pinto Serva, investiu violentamente contra o principal ídolo
da industrialização: É preciso repetir um milhão de vezes: o Brasil é um país essencialmente agrícola"[4]
Dada a similitude de programas e ideias com o PRP, o Partido Democrático, que havia integrado a Aliança Liberal e
apoiado o movimento de Outubro de 1930, vendo-se afastado por Vargas dos cargos diretivos, não encontraria grandes
problemas ideológicos para se fundir com seu antigo adversário, o PRP, formando, em 1932, a Frente Única contra a ditadura
e pela Constituição.
O aumento das atividades manufatureiras (favorecidas pelas tarifas alfandegárias) e o alargamento de um mercado
consumidor interno são fatores marcantes nos primeiros vinte anos da República. Alargou-se, portanto, as camadas
intermediárias de nossa sociedade, formadas, principalmente, por funcionários públicos, profissionais liberais, pequenos
comerciantes e industriais. De um lado, a burguesia, confundida com a alta burguesia. De outro lado, a pequena burguesia,
confundida com o proletariado. A primeira possuía o poder, baseado na posse dos latifúndios, armada com a máquina de
poderosas oligarquias políticas. A segunda atacava e solapava os bastiões burgueses com todas as forças e armas de que
podia dispor.
Segundo Virgílio Santa Rosa "todas as tentativas esboçadas pela pequena burguesia para conquistar posições de mando
no quadro político social brasileiro anularam-se de baque ante às resistências todo-poderosas dos interesses dos grandes
proprietários de terras. As oligarquias políticas, defensoras da vontade de domínio desses caudilhos, mascaradas em partidos
regionais, destruíram os ataques mais propícios e negaram as pretensões mais humanas e aceitáveis. "[5]
Apesar do relativo desenvolvimento econômico brasileiro nos primeiros anos da República, percebe-se, pela citação
acima, que não houve uma ampliação proporcional dos grupos participantes do poder. As velhas oligarquias teimavam em não
ceder espaço aos novos grupos emergentes. Insatisfeitos, estes já pensavam em outros meios que não o eleitoral para
participarem da vida pública.
Dentre os novos grupos emergentes, destacam-se os Tenentes, constituídos pela ala mais jovem do exército brasileiro e
que vinha tendo, desde a Revolta do Forte de Copacabana (1922), maior participação na política brasileira. Era política e
ideologicamente difuso. Os tenentes acreditavam e se identificavam como responsáveis pela salvação nacional, guardiões da
pureza das instituições republicanas em nome do povo inerme.
Segundo Bóris Fausto, trata-se "de um movimento substitutivo e não organizador do povo".[6]
Neste período, o tenentismo caracterizou-se pelo ataque jurídico-político às oligarquias, com grande conteúdo
centralizador, isto é, contrário à descentralização republicana que considerava como fruto de um liberalismo excessivo. Era,
pois, necessário retroceder o caminho adotado pelos liberais. Com a revolução de 30, os tenentes conseguem formar um forte
núcleo de pressão sobre o chefe do Governo Provisório, defendendo a representação por classes, o prolongamento da
ditadura, a punição dos políticos mais comprometidos com a República Velha, o prevalecimento do "espírito revolucionário",
que se traduz em um programa de reformas.
Representando o proletariado, temos os grupos de esquerda divididos em: socialistas, trotskystas e stalinistas. A visão
stalinista pode ser constatada, principalmente, através dos informes e publicações do Partido Comunista. Cumpre destacar
que é justamente neste período (1930), que ocorre a volta de Astrojildo Pereira ao Brasil, trazendo as novas diretrizes do III
Congresso da Internacional Comunista. Segundo Edgard Carone, "com seu retorno, em janeiro de 1930, o PCB começa a pôr
em prática a política obreirista, isto é, passa a defender a política anti-intelectualista."[7]
Tal política contra os intelectuais se radicava na luta entre Stalin e Trotsky, onde o primeiro imprimiu, durante o VI
Congresso Internacional Comunista, a política de classe contra classe, em que os Partidos Comunistas deveriam combater,
entre outros grupos, os intelectuais. Segundo Edgard Carone "a categoria (intelectuais) é catalogada, na verdade, porque em
quase todos os PCs do mundo, a maior parte dos intelectuais ficou ao lado de Trotsky contra Stalin".[8]
Como último grupo, temos os elementos que são favoráveis a Getúlio Vargas e, de uma forma ou outra, participavam
diretamente do Governo Provisório. Apresentam uma posição bem definida sobre o desenrolar dos acontecimentos após 1930.
Com a revolução de 32, o discurso torna-se mais claro, afirmando que a Revolução Constitucionalista era uma contra-
revolução. Este é, portanto, o quadro em que se desenrolaria a Revolução Constitucionalista.
A Revolução de 1930 e o seu desenrolar em São Paulo
Em meados do ano de 1929, quando as discussões sobre a sucessão presidencial começavam a esquentar, Washington
Luís já mostrava simpatias para que Júlio Prestes viesse sucedê-lo no cargo de Presidente da República. Tal fato provocou
grande descontentamento nos políticos mineiros, que viam a escolha de Júlio Prestes, representante da candidatura oficial,
como uma quebra da “política do café com leite” (pois tanto Júlio Prestes, como Washington Luís, eram políticos de São
Paulo).
Dentre os descontentes mineiros, um se destacou mais do que os outros, Antônio Carlos, que trabalhava ativamente para a
viabilização de um candidato oposicionista. Sozinho, porém, nada conseguiria o Estado de Minas. Dessa forma, logo se
iniciaram conversações entre políticos mineiros e gaúchos para a escolha de um nome do Rio Grande do Sul, que viesse a
encabeçar uma candidatura à presidência da República.
A escolha de Minas por um candidato gaúcho não foi casual, mas sim, uma estratégia dos políticos mineiros visando à
eleição de um candidato não oficial. Segundo Barbosa Lima Sobrinho, “os antecedentes do Rio Grande do Sul, quanto à
sucessão presidencial, atribuíam-lhe a função de centro das forças rebeldes, na resistência às combinações dos grandes
Estados”.[9]
Getúlio Vargas, que em 1929 era governador do Rio Grande do Sul e já havia sido ministro de Washington Luís, foi o
homem escolhido para a chapa da oposição.
Entendia Antônio Carlos que o modo mais eficaz de combater a candidatura palaciana seria a apresentação de um nome
gaúcho, escusado pela unanimidade dos pampas e pelo eleitorado de Minas.
Segundo Barbosa Lima Sobrinho, “percebe-se, facilmente, o sentido desse episódio. Minas desejava evitar que o Rio
Grande do Sul se comprometesse com a candidatura do Sr. Júlio Prestes e, nesse sentido, lhe oferecia, como argumento de
resistência, a perspectiva de um nome gaúcho. De seu lado, o Sr. Getúlio Vargas, compreendendo perfeitamente o jogo, não
demorava a responder aquilo que Minas queria saber, isto é, que o Rio Grande do Sul tinha compromisso e não recusaria uma
candidatura gaúcha".[10]
A escolha de um vice-presidente para concorrer ao lado de Getúlio Vargas não foi tarefa das mais fáceis. Por fim,
escolheu-se o nome de João Pessoa, presidente da Paraíba.
As campanhas à presidência transcorreram tranquilas. Júlio Prestes comprometia-se a dar continuidade à reforma
monetária de seu antecessor. No mais, limitou-se a generalizações que visavam não desagradar o eleitorado, fosse ele qual
fosse. Desta maneira, tudo se prometeu, da diminuição dos impostos ao aumento dos vencimentos do funcionalismo civil e
militar, bem como protecionismo e livre câmbio.
Getúlio Vargas não diferiu muito em sua campanha. Tentou agradar o povo com grandes promessas, não descuidando em
agradar o Sr. Washington Luís, defendendo por isso, com grande ardor, o plano financeiro.
As eleições ocorreram no dia primeiro de março de 1930, em relativa tranquilidade. Os resultados não corresponderam
aos interesses da oposição. Somando todos os votos, Getúlio Vargas conseguira 737 mil sufrágios; Júlio Prestes ultrapassou a
casa de um milhão e cem mil votos. A diferença era de mais de 400 mil votos...
Diziam que as eleições tinham sido fraudadas com vícios de toda ordem. Porém, se houve fraudes, elas ocorreram em
benefício de ambos os lados. Apenas como curiosidade - e para reflexão do leitor - é interessante lembrar que, no Rio Grande
do Sul, o Sr. Getúlio Vargas obteve a expressiva votação de 298 mil sufrágios, ficando seu opositor com apenas 982 míseros
votos! A participação dos eleitores gaúchos no pleito também é curiosa: 99% dos eleitores foram às urnas, enquanto que nos
Estados Unidos, na mesma época, a participação dos eleitores girava em torno de 49%.
Com o passar do tempo, porém, os ânimos foram serenando e já se tinha Júlio Prestes como o novo Presidente da
República. O próprio Vargas havia se manifestado publicamente, aceitando o julgamento das urnas. Apenas alguns "radicais"
da campanha ainda procuravam obter articulações no sentido revolucionário.
Um fato novo, no entanto, viria a dar novos rumos à política nacional: o assassinato, em uma confeitaria no Recife, do
governador da Paraíba, João Pessoa. Era o dia 26 de julho de 1930.
O crime não possuía nenhuma ligação com as eleições presidenciais, circunscrevendo-se a problemas partidários locais.
Apesar de tudo, o fato foi utilizado politicamente pela oposição, transformando-se no verdadeiro rearticulador do movimento
revolucionário. Logo, muitos já acusavam o Sr. Washington Luís como responsável direto pela morte de João Pessoa.
A revolução agora era questão de tempo e acabou sendo desencadeada no dia 3 de outubro. Partindo do Rio Grande do
Sul, o movimento alastrou-se rapidamente. Dominadas as guarnições federais no Estado, iniciou-se logo a invasão de Santa
Catarina.
O único que parecia não perceber a gravidade da situação era Washington Luís, que acreditava na lealdade de seus
generais.
A 22 de outubro, ficou pronta a intimação ao Presidente da República, começando a coleta de assinaturas entre generais
que concordavam com a sublevação.
Washington Luís não queria acreditar nas notícias de que se conspirava contra seu governo. Segundo Barbosa Lima
Sobrinho, até "ao próprio Cardeal, que a 23 lhe fora levar uma impressão da situação real e dos preparativos do movimento
pacificador, respondia o Sr. Washington Luís, entre irônico e desdenhoso:
No dia 23 de outubro, o Ministro da Guerra levava ao presidente da República a certeza do golpe de Estado. Washington
Luís permanecia firme, mesmo completamente isolado no palácio Guanabara e, sob ameaças de bombardeio, ainda teimava
em resistir.
- Podem bombardear!
E mandava sair à família, para que nova resposta se expedisse aos generais, por intermédio do Cardeal D. Leme:
- Responda ao Cardeal que já fiz retirar as senhoras que ainda se conservavam em palácio, para que pudessem
bombardeá-lo à vontade".[11]
Por volta das dezessete horas, rendeu-se o presidente, sendo conduzido para a fortaleza de Copacabana, como preso
político. A Revolução triunfara; as consequências para o país logo se evidenciaram. A Velha República chegava ao seu final e
o futuro parecia auspicioso...
A Revolução de 30 em São Paulo
Em São Paulo, no dia 24 de outubro, o povo aclamava e dava vivas à vitória dos revolucionários. A multidão
concentrada na Praça do Patriarca gritava "vivas" a uns e "morras" a outros. A desordem alastrou-se rapidamente e
começaram a empastelar os jornais identificados com o antigo governo. O primeiro foi A Gazeta, seguido pelo Correio
Paulistano, São Paulo Jornal, o Fanfulla, a Folha da Noite. O povo resolveu queimar todos os pontos de jogo de bicho
existentes na cidade, pois os exploradores dessa contravenção estavam ligados à política deposta. Como saldo final deste dia
conturbado, contou-se para São Paulo um total de 22 feridos e três mortos.
Vitoriosa a Revolução, a Junta Governativa (criada no Rio de Janeiro para administrar o país até a chegada de Vargas na
capital da República) determinou que o general Hastimphilo de Moura assumisse provisoriamente o governo em São Paulo.
Segundo Antônio Carlos Pereira, "o general Hastimphilo de Moura era reconhecidamente fiel aos legalistas, contudo, a
tradição que vinha da Proclamação da República, de fazer dos comandantes militares governantes provisórios após cada
revolução ou golpe, prevaleceu sobre as fidelidades políticas".[12]
Dias mais tarde, a Junta Governativa Provisória telegrafava a Francisco Morato, presidente do Partido Democrático,
pedindo-lhe que assumisse o governo de São Paulo. Prudentemente, Morato recusou-se a assumir um governo que lhe era
oferecido pela Junta, pois queria receber instruções de Getúlio Vargas, chefe da Revolução.
Naturalmente, a nomeação de Hastimphilo de Moura para governar São Paulo, mesmo que em caráter provisório,
desagradou em cheio a ala dos tenentes revolucionários. É importante aqui lembrar que a Revolução de 30, nascida na Aliança
Liberal, foi feita nos campos de batalha pelos tenentes e ganha no Rio de Janeiro por um golpe de Estado, pelos generais.
Possuía, pois, muitos donos e era difícil agradar a todos com a nomeação deste ou daquele para os cargos diretivos.
Diante do descontentamento dos tenentes, Getúlio Vargas nomeia João Alberto para ocupar o cargo da interventoria de
São Paulo.
Podemos identificar aqui o início dos desentendimentos entre o Estado de São Paulo e o governo central de Vargas. A
indicação de um militar, desconhecedor dos problemas e da economia paulista, serviu para arrefecer os ânimos até mesmo dos
mais exaltados defensores do movimento outubrista. A intervenção federal na política interna paulista não tinha precedente e
São Paulo, como Estado mais rico da federação, não podia aceitar passivamente este tipo de ingerência externa.
Com o decorrer do tempo, a crise gerada pelo Caso da Interventoria Paulista iria se tornar mais aguda e não eram
poucos os que já, em fins de 1931, só viam uma solução para resolver o problema: a guerra.
A Revolução de 30: a Revolução Traída
(Visão do P.D.)
A visão dos membros do Partido Democrático sobre o movimento de outubro é bastante peculiar. Se no princípio
mostravam simpatias pelo movimento revolucionário, com o passar do tempo, desiludem-se e, de partidários, transformam-se
em opositores ferrenhos. Através do Diário Nacional, podemos identificar claramente essa mudança de postura e o
descontentamento com o desenrolar dos fatos.
O PD, partido paulista que apoiara a Aliança Liberal, esperava confiante que, com a Revolução de 30, o chefe do
Governo Provisório confiasse a seus membros o governo do Estado de São Paulo. A nomeação de João Alberto para a
interventoria paulista gerou grande descontentamento entre os pedeístas, que passaram, a partir daí, a se sentirem traídos e
humilhados. O afastamento do poder acabou gerando uma profunda desilusão com relação à Revolução de 30, acarretando o
rompimento com Vargas a 13 de janeiro de 1932. Para compreendermos melhor os motivos desse rompimento, devemos
entender o que o PD esperava da Revolução de Outubro.
Em primeiro lugar, os democráticos acreditavam que a Revolução tinha sido feita para acabar com o excessivo poder
pessoal dos presidentes, pondo fim a má administração pública e aos péssimos costumes políticos da Primeira República.
Tais ideias, se por vezes parecem vagas, denotam um profundo descontentamento com a política antes de 30, onde as
fraudes eram corriqueiras, impedindo, assim, que os pleitos ocorressem dentro de um clima de normalidade. É interessante
notar que o uso de artifícios ilegais nas eleições, que os pedeístas tanto criticavam, não lhes era desconhecidos. Segundo
Renato Jardim, "já na eleição de primeiro de março de 1930, Francisco Morato, chefe do partido (PD) e candidato a deputado
federal, conchavava, em Araraquara, segundo o público testemunho de Plínio de Carvalho, a redução de sufrágios de Getúlio
em vinte e seis votos, em troca de trezentos votos à chapa democrática de candidatos a deputação".[13]
A Revolução de 30 era vista como um momento de abertura de novos espaços, onde o PD pudesse participar mais
ativamente da vida política. Vivaldo Coaracy explica claramente este tipo de pensamento, afirmando: "A opinião paulista via
no triunfo revolucionário a destruição do perrepismo e a derrocada do PRP, a extinção do longo domínio contra o qual ela se
rebelava no mais íntimo e sincero de seus sentimentos".[14]
Após o rompimento com Vargas no dia 13 de janeiro de 1932, o discurso dos Democratas se radicaliza e se torna mais
claro. A principal justificativa para o rompimento era a de que a Revolução se desvirtuara de seu "caminho original".
Obviamente, esse desvirtuamento só tinha sentido dentro da visão que os pedeístas tinham sobre a Revolução de 30.
Acreditavam que o movimento outubrista, que havia sido deflagrado no país sob a bandeira da Aliança Liberal e
empolgado a consciência nacional exatamente porque parecia patrocinar uma profunda mutação da mentalidade brasileira
sobre pontos de fé política, infelizmente, esse movimento não tinha conseguido efetuar tal mutação.
A ideia de que a Revolução se desviara de seu projeto inicial está bastante presente nos discursos da época, fato que
pode ser facilmente comprovado no artigo publicado no Diário Nacional do dia 30 de julho de 1932:
"A Revolução descarrilara. E descarrilara por efeito das alucinações do outubrismo. Tendo-a prezado em nome da
justiça e da lei, os seus chefes não se pejaram em lançar, no fortim do discricionarismo, erguido no Rio de Janeiro, as bases
da sua perpetuação no poder.
Tendo-se apoiado, para vencer, em todas as correntes liberais do país, longe de procurarem constituir um governo
nacional, cuidaram, pelo contrário, de organizá-lo com feição mesquinha e manifestadamente regionalista.
Núncia da liberdade, a Revolução implantara a mais repulsiva das tiranias. Mensageira de uma era fecunda de paz e
reconstrução, transmudara-se em sementeira de ódios e insanáveis discórdias. “Esterilizara-se”.
Criticava-se, sobretudo, a ação do Governo Provisório que, após quase dois anos de atuação, não se preocupara em pôr
em prática os projetos pelos quais havia alcançado o poder. Afirmavam que o problema do Brasil era exclusivamente
eleitoral e que a Revolução e os revolucionários estavam fazendo o mesmo que o perrepismo fizera: ficar no poder, seja lá
como for, e preservar esse poder para si e para os seus amigos. A "ditadura" anterior, afirmavam, ao menos mantinha as
aparências constitucionais.
Outro ponto destacado pelos democratas se refere à excessiva atenção dada pelo Governo Provisório aos tenentes e sua
forte influência na direção da vida do país. Criticava-se Vargas, que dava grande margem de atuação aos tenentes, criando,
assim, o que chamavam "a República dos Camaradas". Segundo o PD, a Revolução devia ter sido feita para a Nação, para o
benefício dos 42 milhões de brasileiros, e não para satisfazer a vaidade ou a ambição pessoal de meia dúzia de indivíduos.
"Ou essa Revolução é do povo, pelo povo, para o povo, ou então esse povo, que nada aproveita com a Revolução, lhe cria
ódio. O povo acha que essa Revolução foi um desastre completo e só lhe piorou a condição sob todos os pontos de vista".[15]
Por fim, criticavam Vargas por não lhes ter dado o apoio que julgavam merecer, ressaltando que a participação do PD na
Revolução de 30 dava-lhes direitos de participarem no poder, pois sem "o apoio dos democratas e da opinião liberal paulista,
a revolução não só não teria sido vencedora, como também nem sequer teria rebentado".
Revolução de 30: Invasão de São Paulo
(Visão do P.R.P.)
Parte da oligarquia cafeeira (representada pelo seu partido político, o PRP) sempre viu com maus olhos a Revolução de
30, visto que esta tinha quebrado o seu domínio na política nacional.
Para combater o movimento de outubro, afirmavam que a Revolução nada cumprira daquilo que prometera, continuando
os mesmos vícios contra os quais lutara. A nomeação de interventores para a maioria dos Estados, o preenchimento de cargos
públicos com parentes e amigos, o abuso do poder, tudo era motivo para críticas severas por parte do velho PRP. Renato
Jardim, um de seus principais tribunos, escandalizado com a situação política, afirmava:
"No programa lido no dia 2 de novembro de 1930, afora a anistia, já decorrente do próprio triunfo da Revolução,
figurava em primeiro lugar a defesa social da corrupção.
Ponto dos mais importantes do programa regenerador, o combate ao nepotismo. Em verdade, dentro de meses da
"República Nova" estava extinta de parte dos governadores, a preocupação de colocar parentes nos cargos públicos, já não
havia um só a ser colocado. Em São Paulo, nas reformas de repartições, ou na criação de novas, houve caso de se colocarem
em uma só delas, e de um só jato, nove parentes do chefe reformador. Dir-se-ia mesmo que para outra coisa não se fez a
Revolução... e os revolucionários".[16]
Para os perrepistas, o movimento de outubro tinha vindo de fora para dentro, era coisa externa aos interesses dos
paulistas, tendo São Paulo sido "invadido" militarmente e seus "despojos" repartidos entre os revolucionários.
Acusavam também o Governo Provisório de não cuidar com o devido zelo das "coisas do café" que, segundo Renato
Jardim, "com o advento dessa anarquia e calamidade nacional a que chamam 'República Nova' oferece espetáculo semelhante
ao da investida por bandoleiros a uma região sinistrada, e - maior tristeza os que tirando partido da pública desgraça, se
entregam aí a ignominiosa tarefa... são cidadãos qualificados, homens que se incluem entre os bons, nomes expoentes da
sociedade culta".[17]
Cumpre ressaltar que as faltas e defeitos apontados pelo PRP na ditadura tinham sido praticados por eles nos quarenta e
um anos de República Velha. Naturalmente, que para legitimarem seu discurso, os perrepistas relativizaram seus antigos
vícios e sua forma de fazer política. Menotti del Picchia, antigo deputado do PRP, lembrava que São Paulo, por mais que lhe
acusassem os descontentes, nunca tinha sido, politicamente falando, um "feudo" de oligarcas. Afirmava que, "era dos únicos
Estados com partidos políticos fortemente organizados e único com representação de minorias em seu parlamento e na sua
bancada federal. Se tudo não era perfeito na sua organização política, esse mal decorria de serem humanos e não divinos os
seus governos".[18]
A REVOLUÇÃO DE 32: OS PRINCIPAIS EVENTOS
Neste capítulo, pretendo apresentar uma visão geral dos principais episódios ocorridos em São Paulo no ano de 1932,
culminando com a luta armada que se estendeu de julho a outubro daquele ano. Tal apresentação se faz necessária para se
compreender os diferentes posicionamentos que vão se cristalizando, à medida que os fatos acontecem. Um exemplo apenas é
suficiente para que se compreenda o que foi dito acima: o caso do PD (Partido Democrático). À medida que o tempo vai
passando, os democráticos mudam o seu discurso com relação ao governo Vargas e ao governo provisório, pois já não
alimentam mais esperanças de alcançar o poder.
Como já disse, com a Revolução de 1930, São Paulo se viu numa situação política secundária, fato que durante toda a
República Velha nunca antes tinha acontecido. Se, no plano político federal, São Paulo tinha perdido a primazia que gozara
nos 30 anos de República, no plano regional a situação era a mesma. A nomeação de interventores para o governo do Estado
logo se mostrou inoportuna e intolerável. São Paulo estava sendo tratado como "butim de guerra" e encontrava-se à mercê da
vontade de um grupo de revolucionários que queriam tomar o destino de todo o povo em suas mãos.
De 1930 a 1932, São Paulo passou pelo governo de vários homens nomeados pelo Governo Provisório de Vargas, sendo
estes governantes conhecidos como interventores, e interventoria a sua gestão no poder.
O primeiro interventor foi João Alberto, pernambucano, que havia sido revolucionário em 22 e 24. Após a opção de Luiz
Carlos Prestes em maio de 30 pelo comunismo, projetou-se, junto com o cearense Juarez Távora, como um dos mais
importantes militares revolucionários. Entretanto, era desconhecido em São Paulo, tendo sido hostilizado pelas elites
paulistas, que passam a exigir de Vargas a nomeação de um interventor paulista e civil. Na tentativa de acalmar os ânimos dos
paulistas, Getúlio propôs a nomeação de Plínio Barreto, mas este não assumiu o poder, devido às fortes críticas por parte de
Miguel Costa (tenente). Em seu lugar, foi nomeado Laudo de Camargo (Ministro do Tribunal de Justiça), numa sucessão
tumultuada (julho de 1931).
Em novembro de 1931, João Alberto provocou a renuncia de Laudo de Camargo, que foi então substituído por Manuel
Rabelo. Este também havia participado do levante de 1922 no Mato Grosso, tendo sido preso por este motivo. Com a vitória
da Revolução de 1930, Manuel Rabelo foi anistiado e passou a integrar, a partir daí, o IV Regimento de Cavalaria de
Quitaúna. Em seu governo na interventoria paulista, ele foi ridicularizado pelas suas excentricidades e por suas preocupações
com a mendicância.
Descontentes com a situação, os dois maiores partidos de São Paulo (PD e PRP), que possuíam enorme rivalidade e
inúmeros pontos em desacordo, resolveram se unir num esforço comum e passaram a lutar pela reconstitucionalização do
Brasil. No dia 16 de fevereiro de 1932, formou-se a Frente Única.
Num último esforço para resolver a crise em São Paulo, sem desagradar aos militares, Getúlio nomeia o velho diplomata
Pedro de Toledo para o cargo de interventor a 24 de fevereiro de 1932. Paulistano, advogado e chefe de polícia, ele havia
sido deputado federal pelo PRP na década de 1910, tendo sido, posteriormente, Ministro da Agricultura do Governo Hermes
da Fonseca e embaixador do Brasil no exterior. Vargas acreditava que, com a nomeação de um homem velho e há tanto tempo
afastado de São Paulo, pois Pedro de Toledo há mais de quinze anos vivia radicado no Rio de Janeiro, tinha encontrado a
solução ideal para apaziguar os ânimos dos paulistas. Como estes desejavam, ele era “paulista e civil”; porém, não passaria
de um mero despachador de expedientes.
Enfim, chegara o dia 22 de maio de 1932, dia que terminava o prazo para Getúlio dar seu consentimento ao interventor
paulista, incumbido de formar um novo secretariado, constituído somente por membros da Frente Única Paulista.
Porém, Vargas não queria ceder facilmente aos antigos políticos do PRP que, por pertencerem à Frente Única Paulista,
participariam do novo secretariado. Como se opunha a alguns nomes do novo governo paulista, Getúlio enviou para São Paulo
seu Ministro Osvaldo Aranha, com o objetivo de negociar. O fato causou grande exaltação e descontentamento, tanto entre os
pedeístas, quanto entre os perrepistas. Temiam que Aranha viesse a São Paulo para impedir a formação do novo secretariado.
Segundo Nogueira Filho, "uma coisa desde logo se tornara patente, se Vargas admitisse a constituição de um Governo de
Frente Única, como estava na vontade inabalável do povo de São Paulo, não precisaria mais do que dar um telefonema".[19]
Boato ou realidade, o fato é que os membros da Frente Única não queriam arriscar e, rapidamente, distribuíram panfletos
convidando a população para se reunir na Praça do Patriarca, a fim de protestar contra a ditadura e a vinda de Osvaldo
Aranha a São Paulo.
Osvaldo Aranha chegara a São Paulo na manhã do dia 22 de maio (domingo), dirigindo-se à casa de seu tio materno, o
Dr. José Freitas Vale, que fora, por longos anos, senador estadual pelo Partido Republicano Paulista. Hospedado na Vila
Quirial (residência do tio) e, por se achar gripado, Osvaldo pediu que o interventor Pedro de Toledo e os próceres políticos
paulistas fossem conferenciar com ele onde se hospedara, no então distante bairro de Vila Mariana.
Enquanto Osvaldo Aranha discutia em Vila Mariana com o interventor sobre o futuro do novo secretariado, o povo já se
concentrava no centro da cidade para o comício da Praça do Patriarca, onde oradores se esmeravam em enaltecer o passado
bandeirante e a situação humilhante a que São Paulo tinha sido submetido após a revolução de 30.
A situação complicava-se e o povo dirigiu-se para os quartéis em busca de solidariedade a seus protestos. Logo, a
multidão descia a Rua Líbero Badaró em direção ao Quartel General da Força Pública, onde as pessoas foram recebidas
amistosamente.
Satisfeito, o povo continuou sua marcha em direção ao Quartel General do Exército. Lá, a recepção foi menos calorosa e
os portões foram fechados diante da grande quantidade de pessoas. Em face do descontentamento da população, o Coronel
Elisário de Paiva, resolveu abrir os portões para uma comissão popular. Enquanto a comissão negociava dentro do quartel,
parte dos manifestantes entrou em conflito com os militares. A comissão resolveu suspender as negociações e, juntamente com
o povo, decidiu ir para o Palácio dos Campos Elíseos.
Já no palácio, Pedro de Toledo foi aclamado pela população. No dia seguinte (23 de maio), com o povo novamente
reunido em frente ao palácio, Francisco Morato anunciou a nova composição do governo paulista. A massa, agitada, queria a
posse imediata do secretariado. Ficou decidido que o Secretário Silva Gordo seria substituído por Waldemar Ferreira
naquela mesma noite.
À hora marcada, o povo compareceu ao Palácio da Justiça para assistir à posse do novo secretário, que ocorreu num
clima de grande exaltação popular. No entanto, a noite de 23 de maio ainda guardava trágicos acontecimentos...
Terminada a posse de Waldemar Ferreira, uma parcela da população continuou vagando pelas ruas do centro e, próximo
das 23 horas, alguns populares lembraram-se de atravessar o Viaduto do Chá em direção à sede do PPP (Partido Popular
Paulista), localizada na Rua Barão de Itapetininga, 70. O PPP era formado, em grande parte, por membros da antiga Legião
Revolucionária.
Ao chegarem à sede do partido, tiros foram ouvidos. Deu-se uma tremenda correria e a confusão generalizou-se. Ninguém
sabia se os tiros haviam sido desferidos pela população ou por parte dos antigos legionários.
Rapidamente, improvisaram-se barricadas. Um bonde foi virado, servindo de abrigo à parte dos revoltosos. Para facilitar
o ataque, alguns rebeldes apagaram todas as luzes na Praça da República. Escadas foram colocadas no prédio sitiado, numa
tentativa de invasão. Através de uma dessas escadas, galgou o acadêmico Mário Martins de Almeida, conseguindo chegar a
uma das janelas. Todavia, foi atingido em cheio por uma bala. Somente após algum tempo de batalha, a polícia resolveu
aparecer, ocupando a Avenida São João e as ruas transversais. As tropas do exército ocuparam a esplanada do Municipal e
parte da Rua Barão de Itapetininga. Ao se saberem cercados por tropas regulares, os antigos legionários renderam-se. Na
saída do prédio, uma surpresa: os rebeldes eram apenas seis. Saldo final daquela noite: a morte de quatro paulistas, Martins,
Miraguaia, Dráusio e Camargo. Suas iniciais (MMDC) dariam nome à organização paramilitar que muito contribuiu para a
organização dos soldados paulistas.
Instigada ou não pelos políticos do PD e do PRP, o fato é que a participação popular nos comícios de 23 de maio e o
triste episódio na sede do PPP foram utilizados politicamente pelos pedeístas e perrepistas. Segundo o Diário Nacional, "o
povo paulista veio à praça pública e clamou freneticamente, desesperadamente sua liberdade."[20]
Para os democráticos, que tinham apoiado a Revolução de Outubro, toda movimentação ocorrida em 23 de maio, nada
mais era do que o grito de protesto da população contra a ditadura, bem como o resgate dos ideais da Revolução de 30, que
haviam sido deturpados. Segundo o Diário Nacional do dia 18 de julho de 32 "a presente fase da evolução política nacional
constituí, com efeito, uma revivescência do verdadeiro espírito revolucionário."
O NOVE DE JULHO
Nove de julho é a data oficial do início das operações militares da Revolução Paulista, quando as forças
constitucionalistas, comandadas por Euclides de Figueiredo, rebelaram-se contra a ditadura de Vargas.
São Paulo não desejava se rebelar sozinho, mas aguardava o apoio de Minas e do Rio Grande do Sul. Pelo menos,
ansiavam por isso os democráticos e republicanos, após terem enviado um representante paulista, Carlos Prado de Mendonça,
para Porto Alegre, a fim de acertar o "Casus Belli" da guerra que se aproximava.
Carlos de Mendonça retorna a São Paulo, trazendo consigo o compromisso escrito e assinado pelo interventor Flores da
Cunha, que mantinha o apoio expresso e irrestrito aos paulistas, obrigando-se a acompanhar a luta armada uma vez verificada
qualquer dessas três hipóteses:
Porém, Flores da Cunha acabou optando por apoiar Getúlio Vargas. Em um telegrama resposta datado do dia 27 de junho,
após ter sido questionado pelo chefe do Governo Provisório sobre se manteria a ordem, caso eclodisse um movimento armado
constitucionalista, sua posição mostrou-se inequívoca: "Em resposta telegrama V. Exa cabe-me informar assegurarei
manutenção ordem neste Estado, especialmente se conforme declara, esta disposto a constitucionalizar o país".[21]
A revolução tornava-se inevitável. Segundo Aureliano Leite, "nenhuma força humana mais a apararia. A população de
São Paulo odiava a ditadura, o ditador e a corrente que o mantinha”.[22]
Os próceres da política paulista se reuniram então na casa do pedeísta Cesário Coimbra, decidindo marcar o início da
Revolução para o dia 20 de julho, dependendo de um último aviso.
No entanto, um fato inesperado antecipou a revolução para o dia 9 de julho. O comandante da Região militar de Mato
Grosso, Bertholdo Klinger, ao receber a comunicação oficial da posse do novo ministro da Guerra, Espírito Santo Cardoso,
telegrafa-lhe dizendo que enviava resposta por portador, que deveria chegar ao Rio no dia 6 de julho.
Segundo Nogueira Filho, o plano de Klinger consistia basicamente no seguinte: "enviada à carta ao ministro da Guerra
aguardar, em Campo Grande, a designação do substituto, a quem transmitiria pacificamente o comando; de imediato partiria
para São Paulo, onde confirmadas as suas previsões, esperaria a eclosão do movimento para assumir a chefia do movimento,
que Izidoro Dias Lopes lhe oferecera e ele aceitara. Nessa ocasião, quase toda guarnição de Mato Grosso, como deixaria
combinado, se levantaria em armas, formando uma brigada que se deslocaria para onde fosse necessário, em obediência a
suas ordens."[23]
Na manhã do dia 8 de julho, o novo ministro da guerra reformou Klinger administrativamente. Neste mesmo dia,
improvisou-se uma reunião na capital paulista, decretando-se a antecipação da guerra para o dia 9.
A cidade transformou-se, passando de uma vida pacata para a mobilização militar. Todos procuravam se informar
rapidamente sobre os últimos acontecimentos, quer através do rádio, quer através dos jornais.
Rapidamente, organizaram-se serviços de apoio ao soldado, destacando-se as oficinas de costura (onde voluntárias
confeccionavam os uniformes militares) e o auxílio das cozinheiras, que preparavam lanches para alimentar as tropas nos
campos de batalha.
A indústria também se mobilizou e, auxiliada pela Escola de Engenharia, tentou suprir as deficiências bélicas de São
Paulo perante o resto da federação. Dentre as organizações que lutaram em prol da causa paulista, não poderíamos deixar de
citar a organização paramilitar conhecida como MMDC.
A MMDC foi criada no dia 24 de maio, num jantar no restaurante Pocilipo, onde participaram vários próceres da política
paulista. Antes do 23 de maio, já existia mais de uma sociedade secreta civil que congregava elementos e forças na capital e
no interior de São Paulo. Após o 23 de maio, todas essas organizações secretas e civis desapareceram, incorporando-se ao
MMDC. No princípio, a organização chamou-se Guarda Paulista, tendo como sede algumas salas do Clube Comercial.
Somente mais tarde foi que Edgard B. Pereira sugeriu para patrono da sociedade os nomes dos quatro paulistas mortos em 23
de maio. Posteriormente, a MMDC transferiu-se para a Escola de Comércio Álvares Penteado e dali, encaminhou para a
guerra milhares de soldados.
Das inúmeras campanhas para arrecadação de fundos à causa paulista, uma se destacou em especial: a Campanha do
ouro para o bem de São Paulo. No final da guerra, alcançaria o número de 80.000 doações no valor de 4.500$000.
A guerra duraria três meses. Os paulistas, vendo-se militarmente inferiorizados e politicamente isolados, acabaram por
pedir rendição nos primeiros dias de outubro de 1932.
Vargas nomearia então um novo interventor e, no ano de 1934, a Constituição seria elaborada.
São Paulo jamais esqueceu aqueles dias tumultuados de 1932. A cada nove de julho, o tradicional desfile convoca os
velhos revolucionários para a parada solene. Restam poucos destes bravos soldados, pois mais de oitenta anos lá se vão...
O DESDOBRAR DAS POSIÇÕES
O CASO PAULISTA
Vitoriosa a Revolução de 30, Vargas assume o governo como chefe do governo Provisório, sabendo que tinha grande
parte de sua sustentação política entre os militares, mais especificamente, no grupo dos tenentes.
Assim, logo que iniciou o governo, tratou de manter os tenentes perto de si, "distribuindo-lhes" as recém-criadas
interventorias estaduais. Dessa forma, tentava "matar dois coelhos com uma só cajadada", isto é, conservar a simpatia dos
tenentes e evitar a influência dos partidos tradicionais nas interventorias.
São Paulo, apesar de seus sete milhões de habitantes, seus sete mil e quinhentos quilômetros de estradas de ferro (1/5 do
total brasileiro) e de contribuir com cerca de 66% da produção agrícola de todo Brasil, foi submetido à mesma interferência
externa, na sua vida política, como outros Estados mais pobres da federação.
Os paulistas não aceitaram esta interferência e reagiram contra Vargas, exigindo interventores paulistas e civis. Criava-
se, assim, uma crise política que passou à História como O Caso Paulista.
A reação dos diversos grupos da sociedade em relação a essa crise se mostrou de maneira diferenciada. Procurarei expor
a visão de alguns desses grupos.
VISÃO DO PD
O PD, como já foi dito, considerava-se o legítimo representante da Revolução de 30 em São Paulo. Quando no dia 24 de
outubro de 30, o povo já festejava nas ruas a vitória da revolução, os pedeístas organizavam um governo civil, chefiado por
Francisco Morato, que esperava apenas o "placet" de Vargas para começar a governar.
No dia seguinte, quando os pedeístas souberam da nomeação de João Alberto para a interventoria paulista, a frustração
não foi pequena.
Com o passar do tempo, foi aumentando o descontentamento do PD em relação à Revolução de 30. Mais do que tudo, era-
lhes desagradável a influência dos tenentes sobre João Alberto que, segundo Leven Vampré, "estavam fartos de governo civil,
das leis, da opinião pública e achavam que o governo do Estado não tinha suficiente cor revolucionária, e era preciso reavivar
a revolução com um enxerto nitidamente vermelho."[24]
O sentimento de que haviam sido traídos começa a tomar corpo entre os pedeístas, que então lançam em São Paulo um
grito de salvação para a Revolução de 30: exigem de Vargas a saída de João Alberto e a nomeação de um interventor paulista
e civil.
Os pedeístas acusavam Getúlio Vargas de se ter deixado envolver por intrigas que favoreciam as ambições individuais
de alguns poucos e não ao interesse da coletividade.
Segundo o Diário Nacional, “o Sr. Getúlio Vargas escolheu entre os quarenta milhões de brasileiros, dúzia e meia de
indivíduos aos quais atribui privilégios tabus na revolução. Esses fetiches paisanos ou militares, tudo podem se permitir."[25]
Influenciado pelo descontentamento generalizado contra a sua pessoa, João Alberto resolve pedir demissão da
interventoria, sendo escolhido para sucedê-lo Plínio Barreto.
Plínio Barreto havia escrito, há alguns anos, um artigo pouco elogioso aos heróis do forte de Copacabana, artigo este que
foi utilizado politicamente pelo chefe da Legião Revolucionária, Miguel Costa, numa entrevista onde se incompatibilizou com
o futuro interventor.
Diante dos fatos, Osvaldo Aranha não quis dar garantias de governo a Plínio Barreto, que por este motivo não aceitou o
cargo.
Recomeçaram novamente as "demarches" políticas para a escolha do novo interventor. Às 22 horas do dia 23 de julho de
1931, Laudo de Camargo foi chamado à casa de Plínio Barreto, onde lhe ofereceram a interventoria. A Legião Revolucionária
não se opôs ao nome de Laudo, que aceitou o cargo.
Atendidas as reivindicações de "paulista e civil", os pedeístas ainda temiam que os tenentes pudessem interferir na
política paulista. Segundo Leven Vampré, "murmurava-se à boca pequena que os tenentes não tardariam em tomar conta
definitiva do Brasil".[26]
O temor talvez não fosse sem razão. Já no dia 12 de novembro de 1931, João Alberto pedia audiência com Laudo de
Camargo, dizendo-se autorizado por Vargas a exigir o afastamento do secretário da fazenda paulista, Numa de Oliveira
(representante dos credores estrangeiros no Brasil), o qual era considerado incompatível com o espírito revolucionário.
Na verdade, João Alberto não tinha autorização de Vargas para exigir a mudança de Numa de Oliveira. Ao saber deste
fato, Laudo de Camargo chamou aos Campos Elíseos o comandante da Região Militar, Manoel Rabelo, passando-lhe a
interventoria.
Com Rabelo na interventoria, a desilusão com respeito ao governo Vargas generalizou-se e poucos acreditavam numa
solução para o Caso Paulista. Getúlio ainda tentou reverter à situação, nomeando um novo interventor, o civil e paulista Pedro
de Toledo. Ex-embaixador, tendo ultrapassado os 70 anos, Pedro de Toledo vivia há mais de 20 anos no Rio de Janeiro, onde
abandonara a vida política.
Vargas acreditava encontrar neste velho embaixador a solução para o Caso Paulista.
Apesar de acreditarem na idoneidade de Pedro de Toledo, os pedeístas ainda temiam a interferência dos tenentes no
governo de um homem que, segundo o Diário Nacional, "lá está arrumado na cadeira presidencial dos Campos Elíseos,
dormindo, babando e sorrindo. Em torno desse homem respeitável, acomodaram-se os sugadores ferozes da seita
paulista".[27]
O caso paulista tinha avançado demais no tempo e sua solução não se daria mais com a simples nomeação de um
interventor paulista e civil. Agora, os democráticos queriam mais. Queriam a Constituição, queriam... a queda de Vargas!
VISÃO DO PRP
A ideia de que São Paulo estava sendo martirizado pela ditadura era aceita pelos republicanos. No entanto, alertavam que
o pior problema para o Estado de São Paulo era a grave crise econômica pela qual passava o café e que traria graves
consequências para todo o Brasil.
Apesar do momento ser de crise, os membros do velho PRP não esqueceram as rivalidades com seus adversários do PD.
Criticavam-nos por não terem percebido a crise econômica em que o Estado se encontrava e por que andavam somente
ocupados com seus interesses facciosos.
Os republicanos duvidavam da idoneidade dos democráticos, quando estes exigiam de Vargas um governo civil e
paulista. Acusavam-nos de abusar da boa fé do povo e de explorar o sentimentalismo popular para atingir interesses próprios.
Em artigo do dia 13 de janeiro de 1932, publicado na Folha da Noite, diziam os republicanos: "O Sr. Getúlio Vargas deveria
tirar a prova dos nove ao paulistismo desses politiqueiros, deveria escolher um dos muitos paulistas dignos e competentes que
atuaram no PRP. Porém, aí, surgiria a segunda parte do truque ‘civil e paulista’, querem os democráticos, desde, todavia, que
seja democrático. Se se nomear, ‘civil e paulista’, embora não pertença ao Clube do Caju Vermelho, arranjarão para o Estado
outro martírio e outra tragédia."[28]
Assim, podemos notar que o PRP (e os grupos da sociedade que ele representava) não concordava com a ditadura de
Vargas e com a situação a que ficara submetido o estado de São Paulo após 1930. No entanto, não acreditavam que a solução
do Caso Paulista pudesse ser obtida com um governo paulista e civil proveniente de membros do PD.
VISÃO DA ESQUERDA
Sobre o Caso Paulista, pouco consegui descobrir que pudesse mostrar com clareza a visão da esquerda. O material
encontrado diz respeito à opinião de pessoas que representavam, de uma maneira ou de outra, a opinião do seu grupo.
Dentro deste quadro, a visão de João Alberto é bastante significativa. Segundo seu parecer, São Paulo fora o foco de
resistência à Revolução de 30 e às suas ideias, não podendo o Governo Provisório confiar a interventoria a seus políticos
tradicionais.
Outro ponto de vista interessante é o de Manoel Rabelo, que considerava a luta de São Paulo por um governo civil e
paulista uma exigência, um abuso do Estado mais rico da federação, que não queria aceitar o novo status quo. E esclarecia:
"Todos os Estados, com raras exceções, têm interventores nascidos em outros Estados, sem que eles, no entanto, gritem que
hajam sido pisados pelos revolucionários."[29]
Outro grupo identificado como esquerda é o do Partido Radical Socialista, que tinha uma visão diferente dos outros,
sendo favorável à Frente Única e à luta pela Constituição.
Segundo seu fundador, Benjamim Mota, o Partido Radical Socialista era contra "o militarismo que se quer aproveitar da
revolução, porque esta foi feita pelo povo brasileiro e não por militares."
VISÃO DA DIREITA
O material coletado, que explicita a visão da direita sobre o Caso Paulista, resume-se a alguns números do jornal A
Razão, dirigido por Plínio Salgado.
Acreditavam que à ditadura, fosse ela qual fosse, competia salvar o Brasil das unhas dos partidos tradicionais que,
segundo sua visão, "eram organizações sem conteúdo doutrinário, fundados para o uso e gozo de meia dúzia de
apaniguados."[30]
Por vezes, suas ideias são confusas e esparsas, como no caso em que se referem à questão regional. Reconheciam a
peculiaridade do Estado de São Paulo na federação[31], mas tinham como princípio básico bater-se "contra o espírito
regionalista de todo e qualquer Estado da federação, onde vejamos amortecer o sentimento de pátria total."[32]
Apoiavam a ditadura e exigiam que esta tomasse medidas contra os partidos tradicionais, traçando "rumos seguros e
urgentes a esta nação em transe supremo de angústia, em crise de autoridade, em falência de esperanças."[33]
Enfim, através de seu jornal A Razão, a direita procurava apoiar a ditadura de Vargas e as suas ações na interventoria
paulista, talvez na esperança de que um dia, alguns de seus membros, fossem convidados a participar do poder.
CONSTITUIÇÃO
A desilusão com a Revolução de Outubro e a dificuldade de se resolver o Caso Paulista levaram as elites a se unirem na
luta a favor do fim da ditadura e de apoio à Constituição.
No Brasil, a luta pela Constituição foi iniciada no Rio Grande do Sul em fins de 1931. Em São Paulo, a luta pela
Constituição converteu-se no principal "instrumento" de luta contra a ditadura, sendo apoiada tanto por políticos do PRP como
do PD, além dos setores liberais e parte da burguesia.
Constituição significava eleições, isto é, uma possível retomada da predominância paulista na política nacional.
Podemos notar dois grupos distintos: os que desejavam a Constituição imediatamente e aqueles que achavam ainda muito
cedo para a volta do país ao regime da lei.
Como centro econômico brasileiro, onde se concentrava grande parte da indústria nacional, além da cafeicultura, São
Paulo ficara submetido à ditadura Vargas, a qual veio quebrar-lhe a autonomia interna e a hegemonia nacional.
Se por um lado Vargas se mostrava preocupado em acalmar a situação de São Paulo, ora nomeando um interventor
paulista e civil, ora tentando resolver a crise do café, por outro lado, tinha que atender aos militares que lhe davam apoio.
Para atendê-los, era obrigado a tomar medidas desagradáveis às elites paulistas.
A ideia de que São Paulo se transformara em terra conquistada começou a tomar corpo entre os paulistas. Era preciso
acabar com o regime discricionário, com a falta de estabilidade, com a anarquia dos direitos civis, advindas com o Governo
Provisório.
A Constituição parecia ser a solução para todos esses problemas. Segundo O Estado de São Paulo, "sem Constituição,
sejam quais forem as garantias de que a ditadura cerque os direitos dos cidadãos, tudo será efêmero e indeciso"[34]
Os paulistas criticavam a incapacidade da ditadura, que em mais de um ano de governo discricionário nada tinha feito
pelo Brasil, devendo, portanto, convocar a Constituinte e abandonar política.
A Constituição era vista pelas elites paulistas e setores liberais como regeneradora da ordem e do progresso no Brasil.
Nos seus discursos pró-Constituição, estas elites tentavam passar a ideia de que o anseio pela volta ao regime legal refletia
um desejo de todas as classes sociais e de toda nação.
Segundo o Diário Nacional, "é a nação unânime que reclama a volta imediata à normalidade legal".[35] Tentavam, desta
forma, rebater os ataques dos homens ligados à ditadura, de acordo com os quais a luta pela Constituinte era um artifício de
velhos políticos para reconquistarem postos perdidos.
Não acreditando serem traidores dos ideais da Revolução de 30, pensavam que lutar pela Constituição era lutar pela
revolução, porque esta tinha sido feita "para restaurar a Constituição ultrajada pelo poder pessoal do Sr. Washington Luís e
não para substituir esse poder pessoal por outro qualquer."[36]
Não encontrei material que demonstrasse a opinião de grupos que fossem contrários à Constituição. Talvez porque, em
tese, nenhum grupo defendesse a ideia do país permanecer sob o regime discricionário permanentemente.
Até mesmo a ditadura aceitava a ideia de se convocar uma Constituinte. O que se questionava era o seu apressamento.
Diziam que poderia prejudicar as medidas "purificadoras", que vinham sendo tomadas contra as antigas oligarquias em
benefício da população em geral.
O próprio Vargas parecia estar inclinado a resolver a questão da Constituição, tendo baixado um decreto no dia 7 de
abril de 1932, que designava o dia 3 de maio de 1933 para a realização das eleições para a Constituinte.
Obviamente, para tal pleito não deveriam ser aceitos elementos dos partidos tradicionais, alijados do poder com a
Revolução de 30. Segundo Osvaldo Aranha, “A Constituição deve ser feita como se fez a revolução, isto é, pelos que se
bateram por esta. Os homens que roubaram a nação é que não voltarão."[37]
DITADURA
A política imposta a São Paulo, após a Revolução de 30, onde o cargo da interventoria era concedido a elementos
externos ao Estado, desagradou, e muito, tanto pedeístas, quanto perrepistas. Os dois partidos, principalmente após a formação
da Frente Única, passaram a criticar a ditadura e suas ações de uma maneira bastante direta e constante. Os discursos de
ambos são bastante parecidos, sendo, por isso, apresentados aqui como único, o que denominei de "paulistas".
Neste grupo, podemos identificar uma crítica de ordem mais geral e outra mais específica. A primeira é a crítica do
homem liberal, que se vê alijado de participar politicamente. É a luta pela democracia e contra a ditadura.
O Estado de São Paulo do dia 17 de março de 32 trazia o seguinte: “A ditadura é a confusão, é o entrechoque de apetites,
é o senhorio dos audazes, é o conflito permanente, é a brutalidade, é o desrespeito, é a anarquia."
Outra crítica à ditadura dizia respeito à sua falta de habilidade para resolver o Caso Paulista. Os "paulistas" não
toleravam a interferência na sua política interna de elementos exógenos aos seus interesses. Por isso, os militares que
ocuparam a interventoria paulista eram vistos como incapazes de dirigir um Estado feito o de São Paulo.
Assim dizia A Plateia do dia 18 de junho de 1932: "o Sr. Getúlio desapossou os paulistas de São Paulo e entregou,
durante ano e meio, este Estado a uma porção de aventureiros que aqui se locupletaram à vontade."
Se os "paulistas" não viam com bons olhos a nomeação dos interventores militares, criticando-os ferozmente, que se dirá
de suas ações na interventoria, que eram tidas como verdadeiro caos. Assim dizia Paulo Duarte a respeito da situação de São
Paulo: "entregue a sua própria sorte, isto é, aos agitadores de cortiço, numa babel de correntes que, entre si mesmas, não se
entendem: a militarista, a civilista, a fascista, e a comunista."[38]
O descontentamento era generalizado contra os interventores. Assim, não foi de se estranhar o enorme alarido causado
quando o interventor João Alberto sugeriu aos operários que tivessem uma participação de 5% nos lucros das fábricas e um
aumento de 20% nas horas de trabalho. Segundo Leven Vampré, "foi dessa forma que o público se inteirou de que o Dr. João
Alberto era partidário da distribuição da riqueza entre os operários.”[39]
Alguns são mais explícitos na sua crítica aos interventores: é o caso do perrepista Renato Jardim: "João Alberto, ainda
sob influência dos dias de exílio, ensaia a implantação do comunismo em São Paulo. Anuncia que os comunistas podem
congregar-se livremente. Funda-se, sob os auspícios do governo revolucionário, a Sociedade dos amigos da Rússia."[40]
Como podemos notar, o anticomunismo era latente e muitos afirmavam que a propaganda comunista vinha se
desenvolvendo sob a sombra da ditadura de Vargas.[41]
Os "paulistas" também criticavam a instabilidade provocada pela ditadura. Segundo diziam, todos os que possuíam força
julgavam-se com direitos iguais à coisa pública.
Esta instabilidade política agravava ainda mais a crise econômica pela qual o Estado passava. Era preciso pôr um fim à
ditadura que, segundo O Estado de São Paulo, "a cada dia que passa trás a demonstração de que tem o dom de criar
problemas dificultosos, mas não possui capacidade para resolvê-los".[42]
Os "paulistas tentavam passar a ideia de que havia uma unidade de opinião em seu Estado com relação à ditadura.
Segundo O Estado de São Paulo, "ninguém mais se fia nas promessas da ditadura. Ninguém mais acredita que ela venha
modificar, para melhor, a situação geral do país."[43]
Acreditavam que o país estava acéfalo, que tudo se encontrava fora de lugar. Era preciso fazer alguma coisa, era preciso
convocar a constituinte imediatamente, restabelecer no Brasil um regime de legalidade e confiança, evitando, assim, a ruína
econômica, o descalabro financeiro e o esfacelamento da união.
Visão de Vargas
Em uma carta resposta ao presidente do Clube 3 de Outubro, Pedro Ernesto, percebemos claramente a opinião do chefe
do governo provisório sobre aqueles que criticavam a ditadura.[44]
Em primeiro lugar, acusava-os de "falsos pregoeiros da democracia" e "reacionários de todos os tempos". A carta segue,
afirmando que os críticos se mostravam contrários aos mais altos interesses da nacionalidade, pois estavam impregnados de
um regionalismo exacerbado. Acusa-os de quererem voltar ao antigo mandonismo e que, por isso, pleiteavam a posse de
cargos para a montagem da máquina eleitoral, veículo indispensável à sua ascensão. Por fim, Vargas critica-os, afirmando que
seus censores pretendiam assessorar o governo provisório com o intuito de promover seus caprichos e desejos, sendo, por
isto, repelidos pelos revolucionários.
FRENTE ÚNICA
A formação da Frente Única Paulista, no dia 16 de fevereiro de 1932, constituiu-se num marco para a história da
Revolução Constitucionalista. É neste momento que os dois principais partidos paulistas (Partido Republicano Paulista e
Partido Democrático) deixaram as suas diferenças de lado, unindo-se em prol de uma causa comum: a Constituição.
Procurarei mostrar aqui a visão de membros do PRP e do PD sobre a formação desta Frente Única.
Visão do PD
Os Democráticos haviam rompido com Vargas no dia 13 de janeiro de 1932. Poucas esperanças restavam a este grupo
para participar ativamente do poder, livre de interferências externas. A luta pela Constituição seria a sua grande arma contra a
situação reinante.
No entanto, a luta contra a ditadura era difícil, exigia aliados fortes. Não demorou muito para que o PD visse no seu velho
adversário político, o PRP, um possível aliado contra Vargas.
As críticas ao antigo adversário vão diminuindo. Logo, surgiu a ideia da formação de uma Frente Única, inspirada na
Frente Única Gaúcha (que unira Borges de Medeiros e Raul Pilla, respectivamente, líderes do Partido Republicano e Partido
Libertador, em novembro de 1931).
Assim, começaram as conferências na casa de Júlio de Mesquita Filho, Francisco Morato e no apartamento de Álvaro de
Carvalho, no hotel Esplanada. Por fim, no dia 14 de fevereiro de 1932, fica estabelecida a união entre o PRP e o PD, sendo o
documento desta união publicado no dia 17 do mesmo mês.
Esta união foi vista pela maioria dos pedeístas como uma aliança provisória. Segundo O Estado de São Paulo, "não
houve fusão; houve uma aliança. Firmaram-se tréguas entre os dois adversários para uma obra de interesse comum, que é a
defesa da autonomia de São Paulo e a convocação da Constituinte. Nada mais.” [45]
A união entre os dois partidos foi explicada pelos democráticos como necessária, devido ao grave momento político. Os
pedeístas afirmavam que ninguém podia compreender que, em hora tão grave, os "irmãos" se mantivessem em posições hostis
e irreconciliáveis.
Segundo O Estado de São Paulo, "com a divisão do povo paulista, só estavam lucrando os que elegeram São Paulo para
o campo das experiências sociais, ou para a presa dos seus apetites vorazes.”[46]
Apesar do entusiasmo da grande maioria dos democráticos com a formação da Frente Única, alguns membros do próprio
PD não a viam com bons olhos.
José Augusto Costa representa este grupo de descontentes, formado, principalmente, pela ala jovem do PD. Para este
grupo, a união era fictícia e artificial, pois os partidos tinham diferenças de tendências. Segundo José Augusto Costa, "com a
Frente Única, o meu partido ficou na posição de ser absorvido pelo PRP ou derrubado pelos tenentes. Lucrariam com a
revolução que fatalmente resultaria dessa união, os democratas-perrepistas."[47]
As críticas da ala jovem do PD foram desconsideradas pelos organizadores da Frente Única, que afirmavam aos quatro
ventos uma pseudounidade do povo paulista em prol da Frente Única e da Constituinte. Segundo Aureliano Leite, "nada ficou
por fora deste todo paulista formado por três parcelas: PD, PRP e classes conservadoras."[48]
Visão do PRP
O PRP era o partido da situação, representante das oligarquias cafeeiras e de seus interesses. Até 1930, desfrutara de
uma posição privilegiada na política paulista e, com a Revolução de Outubro, foram afastados do poder.
O PRP nunca tinha poupado críticas à Revolução de 30 (ao contrário do PD, que só rompeu oficialmente com Vargas no
dia 13 de janeiro de 1932) e, se não tolerava a ditadura, também não morria de amores pelo seu velho adversário político, o
PD.
Os seus adeptos criticavam os pedeístas de várias formas e maneiras, dentre elas, por ter o PD aberto às portas de São
Paulo ao inimigo em 1930.
As lutas eleitorais antes de 1930 e o apoio do PD à Revolução de Outubro faziam com que a Frente Única Paulista fosse
vista pelos perrepistas, pelo menos até janeiro de 1932, como uma ideia impraticável. No entanto, a crise do café se agravava,
o PRP precisava voltar ao poder e redirecionar a política nacional em prol da cafeicultura.
Entre a continuação da ditadura e uma aliança provisória com o PD, o PRP acabou escolhendo a segunda opção, na
esperança de que, com a constituinte e as novas eleições, pudesse voltar ao poder.
Ideologicamente, a união não seria difícil, pois os dois partidos não tinham grandes divergências em seus programas.
Segundo Menotti del Picchia, ex-deputado do PRP, "no fundo os dois programas, o do PD e do PRP, têm a mesma
substância. Seu substratum é conservador e seria enfraquecer a defesa dos princípios conservadores dividir e estabelecer
guerra entre seus campeões."[49]
A união do PRP com o PD passou a ser vista pelos próprios perrepistas como uma necessidade para o bem de São Paulo.
Menotti del Picchia explicava essa necessidade: "porque como inimigo comum dos dois partidos, cristalizar-se-á a ala da
vanguarda, portadora de novas ideologias, desde o socialismo evolucionista, ao extremo rubro do comunismo."[50]
O MOVIMENTO DE 1932: DIFERENTES VISÕES
Creio que, neste capítulo, chego ao ponto crucial deste livro, pois é nele que pretendo expor mais detalhadamente as
diferentes correntes de opinião sobre o movimento constitucionalista. Com o desencadear da guerra, no dia 9 de julho de
1932, as posições se tornam mais definidas, radicalizam-se, e podemos observar com mais clareza o ponto de vista de cada
grupo.
Os anos 30 são tratados por economistas, sociólogos e historiadores, como um período de transição. É comum ler e ouvir
que foi nesta época que a indústria brasileira nasceu, desenvolveu-se e, a partir desta década, iniciou-se um predomínio da
indústria sobre a agricultura. O historiador Edgard Carone alerta, na introdução de seu livro A Segunda República, que tais
posições se radicavam no desconhecimento do período de 1930 a 1945, o que levou parte dos estudiosos a generalizações.
Segundo o autor, “estes conceitos vagos confundem os problemas, pois, neste momento de transição, as questões são
complexas e exigem análise acurada, no geral e no particular.”[51]
É preciso ter em mente que, nos períodos de transição, coexistem formas novas e velhas. Assim sendo, temos a ascensão
de novos grupos políticos ao poder que nunca tinham tido o controle do governo central. Não se trata de uma nova burguesia
ávida por implantar seu projeto de governo, mas a simples substituição de uma oligarquia por outra. Aparentemente, então,
nada mudou; mas, se observarmos atentamente, vemos que esta nova oligarquia vai ter que construir alianças com grupos mais
progressistas, como os tenentistas, para se manter no poder. A coexistência de grupos e interesses diferentes no poder, aliadas
às reivindicações da classe operária, fez com que a Revolução de 30 avançasse por caminhos inovadores.
Vamos nos ater ao estudo de três grupos distintos de opiniões sobre a Revolução Constitucionalista:
Com o visível desenvolvimento da indústria, o movimento operário vai também crescendo e evoluindo em suas
reivindicações. Segundo Edgard Carone, neste momento o movimento comunista superou definitivamente o movimento
anarquista. É também neste período que os trotskistas entram em cena. A literatura operária vai tratar mais especificamente
dos problemas brasileiros. De acordo com o historiador, “é aos stalinistas e aos trotskistas que devemos a divulgação e o
conhecimento de nossa realidade intrínseca. Os textos de autoria dos stalinistas tratam da questão do prestismo, da
viabilidade da revolução na América Latina... os trotskistas, ao mesmo tempo em que criticam o partido, acentuam a
importância de sua luta e sua tática”.[52]
Neste tópico, o termo “esquerdas” denominará os grupos que se identificam com a defesa dos interesses dos
trabalhadores e dos operários. A definição é bastante genérica, abrangendo desde stalinistas e trotskystas, a socialistas de
perfil reformista. Dada a amplitude de posições e concepções ideológicas, o seu posicionamento frente aos episódios de 1932
não poderia deixar de ser divergente. Em vista disso, encontramos grupos radicalmente contrários ao movimento paulista até
os francamente favoráveis.
Não tendo participado diretamente da Revolução de 30, pois nem as oligarquias, nem os tenentes, viam com simpatias as
reivindicações operárias, o operariado foi compreendendo pouco a pouco que os novos donos do poder não estavam
interessados em solucionar os gravíssimos problemas da sociedade brasileira, dentre eles, o desemprego. Com a eclosão da
Revolução Constitucionalista, o operariado permanece à margem de sua organização, tendo sido sua participação muito
reduzida. A maioria dos grupos de esquerda, socialistas, trotskystas e stalinistas, vai se posicionar sobre o movimento de
maneira crítica, posições estas que passo a expor.
A visão stalinista
Os stalinistas (ligados ao PCB) inserem a Revolução Constitucionalista dentro da linha de análise adotada pelo partido,
que coloca o Brasil como campo de disputa do imperialismo britânico e americano. Dentro desta perspectiva, a própria
Revolução de 30 teria sido motivada por causas ligadas a esta disputa internacional. Desconsideravam-se os conflitos internos
e as disputas locais pelo poder central.
O principal texto utilizado, que evidencia a visão stalinista a respeito das causas e motivos que desencadearam a
revolução, encontra-se no livro A Segunda República, do professor Edgard Carone. Trata-se de um artigo publicado em uma
revista da Internacional Comunista, La Correspondencia Internacional, onde P. Gonzalez Alberdi dá a visão do Partido
Comunista sobre a evolução político-econômica no Brasil, bem como sobre a Revolução de 1932.
A elite cafeeira era a classe que historicamente estaria ligada ao capitalismo inglês. Tendo sido derrotada após a
Revolução de 30, procurou a revanche em 1932. Ela estava presa à Inglaterra e os Estados Unidos tentavam abalar esta
hegemonia.
Segundo Gonzalez, o comércio exterior, o transporte e o crédito no Brasil estavam sob o controle imperialista. Por sua
vez, a terra encontrava-se nas mãos de alguns milhares de latifundiários e de empresas estrangeiras. O trabalho dos
assalariados agrícolas era visto como semiescravagista e semifeudal.
Para os stalinistas, o Brasil tinha se desenvolvido sob o controle imperialista e a sua economia se baseava na exportação
de algumas matérias-primas, das quais o café representava cerca de 75%. Dentro do país, o desenvolvimento tinha se dado de
maneira desigual, existindo alguns Estados muito mais desenvolvidos do que outros.
Tendo grande poder econômico, os latifundiários paulistas tinham também grande influência política, tanto no governo
estadual, quanto no federal. Assim sendo, o governo federal e do Estado de São Paulo sempre fizeram esforços para elevar o
preço do café. Segundo Gonzalez, a alta do café era conseguida graças “a empréstimos concedidos em sua quase totalidade
pelo imperialismo inglês”. [53]
Para Gonzalez, a política de valorização do café desagradava os Estados Unidos (principal comprador do café
brasileiro). Para combater tal política, eles incentivaram o desenvolvimento cafeeiro na Colômbia e em outros países.
Além disso, mesmo dentro do Brasil, por causa dos interesses divergentes, os cafeicultores de São Paulo encontravam
forte resistência à sua política entre os latifundiários burgueses de outros Estados. Os grupos opositores eram contrários à
prática protecionista que o governo tinha com relação ao café, prejudicando-lhes as exportações.
Em 1930, os partidos que representavam os grupos opositores, "sustentados pelo imperialismo americano, utilizando para
aproveitar o descontentamento das massas os chefes pequeno-burgueses (os dirigentes da coluna Luís Carlos Prestes),
constituíram a Aliança Liberal, participaram na eleição presidencial com a candidatura de Getúlio Vargas e depois, em
outubro de 30, deram um golpe de Estado que derrubou o presidente Washington Luís. "[54]
Os stalinistas não concordavam com a ação de Vargas frente ao movimento operário, acusando-o de impor aos
trabalhadores um código de feição fascista, ter proibido greves e colocado na ilegalidade o Partido Comunista. Criticavam
também a ação dos tenentes, que denominavam como pequeno-burgueses.
Quanto à questão da constituinte, Edgard Carone explicita claramente a posição do Partido Comunista em seu livro
Brasil: Anos de Crise 1930-1945, dizendo: “no decorrer de 1931, o PCB defronta-se com outra questão, da qual é obrigado a
participar, que é a da Constituinte. A posição que toma é negativista e radical de esquerda, posição essa que, como veremos,
vai ser superada em 1933. Possivelmente, o extremismo crítico esta ligado às circunstâncias da luta de classes no país. Neste
período (1930- l932), a palavra de ordem sobre a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte está condicionada à
tentativa de retorno das oligarquias ao poder, e ela seria um instrumento oportunista de facções da classe dominante na sua
luta pelo retorno a hegemonia política."[55]
Gonzalez, após discorrer sobre a evolução econômico-política do Brasil, atém-se à Revolução de 1932 propriamente
dita. Ele a entendia em dois níveis; o primeiro mais imediato, que era a tentativa das elites cafeeiras e parte da burguesia
paulista de se apossarem do governo, defendendo, assim, seus interesses econômicos e políticos. O outro nível refere-se à luta
imperialista no Brasil, na qual os interesses das oligarquias estavam ligados.
Dentro desta perspectiva, o Brasil é visto como campo de luta entre o imperialismo inglês, que tinha grande parte de seus
investimentos em São Paulo, e o imperialismo norte-americano, que tentava se impor no país. Neste sentido, a Revolução de
1932 nada mais era do que uma simples luta pelo poder político entre São Paulo e o resto do Brasil, ou a luta do imperialismo
internacional que, associado às elites locais, tentavam "abocanhar" fatias cada vez maiores da economia brasileira.
Trotskystas
Ao retornar ao Brasil, Astrojildo Pereira trouxe as novas diretrizes do VI Congresso da Internacional Comunista.
Segundo Edgard Carone, "com o seu retorno, em janeiro de 1930, o PCB começa a pôr em prática a política obreirista, isto é,
passa a defender a política antigetulista"[56]
Tal política contra os intelectuais se radicava na luta entre Stalin e Trotsky, onde o primeiro imprimiu, durante o VI
Congresso da Internacional Comunista, a política de Classe contra classe, segundo a qual os Partidos Comunistas deviam
combater, entre outros grupos, os intelectuais. A categoria "intelectuais" é catalogada, na verdade, porque, em quase todos os
PCS do mundo, a maior parte dos intelectuais ficou ao lado de Trotsky contra Stalin.
É por isso que vemos Luís Carlos Prestes criticando ferrenhamente a atitude dos trotskystas frente aos episódios de 1932,
dizendo: "o proletariado, que pouco lutara bravamente contra a classe dominante, mostra-se dividido em facções: sindicatos
revolucionários débeis; predominância de sindicatos amarelos, anarcosindicalistas e trotskystas entreguistas e que, durante a
Revolução de 1932, não perturbaram de fato o sossego da burguesia."[57]
Para os trotskystas, a evolução econômica dos Estados tinha ocorrido de forma desigual. Enquanto uns se desenvolveram,
outros praticamente estagnaram. O desenvolvimento desigual levou a uma desigual participação na política nacional. É
justamente esta situação que criou condições fundamentais para os movimentos armados de 1930 e 1932.
Os trotskystas acreditavam estar errada a visão dos stalinistas, para quem a pressão imperialista se qualificava,
identificando cada um dos grupos políticos envolvidos em 1932, agindo como um fator independente à luta de classes no
interior do país. O erro fundamental foi não ver "que o processo de diferenciação política das classes, que decorreu do
movimento de 30, reagiu sobre a própria base social, alargando-a, preparando ocasiões para a intervenção independente do
proletariado na luta partidária."[58]
Socialistas
O termo socialista engloba pessoas ou grupos que tinham uma inclinação de esquerda, mas que não estiveram ligadas
diretamente aos trotskystas ou aos stalinistas.
Em seu livro A Guerra Civil de 1932, Florentino de Carvalho expõe com clareza este tipo de ponto de vista dito
socialista. Em primeiro lugar, o autor traça um panorama de todo o desenrolar do Caso Paulista, da pretensa "humilhação" a
que São Paulo fora submetido, bem como dos desdobramentos destes fatos. Enfatiza-se a questão de que todas as organizações
paulistas, clubes, faculdades, associações de caridade, uniram-se, empregando seus recursos disponíveis, para a mobilização
dos exércitos constitucionalistas. Todos os grupos empolgavam-se com a revolução, exceto um; o proletariado. Segundo
Florentino, "efetivamente, a arrancada paulista empolgara as classes burguesas. Somente o proletariado se mostrava
reservado, indiferente aquela imponente manifestação de civismo".[59]
Florentino de Carvalho também ressalta que, após o final da guerra, os soldados da lei viram-se completamente
abandonados, sem a menor assistência, evidenciando que os próceres da revolução estavam pouco preocupados com a sorte
daqueles que haviam lutado por seus interesses. Quanto às causas reais da revolução, o autor afirma não ter sido o movimento
de 9 de julho um simples movimento político: "com efeito, essa arrancada foi além de um movimento político, uma luta de
classes, de raças e de castas."[60]
Também neste grupo de socialistas, temos pessoas como José Augusto Costa, ligado à ala jovem do partido democrático,
desiludido com as atitudes tomadas por seus líderes e assumindo uma posição reformista-progressista. Em seu livro
Criminosos de Duas Revoluções, expõe seu ponto de vista sobre questões mais teóricas como a do capital/trabalho, bem
como sobre a Revolução de 1932 mais especificamente. O autor critica severamente as estruturas do capitalismo, mas se
autodefine como um "reformista" sem o extremismo de um grande revolucionário feito Luiz Carlos Prestes, sem simpatias pela
ditadura fascista, “estou com aqueles que querem informar lealmente o povo dos males que sofremos, e podar no capitalismo
tudo o que impede a tranquilidade social, pão ao operário, escolas para as crianças, asilos para os inválidos e hospitais para
os doentes."[61]
José Costa sentiu-se traído pelos líderes do Partido Democrático, quando este se aliou ao seu antigo rival, o PRP, para
formar a Frente Única, evidenciando que as divergências entre os dois partidos não eram tão profundas quanto ele pensava. A
situação apresentava-se, no mínimo, estranha: através da Frente Única, o PD unia-se a seus antigos adversários para derrubar
aqueles que, bem ou mal, ajudara a subir ao poder em 1930.
Quanto às causas reais que levaram à Revolução de 1932, afirma enfático: "não tinha outra causa que não a aspiração de
mando dos que a promoveram".[62] Por esta razão, o autor discordava da revolução pelas armas, pois, para defender os
interesses mesquinhos de um grupo, atiraram todo um Estado em uma guerra impraticável e suicida. Apesar de contrário ao
movimento paulista, José Costa defende o Partido Democrático (criticava os líderes), alegando que Getúlio Vargas errara em
não entregar o governo de São Paulo aos Democratas em 1930.
Outro grupo contrário à causa paulista pode ser identificado no Jornal de São Paulo, que teve um período de curta
distribuição durante a guerra, sendo lançado por avião. Produzido fora de São Paulo, o jornal incitava o operariado a não
colaborar com a oligarquia, aliando-se ao governo Vargas.
Ressaltava-se que o Governo Provisório vinha tomando medidas enérgicas em favor do operariado, bem ao contrário dos
governantes da República Velha, onde a questão social era tratada como uma questão de polícia. Se mais ainda não tinha feito
o governo de Vargas, não era por sua culpa, mas sim porque "se erguia à testa do Ministério do Trabalho, sabotando os
intuitos liberais da Ditadura, Lindolfo Collor - o ostensivo aliado hoje, da Frente Única cesarista."[63]
Argumentava-se com o operariado de que estes nada poderiam esperar destes grupos ligados à oligarquia paulista, que
lançavam toda a população em uma luta sangrenta para defender seus interesses econômicos. Portanto, o proletariado não
devia iludir-se com a situação: "Mal, porventura, com o Governo Provisório? - pior, certamente, com os washingtonistas. Se
ainda alguma coisa podem fazer por vós a ditadura e a esquerda revolucionária não é menos seguro que somente contra vós
agirá a extrema direita dos argentários, advogados administrativos e capitães de mato da sanguinária plutocracia
paulista."[64]
No Arquivo do Estado, encontram-se alguns panfletos significativos destinados ao proletariado, a maioria com um ponto
de vista contrário à causa paulista. Em um desses panfletos, criticava-se a ação de politiqueiros que se utilizavam do nome do
povo para galgarem ao poder. Curiosa é a afirmação de um desses panfletos, que reproduzo a seguir. Evidencia como muitos
comícios em prol da Constituição e da causa paulista eram organizados e, ao que parece, nem sempre com a afluência
espontânea do povo:
"Neste momento, está-se concentrando em Campinas a fina flor da campanagem do perrepismo, a soldo do capitalismo
estrangeiro, para vir a esta capital - fazer-se de povo - isso é mais uma das conhecidas explorações dos vendilhões do templo.
Abaixo os politiqueiros profissionais."[65]
Favoráveis à causa
Além destas posições contrárias à causa paulista, também encontramos grupos que, apesar de se dizerem socialistas,
defendem a causa paulista e apregoam a Constituição como solução para os impasses criados pela ditadura de Vargas.
Podemos identificar tal tipo de posicionamento em um artigo publicado no jornal Folha da Noite, do dia 23 de fevereiro de
1932. Neste artigo, Benjamim Mota, fundador do Partido Radical Socialista, posiciona-se favorável à formação da Frente
Única, pois “é desejo de seus fundadores trabalhar para a constitucionalização do país. Somos contra o militarismo que quer
se aproveitar da revolução, porque esta foi feita pelo povo brasileiro e não por militares.” Quanto a possível contradição de
que, sendo um partido socialista, estariam seus líderes defendendo a Constituição, o autor afirma que a ditadura do
proletariado é pregada pelos comunistas da escola marxista, mas a contestam os comunistas libertários e os radicais
socialistas, que se enquadrariam no que hoje chamamos de social-democratas ou reformistas.
Também favorável à Constituição e à causa paulista é o Comitê Operário e Camponês pró-constituinte, agremiação criada
para unir o proletariado em torno da luta pela Constituição. O Comitê proclama a defesa dos interesses dos trabalhadores,
interesses estes que estariam sendo deixados de lado pela ditadura. Reclama-se da ação do governo de Getúlio Vargas, que
teria em seus vinte e dois meses suprimido as férias, reduzido pensões e aposentadorias, perseguido sindicatos, metralhado
operários.
Portanto, para o operário, como para o camponês, cabia defender a volta ao regime da lei, a volta à Constituição de 1891,
o que significaria a volta aos direitos básicos do trabalhador. Na verdade, o que se tenta fazer é conseguir a simpatia popular
para lutar nas frentes de combate em prol de São Paulo. O argumento utilizado era que o “movimento constitucionalista visa
estabelecer a ordem, sem a qual não há prosperidade. Os seus chefes, civis e militares, comprometem-se a restabelecer
incontinênti a Constituição de 91, que garante liberdade individual e de associação.”[66]
VISÃO DAS OLIGARQUIAS
Neste tópico, pretendo apresentar a visão da oligarquia em face à Revolução Constitucionalista, englobando-se neste
grupo membros do Partido Democrático, do Partido Republicano Paulista, bem como parte da classe média (constituída por
profissionais liberais, funcionários públicos, pequenos e médios empresários) que, sendo tributários do setor cafeeiro,
identificam-se ideologicamente com este grupo.
Com o início da guerra a 9 de julho de 1932, o discurso e argumentação das oligarquias se uniformizam. Se houve
divergências entre os partidos que representavam as elites (PD e PRP), estas seriam agora relegadas a um segundo plano. Era
necessário que todos os esforços se concentrassem na organização militar; portanto, as velhas rixas teriam que esperar. Assim,
podemos notar dois aspectos principais na argumentação deste grupo:
a) explicativo
b) de defesa
No primeiro aspecto, procuram-se evidenciar as causas e motivos que levaram os paulistas a pegarem em armas contra o
Governo Provisório. No segundo aspecto, notamos claramente o esforço pela defesa das acusações da ditadura, onde se
enfatiza a universalidade do movimento, afirmando-se que São Paulo não lutava por ideais regionalistas e mesquinhos, que
não almejava a separação.
Com o 9 de julho, iniciou-se a guerra. São Paulo pegava em armas para lutar contra o Governo Provisório de Getúlio
Vargas. Dois anos antes, os paulistas tinham acolhido com entusiasmo a vitória da Revolução de Outubro. Que teria
acontecido para se verificar tal mudança?
Os democráticos logo perceberam a necessidade de se explicar à população o que estava acontecendo e quais eram os
motivos pelos quais São Paulo se batia. Em primeiro lugar, os pedeístas reafirmariam perante a população que eram os
representantes legítimos da Revolução de 30 no Estado, bem como de seus ideais. Isto posto, afirmariam que a revolução
havia se desvirtuado de seu caminho original, pois até o momento não havia estabelecido no Brasil o império da lei, do direito
e da justiça. Pela simples razão do Governo Provisório ter se incompatibilizado com os ideais pregados pela Aliança Liberal,
urgia removê-lo de posto.
Os democráticos afirmavam que o movimento paulista nada tinha de reacionário e que não era uma tentativa de golpe de
velhos políticos perrepistas para voltarem ao poder pelas armas. Ao contrário disso, a revolução paulista era vista como uma
continuação da de 30, visando restaurá-la: "Este movimento é simplesmente um passo à frente na revolução brasileira, mais
uma etapa na evolução nacional."[67]
Em um manifesto da Congregação dos Professores da Faculdade de Direito, assinado entre outros por Alcântara
Machado, fica claro o ponto de vista exposto acima. A Revolução de 1932 era vista como um meio, e não como uma
finalidade em si, um remédio e não um regime político. Tal não ocorrera com a Revolução de 1930 que, perpetuando-se
indefinidamente no poder, contrariava os princípios pelos quais tinha sido levada a cabo. "Triunfante a de 1930, cumpria-lhe
verter logo em realidade os ideais que lhe asseguravam o triunfo. Perpetuar cavilosamente um governo que é de nome e deve
ser de fato um governo provisório, negar ao povo o direito de estabelecer por delegados de sua confiança, a organização
política do país... é afronta que homens livres não toleram."[68]
Como continuidade ao tópico acima, temos outro argumento apontado pelas elites paulistas: a Constituição. Acreditavam
os defensores da causa paulista que empreendiam uma luta pela volta do Brasil ao regime da lei, reivindicando o retorno
imediato à Constituição de 1891, bem como a convocação de eleições para a Assembléia Nacional Constituinte. Tais atitudes
resultariam no fim das arbitrariedades e do mandonismo pessoal e instaurariam um novo período de liberdades. Segundo
afirma o Cel. Herculano C. e Silva em seu livro A Revolução Constitucionalista, a causa por que São Paulo se batera fora
pouco compreendida pelo resto do Brasil, encontrando-se nisto a explicação do motivo pelo qual os outros Estados se
achavam lutando contra os paulistas: "para dominá-lo, para restituí-lo a obediência ao governo provisório contra o qual se
insurgira por uma questão que poucos compreendiam e que, desses poucos, muitos não acreditavam - o
constitucionalismo."[69]
Os democráticos afirmavam que São Paulo levantava-se em armas para acabar com a ditadura e repor o país no regime
da lei e das liberdades públicas da Constituição. No entanto, a população, de uma maneira geral, pouca sabia o que vinha a
ser a Constituição, sendo seu apelo pouco atraente para o engajamento na luta.
Os pedeístas lançaram mão de outros argumentos, mais emotivos, menos racionais. Um desses argumentos era a crença de
que São Paulo combatia uma causa nobre e santa. Esta aproximação do campo religioso visava, em última instância,
aproximar a população mais humilde da causa paulista.
De prático, as oscilações de um Governo Provisório provocavam um efeito nefasto na economia paulista e uma situação
inusitada para um Estado como São Paulo: a ingerência do governo central em assuntos internos, ou seja, a quebra da
autonomia. Desde a proclamação da República, São Paulo e os demais Estados da federação viveram dentro de um regime de
grande autonomia. Por um lado, o governo central não interferia nos Estados, dando grande autonomia para cada um. Em troca,
ofereciam apoio à atuação do governo brasileiro nas questões nacionais. Era a famosa política dos governadores.
Com a Revolução de 1930, São Paulo acabou sendo alijado do governo da República e, o que era mais grave, passou a
sofrer interferências externas, como a nomeação de interventores militares no seu governo local. Com o tempo, a situação só
se agravou. O que era apenas provisório, já se prolongara por longos meses e anos...
Dada a gravidade da situação, as elites paulistas começaram a ficar descrentes de que o Caso de São Paulo pudesse ter
uma solução pacífica. Não se acreditava mais que Getúlio Vargas atendesse às reivindicações da Frente Única Paulista.
Apesar dos esforços do Governo Provisório para atender algumas destas reivindicações como, por exemplo, a nomeação de
um interventor civil e paulista e a convocação de uma eleição para a Assembléia Constituinte para o dia 3 de maio de 1933,
restava sempre a dúvida de uma reviravolta que pudesse pôr tudo a perder.
Portanto, a questão se definia da seguinte maneira: ou São Paulo se defendia, assumindo os riscos de uma luta armada, ou
teria que se submeter ao peso da humilhação, destruindo toda a sua civilização. Segundo Paulo Nogueira Filho, "a alternativa
tornara-se por demais evidente, ou a subserviência na humilhação que levaria à degradação da comunidade secular e altaneira
dos piratininganos, ou a reação viril e dignificadora dos brios de todo o povo, consciente da obra dos seus antepassados e do
valor da liberdade para a continuidade da vida coletiva de seus filhos."[70]
O jornal A Folha da Noite, do dia 30 de agosto de 1932, também coloca a questão do pegar em armas como a única saída
viável, afirmando que a guerra era a exteriorização de uma insatisfação, do desespero, da falta de outras soluções. A
civilização brasileira estava ameaçada de morte pela ação nefasta da ditadura, que todos os dias cometia desmandos. Neste
sentido, a guerra que os paulistas empreendiam contra a ditadura haveria de forjar um novo país, onde predominaria “o
respeito junto aos direitos individuais e as liberdades públicas."
A luta armada era vista como uma resposta do povo paulista a todos que vinham tratando o Estado feito terra conquistada.
Além do mais, não havia outra perspectiva para que aquele grave problema pudesse vir a ser resolvido de forma pacífica e
cordial. Com o início da guerra, as elites agrárias logo passariam a defender a tese de que não se lutava por questões de
revanche, ou seja, que a revolução seria apenas um movimento de velhos políticos ligados à oligarquia deposta em 1930.
A Revolução Constitucionalista é propagada como um movimento que empolgara todas as classes e grupos em São Paulo.
Desta forma, os democráticos combatiam a ideia propalada pela ditadura, de que a revolução tinha sido organizada pelos
políticos paulistas, que haviam conseguido ludibriar a população para lutarem por seus interesses.
Naturalmente, alguns membros do PD aceitavam a ideia de que o movimento paulista teria sido planejado por políticos na
sua origem. No entanto, afirmavam que este acabou tomando uma direção eminentemente popular, transfigurando-se. Segundo
O Estado de São Paulo do dia 4 de agosto de 1932, "se algum dia foi político, hoje nada tem de político".
Os democráticos faziam apenas algumas ressalvas. Segundo Paulo Nogueira Filho, "apesar de toda a sua imponência, o
movimento autonomista constitucionalista era integrado não pela totalidade, mas com mais precisão, pela quase unanimidade
da população piratiningana. Apenas dois setores de certa ponderação dele se apartavam: o dos correligionários do general
Miguel Costa e o do nascente proletariado getulista."[71]
Ainda sobre a questão da participação do povo paulista na Revolução Constitucionalista, cumpre destacar uma clara
divisão de classes que pode ser verificada até mesmo na organização dos batalhões para lutarem no front. Para tanto, basta
lembrar os batalhões formados por estudantes e profissionais, bem como aqueles constituídos pela população mais simples e
menos culta. A jornalista Cândida Brito, que escreveu um livro de reportagens sobre 1932, dá-nos uma boa pista de qual seria
o papel dos tais abastados e que tipo de trabalho caberia aos mais pobres. Tendo visitado um soldado paulista prisioneiro na
Ilha Grande, Cândida Brito transcreveu-nos o seguinte depoimento, bastante elucidativo: "os ricos deram dinheiro e nós
pobres oferecemos nosso sangue e nossa vida. Quisera eu ter muitas vidas para dar a São Paulo e à causa que
defendemos.”[72]
Era necessário especificar, individualizar as causas e motivos da Revolução de 1932, bem como de outros movimentos
armados ocorridos no Brasil. Para tanto, descartava-se a ideia de que a revolução tivesse suas raízes ideológicas em
interesses puramente políticos ou que estivesse apenas tentando pôr abaixo o Governo Provisório, com o intuito de instaurar
no Catete um novo regime de castas dominantes sobre os seus escombros.
Não, a Revolução Constitucionalista era compreendida pelas elites paulistas como uma luta jamais vista, fortalecida
pelos princípios superiores da civilização brasileira, onde São Paulo, "corporificação da ordem jurídica, guardião das
virtudes cívicas da raça, sentinela avançada da ordem constitucional do país",[73] lutava pela volta do Brasil ao regime da lei
e da Constituição.
Outro ponto apontado e que evidenciaria a superioridade da causa paulista era que, no Brasil, as revoluções sempre
foram brancas. Em outras palavras, os movimentos mais sérios e graves da história brasileira consumaram-se sem que se
vertesse uma gota de sangue. Segundo o Diário Nacional (órgão do PD), tal fato sempre havia sido apontado às crianças de
nossas escolas "como prova de ufania, isto é, como exemplo da superioridade brasileira."[74]
Tal fato, segundo o Diário Nacional, longe de ser um demonstrativo de superioridade, constituía uma demonstração de
que o brasileiro, devido à sua escassa cultura, era incapaz de lutar por um ideal, fosse ele qual fosse. No mesmo artigo do dia
5 de agosto, O Diário Nacional afirmava que, com o 9 de Julho, a situação se modificara, tendo São Paulo se erguido "qual
mirífica reencarnação de um Hércules nas plagas verdejantes da América, para reimplantar, no Brasil, o império da lei. São
Paulo patenteou, com sua conduta, admirável de estoicismo e de arrojo, que só concebe a vida quando nimbada pela nobreza
resplendente de um ideal alevantado e puríssimo.”
Desqualificar o inimigo tornou-se uma tática comum nos jornais, panfletos e livros, depreciando-se o perfil dos soldados
que se batiam contra os paulistas. A comparação entre os que lutavam por São Paulo (que possuíam um ideal nobre) e os
soldados da ditadura (um bando de párias ignorantes) é utilizada à exaustão.
Em seu livro Chorando e Rindo, Cornélio Pires evidencia a questão, relatando a maneira como se organizavam os
exércitos da ditadura: "No Ceará, o tenente interventor ia pessoalmente aos campos de concentração de famintos escolher,
apontando o dedo, entre os milhares de desgraçados, como se fossem reses para o corte, os menos descarnados e de melhor
estatura.
Perguntados alguns desses infelizes por que iam assim morrer na guerra, um deles respondeu com o fatalismo nordestino:
- O menos, num se morre de fome..."[75]
FAVORÁVEIS À DITADURA
Para reconstituir a visão da ditadura, utilizei alguns artigos de Getúlio Vargas, Osvaldo Aranha e Francisco de Campos,
publicados no período da guerra, e que evidenciam a posição do Governo Provisório.
Em artigo publicado no Correio da Manhã do dia 12 de julho de 1932, Vargas comentava o início da Revolução
Paulista. Iniciava seu artigo, dizendo-se surpreso com a notícia de que havia irrompido um movimento em São Paulo, um
movimento de caráter sedicioso, fazia questão de destacar. Argumentava que o levante paulista irrompia justamente em um
momento que o Governo Provisório estava colhendo os primeiros frutos de sua obra de "reconstrução nacional."
No mesmo artigo, explicava ainda que, se os paulistas se batiam pela Constituição, então não havia motivos para a
guerra, pois o governo tudo vinha fazendo para colocar o Brasil no regime constitucional, onde "os atos mais do que as
palavras estão a documentá-lo com meridiana evidência: foi promulgada a lei eleitoral, marcou-se a data em que se devem
efetuar as eleições; escolheram-se os juízes dos tribunais eleitorais; nomearam-se os funcionários que compõem as
respectivas secretarias, abriram-se os créditos necessários e acaba de ser designada a comissão incumbida de elaborar o
projeto de Constituição."
Em outro documento, datado do dia 20 de setembro de 1932, Vargas dirigia-se ao povo paulista para "mostrar a
ilegitimidade do movimento em que o atiraram e as intenções subalternas dos seus falsos mentores."[76]
Começava seu discurso afirmando que o motivo ideológico da Revolução Paulista, a Constituição, era inteiramente falho
e inoportuno, pois o retorno da nação à legalidade já fora iniciado e com data prefixada.
Vargas argumentava que o Governo Provisório nunca alimentara quaisquer prevenções contra São Paulo, tendo como
prova disso o seu grande interesse para recuperar a abalada economia do Estado. Dessa forma, tentava argumentar com o
leitor os verdadeiros motivos que levaram as elites paulistas a se levantar contra o Governo Provisório.
Segundo Getúlio, só havia uma explicação possível: "a ambição do poder, caracterizada por um movimento de revanche
contra o de 1930, visando restaurar o passado, recuperar posições, reaver prerrogativas que lhes permitiram dilapidar o
erário público, mediante todas as formas de corrupção administrativa imagináveis."[77]
Enfim, para Vargas, o movimento paulista pela Constituição nada mais era do que a tentativa de velhos políticos para
voltarem ao poder, restaurando a situação política anterior a Revolução de 1930.
Ao mesmo tempo que criticava severamente os velhos políticos do PRP, aos quais denominava de "carcomidos", Getúlio
tentava uma solução conciliatória com São Paulo. Em um telegrama a Flores da Cunha, dizia que havia feito uma proposta aos
paulistas em troca da deposição de armas. Nesta proposta, os políticos teriam anistia, seria constituído um novo governo civil
e paulista e o governo federal adotaria uma Constituição provisória, até que fosse promulgada a definitiva.[78]
Também podemos notar a posição do Governo Provisório nos discursos de Francisco Campos, Ministro da Educação e
interino da Justiça, bem como nos discursos de Osvaldo Aranha, que foram irradiados na Rádio Publicidade da Imprensa
Nacional e, posteriormente, publicados no Diário Oficial.
Em parte, Francisco de Campos repete o discurso de Vargas, dizendo que a guerra contra o Governo Provisório acontecia
num momento em que já estavam tomadas inúmeras providências necessárias ao restabelecimento da ordem Constitucional.
Sua argumentação básica era de que, se ainda não tinham cumprido a totalidade das aspirações e ideais em cujo nome o povo
brasileiro havia se levantado em 1930, isto não se devia ao capricho de um homem ou um grupo de homens do Governo
Provisório, mas a outros fatores, que ele não explica.
Para Osvaldo Aranha, a guerra contra os paulistas era uma continuação da Revolução de 30, que estava sendo completada
naquele momento. Argumentava que o Governo Provisório havia tratado todos os Estados brasileiros de uma forma honrada,
humana, transigente e, por isso, os paulistas não tinham motivos para se rebelarem.
Segundo Aranha, a rebelião paulista tinha todas as características de uma contrarrevolução civil, pois: "pelos meios,
pelos elementos, pelos atos, pelos chefes, pelos fins, o movimento paulista é reacionário e visa repor os homens, as práticas,
os métodos que arrastaram a República a situação de pedir esmolas ao estrangeiro."[79]
Por estes motivos, o movimento paulista era visto por Aranha contra a integridade e as aspirações nacionais, sendo
condenado previamente perante a opinião pública. Afirmava que o levante paulista não possuía um espírito renovador, uma
coordenação com os interesses do país, enfim, o movimento era encarado como uma conspiração do profissionalismo político,
da indisciplina militar: "Isto é cupidez, sedição, traição, aniquilamento da pátria."[80]
A VISÃO DOS TENENTES
Através de uma entrevista concedida ao jornal O Correio da Manhã do dia 18 de outubro de 1932, concedida pelo
tenente Manoel Rabelo, podemos observar a visão tenentista a respeito dos episódios de 1932. Este havia assumido
interinamente a interventoria paulista a 13 de novembro de 1931, substituindo Laudo de Camargo.
Nesta entrevista, Manoel Rabelo nos dá um panorama bastante claro a respeito dos acontecimentos que se desenrolaram a
partir da interventoria de João Alberto, evidenciando a visão tenentista sobre estes episódios, os quais passo a expor.
Em primeiro lugar, Rabelo contesta os ataques dirigidos pela imprensa paulista sobre a naturalidade dos interventores,
postulando que, em todos os demais Estados, com raras exceções, existiam interventores nascidos em outros Estados e que,
nem por isso, estes gritavam que haviam sido pisados pelos revolucionários de 1930. Rabelo é ainda mais incisivo na contra-
argumentação a respeito das origens dos interventores, usando como parâmetro o período da monarquia, "cujo poder era
centralizado tal e qual como o da ditadura atualmente. Quantos governadores não teve São Paulo nascidos em outros Estados,
que os paulistas de então não gritassem como os da politicalha de hoje contra o poder que os nomeara?"
Na defesa da administração tenentista em São Paulo, Manoel Rabelo alega que os paulistas teriam criados departamentos
públicos e novos cargos com despesas suntuárias. Escuda-se, afirmando não ter criado nenhum novo departamento que tivesse
aumentado o ônus do tesouro.
Os tenentes também não aceitavam a acusação de serem eles os responsáveis pela decadência da economia paulista, mais
especificamente, da cafeicultura. Alegavam que, "de síndicos de uma massa falida que nos foi entregue em outubro de 1930,
passamos a réus desta mesma falência".
Rabelo argumenta que a crise da cafeicultura se radicava na própria política de proteção ao café, cuja queda ligava-se à
compra pelo governo de milhares de sacas. A garantia de preços altos estimulou os cafeicultores a expandirem suas lavouras,
o que em última consequência agravou mais a crise. O remédio se convertia, de uma hora para outra, em veneno mortal.
Curiosamente, ao assumir a interventoria, João Alberto mandou eliminar parte das 14 milhões de sacas retidas em Santos,
bem como criou uma nova taxa no porto de Santos que permitiria ao governo adquirir e queimar o café excedente. Na mesma
medida, repetiam o erro que apontavam em seus adversários.
A respeito da propalada contribuição de São Paulo para o erário público com a espantosa cifra de um terço do total
arrecadado, o autor afirma que isto era “uma falsa visão dos fatos. São Paulo tem por trás de si os Estados de Mato Grosso,
Goiás, Minas Gerais, com seus 9 milhões de habitantes e o próprio Rio de Janeiro. Todos os comércios importadores destes
Estados pagam, por conseguinte, seus impostos alfandegários em Santos. Serão eles paulistas? Deduzido este dinheiro
alienígena dos 350 mil contos da renda alfandegária paulista, vê-se que São Paulo paga de fato apenas pouco mais de 100 mil
contos."
Rabelo também relativiza a importância do imposto de consumo arrecadado em São Paulo, pois cerca de 70% da
produção paulista era destinada à exportação para outros Estados. E indagava: “quem paga de fato os 70% dos impostos de
consumo saídos de São Paulo, os seus industriais ou os mercados compradores de outros Estados?”
A própria importância da indústria paulista é contestada, sendo taxada de artificial e vista como causa de grandes
prejuízos para o consumidor, que paga mais caro por um produto inferior para que "meia dúzia de plutocratas, desses que
despejaram dinheiro às mãos cheias nesta revolução paulista, tenham lucros fabulosos".
Por fim, Rabelo aborda a Revolução Constitucionalista e, de maneira bastante crítica, aponta-lhe as causas. Afirma que
os revolucionários de 1930 queriam a nova lei eleitoral e repudiavam o antigo corpo eleitoral, não concordando de maneira
alguma com a sua volta, que consideravam uma "lei reacionária e cozinhada adrede para ser burlada em todos os seus pontos
principais; escárnio, lançado às nossas populações sofredoras, para benefício de uma só classe, a do dinheiro.”
Para o autor, a Constituição de 1891 só servia à plutocracia, que se esforçou de todas as maneiras para ser reimplantada
pelo Governo Provisório. Para os tenentes revolucionários, a nova Constituição deveria estender aos 40 milhões de
brasileiros os direitos que a Constituição de 1891 só concedia a uma pequena minoria. Por isso, Rabelo aponta como causa
última da Revolução Constitucionalista o medo das oligarquias contra os revolucionários de 1930, que queriam o
aprofundamento das ideias da Aliança Liberal.
"A presente revolução de São Paulo não é mais do que o alvorecer da luta de classes, que acesa há muitos anos em todo o
mundo, só agora, como já sucedeu com a abolição, lança os seus primeiros lampejos nos horizontes pátrios. Mas a massa
sofredora de brasileiros será amparada firmemente pelos revolucionários de 30."
Para os tenentistas, a revolução de São Paulo era liderada por uma plutocracia ávida para retornar ao poder de qualquer
maneira, mesmo sob as forças das armas. O período da guerra propriamente dito é visto como um verdadeiro pesadelo, em
oposição ao sonho arquitetado por eles com a Revolução de Outubro. A suspensão dos negócios e do trabalho por causa da
guerra é atribuída, principalmente, ao perrepismo, que "ousou ainda sair de seu covil para nos surpreender em nossos lares”.
Ao relativizar a importância da participação da população paulista, bem como sua unanimidade no tocante à causa
constitucionalista, o autor se utiliza de dois exemplos:
Em primeiro lugar, cita o número de voluntários que pegou em armas: 36.207 (22.395 voluntários e 10.200 do exército).
Segundo Rabelo, tal fato revela a baixa mobilização em prol da causa paulista, visto que o número de reservistas para a 2ª
Região (São Paulo/Minas) era superior a 550 mil homens. Se compararmos com o número de voluntários, 22.395, vemos que
eles representavam apenas cerca de 4% do total do exército mobilizável.
O segundo exemplo é o da doação de alianças (Campanha do Ouro para o bem de São Paulo). O número de pessoas de
ambos os sexos casadas em São Paulo era de 1 milhão e 300 mil, ou seja, havia 1.300.000 alianças. Segundo A Gazeta de São
Paulo, o número de alianças doadas até 28 de setembro era o seguinte: interior do estado, 36.380 alianças; capital, 50.740
alianças. Total de alianças doadas: 87.120 (6,12% das pessoas casadas). Apenas com estes dois tópicos, podemos ver
claramente a profunda crítica feita pelos tenentes em relação às oligarquias paulistas, bem como a respeito da propalada
unanimidade em torno da causa.
Em suma, para os tenentistas, 1932 é claramente uma contrarrevolução, encabeçada pelos políticos decaídos -
“carcomidos” - que tentavam tomar pelas armas o poder que haviam perdido com a Revolução de Outubro de 1930.
A REVOLUÇÃO DE 1932: JUSTIFICATIVAS DA GUERRA
Naturalmente, ao se falar sobre as causas da Revolução Constitucionalista, era necessário justificá-las perante a opinião
pública, quer dentro do Estado de São Paulo, quer fora dele. Desta forma, coube aos líderes revolucionários, através de seus
intelectuais, desenvolver e divulgar toda uma sorte de argumentos para legitimar um movimento que, à primeira vista,
pareceria ter fortes características regionalistas e oligárquicas.
Desenvolverei aqui alguns tópicos da argumentação dos que lutaram pela causa paulista e que, como já tive oportunidade
de demonstrar, aparecem tanto no discurso dos pedeístas quanto dos perrepistas.
Ponto crucial para os líderes revolucionários era demonstrar, de maneira clara e inquestionável, que o movimento
paulista não apresentava um caráter reacionário e tampouco favorecia os interesses das elites. Para comprovar a argumentação
de que a Revolução Constitucionalista reunira em seu seio todas as classes sociais, explicita-se a participação popular em
diversas ocasiões. Os grandes ''meetings'' de 25 de janeiro e 23 de maio são um exemplo claro de participação da população,
que seriam utilizados politicamente pelos próceres da revolução. O jornal Folha da Noite assim descreveu os feitos de 23 de
maio: "Tinha-se, na praça pública, um espetáculo inédito, porque o povo não era essa massa plástica e sensível aos oradores
populares e facilmente exploráveis pelos políticos habilidosos. Era São Paulo mesmo, gente pobre e gente rica, velhos
políticos, políticos novos, militares e estudantes, comerciantes e industriais, todos, ombro a ombro, tocados pelo mesmo
sentimento e comandados pela mesma emoção.”[81]
Ainda sobre o 23 de maio, a própria morte trágica de quatro pessoas na Praça da República seria utilizada como mais
uma demonstração de que todas as classes pleiteavam a volta ao regime constitucional; conforme a Folha da Noite, esta prova
encontramo-la ''na identidade dos mortos e feridos daquela noite terrível. Todas as classes sociais deram à causa da
autonomia paulista o sacrifício do seu sangue. Classes liberais, estudantes, operários, todo São Paulo saiu à praça pública
para reivindicar o seu sagrado direito de governar-se.''[82]
A ordem das camadas proletárias durante o período da guerra também é apontada como prova de que o povo apoiava o
movimento e, por isso mesmo, não provocara desordens na cidade, como saques, roubos, etc. Segundo Matos Pimenta, ''São
Paulo nunca desfrutou maior ordem, sossego e disciplina social do que em julho, agosto e setembro de 1932, não se tendo
registrado uma só greve operária ou simples tentativa de greve, um só delito grave de morte, um só assalto ou roubo de
monta.''[83]
Matos Pimenta enfatiza que, dos mais pobres aos mais abastados, a alma de São Paulo era uma só e todos serviam
igualmente à causa, com a mesma alegria e a mesma generosidade. Na sua opinião, isto podia ser amplamente constatado nas
marchas simbólicas que as crianças faziam pelo centro da cidade: ''do Braz, Mooca e bairros proletários, subiram, várias
vezes às ruas do Triângulo, às praças da Sé, do Palácio e outras, milhares de crianças, modestos filhos de operários,
descalços uns, maltrapilhos outros, formando extensos batalhões improvisados, trazendo latas por tambores, estandartes
grotescos, pequenos canhões postiços, arremedos de maca, porém em ordem, marchando compassadamente, com longos
contingentes de enfermeiras.''[84]
Menotti del Picchia, talvez um dos mais exaltados defensores da causa paulista, afirmaria que o movimento de
reivindicação constitucionalista era um estado de consciência geral, colaborando nele todos os grupos. Ressaltava, também,
ter a revolução contribuído para uma maior união das classes sociais, que se viram obrigadas a se unirem para lutarem contra
um inimigo comum: "veja como a fatalidade é sábia", afirmaria, "e como há uma ordem transcendente na aparência dos
acasos: nas trincheiras, misturaram-se os fidalgos de Piratininga, os operários das fábricas, caipiras das lavouras, nomes
glorificados nas ciências e nas letras, todos os tipos de todas as classes.''[85]
Com maior precisão, Paulo Nogueira Filho assinalou o tema da participação dos diversos segmentos sociais no levante.
Mais ponderado e menos exaltado no seu discurso, Nogueira Filho enfatiza que nem todos acorreram aos clamores dos líderes
paulistas e que dois setores deles se apartaram: o dos correligionários do General Miguel Costa e o do nascente proletariado
paulista. Quanto à questão da participação do proletariado, o autor faz questão de ressalvar que ''a maioria da classe
proletária ou trabalhista não contrariou a preparação revolucionária, nem sabotou a sua obra. Antes, é certo que a portentosa
contribuição industrial dada às forças constitucionalistas não poderia ter-se concretizado sem o concurso dos
trabalhadores.”[86]
A NOBREZA DE UM IDEAL
Defendia-se a ideia de que São Paulo pegara em armas por um ideal nobre, a Constituição, e por isso, todas as
circunstâncias e feitos provocados pela guerra comprovariam, de maneira inquestionável, essa ''pureza'' revolucionária. Desta
forma, a campanha do ouro para o bem de São Paulo, as subscrições populares para a aquisição de capacetes de aço, a
iniciativa privada criando serviços para as famílias dos que partiam para a luta, os serviços de abastecimento às tropas em
operações, a organização da população civil, tudo isso foi traduzido como indício de uma cultura superior.
Desde o princípio do ano de 1932, os jornais paulistas faziam grande campanha em prol de uma causa que fosse capaz de
congregar todos os grupos sociais, que unisse todos os paulistas em torno de um objetivo comum: o fim do regime
discricionário instaurado após a Revolução de 1930. As incertezas advindas com o Governo Provisório de Getúlio Vargas e a
intervenção federal em questões da política estadual (nomeação de interventores) levaram a um profundo descontentamento
parte de amplos setores da sociedade paulista (PD -PRP), que iniciaria uma forte campanha em prol da Constituição, como
única forma viável deles assegurarem novamente os privilégios que gozavam antes da revolução de 1930. A Constituição,
diriam os alunos da faculdade de Direito no Jornal O Estado de São Paulo, “é que assegura aos cidadãos os seus direitos e
lhes indica os deveres, fazendo-os respeitáveis aos próprios olhos e aos alheios."
Era necessário criar um estado de espírito favorável à Constituição e, para isso, foi idealizada a Liga Paulista pró-
constituinte, que logo tratou de organizar desfiles públicos, na tentativa de chamar a atenção da população para a causa.
Através de uma convocação publicada no Jornal OESP do dia 1 de março, observamos a preocupação dos organizadores com
o aspecto visual do desfile, a maneira como ele deveria ser conduzido, tudo com o intuito de angariar as simpatias do povo
paulista. "O desfile e o estacionamento deverão dar-se ao longo da Avenida Angélica, marchando a tropa pela avenida
Paulista em direção ao centro da cidade... Aos reservistas, serão fornecidos gorros de papel de cor branca, e aos
considerados oficiais (os graduados que se apresentarem comandantes dos pelotões) serão fornecidos gorros de cor azul."
Outro ponto destacado pelos paulistas que pleiteavam colocar de novo o Brasil no regime da lei, ou seja, que desejavam
estabelecer uma nova Constituição para o país, era enfatizar a quem verdadeiramente interessava a continuação do regime
discricionário instaurado após a Revolução de 1930.
Em primeiro lugar, afirmavam categoricamente que a volta à Constituição não visava recolocar no poder velhos políticos
que planejavam, com tal intento, regressar ao regime anterior à Revolução de Outubro. O jornal O Estado de São Paulo do dia
5 de março de 1932 esclarecia a questão, afirmando que: "É possível que políticos velhacos se proponham, no silêncio do seu
espírito, converter em seu benefício próprio a campanha Constitucionalista. Não será por isso, entretanto, que se deva negar
ao povo o que ele, com tanta insistência, pede e suplica. Para castigar alguns espertalhões, não se sacrifica uma nação inteira."
O mesmo jornal O Estado de São Paulo aprofundaria a questão da necessidade da Constituinte/Constituição, promovendo
uma crítica mais direta ao Governo Provisório. Através da leitura do jornal, podemos perceber que, à medida que o tempo
passa, uma profunda descrença vai se instaurando no seio das elites paulistas. Não encontrando respostas aos seus clamores,
começam a aventar a hipótese de um movimento armado contra o governo Vargas. Em artigo publicado no dia 24 de abril de
1932, vemos como este tipo de argumentação se desenvolveu: "Se a ditadura tomar o freio nos dentes e furar a onda de
opinião favorável à constituinte, que se lhe pôs diante, é bem provável que tombemos por tempo indefinido, sob o jugo de uma
forma indígena do fascismo ou, talvez mesmo, do bolchevismo. Estes regimes de violência encontram, entre os
revolucionários, adeptos fervorosos, não faltando entre eles fanáticos para os quais do ferro e do fogo é que somente pode vir
a felicidade humana. Pela Constituição tudo, sem a Constituição nada. Sem a Constituição, fora da Constituição, São Paulo não
passará de um tutelado da ditadura."
Outro ponto também destacado era o seguinte: se a ditadura não havia conseguido solucionar os problemas a que tinha se
proposto resolver em quase dois anos de governo, isto era sinal de que fora incompetente e o seu prolongamento
indeterminado no poder só traria malefícios ao Brasil, sobretudo, a São Paulo. Desta forma, rebatia-se a teoria do Governo
Provisório de que a perpetuação do regime discricionário era necessária ao país, para que se atingissem, de maneira mais
rápida, os programas lançados na revolução de 1930.
A situação de estar à mercê das vontades particulares de um pequeno grupo que não provinha de São Paulo - e não estava
ligado diretamente à defesa do café - era o ponto crucial da questão. Antes da Revolução de 30, São Paulo dirigia a política
nacional a seu favor; agora, ficara aos caprichos da generosidade de um grupo que tinha outros planos em mente e não a
proteção ao café e aos cafeicultores. Este descontentamento, esta situação de estar à mercê das decisões de outras pessoas, de
não controlar o próprio destino, todas estas insatisfações podem ser claramente verificadas em artigo publicado na Folha da
Noite do dia 23 de janeiro de 1932: "A posição em que os líderes revolucionários colocam o problema da Constituinte não faz
nenhuma honra ao seu civismo e independência de atitudes. Todos eles asseguram que a Constituição virá. Quando? E todos a
uma voz respondem: Quando o Sr. Getúlio Vargas julgar oportuno. A vida política da nação continua a depender do capricho,
da vontade política de um homem."
Outro ponto destacado, principalmente pelos pedeístas (que tinham apoiado a Revolução de 30 em São Paulo), era que a
Revolução de 30 se desvirtuara de seu rumo original e se perdera em concessões, tanto para a direita, quanto para a esquerda.
Tal situação, acreditavam os pedeístas, fazia com que o país mergulhasse em um poço de dificuldade, tendo São Paulo se
tornado a grande vítima. Este tipo de argumentação tornou-se mais frequente à medida que os paulistas começaram a perder as
esperanças de encontrar uma solução pacífica para os seus problemas. Dessa forma, começava-se preparar o espírito do povo
para algo além da luta pela Constituinte. Agora que todos os recursos já tinham sido empregados, que todos os argumentos já
tinham sido colocados, a solução só se daria por um recurso extremo: a guerra!
A CRISE ECONÔMICA
A ideia é bastante simples. Os paulistas defendiam o ponto de vista de que a grave crise financeira pela qual São Paulo
passava (crise do café) originava-se do fato do Governo Provisório ter elevado as tarifas alfandegárias para proteger a
indústria nacional. Como resposta, os países estrangeiros passaram a importar menos o nosso café. As elevadas taxas sobre o
café, aliadas à crise mundial, faziam com que o consumo diminuísse cada vez mais. São Paulo se via em meio a uma crise
econômica jamais vista. Era, pois, necessário defender o futuro do Estado, o que para as elites agrárias significava dizer:
proteção ao café. Segundo a Folha da Noite do dia 25 de junho de 1932, "a situação financeira do país não pode melhorar
enquanto não houver liberdade para se vender café, que é a mercadoria que traz dinheiro."
Lutar pelo café era lutar contra Vargas. Segundo a Folha da Noite do dia 14 de abril de 1932, o presidente, "surdo a
todos os clamores, levará este país a ruína, fechando-lhe praticamente todos os mercados para a exportação de seus produtos."
A figura do ditador é a mais atacada, mas também aos seus seguidores são atribuídas as responsabilidades pelos novos
rumos do Brasil e de sua economia. No caso específico de São Paulo, a ação dos interventores nomeados pela ditadura é vista
sob a perspectiva mais pessimista possível.
Pedeístas e perrepistas possuem pequenas divergências quanto à questão da crise financeira; ambos, porém, são unânimes
em defender a ideia de que a crise do café tinha origem interna e que a volta do país ao regime constitucional seria a solução
para a recuperação econômica.
TRAZER O BRASIL NOVAMENTE À PAZ E À NORMALIDADE
Como a Revolução de 30 se desvirtuara de seu rumo original, os revolucionários de 1932 acreditavam que o Brasil caíra
em um caos interminável, onde se subvertera a ordem e o direito outrora reinantes. Problemas políticos, econômicos, sociais,
tudo era atribuído a má gestão do Governo Provisório. Com a chegada do 9 de Julho e o início do período militarizado da
Revolução de 1932, uma das justificativas mais recorrentes para a guerra era a de que o Brasil precisava voltar aos "eixos",
que era necessário restabelecer a ordem.
A ideia básica era depreciar ao máximo o governo Vargas, apresentando-o da maneira mais nefasta possível, aviltando a
imagem de seus líderes e simpatizantes a fim de evidenciar não só a situação deplorável que São Paulo se encontrava, como
também os desmandos que aqui vinham sendo realizados em nome da Revolução de Outubro.
Em artigo publicado pela Folha da Noite do dia 11 de agosto, Paulo Setúbal exemplifica bem este tipo de raciocínio:
“São Paulo quer a Constituição. Quer a Constituição que os falsários da democracia derruíram; quer a ordem que eles
desmantelaram, quer a representação que eles aniquilaram; quer a intangibilidade dos juízes, que eles conspurcaram, quer o
respeito da hierarquia militar, que eles solaparam, quer numa palavra a augusta dignidade da Nação, que eles vilipendiaram."
Naturalmente, era necessário um posicionamento negativista com relação ao governo Vargas para se justificar o porquê
do descontentamento. Uma contradição ficara, entretanto, em aberto: Como os pedeístas podiam condenar o Governo
Provisório sem criticar a Revolução de 30 e o que esta viera combater? A resposta era muito simples: combatiam porque a
revolução se desvirtuara, pois Getúlio deixara-se influenciar por grupos antidemocráticos, os quais queriam destruir o Brasil.
Portanto, era necessário fazer com que a Revolução de 30 voltasse ao seu projeto inicial. Segundo a ótica dos revolucionários
paulistas, isto não tornava o seu movimento uma contrarrevolução, como afirmavam os partidários de Vargas. Antes, viam-no
como um movimento continuador dos ideais de 30: "Este movimento é simplesmente um passo à frente na Revolução
brasileira, mais uma etapa na evolução nacional."[87]
Em conformidade com a defesa da volta do Brasil à ordem e à paz, temos outro argumento muito forte: o de que São
Paulo não pegara em armas por causas mesquinhas e regionais. Antes, a luta era por todo o país, não em defesa de interesses
regionalistas, mas em defesa dos interesses da nacionalidade: "Numa unanimidade que assombra, São Paulo ergue-se pelo
Brasil, para o Brasil, ao lado do Brasil. São Paulo, vítima da revolução, quer defender a revolução, libertando-a das mãos
inábeis que lhe desvirtuaram a finalidade, aniquilando-a completamente."[88]
A LUTA DO BEM CONTRA O MAL
Argumentava-se, também, principalmente através dos discursos que seriam irradiados (atingiriam um maior público do
que o dos jornais, embora sensivelmente menos ilustrado), que São Paulo pegara em armas por uma causa justa e santa, ou
seja, a defesa da lei e pela necessidade de uma nova Constituição. De acordo com este ponto de vista, aqueles que se opunham
a isso estariam do lado do mal. A ação da ditadura em São Paulo durante os dois anos de 1930 a 1932, os erros por ela
cometidos em terras paulistas, a insistência do governo Vargas em prolongar a "agoniante" situação do povo paulista, eram
provas cabais de que "a ditadura soldada a seus erros e aos seus crimes, como um molusco a sua crosta, quer morrer
impenitente. E por isso, na agonia alucinante dos seus derradeiros momentos, metralha velhos, mulheres, feridos e crianças. A
vitória nos pertence, porque nunca se consumou a derrota do bem pelo mal; porque a nossa causa é a santa das reivindicações
de um povo oprimido; porque nos guia e nos assiste, qual nume protetor, o espírito dos nossos antepassados."[89]
OS TÓPICOS EM SI
Regionalismo
Ao contrário da América espanhola que, no período compreendido entre as primeiras décadas do século XIX,
desintegrou-se em uma série de repúblicas independentes, o Brasil tomou rumo diverso e distinto. Unificado na pessoa do
imperador, viveu o país sob um regime centralizador. Com a proclamação da República, o Brasil tomaria novos rumos,
ficando como marca característica deste período a descentralização política. Os Estados mais ricos (São Paulo e Minas
Gerais) iriam se alterar no poder, direcionando a atenção do governo central para a cafeicultura.
As dimensões continentais de um país como o Brasil, a diversidade dos climas, solos, tipos de colonização, favoreceram
uma grande diferenciação no desenvolvimento das regiões, de maneira que umas se desenvolveram mais rapidamente,
enquanto que outras se mantiveram em níveis de atraso e até mesmo de retrocesso. O predomínio econômico desembocou em
um predomínio político, caracterizando o regionalismo que, segundo Joseph Love, "é definido como um comportamento
(político) caracterizado, de um lado, pela aceitação de uma unidade política mais abrangente, mas de outro, pela busca de
certo favoritismo e de certa autonomia de decisão (em matéria política e econômica), mesmo ao risco de pôr em perigo a
legitimidade do sistema político vigente".[90]
Analisando mais concretamente o caso de São Paulo, constatamos que ao longo de todo o período colonial, o Estado
ocupara uma posição secundária no plano nacional. Não possuindo produtos que interessassem à metrópole portuguesa, viveu
São Paulo na mais absoluta miséria e escassez, ficando bem aquém dos grandes centros produtores de açúcar do nordeste.
Somente em meados do século XIX, com o cultivo do café, foi que São Paulo passou gradativamente a subir de importância,
vindo a se constituir no Estado mais rico e próspero do Brasil. O desenvolvimento econômico de São Paulo veio
acompanhado de uma maior participação política desse Estado no plano nacional, que começou a exigir uma maior
descentralização política como forma de tornar mais eficiente a alocação de recursos do que seria possível através de um
governo centralizado.
Com o tempo, São Paulo pôs-se a controlar a política nacional no sentido de melhor favorecer seu principal interesse, ou
seja o café.
Ao se discutir a questão regionalista ou, mais propriamente, o regionalismo de São Paulo (no período de estudo entre
1930-32), tanto perrepistas quanto pedeístas possuem uma argumentação que se parece e se mescla. Através de uma análise da
bibliografia da época, pude constatar que o discurso sobre o regionalismo segue um dado caminho. Em primeiro lugar,
justificam-se as origens das diferenças regionais; em segundo lugar, compara-se o atual estágio de desenvolvimento de cada
Estado; por fim, conclui-se que a liderança política pelos Estados mais desenvolvidos é coisa natural e boa, não só para estes
Estados, mas para todo o Brasil.
Ligado ao Partido Democrático, Vivaldo Coaracy, em seu livro O Caso de São Paulo, afirmava categoricamente a
existência do espírito regionalista no Brasil e que, forçosamente, estabelecia uma hierarquia entre os Estados brasileiros:
"Fatos não se discutem, aceitam-se".[91]
A formação da sociedade paulista e sua peculiaridade no plano nacional (pobreza e isolamento do resto da colônia)
teriam, segundo o autor, favorecido o surgimento do individualismo paulista, "que criou a audácia dos grandes
empreendimentos e o espírito de iniciativa das acometidas arrojadas."[92]
Outro ponto apontado como causa geradora dos diferentes níveis de desenvolvimento entre os Estados seria a grande
extensão territorial, a grande diversidade climática, as dificuldades de comunicação que teriam favorecido o surgimento de
núcleos de desenvolvimento isolados no país, o que em certo sentido dificultava a formação de uma identidade nacional mais
coesa, mais forte.
Feito o retrospecto das origens das diferenciações entre os Estados, a comparação tornava-se quase inevitável, sendo
esta utilizada como argumento para a liderança dos mais prósperos sobre os mais pobres.
Para se ter uma ideia, nos finais dos anos 20 do século passado, a diferença entre os Estados era tamanha que só a cidade
de Campinas tinha uma renda duas vezes superior a todo o Estado do Piauí.
Em seu livro Confederação ou Separação, Alfredo Ellis Jr. (ligado ao PRP) apresenta a questão acima de maneira
inequívoca: "Há a notar a enorme desproporção de rendas entre o norte e o sul. Enquanto que 11 Estados do norte produzem
11% da receita federal, 10 unidades do sul produzem 88%. Igual desequilíbrio se vê no tocante às despesas. Enquanto esses
mesmos 11 Estados do norte só absorvem 7%, os 10 Estados do Sul absorvem 15%; absorvendo a administração geral do país
com essa seriação de ministérios inúteis 50% das despesas federais, restando 27% para a amortização e juros da dívida
externa federal."[93]
Como último tópico, temos a defesa da ideia de que aos mais desenvolvidos, cultural e economicamente, cabia a
liderança política do país. Duas coisas poderíamos aqui destacar:
a) a crença de que os Estados mais desenvolvidos podiam governar e dirigir politicamente os que se acham menos
desenvolvidos.
b) a luta para que a "marcha do progresso" não fosse comprometida pela "incompreensão" de governos não alinhados
com as regiões desenvolvidas.
A respeito deste tema, Vivaldo Coaracy afirma que "para que não se destrua a obra realizada, para que se prossiga a
marcha evolutiva, para que se edifique uma civilização brasileira, neste recanto da América, é necessário, é imprescindível
que São Paulo reconquiste o lugar que lhe compete e pertence dentro da federação, o posto de orientador, de guia e condutor
da marcha do Brasil. É mais do que um direito seu, dado pela sua civilização, comprovado pelo seu passado. É uma
necessidade histórica para que este país não desminta o destino a que pode aspirar."[94]
O fato é que, após a Revolução de 1930, São Paulo viu-se alijado do poder, embora tivesse conduzido os destinos
políticos do Brasil, durante todo o período da República Velha (1889-1930), ao lado de Minas Gerais. Poder que lhe permitia
direcionar a ação do governo no sentido de favorecer a economia cafeeira.
O que São Paulo queria não eram cargos ou sinecuras. Almejava controlar o poder central, pois via claramente que os
negócios do café não podiam ser bem solucionados em nível estadual, exigindo esferas mais amplas.
Por tudo isso, tanto pedeístas quanto perrepistas eram unânimes em defenderam com unhas e dentes a descentralização
política e a autonomia dos Estados, sendo o contrário (a centralização) visto como algo que provocaria uma fratura fatal e
irremediável no Brasil.
Comentando as modificações sobre a autonomia dos Estados, o jornal O Estado de São Paulo do dia 14 de fevereiro de
1932, apresenta-nos um exemplo dos debates que se desenvolviam por esta época: "Alguns Estados não se aproveitavam da
autonomia que lhes foi conferida e denotaram, no uso dessa autonomia, uma incapacidade fora do comum. Que importa! A
maioria soube tirar dela todos os benefícios que ela comporta. Não seria justo que se arrebatasse à maioria essa prerrogativa
para que se nivelassem todos na escravidão miserável a que pela própria inépcia se condenou a minoria."
A QUESTÃO SEPARATISTA
Normalmente, quando se fala em Revolução Constitucionalista, logo nos vem à memória a questão separatista. Teria ela
sido uma guerra encabeçada pelo mais poderoso Estado da federação brasileira para se separar do resto do Brasil? Estaria,
portanto, correta a afirmação de que São Paulo, cansado de viver sob o jugo de uma ditadura opressiva, tivesse se lançado
numa inusitada aventura para se constituir em um país em separado? Não. A resposta nem poderia ser outra.
Neste capítulo, procurarei evidenciar os diferentes tipos de argumentos sobre este assunto, detalhando como os grupos
contrários aos interesses paulistas construíram toda uma argumentação atacando São Paulo, procurando transmitir uma imagem
de que o Estado lutava por causas contrárias à unidade nacional. Não me deterei na questão da unidade nacional (formação e
particularidades), bastando lembrar que se tratava de um dos maiores orgulhos do país, que se vangloriava de ter conseguido
se manter íntegro mesmo após o período da independência (o que o diferenciava do resto da América.).
A maior parte do material refere-se ao “grupo c”, constituindo-se o “grupo a” em uma minoria; quanto ao “grupo b”, era
formado em grande parte por tenentes e, principalmente, pela ditadura de Vargas.
a) Paulistas separatistas
Pouquíssimo - e muito raro - é o material que evidencia a posição de paulistas que, no correr da Revolução
Constitucionalista, defenderam a ideia de que São Paulo desejava se separar do Brasil.
Muitas vezes, tal tipo de argumento se mostra bastante sutil, quase imperceptível. Antes de tudo é o extremo de um ponto
de vista que, não vendo mais nenhuma alternativa para defender os interesses de São Paulo com o Brasil, passa a defendê-los
sem o Brasil.
Vivaldo Coaracy, que na época da revolução escrevia suas colunas no jornal O Estado de São Paulo, evidencia a
evolução deste tipo de ponto de vista. Em seu livro O Caso de São Paulo, escrito em 1931, o autor expõe que São Paulo
tivera uma evolução econômica diferenciada do resto do Brasil, constituindo-se na unidade mais rica da federação. Tal
diferenciação seria responsável pela predominância política deste Estado no âmbito nacional, que é vista com bons olhos,
pois "os Estados que atingiram mais elevado grau de civilização podem, com vantagem e benefício geral, governar e dirigir
politicamente os que ainda se acham numa fase evolutiva inferior."[95]
Ainda no mesmo livro e dando sequência a seu raciocínio, Vivaldo postulava que os Estados mais evoluídos não podiam
permitir que suas conquistas e que seu alto grau de desenvolvimento fossem comprometidos pela "incompreensão das suas
condições por parte doutras entidades que se encontram em situação econômica e socialmente inferior."[96]
Coaracy desenvolve tal tipo de argumentação para enfatizar a sua insatisfação pessoal, bem como a do grupo que
representa (PD), em virtude dos rumos tomados pela política nacional após a Revolução de 1930.
É sempre bom lembrar que os pedeístas se sentiram traídos pelo governo provisório, o que causou profundo
descontentamento no único grupo de políticos organizados que poderia ter dado apoio efetivo ao governo Vargas.
Quanto à questão da unidade ou integridade nacional propriamente dita, o autor argumenta que esta tem sustentação
condicionada pela organização federativa, entendida e tida como uma forma de governo em que os Estados possuem plena
liberdade para se autogerenciarem e criarem leis próprias, que se adequavam à Constituição Federal suficientemente elástica.
Dentro desta perspectiva, podemos entender claramente o grande descontentamento por parte de muitos paulistas que
viram, após 1930, seu Estado sofrer ingerências externas que nunca tinham ocorrido. A centralização do Governo Provisório,
a nomeação de interventores exógenos à sociedade paulista, foram os fatores que mais contribuíram para que São Paulo
percebesse que os pilares nos quais se sustentava a unidade nacional haviam sido abalados.
Era, pois, necessário que São Paulo voltasse ao poder político, evitando-se, dessa forma, que se destruísse de uma vez
por todas a integridade do Brasil. Caso tal fato fosse impossibilitado pelo Governo Provisório, não se descartava a mais
drástica de todas as soluções: a separação de São Paulo do resto da federação. "Por São Paulo na glória ou na desgraça! Por
São Paulo na hora da vitória e por São Paulo na humilhação! Por São Paulo do passado e por São Paulo do futuro! Por São
Paulo com o Brasil, se for possível, por São Paulo contra o Brasil, se for preciso! Por São Paulo agora e sempre!"[97]
Mais uma vez, cumpre destacar que tal tipo de argumento constituía-se no desdobrar mais extremo de uma possibilidade.
Era a última alternativa a ser utilizada, o último e mais amargo remédio a ser aplicado a um doente que estertorava. No
entanto, não se pode negar que não fosse uma solução aceita por alguns membros da sociedade paulista, os quais Vivaldo
Coaracy representa.
Outro grande defensor do separatismo paulista foi o escritor Wanderley (Allyrio Meira Wanderley), que em seu livro As
Bases do Separatismo, apresentava os motivos que levariam o Brasil ao desmembramento.
Para Wanderley, os únicos princípios que formavam a nacionalidade eram a retórica balofa e a pieguice cívica; por isso,
acreditava que no Brasil o separatismo era inevitavelmente "uma tendência orgânica, algo invencível e inapagável, uma
vocação ou uma necessidade."[98]
Monteiro Lobato também deixou bastante clara sua posição a respeito do regime federativo que reinava no Brasil antes
da Revolução de 30, explicitando qual seria a atitude que São Paulo deveria tomar. Através de uma carta escrita por Lobato
ao professor Valdemar Ferreira, então Secretário da Justiça e da Segurança Pública do Governo Constitucionalista, datada de
10 de agosto de 1932, fica evidente a opção pelo separatismo, como medida extrema para a solução dos problemas de São
Paulo.
Nesta carta, argumentava o autor que o Brasil, após 1930, havia caído num militarismo federal. Na sua opinião, esta era
uma das causas dos prejuízos e ônus para o Estado de São Paulo, o que equivalia a uma verdadeira catástrofe.
Postulava serem ideias sentimentais aquelas referentes à unidade brasileira e à irmandade dos Estados, pois cada unidade
da Federação possuía seus interesses particulares, que se opunham aos interesses paulistas. Portanto, os governantes paulistas
deviam tratar os outros Estados como inimigos. “O Norte inteiro é nosso inimigo instintivo. O Rio Grande não é amigo. Minas
cuida de si. O fato de sermos irmãos não implica amizade e apoio. Temos de nos guardar de todos esses irmãos. Se Abel
houvesse pensado assim, não teria caído vítima da queixada de burro com que o matou Caim.”
Após a vitória sobre a ditadura, Monteiro Lobato acreditava que a solução mais prática para São Paulo devia resumir-se
na seguinte expressão: “Hegemonia ou Separação. Ou São Paulo assume a hegemonia política que lhe dá a hegemonia de fato,
que já conquistou pelo seu trabalho no campo econômico e cultural, ou separa-se. De modo nenhum poderá ficar na posição
em que se achava em virtude da Constituição de 4 de fevereiro. Seria um suicídio.”
Como já afirmei anteriormente, poucos eram os que se declaravam publicamente separatistas. Na verdade, a maior parte
do material encontrado, e que tem um claro viés separatista, é constituída por pequenos panfletos e documentação anônima,
sendo difícil, pois, identificar o grupo social de que provinham. Estes paulistas, insatisfeitos com a situação de São Paulo,
principalmente após o início da guerra, tentam resolver de uma vez por todas o Caso de São Paulo e lançam a bandeira do
separatismo como solução para todos os problemas do Estado.
Dentro deste material, destaca-se o jornal O Separatista, que começou a ser publicado antes do Nove de Julho. Em O
Separatista n.º 3, de junho de 1932, seus organizadores se ufanavam pelo grande sucesso alcançado, perante o público
paulista, de suas ideias separatistas. Segundo o mesmo jornal, havia pouca gente em São Paulo que não professasse com
sinceridade o credo separatista: “só mesmo os que ainda se impregnam das velharias nacionalistas em cujas teias de aranhas,
empoleiradas pelas idades, tropeçam os renegados calabares da pátria paulista rediviva, ainda se conservam adeptos de um
Brasil unido.”
Segundo o jornal, crescia dia a dia na população um sentimento de paulistismo. Alegavam que o povo precisava de um
veículo de desabafo e, por isso, as massas acorriam às edições de O Separatista, que se esgotavam rapidamente.
Quanto aos panfletos, constituíam-se em uma propaganda direta e imediata, onde seus autores tentavam evidenciar para a
população a necessidade de São Paulo libertar-se do Brasil, que lhe impedia e atravancava o progresso. Reproduzo aqui
alguns desses panfletos, encontrados no Arquivo do Estado:
“Paulistas! Por São Paulo, com o Brasil se fosse possível; contra o Brasil, porque é preciso.”[100]
“Paulista! Não deixa que elementos adventícios venham achincalhar tua terra! Reivindica o que é teu, para impedir que o
nome sacrossanto de São Paulo seja humilhado com as injúrias e as afrontas que por culpa dos forasteiros infames está
sofrendo.”[101]
b) A visão da ditadura
Neste tópico, englobarei o grupo de não-paulistas que acusaram a Revolução Constitucionalista de ter um caráter
separatista. O material é muito escasso, mas se podem captar alguns dos artifícios utilizados para despertar a animosidade do
resto do Brasil contra o Estado de São Paulo em autores que defendiam a causa de São Paulo.
Em seu livro Diário da Capela, Baptista Pereira, que era um defensor ardoroso da causa paulista, dá-nos alguns indícios
de como se articulava a antipropaganda contra São Paulo. Comenta que, no Nordeste, realizavam-se transmissões
radiofônicas, onde os speakers “se anunciavam como paulistas da gema”, proferindo discursos “que não eram mais do que
descabeladas verrinas e diatribes contra os nortistas.”[102]
Em seu livro Não há de ser nada, Orígenes Lessa também nos dá outro indício de como se desenrolava a antipropaganda
separatista, descrevendo-nos a pitoresca situação que presenciou após ser capturado pelos legalistas. Fica evidente que uma
das formas de se desqualificar a Revolução Constitucionalista era afirmando que se tratava de um movimento separatista - e o
mais grave de tudo - encabeçado por estrangeiros. Lessa descreve-nos o caso de um soldado sergipano, que se encanta com o
cachecol verde-amarelo de um prisioneiro paulista, requisitando-o para si:
O consultado sorri. Que remédio! Eu sou o vencido... Pode ficar... Dá-se o luxo de fazer uma citação latina - VAE
VICTIS!
- Logo vi que era italiano! Essa revolução é toda feita por estrangeiro!”[103]
A situação desdobra-se em outra frase, que Orígenes Lessa ouviu no front legalista:
“Mata essa italianada! Vocês queriam se separar do Brasil, não é seus...? Vocês vão ver na faca.”[104]
Quanto ao Governo Provisório propriamente dito (instaurado após a Revolução de 1930), este se posicionou desde o
início contrário ao movimento paulista, tido como sedicioso e revanchista. A sua argumentação contra a causa de São Paulo se
efetivava através do desmonte das teses levantadas pelos revoltosos. Assim sendo, se os paulistas pleiteavam a Constituição -
e por isso faziam a guerra - o Governo Provisório contra-argumentava, alegando que já havia até estipulado a data para as
eleições da Constituinte. Se os paulistas atacavam o governo central de os ter prejudicado financeiramente, lá vinham os
dados oficiais do governo Vargas, provando justamente o contrário.
Toda essa argumentação tinha, portanto, o intuito de mostrar ao Brasil que os paulistas não haviam iniciado uma guerra
pelas causas que afirmavam. As causas reais desse movimento “sedicioso”, no raciocínio da ditadura, só poderiam ser outras,
de características muito mais sinistras e negras. Dentre estas causas “ocultas”, o separatismo não foi deixado de lado. Getúlio
Vargas, durante o período de guerra da Revolução Constitucionalista, escreveu dois manifestos ao povo de São Paulo, usando,
literalmente, o termo separatista na sua segunda carta (manifesto), quando a guerra estava já no seu final.
Na primeira carta, datada de 12 de julho de 1932, Vargas se esforçaria por apresentar ao povo paulista e a todo o Brasil
como eram injustificados os propósitos que haviam levado os revoltosos a pegar em armas. Apontava como exemplos
comprobatórios de sua opinião o fato de já terem sido marcadas datas para as eleições da futura constituinte. Alertava também
que o Governo Provisório sempre demonstrara interesse pelo Estado de São Paulo, amparando-o na obra de reconstrução da
sua economia.
Na sua carta de 20 de setembro de 1932, quando já haviam decorrido dois meses de lutas, Vargas reafirmava que todos
os motivos apontados pelos revolucionários para pegar em armas contra o Governo Provisório eram improcedentes. Na sua
opinião, restava apenas uma explicação para aquele movimento: revanche contra a Revolução de 1930. Dando sequência a seu
raciocínio, afirmava ainda que, tendo este movimento de revanche falhado, devido à reação de todo o Brasil contra São Paulo,
a continuação da guerra pelos paulistas só podia ter duas razões: “ou ambicionavam impor o predomínio de um Estado sobre
todos os outros do Brasil, ou querem chegar ao separatismo. Custa aceitar a evidência de semelhantes intenções, qualquer
delas crime de lesa-pátria, atentado aos próprios laços da fraternidade nacional.”[105]
Com o desenrolar da guerra, quando houve necessidade de se apresentar uma justificativa à nação brasileira a respeito
dos motivos pelos quais São Paulo se batia em luta contra o resto do país, paulistas pertencentes aos mais diversos grupos
políticos, tanto do PD, quanto do PRP, iniciaram campanha em defesa da tese de que São Paulo não era um Estado separatista.
A defesa contra as acusações de separatismo era necessária, pois, como disse o Ministro Costa Manso, presidente do
Tribunal de Justiça de São Paulo, “os arautos da ditadura, na faina ingrata de atrair sobre São Paulo o ódio dos demais
Estados da federação e de dividir os paulistas, atirando uns contra os outros, afirmam que a revolução que estamos
empenhados é separatista.”[106]
Era necessário justificar-se, através de uma argumentação lógica, que São Paulo não lutava por si, mas pelos interesses
do Brasil inteiro. Para tanto, apelou-se a várias explicações, como o bandeirismo, o cosmopolitismo paulista (isto é, a
multiplicidade de povos e raças que viviam e prosperavam em São Paulo), a ação “nefasta” da ditadura como catalizadora de
uma violenta reação. São Paulo havia se tornado, como eles próprios diziam, Terra Conquistada.
Bandeirismo
O bandeirismo é tema recorrente na Revolução Constitucionalista, ele é a argamassa que junta, que solidifica uma massa
difusa de interesses e grupos sociais. A volta a um passado mítico e glorioso, quando os “paulistas” teriam sido os
responsáveis pelo aumento do território nacional, opunha-se às ideias separatistas de que tentavam defender perante a nação.
A ideia básica nisto tudo é muito simples. Tendo São Paulo em seu passado lutado pela expansão do território nacional, seria
pouco lógico que, agora, lutasse pelo seu esfacelamento.
No jornal O Estado de São Paulo do dia 27 de janeiro de 1932, alertava-se para a enormidade de problemas que poderia
advir com o esfacelamento da pátria, afirmando que tais ideias se opunham frontalmente aos ideais dos seus antepassados, os
bandeirantes: “A história inteira de São Paulo é a epopeia da construção da unidade nacional. As cinzas de todos os
bandeirantes paulistas se revolvem indignadas nos túmulos em que jazem contra esses separatistas, que lhes querem destruir a
obra formidável”.
Ainda no jornal O Estado de São Paulo, datado do dia 28 de janeiro de 1932, aprofundava-se a mesma questão,
afirmando-se que, apesar dos paulistas serem contrários a qualquer ideia separatista, isto não significava que concordassem
com as atitudes do Governo Provisório, que os estava tratando como terra conquistada, sendo os responsáveis pelo
descontentamento generalizado dos paulistas.
Cosmopolitismo
Para se defenderem dos ataques da ditadura quanto a seu movimento possuir um caráter separatista, outro forte argumento
utilizado pelos paulistas consistia em ressaltar a diversidade cultural do Estado, onde homens de todas as partes do Brasil
conviviam harmoniosamente e prosperavam. Portanto, era impossível nestas condições que se desenvolvessem em São Paulo
ideias de se dividir o país: “Pode-se afirmar, sem nenhum exagero que, em certo sentido, São Paulo é o mais brasileiro dos
nossos Estados. Em contato com a grande população estrangeira que aqui vive, o nacionalismo paulista assumiu não raro, uma
espontânea feição agressiva na defesa do nome, do crédito nacionais. São Paulo sempre pensou brasileiramente e o seu
orgulho regional consiste apenas em oferecer aos irmãos federados um exemplo de trabalho para a grandeza do Brasil.”
O simples fato de que brasileiros de outros Estados vivessem e prosperassem em São Paulo parecia argumento inatacável
para os defensores da causa paulista, pois “filhos de todos os Estados da federação trabalham aqui, aqui prosperam e no largo
e claro panorama moderno de nossa civilização divisam a pátria unida, a nacionalidade robustecida e consciente.”[107]
São Paulo era visto como o mais brasileiro de todos os Estados da federação e, com o desenrolar da guerra, os
brasileiros que aqui viviam perceberam seu caráter “regenerador”, ficando ao lado de São Paulo. Segundo a Folha da Noite,
o fato era constatável, pois “as nossas trincheiras estão guarnecidas de paulistas como de outros brasileiros. Não há mesmo
escala que permita aferir da superioridade de sentimento cívico entre os paulistas de nascimento e os de adoção.”[108]
Terra conquistada
Mas não bastava dizer que São Paulo descendia do bandeirismo, que aqui havia uma multiplicidade de povos e raças; era
preciso ir além, era necessário justificar o porquê de um Estado com tais características ter se lançado numa guerra contra o
governo central. Se o motivo que impulsionou São Paulo à guerra não era o desejo de se separar do resto do Brasil, fazia-se
mister esclarecer quais seriam estes motivos.
Surgiu, então, a tese de que São Paulo havia sido tratado com desprezo pelo Governo Provisório e que, após a Revolução
de 30, o governo Vargas cometera uma sucessão interminável de erros, responsáveis diretos pelo grande descontentamento.
Ibrahim Nobre, considerado o tribuno da revolução paulista, diria: “acoimam-nos de separatistas. Mentira! A ditadura é que
procura separar-nos do Brasil, numa odiosa exceção. Invadiu-nos, alterou visceralmente a nossa vida, deu estranhos rumos
aos nossos destinos, desfez-nos a propriedade, empobreceu-nos, ultrajou-nos.”[109]
O termo Terra Conquistada surgiu e divulgou-se após a publicação do livro de Leven Vampré, que ostenta estas palavras
no título, publicado no início de 1932. Ligado ao Partido Democrático, Leven Vampré defenderia nesta obra a ideia de que,
após a Revolução de 30, São Paulo não mais dirigiu com as “próprias mãos” os seus destinos. Segundo o autor, a opinião
pública desapareceu e a vontade popular não mais se fez sentir, tendo os destinos do Estado passado a ser tema de debate e
solução em terras estranhas à sua vida.
Leven Vampré defendia a ideia aceita pela maior parte dos democráticos, de que a oposição feita pelo seu partido nos
últimos anos da República Velha nunca pretendera assaltar o poder ou substituí-lo nos desmandos ao PRP. Ao contrário,
sempre lutara pela evolução da política brasileira dentro das normas jurídicas. Admitia, no entanto, que a situação política se
tornara tão grave, que só com o uso circunstancial da violência se remediariam os desatinos do poder.
No último parágrafo, podemos identificar os dois argumentos centrais dos pedeístas e que nos servem de respaldo para
compreendermos a posição deles e o desenvolvimento do conceito de Terra Conquistada. Por um lado, enfatizam que sempre
foram um partido de oposição, ressaltando, no entanto, que não eram uma oposição revolucionária. Entretanto, aceitaram de
início a necessidade da Revolução de 30 para solucionar a grave situação política.
A situação criada pela ditadura de Vargas, que não concedeu o poder aos pedeístas, preferindo dar o governo de São
Paulo aos tenentes, foi o catalisador para que o PD iniciasse sua campanha contra a ditadura e seus desmandos no Estado:
“Ora, desencadeada a tormenta e varrida do cenário político a velha oligarquia, só uma força organizada havia para suceder-
lhe no governo, com aptidão para remodelar os processos políticos e dar vida ao potente organismo combalido. Essa força
organizada, coesa e limpa, sofredora era a oposição - portanto o Partido Democrático. Não se havia de entregar a
administração pública aos indiferentes, nem aos adventícios. Nós não podíamos pensar que a primeira das terras do Brasil,
pelo seu passado e pelo seu presente, pudesse ser entregue, manietada, a dois chefes militares que nela disputariam a posse de
seu governo, relegando para um plano longínquo e apagado a aspiração de seu povo”.[110]
TRADIÇÃO BANDEIRANTE
Após o movimento de outubro de 1930, São Paulo encontrava-se afastado do poder central pela força. Sendo o Estado
mais próspero da federação e tendo tido importante participação na política federal até 1930, a nova situação não agradou em
nada a seus habitantes e, principalmente, a seus políticos.
Em resposta a tal situação, as elites paulistas voltaram-se para a exaltação do "passado heróico" de São Paulo,
contrapondo-se aos dias correntes em que o Estado se via submetido aos rigores da ditadura.
a) Como uma resposta dos paulistas à crescente tendência de centralização governamental, que se acentuou no Brasil a
partir da Revolução de 30. Segundo Joseph Love, "não há dúvida de que o apelo maior exercido pelo bandeirismo em São
Paulo derivava da adesão implícita ao "federalismo hegemônico", ou seja, da crença na superioridade de São Paulo,
idealizado como a locomotiva a puxar vagões vazios, como o centro dinâmico do progresso, num quadro de atraso
generalizado."[111]
b) Como um argumento poderoso para convencer a população de que a guerra era inevitável, sendo inevitável, portanto, o
engajamento de todos em prol da causa paulista. Notamos aqui, claramente, uma visão dicotômica de um passado, dito como
bom, em oposição a um presente que rompia drasticamente com as tradições e costumes paulistas.
O DESDOBRAR DA ARGUMENTAÇÃO
Corria o ano de 1932. As contradições e os desdobramentos do novo regime instaurado e chefiado por Getúlio Vargas
tomavam vulto e proporções insustentáveis. A partir de 23 de maio, São Paulo mudou de fisionomia e articulou-se no Estado
uma rebelião contra a ditadura. Para os políticos paulistas insatisfeitos com o Governo Provisório, um movimento armado era
inevitável e tudo era uma questão de tempo.
Fazia-se mister convencer a grande massa da população que somente com o uso das armas São Paulo poderia voltar a ter
dignidade para viver e progredir.
Não se pode esquecer que, após a Revolução de 1930, São Paulo aplaudira de pé, entusiasticamente, a passagem de
Getúlio Vargas pela capital do Estado em direção ao Rio de Janeiro. Portanto, era necessário criar-se na população um clima
de beligerância. Urgia uma argumentação rápida, persuasiva, universal.
Para tanto, recorreu-se ao apelo da tradição, ou seja, procurou-se justificar o movimento atual, a Revolução de 1932,
como sendo uma continuação do "glorioso passado bandeirante", que os revolucionários se consideravam herdeiros diretos.
Tanto pedeístas, quanto republicanos, utilizaram-se deste tipo de argumentação, o que é verificável não só através de seus
próprios jornais, como também pela bibliografia respectiva.
Por longos anos, São Paulo vivera em paz e tranquilidade. As guerras contra os indígenas já datavam de alguns séculos, o
que permitiu ao Estado progredir e prosperar sem maiores contratempos.
O início de um movimento armado em 1932 representava, pois, uma ruptura, uma quebra de harmonia. A figura do
bandeirante, seu passado, suas ações, tudo isso foi idealizado de maneira a resgatar um passado mítico e glorioso, ao qual o
São Paulo atual cabia honrar dignamente, imitando a ação de seus antepassados. Não cabe aqui discutir o que foi de fato o
bandeirismo, mas apenas saber o que os democráticos e republicanos acreditavam que ele tivesse sido.
O bandeirante é visto como o homem paulista dos séculos XVI e XVII, que construiu sua personalidade forte através da
luta contra a própria natureza de sua terra. Comparava-se este bandeirante com as populações do norte da colônia, que tiveram
de lutar contra invasores estrangeiros. Em São Paulo, no entanto, "o inimigo não era Holanda, nem França, nem Inglaterra, mas
a própria natureza com seus baluartes milenários de pedra escalvada e a prumo, com seus carrascais bravios".[112]
Outro importante fato atribuído ao bandeirismo e, portanto, aos paulistas do passado, foi a expansão do território
nacional. Graças à penetração das bandeiras paulistas em busca de pedras preciosas e de escravos indígenas, que o Brasil
atingiu as dimensões que possui hoje. Segundo o jornal A Plateia do dia 15 de abril de 1932, "deve o Brasil aos esforços e
valor dos paulistas metade do seu território atual. Assim, os atuais Estados de Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás e Paraná,
foram descobertos, desbravados e povoados, em maior parte, por paulistas que, por essa forma incorporaram ao Brasil um
território de cerca de quatro milhões de quilômetros quadrados."
A ideia básica era que os motivos que levaram estes bandeirantes para o interior do Brasil não eram as necessidades
econômicas de uma terra que pouco oferecia para o comércio ultramarino, mas sim o ideal de um Brasil maior e mais forte.
Falar em sentimento de nacionalidade no Brasil dos séculos XVI e XVII é algo despropositado. Apresentando o Brasil
proporções continentais e a colonização tendo sido feita de formas distintas ao longo de seu território, era quase impossível o
surgimento de um sentimento de unidade em períodos tão remotos.
Enfim, tanto republicanos, quanto democráticos, defendiam que os paulistas, sendo descendentes de uma raça que fez
prodígios, que sofreu tantos perigos e os venceu, não poderiam recuar diante do atual momento histórico, a Revolução de
1932.
Segundo o Diário Nacional do dia 13 de julho de 1932, dos paulistas "exclusivamente, da sua intrepidez, da sua
pertinácia, do seu patriotismo, depende o aniquilamento definitivo da bastilha onde se encastelam os legatários outubristas das
tradições oligárquicas".
OS MEIOS DE DIVULGAÇÃO
A fim de propagar estas ideias, utilizou-se tanto a imprensa escrita, quanto a falada. O rádio teve grande importância para
conquistar novos adeptos à causa de São Paulo. As rádios paulistas passaram a transmitir, em horário nobre, discursos
inflamados que chamavam a atenção pelo enorme e eloquente apelo à tradição, que o povo devia honrar. Três são os pontos
destes discursos:
b) o presente (que, opondo-se ao passado, era uma vergonha para a honra paulista);
Guilherme de Almeida, com seu inconfundível estilo, escreveu vários desses discursos que foram constantemente lidos
nas rádios, provocando grande sensação entre os ouvintes mais apaixonados.
Nota-se, claramente, o tom direto e cheio de figuras e imagens, onde se conclamava aos "bons paulistas" que não
fugissem de seus deveres: "Então, meus patrícios e meus irmãos! Não se lembram daquelas bandeiras que iam rotas das lutas,
varadas das frechadas selvagens, esflapadas dos espinhos agressivos da mata emaranhada?"[113] Isto posto, o autor passa a
enfatizar o atual momento: "essa terra, meus patrícios e meus irmãos, estava sendo traiçoeiramente destruída, essa gente, meus
patrícios e meus irmãos, estava sendo covardemente arrasada".[114] Por fim, conclama-se o ouvinte a tomar uma atitude digna
de seus antepassados: "ora paulistas, nós filhos de fazedores de pátria, temos agora que refazer o Brasil. Então? Nem um
instante a perder! Nem um passo a recuar! Então, meus patrícios e meus irmãos!"[115]
Outros Temas
Na tentativa de inserir a Revolução de 1932 dentro de um passado "mítico e glorioso", mais dois episódios da história
paulista/brasileira serão utilizados: a aclamação de Amador Bueno e a Independência do Brasil.
Amador Bueno
A aclamação de Amador Bueno da Ribeira, em 1640, foi outro episódio da história paulista utilizado para comparação
com o movimento iniciado em 9 de julho de 1932.
Com o fim da união ibérica (Espanha e Portugal) no ano de 1640, os espanhóis de São Paulo intentaram a proclamação de
uma monarquia paulista, que seria encabeçada por Amador Bueno da Ribeira. Tencionavam que, após a proclamação desta
nova monarquia, esta se anexasse, pela sua própria fraqueza, ao império espanhol e não ao português. Amador Bueno, no
entanto, preferiu ser fiel ao rei de Portugal, não aceitando tal investidura.
Duas coisas são ressaltadas neste episódio e que, segundo os escritores da época, estariam sendo reeditadas nos
acontecimentos de 1932. Em seu número de 11 de julho de 1932, o Diário Nacional (órgão oficial do PD) explicita estas duas
características:
a) Em primeiro lugar, a altivez. Tal como outrora, levara os antigos paulistas a terem um rei, "mas um rei seu, um rei
paulista. E o encontraram na pessoa de Amador Bueno da Ribeira e que agora levavam a reivindicar seus legítimos direitos."
b) A questão da lealdade que, no passado, levou Amador Bueno a rejeitar a nomeação e o cargo que lhe entregavam. No
caso de Pedro de Toledo (que havia sido aclamado pelo povo em 9 de julho como presidente de São Paulo, "ao contrário do
que aconteceu no episódio histórico (...), aceitou a investidura, apesar de avançado em anos e das suas cãs respeitáveis.
Amador Bueno da Ribeira quis ser fiel ao seu rei. Pedro de Toledo quis ser fiel à lei."
Menotti del Picchia, antigo deputado perrepista, também compara os episódios de 1932 aos da proclamação de Amador
Bueno, afirmando sobre a aclamação de Pedro de Toledo: "o oceano murmurante de cabeças ondulava compacto e inquieto da
praça de Santa Ifigênia à praça da Sé, sedento por contemplar um espetáculo sem igual majestade, somente tivera um símile na
história colonial: a proclamação de D. Amador Bueno".[116]
O Sete de Setembro
Com o avançar da Revolução Constitucionalista e a chegada do dia 7 de setembro (dia da independência), não se perdeu
a oportunidade para a comparação entre os dois eventos. "O gesto resoluto de Pedro I, às margens do Ipiranga, foi apenas a
consubstanciação e o transbordamento dos primeiros anseios de liberdade dos brasileiros, que nasciam já predestinados às
grandes conquistas liberais", diria O Diário de Notícias do dia 7 de setembro de 1932. A argumentação deste artigo evidencia
que foi, a partir da Independência, que o Brasil começou a se formar como um país democrático e que os episódios de 1932
representariam o momento de culminância desta longa marcha de progresso. "Representam os dois movimentos as
extremidades, por assim dizer, o início e o fim da marcha libertadora, dando ao Brasil a frutificação da árvore democrática."
O jornal A Plateia evidencia outro ponto para comparação entre os dois períodos (1822 e 1932): o da dominação. Em
1822, o Brasil estava submetido ao domínio português, que lhe entravava o desenvolvimento. Em 1932, São Paulo estava em
condições semelhantes ou piores. Segundo A Plateia de 7 de setembro, "humilhados por um governo que nos dispensava o
tratamento que nenhum dominador estrangeiro jamais dispensou a nenhum povo conquistado, a luta em que hoje nos
empenhamos é também, a luta pela independência."
Como no passado, quando se proclamou a independência para se alcançar um Brasil melhor e mais próspero, enfatiza-se
que São Paulo entrara em guerra para terminar com os desmandos de uma ditadura que vinha se mostrando mais nefasta que o
pior dos domínios estrangeiros.
Naturalmente, nem todos eram favoráveis à causa paulista, ou melhor, aos políticos que se arvoravam defender os ideais
de São Paulo. Com seu estilo irônico, Manoel Osório não deixou de comparar a independência do Brasil com a aclamação de
Pedro de Toledo. Claramente, nota-se o viés debochado e a caricaturização, o que o diferencia dos autores que defendem a
causa paulista. Sobre aqueles momentos da aclamação de Pedro de Toledo, diria: "Rumaram (as pessoas do povo) em seguida
para o Palácio. O pesado portão de ferro abriu-se e São Paulo em massa entrou. Pedro de Toledo desce de pijama e tenta
fugir. Alguém lhe diz: Nosso chefe e Senhor, não se acanhe, em piores condições estava o outro Pedro, quando se ergueu para
gritar Independência ou Morte."[117]
Contrário ao senso comum dos pedeístas e republicanos, que viam 1932 como uma reedição do bandeirismo e de seus
propalados ideais, encontrava-se a visão dos grupos mais à esquerda.
Florentino de Carvalho, tido por anarquista, escreveu algumas linhas a respeito do assunto em seu livro A Guerra Civil
de 1932.[118] Ao longo de todo o livro, Florentino ressaltou que o movimento de 32 foi encabeçado por partidos retrógados
(tanto em São Paulo, quanto em outros Estados), como o bernardista, o libertador e federalista gaúchos e, com eles, o Partido
Democrático e o Partido Republicano Paulista.
Florentino de Carvalho não negava a importância das bandeiras e dos bandeirantes na expansão dos limites brasileiros e
na descoberta de riquezas. No entanto, argumenta que, se os lideres constitucionalistas enfatizavam com grande eloquência ser
o seu movimento herdeiro legítimo dos ideais bandeirantes, omitiam propositadamente que estes ideais nem sempre eram
nobres e que esta história não fora construída apenas com páginas de glória.
CONCLUSÃO
Ao estudarmos os fatores da crise paulista de 1930 a 1932, deparamo-nos com questões importantes na formação da
identidade brasileira, tais como: o federalismo e a unidade nacional, que no período em questão se tornam o centro das
discussões.
Com o fim da República Velha e a progressiva centralização do poder, o Estado de São Paulo passaria por uma grave
crise política, o que, em última instância, acabou sendo responsável pela luta armada no período de julho a outubro de 1932.
Impedidos de direcionar a política nacional segundo seus interesses e cansados de sofrer as incertezas do Governo
Provisório, que possuía outros interesses além de defender o café, os paulistas pegaram em armas na tentativa de pôr fim a tal
situação.
O movimento de 1932 deve ser entendido como obra das elites paulistas na tentativa de retornar ao poder. Cumpre
destacar que a predominância dos interesses destas elites não descartou a participação individual de operários, profissionais
liberais e outros, que não estavam diretamente ligados aos interesses das oligarquias.
Após a Revolução Constitucionalista, os tenentes perderam a força que possuíam junto ao governo federal e foi
promulgada a Constituição de 1934, que viria atender, em parte, aos anseios dos paulistas. Assim, perpetuar-se-ia a ideia de
que São Paulo fora derrotado no campo das armas, mas que seus ideais haviam saído vitoriosos.
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Neste livro, o autor reuniu sete contos engraçadíssimos, todos protagonizados por dois personagens bastante malucos, o Barriga e seu inseparável amigo Jacaré, que
se envolvem em diversas confusões. Os contos do livro são os seguintes:
1) Quase Macumba!
2) É Meu, sua Bruxa!
3) Cala a Boca, Joãozinho!
4) Os Porcos, a Cachaça, o Cabrito e a Velha Muito Pelada
5) O Defunto Queria Vingança
6) A Casa Meio Assombrada do Zé Trevoso
7) O Incrível Caso do Colar de Diamantes.
O que pode acontecer numa maluca viagem de caminhão, numa inocente partida de bilhar, numa estranha visita ao dentista? Divirta-se com estas e outras
hilariantes aventuras do Barriga e Jacaré, dois personagens lunáticos, que vivem se metendo nas mais diversas enrascadas e confusões, como uma malsucedida macumba
feita sexta-feira à noite na encruzilhada atrás do cemitério ou a tentativa de invadir uma casa “meio assombrada”. E o que dizer daquela extraordinária trama de tirar o
fôlego em que os dois se metem, quando resolvem dar uma de detetives e acabam descobrindo mais do que deviam...
Histórias do Fim do Mundo
Autor: José Antonio Martino
(Romance Humorístico)
A história narra as aventuras de Gildavás Pintor, estranho personagem que, estando bebendo com seus dois amigos, Pedro Pexera e o próprio narrador do livro,
acredita ter recebido uma mensagem divina e por isso sai pelos descaminhos do mundo em busca da mulher que ele julga ser a mãe do Messias. Em suas andanças, os três
personagens (todos são meio malucos e pouco têm de normal) encontram diversas pessoas, também estranhas, que vão se unindo a eles, engrossando a comitiva que
haveria de formar o "povo eleito por Deus", para povoar uma Nova Era de paz e prosperidade. É digno de se notar que essas pessoas ditas "escolhidas por Deus para
gozar mil anos de felicidade sobre a terra" são em sua essência os párias da sociedade, mendigos, prostitutas, ladrões, etc.
O livro apresenta um delicioso tom humorístico que agrada todas as idades e prende a atenção do leitor do início ao fim, cujo final surpreendente e inesperado é um
verdadeiro achado do autor. Histórias do Fim do Mundo tem tudo para agradar os paladares mais exigentes.
A NOITE NEGRA
Autor: José Antonio Martino
(Romance Histórico)
A Noite Negra é um extraordinário romance que se passa no Rio de Janeiro colonial, durante o período das invasões francesas de 1710 e 1711.
Misturando realidade e ficção, o autor nos descortina um fabuloso panorama da vida cotidiana setecentista, em que se misturam padres, prostitutas, piratas, escravos,
velhas beatas, sinhazinhas apaixonadas, bêbados renitentes, enfim, toda uma galeria de personagens eternos, contracenando ao lado de personalidades reais, mas hoje
praticamente esquecidas das páginas da história oficial e sobre as quais paira uma nuvem de mistério, como Frei Francisco de Meneses, o padre guerrilheiro, e o lendário
Bento do Amaral Coutinho, tão famoso em seu tempo quanto os ídolos da televisão em nossos dias.
Conheça, reviva, apaixone-se por este drama inesquecível. Em lances verdadeiramente cinematográficos, vemos como nossos antepassados se mobilizaram para
defender a terra em que viviam, contra as investidas de corsários franceses, aportados aqui para pilhar as opulentas riquezas que eles imaginavam existir na cidade do Rio
de Janeiro. Quando Duclerc desembarcou seus homens nas praias cariocas, não poderia imaginar que encontraria toda uma população unida pela mesma causa. Lado a
lado, senhores e escravos lutaram bravamente, dispostos a dar a própria vida para defender o ideal da liberdade. Pela primeira vez na história da colônia, tomávamos
conhecimento de um sentimento que enche de orgulho os brasileiros: o sentimento de BRASILIDADE.
Noites Mortas
Autor: José Antonio Martino
(Romance)
O romance inicia-se com o personagem principal, José Elias Salvador, chegando a cavalo a uma pequenina cidade. Num dos braços, traz uma ferida feita à faca
e, na alma, uma dor intolerável, pois sua mulher e filha foram assassinadas barbaramente. Entra num bar trazendo um embrulho misterioso...
Daí para frente, são inúmeras as peripécias que movimentam as engrenagens desse romance instigador, diferente, apaixonante e criativo.
Amor!
Sexo!
Vingança!
Vale a pena conhecer esta obra escrita numa linguagem simples e atraente.
Trata-se de um romance que segue a linha do realismo fantástico na esteira de Gabriel García Márquez.
O romance "Noites Mortas" procura analisar a relação do homem com o seu destino, visto sempre de uma maneira cruel, contra o qual não se pode lutar.
CONTOS MAUS
Autor: José Antonio Martino
Neste livro, o escritor José Antonio Martino apresenta treze contos premiados em diversos concursos literários de todo o Brasil. Como o próprio título sugere, a maldade é
a nota predominante destes textos perturbadores. Não só o ser humano é dissecado em toda sua perversidade e hipocrisia, como o próprio destino é visto como uma força
malévola e cruel, contra a qual os homens não podem lutar. Trata-se de uma coleção de contos doloridos e, embora alguns estejam disfarçados por um leve tom
humorístico e sarcástico, enquanto outros são marcados por uma veia poética bastante requintada, todos eles exalam um perfume triste e amargo. O leitor deixará estas
páginas angustiado, com a alma ferida e os olhos repletos de lágrimas. Contudo, sairá desta leitura fortalecido, tendo a certeza de que ainda há esperança para a
humanidade.
Ao longo do tempo, Machado de Assis tem sido o escritor mais estudado da literatura brasileira. Embora ele tenha falecido há mais de cem anos, a sua obra
continua fascinando as novas gerações, que lêem seus livros como se eles tivessem sido publicados na véspera. Dono de um estilo inconfundível e admirável, Joaquim
Maria chega ao século XXI mais atual do que nunca. Odiado por uns e amado por muitos, o autor de Dom Casmurro permanece quase como um “acidente” em nossa
literatura. De origem muito humilde, “obscuro, artista anônimo, tipógrafo, depois revisor de provas, depois noticiarista, depois cronista, folhetinista e poeta, depois chefe
incontestado da literatura brasileira. Apenas isto: uma reputação nacional, feita a pouco e pouco, passo a passo, dia a dia, na modéstia, na perseverança e no trabalho para
o pão de cada dia, e no estudo e no esforço nobre para conquista do saber e da glória”. Assim Lúcio de Mendonça descreve o amigo, defendendo-o contra acusações de
Diocleciano Mártir, que denunciou Machado como um dos inimigos da República! São casos como este e muitas outras anedotas e curiosidades ligadas ao “bruxo do
Cosme Velho” que o autor nos revela neste livro delicioso, escrito numa linguagem simples e agradável, indispensável não só a estudantes de Letras, mas a todos
interessados na obra do grande mestre. Enfim, acabamos descobrindo uma nova face do escritor que diziam viver escondido como um caramujo: um homem apaixonado
pela vida, pelos seus semelhantes e pelo seu tempo. Em Memorial do Bruxo, José Antonio Martino nos apresenta um Machado de Assis bem mais humano do que aquele
legado por muitos de seus biógrafos. O mito do escritor indiferente à dor humana e alheio às questões sociais de seu tempo não serve mais para rotular o autor das
Memórias Póstumas de Brás Cubas.
Aqui, vemos Machado como um homem de seu tempo, amigo dos amigos, funcionário público exemplar, completamente dedicado ao mundo das letras.
Tendo nascido numa família muito pobre, no Morro do Livramento, cedo o pequeno Joaquim Maria percebeu que somente através de muito estudo poderia conseguir
ascender socialmente. Logo vem para a cidade, atrás de trabalho, e é acolhido por Paula Brito, que ficara entusiasmado com a inteligência do menino. Em pouco tempo, o
jovem entra para o jornalismo, onde escreverá contos e crônicas por quase toda a vida. Adora freqüentar teatros e vive deslumbrado com as atrizes. Aos trinta anos, casa-
se com Carolina, irmão do poeta Faustino Xavier de Novais. Neste livro, o autor lança novas luzes a respeito da misteriosa vinda de Carolina para o Brasil, um dos pontos
mais obscuros ligados à biografia de Machado de Assis. Entrando para o funcionalismo público, num emprego estável e seguro, Joaquim Maria pôde dedicar-se ainda mais
à literatura, tendo sido reconhecido pelos seus próprios contemporâneos como o homem de letras mais completo de seu tempo.
Monarquia X República
Autor: João Paulo Martino
Após 81 anos da chamada Revolução Constitucionalista, hoje quase ninguém sabe o que aconteceu em São Paulo naquele
inverno de 1932. A população paulista vê em suas cidades ruas e avenidas que remetem aos episódios de 1932. Que cidade
paulista não possui uma rua 23 de maio ou uma avenida 9 de julho? Há alguns anos o dia 9 de julho voltou a ser feriado em
São Paulo, que teria acontecido de tão importante em nosso Estado naquele período?
Pretendemos aqui neste livro apresentar a Revolução Constitucionalista, evidenciando suas causas, bem como o
desdobrar dos seus acontecimentos. As diferentes visões sobre o movimento também serão abordadas.
Espero que com a leitura deste livro o leitor tenha mais elementos para analisar por que comemoramos o 9 de julho em
São Paulo.
666 – Caçadores de Demônios
666 – The Devil Stalkers
Autor: Tim Marvim
Um misterioso assassinato no convento de Santa Maria delle Grazie, em Milão, é o ponto de partida desta trama eletrizante e envolvente. Acusado pela morte de frei
Abelardo, o jovem Michael vê-se obrigado a fugir do convento para não ser preso e acaba sendo envolvido numa perseguição cinematográfica a fim de escapar não só da
polícia, mas de fanáticos religiosos, os quais imaginam que o rapaz descobriu o local onde se encontra o fabuloso tesouro templário. Após ter achado três livros
preciosíssimos nos subsolos do convento, Michael começa a investigar o que há de verdade naqueles velhos manuscritos. Para provar a sua inocência, ele precisará
desvendar o maior segredo de todos os tempos, um segredo tão terrível, que vem sendo guardado a sete chaves pela igreja há quase mil anos. Após decifrar diversas pistas
escondidas pelos cavaleiros templários nas “sete torres do demônio”, Michael descobre aterrorizado que não é apenas a sua vida que corre perigo, mas o destino da própria
humanidade.
Livro moderno e dinâmico, repleto de mistérios, lugares exóticos, lances formidáveis e imprevisíveis, este novo romance de Tim Marvim deita um olhar original sobre
o eternamente decantado “número da besta”, misturando previsões apocalípticas e profecias de Nostradamus à Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo, cartões de
créditos, numerologia e códigos de barras. Um livro excitante, que certamente encantará todos os leitores que amam aventuras e enigmas.
CONTOS MACABROS À LUZ DE VELAS
TIM MARVIM
(Contos de Terror)
Após o sucesso do empolgante thriller “666 – Caçadores de Demônios” (versão em inglês: “666 – The Devil
Stalkers), o escritor Tim Marvim está de volta com este arrepiante volume de narrativas curtas, onde ele apresenta ao público
8 contos de tirar o fôlego, dentre eles, a célebre peça “A estranha noite de Johnny Peterson”, que bem poderia ter sido um dos
episódios da série “Além da Imaginação”.
Se você gosta de histórias de terror bem contadas, se você gosta de sentir seu sangue congelar, se você gosta de sentir
seus cabelos arrepiados, este é o seu livro!
MANUAL DO POETA APRENDIZ
(Aprenda a Fazer Versos Suportáveis
Este Manual do Poeta Aprendiz é um livro indispensável para quem deseja aprender a fazer versos ou se aperfeiçoar
nesta arte. De maneira simples, clara e didática, o autor nos conduz ao fascinante mundo da poesia e nos apresenta os
conceitos básicos da estrutura lírica tradicional.
Muitas vezes, o poeta iniciante desconhece as ferramentas elementares que a Teoria Poética oferece a todos aqueles que
desejam penetrar no misterioso e mágico domínio das musas. Como diz o próprio título da obra, este manual é destinado ao
poeta aprendiz, para aqueles que descobriram a poesia e estão começando a rabiscar os primeiros versos, para aqueles que já
escrevem poemas há algum tempo, mas sentem necessidade de buscar informações teóricas que possam lhes auxiliar na
elaboração de seus textos, para aqueles que desejam aprimorar seus conhecimentos poéticos, enfim, para todos que gostam de
poesia.