Anti Ju Rid I Cidade
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Anti Ju Rid I Cidade
INTRODUÇÃO
Todo fato típico presume-se antijurídico até prova em contrário, ou seja, até que esteja
demonstrada a presença de alguma causa que exclua a antijuridicidade da conduta. Dessa
forma, um fato típico não será ilícito ou antijurídico (mas sim jurídico) quando existir uma causa
excludente da ilicitude.
As causas legais que excluem a ilicitude da conduta estão previstas no art. 23 do CP.
Além dessas causas legais, o Código Penal ainda prevê outras nos arts. 128 (vedação à
punição do aborto necessário e do aborto no caso de gravidez decorrente de estupro) e 142
(exclusão do crime de injúria e de difamação nas situações previstas nos incisos).
ESTADO DE NECESSIDADE
De acordo com o art. 24 do CP, "considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato
para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito
próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se".
Pressupõe a existência de dois requisitos:
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ANTIJURIDICIDADE
1º) situação de perigo: exige que o perigo seja atual ou iminente (pode decorrer de situação
provocada por pessoas, coisas ou animais), que ameace direito próprio ou alheio, que não
tenha sido causado voluntariamente (abrange o dolo e a culpa) pelo agente e que inexista o
dever legar de afastar o perigo (exemplo: um policial ou um bombeiro não podem deixar de
socorrer uma pessoa em perigo, salvo se a situação de perigo extrapolar os limites legais ou
sociais do exercício da profissão);
2º) conduta lesiva: exige a demonstração da inevitabilidade do comportamento (ou seja, não
existia outra forma de agir diante da situação), da inexigibilidade de sacrifício do interesse
ameaçado e do conhecimento da situação justificante pelo autor.
O Código Penal adotou, como regra, o estado de necessidade justificante pelo fato de
permitir o sacrifício de bem de menor valor para salvar outro de maior valor ou, pelo menos,
sacrificar um bem de igual valor ao sacrificado.
Quanto à pessoa que sofreu o sacrifício, o estado de necessidade pode ser agressivo ou
defensivo. O estado de necessidade agressivo ocorre quando o agente sacrifica bem jurídico
pertencente a um terceiro inocente para preservar bem jurídico próprio ou alheio (nessa
situação os prejuízos sofridos pelo terceiro deverão ser reparados pelo autor da agressão que,
por sua vez, poderá pleitear o ressarcimento ao causador da situação de perigo, que causou o
estado de necessidade, por meio da via regressiva). O estado de necessidade defensivo ocorre
quando o agente sacrifica bem jurídico pertencente ao causador da situação de perigo para
preservar bem jurídico próprio ou alheio (nesse caso, não haverá obrigação de reparar os
prejuízos sofridos ao causador da situação de perigo em virtude da ilicitude da sua conduta).
Entende-se por estado de necessidade putativo a situação em que o agente supõe, por
erro, se encontrar em situação de perigo. Tal equívoco pode configurar erro de tipo ou erro de
proibição. As conseqüências previstas para as descriminantes putativas por erro de tipo e para
as descriminantes putativas por erro de proibição são as mesmas previstas para o erro de tipo
e para o erro de proibição.
LEGÍTIMA DEFESA
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ANTIJURIDICIDADE
De acordo com o art. 25 do CP, "entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente
dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem". Assim,
diante de uma injusta agressão, não se exige o commodus discessus, ou seja, a simples e
cômoda fuga do local. Por isso, se uma pessoa empunha uma faca e vai em direção à outra, e
esta, para repelir a agressão, saca um revólver e mata o agressor, não comete crime, por estar
acobertado pela legítima defesa.
2º) injustiça da agressão: A injustiça da agressão exigida pelo texto legal está empregada no
sentido de agressão ilícita, pois, caso contrário, não haveria justificativa para a legítima defesa.
A ilicitude da agressão deve ser auferida de forma objetiva, independentemente de se
questionar se o agressor tinha ciência de seu caráter ilícito. Desse modo, cabe, por exemplo,
legítima defesa contra agressão de inimputável, seja ele louco, menor etc.
3º) atualidade e iminência da agressão: agressão atual é a que está ocorrendo; agressão
iminente é a que está prestes a ocorrer. A lei não admite legítima defesa contra agressão futura
(suposta).
legítima defesa na prática de um homicídio apenas porque alguém ofendeu o agente com
palavras de baixo calão. A legítima defesa de terceiro pode voltar-se inclusive contra o próprio
terceiro, como no caso em que se agride um suicida para evitar que ele se mate.
5º) utilização dos meios necessários: meios necessários são os meios menos lesivos, ou seja,
menos vulnerantes à disposição do agente no momento da agressão. Ex.: uma pessoa tem um
porrete e uma arma de fogo quando começa a ser agredida. Ora, se ela pode conter o agressor
com o porrete não deve utilizar a arma de fogo para tanto. Se o meio é desnecessário não há
que se cogitar em excesso, pois se descaracteriza de plano a legítima defesa. A jurisprudência,
entretanto, vem entendendo de modo diverso.
6º) moderação: encontrado o meio necessário para repelir a injusta agressão, o sujeito deve
agir com moderação, ou seja, não ir além do necessário para proteger o bem jurídico agredido.
7º) elemento subjetivo: tal como ocorre no estado de necessidade (e nas demais excludentes),
só poderá ser reconhecida a legítima defesa se ficar demonstrado que o agente tinha ciência
de que estava agindo acobertado por ela, ou seja, que estava ciente da presença de seus
requisitos.
1ª) no estado de necessidade, há um conflito entre bens jurídicos; na legítima defesa, ocorre
uma repulsa contra um ataque;
2ª) no estado de necessidade, o bem é exposto a risco; na legítima defesa, o bem sofre uma
agressão atual ou iminente;
3ª) no estado de necessidade, o perigo pode ser proveniente de conduta humana ou animal; na
legítima defesa, a agressão deve ser humana;
4ª) no estado de necessidade, a conduta pode atingir bem jurídico de terceiro inocente; na
legítima defesa, a conduta pode ser dirigida apenas contra agressor.
De acordo com o art. 23, lI, 1ª parte, do CP, "não há crime quando o agente pratica o fato em
estrito cumprimento do dever legal".
Aquele que cumpre regularmente um dever imposto pela lei não pode, obviamente, ser
punido por estar agindo dessa forma. A conduta realizada dentro desses limites é, portanto,
jurídica (e não antijurídica). Como exemplo, podemos citar o policial que cumpre mandado de
prisão, o oficial de justiça que executa mandado de despejo etc.
É importante destacar que não se admite cumprimento de dever legar nos crimes
culposos, pois a lei não obriga ninguém a não ser imprudente, negligente ou imperito.
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ANTIJURIDICIDADE
O dever legal decorre de lei, decreto, regulamento ou qualquer ato administrativo, desde
que de caráter geral. Não se admite a invocação dessa excludente na hipótese de dever social,
moral, religioso ou contratual. Se o agente acredita na existência de um dever legal que, na
verdade, não existe, haverá o estrito cumprimento do dever legal putativo, que conduz a um
erro proibição.
O adjetivo estrito, além de limitar a incidência, exclui da justificativa todos os atos que
não se ajustarem perfeitamente ao comando normativo, como aqueles que se excederem,
atingindo as raias do abuso. O agente também deve ter pleno conhecimento de que a sua
conduta está amparada por essa excludente.
O art. 23, lI, 2ª parte, do CP estabelece que "não há crime quando o agente pratica o fato no
exercício regular de direito".
Essa causa de exclusão da antijuridicidade deriva de um princípio lógico, pois a lei não
poderia punir uma pessoa que exercitou regularmente um direito reconhecido pelo próprio
ordenamento jurídico. O exercício do poder familiar se amolda ao exercício regular de um
direito.
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ANTIJURIDICIDADE
EXCESSO PUNÍVEL
CONSENTIMENTO DO OFENDIDO
Conforme já estudado, mesmo que um fato seja típico, não haverá crime se estiver
presente alguma das excludentes de antijuridicidade previstas na lei: legítima defesa, estado
de necessidade, estrito cumprimento do dever legal, exercício regular de direito e outras
previstas na Parte Especial do Código Penal. Descriminantes, portanto, são essas causas que
excluem a ilicitude da conduta. Para o reconhecimento de cada uma dessas excludentes, a lei
exige a coexistência de certos requisitos. Quando todos os requisitos estiverem presentes,
poderá dizer-se que o agente atuou sob legítima defesa real, estado de necessidade real etc.
Acontece que é possível que o sujeito em face das circunstâncias, suponha estarem presentes
tais requisitos, quando, em verdade, não estão. A essa situação dá-se o nome de legítima
defesa putativa, estado de necessidade putativo etc. A palavra "putativa" é sinônima de algo
imaginário, suposto. Por isso descriminante putativa é a excludente de antijuridicidade
imaginária.
Quais suas conseqüências? Segundo Damásio, devem ser seguidas algumas regras, de
acordo com a espécie de equívoco do agente. Assim, o erro, que leva a situação imaginária,
pode ser:
a) referente aos pressupostos de fato da causa excludente de ilicitude. Nesse caso, a doutrina
chama a hipótese de descriminante putativa por erro de tipo (permissivo). Não se deve
confundir essa nomenclatura com a do próprio erro de tipo já estudado. Com efeito, existem
normas penais incriminadoras (tipos penais) e normas penais permissivas (excludentes de
ilicitude). Todas elas possuem requisitos (elementos componentes) que devem estar presentes
no caso concreto para seu aperfeiçoamento. Assim, o art. 155 do Código Penal, que é uma
norma penal incriminadora, descreve o delito de furto com os seguintes elementos: 1)
subtração (conduta); 2) coisa alheia móvel (objeto material); 3) para si ou para outrem (ânimo
de assenhoreamento definitivo - elemento subjetivo). Assim, quando o agente se apodera de
um objeto alheio, pensando que o objeto é seu, há erro de tipo (erro quanto a um dos
elementos necessários para a existência do delito) e, assim, não há crime por falta de dolo. Da
mesma forma, mas com um raciocínio inverso, temos que a legítima defesa (art. 25) possui os
seguintes requisitos: 1) intenção de repelir injusta agressão, atual ou iminente; 2) utilização dos
meios necessários; 3) utilização dos meios moderados. Ora, é possível que, no caso concreto,
o agente suponha estar sendo vítima de injusta agressão (equívoco quanto a um dos
elementos componentes da excludente; erro quanto a elemento do tipo permissivo) e, por isso,
venha a matar alguém. Ex.: um filho que estuda e mora em outra cidade volta para a casa dos
pais de madrugada sem avisar. Abre a porta com sua chave. O pai ouve o barulho e supõe ser
um assaltante, vindo a desferir um disparo de arma de fogo, que provoca a morte do filho. O
pai imaginou estar havendo uma injusta agressão ao seu patrimônio, mas o fez, por estar em
erro (supondo algo que não ocorria).
O art. 20, § 1º, do Código Penal soluciona a questão estabelecendo que, se o erro foi
plenamente justificado pelas circunstâncias, fica o agente isento de pena (excluem-se,
portanto, o dolo e a culpa). Se, entretanto, o erro era evitável, o agente responderá por crime
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ANTIJURIDICIDADE
culposo. No exemplo acima, deverá o juiz analisar se o erro do pai, ao atirar no filho, era
evitável ou inevitável. Se concluir que o erro era inevitável, não será aplicada a pena. Se
evitável, o pai responderá por homicídio culposo.
b) referente aos limites da excludente de ilicitude, supondo o agente, em face disso, a licitude
do fato. Nesse caso, a doutrina diz haver descriminante putativa por erro de proibição. O
agente tem perfeita noção do que está ocorrendo (não há erro quanto à situação fática, como
no caso anterior), mas supõe que tal hipótese está abrangida pela excludente, quando, em
verdade, não está. Aqui devem ser seguidas as regras do erro de proibição (que serão
analisadas adiante) previstas no art. 21 do Código Penal, visto que o erro de proibição se
refere ao erro sobre a ilicitude do fato, que pode referir-se a erro quanto à ilicitude em relação a
uma norma penal incriminadora (erro de proibição propriamente dito) ou em relação a uma
norma penal permissiva (descriminante putativa por erro de proibição).
Não se confunda erro sobre a ilicitude do fato com erro em relação ao próprio fato. Neste
o agente se equivoca em relação ao que está acontecendo, enquanto naquele o agente sabe
perfeitamente o que está ocorrendo, mas se equivoca quanto a ser lícita ou ilícita a conduta.