03 - Memorial Poetico - de Paula Guimaraens
03 - Memorial Poetico - de Paula Guimaraens
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DE ALENQUER
Apresentação, pesquisa e notas por LUIZ ISMAELINO VALENTE
(II)
oscar de paula guimaraens
Médico, compositor, Médico no Brasil. Registrou, depois, a sua oratória, no
jornalista, músico, volume Discursos Acadêmicos (1912, edição esgotada).
novelista, orador e Em 1915, lançou seu livro de versos – Poemas Simples
poeta, Oscar de Pau- (edição igualmente esgotada). Deixou inéditos vários
la Guimaraens nas- trabalhos científicos sobre pediatria e freniatria, bem
ceu em Belém, em 30 como três livros de poesias, Nimbos e Folhas, Penumbra e
de julho de 1884, e Flor da Carne, além de Contos Crebos (impressões e
faleceu em Alen- fatos).
quer, em 23 de Ateu e materialista convicto (para quem a religião era
dezembro de 1929, “a invencionice maior do gênero humano para apascen-
com apenas 45 anos tar os incautos, os tímidos e os vencidos”), De Paula
de idade. Guimaraens, que, segundo o testemunho dos que o
Estudou as primei- conheceram, era dono de uma personalidade fascinan-
ras letras no colégio te, legou-nos um precioso resumo do seu vasto conhe-
Ateneu Paraense, do cimento científico e filosófico na obra Verdades que eu
afamado professor sinto, uma compilação de suas brilhantes “oposições,
Bertoldo Nunes, matriculando-se depois no Ginásio ideias e sínteses”, editada no Rio de Janeiro, em 1929,
Paes de Carvalho. Concluídos os estudos preparatórios, poucos meses antes do seu falecimento em Alenquer.
iniciou o curso médico na Faculdade de Medicina do Verdades que eu sinto, diz o próprio De Paula Guima-
Rio de Janeiro, mas logo depois transferiu-se para a raens no prefácio da obra, é “um livro sincero”. Nele,
Faculdade de Medicina da Bahia, onde se formou em continua o autor, “obedecendo a tudo que em nós é o
1910, apresentando, nessa ocasião, uma brilhante e ino- inatualmente, incaracterístico, impessoalizado, fugi ao
vadora tese de graduação, intitulada “Uma nova ideia bulício da minha própria sombra, e deixei nestas pági-
sobre a Vida e a Morte.” nas transparecer as verdades secretas, ábsonas, des-
Depois de diplomado, Oscar de Paula Guimaraens, toantes talvez, mas para mim muito consoladoras.”
oriundo de família de classe média alta de Belém, exer- De forma realmente magistral, De Paula Guimaraens
ceu, por algum tempo, as clínicas obstétrica e ginecoló- sintetizou em Verdades que eu sinto toda a sua filosofia
gica na Santa Casa de Misericórdia do Pará, foi inspetor de vida, que hoje talvez pareça rascante aos ouvidos
sanitário do Município de Belém e diretor do Serviço mais sensíveis aos dogmas religiosos ou menos afeitos
Sanitário do Estado do Paraná, mas logo preferiu exer- aos rigores do pensamento científico e filosófico.
cer a medicina na pequenina Alenquer, no Baixo Ama- No dístico de abertura da obra, já escrevia o autor:
zonas, onde seu irmão Edgard Guimaraens era o tabe- “– Nihil novum. Eu creio somente naquilo que, com os
lião do 1º Ofício, e onde acabou tendo o seu prematuro sentidos serenos, perscruto; mas, compensadoramente,
encontro com a morte, devido, conforme relatos dos respeito tudo quanto, por negligência, ignoro. A única
antigos, à reação de medicamentos à subseqüente novidade da vida, é criar blasfêmias, tolices e crenças.”
ingestão de bebida alcoólica a que era dado o poeta. Esse homem extremamente racional, que deu ao seu
Sobre Oscar de Paula Guimaraens, assim escreveu o último livro o subtítulo de “litania de um ímpio”, foi,
historiador Carlos Rocque: paradoxalmente, além de poeta inspirado, compositor
“– Homem culto e dotado de ampla formação intelec- refinado.
tual, exerceu o jornalismo, foi compositor e, além de Dentre outras valiosas peças musicais, De Paula Gui-
piano, tocava violino e violoncelo. Como intelectual, foi maraens legou-nos a valsa “Helênica”. Em 1984, quan-
sobretudo poeta.” do eu ainda morava em Santarém e se contavam os cem
De Paula Guimaraens (como se assinava o notável anos do nascimento de Oscar de Paula Guimaraens, o
médico e escritor) tinha o dom da oratória. Ainda aca- poeta Antônio Aldo Arrais presenteou-me com uma
dêmico de medicina, foi o orador oficial da sessão mag- cópia da partitura de “Helênica”. Como nunca fui
na da Faculdade de Medicina da Bahia, em 9 de outu- músico, repassei a oferenda ao compositor santareno
bro de 1909, comemorativa do 1º Centenário do Ensino Wilson Fonseca, o maestro Isoca, de cuja amizade tive a
Memorial Poético Oscar de Paula Guimaraens Luiz Ismaelino Valente
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Memorial Poético Oscar de Paula Guimaraens Luiz Ismaelino Valente
Nessa Mulher que eu fiz a molde de um poema “COGITO... E existo. E penso. E sofro. E prossigo de
na Vida celebrado; casalejo em casalejo, de granja em granja, de casamata
linhas serpiginando pelos flancos, em casamata, encontrando em cada tropeço um amigo
linhas curvas, sutis, emoldurando a forma inconfundível, pois que, dele, e tão somente dele, rece-
dos seios pulcros, latescentes, brancos... bo a experiência e o aviso, a fé que alenta e a consciên-
A mais brilhante das Apoteoses cia que salva. O mundo é de maus: sejamos deles. Mas
no teatro da Carne e da Volúpia, não façamos coro. É preferível gozar o isolamento do
e em cujo claro corpo eu deixo as Equimoses verme, do que sentir, triunfantemente, mas, a si mesmo
do meu beijo de louco e torturado. enganando, toda a grandeza em farrapos da vaidade
humana.” (pág. 4)
....................
Ao som da orquestra, da música bizarra
do meu instinto tropical e moço “E uma única ventura conforta-me para viver: é sentir
que esvoaça e se espalma, bem junto à minha ingênita vaidade, a vertigem dessa
pageando a pletórica fanfarra emoção que se consubstancializa em frêmito, em ânsia,
de minha alma. em desespero, em tormento, em bálsamo e castigo – a
mudez supre-essência de um corpo de mulher.” (pág.
5/6)
Tu – Forma rebelde e rústica, ....................
de largueado triunfal de acústica
do sonho: “O homem só é feliz por seus destinos: porque a felici-
no Agnostério de uma vida, elevo-te, dade é a completa realização dos impulsos superiores
pelo céu escampado em que me ascendo do instinto por este refreado, ampliado, transmutado
mirra queimando pálido e tristonho, nos limites das suas aspirações, desejos ou antecipa-
e isto só porque me foges nas estâncias ções. Para ser feliz, basta cada um realizar, isolado dos
da Vertigem, da Mágoa, das Distâncias! seres e convencionalismos, a medida de sua concepção,
Quero-te enfim sublimizada e forte, do seu alcance. Só isto é felicidade; só assim somos,
nas Contorções tentálicas da vida – verdadeiramente, felizes.” (pág. 12)
nas Convulsões agônicas da Morte.“ ....................
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“A arte vive dentro da natureza, tem-se dito e escrito “O maior e mais belo espetáculo da vida, em todas as
algures. Não aceito, no entretanto, essa afirmativa. A grandezas, é a saúde integral do corpo e do espírito a
arte não pode viver dentro da natureza porque a natu- noivar em delíquios ou delírios com as manhãs limpís-
reza outra coisa não é senão a própria arte que se inter- simas de sol e de aroma de quem recebe o primeiro
preta. Na sua amoralidade viverá em si mesma, no beijo e a saudação primeira.” (pág. 85).
silêncio de sua sombra, de onde o espraiamento das
perspectivas: o belo e o feio. E é atingindo estes dois .....................
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Memorial Poético Oscar de Paula Guimaraens Luiz Ismaelino Valente
“Ó Deus! Dado que todas as angústias e martírios de acotovela, despedaça, esmaga, tritura, queima, incinera:
que são passíveis materialmente os homens, pudessem- é a vida; é o sonho; é o amor; é a luta; é a conquista; é a
mo tornar um crente; dado que todas as amarguras e glória; é a redenção. Não olhes para traz, caminhante!
infortúnios, quebrantamentos e mágoas, afinal, todas as Olha para dentro de ti mesmo, e escuta a polifonia
dificuldades extremas de vencer da vida fossem, no sempre sábia e conselheira dos teus instintos: só isto é
mundo, as mais fortes e poderosas razões para uma redenção e bálsamo e castigo.” (pág. 91).
certeza fundamentalmente radicada de que existes, por “E um homem tem alma? Que é a alma? Será a corpori-
implorar-te, invocando-te; se finalmente, a consumpção zação de uma essência, ou será a fluidificação de uma
lenta, tarda e rumorosa de um organismo que se arrasta pedra?” (pág. 113)
em luta desigual contra os empeços e óbices de ordem ..................
física e moral, conseguisse, mesmo pelos caminhos
abandonados, conduzir a criatura a um grau máximo “O amor não só conjura delírios da natureza, como já
de idealismo, acreditando-te; nem mesmo assim eu, que se o escreveu, mas também como fonte inspiradora de
tanto tenho sofrido e muito mais tenho por sofrer ainda, todos os atos e paixões humanas, evita e corrige, de
ao certo, nem mesmo assim, repito-o, vejo-te uma certo modo, alucinações e desfalecimentos no burburi-
necessidade e posso acreditar-te! nho da luta. O amor, é o único freio moderador das
E sabes por quê? Porque um Deus que existisse, e impulsões do instinto, sendo, ao mesmo tempo, como é,
vivesse, e sentisse, e amasse, e mesmo sendo Deus bálsamo e castigo, culpa e redenção, tormento e felici-
sofresse, absolutamente, nunca esse Deus consentiria dade! Eu repito sempre com Octave Mirbeau: „posso
que fosse tão grande e fecunda, tão infinitamente imen- sacrificar tudo no mundo, exceto o amor‟. Somente aos
surável – a tortura humana, no ideal, no sonho, na cren- teus pés ajoelho, bonzo ou demônio!” (pág. 147).
ça, na vida ingloriosa!” (pág. 89).
....................
..................
“A vida é isto mesmo, sabe-o toda gente; mas, nem
“Vai, viandante. E não te percas na estrada, que o todos têm a coragem e a dignidade bastante para dizê-
caminho é agro e tortuoso. Vai, abnóxio, caminheiro lo ou afirmá-lo: um julgamento a mais, uma imprecação
fabro, argonauta da fé em busca do teu delírio. Mas, a menos, importam bem pouco ou nada no acervo da
não volvas o olhar sonambulizado para o longe que minha intimidade, ou melhor, da minha razão, que é o
percorreste, já. Corres perigo. Ouve a voz lendária. Se meu único julgador, a minha única sociedade, e a
queres chegar avança e avança sempre; pisa, cutila, minha vida única. ITA EST.” (pág. 178).
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
AZEVEDO, J. Eustáquio de. Literatura Paraense, 2ª edição aumentada. Belém: Oficinas Gráficas do Instituto Lauro
Sodré, 1943.